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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Marcus Vinícius dos Santos Andrade
Superfície
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
Marcus Vinícius dos Santos Andrade
Superfície
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL
Tese apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Direito Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Prof. Doutor José Manuel de
Arruda Alvim Neto.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
RESUMO
A motivação, deste trabalho, se inspirou em instituto, agora, renovado no
ordenamento civil brasileiro: o direito de superfície. O objetivo era o de estudá-lo em
todas suas implicações, pesquisando sua estrutura, buscando apreender seu
significado. Essa reflexão tinha e tem justificativa no valor social e econômico que
projeta, a exigir tratamento jurídico adequado. Considerando-se que compreende o
que se eleva do solo, como edificações e plantações, de convir sua importância para
consecução de políticas sociais, na cidade e no campo. Para tanto, priorizou-se
metodologia, por primeiro, baseada na gênese do instituto, informada por sua
história, até que cristalizado na legislação brasileira. Em segundo, a investigação
dirigiu-se às alternâncias conceituais da propriedade, considerada desde o
individualismo unitário até o desdobramento em domínios autônomos: do solo e da
superfície. Para a consecução desses objetivos, de início pesquisou-se a superfície
como coisa (capítulo 1 – Fenomenologia) e, depois, suas vicissitudes históricas até a
atualidade e com repercussão no Brasil, da Colônia até os últimos diplomas
legislativos (capítulos 2 e 3, respectivamente – Histórico e evolução do pensamento
jurídico e a superfície em Portugal e no Brasil: na Colônia, no Império e nos
primeiros anos da República, até 1916). Em seguida, passou-se ao estudo de vários
textos legislativos (capítulo 4: Elementos legislativos de comparação e capítulo 5:
Legislação sobre direito de superfície no Brasil). Na seqüência, a perquirição
centralizou-se no direito positivo brasileiro, situando a superfície entre os direitos
reais, com a análise de seus elementos, objeto, estrutura, modos de constituição,
conteúdo da concessão, alienação e extinção, terminando pela tutela judicial
(capítulos 6 a 13). Por derradeiro, foi examinada a aplicabilidade técnica do instituto
nas legislações sobre direito urbanístico e sobre direito agrário (capítulos 14, 15 e
16, respectivamente, superfície urbana, superfície rural e função social da
propriedade e do direito real da superfície).
Palavras-chave: Superfície. Direito real de superfície. Propriedade. Solo. Acessão.
Construção. Plantação. Concessão. Superfície urbana. Superfície rural. Função
social da propriedade.
ABSTRACT
The reason for this work arose at institute now renewed in the Brazilian civil order:
surface right. The objective was studying it in all the implication. Researching its
structure and understanding its meaning. This study had and has justification in
social and economical values demanding adequate juridical laws. Considering that
everything which goes over the land as plantations and buildings characterize
tenancy and building lease its importance has to be recognized to implement social
policy, in the city or in the country. Firstly, the methodology used was based on the
genesis institute from its history until now turning into a Brazilian law. Secondly,
researching the changes of the meanings of property considered since the unitary
individualism up to the transformation of autonomous dominium of the earth and
tenancy and building lease. To achieve the points the tenancy and building lease was
studied as a thing (chapter 1 –phenomenology); historic unpredictable changes up to
now in Brazil, since Brazil´s colonization (chapters 2 and 3 – about the evolution of
the judicial thoughts in Portugal and Brazil until 1916) following came the studies of
many and different laws (chapter 4 – comparing laws and chapter 5 – surface laws in
Brazil) the research was on top of the Branzilian law putting the tenancy and the
building lease among the right in rem analyzing the elements, objects, structure,
documents, the content of permission, alienate and extinction ending with law
protection (chapter 6 and 13). Finally the way of using the institute in urban and
agricultural laws (chapter 14- urban tenancy, 15- rural tenancy and 16 – property
social function).
Keywords: Surface. Right in rem. Surface right in rem. Property. Land. Accession.
Building. Plantation. Permission. Urban surface. Rural surface. Property social
function.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................11
PARTE I - FENOMENOLOGIA.............................................................................15
2 COISA IMÓVEL: DESMEMBRAMENTO FÍSICO E JURÍDICO ...........................15
2.1 COISA E SEU SIGNIFICADO; IMÓVEL E PROPRIEDADE; A
DISSOCIAÇÃO DA PROPRIEDADE; ABSTRAÇÃO E MATERIALIDADE....15
2.2 A EXTRAÇÃO DE VALORES DIFERENTES EM DIVERSOS PLANOS DE
UM IMÓVEL; ARTIGO 1.229, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .........................21
2.3 A UTILIZAÇÃO AUTÔNOMA DO SOLO, DO SUBSOLO, DA
SUPERFÍCIE, DO ESPAÇO AÉREO ............................................................23
PARTE II - DESENVOLVIMENTO...........................................................................27
3 SUPERFÍCIE: HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO........27
3.1 DIREITO ROMANO ........................................................................................27
3.2 DIREITO GERMÂNICO ..................................................................................34
3.3 ALTA E BAIXA IDADE MÉDIA; SISTEMA FEUDAL DE PROPRIEDADE......36
3.4 DO PERÍODO MEDIEVAL AO CONTEMPORÂNEO .....................................41
4 A SUPERFÍCIE EM PORTUGAL E NO BRASIL: NA COLÔNIA, NO
IMPÉRIO E NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA ATÉ 1916.........................43
4.1 DIREITO DE SUPERFÍCIE EM PORTUGAL..................................................43
4.2 A VIGÊNCIA NO BRASIL COLÔNIA E APÓS A INDEPENDÊNCIA: A
PROIBIÇÃO DO INSTITUTO ........................................................................45
4.3 A RESTAURAÇÃO BLOQUEADA..................................................................47
4.4 O ANTEPROJETO ELABORADO POR ORLANDO GOMES.........................48
4.5 O ANTEPROJETO DO CÓDIGO CIVIL..........................................................49
4.6 A CONSTRUÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE ............................................50
PARTE III - DOS ORDENAMENTOS ......................................................................53
5 ELEMENTOS LEGISLATIVOS DE COMPARAÇÃO ...........................................53
5.1 DISCIPLINA LEGAL ESTRANGEIRA.............................................................54
5.1.1 Direito francês ........................................................................................54
5.1.2 Direito alemão ........................................................................................56
5.1.3 Direito português ...................................................................................57
5.1.4 Direito italiano ........................................................................................60
5.1.5 Direito austríaco.....................................................................................62
5.1.6 Direito civil de Quebec, Canadá............................................................63
5.1.7 Direito belga ...........................................................................................65
5.1.8 Direito espanhol .....................................................................................66
5.1.9 Direito suíço ...........................................................................................71
5.1.10 Direito argentino...................................................................................72
5.1.11 Common law.........................................................................................73
5.2 APRECIAÇÃO DAS DIFERENTES LEGISLAÇÕES SOBRE DIREITO DE
SUPERFÍCIE .................................................................................................79
6 DIREITO DE SUPERFÍCIE NO BRASIL..............................................................83
6.1 O DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE NA LEI 10.257, DE 2001.......................83
6.2 O CÓDIGO CIVIL DE 2002.............................................................................84
6.3 CONFRONTO NORMATIVO..........................................................................85
6.4 DIVERGÊNCIAS LEGISLATIVAS ..................................................................88
PARTE IV - DIREITO POSITIVO BRASILEIRO ......................................................91
7 SUPERFÍCIE: DIREITOS REAIS, PLENOS E LIMITADOS .................................91
7.1 DIREITOS REAIS ...........................................................................................91
7.2 PROPRIEDADE: UNITARIEDADE E DESMEMBRAMENTO NO DIREITO
BRASILEIRO .................................................................................................94
7.3 DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA....................................................97
7.3.1 Servidão ..................................................................................................97
7.3.2 Usufruto de imóveis...............................................................................98
7.3.3 Uso e habitação......................................................................................98
7.3.4 Direito do promitente comprador (artigo 1.417/1.418) ........................99
7.3.5 Enfiteuse ...............................................................................................101
7.3.6 Concessão de uso especial para fins de moradia.............................102
7.3.7 Concessão de direito real de uso .......................................................107
7.4 DIREITOS REAIS DE GARANTIA................................................................110
7.4.1 Hipoteca ................................................................................................110
7.4.1.1 A hipoteca da propriedade superficiária ..........................................113
7.4.2 Anticrese...............................................................................................116
7.4.2.1 A superfície na anticrese .................................................................117
7.4.3 Alienação fiduciária de imóvel............................................................118
7.4.4 Penhor rural..........................................................................................120
8 OBJETO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE ...........................................................123
8.1 CONSTRUÇÃO E PLANTAÇÃO ..................................................................123
8.1.1 Construção ...........................................................................................123
8.1.2 Plantação ..............................................................................................126
8.2 CONSTRUIR (PLANTAR) OU MANTER O QUE ESTÁ FEITO....................129
8.3 CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO; CONSTRUÇÃO E PLANTAÇÃO..........132
8.4 SOLO E SUBSOLO ......................................................................................132
9 ESTRUTURA DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE .........................................137
9.1 CONFRONTO COM OS DEMAIS DIREITOS REAIS...................................137
9.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA..........................................................139
10 MODOS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE..............145
10.1 CONCESSÃO DE USO PARA CONSTRUIR OU PLANTAR: ....................145
10.2 CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO: CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE
SUPERFÍCIE POR CISÃO ..........................................................................147
10.3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA.................................................................149
10.4 REGISTRO E AVERBAÇÃO DO TÍTULO .................................................152
10.5 USUCAPIÃO ..............................................................................................153
10.6 RELAÇÕES OBRIGACIONAIS NÃO CONSTITUTIVAS DO DIREITO
REAL DE SUPERFÍCIE...............................................................................157
10.6.1 Locação e comodato..........................................................................157
10.6.1.1 Locação .........................................................................................158
10.6.1.2 Comodato ......................................................................................159
10.6.2 Arrendamento rural............................................................................159
10.6.3 Parceria agrícola ................................................................................160
11 CONTRATO DE CONCESSÃO........................................................................163
11.1 CONTEÚDO DO CONTRATO DE CONCESSÃO ......................................163
11.2 SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL .....................................167
11.2.1 O proprietário do solo e o superficiário ...........................................167
11.2.2 O superficiário e a coisa objeto da superfície .................................169
11.3 O TEMPO CONTRATUAL..........................................................................170
11.4 CONTRATO GRATUITO E ONEROSO......................................................172
11.5 ENCARGOS OU TRIBUTOS......................................................................174
11.6 CLÁUSULAS CONTRATUAIS: APLICAÇÃO COGENTE E DISPOSITIVA 175
12 CIRCULAÇÃO DAS PROPRIEDADES: SUPERFICIÁRIA E DO SOLO .........179
12.1 COMPRA E VENDA ...................................................................................179
12.2 OUTRAS FORMAS DE TRANSMISSÃO DO DIREITO REAL DE
SUPERFÍCIE E RESPECTIVOS CONTEÚDOS .........................................180
12.3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E LEGÍTIMA............................................181
12.4 A PREEMPÇÃO OU PREFERÊNCIA.........................................................182
13 EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE...........................................185
13.1 CAUSAS INTERNAS..................................................................................186
13.1.1 Termo contratual................................................................................186
13.1.2 Destinação diversa daquela prevista no contrato...........................187
13.1.3 Descumprimento das obrigações avençadas..................................188
13.2 CAUSAS EXTERNAS:................................................................................189
13.2.1 Desapropriação ..................................................................................189
13.2.2 Outras causas.....................................................................................190
13.2.2.1 Renúncia .......................................................................................191
13.2.2.2 Confusão .......................................................................................191
13.2.2.3 Distrato ..........................................................................................192
13.2.2.4 Perecimento do solo ou do objeto do direito real de superfície .....192
13.2.2.5 Decadência e prescrição ...............................................................193
13.3 RECEPÇÃO, RECUPERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO ...................................195
14 TUTELA DA SUPERFÍCIE................................................................................199
14.1 AÇÃO REIVINDICATÓRIA .........................................................................200
14.2 OUTRAS AÇÕES REAIS (DIREITO DE VIZINHANÇA E ENTRE
PROPRIEDADES CONTÍGUAS): CONFESSÓRIA; NEGATÓRIA;
DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS; NUNCIAÇÃO DE OBRA
NOVA; AÇÃO DE DANO INFECTO. ...........................................................201
14.3 POSSESSÓRIAS: MANUTENÇÃO, REINTEGRAÇÃO E INTERDITO
PROIBITÓRIO .............................................................................................203
14.4 AÇÕES REGISTRÁRIAS: INVALIDADE E CANCELAMENTO DO
REGISTRO; RETIFICAÇÃO DE ÁREA .......................................................203
14.5 OUTRAS AÇÕES .......................................................................................204
14.5.1 Imissão na posse ...............................................................................204
14.5.2 Usucapião ...........................................................................................205
14.5.3 Embargos de terceiro ........................................................................205
14.5.4 Ação declaratória ...............................................................................206
14.5.5 Mandado de segurança .....................................................................206
14.6 PROCESSO E MEDIDAS CAUTELARES; ANTECIPAÇÃO DA TUTELA..207
14.7 A TUTELA DO SOLO .................................................................................207
14.8 PROCEDIMENTOS ....................................................................................208
PARTE V – TÉCNICA E FUNÇÃO ........................................................................209
15 A SUPERFÍCIE URBANA.................................................................................209
16 A SUPERFÍCIE RURAL....................................................................................223
17 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO REAL DE
SUPERFÍCIE..........................................................................................................229
18 CONCLUSÃO ...................................................................................................237
REFERÊNCIAS......................................................................................................245
11
1 INTRODUÇÃO
A inquietação primeira neste estudo da superfície estava densamente
impregnada da tarefa de descobrir a essência deste direito real novo – assim, com a
devida venia se considera, porque não contemplado no Código Civil de 1916 – e
que, recentemente, passou a fazer parte do elenco do artigo 1.225, do Código Civil
de 2002. Qual sua origem, suas vicissitudes históricas, seu conteúdo, seu objeto, as
classificações, como muda de mãos, como nasce e como morre? Sobretudo, para
que serve? Qual a utilidade desse fenômeno, alçado à categoria jurídica na
legislação civil positivada? E veja-se que, sujeito a longuíssima hibernação, eis que
surge, também após alguns anos de gestação, simultaneamente, pode-se dizer, pela
diferença pouco inexpressiva de tempo, em dois diplomas: o Código Civil, cujo
anteprojeto teve impulsionamento anterior, mas foi sancionado depois, e o Estatuto
da Cidade, cujo procedimento legislativo começou mais tarde, mas veio à luz como
norma posta, um ano e meio antes. O acionamento desses mecanismos de
desvelamento do fato, que a experiência, provinda da observação, mostrava
incontrastável e, em um segundo momento, a aposição de uma vestimenta jurídica,
com certos moldes discrepantes, em um e outro, atende a uma real necessidade
social, política, econômica, ou brotou, tão-apenas, da elucubração jurídica
proveniente de outras legislações, as quais premidas por circunstâncias históricas
graves e mesmo por tradições arraigadas, geneticamente plasmadas em antigos
costumes, incluíram o direito de superfície, como um direito real autônomo, dentre
seus institutos? A imposição vertical, de cima para baixo, encontrará na sociedade a
recepção necessária e favorável, como mais um instrumento hábil à solução de suas
carências, confrontos, frustrações e anseios? A superfície, agora com a face jurídica
12
exposta na lei, será legitimada por uma aplicação efetiva, com a exploração de toda
sua flexibilidade operacional para retirar da coisa imóvel, em seu setor mais
aparente e sensível, a utilidade esperada como fator de fomento imobiliário nas
cidades e de acesso eficiente à terra no campo? Servirá, em suma, como veículo
para possibilitar, pelo empreendimento e pelo trabalho, pela visão política dos
governantes e daqueles que detêm o poder econômico, uma face mais humana,
democrática e digna à propriedade, conduzindo-a à função social, a que deve,
intrinsecamente, ser destinada por imposição constitucional e infra?
Todos esses questionamentos – e muitos outros caberiam ser suscitados –
inspiraram este estudo e foram, em perspectiva estratégica, posicionados
metodologicamente na busca do devido conhecimento do fenômeno em sua
conformação física, na apreensão empírica do objeto exterior e em sua estrutura
jurídico-legislativa, no retorno ao ordenamento.
Assim, a opção direcionou-se a um procedimento, que, por primeiro,
colocasse a superfície no universo das coisas e das coisas imóveis, mas adentrando
às significações e metas que lhe foram conferidas no direito positivado. Foi
priorizada na seqüência, a gênese valorativa de sua utilização no direito romano,
quando absoluta a propriedade, caracterizada pela acessão - superfícies solo cedit -
atravessando a ocupação da Europa Ocidental pelos povos germânicos, o sistema
fundiário da Idade Média, alta e baixa, cristalizado no benefício/feudo e a doutrina
dos glosadores, estabelecendo a divisão do domínio, direto e útil, situação que
perdurou, apesar dos percalços, até o marco da revolução francesa de 1789. Em
1804, o Código Civil francês (Código de Napoleão) reinstaurou o preceito romano da
propriedade plena, absoluta, individualizada, livrando-a dos gravames, que, em
sucessão, a oneraram. Porém, logo em seguida, até mesmo nos primórdios e depois
13
no curso do século XIX e no século XX, a superfície voltou a ser reconhecida, agora
com a qualidade de direito real autônomo, ingressando em, praticamente, todos os
Códigos Europeus.
A perquirição subseqüente direcionou-se à incidência no Brasil, colônia e
independente, previamente, conduzindo à investigação no direito português, antes e
após a descoberta, em 1500. Extinta por lei de setembro de 1864 (nº 1237) que não
a incluiu entre os direitos reais, recebeu repúdio nos projetos do Código Civil de
1916, só retornando presentemente, não lhe bastando um, mas dois diplomas para
sufragá-la.
A orientação, ainda, fixou-se no direito positivado, na Europa, em países
sulamericanos e no Brasil, delineadas as divergências e convergências. Foram,
outrossim, detalhados os conteúdos específicos da legislação brasileira, mormente
no enfoque comparativo com outros direitos reais, limitados e de garantia. A
superfície mereceu análise desde sua constituição até os fatos determinantes de sua
extinção. Também, não se descurou de um capítulo sobre a tutela processual.
Por derradeiro, a reflexão centrou-se no aspecto técnico da aplicação do
direito no território urbano e nos espaços agrários, tudo enfeixado na função social,
que dele pode emanar e, ainda, como implementá-la em sua finalidade comunitária.
Estas as pontuações nucleares, ao que foi possível apreender.
Evidentemente, que de muito não se cuidou, porque extenso o tema, em largura e
profundidade, bem como variado e com mutações freqüentes, dada a dinâmica
potencial que é própria ao seu perfil, instigando o pensamento jurídico a sempre
detalhá-lo, como se constata pela produção acadêmica a respeito.
14
Preciso é, contudo, assinalar um referencial importante. Da preocupação
inicial à superfície, como direito real, gerando uma propriedade autônoma, derivou
uma visão maior, de conjunto. A superfície – super facies – ou seja, o que acresce e
se incorpora ao chão, ilustra e retrata um conflito, o qual, ao que parece, o ser
humano jamais superará. Situa-se entre aqueles que têm o domínio do solo e os que
não o possuem. A estes últimos só resta o “fazer sobre” e buscar, com o volume
agregado, no patrimônio do senhor ou no seu próprio, um proveito econômico e
financeiro. O fundamental, por conseguinte, não está em saber se o edificado ou
semeado é de propriedade ou não daquele que assim age, mas que tenha a
oportunidade de sobre a terra exercitar seu anseio de agricultor e sobre o terreno
das cidades, ter um espaço decente para seu lar e, noutra ponta, manejar sua
habilidade à consecução de empreendimentos que, a par de lhe propiciar
compensações financeiras, sirvam aos interesses preponderantes do bem comum. A
este valor, que engloba os outros, essencial a participação do poder público em
todas suas esferas, valendo-se da superfície, dissociada do solo, como elemento de
política urbana e rural.
15
PARTE I - FENOMENOLOGIA
2 COISA IMÓVEL: DESMEMBRAMENTO FÍSICO E JURÍDICO
2.1 COISA E SEU SIGNIFICADO; IMÓVEL E PROPRIEDADE; A DISSOCIAÇÃO DA
PROPRIEDADE; ABSTRAÇÃO E MATERIALIDADE.
Coisa e seu significado. Em acepção primária, coisa é matéria e tem
amplitude genérica, compreendendo todos os objetos exteriores, móveis e imóveis.
Nessa ordem, deve ser encarada como um dado do conhecimento sensível,
podendo ter ou não mobilidade, do que deriva dicotomia consagrada pela
terminologia usual. Identifica-se com o bem, embora esta palavra possa ser inserida
em órbita maior, abarcando não só o corpo, como também algo destituído dele,
incorpóreo
1 e 2
, sempre excluída a pessoa humana
3
.
1
Segundo Nicola ABBAGNANO. Dicionário de filosofia. 4.ed., Martins Fontes: São Paulo, 2000, p.
149: “Tanto no discurso comum quando no filosófico, esse termo tem dois significados
fundamentais: 1º genérico, designando qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou físico,
etc., de que, de um modo qualquer, se possa tratar; 2º específico, denotando os objetos naturais
enquanto tais”. Nesta segunda acepção a coisa “é objeto natural também chamado de ‘corpo’ ou
substância corpórea’”.
2
De acordo com José Manoel ARRUDA ALVIM, In Dicionário de filosofia do direito. Vicente de Paulo
Barreto (coord.). São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 132: “Significava, em
latim, origem, motivo, razão, com sentido similar ou idêntico ao que essa palavra tem em português.
Na tradição greco-romana coisa significava tanto os objetos materiais como aquilo que podia ser
idealizado (significação ampla). Parece que o significado fundamental de coisa, no Direito brasileiro
(em grande parte assumido do sentido central à palavra atribuído pelo Direito romano) é o do
sentido romano da palavra res, rei. Evoluiu-se para excluir do âmbito do significado coisa como
compreensivo também de pessoa. Em alemão uma idéia mais antiga de Coisa (Sache) liga-se ou
conecta-se ao sentido de origem (Ursache), que parece ter sido o sentido originário em latim e que
continuou com esse sentido em português” – E mais adiante: “Num sentido jurídico amplo (ou, num
plano de abstração), é coisa toda realidade que apresenta utilidade para o homem, inclusive os
bens imateriais. Nesta acepção ampla o significado se confunde com o de bem/bens. Pode-se dizer
que o significado predominante no Direito brasileiro é o de que as coisas são objetos corpóreos,
existem no mundo físico ocupando espaço e se apresentam formando um corpo, donde hão de ser
tangíveis pelo homem e devem ter consistência e, que não sejam pessoas (é este o significado
assumido pelos Códigos Civis alemão, § 90; japonês, § 85 e pelo grego, artigo 947, 1ª alínea)”.
3
Eduardo dos SANTOS. Direitos reais de ontem e de hoje: direito romano: sua introdução em
portugal e seus direitos reais. Lisboa: DisLivro, 2006, v.1, p. 93/94.
16
Interessa, a este estudo, a coisa corpórea, sem movimento, sem possibilidade
de ser transportada, salvo raras exceções. Em razão de sua fixação, tudo que a ela
se agrega, pela força da natureza, ou pela atuação humana, assume a mesma
imobilidade. Vista como uma unidade, a coisa, e mais especificamente o bem
imóvel, apresenta-se como um todo. Na realidade, contudo, admite ser decomposta
em vários elementos que, até então, estavam amalgamados.
A classificação da coisa como imóvel ou móvel é um dado a ela exterior e
produto da cultura, afeita às classificações bilaterais. A observação conduz a mente
a, assim, apreender, distinguindo o que não se move, daquilo que se move. Nessa
abrangência, a coisa comporta diversas seletividades, na conformidade da ciência,
da qual objeto de reflexão. Para a jurídica, ela estará sujeita a divisões binárias, não
só como a já explicitada de móvel e imóvel como, também, é possível falar em
coisas principais e acessórias, fungíveis e infungíveis, divisíveis e indivisíveis,
consumíveis e não consumíveis, frutíferas e não frutíferas, singulares e coletivas. A
coisa, existindo em si
4
, de modo concreto, é o núcleo central daquilo que lhe dá
conformidade e que se denomina principal. Porém, há outras que se acrescem a
esse núcleo aumentando-lhe o volume ou o valor por força externa e outras que são
anexadas, lhe são circundantes e dependentes e que, sem ela, perdem significado e
utilidade. São, respectivamente, as coisas acessórias, acessões e benfeitorias .
Tem-se, desse modo, um bem imóvel e outros bens que a ele estão ligados
em estreita interação. Verifica-se, com perfeição, que as idéias de principal e
acessório resultam da observação e da inteligência humanas, em sua tarefa
4
Nicola ABBAGNANO, ob. cit., p. 151: “O que a coisa é, independentemente de sua relação com o
homem, para o qual é um objeto de conhecimento”.
17
classificatória, para o entendimento do mundo fático, imprimindo-lhe conceitos e
categorias.
Pode-se dizer que o solo, chão, terreno, terra nua, são fundamentalmente, a
visibilidade e a percepção primárias do imóvel. A fixidez, todavia, não significa que
não venha a sofrer mutações nessa estabilidade, que o redesenhem em suas
dimensões. Tais fenômenos exteriores integram-no, tornando-o diverso do que era
antes. A junção de outras porções de terra, em decorrência de formação natural,
nele se inserem, configurando um todo único. Não há possibilidade de separar, o
solo, do acrescido pelos movimentos geológicos ou pela força das águas, ou seja,
destacar os terrenos das porções advindas do aparecimento de ilhas, do aluvião, da
avulsão e do álveo abandonado. Enquanto que os acontecimentos físicos, a ele, se
incorporam, de modo natural, as atuações do homem provocam uma agregação
volumétrica, proveniente de seu labor. Acentue-se que, tanto os fenômenos naturais,
como os artificiais, acedem ao solo. Porém, enquanto o produto dos fenômenos da
natureza passa a constituir o próprio conteúdo da coisa, as construções e as
plantações, abstrata e materialmente, comportam ser, dele, destacadas.
Quando se cuida de incorporação manual, mecânica ou industrial, a
aderência permite a visualização de níveis: um, aquele correspondente ao solo e,
dois outros, o que está posto sobre e o que está colocado abaixo dele. A
incorporação vegetal, além da implantação pelo trabalho, ocorre, também sem a
atividade humana, organicamente, por formação natural espontânea, o que não
impede a apropriação. Mesmo, assim, não constitui um todo, intrínseco com o chão
em que brotou, podendo, dele, ser retirada, física e juridicamente. Isso permite a
desconsideração da accessio e o trato dessa vegetação – e ainda daquela a ser
semeada - como um elemento autônomo, por ser possível despregá-lo do solo.
18
Inegavelmente, o complexo da coisa imóvel, do ponto de vista físico, traz
esses elementos, do que é externo ou interno a ela, do que está acima, no espaço
aberto, ou embaixo, entranhado na terra. São dimensões diferentes de algo que
revela, à observação, uma unidade aparente e que, pela exteriorização, em um
primeiro exame, dessa maneira é apreendido.
Imóvel e propriedade. A classificação da coisa, em uma de suas facetas,
atende ao direito, como a outros ramos do conhecimento científico. Mas, a inclusão
do que é imóvel (coisa) no âmbito do jurídico, com conseqüente significado
normativo, forçosamente ocorre em uma projeção de utilidade. As coisas estão ao
alcance do ser humano para que este possa delas usar, gozar, fruir e dispor, na
medida do necessário. A mera contemplação ou o uso inadequado ou o não uso,
não se enquadram no reconhecimento jurídico de coisa e, no particular, de coisa
imóvel. Portanto, o direito, pronunciado pela lei, preocupa-se em discipliná-la,
conferindo-lhe um sentido de organicidade comunitária. Deverá prover a regência
sobre a utilização dos bens pelos seres humanos, que para esse fim, deles, se
apropriam. Daí as qualificações do que é posse e do que é propriedade e de outros
direitos sobre a res, os direitos chamados reais, sobre coisas alheias e de garantia.
O Código Civil de 2002, na disciplina genérica dos bens, estatui que são
imóveis, o solo e tudo quanto se lhe incorporar, natural ou artificialmente (artigo 79).
Nessa ótica, não só os acréscimos provenientes de ilha, aluvião, avulsão e álveo
abandonado, como, também, as construções e as plantações são imóveis e
integram o solo. É a determinante básica da acessão, vinculada a que o acessório
segue o principal. Ainda considera imóveis, para os efeitos legais, os direitos reais
que sobre eles recaem, bem como as ações que os asseguram e a sucessão aberta
(artigo 80). Realça, na seqüência, que não perdem o caráter imobiliário (a) as
19
edificações que, separadas do solo, mas conservando sua unidade, forem
removidas para outro local e (b) os materiais, provisoriamente, separados de um
prédio, para nele se reempregarem (artigo 81).
A concepção jurídica de coisa imóvel destina-se a seu amplo aproveitamento
econômico, com a extração das utilidades produzidas em virtude de sua exploração.
É inerente à condição humana a necessidade de possuir e usufruir dos bens. Esse
possuir e ter bens, deles usando, gozando, dispondo, é que fornece e molda a
concepção de propriedade. Aquele que tem a coisa, pelo significado da norma
jurídica específica, que lhe outorga o “status” de direito real, é o proprietário dela.
Recebendo-a, o faz em sua inteireza e, com a presunção de plenitude e
exclusividade, assenhoreando-se das incorporações advindas, dos frutos e mais
produtos que passam a pertencer-lhes, ainda quando separados (artigos 1.231 e
1.232, do Código Civil de 2002). Formatam-se as estruturas básicas do
ordenamento jurídico, posicionada a propriedade como algo absoluto, com força
atrativa e adesiva (acessão) a tudo que, nela, for posto, natural ou artificialmente.
A dissociação da propriedade. O Código Civil de 2002 estabelece o
fracionamento do imóvel ao estatuir que as edificações, embora fisicamente
separadas do solo, preservam o caráter de coisas imóveis, por conservarem a
unidade, quando transferidas para outro local. Tal assertiva fraciona o monólito
sobre o qual está assentado o direito de propriedade: a diretriz da acessoriedade,
possibilitando sua completude, com a união em um todo.
Não se pode desconhecer, porém, reiterando o que já foi pontuado, que,
apesar da aparência do todo, a coisa imóvel traz elementos que permitem o
desmembramento de seu conjunto. É possível a partição física do imóvel em solo,
20
subsolo e espaço aéreo, o que resulta do aprofundamento da percepção, não
necessariamente jurídica. E à separação da coisa imóvel, no direito, por ser uma
ciência empírica, também corresponde o desmembramento do valor que lhe é
próprio. É viável, assim, seccioná-la, ajustando-se o direito à criativa experiência
negocial dos seres humanos.
Paralelamente à divisão física do imóvel, está a dissociação do direito real de
propriedade sobre ele incidente, em vários outros direitos reais. O direito real de
propriedade se exerce entre seu titular e uma determinada coisa imóvel, com
oponibilidade erga omnes. E mesmo separada a propriedade permanece
organicamente íntegra com seus atributos específicos em cada qual dos elementos
resultantes.
Abstração e materialidade. A superposição dos elementos do bem imóvel
permite que sejam decompostos, em uma abstração jurídico-legal, com reflexo e
conseqüência na valoração material da coisa. Tal superposição repercute na
propriedade, resultando em várias possibilidades de domínio, individualmente
consideradas. Viável, ademais, que esses elementos sejam isolados, mas essa
viabilidade afigura-se excepcional, porque a regra geral é a da de atratividade em
favor daquele que detém o domínio, fundada na acessão, ou seja, tudo aquilo que
vier a acrescer ao imóvel e tudo aquilo que ele produzir ou for realizado para
conservá-lo, torná-lo útil ou embelezá-lo. A coesão pela acessão é que enfeixa e
assegura, como padrão geral do sistema, o caráter pleno e exclusivo à propriedade.
O fundamento da teoria da acessão está no princípio: “accessorium sequitur suum
principale”. Não é desconhecido, no contraposto, ostentando referência normativa, o
21
fenômeno da acessão invertida, que se configura quando a construção incorporada
possui valor maior que o do terreno (Código Civil, artigo 1.255, parágrafo único)
5
.
2.2 A EXTRAÇÃO DE VALORES DIFERENTES EM DIVERSOS PLANOS DE UM
IMÓVEL; ARTIGO 1.229, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Os direitos reais contidos em um imóvel, à evidência, não se restringem à
propriedade do solo (nele compreendidas as acessões naturais) e, mais
especificamente, das construções e das plantações sobre ele efetuadas. Abrangem,
igualmente, o espaço aéreo e o subsolo, na perspectiva de utilidade de exercício
prático do direito, em altura e profundidade. Anote-se que, quanto ao subsolo, o
Código Civil de 2002, expressamente, exclui da abrangência do dominus soli, as
jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os
monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais (artigo 1.230).
Ao proprietário do solo, primordialmente, se atribui, além dele, a propriedade
do subsolo, de sua superfície e do espaço aéreo, com as restrições estatuídas no
Código (artigo 1.229). Em todos esses planos há uma afetação jurídica,
correspondente ao desmembramento, com a possibilidade de propriedades
diferentes, por diferentes titulares. A concepção do domínio em níveis diversos,
gerando direitos reais de propriedade específicos, consagra a idéia de dissociação
da coisa imóvel.
5
Chantal Moll de Alba LACUVE, La edificación em suelo ajeno: la posible disociación jurídica de la
propriedad inmobiliaria. Barcelona: Grupo Difusión, 2004, p. 110-113; Carmen Pérez de Ontiveros
BAQUERO, El derecho de sobreedificación y subedificación, Madrid: Colegio de Registradores de
la Propiedad, Mercantiles y Bienes Muebles de Espana, 2003, p. 33-74.
22
Aquele que detém a propriedade plena, enfeixa em suas mãos todos os
valores que o imóvel pode lhe propiciar. Dissociado o direito real, entretanto, com o
desmembramento da propriedade, poderão existir proprietários do subsolo, do solo e
do implantado na face superior, denominada superfície.
O questionamento, que emerge desse tipo de colocação, é o referente ao solo
e ao que resta àquele que tem seu único domínio, na hipótese do subsolo ter um
proprietário e a superfície outro.
Na realidade não sobra espaço material à titularidade do solo. Não há chão,
terra, a ser usada por aquele que possui essa modalidade de domínio. Restar-lhe-ão
os direitos de algo desprovido de realidade física, mas, por ser o núcleo do imóvel,
sem o que, na abstração jurídica, as propriedades não existiriam, sobra-lhe o direito
de, pela acessão, fazer com que venham ou retornem a seu domínio, configurada,
então e de novo, a propriedade unitária.
A ficção jurídica, na dissociação da propriedade, é o solo, que passa a ser
ocupado pelo superficiário, de modo essencial à concretização das obras a serem
incorporadas ou para o exercício das atividades atinentes à conservação e dinâmica
produtiva, caso já existam precedentemente, obras essas, em uma ou outra
vertente, que podem adentrar ao subsolo.
O acréscimo sobre o solo, por este, é absorvido, trazendo-o para o seu
conjunto e assegurando a unidade da coisa imóvel, enquanto extensão e volume.
Indiscutível que o solo é o fator base dessa unidade, mas as acessões artificiais, não
só com ele não se confundem, como sucede com as naturais, mas o englobam, de
modo que a seu proprietário nada resta de área sobre a qual exercer o domínio.
23
2.3 A UTILIZAÇÃO AUTÔNOMA DO SOLO, DO SUBSOLO, DA SUPERFÍCIE, DO
ESPAÇO AÉREO
Quaisquer dos planos em que possa ser separado o imóvel, permite efetiva e
concreta utilização autônoma
6
.
O solo é aquele que, de todo, possui maior referência, exteriorizando o imóvel
e, sistematicamente, servindo como fator de junção dos demais níveis.
O subsolo está compreendido na propriedade, em profundidade que seja útil
ao dominus soli. Em princípio, as construções no subsolo - porões, garagens
subterrâneas, galerias - lhe pertencem. Nada obsta, todavia, que haja o
desmembramento com atribuição de propriedade diversa, visando a exploração. Por
opção legislativa, as minas, jazidas e potenciais de energia elétrica estão
dissociadas da propriedade do solo, incorporadas ao patrimônio da União, para
efeito de exploração ou aproveitamento. Idêntico sucede com as obras
subterrâneas, realizadas pelo poder público, ou por concessionárias de serviços,
como os túneis e instalações do metrô, que a uma determinada profundidade, como
antes assinalado, não causem risco à incolumidade do solo.
A superfície também é passível de separação, para construção e plantação.
Sobre ela tais incorporações se elevam e delas o construtor ou o plantador
superficiário passa a ter o domínio pleno e exclusivo
7
. Esse dado, ou seja,
6
Diógenes GASPARINI. O Estatuto da Cidade. São Paulo: NDJ, 2002, p. 116: “Solo é o chão, o
terreno, a superfície onde são feitas as edificações e as plantações”... “Subsolo é a parte do terreno
que se encontra abaixo da superfície. Espaço aéreo é o que cobre a superfície”
7
José de Oliveira ASCENSÃO. O Direito de Superfície Agrícola, Revista de Direito Civil: imobiliário,
agrário e empresarial, v. 4, ano 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr./jun/1978, p. 152/153: “Na
superfície entrecruza-se uma pluralidade de verdadeiros direitos subjetivos. Esses direitos são por
sua vez manifestação de dois direitos compostos que a todos os englobam: o direito ao chão, ou ao
solo, que pertence ao concedente ou fundeiro, e o direito de superfície (em sentido amplo), que
pertence ao superficiário. A existência de direitos compostos (portanto, de direitos em que o
24
propriedade plena e exclusiva, não é incompatível, conceitualmente, com o fato
jurídico de se tratar de propriedade resolúvel. Perpétua ou não, enquanto existir, a
propriedade ostenta os atributos, que lhe são inerentes, sem limitações.
O espaço aéreo é imóvel por natureza, mas somente está sob a propriedade
do dono do solo até uma altura em que sua exploração não o prejudique. Nessa
perspectiva, o exemplo dos cabos de energia elétrica ou aqueles destinados à
transmissão telefônica, a uma dimensão vertical que não mais tenha utilidade ao
proprietário do solo e não o incomode e nem prejudique o uso, gozo e fruição. A
situação apresenta-se diversa, se necessária à realização de obras, na superfície,
para colocação de estruturas metálicas que sustentem os cabos e os fios
8
.
Do uso da superfície por outrem, que não o proprietário, pode derivar um
direito real limitado – inclusive, porque o que for incorporado permanece na
propriedade do dono do solo – ou um direito real autônomo e separado da
propriedade do terreno
9
. Nesta última vertente, ressalte-se que a acessão está
bloqueada pelo direito real constituído através de convenção, assim, dispondo. A
incidência desse fenômeno, entretanto, permanece com sua eficácia latente.
Etimologicamente, a superfície é a extensão de uma área limitada; a parte
superior e externa dos corpos. Pode-se dizer que se define como a exteriorização da
coisa, materialmente agregada ao solo. Juridicamente, para que exista a superfície,
é necessário que haja o volume, em largura e altura, construído ou plantado. Aí, na
elemento unitário prevalece sobre os direitos parcelares, que devem ser considerados como
manifestações daquele) é fenômeno de freqüente verificação. Menos freqüente é o fato, que na
superfície é todavia nítido, de um direito ser composto por vários direitos reais”.
8
Washington de Barros MONTEIRO, Curso de direito civil: direito das coisas. 37.ed., rev. e atual. por
Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo, Saraiva, 2003.
9
Rosane Abreu Gonzalez PINTO, O direito real de superfície e a sistemática do novo código civil
brasileiro, Revista dos Tribunais, v. 775 [s.l.]: Revista dos Tribunais, 2000, p. 86.
25
verdade, se plasma, ou seja, na substância acrescida, tornando possível a estrutura
que lhe dá a existência, reconhecida e tutelada no âmbito do direito.
Esse reconhecimento nem sempre lhe confere autonomia dominial. No mais
das vezes, o uso e o gozo do solo, ou a obra sobre ele erigida, pelo construtor, que
não o proprietário, são fatores sem repercussão na plenitude da propriedade.
Embora se configurem direitos reais, positivamente definidos, são limitados à
unidade do direito real maior – o de propriedade – que permanece intacto. Pode ser
dividida, porém não separada, com a formação de outra ou outras propriedades. O
fenômeno, consistente em da dissociação desvelar-se outra propriedade, somente
resulta do direito real de superfície. E, por tratar-se de propriedade, a atuação do
superficiário sobre o volume incorporado é absoluta e plena, com as qualidades
conferidas pelo artigo 1.225, do Código Civil de 2002, Essa resultante, com nuances
secundárias, vem contemplada em quase todas as legislações civis do mundo atual.
Sua maturidade e seu adensamento, foram forjados, paulatinamente, no decorrer
dos jogos de poder político e econômico e socialmente da insurgência provocada
pelas frustrações, inconformismos e reclamos dos desprovidos da propriedade da
terra, mas que buscavam obtê-la para torná-la produtiva pelo trabalho.
O momento socialmente adequado surge com a crise de moradias, em vários
países da Europa, no século XIX, carência que se expandiu no século XX e se
agravou pela eclosão de duas grandes guerras, com a destruição de muitas cidades.
Paralelamente, na zona rural, um melhor aproveitamento de extensas áreas
improdutivas, a impor a racionalização da distribuição das terras, através de uma
efetiva reforma agrária, exigiu e exige instrumentos jurídicos hábeis e flexíveis à
consecução de tais propósitos, instrumentos dentre os quais não se pode descartar
a superfície. A ilustração a respeito, da disciplina imprimida à essa categoria jurídica,
26
nas legislações de vários países, revela-se importante para seu devido
conhecimento e análise com a experiência legislativa no Brasil.
27
PARTE II - DESENVOLVIMENTO
3 SUPERFÍCIE: HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO
3.1 DIREITO ROMANO
No direito romano estava assentado e bem assentado, o princípio do ius
civile, de que superficies solo cedit, ou seja, o edificado em solo alheio ao dono
deste pertence, por acessão, qualificada por Gaio como de direito natural
10, 11 e 12
.
Esse princípio, fortemente arraigado na consciência jurídica de então, provém da
propriedade quiritária, reservada aos cidadãos romanos (quirites). A propriedade era
individualizada e dotada de caráter quase absoluto (na lei das XII Tábuas,
entretanto, algumas restrições foram erguidas, restringindo o poder do proprietário,
mormente no referente aos imóveis, considerado o interesse público e, também, a
necessária convivência em comunidade, decorrente das relações de vizinhança),
consubstanciando o direito de seu titular utilizar a coisa como quisesse, de desfrutá-
la, receber seus frutos e dela dispor, livremente
13
. Esse sistema radical impedia, pelo
mecanismo da acessão, que a construção ou plantação em solo de outrem
pertencesse ao construtor ou ao semeador. Extrai-se de texto de Paulo, do Digesto,
10
Alexandre CORRÊA, Gaetano SCIASCIA e Alexandre Augusto de Castro CORRÊA. Manual de
direito romano: institutas de gaio e de justiniano, vertidas para o português, em confronto com o
texto latino. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1955, v. 2, p. 91: G.2,73: "Além disso, o construído em nosso
terreno por outrem, embora este por sua conta o faça, torna-se nosso por direito natural, porque a
superfície acede ao solo".
11
Jean-Pierre MARTY. La dissociation juridique de l’immeuble: contribution a l’étude de droit de
superfície. Paris: Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1979, p. 134-139.
12
Fábio Siebeneicher de ANDRADE. Atualidade do direito de superfície, Revista da Associação dos
Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS. Porto Alegre: [s.e.], n. 65, a. 22, nov./1995, p. 160.
13
John GILISSEN. Introdução histórica ao direito. 4.ed. Trad. A.M. Hespanha e L.M. Macaísta
Malheiros, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, p. 638-639.
28
que “o terreno é parte da casa e a mais importante, pois inclusive o edificado é parte
dele”
14
. Essa a regra firme existente no direito romano arcaico e que prosseguiu pelo
período clássico e pós-clássico e foi firmada por Justiniano, nas Institutas.
No entanto, as pressões sociais, por irresistíveis e após certo tempo
inabsorvíveis, criam brechas nas mais sólidas instituições. Idêntico sucedeu à
propriedade quiritária nos primeiros séculos depois de Cristo, quando comerciantes
e banqueiros ocuparam espaços públicos nas cidades ou ao longo das estradas
para desenvolverem suas atividades (D. 18.1.32, Ulpiano)
15
. Também outras
pessoas o faziam, premidas pela carência habitacional e nesses espaços públicos
construíam suas moradias. O Estado, perante a situação de fato consolidada,
passou a outorgar concessões, autorizando os ocupantes a erigirem construções
sobre o solo, regularizando-as, mediante pagamento de um solarium, preservando,
todavia, a propriedade da obra que fosse incorporada (D. 43.8.2.17, Ulpiano)
16
. Sua
existência era, induvidosamente, reconhecida, repercutindo em outras relações
jurídicas, como a do dote marital (D. 23.3.32, Ulpiano)
17
.
Paralelamente à superfície, duas outras instituições, voltadas ao
arrendamento rural, foram recepcionadas: o ager vectigalis e a enfiteuse, nos quais
14
A. DOR’S; et. al. El digesto de justinano. Versión Castellana por A. Dor’s, F. Hernandez-Tejero, P.
Fuenteseca, M. Garcia-Garrido y J. Burillo. Pamplona: Aranzadi, 1975, t. 3, Libros 37-50, p. 577:
“No es semejante a éste el caso de un solar en el que se ha puesto un edificio, pues no ha dejado
de existir: es más, se puede reclamar el solar y abonar la estimación del mismo, pues el solar es
uma parte de la casa, y la más importante, pues incluso lo edificado es accesorio respecto a él”.
15
A. DOR´S, et. al., et. al. El digesto de justinano. Versión Castellana por A. Dor’s, F. Hernandez-
Tejero, P. Fuenteseca, M. Garcia-Garrido y J. Burillo. Pamplona: Aranzadi, 1968, t. 1, Libros 1-19,
p. 661.
16
A. DOR’S; et. al. ob.cit., t. 3, p. 389: “Si alguien hubiera edificado en lugar público sin que nadie se
lo impidiera, no se le debe obligar a que derribe, pues no hay que afear la ciudad con ruínas, y el
interdicto es proihibitorio pero no restitutorio; pero si tal edificio estorba al uso público, es cierto que
el procurador de las obras públicas deberá abatirlo o, si no estorba, imponer um solário: esta renta
se ilama así “solario” porque se paga por el solar”.
17
A. DOR’S; et. al. El digesto de justinano. Versión Castellana por A. Dor’s, F. Hernandez-Tejero, P.
Fuenteseca, M. Garcia-Garrido y J. Burillo. Pamplona: Aranzadi, 1972, t. 2, Libros 20-36, p. 120.
29
havia a transferência do uso do solo, e, principalmente o primeiro, derivava da
necessidade de prender o lavrador à terra por ele cultivada, mas pertencente ao
dominus soli, impossibilitado ou desinteressado em explorá-la
18
. A origem do direito
in agro vectigali é antiga e destinava-se à ocupação de terras públicas, cujas
extensões em decorrência da expansão do império romano permaneciam
abandonadas, sem qualquer cultivo. Esta foi a forma de fixar o agricultor à terra,
através de um arrendamento de longo prazo ou perpétuo. O jus in agro vectigali tem
alguma parecença com o usufruto, como informa Eugène Petit: “a) o colono que o
desfruta adquire os frutos separatione, como o possuidor de boa-fé (Juliano, L. 25, §
1º, in fine, D., de usur., XXII, 1); b) tem a posse protegida pelos interditos, estando,
além disso, dispensado de fornecer a fiança exigida ao usufrutuário (Marcer, L. 15,
pr., e § 1º, D., qui satisd., II, 8); c) por último, também pode ceder seu direito e
transmiti-lo a seus herdeiros (Paulo, L. I, pr., D., si ager vect., VI, 3)
19
.
Os dois institutos, o ager vectigalis e a superfície, conviveram por largo
tempo, o primeiro destinado ao arrendamento rural e, a segunda, direcionada a uma
utilidade urbana, de edificar, mediante o pagamento de um canon anual,
respectivamente, o vectigal e o solarium
20
. A enfiteuse teve grande expansão no
século IV da era cristã, à época do imperador Zenon. Tinha por objeto
arrendamentos perpétuos ou de longo prazo, sobre terras incultas, revelando um
aprimoramento com relação ao regime do agri vectigales. Visava a ocupação de
terras do Estado romano, precisamente para o cultivo. Nas Institutas, o ager
18
Washington de Barros MONTEIRO, ob. cit., p. 259.
19
Eugène PETIT, Tratado elementar de direito romano. Trad. Jorge Luís Custódio Porto, adap. e
notas Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel Editores, 2003, p. 387.
20
Guilherme Braga TEIXEIRA, In: Zaiden GERAIGE NETO, et. al. Comentário ao código civil
brasileiro: da propriedade, da superfície e das servidões: (artigos 1.277 a 1.389), Arruda ALVIM e
Thereza ALVIM (coords.), Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 12, p. 257.
30
vectigalis e a enfiteuse não mais são tratadas distintamente. A diversidade
conceitual com a superfície, no entanto, sempre se manteve, com objetivos que as
diferenciavam pelas características rurais de umas e urbanas, da outra. Em suma,
enquanto a enfiteuse e o ager vectigalis eram arrendamentos perpétuos ou de longo
prazo, direcionados ao plantio e ao cultivo da terra, a superfície, sem tais
características, era operacionalizada no tocante à edificação sobre o solo,
pertencente a outrem, que não o construtor
21
.
Embora inicialmente recaindo em imóveis públicos, a órbita da superfície foi
ampliada aos particulares, regulada a posse através de contrato de locação (locatio
conductio – D. 43.18.1, Ulpiano)
22
. Assim, não se constituía, nos primórdios, direito
real, mas eminentemente pessoal. As obrigações eram tuteladas por ações civis,
assistindo ao superficiário propô-las em face do proprietário do solo se fosse este
quem impedisse o exercício do seu direito, quer provindo de locação ou alienação,
e, ainda, para compeli-lo a ceder a actio (conductio ou empti) contra um terceiro,
causador dos entraves, para que pudesse demandá-lo (D. 43.18.1.1. Ulpiano)
23
.
A tutela da superfície evoluiu da locação para a compra e venda, mas a
constituição do direito, ainda, poderia ser efetivada pelo legado, ou doação (D.
21
Guilherme Braga TEIXEIRA, ob. cit., p. 258.
22
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 409: "Dice el pretor: "Prohibo que se impida por la violencia que
sigais disfrutando del <derecho de> superficie que se trata tal como lo disfrutais sin violencia, ni
clandestinidad, ni en precario el uno del otro, conforme a lo convenido en el contrato de locación y
conducción". "Si se solicita alguna otra acción acerca del <derecho de> superficie, la daré previa
cognición de la causa".
23
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 409: “El que tiene <um derecho de> superficie en um terreno ajeno,
está defendido por una acción civil, pues si lo tomó en arriendo, puede demandar al propietario del
suelo con la acción de conducción, y si lo compró, con la de compra. <Así>, si es el propietario
quien impide <el derecho del superficiario>, puede éste conseguir su interés ejercitando su acción;
si es otro quien se lo impide, el propietario debe darle cedidas sus acciones; con todo, como era
incierto si había acción de arriendo y resultaba mejor tener la posesión que reclamar con una
acción personal, pareció más conveniente porponer este interdicto y ofrecer una acción como las
reales".
31
43.18.1.7, Ulpiano)
24
. Cumpre registrar que a transferência através de legado
demonstra a admissibilidade da sucessão causa mortis. Na locação, o pagamento
consistia em uma prestação periódica (solarium), enquanto que, na compra e venda,
se realizava de uma só vez (pretium). A transformação da modalidade contratual da
locação para compra e venda, deu-se pela evolução da superfície de um direito
obrigacional para um direito real, pela atuação do pretor, sensível às imposições
sociais derivadas dos conflitos resultantes da insuficiente proteção ao ocupante do
imóvel edificado. A tutela assumiu feitio externo de direito real, concedido ao
superficiário um interdictum de superficiebus, análogo ao uti possidetis, garantindo-o
contra todos, o concedente, o alienante, o locador ou um terceiro que o perturbasse
no uso e gozo do bem construído. Ulpiano faz referência a esse interdito (D.
43.18.1.2)
25
. Entretanto, o pretor deve denegar a ação real se o arrendamento da
construção é temporário, porém não, se é de longo prazo (D.43.18.1.3, Ulpiano)
26
.
Posteriormente - inexistindo segurança nas fontes para se afirmar se, ainda,
no período clássico - foi atribuída ao superficiário uma actio in rem de amplo
espectro, dotada de mecanismos jurídicos de defesa erga omnes, reconhecida,
inequivocamente, pela autoridade pretoriana, a conformação de um direito real.
Dispondo o pretor sobre a tutela através de uma ação desse tipo, isso implicava no
reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva equivalente, a autorizar a
atuação judicial. Em Roma, as situações materiais só eram reconhecidas quando
24
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 410.
25
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 409: "(2) El interdicto propuesto es doble, como el de "tal como
poseeis". Así, pues, al que reclama la construcción, protege el pretor del mismo modo que con el
interdicto "tal como poseeis", y no le exige que pruebe la causa de su posesión, sino tan sólo que
no posea por violencia, clandestinamente o en precario respecto al adversario. Todo lo demás que
se observa en aquel otro interdicto se observa también en éste".
26
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 409: "Lo que dice el pretor de “si se solicita alguna otra acción
acerca del ‹ derecho de › superficie , la daré previa cognición de la causa”, debe entenderse en el
sentido de que, si es un arrendatario temporal de la construcción, se le debe denegar la acción real,
en tanto al arrendatario por largo tiempo compete una acción real previa cognición de a causa".
32
houvesse tutela judicial que a elas correspondesse. Assim, com a concessão da
actio in rem ficou configurada a existência de um direito real ao superficiário, com
amplos poderes de uso, gozo, fruição e disposição, podendo alienar, bem como
gravar a incorporação através de hipoteca, assistindo ao credor hipotecário uma
ação real como a conferida à construção superficiária; comporta, outrossim, que
sobre ela recaia usufruto ou direito de uso, mediante a concessão de ações úteis (D.
43.18.1.6); o interdito igualmente caberia ser invocado pelos titulares de servidões
sobre a superfície edificada (D. 43.18.1.6 e D. 43.18.1.9); e se a coisa superficiária
for comum, o pretor dará a mesma ação, para que possa ser dividida
27, 28
. Além
dessa tutela específica da actio de superfícies in rem, o titular da construção poderia
se valer dos remédios próprios acessíveis ao proprietário do imóvel, como a actio
confessoria para declarar o seu direito e a actio negatória para repelir a existência
de óbices sobre seu objeto.
Na contrapartida, a diretriz do ius civile, de que superficies solo cedit,
manteve-se, ressaltado que o interesse do superficiário se restringia ao direito e,
com sua extinção, às edificações, preservadas no domínio do proprietário do solo, a
ele, fisicamente se reincorporavam, restaurada a propriedade plena (D. 43.18.2,
Gaio)
29
. De registrar, no entanto, controvérsia entre Sabinianos e Proculianos
consistente em definir, havendo o vizinho edificado sobre parede de propriedade do
outro, se a este pertenceria a obra ou ao construtor (D. 41.1.28, Pompônio)
30
. A
27
Pal Frédéric Girard - Manuel Élémentaire Droit Romain, pág. 385, 5ª. Ed., Paris, 1911, ed. Arthur
Rousseau.
28
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 410 – Todos os tópicos do Digesto mencionados são de Ulpiano..
29
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 410: “Llmamos casa en superficie la construida en.un terreno
arrendado, cuya propiedad es del proprietario del terreno, tanto por derecho civil como natural”.
30
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 291; versando ainda sobre construções em casa contíguas (D.
39.2.47, Nerácio, p. 167).
33
proteção através de uma ação real também favorecia o ius in agro vectigali e a
enfiteuse.
A superfície, entre os romanos, mesmo na fase do direito bizantino, de
Justiniano, sempre teve a feição de um direito real sobre coisa alheia. Nas Institutas
não há referência expressa à superfície, mas o texto que trata da enfiteuse indica
que a diretriz da acessão foi mantida. Nesse sentido, no livro 3, nº XXIV, da locação
e condução, consta do item 3:
E é tamanha a intimidade que têm entre si a compra e venda com a locação
e condução, que em alguns casos surge de ordinário a questão de se saber
se o contrato é de compra e venda ou de locação e condução. P.ex., a
respeito dos prédios dados a certas pessoas para deles fruírem
perpetuamente; i.e., enquanto por isso pagarem ao dono o foro ou a renda,
não é lícito tomá-los nem ao próprio condutor, nem ao seu herdeiro, nem a
quem o condutos ou o seu herdeiro tiver vendido, doado, dado, a título de
dote ou alienado de qualquer outro modo. Mas, como os antigos duvidavam
sobre a espécie desse contrato, considerando-o uns como locação e outros
como venda, foi baixada a lei Zenoniana que determinou a natureza própria
ao contrato de enfiteuse, que não propende nem para a locação nem para a
venda, mas deve se fundar em convenções próprias. E se se fizer algum
pacto desses, vale como se fosse um contrato natural; e se nada se pactuar
sobre os riscos da coisa, então, perecendo ela totalmente, redunda ao dono
o risco respectivo; perecendo parcialmente, tal dano o sofre o enfiteuta.
Deste direito usamos
31 e 32
.
Prevaleceu, em suma, no direito romano e até o fim do Império, a unicidade
do domínio, a traduzir concepção, do ponto de vista jurídico, radicalmente,
individualista. Em conseqüência, o princípio superficies solo cedit, manteve-se
íntegro. Apesar disso, as injunções econômicas e sociais conduziram a um
desmembramento do domínio, caracterizado na superfície (e na enfiteuse) com a
tutela através de uma ação real e conseqüente reconhecimento do direito, assim
qualificado, aos titulares desses institutos
33
.
31
Alexandre CORREA, Gaetano SCIASCIA, Alexandre Augusto de Castro CORREA. ob. cit. p. 543;
Edson BINI, Institutas do imperador justiniano, São Paulo: Edipro, 2001. p. 172.
32
José Carlos MOREIRA ALVES, Direito Romano, 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v.1, p. 346.
33
Diana Coelho BARBOSA, Direito de superfície à luz do estatuto da cidade. Curitiba: Juruá, 2001, p.
17-26.
34
Também, no direito romano ficou estabelecida a cisão de dois dos elementos
da propriedade: o solo e a superfície. A atuação do pretor tutelou o exercício deste
último, conduzindo-o, pela via judicial, de um direito pessoal para um direito real,
sem quebra, porém, da diretriz da acessão. Contudo, é de convir que a duração
extensa ou perpétua desses contratos, ao que se somava a proteção que lhes era
conferida, na prática, redundava em um autêntico exercício da propriedade em sua
plenitude. John Gilissen observa que:
Se, no plano do direito, se verificou uma real unificação da noção de
propriedade durante o Baixo Império, no plano dos factos a evolução
econômica e social dos sécs. IV e V faz aparecer novos direitos reais, como
o direito de superfície e a enfiteuse, que anunciam o desmembramento da
propriedade”, fato esse que, como adverte, vaticina “a evolução medieval da
instituição
34
.
3.2 DIREITO GERMÂNICO
O direito dos povos germânicos, introduzido no império do ocidente, através
de sucessivas invasões e ocupações, abarcava um conjunto de normas que, em
paralelo, conviveram com o direito romano. A concepção rígida da acessão sofreu a
postura de uma outra ordem jurídica que a desconhecia ou a desconsiderava. De
um lado, o caráter absoluto da regra superfícies solo cedit, pela qual a edificação ou
plantação em terreno alheio pertencia ao proprietário do solo e, de outro, a vivência
das nações germânicas, submetidas a experiência distinta, em decorrência do
próprio nomadismo primitivo de suas tribos, que, ao que se pode depreender,
descartavam a propriedade imobiliária como apropriação individual, mas sim do clã
ao qual agregados os indivíduos
35
. O solo, em si, não era um fator individual ou, pelo
34
John GILISSEN, ob. cit., p. 639-640.
35
John GILISSEN, ob. cit. p. 637: “A história desta apropriação comum pode conceber-se de acordo
com o seguinte esquema: “o clã fixa-se, num dado momento, num determinado território; toma
posse da terra de que necessita para a habitação e a cultura. César (De Bello Gallico, VI, 22)
35
menos, de modo preponderante. A ênfase estava no trabalho da comunidade sobre
ele e do produto auferido. As plantações eram feitas por todo o grupo social, sem
divisão de áreas e a propriedade privada se circunscrevia à construção - em que
vivia a família - e ao solo no qual edificada, além do adjacente, onde enterrados os
parentes. A inalienabilidade da terra, decorrente da apropriação comunitária, era a
conseqüência de tal regime e perdurou, mesmo posteriormente, quando pelo influxo
do direito romano o domínio no campo tendeu à individualidade. Não se detecta a
distinção – mesmo porque o sistema pouco sofisticado não o permitiria - entre solo e
superfície. O sistema fundiário primitivo dos povos germânicos, manteve a
propriedade, comum, indivisa e inalienável. Tal se manteve mesmo quando da
formação de aldeias, por perseverar o domínio comunitário da terra. A propriedade
era concebida, separadamente, quanto às plantações e, também, quanto às
construções, estas não estáveis ou entranhadas ao solo e, portanto, removíveis.
Desconhecia-se a regra superficies solo cedit, bem como a existência do ius in re
aliena. O essencial era o produto profícuo do trabalho humano, descaracterizada a
acessão. A terra arada e o imóvel edificado é que justificavam a utilização do solo.
Em uma visão evolutiva do direito real de propriedade em Roma, posiciona-se
a superfície como um desdobramento do domínio, que corresponde, faticamente, a
uma partilha de espaço vertical. A separação, dos níveis de propriedade, conforme
registrado, resultou, originariamente, de um forte impulso econômico (dos
constata que entre os Germanos ‘ninguém possui uma superfície certa dos campos nem limites
próprios’; todos os anos o chefe reparte as terras entre as famílias. Tácito conta que a cultura do
solo se fazia por afolhamentos trienais, com redistribuição anual: arva per annos mutant
(documento nº 1, p. 652). Este sistema agrário continuou a dominar a cultura do solo no Ocidente
durante toda a Idade Média e os tempos modernos; consistia em repartir as terras em três partes e
em as afectar sucessivamente às sementeiras de Inverno e às de Verão, deixando-as depois em
pousio durante um ano. Os campos teriam sido repartidos anualmente entre os membros do clã e,
mais tarde, entre os membros da aldeia. Quanto às outras terras, tal como as florestas, as estevas,
os pastos, as lezírias, as turfeiras, todos os membros do clã e, depois da sua fixação ao solo, da
aldeia as utilizavam em comum”.
36
negociantes) e habitacional (da população urbana, em geral, pela moradia), criando
a ocupação superposta aos terrenos, sempre intocada a acessão. Sobreveio, com a
ocupação germânica o contraste entre os dois sistemas, quanto à “propriedade
fundiária" como um absoluto, colocada em valoração binária, a questão sobre
diferente ângulo: "ter" a terra ou "explorar" a terra.
3.3 ALTA E BAIXA IDADE MÉDIA; SISTEMA FEUDAL DE PROPRIEDADE
A condensação, na Europa Ocidental, à época da monarquia franca (dinastia
Merovingia) das novas nações e de sociedades mais estáveis, propiciou a
remodelação fundiária, com a generalização da propriedade individual das terras
(proprium ou propietas), mantidas pelos antigos senhores galo-romanos, ou
apoderadas pelos conquistadores germânicos
36
. Tais propriedades, em geral
extensas e não cultivadas, forçaram duas espécies de necessidades: uma a de
serem economicamente aproveitadas e, a outra, de defesa de todo o complexo,
mas, também, para incursões guerreiras, com homens adestrados a esses fins.
O mecanismo hábil à ocupação útil das terras, sem a transferência
patrimonial, é a concessão (tenure em francês; leihe em alemão)
37
. Através de um
pedido de recomendação, o proprietário concedia, onerosa (com o pagamento de
um censo) ou gratuitamente, uma determinada gleba ao postulante, que passava,
assim, a ser beneficiário, em caráter vitalício. Esse vínculo de concessão era objeto
de um contrato denominado precário ou tenência precária. E tinha como
contrapartida a vassalidade do beneficiário-tenente, instituição baseada na
36
John GILLISSEN. ob. cit., p. 640.
37
F.L.GANSHOF. Que é o feudalismo?. Trad. Jorge Borges de Macedo, 4.ed. [s.l.]: Publicações
Europa-América, 1976, p. 22-23.
37
subordinação
38
. Constata-se, que a propriedade fundiária plena era o proprium,
expressão que, ao tempo de Carlos Magno (século IX), foi substituído por “alódio”,
terminologia que prevaleceu até o século XVIII. As tenências, compreensivas dos
benefícios e dos censos, têm o perfil de direitos reais, no entanto, sobre coisa
alheia
39
. No período Carolíngio a justaposição da vassalidade e do benefício
resultaram na constituição de um sistema institucional. A propriedade,
inquestionavelmente, era do senhor da terra, podendo-se aferir, por volta do fim do
século IX, que os direitos do vassalo sobre o seu benefício continuavam sendo os de
um usufrutuário
40
. Nota-se, contudo, posteriormente a Carlos Magno, a tendência
orientada à restrição do direito do senhor em dispor da terra, buscando o vassalo,
em razão da posse efetiva, mantê-la com maior segurança em seu patrimônio.
Assim, aos poucos, o benefício, de vitalício, passou a hereditário, transferido pelo
beneficiário a seus descendentes, enquanto, na outra ponta, o senhor e, depois,
seus herdeiros passaram a aquiescer com a transmissão.
O feudalismo clássico transcorreu entre os séculos X e XIII. A designação
“feudo” data do século XI, afastado, paulatinamente, o termo benefício. Nessa altura,
a constituição do feudo dava-se pela investidura, com a qual o vassalo adquiria
direito sobre a terra, juridicamente protegido contra as perturbações ou os esbulhos
38
John GILISSEN. ob. cit., p. 640-641.
39
John GILISSEN. ob. cit., p. 641: “Ao lado dos feudos, tenências de caráter ‘militar e político’,
havia um grande número de outras, cuja razão de ser era fundamentalmente econômica: cultivar a
terra concedida, fornecendo ao senhor prestações em espécie ou em dinheiro. Estas tenências
fundiárias tiveram nomes muito variados: o mais comum no norte da França era o de “censive”
(censo), deduzido do termo “censo”, que designa a prestação em espécie ou dinheiro dos
cultivadores directos. Noutros lugares são utilizados, com sentidos mais ou meenos variados,
termos como champart, bourgage, mainferme, bail à complaint, casement, bordelage, colonge; em
alemão, Erbpacht, Erbleihe. A origem das tenências fundiárias deve ser procurada nas dos colonos
do Baixo Império romano e, sobretudo, na precária franca”
40
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 58.
38
de terceiros e do próprio senhor
41
, afigurando-se possível comparar, pela tutela, a
posse feudal com o interdito romano. Porém, nesse período (séculos XI e XII),
permanece o direito do vassalo, assimilável ao usufruto. A partir daí, seus poderes
foram além daqueles do usufrutuário, evidenciando-se o parcelamento do domínio,
do que derivou o direito de disposição do feudo
42
. Da proibição total, o óbice à
alienação evoluiu, por primeiro, para a obrigatoriedade da intervenção do senhor e,
na seqüência, a partir do século XII, o consentimento, deste último, passou a ser
tácito, destituído do poder de opor-se à consecução do negócio
43
. Sobrou-lhe,
entretanto, o direito de opção, assemelhado à preferência.
Em meados do século XIII, ante o renascimento do direito romano na Europa
Ocidental e o acesso aos textos jurídicos, notadamente as Institutas e o Digesto de
Justiniano, foi elaborada a teoria da propriedade dividida, em domínio direto e
domínio útil. A concepção aparece em 1250 na “Glossa Ordinária” do professor da
Universidade de Bolonha, Francesco Accursio, e que, posteriormente mereceu
divulgação por Bártolo. Diagnostica, claramente, dois elementos na propriedade,
admitindo sua cisão
44
. O proprietário preserva um domínio latente, que o autoriza a
receber o laudêmio e a, eventualmente, na quebra de algum preceito ajustado,
41
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 169.
42
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 175: “No início do período estudado a natureza dos respectivos direitos
das partes sobre o feudo não dá lugar a dúvida: o senhor é titular de um direito assimilável a uma
plena propriedade romana e o vassalo é detentor de um direito assimilável ao usufruto; de resto,
como nos séculos precedentes, este direito é ainda, por vezes, designado nos textos por
ususfructus. Há, portanto, parcelamento do direito de propriedade. Mas o facto da detenção efectiva
do feudo pelo vassalo permitiu que este constantemente alargasse o seu direito real próprio; em
compensação, o direito real do senhor atenuou-se necessariamente. Esta evolução, como vimos,
começou a partir do século IX, mas prosseguiu com força renovada no decurso dos séculos em que
os vassalos já dispunham de maiores meios de pressão sobre os seus senhores: o seu serviço
revelava-se indispensável para as empresas políticas ou militares que aqueles empreendessem.
Desta maneira, a partir do século XI o direito do vassalo sobre o feudo ultrapassa já
consideravelmente os direitos do usufrutuário romano”.
43
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 191.
44
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 176.
39
reapossar-se do imóvel, enquanto que, ao vassalo, são conferidos os atributos da
propriedade, explorando a terra, plantando e construindo
45
.
A dicotomia não indica que a superfície tenha se desvinculado do solo como
“domínio próprio”, mesmo porque o contrato feudal assemelhava-se, em seu evoluir,
à enfiteuse, permanecendo o incorporado ao solo, como ius in re aliena. Ademais,
propriedade dividida, não é propriedade separada. A primeira permanece una,
enquanto que a segunda pressupõe o desmembramento em direitos reais
autônomos.
A concepção da doutrina do domínio dividido ficou consagrada na Alemanha,
no instituto da Bodenleihe, que dominou o direito senhorial e o municipal na Idade
Média
46
. A separação da construção, da propriedade do solo, decorria do próprio
espírito da Bodenleihe, que consistia na divisão da propriedade em coisa móvel e
imóvel. Tanto atendia aos senhores da terra, como às comunas. Em uma vertente,
autorizava a construção em terreno senhorial por um concessionário e, noutra, para
edificação de uma vila por um grupo de pessoas e abria a possibilidade à concessão
da terra, não só para construção, mas, igualmente, para plantação.
Duas eram as formas da Bodenleihe: a Gründerleiihe e a private Erbelihe. No
século XII, também sob o influxo do direito canônico, a separação da propriedade
das construções e da propriedade do solo por intermédio de Gründerleihe, se
formava pelo empreendimento do senhor do solo, quer fosse laico ou eclesiástico. A
gleba era dividida em quotas e concedida a um número determinado de pessoas, a
45
Guilherme Braga TEIXEIRA, ob. cit., p. 258; Silvio de Salvo VENOSA. Direito Civil: direitos reais.
2.ed., São Paulo: Atlas, 2002, v.5, p. 372; J. W. HEDEMANN, Derechos Reales. Trad. José Luis
Diez Pastor e Manuel Gonzales Enriquez. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, [s.d], v. 2,
p. 310; G. B. BULFONI. In: MANCINI, Pasquale Stanislao. Enciclopedia giuridica italiana:
successione... . Milano: Societá Editrice Libraria, [s.d.], v. 15, parte 3, p. 748.
46
Rosane Abreu Gonzalez PINTO. ob. cit., p. 83.
40
fim de que construíssem suas habitações; permitia a transmissão hereditária e, em
contraprestação, era pago um censo, que servia como forma de reconhecimento do
domínio. O contrato não se fazia com cada um dos ocupantes, mas a concessão,
condicionada à obrigação em edificar era coletiva, originando-se, daí, as vilas ou
vilarejos sobre o terreno do senhor feudal. A outra forma, a private Erbleihe, era
admitida sobre as mais variadas coisas particulares e limitava-se à vida do
concessionário sem possibilidade de transmissão causa mortis, embora,
paulatinamente, se transformasse em perpétua e transferível hereditariamente. A
relação jurídica na Gründerleihe estava assentada mais no campo do direito público,
enquanto que a Erbleihe limitava-se ao direito privado. Tanto para uma, como para
outra, persistia a divisão do domínio em útil e direito
47, 48 e 49
.
Da experiência dos francos e dos germânicos, extrai-se, também, que com a
formação do "burgo" ou cidade, em áreas concedidas, desenvolveu-se a propriedade
urbana, sobre a qual a dissociação, dos domínios, teve continuidade. A transferência
das áreas, pelos senhores feudais, destinava-se às comunas, ou seja, ao corpo
social, daí surgindo as cidades no entorno do castelo ou da fortaleza. Pode-se dizer
que, embora não consagrado o direito de superfície, a dissociação da propriedade
em domínio direito e domínio útil era patente. Daí o quadro do direito medieval em
que, tanto a superfície urbana como a superfície rural, eram direitos reconhecidos,
mas sobre imóvel alheio.
47
Paulo Roberto BENASSE. O direito de superfície e o novo código Civil brasileiro. Campinas:
Bookseller, 2002, p. 27-32.
48
F.L.GANSHOF. ob. cit., p. 172-181.
49
Diana Coelho BARBOSA. ob. cit., p. 26-29.
41
3.4 DO PERÍODO MEDIEVAL AO CONTEMPORÂNEO
A experiência do direito fundiário, até então, mostra a contraposição entre a
aplicação do princípio da acessão e o distanciamento de sua incidência, com a
admissão do domínio dividido. John Gilissen anota:
Originariamente, o senhor alodial tinha a plena propriedade, não
concedendo senão um direito real vitalício ao tenente. Pouco a pouco, os
direitos do tenente tornaram-se hereditários e, depois, alienáveis. Assim,
nos séc. XII e XIII, deu-se o desmembramento do direito de propriedade,
sendo consagrado pela doutrina romanista, que distingue o domínio directo
do domínio útil. A evolução prossegue no sentido de uma diminuição
constante dos direitos do senhor, chegando a seu termo nos sécs. XVII e
XVII: a partir do séc. XIV, os costumes consideram o tenente como o
verdadeiro proprietário, não sendo os direitos do senhor mais do que uma
espécie de servidão que pesa sobre a terra
50
.
Ainda, defende o autor que, embora sem a possibilidade de um domínio
efetivo, os senhores mantiveram, juridicamente, um sistema de oneração da terra
por intermédio de rendimentos - a cargo do ocupante - a quem assistia o domínio
útil, além de variados e específicos direitos de uso. Com a Revolução Francesa não
houve, na realidade dos fatos, a transferência física da propriedade do senhor ao
detentor do domínio útil, que era quem já exercitava os atributos a ela inerentes,
vinculado, no entanto, a cumprir certas prestações e à sujeição de deveres e
gravames, ainda, resquícios da ordem feudal e de normas costumeiras. A Revolução
teve por meta principal a libertação da terra dos diversos ônus incidentes e o
desmonte do que restava do feudalismo e do ancien régime, com a partilha dos bens
dos imóveis comunais, a venda dos bens da Igreja e o parcelamento da terra,
favorecendo o campesinato.
Com as sensíveis transformações havidas nos séculos XV, XVI e XVII
(Renascimento e as descobertas), molda-se a noção de Estado e a propriedade
50
John GILISSEN. ob. cit., p. 646
42
assume outra denotação: a de um poder estatal, inclusive para ter e explorar um
território. Paulatinamente, houve a deterioração, sempre crescente, entre
propriedade e privilégio, entre submissão e comando, para o que concorreram as
idéias do Iluminismo. A perda do controle pelas classes dirigentes, nobreza e clero,
levou à conscientização da res publica, movimento cujo ápice de ruptura teve lugar
na Revolução Francesa. Retorna-se, no entanto, à concepção da propriedade
individualista, para a qual os juristas da época foram encontrar suporte no direito
romano. Essa a diretriz radicalizada no Código Civil Francês de 1804, ao
desconsiderar a enfiteuse e a superfície em seu contexto, lineamento adotado no
Código Civil Italiano de 1865 e no Português de 1867.
43
4 A SUPERFÍCIE EM PORTUGAL E NO BRASIL: NA COLÔNIA, NO IMPÉRIO E
NOS PRIMEIROS ANOS DA REPÚBLICA ATÉ 1916
4.1 DIREITO DE SUPERFÍCIE EM PORTUGAL
A ocupação de toda a península ibérica pelos romanos, levou aos primitivos
habitantes, o direito praticado pelos invasores. Posteriormente, com a vinda dos
povos germânicos, a partir do quarto século após o nascimento de Cristo, o direito
destes últimos se justapôs ao direito romano. Quase concomitantemente, tornando-
se o cristianismo a religião de Estado, passou o direito canônico a ter vigência, em
seu âmbito, na região. Do amálgama desse conjunto de normas, consuetudinárias e
escritas, deu-se a gênese do direito português. Não se pode olvidar que ocorreram
as conquistas árabes na península e, também, o direito que professavam, teve sua
repercussão. A estruturação definitiva da monarquia portuguesa veio após a
reconquista no século XII e, como ocorreu em toda Europa Ocidental, em Portugal
adentrou o direito romano justinianeu, com o acesso, então, às Institutas, ao
Digesto, ao Codex e às Novellae. O ordenamento português, a partir de então, teve
como base cultural o direito romano e leis esparsas promulgadas pelos reis, além de
normas consuetudinárias. Posteriormente, em 1446 ou 1447, veio a primeira
codificação, conhecida por Ordenações Afonsinas, congregando não só essa
legislação nacional, esparsa, consolidando costumes, mas, de outro lado, o direito
romano, subsidiariamente aplicado. As Ordenações Afonsinas estavam plasmadas,
também subsidiariamente, nas Siete Partidas
51 e 52
. Em 1521 foram editadas as
51
Maria Helena DINIZ, Dicionário Jurídico. 2.ed. rev., atual. e aum..São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p.
523: “História do direito. Código editado por D. Afonso X, o sábio, Rei de Castela, que compilou, na
segunda metade do século XIII, não só normas e princípios de direito natural e da gentes, de direito
44
Ordenações Manuelinas, com as mesmas influências de um conjunto de normas
locais, com a participação dos glosadores e do direito romano em caráter
subsidiário. Em 1603, estando Portugal sob dominação espanhola, foram publicadas
as Ordenações Filipinas, sem maiores mutações com relação às Ordenações
precedentes.
Em nenhuma das Ordenações está expressamente prevista ou mesmo
referida a “superfície”. O tratamento legislativo se destina ao arrendamento, inclusive
de longo tempo, e à enfiteuse. Nas Ordenações Filipinas vem disciplinada a
Sesmaria, instrumento através do qual a coroa portuguesa vinculava aquele que
tivesse terra inexplorada, mesmo que antes a houvesse tornado produtiva, a voltar a
cultivá-la. A alternativa era a concessão das terras a alguém que realizasse a
semeadura e a plantação, concessão essa que poderia ser feita através de
arrendamento ou de enfiteuse.
Esse um quadro, muito geral, do que existia em Portugal, quando da
descoberta do Brasil, em 1500. Por lei do Marquês de Pombal, datada de 09 de julho
de 1773, parágrafos 11, 17 e 26, referente a construções, árvores e plantações, a
separação de propriedades foi estabelecida, podendo se reconhecer um direito de
superfície, embora não utilizada essa terminologia. Isso veio a repetir-se, após a
independência do Brasil, no artigo 2.308, do Código Civil Português de 1867, com a
denominação de “acessão imobiliária”, em que feita menção “a uma situação jurídica
romano justinianeu, como também de princípios dos glosadores e de direito hispano-germânico
(Orgaz). Influenciou as Ordenações Afonsinas”.
52
Frederico Henrique Viegas de LIMA. O direito de superfície como instrumento de planificação
urbana. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 58: “As Ordenações Afonsinas, assim como o direito civil
de todas as Ordenações, contêm dois elementos principais. Um é a legislação nacional, concebida
a partir das idéias, opiniões e costumes da população e outro, é o direito romano, considerado
direito comum, que era aplicado subsidiariamente. Como direito subsidiário, destinado a preencher
as lacunas do direito privado, que não eram poucas, eram utilizadas as glosas de ACÚRSIO E
BÁRTOLO, e, também, as Siete Partidas, das quais as Ordenações eram uma transcrição quase
fiel”.
45
semelhante”
53
à superfície, “em que o dono do prédio onde estivessem plantadas
árvores alheias se pudesse obrigar a conservá-las no domínio alheio, por prazo não
excedente de trinta anos”
54
. Presentes os requisitos do direito de superfície atinente
à plantação, como propriedade plena em solo alheio, mas resolúvel, dado o cunho
temporário. Pires de Lima e Antunes Varela completam esses dados:
No Código Civil de 1867 apenas se previa (no artigo 2308) a possibilidade
da existência de árvores pertencentes a titular diferente do dono do terreno,
para se reconhecer a este, ao abrigo do clássico direito de acessão, a
faculdade de as adquirir, mediante o pagamento do seu valor.
E vão além, com a lei 2.030, de 22 de junho de 1948:
Foi na Lei nº 2.030, de 22 de Junho de 1948, que o direito de superfície
(correspondente ao instituto do mesmo nome no direito romano e, no direito
comum, a building lease do direito inglês) apareceu reconhecido e tratado
como verdadeiro direito real. “O direito real que consiste na faculdade de
implantar e manter edifício próprio em chão alheio, sem aplicação das
regras sobre acessão imobiliária, diz o artigo 1º do diploma, chama-se
direito de superfície. E é com a configuração de um autêntico ius in re que,
logicamente, o direito de superfície aparece incluído, dentro do Livro III no
novo Código, na galeria limitada a direitos das coisas
55
.
4.2 A VIGÊNCIA NO BRASIL COLÔNIA E APÓS A INDEPENDÊNCIA: A
PROIBIÇÃO DO INSTITUTO
No Brasil colônia, quanto ao direito das coisas, permaneceu em vigor, e,
desse modo, até o Código Civil de 1916, a legislação contemplada nas Ordenações
53
Luis da Cunha GONÇALVES, Tratado de direito civil em comentário ao código civil português, 2.ed.
atual. e aum. adaptação ao direito brasileiro completada sob a supervisão dos Ministros Orozimbo
Nonato, Laudo de Camargo e Prof. Vicente Rao, anotado por Jayme Landim. São Paulo: Max
Limonad, [s.d.], v. 11, t. 1, p. 407.
54
Ricardo Pereira LIRA. O direito de superfície e o novo código civil. Revista Forense. v. 364, a. 98.
Rio de Janeiro: Forense, nov./dez, 2002, p. 257-258.
55
Pires de LIMA e Antunes VARELA. Código civil anotado: (artigos 1.251 a 1.575). 2. ed. rev. e
actual. (reimpressão). [s.l.]: Coimbra Editora, 1987, v. 3, p. 170-171; Rui Pinto DUARTE. Curso de
direitos reais. Cascais: Principia, 2002, p. 170-171; José de Oliveira ASCENSÃO. Direito civil: reais.
5.ed., reimp. [s.l.]: Coimbra, 2000, p. 523-524; Luís A. Carvalho FERNANDES, Lições de direitos
reais. 4.ed., reimp. Lisboa: Quid Júris?, 2004, p. 411; Jacinto Fernandes Rodrigues BASTOS, Notas
ao código civil: (artigos 1.251 a 1.575). Lisboa: Rei dos Livros, 1997, v. 5, p. 275.
46
Filipinas, com as modificações necessárias à adaptação à realidade do país após a
independência. Durante a colônia foi necessário conformar o sistema das
Sesmarias, porque no Brasil não existiam terras que tivessem sido cultivadas. As
extensões fundiárias eram imensas e sem qualquer aproveitamento. Várias normas
buscaram essa adequação e o alvará de 05 de dezembro de 1785, sempre através
do arrendamento e da concessão enfitêutica, excluída qualquer menção à superfície,
estatui que poderiam recair sobre terras da coroa portuguesa e unicamente
direcionadas ao cultivo, do que se extrai a finalidade, essencialmente, agrícola.
O instituto da Sesmaria, ainda que modificado, não conseguiu obstar a
ocupação indiscriminada de terras, em afronta às exigências das normas a respeito.
Esse regime foi extinto no Brasil, por resolução de 17 de julho de 1822. Após a
independência, 07 de setembro desse ano, por lei de 20 de outubro de 1823, o
direito português permaneceu vigendo no Brasil. A Constituição de 1824, no inciso
XXII, do artigo 179, garantiu o direito de propriedade em sua plenitude e se o bem
público verificado exigisse o uso e emprego da “Propriedade do Cidadão”, seria ele
previamente indenizado no valor dela. Prevista, destarte, a desapropriação como
única exceção constitucional à propriedade plena.
Somente com a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, dispondo sobre as
terras devolutas do Império, e regulamentada pelo decreto 1.318, de 1854, é que foi
disciplinado o ordenamento fundiário nacional, não havendo, entretanto, menção à
superfície, que, no entanto, continuava a ser utilizada, com suporte na lei portuguesa
de 09 de junho de 1773
56
. Em 24 de setembro de 1864, pela lei 1.237, que reformou
56
Lafayette R. PEREIRA. Direito das coisas. Adapt. ao Código Civil José Bonifácio de Andrada e
Silva, 6.ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Freitas Bastos, 1956, p. 438: “É de notar que antes da
promulgação da lei n. 1.237 havia uma hipótese em que a casa podia ser hipotecada sem solo –
quando a superfície do solo pertencia ao devedor. A superfície constituía um direito real (jus
superficii) e o superficiário podia hipotecá-lo (Maynz, § 241, Troplong, II, n. 404, Pont, n. 391. Mas a
47
a legislação hipotecária e estabeleceu as bases das sociedades de crédito real, deu-
se a revogação do direito de superfície, visto não constar dentre o elenco dos
direitos reais, estabelecido no artigo 6º. Sem a outorga da natureza de direito real e
incluída do parágrafo 1º, do referido artigo 6º, como ônus pessoal, vedada,
obviamente, a hipoteca, a superfície passou a confundir-se com o instituto da
locação ou do arrendamento, perdendo, conseqüentemente, sua operacionalidade.
4.3 A RESTAURAÇÃO BLOQUEADA
Abolida a superfície do ordenamento brasileiro do século XIX, não mais foi
incluída nos projetos de Código Civil ou em leis esparsas, que se sucederam.
Teixeira de Freitas deixou de inserí-la na Consolidação das Leis Civis, por ele
elaborada e aprovada em 1858. Também, não o fez em seu projeto do Código Civil
(Esboço), de 1860, deixando de contemplá-la entre os direitos reais. O artigo 3.706
desse Esboço estatuiu:
Julgar-se-á não escrita, para valer somente como constitutiva de direitos
pessoais (artigo 19), se por tal puder valer, toda estipulação, ou disposição
de última vontade, que constitua outros direitos reais, ou que modifique os
permitidos ao contrário das disposições que o regulam
Pela redação se constata que, não relacionado o direito de superfície entre os
reais, não poderia assumir essa qualidade e a convenção a respeito estaria reduzida
às relações obrigacionais. Precedentemente, Carvalho Moreira, em 1845, em estudo
sobre a revisão e a codificação das leis civis, não menciona a superfície, igualmente
descartada nos projetos subseqüentes, de Felício dos Santos, de 1881, e no de
citada lei aboliu a superfície, deixando de enumerá-la entre os direitos reais, cuja existência
respeitou (Lei, artigo 6, I). A superfície, sem a natureza de direito real, é incompreensível e se
confundiria plenamente com o arrendamento”.
48
Coelho Rodrigues. Nesse lineamento prosseguiu Clóvis Beviláqua ao apresentar o
projeto do Código Civil brasileiro, em 1900. A comissão revisora desse trabalho, no
entanto, incluiu a superfície. Porém, a comissão especial da Câmara dos Deputados
pronunciou-se desfavoravelmente e o capítulo terminou por excluído. O projeto de
Clóvis Beviláqua transformou-se, por fim, no Código Civil de 1916
57, 58 e 59
.
4.4 O ANTEPROJETO ELABORADO POR ORLANDO GOMES
Após várias alterações tópicas, porém importantes, veio à tona a necessidade
de uma revisão ampla do Código Civil e, mais precisamente, da elaboração de um
outro projeto. A coordenação coube a Caio Mário da Silva Pereira, a quem também
foi conferida a elaboração do anteprojeto do Código de Obrigações. Orlando Gomes
ficou com a formulação do anteprojeto do Código de Direito Civil. O texto
apresentado ao Ministro da Justiça, em 31 de março de 1963 (artigos 513, 524/531 e
685), por primeiro, posicionava o direito de superfície dentre os direitos reais
limitados. Na seqüência, tratava de sua constituição (o proprietário do solo pode
conceder, por escritura pública, registrada, por tempo determinado, o direito de
construir ou plantar em seu terreno), da transferência, do objeto, da concessão
gratuita ou onerosa, da reversão ao concedente, da responsabilidade pelos tributos
e encargos, do direito de preferência, proibida a cobrança de taxa e, ainda, a
hipoteca.
A proposta de Orlando Gomes terminou por recusada pelos restantes
membros da comissão revisora, Caio Mário da Silva Pereira e Orozimbo Nonato.
57
Rosane Abreu Gonzalez PINTO. ob.cit., p. 85 e 91-92.
58
Ricardo Pereira LIRA. ob.cit. p. 260-261
59
José Guilherme Braga TEIXEIRA. ob.cit. p. 260-261.
49
Vale acrescentar que o projeto, embora remetido pelo Poder Executivo ao
Legislativo, através da Mensagem 804, de 12 de outubro de 1965, não teve
seqüência e acabou arquivado.Iniciar-se-ia, então, outro movimento de reforma do
Código Civil, concluído com êxito, como se verá no item seguinte.
4.5 O ANTEPROJETO DO CÓDIGO CIVIL
Frustrado o anteprojeto elaborado em 1963, alguns anos depois, em 23 de
maio de 1969, por Ato Ministerial, foi constituída Comissão Elaboradora e Revisora
do Código Civil, sob a coordenação do professor Miguel Reale, com a participação
de José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, Ebert Vianna
Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro. Pela Mensagem Presidencial nº
160, de 10 de junho de 1975, o anteprojeto foi remetido ao Congresso Nacional,
onde recebeu o nº 634, de 1975, com longo curso pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado Federal. Neste anteprojeto, admitiu-se a superfície como direito real,
artigo 1.263, inciso II, e disciplinada nos artigos 1.401 a 1.408. O supervisor da
Comissão Elaboradora e Revisora do Código Civil, professor Miguel Reale, em livro
editado após aprovação pelo Senado Federal, analisou a inclusão da superfície.
Importante reproduzir a análise feita na ocasião:
Como no anteprojeto Orlando Gomes (artigos 524-531), no presente Projeto
o problema da superfície, ou do direito de superfície, é tratado de forma
geral (artigos 1.368-1.375). Talvez por seu antigo direito, de origem romana,
que, após oscilações, reingressa nos sistemas jurídicos positivos, há
prudência no seu delineamento. De modo diferente procedeu o codificador
português de 1966, que cuidou largamente da questão (artigos 1.524-
1.542). É de ver, porém, que o Projeto regula a concessão da superfície
pelo proprietário a outrem, para construir ou plantar. Exigindo escritura
pública, autoriza a concessão gratuita ou onerosa, como permite sua
transferência a terceiro, e que por morte do superficiário se transmita a seus
herdeiros (artigos 1.368-1.371). É assegurado o direito de preferência, em
igualdade de condições, ao superficiário no caso de venda do imóvel, e ao
proprietário, no de alienação da construção ou plantação (artigo 530). Se o
50
texto pede complementação ou correção, nem por isso se há de obscurecer
a importância de inclusão da matéria em novo Código
60
.
O projeto foi sancionado em 10 de janeiro de 2002, passando a vigorar um
ano após sua publicação. Recebeu, a lei, o nº 10.406, de 2002, dividida em uma
parte geral e uma parte especial (Livro I – do direito das obrigações; Livro II – do
direito de empresa; Livro III – do direito das coisas; Livro IV – do direito de família;
Livro V – do direito das sucessões), além de um livro complementar sobre as
disposições finais e transitórias. A superfície vem prevista como direito real no artigo
1.225, inciso II, e é tratada nos artigos 1.369 a 1.377.
4.6 A CONSTRUÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE
A gênese da disciplina do espaço urbano, remonta, por primeiro, ao projeto de
lei federal 775/83, de iniciativa do Poder Executivo, e remetido ao Congresso
Nacional pela Mensagem nº 155/83, ainda quando em vigor a Emenda
Constitucional nº 1, de outubro de 1969. Nesse texto já estava disciplinado o direito
de superfície, artigos 21 até 28. O projeto permaneceu no Congresso, sem qualquer
impulso, até julho de 1995, quando retirado pelo Governo Federal. Sobreveio,
posteriormente, o projeto de lei elaborado pelo Senador Pompeu de Souza, que
tomou o nº 5.788, de 1990, e desde logo assumiu a denominação de “Estatuto da
Cidade”. Estava em vigor, então, a Constituição Federal de 1988, que no artigo 21,
inciso XX, atribuía à União Federal competência para instituir diretrizes ao
desenvolvimento urbano, compreendendo a habitação, saneamento público e os
transportes. Finalmente, o projeto veio a ser aprovado, transformando-se na lei
60
Miguel REALE. O projeto do novo código civil: situação após a aprovação pelo senado federal.
2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 129-130.
51
federal 10.257, de 10 de julho de 2001, com uma vacatio legis de noventa dias. Sua
finalidade, agora, foi de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, além de outras providências.
Visou, precipuamente, conforme a referida norma constitucional, artigo 182, ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes. Divide-se em cinco capítulos: I - diretrizes gerais; II - dos
instrumentos da política urbana; III - do plano diretor; IV - da gestão democrática da
cidade; V - disposições gerais. Dentre os instrumentos de política urbana, como
instituto jurídico e político, consta o direito de superfície. Isto quer dizer que, no
Estatuto da Cidade, como conhecida a lei 10.257/2001, o direito de superfície é um
instrumento, junto com outros, aptos à obtenção dos meios que permitam melhor
uso dos espaços da cidade, racionalizando-os, mas, principalmente, possibilitando a
edificação de habitações para a população de menores recursos.
53
PARTE III - DOS ORDENAMENTOS
5 ELEMENTOS LEGISLATIVOS DE COMPARAÇÃO
A desagregação do domínio pleno se operou com mais precisão no fenômeno
do grande surto industrial no século XIX, que melhor estabeleceu o
desmembramento fático-teórico da propriedade, ao extrair o valor econômico
resultante do "fazer". E desse movimento decorreu, por sua própria dinâmica
empreendedora, a visualização da propriedade como matriz em suas diversas e
multifacetadas aptidões. Disso resultou uma concreta visualização da superfície,
juridicamente, na habitação, na mercancia e na produção industrial, como fonte
negocial imobiliária, e ainda na exploração rural, agrícola e pecuária, possibilitando a
disseminação fundiária. De toda essa evolução, extrai-se que esse direito revelou-se
um instrumento mais flexível que a enfiteuse e, com potencial democrático na
liberdade de atuação, mais aperfeiçoado e dimensionado à obtenção de resultados
patrimoniais. Concomitantemente, pode ser alçado a um padrão de instrumento de
poder (como toda a propriedade sempre foi), isto é, de controle político social e de
controle econômico. Servirá tanto a políticas públicas, como a empreendimentos
privados. Sem o engessamento provocado pela enfiteuse, a superfície se adapta à
falibilidade das coisas humanas, comportando ser manejada na medida das
transformações positivas do progresso e das degradações materiais. A regra
superficies solo cedit, no momento histórico do final do século XIX, revelou-se sem
operacionalidade. As guerras mundiais, que se sucederam no Século XX e que
radicalizaram a necessidade das moradias, e, doutro turno, a premência rural de
54
melhor distribuição das terras, conduziram à adoção do instituto por vários países da
Europa.
5.1 DISCIPLINA LEGAL ESTRANGEIRA
5.1.1 Direito francês
No direito francês, como visto, principalmente pelo Código Civil de 1804, não
vinha contemplado o direito de superfície. No entanto, o artigo 553
61
, do atual
Código Civil francês, tem a seguinte redação:
Todas as construções, plantações e obras sobre um terreno ou no seu
interior são presumidamente feitas pelo proprietário e lhe pertencem, se o
contrário não é possível provar.
A expressão "se o contrário não é possível provar” conduz a uma exceção ao
conteúdo central do artigo. Se é possível provar o contrário, obviamente, viável a
separação da propriedade da superfície da propriedade do solo, ou seja, não se
presume que as construções, plantações e obras sobre um terreno, feitas por quem
não é proprietário, pertençam àquele que detém o domínio. Em conseqüência,
possível alienar a construção ou adquirir por prescrição ou usucapião, uma parte
dela, apenas. A regra geral, portanto, seria a "superficies solo cedit", mas admitindo-
se a exceção, permite-se e se introduz, no sistema jurídico o fenômeno contrário. A
natureza perpétua, inicialmente identificada, assumiu característica temporária e, em
casos práticos, equiparada à locação, devendo a casuística ser resolvida pelos
61 Art. 553. Touts constructions, plantations et ouvrages sur un terrain ou dans l´interieur, sont
présumés faits par le propriétaire à ses frais et lui appartenir, si le contraire n´est prouvé; sans
préjudice de la proprieté qu´un tiers pourrait avoir acquise ou pourrait acquérir par prescription, sóit
d´un souterrain sous le batiment dáutrui, soit de toute autre partie du bâtiment.
55
dispositivos contratuais. Criou-se o denominado "aluguel de domínio dispensável"
(bail à congément, bail à comenant ou bail a domaine congéable). O locador, nesse
tipo de contrato, conserva a propriedade do fundo, mas ao tomador, locatário,
assiste a propriedade de todo o trabalho, que executou na superfície do solo,
construções, plantações, fossos, canais, poços, etc. Após a Revolução Francesa, o
locatário, com a anulação de seu domínio, em face da despedida pelo locador,
passou a ter direito à indenização por suas obras e, mais tarde, em 1896, adveio o
direito a uma indenização maior, pelo valor atualizado da propriedade, solo e
edificações, após um ano de prazo para a saída do superficiário, mais os danos
comprovados. Assim, o domínio do fundiário resultou relativizado pela faculdade
exercida pelo titular do imposto (solarium); o senhorio recebia de volta a terra,
porém, antes, indenizava o valor dos edifícios e das obras superficiárias.
Posteriormente, essa faculdade do proprietário do solo foi eliminada, conforme
noticia Diana Coelho Barbosa, com suporte em Alex Weill, pela lei de 16 de
setembro de 1947, fazendo menção, ainda, a “um direito de superfície no
arrendamento para construir denominado ’bail avec permission de bâtir ou bail à
construction‘ (a Lei 64-1.247, de 16.12.1964)”, mediante o qual se pode obter terreno
não edificado, para nele levantar construções; estas, conforme convencionado pelas
partes, poderão ou não pertencer ao proprietário do solo
62, 63 e 64
.
62
Diana Coelho BARBOSA, ob. cit., p. 52.
63
Paulo Roberto BENASSE, , ob. cit., p. 57-60.
64
Ricardo Pereira LIRA, Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 32-36.
56
5.1.2 Direito alemão
No direito alemão preservou-se a definição do domínio direto e do domínio
útil, sendo que o primeiro se refere ao proprietário da terra e, o segundo, ao titular do
direito de uso da terra, por meio de sua exploração. O Código Civil, vigente desde
1896, regulamentou o tema no Livro III, que trata de direitos reais. O fez, mais
especificamente, na Seção IV, quanto ao direito de superfície, nos parágrafos 1.012
a 1.017 (erbbaurecht)
65
. No parágrafo 1.012 está expresso que o direito de
superfície atribui a propriedade das construções ao superficiário e compreende,
também, o subsolo. O superficiário pode estender o uso, gozo e fruição sobre a
parte do solo não atingida pela construção, na medida em que esta extensão é
acessória e legítima, conforme vem disposto no parágrafo 1.013. O parágrafo
seguinte, de nº 1.014, dispõe que as construções devem se limitar a um andar, e,
por fim, no que interessa, o parágrafo 1.015 estatui que o direito de superfície não se
extingue pela perda da coisa. Tais dispositivos foram revogados pela
Regulamentação sobre Direito de Superfície, de 15 de janeiro de 1919, confirmada
pela lei de 04 de março, do mesmo ano
66
. Para o direito real à construção,
estabelecido antes de 22 de janeiro de 1919, seguiram valendo os parágrafos 1.012
65
E.Eiranova ENCINAS. Código civil alemán comentado – bgb. Madrid-Barcelona: Marcial Pons,
1998, p. 329-332.
66 Martin WOLFF, ob.cit., “Las objeciones contra el C.c. son: falta una relación de obligaciones de
carácter legal (semejante a la que tiene lugar en el usufructo): no existe un deber para el
superficiario ni de edificar, ni de conservar en debida forma lo edificado, ni de asegurarlo; no está
clara cual sea la suerte del edifício y de las hipotecas que gravan el derecho de superficie cuando
éste se extingue; se discute en que forma puede adquirir carácter real la pensión superficiaria en
los Estados de la federación en los cuales no se permiten, o se permiten sólo de una manera
limitada, las cargas reales; y en particular que el derecho de superfície es inadecuado como base
de crédito”, p. 2 - As objeções contra o C.c. são: falta uma relação de obrigações de caráter legal
(semelhante a que tem lugar no usufruto): não existe um dever para o superficiário, nem de edificar,
nem de conservar em devida forma o edificado, nem de assegurá-lo; não está claro qual seja a
sorte do edifício e das hipotecas que gravam o direito de superfície quando este se extingue;
discute-se de que forma pode adquirir caráter real a pensão superficiária nos Estados da
Federação nos quais não se permitem, ou se permitem só de uma maneira delimitada, os encargos
reais; e, em particular, que o direito de superfície é inadequado como base de crédito.
57
a 1.017. Persistiram as restrições às edificações e não foram contempladas as
plantações. O novo regramento foi produto das insurgências ocorridas após a
Primeira Guerra Mundial, quanto à falta de moradias. Buscou-se fomentar a
construção de pequenas vivendas e o combate à especulação imobiliária. No
essencial, o conteúdo das disposições anteriores permaneceram, havendo,
entretanto, maior preocupação com o detalhamento estrutural do instituto, no que se
refere ao termo, à renovação, à demolição, à construção e à devolução. A
regulamentação manteve a exclusão das plantações, enfatizando tratar-se a
construção de um direito alienável e hereditário, além de suscetível de hipoteca.
Cabe ressaltar, ainda, que ao superficiário foram conferidas prerrogativas de
proprietário, assistindo-lhe construir, usar, reconstruir, em caso de demolição, e
assumir os encargos e impostos. O direito alemão atribui à superfície a qualidade de
um direito autônomo sui generis, outorgando ao superficiário a propriedade da
construção. Impõe, todavia, o registro, sem o que o contrato gerará efeitos tão-
apenas obrigacionais.
5.1.3 Direito português
O Código Civil Português de 1966, em vigor, regula a superfície nos artigos
1.524 a 1.542
67 e 68.
Define-a no artigo 1.524: "O direito de superfície consiste na
faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em
terreno alheio ou de nele fazer ou manter plantações”. A expressão “perpétua” não
significa que não possa ser desconstituído, mas, sim, que persiste enquanto
67
A.NETO, Código civil anotado. 11.ed. Coimbra: [s.e.], 1997, p. 1.040-1.046.
68
Ricardo Pereira LIRA, O direito de superfície e o novo código civil, cit. p. 257-258.
58
obedecidas as regulamentações contratuais e legais. Não há um termo fixo para a
revogação da avença, equivalendo à locução “tempo indeterminado”. O contraposto
está no “tempo determinado”: quando vencido o prazo, encerra-se a relação (a
duplicidade, tempo determinado ou indeterminado, vem prevista no Estatuto da
Cidade, lei 10.257, de 2001, artigo 21). Outrossim, constar desse dispositivo que a
construção – ou a plantação – é de ser realizada ou mantida em terreno alheio, não
desnatura o instituto. Tão-apenas especifica que a incorporação será feita ou está
sobre a propriedade de outrem, que é o dominus soli. Porém, a propriedade da
superfície é do construtor ou do plantador. De anotar, que o subsolo é reservado ao
proprietário (artigo 1.533), ao qual, também, o uso e a fruição do solo, enquanto não
se iniciar a construção da obra ou não se fizer a plantação (artigo 1.532). Conforme
o artigo 1.525, se o objetivo for construção de uma obra, o direito de superfície pode
abranger a parte do solo desnecessária à sua implantação, desde que tenha
utilidade para o fim perseguido. Também, é permitida a construção ou manutenção
(alteração do decreto lei 257, de 18.07.91) de obra no subsolo. O artigo 1.528 dispõe
que o direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou
usucapião e pode resultar da alienação de obras ou árvores já existentes,
separadamente da propriedade do solo, importando nas servidões necessárias ao
uso e fruição da obra ou das árvores (artigo 1.529). O superficiário (artigo 1.530) tem
o encargo de pagar o preço, sempre em dinheiro, em uma única prestação ou em
parcela anual, perpétua ou temporária; havendo mora no cumprimento, o
proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida (artigo
1.531, n. 2). O artigo 1.534 trata da transmissibilidade dos direitos, dispondo que,
tanto o direito de superfície, como o de propriedade do solo são transmissíveis por
ato inter vivos ou por morte. O artigo 1.535 disciplina o direito de preferência,
59
conferido ao proprietário do solo, em último lugar, na venda ou dação em
cumprimento do direito de superfície. O artigo 1.536 enumera os casos de extinção:
a) se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação dentro do prazo
fixado, ou, na falta de fixação, dentro do prazo de dez anos; b) se destruída a obra
ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a plantação,
dentro dos mesmos prazos a contar da destruição; c) pelo decurso do prazo,
constituído por certo tempo; d) pela reunião, na mesma pessoa, do direito de
superfície e do direito de propriedade; e) pelo desaparecimento ou inutilização do
solo; f) pela expropriação por utilidade pública (artigo 1.524), assistindo a cada um
dos titulares a parte do ressarcimento que corresponder ao valor do respectivo
direito. O nº 2º da norma prevê, que no título constitutivo pode também estipular-se a
extinção do direito de superfície, em conseqüência da destruição da obra ou das
árvores, ou da verificação de qualquer condição resolutiva. Já o artigo 1.538 dispõe
que, sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo,
logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores, ressalvado,
na dependência de estipulação em contrário, o direito a uma indenização em favor
do superficiário, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Na disciplina do Código português dispositivo algum estatui que, pelo
inadimplemento da prestação pecuniária, é possível a resolução do contrato. Não há
a imposição de comisso. A dívida é passível de execução, e ao proprietário assiste
cobrar o triplo do preço estipulado no contrato
69, 70 e 71
, permanecendo, contudo, o
direito de superfície. Extingue-se a obrigação de pagar, quanto às prestações
anuais, se o inadimplemento se estender por vinte anos, sem que, todavia, implique
69
Paulo Roberto BENASSE, ob. cit., p. 62-68.
70
Ricardo Pereira LIRA, Elementos de direito urbanístico, cit., p. 50-52.
71
José de Oliveira ASCENSÃO. O direito de superfície agrícola, cit., p. 146-171.
60
em aquisição pelo superficiário da propriedade do solo, salvo se houver usucapião
em seu benefício (artigo 1.537). No fecho, vale salientar o direito de construir sobre
edifício alheio (sobrelevação), previsto no artigo 1.526, a extinção ou a permanência
dos direitos reais constituídos sobre a superfície (artigos 1.539, 1.540 e 1.541) e a
incidência da legislação especial, quando constituído o direito pelo Estado ou por
pessoas coletivas públicas em terrenos de seu domínio privado, com aplicação do
Código, subsidiariamente, regra que guarda similitude com a do artigo 1.377, do
Código Civil brasileiro, de 2002.
5.1.4 Direito italiano
O Código Civil italiano disciplina o direito de superfície nos artigos 952 a 956,
com referências aos artigos 934, 1.350, nº 2, 2.643, 2.810, nº 3, e 2.816, bem como
à lei 1.865, de 1971, artigo 35, que trata da expropriação do solo para fins de
construção econômica e popular. O artigo 952 assim está redigido:
Artigo 952. Constituição do direito de superfície – O proprietário pode
constituir o direito de fazer e manter sobre o solo uma construção a favor de
outrem, que adquire a propriedade (934, 1.352 nº 2, 2643 nº 2, 2.810 nº 3).
Igualmente pode alienar a propriedade da construção já existente,
separadamente da propriedade do solo
72
.
Claramente, o dispositivo separa a propriedade do solo da propriedade da
construção (a regulamentação, igualmente, abrange o subsolo, artigo 955). No
primeiro caso, o proprietário pode constituir o direito de edificar ou manter edificação
já existente sobre seu solo. O concessionário, que é aquele que se dispõe à
construção ou a manter a já existente, terá a propriedade da construção feita,
72
952. Costituzione del diritto di superficie. II – proprietario può costituire il diritto di fare e mantenere
al di sopra del suolo una costruzione a favore di altri, che ne acquista la proprietà (934, 1352 n. 2,
2810 n. 3). Del pari può alienare la proprietà della costruzione già esistente, separatamente dalla
roprietà del suolo.
61
enquanto que o proprietário permanece com a do solo. Também, o proprietário do
solo pode alienar, unicamente, a propriedade da construção. Consagrada, assim,
está a diretriz da duplicidade de domínio, não configurada a superfície como ius in re
aliena.
O artigo 953 estabelece, que se a constituição do direito é feita por tempo
determinado, ao termo, o direito de superfície se extingue e o proprietário do solo se
torna proprietário da construção.
O artigo 954 cuida da extinção. Operando-se o termo final, extingue-se o
direito real imposto pelo superficiário. Fica anotado, que o direito que grava o solo se
estende à construção, salvo, para a hipoteca, como disposto no primeiro parágrafo,
do artigo 2.816. Conforme essa última norma, a hipoteca, que tem por objeto o
direito de superfície, se extingue no caso de devolução da superfície ao proprietário
do solo pelo decurso do termo. Se, porém, o superficiário tem direito a uma
indenização, a hipoteca inscrita contra ele se resolve sobre o mesmo montante. A
hipoteca inscrita contra o proprietário do solo não se estende à superfície. Se, por
outra causa, se reunir na mesma pessoa o direito de propriedade do solo e aquele
do superficiário, a hipoteca, sobre um e sobre outro direito, continuará a gravar
separadamente os direitos como distintos. O contrato de superfície deve ser
realizado mediante escritura pública ou instrumento privado, tornando-se público por
estar sujeito à transcrição (artigo 2.643, nº 2)
73, 74, 75, 76 e 77
. Ainda, de acordo com o
73
Gaetano AZZARITI (org.). Enciclopedia forense, SO-Z, v. 7. Milano: Casa Editrice Dr. Francesco
Vallardi, p. 546
74
Gianfranco PALERMO. La superfície. In: Trattato di diritto privato: proprietà. Pietro Rescigno, [s.l.]:
UTET, [s.d.], v. 8, t. 2, p. 3-38.
75
G.PUGLIESE. Della superfície. In: Commentario del codice civile: libro terzo: della proprietà. A cura
di A. SCIALOJA e G.BRANCA, Bologna e Roma: Nicola Zanichelli Editore e Soc. Ed. Del Foro
Italiano, 1946, p. 425-476.
76
Paulo Roberto BENASSE, ob. cit., p. 35-39.
62
artigo 954 (a) as locações, objeto da construção, têm a duração restrita ao termo do
contrato de superfície, (b) o perecimento da edificação não importa em extinção do
direito de superfície e (c) o não uso do direito de construir, prescreve em vinte anos.
Por fim, o artigo 956 proíbe a propriedade separada das plantações daquela do
solo
78 e 79.
5.1.5 Direito austríaco
O Código Civil austríaco de 1811 (BGB) divergiu da orientação consagrada no
Código Napoleônico de 1804, rigorosamente centrado na propriedade unitária e
manteve o sistema medieval da divisão do domínio direto e útil. Não há disciplina
sistemática da superfície, mas os parágrafos 1.125, 1.147 e 1.150 tratam da
propriedade dividida entre aquele, com uso do solo e do subsolo, e outro com
utilização da superfície, e que, em razão disso estava vinculado ao pagamento de
uma contribuição anual. Por esse pagamento assistia-lhe o direito à fruição da
superfície, compreendendo as árvores, plantas e construções. A destruição desses
bens não importaria na perda do direito de uso e, desde que subsistente uma parte
do imóvel, poderia refazer as plantações, árvores e edificações
80
. Não há a
regulamentação da superfície como uma propriedade separada, mas, unicamente,
referência à utilização e ao gozo dos bens incorporados ao solo, mediante
contraprestação (anuidade).
77
F. del GIUDICE. ob. cit. p. 573-575
78
Attilio GUARNIERI, Digesto delle Discipline Privatistiche – Sezione Civile, Sotto gli auspici
dell’Académie Internationale de Droit Comparé e dell’Associazione Italiana di Diritto Comparato,
vol. XIX, UTET, Torino, 1999, p. 221.
79
Giovanni GIACOBBE, La Superficie, Trattato de Diritto Civile e Commerciale, Dott. A. Giuffrè
Editore – Milano, 2003, p. 196.
80
G. B. BULFONI, ob. cit., p. 773; Pereira LIRA, ob. cit., p. 256
63
Lei extravagante, datada de 26 de abril de 1912, posterior ao Código Civil da
Alemanha, mas anterior ao Regulamento daquele país, de 1919, sobre a superfície,
a significar que não poderia sofrer a influência dessa derradeira legislação, trouxe
feição específica ao instituto, como direito real, gravando um imóvel, sem classificá-
lo, entretanto, como propriedade ou direito real sobre coisa alheia. A particularidade
maior diz respeito à restrição imposta à superfície ao vedar que as pessoas físicas
constituíssem este direito sobre seus imóveis, somente o admitindo às pessoas
jurídicas de direito público, às instituições voltadas as responsabilidades sociais e às
associações, inclusive de caráter religioso, mas desde que evidenciado o interesse
público. A limitação teve como justificativa o bloqueio do emprego do direito de
superfície como forma de especulação imobiliária
81, 82 e 83
.
5.1.6 Direito civil de Quebec, Canadá
A regulamentação está no Capitulo IV – Da propriedade superficiária,
compreendendo os artigos 1.110 a 1.118.
O artigo 1.110 estabelece que a propriedade superficiária resulta da divisão
do objeto do direito de propriedade sobre um imóvel, da cessão do direito de
acessão ou da renúncia ao benefício da acessão. As demais normas estatuem
sobre: a convenção, regulamentando o uso do solo pelo proprietário fiduciário; se
estiver gravado das servidões necessárias ao exercício do direito, elas se
extinguirão com o seu fim; o superficiário e o proprietário do solo suportam os
encargos, que gravam o bem, na medida dos respectivos direitos de propriedade; a
81
Ricardo Pereira LIRA, Elementos de direito urbanístico, cit., p. 45-46.
82
Jean Pierre MARTY, ob. cit., p. 156
83
Attilio GUARNIERI, ob. cit., p. 210
64
propriedade superficiária pode ser perpétua, mas um termo pode ser fixado pela
convenção, que estabelece a modalidade superficiária; a propriedade superficiária
tem fim pela reunião das qualidades de senhorio e de superficiário, por uma
condição resolutória e pela ocorrência do termo; a perda total das construções,
obras ou plantações não põe fim à propriedade superficiária, a não ser que isto
resulte da divisão do objeto da propriedade; a desapropriação das construções,
obras ou plantações, ou a do solo, não põe fim à propriedade superficiária; ao
expirar o termo da propriedade superficiária, o senhorio adquire por acessão a
propriedade da construções, obras ou plantações, pagando o valor ao superficiário.
Entretanto, se o valor é igual ou superior àquele do solo, o superficiário tem o direito
de adquirir a propriedade deste, pagando o valor ao senhorio, a não ser que ele
prefira, a seus cuidados, retirar as construções, obras e plantações que ele fez,
retornando o solo a seu estado anterior; não exercendo o superficiário seu direito de
adquirir a propriedade do solo nos noventa dias ao fim da propriedade superficiária,
o senhorio conserva a propriedade da construção, obras e plantações; o proprietário
do solo e o superficiário que não se acordem sobre o preço e outras condições de
aquisição do solo ou das construções, obras e plantações, podem pedir ao Tribunal
para fixar o preço e as condições da aquisição, valendo o julgamento vale como
título para todos os efeitos; eles podem também, em caso de desacordo sobre as
condições da retirada das construções, obras ou plantações, requerer ao Tribunal
que determine a respeito (artigos 1.116/1.117).
65
5.1.7 Direito belga
O artigo 553, do Código Civil da Bélgica, trazia a mesma disciplina do Código
Civil francês, isto é, que a acessão prevalece, salvo prova em contrário. Entretanto,
diversamente do direito francês, o legislador belga, em 10 de janeiro de 1824, editou
lei dispondo sobre o direito de superfície. O artigo 1º estipula que o direito de
superfície é um direito real, que consiste em ter construções, obras e plantações
sobre um solo pertencente a outro. O artigo 2º permite a alienação e a hipoteca,
além de autorizar servidões nos bens, limitada, porém, à duração do gozo. O título
constitutivo do direito de superfície deverá ser transcrito nos registros públicos
(artigo 3º). Não poderá, ademais, esse direito de superfície ser estabelecido por um
tempo superior a cinqüenta anos, salvo a faculdade de renovação (artigos 3º e 4º). O
artigo 5º assinala:
Durante o período do direito de superfície, o proprietário do solo não pode
impedir aquele que tem esse direito de demolir as construções e outras
obras, além de arrancar as plantações e as levar, previsto que este último já
tenha pago o valor quando da aquisição, ou que as construções, obras ou
plantações tenham sido construídas ou feitas por ele e previsto que o fundo
seja remido no estado em que se encontrava antes da construção ou da
plantação
84
.
Expirado o direito de superfície, a propriedade das construções, obras e
plantações passa ao proprietário do solo, ficando a cargo deste último reembolsar o
valor atual desses objetos ao proprietário do direito de superfície que, até o
reembolso, terá o direito de retenção (artigo 6º). Se o direito de superfície foi
estabelecido sobre um solo sobre o qual se encontravam construções, obras ou
plantações, cujo valor não foi pago pelo adquirente, o proprietário do solo recuperará
84
Art. 5. Pendant la durée du droit de superficie, le propriétaire du fonds ne peut empêcher celui qui a
ce droit, de démolir les bâtiments et autres ouvrages, ni d’arracher les plantations et de les enlever,
pourvu que ce dernier en ait payé la valeur lors de son acquisition, ou que les bâtiments, ouvrages
et plantations aient été construits ou faits par lui, et pourvu que le fonds soit remis dans l’état où il se
trouvait avant la construction ou la plantation.
66
o todo quando o direito expirar, sem responsabilidade por qualquer indenização
pelas construções, obras ou plantações. O artigo 9º dispõe que o direito de
superfície se extingue, entre outros, (a) pela confusão, (b) pela destruição do solo e
(c) pela prescrição de trinta anos. Cumpre considerar, ainda, a norma do artigo 8º de
que “as disposições do título presente não terão lugar a não ser que derrogadas
pelas convenções das partes”.
5.1.8 Direito espanhol
O Código Civil não consagra norma particular ao direito de superfície, salvo
referência no artigo 1.611, do capítulo primeiro, título VII, “dos censos”, que tem a
seguinte redação:
Artigo 1.611. Para o resgate dos constituídos antes da promulgação deste
Código, se não for conhecido o capital, este será regulado pela quantidade
que resulte, computada a pensão em 3 por 100. Se o pagamento da pensão
se fizer por frutos, estes serão estimados, para determinar o capital, pelo
preço médio, que tiveram no último quinqüênio. O disposto neste artigo não
se aplicará aos foros, subforos, direitos de superfície e quaisquer outros
gravames ssemelhantes, nos quais o princípioo do resgate dos domínios
será regulado por uma lei especial (295)
85
.
85
Art. 1.611. Para la redención de los constituidos antes de la promulgación de este Código, si no
fuere conocido el capital, se regulará éste por la cantidad que resulte, computada la pensión al 3
por 100. Si la pensión se paga en frutos, se estimarán éstos, para determinar el capital, por el
precio medio que hubiesen tenido en el último quinquenio. Lo dispuesto en este artículo no será
aplicable a los foros, subforos, derechos de superficie y cualesquiera otros gravámenes
semejantes, en los cuales el principio de la redención de los dominios será regulado por una ley
especial (295).
67
Ainda, o artigo 1.656
86
, na Seção Segunda, capítulo II, “do censo enfitêutico”,
dos foros e outros contratos análogos à enfiteuse, estabelece um contrato com
prazo de cinqüenta anos, na qual o dono do solo cede seu uso para plantar vinhas,
pelo tempo que viverem as primeiras árvores, pagando-lhe o cessionário uma renda
ou pensão anual em frutos ou em dinheiro, assistindo-lhe livremente transmitir o
direito a título gratuito ou oneroso, vedada a divisão do uso da propriedade, sem o
consentimento expresso do dono.
Foram ainda editadas legislações como a regulamentação hipotecária, de
caráter geral, datada de 17 de março de 1959, e precedida da lei do solo, de 12 de
maio de 1956, consagrada a um caso particular de direito de superfície.
Conforme a regulamentação hipotecária, o superficiário recebe a título
gratuito ou oneroso, o direito de construir, plantar, usar e conservar a construção,
além de transmitir o direito. Se contratada a título oneroso, a contrapartida pode
86
Art. 1.656. El contrato en cuya virtud el dueño del suelo cede su uso para plantar viñas por el
tiempo que viviren las primeras cepas, pagándole el cesionario una renta ou pensión anual en
frutos o en dinero, se regirá por las reglas siguintes (386):
1.ª Se tendrá por extinguido a los cincuenta años de la concesión, cuando en ésta no se hubiese
fijado expresamente otro plazo.
2.ª También quedará extinguido por muerte de las primeras cepas, o por quedar infructíferas las dos
terceras partes de las plantadas.
3.ª El cesionario o colono puede hacer renuevos y mugrones durante el tiempo del contrato.
4.ª No pierde su carácter este contrato por la facultad de hacer otras plantaciones en el terreno
concedido, siempre que sea su principal objeto la plantación de viñas.
5.ª El cesionario puede transmitir libremente su derecho a título oneroso o gratuito, pero sin que
pueda dividirse el uso de la finca, a no consertilo expresamente su dueño.
6.ª En las enajenaciones a título oneroso, el cedente y el cesionario tendrán recíprocamente los
derechos de tanteo y de retracto, conforme a lo prevenido para las enfiteusis, y con la obligación de
darse el aviso previo que se ordena en el artículo 1.637.
7.ª El colono o cesionario puede dimitir o devolver la finca al cedente cuando le convenga, abonando
los deterioros causados por su culpa.
8.ª El cesionario no tendrá derecho a las mejoras que existan en la finca al tiempo de la extinción del
contrato, siempre que sean necesarias o hechas en cumplimiento de lo pactado.
En cuanto a las útiles y volintarias, tampoco tebdrá derecho a su abono, a no haberlas ejecutado con
consentimiento por escrito del dueño del terreno, obligándose a abonarlas. En este caso se
abonarán dichas mejoras por el valor que tengan al devolver la finca.
9.ª El cedene podrá hacer uso de la acción de desahucio por cumplimiento del término del contrato.
10. Cuando después de terminado el plazo de los cincuenta años o el fijado expresamente por los
interesados, continuare el cesionario en el uso y aprovechamiento de la finca por consentimiento
tácito del cedente, no podrá aquél ser desahuciado sin el aviso previo que éste deberá darle con un
año de antelación para la conclusión del contrato.
68
consistir na percepção de um encargo no caso de cessão de um direito, seja um
canon periódico, seja uma indenização normal exigida pela extinção da superfície.
De seu lado, o regime especial da lei do solo, de 12 de maio de 1956, dispõe
que na construção de um imóvel em planos horizontais a propriedade pertencerá ao
superficiário. Foi previsto o limite de cinqüenta anos e esse direito pode ser
conferido aos particulares ou às pessoas jurídicas de direito público. A construção
deve ser efetuada em cinco anos, quando se tratar de terrenos públicos. Constituído
a título oneroso, o concedente conserva o direito de preferência ou de
arrependimento, benefícios também outorgados ao superficiário. Se, antes da
extinção do direito de superfície, o superficiário não tiver terminado a edificação, o
proprietário estará vinculado a indenizar somente dois andares. No caso de
execução normal, o proprietário deve uma indenização equivalente ao valor da
construção, conforme seu estado no momento da transmissão (artigos 160 e 161).
Em 28 de maio de 2007, foi editada a “Lei de Solo” (nº 8), como um processo
direcionado à racionalização do setor urbano. Em seus artigos 35 e 36 disciplina o
direito de superfície, dispositivos inseridos no Título V, sobre a função social da
propriedade e a gestão do solo. Em linhas gerais, o mencionado artigo 35 dispõe
que o direito real de superfície atribui ao superficiário a faculdade de realizar
construções ou edificações no solo, no espaço aéreo e no subsolo de uma
propriedade alheia, mantendo a propriedade temporal das construções ou
edificações realizadas. Também, pode constituir-se sobre construções ou
edificações já existentes, sempre sem prejuízo da propriedade separada do titular do
solo. Deve ser formalizado por escritura pública e inscrito no Registro de
Propriedade, ressaltado que no instrumento deve vir fixada a duração do direito de
superfície, que não poderá exceder noventa e nove anos. Somente o proprietário do
69
solo, seja público ou privado, é que pode constituir o direito de superfície, a título
oneroso ou gratuito. Na primeira hipótese, a contraprestação do superficiário pode
se efetivar de uma só vez ou através de um canon periódico ou pela adjudicação de
casas ou locais ou direitos de arrendamento a favor do proprietário do solo, ou todas
essas modalidades de uma só vez, sem prejuízo da reversão total do edificado ao
final do prazo.
O artigo 36 trata da transmissão, gravames e extinção do direito de superfície,
com as limitações fixadas ao ser constituído. Estabelece que, quando as
características da construção ou edificação o permitam, o superficiário poderá
constituir a propriedade superficiária em regime de propriedade horizontal, com
separação do terreno correspondente ao proprietário, e poderá transmitir e gravar,
como áreas independentes, as casas, os locais e os elementos privativos da
propriedade horizontal, durante o prazo do direito de superfície, sem necessidade do
consentimento do proprietário do solo. Na constituição do direito de superfície,
poderão ser incluídas cláusulas e pactos relativos a direitos de preferência, distrato e
retrovenda a favor do proprietário do solo. O proprietário do solo poderá transmitir e
gravar seu direito com separação do direito do superficiário e sem consentimento
deste. O subsolo corresponderá ao proprietário do solo e será objeto de transmissão
e gravame juntamente com este, salvo se tiver sido incluído no direito de superfície.
Este direito se extingue se não for feita a edificação em conformidade com a
ordenação territorial e urbanística e no prazo previsto no título de constituição, e, em
todo caso, pelo transcurso do prazo de duração do direito. Com a extinção do direito
de superfície pelo transcurso de seu prazo de duração, o proprietário do solo faz sua
a propriedade do edificado, sem que deva pagar indenização, qualquer que seja o
título em virtude do qual se constituiu o direito, salvo disposição contratual em
70
contrário. A extinção do direito de superfície, pelo transcurso de seu prazo de
duração, determina a de toda a classe de direitos reais ou pessoais impostos pelo
superficiário. Finalmente, se por qualquer outra causa se reuniram os direitos de
propriedade do solo e os do superficiário, os encargos que recaíram sobre um e
outro direito, continuarão a gravá-los, separadamente, até o transcurso do prazo do
direito de superfície
87
.
87
Art. 35. Contenido, constitución y régimen. 1. El derecho de superficie atribuye al superficiario la
faculdad de realizar construcciones o edificaciones en la rasante y en el vuelo y subsuelo de una
finca ajena, manteniendo la propiedad temporal de las construcciones o edificaciones realizadas.
También puede constituirse dicho derecho sobre construcciones o edificaciones ya realizadas o
sobre viviendas, locales o elementos privativos de construcciones o edificaciones, atribuyendo al
superficiario la propiedad temporal de las mismas, sin perjuicio de la propiedad separada del titular
del suelo. 2. Para que el derecho de superficie queda válidamente constituido se requiere su
formalización en escritura pública y la inscripción de ésta en el Registro de la Propiedad. En la
escritura deberá fijarse necesariamente el plazo de duración del derecho de superficie, que no
podrá exceder de noventa y nueve años. El derecho de superficie solo puede ser constituido por el
propietario del suelo, sea público o privado. 3. El derecho de superficie puede constituirse a título
oneroso o gratuito. En el primer caso, la contraprestación del superficiario podrá consistir en el pago
de una suma alzada o de un canon periódico, o en la adjudicación de viviendas o locales o
derechos de arrendamiento de unos u otros a favor del propietario del suelo, o en varias de estas
modalidades a la vez, sin perjuicio de la reversión total de lo edificado al finalizar el plazo pactado al
constituir el derecho de superficie. 4. El derecho de superficie se rige por las disposiciones de este
Capítulo, por la legislación civil en lo no previsto por él y por el título constitutivo del derecho. Art.
36. Transmisión, gravamen y extinción. 1. El derecho de superficie es susceptible de transmisión y
gravamen con las limitaciones fijadas al constituirlo. 2. Cuando las características de la
construcción o edificación lo permitan, el superficiario podrá constituir la propiedad superficiaria en
régimen de propiedad horizontal con separación del terreno correspondiente al propietario, y podrá
transmitir y gravar como fincas independientes las viviendas, los locales y los elementos privativos
de la propiedad horizontal, durante el plazo del derecho de superficie, sin necesidad del
consentimiento del propietario del suelo. 3. En la constitución del derecho de superficie se podrán
incluir cláusulas y pactos relativos a derechos de tanteo, retracto y retroventa a favor del propietario
del suelo, para los casos de las transmisiones del derecho o de los elementos a que se refieren,
respectivamente, los dos apartados anteriores. 4. El propietario del suelo podrá transmitir y gravar
su derecho con separación del derecho del superficiario y sin necesidad de consentimiento de éste.
El subsuelo corresponderá al propietario del suelo y será objeto de transmisión y gravamen
juntamente con éste, salvo que haya sido incluido en el derecho de superficie. 5. El derecho de
superficie se extingue si no se edifica de conformidad con la ordenación territorial y urbanística en
el plazo previsto en el título de constitución y, en todo caso, por el transcurso del plazo de duración
del derecho. A la extinción del derecho de superficie por el transcurso de su plazo de duración, el
propietario del suelo hace suya la propiedad de lo edificado, sin que deba satisfacer indemnización
alguna cualquiera que sea el título en virtud del cual se hubiera constituido el derecho. No obstante,
podrán pactarse normas sobre la liquidación del régimen del derecho de superficie. La extinción del
derecho de superficie por el transcurso de su plazo de duración determina la de toda clase de
derechos reales o personales impuestos por el superficiario. Si por cualquier otra causa se
reunieran los derechos de propiedad del suelo y los del superficiario, las cargas que recayeren
sobre uno y otro derecho continuarán gravándolos separadamente hasta el transcurso del plazo del
derecho de superficie.
71
5.1.9 Direito suíço
O Código Civil estatuía sobre o direito de superfície, em seu artigo 779,
dispondo que o proprietário poderia estabelecer, em favor de terceiro, uma servidão,
conferindo-lhe o direito de ter ou de fazer construções, seja acima, seja abaixo do
solo. Esse direito seria alienável ou transferível, hereditariamente, salvo convenção
em contrário. Em 19 de março de 1965, com vigência a partir de 1º de julho, foram
introduzidos os artigos 779-A a 779-I, visando complementar a regência a respeito
do direito de superfície. As linhas gerais dessa legislação são as seguintes: a
validade do contrato exige que seja elaborado por intermédio de um ato autêntico;
as disposições contratuais sobre os efeitos e a extensão do direito de superfície,
notadamente sobre a situação, a estrutura, o volume e a destinação das
construções, assim que no referente à utilização das áreas não construídas
colocadas à contribuição para o exercício do direito, são obrigatórias para todo
adquirente do direito de superfície e do imóvel gravado; expirado o direito de
superfície, as construções retornarão ao proprietário do fundo e dele se tornarão
parte integrante; o proprietário, nessa hipótese, deverá pagar ao superficiário uma
indenização eqüitativa que constitui, entretanto, para os credores, em favor dos
quais o direito de superfície estiver gravado, uma garantia para o pagamento dos
seus créditos, e que não pode ser entregue ao superficiário sem que consintam; se a
indenização não é nem pagamento, nem garantia, o superficiário ou um credor em
favor do qual o direito de superfície estava gravado, pode exigir que, no lugar do
direito de superfície, seja efetuada uma hipoteca do mesmo valor, inscrita em
garantia da indenização devida. A inscrição deve ser feita, o mais tardar, três meses
após a expiração do direito de superfície; o montante da indenização, o
72
procedimento a seguir para fixar, a supressão da indenização e o restabelecimento
do estado primitivo da propriedade do solo, podem ser objeto de outras disposições
passadas na forma prescrita pela constituição do direito de superfície e podendo ser
anotadas no registro imobiliário; se a superfície excede gravemente seu direito real
ou viola gravemente as obrigações contratuais, o proprietário pode provocar o
retorno antecipado, pedindo a transferência para seu nome do direito de superfície
com todos os direitos e encargos que lhe estão vinculados; o direito de retorno não
pode ser exercitado se não satisfeita uma indenização eqüitativa pelas construções
devolvidas ao proprietário; o direito de superfície não se transfere ao proprietário do
solo, a não ser que a indenização seja paga ou garantida; as disposições
concernentes ao exercício do direito de retorno se aplicam, em todo caso, quando o
proprietário põe fim, prematuramente, ao direito de superfície ou ao de demandar a
retrocessão em caso de violação de suas obrigações pelo superficiário; o
proprietário pode requerer a todo superficiário atual que garanta a renda do direito
de superfície por meio de uma hipoteca, gravando três anuidades, no máximo, do
direito de superfície matriculado no registro imobiliário; se a renda, não consistir em
anuidades iguais, a inscrição da hipoteca legal pode ser requisitada pelo montante
que, a renda estando uniformemente repartida, represente três anuidades; a
hipoteca pode ser inscrita a todo tempo, durante a duração do direito de superfície e,
no caso de realização forçada, ela não se irradiará; por fim, o direito de superfície
não pode ser constituído por mais de cem anos, podendo, a todo tempo, ser
prorrogado na forma prevista no contrato por mais cem anos, mas todo o vínculo
formado além desse período é nulo.
5.1.10 Direito argentino
73
O Código Civil da Nação Argentina, de 1869, vedava, expressamente, tanto a
enfiteuse quanto a superfície, em seu artigo 2.614. Recentemente, a lei 25.509, de
11 de dezembro de 2001, introduziu a categoria no ordenamento do país, primeiro a
incorporando dentre os direitos reais, elencados no Código Civil, no artigo 2.503. Por
essa legislação extravagante, a constituição do direito de superfície ficou limitada
aos prédios rurais e unicamente para reflorestamento ou silvicultura, por meio de
escritura pública, devendo ser inscrito no Registro da Propriedade Imóvel
Jurisdicional, podendo ser oneroso ou gratuito, conforme constar do contrato e
limitado a 50 anos. É possível a transferência do domínio, mas o adquirente deve
respeitar o direito do superficiário, impedido o proprietário de estabelecer direitos
reais de gozo ou de garantia. Ficou estabelecido o prazo de caducidade do direito do
superficiário, em três (3) anos, caso não iniciadas novas plantações. E, também,
está prevista indenização pelo enriquecimento do proprietário, ocasionado pela
valoração do imóvel.
5.1.11 Common law
O direito inglês, consuetudinário, distingüe-se pela prática jurisprudencial.
Embora o processo legislativo não se dê nos moldes brasileiros, há a normatização,
pelo Estado, por meio de Acts (UK Acts e Local Acts) e Statutory Instruments. Esses
textos normativos estabelecem conceitos; critérios e procedimentos para os casos
de constituição, prorrogação, rescisão dos instrumentos de cessão seja em
arrendamento, locação ou superfície; para retomada do bem; indenização, retenção;
74
preempção; especificando, dentre outros, objeto contratual, exceções,
impedimentos, restrições, etc.
No que tange ao que se denomina direitos reais, caracteriza-se pela variação
dos desmembramentos imobiliários, urbanos e rurais. Os direitos do
locatário/arrendatário de prédios urbanos são regulamentados pelo Leasehold
Reform Act 1967 e o Commonhold and Leasehold Reform Act 2002 e o The
Landlord and Tanant (Notice of Rent) (England) Regulations 2004. O costume local
supre as omissões contratuais, mas sempre observadas as normas pertinentes à
matéria.
Vários são os tipos de contratos disciplinando as relações entre arrendante e
arrendatário, locador e locatário, concedente e concessionário, cujas formas e
conteúdos propiciam algumas semelhanças com a figura da superfície, anotado
inexistir no direito inglês essa terminologia.
Distingue-se a personal property e a real property. De modo geral
corresponde à dicotomia romano-germânica em móvel e imóvel. A primeira, na
atualidade, está afeta aos common lawyers, ligada ao direito das obrigações, com
prioridade na área empresarial (comercial) e, a segunda, ao direito imobiliário, de
preferência na esfera registral, mais se aproximando da equity lawyer.
88
A diferença
havida entre common lawyer e equity lawyer que, atualmente, subsiste quase que
88
René DAVID. O direito inglês. Trad. Eduardo Brandão, revisão técnica e da tradução Isabella
Soares MICALI. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 93-95. “Na verdade, a distinção entre
real e personal property corresponde, em larga escala, à nossa distinção entre móveis e imóveis,
mas isso só é válido aproximadamente, e é preciso estar atento para não confundir as duas
distinções. (...) As diferenças que subsistem, hoje, entre real e personal property são menos
importantes, mais difíceis de se analisar e, com freqüência, relacionadas com a natureza, móvel e
imóvel, dos bens, de sorte que o direito inglês, em larga escala aproximou-se nesse ponto do direito
francês. A principal razão pela qual se mantém essa distinção é a especialização que se deu entre
os juristas: a personal property interessa, principalmente, aos common lawyers, aqueles que, na
França, chamar-se-iam de comercialistas (especialistas em direito comercial), ao passo que a real
property, estudada com um espírito tradicionalista menos ousado, por natureza um pouco
desconfiado do equity lawer, em ligação com as práticas e a arte dos conveyancers
88
, evoca muito
mais, para nós, a idéia de direito notarial”.
75
exclusivamente em razão do aspecto procedimental, originou-se na própria estrutura
do direito inglês, que composto
de um lado, da common law, constituída strictu sensu pelas regras
definidas pelas Cortes Reais de Westminster (Cortes de common law), e de
outro, pela equity (rules of equity), que consiste nos “remédios” admitidos e
aplicados por uma Corte Real específica, a Corte da Chancelaria.
89
Atualmente, o que diferencia os profissionais de cada um desses ramos é o
tipo de procedimento em que se especializa o profissional do Direito
90
.
Contrariamente ao que ocorre com o direito de origem romana, no direito
inglês, o único e absoluto dono das terras é a Coroa (nobreza) que, por vários e
distintos mecanismos, a disponibiliza para beneficiamento e uso. Diversamente do
sistema da Europa continental, trasladado ao nosso país, não se concebe, na
Inglaterra, a propriedade de um imóvel ou, mais precisamente, de uma terra. O que
há é a participação ou direito sobre um determinado bem econômico a traduzir um
interesse. É o interesse que consubstancia um título e é conhecido por estate.
91 e 92
89
René DAVID, O Direito Inglês, 1 ed., 2002, ed. Martins Fontes, p. 10-11. “Entre 1873 e 1875, outra
importante reforma consistiu em reunir uma jurisdição superior única as diferentes Cortes Reais que
até então existiam de maneira independente e, particularmente, em fundir Cortes de Common Law
e Corte de equity. Com isso, as relações entre common law e equity foram profundamente
transformadas; todavia, a distinção tradicional nem por isso deixou de existir. Todas as “divisões”
das Supreme Court of Judicature, criada em 1875, podem, sem dúvida, aplicar hoje tanto as regras
da common law quanto as regras ou remédios da equity. Mas, de fato, subsistem no seio da Corte
dois tipos de ritos processuais:certos casos, levados a certos juízes, são tratados de accordo com o
rito herdado das antigas Cortes de common law, enquanto outros são examinados de acordo com o
rito herdado da antiga Corte da Chancelaria. Os juristas familiarizados com um desses ritos não o
são com o outro; assim, a distinção fundamental entre os juristas ingleses continua sendo uma
distinção entre common lawyers e equity lawyers, fundada numa consideração processual.
90
René DAVID, ob. cit., p. 98
91
René DAVID, ob. cit., p. 97-98. “Consequentemente, esse princípio não será, no direito inglês como
o é no direito francês, a propriedade plena e inteira, direito absoluto e, por assim dizer, ilimitado; o
princípio é, muito pelo contrário, o desmembramento da propriedade. Nunca se terá na Inglaterra a
propriedade de uma terra; ter-se-á simplesmente sobre uma terra um certo interesse, ou um certo
conjunto de interesses. Esse interesse ou esse conjunto de interesses, será denominado estate.
92
Black’s Law Dictionary. 6ed., 1990, St. Paull, The Publisher’s Editorial Staff, p. 547.Estate. The
degree, quantity, nature, and extent of interest which a person has in real and personal property. An
estate is lands, tenements, and hereditaments signifies such interest as the tenant has therein. 2
BL.Comm. 103. The condition or circustance in which the ower stands with regard to his property.
Boyd v. Sibold 7 Wash.2d 279, 109 P.2d 535, 539. In this sense, “estate” is commonly used in
conceyances in connection with the words “rigth”, “title”, and “interest”, and is, in a great degree,
synonymous with all of them.” “O grau, quantidade, natureza e importância de interesse o qual uma
pessoa tem na real e pessoal propriedade. (...) Nesse sentido “estate” é comumente usado por
76
Pode-se interpretar esse interesse, juridicamente, enquanto direcionado à posse;
uma pretensão à obtenção de vantagem econômica sobre uma terra ou edificação.
Leasehold
93
é o termo que consubstancia esse interesse em real property a
ser auferido pelo locador pelo aluguel do imóvel. Utiliza-se ground-lease
94
ou land-
lease
95
somente para terrenos, empregando-se a expressão building-lease
96
para
terrenos e edificações.
Nesta última figura é que se mostra viável alguma semelhança com o direito
de superfície. Para se estabelecer um building lease o concedente deve ter a
condição de tenant for life, conferida àquele cujo direito de posse é vitalício
97
.
O contrato é celebrado com o construtor, com a obrigação de edificar
circunscrita a uma destinação determinada, cabendo-lhe aportar os recursos
necessários para tanto, competindo-lhe, outrossim, pagar um canon
98 e 99
. Assiste-
lhe, na contrapartida, o direito de sublocar o bem, partilhando-o e, desse modo,
garantir o investimento feito durante o período contratual, usualmente pactuado por
tempo muito longo (noventa e nove, cento e vinte e cinco ou mesmo novecentos e
noventa e nove anos). O instituto tem característica de direito real, pela
oponibilidade a terceiros, inclusive o locador (tenant for life) e mesmo o proprietário
do solo (landlord). Apesar dos pontos de aproximação com a superfície, a situação
notários em conexão com os vocábulos direito, título e interesse e em maior grau sinônimo de todos
eles.”
93
Black’s Law Dictionary, ob. cit., p. 890.
94
Black’s Law Dictionary, ob. cit., p. 704. Ground lease.A lease of vacant land, or land exclusive of
any buildings on it, or unimproved real property” “locação de uma terra vaga ou terra exclusiva de
algumas construções sobre ela”.
95
Durval de Noronha GOYOS JÚNIOR, Legal Dictionary. 5 ed., 2003, São Paulo, Observador Legal
Editora Ltda, p. 203. “Land lease. arrendamento de terras”
96
Maria Chaves de MELLO, ob. cit., p. 270. “Building lease. Arrendamento de um imóvel a longo
prazo”.
97
Maria Chaves de MELLO, Dicionário Jurídico: português-inglês; inglês-português.3ed., 2002, Lisboa,
Portugal, Ed. Dinalivro, p. 433
98 Jean-Pierry MARTY, ob. cit., p. 151
99 Ricardo Pereira LIRA, Elementos de direito urbanístico. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, p. 44-45
77
do building lease com ela não coincide, por não ocorrer a separação da propriedade
do imóvel, que permance una.
Algumas formas predominam nos contratos de arrendamento utilizados para
regular as relações pertinentes à superfície: a) arrendamento vitalício (tenancy for
life): constitui ato solene e o prazo está limitado ao tempo de vida do arrendatário ou
de pessoa ou pessoas outras que não os contratantes, estabelecido o termo para o
limite de vida conjunto ou do sobrevivente; constitui-se num único estatuto, não
podendo ser sublocada a terra, pelo arrendatário, ou parte dela, neste tipo
específico, se para edifício, por prazo superior a noventa e nove (99) anos; se para
arrendamento de minas, sessenta (60) anos; em caso de qualquer outro
arrendamento, vinte e um (21) anos; pode, ainda, ser concedido direito de
arrendamento de superfície de terras, porém, reservando-se, minas e minerais,
sendo o inverso, também, verdadeiro; o contrato deve ser formalizado em, no
máximo, doze meses após a data da posse para que, quanto à essa tenha efeito;
em caso de inadimplência deve ser fixada a retomada e o pagamento dos
rendimentos, bem como o reingresso nas terras, no lapso, máximo, de trinta (30)
dias; b) arrendamento por anos (estate for years): criado por contrato expresso
entre as partes e nunca por sugestão indireta ou implícita; seria a superfície por
prazo determinado, com término na data pré-estabelecida, inexigido prévio aviso ou
qualquer outra formalidade; c) arrendamento periódico (periodic tenancy –
tenancy from year to year): originado por acordo expresso entre as partes, ou por
simples prorrogação da permanência do sujeito que por anos paga aluguel pela
exploração, ou, ainda, pela prorrogação de um contrato de locação expirado, sem
formalização da continuidade; esse tipo de arrendamento é determinável com meio
ano de antecedência e expira no fim do ano em curso; em não havendo expressa
78
estipulação quanto ao pagamento de um aluguel anual, caso tenham as partes
contratado, poderá o arrendatário ser despejado a qualquer momento, por meio de
aviso, para tanto; a estipulação em seis meses para desocupação exigida para
contratos, que tenham por objeto bens corpóreos, não se estende aos bens
incorpóreos; d) arrendamento para períodos curtos (tenancies for shorter
periods): são celebrados por períodos semanais, mensais, trimestrais. Os prazos
para seu término giram em torno de semana ou quinze dias; e) arrendamento por
manifestação de vontade (tenancy at wide): arrendamento que resiste enquanto
permanecer a vontade do arrendatário, do dono da terra ou de ambos; qualquer
manifestação de desejo de pôr termo ao arrendamento se traduz em aviso para
tanto; este tipo de arrendamento, tal qual o arrendamento para ano, pode ser
pactuado por contrato ou por consenso implícito; f) arrendamento por tolerância
(tenancy at sufferance): caracteriza-se pela posse continuada após o lapso legal
estabelecido pela lei ou contrato e, se assim permanecer, com aquiescência do
senhorio, transformar-se-á em arrendatário por manifestação de vontade; é para ser
interpretado enquanto uma ficção jurídica em que se vê o proprietário impedido, até
que obtenha ordem judicial para tanto, de recuperar seu terreno
100 e 101
.
100
A alteração da relação entre proprietário e arrendatário/locatário pode dar-se, (a) voluntariamente,
(b) por imposição legal ou (c) por dissolução. O principal meio voluntário de alteração ocorre por
manifestação do arrendatário ou retomada pelo proprietário. O contrato alterado por força legal
transfere, ao representante legal, por exemplo, do insolvente ou do falecido, os direitos do
arrendatário. Outra forma de alteração da relação entre arrendante e arrendatário é a sublocação
(underlease) -, onde o locatário subloca parte de seus direitos e que difere da cessão (assignment)
- em que o locatário cede a totalidade.
101
Os contratos/convenções de arrendamento/locação podem ser divididos em quatro grupos; 1)
pactos implícitos: é dito implícito quando decorrente de manifestação legal, sem que exista
qualquer disposição expressa entre as partes, sobre este, no contrato de locação; 2) pactos
habituais: acordos em que são especificadas apenas as condições essenciais, como, por exemplo,
o pagamento, não se mencionando nenhum outro termo excepcional; ou que estabelecem que a
locação deve seguir pelo modo habitual, segundo os costumes locais; 3) pactos running with the
land: quando os direitos e obrigações dos quais se constituem não se limitam às pessoas das
partes originárias do contrato, mas se transferem aos terceiros. É um tipo de pacto em que seu
objeto é repassado, juntamente, com a transferência da titularidade da terra. Na common law foi
estabelecido que pactos running with the land não se transmitem no caso de restabelecimento da
terra ao proprietário; o titular da reversão não tem os direitos do arrendatário originário; 4) pactos
79
Extinção. Os modos mais comuns de extinção do contrato de arrendamento
são: pela expiração do prazo para o qual foi constituído; pela perda de interesse do
inquilino; por meio da retomada pelo proprietário ou arrendador. Neste último caso
só é permitida após notificação escrita especificando a violação do pacto, com
exigência de correção ou indenização, e prazo razoável para tanto. São regulados,
principalmente, pela Conveyancing Acts 1881 e 1882.
O arrendatário tem o direito de ceder (sublocar), e submeter-se-á a "todos os
estabelecimentos e interesses" do arrendatário da terra. Mas, resguardadas as
exceções especificadas, as condições de melhoria incrementadas à terra ou ao
prédio, são ignoradas pela common law em favor do proprietário. O inquilino pode
majorado ao seu valor, por edificações, pelo trabalho aplicado ao solo, ou pela
utilização de adubos, mas, qualquer que seja o montante adicional, não tem direito a
qualquer ressarcimento. Esta, entretanto, é uma questão que as partes podem, se
assim o quizerem, regular livremente.
5.2 APRECIAÇÃO DAS DIFERENTES LEGISLAÇÕES SOBRE DIREITO DE
SUPERFÍCIE
Da análise procedida e no ângulo da positivação do direito de superfície,
detecta-se que as codificações civis, da maioria dos países europeus, a partir dos
fins do século XIX, o adotaram
102
. É o que sucedeu, na Alemanha, com a edição do
Código Civil de 1896. No pós-guerra, houve ampla reforma, mediante
restritivos: podem ser divididos em: a) pactos que não podem ser sub-rogados ou sub-locados sem
consentimento do proprietário; b) pactos de restrições comerciais: aqueles em que os locatários
assumem o compromisso, por exemplo, de não desenvolver, naquela propriedade, determinado
tipo de negócio.
102
Guilherme Braga TEIXEIRA, ob. cit., p. 259.
80
regulamentação datada de 1919, com a finalidade de conferir-lhe caráter prático e
efetivo. Na Itália, o Código Civil, de 1865, não estatuiu, explicitamente, sobre o
direito real de superfície, porém muitos doutrinadores vislumbraram sua aplicação no
artigo 448
103 e 104
. Já o Código Civil, de 1942, admitiu o instituto, reservando-o às
construções e obras no subsolo, seguindo, nesse passo, o Código Civil Suíço de
1907. O Código Civil Espanhol de 1899 não sistematizou a matéria que veio a ser
tratada por lei ordinária de 1956 e, presentemente, pela lei do solo, de número 8,
datada de 28 de maio de 2007, instituindo uma modalidade urbanística de direito de
superfície, com o objetivo de incrementar a construção. Também o Código Civil
Português, de 1966, amplamente, contemplou o instituto, diversamente do anterior,
que não o fez. No direito inglês, uma espécie de superfície está no sistema jurídico
do building lease. A regulamentação na Bélgica se deu por lei específica, de 10 de
janeiro de 1824, exigindo título público registrado. Tem caráter temporário, limitada a
30 anos, prevendo convenção, expressa, para prazos superiores. No Código Civil
Austríaco, datado de 1811, cujos dispositivos sofreram alteração através de lei
editada em 1912, admitiu-se o direito de superfície sobre construções e plantações
sem um sistema unificado, ou seja, em vários dispositivos e com a denominação de
domínio útil. Refere-se, expressamente, ao desmembramento da propriedade em
duas, quando houver dois direitos sobre a mesma coisa imóvel, a substância e os
frutos. Integrou-se a toda essa orientação legislativa o Código Civil Argentino, que
em virtude da lei 25.509, de 11 de dezembro de 2001, acresceu à discriminação dos
direitos reais, estatuída no artigo 2.503, o item 8º, referente à superfície florestal.
Permaneceu, no entanto, a vedação, expressamente, à superfície urbana (artigo
103
Emanuele GIANTURCO, Contratti specialli: donazioni, enfiteusi, superficie, mutuo, comodato,
deposito, sequestro. Napoli: Luigi Piero, 1904, p. 198.
104
G. BENETTINI, et. al. Enciclopedia forense. Milano: Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi, [s.d.],
v.7, p. 546.
81
2.614)
105, 106 e 107
. Os Códigos Civis do Uruguai e do Chile, silenciam sobre o
assunto, embora a lei florestal desse último país, 15.695, de 11 de dezembro de
1984, já regulava o direito de superfície florestal
108
.
Em linhas gerais, quanto à matéria, os vários Códigos regulam a propriedade
superficiária como autônoma e plena, separada da propriedade do solo, alguns
admitindo que esse direito também se exerça no subsolo e outras estatuindo, tão-
apenas, a utilização do subsolo no que for inerente e necessário à realização da
superfície. É prevista a concessão do solo, por seu proprietário, para que o
concessionário possa construir ou plantar ou, então, a alienação dos bens, que
compõem a superfície, já materialmente existentes, ocorrendo assim a constituição
por cisão. Afora o building lease do common law e a legislação italiana, sistemas
que restringem a superfície à edificação, as demais legislações contemplam as
plantações no âmbito da superfície; a da Argentina, diversamente, só disciplina a
propriedade superficiária da vegetação florestal. É possível a transferência, no
transcurso contratual, em razão da dissociação da propriedade, tanto do solo como
da superfície, com direito recíproco de preferência entre ambos os titulares; a
exceção está no direito português em que, unicamente, o titular do solo pode
exercê-lo. A maioria dos Códigos estabelece prazos determinados muito elásticos,
no mínimo trinta anos para a duração da superfície, enquanto que outros a
posicionam por tempo indeterminado ou perpétuo. Há convergência quanto à
extinção por força do termo final ou antes deste e no caso da contratação por tempo
105
Paulo Roberto BENASSE, ob. cit., p. 68/70.
106
Ricardo José PAPAÑO, et. al.. Derechos Reales: propiedad horizontal, prehorizontalidad, tiempo
compartido... . Buenos Aires: Depalma, 1990, t.2, p. 143-153.
107
Diana Coelho BARBOSA, ob. cit., p. 46-50 e 52-54.
108
Lydia E. Calegari de GROSSO, El Derecho Real de Superficie Forestal. Buenos Aires: Lexis Nexis
Argentina, 1 ed., 2006, p. 28
82
indeterminado, em decorrência de cláusula resolutiva, incluída no contrato. A
aquisição pode se concretizar através de concessão ou alienação ou, ainda, por
direito hereditário, admitida, em alguns diplomas, expressamente, a usucapião. Os
ônus que pesarem sobre a superfície, com a resolução se extingüem, não os
assumindo o proprietário do solo com a consolidação; transmitem-se, no entanto, à
indenização, se convencionada. Denota-se o cunho social, plasmando todo o direito
de superfície nos vários ordenamentos voltado ao incremento das construções
principalmente para atender a população mais necessitada e ao favorecimento da
regularização agrária. A extinção provoca a entrega ou o retorno da superfície ao
proprietário do solo, facultada estipulação dispondo sobre o ressarcimento no
contrato de concessão do direito de construir ou plantar ou na alienação da
propriedade fiduciária. Neste tópico, o Código Civil da Província de Quebec, no
Canadá, fixa a regra geral de que o senhorio, finda a propriedade superficiária,
adquire por acessão a propriedade das construções, obras ou plantações, estando
vinculado, contudo, à obrigação de pagar o valor ao superficiário. E vai além ao
assinalar que, se o valor é igual ou superior ao do solo, o superficiário tem o direito
de adquirir a propriedade, pagando seu valor ao senhorio; alternativamente, o
superficiário, poderá retirar as construções, obras e plantações por ele feitas e desse
modo fazer com que a propriedade do solo retorne ao estado anterior (artigo 1.116).
83
6 DIREITO DE SUPERFÍCIE NO BRASIL
6.1 O DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE NA LEI 10.257, DE 2001
A lei 10.257, de 2001, disciplina, em seus artigos 21 a 24, o direito de
superfície, dispondo que abrange a utilização do solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a
legislação urbanística (artigo 21, parágrafo 1º). O proprietário urbano poderá
conceder a outrem, de modo gratuito ou oneroso (artigo 21, parágrafo 2º), o direito
de superfície de seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante
escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis (artigo 21, caput).
Norteia, ainda, a responsabilidade integral do superficiário pelos encargos e tributos
incidentes sobre a propriedade superficiária, bem como sobre a parte do solo de
ocupação efetiva e objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição
contratual em contrário (artigo 21, parágrafo 3º). Permite a transmissão do direito de
superfície a terceiros, nos termos previstos no contrato respectivo e, por morte do
superficiário, a seus herdeiros (artigo 21, parágrafos 4º e 5º). O direito de preferência
assiste tanto ao superficiário, como ao proprietário do solo, respectivamente, em
caso de alienação do direito de superfície ou do terreno. A preferência, em caso de
alienação do terreno ou do direito de superfície, se dá, de modo recíproco, entre o
superficiário e o proprietário, em igualdade de condições à oferta de terceiros (artigo
22). A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de
imóveis e ocorre: a) pelo advento do termo; b) pelo descumprimento das obrigações
contratuais assumidas pelo superficiário (artigo 23 e parágrafo 2º, do artigo 24); c) se
este der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida (artigo 24,
84
parágrafo 1º). Com a extinção do direito de superfície o proprietário recuperará o
pleno do mínio do terreno, com as acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel,
independentemente de indenização, salvo se diverso estipular o contrato (artigo
24)
109, 110, 111 e 112
.
6.2 O CÓDIGO CIVIL DE 2002
De acordo com o artigo 1.369, o proprietário pode conceder, a outrem, o
direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, sujeito a
prazo, por conseguinte. A concessão deverá se efetivar mediante escritura pública,
devidamente registrada no cartório de registro de imóveis. A obra no subsolo é
autorizada, tão-apenas se inerente ao objeto da concessão (parágrafo único do
artigo 1.369). O negócio jurídico poderá ter cunho gratuito ou oneroso, hipótese esta,
em que as partes estipularão se o pagamento será feito de uma só vez ou
parceladamente (artigo 1.370). O superficiário responderá pelos encargos e tributos
que incidirem sobre o imóvel (artigo 1.371). O direito pode ser transmitido a terceiros
e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros, legítimos e testamentários (artigo
1.372), vedado estipular ao concedente, a qualquer título, o pagamento pela
transferência (parágrafo único). Tanto o superficiário, como o proprietário, têm
preferência em caso de alienação do direito de superfície ou do solo,
respectivamente, a ser exercida em igualdade de condições com o terceiro
109
Toshio MUKAI, O estatuto da cidade: anotações à lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 15-20.
110
Letícia Marques OSÓRIO (org.). Estatuto da cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as
cidades brasileiras. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 173-187.
111
Diógenes GASPARINI, ob. cit., p. 115-128.
112
Diana Coelho BARBOSA, ob. cit., p.137-147.
85
interessado (artigo 1.373). A extinção está prevista nos seguintes casos: a) termo
final do contrato de concessão; b) dar o superficiário ao terreno destinação diversa
daquela para que foi concedida; c) desapropriação, estatuído que a indenização
cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor equivalente ao direito real de cada
um (artigos 1.374 e 1.376). Extinta a concessão, o proprietário passará a ter a
propriedade plena sobre o terreno e a construção ou plantação, independentemente
de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário (artigo 1.375).
Finalizando, o direito de superfície, constituído por pessoa de direito público interno,
rege-se pelo Código Civil, no que não for diversamente disciplinado em lei especial
(artigo 1.377).
Estes os tratamentos normativos recebidos pela superfície na lei 10.257, de
10 de julho de 2001, e no Código Civil vigente, desde 11 de janeiro de 2003.
6.3 CONFRONTO NORMATIVO
Em perspectiva histórico-temporal dilatada, pode-se dizer que são diplomas
quase simultâneos e provindos da necessidade de solução de problemas sociais
referentes às terras urbanas e rurais, prementes e angustiantes e, sobretudo, de
preocupante atualidade. A proximidade temporal, de ano e meio, não dispensa,
entretanto, a investigação, inerente à dinâmica do sistema, no direcionamento da
norma revogadora ou, ainda, se há norma revogadora ou se ambas coexistem
113
. A
Lei de Introdução ao Código Civil, decreto-lei 4.657, de 04 de setembro de 1942, é
expressa em seu artigo 2º, parágrafo 1º, no sentido de que a lei posterior revoga a
113
Maria Helena DINIZ, Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 9.ed., adapt. à lei
10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 63-80.
86
anterior, quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou
quando regule, por inteiro, a matéria de que tratava a anterior
114, 115 e 116
. A lei nova,
posterior, é o Código Civil, de 2002, apesar de sua longa gestação desde 1968, pela
recente vigência, enquanto que a lei antiga é o Estatuto da Cidade, em função do
trâmite mais agilizado, que recebeu. A análise desse dispositivo permite excluir, de
pronto, a primeira possibilidade, eis que o artigo 2.045, do Código Civil,
explicitamente, declara revogadas a lei 3.071, de 1 de janeiro de 1916 - Código Civil
- e a parte primeira do Código Comercial, lei 556, de 25 de junho de 1850, menção
alguma fazendo à lei 10.257/01. O segundo traço, que seria a incompatibilidade da
lei posterior com a anterior, igualmente, não se verifica. Ao contrário, os assuntos se
ajustam, versando, praticamente, os mesmos conteúdos. O terceiro tópico, é aquele
que, em princípio, pode operacionalizar a existência da norma de revogação, visto
que a lei posterior regula, inteiramente, a matéria de que tratava a anterior.
Inegavelmente, os artigos 1.369 a 1.377 do Código Civil cuidam da mesma temática
disciplinada no Estatuto da Cidade. Em um primeiro momento, seria permitido
concluir que esta última lei deixou de vigorar a partir do Código Civil, norma
revogadora implícita, ainda que repetindo, praticamente, o conteúdo dos artigos.
Porém, na contrapartida, alguns tópicos devem ser suscitados. A lei
10.257/01 é especial, formando um sistema próprio de regramento da política
114
No sentido da derrogação, Joel Dias Figueira Junior. In: Ricardo FIUZA (coord.). Novo código civil
comentado. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.249; adotando posição contrária, Ricardo Pereira
LIRA, O direito de superfície e o novo código civil, cit., p. 263. Conforme ressaltado por este último
autor, também não ocorreu a abrogação dos institutos da edificação, parcelamento, utilização
compulsória e direito de perempção urbanística, pela circunstância do Código Civil de 2002 ter
disciplinado o regime de propriedade, sem os contemplados. Mais uma vez cumpre lembrar que o
Estatuto da Cidade é lei especial e, por conseguinte, a lei nova, do Código Civil não a revoga ou
modifica (parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil.
115
Tércio Sampaio FERRAZ JUNIOR, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação:
São Paulo: Atlas, 1988, p. 182-184.
116
Agostinho ALVIM, Comentários ao código civil: compreendendo o artigo 1º da lei de introdução até
o artigo 73, do Código Civil, Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda., 1968, v. 1, p. 21-
25.
87
urbana, estruturada nos artigos 182 e 183, da Constituição da República, normas as
quais tem por finalidade regulamentar. O artigo 183 versa sobre a usucapião de área
urbana. Por sua vez, o artigo 182, de maior interesse, programa a política de
desenvolvimento urbano. O Estatuto da Cidade abarca, em razão de seu traço
regulamentador, as diretrizes gerais da execução da política urbana, estabelecendo
normas de ordem pública e interesse social, que regulam o uso da propriedade em
prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, como ainda do
equilíbrio ambiental (artigo 1º). E inclui, entre os vários instrumentos a serem
utilizados para esses fins, o direito de superfície (artigo 4º, letra l).
O enfoque é político-administrativo, de direito público, com suporte e
dimensões institucionais, por se destinar à execução da política urbana e
administrativa com a plena atuação da Municipalidade. Trata da implementação
desse propósito no âmbito das urbes, compreendendo a terra, a moradia, o
saneamento ambiental, a infra-estrutura, o transporte, os serviços públicos, o
trabalho e o lazer.
O viés do Código Civil, porém, mostra ser, preponderantemente, de direito
privado, sem abstrair o interesse social. O direito de superfície vem disciplinado
como mais um mecanismo, à disposição das pessoas físicas e das empresas, à
realização flexível de negócios jurídicos que permitam melhor utilização da
propriedade, abrangendo as urbanas e as rurais, tanto que o estende às plantações.
É certo que busca regular a atuação das pessoas jurídicas de direito público interno
quanto ao direito de superfície, como definido no artigo 1.377. Contudo, admite
disciplina diversa em lei especial, à qual se ajusta o Estatuto da Cidade, bem como
as normas sobre direito agrário, conjunto legislativo com forte inflexão publicista.
88
As ponderações feitas conduzem, em princípio, ao convencimento de que as
duas leis, em suas diversas perspectivas, coexistem, com aplicação subsidiária do
Código Civil em relação ao Estatuto da Cidade. São sistemas diversos, que se
interpenetram num grande número de casos, sem se excluírem. Com essa
orientação, possível a visão de que o Código Civil não se constitui em norma
revogadora do Estatuto da Cidade, funcionando, isto sim, de modo subsidiário, por
sua maior amplitude e generalidade.
Exemplificativamente, pode-se trazer à colação, a lei nº 8, de 28 de maio de
2007, sobre a lei do solo, na Espanha, país em que também há a disciplina, embora
não sistematizada, do direito de superfície no Código Civil. E o inciso IV, do artigo
35, da mencionada lei, traz regra de coexistência ao estatuir que: Lei do Solo, nº 8,
de 28 de maio de 2007, artigo 35, inciso IV:
O direito de superfície é regido pelas disposições deste Capítulo, pela
legislação civil no que nele não está previsto e pelo título constitutivo do
direito
117
.
A situação é inversa à do direito brasileiro, visto a lei do solo ser posterior com
referência ao Código Civil. No entanto, a solução é a mesma do que antes alvitrado.
A norma anterior subsiste naquilo que não colide com a ulterior, sistemática e
textualmente.
6.4 DIVERGÊNCIAS LEGISLATIVAS
Podem ser posicionadas, no essencial, as seguintes discrepâncias: a lei
10.257 se restringe ao imóvel urbano. Mais dilatada é a abrangência do Código Civil,
117
“El derecho de superficie se rige por las disposiciones de este Capítulo, por la legislación civil en lo
no previsto por él y por el título constitutivo del derecho”.
89
compreendendo não só os imóveis urbanos, como os rústicos; o Estatuto da Cidade,
artigo 21, caput, menciona que o objeto da concessão é o direito de superfície,
enquanto que Código Civil, artigo 1.369 explicita que o objeto consiste no direito de
construir ou de plantar; a lei 10.257, ainda no artigo 21, estabelece que a concessão
da superfície será por tempo determinado ou indeterminado, enquanto que o Código
Civil se resume ao tempo determinado; o direito de superfície, conforme parágrafo
1º, do artigo 21, da lei 10.257, abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística - já o Código Civil afirma que o direito de superfície
- não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão; o
Estatuto limita-se a dizer que a concessão do direito de superfície poderá ser
gratuita ou onerosa - o Código Civil acrescenta que se o contrato de concessão for
oneroso, as partes estipularão o pagamento, que será feito de uma só vez ou
parceladamente; o Estatuto da Cidade atribui ao superficiário, integralmente, os
encargos e tributos, que incidirem sobre a propriedade superficiária, o que é repetido
pelo Código Civil (artigo 1.371), sem o advérbio “integralmente” e referindo-se “a
imóvel” e não a “propriedade superficiária” - contudo, a lei 10.257 acrescenta, ainda
no parágrafo 3º, do artigo 21, que o superficiário arca, proporcionalmente, à sua
parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da
concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário no contrato
respectivo; o negócio jurídico que importe na transferência do direito de superfície a
terceiros vem previsto em ambas as legislações, mas o Código Civil acresce no
parágrafo único, do artigo 1.372, a vedação de que o concedente estipule, a
qualquer título, pagamento pela transferência - de seu lado, o Estatuto dispõe que a
transmissão deverá obedecer os termos do contrato respectivo (parágrafo 4º, do
90
artigo 21); o Estatuto da Cidade expressa três causas de extinção do direito de
superfície: a) o advento do termo; b) o descumprimento das obrigações contratuais
assumidas pelo superficiário; c) o concessionário dar ao terreno destinação diversa
daquela para que foi concedido (artigo 23 e parágrafo 1º, do artigo 24) - o Código
Civil não contempla como causa de extinção o descumprimento das obrigações
contratuais assumidas pelo superficiário (artigo 1.374).
A perquirição sobre tais discrepâncias irá revelar que não se mostram tão
acentuadas e de impossível compatibilização, ou existência concomitante. O Código
Civil é norma geral, compreensiva de grande parte do Estatuto da Cidade e, como já
assinalado, subsidiária sua aplicação. Basta ter presente, quanto ao
dimensionamento, que a lei 10.257/01 está restrita – e, aliás, essa é a sua finalidade
por regulamentar a política urbana programada constitucionalmente – ao imóvel
situado na cidade. O Código Civil se estende, também, ao imóvel rural, sem prejuízo
de que, complementarmente, discipline a superfície do imóvel urbano, na lacuna da
legislação especial.
Resta assinalar que não há, em nenhum dos diplomas, a fixação de prazo
para o início ou término das edificações ou do plantio. E, igualmente, não foi,
pontualmente, previsto período balizando a concessão.
91
PARTE IV - DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
7 SUPERFÍCIE: DIREITOS REAIS, PLENOS E LIMITADOS
7.1 DIREITOS REAIS
As coisas apresentam-se como fenômenos exteriores e muitas delas
configuram bens, que, pelo valor econômico, estão sujeitos à apreensão pelos seres
humanos, que as submetem às suas vontades e aos seus poderes. Essa postura de
domínio pelas pessoas sobre algo concreto, que lhes é externo, centra-se no objeto
do direito das coisas, voltado à significação jurídica de um complexo patrimonial,
corpóreo e incorpóreo. Consoante Orlando Gomes, “para que se faça uma idéia
clara da importância do Direito das Coisas, basta atentar no fato de que é a parte do
Direito Civil na qual se acha regulada a propriedade. A significação econômica,
política e social desse instituto jurídico pode ser medida em função da influência que
a sua forma exerce sobre a própria estrutura da sociedade”
118
.
Porque as coisas são a realidade dos fatos do mundo, o direito que as
disciplina, desde a aquisição até a perda, passando por toda a organização
estrutural da propriedade, é denominado de real (a coisa corresponde à res, para os
romanos). Abstraindo discussões doutrinárias, direcionadas ao questionamento
sobre se o direito real consiste na sujeição dos bens pelos seres humanos ou se,
como um pano de fundo importante, há sempre uma relação obrigacional, ou seja,
entre pessoas, cumpre refletir sobre o dado essencial para seu conceito. É certo que
os chamados direitos pessoais, que se desenvolvem sobre uma obrigação, também
118
Orlando GOMES. Direitos reais. 2.ed., Rio de Janeiro – São Paulo: Forense, 1962, t. 1, p. 9.
92
podem albergar o interesse em ter alguma coisa. Porém, esse interesse se situa em
uma posição ulterior a um negócio jurídico que irá veicular sua realização. Esse
negócio jurídico, forçosamente, é entre pessoas, que permutam direitos e
obrigações e serve como intermediário para que se alcance um determinado bem.
No direito real, não há relação nem intermediação, porém, sim, o contato direto com
a coisa ou um de seus atributos. Isso é que distingue o direito real do pessoal.
Partindo desta distinção, chega-se ao núcleo desse direito, que é um poder direto
sobre a coisa para, ampla ou parcialmente, utilizá-la, sem a intermediação de
outrem. É um conduto, que coloca o bem sob apreensão de quem pode explorá-lo,
inclusive, no detalhamento de suas facetas operacionais. Aí está o caráter absoluto
desse direito. A meta é uma coisa e não uma pessoa.
Veja-se que as decorrências da seqüela e da preferência têm sua âncora,
exatamente, no poder sobre a coisa e, assim, como conseqüências, não se mostram
essenciais à compreensão do conceito do direito real. Doutro turno, o professor
Christian Larroumet, da Universidade Panthéon-Assas, Paris, assinala que o poder
direto e imediato sobre uma coisa corporal não é o apanágio de todos os direitos
reais
119
. Existem os direitos reais plenos, sobre a própria coisa (ius in re propria) e
aqueles que recaem sobre coisas de outrem, coisas alheias (ius in re aliena).
Orlando Gomes discorre sobre estes últimos com maestria: “Os direitos reais na
coisa alheia subdividem-se segundo diversos critérios. Conforme alguns, devem ser
classificados em direitos principais e acessórios. O penhor, a anticrese e a hipoteca
são os direitos reais acessórios. Os outros são principais. No mesmo sentido,
distinguem-se os direitos de gozo ou fruição dos direitos de garantia. Nesta última
119
Christian LARROUMET. Droit civil: le biens: droits réels principaux. 4.ed. Paris: Economica, 2004,
t. 2, p. 18.
93
classe, incluem-se apenas a hipoteca, o penhor, a anticrese. Hedeman subdivide os
direitos reais limitados em direitos sobre a substância e direitos sobre o valor ou,
como prefere Enneccerus, direitos de realização de um valor pecuniário,
esclarecendo que, nos primeiros, a substância da coisa fica imediatamente a serviço
do titular, enquanto, nos segundos, o titular não pode tocar na substância da coisa,
pertencendo-lhe, apenas, o valor dinheiro ínsito na coisa. Direitos sobre o valor têm
o credor pignoratício, anticrético, ou hipotecário”
120
.
Compatibiliza-se com essa classificação a definição de direito real formulada
por Christian Larroumet
como constituindo uma prerrogativa que diz respeito a uma coisa corporal,
seja de um modo direto e imediato, como na propriedade, seja pelo
estabelecimento de uma relação entre dois patrimônios, como nos outros
direitos reais, os quais não se confundem, no entanto, com os direitos
pessoais em razão de que, de uma parte, a obrigação da qual eles são a
contrapartida é uma obrigação real cujo regime jurídico não é aquele da
obrigação pessoal e de outra parte, o direito real ele mesmo não está
submetido ao mesmo regime jurídico que o direito pessoal ao não atribuir
ao titular o direito de garantia em geral sobre o patrimônio do devedor da
obrigação real
121
.
Com o exercício pleno do direito real apresenta-se a propriedade sobre toda a
coisa, solo, subsolo e espaço aéreo (artigo 1.229, do Código Civil) e, também, a
propriedade superficiária, que é plena sobre as construções e as plantações
incorporadas à terra.
Numerus clausus ou numerus apertus. Os direitos reais vêm relacionados no
artigo 1.225, do Código, e são os seguintes:
120
Orlando GOMES, ob. cit., p. 15.
121
Christian LARROUMET, ob. cit., p. 21: “En fin de compte, on peut definer le droit reel comme
constituent une prerogative qui concerne une chose corporelle, soit d’une façon directe et
immédiate, comme dans la propriété, soit par l’établissement d’un rapport entre deux patrimoines,
comme dans les autresdoits réels, lesquels ne se confondent pas pour autant avec les droits
personneles em raison de ce que, d’une part, l’obligation dont ils sont la contrepartir est une
obligation réelle dont le régime juridique n’est pas le même que celui de l’obligation personnelle et,
d’autre part, le droit réel lui-même n’est pas soumis au même regime juridique que le droit personnel
em ce qu’il n’attribue de droit de gage general sur le patrimoine du débiteur de l’obligation réelle”.
94
a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a
habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o
penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial
para fins de moradia e a concessão de direito real de uso.
Há divergência se a relação é de numerus clausus ou de numerus apertus.
Na primeira hipótese, o rol exauriria os direitos reais. Na segunda, o elenco seria
meramente exemplificativo e possível a criação de outros direitos reais pela vontade
humana, manifestada na liberdade contratual. No ordenamento brasileiro, a diretriz é
de que os direitos reais estão em numerus clausus, imperioso que haja lei, assim, os
nominando. A relação do artigo 1.225 não os esgota, por haverem outras normas
contemplando tais direitos. A própria enfiteuse, embora extinta pelo Código Civil de
2002, o foi, tão-apenas, com efeito ex nunc e, em vista disso, residualmente,
persiste no ordenamento (artigo 2.038); além disso há a reserva quanto à
permanência da enfiteuse em terrenos de marinha.
7.2 PROPRIEDADE: UNITARIEDADE E DESMEMBRAMENTO NO DIREITO
BRASILEIRO
O caput do artigo 1.228, do Código Civil, traz um conceito de propriedade. É a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem
quer que injustamente a possua ou detenha. Pela propriedade um determinado bem
está submetido à vontade de seu dono, de modo exclusivo e absoluto. Na verdade,
o proprietário tem um poder sobre aquilo que lhe pertence, seja corpóreo, seja
incorpóreo. E, apesar dos vários elementos que se traduzem em direitos, que
compõem a propriedade, esta se apresenta unitária juridicamente. Assim foi no
direito romano, no qual inadmitida sua decomposição e, também, no Código Civil
95
Brasileiro, de 1916. Em suma, tudo que se acresce à propriedade a ela se
amálgama, preservando a unidade. Nessa perspectiva, é que, no diploma revogado,
não restou lugar para o direito real de superfície. No atual Código Civil, em regra,
prevalece a acessão, mas a dissociação se operou e, ao menos, duas propriedades
distintas e separadas resultaram em razão da superfície: a propriedade do solo e a
propriedade do que lhe foi incorporado.
A inspiração social impregnada à propriedade, pela Constituição Federal de
1988, artigo 5º, inciso XXIII, obrigatoriamente repercutiu na realidade do Código Civil
de 2002, expressa nos parágrafos do artigo 1.228. Assim, o direito de propriedade
deve atender as finalidades econômicas e sociais e são proibidos comportamentos
que não resultem em aproveitamento ou produtividade. A desapropriação pode se
dar por necessidade ou utilidade pública ou interesse social e de requisição em caso
de perigo público iminente. Mas, o proprietário também poderá ser privado da coisa
se o imóvel, por ele, reivindicado consistir em extensa área, na posse interrupta e de
boa fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas e estas
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços valorados,
pelo juiz, de interesse social e interesse econômico relevante. O titular do domínio
deverá ser ressarcido e, somente após o pagamento do preço, a sentença será
registrada no cartório imobiliário, em nome dos até então possuidores. Com exceção
das jazidas, minas e demais recursos minerais, dos potenciais de energia hidráulica,
dos monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais, a
propriedade do solo abrange o espaço aéreo e o subsolo correspondentes (artigo
1.229 e 1.230). A plenitude da propriedade vem firmada no artigo 1.231 e a
agregação dos frutos e outros produtos da coisa, no dispositivo seguinte.
96
A propriedade imóvel pode ser adquirida por usucapião e, quando proveniente
de negócio jurídico, mediante registro do título translativo no registro de imóveis
(artigos 1.238/1.247). Mas, também poderá ser adquirida por acessão.
Naturalmente, pela formação de ilhas, pelo aluvião, pela avulsão e pelo álveo
abandonado e, de modo artificial, pelas construções e pelas plantações (artigos
1.248 a 1.259).
Perde-se a propriedade por alienação, pela renúncia, por abandono, por
perecimento da coisa, por desapropriação. A alienação ou a renúncia à propriedade
só se concretizam com o registro do título transmissivo ou do ato renunciativo na
circunscrição imobiliária com atribuição para tanto. As limitações à propriedade
estão definidas no capítulo atinente aos “direitos de vizinhança”. Referem-se ao uso
anormal da propriedade, à disciplina quanto as árvores limítrofes, à passagem
forçada pelo prédio vizinho, à passagem de cabos e tubulações no subsolo, ao fluxo
das águas e às divisas entre prédios e a feitura de tapumes (artigos 1.277/1.298).
Igualmente regula, a par das limitações quanto a vizinhança, o direito de construir
(artigos 1.299/1.313) e o condomínio geral e edilício (artigos 1.314/1.358).
Finalmente trata da propriedade resolúvel, que, nuclearmente, não difere da
perpétua (artigos 1.359/1.360).
Esses os indicativos sobre a propriedade, direito real no sistema do Código
Civil, e que persistem mesmo quando separada em propriedade do solo e
propriedade superficiária.
97
7.3 DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA
7.3.1 Servidão
É um direito real de uso e gozo de coisa alheia. O artigo 1.378, do Código,
estabelece a diretriz conceitual fático-jurídica do instituto, ao dispor que a servidão
proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente,
pertencente a diverso dono. Forma-se por intermédio de negócio jurídico
(pronunciamento expresso dos proprietários) ou por meio de ato de última vontade
(testamento), necessário o subseqüente registro no cartório de registro de imóveis.
Também pode ser constituída por usucapião, pelo o exercício incontestado e
contínuo de uma servidão aparente por dez anos se houver justo título e, em caso
contrário, vinte anos (parágrafo único do artigo 1.379 do Código Civil, que discrepa
quanto ao tempo da prescrição aquisitiva extraordinária, fixado em quinze anos no
artigo 1.238). Apresenta-se na modalidade contínua (de água, exercida em caráter
permanente), descontínua (de passagem e assim dependente de ato humano),
aparente (quando visíveis as obras) e não aparente (se não há visibilidade).
Constata-se, destarte, que o proprietário do prédio dominante, unicamente, exercita
alguns atributos da propriedade sobre o serviente, onerando-o com determinada
utilização e jungindo a obrigação de não fazer em algo que possa prejudicá-la em
sua destinação. Contudo, a propriedade plena do imóvel gravado não é atingida.
98
7.3.2 Usufruto de imóveis
O usufruto, na conformidade do artigo 1.390, do Código Civil, recai sobre
coisas, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-
lhe, no todo ou em parte, os frutos ou utilidades. Em se tratando de bem imóvel,
necessária escritura pública e registro imobiliário. O usufrutuário tem o desfrute do
objeto com os atributos da propriedade, com direito à posse, ao uso e à percepção
dos frutos, somente vedado alterar sua substância. Além da constituição através de
contrato, o usufruto, igualmente, pode ser concretizado por testamento, ato de última
vontade, ou por disposição legal como sucede no direito de família no qual, pai e
mãe, são usufrutuários dos bens dos filhos (artigo 1.689, do Código Civil). O usufruto
não pode ser transferido por alienação e é temporário, extinguindo-se, dentre outras
causas, pela morte do usufrutuário ou pelo termo de sua duração, quando fixado
(artigo 1.410, do Código Civil). É, portanto, um direito real sobre propriedade alheia,
sem que haja transferência patrimonial de construções ou plantações - ou seja, o
que é incorporado ao solo - ao usufrutuário, que, unicamente, poderá usar do bem e
apropriar-se de suas utilidades.
7.3.3 Uso e habitação
O legislador civil manteve para o instituto do uso (artigo 1.412) a feição
familiar. O bem imóvel é repassado ao usuário, que dele terá o gozo e a utilidade,
além de perceber seus frutos, consideradas suas necessidades e de sua família,
compreensivas do cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço
doméstico.
99
A habitação (artigo 1.414) é um direito consistente em residir, gratuitamente,
em casa alheia. É vedado que possa alugá-la ou emprestá-la, impondo-se que,
simplesmente, a ocupe com sua família.
A diferença dos institutos está em que, no primeiro, há o direito real de uso da
coisa e percepção dos seus frutos e, no segundo, também o uso, mas direcionado à
habitação, sem ônus. Há uma divisão da propriedade, mas esta permanece,
integralmente, no domínio do seu titular.
7.3.4 Direito do promitente comprador (artigo 1.417/1.418)
O Código de 2002 qualifica o direito do promitente comprador como um direito
real, não previsto no Código de 1916. A legislação, desde o decreto-lei 58/37, já
vinha estabelecendo que o compromisso gera direito real, desde que inscrito,
consoante terminologia da época. O promitente comprador, com a atual disciplina,
terá direito real à aquisição do imóvel, mediante promessa de compra e venda, sem
arrependimento, por instrumento público ou particular, e registrada no cartório de
registro de imóveis da qualidade de titular do direito real poderá exigir do promitente
vendedor ou de terceiros, a quem os direitos tenham sido cedidos, a outorga da
escritura definitiva de compra e venda, conforme disposto no instrumento particular.
No caso de recusa, requererá ao juiz a adjudicação do imóvel. A exigência do
registro imobiliário para gerar efeitos, assegurando os interesses do promissário
comprador, reproduz, no essencial, o artigo 22, do decreto-lei 58, de 10 de
dezembro de 1937:
Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra
e venda e cessão de direito de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido
pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações,
100
desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito
real oponível a terceiros e lhes conferem o direito de adjudicação
compulsória nos termos dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de
Processo Civil.
O Supremo Tribunal Federal, na década de 1980, editou a Súmula 621, que
exigia, para que se reconhecesse a eficácia da posse do titular do compromisso de
compra e venda, para, como terceiro, embargar a execução, em que a penhora
recaiu sobre o imóvel, o registro imobiliário do compromisso. Depois, com a
instalação do Superior Tribunal de Justiça, outra Súmula, de número 84, cancelou a
exigência, dispensado o registro imobiliário para o exercício da ação (embargos de
terceiro). De qualquer modo, o Código de 2002, constituindo a promessa como
direito real, imprime ao registro a qualificação de necessário à adjudicação
compulsória (artigos 1.417/1.418). E se não houver direito real, outras formas para
obter ou forçar a declaração de vontade do promitente vendedor são previstas no
nosso ordenamento, mesmo que inviável o registro imobiliário do contrato. Os
artigos 446ª, B e C, do Código de Processo Civil introduzidos pela lei 11.232/05, no
Capítulo VIII, da Sentença e da Coisa Julgada, trata dessas ações (o tema, antes,
estava nos artigos 639 a 641 e, no capítulo da execução das obrigações de fazer e
não fazer). O artigo 466A obriga a declaração de vontade do promitente vendedor. A
sentença, no caso de resistência, valerá como título e poderá ser encaminhada, se
possível o registro, ao cartório competente.
Necessário o contraponto entre o direito real do promitente comprador e o
direito real de superfície. É de se ter presente, que o promitente vendedor
permanece proprietário no curso do compromisso, de trato susceptível. Somente
como o pagamento das prestações, na íntegra, a titularidade passa ao promissário
comprador. No tocante ao promitente vendedor a propriedade é resolúvel. Nesse
transcurso até o inteiro adimplemento do compromisso o promitente comprador tem
101
os atributos do domínio, porém lhe falta a propriedade, que somente lhe será
transmitida, após saldado o preço. A situação jurídica do promissário comprador é
diversa do superficiário, porque não há a separação de propriedades. Até o
pagamento se exaurir, propiciando o registro imobiliário definitivo, a titularidade, do
solo e da superfície é do promitente vendedor. Somente depois é que passará ao
adquirente.
7.3.5 Enfiteuse
A proscrição do instituto do Código Civil de 2002, teve sua motivação por não
atender aos anseios de flexibilização social da propriedade, como instrumento que
permita sua exploração em todos os desdobramentos. O artigo 678, do Código Civil
de 1916, estatuiu que a enfiteuse, aforamento ou emprazamento se dá quando, por
ato entre-vivos ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do
imóvel, pagando, a pessoa que o adquire - e assim se constitui enfiteuta - ao
senhorio direto uma pensão ou foro, anual, certo e invariável. E, nos artigos 679 e
680, ficou expressa a perpetuidade do contrato de enfiteuse e que, dele, somente
podem ser objeto terras não cultivadas ou terrenos que se destinem à edificação.
Porém, apesar da proibição explicitada, no artigo 2.038, das Disposições
Transitórias, do Código Civil de 2002, no tocante à constituição de enfiteuses e
subenfiteuses, as, então, existentes, ficaram preservadas. Não foi declarada a
extinção desse direito real com eficácia ex tunc, mas sim, a partir do Código, com a
permanência jurídica das enfiteuses e subenfiteuses, precedentemente existentes,
até que exauridas. Nesses aforamentos subsistentes, o parágrafo 1º, do artigo
2.038, veda a cobrança de laudêmio ou de prestação análoga na transmissão de
102
bens aforados, sobre o valor das construções ou plantações. A persistência do
instituto reside nos terrenos de marinha e acrescidos (decreto-lei 2.490, de 16 de
agosto de 1940; decreto-lei 9.760, de 05 de setembro de 1946). Destarte, a
enfiteuse não desapareceu do ordenamento brasileiro, visto conservadas as
constituídas, anteriormente, ao Código Civil de 2002 e as atinentes aos terrenos de
marinha. Em conseqüência, para essas modalidades, prevalece o resgate do
aforamento, previsto no artigo 693, do Código Civil de 1916 (artigo 900, do Código
de Processo Civil).
O artigo 49, das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição
Federal de 1988, sinalizou sobre a extinção da enfiteuse, dispondo que, nesse caso,
em se tratando de imóveis urbanos, seria facultada, aos foreiros, a remição dos
aforamentos, mediante aquisição do domínio direto, conforme o estabelecido no
contrato. E, não havendo cláusula a respeito, adotar-se-iam critérios e bases
vigentes na legislação especial dos imóveis da União. O parágrafo 3º, dessa norma,
preservou a enfiteuse nos terrenos de marinha e seus acréscimos, situados na faixa
de segurança a partir da orla marítima, o que conduziu à exceção consubstanciada
no parágrafo 2º, do artigo 2.038, do Código Civil.
7.3.6 Concessão de uso especial para fins de moradia
O instituto, para aplicação no perímetro urbano, veio, inicialmente,
discriminado nos artigos 15 a 20 do projeto do Estatuto da Cidade aprovado no
Congresso Nacional. Recebeu, entretanto, veto integral pela Presidência da
República, com o reconhecimento, todavia, de que a importância e validade do
instituto impunha a submissão, sem demora, de texto normativo. Disso redundou, na
103
seqüência, a edição da medida provisória 2.220, de 4 de setembro de 2001,
relacionada ao parágrafo primeiro, do artigo 183, da Constituição Federal.
Consoante se extrai desse dispositivo, a par da aquisição do domínio de área
urbana por força de usucapião especial, a regularização e a segurança da posse,
passa a ter, como instrumento, também, a concessão de uso visando assegurar
moradia aos ocupantes de favelas e loteamentos regulares. O mencionado
parágrafo primeiro estabelece que o título de domínio e a concessão de uso serão
conferidos ao homem ou à mulher ou a ambos, independentemente do estado civil.
A medida provisória 2.220 assinala que o direito de uso especial para fins de
moradia exige a posse, até 30 de junho de 2001, por cinco anos, pelo interessado,
sem oposição e ininterruptamente, de imóvel público, com, no máximo duzentos e
cinqüenta metros quadrados, em área urbana, utilizando-o para sua residência ou de
sua família. Como os imóveis públicos não são acessíveis de serem adquiridos por
usucapião, a solução legislativa, contornando a dificuldade, adotou a medida,
condicionada, no entanto, a não ser o possuidor proprietário ou concessionário de
outro imóvel urbano ou rural, a qualquer título, exigência que se repete para o
reconhecimento da usucapião. Resulta que ambas as figuras, concessão de uso
especial de moradia e usucapião, independem de contrato (diferentemente do que
ocorre com a concessão real de uso e com o direito de superfície), e são
constituídas pelo agir e fazer do indivíduo que ocupa o imóvel para o fim adistrito em
lei. Assim, em se tratando de imóvel particular, urbano, a aquisição originária pela
usucapião constitucional se mostra indiscutível; cuidando-se de bem público, a
regularização fundiária se dará pela concessão, sem que transferida a propriedade
do Estado ao particular.
104
A disposição constitucional do parágrafo único, artigo 183, detalhada na
medida provisória 2.220, de 2001, gera um direito público subjetivo em favor do
possuidor, que atenda os requisitos normativos estatuídos. Não se trata, destarte, de
um benefício, mas de um direito a ser exercitado, ainda que a concessão seja
conferida de forma gratuita. Em princípio, os imóveis públicos, em geral, podem ser
objeto de concessão, mas o artigo 4º, da medida provisória 2.220, embora preserve
o direito do possuidor, admite que seu exercício seja efetivado em outro local, na
hipótese da ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes. A
transferência, igualmente é facultada ao Poder Público, na hipótese de ocupação de
imóvel (a) de uso comum do povo, (b) destinado a projeto de urbanização, (c) de
interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos
ecossistemas naturais (parágrafo 2º, ao artigo 22-A, da lei 9.636, de 15 de maio de
1998, incluído pela lei 11.481, de 2007), (d) reservado à construção de represas e
obras congêneres ou (e) situado em via de comunicação (artigo 5º). O essencial é a
tutela ao direito à concessão, informado pelo interesse social, impondo-se ressaltar
que a única vedação legal está no parágrafo 1º, do mencionado artigo 22-A, ao
afirmar que o direito à concessão de uso especial para fins de moradia não se aplica
a imóveis funcionais.
Vale considerar, ademais, que o prazo de posse do antecessor pode ser
acrescido ao do atual possuidor, exigido, apenas, que as posses sejam contínuas. O
caráter real do direito impõe o registro do título, obtido por via administrativa ou
através de sentença no cartório de registro de imóveis. Nessa mesma perspectiva é
transferível por ato inter vivos ou causa mortis. Extingue-se se for lhe dada
destinação diversa da moradia, para si ou para sua família e, se o concessionário
houver a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural.
105
Em seu artigo 2º, a medida provisória prevê a concessão de uso especial para
fins de moradia de forma coletiva, desde que ocupados os imóveis públicos por
população de baixa renda, sem possibilidade de identificação dos terrenos e do
possuídor. Cuida-se de concessão de uso para fins de moradia coletiva,
assemelhada a usucapião, também coletiva, disciplinada no artigo 9º, da lei
10.257/01.
Ainda, a medida provisória 2.220 traz, como faculdade do poder público, a
autorização gratuita de uso àquele que, até 30 de julho de 2001, possuiu como seu,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, imóvel público, situado em área urbana, utilizando-o para fins
comerciais. Inequivocamente, o que se busca é a tutela das pequenas ou micro
empresas, garantida atividade produtiva, que permita o sustento do titular e sua
família. Do texto do artigo 9º, não deflui que tenha sido concedido um direito público
subjetivo ao possuidor, diversamente do que ocorre com o uso para fins de moradia.
A autorização de uso é medida administrativa, que comporta ser cancelada a
qualquer momento.
É possível que o imóvel congregue a moradia e, também, em uma de suas
repartições, determinado fim comercial. Nesse caso, deve prevalecer o interesse de
proteção à família. Em razão disso o denominado imóvel misto, no qual prepondere
a destinação familiar, poderá ser alcançado pela concessão de uso. Dada a
existência de um complexo, residência e comércio, não se justifica a separação, com
a preponderância do aspecto moradia, essencial à existência e permanência da
entidade familiar.
106
A concessão de uso especial para fins de moradia integra, presentemente, o
rol dos direitos reais do artigo 1.225, do Código Civil 2002, incluído o inciso XI, pela
lei 11.481, de 31 de maio de 2007. Este mesmo diploma acresceu o artigo 22-A à lei
9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração,
aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União. Ante a falta de
previsão de que limitada às áreas urbanas, de se convir que a concessão, em
virtude desse acréscimo foi estendida, também, às rurais de propriedade pública.
Abarca, inclusive, os terrenos de marinha e acrescidos, mantidos, os requisitos
legais estabelecidos na medida provisória. Igualmente é permitida em áreas públicas
remanescentes de desapropriação, em que transferida a propriedade à empresa
pública ou sociedade de economia mista (artigo 25, da lei 11.481, de 31 de maio de
2007).
Embora tenha o status de direito real, a concessão de uso especial para fins
de moradia caracteriza-se como um “ius in re aliena”, limitado, não tornando
proprietários os possuidores ou ocupantes aos quais conferida. Não ocorre a
dissociação dos elementos da propriedade, que se mantém na União. Aliás a
reversibilidade do imóvel concedido vem claramente disposta nos parágrafos quinto
e sexto do decreto lei 9.960, de 5 de setembro de 1946, que estatui sobre os bens
imóveis da União e com a alteração da lei 11.481
122
.
122
Parágrafo 5º. Constatado o exercício de posse para fins de moradia em bens entregues a órgãos
ou entidades da administração pública federal e havendo interesse público na utilização destes
bens para fins de implantação de programas ou ações de regularização fundiária ou para titulação
em áreas ocupadas por comunidades tradicionais, a Secretaria do Patrimônio da União fica
autorizada a reaver o imóvel por meio de ato de cancelamento da entrega, destinando o imóvel
para a finalidade que motivou a medida, ressalvados dos bens imóveis da União que estejam sob a
administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
e observado o disposto no inciso III do parágrafo 1º do artigo 91 da Constituição Federal.
Parágrafo 6º. O disposto no parágrafo 5º deste artigo aplica-se, também, a imóveis não utilizados
para a finalidade prevista no ato de entrega de que trata o caput deste artigo, quando verificada a
necessidade de sua utilização em programas de provisão habitacional de interesse social.
107
7.3.7 Concessão de direito real de uso
Entre o insucesso do primeiro projeto de Código Civil, em 1965, e a formação
de uma nova comissão elaboradora e revisora, em 1969, foi editado o decreto-lei nº
271, datado de 28 de fevereiro de 1967, dispondo sobre loteamento urbano,
responsabilidade do loteador, concessão de uso e espaço aéreo, além de outras
providências. O que interessa, para este estudo, são os artigos 7º e 8º.
Surge, outrossim, a questão sobre se o decreto-lei 271/67 está derrogado
pela lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979 sobre o loteamento de terrenos
urbanos
123
. O argumento é o de que a nova lei regula, por inteiro, a matéria do
decreto-lei. Contudo, não é bem assim. Os artigos 7º e 8º, em exame, disciplinam a
concessão de uso de terrenos públicos ou particulares e do espaço aéreo, matéria
não tratada na lei 6.766. Por essa razão não houve a revogação pretendida dessas
normas, não se ajustando à espécie os parágrafos 1º e 2º, do artigo 2º, do decreto-
lei 4.567, de 04 de setembro de 1942 (Lei de Introdução do Código Civil).
Pela primeira dessas normas, artigo 7º, ficou instituída a concessão de uso de
terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou
indeterminado, como direito real resolúvel, considerado o conteúdo de então, para
fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou
outra utilização de interesse social. A lei 11.481, de 31 de maio de 2007, inseriu a
concessão de uso no rol dos direitos reais do artigo 1.225, do Código Civil (inciso
XII), como sucedeu com a concessão de uso especial para fins de moradia. Ainda,
123
Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR. Ricardo FIUZA (coord.). Novo código civil comentado. 2.ed., São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.247.
108
por esse diploma foi alterado o artigo 7º, que passou a vigorar com a redação
seguinte:
É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares
remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real
resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse
social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra,
aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades
tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de
interesse social em áreas urbanas
.
A maior abrangência do novo texto, todavia, não confere ao concessionário a
propriedade das edificações ou culturas, que fizer nos terrenos públicos ou
particulares, cujo uso lhe foi concedido. Não há a atribuição de domínio e nem o
desmembramento jurídico, permanecendo íntegro o princípio da acessão. Essa
distinção resulta da própria sistemática do direito real, porque, caso a concessão de
uso do decreto-lei 271/67, com a nova redação da lei 11.481/07, se confundisse com
o direito de superfície, não seria necessário o acréscimo de mais um inciso ao
elenco do artigo 1.225, exatamente, para sua inclusão.
O aludido decreto-lei não vai além do direito real de uso e nele não se pode
vislumbrar a contemplação, por mínima que seja, da propriedade superficiária. Em
momento algum se faz a dissociação, do domínio do solo daquele da construção,
fincada a disciplina na propriedade unitária e não na separada. Essa a circunstância
que distingue o direito de uso, do direito de superfície, porque, no primeiro o
concedente permanece com a propriedade do solo e das construções, prevalecendo
a acessão, enquanto que no segundo, resta-lhe, tão-apenas, o domínio do solo, pois
o das edificações é do concessionário.
No mais, o decreto-lei 271 prevalece com todos os parágrafos do artigo 7º.
Estabeleceu, no primeiro, que a concessão de uso poderá ser contratada por
instrumento público ou particular, ou por simples termo administrativo, e será inscrita
109
e cancelada, em livro especial. A partir da inscrição, o concessionário fluirá,
plenamente, do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por
todos os encargos civis, administrativos e tributários, que venham a incidir sobre o
imóvel e suas rendas. A concessão se extingue em seu termo, desde que o
concessionário dê, ao imóvel, destinação diversa da estabelecida no contrato ou ato
administrativo. Igualmente, se descumprir cláusula resolutória do ajuste, caso em
que perde as benfeitorias de qualquer natureza. Prevê, o parágrafo 4º, a
transferência, por ato inter vivos ou mortis causa, respectivamente, através de
negócio jurídico, com instrumento registrado ou por sucessão legítima ou
testamentária.
O artigo 8º permite a concessão de uso do espaço aéreo sobre a superfície
de terrenos públicos ou particulares, tomada em projeção vertical, nos termos e para
os fins do artigo 7º e conforme regulamentação. Nitidamente esse artigo diferencia a
superfície do espaço aéreo e, logicamente, do solo, além do subsolo. Como não se
pode admitir imprecisão conceitual por parte do legislador, é de se crê que,
referindo-se à superfície de terrenos públicos ou particulares, inegavelmente está se
atendo às obras ou plantações incorporadas ao solo, porque este é o sentido
técnico-jurídico de superfície. A distinção implica que pode haver não só a
concessão de uso do chão, em si, mas também da superfície e do espaço aéreo.
110
7.4 DIREITOS REAIS DE GARANTIA
7.4.1 Hipoteca
Apesar de posição doutrinária tranqüila sobre a propriedade superficiária
enquadrar-se como objeto da hipoteca, dada a condição de proprietário pleno do
superficiário sobre as construções e plantações, como deflui do artigo 1.369 do
Código Civil, a instituição não figurava na relação do artigo 1.473. Há pouco tempo,
a lei 11.481, de 31 de maio de 2007, acrescentou à referida norma os incisos VIII, IX
e X, direcionados ao uso especial para fins de moradia, ao direito real de uso e ao
direito de superfície, dispondo expressamente em seu artigo 13 que tais categorias
jurídicas podem ser objeto de garantia real, inclusive no âmbito do Sistema
Financeiro de Habitação – SFH, devendo ser aceitos pelos agentes financeiros.
Ante o rol acrescido do artigo 1.473, impõe-se sucinta incursão sobre a
hipoteca, tendo em vista o interesse teórico-prático decorrente de sua
disponibilidade à propriedade superficiária, ao inscrevê-la como um de seus objetos.
Os artigos 1.473 a 1.505 a disciplinam, ressaltado, que, no ato de constituição
poderá ser emitida cédula hipotecária (artigo 1.486). Vem expressa a nulidade de
cláusula contratual, que proíba ao proprietário (superficiário) alienar o imóvel
hipotecado, mas o Código permite a convenção, de que o crédito hipotecário se
vencerá na hipótese de alienação do bem (artigo 1.475). O adquirente do imóvel
hipotecado, desde que não se tenha obrigado, pessoalmente, a pagar a dívida aos
credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel.
Cumprir-lhe-á notificar o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes,
conjuntamente, a posse do imóvel ou o depositando em juízo. Mesmo que citado à
111
execução hipotecária, assiste-lhe abandonar o imóvel, desde que o faça nas 24
horas seguintes à citação (artigos 1.479 e 1.480).
O artigo 1.487 viabiliza a constituição da hipoteca para garantia de dívida
futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser
garantido. A execução dependerá de prévia e expressa concordância do devedor,
quanto à aferição da comissão ou ao montante da dívida. Em caso de divergência,
competirá ao credor fazer prova de seu crédito. Demonstrado, o devedor estará
sujeito a compor perdas e danos, por motivo da superveniente desvalorização do
imóvel.
O Código admite que o imóvel dado em garantia hipotecária, seja loteado ou
sobre ele constituído condomínio edilício. O ônus, entretanto, será dividido,
gravando cada lote ou unidade autônoma, se o requererem, ao juiz, o credor, o
devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o
crédito (artigo 1.488). Mas, aquele que requerer o desmembramento do ônus, arca
com as despesas judiciais e extrajudiciais, salvo convenção em contrário, como
permitido. A resistência do credor hipotecário está restrita à prova, cujo ônus lhe
incumbe, da redução da garantia em virtude do partilhamento. Tal medida não
desonera o devedor originário, a não ser que haja anuência do credor,
permanecendo vinculado pelo restante, se, executada a hipoteca, o produto
amealhado não se apresentar bastante para saldar a dívida e despesas judiciais
(artigo 1.430).
Possível a remição da coisa hipotecada. Ao adquirente do bem é facultado
(artigo 1.481) fazê-lo, citando os credores hipotecários (o prazo de propositura é de
trinta dias, contados do registro do título aquisitivo), e propondo importância não
112
inferior ao preço da aquisição. O procedimento vem escalonado nos parágrafos 1º a
4º, do artigo 1.481. Se o credor impugnar o preço da aquisição ou a importância
oferecida, realizar-se-á a licitação, efetuando-se a venda judicial a quem oferecer
maior preço, assegurada preferência ao adquirente do imóvel. Na falta de
impugnação, o preço ofertado ter-se-á por definitivo, liberado o imóvel da hipoteca.
Se não houver a remição, o bem ficará sujeito à execução e será alienado,
judicialmente, em praça
124.
De qualquer maneira, o executado poderá, até a
assinatura do auto de arrematação, ou até que seja publicada a sentença de
adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se
não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Idêntico direito caberá ao
cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado (artigo 1.482)
125
, como,
também, à massa falida ou aos credores em concurso, em caso de falência ou
insolvência do devedor hipotecário (artigo 1.483)
126
.
124
Independentemente da obrigação do adquirente em ressarcir os credores hipotecários da
desvalorização, que por sua culpa, o bem vier a sofrer, mais as despesas judiciais da execução.
125
Artigos 787 e seguintes do C.P.C., revogados.
126
Neste tópico, o novo Código Civil apresenta um traço processual, ao permitir que o devedor,
exercite a remição do imóvel hipotecado. O Código de Processo Civil prevê, no artigo 651, que,
antes da adjudicação ou da arrematação, o executado possa remir a execução, pagando todo o
débito, compreendendo o principal, juros, custas e honorários advocatícios. Contudo, a remição da
dívida não significa a remição do bem, que o estatuto processual não permitia por intermédio do
executado. Quem poderia fazê-lo era o cônjuge, o descendente ou o ascendente, depois da praça
ou da adjudicação, em 24 horas, porém antes da assinatura do auto. Agora, a faculdade foi
liberada, em norma de direito material, para o executado. No entanto, necessário lembrar, que o
Código de Processo Civil sofreu profunda alteração com a lei 11.382, de dezembro de 2006, que
modificou a execução dos títulos extrajudiciais, com aplicação subsidiária à execução dos títulos
judiciais, por força do artigo 475-R, introduzido na legislação processual, pela lei 11.232, de
dezembro de 2005. A atual regência da execução processual revogou os artigos referentes à
remição, mas introduziu a adjudicação dos bens penhorados. Além do exeqüente, do credor com
garantia real e dos credores concorrentes que hajam penhorado o mesmo bem, preferencialmente,
compete ao cônjuge, aos descendentes ou aos ascendentes do executado exercitarem esse direito.
Não há abertura à adjudicação pelo devedor. É caso, contudo, ante o texto do Código Civil de 2002,
de compatibilização das normas, autorizando que o adquirente do imóvel hipotecado seja incluído
dentre aqueles que possam adjudicá-lo, observado o artigo 685-A do Código de Processo Civil.
Trata-se de hipótese de analogia, mecanismo contemplado na legislação brasileira (artigo 4º, do
decreto-lei 4.657, de 04 de setembro de 1942, Lei de Introdução do Código Civil, e artigo 126, do
Código de Processo Civil).
113
As hipotecas devem ser registradas no cartório do lugar do imóvel. O artigo
1.495 corresponde ao artigo 837, do Código Civil de 1916, tendo sido, no entanto,
parcialmente modificado:
Quando se apresentar, ao oficial do registro, título de hipoteca que
mencione a constituição de anterior, não registrada, sobrestará ele a
inscrição da nova, depois de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o
interessado inscreva a precedente; esgotado o prazo, sem que se requeira
a inscrição desta, a hipoteca ulterior será registrada e obterá preferência.
Se tiver dúvida sobre a legalidade do registro requerido, o oficial fará, ainda
assim, a prenotação do pedido. Se a dúvida, dentro em noventa dias, for julgada
improcedente, o registro efetuar-se-á com o mesmo número que teria na data da
prenotação. No caso contrário, cancelada esta, receberá o registro o número
correspondente à data em que se tornar a requerer (artigo 1.496).
A extinção da obrigação principal resulta na da hipoteca, que a onera. Mas,
outras causas, também se apresentam: perecimento da coisa, a resolução da
propriedade, a renúncia do credor, a remição, a arrematação ou adjudicação e a
averbação do cancelamento do registro à vista da respectiva prova no registro de
imóveis. A hipoteca, devidamente registrada, não será extinta pela arrematação ou
adjudicação, sem que tenham sido notificados, judicialmente, os respectivos
credores hipotecários, que não foram, de qualquer modo, partes na execução.
7.4.1.1 A hipoteca da propriedade superficiária
Nada impede a hipoteca da propriedade superficiária, ainda mais, agora, com
o permissivo legal do inciso X, acrescido ao rol do artigo 1.473 (lei 11.481/07). A
providência está ajustada ao sistema imobiliário do Código, que contempla os
domínios, dividido e separado, reconhecendo, nesta última hipótese, duas
114
propriedades, a do senhor do solo e a do superficiário, a deste sobre o que se eleva
do chão, por seu trabalho e empreendimento. Duas as propriedades plenas, sobre
coisas diversas, cada uma delas, hábil à hipoteca, e, assim, seus titulares podem, a
ela, sujeitá-las, respectivamente. A visão dissociada da propriedade pelo legislador
de 2002 estava – e desde a promulgação do estatuto civil – identificada no inciso V,
do artigo 1.473, ao dispor que os recursos naturais relacionados no artigo 1.230
(jazidas, minas, demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os
monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais) são passíveis
de hipoteca, separadamente, do solo em que se acham. Percebe-se, com nitidez, a
consideração de várias propriedades: do solo, da coisa a ele incorporada na parte
superior – superfície – e do subsolo.
Tendo em vista que o direito de superfície confere a propriedade plena das
construções e plantações ao superficiário, mesmo sem o mencionado dispositivo,
não se poderia negar que, sobre elas, tivesse o domínio pleno, alvo, por decorrência
lógica, de hipoteca, o que poderia ter sido disciplinado no capítulo próprio do direito
de superfície, mas não o foi. E vinculada à superfície, com a extinção desta, a
garantia, igualmente, se extingue. Não poderia ser diverso, porque o ônus incide
sobre a construção. Consolidada esta na propriedade do senhorio direto, agregada
juridicamente ao solo, inviável que se transfira o encargo ao último, concedente.
Em contraponto, a hipoteca do solo, sobre o qual há o domínio direto, não
pode afetar a propriedade superficiária, tendo em vista a total independência entre
ambas. Na hipótese de inadimplência do senhorio direto, a execução, somente,
poderá atingir o solo, sem repercussão à construção existente.
115
O direito italiano, expressamente, admite a hipoteca do direito de superfície,
em seu artigo 2.816
127
. Essa norma traz, em sua última parte, uma consideração
interessante e que, também, vale para o direito brasileiro. É a de que se houve
reunião, na mesma pessoa, do direito do proprietário do solo e daquele do
superficiário, a hipoteca sobre um e sobre outro continuará a gravar,
separadamente, cada qual deles. Essa disposição bem faz descortinar a existência
de dois domínios, completamente separados. Doutro turno, deve-se ter presente que
tal raciocínio não se aplica à possibilidade da consolidação, quando extinto o direito
de superfície. Nesse prisma, a hipoteca se resolve com o vencimento do prazo da
propriedade superficiária.
Se o superficiário alienar a superfície gravada com hipoteca, esse ônus real
de garantia permanecerá íntegro e o adquirente da superfície a ele estará sujeito. No
entanto, poderá valer-se, a título de comprador do imóvel hipotecado, do direito de
remi-lo ou adjudicá-lo, nos termos do artigo 1.481, do Código Civil, como
precedentemente analisado.
Com a inserção do direito de superfície entre os bens discriminados no artigo
1.473, veio o acréscimo do parágrafo 2º, também pela lei 11.481/07, exatamente
para limitar a garantia ao direito de superfície e ao direito real de uso pelo tempo
previsto nas concessões, de um e de outro, aditando “caso tenham sido transferidos
por período determinado”. Tal ressalva leva à crença de que admitida a contratação
perpétua.
127
F. Del GIUDICE, ob. cit., p. 1.583: "IPOTECA SUL DIRITTO DI SUPERFICIE. – Le ipoteche che
hanno per eggetto il diritto di superficie si estinguono nel caso di devoluzione della seperficie al
proprietario del suolo per decorso del termine (954). Se però il superficiario ha diritto a un
corrispettivo, le ipoteche iscritte contro di lui si risolvono sul corrispettivo medesimo. Le ipoteche
iscritte contro il proprietario del suolo non si estendono alla superficie. Se per altre cause si
riuniscono nella medesina persona il diritto del proprietario del suolo e quello del superficiario, le
ipoteche sull’uno e sull’altro diritto continuano a gravare separatamente i diritti stessi".
116
7.4.2 Anticrese
A anticrese consiste na entrega pelo devedor, ou outrem por ele, de imóvel ao
credor, cedendo-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e
rendimentos. No Código de 1916 era permitido estipular que os frutos e rendimentos
do imóvel fossem percebidos pelo credor à conta de juros. O Código atual, no
parágrafo 1º, do artigo 1.506, ressalva que se o valor ultrapassar a taxa máxima,
permitida em lei, para as operações financeiras, o remanescente será imputado ao
capital. Quando a anticrese recair sobre imóvel, este poderá ser objeto de hipoteca
pelo devedor ao credor anticrético ou a terceiros. O inverso, também, é possível,
com a incidência da anticrese sobre bem hipotecado. O parágrafo 2º, do artigo 805,
do Código Civil de 1916, também permitia essas operações e a reciprocidade,
porém circunscritas aos respectivos devedores e credores, anticréticos e
hipotecários. Anote-se, que a redação do parágrafo 2º, do artigo 1.506, que difere
daquela do parágrafo 2º, do artigo 805, do Código Civil de 1916, permite concluir
pela admissibilidade da anticrese sobre bem móvel.
A administração dos bens dados em anticrese é facultada ao credor
hipotecário, podendo fruir seus frutos e utilidades. Deve apresentar, anualmente, um
balanço, exato e fiel de sua administração. Não concordando o devedor anticrético
com o balanço, alegando ser inexato ou ruinosa a administração, poderá impugná-lo
e se o quiser, requerer a transformação em arrendamento. Nesse caso o juiz fixará o
valor mensal do aluguel, o qual poderá ser corrigido anualmente. Assiste ao credor
anticrético arrendar os bens a terceiros, salvo convenção em contrário, mantendo,
até ser pago, o direito de retenção do imóvel, não sendo o aluguel do arrendamento
vinculativo para o devedor (artigo 1.507, parágrafos 1º e 2º). Em razão de ter a
117
posse e a administração do imóvel anticrético, o credor responde pelas
deteriorações sofridas pelo imóvel, por sua culpa, como também, pelos frutos e
rendimentos não recebidos, por negligência de sua parte (artigo 1.508). Também lhe
compete vindicar seus direitos contra os adquirentes dos bens, os credores
quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese. Não terá
preferência sobre o preço, se não opuser seu direito de retenção, na execução, por
ele ou por outro credor dos bens anticréticos por falta de pagamento da dívida.
Igualmente, perderá a preferência sobre a indenização do seguro, quando destruído
o prédio ou desapropriado, com relação a seu valor (artigo 1.509, parágrafos 1º e
2º).
Em paralelo à hipoteca, possível se apresenta ao adquirente do bem
anticrético a remição, antes do vencimento da dívida, pagando a sua totalidade à
data do pedido e imitindo-se, se for o caso, na sua posse (artigo 1.510).
7.4.2.1 A superfície na anticrese
Nada obsta a utilização, dessa figura de direito real de garantia, pelo
superficiário. Note-se que, diversamente da hipoteca, na anticrese há a entrega do
bem imóvel, ao credor, que explorando-o, ou arrendando-o a terceiro, terá o direito
de receber, em pagamento da dívida, o “quantum” arrecadado pelos frutos e
rendimentos. Importante registrar que, embora cedida a posse do imóvel, a
propriedade permanece com o superficiário, devedor, mas a utilização do bem pelo
credor é plena, obviamente alcançando o uso do solo.
118
Mesmo que a edificação seja objeto de hipoteca, nada impede que se ajuste a
anticrese com o credor hipotecário ou com um credor diverso, apresentando-se
plenamente válida a recíproca. Da mesma forma que a hipoteca, com a extinção do
direito de superfície, a anticrese se resolve. Se o imóvel anticrético for alienado pelo
superficiário, ao adquirente será facultado remi-lo, seguindo-se o procedimento
previsto para a remição da hipoteca (artigo 1.481). Tanto em uma figura como em
outra, o adquirente poderá exercitar o direito de regresso em face do alienante, para
reaver a quantia que pagou pela remição dos bens
128
.
Não pode ser avençada a transferência, do bem dado em hipoteca, anticrese
ou penhor rural, ao credor, mesmo que a dívida não seja paga no vencimento,
afigurando-se nula cláusula que, assim, autorize. Todavia o parágrafo único, do
artigo 1.428, do Código Civil de 2002, estipula que após o vencimento, poderá o
devedor dar a coisa em pagamento da dívida. Nesse caso, da dação em pagamento,
a propriedade superficiária e o direito respectivo, se transferem ao credor
hipotecário, anticrético ou pignoratício. Em tal hipótese, em que o devedor
superficiário entrega a coisa em pagamento, impõe-se a notificação do proprietário
do solo para que, saldando a dívida, tenha a propriedade superficiária integrada em
seu domínio.
7.4.3 Alienação fiduciária de imóvel
A alienação fiduciária de coisa imóvel está disciplinada na lei 9.514, de 20 de
novembro de 1997. Consoante seu artigo 22, é um negócio jurídico, pelo qual o
128 - Theotonio NEGRÃO e José Roberto F. Gouvêa – Código Civil e legislação civil em vigor, 27ª
ed., Saraiva, 2008, p. 423.
119
devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor,
ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. O parágrafo 1º é sintomático
ao estatuir que a alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou
jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como
objeto, além da propriedade plena: I) bens enfitêuticos (hipótese em que será
exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no
fiduciário); II) o direito de uso especial para fins de moradia; III) o direito real de uso,
desde que suscetível de alienação; IV) a propriedade superficiária. Ainda, o
parágrafo 2º, do mencionado artigo, dispõe que os direitos de garantia instituídos
nas hipóteses dos incisos III e IV, do parágrafo 1º, ficam limitados à duração da
concessão ou do direito de superfície, caso tenham sido transferidos por prazo
determinado (pela lei 11.481, de 2007, o parágrafo único, do artigo 22, foi convertido
no parágrafo 1º, com outra redação, e houve o acréscimo do parágrafo 2º).
No artigo 23 vem estatuído que a propriedade fiduciária constitui-se de coisa
imóvel mediante registro, no competente registro de imóveis, do contrato que lhe
serve de título. Em virtude de sua constituição, ocorre o desdobramento da posse,
tornando-se, o fiduciante, possuidor direto e, o fiduciário. possuidor indireto da coisa
imóvel.
A propriedade superficiária, por força da lei 9.514, de 20 de novembro de
1997, pode ser objeto de alienação fiduciária, por conseguinte. O negócio jurídico
está restrito às edificações, mas não às plantações, que por sua natureza, inclusive
a jurídica, não se ajustam ao instituto. Perfeitamente viável que o proprietário
superficiário, devedor, transfira ao credor a propriedade da superfície. Somam-se
duas propriedades resolúveis: a decorrente do próprio direito de superfície, com
relação a seu termo e consolidação em mãos do senhorio direto e a da alienação
120
fiduciária, quando com a satisfação plena do débito, o imóvel dado em garantia,
retorna ao superficiário. Em razão disso, tem que haver coincidência temporal dos
dois direitos, o de superfície e o de garantia, consistente na alienação fiduciária. De
anotar que a posse direta da superfície permanece com o superficiário (fiduciante),
enquanto que a posse indireta, somente da superfície, é do fiduciário.
7.4.4 Penhor rural
Outro instituto em que a garantia poderá ser a superfície, é o penhor rural,
que se constitui mediante instrumento público ou particular, registrado no cartório de
registro de imóveis, da circunscrição em que estiverem situadas as coisas
empenhadas, conforme o artigo 1.438, do Código Civil de 2002.
As coisas que podem ser objeto dessa modalidade de penhor vêm
relacionadas no artigo 1.442 e, no que interessa, as colheitas pendentes ou em via
de formação, abrangendo imediatamente a seguinte, no caso de frustrar-se ou ser
insuficiente a que foi dada em garantia (artigo 1.443).
Colheitas pendentes ou em via de formação constituem incorporações ao solo
e podem ser objeto do direito respectivo. Abrangem não só plantações já existentes,
como aquelas a serem formadas, o que se coaduna bem com o direito de superfície,
não havendo incompatibilidade.
Não há impedimento legal para que tais plantações, existentes ou com a
implantação em curso, sejam propriedades superficiárias, independentes do domínio
do solo. Como a propriedade superficiária é distinta, por completo, da propriedade
do solo, a garantia, exteriorizada na emissão, em favor do credor, de cédula rural
121
pignoratícia, a ela se circunscreve. O dominus soli é figura estranha a esse negócio
e por ele não pode ser alcançado.
123
8 OBJETO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
8.1 CONSTRUÇÃO E PLANTAÇÃO
8.1.1 Construção
Comumente, pode significar uma obra a ser feita ou que já se encontre em
fase de execução ou completamente edificada. Configura um dos elementos
dissociáveis da coisa imóvel, possibilitando o desmembramento de seu complexo,
em especial com os elementos correspondentes ao solo, isto é, o que está acima e
abaixo. A construção é uma parte da coisa que, pela delimitação autônoma, permite
a apropriação de forma separada do solo. Na disciplina legislativa, ao lado da
plantação, constitui o objeto, do que, juridicamente, é denominado superfície e sobre
ela recai um direito real de propriedade, não de coisa alheia, mas de coisa própria.
Além da superficiária há a realizada no subsolo, igualmente distinta da propriedade
do solo.
Construir pode significar a gestão do fazer ou do que já está feito. A
edificação poderá ter um objetivo particular, privado, de negócio entre pessoas
físicas ou jurídicas, ou uma destinação pública, quando contratada com o Estado,
podendo, este último, figurar como concedente, quando é o titular do solo e cede a
superfície. Nada obsta a posição inversa, quando o proprietário do solo lhe concede
o direito de superfície.
Circunscrita ao perímetro de uma cidade, será qualificada como urbana e
receberá o tratamento do direito urbanístico, voltado à sustentabilidade da urbe e à
124
operacionalidade comunitária. Se efetivada fora do perímetro urbano, será rural, com
a serventia própria ao desenvolvimento das atividades agrícolas.
Essencial, no entanto, que haja uma obra, um acréscimo ao chão, podendo
consistir em residências, estabelecimentos comerciais e industriais, armazéns,
monumentos funerários e jazigos, vias férreas e equipamentos de transmissão
elétrica, além de torres para sinais de rádio e televisão, com seus suportes. Pode-se,
doutro turno, dizer que há uma correlação entre acessão e direito de superfície.
Somente obras ou vegetações passíveis de junção ao solo, integrando-o de modo
duradouro, o que molda a “accessio”, e não provisório ou transitório, comportam a
quebra do sistema e serem objeto da propriedade superficiária. Em suma, para que
excluída a acessão é necessário que seja possível sua efetividade
129 e 130
. O
anteprojeto elaborado por Orlando Gomes reconhecia essa correlação de modo bem
explícito
131
.
Há um outro campo de exploração não contemplado, nem no Estatuto da
Cidade e nem no Código Civil de 2002. Trata-se da concessão, pelo superficiário a
129
Luiz da Cunha GONÇALVES, ob. cit., p. 416-417; Alessandro BARCA e Corrado MARVASI, La
superfície. In: Paolo CENDON. Il diritto privato oggi. Milano: Giuffrè, 2004, págs. 467 e segs.
130
Atílio GUARNIERI, ob. cit, p. 213. “Nozione di construzione. È stato esattamente osservato che dal
principio che identifica nella superficie lo strumento, che preclude l’operare dell’accessione a favore
del dominus soli delle costruzioni edificate al di sopra o al di sotto del suolo, discende che la
superfifie potrà avere ad oggetto solo costruzioni suscettibili di acquisto per accessione, cosi da
comprendere immobili adibiti ad uso abitativo, commerciale, industriale, serbatoi, opere di difesa del
suollo, ecc. In tal modo, possono essere tranquillamente pretermesse quali possibili oggetti di
superficie opere temporanee, destinate a restare sul suolo altrui per un periodo transitório como
baracche, bancarelle, banchi, padiglioni, ecc., posti in alieno per la durata di una fiera, di un
mercato, di una mostra, ecc.” – “Noção de construção. Observou-se, exatamente, que do princípio
que identifica na superfície o instrumento, que impede a acessão das construções edificadas, sobre
ou sob o solo, a favor do dominus soli, decorre que a superfície poderá ter por objeto só
construções suscetíveis de aquisição por acessão, dessa maneira, compreendendo imóveis
destinados à habitação, ao comércio, à indústria, a reservatório, obras de defesa do solo,etc. De tal
modo, podem ser tranquilamente desconsiderados possíveis objetos da superfície que consistam
em obras temporárias, destinadas a ficar sobre o solo de outrem por um período transitório, como
barracas, camarotes, bancos, tendas, etc. postadas em terreno alheio pela duração de uma feira,
de um mercado, de uma mostra, etc.”
131
Orlando GOMES, Anteprojeto do Código Civil: Objeto do direito de superfície – O direito de
superfície pode recair sobre qualquer construção ou plantação, suscetível de ser adquirido por
acessão pelo dono do solo.
125
terceiro, da parte superior da construção, para que, nesse espaço, possa construir.
O Código Civil suíço prevê a sobrelevação ou sobredificação (artigo 675), que nada
mais é do que uma superfície superposta à outra. Também os Códigos Civis de
Portugal, artigo 1.526, e da Itália, artigo 1.127
132, 133 e 134.
Já no direito romano essa realidade era enfrentada ante a existência de
superfícies em planos horizontais (D. 39.2.47 - Nerácio; D. 43.17.3.7 - Ulpiano)
135
.
Se a legislação não contempla a modalidade, também não a proíbe, abrindo a
possibilidade para sua implementação. A criatividade humana e as necessidades
inerentes à condição dos mais pobres, muita vez conduz a situações jurídicas que o
direito posto não contempla, mas que se tornam uma realidade, produzindo efeitos
na órbita do direito. Tenha-se, como exemplo, as construções dos favelados, em que
é comum o ocupante de um “barraco” ceder a laje para que um outro construa sobre
ela e sucessivamente. Cada um deles é “proprietário” da sua edificação.
A sobrelevação não caracteriza um condomínio como atualmente estatuído
no Código Civil (artigos 1.314 e seguintes) e, exatamente, porque os superficiários
não têm percentual de propriedade sobre o solo, cabendo-lhes, tão-apenas, utilizá-
lo. Mas, isto não impede que algumas relações próprias do condomínio se façam
presentes, mesmo porque as edificações superpostas estão sobre um terreno que
lhes é comum no uso, o que gera a necessidade da disciplina regulatória do
convívio, nesse ponto. Não há condomínio, ou seja, propriedade da coisa comum,
porque cada superficiário tem o domínio da sua construção, mas não se pode
descartar a comunhão de uso do solo.
132
Giovanni GIACOBBE, ob.cit. – p 98-103 e 172
133
Attilio GUARNIERI, ob. cit. p. 216
134
Melhim Namem CHALHUB, ob. cit. p. 81
135
A. DOR’S, et. al., ob. cit., t.3, p. 167 e 407.
126
Além das várias estruturas horizontais pela superposição de direitos da
superfície, outras variantes se desenham, ou seja, a existência de vários
superficiários no solo de um único proprietário ou, então, de um só superficiário,
ocupando terrenos de vários senhorios. Também, é viável a existência de vários
superficiários em uma só construção, quando, nesse campo restrito, existirá um
condomínio no direito de superfície.
Resta examinar a possibilidade de terceiro edificar no terreno, objeto de
concessão, antes que o superficiário dê início à obra. Transferido o direito de
construir (ou plantar), o incorporado, não ingressa na esfera patrimonial do
proprietário do solo e nem lhe compete receber qualquer valor a respeito. Embora,
com o contrato de concessão, ainda não exista a superfície, o direito de construir já
outorga ao concessionário o poder de realizar a obra. Se esta é feita por terceiro,
obstando seu direito, passa a pertencer-lhe por essa razão. Se de boa-fé o terceirto
terá direito a uma indenização e devendo ser ressarcido, unicamente pelo valor do
construído ou plantado, em caso contrário.
É de se ter presente que, em caso como o, agora, formulado, a concessão do
direito de construir é suficiente para impedir a acessão. Efetivada a obra pelo
terceiro, sua propriedade é do superficiário, por força do direito real constituído.
8.1.2 Plantação
Consiste no ato ou efeito de semear, cultivar, caracterizada pelo gesto físico
de enterrar a semente no solo para, aí, se enraizar. Pela imobilização conseqüente à
aderência à terra são consideradas imóveis, consoante o artigo 79, do Código Civil.
127
Incorporam-se pelo impulso do trabalho humano, através da semeadura, da
conservação da vegetação já existente ou do replantio. A incorporação resultante
caracteriza a superfície. Juridicamente, é desimportante que decorra do trabalho
humano ou seja constituída de espécies nativas, servindo de exemplo os bosques
naturais ou reservas florestais
136
. É o conjunto das plantas existentes em
determinada área que se apresenta como propriedade autônoma, abrangendo não
só o solo, que ocupa, mas a área de entorno necessária ao plantio e sua
estruturação, manual ou mecânica. Corrado Marvasi anota decisão judicial que se
aprofunda sobre o conteúdo da superfície vegetal estabelecendo que:
o direito de superfície sobre as plantações compreende o direito de manter
sobre o solo de outrem, não somente as árvores sobre as quais o direito foi
inicialmente constituído, mas também as sementes das plantas originais e
as suas raízes; contudo, pertencem, por direito de acessão, ao proprietário
do solo, as árvores que venham a nascer fora do aparato radical daquelas
existentes
137
.
Porém, sempre na dependência dos termos do contrato, não se pode
descartar o plantio conjunto, ou seja, na extensão do cultivo do superficiário, como
plantação de café ou de árvores frutíferas, o proprietário do solo ou outro
superficiário semearem um diverso produto agrícola, compatível.
Desnecessária a menção, no artigo 21, do Estatuto da Cidade, ao direito de
superfície de plantar. O artigo 24 ao dispor que, extinto o direito de superfície, o
proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e
benfeitorias introduzidas no imóvel, não comporta entendimento restrito às
edificações. Isso porque as plantações são, também, formas de aquisição por
136
José de Oliveira ASCENSÃO, ob. cit., p. 147.
137
Alessandro BARCA e Corrado MARVASI, “Il diritto di superfície su piantagioni comprende il potere
di mantenere sul suolo altrui non soltanto gli alberi, sui quali il diritto si è inizialmente constituido, ma
anche i polloni che rampollino dalle ceppaie delle piante originarie e dalle loro radici; invece
appartengono per diritto di accessione al proprietario del suolo gli alberi che vengano a nascere
fuori dell’apparato radicale di quelli esistenti” (T. Termino Imerese, 18.2.1956, GS, 1957, 589), ob.
cit. p. 534.
128
acessão (artigo 1.248, inciso V, do Código Civil) e para que realizadas, podem,
perfeitamente, ser introduzidas benfeitorias. Como com mais freqüência, no
perímetro urbano, se fazem obras, resultou a compreensão de que a referência seria
exclusiva a edificações. Contudo, pode haver, e na verdade existem, plantações na
parte mais afastada do centro, na periferia, mas ainda inseridas no complexo
moldado como uma cidade, ou seja, o perímetro urbano. O proprietário pode plantar
em seu terreno, mas também lhe é lícito ceder o direito de superfície a outrem, que a
fará na qualidade de superficiário. Da leitura de todos os dispositivos da lei
10.257/01 sobre o direito de superfície, não há menção alguma à exclusividade das
construções, nem mesmo referência a essa palavra. Existem alusões a imóvel, área,
terreno, mas nenhuma delas exclui a vegetação. Destarte, nada obsta que sejam
objeto do direito de superfície aquelas em área urbana, considerado estritamente o
Estatuto da Cidade.
Atente-se, ademais, para a redação do artigo 21, da Lei 10.257/01, dispondo
que “o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície de seu
terreno”. Ora, o direito de superfície compreende tudo aquilo que se eleva do solo e
a ele se incorpora. A essa situação fática se ajustam as construções, idêntico
sucedendo às plantações. Portanto, o emprego da locução “direito de superfície” já é
suficiente para que se entenda que as plantações podem ser objeto de concessão,
além das construções. O significado jurídico da expressão é abrangente e, assim,
deve ser entendido.
De qualquer modo, a aplicação subsidiária do Código Civil já permite que na
zona urbana haja negócio jurídico, versando o direito de superfície de plantar.
Impõe-se ressaltar, neste tópico que, o Código Civil, de 2002, diverge do Código
Civil italiano, porque o último não prevê o direito real de superfície sobre
129
plantações
138
. Nesse passo, a legislação brasileira está ajustada à portuguesa
139 e
140.
8.2 CONSTRUIR (PLANTAR) OU MANTER O QUE ESTÁ FEITO
O Código Civil limita a concessão, no texto de seu artigo 1.369, ao direito de
construir ou de plantar no terreno do concedente, porém não fala em manter. O
Estatuto da Cidade, artigo 21, por sua vez, afirma que “o proprietário urbano poderá
conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno”. Surge a questão sobre ser
possível a superfície com relação a construção ou plantação preexistente ao
contrato, quando seu objeto seria o de preservar aquilo que já está feito. É o que
vem no artigo 1.542, do Código Civil português e no artigo 952 do Código Civil
italiano. Duas seriam, destarte, as nuances para o contrato de concessão: uma para
construir e plantar e outra para conservar a construção e a plantação existentes,
como, ainda, utilizá-las e sobre elas investir, objetivando preceito econômico.
Não há lacuna nas normas brasileiras a respeito. Na lei civil, a intenção clara
do legislador é a de construir ou plantar, obviamente excluído o que já foi construído
ou plantado, apresentando um corpo definido sobre o solo. De se convir que o
138
F. Del GIUDICE, ob. cit., p.573, artigo 952.
139
A.NETO, ob. cit. p. 1040, artigo 1.524.
140
J. de Oliveira Ascensão após assinalar que o Código Civil português prevê expressamente o
direito de fazer plantações em terreno alheio, discorre: "A posição tomada pelo novo Código Civil
português é significativa sob muitos pontos de vista. Até porque este, influenciado por um
esquematismo que é muito pouco acomodado à complexidade e à especificidade da vida agrária,
deu mostras duma tendência niveladora que nos parece a muitos títulos reprovável. Foi assim que
suprimiu ou aboliu várias situações ligadas especificamente à exploração agrária. Mas é justamente
este Código que, numa atitude diametralmente oposta, admite, sem nenhuma restrição aparente, a
superfície referida a plantações" (J.de Oliveira ASCENSÃO. O Direito de Superfície Agrícola, cit, p.
146).
130
legislador do Código, aparentemente, não quis nele incluir a construção pronta ou a
cultura consolidada.
A situação no tocante ao Estatuto da Cidade revela-se diferente. O artigo 21
não diz que a concessão será para construir ou plantar, porém, sim, do direito de
superfície. Esse direito, real, abrange tudo o que se incorpora e está incorporado ao
solo e, logicamente, as construções e as plantações. Superfície, juridicamente, tem
esse significado precípuo, do que está feito acima do chão; pode haver a expectativa
contratual, decorrente da estipulação de que o concessionário deverá edificar ou
plantar; mas ainda não haverá direito de superfície, somente direito de uso como um
meio para que, com a obra ou plantio, o fenômeno se apresente e o direito real se
defina. Cabe ponderar, ademais, que se o Estatuto da Cidade autoriza a concessão
do direito de superfície, tal posicionamento já compreende a construção ou a
plantação realizadas, além daquelas em potência, dependendo do superficiário
efetivá-las. Essa uma divergência sensível entre os dois diplomas. Pela
compreensão do que é direito de superfície, a lei 10.257/01 assumiu orientação
idêntica aos Códigos Civis de Portugal e da Itália. Do exposto, resulta que, para a
superfície urbana, o objeto da concessão poderá consistir em algo a ser feito ou que
já esteja pronto, completado em sua integridade; para o Código Civil esse objeto
sofre redução, limitado apenas a coisas a serem realizadas. A coerência lógico-
jurídica é que ditou os termos do artigo 1.369, não se referindo à concessão
(alienação) do direito de superfície, caracterizando a constituição por cisão, mas sim,
concessão do direito de construir ou de plantar.
Aparece a indagação se a concessão terá condições de se concretizar sobre
obra não concluída, mas, à evidência, já iniciada. O tema é de interpretação. Sem
maiores dificuldades para o Estatuto da Cidade, porque permitiu uma abrangência
131
maior e que absorve a situação intermediária. Mais dificultosa no que tange ao
Código Civil, por já haver algo construído ou com a plantação iniciada. Mas como
não há a necessidade de manter, preponderando a de fazer, a admissibilidade da
concessão nesse caso se ajusta à lei civil
141
.
O direito brasileiro deixou em aberto, nos dois diplomas, as possibilidades da
reconstrução e da renovação da cultura, esta, após a colheita. A situação revela-se
comum, sendo indiferente que o superficiário tenha executado a obra ou promovido
o plantio ou mesmo, que, quando da constituição do direito de superfície, ambos
existissem. A própria estrutura desse direito real responde a qualquer hesitação. Se
o superficiário é o proprietário pleno do que se eleva do solo
142
, poderá dele dispor
livremente, derrubando a edificação, reconstruindo-a e desfazendo a vegetação e
reimplantando. A propriedade é sua, autonomamente, e poderá valer-se de todos os
atributos que a informam, nos termos do artigo 1.225, do Código Civil. Cumpre,
reitere-se, ter presente a estrutura do direito de superfície, conferindo ao
superficiário uma propriedade sobre a construção e a plantação, de todo
desvinculada do domínio do solo, embora sobre este tenha um direito de uso, que se
mostra acessório ou instrumental ao pleno exercício de seu direito de superfície. Em
curso o prazo do contrato, lhe assiste reconstruir ou reimplantar, pois tem o uso,
gozo e fruição da coisa superficiária, como qualquer proprietário no exercício do
poder que emana do direito real.
141
José de Oliveira ASCENSÃO. O Direito de Superfície Agrícola, cit,. 161.
142
Christian LARROUMET, ob. cit, .p. 439.
132
8.3 CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO; CONSTRUÇÃO E PLANTAÇÃO
No Estatuto da Cidade, como anteriormente assinalado, não há referência
quer à construção, quer à plantação, mas sim, à concessão do direito de superfície
do terreno, o que é abrangente de ambas categorias. As duas modalidades são
assim possíveis. O Código Civil as contempla expressamente, ao dispor que o
proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu
terreno. A pergunta que surge é se a conjunção “ou” tem força peremptória ou se é
possível, se assim quiserem os contratantes deixar expresso na concessão, que o
direito de superfície, quer urbano, quer na zona rural, seja de construção e de
plantar para um só superficiário ou, no mesmo solo, de construir para um e de
plantar para outrem e vice-versa. A resposta tem que ser afirmativa, por não haver
incompatibilidade ao sistema, nem proibição em qualquer norma. O essencial, é que,
no contrato, fique expressamente estipulado que o superficiário irá construir e
plantar sobre o solo do concedente
143
.
8.4 SOLO E SUBSOLO
Pelo Estatuto da Cidade, o direito de superfície abrange a utilização do solo,
do subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno (artigo 21, parágrafo 1º). Quanto
ao subsolo, o artigo 955, do Código Civil italiano, preceitua:
143
Joel Dias FIGUEIRA JUNIOR, ob. cit., p. 1247.
133
Construção abaixo do solo. As disposições precedentes se aplicam também
no caso em que concedido o direito de fazer e manter construções no
subsolo do terreno de outrem
144
.
Isto quer dizer, que, no direito italiano, a propriedade superficiária, igualmente,
abrange o subsolo. Na contrapartida, o artigo 1.369, em seu parágrafo único, do
Código Civil, desautoriza a obra no subsolo, como regra geral (artigos 1.229 e 1.230,
do Código Civil)
145
. A exceção está na obra inerente ao objeto da concessão.
Materialmente, consiste na construção que não possa ser feita, por sua natureza,
sem invadir o subsolo, como no caso das fundações de um prédio ou ainda nas
garagens, edificação que se integra como algo uno e indissolúvel. Mesmo com
relação às plantações, são obras inerentes à sua operacionalidade, as instalações
necessárias à irrigação e consistentes em tubulações subterrâneas (artigos 1.286 e
1.287)
146
, para não lembrar, que as raízes também se infiltram no solo.
O Estatuto da Cidade, outrossim, se refere à utilização do solo, do subsolo e
do espaço aéreo relativo ao terreno na altura hábil ao seu exercício, o que não vem
contemplado no Código Civil. O que se detecta, do confronto do parágrafo 1º, do
artigo 21, da lei 10.257, com o parágrafo único, do artigo 1.369, do Código Civil, é
144
F. del GIUDICE, ob. cit., p. 575: “Costruzioni al disotto del suolo. Le disposizioni precedenti si
applicano anche nel caso in cui è concesso il diritto di fare e mantenere costruzioni al disotto del
suolo altrui”.
145
"Artigo 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em
altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que
sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse
legítimo em impedi-las. Artigo 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e
demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e
outros bens referidos por leis especiais. Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de
explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos
a transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial".
146
Artigo 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da
área remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de
cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de
proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa. Parágrafo
único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao
prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel. Artigo
1.287. Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado
exigir a realização de obras de segurança.
134
que o primeiro diploma trata esse fenômeno na órbita do direito de uso. Ao dizer que
o direito de superfície compreende o direito de utilizar, restringe a propriedade
superficiária ao uso do solo e, conseqüentemente, do espaço aéreo e do subsolo,
para que sejam realizadas as obras e as plantações.
O Código Civil de 2002 cuida, estritamente, do direito de construir ou de
plantar em terreno alheio, potencializando o direito real de superfície. Mas pela
dependência do que está abaixo da construção ou da plantação é essencial o uso
do solo e do subsolo. Nesse prisma, verifica-se que não há choque verdadeiro entre
as referidas leis. O Estatuto da Cidade, no parágrafo mencionado, prende-se ao
direito de uso, e o mesmo faz o parágrafo único, do artigo 1.369, quando autoriza a
obra no subsolo se inerente ao objeto da concessão, porque autorizar a obra não
significa que o direito de superfície adentre ao subsolo. Não está disposto como no
direito italiano. Neste, pela dicção do referido artigo 955, o subsolo também é objeto
do direito de superfície.
Induvidoso que tanto o Estatuto da Cidade como o Código Civil disciplinam a
superfície como direito real diverso do uso ou utilização. O terreno permanece na
propriedade do concedente e, na do superficiário, a construção ou a plantação. O
instituto é complexo, porque no contrato que o corporifica e na própria relação
material, não se pode abstrair o uso do solo pelo superficiário, sobre o qual irá
construir as edificações e realizar as plantações, que, efetivadas, se elevarão no
espaço aéreo. O direito real de superfície pressupõe o direito de uso do solo e do
subsolo, este, especificamente, um direito sobre coisa alheia. Delineiam-se três
dimensões: a) a do senhorio, referente ao domínio do solo e do subsolo; b) a do
superficiário, que compreende as construções e plantações; c) o direito de uso do
superficiário sobre o solo, o subsolo e o espaço aéreo, necessários à construção ou
135
plantação. Para a adequação do parágrafo 1º, do artigo 21, ao parágrafo único, do
artigo 1.369, do Código Civil, é necessário convir que esse parágrafo diz respeito ao
efeito do direito de superfície, que é o de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno. Mas, isto, não se confunde com a propriedade superficiária, que
recai estritamente nas construções e plantações, estas ocupando o espaço aéreo, e
extensivas às obras do subsolo, quando necessário ou inerente.
137
9 ESTRUTURA DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
9.1 CONFRONTO COM OS DEMAIS DIREITOS REAIS
Do confronto com os demais direitos reais surge a diferença fundamental. O
direito de superfície é um direito real de propriedade, próprio. Não é um direito real
sobre coisa alheia, limitado, visto que a incorporação (construção ou plantação)
pertence ao superficiário e não ao proprietário do solo. Há uma superposição de
propriedades. O direito real sobre coisa alheia pode ser caracterizado pelo uso do
solo ou por uma servidão. Já a propriedade superficiária, embora se apóie no
terreno do senhorio, é de domínio pleno do superficiário.
No reconhecimento de propriedades em, basicamente, dois níveis, solo e
superfície, resulta suprimido o princípio da acessão. A partilha é de domínios
autônomos. Nesse tópico, a diversidade fundamental com os direitos reais sobre
coisa alheia, como a servidão, o usufruto, o uso, a habitação, o compromisso de
compra e venda, a enfiteuse, a concessão especial de uso para fins de moradia e a
concessão real de uso. Em nenhum desses institutos há a dissociação da
propriedade do solo. Na servidão, ao proprietário do prédio dominante assiste direito
real de uso e gozo de uma determinada atividade, serventia ou função sobre coisa
alheia, especificamente para certo fim, mas dela não é o titular. Também, no
usufruto, há o uso e gozo de imóvel de outrem, porém, o usufrutuário está destituído
de domínio sobre o bem. Idêntico sucede no que respeita ao uso e habitação,
direitos reais limitados à utilização de um imóvel, sem acesso à sua propriedade.
Quanto ao direito real do promissário comprador, advém do compromisso celebrado
e somente se converterá em propriedade quando da transcrição no registro
138
imobiliário. Esse direito, o promissário comprador exerce sobre todos os elementos
em que pode ser desmembrado o imóvel, diferentemente da superfície, em que o
direito real é sobre o que foi incorporado ao solo. De ressaltar que o promissário
comprador não assume a propriedade, situação diversa daquela do superficiário,
que a tem, plenamente. Somente na enfiteuse irá aparecer, com maior distinção, o
domínio: o direto do senhorio e o útil do enfiteuta ou foreiro (na terminologia do
artigo 678, do Código Civil, de 1916). Contudo, o proprietário do solo o é de todo o
imóvel, da construção ou plantação e do subsolo. O enfiteuta não tem a propriedade
dos elementos em que o imóvel pode ser desmembrado, mas sim, um direito real
sobre o terreno, construção ou plantação de outrem. Essa a diferença fundamental
com a superfície. Nesta, construção erigida e a vegetação implantada são de
domínio do superficiário, direto e útil, razão pela qual não comporta a classificação
de limitado, domínio esse independente daquele do titular do solo, ao qual resta,
unicamente, a disposição desse bem.
A superfície, na conformidade do contrato de concessão, pode compreender
toda a extensão do solo do imóvel ou parte dele. Na porção livre do solo, de
construção ou plantação, o proprietário do terreno poderá fazer valer seu direito real,
de modo pleno e exclusivo.
De tudo pode-se dizer que a superfície é um direito real de propriedade,
desvinculado do direito de propriedade do solo, do subsolo e do espaço aéreo,
repelida a acessão. Instalada, por via contratual, desconsidera o princípio superficies
solo cedit, promovendo até mesmo a inversão, orientada a que a obra ou plantio é
que prevalecem sobre o terreno pelo caráter produtivo e gerador de riquezas. Este
fenômeno não é desconhecido no Código Civil (parágrafo único, do artigo 1.255).
139
9.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
De todo manancial colhido resulta possível a agregação ontológica da
superfície e do seu direito. Impõe-se a pesquisa sobre as diferentes definições de
estudiosos nacionais e estrangeiros e eventualmente as que podem ser apreendidas
da legislação específica. O propósito final dirige-se a moldar um conceito geral, que
abarque as várias tendências doutrinárias e legislativas e, em especial, aquele que é
próprio do direito brasileiro, considerada sua normatividade.
Seguem-se as concepções coletadas: José Guilherme Braga Teixeira:
O direito real de superfície instituído pelo novo Código Civil é um direito
real limitado; imobiliário; autônomo; temporário e transmissível, que confere
ao seu titular, chamado superficiário, o uso e o gozo de terreno de
propriedade de outrem, para nele construir, ou plantar e manter a
construção e a plantação durante o tempo pelo qual tiver sido ajustada sua
concessão
147
Washington de Barros Monteiro em obra atualizada por Carlos Alberto Dabus
Maluf:
Trata-se de uma limitação espontânea ao direito de propriedade por
intermédio de concessão por escritura pública registrada no Cartório de
Registro Imobiliário, na qual o titular do direito real mais amplo, concede a
outra parte contratante, doravante denominada superficiário, o direito real
de construir ou plantar em seu terreno
148
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, emitindo conceito com base na Estatuto da
Cidade:
Direito real que confere ao seu titular o direito de propriedade autônomo
sobre as construções, obras e plantações que acrescentar ao solo,
147
José Guilherme Braga TEIXEIRA. Comentários ao Código Civil Brasileiro – Da propriedade, da
superfície e das servidões, vol. XII, Rio de Janeiro, 2004, Editora Forense, p. 262
148
Carlos Alberto Dabus MALUF. Curso de Direito Civil, Direito das Coisas, 37ª Edição, 2003, Editora
Saraiva, p. 253
140
mediante acordo de vontades celebrado com o proprietário do terreno, com
ou sem remuneração, por tempo determinado ou indeterminado
149
Diogenes Gasparini, também comentando o Estatuto da Cidade e com fulcro
em definição de Artur Oscar de Oliveira Deda:
É o direito real que o proprietário de um dado imóvel urbano ajusta com
superficiário, mediante contrato por instrumento público, por tempo
determinado ou indeterminado, gratuita ou onerosamente, a utilização do
solo, do subsolo e do espaço aéreo relativos ao seu terreno
150
Ricardo César Pereira Lira:
É o direito real sobre a coisa alheia, autônomo, temporário ou perpétuo, de
fazer uma construção ou plantação sobre ou sob o solo alheio, ficando a
construção ou a plantação da propriedade de quem constrói ou planta, bem
como o direito de manter esta propriedade sobre o solo alheio
151
Joel Dias Figueira Junior:
Funda-se em limitação espontânea ao direito de propriedade por intermédio
de concessão por escritura pública registrada no Cartório de Registro
Imobiliário, na qual o titular de direito real mais amplo concede a outra parte
contratante, doravante denominado superficiário, o direito (real) de construir
ou plantar em seu terreno
152
Maria Helena Diniz:
Direito real pelo qual o proprietário concede, por tempo determinado ou
indeterminado, gratuita ou onerosamente, a outrem, o direito de construir,
ou plantar em seu terreno urbano ou rural, mediante escritura pública
registrada no Cartório de Registro de Imóveis
153
Considerados os autores estrangeiros, podem ser citados: Ramon Roca
Sastre:
149
Adilson Abreu DALLARI e Sérgio FERRAZ (coord.). Estatuto da Cidade – Comentários à Lei
Federal 10.257/2001, Malheiros Editores, 2004, p. 183/184);
150
Diogenes GASPARINI. O Estatuto da Cidade, 1 ed., Editora NDJ Ltda. abril/2002, p. 161
151
Ricardo César Pereira LIRA. Revista Forense, ano 1998, vol. 364, nov.-dez. 2002, p. 252
152
Joel Dias FIGUEIRA JUNIOR . Novo Código Civil Comentado, 2 ed. 2004, Editora Saraiva, p.
1.247
153
Maria Helena DINIZ. Curso de direito civil brasileiro, 4 v. direito das coisas, 18 ed., Saraiva, 2002,
p.410
141
Direito real de ter ou manter, por tempo certo ou indeterminado, em terreno
ou imóvel alheio, uma edificação ou plantação, em propriedade separada,
obtida mediante o exercício do direito anexo de edificar ou plantar ou por
meio de ato aquisitivo da edificação ou plantação preexistente
154
José de Oliveira Ascenção:
Aparentemente, o domínio de aplicação deste instituto é o mais amplo
possível. Da própria definição resultaria que o direito de superfície, poderia
ser definido simplesmente como o direito de ter coisa própria incorporada
em terreno alheio, pois parece que todas as coisas poderiam ser
qualificadas, ou como plantações, ou como obras, consoante estivessem ou
não organicamente associadas à terra
155
Os alemães J. W. Hedmann:
Conforme definição do Direito civil tradicional, por direito de superfície
temos que entender “o direito alienável e transmissível por herança a ter
uma construção sobre ou sob a superfície de um prédio” ao dizer um prédio
nos referimos a um prédio alheio. Por conseguinte, tropeçamos outra vez
com uma “divisão de faculdades”. Um dos titulares não tem mais direito do
que ter uma casa própria sobre o solo, mas o solo mesmo pertence e
segue pertencendo a outro. Segundo a terminologia legal, este último se
chama “proprietário” e aquele outro “titular do direito de superfície”
(superficiário)
156
E Martín Wolff:
o direito real alienável e hereditário que autoriza a ter uma edificação
acima ou abaixo do solo de um terreno
157
Os franceses, M. Proudhon:
é o direito que pertence a alguém em reivindicar no terreno de outrem,
sejam as edificações e construções realizadas sejam as árvores e as
plantas que ali existem.
158
154
Ramon Roca SASTRE. Ensayo sobre el Derecho Inmobiliario, número extraordinário, Madrid,
1961, p. 15
155
José de Oliveiro ASCENÇÃO. Revista de Direito Civil - Imobiliário, Agrário e Empresarial, ano 2,
Revista dos Tribunais, abr./jun. 1978, p. 146).
156
J. W. HEDEMANN. Derechos Reales, vol. II, ed. Revista de Derecho Privado, Madrid, p. 308.
“Conforme a la difinición que nos da el Derecho civil tradicional, por derecho de superficie hemos de
entender el derecho enajenable y transmisible por herencia a tener una construcción sobre o bajo la
superficie de un predio. Al decir un predio nos referimos a un predio ajeno. De conseguiente,
tropezamos ou]tra vez com una división de facultades. Uno de los titulares no tiene más derecho
que el de tener una vivienda propia sobre el suelo, pero el suelo mismo pertenece y sigue
perteneciendo al outro. Según la terminología legal, este último se llama propietario y aquel otro
titular del derecho de superficie. (superficiário)”
157
Martín WOLFF, ob. cit., p. 1. “La superficie es el derecho real enajenable e hereditario que autoriza
a tener una edificación encima o debajo del suelo de um fundo”.
142
E Christian Larroumet:
o direito de superfície é uma variedade de propriedade mobiliária, no
sentido de que se trata de uma propriedade que se eleva sobre o solo
(construção ou plantação), com exclusão da propriedade do solo e do
subsolo(...) o proprietário das construções ou plantações não pé titular de
um direito real sobre coisa alheia. Ele tem um direito de propriedade do que
se eleva sobre o solo, ainda que, como se verá deve-se admitir que há um
direito ao gozo do solo, enquanto acessório de seu direito de superfície
159
Na doutrina italiana, Lino Salis assinala:
é claro que o termo superfície indica seja o direito de fazer e manter uma
construção sobre ou sob a superfície do solo, seja a propriedade separada
sobre uma construção já existente enquanto o termo “direito de superfície
indica o direito de “construir” sobre ou sob a superfície do solo todas
aquelas obras que são necessárias a fazer surgir uma construção
(verdadeiro e próprio direito de construção) como também o direito de
reedificar uma construção que tenha sido destruída
160
G. Pugliese discorre sobre a natureza do direito de superfície:
O novo Código configura duas distintas situações jurídicas: o direito que tem
o superficiário sobre o solo e em confronto com o de seu proprietário
(“direito de fazer e manter sobre o solo uma construção”), o direito que ele
tem sobre a construção (“propriedade”). Esta duplicidade de situações se
encontra em todos os ordenamentos jurídicos que não conhecem o princípio
da acessão ou que, como o nosso, admitem que possa ser derrogado.
Quando a acessão é um princípio inderrogável – e disso é exemplo o
ordenamento romano de todos os tempos ou ao menos da época quiritária e
clássica –, qualquer construção feita pertence ao proprietário do solo e se
admite que o gozo da construção forme o conteúdo de um direito real de
outrem. Esse direito resulta, logicamente, num direito sobre coisa alheia e
um direito unitário que investe a construção e, somente em conseqüência, o
solo, na integração do edifício sobre o solo, não podendo, como é óbvio, ser
158
M. PROUDHON, Traité des Droits D’Usage, servitudes réelles. 2. ed., Dijon, Victos Lagier,
Libraire-Éditeur, 1836, v. IV, p. 595. “le droit de superficie, quand il est intégral et parfait, est le droit
qui appartient à quelqu’um de revendiquer dans lê fonds d’autrui, soi lês bâtimens et constuction qui
y sont établis, soi lês arbres et plantes qui y croissent, pour em jour et disposer à titre de
propriétaire”.
159
Christian LARROUMET, ob. cit., p. 439. “Le droit de superficie est une variété de la propriété
immobilière, en ce sens qui’il agit d’une propriété de ce qui s’élève sur le sol (construction ou
plantations), à l’excluision de la proprièté du sol lui même et du sous-sol” (...) Le propriètaire des
constructions ou plantations n’est pás titulaire d’um droit réel sur la chose d’autrui. Il a un droit de
propriété sur ce qui s’élève sur lê sol, encore que, comme on le verra, on doive admettrre qu’il a
droit à la jouissance du sol, en tant qu’accessoire de son droit de superfície”
160
Lino SALIS, Trattato do Diritto Civile Italiano, 1949, Torino, Unione Tipografico – Editrice Torinese,
v. 4. t. III, p. 5. “É chiaro adunque che il termine superficie indica sia il diritto di fare e mantenere
uma costruzione già esistente, mentre il termine diritto di superfície indica il diritto di compiere sopra
o sotto la superficie del suolo tutte quelle opere che sono necessarie a fare sorgere una costruzione
(vero e proprio diritto di construzione), nonchè il diritto di riedificare una construzione che sia andata
distrutta.”
143
objeto de um direito distinto que compete ao superficiário. Ao invés, este
novo direito, quando a lei consente que a construção pertença ao próprio
superficiário, porque, em tal caso, a este não seria lícito ter (e com melhor
razão fazer) a construção sobre o solo de outrem, se não tivesse um
especial direito sobre ele
161
.
Ponderado todo esse conjunto, verifica-se que, no essencial, atualmente, o
pensamento jurídico reconhece a coexistência de duas propriedades, uma a do solo
e, outra, a dos volumes a ele incorporados. Com a suspensão ou interrupção da
diretriz da acessão, não há a acessoriedade da obra ou do plantio em relação ao
terreno. Não pode ser posicionado, d´outro turno, como um direito real limitado, não
se confundido com os direitos reais sobre coisas alheias. Embora as construções e
as plantações forçosamente estejam sobre o chão de propriedade de outrem, elas
não lhe pertencem, mas sim ao superficiário. O domínio que este exerce é pleno e
autônomo e, nessa perspectiva, sem qualquer limitação ou restrição. A circunstância
de ser resolúvel, quer pelo termo final, quer por condição, cuja inobservância possa
conduzir à extinção, compreendido, nessa variante, o contrato celebrado por tempo
determinado ou perpétuo, não configura, nuclearmente, um fator limitativo ao
conteúdo jurídico da propriedade em si. A resolubilidade não atinge o conceito de
propriedade previsto no Código Civil em seu artigo 1.228, caput, conceito este que
se ajusta precisamente à superficiária. Enquanto termo final ou a condição resolutiva
não se concretizarem, os proprietários, não só o da superfície como o do solo ou do
161
G. PUGLIESE, ob. cit., p. 426-427. “Natura del diritto di superficie – Il nuovo codice configura due
distinte situazioni giuridiche: il diritto che ha il superficiario sul suolo e nei confronti del suo
proprietario (“diritto di fare e mantenere al disopra del suolo una construzione”), il diritto che egli ha
sulla costruzione (“proprietà”). Questa duplicità di situazioni si riscontra in tutti gli ordinamenti
giuridici che non conoscono il principio dell’accessione o che, come il nostro, ammettono che vi si
possa derogare. Quando l’accessione è un principio inderogabile – e ne è esempio l’ordinamento
romano di tutti i tempi o almeno delle epoche quiritaria e classica -, qualsiasi costruzione da
chiunque fatta non può non appartenere al proprietario del suolo e, se si ammette che il godimento
della costruzione formi il contenuto di un diritto reale spettante ad altri, questo diritto risulta
logicamente un diritto su cosa altrui ed un diritto unitario che investe la costruzione e solo di riflesso
il suolo, l’insistere dell’edificio sul suolo non potendo, come è ovvio, formare oggetto di un diritto
distinto, che spetti al superficiario. Codesto nuovo diritto sorge invece, quando la legge consente
che la costruzione appartenga allo stesso superficiario, perchè in tal caso a questi non sarebbe
lecito tenere (e a maggior ragione fare) la costruzione sul suolo altrui, se non avesse uno speciale
diritto su di esso”.
144
subsolo, têm a faculdade de usar, gozar, dispor da coisa e o direito de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha.
O direito de superfície, frente ao coligido, é um direito real de propriedade,
autônomo, a tempo determinado ou indeterminado, além de transmissível por ato
entre vivos ou por morte, gratuito ou oneroso, consistente no domínio pleno pelo
superficiário de construções e plantações já materializadas, ou a serem feitas em
terreno pertencente ao alienante ou concedente. Se o negócio jurídico, em
interpretação restrita do artigo 1.369, do Código Civil, é para construir ou plantar sua
constituição se dá através de concessão, seja público ou particular o solo. Se as
construções ou plantações já existirem, a constituição se faz pela alienação de tais
bens, cindidas as propriedades. Em ambos os casos, a incorporação sobre o solo
implica na utilização deste como um acessório à propriedade superficiária.
145
10 MODOS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
10.1 CONCESSÃO DE USO PARA CONSTRUIR OU PLANTAR:
O artigo 21 do Estatuto da Cidade dispõe que o proprietário urbano poderá
conceder a outrem o direito de superfície de seu terreno. Com orientação
assemelhada, o artigo 1.369, do Código Civil, ao estabelecer que “o proprietário
pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno”. Ambas
as legislações confluem ao priorizar, como contrato básico, à constituição do direito
real de superfície, a concessão. No caso específico do direito de construir ou de
plantar, a concessão visa a outorga de um direito real de uso do terreno, quer seja
público ou particular. Traz a característica de permitir a utilização do solo, para que,
em sua face superior, o superficiário possa construir ou uma plantar. O solo
permanece com seu proprietário, que na conformidade dos termos do contrato
poderá, também, transmitir ao superficiário o uso do subsolo. Afigura-se, contudo,
desnecessária a configuração expressa, porque a legislação geral e especial,
estabelece a utilização do subsolo se inerente ou necessária a propriedade
superficiária.
Como se cuida da transferência de um direito real, necessário o instrumento
público e o conseqüente registro imobiliário. Do deduzido, deflui que a concessão
confere ao superficiário o poder de utilizar a parte superior do solo, para construir
e/ou plantar, ocupando volumetricamente, o espaço acima do chão. É um direito de
uso direcionado a um fim genérico – construir e/ou plantar – estatuído na lei e para
um outro objetivo específico que poderá apresentar-se detalhado no contrato,
146
quanto ao tipo de construção e o aproveitamento que terá. Idêntico se aplica à
plantação.
O contrato de concessão terá o caráter privado, se ambos, titular do domínio
e superficiário forem particulares, pessoas físicas ou jurídicas. Em tal hipótese,
circunscreve-se a um negócio disciplinado pelo Código Civil, gerando direitos e
deveres recíprocos, legais e contratuais. O direito advindo à construção não é
pessoal, mas real e, conseguintemente, oponível erga omnes, a significar, que ao
superficiário assistem os mecanismos processuais válidos à defesa de sua
propriedade. Esse posicionamento bem delineia os dois planos, do solo, com um
proprietário, e do incorporado a ele, com outro, mas que, necessariamente, para sua
operacionalidade, deve ter o uso do terreno.
Importante em um viés social, o outro lado do espectro, em que a concessão
poderá se concretizar. Isso diz respeito a fundar-se o direito real de superfície em
terreno público. A concedente é a Administração e prepondera o interesse social da
exploração, voltada à urbanização, industrialização, edificação, cultivo, ou qualquer
outra destinação que vise atender as necessidades de uma determinada
comunidade ou grupo social, em especial, entre os mais carentes. Não há que
confundir com a concessão de uso, também direito real, prevista no artigo 7º, do
decreto lei 271, de 28 de fevereiro de 1967. E isso, porque, neste último diploma, as
construções erigidas não se transferem à propriedade do concessionário, mas em
obediência ao princípio superficies solo cedit passam a integrar a propriedade do
concedente. Tanto quanto com relação ao solo o concessionário tem o uso, o gozo e
147
a fruição daquilo que incorporar, cujos direitos podem ser alienados, mas não no
atinente à edificação, ante a inexistência do efeito traslativo quanto a superfície
162
.
10.2 CONSTRUÇÃO OU PLANTAÇÃO: CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE
SUPERFÍCIE POR CISÃO
Já existentes a plantação ou construção, o contrato celebrado mostra-se
complexo. Compreende a necessária concessão do direito de uso do terreno, mas
também, ocorre a transferência patrimonial, com a estrutura de compra e venda, da
edificação feita ou do plantio formado.
Apesar do Código Civil não prever a transmissão do direito real de superfície,
quando efetivadas a construção ou a plantação, o que definiria a constituição por
cisão, inexiste óbice legal ou jurídico à sua celebração. Registre-se que no Estatuto
da Cidade a regência é diversa. Dispondo o artigo 21 que a concessão é do direito
de superfície, a expressão, por seu conteúdo, físico e jurídico, abrange todo o objeto
possível desse direito, quer aquele a ser realizado, quer aquele que já está feito e
incorporado. Quanto ao solo, haverá a concessão de direito real de uso da
superfície. No que tange às construções ou plantações, desenha-se uma compra e
venda, com a transmissão da propriedade desses bens, ao superficiário. A situação,
em projeção fática, é a mesma que ocorre na concessão de uso da superfície, para
uma futura obra ou semeadura, quando, após terem sido concretizadas, o
superficiário passa a ter a propriedade da construção ou plantação e a utilização da
parte superior do solo.
162
Diogenes GASPARINI. ob.cit., p. 119/123.
148
Ainda, a superfície poderá ser objeto de troca ou permuta e de doação, as
quais embora não se apresentem como modalidades usuais à sua transferência,
apresentam-se juridicamente viáveis.
O proprietário pleno pode trocar ou permutar o direito real de superfície com
outro imóvel. A entrega, nesse contexto, pode consistir na transferência, ao
proprietário, de um outro bem imóvel ou móvel (artigo 533, do Código Civil).
Permanecerá ele com o solo e o permutante com a propriedade superficiária.
O titular do solo, doutro turno, poderá, por liberalidade, transferir o direito de
uso da superfície a outrem (artigo 538, do Código Civil), definida assim uma doação,
facultado estabelecer prazo para que o donatário proceda a construção ou a
plantação, caso não existentes.
Nada obsta, outrossim, que os objetos incorporados sejam entregues em
pagamento (dação), sempre presente que não perdem o caráter de propriedade
resolúvel, do que deve estar sempre ciente o credor. O essencial é que se abstraiam
as propriedades do solo e a superficiária, ambas, independentemente, podendo ser
objeto de transação. Deve se considerá-las de modo destacado uma da outra, a fim
de que bem se apreenda a operacionalidade e flexibilização do instituto.
Não se pode descartar, considerada a peculiaridade da existência de
propriedades separadas, que ao invés de alienar a construção ou a plantação, o
titular do solo efetue o compromisso de vendê-la, mediante pagamento em
prestações. Seguir-se-á, no tópico, aquilo que o Código Civil prevê, em seus artigos
1.417 e 1.418, quanto à promessa de compra e venda de imóvel.
163
163
Artigo 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento,
celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis,
adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Artigo 1.418. O promitente
149
Na perspectiva do amplo leque de possibilidades existente no direito
complexo de superfície, é inviável que se afaste a possibilidade do concessionário,
titular de um direito real de uso do solo para constituição da superfície, poder cedê-
lo. Como se trata de um direito real, para sua eficácia, a escritura pública é de rigor,
bem como o registro imobiliário. O mesmo se aplica ao compromisso.
10.3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
Também por ato de última vontade, o proprietário de todo o imóvel ou o
superficiário pode transmitir a superfície a um legatário.
O Código Civil disciplina o testamento nos artigos 1.857 e seguintes. Toda
pessoa capaz, segundo o caput dessa norma, pode dispor, por testamento da
totalidade dos seus bens ou de parte deles para depois de sua morte. Essencial se
faz que o testador, em seu pronunciamento, que é personalíssimo, deixe expresso
que está dispondo da superfície (construção ou plantação) identificando-a como
coisa certa. Facultado lhe é fazê-lo de apenas parte do incorporado ou retalhá-lo
entre vários legatários. Mesmo que a feição resolúvel da propriedade superficiária
não venha contemplada no testamento, tal não obsta que, pelo implemento da
condição ao término do prazo, se estipulados um ou outro, a superfície retorne ao
proprietário do solo. Em suma, todos os direitos e deveres do autor do testamento se
transmitem ao legatário.
Para a transferência da superfície valem quaisquer das modalidades de
testamento: público, cerrado e particular. O primeiro se fará por instrumento lavrado
comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os
direitos deste forem cedidos, a outorga de escritura definitiva de compra e venda, conforme o
disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
150
em Tabelionato de Notas e os dois outros de modo particular, observadas as
exigências dos artigos 1.869 e 1.976, do Código Civil. O importante é que o
testamento, em quaisquer dessas formas, prevendo a transferência de imóvel, exige,
para a sua consecução, a entrega, pelo testamenteiro ou por herdeiro designado, do
bem. Essa entrega, para consistir em efetiva transferência, deve ser objeto de
registro imobiliário, como expresso nos artigos 1.227 e 1.245, do Código Civil (artigo
167, nº 24, item 1, da Lei de Registros Públicos). Desses dispositivos se extrai que,
somente, por registro do título translativo na circunscrição imobiliária, é que se
atribui, entre vivos, a propriedade. Como sucede com os herdeiros legítimos e os
testamentários, desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa
existente no acervo, salvo se pender condição suspensiva ou termo final (artigos
121/135, do Código Civil). De imediato, também, lhe são transferidos os frutos que a
coisa produzir ou tiver produzido desde a morte do testador. Todavia, o legatário não
recebe, no mesmo ato, a posse de coisa e nem, nela, poderá adentrar por
autoridade própria (artigos 1.784 e 1.923, do Código Civil). O cumprimento dos
legados incumbe às pessoas a tanto nomeadas no testamento e, no silêncio deste,
aos herdeiros, e, não os havendo, aos próprios legatários, na proporção em que
herdaram. E o parágrafo único, do artigo 1.934, estatui que não havendo disposição
testamentária em contrário, o encargo caberá ao herdeiro ou legatário incumbido
pelo testador da execução do legado; quando indicados mais de um, os onerados
dividirão entre si o ônus, na proporção do que receberem da herança.
Sendo imóvel a coisa a ser conferida ao legatário (e a superfície o é), a
questão é saber qual ou quais os instrumentos próprios a essa entrega e que
formarão títulos hábeis ao registro imobiliário. A resposta está em certificar o que
possibilita a matrícula de cada imóvel por ocasião do primeiro registro e dos
151
subseqüentes. Essencialmente, se faz necessário o título de transmissão, sua
forma, procedência e caracterização. Consoante o artigo 221, da lei de registros
públicos, somente são admitidas a registro as escrituras públicas, os escritos
particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, os atos
autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, como, também,
as sentenças proferidas por tribunais estrangeiros, após homologação pelo Superior
Tribunal de Justiça (artigo 475 – letra N, inciso VI, do C.P.C.), as cartas de sentença,
formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo. A entrega
do legado, nesta perspectiva, ao legatário, poderá ser outorgada por escritura
pública ou, então, determinada em cartas de sentença, formais de partilha, no corpo
de certidões e de mandados expedidos por ordem do juiz. Tão apenas com a
observância dessas variantes haverá título registrável. De tudo resulta, que a coisa
legada poderá ser entregue pela vontade dimanada do consenso dos interessados,
através de instrumento público ou por força de sentença proferida no curso de
inventário ou de arrolamento, ou, ainda, em formal de partilha. Assim, ter-se-á um
instrumento hábil à transferência do bem imóvel ao legatário (se se tratar de móvel,
a passagem se fará mediante simples tradição, documentada nos autos). Na
sentença, título executivo judicial, estará reconhecida a obrigação daquele a quem
incumbe a entrega da coisa legada, observado o artigo 461-A, do C.P.C.. Em caso
de resistência, os atos de execução consistirão em busca e apreensão, se móvel o
bem, ou imissão na posse, se imóvel, sem prejuízo de multa e eventuais perdas e
danos.
152
10.4 REGISTRO E AVERBAÇÃO DO TÍTULO
Em se tratando de transação sobre imóvel, obrigatória a escritura pública,
essencial à validade dos negócios jurídicos, que visem à constituição, transferência,
modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no país (artigo 108, do Código Civil de 2002).
Na seqüência, deve-se proceder ao registro imobiliário, para que haja a transmissão
da propriedade (artigo 1.245). A lei de registros públicos, no artigo 167, inciso I, nº
39, já prevê o registro da constituição do direito de superfície de imóvel urbano, e
para o mesmo tipo de bem, nesse artigo, no inciso II, nº 20, estabelece a averbação
de sua extinção. Não há menção na lei de registros públicos ao registro da escritura
pública de constituição das superfícies agrícolas, construídas ou plantadas.
Contudo, em se tratando de bem imóvel, cuja concessão de direito real de
superfície, somente se dá por escritura pública e com expressa determinação do
registro imobiliário, impõe-se a efetivação deste, independentemente de estar no rol
do mencionado artigo 167, inciso I, idêntico sucedendo com a averbação, quando
extinto. A obrigatoriedade do registro é para os atos enumerados nesta norma, como
dita o artigo 169, o que não impede que outros o sejam. Havendo lei determinando
nesse sentido, como expressamente disposto nos artigos 1.369, do Código e 21, do
Estatuto da Cidade, o registro deve ser realizado. Embasa o entendimento nesse
sentido, a amplitude do artigo 172, dispondo que serão feitos “o registro e a
averbação dos títulos ou dos atos constitutivos, declaratórios, translativos e
extintivos de direitos reais sobre imóveis, reconhecidos em lei, ’inter vivos’ ou ‘causa
mortis’, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade
em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade”. E, o já referido artigo 221, da
153
lei de registros públicos, fixa os títulos admitidos a registro, dentre eles as escrituras
públicas, sem restrições, e os formais de partilha, a serem expedidos ao término dos
arrolamentos ou inventários.
Por fim, o Estatuto da Cidade determina a averbação da extinção da
superfície no registro imobiliário. O Código Civil dispensa comentário a respeito e a
falta não ocasiona repercussão maior. Se a propriedade superficiária, que é um
direito real, deve ser celebrada mediante escritura pública, obrigatoriamente levada
ao cartório de registro imobiliário, por óbvio sua desconstituição exige idêntico
proceder.
10.5 USUCAPIÃO
164, 165 e 166
A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade. Diz-se originário,
porque ocorre independentemente de convergência de vontades expressas, através
de contrato, para transferência da coisa. À aquisição pelo usucapiente corresponde
a perda da propriedade pelo antigo proprietário, de todo irrelevante o registro
imobiliário em seu nome.
A usucapião de imóvel, como regulamentado pelo Código de 2002, opera-se
quando, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, alguém possui como seu
um imóvel, independente de boa-fé. O prazo será reduzido para dez anos se houver
justo título ou se o possuidor tiver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou
nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. E, ainda, será de cinco anos
164
Joel Dias FIGUEIRA JUNIOR, ob. cit. p. 1.246.
165
Roseane Abreu Gonzalez PINTO, ob. cit. p. 90.
166
Letícia Marques OSORIO, ob. cit., p. 180-181.
154
se, em não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, (a) possua
ininterruptamente, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a
cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo
nela sua moradia, ou (b) se possuir, como sua, área urbana de até 250 m²,
ininterruptamente, sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família
(artigos 183 e 191, da Constituição Federal; artigos 1.239 e 1.240, do Código Civil).
A aquisição do domínio pelo decurso do qüinqüênio, com feição nitidamente social,
vem regrada na lei 6.969, de 10 de dezembro de 1981, artigo 1º, e no Estatuto da
Cidade, lei 10.257, de 10 de julho de 2001, artigo 9º.
A usucapião, como mecanismo de aquisição da propriedade superficiária,
vem prevista no Código Civil de Portugal, artigo 1.528: “O direito de superfície pode
ser constituído por contrato, testamento ou usucapião”. No direito brasileiro, inexiste
norma explícita no atinente à força constitutiva da usucapião, como meio para se
adquirir a propriedade superficiária. Todavia, se considerada abstratamente, é
possível a incidência do instituto, afigurando-se indiferente se determinado ou
indeterminado o prazo do contrato ou ainda ostentar a modalidade extraordinária ou
a ordinária.
Por primeiro, a usucapião extraordinária. Atualmente, tem o período de 15
anos para se concretizar. Se a concessão tiver prazo determinado, detectam-se
variantes. Com seu fim, se o período necessário à prescrição aquisitiva, pelo
exercício da posse por terceiro, já se operou, nada há a consolidar ou retornar ao
patrimônio do proprietário do solo. Entretanto, caso não tenha ocorrido o período
necessário à prescrição aquisitiva, o “dominus soli” tem o poder de reivindicar a
coisa, poder esse, cujo exercício lhe é facultado desde o momento da ocupação pelo
terceiro. É viável, também, que o proprietário do solo se mostre inerte, inclusive após
155
o vencimento do prazo contratual, de modo que, estendendo-se a posse até o
exaurimento do tempo necessário à usucapião, esta se consumará.
Se convencionado na concessão ou alienação, o tempo indeterminado, a
usucapião das construções e plantações, atendendo as exigências constitucionais e
legais, é de ser admitida sem maiores dificuldades. Contudo, assinale-se, caso
restrita ao objeto incorporado, tão só perderá a eficácia o registro imobiliário
concernente à superfície.
Na prática, a perspectiva da usucapião extraordinária a hipótese é incomum,
porque a posse das construções e plantações sempre implicará no uso do solo.
Abrangendo a posse do terceiro usucapiente, além do terreno, as plantações ou
construções, a aquisição do domínio é plena, compreendendo o imóvel em um todo
único. Entretanto, juridicamente a usucapião extraordinária não é de ser descartada,
sempre tendo em vista a multiplicidade da casuística, embora se afigure
problemática sua consecução
167, 168 e 169
. A respeito, Cunha Gonçalves anota:
sendo a superfície uma propriedade imobiliária susceptível de posse, pode
ser adquirida também pela prescrição positiva. Temos exemplos disto na
propriedade de muitas árvores plantadas em terreno alheio, até em
terrenos do domínio público, como as margens das estradas. A doutrina e a
jurisprudência francesas afirmam que a propriedade de tais árvores se
pode adquirir por prescrição, independentemente da propriedade do
terreno das praças, ruas ou estradas públicas
170
.
No atinente a usucapião ordinária, em que há documento de transferência da
superfície, a usucapião traz um contorno de realidade mais viável. Tal se desenha
na possibilidade do instrumento em que se pretende constituir o direito de superfície,
não se apresentar hábil ao registro imobiliário. O adquirente, assumindo a posse,
apesar do título “a non domino”, terá condições, pelo decurso do prazo da
167 Christian Larroumet, ob.cit. , p. 445
168 Giovanni Giacobbe, ob. cit. p. 123-125
169 Attilio Guarnieri, ob. cit. p. 214
170 Luiz da Cunha GONÇALVES, ob. cit.- p. 426
156
usucapião, na qualidade de superficiário, de adquirir, de modo originário, a
construção ou a plantação. Essa situação igualmente se definirá, no caso do
superficiário transmitir a superfície a um terceiro, através de título inábil ao registro.
Vale reproduzir, sobre a possibilidade de aquisição, quando o adquirente detém
título sem eficácia traslativa, o pronunciamento, que embora para o direito alemão,
ilustra a espécie, de Martin Wolff:
Mediante usucapião tabular, a teor do parágrafo 900, quando um direito de
superfície permaneceu indevidamente inscrito durante trinta anos e o titular
inscrito possui o imóvel durante esse tempo, a título de direito de superfície
a ele pertence
171 e 172
.
Por derradeiro, no tópico em exame, forçoso ter presente que a usucapião da
superfície, exige, obviamente, que esta esteja materializada, isto é, haja uma
construção ou uma plantação. A concessão do direito para construir ou plantar não
gera, por si só, uma propriedade superficiária. Por conseguinte, a usucapião como
constituição originária exige a existência da coisa incorporada para que sobre ela a
posse se exerça. Essa a orientação de Orlando Gomes ao sustentar ser admissível
a aquisição dos direitos de superfície por usucapião, mas desde que anteriormente
haja a obra, plantação ou prédio, ou seja, que exista a posse, pois o direito de
edificar ou de plantar situa-se em uma perspectiva futura, afastando o exercício da
posse
173, 174 e 175
. Oportuna a observação, porque enquanto não houver a construção
171
Martin WOLFF, ob. cit.p. 8. Mediante usucapión tabular, a tenor del § 900, cuando un derecho
de superficie há estado indebidamente inscrito durante treinta años, y el titular inscrito há poseído el
inmueble durante este tiempo, a titulo de derecho de superficie a él perteneciente
172
José Guilherme Braga TEIXEIRA, ob. cit. p. 276
173
Orlando GOMES, Direito de superfície. In: Revista Jurídica, nº 119, out./dez., 1972, p. 34-ss;
Paulo Roberto BENASSE, ob. cit., p. 99-100.
174
Melhim Namem CHALHUB, ob. cit. p. 79
175 Álvaro MOREIRA e Carlos FRAGA, Direito Reais segundo as preleções do Prof. Doutor C. A.
Da Mota Pinto ao 4º Ano Jurídico de 1970-71. Livraria Almedina. Coimbra: Portugal, p. 298. Os
autores ilustram a usucapião da propriedade superfícirária com o seguinte exemplo: “Uma
usucapião do direito de superfície, visto como direito sobre uma construção já existente separada
do solo, compreende-se claramente; pode perfeitamente um indivíduo exercer actos de posse
sobre uma casa que está construída, e exercê-los com um “animus”, não de pleno proprietário, mas
de superficiário porque, p. ex., lhe foi vendida por acto nulo a casa separada do solo. Foi
157
ou a plantação, existe o solo, tão-apenas e, portanto, usucapida será a terra. Com a
edificação ou a plantação é que se pode visualizar a superfície. E, então, viabilizada
a usucapião.
10.6 RELAÇÕES OBRIGACIONAIS NÃO CONSTITUTIVAS DO DIREITO REAL DE
SUPERFÍCIE
10.6.1 Locação e comodato
As interações, decorrentes de contratos pessoais, que consubstanciam
obrigações, podem ter como resultado um direito real ou propiciam o exercício desse
direito
176
. No tocante à superfície, os negócios jurídicos, que consubstanciam
obrigações reais, são a concessão, para transferência do uso do solo à construção
ou plantação, a compra e venda se incorporada fisicamente a obra ou a vegetação
e, tanto em uma, como outra vertente, ou seja, viabilização do direito de fazer ou
existência da coisa feita, a permuta e a doação. Isto na transmissão “inter vivos”. Na
sucessão por morte, como visto, a testamentária é o instrumento adequado. Há
outros contratos, no entanto, que embora tenham servido à constituição de um
direito real sobre coisa alheia, estão destituídos de operacionalidade para veicular a
constituição do direito de superfície. Não são traslativos de propriedade Cumpre
examiná-los, de qualquer modo, para espancar possível confusão entre os institutos,
mormente considerada a gênese do direito de superfície. Primeiro, a locação, mais
constituído por escritura um direito de superfície sobre a casa separada do solo, mas o título
constitutivo é nulo; ele não adquiriu a superfície, mas passou a possuir a casa nesses termos e com
o respectivo “animus”; ao fim de um determinado número de anos adquire por usucapião o direito
de superfície, adquiriu um direito sobre aquela casa separada da propriedade do solo”.
176
Lafayette R. PEREIRA, ob. cit., p. 20 .
158
adequada à área urbana, depois o comodato que transita pela urbana e pela rural e
por fim o arrendamento e a parceria, voltados aos imóveis rústicos.
10.6.1.1 Locação
O instituto vem disciplinado no Código Civil, locação de coisas, nos artigos
565 a 578 e tem disciplina específica, na lei 8.245, de 18 de outubro de 1991.
Regula o imóvel urbano compreendendo a locação residencial e a destinada ao
comércio. Em suma, na dicção genérica do artigo 565, do Código Civil, na locação
de coisas, uma das partes se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não,
o uso de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
É exato que, em seus primórdios, no direito romano, a ocupação dos imóveis
particulares, para a utilização da superfície se regulou através de contratos de
locação - locatio conductio rei - gerando um direito eminentemente pessoal, mas que
com o decorrer do tempo passou a receber a proteção dos interditos e, finalmente,
de uma ação para a tutela do direito real. Mas, jamais, a superfície ostentou essa
condição e o princípio da acessão permaneceu preservado. No direito brasileiro,
resulta evidente, pelo exposto, a natureza pessoal do contrato de locação, sem força
para gerar direito real.
A diferença fundamental com a superfície, em sua estrutura atual, é que, na
gênese da locação, está um direito pessoal, enquanto que, naquela outra, se
apresenta um direito real. Ademais, apesar da transferência física (posse) da coisa
toda e não apenas da parte superior do solo para uso e gozo, por tempo
determinado ou indeterminado, tal não implica em que o bem passe ao domínio do
159
locatário. A propriedade permanece plena em mãos do locador; o que se transfere é
uso e gozo, com a decorrente posse do imóvel, mas não o domínio da construção.
Também, poder-se-ia apontar que o contrato de concessão do direito real ao
superficiário não é obrigatoriamente remunerado, podendo ser gratuito, enquanto
que a avença sobre a locação não prevê esta última possibilidade.
10.6.1.2 Comodato
É o empréstimo gratuito, temporário ou não, de coisa não fungível,
perfazendo-se com a tradição do objeto, no caso do imóvel, com o ingresso e posse
por parte do comodatário. Como facilmente é constatável, não há direito real de uso
do solo. Nem eventuais plantações ou construções, nele, realizadas pelo ocupante,
tornar-se-ão propriedade sua, autônoma. O que for edificado ou plantado, por
acessão, passará a pertencer ao comodante, proprietário do imóvel. Depois, o
comodato é uma obrigação gratuita, diferentemente da concessão que poderá ser
onerosa. Não há direito real, porém, tão-apenas, pessoal.
10.6.2 Arrendamento rural
O Estatuto da Terra, lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, em seu artigo 92,
estatui que:
A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato
expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem
atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de
parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa.
160
Embora configure a posse ou o uso da terra, não constitui direito real, que
venha a atribuir ao parceiro ou arrendatário a propriedade da construção ou da
vegetação. No arrendamento rural o prazo é temporário, terminando sempre depois
de ultimada a colheita, presumindo-se o mínimo de três anos, se por tempo
indeterminado. Há, claramente uma divisão da propriedade, porém não a separação
jurídica de seus elementos em domínios distintos. O proprietário manterá a
propriedade plena, tanto da terra como da plantação, e de eventuais construções
que o arrendatário venha a fazer. Tanto assim é que conforme o inciso VIII, do artigo
95, com a redação da lei 11.443, de 5 de janeiro de 2007, o arrendatário, ao termo
do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis e das
voluptuárias, caso autorizadas pelo proprietário do solo. Assiste-lhe a retenção,
enquanto não indenizado, das necessárias e úteis, no uso e gozo das vantagens
oferecidas pelo imóvel. A situação e as conseqüências jurídicas são muito diversas
das estipuladas para a propriedade superficiária ao termo do contrato de concessão,
que não prevê qualquer indenização, salvo se convencionada no contrato.
Igualmente, desautoriza a retenção, devendo o bem incorporado ser entregue ou
devolvido ao proprietário do solo. No que importa, no arrendamento rural não há a
separação de elementos, estabelecendo propriedades diversas, superpostas, uma
do proprietário, outra do arrendatário.
10.6.3 Parceria agrícola
Os demais contratos de parceria previstos no artigo 96, do Estatuto da Terra,
não despertam interesse, porque estranhos à plantação, como o são a pecuária, a
agroindústria, a extrativa. Resta a agrícola.
161
O contrato de parceria tem conteúdo complexo, pois compreende a cessão de
área, devendo o parceiro que a ocupa, cultivando-a, pagar determinada
remuneração ao proprietário da terra e, de outro lado, uma sociedade, da qual este
último, também, participa, com os produtos e equipamentos necessários à
semeadura, conservação e colheita.
Na conformidade do parágrafo 1º, do artigo 96, acrescido pela lei 11.443, de 5
de janeiro de 2007, a parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se
obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel
rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou
facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola
(além de outras como a pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista),
mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos riscos decorrentes de caso
fortuito e de força maior, dos frutos, produtos ou lucros havidos, nas proporções
estipuladas (salvo a limitação à cota do proprietário) e de variações de preços dos
frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. A cessão do imóvel rural, no
caso, plantação, não torna este último bem de propriedade do cessionário. Não há
transferência de propriedade bem do direito real de uso do solo, prevalecendo o
caráter estritamente obrigacional. Por conseguinte, inexiste ponto comum com a
propriedade superficiária que, assim, não deriva desse tipo de avença.
163
11 CONTRATO DE CONCESSÃO
11.1 CONTEÚDO DO CONTRATO DE CONCESSÃO
Ambas as legislações, Estatuto da Cidade e Código Civil, mencionam a
concessão do direito de superfície e a concessão do direito de construir ou de
plantar. Trata-se de contrato, bilateral ou sinalagmático, sob condições e finalidades,
previstos direitos e deveres, em reciprocidade, com prestações correlatas. Como
conduz à instituição de um direito real, necessária a escritura pública, posicionada
como da substância do ato, conforme artigo 134, do Código Civil. O essencial é
viabilizar o registro imobiliário da propriedade superficiária, o que também vem
disposto no Código Civil da Itália por artigos 1.350, nº 2
177
e 2.643, nº 2
178
, admitida,
porém, a forma contratual de escrita particular (com o que discrepa o ordenamento
civil brasileiro). Dele podem constar cláusulas sobre: a) destinação da superfície; b)
tempo contratual; c) extensão da ocupação do terreno pela propriedade superficiária;
d) disposições sobre uso do solo, subsolo, espaço aéreo e inclusive sobrelevação;
e) o prazo para que o direito de construir ou plantar seja implementado; f) forma de
pagamento ou a gratuidade da concessão (embora haja convergência entre o
Estatuto da Cidade e o Código Civil nesse tópico, o artigo 1.370, acrescenta que, se
177
Art. 1.350. Atti che devono farsi per iscritto. - Devono farsi per atto pubblico o per scrittura privata
(1), sotto pena di nullità [1351, 1392, 1403, 2725]:(...) 2 ) i contratti che costituiscono, modificano o
trasfericono il diritto di usufrutto su beni immobili, [978], il diritto di superficie [952 ss.], il diritto del
concedente [960] e dellenfiteuta [959]; - Atos que devem ser feitos por escrito – Devem ser feitos
por ato público ou por escritura privada (1), sob pena de nulidade [1351, 1392, 1403, 2725] (...) 2
os contratos que constituem, modificam ou trtansferem o direito de usufruto sobre bens imóveis,
[978], o direito de superfície [952 ss.], o direito do concedente [960] e o do enfiteuta [959];
178
Art. 2.643. Atti soggetti a trascrizione. - Si devono rendere [2645 ss., 2651 ss.] pubblici col mezzo
della trascrizione [2644, 2648, 2657, 2658, 2663, 2679 n.1]: (...) 2 ) i contratti che costituiscono,
trasfericono o modificano il diritto di usufrutto su beni immobili, il diritto di superficie, i diritti del
concedente e dell’enfiteuta. – Atos sujeitos a transcrição – Devem ser [2645 ss., 2651 ss.] públicos
como meio para transcrição [2644, 2648, 2657, 2658, 2663, 2679 n.1]: (...) 2 ) os contratos que
constituem, transferem ou modificam o direito de usufruto sobre bens imóveis, o direito de
superfície, o direito do concedente e do enfiteuta.
164
onerosa as partes estipularão se o pagamento será feito de uma só vez ou
parceladamente); g) estipulação sobre o ressarcimento, na extinção de direito de
superfície; g) regra sobre o ressarcimento ao superficiário, na extinção do direito de
superfície; h) disposição endereçando, na íntegra, ao superficiário, ou de todo o
isentando, a responsabilidade dos encargos e tributos sobre a propriedade
superficiária (parágrafo 3º, artigo 21, da lei 10.257/01)
179 e 180
. Direitos e deveres,
como transferência ou a preferência na alienação, expressos na lei de forma
vinculante, tornam desnecessária a estipulação.
O contrato de concessão traz em seu bojo uma outorga, autorização, licença
ou permissão,
em virtude do que se atribuí a uma pessoa o direito ou a faculdade de
realizar um negócio ou vários negócios, praticar um ato ou vários atos ou
executar um serviço ou vários serviços
181
Dessa noção genérica extrai-se que no campo do direito privado a concessão
consiste em uma outorga de um particular a outro para que faça algo, com
repercussão jurídica.
Tome-se a título de mero exemplo a concessão comercial exclusiva, contrato
pelo qual
o concedente outorga a exclusividade da revenda de seus produtos de
marca sobre um determinado território, enquanto que o concessionário se
obriga a se aprovisionar exclusivamente com o concedente.
182
179
Melhim Namem CHALHUB, ob. cit., p. 79
180
Frederico Bittencourt, Revista Forense, p. 408
181
Plácido e SILVA, Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro, 18 ed., 2001, Ed. Forense, p. 191
182
Philippe le TOURNEAU, La concession commerciale exclusive., Paris, 1994, Ed. Economica, p. 8.
“contrat par lequel un concédant accorde l’exclusivité de la revente de ses produits de marque sur
un territoire déterminé, tandis que le concessionnaire s’engage à s’approvisionner exclusivement
chez le concédant”.
165
A concessão do direito de construir ou plantar, à evidência não se confunde
com a concessão comercial e exclusiva, quanto à finalidade. Em seu núcleo,
entretanto, não discrepa, exatamente por transferir o direito de fazer a superfície.
Na esfera do direito público, os bens dominicais e as terras devolutas podem
ser objeto de concessões (artigo 99, inciso III, do Código Civil e artigos 20, inciso II e
26, inciso IV, ambos da Constituição Federal). Cumpre anotar que os solos não são
concedidos, permanecendo a propriedade fundiária com a União ou os estados e,
ainda, com os municípios, inclusive no caso da concessão do direito de construir ou
de alienação daquilo que já está construído. O cunho administrativo desses
contratos está na administração de um ente público concedente ao conferir a uma
pessoa jurídica de direito público ou a um particular, que faça determinada
incorporação ao solo. Assim a administração pública concede o direito de uso de um
terreno de sua propriedade para fins de edificação, residencial ou industrial, ou para
o cultivo da terra, com a semeadura. Em se cuidando de superfície surge, com a
construção ou a plantação, uma propriedade separada, quer se trate de contrato
privado ou público. Nesta última modalidade, contrato público, cumpre lembrar a
concessão do direito real de uso (artigo 7°, do decreto lei 271, de 28 de fevereiro de
1967 e artigo 225, inciso XII, do Código Civil, com as alterações da lei 11.481, de
2007) que, entretanto, não configura uma propriedade dissociada da do solo, como o
é a superficiária. Juridicamente, o termo concessão, destarte, se ajusta à outorga da
utilização do solo, por seu proprietário, para que outrem sobre ele construa ou
plante.
Quer se trate de contrato particular ou administrativo, com a concessão de
uso da face superior de um imóvel é de se reconhecer que, ainda, não há a
superfície. Quando muito poder-se-á afirmar sua virtualidade, na dependência do
166
fazer futuro do concessionário. Inexistem materialmente os objetos próprios da
superfície: uma construção pronta ou uma vegetação implantada. Porém, desde que
concretas tais incorporações, aí, então, somam-se, em prol do superficiário, dois
direito reais, um de uso do solo e outro o da propriedade superficiária.
Fisicamente, a situação não muda, quando o direito de superfície é
constituído por cisão. O proprietário do todo de um imóvel transfere a superfície tão-
somente, a outrem ou, de forma inversa, mantém as incorporações e transmite
unicamente o terreno. Permanece a existência das duas propriedades, autônomas e
independentes. Contudo, como na constituição por cisão as construções ou
plantações já existem integradas ao solo, não se ajusta classificar o instrumento do
negócio jurídico como concessão. Essa terminologia, tão-somente, é adequada se
houver a outorga de um direito para fazer, o que obviamente não sucede quando a
coisa já está feita. Portanto, o que ocorre é a alienação do que já está acrescido ao
solo, construção ou plantação, caracterizando-se, na realidade, uma compra e
venda, à qual se agrega, de modo acessório o direito de uso do terreno necessário à
superfície.
Resumindo, quando outorgado o direito para construir ou plantar, o contrato é
concessão e quando o direito de superfície é constituído por cisão do imóvel, o que
há é a alienação da propriedade superficiária.
167
11.2 SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL
11.2.1 O proprietário do solo e o superficiário
No direito real de superfície duas são as propriedades, a do superficiário e a
do senhorio direto. Ambos são detentores de direitos reais: um sobre o solo e, o
outro, sobre as incorporações que realizar ou sobre aquelas já existentes, quando
do contrato de concessão, constituindo-se a superfície por cisão.
A situação é de igualdade, exercitados os respectivos domínios, de modo
autônomo e sem qualquer dependência ou subserviência. Também, a ambos assiste
na perspectiva de suas propriedades, a defesa hábil para protegê-las.
Para o proprietário do solo, o uso e o gozo se exauriram com a concessão da
superfície, porque os transferiu ao superficiário, restando-lhe o poder de disposição
do terreno
183
. Todavia, sobre a parte do solo não alcançada pela construção ou
plantação ou sobre os espaços desnecessários à movimentação e exploração,
mantém a propriedade plena, sempre observada a medida pactuada no negócio
jurídico de concessão. Também lhe cabe receber, em pagamento, o canon (pensão
periódica), em se tratando de contrato oneroso e exercer o direito de preferência na
aquisição da construção ou da plantação, se colocadas à venda pelo superficiário.
Igualmente, compete-lhe proceder à resolução da superfície antes do advento do
183
Christian LARROUMET, ob. cit., p. 441. “En réalité, les droits du propriétaire du sol sont réduits à
peu de chose” (...) si le propriétaire du sol est privé de l’usus, du fructus et de l’abusus sur le sol lui-
même en raison même de l’existence du droit de superficie, il n’est pas dépouillé l’abusus portant
sur son droit de propriété, de la même façon que le nu-propriété n’est pas privé, par l’usufruit, de la
possibilité de disposer de son droit de nue-propriété”. “Na realidade, os direitos do proprietário do
solo, estão reduzidos a pouca coisa” (...) “se o proprietário do solo está privado do usus do fructus e
do abusus sobre o solo em razão da existência do direito de superfície, não está disprovido do
abusus sobre seu direito de propriedade do mesmo modo que o nú-proprietário não está privado
pelo usufruto, da possibilidade de dispor de seu direito de nua-propriedade”.
168
termo, se temporária, se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela
para a qual foi concedida, não providenciar a construção ou a plantação no tempo
estatuído no contrato ou se edificar contrariamente a ele. No caso do prazo da
concessão apresentar-se indeterminado e ocorrendo os motivos que justifiquem a
ruptura, lhe é facultado que notifique o superficiário da extinção do direito de
superfície. Pode, ainda, conforme os textos legais, constituir gravames reais sobre o
solo e tornar-se dono da construção ou da plantação uma vez extinta a superfície,
independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado em
contrário no contrato de concessão. Está, na contrapartida, sujeito a obrigações, não
praticando atos ou tendo comportamentos que obstem ou dificultem a execução das
obras da construção ou impeçam seu exercício, depois de pronta, idêntico se
aplicando às plantações. Outrossim, compete-lhe dar preferência ao superficiário na
aquisição da propriedade do solo, caso se faça a título oneroso.
Quanto ao superficiário, seus direitos são os de explorar a propriedade
superficiária nos limites da concessão, valendo-se dos poderes próprios do
proprietário, de usar, gozar, fruir e dispor. Nessa linha, assiste-lhe gravar com ônus
reais a construção ou plantação e exercer o direito de preferência na aquisição do
solo, na hipótese de alienação a título oneroso. Em caso de perecimento da
construção ou da plantação, cabe-lhe reconstruí-la ou refazê-la, se for o caso, no
prazo do direito de superfície. Seus deveres são o de pagar a remuneração
combinada, caso onerosa a concessão, além de construir ou plantar, nos termos
especificados no contrato. É sua obrigação, ainda, efetuar o pagamento dos
encargos e tributos, que incidirem sobre a propriedade superficiária e o solo a ela
correspondente. Alienando a construção ou a plantação, de modo oneroso, terá que
dar preferência ao proprietário do solo à aquisição. E, por fim, cumpre-lhe atuar com
169
eficiência para conservar a obra superficiária e evitar sua demolição
184, 185, 186, 187 e
188
.
11.2.2 O superficiário e a coisa objeto da superfície
O superficiário tem a propriedade plena da construção ou plantação. Nada
obsta que a aliene ou a dê em locação ou sobre ela faça incidir gravames ou
encargos.
Com referência ao solo, o superficiário não é titular da propriedade, a qual
pertence ao senhorio direto. Todavia, este último nem sequer tem acesso efetivo ao
terreno, salvo à porção do solo que, eventualmente, não tenha sido objeto do
contrato de concessão. A situação de fato é a de que os bens imóveis superficiários
estão sobre o solo de outrem, total ou parcialmente. Inclusive, se inerente à
execução, manutenção e exploração, também abarcam o subsolo. De qualquer
modo, a utilização do solo é vinculante e dele o superficiário tem a posse. O
exercício, portanto, é o de um direito real de uso no tocante ao solo, cuja
transferência já vem ínsita no instrumento de concessão ou de alienação. Trata-se,
como assinalado, de relação complexa, havendo um direito real de superfície no
tocante à construção ou à plantação e um direito real de uso quanto ao solo,
ocupado pelos bens edificados ou plantados.
184
Rosane Abreu Gonzalez PINTO, ob. cit., p. 88-89.
185
Ricardo Pereira LIRA, ob. cit., p. 252-254.
186
José de Oliveira ASCENÇÃO, ob. cit., p. 162/163.
187
Letícia Marques OSÓRIO, ob. cit., p. 179 e 181-182.
188
Diógenes GASPARINI, ob. cit. p. 121-122.
170
11.3 O TEMPO CONTRATUAL
O Estatuto da Cidade estabelece que o contrato de concessão poderá ser
firmado por tempo determinado ou indeterminado e o Código Civil só menciona a
hipótese primeira. O Código Civil português, em seu artigo 1.524, acolhe ambas
variantes, admitindo, além do direito de superfície temporário, o perpétuo. A
concessão perpétua ou por tempo indeterminado interrompe a “accessio”, enquanto
que por prazo certo, unicamente, a suspende.
Celebrado por tempo indeterminado o contrato pode ser, entretanto, objeto de
denúncia, fixado, então, termo para seu exaurimento. Incide o artigo 437 e seu
parágrafo do Código Civil:
A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o
permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. parágrafo único -
Se, porém, dada a natureza do contrato uma das partes houver feito
investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só
produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o
vulto dos investimentos.
Impõe-se, todavia, que a denúncia, ante a existência de um direito real de
propriedade, se apresente fundamentada em um dos casos de extinção previstos na
lei ou no contrato. A falta de motivação (denúncia vazia) seria incompatível com a
natureza do instituto e, de qualquer modo, dependeria de norma expressa,
inexistente. Cumpre atentar, nesse enfoque, ao parágrafo único, do mencionado
artigo 437, porque a propriedade superficiária, para sua consecução ou manutenção,
pode ter consumido recursos de vulto, a obstar a resilição de pronto, necessária a
adequação a um prazo compatível à reposição dos investimentos.
Estabelecido por prazo determinado o termo final do contrato de concessão,
automaticamente, o resolve, operando de pleno direito. Porém, pode suceder que a
171
relação continue e o proprietário do solo, bem como o superficiário, mantenham
preservadas suas propriedades. É inequívoco, que o contrato por período
determinado se transforma em prazo indeterminado, gerando direitos e obrigações,
com todos os seus efeitos. Permanecerá, em síntese, eficaz, até a extinção, a se
concretizar pelo procedimento de averbação no registro imobiliário, mas que deve
ser antecedida pela necessária notificação, no caso, como visto, motivada com
todas as suas conseqüências
189, 190, 191 e 192
.
Remanesce, latente, a questão se, no ponto, o Código Civil derrogou o
Estatuto da Cidade e, em conseqüência, a concessão do direito real seria, sempre,
por tempo determinado. A resposta é negativa, suportada no argumento clássico, de
que norma especial – e a lei 10.257/01 o é – não comporta ser revogada (total ou
em parte) pela geral. Ademais, as legislações possuem esferas específicas de
incidência, somente aplicado o Código Civil, quando urbana a superfície, na lacuna
do Estatuto, o que, na espécie, não sucede. A disciplina diversificada, de cada um
desses diplomas, torna irrelevante a incompatibilidade.
Ademais, de se questionar se a regra do “tempo determinado”, colocada no
artigo 1.369, comporta ser recepcionada como absoluta. A lei 11.481, de 31 de maio
de 2007, acresceu alguns incisos ao artigo 1.473, que delineia o objeto da hipoteca,
entre eles posicionando a propriedade superficiária (inciso X). Também aditou, à
referida norma, um parágrafo, que passou a ser o segundo, transformado o anterior
parágrafo único, em primeiro. E a esse parágrafo segundo, deu a seguinte redação:
“Os direitos de garantia instituídos nas hipóteses dos incisos IX e X no “caput” deste
189
Diana Coelho BARBOSA. ob. cit., p. 94-97.
190
Sílvio de Salvo VENOSA, ob. cit., p. 473.
191
Lino SALIS. La superficie. In: Filipp VASSALLI (coord.). Trattato di diritto civile italiano. Torino:
Unione Tipografico – Editrice Torinese, 1949, v. 4, t.3, p. 71.
192
F. del GIUDICE. ob. cit., p. 574.
172
artigo ficam limitados à duração da concessão ou direito de superfície, caso tenham
sido transferidos por período determinado”. A parte final do dispositivo tem cunho
alternativo, pois admite que a concessão do direito de superfície seja por tempo
indeterminado, o que decorre do emprego do advérbio “caso”. Se perseverada a
regra do “tempo determinado”, nada justificaria o apêndice derradeiro. Por
conseguinte, justificada a conclusão de sua relativização, abrindo o Código a
permissão para que a concessão, igualmente, seja celebrada por tempo
indeterminado ou perpétua. Ainda, a locução está no plural – “caso tenham sido
transferidos” – a afastar interpretação restritiva, cingindo-a, tão-apenas, à concessão
do direito real de uso, tratado no dispositivo e que estabelece a avença por período
determinado ou indeterminado (artigo 7º, do decreto-lei 271/67, modificado pela lei
11.481/07).
Como se constata, o Código Civil, confirmando a interpretação, que lhe
conferia maior amplitude, converge, agora, ao Estatuto, na previsão de que a
concessão do direito real de superfície, a critério dos interessados, se dê, também,
por prazo indeterminado.
11.4 CONTRATO GRATUITO E ONEROSO
193
Além da onerosidade, a opção pela gratuidade é outra constante. A
propriedade superficiária terá sua constituição operacionalizada por meio de doação
ou mesmo se concretizar pela sucessão testamentária.
193
Diógenes GASPARINI. ob. cit., p. 122.
173
A concessão gratuita, por liberalidade, não escapa ao requisito temporal, se,
assim, expresso no negócio jurídico, no qual fixado termo. Pode, ademais, ser
adequado o condicionamento a um tipo de obra ou a uma espécie de plantação a
ser feita.
No que tange ao preço da concessão, viável dispor que o pagamento, em
dinheiro, se fará de uma só vez ou em parcelas. Contudo, para que aperfeiçoado o
contrato - e, assim, se torne obrigatório - basta que tenha havido acordo (consenso)
quanto ao objeto e o montante. Observados esses requisitos, o contrato
consubstanciado em escritura pública, está por inteiro formado e, providenciado o
registro imobiliário, a propriedade superficiária ingressa no patrimônio dominial do
concessionário. Por essa razão é que a falta de pagamento de parcelas do preço -
ou da própria prestação única - não desconstitui o direito real, apenas abrindo
campo à exigência da dívida aberta.
A dação em pagamento, também, se viabiliza. Amolda-se esse instituto
quando o credor consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida (artigos
356 a 359, do Código Civil). Se o proprietário aquiescer em receber certo bem,
móvel ou imóvel, em pagamento da concessão, óbice algum haverá para que seu
crédito seja satisfeito dessa forma. O negócio jurídico entre as partes, tendo em vista
as pretensões e necessidades de ambas, é que irá atender esta ou aquela
exigência, ou, ainda, a um determinado proveito. Porém, em princípio viável que se
concretize mediante a dação em pagamento, total ou parcialmente, caso em que o
restante a ser solvido seria em moeda corrente.
Na dação em pagamento não há substituição da dívida, porque a modificação
está no modo do adimplemento. A prestação em dinheiro é substituída pela entrega
174
de uma coisa. O consenso entre os contraentes revela-se fundamental, porque o
credor, conforme o artigo 313, do Código Civil, primariamente, não está obrigado a
receber prestação diferente daquela originariamente contratada. Molda-se, na
dação, um acordo liberatório, através da viabilização de um bem distinto, quer pela
entrega de uma coisa em lugar de dinheiro – rem pro pecunia, ou de uma coisa por
outra – rem pro re, ou por uma coisa pela prestação de um fato – rem pro facto, ou
por um fato por dinheiro – factum pro pecunia, ou dinheiro por uma coisa – pecunia
pro re ou pecunia pro facto
194
.
11.5 ENCARGOS OU TRIBUTOS
195
Os conceitos são diferentes. Os encargos podem decorrer de legislação
federal, estadual ou municipal, que restrinjam, administrativamente, a utilização da
construção ou da plantação, impondo deveres, quer com relação ao tipo de
edificação ou comércio a ser exercitado ou não na região, quer no tocante à reserva
florestal a ser preservada em uma determinada área rural. Os tributos são
essencialmente os impostos, taxas e contribuições de melhoria incidentes sobre a
propriedade superficiária ou que dela sejam decorrentes.
A análise dos artigos 21, parágrafo 3º, do Estatuto da Cidade, e 1.371, do
Código Civil, com referência à distribuição de encargos e tributos, não revela
discrepância de monta. O Código Civil dispõe que o superficiário responderá pelos
encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel. Ora, o imóvel compõe as duas
194
Marcus Vinicius dos Santos ANDRADE. In: CASTRO FILHO, et. al. Comentários ao código civil
brasileiro: do direito das obrigações. Arruda Alvim e Thereza Alvim (coord.). Rio de Janeiro:
Forense, 2006, v. 4, p. 240/241.
195
Letícia Marques OSORIO, ob. cit., p. 181.
175
propriedades, a do solo e a da superfície. O limite da responsabilização do
superficiário está correto, porque além de proprietário das construções ou
plantações, ocupa o solo, utilizando-o. O Estatuto da Cidade não se refere a imóvel,
estabelecendo a diferença das propriedades, que formam o seu conjunto ao
mencionar a superficiária e a do solo. Pela redação de seu texto, o superficiário
responde pelos encargos e tributos referentes à propriedade superficiária e,
proporcionalmente, à sua ocupação, ou melhor, ao seu uso efetivo da área, na
pressuposição de que parte dela poderá permanecer sob utilização do proprietário
do solo. Forçosamente, a posição adotada no Código Civil chega ao mesmo
parâmetro. A parte do imóvel pela qual o superficiário é responsável com relação
aos encargos e tributos é a construção ou plantação e a área do solo ocupada, nas
dimensões estabelecidas no contrato de concessão. Só resta convir que há
consonância entre essas normas.
11.6 CLÁUSULAS CONTRATUAIS: APLICAÇÃO COGENTE E DISPOSITIVA
Conhecida a classificação das leis em imperativas ou cogentes e dispositivas.
A primeira é impositiva, prescreve determinada conduta e visa tutelar interesses
fundamentais ao interesse geral e comum. É de ordem pública, portanto. A norma
cogente estabelece deveres, proibindo, ou obrigando, e assim regulamentando a
conduta humana, na conformidade dos valores sociais, econômicos, políticos e
jurídicos eleitos pelo ordenamento. Às partes é vedado convencionar diversamente
daquilo que está estatuído. De seu lado a lei dispositiva porta imperatividade
relativa, permitindo facultando a expressão da vontade humana, em suas ações
omissivas e comissivas. A norma dispositiva abre espaço à liberdade, mormente no
176
campo contratual, permitindo que as pessoas disciplinem seus negócios de modo
diferente daquele previsto ou sugerido em lei.
Na regulamentação da superfície tanto no Código Civil quanto no Estatuto da
Cidade há normas de ambas as espécies. A pretensão ao detalhamento, que se
segue é exaustiva, em face da própria fluidez da temática. São cogentes as dos
artigos 1.225, II e 1.369, do Código Civil, e 21 do Estatuto da Cidade, ao
introduzirem no ordenamento o direito real de superfície, de modo a não mais admitir
sua consideração, a título de inexistência. Também tem a característica de
imperatividade a regra da superfície ser uma propriedade imóvel, construção ou
plantação e que para sua constituição, deve ser instrumentalizada através de
escritura pública e registrada no cartório de registro de imóveis. Prevalece também
a cogência: a) alienação e transmissibilidade por sucessão (artigo 1.372); b)
vedação a que estipulado pelo concedente, a qualquer título, pagamento pelo
transferência (parágrafo único do artigo 1.372); c) preferência recíproca em caso de
alienação do solo ou do direito de superfície (artigo 1.373); d) permissão do uso do
subsolo, do solo e do espaço aéreo para a operacionalização do direito de superfície
(parágrafo único do artigo 1.369 e parágrafo 1ª, do artigo 21, do Estatuto da Cidade);
e) indenização, conseqüente a desapropriação que extinga o direito de superfície ao
proprietário ou superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um
(artigo 1.376); f) entrega ou retorno da superfície a propriedade do dominus soli ao
extinguir-se a concessão (artigo 1.375); g) a regência do direito de superfície,
constituído por pessoa física de direito público interno, pelo Código Civil, a não ser
que disciplinado de modo diferente em lei especial (artigo 1.377).
Podem ser relacionadas como normas dispositivas as que versam: a) sobre o
tempo contratual, determinado ou indeterminado (artigo 1.369, do Código Civil e 21,
177
do Estatuto da Cidade); b) a que estipula que as partes poderão, dispor livremente
quanto a gratuidade ou onerosidade da concessão e nesta última hipótese
estabelecer se o pagamento poderá ser de uma só vez ou parceladamente (artigo
1.370); c) a inclusão ou não no contrato de norma especificando a destinação da
superfície a ser feita ou já existente, porque não há norma obrigando a essa
explicitação (artigo 1.374 do Código Civil e parágrafo 1°, do artigo 24, do Estatuto da
Cidade); d) o ressarcimento do superficiário quando extinta a concessão (artigo
1.375); e) a responsabilidade do superficiário pelos encargos e tributos sobre a área
objeto de concessão do direito de superfície (1.371, do Código Civil e parágrafo 3°,
do artigo 21, do Estatuto da Cidade).
A legislação de caráter cogente não poderá ser alterada nos contratos de
concessão e alienação referentes a superfície ou outros que venham a ser
celebrados, mas que tenham o poder de transferir o direito real. Também a
transmissão pelo testamento está jungida à obediência das normas imperativas. As
normas dispositivas, permitem em maior ou menor extensão a livre contratação e
serão elas que darão o cunho particular e específico ao negócio jurídico.
179
12 CIRCULAÇÃO DAS PROPRIEDADES: SUPERFICIÁRIA E DO SOLO
12.1 COMPRA E VENDA
Adquirindo o superficiário a propriedade da construção ou da plantação
poderá livremente transacioná-la, sem qualquer interferência do concedente na
realização do negócio. A transmissão poderá ser gratuita ou onerosa, mas sempre
limitada à propriedade superficiária. Ao proprietário do solo não assiste direito a
qualquer vantagem decorrente da transferência e a estipulação, nesse sentido,
ainda que lançada no contrato de concessão, revela-se nula, ante a proibição
categórica contida, no parágrafo único, do artigo 1.372. O concedente, concretizada
a concessão, é juridicamente estranho à construção ou à plantação, propriedades
superficiárias autônomas e, obviamente, nada tem a receber sobre a transmissão
realizada por negócio jurídico entre o superficiário e terceiro. Como se trata de
transferência de direito real, que é a propriedade imóvel, obrigatória a escritura
pública, bem como o registro imobiliário.
A construção - ou a plantação - pode ser alienada pelo instrumento usual que
é a compra e venda, com o emprego das cláusulas especiais, a ela previstas e
cabíveis na transação de imóveis (artigos 505 e seguintes do Código Civil). Aquele
que adquire a propriedade do solo ou a propriedade superficiária fica jungido às
obrigações constantes do título superficiário, especialmente no que tange ao tempo
contratual e as condições resolutivas.
180
12.2 OUTRAS FORMAS DE TRANSMISSÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
E RESPECTIVOS CONTEÚDOS
Embora a compra e venda seja o contrato por excelência, nada obsta que
outros se acionem outras formas para instrumentar a transferência. Entre elas
podem ser detectadas a permuta (troca) e a doação.
A troca ou permuta consiste na avença, por intermédio da qual os
contratantes entregam um ao outro determinados bens, desde que não seja
dinheiro. Os bens dados em troca podem ser móveis ou imóveis, mas é necessário
que sejam corpóreos, além de suscetíveis de venda ou alienação, mas não se exige
que sejam da mesma espécie ou tenham igual valor. Assim, o proprietário do solo
pode conceder o direito real de uso da superfície a uma outra pessoa, recebendo,
em troca, um outro bem que poderá ser um imóvel ou um móvel. Cabe anotar que
se os permutantes são ascendentes e descendentes, a troca de valores desiguais é
anulável. Nessa hipótese, é necessário o consentimento dos outros descendentes e
do cônjuge do alienante.
A doação vem disciplinada no Código Civil, artigo 538 e seguintes,
conceituada como sendo um contrato em que uma pessoa, por liberalidade,
transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. A doação pode ser
pura e simples ou, ainda, com cláusulas, ou seja, sujeita a encargo, com caráter
remuneratório, feita em contemplação do merecimento do donatário, em forma de
subvenção periódica ao beneficiado ou de casamento futuro, caso em que ficará
sem efeito se as núpcias não se realizarem.
181
Todas essas modalidades podem ser realizadas por meio da transferência do
direito real de superfície, permitido que o beneficiário construa ou plante sobre o solo
e aufira vantagens pecuniárias. Tão-apenas não se ajusta ao direito de superfície a
doação em forma de subvenção periódica, que, na verdade, é uma constituição de
renda a título gratuito.
Em todos esses contratos as cláusulas devem obedecer as normas cogentes
do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Idêntico ocorre quanto à compra e venda,
que se define, como já analisado, quando há um ajuste complexo, compreendendo a
concessão do direito real de uso ao superficiário e, em paralelo, há a alienação da
construção ou plantação, porque já existentes, ou seja, a denominada superfície por
cisão.
12.3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E LEGÍTIMA
Com o falecimento do superficiário, seus bens, móveis e imóveis, direitos e
ações, de imediato transferem-se aos sucessores, na conformidade do artigo 1.784
do Código Civil. Diferentemente da concessão do direito de superfície, quando há o
óbice material a que a sucessão, pela morte do proprietário do solo ocorra, quando o
óbito é do concessionário, seus herdeiros recebem não só a construção ou
plantação, como também o direito de uso do solo sobre o qual se assenta o domínio
superficiário. A ordem da sucessão legítima está no artigo 1.829 do Código Civil:
A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes,
em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o
falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória
de bens (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos
ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge
sobrevivente; IV – aos colaterais.
182
A transmissão somente se efetivará com o registro imobiliário do formal de
partilha.
A sucessão testamentária foi anteriormente estudada, quando da concessão,
e aplica-se aquela exposição à hipótese agora em exame, que se concretiza quando
o superficiário, por testamento, confere o direito real de superfície a uma
determinada pessoa.
Também o testamento, forçosamente, deve se ater às imperativas
determinações legais, tendo-se por não escrito aquilo que as contrariar. No mais, o
testador poderá dispor livremente.
12.4 A PREEMPÇÃO OU PREFERÊNCIA
Sendo propriedades destacadas, a rigor, nem sequer de preferência poder-
se-ia falar. Mas, inegavelmente, há um liame que está no solo, de propriedade do
senhorio, mas utilizado pelo superficiário, a autorizar a consolidação de ambos os
domínios em um único titular, em virtude da acessão. Por esse motivo, tanto o artigo
22, do Estatuto da Cidade, como o artigo 1.373, do Código Civil, reciprocamente
outorgam preferência ao superficiário e ao proprietário, em igualdade de condições à
oferta de terceiros, inequivocamente, a maior. Nessa ótica, se o proprietário do solo
resolver vendê-lo, ao superficiário assiste a preferência. E se o objeto do negócio
jurídico for a construção ou a plantação
196
, a preferência é do dominus soli, sempre
isonomicamente. De qualquer forma, competirá ao alienante notificar o outro, para
que possa exercer o direito.
196
J. Dias FIGUEIRA JUNIOR, ob. cit., p. 1.212-1.213, artigo 1373.
183
A preempção vem regulada no Código Civil de 2003, artigos 513 e seguintes.
Não há disposição expressa no título referente à superfície, nem no Estatuto da
Cidade, tampouco, no Código Civil, no que tange à viabilidade do preterido, na
preferência, depositar o valor do negócio e obter a coisa para si. O silêncio leva à
incidência do artigo 518, incisivo ao expressar que a falta conduzirá ao
ressarcimento por perdas e danos
197 e 198
. Não vem previsto em lei prazo para o
exercício do direito de preempção, após efetivada a notificação. Neste instrumetno
todavia, poderá vir estipulada a respeito ou, mesmo, previsto na avença. O direito
brasileiro não contempla a invalidade da compra e venda à revelia, dependendo de
qual a propriedade alienada, do proprietário do solo ou do superficiário, em caso do
descumprimento da comunicação a respeito, dando ciência do preço e das
vantagens que foram oferecidas.
Na doação e na permuta não há como fazer valer o direito de preferência,
incompatível com o regime jurídico desses contratos. Contudo, na compra e venda
quer em pecúnia, quer através da dação em pagamento, isto é possível. Veja-se
que, mesmo ajustada a dação, o superficiário ou o proprietário do solo poderá
preferir pagar o débito e, assim, ficar com a coisa em seu poder.
197
Artigo 513. A preempção ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao
vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de
prelação na compra, tanto por tanto. (...) Artigo 518. Responderá por perdas e danos o comprador,
se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe
oferecem. Responderá solidariamente o adquirente se tiver procedido de má-fé.
198
Sílvio de Salvo VENOSA, ob. cit., p. 386-387.
185
13 EXTINÇÃO DO DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE
Paralelamente à constituição do negócio jurídico, corre a sua extinção,
na conformidade do estatuído na legislação e no contrato celebrado entre as partes.
Assim, se o Estatuto da Cidade prevê a formação do direito da superfície no artigo
21 e o Código Civil estabelece a constituição do direito de construir ou de plantar em
seu terreno, concedida pelo proprietário ao concessionário (artigo 1.369), esses
mesmos diplomas, respectivamente nos artigos 23/24, parágrafo 1º e 1.374/1.376,
prevêem a extinção desses negócios jurídicos. Neste capítulo cuidar-se-á da
extinção, ou seja, do exaurimento do negócio jurídico, cessada produção de seus
efeitos. Essa ruptura poderá ter sua causa prevista no próprio contrato ou na lei, ou,
ainda, em ambos. Para exposição mais adequada foram consideradas as causas
internas à extinção, como aquelas que, necessariamente estão no contrato e outras
que, normalmente, vêm abrigadas na lei. Daí a divisão temática, agora, proposta. As
causas internas abrangem o termo contratual, a destinação diversa dada à
superfície, em confronto com a prevista na avença, e o descumprimento das
obrigações ajustadas. Como causas externas foram priorizadas a desapropriação, a
renúncia, a confusão, o distrato, o perecimento do objeto do direito real da
superfície, a decadência e a prescrição, reservada ainda observação sobre o
abandono e o não uso da coisa superficiária.
186
13.1 CAUSAS INTERNAS
13.1.1 Termo contratual
Convencionado prazo determinado, com sua implementação, extingue-se o
direito real de superfície, objeto da concessão. Diversamente da legislação de outros
países, a brasileira não circunscreve o período de exercício do direito de superfície,
em um mínimo ou um máximo, ficando assim submetido à autonomia dos
contratantes. A estes é que caberá estabelecer um determinado prazo (se não
preferir deixá-lo indeterminado). Com o advento do termo final, de imediato o direito
real se esgota, independentemente de notificação. Opera-se de pleno direito a
incidência da acessão com o retorno do bem superficiário ao domínio do proprietário
do solo, seguindo a sistemática do ordenamento nacional, autorizado este último a
reivindicar a coisa (artigo 1.359, do Código Civil). Antes, no entanto, deve
providenciar a averbação do fato extintivo no registro imobiliário, para que a
propriedade superficiária venha ou retorne a seu patrimônio.
Vencido o termo, mas permanecendo inalterada a situação de fato, por inércia
ou desinteresse das partes, ocorre a prorrogação, que passa a ser por tempo
indeterminado. Em suma, não se operando, pela desconsideração do termo, a
resolução da propriedade, o direito real permanece, inclusive porque válido o
registro imobiliário. Em conseqüência, passa a ser Indeterminado o prazo do direito
de superfície, tornando-se necessária a notificação, agora motivada pela afronta a
condição resolutiva, para que haja a extinção.
Extinto o direito de superfície, quanto aos direitos reais constituídos pelo
superficiário em favor de terceiro, duas vertentes devem ser consideradas. Na
187
primeira os direitos reais constituídos sobre a superfície, figurando o proprierário
superficiário como obrigado ou devedor, extinguem-se pelo simples advento do
termo. Descabe invocar qualquer pretensão jurídica dos beneficiários à continuidade
da incidência, porque estes tinham conhecimento de que esses direitos reais
oneravam uma propriedade resolúvel, contratualmente temporária e que iria se
esgotar em determinado prazo; na segunda vertente, a situação se apresenta,
assim, um tanto diversa: se o tempo do contrato referente ao direito de superfície é
indeterminado, os gravames não se exaurem. Mesmo que haja a ruptura contratual,
por culpa do superficiário, tal não pode redundar em prejuízo aos titulares desses
direitos reais. Nem ao proprietário do solo assistirá a desoneração, por haver
acedido em conceder o direito de construir ou alienar a obra concretizada, por tempo
indeterminado. Cumpre assinalar que os encargos continuarão a alcançar,
exclusivamente, a propriedade superficiária e não o solo, preservada a separação
entre esses elementos.
13.1.2 Destinação diversa daquela prevista no contrato
A finalidade a ser imprimida na propriedade superficiária, obrigatoriamente,
não precisa constar da convenção ou do contrato de alienação. Trata-se de cláusula
dispositiva. Porém, caso prevista e desobedecida pelo superficiário, tem força
extintiva. Estaria justificada, por vincular-se o negócio jurídico à realização de
determinada construção ou plantação ou, ainda, à manutenção do que já foi feito e
está construído e plantado, obstada a alteração. A inobservância, ao firmado no
contrato, desnatura o objetivo, priorizado e aceito pelos contratantes, principalmente
se tiver cunho administrativo, quando pública a contratação, mediante concorrência.
188
Aliás, se público o negócio jurídico é necessário que as obras ou plantações a serem
realizadas tenham destinação certa e, em tal hipótese é essencial que constem de
seu teor.
No Estatuto da Cidade, este motivo de extinção, na realidade, se mostra
ocioso. Isto porque também vem previsto como causa de cessação o direito de
superfície o descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
superficiário (confrontem-se artigo 23 e 24, parágrafo 1º). A última razão extintiva
compreende a anterior, porque, se prevista uma destinação no contrato e não
obedecida, resulta evidente que a obrigação foi descumprida.
13.1.3 Descumprimento das obrigações avençadas
O Código Civil, diversamente do Estatuto da Cidade, não prevê a extinção do
contrato de concessão pelo "descumprimento das obrigações assumidas pelo
superficiário" e, mais especificamente, pelo não pagamento do preço de uma só vez
ou em parcelas. Na discussão do projeto no Senado Federal incluiu-se dispositivo,
no sentido de que a falta de pagamento das prestações não implicaria na extinção
do direito de superfície
199
. Essa emenda não foi avante e, seguramente, isso de seu
por sua desnecessidade, em face do sistema, que confere propriedade plena das
construções ou plantações ao superficiário. Se este já adquiriu os bens, o direito
real, somente, poderá ser desconstituído no termo ou por força de condição
resolutiva. A situação é análoga à da compra e venda pura, quando o acertamento
199
Tratou-se da Emenda nº 148, em anexo ao Parecer nº 842, de 1.997, do Senado Federal e cuja
redação era a seguinte: "Acrescente-se ao artigo 1.369 o seguinte parágrafo único: 'Parágrafo
único. Na falta de pagamento, o concedente não tem outro direito senão o de haver as prestações
devidas e juros da mora'" (Miguel REALE, ob. cit., p. 225).
189
de vontades sobre objeto e preço, torna-a obrigatória e perfeita (artigo 482, do
Código). No anteprojeto de Orlando Gomes havia dispositivo expresso no parágrafo
2º, do artigo 527, no sentido de que a falta de pagamento tão-somente redundaria na
obrigação de pagar as prestações devidas e os juros da mora. Por conseguinte,
outras faltas contratuais, exemplificativamente, a destinação diversa do que foi
previsto no contrato, poderão conduzir à sua extinção, porém, não a falta de
pagamento das prestações. O inadimplemento implicará na cobrança do débito, mas
não no desfazimento da concessão ou da alienação. Em suma, diferentemente do
que ocorre na enfiteuse na superfície não há o comisso
200
.
13.2 CAUSAS EXTERNAS:
13.2.1 Desapropriação
O Código Civil elege, como fator de extinção do direito de superfície, a
desapropriação. Seria, no entanto, a desapropriação da propriedade superficiária, ou
seja, da construção ou plantação, ou, mesmo, de todo o imóvel, abarcando,
igualmente, a propriedade do solo. A desapropriação deste, necessariamente, não
implica em extinção da propriedade superficiária, porque o poder expropriatório, até
por finalidade social, poderá não atingir as edificações ou plantações,
permanecendo o domínio com o superficiário. Se a desapropriação abranger só a
propriedade superficiária, caberá indenização, de modo exclusivo, a seu titular e se
se limitar ao solo, somente o senhorio terá direito à indenização. Desapropriado todo
200
Artur Oscar de Oliveida DEDA, Revista de Direito Civil Imobiliário, Agrário e Empresarial,
outubro/dezembro 1982, Ano 6, ed. Revista dos Tribunais, p. 102.
190
o imóvel, o ressarcimento é de ser conferido ao proprietário e ao superficiário, no
valor correspondente ao direito real de cada um (artigo 1.376)
201
.
Há que ponderar se o superficiário faz juz ao ressarcimento, em caso da
desapropriação ocorrer antes da construção ou plantação e, assim, recair, sobre o
solo. Não se pode olvidar, em tal hipótese, que o direito de construir está inscrito
entre os reais e porta expressão patrimonial. Obstado por ato administrativo a
realizá-lo, ao concessionário assiste ser indenizado, na medida de seu prejuízo, pelo
Poder Público.
13.2.2 Outras causas
Além das causas previstas, no Estatuto da Cidade e no Código Civil, de
extinção do direito real de superfície, outras podem ser elencadas, porque,
efetivamente, implicam nem sua desconstituição, não mais produzindo efeitos
202, 203,
204 e 205
. Desse modo, a renúncia, a confusão, o distrato, o perecimento do solo ou do
objeto do direito real de superfície, a decadência e prescrição.
201
Letícia Marques OSÓRIO, ob. cit., p.182 : “De acordo com Hely Lopes Meirelles, a desapropriação
é a transferência compulsória de bens particulares (ou públicos de entidade de grau federativo
inferior) para o Poder Público, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, salvo a exceção
constitucional do pagamento em títulos da dívida pública. É uma alienação compulsória a qual
estão submetidos todos os que são titulares de um direito real de propriedade, cabendo-lhes
apenas a discussão da indenização. Caso venha a ser desapropriado o terreno no qual tenha sido
constituída a superfície, esta também será atingida pelo ato, extinguindo o direito real do
superficiário o qual terá direito à indenização das construções ou plantações que tiver erguido sobre
o imóvel, conforme aduz Arnold Wald”.
202
Maria Helena DINIZ. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 18. ed. aum. e atual. de
acordo com o novo código civil: (lei nº 10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2002, v. 4, p.
411.
203
Sílvio de Salvo VENOSA, ob. cit., p. 387.
204
Gianfranco PALERMO, ob. cit., p. 34-38.
205
G.PUGLIESE, ob. cit., p. 455-467.
191
13.2.2.1 Renúncia
É ato unilateral, consistente na desistência voluntária, explícita, pronunciada
pelo superficiário, de seu direito, dele se despojando
206
. Com este gesto, que deve
se exteriorizar por escrito, para ter validade jurídica, deixa manifesta a intenção em
abrir mão de sua titularidade, sobre a propriedade superficiária. Em razão disso,
extingue-se o direito real de superfície, retornando a utilização do terreno ao
proprietário do solo e lhe sendo entregues a construção ou a plantação,
caracterizada a acessão
207 e 208.
13.2.2.2 Confusão
Terá lugar quando juridicamente se identificarem, em uma mesma pessoa, o
proprietário do solo e o superficiário. Ao invés de dois proprietários com direitos reais
diversos, um deles passará a ser o único detentor dos domínios. Disso decorre o
desaparecimento da relação jurídica disciplinada na concessão ou na alienação.
Tanto o superficiário poderá assumir o domínio do solo, como o senhorio receber o
domínio dos bens que estão sobre a superfície. Ambos, respectivamente, em cada
caso, terão a propriedade plena e desaparece o direito real de superfície.
206
Carvalho SANTOS, Código Civil Interpretado. 2ª ed., Rio de Janeiro, ed. Freitas Bastos, 1937, vol.
8º, p. 201.
207
Giovanni GIACOBBE – ob.cit., p. 150-151
208
Frederico BITTENCOURT, Revista Forense. vol. 272, outubro-novembro-dezembro-1980, p. 408
192
13.2.2.3 Distrato
É a rescisão bilateral do contrato, posicionando-se como contraponto à sua
constituição. Enquanto a renúncia é unilateral, o distrato exige a participação
daqueles que firmaram a avença ou de seus sucessores. Consiste, assim, em um
negócio jurídico, que exige a vontade expressa de ambos os contratantes,
direcionado a por fim ao ajuste que, precedentemente, firmaram. Portanto,
concedente e concessionário devem deliberar a dissolução do vínculo, decorrente
da concessão do direito de construir ou plantar ou da alienação da construção ou da
plantação já existentes. Havendo um bem incorporado abre-se a possibilidade das
partes convencionarem se será entregue ao proprietário do solo ou não.
Os atos consubstanciados na renúncia e no distrato, pelo caráter de direito
real da propriedade superficiária, devem se efetivar através de escritura pública
(artigo 472 e 1.275, inciso II, parágrafo único, do Código Civil), a ser averbada no
registro imobiliário.
13.2.2.4 Perecimento do solo ou do objeto do direito real de superfície
Ambas as possibilidades extinguem a propriedade superficiária. Se por
qualquer evento natural não houver mais a terra, juntamente com ela deixará de
existir o que lhe tiver sido incorporado, desaparecendo, destarte, o objeto do direito.
Se, entretanto, houver a perda da construção ou da plantação, a extinção dependerá
do previsto no contrato. Caso estatuído que, nessa hipótese, o direito real de
superfície, também, se exaure, o perecimento será causa de extinção. Contudo,
poderá ter sido ajustado, que ao superficiário assistirá o direito de reconstruir o que
foi destruído, total ou parcialmente, desde que ocorra a possibilidade física do
restabelecimento ou recuperação do edificado ou plantado. Esta diretriz melhor se
193
afeiçoa ao direito real de superfície. Aliás, tratando-se de propriedade plena,
autônoma e independente, não se vê motivo para que o proprietário seja impedido
de renová-la ou de refazê-la em caso de destruição. Na realidade, a faculdade de
reconstruir é que prevalece, pois inerente aos poderes de qualquer proprietário.
Somente cláusula em sentido contrário – e o princípio dispositivo aí tem vigência – é
que conduzirá à extinção.
13.2.2.5 Decadência e prescrição
Cumpre considerar, primariamente, que tais categorias, somente, têm
incidência, quando da concessão do direito de construir ou plantar, porém não no
caso do direito de superfície constituído por cisão, quando já existe a incorporação e
seu proprietário a cinde, separando-a do solo e alienando-a ao superficiário. Neste
caso não se verifica a possibilidade da fixação de um prazo para construir ou
plantar, porque já há a construção ou a plantação. Contudo, na hipótese de
concessão nuclearmente, há de existir um período para que as obras sejam feitas ou
a vegetação implantada.
O Estatuto da Cidade e o Código Civil não prevêem período para esse
cumprimento. A previsão, portanto, somente poderá ser convencional. Se não foi
estabelecido prazo, permanece indeterminado e não há que falar em decadência ou
prescrição. Entretanto, marcado termo no contrato e ultrapassado, sem que o
superficiário dê início à obra ou à plantação, ocorre a caducidade de seu direito de
uso do solo para a construção ou a plantação
209 e 210
. Define-se a decadência como
209
Melhim Namem CHALHUB, ob. cit., p. 77. O direito de superfície é “suscetível de decadência pelo
não exercício do direito de construir ou plantar no prazo convencionado”.
194
melhor solução, porque atingido é o próprio direito, que fica desconstituído, e não a
ação visando preservá-lo. Sem incidência, por conseguinte, o fenômeno da
prescrição.
Materialmente concretizada a construção ou a plantação, o proprietário
superficiário poderá perder a propriedade por abandono (artigo 1.275, inciso III, do
Código Civil). Necessário que se defina a intenção no sentido de não mais conservá-
lo em seu patrimônio, dele abdicando, não bastando a negligência ou o descuido ou
ainda a omissão ou a inércia. A intenção de abandonar é um ato unilateral, positivo,
e esse propósito é presumido de modo absoluto, quando, cessados os atos de
posse, o proprietário não mais satisfizer os ônus fiscais (parágrafo 2º, do artigo
1.276). Caso não se encontre na posse de outrem a propriedade superficiária
poderá ser arrecadada como bem vago e passar três anos depois, se urbana, à
propriedade do município ou à do Distrito Federal, se rural, ao domínio da União,
onde quer que se localize (artigo 1.276, parágrafo 1º). É necessário, para bem
configurar o instituto (modo voluntário da perda da propriedade), ter presente que ele
exige a prática de atos que definam a intenção de se desfazer voluntariamente do
imóvel. Não há que confundir com o não uso, quando não há a intenção
preconcebida ao descarte, inocorrendo as premissas lançadas no Código Civil, que
autorizam reconhecer o abandono. O não uso é insuficiente para conduzir à perda
da propriedade superficiária pela prescrição extintiva, viabilizando, todavia, a perda
pela aquisitiva, por força de usucapião.
210
Ricardo Pereira LIRA, ob. cit., p. 254. ressalta, entre os direitos do superficiário o de “realizar a
construção ou plantação dentro do prazo assinado no título, sob pena de caducidade do direito”.
195
13.3 RECEPÇÃO, RECUPERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO
Extinta a concessão, o proprietário do solo, conforme a dicção legal, voltará a
ter a propriedade plena sobre o terreno e o que lhe foi acrescido ou, desse modo, já
se apresentava. Como a propriedade superficiária é resolúvel, com sua
desconstituição a superfície voltaria a se incorporar ao solo, em obediência a
efetividade da acessão. No anteprojeto de Orlando Gomes, a rescisão ou entrega
ao concedente não era automática mas, dependia de convenção
211
.
A diretriz legislativa firmada é de que, regra geral, nada haverá a indenizar: o
superficiário, ciente do prazo, explorou as construções e plantações nesse período,
sabedor que, vencido, passariam ao proprietário do solo, automaticamente. Não se
afigura, em princípio, a solução adequada. De seu lado, o proprietário do solo
recebeu a prestação combinada e, caso gratuita a concessão, se houve por
liberalidade. O não ressarcimento ao superficiário pela percepção do incorporado é
um acréscimo em seu patrimônio, sem que haja justificativa material a tanto, nem
tenha despendido recursos de molde a autorizar a dispensa. Caracteriza-se, nessa
linha, o enriquecimento indevido. Melhor seria que ao termo da concessão,
desconstituído o direito real de superfície, ao superficiário coubesse o valor atual do
empreendimento, assistindo-lhe, enquanto não satisfeito, o direito de retenção, salvo
disposição em contrário.
Tal diretriz, legislativamente, está contemplada no Código Civil Suíço, que, de
modo explícito, vincula o exercício do direito de retorno ao pagamento (ou garantia)
de indenização pelas construções, sem o que não são transferidas ao proprietário do
211
Artigo 528: reversão ao concedente – Se for estipulado que a construção passará ao domínio do
concedente após o decurso de certo prazo, não inferior a vinte e cinco anos, nenhuma indenização
ou compensação lhe poderá ser dirigida pelo superficiário, salvo estipulação em contrário.
196
solo (artigo 779-D). O atual direito argentino estabelece o ressarcimento, com o
propósito de obviar o enriquecimento do “dominus soli”, ocasionado pela valoração
motivada pela vegetação implantada ou preservada (lei 25.509, de 11 de dezembro
de 2001). E o artigo 6°, do Código Civil da Bélgica, estatui que expirado o direito de
superfície, a propriedade das construções, obras ou plantações passa ao
proprietário do terreno, com o ônus de reembolsar o valor atual desses objetos ao
proprietário do direito de superfície, o qual, até o reembolso, terá o direito de
retenção. Martin Wolff, considerando a legislação alemã sobre a extinção do direito
de superfície, informa que transcorrido o termo final estabelecido na convenção o
proprietário tem que ressarcir o superficiário pela edificação que, então, se transfere
para sua propriedade (parágrafos 27 e seguintes do Regulamento de 1919). A
indenização, segundo esse autor
pode ser excluída contratualmente e também ter determinado seu importe
e forma de pagamento (os direitos do superficiário e as limitações que se
estabelecem mediante tal contrato, se inscrito, constituem conteúdo do
direito de superfície). A indenização só é imperativa quanto o direito de
superfície “está estabelecido para satisfazer a necessidade de moradia nos
distritos povoados por classes de posição modestas”; então ao menos se
haverá de ressarcir dói terços do valor do direito de superfície (parágrafo
32 Regulamento conforme parágrafo 92 nota 12)
212
.
Todavia, a regra do Código é em sentido contrário, abrindo a possibilidade de
indenização, apenas, se houver estipulação contratual, caso em que competirá ao
proprietário do solo, por ter agregado a seu patrimônio, as construções, as
plantações e benfeitorias, que compõem a superfície.
212
Martin WOLFF – Tratado de Derecho Civil , Traducción del alemán por Blaz Pérez Gonzáles y
José Alguer, actualizada por Eduardo Valenti Fiol, Bosch, Casa Editorial, Barcelona, 1971, Depósito
Legal, B. 25.022, 1970 (II), p. 9 e 11;- La indemnizaci´n puede excluirse contractualmente y también
determinarse su importe y forma de pago (Los derechos del superficiario y las limitaciones que se
establecen mediante tal contrato, si se inscriben, constituyen contenido del derecho de superficie).
La indemnización sólo es imperativa cuando el derecho de superficie “está establecido para
satisfacer la necesidad de vivienda en los distritos poblados por clases de posición modesta”;
entonce al menos se han de resarcir los 2/3 del valor del derecho de superficie (§ 32 Regl. Cf. § 92
nota 12).
197
Há outro aspecto já abordado e que se relaciona com o que vem estatuído no
artigo 81, inciso I, do Código Civil, o qual dispõe que, não perdem as características
de imóvel, as edificações que, separadas do solo, mas conservando sua unidade,
forem removidas para outro local
213
. Vale ressaltar que a situação anômala
provocada pela acessão nesses casos, em que essa regra é aplicada em favor do
proprietário, já era denunciada por Sílvio Rodrigues
214
, em seus comentário ao
Código Civil de 1916, pregando a solução agora alvitrada pelo parágrafo único do
artigo 1.255.
É certo que, a consolidação plena do domínio do proprietário se dará pela
conjugação do edificado ou plantado ao terreno. Nada obsta que fique
convencionado, entretanto, ocorrendo a possibilidade da edificação ser removida
para outro local, sem que destruída, que o superficiário desse modo providencie,
preservando sua propriedade sobre a superficiária
215 e 216
.
213
Maria Helena DINIZ. In: Ricardo FIUZA (org). Novo código civil comentado, cit,.p. 93-94
214
Sílvio RODRIGUES, Direito Civil. vol. 5, 21 ed. , 1994, São Paulo, ed. Saraiva, p. 101-102.
215
Pontes de MIRANDA. Tratado Direito Privado. 4 ed., 2 tiragem. São Paulo, Revista dos Tribunais,
1983, tomo II, p. 33. in Marcelo TERRA, Everaldo Augusto CAMBLER, Wanderlei de Paula
BARRETO, Marcelo Navarro Ribeiro DANTAS. Comentários ao Código Civil Brasileiro, parte geral.
v.1, 2005, Rio de Janeiro, ed. Forense p. 613. A movimentação de um prédio, por seu proprietário,
já veio detectada por Pontes de Miranda, referido por Marcelo Terra, ainda na vigência do Código
anterior: “prédio é parte da crosta terrestre, determinada ou determinável por seus limites
bidimensionais (terreno). Tudo que não é parte integrante de prédio é coisa móvel. Se a máquina
corta, por baixo dos alicerces, o edifício congelado e o desloca para transportá-lo a outro terreno,
quiçá outra cidade, ‘mobilizou-o’: aquele edifício, que antes era parte integrante do prédio, deixou
de o ser; é coisa móvel, autônoma. Passou a ser coisa móvel desde o momento em que foi cortado,
para ser deslocado definitivamente. Ao ser recolocado noutro lugar, imobilizar-se-á, pois tornar-se-á
parte integrante de outro prédio.”
216
Renan LOTUFO. Código Civil comentado: parte geral (arts. 1° a 232). vol 1, 2 ed. atual., São
Paulo, 2004, ed. Saraiva, p. 214. Na atualidade, Renan Lotufo assevera que “como se tornou
possível a separação de edificações do solo para transporte a outras áreas, por expressa
disposição legal, as edificações continuam com a natureza de imóveis, bem como com todos os
direitos que deles defluem.”
199
14 TUTELA DA SUPERFÍCIE
Os mecanismos de tutela processual da superfície se ajustam aos conferidos
à propriedade e à posse
217 e 218
. Tradicionalmente, o direito de propriedade vem
garantido na Constituição Federal (inciso XXII, do artigo 5º). Em princípio, a tutela
constitucional e infraconstitucional é incontrastável, tanto que o artigo 1.231, do
Código Civil, faz presumir plena e exclusiva a propriedade até prova em contrário. A
presunção relativiza a plenitude e exclusividade, mormente em face da preocupação
em vincular a propriedade a uma função social (inciso XXIII, artigo 5º). Não obsta,
porém, a tutela jurídica, outorgada ao proprietário.
A fixidez, ou a junção àquilo que não pode ser movido, é que da sentido do
bem imóvel (artigos 79 e 80, do Código Civil). Sobre esses bens recaem os direitos
reais detalhados no artigo 1.225. Cumpre examinar, embora perfunctoriamente, às
ações, petitórias e que tutelam tais direitos. Para que exercitadas, importante o texto
do artigo 95, do Código de Processo Civil: "Nas ações fundadas em direito real
sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa”. Essa norma processual
está jungida à competência territorial e, em princípio, relativa, podendo, ao invés de
no juízo da situação da coisa, a ação ser proposta no domicílio do réu, ou ser eleito
foro para a apreciação da pendência. Contudo, a relativização da competência não
abarca as ações, cujo litígio versa sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão,
posse, divisão e demarcação de terras, como também nunciação de obra nova. Para
estas ações, incide a competência absoluta do foro da situação da coisa. Todos
217
Orlando GOMES, ob. cit., p. 392-401
218
Attilio GUARNIERI, ob. cit., 227. “Al pari degli altri diritti reali, anche il diritto di superficie trova fin
ab antiquo una tutela giurisdizionale, che si articola in azioni petitorie, possessorie, nunciatorie e
nelle azzione personali restitutorie e aquiliana di resarcimento dei danni.” “A par dos outros direitos
reais, também o direito de superfície encontra fim ab antiquo em uma tutela jurisdicional, que se
articula em ações petitórias, possessórias, nunciatórias e nas ações pessoais, restitutórias e
aquiliana de ressarcimento dos danos”.
200
esses processos têm como base um direito real sobre imóvel, incluindo, a posse,
mero fato, mas com forte e indiscutível repercussão jurídica, exatamente por
exteriorizar o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade
(artigo 1.196). Entretanto, não se pode esquecer que a regra do artigo 95 é
processual e o destaque das ações, que venham a ter curso para a tutela de direitos
reais, com relação às quais, exclusivamente o foro é o da situação da coisa, não
significa desqualificação de outras demandas como reais imobiliárias. A
circunstância de poderem ser processadas em outros juízos ou foro de eleição, não
lhes tira esse perfil, ou seja, de assegurar direitos reais.
Necessário precisar quando uma ação é real. O melhor entendimento é o de
estar vinculada à preservação da propriedade ou um de seus poderes, ou à sua
recuperação, caso dela desalojado o titular do domínio. De modo amplo é a ação
que, de qualquer forma, tem por objeto a tutela de um dos direitos reais previstos no
artigo 1.225, do Código Civil.
Para uma visão geral, segundo Hedemann citado por Orlando Gomes
é preciso distinguir duas espécies de ações: 1ª) a que compete ao
proprietário que é totalmente privado de seu bem; 2ª) a que cabe ao
proprietário que conserva seu bem, mas é turbado no seu direito. No
primeiro caso, tem a pretensão reivindicatória, a que corresponde a ação
de reivindicação; no segundo, a pretensão defensiva, a que corresponde a
ação negatória
219
14.1 AÇÃO REIVINDICATÓRIA
A ação reivindicatória (artigo 1.228, caput) é o tipo padrão da ação real, ao
estabelecer que o proprietário tem o direito de reaver a coisa do poder de quem quer
219
Orlando GOMES, ob. cit., p. 393.
201
que, injustamente, a possua ou detenha. Como o superficiário tem a propriedade da
superfície, assiste-lhe essa ação quando, sem causa justa, a posse da construção
ou da plantação lhe tenha sido retirada. À reivindicatória estão legitimados, por
conseguinte, o dominus soli e o titular do direito de superfície, cada um no âmbito
das respectivas propriedades. A sentença vem dotada de força executiva imediata,
com a entrega ou a devolução da coisa ao proprietário.(artigo 461A, do Código de
Processo Civil).
14.2 OUTRAS AÇÕES REAIS (DIREITO DE VIZINHANÇA E ENTRE
PROPRIEDADES CONTÍGUAS): CONFESSÓRIA; NEGATÓRIA; DIVISÃO E
DEMARCAÇÃO DE TERRAS; NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA; AÇÃO DE DANO
INFECTO.
Nas interações de vizinhança, ao titular do domínio - e, também, ao possuidor
- compete fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança do prédio, ao
sossego e à saúde, provocadas pela utilização da propriedade vizinha. Tais ações
trazem ínsitas as obrigações de fazer ou de não fazer (artigos 247/251, do Código
Civil), e a sentença, veicula pronta execução (artigo 461, do Código de Processo
Civil).
A estrutura da servidão compreende dois prédios e, conseqüentemente, duas
propriedades, sendo uma, a dominante e, a outra, a serviente. Para a tutela deste
último direito - e, igualmente, o de usufruto -, a ação a ser priorizada é a denominada
"confessória". Seu objetivo é o de conservar direito adquirido em propriedade alheia,
tendo por escopo o reconhecimento ou a confissão, por parte do adversário, dono do
202
prédio serviente, de que não poderá obstar a sua utilização (obrigação de não fazer,
prioritariamente). Em decorrência disso, o titular da servidão pode exercitar seu
direito, figurando como legitimado ativo, na ação proposta. Em sentido inverso, a
ação negatória busca afastar a servidão (como também o usufruto, uso e habitação),
liberando o imóvel do gravame. Enquanto a confessória tem por finalidade firmar a
existência do direito real, a negatória visa o reconhecimento (declaração) de sua
inexistência. O superficiário, dependendo da situação conflitiva, poderá figurar em
um dos pólos da relação jurídico-processual, quer ativo, quer passivo.
A ação de divisão e a de demarcação de terras, também se ajustam à tutela
da propriedade superficiária, não só na modalidade plantação, como na referente às
edificações já existentes. A demarcatória serve para obrigar os confinantes a
extremarem os respectivos prédios, fixando novos limites entre eles ou aviventando
os já apagados. A ação de divisão, por sua vez, compete aos condôminos para
obrigar os demais consortes a partilharem a coisa comum. Em ambas, o autor deve
ostentar a condição de proprietário, fator essencial a definir a pertinência subjetiva.
A nunciação de obra nova visa impedir que edificação iniciada prejudique o
prédio vizinho, suas servidões ou fins a que é destinado. Legitimado ativamente é o
proprietário do imóvel e, também, o possuidor (além do condômino e do Município).
Não é possível abstrair a legitimidade ao superficiário, se a construção estiver sujeita
a danificações em virtude de obra em imóvel vizinho.
Ajusta-se às ações reais imobiliárias a de dano infecto, ou seja, de dano
ainda, não efetivado. A ação objetiva prevenir o sossego e a garantia da propriedade
ou daqueles que nela moram. O pedido é para que o ameaçante preste caução de
203
dano infecto ou de "dano receado", que servirá de garantia à obrigação de indenizar,
se materializada a lesão.
14.3 POSSESSÓRIAS: MANUTENÇÃO, REINTEGRAÇÃO E INTERDITO
PROIBITÓRIO
Cabe explicitar as ações referentes à posse que, como visto, estão elencadas
como reais imobiliárias no artigo 95, do Código de Processo Civil. Deve-se ter
presente que a posse não vem relacionada como um direito real, mas o legislador do
processo civil, desse modo, a contemplou, ao menos para discriminação da
competência, certamente considerando sua importância na defesa patrimonial. O
Código de Processo Civil disciplina essas ações, já contempladas desde o direito
romano. São elas a manutenção de posse, para que o possuidor, nela, seja mantido
em caso de turbação e a de reintegração, para também tutelá-la, na hipótese de
esbulho, ilícito que resulta em sua perda. Já o interdito proibitório assume feição
preventiva e serve ao possuidor direto ou indireto, que tenha justo receito em ser
molestado em sua posse, a fim de que seja impedida a turbação ou esbulho
iminente.
14.4 AÇÕES REGISTRÁRIAS: INVALIDADE E CANCELAMENTO DO REGISTRO;
RETIFICAÇÃO DE ÁREA
Igualmente, interessam à propriedade superficiária e podem ser utilizadas por
seu titular, as ações reais imobiliárias referentes à retificação de área, bem como as
de invalidade do registro e de seu cancelamento. Nesse sentido, o artigo 216, da lei
204
6.015 de 31 de dezembro de 1973 (Registros Públicos), o qual prevê a retificação ou
anulação por sentença em processo contencioso ou por efeito do julgado em ação
de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre
fraude à execução. Necessário ter presente que o adquirente continua na
propriedade do imóvel, enquanto não sentenciada a invalidade do registro e
determinado o cancelamento. Tal se aplica à superfície: enquanto não anulado e
cancelado o registro da escritura pública de concessão, o superficiário terá
preservado o direito real de uso sobre o solo e o domínio pleno da construção ou
plantação. Idêntico acontecerá se alienar esses bens a um terceiro, pois o registro
desse negócio persistirá, enquanto não invalidado.
14.5 OUTRAS AÇÕES
14.5.1 Imissão na posse
Entre as ações que versam sobre posse, apesar de não enquadradas como
possessórias, estão a imissão na posse e a usucapião. A primeira referida destina-
se em investir, o adquirente de imóvel, na posse que se encontra em poder de
outrem (adispiscendae possessionis). Trata-se de ação petitória, para haver a
posse, ajuizada por aquele que não a tem. Cabível, também, que assuma a figura de
ato executivo, para a entrega, a quem tem título de domínio, da posse direta do
imóvel, ao qual não teve acesso. A ação pode ser exercitada pelo proprietário, com
suporte em escritura de compra e venda ou carta de arrematação, de adjudicação
ou de alienação, situações que se enquadram naquele que, eventualmente, queira,
205
como detentor de um desses títulos, ingressar na posse da incorporação
superficiária.
14.5.2 Usucapião
É ação fundada na posse, sem interrupção nem oposição, com ou sem título
e boa fé, e tem por meta a aquisição originária da propriedade, pelo decurso do
tempo de seu exercício. Inexiste óbice que seja da superfície, bastando que
preenchidos os requisitos necessários à pretensão. A disciplina do Código de
Processo Civil compreende as várias espécies de usucapião, como o constitucional
(artigos 183 e 191 da Constituição), a especial, da lei 6.969, de 10 de dezembro de
1981, e a coletiva, estabelecida no artigo 10, da lei 6.257, de 10 de junho de 2001,
além da regida pelo Código Civil (artigos 1.238/1.243).
14.5.3 Embargos de terceiro
Tem por objetivo livrar bem de penhora ou de qualquer outro tipo de
apreensão judicial. O artigo 1.046, do Código de Processo Civil, estatui:
Quem não sendo parte no processo sofrer turbação ou esbulho na posse de
seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora,
depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento,
inventário, partilha, poderá requerer-lhe sejam mantidos ou restituídos por
meio de embargos
Como proprietário da superfície, o superficiário está legitimado ativamente
para essa ação, que compete ao possuidor, mas, também, ao terceiro, senhor do
bem.
206
14.5.4 Ação declaratória
Não é fundamental que as ações tenham a denominação de condenatórias.
Mesmo as denominadas declaratórias, caso reconheçam a obrigação de fazer ou
não fazer, dar coisa certa ou incerta e de pagar (artigo 4°, parágrafo único, do
Código Civil), já portam comando jurisdicional suficiente à prática dos atos de
execução. Basta o reconhecimento da obrigação para que constituído o título
executivo judicial (artigo 475-N, introduzido no Código de Processo Civil pela lei
11.232, de 2005). As ações declaratórias têm por finalidade reconhecer a existência
ou a inexistência de relação jurídica e a autenticidade ou falsidade de documento.
Ajustam-se ao interesse do superficiário, que pretenda o reconhecimento da
existência de seu domínio perante o concedente, quer pessoa física ou jurídica de
direito privado, quer a administração pública, ou em face de terceiro. Certificada sua
titularidade, dependendo da casuística, tal já será o bastante para habilitá-lo a
pleitear o cumprimento da sentença).
14.5.5 Mandado de segurança
Cuida-se de remédio eficaz à preservação de direito líquido e certo,
ameaçado e violado por ato ilegal ou por abuso de poder de autoridade (lei 1.533, de
31 de dezembro de 1951). Inequivocamente, pode ser utilizado pelo superficiário,
mormente quando pública a concessão, circunstância que, eventualmente, pode
gerar práticas administrativas, por parte de autoridade, em possível detrimento do
exercício de seu direito de construir ou plantar ou, ainda, sobre a propriedade
superficiária, consoante os termos do contrato.
207
14.6 PROCESSO E MEDIDAS CAUTELARES; ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Cabe realçar que, ante o instituto da tutela de urgência, é possível a
concessão de medidas cautelares ou de antecipação do efeito da tutela (artigos 273
e 804, do Código de Processo Civil, leis 8.437/92 e 9.494/97, as últimas incidentes
em face da Fazenda Pública). Em se tratando de obrigação de fazer ou não fazer, e
de obrigação de entregar coisa, o procedimento liminar está no artigo 461, parágrafo
3º, do Código de Processo Civil. Não há mais a execução autônoma dessas
obrigações de dar, mas sim e diretamente, o cumprimento da sentença proferida.
Isso corresponde à evolução detectada desde a lei 7.347/85 - ação civil pública,
artigo 11 passando pelo Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078/90, artigo 84,
pela nova redação do artigo 461 (lei 8.952/94) e depois pelo acréscimo do artigo
461-A (lei 10.444/02). Cumpre lembrar que, para esta última alteração, foi
necessário, também, modificar o artigo 287, do Código de Processo Civil.
14.7 A TUTELA DO SOLO
Na relação superficiária não se pode descartar o proprietário do solo. A este
compete o ajuizamento das tutelas de urgência, quer sejam ações e medidas
cautelares, quer o pedido de antecipação da sentença. Assiste-lhe, também, valer-
se das ações petitórias para a defesa do solo, que é sua propriedade. Pode
exercitar, outrossim, ação reivindicatória, depois de extinto o contrato de concessão,
com o retorno, após a averbação no registro imobiliário, a seu poder, da propriedade
208
superficiária, na hipótese de persistir o concessionário na negativa de devolução do
bem (artigo 1.359, do Código Civil).
14.8 PROCEDIMENTOS
Algumas das ações que visam proteger a propriedade imobiliária são
processadas pelo procedimento ordinário (artigos 282 e segs. do Código de
Processo Civil), como a reivindicatória, a confessória, a negatória e a imissão na
posse, além da declaratória de domínio. A de usucapião (artigos 941/945), já
excluída, a algum tempo, a justificação, também, basicamente o segue. As ações
possessórias (artigos 920/933), e a de nunciação (artigos 934/940), tão apenas, em
seus primórdios é que diferem, por permitirem a concessão prévia da pretensão,
quer para manter, reintegrar ou fazer cessar a ameaça à posse e, ainda, o risco de
dano em virtude de superveniência da obra vizinha, continuando, em seguida, pelo
procedimento ordinário. A ação de divisão, como a de demarcação (artigos
946/981), possuem procedimento diferenciado, desdobrado em duas fases. É, além
disso, viável a cumulação de tais ações com pedido de ressarcimento por perdas e
danos, a elas acoplado. Quanto aos embargos de terceiro (artigos 1.046/1.054)
devem observar o procedimento cautelar (artigos 1.053 e 803). Já o mandado de
segurança tem seu rito, sumaríssimo, previsto na legislação específica (artigo 6/12,
da lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951).
209
PARTE V – TÉCNICA E FUNÇÃO
15 A SUPERFÍCIE URBANA
1 – Institutos jurídicos e políticos. A apreciação, que se segue, sobre os
espaços da cidade, não tem o propósito, primário, de analisar os conceitos e as
estruturas dos institutos delineados na lei 10.257, de 2001, mas sim, priorizar dentre
essas categorias, aquelas, contratualmente, aptas à concretização da
sustentabilidade urbana, no atinente à habitação, à atividade produtiva e à tutela
ambiental, com redução dos desníveis sociais e preocupadas em conferir padrão de
vida com um mínimo de dignidade aos centros mais carentes. São as que viabilizam
a transformação da superfície, como resultado da ação humana, sem que se
descarte as formações vegetais nativas.
O artigo 4º, do Estatuto da Cidade, posiciona tais categorias nas letras “g” e
“l”, do inciso V, respectivamente os direitos reais obtidos, por concessão ou
alienação: (a) a concessão de direito real de uso e (b) o direito de superfície. Apesar
de outros institutos jurídicos nortearem a alteração do incorporado ao solo, a tanto a
conduzem indiretamente, exigindo procedimentos complementares direcionados ao
uso, amparado por um direito real ou a uma efetiva transmissão patrimonial. Com
este perfil, podem ser alinhados: a “desapropriação” (letra a), a “instituição de
unidade de conservação” (letra e), a “instituição de zonas especiais de interesse
social” (letra f), o “parcelamento, edificação ou utilização compulsórios” (letra i), o
“direito de preempção” (letra m), a “outorga onerosa do direito de construir e de
alteração de uso” (letra n), a “transferência do direito de construir” (letra o), as
“operações urbanas consorciadas” (letra p), a “regularização fundiária” (letra q).
210
De anotar que a “usucapião especial de imóvel urbano” (letra h), não
configura transformação da superfície, mas a aquisição, de modo originário, de
imóvel urbano, individual ou coletivamente, através de procedimento especial
(artigos 9 a 14 do Estatuto). Trata-se de propriedade constituída plenamente, não
separada entre solo e o acrescido pela edificação. O mesmo se diga no tocante à
concessão de uso especial para fins de moradia, direito a ser reconhecido àquele
que preenche os requisitos de lei (artigo 242, do Plano Diretor), tendo como
funcionalidade a regularização fundiária. Essa concessão abrange, por sua
estrutura, um imóvel já ocupado pelo concessionário e o acertamento se dá pela
expedição de título administrativo ou sentença judicial, possibilitando em uma ou
outra vertente, um registro imobiliário específico.
As demais figuras nominadas no artigo 4º (letras “b”, “c”, “d”, “r” e “s”)
guardam caráter, eminentemente, administrativo, voltadas a atos e práticas de
planejamento e, inclusive, à gestão democrática da cidade. Apesar de incontrastável
importância não guardam interesse específico ao estado da operacionalidade
jurídica do incorporado ao solo
Antes do exame dos institutos que direta ou indiretamente instrumentalizam a
conformação da superfície e sua utilização comunitária, impõe-se rápida observação
sobre o sistema normativo que lhes dá suporte.
2 – Complexo constitucional e infraconstitucional. Consoante o artigo 182, da
Carta de 1988
220
, a política de desenvolvimento urbano objetiva ordenar a plena
220
Artigo 182 da Constituição da República: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo
poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O
plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A
propriedade urbana cumpre sua função social, quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos
serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público
211
eficiência das funções sociais e garantir o bem estar da população. O propósito é a
superfície urbana e sua transformação, almejando uma cidade sustentável, que o
inciso I, do artigo 2º, da lei 10.257/01, Estatuto da Cidade, expressa como sendo
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-
estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer, para as presentes e futuras gerações.
Toda essa programação, que tem como suporte básico a realização de
empreendimentos estatais e o incentivo à iniciativa privada, está sob o poder do
Município, segundo diretrizes fixadas em lei, principalmente no plano diretor
estratégico
221
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes. Alinha-se
essa programação, ao inciso VIII, do artigo 30, da Constituição Federal, ao assinalar
que compete à Municipalidade
promover no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano.
A atuação do Município harmoniza-se com as dos demais entes federativos,
legislando de modo a complementar e suplementar as normas de caráter geral, por
eles, editadas, em obediência à estrutura constitucional de competências. Nessa
ordem, cabe à União fixar “diretrizes para um desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes” (artigos 21, inciso XX, 24, parágrafos
1º e 2º e 30, inciso II, da Constituição); e aos Estados é facultado, por lei
complementar,
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova
seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação
compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III -
desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente
aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais
e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.
221
Tornar-se-á como referência o plano diretor do Município de São Paulo, lei 13.430, de 13 de
setembro de 2002.
212
instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e micro regiões,
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a
organização, planejamento e a execução de funções públicas de interesse
comum
222
Na esfera infraconstitucional, o artigo 3º, do Estatuto da Cidade, anota, dentre
as atribuições de interesse da União no referente à política urbana, as de legislar
sobre normas gerais e direito urbanístico, além de dispor sobre a cooperação com
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o livre
desenvolvimento e o bem estar, no âmbito nacional. A implementação material
dessa política ficou, como não poderia deixar de ser, a cargo do Município, em razão
de seu peculiar interesse (artigo 30, inciso I). O peculiar interesse é que centraliza,
dita e orienta as políticas urbanas sobre os terrenos e as superfícies, neles
implantados.
Embora a terminologia legal se valha do termo “solo”, o que é tratado, na
realidade, é a “superfície”, considerado tudo aquilo que se eleva do chão. Todas as
diretrizes de racionalização urbana direcionam-se, primordialmente, ao que se vai
construir ou plantar ou construído ou plantado, que constituem os valores úteis a
reclamarem regulamentação.
222
artigo 25, parágrafo 3º, da Carta Política
213
O espaço urbano, ademais, não é ocupado, unicamente, por edificações e
vias públicas. Existem as áreas verdes, de lazer e de preservação ambiental, além,
inclusive, da florestal. Não se pode descartar a atividade de produção agrícola, quer
através do uso dos terrenos públicos, quer dos particulares, que, não utilizados ou
subutilizados, poderão ser aproveitados, visando a implantação de programas de
agricultura urbana
223
. Em qualquer desses ângulos, a plantação existente ou a ser
efetuada em solo urbano, poderá ser objeto de concessão de uso ou do direito de
superfície.
3 - Controle do solo e da superfície. O inciso VI, do artigo 2º, do Estatuto da
Cidade, posiciona a ordenação e controle do uso do solo de modo negativo, isto é,
indicando o que deve ser evitado e coibido. Na inflexão inversa, afirmativa, é de se
considerar que a ordenação e o controle da superfície configuram: (a) utilização
adequada dos imóveis urbanos, (b) usos compatíveis ou convenientes, (c)
parcelamento do solo, edificação ou uso equilibrado da infra-estrutura urbana, (d)
aproveitamento do imóvel, vedada a retenção especulativa, que resulte em sua
subutilização (coeficiente de aproveitamento inferior ao mínimo obtido na relação
entre a área edificada, excluída a área não computável, e a área do lote: artigo 146,
da lei municipal 13.430/02) ou sua não utilização, (e) recuperação de áreas urbanas
223
A lei Municipal 13.430, de 13 de setembro de 2002, Plano Diretor do Município de São Paulo do
seguinte modo: Artigo 51 – São objetivos da Agricultura Urbana: I – estimular a cessão de uso dos
terrenos particulares para o desenvolvimento, em parceria, de programas de combate à fome e à
exclusão social, por meio da agricultura urbana; II – aproveitar os terrenos públicos não utilizados
ou subutilizados, em programas de agricultura urbana de combate à exclusão social. Parágrafo
único – A utilização de imóvel da forma prevista no “caput” deste artigo não o isenta da aplicação
dos instrumentos indutores da função social da propriedade previstos neste plano, em especial os
instrumentos previstos nos artigos 199, 200, 201, 202 e 203 desta lei. Artigo 52 – São diretrizes da
Agricultura Urbana: I – o desenvolvimento de políticas que visem o estímulo ao uso dos terrenos
particulares com o objetivo de combate à fome e à exclusão social, por meio de atividades de
produção agrícola urbana; II – o desenvolvimento de política de aproveitamento dos terrenos
públicos não utilizados ou subutilizados visando à implantação de programas de agricultura urbana
que tenham como objeto o combate à fome e à exclusão social e incentivo à organização
associativa. Artigo 53 – São ações estratégicas da Agricultura Urbana: I – fomentar práticas de
atividades produtivas solidárias e associativas; II – criar mecanismos de possibilitem a
implementação de programas de agricultura urbana, na forma da lei.
214
deterioradas, (f) regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda (inciso XIV, do artigo 2º).
Em suma, o legislador pretende desestimular o solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado, promovendo, o adequado aproveitamento (artigo 182,
da Constituição da República, parágrafo 4º; artigo 5º, da lei 10.257/01 e artigo 13, da
lei municipal 13.430/02). O proprietário, que descumpra a obrigação de fazer,
necessária à exata correspondência do imóvel às regras do desenvolvimento
urbano, estará sujeito ao parcelamento ou edificação compulsórios, ao imposto
predial e territorial urbano progressivo no tempo e, caso inócuas tais diligências, à
desapropriação de seu imóvel, mediante pagamento em títulos da dívida pública. As
duas primeiras sanções não resultam, necessariamente, na perda da propriedade,
mas a desapropriação sim. No entanto, somente após a incorporação do bem ao
patrimônio público é que será possível o aproveitamento pela própria Municipalidade
ou por concessão ou alienação a terceiros (artigo 8º, parágrafo 5º, do Estatuto).
Em vertente diversa, o Poder Público Municipal, atendendo a requerimento do
proprietário da área, poderá formar consórcio imobiliário, a fim de viabilizar planos
de urbanização ou construção. Por esse mecanismo, por primeiro, o titular do
domínio deverá transferir à Prefeitura seu imóvel, para, em um segundo momento,
em contraprestação, após a realização das obras, receber, a título de pagamento,
unidade ou unidades imobiliárias no valor correspondente ao imóvel, antes das
edificações, que o regularizaram (artigo 46, do Estatuto da Cidade).
4 – Direito de preempção. À Municipalidade é facultado adquirir prédio
urbano, objeto de alienação entre particulares (artigo 25). A medida se justifica na
programação urbanística, ante a necessidade de espaços públicos à regularização
215
fundiária, execução de programas e projetos habitacionais de interesse social,
constituição de reserva fundiária, ordenamento e direcionamento da expansão
urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços
públicos de lazer e áreas verdes, criação de unidades de conservação ou proteção
de outras áreas de interesse ambiental e proteção de áreas de interesse histórico,
cultural ou paisagístico (artigo 26). Previamente, lei municipal limitará as áreas de
incidência do direito de preempção (parágrafo 1º, do artigo 25), vinculando os
imóveis, nelas situados, quando colocados à venda, a necessariamente, serem
oferecidos ao Município, que terá preferência para aquisição pelo prazo de cinco
anos. Em havendo terceiros interessados na compra, o proprietário deverá
comunicar, de imediato ao órgão competente, a intenção de vendê-lo. A notificação
junge o Município a, no prazo de trinta dias, expressar o propósito de exercer o
direito de preferência. Permanecendo inerte, o proprietário estará liberado para
alienar o imóvel (artigos 204/207, da lei municipal 13.430/02).
5 – Outorga onerosa do direito de construir e permissão de alteração do uso
do solo. A superfície desempenha papel urbanístico importante ao possibilitar a
operacionalidade do denominado “solo criado”, como disciplina o Estatuto da Cidade
sob o título “da outorga onerosa do direito de construir” (artigo 28). Consiste em fixar
áreas, nas quais a edificação poderá ser exercida acima do coeficiente de
aproveitamento básico (artigos 209/216, do Plano Diretor). Esse fenômeno, ou seja,
o potencial construtivo adicional, ocorre com o aumento de espaços edificáveis,
possibilitando, destarte, maior densidade de ocupação. A construção poderá ser
executada em volume mais amplo do que o previsto anteriormente, fator atrativo,
inclusive, à concessão do direito de superfície. Porém, é certo que o proprietário,
216
pelo excesso, deverá manejar à comunidade áreas equivalentes ao solo criado ou o
proporcional em recursos financeiros.
O Estatuto da Cidade, na seqüência, prevê que, em áreas determinadas,
poderá ser permitida a alteração de uso do solo, a redundar em incorporação com
dimensionamento não autorizado para aquele espaço (artigo 29). Também, nesta
hipótese, a concessão do direito de construir se viabiliza, juridicamente, através da
propriedade superficiária, afora o interesse ínsito na vantagem propiciada pelo
negócio jurídico.
6 – Da transferência do direito de construir. Quando determinado imóvel,
público ou privado, for considerado necessário, para fins de implantação de
equipamentos urbanos e comunitários, de preservação de interesse histórico,
ambiental, paisagístico, social ou cultural ou, ainda, apropriado a programas de
regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas e com população de baixa
renda e habitação de interesse social, o proprietário (que inclusive o tenha doado
para esses fins), estará autorizado a exercer o direito de construir em outro local ou
alienar esse direito mediante escritura pública (artigo 35, da lei 10.257/01).
Essa norma flexibiliza a superfície construtiva, podendo o proprietário optar
em edificar em local diverso, porque o terreno, sobre o qual tem o domínio, não o
permite, ou, ainda, em conceder o direito de construir. Nesta última hipótese é
possível a constituição da propriedade superficiária, permanecendo o cedente como
proprietário do terreno. Pelo que se depreende do texto legal, o proprietário não é
despojado do solo pela atuação municipal, tanto que fala unicamente em alienação
(seria melhor, concessão) do direito de construir.
217
7 – Operações urbanas consorciadas – Compreendem o conjunto de
intervenções e medidas ordenadas pelo Poder Público Municipal, objetivando
alcançar determinada área com transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e valorização ambiental. É o que está disposto no artigo 32, parágrafo 1º, da
lei 10.257, de 2001. Do empreendimento poderão participar proprietários,
moradores, usuários permanentes e investidores privados. No essencial, nas
operações urbanas consorciadas são permitidas a modificação de índices e de
características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como a
regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo
com a legislação vigente (parágrafo 2º, do artigo 32, incisos I e II). No que interessa
à superfície, da lei específica sobre a operação urbana consorciada, deverá constar
o plano de sua execução, contendo a definição da área a ser atingida e o programa
básico de ocupação.
O artigo 34 prevê a emissão pelo Município de quantidade determinada de
certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou
utilizados, diretamente, no pagamento das obras necessárias à própria operação.
Tais certificados constituem a moeda de troca da operação consorciada e, embora
possam ser livremente negociados, são conversíveis, unicamente, em direito de
construir na área objeto da transação. Serão utilizados no pagamento daquilo que
supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o
limite fixado na lei específica.
8 - Institutos hábeis à efetividade da ordenação urbana. Além das atuações
administrativas próprias do poder de polícia, constantes do artigo 4º do Estatuto da
Cidade, pode-se extrair como aptos a alcançar esse fim, a concessão de direito real
de uso e o direito real de superfície. Como anteriormente analisado, a concessão de
218
direito de uso, embora direito real, o é sobre coisa alheia, ou seja, de forma limitada,
porque a construção ou plantação não se transmite ao construtor ou ao plantador,
diferentemente o que ocorre com o direito real de superfície.
Assim é que o Estatuto da Cidade prevê a concessão de direito real de uso de
imóveis públicos em seu artigo 48, nos casos de programas de projetos
habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da
administração pública, que poderão, inclusive, ser contratados coletivamente. Ainda
vem expresso que esses contratos não estão sujeitos ao inciso II, do artigo 134, do
Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 108 do Código Civil de 2002,
dispensada a escritura pública. Além disso, tais contratos de concessão, constituirão
título de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamento
habitacional.
A concessão de uso de terrenos públicos ou particulares tem sua
funcionalidade básica no decreto lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, cujo artigo 7º,
alterado pela lei 11.481, de 2007, especificamente se destina à regularização
fundiária de interesse social, à urbanização, à industrialização, à edificação, ao
cultivo da terra, ao aproveitamento sustentável das várzeas, à preservação das
comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de
direito social em áreas urbanas.
O aumento do leque de serviços, a serem viabilizados através da concessão
de uso, enfatizado, principalmente, o viés social, revela o intuito, do legislador, em
valorizar esse instrumento. Disso não decorre que a propriedade superficiária
também não possa ser incrementada. Ambos os institutos são hábeis aos
impreendimentos empresariais, aos programas habitacionais, bem como à
219
regularização fundiária de interesse social, atuação, conforme o parágrafo 1º, do
artigo 18-A, incluído no decreto-lei 9.760, de 5 de setembro de 1946, pela lei 11.481,
de 2007, destinada a atender famílias com renda mensal não superior a cinco
salários mínimos, ou seja, a população mais carente de casas populares e de obras
urbanas estruturais, que eventualmente não se enquadre nas exigências da
concessão de uso especial para moradia. Quanto à semeadura própria da
agricultura, ao procedimento para tornar operacionalizáveis as várzeas, bem como
tutelar a subsistência de comunidades tradicionais, os dois mecanismos se
apresentam aptos, cabendo à seletividade político-administrativa priorizar e
incentivar suas aplicações de modo efetivo.
Insere-se, nessa senha, do amplo espectro do artigo 7º do decreto lei 271, de
1967, a modalidade de concessão denominada “urbanística”, prevista no Plano
Diretor do Município de São Paulo, artigo 239. Mediante licitação, o Poder Público
fica autorizado a delegar a uma empresa ou a um conjunto de empresas, em
consórcio, a realização de obras de urbanização ou de reurbanização de região da
cidade, inclusive loteamento, reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação
de um conjunto de edificações, para implementação de diretrizes do plano diretor
estratégico. Todo o empreendimento corre por conta e risco da empresa
concessionária, a qual ficará responsável pelas indenizações em decorrência das
desapropriações e da aquisição dos imóveis necessários. Inclusive, responde pelo
pagamento do preço do imóvel, obtido no exercício do direito de preempção da
Prefeitura ou pelo recebimento de imóveis, que forem doados por seus proprietários,
para viabilização financeira de seu aproveitamento. Cabe-lhe, ainda, a elaboração
dos respectivos projetos básico e executivo, além do gerenciamento e da execução
das obras, alvo da concessão urbanística. Sua remuneração será proveniente da
220
exploração dos terrenos e edificações destinados a usos privados, que resultarem
da obra realizada e da renda derivada da exploração de espaços públicos, nos
termos estabelecidos no edital de licitação e no contrato. Verifica-se que este tipo de
concessão muito se aproxima da propriedade superficiária, dado o extenso campo
de atuação outorgado ao empresário. Reflete, ademais, a importância da realidade
física a ser transformada, visando a melhoria da estrutura urbana.
Quanto ao direito de superfície não se lhe pode negar a condição de
instrumental estratégico à política urbana, tanto que vem disciplinado no Estatuto da
Cidade. Seu exercício se mostra hábil, sempre, que a Municipalidade adquire imóvel
urbano, como será viável através do exercício do direito de preempção. As áreas
públicas (bens dominicais e, inclusive, terras devolutas), poderão ser concedidas ou
alienadas como direito real de superfície, através de contratos administrativos,
regulamentado o que deve ser objeto de atuação pelo superficiário e a destinação
específica do imóvel.
Idêntico poderá ocorrer no consórcio imobiliário, pois ao Município não é
vedado conceder o direito de construir, no imóvel transmitido pelo proprietário, por
faltar a este último condições de utilizá-lo ou estar subutilizando-o. Se já existente a
construção nada obsta a alienação da superfície, constituído o direito real por cisão.
Após a realização da obra, ajustado o imóvel às exigências administrativas, ao
proprietário superficiário caberá entregar ao dominus soli as unidades imobiliárias
que correspondam ao valor do imóvel, precedente às edificações.
A flexibilização da propriedade superficiária na amplitude da valoração do
imóvel, é de ser notada no “solo criado”, fenômeno que bem distingue o solo da
superfície, pressupondo as duas propriedades. E a alteração do uso do solo,
221
igualmente, vem em benefício de seu proprietário, o que poderá conceder ou alienar
esse direito, com vantagem, ao superficiário, que, de seu lado, também se
beneficiará do aproveitamento econômico, que a utilização construtiva ampliada lhe
propiciará.
Na transferência do direito de construir, por sua vez, a dissociação dos dois
domínios fica bem delimitada. Consiste na concessão, pelo titular do solo a outrem,
para que exercite em local diverso, o direito de construir. Concretizado esse direiro,
passa a superfície a ter existência.
Quanto às operações urbanas consorciadas, dada a complexidade das
atuações do Poder Público e dos particulares, pessoas jurídicas e físicas, não é
possível dispensar a superfície como um bem passível de transação, mesmo porque
os certificados de potencial adicional são conversíveis em direito de construir. Vê-se
a separação entre o solo e aquilo que a ele utilmente pode ser incorporado.
E apesar do artigo 4º, parágrafo 2º, do Estatuto, referir-se à concessão de
direito real de uso de imóveis públicos, para instrumentalizar os programas e
projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos pela Administração, tal não
exclui o direito de superfície. É o que se depreende do parágrafo único, do artigo
247, da lei municipal 13.430, Plano Diretor, do qual consta a utilização onerosa, pelo
Município, do direito de superfície, também em imóveis integrantes dos bens
dominiais do patrimônio público, destinados à implementação das diretrizes de
sustenção e desenvolvimento urbanos.
9 – Superfície urbana: direito público e direito privado. Afora o perfil de direito
público conferido à superfície (e ao solo) no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor,
no âmbito dos negócios jurídicos de direito privado, veiculando imóveis urbanos,
222
esse direito real se apresenta um instituto adequado. Por seu intermédio, como
enfatizado, poderá ser viabilizada a edificação de uma residência, de uma indústria
ou de uma casa comercial de pequeno, médio ou grande porte, além, caso já
existente a construção, propiciar sua manutenção, reforma ou reconstrução. Supre a
inação do proprietário do solo e possibilita, a agregação de um valor econômico,
com repercussão no espaço urbano. No complexo urbano apresenta-se como um
instituto flexível, permitindo que operacionalizado pelo proprietário, na busca de
evitar o parcelamento do solo ou que não possa utilizar ou o faça, com
aproveitamento inferior ao previsto no Plano Diretor, por escassos os meios
financeiros a seu dispor. A concessão a outrem, que reúna condições para integrar o
bem às exigências da urbanização, conferirá situação favorável. Desnecessário será
desfazer-se do domínio sobre o solo, e, ao mesmo tempo, com a construção
implementada pelo superficiário (ou manutenção adequada da existente), estarão
preenchidas as posturas municipais, além do que receberá o preço atinente à
transação, podendo, ainda, futuramente, ter a propriedade unificada, observados os
termos contratuais. Mesmo que seu imóvel esteja em vias de desapropriação, já
vencidos os trâmites e prazos das sanções, mas enquanto detiver o domínio, será
possível a concessão para edificar ou a alienação da já realizada.
224
224
Melhim Namem CHALHUB, ob. cit. p. 88. “Assim, o proprietário de terreno beneficiado com a
instalação de infra-estrutura, que não queira ou não possa construir, teria na concessão do direito
de superfície um instrumento para evitar a perda do imóvel por venda forçada. Tal mecanismo
poderia abrir perspectiva para a conciliação dos interesses privados e da função social da
propriedade, uma vez que, preservando o direito de propriedade, poderia propiciar o efetivo uso de
terrenos vagos”.
223
16 A SUPERFÍCIE RURAL
O objetivo constitucional
225
ao regulamentar a política agrária é a
disponibilidade de terras públicas e devolutas, direcionadas ao cultivo e à produção,
concomitantemente, com a finalidade de fixar os trabalhadores rurais à terra,
ofertando-lhes condições dignas de existência. Esse o desígnio do artigo 17, do
Estatuto da Terra ao dispor:
O acesso à propriedade rural será promovido mediante a distribuição ou a
redistribuição de terras, pela execução de qualquer das seguintes medidas:
a) desapropriação por interesse social; b) doação; c) compra e venda; d)
arrecadação dos bens vagos; e) reversão à posse do Poder Público de
terras de sua propriedade, indevidamente ocupadas e exploradas, a
qualquer título, por terceiros; f) herança ou legado.
Dessa enumeração, a desapropriação por interesse social, a arrecadação de
bens vagos e a reversão à posse do Poder Público são medidas-meio à liberação de
terras, que passariam, então, a ser aptas à reforma agrária. Já a doação, a compra e
venda e a herança ou o legado, são mecanismos que resultam no efetivo e concreto
acesso a terra. Em tais casos - liberalidade, alienação e sucessão, legítima ou
testamentária - o donatário, o comprador e o herdeiro assumem o domínio pleno da
área. Outras situações jurídicas, no entanto, não atribuem domínio, porém, apesar
225
O artigo 187 da Constituição Federal afirma que a política agrícola “será planejada e executada na
forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e
trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de
transportes, levando em conta, especialmente: I – os instrumentos creditícios e fiscais; II – os
preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III – o incentivo à
pesquisa e à tecnologia; IV – a assistência técnica e extensão rural; V – o seguro agrícola; VI – o
cooperativismo; VII – a eletrificação rural e irrigação; VIII – a habitação para o trabalhador rural”.
Deflui do texto constitucional que a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada
com a política agrícola (artigo 188) e que a alienação ou a concessão a qualquer título, de terras
públicas com área superior a 2.500 hectares a pessoa física ou jurídica, mesmo que por interposta
a pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional (parágrafo 1º), salvo se para fins
de reforma agrária (parágrafo 2º). Por fim, é de se registrar o artigo 189: “Os beneficiários da
distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de
uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de
uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos
termos e condições previstos em lei”.
224
da limitação obrigacional, veiculam o acesso à propriedade agrícola do interessado.
Assim, vários instrumentos são hábeis para o uso ou a posse temporária da terra,
como o arrendamento rural e a parceria agrícola; some-se a concessão real de uso,
temporário ou não, nos moldes do artigo 7º, do decreto lei 271/67, e a concessão
especial de uso para fins de moradia, consoante o artigo 22-A, da lei 9.636, de 15 de
maio de 1998, conforme alteração e acréscimo decorrentes da lei 11.481/07.
O contrato de arrendamento rural é aquele em que o proprietário transfere e
assegura ao arrendatário, mediante certa retribuição, o uso e o gozo de uma coisa
imóvel. Embora, na essência, se identifique com a locação, no objeto, o
arrendamento abarca a superfície rústica ou os prédios não urbanos, enquanto a
locação é voltada aos edifícios do complexo de uma cidade e às coisas móveis. Os
artigos 96 e 96-A, da lei 4.504/64, modificados pela lei 11.443/07 e pela medida
provisória 2.183-56, de 24.8.01, estabelecem que os prazos de arrendamento
terminarão sempre depois de ultimada a colheita e, caso celebrado por tempo
indeterminado, presume-se feito no prazo mínimo de três anos.
O artigo 96, do Estatuto da Terra, rege a parceria agrícola. Esse contrato
medeia entre o arrendamento e a sociedade. A terra a ser cultivada ou cuja cultura
vegetal é de ser mantida, fica na posse do parceiro arrendatário, o qual não se
vincula a um valor certo de retribuição, assistindo-lhe, na proporção prevista na
avença, a obrigação de transferir parte dos lucros auferidos ao parceiro arrendante.
O prazo contratual poderá ser por tempo determinado ou não, e nesta última
hipótese (prazo indeterminado), terá o mínimo de três anos. Fica assegurado,
porém, ao parceiro, o direito à conclusão da colheita pendente. A este cabe o uso
específico do imóvel, no todo ou em parte, com ou sem benfeitorias, para, nele,
exercer atividade de exploração agrícola. A partilha dos frutos, produtos ou lucros
225
havidos observará os ditames contratuais mas, há limites percentuais prefixados à
cota do proprietário (inciso VI, do artigo 96).
A concessão real de uso, além de instituída aos terrenos particulares, também
o é para os públicos (artigo 7º, do decreto lei 271/67), por tempo certo ou
indeterminado, como direito real resolúvel e, no que interessa à superfície agrícola,
para fins específicos de regularização fundiária, cultivo da terra e aproveitamento
sustentável das várzeas. De seu lado, a concessão de uso especial de moradia,
aplica-se às áreas públicas da União conferidas a possuidores ou ocupantes que
preencham os requisitos normativos estatuídos no artigo 1º, da medida provisória nº
2.220, de 04 de setembro de 2001, desde que a posse seja ininterrupta, sem
oposição, por cinco anos e tendo como data limite 30 de junho de 2001. Ainda,
conforme o artigo 1º da medida provisória, a concessão estaria limitada a imóvel
público situado em área urbana. Contudo, o texto do artigo 22-A permite
interpretação mais ampla ao mencionar a incidência sobre “as áreas de propriedade
da União, inclusive os terrenos de marinha e acrescidos”, podendo, assim, alcançar
imóveis rurais.
É de ser ressaltado, ainda, o artigo 18, da lei 8.629 de 25 de fevereiro de
1993, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à
reforma agrária. Disciplina, esse dispositivo, a distribuição de imóveis rurais, a se
realizar através de título de domínio ou de contrato de concessão de uso, regulado,
em linhas gerais, em seu parágrafo 2º.
Todos esses instrumentos têm por finalidade a exploração da superfície
agrícola rural. E o termo superfície é adequado, por significar, como já ressaltado,
tudo aquilo, em termos de vegetação, que se eleva do solo, abrangendo a plantação
226
e as formações naturais, como as florestas. A terra é fator preponderante à
produção, sobre ela, auferida com o cultivo e, assim, obter a incorporação de
valores, econômicos e financeiros. Pode-se constatar, pelo rol de todos esses
contratos - arrendamento rural, parceria agrícola concessão de uso para fins de
moradia e concessão de uso os dois últimos veiculando obrigações reais, - que,
neles, o que importa é que haja a superfície, que, no caso, é a produção agrícola e
desde a semeadura, além da reserva florestal. Nos mencionados ajustes, porém, a
coisa superficiária, plantação e construções rurais não se transferem àquele que
trabalhando a terra, a tornou produtiva, permanecendo no domínio do proprietário do
solo.
Nada obsta, mesmo porque se trata de instituto em plena vigência, que o
direito real de superfície seja adotado com relação à propriedade agrícola. Desse
modo, por prazo determinado ou não, as plantações seriam de propriedade
exclusiva do superficiário, o que poderia instigar, psicologicamente, à obtenção de
maiores e melhores proveitos da exploração da terra.
Em outros países, a propriedade superficiária da vegetação vem arraigada em
práticas de muito tempo e, com freqüência, acolhidas no ordenamento específico.
Em Portugal menciona-se a colônia, de origem consuetudinária, e desenvolvida na
ilha da Madeira, exclusivamente. Luiz da Cunha Gonçalves, a esse fenômeno se
refere como “contrato de colônia”, nos seguintes termos:
Na ilha da Madeira, a propriedade é, de longa data, explorada pelo sistema
chamado contrato de colônia, em virtude do qual o colono faz em prédio
alheio benfeitorias rústicas e urbanas, de que fica sendo exclusivo
proprietário e que pode, por isso, hipotecar e vender sem oposição do
proprietário do solo. O direito do colono é um verdadeiro direito de
superfície
226
.
226
Luiz da Cunha GONÇALVES, ob. cit., p. 418.
227
José de Oliveira Ascensão arremata, salientando a analogia entre os dois
institutos, colônia e direito de superfície:
O proprietário do solo concede então ao colono a exploração da terra, em
troca duma renda, a demídia, que atinge metade de vários produtos
agrícolas. Todavia, como é necessário interessar e recompensar o colono,
que torna a terra apta para cultura, estabelece-se que a propriedade das
benfeitorias que o colono realizar no solo lhe pertence
227
.
O Código Civil português, de 1867, embora não regulasse o direito de
superfície, pontualmente, reconhecia situação que o contemplava, em seu artigo
2.308. Desse modo, ao estabelecer que as árvores plantadas em terra alheia
permaneciam, por prazo não excedente a trinta anos, na propriedade de quem as
plantou, induvidosamente, suspendeu a incidência da acessão, caracterizando um
domínio superficiário
228.
A experiência marcante, entretanto, está na atual legislação da Argentina, ao
incluir, pela lei 25.509, de 11 de dezembro de 2001, o direito de superfície no rol dos
direitos reais do artigo 2.503, do Código Civil, e disciplinar o direito de superfície em
imóvel rústico e, unicamente, abrangendo florestas ou silviculturas, com o evidente
propósito de proteger o meio ambiente e preservar o equilíbrio ecológico. O artigo 1º,
dispõe sobre a criação do direito real de superfície florestal e o artigo 2º, assinala
tratar-se de direito real autônomo sobre coisa própria, temporário, que outorga o
uso, o gozo e a disposição jurídica da superfície de um imóvel alheio, com a
faculdade de realizar reflorestamento ou silvicultura e fazer próprio o que for
plantado ou adquirir a propriedade de plantações já existentes, podendo gravá-las
com direito real de garantia
229
.
227
José de Oliveira ASCENSÃO, ob. cit. p. 149.
228
Luiz da Cunha GONÇALVES, ob. cit. p. 407.
229
Lei 25.509/01 da República da Argentina: 1. Créase el derecho real de superfície forestal,
constituído a favor de terceiros, por los titulares de domínio o condomínio sobre um inmueble
228
O ordenamento brasileiro não traz normas específicas ao direito de superfície
vegetal e mais especificamente com referência às florestas e ao reflorestamento.
Nem os textos que tratam do Estatuto da Terra e da reforma agrária, já examinados,
nem o Código Florestal, lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, amplamente
modificada pela medida provisória 2.166-67, de 2001, prevêem essa figura. Todavia
é inegável sua aplicação jurídica às plantações, naturais ou artificiais, bastando,
para tanto, a regência específica às terras urbanas e rurais, que deflui do Estatuto
da Cidade e do Código Civil de 2002. Esse instrumental é apto e eficiente à tutela de
tais valores, tanto no que respeita ao cultivo, como ao meio ambiente, a par de
outros contratos que versam sobre a superfície.
susceptible de forestación o silvicultura , de conformidad al régimen previsto em la Lay de
Inversiones para Bosques Cultivados, y a lo estabelecido em la presente ley. 2. El derecho real de
superfície forestal es um derecho real autônomo sobre cosa propia temporario, que otorga el uso,
goce y disposición jurídica de la superfície de um unmueble ajeno com la facultad de realizar
forestación o silvicultura y hacer própio lo plantado o adquirir la propiedad de plantaciones ya
existentes, pudiendo gravaria com derecho real de garantia.
229
17 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO REAL DE
SUPERFÍCIE
O direito de propriedade na Constituição Política do Império do Brasil, artigo
179, 22, estava garantido “em toda a sua plenitude”, somente, podendo o cidadão
ser, dele, destituído pela desapropriação. Com uma pequena nuance essa
orientação vem repetida na Constituição, de 1891, artigo 72, parágrafo 17. A de
1934, artigo 113, nº 17, assegurou que o direito de propriedade não poderia ser
exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma da lei. A de 1937, artigo 122,
nº 14, mais restrita, conserva o direito de propriedade, exceto em caso de
desapropriação. O artigo 141, parágrafo 16, da Constituição, de 1946, manteve a
tutela do direito de propriedade, salvo na hipótese de desapropriação, por
necessidade ou utilidade pública e interesse social. Nesse mesmo sentido, o
parágrafo 22, da Carta Política, de 1967, e o artigo 153, da Emenda Constitucional
nº 1, de 1969. Entretanto neste último texto constitucional, o inciso III, do artigo 160,
assinala que a propriedade deve estar voltada ao atingimento de uma função
social
230
.
Após garantir o direito de propriedade, sem adjetivação, no inciso seguinte do
artigo 5º, a Constituição vigente, de 1988, ressalta que a propriedade atenderá à sua
função social (incisos XXII e XXIII), o que está reafirmado no artigo 170, incisos II e
III, como um princípio geral da atividade econômica. A função social passa, então, a
integrar o conceito de propriedade. Exige do proprietário, não só um comportamento
negativo, de não fazer, como aliás, pontuado na Constituição de 1934, mas uma
230
Pontes de MIRANDA, Comentários à Constituição de 1967: artigo 150, parágrafo 2º, até 156. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 363.
230
conduta positiva, de fazer. Compete-lhe o interesse em adequar a propriedade ao
conjunto social, usando-a, organizando-a e ordenando-a de forma útil à comunidade.
O sentimento do social, na propriedade, mais se intensifica quanto aos meios de
produção empresarial, na cidade e no campo, como diretriz básica da atividade
econômica. A função social qualifica e justifica a propriedade, pública e privada.
Nesta linha, o artigo 182, parágrafo 2º, da Constituição, realça que a
propriedade urbana cumpre sua função social
, quando atende as exigências de
ordenação das cidades previstas no plano diretor, o que vem reiterado no artigo 39,
da lei 10.257/01. O plano diretor estabelece, no artigo 11, que a propriedade urbana
cumpre sua função social
ao satisfazer as necessidades dos cidadãos, no tocante à
qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal aos direitos sociais e ao
desenvolvimento econômico, bem como à compatibilidade do uso da propriedade (a)
com a infra-estrutura, equipamentos e serviços públicos disponíveis, (b) com a
preservação da qualidade do ambiente urbano e natural e (c) com a segurança, bem
estar e a saúde de seus usuários e vizinhos. E no que respeita às exigências
fundamentais, a que deve subordinar-se a função social da propriedade urbana, vale
explicitar a intensificação da ocupação do solo, condicionada à ampliação da
capacidade de infra-estrutura, à recuperação de áreas degradadas e deterioradas,
visando a melhoria do meio ambiente e das condições de habitabilidade e o acesso
à moradia digna, com a ampliação da oferta de habitação para as faixas de renda
média e baixa. Em tal perspectiva, afrontam o método e a finalidade da função
social, os terrenos ou glebas totalmente desocupados e onde o coeficiente de
aproveitamento mínimo não tenha sido atingido (artigo 13, da lei municipal 3.430, de
13 de setembro de 2002). A inação do proprietário conduz às sanções previstas no
parágrafo 4º, do artigo 182, da Constituição: ao parcelamento ou edificação
231
compulsórios, ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbano progressivo
no tempo (artigo 156, parágrafo 1º) e à desapropriação, com pagamento mediante
títulos da dívida pública
231
.
Idêntico espírito orienta a política agrícola. O artigo 186, da Constituição
especifica:
A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em
lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II –
utilização dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de
trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
Essa norma vem reproduzida no artigo 9º, da lei 8.629, de 25 de fevereiro de
1993, que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. O
descumprimento da função social, autoriza a União a desapropriar o imóvel por
interesse social, para fins de reforma agrária, nos termos do artigo 184, igualmente
da Carta Política (artigo 2º, da lei 8629/93). E o artigo 18, do Estatuto da Terra
fornece o objetivo da desapropriação por interesse social:
a) condicionar o uso da terra à sua função social; b) promover a justa e
adequada distribuição da propriedade; c) obrigar a exploração racional da
terra; d) permitir a recuperação social e econômica de regiões; e) estimular
pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica;
f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais;
g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural; h) facultar a
criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais,
a fim de preservá-los de atividades predatórias.
O direito privado brasileiro não se afasta da linha constitucional. O artigo
1.228, do Código Civil de 2002, após, no “caput”, firmar os poderes e atributos da
propriedade, nos parágrafos seguintes os relativiza, vinculando o exercício às
231 - Interessante proposta formulada por Marise Pessoa Cavalcanti – Superfície Compulsória -
Instrumento de efetivação da função social da propriedade, Renovar, Rio de Janeiro-São Paulo,
2002, pp. 80/81 - a implicar em alteração constitucional com referência aos artigos 142, parágrafo
4º e 184 da Carta Política. A primeira modificação consistiria na reorganização da ordem de
sanções estabelecidas no artigo 142, parágrafo 4º, com a inserção da superfície compulsória na
área urbana; a segunda diria respeito a colocação da superfície compulsória como etapa anterior a
desapropriação sempre observada a ordem de menor onerosidade ao proprietário do imóvel.
232
finalidades econômicas e sociais. A propriedade deve ser utilizada “de modo que
sejam preservadas a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
Proíbe, na seqüência os atos inócuos, que não propiciam comodidade ou utilidade
ou perpetrados com a intenção de prejudicar outrem (parágrafo 2º). Dentro da visão
social ainda dispõe no parágrafo 4º, que o proprietário “pode ser privado da coisa se
o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa fé
por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem
realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz
de interesse social e econômico relevante”. Inequivocamente, lhe socorre o direito à
justa indenização.
A desapropriação por interesse social admite ser instrumentalizada à
constituição do direito de superfície, experiência vivenciada na Alemanha. Martin
Wolff refere-se a lei Bávara, de 9 de maio de 1928, e ao parágrafo 5º do
Regulamento, de 9 de dezembro de 1919, legislações direcionadas ao
enfrentamento do déficit habitacional naquele país após a guerra de 1918 e durante
a República de Weimar, quando presente a necessidade de terrenos adequados
para abrigar a população, principalmente a de baixa renda
232
.
A função social permeia todo o tratamento legislativo da propriedade, na
atividade pública e na privada. A propriedade quiritária, absoluta e individualista,
centrada no poder do proprietário em fazer ou não fazer algo, basicamente em seu
interesse, dispondo em plenitude da coisa, dando-lhe o destino que bem entendesse
232 - Martin WOLFF, ob. cit. p. 8. No mesmo sentido J. W. HEDEMANN, ob. cit. p. 309: “Pero si
como concedente se apresenta la “mano publica” (que es como concibe el derecho de superficie la
nueva legislación) y adquiriendo grandes extensiones de terreno, sobre todo em las afueras de las
grandes ciudades, lo da em derecho de superficie formando colônias, se pueden esperar resultados
muy provechosos”.
233
e inclusive não a utilizando, teve seu princípio sócio político e jurídico fundamental,
definido na acessão, prevalente em todos os diplomas civis, inclusive no Código de
1916. Os influxos das necessidades das populações do campo e das cidades, pela
dificuldade de acesso às terras agricultáveis e pela insuficiência das habitações,
aliados aos impulsos empreendedores de desenvolvimento econômico, conduziram,
paulatinamente, à mudança desse cenário, impondo uma programação
organizacional e comunitária à propriedade. A expressa opção da Constituição em
atribuir-lhe a função social, alterou o conceito básico do instituto. Além do uso, gozo,
disposição, fruição e defesa erga omnes, a propriedade deve ostentar e ser
praticada para um fim social. Não é mais admissível que o proprietário não se utilize
do bem imóvel que lhe pertence, deixando de explorá-lo em suas potencialidades e
impedindo que outros o façam e dele possam extrair proveitos em prol da
comunidade. Não basta o “ter”, mas cumpre que se acresça o “fazer”, preocupado
com as carências gerais.
A importância da superfície, como fisicamente está sendo considerada,
transporta-se para o instituto que lhe dá significado no campo do direito, que é a
propriedade superficiária. Essa propriedade, plena, com relação ao edificado e ao
plantado, pode constituir um instrumento eficiente a ser utilizado para sanar
deficiências habitacionais, que angustiam a questão imobiliária, como também
atividades empresariais, para instalação de indústrias e de estabelecimentos
comerciais, mormente os de grande porte. Sobretudo, é um mecanismo hábil, para
dirimir os conflitos sobre a ocupação urbana de imóveis abandonados ou sobre os
quais o proprietário não tem condições de construir ou explorar. Esta solução já foi
testada em países da Europa, que tiveram seus centros urbanos destruídos após as
guerras mundiais e conseguiram reconstruí-los com o manejo da superfície,
234
sobretudo para o atendimento habitacional às classes mais pobres. Anote-se o
exemplo da Alemanha, em que a importância prática da superfície superou os limites
previstos quando de sua instituição, especialmente pela utilização direcionada ao
problema das pequenas moradias, favorecendo as classes obreiras e medias com o
acesso a casa própria
233
. Aspecto importante é que sua utilização tende a diminuir
os custos do investimento, pois, como assentado, o proprietário do solo não vende
sua propriedade, mas, apenas, concede o direito de superfície para a construção, ou
então transmite ao superficiário a edificação já pronta.
O direito de superfície poderá ter acentuada aplicação no meio rural, como
opção à implantação e sustentáculo de uma reforma agrária. Como o direito consiste
na plantação e esta, fisicamente, confunde-se com a superfície, quer na órbita
privada, quer no campo da administração pública, a constituição da propriedade
superficiária pode servir de elemento de mais mobilidade e flexibilidade na ocupação
legítima de terras.
O instituto, de direito real, configura uma propriedade separada, mas
autônoma e plena. Como propriedade está jungido, por força constitucional e infra, à
finalidade social. E essa função, que reabilita a dinâmica do atuar e do fazer, é que
justifica seja a acessão descartada. A propriedade una e plena, nem sempre se
mostra operacionalizável, como fator econômico de desenvolvimento. Facilmente
verifica-se que a tendência é a de separação, quer em propriedades autônomas,
quer na utilização da superfície, limitada a meros poderes de gozo e uso. Mas a
presença prática e conceitual da superfície separada do solo se repete, desde o
direito romano até o século XIX, quando a fragmentação levou à criação do direito
233 - Martin WOLFF, ob. cit., p. 2.
235
real específico. E essa fragmentação sempre teve lugar, exatamente, para que a
propriedade, com mais eficiência, pudesse ter sua função social exercitada.
237
18 CONCLUSÃO
A síntese do que foi pensado revela que a origem da propriedade primitiva
estava fundada no comportamento tribal. Nômade a sociedade - e não sedentária - a
propriedade assumiria o tom comunitário. Haviam as terras comuns, agricultáveis e
para criação, e os espaços próprios das famílias. Era trabalhada por todos, que
partilhavam seus frutos. Outros povos optaram, no entanto, em geral por razões de
segurança, por se estabilizarem em determinadas regiões. A permanência gerou a
divisão das terras pela ocupação daqueles que primeiro chegaram e as povoaram.
Tornaram-se os senhores, assumindo o poder fundiário. A comunidade se
desenvolveu a partir desse patamar, com os naturais e previsíveis conflitos entre
eles e os outros, que não lograram o acesso às terras e à condição de proprietários.
Nesta vertente, a conseqüência foi uma concepção da propriedade absoluta e
individualista. Não poderia ser dividida, muito menos separada. Como expressão e
para preservação de tal estrutura, necessária a conformação de um sistema de
dependência, em que o acessório – acessão – acrescendo ao principal, passava a
integrá-lo em um todo. Pela acessão tudo o que ao solo se incorpora, quer natural,
quer artificialmente, pertence a seu proprietário. Quanto a outros acessórios, que
conservam e complementam, de modo útil e necessário o imóvel, dele, também
passam a fazer parte. Esses instrumentos impedem a separação da propriedade e
são hábeis para conservá-la, agregada e completa. O exemplo, mais uma vez, está
no direito romano, em que, apesar das mutações por mais de mil anos, a diretriz da
superficies solo cedit não sofreu questionamentos. A enfiteuse, a superfície e o ager
vectigalis, embora expressassem a possibilidade do desmembramento dos
elementos da propriedade, tão-apenas configuraram uma divisão, mantendo-a em
238
um complexo unitário. Não admitida a decomposição, através desses institutos,
preservada ficou a segurança fundiária, ancorada na acessão.
O nomadismo do outro tipo de sociedade, por primeiro referida, propiciou uma
postura diferenciada, na qual a terra só teria valor e deveria ser preservada,
enquanto produtiva. Invertem-se as posições: o fazer, semeando ou erigindo obras,
resulta em qualificação própria e específica, o que não sucede com a terra, em si,
considerada. Naturalmente, surgem dois fatores de riqueza: um, o terreno, e outro,
que traduz maior proveito, o resultado do trabalho sobre ele.
Delineiam-se, portanto, duas vertentes na propriedade: uma fincada no “ter” e
outra proveniente do “fazer”. O direito dos povos germânicos, que adentraram na
velha organização do império romano do ocidente e do que, dele, restou, bem
exemplifica essa variante. Entretanto, a propriedade, com a evolução política e
social da alta idade média, transformou-se em um sistema de poder, gerando
interesses conflitivos entre os senhores donos de terras e os que pretendiam nelas
cultivar, ter seus animais e, enfim, explorando-as, torná-las produtivas. No século
XIII, na baixa idade média, sob o influxo dos textos do direito romano, reintroduzidos
no mundo ocidental, os juristas, glosadores e comentadores, moldaram a concepção
medieval da propriedade dividida: o domínio direto e o domínio útil. O titular deste
último, porque era aquele que efetiva e materialmente possuía a terra, passou a ter
prevalência. Tal quadro perdurou até a Revolução Francesa, oportunidade em que
extirpados excessivos ônus que recaiam sobre a propriedade agrária, libertou-se a
terra de todos os gravames, que sobre ela pesavam, inclusive da propriedade
dúplice, enfatizado e instituído o domínio individual.
239
O Código Civil Francês, de 1804, evidencia esse repúdio ao não mais elencar,
dentre os direitos reais, a enfiteuse e a superfície, e sob o impulso liberal, privilegiou
o retorno ao sistema da propriedade romana, individualista e absoluta, prestigiando,
radicalmente, o princípio da acessão. A exasperação daí provinda e que outorgou os
fundamentos jurídicos à implantação de uma nova ordem de relação econômico-
financeira, caracterizada pela dinâmica da revolução industrial, forjou a reação
contrária, ainda na primeira metade do século XIX, teorizada a socialização da
propriedade dos meios de produção.
Aos poucos, a propriedade absoluta foi perdendo campo para atender a
anseios sociais profundos e angustiantes do proletariado, no setor urbano, e dos
camponeses, no rural. Várias legislações da Europa, por pressões sócio-
econômicas, passaram a contemplar, de modo autônomo, pelo menos, dois dos
diferentes elementos da propriedade plena, separando-a na propriedade do solo e
na propriedade do objeto sobre ele, quer a ser realizado, quer já existente. A
flexibilização do domínio conduziu a que fosse destacado - agora com propósito
oposto – e buscando evitar a ocorrência de abusos e de submissões. O
reconhecimento da titularidade sobre o incorporado ao chão, juridicamente, tão
autônoma como independente, quanto a do solo, visou e visa um melhor
aproveitamento social e a contribuição a soluções, na cidade e nas áreas rurais, que
conduzam a uma utilização da propriedade, para que, de modo eficiente, alcance
seus fins sociais.
Nesta sintética perspectiva, a superfície, amplamente adotada nos diversos
Códigos, revela-se um instrumental adequado à utilização racional da propriedade,
considerados seus vários matizes e, em uma diretriz de liberdade, pela valoração do
trabalho e do empreendimento. Constitui-se em causa de suspensão, quando
240
temporária, ou de interrupção, se perpétua ou por tempo indeterminado, da
incidência da acessão.
A preocupação reside em que, embora a doutrina tenha acolhido bem a
disciplina instituída pelo Código Civil de 2002, como pelo Estatuto da Cidade, na
atuação prática, como instrumento hábil, o direito de superfície não evoluiu. O
desconhecimento do instituto e a falta de projetos para utilizá-lo por parte dos órgãos
públicos, resultou no desinteresse sobre a instituição, selecionadas e prevalentes
outras medidas, como a concessão real de uso, que propiciando a atuação na
superfície, não importam na separação da propriedade. Porém, o essencial é, na
conceituação jurídica, precisar que a superfície, em si, é um fato e poderá ser
utilizado de variadas formas.
Cabem, em adendo, ponderações sobre a estrutura desse direito na realidade
jurídico brasileira, mas que exigiriam, para implementação, alteração legislativa.
O tópico inicial refere-se à falta, na atual disciplina, da projeção de prazos,
mínimo e máximo, à concessão, quando por tempo determinado, com o que seriam
coibidas pressões e distorções contratuais, além de permitir planejamento adequado
aos empreendimentos programados a serem efetivados ou sobre construções e
plantações realizadas. Tal medida, propiciaria, sem dúvida, maior segurança
negocial e estabilidade jurídica, tanto ao proprietário do solo, como ao superficiário.
Seria de bom alvitre, doutro turno, que o Código Civil, de modo expresso,
adotasse o direito real de superfície em maior dimensão, incluindo a alienação da
construção ou da plantação já feitas (constituição por cisão) e que seriam
preservadas pelo superficiário, o qual, como, delas, proprietário pleno, teria a
faculdade, caso necessário, de reformar, de reedificar ou de reimplantar. O Estatuto
241
da Cidade autoriza, desde já, esse tipo de constituição ao estabelecer que o
“dominus soli” poderá conceder a outrem o direito de superfície. Como a expressão -
direito de superfície - é compreensiva do que se eleva do solo, pronto, obviamente
abrange as construções e plantações existentes. Assim, a cisão é admitida, porém o
Estatuto está limitado à superfície urbana, afigurando-se importante que, por
providência legislativa, o Código Civil, também, passe a regulá-la, de molde a
aumentar o âmbito de aplicação do instituto.
Ainda, que o instituto tenha autonomia, consentânea com sua qualificação
como propriedade plena, impõe-se repensar sobre a vinculação da edificação ou da
vegetação agrícola, ao proprietário do solo, após a extinção do contrato. A
disposição final sobre o ressarcimento, inscrita em ambos os textos legislativos,
prende-se, como exceção, à liberdade contratual. A regra é a entrega ou o retorno
do incorporado, sem qualquer efeito indenizatório. Em sua parte final é ela
dispositiva ao facultar aos contratantes que estipulem em contrário, ou seja,
admitam o ressarcimento.
Necessário, contudo, é que a indenização seja determinada, em lei, de modo
cogente, condicionando a entrega ou o retorno a sua satisfação, assistindo ao
superficiário o direito de retenção.
A vinculação ao ressarcimento, ainda que parcial, do valor da propriedade
superficiária, encontra amparo no direito comparado e se revela como um
mecanismo de justiça, para que priorizado o princípio que veda a vantagem
indevida.
242
A par dessa alteração, isto é, do ressarcimento, pelo proprietário do solo, ao
superficiário, como condição para reaver a superfície, uma outra vertente se
apresenta para aplicação legislativa concomitante.
O Código Civil da Província de Quebec, no Canadá, prevê, na hipótese, a
acessão invertida. Por primeiro, o proprietário do solo, ao termo do contrato, adquire
por acessão a propriedade das construções ou plantações, mas deve pagar o valor
correspondente ao superficiário. Entretanto, e este é um segundo movimento, se o
valor for igual ou superior àquele do solo, ao superficiário assiste o direito de adquirir
o terreno, pagando ao senhorio, a não ser que prefira retirar as construções e
plantações que fez, retornando ao estado anterior. Para tanto lhe é conferido um
prazo de 90 dias após o que a titularidade das obras passa a ser do proprietário do
solo (artigos 1.116 e 1.117).
A acessão invertida não é mecanismo estranho ao nosso ordenamento
prevendo-a o parágrafo único do artigo 1.255, do Código Civil de 2002. Nessa ótica,
não se pode descartar que o superficiário, cuja boa fé é inquestionável, pleiteie a
aquisição da propriedade do solo, mediante pagamento de indenização, que será
fixada judicialmente, se não houver acordo. Certo não haver disposição legal nesse
sentido, explicitamente, no tocante ao direito de superfície, o que seria mais ajustado
à sua natureza de propriedade plena e autônoma. Mas nada obsta que
analogicamente se aplique o parágrafo único do artigo 1.255, que já se apresenta
como uma solução viável, embora mais segura seja a alteração legislativa o que se
propõe, em tal perspectiva é a modificação do estatuído no artigo 1.375, do Código
Civil, no sentido de que sempre será devida a indenização, e estabelecida a
faculdade ao superficiário, adotada a inversão da “acessio”, de adquirir a
propriedade do solo, no caso do valor da edificação ou da plantação ser superior a
243
do terreno. Mas um outro acréscimo pode ser considerado na disciplina legal da
superfície e precisamente por sua natureza de direito real de propriedade e por essa
razão plena e autônoma. Reside na mobilidade do imóvel estatuída no artigo 81 do
Código Civil:
Não perdem o caráter de imóveis: as edificações que separadas do solo,
mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local.
Portanto, como a construção pertence ao superficiário, este, sem quebra de
seu conjunto poderá transportá-la, retornando o terreno ao estado anterior. Havendo
essa possibilidade não se detecta motivo para não reconhecer ao superficiário o
direito em transferir a edificação.
Resumindo, na extinção do contrato do direito de superfície, ao proprietário do
solo caberia indenizar o superficiário, do valor do bem incorporado, como condição
para a entrega ou para o retorno ao todo do imóvel. Mas, ao invés do ressarcimento
seria facultada ao superficiário a aquisição da propriedade do solo, em sendo o valor
da superfície, construção ou plantação, superior a aquele. Igualmente poderia optar,
sendo fisicamente possível, por ser o proprietário da edificação, em removê-la para
outro local, em que seria imobilizada.
Tais posicionamentos, agora, deduzidos, nem sequer, ainda, se alçam a
sugestões, mas, inegavelmente, são colocados como indagações e um pouco mais
que isso, instigações voltadas à reflexão sobre a superfície e os direitos, reais e
obrigacionais, a ela, incidentes e, em especial, à propriedade superficiária. Essencial
considerar que a incorporação, em si, é um valor econômico a merecer tratamento
jurídico eficiente, que a torne fator de desenvolvimento, urbano e rural. Só assim terá
condições de operacionalidade.
245
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