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Ana Christina Brandão Costa
ESTÁTUA!
NÃO VALE!
O CONHECIMENTO DO MOVIMENTO CORPORAL
NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL.
Juiz de Fora
2007
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2
Ana Christina Brandão Costa
ESTÁTUA!
NÃO VALE!
O CONHECIMENTO DO MOVIMENTO CORPORAL
NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora, na
linha de pesquisa Linguagem, Conhecimento
e Formação de professores como requisito
parcial à obtenção do título de mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Léa Stahlschmidt
Pinto Silva.
Juiz de Fora
2007
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3
Dedico este trabalho ao Eduardo que, com
seu pequeno grande coração, tem,
diariamente, ajudado-me a construir
conhecimentos novos sobre o que significa
ser criança; aos meus pais, Itamar e
Conceição, que, mesmo ausentes, se fazem
presentes em todos os meus momentos; ao
Ricardo, pelo amor e respeito demonstrados,
principalmente neste período, aos Los Costa
(minha família), pelo constante carinho, apoio
e compreensão; às educadoras da creche e
às crianças pequenas, pela oportunidade de
pesquisa e realização deste projeto.
4
AGRADECIMENTOS
Para que eu pudesse realizar este trabalho contei com o apoio de vários
amigos que me deram suporte na vida pessoal, familiar, profissional e de
estudante. A todos que compartilharam experiências, compreenderam minhas
ausências, ofereceram ajuda, disseram palavras que me animaram e outras
fortes, mas necessárias, os meus sinceros agradecimentos e em especial:
A Deus, pela força e proteção.
Ao Ricardo, meu marido, que se mostrou novamente um grande
companheiro.
Ao Eduardo, meu filho, pelo carinho e pelos ensinamentos diários.
Aos meus irmãos, Ana Paula e José Alfredo, à Juliana e Figueirôa, aos
sobrinhos Rodrigo, Thaís, Vitor e Fernando, aos amigos e familiares pelo apoio,
compreensão e carinho nos vários momentos dessa caminhada.
À Professora e Orientadora Drª Léa Stahlschmidt Pinto Silva, pelas
orientações, pelos saberes que compartilhou e me ajudou a construir, pelas
palavras de incentivo, carinho e atenção dispensadas, pela paciência e respeito
às minhas limitações.
Às Professoras Drª Marynelma Camargo Garanhani e Drª Maria Teresa
de Assunção Freitas, pelas sugestões no exame de qualificação, pela
disponibilidade em contribuírem com meu aprendizado e pelo respeito a esse
momento.
À Professora Ms Lídia dos Santos Zacarias pelo incentivo a buscar por
novos objetivos profissionais.
Ao Professor Dr. Hajime Takeuchi Nozaki por ter me despertado o
interesse em buscar pela relação teoria e prática.
5
Ao Professor Gleyson Stroppa, companheiro de trabalho, que tanto
colaborou assumindo minhas turmas para que eu pudesse conciliar o trabalho
com os estudos.
Às amigas e coordenadoras, Hilda Micarello e Marilene de Oliveira, pelo
respeito aos meus estudos, pelas sugestões e disponibilidade em compartilhar
seus saberes.
Às minhas amigas, Claudia, Kátia, Flávia, Cristina, Virgínia e Luciana
pela força, carinho e compreensão.
Ao Dr. Alfredo Salomão por me ajudar a acreditar e a crescer.
À Celina, grande amiga que esteve ao meu lado, me ajudando, nos
momentos mais difíceis dessa trajetória.
Às colegas do grupo de pesquisa em Educação Infantil pelas
contribuições em nossos encontros.
À direção, professores, funcionários e alunos da Fundação Educacional
Machado Sobrinho que se dispuseram em favor dos meus estudos.
À direção, professoras e alunos da Escola Municipal Caic Rocha Pombo
pela compreensão e apoio.
Aos colegas e professores do Mestrado, em especial à Professora Drª
Maria Teresa de Assunção Freitas, que em suas aulas se destaca pelo prazer
de compartilhar seus saberes com os alunos.
E finalmente, às educadoras que participaram da pesquisa pela
oportunidade de aprender e realizar este estudo.
A todos, o meu carinho e muito obrigada.
6
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo investigar a compreensão de educadoras de creche
acerca do movimento corporal no desenvolvimento infantil. Para tal, fez-se uma
pesquisa qualitativa cujo referencial teórico-metodológico balizou-se nos estudos de
Henry Wallon que se reporta às questões do desenvolvimento humano numa visão da
pessoa integral compreendendo as dimensões motora-afetiva-cognitiva e a pessoa
como resultado dessa integração. Sob a égide de uma perspectiva da psicologia
genética, tal autor dedica-se à observação e ao estudo da criança pequena, buscando
o sentido dos fenômenos em sua origem. Esta investigação teve como locus uma
creche municipal da cidade de Juiz de Fora. Cinco educadoras de crianças de 2 e 3
anos constituíram-se como sujeitos de pesquisa, cujo instrumento metodológico foi a
observação de cinco atividades desenvolvidas com as crianças pelas educadoras.
Tais atividades, anteriormente videogravadas, foram discutidas em sessões reflexivas
semanais. Procedendo-se à análise dessas sessões como principais achados
verificou-se que a importância do movimento corporal para o desenvolvimento infantil
foi ressaltada por apenas uma das educadoras; a questão da dicotomia corpo/mente e
da contenção motora estão ligadas às concepções de infância e criança presentes na
sociedade; a formação do educador está calcada no modelo do ensino fundamental,
não atendendo às especificidades da criança pequena.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil; movimento corporal; criança e
infância; formação de professores.
7
ABSTRACT
The purpose of this study is to investigate the understanding of preschool educators
about the movement of the child’s body. To this end we did a qualitative research
which the theorical and methodological were through the studies of Henry Wallon. He
relates the human development in a general vision including the motor-affective-
cognitive dimension and their results in a psychological perspective. This author
concentrates on studying small children in a genetic psychology. He looks for the
meanings of these phenomena in their origins. This research was made in a municipal
preschool in the city of Juiz de Fora. Five children educators of children, between the
ages of 2 and 3 years old, were the subject of this research. The methodological tool
was the observation of five activities with children cared out by the educators. These
activities were previously recorded in videos and discussed in weekly sessions. We
could analyze these videos and sessions finding out how important the body movement
for children is. Only one educator gave us an account of the body/mind dichotomy and
the motor containment connecting to the conceptions of the infancy and the child
present in the society. The training of our educators is for the elementary school and
not concerning to the specificities of small children.
Keywords: childhood educations; body movement; children and childhood; teachers’
training.
8
SUMÁRIO
LISTA DE ANEXOS
09
EU ADORO ESCREVER!
10
1. DE ONDE VEIO A QUESTÃO?
14
2. PESQUISADOR, SUJEITO, SUJEITO-PESQUISADOR, UM
GRANDE APRENDIZADO
27
2.1 Procedimentos metodológicos
32
3. MOVIMENTO CORPORAL E SUA RELAÇÃO COM O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
42
3.1 Do ato motor ao ato mental: as dimensões do
movimento
43
3.2 Entre o afeto, a cognição e a pessoa. A dimensão
integradora do movimento corporal
48
3.3 O movimento corporal no desenvolvimento da
criança de 2 e 3 anos
55
3.4
Movimento corporal – linguagem para se comunicar
com o mundo
63
3.5 O movimento corporal e o espaço na sala de
atividades da Educação Infantil
67
4. EDUCADORAS DE CRIANÇAS PEQUENAS, SUAS
CONCEPÇÕES E SUA PRÁTICA EDUCATIVA.
73
4.1 Infância e criança. Como se constituíram essas
concepções para as educadoras de creche.
74
4.2 Formação do educador ou formação do educador de
crianças pequenas. Existe diferença?
88
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
109
ANEXOS
118
9
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1.
AUTORIZAÇÃO DE FILMAGEM DAS CRIANÇAS
ANEXO 2.
CONSENTIMENTO DE OBSERVAÇÕES E FILMAGEM DAS
ATIVIDADES DA EDUCADORA SOCIAL
ANEXO 3.
CONSENTIMENTO DE OBSERVAÇÕES E FILMAGEM DAS
ATIVIDADES DA RECREADORA
10
Eu adoro escrever! Por mais estranho que possa parecer essa
afirmativa, é a pura verdade. Gosto de colocar no papel coisas que penso e
que muitas vezes não consigo expressar oralmente com a mesma facilidade
com que flui meu pensamento. Redescobri
1
isso quando meu filho nasceu, ou
melhor, antes de ele nascer. Queria que ele tivesse algumas informações sobre
sua vida, especialmente sobre um tempo mágico, plural - a sua infância que,
infelizmente, muitos de nós, adultos, costumamos esquecer
2
. Coisas
pequenas, palavras, gestos, descobertas, brincadeiras; momentos especiais
que mãe mesmo para lembrar. Então resolvi deixá-las registradas, para que
ele possa recorrer a elas, se assim o desejar.
A pesquisa de nossa história nos ajuda a compreender quem somos no
mundo e a construir nossa história pessoal. Comprei um caderno e resolvi
escrever. Compreender a pessoa pela sua origem é comungar com o
pensamento walloniano. Assim, comecei pela origem de meu filho, contando-
lhe onde nascera, quem eram seus avós, bisavós, tios co-sangüíneos, os não
co-sangüíneos. Além disso, busquei também a contextualizar o tempo em que
estamos vivendo, uma vez que, com Wallon (1975,1979) e Vygotsky (1998),
acredito que todo sujeito é um ser histórico e cultural que carrega consigo uma
história de vida construída na cultura do meio social em que vive. Dessa forma,
resolvi deixar registrado o que acontecia política e socialmente no mundo, no
país, em nossa cidade e na nossa família no período de sua infância.
Wallon, por considerar que o meio é constituidor do sujeito nas suas
interações, propõe um estudo contextualizado da criança. A infância é
enfocada por uma perspectiva global e dinâmica na qual a construção do eu
tem como vetor do social para o individual. Assim, adquire-se a distinção do eu
e o outro nas e pelas interações sociais.
Para Vygotsky, o meio é um lugar carregado de significados, de
ideologias, história e cultura, no qual a criança estabelece interações nos
diferentes contextos em que vive. O meio cultural é o mediador do processo de
desenvolvimento, lugar onde as ações encontram sentido e significado. A
cultura é considerada como parte da natureza humana. Enfocar a abordagem
1
Usei o redescobri, porque, quando era adolescente, sempre escrevia em diário.
2
Salvo alguns escritores como Saramago, Graciliano Ramos, Manoel de Barros que fazem
questão de nos lembrar.
11
teórica de Vygotsky é trazer a dimensão social para debate, que o indivíduo
constrói o conhecimento nas interações sociais.
Assim, como Henry Wallon, que foi buscar na gênese a origem dos
processos psíquicos, utilizarei tal recurso para compreender a origem deste
trabalho.
Ao iniciar este texto, falei da minha satisfação, meu gosto pela escrita e
dessa recente redescoberta. Entretanto, este ato de escrever que agora me
move é de natureza diversa, visto que preciso escrever obedecendo às
exigências acadêmicas.
Durante o período em que cursei a disciplina Atividades Orientadas em
Pesquisa, cujo trabalho de conclusão consistia na leitura de uma tese ou
dissertação para apresentação, um colega me mostrou uma dissertação de
Mestrado em Educação Física, realizada na Universidade Estadual de
Campinas UNICAMP (Área de Concentração: Pedagogia do Movimento
Linha de pesquisa: Pedagogia do Esporte) cuja forma de apresentação
despertou-me a atenção.
O trabalho, de autoria de Maurício Duran Pereira, foi defendido em
setembro de 2001 e se intitulou “O Mundo da Fantasia e o meio líquido: O
processo de ensino aprendizagem de natação e sua relação com o faz-de-
conta, através de aulas temáticas”. O autor construiu o texto articulando a
história de sua própria vida com a revisão bibliográfica. Mantendo o rigor e a
seriedade exigidos pelo texto acadêmico, Pereira (2001) consegue imprimir ao
texto científico uma forma pessoal, ao mesmo tempo que prima pela
rigorosidade do conteúdo. Como me identifiquei com sua escrita, pensei buscar
que minha dissertação também pudesse ter essa característica.
Assim vem-me à mente os trabalhos acadêmicos com suas seqüências,
suas partes rigorosamente delimitadas que não atendem ao que penso, que
acho que os fatos não podem ser isolados. Além disso, é difícil escrever de
uma maneira que não é minha, que não faz parte do meu meio, da minha
cultura. E o trabalho de Pereira (2001) me mostra que pode haver outro
caminho: quem sabe se eu pudesse ser eu mesma, escrever do jeito de que
gosto, apoiada na pesquisa bibliográfica, desse certo.
Cada vez que leio sobre a infância na perspectiva sociológica em que se
coloca a importância de darmos voz às crianças para compreendermos sobre
12
as culturas da infância, penso que, como sujeito sócio-histórico-cultural, tenho
opiniões, capacidade de criar, maneiras de me expressar que foram
construídas histórica e culturalmente. Assim o meio acadêmico poderia dar-me
o direito de expressar-me com minha voz e não uma outra, modelada.
Às vezes chego a pensar que o meio acadêmico é mesmo grave e
pesado como Rubem Alves relata em sua crônica Aconselho-o a se conformar:
Agora é um professor universitário com a terrível
responsabilidade de escrever artigos científicos e se
comportar devidamente. Advirto-o de que palhaços e
professores universitários não convivem bem. Você sabe
disso por experiência própria. Palhaços são leves,
flutuam; professores universitários são graves, afundam.
É proibido fazer humor em teses de mestrado e
d
outorado (ALVES, 2004 p.113).
É assim que quero apresentar minha dissertação de Mestrado, leve, não
com minha voz, mas comigo por inteira, sem separações, sem
compartimentalizar pensamentos, idéias e conhecimento, brincando com as
palavras, imaginando, criando, movimentando, procurando ser livre na redação,
com compromisso, ética, autoria, de maneira que possa contribuir com
reflexões sobre a prática e os saberes dos educadores.
Quem disse que para se pensar tem que estar imóvel, enquadrado,
dentro da mais perfeita ordem, disciplinadamente? Para ser sério não se pode
sair das regras? Sarmento, ao falar do brincar, ressalta que se trata de
atividade própria do homem, não sendo exclusivo das crianças, destacando
uma diferença importante:
... é que as crianças brincam, continua e devotadamente
e, ao contrário dos adultos, entre brincar e fazer coisas
sérias (entre o ócio e o negócio ou entre o lazer e o
trabalho) não fazem distinção, sendo o brincar muito do
que as crianças fazem de mais sério (SARMENTO, 2003
p.12).
13
Sendo assim, convido você a brincar de:
ESTÁTUA!
NÃO VALE!
O CONHECIMENTO DO MOVIMENTO CORPORAL
NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL.
14
1. DE ONDE VEIO A QUESTÃO?
Peço desculpa de me expor assim, diante de vós:
mas considero que é mais útil contar aquilo que
vivemos do que estimular um conhecimento
independente da pessoa e uma observação sem
observador. Na verdade, não nenhuma teoria
que não seja um fragmento, cuidadosamente
preparado, de uma qualquer autobiografia (Paul
Valéry,1931).
Esta epígrafe me fez refletir sobre a postura do pesquisador diante do
seu objeto de estudo e principalmente pela necessidade que senti em expor
sobre as vivências e experiências que passei durante o período em que estou
envolvida neste trabalho. Até então, distante do meio acadêmico, percebia a
pesquisa como uma atividade muito distante da prática. Pensava que os
conhecimentos produzidos pelas pesquisas ficavam restritos a uma elite
intelectual e que os próprios sujeitos das pesquisas não tinham acesso aos
resultados, fazendo com que eu questionasse a sua validade.
Ao ler o texto de André (2001 a, p.51) na Conferência do III Seminário de
Pesquisa em Educação, que se reporta aos debates acadêmicos quanto ao
propósito e ao destino das pesquisas educacionais, questionei-me quanto ao
propósito e o destino da minha pesquisa. O propósito é que possa colaborar
com a reflexão dos leitores sobre os conhecimentos e especificidades da
educação infantil.
Ao iniciar o primeiro capítulo, percebi que não conseguia terminá-lo por
vários motivos, entre os quais um dos que me chamou mais atenção foi o fato
de não conseguir separar a posição de pesquisadora da de sujeito da
pesquisa. Ocorreu, que ao observar o processo de reflexão de cinco
educadoras de uma creche pública e de duas pesquisadoras da pesquisa
intitulada “A verticalização e a horizontalização do espaço da sala de atividades
da Educação Infantil
3
”, eu não estava conseguindo separar a minha posição de
pesquisadora, que utilizava o procedimento da observação daquele processo,
da posição de sujeito. As discussões e reflexões ali travadas diziam muito da
3
Pesquisa coordenada pela Profª Dra. Léa Stahlschmidt Pinto Silva que tem como objetivo
desencadear um processo de reflexão crítico-colaborativa sobre os saberes e vivências
construídos no espaço de uma creche pública.
15
minha prática de professora de Educação Física de crianças pequenas. Foram
alguns dias de angústia até que conseguisse compreender que não acontecia
nada de errado comigo e o que se fazia necessário, naquele momento, era eu
contar o como e o quanto esta pesquisa me fizera refletir.
De acordo com Ghedin (2005), a descoberta de si no próprio objeto é
surpreendente, tornando-se, às vezes, o próprio sujeito “objeto de investigação
e de construção de conhecimento”. Esse processo de construção de
conhecimento nos leva a perceber descobertas sobre os outros, o mundo e nós
mesmos. O que é revelado “no objeto conhecido é parte de nós na mesma
medida em que somos sujeitos integrantes do mundo” (p.143). A objetividade
do subjetivo surge do longo processo de reflexão crítica que busca as causas
de tudo “para identificar-se no horizonte da compreensão interpretativa,
possibilitando-nos o entendimento num momento determinado de nosso fazer.
A construção do objeto-sujeito é, antes, uma autoconstrução” (p.144), tocando
diretamente no nosso ser. Olharmos e refletirmos sobre o que estamos fazendo
e os significados do fazer pedagógico é um exercício rigoroso de compreensão
de si mesmo.
É importante ressaltar que a escolha de minha questão de pesquisa o
se constitui como um processo solto, descontextualizado, externo, mas, antes,
faz-se constituidor de minha história de vida da qual a questão sobre o
movimento tem sido parte integrante. Nesse sentido, as notas redigidas sobre a
observação no campo, os textos referentes à formação de professores e ao
movimento corporal articulam-se, em um processo dialógico. Nesse contexto,
não como pensar a formação das educadoras
4
sem que eu reflita sobre
minha própria prática. Assim parece-me impossível colocar-me em uma
posição externa ao trabalho, buscando uma pretensa neutralidade, eximindo-
me de me posicionar.
Gómez (1995, p.103) afirma que a “reflexão não é um conhecimento
puro, mas sim um conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam
e impregnam a própria experiência vital”. Realmente o que aconteceu foi uma
impregnação mútua, eu na pesquisa e a pesquisa em mim. Embora sempre
4
No caso desta pesquisa a faixa etária escolhida foi de crianças de 2 e 3 anos de uma Creche
Municipal de Juiz de Fora. Optei por me referir ao educador no gênero feminino uma vez ser
este o universo da creche pesquisada.
16
tenha feito questionamentos quanto à relação teoria e prática, meu discurso
chegava a valorizar uma em detrimento da outra, agora consigo perceber a
importância de ambas estarem se apoiando mutuamente.
Voltando a Guedin (2005, p.133), teoria e prática são indissociáveis e
para que compreendamos o processo de construção de conhecimento, temos
que percebê-las como dois lados de um mesmo objeto.
A reflexão não se somente no âmbito da relação teoria e prática, ela
se faz presente a todo o momento, da vontade de querer descobrir de onde
veio a questão de pesquisa.
Ao repensar minha história, pude perceber algumas questões
educacionais fazendo-se presentes em minha vida, mais do que poderia
imaginar. Desde os tempos de criança, colocava minhas bonecas, bichinhos de
pelúcia e um irmão mais novo para ensinar-lhes as letras e a formação das
sílabas.
A forma como fui alfabetizada, através do método silábico, era
transmitida para eles com ênfase, vamos repetir, b com a faz...”. Essa era uma
das brincadeiras prediletas, brincar de escolinha. Sempre pensei ser
professora, gostava de crianças e sonhava poder transmitir-lhes
conhecimentos. Nas diferentes fases do meu período escolar, adorava ficar
perto das professoras imaginando-me igual a elas. Levava os “trabalhinhos”
que sobravam das aulas, passando aos meus “alunos” as novidades
aprendidas no dia.
Quando ganhei um quadro negro, foi uma felicidade só, pois o enchia de
continhas e palavras para serem copiadas, garantindo, assim, atenção e
disciplina traduzida na imobilidade dos bichinhos de pelúcia, bonecas e do
irmão mais novo (esse era mais difícil de ficar parado para aprender). Apesar
disso, não faltavam as broncas, os castigos, o tempo de recreio e os beijos
carinhosos ao final de mais um dia de trabalho e a espera do retorno no dia
seguinte para mais uma sessão de novidades, um novo encontro.
Minha inspiração vinha da tia Auxiliadora, professora da série, linda,
com seus óculos grandes e cabelos esvoaçantes. Queria ser igual a ela. Essa
admiração foi transferida, anos mais tarde, para outras professoras, uma delas,
bailarina e professora de Educação Física, acabou influenciando minha escolha
profissional.
17
Quando fui fazer minha opção para o vestibular, percebi que poderia
realizar meu sonho, juntar a paixão pela dança e a vontade de ser professora.
Minha mãe sugeriu que mudasse de opção, mas eu sabia o que queria fazer
e ser.
Após ter sido aprovada no vestibular de Educação Física da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tive meus primeiros contatos
com as disciplinas da área da saúde as quais não me agradavam muito. A
partir do segundo semestre, quando começamos a estudar os conteúdos com
ênfase em procedimentos pedagógicos, percebi que estava no caminho certo.
Meu envolvimento com as questões ligadas à Educação ganharam reforço à
medida que me encantava por outros conhecimentos que estavam sendo
adquiridos no decorrer do curso e das oportunidades de trabalho que iam
surgindo.
No curso de Educação Física, fui monitora da disciplina Ginástica II cujo
conteúdo abordava o desenvolvimento infantil. Nessa época, década de 1980,
a psicomotricidade e, mais tarde, a abordagem construtivista-interacionista,
eram movimentos que se contrapunham às abordagens pedagógicas
5
tecnicista, esportivista e biologicista.
De acordo com Darido (2003), a proposta de Le Boulch, autor de
referência na área da Educação Física, era a reeducação psicomotora através
da consciência corporal, de exercícios de coordenação e lateralidade. João
Batista Freire, baseado em Piaget, apresentava a proposta construtivista-
interacionista que tinha por objetivo a “construção do conhecimento a partir da
interação do sujeito com o mundo, numa relação que extrapola o simples
exercício de ensinar e aprender” (CNEP, 1990, p.9, citado por Darido, 2003
p.07). Esses autores nortearam nossos trabalhos naquele período. Pelo fato de
acreditar que essas abordagens legitimavam a Educação Física, trabalhei por
muito tempo nessa perspectiva.
6
5
Essas abordagens tinham a mesma proposta, valorizar “o rendimento e a seleção dos mais
habilidosos”. Não consideravam o aluno como sujeito de cultura, com ritmo próprio, mas como
atleta com habilidades homogêneas. O professor deixa de ser instrutor, passando a ser
considerado treinador, centralizador de conhecimentos com uma “prática centrada na repetição
mecânica dos movimentos esportivos” (Darido, 2003 p.3).
6
Gostaria de esclarecer que não é meu objetivo aprofundar nas abordagens metodológicas da
Educação Física e nem julgar a proposta apresentada por Le Boulch, mas, sim, reforçar minha
opção pelo teórico Henri Wallon.
18
O que não percebi era que minha questão de pesquisa começava a
brotar nessa época. Apesar de ter- me valido dessas concepções da Educação
Física, havia um incômodo em mim instaurado, ainda que não conseguisse
identificá-lo. Por trás dessa prática do “exercício pelo exercício” como aquisição
de habilidades, perpassa um ideal de separação, de corte, de cisão, diferente
da concepção de integralidade que apresento aqui com base na perspectiva de
Henri Wallon.
Cabe dizer que nessa época, final dos anos 1980, a Universidade, na
minha percepção como aluna, estava mais voltada para extensão do que para
pesquisa. Ao terminarmos a faculdade, o objetivo era o mercado de trabalho e
não a pesquisa, saíamos da faculdade ótimos práticos, mas sem saber
pesquisar.
Ao final do ano de 1988, passei a fazer parte da equipe de professores
da Fundação Educacional Machado Sobrinho onde estou a hoje
desenvolvendo meu trabalho como professora de Educação Física.
A sensação de ser ex-aluna e professora trouxe-me grande satisfação. No
início, lecionava para alunas do ensino fundamental, ensino médio e curso
técnico de Contabilidade. No segmento do ensino fundamental, as
professoras regentes é que trabalhavam com a Educação Física, ou melhor,
com brincadeiras livres, indo para a quadra, algumas vezes, fazer recreação
com as crianças.
Tal situação sempre incomodava a mim e aos dois colegas que
lecionavam comigo na referida Fundação. Começamos a questionar por que
esse segmento não tinha aulas com professores de Educação Física.
Apresentamos, junto à direção da escola, com o apoio das professoras, uma
proposta de trabalho que incluísse esse segmento na carga horária destinada à
Educação Física. Foi permitido que trabalhássemos com as turmas uma vez
por semana.
Fomos conquistando nossos espaços aos poucos e, mais tarde, a escola
passou a adotar duas aulas semanais com professores de Educação Física
para o 1º segmento do ensino fundamental. Nossas reivindicações continuaram
e, a partir delas, colocamos as aulas desses alunos dentro da matriz curricular
e no mesmo horário do turno da manhã, conquistando os objetivos que
almejávamos.
19
Nessa época a escola amplia seu atendimento, passando a oferecer a
Educação Infantil, fato que se afigurou como um novo desafio. Passei a me
encantar pelas questões específicas desta faixa etária, tendo o movimento, o
faz-de-conta e o lúdico como parte de seu universo.
A partir dessa nova experiência com crianças pequenas, procurei
trabalhar também com esse segmento na rede pública de Juiz de Fora, uma
vez que, até então, trabalhava somente com o ensino fundamental na rede
municipal de ensino.
Um fato a ser ressaltado é que o grupo de professoras da Educação
Infantil da rede particular da qual faço parte estivera envolvido em uma
pesquisa realizada por professoras da UFJF intitulada “Concepções de
Qualidade em Educação Infantil: um Estudo de Caso”, da qual participei
durante um curto espaço de tempo, pois me encontrava nos últimos meses de
gravidez.
Durante minha permanência no grupo, uma palavra no título da pesquisa
me chamava atenção. O que poderia ser “qualidade”
7
em Educação Infantil?
Acreditava que, para se oferecer uma educação de qualidade, seria necessário
levar em conta as especificidades dessa faixa etária, a unidade do ser humano
e não sua segmentação. O movimento, o brinquedo, a brincadeira, o lúdico, a
cultura corporal
8
deveriam fazer parte do processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança. Procurava relacionar em meu trabalho concepções
teóricas de Educação Física que tinham uma visão de ser humano integral, em
que o desenvolvimento se histórica e culturalmente. Acreditava que essas
concepções também deveriam fazer parte do processo de construção do
conhecimento da criança pequena e, assim, levando em consideração o
desenvolvimento do sujeito integral, cognitivo, afetivo e motor, poderíamos
desenvolver um trabalho de qualidade.
7
Dahlberg, Pence e Moss DAHLBERG, G.; MOSS, P.; PENCE, A. In: Qualidade na educação
da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: ARTMED, 2003, p.15 se
referem à qualidade como “um conceito subjetivo, construído, baseado em valores, dinâmico e
relativo com a possibilidade de perspectivas múltiplas” e não à qualidade total instituída pelo
modelo neoliberal.
8
Segundo Oliveira(a), (2005), a cultura corporal “pode ser compreendida como um conjunto de
práticas (que envolvem o jogo, o esporte, a dança, a ginástica e outras), que se manifestam
através da expressão corporal humana”, devendo ser tratada de forma crítica e relacionada ao
contexto social e cultural.
20
A partir dessa minha visão sobre o que poderia ser qualidade na
educação da criança pequena, comecei a buscar textos que falavam sobre a
educação da criança como um todo, ressaltando a importância de se trabalhar
com o movimento e o brincar nessa fase da infância, na qual a fantasia e
intensidade motora estão presentes, estimulando o desenvolvimento. Pude
perceber que a bibliografia sobre esse campo é vasta e a partir dessas leituras,
comecei a ter interesse pelas questões relacionadas ao movimento e à criança
pequena.
O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil RECNEI -
(1998), valoriza o movimento como “importante dimensão do desenvolvimento
e da cultura humana(p.15). Ao ter contato com esse documento, procurei nas
referências bibliográficas os teóricos que lhe tinham dado suporte ao mesmo.
Um dos teóricos apresentados, Henri Wallon, valoriza o estudo
integrado do desenvolvimento infantil no qual o movimento, pelo seu significado
para a criança pequena, vai além do simples deslocamento de partes do corpo
no espaço, passando a integrar-se ao conjunto de atividades da mesma. Foi o
primeiro contato que tive com a teoria walloniana, despertou em mim grande
interesse por suas contribuições para Educação infantil.
Ao tratar das questões relacionadas ao movimento, o RECNEI (1998)
questiona as restrições posturais impostas por algumas práticas educativas
com a intenção de visar à boa ordem e à garantia da disciplina além da idéia de
que o movimento dificulta a concentração e atenção, interferindo na
aprendizagem.
Pude notar, no exercício da docência, que algumas atividades mais
sistematizadas, em que qualquer deslocamento pode ser visto como desordem
e indisciplina, parecem ser desenvolvidas com a finalidade de contenção
motora. Outras práticas, porém, chegam a propor seqüências de deslocamento
corporal como recurso didático, como forma de despender energia, mas limitam
as iniciativas próprias e a expressão da criança “ao enquadrar os gestos e
deslocamentos a modelos predeterminados ou a momentos específicos” (p.17).
O mesmo documento também diz que:
21
A permanente exigência de contenção motora pode
estar baseada na idéia de que o movimento impede
a concentração e a atenção da criança,
atrapalhando na aprendizagem. Todavia, a julgar
pelo papel que os gestos e as posturas
desempenham junto à percepção e à
representação, conclui-se que, ao contrário, é a
impossibilidade de mover-se ou de gesticular que
pode dificultar o pensamento e a manutenção da
atenção (p.17).
Quanto à questão da garantia da disciplina, Mendes e Nóbrega (2004)
fazem referência à educação pautada nos pressupostos racionalistas da
modernidade, que buscam instituir digos morais que reprimem as
possibilidades de expressão do corpo estabelecendo um distanciamento entre
aprendizagem e experiências sensíveis.
A relação disciplina/corpo domado, imóvel, fez-me lembrar as aulas de
história da Educação Física do curso de pós-graduação em “Educação Física
Escolar” que fiz, em 1999, na UFJF, no qual estudávamos sobre as
representações sociais da mesma em sua trajetória. A correlação entre o
período político da ditadura, na década de 1960, e seu reflexo nos corpos
domesticados, em que a cabeça pensava e o corpo não se expressava, era
bem nítida.
Em décadas passadas, a falta de movimento era percebida desde o
nascimento quando as crianças eram envoltas em panos nos quais
permaneciam “embrulhadas” por alguns meses. Os momentos de liberdade de
movimento do bebê até os três meses, mais ou menos, eram restritos ao banho
e às trocas de roupa. Em seguida, eram novamente embrulhados com a idéia
de quanto mais imobilidade, mais o bebê se desenvolvia.
Voltando aos meus “alunos” de quando era criança, percebi que, de
todos os presentes, o que dava mais trabalho e o mais indisciplinado era o meu
irmão pequeno. Sua vontade e necessidade de movimento, de explorar o
espaço e sua curiosidade faziam com que saísse do lugar, mexesse,
perguntasse, falasse. Bem diferente dos outros (bichinhos de pelúcia, bonecas)
que ficavam quietinhos, estáticos, calados, prontos para aprender. E eu dizia
para ele: “brincadeira tem hora e lugar, no recreio!” Percebi, mais tarde, a
visão dualista e a forte influência do pensamento cartesiano nessa passagem.
22
De acordo com Galvão (1992), Wallon considera que a origem do
pensamento dicotomizado, antes de se fazer presente na educação, fazia parte
de reflexões filosóficas. O início da dicotomização entre corpo e mente podem
ser percebidos a partir de Platão que reconhece a existência de dois mundos, o
das idéias e o real, estabelecendo distinção clara entre eles.
Suas idéias influenciaram o pensamento de outros filósofos, dentre os
quais Descartes, que trazia a concepção de que mente e corpo são entidades
distintas, não havendo semelhança qualitativa entre eles.
Silva(a) (1999, p.11) nos aponta que, “ao separar radicalmente as
dimensões corpo e alma, a perspectiva cartesiana reforça a idéia de
funcionamento corporal independente da idéia de essência, como uma
maquinaria que atua com princípios mecânicos próprios”.
De todos os filósofos, Espinosa foi um dos que o abriu mão de sua
liberdade em pensar, escrever e falar, causando uma reviravolta na filosofia da
época. Contrapõe-se a Descartes, ao afirmar que a relação entre alma e corpo
é explicada como relação expressiva, “o corpo e a alma expressam-se
mutuamente e constituem a unidade imanente do homem” (Abrão,1999 p. 217).
O filósofo reivindicava a liberdade de expressão e pensamento, o por ser
desobediência a uma autoridade transcendente, mas por ser uma necessidade
inseparável da natureza divina.
Em minha trajetória como professora, algumas situações que
aconteciam durante o dia de trabalho e diziam respeito à dicotomia
corpo/mente, começaram a despertar minha atenção causando-me certo
incômodo.
Ao passar pelos corredores das salas de atividades da Educação
Infantil, via crianças muito pequenas sentadas nas cadeirinhas em que mal
encostavam os pés no chão.
9
Essa cena se repetia por várias vezes, crianças
sentadas nas rodinhas, no chão ou em suas cadeirinhas.
Foi que as coisas ficaram confusas para mim. De um lado, a
bibliografia valorizando o movimento, o brincar, o faz-de-conta, o lúdico e, de
outro, as restrições ao movimento. Ficou a indagação: em nossa prática
9
Acredito fazer-se necessário esclarecer que não gostaria de discutir, neste momento, sobre
questões ligadas ao espaço pensado ou aproveitado para educação infantil e tampouco sobre
o mobiliário adequado para esse segmento de educação
.
23
trabalhamos na perspectiva da contenção motora através de corpos
domesticados? Como lidar com esse paradoxo em que as práticas
pedagógicas parecem desvalorizar o movimento como tema do cotidiano
escolar? Será que as práticas corporais estão restritas a momentos
específicos, entre os quais o período do recreio e as aulas de Educação
Física?
O fato de ser professora de Educação Física, observar a ausência do
movimento na maioria das atividades realizadas pelas professoras de
Educação Infantil e perceber sua presença somente em momentos específicos,
como o recreio e aula de educação física, levou-me a pesquisar o tema sobre o
movimento corporal na formação do educador infantil.
Percebo, não somente nas escolas em que trabalho, mas também agora
que faço parte do meio acadêmico novamente, que existe uma separação entre
questões cognitivas e motoras e, conseqüentemente, uma valorização
diferenciada para ambas. Quem pensa não se mexe e quem se mexe não
pensa.
Ao fazer uma revisão bibliográfica sobre o tema de meu interesse,
encontrei trabalhos muito interessantes. A dissertação de mestrado de Dijnane
Fernanda Veodatto Iza (2003) “Quietas e caladas: reflexões sobre as
atividades de movimento com crianças na Educação Infantil” tem por objetivo
identificar, na rotina diária de uma creche municipal, atividades em que o
movimento seja promovido pelas profissionais que atuam com as crianças
pequenas. O resultado da pesquisa aponta para um incentivo ao o-
movimento.
Kishimoto (2001), em seu texto “LDB e as instituições de Educação
Infantil: Desafios e perspectivas”, publicado na revista paulista de Educação
Física, questiona a legislação que propõe o desenvolvimento integrado da
criança como objetivo a ser alcançado, sendo que existe uma fragmentação
quanto ao tratamento dado às atividades intelectuais e psicológicas; as
intelectuais como sendo realizadas em salas de aula, ficando no pátio as
atividades relacionadas ao físico e ao social.
Com o título “Concepções e práticas pedagógicas de educadoras da
pequena infância: os saberes sobre o movimento corporal da criança”
Marynelma Camargo Garanhani (2004) busca investigar, em sua tese de
24
doutorado, as concepções e práticas de atividades cotidianas de um centro de
educação infantil, identificando os saberes norteadores das ações pedagógicas
sobre o movimento corporal da criança de 3 a 6 anos.
Galvão (2004) traz sua contribuição através da pesquisa de mestrado
com o título “O espaço do movimento no cotidiano de uma pré-escola à luz da
teoria de Henry Wallon” (1992) e de doutorado “O papel das emoções e da
motricidade expressiva nas interações sociais no meio escolar” (1998) na qual
valoriza a questão dos conflitos no cotidiano escolar, sendo que um dos
conflitos levantados relaciona-se à contenção motora.
Chaves (2004) foi organizadora do livro Pedagogia do Movimento:
diferentes concepções” cujos colaboradores defendem concepções divergentes
sobre a pedagogia do movimento, mas sintonizadas com um projeto de
escolarização.
Sayão (2002) publicou vários artigos relacionados às temáticas do
corpo, movimento e Educação Infantil na linha de pesquisa Ensino e Formação
de Professores da Universidade Federal de Santa Catarina contribuindo com
discussões relacionadas à Educação Física e Educação Infantil.
Essas leituras trazem à tona, outra vez, o tema da pesquisa da qual
participara sobre qualidade em Educação Infantil. Que qualidade seria essa,
estariam os professores refletindo e compreendendo sobre os temas
específicos da Educação Infantil? Será que as atividades de Educação Infantil
estão separadas entre atividades do intelecto e atividades motoras? A
dicotomia entre corpo/mente está presente na educação de crianças
pequenas?
Pensando nas inquietações aqui suscitadas, apresento a seguinte
questão de pesquisa nesta dissertação: Como a educadora de creche
compreende o movimento corporal no desenvolvimento infantil? Assim,
este trabalho, que teve como sujeitos cinco educadoras de uma Creche
Municipal de Juiz de Fora
10
, tem como objetivo buscar a compreensão das
educadoras sobre a relação do movimento corporal e o desenvolvimento
infantil, analisando não apenas se, em suas práticas encontra-se presente a
10
Nesta creche são matriculadas crianças de 0 - 3 anos de idade.
25
idéia de separação entre atividades cognitivas e motoras, mas também se
existe relação entre contenção motora e disciplina.
Em se tratando do movimento corporal e sua relação com o
desenvolvimento infantil, percebo que tal questão vai para além do
deslocamento das partes do corpo no espaço. O movimento tem sua
importância reconhecida como sendo, segundo Wallon (1975, p.75), o
testemunho da vida psíquica da criança até aparecer a fala. Ao se expressar e
se comunicar com o meio social, a criança pequena desenvolve a linguagem e,
nessa fase, o corpo e os movimentos por ele produzidos são utilizados como
meio de interação entre a criança e o adulto.
Na fase inicial do desenvolvimento infantil, o movimento possui uma
dimensão subjetiva sendo a expressão da vida afetiva cuja principal função é a
interação direta com as pessoas. Já sua dimensão cognitiva se desenvolve aos
poucos, gradualmente, ajustando os gestos para agir culturalmente sobre o
espaço e o meio físico.
E é justamente depois de aparecer a fala na criança que o movimento
adquire um significado mais intencional, de exploração. O gesto, acompanhado
pela fala, inicia um processo de discriminação entre objetos, abrindo caminho
para a representação que dará suporte para que, através da ação motora, o
pensamento ganhe forma.
A opção por investigar uma instituição de Educação Infantil se justifica,
segundo Wallon (1975;1979), por ser essa instituição muito importante para a
criança, pois proporciona o desenvolvimento da personalidade através das
interações sociais que são estabelecidas entre seus pares e os outros e que
acontece ao final do estágio sensório-motor e projetivo e no estágio do
personalismo, por volta dos três anos.
Nesse contexto, é mister ressaltar que o referencial teórico-metodológico
desta dissertação fundamenta-se na teoria de Henry Wallon, cujos estudos
trazem significativa contribuição quanto à questão do movimento, baseando-se
nas concepções de homem e de mundo da abordagem histórico-cultural.
Portanto, nesta dissertação busco, através das observações de cinco
atividades realizadas por cada uma das educadoras com as crianças de uma
creche comunitária de Juiz de Fora, responder aos objetivos e à questão de
pesquisa. Para tal, procedo à seguinte organização: no segundo capítulo,
26
apresento, de forma mais detalhada, a metodologia adotada na investigação.
No terceiro capítulo, abordo as questões do movimento corporal e a relação
entre contenção motora e disciplina. No capítulo subseqüente, apresento a
dicotomia entre atividade cognitiva e motora, além de abordar a formação da
educadora de crianças pequenas no contexto de creche. Para finalizar,
procedo a algumas conclusões, ainda que provisórias, acerca do tema
desenvolvido nesta investigação.
27
2. PESQUISADOR, SUJEITO, SUJEITO-PESQUISADOR, UM GRANDE
APRENDIZADO.
Tal como um mineiro apanha uma pedra,
perscrutando-a na busca do ouro, também o
investigador procura identificar a informação
importante por entre o material encontrado
durante o processo de investigação. Num certo
sentido, os acontecimentos vulgares tornam-se
dados quando vistos de um ponto de vista
particular o do investigador. (Bogdan e
Biklen, 1994).
Para o educador, assumir o papel de investigador não é tarefa fácil,
deparamo-nos com surpresas, muitas dificuldades, com o imprevisto, uma vez
que em geral, somos mal preparados para enfrentar os desafios da vida
acadêmica, principalmente para quem cursou a Universidade numa época em
que a pesquisa não se fazia muito presente. Mas a vontade de ir além, buscar
por um saber mais elaborado, além de ser grande desafio, é também um
grande aprendizado.
Dessa forma, pretendo, neste capítulo, discorrer sobre como essa
trajetória se deu, os caminhos por mim percorridos durante o desenvolvimento
da pesquisa e os esforços para encontrar uma metodologia que pudesse
auxiliar na busca pela resposta à minha questão. Para tal, procurei inicialmente
fazer um breve histórico da investigação qualitativa.
Os métodos investigativos de pesquisa utilizados pelas ciências físicas e
naturais, baseados nos princípios positivistas, começam a ser questionados, ao
final do século XIX, por cientistas sociais, quanto a sua utilização para estudar
fenômenos relativos à sociedade e ao homem.
Argumentando a diferença entre fenômenos humanos e sociais e físicos
e biológicos, Dilthey e Weber, citados por André (1995), buscam metodologias
diferentes para as ciências sociais. Tratar os fenômenos humanos, utilizando
modelos experimentais, cnicas e métodos das ciências da Natureza não é
uma tarefa que se realiza com facilidade. Segundo André (1995, p.16), é
“quase impossível o estabelecimento de leis gerais como na Física e na
Biologia”.
28
De acordo com Chauí (1995, p.271), a transposição integral de métodos
e técnicas das teorias naturais para estudar fenômenos humanos não era
possível, fazendo com que o trabalho das ciências humanas fosse realizado
por analogia com as ciências naturais, o que tornava os resultados
contestáveis, levando cientistas e filósofos a duvidarem de uma ciência que
tem o ser humano por objeto.
A defesa por uma nova visão de conhecimento das questões humanas e
sociais desperta o interesse em estudiosos, surgindo uma corrente idealista-
subjetivista que, em oposição à visão de ciência empírica, “busca a
interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da constatação,
valoriza a indução e assume que fatos e valores estão intimamente
relacionados” (André, 1995, p.17).
Para Chauí (1995, p.273), as ciências humanas passam a se consolidar
como ciências específicas, após colaboração de três correntes de pensamento,
a fenomenologia, o estruturalismo e o marxismo, que provocaram uma
revolução científica e um rompimento na teoria das ciências nos anos de 20 a
50 do século XX.
A definição e a delimitação dos objetos das ciências humanas foi
permitida pela fenomenologia, o estruturalismo consentiu uma metodologia
específica para estudar os objetos sem usar as explicações mecânicas das
ciências naturais. o marxismo facilitou a compreensão que os “fatos
humanos são historicamente determinados e que a historicidade, longe de
impedir que sejam conhecidos, garante a interpretação racional deles e o
conhecimento de suas leis” (Chauí, 1995, p.275).
A partir dessas contribuições, foi possível demonstrar que os fenômenos
humanos são diferentes dos naturais. Eles têm sentido, significado, são
históricos, possuem leis próprias e podem ser tratados cientificamente. Essas
contribuições possibilitaram que se firmasse uma nova abordagem de pesquisa
denominada“qualitativa” que se revela como uma investigação que leva em
conta a interpretação dos dados e a compreensão da realidade em contexto.
Tal abordagem não considera a postura do investigador em relação à realidade
investigada como neutra, admitindo existir influência entre as subjetividades do
pesquisador e dos pesquisados. Ao registrar suas reflexões sobre as
29
observações em diários de campo, estes se tornam dados em si mesmos,
constituindo parte da interpretação.
Esse modelo de pesquisa pode ser utilizado, “compreendendo desde
estudos do tipo etnográfico, estudo de caso, pesquisa participante, pesquisa-
ação até análises de discurso e de narrativas, estudos de memória, histórias de
vida e história oral” (André, 2001 a, p.54).
Diante de tantas possibilidades de realizar pesquisa em educação, qual
o tipo de estudo utilizado que mais se aproxima do propósito desta pesquisa?
Como realizar e descrever uma pesquisa sem compreender os fenômenos em
seus acontecimentos históricos, sem uma relação dialógica na qual o
pesquisador e sujeito não se relacionam? Esse foi o questionamento que
influenciou minha escolha metodológica. Desta forma busquei por uma “forma
outra de fazer ciência envolvendo a arte da descrição complementada pela
explicação” (FREITAS, 2002, p.21) encontrada na pesquisa qualitativa sob
orientação sócio-histórica. Essa perspectiva se baseia na tentativa de
superação dos reducionismos das concepções empiristas e idealistas. Para
Freitas (2002), isso é evidenciado na “crise da psicologia”, assinalada por
Vygotsky (1896-1934), em que se debatiam sobre os modelos que
privilegiavam “ora a mente e os aspectos internos do indivíduo, ora o
comportamento externo” (p.22).
Assim, autores que se identificam com a teoria sócio-histórica procuram
encontrar métodos para estudar o homem como unidade de corpo e mente,
articulando dialeticamente aspectos internos e externos, considerando a
relação do sujeito com a sociedade à qual pertence. O particular na perspectiva
sócio-histórica deve ser focalizado como instância da totalidade social,
buscando a compreensão dos sujeitos e o seu contexto.
A pesquisa qualitativa com enfoque sócio-histórico não indaga em
função dos resultados, o que se tenciona é a compreensão dos
comportamentos partindo da perspectiva dos sujeitos investigados, “não se cria
artificialmente uma situação para ser pesquisada, mas se vai ao encontro da
situação no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento” (Freitas,
2002, p.27).
Em função do objetivo da pesquisa, que foi de investigar como a
educadora de creche compreende o movimento corporal no desenvolvimento
30
infantil, optei na minha pesquisa por um referencial teórico-metodológico que
contemplasse essa compreensão a partir da perspectiva das educadoras que
foram os sujeitos da investigação.
Para tal, procurei guiar-me nos pressupostos teórico-metodológicos de
Henry Wallon que oferecem grandes contribuições para a compreensão do
processo de constituição da pessoa e pela relação que estabeleceu entre
Psicologia e Educação, como fontes complementares de inspiração.
Wallon assume a perspectiva da psicologia genética, dedicando-se à
observação e ao estudo da criança pequena, buscando o sentido dos
fenômenos em sua origem. Esse procedimento, que absorve a totalidade da
vida psíquica, constitui-se no todo adequado para estudar a transformação
da criança em adulto.
Ao fazer leitura do próprio Wallon e de autores que falam sobre ele,
percebi que a diferença desse teórico para outras concepções
desenvolvimentistas se justifica pelo fato de sua base filosófica se fundamentar
no materialismo histórico-dialético, no qual se considera o homem como um
sujeito histórico, que constrói conhecimento nas relações interpessoais dentro
de um contexto.
Ao eleger o materialismo dialético como fundamento filosófico e método
de análise, Wallon diferencia sua teoria sobre o desenvolvimento, tornando-a
peculiar, quando entende a pessoa de forma integrada nas dimensões
cognitiva, afetiva e motora. Essas dimensões se interagem constantemente,
são processos, sendo difícil compreendê-las através de um pensamento
dicotomizado. Perceber o indivíduo na perspectiva da psicogênse walloniana é
romper com concepções reducionistas, pois, segundo Galvão (1995, p.28),
estas “limitam a compreensão do psiquismo humano a um ou a outro termo da
dualidade espírito-matéria”.
Baseado na dialética do materialismo histórico, Wallon descreve e
explica o sentido dos fenômenos em sua origem e transformações. Para tal,
elaborou seu próprio método, a análise genética comparativa multidimensional
na qual faz uma série de comparações
11
para esclarecer o processo de
11
Wallon compara a criança patológica com a normal por compreender que a patologia
funciona como uma forma de enxergar, acentuadamente fenômenos que estão presentes
também na pessoa normal.
31
desenvolvimento, utilizando como instrumento a observação. Seu método é
multidimensional por analisar o fenômeno em suas várias determinações:
orgânica, neurofisiológica, social e as relações entre si.
Mahoney (2004), afirma que, para Wallon, o psiquismo humano é
constituído a partir de um enfoque interacionista, no qual a relação com o outro,
a partir das interações estabelecidas com o meio social e cultural, e as
condições orgânicas são fonte de desenvolvimento.
De acordo com Prandini (2004), Wallon, por acreditar que “o estudo da
pessoa no contexto de suas relações com o meio é possível pela
observação dela em seu ambiente natural”, propõe que se estude a
constituição da pessoa pela sua origem e pela comparação. O autor crê que,
ao comparar a criança normal e a patológica, “põe em evidência a configuração
da integração das novas funções ao organismo normal em desenvolvimento,
uma vez que na criança patológica a configuração da integração das funções
se dá de forma diferente, mais lentamente, facilitando a observação” (p.32).
Wallon (1979, p.70) afirma que
a observação, a análise e a comparação
tornam possível a discriminação dos factores
em jogo. Este método, estritamente objetivo,
que parte da indivisão entre forças externas e
internas, entre necessidades físicas e
possibilidades mentais, é, no entanto, o mais
capaz de mostrar as oposições ou os conflitos
e de fazer as diferenciações que se seguem a
tudo isso.
Dessa forma, com base nas contribuições teórico-metodológicas de
Wallon, busquei, através da observação do processo de reflexão crítica de
cinco educadoras de uma creche pública, em colaboração com duas
pesquisadoras, a resposta à minha questão de pesquisa.
Para tanto, surgiu a necessidade de observação para que fosse
analisado se há, nas práticas das educadoras, dicotomia entre atividade
cognitiva e motora e relação entre disciplina e contenção motora.
32
2.1 Procedimentos metodológicos
Minha questão de pesquisa e a constatação de que existem poucas
pesquisas produzidas com crianças de dois a três anos na cidade de Juiz de
Fora levaram-me a observar as reflexões acerca da prática de cinco
educadoras de uma creche pública da mesma cidade, com crianças da referida
faixa etária.
Essas observações foram realizadas durante reuniões semanais
denominadas “sessões reflexivas”
12
que aconteciam em uma creche
comunitária por ocasião do desenvolvimento da pesquisa “A verticalização e a
horizontalização do espaço da sala de atividades da Educação Infantil”. Nesta
pesquisa, o principal foco foi discutir e refletir sobre as atividades
desenvolvidas por cada uma das cinco educadoras com crianças de dois e três
anos que tinham sido anteriormente desenvolvidas e videogravadas, para
posterior discussão e reflexão por parte das pesquisadoras e educadoras.
Portanto, o meu campo de observação esteve centrado nessas reuniões,
denominadas sessões reflexivas, no intuito de buscar a compreensão das
educadoras sobre a relação do movimento corporal e o desenvolvimento
infantil, analisando, se em suas práticas, estava presente a idéia de separação
entre atividades cognitivas e motoras e se existia relação entre contenção
motora e disciplina.
Para que pudesse realizar as observações tendo minha questão de
pesquisa como foco, fiz a filmagem das referidas sessões reflexivas, retornei a
elas, e fiz um recorte selecionando e identificando episódios que poderiam me
dizer da compreensão do movimento corporal por parte das educadoras.
A creche comunitária
13
, campo privilegiado para a realização desta
12
Na pesquisa "A verticalização e a horizontalização do espaço da sala de atividades da
Educação Infantil", as sessões reflexivas se definiram como um espaço de discussão para a
construção de significados sobre a prática das educadoras em colaboração com os
pesquisadores externos.
13
O Programa de Creches Comunitárias instituído em 30 de setembro de 1983, pela Portaria
922/PJF é desenvolvido pela AMAC (Associação Municipal de Apoio Comunitário). Constitui
uma política de assistência social destinada a atender à criança na faixa etária de 0 a 3 anos,
sobretudo as que residem nos bairros periféricos de Juiz de Fora. As creches municipais são
mantidas pela (AMAC) com recursos do orçamento do Fundo Municipal de Assistência Social
da Prefeitura de Juiz de Fora que tem um pequeno percentual repassado pela União ao
município. O cargo de superintendente da AMAC é político e designado pelo Prefeito de Juiz
33
pesquisa, localiza-se num bairro da periferia de Juiz de Fora que atende a
crianças de três meses a três anos e 11 meses, abrangendo seis bairros. A
instituição tem como objetivo geral assegurar o atendimento e desenvolvimento
integral da criança, constituindo-se num espaço de promoção, integração e
participação familiar.
O quadro de funcionários dessa creche é formado pela coordenadora,
educadoras, recreadoras sociais, serviços gerais e cozinheira. As atribuições
funcionais são as mesmas entre educadora e recreadora, sendo apenas
diferenciadas pela nomenclatura e remuneração.
Participaram como sujeitos da pesquisa cinco educadoras da creche,
duas que cuidam/educam de crianças com idades entre dois anos a dois anos
e onze meses, chamadas de recreadoras, e duas que cuidam/educam de
crianças de três anos a três anos e onze meses, denominadas educadoras
sociais. Todas têm a formação mínima exigida (curso normal), apenas uma não
está cursando o nível superior. Uma delas, após se graduar, sentira
necessidade de dar continuidade à sua formação, iniciando um curso de pós-
graduação. Com a transferência de uma das educadoras no decorrer da
pesquisa, tivemos a participação de uma quinta educadora que foi transferida
do berçário para uma das turmas de crianças de três anos e onze meses.
Foram realizadas, no período de agosto a novembro do ano de 2006
doze sessões reflexivas com as educadoras da creche. Para atender aos
objetivos desta investigação, procedi à observação de tais sessões que
seguiram a seguinte dinâmica: a primeira sessão reflexiva consistiu nas
explicações e esclarecimentos acerca dos processos que seriam adotados na
pesquisa, colocação dos objetivos do trabalho e apresentação do grupo que
participaria dos encontros. Após essa explanação inicial, nas quatro sessões
seguintes fez-se o processo de reflexão a partir de um material anteriormente
videogravado com outras professoras de Educação Infantil. Tal recurso foi
utilizado no sentido de contribuir para mais espontaneidade por parte das
educadoras, que se constituíam como sujeitos de minha pesquisa. Assim, a
partir da sessão reflexiva, iniciou-se o processo de discussão das
de Fora. (Costa, Fernanda C.G. Programa de Pós-graduação em Educação - Consulta aos
dados de campo da pesquisa Educação Infantil em Juiz de Fora/MG: o processo de
transferência da administração das creches da assistência social para a educação).
34
educadoras acerca de sua própria prática a partir de observação da gravação
de cinco atividades por elas selecionadas e que foram desenvolvidas com as
crianças. Duas pesquisadoras do grupo coordenaram as sessões.
Iniciei o trabalho com muita expectativa quanto à minha observação por
meio da filmagem, como lidar com a câmera, que cuidados tomar para que
nenhum imprevisto acontecesse (como se pudesse evitar!). As fitas foram
identificadas detalhadamente com data, número da sessão reflexiva, número
da fita, nome da pesquisa. Procurava sempre levar fitas e câmera extra, caso
fosse necessário.
Participar como observadora das sessões reflexivas na pesquisa foi uma
grande aprendizagem que no meu caso, deu-se logo na primeira sessão. Na
apresentação do grupo de pesquisa e das educadoras, comecei a conhecer
um contexto até então desconhecido por mim: a creche.
Segundo Silva(b) (2005), “a observação é um procedimento de coleta de
dados que nos proporciona uma representação da realidade, ou seja, dos
fenômenos em estudo” (p.01), podendo ser o procedimento que mais
proporcione informações sobre um fato por integrar dois ou mais dos sentidos
(visão, tato, audição, paladar, olfato e o movimento
14
).
Ao observar as experiências do educador no trabalho com as crianças
na sala de atividades da creche descritas nas sessões reflexivas, procurei
saber mais sobre uma realidade da qual ainda não tinha conhecimento.
Como forma de realizar o registro das observações, após as filmagens,
produzi as notas expandidas no qual fazia comentários relacionados ao que
havia observado e a transcrição de cada uma das sessões reflexivas. Para
responder aos objetivos desta dissertação, organizei os dados detendo-me nos
episódios que se relacionavam com minha questão de pesquisa.
Silva(b) (2005) cita alguns pontos práticos para o uso da videogravação,
tais como: o incômodo causado inicialmente pela câmera aos sujeitos que, com
o tempo e mais contato, tende a se reduzir. A autora chama a atenção também
para a função da videogravação como recurso, para auxiliar no processo de
14
De acordo com Elvira Souza Lima (em palestra proferida e videogravada no Encontro
Machado Sobrinho de educadores “O papel da Educação numa sociedade inclusiva”, realizada
em maio de 2007), o neurocientista Alain Berthoz reconhece um sexto sentido, o movimento,
estudando a maneira como o cérebro memoriza os percursos no espaço. O pesquisador
constata que durante muito tempo negligenciamos as percepções «inconscientes», como as
ligadas ao movimento.
35
reflexão. Esse recurso tecnológico aumenta a possibilidade de o pesquisador
ampliar a sua capacidade de análise, ao poder rever quantas vezes forem
necessárias, através do vídeo, o fenômeno observado, propiciando-lhe mais
tempo de reflexão.
Essa situação de incômodo pôde ser observada na videogravação na
qual se percebe certo nervosismo por parte de algumas educadoras em
relação à filmagem que estava sendo feita.
Mara
15
: Ai, fiquei nervosa! Tá gravando!
P1: Não é só você, é todo mundo.
Mara: É difícil...
P1: Depois a gente acostuma!
Selma: (...) eu queria que você me explicasse de novo qual a função do vídeo
enquanto reflexão (Nota expandida da 1ª sessão reflexiva - 07/08/2006).
Nessa sessão, passei a conhecer um pouco de cada uma das
educadoras, sabendo sobre suas preferências, gostos e modos de agir perante
uma determinada situação, o que acabou se manifestando também na maneira
como cada uma se posicionara corporalmente.
À medida que as educadoras se apresentavam, eu ia observando sua
expressão oral e corporal, seus discursos e posicionamentos a respeito do que
era discutido. No momento em que Mara começou a falar, tive dificuldade em
ouvi-la, pois falava baixo e quase não se movimentava na cadeira.
Mara: Meu nome é Mara, sou recreadora da turma de 2 anos. Não gosto muito
de dançar nem de praticar esportes não! Sou muito “na minha” e gosto mais de
coisas que me deixam tranqüila, eu prefiro a televisão ou até ouvir uma música,
mas dançar e praticar esportes, não é comigo! (Transcrição da sessão reflexiva
nº 01 - 07/08/2006).
Seu corpo falava
16
, e como sua voz era baixa, precisei focá-la com o
zoom para que suas contribuições fossem captadas pelo áudio da câmera.
Como centro de informações, o corpo fala sem utilizar palavras, acaba sendo
15
As educadoras da creche serão identificadas com nomes fictícios e as pesquisadoras que
coordenaram as sessões reflexivas com P1 e P2.
16
No livro “O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-verbal” de Pierre Weil e
Roland Tompakow (Petrópolis,Vozes, 1986) o primeiro parágrafo do trecho de apresentação
traz uma colocação interessante sobre a linguagem do corpo: “pela linguagem do corpo, você
diz muitas coisas aos outros. E eles têm muitas coisas a dizer para você. Também nosso corpo
é antes de tudo um centro de informações para nós mesmos”.
36
uma linguagem expressada de maneira verdadeira e que não é muito difícil de
se perceber, basta observar.
A expressão corporal como forma de o corpo falar pôde ser percebida
durante as demais sessões reflexivas. Nelas as educadoras, ora gesticulavam
muito para falar sobre atividades que influenciavam no entusiasmo das
crianças ou delas próprias, ora expressavam, através da falta de
movimentação, que estavam pensativas e cansadas.
Após a terceira sessão reflexiva pude perceber uma certa familiaridade
das educadoras com a câmera, com as pesquisadoras e comigo, pois elas
chegavam à sala onde ocorriam as sessões reflexivas com mais entusiasmo. A
proximidade entre educadoras e pesquisadoras proporcionou maior
espontaneidade por parte das primeiras para tecer comentários sobre o que
observavam no vídeo apresentado.
Na quarta sessão reflexiva, observei que elas destacaram a questão do
espaço
17
, manifestando grande preocupação com a organização e a ordem da
creche. No discurso das educadoras às questões levantadas não se somavam
soluções indicadas por elas próprias, geralmente a responsabilidade era do
outro ou da falta de espaço físico, de material e de brinquedos. Embora
reconhecessem e até manifestassem desejo de empreender algumas
mudanças, afirmavam não ter autonomia para tal. Assim, como a tendência em
atribuir responsabilidade ao outro, as discussões não avançavam no sentido de
se buscar uma possível solução para suas queixas.
Ao serem questionadas sobre a oportunidade de estarem falando,
mostrando sobre como atividades que dão liberdade à criança são importantes
17
O espaço físico interno é bem amplo, com vários ambientes. A construção é plana e dispõe
de duas salas menores, que são destinadas a atender a crianças de dois anos, duas salas
maiores que são chamadas de oficinas e atendem as de três anos. Existem, ainda, uma sala
da coordenadora, berçário, refeitório para as crianças e outro menor para os funcionários,
banheiros para as crianças e outro para os funcionários, dispensa, cozinha e sala de pediatria
(local disponibilizado pela coordenadora da creche para acontecerem as sessões reflexivas). O
berçário é equipado com banheiro, espaço para o banho das crianças e um solário com
brinquedos próprios para os menores. A área externa é grande e conta com um parquinho,
areia, uma horta bem cuidada, um barranco, um espaço gramado, jardins floridos e enfeitados
com bonecos, pedaços de tronco de madeira e anõezinhos de gesso, além de um
carramanchão. Mesmo havendo esse espaço externo todo, alguns deles não eram muito
disponibilizados e organizados para as crianças com a justificativa que poderiam oferecer
riscos.
37
para o seu desenvolvimento, as educadoras se calavam, abaixavam a cabeça,
entreolhavam-se e começavam a rir. Outra vez o corpo voltava a falar.
A questão da reorganização dos espaços foi acionada pela P2 ao
comentar sobre como a organização da sala pode proporcionar o
conhecimento, a experiência. A educadora Carla comenta sobre o padrão que
a instituição impõe e que falta espaço em sua sala para se montarem áreas
que proporcionem diferentes experiências. Ela segue explicando que, nas
atividades desenvolvidas com as crianças, forra as mesas, cria espaços,
afastando-as para que possam brincar no chão, pois considera isso muito
importante.
As educadoras comentam que as questões políticas impõem empecilhos
às mudanças que por ventura elas queiram promover. Segundo elas, as
pedagogas do órgão do qual a creche faz parte, apresentam resistência a
inovações. Ressaltam que houve um retrocesso, já que anteriormente em outra
administração houvera outra postura.
A partir da sessão reflexiva, as educadoras começaram a observar e
refletir sobre suas próprias atividades, discutindo sobre os objetivos,
participação das crianças e sobre a forma como a atividade poderia ser
reconstruída para que pudesse atender melhor às especificidades das
crianças. Cada uma organizou os objetivos e a metodologia a ser desenvolvida.
A princípio seriam apresentadas quatro filmagens, mas devido à
transferência de uma educadora para outro setor, a recreadora das crianças do
berçário foi convidada pela coordenadora da creche a assumir a turma de 3
anos. Esta aceitou o convite e passou a participar da pesquisa. Assim, pude
contar com a participação de um novo sujeito cujo processo de aceitação no
grupo transcorreu de maneira tranqüila.
A primeira atividade a ser apresentada por uma das educadoras foi uma
pintura coletiva em que as crianças desenhavam numa folha de papel pardo
que cobria as mesas que estavam unidas no meio da sala. As cadeiras
encontravam-se encostadas na parede, dando espaço para que elas pudessem
se movimentar.
A educadora organizou e dispôs potinhos plásticos com tintas para as
crianças que estavam ao redor da mesa. Envolvidas na atividade, cada uma
com seu pincel, conversavam entre si comentando sobre os nomes das cores.
38
Como havia alguns que ainda não as reconheciam, eram auxiliados pela
educadora que explicava serem as tintas para todos, não havendo cor
específica para menino ou menina.
Após receberem permissão, começaram a pintar as mãos, braços, os
dedos e o nariz, fizeram carimbos com as mãos e marcaram as folhas. Assim
que a motivação das crianças terminou, foram levadas para a pia para se
lavarem, visto haver uma preocupação grande com a questão da limpeza na
creche. Tanto que, ao primeiro pingo de tinta no chão, as crianças falaram com
a educadora que logo veio passar um pano para que não se sujasse o restante
do local. Algumas crianças, que haviam se lavado, brincavam pela sala,
passando por baixo das cadeiras encostadas na parede.
A segunda atividade descrita e discutida foi proposta por Mara que
iniciou pedindo que as crianças formassem um círculo. Como a sala de
atividades é pequena e ocupada pelo mobiliário, a atividade foi realizada em
um espaço mais amplo, o refeitório, onde todos se sentaram no chão.
Realizaram-se duas atividades, a primeira era fazer os movimentos de tirar e
colocar um potinho dentro da roda, acompanhando as instruções dadas pela
letra da música “escravos de passando-o, em seguida, para o colega ao
lado. Eram oito crianças de 2 anos. Ainda que no início todas participassem
cantando, após a quarta criança desempenhar a tarefa, o interesse se
reduzia, pelo fato de a atividade ter se alongado muito. Na minha avaliação, tal
atividade não esteve adequada ao interesse das crianças.
Ao passar para a segunda atividade, cujo objetivo era fazer mímicas, as
crianças continuaram sentadas. Uma caixinha ia passando de mão em mão
enquanto Mara escolhia uma criança para abri-la e retirar um papelzinho que
continha uma mensagem escrita indicando uma imitação: um animal, uma ação
ou um objeto. A mensagem era lida pela educadora, as mímicas eram feitas
rapidamente, em seguida as crianças voltavam e sentavam na rodinha para
continuarem a passar a caixinha. Eram muitas mímicas e pouco o tempo para
explorar os movimentos sugeridos. Algumas crianças estavam envolvidas na
atividade, enquanto outras duas estavam dispersas brincando de outra coisa.
A terceira descrição de atividade realizada com as crianças foi realizada
pela educadora Selma. Em sala estão seis crianças cantando e fazendo gestos
com as mãos, todas em suas mesas sentadas nas cadeirinhas. A educadora
39
pergunta sobre o tempo e coloca o desenho do sol no cartaz que está fixado na
parede. Em seguida, chama-as para fazerem uma atividade no refeitório e
desenha no chão um quadrado com fita crepe com o objetivo de trabalhar o
equilíbrio e os conceitos de dentro e fora.
As crianças esperam-na terminar de traçar o desenho sentadas no chão
e encostadas na parede. A educadora chamava uma criança de cada vez para
andar em cima da linha, o percurso realizado de mãos dadas com a educadora.
Ao término do caminho percorrido, a criança voltava para o lugar, sentando-se
novamente e esperando o outro colega realizar a atividade. Em seguida a
educadora convidou as crianças a pularem para dentro e para fora do
quadrado onde permaneceram sentadas cantando músicas sugeridas pelas
próprias crianças, fazendo gestos com as mãos.
A quarta descrição é da atividade da educadora Sônia, que apresenta a
proposta de “brincar livre de casinha”. Na rodinha explica para as crianças
sobre o que vão brincar, combinando que, ao final, deveriam guardar os
brinquedos. Terminada a explicação, todas se levantaram, foram direto para
uma mesa que estava no centro da sala com objetos de maquiagem e
começaram a se pintar. Pegaram óculos, bonecas, fogão, carrinho de bebê,
cadeiras e soltaram a imaginação. Circulavam livremente pela sala que
recebera uma organização diferente, mesas e cadeiras estavam encostadas na
parede.
Sonia interagia com as crianças, conversava sobre as brincadeiras,
tendo inclusive, participado de um passeio de ônibus, organizado por uma
criança que formara uma fila de cadeiras que representava a disposição dos
acentos no interior do veículo. Enquanto brincavam, elas conversavam muito
entre si, dizendo coisas relativas ao cotidiano, como ir ao supermercado e
cuidar dos filhos.
A última descrição se referiu à atividade elaborada pela substituta da
educadora que havia sido transferida, como foi mencionado. Rita iniciou a
atividade explicando às crianças que elas iriam trabalhar os sentimentos.
Mostrou quatro círculos com desenhos expressando os diferentes sentimentos:
raiva, susto, alegria e tristeza. Seu objetivo era nomeá-los e possibilitar a sua
expressão por parte das crianças que, sentadas em círculo junto com a
educadora, eram questionadas sobre qual o sentimento estava representado
40
no cartão para, em seguida, representá-lo por meio de mímica. A seguir,
deveriam responder como estavam se sentindo e por quê. As crianças
respondiam repetindo as falas umas das outras.
Antes de iniciar outra atividade, a educadora retirou a carinha que
representava o susto e, sem esclarecer o motivo perguntou como era o gesto
do beijo, do abraço e do aperto de mão, que foram representadas por elas que
permaneciam sentadas nos próprios lugares. Em seguida, a educadora
escolheu uma criança para ter os olhos vendados e, apontando para as
demais, perguntava: é esse? é esse, o que você quer dele? Após a resposta, a
criança escolhida recebia o abraço, o beijo ou aperto de mão e ia sentar-se
perto da educadora Rita que reiniciava a pergunta até todos terem sido
escolhidos.
Na 12ª sessão reflexiva foi apresentada uma memória das reflexões
desenvolvidas para a coordenadora e pedagoga responsáveis pela creche. A
P1 esclareceu como fora realizado o processo reflexivo. As atividades
programadas pelas educadoras foram analisadas nas sessões reflexivas com
base na proposta de Smyth (1991) que utiliza como procedimento quatro
formas de ação.
A primeira dessas ações se baseia na descrição de como a atividade
aconteceu. O próximo passo é informar sobre os objetivos da pessoa ao
planejar a atividade, a terceira é confrontar o desenvolvimento da atividade e a
quarta ação é a reconstrução em que se discute uma nova forma de ação. As
educadoras e recreadoras tiveram oportunidade de vivenciar a experiência de
se verem no vídeo e de se auto-confrontarem, refletindo sobre o que se faz na
creche e trocando experiências num processo de reflexão crítica e colaborativa.
Ao passarem pelo processo de reflexão utilizando as quatro formas de
ação propostas por Smyth (1991), pude perceber a contribuição de uma
investigação colaborativa entre pesquisador e pesquisado para a reflexão
crítica da prática educativa.
Após as questões terem sido levantadas, foram feitos comentários pelas
pesquisadoras e as educadoras, sobre o que fora aprendido, o que precisaria
ser aprofundado, o que precisaria ser mudado, o que dependia delas e o que
estava fora do seu alcance.
41
Nos dois capítulos a seguir, interpretarei os dados coletados que
permitiram, com o apoio do referencial teórico-metodológico, responder a
minha questão de investigação.
42
3. MOVIMENTO CORPORAL E SUA RELAÇÃO COM O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Entre as condições exteriores de um acto e as
suas condições subjetivas, o movimento
não é um simples mecanismo de execução,
do qual restaria dizer que forças ou agentes
íntimos são capazes de o utilizar, o
movimento não é um simples traço de união
entre elas, confunde-se com elas.
Henry Wallon (1975)
Acredito ser importante discutir sobre o movimento corporal a partir de
uma perspectiva que se oponha ao reducionismo ou ao dualismo mente/corpo,
na qual o desenvolvimento esteja baseado na interação das condições
orgânicas com o meio social e cultural, considerado como um processo
constante, contínuo e não linear.
Os estudos de Henry Wallon (1975; 1979) sobre o desenvolvimento
humano e a sua teoria psicogenética da pessoa, juntamente com os dados
empíricos, darão suporte para as discussões e reflexões presentes neste
capítulo.
Sua teoria se baseia num enfoque em que o desenvolvimento infantil
surge da interação, no entrelaçamento de condições orgânicas, características
da espécie e determinadas geneticamente, com os fatores socioculturais em
constante relação de reciprocidade e transformação, ou seja, na relação
complementar entre o meio social e o físico em que a pessoa se constitui.
Wallon relaciona a psicologia e a educação, como momentos
complementares, e o movimento corporal, como recurso de visibilidade,
considerando-o como o primeiro meio de sociabilidade, de aproximação com o
outro e de recurso para a construção do conhecimento.
Ao me beneficiar da posição de distanciamento enquanto pesquisadora,
pude perceber, através das observações das sessões reflexivas realizadas na
creche, alguns aspectos que muitas vezes passam despercebidos para quem
está mergulhado em um cotidiano em que imprevistos e dificuldades podem
encobrir a capacidade de análise de quem está envolvido diretamente na
situação. É mister ressaltar que não pretendo adotar uma postura de denúncia
43
tampouco avaliativa da creche ou das educadoras em questão, mas sim buscar
elementos que possam contribuir para a discussão.
Falar sobre o movimento corporal é esmiuçar sobre um elemento
identificado em um universo específico, mas que, ao mesmo tempo, mantém
diálogo com um universo mais amplo, que acolhe as concepções de criança e
infância, de educação e também a idéia que enfatiza o homem como um ser
integral.
3.1. Do ato motor ao ato mental: as dimensões do movimento
Para compreender o movimento humano, Wallon recorre à estrutura
funcional dos órgãos responsáveis pela sua organização, os músculos e as
estruturas cerebrais. Identifica na atividade muscular duas funções, uma
cinética, que responde pelo movimento visível, em que deslocamentos do
corpo ou de segmentos no espaço e outra postural ou tônica, responsável por
manter uma posição e por atuar na imobilidade presente nas atitudes, na
mímica e na variação do grau de tensão da musculatura.
Sua visão sobre o movimento não fica restrita às estruturas funcionais, a
relações biomecânicas e nem a deslocamentos observáveis ou não. Wallon
trata o movimento como constitutivo das relações que a pessoa estabelece
com o meio humano, como um recurso de sociabilidade.
Limongelli (2004) questiona sobre a compreensão de movimento
fundamentado numa perspectiva mecanicista e estrutural que “desconsidera as
influências dos elementos internos da pessoa (emoção, sentimentos,
pensamentos) para a realização dos movimentos corporais”, dizendo que essa
é uma concepção que percebe o ser humano como “uma quina composta
de alavancas” (p.49).
Ao se levar essa perspectiva de movimento como somente
deslocamento do corpo no espaço para o campo da Educação, este ganhará
uma conotação de “elemento gerador de desatenção que interfere
negativamente no processo ensino-aprendizagem, passando a ser proibido na
sala de aula e ficando restrito às aulas de Educação Física” (Limongelli,2004
p.49).
44
Galvão (1995, p.70) afirma que “a primeira função do movimento no
desenvolvimento infantil é afetiva” e que, depois do desenvolvimento dos
primeiros gestos (pegar, empurrar, abrir e fechar), é que se define o início da
dimensão cognitiva do movimento.
De acordo com Wallon:
o movimento é tudo o que pode dar testemunho da vida
psíquica e tradu-la completamente, pelo menos até o momento
em que aparece a palavra. Antes disso, a criança, para se
fazer entender, apenas possui gestos, ou seja, movimentos
relacionados com suas necessidades ou o seu humor (1975,
p.75).
O movimento corporal, componente importante tem importância na
evolução psicológica da criança, possui três formas de deslocamento. O
passivo ou exógeno depende de forças exteriores para manter uma relação
com a força da gravidade. São posicionamentos do corpo para atingir o ponto
de equilíbrio estável com estruturas localizadas na região subcortical do
cérebro, sendo os movimentos subconscientes. Essa primeira forma de
deslocamento, conduzirá a criança da posição deitada à posição de pé,
importante para evolução da espécie.
O movimento autógeno ou ativo é a segunda forma de deslocamento.
Trata-se de movimentos voluntários e intencionais que possibilitam a
locomoção e preensão dos movimentos. São movimentos conscientes
localizados na região cortical cerebral.
O terceiro deslocamento “é a deslocação de segmentos corporais ou das
frações, uns em relação aos outros” (Wallon, 1975, p.76). É caracterizado pela
mímica ou expressões faciais e corporais construídas pelos seres humanos a
partir de emoções e vivências. Tem suas origens na emoção, sendo
deslocamentos de reações posturais ou atitudinais.
Wallon (op.cit, 1975, p.76) destaca que o órgão do movimento é a
musculatura estriada e cujas funções, cinética e tônica, estão diretamente
ligadas. Uma possibilita o deslocamento do corpo ou de membros e a outra
estabilidade ao corpo, sustentando-o. Mesmo na ausência de uma atividade de
45
movimento com deslocamento (imobilidade), a sustentação do corpo numa
posição se dá pela atividade postural que é garantida pelo tônus.
O tônus muscular acompanha o movimento, sustentando o esforço
diante das resistências encontradas e pode também dissociar-se do
movimento, transformando-o em uma atitude estável, imóvel.
Esse “aparelho funcional” não está pronto ao nascimento da criança,
constituindo-se ao longo do tempo, ao se permitir à criança modificar sua
relação com o meio de acordo com a realidade de cada um.
Segundo Galvão (1995, p.71), a função postural está ligada à atividade
intelectual e “as variações tônicas refletem o curso do pensamento”. Tal função
também sustenta a atividade de reflexão mental, como se, ao mudar de
posição, andar ou levantar, “desobstruíssem o fluxo mental”.
A função tônica, ligada também à percepção, pode ser notada no
movimento da criança. A reação da criança a estímulos exteriores é
corporalmente visível através de posturas, expressões e/ou atitudes. Tal
função parece tomar conta do corpo da criança que ao se conscientizar das
realidades de fora, numa “impregnação perceptiva” (Galvão,1995, p.72) torna-
se capaz de imitar uma cena após tê-la presenciado.
Inicialmente essa imitação consiste em repetir o mesmo gesto que foi
realizado. Mais tarde, o modelo é assimilado, o que pode exigir um certo
período de incubação, realizando-se a ação após alguns dias. A criança
necessita repetir os movimentos ou gestos para ajustar cada vez mais ao uso
próprio dos objetos e a finalidades situadas nas circunstâncias exteriores.
Ao falar o tamanho de um objeto, muitas vezes a criança precisa utilizar
gestos para tornar real sua idéia. Wallon chama de mentalidade projetiva essa
atitude em que o gesto precede a palavra.
Para Wallon (1979, p.137), “a imitação é uma forma de actividade que
parece implicar de maneira incontestável relações entre o movimento e a
representação”, já que o ato mental se desenvolve a partir do ato motor.
Na brincadeira de faz-de-conta, a criança pode tornar presente um
objeto ou uma situação inexistente através do simulacro, gestos simbólicos
sem objetos substitutivos, “pura mímica onde o significante é o próprio gesto”
que estão na origem da representação (Dantas, 1992, p.41).
46
Vejamos um episódio de brincadeira de faz-de-conta em que foi possível
observar isso:
Ao realizar sua atividade, a educadora Sonia inicia explicando para as crianças
que iriam brincar livre de casinha”, combinando que ao final da atividade, elas
deveriam guardar os brinquedos. Assim que falou, elas se levantaram e foram
direto para uma mesinha com objetos de maquiagem e começaram a se pintar.
Pegaram óculos, bonecas, fogão, carrinho de bebê, cadeiras e soltaram a
imaginação. Circulavam livremente pela sala que recebeu uma organização
diferente das mesas e cadeiras que ficavam encostadas na parede, e algumas
mesas estavam no centro da sala e continham maquiagens. A educadora
interagia com as crianças, conversava sobre as brincadeiras e até participou de
um passeio de ônibus que foi realizado com as cadeirinhas que foram
organizadas por uma criança, uma atrás da outra, formando uma fila. As
crianças diziam coisas relativas ao cotidiano delas como ir ao supermercado e
cuidar dos filhos. “Vou ao Bahamas
18
”, “olha o picolé” “vamos andar de ônibus”,
“menino não pode se pintar” (Nota expandida da 10ª sessão reflexiva
23/10/06).
Os gestos para representar o volante do ônibus, a degustação do picolé
e o passeio após a maquiagem representaram situações inexistentes através
da imitação, do simulacro. Um outro exemplo de simulacro pode ser a
brincadeira “seu lobo tá pronto
19
”. Nela a criança representa situações do
nosso cotidiano, como acordar, tomar café, escovar os dentes, pentear os
cabelos, vestir a roupa, situações em que os objetos são substituídos pelo
movimento, tornando-se presentes.
Não é só a influência do meio que desenvolve a fase simbólica, o
amadurecimento funcional também precisa acontecer. O fortalecimento das
funções intelectuais pela internalização dos movimentos resulta na tendência
da motricidade cinética se reduzir, fazendo com que o movimento exterior
lentamente diminua.
Segundo Galvão (1995, p.73), o desenvolvimento da dimensão cognitiva
do movimento traz também um aumento da autonomia da criança, ao diminuir
18
Nome de um supermercado próximo ao bairro em que fica localizada a creche.
19
Essa é uma brincadeira de pega-pega em que as crianças passeiam pela floresta e,
chegando perto da casa do lobo, perguntam se ele está pronto para pegá-las. Este pretende
disfarçar praticando uma atividade da vida diária como escovar os dentes, tomar café, fazer
almoço para poder pegar as crianças quando elas menos esperarem, adicionando o fator
surpresa à brincadeira. Quando o lobo responde que está pronto, as crianças saem correndo e
tentam se esconder, enquanto o lobo tenta pegá-las.
47
a dependência da criança em relação ao adulto, para lidar com algumas
realidades. O adulto é o mediador de suas ações com o meio físico.
Até chegar à representação, ou seja, à objetivação, a seqüência do
surgimento dos tipos diferentes de movimento tem seu início, além dos
movimentos reflexos, nos movimentos do recém-nascido, por exemplo, que são
descargas ineficientes de energia muscular às quais se misturam, sem se
combinar, reações cinéticas e tônicas (Wallon, 1975, p.77). Após essa etapa
impulsiva, os gestos serão mais dirigidos às pessoas.
O processo de especialização é gradual e vinculado à maturação das
funções nervosas e ao ambiente cultural. Com o desenvolvimento dos gestos,
percebe-se uma graduada objetivação, enquanto o caráter expressivo é
mantido, na criança, em sua motricidade e, no adulto, nas alterações tônicas
dos gestos.
É muito interessante como o gesto expressivo resistente à objetivação
do movimento depende do meio cultural, pois do grande conjunto de gestos da
criança tendem a desaparecer os “que não correspondem a uma prática social,
ou seja, aqueles habitualmente não utilizados pelos adultos” (Galvão, 1995,
p.75).
O outro fator que também reduz o movimento, chamado por Wallon de
“disciplina mental”, é o controle voluntário do sujeito sobre o ato motor.
Galvão (1995, p.75) esclarece que:
Essa capacidade está ligada ao amadurecimento dos centros
de inibição e discriminação situados no rtex cerebral, que se
por volta dos seis, sete anos. Antes dessa idade, a
possibilidade de a criança controlar voluntariamente suas
ações é pequena. Isso se reflete, por exemplo, na dificuldade
em permanecer numa mesma posição ou fixar atenção sobre
um foco.
Desse modo, a escolha do foco da atenção ou o sentido da ação motora
se na criança com o fortalecimento das condutas voluntárias, que a tornam
capaz de realizar atividades menos imediatas e espontâneas, mais planejadas.
O fato de a criança ter dificuldades em permanecer parada, quieta e
concentrada, como algumas escolas exigem, passa por questões que
48
dependem das condições neurológicas, de questões sociais, do
desenvolvimento da linguagem e da aquisição de conhecimento.
O homem tem necessidade de comunicação e, para se comunicar com
os outros indivíduos, cria e usa sistemas de linguagem. Desde o início de seu
desenvolvimento, ele utiliza uma linguagem de aspectos emocionais através de
sons, gestos, expressões para se comunicar, indicando a função social da
linguagem.
3.2 Entre o afeto, a cognição e a pessoa. A dimensão integradora do
movimento corporal
Em seus primeiros anos de vida, a criança precisa muito movimentar-se,
abrindo caminhos para todo tipo de atividade exploratória. Através do
movimento, além de explorar seu corpo e o ambiente, manipular, alcançar e
transformar objetos; precisa entrar em interação com adultos e outras crianças
através das brincadeiras e dos conflitos, para assim, desenvolver-se,
enriquecendo suas experiências dentro de seu próprio ritmo.
Para crescer e se desenvolver bem, a criança depende de ações
voltadas para ela que envolvam a coletividade, a não dicotomia entre educação
e saúde, a movimentação livre, o brincar, as possibilidades de explorar seu
ambiente, estabelecer relações afetivas, expressar suas emoções, enfim,
essas ações devem exercitar e fazer o que é peculiar a esse período de
desenvolvimento, entendendo, também, a cultura como parte fundamental
dessas ações.
As interações entre criança e adulto acontecem por meio de seus corpos
que estão situados em um contexto sócio-cultural. Nesse contexto, a criança
constrói um sistema de comunicação com o meio que integra o movimento
como expressão.
Cada gesto, olhar, expressão, fala são representações de diferentes
culturas compreendidas por meio de códigos e/ou signos. Além dos cinco
sentidos (tato, olfato, paladar, audição e visão), nosso corpo apresenta o
sentido cinético, sentido do movimento que se constitui como elemento vital no
crescimento da nossa própria auto-imagem.
49
O estudo do movimento corporal recebe interpretações variadas. Na
Educação Física, por exemplo, muitas vezes é abordado de maneira que o
enfoque dado seja na vertente da mecânica do movimento, visando avaliá-lo
para melhorar o rendimento. Como o movimento decorre de relações
matemáticas entre forças físicas, o ser humano é pensado como máquina
composta de sistemas de alavancas variadas.
Esse pensamento sobre o princípio do rendimento foi influenciado pela
progressiva esportivização que a cultura do movimento sofreu no Brasil por
influência da cultura européia logo após a II Guerra Mundial. Tal movimento foi
ressaltado na escola, na qual a tarefa de fornecer a base para o esporte de
rendimento foi incorporada à Educação Física.
De acordo com Bracht (1992), a Educação Física “assume os códigos de
uma outra instituição
20
”, de maneira que o esporte na escola acaba indicando a
subordinação aos códigos e sentido da instituição esportiva, podendo ser
resumidos no princípio do rendimento atlético-desportivo, competição,
comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso
esportivo e sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas” (p.22).
Na literatura específica da área da Educação Física uma
disseminação de livros que fazem referências sobre a análise funcional e
biomecânica do movimento humano e sobre o desenvolvimento de estratégias
do aprendizado do esporte centrado nos elementos técnico-táticos e nas
condições fisiológicas e neuro-motoras para a prática esportiva.
Nas ciências do esporte, o movimento humano foi objeto de análise
enquanto melhor técnica para execução e função dos movimentos. Segundo
Kunz (2000), o estudo do movimento humano, na perspectiva funcional, recebe
contribuições das áreas de conhecimentos como “a física (medidas no espaço
e tempo – visíveis dos deslocamentos do corpo ou partes deste) e a fisiologia e
20
Bracht, em seu livro “Educação Física e aprendizagem social”, (1992) discute a questão da
busca da autonomia pedagógica da Educação Física. Para ele, “a Educação Física, no Brasil,
vai desenvolver sua identidade(?), seus códigos, a partir da relação que
estabeleceu/estabelece com um meio ambiente que compreende, fundamentalmente, a
instituição escola, a instituição militar e a instituição esporte” (p.17). É no conjunto dessas
relações que ele discute o grau de autonomia pedagógica (identidade da Educação Física)
alcançada na sua relação com as instituições referidas e as bases de legitimação como parte
do sistema formal de ensino compreendendo a questão dos objetivos-conteúdos da disciplina
(p.18).
50
anatomia, sobre as mudanças internas que ocasionam movimentos mais
velozes, mais resistentes, mais coordenados e mais fortes” (p.02).
Por outro lado, a teoria walloniana aponta, desde o início do século
passado, a necessidade de compreendermos os processos de
desenvolvimento humano, no qual o movimento corporal recebe destaque por
ser visto por esse teórico “como constitutivo das relações que a pessoa
estabelece ao longo de sua vida” (Limongelli, 2004, p.48).
Como Wallon considera que o meio é constituidor do sujeito nas suas
interações, propõe um estudo contextualizado da criança. A infância é
enfocada por uma perspectiva global e dinâmica na qual a construção do eu
tem como vetor do social para o individual. É nas e pelas interações sociais
que se adquire a distinção do eu e do outro. Nadel-Brulfert (Werebe e Nadel-
Brulfert, 1986, p.19) afirma que para Wallon, a importância do meio no
desenvolvimento da criança deve-se ao fato de que nesse autor é que a
“relação homem - meio é compreendida na base do materialismo histórico”.
A teoria walloniana está baseada num enfoque interacionista que
percebe a interação entre o meio social e cultural e as condições orgânicas
como fonte de desenvolvimento. Opositor ao dualismo e ao reducionismo alma
e corpo, o teórico dedicou-se à observação e ao estudo da criança pequena,
tendo ido buscar na sua gênese, em sua origem, entender o psiquismo
humano. Daí o fato de seu modelo de desenvolvimento psicogenético
21
ser
muito valorizado.
Para Wallon, o desenvolvimento é marcado por uma sucessão de fases,
cuja base é a função tônica. A integração entre o afetivo, o cognitivo e o motor
torna possível ampliar as possibilidades de ação e reação da criança em
direção ao que deseja realizar e do que o meio social permite.
Portanto, pensar o movimento como forma de rendimento ou através de
uma visão mecânica e estrutural em que as movimentações são decorrências
exclusivas do deslocamento do corpo e suas partes no tempo e no espaço é
desconsiderar o sentido humano do movimento.
21
Segundo Galvão (1995, p.31), a psicogênese é o estudo da origem e da evolução das
funções psíquicas. A autora comenta que, para Wallon, a análise genética é o único
procedimento que não dissolve em elementos estanques e abstratos a totalidade da vida
psíquica”. Estuda-se a psicologia infantil para se conhecer o adulto.
51
O movimento, para esse autor (1975), é o testemunho da vida psíquica
da criança, intervém no seu desenvolvimento psíquico, nas suas relações com
os outros, influenciando seu comportamento e também seu temperamento.
Conceber o ser humano como máquina
22
acaba por influenciar na
compreensão do aluno como um ser fragmentado. Trazendo essa perspectiva
apresentada para as aulas de Educação Física, por exemplo, estas passam a
ser organizadas com o objetivo de trabalhar a padronização dos movimentos e
a disciplina nas ações dos alunos. Dessa maneira, o aluno é percebido como
ser passível de ser moldado pelo sistema educacional, o que provoca a
necessidade de repensar o papel do movimento do aluno no processo ensino-
aprendizagem.
Um episódio que aconteceu na sessão reflexiva ocorrida na creche
chamou-me a atenção sobre essa questão. Na atividade projetada no vídeo, o
direcionamento da educadora se deu no sentido de enfatizar somente a
abordagem motora do equilíbrio a individualidade das crianças, em detrimento
da interação entre elas.
A educadora chamou as crianças para fazerem uma atividade no refeitório e
desenhou no chão um quadrado com fita crepe. As crianças estavam
encostadas na parede, sentadas no chão esperando a professora terminar de
fazer o quadrado. Assim que termina, chama um por um para andar em cima
da linha. Fazia o percurso segurando a mão da criança que, ao terminá-lo
voltava para seu lugar sentando-se novamente e esperando os colegas
realizarem a tarefa (Nota expandida da 9ª sessão reflexiva – 09/10/06).
A fase do desenvolvimento da criança denominada por Wallon (1979) de
estágio sensório-motor e projetivo
23
, que vai do primeiro ano até o terceiro ano
de vida, aproximadamente, está voltada à investigação do mundo físico.
Algumas características como a aquisição da marcha e da preensão
possibilitam à criança uma maior autonomia na exploração dos espaços e na
manipulação de objetos.
22
Grifo da autora.
23
Ao estudar sobre o desenvolvimento humano, Wallon identifica a existência de etapas
diferenciadas manifestadas por uma ordem necessária, tendo cada uma delas um interesse e
uma necessidade de que a criança dispõe, no momento, para interagir com o ambiente. Entre
as etapas há coerência e unidade, além de serem preparação essencial para o surgimento das
próximas.
52
Segundo Galvão (1995), o termo projetivo refere-se ao fato de o ato
mental projetar-se em atos motores, ou seja, “o pensamento precisa do auxílio
dos gestos para se exteriorizar” (p.44). Nesse estágio se efetua a integração do
próprio corpo (sentido cinestésico) à sua imagem exteroceptiva (corpo visual).
Através da atividade a que me referi acima, pude perceber que, ao
trabalhar com um conceito de movimento mecânico e não como Wallon propõe,
a tendência é organizar as atividades com intuito de controle e disciplina. A
atividade proposta pela educadora não favoreceu o desenvolvimento da
autonomia das crianças que, além de realizarem a tarefa direcionada,
precisavam ficar sentadas por longo tempo, esperando a sua vez.
Se o objetivo era trabalhar o equilíbrio, este poderia ser abordado de
maneira mais integrada e não fragmentada como a educadora apresentou. É
importante conhecer, além da biomecânica do movimento (deslocamento do
centro de gravidade “desequilíbrio” para se recuperar o equilíbrio) e dos tipos
de equilíbrio (estático, dinâmico e recuperado), a necessidade e possibilidade
de se trabalhar os três tipos de equilíbrio ao mesmo tempo, numa mesma
atividade de correr e parar, de uma maneira mais lúdica, usando-se, por
exemplo, uma característica presente nessa faixa etária que é o brincar de faz-
de-conta. Ao observar uma criança aprendendo a andar, percebe-se que
primeiro ela desequilibra para frente para depois equilibrar-se novamente.
Assim, diante dessa compreensão a atividade proposta pela educadora
para trabalhar o equilíbrio, que era o seu objetivo, poderia ter sido mais atrativa
para as crianças, despertando o seu interesse.
O episódio acima relatado parece sinalizar que falta conhecimento sobre
o desenvolvimento da criança pequena, estando presente uma concepção de
criança baseada em uma cultura adultocêntrica, em que a infância é vista como
etapa preparatória para a vida adulta, está presente no imaginário da
educadora. Sua prática indica a ausência de compreensão de que as crianças
constroem uma comunicação com o meio social em que o movimento se
integra como expressão.
Em outros momentos de observação das atividades orientadas pelas
educadoras, pude perceber a relação que estabelecem entre movimento
corporal e controle motor. Através de dois episódios, busco explicitar, em
53
situações distintas, que a diretividade das atividades por parte das educadoras
de crianças de dois anos leva-as à dispersão.
Tais episódios ocorreram do lado de fora das salas de atividades, no
refeitório. As próprias educadoras, ao reverem as imagens durante as sessões
reflexivas, observaram que as crianças estavam dispersas. Uma das
educadoras justificou a dispersão ocorrida devido ao cansaço da atividade e ao
reduzido tempo em que as crianças conseguem manter interesse em algo;
outra atribuiu ao barulho do refeitório, ao fato de o dia estar muito frio e à
movimentação de pessoas naquele local.
1º épisódio
Eram umas oito crianças e inícialmente todas cantavam com a educadora.
Depois da segunda ou terceira criança fazer a atividade sugerida pela
educadora, elas perderam o interesse e se dispersaram, começaram a andar
com as mãos e os pés apoiados no chão e pararam de cantar, deixando
somente a educadora cantando (Nota expandida da sessão reflexiva
realizada no dia 02/10/06).
2º épisódio
Um aluno fez a tarefa conduzido pela educadora e continuou andando pelo
quadrado sozinho, sem o seu auxílio. Durante o tempo em que cada colega
fazia seu trajeto sob a linha, ele os acompanhava (Nota expandida da 9ª
sessão reflexiva – 09/10/06).
Ao tentar controlar a impulsividade motora das crianças centrando as
ações da atividade, (controle exógeno) a educadora desconhece que nessa
faixa etária, no estágio sensório-motor e projetivo, o predomínio do
dispêndio de energia e a orientação é centrífuga. Somente no estágio
categorial é que a ação infantil ingressa progressivamente no controle
voluntário (endógeno), o que significa a interiorização gradativa das disciplinas
mentais.
De acordo com Galvão (1992), nesse processo a tendência é a
necessidade de as ações espontâneas diminuírem e as crianças se
controlarem mais, facilitando a sustentação em uma atividade imposta.
A tendência do adulto na creche é de exercer uma maneira de
dominação constante sobre as crianças, seja pelo controle da limpeza das
salas de atividades, seja por meio da organização de um espaço físico que não
54
favorece a autonomia. Enfim, essa tendência revela o desconhecimento da
criança como sujeito de direitos, que tem o direito de expressar-se.
Sayão (2002) relata que esse desconhecimento da criança pequena nos
leva a cobrar delas uma postura de imobilidade, seriedade, destruindo o que
possuem de mais autêntico: “sua espontaneidade, criatividade, ousadia,
sensibilidade e capacidade de multiplicar linguagens que são expressas em
seus gestos e movimentos” (p.58).
Ao direcionar a atividade, a educadora demonstra uma situação de
controle nas ações das crianças. Essa atitude impede a criança de 2 anos de
expressar-se, devido à falta de exploração e vivência nas atividades. O
movimento de expansão, que é uma das características nessa fase do
desenvolvimento infantil, fica limitado.
Galvão (1995, p.76), baseada na teoria walloniana, relata que a
atividade da criança é marcada pela instabilidade e sua tendência é reagir
indiscriminadamente aos estímulos exteriores. O que controla o sujeito é o
estímulo, evidenciando a fragilidade das condutas voluntárias. Ao estarem
fortalecidas essas condutas, o sujeito passa a controlá-las, direcionando o foco
de sua atenção ou o sentido de sua ação motora.
Penso que a dispersão percebida pelas duas educadoras se dera
porque a atividade não era atrativa para as crianças, andar sobre as linhas,
pular dentro e fora são experiências ricas e atrativas para a criança pequena,
desde que primem pela espontaneidade. A dificuldade da criança “em
permanecer parada e concentrada como a escola exige, testemunham que a
consolidação das disciplinas mentais é um processo lento e gradual” (p.76),
ligado a fatores de origem social e das condições neurológicas.
Outro episódio no qual a atividade proposta pela educadora era trabalhar
ritmo, movimento e interação com as crianças de dois anos explicita também a
questão da contenção motora.
A educadora utilizou uma caixinha surpresa para estimular a curiosidade
e a expressão corporal das crianças.
As crianças deram as mãos, formaram um círculo e sentaram-se no chão. A
proposta era fazer mímicas. A caixinha ia passando de mão em mão e a
educadora escolhia uma criança para abri-la e tirar um papel de dentro, o qual,
era lido pela própria educadora. Em cada papel estava escrito o nome de uma
55
ação, de um animal ou objeto a ser imitado. A professora fazia os movimentos,
a criança imitava e voltava a sentar no círculo, e, juntamente com as outras
crianças, continuava a passar a caixinha. A quantidade de papéis que sugeriam
as imitações era numerosa e o tempo e espaço para realizá-las insuficiente
para o exercício do movimento corporal (Nota expandida da sessão reflexiva
realizada no dia 02/10/06).
O que chama atenção nessa atividade é a pouca exploração dos
movimentos das crianças, causando o desinteresse, a padronização dos
movimentos e o não respeito às especificidades da criança pequena.
As crianças imitavam os gestos da educadora que, a exemplo do código
utilizado na atividade da caixinha - a escrita -, não possibilitou que as próprias
crianças pudessem compreender a tarefa a desempenhar. Buscando evitar a
não interpretação, por parte das crianças, dos códigos apresentados pela
educadora, poderia ser utilizado o desenho, por exemplo, proporcionando a
exploração das linguagens oral e visual, o movimento, a imaginação e a
imitação.
Quanto ao tempo para a realização das mímicas ter sido muito curto,
Goldschmied e Jackson (2006) afirmam que a criança não consegue fazer a
troca de uma situação para outra com rapidez; é preciso que se tempo para
se adaptarem e compreenderem o que propomos que ela faça.
Pensar as características que são, por natureza, do movimento humano
(prazer, espontaneidade, liberdade) ou quando esse movimento assume a
forma de uma linguagem não-verbal, manifestada pelo lúdico, pelo faz-de-
conta, atividades específicas das crianças pequenas, é descobrir outras
possibilidades de diálogo entre o ser humano e o mundo.
3.3 O movimento corporal no desenvolvimento da criança de 2 e 3 anos
Lembro-me de quando meu irmão nasceu, parecia um tomatinho, tinha
uma rosto redondo e muito vermelho, parecendo ter dois membros, cabeça
e o restante do corpo, um bloco igual a um casulo de borboleta, amarrado e
fechado. Ele vivia embrulhado.
56
Durante meses ele chorou muito, não sei se por causa daqueles cueiros
apertados ou se era manha
24
, como diziam. Certa vez, antes de ele tomar
banho, lembro-me de tê-lo visto sem roupas e sem chorar. Acredito que estava
feliz por poder se movimentar, pelo menos naquela hora do dia. Na verdade,
eram movimentos impulsivos, primeiro tipo de movimento caracterizado como
descargas motoras resultantes da falta de controle sobre ativações internas.
Esse hábito de impedir os movimentos espontâneos pode ser
compreendido como um cuidado ou até mesmo uma preocupação de que a
criança se machuque, devido ao fato de ela ser considerada frágil. Esse
cuidado excessivo afastava, por vezes, até o pai de perto da criança, que
evitava pegá-la por ser considerado inábil para tal. Não bastando a restrição
afetiva, essa prática restringia a interação da criança com o mundo físico e o
social, devido à impossibilidade de ela expressar-se e de desenvolver relações
com o ambiente por meio dos movimentos impulsivos.
Passados mais de trinta anos, a experiência de movimentos em um
espaço restrito fica para o bebê no útero. Hoje as crianças chegam enroladas
em mantas ao quarto da mãe, nas maternidades, mas logo essa forma de
vestir o bebê é abandonada, permitindo que ele se movimente e exercite a
interação com o mundo.
De acordo com Lima (2005), as neurociências apontam o movimento
como “parte integrante do desenvolvimento do rebro: o movimento forma
imagens mentais, constitui redes neuronais que dão suporte ao exercício do
pensamento e à formação de memórias” (p.06). Possui funções diferentes de
acordo com o período de desenvolvimento da criança. A partir do nascimento e
até mais ou menos o 6º, ano de vida, esta é a estratégia de
desenvolvimento, quanto mais nova a criança, mais necessário é o movimento.
A criança se movimenta, explora, toca, rola, mexe, realiza novas
experiências e tem sensações de forma a demonstrar bastante energia
corporal, proporcionando contato consigo, com diferentes objetos e pessoas
como forma de expressão.
Ao eleger Henri Wallon como referencial teórico-metodológico, encontro
as contribuições teóricas sobre o movimento corporal e sua relação com o
24
Segundo o dicionário Aurélio (1975, p.879): “Manha: choro infantil sem causa; birra;
choradeira”.
57
desenvolvimento infantil, mais especificamente em crianças de 2 e 3 anos, que
me ofereceram suporte para que pudesse compreender o movimento
integrado às dimensões cognitiva e afetiva como aspecto da pessoa em
desenvolvimento.
A teoria walloniana tem por princípio ver a pessoa de forma completa,
integral e em constante transformação. A criança é tida como um ser total,
concreto, ativo, em contato com o meio social e a infância, “como uma idade
única e fecunda” (Galvão,1995, p.12).
Ao estudá-la, conhecemos a sua contribuição para a educação e temos
acesso aos processos psíquicos desde sua origem, compreendendo o
psiquismo humano - um duplo benefício. E foi através de observações
minuciosas do comportamento da criança patológica que Wallon, em seu
laboratório natural, pôde perceber as transformações dos fenômenos
acontecerem lentamente, contribuindo para os estudos da Psicologia que
empreendeu, estudando as origens biológicas da consciência.
Mahoney (2000, p.11) procura esclarecer, na introdução do seu livro,
que, ao comparar, Wallon o faz buscando as semelhanças e as diferenças
entre a criança normal e a patológica, uma vez que a idéia não é tentar
estabelecer uma comparação entre elas. O contraste é “um dos recursos mais
surpreendentes pelos quais se opera a diferenciação”. Assim, através de suas
observações, a partir dos princípios reguladores do processo de
desenvolvimento, o autor construiu sua teoria sobre o desenvolvimento.
O teórico estabeleceu relação entre a Psicologia e Educação como
fontes complementares de inspiração, desde que apoiados em fatos que
possam oferecer bases para renovação da prática educativa. Sua aproximação
com as questões educacionais se no momento em que a criança como
recurso para conhecer o psiquismo humano. Ele considera haver uma
contribuição recíproca entre a Psicologia e a Pedagogia. Para Wallon, a escola
é vista como local onde situações de estudo aconteciam, contribuindo para o
campo de observação da Psicologia que, por sua vez, contribuía para o
aprimoramento da prática pedagógica através dos conhecimentos sobre o
desenvolvimento infantil.
Garanhani (2004) faz referência ao corpo em movimento como sendo a
matriz básica do desenvolvimento do aprender, pois, ao transformar em
58
símbolo o que experimenta corporalmente, o pensamento se constrói sob a
forma de ação. Assim, a criança pequena tem necessidade de “agir para
compreender e expressar significados presentes no contexto histórico-cultural
em que se encontra” (p.22).
Desse modo, é através do entrelaçamento entre o organismo e o meio
que o desenvolvimento humano acontece de uma forma não-linear, mas como
um processo de transformação constante, numa relação recíproca entre os
fatores orgânicos e socioculturais. O ritmo desse desenvolvimento se de
maneira descontínua, caracterizada por avanços, retrocessos, reformulações e
reorganizações.
Cerisara (1983, p.41) cita um trecho da obra de Wallon que ratifica essa
afirmação:
“o desenvolvimento da criança não se dá por simples soma dos
progressos que prosseguiriam sempre no mesmo sentido.
Apresenta oscilações através de certos mecanismos:
manifestações antecipadas, retornos, retrocessos...Não no
entanto senão oscilações à revelia” (Wallon, s/d: p.105).
A totalidade da pessoa se nas interações dos campos funcionais,
motor, afetivo, cognitivo e a pessoa, que estão em constante movimento,
possibilitando novas aprendizagens. As exigências do meio fazem com que o
desenvolvimento seja um processo aberto, mas que pode, progressivamente,
ceder espaço para determinações sociais. Esse é o foco da explicação da
teoria walloniana, a “relação da criança com o seu meio, uma relação
recíproca, complementar entre fatores orgânicos e socioculturais. Essa relação
está em constante transformação e é nela que se constitui a pessoa”
(Mahoney, 2004 p.14).
A psicogenética walloniana propõe a distribuição do desenvolvimento em
estágios
25
nos quais seu conteúdo varia histórica e culturalmente. Os fatores
orgânicos são determinantes no desenvolvimento e têm seu início no
nascimento, sendo distribuídos em estágios que seguem uma seqüência, que é
25
Esses estágios não devem ser confundidos com etapas prontas, acabadas. As etapas ou
estágios na perspectiva walloniana se relacionam, são mudanças qualitativas. Segundo Galvão
(1995 p.40), “a duração de cada estágio e as idades a que correspondem são referências
relativas e variáveis, em dependência das características individuais e das condições de
existência.”
59
característica da espécie, sendo que o conteúdo de cada estágio varia histórica
e culturalmente.
De acordo com Galvão (1995, p. 42), Wallon o desenvolvimento da
pessoa de uma maneira progressiva. Em cada fase do desenvolvimento “elege
um tipo de atividade como foco principal e procede mostrando suas
características em diferentes idades”, relacionando-as com outras atividades. O
predomínio das atividades afetivas e cognitivas em cada estágio se dá de
acordo com os recursos de que a criança dispõe naquele momento para
interagir com o ambiente, sendo que cada uma em cada fase tem seu “colorido
próprio”, uma característica.
No estágio impulsivo-emocional, que vai até o primeiro ano de vida, a
emoção é o foco. Até os três meses de vida (fase impulsiva), a predominância
é marcada por sensibilidades internas e externas, caracterizada por
movimentos desordenados, bruscos com tensão e relaxamento muscular. Dos
3 aos 12 meses, segundo Mahoney (2000), o emocional é mais perceptível,
reconhendo-se manifestações diferentes para medo, alegria, raiva.
A atividade motora ganha destaque no estágio sensório-motor e
projetivo que, marcado pela aquisição da marcha e da preensão, possibilita às
crianças uma maior exploração do espaço físico e manipulação de objetos. Tal
fase vai até o terceiro ano de vida e inicia um processo de diferenciação entre
os objetos e a criança. A mobilidade da criança deve ser aumentada como fator
principal para suas habilidades. Mover-se, explorar e descobrir por si mesma,
fazer experimentos, manipular objetos, cuidar do seu corpo fazem parte do
universo infantil.
A instituição de educação infantil deve possibilitar, além da dimensão
subjetiva do movimento, que sejam criadas intencionalmente oportunidades em
situações diárias em que as crianças utilizem gestos, posturas para se
expressar e se comunicar, apropriando-se dos significados expressivos do
movimento.
A exploração do corpo por meio de brincadeiras, da interação com os
outros, das expressões por meio de gestos e da linguagem oral, as mímicas
são atividades que oportunizam experimentar diferentes sensações cumprindo
papel importante na expressão de sentimentos.
Voltemos ao episódio:
60
A educadora chamou as crianças para pularem para dentro e para fora do
quadrado. Logo após, foi para dentro do quadrado junto com as crianças e
ficaram sentados cantando músicas sugeridas por eles, uma do sapo e outra
da Xuxa. Os gestos sugeridos pelas músicas eram representados do lugar
onde estavam, sentadinhos no chão (Nota expandida da sessão reflexiva
09/10/06).
Baseada nas especificidades da criança pequena, em que o faz-de-
conta, o lúdico estão incluídos, foi realizada, com a minha colaboração, a
reconstrução dessa atividade para possibilitar a reflexão do grupo de
educadoras e pesquisadoras.
A atividade que propus, enfocando os conceitos de dentro e de fora, foi
reorganizada usando o faz-de-conta, o lúdico. Sugeri basear a atividade na
história dos três porquinhos, que é bem conhecida, ou em uma outra que
fizesse parte do universo infantil. Expliquei que as educadoras seriam os
porquinhos e deveriam fugir do lobo, que tentaria pegá-las. Havia um quiosque
que representaria a casinha dos porquinhos, para o qual elas se dirigiriam,
buscando proteger-se. Quando estivessem lá dentro, o lobo não poderia entrar,
ficando do lado de fora. Ao acabar a explicação, percebi que algumas crianças
estavam perto, prestando atenção nas instruções dadas. Perguntei-lhes se
gostariam de participar da brincadeira junto com as educadoras. Na mesma
hora elas aderiram. Expliquei como era a brincadeira e mostrei-lhes o fantoche
do lobo. Algumas saíram correndo logo que viram o lobo, outras ouviram a
explicação e participaram da atividade. Ao repetirmos a atividade, percebemos
que o número de “porquinhos” havia aumentado, outras crianças tinham vindo
brincar também. Brincamos por um tempinho, porém, como uma criança ficou
com medo, resolvi mostrar novamente o fantoche e sugerir que o pegassem
para matarem a curiosidade, minimizando o medo. O lobo distribuiu beijos e foi
embora.
Assim, a reconstrução da atividade envolvendo os conceitos de dentro e
de fora se deu através de uma história infantil, do lúdico, usando um fantoche
como recurso, e contando com a participação das educadoras e das crianças.
Entretanto é importante salientar que não existe atividade certa ou errada, mas,
sim, que podemos aprender a trabalhar de forma diferente.
61
Goldschmied e Jackson (2006) destacam que a criança pequena
vivencia uma mudança nas relações a partir do momento em que passa a
controlar mais elementos de sua vida.
Na fase de 2 a 6 anos, a criança se sente um descobridor, é curiosa. Tal
curiosodade é chamada de múltipla, por abranger diferentes percepções,
sensorial, motora, tátil através das quais se busca descobrir o mundo e a si
mesma. Não podemos reduzir e aprisionar as experiências das crianças, nosso
papel é de oferecer possibilidades ou experiências para que aprendam não
em uma direção, mas multiplicando os estímulos, as perspectivas, as
paisagens, os detalhes.
Galvão (1995, p.44) nos fala de outro marco nessa fase que é o
“desenvolvimento da função simbólica e da linguagem”, esclarecendo-nos
acerca do uso do termo projetivo: “deve-se à característica do funcionamento
mental neste período: ainda nascente, o pensamento precisa do auxílio dos
gestos para se exteriorizar, o ato mental “projeta-se” em atos motores”, o gesto
é a escrita no ar.
O período de três aos seis anos é marcado pela construção da
consciência de si, através da discriminação do outro, que acontece por meio
das interações sociais. É o estágio do personalismo em que a construção da
subjetividade se , segundo Mahoney (2000), “por meio de atividades de
oposição (expulsão do outro) e ao mesmo tempo de sedução (assimilação do
outro) e de imitação”. As expressões eu, meu e não são usadas
insistentemente.
O estágio categorial, que se inicia por volta dos seis anos, apresenta
uma diferenciação nítida entre o eu e o outro. Pelo fato de nesse estágio a
função simbólica se encontrar consolidada, registram-se avanços no plano
da inteligência. O interesse pelo conhecimento se através dos progressos
intelectuais. Nessa fase, a “diferenciação do eu e do outro facilita a exploração
mental do mundo físico mediante atividades de agrupamentos, seriação,
classificação, categorização em vários níveis de abstração a chegar ao
pensamento categorial” (Mahoney, 2000, p.13).
No estágio da puberdade e da adolescência a necessidade de uma
re-definição da personalidade que acontece mediante o confronto, auto-
afirmação, trazendo questões morais, pessoais e existenciais.
62
momentos em que as direções dos estágios se alternam, ora para o
conhecimento de si (Impulsivo-emocional, personalismo e adolescência), ora
para o conhecimento do mundo exterior (sensório-motor e projetivo, categorial).
Esse momento é chamado de alternância funcional.
A predominância funcional do motor, do afetivo e do cognitivo se alterna
e aparece diferentemente em cada estágio. Tais dimensões sustentam-se e
amadurecem, interferindo umas nas outras. O cognitivo predomina quando a
direção é centrífuga, para o exterior; o afetivo quando a direção é centrípeta,
para si e o motor é o suporte dos dois, seja em deslocamentos no espaço ou
expresso corporalmente na tonicidade muscular.
Esses estágios dependem da maturação do sistema nervoso para se
integrarem de uma maneira hierarquizada em que as atividades mais primitivas
vão controlando e se integrando aos conjuntos mais complexos dos próximos
estágios. É uma construção recíproca explicada pela integração funcional.
O desenvolvimento inicialmente é confuso, sincrético e, de acordo com
as solicitações do meio, vai se tornando mais preciso, mais articulado. A
movimentação global do corpo, por exemplo, vai se ajustando, tornando-se
mais específica, mais controlada às diferentes situações. O afetivo se origina
das sensibilidades internas (sensações viscerais e tonicidade muscular) e é
responsável, junto com uma sensibilidade vinda como resposta do outro, pela
transformação dos estados emocionais em estados afetivos. O “outro” tem uma
grande importância no desenvolvimento infantil, uma vez que garante tanto a
sobrevivência física quanto a cultural.
O que podemos notar no processo do desenvolvimento infantil
assinalado por Wallon é que, apesar das dimensões motora-afetiva-cognitiva
terem identidade estrutural e funcional diferentes, há uma integração, uma
continuidade e uma oscilação entre elas nas etapas dos estágios.
Mahoney (2000, p.15) fala sobre a integração entre as dimensões
motora-afetiva-cognitiva, dizendo que uma é parte constitutiva das outras e que
elas se refletem entre si. Separá-las “se faz necessário apenas para descrição
do processo”.
Galvão (1995, p.47) analisa e relaciona o desenvolvimento infantil à vida
adulta de uma forma interessante. Fala da oscilação entre los opostos, “ora
63
mais voltados para a realidade exterior, ora para si próprio; alternando fases de
acúmulo de energia a fases mais propícias ao dispêndio”.
Esse momento do estudo sobre as fases do desenvolvimento infantil tem
um significado diferente para mim, pois tenho o privilégio de poder
compreender melhor os “momentos de conflitos” pelos quais meu filho Eduardo
vem passando. Hoje, com quatro anos, percebo o quanto o desenvolvimento é
feito num ritmo descontínuo em que as fases se alternam, integram-se,
havendo o predomínio de um dos campos funcionais.
3.4 Movimento corporal – linguagem para se comunicar com o mundo
No desenvolvimento da criança, as relações interpessoais, a interação
com o adulto e com seus pares, mediados pela cultura, auxiliam na construção
do conhecimento. Na instituição de educação infantil, devemos pensar não
somente o papel do adulto como membro mais maduro da cultura das
interações, por dispor de uma linguagem estruturada, mas também as
concepções educativas que orientam as suas práticas educativas.
Os estudos sobre a Educação Infantil progrediram na mesma direção
dos estudos da psicologia. Historicamente este segmento educacional tem
assumido diferentes concepções, ora de caráter antecipatório do ensino
fundamental, ora de caráter assistencialista e recreacionista, produto das
condições vividas pelo Brasil desde o início do processo de industrialização e
urbanização da sociedade com o ingresso da mulher no mercado de trabalho.
Diante e contra essas concepções surgiu, segundo Cerisara (1995, p.67), “a
defesa de uma função pedagógica da educação infantil”.
Garanhani (2005) nos traz que, após se estabelecer como um objeto
pedagógico
26
, a primeira infância constituiu-se como período de aprendizagem
e começou a reclamar cuidados psicológicos e pedagógicos. Essa nova
concepção de educação da criança pequena impõe o desafio de se “estruturar
um fazer pedagógico que contemple tanto os cuidados necessários ao
26
“Segundo Chamboredon e Prévot (1986), a primeira infância como objeto pedagógico
significa o entendimento de que é uma idade particular que ocupa uma determinada posição no
cursus escolar, portanto, uma idade especial que requer um programa pedagógico específico”
Garanhani (2005).
64
desenvolvimento da criança quanto os conhecimentos a serem por ela
apropriados” (p.02).
Ao revisar documentos e estudos sobre as orientações curriculares para
a Educação Infantil de outros países, Garanhani identificou que a organização
dos ambientes facilita o desenvolvimento de diferentes linguagens ou formas
de expressão utilizados pela criança para se relacionarem com o meio.
Em estudos realizados por Junqueira Filho, citado por Garanhani
(2005), os documentos por ele analisados destacam a existência de propostas
que falam sobre a organização dos trabalhos baseados nas linguagens usadas
pelas crianças para se comunicarem e expressarem. O movimento corporal é
abordado como linguagem que permite “à criança investigar, conhecer e
expressar o ambiente no qual está inserida, como também tomar consciência
de si e deste ambiente sócio-cultural (p.03)”.
A linguagem, sendo um sistema simbólico que possibilita a mediação
tem para Vygotsky (1998), a função comunicativa, a função organizadora do
pensamento e de constitutiva da subjetividade além de seu desenvolvimento e
suas relações com o pensamento ocuparem lugar de destaque em sua obra.
A criança se expressa através dos progressos da linguagem oral, da
representação e do aperfeiçoamento dos movimentos do corpo que são
condições para elaboração da linguagem corporal.
Sendo assim, dentre as diferentes formas de linguagem, o movimento
corporal assume importância como expressão e comunicação e deve ser
valorizado como capacidade de expressão, o que nos leva a refletir e a
repensar o movimento corporal.
A linguagem da criança pequena envolve o movimento, o corpo, o som,
as emoções. Sua comunicação se por meio de reações emocionais, sendo
o papel das emoções poderoso sistema de expressão e comunicação.
Ativamente corporal e anterior ao papel da linguagem articulada, o movimento
desencadeia um contágio poderoso no seu grupo social.
Diante da afirmação do movimento corporal como uma das linguagens,
ao se discutir e refletir-se sobre a atividade programada por uma das
educadoras na 11ª sessão reflexiva, chamou-me atenção o objetivo proposto,
trabalhar a afetividade, na turma de três anos, para relacionar com o projeto
que a creche estava desenvolvendo na semana da criança.
65
A educadora iniciou a atividade com as crianças sentadas em roda, explicando
que eles iriam trabalhar os sentimentos. Mostrou quatro círculos com desenhos
expressando sentimentos diferentes, raiva, susto, alegria e tristeza. Seu
objetivo era nomear os sentimentos e possibilitar a sua expressão. Cada vez
que mostrava uma carinha, perguntava qual o sentimento estava sendo
representado e pedia para que eles fizessem a expressão sentados no chão e
sem saírem do lugar. Depois, perguntou a cada um como estavam se sentindo
e por quê. As crianças repetiram as falas umas das outras. Nessa atividade ela
retirou a carinha que representava o susto e não esclareceu o motivo. Deu
continuidade à atividade solicitando a cada criança que escolhesse um colega
para dar um abraço, um beijo ou aperto de mão. Antes, porém, a educadora
perguntou como era o beijo, como era um abraço e como era um aperto de
mão. Eles representaram sentados nos próprios lugares. A educadora escolhia
uma criança para vir até ela e, cobrindo os seus olhos perguntava apontando
para os demais: é esse? é esse, o que você quer dele? A criança escolhia
entre as opções dadas anteriormente pela educadora e depois de dar o abraço
ou o aperto de mão no colega escolhido, sentava perto da educadora que
reiniciava a pergunta, até todos da rodinha terem sido escolhidos (Nota
expandida da 11ª sessão reflexiva – 06/11/06).
Ao descrever para o grupo o planejamento e os objetivos da atividade, a
educadora diz que a realizara com o objetivo de trabalhar a afetividade.
Utilizara carinhas de susto, tristeza, alegria e raiva para que pudessem mostrar
como estavam se sentindo e para observarem essas expressões, que por
serem pessoas diferentes, dependendo da situação, estariam expressando
uma emoção diversa. A atividade de dar um beijo, um abraço e um aperto de
mão, segundo ela, completava a sua intenção de trabalhar a afetividade, pois
utilizando estes gestos, é possível amenizar os conflitos que possam vir a
surgir na sala de atividades reforçava a idéia de não bater no colega.
Ao ser questionada sobre o que pretendia possibilitar às crianças com
essa atividade, ela respondeu que seria para nomear os sentimentos,
expressar como se sentiam e fazer carinho no outro, trabalhar a afetividade,
pois pensava ser importante dar uma palavra de carinho para o outro. Já
quanto à escolha do tipo de atividade, a educadora justificou-a por achá-la
interessante. Segundo ela, consultara a revista Nova Escola Especial de
Educação Infantil para planejá-la, modificando-a e adaptando-a à sua
realidade.
Nesse episódio temos alguns pontos que merecem ser analisados à luz
das idéias de Wallon. Será que as crianças estavam realmente demonstrando
66
a dimensão expressiva do movimento, permanecendo sentadas em círculo
junto com a professora durante toda a atividade?
Ao falar em emoção e afetividade, é comum tratar os dois conceitos
como sinônimos. Galvão (1995) observa que, para Wallon, a afetividade é um
conceito mais abrangente em que várias manifestações estão inseridas e que
as emoções têm características próprias que são acompanhadas de alterações
orgânicas visíveis ou não, como alterações na mímica facial e na postura.
A teoria walloniana destaca o componente corporal das emoções, pois
estas podem ser vinculadas à formação e conservação do tônus muscular. As
emoções estão ligadas às reações neurovegetativas e expressivas devido à
função postural ou tônica.
Segundo Galvão (1995, p.63), a função tônica:
“É responsável pela regulação das alterações do tônus da
musculatura dos órgãos internos (lisa) e da musculatura
esquelética (estriada). A serviço da expressão das emoções, as
variações tônico-posturais atuam também como produtoras de
estados emocionais; entre movimento e emoção a relação é de
reciprocidade”.
É preciso destacar a importância de se conhecer sobre o
desenvolvimento infantil. Dessa forma, Gulassa (2004) confirma o que a teoria
walloniana aborda sobre a necessidade de o professor conhecer as crianças
através da observação, ter clareza nos seus objetivos educacionais, ter
conhecimento sobre o desenvolvimento da criança e de seu processo de
aprendizagem.
Quanto ao fato de as crianças repetirem as respostas umas das outras a
cada pergunta, na reflexão sobre esse ponto a educadora argumenta:
Rita: Eu acho que era meio preguiça de falar uma coisa diferente. ... Às vezes,
sei lá, não pensou em coisas diferentes, eu acho que o que o primeiro falou, os
outros foram falando. (Transcrição da 11ª sessão reflexiva – 06/11/06).
Na minha percepção as crianças não compreenderam a atividade, pois
em nenhum momento lhes foi dada a oportunidade de se expressarem em
relação ao exercício proposto pela educadora.
67
3.5 O movimento corporal e o espaço na sala de atividades da Educação
Infantil
Ao abordar a questão sobre o movimento corporal, percebo que tal tema
está interconectado com vários outros, como concepções de criança e infância,
espaço, linguagem e a uma temática bipolar, a repressão e a liberdade, estes
últimos distantes da proposta do ato de educar.
A literatura médica, segundo Barbosa (2006), faz várias referências e
regras a serem seguidas na educação de crianças pequenas. No Brasil, o
discurso médico e psicológico é mostrado como influência à padronização dos
modos de organização da vida familiar e na criação de regras de convívio na
entre crianças e adultos, homens e mulheres.
A puericultura brasileira teve como modelo a francesa, de caráter
autoritário, dogmático e racional, prescrevendo a boa norma de comportamento
infantil e juvenil, tentando manter a família saudável.
Com intuito de criar hábitos alimentares saudáveis, domar e reprimir os
instintos, adestrar o corpo e a sexualidade, pais e educadores, animados por
bases científicas, detentores de poder em relação aos jovens e crianças,
passaram a ensiná-los a viver em um espaço de ordem que tanto podia ser a
escola ou o lar.
De acordo com Costa (apud Barbosa, 2006 p.60), na escola
No espaço físico, cronometricamente pensado para produzir
ordem, os alunos deviam mover-se, obedecendo a um
tempo não menos rígido e calculado. A cadência do tempo
deveria comandar todo o ritmo da atividade escolar das
crianças (Costa, 1979 p.182).
A puericultura dava destaque aos aspectos morais e de controle social,
fazendo uma leitura desviante dos conhecimentos científicos. No Brasil as
classes média e alta urbanas foram as que mais aderiram a essas normas.
No culo XX os corpos ficaram cada vez mais vigiados e regulados em
nome da ordem social. O grande esforço era manter a disciplina submetendo-
os às regras da normalidade. Com a ajuda da educação moral, o corpo solto
27
deveria ser transformado em um corpo “útil”.
27
O corpo solto, segundo Barbosa (2006), era imoral, desviado, desocupado.
68
Foucault, em seu livro Vigiar e punir (1987), ao analisar a vida nas
prisões, amplia suas idéias para outras instituições da modernidade quando
revela a passagem do modo carnal de punição para um modo racional
moderno, pelo controle do corpo e pela submissão à ordem.
O corpo em qualquer sociedade está preso a poderes limitados a
proibições ou obrigações, sendo que o controle em sua escala, exerce,
segundo Foucault (1987) uma “coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo
da mecânica movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre
o corpo ativo” e o objeto do controle é feito sobre as forças, sobre os
processos da atividade (p.118).
Esses métodos “que permitem o controle minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”
(Foucault, 1987, p.118).
Aos poucos a disciplina, que se instala nos sujeitos modificando
pensamentos, vontades, vai encontrando na escola um grande espaço. Na
economia, a mão-de-obra disciplinada potencializa os lucros, proporcionando
conveniência ao capitalismo.
Nesse contexto, um episódio observado por ocasião da coleta de dados
da pesquisa me fez perceber a necessidade de repensar a criança como
sujeito de direitos e não como um ser a ser moldado. O que chamou minha
atenção foi o fato de haver uma cobrança excessiva da limpeza das salas, fator
que cerceava a liberdade de expressão e movimento das crianças.
Isso pôde ser observado pelo comentário das educadoras da creche
quanto à limpeza das salas onde elas desenvolvem as atividades com as
crianças. As educadoras são cobradas e pressionadas pela instituição e pelas
funcionárias responsáveis pela limpeza e conservação das salas para que
evitem sujá-las.
Elas relatam que em cada sala foram colocados um pote com produto de
limpeza e um pano para que usem após cada atividade realizada. Uma das
educadoras comenta que não tem muito como evitar que a tinta pingue no chão
ou que as mesas se sujem, pois com crianças de dois anos é natural que as
69
coisas caiam no chão, mesmo porque elas fazem experiências com as cores,
passando o pincel de uma mão para outra, o que pode facilitar que o chão se
suje.
Devido a essas cobranças, as educadoras acabam exigindo muito das
crianças, cerceando sua liberdade de expressão. Para elas o trabalho com as
crianças fica menos humanizado e mais mecânico. A expressão que utilizam é
bastante representativa dessa postura: “pintou, limpou, guardou, fica com a
mão pro alto, pra não sujar a mesa” (Nota expandida nº 06 - 18/09/06).
Embora as educadoras não neguem a importância da limpeza, criticam o
excesso de preocupação com a ordem que acaba por prejudicar as crianças.
Assim, as atividades organizadas pelas educadoras, que deveriam acontecer
mais em função da criança, acabavam por se transformar em atividades
mecânicas, com fins em si mesmas.
A preocupação exagerada com a limpeza, descrita pelas educadoras,
chega a controlar os movimentos das crianças justamente em uma fase na qual
a direção do desenvolvimento vai do motor para o mental. Assim, a liberdade
de movimentos em atividades que contribuam para a construção do
conhecimento é de suma importância.
Na creche observada podemos perceber que a disciplina, a ordem e o
controle não apenas fazem parte da rotina, mas também atuam na forma como
os espaços são organizados.
De acordo com Zabalza (2002)
“La forma en que cada uno de nosotros (en la medida en que esté
en nuestras manos actuar sobre el espacio, claro) organizamos
los espacios y cada uma de sus zonas y elementos refleja directa
e indirectamente el valor que lês damos y la función que lês
otorgamos y dice mucho, además, com respecto al tipo de
comportamiento instructivo y comunicacional que esperamos de
nuestros alumnos” (p.112).
28
O espaço físico da sala de atividades constitui-se por si mesmo uma
mensagem curricular, refletindo o modelo educativo. Ao entrarmos em uma
28
A forma como cada um de nós (na medida em que esteja em nossas mãos atuar sobre o
espaço, claro) organizamos os espaços de cada uma de suas áreas e elementos reflete direta
e indiretamente o valor que lhes damos e a função que lhes outorgamos e diz muito, além
disso,a respeito do tipo de comportamento instrutivo e comunicativo que esperamos de nossos
alunos. (Tradução livre).
70
sala de atividades e olharmos a sua disposição, podemos fazer uma idéia da
forma como trabalha o educador e da maneira como entende seu trabalho na
instituição.
As salas de atividades das crianças de 2 anos da creche observada são
muito pequenas e ocupadas por mesas e cadeiras, havendo pouco espaço livre
para as crianças se movimentarem. As educadoras reconhecem que as
crianças necessitam de espaço para se desenvolverem, como pode ser
percebido no relato uma delas.
Carla: quando é de brincadeira, eles têm que ter mais espaço, porque tem hora
que eu nem concordo muito com as mesas e as cadeiras, porque eles ficam
muito presos ali nas mesas e nas cadeiras. Se tivesse mais espaço pra brincar
livre no chão, poderia fluir mais. Eu acho que a mesa e a cadeira teria que ser
mesmo na hora de uma atividade de folha. (...) Eu adoro fazer bagunça,
sabe? Eu o faço, porque eles não me deixam fazer, porque se eles
deixassem, eu fazia muita bagunça. A criança tinha que mexer com tinta sem
se preocupar com sujeira sabe? Porque a criança não pode se preocupar com
isso. Então dentro da sala a gente tem que ficar controlando as mesas, pra não
sujar, pra não dar muita bagunça. Eu acho que precisava de mais espaço para
as crianças se desenvolverem mais (Transcrição da sessão reflexiva
28/08/06).
Essa educadora costumava oportunizar atividades com espaço livre e
organizado de acordo com as características das crianças de dois e três anos.
Sua sala é bem ampla e, quando planejou uma atividade para ser filmada e
discutida nas sessões reflexivas, organizou o espaço para que a atividade
pudesse acontecer de forma a possibilitar que a espontaneidade das crianças
não fosse reprimida.
As crianças estavam desenhando numa folha de papel pardo que cobria as
mesas que estavam juntas no meio da sala. As cadeiras foram encostadas na
parede possibilitando espaço livre para as crianças se movimentarem. A
professora distribuiu potinhos com tintas e cada criança tinha um pincel,
estavam em em volta da mesa e falavam espontaneamente os nomes das
cores (Nota expandida da 6ª sessão reflexiva 18/09/06).
A educadora permitiu que as crianças pintassem algumas partes do
corpo, mas elas próprias foram se organizando para deixar tudo limpo,
rapidamente, como pode ser observado em episódio registrado na nota
expandida a seguir:
71
Ao ser questionada pelas crianças sobre o pincel que estava sujo, a educadora
respondeu que não tinha problema, que sujava mesmo e que depois era
lavar. Uma criança pergunta se pode pintar a mão e ela responde que sim, que
depois lava. Com o aval da professora, elas começaram a pintar a mão, braço,
dedos e o nariz e não se preocuparam com a sujeira. Fizeram carimbos com as
mãos e começaram a carimbar a folha. Assim que a motivação das crianças foi
terminando, eles foram para a pia lavar as mãos, pois têm uma preocupação
grande com a limpeza da sala. Pingou um pouquinho de tinta no chão e logo
eles falaram com a educadora que veio passar um pano para limpar o chão
antes que alguém pudesse pisar e sujar a sala (Nota expandida 6ª sessão
reflexiva 18/0906).
Para a educadora, o que impede uma organização melhor do espaço é
que atualmente os espaços físicos são adaptados para serem escola e creche
e por sua vez tais adaptações o se mostram adequados para a criança.
Segundo ela, o piso deveria ser lavável ao invés de ser de madeira, a pintura
das paredes deveria ser feita com tinta óleo para facilitar a limpeza.
Ao mesmo tempo em que as educadoras demonstravam conhecer a
importância de a criança ter liberdade de expressão, havia a preocupação
excessiva com a limpeza, impedindo que elas permitissem às crianças se
movimentarem com liberdade. A concepção de criança como um mini-adulto e
a questão da ordem e da disciplina orientam as ações das educadoras.
As educadoras têm um discurso que coloca a instituição como
reguladora das atividades, impedindo muitas vezes de acontecerem as
mudanças. Ao final da imersão no campo, mais precisamente na 12ª sessão
reflexiva, última da série, contamos com a participação da coordenadora da
creche e com a pedagoga responsável para socializar as experiências e
reflexões que a pesquisa havia possibilitado.
Percebo que, na creche observada, a questão do movimento corporal
precisa ser mais esclarecida e trabalhada, pois a tendência a identificá-lo e a
interpretá-lo sem fazer uma diferenciação sobre ser ou não ameaçador e
perturbador da ordem leva as crianças à imobilidade e à contenção do
movimento.
Acredito que o processo de reflexão das educadoras sobre a própria
prática educativa, o acesso a uma bibliografia acerca da importância do
movimento corporal no desenvolvimento infantil, a observação, a reorganização
72
dos espaços e a reconstrução das atividades a partir de um processo de
reflexão poderia ser um caminho.
73
4. EDUCADORAS DE CRIANÇAS PEQUENAS, SUAS CONCEPÇÕES E
SUA PRÁTICA EDUCATIVA.
Quais são as relações entre o acto e o pensamento?
Qual dos dois tem prioridade sobre o outro? “no
princípio era o Verbo (ou seja o pensamento a
manifestar-se), diziam os discípulos místicos de
Platão. “No princípio era a Acção”, retorquia Goethe.
É este um debate que divide ainda os filósofos e até
os sábios e que fornece um primeiro exemplo das
oposições, das antinomias e antagonismos que
surgem entre o ser e o conhecimento, entre as teses
sobre o conhecimento, como também entre as forças
do ser em evolução. Henri Wallon (1979).
A concepção de que possa haver prioridade entre o ato e o pensamento
vem permeando, ao longo dos séculos, o modo de pensar da humanidade. A
epígrafe acima representa a idéia de que a dicotomia corpo/mente, articulada
às concepções de infância e criança, faz-se presente no pensamento
educacional, ao enfatizar o cognitivo em detrimento do motor e do afetivo. Os
saberes e imagens sobre a criança e a infância vão se compondo social e
culturalmente ao longo da história. Diferentes modos de olhá-las e pensá-las se
traduzem em diversas concepções, as quais transpassam as práticas
educativas das creches e escolas infantis. Entre elas, temos aquelas que não
consideram as especificidades da criança, compreendendo-a como um vir a ser
ou como um mini-adulto, concepção que ainda se encontra muito presente nas
pessoas responsáveis por sua educação.
Embora atualmente haja um esforço no sentido de romper com essa
perspectiva adultocentrada, as vivências, culturas e representações das
crianças escapam ao conhecimento que temos delas.
Neste capítulo, discutirei a dicotomia corpo/mente, ligada às concepções
de infância e criança que, na minha análise, sustentam a prática educativa das
cinco educadoras da creche. A partir da análise dessa prática faço algumas
considerações sobre a formação inicial do educador de crianças pequenas.
A infância foi e é discutida no presente por diferentes áreas de estudo e
pesquisa das ciências humanas (História, Filosofia, Sociologia, Psicologia) e
das ciências da saúde (Medicina e Educação Física). São muitos os caminhos
para se tentar compreender a infância e a criança e, em diferentes momentos,
74
esses vários olhares acabam se entrelaçando ou mesmo se bifurcando e
seguindo rumos bem distintos. Trago como suporte para esta discussão um
olhar para a criança sob a perspectiva walloniana.
Busquei nesta teoria um aporte teórico do qual me fiz valer por
compreendê-lo como um instrumento auxiliar na interpretação do que foi
observado, por sua psicologia genética trazer um campo vasto de implicações
educacionais e suas considerações acerca da Educação discutirem a formação
de professores e o desenvolvimento infantil.
Assim, a psicologia, uma das áreas que tem fornecido subsídios aos
educadores na tentativa de compreender a complexidade de relações entre
escola e os agentes sociais envolvidos no processo educacional (pais,
crianças, educadores, coordenadores, direção), está aqui representada pela
teoria walloniana.
A análise das observações que realizei nas sessões reflexivas levaram-
me a compreender que os saberes das educadoras estavam calcados na
dicotomia corpo/mente e fortemente ligados às representações de infância e de
criança que permeava e influenciava as suas práticas.
4.1 Infância e criança. Como se constituíram essas concepções para as
educadoras de creche.
“É possível observar que a figura do professor de Educação Infantil vai
se configurando paralelamente à visão histórica de infância” (Silva, 2006, p.73).
A partir dessa afirmação e das discussões nas sessões reflexivas, pude
compreender que a questão da dicotomia corpo/mente tinha origem nas suas
concepções de criança e infância. As representações estabelecidas acerca
dessas concepções foram construídas historicamente a partir da formulação de
questões levantadas por intelectuais no interior de uma cultura adultocêntrica,
envolvendo a concepção racionalista de infância e criança que, ainda hoje,
permeia a prática pedagógica.
75
Instituir uma relação sobre como a teoria contribui para nossos saberes
sobre as crianças, sobre as concepções de homem, de sujeito, nessa
passagem de século, auxilia na reflexão sobre o trabalho educativo.
Formulações conflituosas revelam as diferentes hipóteses sobre as
origens do pensamento, da linguagem, do conhecimento e do desenvolvimento
da criança, suscitando reflexões, discussões e investigações, despertando em
alguns intelectuais o interesse em discutir seus posicionamentos. Ao pensar
sobre os saberes e as práticas das educadoras de crianças pequenas, percebo
a necessidade de considerar que a formação do educador infantil se constrói
tendo como referências diferentes concepções de infância, ou seja, modos de
se percebê-la.
Apesar de a criança sempre ter existido, a infância nem sempre existiu.
A noção de infância é, antes de tudo, uma construção histórica vinculada ao
pensamento de cada época. Então, como poderíamos compreender a infância
e a criança? O que se percebe é que esses dois vocábulos não significam a
mesma coisa. Dentro da historiografia a grande maioria percebe a infância
como uma fase inicial da vida e a criança como o sujeito que vive essa fase.
Ao abordar a infância sob a perspectiva histórica, é difícil não se reportar
às contribuições de Philippe Ariès, apesar de algumas críticas com relação à
sua concepção moderna da infância. Heywood (2004), em sua obra “Uma
História da Infância”, aborda que os críticos de Ariès “o acusam de ingenuidade
no trato das fontes históricas, e são particularmente severos em relação a suas
evidências iconográficas” (2004, p.24). Críticas à parte, seus levantamentos
históricos têm sido de grande auxílio para o estudo das Infâncias.
No início dos anos 1960, Philippe Ariès nos uma grande contribuição
com seus trabalhos, ao apontar o modo pelo qual a modernidade ocidental
compreende suas crianças. Através de seu livro História social da criança e da
família (1981), o autor discutiu como a sociedade européia percebia a infância,
tomando como ponto de partida o mundo medieval no qual a criança era
ignorada, vista como um ser inacabado, incompleto, por não ser adulto.
Ariès (1981, p.50) argumenta que até por volta do culo XII também a
arte medieval desconhecia a infância ou não a representava. As crianças eram
caracterizadas nas artes por adultos em tamanho reduzido. Segundo o autor, a
infância foi descoberta no culo XIII “e sua evolução pode ser acompanhada
76
na história da arte e na iconografia (representação através de imagens) dos
séculos XV e XVI” (p.65), sendo que seu desenvolvimento foi significativo a
partir do século XVI e durante o século XVII, ao centralizar na inocência e na
fragilidade o esboço de uma concepção de infância.
Além da arte, outros objetos que contribuíram para representar a
compreensão que se tinha sobre as crianças servem como testemunho de um
novo sentimento da infância, como, por exemplo, os trajes usados, os jogos e
brincadeiras realizadas.
A criança se vestia igual aos adultos. A adoção de trajes peculiares a
elas, que aconteceu ao final do século XVI, representou uma separação da
sociedade dos adultos e das crianças, começando a se desenvolver um outro
olhar para elas. Os primeiros beneficiados foram os meninos burgueses ou
nobres, já os filhos dos camponeses, artesãos, as crianças do povo e as
meninas continuavam a usar trajes de adultos
29
.
Durante o Renascimento, a criança é percebida pelo que lhe falta e por
suas carências, cabendo à maturidade e à educação supri-las. É projetada na
criança a argamassa do modelo do adulto. Por sua fragilidade física e moral,
ela é encarada como um ser que deverá ser regulado, adestrado e normalizado
para o convívio social. A ternura e a severidade são dois ingredientes
utilizados, por vezes desproporcionalmente, na educação das crianças desde o
século XVIII até os dias de hoje.
Com a possibilidade da inserção da criança na vida adulta pela
educação, a infância deixa de ser vista como uma condição passageira, sendo
a escola eleita o espaço por excelência de guarda dos pequenos aque se
tornassem adultos.
29
Em relação aos trajes usados pelas crianças e pelos adultos, percebi que a teoria
apresentada por Postman em seu livro O Desaparecimento da Infância (1999), sobre o
atenuamento da linha que separa a infância dos adultos, tem a sua confirmação se nos
reportarmos para os dias de hoje, em que a indústria da moda faz com que o modelo de roupas
usadas por adultos seja incorporado pelas crianças. As lojas de roupas de adultos têm
expandido seus negócios em busca de conquistar no mercado um novo tipo de consumidor, a
criança. Portanto, o que havia sido uma representação sobre um novo sentimento de infância
ao final do século XVI, hoje marca justamente o contrário, já que o reconhecimento das
especificidades da criança não é levado em conta pela indústria de roupas e a cultura
adultocêntrica, que não considera a infância como um tempo de experiências, em que a
comunicação com o meio, que tem o movimento como uma das formas de expressão, acaba
por cobrar das crianças uma postura de seriedade e imobilidade.
77
Respaldada nesse pensamento, da infância como preparação para a
vida adulta, pude percebê-lo, através das relações estabelecidas, em episódio
destacado de uma das atividades realizadas pela educadora Carla. Ao realizá-
la, ela pede às crianças que façam uma pintura nas folhas de papel pardo que
estão pregadas nas mesas. Distribui os potes com as tintas, entrega um pincel
para cada uma, entretanto não explica o objetivo da tarefa, tampouco se
envolve na atividade com as crianças. Embora a forma como organizara o
espaço para que a atividade fosse realizada, com as mesas unidas no meio da
sala e as cadeiras encostadas na parede, tenha favorecido a interação entre as
crianças, que conversavam entre si, em pé, em volta da mesa, ela não se
preocupou em explicar a atividade, contextualizando-a, e nem estabeleceu
trocas com elas, pois não perguntava sobre o que estavam fazendo nem fazia
referência à tarefa que estava sendo desenvolvida. A impressão que se dava é
que na sua presença ali era só para resolver conflitos, caso ocorressem.
Foi possível perceber que por não dar espaço para a criança optar por
si, a educadora não levou em consideração a criança como um ser capaz de
decidir, de perguntar, de inventar, de criar, de ter opinião e desejos, mas como
um ser frágil, que deve ser conduzido, sem direito a voz e a ser ouvido. A
atitude da educadora demonstrou uma prática alimentada por essas
concepções, uma vez que as crianças aceitavam passivamente a atitude sem
se manifestarem por meio de perguntas, questionamentos quanto ao material
disponível ou a finalidade da tarefa. Além disso, todas deveriam realizá-la ao
mesmo tempo e de maneira uniforme. Nesse sentido ao compreender a sala de
atividades da Educação Infantil como um espaço de preparação da criança
para a vida adulta, a educadora acaba favorecendo a dicotomia corpo/mente.
A partir de Ariès, outros estudiosos também se dedicaram ao estudo da
infância, dentre eles dois pensadores e filósofos se destacam na evolução das
idéias sobre a infância, John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau
(1712-1778).
Para Rousseau (2004), a origem da educação humana vem da natureza
ou dos homens ou das coisas, como ele mesmo cita no livro I do Emílio:
78
Essa educação vem-nos da natureza ou dos homens ou das
coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de
nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos
ensinam a fazer desse desenvolvimento é a educação dos
homens; e a aquisição de nossa própria experiência sobre os
objetos que nos afetam é a educação das coisas (Rousseau,
2004, p.49).
O filósofo acreditava que a primeira educação tivesse que se dar pela
preservação da inocência e da espontaneidade infantil. Consistia “em proteger
o coração contra o vício e o espírito contra o erro” (op. cit, 2004, p.97) e não
em ensinar a virtude ou a verdade. O ponto essencial da teoria rousseauniana
é o respeito dos adultos pela inocência da criança, a infância deveria
amadurecer nas crianças.
Se pudésseis nada fazer e nada deixar que fizessem, se
pudésseis levar vosso aluno são e robusto até a idade de doze
anos sem que ele soubesse distinguir a mão esquerda da
direita, desde vossas primeiras lições aos olhos de seu
entendimento se abririam para a razão; sem preconceitos, sem
hábitos, ele nada teria em si que pudesse obstar o efeito de
vossos trabalhos. Logo se tornaria em vossas mãos o mais
sábio dos homens e, começando por nada fazer, teríeis feito
um prodígio de educação. (Rousseau, 2004, p.97).
Para Rousseau, as capacidades inatas da criança se desenvolveriam em
um ambiente apropriado, por meio da exploração, das descobertas e da
imaginação. O tempo da infância está ligado ao conceito de aprendizagem e
escolarização e reflete o interesse que a sociedade tem sobre sua educação.
Marcados por Rousseau, outros teóricos procuravam novos métodos para se
educar as crianças pequenas, cada qual com sua visão sobre o perfil do
profissional mais adequado para trabalhar com os pequenos.
Locke apresenta a teoria da tábula rasa na qual a criança, ao nascer,
seria como uma espécie de superfície maleável, moldável, na qual os adultos
poderiam inscrever o que julgassem necessário, buscando promover seu
desenvolvimento e crescimento com vista a uma ordem social harmônica
(LOCKE, 1999).
Para esse filósofo, o importante era cuidar e formar os pequenos para se
tornarem cidadãos civilizados, racionais e alfabetizados. A responsabilidade
79
designada aos pais e mestres-escola, por estarem mais próximos, era a de
“escrever na folha em branco”.
As atividades das educadoras Selma, Mara e Rita remetem à concepção
de criança proposta por Locke. A despeito de se constituírem como atividades
diversas, com objetivos próprios, com grupos de crianças com idades
diferentes, possuem a mesma percepção em relação à concepção de criança e
infância em que o conhecimento e as habilidades humanas são adquiridos pela
aprendizagem, enfatizando uma das dimensões do desenvolvimento infantil.
Apesar do reconhecimento que temos hoje (pelo menos no discurso) de
que a criança é um sujeito que se posiciona com relação ao mundo no qual
está inserida, ativa em seu processo de construção de conhecimentos e não
apenas uma tábula rasa, muitas vezes as práticas realizadas pelos educadores
caminham na contramão desse reconhecimento. uma forte tendência de
escolarização ou didatização das atividades, mesmo aquelas que deveriam
levar à expansão e à livre expressão das crianças, como é possível perceber
nos episódios descritos anteriormente e que volto a trazer nos fragmentos a
seguir.
Selma chama uma criança de cada vez para andar em cima da linha e segura
sua mão ao fazer o percurso. Ao terminar, a criança volta para seu lugar
sentando-se novamente e esperando o outro colega fazer a atividade (Sessão
reflexiva nº 09 realizada no dia 09/10/06).
Na atividade de Mara uma caixinha ia passando de mão em mão e, por escolha
da educadora, parava numa criança, que abria e tirava um papelzinho que era
lido pela Mara (Sessão reflexiva nº 08 realizada no dia 02/10/06).
Rita escolhia uma criança para ter seus olhos vendados por suas mãos e dizia
apontando para as crianças: é esse? É esse? O que você quer dele? Eles
escolhiam entre as opções e depois de se tocarem (beijo, abraço e aperto de
mão) o escolhido sentava perto da educadora que reiniciava a pergunta, até
que todas as crianças que se encontravam na rodinha tivessem sido escolhidas
(Sessão reflexiva nº 11 realizada no dia 06/11/06).
Selma, em sua atividade, privilegia o movimento de maneira mecânica
em que o deslocamento de partes do corpo no espaço é valorizado em
80
detrimento de outras dimensões que integram a pessoa (cognitivo e o afetivo),
evidenciando a dicotomia corpo/mente.
Quanto à Mara, a maneira como ela conduz a atividade o propicia a
autonomia, tampouco considera a integralidade das crianças, além de não
trabalhar todas as dimensões que promovem o seu desenvolvimento, uma vez
que a atividade exige uma postura passiva das crianças. Seria possível, por
exemplo, substituir a palavra escrita por um desenho ou um digo a ser
decifrado pelas crianças. A educadora teria possibilitado, dessa forma, a
exploração das linguagens oral e visual, o movimento e a imaginação,
integrando as dimensões afetiva, cognitiva, motora, enfim, a pessoa.
Finalmente, Rita privilegia o cognitivo em detrimento do afetivo e do
motor, sem exploração das emoções na atividade proposta. As crianças não
manifestavam as emoções que deveriam estabelecer com o outro, um diálogo
tônico esculpido no corpo, tornando-se visível ao outro.
A partir da segunda metade do século XX, três autores, Wallon, Vygotsky
e Piaget se destacam por suas contribuições no campo da psicologia infantil
através de suas idéias, causando grande impacto na produção de
conhecimento e nas práticas educacionais, principalmente na educação infantil.
Wallon, Vygotsky e Piaget concebiam o desenvolvimento psicológico da
criança de formas diferenciadas e, a partir dessas concepções, elaboraram
teorias com enfoques diferentes, sendo que a de Wallon e Vygotsky, por terem
a mesma base epistemológica, são mais próximas. Por ter outra base
epistemológica, a teoria de Piaget encontrava-se mais distante das outras
duas.
Os dois primeiros autores mostraram que a capacidade de aprender e
conhecer é construída a partir de trocas entre o sujeito e o meio social.
Concebem o desenvolvimento infantil como um processo dinâmico no qual
acontecem retrocessos, avanços, não ocorrendo de forma linear. Apesar de
não serem concordantes em todos os aspectos, esses teóricos possibilitaram
uma nova compreensão sobre o desenvolvimento infantil. A infância recebe um
novo olhar, surge um caminho de redefinição, o de que a criança tem uma
natureza própria, social e culturalmente definida.
A psicologia genética proposta por Wallon constitui-se em valioso
instrumento para a educação, ao defender uma docência de melhor qualidade,
81
tanto no processo como no resultado da prática educativa. O princípio
organizador de sua teoria é a integralidade dos planos afetivo, emocional,
motor e a pessoa completa e em transformação constante, sem que se perca a
unidade, perspectiva fundamental que deve ser percebida pelo educador.
Essa tendência a atividades escolarizadas, que se baseia apenas em
um aspecto - cognitivo - remete a uma dicotimização entre atividades
cognitivas e motoras que pode ser percebida através do episódio, apontado
anteriormente, no qual o objetivo da atividade da educadora era nomear os
sentimentos e possibilitar a sua expressão.
Rita iniciou a atividade explicando às crianças que eles iriam trabalhar os
sentimentos. Mostrou quatro rculos, cada um com um desenho contendo
expressões diferentes, raiva, susto, alegria e tristeza. As crianças estavam
sentadas em círculo junto com a educadora. Cada vez que mostrava um dos
quatro círculos, perguntava qual sentimento estava sendo representado e pedia
para que elas o expressassem, tarefa que realizavam sentadas nos próprios
lugares (Fragmento da nota expandida 11ª sessão reflexiva).
Nessa atividade podemos perceber a dicotomia corpo/mente em função
da orientação dada pela educadora a respeito da tarefa a ser realizada pelas
crianças: elas deveriam realizá-la sentadas em seus lugares, ainda que a
atividade exigisse a expressão com o corpo. A emoção estabelece uma
comunicação com o outro devido à sua plasticidade corporal, sendo, portanto,
intimamente ligada ao movimento que exterioriza as alterações emocionais.
Cerisara (1983, p.45) destaca a inter-relação entre o desenvolvimento do
movimento e o desenvolvimento da afetividade infantil, para Wallon (1986,
p.14), ao afirmar que “a atividade tônica é a matéria de que são feitas as
emoções. Esta atividade é produto da relação imediata do movimento e da
sensibilidade”. Assim, estão imbricados, na construção da pessoa, o
movimento, a inteligência e a emoção.
Para Wallon, o movimento permeia toda infância. Ao utilizar o
materialismo dialético como fundamentação filosófica e método de análise,
suas idéias refletem que a direção do desenvolvimento vai do motor para o
mental. Dessa forma, a liberdade de movimentos nas atividades contribui para
que o conhecimento seja construído.
82
Portanto, independente do ambiente em que sejam desenvolvidas as
atividades com as crianças, a prioridade seria focar o movimento como uma
das formas de linguagem, de expressão, de interação com o meio, ou seja, de
construir conhecimento.
Um outro episódio que foi palco de minhas observações demonstra a
dicotomia entre cognição e desenvolvimento motor.
A educadora chamou as crianças para pularem para dentro e para fora do
quadrado por ela desenhado, pois seu objetivo era trabalhar os conceitos
dentro e fora. Feito isso, a educadora foi para dentro do quadrado junto com as
crianças e por permaneceram sentadas cantando músicas sugeridas por
elas. Os gestos sugeridos pelas músicas eram representados do lugar onde
estavam, sentadinhas no chão (Nota expandida da sessão reflexiva
09/10/06).
Ao usar na atividade o movimento de pular para dentro e para fora do
quadrado, a educadora considerou mais o seu objetivo, que era ensinar às
crianças os conceitos dentro e fora, do que as especificidades daquelas
crianças de dois anos de idade, quais sejam, pular, rolar, fantasiar, dentre
outros. A educadora poderia ter organizado a atividade de forma que as
crianças pudessem experienciar esses conceitos livremente em situações que
envolvessem brincadeiras com diferentes objetos, tais como caixas de papelão
grandes para a criança entrar (dentro) e sair (fora).
Portanto, podemos perceber que, nessa tarefa, possuidora de uma
perspectiva escolarizada, instaurou-se uma dicotomia entre atividades
cognitivas e as que levam em conta as características específicas da criança
pequena, ou seja, de movimentar-se.
A esse respeito, Mahoney (1999, p.15) aponta Wallon:
Qualquer atividade motora tem ressonâncias afetivas e
cognitivas; toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e
cognitivas; toda operação mental tem ressonâncias afetivas e
motoras. E todas essas ressonâncias têm um impacto no
quarto conjunto: a pessoa.
A teoria walloniana possui um traço constante em toda a sua extensão, a
intenção de identificar e superar dicotomias, ao abordar o aluno como uma
83
pessoa completa, integrada pelas dimensões afetivas, cognitivas e motora,
opondo-se à dicotomia corpo/mente que acaba por ser valorizada na
perspectiva escolarizante.
Werebe (1986, p.27) observa que Wallon chama atenção sobre os
inconvenientes observados, principalmente nos educadores, considerados
como detentores da sabedoria e da verdade, de valorizarem somente aquilo
que revelam, pois a criança necessita de espaço para “contestação e
criatividade”.
Na verdade o que se busca é uma idéia do que é próprio da criança,
daquilo que é específico da infância (sua linguagem, seu pensamento, suas
especificidades e seu comportamento), ou seja, uma maior compreensão sobre
a infância e a criança, seu significado e suas peculiaridades.
Ao estabelecer trocas com o meio, a criança dá significado a suas ações
e na relação com o outro os conteúdos dessa aprendizagem ganham
significado, uma vez que as interações sociais são importantes para o processo
de aquisição de conhecimento. A linguagem tem um papel muito importante no
desenvolvimento cognitivo, pois através de sua função de transmissora dos
elementos culturais, possibilita à criança estabelecer relação entre signo e
significado.
Nas várias formas de linguagens, entre elas o brinquedo e a brincadeira,
estão contidas características da ação infantil (imitação, repetição, interação
com os pares, imaginação) úteis para a compreensão e transformação do
mundo em que as crianças estão mergulhadas.
Ao considerar a educação infantil numa perspectiva em que a cultura e a
interação social são importantes para o desenvolvimento da criança, rompa-se
com a visão de que ela seja um ser inacabado, um ser em preparação, um vir a
ser. É nesse contexto que a criança passa a ser considerada como sujeito de
direitos, que tem formas diferentes de pensar e agir e que se torna adulta. Sua
maneira de compreender o mundo é construída historicamente junto com seus
pares, tendo o meio cultural como mediador do processo de desenvolvimento.
Sob essa perspectiva, podemos perceber que as mudanças ocorridas nas
produções científicas, na economia (a globalização, a virtualização, a
tecnologia), na política e na sociedade (a racionalização do tempo, das
relações, a inversão de valores) através dos séculos causaram grandes
84
modificações nos modos de pensar dos homens e, conseqüentemente, nas
formas de se ver a criança e a infância.
As nossas imagens de criança foram se compondo de acordo com o
modo de percebermos o mundo e o homem, saberes esses que fomos
adquirindo na cultura e no diálogo com os teóricos. O imaginário, as
experiências de vida e até mesmo as atividades orientadas pelas educadoras
nos ajudaram a compreender as diferentes concepções que acompanham as
crianças e a infância.
Ao analisar as atividades orientadas por essas educadoras, percebi
como essas concepções se materializam em suas práticas educativas. Mara,
por exemplo, permaneceu o tempo todo sentada com as crianças e dirigiu a
atividade do início ao fim, ou seja, leu a ação que as crianças deveriam
realizar, serviu de modelo para que as crianças a imitassem e definiu o tempo
para a realização da tarefa. Em face a isso, reportei-me à sua apresentação ao
grupo de pesquisa na primeira sessão reflexiva, na qual afirmara não gostar de
atividades agitadas, de preferir as mais paradas, à dificuldade em ouvir sua voz
durante as transcrições das sessões reflexivas, pois falava muito baixo, e à sua
postura corporal usualmente muito contida.
Carla, por sua vez, gesticulava muito durante as sessões reflexivas, era
bem expansiva ao falar e chegou a comentar que adorava fazer bagunça,
não fazia mais porque não era permitido e afirmava que a criança deve ter
espaço para se desenvolver. Realmente, em sua atividade videogravada,
percebi que a educadora, ao afastar as cadeiras e a colocar as mesas unidas
no centro da sala para que as crianças tivessem espaço para a atividade de
pintura, organizara o ambiente, propiciando a interação e a liberdade de
movimento às crianças.
Assim, modos de olhar e de pensar a criança vão sendo construídos, da
criança considerada como um vir a ser à criança como sujeito de direitos,
superando, em alguns casos, as representações que temos acerca da infância,
para focá-la enquanto categoria social historicamente construída. Uma tarefa
difícil e desafiadora.
As representações das crianças, ao longo da História, produziram um
efeito de ocultação da realidade dos mundos sociais e culturais da infância que,
85
como categoria social e estatuto de objeto sociológico, desenvolveu-se mais
significativamente a partir da década de 1990.
Segundo Sarmento (2007, p.29), autores como James, Jenks e Prout
(1998, p. 3-34) distinguem as imagens da criança a partir de dois períodos, “o
pré-sociológico” em que o trabalho da “imaginação” social da criança a
considera como sujeito singular, abstrato, excluída do próprio contexto social e
o período da “criança sociológica”, cujas imagens são produzidas
contemporaneamente, resultantes da interpretação das crianças a partir de
propostas teóricas das ciências sociais.
As imagens do período pré-sociológico se referem à criança cujo
corpo e natureza precisam ser domesticados e controlados, que tem como
referência filosófica a teoria de Thomas Hobbes
30
; à criança inocente, fundada
no mito da beleza, da pureza e da bondade criado por Rousseau em sua obra
Emílio ou da Educação e à criança de John Locke, considerada pelo filósofo
como tábula rasa, cabendo à sociedade a missão de modelá-la com o objetivo
promover a ordem social. As idéias desse filósofo inglês (século XVII)
precedem as concepções desenvolvimentistas que aparecem séculos mais
tarde: Piaget, Vygotsky e Freud.
Essas concepções sobre criança e infância foram sendo apropriadas
pelo senso comum, impregnando as ações cotidianas que acabam por justificar
as relações entre adultos e crianças.
No caso desta pesquisa, percebi que as ações das educadoras com as
crianças enfatizavam uma das dimensões da pessoa, a cognitiva, em
detrimento das dimensões afetiva e motora, o que acarreta a valorização da
mente sobre o corpo, cuja origem se encontra nas concepções de infância e
criança presentes no período pré-sociológico a que se refere Sarmento.
Cabe buscar conhecimentos que desconstruam essas imagens
sedimentadas, para que as crianças possam ser percebidas na complexidade
de um mundo plural do qual sofrem influências. A impossibilidade de se falar
sobre infância(s), de se considerar as influências culturais de cada região ou
sociedade, as particularidades dos contextos precisam ser revistas.
30
Maiores informações na Coleção Os Pensadores. Hobbes. São Paulo: Nova Cultural Ltda,
1999.
86
As várias condições sociais em que as crianças vivem são o principal
fator da heterogeneidade da infância, por isso a destacamos no plural -
infância(s). Aspectos como etnia, classe social, cultura e gênero são
importantes para a caracterizar a posição social ocupada por cada criança.
Para Wallon, citado por Nadel-Brulfert (1986), a relação homem-meio
deve ser compreendida com base no materialismo histórico, influenciada
constantemente de um lado pelas “relações materiais entre a natureza e a
sociedade humana e, de outro, no contexto histórico das aquisições realizadas
e das modificações que elas impõem ao mundo (p.19), o que mostra sua
percepção sobre a importância do meio cultural para o desenvolvimento da
criança.
Ao serem consideradas como atores sociais de direitos, reconhece-se a
capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das
suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas”
31
(SARMENTO e PINTO, 1997, p.21).
As culturas da infância
32
, produzidas socialmente e constituídas
historicamente, carregam as marcas dos tempos e são alteradas pelo processo
histórico de recomposição das condições sociais em que vivem as crianças e
que regem as possibilidades das suas interações, entre si e com os outros
membros da sociedade. Os jogos infantis, as produções culturais dos adultos
para as crianças e as produções culturais nascidas das interações com seus
pares constituem-se em culturas da infância, geradas no contato com os
adultos, não sendo a reprodução das culturas adultas.
Dependendo da forma como concebemos as crianças - seja como um
mini-adulto, tábula rasa, um vir a ser, um tempo de preparação para a idade
adulta, ou como um ser histórico-cultural e sujeito de direitos -, nossa prática
educativa poderá ser influenciada ou será reflexo de algumas dessas
concepções. É através de pequenas atitudes, gestos ou palavras que essa
cultura se mostra reproduzida. Levando essa idéia em consideração, percebi, a
31
Compreendido como “capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada
modos de significação do mundo e da acção intencional, que são distintos dos modos dos
adultos de significação e acção”. (Sarmento, 2003, p.3)
32
“Conjunto estável de actividades ou rotinas, artefactos, valores e idéias que as crianças
produzem e partilham em interação com os seus pares” (CORSARO e EDER, 1990 cit por
SARMENTO, 2003 p.11).
87
partir da observação das experiências de duas educadoras, que as suas
concepções acerca da criança e infância podem estar em processo de
reconstrução. um movimento diáletico por parte delas no espaço das
sessões reflexivas, ao (re)verem as suas atividades com as crianças. A
educadora Carla questiona a visão da criança como um mini-adulto,
comentando que “eles são muito pequenininhos, são nenéns, para realizarem
determinadas tarefas e reclamam comigo tia, eu não quero fazer” (Sessão
reflexiva nº 09 realizada no dia 09/10/06).
Quanto à educadora Sonia, percebi que a sua atividade com as crianças
propiciara espaços de movimentação livre e de autonomia.
Algumas crianças se dirigiram para uma mesa com objetos de maquiagem e
começaram a se pintar. Outras pegaram óculos, bonecas, fogão, carrinho de
bebê, cadeiras e soltaram a imaginação. Circulavam livremente pela sala que
recebeu uma organização diferente do espaço físico. A educadora interagia
com as crianças, conversava sobre as brincadeiras que traziam coisas relativas
ao seu cotidiano e a participou de um passeio de ônibus que foi por elas
organizado (Nota expandida da sessão reflexiva nº10 realizada no dia
23/10/06).
Pela forma como interagiu com as crianças, possibilitando-lhes
reinventar, imaginar, transformar uma coisa em outra, dar significados
diferentes a uma ação ou objeto, foi possível analisar que a educadora Sonia
considera que a criança tem saberes e deve ser respeitada como um ser de
direitos. Entretanto, uma contradição no seu discurso, ao propor a atividade
às crianças “Agora nós vamos brincar ‘livre’ de casinha” (sessão reflexiva nº 10
realizada no dia 23/10/06).
Nas atividades e reflexões dessas educadoras, percebo um processo
de mudança nas suas concepções de criança e infância que envolve
contradições entre o discurso e a prática.
Dessa forma, saliento a proposta que destaca a necessidade de a
infância ser estudada em si própria, de partir das crianças, para o estudo das
realidades deste tempo, de forma a captar os sentidos que elas produzem para
suas experiências. Para tal, é necessário eleger a categoria social da infância
como o próprio objeto de pesquisa, escutando a criança e refletindo sobre o
que ela diz numa perspectiva multidisciplinar. Tornar-se-ia possível, então,
88
perceber os sentidos vindos das interpretações de suas experiências enquanto
crianças e como interpretam o mundo dos adultos. Penso que se faz
necessário que as imagens de criança e infância recebam um outro olhar, a
valorização da sua própria maneira de ver o mundo.
Assim, quem sabe, poderemos redescobrir novos espaços, novas
formas de elas serem pensadas e educadas. O processo de reflexão
vivenciado pelas educadoras Carla e Sônia num espaço de discussão de forma
crítica e colaborativa levou-me à questão da formação do professor de
Educação Infantil, seja ela inicial ou continuada, no contexto da própria
instituição.
4.2 Formação do educador ou formação do educador de crianças
pequenas. Existe diferença?
A formação psicológica dos professores não pode
ficar limitada aos livros. Deve ter uma referência
perpétua nas experiências pedagógicas que eles
próprios podem pessoalmente realizar.
Henri Wallon
Por esta epígrafe percebe-se o interesse e a importância dada por Henry
Wallon à educação e, conseqüentemente, à formação dos educadores. Como a
teoria walloniana tem como base que o ser humano se constitui pela
integralidade da pessoa, do afetivo com o cognitivo e o motor, é desejável que
o educador observe a criança como uma pessoa completa, integrada e
contextualizada. Mostrando coerência com sua teoria do desenvolvimento,
Wallon percebe a formação dos educadores de maneira global em que teoria e
prática estejam juntas, integradas, o que deve ser referência constante em
suas experiências pedagógicas. Portanto, pensar sobre a formação é pensar a
prática pedagógica.
Ao reportar à importância da teoria como instrumento que auxilia na
reflexão sobre nossas práticas, aprimorando o olhar e ajudando na
interpretação, Almeida (2004) afirma que Wallon chama atenção para que a
formação dos professores tenha respaldo nas experiências realizadas, não
ficando limitadas somente aos livros.
89
Mais uma vez podemos perceber a coerência em sua proposta teórica
que reconhece a importância da integralidade entre teoria e prática e não uma
em detrimento da outra. Como as práticas pedagógicas atingem todas as
dimensões da pessoa, têm por objetivo promover o desenvolvimento de todas
essas dimensões e, ao priorizar uma determinada dimensão, modifica as
outras.
O conhecimento teórico-prático da realidade é um pressuposto básico na
formação do educador. Ao aproximar a teoria dos saberes e fazeres cotidianos,
as educadoras contribuem para melhorar a qualidade do seu trabalho. Percebi
isso no discurso das educadoras, quando, no decorrer da primeira sessão
reflexiva, ao se apresentarem ao grupo de pesquisa, estabeleceram relação
entre teoria e prática como suporte para suas atividades.
Selma: eu acho que a faculdade nos a teoria, o embasamento, nos orienta
pra gente poder estar estudando. E a prática é no dia a dia, porque a teoria
você vai encaixando de acordo com o que você vai trabalhando com a criança.
Então eu vejo que ela te todo o alicerce, todos os instrumentos (Transcrição
da sessão reflexiva nº01 - 07/08/06).
Mas como acontece a relação da teoria e prática educativa? Ao
pensarmos a formação do educador infantil, mais especificamente daquele que
trabalha com crianças pequenas de 0 a 3 anos nas creches, como é feita? Se
através da formação inicial, nos cursos de Pedagogia e Normal Superior?
Nesse caso, quais os fundamentos que norteiam essa formação? Baseiam-se
em uma pedagogia transmissiva, centrada no professor, ou praticam uma
pedagogia que prioriza a participação do aluno, apostando na importância do
diálogo entre ele e o professor?
Ao pensar sobre formação de professores, recorri a alguns aspectos
históricos da Educação, buscando articular as influências que nortearam a
Educação Brasileira com a atuação dos professores. Acredito que, para
compreendermos sobre essa formação, seja importante contextualizar
aspectos históricos da profissão docente e da creche.
Nossos colonizadores, ao submeterem a conversão dos indígenas à
católica pela catequese e pela instrução, transmitiram as matrizes positivista e
cristã em seus ensinamentos. Esta era uma das diretrizes sicas que
90
constava no Regimento, política ditada por D. João III no ano de 1548. Assim,
pode-se relacionar a vinculação da organização escolar no Brasil-Colônia com
a política colonizadora dos portugueses.
O pensamento cartesiano influenciou na forma como os jesuítas
instruíam os descendentes dos colonos e catequizavam os índios, sendo esta
uma perspectiva que predominou no panorama da infância e,
conseqüentemente, nas práticas pedagógicas no Brasil. Tal formação, marcada
por uma intensa ‘rigidez’ na maneira de pensar e, conseqüentemente, de
interpretar a realidade, é uma característica que parece ainda hoje fazer parte
do pensamento hegemônico.
Na segunda metade do século XVIII, a profissão docente se destaca na
história da Educação brasileira. Com a expulsão da Companhia de Jesus dos
domínios portugueses, inicia-se no país o processo de laicização da instrução e
os professores, antes amparados pela Igreja, foram substituídos pelos
recrutados pelas autoridades estatais.
No Brasil a instrução primária tem sua organização iniciada no princípio
do século XIX, quando o Estado controlava a educação formal. Nesse período
nota-se o processo de normatização (através da exigência de um currículo
mínimo, de juramento), consolidando, ao longo do século XIX, a imagem do
professor. Ao serem contratados como funcionários do Estado, este passa a
definir regras para selecionar e nomear os professores.
A partir das décadas de 30 e 40 do século XIX, inicia-se no Brasil o
processo de institucionalização da formação docente com o surgimento das
primeiras Escolas Normais. Nóvoa (1995) afirma que essas escolas tinham por
objetivo controlar o corpo docente que havia conquistado importância nos
projetos de escolarização de massas. Elas também propagavam uma
concepção dos professores como centro de difusão e transmissão de
conhecimentos.
A discussão sobre as práticas de formação de professores e como eles
a percebem começam a se desenvolver na realidade educacional brasileira a
partir de contestações sobre o fracasso escolar. Os problemas enfrentados
pela escola quanto à aprendizagem e a má sucessão escolar eram atribuídos,
na década de 1970, às crianças social e materialmente carentes.
91
A partir dos anos 1980, esses problemas o atribuídos a fatores
internos, conferindo “centralidade à figura do professor como agente importante
na criação de condições de apropriação, pelas classes populares, da cultura
erudita” (Micarello, 2006, p.21). Nesse sentido analisar a relação do professor
com o saber passa a ser importante.
Pesquisas sobre as práticas dos educadores começam a se
desenvolver, apontando lacunas presentes na formação (a dicotomia entre
teoria e prática) e a necessidade de compreender sua atuação numa dimensão
maior (nos contextos e com os sujeitos comprometidos).
Os problemas na maneira como se constitui um conhecimento
profissional vêm sendo acumulados devido à falta de nitidez sobre o perfil
profissional desejado nos cursos de formação, que não têm respeitado as
especificidades da Educação Infantil.
A formação do professor de Educação Infantil, historicamente, foi
institucionalizada na Escola Normal e nos Institutos de Educação, as quais,
como fora mencionado, propagavam a concepção dos professores como
transmissores de conhecimento. Em minha análise, a educadora Mara, cuja
formação se limita ao magistério do ensino médio, recebera influência dessa
concepção. Ao analisar o episódio referente a uma de suas atividades a que
fiz referência anteriormente no capítulo da metodologia em que ela escolhe
uma criança para tirar o papel de uma caixinha, que continha a informação da
tarefa a ser realizada, Mara não possibilita às crianças uma maneira própria de
representação do movimento que a tarefa sugeria. Ela leu a informação da
tarefa registrada no papel, representou-a com o próprio corpo para que as
crianças pudessem repeti-la, transmitindo, assim, a sua forma de interpretar a
mensagem, perdendo, portanto, a oportunidade de incluir a participação das
crianças de forma espontânea na atividade, interpretando as
tarefas sugeridas
pelas mensagens de maneira própria.
A pedagogia da transmissão, segundo Oliveira-Formosinho (2007), tem
sua lógica centrada nos saberes, no conhecimento que pretende propagar, nos
saberes a serem transmitidos e parte de uma escolha unidirecional,
neutralizando as “dimensões que contextualizam esse ato de transmitir” (p.17),
caracterizando-se, portanto, como uma pedagogia tradicional.
92
Werebe (1986) aponta que, para Wallon, o ensino tradicional é
organizado “a partir de uma seleção de atividades e das aquisições cognitivas
consideradas mais importantes” (p.27), sendo em geral, demasiado
intelectualista.
Por estar desligada de interação com outros meios, essa pedagogia
resiste e se perpetua por representar um processo simplificado que se centra
na regulação, na previsibilidade e na segurança de sua concretização. O papel
da educadora de crianças pequenas em muitos aspectos é similar ao dos
outros professores na formação, contudo o seu trabalho se diferencia dos
demais por suas especificidades e por apresentar características que lhe são
peculiares.
Essa falta de clareza do perfil profissional do educador de crianças
pequenas está refletida na configuração do currículo, em cursos fragmentados
e distantes da prática pedagógica, levando a dificuldades no curso de formação
profissional.
Em função da necessidade da “formação do professor com perfil
adequado às características de alunos em diferentes fases de seu
desenvolvimento” (SILVA (b), 2006, p.76), as atenções se voltaram para a
constituição do conhecimento dos profissionais de Educação Infantil
direcionando à educação da criança pequena. Assim, o cuidar e o educar
tornam-se presentes na definição de programas e do perfil do educador.
Nesse percurso histórico, a creche surge como instituição que trabalha
com crianças pequenas. De acordo com Didonet (2001), as referências
históricas sobre a creche apontam sua criação com a finalidade de cuidar das
crianças de mães que trabalhavam fora. As instituições que surgiram durante a
primeira metade do XIX, em alguns países do continente europeu, deram-se
por iniciativas reguladoras da vida social, envolvendo a industrialização e a
urbanização.
A partir da Revolução Industrial na Europa, a mulher passa a trabalhar
nas indústrias têxteis, não tendo com quem deixar os filhos para que fossem
cuidados. É com um sentimento assistencial, filantrópico e de caridade que a
criança passa a ser atendida fora de casa. No Brasil, com a estruturação do
capitalismo e a crescente urbanização no século XX, encontram-se referências
à criação de creches no país. Surgem as primeiras creches brasileiras na
93
década de 1920 com a proposta de guardar as crianças durante o trabalho das
mães, sendo considerada substituta materna em relação aos cuidados com as
crianças.
Segundo as idéias de Haddad (1993), a creche passa a ser organizada a
partir de teorias científicas advindas das diversas áreas: medicina higienista,
psicologia, serviço social, pedagogia imprimindo novos contornos ao modelo
existente. A psicologia, por exemplo, defendia a relação mãe-criança como
sendo fonte para o desenvolvimento sócio-emocional infantil. Assim, foi
necessária a reavaliação da razão adulto-criança e do perfil das profissionais,
surgindo a necessidade de terem formação.
Silva(b) (2006) nos traz como os primeiros teóricos da educação infantil
viam esse profissional. Rousseau (século XVIII), precursor da educação de
crianças, defendia a mulher como educadora natural para essa faixa etária.
Considerada como frágil e sensível, deveria dedicar-se à educação de um
outro ser, a criança, que deveria ser protegida. Froebel (século XIX) construiu
um ambiente denominado “jardim de infância”, baseado na figura da “jardineira”
que precisava lidar com as crianças com todo amor e carinho. Montessori
(século XX), que reforçava o mito da maternidade na educadora de criança de
zero a seis anos, a quem cabia, no papel de ‘mestra’, orientar e facilitar o
processo de aprendizagem, norteando o dia-a-dia escolar conforme os
interesses e necessidades da criança.
Segundo Micarello (2006, p.34-35), a ênfase nos dotes femininos como
condição para o exercício de educar repercutiu no modo como a docência,
principalmente a de crianças pequenas, foi se organizando como profissão. Na
visão dos teóricos referidos no parágrafo anterior, a mulher era considerada
uma educadora natural, paciente, que age com bom senso para cuidar das
crianças, vistas por eles como um ser bom. Dessa forma, a idéia do profissional
que trabalha com crianças pequenas se caracteriza como uma tarefa que
oscila entre mãe e educadora. Anteriormente à LDB nº 9394/96, a educadora
não tinha formação específica para atuar com crianças pequenas, porém a
experiência com seus próprios filhos propiciava-lhe condições para assumir
essa função.
Durante as décadas de 1970 e 1980, inicia-se o percurso de luta por
creches pelos movimentos sociais e pelas mulheres trabalhadoras,
94
reivindicando atendimento à criança para que pudessem aumentar a renda
familiar por meio do trabalho remunerado além do estabelecimento de leis que
lhes consentissem direitos, pois a preocupação era de uma educação voltada
para as necessidades infantis.
Assim, suas reivindicações culminaram em artigos na Constituição
Federal de 1988 amparando as crianças de 0 a 6 anos, reconhecendo-as como
sujeito de direitos, sendo dever do Estado e da família a sua educação.
Atualmente a creche vem trilhando um caminho novo. De acordo com
Didonet (2001), hoje é uma instituição de cuidado e educação, função realizada
por todos os profissionais que interagem com a criança.
A década de 1990 no Brasil originou importantes mudanças no cenário
educacional, principalmente no que diz respeito à Educação Infantil, ao trazer,
através de reformas, o âmbito de ação da Educação nas instituições de
Educação Infantil. O RECNEI (1998), documento publicado pelo MEC,
reconheceu o que foi estabelecido na LDB 9394/96, e passou a ser uma
orientação para elaboração de currículos da Educação Infantil. Além disso,
deu-se a aprovação do FUNDEB
33
pela lei 11494/2007, que, regulamentado
no dia 20 de junho de 2007, dispõe que a Educação Básica atenderá a
estudantes de creches, educação infantil e especial, ensino fundamental e
médio e educação de jovens e adultos até o ano de 2021.
Essas mudanças, impulsionadas por movimentos sociais variados,
levaram associações profissionais e acadêmicas a debates sobre a
necessidade de definição clara da “natureza educacional do trabalho realizado
em todas as modalidades de atendimento coletivo das crianças na faixa etária
de 0 a 6 anos de idade” (Campos, 2002, p.XIII).
Respeitando tais especificidades, a área da Educação estaria mais bem
preparada para atender com qualidade às crianças. Incorporadas à LDB
9394/96, as exigências de formação definiram como meta a formação em nível
superior e, como exigência mínima, a formação em nível médio (magistério), o
que pode ser considerado um avanço.
Campos (2002) afirma que o Conselho Nacional de Educação, através
de pareceres, vem definindo metas para a política educacional, dentre eles
33
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação.
95
documentos que estabelecem diretrizes para a formação dos profissionais.
Infelizmente, ainda hoje, na prática, uma distância entre as garantias legais
e o trabalho nas instituições de Educação Infantil.
Tais avanços levantam desafios, uma vez que ainda se evidenciam
práticas e discursos na perspectiva assistencialista, predominante na trajetória
histórica de atendimento da creche, e no modelo tradicional de escola,
predominante no ensino fundamental que, além de não ser adequado, não
atende às especificidades da criança de 0 a 6 anos.
Historicamente, as instituições de Educação Infantil têm suas práticas
pedagógicas orientadas por diferentes concepções educativas, esboçadas por
três tendências: a assistencialista compensatória das carências infantis; a
escolarizada (instrucional) de caráter antecipatório com vistas à preparação
para o ensino fundamental e a que pretende recrear as crianças, para que
“espontaneamente-naturalmenteaprendam pelo convívio social e lúdico com
outras crianças” (Cerisara, 1995 p.67).
A mesma autora aponta que, da maneira como estão implantadas as
instituições de Educação Infantil no país, seu caráter parece não ter “superado
as polarizações entre assistir e educar, historicamente construídas, uma vez
que tanto o predomínio de uma quanto a outra, caem em versões
reducionistas”, prejudicando a qualidade do trabalho realizado com as crianças.
A assistência é percebida como antecipação da escolarização formal na qual o
conhecimento é tratado de maneira fragmentada.
Bondioli (1998) destaca que a creche, buscando por sua identidade
própria, importava modelos de pedagogia de maneira acrítica, sendo a pré-
escola ponto de referência. As estratégias utilizadas para se conseguir
objetivos formativos precisos se dão pelo privilégio de habilidades cognitivas e
lingüísticas. O uso de pedagogias que não são coerentes com o projeto de
cuidado/educação de crianças pequenas pode acarretar em escolhas
inconsistentes.
Os últimos dois séculos deixaram de herança modos de fazer
pedagogias contrastantes, apresentando características bastante definidas,
uma centrada no modo de transmissão e a outra no modo da participação.
A descrição feita pelas educadoras Selma, Mara e Rita, sobre as
atividades que desenvolvem com as crianças, levou-me à interpretação de que
96
suas práticas estão fundamentadas por uma pedagogia que não considera a
especificidade do trabalho com crianças pequenas.
Embora o discurso de Selma afirme que a teoria suporte para sua
prática, quando analisa sua atividade e a comenta durante a sessão
reflexiva, percebe-se que ainda não conseguira superar o seu caráter
instrucional:
Apesar de eu dar os comandos, foi trabalhada de forma lúdica a questão do
equilíbrio, as noções de dentro e fora e lateralidade. Eu interagi com as
crianças (Transcrição da 9ª sessão reflexiva realizada no dia 09/10/06).
Da mesma forma, observei nas atividades de Mara e Rita a prática da
transmissão, o direcionamento de seus objetivos no sentido da aquisição de
capacidades, da compensação do que consideram como déficits. Suas ações
comunicavam ênfase no professor e na transmissão, os conteúdos abordados
centravam-se na linguagem adulta e o material utilizado estava estruturado
segundo as normas vindas do professor.
A formação do profissional de Educação Infantil não pode ser realizada
através do repasse de informações e técnicas, como demonstraram as
educadoras da creche, ao transmitirem conhecimentos e não oportunizarem a
participação da criança através da mediação da educadora como mediadora na
construção do conhecimento. O profissional deve conhecer sobre o
desenvolvimento infantil e compreender a criança como sujeito de cultura e
social, buscando uma formação capaz de superar concepções frágeis da
criança como sujeito dependente da intervenção direta e constante do
professor.
Portanto, ao refletir sobre as características singulares do
desenvolvimento da criança pequena, temos que pensar uma educação que
leve em consideração que ela depende do adulto física, emocional e
socialmente. Nesse sentido, embora seja difícil delimitar espaços rígidos para o
papel do educador, é preciso que este se paute em novos conhecimentos, no
desenvolvimento de novas práticas e no planejamento de ações para educá-la.
Wallon afirma, em artigo sobre a Psicologia e a Educação da Criança
(1986), que “o erro da Educação, em nossas sociedades modernas, foi
97
desconhecer em demasiado as primeiras etapas do desenvolvimento e impor
prematuramente à criança maneiras de pensar e de agir posteriores, ou seja,
as do adulto” (p.153).
A falta na formação de conhecimentos sobre as especificidades do
desenvolvimento da criança leva a uma dicotomização das atividades
cognitivas e motoras, devido ao fato de se privilegiar as atividades intelectuais
em detrimento de pensar a criança na sua integralidade.
Inverso à tradição intelectualista do ensino, Wallon (1975,1979) não
considera como meta exclusiva da Educação o desenvolvimento intelectual, ao
contrário percebe-a como meio para a meta maior do desenvolvimento da
pessoa, sendo a inteligência parte integrante da constituição da pessoa.
Na ausência de uma reflexão mais aprofundada sobre a nossa prática,
incorporamos muitas vezes uma visão fragmentada do homem como um ser
não integral, marcado por rupturas e cisões reforçadas por teorias que
valorizam dualismos: razão/emoção, corpo/mente, feio/belo. Tal perspectiva
influencia as práticas pedagógicas, fazendo-se presente na sala de atividades
da Educação Infantil e trazendo conseqüências para o desenvolvimento das
crianças. Assim, a prática pedagógica na Educação Infantil conduz-se ao
reboque das séries iniciais do ensino fundamental, através de práticas
escolarizadas
34
, o que nos leva a perceber que a visão da infância como um
tempo de preparação para o ensino fundamental é uma concepção
predominante entre nós.
De acordo com Kishimoto (2002, p. 107), a pedagogia da infância
representa um momento de acerto, ao exigir um corpo de conhecimentos que
sejam capazes de atender às especificidades das crianças de 0 a 6 anos e de
7 a 10 anos. As práticas adotadas em cursos de formação que não fazem
diferenciação quanto à formação de profissionais que educam crianças de 0 a
10 anos representa um desencontro nas concepções e ações.
Nessa perspectiva, torna-se necessária a mudança de perfil do
profissional que atua nas instituições de Educação Infantil, que não pode mais
ficar limitado, principalmente nas creches, à realização de cuidados físicos ou à
34
De acordo com Kishimoto (2002, p.107), “o termo é utilizado freqüentemente por educadores
da pequena infância para justificar o excesso de leitura, escrita e cálculo nas atividades
infantis”.
98
preparação para o ensino posterior, sendo preciso, portanto, ações de
formação para que se efetuem mudanças na qualidade do atendimento
oferecido.
Isso posto, podemos considerar o profissional de educação de crianças
pequenas como um educador que deve levar em conta as especificidades da
criança, a clareza nos objetivos a serem desenvolvidos, a organização de
espaços para que possam possibilitar e promover o desenvolvimento infantil,
através das relações humanas, dos objetos e ambiente físico e dos
conhecimentos oportunizados pelas interações sociais, sendo, portanto,
diferente a formação desse educador em relação ao de crianças maiores.
Para a educadora desempenhar suas atividades, é necessário ter
consistência, organização e coerência no direcionamento da sua ação docente.
É preciso que tenha clareza nos objetivos, devendo sua ação ser permeada
pelos fins para os quais está educando as crianças.
Nas observações realizadas a partir das atividades desenvolvidas pelas
educadoras, percebi incoerência entre os objetivos propostos por elas e as
necessidades das crianças. Na atividade de brincadeira de casinha proposta
pela educadora Sonia, a finalidade pretendida era trabalhar a socialização e a
disciplina, sendo que o enfoque nesta última foi justificado com o fato de que as
crianças sempre querem o objeto que está de posse do outro, o que oportuniza
o surgimento de conflitos.
Ao passar as informações às crianças, usara a expressão livre de
casinha, mas, ao organizar o espaço, não criou os ambientes
de uma casa. Ao
explicar o motivo da atividade ser “casinha livre”, justificou, dizendo:
Porque às vezes, eu dou atividades de casinha dirigida, entendeu? [Isto
acontece] quando eu quero atingir um objetivo específico. Por exemplo: hoje eu
quero brincar de mercearia, hoje nós vamos brincar de médico. Aquele dia [o
da filmagem de sua atividade] ia ser casinha livre, então eles sabem que
quando é casinha livre, eles não questionam, podem brincar do jeito que
quiserem. (Transcrição da 10ª sessão reflexiva 21/08/06).
Em resposta a uma pergunta sobre a organização do espaço para que a
atividade de brincadeira pudesse acontecer, Sônia descreveu como a havia
organizado:
99
Eu afasto as mesas, deixo as cadeiras soltas, sempre tiro o colchonete,
porque alguns gostam de dormir. Deixo sempre umas mesas pra eles
imaginarem o que pode virar. Vocês viram que o fogão virou carrinho de
picolé? (Transcrição da 10ª sessão reflexiva 21/08/06).
O que a educadora o compreendera foi a questão abordada com
relação ao objetivo da brincadeira, visto que havia sido falado inicialmente, na
rodinha com as crianças, que elas iriam brincar livremente de casinha. Uma
coisa é se referir ao brincar livremente disponibilizando os brinquedos, a outra
é dizer “livre de casinha”. Nesse sentido, ficou confuso, visto que ela deu a
entender que era para brincar de casinha, mas, ao mesmo tempo, não havia os
ambientes de uma casa, existiam outros espaços que usualmente não
compõem a sua organização. O questionamento foi sobre o entendimento que
fica para as crianças quando se propõe um objetivo e se disponibiliza o espaço
e o material diferentes da atividade sugerida, pois brincar de casinha remete a
alguns recursos, tais como: panelinhas, fogão, espaço do quarto etc, além de
objetos e espaços que a criança possa imaginar como substitutivos a eles.
Nesse episódio fica registrado que a educadora não percebeu que, para
as crianças pequenas, a clareza nos objetivos da atividade é importante para a
compreensão do que está sendo proposto. Wallon, após ter lido Makarenko
(educador soviético -1888-1939), extraiu algumas considerações que devem
compor o papel do educador, quais sejam, o de “busca constante de uma
definição clara dos objetivos a atingir e a relação teoria e prática” (apud.
Almeida, 2004, p.128).
Entretanto, há que se considerar que a formação dos profissionais que
atuam com crianças pequenas foi realizada em um tempo e um espaço em que
não havia perspectiva para uma pedagogia da Educação Infantil. Construir
essa pedagogia própria para a área caracteriza-se na busca da especificidade
do trabalho a ser realizado com crianças na faixa etária de 0 a 6 anos e na
superação do caráter escolarizante presente nas instituições de Educação
Infantil.
A pedagogia da relação sugerida por Bondioli (1998) é uma expressão
que foi freqüentemente usada para designar a especificidade educativa da
creche. Tal proposta é definida por se contrapor a uma pedagogia que
considera a creche como versão em miniatura da escola. Ao ser assumida,
100
significa dizer não a atividades que mais parecem com pequenas lições do que
com brincadeiras de livre descoberta, rompendo também com a organização
rígida dos tempos, espaços e das interações dos grupos infantis que
enfraquecem a espontaneidade das relações. Em termos gerais, a pedagogia
da relação é uma intervenção educativa que atua sobre o sistema de trocas
sociais, que o utiliza como instrumento de crescimento. Através das relações
compartilhadas feitas por palavras, gestos, ações, situações recorrentes,
constrói-se um caminho em direção à autonomia.
Assim, a pedagogia da relação deve ser compreendida como ajuda na
construção pessoal, por parte de cada criança, da própria identidade pessoal,
na qual o desenvolvimento da socialização não é percebido como somente
capacidade de adaptação a regras estabelecidas, que a creche é local que
oferece ocasiões de vida social com outras crianças e, com diferentes figuras
adultas.
Oliveira-Formosinho (2007) observa que a pedagogia ressignifica a
práxis, ao organizar-se em torno dos saberes que se constroem na ação
situada em articulação com as concepções teóricas e com as crenças e os
valores de maneira interativa e constantemente renovada.
Pedagogos como Dewey, Freinet, Malaguzzi, Paulo Freire, rgio Niza
citados por Oliveira-Formosinho (2007), ao buscarem por uma pedagogia que
apresentasse alternativas significativas em que a criança é respeitada em seus
direitos de participação, tiveram a necessidade de desconstruir a pedagogia
tradicional.
Para Oliveira-Formosinho, uma pedagogia centrada na práxis de
participação procura:
Responder à complexidade da sociedade e das comunidades,
do conhecimento, das crianças e de suas famílias, com um
processo interativo de diálogo e confronto entre crenças e
saberes, entre saberes e práticas, entre práticas e crenças,
entre esses pólos em interação e os contextos envolventes.
(2007, p.15)
A pedagogia participativa pensa seus atores como ativos, competentes,
como co-construtores do seu percurso de aprendizagem, capazes de construir
a interatividade entre saberes, crenças e práticas.
101
A autora aponta que “a participação implica a escuta, o diálogo e a
negociação” (2007, p.19), representando um elemento importante “de
complexidade desse modo pedagógico”.As tarefas centrais da pedagogia da
participação são: construir contextos educativos que permitam as
possibilidades múltiplas e a participação no processo de construir
conhecimento; propicia condições para que o fazer pedagógico seja um espaço
de interação e escuta; escolher reflexivamente uma gramática pedagógica em
diálogo com a história que contribua na construção do conhecimento sobre
esse modo de fazer.
Ao compararmos os dois modos de pedagogia, a transmissiva e a
participativa, deparamo-nos com objetivos, conteúdos, métodos, materiais,
processo de aprendizagem, etapas de aprendizagem, avaliação, motivação,
atividade da criança, papel do professor, interação professor-criança, criança-
criança, criança-material, tipos de agrupamentos, modelos curriculares e
teóricos com propósitos bem distintos.
A adoção de um modelo pedagógico pelos educadores de infância,
segundo João Formosinho (op. cit. Oliveira-Formozinho, 2007), é um fator de
sustentação de sua práxis. Assim, cabe usar os saberes disponíveis e
sistematizados, valendo-se também das experiências práticas, para se iniciar
um perfil de uma pedagogia que seja capaz de evitar se espelhar em contra-
modelos de pedagogias limitadoras.
Percebi que as educadoras Carla e Sonia estão em um processo que se
refere a um movimento de contradição, a uma pseudo pedagogia participativa.
Nas transcrições das falas ocorridas nas sessões reflexivas, observei que elas
reconhecem a importância do brincar, do movimentar-se, das interações entre
os pares. Na atividade proposta por Carla, ela permitiu que as crianças se
movimentassem, interagissem entre si, se pintassem, utilizassem a linguagem,
organizando o espaço de forma a favorecer a movimentação, mas, ao mesmo
tempo, não participou da atividade junto com as crianças e não explicou o seu
objetivo, além de não reconhecer nos desenhos das crianças representações
que estavam ligadas a experiências anteriores vividas por elas.
Sonia, por sua vez, explica a atividade inicialmente, organiza o material
e o espaço para que a brincadeira de faz-de-conta pudesse ser realizada,
interage com as crianças, participa das brincadeiras, oportuniza as crianças a
102
realizarem atividades diferentes, porém, ao orientar sobre o que iriam brincar,
passa uma informação que não torna a atividade clara.
Por tudo isso, penso que se faz necessária na formação dos
profissionais da Educação Infantil, a inclusão do conhecimento sobre as
especificidades da criança pequena, que inclui o desenvolvimento das
diferentes linguagens e expressões, contempla ações pedagógicas que
enfatizem diferentes maneiras de interação e comunicação da criança com seu
grupo e com o meio e que considera a maneira de ser da criança “para quem o
aprender, como o brincar, significa, pela sua própria natureza, uma grande
aventura” (Silva(b)2006, p.86).
De acordo com Kramer (1994), há uma necessidade de reafirmação da
concepção de criança como cidadã, sujeito histórico que tem direitos à saúde,
educação, que corre, pula, fantasia, imagina, contestando a caracterização de
crianças pela falta, postulando, antes, o contrário, o que as crianças podem e
são.
103
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao finalizar um relatório de pesquisa, é necessária a retomada da
questão inicial, ou seja, investigar como a educadora de creche compreende o
movimento corporal no desenvolvimento infantil. Tal questionamento norteou o
percurso dos capítulos anteriores, nos quais foram analisadas, durante sessões
reflexivas, as observações de cinco atividades realizadas por educadores de
uma creche municipal de Juiz de Fora com crianças de dois e três anos.
As análises realizadas apontam que a compreensão das educadoras
acerca do movimento corporal no desenvolvimento infantil remete a uma
percepção da constituição da pessoa não pela integralidade, mas a partir de
uma concepção fragmentada. Parece-me que tal compreensão é resultado de
sua concepção de criança e infância, além das próprias experiências corporais
vividas pelas educadoras.
Nesse sentido, é preciso destacar que tais experiências vividas pelas
educadoras no decorrer de sua vida refletem na maneira como elas próprias
encaminham as atividades que desenvolvem com as crianças.
Pode-se depreender que a construção das concepções e saberes sobre
o desenvolvimento infantil se de acordo com as experiências vividas, entre
as quais o pensamento hegemônico, presente na escola e nas creches, através
das pessoas que trabalham direta e indiretamente com crianças pequenas, que
incorporam uma concepção dicotômica corpo/mente, que defende que, para
aprender, a criança precisa ficar quieta, parada, brincando de estátua, como
sugere o título da dissertação.
Tal pensamento muitas vezes nos impede de percebermos a
importância do movimento corporal para o desenvolvimento da criança,
principalmente a pequena, e de agirmos em direção a uma nova idéia que se
oponha ao pensamento hegemônico que perceba o movimento corporal como
uma das principais maneiras de comunicação da vida psíquica com o ambiente
externo (MAHONEY, 1999).
Uma das educadoras, sujeito desta pesquisa, reconhece a importância
do movimento corporal, não com o conhecimento, como afirma Wallon (1975,
1979), de que é um dos campos funcionais que, com o afetivo e o cognitivo,
104
integram a pessoa, mas lhe confere significado como uma forma de liberdade.
Como isso é primordial às crianças, cabe á Educação Infantil oportunizá-lo.
É importante frizar que, em minha percepção, o reconhecimento sobre a
importância do movimento corporal não fora construído somente na formação,
dessa educadora, mas em suas próprias experiências e vivências corporais
relacionadas ao meio do qual faz parte. Essa educadora se destacava dentre
as demais nas sessões reflexivas por sua gestualidade, ao discutir sobre o
destaque dado à questão da disciplina pela instituição e também ao oportunizar
em sua atividade que a interação entre as crianças ocorresse com liberdade de
movimento. Durante a atividade de pintura que promovera, possibilitou às
crianças a exploração do material utilizado para além do papel, propiciando-
lhes vivenciá-las corporalmente através da pintura dos próprios braços e mãos.
Todavia a valorização dada ao movimento corporal como sendo
fundamental no período sensório-motor e projetivo que, segundo Wallon (1975;
1979), corresponde à faixa etária das crianças de 1 a 3 anos, inaugurado pela
aquisição da marcha e pelo aparecimento da função simbólica, não é
compartilhada por todas as educadoras.
Como se pôde perceber, as outras educadoras se preocupavam mais
com a questão da disciplina no interior da creche, através do controle
excessivo com relação à limpeza das salas de atividades, do refeitório e dos
banheiros. Na verdade, as educadoras, embora falassem da importância de se
deixar as crianças mais livres, acabavam seguindo um modelo que percebe o
movimento corporal mais como fator perturbador da ordem do que como uma
especificidade da criança pequena.
Tal percepção pôde ser observada nas atividades que as educadoras
desenvolveram durante as sessões reflexivas que, em sua maioria, eram
realizadas com as crianças sentadas, sem liberdade para agir, sem voz e vez,
com um forte grau de dependência do adulto.
Galvão (1995) afirma que não há postura-padrão que garanta a atenção
numa determinada atividade, sendo necessário que se realizem variações da
posição corporal para permitir a manutenção da atenção.
Os campos sensório e motor, coordenados mutuamente, são a condição
para o ajuste dos movimentos da criança a tarefas e objetos exteriores. O
efeito sensorial produzido, por acaso, por um gesto, leva à sua repetição pela
105
criança que busca o mesmo efeito, possibilitando que o movimento tenha uma
intenção antes de ser realizado. Através de uma reação circular do gesto
ajustado a seu efeito, o movimento pode ser diversificado. Na tentativa de obter
a primeira sensação causada por um movimento, Wallon diz que a criança o
repete até que se torne inteligente, ou seja, que tenha alguma função ou
objetivo. O movimento espontâneo vai se transformando, aos poucos, em
gestos, realizados a partir de uma intenção revestida de significado, visto ser a
ação motora que dá forma ao pensamento.
A criança ganha mais autonomia nesse estágio, devido à nova
possibilidade de deslocamento, marcha, que, agora, dá-se sem ajuda, estando,
antes limitada pelo espaço reduzido, próximo ao alcance dos seus braços.
Daí a importância de propiciar um ambiente que seja favorável ao
desenvolvimento infantil em que a criança explore diferentes formas de
comunicação e interação com seus pares e o meio, em que o movimento
corporal se constitui como uma das linguagens utilizadas.
Durante as sessões reflexivas iniciais, observei que o discurso das
educadoras era de reconhecimento da importância da criança como sujeito
participativo, no qual o brincar, pode ser importante para o desenvolvimento, e
devesse ser respeitado.
Entretanto, pelo que pude perceber, suas práticas apontavam para um
movimento contrário, que partia de uma cultura adultocêntrica, transmissiva e
de não percepção da pessoa de maneira integral. Tal percepção, por favorecer
a idéia de separação entre atividades cognitivas e motoras, limita a
participação das crianças nas atividades propostas, o que não condiz com a
concepção de sujeito, de desenvolvimento e de Educação proposta por Wallon.
Quando as educadoras assumem papel central na orientação das
atividades com as crianças, tornando-se referência nesse processo, a criança é
percebida por sua incompletude, como depositária do saber. Assim, como está
sendo moldada, não lhe estão sendo oferecidas condições que contribuam
para que se constitua como ser independente. Compreendo que esse fato se
materializa, quando a educadora, ao não se perceber como mediadora na
construção do conhecimento, como promotora de desenvolvimento da criança,
encara a escola como preparadora para a vida adulta.
106
Ao se realizaem na creche atividades com ênfase na escolarização em
que o cognitivo é valorizado em detrimento do motor, restringem-se as práticas
da infância, desrespeitando as condições que a criança pequena possui de
apreender o mundo.
Portanto, é muito importante para o professor de crianças pequenas
conhecer as características da criança para um educar e cuidar condizentes
com a sua formação integral. Compreendê-la é pensar em suas singularidades,
respeitar suas especificidades.
Nas minhas observações, a partir das cinco atividades analisadas, a
organização do espaço, do horário, a rotina e as atividades da creche não
valorizaram a atividade do brincar e o movimento, uma vez que, como as
atividades se mostraram setorizadas, as crianças ficaram reféns das atividades
estruturadas em detrimento daquelas consideradas espontâneas e de livre
escolha.
A questão da concepção de infância e criança e a formação do educador
perpassaram a análise desta pesquisa. As concepções de criança e infância
percebidas na falta de coerência entre os objetivos e ações desenvolvidas nas
atividades propostas pelas educadoras, na minha análise, passam pela
formação dessas profissionais que, por sua vez, está estreitamente ligada às
representações construídas pela sociedade ao longo das gerações.
Ao buscar compreender sobre como as educadoras percebem a relação
entre o movimento corporal e o desenvolvimento infantil, perfiz o caminho
desde as primeiras idéias filosóficas sobre o pensamento dicotomizado, o que
levou a perceber o quanto é difícil ter um pensamento contra-hegemônico.
Esses pensamentos influenciaram na maneira como as representações
da infância se fizeram e se fazem presentes ainda hoje. Relacionando a teoria
genética walloniana com o desenvolvimento do homem, compreendemos que
ele se faz através de um processo, marcado por avanços e retrocessos, e
pelas interações com o meio.
A nossa formação docente sofreu e sofre influências do pensamento
cartesiano que se traduz em pedagogias que podem ou não dar conta de uma
escola que pensa e se constrói cotidianamente.
Na prática das educadoras pesquisadas, percebi estar presente a
separação entre atividades motoras e cognitivas, além de uma relação entre
107
disciplina e contenção motora, devido a uma prática que cerceia os
movimentos em função da ordem, da disciplina.
Tal fato pareceu-me ser resultado de uma política de controle que parte
do planejamento direcionado pela instituição da qual as creches fazem parte
em que se planeja algo para outras executarem. Com isso, acaba-se por
cercear as crianças que, por se encontrarem em um processo de construção
de autonomia, de criatividade, de desenvolvimento cognitivo, afetivo, emocional
e motor, são as mais atingidas. Não por acaso, as educadoras defenderam um
planejamento construído a partir das necessidades, das características e
especificidades de cada creche.
Nesse contexto, a falta de reconhecimento da profissão docente, a carga
horária intensa, os baixos salários refletem a desvalorização da infância que
perpassa a representação que a sociedade tem da criança. Devido à
desvalorização do profissional que cuida/educa das crianças pequenas, a
creche acaba se tornando uma instituição de passagem para esse profissional,
inibindo a possibilidade de se desenvolver um trabalho de qualidade. Na minha
compreensão, quanto menor a criança, mais bem preparada deve ser a
educadora que lidará com ela.
Comungo dos pensamentos de Silva (2006, p.87), quando afirma que
Para uma renovação, as instituições devem atentar para as
condições básicas de trabalho de seus professores para além
da formação inicial de qualidade, possibilitando-lhes formação
em serviço, tempo para planejamento, preparação de material,
organização do espaço físico, encontros com as famílias e
condições para a participação em eventos musicais, de arte,
conferências, debates, visita a museus, entre outros. Na
verdade, tais experiências facilitam e propiciam uma reflexão
acerca das práticas cotidianas.
Isso posto, é necessário destacar a importância do conhecimento teórico
e prática na formação das educadoras. Tal conhecimento lhes propicia
compreender que o brincar se constitui como atividade própria das relações
estabelecidas pela criança com o meio, através do qual, pelo exercício da
imaginação na brincadeira de faz de conta, a criança desenvolve a capacidade
de recriar.
108
Assim, é necessário compreender que, como as crianças de dois e três
anos, apresentam suas especificidades, a formação de educadoras para lidar
com essa faixa etária o pode ser construída sob o molde escolarizante do
ensino fundamental.
Transformar a prática é possível, mediante uma reflexão coletiva do
fazer cotidiano e da teoria. Isso implica a possibilidade de pesquisadores
externos e professores responsáveis pela formação dos profissionais que
orientam crianças pequenas adentrarem as instituições, seja pela promoção de
espaços de formação oportunizados no interior da pesquisa, seja através de
cursos de capacitação.
É preciso investir na formação de professores de forma a atender às
especificidades e necessidades infantis, reformulando concepções que
percebam a criança como um ser inacabado, como mini-adulto, sem direitos.
Acredito que esse movimento de reflexão possa desencadear um
processo de revisão e transformação nas práticas educativas das educadoras
da creche e dos professores responsáveis pela sua formação, entendendo que
o processo de construção de uma nova idéia “envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1997).
Nesse sentido, espero que as reflexões empreendidas no decorrer desta
pesquisa possam contribuir para que se ampliem as discussões acerca de uma
educação de qualidade para a Educação Infantil.
109
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ANEXOS
119
ANEXO 1. AUTORIZAÇÃO DE FILMAGEM DAS CRIANÇAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO/CENTRO PEDAGÓGICO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO E
ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
AUTORIZAÇÃO
Autorizo a presença de meu (minha) filho (a) na filmagem para o
desenvolvimento da pesquisa “A verticalização e a horizontalização do espaço da sala
de atividades da educação infantil” coordenada pela profª a Stahlschmidt Pinto Silva
da Universidade Federal de Juiz de Fora para fins de estudo das educadoras e dos
pesquisadores. Tenho conhecimento que as filmagens serão utilizadas unicamente com
a finalidade de promover o conhecimento sobre a educação de crianças de 2 e 3 anos
por parte de educadores de creches, alunos e professores da Universidade Federal de
Juiz de Fora.
Nome da Criança
Assinatura do Responsável
1)
2)
3)
4)
5)
6)
7)
8)
9)
10)
11)
12)
13)
120
ANEXO 2. CONSENTIMENTO DAS OBSERVAÇÕES – EDUCADORA SOCIAL
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu,___________________________________________________________
educadora social da creche da Amac, autorizo a realização de observações do meu
trabalho, incluindo filmagens e anotações, na sala de atividades da creche e nos espaços
em que forem realizadas as sessões reflexivas .
Estou consciente de que os dados coletados nessas observações serão usados
como elementos de análise para a pesquisa, “A verticalização e a horizontalização do
espaço da sala de atividades da Educação Infantil”, assim como podem vir a ser
usados em futuros trabalhos acadêmicos.
Será resguardado o anonimato dos sujeitos da pesquisa, usando-se pseudônimos
para referir-se a eles na redação dos relatórios e publicações.
Juiz de Fora, _______ de ______________________ de 2006.
_____________________________________________
Educadora Social
___________________________
Visto da coordenadora da creche
121
ANEXO 3. CONSENTIMENTO DAS OBSERVAÇÕES – RECREADORA
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, _____________________________________________________________
recreadora da creche da Amac, autorizo a realização de observações do meu trabalho,
incluindo filmagens e anotações, na sala de atividades da creche e nos espaços em que
forem realizadas as sessões reflexivas.
Estou consciente de que os dados coletados nessas observações serão usados
como elementos de análise para a pesquisa, “A verticalização e a horizontalização do
espaço da sala de atividades da Educação Infantil”, assim como podem vir a ser
usados em futuros trabalhos acadêmicos.
Será resguardado o anonimato dos sujeitos da pesquisa, usando-se pseudônimos
para referir-se a eles na redação dos relatórios e publicações.
Juiz de Fora, _______ de ______________________ de 2006.
_____________________________________________
Recreadora
______________________________
Visto da coordenadora da creche
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