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Vejamos um episódio de brincadeira de faz-de-conta em que foi possível
observar isso:
Ao realizar sua atividade, a educadora Sonia inicia explicando para as crianças
que iriam brincar “livre de casinha”, combinando que ao final da atividade, elas
deveriam guardar os brinquedos. Assim que falou, elas se levantaram e foram
direto para uma mesinha com objetos de maquiagem e começaram a se pintar.
Pegaram óculos, bonecas, fogão, carrinho de bebê, cadeiras e soltaram a
imaginação. Circulavam livremente pela sala que recebeu uma organização
diferente das mesas e cadeiras que ficavam encostadas na parede, e algumas
mesas estavam no centro da sala e continham maquiagens. A educadora
interagia com as crianças, conversava sobre as brincadeiras e até participou de
um passeio de ônibus que foi realizado com as cadeirinhas que foram
organizadas por uma criança, uma atrás da outra, formando uma fila. As
crianças diziam coisas relativas ao cotidiano delas como ir ao supermercado e
cuidar dos filhos. “Vou ao Bahamas
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”, “olha o picolé” “vamos andar de ônibus”,
“menino não pode se pintar” (Nota expandida da 10ª sessão reflexiva –
23/10/06).
Os gestos para representar o volante do ônibus, a degustação do picolé
e o passeio após a maquiagem representaram situações inexistentes através
da imitação, do simulacro. Um outro exemplo de simulacro pode ser a
brincadeira “seu lobo tá pronto
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”. Nela a criança representa situações do
nosso cotidiano, como acordar, tomar café, escovar os dentes, pentear os
cabelos, vestir a roupa, situações em que os objetos são substituídos pelo
movimento, tornando-se presentes.
Não é só a influência do meio que desenvolve a fase simbólica, o
amadurecimento funcional também precisa acontecer. O fortalecimento das
funções intelectuais pela internalização dos movimentos resulta na tendência
da motricidade cinética se reduzir, fazendo com que o movimento exterior
lentamente diminua.
Segundo Galvão (1995, p.73), o desenvolvimento da dimensão cognitiva
do movimento traz também um aumento da autonomia da criança, ao diminuir
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Nome de um supermercado próximo ao bairro em que fica localizada a creche.
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Essa é uma brincadeira de pega-pega em que as crianças passeiam pela floresta e,
chegando perto da casa do lobo, perguntam se ele está pronto para pegá-las. Este pretende
disfarçar praticando uma atividade da vida diária como escovar os dentes, tomar café, fazer
almoço para poder pegar as crianças quando elas menos esperarem, adicionando o fator
surpresa à brincadeira. Quando o lobo responde que está pronto, as crianças saem correndo e
tentam se esconder, enquanto o lobo tenta pegá-las.