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UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
MARIA LÚCIA CÂNDIDO DA SILVA
A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
MARÍLIA
2007
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1
MARIA LUCIA CANDIDO DA SILVA
A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito,
sob orientação do Prof. Dr. Oscar Ivan Prux.
MARÍLIA
2007
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2
Autora: MARIA LUCIA CÂNDIDO DA SILVA
Título: A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação do Prof. Dr. Oscar Ivan Prux.
Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______
_________________________________________
Prof. Dr.Oscar Ivan Prux
Orientador
__________________________________________
Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro
__________________________________________
Profa. Dra. Soraya Regina Gasparetto Lunardi
3
Dedico este trabalho
À Deus, pela sua força e fidelidade em todos os
momentos da minha vida.
Ao meu amigo Marcos Campos Dias Payão pela
presença e incentivo nas horas difíceis.
Ao meu filho Marcos Campos Dias Payão
Junior, pelo encanto e pela alegria de viver.
Aos meus pais pela oportunidade e confiança e
amor proporcionados.
4
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, o eminente Professor Doutor Oscar
Ivan Prux, pelo importante apoio oferecido, por quem tenho
um profundo respeito e admiração pela postura ético-
profissional, dedicação e seriedade nos doutos
ensinamentos demonstrados nas orientações, sem as quais
não seria possível a realização desta obra.
A Universidade de Marília UNIMAR por oferecer esta
grande oportunidade de qualificação profissional
acadêmica.
A todos os meus professores, colegas, funcionários da
Universidade e aqueles, que direta ou indiretamente,
contribuíram para a realização deste trabalho.
5
“A sabedoria é demonstrada pelas suas ações”
Mateus, Capítulo 11, versículo 19.
6
A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Resumo:
No presente trabalho, foram abordadas as relações de consumo nos contratos privados de
assistência à saúde, dando enfoque especial para a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor e a proteção jurídica dos usuários de planos de saúde frente às cláusulas
contratuais abusivas inseridas nos contratos. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantindo, também, o exercício à saúde também à iniciativa privada, diante da permissão da
Constituição Federal. Ficou demonstrado que antes da Lei de Planos de Saúde não havia
regulamentação específica para regular os contratos de planos de saúde e mesmo após a
edição da lei, as operadoras de planos de saúde, considerando a mais forte na relação
contratual, vem praticando abusos em face aos usuários. Observou-se, ainda, a caracterização
dos elementos da relação de consumo, ou seja, o usuário como consumidor, as operadoras
como fornecedoras, a prestação de serviço à saúde e a destinação final, como elementos
integrantes desta relação. Demonstrou-se, ainda, que conflito de lei no tempo deve ser
superado pela aplicação do diálogo das fontes e ainda, por ser o Código de Defesa do
Consumidor lei sobre direito e de cunho constitucional, devendo, sempre que houver presente
um conflito de interesses do usuário e operadora de plano de saúde deve incidir as regras do
Código de Defesa do Consumidor. Outrossim, foram analisados os aspectos da segurança
jurídica dos contratos de planos de saúde, bem como os princípios da boa e função social
dos contratos. Observou-se, ainda, que apesar da aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor nos contratos privados de planos de saúde, os tribunais enfrentam diariamente
situações temerárias e abusivas praticadas pelas operadoras de planos de saúde, que buscam
tão somente o lucro e esquecem do objeto da relação contratual que é o direito à saúde e à
vida.
Palavras-chave: Direito. Contrato. Relação de Consumo. Cláusulas.
7
THE CONSUME RELATIONSHIP IN PRIVATE PLANS CONTRACTS
OF HEATH ASSISTANCE
Abstract
In this present work, the consume relationships in private plans contracts of health assistance
were approached specially focusing the application of the “Código de Defesa do Consumidor”
and the juridical protection of the users of health plans from abusive contractual clauses
inserted in contracts. Health is right of all and obligation of the State, also guaranteeing, the
activity of health to private initiative, according to the Federal Constitution. It was
demonstrated that before the law of health plans there was not specific rules to regulate the
health plans contracts and even after the law, the operators of health plans, considering the
strongest part in contractual relationship, have practiced abuses related to the users. It’s still
observed the characterization of the consume relationships elements, it means, the user as a
customer, the operators as suppliers, service giving to health, and the final destination, as
integrant elements of this relationship. It’s still demonstrated that the conflict of law in time
must be overcome by application of the dialogue in sources and still, because the “Código de
Defesa do Consumidor” is over right law and with constitutional purpose. It must, every time
when there’s a conflict of interests between user and heath plan operator, happen the rules of
the “Código de Defesa do Consumidor”. Equally, aspects of juridical security of health plans
contracts were analyzed, as well as the principles of good faith and social function of the
contracts. It was still observed that, despite the applicability of the “Código de Defesa do
Consumidor” in private contracts of health plans, the court faces daily reckless and abusive
situations practiced by health plans operators that only search profit and forget the object of
the contractual relationship which is the right to health and life.
Keywords: right. contract. consume relation. clauses.
8
LISTA DE ABREVIATURAS
AIDS Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida
ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão
CAPUT Capítulo
CDC Código de Defesa do Consumidor
CID Código Internacional de Doenças
CF Constituição Federal
CONSU Conselho de Saúde Suplementar
CTI Centro de Terapia Intensiva
DESAS Departamento de Saúde Suplementar
IDEC Instituto de Defesa do Consumidor
INAMPS Instituto Nacional de Assistênciamédica da Previdência Social
LOS Lei Orgânica da Saúde
LPS Lei dos Planos de Saúde
MP Medidas Provisórias
OMS Organização Mundial da Saúde
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
PPAS Planos Privados de Assistência a Saúde
PROCON Proteção do Consumidor
SAS Secretaria de Assistência à Saúde
STF Supremo Tribunal Federal
SUS Sistema Único de Saúde
SUSEP Superintendência de Seguros Privados
UTI Unidade de Terapia Intensiva
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
l O DIREITO À SAÚDE 14
1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE 14
1.2 CONCEITO DE SAÚDE 19
1.3 SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE PRIVADA 20
2 A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA AOS CONTRATOS DE
PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 23
2.1 SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR 28
2.2 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR 36
2.3 CONCEITO DE CONTRATO DE PLANO PRIVADO DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE 38
2.4 REGIMES OU TIPOS DE CONTRATAÇÃO DE PLANO
PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 40
2.4.1 Plano Individual e Plano Familiar 41
2.4.2 Plano Coletivo por Adesão 41
2.4.3 Plano Coletivo Empresarial 42
2.5 ESPÉCIEIS DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
QUANTO AO TIPO DE COBERTURA ASSISTENCIAL 43
2.5.1 Plano Referência 44
2.5.2 Plano Ambulatorial 46
2.5.3 Plano Hospitalar sem Obstetrícia 48
2.5.4 Plano Hospitalar com Obstetrícia 49
2.5.5 Plano Odontológico 49
2.6 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 49
2.6.1 Características Específicas 49
2.6.2 Onerosidade 51
2.6.3 Sinalágma 51
2.6.4 Forma Especial
53
2.6.5 Longa Duração 54
10
2.6.6 Catividade 54
2.6.7 Prestação Aleatória 56
3 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO E DO DIREITO ADQUIRIDO 57
3.1 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO 57
3.2 DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS USUÁRIOS DE PLANOS DE
SAÚDE 59
4 A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE
PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAUDE 66
4.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO 66
4.2 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO:
FORNECEDOR E CONSUMIDOR 69
4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO 82
4.4 OS PLANOS DE SAÚDE COMO CONTRATOS DE
PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS 84
5 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL DOS PLANOS PRIVADOS
A ASSISTÊNCIA À SAÚDE 86
5.1 A AUTONOMIA DA VONTADE 86
5.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 91
5.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 94
5.3.1 Princípio da Transparência 94
5.3.2 Princípio da Boa Fé 95
5.3.3 Princípio da Confiança 98
5.3.4 Princípio da Equidade 99
5.4 CONTRATO DE ADESÃO 99
5.5 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 102
5.6 CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANOS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 109
5.6.1 Exclusão da Cobertura de Determinadas Enfermidades 109
5.6.2 Exclusão do uso de Medicamentos e Materiais Importados 113
5.6.3 Limitação de Internação Hospitalar
113
5.6.4 Exclusão de Doenças Preexistentes 115
11
5.6.5 Exclusão de Tratamentos e Procedimentos Cirúrgicos de Emagrecimento 118
5.6.6 Exclusão de Fornecimento de Medicamento para Tratamento Domiciliar 119
CONCLUSÃO 120
REFERÊNCIAS 128
12
INTRODUÇÃO
A saúde sempre foi uma preocupação do ser humano, uma vez que várias
civilizações foram dizimadas por epidemias e doenças. Tais fatos fizeram com que a
população, ao longo do tempo, por questão até mesmo de sobrevivência, ressaltasse a sua
importância, pois, caso contrário, a própria vida humana estaria comprometida.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, e que deve ser garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à produção do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. Porém,
nem sempre o Estado é capaz de atender os serviços de saúde a contento da sociedade e neste
contexto, surgem as operadoras de planos privados de assistência à saúde para, nos termos da
lei, atenderem as necessidades de parte da população.
Como se deduz do próprio texto constitucional, já mencionado, “a saúde é um direito
de todos” e, portanto, tal dispositivo criou um ambiente favorável para a ampliação do
mercado aos operadores, dando oportunidade aos cidadãos de livremente aderirem a um plano
privado de assistência à saúde. Porém, esses contratos de massa muitas vezes trazem cláusulas
abusivas que ofendem os direitos dos usuários de planos de saúde.
Desta forma o objetivo deste estudo consiste em verificar se as relações contratuais
existentes entre as fornecedoras e usuários de planos privados de assistência à saúde são
relações de consumo e se há incidência do Código de Defesa do Consumidor, havendo ou não
lei específica que regula planos de saúde.
Para alcançar as respostas a essas indagações, o trabalho terá seu início marcado
pela análise do direito à saúde para formação de sua base, contendo apontamentos ao
desenvolvimento histórico do direito à saúde.
Em seguida, será efetivada análise da regulamentação jurídica aos contratos de
planos privados de assistência à saúde, enfocando a saúde complementar e saúde suplementar,
trazendo, ainda, alguns aspectos da Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia
especial cuja finalidade é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à
saúde, regulamentando as relações jurídicas entre as operadoras de plano de saúde e os
usuários.
13
Augurando uma melhor compreensão e preparo no tratamento do tema, se discorrerá
sobre as especificidades dos contratos de planos privados de assistência à saúde, trazendo o
conceito e as espécies de planos existentes quanto ao regime de contratação e quanto ao tipo
de cobertura.
Considerando, ainda, a infinitas situações contratuais não regulamentadas por lei
específica, será tratado a respeito dos direitos adquiridos dos usuários de planos de saúde,
bem como a análise do conflito de leis no tempo, diante das divergências existentes entre a lei
específica e o Código de Defesa do Consumidor.
Com estas ponderações, ingressar-se-á no estudo da análise da relação de consumo
nos contratos privados de assistência à saúde, com a ressalva de que os pontos a serem
alinhavados em referido capítulo, os serão considerando a delimitação do tema proposto.
Nesse sentido, serão analisados o conceito da relação de consumo e seus elementos
subjetivos, fornecedor e consumidor, bem como seu objeto, ou seja, a prestação de serviço.
Por fim, abrir-se-á o capítulo da proteção contratual dos planos privados de
assistência à saúde, o qual, discorrerá brevemente a respeito dos princípios do Código de
Defesa do Consumidor, do contrato de adesão e das cláusulas abusivas.
Releva notar que neste último capítulo será abordada a aplicação prática do Código
de Defesa do Consumidor em várias situações contratuais entre as operadoras e usuários de
planos de saúde, intitulada como cláusulas abusivas em contratos de planos privados de
assistência à saúde.
Para a consecução dos fins almejados por este trabalho científico, será considerado o
método histórico dedutivo, partindo-se do geral para se chegar ao particular, objetivando-se
contribuir para o debate sobre o tema relação de consumo nos contratos de planos privados de
assistência à saúde.
14
l O DIREITO À SAÚDE
A sociedade brasileira, especialmente, durante a década de 1980, vem adquirindo a
consciência de seu direito à saúde. Ninguém tem dúvida de que o artigo 25 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil,
quando anunciou a saúde como uma das condições necessárias à vida digna, reconheceu o
direito humano fundamental à saúde.
O direito à saúde emerge do constitucionalismo contemporâneo inserido na categoria
dos direitos sociais. A Constituição de 1988 incorpora claramente esse caráter do direito à
saúde ao estabelecer, em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação”.
Assim, o direito à saúde foi previsto como um direito público subjetivo às prestações
estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes Públicos desenvolverem as políticas que
venham a garantir esse direito.
1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE
A busca à saúde sempre esteve presente na história da humanidade, por estar sempre
intimamente ligada a vida humana, mesmo porque, a existência do homem se condiciona a
um bom estado físico e mental. Entretanto, o conceito de saúde sofreu alterações ao longo do
tempo.
No início da civilização humana, saúde era sinônimo de ausência de doença, motivo
pelo qual, durante um longo período de tempo a busca pela saúde se resumia na simples cura
das moléstias e patologias que afligiam as pessoas. Nesse período, o único conhecimento
disponível para combater as doenças era proveniente da magia ou da religião; a cura estava
condicionada à ação das forças divinas, sobrenaturais ou transcendentais. Este pensamento era
15
resultado de uma crença, de que as doenças eram castigos ou punições impostos aos homens
pelas divindades. Somente estas, portanto, poderiam livrá-los desses males.
1
A análise científica do processo de cura, teve início por volta de 4.000 a.C., período
no qual, ocorreu o surgimento de pessoas com a função de curador de doenças, a que hoje
denominamos médicos. É na Grécia que a concepção místico-religiosa foi abandonada.
“Hipócrates foi o grande nome da medicina grega – na medicina que afastava a religião como
doenças.”
2
O processo científico consistia em análises empíricas do problema e com o
desenvolvimento deste estudo, Hipócrates criou um novo conceito de doença. Segundo o
médico grego a doença era um problema natural e palpável estabelecendo que o tipo de vida
tinha uma influência muito grande na saúde das pessoas. A partir daí, a saúde deixou de ser a
ausência de males e passou a compreender uma gama de outros fatores como, por exemplo,
boas condições de vida e infra-estrutura sanitária.
No Império Romano a tradição grega permaneceu. A engenharia sanitária sofreu
grande avanço impulsionado pela demanda das cidades romanas, cuja população crescia
demasiadamente. No entanto, todo esse período científico sofreu grande retrocesso durante a
Idade Média, período em que a concepção mística voltou a prevalecer. Mas, diante da
ineficiência dos meios sobrenaturais de cura, e do caos provocado pela peste bubônica e
outras epidemias que dizimaram a população européia nesse período, aos poucos, a concepção
mística foi novamente abandonada.
Nos séculos XVII e XVIII, a saúde foi novamente analisada sob o pensamento
científico, mas o seu conceito ainda estava intimamente ligado a ausência de doenças. Pode-se
encontrar a origem de tal corrente nos trabalhos do filósofo francês Descartes
3
, que ao
identificar o corpo humano à máquina, acreditou poder descobrir a “causa da conservação da
saúde”, e como se observa, esse pensamento, representou um retrocesso se comparado ao
conceito desenvolvido por Hipócrates.
1
SCWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação de uma Perspectiva Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001. p. 28.
2
Ibidem, p. 29.
3
DESCARTES, René. Discurso sobre o Método. Rio de Janeiro: Simões, 1952. p. 17.
16
Naquela época, com advento da Revolução Industrial, a sociedade européia assistiu
ao surgimento de um movimento social que valorizava a acumulação de capitais. A saúde
passou a ter maior destaque, visto que o trabalhador doente comprometia o crescimento
industrial, já que ele ficava fora da linha de produção.
O crescente processo de industrialização exigia a utilização de um contingente maior
de mão-de-obra, e a doença, sem dúvida, comprometia o processo produtivo. Nesse sentido,
motivado por interesses econômicos, o Estado liberal, no campo da saúde, limitava-se ao
tratamento “curativo”, ou seja, o seu objetivo era unicamente curar os males que impediam o
trabalhador de comparecer ao trabalho. Resumia-se, portanto, unicamente na cura das doenças
que afligiam os trabalhadores, permanecendo o conceito de saúde a ausência de doença até o
século XIX.
O século XX foi marcado por transformações sociais e políticas, resultante de
conflitos internacionais, relativos a duas grandes guerras mundiais. A sociedade que
sobreviveu em 1944 sentiu a necessidade de promover um novo pacto. Tal pacto,
personificado nas ações da Organização das Nações Unidas, fomentou a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, ao mesmo tempo em que, incentivou a criação de órgãos especiais
dedicados a garantia de alguns desses direitos considerados essenciais aos homens. A
concepção do Estado liberal cedeu lugar às idéias sociais. Se, outrora, apenas os trabalhadores
eram privilegiados com o acesso a saúde, nos dias atuais, surgiu a tese da saúde “preventiva”.
Segundo esta concepção, a saúde é um direito dos cidadãos.
Para esta teoria, ao contrário da tese “curativa”, o Estado deve garantir além da cura
da doença, uma infra-estrutura sanitária básica a fim de prevenir a ocorrência das doenças.
Assim, embora em seu bojo as duas teorias apresentam algumas diferenças, forçoso é
reconhecer, que ambas as teses adotam um único conceito de saúde, qual seja: a ausência de
doenças.
Contrariamente às teses citadas, a Organização Mundial de Saúde, no preâmbulo de
sua Constituição (1946), estabelece que: “saúde é o completo bem estar físico, mental e social
e não apenas a ausência de doenças”. Nesse sentido, ao Estado compete não apenas promover
a cura e a prevenção de doenças, mas promover o bem-estar físico, mental e social do
indivíduo, ou seja, além do aspecto curativo” e “preventivo” surge uma nova discussão,
concebida como “promoção da saúde”.
17
Neste ponto, foi retomada a concepção de saúde do grego Hipócrates, pois a
Organização Mundial da Saúde, em sua definição, reconhece que a saúde envolve o equilíbrio
entre o homem e o ambiente.
Apesar dos avanços citados, até meados do século XX, a saúde não era considerada
como um direito individual. O primeiro País a reconhecer esta dimensão foi a Itália, no ano de
1948. Até então, o direito a saúde era prestado pelo Estado visando fatores econômicos e a
recuperação do trabalhador para a linha de produção, não como um direito do cidadão.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de
1948, em seu artigo XI, consagra: “Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada
por medidas sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos
correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e os da coletividade”.
4
O propósito da Declaração, como proclama o seu preâmbulo, é promover o
reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades individuais. Os Estados
Membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil, tem, assim, a obrigação de promover o
respeito e a observância dos direitos assegurados pela Conferência Internacional Americana.
A Declaração de 1948, ainda que não assuma a forma de Tratado Internacional,
apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação
autorizada da expressão “direitos humanos”. Ademais, essa questão é reforçada pelo fato de
que, na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX,
ter se transformado, ao longo das décadas que se seguiram, a sua adoção, em direito
costumeiro internacional. Sobre a matéria, leciona Jorge Miranda:
O que resta saber é se o conteúdo da Declaração não pode ser desprendido
dessa forma e situado noutra perspectiva. Parte da Doutrina contesta tal
possibilidade, por não atribuir às clausulas da Declaração senão valor de
recomendação. Outra, pelo contrário, vê nela um texto interpretativo da
Carta, pelo que participaria de sua natureza e força jurídica. E ainda há
aqueles perscrutam nas proposições da Declaração a tradução de princípios
gerais de Direito.
5
4
AMENDÔLA NETO, Vicente. Hábeas Corpus Tráfico de Entorpecente. Leme: Editora de Direito, 1996. p. 40.
5
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Coimbra, 1991. v. 4. p. 203.
18
Na esteira da Declaração Universal dos Direitos do Homem podem ser citados, como
por exemplo, alguns países signatários da Resolução, que atribuíram a saúde o status de
direito fundamental, e preleciona Germano Shwartz, a Espanhola, artigo 43; a de Portugal,
artigo 64 e a Constituição da Guatemala, artigos 93 a 100. Na contramão da história, a
Constituição Brasileira de 1967 não regulamentou o direito à saúde. A única referência à
saúde neste texto constitucional estava inserido no artigo 8º, inciso XIV, que delegava a
União a competência para estabelecer planos nacionais de educação e saúde, não lhe
atribuindo qualquer prerrogativa de direito fundamental.
6
Mas a omissão constitucional não se deu por inércia dos pensadores da época, uma
vez que muitas vozes chamavam a atenção para a necessidade da positivação da saúde como
um direito fundamental do cidadão. Esse fato ocorreu no final do século XX, por meio da
Constituição Federal de 1988. A esse respeito José Afonso da Silva
7
, escreveu: “é espantoso
como um bem extraordinariamente relevante à vida humana, só agora é elevado à condição de
direito fundamental do homem.”
E o direito à saúde na Constituição Federal Brasileira vigente, possui duas
características básicas: o seu reconhecimento como direito fundamental e a definição dos
princípios que regem a política pública de saúde. A saúde consta como um dos direitos sociais
previstos no artigo 6º, que abre o Capítulo II (Dos Direitos Sociais) do Título II (Dos Direitos
Fundamentais) da Lei Maior de 1988. Além disso, o “caput” do artigo 196 da Constituição
Federal define a saúde como direito de todos e dever do Estado
8
.
Muito embora os direitos fundamentais tenham sido originariamente concebidos
como oponíveis ao Estado, deve-se admitir que eles também incidem nas relações jurídicas
entre particulares. No campo do direito à saúde, esta noção impõe aos poderes públicos, a
obrigação de proteger a saúde no âmbito das relações privadas, devendo o legislador editar
leis adequadas para essa proteção.
6
SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação de uma Perspectiva Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001. p. 46.
7
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 311.
8
Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”.
19
O conceito de saúde no texto constitucional está em harmonia com o atual conceito
de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), visto que, tanto consagra a dimensão
“curativa” e “preventiva”, como a “promoção” ao bem-estar pessoal e social do indivíduo.
Nesse sentido, dispõe o artigo 3º da Lei 8080/90 – Lei Orgânica da Saúde (LOS), que
regulamentou o dispositivo constitucional citado:
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País.
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do
disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade
condições de bem-estar físico, mental e social.
Este é o breve histórico da saúde, desde a antiguidade até os dias atuais, e, pelo que
se conclui, sempre foi um tema muito discutido pela população, em razão de estar
intimamente ligada à própria sobrevivência da espécie humana.
1.2 CONCEITO DE SAÚDE
Na visão contemporânea e sua inter- relação com os planos de saúde o conceito de
saúde é mais do que simplesmente a ausência de doenças, envolvendo bem estar e qualidade
de vida. A definição adotada pela OMS é ocupada pela riquíssima concepção de bem-estar,
que transmite a idéia de pleno conforto e satisfação.
Somente com a reorganização internacional em meados do século XX e com a
criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1946, a saúde foi reconhecida como
um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo,
crença política, condição social ou econômica, e conceituada como completo bem-estar físico,
mental ou outros agravos.
9
9
ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito da Saúde. São Paulo: LTr, 1999. p. 43.
20
Esta concepção é a mais ampla, alcançando, além da integridade corporal e psíquica
da pessoa humana, sob o aspecto individual, também o bem-estar social. Assim, a saúde
pressupõe satisfação no relacionamento interpessoal.
Nessa conformidade, entendemos que a saúde o é somente a ausência de doença
física ou psíquica, mas também as condições de subsistência, moradia, alimentação e
educação, ou seja, de uma vida digna e com qualidade de vida.
Como se observa, é uma situação de difícil ocorrência no estágio atual de evolução
da humanidade, que efetivamente deseja o bem-estar físico, mental e social.
1.3 SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE PRIVADA
No Brasil, durante a maior parte de sua história, a saúde esteve sob a
responsabilidade da própria população. Enquanto colônia de Portugal, a metrópole pouco se
interessou pela assistência à saúde dos residentes na colônia. Nessa época os serviços de
saúde eram prestados por entidades de caridade, leigos e religiosos.
A partir dos anos 20, o processo acelerado de urbanização e industrialização deu
origem a classe de trabalhadores urbanos. Estes, por sua vez, necessitaram de assistência
médica individual, capaz de ajudá-los na solução de sua necessidade de saúde. Diante das
reivindicações da classe trabalhadora, em 1923, o Estado editou a Lei Eloy Chaves, que
determinou a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP) em cada empresa de
estrada de ferro do país. Com os fundos dessa Caixa as empresas prestavam aos seus
empregados assistência médica, tendo surgido, a partir daí, o embrião da assistência privada
no Brasil.
Durante o século XX, a assistência à saúde no País se dividiu em duas fontes: de um
lado o Estado com o sistema sanitarista, responsável pelas atividades preventivas, tais como
campanhas de vacinações e programas de saneamento básico; do outro, a iniciativa privada,
com o sistema médico-assistencialista, que fornecia à classe trabalhadora uma assistência
individual, com atividades curativas, tais como: consultas, exames, hospitalizações e
21
cirurgias. Esses serviços eram prestados tanto por entidades privadas (CPAs) quanto por
órgãos públicos (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INAMPS),
mas apenas os trabalhadores e a população, extremamente carente, tinham acesso a esses
serviços.
A Constituição de 1988 colocou fim a essa dicotomia instituindo o Sistema Único de
Saúde (SUS), por meio do qual toda a população, trabalhadores ou não, tem o direito à
assistência médica pública, integral e gratuita, pois, financiada pelo Estado. No entanto,
apesar de parecer contraditório, a partir da instituição do SUS, é que se aumentou o número
de empresas dedicadas as atividades no setor privado de assistência à saúde. O professor
Antônio Joaquim Fernandes Neto, a respeito do tema escreveu:
As naturais dificuldades para a implementação de um modelo ousado, e
eqüitativo, como é o SUS, criaram um ambiente próprio para o
desenvolvimento da operadora dos planos de saúde. Os trabalhadores, que
tinham prioridade nos serviços, garantida pela simples identificação como
contribuinte da previdência pública, passaram a concorrer com uma grande
massa de pessoas excluídas e, pouco a pouco, foram sendo seduzidas pelas
operadoras de planos de saúde.
10
O aumento dos meros das prestadoras de serviços na seara do plano de saúde
ocorreu em virtude de previsão legal, da própria Constituição de 1988, que disciplinou as duas
formas de assistência à saúde, a pública e a privada, conforme se depreende da análise do seu
art 197, abaixo:
Art 197: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.
Assim, muito embora seja um dever do Estado, a própria Constituição Federal
permite que os serviços de assistência à saúde sejam executados, tanto pelo Estado, quanto
por pessoas de direito privado, razão pela qual, hoje, coexistem no Brasil o serviço público de
assistência à saúde, prestado pelo SUS e a assistência privada, prestada pelas operadoras de
planos de saúde. Nesta última hipótese a saúde é pública, mas no negócio é privado.
10
FERNANDES NETO, Antonio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizone: Del Rey,
2002. p. 41.
22
O artigo 199 da Constituição Federal é ainda mais claro ao determinar que a
assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Desta forma, esses serviços são prestados por
instituições de direito privado; enquanto que, os serviços públicos de saúde, custeados pelo
Estado, são prestados por instituições de direito público ou por instituições de direito privado,
contratados ou conveniados pelo SUS.
A Organização Pan-Americana de Saúde
11
(OPAS), órgão da OMS publicou, no ano
de 1998, um relatório intitulado “A Saúde no Brasil”, no qual descreve:
O sistema de serviços de saúde brasileiro está formado por uma rede
complexa de provedores e financiadores, que abarca os seguimentos público
e privado. O segmento público engloba os provedores públicos de três níveis
de governo, que no nível federal são o Ministério da Saúde (gestor nacional
do SUS), os hospitais universitários do Ministério da Educação e os serviços
das Forças Armadas. Os níveis estadual e municipal compreendem a rede de
estabelecimentos próprios das respectivas instâncias. A cobertura dos
serviços públicos de saúde complementados por serviços prestados pelas
entidades privadas, contratadas pelo SUS, chega a 75% da população. O
segundo exclusivamente privado compreende os serviços lucrativos pagos
diretamente pelas pessoas e as instituições provedoras de planos e seguros
privados.
Denota-se, portanto, que a iniciativa privada presta assistência à saúde de forma
complementar e suplementar. As instituições privadas, que participam do SUS o
denominadas de saúde complementar; enquanto que, a financiada diretamente pelo usuário
caracteriza o setor chamado de Saúde Suplementar.
11
OPAS/OMS - Organização Pan-Americana de Saúde. A Saúde no Brasil, Publicação Científica, n. 569, p. 31,
1998.
23
2 A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA AOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS
DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
A compreensão da legislação e dos aspectos de sua regulação no Brasil não é tarefa
simples. Paralelamente ao Sistema Único de Saúde (SUS) tem-se a iniciativa privada onde
ambas oferecem serviços de assistência à população orientadas por objetivos aparentemente
inconciliáveis: de um lado, a universalidade e a gratuidade e, de outro, a discriminação das
pessoas, de serviços e de doenças, tudo visando o lucro, a vantagem econômica.
A partir da perspectiva indicada neste capítulo, serão analisados alguns aspectos das
normas que tem aplicabilidade aos contratos de plano de saúde. São elas: Constituição
Federal; Lei de Organização da Saúde (Lei 8080/90); Lei dos Planos e Seguro de Saúde (Lei
9656/98); Lei da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS).
A Constituição Federal traça as diretrizes do sistema nacional de assistência à saúde
e o direito à saúde é apontado em vários dispositivos, como por exemplo, nos arts. 6º; 7º,
XXII; 23, I; 24, II; 30, VII; 194; 196; 197; 199; 200, I a VIII; 227, § , I; 212, § 4º. Mas,
destaca-se, no título VIII, da Constituição Federal, “Da Ordem Social”, Capítulo II, Seção II
“Da saúde”, arts. 196 a 199. O artigo 196
12
impõe ao Estado o dever de prestar assistência de
forma ampla, igualitária, universal e a título gratuito.
O artigo 197
13
, por sua vez, classifica as ações e serviços de saúde como de
relevância pública, dispondo sobre a possibilidade de sua execução ser feita diretamente pelo
Poder público ou pela iniciativa privada, sob sua fiscalização e controle.
Analisando de forma mais detalhada o art 197 da Constituição Federal, Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, afirma:
12
Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem á redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
13
Art. 197: “São de relevância controle pública as ações e serviços de saúde cabendo ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
24
Em relação a estes serviços e ações, o texto prevê, por um lado, a edição de
uma legislação que as regulamente, fiscalize e controle. E justifica essa
edição pela acaciana afirmação da relevância púbica. Por outro, admite que
as ações de saúde sejam prestadas por serviço instituído pelo Poder Público
diretamente, ou por este indiretamente por meio de pessoas ou instituições
conveniadas ou contratadas os terceiros mencionados ou por pessoas
físicas, ou por pessoas jurídicas de direito privado. Não compreenderá este
texto quem não tiver presente o fato de que, na Constituinte, uma corrente
radical de esquerda pretendia a estatização integral da medicina... Em
relação a isto é que se acabou de incluir no texto a parte final: a referência a
pessoas físicas e jurídicas de direito privado como prestadores de ações de
saúde não incluídas nos serviços públicos.
14
Consoante dispositivo constitucional acima citado, resta inequívoco que o Estado,
embora tenha determinado que os serviços de saúde são de relevância blica, permitiu que
tais serviços fossem prestados por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Brilhante conclusão aponta Mariângela Sarrubbo
15
:
Sob a ótica constitucional destaca-se, quanto às atividades a que está
obrigado o Estado Brasileiro, o art. 197 da CF. A partir de sua análise pode-
se afirmar que: a) no que compete ao dever de prestação direta de serviços
de saúde, não foi capaz de superar as dificuldades crônicas do setor,
oferecendo à população um serviço de baixa qualidade. Isto significa muito
mais do que tratar pessoas doentes; inclui desde infra-estrutura de
saneamento, habitação, imunizações, qualidade de alimentos e
medicamentos, até lazer; b) em relação à necessidade de editar norma sobre
regulamentação, fiscalização e controle dos serviços de saúde, foram
necessários 10 anos para a edição de tal norma.
16
A livre presença da iniciativa privada no mercado de saúde é amparada pelo art. 199
da Constituição Federal. A esse respeito escreveu Fabiana Ferron
17
:
[...] de acordo com o seu § 1º, a participação deveria ser feita de forma
complementar ao Sistema Único de Saúde SUS, o que não foi capaz de
superar dificuldades crônicas do setor, oferecendo à população um serviço
de baixa qualidade. A iniciativa privada opera no setor justamente porque o
sistema público, decadente e sem recursos, não tem como oferecer o que
dele se espera.
14
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Federal de 1988. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 1999. v. 2. p. 225.
15
In: MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: Seguros e planos de assistência privada à
saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 16.
16
Ibidem. p. 16.
17
FERRON, Fabiana. Planos Privados de Assistência à Saúde: Lei 9.656, de 3 de junho de 1998. São Paulo:
Universitária de Direito, 2001. p. 22.
25
O artigo 199 da Constituição Federal, nessa esteira, consagra:
Art 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ As instituições privadas participar de forma complementar do sistema
de saúde, segundo diretrizes único deste poderão, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as
sem fins lucrativos.
§ É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios e subvenções
às instituições privadas com fins lucrativos.
O professor Luiz Fux, em abalizado estudo sobre o texto constitucional, a respeito do
assunto, destaca:
Sob esse enfoque é forçoso concluir que estatuída a responsabilidade pública
quanto à saúde, a atividade subsidiária particular não é sucedâneo da
ineficácia estatal, não podendo atribuir-se às entidades privadas deveres
além do contrato, sob pena de gerar-se insustentável insegurança pública.
18
A livre presença da iniciativa privada no mercado de saúde, como se vê, é amparada
pela Constituição Federal. Entretanto, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 199, a
participação deveria ser feita de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, o que não
ocorre na prática, visto que o Estado não foi capaz de superar as dificuldades crônicas do
setor, oferecendo a população um serviço de baixa qualidade. A iniciativa privada opera no
setor justamente porque o sistema público, sem recursos financeiros suficientes, não tem
como oferecer serviços de assistência à saúde com qualidade à população.
Há, portanto, no atual cenário brasileiro os serviços públicos de saúde custeados pelo
Estado, prestados por instituições de direito blico ou de direito privado, contratadas ou
conveniadas junto ao Sistema Único de Saúde, bem como os serviços de assistência privada à
saúde, custeados pelos particulares, prestados por instituições de direito privado.
A Lei 8.080/90, não cuida dos planos privados de assistência à saúde, mas a sua
análise neste capítulo é importante, uma vez que, além de representar um marco na construção
do direito à saúde no Brasil, serve como instrumento de interpretação da proliferação do
mercado privado de assistência à saúde, segundo o entendimento de alguns autores. Esse fato
ocorre justamente porque são notórias as deficiências do atendimento pelo SUS Sistema
18
FUX, Luiz. Tutela de Urgência e Plano de Saúde. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2000. p. 61.
26
Único de Saúde, razão pela qual, como se verá adiante, a possibilidade do próprio órgão
público recorrer a iniciativa privada para complementar as necessidades da população, no
tocante ao atendimento à saúde.
Como visto alhures, a saúde é fundamental, porque é condição primeira para a
existência de qualquer outro direito. Daí o fato da Constituição Brasileira estabelecer que
saúde é direito de todos e dever do Estado. Estabelece o art. 2º, da Lei nº 8080/90: “A saúde é
um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis
ao seu pleno exercício.”
A Lei 8.080/90 criou o Sistema Único de Saúde que dispõe sobre condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e outras providências. A edição desta norma é conseqüência de previsão
inserida no art 198 da CF, que prescreve:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistências;
III – participação da comunidade.
§1° O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Assim, o serviço prestado na rede pública deve primar pela universalização no
atendimento, pela integralidade na prestação dos serviços, bem como pela participação
comunitária. Da análise da legislação e em estrita obediência ao comando constitucional,
depreende-se que o acesso aos serviços de saúde passou a ser um direito fundamental do
cidadão, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Para tanto, a Constituição Federal previu um Sistema Público de Atendimento à
Saúde da População, intitulado Sistema Único de Saúde, que é de responsabilidade do Estado,
mas facultando a prestação de serviços de saúde também à iniciativa privada.
27
Os serviços públicos de saúde, como dever do Estado, são ou devem ser garantidos
mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
A constituição do SUS Sistema Único de Saúde é prevista, no artigo da Lei
8080/90: “Art. - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direita e Indireta e
das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.
O Sistema é financiado com recursos públicos União, Estados, Municípios e Distrito
Federal, sendo facultada à iniciativa privada a participação complementar, conforme
determina o § 2° do artigo 198 da Constituição Federal.
Assim, a Constituição Federal, no artigo 159
19
e a Lei nº 8080/90, ao fixar os
parâmetros do Sistema de Saúde Pública, facultou que a assistência à saúde é livre à iniciativa
privada. Ou seja, sem participar do Sistema Único de Saúde, pode a iniciativa privada, mesmo
assim, prestar serviços de assistência à saúde. Entretanto, quando a entidade privada, com ou
sem fins lucrativos, participa do Sistema Único de Saúde, mediante contrato ou convênio, ela
o faz de forma complementar.
A interpretação sistemática da Constituição Federal e da Lei 8080/90 pode nos
levar as seguintes indagações: a) O Estado deve prestar serviços de saúde diretamente?
b) Quando a capacidade instalada nas unidades hospitalares do Estado for insuficiente, tais
serviços podem ser prestados por terceiros, ou seja, pela capacidade instalada de entes
privados, tendo preferência entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos? c) Pode prestar
tais serviços por meio de entidades com fins lucrativos, desde que estas se submetam às regras
do SUS, aqui também de forma complementar e para que o Estado possa, no atendimento da
saúde pública, utilizar-se também da capacidade instaladas destes entes privados?
Daí porque o art. 24 da Lei 8080/90, estabelece que: “quando as suas
disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma
19
Art. 199: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”
28
determinada área, o Sistema Único de Saúde SUS poderá recorrer aos serviços ofertados
pela iniciativa privada”.
Assim, o Sistema previu que estando otimizada e em pleno funcionamento a
capacidade das instalações públicas de prestação de serviços de saúde, mas sendo esta
insuficiente em determinada área, seria chamada para participar, de forma complementar, a
iniciativa privada.
Da análise do artigo 24 da Lei 8080/90 verifica-se que tanto a Constituição, como a
Lei 8080/90, pretenderam que a iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos, ocupasse o
papel de simples coadjuvante do Poder Público. Só, excepcionalmente, quando patenteada a
insuficiência das disponibilidades estatais, é que seriam chamadas as entidades privadas para
a prestação de serviços de saúde no âmbito do SUS. E, mesmo assim, somente como atividade
complementar ao dever estatal, nunca para substituí-lo como vem ocorrendo em termos
práticos por intermédio das operadoras de planos de saúde.
2.1 SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR
Nos termos do art 199, § 1º, da CF, as instituições privadas poderão participar de
forma complementar ao Sistema Único de Saúde. Nesse sentido, as entidades privadas que
celebrarem contratos de direito público ou convênio com o Sistema Único de Saúde passam a
integrar o sistema público de saúde, razão pela qual se submetem aos princípios e diretrizes
que orientam o serviço público.
Assim, citando como exemplo, um hospital particular que celebra um contrato de
prestação de serviços com o SUS deverá prestar assistência, integral e gratuita, sendo
remunerado posteriormente pelo Poder Público. É definido como complementar, porque, a
participação das entidades privadas no SUS acorrerá quando o sistema público não possuir
os meios para fazer frente às necessidades da população e, nestes casos, a participação dos
29
serviços privados seformalizada mediante contrato ou convênio, observadas as normas de
direito público, conforme determina o art.24
20
da Lei 8.080/90.
A Lei 8080/90 no título e capítulo destinado aos serviços privados de assistência à
saúde, estabelece o seguinte:
Art. 20 - Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela
atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente
habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção
e recuperação da saúde.
Art. 21 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22 - Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão
observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção
do Sistema Único de Saúde - SUS quanto às condições para seu
funcionamento.
Art. 23 - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de
capitais estrangeiras na assistência à saúde, salvo através de doações de
organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de
entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos.
§ 1 - Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção
nacional do Sistema Único de Saúde - SUS, submetendo-se a seu controle as
atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados.
§ 2 - Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos,
sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus
empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.
A saúde complementar, pelo que se depreende da análise dos dispositivos citados,
em que pese ser prestada por entidades privadas, o seu funcionamento está atrelado as
diretrizes e princípios do SUS e, portanto, rege-se por normas de direito público.
Por outro lado, a Constituição Federal, ao disciplinar a prestação dos serviços de
saúde garantiu a iniciativa privada a assistência à saúde, inclusive às empresas constituídas
sob finalidade lucrativa. Assim, além dos serviços públicos de saúde, a que todos têm direito
constitucionalmente garantidos de acordo com o art. 196, da Constituição Federal, o cidadão,
se quiser, poderá contratar, sob suas expensas, tratamento diferenciado daqueles colocados à
disposição pelo Estado, exceto para empresas estrangeiras, nos termos do § do art. 198 da
Constituição Federal.
20
Art. 24: “Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde - SUS poderá recorrer aos serviços ofertados
pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou
convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.”
30
Denota-se, pois, que a Constitucional Federal admite que pessoas físicas e jurídicas
de direito privado, tais como: hospitais, clínicas, operadoras de planos de saúde, prestem esses
serviços mediante contraprestação dos beneficiários. A assistência à saúde, não se constitui
monopólio do Estado. Entretanto, por se tratar de um direito fundamental de relevância
pública, quando prestada por entidade privada, estará sempre submetida ao controle do Poder
Público. Essa assistência à saúde exercida por entidades privadas, financiadas pelo
beneficiário, caracteriza o setor chamado de Saúde Suplementar.
Leonardo Vizeu Figueiredo
21
define saúde suplementar como:
[...] o regime participativo do particular nos serviços de saúde,
concomitantemente com os serviços públicos prestados pelo Estado, sob
forma opcional e facultativa ao respectivo beneficiário, com o fim de
ampliar o leque de serviços à disposição do cidadão, seja para servir de
aditamento ou para suprir as deficiências do serviço público.
Desta forma, a saúde suplementar pode ser entendida como o regime participativo do
particular nos serviços de saúde, concomitantemente com os serviços públicos prestados pelo
Estado, sob forma opcional e facultativa ao respectivo beneficiário, com o fim de ampliar o
leque de serviço à disposição do cidadão, seja para servir de aditamento ou para suprir as
deficiências do sistema público.
A participação da iniciativa privada no setor de saúde suplementar é exemplo típico
de atividade econômica, até porque se trata de atividade que não é desenvolvida pelo Estado,
diretamente ou através de concessão ou permissão, não sendo aplicável o disposto no artigo
175
22
da Constituição Federal.
Concluindo, tanto a saúde complementar quanto a suplementar são prestadas por
entidades privadas, a complementar, entretanto, segue as mesmas diretrizes e princípios do
SUS; a suplementar, rege-se por princípios de direito privado.
21
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 120.
22
Art. 175. “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação dos serviços públicos.”
31
Os modelos privados de prestação suplementar de serviços da saúde são bastante
variados, em virtude da evolução econômica e social da sociedade brasileira e se deram por
parte de empresas públicas e privadas, com recursos próprios, trabalhistas e previdenciários.
No setor público, por exemplo, temos a implantação da Caixa de Assistência aos
funcionários do Banco do Brasil, atualmente conhecido pela denominação CASSI e, ainda,
merece destaque a organização de sistemas assistenciais destinados exclusivamente aos
funcionários estaduais desprotegidos pela Previdência Social, a partir de 1950.
No setor privado os sistemas assistenciais à saúde surgiram concomitantemente ao
processo de industrialização, e surgiram as categorias profissionais que se organizavam para
atender os profissionais da categoria.
Assim, o mercado de suplementação privada de saúde configurou inicialmente como
uma forma de prestação de serviços médicos destinados exclusivamente aos empregados e
servidores públicos como regimes próprios de previdência fechada.
Em meado de 1960, a assistência médica brasileira passou por profundas alterações,
começa a aparecer o que se convencionou chamar de Sistema Supletivo de Assistência
Médica integrado pelas Medicinas de Grupo, pelas Cooperativas Médicas, pelas Autogestões
de Assistência Médica em empresas públicas e privadas, pelo seguro-saúde e planos de saúde.
O sistema supletivo derivou de um permissivo da lei que instituiu a Previdência
Social, que possibilitava ao empregador optar por repassar parte do desconto devido à
Previdência para empresas privadas de Assistência Médica.
Medicina de grupo foi constituída sob forma empresarial, objetivando a captação de
lucro. No início, comercializavam somente planos coletivos junto às empresas privadas e
públicas, passando, a partir de 1980, a operar planos individuais e familiares, vendidos
diretamente aos consumidores. Caracterizam pela contratação de serviços médicos por parte
de terceiros, disponibilizam os serviços de saúde mediante credenciamento de médicos, de
hospitais, bem como de serviços auxiliares de diagnósticos e de terapêutica e sob forma de
contratos com os usuários.
32
As cooperativas médicas são regidas e organizadas segundo as leis do
cooperativismo (Lei 5.764/71), os médicos e outros profissionais da área da saúde atuam
como cooperados, sendo, simultaneamente, sócios da cooperativa e prestadores de serviço e
recebem pagamento proporcional ao tipo e ao volume do atendimento, acrescido de um valor
que procede do rateio do lucro final das unidades referentes à base territorial em que atuam.
As cooperativas se perfazem mediante relação jurídica contratual, na qual a vinculação dos
usuários se completa por meio de pré-pagamento a planos individuais, familiares e
empresariais.
A autogestão foi criada como programa de benefício ofertado em razão do vínculo
empregatício, na forma de salário indireto, de caráter assistencialista na área de saúde, restrito
apenas aos funcionários e dependentes dos empregadores, não sendo de livre comércio no
mercado.
Outra modalidade de entidade privada de assistência à saúde é o seguro-saúde que
garante aos segurados o reembolso de despesas dentro de uma tabela, permitindo a livre
escolha de médicos e hospitais. Não existiam profissionais ou estabelecimentos conveniados.
Neste sistema é emitida uma apólice de seguro que dá a cobertura nela especificada. O
seguro-saúde se por meio da intermediação financeira de uma entidade de cunho
securitário, que, embora não preste diretamente, assistência médico-hospitalar, cobre, nos
termos pactuados na apólice, o ônus financeiro pelo custo do atendimento e a normatização do
seguro-saúde, observadas as prescrições do Decreto-lei 73/66.
Com o surgimento e crescimento dos planos e seguros individuais, o cenário de
equilíbrio de mercado foi drasticamente alterado e com o advento da Lei 8.080/90, e com a
implantação do Sistema Único de Saúde em 1980, tanto o setor público quanto o privado
expandiram-se consideravelmente.
Diante da complexidade do mercado, da falta de conhecimento técnico sobre como o
mercado estaria operando com a popularização dos planos de saúde, bem como do aumento
crescente de reclamações dos usuários em face das entidades de assistência privada à saúde,
havia consenso quanto à necessidade de intervenção estatal sobre a atuação das operadoras de
planos de saúde.
33
A Lei 9.656, promulgada em 03.06.1998, alterada em alguns dispositivos pela
Medida Provisória 1.730-7, de 07.12.1998, e sucessivas reedições, sancionadas pelo
Presidente da República, regulamenta todos os planos e seguros de saúde, positiva,
finalmente, normas para o setor privado de planos e seguros saúde.
A atual lei tem amplo campo de incidência, alcançando todos os planos e seguros de
saúde que operavam, bem como os que venham a operar no mercado de suplementação dos
serviços de saúde. Incide sobre os planos próprios de hospitais, autogestões, medicinas de
grupo, cooperativas em geral, administradoras, seguradoras, enfim, todas as entidades que
possuam planos com contraprestação pecuniária, independentemente de sua natureza jurídica
ou forma de comercialização, incluindo aquelas de administração de credenciamento ou de
atuação por custo operacional.
Leonardo Vizeu Figueiredo acentua que:
Todos os contratos de planos de saúde existentes no mercado, anteriores à
Lei de Planos de Saúde, tiveram sua comercialização proibida no mercado,
em que pese terem sua vigência assegurada. Com o marco regulador, os
contratos firmados entre consumidores e operadoras de planos de saúde têm
garantia de assistência a todas as doenças reconhecidas pela Organização
Mundial de Saúde, além de impedimento às restrições de número de
consultas e internações.
23
A Lei 9.656/98 pretende disciplinar o universo das sociedades empresariais que
exploram os serviços de seguros-saúde, planos de saúde e assistência médica. Os objetivos da
legislação dos planos privados de saúde podem ser resumidos em seis pontos relevantes: o
primeiro, assegurar aos consumidores de planos privados de assistência à saúde cobertura
assistencial integral e regular as condições de acesso; o segundo, definir e controlar as
condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que operam no setor; o
terceiro definir e implantar mecanismos de garantias assistências e financeiras que assegurem
a continuidade da prestação de serviços à saúde contratados pelos consumidores; o quarto, dar
transparência e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e ao ressarcimento
dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistência à saúde no sistema público;
o quinto, estabelecer mecanismos da abusividade de preços e o sexto, definir o sistema de
regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar.
23
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 142.
34
Maury Ângelo Botessini e Mauro Machado, analisando o conteúdo da norma em
estudo, ensinam:
A lei avança para restringir e regulamentar relacionamento dos profissionais
de saúde com pessoas jurídicas e entidades de autogestão inicialmente
referidas como destinatárias da lei, quando afirma que a manutenção de
relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com
número ilimitado de operadoras, sendo vedado às operadoras, independentes
de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de
restrição à atividade profissional’ e entrega parte da fiscalização que toca à
ANS a esses profissionais quando afirma que, ‘a partir de 3 de dezembro de
1999, os prestadores de serviço ou profissionais de saúde não poderão
manter contrato, credenciamento ou referenciamento com operadoras que
não tiveram registros para funcionamento e comercialização conforme
previsto nesta Lei, sob pena de responsabilidade por atividade irregular’, a
teor do parágrafo único do art. 18 da Lei 9.656/1.998.
24
Desta forma, a referida lei objetivou coibir abusos e garantir ao beneficiário um
conjunto mínimo de serviços que deve ser posto à sua disposição. Assim, proibiu a operadora
de planos de saúde celebrar contratos de exclusividade e determinou a obrigatoriedade de seu
registro para funcionamento e comercialização, sob pena de responsabilização por atividade
irregular.
Do estudo da lei dos planos de saúde, observa-se que as operadoras que mantêm
sistemas de assistência à saúde devem ofertar plano ou seguro-referência que assegure
atendimento ambulatorial, hospitalar e obstétrico. O objetivo ao criar a obrigatoriedade de
ofertar o plano ou seguro-referência, foi o de impedir que as operadoras atuassem, tão-
somente, em seguimentos lucrativos.
Nesse plano ou seguro-referência, cobertura em relação a todas as doenças
inseridas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados
com a Saúde da OMS, inclusive transtornos psiquiátricos, menos para os procedimentos
relacionados no art. 10
25
da Lei 9656/98.
24
BOTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Leis dos Planos e Seguro de Saúde. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 49.
25
Art. 10: “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-
hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com
padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das
doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a
Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta
Lei, exceto:
I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental;
35
A boa compreensão das causas que levaram o legislador a instituir o plano de
referência, verdadeiro plano básico, leva a conclusão de que existe uma gradação das
necessidades dos usuários dos planos privados de assistência à saúde, cada um deles com um
plano específico, adaptado para permitir acesso às redes que interessam a cada um desses
segmentos.
Assim, a Lei 9656/98, veda a existência de cláusula excludente de cobertura às
doenças constantes da classificação da OMS Organização Mundial da Saúde e põe fim a
inúmeros conflitos decorrentes de cláusulas de exclusão de doenças, como a Aids.
Isso, contudo, não impede a existência de cláusula de exclusão de cobertura às
doenças preexistentes à data da contratação dos planos de saúde. Porém a lei, limitou a
validade temporal dessa cláusula a vinte e quatro meses após a vigência do contrato e
transferiu para a operadora o ônus de provar o conhecimento prévio, pelo beneficiário, da
doença.
A lei estabelece outros direitos aos titulares dos planos e seguros privados de
assistência à saúde, independente da cobertura contratada. A carência, isto é, o prazo mínimo
de tempo e prestações para usufruir dos serviços assegurados, não pode ultrapassar a trezentos
dias para partos e a cento e oitenta dias para os demais casos. Em situações de urgência e
emergência o prazo de carência é reduzido para vinte e quatro horas. É a própria norma que
define os casos de urgência como sendo os que implicarem risco imediato de vida ou de
lesões irreparáveis para o paciente e os casos de urgência como os resultantes de acidentes
pessoais ou de implicações no processo gestacional.
II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;
III - inseminação artificial;
IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;
V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;
VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar;
VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico;
IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas
autoridades competentes;
X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.
§ 1º. As exceções constantes dos incisos I a X serão objeto de regulamentação pelo CONSU.
§ 2º. As operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de
dezembro de 1999, o plano ou seguro referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros
consumidores.
§ . Excluem-se da obrigatoriedade a que se refere o § deste artigo as entidades ou empresas que mantêm
sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão e as empresas que operem exclusivamente
planos odontológicos.
§ 4º. A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, serão
definidos por normas editadas pelo CONSU.”
36
A Lei 9.656/98 trouxe várias conquistas sociais, mas, em que pese adotar a
heterorregulação do Poder Público para o mercado, encontra-se mais voltado para um sistema
econômico-empresarial elitista do que para um modelo que prime pela utilização dos planos
como instrumento garantidor de acesso a saúde, temas que serão apontados no decorrer deste
trabalho.
2.2 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR
A Lei de Planos de Saúde disciplinou uma série de regras, regulando tanto a relação
jurídica de direito privado entre o beneficiário e a operadora de planos de saúde quanto a
relação jurídica de direito público destas com o Estado. Neste contexto foi criada a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000.
A ANS é uma autarquia criada sob regime especial, sendo uma pessoa jurídica de
direito público integrante da Administração Indireta, cuja finalidade é promover a defesa e a
higidez do mercado de saúde suplementar.
Leonardo Vizeu Figueiredo acentua que:
É de ressaltar que, em 2004, em virtude da liminar concedida em sede de
Medida Cautelar nos autos da ADIn 1.931-8/DF, diversos agentes do
mercado aplicaram reajuste, nos contratos celebrados anteriormente à Lei de
Planos de Saúde, na ordem de 80%. Diante de tal fato, a ANS em
litisconsórcio ativo com a União e o Ministério Público Federal ajuizou
Medida Cautelar preparatória de Ação Civil Pública, obtendo provimento
liminar no sentido de limitar o reajuste ao percentual autorizado pelo ente
regulador. Todavia, em 2005, a ANS celebrou termos de compromisso e de
ajustamento de conduta com as referidas empresas, autorizando aumento
percentual residual nos planos celebrados anteriormente à lei.
26
A respeito da edição da lei, que criou a ANS, Leonardo Vizeu Figueiredo, esclarece:
[...] diante da alta complexidade da matéria, de necessidade de
especialização da atividade reguladora, de se aliar a regulação econômica à
social, bem como do expressivo aumento do número de consumidores de
26
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 148.
37
seguros e planos privados de assistência à saúde, foi necessário a criação de
um ente próprio, voltado unicamente para este mercado de relevante
interesse coletivo para a sociedade brasileira.
27
Nessa linha de pensamento o autor conclui: “Destarte, foi concebida a Agência
Nacional de Saúde Suplementar, via Medida Provisória, reeditada pelas Medidas Provisórias
nºs 2.003-1 e 2.012, todas de 1.999, posteriormente convertida em lei nº 9.961/00”.
28
As prioridades da ANS foram definidas a partir de um foco: a defesa dos interesses
dos idosos de planos de saúde oferecidos pelas empresas do setor, segundo as próprias
palavras do Diretor Presidente da ANS, Januário Montone, citado por Fabiana Ferron:
O usuário do sistema de saúde é o segmento mais vulnerável nesta relação
tem pouco controle sobre as variáveis chaves do seu relacionamento com as
empresas do setor: não tem instrumentos de coibir os abusos que contra ele
são cometidos, tem baixa capacidade de negociação por não estar
institucionalmente articulado e pouco pode influir nas questões referentes à
melhoria de qualidade do atendimento de saúde.
29
A ANS encontra-se estruturada para executar as missões institucionais e suas
atribuições legais, devidamente elencadas nos artigos 1º a 4º da Lei 9.961/00
30
, bem como nos
termos de seu Regulamento Interno, Resolução Normativa 81/04, nos seguintes órgãos de
especialização, que são os seguintes: a) diretoria colegiada que é o órgão superior deliberativo
e decisório da ANS, tendo como principal atribuição, entre outras, atuar como última
instância recursal administrativa, desenvolver o planejamento estratégico da ANS para o
mercado, editando, inclusive, normatização específica para tanto; b) diretoria de
desenvolvimento setorial que é o órgão de direção da ANS encarregado de representar
interesses do Estado no processo de regulação. Compete, entre outras atribuições, coordenar
as atividades de integração de informações e ressarcimento ao SUS, adotar medidas
necessárias a estimular a competição no setor de planos privados de assistência à saúde,
27
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 148.
28
Ibidem, p. 148.
29
FERRON, Fabiana. Planos Privados de Assistência à Saúde: Lei 9.656, de 3 de Junho de 1998. São Paulo:
Universitária de Direito, 2001. p. 26.
30
Art 1º: “É criada a Agência Nacional de Saúde Complementar – ANS, autarquia sob regime especial,
vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro RJ, prazo de duração
indeterminado e atuação e, todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e
fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.
Parágrafo Único. A natureza de autarquia especial conferida à ANS é caracterizada por autonomia
administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas
e mandato fixo de seus dirigentes.”
38
incentivar a melhoria da qualidade de serviços de assistência à saúde complementar, pesquisar
e estudar formas de estímulos à competição no setor de planos privados de assistência à
saúde; c) diretoria de normas e habilitação das operadoras que é o órgão de direção ao qual
incumbe representar os interesses das entidades que operam no mercado de suplementação
privada dos serviços de saúde; d) diretoria de normas e habilitação de produtos que é o órgão
de direção encarregado de representar a segmentação dos operadores dos prestadores de
serviços médicos; e) diretoria de fiscalização que é o órgão de direção encarregado de
representar os interesses dos beneficiários dos planos privados de assistência à saúde, ou seja,
dos consumidores; competindo-lhe, entre outras atribuições, planejar, coordenar e controlar as
atividades de fiscalização do mercado de saúde suplementar; aplicar as penalidades pelo não
cumprimento da lei 9.656 e de sua regulamentação, no que concerne aos aspectos econômico-
financeiros das operadoras e aos aspectos assistências e preços do produto; por fim a diretoria
de gestão que é o órgão de direção responsável diretamente pela logística e infra-estrutura da
ANS, tendo como principal missão garantir a autonomia financeira do órgão.
2.3 CONCEITO DE CONTRATO DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE
O legislador preocupado em regulamentar todas as atividades de financiamento
privado da saúde apresentou a seguinte definição do contrato de plano privado de assistência à
saúde, no Inciso I do art. 1º da LPS:
Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou
cobertura de custos assistenciais a preço pou pós-estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro,
assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais
ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede
credenciada, contratada ou referenciada, a ser paga integral ou parcialmente
às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento
direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.
O presente trabalho tratará tão somente do contrato de plano de assistência à saúde,
apesar da Lei 9.656/98 cuidar também dos seguros de saúde.
Com o advento da Lei n° 10.185/01, as seguradoras de saúde passaram ao campo de
incidência da Lei de Planos de Saúde e, consequentemente, ao controle de ANS.
39
O contrato de plano privado de assistência à saúde pode ser conceituado como um
pacto celebrado entre a entidade e o usuário, no qual este se obriga ao pagamento de
contraprestação pecuniária e periódica, ao passo que aquele se obriga a disponibilizar o
atendimento em rede médica especializada, bem como arcar com o ônus financeiro, tão-
somente, nas hipóteses em que ocorram eventuais enfermidades contratualmente cobertas.
As administradoras de planos de saúde funcionam como intermediárias e gestoras.
Possuem função distributiva, alocando a cada usuário parte suficiente da receita capaz de
cobrir os riscos contratados. Possuem o caráter de mutualidade, no sentido de solidariedade,
dependendo da coletividade na constituição de um fundo, sem o qual não assumiriam os
riscos, que permite, simultaneamente, individualizar as relações com os usuários de planos
privados de assistência à saúde.
Os planos de saúde limitam o usuário do plano de saúde à utilização dos
profissionais e estabelecimentos credenciados pela operadora, envolvendo os contratos de pré-
pagamento e normatizado CONSU Conselho de Saúde Suplementar, órgão colegiado do
Ministério da Saúde, com o auxílio da ANS com funções definidas na Lei 9656/98.
A grande relevância, blica e social, dos planos privados de assistência à saúde
motivou a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar e, como estudado, com a
finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,
regulando as atividades das operadoras setoriais.
A Lei 9656/98 transformou todas as empresas em operadoras de serviços de
assistência à saúde. Assim, dependendo do modo de organização das pessoas jurídicas
privadas, prestadoras de serviços de saúde, temos três tipos de fornecimento dos serviços de
saúde: planos privados fechados de assistência à saúde, planos abertos de assistência à saúde e
seguros privados de assistência à saúde.
Os planos fechados de assistência à saúde são autogeridos por empresa, grupo de
empresas, associações, sindicatos e entidades de classes profissionais, e destinam-se
exclusivamente a empregados ativos, aposentados, pensionistas e ex-empregados,
participantes de associações, sindicatos ou entidades de classes profissionais, bem como seus
respectivos parentes, consangüíneos e afins até o terceiro grau.
40
Os planos privados abertos de assistência à saúde podem ser ofertados por pessoas
jurídicas, que podem adotar qualquer forma jurídica de constituição.
Assim, o legislador houve por bem disciplinar os planos privados de assistência à
saúde, nos termos da Lei 9.656/98, cujo objetivo é coibir os abusos e garantir aos usuários um
conjunto mínimo de serviços que deve ser posto à sua disposição, obrigando, desta forma, as
operadoras de planos a ofertar e prestar um mínimo de serviços.
Tem-se que partir da premissa de que a saúde é uma questão social, não pode ser
tratada como um bem diferenciado porque estamos falando do direito à vida, direito e garantia
fundamental consagrado no artigo da Constituição Federal
31
e o exercício do comércio
nesta área deve estar atento a essas diferenças.
2.4 REGIMES OU TIPOS DE CONTRATAÇÃO DE PLANO PRIVADO DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE
O artigo 16, inciso VII, da Lei 9.656/98 estabelece que os contratos, regulamentos ou
condições gerais dos produtos oferecidos pelas operadoras de planos de saúde devem indicar
com clareza o regime ou tipo de contratação.
A Resolução Consu 14, de 04.11.1998, dispõe sobre a definição das modalidades de
planos ou seguros sob o regime de contratação individual ou coletiva, e regulamenta a
pertinência das coberturas às doenças e lesões preexistentes e a exigibilidade dos prazos de
carência nessas modalidades e assim discorre no artigo 1°:
Art. Classifica para fins de contratação dos planos ou seguros de
assistência à saúde a serem comercializados pelas operadoras, visando a
aplicação das disposições contidas nos dispostos no art. 11, art. 12, inciso V,
art. 13, art. 16 e art. 35-H da Lei 9.656/98, segmentando-os em:
a) contratação individual ou familiar;
b) contratação coletiva empresarial; e
c) contratação coletiva por adesão.
31
Constituição Federal, artigo “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...].
41
2.4.1 Plano Individual e Plano Familiar
Plano individual é o contrato celebrado entre um indivíduo e uma operadora de
planos de saúde para prestação de serviços médicos ao titular do plano.
O artigo da Consu 14, de 04.11.1998 conceitua: “Entende-se como planos ou
seguros de assistência à saúde de contratação individual, aqueles oferecidos no mercado para
a livre adesão de consumidores, pessoas físicas, com ou sem seu grupo familiar”.
Plano familiar é o contrato celebrado entre o titular e a operadora de planos de saúde
para prestação de serviços médicos ao titular e aos seus dependentes, para assistência e de
seus dependentes.
O parágrafo único do artigo da resolução Consu 14 assim conceitua: “Parágrafo
único. Caracteriza-se o plano como familiar quando facultada ao contratante, pessoa física, a
inclusão de seus dependentes ou grupo familiar”.
Tanto o plano individual quanto o familiar é oferecido no mercado para a livre
adesão dos usuários.
2.4.2 Plano Coletivo por Adesão
Trata-se de plano opcional oferecido por uma pessoa jurídica, a qual congrega uma
determinada categoria, unida por vínculo empregatício, associativo ou sindical com o
contratante, aos seus respectivos membros. Neste caso, cada indivíduo tem o direito de livre
escolha para aderir ou não ao plano de assistência à saúde oferecido pela operadora. Pode ser:
a) com instância decisória: contrato coletivo em que o grupo de beneficiários nomeia uma ou
mais pessoas, diretoria, para representá-lo nas decisões a serem tomadas perante a operadora e
o plano; b) sem instância decisória: contrato coletivo em que as decisões a serem tomadas são
votadas por cada membro do grupo de beneficiários. Todo componente de grupo que compõe
um plano coletivo sem instância decisória tem direito a participar das deliberações a serem
tomadas, mediante sufrágio universal.
42
A resolução Consu 14, no artigo 4° assim determina:
Art. Entende-se como plano ou seguro de assistência à saúde, de
contratação coletiva, por adesão, aquele que embora oferecido por pessoa
jurídica para massa delimitada de beneficiários, tem adesão apenas
espontânea e opcional de funcionários, associados ou sindicalizados, com ou
sem a opção de inclusão do grupo familiar ou dependente, conforme
caracterizado no parágrafo único do art. 2°.
2.4.3 Plano Coletivo Empresarial
Contrato coletivo é o celebrado por determinada categoria profissional, em relações
derivadas do trabalho. Na área da saúde são considerados planos ou seguro de assistência à
saúde, de contratação coletiva empresarial, aqueles que oferecem cobertura à população
delimitada, e seus dependentes legais, vinculadas à pessoa jurídica mediante relação de
trabalho, associativa ou sindical. Sua adesão é automática, verificando-se a partir da data de
admissão no emprego ou filiação na entidade.
É o que estabelece o artigo 3º da Resolução Consu 14, de 04.11.1998:
Art. Entende-se como planos ou seguros de assistência à saúde de
contratação coletiva empresarial, aqueles que oferecem cobertura da atenção
prestada à população delimitada e vinculada a pessoa jurídica.
§ O vínculo referido poderá ser de caráter empregatício, associativo ou
sindical.
§ O contrato poderá prever a inclusão dos dependentes legais da massa
populacional vinculada de que trata o parágrafo anterior.
§ A adesão deverá ser automática na data da contratação do plano ou no
ato da vinculação do consumidor à pessoa jurídica de que trata o caput, de
modo a abranger a totalidade ou a maioria absoluta da massa populacional
vinculada de que trata o § 1º deste artigo.
Nessa modalidade não há liberdade de adesão, sendo a entrada no plano de forma
compulsória a todos os membros da coletividade congregada pelo contratante.
Leonardo Vizeu Figueiredo observa que: “Os planos coletivos foram percussores e
inauguraram o setor de suplementação privada de serviços de saúde, sendo responsáveis,
ainda, por grande parte do atendimento da demanda do mercado”.
32
32
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 187.
43
Esse plano de contratação coletiva, embora oferecido por pessoa jurídica para massa
delimitada de beneficiários, tem adesão apenas espontânea e opcional de inclusão do grupo
familiar ou dependentes.
33
Subdividem-se em:
a) plano coletivo empresarial sem patrocinador: é aquele contratado por pessoa jurídica, em
que a contraprestação pecuniária seja integralmente paga pelo beneficiário diretamente à
operadora.
b) plano coletivo empresarial com patrocinador: é aquele em que a parcela da
contraprestação é suportada por uma entidade, que pode ser, por exemplo, o empregador.
2.5 ESPÉCIEIS DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE QUANTO AO TIPO
DE COBERTURA ASSISTENCIAL
A cobertura assistencial é a denominação dada ao conjunto de direitos (tratamentos,
serviços, procedimentos médicos, hospitalares) a que o usuário faz jus pela contratação,
33
“Há que se pontuar algumas considerações a respeito do plano individual, familiar, coletivo por adesão e
coletivo empresarial ventilada no artigo 5° da Cons 14, de 04.11.1998: “Art. A contratação de plano ou
seguro de assistência à saúde nas segmentações definidas em conformidade com esta Resolução, no que se
refere às coberturas de doenças preexistentes e aos períodos de carência, deverá observar as seguintes
condições:
I- N plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação individual ou familiar, poderá haver
cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, em caso de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de
Resolução específica, além de ser facultada a exigência de cumprimento de prazos de carência nos termos da
Lei 9.656/98.
II- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva empresarial, com mero
de participantes maior ou igual que 50 (cinqüenta), não podehaver cláusula de agravo ou cobertura parcial
temporária, nos casos de doenças ou lesões preexistentes, nem será permitida a exigência de cumprimento de
prazos de carência.
III- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva empresarial, com número
de participantes menor que 50 (cinqüenta), poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária,
em casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica, porém não será permitida a
exigência de cumprimento de prazos de carência.
IV- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva por adesão, com número
de participantes maior ou igual que 50 (cinqüenta), não podehaver cláusula de agravo ou cobertura parcial
temporária, nos casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica e poderá ser
considerada a exigência de cumprimento de prazos de carência.
V- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva por adesão, com número
de participantes menor que 50 (cinqüenta), poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária
em casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica, e a exigência de
cumprimento de prazos de carência”.
44
individual ou coletivo, sendo obrigatório constar de forma clara no contrato a cobertura
assistencial que está sendo oferecida.
A lei não proíbe, contudo, a comercialização de planos com cobertura e
características superiores às do plano-referência, com aqueles com diferentes acomodações ou
com cobertura para procedimentos não-obrigatórios, como, por exemplo, as cirurgias
estéticas.
Existem dois tipos de cobertura:
a) integral do plano-referência;
b) integral por segmento (ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia ou
odontológico).
No exercício de suas atribuições, o CONSU regulamentou o artigo 12 da Lei
9.656/98 e para efeitos da resolução entende-se como segmentação cada um dos tipos de que
trata o artigo 12 da Lei 9.656/98 (artigo 2° da resolução).
2.5.1 Plano Referência
Instituído no artigo 10 da Lei 9.656/98, que a operadora de plano de saúde deve
oferecer, obrigatoriamente, aos consumidores um plano-referência, um padrão de assistência
médico-hospitalar que garante assistência nos segmentos ambulatorial, hospitalar e hospitalar
com obstetrícia em todo o território brasileiro, com padrão de acomodação em enfermaria.
Afirma Luiz Antonio Rizzatto Nunes:
Andou bem o legislador neste ponto. De fato, criando-se um modelo-padrão,
é possível aos consumidores fazer opção mais consciente dentre as ofertas
existentes, como da mesma forma poderão as entidades de defesa do
consumidor e as autoridades públicas avaliar preços fixados, custos alegados
e a qualidade dos serviços prestados, o que, evidentemente, também facilita
a escolha do consumidor.
34
34
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à Lei Privada de Assistência à Saúde. São Paulo: Saraiva,
2000. p. 26.
45
Maury Angelo e Mauro Conti propõem a leitura do artigo 10 da Lei de Plano de
Saúde da seguinte forma:
É instituído o plano-referência de assistência à saúde – para tratamento – das
doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde,
respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art.12 desta Lei. O
plano-referência deve ser oferecido com cobertura assistencial médico-
ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos com padrão
de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a
internação hospitalar – segundo as normas e padrões de tais serviços –
realizados exclusivamente no Brasil.
35
São excluídos do plano tratamento clínico ou cirúrgico experimental; procedimentos
clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;
inseminação artificial; tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade
estética; fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; fornecimento de próteses,
órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico.
O plano-referência é o produto que todas as operadores devem ofertar aos usuários
sob pena de não obterem registro para funcionamento, conforme relata § do artigo 10 da
Lei 9.656/98.
A expressão “atuais” inserida no § do artigo 10 da Lei 9.656/98 foi suspensa por
força da liminar deferida pelo Ministro Nelson Jobim em Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1931/98, proposta pela Confederação Nacional da Saúde. Diante da
suspensão da vigência da expressão, as operadoras ficaram dispensadas da obrigatória oferta
do plano-referência.
O plano-referência não faz qualquer limitação para os atendimentos de urgência e
emergência, após 24 horas da contratação, mesmo que o usuário esteja cumprindo prazo de
carência, salvo nos casos de lesões ou doenças preexistentes, entendendo estas como
moléstias e enfermidades que o consumidor tenha ciência de ser portador no momento da
contratação.
35
BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 76.
46
As operadoras poderão oferecer combinações diferentes, como: plano com cobertura
ambulatorial mais cobertura hospitalar com obstetrícia ou o plano com cobertura hospitalar
mais cobertura odontológica. Cabe ao consumidor escolher produto que oferecer mais
vantagens.
Nessa modalidade são proporcionadas as coberturas relacionadas para o plano com
cobertura ambulatorial somadas às previstas para o plano com cobertura hospitalar com
obstetrícia, constantes da legislação e do rol de procedimentos médicos.
É unânime o entendimento dos doutrinadores no sentido de que a intenção do
legislador, ao criar o plano-referência, foi a de oferecer uma modalidade básica que permitisse
clara visualização do preço e da quantidade de serviços, assegurando ao consumidor a
possibilidade de comparação e análise dos produtos oferecidos pelas operadoras dos planos de
saúde.
A formulação da política de saúde, a cargo do CONSU e da ANS, resultou a extensa
Resolução Consu 10, de 04.11.1998, que se reporta ao contido nos arts. 10 e 12 da Lei
9.656/98. Assim aduz o artigo desta resolução: “Art. O Rol de Procedimentos Médicos,
anexo a esta Resolução, deverá ser utilizado como referência de cobertura pelas operadoras de
planos e seguros privados de assistência à saúde de que trata os arts. 10 e 12 da Lei 9.656/98.
O artigo desta resolução determina: “As operadoras de planos e seguros privados
de assistência à saúde poderão, além do plano-referência, oferecer alternativamente os planos
ou seguro Ambulatorial, Hospitalar com Obstetrícia, Hospitalar sem Obstetrícia, Plano
Odontológico e suas combinações”.
2.5.2 Plano Ambulatorial
O artigo 4° da Resolução Consu 10, de 04.11.1998 determina:
Art. O Plano Ambulatorial compreende os atendimentos realizados em
consultórios ou ambulatório, definidos e listados no Rol de Procedimentos,
não incluindo internação hospitalar ou procedimentos para fins de
diagnóstico ou terapia que, embora prescindam de internação, demandem o
47
apoio de estrutura hospitalar por período superior a 12 (doze) horas, ou
serviços como de recuperação pós-anestésica, UTI, CETIN e similares,
observadas as seguintes exigências:
I- cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas
e especializadas, inclusive obstétricas para pré-natal, reconhecidas pelo
Conselho Federal de Medicina;
II- Cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais
procedimentos ambulatoriais, incluindo procedimentos cirúrgicos
ambulatoriais, solicitando pelo médico assistente, mesmo quando realizados
em ambiente hospitalar, desde que não caracteriza como internação
conforme preceitua o caput deste artigo;
III- cobertura de atendimentos caracterizados como de urgência e
emergência que demandem atenção continuada, pelo período de até 12(doze)
horas, conforme Resolução específica do Consu sobre os casos de urgência e
emergência;
IV- cobertura de remoção, após realizados os atendimentos classificados
como urgência ou emergência, quando caracterizada pelo médico assistente
a falta de recursos oferecidos pela unidade para a continuidade de atenção ao
paciente ou pela necessidade de internação;
V- cobertura para os seguintes procedimentos considerados especiais:
a) hemodiálise e diálise peritonial – CAPD;
b) quimioterapia ambulaorial;
c) radioterapia (megavoltagem, cobaltoteapia, cesioterapia, eletronterapia
etc.);
d) hemoterapia ambulatorial;
e) cirurgias oftalmologias ambulatoriais.
Parágrafo único. Para fins de aplicação do art. 10 da Lei 9.656/98,
consideram excluídos:
a) procedimentos diagnósticos e terapêutica em hemodinâmica;
b) procedimentos que exijam forma de anestesia diversa da anestesia local,
sedação ou bloqueio;
c) quimioterapia intra-tecal ou as que demandem internação;
d) radiomoldagens, radioimplantes e braquiterapia;
e) nutrição enteral ou parenteral;
f) embolizações e radiologia intervencionista.
Estão contidos nesta categoria de atendimento aqueles realizados em consultório
(consultas) ou ambulatório (procedimentos ambulatoriais), definidos e alistados no rol dos
procedimentos médicos, inclusive exames. Por ambulatorial entende-se o atendimento
(curativos, primeiros socorros, pequenas cirurgias, exames, etc.), a enfermos que podem se
locomover por meios próprios, sem a intervenção de terceiros. Este tipo de plano não cobre
internação hospitalar.
Por tantas exclusões é um plano mais barato, por isto esta forma de segmentação não
inclui internação e muitas vezes o paciente é transferido para rede pública.
48
2.5.3 Plano Hospitalar sem Obstetrícia
Outra opção de plano segmentado, que assegura ao usuário os atendimentos
realizados sob regime de internação hospitalar, isto é, atendimentos nos quais os enfermos
necessitam ser acomodados no nosocômio para tratamento efetivo ou apenas em observação.
E, por conseqüência, este plano não inclui cobertura ambulatorial, conforme regulamenta o
inciso II do artigo 12 da Lei 9.656/98.
O artigo 5° da Resolução Consu 10, de 04.11.1998, aduz:
Art. O Plano Hospitalar compreende os atendimentos em unidade hospitalar
definidos na Lei 9.656/98, não incluindo atendimentos ambulatoriais para
fins de diagnóstico, terapia ou recuperação, ressalvado o disposto no inciso
II deste artigo e os atendimentos caracterizados como de urgência e
emergência, conforme Resolução específica do Consu sobre urgência e
emergência, observadas as seguintes exigências:
I- cobertura de cirurgias odontológicas buco-maxilo-facial que necessitem
de ambiente hospitalar;
II- cobertura para os seguintes procedimentos considerados especiais cuja
necessidade esteja relacionada a continuidade da assistência prestada a nível
de internação hospitalar:
a) hemodiálise e diálise peritonial – CAPD;
b) quimioterapia;
c) radioterapia incluindo radiomoldagem, radioimplante e braquiterapia;
d) hemoterapia;
e) nutrição parenteral ou enteral;
f) procedimentos diagnósticos e terapêuticos em hemodinâmica;
g) embolizações e radiologia intervencionista;
h) exames pré-anestésicos ou pré-cirúrgicos;
i) fisioterapia;
j) acompanhamento clínico no pós-operatório imediato e tardio dos
pacientes submetidos a transplante de rim e córnea, exceto medicação de
manutenção.
Parágrafo único. Para fins de aplicação do art. 10 da Lei 9.656/98,
consideram excluídos:
a) tratamentos em clínicas de emagrecimento (exceto para tratamentos da
obesidade mórbida), clínicas de repousa, estâncias hidrominerais, clínicas
para acolhimento de idosos e internações eu não necessitem de cuidados
médicos em ambiente hospitalar;
b) transplantes à exceção de córnea e rim;
c) consultas ambulatoriais e domiciliares;
d) atendimento pré-natal quando não incluir a cobertura obstétrica”.
49
2.5.4 Plano Hospitalar com Obstetrícia
Compreende os atendimentos realizados durante internação hospitalar e os
procedimentos relativos ao pré-natal e à assistência ao parto. Regulamentado no inciso III do
artigo 12 da Lei 9.656/98, bem como no artigo da Resolução Consu 10, de 04.11.1998, que
assim determina:
Art. Plano Hospitalar incluindo atendimento obstétrico compreende toda
a cobertura definida no art. 5° desta Resolução, acrescida dos procedimentos
relativos ao pré-natal, da assistência ao parto, observadas as seguintes
exigências:
I- cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do
consumidor ou de seu dependente, durante os primeiros 30 (trinta dias) após
o parto;
II- opção de inscrição assegurada ao recém-nascido, filho natural ou adotivo
do consumidor, no plano ou seguro como dependente, isento de
cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no
prazo máximo de 30 (trinta dias) do nascimento.
2.5.5 Plano Odontológico
Regulamentado no inciso IV do artigo 12 bem como no artigo 7° da Resolução
Consu 10, de 04.11.1998 ao determinar:
Art. O Plano Odontológico, compreende todos os procedimentos
realizados em consultório, incluindo Exame Clínico, Radiologia, Prevenção,
Dentística, Endodontia, Periodontia e Cirurgia.
Parágrafo único. Os procedimentos buco-maxilares e aqueles passíveis de
realização em consultório, mas que, por imperativo clínico necessitem de
internação hospitalar, estão cobertos, somente nos planos hospitalar e
referência.
2.6 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE
2.6.1 Características Específicas
O estudo dos planos de saúde revela que os serviços têm sido oferecidos sob diversas
formas. Não é tão simples definir um único tipo de contrato como sendo o principal.
50
Nos vários serviços que oferecem garantia de cobertura financeira de riscos de
assistência à saúde, Antônio Joaquim Fernandes Neto, fundamentado na norma, destaca as
seguintes características
36
:
a) Prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais
Estão sob a força da LPS tanto as empresas que prestam diretamente, de
forma continuada, os serviços de assistência à saúde quanto as que se
limitam a cobrir custos assistenciais.
b) Preço pré ou pós-estabelecido É indiferente que os preços dos serviços
de assistência a saúde seja estabelecidos previamente ou durante o curso do
contrato ou mesmo após a execução dos mesmos.
c) Prazo indeterminado As administradoras de planos privados de
assistência à saúde estão obrigadas a firmar contratos por tempo
indeterminado. É o que se extrai da interpretação dos arts. 1º, inc. I, 13, inc.
I. O primeiro fala expressamente em “prazo indeterminado”. o art. 13 e
seu inc. I estabelecem que os contratos têm “renovação automática a partir
do vencimento do prazo inicial de vigência”, o qual será de um ano no
mínimo.
d) Garantia de Assistência à saúde A finalidade dos contratos é sempre a
cobertura de riscos de assistência à saúde. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde, o conceito de saúde vai além da simples ausência de
doenças e de outros agravos. Saúde é completo bem-estar , físico, mental e
social. A referência à assistência médica, hospitalar e odontológica não
reduz o objeto dos planos de assistência à saúde.
e) Limite financeiro Nos planos de saúde, a cobertura financeira de riscos
de assistência à saúde não pode ser limitada, Submetem-se, porém, à lei
alguns produtos que se diferenciam da atividade exclusivamente financeira
por força do inc. I, que trata dos produtos equiparados a planos de
assistência à saúde. Um bom exemplo são os produtos que oferecem apenas
descontos nos preços dos serviços oferecidos pela rede credenciada ou
referenciada.
f) Acesso a profissionais e serviços A assistência à saúde inclui tanto o
acesso a profissionais liberais quanto aos diversos serviços de assistência
médica, hospitalar e odontológica, entre outros.
g) Liberdade de escolha Reivindicada pelos consumidores e por
profissionais liberais da área de saúde, a liberdade de escolha dos serviços
encontra limitações na maioria dos contratos em face do oferecimento de
rede credenciada, contratada ou referenciada.
h) Pagamento O pagamento pode ser feito integral ou particularmente pela
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao
prestador.
36
FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey,
2002. p. 130-131.
51
2.6.2 Onerosidade
Outra característica identificada pela doutrina nos contratos de planos de saúde é a
sua onerosidade. Concorrendo com o Sistema Único de Saúde, que deve prover gratuitamente
os serviços de assistência à saúde, as operadoras de planos de saúde são instituições de direito
privado e utilizam, para alcançar os seus objetivos, contratos onerosos nos quais o usuário, ou
alguém por ele, paga pelos serviços.
Onerosidade é o contrato que, necessariamente, envolve pagamento pecuniário,
sucessivo e mensal, de uma parte contratante à outra. O inadimplemento não autoriza a
suspensão ou a interrupção do atendimento, tampouco a rescisão unilateral, dos planos de
assistência à saúde, que somente poderá ocorrer mediante autorização expressa da ANS,
precedida do devido processo administrativo.
Mesmo nos casos em que o plano é empresarial, custeado totalmente pela empresa, o
contrato é oneroso. Nesses casos, não sacrifício patrimonial do usuário, mas a empresa
patrocinadora paga à operadora de planos de saúde e, conforme a lição de Orlando Gomes
37
:
“que a vantagem seja do contraente ou de terceiro é irrevelante”. Acresce lembrar que o plano
de saúde, nesses casos, corresponde a um salário indireto, pois decorre do vínculo trabalhista.
A onerosidade tem reflexos na interpretação do contrato. Nos contratos gratuitos, os
benefícios sujeitam-se à interpretação estrita, não comportando que se extraía do texto mais
do que o sentido literal das palavras.
2.6.3 Sinalágma
Outro aspecto importante no estudo do negócio jurídico que vincula o usuário de
plano de saúde à operadora de plano de saúde é a correlação existente entre obrigações
assumidas por cada uma das partes, responsável pelo caráter sinalagmático do contrato.
37
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 73.
52
Contratos sinalagmáticos, também chamados bilaterais ou de prestações correlatas,
são segundo Orlando Gomes
38
: “uma obrigação é a causa, a razão de ser, o pressuposto da
outra, verificando-se interdependência essencial entre as prestações”.
A obrigação do titular, que deve pagar mensalmente as prestações pecuniárias à
operadora de plano de saúde, corresponde à obrigação desta, de prover assistência à saúde nos
termos previstos no contrato.
Também deve haver correspondência entre o valor pago pelo titular e o serviços
oferecidos no plano de saúde. A lei determina que toda operadora ofereça o plano-referência,
mas permite que sejam vendidos os planos restritos nas modalidades ambulatorial, hospitalar
sem obstetrícia, hospitalar com obstetrícia e odontológico.
O valor da prestação individual fixada para cada beneficiário deve ser suficiente para
cobrir os riscos incluídos no contrato. Caso a prestação mensal do consumidor seja
insuficiente, os custos da operadora serão superiores à sua receita, levando-a à insolvência.
Em face da natureza dos bens protegidos pelo contrato de assistência à saúde (vida,
integridade corporal, psíquica), a jurisprudência apontou a ocorrência de abuso em algumas
cláusulas de suspensão de cobertura nos casos de inadimplemento, e as regras de julgamento
adotadas foram positivadas na regulamentação dos planos de saúde.
A proibição da recontagem de carências, pela LPS, art 13, parágrafo único, I, tem
origem a decisões judiciais que consideravam abusivas as cláusulas que estabeleciam a
reabertura de carências nos casos de inadimplemento por parte do contratante. Assim, por
exemplo, se o usuário de plano de saúde efetuasse com atraso o pagamento da prestação
devida à operadora do plano de saúde, seus direitos e benefícios ficariam suspensos por
período igual ao do atraso.
38
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 71.
53
2.6.4 Forma Especial
No direito privado, a liberdade das formas é a regra. Basta o consentimento das
partes para que ocorra a formação do vínculo contratual. Excepcionalmente, nos casos
expressos em lei, a validade dos negócios jurídicos depende de forma especial. A forma
especial visa a ampliar a segurança das partes e, quando exigida, constitui requisito de
validade do contrato
39
.
No caso dos planos de saúde, o legislador optou pela forma especial fixando,
inclusive, algumas cláusulas e condições que obrigatoriamente devem ser inseridas nos
respectivos instrumentos. A leitura do texto da lei dos planos de saúde, no artigo 16, mostra
que se trata de contrato solene, concluído por escrito. Assim dispõe a Lei:
Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos e
seguros tratados nesta Lei devem constar dispositivos que indiquem com
clareza:
I - as condições de admissão;
II - o início da vigência;
III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e
exames;
IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;
V - as condições de perda da qualidade de beneficiário ou segurado;
VI - os eventos cobertos e excluídos;
VII - as modalidades do plano ou seguro:
a) individual;
b) familiar; ou
c) coletivo;
VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação
do consumidor, contratualmente previstos nas despesas com assistência
médica, hospitalar e odontológica;
IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação
pecuniária;
X - a área geográfica de abrangência do plano ou seguro;
XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.
XII - número do certificado de registro da operadora, emitido pela SUSEP.
§ 1º. A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será
obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do
regulamento ou das condições gerais do plano ou seguro privado de
assistência à saúde, além de material explicativo que descreva, em
linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e
obrigações.
39
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 77.
54
2.6.5 Longa Duração
O vínculo jurídico que se estabelece entre a operadora de plano de saúde e o usuário
é classificado como contrato de execução continuada, o qual se opõe ao contrato instantâneo,
cuja prestação pode ser realizada em um só instante.
Aquele que contrata um plano de saúde não o faz porque eventualmente está doente.
A maioria dos usuários goza de boa saúde no momento da celebração do contrato e sua
vontade é assim permanecer. O objetivo do contrato é a cobertura de riscos futuros com
assistência à saúde. Do interesse em que a relação contratual perdure por longos anos e, se
possível, toda a vida.
As administradoras de planos de assistência à saúde estão obrigadas a firmar
contratos por tempo indeterminado. A lei garante ao contratante o direito à renovação
automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, o qual será de um ano, no
mínimo (LPS, art. 13
40
), razão pela qual são contratos cativos de longa duração.
2.6.6 Catividade
Entre as características dos contratos de planos de saúde inclui-se a catividade,
categoria identificada pela professora Cláudia Lima Marques
41
entre os contratos de longa
duração. uma relação de dependência dos usuários em face da operadora de planos de
saúde.
Os serviços de assistência à saúde são cada vez mais caros e complexos, inacessíveis
à renda da maior parte dos indivíduos e famílias, que é obrigada a confiar nas promessas de
segurança contra riscos que a levou a contratar um plano de saúde.
40
Art. 13: “Os contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde m renovação automática a partir
do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato
da renovação.”
41
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 79.
55
Estes contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio reiterado, na manutenção
do potencial econômico e da qualidade dos serviços, pois trazem implícita a expectativa de
mudanças das condições sociais, econômicas e legais na sociedade nestes vários anos de
relação contratual. A satisfação da finalidade perseguida pelo titular e dependente, por
exemplo, (futura assistência médica para si e sua família) depende da continuação da relação
jurídica entre contratantes, de continuação da relação jurídica fonte das obrigações. A
capacidade de adaptação, de cooperação entre contratantes, de comunicação da relação
contratual é aqui essencial, básica
42
.
Eis que, o rápido desenvolvimento das chamadas “ciências da vida” tem provocado
grandes mudanças nos serviços de assistência à saúde, com impacto sobre os seus custos e
sobre as condições de vida. O desenvolvimento de novas práticas médicas, medicamentos e
sistemas de diagnóstico interferem na execução dos contratos de plano de saúde, exigindo
ajustes permanentes. Os custos podem cair, com a erradicação de algumas doenças, ou elevar-
se, com a necessidade de novos medicamentos.
Modifica-se igualmente o perfil dos grupos cobertos. O controle da natalidade e a
ampliação de vida provocam o crescimento da quantidade de idosos e a alteração na
proporção entre as diversas faixas etárias da coletividade coberta.
Não é simples para o usuário trocar de plano de saúde sem sofrer prejuízos
decorrentes da necessidade de cumprimento de novas carências. Os valores pagos não são
devolvidos nem podem ser levados para outro plano de saúde, mesmo que a utilização dos
serviços de saúde tenha sido mínima ou nem tenha chegado a ocorrer efetivamente.
Essa dependência do usuário em relação à operadora de plano de saúde é mais um
motivo a justificar a intervenção do Estado no financiamento privado da saúde. Os grandes
fundos, formados com a poupança de milhares de cidadãos, têm poder para impor sua vontade
àqueles que aderem a seus planos de saúde e responsabilidade social de prover a cobertura de
riscos aos mais caros bens da personalidade.
42
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 79.
56
2.6.7 Prestação Aleatória
As prestações onerosas são aleatórias ou comutativas. Contratos aleatórios são
aqueles “em que a extensão das prestações de uma ou de ambas as partes não é certa, porque
depende de acontecimentos delas ignorados
43
”. Na dogmática dos planos de saúde, um dos
aspectos mais enfatizados é o caráter aleatório do contrato, restrito à necessidade da prestação
ao usuário. Não incerteza quanto à natureza e à qualidade da prestação, mas tão somente
quanto à sua necessidade.
Trata-se de obrigação de risco para a empresa, isto é, de probabilidade de perda
concomitante à probabilidade de lucro. Nos períodos em que o beneficiário não se valer dos
serviços à sua disposição, a margem de lucro será alta. Todavia, nos períodos de
sinistralidade, esta poderá ser reduzida, chegando até mesmo ao ponto da empresa registrar
prejuízo.
A preocupação com esse ponto decorre da crença generalizada de que os contratos de
planos de saúde são aleatórios, capaz de induzir em erro o intérprete da lei. Nesse sentido, a
afirmação taxativa de Arnaldo Rizzardo, que classifica os contratos de assistência à saúde
como essencialmente aleatórios porque “o ganho ou perda dos contratantes dependerá de
circunstâncias futuras e incertas
44
Não se pode dizer que o usuário do plano de saúde obtém “vantagem” quando fica
doente e utiliza os serviços de assistência à saúde. Tampouco efetivo prejuízo para a
operadora de plano de saúde, que está obrigada a calcular corretamente o custo dos riscos
cobertos.
43
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1934. v. 4. p. 293.
44
RIZZARDO, Arnaldo. Planos de assistência e seguros de saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
p. 19.
57
3 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO E DO DIREITO ADQUIRIDO
3.1 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO
Os planos de saúde por muitos anos permaneceram ausentes de regulamentação
especifica e os usuários viram-se durante este tempo beneficiados pelo Código de Defesa do
Consumidor. Com isso indagamos por qual lei o contrato de plano de saúde deve ser regulado,
pela lei específica, a Lei 9.658/98 ou pelas regras do Código de Defesa do Consumidor? Com
a entrada em vigor da lei de planos de saúde, que trata especificamente da matéria, como
ficam os contratos avençados antes e após à vigência da lei 9.656/98? Aplicando o Código de
Defesa do Consumidor, qual o fundamento utilizado pelo intérprete?
Tem-se que partir da premissa de que a saúde é uma questão social, não pode ser
tratada como um bem diferenciado porque estamos falando do direito à vida, direito e garantia
fundamental consagrado no artigo da Constituição Federal
45
e o exercício do comércio
nesta área deve estar atento a essas diferenças.
Os tribunais têm partido da premissa de que saúde é um bem cuja defesa não se
confunde com a defesa da propriedade e aplicam as regras da teoria contratual do Código de
Defesa do Consumidor que permitem a revisão das cláusulas contratuais.
46
A Lei 9.656/98
dispõe em seu artigo que a regulamentação dos planos privados de assistência à saúde não
exclui, no que couber, a regulamentação das Leis 8.078/90 e a 8.080/90. Depreende-se, pois,
que o adquirente de um plano de saúde é tido como consumidor possibilitando a aplicação dos
princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor como princípios gerais.
45
Art. : “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”.
46
Decisão do STJ pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Resp. 267530/SP de 14.12.2000, Min.
Ruy “Plano de saúde – Centro Trasmontano – Internação Hospital não conveniado. O reembolso das
despesas efetuadas pela internação em hospital não conveniado, pelo valor equivalente ao que seria cobrado
por outro da rede, pode ser admitido em casos especiais (inexistência de estabelecimento credenciado no
local, recusa do hospital conveniado de receber o paciente, urgência da internação etc.), os quais não foram
reconhecidos nas instâncias ordinárias. A operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços
remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando
o nome ou a natureza jurídica que adota. Recurso não conhecido”.
58
A regulamentação dos contratos de planos de saúde, Lei 9.656/98, não evita o
surgimento de certas práticas abusivas, conferindo ao consumidor a garantia conferida pela
aplicação dos princípios do Código de Defesa do Consumidor.
Os contratos de plano de saúde são contratos de longa duração por envolver por
longo período um fornecedor e um consumidor e isso faz com que sejam editadas várias leis
que possam regular o contrato.
Sérgio Cavalieri Filho
47
entende que o Código de Defesa do Consumidor é lei de
sobredireito e aplica-se em todos os ramos do direito desde que exista a relação de consumo.
Entende, pois, que os contratos continuam regulamentados pelas normas e princípios que lhe
são próprios mas subordinados ao Código de Defesa do Consumidor se presente a relação de
consumo.
Assim, considerando que o Código de Defesa do Consumidor surgiu para gerir as
relações de consumo e ainda pelo fato de ter origem constitucional (art. 5º, inciso XXXII e
art.170, inciso V) tem-se que sua aplicabilidade é inquestionável desde que presente a relação
de consumo, mesmo que exista lei específica tratando da matéria.
Deve ficar consignado a vedação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor
quando envolvam interesses exclusivos de fornecedores e outros agentes de mercado, que não
esteja englobado interesse do consumidor. Porém, nem sempre deve esperar a figura do
destinatário final para visualizar a presença do consumidor. Assim, não se pode restringir a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor apenas nas relações de consumo strictu sensu
porque existem determinadas práticas de mercado que fazem parte de uma relação de
consumo lato sensu. Sob este enfoque denota-se que o Código de Defesa do Consumidor, no
artigo 17
48
, protege as vítimas dos acidentes de consumo e no artigo 29
49
as pessoas expostas
às práticas comerciais, equiparando-as na condição de consumidores. Este assunto é tratado
com mais detalhes no próximo capítulo.
47
CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade do incorporador/construtor no código do consumidor.
Ajuris – Revista da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 2, p. 431, 1998.
48
Art. 17: “Para os efeitos desta Secção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
49
Art. 29: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”
59
Neste sentido sustenta Oscar Ivan Prux
50
:
Dessa forma, concluímos, ser inquestionável que o CDC é aplicável à todos
os casos em que haja relação de consumo stricto sensu e, de lege ferenda,
que, inclusive contando com o auxílio das demais normas que, direta ou
indiretamente, protegem o consumidor, deve ser aplicado também aos casos
envolvendo relação de consumo lato sensu, quando estiver em jogo e
busque-se proteger interesse do consumidor.
Nelson Nery
51
defende:
O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica
[...] Todas as demais leis que se destinarem, de forma específica, a regular
determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se aos
preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do
Consumidor.
Isso significa que a regra de que a lei especial derroga a geral não prevalece tendo
em vista que o Código de Defesa do Consumidor é não é apenas lei geral das relações de
consumo mas, também, lei principiológica, subordinando todas leis que regulem algum setor
da relação de consumo, presentes ou futuras, ao Código de Defesa do Consumidor.
3.2 DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS USUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE
Com a entrada em vigor da Lei 9656, em 04 de janeiro de 1999, o mercado brasileiro
começou a viver momentos de incertezas e iniciou pelas operadoras de planos de saúde uma
forte pressão aos consumidores de planos individuais e em grupo a aderir ao novo sistema.
A questão que surge é a respeito dos contratos de planos de saúde avençados anterior
e posterior a entrada em vigor da Lei 9656/98.
50
PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universitária
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 116.
51
NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2004. p. 498.
60
Cláudia Lima Marques discorre que:
Face a reiterada jurisprudência brasileira, indiscutível, pois, hoje que aos
contratos de seguro e planos de saúde assinados antes da entrada em vigor da
nova lei (e suas modificações) aplica-se somente o Código de Defesa do
Consumidor e a legislação anterior especial aos seguros. A aplicação
retroativa a estes contratos da nova Lei 9.656/98 somente poderá se dar por
força do próprio Código de Defesa do Consumidor, em um verdadeiro
diálogo de fontes, como especificou Erik Jayme.
52
Diálogo das fontes significa a aplicação simultânea das normas em conflito, sob a luz
das normas constitucionais e dos direitos humanos. Todas as leis participam do contexto.
A pluralidade de leis nos traz a idéia de conflito de leis no tempo e a necessidade de
buscar a solução deste “conflito” com a prevalência de uma lei sobre a outra e a conseqüente
exclusão da outra do sistema (abrogação, derrogação, revogação).
Em primeira análise os critérios para resolver os conflitos de leis no tempo seriam a
anterioriedade, especialidade e hierarquia. Ocorre que a doutrina atual busca mais harmonizar
as normas do que a exclusão.
O artigo
53
do Código de Defesa do Consumidor incorpora a possibilidade de
assegurar os direitos tutelados em leis especiais. Cuida-se, na verdade, de um microssistema
jurídico, tendo em vista que convive com outras leis especiais já preexistentes e às posteriores
à lei.
Ademais, caso a lei de planos de saúde pretendesse revogar algum direito do
consumidor teria que fazê-lo expressamente, o que inocorre. Assim, para os contratos
anteriores vige o Código de Defesa do Consumidor e os contratos formados na vigência na lei
dos planos de saúde devem ser interpretados à luz da defesa do consumidor, ou seja, a favor
do consumidor (artigo 47 CDC). É o denominado diálogo das fontes citado por Erik Jayme,
52
MARQUES, Cláudia Lima. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 118.
53
Art. 7º: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competente, bem como dos que derive dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade.
Parágrafo único. Tendo mais de uma autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos
danos previstos nas normas de consumo”.
61
evitando o conflito entre leis, sempre lembrando que o Código de Defesa do Consumidor tem
origem constitucional (artigos 5°, inciso XXXII e 170, inciso V, da CF), sendo, pois, direito
fundamental e na hipótese de conflito este deve prevalecer.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos anteriores recebe
agora uma nova luz com a definição de abuso e cláusulas abusivas trazidas pela nova lei e esta
é utilizada indiretamente para facilitar a aplicação das normas existentes do Código de
Defesa do Consumidor.
Surge a questão de que os contratos anteriores à lei de planos de saúde possuem a
garantia constitucional do ato jurídico perfeito e direito adquirido.
Segundo o art. 6°,§ 2°, da Lei de Introdução ao Código Civil, conceitua-se
“ato jurídico perfeito o consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. A
dúvida consiste em saber quando o ato está consumado. Consuma-se com seus efeitos, ter se
exaurido ou com seu nascimento? Assim, os efeitos praticados regem-se sob a ótica da lei
antiga e os a serem produzidos sob a regência da lei nova? No segundo aspecto, ou seja, do
nascimento do contrato, tanto a sua formação quanto os efeitos consumados ou futuros serão
regulamentados pela lei antiga?
Os contratos de planos de saúde são contratos de trato sucessivo, mas também
consensual e é no momento em que se constitui que as partes manifestam o acordo de
vontades. Assim, os efeitos dos contratos devem ser regulados pela lei da época que foi
celebrado, mesmo que seus efeitos são manifestados na vigência de lei nova, até porque
desequilibraria a relação contratual, afrontando os direitos dos consumidores.
Importante esclarecer que a lei 9.656/98 é objeto a ação direta de
inconstitucionalidade n. 1.931-8/DF, com pedido cautelar, perante o Supremo Tribunal
Federal, ajuizada pela Confederação Nacional da Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e
Serviços CNS, requerendo a inconstitucionalidade dos dispositivos do art. 35, E e art. 10,
§ da lei 9.656/98 e de alguns outros, sustentando a ofensa ao princípio do devido processo
legal e aos arts. 196 e 199 da Constituição Federal.
62
Em liminar, o Ministro Nelson Jobin, suspendeu a vigência do art. 35-E, I a IV, § 1°,
I a V, e § 2°, bem como a expressão “atuais e”, do § do art.10 da Lei 9.656/98, sob
fundamento de que estes dispositivos, que tratam das regras de adaptação dos contratos
firmados antes da vigência de qualquer uma das disposições da Lei 9.656/98, violam os
princípios do direito adquirido e ato jurídico perfeito.
Neste contexto, os contratos assinados antes da nova lei não podem ser modificados
pelas regras ora impostas, sob pena de violação aos princípios do direito adquirido e ao ato
jurídico perfeito. Assim, a imposição no § do art. 10 da Lei 9.656/98, obrigando à
operadoras de planos privados de assistência à saúde, a partir de 3 de dezembro de 1999, a
submeter os atuais usuários, subscritores de contratos anteriores, ao plano-referência, bem
como novas regras impostas no art. 35 da Lei 9.656/98, violam o mandamento constitucional
impostos no art. 5°, inciso XXXVI da CF. A retroatividade determinada por esses artigos faz
incidir regras na nova lei sobre cláusulas contratuais preexistentes firmadas sobre o regime
legal anterior, onde afronta o direito adquirido das partes contratante, mesmo nos contratos de
trato sucessivo.
A matéria é muito controvertida, Leonardo Vizeu Figueiredo tem se posicionado de
forma diferente ao esclarecer:
[...] o contrato de plano privado de assistência à saúde é uma obrigação de
prazo indeterminado e um trato sucessivo cujos efeitos jurídicos não se
esgotam, avançando no tempo, estes devem adequar-se às atualizações
legislativas, respeitando-se, tão-somente, os efeitos produzidos sob a
vigência das normas anteriores.
54
A batalha a respeito do tema é árdua, foi editada a Lei 10.850, em 25.03.2004,
atribuindo competências à Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS e fixando as
diretrizes a serem observadas na definição de normas e programas especiais de incentivo às
adaptação de contratos anteriores à Lei 9.656/98, visando dar enquadramento legal para a
adaptação aos contratos celebrados antes da lei de planos de saúde com base nas novas regras.
54
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 173.
63
Esta confusão tem travado uma grande batalha judicial. As operadoras esperam a
inércia dos usuários e esperam a resposta do Poder Judiciário, que muitas vezes leva anos para
proferir uma solução e com isto as operadoras se beneficiam.
Maury Angelo Bottesini e Mauro Conti Machado preceituam:
O que é possível concluir, por ora, é que as regras de adaptação de contratos,
vindas com o artigo 35-E não têm vigência, que as normas da Lei 10.850, de
25.03.2004 não resolveram o problema da adaptação daqueles firmados
antes da vigência da Lei 9.656/1998 e mesmo daqueles firmados durante a
vigência de formatações provisórias dessa lei, a definitiva dada pela M.
Provisória 2.177/44 de 24.08.2001, e que as normas do Código de Defesa do
Consumidor são extremamente desfavoráveis para as empresas de planos e
seguros privados de assistência à saúde
55
.
A realidade traz muitas injustiças e ilegalidades tendo vários contratos, pactuados
antes da Lei 9.656/98, foram adaptados às novas regras. De qualquer sorte, o Poder Judiciário,
enquanto discute a legalidade da cláusula contratual, tem que ter em vista é de que está
tutelando a vida do usuários.
Nesse sentido, nulas são as cláusulas contratuais que excluem essas doenças,
podendo eximir-se apenas nas doenças relacionadas no mesmo artigo, nos incisos I a X.
Assim, no que tange aos contratos de plano de saúde, celebrados anteriormente à Lei 9.656/98
permanecem, como citado, na égide da Constituição Federal e do Código de Defesa do
Consumidor e as cláusulas abusivas também são nulas.
Nesse sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal, ao tratar do AgIn 465.276-
4, julgado em 19.08.2003. A sentença que foi confirmada pelo aresto impugnado aplicou o
Código de Defesa do Consumidor a contrato firmado em 03.03.1997, anterior à Lei 9.656/98,
com base na interpretação de cláusulas contratuais. A controvérsia encontra óbice na Súmula
STF 454, também não margem ao cabimento do extraordinário por ser indireta a alegação
de ofensa ao art. 5°, inciso XXXVI, sob o argumento de violação ao ato jurídico perfeito.
55
BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 325.
64
Neste sentido transcreve parte do acórdão:
[...] Se pela nova lei as restrições, fora daquelas mencionadas, são abusivas,
que se aplicar nos contratos anteriores a ela os arts. 51, caput, e § 1°, II,
do CDC e acolher o pleito do autor para condenar a a suportar o ônus do
procedimento indicado por seu médico. Ressalte-se, por fim, que, se a
cláusula é abusiva frente ao CDC, prejudicado fica o exame da tese
levantada pela ré, de ausência de urgência no procedimento solicitado.
E os contratos anteriores à vigência do Código de Defesa do Consumidor? Diante da
conclusão acima o ato jurídico perfeito dá-se com a formação do contrato. Este entendimento
é absoluto? Como ficaria o direito adquirido?
Cláudia Lima Marques et al. muito bem ponderam a respeito:
Ao garantir aos consumidores a sua defesa pelo Estado criou na Constituição
uma antinomia necessária em relação a muitas de suas próprias normas,
flexibilizando-as, impondo em última análise uma interpretação relativa dos
princípios em conflito, que não mais podem ser interpretados de forma
absoluta ou estaríamos ignorando o texto constitucional. Em matéria de
conflitos de leis no tempo, todos os casos merecem uma ponderação tópica e
cautelosa, ainda mais se envolvem direitos dos mais fracos.
56
Assim, deve haver um meio termo e havendo incompatibilidade entre os princípios
do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, ou seja, defesa do consumidor, livre
iniciativa e autonomia da vontade, deve-se fazer uma conciliação entre eles a fim de buscar a
proteção do mais fraco na relação contratual.
Partindo da premissa de que a lei especial nova não revoga tacitamente a lei geral
anterior, tem-se que a lei especial nova regula a relação de consumo especial no que dispõe e
o Código de Defesa do Consumidor continua a regulá-la de forma genérica e nos pontos
omissos. O art. da LICC aduz que lei especial nova traz normas mais específicas das
anteriores, mas compatíveis com as já existentes.
A problemática maior existe se houver incompatibilidade entre as normas do Código
de Defesa do Consumidor (geral) com a lei especial (Lei dos planos de saúde). Esta lei traz o
espírito de compatibilizar suas normas com as do Código de Defesa do Consumidor de forma
56
MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 140.
65
expressa no art.3º da Lei 9.658 de 03.06.1998. Ocorre que no artigo 35-G da mesma lei está
determinado que aplicam-se subsidiariamente
57
aos contratos entre usuários e operadoras de
produtos de que tratam o inciso I e § 1° desta Lei, as disposições da Lei 8.078/90.
Cláudia Lima Marques et al.
58
discorre a respeito e diz que o art. 35-G da lei especial
não está dogmaticamente correto, pois determina que norma de hierarquia constitucional, que
é o CDC (art.48 ADCT/CF88), tenha apenas aplicação subsidiária às normas de hierarquia
infraconstitucional, que à Lei 9.656/98, o que dificulta a interpretação da lei e prejudica os
interesses dos consumidores que queria proteger.
Assim, aplica-se simultaneamente o Código de Defesa do Consumidor como a Lei
9.656/98 aos contratos novos, no que couber. Citemos como exemplo a aplicação cumulativa
uma situação de um contrato novo, um consumidor de planos de assistência à saúde seja
lesado por erro médico ou falta de atendimento em hospital credenciado pela operadora. A lei
nova silencia a respeito da responsabilidade da operadora, porém a CDC determina a
responsabilidade solidária de todos os fornecedores (art. 14 e § 4º e art. 20 do CDC).
57
Nesse sentido Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado: “O art. 35-G faz com que os dispositivos do
CDC integrem a Lei 9.656/1998, de forma subsidiária, o que equivale afirmar a complementariedade entre
esses diplomas legais, incidindo o CDC naquilo que não seja objeto de regulação específica pela Lei
9.656/98”, obra citada, p. 333.
58
MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 122.
66
4 A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE
ASSISTÊNCIA À SAUDE
4.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO
Diferentemente de outros países, o Brasil optou pela criação de um Código para
regular tão-somente as relações de consumo entre fornecedores e consumidores, o que acabou
dando origem ao Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor é considerado como uma lei de função social
que consiste em um conjunto sistemático e logicamente ordenado de normas jurídicas e
princípios com objetivo de proteger um grupo específico e especial de indivíduos
denominados de consumidores e estabelece os fundamentos sobre os quais se edifica a relação
jurídica de consumo, de modo que toda e qualquer relação de consumo deve submeter-se a
principiologia nele disposta.
Analisando a legislação anterior a 1988, percebe-se que alguns dispositivos legais
tratavam da proteção do consumidor de maneira indireta, como por exemplo, a Lei dos
Crimes contra a Economia popular, porém, não existia nada de sistemático. Assim, pode-se
dizer que o direito das relações de consumo no Brasil nasceu com a Constituição da República
de 1988 que trouxe algumas regras a respeito do tema.
De acordo com a disposição expressa do artigo
59
do Código de Defesa do
Consumidor, sua criação consiste na realização de um direito fundamental elencado na
Constituição da República em seu artigo 5º, inciso XXXII, que dispõe sobre a proteção do
Estado em face dos consumidores, também no artigo 170
60
que trata da ordem econômica,
dando fundamental importância à defesa do consumidor, e ainda no artigo 48 do Ato das
59
Art. 1º: “O presente Código estabelece normas e proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social, nos termos dos arts. 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da CF e art. 48 de suas Disposições
Transitórias”.
60
Art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...] V- defesa do consumidor”.
67
Disposições Constitucionais Transitórias
61
que identificou o consumidor como um agente a
ser necessariamente protegido de forma especial, através da elaboração da uma lei tutelar em
forma de Código, que acabou sendo instituído pela Lei 8.078, de 12 de setembro de 1990, e
entrou em vigor na data de 11 de março de 1991, tendo, portanto, origem eminentemente
constitucional.
A lei 8.078/90 que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, segundo
Rizzatto Nunes
62
ingressou no sistema jurídico de forma horizontal, atingindo toda e qualquer
relação jurídica na qual se possa identificar num lo o consumidor, e em outro, o fornecedor
transacionando serviços.
O objeto de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de
consumo, assim entendida a relação jurídica que possui como sujeitos um consumidor e um
fornecedor, tendo como objeto, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, e
buscando-se uma finalidade, que seja a compra de um produto ou a prestação de serviços,
como destinatário final.
Assim, é de substancial importância trazer o conceito de relação de consumo para
determinar o alcance da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos
privados de planos de saúde, tendo em vista que existe lei específica, n. 9.656/98, que regula a
matéria.
Roberto Senise Lisboa
63
define relação de consumo como “vínculo jurídico por meio
do qual se verifica a aquisição pelo consumidor, de um produto ou de um serviço, junto ao
fornecedor”.
Apenas a relação de consumo terá a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
A relação de consumo tem como elementos o fornecedor, o consumidor, produto ou serviço e
destinação final do bem da vida. Assim, imprescindível se faz uma análise de cada
componente dessa relação.
61
Art. 48 “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará
código de defesa do consumidor.”
62
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Código de Defesa do Consumidor e os Planos de Saúde: o que importa
saber. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 12, n. 48, p. 85-88, out./dez. 2003.
63
LISBOA, Roberto Senise. Relação de Consumo e Proteção Jurídica do Consumidor no Direito Brasileiro.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 5.
68
A relação de consumo deve ser analisada, segundo Oscar Ivan Prux, em dois
prismas:
a) o primeiro, de abrangência restrita às relações onde estejam presentes,
concretamente, um fornecedor e um fornecimento a consumidor destinatário
final (adquirente ou utente). A estas chamaremos relações de consumo
stricto sensu;
b) o segundo deles, envolvendo todas as práticas de mercado que vão
desembocar no consumo do produto ou serviço por parte de um destinatário
final, apenas que com a inafastável cautela de que para considerar-se essas
relações como de consumo em sentido amplo, deve estar sendo protegido
direito de consumidor. Ausente esse pressuposto, essas relações serão
comerciais ou civis, mas não de consumo, seja em que sentido for. A essas
relações que formam o contexto amplo de práticas ou ações que convergem
para o fornecimento a consumidor, chamaremos relações de consumo em
sentido amplo ou lato sensu.
64
Daí a necessidade deste estudo, pode-se dizer que os contratos de planos de saúde
envolvem relação civil ou de consumo? Daí a necessidade e a importância da conceituação e
abrangência da relação de consumo.
Roberto Senise Lisboa observa:
65
É descabida, portanto, a aplicação da legislação consumerista às relações
jurídicas que não se encontrarem dotadas dos elementos subjetivos
(fornecedor e consumidor) e objetivos (produto ou serviço), que a relação de
consumo deve necessariamente conter, por força dos arts. e da Lei
8.078/90.
No conceito de relação de consumo foi adotada a teoria da causa, tornando-se
obrigatório o estudo da aquisição ou utilização do produto ou serviço. A destinação final é a
causa que serve de motivo da parte, autorizando, pois, a aplicação do digo de Defesa do
Consumidor e as normas de direito civil poderão se aplicadas subsidiariamente.
64
PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 90.
65
LISBOA, Roberto Senise. Relação de Consumo e Proteção Jurídica do Consumidor no Direito Brasileiro.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 5.
69
4.2 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO: FORNECEDOR E
CONSUMIDOR
O artigo “caput” do Código de Defesa do Consumidor traz o conceito legal de
fornecedor, dispondo:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
Trata-se de uma definição ampla, na qual o fornecedor, nada mais é do que aquele
sujeito que dentro da relação de consumo, coloca produtos e serviços à disposição do
consumidor.
Assim, o sistema de proteção do consumidor considera fornecedores, todos aqueles
que participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua
relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor, daí advém à
solidariedade entre os participantes da cadeia, consoante os artigos 18
66
, 20
67
e 14 “caput
68
do Código de Defesa do Consumidor.
As operadoras de planos privado de assistência à saúde, são pessoas jurídicas de
direito privado, com liberdade em sua organização societária, prestando serviços próprios ou
por intermédio de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias, que compreende a
prevenção e o tratamento de doenças, a manutenção e a reabilitação da saúde. Sendo assim,
66
Art. 18: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos
vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam
ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes
do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de
sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”
67
Art. 20: “O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo
ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes
da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a
reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do
preço.”
68
Art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
70
típicas prestadoras de serviço na relação de assistência à saúde, a teor do artigo 3º
69
do Código
de Defesa do Consumidor.
O “caput” do art. 1° da Lei n. 9.656/98 dispõe:
Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado
que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo
do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade adotando-
se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes
definições:
[...]
II- Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída
sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade
de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I
deste artigo.
Tem-se que ter em vista que no conceito de fornecedor devem estar presentes a
habitualidade e o lucro. A habitualidade não significa permanência temporal, basta a intenção
de realizar rios prestações de serviços no mercado. Em relação aos contratos de planos
privados de assistência à saúde destaca-se que o fornecedor contrata o fornecimento do
serviço com o consumidor, porém, a efetiva prestação se dará por intermédio de um terceiro e
todos são tidos como fornecedores.
As operadoras de planos privados de assistência à saúde, com liberdade de forma
societária, se dedicam a captar e administrar recursos necessários ao custeio de atividades de
assistência à saúde do consumidor, e podem prestar o serviço diretamente ou podem funcionar
como organizadora do serviço de saúde, subcontratando ou delegando a terceiros a efetiva
prestação do serviço.
O inc. II do art. da Lei 9.656/98 determina que as operadoras de planos de saúde
podem apresentar-se sob forma de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de
autogestão. O § aduz que incluem as cooperativas e as empresas que mantêm sistemas de
assistência à saúde, pela modalidade de autogestão ou de administração.
69
Art. : “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como
os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços.”
71
A Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS, em 27 de outubro de 2000,
publicou a RDC (Resolução da diretoria colegiada) n.39, que, entre outras disposições,
classifica as operadoras nas seguintes modalidades: administradora; cooperativa médica;
cooperativa odontológica (assunto não tratado no presente trabalho); autogestão; medicina de
grupo; odontologia de grupo (não tratado no presente trabalho); filantropia e seguradora
especializada.
As administradoras são empresas que administram planos ou serviços de assistência
à saúde, sendo que, no caso de administração de planos, são financiadas por operadora, não
assumindo o risco decorrente da operação desses planos e não possuindo rede própria,
credenciada ou referenciada, de serviços médico-hospitalares ou odontológicos.
As empresas de administração de planos representam uma forma de retenção do risco
de despesas médico-hospitalares pela entidade na qual os custos de administração são
minimizados pela terceirização.
As empresas de administração não compartilham riscos com as patrocinadoras. Elas
podem utilizar uma rede de provedores comum para o atendimento de várias empresas
clientes, que pode ser modulada para o atendimento de demandas específicas, como a
inclusão, exclusão destes ou daqueles médicos, laboratórios e hospitais.
Cooperativa médica são as sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas
conforme o disposto na Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que, além dos serviços
próprios cooperados, operam também os chamados convênios médico-hospitalares, com rede
própria (artigo 12 RDC n. 39).
Na concepção deste segmento, os médicos são ao mesmo tempo sócios e prestadores
de serviços, recebendo proporcionalmente à sua produção, por tipo e qualidade de
atendimento. Também participam do rateio de resultado positivo, apurado ao final de cada
exercício. A Unimed do Brasil representa a quase totalidade das cooperativas do mercado.
As cooperativas médicas muitas vezes alegam que não deveriam se submeter aos
preceitos reguladores da ANS, por tratar-se de cooperativas e regidas por lei própria. Porém,
não tem fundamento jurídico, uma vez que existe mais de um dispositivo expresso na Lei
72
n.9.656/98 submetendo as cooperativas à suas disposições e, por conseguinte ao seu poder de
polícia a teor do que dispõe os arts. 1°, II c/c seu § 2° da Lei 9.656/98.
Autogestão são as que operam serviços de assistência à saúde ou empresas que, por
intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado,
responsabilizam-se pelo plano privado de assistência à saúde destinado, exclusivamente, a
oferecer coberturas aos empregados ativos, aposentados, pensionistas ou ex-empregados, bem
como a seus respectivos grupos familiares definidos, limitado ao terceiro grau de parentesco
consangüíneo ou afim, de uma ou mais empresas, ou ainda a participantes de dependentes de
associações de pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes de
profissionais ou assemelhados (artigo 14 da RDC n.39).
É um sistema fechado com público específico, vinculado a entidades públicas ou
privadas, podendo ter personalidade jurídica própria ou operar a assistência à saúde através de
órgão interno daquelas. A autogestão em assistência à saúde de seus beneficiários, reduzindo
os gastos decorrentes com a intermediação das empresas de plano de saúde do mercado.
Autogestão patrocinada é aquela na qual uma empresa ou entidade assume a
responsabilidade do pagamento de parte da contraprestação pecuniária, para garantir
assistência à saúde a seus servidores ou empregadores e ao grupo familiar respectivo.
Autogestão não-patrocinada é aquela em que os funcionários ou empregadores arcam com
todas as despesas e responsabilidades do programa de assistência à saúde.
As autogestões podem ser formadas por caixa de assistência; associações e
sindicatos; fundações; departamento de RH das empresas; patrocínio de repartições públicas e
de empresas privadas e podem ser criadas por condomínios, cooperativas, empregados de
qualquer empresa, profissionais de classe, caixas de assistência, associações, etc.
As empresas de autogestão se caracterizam pela não-comercialização de planos e
seguros de saúde no mercado, ao contrário das medicinas de grupo, cooperativas médicas e
seguradoras. Na verdade, não trata apenas de assistência médica, faz parte de um rol de
benefícios, é salário indireto e sua sistemática financeira difere de um plano de pré-
pagamento, em que o contratante paga um valor antecipadamente e pressupõe-se que está
contratando cobertura e na autogestão está-se captando poupança, como sistema de repartição
73
simples. No caso do plano coletivo próprio da autogestão, quando for corolário da relação
trabalhista entre patrão e empregado, não segue tal sistemática, sendo fruto de acordos e
negociações sindicais, devidamente registrados da Delegacia Regional do Trabalho.
Filantropias são entidades sem fins lucrativos que operam planos privados de
assistência à saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho
Nacional de Assistencial Social (CNAS) e declaração de utilidade pública federal junto ao
Ministério da Justiça ou declaração de utilidade pública estadual ou municipal junto aos
órgãos dos governos estaduais e municipais.
Medicina de grupo é a empresa ou entidade que opera planos privados de assistência
à saúde, excetuando-se aquelas classificadas nas modalidades de administradora, cooperativa
médica, autogestão e filantropia. São empresas privadas, com fins lucrativos, responsáveis
pelo atendimento de pessoas oriundas de planos patrocinados pelas empregadoras ou
individualmente escolhidos pelos consumidores. Os usuários têm acesso à rede própria e
credenciada, e o uso de serviços não credenciados é previsto nos planos mais aros, implicando
o ressarcimento dos gastos.
um pluralismo de definições para consumidor no direito brasileiro. Embora o
Código de Defesa do Consumidor traga em seu bojo o conceito de consumidor como se
observa do art. caput
70
desse estatuto, em outros dispositivos traz outras definições, figuras
equiparadas ao consumidor, fornecendo, assim, quatro formas de definição de consumidor em
seus artigos 2° “caput” e parágrafo único; 17 e 29.
A definição de consumidor utilizada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu
art. 2° caput, é muito genérica, podendo abranger inclusive uma empresa (pessoa jurídica) que
adquirir produtos ou serviços como destinatária final, ou seja, visando lucro na relação.
No parágrafo único do art. 2°, o CDC equipara a consumidor todas as pessoas que
tenham intervindo nas relações de consumo, ainda que não determináveis. Neste caso, tem-se
a coletividade de pessoas, que tenha intervindo na relação de consumo.
70
Art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo”.
74
No art. 17 do CDC
71
, encontram-se outro tipo de consumidor, qual sejam, as vítimas
do evento danoso. São consideradas consumidoras as pessoas que, embora não tenham
adquirido o produto ou serviço, sofreram acidentes em razão da utilização destes. Trata-se de
quem, não sendo parte na contratação, tenha sido injustamente atingido por uma relação de
consumo.
Ainda tratando do conceito de consumidor, o art. 29 do CDC
72
equipara a estes todas
as pessoas, ainda que indetermináveis, expostas às práticas comerciais abusivas de
fornecedores. Trata-se do consumidor potencial, que mesmo sem estar ostentando a condição
de adquirente ou usuário do serviço, é considerado como tal, tendo em vista de estar exposto à
alguma prática ilícita do fornecedor nos atos que esse último pratica no mercado nas tratativas
do processo de fornecimento de serviços.
Analisando todas essas figuras comparadas a consumidor, percebe-se que o Código
de Defesa do Consumidor revê uma especial preocupação com os interesses difusos, coletivos
ou individuais homogêneos, protegendo não um consumidor individual, mas uma massa de
consumidores.
Nos contratos de planos privados de saúde pode existir a figura que contrata e a
figura que utiliza, na qualidade de dependente. Assim, nas modalidades de plano familiar;
coletivo por adesão ou empresarial existe a figura do dependente que na verdade não contrata
com a operadora do plano de saúde, onde figura como fornecedora, apenas é usuário desta
relação contratual. Neste contexto a operadora, dentro da relação de consumo, caracteriza-se
como fornecedora. O titular, contratante do plano de saúde, é o consumidor. E os
dependentes? São considerados consumidores?
Como analisado, consumidor é a pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço
como destinatária final. O consumidor pode ser aquele que figura na relação jurídica, o
contratante, ou o utente do produto ou serviço. Inquestionável, pois, que os dependentes do
plano de saúde caracterizam-se como consumidores.
71
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
72
Art. 29. “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.
75
O professor Oscar Ivan Prux observa que:
É freqüente encontrar-se na doutrina que não se deve conceituar consumidor,
que isso pode deixar de fora e eventualmente prejudicar muito deles, uma
vez que ao determinar um padrão genérico e limitado de enquadramento,
nem sempre se estará agasalhando adequadamente a todos os consumidores,
conforme as características peculiares à individualidade de cada um deles.
73
O mercado apresenta uma variação de consumidor, tendo em vista que existe
consumidor rico e o consumidor-pobre; o consumidor instruído e o analfabeto; o que necessita
de tutela especial e o apto a auto-tutelar-se, derivando falsa a análise que o coloca num
mesmo nível.
O conceito de consumidor trazido no “caput” do art. do CDC, conhecido como
“stricto sensu” traz algumas discussões. O consumidor pode ser pessoa física ou jurídica,
adquirente ou usuário do produto ou serviço, mas sempre como destinatário final. Assim, a
pessoa jurídica ou física pode adquirir o serviço para si ou para outra pessoa, que o utilizará,
como no caso dos contratos de planos privados de assistência à saúde. Importante destacar
que os serviços não circulam, mas isso não significa que eles sejam prestados sempre a
destinatário final, como no caso de um advogado que contrata um serviço de eletricista para
ser executado em sua residência e o mesmo advogado contrata um serviço de eletricista para
arrumar seu computador, equipamento utilizado para o desempenho de sua atividade
profissional. E nesta última hipótese o advogado é consumidor?
As divergências doutrinárias e jurisprudências sobre o tema, cingem-se à
interpretação da expressão “destinatário final”. Cláudia Lima Marques identifica duas
correntes doutrinárias, os finalistas e os maximalistas. Para os finalistas a interpretação do
conceito de consumidor se faz de forma restrita, delimitando que é a parte vulnerável. Cláudia
Lima preceitua:
74
Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou
serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação
teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia
de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser
73
PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 57.
74
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2004.
p. 253.
76
destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não
adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento
de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o
adquiriu.
Outro defensor desta corrente é José Geraldo Brito Filomeno
75
onde ensina:
[...] o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de
caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o
personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a
prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo que assim age
com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma outra atividade negocial [...].
Deste modo, o consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em
proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal, e não para revenda, ou então, para
acrescentá-lo à cadeia produtiva. Tal interpretação restringe a figura do consumidor de forma
que estaria inserido apenas o não profissional, sob o argumento de que o Código de Defesa do
Consumidor, tem por objetivo tutelar de maneira especial, um grupo da sociedade que é mais
vulnerável, e por este motivo, restringe seu campo de aplicação àqueles que necessitam de
proteção, para que lhes seja assegurado um nível maior de proteção.
Sob a influência da doutrina francesa, os chamados finalistas, acabaram adotando
uma posição mais branda, na qual o Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma
pequena empresa ou profissional que adquiriu um produto ou serviço fora do seu ramo de
atuação pode conceder a aplicação das normas especiais do Código de Defesa do
Consumidor analogicamente a estes profissionais.
a teoria maximalista, na visão de Cláudia Lima Marques
76
conceitua o Código de
Defesa do Consumidor, como um regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não
apenas como normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional. Para os
maximalistas, o Código de Defesa do Consumidor, seria um Código Geral que institui normas
e princípios para todos os agentes do mercado, devendo o artigo do Código de Defesa do
75
FILOMENO, José Geraldo Brito. Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001. p. 25.
76
MARQUES, Cláudia Lima. Contrato no digo de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. p. 254.
77
Consumidor ser interpretado mais extensivamente possível, para que possa ser aplicado a um
número cada vez maior de relações de mercado. Segundo esta ótica, a definição do artigo
seria puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de
lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço, podendo figurar ora como fornecedor,
ora como consumidor. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, basta retirar o
produto ou serviço do mercado.
Prevalece a inclusão das pessoas jurídicas como consumidoras, com a ressalva de
que, somente incluem-se aquelas que se encaixam como destinatárias finais dos produtos e
serviços que adquirem, e não os utilizando como insumos necessários ao desempenho de sua
atividade lucrativa. Assim a interpretação do Código de Defesa do Consumidor ao contemplar
a pessoa jurídica como consumidora, deve ser analisada a cada caso concreto.
Transportadas para as relações que se estabelecem a partir dos contratos de planos de
saúde, a interpretação maximalista levaria o aplicador da lei a concluir que as operadoras de
planos de saúde são “consumidoras” porque adquirem serviços dos hospitais; que os hospitais
são “consumidores” de equipamentos médicos; que os médicos são “consumidores” dos
serviços de apoio diagnóstico.
É fácil perceber os inconvenientes de uma interpretação tão aberta. Com o tempo,
não haveria qualquer distinção entre uma relação de consumo e qualquer outra relação de
mercado. Daí a opção finalista, como dito acima, contrária à ampliação do conceito de
consumidor. Em principio, sustenta-se, consumidor é apenas aquele que adquire ou utiliza um
produto para seu uso doméstico, particular. Assim, a pessoa jurídica será considerada
consumidora em situações muito especiais. Deve comprovar sua vulnerabilidade e demonstrar
que figurou na relação jurídica como destinatária final.
Não é apenas aquele que contrata, adquirindo o produto o serviço, que tem direito à
proteção como consumidor. O Código de Defesa do Consumidor contém, além do conceito
geral, inserido no “caput” o art. 2°, três outras definições que contemplam as situações de
“consumidor equiparado” ou “terceiros contratuais”, inseridos no parágrafo único do artigo
2º, juntamente com os artigos 17
77
e 29
78
do Código de Defesa do Consumidor. Nem sempre
77
Art. 17: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” Tal norma
é considerada a mais geral das normas de extensão, uma vez que equiparada ao consumidor, a coletividade de
78
o usuário de plano de saúde é o contratante, porque pode esta na situação de dependente, é o
terceiro, é o filho do titular. Têm-se, ainda, a figura do representante do consumidor, como no
caso de uma empresa que contrata um plano coletivo. Verifica-se que neste caso o
consumidor não foi o contratante.
Muitas pessoas, grupos ou profissionais, podem intervir nas relações de consumo, de
modo, a ocupar uma posição de vulnerabilidade, mesmo não preenchendo as características de
um consumidor stricto sensu, e podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos
fornecedores no mercado.
O conceito geral de consumidor insere-se na tradicional definição de relação jurídica,
na qual são claramente identificados os sujeitos, o objeto e o vinculo. No contrato de massa,
como no contrato de plano de saúde, nem sempre é possível identificar os sujeitos da relação.
Há interesses difusos e coletivos, cujo sujeito é indeterminado ou indeterminável.
Em muitas situações, o interesse individual do consumidor opõe-se ao interesse
transindividual da coletividade de consumidores, presentes (determinados) e futuros
(indeterminados), de um plano de saúde. Suponha-se, por exemplo, que um consumidor
deseja submeter-se a uma série de exames, sofisticados e caros, para avaliar suas condições de
saúde, com custeio por um plano coletivo. Os exames são pagos e apresentam resultados
negativos, mas continuando com sintomas da suposta doença, o consumidor decide repetir os
exames, duas ou três vezes, visando confirmar o resultado dos exames realizados e a
administradora nega-se a autorizá-los.
Há, nesse caso, além do conflito entre a operadora e o consumidor, o interesse
transindividual da coletividade de consumidores. A falta de critério no controle dos gastos
implica custos que serão rateados por todos. Não como individualizar, em um ou mais
consumidores, o interesse na boa administração dos recursos destinados ao custeio da saúde
do grupo presente e dos potenciais aderentes. Assim, a “coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis”, é equiparada a um sujeito de direitos.
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Trata-se de uma
coletividade de consumidores que se encontram em uma situação na qual poderão usar ou consumir,
estabelecendo uma relação atual ou potencial fática, a qual requer uma valoração jurídica a fim de protegê-lo
para evitar ou reparar danos sofridos.”
78
Art. 29: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas,
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.
79
A tutela jurisdicional cabe, nesse caso, aos legitimados do art. 82
79
do Código de
Defesa do Consumidor, ou seja, ao Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal; aos órgãos de defesa do consumidor e às associações legalmente constituídas
que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses do consumidor.
O art. 17 do CDC, diz que são equiparadas a consumidoras, no caso de acidentes de
consumo, “todas as vítimas do evento”. A regra vale apenas para as situações em que a
responsabilidade do fornecedor decorre do fato do produto ou do serviço, ou seja, quando a
atividade causa danos a terceiros.
As regras sobre acidentes de consumo têm como objetivo garantir a integridade
corporal das pessoas e servem para a implementação do direito básico à segurança. Os
produtos e serviços devem ser seguros, não expondo riscos a segurança do consumidor e, da
mesma forma, a coletividade. Decorre desse dever geral de segurança a regra que amplia o
conceito de consumidor a todas as vítimas do evento que provoca danos. Nesse caso protege-
se não o consumidor direto, aquele que adquire o produto ou serviço, como qualquer
pessoa que é atingida pelo defeito.
O exemplo clássico é o da responsabilidade do fabricante de autopeças pelo agravo à
saúde do pedestre atropelado por automóvel devido a uma falha mecânica. Um terceiro, que
não mantém vínculo contratual com o fabricante do produto defeituoso, pode valer-se da
proteção especial como se consumidor fosse. Se os serviços prestados pela operadora de plano
de saúde causam danos a terceiros por não apresentar a segurança que deles se espera, os
prejudicados são equiparados a consumidores.
O art. 29 do CDC equipara a consumidor “todas as pessoas expostas” a práticas
comerciais. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin
80
acentuam: “[...] são estas os
79
Art. 82: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I- o Ministério Público;
II- a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III- as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV- as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais
a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes,
quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela
relevância do bem jurídico a ser protegido.”
80
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do
Anteprojeto. 8. ed. atul. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 242.
80
procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo
indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e
serviços até o destinatário final”.
Compreende na prática comercial o marketing, os arquivos de consumo, as cobranças
de divida, a garantia contratual (art. 50 do CDC), serviços pós-venda (art. 21 do CDC), por
exemplo. As práticas comerciais massificadas, com utilização de sofisticados meios de
comunicação, alcançam simultaneamente uma enorme quantidade de pessoas e podem afetá-
las de maneira positiva. Não é incomum que determinada ação de um agente econômico se
revele nociva, causando danos.
Além da possibilidade da tutela coletiva oferecida pela regra que equipara a
consumidor a “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”, é possível a ação de indivíduos ou grupos de indivíduos em relação à
conduta do fornecedor que comete abusos em suas práticas comerciais.
Tem-se, como exemplo, o prejuízo causado por mensagem publicitária enganosa ou
abusiva; omissão de informação relevante, antes, durante ou após a contratação; ato que
revele tratamento desigual ou discriminatório; exploração da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social.
No caso dos planos de saúde, a Lei 9.656/98, traz algumas categorias de consumidor
cujo direito é objeto de proteção diferenciada, como no caso do trabalhador demitido, do
aposentado, e do dependente ou terceiro beneficiário, pessoa que tem direito às prestações
definidas no contrato, mas não figura como titular no negócio jurídico que se estabelece com
a operadora de plano de saúde.
O Código Civil nos arts. 1.471 a 1.476 traz a figura do beneficiário no contrato de
seguro de vida. liberdade para que o segurado institua ou substitua o beneficiário e a
previsão de que na falta de sua indicação, o “seguro será pago aos herdeiros do segurado”.
Trata-se de uma forma especial de estipulação em favor de terceiro (arts. 1.098 a 1.100 do
CC), ao qual é outorgada a faculdade de também exigir do segurador o cumprimento da
obrigação.
81
A lei de planos de saúde é omissa e não traz o rol de dependentes. A doutrina
considera a possibilidade de inclusão de familiares nos contratos de planos de saúde como
dependentes conforme depreende o § 4° art. 226
81
e § 6° do art. 227
82
da Constituição
Federal, regulado nos contratos.
Nos contratos de planos de saúde, o consumidor é o beneficiário do plano que
mediante uma remuneração, será o destinatário do serviço prestado visando a preservação de
sua saúde, e desta feita, à luz do Código de Defesa do Consumidor é considerado vulnerável,
em face da presunção legal ditada pelo artigo 4º, inciso I
83
da lei 8.078/90, merecendo assim
um tratamento diferenciado. Nestes contratos, em especial, o consumidor não participa da
elaboração dos ajustes, que são pré-estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor, sob a
forma de contrato de adesão cabendo ao consumidor apenas aderir ou não àquelas cláusulas
previamente estipuladas.
O exame das regras estabelecidas para o consumidor-trabalhador indica que
predominou o interesse das empresas na definição do regime diferenciado que caracteriza a
segmentação denominada “contratação coletiva empresarial” (art. 16, VII, “b” da Lei
9.656/98). Neste caso a vinculação do consumidor será automática, na data da contratação do
plano (para o trabalhador ativo) ou do ato de celebração do contrato de trabalho entre o
beneficiário e a empresa ou instituição que patrocina o plano (para os novos empregados).
Surge a questão no caso em que ocorre a extinção do vínculo jurídico entre o
consumidor-trabalhador e a instituição que patrocina a contratação coletiva empresarial, em
decorrência da demissão sem justa causa ou morte. O art. 30 da Lei 9.656/98 assegura ao
consumidor “o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de
cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho”. A lei
determina que o trabalhador seja contribuinte total do art. 30), continue contribuindo
81
Art. 226: “[...]
§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.”
82
Art. 227: “[...]
§ “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
83
Art. : “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos
os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”
82
para manutenção do plano, limitação de prazo conforme determina o inciso I e § do art. 30
da lei e ainda, a admissão do consumidor titular em novo emprego é motivo para sua exclusão
do plano de saúde.
Durante o período em que permanece vinculado ao plano de saúde após sua
demissão, o consumidor fica proibido de inscrever novos dependentes. A lei garante a
cobertura apenas ao “grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho”
(§ 2° do art. 30 da Lei 9.656/98).
Quanto ao aposentado a lei 9.656/98, no art. 31, limita seu direito, uma vez que
somente aquele que contribui durante mais de dez anos para a manutenção do plano de saúde
é que terá direito a manter-se como beneficiário “nas mesmas condições de cobertura
assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho” e o trabalhador que
contribui por tempo inferior a dez anos tem o direito limitado “à razão de um ano para cada
ano de contribuição” e em qualquer situação o aposentado é obrigado a assumir o pagamento
integral do plano.
Denota-se, pois, que o Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do Código
Civil, todos consumidores equiparados figuram como parte na relação contratual, tendo em
vista que consumidor não é apenas aquele que contrata serviço de plano de saúde, mas aquele
que utiliza, intervém ou seja exposto a esse serviço. Assim, a eficácia contratual é mais ampla
do que a relação contratual civil e modifica a regra de que o contrato apenas faz lei entre as
partes.
4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
Os objetos da relação de consumo são o produto e o serviço. Resta esclarecer que o
objeto do contrato de plano de saúde é a prestação de serviço, daí a necessidade de trazer
alguns aspectos do conceito de classificação de serviços.
O Código de Defesa do Consumidor define serviço no § do art. 3°: “Serviço é
qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
83
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista”.
Serviço pode ser caracterizado por diversos tipos de atividades, como a de cunho
material (transporte, jardinagem, reparações de produtos, etc.), financeira (seguro, bancária) e
intelectual (consulta médica, jurídica, etc).
Informa Oscar Ivan Prux:
[...] a atividade que constitui o serviço, pode em certas circunstâncias,
restringir-se apenas a feitura do contrato e ao pagamento do preço, não se
podendo notar nenhum outro labor durante a contratação, como no caso dos
seguros ou planos privados de assistência à saúde, quando o consumidor não
sofre sinistro ou doença durante o período de vigência do contrato.
84
O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, em seu parágrafo 1°, do artigo 3°,
considera produto como sendo qualquer bem, vel ou imóvel, material ou imaterial que se
incorpora ao patrimônio do consumidor. No parágrafo do mesmo artigo define serviço
como sendo qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de
caráter trabalhista.
Denota-se, pois, que a prestação de serviço é forma de fornecimento de serviço em
relação de consumo, ou seja, existe dever contratual entre o contratante e o contratado, uma
vez que não envolve prestação de serviço oriundo de relações trabalhista.
É oportuno esclarecer que existem situações de difícil visualização, não sabendo
exatamente se o que é fornecido significa um produto ou um serviço, porque muitas vezes
tem-se uma mistura de prestação de serviço com entrega do produto, como por exemplo, a
realização de um quadro e sua entrega ao consumidor; contrato bancário, planos privados de
assistência à saúde, etc.
É importante ter em vista a diferença entre prestação de produto e prestação de
serviço porque existem algumas diferenças legais no tratamento conferido a elas. Porém,
durante o presente trabalho haverá, por alguns momentos, a inclusão dos produtos.
84
PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 66.
84
Cláudia Lima Marques esclarece que prestação de serviço:
[...] é o negócio jurídico que propiciar ao titular ou que envolver a prestação
de um fazer economicamente relevante, de um ato ou de uma omissão útil e
interessante no mercado de consumo, de uma atividade remunerada direta ou
indiretamente, um fazer imaterial e principal, que pode ou não vir
acompanhado ou complementado por um dar ou pela criação ou entrega de
um bem imaterial acessório a este fazer principal, fazer que é em verdade a
causa de contratar e a expectativa legítima do consumidor frente ao
fornecedor.
85
Deve ficar claro que a prestação de serviço prescinde de uma atividade humana, uma
vez que a prestação de serviço é a atividade e o serviço o objeto.
Oscar Ivan Prux, traz um rico conceito ao esclarecer:
Assim, atualmente, para o Direito do Consumidor, pode-se afirmar que
“serviço” deve ser conceituado como qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, e consistente em um fazer ou
em dispor para o consumidor, presente ou remotamente, direitos de uso ou
mesmo um asseguramento de um fazer futuro (como por exemplo: assumir
os ônus de um evento danoso tipo de acidente ou doença).
86
Denota-se, pois, que o objeto do contrato de planos privados de assistência à saúde é
a prestação de serviço, ou seja, a operadora fornece, ao adquirente ou ao usuário, serviços
médicos, hospitalares, conforme o tipo de plano.
4.4 OS PLANOS DE SAÚDE COMO CONTRATOS DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS
No gênero prestação de serviços, que, da mesma forma, se integra diferentes figuras
ou modalidades, permite-se ao contratante a disposição de força de trabalho, intelectual ou
física, de outrem, mediante remuneração.
85
MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 33, p. 82, jan./mar. 2000.
86
PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 66.
85
Em todos os diferentes setores de serviços, a tônica é também a contratação mediante
adesão, compreendendo-se extenso elenco, e, com ou sem documentação escrita. Pode-se,
perfazer-se mediante ão pessoal, entrega da coisa e outros modos de contrato possíveis,
cumprindo ao usuário aderir às cláusulas e às condições que o fornecedor estipula, às vezes
em regimentos ou regulamentos, ou mesmo em normas internas de serviço, estando aí,
compreendidos os planos de assistência à saúde.
Em todas essas situações, que se pôr em relevo também a necessidade de defesa
do aderente; assim, ao lado da proscrição de cláusulas, devem-se submeter à analise valorativa
própria, eventuais normas regulamentares ou de ordem interna que escapem aos limites da
autotutela.
86
5 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL DOS PLANOS PRIVADOS A ASSISTÊNCIA À
SAÚDE
O direito do consumidor, como todos os outros ramos do direito, ampara-se em
princípios que auxiliam a interpretação e a aplicação da norma abstrata nos casos concretos.
Miguel Reale
87
assevera que: “princípios são verdades fundamentais de um sistema de
conhecimento como tais admitidos, por terem sido evidentes ou por terem sido
comprovados.”
No mesmo sentido, Celso Bandeira de Mello
88
, leciona que: “a desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um princípio mandamental obrigatório, mas em todo o
sistema dos comandos já que, em um sistema jurídico, as normas interagem e dificilmente são
concebidas isoladamente”.
O direito do consumidor, como ciência autônoma, reveste-se, como as demais áreas
do direito, de princípios de que lhe são próprios. Na área do consumidor, em especial, deve
ser observada com maior ênfase, uma vez que a norma visa a proteção do pólo mais fraco das
relações cotidianas, principalmente, no que diz respeito aos princípios contratuais e a proteção
do consumidor do plano de assistência à saúde.
5.1 A AUTONOMIA DA VONTADE
O Código Civil francês de 1804 sustentou, no início do século XIX, o poder absoluto
da propriedade e a intangibilidade dos contratos. O pacta sunt servanda teve prioridade, o
princípio reinante era de que a palavra empenhada deveria ser mantida. Era inconcebível que
os pactos assumidos com liberdade e entre iguais deixassem de ser cumpridos.
Dois fatos que modificaram a história da humanidade foram a Revolução Industrial
do ano de 1740, aproximadamente, e a Revolução Francesa de 1789. Em razão da revolução,
87
REALE, Miguel. O projeto do Código Civil. São Paulo: Saraiva: 1986. p. 37.
88
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1984. p. 48.
87
os grandes capitais diminuíram e as relações entre patrões e empregados ficaram mais
equilibradas pelo jogo das livres convenções. Com isto, o contrato se constituiu em uma
garantia contra a exploração de um contratante por outro, porque tanto no plano social como
no plano econômico, a doutrina do direito natural respondeu às necessidades da vida em
comum.
Considerado como princípio o pacta sunt servanda surge seu corolário natural que é
a autonomia da vontade, colocada até como princípio geral de direito. Mas essa autonomia é
livre quando o mais fraco é posto diante do mais experiente? A parte nem sempre tem a
oportunidade de estudar o contrato antes de sua contratação, nem pode efetuar contraproposta.
Assim, a concepção clássica do contrato tem como base a consideração de que a contratação
se materializa exclusivamente pela vontade dos contratantes. Nem sempre a vontade real é
ventilada nos contratos, pode ocorrer um descompasso entre o ato volitivo, o íntimo e sua
exteriorização. Desta feita nem sempre o contrato não é formalizado com vontade real.
A autonomia da vontade, apesar de imprescindível para a formação do contrato, pode
ser limitada pelo dirigismo contratual; protecionismo social, o direito de consumo e os
contratos de adesão.
Discorre Antonio Jeová Santos:
A igualdade e a liberdade, tratadas de forma absoluta, são quimeras.
Nenhuma pessoa é igual à outra, nem livre totalmente. sempre algum
ponto que indica severas diferenças e a vida em comunidade exige seja
coarctada a vastidão do que alguém pretende elaborar, cerceando a liberdade
em prol da vida em comunidade
89
Dirigismo contratual é um dos limites impostos na autonomia da vontade contratual
porque a intervenção estatal nas negociações econômicas faz com que o Estado-legislador e o
Estado-juiz sejam chamados permanentemente a modificar o que as partes contrataram para
encontrar o justo equilíbrio em dada situação e faz com que a autonomia da vontade tenha um
papel reduzido.
89
SANTOS, Antonio Jeová. Fuão Social do Contrato: Leo e Imprevisão. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 40.
88
O Estado-legislador intervém muitas vezes na relação contratual com a sanção de leis
protetoras aos mais fracos, dos quais são exemplo aquelas que regulam a lei do inquilinato, ou
para aqueles desprovidos de poder de negociação, como são os consumidores quando estão
diante de operadoras de planos de saúde. Esses contratantes são presumidamente fracos, do
ponto de vista jurídico, tendo em vista que muitas vezes celebram contratos com cláusulas
predispostas, previamente redigidas e que ao consumidor resta aderir, sem nenhuma
discussão.
O Estado-juiz também intervém quando o juiz efetua a revisão do contrato, seja
porque houve rompimento do equilíbrio contratual, ou anula cláusulas consideradas abusivas,
situações em que o juiz suprime totalmente o contrato ou parte dele ou ajusta seu conteúdo a
outro contrato. Esta alteração realizada pelo juiz altera substancialmente a vontade real das
partes ou de uma delas.
O protecionismo social está interligado ao dirigismo contratual. O Estado tem por
objetivo outorgar bem-estar aos membros da sociedade. Por conseguinte, corresponde à lei
imperativa proibir o mais forte de impor sua vontade sobre o mais fraco, que muitas vezes,
por razão econômica, não está preparado para entender e defender-se na negociação
contratual. Com isto o Estado se preocupa em editar leis que intervenham mais agudamente
nas relações interpessoais dos contratantes.
São condições na formação dos negócios jurídicos bilaterais a liberdade e igualdade
contratual. Porém, em grande parte existe igualdade jurídica e forte desigualdade econômica e
por isso, atualmente, se falam em solidariedade social, humanização do direito e probidade no
cumprimento do contrato, ou seja, “jogo limpo”.
A soberania do contrato não pode ser imposta ao consumidor e por conseguinte o
Código de Defesa do Consumidor traz todo um cortejo de arbítrios preventivos, tanto na fase
pré-contratual como na pós-contratual, para evitar que o desequilíbrio prevaleça. O direito de
informação é próprio do direito como todo, mas nas relações de consumo que o manter-se
informado de forma mpida e transparente encontrou grande difusão. A aceitação é
condicionada a certo prazo de reflexão, como as linda e encantadoras propagandas do plano
de saúde onde veiculam que a saída para o consumidor ter qualidade de vida e saúde
dependem da aquisição de um plano de saúde.
89
As operadoras de planos de saúde que detém o poder econômico, fixa todas as
condições para que exista o contrato, as cláusulas são predispostas e gidas e ao contratante
cabe apenas aderir, assim esses contratos são formulados pela vontade única do fornecedor. A
doutrina admite o contrato de adesão, mas as partes têm que entender as cláusulas contratuais.
A onipotência da vontade nem sempre é tão forte assim, quando se diante da
exigência de que o contrato tenha objeto lícito; que o contratante seja capaz e que as
convenções não afetem a moral e os bons costumes.
Todo contrato deve respeito ao estilo de vida das pessoas, aos bons costumes e à
moral e, por isso, não pode afastar-se da ordem pública. As normas de ordem pública têm por
escopo abrandar o desequilíbrio entre o contratante economicamente forte, tecnicamente mais
preparado perante o consumidor economicamente menos favorecido.
O ato de contratar não deve se converter em abuso do direito, nem em
aproveitamento de um estado inferior da outra parte. Por isso, tanto o Código Civil como o
Código de Defesa do Consumidor estabelecem a revisão e nulidade do negócio jurídico
efetuado com a lesão e excessiva onerosidade (artigo 157 do Código Civil; artigos 6°, inciso
V; 39, V e 5l, IV todos do Código de Defesa do Consumidor) e o abuso de direito (artigo 187
do Código Civil) e que o negócio jurídico deve ser interpretado de acordo com a boa-fé.
Essas limitações da autonomia da vontade não impõem a falta de cumprimento dos
contratos. Aliás, o Brasil vive uma enxurrada de ações em que devedores inadimplentes
buscam apenas proteção do Poder Judiciário para continuar descumprindo os contratos.
Sustentam várias razões, umas relevantes outras não, nas ações de revisão de contratos.
Portanto, os institutos jurídicos devem ser aplicados dando-lhes a interpretação adequada.
Antonio Jeová Santos muito bem sustenta a respeito:
Neste ponto, o equilíbrio é fundamental. Nem o cego pacta sunt servanda,
nem o franco e simples descumprimento sob qualquer pretexto. O respeito
pela palavra empenhada continua sendo o fundamento moral da força
vinculante do contrato. Mas essa força deve ser interpretada rebus sic
stantibus, ou seja, desde que as circunstâncias que cobriam a formação e
conclusão do contrato não tenham se modificado durante o período da sua
execução e tenham se mantido inalteradas.
90
90
SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato: Lesão e Imprevisão. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 51.
90
No período de cumprimento do contrato podem surgir situações exteriores e
imprevisíveis e faz com que a prestações se torne extremamente exagerado, impossibilitando
o cumprimento do contrato. No início a relação contratual era equilibrada, depois pode
resultar economicamente mais desfavorável para uma das partes. Este fato superveniente deve
ser imprevisto de modo que coloque a parte afetada em situação de total impossibilidade de
cumprir o contrato. Se este desequilíbrio contratual não puder ser solucionado pelas partes,
cabe ao Poder Judiciário, no caso concreto, modificar o contrato.
Em relação aos contratos de planos privados de assistência à saúde o usuário
contratante é presumivelmente mais fraco diante às operadoras de planos de saúde
monopolizadora do produto. Junto a este fato têm-se que a contratação é feita com base em
cláusulas predispostas e a eventual impossibilidade de aquisição do serviço em qualidade
desejada.
A segurança jurídica da relação contratual, muitas vezes, tem sido a alegação das
operadoras de planos de saúde, sob a alegação de que o contrato faz lei entre as partes e uma
vez assinado, o seu conteúdo é imutável, podendo ser alterado apenas em situações
excepcionais, como, por exemplo, força maior, caso fortuito, morte.
O Código de Defesa do Consumidor trouxe vários avanços capazes de equibibrar a
força obrigatória dos contratos. Por exemplo, quando o contrato for excessivamente oneroso,
as partes podem requerer a revisão das cláusulas contratuais, conforme infere o art. 6°, inciso
V
91
. O conhecimento prévio do consumidor sobre o conteúdo do contrato é tão relevante que,
se não ocorrer, o contrato perde a força obrigatória, conforme diz o art. 46
92
. O art. 49
93
determina que o contratante pode desistir do contrato, até sete dias depois da contratação
efetuada em seu domicílio ou por telefone. O art. 51 elenca um rol de cláusulas que podem ser
consideradas abusivas, o que nulifica a cláusula contratual, podendo requerer a resolução do
91
Art. 6°: “São direito básicos do consumidor:
[...]
V- modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
92
Art. 46: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão o consumidores, se não lhes for
dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
93
Art. 49: “O consumidor pode desistir do contrato, de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de
recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer
fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”
91
contrato e o pagamento dos prejuízos sofridos, conforme determina o artigo 53
94
. Outro
importante fator é destacar que o contrato deve ser celebrado de acordo com boa-fé, bem
como sua função social.
No próximo capítulo será tratado especificamente da função social do contrato; do
princípio da boa-fé e das cláusulas contratuais abusivas.
5.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Antes da edição da lei de planos de saúde, o mercado suplementar de serviços de
saúde, em que pesem serem serviços de utilidade pública, não possuía regulamentação
adequada, ainda que pese a posição de muitos doutrinadores que comungavam pela
inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Assim, como elucidado no item
anterior prevalecia o pacta sunt servanda nas relações contratuais estabelecidas entre as
operadoras de planos privados de assistência à saúde e os usuários.
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, bem como o atual Código
Civil, o direito privado passou por profundas mudanças, abandonando a concepção
individualista, impondo aos contratantes a liberdade de contratar em razão da função social
(art. 421/CC), com isso a função social do contrato procura evitar a imposições de cláusulas
danosas aos contratantes, em especial aos mais fracos na relação contratual.
A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus
reflexos sobre a sociedade, terceiros e não apenas no campo das relações entre as partes que o
estipulam, ou seja, os contratantes.
Assim, sem serem partes do contrato, terceiros têm de respeitar seus efeitos no meio
social, porque tal modalidade de negócio jurídico tem relevante papel na ordem econômica
indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade.
94
Art. 53: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem
como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que
estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento,
pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”
92
Reconhece-se, de longa data, que os contratantes embora livres para ajustar os
termos da convenção, deverão agir sempre dentro dos limites necessários para evitar que a
atuação negocial, se torne fonte de prejuízos injustos e indesejáveis a terceiros.
Humberto Theodoro Junior, em sua obra O Contrato e sua Função Social, ensina:
O Estado social, porém, não se alheia aos problemas que o abuso da
iniciativa contratual pode gerar no meio social em que os efeitos da
convenção privada irão repercutir. Se algum dano indevido a terceiro ou à
coletividade for detectado, a autonomia contratual terá sido exercida de
forma injurídica. Não poderá o resultado danoso prevalecer. Ou o contrato
será invalidado ou o contratante nocivo responderá pela reparação do
prejuízo acarretado aos terceiros.
95
Sob, essa ótica, o contrato de planos de saúde se fundamenta no sistema de repartição
simples ou mutualismo. E se baseia na reunião de um grande número de expostos ao menos
riscos, possibilitando estabelecer o equilíbrio aproximado entre as prestações dos usuários e as
contraprestações das operadoras de planos de saúde. Assim, ocorrendo um sinistro este é
absorvido pela massa de consumidores.
A lógica do sistema não é uma opção da operadora, mas uma exigência do
funcionamento do próprio segmento econômico. Se, ao contrário da repartição simples, fosse
adotado o sistema da capitalização, os usuários de planos de saúde, quando da ocorrência de
um dano, somente poderiam gastar o que tivessem poupado.
Como a sua natureza é o sistema de repartição simples, no qual o custo do
atendimento de um de seus beneficiários é repartido com todos os integrantes da respectiva
carteira de clientes, tem-se que o objetivo do contrato é o de garantir o atendimento do
respectivo usuário, no caso de um eventual sinistro. Caso fosse o sistema de capitalização, os
usuários de planos de saúde, quando do sinistro, somente poderiam usufruir o que pagou.
O art. da Lei 9.656/98 acentua que o contrato de plano privado de assistência à
saúde visa garantir a prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais por
prazo indeterminado com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde.
Este conceito reporta à função social do contrato que garante ao usuário o direito ao
95
THEODORO JUNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 33.
93
atendimento médico no caso de sinistro e assegurando que o custo seja suportado pela
operadora.
O mesmo se diga à operadora de plano de saúde, tendo por função social assumir o
risco e o ônus financeiro dos procedimentos médicos de que seus beneficiários necessitam,
garantindo acesso à rede médica conforme tipo de contratação.
Assim, muito embora seja um instrumento de direito privado, sua característica
essencial é assegurar o atendimento e a qualidade da assistência à saúde, o que realça a
observância de sua função social.
Leonardo Vizeu Figueiredo, a respeito leciona que:
A função social do contrato de plano de assistência à saúde é garantir ao
beneficiário, o qual contribui periodicamente para a formação e manutenção
de um fundo pecuniário do plano, direito ao atendimento médico, nos caso
de sinistralidade contratualmente coberta, assegurando, ainda, que o custo
financeiro pelo procedimento prestado corra às expensas da respectiva
operadora, a qual administra o referido fundo para tanto.
96
Depreende-se, pois, que a função social do contrato de plano de assistência à saúde
passou a ser devidamente garantida, por uma norma cogente de ordem pública, inafastável
pela manifestação volitiva das partes, que incide sobre a relação jurídica contratual
(lei 9.656/98).
Concluindo, de uma forma ou de outra, o contrato desviado de sua função social não
ficará livre de uma sanção jurídica, pois sua prática transita pelo campo da ilicitude.
96
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e
Seguros de Saúde. 2. ed. São Paulo: MP, 2006. p. 177.
94
5.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
5.3.1 Princípio da Transparência
O legislador, ao estabelecer o dever do fornecedor em informar ao consumidor os
dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação e conteúdo à mensagem, tratou do
princípio da veracidade, que concretiza um objetivo da transparência.
É inconcebível, no campo das relações de consumo, um ato negocial que não seja
compreendido desde seu nascimento, por falta de clareza, conforme ensina Josimar Santos
Rosa
97
, pois a capacidade de persuasão do fornecedor para com o consumidor, tendo por
referencial o produto ou o serviço, contemplará o êxito desejado na relação de consumo se
aspectos inerentes a sua constituição forem bem explicitados.
A transparência implica o necessário respeito que deve existir entre consumidor e
fornecedor, aplicando-se, inclusive, na formação dos contratos regidos pela norma específica,
podendo ser invocada como fundamento à rescisão contratual, bem como, motivando
indenizações, em caso de agressão a este princípio basilar das relações de consumo.
O princípio da transparência está previsto no art. do CDC e tem como objetivo
possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais clara e menos danosa entre
fornecedor e consumidor.
Claudia Lima Marques salienta:
[...] Como reflexos do princípio da transparência temos o novo dever de
informar o consumidor, seja através da oferta, clara e correta (leia-se aqui
publicidade ou qualquer outra informação suficiente, art.30) sobre as
qualidades do produto e as condições do contrato, sob pena de o fornecedor
responder pela falha da informação (art. 20), ou ser forçado a cumprir a
oferta nos termos em que foi feita (art. 35); seja através do próprio texto do
contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em
especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54, § 3°), devendo
97
ROSA, Josimar Santos. Relações de Consumo: A Defesa dos Interesses de Consumidores e Fornecedores.
São Paulo: Atlas, 1995. p. 105.
95
o fornecedor “dar oportunidade ao consumidor” conhecer o conteúdo das
obrigações que assume, sob pena do contrato por decisão judicial não
obrigar o consumidor, mesmo se devidamente formalizado.
98
Desta feita, o dever de redação contratual clara visa assegurar a informação adequada
ao consumidor, impedindo que o fornecedor de serviços utilize-se de sua superioridade
econômica para confundir o consumidor e impor deveres que, se entendidos literalmente, não
haveriam sido assumidos.
5.3.2 Princípio da Boa Fé
A boa-fé é um princípio fundamental do Código de Defesa do Consumidor, devendo
ser respeitado nos termos do art. 4°, III. O princípio da boa-fé representa o valor da ética,
veracidade e correção dos contratantes, operando de diversas formas e em todos os momentos
do contrato, desde a sua negociação até sua execução.
Destaca-se que a boa-fé informa a nova ordem contratual em todo seu aspecto e fase.
O Código de Defesa do Consumidor foi o precursor da renovação da teoria geral dos
contratos, passando o sistema de contratos a ser interpretado não com núcleo no dogma da
vontade, mas na boa-fé objetiva. Esta é analisada conforme a vontade do homem médio,
sempre caberá ao julgador o dever de, em consulta aos seus próprios valores éticos e
comportamentais, manifestar-se caso a caso.
A boa-fé objetiva encerra o circuito da justiça contratual juntamente com os
princípios da transparência, confiança e equidade. A justiça contratual visava a livre
manifestação de vontade, nada mais sendo necessário para se impor a validade e a
obrigatoriedade dos efeitos contratuais.
O Código de Defesa do Consumidor a primeira lei a tratar da boa-fé objetiva que,
assim encontrou repercussão concreta no ordenamento contemporâneo brasileiro, não se
limitando à introdução do princípio no artigo 4º, inciso III (cláusula geral da boa-fé). Para
controlar o abuso contratual, no artigo 51, inciso IV, perfaz uma trajetória mais ampla, pois
98
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 599.
96
tipifica várias hipóteses legais de deveres que, se não tivessem sido previstos na lei, incluir-
se-iam, entretanto, no âmbito de concreção da boa-fé objetiva.
Os métodos atuais de “marketing” são utilizados para forçar psicologicamente a
aceitação do consumidor, que disporá do prazo de reflexão de sete dias, conforme dispõe o
artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, para desfazer o negócio.
ainda a possibilidade de, ultrapassado este prazo, discutirem-se todos os abusos
constantes nestes contratos com base em vários artigos do Código de Defesa do Consumidor,
como, por exemplo, os artigos 6º, 46, 51, 54 e seus parágrafos que, aliás, nada mais são do
que a expressão tipificada da boa-fé objetiva e, por isso, resultam na efetiva proteção daqueles
que porventura possam ter sido lesados e não tenham usufruído do período de reflexão
estabelecido no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.
Existem vários enunciados, tais como o contido no artigo 30, que trata do dever de
informação para oferta de produtos e serviços; os contidos nos artigos 9º, 12, 14, 31 e 52, que
versam sobre os deveres de lealdade e de probidade na publicidade; o contido no artigo 49,
que trata da possibilidade de o consumidor romper o vínculo obrigacional no período de sete
dias, o chamado período de reflexão, uma verdadeira inovação no campo do Direito, pois
concerne à possibilidade do desfazimento de um contrato formado entre pessoas capazes e
que têm disponibilidade de assumir negócios jurídicos desde que efetuados fora do
estabelecimento comercial, compreendida esta expressão de maneira ampliada, como se
verifica da leitura das decisões anexas.
E, por isso, hoje a tutela dos interesses dos consumidores no Brasil, definida no
Código de Defesa do Consumidor, restringiu os limites da autonomia privada quando
possibilitou a intervenção judicial no contrato, seja por meio da inserção de cláusulas
obrigatórias ou da proibição de cláusulas abusivas, em cuja função revela-se grande parte da
utilidade da aplicação do princípio da boa-fé objetiva.
Aqui, a boa-fé objetiva servirá para a interpretação integradora das cláusulas
contratuais e também para o reconhecimento dos deveres secundários, derivados diretamente
da boa-fé objetiva, independente da vontade manifestada pelas partes, para serem observados
97
antes, durante a fase de formação e no cumprimento da obrigação, bem como após a
execução, assim como nas obrigações decorrentes da lei.
As cláusulas gerais existem por autorização do próprio legislador, quando admite a
impossibilidade e, muitas vezes, a inconveniência de previsão legislativa casuística,
preferindo deixar em aberto para que a jurisprudência e a doutrina formulem os critérios mais
adequados para preenchê-las.
O legislador não pode prever todos os motivos, interesses e situações fáticas que
surgem envolvendo as circunstâncias da vida, que também ocorrem por meio de
desenvolvimentos futuros tanto da técnica como da existência social. Por isso, o legislador,
por meio das cláusulas gerais (como, por exemplo, aquela que, no Código de Defesa do
Consumidor, contempla o princípio da boa-fé objetiva), busca a preservação da norma.
Quando se fala em boa-fé, se fala, antes de qualquer outro aspecto, em informação
sobre o que está sendo contratado. É direito dos consumidores o acesso à informação, clara,
precisa e ostensiva, sobre os mais diversos aspectos do produto ou serviço que é objeto do
contrato que está sendo pactuado entre as partes.
Neste sentido, dispõe o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em ngua portuguesa
sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
A jurisprudência acentua:
PLANO DE SAÚDE - Ação Civil Pública. Contrato. Plano de saúde.
Anulação de cláusulas lesivas ao consumidor. Pedido acolhido. “Hipótese
em que, além da prova pericial favorável à pretensão, a publicidade não
aponta qualquer exclusão ou restrição relativa a serviços de assistência
médica e hospitalar. Essa oferta integra o contrato e obriga a contratada.
Recurso improvido.”
99
99
BRASIL. Tribunal de Justiça. Câm. 001.762-4/9 j. 28.05.1996 Relator e Desembargador Gildo dos
Santos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 23, p. 266.
98
5.3.3 Princípio da Confiança
O êxito no alcance dos objetivos propostos na via contratual depende da confiança
centrada no esboço das obrigações, que serão cumpridas reciprocamente pelas partes
contratantes de um plano de saúde, dentro do padrão mínimo regulado pela lei.
A teoria da confiança tem por objetivo a defesa das legítimas expectativas que
nascem entre os contratantes, quando pactuadas as obrigações que mutuamente são assumidas
criando entre ambos um vínculo contratual.
Os motivos da contratação, quando razoáveis e advindos da boa fé, integram a
relação contratual, protegendo as legítimas expectativas do consumidor.
Frise-se que a norma preocupou-se com o cumprimento do referido princípio a ponto
de determinar que o risco é de quem oferta e não daquele que se encontra adquirindo o
produto ou o serviço.
Aqui se encontra o fundamento da obrigatoriedade do cumprimento da oferta, que
deve ser obedecida pelo fornecedor, na forma da lei 8078/90. Aquele que faz determinado
anúncio, está por força de lei obrigado a cumpri-lo, em todos os seus termos.
Roberto Senise Lisboa
100
salienta que, nos casos de publicidade, a veracidade dos
fatos nela descritos incumbe àquele que patrocina a propaganda, vedando-se à indução do
destinatário em erro (publicidade enganosa), ainda que através de conduta omissiva (art. 37, §
3º, da Lei 8.078/90) ou ainda a incitação pública a atos contrários à moral e aos bons
costumes (publicidade abusiva).
Na atual visão da oferta, cabe ao fornecedor provar que disse a verdade sobre dados
essenciais do que é ofertado e, ainda, a oferta deve ser em língua portuguesa e com
informações corretas, precisas e ostensivas, sendo crime desobedecer tal mandamento.
100
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 21.
99
5.3.4 Princípio da Equidade
A função deste importante princípio aplicável às relações de consumo, entre as
operadoras de planos de saúde e consumidores, consiste em equilibrar os pólos da relação
jurídica. Geralmente o consumidor encontra-se em situação desfavorável, desde a fase pré-
contratual com as propagandas ofertadas e de promessas de benefícios futuros para o seu bem
estar físico e mental.
O referido princípio, justifica, a inserção de dispositivos no Código de Defesa do
Consumidor, como o que determina que as cláusulas contratuais que limitem direitos nos
contratos de adesão sejam grifadas em destaque permitindo sua imediata compreensão ou,
ainda, que em caso de dubiedade no sentido ou conflito entre cláusulas, prevaleça a
interpretação mais benéfica ao consumidor.
Por fim, é evidente que a norma de ordem pública garante o equilíbrio nas relações
contratuais ante a evidente disparidade existente entre os dois pólos da relação jurídica de
consumo.
5.4 CONTRATO DE ADESÃO
Contratos de adesão são aqueles que não resultam do livre debate entre os
contratantes, as cláusulas são pré-constituídas unilateralmente pelo contratante mais forte,
cabendo à outra parte apenas aderir a essas cláusulas.
Forçoso é convir que a liberdade contratual e a livre manifestação de vontade, que
consubstanciam na autonomia de vontade, são princípios basilares do direito privado, e sobre
eles foram erguidos imprescindíveis institutos jurídicos, como o contrato.
As cláusulas predispostas somente penetrarão no mundo jurídico, e produzirão
efeitos, a partir do instante em que o aderente vier a consentir com as cláusulas contratuais
gerais, aceitando assim, o que fora preestabelecido.
100
Vê-se, de forma clara, que inexistem as negociações preliminares, típicas para a
elaboração de um contrato; a margem de negociação é mínima, limitada basicamente ao
preenchimento da qualificação pessoal e demais dados pertinentes ao aderente; raramente
pode-se vislumbrar uma demonstração de vontade do aderente que extrapole a mera adesão.
Assim, a regra da contratação dos planos de assistência à saúde é o da submissão das
pessoas a modelos, fórmulas, condições predeterminadas, impressas ou não, mas aceitas
globalmente e sem discussão, para que se possa obter o serviço almejado.
Tem-se, então, submetida à vontade individual, nas relações contratuais com os
fornecedores e os prestadores de serviço, ditames de cunho normativo, regulamentar, em
especial às cláusulas e às condições por eles, ou em regulamentos, pré-estipuladas, quebrando
assim as noções de igualdade e de equilíbrio no âmbito contratual.
E, portanto, essa modalidade contratual está inserida neste contexto e o sujeito de
direitos, que figura em um dos pólos da relação jurídica é chamado de consumidor, com
proteção específica, não deixando também de ser um usuário, expressão que serve para
indicar o titular do direito subjetivo público, oponível ao Estado, que tem direito à saúde, de
forma integral, universal e igualitária. Nas relações privadas, estabelecidas entre cada
indivíduo e as operadoras de planos de saúde, surge, então, a figura do consumidor.
Esta análise é importante, porque o status de consumidor é agasalhado de proteção
especial pelo sistema jurídico. A busca da igualdade concreta entre os sujeitos de direito
motiva o legislador a estabelecer categorias de pessoas que, por causa de sua situação
específica, sujeita-se a regime diferenciado. É o caso do consumidor, cuja vulnerabilidade é
presumida.
Como na maior parte dos contratos de consumo de massa, os planos de saúde
também são formalizados mediante a adesão da parte consumidora às cláusulas e condições
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor. Não existe, como nos contratos paritários, a
possibilidade de discussão ou questionamento das regras por parte do consumidor.
101
Carlos Alberto Bittar
101
, amparado na conceituação de Messineo, define o contrato
de adesão, como: “Aquele em que as cláusulas são dispostas por um dos futuros contratantes
de maneira que o outro não possa modificá-las nem possa fazer outra coisa que aceita-las ou
rechaçá-las”.
Os contratos de adesão apontam em sua definição legal para dois pressupostos: a
definição unilateral do conteúdo do contrato e a impossibilidade de modificação das cláusulas
por parte do consumidor. Estabelece o “caput” do art 54, do CDC: “Contrato de adesão é
aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar o seu conteúdo”.
Os contratos de adesão são característicos da sociedade de massa, mas devem ser
exercidos de forma compatível com os princípios fundamentais da ordem econômica, dentro
os quais, estão as regras da defesa do consumidor, inserido no art. 170, V, da CF)
102
. Foram os
abusos praticados pela parte responsável pela elaboração do contrato que levaram o legislador
a ampliar os mecanismos de controle sobre o seu conteúdo.
O caráter relativo da liberdade contratual foi ampliado por meio da fixação de um rol
de cláusulas proibidas no Código de Defesa do Consumidor. O Estado intervém nos contratos
privados por intermédio de normas de ordem pública que vedam a utilização das cláusulas
que se subsumam as hipóteses previstas na lei. A principal forma de controle adotada foi a
ampliação das cláusulas proibidas, as denominadas “cláusulas abusivas”.
Uma cláusula abusiva poderá ser tida como abusiva quando se constitui num abuso
de direito (o predisponente das cláusulas contratuais, num contrato de adesão, tem o direito de
redigi-las previamente; mas comete abuso se, ao redigi-las, o faz de forma a causar dano ao
aderente). Também será considerada abusiva se fere a boa-fé objetiva, pois, segundo a
expectativa geral, de todas e quaisquer pessoas, que haver equivalência em todas as trocas.
101
BITTAR, Carlos Alberto. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva,
1991, p. 60.
102
Art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
[...]
V- defesa do consumidor.”
102
Presumir-se-á também abusiva a cláusula contratual quando ocorrer afronta aos bons
costumes, ou quando ela se desviar do fim social ou econômico que lhe fixa o direito
103
.
Assim, a discrepância entre a vontade do aderente e do ofertante devem ser
analisadas de forma a lastrear o posicionamento do exegeta, para poder interpretar de forma
coerente a real vontade motivadora do contrato de adesão.
Em nosso País, em razão da desigualdade existente entre a grande maioria dos
aderentes forçoso é convir que, o desconhecimento do aderente do conteúdo normativo chega
muito próximo da totalidade.
A adesão, comparado por muitos ao consentimento, deve ser analisada pelo
intérprete com cautela, quando a vontade manifestada colide com a vontade declarada; não
raras vezes em que a vontade se consubstancia na adesão, não existiria se o aderente tivesse
conhecimento das implicações do teor normativo que aceitara em bloco, confiando quase na
boa-fé do predisponente.
Concluindo, portanto, trata-se de uma das faces da chamada liberdade contratual,
que, além da fixação do conteúdo do contrato, abrange dois outros aspectos, também
limitados para as operadoras de planos de saúde: a liberdade de contratar ou não, e a liberdade
para escolher o parceiro contratual.
5.5 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Muitos dos casos submetidos a julgamento tratam de cláusulas de exclusão, redigidos
de forma a dificultar o entendimento do contrato. Outros demonstram a disparidade entre as
informações constantes de peças publicitárias e o efetivo conteúdo do contrato.
103
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Cláusulas abusivas nos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
p. 127.
103
Arruda Alvim
104
, atento a essa questão, leciona: “[...] as cláusulas abusivas, uma vez
caracterizadas no plano contratual, implicarão nulidade das cláusulas nas quais se encontrem
vícios”
O tempo revelou, ainda, que os planos lucram com a doença e não se encontram
direcionados à efetiva promoção da saúde. Há, inclusive, os que deliberadamente se
organizaram para garantir o lucro daqueles que exploravam a desgraça alheia.
Não havia parâmetros para se saber quais seriam as obrigações de um plano de
saúde. Elas eram apregoadas pelo corretor, no afã de vender o produto, mas quando o
adquirente recorria a prestação dos serviços esbarrava numa série de dificuldades. Na
realidade, a grande maioria desses planos não cumpria absolutamente nada do prometido pelo
corretor. Vendia-se a ilusão de que, com um cartãozinho plástico emitido pela empresa
responsável pelo plano, o portador teria acesso a um melhor tratamento médico, sem precisar
passar pelas filas do SUS. Era uma fraude a mais cometida contra o consumidor, que acaba
sendo atendido no sistema público de saúde. Em decorrência, os custos continuaram recaindo
sobre o setor público, enquanto as receitas eram canalizadas para o setor privado
105
.
É evidente que a lei 9.656/98 diminuiu as práticas abusivas, no entanto, não
conseguiu exterminar do mercado as operadoras de planos de saúde, que visa o lucro fácil
com o propósito de lesar os consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor cria novos direitos ao consumidor, um na fase
pré-contratual e outro após a formação do contrato. Assim, acentua-se que o reequilíbrio
contratual é verificado após a formação do contrato, o usuário do contrato de plano de saúde
já manifestou sua vontade, porém está em execução. As cláusulas abusivas surgem no Código
de Defesa do Consumidor, no art. 51, como instrumentos para restabelecer o reequilíbrio
contratual e fazer valer a expectativa do consumidor, tido como vulnerável nos contratos de
massa.
104
ALVIM, Arruda. Cláusulas Abusivas e seu Controle no Direito Brasileiro. Revista do Direito do
Consumidor, São Paulo, 1995. p. 40.
105
REHEM, Renílson. Os Planos de Saúde: questões e soluções. Estudos Avançados - USP, São Paulo, n. 35,
v. 13, jan./abr. 1999. p. 105.
104
O Código de Defesa do Consumidor não dispõe em seu bojo a definição de cláusulas
abusivas, possibilitando, desta forma, que uma cláusula tendo caráter abusivo, embora não
abrangida por eventual definição legal.
Na doutrina, recorre-se a definição concisa e precisa de cláusulas abusivas de
Fernando Noronha
106
, que ensina:
Essas cláusulas que reduzem unilateralmente as obrigações do predisponente
e agravam as do aderente, criando entre elas uma situação de grave
desequilibro, são as chamadas cláusulas abusivas. Podem ser conceituadas
como sendo aquelas em que uma parte se aproveita de sua posição de
superioridade para impor em seu benefício vantagens excessivas, que
destroem a relação de equivalência objetiva pressuposta pelo princípio da
justiça contratual (cláusulas abusivas em sentido estrito ou propriamente
ditas), escondendo-se muitas vezes atrás de estipulações que defraudam os
deveres de lealdade e colaboração pressupostos pela boa-fé (cláusula-
surpresa). O resultado final será sempre uma situação de grave desequilibro
entre os direitos e obrigações de uma e outra parte.
Desta maneira, o Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de harmonizar e
dar transparência às relações de consumo, trazer novos direitos aos consumidores e novos
deveres aos fornecedores, oferece o remédio jurídico para impedir e combater as chamadas
cláusulas abusivas.
O certo é que aquele que estipula as condições gerais do contrato, por força da
supremacia de sua posição, naturalmente está propenso a inserir cláusulas que transfiram a
maior parte dos riscos dos negócios para o aderente. Portanto, não é de se estranhar que
muitas das aludidas condições, por exemplo de um contrato de assistência à saúde, possuam
cláusulas abusivas.
O Código de Defesa do Consumidor, como esclarecido, não definiu cláusulas
abusivas, tão somente indicou a abusividade em casos expressos, como por exemplo disposto
no art. 53, onde considera nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações
pagas em benefício do credor, em razão do inadimplemento do consumidor; as hipóteses
elencadas no art 51, bem como deu margem à jurisprudência elencar outras situações. No
entanto, a análise do real interesse das partes na assinatura do contrato é fator primordial. A
106
NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994.
p. 248.
105
autonomia da vontade sempre considerada como prejudicada quando há vantagem excessiva
para uma das partes, causando desequilíbrio contratual.
A sanção às cláusulas abusivas, especificamente as trazidas nos arts. 51 e 53 do
CDC, é a imposição de nulidade absoluta, nos termos dos arts. 1°, tendo em vista que as
normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e de origem
constitucional. Assim determina a jurisprudência
107
:
APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO CAUTELAR INOMINADA MORTE DO
REQUERENTE HABILITAÇÃO PELO CÔNJUGE E HERDEIROS
PRESENÇA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE
PRELIMINAR REJEITADA PLANO DE SAÚDE INTERNAÇÃO EM
UTI E SESSÕES DE FISIOTERAPIALIMITAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE
DESEQUILÍBRIO NA RELAÇÃO CONTRATUAL CONTRATO DE
ADESÃO INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO HIPOSSUFICIENTE
CLÁUSULAS ABUSIVAS NULIDADE INTELIGÊNCIA DA LEI
8.078, DE 11.09.1990 PACTA SUNT SERVANDA
INAPLICABILIDADE – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA
EXISTÊNCIA RECURSO IMPROVIDO Falecendo o conveniado do
plano de saúde no curso da lide, o processo deve prosseguir com a
107
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – APC 70008785131 13ª C. Cív. Relª Desª Angela Terezinha
de Oliveira Brito J. 16.12.2004)JCDC.3 JCDC.3.2 JCDC.6 JCDC.6.V JCDC.52 JCDC.52.II JCDC.39
JCDC.39.V JCDC.51 JCDC.51.IV JCPC.128 - APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Sendo o crédito
fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como
destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária
como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078/90. Direito do
consumidor à revisão contratual. O art. , inciso V, da Lei 8.078/90 consagrou de forma pioneira o
princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do pacta sunt servanda e permitindo ao
consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por
onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (teoria da imprevisão). Hipótese dos autos em que o
desequilíbrio contratual existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente
nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas
exclusivamente pelo consumidor. Taxa de juros remuneratórios. Ausente qualquer justificativa por parte do
fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em
contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros
remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com
fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da
Lei 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. Capitalização de juros
remuneratórios. Inexistindo previsão legal, é incabível a capitalização mensal de juros, em contrato de
financiamento garantido com cláusula de alienação fiduciária. Atualização monetária. Fixado o IGP-M/FGV
como Índice de Correção Monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda
inflacionária. TERMO INICIAL DA MORA Estando sub judice a liquidez e, em via de conseqüência, a
própria exigibilidade do crédito oriundo do contrato revisando, é de ser afastada com efeitos ex tunc a mora
decorrente do inadimplemento de obrigações declaradas abusivas até que se apure o valor real do eventual
débito ainda existente. Mostra-se incabível o exame das matérias ex officio pelo juízo ad quem, as quais não
foram enfrentada pela sentença e nem foram objeto da apelação, no tocante à declaração de nulidade das
cláusulas abusivas (comissão de permanência, multa moratória e repetição do indébito), configurando-se em
julgamento extra petita, infringindo o disposto no artigo 128 do CPC. Mantida a antecipação de tutela.
Apelação provida. Voto vencido em parte.
106
habilitação do cônjuge e respectivos herdeiros (CPC, art. 1060, I). O plano
de saúde que se nega a prestar cobertura ao usuário pelo fato de ter expirado
o prazo, inicialmente, previsto, levando-o à desinternação, embora doente e
prescindindo de tratamento em uti ou em regime semi intensivo,
contrariando ordem da equipe médica, esgarça a natureza do contrato de
assistência médica que, ultima ratio, versa sobre direitos absolutos à saúde e
à vida. As cláusulas inseridas em contrato de assistência médica que
limitam a internação do conveniado ou de seu dependente em UTI,
segundo a melhor jurisprudência, são nulas, posto que consideradas
abusivas frente à Lei 8.078/90. As cláusulas que limitam a utilização de
tratamento em UTI ou similar, bem como a realização das sessões de
fisioterapia, impostas no contrato de adesão, devem ser interpretadas com
reservas, ainda mais se criam vantagens excessivas à entidade prestadora do
serviço. A necessidade de se continuar o tratamento em UTI ou em regime
semi-intensivo, bem como realizar as sessões de fisioterapia, na pessoa de
paciente conveniado, por si só configura o periculum in mora e o fumus boni
iuris autorizadores da pretensão cautelar, que determina a cobertura das
despesas pelo plano de assistência médica contratado. Admite-se que não
mais vigora, na plena acepção da palavra, o velho princípio de que o
contrato faz Lei entre as partes contratantes, ou que cada qual deve suportar
os danos de sua incúria, se contratou mal. O princípio do pacta sunt servanda
era a regra, oriunda do direito romano, como expressão da intangibilidade do
contrato. Porém, como dogma contratual não mais subsiste. (TJMT AC
44196/2002 C.Cív. Rel. Des. Orlando de Almeida Perri J.
04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I. (grifo nosso).
A cláusula é nula, mas o § do art. 51 do CDC esclarece que a nulidade da cláusula
não invalida o contrato. Portanto, o caminho para que aponta é o da redução legal. O contrato
subsiste, mas depurado da cláusula inquinada. Mas a lei estabelece um limite, ou seja, o
contrato é inválido quando a supressão da cláusula, apesar dos esforços de integração,
importar ônus excessivo para qualquer das partes. Daqui decorre que, ocorrendo cláusula
nula, a primeira tarefa que se impõe é a de integrar o contrato, substituindo essa cláusula. Se
isso não for possível, ou se daí derivar em todo o caso ônus excessivo, então o contrato é
irremediavelmente nulo.
Assim, a nulidade de uma cláusula não invalida o contrato, exceto quando de sua
ausência, apesar de esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. As
nulidades absolutas, como as do art. 51 do CDC, caracterizam-se por não serem sanáveis pelo
juiz, passando a relação contratual, naquele aspecto, a ser regida pela lei e é apenas
exemplificativa. Importante ressaltar que o inciso V do art. 6° do CDC insere como direito do
consumidor a modificação de cláusulas contratuais, possibilitando, neste sentido, ao juiz não
apenas aplicar a sanção de nulidade e também a possibilidade de modificar o conteúdo da
cláusula, sendo considerada como exceção à regra da nulidade ao possibilitar ao juiz a revisão
da cláusula. A jurisprudência é unânime neste sentido:
107
APELAÇÃO CÍVEL CONSIGNATÓRIA C/C REVISIONAL DE
CLÁUSULAS
108
CONTRATUAIS CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
REVISÃO DE OFÍCIO APLICAÇÃO DO CDC JUROS MULTA
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – 1. A antecipação de tutela é cabível no
curso processual. Estando a divida sub judice, é indevida a inserção do nome
do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, a fim de se evitar prejuízos e
constrangimentos. 2. A ação consignatória incidental é cabível pois que o
valor depositado e condizente com o que se pleiteia na revisional de
cláusulas. Antecedentes desta corte, placitado pela atual legislação civil. 3.
Revisão de cláusulas contratuais. Admissibilidade. Inciso V do art. do
cód. Do consumidor, possibilidade até mesmo de ofício. 4. Comportável a
revisão de cláusulas contratais, haja vista que o decadente princípio do pacta
sunt servanda não é absoluto, sofrendo limitações de ordem constitucional e
de normas infraconstitucionais, como no caso do inciso V do art. da Lei
8.078/90, estatuto legal que se aplica às instituições financeiras. 5. Ainda
que a Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.03, tenha revogado o parágrafo
do artigo 192 da CF/88, a disposição de juros de 12% a.a ., continua
prevalecente para os contratos pactuados antes desta data, com base ainda
nas reiteradas jurisprudências desta corte. 6. Aplicável o INPC, que é o
índice que melhor reflete a inflação e quanto à multa de 2% (dois por cento)
resta conforme o permissivo legal. Indevida a comissão de permanência
cumulada com a correção monetária. Apelação conhecida e provida. (TJGO
AC 78552-9/188 C.Cív. T. Rel. Des. Vitor Barboza Lenza
DJGO 24.02.2005) JCDC.6 JCDC.6.V JCF.192 JCF.192.3
Dada a importância deste dispositivo no presente estudo, cita-se abaixo, o seu inteiro
teor:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
I impossibilitem, exoneram ou atenuam a responsabilidade do fornecedor
por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem
renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o
fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser
limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia paga, nos
casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV-estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-
fé ou a eqüidade;
V - (VETADO);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio
jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora
obrigando o consumidor;
108
MATO GROSSO (Estado). Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Acórdão 44196/2002 Câmara Cível
Relator Desembargador Orlando de Almeida Perri – J. 04.06.2003 - JCPC.1060.I.
108
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de
maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que
igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua
obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias
necessárias.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se
a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras
circunstâncias peculiares ao caso.
§ A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato,
exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer
ônus excessivo a qualquer das partes.
§ 3° (VETADO).
§ É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente
requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser
declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste
código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e
obrigações das partes.
Cláudia Lima Marques, disserta que:
Segundo os arts. 51 e 53 do CDC, que são, neste caso, os artigos principais
para nossa análise, ficam proibidas, sob pena de nulidade, três espécies de
cláusulas: a.1) as que impossibilitem, exonerem, atenuem ou impliquem em
renúncia dos novos direitos do consumidor instituídos pelo CDC; a.2) as que
criem determinadas vantagens unilaterais ao fornecedor; a.3) as chamadas
cláusulas “surpresa” (apesar do veto presidencial ao inciso V do art. 51). Na
lista do art. 51 encontra-se igualmente a cláusula geral de boa-fé e equilíbrio
do inciso IV (b).
109
Não é sem razão que a doutrina entende que esse tipo de contrato, em caso de dúvida
quanto ao sentido e ao alcance de suas cláusulas, deve ser interpretado contra o estipulante,
como ocorre nos contratos de adesão. Não é por menos que o CDC em seu art. 47
110
, sem
distinguir contratos ou condições gerais dos contratos, tenha disposto genericamente que as
cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
109
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 789.
110
Art. 47: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
109
5.6 CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Dentre as rias modalidades de cláusulas abusivas o presente trabalho seleciona
algumas que julga pertinente trazer à colação, até porque sendo os contratos de planos
privados de assistência à saúde de adesão o consumidor se na angustiosa situação de
submeter-se às cláusulas contratuais que são impostas pelas operadoras de planos de saúde e
apenas no momento em que utilizará do serviço que o consumidor vai se deparar com as
inúmeras dificuldades.
5.6.1 Exclusão da Cobertura de Determinadas Enfermidades
Uma das cláusulas abusivas é justamente a que visa excluir a cobertura do tratamento
de determinadas doenças, denominadas “crônicas”, “infecto-contagiosas”, como no caso do
câncer e da AIDS.
A jurisprudência considera inadmissível a exclusão de doenças com base em cláusula
contratual genérica e, portanto, abusiva as cláusulas de exclusão de “epidemias”, de doenças
“infecto-contagiosas” e outras que afetam a cobertura da Aids
111
e câncer. Observe:
DIREITO CIVIL DIREITO DO CONSUMIDOR DIREITO
PROCESSUAL CIVIL PLANO DE SAÚDE TRATAMENTO DE
HEMODIÁLISE NEGATIVA DE COBERTURA IMPROPRIEDADE
DA CONDUTA EMPRESARIAL NECESSIDADE DE
SALVAGUARDAR A VIDA HUMANA CONFIGURADA A
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL INVOCADA PELA
EMPRESA APELANTE – NÃO PROVIMENTO DO RECURSO – 1. Aduz
a Seguradora a existência de cláusula contratual a impedir a cobertura, pelo
plano de saúde, do tratamento pleiteado à iniciativa da autora/apelada. A
111
Superior Tribunal de Justiça Ementa- AGRESP 265872 SP Turma- Relator Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira DJU 19.12.2003-P.OO469 - DIREITO CIVIL CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE
AIDS EXCLUSÃO DE COBERTURA CLÁUSULA POTESTATIVA E ABUSIVA
PRECEDENTES – RECURSO ESPECIAL – ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA/STJ – AGRAVO
DESPROVIDO Diante das circunstâncias do caso, especialmente pelo fato de que o autor não contratou
diretamente com a ré, mas sim através de sua empregadora, que as instâncias ordinárias concluíram pelo
direito de o recorrido receber tratamento através do plano de saúde. Nestes termos, tem incidência o disposto
nos verbetes sumulares 5 e 7/STJ. II - É da jurisprudência deste Tribunal a abusividade de cláusula que,
em contrato de seguro-saúde, afasta o tratamento de moléstias infecto-contagiosas de notificação
compulsória, a exemplo da AIDS.
110
mencionada cláusula demonstra-se abusiva ao ser interpretada para obstar o
tratamento de insuficiência renal e, por via de conseqüência, impedir a
correta manutenção do bem maior: A vida. À espécie, aplicáveis as
disposições contidas no art. 47 do CDC. 2. Recurso a que se nega
provimento, mantendo-se a sentença vergastada aos seus próprios
fundamentos.
112
A questão da cobertura de doenças esbarra-se em quatro situações elencadas por
Claudia Lima Marques
113
:
1) o consumidor é raramente informado sobre estas limitações, criando-se a
expectativa de que todas as doenças estão cobertas, com fundamento no
CDC, através de seus arts. 31, 46 e 47, uma interpretação da relação
contratual pró-consumidor;
114
2) as cláusulas limitativas aparecem sem
destaque no texto do contrato e por vezes subdivididas em várias cláusulas,
dificultando a interpretação e o conhecimento de seu verdadeiro sentido,
além de descumprir dever de clareza expresso no CDC (arts. 46 e 54,
§ 4°);
115
3) o contrato é redigido de forma ampla e técnica, podendo as
112
PERNAMBUCO (Estado). Tribunal de Justiça de Pernambuco. Ementa- 118498-7- Relator e
Desembargador José Neves- DJPE 07.12.2005.
113
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 832.
114
Tribunal de Justiça do Espírito Santo- Ementa AC 011040065861 C.Cív. Rel. Des. Alinaldo Faria
de Souza J. 01.08.2006-APELAÇÃO CÍVEL PLANO DE SAÚDE CONTRATO DE ADESÃO
INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR COBERTURA DOENÇAS GRAVES
LIMITAÇÃO NULIDADE CLÁUSULAS RESTRITIVAS RECURSO IMPROVIDO 1. As
cláusulas do contrato de adesão, por serem previamente estipuladas e não possibilitarem à parte aderente
discuti-las, devem ser interpretadas contra a parte que as editou e, portanto, de forma favorável ao
consumidor, conforme regra do art. 47 da Lei nº 8.078/90. 2. Já está pacificado neste tribunal que a
limitação de cobertura de doenças graves é nula de pleno direito, vez que frustra expectativas legítimas do
consumidor de ter a prestação dos serviços contratados, restringindo direitos inerentes à própria natureza e
objetivos do contrato, bem como por violação ao princípio da boa-fé. 3. A prestadora de serviços de planos
de saúde deve prestar efetivamente o serviço, com total aproveitamento, satisfação e, principalmente,
segurança ao consumidor, que não pode ter incertezas quanto à cobertura ou não de eventuais procedimentos
cirúrgicos. 4. As cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem constar expressamente nos
respectivos instrumentos contratuais, tendo em vista a teoria da função social do contrato. Sentença mantida.
5. Recurso improvido.
115
Tribunal de Justiça do Paraná Ementa -Acórdão 0302427-5 Curitiba 18ª C.Cív. Rel. Des. Antônio
Renato Strapasson J. 15.03.2006) JCDC.54 JCDC.54.4-AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO
CONTRATUAL PLANO DE SAÚDE TRANSPLANTE AUTÓLOGO O EXCLUSÃO
DISCUSSÃO SOBRE SUA DENOMINAÇÃO ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA TERIA SIDO
SUBMETIDA TÃO SOMENTE A “QUIMIOTERAPIA EM ALTAS DOSES COM RESGATE DE
CÉLULA PROGENITORA PERIFÉRICA” CLÁUSULA QUE GERA DÚVIDA E QUE DEVE, POR
ISTO, SER INTERPRETADA EM FAVOR DO CONSUMIDOR RECURSO PROVIDO PARA
JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – 1. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (Ap. Cív. 78.917.4/5, Rel. RUITER OLLIVA) “a redação da disposição contratual que prevê a
exclusão de cobertura para caso de transplante autoriza uma interpretação no sentido de referir-se ao
transplante heterólogo, que consiste na transferência de órgão ou porção deste de um indivíduo morto ou
vivo para outro indivíduo, pois se de um lado assim se insere na compreensão comum das pessoas, de outro
o próprio contrato admite tratamento em que possa ocorrer transplante autólogo se o problema de saúde
decorrer de acidente pessoal. Para que a restrição pudesse alcançar o transplante autólogo, a disposição
contratual teria que ser tecnicamente mais clara, a fim de que a consumidora tivesse dela a necessária
compreensão e extensão. De qualquer modo, ainda que tecnicamente se possa admitir que o tratamento
estabelecido para a autora seja classificado como um transplante autólogo, a rigor trata-se de um tratamento
111
expressões, em princípio, englobar todas, senão a maioria, das doenças
humanas, ficando para o arbítrio do fornecedor apegar-se ou não à cláusula;
4) a saúde envolve um bem personalíssimo, indivisível e indisponível, no
sentido da dignidade da pessoa humana, resultando tais limitações a
determinados tipos de doença espécie nova de discriminação atentatória aos
direitos fundamentais.
Como salientado, antes da Lei 9.656/98, não havia regulamentação específica para os
contratos de planos privados de assistência à saúde. Tão somente o Dec.-lei 73, de
21.11.1966, o qual criou o Sistema Nacional de Seguros Privados e instituiu o seguro-saúde.
Porém, não regulava a matéria a contento, possibilitando um gigantesco número de situações
levados ao Judiciário. Somente após a Constituição Federal e o Código de Defesa do
Consumidor que o usuário se viu garantido.
A cláusula de exclusão de doenças é abusiva porque contraria a boa-fé do
consumidor porque além de vulnerável, contrata um plano de saúde para utilizá-lo quando
adoecer e não sabe qual doença será portador.
A Lei 9.656/98 procurou solucionar a questão ao instituir no artigo 10, § 2
116
o plano
de saúde referência que deve ser ofertado por todas as operadoras privadas, isentando-se dessa
obrigatoriedade somente as empresas que mantém assistência à saúde pela modalidade de
autogestão e aquelas que operam com exclusividade no setor odontológico.
A Lei 9.656/98 impõe a cobertura de todas as doenças conforme depreende os arts.
10, “caput” e 12, I e II. Assim, é instituído o plano-referência de assistência à saúde para
tratamento das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
complexo e sofisticado de quimioterapia, que encontra ampla cobertura no contrato. A onerosidade do
tratamento faz parte do risco contratual assumido pela autora”. 2. E consoante o Superior Tribunal de Justiça
(RESP 311.509-SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA) “acolhida a premissa de que a
cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos
termos do art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as
cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque,
para que não fujam de sua percepção leiga”.
116
Art. 10.É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial
médico-hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil,
com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação
hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas
estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
[...]
§ 2º. As operadoras definidas nos incisos I e II do § do art. oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3
de dezembro de 1999, o plano ou seguro referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros
consumidores.”
112
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as
exigências mínimas estabelecidas no art. 12 da lei 9656/98. O plano referência deve ser
oferecido com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos
e tratamentos com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando
necessária a internação hospitalar.
Os planos de assistência odontológica estão excluídos da obrigatória oferta do plano-
referência e também não obrigam as pessoas jurídicas que operem no regime de autogestão,
modalidade em que não existe comercialização dos serviços e das coberturas, mas apenas
gestão participativa de todos ou de alguns beneficiários, sem o intuito de lucro.
Assim, todas as doenças catalogadas pela Organização Mundial de Saúde devem ser
cobertas nos contratos e se assim não for, serão nulas as cláusulas que estabeleçam restrições
à categoria de doenças cobertas, tendo em vista que o art. 51, I, do CDC estabelece a nulidade
das cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
Ademais, estabelecem os arts. 18, § 6°, III, e 20, §, do Código de Defesa do
Consumidor a necessidade da adequação dos serviços à expectativa do consumidor. O usuário
de plano de saúde quando contrata tem a legítima expectativa de que, caso fique doente, a
operadora de plano de saúde contratada suportará com os custos ao tratamento médico
necessário. Qualquer cláusula restritiva que impeça o restabelecimento da saúde em virtude da
espécie de doença sofrida, atenta contra a expectativa legítima do consumidor, bem como
atenta contra o inciso IV e § do art. 51 do CDC onde considera abusiva a cláusula que
coloca o consumidor em desvantagem exagerada
117
.
117
Tribunal de Justiça do Paraná –Ementa- Acórdão 0302427-5 Curitiba 18ª C.Cív. Rel. Des. Antônio
Renato Strapasson J. 15.03.2006 - JCDC.54 JCDC.54.4-AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO
CONTRATUAL PLANO DE SAÚDE TRANSPLANTE AUTÓLOGO O EXCLUSÃO
DISCUSSÃO SOBRE SUA DENOMINAÇÃO ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA TERIA SIDO
SUBMETIDA TÃO SOMENTE A “QUIMIOTERAPIA EM ALTAS DOSES COM RESGATE DE
CÉLULA PROGENITORA PERIFÉRICA” CLÁUSULA QUE GERA DÚVIDA E QUE DEVE, POR
ISTO, SER INTERPRETADA EM FAVOR DO CONSUMIDOR RECURSO PROVIDO PARA
JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – 1. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (Ap. Cív. 78.917.4/5, Rel. RUITER OLLIVA) “a redação da disposição contratual que prevê a
exclusão de cobertura para caso de transplante autoriza uma interpretação no sentido de referir-se ao
transplante heterólogo, que consiste na transferência de órgão ou porção deste de um indivíduo morto ou
vivo para outro indivíduo, pois se de um lado assim se insere na compreensão comum das pessoas, de outro
o próprio contrato admite tratamento em que possa ocorrer transplante autólogo se o problema de saúde
decorrer de acidente pessoal. Para que a restrição pudesse alcançar o transplante autólogo, a disposição
contratual teria que ser tecnicamente mais clara, a fim de que a consumidora tivesse dela a necessária
compreensão e extensão. De qualquer modo, ainda que tecnicamente se possa admitir que o tratamento
113
5.6.2 Exclusão do uso de Medicamentos e Materiais Importados
O artigo 10 da Lei 9.656/98 traz nos incisos I a VII exceções à obrigatoriedade da
oferta no plano referência, situações essas que podem incidir em abusividades em face do
usuário do plano de saúde. Assim, por exemplo, a exclusão do uso de medicamentos e
materiais importados imposto aos usuários de planos de natureza ambulatorial e com
internação hospitalar colide com as disposições do art. 51, IV, da Lei 8.078/90, ao estabelecer
que são abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou
sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Evidentemente que se a utilização do
material ou medicamento importado resultar no sucesso do tratamento da doença do usuário,
evidentemente que a operadora não poderá se valer do inc. V do art. 10 da Lei 9.656/98 que
restringe o direito fundamental inerente à natureza do contrato, de forma a incidir o disposto
no § 1°, inciso II do artigo 51 do CDC.
5.6.3 Limitação de Internação Hospitalar
É comum observar nos contratos de prestação de serviços de saúde, a limitação da
permanência do paciente em hospitais ou Unidade de Terapia Intensiva (UTI), demonstrando
clara abusividade, conforme artigo 51, “caput”, inciso IV e § 1°, incisos I, II, III
118
e § 4°, do
estabelecido para a autora seja classificado como um transplante autólogo, a rigor trata-se de um tratamento
complexo e sofisticado de quimioterapia, que encontra ampla cobertura no contrato. A onerosidade do
tratamento faz parte do risco contratual assumido pela autora”. 2. E consoante o Superior Tribunal de Justiça
(RESP 311.509-SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA) “acolhida a premissa de que a
cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos
termos do art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as
cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque,
para que não fujam de sua percepção leiga”.
118
Art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que:
[...]
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[...]
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar
seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do
contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
[...]
§ - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque,
permitindo sua imediata e fácil compreensão.”
114
CDC. O tempo de internação para o tratamento da saúde só pode ser determinado pela equipe
médica, e não é da vontade do paciente permanecer no hospital, além do prazo estritamente
necessário para o restabelecimento de sua saúde. 0 que está em jogo é a vida humana, valor e
fundamento de toda a ordem jurídica, e por isso não se pode fixar o tempo necessário de
internação, baseando-se em cálculos inadequados e abusivos de operações econômicas ou
financeiras
119
.
A interrupção da internação, além de ser cláusula nula de pleno direito, traz ao
consumidor um constrangimento moral pela incerteza da continuidade ou não do tratamento e,
ao fornecedor, por esse motivo, a responsabilidade civil de indenizar, dentre outros, o dano
moral sofrido. Ademais, o art. 12, II, “a” e “b”, da Lei 9.656/98 vedou a limitação do prezo de
internação, inclusive para os centros de terapia intensiva ou similar.
119
MATO GROSSO (Estado). Tribunal de Justiça do Mato Grosso - Ementa AC 44196/2002 C.Cív.
Rel. Des. Orlando de Almeida Perri J. 04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I - APELAÇÃO CÍVEL
AÇÃO CAUTELAR INOMINADA MORTE DO REQUERENTE HABILITAÇÃO PELO CÔNJUGE
E HERDEIROS PRESENÇA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE PRELIMINAR
REJEITADA PLANO DE SAÚDE INTERNAÇÃO EM UTI E SESSÕES DE
FISIOTERAPIALIMITAÇÃO IMPOSSIBILIDADE DESEQUILÍBRIO NA RELAÇÃO
CONTRATUAL CONTRATO DE ADESÃO INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO
HIPOSSUFICIENTE CLÁUSULAS ABUSIVAS NULIDADE INTELIGÊNCIA DA LEI 8.078,
DE 11.09.1990 PACTA SUNT SERVANDA INAPLICABILIDADE FUMUS BONI IURIS E
PERICULUM IN MORA EXISTÊNCIA RECURSO IMPROVIDO – Falecendo o conveniado do plano
de saúde no curso da lide, o processo deve prosseguir com a habilitação do cônjuge e respectivos herdeiros
(CPC, art. 1060, I). O plano de saúde que se nega a prestar cobertura ao usuário pelo fato de ter expirado o
prazo, inicialmente, previsto, levando-o à desinternação, embora doente e prescindindo de tratamento em
UTI ou em regime semi-intensivo, contrariando ordem da equipe médica, esgarça a natureza do contrato de
assistência médica que, ultima ratio, versa sobre direitos absolutos à saúde e à vida. As cláusulas inseridas
em contrato de assistência médica que limitam a internação do conveniado ou de seu dependente em UTI,
segundo a melhor jurisprudência, são nulas, posto que consideradas abusivas frente à Lei 8.078/90. As
cláusulas que limitam a utilização de tratamento em UTI ou similar, bem como a realização das sessões de
fisioterapia, impostas no contrato de adesão, devem ser interpretadas com reservas, ainda mais se criam
vantagens excessivas à entidade prestadora do serviço. A necessidade de se continuar o tratamento em UTI
ou em regime semi-intensivo, bem como realizar as sessões de fisioterapia, na pessoa de paciente
conveniado, por si só configura o periculum in mora e o fumus boni iuris autorizadores da pretensão
cautelar, que determina a cobertura das despesas pelo plano de assistência médica contratado. Admite-se que
não mais vigora, na plena acepção da palavra, o velho princípio de que o contrato faz Lei entre as partes
contratantes, ou que cada qual deve suportar os danos de sua incúria, se contratou mal. O princípio do pacta
sunt servanda era a regra, oriunda do direito romano, como expressão da intangibilidade do contrato. Porém,
como dogma contratual não mais subsiste. (TJMT AC 44196/2002 C.Cív. Rel. Des. Orlando de
Almeida Perri – J. 04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I
115
5.6.4 Exclusão de Doenças Preexistentes
Uma das questões mais polêmicas entre os fornecedores e consumidores de serviços
de plano de saúde diz respeito à negativa de cobertura médico-hospitalar com base de que o
tratamento solicitado configura doença preexistente à celebração do contrato.
Estabelece o artigo 11 da Lei 9.656/98 que:
É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de
contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § desta Lei após
vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo
à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento
prévio do consumidor ou beneficiário.
O referido artigo prevê a exclusão da cobertura de doença existente à época da
celebração do acordo durante o prazo de 24 meses após a vigência do contrato. Após tal
prazo, a fornecedora prestará cobertura a todas as doenças elencadas na lista organizada pela
Organização Mundial de Saúde abordada no artigo 10
120
da Lei 9.656/98, não podendo alegar
que a doença é preexistente.
A questão surge quando a fornecedora alegar a doença preexistente antes de dois
anos da celebração do contrato. Pode ocorrer que, no momento da contratação, o consumidor
menciona a doença preexistente ou a operadora faz perícia prévia: nestas duas hipóteses
existem duas alternativas: agravo na majoração do contrato ou cobertura parcial temporária.
O agravo na majoração do contrato ocorre quando consumidor e fornecedora acordam que a
doença constatada será coberta mediante um pagamento de mensalidades mais alto do que o
padrão, durante o período de 24 meses. Já no caso de aderência ao plano com a restrição de
cobertura da doença constatada, deve-se frisar que esta poderá existir pelo período de 24
meses. Após o transcurso de dois anos, a cobertura será total.
Na hipótese do consumidor fazer a opção pela cobertura parcial provisória os
atendimentos caracterizados como urgência e emergência relacionados à doença ou lesão
120
Art. 10: “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial
médico-hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil,
com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação
hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas
estabelecidas no art. 12 desta Lei.”
116
preexistente, terão cobertura igual àquela assegurada na segmentação ambulatorial,
independente do contrato firmado. Findo o prazo de dois anos a cobertura será total.
A cobertura parcial temporária é a exclusão do tratamento integral de doenças
preexistentes, no prazo de 24 meses da celebração do contrato, conforme depreende a
Resolução CONSU 02, artigo 5°. O § deste artigo estabelece: “Não haverá exclusão por
doenças e lesões preexistentes no caso de contratos coletivos empresarial ou por adesão, de
empresas, já definidos em regulamentação específica”.
A questão que traz mais polêmica nos tribunais diz respeito ao ônus da prova acerca
da preexistência da doença e da má-fé do consumidor. O artigo 11
121
da Lei 9.656/98 elucida
que a operadora tem o ônus de demonstrar que a doença para cujo tratamento nega cobertura,
é preexistente. Ademais, referido dispositivo está de acordo com os artigos 6°, VIII e 47
122
,
ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Com isso, basta ao fornecedor demonstrar que a doença é preexistente ou tem que
provar, também, que o consumidor agiu de -fé, até porque a boa-fé do consumidor é
presumida no sistema do CDC, conforme infere o art. 4°, I e III. É muito comum que o
consumidor não tenha conhecimento prévio da doença no momento da contratação, porque
não havia sinal de sintoma. Assim, constatado que a doença é preexistente tem a operadora
provar que o consumidor agiu de má-fé, ou seja, omitiu maliciosamente a existência da
doença quando da formação do contrato. Até porque caso haja algum indício de doença a
operadora poderá exigir exames prévios. Assim, se a operadora não realizar exames prévios e
nem mesmo provar a má-fé do consumidor
123
, deverá cobrir as despesas com a doença ou
lesão preexistente.
121
Art. 11: “É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos
planos ou seguros de que trata esta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento
contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do
consumidor.”
122
Art.6: [...]
“VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiências;
O art. 47.” As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
123
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Resp. 86.095-SP-4ª T. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar j. em
22.04.1996. Direito do Consumidor, n. 20, p. 151. Ver, ainda, a respeito do tema: Resp 234219-SP;
Resp1999/0092625-0; Min. Ruy Rosado de Aguiar.
117
O segurado é um leigo, que quase sempre desconhece o real significado dos termos,
cláusulas e condições constantes dos formulários que lhes são apresentados. Para reconhecer a
sua malícia, seria indispensável a prova de que: realmente foi informado e esclarecido de todo
o conteúdo do contrato de adesão ao usuário, e, ainda, estava ciente das características de sua
eventual doença, classificação e efeitos.
A exigência de um comportamento de acordo com a boa-fé recai também sobre a
empresa que presta a assistência, pois ela tem, mais do que ninguém, condições de conhecer
as peculiaridades, as características, a álea do campo de sua atividade empresarial, destinada
ao lucro, para o que corre um risco que deve ser calculado antes de se lançar no
empreendimento.
O que não se pode permitir é que as operadoras de planos de saúde atuem
indiscriminadamente, quando se trata de receber as prestações, e depois passe a exigir estrito
cumprimento do contrato para afastar a sua obrigação de dar cobertura às despesas.
Cláudia Lima Marques acentua:
Tais esdrúxulas normas desequilibram as relações contratuais privadas mais
do que as cláusulas eventualmente abusivas e, portanto, violam os interesses
e direitos dos consumidores já protegidos por lei e pela Constituição Federal
(art. 5°, XXXII) e pelo digo de Defesa do Consumidor. Melhor andaria o
Parlamento e o Executivo se esclarecessem o que pretendiam com o art. 11
da nova lei: vedar ou legitimar tal cláusula? Na minha opinião essas
cláusulas continuam vedadas nos contratos de planos e seguro-saúde em
andamento e nos novos contratos de planos de saúde assinados após a
entrada em vigor da lei especial, nos contratos em andamento com base no
art. 51, IV, do CDC e nos novos em face de uma interpretação
compatibilizadora da lei e do CDC e em uma provável interpretação literal
da norma do art.11 da Lei 9.656/98.
124
Inquestionável, pois, que a cláusula de exclusão de doença preexistente é nula por
trazer vantagem exagerada aos fornecedores, pois ofende os princípios fundamentais do
sistema jurídico e, pela forma como é estabelecida, ameaça o objeto e o equilíbrio contratual,
sem falar que é excessivamente onerosa para o consumidor.
124
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações
contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 846.
118
5.6.5 Exclusão de Tratamentos e Procedimentos Cirúrgicos de Emagrecimento
Os incisos II e IV do art. 10 da Lei 9.656/98 excluem no plano referência
“procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos [...]” e “tratamento de
rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética”.
Verifica-se que no caso concreto o usuário de plano de saúde é lesado em muitas
situações em especial nos casos de obesidade mórbida e, por conseguinte, alega a fornecedora
ser tratamento puramente estético.
Existem situações em que o tratamento estético é exigência do tratamento necessário,
porque nem sempre o tratamento estético é para embelezamento. Ademais, situações em
que o tratamento estético é fundamental para reparação de conseqüências de acidentes. No
caso do tratamento para obesidade mórbida não resta dúvida que pode existir a finalidade
estética mas é apenas uma conseqüência considerando a gravidade da obesidade no paciente.
Assim, a reparação por cirurgia estética, desde que recomendada pelo médico, tem manifesta
natureza curativa e deve ter cobertura pelos contratos de planos privados de assistência à
saúde
125
. Constitui, pois, cláusula abusiva qualquer limitação do tratamento médico nestas
circunstância. Este é o entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
CLÁUSULA CONTRATUAL DEVER DE OBEDIÊNCIA À LEI
9.656/98, ART. 1º, § APLICABILIDADE DO CDC RELAÇÃO DE
CONSUMO CARACTERIZADA PLANO DE SAÚDE OBESIDADE
MÓRBIDA RESSARCIMENTO AO SEGURADO – ABUSIVIDADE
DO ART. 4º, § 2º, DA RESOLUÇÃO 01/2000 NULIDADE
APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 6º, IV E 51, IV, § 1º, III, CDC DECISÃO
MANTIDA RECURSO DESPROVIDO A cirurgia de redução de
125
BRASIL. Tribunal de Justiça de Pernanbuco AgRg 116789-5/01 Rel. Des. Jones Figueirêdo DJPE
11.12.2004-AGRAVO REGIMENTAL PLANO DE SAÚDE OBESIDADE MÓRBIDA CIRURGIA
DE GASTROPLASTIA INOBSERVÂNCIA PELA AGRAVADA DOS PROCEDIMENTOS
CONTRATUALMENTE EXIGÍVEIS RELATÓRIO MÉDICO SUFICIENTE A JUSTIFICAR A
AUTORIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO INEXISTÊNCIA DO FUMUS BONI JURIS E
DO PERICULUM IN MORA EM FAVOR DA AGRAVANTE DECISÃO MANTIDA RECURSO
IMPROVIDO À UNANIMIDADE 1. O relatório médico, indicativo de peso, idade e respectivo índice de
massa corpórea, apresentado pela agravada constitui documento suficiente a demonstrar a necessidade de
realização do procedimento cirúrgico de gastroplastia, para tratamento da obesidade mórbida. 2. A ausência
de perícia médica por profissionais da agravante, por si só, não possui o condão de afastar o direito da
agravada à cobertura contratual pretendida. 3. Não cumpriu a agravante o ônus de demonstrar os requisitos
do fumus boni juris e do periculum in mora; a bem da verdade, este último militando em favor da agravada.
4. Unanimemente, negou-se provimento ao agravo regimental”.
119
estômago, sendo a obesidade mórbida reconhecida e catalogada na listagem
da Associação Médica Brasileira, gera inquestionavelmente o ressarcimento
ao segurado.
126
5.6.6 Exclusão de Fornecimento de Medicamento para Tratamento Domiciliar
O inciso VI do art. 10 da Lei 9.656/98 exclui do plano referência o fornecimento de
medicamentos para tratamento domiciliar. Referida cláusula ofende o inc. IV do art. 51 do
CDC de forma que coloca em desvantagem exagerada e atinge sua boa-fé, presumida,na
relação de consumo.
Maury Angelo Bottesini e Mauro Conti Machado ensinam:
Se a recomendação médica é para que o paciente seja tratado em seu
domicílio, sem prejuízo para o sucesso do tratamento e às vezes até com
vantagens, como evitar o contágio por doenças oportunistas em razão de
internação hospitalar mais demorada, e se os medicamentos que ele deve
usar se incluem na cobertura caso houvesse a internação, é manifesta a
obrigação de proporcionar cobertura para os dispêndios com tais
medicamentos.
127
Por outro lado, a fornecedora admitindo o remédio domiciliar pode diminuir a
progressão da doença, face à infecção hospitalar, e, ainda o custo com hospital e médicos é
muito maior. Ademais, o consumidor, na impossibilidade de arcar com o custo dos
medicamentos, acaba permanecendo internado nos hospitais por tempo indeterminado.
126
BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Ementa-Acórdão 0311726-2-Londrina-7ª C.Civ.-Relator
Desembargador José Maurício Pinto de Almeida J. 14.02.2006. JCDC.1JCDC.1.2
JCD.6.JCDC.6.IVJCDC.51.1.III.
127
BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguro de Saúde. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005. p. 84.
120
CONCLUSÃO
Saúde não é apenas ausência de doença, mas um completo bem estar físico, mental e
social. E, ainda, direito de todos e dever do Estado.
Não é novidade que a atuação do Estado, por intermédio do Sistema Único de Saúde
está falido, proporcionando lugar à atividade privada, que visa garantir os serviços de
assistência médica à população, por meio dos contratos de planos privados de assistência à
saúde.
A iniciativa privada opera no setor justamente porque o sistema público, sem
recursos financeiros suficientes, não tem como oferecer serviços de assistência à saúde com
qualidade à população. Mas a realidade apresenta um quadro de total insatisfação até mesmo
dos usuários de contratos de planos privados de assistência à saúde.
As normas direito à saúde suplementar devem nortear a assistência privada à saúde,
de modo a impor e garantir que os serviços prestados sejam efetivamente capazes de sanar a
tempo e prevenir as enfermidades que os usuários eventualmente venham a sofrer.
Diante da complexidade do mercado, da alta heterogeneidade do setor, da falta de
conhecimento técnico sobre como o mercado está operando com a popularização dos planos
de saúde, bem como do aumento crescente de reclamações de usuários contra as entidades de
assistência privada à saúde, há um consenso quanto à necessidade de intervenção estatal sobre
a atuação das operadoras de planos de saúde.
Mesmo com a edição da lei de planos de saúde, 9.656/98, o setor de planos de saúde
continuou com problemas. A regulação busca corrigir as distorções dos usuários e operadoras
de planos privados de saúde, bem como preservar a competitividade do mercado. A lei tem
esta pretensão, porém as operadoras buscam tão somente o lucro, sem saber que o objeto do
contrato é a saúde.
Os avanços do processo de regulamentação não lograram êxito em contribuir para o
aperfeiçoamento das relações contratuais entre fornecedoras, pessoas jurídicas de direito
121
privado, não podendo deixar de reconhecer que este usuário é parte mais fraca na relação
contratual.
A lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000 criou a Agência Nacional de Saúde
Suplementar, pessoa jurídica de direito público, integrante da administração indireta do
Estado, que tem por finalidade promover a defesa e a higidez do mercado de saúde
suplementar.
A lei de planos de saúde regula os contratos de planos privados de assistência à
saúde, bem como regimes e tipos de contratação, porém, o mercado exige muitas vezes outras
situações não regulamentadas, deixando, muitas vezes, o usuário sem opção, tornando-se
vulnerável na relação contratual.
Os contratos de plano de saúde são contratos de longa duração por envolver por
longo período um fornecedor e um consumidor e isso faz com que sejam editadas várias leis
que possam regular o contrato.
O Código de Defesa do Consumidor é lei de sobredireito e os contratos continuam
regulamentados pelas normas e princípios que lhe são próprios mas subordinados ao Código
de Defesa do Consumidor se presente a relação de consumo.
A regra de que a lei especial derroga a geral não prevalece tendo em vista que o
Código de Defesa do Consumidor é não é apenas lei geral das relações de consumo mas,
também, lei principiológica, subordinando todas leis que regulem algum setor da relação de
consumo, presentes ou futuras, ao Código de Defesa do Consumidor.
Os contratos de planos privados de assistência à saúde, celebrados anteriormente à lei
9.656/98 permanecem na égide da Constituição Federal e do Código de Defesa do
Consumidor e as cláusulas abusivas também são nulas.
Assim, deve haver um meio termo e havendo incompatibilidade entre os princípios
do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, ou seja, defesa do consumidor, livre
iniciativa e autonomia da vontade, deve-se fazer uma conciliação entre eles a fim de buscar a
proteção do mais fraco na relação contratual.
122
Não dúvida da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos
de planos privados de assistência à saúde, diante da inquestionável existência da relação de
consumo nestes contratos.
O objeto de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de
consumo, assim entendida a relação jurídica que possui como sujeitos um consumidor e um
fornecedor, tendo como objeto, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, e
buscando-se uma finalidade, que seja a compra de um produto ou a prestação de serviços,
como destinatário final.
O sistema de proteção do consumidor considera fornecedores, todos aqueles que
participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua relação
direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor, daí advém à solidariedade
entre os participantes da cadeia, consoante os artigos 18, 20 e 14 “caput” do Código de Defesa
do Consumidor.
As operadoras de planos privado de assistência à saúde, são pessoas jurídicas de
direito privado, com liberdade em sua organização societária, prestando serviços próprios ou
por intermédio de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias, que compreende a
prevenção e o tratamento de doenças, a manutenção e a reabilitação da saúde. Sendo assim,
típicas prestadoras de serviço na relação de assistência à saúde, a teor do artigo do Código
de Defesa do Consumidor.
Consumidor é a pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária
final. O consumidor pode ser aquele que figura na relação jurídica, o contratante, ou o utente
do produto ou serviço. Inquestionável, pois, que os dependentes do plano de saúde
caracterizam-se como consumidores.
Prevalece a inclusão das pessoas jurídicas como consumidoras, com a ressalva de
que, somente incluem-se aquelas que se encaixam como destinatárias finais dos produtos e
serviços que adquirem, e não os utilizando como insumos necessários ao desempenho de sua
atividade lucrativa. Assim a interpretação do Código de Defesa do Consumidor ao contemplar
a pessoa jurídica como consumidora, deve ser analisada a cada caso concreto.
123
Não pode partir da interpretação maximalista porque pode levar o aplicador da lei a
concluir que as operadoras de planos de saúde são “consumidoras” porque adquirem serviços
dos hospitais; que os hospitais são “consumidores” de equipamentos médicos; que os médicos
são “consumidores” dos serviços de apoio diagnóstico.
No gênero prestação de serviços, que, da mesma forma, se integra diferentes figuras
ou modalidades, permite-se ao contratante a disposição de força de trabalho, intelectual ou
física, de outrem, mediante remuneração.
Em todos os diferentes setores de serviços, a tônica é também a contratação mediante
adesão, compreendendo-se extenso elenco, e, com ou sem documentação escrita. Pode-se,
perfazer-se mediante ão pessoal, entrega da coisa e outros modos de contrato possíveis,
cumprindo ao usuário aderir às cláusulas e às condições que o fornecedor estipula, às vezes
em regimentos ou regulamentos, ou mesmo em normas internas de serviço, estando aí,
compreendidos os planos de assistência à saúde.
De outra parte, para uma nova teoria contratual, positivada no CDC, diminuindo os
efeitos do pacta sunt servanda, interferindo na vontade das partes no contrato, por não ser esta
um fator decisivo, a lei assume um papel fundamental para a decisão dessas questões. As
normas do CDC, valorizam tanto à vontade do consumidor, como a boa-fé, a segurança, o
equilíbrio, a lealdade e o respeito nas relações de consumo. A finalidade da norma é trazer
maior transparência nas relações de consumo, proteger à confiança dos consumidores no
vínculo contratual e nas características do produto ou serviço fornecido; ou seja, impor maior
lealdade e boa nas práticas, no caso do presente estudo, as operadoras dos planos de
assistência à saúde, para que, em última instância alcançar o necessário equilíbrio no contrato.
Do exame das regras que impõem deveres de informação à operadora do plano de
saúde é possível concluir, que se trata de obrigação autônoma em relação ao contrato de
prestação de serviços que vincula o consumidor à empresa organizadora da rede de serviços
de assistência à saúde. E, mais, há deveres, inclusive, na fase pré-contratual e, mesmo durante
sua operação, uma vez que, conforme dito, os planos de saúde têm a obrigação de garantir
transparência ao consumidor, ao poder público e ao mercado em geral.
124
De outra parte, a interpretação dos contratos de planos de saúde deve ser feita a fim
de proteger o equilíbrio contratual, distribuindo-se deveres e direitos. O consumidor do
contrato de prestação de serviço de saúde é parte reconhecida como vulnerável, e com os
fornecedores dos planos está a responsabilidade pela qualidade dos serviços, tendo-se em
conta a relação continuativa do vínculo contratual. Assim, cabe ao Poder Judiciário afastar as
cláusulas abusivas, seja a pedido do próprio consumidor como também, através de entidades
de proteção, Ministério Público e incidentalmente ex officio. O fator preponderante passa da
manifestação da vontade para a verdadeira intenção dos contratantes, protegendo-se os
legítimos interesses e expectativas dos consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor impõe, assim, no ordenamento jurídico
brasileiro, um novo regime legal quando da formação dos contratos, ao impor novos direitos
para os consumidores previstos, especialmente, no artigo 6º, tais como: proteção da vida,
divulgação sobre o consumo, informação adequada, proteção contra publicidade enganosa e
abusiva, modificação de cláusulas contratuais, entre outros e novos deveres para as
operadoras, que podem ser sintetizados nos princípios da boa fé e transparência.
O princípio da transparência impõe uma nova conduta mais leal e aberta na fase
contratual. A finalidade destas normas do CDC é a de possibilitar uma aproximação e uma
futura relação mais sincera e menos danosa ao consumidor. A boa fé orienta não o contrato
de consumo, mas, também será o guia das práticas comerciais, em especial, a dos planos de
saúde.
O CDC rompe efetivamente com o pensamento individualista e liberal do Direito das
Obrigações. Rompe com a função exclusivamente supletiva das normas que disciplinavam os
contratos, e, introduz uma nova concepção que vai relativizar o dogma da autonomia da
vontade, instituindo estes novos valores imperativos: transparência, boa fé, equilíbrio,
segurança e respeitos às relações de consumo.
Ademais, jurisprudência tem contribuído em muito para a interpretação ponderada e
ao mesmo tempo efetiva das normas do CDC. Aliados a isso, os numerosos trabalhos a
respeito do tema estão afirmando a eficácia prática da lei e sua importância nas relações
contratuais, constituindo-se num instrumento apto e flexível de solução dos problemas e lides.
125
A soberania do contrato não pode ser imposta ao consumidor e por conseguinte o
Código de Defesa do Consumidor traz todo um cortejo de arbítrios preventivos, tanto na fase
pré-contratual como na pós-contratual, para evitar que o desequilíbrio prevaleça. O direito de
informação é próprio do direito como todo, mas nas relações de consumo que o manter-se
informado de forma mpida e transparente encontrou grande difusão. A aceitação é
condicionada a certo prazo de reflexão, como as linda e encantadoras propagandas do plano
de saúde onde veiculam que a saída para o consumidor ter qualidade de vida e saúde
dependem da aquisição de um plano de saúde.
As operadoras de planos de saúde que detém o poder econômico, fixa todas as
condições para que exista o contrato, as cláusulas são predispostas e gidas e ao contratante
cabe apenas aderir, assim esses contratos são formulados pela vontade única do fornecedor. A
doutrina admite o contrato de adesão, mas as partes têm que entender as cláusulas contratuais.
Ao aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde
extrai-se a aplicação de algumas cautelas que os consumidores destes contratos devem adotar,
antes e depois de assinarem o contrato. O instrumento jurídico deve ser impresso em termos
claros, em caracteres bem legíveis, que não cansem, não se admitindo o tipo de impressão em
letra miúda, que dificulta a leitura e compreensão. As cláusulas que impliquem em limitação
ou alguma desvantagem ao consumidor, devem ser impressas em destaque. Sem estas
características, serão consideradas como não escritas ou ineficazes, mesmo que tenham sido
aceitas pelo consumidor, implícita ou explicitamente, os quais, obrigatoriamente, o plano de
referência, com as coberturas e reajustes especificados por diferentes faixas etárias. Além da
obrigação da operadora de fornecer as informações, responderá ainda por todos os atos de
seus representantes. Informações inexatas, obscuras, díspares das constantes na publicidade
ou divulgação do plano de saúde, poderão ensejar em vícios previstos no art 20, do CDC,
acarretando reexecução do serviço, redibição ou diminuição do valor pago a depender da
escolha do consumidor. Ainda, na fase pré-contratual, o consumidor deve saber que, se não
observados os preceitos estipulados no CDC as cláusulas contratuais não o obrigam,
recebendo a interpretação que mais o favorecer (arts. 46 e 47 do CDC).
O número e espécie de cláusulas abusivas constantes no mercado é infindável e que
são combatidas pelos Tribunais considerando a relação de consumo e aplicação do Código de
Defesa do Consumidor aos contratos de planos privados de assistência à saúde.
126
A cláusula de exclusão de doenças é abusiva porque contraria a boa-fé do
consumidor, porque além de vulnerável, contrata um plano de saúde para utilizá-lo quando
adoecer e não sabe qual doença será portador.
A Lei 9.656/98 procurou solucionar a questão ao instituir no artigo 10, § 2 o plano de
saúde referência que deve ser ofertado por todas as operadoras privadas, isentando-se dessa
obrigatoriedade somente as empresas que mantém assistência à saúde pela modalidade de
autogestão e aquelas que operam com exclusividade no setor odontológico.
A Lei 9.656/98 impõe a cobertura de todas as doenças conforme depreende os arts.
10, “caput” e 12, I e II. Assim, é instituído o plano-referência de assistência à saúde para
tratamento das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as
exigências mínimas estabelecidas no art. 12 da lei 9656/98. O plano referência deve ser
oferecido com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos
e tratamentos com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando
necessária a internação hospitalar.
A exclusão do uso de medicamentos e materiais importados imposto aos usuários de
planos de natureza ambulatorial e com internação hospitalar colide com as disposições do art.
51, IV, da Lei 8.078/90, ao estabelecer que são abusivas as cláusulas que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
O tempo de internação para o tratamento da saúde também é abusivo, porque só pode
ser determinado pela equipe médica, e não é da vontade do paciente permanecer no hospital,
além do prazo estritamente necessário para o restabelecimento de sua saúde. 0 que está em
jogo é a vida humana, valor e fundamento de toda a ordem jurídica, e por isso não se pode
fixar o tempo necessário de internação, baseando-se em cálculos inadequados e abusivos de
operações econômicas ou financeiras
A questão que traz mais polêmica nos tribunais diz respeito ao ônus da prova acerca
da preexistência da doença e da má-fé do consumidor. O artigo 11 da Lei 9.656/98 elucida
que a operadora tem o ônus de demonstrar que a doença para cujo tratamento nega cobertura,
é preexistente. Ademais, referido dispositivo está de acordo com os artigos 6°, VIII e 47,
ambos do Código de Defesa do Consumidor.
127
Com isso, basta ao fornecedor demonstrar que a doença é preexistente ou tem que
provar, também, que o consumidor agiu de -fé, até porque a boa-fé do consumidor é
presumida no sistema do CDC, conforme infere o art. 4°, I e III. É muito comum que o
consumidor não tenha conhecimento prévio da doença no momento da contratação, porque
não havia sinal de sintoma. Assim, constatado que a doença é preexistente tem a operadora
provar que o consumidor agiu de má-fé, ou seja, omitiu maliciosamente a existência da
doença quando da formação do contrato. Até porque caso haja algum indício de doença a
operadora poderá exigir exames prévios. Assim, se a operadora não realizar exames prévios e
nem mesmo provar a má-fé do consumidor, deverá cobrir as despesas com a doença ou lesão
preexistente.
O usuário de plano de saúde, na maioria das vezes, é um leigo, que quase sempre
desconhece o real significado dos termos, cláusulas e condições constantes dos formulários
que lhes são apresentados. Para reconhecer a sua malícia, seria indispensável a prova de que
realmente foi informado e esclarecido de todo o conteúdo do contrato de adesão ao usuário,
e, ainda, estava ciente das características de sua eventual doença, classificação e efeitos.
A exigência de um comportamento de acordo com a boa-fé recai também sobre a
empresa que presta a assistência, pois ela tem, mais do que ninguém, condições de conhecer
as peculiaridades, as características, a álea do campo de sua atividade empresarial, destinada
ao lucro, para o que corre um risco que deve ser calculado antes de se lançar no
empreendimento, visando, ainda, a função social do contrato. Claro que a operadora visa lucro
mas ao iniciar o ramo de assistência à saúde deve estar ciente que o lucro não sempre é
constante, porque primeiro é o direito à vida.
O que não se pode permitir é que as operadoras de planos de saúde atuem
indiscriminadamente, quando se trata de receber as prestações, e depois passe a exigir estrito
cumprimento do contrato para afastar a sua obrigação de dar cobertura às despesas, devendo,
sempre, respeitar os direitos dos usuários de planos privados de assistência à saúde, parte
vulnerável na relação contratual e os Tribunais tem contribuído na defesa dos consumidores,
aliados à função social e à boa-fé que devem permear toda relação contratual.
128
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