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Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade
Estadual Paulista, Câmpus de São José do Rio Preto, para
obtenção do título de Mestre em Estudos Lingüísticos
Área de Concentração: Análise Lingüística.
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São José do Rio Preto
2008
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1
Felício, Carla Patrícia.
A gramaticalização da concessiva embora / Carla Patrícia Felício. -
São José do Rio Preto : [s.n.], 2008.
180 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Sandérleia Roberta Longhin-Thomazi
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas
1. Lingüística histórica. 2. Gramaticalização. 3. Mudança lingüística.
I. Longhin-Thomazi, Sandérleia Roberta . II. Universidade Estadual
Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. Título.
CDU - 81-112
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE
Campus de São José do Rio Preto - UNESP
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2
CARLA PATRÍCIA FELÍCIO
A GRAMATICALIZAÇÃO DA CONJUNÇÃO CONCESSIVA EMBORA
Dissertação apresentada para obtenção
do título de Mestre em Lingüística, área
de Análise Lingüística junto ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos
Lingüísticos do Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Campus de São José do
Rio Preto.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª.Sanderléia Roberta Longhin-
Thomazi
Professor Assistente Doutor
UNESP – São José do Rio Preto
Orientador
Profª. Drª. Maria Célia Lima-Hernades
Professor Doutor
Universidade de São Paulo
Prof. Dr. Sebastião Carlos Gonçalves
Leite
Professor Assistente Doutor
UNESP – São José do Rio Preto
São José do Rio Preto, 12 de Agosto de 2008
3
AGRACEDIMENTOS
À professora Sandérleia pelos seus ensinamentos lingüísticos, à orientadora
Sanderléia por me guiar pelos caminhos da Gramaticalização com muita delicadeza e
seriedade, apresentando confiança e paciência em meu trabalho, à amiga Sand pelas
palavras carinhosas nos momentos mais difícieis, e sobretudo pela pequena/grande
mulher Sandérleia por ter sido tão especial em um momento tão imporante de minha
vida.
Ao professor e amigo Sebastião Carlos Gonçalves Leite pelo excelente
profissional que instigou em mim a vontade de seguir os caminhos da linguagem.
Agradeço às suas frutíferas sugestões no meu trabalho, e, principalmente, sua amizade e
carinho desde a graduação.
À professora Maria Célia Lima-Hernandes pelas sugestões e pela sua atenção
durante o exame de qualificação.
À professora Sandra Gasparini, pelos seus ensinamentos durante o estágio no
período da graduação.
Aos professores do Departamento de Lingüística, Roberto Camacho, Erotilde e
Marize, responsáveis pela minha formação em Lingüística.
Aos funcionários do Ibilce, principalmente aos da graduação e pós-graduação
pela atenção e carinho durante minha formação nesse Instituto.
Às minhas eternas amigas da graduação Ana Maria, Ana Amélia, Adriana,
Fernandinha, Larissa, Maurinha e Giseula, pelo companheirismo durante os momentos
alegres e tristes, e pelo amor comum que nos uniu: o estudo pela linguagem.
Agradeço em especial às amigas Maurinha e Fernandinha pelas conversas
infinitas sobre Gramaticalização e pelas sugestões em meu trabalho.
4
Ao Júnior pela pessoa maravilhosa que esteve comigo o tempo todo,
demostrando carinho, respeito, força, muito amor e, principalmente, paciência, durante
essa pesquisa.
Aos meus pais, por me ensinar tudo de bom na vida com muito amor e
confiança.
Ao meu irmão Thiago, pelo carinho, paciência e compreensão com meus
estudos.
Ao meu Deus pela sua presença em todos os momentos de minha vida.
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Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Manuel Bandeira
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................... 13
1. GRAMATICALIZAÇÃO .................................................................................... 15
1.1 Percurso Histórico da GR .................................................................................. 15
1.2 Definição da GR ................................................................................................ 18
1.3 Perspectivas de GR ............................................................................................ 25
1.4 Critérios de GR ................................................................................................. 28
1.5 Mecanismos de GR: processos cognitivos ......................................................... 31
1.6 Motivações pragmáticas da GR ......................................................................... 37
1.6.1 O Papel do contexto em GR ...................................................................... 42
1.7 Gramaticalização de conjunções ........................................................................ 46
1.7.1 Gramaticalização de concessivas .............................................................. 51
2. CONSTRUÇÃO CONCESSIVA ......................................................................... 54
2.1 Nível de encaixamento ....................................................................................... 73
2.1.1 Coordenação x subordinação? ................................................................... 73
3. MATERIAL E METODOLOGIA ....................................................................... 101
3.1 Material .............................................................................................................. 101
3.2 Critérios de Análise ............................................................................................ 106
4. TRAJETÓRIA DE GR DE EMBORA ............................................................... 110
4.1 Análise sincrônica: Multifuncionalidade de embora no português falado e
escrito ....................................................................................................................... 111
4.2 Análise diacrônica ............................................................................................. 128
4.3 Os Processos de GR da partícula embora .......................................................... 151
4.3.1 Metáfora e Metonímia ............................................................................... 154
4.3.2 Pragmatização de significado .................................................................... 159
4.3.3 Aplicação dos princípios de Hopper (1991) .............................................. 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 175
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ISTAS DE
Q
UADROS
,
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IGURAS E
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SQUEMAS
QUADROS
Quadro 01: Diferenças entre conceito Lexicais e Gramaticais ...................................... 22
Quadro 02: Tipologia de contextos, Heine (2002:86) ................................................... 44
Quadro 03: Relação entre os domínios de articulação das orações .............................. 83
Quadro 04: Aplicação dos critérios às orações com Embora ....................................... 99
Quadro 05: Freqüências Token e Type dos dados de língua escrita ........................... 111
Quadro 06: Freqüências Token e Type dos dados de língua falada ............................. 113
Quadro 07: Freqüência de embora/em boa hora nos dados do século XV ................. 129
Quadro 08: Freqüência de embora nos dados do século XVI .................................... 131
Quadro 09: Freqüência de embora nos dados do século XVII .................................... 138
Quadro 10: Freqüência de embora nos dados do século XVIII .................................. 143
Quadro 11: Freqüência de embora nos dados do século XIX ..................................... 144
Quadro 12: Tipologia de contextos para a formação da concessiva embora .............. 150
Quadro 13: Grau de gramaticalidade de embora ......................................................... 170
FIGURAS
Figura 01: Categorias cognitivas (HEINE et al. 1991b; p.162) .................................... 34
Figura 02: Sobreposição de significado na formação de embora ................................
158
Figura 03: Pragmatização do significado de embora ...................................................163
ESQUEMA
Esquema 01: Mudança de significado por metáfora e por metonímia ......................... 32
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FELÍCIO, Carla Patrícia. A Gramaticalização da conjunção concessiva embora. 2008,
180f. Dissertação (Mestrado em Estudos Lingüísticos – Área de Concentração em
Análise Lingüística) Instituto de Biociência, Letras e Ciências Exatas, Universidade
Estadual Paulista, São José do Rio Preto.
RESUMO
A Gramaticalização (GR) é um processo histórico e unidirecional de mudança
lingüística, em que itens com conteúdo lexical ou menos gramatical passam ao longo do
tempo a se comportar como itens gramaticais, tendo seu significado abstratizado e
fortalecido quanto à expressividade do falante. Mecanismos cognitivos, como a
metáfora e a metonímia, atuam nesse processo de mudança, visto que por esses
mecanismos abstratização do significado e recategorização sintática induzida pelo
contexto lingüístico. Além disso, de acordo com Traugott (1999), dois mecanismos
envolvidos na mudança semântica que acompanha a GR, a subjetivização e
intersubjetivização. Por esses dois mecanismos, significados se tornam mais centrados
na crença/atitude do falante em relação ao ouvinte. Sob essa ótica, este trabalho,
baseado em dados sincrônicos e diacrônicos do português, tem como principal objetivo
investigar o processo de mudança responsável pelas alterações sintáticas e semânticas
(pragmatização de significado) da conjunção concessiva embora, partícula que teve sua
origem na locução adverbial temporal em boa hora, utilizada para desejar bom augúrio,
no século XV. Por essa investigação, foi possível reconstruir os usos diacrônicos de
embora ao longo da história do português, apreender o(s) contexto(s) que foi(ram)
responsável(is) pelas mudanças sofridas pelo item e encontrar razões históricas para o
uso na sincronia atual. Além do mais, foram checadas algumas hipóteses no que diz
respeito à unidirecionalidade e às fontes para o surgimento de concessivas. Para
alcançar esse objetivo maior, o trabalho também examinou os diferentes usos
sincrônicos de embora no português, falado e escrito, com a finalidade de encontrar
pistas do funcionamento atual que auxiliem na descrição histórica.
Palavras-chave: Mudança Lingüística, Gramaticalização, Lingüística Histórica.
9
FELÍCIO, Carla Patrícia. A Gramaticalização da conjunção concessiva embora. 2008,
180f. Dissertação (Mestrado em Estudos Lingüísticos – Área de Concentração em
Análise Lingüística) Instituto de Biociência, Letras e Ciências Exatas, Universidade
Estadual Paulista, São José do Rio Preto.
ABSTRACT
Grammaticalization (GR) is a unidirectional historical process of changes in linguistics
in which items with lexical or less grammatical content start acting as grammatical
items throughout time, abstractizing and strengthening its meaning as for the speaker’s
expressiveness. Cognitive mechanisms such as metaphor and metonymy act in this
process of change, whereas they cause meaning abstractization and syntactic
recategorization induced by the linguistic context. Besides, according to Traugott
(1999), there are two mechanisms involved in the semantic change that keeps up with
the GR which are subjectivization and intersubjectivization. Meanings become more
focused on the speaker’s belief/attitude in relation to the listener through both
mechanisms. Considering this vision and based on synchronic and diachronic data from
Portuguese, the present work aims at researching the process of change responsible for
syntactic and semantic alterations (pragmatizing meaning) of the concessive
conjunction embora, which is a particle originated from the adverbial clause of time em
boa hora, used to wish good luck in the XV Century. By means of this research it was
possible to reconstruct diachronic usages of embora throughout Portuguese history, to
learn about the context(s) that was(were) responsible for changes suffered by the item,
and to find historical explanations for the usage in the current synchrony. Beyond that,
some hypothesis related to unidirectionality and the origins of concessive conjunctions
were also checked. In order to reach this aim, the present work also verified the
different synchronic usages of embora in spoken and written Portuguese to find tips
about the current behavior that can help in historical description.
Key-words: Linguistic Change, Grammaticalization, Historical Linguistics
10
INTRODUÇÃO
Diversas gramáticas históricas como as de Ali (1964), Coutinho (1967), e Câmara
(1979) indicam que várias conjunções do português tiveram sua origem a partir de
advérbios como, por exemplo, embora, pois, porém, etc. A formação dessa classe de
palavras se deu, em grande parte, por meio da reutilização do material da própria língua.
Ali (1964) e Câmara (1979) observaram que a locução em boa hora passou a
comportar-se como conjunção, por um processo de aglutinação, e começou a ser
utilizada para subordinar orações concessivas. Porém, foi Ali (1964) que resgatou o
valor semântico da locução adverbial que deu origem a essa concessiva.
Conforme o autor, no século XV, a locução adverbial em boa hora era utilizada
para desejar bom augúrio, uma vez que, de acordo com a crença da época, o sucesso das
ações dependia da hora em que elas eram realizadas. Esse uso pode ser verificado nos
seguintes exemplos dados pelo autor:
(01) Vaamos em boa hora nosso caminho (Zurara, Guiné 337)
(02) Que dissesse em boa hora o que lhe aprouvesse (ib. 186)
Com o passar do tempo, segundo Ali, a locução sofreu uma aglutinação e passou
a ter a forma embora, sendo utilizada com os verbos de movimento ir e vir. Além disso,
o gramático afirma que, no século XVII, o advérbio passou a ser utilizado em frases
optativas para marcar que o falante não se opunha a alguma ação. Esse contexto
lingüístico, segundo ele, foi o responsável pelo surgimento do valor concessivo presente
hoje no português, conforme exemplo dado por ele:
(03) Respondeu por vezes que morressem muito embora, que melhor era morrerem
que no sertão, porque morriam baptizados (Vieira, Cartas 1, 118)
11
Esses trabalhos apresentam a fonte da conjunção embora, porém não descrevem
seus usos históricos e não mostram como de fato se deu o surgimento do valor
concessivo conferido atualmente para o item.
Esse problema encontrado nas gramáticas históricas também acontece nas
gramáticas tradicionais do português atual, que, sincronicamente, apontam de maneira
parcial, o funcionamento de embora.
Os dicionários Ferreira (1986) e Houaiss (2001) atribuem uma
multifuncionalidade ao item, a saber, conjunção, advérbio, e interjeição. Quanto à
conjunção, Houaiss (2001), além de trazer a etimologia de embora, confere ao item o
mesmo valor concessivo que os conectores ainda que e mesmo que. Para o autor, o
advérbio embora apresenta o valor de retirada junto a verbos de movimento, e, por fim,
a interjeição é usada com o sentido de não importa ou tanto faz.
Apesar das semelhanças entre os dois dicionários, com relação ao valor da
conjunção e da interjeição, Ferreira (1986) apresenta diferentes atribuições a embora. A
primeira diz respeito ao valor adverbial, que, segundo o autor, em Foi embora e no
caminho o mataram, o conteúdo semântico do item não seria de retirada, mas sim vazio,
sendo seu valor garantido pelo verbo de movimento. O outro apontamento de Ferreira
(1986), não encontrado em Houaiss (2001), se refere ao valor preposicional
desempenhado por embora. Com o mesmo valor que a locução prepositiva apesar de, o
autor observa que o uso preposicional de embora é muito censurado, ainda que ocorra
com muita freqüência na língua.
Apesar desses usos apontados pelos dicionários da língua, nos manuais de
gramática, embora não é classificado como exercendo nenhuma dessas categorias
gramaticais, o que mostra uma deficiência na categorização de embora. O item é
12
mencionado pelas gramáticas somente no capítulo referente ao período composto, como
sendo uma conjunção subordinativa que inicia orações concessivas.
Quanto ao período composto, especificamente às orações com embora, uma
discordância entre os trabalhos lingüísticos que contestam a classificação dada pela
tradição gramatical como orações subordinadas. A dicotomia apontada pela tradição
entre coordenação e subordinação é contestada pelos trabalhos funcionalistas, que
admitem um terceiro tipo de articulação de oração, a saber, a hipotaxe.
Por essa razão, um trabalho sincrônico que descreva a multifuncionalidade de
embora e confirme, em dados reais da língua, esses usos apontados pelos dicionários
encontra justificativa e relevância para auxiliar no tratamento da tradição gramatical,
que se apresenta incompleto com relação ao item embora.
Além dessa insuficiência do tratamento normativo conferido à embora, também
uma significativa ausência de trabalhos da perspectiva lingüística que descrevam os
períodos da história do português, e que apontem os contextos de uso responsáveis pelo
surgimento da concessiva em questão.
Este trabalho, portanto, pretende descrever, diacronicamente, os usos do item, a
fim de verificar o período em que houve a sobreposição de usos da forma fonte e da
forma alvo, implicando em leituras polissêmicas. Por meio dessa análise diacrônica,
será possível encontrar justificativas para os usos de embora no português atual, a ainda
verificar em que estágio de mudança se encontra a conjunção.
Para a realização deste trabalho tomo como base os pressupostos teóricos da
Gramaticalização (GR, daqui em diante). Esse quadro teórico pretende investigar de que
maneira formas gramaticais se desenvolvem na língua ao longo de sua história. Além
disso, essa abordagem visa demonstrar que o percurso histórico que resulta em um item
gramatical se dá gradualmente, o que implica sobreposição entre as categorias da língua.
13
O termo GR também é entendido como um processo de mudança lingüística pelo
qual construções ou itens lexicais ou menos gramaticais ganham caráter mais
gramatical, e assumem funções mais estreitas dentro de um enunciado, expressando
semanticamente as crenças/opiniões/avaliações do falante sobre o conteúdo veiculado
em seu discurso, no que diz respeito ao seu(s) interlocutor(es).
Com base nesse processo de mudança lingüística, investigo, neste trabalho, as
transformações sintático-semânticas, pelas quais passou o item embora durante um
período de cinco séculos na história do português, até finalmente ter seu funcionamento
sintático alterado e ser constituído pelo valor concessivo.
O trabalho, portanto, tem o objetivo de investigar o processo de mudança
lingüística responsável pelo surgimento da conjunção concessiva embora, como sendo
um caso legítimo de GR. Para alcançar esse objetivo mais geral, percorro alguns mais
específicos, tais como: (i) descrever os usos sincrônicos de do item, em dados do
português contemporâneo falado e escrito; e, (ii) reconstruir os diferentes usos
históricos de embora, a fim de captar as etapas de suas mudanças sintática e semântica e
os contextos de uso responsáveis por tais alterações.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Quanto à organização do trabalho, esta dissertação é composta de quatro
capítulos.
O primeiro foi destinado à apresentação dos fundamentos teóricos da GR. Neste
capítulo, traço brevemente um percurso histórico da GR, exponho algumas definições
dadas pelos estudiosos e discuto as duas perspectivas de análise, a saber, a sincrônica e
a diacrônica, visto que esta pesquisa conjuga as duas abordagens para o estudo de
embora. Na seqüência, apresento os critérios de Hopper (1991), a fim de verificá-los, no
14
capítulo referente à análise, nos dados do item. Além disso, mostro os processos
cognitivos envolvidos na mudança, e, por fim, trato das motivações pragmáticas de GR,
assim como o papel do contexto no desenvolvimento de itens gramaticais,
principalmente, de conjunções concessivas.
O segundo capítulo é destinado à exposição das visões normativa e lingüística
sobre a construção concessiva e sobre os níveis de articulação de oração. Visto que a
tradição gramatical afirma que as orações com embora pertencem ao domínio da
subordinação e os trabalhos funcionalistas mostram que essas orações pertencem ao
domínio da hipotaxe, ou muitas vezes, se situam entre a parataxe e a hipotaxe, o
objetivo desse capítulo é discutir essa questão e verificar a qual domínio de articulação,
realmente, pertence as orações em que embora encabeça.
O terceiro capítulo se refere aos materiais e métodos de análise. Apresento o
material de análise sincrônica e diacrônica, apontando a natureza dessas amostras e a
tipologia de textos selecionados. Quanto à metodologia, exponho de que forma o
trabalho conjuga as análises quantitativa e qualitativa, a saber, pela contagem da
freqüência token e type. É nesse momento que explicito a maneira como foi efetuada a
contagem geral das ocorrências e os critérios levantados para descrever os usos de
embora.
O quarto capítulo é reservado à descrição dos usos sincrônicos e diacrônicos do
item em questão, em que são apontados seu(s) funcionamento(s) sintático(s), seu(s)
valor (es) semântico(s) e o(s) possível (is) contexto(s) de polissemia. Essa descrição é
feita com base nas freqüências token e type da sincronia atual do português, em dados
de língua falada e escrita, e das sincronias da história do português, que correspondem
ao período do século XV ao XIX.
15
Para finalizar, avalio os resultados da pesquisa, quanto às hipóteses iniciais e
quanto à confirmação dos principais postulados teóricos da GR.
CAPÍTULO I
GRAMATICALIZAÇÃO
A GR é entendida como um tipo particular de mudança lingüística, em que um
item passa de um estatuto lexical ou menos gramatical, para um gramatical ou mais
gramatical, sofrendo alterações, portanto, sintáticas, semânticas e pragmáticas. Por meio
desse processo, a gramática de uma língua é renovada com itens ou expressões que
sinalizam funções gramaticais, e, sobretudo, revelam as crenças/opiniões/avaliações do
falante com relação à situação discursiva.
muitos fenômenos investigados sob a ótica da gramaticalização, como a
formação de auxiliares, partículas de negação, morfemas, marcadores de tempo, e
também a formação de conjunções que, conforme Longhin-Thomazi (2003), revela um
constante fazer-se da linguagem.
Dentro dessa perspectiva, o principal objetivo desse capítulo é fazer um percurso
de como a GR passou a ser vista, a partir do início do século XX, como uma importante
ferramenta de descrição lingüística, e, assim, ganhou espaço dentro dos estudos
lingüísticos. Além disso, faço uma discussão sobre o que os estudiosos têm a dizer
sobre a gramaticalização de conjunções, principalmente sobre a mudança de significado
que acompanha o surgimento desses itens gramaticais.
1.1 PERCURSO HISTÓRICO DA GR
16
Conforme Heine et al. (1991a), a preocupação com o aparecimento de formas
gramaticais surgiu entre os orientais, no século X, quando os chineses distinguiram
signos plenos e vazios, e afirmavam que os vazios eram anteriormente itens plenos. No
século XVIII, Condillac e Rousseau argumentavam que o vocabulário gramatical e
abstrato é historicamente derivado de lexemas concretos.
Heine et al. (1991a) afirmam que o pai da GR foi Tooke, que defendeu a idéia
de que nomes e verbos são palavras necessárias, consideradas essenciais nas partes do
discurso, ao passo que outras classes, como advérbios, preposições e conjunções,
resultam de uma abreviação ou “mutilação” das palavras necessárias.
No século XIX, Franz Bopp (1816, 1833, apud Heine et al. 1991a), na tradição de
Tooke e de outros estudiosos no século XVIII, apresentou numerosos exemplos do
desenvolvimento de material lexical em auxiliares, afixos, etc. Para Bopp, a GR foi
vista como uma importante ferramenta para entender a lingüística diacrônica e recuperar
a história das línguas Indo-européias.
Outro importante trabalho, nesse século, foi o de Humboldt (1822), intitulado “A
origem das formas gramaticais e sua influência no desenvolvimento das idéias”, no qual
o autor defende a idéia de Tooke de que palavras como preposições e conjunções têm
sua origem em palavras que denotam objetos (Heine et al. 1991a, p. 6).
Hopper e Traugott (1993) e Heine et al. (1991a) salientam também a importância
do neogramático Gabelentz (1891), cuja proposta era de que a evolução das formas
gramaticais era resultado de um “desgaste” de palavras independentes. O autor propôs a
noção de um espiral evolucionário para descrever o processo de recriação de categorias
gramaticais.
17
Entretanto, como apontam Hopper e Traugott (1993), foi Meillet (1912), em
L´évolution des formes grammaticales, o primeiro a cunhar o termo “Gramaticalização”,
definir e dar relevância ao seu estudo no campo da lingüística. Esse trabalho serviu
como modelo para muitos trabalhos posteriores, sendo citado e discutido por muitos
estudiosos de GR.
Dos estudos de Meillet (1912) até a década de 70, a GR era vista principalmente
como parte da lingüística diacrônica, como um meio de analisar a evolução lingüística e
reconstruir a história de uma determinada língua (Heine et al., 1991, p.10-11). Nesse
momento, os estudos da GR sofreram um abandono por parte dos lingüistas, devido ao
surgimento da escola estruturalista inaugurada por Saussure, com o clássico Curso de
Lingüística Geral. Esse período foi chamado por Lehmann (1982) de “amnésia” de GR,
uma vez que os estudiosos da época estavam voltados para a investigação sincrônica em
detrimento da diacrônica, como orientavam os estudos de Saussure.
Dentro da perspectiva teórica do funcionalismo, Givón (1979) reavivou os estudos
da GR, e sua grande contribuição foi considerar que a origem da GR estaria no discurso,
uma vez que ele estava interessado em introduzir a pragmática nos estudos da mudança
sintática. Sua proposta é resumida em sua conhecida afirmação de que a sintaxe de
hoje é o discurso pragmático de ontem”. Assim, com essa proposta, ele acreditava que
formas com dependência sintática menor, ou seja, com a atuação maior no domínio da
pragmática, dariam lugar a formas sintáticas mais dependentes, isto é, com menor
participação da pragmática para o entendimento das relações entre as orações. Por
considerar a mudança restrita ao estreitamento sintático das orações, o autor prefere o
termo sintatização à gramaticalização (CASTILHO, 1997b: 30).
Em resumo, o trabalho de Givón acrescentou um novo componente, o Discurso,
até então não considerado nos estudos de GR. Conforme Gonçalves (2003), discurso
18
para Givón era um modo não planejado de comunicação informal, que seria responsável
pelo aparecimento de estruturas gramaticais. Com isso, Givón afirma que no ponto de
partida do processo estaria algum elemento do discurso e, assim sendo, as mudanças das
línguas ocorreriam por necessidades discursivas. Essa afirmação implica uma
unidirecionalidade do processo, que pode ser ilustrada pelo seguinte cline proposto por
ele:
(01) DISCURSO > SINTAXE > MORFOLOGIA > MORFOFONÊMICA >
ZERO
(GIVÓN, 1979, p. 209)
Com esse trabalho, o autor “inaugura” uma nova visão sobre a GR, ela passou a
ser vista não como uma simples reanálise de um item lexical para um item
gramatical, mas também como a reanálise de padrões discursivos em padrões
gramaticais. Assim, seu trabalho possibilitou inferir que a gramática não existe a priori
e que ela está sempre emergindo por razões pragmáticas, a partir do que ele chama de
“modo pragmático” (TRAUGOTT, 2003, p. 630).
De acordo com Hopper e Traugott (1993), os anos 80 foram um período muito
fecundo para os estudos da GR, pois alguns trabalhos dessa década, como os de
Lehmann (1982) e Heine e Reh (1984), demonstraram o poder da teoria da GR como
ferramenta de descrição lingüística e, especialmente, de fenômenos lingüísticos que a
GR poderia caracterizar.
O trabalho de Heine et al. (1991ab) serve como referência para a investigação de
qualquer fenômeno lingüístico de GR, que esclarece muitos pontos, como as
motivações da mudança, os processos cognitivos envolvidos, o ponto de partida e de
chegada do processo da GR e o papel do contexto lingüístico para a efetivação da
mudança.
19
1.2 DEFINIÇÕES DE GR
Embora a maioria dos autores utilizem o termo gramaticalização para se referir a
esse tipo de mudança lingüística discutido anteriormente, outras maneiras de referenciá-
lo são, por exemplo, sintatização, descoramento semântico, enfraquecimento semântico,
desvanecimento semântico, reanálise, condensação, redução etc. Ainda que esses termos
sejam usados como sinônimos, por alguns autores, eles enfatizam muito mais aspectos
sintáticos e semânticos do processo (Heine et al., 1991a, p.3) do que o processo em si
mesmo.
Em trabalhos como o de Givón (1979), Lehmann (1982), Heine e Reh (1984), e
Bybee et al. (1994), a GR tem sido descrita sob o rótulo de apagamento semântico ou
enfraquecimento semântico. Nesses estudos, a GR é vista da perspectiva de que um
conceito fonte carrega o “significado completo”, enquanto o resultado do processo é
interpretado como uma forma “empobrecida”, uma forma esvaziada das especificidades
semânticas em relação à sua forma de origem. Assim, significados complexos são
reduzidos a conteúdos menos complexos, porém, mais gramaticais (Heine et al., 1991b,
p.155-6). Na seqüência, veremos as principais definições de GR dadas pelos estudiosos.
Conforme Hopper e Traugott (1993), Meillet (1912) distinguiu dois
procedimentos que, segundo ele, seriam responsáveis pelo surgimento de novas formas
gramaticais. O primeiro é a analogia, processo pelo qual um novo paradigma se torna
semelhante a um paradigma estabelecido. O segundo procedimento, que Meillet
chamou de gramaticalização, é definido como a atribuição progressiva de caráter
gramatical a uma palavra previamente autônoma. Para o autor, a diferença entre
20
analogia e gramaticalização é que, enquanto a analogia apenas renova formas sem
interferir no sistema da língua, isto é, ela atua em nível superficial, a GR cria formas
novas, que substituem as antigas, desgastadas pelo uso, transformando o sistema
como um todo.
Com essas postulações de Meillet, nota-se que somente a GR pode criar formas
novas; no entanto, o papel da analogia não deve ser menosprezado no estudo da
gramaticalização, pois os casos de analogia são, muitas vezes, a primeira evidência para
o falante de uma língua de que a mudança está ocorrendo.
Anos mais tarde, Kurilowicz (1956, apud Heine et al. 1991a) definiu a GR como
consistindo no crescimento do alcance de um morfema que avança de um status lexical
para gramatical e de menos gramatical para mais gramatical. Influenciado pelas idéias
de Kurilowicz (1956), Lehmam (1982) diz que, diacronicamente, a GR é um processo
que torna um lexema uma forma gramatical e que leva morfemas gramaticais a se
tornarem mais gramaticais ainda. Além disso, o autor considera a gradualidade como
sendo característica da mudança, afirmando que processos semânticos, sintáticos e
fonológicos interagem na GR de um morfema e de construções.
Com uma visão sobre GR fundamentada em perdas, Heine e Reh (1984, apud
Heine et al. 1991a) afirmam que a GR é uma evolução por meio do qual unidades
lingüísticas perdem em complexidade semântica, significância pragmática, liberdade
sintática e substância fonética. A partir dessa definição, os autores postularam alguns
critérios de GR, que, segundo eles, seriam suficientes para identificar um elemento
gramaticalizado.
Heine et al. (1991a) e Hopper e Traugott (1993), conforme mencionado,
definem a GR como sendo um processo por meio do qual itens e construções lexicais,
21
em certos contextos específicos, passam a servir a funções gramaticais e, uma vez
gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais.
Para explicar o ponto de partida e de chegada de um item até se tornar gramatical,
Heine et al. (1991a) lançam mão da noção de conceito fonte e conceito alvo. Os autores
afirmam que conceitos fonte são sempre concretos, básicos, e relacionados com a
experiência humana, enquanto conceitos alvo são sempre abstratos. Para sustentar essa
relação, os autores se fundamentam em Bybee e Pagliuca (1985), que vêem os conceitos
fonte como sendo freqüentes e de uso geral, em Traugott (1982), que descreve os
conceitos concretos como fundamentais em uma situação discursiva típica, e em Rosch
(1973), que os define como elementos mais utilizados.
Lingüisticamente, um conceito fonte é codificado como um lexema, que pode se
referir a parte do corpo, a fenômeno da natureza, a ações dinâmicas ou a processo
mental, ou seja, as atividades básicas da experiência humana são as fontes conceituais.
Assim, nota-se que Heine et al. (1991a), Traugott (1982) e Bybee et al. (1994) afirmam
que expressões lingüísticas que servem como fonte de GR têm uma característica em
comum: elas conceituam atividades básicas.
Conforme Heine et al. (1991a), a noção de conceito fonte é relativa, que o
conceito fonte, além de poder gerar mais que uma categorial gramatical, poderá também
ter sido alvo de um outro conceito fonte. Para entender essa relação, exemplifico com a
categoria tempo, que, na maioria das vezes, é fonte para a formação de concessivas,
mas que, por outro lado, pode ser derivada da categoria espaço, por exemplo. Além
disso, é importante observar que uma forma fonte é determinada como tal se houver
uma forma alvo reconhecida.
Quanto à mudança de significado do conceito fonte para o alvo, Heine et al.
(1991ab) apontam uma abstratização de significado, isto é, ao migrar do domínio
22
conceitual para o gramatical, um item deixaria de ter um significado concreto ou menos
abstrato, e passaria a ter significado mais abstrato.
1
Assim, o ponto de partida do processo são sempre os conceitos lexicais/ concretos
ou menos gramaticais/menos abstratos, e o ponto de chegada, por sua vez, são os
conceitos gramaticais/ abstratos, ou mais gramaticais/mais abstratos. Com base na
caracterização de conceitos lexicais e gramaticais feita pelos autores, apresento o
seguinte quadro, com critérios que permitem esclarecer as diferenças entre esses
conceitos:
Conceito Lexical Conceito Gramatical
Menos abstrato Mais abstrato
Conteúdo referencial Conteúdo não referencial
Auto-semânticos Sem autonomia semântica
Não são descritos em termos de estrutura
topológica
2
São descritos em termos de estruturas
topológicas
Forma lexical (verbo, nome, adjetivo, etc.)
Forma não lexical (preposição,
conjunção, auxiliares, etc)
Classe de palavras aberta Classe de palavras fechada
Menor freqüência Maior freqüência
Mais material fonético Menos material fonético
Q
UADRO
01: D
IFERENÇAS ENTRE CONCEITOS LEXICAIS E
GRAMATICAIS
Essa separação entre conceito lexical e gramatical é feita pelos autores para
melhor caracterizar esses domínios. Porém, na verdade, não há essa divisão gida entre
esses conceitos da língua, que uma fluidez entre as essas categorias. Esse
tratamento discreto é justamente o que a GR contesta e invalida por meio de trabalhos
1
A mudança semântica será discutida, mais detalhadamente logo adiante.
2
Heine et al. (1991a) recuperam esse termo de Sweetser (1988), que entende a projeção entre um
significado lexical e gramatical como sendo a estrutura topológica de um domínio fonte a um domínio
alvo. Essa projeção é vista como unidades inferenciais abstratas.
23
que investigam o desenvolvimento de itens que passaram por esse processo de
mudança.
Para Hopper e Traugott (1993), o termo GR tem dois significados. O primeiro se
refere à parte do estudo linguagem que focaliza como formas gramaticais e construções
se desenvolvem e como elas são usadas, abordagem foca a não discretude entre as
categorias da língua e que se preocupa com a interdependência entre a estrutura e o uso,
do mais “fixo” e do menos “fixo” na linguagem, desafiando a noção de dicotomia. O
outro significado de GR se refere ao processo de mudança lingüística, em que os itens,
ao longo do tempo, se tornam mais gramaticais.
Elevando os estudos da GR ao status de teoria, Bybee et al. (1994) elencam oito
hipóteses que permitiriam identificar casos de GR. Esse diagnóstico consiste
principalmente em: reconhecer uma forma fonte e uma forma alvo; detectar as
conseqüências da retenção semântica; reconstruir estágios anteriores de uma língua; e,
verificar se as retenções semânticas e fonológicas seguem em paralelo, levando a uma
coevolução dinâmica entre significado e forma. Assim, os autores afirmam que, por
meio do aparato teórico da GR, é possível observar morfemas gramaticais que se
desenvolvem gradualmente, a partir de morfemas lexicais, e também argumentam que o
morfema, uma vez gramaticalizado, passa a ter significado mais freqüente e mais geral.
O principal objetivo dos autores é focar as mudanças ocorridas no domínio
semântico da marcação morfológica dos verbos, como aspecto, modo verbal e
modalidade. Para isso, adotam a abordagem diacrônica, com o intuito de encontrar a
origem das formas gramaticais e o modo como a substância semântica é moldada no
significado gramatical.
Eles também dão ênfase às conseqüências sofridas por um morfema que passa
pelo processo de GR, conseqüências semânticas e sintáticas, tais como: generalização
24
de significados e um aumento de contextos apropriados em que o item passa a ser
utilizado. Por exemplo, quando um item gramatical perde mais de seu conteúdo
semântico original, sua interpretação é mais dependente de seu significado contextual, e
ele passa a ser eventualmente afetado por esse contexto. Da mesma forma, as perdas
semânticas e fonológicas acarretam a dependência e o aumento da rigidez com relação à
posição sintática de um item gramatical e ao escopo do item relacionado com outros
elementos, ou seja, muitas línguas permitem pelo menos alguma manipulação na ordem
de morfemas lexicais por motivações semânticas e pragmáticas, mas itens gramaticais
não são modificados por itens lexicais, e têm pouca liberdade posicional na sentença
(BYBEE et al., 1994, p.7).
Com uma visão pragmática voltada para a mudança semântica que acompanha o
processo, Traugott e nig (1991) usam o termo gramaticalização para referir a um
processo dinâmico, histórico e unidirecional pelo qual itens, ao longo do tempo,
adquirem um novo status gramatical, ou uma nova forma morfossintática, e no processo
são codificadas relações que não eram codificadas anteriormente ou eram codificadas
diferentemente. Embora essa afirmação esteja presente nas definições de GR, é passível
de discussão, uma vez que os conceitos pré existem na língua, o que ocorre, pelo o
processo de GR, é o surgimento de novas formas para codificar os mesmos conceitos.
Os autores afirmam que uma conseqüência do processo é o ganho de significado
no que diz respeito ao fortalecimento de expressividade do falante, e não “perda” como
alguns estudiosos propunham desde Meillet (1912).
Lichtenberk (1991) afirma que três conseqüências sintáticas sofridas por um
item gramaticalizado, decorrentes do processo histórico, a saber: (i) emergência de uma
nova categoria gramatical; (ii) perda de uma categoria existente; e, (iii) mudança no
25
conjunto de membros que pertencem a uma categoria gramatical (LICHTENBERK
1991, apud NEVES, 1997, p.126-127).
Segundo Neves (1997), Heine e Reh (1984) mostraram que os três veis da
estrutura lingüística afetados pela GR, o funcional, o morfossintático e o fonético, se
juntam, no processo, nessa seguinte ordem cronológica: os processos funcionais (como
dessemantização, expansão, simplificação) precedem os morfossintáticos (como
permutação, composição, cliticização, afixação), que precedem os fonéticos (como
adaptação, fusão, perda). Essa ordem é questionada dentro dos estudos de GR, Bybee et
al. (1994), por exemplo, prefere usar o termo coevolução, para evitar atribuir a primazia
da mudança á um ou outro nível.
Como discutido anteriormente, Givón (1979), Lehmann (1982), Heine e Reh
(1984) e BYBEE et al. (1994) diriam que uma conseqüência do processo, quanto à
mudança de sentido, seria o desbotamento semântico, ou bleaching semântico. Isso
implica dizer que um item, ao passar pelo processo de GR, perderia em conteúdo
semântico, e, dessa forma, haveria um empobrecimento semântico. Na realidade,
Traugott (1982 e 1999), Sweetser (1988 e 1990), Heine et al. (1991ab) e Traugott e
König (1991) afirmam que a noção de bleaching é inadequada como um parâmetro
descritivo ou explanatório de GR, que capta apenas um aspecto do processo, visto
que, na concepção desses autores, perdas, por um lado, mas, por outro, uma
adição de significado gramatical, uma abstratização de significado, e um aumento da
expressividade do falante, com relação ao que está sendo dito em uma situação
discursiva.
1.3 PERSPECTIVAS DA GR
26
Conforme Hopper e Traugott (1993), o estudo da GR pode ser feito de uma
perspectiva diacrônica, e também de uma perspectiva sincrônica. Por meio da
investigação diacrônica, é possível buscar as origens das formas gramaticais e os
caminhos das mudanças que elas percorreram. Já a perspectiva sincrônica busca
descrever, a partir da língua em uso, a sintaxe, bem como a pragmática que deve ser
estudada à luz dos padrões fluidos do uso da linguagem e, desse modo, pode-se capturar
contextos suficientes em que um item ocorre, e, assim, possibilitar o arranjo desses
diferentes usos ao longo de um continuum, desafiando, dessa forma, a noção de
categorias discretas. Para os autores, é possível conjugar as duas abordagens, uma vez
que para entender a sincronia de uma ngua é preciso recorrer a sua diacronia, e o
caminho inverso também se faz necessário, que o funcionamento gramatical
sincrônico de uma estrutura pode auxiliar na verificação de sua emergência na história
da língua. Ainda que a combinação das duas abordagens seja interessante para o estudo
do processo de GR, é a diacronia que revela o surgimento da forma gramatical,
mostrando os passos da mudança, e conseqüentemente os estágios de gradualidade.
Sweetser (1990) afirma que a polissemia sincrônica e a mudança histórica
fornecem os mesmos dados de diferentes modos. Como em toda mudança histórica
estágios de polissemia, os dados históricos anteriores serão pistas das relações
polissêmicas sincrônicas, sendo uma fonte interessante de informação sobre a estrutura
da linguagem. Além do mais, a ordem que se o ganho de sentidos às palavras
polissêmicas é indício das relações entre o sentido fonte e alvo, e nos direciona a
entender que o vocabulário espacial adquire significados temporais e não o inverso, por
exemplo. Por esse motivo, a autora defende a conjugação entre a análise sincrônica e
diacrônica.
27
Segundo Bybee et al. (1994), a importância da pesquisa diacrônica se deve a
quatro motivos, a saber: (i) a dimensão diacrônica demonstra como uma forma ou
construção passa a ter uma determinada função na língua; (ii) fatores cognitivos e
comunicativos que subjazem significados gramaticais são mais claramente revelados,
quando verificados em um período de transição, e não em uma situação estática; (iii) a
dimensão sincrônica não nos permite entender e explicar a escala de significado coberta
por um item gramatical, uma vez que o significado gramatical está em constante
mudança; e, (iv) generalizações diacrônicas fornecem indícios mais significativos e
mais reveladores sobre a correlação entre forma/significado.
Uma importante questão tratada em GR diz respeito à discretude entre as
categorias da língua, visto que os estudiosos desafiam essa separação, abandonando a
visão dicotômica herdada do estruturalismo lingüístico de Saussure. Os estudos em GR
mostram que a mudança se dá de forma não abrupta, uma vez que as formas não mudam
subitamente de uma categoria para a outra; pelo contrário, elas passam por mudanças
graduais que se “transpassam”, e assim, são seguidas por variação na forma e na função.
Desse modo é que a GR demonstra que na língua não categorias discretas, mas sim
uma fluidez entre elas.
Desse modo, membros de categorias maiores (nome e verbos), e intermediárias
(adjetivos e advérbios) servem de fontes para a formação de novos membros de
categorias menores (preposição, conjunções, pronomes e verbos auxiliares). Os autores
afirmam que na passagem de uma categoria a outra haveria um período de transição em
que os itens teriam característica de uma e outra categoria, e assim, uma sobreposição
seria percebida (Hopper e Traugott, 1993).
Para ilustrar essa sobreposição, os estudiosos lançam mão de um continuum/cline
a fim de ilustrar a gradualidade do processo de mudança. Do ponto de vista da mudança,
28
o termo cline tem duas acepções: sincrônica e diacrônica. De uma perspectiva histórica,
um cline é a trajetória natural de evolução das formas, um tipo de “declive
escorregadio” que direciona o desenvolvimento de novas formas. Sincronicamente, um
cline pode ser entendido como um continuum: um arranjo de formas ao longo de uma
linha imaginária, em que em um ponto está uma forma mais plena, considerada mais
lexical, e do lado oposto, está uma forma reduzida e compacta, talvez mais gramatical
(Hopper e Traugott, 1993, p. 6-7).
As duas metáforas, cline e continuum, são entendidas por terem certos pontos
focais onde o fenômeno pode estar agrupado e, por isso, os pontos reunidos no cline
são, até certo ponto, arbitrários, dada a fluidez das categorias. Embora haja
discordâncias entre lingüistas com relação em que ponto do cline colocar as categorias,
não se discute a sua eficácia no arranjo das categorias. Hopper e Traugott propuseram o
seguinte cline de gramaticalidade:
(02) ITEM LEXICAL > ITEM GRAMATICAL > CLÍTICOS > AFIXOS FLEXIONAIS
(HOPPER e TRAUGOTT, 1993, p. 7)
Cada item localizado mais à direita é claramente mais gramatical que o seu par à
esquerda. No entanto, é muito difícil estabelecer limites firmes entre as categorias
representadas no cline, uma vez que, como foi dito, a mudança se de maneira
gradual, e, portanto, os limites não são claros entre uma categoria e outra. Dessa forma,
esse tipo de cline, além de desafiar a noção de categorias discretas na língua, revela o
caráter unidirecional da mudança.
1.4 CRITÉRIOS DE GRAMATICALIZAÇÃO
29
Hopper (1991) afirma que a gramática de uma língua nunca é estável e que todas
as partes da gramática estão continuamente sofrendo transformações, e, por isso, novas
funções para formas existentes na ngua estão emergindo. Nesses termos é que ele
afirma que a gramática de uma língua é emergente.
Para o autor, o importante não é saber o que faz parte da gramática da língua, mas
sim o processo pelo qual as formas atingem a gramática, ou a gramaticalização. Dada
essa noção de gramática emergente, o autor afirma que é possível reconhecer quando
uma forma está mais ou menos gramaticalizada, e, para isso, lança mão de alguns
critérios que permitem identificar os primeiros estágios de GR e, por conseqüência, a
emergência de novas formas e construções gramaticais.
Os princípios propostos por Hopper são:
(a) Estratificação
Conforme o princípio de estratificação, quando formas surgem na língua, as
formas antigas não desaparecem de imediato, ou seja, a forma nova não substitui
imediatamente (e talvez nunca substitua) as formas já existentes; pelo contrário, as
formas passam a coexistir em um mesmo recorte temporal. É importante observar que
esse princípio implica a gradualidade do processo, e conseqüentemente, a polissemia
das formas.
Para exemplificar esse princípio, o autor utiliza o pretérito do inglês, em que
coexistem duas camadas, uma mais antiga, representada pela alternância das vogais para
diferenciar o presente do passado, como em take/took, e uma mais recente representada
pela alternância do /t/ e /d/, assim como em walk/walked.
(b) Divergência
30
Quanto à divergência, Hopper (1991) observa que esse princípio pode ser
considerado simplesmente um caso especial de estratificação. A divergência se refere ao
fato de que quando uma forma lexical sofre gramaticalização, a forma original pode
permanecer como elemento lexical autônomo e sofrer novas mudanças, como qualquer
outro item lexical.
Ainda que a divergência possa ser entendida como um caso especial de
estratificação, ela é um tanto diferente, dado que envolve diferentes graus de
gramaticalização em domínios funcionais similares, freqüentemente de formas lexicais
muito diferentes. Enquanto a divergência é aplicável aos casos em que o item lexical
autônomo torna-se gramaticalizado em um contexto e não se torna gramaticalizado em
um outro, a estratificação atua nas codificações de uma mesma função (HOPPER, 1991,
p.24)
A divergência resulta da multiplicidade de funções para uma mesma forma
fonológica. Assim, por meio desse princípio, nota-se que pode haver duas formas
fonologicamente idênticas, porém com funções e significados distintos. O que decorre
dessa relação é a multifuncionalidade.
Como exemplos de divergência, cito o verbo to go do inglês que, apesar de ter
sofrido o processo de GR e ganhado o valor semântico de futuro, codificado pela
expressão going to, o uso como verbo de movimento não foi substituído pelo temporal,
pelo contrário, eles coexistem atualmente no inglês. Outro exemplo é o caso da partícula
pas do francês, usada em estrutura de negação e que ainda é utilizada como substantivo
“passo”, significado do qual foi originada.
(c) Especialização
31
Esse princípio se refere ao estreitamento de escolhas que caracteriza uma
construção gramatical emergente, isto é, se relaciona com a restrição de opções para se
codificar uma determinada função, à medida que uma forma gramatical se torna mais
obrigatória em determinados contextos.
Um bom exemplo de especialização é a partícula pas do francês, que utilizada
como substantivo passo, ganhou estatuto gramatical na estrutura de negação que
integra. Historicamente, a partícula negativa original era ne, e nomes como pas step,
pace/passo poderiam reforçar a negação. Em um estágio inicial, um verbo de
movimento negado pelo ne poderia opcionalmente ser reforçado pelo pseudo-objeto
nominal pas (passo), como em Il ne va (pas). Nesse contexto, a palavra pas foi
reanalisada como uma partícula negativa, em uma estrutura do tipo ne Vmovimento
(pas), porém o contexto de uso de pas foi estendido para outros tipos de verbos que não
fossem de movimento, e dessa forma, a partícula pas foi reanalisada como sendo
obrigatória junto à ne para a negação em geral: ne V pas.
(d) Persistência
O quarto princípio se relaciona com a história de uma forma gramaticalizada, ou
seja, com a sua forma fonte. Esse princípio, como o próprio nome diz, ajuda a
reconhecer alguns traços sintáticos e semânticos do item fonte que ainda persistem na
forma gramaticalizada. Exemplos de itens que sofreram o processo de GR e que
preservam traços de seus itens fontes são as conjunções todavia e embora. Esses itens
apresentam sua origem em uma base adverbial, e ainda hoje apresentam mobilidade
sintática típica de advérbios, como pode ser verificado no exemplo (01), dado por
Bechara (2000), e (02) retirado do corpus:
(01) Eles não chegaram nem todavia deram certeza da presença.
(01´) Eles não chegaram nem deram, todavia, certeza da presença.
32
(01´´) Eles não chegaram nem deram certeza da presença, todavia.
(02) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, faltando-lhe embora
competência para julgar dos resultados. (CEL:Beblt)
(e) Descategorização
O último princípio diz respeito à perda, por meio do processo de GR, de
marcadores de categorialidade, e autonomia discursiva, como, por exemplo, nomes que
deixam de identificar participantes no discurso, e verbos que deixam de registrar novos
eventos. Isso implica que a forma gramaticalizada deixa de ter características
morfológicas e sintáticas que caracterizem a forma plena e passam a assumir
propriedades de categorias secundárias como, por exemplo, advérbios, preposições,
conjunções, etc.
1.5 MECANISMOS DA GRAMATICALIZAÇÃO: PROCESSOS COGNITIVOS
Heine et al. (1991a) discutem algumas estratégias utilizadas pelos falantes para
adquirir uma nova forma na língua, para designar conceitos existentes. A principal
delas seria a extensão de uso de formas existentes para expressão de novos conceitos,
comumente descrita como uma estratégia que inclui transferência metafórica e
metonímica. Segundo eles, essa estratégia seria responsável pela introdução de novos
lexemas e, ao mesmo tempo, pela criação de expressões gramaticais.
A fim de explicarem a criação de formas lingüísticas que passam a servir de
expressões gramaticais, Heine et al. (1991a), baseados em Werner e Kaplan (1963),
utilizam o princípio da exploração de velhas formas para designar novas funções. Por
esse princípio, conceitos concretos são empregados para explicar, entender, descrever,
33
fenômenos menos concretos. Dessa forma, estruturas mais claras são recrutadas para
conceituar entidades menos claras, e experiências não físicas são entendidas em termos
de experiências físicas, por exemplo, tempo em termos de espaço, causa em termos de
tempo, ou relações abstratas em termos de relações espaciais físicas.
Os autores acreditam que esse princípio é regido por fatores cognitivos, uma vez
que o falante tem a habilidade de conceituar domínios abstratos da cognição em termos
de domínios concretos.
De acordo com Heine et al. (1991ab), os principais mecanismos pelos quais a GR
ocorre são de natureza metafórica e metonímica. Esses dois mecanismos atuam na
alteração de sentido, porém de modos distintos. Enquanto a metáfora relaciona
significados mais abstratos com mais concretos, a metonímia envolve relações presentes
no contexto lingüísticos e extra-lingüísticos, estando fortemente relacionada a fatores
discursivos.
Apesar dessas diferenças de natureza, os componentes metonímico e metafórico
coexistem no processo de gramaticalização e essa coexistência poderia ser representada
pela seguinte estrutura:
E
SQUEMA
01:
M
UDANÇA DE SIGNIFICADO POR METÁFORA E POR METONÍMIA
Esse esquema sugere que a transição de uma entidade conceitual A para uma B
possui um estágio intermediário (A,B), em que a duas entidades coexistem lado a lado.
A presença desse estágio intermediário é responsável, na estrutura da língua, por alguns
tipos de ambigüidade e variação, estágio em que a metonímia atua. No resultado final
do processo que a atuação metafórica é notada, já que um significado passa de A para B
A A,B B
34
por abstratização de significado como se não houvesse a variação entre um e outro
(HEINE et al. 1991b; p.166).
Quanto à abstração metafórica, os autores afirmam que ela é considerada toda a
base da gramaticalização, pois se refere ao modo como os falantes entendem e
conceituam o mundo ao redor. Tanto os conceitos mais concretos quanto os mais
abstratos se agrupam a determinadas categorias cognitivas básicas, que podem ser
arranjadas em uma escala que tem a seguinte configuração:
(03) PESSOA > OBJETO > PROCESSO > ESPAÇO > TEMPO >
QUALIDADE
(HEINE et al. 1991b; p.157)
Essas categorias cognitivas podem abarcar muitos conceitos que representam a
experiência humana. A passagem de uma categoria a outra se metaforicamente,
partindo de conceitos concretos para abstratos, sendo que os conceitos à esquerda
servem de fonte para os domínios que estão à direita. Desse modo, com base no arranjo
dessas categorias, surge a noção de metáfora categorial como, por exemplo,
considerar espaço como sendo um objeto ou tempo como sendo espaço em que a
primeira categoria estabelece o tópico e a segunda o veículo para processo metafórico
(HEINE et al. 1991b; p.157).
A organização das categorias é unidirecional, parte da esquerda para a direita e
pode ser definida em termos de abstração metafórica, em que uma dada categoria é mais
abstrata do que qualquer outra categoria que estiver à sua esquerda e menos abstrata do
que qualquer uma à sua direita. Esse cline está de acordo com a afirmação de Heine et
al. (1991ab) de que a GR é o resultado de uma estratégia de solução de problemas,
segundo a qual conceitos que são imediatamente acessíveis à experiência humana são
empregados para a expressão de conceitos menos acessíveis e mais abstratos.
35
Os autores estabelecem um tipo de correlação entre essas categorias metafóricas, a
divisão de classes de palavras e os tipos de constituintes, conforme ilustra o quadro a
seguir:
C
ATEGORIA
T
IPO DE PALAVRA
T
IPO DE
C
ONSTITUINTE
PESSOA nome humano sintagma nominal
OBJETO nome concreto sintagma nominal
PROCESSO verbo dinâmico sintagma verbal
ESPAÇO Advérbio sintagma adverbial
TEMPO Advérbio sintagma adverbial
QUALIDADE adjetivo, verbos de estado, advérbio modificador
C
ATEGORIAS METAFÓRICAS E CLASSE DE PALAVRAS
(HEINE et al. 1991b; p.160)
É importante comentar que essa relação estabelecida pelos autores entre
categorias metafóricas e classe de palavras reproduz tendências e não uma correlação
necessária. Assim, é provável que a categoria tempo, por exemplo, possa ser
representada por um advérbio e, conseqüentemente, por um sintagma adverbial.
Com relação à metonímia, Heine et al. (1991ab) afirmam que ela é usada para
designar a mudança que sofre uma determinada forma em função do contexto
lingüístico e pragmático em que está sendo utilizada. O fator responsável pelo
surgimento da metonímia é uma manipulação discursiva dos conceitos que estão
sujeitos a fatores contextuais na interpretação enunciativa induzida pelo contexto.
Como foi apontado, a metonímia revela a gradualidade do processo, que pode
ser melhor verificado na figura abaixo, em que categorias mencionadas não são
completamente separadas uma das outras, como em:
PESSOA OBJETO PROCESSO ESPAÇO TEMPO QUALIDADE
F
IGURA
01:
C
ATEGORIAS COGNITIVAS
(HEINE et al. 1991b; p.162)
36
Por essa figura, nota-se que as categorias, ainda que sobrepostas, pode ser bem
interpretada como representante de um continuum sem qualquer divisão clara e interna
entre as fronteiras.
Assim, uma análise em termos de saltos metafóricos discretos capta apenas um
aspecto do processo, pois na GR, existe tanto descontinuidade, como continuidade, ou
seja, tanto transferência metafórica, como extensão gradual. Dessa forma, a presença de
tais atividades cognitivas divergentes pode ser o resultado de uma interação entre
operações cognitivas e estratégias textual-pragmáticas.
Além desses mecanismos, Bybee (2003) elenca alguns processos cognitivos que
seriam responsáveis pela formação de um item/morfema gramatical, a saber:
automatização, categorização, inferência pragmática e generalização. Esses processos
poderão auxiliar na verificação da formação da concessiva embora.
A autora observa que um item gramatical pode sugerir por automatização, quando
é usado pelos falantes da língua de forma repetitiva, até se tornar automático, e os
usuários da língua não reconhecerem mais o significado primeiro.
A categorização, por sua vez, seria a habilidade do falante em categorizar
elementos lingüísticos recorrentes na língua, o que se pela expansão de contextos em
que um item é usado como, por exemplo, o que ocorreu com o verbo to go do inglês,
que originalmente exigia somente sujeitos com o traço [+ humano], e posteriormente,
com o aumento de contextos, seu uso foi expandido para todos os tipos de sujeitos e
verbos, sendo usado como marca de futuro.
Com relação à inferência pragmática, a autora, baseada em Traugott (1982) e em
Hopper e Traugott (1993), afirma que por esse mecanismo o falante tem a habilidade de
julgar com precisão o que o ouvinte pode fornecer e formular seu discurso. Em outras
37
palavras, a inferência pragmática consiste na tendência de o falante/ouvinte fazer
inferências a partir do que está sendo dito.
Por fim, a autora afirma que a generalização ou bleaching semântico, como
chamado por ela, nada mais é do que uma conseqüência da automatização, visto que por
generalização, a autora entende a perda de característica de um item pelo “desgaste”, ou
uso freqüente. Assim, como afirma Bybee, a generalização semântica ou bleaching seria
causada pela alta freqüência de uso de um item.
Além desses processos, a reanálise e a analogia têm sido amplamente
reconhecidas como mecanismos significativos para a mudança em geral, especialmente
para a mudança morfossintática. A reanálise modifica as representações subjacentes,
quer semântica, sintáticas ou morfológicas, e traz mudança na regra. A analogia, por sua
vez, modifica manifestações superficiais e não efetua a mudança na regra, embora
efetue a expansão da regra dentro do sistema lingüístico ou dentro de uma comunidade
de fala (Hopper e Traugott, 1993, p.32)
Alguns autores, como Carol Lord (1976, apud HEINE et al. 1991b. p. 215),
utilizam o termo reanálise como um quase sinônimo de gramaticalização. Segundo
Heine et al. (1991ab), Heine e Reh (1984) propõem a separação entre a reanálise e a
gramaticalização, essencialmente por causa do princípio da unidirecionalidade, que é
uma propriedade inerente à última, mas não à primeira (HEINE et al., 1991b, p.167).
Tipicamente, a reanálise acompanha a gramaticalização, que o contexto
lingüístico motiva o processo de GR, tem como conseqüências mudanças sintáticas e
semântico-pragmáticas.
A analogia diferentemente da reanálise se refere à atração de formas existentes
para construções também existentes, e envolve alterações ao longo do eixo
paradigmático. Meillet entendia analogia como um processo pelo qual irregularidades
38
na gramática, principalmente no nível morfológico, eram regularizadas. Hopper e
Traugott (1993) não vêem a analogia simplesmente como generalização de uma regra,
pelo contrário, eles afirmam que uma importante perspectiva na analogia, que diz
respeito à generalização através dos padrões de uso, como refletido pela freqüência com
que os tokens de uma estrutura podem ocorrer através do tempo.
Na concepção de Hopper e Traugott, a reanálise e a analogia são os principais
mecanismos envolvidos em mudança e se complementam na explicação de fenômenos
de mudança. Elas envolvem inovações ao longo de diferentes eixos, dado que a primeira
opera no eixo sintagmático, na estrutura linear dos constituintes, a segunda opera no
eixo paradigmático, dos constituintes opcionais, porém somente a reanálise pode de fato
criar uma nova forma gramatical.
1.6 MOTIVAÇÕES PRAGMÁTICAS DA GR
Conforme Hopper e Traugott (1993), dentre os vários fatores que instigam a GR,
os principais são: a economia, que os falantes utilizam mesmas formas para dizer coisas
diferentes, com propósitos diferentes; clareza, que os falantes tentam ser claros e
informativos com seus ouvintes; e a expressividade, que o falante expressa atitudes na
situação discursiva. Dessa forma, todos esses fatores estão relacionados e pautados nas
intenções do falante e ouvinte e, por isso, podem ser chamados de motivações
pragmáticas. Com base nessas noções, os autores acreditam que as mudanças de sentido
e as estratégias pragmáticas que as motivam são centrais nos primeiros estágios de GR,
e estão crucialmente ligadas à expressividade.
Alguns gramaticalizadores como Traugott (1982), Traugott e König (1991),
Hopper e Traugott (1993), e Traugott (1999) colocam a questão da pragmática como
39
foco da mudança de significado que acompanha a GR. Para os autores, além de fatores
interacionais serem responsáveis pelo acréscimo de itens gramaticais na língua, a
mudança de significado sofrida por um item é sempre unidirecional, partindo de um
significado centrado na situação externa em direção à situação centrada na
crença/atitude do falante.
Dentro dessa perspectiva, Traugott e König (1991) e Hopper e Traugott (1993)
utilizam a metonímia para explicar de que maneira um significado A passa a ser inferido
como B, em determinados contextos, até se tornar convencionalizado. Para explicar essa
inferência de sentido, os autores utilizam a proposta de Grice (1975), em termos de
implicaturas conversacionais.
De acordo com o autor, a implicatura seria resultado da quebra de uma ou mais de
uma das cinco máximas propostas por ele, a saber: máxima da quantidade, da
qualidade, da maneira, da relação e da relevância. Assim, o falante ao infringir uma
dessas máximas geraria uma implicatura, “forçando” o ouvinte a fazer uma inferência
nesse contexto, interpretando um sentido novo B a partir de um sentido velho A. O autor
chamou as implicaturas de conversacionais, pois as inferências são feitas somente em
determinadas instâncias de conversação, ou seja, em determinados contextos de uso e
não em outros, o que sugere que o contexto seria responsável pela interpretação desse
novo sentido, sempre atendendo a propósitos comunicativos. Quando esses significados
são entendidos pelos falantes em outros contextos, eles se tornam convencionalizados e
o sentido primeiro é perdido. Por isso que os estudiosos de GR chamam esse processo
de convencionalização de implicaturas conversacionais.
Conforme Hopper e Traugott (1993), o papel dessas inferências pragmáticas na
GR está no fato de que as implicaturas se tornam frequentemente “semantizadas”, isto é,
se tornam parte da polissemia da forma. Desse modo, como já foi discutido, antes de um
40
significado se tornar convencionalizado, por metonímia, ele passa por um estágio de
polissemia, e poderá ser interpretado como AB, acarretando uma variedade de
significados e uma provável mudança semântica.
Para ilustrar essas afirmações, os autores investigam a formação de conjunções do
inglês, mostrando os contextos de ambigüidade, e as inferências de sentido, antes da
mudança ser definitivamente instaurada. Os exemplos mais clássicos de GR de
conjunções se referem à since, e à formação da conjunção while. No caso de since, ao
ser empregada com sentido temporal em determinado contexto lingüístico, permitiria
uma leitura ambígüa de tempo e causa. Os autores fornecem os seguintes contextos em
que fica evidente a leitura temporal, como em (03), a leitura ambígua entre tempo e
causa marca, como em (04), e a leitura puramente causal, como em (05):
(03) I have done quite a bit of writing since we last met. (temporal)
‘Eu tenho escrito um pouco, desde o nosso último encontro’.
(04) Since Susan left him, John has been very miserable. (temporal, causal)
Desde que Susan o deixou, John tem estado arrasado’.
(05) Since you are not coming with me, I will have to go alone. (causal)
Já que você não vem comigo, eu terei que ir sozinho.
A conjunção while, empregada em determinados contextos em que a
concomitância temporal de idéias contrárias, teve seu significado implicado como
concessão, e não mais como tempo. Traugott e König (1991) mostram que
historicamente a concessiva surgiu de uma locução temporal while que significava no
tempo em que, indicando, portanto, uma situação temporal, via um conectivo temporal
aglutinado em while, indicando simultaneidade; e, por fim, passou a funcionar como a
concessiva while, expressando uma atitude do falante, assim como no exemplo dado por
Traugott (1982, p. 254):
(06) While I quite like that kind of tiling, I don’t care for it enough to buy any.
41
(06´) Embora eu goste desse tipo de telha, eu não me importo a ponto de comprá-la.
Assim, por meio de dados diacrônicos do inglês, os autores mostram que
contextos lingüísticos como, por exemplo, eventos narrados no passado, e situações que
denotam concomitância de situações adversas teriam propiciado a leitura de causa e
concessão, respectivamente, para since e while. Os autores afirmam que além de
contextos sintáticos diferentes serem responsáveis pela leitura temporal em (03), e
causal em (05), por exemplo, as intenções comunicativas dos falantes fazem com que
esses itens adquiram um novo significado na língua.
Não é difícil imaginar por que uma forma temporal passa em alguns contextos
sintáticos a ter um significado causal, uma vez que os eventos, pautados nesse tipo de
relação semântica, estão dispostos em uma seqüência cronológica, ou seja, a causa
antecede temporalmente a conseqüência. Se pensarmos em (04), primeiro Susan
terminou com John e em seguida ele ficou infeliz. Desse modo, logicamente, um evento
temporal segue outro, e logicamente, a causa é anterior ao seu efeito.
Traugott e König (1991) levantam questionamentos sobre o que motivaria o
falante a utilizar um valor temporal como concessivo, e explicam que contextos
temporais que sinalizam a coexistência de eventos seriam os principais responsáveis
pelo surgimento do significado concessivo.
Os autores acreditam que ao se gramaticalizar, expressões concessivas ganhariam
em expressividade, em pragmática, uma vez que itens que denotam concessão, por
exemplo, sinalizam com mais evidência do que os temporais a expectativa do falante
com relação ao ouvinte. Desse modo, eles propõem que a mudança de significado de
um item que sofre GR seja unidirecional e siga a seguinte trajetória: significados
baseados na situação exterior > significados baseados na situação interna > significados
situados na atitude/crença do falante.
42
Dentre os vários exemplos de mudança de significado baseada na situação externa
para a situação interna, podemos citar from...to, discutida por Heine et al. (1991b).
Segundo os autores, from...to com o sentido temporal surgiu do sentido espacial, uma
vez deslocamento no espaço leva ao deslocamento no tempo. Assim como nos
exemplos abaixo, nota-se que de uma situação física (espacial) a estrutura passa a ter
uma acepção temporal, com a função sintática de preposição que indica tempo.
(07) From Cologne to Vienna it is 600 miles. (espaço)
De Cologne a Vienna são 600 milhas’.
(08) To get to Vienna, you travel from morning to evening. (tempo)
‘Para chegar em Vienna, você viaja de manhã até a noite’.
Assim, um significado espacial passou a ser interpretado como temporal,
passando de um significado baseado na situação exterior (mais concreto), para um
significado interior (mais abstrato).
Como exemplo de mudança de significado baseada na situação interna para
significados baseados na situação textual, Traugott e König (1991) citam o item after
que, de advérbio temporal, passou a conectar orações subordinadas que expressam
relações de tempo.
Por fim, como exemplo de fortalecimento do significado situado na atitude do
falante, os estudiosos elegem as concessivas, as causais e os itens de negação para
ilustrar essa passagem. Por exemplo, while teria passado de uma situação temporal para
uma situação textual/coesiva em que liga orações (principal e subordinada) até a
assumir, além da função coesiva, um significado baseado na atitude do falante com
relação às possíveis crenças/pensamentos do ouvinte.
Por essa razão, os autores afirmam que uma pragmatização de significado e o
principal mecanismo responsável que dispara esse fortalecimento pragmático é um
princípio de informatividade ou relevância, essencialmente relacionado à tendência
43
do falante em ser tão informativo quanto possível, dada a necessidade da situação. Em
outras palavras, o falante se baseia em suas crenças sobre o ouvinte e sobre a situação
comunicativa, e tende a ser cada vez mais claro e preciso no que diz respeito à
quantidade de informação dada por ele.
Esse princípio estaria relacionado com as implicaturas conversacionais, uma vez
que o falante, ao tentar ser mais específico por meio de um código gramatical,
convidaria o ouvinte a selecionar a interpretação mais informativa. Na verdade, os
autores discutem que a mudança vai de menos para mais informação, isto é, na direção
do código explícito da relevância e da informatividade que antes era apenas entendido
implicitamente.
Desse modo, os estudiosos acreditam que a convencionalização de implicaturas
conversacionais e o princípio de informatividade são os mecanismos responsáveis
pelo surgimento de itens gramaticais, principalmente de concessivas, causais, e itens
negativos.
Visto que esses mecanismos, diretamente relacionados com a metonímia, atuam
por pressões do contexto, induzindo a uma reinterpretação de significado, discuto na
próxima seção uma tipologia de contextos proposta por Heine (2002), que ajudaria na
explicação do surgimento desses itens gramaticais.
1.6.1 O PAPEL DO CONTEXTO EM GR
Heine (2002) afirma que a evolução de uma categoria gramatical é conduzida pelo
contexto, e, sendo assim, uma análise da variação contextual pode oferecer uma
ferramenta poderosa de reconstrução, que estágios diferentes de evolução tendem a
ser refletidos na forma de contextos diferentes.
44
Desse modo, o autor propõe uma variedade de contextos desde aquele em que sua
fonte era usada, passando por um contexto em que o novo significado é inferido, até os
novos contextos em que o novo significado passa a ser convencionalizado pelos falantes
da língua.
Para o autor, três tipos de contextos: o contexto bridging, o contexto switch e
convencionalização. O contexto bridging está relacionado com a mudança semântica,
portanto, esse tipo de contexto pode ser descrito em termos de inferências, implicaturas
ou sugestões. Para esse tipo de contexto, Heine (2002) enumera as seguintes
propriedades: (a) dispara um mecanismo de inferência, que oferece interpretações mais
plausíveis para a nova forma; (b) não exclui a possibilidade de recuperar o significado
fonte; (c) associa uma forma lingüística a um número de diferentes contextos bridging.
O contexto switch, por seu lado, é o tipo de contexto fundamental para o
surgimento do significado alvo, que é o tipo de contexto em que o significado alvo é
isolado do significado mais lexical ou fonte. Esse contexto tem a propriedade de: (a)
não ser compatível com propriedades do item fonte; (b) não possibilitar, portanto, a
interpretação em termos do significado fonte; (c) apresentar uma única interpretação
para o novo significado e; (d) ser específico para a interpretação do significado novo.
Depois que o item passa a ser utilizado em contextos que sugerem o significado
novo e em contextos em que a leitura do significado fonte não era mais possível,
passa pelo contexto que o autor chama de convencionalização. Nesse momento, o
significado independe de pistas contextuais e poderá: (a) ser usado em novos contextos;
(b) violar ou contradizer o significado fonte e; (c) co-ocorrer na mesma sentença em que
o fonte.
Esses três contextos são associados a estágios de desenvolvimento de um item
gramatical, que podem ser verificados abaixo:
45
Estágio I: uma expressão com um significado fonte ocorrendo em uma
variedade de contextos.
Estágio II: esse estágio se relaciona com o contexto bridging, momento em que
um contexto específico gera uma inferência em favor de um novo significado.
Estágio III: esse momento é associado ao contexto switch, que não é mais
permitido a interpretação em termos do significado fonte.
Estágio IV: no estágio final, o significado novo se desvincula daquele contexto
que o gerou, e agora, convencionalizado, poderá ser usado em novos contextos.
Segundo o autor, cada tipo de contexto citado acima corresponde a um tipo de
estágio. Dessa forma, o contexto bridging corresponde ao segundo estágio, o contexto
switch corresponde ao terceiro, e, finalmente, o contexto de convencionalização
corresponde ao quarto estágio. Essas correspondências podem ser ilustradas da seguinte
forma.
E
STÁGIOS
C
ONTEXTO
S
IGNIFICADO RESULTANTE
I:
estágio inicial contexto natural significado fonte
II: contexto bridging
um contexto específico
possibilita uma inferência,
a favor do novo significado
significado alvo em
primeiro plano
III: contexto switch
contexto incompatível com
a forma fonte
significado fonte em
segundo plano
IV: convencionalização
o significado alvo não
necessita de um contexto
específico para ser
entendido, ele agora pode
ser usado em novos
contextos
somente o significado alvo
Q
UADRO
02:
T
IPOLOGIA DE CONTEXTOS
,
H
EINE
(2002:86)
46
A passagem entre esses estágios não ocorre de maneira discreta, mas sim de forma
gradual, contínua, que vai do estágio I ao estágio IV. Por isso, o autor afirma que essa
proposta visualizada na tabela acima é um modo de descrever aspectos históricos da
gramaticalização por meio de uma sucessão de diferentes estágios em desenvolvimento.
Para exemplificar essa proposta, Heine explica a passagem do pronome reflexivo
à marca de passiva, em algumas línguas africanas, e a passagem de um marcador
temporal para uma conjunção de contraste ou concessão, da língua alemã. Visto a
investigação do desenvolvimento da conjunção concessiva do português embora,
restrinjo a exposição da formação da concessiva dabei do alemão, aplicada nos quatro
estágios propostos por ele.
Sincronicamente, o item dabei é usado na língua tanto como advérbio temporal,
que se refere a uma extensão limitada de tempo, formada pelo advérbio da + a
preposição bei, como conjunção concessiva. Para ilustrar o desenvolvimento diacrônico
da concessiva, o autor expõe os quatro estágios de formação desse significado,
exemplificados de (09) à (12):
(09) Karl geht schlafen; dabei trägt er einem Schlafanzug
‘Karl está indo para a cama; (no momento) ele está usando um pijama.’
(10) Karl geht schlafen; dabei ist er gar nicht müde.
‘Karl está indo para a cama; ele ainda não está cansado.’
(11) Karl geht schlafen; dabei geht er um diese Zeit nie schlafen.
‘Karl vai para a cama; embora ele nunca vá para a cama nesse horário.’
(12) Karl geht schlafen; dabei war er eben noch überl aupt nicht müde.
‘Karl está indo para a cama, embora a um momento atrás ele não estivesse cansado.’
Conforme a interpretação feita pelo autor, em (09) dabei apresenta o significado
de co-simultaneidade temporal, portanto, o contexto em que ela está ocorrendo
corresponde ao estágio inicial temporal, em que duas ações ocorrem ao mesmo tempo.
Já em (10), nota-se que há um contraste entre a primeira parte do enunciado e a
segunda, sugerindo, dessa forma, uma interpretação concessiva, ainda que o significado
47
temporal esteja presente. Pelo fato do contexto possibilitar essa inferência, ele é
caracterizado como sendo um contexto bridging estando, o item, portanto, no segundo
estágio, o de ambigüidade.
No que se refere ao exemplo (11), percebe-se um contexto diferente, o switch,
correspondente ao estágio III, isto é, o significado temporal não pode mais ser atribuído
ao item dabei, que somente a interpretação concessiva pode ser notada nesse
contexto.
Uma observação importante de Heine (2002), com relação a esses contextos, é
que conforme o item ganha mais significado de concessão, sua posição passa a ser mais
rígida dentro da sentença, o que não ocorria quando ela apresentava somente uma leitura
temporal.
O contexto do último exemplo, por sua vez, corresponde ao quarto estágio da
proposta de Heine, que o significado concessivo se convencionalizou. Desse modo,
antes era necessário haver um contexto entre duas situações incompatíveis, para que
houvesse uma interpretação concessiva, agora o item se desgarra desse tipo de contexto,
sendo utilizado em vários outros contextos diferentes tendo o valor concessivo
convencionalizado.
A partir dessa explanação, Heine (2002) afirma que os contextos para a formação
da concessiva dabei do alemão estariam ilustrados no seguinte quadro:
48
E
STÁGIOS
C
ONTEXTO
S
IGNIFICADO RESULTANTE
I: estágio inicial
dabei estabelece entre as
orações uma relação
temporal. A posição do
item não é fixa.
simultaneidade temporal
II: contexto bridging
o contéudo vinculado na
segunda parte do
enunciado contrasta com os
da primeira parte; o item só
pode ocorrer no início da
sentença.
inferência concessiva está
em primeiro plano (figura)
III: contexto switch
a primeira ou a segunda
oração se refere a uma
situação em um tempo
estável.
significado temporal está
em segundo plano (fundo)
IV: convencionalização
o significado alvo não
necessita de um contexto
específico para ser
entendido, ele agora pode
ser usado em novos
contextos
somente o significado
concessivo
C
ONTEXTOS PARA A FORMAÇÃO DA CONCESSIVA DABEI DO ALEMÃO
,
H
EINE
(2002:86)
No capítulo referente à análise histórica, essa tipologia de contextos será aplicada
nos dados do português, para apreender a formação da concessiva embora.
1.7 GRAMATICALIZAÇÃO DE CONJUNÇÕES
Na literatura da GR de conjunções, trabalhos significativos, como de Traugott
(1982, 1999), Sweetser (1988 e 1990), Traugott e König (1991), König (1984) e Chen
(2000), os quais discuto a seguir.
No que diz respeito à mudança de significado que acompanha a GR de
conjunções, Traugott (1982) privilegia o segundo mecanismo discutido por Heine et al.
(1991ab), a saber, a metonímia, de natureza pragmática, e sugere uma proposta para
desenvolver uma tipologia das mudanças semântico-pragmáticas no processo de GR. A
proposta formulada pela autora é baseada em Halliday & Hasan (1976), cujo modelo
49
semântico funcional abarca três componentes da linguagem: o proposicional, o textual e
o expressivo.
O componente proposicional envolve os recursos da linguagem que utilizamos
para falar de qualquer assunto relacionado ao mundo extralingüístico, ou seja,
elementos mais referenciais. Nesse domínio, estariam os elementos diretamente
relacionados com a comunicação face a face, isto é, que estão ancorados no discurso,
como os pronomes dêiticos, de tempo, espaço e de pessoa, que se referem à localização
e à orientação dos interlocutores. O textual, por sua vez, fornece recursos que
possibilitam um discurso coeso, tais como os vários conectivos e os elementos
anafóricos, que estão diretamente ligados com eventos do discurso. Por fim, o
componente expressivo disponibiliza a expressão que denota atitude pessoal sobre o
que está sendo dito na situação discursiva, no próprio texto, e sobre outros participantes
do discurso.
A proposta da autora é a de que a mudança de significado se dá de forma
unidirecional, partindo do componente proposicional, com a possibilidade de passar
pelo textual, em direção ao expressivo, e nunca o contrário. Essa hipótese foi mostrada
pela autora no seguinte cline:
(04) PROPOSICIONAL (> TEXTUAL) > EXPRESSIVO
(TRAUGOTT, 1982: 256)
Anos mais tarde, a autora junto com König reformula essa proposta, afirmando
que a mudança semântica seguiria três tendências semântico-pragmáticas. Pela primeira
tendência os autores entendem que significados baseados na situação externa seria a
fonte para o desenvolvimento de significados baseados na situação interna ao discurso
(cognitivo/ avaliativo).
50
A segunda tendência semântico-pragmática explicaria o surgimento de
significados baseados na situação textual (coesivo) a partir de significados baseados na
situação externa. Como exemplo, os autores mencionam surgimento do item coesivo
after, do inglês, desenvolvido a partir de um significado temporal (depois).
A última tendência está relacionada com o desenvolvimento de significados
situados na crença/atitude subjetiva do falante, ou seja, com o surgimento de itens que
expressam a surpresa, expectativa, sentimento do falante com relação a duas
proposições. Dessa forma, haveria uma pragmatização do significado, visto que a
relação estabelecida nesse nível envolve as crenças, atitudes do falante com relação ao
ouvinte e à situação discursiva.
Assim, os autores sugerem que a mudança de significado que acompanha a GR
teria a seguinte direção: significados baseados na situação exterior > significados
baseados na situação interna > significados situados na atitude/crença do falante. É
importante salientar que, quando um significado se pragmatiza, não necessariamente
passará por todas as tendências semântico-pragmáticas, podendo, por exemplo, ser
desenvolvido a partir de um significado baseado na situação externa, não passando pela
textual.
Traugott (1999) propõe que essas tendências semântico-pragmáticas estariam
incluídas em outros dois processos, a subjetivização e a intersubjetivização. Segundo
ela, a subjetivização é um processo que, ao longo do tempo, desenvolve significados
que externalizam as perspectivas dos falantes com relação aos eventos do mundo
discursivo, e não aos aspectos do mundo real. Já a intersubjetivização é o processo pelo
qual os significados se tornam, ao longo do tempo, mais centrados na crença do falante
com relação às atitudes do ouvinte. Dessa maneira, nota-se que a subjetivização é um
51
mecanismo centrado no falante, ao passo que a intersubjetivização é centrada no
ouvinte.
Conforme a autora, não se pode separar esses dois mecanismos, uma vez que não
intersubjetivização sem um grau de subjetivização, pois é o falante quem recruta os
significados para expressar as crenças, atitudes, etc. Dessa forma, a trajetória semântica
seria a seguinte: subjetivização > intersubjetivização.
Na verdade, Traugott e König (1991) discutem que a mudança metonímica vai de
menos para mais informação, isto é, na direção do código explícito da relevância e da
informatividade que antes era apenas entendido implicitamente, o que a caracteriza
como sendo um caso de inferência e fortalecimento pragmático.
Quanto a esses dois mecanismos, Traugott e König afirmam que a metonímia e a
metáfora correlacionam mudanças de diferentes tipos de funções gramaticais, nas
palavras dos autores:
“A Metáfora está largamente correlacionada com mudanças de significados localizados
na situação descrita externa para significados referentes a situações avaliativas,
perceptivas e cognitivas, e para significados fundados na marcação textual. A Metonímia,
por sua vez, está amplamente correlacionada com as mudanças de significados centrados
na crença ou atitude subjetiva dos falantes, em direção à situação, incluindo a
lingüística.”
3
(Traugott e König, 1991, p. 213)
Em resumo, nota-se que o fortalecimento pragmático e a subjetivização surgem da
pragmática cognitiva e comunicativa da interação falante-ouvinte e das práticas
discursivas. Em outras palavras, as propostas de Traugott e König (1991), e Traugott
(1999) estão baseadas em motivações pragmáticas e discursivas, no que diz respeito à
mudança semântica que acompanha a GR.
3
“Metaphor is largely correlated with shifts from meaning situated in the external described situation to
meanings situated in the internal evaluative, perceptual, cognitive situation, and in the textual situation.
Metonymy is largely correlated with shifts to meanings situated in the subjective belief-state or attitude
toward the situation, including the linguistic one.” (Traugott e König, 1991, p. 211).
52
Quanto ao trabalho de Sweetser (1988 e 1990), ela adota uma abordagem
cognitiva que envolve três áreas distintas, a saber, a polissemia, a mudança semântica
lexical e a ambigüidade pragmática, para tratar da mudança semântica. A autora afirma
que nenhuma mudança semântica ocorre sem haver um estágio de polissemia, dado que
se uma palavra uma vez significou A, e agora significa B, é certo que houve um
momento na história desse item em que ele significou AB, e o significado primeiro foi
perdido (SWEETSER, 1991, p. 9).
Conforme Sweetser (1988), grande parte da polissemia ocorre devido aos usos
metafóricos, já que nossa cognição e nossa linguagem operam metaforicamente. A
metáfora nos permite entender uma coisa em termos de outra sem ter a consciência que
elas têm a mesma base semântica. Na medida em que um uso, baseado em uma
estrutura metafórica, se torna conscientizado pelos falantes, essa forma lingüística passa
a ter um novo sentido por meio de motivações metafóricas.
A autora propõe três domínios de conceituação, que dizem respeito ao
desdobramento polissêmico de uma forma. São eles: o domínio de conteúdo (sócio-
físico), o epistêmico (raciocínio lógico), e o conversacional (ato de fala). Entende-se os
domínios cognitivos, epistêmico e atos de fala, pelo menos em parte, em termos do
domínio externo, físico e social. Além disso, os falantes usam os mesmos termos, em
muitos casos, para expressar relações no ato de fala e no mundo epistêmico, bem como
para expressar relações paralelas no domínio do conteúdo (mundo real dos eventos e
entidades, às vezes, incluindo o discurso e pensamento, que formam o conteúdo do
discurso e do pensamento). A relação entre esses domínios, segundo Sweetser (1990), é
cognitiva, e eles influenciam na polissemia, mudança semântica e na interpretação de
uma oração.
53
A força atuante nesses três domínios é de natureza metafórica, isto é, uma
conexão entre eles, baseada na metáfora, que faz com o falante, inconscientemente,
reconheça essa relação entre os domínios, da mesma forma que ele “reconhece” relação
entre conhecimento e visão, entre tempo e espaço, e, dessa forma, utiliza um para falar
do outro.
Sweetser (1988, 1990) propõe que a mudança semântica se de maneira
unidirecional, por projeções metafóricas, uma vez que um domínio é derivado do outro,
sempre de um concreto para um mais abstrato.
Sweetser (1988) se preocupa em definir quais os significados que são perdidos e
quais são preservados em GR, que na transferência de sentidos algumas
características semânticas são preservadas da fonte, e outras são acrescentadas ao
domínio alvo.
1.7.1 GRAMATICALIZAÇÃO DE CONCESSIVAS
Com o objetivo de fazer um estudo histórico do desenvolvimento de conectivos
concessivos em inglês, König (1984) e Chen (2000) propõem algumas hipóteses acerca
das fontes para os conectores concessivos. Os autores defendem que essas fontes seriam
as mesmas para a formação de concessivas em todas as línguas. Apresento essas fontes
propostas por eles, para checar posteriormente na descrição dos dados históricos, qual
poderia ajudar na descrição da formação de embora.
König (1984) argumenta que as construções concessivas, que incluem os
conectivos concessivos, apresentam uma natureza complexa, pelo fato de a maioria ser
formada pela aglutinação de duas ou mais itens, mas, por outro lado, seus componentes
54
são facilmente identificáveis, fornecendo pistas sobre sua origem histórica como, por
exemplo, as concessivas although, nevertheless e even if, do inglês.
Para buscar as fontes que originaram as concessivas na língua inglesa, tanto
König (1984) como Chen (2000) afirmam que dois tipos de concessivas: as
concessivas condicionais concessivas e as concessivas propriamente ditas. Segundo os
autores, essa distinção não explica propriedades semânticas das concessivas, como
também pode ajudar a explicar a sua trajetória de GR. Os seguintes exemplos dados por
König (1984) retratam esses dois tipos de concessivas:
(13) Even if nobody helps me, I´ll manage.
Mesmo se ninguém me ajudar, eu controlarei a situação.’
(14) Even though Fred is English, he speaks fluent French.
Embora o Fred seja inglês, ele fala francês fluentemente. ’
Segundo o autor, a concessiva condicional exemplificada em (13) pode ser
agrupada junto às concessivas e às condicionais, pois carrega uma implicação ou
sugestão de incompatibilidade entre duas situações (característica semântica das
concessivas) e implica uma condição parcial entre o primeiro e o segundo membro da
sentença.
A relação semântica entre as concessivas e as condicionais apontada pelo autor
compreende que na concessiva, o conteúdo expresso na oração principal e na
subordinada são verdadeiros, ao contrário da condicional, em que o conteúdo expresso
por essa oração é hipotetizado pelo falante. É nesse intermédio que aparecem as
condicionais concessivas, (em inglês, even if, em português, mesmo que/ mesmo se) em
que o falante ao mesmo tempo que hipotetiza levanta uma objeção.
Essa aproximação entre concessivas e condicionais é feita pelo autor para mostrar
que, na trajetória de desenvolvimentos de itens concessivos, as condicionais cumprem
papel muito importante, visto que servem ou de fonte para sua formação, ou estão
55
presentes no contexto responsável pelo seu aparecimento. Um bom exemplo é a
concessiva although, do inglês, que teve sua origem no item peah combinado com all.
Baseado em um corpus diacrônico do inglês, nig (1984) afirma que essa concessiva
teve origem condicional e era usada para expressar uma relação condicional concessiva.
Desse modo, ele afirma que as concessivas em diversas línguas, assim como although,
tiveram sua origem em uma expressão condicional, e o uso atual de condicionais
concessivas se deve a esse fato histórico.
Além desse contexto condicional, o autor salienta que há uma grande variedade de
fontes que podem dar origem às concessivas. Para enumerá-las, o autor diferencia
quatro grupos: (a) concessivas que apresentam em sua estrutura um quantificador ou
itens enfáticos, como, por exemplo, os conectivos although, do inglês, e por mais que,
do português; (b) concessivas que são compostas de um item temporal, condicional,
e/ou um enfático; conforme os conectivos embora, mesmo se, e, mesmo que; (c)
concessivas que implicam uma coexistência entre dois fatos, como, por exemplo os
conectivos still, do inglês, ainda que, do português, e todavia, do espanhol; (iv)
concessivas derivadas das noções de obstinação, ódio, isto é, noções aplicadas a agente
com o traço [+] humano, como os conectivos in spite of, do inglês, apesar de e não
obstante, do português.
Ao apontar essas fontes para as concessivas, o autor mostra que um processo
de mudança semântica universal que subjaz ao desenvolvimento de conectivos nas
línguas. Por isso, na descrição diacrônica dos dados de embora, essas fontes apontadas
pelo autor serão checadas.
Baseada em um corpus diacrônico do inglês, Chen (2000) afirma, assim como
König (1984), que as concessivas derivam de uma grande variedade de fontes, e assim,
elenca algumas que favoreceriam o seu aparecimento: a) expressões que diretamente
56
concedem a existência de uma situação adversa; b) expressões que enfatizam a
adversidade de uma situação concedida; c) expressões que afirmam a ineficácia de uma
situação; d) expressões que atestam a concomitância de duas situações; e) expressões
que ajudam a expressar a factualidade de um situação.
A importância desses trabalhos é a de mostrar que os caminhos semânticos
percorridos por itens até se tornarem conectores concessivos são os mesmos para as
diversas línguas, e que o fato de haver diversas fontes que originam as concessivas
implica a enorme variedade de conectores concessivos em muitas línguas. Isso pode
auxiliar na explicação da existência de muitas concessivas no português, como mesmo
se, ainda que, por mais que, embora etc.
57
CAPÍTULO II
CONSTRUÇÃO CONCESSIVA
As gramáticas normativas do português tratam as orações concessivas de forma
muito semelhante, com relação ao seu aspecto sintático e semântico. A definição mais
tradicional dada às concessivas pelos gramáticos, como Lima (1969), Cunha e Cintra
(1985), e Bechara (2000), diz respeito ao seu aspecto semântico. De modo geral, os
autores se referem às concessivas como orações que expressam um fato real ou suposto,
que poderia opor-se à realização de outro na oração principal, porém que não impede ou
modifica de modo algum a declaração da oração principal. Por isso, estabelecem
também relação com as noções de oposição, quebra de expectativa, obstáculo e
incompatibilidade.
A relação semântica de contraste presente nas concessivas é inferida dessa
definição tradicional, contudo é pouco explorada, uma vez que a oposição a que as
gramáticas se referem nada mais é do que uma oposição entre o conteúdo veiculado na
oração principal e o conteúdo da subordinada. Na realidade, esse contraste vai além do
caráter semântico, como discutiremos mais adiante.
Além do critério semântico presente em suas definições, alguns gramáticos, como
Cunha e Cintra (1985) e Lima (1969), por exemplo, identificam orações concessivas
com aquelas iniciadas pelas seguintes conjunções: embora, ainda que, por mais que,
posto que, se bem que etc. Esse tipo de categorização por conjunção ou locução
conjuntiva é limitado, corre o risco de negligenciar os aspectos semânticos das orações
e, além disso, de desconsiderar que algumas dessas conjunções possam apresentar mais
de um sentido, a depender do contexto lingüístico em que elas são empregadas.
58
Por meio dessa consulta nas gramáticas normativas, podemos observar que o
tratamento das orações concessivas é reduzido ao enfoque sintático-semântico:
dependência em relação à oração principal, tipo de conector que encabeça as orações e
relação de contraste entre as orações. Critérios pragmáticos não são considerados, o que
leva a um entendimento insuficiente do funcionamento desse tipo de construção.
Alguns trabalhos de cunho lingüístico descritivo contestam esse tratamento dado
às concessivas como, por exemplo, Bechara (1954), Mira Mateus et al. (1989), König
(1984), Lima (1987), Cuadrado (1998), Parazuelos (1993), Rivas (1994), e Neves (1999
e 2000). Discutirei cada trabalho, a fim de melhor caracterizar esse tipo de oração,
quanto aos seus aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos.
Na obra Gramática da Língua Portuguesa, Mira Mateus et al. (1989) oferecem
uma visão diferenciada das concessivas, que vai além dos aspectos tratados pelos
normativos, ao adotarem uma abordagem funcional para explicar fenômenos da
linguagem, estando o componente semântico-pragmático no centro da descrição das
autoras. Segundo elas, o tipo de contraste presente nas concessivas não seria somente
semântico, mas também pragmático, envolvendo o conhecimento do falante/ouvinte
sobre o conteúdo dito das orações.
Mira Mateus et al. (1989) dividem as orações contrastivas em construções de
subordinação e de coordenação
4
, fazendo parte das primeiras as concessivas, e das
segundas orações adversativas. Essas orações têm valores aproximados que a relação
expressa por elas é de contrariedade de uma expectativa, estabelecendo de algum modo
um contraste entre os conteúdos das orações envolvidas na enunciação. Essa relação
semântica de contrariedade pode ser observada na seguinte construção concessiva,
retirada do corpus desta pesquisa:
4
Os domínios da coordenação e da subordinação serão explicitados mais adiante.
59
(01) O crescimento conserva em ebulição contínua o organismo interior. O problema não
é da adolescência, embora seja quando as alterações são mais acentuadas e mais
visíveis. (CEL:AELT)
Nessa ocorrência, a afirmação de que o problema não acontece somente na
adolescência contraria o fato de que nesse período da vida ocorre alterações mais
visíveis e mais acentuadas no que se refere ao crescimento. Em outras palavras, seria
esperado que o problema apontado ocorresse somente na adolescência e não em outras
fases da vida, o que veicula uma quebra de expectativa.
É possível encontrar a mesma relação semântica na paráfrase do enunciado com o
conectivo mas, ainda que a estratégia argumentativa seja contrária, como na ocorrência:
(01´) As alterações são mais acentuadas e visíveis na adolescência, mas o problema não
ocorre somente nesse período.
Devido a essa mesma relação semântica, a concessiva é abordada pelas autoras
dentro do tópico coesão interfrástica da contrajunção ou junção contrastiva. Segundo
elas, a contrajunção pode ter os seguintes valores semântico-pragmáticos, a saber: (i) a
ocorrência/ existência de uma situação inesperada relativamente à outra, tendo em conta
nosso conhecimento/ percepção do curso normal dos acontecimentos no(s) mundo (s)
que nos são acessíveis; e, (ii) a ocorrência /existência de uma situação que não está em
conformidade com as expectativas de um dado indivíduo sobre o curso previsível/
desejável dos acontecimentos.
É importante ressaltar que são esses valores apresentados para a relação
contrastiva, presentes nas orações adversativas e concessivas, que revelam o forte
caráter pragmático dessas orações, uma vez que envolvem expectativas dos
interlocutores envolvidos no discurso.
60
Além desse significado de contraste e esses valores pragmáticos, o significado da
construção concessiva tem sido associado, conforme mencionado antes, à noção de
incompatibilidade. König (1984), por exemplo, afirma que o uso de conectores
concessivos sugere que há uma incompatibilidade entre os eventos expostos em p
(oração concessiva) e q (oração principal), visto que, dentro dos padrões de uma
sociedade, o conteúdo expresso por essas duas partes apresenta um conflito, como pode
notado em (02):
(02) E eu a conheço, embora ignore-lhe o nome e o estado civil. (CEL:Hpld)
Em (02), os fatos incompatíveis estão expressos na oração principal (conhecer
uma pessoa) e na oração concessiva (não saber o seu nome nem seu estado civil). Essa
incompatibilidade resulta do conhecimento pragmático dos interlocutores de que
conhecer uma pessoa implica em saber ao menos seu nome.
Além desse aspecto semântico e pragmático da concessão, Lima (1987), baseada
nos trabalhos de Ducrot (1987), acredita que o caráter argumentativo acrescentado à
noção de várias vozes é imprescindível para a descrição de construções concessivas. A
autora questiona os estudos dirigidos à concessão que excluem essa natureza
argumentativa, que o esclarecem o verdadeiro funcionamento dessas construções.
Esses estudos que a autora se refere incluem a gramática tradicional, tradição retórica e
mesmo alguns estudos lingüísticos mais recentes.
Quanto à gramática tradicional, a autora levanta dois problemas fundamentais no
tratamento da concessão, a saber: (i) a classificação das orações a partir das conjunções
que as iniciam; e, (ii) a incapacidade de determinar a natureza da oposição que subjaz à
concessão e à adversidade. Nas palavras de Lima (1987):
61
“A simples menção de uma lista de conjunções adversativas e de uma lista de conjunções
concessivas é insuficiente não só para determinar as noções de oposição e de concessão
como também para justificar a distinção entre orações coordenadas adversativas e orações
subordinadas adverbiais concessivas” (p. 144).
No que diz respeito à oposição presente na concessão, a autora observa que nos
manuais de gramática a mesma idéia de “fatos opostos” é encontrada nas adversativas e
nas concessivas, porém não critérios que expliquem como essa oposição ultrapassa o
domínio semântico e encontra respaldo em fatores discursivos.
O segundo campo em que a concessão é objeto de estudo é o da retórica. No
estudo de Fontanier (1977, apud Lima 1987), a concessão é considerada uma figura que
marca as estratégias do locutor na organização do discurso. As críticas de Lima (1987)
com relação à retórica recaem no tratamento dado a concessão pela retórica, uma vez
que, segundo a autora, a concessão é um fenômeno de língua que deveria ser examinado
sobre vários aspectos e não simplesmente como uma figura retórica usada para o locutor
estruturar seu discurso.
Com relação aos trabalhos lingüísticos, Lima (1987) considera que algumas
propostas utilizam de forma parcial a teoria da argumentação para descrever a
concessão. Assim como o trabalho de Guimarães (1981) sobre as construções com mas
e com embora. Nesse artigo, o autor aponta as estratégias argumentativas e o
encadeamento das orações coordenadas e subordinadas. Porém, a autora critica os
critérios utilizados por Guimarães (1987) para diferenciar essas construções, que do
ponto de vista de Lima (1987), mesmo levando em conta as operações argumentativas,
são considerados conceitos que não se articulam com a teoria da argumentação
defendida por ela.
O tratamento lingüístico que a autora acredita ser o mais abrangente para as
construções concessivas diz respeito à visão argumentativa que considera que um
enunciado é apresentado pelo locutor para que o ouvinte chegue uma conclusão
62
implícita ou explicitamente. Além disso, a autora defende a inclusão da descrição
polifônica, que desenvolve uma concepção de linguagem similar a uma peça de teatro,
em que pode haver diversos locutores. Esse tratamento argumentativo será discutido
para as construções com embora, particularmente quanto às intenções do falante em
relação às possíveis conclusões dos ouvintes.
Cuadrado (1998), assim como Lima (1987), também critica a definição tradicional
dada às concessivas, apontando os problemas presentes nessa caracterização. Além
disso, o autor assinala aspectos formais, semânticos e pragmáticos da concessão
ignorados ou mal explorados pela gramática normativa. O autor não concorda, por
exemplo, com as gramáticas quando se referem à concessão como apresentando um
obstáculo para a não realização de uma ação, uma vez que nem sempre essa estratégia
se realiza dessa maneira, como mostra o exemplo (03):
(03) Aunque Eva es bastante inteligente, su hermana lo es todavía más.
Embora Eva seja muito inteligente, sua irmã é ainda mais.’
Nesse exemplo dado pelo autor, fica claro que o fato trazido na oração concessiva
“Eva ser muito inteligente” não impede que o fato trazido na principal aconteça “sua
irmã ser mais inteligente que ela”. Essa relação mostrada em (03) comprova que a
concessão não se restringe somente a fatos contrários veiculados pelas duas orações,
mas também apresenta aspectos pragmáticos, uma vez que, o falante ao comparar Eva e
sua irmã, expressa sua opinião sobre elas.
Essa mesma relação pode ser notada no seguinte exemplo do corpus de fala:
(04) éh:: e infelizmente éh:: a política:: num é/ num é... tratada assim como éh:: deveria
ser... que as pessoas fossem livres embora também o brasileiro... seja:: muito culpado
disso... por vender seu voto... ...(AC-113-RO)
63
Nessa ocorrência, o brasileiro ser culpado da compra de voto (conteúdo da oração
concessiva) não é um obstáculo para a política o ser uma forma de liberdade para as
pessoas (conteúdo da principal), pelo contrário, o fato veiculado na concessiva é a causa
da política ser da maneira como é. Desse modo, há uma relação concessiva nessa
ocorrência que vai além dos fatos lógicos expressos no enunciado, se situa no domínio
argumentativo em que o falante expressa sua opinião.
Para esclarecer esse ponto, Cuadrado (1998) se baseia nas propostas de G. Lakoff
(1971) e de Lopez Garcia (1994). O primeiro afirma que uma relação concessiva não é
simplesmente uma relação conjuntiva lógica entre duas frases, mas sim uma relação
pressuposta entre elas.
Na concepção de Lopez Garcia (1994), a noção de concessão é a de que entre dois
membros das expressões concessivas o que se estabelece não é nem obstáculo nem uma
expectativa, mas sim uma relação de preferência, em que a concessiva estabelece um
enunciado do qual se segue uma implicação preferente que é desautorizada pela
principal.
Para Lopez Garcia (1994, apud Cuadrado 1998), a preferência tem um caráter
social, que equivale ao conjunto de convenções sociais e culturais, cuja expectativa é
que ocorra o contrário do que é vinculado na principal. A preferência é atribuída ao
sujeito/enunciador, que sempre decide participar desse sistema social, visto que a
possibilidade de ele ter uma preferência individual contrária ao esperado. Desse modo, a
oração Embora chova, sairei mostra que é esperado pela sociedade que quando chove é
comum que alguém não saia de casa, porém, o falante ao utilizar a concessão afirma,
mesmo que implicitamente, ser contrário às expectativas de um grupo social. A mesma
relação pode ser verificada na seguinte ocorrência:
64
(05) porque eu embora estudante do quarto ano de giNÁsio... não achei um emprego pra
ganhar cem reais... cem cruzeiros né... naquele tempo ia ser em mil reis (ia ser) em
cruzeiro (AC-151-NE)
Em (05), a partir do fato de alguém ser estudante do quarto ano do ginásio,
espera-se que ele consiga um emprego e que ganhe um bom salário, contudo essa
expectativa, por parte do grupo social ao qual o falante faz parte, é quebrada dado o
conteúdo da oração concessiva. É nesse sentido que se pode dizer que a oração
concessiva estabelece uma relação de contrariedade com relação ao que é esperado pela
sociedade.
No que diz respeito aos aspectos formais, o uso do subjuntivo é discutido pelo
autor, com base nas relações entre falante e ouvinte. Conforme o autor, esse modo
verbal é utilizado nas concessivas, pois mostra disparidade de pontos de vista entre os
interlocutores, dando lugar ao valor polêmico.
Sob um mesmo ponto de vista, trabalhos como os das espanholas Parazuelos
(1993) e Rivas (1994), em que a construção concessiva é definida em termos de
contrariedade de expectativa, dão um tratamento semântico-pragmático às concessivas,
questionando também a postura das gramáticas tradicionais. Além disso, elas
aproximam, semanticamente, as concessivas das condicionais, causais e adversativas.
Parazuelos (1993) afirma que a noção de concessividade surge a partir de uma
relação que se estabelece entre membros ou pólos quer sejam conteúdos ou atos.
Assim, ela defende que a concessividade tem como característica básica a noção de
bipolaridade sintática e semântica. Esse termo é utilizado para demonstrar que
enunciados sintaticamente díspares podem alcançar efeito de sentido concessivo sempre
que existir um molde bipolar. Dessa forma, como causais, adversativas e condicionais
apresentam esse molde sintático, elas podem apresentar valor concessivo.
65
A concessividade, nesse sentido, é a relação que se estabelece entre os membros,
gerando um resultado semântico representado pela idéia de contraste. Assim, a noção de
concessividade aparece quando a relação estabelecida entre os membros não gera, nas
circunstâncias descritas pela enunciação, o efeito esperado, ou seja, o resultado
semântico final do enunciado no ato de fala apresenta contrariedade entre as duas
porções do enunciado.
Com relação à condicionalidade, Parazuelos (1993) afirma que esse tipo de oração
tem a mesma bipolaridade sintática das concessivas, e por isso compartilha traços
semânticos com elas. Segundo a autora, quando a condição estabelecida não influir na
realização de um ato, teremos novamente a noção de concessividade, porque se expressa
uma realidade contrária ao que se esperaria a partir da realização de uma hipótese.
Vejamos os exemplos abaixo, em que, em (06), a declaração ter dinheiro é condição
para que a viagem ocorra:
(06) Se eu tiver dinheiro viajarei. (relação condicional)
(07) Embora não tenha dinheiro, viajarei. (relação concessiva)
Em (07), diferentemente de (06), o fato de o ter dinheiro não impede que
aconteça a viagem, por isso temos um relação concessiva, que ocorre um não
cumprimento de uma condição. Assim, à oração concessiva é atribuída a noção de
contra-expectativa, dentre outras razões, pelo fato de estabelecer o não cumprimento de
uma causa ou de uma condição.
Conforme a autora:
“A concessividade é um grau mais avançado na causalidade, pois a condicionalidade
significa relação iniludível entre dois fatos e a concessividade rompe a causalidade
hipotética para dizer que a causa existe, na realidade, mas que não se considera capaz de
66
impedir a realização ou não realização desse ato, isto é, a afirmação positiva ou negativa
da relação; desse modo, a concessividade é uma condição concedida e negada.”
(Parazuelos, 1993 p. 239).
5
No que diz respeito à relação entre as adversativas e as concessivas, a autora as
aproxima adotando um critério semântico, a saber, a contraposição. Para a autora, a
concessividade é entendida dentro da noção semântica (contraste) e da noção
pragmática, que resulta em uma quebra de expectativa. Essa mesma noção de
contraposição ou contraste engloba a adversatividade, que tem sua expressão sintática
também na oração bipolar. Por esse motivo, do ponto de vista semântico, as
adversativas se aproximam das concessivas.
Parazuelos (1993), na realidade, faz essa aproximação entre essas orações para
dizer que o falante do espanhol, por exemplo, dispõe de diversas possibilidades
sintáticas, associadas a recursos semântico-pragmáticos para atingir o efeito concessivo.
Dentre elas estariam as orações causais, condicionais e adversativas, que essas
orações estão à serviço da concessividade, no sentido de apresentarem o molde bipolar,
isto é, de vincularem uma relação entre dois pólos e seus conteúdos.
Dentro da mesma perspectiva, Rivas (1994) critica as semelhanças estabelecidas
entre as concessivas e condicionais, uma vez que as primeiras apresentam uma estrutura
lógico-semântica muito mais complexa que as segundas. Dessa forma, definir as
concessivas como uma inversão das condicionais seria uma visão bem simplificada da
noção de concessividade, uma vez que o caráter pressuposicional se dá mais fortemente
nas concessivas do que nas condicionais.
5
“La concesividad es un grado más avanzado en la causalidad, pues la condicionalidad significa
ineludible entre dos hechos y la concesividad rompe la causalidad hipotética para decir que la causa
existe, en efecto, pero que no se considera capaz de impedir la realización o irrealización del acto, o sea,
la afirmación positiva o negativa de la relación; de este modo, la concesividad es una condición concedida
y negada.” (Parazuelos 1993 p. 239)
67
Para Rivas (1994), uma oposição entre a formulação concessiva e a
pressuposição, relacionada com uma expectativa que não se cumpre. Para exemplificar,
a autora utiliza os exemplos de Moeschler e Spengler (1981):
(08) Aunque juega com fuego, no se quema.
‘Embora brinque com fogo, não se queima.’
(09) Normalmente, cuando alguien juega com fuego, se quema.
Normalmente, quando alguém brinca com fogo, se queima.’
(10) Juega con fuego y no se quema.
‘Brinca com fogo e não se queima.’
A autora explica que a pressuposição presente nas concessivas é explicitada em
(08), porém o que caracteriza (09) como concessiva e a difere de (10), por exemplo, é a
não implicação entre o primeiro membro e a negação do segundo frente a uma
expectativa de implicação, como em (09). Dessa forma, a pressuposição implícita faz
com que identifiquemos uma oração como concessiva.
Quanto à relação entre adversativas e concessivas, Rivas afirma que a gramática
tradicional utiliza um critério sintático para diferenciar as duas, a saber, a diferença
entre orações subordinadas e coordenadas. Segundo a Academia Espanhola, as orações
coordenadas se enlaçam no período e expressam relações variadas entre si, mas não se
fundem até o ponto de que uma delas passe a ser elemento sintático da outra. As
subordinadas, em contrapartida, são incorporadas formalmente à oração principal ou
subordinante, podendo funcionar sintaticamente como constituintes principais, tais
como sujeito, predicado, complemento e predicativo.
Conforme Rivarola (1976, apud RIVAS, 1994), a coordenação concessiva implica
sempre os empregos não adversativos de pero, no português mas, e aqueles casos em
que as conjunções subordinativas do tipo aunque, português embora, se comportam de
modo similar às conjunções coordenativas do tipo pero, que apresenta a relação entre a
posição das frases conectadas e a relação implicativa pressuposta, conforme (11) e (12):
68
(11) Erasmo está enfermo pero sale.
‘Erasmo está doente, mas sai.’
(12) Erasmo sale aunque está enfermo.
‘Erasmo sai embora esteja doente.’
Rivas (1994) não concorda que a semelhança entre adversativas esteja centrada no
uso de pero somente na coordenação adversativa, e aunque na coordenação adversativa
e na subordinação concessiva. A autora acredita que não aunque, mas também pero,
e outras conjunções trazem marcas de pressuposição, o que tem conseqüências
imediatas:
a) o valor pressuposicional de uma construção não constitui uma realização
lingüística de concessividade nem de adversidade, se não estiver apoiado por uma
conjunção específica. Uma seqüência como (13) não é nem concessiva nem adversativa;
b) em contrapartida, a presença de uma conjunção do tipo pero ou aunque remete
sempre a um conteúdo pressuposicional, ainda que os membros por ela relacionados não
possuam por si mesmos esse conteúdo, como em (14):
(13) Erasmo está enfermo y sale.
‘Erasmo está doente e sai.’
(14) Aunque Erasmo es inteligente, Evaristo es tonto
Embora Erasmo seja inteligente, Evaristo é burro.’
Para Rivas (1994), as adversativas e concessivas pertencem à mesma classe de
orações, e assim não podemos utilizar um critério sintático para diferenciá-las, mas sim
verificar os respectivos valores lógico-semânticos e o valor pressuposicional presentes
em cada uma.
Nesses trabalhos, ao tratar de concessividade, Parazuelos (1993) e Rivas (1994)
consideram aspectos pragmáticos, no que se refere às relações de pressuposição, e ao
valor argumentativo, presentes nas orações concessivas. Além disso, foi possível
69
verificar: (a) a bipolaridade das concessivas, em que a oração concessiva é afirmativa e
a nuclear é negativa, ou a concessiva é negativa e a nuclear afirmativa; e, (b) as relações
semânticas entre as concessivas e condicionais, e entre as concessivas e as causais, em
que a concessiva veicula uma condição insuficiente para impedir o fato expresso na
oração nuclear; e, no caso das causais, a concessiva expressa uma causa frustrada pelo
conteúdo da oração nuclear.
Um outro trabalho dirigido às concessivas e que abrange vários aspectos da
linguagem são os estudos de Neves (1999 e 2000), que trazem uma descrição sintática,
semântica e pragmática das orações concessivas.
Segundo Neves (2000), a construção concessiva é tradicionalmente definida como
sendo a combinação de uma oração principal e uma concessiva, que expressa um fato
ou noção, apesar do qual a proposição principal se mantém. A autora, assim como
Mateus et al. (1989), chama as orações concessivas de contrastivas, dado que elas se
caracterizam por abrigarem eventos cujo curso e cujas propriedades contrariam as
expectativas acerca daquilo que é normal em um mundo qualquer.
Porém, assim como lembra a autora, essa relação lógico-semântica não é
suficiente para caracterizar as orações concessivas, uma vez que, nesse tipo de oração, a
relação falante-ouvinte é muito forte, visto seu caráter discursivo.
Neves (2000) afirma que a ordem nas orações concessivas está sujeita a fatores de
ordem comunicativa. Para ela, as orações antepostas carregam uma informação mais
conhecida do interlocutor, e, assim, ocupam uma posição tópica, conforme o seguinte
exemplo dela:
(15) Ainda que ele tivesse passado na outra calçada, era coisa de uns quinze metros.
70
A posição tópica tem a função de apresentar de antemão um elemento que será o
assunto da interação. No caso de (15), a oração concessiva anuncia a refutação da
possível objeção do ouvinte, que o falante “avisa” que o conteúdo veiculado nela
“ele ter passado na outra calçada” não impedirá que o assunto veiculado na outra porção
do enunciado, “era coisa de uns quinze metros”, acorra. Assim, o falante,
compartilhando essa informação com o ouvinte, contesta as possíveis conclusões do
ouvinte, antes de apresentar o conteúdo mais novo e mais relevante.
as pospostas, conforme a autora, não ocupam essa posição tópica, uma vez que
elas têm muito de um adendo, ou seja, de uma porção do enunciado em que o falante
retoma o que foi dito, e pesa as objeções feitas à sua afirmação.
Desse modo, as pospostas se fazem necessárias quando uma ressalva sobre um
aspecto do enunciado anterior, como em (16):
(16) Ele é um homem, ainda que aleijado.
Nesse exemplo dado pela autora, o falante faz uma ressalva sobre a característica
dado por ele a um homem. Essa restrição é feita por meio de uma oração concessiva,
acrescentando uma informação a mais, supostamente conhecida pelo ouvinte.
A autora atribui a ordem da concessiva à estratégia argumentativa presente nessas
orações. Quando antepostas, primeiro o falante levanta uma objeção que pressupõe ser
do ouvinte e então refuta essa objeção, fazendo prevalecer a informação contida na
oração principal. Já nas pospostas, primeiro o falante afirma e depois introduz uma
possível objeção do falante.
Neves (2000) também estabelece relações entre as causais, condicionais e
concessivas. Do ponto de vista semântico, as causais se situam em um extremo em que
a relação de causa entre a subordinada e a principal é afirmada, as concessivas estariam
71
no extremo oposto, pois o vínculo causal entre as orações é negado, e, por fim, em um
espaço intermediário, em que a relação de causa entre as duas não é afirmada nem
negada, mas sim hipotetizada, tem-se as condicionais.
De maneira semelhante à Parazuelos (1993), Neves (2000) afirma que a concessão
se liga com a não satisfação de condições e com a frustração de causalidades possíveis,
já que na concessiva temos expressas uma causa e uma condição, porém o que se espera
da realização dessa condição ou causa é negado na principal. Assim, para cada
construção concessiva se pode apresentar uma condicional contraditória respectiva,
como nesses exemplos dados pela autora:
(17) Embora Paulino Duarte falasse alto, quase gritando, Elisa não o ouviu. (OS)
(18) Se Paulino Duarte falava alto, quase gritando, Elisa o ouviu.
A autora observa que a oração principal da concessiva é negativa, ao passo que da
condicional é positiva. Em (16) fica claro que a oração principal Elisa não o ouviu não
cumpre o que é esperado da condição implícita expressa na concessiva Paulino Duarte
falasse alto, quase gritando, visto que é esperado que quando alguém grita, as pessoas o
escutem. Desse modo, a negação da oração principal causa essa não satisfação da
condição. Já o enunciado (17) apresenta na oração principal a realização positiva Elisa o
ouviu da condição Paulino Duarte falava alto, quase gritando.
Neves (1998, 2000) afirma que as relações expressas nas construções concessivas
variam conforme o nível em que se estabelecem. Elas podem estabelecer relações entre:
(i) estados de coisas; (ii) julgamento do falante; e, (iii) atos de fala
6
.
6
Neves (1999) e (2000) toma como base o trabalho de Sweetser (1990), quanto a esses três níveis em que
as concessiva atuam. Esses domínios são vistos como possibilidades de leitura, visto a natureza ambigüa
das conjunções.
72
Orações do primeiro tipo dizem respeito às concessivas em que é expressa uma
relação entre situações ou eventos de um mundo, que é apresentado na concessiva como
sendo um obstáculo à realização de um outro evento, conforme (19):
(19) Embora seja nativa da Bahia, encontramos lindas colheres de pau, feitas de
Sebastião-da-arruda, em Congonhas do Campo, MG. (BEB)
A leitura de domínio de conteúdo de (19) seria algo do tipo: “colheres de pau
podem ser encontradas em Minas Gerais, apesar de serem nativas da Bahia, fato que
poderia ter levado a existência dessas colheres somente na Bahia”.
nas orações do segundo tipo, a relação expressa pela concessiva passa pelo
julgamento do falante, expressando sua opinião sobre o conteúdo vinculado na
concessiva, conforme (20), em que o falante afirma a verdade ser doente e a verdade
sobre não parecer, e isso poderia implicar em ele não ser um homem fraco e nem
doente.
(20) Eu sou um homem muito fraco, doente mesmo, embora não pareça
7
.
Nesse domínio, as possíveis implicações do ouvinte são notadas, pois fica
evidente que o conteúdo expresso na oração nuclear contraria a conclusão que o
interlocutor possa chegar, a partir do que é veiculado na oração concessiva.
No último tipo de concessiva, o falante não relaciona dois conteúdos, e nem dois
fatos possíveis, mas sim atos ilocucionários, conforme (21):
(21) E que vale diante dele o Governador e o Padre Inácio, embora tenham, atrás de si, as
armas da Espanha e o poder da Igreja? (VP)
7
Zampronero (1998) chama a atenção para a leitura de domínio epistêmico em construções concessivas
que apresentam verbos deônticos ou epistêmicos, como o verbo parecer em (19).
73
Nessa construção concessiva não é estabelecido contraste ou oposição entre dois
estados de coisas ou entre proposições, mas uma relação adversa entre dois atos de
fala, visto que a a relação concessiva com embora é estabelecida por meio de uma frase
interrogativa.
Como adverte a autora, nem sempre é possível captar a natureza da relação
concessiva expressa pelo falante, que é possível ocorrer uma leitura ambígua,
geralmente resolvida pelo contexto lingüístico ou situacional. Essa ambigüidade fica
evidente em (22):
(22) A água não constitui fator limitante, embora possa haver certo déficit na estação da
seca. (TF)
Nesse exemplo dado pela autora, dupla interpretação entre uma leitura de
conteúdo e uma epistêmica, que passa pelo julgamento do falante. Como leitura de
conteúdo, o falante estaria relacionando dois fatos de um mundo, ou seja, a água não
constituir um fator limitante, por um lado, e haver possibilidade de déficit de água, por
outro. Na segunda leitura, por sua vez, o falante levanta a hipótese de a possibilidade de
déficit de água na estação da seca não ocorrer, isto é, essa informação seria uma
crença/julgamento do falante e não um fato/evento do mundo.
Como foi dito, Neves (1999 e 2000) defende que um estudo sobre as
concessivas sob o ponto de vista lógico não dará conta de abranger todos os aspectos
desse tipo de oração, sendo necessário considerar não os fatores pragmáticos, mas
também os fatores argumentativos.
Com relação ao caráter argumentativo das concessivas, os trabalhos de Bechara
(1954), Guimarães (1987) e Moeschler e Spengler (1982 apud Neves 1999) e
Parazuelos (1993) e Neves (1999 e 2000) mostram o esquema argumentativo dessas
construções. Bechara (1954) afirma que o pensamento concessivo surgiu quando o
74
falante percebeu que sua argumentação poderia ser contrária ao do ouvinte. Bechara
(1954), Guimarães (1987) e Neves (2000) descrevem a argumentação da construção
concessiva também em duas etapas: na primeira, o falante levanta a hipótese da possível
objeção que o ouvinte possa ter; na segunda, o falante refuta essa objeção, fazendo
prevalecer o argumento expresso na oração principal, como pode ser notado no seguinte
exemplo do corpus, em que falante, primeiro, refuta a possível objeção do ouvinte sobre
as influências nas qualidades dos indivíduos:
(23) Embora as qualidades inatas do indivíduo influam sobre o desenvolvimento da
personalidade, o tipo de influência que exercem estará em grande parte condicionado
pelos fatores mesológicos. (CEL:AELT)
Visto as etapas descritas pelos autores, o esquema argumentativo para a
ocorrência (23) será:
hipótese levantada pelo falante: as qualidades inatas do indivíduo
influenciarem no desenvolvimento da personalidade (oração concessiva);
refutação da possível objeção do falante: o tipo de influência não será
condicionado por essas qualidade inatas, mas sim por fatores mesológicos. (oração
nuclear)
Por meio desse esquema nota-se que a oração concessiva revela as crenças que o
falante tem do seu ouvinte; já a oração nuclear revela o ponto de vista do falante, isto é,
uma contra-asserção por parte do falante sobre a possível objeção do ouvinte,
demonstrando o forte caráter discursivo das concessivas.
Ainda com relação à argumentação, Neves (2000) estabelece uma relação entre as
concessivas e adversativas. Nas formulações concessivas, o falante refuta uma objeção,
expressa pela oração concessiva e faz prevalecer o argumento da principal, ao passo
75
que as adversativas apresentam direção argumentativa oposta, como o exemplo (24)
dado pela autora:
(24) Esforço-me, mas não consigo reter as suas feições.
Nesse caso, ao contrário das concessivas, o falante admite uma proposição
expressa pela adversativa, fazendo prevalecer o argumento expresso na adversativa que
é não conseguir reter as suas feições.
Segundo a autora, a relação adversativa entre essas orações apresenta caráter o
forte, relativamente às idéias opostas trazidas nas orações, que muitas vezes as orações
concessivas vêm acompanhadas de um outro item adversativo, reforçando o fato
contrário estabelecido na oração. Quando isso ocorre, a autora chama esse tipo de
relação de misto concessivo/adversativo, representado no exemplo a seguir, retirado do
corpus de escrita:
(
25) As realizações das possibilidades germinais dependem das reações do germe aos
excitantes do meio e, embora a hereditariedade seja um fator relativamente constante,
enquanto o meio é mais variável, ambos, entretanto, são indispensáveis ao
desenvolvimento. (CEL:AELT)
Para explicar a argumentatividade das concessivas Moeschler e Spengler, (1981
apud Neves, 1999 e Parazuelos, 1993) afirmam que haveria a concessão lógica e a
argumentativa. Na concessão lógica, que corresponde às concessivas que relacionam
domínios de conteúdo, como em (18), uma negação de expectativa, podendo ter a
seguinte formulação p é causa de ~q, que existe de fato no mundo real, como no
seguinte exemplo retirado de Parazuelos (1993).
(26) Aunque está muy enfermo no va al médico.
Embora esteja muito doente, não vai ao médico.’
76
Nesse exemplo dado pela autora, poderia ser estabelecida a seguinte relação:
“alguém vai ao médico porque está doente”, e, assim, produzir um efeito de causa.
Contudo, nessa ocorrência a causa não produziu o efeito esperado, por isso, tem-se a
concessividade.
Na concessão argumentativa, os fatores discursivos estariam mais evidentes,
que estão relacionados ao julgamento do falante e aos atos de fala. Nesse tipo de
concessão, uma relação de argumentação, produzida em dois atos, expressos por
duas unidades semânticas, nas quais cada ato se apresenta como portador de um
argumento orientado para uma conclusão implícita: um se faz positiva e outro
negativamente.
No seguinte exemplo de Parazuelos (1993), o enunciado é expresso em um
contexto em que um produtor de cinema procura um bom ator que tenha olhos pretos:
(27) Aunque conoce su oficio, tiene los ojos azules.
Embora você execute bem o seu trabalho, você tem olhos azuis.
A autora explica que não uma relação de causa entre conhecer um trabalho e
ter olhos azuis. Na verdade, o fato de o ator saber/conhecer que o ofício de atuar é um
argumento para que o diretor o contrate, ter olhos azuis, porém, é um argumento para
não contratá-lo. Dessa forma, o argumento ter olhos azuis é o mais forte, e ele acaba
prevalecendo. Por isso, chama-se esse tipo de concessão de pragmática, que o
contraste é recuperado pelo contexto da enunciação.
Com toda essa explanação foi possível perceber que trabalhos como de Mira
Mateus et al. (1989), König (1984), Parazuelos (1993), Rivas (1994), e Neves (1999,
2000), além dos aspectos semânticos, enfatizam o caráter pragmático, para caracterizar
a concessão, enquanto os estudos de Lima (1987) e Cuadrado (1998), por exemplo,
observam o problema referente à natureza da oposição, que está presente nas definições
77
dos manuais de gramática. Assim, fatores pragmáticos, no caso de Cuadrados (1998), e
fatores de natureza argumentativa e polifônica, como em Lima (1987), o trazidos para
melhor explicar a relação veiculada pela concessão. E, por fim, os trabalhos de Neves
consideram fatores de ordem sintática, semântica, pragmática, lógica e argumentativa,
para descrever a concessão.
Desse modo, pode-se dizer que o estudo das concessivas deve ser feito não
somente sob o ponto de visto lógico ou semântico, como nas gramáticas de cunho
normativo, mas principalmente sob o ponto de visto pragmático, já que, esse tipo de
construção não revela somente o contraste entre fatos ou eventos do mundo, mas sim
entre as crenças do falante em relação às expectativas do interlocutor, e, além disso,
expõe argumentos que serão contrários dentro de um discurso.
2.1 NÍVEL DE ENCAIXAMENTO
2.1.1 COORDENAÇÃO X SUBORDINAÇÃO?
Dada a falta de consenso entre a tradição gramatical e os estudos lingüísticos
acerca da articulação de orações, nessa seção, discuto o tratamento dado por essas duas
perspectivas sobre o período composto, apresentando, posteriormente, o ponto de vista
adotado neste trabalho para descrever a construção concessiva com embora.
O período composto é tratado pelas gramáticas normativas do português como
sendo a união entre duas ou mais orações, as quais podem ou não estabelecer relações
de dependência. Quando duas orações estão em relação de independência, o período no
qual elas estão inseridas é chamado de coordenação. Por outro lado, quando uma
oração é de algum modo dependente da outra, temos o período composto por
subordinação.
78
As orações coordenadas ganham comumente o estatuto de orações autônomas,
pois uma não precisa da outra para completar seu sentido. Para exemplificar o período
composto por coordenação, tomo o seguinte exemplo dado por Cunha e Cintra (1985):
Será uma vida nova, / começará hoje, / não haverá nada para trás. Segundo os autores,
essas orações são coordenadas, pois são autônomas e não funcionam como termos uma
da outra.
Dois tipos de orações são incluídos nesse domínio, as assindéticas ou justapostas
(quando não apresentarem nenhum conectivo que as una, como é o caso do exemplo
dado acima) e, as sindéticas (quando uma conjunção coordenativa estabelecer um elo
entre uma oração e a outra) como em Apetece cantar, mas ninguém canta, exemplo
extraído dos mesmos autores.
No domínio das orações que apresentam a conjunção, cinco tipos, conforme a
relação semântica estabelecida, a saber, aditiva, adversativa, alternativa, explicativa e
conclusiva, todas iniciadas, respectivamente, por um conector coordenativo do tipo e,
mas, ou... ou, pois e logo. É evidente que essas orações apresentam comportamento
semelhante, porém não idêntico, visto que, se tomarmos por base o critério autonomia, é
fácil verificar que em: Maria comprou um carro, logo vendeu a casa, as orações são
menos independentes do que em Pedro estuda e Maria trabalha”, que a conclusão
que se tira da primeira oração é baseada no fato de Maria ter comprado um carro, isto é,
na informação veiculada na primeira oração. Desse modo, ao dizer que as coordenadas
são autônomas, a perspectiva gramatical se baseia principalmente no aspecto sintático,
ignorando a dependência semântica que as orações com mas, logo, pois e e estabelecem
com a outra parte do enunciado, resultando no agrupamento de orações parcialmente
distintas.
79
As orações subordinadas recebem esse rótulo por estabelecerem relações de
dependência com a oração principal à qual são vinculadas, que funcionam como
termos essenciais, integrantes ou acessórios de uma oração principal, e são subdivididas
em substantivas, adjetivas e adverbais. Essa classificação é decorrente da equivalência
funcional estabelecida entre as orações e os termos correspondentes: substantivo
(sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo e aposto),
adjetivo (adjunto nominal), e advérbio (adjunto adverbial).
Conforme Cunha e Cintra (1985), as chamadas subordinadas substantivas,
introduzidas pela conjunção integrante que, e menos freqüentemente pela conjunção se,
são argumentais, que são essenciais ao sentido da oração principal, o que fica
evidente com orações que completam a estrutura argumental do verbo, do adjetivo ou
do nome, como a substantiva subjetiva ou objetiva direta e/ ou indireta. O que os
autores não distinguem é que tal característica não se aplica às orações apositivas, que
são sintática e semanticamente independentes da outra oração, ou seja, como todo
aposto, elas são termos acessórios da oração principal, conforme exemplo dado pelos
autores: É preciso que o pecador reconheça ao menos isto:/ que a Moral católica está
certa / e é irrepreensível./ em que a oração destacada pode ser independente da outra.
Apesar disso, as apositivas são incluídas no mesmo nível de articulação das orações que
funcionam como termo essencial da oração. Essa observação mostra que, no campo das
orações substantivas, orações com comportamentos distintos que merecem ser
descritas de maneira diferente.
As orações subordinadas adjetivas desempenham o papel de adjunto adnominal
de um substantivo ou pronome antecedente e vêm introduzidas por um pronome
relativo. Elas são subdivididas em adjetivas restritivas e explicativas. Segundo os
gramáticos, as primeiras restringem, limitam o significado do substantivo antecedente,
80
sendo indispensáveis ao sentido da frase, unindo se ao antecedente sem nenhuma pausa,
como no exemplo dos autores: És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos. Já
as explicativas, como o próprio nome diz, esclarecem, explicitam o significado de um
substantivo e não são necessárias ao significado do nome a que siga , podendo assim ser
retiradas, sem prejuízo ao sentido da oração, e, como no caso de um aposto, são de
natureza acessória. Elas vêm separadas da oração principal por uma pausa, no caso da
escrita, uma vírgula, como em Tio Cosme,/ que era advogado, / confiava-lhe a cópia de
papéis de autos.
É válido ressaltar que a afirmação feita por algumas gramáticas, quanto às
explicativas não serem necessárias ao sentido da frase, é altamente questionável do
ponto de vista pragmático, visto que uma porção de enunciado, quando retirada de uma
oração, pode acarretar prejuízos pragmáticos, tendo em vista que qualquer trecho de
uma declaração revela as intenções comunicativas do falante.
As subordinadas adverbiais funcionam como adjunto adverbial da oração
principal e são divididas em nove subtipos de orações, a saber, causa, conseqüência,
condição, tempo, concessão, finalidade, comparação, conformidade e proporção.
Freqüentemente essa classificação é baseada na relação semântica que a conjunção, que
inicia essas orações, estabelece. Essa rotulação é feita de maneira muito simplificada,
por não levar em conta a multifuncionalidade que essas conjunções apresentam em
dados reais da língua.
Para ilustrar a diversidade de acepções que uma conjunção pode ter, cito a
temporal quando, que, conforme trabalho de Lima-Hernandes (2004:184), pode ter
sentido não de tempo, mas também de condição. No seguinte exemplo: (1) quando
eu falá pra você que eu batê...você tem que obedecê...entende? poderia ser entendido
81
com o valor condicional se substituirmos pela conjunção se em (1a) se eu falá pra você
que eu vô batê...você tem que obedecê...entende?
Outra conjunção que se presta a várias funções semânticas na língua, mas que a
gramática atribui somente o valor de adição é a conjunção e. Segundo Neves (2000),
dentre as inúmeras relações que e pode assumir, as de causa-conseqüência e adversidade
são muito recorrentes na língua, como nos respectivos exemplos dados pela autora:
(27) Superministro arma crise e entra numa fritura. (VEJ)
(28) Depenava frangos e não ganhava nada. (VEJ)
Ao ignorar essa multifuncionalidade que as conjunções apresentam, os manuais
de gramática reduzem a identificação da relação semântica a uma lista de conectores,
ao invés de focar as relações de sentido estabelecidas entre as orações.
No que se refere ainda às orações adverbiais, é importante verificar que, embora
elas cumpram papel de adjunto adverbial, ou seja, de termo acessório da oração, elas
são incluídas juntamente com a adjetiva explicativa no mesmo nível de articulação das
substantivas. Se, como a própria gramática afirma, elas ocupam papéis sintáticos
distintos, e, se os conectores que as encabeçam têm a propriedade de conferir às orações
o comportamento de substantivo ou de advérbio, é evidente que elas apresentam
características diferentes, e, desse modo, deveriam ser tratadas de maneira distinta, e
não sob o mesmo domínio de articulação.
Com toda essa exposição, fica claro que a gramática deixa alguns pontos obscuros
quanto à caracterização de orações complexas. Esses problemas poderiam ser pontuados
como: considerar ora somente critérios sintáticos, ora somente semânticos na
explanação de orações complexas (o simples fato de a gramática tratar o estudo do
período na parte referente a sintaxe, é uma evidência de que não a comunhão desses
critérios); agrupar orações heterogêneas, quanto ao caráter sintático e semântico, sob o
82
mesmo rótulo; e ignorar a multifuncionalidade das conjunções coordenativas e
subordinativas que participam da combinação de orações.
Como foi dito, a gramática tradicional classifica as orações com embora como
orações subordinadas e, desse modo, as aproxima das orações substantivas e adjetivas,
visto que as incluem como um caso de subordinação. Dessa forma, é conferido a essa
oração algum tipo de dependência com a principal, que, de algum modo, as
gramáticas afirmam que um contraste entre conteúdo presente na concessiva e o
presente na principal, como no exemplo dado por Bechara (2000:497) Embora chova,
sairei.
É verdade que essa relação de sentido existe entre a oração que contém a
conjunção embora e a principal, contudo é questionável a consideração das concessivas
no mesmo nível de dependência das substantivas e adjetivas restritivas.
Por isso, a fim de encontrar propostas que dêem conta de explicar essas lacunas
deixadas pelos manuais de gramática, recorro aos estudos lingüísticos, que tratam o
período composto de forma diferenciada, pois propõem um continuum entre o domínio
da coordenação e da subordinação, procurando explicar de que nível de articulação as
orações realmente fazem parte.
Dessa maneira, a fim de melhor caracterizar as orações adverbiais, mais
especificamente as concessivas, visto o foco deste trabalho, busco critérios para definir
o tipo de construção em que a conjunção embora aparece atrelada.
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A COMBINAÇÃO DE ORAÇÕES
Trabalhos Hopper e Traugott (1993), Guimarães (1987), Carone (1991), Longhin-
Thomazi (2004) e Neves (2006) mostram que a dicotomia entre coordenação e
83
subordinação proposta pela tradição não descreve de fato o que ocorre no período
composto.
Na seqüência, discuto esses trabalhos a fim de melhor compreender o modo de
combinação de orações.
Dentro do paradigma funcionalista, Hopper e Traugott (1993) apresentam
questões relacionadas a GR de orações. Os autores não atribuem o processo de mudança
somente aos itens, mas também às orações complexas. Ao tratar de gramaticalização
também no vel das orações, os autores abandonam os dois pólos: coordenação e
subordinação, e propõem um continuum entre esses dois tipos de articulação.
Hopper e Traugott (1993), para definir a oração complexa, trabalham com dois
tipos de orações: núcleo e margem. As orações complexas são formadas por mais de
uma oração, em que as duas podem ser do tipo núcleo, ou uma pode ser núcleo e a outra
margem. A oração do tipo núcleo se sustenta, sintática e semanticamente sozinha,
enquanto a margem, por sua vez, necessita da outra para lhe completar o sentido.
Entre as orações que formam margens, três podem ser semanticamente
distinguidas: a) aquelas que funcionam como sintagmas nominais (chamadas
complementos); b) aquelas que funcionam como modificadores de nomes (chamadas
orações relativas); c) aquelas que funcionam como modificadores do verbo ou de
proposições (chamadas de adverbiais).
Conforme os autores, as orações complexas se gramaticalizam gradualmente,
partindo de orações independentes, passando por um estágio intermediário (orações
parcialmente dependentes) até se tornarem completamente dependentes. Para organizar
a relação entre orações complexas, os autores propõem um continuum baseado nos
critérios de dependência e encaixamento, em que distinguem as orações paratáticas,
hipotáticas e subordinadas:
84
Parataxe >
Hipotaxe
>
Subordinação
- dependente + dependente + dependente
-encaixada -encaixada + encaixada
H
OPPER E
T
RAUGOTT
(1993:
170)
A parataxe, tal como é definida pelos autores, é a relação de independência
relativa entre os núcleos que compõem o complexo oracional, estabelecendo uma
relação de integração mínima entre as orações. Além disso, elas apresentam um
contorno entoacional independente. Elas equivalem às justapostas ou coordenadas, da
gramática tradicional. A parataxe por justaposição não apresenta nenhuma ligação
evidente entre as sentenças, como em (32) e (33):
(32)You keep smoking those cigarettes, you´re gonna star coughing again
‘Continue fumando esses cigarros, você começará tossir novamente. ’
(33) I came, I saw, I conquered
‘Eu vim, eu vi, eu venci. ’
Por outro lado, as paratáticas por coordenação apresentam um núcleo adjacente
e apresentam um conectivo explícito do tipo and, e, no português, e são consideradas
mais gramaticalizadas do que aquelas que não apresentam um conectivo, uma que vez
estabelecem uma ligação gramatical mais forte entre as orações, como o exemplo dado
pelos autores:
(34) Emily is training to be a speech therapist, and Joel works for a law firm in
Philadelphia.
(34’)‘Emily está treinando para ser fonoaudióloga, e Joel trabalha para um escritório de
advocacia na Philadelphia.’
As orações hipotáticas, por sua vez, são interdependentes no sentido de que um
núcleo e uma ou mais margens apresentam dependência relativa. Essas orações não
85
estão totalmente inclusas em nenhum constituinte de oração núcleo e por isso
completam a estrutura argumental do verbo. Além disso, orações hipotáticas do tipo
apositivas podem ter sua própria força ilocucionária
8
. Como em:
(35) Bill Smith, who is our president, would like to meet with you.
‘Bill Smith, que é nosso presidente, gostaria de encontrar-se com você. ’
Esse tipo de oração, além de poder carregar sua própria força ilocucionária, pode
estabelecer sentido independentemente da oração matriz, e funcionar como pergunta ou
como pedido/ordem/conselho, particularidade que não pode ser conferida a orações
prototipicamente encaixadas, como as subordinadas. Assim, o exemplo acima poderia
funcionar como uma pergunta who is our president? e não necessitar de uma oração
para lhe completar o sentido.
Além das apositivas, os autores mostram que as orações temporais, causais,
condicionais e concessivas também são orações hipotáticas. Se, em (32), houvesse um
conectivo explícito para estabelecer a relação de condicionalidade, como em If you keep
smoking those cigarettes, your´re gonna star coughing again, a relação não seria a
mesma que a oração paratática justaposta, já que a oração com if não se sustentaria
sozinha.
Contudo, como mostra Neves (2006), orações condicionais podem, muitas vezes,
apresentar-se sozinhas, e estabelecer uma independência maior do que muitas orações
coordenadas, chamadas independentes. A autora mostra que em Se ao menos eu não
fosse doente! Se ao menos todos nós não fossemos doentes!, a oração pode ocorrer sem
estabelecer uma ligação com uma oração nuclear, que, conforme a autora, nesse tipo
de construção, os fatores pragmáticos completam o sentido do enunciado.
8
Uma oração pode ter quatro ilocuções básicas, que se excluem: Declarativa, Interrogativa, Exclamativa
e Imperativa. A força ilocucionária de uma oração indica a intenção comunicativa do falante em instruir o
destinatário a declarar um estado de coisas, questionar o interlocutor, expressar um sentimento ou atuar
sobre o interlocutor.
86
Orações hipotáticas do tipo concessiva, que constituem margens, segundo os
autores, estabelecem relação semântica com a oração núcleo, podendo, por isso, acionar
o critério dependência, mas, em contrapartida, apresentam uma relação mais frouxa com
núcleo, sendo, portanto, não encaixadas, como ilustrado nos exemplos (36) e (37):
(36) Estas tendências, embora se refiram a qualquer estudo do universo físico
socialmente apropriado, tornam-se mais profundas e complexas quando se estudam
sociedades já extintas. (CEL:Arqlt)
(37) Não é à toa que, embora a Arqueologia estude as séries, o repetir-se da ação humana
refletindo nos objetos do cotidiano - sendo este o material mais comum proveniente das
escavações - predomine ainda, nas instituições e nas publicações arqueológicas, a atenção
para com os objetos únicos e excepcionais. (CEL:Arqlt)
Essa relação menos gida com a oração núcleo é também notada pela pausa, que
representa a divisão em contornos entoacionais diferentes, critério adotado por Hopper e
Traugott (1993) para atestar a autonomia sintática das orações paratáticas. Em (36) e
(37), como em todas as ocorrências do corpus, as orações com embora apresentam essa
pausa, comumente representada pela vírgula que divide as duas orações. Dessa maneira,
a pausa, dentre outros fatores, mostra que as orações hipotáticas apresentam essa relação
mais independente com a outra oração, o que não ocorre com as subordinadas.
Quanto às subordinadas propriamente ditas, elas são orações que apresentam
dependência completa e estabelecem um grau máximo de integração com a oração
núcleo. Essa total dependência ocorre pelo fato de que: (i) subordinadas não podem ter
força ilocucionária diferente da matriz; (ii) subordinadas são equivalentes a constituintes
que a núcleo expressa e (iii) margem e núcleo são interligadas de alguma forma.
Além do cline proposto por Hopper e Traugott (1993) sobre a articulação de
orações, os autores propõem outros critérios que permitem a caracterização de orações:
integração, dependência e tipo de ligação entre as orações, e que podem ser ilustrados
em:
87
Parataxe
Hipotaxe
Subordinação
(independência) (interdependência) (dependência)
Núcleo___________________ _________________ ___________________Margem
Integração mínima__________ _________________ __________Integração Máxima
Ligação explícita
máxima_____
________________ _____Ligação Explícita Mínima
C
LINE DE COMBINAÇÃO DE ORAÇÕES
(H
OPPER E
T
RAUGOTT
,
1993:171)
Desse modo, a GR de uma oração complexa teria uma unidirecionalidade, em que
o ponto de partida seria a parataxe (não encaixamento e não dependência), passando
pela hipotaxe (dependência e não encaixamento) até a subordinação (encaixamento
completo e dependência). Por isso, os autores apontam que as orações subordinadas
estão em um estágio mais elevado de GR.
Essa proposta dos autores reforça a idéia de que uma gradualidade entre esses
níveis de combinação de orações, isto é, não há um limite preciso entre os tipos de
orações, de modo que não se pode agrupá-las simplesmente em dois grandes blocos.
Algumas orações hipotáticas, por exemplo, podem ter um comportamento similar
ao das paratáticas, no sentido de não apresentar uma relação sintática rígida com a
oração núcleo, conforme o exemplo (38), retirado do corpus de fala:
(38) o povo brasileiro um pouco decepcionado embora alguns tenha... éh::/ estejam
gostando... eles são mais fanáticos... estejam gostando do seu trabalho... éh:: mas eu num
vejo como diferente de outros... governos aí anteriores...(AC-113-RO)
Como afirmam os autores, as orações envolvidas na parataxe apresentam um
contorno entoacional independente, como o que ocorre em (38), que a oração embora
alguns tenha... éh::/ estejam gostando... é separada da outra o povo brasileiro um
pouco decepcionado, por uma pausa bem marcada entre as duas orações, evidenciando a
frouxa relação estrutural entre elas.
88
É possível estabelecer uma correlação entre os níveis de encaixamento de Hopper
e Traugott (1993) e aqueles propostos pela gramática tradicional. As orações
coordenadas corresponderiam às paratáticas; as hipotáticas corresponderiam às
adverbiais (temporais, causais, condicionais e concessivas), às adjetivas explicativas e
às apositivas, e, por fim, as subordinadas corresponderiam às substantivas e às
relativas restritivas, relação que pode ser melhor visualizada da seguinte maneira:
Q
UADRO
03:
R
ELAÇÃO ENTRE OS DOMÍNIOS DE ARTICULAÇÃO DAS ORAÇÕES
É importante fazer uma ressalva, quanto às orações justapostas, pois essas orações
podem corresponder não à parataxe, que é possível haver justaposição na
subordinação e na hipotaxe, como no exemplo (32), em que uma oração hipotática,
sem a presença da conjunção if é justaposta à oração matriz.
Essa proposta é interessante, visto que abandona a visão dicotômica e considera
que uma área entre o domínio da coordenação e da subordinação, o que resulta em
um tratamento diferenciado para orações com comportamentos distintos.
Com relação às orações concessivas, os autores afirmam que as construções do
tipo although são construções hipotáticas. O conector que une a hipotática com oração
núcleo tem, geralmente, sua fonte em um nome, verbo, advérbio, pronome, etc.
Conforme Halliday e Hasan 1976 (apud Hopper e Traugott 1993), o desenvolvimento
desses conectores é motivado pelo desejo do falante de ser mais claro e informativo,
principalmente em direcionar seu ouvinte a interpretar as informações dadas.
Parataxe Hipotaxe Subordinação
Justapostas Relativas explicativas Relativas restritivas
Coordenadas Circunstanciais Completivas
89
Inicialmente, as conjunções desse tipo servem para sinalizar a combinação de orações e
delimitar fronteiras sintáticas.
A gramaticalização dessas conjunções as levam, por exemplo, a combinar orações
e, uma vez recrutadas para novas funções, elas estão sujeitas a novas inferências e
poderão novamente sofrer gramaticalização. Desse modo, um item temporal pode servir
para a formação de uma condicional, causal, ou concessiva, como é o caso do while,
citado pelos autores, e também da conjunção embora do português. Uma concessiva
pode ainda surgir a partir de um item condicional even if, conforme König (1984).
Neves (2006), calcada em uma base funcionalista, também questiona o corte
rígido entre coordenação e subordinação. A autora afirma que as orações chamadas
subordinadas pela tradição apresentam uma alta complexidade no uso na língua e se
prestam a diversas funções de caráter discursivo, e não são simplesmente orações que
“exercem função sintática em outra”, como geralmente vêm descritas.
Segundo a autora, uma oração hipotática adverbial pode, entre outras coisas,
marcar o fundo (background) na organização do discurso ou mesmo funcionar como
adendos, em que o falante acrescenta uma informação, que julga necessária a
introdução desse segmento em sua fala. Essas funções podem ser percebidas nas
orações concessivas com embora, encontradas no corpus, conforme exemplos (39) e
(40), respectivamente:
(39) no município éh:: éh compras de voto embora exista a/ a legislação que::
não permite isso mas existe a::/ realmente a compra de voto a mentira a promessa de que
vai fazer e depois num faz nada éh:: a nível estadual também ocorre o mesmo éh:: um
prometendo isto outro prometendo aquilo... ...(AC-113-RO)
(40)"O crescimento conserva em ebulição contínua o organismo interior". O problema
não é da adolescência, embora seja quando as alterações são mais acentuadas e mais
visíveis. (CEL:AELT)
90
Em (39) a oração com embora marca um plano de fundo sobre o qual uma
informação mais saliente ou importante é apresentada, no caso, o conteúdo da oração
principal, e, em (40), a oração iniciada pela conjunção traz uma informação adicional,
que o falante acredita ser relevante para a primeira parte do enunciado.
Halliday (1985, apud Neves, 2006) também rejeita a dicotomia tradicional nos
estudos de articulação de orações. A proposta do autor é baseada em duas dimensões de
análise: o eixo de interdependência, ou sistema tático de parataxe e hipotaxe, e o eixo
lógico-semântico de expansão e projeção. No primeiro eixo, a parataxe é a relação entre
dois elementos de mesmo estatuto, e a hipotaxe é a relação entre elementos de estatutos
diferentes. No segundo eixo de expansão, a oração dependente expande a oração
dominante por meio da: a) elaboração: em que uma oração elabora o sentido da outra; b)
extensão: em que uma oração amplia o significado da outra, dando um acréscimo à ela;
c) realce (enhancement): em que uma oração realça o significado da outra, dando-lhe
qualidade de tempo, modo, lugar, causa ou condição. O autor acredita que as orações
concessivas seriam orações que fazem parte das hipotáticas que expandem a oração
nuclear, dando realce do tipo concessão.
É interessante nessa proposta a combinação de hipotaxe com o realce, o qual
resulta nas chamadas orações adverbiais (tempo, concessão, modo, causa, condição,
etc.), pois há uma junção de critérios sintáticos e semânticos, que enfoca a
interdependência sintática e as relações de sentido presentes nas orações, combinação
que geralmente não é feita pela tradição gramatical.
Neves (2006) chama a atenção para o fato de que as orações podem estabelecer
relações em vários níveis a saber: da predicação, da proposição e do ato de fala. Para
ilustrar, ela cita exemplos de orações temporais, que estariam no nível da predicação, e
91
de concessivas, que estariam no nível da proposição, uma vez que estabelecem um
esquema dialógico, em que as possíveis conclusões do ouvinte são consideradas.
Outro trabalho que faz uma reflexão sobre coordenação e a subordinação é Carone
(1991), no qual a autora explicita de que modo se dá a coordenação e a subordinação de
orações, apontando alguns pontos obscuros deixados pela tradição, no que diz respeito,
principalmente, à coordenação. A fim de demonstrar que algumas orações chamadas de
subordinadas pela tradição podem compartilhar características com as coordenadas,
retomo as características dadas por Carone (1991) à cada um desses dois domínios de
articulação de orações.
A autora apresenta as seguintes características da coordenação: a) os elementos
coordenados têm a mesma função sintática; (ii) os elementos coordenados pertencem a
um mesmo paradigma; (iii) a coordenação forma seqüências abertas; e, (iv) os
elementos coordenados podem ser tanto orações como termos de orações. Na seqüência
discutirei as duas últimas características.
Com relação à terceira característica apontada por Carone (1991), pode-se
perceber que realmente, dentro do domínio da coordenação, comportamentos não
idênticos entre as orações, pois a autora confere a formação de seqüências abertas
somente às aditivas e às alternativas, que os outros tipos de coordenadas, como mas,
pois e logo organizam os coordenados em pares, assim, fazem parte de um
procedimento sintático binário, como em Deus é bom, mas justo.
Quanto à característica (iv), a autora mostra que na realidade haveria um tipo
de coordenação, a de orações. No exemplo: João saiu + Maria saiu, resultaria em
Maria e João saíram, em que alguns dos elementos seriam suprimidos por haver
repetição. Por essa razão, haveria coordenação entre os sujeitos das orações.
92
Dentro da discussão sobre as orações coordenadas, Carone (1991) discute
algumas características das conjunções que estabelecem relações dentro do domínio da
coordenação, tais como:
a) pausa: considerado morfema supra-segmental, tem o caráter de separar o
primeiro membro do segundo. As conjunções mas, logo e pois são precedidas de pausa,
estabelecendo uma forte relação semântica com o segundo membro da coordenação;
b) mobilidade da conjunção: algumas conjunções coordenativas apresentam
certa mobilidade
9
, podendo aparecer no início, no meio ou no final da segunda oração.
A autora exemplifica essa afirmação com a conjunção portanto, que tem as seguintes
possibilidades de aparecer na sentença:
(41) duvido de você: portanto, não insista em convencer-me.
(41’) duvido de você; não insista, portanto, em convencer-me.
(41´) duvido de você; não insista, em convencer-me, portanto.
c) relação semântica entre os membros da coordenação: o segundo termo da
coordenação estabelece uma relação de adversidade, explicação e conclusão com o
primeiro membro e é, nesse ponto, que a conjunção está inserida, como em Parece
santo, mas é um demônio;
d) caráter anafórico da conjunção: conforme Bally (1965, apud Carone 1991),
dois termos se coordenam, quando o segundo termo passa a remeter ao primeiro, como
em: faz frio, por causa disso (por causa do frio), não sairemos. A partir do momento
em que o segundo termo é inserido dentro do primeiro, ele se torna cristalizado,
perdendo seu valor adverbial e ganhando o estatuto de conjunção.
Dado esse caráter anafórico das coordenativas, Carone toca na questão da
independência ou autonomia das coordenadas. A oração do segundo membro da
9
As conjunções mas e pois (explicativo) não apresentam essa característica, uma vez que aparecem
somente em posição inicial.
93
coordenação, do qual a conjunção faz parte, é anafórica, isto é, faz um movimento de
retroação, revelando que essas orações não são independentes. Em uma oração como
chamei-o, mas vo não me ouviu, o segundo elemento pressupõe o primeiro, o que
resulta em uma restrição, quanto à mobilidade dessas orações. Desse modo, a autora
afirma que dizer que uma oração coordenada é independente tem validade, no que se
refere ao fenômeno da translação
10
.
É importante comentar que muitas conjunções coordenativas, como, por exemplo,
no entanto, entretanto, contudo, porém ainda preservam o valor adverbial, pelo fato de
ainda apresentarem esse valor anafórico/coesivo, isto é, de remeter alguma informação
do primeiro elemento. Elas funcionam como termos mistos, ou seja, apresentam caráter
adverbial e de conjunção, ainda preservando a mobilidade sintática típica dos advérbios,
como em: no entanto, eu nada ouvia/ eu, no entanto, nada ouvia/ eu nada ouvia, no
entanto.
Essa característica brida é resultado de um processo de gramaticalização que
esses itens sofreram, como observa Neves (2006), que as inclui na classe dos advérbios,
porém com função juntiva, sendo chamados de advérbios juntivos, visto que,
apresentam ora características de advérbios, ora de conjunções, porém com o mesmo
valor semântico de desigualdade entre os elementos envolvidos no enunciado. Segundo
a autora, esses itens apresentam estágios diferentes de mudança, até alcançarem o
estatuto de conjunção. Em outras palavras, cada uma delas é mais ou menos gramatical,
o que pode ser notado pela seguinte escala arranjada pela autora, em que elementos
mais à direita estão mais gramaticalizados do que elementos à esquerda:
10
A translação, conforme Tesnière (apud Carone 1991), ocorre quando uma conjunção subordinativa
transfere a condição de termo à uma oração com que é articulada. Essa oração, portanto, será um termo
com um valor de substantivo, adjetivo ou advérbio, se transformando em uma oração subordinada. É por
isso que as orações coordenadas nunca transferem a translação, que nesse tipo de estrutura não
vínculo entre o termo e oração, e sim entre orações.
94
entretanto/ contudo/ todavia, etc. porém mas e, ou
11
Comportamento similar à essas conjunções coordenativas apresenta a conjunção
concessiva embora, uma vez que a conjunção ainda preserva traços de advérbio,
podendo aparecer em diversas posições dentro da sentença, como em (42), em que a
conjunção aparece entre verbo e complemento:
(42) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, faltando-lhe embora
competência para julgar dos resultados. (CEL:Beblt)
Devido a esse comportamento, o embora é considerado menos gramaticalizado do
que as conjunções se e porque, como aponta Neves (2006):
embora > porque> se
12
No que se refere à subordinação, Carone (1991) afirma o que a coordenação não
é capaz de realizar, a saber: não estrutura internamente a frase; não comporta a
translação (termo explicitado anteriormente); não transfere uma oração de maneira a
conferir um valor de substantivo, adjetivo ou de advérbio; não insere uma oração na
outra, e, não reduz uma oração em termo da outra.
Carone (1991) utiliza o fenômeno da inserção, para explicar a subordinação de
orações. Para a autora, a oração subordinada estaria em posição inferior à outra oração.
Em outras palavras, ela seria subalterna, por fazer parte de uma sub-ordem. A autora
explicita de que modo uma oração é inserida em outra, a saber: por meio de
11
Neves (2006:258).
12
Neves (2006:258).
95
instrumentos gramaticais, tais como o pronome relativo, conjunções subordinativas e
conjunção integrante.
No caso do pronome relativo, ele exerce a função de fazer com que toda uma
oração se comporte como parte da outra, relacionando-se com um substantivo ou um
adjetivo, e recuperando anaforicamente o antecedente. Pode haver também um outro
tipo de relação entre duas orações, como a de tempo, de causa, condição, concessão,
etc., que são efetuadas por meio das conjunções subordinativas. Essas conjunções são
instrumentos de inserção de uma oração em determinado ponto da outra, denotando uma
circunstância qualquer. Elas são conjunções que impõem a uma oração o
comportamento de um advérbio, da mesma forma que o pronome relativo impõe à
oração a condição de adjetivo.
As conjunções integrantes são instrumentos de inserção que têm a propriedade de
fazer uma oração completa se comportar como um substantivo, como é o caso das
chamadas orações subordinadas substantivas. Essas conjunções são “vazias” de
sentido, apresentando apenas a função sintática de transferência, enquanto as
subordinativas carregam traços semânticos de circunstância. Dessa maneira são
formadas as orações substantivas, adjetivas e adverbiais, ou seja, pela inserção de uma
oração, por meio de um pronome relativo ou de uma conjunção, em algum ponto da
outra oração.
A partir de várias reflexões, o trabalho de Carone (1991) instiga a necessidade de
repensar o período composto nos manuais de gramática, reforçando a idéia de que
algumas características conferidas às coordenadas que também podem ser partilhadas
com as subordinadas e vice e versa.
Assim, baseada nessa visão não dicotômica dos estudos de cunho descritivo, sobre
o período composto, na seqüência, exponho os critérios propostos nos trabalhos de
96
Guimarães (1987) e Longhin-Thomazi (2004), baseados em Bally (1965), para a
explicação da combinação de orações, a fim de verificar em que nível de articulação
para esses autores encontram-se as orações articuladas pela conjunção concessiva
embora.
Guimarães (1987), com o objetivo de verificar as relações semânticas e
argumentativas dos operadores logo, pois, que, e, além disso, não só...mas também,
ou...ou, ou, mas, embora, para que, quando e que, e o nível de articulação das orações
em que essas conjunções estão inseridas, abandona a dicotomia coordenação x
subordinação e questiona os critérios utilizados pelas gramáticas normativas para fazer
tal classificação.
O autor toma como base o trabalho de Bally (1965), que propõe três modos
distintos de relacionar orações: coordenação, segmentação e subordinação. Na visão
de Bally (1965), a coordenação se entre duas orações independentes, em que a
segunda tem a primeira por tema, ou, em outras palavras, a segunda seria o rema da
primeira. A segmentação, por sua vez, é caracterizada pela interdependência entre as
enunciações, sendo possível verificar, assim como na coordenação, as duas partes da
oração, uma com função de tema e a outra, de comentário. A subordinação, por sua
vez, representa a união completa de duas orações em um ato de enunciação,
apresentando uma forte dependência entre elas.
No que se refere ao tema e comentário, o autor se baseia na definição de Orlandi
(1983), que afirma que o tema “é o que estabelece como começo na incompletude do
discurso”, em outras palavras, é o assunto que será desenvolvido durante o discurso. O
comentário, por sua vez, é o que se diz sobre o tema, ou assim como utilizado por Bally
(1965), o comentário é usado para se referir às informações novas acrescentadas a um
tema. Na proposta de Guimarães (1987), se uma oração configurar tema/comentário de
97
uma outra é porque elas estão em grupos entonacionais diferentes, e podem ser
analisadas separadamente.
A partir disso, Guimarães (1987) afirma que as orações com as conjunções
embora, logo, pois, que e mas estabelecem uma relação de não-dependência com a
outra oração com a qual são vinculadas. Dessa maneira, ele acredita que as orações
iniciadas pela conjunção embora, ao contrário do que afirmam os manuais de gramática,
não deveriam ser incluídas no conjunto das subordinadas.
A proposta de Guimarães (1987) repousa em dois tipos de relações entre as
orações, a saber: (a) dependência e não dependência, e (b) articulação tema/comentário.
Segundo o autor, a dependência é uma relação entre dois elementos lingüísticos que
constituem um outro de mesma natureza. Portanto, se duas orações não constituem
juntas uma outra oração, diremos que elas não são dependentes.
Para sustentar essa afirmação, Guimarães (1987) aponta alguns critérios, que
explicitam que as orações encabeçadas pelos conectores citados acima não são
dependentes. De todas as conjunções analisadas pelo autor, focalizo as orações com
embora, a fim de verificar de que forma esses critérios podem ajudar a explicar as
ocorrências do corpus.
Esses critérios consistem em testes que o autor realiza com as orações, para
mostrar que em alguns deles a dependência não se aplica. Esses critérios são mostrados
em a, b e c.
Dessa forma, o autor propõe que a dependência impede:
a) a divisão das orações da frase pressupondo a fala de dois locutores: L1 e L2;
b) a articulação por sobre o limite da frase;
c) a tomada da frase construída pelas duas orações como um todo, em relação à
negação, pergunta e encadeamento.
98
Guimarães (1987) mostra que as orações com embora podem ser analisadas como
pressupondo dois locutores, pois em uma conversa cada locutor pode dizer uma oração
diferente, conforme mostram exemplos do autor:
(43) L1 - Paulo não foi o escolhido.
L2 - Embora fosse o mais adequado para o cargo.
Esse mini-diálogo, possível de ser feito com as orações com embora, revela que
um conhecimento partilhado entre os interlocutores do discurso, revelando as várias
vozes presentes no esquema concessivo.
A articulação sobre o limite da frase se refere à separação, por meio de um ponto
final, entre a oração principal e a subordinada. O autor mostra que isso não ocorre com
as orações com embora, pois a seguinte frase seria impossível de ocorrer:
(44) Paulo não foi escolhido. Embora fosse o mais adequado para o cargo.
Esse critério apontado é passível de discussão, uma vez que essa construção é
possível de ocorrer na língua. Além disso, esse ponto final indica uma pausa, que
normalmente vem representada por uma vírgula, segmentando a oração em dois grupos
entoacionais, como em Paulo não foi escolhido, embora fosse o mais adequado para o
cargo.
Da mesma forma, o alcance da negação não se daria sobre a frase toda, mas
apenas sobre uma das orações, como em (44). Além disso, na visão do autor, seria
impossível encontrar orações com embora, com modalidade de pergunta, como em (45):
(45) Paulo não foi escolhido embora não fosse o mais adequado para o cargo.
(45´) Paulo não foi escolhido embora fosse o mais adequado para o cargo?
99
Contudo, orações como (45´) são perfeitamente aceitáveis, e seriam chamadas por
Neves (2000) de orações concessivas que relacionam atos de fala, que vinculam um
ato ilocucionário interrogativo, como no exemplo (20) já comentado anteriormente.
Quanto à tomada da frase em relação ao encadeamento no texto, o autor faz um
teste com a seqüência sei que e mostra que o encadeamento dessa expressão não toma a
frase como um todo, mas somente uma oração, como em (46):
(46) Sei que Paulo não foi o escolhido embora fosse o mais adequado para o cargo.
A hipótese do autor de que as orações com embora são não dependentes é baseada
nos seguintes critérios: a) a negação não toma a frase como um todo; b) a pergunta não
toma a frase como um todo; c) o encadeamento não toma a frase como um todo; e, d)
cada oração pode ser dita por um locutor diferente. Todos esses critérios se aplicam com
as construções com embora, e, por isso, podemos dizer que esse tipo de oração não é
dependente.
Com base na articulação tema/comentário, Guimarães (1987) assegura que a
oração encabeçada por embora pode ser o tema da segunda, ou se tivermos a inversão
das orações, o tema será ora a oração com a conjunção, ora a oração principal. Dessa
forma, as orações com embora se conformam a uma análise em tema/comentário, sendo
que cada oração corresponderá a um grupo entonacional, ou seja, elas podem ser
divididas sem dependência nesse sentido, o que mostra que elas não têm
comportamento parecido com as orações subordinadas. Essa proposta do autor pode ser
verificada nos seguintes exemplos retirados do corpus:
(47)“O crescimento conserva em ebulição contínua o organismo interior". O problema
não é da adolescência, embora seja quando as alterações são mais acentuadas e mais
visíveis. (CEL:AELT)
100
(48) Embora alguns desses compostos pareçam apresentar algumas propriedades
bastante promissoras, não podemos ainda contar com eles e temos que raciocinar
contando com o que dispomos. (CEL: Antlt)
Nesses exemplos, nota-se a confirmação da hipótese de Guimarães (1987) de que
as orações com embora podem ora marcar o comentário, como é o caso do exemplo
(47), ora marcar o tema, como no exemplo (48).
Essa alternância na ordem (tema/comentário-comentário/tema) presente nas
orações com embora está diretamente relacionada com a estratégia argumentativa desse
tipo de construção.
Quando a construção é configurada como embora y, x o tema, expresso na oração
com embora é antecipado para sinalizar ao ouvinte que o argumento do comentário será
o predominante, como em (48). Por outro lado, quando a oração for do tipo x, embora y,
o falante indica que o argumento mais significativo será antecipado pela oração que
marca o tema, ou seja, a principal, como em (47).
É interessante notar que as orações com mas não permitem essa inversão, sendo
sempre configurada como x, mas y. Portanto, o comentário se sempre o segundo
termo da oração, contrastando, dessa forma, o tema, como exemplo dado por Guimarães
(1987): Os incidentes de Leme envergonham o País, mas o País não parece estar
envergonhado.
Essa observação de Guimarães nos leva a pensar sobre o critério autonomia usado
pela tradição gramatical, para caracterizar as orações coordenadas. Por meio da análise
tema/comentário percebe-se que orações do tipo mas não são dependentes uma da outra,
e que as orações com embora, portanto, apresentam um contornos entoacionais
distintos, isto é, podem não ser totalmente dependentes ou, como afirmam as
gramáticas, subordinadas. Portanto, esse trabalho mostra, dentre outras coisas, que as
101
orações unidas pela conjunção embora partilham características com as orações
chamadas coordenadas.
Koch (1997) também mostra o aspecto pragmático desse procedimento. A autora
chama de tematização, quando o tema preceder o rema
13
, e rematização, quando o
rema anteceder o tema. Conforme a autora, a ordem tema-rema ou vice-versa não se
trata simplesmente de uma questão de posição, mas sim de escolhas feitas pelo falante,
para sinalizar o seu grau de envolvimento com o assunto, com o interlocutor e com o
conhecimento partilhado entre os dois.
Quando ocorre um tema marcado, ou seja, o tema anteposto ao rema, o falante
enfatiza um elemento para ativar no seu interlocutor algo já conhecido por ele, para
depois trazer a informação nova, não conhecida pelo ouvinte. Em (48), o falante utiliza
a estratégia de tematização, antepondo um conhecimento supostamente partilhado pelo
seu ouvinte, para, em seguida, veicular um conteúdo novo.
Por outro lado, o falante pode optar pela estratégia de rematização, antepondo o
rema ao tema, isto é, veiculando uma informação nova antes de expressar o conteúdo
conhecido pelo ouvinte. Segundo Koch (1997), esse procedimento demonstra uma
maior expressividade e envolvimento do locutor com o assunto e com seu interlocutor,
já que o falante antecipa o objetivo de sua comunicação, ou seja, trazer uma informação
nova. Na ocorrência (46), o falante antepõe a informação mais relevante, nova e
desconhecida O problema não é da adolescência para depois sinalizar a informação
já conhecida embora seja quando as alterações são mais acentuadas e mais visíveis.
Koch (1997) observa que ao evidenciar um elemento do enunciado, é estabelecida
uma oposição entre esse elemento e outros, implícita ou explicitamente. No caso das
orações com embora, as estratégias de tematização e rematização, além de
13
Rema é utilizado por Koch (1997) com o mesmo sentido do termo comentário utilizado por
Guimarães.
102
demonstrarem a intenção do falante ao salientar uma informação, evidenciam a relação
de contraste entre os elementos presentes nas duas orações, conferindo, assim, o caráter
pragmático das orações com essas orações, que se prestam a uma configuração
tema/comentário (rema).
Longhin-Thomazi (2004) também se preocupa em discutir as formas de
combinação de orações, a fim de buscar parâmetros que melhor expliquem o modo
como as orações se articulam. Para diferenciar um campo de articulação do outro, a
autora extrai do trabalho de Bally (1965) critérios não só de ordem sintática, mas
também de ordem semântica, a fim de auxiliar na explicação dos três domínios de
juntura de oração. Os parâmetros propostos pela autora são seis, a saber:
a) dependência semântica: verifica-se maior dependência na soldadura; uma
dependência parcial na segmentação e, uma menor dependência na coordenação;
b) distinção tema/propósito
14
: na coordenação e na segmentação, a primeira
parte do enunciado é tema e a segunda é propósito, ao passo que na soldadura qualquer
parte está sujeita a ser propósito, a depender de fatores pragmáticos;
c) divisão em segmentos entoacionais: na coordenação e na segmentação, há
pelo menos dois segmentos entoacionais, já na soldadura, há apenas um;
d) pausa: a pausa pode ser representada por algum sinal de pontuação. Na
soldadura nunca haverá pausa, já na coordenação há uma pausa considerável e na
segmentação, uma pausa breve;
e) referenciação anafórica: é particularidade somente da coordenação a relação
anafórica entre as partes do enunciado, sendo que a segunda parte da oração coordenada
(propósito) retoma a primeira (tema), ou somente parte da primeira;
14
Os termos propósito e o termo comentário são usados com o mesmo sentido por Guimarães (1987) e
Longhin-Thomazi (2004).
103
f) oração como termo em outra: somente na soldadura é possível que haja a
inserção de uma oração no lugar de um termo, que pode ser sujeito, complemento do
verbo ou complemento do substantivo.
A partir desses parâmetros, a autora aplica cada um deles aos três tipos de
orações, mostrando que as orações segmentadas apresentam diferenças significativas em
relação às do tipo soldadura, estando, portanto, em níveis de articulação distintos.
Assim, aplico os mesmos critérios nas orações com embora, a fim de verificar a
qual dos três domínios de articulação pertencem as orações concessivas.
No que se refere à dependência semântica, as orações com embora, encontradas
no corpus, apresentam dependência parcial com a outra parte do enunciado, que não
se sustentam sozinhas, como em (49):
(49) que eu passei:: atrás de votos... visitando pessoas... éh:: no sítio... éh na cidade casa
encontrando os amigos falando sobre política... éh:: tivemos comícios... éh:: enfim... foi
uma::/ foi gratificante... embora eu tenha perdido a eleição foi muito gratificante... éh::
ter participado daquilo::... porque:: a gente passa a conhecer as pessoas... éh::... depois...
embora você já as conhecesse... éh mas aí você vê... em cada uma delas o que:: elas têm
prá dar ou o que/ a capacidade de algumas a necessidade de outras...(AC-113-NE)
Nessa ocorrência, a relação semântica de oposição, adversidade, contra-
expectativa e conseqüentemente, a relação pragmática que pode ser atribuída à oração
concessiva embora eu tenha perdido a eleição é sustentada pelo conteúdo da oração
principal foi gratificante. Assim, a oração concessiva sem a presença da oração
principal não apresenta esse conteúdo semântico e discursivo.
Quanto aos parâmetros (b), (c) e (d), como discutido anteriormente, as orações
com embora são articuladas em tema/propósito, conforme mostrado em (47) e (48), e,
104
assim, podem ser divididas em dois segmentos entoacionais, como em (50), em que a
pausa é representada, na maioria das ocorrências pela vírgula:
(50) Embora alguns desses compostos pareçam apresentar algumas propriedades
bastante promissoras, não podemos ainda contar com eles e temos que raciocinar
contando com o que dispomos. (CEL: Antlt)
Desse modo, os critérios (a), (b), (c) e (d) são aplicáveis às orações com embora,
as aproximando das orações segmentadas e coordenadas. Mas, por outro lado, os
parâmetros (e) e (f) não se aplicam para as ocorrências do corpus, visto que as orações
com embora não fazem referenciação anafórica com nenhuma parte do enunciado e,
como já apontado, não são inseridas em nenhuma parte da oração principal.
A aplicação desses critérios às orações com embora pode ser visualizada no
seguinte quadro:
Critérios Sem aplicação Aplicação parcial Aplicação total
a. Dependência semântica
X
b. Distinção tema/propósito
X
c. Divisão em segmentos
entoacionais
X
d. Pausa
X
e. Referenciação anafórica
X
f. Oração com termo em outra
X
Q
UADRO
04:
A
PLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS ÀS ORAÇÕES COM EMBORA
Verifica-se, por meio desse quadro, que as orações com embora partilham
algumas características com as orações coordenadas, pela aplicação dos critérios (b), (c)
e (d), mas por outro lado, apresentam uma dependência relativa com a oração principal,
parâmetro não aplicado às coordenadas. Assim, esse critério não permite que afirmemos
que as orações com embora sejam coordenadas. Em um continnum elas se situariam
105
entre as orações coordenadas e as segmentadas, compartilhando algumas características
com ambos os domínios de articulação.
Com relação ao domínio da soldadura ou subordinação, é certo que as orações
com embora não apresentam o mesmo comportamento das orações desse tipo, visto que
os critérios (e) e (f) não são aplicáveis. Portanto, as orações com embora não fazem
parte desse domínio, que, tradicionalmente, corresponde ao da subordinação.
Nesse âmbito de discussão sobre a articulação de orações, tomo como referência
os estudos de base lingüística que abandonam a subdivisão das orações complexas em
coordenação x subordinação e adoto, portanto, a posição de que uma flutuação entre
esses níveis de combinação de orações complexas. Por isso, assim como afirmam
Hopper e Traugott (1993), acredito que as orações adverbiais concessivas estariam
inseridas em um continuum compartilhando características com as paratáticas e com as
hipotáticas.
106
CAPÍTULO III
MATERIAL E METODOLOGIA
3.1 MATERIAL
Como foi mencionado, de acordo com Hopper e Traugott (1993) e Sweetser
(1990), a investigação em GR pode ser feita do ponto de vista sincrônico e diacrônico.
As duas perspectivas mostrarão os dados de forma complementar; a sincronia atual, de
um lado, poderá indicar seus usos atuais, fornecendo pistas sobre seus usos históricos, e
a diacronia poderá indicar os estágios de ambigüidade e a trajetória de mudança
responsável pelo surgimento da forma gramatical sincrônica atual.
Por isso, em vista do objetivo deste trabalho, utilizo amostras de fala e de escrita,
para a análise sincrônica e, para a diacrônica, textos de natureza diversa, que forneçam
exemplos de embora, e assim, permitam traçar a trajetória de mudança ao longo de sua
história.
No que se refere aos dados de fala, utilizo o banco de dados Iboruna, que envolve
amostras de fala da região noroeste do Estado de São Paulo, coletadas com base nos
métodos da sociolingüística variacionista. Cada inquérito do corpus se conforma a cinco
diferentes tipos de textos orais: narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada,
relato de descrição, relato de procedimento e relato de opinião. Para cada inquérito,
cinco arquivos de som e um arquivo de transcrição junto com a ficha social do
informante.
Esse corpus é constituído de dois tipos de amostra: (i) a amostra censo,
representada pela sigla (AC), em que o entrevistador sugere que o informante discorra
sobre algum tema, conforme o tipo de texto; (ii) a amostra de interação (AI), em que o
107
informante, sem saber que estava sendo entrevistado, é comunicado sobre a
gravação posteriormente, a fim de recuperar uma fala espontânea e natural. Para a coleta
das ocorrências de embora foi utilizado somente o material transcrito da amostra censo.
Algumas variantes sociais foram consideradas na constituição do corpus Iboruna,
tais como: idade, escolaridade, sexo e renda. No entanto, para a coleta das ocorrências
de embora, não utilizei critérios de cunho social para selecionar os inquéritos, uma vez
que o objetivo foi verificar de que forma o item é usado pelos falantes da língua. Dessa
maneira, selecionei, aleatoriamente, vinte inquéritos, englobando todos os tipos de
relatos. Em cada inquérito, portanto, havia cinco tipos de textos de natureza diferente,
que de certo modo podem ter influenciado o uso de embora em sua acepção adverbial
ou conjuncional.
o material de escrita consiste em parte de uma base de dados armazenada no
Centro de Estudos Lexicográficos, da Unesp de Araraquara. É constituída por textos
escritos de gêneros variados, como literatura romanesca, técnica, oratória, jornalística e
dramática. Para essa pesquisa, foram selecionados dois textos de cada gênero,
totalizando dez textos. A escolha pela variedade de textos escritos se deu pela
preocupação em apreender diferentes types de embora, em diferentes tipos de textos.
De maneira semelhante ao material de fala, a natureza dos textos escritos pode ter
influenciado o uso da conjunção ou do advérbio embora, uma vez que em textos
técnicos que apresentam um grau alto de formalidade não foi encontrada nenhuma
ocorrência do advérbio, e da mesma forma, em textos menos formais, o uso da
conjunção não foi constatado.
Para os estudos diacrônicos, foram utilizados textos que pertencem a “Amostra
diacrônica do Português” organizada por Longhin-Thomazi (2004), disponível em
http://www.cdp.ibilce.unesp.br/, compreendendo textos do século XIII ao XX, de
108
diversos gêneros. Para esta pesquisa, contudo, me restrinjo ao período do século XV ao
XIX.
A justificativa para esse recorte temporal é baseada nas afirmações de Ali (1964),
que reconheceu, nesse período, o emprego da forma fonte que originou a concessiva.
Como foi dito, segundo o autor, embora teve origem no uso da locução adverbial em
boa hora usada no século XV com o valor temporal. Porém, é importante observar que
a escolha desse recorte temporal para realizar a investigação histórica de embora não
invalida a possibilidade de haver, anteriormente na história da ngua, a forma fonte
dessa concessiva.
Para buscar fontes representativas da língua no período desses cinco séculos,
selecionei quatro textos com a média de quarenta ginas cada um, porém, essa
quantidade não foi suficiente para obter um número significativo de ocorrências para a
pesquisa, por isso, houve a necessidade de ampliar o corpus. Selecionei mais textos de
cada culo, com a mesma quantidade de páginas que havia selecionado anteriormente.
Depois da ampliação, o total de textos analisados compreendeu mais três textos para
cada século, que proporcionou a obtenção de um número quantitativamente e
qualitativamente maior de ocorrências.
Na seqüência, apresento a relação dos textos cujos trechos selecionei para a
pesquisa. Cada texto corresponde a uma sigla, cujos números indicam o século, e as
letras indicam a fonte ao texto
15
.
SIGLA DOCUMENTOS DO SÉCULO XV
15BD
Boosco Deleitoso. Edição do texto de 1515, com introdução, anotações e glossário de
Augusto Magne. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1950, Vol. I.
15
É preciso ressalvar que a pesquisa baseada em fontes históricas tem suas dificuldades e limitações. Há,
por exemplo, o problema da representatividade dos textos selecionados, que elegi alguns poucos textos
para cobrir um período longo de tempo, equivalente a séculos. Acrescente-se a isso a escassez de estudos
filológicos, que poderiam facilitar a interpretação das ocorrências, especialmente das mais antigas, em
que a língua ainda não dispunha de uma padronização.
109
15LC D. DUARTE. Leal Conselheiro. Trechos escolhidos por F. C. Marques. Coleção
Clássicos Portugueses. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1942.
15CDF Fernão Lopes. Crónica D. Fernando. Introdução, seleção e notas de Torquato de Sousa
Soares. In Clássicos Portugueses. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1945.
15CDP Fernão Lopes. Crónica D. Pedro I. Introdução, seleção e notas de Torquato de Sousa
Soares. In Clássicos Portugueses. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943.
15F Fernão Mendes Pinto. Peregrinação. Transcrição de Adolfo Casais Monteiro. Lisboa:
Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1983.
15LF Ciceram, Marco Tullio. Livro dos Ofícios. Edição crítica, segundo o ms. de Madrid,
prefaciada, anotada e acompanhada de glossário, por Joseph M. Piel. Coimbra: Por
Ordem da Universidade, 1948.
15CT Zurara, Gomes Eanes. Crónica da Tomada de Ceuta. Edição crítica de Alfredo Pimenta.
Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1942.
SIGLA DOCUMENTOS DO SÉCULO XVI
16CPJ Serafim leite, S.I. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil (1538-1553). Comissão do IV
Centenário da Cidade de São Paulo, vol. I, s.d.
16CDM Dorta, Garcia. Colóquios dos simples e drogas e cousas medicinais da India.
Reprodução fac-similada da edição impressa em Goa em 10 de abril de 1563. Academia
de Lisboa, 1963.
16ABF Gil Vicente. O Auto da Barca do Inferno. Teatro de Gil Vicente. Apresentação e leitura
de Antônio J. Saraiva. As.ed. Lisboa: Portugália Editora.
16APP Gil Vicente. O Auto Pastoril Portuguez. Obras de Gil Vicente. Com revisão, prefácio e
notas de Mendes dos Remédios. Tomo I. Coimbra: França Amado Editor, 1907.
16FIP Gil Vicente. A Farsa de Inez Pereira. Teatro de Gil Vicente. Apresentação e leitura de
Antônio J. Saraiva. As.ed. Lisboa: Portugália Editora.
16CFR Góis, D. Crônica do Felicíssimo Rei D. Manuel. Nova edição conforme a primeira de
1566. Parte I. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1949.
16HPS Gondavo, Pero de Magalhães. Historia da prouincia de Sãcta Cruz a que vulgarme[n]te
chamamos Brasil... Lisboa: Officina Antonio Gonsalvez, 1576.
SIGLA DOCUMENTOS DO SÉCULO XVII
17CAN
Lobo, Francisco Rodrigvez. Corte na Aldeia, e Noites de Inverno. Oferecido ao Senhor
Dom Dvarte. Lisboa: Pedro Crasbeeck, 1619.
17JV
Jornada dos Vassalos da Coroa de Portvgal, peras recuperar a Cidade de Saluador, na
Bahya de todos os Sanctos, tomada pollos Olandezes, a oito de mayo de 1624, &
recuperada ao primeiro de mayo de 1625. Lisboa, anno de 1625.
17LPG
Livro Primeiro do Goveno do Brasil (1607-1633). Prefácio de J. C. de Macedo Soares.
Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Seção de Publicações do Serviço de
110
Documentação.
17VR Voz Rethorica. Sermão do Nacimento do Menino Deos, Pregado. Doméfticamente no
Collegio da Bahia da Companhia de JESUS.
17SS Padre Antonio Vieira. Sermão da Sexagésima, pregado na Capella Real. In Sermões do
Padre Vieira. Reprodução fac-similada da edição de 1679. São Paulo: Ed. Anchieta
Limitada.
17HA Historiografia de Alcobaça (Frey Bernardo de Brito e Frei Antonio Brandão). Trechos
escolhidos Alfredo Pimenta. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1943.
SIGLA DOCUMENTOS DO SÉCULO XVIII
18OSC
A Ordem da Salvação ou A Doutrina Christaã brevemente em perguntas e respostas
declarada e provada com principaes testemunhos da escritura sagrada. Tranquebar. Em
índia Oriental na Costa de Coromandel. Na Estampa dos Missionários delRey de
Dennemarck. Anno 1712.
18UAI
Do Uso, e Abuso das minhas Agoas de Inglaterra, pello inventor das mesmas Agoas, J.
de Castro Sarmento, doutor em Medicina, do Collegio Real dos Médicos de Londres, e
Sócio da Sociedade Real. Impresso em Londres, Em Caza de Guilherme Strahan, anno
MDCCLVI.
18SM
Santuario Mariano e a Hiftoria das Imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo
Primeiro. Lisboa, Na Officina de Antonio Pudrozo Gabrão, 1707.
18NA Necessario Aviso acerca da Igreja e Doutrina dos Papas em Roma. Amorosa e
fielmente dado para a advertência dos que estão na Ditta Igreja. Pelos Missionários
Inglezes em Madras. Calcutta, Impressa na Officina da Missão. Ano MDCCLXXXV.
18REF Reflexoens sobre a questaõ entre os Estados Unidos, e a França. Offerecidas por
Roberto Goodloe Harper hum dos Delegados da Carolina Meridinal. Philadelphia,
maio de 1797. Traduzidas em Portuguez em Londres, 1798.
18CM Carta Carta de Amizade Escrita ao Conde de São Vicente em 21 de julho de 1768
pelo navio Principe de Gales Capitão Carlos Osório.
18TM Theorica verdadeira das Mares, conforme a philosophia do incomparável cavalhero
Issac Newton, pello Dr. Jacob de Casto Sarmento. Impressa em Londres, anno
MDCCXXXVII.
SIGLA DOCUMENTOS DO SÉCULO XIX
16
19RV Relatorio de viagem exploradora de Matto-Grosso ao Para pelo rio Xingu, apresentado
ao Ministro da Guerra, em 1885, pelo então Capitão Francisco de Paula Castro. Revista
DO Arquivo, vol. I. Cuiaba: Fundação Júlio Campos, 1904.
19RNG Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra, apresentado na Assembléia Geral
Legislativa, em 14 de janeiro de 1843, pelo respectivo Ministro e Secretário do Estado
José Clemente Pereira. Rio de Janeiro: Na Typographia Nacional, 1845.
19IRP A Idéia Republicana no Pará. Coletanea de artigos publicados no Diário de Notícias, do
Pará, em 1988. Organizados por Lauro Sod in: Crenças e Opiniões. Belém:
Typographia do Diário Oficial, 1896.
16
Nos textos do século XIX, há uma mescla da variedade do português do Brasil e de Portugal.
111
19CAQ Cartas de Antero de Quental com um prólogo de Teixeira de Carvalho. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1921.
19DMA Discurso recitado pelo Exmo Presidente Miguel de Souza Mello e Alvim, no dia 07 de
janeiro de 1842, por ocasiãoo da abertura da Assembléia Legislativa da Província de São
Paulo. São Paulo: Typographia Imperial de Silva Sobral, 1812.
19CM Chronica Geral e Minuciosa do Imperio do Brazil. Desde a descoberta do Novo Mundo
ou America ate o anno de 1879. Pelo Dr. Mello Moraes (A.J. de). Rio de Janeiro: Dias da
Silva Junior, Typographo-editor, 1879.
19FP
Falla do Presidente da Província do Rio de janeiro. Dr. Esperidião Eloy de Barros
Pimentel, na abertura da 1º sessão da 16º legislatura da Assembléia Legislativa, no dia 08
de outubro de 1866.
Vale a pena atentar para a falta de simetria entre os textos da sincronia e da
diacronia, visto que para a sincronia, selecionei vinte inquéritos contendo cinco textos
diferentes cada um, o que corresponde um total de cem textos. Já para a análise
histórica, apenas trinta e um textos foram analisados.
3.2 CRITÉRIOS DE ANÁLISE
O trabalho conjugou as abordagens quantitativa e qualitativa. O critério
freqüência, nos moldes de Bybee et al. (1994), Heine et al. (1991) e Bybee (2003)
conduziu toda a análise. Segundo esses autores, nos estudos lingüísticos, dois
métodos relevantes para apurar a freqüência, a saber, a freqüência token ou textual, que
diz respeito à freqüência de ocorrência de um item/construção, independentemente da
função; e a freqüência type, que se refere à freqüência com que um padrão particular
ocorre, podendo ser avaliada por meio da consideração das diferentes funções
assumidas pelo item ou construção.
O aumento da freqüência token é um indício de que o item é um forte candidato a
sofrer gramaticalização e o aumento da freqüência type, conseqüência do primeiro, é um
indício da expansão dos contextos em que o item é apropriado. Por isso, conforme
112
Bybee e Hopper (2001), a freqüência é um elemento que pode contribuir no processo,
uma vez que ativa e instiga as mudanças que ocorrem em GR.
Segundo os autores, o aumento de freqüência implica os seguintes processos:
(i) enfraquecimento semântico por habituação;
(ii) redução fonológica e fusão de construções gramaticais;
(iii) condicionamento da autonomia da construção;
(iv) perda da transparência semântica;
(v) preservação de características morfossintáticas mais antigas.
Todos esses processos foram checados para embora, sobretudo na análise
diacrônica, visto a hipótese de que o item tenha sofrido todas essas transformações
sintáticas e semânticas devido ao processo de GR.
Nesses termos, tanto na análise sincrônica como na diacrônica a contagem da
freqüência token e type foi feita da mesma forma. A contagem da freqüência token foi
realizada a partir do número de vezes em que o item apareceu nas amostras, o que
revelou a distribuição que os usos de embora aparecem nas ocorrências.
Para a contagem dos types, foram elencados critérios para obter a traços
gramaticais e a acepção semântica dessas ocorrências. Baseada em consultas nas
gramáticas descritivas e históricas e nos dicionários do português, minha hipótese é de
que haveria dois valores sintáticos e um valor semântico veiculados por embora no
português, a saber: (i) sintáticos: advérbio e conjunção; e (ii) semântico: concessão. Por
isso, os parâmetros sintáticos e semânticos levantados para a contagem dos types foram:
Sintáticos:
posição do item na oração: esse critério assume relevância pela hipótese de que
o valor morfossintático de embora está correlacionado com a posição em que ela ocupa
na sentença, a saber: início de oração (posição mais comum às conjunções); entre o
verbo e seus argumentos (menos comum às conjunções e mais comum aos advérbios);
113
final de oração (mais comum aos advérbios), e entre termos da oração, como
substantivo e adjetivo (comum às preposições);
tempo e modo verbal: orações concessivas prototípicas apresentam o verbo no
modo subjuntivo. Assim, a verificação do modo/tempo dos verbos da construção em
que embora aparece poderá revelar a categoria gramatical do item;
forma verbal da oração hipotática com embora: esse parâmetro servirá para
verificar as possíveis particularidades encontradas no uso conjuncional de embora,
que não é recorrente encontrar conjunções que estejam em um grau mais alto de
gramaticalização, com verbos na forma nominal de gerúndio e particípio, por exemplo.
Com isso, esse critério permitirá checar o grau de gramaticalidade em que se encontra o
item.
Semânticos:
tipos semânticos de verbos: esse fator auxiliará, sobretudo na análise histórica,
a identificar o valor espacial e temporal do advérbio, visto que os verbos de movimento
auxiliam na leitura espacial;
contextos adversativos e negativos: a identificação desses contextos servirá
para captar os momentos de ambigüidade e o surgimento do valor concessivo, uma vez
que hipóteses de que esses contextos teriam implicado o novo significado. Além
disso, será possível caracterizar esse valor nos dados sincrônicos do português;
presença/ausência de elementos circunstanciais: esse critério é importante,
pois auxilia na identificação do valor semântico do item, a saber, temporal e espacial,
que não é recorrente a presença desses elementos em contextos concessivos;
114
paráfrase: por meio da paráfrase com outras conjunções, que apresentem o
sentido concessivo ou adversativo possibilitará confirmar que embora pode ser
interpretado com essa acepção(s) semântica(s).
Levantados esses critérios, primeiramente foi realizado o estudo sincrônico nos
dados de fala e de escrita, a fim de mapear os tipos de usos na sincronia atual do
português, o que revelou uma fluidez entre as categorias gramaticais do item, devido a
algumas particularidades sintáticas conferidas à embora, e, para encontrar as razões para
tal comportamento sincrônico, o estudo histórico foi feito posteriormente. No estudo
diacrônico, os dados das sincronias foram analisados separadamente, tendo início no
século XV até o XIX, e, em seguida, a análise foi feita longitudinalmente, a fim de
mapear os usos de embora ao longo de toda a sua história, e, assim, traçar sua trajetória
de mudança, isto é, verificar de que forma embora adquiriu o valor semântico
concessivo, e passou a exercer os valores encontrados na sua sincronia atual.
115
CAPÍTULO IV
TRAJETÓRIA DE GRAMATICALIZAÇÃO DE EMBORA
Sincronicamente, os dados mostraram que, de modo geral, embora apresenta o
seguinte funcionamento sintático-semântico: advérbio de deslocamento/afastamento e
conjunção concessiva. Mesmo dentro dessas funções, há oscilação entre uma categoria e
outra, uma vez que a conjunção concessiva apresenta características sintáticas de
advérbio. Ademais, embora, com o valor concessivo, parece ter um comportamento
parecido com as preposições. Desse modo, é possível projetar os usos sincrônicos de
embora no cline de GR proposto por Hopper e Traugott (1993), apontando, assim, sua
multifuncionalidade. Esse cline pode ser notado em (01):
(01) advérbio > conjunção > preposição
Diacronicamente, o corpus revelou a fonte que originou a concessiva, a passagem
de advérbio à conjunção, bem como o possível contexto responsável por essa mudança.
Na seção 4.1, apresento a análise dos dados sincrônicos de fala e de escrita, por
meio da freqüência token e type em cada uma das amostras. Já na seção 4.2, exponho os
dados diacrônicos do século XV ao XIX, com a apuração das freqüências token e type
de cada período histórico. Em 4.3, discuto os processos de GR sofridos por embora; em
4.3.1, utilizo os mecanismos de mudança propostos por Heine (1991a), a saber, a
metáfora e a metonímia, para mostrar como o item migrou de um domínio semântico
para outro; em 4.3.2, adoto a proposta de abstratização de significado e (inter)
116
subjetivização, a fim de conferir o significado resultante do processo de GR de embora,
e, por fim, aplico os critérios de GR de Hopper (1991).
4.1ANÁLISE SINCRÔNICA CONTEMPORÂNEA: MULTIFUNCIONALIDADE
DE EMBORA NO PORTUGUÊS FALADO E ESCRITO
Tanto os dados de fala como os dados de escrita revelaram que embora apresenta
diferentes acepções no português, tais como: deslocamento espacial, avanço e
concessão. Alguns desses usos foram encontrados com mais freqüência nos dados de
fala e outros com mais freqüência nos dados de escrita. Na seqüência, apresento cada
um desses usos.
Do total 59 ocorrências no corpus escrito, em 17% dos casos, o item apresentou
comportamento de advérbio, em 69%, de conjunção concessiva e, em 14% de
preposição concessiva, como pode ser observado no quadro abaixo:
Q
UADRO
05: F
REQÜÊNCIAS TOKEN E TYPE DOS DADOS DE LÍNGUA ESCRITA
Com relação a essa diferença de uso entre os types advérbio espacial e conjunção
concessiva, pode-se observar que o tipo de texto em que embora é utilizada exerce
significativa influência. Dos cinco tipos de textos que compõem o corpus de língua
17
Utilizo esse termo para descrever o funcionamento morfossintático de embora, descartando a
discretude entre as classes de palavras e considerando a sobreposição entre elas.
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(59)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(03)
C
ATEGORIA
GRAMATICAL
17
V
ALOR
SEMÂNTICO
N
ÚMERO
ABSOLUTO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio (i) espacial
10 17%
(ii) conjunção (ii) concessivo
41 69%
(iii) preposição (iii) concessivo
8 14%
117
escrita, é mais comum que em textos técnicos, jornalísticos, literários e de natureza
oratória, o item apareça com o comportamento conjuncional. Por outro lado, em textos
dramáticos, o advérbio foi mais recorrente, não sendo usado nos outros tipos de textos.
Desse modo, o corpus de língua escrita mostrou que a conjunção é usada com mais
freqüência, em textos mais formais, ao passo que o advérbio é utilizado com mais
freqüência em textos informais.
Esses types, apontados no quadro, podem ser visualizados as seguintes
ocorrências retiradas da amostra de escrita:
(01) Assim, embora essa perspectiva de busca de fatos tenha recuado significativamente
nos últimos anos, persiste ainda uma concepção e tratamento de dados e informações
brutas que seriam processados por outras ciências, como a História e a Pré-história.
(CEL:Arqlt)
(02) Depois de Luís Guimarães, que foi embora em tarde portuguesa de 1890, veio João
Ribeiro, inteligência de tempo integral, o mais amável e risonho dos mestres brasileiros.
(CEL:Car-olo)
(03) As apologias exaltadas até mesmo de um Le Corbusier, gênio de uma nova
Arquitetura européia, à Roma de Mussolini, permitem sentir a profundidade ideológica
dos desenterramentos que, embora apressados, atingiam seus objetivos essenciais.
(CEL:Arqlt)
Em (01), embora introduz uma oração hipotática, estabelecendo uma relação de
concessão, em que o falante sinaliza sua argumentação a favor do contéudo expresso
pela oração principal. Nesse caso, o critério sintático posição na sentença auxilia na
interpretação desse type, que, início de orações é a posição mais prototípica das
conjunções.
Na ocorrência (02), embora aparece junto ao verbo de movimento ir, expressando
um sentido de afastamento, sendo caracterizado, sintaticamente, como advérbio
espacial. O que ocorre é que a posição sintática do item, entre o verbo e o elemento
temporal em tarde portuguesa, e os critérios semânticos tipo de verbo, nesse caso, de
118
movimento, e a presença do elemento circunstancial garantem a leitura adverbial
espacial para embora.
A interpretação do terceiro type, ilustrado na ocorrência (03), é baseada no critério
sintático posição na sentença, e semântico contextos adversativos. Nesse exemplo,
embora, como em muitos exemplos do corpus, apresenta funcionamento similar ao da
locução prepositiva apesar de, que ocupa posição entre o termos da oração, como o
substantivo desenterramentos e seu adjetivo apressados. Além disso, o valor
concessivo é garantido pela ressalva feita pelo falante sobre a informação principal dada
por ele.
Nos dados de fala, das 87 ocorrências do item, encontrei, 82% das ocorrências
com o valor adverbial espacial, 1% como advérbio com o valor de avanço, 14% das
ocorrências com valor de conjunção e 3% ocorrências com o valor preposicional. A
partir desse resultado, notamos que o item com valor adverbial tende a ser mais usado
na fala do que na escrita. As freqüências dos dados de fala podem ser observadas no
quadro 06:
Q
UADRO
06: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA NOS DADOS DE LÍNGUA FALADA
As ocorrências abaixo ilustram esses usos de embora, encontrados na fala:
(04) era uma cena triste assim muito triste eu entrei o ônibus saindo assim eu indo embora
e ela ainda chorando e ele chorando também e tudo bem vamo embora acho que eu
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(87)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(04)
C
ATEGORIA
GRAMATICAL
V
ALOR
SEMÂNTICO
N
ÚMERO
A
BSOLUTO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio (i) espacial 71 82%
(ii) advérbio (ii) avanço
1 1%
(iii) conjunção (iii) concessão 12 14%
(iv) preposição
(iv) concessão
3 3%
119
vim até metade do caminho até Mirassol chorando e meu do meu lado (AC-022-
NE)
(05) tem que ficar passando o dedo se tiver enrolado tem que (virar) depois depois de
dobrar o lençol tem que molhar ele que nem a fronha... aí depois dá pra passar... aí pa::ssa
(cê tem que passar) tem que dobrar ele direitinho (inint.) do:: da forma que eles quer
que cada uma pessoa pe::de (inint.) aí forma aqueles montã::o de lençol (e vai embora) e
tem uns que tem que embalar também que eles tem que mandar os lençol embalado que
lá:: que lá onde ele::s (inint.) os embalado serve pra cobrir assim e:: e os que põe na cama
normal:: e os outros serve como se fosse:: coberta sabe? (AC-016-RP)
(06) o povo brasileiro um pouco decepcionado embora alguns tenha... éh::/ estejam
gostando... eles são mais fanáticos... estejam gostando do seu trabalho... éh:: mas eu num
vejo como diferente de outros... governos aí anteriores...(AC-113-RO)
(07) porque eu embora estudante do quarto ano de giNÁsio... não achei um emprego pra
ganhar cem reais... cem cruzeiros né... naquele tempo ia ser em mil reis (ia ser) em
cruzeiro (AC-151-NE)
Os valores adverbiais podem ser notados em (04) e (05), que o item aparece
posposto ao verbo e ao sujeito, posição que favorece essa categoria gramatical ao
embora nesses usos. Verifica-se também que o modo verbal da oração é o indicativo,
característica sintática pouco recorrente nas conjunções, o que pode sugerir a leitura
adverbial. Além do mais, os verbos de movimento, quando vinculados ao item,
parecem, realmente garantir o valor espacial ao embora, como em (04).
Contudo, essa acepção semântica é claramente diferente, em (05), em que embora
apresenta o sentido de avanço/ rapidez, valor encontrado somente na fala, em que o item
parece apresentar um sentido mais abstrato do que o espacial. Talvez essa leitura se
deva à ausência de um sujeito explícito na oração. Esse uso é muito recorrente em
relatos de procedimentos, em que o falante explica como realizar determinada atividade,
assim como em (05). Nessa ocorrência, o informante afirma que ao adquirir prática para
dobrar lençóis, essa ação se torna mais rápida e mais dinâmica.
Em (06), o que ajuda a caracterizar seu valor conjuncional é que embora aparece
em posição inicial de oração, encabeçando uma oração hipotática, reforçando, assim, o
argumento dado pelo falante sobre a decepção do povo brasileiro.
120
O último uso de embora encontrado na fala diz respeito ao valor preposicional em
que embora aparece ligando dois termos presentes no enunciado, o sujeito eu ao
adjetivo estudante, posição sintática que sugere essa leitura, como em (07).
A partir dessa exposição dos usos mais freqüentes de embora nas duas amostras,
passo a discutir com mais detalhes cada um deles.
4.1.1 OS USOS DE EMBORA
CONJUNÇÃO CONCESSIVA
Com relação ao uso conjuncional, tanto nos dados de escrita como nos de fala,
embora apresenta uma série de características sintáticas, semânticas e pragmáticas,
como descrevo a seguir.
O valor semântico de concessão foi apreendido graças à estratégia argumentativa
e aos parâmetros contextos adversativos e contextos negativos.
Como foi mencionado anteriormente, de acordo com Neves (2000), a ordem da
oração concessiva pode estar relacionada à estratégia argumentativa e a fatores
pragmáticos. Nas amostras sincrônicas, foram encontradas orações com embora nas
três posições, a saber, anteposta, intercalada e posposta, como nos seguintes exemplos:
(08)
que eu passei:: atrás de votos... visitando pessoas... éh:: no sítio... éh na cidade casa
encontrando os amigos falando sobre política... éh:: tivemos comícios... éh:: enfim... foi
uma::/ foi gratificante... embora eu tenha perdido a eleição foi muito gratificante... éh::
ter participado daquilo (AC-113-NE)
(09) Devido ao fato de ser menos nefrotóxica que a meticilina, além de atravessar melhor
a barreira sangue-cérebro (embora seja rara a meningite estafilocócica), a tendência atual
é que ela venha a substituir quase que completamente a meticilina (CEL:Antlt)
(10) e ainda outro... terceiro ou quarto ia apanhando o café e ia sacando de levado para
o terreiro... sacado... e... guardado na tulha... para a posterior venda... então era... uma
atividade... que:: eu sei fazer:: embora não tenha nada... éh:: com a minha vida hoje...
121
minha vida profissional... mas... que eu sei fazer... também da agricultura... ...(AC-113-
RP)
Em orações concessivas antepostas, como em (08), o falante primeiro argumenta
contra uma possível objeção do ouvinte, e depois faz uma asserção trazendo, na
principal, o argumento mais forte. Nota-se que há uma relação de adversidade ou
contra-expectativa entre perder a eleição e ser muito gratificante, uma vez que espera-
se que seja frustrante para um candidato não ganhar uma eleição. Contudo, o falante
argumenta a favor desse fato, o que invalida o conteúdo da concessiva. Além disso, é
importante observar que no enunciado um fato lingüístico muito presente na
concessão, a saber, a negação, nesse caso, implícita, visto que perder a eleição implica
em não ganhar a eleição.
com relação às orações pospostas, Neves (2000) afirma que é mais comum que
elas apareçam nessa ordem, sendo seu esquema argumentativo o seguinte: (i) primeiro
se expressa a asserção nuclear; (ii) depois se expressa a objeção, como na ocorrência
(10), em que o falante faz uma asseveração não tenha a ver com a minha vida hoje e
em seguida argumenta contra a possível objeção do ouvinte eu sei fazer, caracterizando,
dessa maneira, a estratégia argumentativa de orações que aparecem nessa ordem.
Vejamos mais alguns exemplos dessa manobra argumentativa, encontrada no corpus:
(11) Naturalmente aqui a percentagem de analogias é grande, embora varie segundo se
trate de gêmeos do mesmo sexo ou de sexo diferentes. (CEL:AELT)
(12) Então, ante o súbito descortinar daquela paisagem tipicamente fluminense, senti-me
devolvido às páginas de vosso romance, do qual, confesso, não me lembrava muito
bem, embora de sua antiga leitura me houvesse ficado a impressão impagável de um
livro que se lera com encanto e amor. (CEL:Car-olo)
Em (11), o falante afirma que a percentagem é grande, e na oração seguinte, ele
traz a possível objeção de seu interlocutor, a saber, que essa percentagem pode variar.
122
Dessa maneira, a argumentação se da seguinte forma: o falante faz uma asseveração
e depois coloca, por meio da oração concessiva, a possibilidade de contestação de seu
ouvinte. Portanto, primeiro uma afirmação, e em seguida uma argumentação
contrária a perspectiva do ouvinte.
A mesma explicação pode ser dada para o exemplo (12), em que o falante afirma
não se lembrar das páginas do romance, mas em seguida faz uma ressalva de que tal
leitura lhe havia deixado uma impressão impossível de esquecer.
Assim as ocorrências (10), (11) e (12) mostram que embora vincula idéias
adversas do ponto de vista do que seria esperado dentro da sociedade, que contraria a
possível causa de determinada afirmação. Além desse contexto adversativo, a presença
da negação, mesmo que implícita, também reforça o caráter concessivo de embora
nesses usos.
Feitas essas observações sobre as orações antepostas e pospostas e,
conseqüentemente, sobre as respectivas estratégias argumentativas, notamos que as
orações concessivas antepostas parecem estabelecer uma relação mais forte entre
falante-ouvinte, pois o falante, primeiramente considera a possível informação trazida
por seu interlocutor, para depois desconstruí-la. Essa estratégia, em que o falante, de
antemão, “avisa” o ouvinte que o argumento introduzido pela oração concessiva será
anulado por um mais forte trazido pela principal é chamada por Koch (1998) de
“estratégia de antecipação”, pois o ouvinte espera que aquele conteúdo trazido pela
oração com embora será anulado pela segunda porção do enunciado.
No que diz respeito à estratégia argumentativa de orações intercaladas, segundo
Neves, sempre uma ressalva por parte do falante, da mesma forma que um
comentário, que não anula o principal argumento, como em (09). Nesse exemplo, o
falante ao descrever os benefícios do medicamento Nafcilina em comparação a
123
Meticilina, faz, por meio da oração concessiva, uma pequena restrição a um dos
aspectos apontados por ele, que é atravessar melhor a barreira sangue-cérebro. Essa
ressalva introduzida entre parênteses parece reforçar ainda mais que essa informação
não invalida o efeito do remédio, tanto que provavelmente substituirá a Meticilina.
Além desses aspectos semânticos e pragmáticos, é importante atentar-se para os
critérios sintáticos elencados, a saber: (i) posição na sentença; (ii) tempo e modo
verbal e, (iii) forma verbal da oração hipotática. Na seqüência, aponto a aplicação
desses fatores que foram responsáveis para a caracterização desse type.
Quanto ao modo/tempo do verbo das orações, nos dois corpora foi encontrado
com maior freqüência o modo subjuntivo, nos tempos presente, e pretérito composto,
como foi notado nos exemplos (01), (11), (12) e, pretérito simples, como em (13):
(13) Embora as cerimônias de iniciação do indivíduo no grupo, em todos esses povos,
estivessem sempre prescritas para uma época da vida mais ou menos análoga, não se pode
dizer que haja uma idade cronológica rigorosamente a mesma para a determinação do
aparecimento da puberdade em todos os indivíduos. (CEL:AELT)
Embora o modo subjuntivo seja mais recorrente, nos dados de língua falada,
encontrei uma ocorrência de embora no indicativo, conforme exemplo (14):
(14) não FOI um uma gravidez deseJADA mas aconteceu a gente encarou a gravidez
né?… ham:: eh:: eh:: fiquei:: tive a gestação perfei::ta né? meus pais embora não
aceitaram MUI::to ? mas eles impuseram a condição de que eu fosse morar com ele ou
casar…(AC-040-NE)
Porém, em algumas ocorrências, os verbos não estão flexionados, mas sim em
suas formas nominais de particípio e gerúndio. Essa particularidade foi encontrada,
somente no corpus escrito, quatro orações reduzidas de gerúndio e três de particípio,
como nos exemplos a seguir:
124
(15) Isto levou à descoberta de novos antibióticos que, embora sendo betalactâmicos,
possuem estrutura química e propriedades diferentes das penicilinas e cefalosporinas.
(CEL: Antlt)
(16) Eu nunca te esqueci nem poderia fazer sem uma lamentável quebra de minha
dignidade. Continuaste a viver dentro do meu sonho, embora afastada de minha arte.
Mas, nem por isso feneceu, em mim, a grande afeição que sempre (CEL: Hpld)
De acordo com Neves (1998), o fato de a conjunção embora aparecer em orações
adverbiais em que o verbo esteja no gerúndio é um dos aspectos que permitem dizer que
é menos gramatical do que se e porque, que se encontram em um grau de
gramaticalidade mais avançado do que embora
18
.
Um fator semântico que reforça o valor concessivo da conjunção embora se refere
aos contextos negativos e adversativos, nos quais ela ocorre. Conforme Guimarães
(1987), a relação semântica entre concessivas e adversativas é similar, ou seja, ambas
expressam uma idéia contrária ao conteúdo da outra oração, porém o que as difere é sua
estratégia argumentativa.
A relação de contraste fica ainda mais clara, quando há a presença de um conector
adversativo, reforçando a idéia de contraposição trazida pela concessiva. Neves (2000)
o nome a essas construções de misto concessivo-adversativo, devido à presença
desse item adversativo, junto à concessão. Tanto nos dados de língua escrita, como nos
dados de fala, há exemplos de orações que carregam essa ênfase adversativa.
(17) As realizações das possibilidades germinais dependem das reações do germe aos
excitantes do meio e, embora a hereditariedade seja um fator relativamente constante,
enquanto o meio é mais variável, ambos, entretanto, são indispensáveis ao
desenvolvimento. (CEL:AELT)
(18) e ainda outro... terceiro ou quarto ia apanhando o café e ia sacando de levado para
o terreiro... sacado... e... guardado na tulha... para a posterior venda... então era... uma
atividade... que:: eu sei fazer:: embora não tenha nada... éh:: com a minha vida hoje...
18
Ver o cline proposto por Neves (2006), na página 89, em que o grau de gramaticalidade de algumas
conjunções.
125
minha vida profissional... mas... que eu sei fazer... também da agricultura... ...(AC-113-
RP)
(19) então prá mim foi muito bom eu aprendi muito com isso... embora o seja político
não esteja... ligado assim com a política mas... tive essa aventura... e::... achei muito bom
(AC-113-NE)
No corpus de análise foram encontradas algumas variações de posição de embora
dentro da oração hipotática. As posições encontradas para embora foram: início de
oração, em (20) e (22) e entre os argumentos do verbo da oração, em (14) e (21).
(20) Embora as qualidades inatas do indivíduo influam sobre o desenvolvimento da
personalidade, o tipo de influência que exercem estará em grande parte condicionado
pelos fatores mesológicos. (CEL:AELT)
(21) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, faltando-lhe embora
competência para julgar dos resultados. (CEL:Beblt)
(22) A vida estava para ele no prazer que se goza um instante, embora, em troca desse
gozo lhe viesse, no futuro, uma eternidade de sofrimentos. E é a isso que nós chamamos
de loucuras de mocidade. E por isso mesmo hoje está se penitenciando amargamente
(CEL: Hpld)
Em (20) embora ocorre na posição mais recorrente de conjunções chamadas
subordinativas, isto é, encabeçando a oração, assim como as conjunções se e porque,
que, segundo Neves (1998), são prototípicas. em (22), o item encabeça a oração “em
troca desse gozo lhe viesse, no futuro, uma eternidade de sofrimentos”, portanto, em
posição inicial de oração.
Em contrapartida, embora também surge no enunciado em outras posições como
em (14) e (21). Em (14), a posição entre sujeito e predicado e em (21), entre o verbo e
seu argumento competência, impede conferir a embora o mesmo comportamento
sintático de conjunções como se e porque, já que é usada em posição própria de
advérbios.
126
Em (21), o verbo da oração encontra-se no gerúndio faltando, o que sugere a esse
item um grau mais baixo de gramaticalidade perante outras conjunções com o mesmo
valor semântico.
Pela observação desses critérios é possível afirmar que embora, ainda que
apresente o valor concessivo, divide traços sintáticos com advérbios, como foi
verificado a partir da aplicação dos critérios (i) e (ii). Além disso, embora com o uso
predominantemente conjuncional apresenta um grau alto de gramaticalidade, enquanto
em usos adverbiais, um grau mais baixo, tendo em vista o parâmetro (iii).
Por meio dessa descrição, os dados revelam que embora com valor concessivo
flutua pelas características de advérbio e de conjunção.
Na seqüência discuto dados em que embora tem o valor predominantemente
adverbial.
ADVÉRBIO ESPACIAL
Com o valor adverbial, embora acompanha preferencialmente os verbos ir e
mandar, nos dados de escrita, e os verbos ir, vir, mandar, levar, voltar e partir, nos
dados de fala. Exceto o verbo de elocução mandar todos os outros apresentam o sentido
de movimento. As construções do tipo “verbo de movimento + emborapodem ou não
vir seguidas de elementos circunstanciais que denotam tempo, lugar, causa, meio, modo
e finalidade.
Nos dados, o verbo ir junto a embora, sugere sua leitura de afastamento ou
retirada, como em (23), em que a presença da locução adverbial de lugar pra casa,
reforça a acepção de movimento. Em (24), o mesmo sentido é garantido pela presença
do verbo ir, que se apresenta na forma reflexiva ir-se. Com os verbos voltar e vir,
127
embora apresenta o sentido de aproximação, como em (25) e (26). Nessa última
ocorrência, nota-se a presença do elemento circunstancial de causa porque meu avô
morreu, indicando o motivo da vinda do falante. É interessante notar, nessas
ocorrências, a ordem do advérbio embora com relação aos verbos que ele acompanha, a
saber, posposta ao verbo, não aparecendo nenhum elemento entre eles, conforme as
ocorrências a seguir:
(23) num sei se ele... envolveu em briga... tinha sujado de barro e deixado a roupa pegado
uma roupa... do amigo dele e ido embora prá casa prá não chegar em casa com aquela
roupa suja então chegou em casa limpinho...(AC-103-NR)
(24) Beatriz
( amuada ) Vou-me embora.
Rubem
O que houve ?
Beatriz
Nem brincando você é capaz de se matar. Adeus.(CEL:fld)
(25) passava nessa pe::dra e saía naquele mar azul assim... aí nós volTAmos ficamos mais
uns dois dias em Natal... aí voltamos embora aí nós ficamos um tempão na praia
também...(AC-51-DE)
(26) tava bom?
Inf.: TA::va mas daí eu tive que vir emBO::ra porque meu aVÔ morreu
( AC-010-NE)
Na seqüência veremos embora acompanhando outros verbos, a saber, levar e
mandar:
(27) e passou um caminhoneiro e levou ela embora... num sei se foi prá socorrer ou prá
levar ela embora e ninguém nunca mais ficou sabendo do destino que que aconteceu
onde ela tinha ido... aí esse foi um fato que também só fiquei sabendo depois de
adulto...(AC-103-NR)
(28) olha...fiquei sabendo...que:: fulano foi mandado embora que era um
enfermeiro...q/q/que trabalhava num plano de saúde...[uhm] e eles pra que a gente
pudesse usar o plano de saúde que era so da empresa chamava Plantel (AC-114-NR)
(29) de uns dois anos prá ela num tem mostrado muito interesse… né? por ele e foi
onde que várias vezes ela mandou ele emBO::RA falou que não gostava de::le né? (AC-
040-NR)
128
No que diz respeito ao verbo levar, embora apresenta o sentido de deslocamento,
sendo o complemento do verbo inanimado ou animado, como em (27). Junto ao verbo
mandar, a construção mandar + embora se correlaciona a sentidos diferentes a
depender do contexto, a saber, ser expulso de um determinado local por alguém, como
em (29); e, ser despedido do emprego, estrutura que parece estar cristalizada na língua,
como em (28).
No que diz respeito à posição que embora aparece com esses verbos, o item
aparece, comumente, depois de seu complemento verbal, assim como nas ocorrências
(27), (28) e (29), ou em menor recorrência, posposto ao verbo.
Particularmente com o verbo mandar, essa alternância se dadependendo da voz
verbal. Na voz passiva, é comum o advérbio vir seguido do verbo, como foi mandado
embora, em (28), mas, na voz ativa, embora, em geral, aparecerá posposto ao
complemento do verbo mandar, como em (29) ela mandou ele embora.
Para finalizar, um uso de embora, exemplificado em (30) que permite
apresentar duas leituras, de advérbio espacial e de interjeição:
(30) Com franqueza, velho. .. me da' uma secura de saí daqui !
Jesuíno
Sim, e ir pra' onde?
Tião
Embora! Não te enche essa vida, não. Trabalha, trabalha. .. e sempre lutando. .. e pra'
que?
Jesuíno
É o jeito, é se vira'. .. escuta, tu não ta' topando muito essa greve não, não é ?
Tião
Deixa isso pra' lá, amanhã a gente conversa.
Jesuíno
Essa greve da' bode rapaz! (CEL: Enld)
Pelo fato de esse exemplo ter sido extraído de um texto dramático, em que a
presença de fala dos personagens, nota-se claramente a função de complemento verbal
129
que embora ocupa na sentença, por meio da resposta de Tião à pergunta de Jesuíno ir
pra onde?
Por outro lado, segundo Ferreira (1986), embora, enquanto interjeição pode
apresentar o significado tanto faz que parece funcionar como paráfrase, conforme (30’):
(30’) Com franqueza, velho. .. me dá uma secura de saí daqui !
Jesuíno
Sim, e ir prá onde?
Tião
Tanto faz! Não te enche essa vida, não? Trabalha, trabalha. .. e sempre lutando. .. e prá
que?
Jesuíno
É, o jeito, é se vira...escuta, tu não tá topando muito essa greve não, não é?
Tião
Deixa isso prá lá, amanhã a gente conversa.
Jesuíno
Essa greve dá bode rapaz !
Foi possível notar que a possibilidade de caracterização desse type tem como base
a presença de verbos de movimento, por isso seu valor semântico, a presença de
elementos circunstanciais e sua posição sintática, posposta ao verbo exclui a leitura
conjuncional.
ADVÉRBIO DE AVANÇO
Além desse sentido concreto (deslocamento), encontrei uma ocorrência, junto ao
verbo ir com o sentido mais abstrato, pois não apresenta simplesmente retirada ou
afastamento, mas sim um avanço, ou um progresso de uma determinada ação não mais
no espaço, mas sim no tempo. Parece que um contexto lingüístico em que a forma ir +
embora apresenta esse sentido é de ausência de sujeito determinado ou explícito,
conferindo um sentido abstrato à item. Esse uso está ilustrado em (31):
130
(31) tem que ficar passando o dedo se tiver enrolado tem que (virar) depois depois de
dobrar o lençol tem que molhar ele que nem a fronha... aí depois dá pra passar... aí pa::ssa
(cê tem que passar) tem que dobrar ele direitinho (inint.) do:: da forma que eles quer
que cada uma pessoa pe::de (inint.) aí forma aqueles montã::o de lençol (e vai embora) e
tem uns que tem que embalar também que eles tem que mandar os lençol embalado que
lá:: que lá onde ele::s (inint.) os embalado serve pra cobrir assim e:: e os que põe na cama
normal:: e os outros serve como se fosse:: coberta sabe? (AC-016-RP)
Conforme Bybee (2003), uma das conseqüências da alta freqüência de uso de um
item é o ganho de novas funções pragmáticas, ou seja, a crescente autonomia de uma
construção pode levá-la a ter uma nova função discursiva que nasce de contextos em
que ela é comumente usada. Dessa forma, a partir das observações feitas por Bybee, a
alta freqüência da forma ir + embora (48 ocorrências de 87 tokens) parece ser
responsável pelo aparecimento de um novo significado de embora junto ao verbo ir, em
que a item além de ter o sentido de deslocamento espacial e físico, ganha um sentido
mais abstrato, de avanço, de rapidez, ou eficiência, como já discutido anteriormente.
Além dessa acepção, a alta freqüência da expressão ir embora parece ser
responsável pelo desenvolvimento de um novo uso para embora que, apesar de não ter
aparecido no corpus dessa pesquisa, é importante comentar. Esse uso, que parece ser
restrito a regiões específicas do país, apresenta o valor temporal de futuro próximo, em
que o falante utiliza a item anteposta a um verbo de ação, como em bora dançar, bora
comer, em um contexto de convite ao interlocutor. Por meio de perda de material
fonético, e pela ausência do verbo de movimento ir, que a item deve ter absorvido a
semântica desse verbo de movimento, esse novo uso temporal deve ter surgido do uso
espacial de embora junto ao verbo de movimento ir.
Feita a descrição dos usos adverbiais para embora, descrevo o último padrão
encontrado na fala e na escrita, a preposição concessiva.
131
PREPOSIÇÃO CONCESSIVA
Para a descrição desse uso, dois fatores de análise, um sintático e outro semântico
foram relevantes, a saber, posição na sentença, que auxilia diferenciar esse uso do
conjuncional, e o semântico contexto adversativo, pois garante a atribuição desse valor
semântico.
Como já mostrado anteriormente, no seguinte exemplo:
(32) porque eu embora estudante do quarto ano de giNÁsio... não achei um emprego pra
ganhar cem reais... cem cruzeiros né... naquele tempo ia ser em mil reis (ia ser) em
cruzeiro (AC-151-NE)
a item parece funcionar como ferramenta gramatical que une termos do enunciado.
Segundo Bechara (2000), as preposições se unem a substantivos, adjetivos, verbos
e advérbios, para estabelecer relações gramaticais que elas apresentam no discurso,
tanto em sintagmas como em orações. O autor atribui às preposições a função de
transpositores, uma vez que possibilita um item exercer uma função gramatical
diferente da que ela costuma exercer. Exemplo dado por Bechara (2000) é a preposição
de, que possibilita o substantivo homem modificar outro substantivo, como em homem
de coragem, e dessa forma, assumir o papel de adjetivo.
No corpus, em muitas ocorrências, embora aparece na posição pica de
preposições, entre termos do enunciado, conforme as seguintes ocorrências:
(33) é:: a história da vida dele e conta... mu::itas coisas... alegres da infância dele
também... ele tinha um primo que por ter falecido os tios dele moravam... embora já doze
filhos morava mais um primo junto (AC-117-NR)
(34) você desce no quintal... e tem um puxadinho com uma:: uma pia com... uma
torneira... o pé de pitanga tá coLA::do ali nessa nesse puxadinho né coberturazinha... o
de caqui tá BEM do lado... o de jabu
50
[ticaba] do lado de cá... entã::o o que eu gosto nesse
132
quintal é porque ele embora pequeno ele tem muita::... FRUTA e ele vira como se fosse
uma CHÁcara da gente...(AC-117-DE)
(35) Como resistir à tentação de citar, na integra, um poema também inesquecível da
vossa preciosa inspiração de maior poeta bissexto de nossas letras? Se vos chamo de
bissexto, embora o maior deles, não é para diminuir em nada o valor de vossos escassos
mas precisos poemas. (CEL:am-olo)
(36) O trabalho do Dr. Floriano Stoffel, embora apenas sobre a somatometria externa,
estabelece as medidas precisas dos diferentes tipos de adolescentes brasileiros
assinalando como o perfil morfológico de Viola, entre as alunas das escolas técnicas-
secundárias do Distrito Federal, encontram-se na linha do tipo indicado por
modelo.(CEL:AELT)
Nesses exemplos, embora aparece seguida pelo advérbio , em (33), por adjetivo,
em (34) e em (35), e pelo advérbio apenas, em (36). Em todas essas ocorrências,
embora funciona como elo entre porções do enunciados. Vale a pena ressaltar que,
nessas ocorrências, o falante sempre faz uma ressalva quanto ao conteúdo principal
veiculado por ele, direcionando a argumentação sempre em direção a essa informação.
Além disso, conteúdos adversos veiculados nas duas partes do enunciado, motivo
pelo qual o valor concessivo pode ser atribuído a embora. Além disso, sua posição
dentro da oração ajuda caracterizar embora como sendo uma preposição.
Apesar dessa categorização feita para embora nesses exemplos, é interessante
apontar que os usos (32), como mencionado no início, (34) e (35), apresentam
interpretação ambigüa quanto seu valor preposicional e conjuncional. Essa ambigüidade
se sustenta se admitirmos uma supressão do verbo de ligação, que apaga o caráter
conjuncional, parâmetro sintático que possibilita a leitura conjuncional.
Esses verbos cópula são entendidos implicitamente nos enunciados, como porque
eu embora (fosse) estudante..., como em (32); porque ele embora (fosse) pequeno, em
(34); e, Se vos chamo de bissexto, embora (fosse) o maior deles, em (35). Por essa
razão, a presença desses verbos garantiria a embora o valor conjuncional nessas
ocorrências, já que o tempo/modo, a saber, pretérito do subjuntivo, auxilia em sua
133
caracterização. Porém, com esses verbos implícitos, embora cumpre a função do verbo
ser, a de estabelecer ligação entre o termo sujeito e seu atributo no enunciado.
Por isso que nesses usos de embora, em que implicitamente a possibilidade de
inferir verbos de ligação, é possível prever uma ambigüidade entre o valor conjuncional
e o preposicional.
Por meio do levantamento sincrônico de embora e dos tipos de contextos em que
a item ocorre, pode-se arranjar esses dados sincrônicos em um continuum, tal como
proposto por Hopper e Traugott (1993:7). Através desse cline, é possível notar a
multifuncionalidade da item embora, sendo representada por uma forma menos
gramatical, o advérbio, e por uma forma mais gramatical, a preposição. Além disso, o
cline ilustra o caráter misto do item, a saber advérbio e conjunção.
Dessa forma, o cline de gramaticalidade do item embora se configura da seguinte
maneira:
advérbio > conjunção > preposição
O ponto do cline que corresponde ao advérbio representa as ocorrências em que
embora é acompanhado de verbos de movimento e com a acepção semântica de
deslocamento espacial/avanço ou rapidez, como em (04) e (05), mencionados
anteriormente; o advérbio/conjunção corresponde ao caráter híbrido conjunção, em
que ela divide características sintáticas com os advérbios e com as conjunções, como
(14), (21) e (22); a forma mais gramatical de embora são aquelas ocorrências em que a
item embora apresenta um comportamento sintático prototípico da classe das
conjunções, como em (08) e (20); a ambigüidade entre a conjunção e a preposição, seria
ilustrada nos exemplos (32), (34) e (35) e, por fim, o ponto do cline destinado à
preposição, é representado pelas ocorrências (33) e (36).
134
4.2 ANÁLISE DIACRÔNICA
Com o intuito de verificar o caminho de mudança percorrido pela locução
adverbial em boa hora, até adquirir um valor sintático-semântico de conjunção
concessiva, analiso, em textos históricos dos séculos XV ao XIX, as ocorrências do item
para tentar depreender as etapas dessa mudança.
Na seqüência discuto os dados, a partir das freqüências token e type, descrevendo
o(s) funcionamento(s) sintático(s) e semântico(s) de em boa hora e embora em cada
uma das sincronias, para resgatar a trajetória de mudança percorrida pelo item. A
exposição e análise dos dados seguem a ordem cronológica dos séculos.
Ademais, para cada período, utilizo a proposta de Heine (2002), discutida na
seção 1.6.1, referente à tipologia de contextos que, segundo ele, pode funcionar como
ferramenta para recuperar estágios de desenvolvimento de um item gramatical.
Com a descrição dos usos históricos, também investigo as fontes que teriam
originado as concessivas, conforme proposto por König (1984) e Chen (2000). Vale
lembrar que, segundo König (1984), as fontes que teriam desenvolvido as concessivas
são: (a) quantificadores e items enfáticas; (b) item temporal, condicional, e/ou uma item
enfática; (c) items que implicam uma coexistência entre dois fatos; e (d) items que
apresentam as noções de obstinação e ódio.
SÉCULO XV
Nos dados do século XV, tanto a expressão em boa hora quanto embora foram
encontradas, num total de cinco tokens. Na freqüência type, dois padrões, ambos de
135
natureza adverbial, que diferem quanto ao valor semântico, um espacial e outro
temporal. As freqüências desse século podem ser verificadas no quadro 07 abaixo:
Q
UADRO
07: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA
/
EM BOA HORA NOS DADOS DO SÉCULO
XV
Nos exemplos (37) e (38) abaixo, nota-se que as duas ocorrências da locução
adverbial em boa hora apresentam o sentido descrito por Ali (1964), em que a
expressão é usada para desejar boa sorte, no momento de realização de determinada
ação. a forma embora, também encontrada em (37), apresenta uma leitura ambígüa
nesse contexto, uma vez que pode apresentar tanto o sentido de desejo por parte do
falante, como o sentido de deslocamento espacial, muito recorrente nos dados do
português atual:
(37) ella nos recebeo com muyta alegria, & nos disse: a vinda de vos outros, verdadeyros
Christãos, he ante mym agora laõ agradauel, & foy sempre tão desejada, & o he todas as
horas destes meus olhos que tenho no rosto, como o fresco jardim deseja o borrifo da
noite, venhais embora, venhais embora, & seja em tão boa hora a vossa entrada nesta
minha casa, como a da Raynha llena na terra de Ierusalem. (15F, 22)
(38) e despois de auer ia nove dias que aquy estauamos, nos fomos despedir della, &
beijandolhe a mão nos disse: certo que me pesa de vos yrdes tão cedo, mas que he
forçado ser assim, ydeuos muyto embora, & seja em boa hora a vossa tornada à Índia,
que quando chegardes vos recebão os vossos como o antifo Salamão recebeo a nossa
Raynha Sabaa na casa admirauel de sua grandeza. (15F, 22)
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(05)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(02)
C
ATEGORIA
G
RAMATICAL
V
ALOR
SEMÂNTICO
N
ÚMERO
A
BSOLTO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio
(i) espacial 2 40%
(ii) advérbio
(ii) temporal 3 60%
136
Alguns correlatos formais foram observados nessas ocorrências, tais como:
presença de intensificador, tipo de verbo e modo, tempo e pessoa do verbo que
acompanha o item. Esses correlatos permitiram observar comportamentos sintático-
semânticos dos dois padrões encontrados.
A presença do intensificador tão, em (37), no interior da forma perifrástica, incide
sobre o adjetivo boa, e revela o caráter composicional da expressão, o que indica que a
forma ainda não estava cristalizada. Já, em (38), a presença do intensificador muito
diante de embora reforça a leitura temporal do item. Vale a pena relembrar que, na
sincronia atual do português, a conjunção concessiva embora pode vir acompanhada
pelo intensificador muito, o que revela que a conjunção ainda conserva traços sintáticos
de seus antecedentes históricos.
Com relação ao tipo de verbo, a forma embora vem acompanhada dos verbos de
movimento ir e vir, o que garante sua leitura espacial, ao passo que a forma em boa
hora vem acompanhada do verbo ser. Desse modo, a presença do intensificador muito
junto a embora sinaliza o sentido temporal, a presença de verbo de movimento junto
ao item garante o sentido de deslocamento.
No que diz respeito ao modo/tempo dos verbos, é interessante notar que as
expressões em boa hora vêm acompanhadas de verbos no presente do subjuntivo, modo
que ajuda a expressar desejo por parte do falante.
Embora não haja nenhuma discussão por parte das gramáticas históricas, com
relação à existência do sentido espacial para embora, os dados do século XV mostram
que a presença de verbos de movimento é responsável pela interpretação espacial do
item. O parâmetro semântico que permite caracterizar esse type é o tipo de verbo, que
está presente no type adverbial espacial, mas ausente no temporal.
137
Esse estágio de desenvolvimento da concessiva poderia ser relacionado com o
primeiro estágio da proposta de Heine (2002). Nesse período, somente o significado
fonte que, provavelmente teria originado a concessiva, pode ser recuperado, não
havendo, portanto, indícios do significado alvo.
É importante ressaltar que, apesar de embora ainda não apresentar o valor
concessivo, havia itens, nesse período, que cumpriam esse papel: posto que, ainda que,
salvo se, e alguns conectores adversativos, como mas, porém e, também veiculando
noções de adversidade, como pode ser observado nesses exemplos do século XV:
(39) E porem se geerava na voomtade de todos, posto que gram desejo desto ouvessem,
huma tal comtradiçom, que nehuum pensava seer cousa pera acabar, posto que começada
fosse, e quase impossível de seer. (15CDF, 74)
(40) Como era o oficio da lavra, que taaes como estes fossem costramgidos pêra lavrar,
salvo se ouvessem de seu valor de quinhemtas livras, que seriam huumas çcem dobras
(15CDF, 80)
(41) Ca ali é o reino de Deus e o paraíso u é o ajuntamento das virtudes; e porém a alma
do homem virtuoso é em paraíso espiritual e nesta vida presente.(15BD, 3-4)
(42) e des i, por sentir que, pensando como sobr´esto eu de screver, saberia mais desta
moral e virtuosa sciencia, e que me fará guardar de fazer cousas mal feitas, por seerem
contrairas do que escrevo, ainda que seja obra pera eu fazer pouco perteencente, posto
que a todos estados seja necessario saber como devem seguir virtudes, guardando-se de
pecados e outros falicimentos. (15LC, 32)
SÉCULO XVI
Nos dados século XVI, encontrei um número maior de ocorrências, onze tokens e
três types, conforme o quadro abaixo. Esse aumento do número de tokens reflete
também o aumento de types.
138
Q
UADRO
08: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA NOS DADOS DO SÉCULO
XVI
Os usos verificados nesse período foram de advérbio espacial, temporal e
temporal/concessivo, os quais discuto na seqüência, bem como seus contextos de uso
que são responsáveis pela interpretação de cada um dos types.
O primeiro type de advérbio temporal é expresso pelas formas em boa hora, em
bo'hora e embora, verificados nas ocorrências que seguem:
(43) À barca, à barca, hu-u!
Asinha, que se quer ir!
Oh, que tempo de partir,
louvores a Berzebu!
- Ora, sus! que fazes tu?
Despeja todo esse leito!
Em boa hora! Feito, feito!
Abaixa má-hora esse cu! (16ABF, 88)
Na ocorrência (43), a expressão não aparece com nenhum verbo explícito, porém
pelo verso Oh, que tempo de partir notamos que em boa hora remete à partida do
personagem na barca. A expressão denota um desejo do personagem de partir em um
bom momento, em um momento favorável, e esse desejo vem formalmente reforçado
por um ponto de exclamação. Uma outra expressão que confirma a leitura temporal para
em boa hora, nesse exemplo, diz respeito à má-hora, expressão temporal que denota um
desejo negativo do falante com relação seu interlocutor. Ali (1964) afirma que,
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(11)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(03)
C
ATEGORIA
G
RAMATICAL
V
ALOR SEMÂNTICO
N
ÚMERO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio (i) espacial 4 37%
(ii) advérbio (ii) temporal 5 45%
(iii) advérbio
(iii) temporal/concessivo 2 18%
139
enquanto em boa hora permitia o falante desejar boa sorte, hora era usada para
desejar mau augúrio.
Nesse século, notam-se os primeiros indícios da aglutinação da expressão, com a
perda de “a” do adjetivo boa, como na seguinte ocorrência:
(44) E disseme que a Deos prouvera
que fora ele o enforcado;
e que fosse Deos louvado
que em bo'hora eu cá nacera;
e que o Senhor m'escolhera;
e por bem vi beleguins.
E com isto mil latins,
mui lindos, feitos de cera. (16ABF, 117)
A expressão ainda carrega o sentido temporal, que pode ser conferido pela
presença do verbo nascer, assim como em (44), eliminando a leitura espacial para a
expressão, nesse contexto. É interessante verificar que a expressão ocupa uma posição
anteposta ao verbo e ao sujeito da oração, critério sintático que pode auxiliar na leitura
conjuncional de embora.
Nas seguintes ocorrências essa leitura é eliminada justamente pela posição final
do item na oração:
(45) Eu quero-o ir avisar,
Ca lhe cumpre de rezar,
E tornar-se a seu serviço.
Por sua cruz, manas minhas,
Qu´ella está delle assanhada.
Oh Virgem nossa avogada
Que os gados encaminhas!
Quem m´a vira!
Quem lá fora!
Tu, prima, nasceste embora.
Se viras o cachopinho,
Tão fermoso o sesudinho,
Filho de nossa Senhora!
Tudo eu hei de dizer
Ao nosso cura tá ó cabo,
E o prol (16APP, 36)
140
(46) Oh corpo de Deos sagrado!
Quanto zote que ca vem!
não quizestes vós perem
Conceder no meu mandado?
Ora seja já embora.
Padres, vedes a Senhora
Que eu achei bem acasuso. (16APP 38)
(47) Chegando o batel pera se embarcar, vierão-se todos pera mim pecador e,
protestando-se com muyta humildade e lagrimas, pedindo-me perdão e a benção,
confesso minha fraqueza que por muyto que dissimulasse non potui continuare lacrymas,
e abraçando-os cum osculo pacis et elevatis oculis in coelum, lhes dei a benção que
aquelle nosso Padre eterno despensa com suas creaturas per mãos de seus ministros.
Então abraçavão-se huns aos outros com muytas lagrimas e choros dizendo: “Irmãos
meus, ficai muito embora”. Outros dizião: “Ó irmão meu, como nos deixais? (16CPJ,
172-173)
Em (45), (46) e (47), apesar de a forma estar aglutinada, ela ainda apresenta o
valor de tempo, com o sentido de momento favorável, expressando um desejo por parte
do falante. Esse valor está correlacionado ao uso dos verbos nascer, ficar e ser, sendo
usado no pretérito do indicativo, no imperativo e no subjuntivo, respectivamente. Além
disso, o intensificador muito, inserido entre o verbo e embora, como em (47) Irmãos
meus, ficai muito embora, ajuda a caracterizar o type adverbial, que os
intensificadores incidem sempre sobre adjetivos e advérbios.
Além da forma em boa hora, encontrei também algumas ocorrências da
expressão, -hora, como em (48), e eramá, que, segundo Ali (1964), correspondem à
expressão contrária à em boa hora, conforme os seguintes exemplos:
(48) ANJO Ora vai lá embarcar,
não estês importunando.
BRÍZIDA Pois estou-vos eu contando
o porque me haveis de levar.
ANJO Não cures de importunar,
que não podes vir aqui.
BRÍZIDA E que má-hora eu servi,
pois não me há-de aproveitar!...(16ABF, 108)
(49) Hontem lhe dei eu hum mote
141
Sobr´isso, bem portuguez.
Vão-se earamá casar,
E não andar de sotipaca. (16APP, 37)
Em (48), a locução adverbial temporal má-hora vem acompanhada do verbo
servir no pretérito perfeito do indicativo, em um contexto de lamento do falante com
relação ao momento em que ele realizou uma ação. Na ocorrência (49), por sua vez, a
expressão contrária à em boa hora aparece aglutinada earamá, mas ainda carrega o
mesmo sentido de hora. Como foi mencionado, conforme Ali (1964), a expressão
earamá ~ aramá ~ aramá era utilizada pelos falantes nesse século, para desejar mau
agouro, como podemos notar em (49), em que o falante mostra não ser um bom
momento para o casamento.
Com relação ao type adverbial espacial, esse uso é expresso por embora junto ao
verbo de movimento vir e em contextos em que havia a presença de vocativo, como nas
seguintes ocorrências:
(50) Venhas embora, Fernando!
Eu t´esperarei á portella.
Parece ca MAdanella? (16APP, 30)
(51)Affonso, venhas embora.
Não vejo eu Inez aqui.
Olha, olha para mi,
Que não sam feia ma ora.(16APP, 31/32)
(52)Venhas embora, Inez!
Joanne, querer belotas?
Mais quero eu ás tuas botas (16APP, 32)
(53) DIABO: Venhais embora, enforcado!
Que diz lá Garcia Moniz?
Eu te direi que ele diz:
que fui bem-aventurado
em morrer dependurado
como o tordo na buiz,
e diz que os feitos que eu fiz
me fazem canonizado. (16ABF, 117)
142
Para a definição desse padrão espacial é importante observar que os mesmos
critérios sintáticos e semânticos se aplicam ao valor espacial com exceção do tipo
semântico de verbo, que mais uma vez ajuda a diferenciar esse type de embora com
valor predominantemente adverbial.
Nota-se que o parâmetro semântico tipo de verbo é o principal responsável pela
atribuição do valor espacial frente ao temporal para o advérbio embora, uma vez que o
valor espacial é sempre garantido pela presença de verbos de movimento.
O terceiro type de embora, no século XVI, se refere ao uso ambígüo do item, que
pode ser verificado em (54) e (55).
(
54)Agora, agora, agora
Esta doma que lá vai
Soma que casei embora
Sem licença de meu pae;
E diz que a não quer por nora. (16APP, 24)
(55) A mim dizem-me que não;
E s´he daquella maneira,
Não herdo eira nem beira.
Mas não semelha razão,
Mas não significa cenreira;
Que se fora a cachopa peca ou charra,
Ou algua zanguizarra;
Preguiçosa ou comedora,
Que bradassem muito embora.
Mas taes vos fossem assim
As pulgas da vossa cama. (16APP, 25)
É interessante notar que, especificamente na ocorrência (54), a item embora
aparece em um contexto de negação implícita sem licença, parte do enunciado que
veicula um contraste com o verso em que embora aparece. Esse contexto de contraste
sugere uma leitura concessiva, porém o significado temporal da perífrase também pode
ser recuperado, como em casei em boa hora/ sem licença de meu pai.
143
Em (55), nos versos: Que bradassem muito embora./ Mas taes vos fossem assim,
relação de contraposição ou adversidade, pela presença da item mas, assim,
poderíamos ter as seguintes leituras:
(i) que reclamassem muito em boa hora, mas tais os fossem assim. (tempo)
Ou
(ii) que reclamassem muito embora fossem assim. (concessão)
A leitura temporal em (i) se deve essencialmente a presença do intensificador
muito; ao passo que, em (ii), além de haver uma idéia adversativa, isto é, a
reclamação, mas as pessoas são assim, há a presença de uma item adversativa mas, que
parece influenciar na leitura de contrariedade/concessão para a item embora. Dessa
forma, (ii) apresenta a leitura concessiva que poderia ser entendida como mesmo que
reclame, são assim.
É importante verificar que a leitura concessiva é possível graças à presença de
contextos adversativos e negativos e à paráfrase com outras conjunções, ao passo que a
leitura adverbial é sugerida pela posição sintática de embora, posposta ao verbo. Além
disso, a ausência de contextos adversativos e a presença de verbos movimentos auxiliam
a leitura espacial para o advérbio. Por essa razão, pela aplicação e não aplicação desses
critérios, pode-se afirmar que esses contextos são responsáveis pela leitura da
concessão.
Embora as gramáticas históricas afirmem que a leitura concessiva para embora foi
codificada somente no século XVII e XVIII, os dados mostram que, em contextos
adversativos, embora poderia implicar o sentido concessivo, já no século XVI.
144
Dessa forma, enquanto o século XV poderia ser relacionado com primeiro estágio
da proposta de Heine (2002), uma vez que nesse período somente o significado fonte
pôde ser recuperado, no século XVI, esse contexto ambígüo pode ser chamado de
contexto bridging. Vale lembrar que, conforme Heine (2002), esse contexto é aquele
que possibilita uma interpretação concessiva, uma vez que o contraste entre as partes do
enunciado implica essa nova leitura, mas, por outro lado, a leitura temporal não é
totalmente excluída. O contexto bridging também foi verificado nos dados do século
XVII.
SÉCULO XVII
Nesse século, os itens que estabeleciam relação de concessão são os mesmos
daqueles encontrados nas sincronias anteriores, tais como: posto que, mas, porém e
ainda que. Dessa forma, como comentado, dizer que um item se gramaticaliza para
codificar relações que não existiam na língua é passível de contestação. A presença
desses itens gramaticais que estabeleciam relações de concessão e/ou adversidade
confirmam que a relação semântica e discursiva de concessão já existia na ngua,
embora surgiu como mais uma forma de expressar essas relações.
Nos dados desse período, não encontrei ocorrências da locução em boa hora, mas
somente da forma embora. As freqüências desses dados podem ser verificadas no
quadro abaixo:
145
Q
UADRO
09: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA NOS DADOS DO SÉCULO
XVII
O primeiro type, que corresponde ao advérbio com a leitura espacial, pode ser
notado em (56) e (57):
(56) Bem erco que se ira fazendo deligencia Na compra e feitio das farinhas E outras
Coussas e o que mais importa he vir o Cobre de flandes e asy Percure se ua ajuntando
Tudo pera´que quando Eu ua Embora Não tenha Ahy deMora porque me será Necessário
aCudir logo A paris. (17BR, 197)
(57) Ao ser Ante frez Soares e a Sra. Caterina Alures de meus beixa maãos Escreuame
Va; Carta ~q ache em bordeos Na mão de anto. Mendes e outra a S. Sebastião Na mão de
Luis p. de Tudo o que la se ofereser e pasar Porque qdo. Eu ua Embora as ache ahy Ca
não ay Cosa de nouo de ~q possa avizar a quem da guarde (17BR, 197)
Em (56) e (57), embora é acompanhada pelo verbo de movimento ir, inserido em
orações de tempo: pera´que quando Eu ua Embora, em (56) e Porque qdo. Eu ua
Embora as ache ahy, em (57). A presença do verbo ir nesses contextos temporais e a
ausência de um contexto em que haja adversidade e/ou negação possibilitam a leitura de
deslocamento espacial, não oferecendo possibilidade à interpretação de
contrariedade/concessão.
O segundo type corresponde ao advérbio que permite a leitura ambigüa de tempo
e concessão, como em (58) e (59):
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(06)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(03)
CATEGORIA
GRAMATICAL
V
ALOR SEMÂNTICO
N
ÚMERO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio; (i) espacial 2 33,3%
(ii) advérbio; (ii) tempo/concessão
2 33,3%
(iii) preposição (iii) concessão
2 33,3%
146
(58) Oh boa razão para hum fervuo de Iefuf Chrifto ! zombem, & não goftem embora, &
façamos nós noffos officio. A doutrina de que elles zombão, a doutrina q elles defeftimão,
effa he a que lhes deuemos prégar, & por iffo mesmo: porq he a mays hão mifter. (17SS,
78)
(59) Algum dia vos engãnaftes tanto comigo, que fahieys do fermão muyto contentes do
prégador: agora quizera eu defengãnaruos tanto; que fahireys muyto defcontentes de vós.
Semeadores do Evangelho eys aqui o que deuemos pretender nos noffos fermoens, não
que os homens fayão contentes de nós, fenão que fayão muyto defcontentes de fi: não que
lhes pareção bem os noffos conceytos; mas que lhe pareção mal os feos coftumes; as fuas
vidas, os feos paffatempos, as fuas ambiçoens, & em fim todos os feos peccados. Com
tanto que fe defcontentem de fi, defcontentem fe embora de nós. (17SS, 84)
A leitura temporal, para essas ocorrências, é reforçada pelos verbos de estado
psicológico como gostar e descontentar, como foi notado também no século XVI, em
que a leitura de tempo, dentre outros fatores, era sugerida pela ausência de verbos de
movimento. Contudo, os contextos adversativo e optativo, como em (58), e de
possibilidade em (59), garantem com maior clareza a leitura concessiva para embora.
Discuto cada um desses contextos.
Em (58), a oração de embora é vinculada à idéias contrárias do ponto de vista do
falante, como: zombar e não gostar com fazer os ofícios; além disso, nesse exemplo, a
oração com embora expressa uma objeção levantada pelo locutor do sermão, que
poderia ser parafraseada: Podem zombar e não gostar, mas mesmo assim faremos
nossos ofícios. É importante verificar que nessa ocorrência o caráter argumentativo do
item é fortemente notado, visto que o locutor sinaliza sua argumentação a favor da
pregação do sermão, goste o ouvinte ou não.
Na ocorrência (59), embora é vinculado a uma oração de possibilidade ou
condição, sinalizada pela locução contanto que, em que o falante ao mesmo tempo em
que expõe uma condição para o descontentamento dos ouvintes com o pregador,
argumenta a favor da importância desses interlocutores terem a consciência de seus
pecados ou seus defeitos.
147
É importante ressaltar, assim como foi apontado no século XVI, que esse type é
caracterizado, sintaticamente, pela posição de embora na sentença, a saber, posposto ao
verbo, e, semanticamente, pelo contexto adversativo/negativo e pela paráfrase com a
conjunção mas. Dessa forma, o que diferencia esse type do adverbial espacial são esses
dois parâmetros semânticos e a ausência de verbo de movimento.
Desse modo, esses dois contextos descritos em (58) e (59) implicam a leitura
concessiva para embora, que é utilizada como instrumento argumentativo nesses
exemplos. Além disso, é importante observar que desses contextos, pelo processo
metonímico, terá se desenvolvido o uso da conjunção concessiva embora, havendo uma
reinterpretação de todo o período. Assim, se nesse século, tem-se a seguinte distribuição
oracional:
zombem, & não goftem embora, & façamos nós noffos officio.
com o item ganhando o estatuto de conjunção, a oração em que ela é vinculada passa a
ser parcialmente dependente da outra oração, estando no mesmo nível de articulação das
hipotáticas. Assim tem-se:
Embora zombem e não gostem, façamos nossos ofícios.
Nessa ocorrência, é possível verificar o processo metonímico e de reanálise
atuando na formação da concessiva: metonímico, porque o ganho do valor concessivo é
sugerido por força do contexto, que pressiona na implicação do novo significado, e,
reanálise, porque o teve seu estatuto gramatical e seu valor semântico modificado,
passando a atuar como uma ferramenta gramatical, que estabelece relações entre duas
orações. Além disso, nessa ocorrência, é possível notar que, com a mudança, todo o
148
enunciado em que embora é usado começa a ser reorganizado e reanalisado para ser
interpretado como conjunção.
Assim como discutido para os dados do século anterior, esse contexto descrito em
(58) e (59) corresponde ao contexto bridging, que implica o sentido concessivo,
também conservando a leitura temporal para embora.
É interessante notar que esse contexto, que sugere a leitura concessiva para
embora, além de confirmar a proposta de Heine (2002), também corrobora a hipótese de
König (1984) e Chen (2000), de que a presença de contexto adversativo, que apresenta
alguma situação que implica uma contra expectativa, seria uma das fontes para a
formação de itens concessivos.
No que diz respeito ao terceiro type, embora apresenta um valor concessivo,
porém a item, sintaticamente, funciona como uma preposição , unindo termos dentro
das orações, como em (60) e (61):
(60) Affim como não couza tão defabrida, que não fique doce, fé paffar pelo mel;
affim fão todos os rigores, todas as afperezas, e todas as amarguras, fão paftadas por
Chrifto, e mais naquelle dia, em que melliflui facti sunt caeli. Haja embóra Santo, que
chame ás penalidades do Prefepio martyrios para Chrifto, ou leys de martyrios para nós: e
nós ouçamos ao mais douto de todos os Santos, quão doces fão effas leys, e effes
martyrios, por ferem paffados, e adoçados por Chrifto. (17SN, 59)
(61) Mas faça ifto embóra o Mundo cego, vendo a Deos no Prefepio, que alfim o pagará
com o não vêr no Ceo: nos, quem elle por fuá Bondade abrio os olhos, que faremos?
(17SN, 68)
No caso de (60), embora aparece entre o verbo haja e substantivo santo,
estabelecendo uma relação de ressalva, como relação à existência de algo. É importante
observar nessa ocorrência que não é possível conferir à embora o valor conjuncional,
devido ao elemento sobre o qual o item incide, a saber, o verbo haver, e pelo fato de não
haver nenhuma outra oração que poderia ser chamada de principal. Se a ordem do item
for invertida, como:
149
(60´) embóra Haja Santo, que chame ás penalidades do Prefepio martyrios para Chrifto,
ou leys de martyrios para nós: e nós ouçamos ao mais douto de todos os Santos, quão
doces fão effas leys, e effes martyrios, por ferem paffados, e adoçados por Chrifto.
(17SN, 59)
o escopo recai no sintagma haja santo, modificando, portanto, o enfoque do adjetivo
santo, dado pelo “falante”. Dessa forma, embora, nesse uso, liga dois termos do
enunciado, sem estabelecer relações entre orações, como no caso das conjunções, e sem
possibilitar a inversão de sua posição, característica sintática observada nos usos da
conjunção embora.
Da mesma forma, em (61), não uma oração em que embora esteja inserida. O
que ocorre é que ela une dois termos, uma oração Mas faça isto, e um sintagma o
Mundo cego, estabelecendo um valor concessivo, entre esses termos.
Na verdade, a caracterização desse padrão é favorecida pela posição sintática de
embora (entre termos) e pela presença do contexto adversativo.
Pelo fato de, nesse mesmo século, embora já apresentar um valor claramente
concessivo, ainda que apresente uma categorial gramatical diferente, pode-se afirmar
que esse contexto, em que o falante faz uma ressalva ou apresenta alguma contrariedade
entre dois termos dentro do enunciado, corresponde ao terceiro contexto apresentado
por Heine (2002), a saber, o contexto switch, que esse contexto não permite mais a
leitura de tempo, somente as leitura de adversidade e de concessão são possíveis nessas
ocorrências.
SÉCULO XVIII
150
No que diz respeito aos dados do século XVIII, a freqüência token é de apenas
duas ocorrências do item, e apenas um type, que é advérbio de deslocamento
espacial, que pode ser verificado no seguinte quadro:
Q
UADRO
10: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA NOS DADOS DO SÉCULO
XVIII
Os dois exemplos desse type dizem respeito às ocorrências (62) e (63), em que
embora está correlacionado ao verbo de movimento ir, apresentando, portanto, uma
leitura espacial :
(62) os armazéns de El-Rei sem nenhum sobressalente, e os cofres do Tesouro exauridos,
confesso-te meu Conde que eu de todo esmoreci, me lembrou tornar-me a ir embora,
considerando ser menos injurioso o castigo que por isso me dessem (18SM, 38)
(63) como sucedeu os dias paçados, pedindome ajuda para prender quatro q. estavão em
lua caza, mas somente lançarão maó de Hú, e deixarão hir os outros, e o mesmo fizeraó
na villa de Angra dos Reiz, a donde com ajuda de braço secular, tomaraó poce do
Conve. To, e prenderaó o Guardiaó, e a mais comunid. e deixarão hir embora estando
conversando com ella, e ao mesmo tempo me consta q. na vºa do Spirito Santo (ainda q,
naó He da minha jurisdição) indo os frades a tomar poce do Convento se resistiraó os
rebeldes, e dando tiro mataraó capitaó da ordenança, e firiraó dous Frades (18SM,
22)
É muito importante ressaltar que as baixas freqüências token e type, no século
XVIII, não são indícios de que o item não era utilizado nesse período, que no século
anterior e no posterior a esse, tanto a freqüência token como a type foram consideráveis.
O que pode ser dito é que o corpus selecionado para o século XVIII não forneceu uma
grande quantidade de ocorrências de uso de embora.
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(02)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(01)
C
ATEGORIA
G
RAMATICAL
V
ALOR
SEMÂNTICO
N
ÚMERO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio
(i) espacial
2 100%
151
Os itens que cumpriam nesse período a função concessiva foram as mesmas
encontradas nos séculos anteriores, tais como: ainda que, posto que, mas e porém, como
em:
(64) por que as chamadas perniciozas feguem o gênio de ambas, ainda que os outros
fymptomas efpeciaes, e caracterifticos as fazem differir dellas, o que ao diante veremos,
uqnado tratarmos das fuás curas (18REF, 31)
(65) Ainda affim, perfistirem os finaes da inflamaçam depois do fegundo acceffo,
pofto que mais remiffos, no tempo do mefmo paroxyfmo, poderá ufo dos feguintes
remédio (18SM, 40)
SÉCULO XIX
Por fim, nos dados do século XIX, foi encontrado um número maior de types,
caracterizando a multifuncionalidade de embora descrita na análise sincrônica. Esses
types são: conjunção concessiva, advérbio concessivo, preposição concessiva e advérbio
espacial. É importante observar que, no material desse período, não houve nenhum
exemplo que permitisse uma leitura ambígua, como ocorreu nas sincronias anteriores, o
que mostra que o sentido concessivo já foi convencionalizado entre os falantes do
português em contextos apropriados. As freqüências do século XIX estão ilustradas no
quadro abaixo:
Q
UADRO
11: F
REQÜÊNCIA DE EMBORA NOS DADOS DO SÉCULO
XIX
F
REQÜÊNCIA TOKEN
(10)
F
REQÜÊNCIA
TYPE
(04)
C
ATEGORIA
GRAMATICAL
V
ALOR
SEMÂNTICO
:
N
ÚMERO
P
ORCENTAGEM
(i) advérbio (i) espacial 1 10%
(ii) advérbio (ii) concessivo
1 10%
(iii) conjunção (iii) concessivo 5 50%
(iv) preposição
(iv) concessivo 3 30%
152
O primeiro type diz respeito à categoria gramatical de conjunção e ao valor
semântico concessivo, como em (66), (67), (68), (69) e (70). Nessas ocorrências, a
conjunção embora articula duas orações, uma em que o falante levanta uma objeção
sobre o que ele acredita que o ouvinte tenha (oração com embora), e em seguida afirma
que essa objeção não será suficiente para impedir que o conteúdo da oração principal se
realize (oração principal). Mira Mateus et al. (1989), conforme discutido antes, chamam
atenção para esse tipo de conjunção de contrajunção, já que ela exprime que o curso dos
acontecimentos não foi, ou não está em conformidade com as expectativas dos
indivíduos sobre o curso previsível ou desejável dos acontecimentos.
Dessa forma, o estatuto de conjunção é dado à embora, nesse século, pelo fato de
a item unir duas orações, em que a relação semântica é de idéias contrárias em que o
falante levanta uma objeção, para depois refutá-la, e por fim estabelece uma forte
relação argumentativa entre falante e ouvinte, caracterizando caráter expressivo/
subjetivo de embora.
Em (66), pode-se encontrar esse mesmo uso:
(66) O meu discurso sobre as causas da decadência dos Povos peninsulares nos séculos
XVII e XVIII, embora pizasse um terreno mais solido, o terreno da historia, resente-se
ainda muito da influencia das ideias politicas preconcebidas, da critica histórica com
tendências. É do anno de 1871. (19CAQ, 7)
Nota-se, a partir desse exemplo, que a construção em que embora está inserida,
diferentemente daquelas que os dados no século XVII mostraram, foi reanalisada quanto
aos seus componentes e quanto à ordem da conjunção na sentença, e, assim, as orações
podem ser facilmente diferenciadas em oração principal e concessiva, não havendo,
portanto, a possibilidade de nenhum outro sentido que não o concessivo.
153
Em (67), a oração com embora está posposta a principal, o que indica que o
falante faz uma ressalva sobre o que foi dito na oração principal, reforçando o
argumento da primeira oração. Nesse exemplo, o verbo da oração concessiva é o modal
dever, uma vez que modaliza o discurso indicando uma conduta/norma a ser seguida. E
pelo fato de estar no presente do subjuntivo, dá idéia de uma possibilidade/condição que
não ocorre na realidade, mas deveria ocorrer, segundo o falante.
(67) E no mesmo livro, de que foi apographada a citada passagem lê-se: «creio que sob o
nome de I
MPERIALISMO
,
reconheci e denuncio a verdadeira causa e unica da decadencia
politica e social do paiz, embora deva incorrer no anathema sit de todos os cortezãos
(ou que se presumem taes) passados, presentes, e em perspectiva, quer nascidos de
sangue azul (especie que não reconheço no imperio) quer parvenus ou fidalgos em
caricatura. (19, IRP)
Em (68), a locução verbal da oração com embora está no pretérito do subjuntivo,
modo verbal comum às concessivas. Além disso, nessa ocorrência, um marcador
temporal relacionado à oração concessiva, enquanto, que auxilia na negação da
pressuposição implícita na oração concessiva.
(68) Sinto prazer em poder communicar-vos que tem cessado as enfermidades que ha
muitos annos affligião os innocentes Orphãos admittidos no Arsenal de Guerra desta
Côrte, e sobremaneira obstavão ao seu desenvolvimento physico , e á sua educação:
devendo-se este incomparavel beneficio á mudança que delles se fez para casa mais
salubre, embora o mesmo Arsenal ficasse privado de huma das suas melhores Officinas
construida de novo , em quanto não póde acabar-se o novo Quartel dos Aprendizes
Menores , a que se deo principio com os fundos para elle applicados na Lei do
Orçamento: esta obra acha-se adiantada , mas não poderá acabar-se se vos não dignardes
de votar novos fundos para sua continuação.(19, RNG)
Em (69), embora encabeça uma oração concessiva que também traz uma ressalva
por parte do falante sobre sua habilidade de apontar erros na viagem, estando a oração
concessiva posposta à principal. O verbo está no presente do subjuntivo, sendo o sujeito
desinencial da oração. Na oração concessiva uma negação explícita realizada pelo
advérbio não.
154
(69) Eu que tambem fiz parte na expedição e com instruções para tomar notas de toda a
viagem, não devo estar inhibido de apontar erros, quer geographicos quer de qualquer
outra natureza, embora não seja de uma notabilidade scientifica como qualquer dos três
insignes viajantes alemães. (19RV, 33).
Na última ocorrência de embora com valor concessivo, temos o único exemplo
em que a oração com embora aparece anteposta à principal. Nesse tipo de construção,
conforme a estratégia argumentativa discutida antes, o falante primeiro levanta uma
hipótese sobre as crenças do ouvinte e depois direciona a argumentação para o conteúdo
da oração principal.
(70) E’ pois tal a sorte d’estes cidadãos, que se ella não fosse filha da mizeria em que
vivem, poder-se-hia achar desejavel. Embora tenhamos uma Lei que determina que todos
os que, por falta de rendas, o podem servir na Guarda Nacional pertenção á Guarda
Policial, a falta d’organisação d’esta força, faz com que ella apenas preste insignificante
serviço, e sirva d’estorvo para a administração, que vê-se todos os dias importunada
com propostas para nomeação de comandantes, que nada fazem, e que procurão com
ancia este posto para escaparem do serviço da Guarda Nacional, e a outros encargos a que
são obrigados. Entretanto não se pode duvidar de que é esta a força que mais serviços
poderia prestar, com menos perda da industria; e esta vantagem foi procurada pelos
Legisladores quando crearão a Guarda Policial. (19DMA)
Para essas ocorrências, foi possível definir esse padrão pelos fatores sintáticos: (i)
posição sintática de embora (anteposta ao sujeito); (ii) tempo/modo verbal (presente
e pretérito composto do subjuntivo), e pelo fator semântico: (i) contextos adversativos
(presença de contextos negativos e elementos que vinculam contra expectativa). É
importante notar que esses usos representam o uso mais típico das conjunções, ou seja,
nesse type não foram detectadas particularidades que garantem a embora o caráter misto
entre advérbio e conjunção.
O segundo padrão da freqüência type de embora corresponde ao valor adverbial
concessivo, como pode ser notado na ocorrência (71):
(71) E lógica tambem: mas duma lógica sancta, sentida e quente como o seio das mães,
como o coração dos amantes. Não é o methodo da sciencia? é o methodo da vida! E a
155
sciencia, se o desprazer, será scientifica muito embora, mas não será viva nem
humana....(19CAQ, 28)
Em (71), embora apresenta o valor adverbial, devido às suas características
sintáticas, como: posição na sentença e a presença do advérbio muito, intensificando o
item. O valor concessivo é favorecido pelo contexto adversativo em que o advérbio é
usado, que possibilidade de mudança na ordem da conjunção, como por exemplo:
E a sciencia, se o desprazer, muito embora será scientifica, mas não será viva nem
humana, e da preservação da acepção concessiva. Além disso, a presença da adversativa
mas intensifica o valor de contra expectativa nesse enunciado. Dessa forma, nesse
século, o item apresenta o mesmo comportamento sintático de advérbio, como descrito
nos exemplos dos séculos XV e XVI, isto é, posposto ao verbo, porém com o valor
concessivo.
Vale a pena relembrar que, sincronicamente, o padrão conjuncional concessivo
apresenta características semelhantes ao do advérbio, o que comprova o caráter misto da
conjunção embora a sincronia atual do português. Assim, para diferenciar esses dois
padrões, mais uma vez o critério sintático posição na sentença determinou a
caracterização da conjunção frente ao advérbio.
O terceiro type encontrado nesse culo diz respeito ao valor preposicional
concessivo de embora, como em (72), (73) e (74):
(72) Estes pensamentos e muitos outros, mas concatenados systematicamente, formam o
que eu chamarei, embora ambiciosamente, a minha philosophia. (19CAQ, 11-12)
(73) Poderá essa ser mais uma página, embora tênue, na história do Germanismo na
Europa, e porventura parecerá curiosa aos que se occupam da psycologia comparada dos
novos. (19CAQ, 13)
(74) A felicidade d’este grende acto, quasi revolucionário, embora humanitário, animara
o governo do paiz na convicção de que o governo tudo póde ousar, e de que o paiz está
impotente até para reclamar quanto mais para reagir.(19IRP)
156
Nos exemplos (72), (73) e (74), a item embora pertence à categoria gramatical das
preposições, uma vez que liga dois termos, substantivo e adjetivo, nas três ocorrências.
A preposição, além de estabelecer essa ligação entre termos, expressa uma ressalva, que
recai sobre o segundo termo, como, por exemplo, em (73), em que o falante faz uma
ressalva sobre a página da história do germanismo, e da mesma forma, em (74), o
falante atribui a qualidade revolucionário ao ato, porém faz uma ressalva sobre essa
mesma atribuição dada por ele. É importante notar que, mesmo havendo uma ressalva
por parte do falante, a afirmação feita anteriormente será o argumento mais forte da
oração. Portanto, esse caráter argumentativo é mais um indício de que o valor
concessivo que a conjunção embora apresenta pode ser veiculado também pela
preposição nesses exemplos.
O único exemplo de embora com comportamento sintático de advérbio, e sentido
de deslocamento espacial é (75). Nessa ocorrência, a presença do verbo ir reflexivo
auxilia na leitura de afastamento espacial. A posição do item é posposta ao verbo e ao
pronome reflexivo.
(75) Os Custanaús não são tão tratáveis como os Bacairis. Em sua conversação dizem
muitas palavras da língua guarany como ayucá (matar) iguatá-iereo, (vá-se embora),
peiúno (fumo) etc.(19RV, 40)
Os contextos encontrados no século XIX correspondem ao último estágio de
desenvolvimento da item embora, pois, nesse período da história da conjunção, o
sentido temporal é totalmente perdido, de modo que não mais a possibilidade de
dupla interpretação para embora, pois seu significado está convencionalizado pelos
falantes, como pode ser notado nas ocorrências (67), (68) e (70), por exemplo.
É importante ressaltar que não mais a necessidade de um contexto em que
embora esteja veiculado em frases optativas, em que as orações estabeleçam contraste
ou condição, ou contextos em que haja um item negativa, para que seu significado
157
implique concessão. A implicatura de concessão foi, portanto, convencionalizada, não
permitindo mais que houvesse a leitura temporal de momento propício para a ocorrência
de ações.
Para melhor visualizar o desenvolvimento da concessiva embora, ao longo da
história do português, apresento, por meio da tipologia apresentada por Heine (2002), os
contextos que possibilitaram a implicação do novo significado de embora, bem como a
convencionalização do significado concessivo:
E
STÁGIOS
C
ONTEXTO
S
IGNIFICADO RESULTANTE
I: estágio inicial
em boa hora veicula uma
relação de tempo, em que o
falante expressa um desejo,
por meio de verbos de ação
ou de sentimento, e pela
presença do intensificador
muito
momento favorável e
propício (tempo)
II: contexto bridging
pela negação implícita ou
explícita, um contraste
entre as duas partes do
enunciado;orações
optativas
inferência concessiva
III: contexto switch
em contexto de condição e
de adversidade, há um
contraste entre as duas
orações as quais a item é
veicula.
ausência de significado
temporal, e presença de
significado
concessivo/adversativo
IV: convencionalização
embora é usada em uma
variedade maior de
contextos, para ser
entendida como concessão.
somente concessão
Q
UADRO
12: T
IPOLOGIA DE CONTEXTOS PARA A FORMAÇÃO DA CONCESSIVA EMBORA
A partir dessa ilustração, pode-se notar que o contexto responsável pelo
aparecimento do significado concessivo parece ser aquele em que a item era empregada
em enunciados que veiculavam alguma adversidade ou contra expectativa, como em
(54). Portanto, esse contexto adversativo sugeriu uma leitura concessiva para o item em
158
questão. A partir dessa inferência, embora teve seus contextos expandidos sendo
empregada em outros, como, por exemplo, de condição, negação até ser
convencionalizada como concessão.
Além disso, quanto à hipótese das fontes para a formação de items concessivas, os
dados do português antigo corroboram essas hipóteses levantas por König (1984), uma
vez que os dados desse século permitem confirmar a hipótese de que as concessivas
teriam origem em itens temporais, como foi notado no exemplo (37) e (38).
4.3 OS PROCESSOS DE GR DE EMBORA
Feita a investigação sincrônica e diacrônica de embora, procuro, nessa seção,
verificar alguns mecanismos de GR que atuaram no processo de mudança do item.
Esses mecanismos, baseados em Bybee (2001 e 2003), são diretamente relacionados
com o aumento da freqüência. Eles são: automatização, redução fonológica,
generalização de significado, e reanálise.
Conforme Bybee (2003), automatização consiste em um processo pelo qual uma
expressão ao ser muito utilizada na língua perde seu sentido original automaticamente.
O que parece ter sido responsável pela automatização do significado de embora foi o
aumento da freqüência token e type durante o século XVI, que o item passou a ser
utilizado em outros contextos de uso, como, por exemplo, com verbos de ação e de
movimento, o que permitiu a desvinculação com seu valor temporal.
Outro processo que o aumento da freqüência token pode desencadeiar a redução
fonológica. Para Bybee (2003), quando uma construção passa a ser usada em porções
do enunciado que contém informação mais conhecida ou menos relevante, seu material
159
fonético tende a diminuir. Por isso que um item candidato a ter seu material fonético
reduzido é aquele que carrega menos informação.
Conforme foi mostrado na descrição dos usos ao longo dos séculos, os dados
forneceram ocorrências da expressão em boa hora somente até o século XVI, período
em que indícios de aglutinação da locução e aumento da freqüência type, incluindo o
uso de embora em contextos que sugerem leituras concessivas ou adversativas. Essa
expansão de contexto implica, portanto, em um significado mais pragmático do que o
temporal. Portanto, a
presença desses contextos e o aumento dos usos do item parecem ter sido favoráveis na
aglutinação da expressão em boa hora para embora
19
.
Bybee (2003) entende por generalização de significado a perda de traços
semânticos de um item que passa pelo processo de gramaticalização. Como foi
verificado, do período correspondente ao século XV até o XIX, embora teve suas
freqüências token e type elevadas, o que favoreceu uma multifuncionalidade já no
último século da análise diacrônica. Do século XVI ao XVII, o item passa a ser usado
com mais freqüência em contextos adversativos e a não se restringir à posposição ao
verbo, mas também a ocupar outras posições que sinalizam dentro da sentença uma
possível posição conjuncional. A alta freqüência desse types concessivos para embora
motivou a generalização ou bleaching semântico para a expressão, que teve seu
significado abstratizado, como foi verificado no século XIX.
Antes de discutir o processo de reanálise sofrido por embora, explicito que a
reanálise é entendida aqui como a reanálise categorial ou sintática. Tendo em vista que
o principal indício de que ocorreu GR são as mudanças no nível da morfologia, da
19
O advérbio embora, com o valor espacial, também deve estar sofrendo redução fonológica com o uso
de bora, que parece expressar futuro próximo na sincronia atual do português.
160
sintaxe e da semântica, a reanálise auxilia na identificação do processo de GR para um
item, sobretudo quanto ao seu aspecto sintático.
Pela reanálise categorial, tem-se a eliminação de fronteiras entre duas ou mais
formas morfológicas no desenvolvimento da forma gramaticalizada. Assim, uma
construção ao se gramaticalizar tem toda sua estrutura sintática reanalisada, passando a
atuar em um outro nível categorial.
Hopper e Traugott (1993) afirmam que há uma tendência na recategorização:
categorias menores, que incluem as conjunções, preposições, pronomes e verbos
auxiliares teriam como fonte as categorias intermediárias, advérbios e adjetivos, ou as
categorias maiores, que pertencem aos nomes e verbos plenos. Desse modo, pela
recategorização um item gramatical ou menos gramatical teria seu estatuto modificado
para um mais gramatical.
No corpus do século XVII, os dados forneceram ocorrências que permitem
observar a estrutura sintática de embora sendo realisada, já que o item deixa de aparecer
na sentença somente posposto a um verbo de estado, como era comum no século XVI, e
passa a ocupar também posições sintáticas similares a dos conectores que estabelecem
relações entre orações. Para melhor visualizar essa passagem exemplifico com:
Século XVI:
não quizestes vós perem
Conceder no meu mandado?
Ora seja já embora.
Padres, vedes a Senhora
Século XVII: zombem, & não goftem embora, & façamos nós noffos officio.
Conforme os dois exemplos, no século XVI, embora ocupava posição típica de
advérbio, não havendo a possibilidade de deslocamento do item para o início da
161
sentença (posição pica de conjunção). Assim, não admite a paráfrase por mudança de
posição, como em *Embora seja já seria inaceitável, uma vez que o sentido seria
prejudicado. Por outro lado, no século XVII, com o aumento da freqüência type, o
crescente uso de embora com o valor concessivo, atrelado a contextos adversativos,
parece ter permitido, como já foi comentado, a seguinte possibilidade posicional de
embora:
Embora zombem e não gostem, façamos nossos ofícios.
O item ocupando uma posição inicial o aproxima, sintaticamente, de conjunções
que encabeçam orações complexas, estabelecendo relações semânticas entre elas. Por
isso que, enquanto no século XVII, embora parece estar ganhando o valor de conjunção,
a freqüência type conjuncional do século XIX, a saber, 50%, mostra que realmente o
processo de reanálise foi instaurado no processo de mudança de embora.
Desse modo, a tendência proposta por Hopper e Traugott (1993) se confirmou na
mudança sintática da locução adverbial em boa hora para a formação da conjunção
embora do português, que ao ter sua estrutura sintática reanalisada, o conector, que
segundo os autores pertence a uma classe de palavra menor, teve sua origem histórica
em uma classe de palavras intermediária, domínio em que se encontram os advérbios.
Com a confirmação desses processos na formação de embora, foi possível notar
que sua forma fonte perdeu seu significado original por automatização, o que exclui
qualquer leitura comparada ao do século XV, além disso, o item teve seu significado
abstratizado ou generalizado, passou por recategorização sintática e por redução
fonológica. Todos esses processos comprovam o processo de GR sofrido por embora.
162
Além desses processos, discuto de que forma a metáfora, a metonímia, a
pragmatização de significado, e os critérios postulados por Hopper (1991) também
reafirmam que embora sofreu o processo de GR.
4.3.1 METÁFORA E METONÍMIA
Feito o mapeamento histórico de embora, a verificação dos contextos que
provavelmente favoreceram o surgimento do novo significado, e a(s) fonte(s) da
concessiva embora, nota-se que o item tal como empregado nos séculos XV ao XIX
ganhou traços sintáticos de conjunção e semânticos de concessão. Essa trajetória
diacrônica poderia ser disposta no seguinte cline proposto por Hopper e Traugott
(1993):
(01) item menos gramatical > item mais gramatical
Para melhor visualizar essa passagem, adoto o esquema proposto por Heine et al.
(1991ab), discutido em 1.5. Segundo os autores, a passagem de uma categoria a outra da
língua se por dois mecanismos, a saber, a metáfora e a metonímia. A fim de melhor
explicar a passagem de em boa hora para um novo domínio semântico, recorro ao
conceito de metáfora proposto pelos autores, e, para depreender a gradualidade desse
processo, recorro ao conceito de metonímia. Para tanto, utilizo os esquemas dos
autores, já mencionados anteriormente, para dispor a passagem de tempo a concessão.
Na formação de embora, o advérbio temporal que originou a conjunção
concessiva poderia ser inserido entre uma das categorias cognitivas propostas por Heine
et al. (1991ab):
163
(02) PESSOA > OBJETO > PROCESSO > ESPAÇO > TEMPO > QUALIDADE
(HEINE et al. 1991b; p.157
)
A fonte da concessiva embora poderia ser inserida na categoria cognitiva tempo,
que deve ter passado, metaforicamente, à categoria qualidade, em que se encontram os
itens que denotam causa, condição, concessão, etc. Desse modo, confirmando a
afirmação dos autores de que uma abstratização de significado na passagem de uma
categoria da esquerda para a direita, o significado concessivo de embora é, portanto,
mais abstrato que sua fonte temporal.
Assim, por metafóra, a locução temporal em boa hora foi usada para denotar
concessão, passando a ser entendida cognitivamente pelos falantes da língua. O
esquema metafórico do desenvolvimento dessa concessiva pode ser o seguinte:
(03) tempo > qualidade
locução adverbial > conjunção concessiva
em boa hora > embora
Porém, como foi verificado nos dados diacrônicos, essa passagem não se deu de
forma abrupta, que houve contextos de ambigüidade, e, como os dados sincrônicos
revelaram, a conjunção ainda preserva traços sintáticos do advérbio de origem. Dessa
forma, é provável que ainda haja momentos de sobreposição entre o advérbio e a
conjunção, uma vez que o advérbio é reconhecido por sua mobilidade sintática e a
conjunção pela sua maior rigidez dentro da sentença.
Para comprovar o processo gradual do desenvolvimento do conector concessivo
no português, retomo o seguinte type caracterizados nos dados da sincronia atual da
língua, a saber, a conjunção concessiva. A fim de ilustrar, cito novamente um exemplo
desse padrão:
164
(21) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, faltando-lhe embora
competência para julgar dos resultados. (CEL:Beblt)
Como foi discutido anteriormente, embora apresenta mobilidade sintática muito
parecida com advérbios que podem ser deslocados para qualquer ponto do enunciado.
Em (21), sua posição entre verbo e complemento poderia ser trocada por:
(21’) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, embora faltando-lhe
competência para julgar dos resultados. (CEL:Beblt)
Pela possibilidade do item aparecer anteposto ao verbo e ainda preservar o sentido
concessivo dentro desse contexto, nos permite aproximar o item da classe dos
advérbios. Além disso, como foi dito na metodologia, a forma de gerúndio, presente
nesse contexto de uso, não permite que embora apresente características daquelas
conjunções mais prototípicas como o se e o porque.
Contudo, embora, nessa ocorrência, não admite ser colocada na posição mais
recorrente dos advérbios, no final de orações. Nesses termos, seria improvável:
(21*) Dotado de flora riquíssima e variada, conta o Brasil com grande número de espécies
vegetais que o povo emprega para debelar os mais diversos males, faltando-lhe
competência para julgar dos resultados embora. (CEL:Beblt)
Por isso, é possível concluir que se, por um lado, o item compartilha
características com os advérbios, ele não pertence totalmente a essa classe de palavras.
Pelo contrário, embora, nesse exemplo, também apresenta funcionamento muito
parecido com as conjunções, como, por exemplo, estabelecer relação semântica entre
orações. Por esse motivo é que o item não pode ser deslocado para o final do enunciado,
já que deixaria de estabelecer a relação de concessão entre as orações.
165
Desse modo é que se configura a gradualidade do desenvolvimento da conjunção
embora do português, a sobreposição entre sua forma de origem, locução adverbial e
sua forma alvo, a conjunção.
Se a investigação sincrônica permitiu verificar essa sobreposição sintática de
embora, na descrição diacrônica foi possível captar também a mudança semântica em
sua gradualidade, que segundo Heine e et. (1991ab) pode ser apreendida pela noção de
metonímia.
O processo de natureza metonímica se dá sempre por pressões do contexto
lingüístico, que sugerem uma ambigüidade na transposição entre as categorias. Assim,
as categorias estão relacionadas umas com as outras. Para melhor visualizar esse
momento de ambigüidade na passagem de advérbio temporal à conjunção concessiva,
vale a pena retomar o seguinte esquema proposto pelos autores:
PESSOA OBJETO PROCESSO ESPAÇO TEMPO QUALIDADE
(HEINE et al. 1991b; p.162)
Como foi visto, o momento de ambigüidade na trajetória de mudança de embora
foi localizado século XVI, com a ocorrência (54), e no século XVII, com os exemplos
(58) e (59):
(
54)Agora, agora, agora
Esta doma que lá vai
Soma que casei embora
Sem licença de meu pae;
E diz que a não quer por nora. (16APP, 24)
(58) Oh boa razão para hum fervuo de Iefuf Chrifto ! zombem, & não goftem embora, &
façamos nós noffos officio. A doutrina de que elles zombão, a doutrina q elles defeftimão,
effa he a que lhes deuemos prégar, & por iffo mesmo: porq he a mays hão mifter. (17SS,
78)
(59) Algum dia vos engãnaftes tanto comigo, que fahieys do fermão muyto contentes do
prégador: agora quizera eu defengãnaruos tanto; que fahireys muyto defcontentes de vós.
166
Semeadores do Evangelho eys aqui o que deuemos pretender nos noffos fermoens, não
que os homens fayão contentes de nós, fenão que fayão muyto defcontentes de fi: não que
lhes pareção bem os noffos conceytos; mas que lhe pareção mal os feos coftumes; as fuas
vidas, os feos paffatempos, as fuas ambiçoens, & em fim todos os feos peccados. Com
tanto que fe defcontentem de fi, defcontentem fe embora de nós. (17SS, 84)
Como foi analisado, nesses exemplos, a leitura temporal é conservada pela
posição do item na sentença, mas, por outro lado, o contexto adversativo/negativo
sugere sua leitura concessiva.
Por essa razão, os dados corroboraram a afirmação sobre a gradualidade do
processo de GR, em que há um momento de sobreposição na formação do novo
significado. Desse modo, aspecto da formação da concessiva embora pode ser ilustrado
com a seguinte representação:
TEMPO CONCESSÃO
F
IGURA
02: S
OBREPOSIÇÃO DE SIGNIFICADO NA FORMAÇÃO DE EMBORA
Conforme previsto, a trajetória de GR da concessiva embora por ser explicada
pelos processos cognitivos retomados de Heine et al. (1991ab). Pela metáfora, explica-
se a passagem do domínio cognitivo tempo ao domínio qualidade, no qual estariam as
concessivas, como mostrado em (03), ao passo que, pela metonímia, percebe-se a
gradualidade, conseqüentemente os casos de ambigüidade na formação da concessiva
embora, conforme representado na figura acima.
Além disso, os dados sincrônicos permitiram confirmar a gradualidade que ocorre
no processo de GR, pelas características que embora demonstrou compartilhar com
advérbios e com conjunções. Desse modo, pela verificação do desenvolvimento de
167
embora foi possível confirmar um dos atributos dados ao processo de GR em sua
definição, a saber, a gradualidade do processo.
4.3.2 PRAGMATIZAÇÃO DE SIGNIFICADO
Retomando Traugott (1982, 1999) e Traugott e König (1991), acredito que as
mudanças semânticas que acompanharam a formação da concessiva embora, ao longo
dos séculos XV ao XIX, sejam um exemplo de pragmatização de significado e (inter)
subjetivização.
Assim é que o significado concessivo de embora sinaliza com mais evidência a
relação entre os participantes da interação, bem como uma maior avaliação por parte do
falante sobre o conteúdo veiculado na oração em que embora aparece atrelada,
conforme discutido na primeira seção sobre a definição de concessivas.
Baseada no cline proposto por Traugott (1982) e Traugott e König (1991),
estabeleço os seguintes parâmetros para melhor identificar a pragmatização de embora:
[± proposicional] e [± expressivo].
O valor temporal de em boa hora, já descrito anteriormente, nos dados século XV,
embora menos expressivo que a acepção semântica da concessiva, apresenta uma
avaliação por parte do falante, que demonstra sua intenção em desejar uma boa sorte
ao interlocutor, assim como o exemplo (38):
(38) ella nos recebeo com muyta alegria, & nos disse: a vinda de vos outros, verdadeyros
Christãos, he ante mym agora laõ agradauel, & foy sempre tão desejada, & o he todas as
horas destes meus olhos que tenho no rosto, como o fresco jardim deseja o borrifo da
noite, venhais embora, venhais embora, & seja em tão boa hora a vossa entrada nesta
minha casa, como a da Raynha llena na terra de Ierusalem. (15F, 22)
Nesse uso, a expressão em boa hora utilizada para expressar um sentimento do
falante com relação a uma ação praticada pelo seu ouvinte, nesse caso, que sua estada
168
na casa do locutor seja tão boa quanto a da rainha em Jerusalém. Pelas observações de
Ali (1964), é provável que esse uso simbolizava uma maneira educada de se dirigir ao
locutor. Se a forma é usada para estabelecer relações entre as pessoas envolvidas no
discurso, é possível atribuir um caráter expressivo à em boa hora. Por outro lado, o
sentido temporal de momento propício também garante seu valor circunstancial, que
marca um evento como extralingüístico, isto, sem envolvimento no discurso.
Pelo fato de haver essas duas facetas no significado da locução nesse século, é
possível acionar os critérios [±expressivo] e [± proposicional], que uma
expressividade marcada pelo costume de uso da expressão nesse momento da história,
mas o sentido temporal que, conforme Traugott e König (1991), pertence à situação
fora do discurso. Assim, esse uso poderia ser representado no cline proposto pelos
autores como uma situação descrita na situação exterior, ainda que haja traços
expressivos evidentes nesse período.
Nos dados do culo XVI, pela presença de elementos de contraste ou
adversidade, o item, por pressão desse tipo de contexto, começa a ser entendida como
concessão, como em (54):
(
54)Agora, agora, agora
Esta doma que lá vai
Soma que casei embora
Sem licença de meu pae;
E diz que a não quer por nora. (16APP, 24)
Devido a possibilidade de leitura contrastiva/concessiva e também temporal nesse
século, como já apontado antes, além de denotar um desejo por parte do falante, embora
funciona como marca temporal. Nesse século, nota-se um ganho maior de
expressividade no uso de embora pelo surgimento desse novo significado do item.
Desse modo, os critérios proposicional], visto o caráter temporal de embora, ainda
169
nesse uso, e [+ expressivo], dado o ganho de expressividade pela implicação
contrastiva/ concessiva nesses contextos. Como o contraste veicula uma quebra de
expectativa, que, freqüentemente, está implícita, nos costumes de uma sociedade, ao
sinalizar esses conhecimentos sociais dos interlocutores, o significado de embora ganha
em pragmática e em expressividade.
Nota-se também que o caráter argumentativo que embora adquire ao longo de sua
trajetória de mudança pode ser explicado pela proposta de Traugott (1999), de que na
mudança de significado estariam incluídos dois processos, a subjetivização e a
intersubjetivização. Pelo seu caráter argumentativo, pode-se afirmar que item ganha em
(inter) subjetividade, visto a finalidade do falante em oferecer argumentos para
modificar ou reafirmar alguma idéia que ele acredita que seu ouvinte possa ter.
Além disso, verifica-se, nos exemplos (58) e (59), a item embora começa a
estabelecer relação entre duas partes do enunciado, o que mostra que o item apresenta
não só essa relação argumentativa, mas também textual, como em:
(58) Oh boa razão para hum fervuo de Iefuf Chrifto ! zombem, & não goftem embora, &
façamos nós noffos officio. A doutrina de que elles zombão, a doutrina q elles defeftimão,
effa he a que lhes deuemos prégar, & por iffo mesmo: porq he a mays hão mifter. (17SS,
78)
(59) Algum dia vos engãnaftes tanto comigo, que fahieys do fermão muyto contentes do
prégador: agora quizera eu defengãnaruos tanto; que fahireys muyto defcontentes de vós.
Semeadores do Evangelho eys aqui o que deuemos pretender nos noffos fermoens, não
que os homens fayão contentes de nós, fenão que fayão muyto defcontentes de fi: não que
lhes pareção bem os noffos conceytos; mas que lhe pareção mal os feos coftumes; as fuas
vidas, os feos paffatempos, as fuas ambiçoens, & em fim todos os feos peccados. Com
tanto que fe defcontentem de fi, defcontentem fe embora de nós. (17SS, 84)
Nessas ocorrências, como foi analisado, pela flexibilidade na ordem de embora,
observa-se que, por um processo metonímico, o valor textual presente nas conjunções
pode ser notado para embora, que a possibilidade de inversão da ordem sintática
para a posição típica de conjunção. Nesse século, o uso temporal é totalmente excluído e
170
o valor concessivo ganha cada vez mais evidência entre duas orações do enunciado.
Esse novo significado textual veiculado por embora corresponde, no cline de Traugott e
König (1991), ao significado centrado na situação textual. Dessa forma, os parâmetros
acionados poderiam ser [-proposicional] e [+expressivo], que o significado do item
ganha cada vez mais em expressividade.
Os dados do século XIX são bem reveladores quanto ao novo significado
adquirido pelo item embora. Como foi verificado, seu significado temporal de origem é
totalmente perdido, e o item apresenta um significado altamente pragmático, como pode
ser notado nas ocorrências desse período.
(66) O meu discurso sobre as causas da decadência dos Povos peninsulares nos séculos
XVII e XVIII, embora pizasse um terreno mais solido, o terreno da historia, resente-se
ainda muito da influencia das ideias politicas preconcebidas, da critica histórica com
tendências. É do anno de 1871. (19CAQ, 7).
(69) Eu que tambem fiz parte na expedição e com instruções para tomar notas de toda a
viagem, não devo estar inhibido de apontar erros, quer geographicos quer de qualquer
outra natureza, embora não seja de uma notabilidade scientifica como qualquer dos três
insignes viajantes alemães. (19RV, 33).
Nos dados do século XIX, a conjunção, portanto, já apresenta o significado
totalmente concessivo, isto é, pragmatizado, por isso pode-se acionar os paramêtros [+
proposicional] e [+ expressivo], que a item apresenta o significado
predominantemente expressivo.
Por meio desses critérios, nota-se que o significado da item embora, na medida
em que foi se desenvolvendo em conjunção, ganha em pragmática, em expressividade,
como foi notado ao longo dos séculos, em que seu significado de [±proposicional]
passou a [+ expressivo].
Esses critérios estão relacionados com cada século pelo seguinte esquema:
171
Século XV
[±proposicional] e [±expressivo]
Século XVI
[± proposicional] e [+ expressivo]
Século XVII
[-proposicional] e [+ expressivo]
Século XVIII
[-proposicional] e [+ expressivo]
Século XIX
[-proposicional] e [+ expressivo]
F
IGURA
03:
P
RAGMATIZAÇÃO DO SIGNIFICADO DE EMBORA
Essa trajetória semântica pode ser melhor ilustrada no seguinte cline, proposto por
Traugott (1982):
PROPOSICIONAL TEXTUAL EXPRESSIVO
em boa hora: advérbio
temporal = expressão que
denota um desejo de bom
augúrio por parte do falante
embora: conjunção que
estabelece relação
entre duas porções do
enunciado
embora: conjunção
concessiva que
sinaliza crenças,
avaliações e
intenções do
falante
Com esse mapeamento da mudança semântica de embora, é possível afirmar que
a conjunção concessiva segue a trajetória semântica proposta pelos gramaticalizadores,
em que significados centrados na expressividade do falante, como as causais,
concessivas e condicionais, por exemplo, são originados de significados menos
expressivos ou proposicionais, centrados em uma situação mais externa ao discurso,
como acontece com a fonte adverbial temporal que originou a concessiva embora.
4.3.3 APLICAÇÃO DOS PRÍNCIPIOS DE HOPPER (1991)
A partir das análises sincrônica e diacrônica do item embora, aplico os cinco
critérios propostos por Hopper (1991), conforme discutidos em 1.4, aos dados
analisados. Esses critérios ajudarão a medir o grau de gramaticalidade apresentado pelo
item, e sobretudo reforçar que o surgimento da conjunção concessiva é um legítimo
172
caso de GR. Além do mais, esses princípios auxiliam na captação do caráter gradual da
GR, visto que atribuem um grau mais ou menos gramatical.
A estratificação se refere à emergência de novas “camadas” em um mesmo
domínio funcional. Esse critério traz como conseqüência a coexistência de formas novas
e antigas, com papel funcional similar.
Durante a coleta de dados diacrônicos, foi possível observar que antes mesmo de
embora ganhar o significado semântico-pragmático de concessão, outras formas
lingüísticas desempenhavam esse papel na língua. Essas expressões dizem respeito a
posto que, ainda que, salvo se e algumas adversativas como porém e mas, como
revelaram as ocorrências encontradas no século XV:
(43) e des i, por sentir que, pensando como sobr´esto eu de screver, saberia mais desta
moral e virtuosa sciencia, e que me fará guardar de fazer cousas mal feitas, por seerem
contrairas do que escrevo, ainda que seja obra pera eu fazer pouco perteencente, posto
que a todos estados seja necessario saber como devem seguir virtudes, guardando-se de
pecados e outros falicimentos. (15LC, 32)
(44) E porem se geerava na voomtade de todos, posto que gram desejo desto ouvessem,
huma tal comtradiçom, que nehuum pensava seer cousa pera acabar, posto que começada
fosse, e quase impossível de seer. (15CDF, 74)
A presença dessas formas antes do século XVI (período em que o significado
concessivo começa a ser atribuído para a forma embora) revela que havia no sistema da
língua expressões que já sinalizavam esse significado. O item embora surgiu como mais
uma forma de evidenciar a relação concessiva e passou a competir, em determinados
contextos, com esses itens já existentes. Dessa forma é que o princípio da estratificação
se aplica na formação da concessiva embora, a conjunção, ao adquirir a função
concessiva, passa a fazer parte do mesmo domínio de outros conectores que estavam
disponíveis na língua.
173
Quanto ao princípio da divergência, Hopper o interpreta como um caso de
estratificação ainda que haja diferenças de atuação dos mesmos. Como foi dito, a
estratificação remete a diferentes codificações de uma mesma função dentro do sistema
lingüístico, ao passo que a divergência se refere aos diferentes graus de GR de um
mesmo item. Esse princípio tem como conseqüência a multifuncionalidade.
O item embora, diacronicamente, desenvolveu diversos usos para a forma, o que
implicou na multifuncionalidade na sincronia atual, como pôde ser observado na
investigação sincrônica. Desse modo, o critério da divergência explica a existência da
mesma forma embora para diferentes usos no português atual.
O princípio da especialização diz respeito ao estreitamente de escolhas de formas
que pertencem a um mesmo domínio funcional. Uma das opções ganha mais espaço do
que outras por estar em um grau mais avançado de GR. No caso de embora, a escolha
para o uso de cada um desses types parece depender de três aspectos, a saber, o contexto
lingüístico, as modalidades falada e escrita, e os tipos de textos em que o item é
empregado.
Quanto ao contexto lingüístico, embora com valor adverbial espacial tem seu uso
especializado na presença de verbos de movimentos, assim como o advérbio de avanço
que ganha esse valor devido a ausência de sujeito e a presença do verbo ir. o uso
concessivo é especializado em contextos adversativos e negativos, porém o que garante
o uso conjuncional frente ao preposicional parece ser a relevância da informação
veiculada pelo item. A escolha pelo uso da preposição ocorre, em contextos que
veiculam, por meio de um atributo, a ressalva ou o acréscimo de uma informação no
enunciado como em:
(07) porque eu embora estudante do quarto ano de giNÁsio... não achei um emprego pra
ganhar cem reais... cem cruzeiros né... naquele tempo ia ser em mil reis (ia ser) em
cruzeiro (AC-151-NE)
174
(34) você desce no quintal... e tem um puxadinho com uma:: uma pia com... uma
torneira... o pé de pitanga tá coLA::do ali nessa nesse puxadinho né coberturazinha... o
de caqui tá BEM do lado... o de jabu
50
[ticaba] do lado de cá... entã::o o que eu gosto nesse
quintal é porque ele embora pequeno ele tem muita::... FRUTA e ele vira como se fosse
uma CHÁcara da gente...(AC-117-DE)
O uso conjuncional é usado em contextos em que o falante não traz simplesmente
uma informação por meio de uma ressalva, mas sim uma concessão entre duas orações
envolvidas no enunciado, como em:
(01) Assim, embora essa perspectiva de busca de fatos tenha recuado significativamente
nos últimos anos, persiste ainda uma concepção e tratamento de dados e informações
brutas que seriam processados por outras ciências, como a História e a Pré-história.
(CEL:Arqlt)
Os dados revelaram que a diferença entre o uso da conjunção e do advérbio está
principalmente relacionada ao uso na fala e na escrita. Pelos quadros (05) e (06), é
possível verificar a diferença de uso entre as duas funções. Na fala, o uso adverbial é
mais recorrente, 82% das ocorrências, do que na escrita, 17%. Já a conjunção na escrita
é mais usada, 69%, em contraposição a 14% nos dados de fala. Esses números permitem
afirmar que o uso da conjunção concessiva foi especializado em textos escritos que
apresentam um grau de formalidade maior, ao passo que o uso do advérbio foi
especializado em textos de fala, que, dada a natureza dos inquéritos desse corpus,
apresentam grau menor de formalidade.
Além disso, foi verificado que dentro dessa multifuncionalidade do item, uma
escolha do falante em usar embora em determinados tipos de textos. Mesmo dentro da
modalidade escrita ou falada, a tipologia textual parece ser responsável pelo uso do
advérbio ou da conjunção.
175
No corpus de fala, os cinco tipos de textos influenciaram na freqüência type de
embora, como, por exemplo, em textos narrativos em que, de alguma forma, um
envolvimento por parte do falante acerca do assunto do texto, a presença do advérbio
espacial foi muito mais recorrente. Além do mais, o advérbio de avanço que parece ter
sido originado do sentido espacial, mais especificamente com o verbo ir, tem seu uso
especializado em textos de relato de procedimento, como foi comentado
anteriormente.
Por outro lado, em textos argumentativos como relato de opinião, o uso adverbial
é quase inexistente, visto a predominância de operadores argumentativos, como a
conjunção embora. Dada a natureza argumentativa desse tipo de texto, em que o falante
exprime seu ponto de vista, a freqüência type do uso conjuncional foi muito elevada.
Da mesma forma no corpus escrito, textos técnicos favoreceram o uso da
conjunção, ao passo que o dramático favoreceu o uso adverbial. Os textos teatrais
apresentam traços do oral, que, basicamente, somente a reprodução da fala dos
personagens.
A conjunção foi também encontrada em relatos de descrição, de procedimento e
em narrativas, todavia esse uso foi favorecido pelo perfil social dos informantes,
sobretudo, no que diz respeito à idade e ao nível de escolaridade. Embora essa pesquisa
não tenha objetivos sociolingüísticos, verificou que o uso da conjunção é mais comum
em relatos de informantes acima de 55 anos e com nível de escolaridade superior.
Se o uso da conjunção embora é recorrente em situações mais formais, restaria
saber qual operador com função similar estaria relacionado com situações de
informalidade. Uma investigação mais apurada poderia confirmar a hipótese de que a
conjunção mas e a locução prepositiva apesar de seriam as escolhidas pelos falantes
para cumprir esse papel na modalidade falada da língua.
176
Com essas observações referentes à modalidade falada e escrita e à tipologia
textual é possível afirmar que o uso adverbial foi especializado em situações menos
formais, enquanto que o uso conjuncional foi especializado em contextos mais formais,
quer seja pelo tipo de texto, quer seja pelas características sociais do informante.
Quanto à persistência, esse princípio se refere à manutenção de traços sintáticos e
semânticos da forma mais gramaticalizada e da forma fonte. Como foi visto na
descrição dos usos sincrônicos, sintaticamente, a conjunção ainda conserva traços de
sua forma fonte. A característica sintática persistente na conjunção diz respeito à
posição menos gida que embora apresentou nas ocorrências. O critério persistência
permite afirmar que o grau de GR de embora não se encontra tão elevado como de
outras conjunções, pelo contrário, há uma sobreposição da forma alvo e a forma fonte.
Com relação aos traços semânticos da expressão que deu origem à conjunção,
pode se dizer que embora não preserva nenhuma relação com o significado temporal
que o originou, já que como foi mostrado no quadro (12), na medida em que o item foi
ganhando o valor concessivo, houve a perda de vínculo com o contexto que propiciava a
leitura temporal, a saber, de o falante desejar boa sorte no momento de realização de
determinada ação. Além disso, um falante do português atual não estabelece relação
qualquer entre o funcionamento concessivo e o valor temporal do século XV.
Por fim, a descategorização é o processo em que itens lexicais ou menos
gramaticais perdem algumas propriedades de sua fonte e assumem outras da forma alvo.
No caso de embora, o item deixa de expressar a noção temporal, mas, por outro lado,
passa a estabelecer relações entre porções do enunciado e até mesmo a codificar
elementos da situação extralingüística. Em outras palavras, o item passa a atuar em um
outro nível lingüístico, o discursivo, já que sinaliza o conhecimento entre os
177
interlocutores, as expectativas do ouvinte e as suposições feitas pelo falante sobre as
objeções do ouvinte.
Sintaticamente, embora “ganha” uma posição relativamente fixa dentro da oração,
deixando de estar somente posposto ao verbo. Com relação a esse critério sintático, a
restrição de uso com verbos de estado lugar à possibilidade de uso com verbos de
ação, que apresentam o modo subjuntivo, deixando de estar atrelado somente ao
imperativo, como acontecia com o valor temporal.
É importante observar que essas alterações sintáticas, semânticas e pragmáticas
são características do processo de GR, tais como: a) mudança categorial (advérbio >
conjunção); b) mudança semântica (temporal-menos abstrato > concessão - mais
abstrato); e, c) mudança pragmática (ganho de expressividade).
A aplicação desses critérios possibilitou concluir que o item embora se encontra
em um grau não tão avançado de GR, uma vez que convive com formas gramaticais que
desempenham o mesmo papel concessivo, com restrições de uso que podem estar
relacionadas, entre outros aspectos, com o grau de formalidade. Ademais, o uso
conjuncional ainda coexiste com outras funções como o advérbio e a preposição, que
são especializadas em contextos mais ou menos formais expressos pelo tipo de texto e
pela modalidade falada ou escrita.
O critério persistência também contribuiu para detectar que embora não
apresenta o mesmo grau de gramaticalidade que a conjunção mas, se e porque, por
exemplo, que, sintaticamente, apresentam uma rigidez maior dentro do período
composto. Por fim, a descategorização possibilitou verificar os aspectos que a
conjunção ganhou e que foram perdidos pelo advérbio. A mobilidade sintática,
característica típica de advérbios, não foi totalmente perdida na passagem da conjunção,
o que também sugere seu grau baixo de gramaticalidade.
178
O quadro abaixo permite visualizar a aplicação desses parâmetros:
C
RITÉRIOS DE
H
OPPER
(1991)
GR
INICIAL
GR
AVANÇADA
E
STRATIFICAÇÃO
D
IVERGÊNCIA
E
SPECIALIZAÇÃO
P
ERSISTÊNCIA
D
ESCATEGORIZAÇÃO
Q
UADRO
13:
G
RAU DE GRAMATICALIDADE DE EMBORA
Esses critérios, portanto, permitem confirmar o estágio não tão avançado de GR
em que se encontra o item embora no português atual. A partir dos dados de fala e de
escrita que essa pesquisa ofereceu, é possível prever que a conjunção, pela baixa
freqüência de uso na fala
20
, pelo seu uso em dados de fala de pessoas com idade acima
de 55 anos, e pela concorrência com outras formas mais usadas, possa vir a ter seu
processo de GR suspenso. Porém, por outro lado, pela alta freqüência em textos mais
formais, mesmo que na modalidade falada, e pela freqüência considerável de embora
com comportamento similar a de conjunções mais gramaticalizadas, é possível que seu
processo de GR continue e embora venha a se comportar como forma mais
gramaticalizada, ganhando lugar mais a direita no cline proposto por Neves (2006)
21
.
20
É preciso lembrar que as mudanças começam na fala e somente depois chegam na escrita.
21
Ver página 89.
179
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, pela análise sincrônica e diacrônica, permitiu confirmar que a
formação embora é um caso de GR, já que teve seu significado abstratizado, com ganho
de expressividade e (inter) subjetividade, passando a atuar em um nível mais gramatical
do que sua forma fonte, identificada nos dados do século XV. Ademais, o item passou
por vários mecanismos de GR, como automatização, redução fonética, generalização
de significado por metáfora e pragmatização de significado por metonímia. Os
critérios propostos por Hopper (1991) também favoreceram a confirmação do processo
de GR de embora, e permitiram medir o grau de gramaticalidade do item.
Além disso, as análises sincrônica e diacrônica permitiram abordar algumas
questões.
Pela descrição sincrônica é possível dizer que o uso conjuncional é mais freqüente
na escrita, em textos formais e, quando freqüentes na fala, o grau de escolaridade e a
idade do informante parecem influenciar o uso nessa modalidade. Por outro lado, o uso
do advérbio é mais comum na modalidade falada, especificamente em textos narrativos.
Quando o advérbio é usado na escrita, os textos mais informais como o dramático, por
exemplo, parecem influenciar esse uso.
Esse aspecto do processo de GR de embora nos remete a uma relação entre
gramaticalização, tipologia textual e sociolingüística. Os dados evidenciaram essas
relações pela especialização de uso da forma mais gramaticalizada frente a menos
gramaticalizada. Restaria saber até que ponto os fatores extralingüísticos como idade,
escolaridade, formalidade ou até mesmo sexo podem ajudar na condução do processo de
GR, o que seria motivo para outro trabalho.
180
Para atestar essas relações, seria necessário verificar a trajetória de GR de outros
itens da língua, talvez outros conectores que apresentem a mesma funcionalidade de
embora. Assim seria possível cotejar a especialização desses usos e verificar até que
ponto a GR, os gêneros discursivos, e a sociolingüística se interrelacionam.
Ainda na investigação sincrônica foi possível verificar que devido a alta
freqüência do advérbio embora acompanhado do verbo ir, o item ganhou um
significado mais abstrato do que o espacial, a saber, de avanço/ rapidez, que talvez
tenha se especializado em textos de relato de procedimento.
Sintaticamente, a conjunção compartilha características sintáticas com os
advérbios, a saber, mobilidade posicional dentro da oração concessiva. Por essa razão, o
item não apresenta um grau avançado de GR, como outras conjunções que atuam no
nível da hipotaxe, como o se, por exemplo, e conjunções que atuam no nível da
parataxe, como o mas.
Com foi apontado na introdução deste trabalho, os principais dicionários da língua
portuguesa trazem diferentes usos de embora que são ignorados pela gramática
normativa. Todos esses usos e outros valores semânticos foram descritos pela
investigação sincrônica, o que realmente demostra a insuficiência da tradição gramatical
em tratar um item que apresenta multifuncionalidade na língua, somente no capítulo
referente à subordinação. Dessa forma, foi possível descrever que o valor concessivo do
item não é conferido somente à conjunção, como classifica a gramática, mas também no
advérbio e na preposição.
Quanto à articulação de orações, foi possível observar, pelos dados sincrônicos,
que a conjunção embora relaciona orações que flutuam entre o domínio da parataxe e o
da hipotaxe. Essas orações, portanto, não se assemelham às subordinadas, que
apresentam parcial dependência com a oração matriz.
181
a descrição dos dados diacrônicos de embora permitiram sinalizar a evolução
de seus usos ao longo dos séculos, apurar as freqüências token e type, apontar contextos
que favoreceram as leituras de tempo, concessão e de ambigüidade, o que permitiu
visualizar a trajetória de mudança responável pelo surgimento da concessiva embora e,
sobretudo seu ganho de expressividade.
A partir dessa análise dos dados, é possível afirmar que no século XV, além da
acepção temporal descrita nas gramáticas históricas, embora, com o valor espacial,
também era utilizada nesse período. Esse valor era sustentado pelo presença dos verbos
de movimento ir e vir que favoreceram a leitura espacial em todos os séculos. Outro
critério sintático que favoreceu a leitura temporal diz respeito à ausência de verbos de
movimento e à presença do advérbio muito junto à embora.
Quanto à implicação do novo significado, a investigação histórica permitiu
verificar que, no século XVI, diferentemente do que afirmam as gramáticas históricas,
embora implica concessão, em contextos adversativos e em contextos de negação. O
período de transição, entre o valor temporal e o concessivo, provavelmente, se deu no
século XVII, em que o item começa a ser utilizado em contextos não de adversidade
e negação, mas também de condição, possibilidade e desejo.
No século XIX, o sentido concessivo foi totalmente convencionalizado, não
ocorrendo mais dupla interpretação entre tempo e concessão. Nesse mesmo período da
história de embora, o item apresentou comportamento de conjunção e preposição,
estabelecendo relações entre porções maiores e menores do enunciado, o que garante o
seu caráter mais gramatical do que aquele verificado no século XV. Essa
multifuncionalidade de embora no século XIX, bem como sua alta freqüência token e
type permitem afirmar que houve uma expansão de contextos em que embora foi
utilizado.
182
No que se refere aos processos envolvidos no desenvolvimento da conjunção é
possível afirmar que a redução fonológica de em boa hora para embora deve ter
ocorrido ao longo do século XVI. Os dados do século XIX permitiram verificar a
mudança categorial instaurada e o significado de embora, com relação as ocorrências
do século XV, pragmatizado.
Quanto às hipótese da unidirecionalidade e das fontes para as concessivas, este
trabalho corroborou o princípio da GR acerca da direção da mudanaça, uma vez que o
conjunto de alterações sintáticas, semânticas e pragmáticas ocorridas no processo de
mudança de embora se deram de forma unidirecional. Sobre as fontes, este trabalho
confirmou os postulados de König (1984) e Chen (2000), que reconhecem a fonte de
itens concessivos em itens temporais.
183
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