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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Mercedes Cristina Rodrigues Vera
A culpa na separação e no divórcio
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Mercedes Cristina Rodrigues Vera
A culpa na separação e no divórcio
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito das Relações
Sociais, sob a orientação da Professora
Doutora Maria Helena Diniz.
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_____________________________
_____________________________
_____________________________
A Patrícia e Rodrigo, meus filhos, pelo
carinho e apoio permanente.
À memória de minha mãe, minha eterna
incentivadora.
AGRADECIMENTOS
De modo todo especial, à querida Professora Maria Helena Diniz, minha
orientadora, que muito me apoiou, e cujo acompanhamento tornou este trabalho
possível.
Aos amigos, colegas pelo carinho estímulo e colaboração permanentes.
Aos meus alunos do Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, que com suas intervenções e questionamentos,
despertaram o interesse pela pesquisa ora concluída.
Aos meus estagiários, pela colaboração nunca negada, e a todos que
direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão deste trabalho.
Mas, acima de tudo, agradeço a Deus por ter-me dado a oportunidade
nesta vida de chegar onde cheguei.
V
RESUMO
VERA, Mercedes Cristina Rodrigues. A culpa na separação e no divórcio. 2008.
xii, 223 p. Dissertação (Mestrado em Direito) Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2008.
Pela atual legislação, a sociedade e o nculo conjugal podem ser
dissolvidos de modo consensual ou litigioso. Desde 04.01.2007, o casal que
pretende se separar ou se divorciar consensualmente dispõe de mais uma forma
para atingir seu intento, a modalidade extrajudicial, desde que preenchidos certos
requisitos.
Na busca das raízes da culpa na separação e no divórcio, realiza uma
introspecção no direito romano e no direito canônico, chegando ao direito
moderno, que marcou o fim da Idade Média e sofreu, no âmbito do direito de
família, severa influência da reforma protestante, que culminou com a
secularização do direito, separando em definitivo o Estado da Igreja.
A pesquisa sobre a evolução da culpa na dissolução do matrimônio no
ordenamento pátrio inicia-se na vigência das primeiras regulamentações, quando
o casamento era considerado uma instituição de caráter indissolúvel, passando à
possibilidade de ruptura do vínculo do casamento através do divórcio.
Ante a promulgação da Constituição Federal em 1988, analisa a culpa
frente ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e seus reflexos
nas dissoluções matrimoniais, bem como o fortalecimento do conceito de ruptura
da vida em comum, frente ao enfraquecimento da idéia de culpa, a motivar as
separações judiciais.
Nesse contexto, apresenta o debate doutrinário sobre a conveniência de
se manter a culpa no ordenamento jurídico nacional, questionamento que cresce
em importância, na medida que se analisam as conseqüências decorrentes da
eliminação da culpa do direito de família e a possibilidade de se pleitear a
reparação de danos eventualmente sofridos pela violação dos deveres do
casamento, entendida essa como ato ilícito necessário à configuração da
responsabilidade civil, tanto por danos morais, como materiais.
Conclui ao final que a forte presença da culpa a motivar as ações de
separação torna inviável, ao menos no momento atual, a sua total eliminação do
panorama jurídico nacional.
Palavras-chaves: Direito de família; Culpa; Separação; Divórcio.
VI
ABSTRACT
VERA, Mercedes Cristina Rodrigues.The guilt in the legal separation and the
divorce. 2008. xii, 223 p. Dissertation (Master Degree in Law) Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
According to current legislation, partnerships and conjugal relations may
be amicable or litigious dissolved. Since 04 Jan 2007 and after some requirements
filled out, a couple that intends a divorce or an amicable separation has the
extrajudicial formality as another option for reaching their aim.
During the search for the roots of divorce and separation guilt, an
introspection in canon and roman laws was realized. Modern law was reached as
Middle Age ended. The family law received a severe influence from the protestant
reform and as consequence, the secularization of law and a definitive separation
of State and Church took place.
In the research of guilt evolution in matrimony dissolution and under the
paternal system, the first regulations were initiated, when the matrimony was still
considered an indissolvable institution, and after, the divorce maked the relation
rupture possible
Before the promulgation of the Federal Constitution in 1988 an analysis of
guilt was realized, facing the fundamental principle of human dignity and its reflex
in matrimony dissolutions as well as the strengthening of the idea of conjugal life
rupture and the weakness of guilt idea for judicial separations motivation.
In this context, a doctrinal debate takes place considering the convenience
of the guilt maintenance in the national juridical system. This questioning grows in
importance as the consequences of guilt elimination in family law are analyzed,
and the possibility to litigate the reparation of damages eventually suffered from
the violation of matrimony duties, and understood as a necessary illicit act in the
configuration of civil responsibility for moral and material damages.
We may conclude by saying that the guilt strong presence in the
separation acts motivation is unfeasible, at least in this present moment, for its
total elimination from the national juridical scenario.
Keywords: Family law; Guilt; Separation; Divorce.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Morais, Soneto da fidelidade.
SUMÁRIO
PREFÁCIO............................................................................................................ XI
CAPÍTULO I PANORAMA ATUAL DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA..........1
1.1 Entendimento atual da doutrina sobre a separação litigiosa no
Código Civil de 2002 .........................................................................................1
1.2 Legislação vigente quanto à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal...3
1.2.1 Espécie consensual .......................................................................................4
1.2.1.1 Separação judicial por mútuo consentimento..............................................4
1.2.1.2 Divórcio judicial consensual – indireto e direto............................................4
1.2.1.3 Separação e divórcio extrajudiciais.............................................................5
1.2.2 Espécie litigiosa .............................................................................................6
1.2.2.1 Separação judicial com culpa ou sanção ....................................................7
1.2.2.2 Separação judicial sem culpa......................................................................8
1.2.2.3 Divórcio litigioso ........................................................................................12
1.3 Projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional alusivos à
separação judicial culposa ..............................................................................14
CAPÍTULO II ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA CULPA NO
DIREITO DE FAMÍLIA...................................................................16
2.1 Direito romano.................................................................................................17
2.1.1 A família romana..........................................................................................17
2.1.2 O casamento no direito romano...................................................................20
2.1.3 A natureza jurídica do matrimônio romano...................................................22
2.1.4 A dissolução do matrimônio no direito romano ............................................23
2.1.5 A desagregação da família romana .............................................................25
2.1.6 A culpa no direito romano ............................................................................28
2.2 Direito canônico ..............................................................................................29
2.2.1 O surgimento do direito canônico.................................................................30
2.2.2 A dissolução da sociedade conjugal no direito canônico .............................34
2.2.3 A idéia de culpa no direito canônico.............................................................37
2.3 A secularização do direito de família e o direito moderno...............................43
IX
CAPÍTULO III EVOLUÇÃO DA CULPA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO .......46
3.1 Influência do direito canônico..........................................................................46
3.2 A entrada da culpa no direito civil brasileiro....................................................47
3.2.1 A culpa no Código Civil de 1916 ..................................................................48
3.2.2. A culpa na Lei do Divórcio...........................................................................53
CAPÍTULO IV A CULPA ANTE O PRINCÍPIO DO RESPEITO À
DIGNIDADE HUMANA................................................................60
4.1 A constitucionalização do direito civil ..............................................................60
4.2 Novos rumos do direito de família diante do princípio da dignidade humana .62
4.3 O direito de família na novel codificação civil e a Constituição
Federal de 1988..............................................................................................65
4.4 A perquirição da culpa e o princípio da dignidade humana.............................68
CAPITULO V FORTALECIMENTO DA IDÉIA DE RUPTURA E
ENFRAQUECIMENTO DA IDÉIA DE CULPA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO.........................................73
5.1 Do desquite litigioso à separação judicial litigiosa com culpa ou sem culpa ...74
5.2 Divórcio direto e por conversão.......................................................................81
5.3 Crescimento do fundamento da falência em detrimento da culpa...................84
5.4 Fontes alienígenas da inovação legislativa.....................................................85
5.5 As alterações do novel Código Civil quanto às causas de dissolução da
sociedade e do vínculo conjugal .....................................................................96
5.6 O enfraquecimento dos efeitos da culpa na separação judicial litigiosa .......108
5.6.1 Fixação da guarda dos filhos menores.......................................................109
5.6.2 Uso do nome pelo outro cônjuge ...............................................................111
5.6.3 Obrigação alimentar...................................................................................114
CAPÍTULO VI QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A SEPARAÇÃO
JUDICIAL LITIGIOSA...............................................................120
6.1 A culpa na dissolução da sociedade conjugal...............................................120
6.2 Aspectos doutrinários da questão da culpabilidade na separação
judicial litigiosa ..............................................................................................122
X
6.2.1 Corrente contrária à manutenção da separação culposa...........................122
6.2.2 Doutrina favorável à permanência da separação culposa..........................128
6.3 Responsabilidade civil por danos morais na separação litigiosa...................132
6.3.1 Teoria contrária à indenização por ato culposo..........................................134
6.3.2 Corrente defensora da reparação de danos morais nas
relações de família ......................................................................................139
6.3.2.1 Corrente amplamente favorável à tese da reparabilidade em todos os
tipos de separação e divórcio..................................................................139
6.3.2.2 Corrente mais restritiva, que reconhece a incidência do direito à
reparabilidade somente nas separações culposas .................................153
6.3.3 Indenização por danos morais na ruptura do casamento no
direito comparado ......................................................................................161
6.3.3.1 Direito francês.........................................................................................161
6.3.3.2 Direito português.....................................................................................165
6.3.3.3 Direito peruano........................................................................................173
CONCLUSÃO .....................................................................................................175
REFERÊNCIAS...................................................................................................181
ANEXOS
ANEXO I PROJETO DE LEI N. 276/2007........................................................195
ANEXO II PROJETO DE LEI N. 504/2007.......................................................205
ANEXO III PROJETO DE LEI N. 507/2007......................................................207
ANEXO IV PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N. 33/2007 ...........211
ANEXO V PROJETO DE LEI N. 2.285/2007....................................................213
PREFÁCIO
Este trabalho estuda a culpa no âmbito do direito de família, desde a sua
origem, até os dias atuais. Nessa evolução, sua importância cresceu, tendo
passado a ser instrumento utilizado para manter a unidade da família formada
pelo casamento indissolúvel, que se apresentava como a instituição responsável
pela estrutura e estabilidade do Estado.
Por meio de um retrospecto histórico-jurídico-social, é possível identificar
três fases distintas, a saber, o surgimento com o direito canônico, o ápice na era
medieval, até o início do direito moderno, e o declínio, que se iniciou com o
chamado direito pós-moderno, quando houve o rompimento em definitivo com o
dogma da indissolubilidade do casamento e a maioria dos países civilizados
passou a reconhecer a possibilidade do rompimento do vínculo do casamento.
A culpa, nessa evolução, surge em um primeiro momento como única
causa a justificar o pedido unilateral de dissolução da sociedade conjugal.
Contudo, em decorrência das transformações pelas quais passou a sociedade,
teve seu papel enfraquecido, ocorrendo paralelamente o fortalecimento da idéia
de ruptura da vida em comum.
Para que se atingisse esse grau de compreensão, foi necessária uma
mudança radical na forma de encarar a família, que de instituição que dava
suporte ao Estado, passou a ser vista como meio de realização dos membros que
a compõem.
Contudo, paralelamente ao enfraquecimento da culpa e fortalecimento da
idéia de ruptura da vida em comum, cresceu a responsabilidade pelos atos
praticados pelos cônjuges que venham, de alguma forma, a violar direitos
personalíssimos do outro.
Para atingir tal intento, fizemos uso do método dedutivo, buscando na
doutrina e na jurisprudência os elementos que refletiram tal evolução.
XII
O trabalho se limitou ao estudo da culpa dentro dos institutos da
separação e do divórcio, e seus reflexos nas relações conjugais e no âmbito da
responsabilidade civil.
Embora, pela redação do artigo 1.830 do Código Civil, a culpa na
separação tenha passado a produzir efeitos também no direito sucessório, tal
assunto não foi objeto de análise neste trabalho, por adentrar área do direito que
foge à amplitude que se pretendeu dar a ele.
Esperamos contribuir de alguma forma para um melhor conhecimento do
tema tratado, objetivando auxiliar os profissionais que lidam com o direito de
família e colaborar na administração dos conflitos familiares, na busca de uma
sociedade mais harmoniosa e solidária, preservando o que de mais sagrado
em cada um de nós: a dignidade da pessoa humana.
São Paulo, março de 2008
Mercedes Cristina Rodrigues Vera
CAPÍTULO I
PANORAMA ATUAL DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA
1.1 Entendimento atual da doutrina sobre a separação litigiosa no
Código Civil de 2002
A promulgação da Carta Magna de 1988 provocou profunda mudança no
direito de família pátrio, obrigando os operadores do direito a uma releitura de
todo ordenamento jurídico, a fim de adequá-lo aos princípios fundamentais
esculpidos no artigo da Constituição Federal, em especial o da dignidade da
pessoa humana.
Entretanto, verifica-se que os dogmas defendidos pelo direito canônico,
no tocante à identificação do culpado pela dissolução da sociedade conjugal,
ainda continuam presentes no âmbito do direito de família.
O Código Civil de 2002, ao cuidar do término do casamento e da extinção
do vínculo matrimonial, manteve na sistemática adotada pela Lei n. 6.515/77, da
dualidade de institutos, separação judicial e divórcio, bem como as modalidades
de separação culposa e sem culpa.
Na culposa, a lei exige dos cônjuges a discussão das razões do término
da sociedade conjugal, atribuindo ao outro a responsabilidade pelo fim do
casamento.
na sem culpa, a separação poderá ser decretada diante do consenso
dos cônjuges, quanto à ruptura do casamento e respectivas condições; ou ainda,
diante da comprovação de elementos objetivos fixados em lei, pela ruptura da
vida em comum por mais de um ano, ou por doença mental grave, manifestada
2
após o casamento com duração superior a dois anos, desde que reconhecida
como de cura improvável, o que torna insuportável a vida em comum.
1
Trouxe o Código Civil de 2002 inovações no sentido de praticamente
tornar inócuas as sanções impostas ao cônjuge considerado culpado pela
separação, como é o caso da fixação dos alimentos (art. 1.702 e parágrafo único
do art. 1.704), da dissociação da fixação da guarda dos filhos menores, da culpa
pelo rompimento do casamento (art. 1.584), além das novas regras sobre a
utilização do nome por ambos os cônjuges (art. 1.578).
Entende parte da doutrina que poderia o legislador ter sido mais audaz e
incisivo nas inovações legislativas, em especial quanto à dissolução da sociedade
conjugal formada pelo casamento, acolhendo entendimento sedimentado tanto na
doutrina, quanto na jurisprudência.
Segundo a maioria dos doutrinadores brasileiros o legislador de 2002
perdeu ótima oportunidade, não de se adequar o Código às recentes
orientações doutrinárias, mas principalmente de harmonizá-lo, especificamente
quanto ao casamento, aos princípios constitucionais que tutelam a dignidade e a
intimidade da pessoa humana.
2
Yussef Cahali assim expressa:
“Diante de uma Lei do Divórcio que se reconheceu desde logo
falha, esperava-se que com o novo Código Civil suas deficiências
viessem a ser superadas. Este novo Código Civil, porém,
infelizmente desmerece a ciência jurídica nacional, representando
um fator de agravamento das contradições e ambigüidades da
disciplina legal do instituto, expondo-se aos múltiplos projetos e
medidas provisórias tendentes à sua revisão.”
3
Silvio Venosa, ao comentar os artigo 1.572 e 1.573 do novo Código Civil,
que regulamentou a separação-sanção, desabafa: “O Código Civil de 2002
1
Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 7, n. 34, p. 31, fev./mar. 2006.
2
Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, cit., p. 32.
3
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed. rev. ampl. atual. de acordo com o Código Civil
de 2002, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 42.
3
representou, nesse aspecto, um injustificável e odioso retrocesso. Parece que o
legislador do país não se contenta em dar passos à frente, pois lhe apraz também
voltar ao passado.“
4
Silvio Rodrigues também pondera no mesmo sentido, ao dispor: “Deixou o
legislador de 2002 de acolher como regra a expectativa da doutrina brasileira
contemporânea em dissociar a separação da sua motivação (culpa ou causa
específica).”
5
Caio Mário da Silva Pereira assim se posiciona sobre o Código Civil de
2002:
“Desta feita, o legislador demonstrou nítido esforço em adaptar-se
às novas conquistas. Sua coragem não foi suficiente para
impulsioná-lo aos avanços dos sistemas jurídicos mais
adiantados; optou pelo esforço de buscar um questionável
equilíbrio em meio às controvérsias enfrentadas pela Doutrina e
pela Jurisprudência no dia-a-dia dos Tribunais. Mirando ao longe
as modificações que se faziam necessárias, preferiu recuar numa
atitude marcada pela dificuldade de confrontar-se com o novo.”
6
1.2 Legislação vigente quanto à dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal
Para a análise da culpabilidade na dissolução da sociedade e do vínculo
conjugal, e diante da atual legislação que rege da matéria, a seguir
consideraremos duas espécies, consensual e litigiosa, e para cada uma
arrolaremos as características próprias, tanto para a separação quanto para o
divórcio.
4
Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: direito de família, 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005, v. 6, p. 209.
5
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali, de
acordo com o novo Código Civil (Lei n.10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2004, v. 6, p.
208.
6
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, Rio de Janeiro:
Forense, 2007, v. 5, p. 3.
4
1.2.1 Espécie consensual
Tanto a separação quanto o divórcio podem ser feitos pela via
consensual.
1.2.1.1 Separação judicial por mútuo consentimento
Separação por mútuo consentimento, ou separação judicial amigável, é
aquela que se processa por acordo dos cônjuges, que decidem pôr termo à
sociedade conjugal, convencionando as cláusulas e condições que regerão a
nova situação.
Não se exige para essa espécie de separação que os cônjuges declarem
o motivo que os levou à decisão, bastando que manifestem o desejo de se
separarem, para alcançarem seu intento.
7
O único requisito exigido, além do mútuo consentimento, é estarem
casados há mais de um ano.
8
1.2.1.2 Divórcio judicial consensual – indireto e direto
Assim como na separação judicial amigável, o divórcio, quer na
modalidade indireta ou na direta, também pode ser requerido por ambos os
cônjuges, que de comum acordo decidem romper o vínculo do casamento,
convencionando as cláusulas e condições que regerão a nova situação.
Na hipótese do divórcio direto, poderão os cônjuges facultativamente
formular pedido judicial, mediante requerimento conjunto, de acordo com o
7
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 212.
8
“Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem
casados por mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada a convenção.”
5
procedimento estabelecido nos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo
Civil, sendo exigido, além do mútuo consentimento, que o casal esteja separado
de fato mais de dois anos. Nesse caso, haverá necessidade de produção de
prova do decurso do lapso temporal, que normalmente é feito mediante prova
testemunhal.
9
O divórcio indireto, que foi antecedido de separação judicial – amígável ou
não será consensual se o pedido de conversão da separação em divórcio for
formulado em conjunto, ou por qualquer um dos cônjuges, com o consentimento
do outro.
1.2.1.3 Separação e divórcio extrajudiciais
Desde a promulgação da Lei n. 11.441, de 04.01.2007, que introduziu em
nosso ordenamento jurídico a dissolução extrajudicial da sociedade conjugal
separação ou divórcio
10
se tornou inexata a assertiva de que a dissolução da
sociedade ou do vínculo conjugal reclama a intervenção judicial que, no dizer de
Sílvio Rodrigues, representa um processo necessário, sem o qual a sociedade
conjugal não se desfaz”.
11
Essa Lei veio a alterar o Código de Processo Civil, acrescentando-lhe o
artigo 1.124-A, que permite a separação consensual e o divórcio consensual por
escritura pública, desde que o casal não tenha filhos menores ou incapazes.
12
9
“Artigo 1.580 - (...) § - O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no
caso de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.”
10
Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, Revista dos
Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 96, v. 858, p. 20-29, abr. 2002.
11
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 208.
12
“Artigo 1.124-A - A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores
ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser
realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à
partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo
cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o
casamento. § 1º - A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o
registro civil e o registro de imóveis. § 2º - O tabelião somente lavrará a escritura se os
contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja
qualificação e assinatura constarão do ato notorial.”
6
Apesar de o legislador não ter feito referência expressa sobre a
possibilidade de se realizar a conversão da separação em divórcio, entende
Yussef Cahali que “o legislador concebeu o divórcio consensual extrajudicial,
compreendendo as duas modalidades de dissolução do vínculo matrimonial:
divórcio conversão e divórcio direto”.
13
Nesse mesmo sentido entende Cristiano Chaves de Farias, esclarecendo
que, embora não exista previsão legal expressa, “escaparia à razoabilidade
impedir a realização de divórcio-conversão por escritura pública”.
14
Dessa forma, tendo tal lei entrado em vigor na data de sua publicação,
desde janeiro de 2007 mais uma espécie de separação e de divórcio
consensuais, a extrajudicial, que passa a coexistir com a tradicional separação
consensual prevista no artigo 1.574 do Código Civil e o divórcio indireto e direto
consensual previsto no artigo 1.580, caput e parágrafo 2º.
15
1.2.2 Espécie litigiosa
Separação judicial litigiosa, ou não consensual, é aquela que resulta de
sentença que julga procedente ação ordinária promovida por um cônjuge contra o
outro, tendo por fundamento hipóteses previstas em lei.
16
Esta espécie de separação judicial se subdivide em duas outras, com
culpa de um dos cônjuges, ou sem culpa, desde que observadas as causas
previstas em lei.
17
13
Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, cit., p. 27.
14
Cristiano Chaves de Farias. O novo procedimento para a separação e o divórcio consensuais e
a sistemática da Lei n. 11.441/2007: o bem vencendo o mal. Revista Magister de Direito Civil e
Processual Civil, Porto Alegre, Magister, v. 3, n. 17, p. 20, mar./abr. 2007.
15
“Artigo 1.580 - Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a
separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,
qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. (...) § 2º - O divórcio poderá ser
requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por
mais de 2 (dois) anos.”
16
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 222.
17
Tendo em vista o objeto deste trabalho, optamos por classificar as espécies de separação em
culposa e sem culpa.
7
1.2.2.1 Separação judicial com culpa ou sanção
A separação judicial litigiosa será culposa quando um dos cônjuges
promove ação imputando ao outro qualquer ato que importe em grave violação
dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum (arts. 1.572,
caput e 1.573, incs. I a VI).
18
Nesta espécie de separação, a causa, o motivo, é a culpa. Nessas
condições, a prova dos autos deverá demonstrar a responsabilidade pelo fim do
casamento e as conseqüências daí decorrentes.
O novo Código Civil tratou da separação com culpa e sem culpa no artigo
1.572 e, ao mesmo tempo, no artigo 1.573, I a VI, resgatou o sistema primitivo do
legislador de 1916, ao apontar causas específicas para fundamentar a ação e
ainda introduzir uma causa genérica permissiva da dissolução, no parágrafo único
do artigo 1.573.
19
Tem-se assim, como fundamento legal para a separação judicial litigiosa
com culpa, os artigos 1.572, caput e 1.573, I a VI, que importam em grave
violação dos deveres do casamento estabelecidos no artigo 1.566.
20
De acordo com o atual Código Civil, poucas são as conseqüências
decorrentes da responsabilidade de um dos cônjuges pelo rompimento do
casamento. Hoje, a responsabilidade pela separação é irrelevante para a fixação
da guarda dos filhos
21
, existe previsão legal para fixação de alimentos, ainda que
18
“Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando
ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável
a vida em comum. Artigo 1.573 - Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a
ocorrência de algum dos seguintes motivos: I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou
injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação
por crime infamante; VI - conduta desonrosa.”
19
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 223.
20
“Artigo 1.566 - São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum,
no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV sustento, guarda e educação dos filhos; V -
respeito e consideração mútuos.”
21
“Artigo 1.584 - Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes
acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para
exercê-la.”
8
para sobrevivência, para o cônjuge faltoso
22
, e, de acordo com as excludentes
legais, o cônjuge considerado culpado poderá manter o nome de casado.
23
1.2.2.2 Separação judicial sem culpa
Introduziu a Lei n. 6.515/77 dois novos casos de separação, um fundado
na ruptura da vida em comum, e outro por motivo de doença de um dos cônjuges,
de tal magnitude que torne impossível a continuação da vida em comum, sendo
conveniente, em ambos os casos, pôr termo à sociedade conjugal.
A inspiração do legislador foi buscada na legislação francesa que, na Lei
75/617, de 11.7.1975, regulamentou o divórcio.
a) Separação por ruptura da vida em comum: nos termos do disposto
no artigo 1.572, parágrafo
24
(antigo art. 5º, § da Lei n. 6.515/77), a
separação por pedido unilateral de um dos cônjuges poderá ser deferida, desde
que o interessado prove que tal ruptura se mais de um ano e que se tornou
impossível a reconstituição da união.
Nesta espécie de separação, o deferimento do pedido representa a
permissão para atribuir juridicidade a uma situação de fato já cristalizada no
tempo
25
. Não se questiona sobre a responsabilidade pela ruptura da vida em
comum e não averiguação de culpa. Não adianta o cônjuge demandado alegar
22
“Artigo 1.704 - Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos será
o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido
declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único - Se o cônjuge declarado
culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem
aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor
indispensável à sobrevivência.”
23
Artigo 1.578 - O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de
usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a
alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção
entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave
reconhecido na decisão judicial.”
24
“Artigo 1.572 - (...) § - A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges
provar ruptura da vida em comum mais de 1 (um) ano e a impossibilidade de sua
reconstituição.
25
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 228.
9
que o requerente foi o causador da separação, que houve abandono do lar. O
elemento objetivo justificador da sentença que decreta a separação é a mera
existência de separação fática prolongada.
26
Na separação por ruptura da vida em comum, não tem lugar a discussão
da culpa, não sanção alguma ao vencido, mantendo-se o direito ao uso do
nome de casado, bem como aos alimentos
27
, desde que preenchidos os
requisitos pertinentes à espécie.
b) Separação judicial por doença mental de um dos cônjuges, ou
separação remédio: manteve o legislador de 2002 a previsão contida na Lei do
Divórcio, autorizando a separação judicial, quando um dos cônjuges estiver
acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne
impossível a continuação da vida em comum, e a enfermidade tenha sido
reconhecida de cura improvável, conforme dispõe o artigo 1.572, parágrafo 2º.
28
Há nesta hipótese também um caso de ruptura de vida em comum,
mudando apenas o fundamento da dissolução, que é a superveniência de
moléstia mental de cura improvável.
29
Inexiste culpa de qualquer dos cônjuges, não sendo cogitáveis sanções
quanto ao nome e à pensão alimentícia. Entretanto, a lei traz uma repercussão
específica para a separação judicial sob esse fundamento, a fim de conceder
benefício ao cônjuge enfermo.
26
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 229.
27
Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º - Os alimentos devem ser fixados
na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
28
Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p.
259. “Artigo 1.572 - (...) § - O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro
estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível
a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 2 (dois) anos, a
enfremidade tenha sido reconhecida de cura improvável.”
29
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 229.
10
O artigo 1.572, parágrafo
30
reflete a intenção do legislador em garantir
ao cônjuge enfermo uma maior segurança financeira, mas nas entrelinhas acaba
por penalizar o cônjuge requerente por fugir do dever de caridade e de mútua
assistência em relação ao outro.
Cria assim um sistema de proteção ao enfermo, dando-lhe, além da
meação conforme o regime de bens fixado no casamento, tudo o que remanescer
dos bens que trouxe para o casamento.
Contudo, tal sanção ocorrerá na hipótese do casamento ter adotado o
regime da comunhão universal de bens, que é o regime que envolve todo o
patrimônio do casal, inclusive os bens adquiridos antes do casamento. Tais bens
serão separados do patrimônio comum e reservados ao cônjuge enfermo, sendo
o restante partilhado, metade por metade entre os separandos.
31
c) Separação judicial por causa genérica a impossibilidade da vida
em comum: inovou o legislador de 2002 no artigo 1.573, embora tenha apontado
em seus seis incisos causas específicas para fundamentar a ação de separação
judicial culposa nos moldes da redação original do Código Civil de 1916, como
dito acima, ao introduzir previsão genérica em seu parágrafo único.
A causa genérica introduzida pelo legislador não preestabelece uma
situação fática específica a ser verificada, limitando-se a lei a indicar um conceito
vago permissivo da ação. Em qualquer desses casos, a culpa ou
responsabilidade pela origem do fato que ensejou a ruptura da vida conjugal é
irrelevante.
32
Dessa forma, o motivo autorizador do pedido de separação o é
necessariamente o comportamento faltoso do outro cônjuge, mas as
30
“Artigo 1.572 - (...) § - No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não
houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e
se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade
conjugal.”
31
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 231.
32
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 211.
11
contingências existentes na vida conjugal que, pelas circunstâncias, ensejam a
impossibilidade de convivência conjugal.
33
No entender de Francisco José Cahali, atualizador da obra de Silvio
Rodrigues sobre direito de família, o parágrafo único do artigo 1.573 do Código
Civil criou uma nova causa de separação sem culpa do requerido, mais
abrangente do que as causas específicas elencadas nos parágrafos e do
artigo 1.572, pois permite ao julgador considerar os elementos trazidos pelo
interessado como razões de insuportabilidade da vida em comum.
34
Foi criada assim nova espécie de separação sem culpa, mas com causa
que é apresentada em termos vagos, gerais e abrangentes. Tal inovação no
campo da dissolução da sociedade conjugal, segundo Francisco José Cahali,
restou inspirada na doutrina contemporânea, caminhando para acolher em nosso
sistema o princípio da ruptura da affectio maritalis como causa suficiente à
separação judicial.
35
A jurisprudência tem dado mostras de compartilhamento desse
entendimento, posto que freqüentes as decisões que acolheram seu comando,
inclusive, antes mesmo da entrada em vigor do novo Código Civil, em 2003, como
se constata nas seguintes ementas:
“SEPARAÇÃO JUDICIAL Culpa. Se a sentença reconheceu não
haver prova de culpa por parte de nenhum dos njuges, não
pode concluir, contraditoriamente, em decretar a separação
judicial por culpa recíproca. Deve ser provido o apelo do cônjuge
que não se conformou em lhe ser atribuída uma culpa que não
ficou demonstrada, mesmo porque resultam seqüelas nocivas nos
planos moral e econômico. A exegese liberal que busca não
manter os cônjuges unidos, quando não mais condições para
tal, não pode ir ao ponto de imputar culpa quando o há prova
desta culpa, como é óbvio; pode é trabalhar com a noção de
insuportabilidade da vida em comum e a partir daí buscar a
inevitabilidade da separação judicial. De qualquer forma, não há, a
rigor, motivo para tal preocupação, na medida em que o direito
brasileiro atual tranqüilamente prevê soluções para desfazimento
da sociedade conjugal e do casamento de casais que não mais se
33
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 232.
34
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 232.
35
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 233.
12
acertam, independentemente da idéia de culpa. Voto vencido.”
(TJRS – AC n. 595.096.702, 8ª C.C., rel. Des. Antonio Carlos
Stangler Pereira, j. 09.11.1995, RBDF n. 1, abr./mai./jun. 1999).
“SEPARAÇÃO JUDICIAL Culpa Colação de bens doados
Bens reservados – Assistência privada.
1. Estando ausente prova da culpa pela ruptura do casamento,
seja do njuge-varão seja do virago, mas tendo ambos, na ação
e reconvenção postulado a separação judicial, impõe-se seja ela
decretada, mesmo sem culpa, pois o casamento já faliu.
2.(...) Recursos principal e adesivo desprovidos.” (TJRS AC n.
598.564.821, C.Cív., rel. Des. Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves, DOERS, de 01.04.1999, RBDF n. 4,
jan./fev./mar./2000).
1.2.2.3 Divórcio litigioso
Divórcio é a dissolução de um casamento válido, que autoriza as pessoas
a contraírem novas núpcias, e pode ser realizado pela modalidade indireta ou
direta.
a) Divórcio indireto: em decorrência do sistema duplo adotado pela
legislação pátria, o divórcio será decretado num segundo momento, sempre
antecedido pela separação, que pode ser judicial ou de fato.
Sendo o divórcio antecedido pela separação judicial, que pode ser
consensual ou litigiosa, tem-se o chamado divórcio indireto, posto que será
concedido mediante conversão da separação judicial em divórcio, nos termos do
artigo 1.580, caput e parágrafo1º.
36
O divórcio indireto será litigioso quando houver discordância ou recusa do
outro cônjuge em consentir com a conversão. Assim, o cônjuge interessado deve
formular pedido para que seja a separação judicial convertida em divórcio, posto
36
“Artigo 1.580 - Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a
separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,
qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. § - A conversão em divórcio
da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência
à causa que a determinou.”
13
que cumprido o prazo de um ano estabelecido em lei, pondo fim ao matrimônio e
seus efeitos.
37
Em qualquer das modalidades de divórcio indireto, litigioso, consensual
ou extrajudicial
38
, não poderá a sentença que o decreta fazer qualquer referência
à causa que determinou a conversão (art. 1.580, § 2º).
b) Divórcio direto: distingue-se o divórcio direto do indireto, pois o direto
resulta de uma separação de fato, que autoriza a conversão direta dessa
separação em divórcio, desde que comprovada a ruptura da vida em comum por
mais de dois anos.
A separação de fato, sem qualquer intervenção judicial, passa a ter
relevância jurídica, produzindo o efeito de ser pré-requisito do divórcio.
39
Da mesma forma que a modalidade anterior, o divórcio direto pode adotar
tanto a forma litigiosa quanto a consensual, e até mesmo a extrajudicial.
40
Não havendo consenso entre as partes, um dos cônjuges pode promover
ação de divórcio direta mediante comprovação da separação de fato superior a
dois anos, devendo, contudo, apresentar na petição inicial todos os elementos
necessários à definição sobre a guarda dos filhos menores, quando houver, e
sobre os alimentos, caso não tenham sido objeto de apreciação judicial anterior
através de ação própria, pois em existindo, basta apresentar a decisão então
proferida, para que seja possível a decisão que decrete o divórcio, rompendo o
vínculo do casamento.
Observe-se que, a partir da promulgação do novo Código Civil, a partilha
de bens não mais é exigida para a decretação do divórcio por força do disposto
no artigo 1.581.
41
37
Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, cit., v. 5, p. 276.
38
Lei n. 11.441, de 04.01.2007.
39
Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, cit., v. 5, p. 280.
40
Lei n. 11.441, de 04.01.2007.
41
“Artigo 1.581 - O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”
14
Contudo, o reflexo de tal liberalidade do legislador será sentido no
momento em que qualquer dos cônjuges pretenda convolar novas núpcias, que
a ausência de partilha surge como causa suspensiva de casamento, nos termos
do artigo1.523, III.
42
Importante notar que em qualquer das modalidades de divórcio, seja ele
direito ou indireto, consensual ou litigioso, não se exige a averiguação da
culpabilidade de qualquer das partes.
1.3 Projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional alusivos à
separação judicial culposa
O deputado Léo Alcântara (PSDB/CE) reapresentou ao Congresso
Nacional, em 1º.03.2007, o projeto de lei que recebeu o número PL n. 276/2007,
da lavra do falecido deputado Ricardo Fiúza, que tramitara durante a legislatura
que se findou em 31.01.2007, tendo por objetivo a alteração do Código Civil,
instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. A única diferença entre a
presente proposição e a anterior é a retirada da proposta de alteração do artigo
1.361, por entender o parlamentar que a matéria foi satisfatoriamente
regulamentada.
O deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) apresentou perante o
Congresso Nacional, em 20.03.2007, mais cinco projetos de lei, que receberam
os números 504/2007, 505/2007, 506/2007, 507/2007 e 508/2007, que também
objetivam a alteração de dispositivos do Código Civil, mas, especificamente,
referentes a institutos do direito de família e das sucessões. O mesmo
parlamentar, em 25.10.2007, apresentou outro projeto de lei que dispõe sobre a
criação do Estatuto das Famílias, que recebeu o número 2.285/2007.
43
42
“Artigo 1.523 - Não devem casar: III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou
decidida a partilha dos bens do casal;”
43
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 157 e ss.
15
O Estatuto das Famílias oferce uma nova concepção para a dissolução da
sociedade e do vínculo conjugal. Conforme consta da justificativa apresentada ao
Congresso Nacional, privilegia o divórcio como o meio mais adequado para
assegurar a paz daqueles que não mais desejam continuar casados.
Propõe o Estatuto a mínima interferência do Estado na intimidade do
casal, vedando qualquer investigação sobre as causas da separação. Embora
mantida a dualidade de procedimentos, separação e divórcio, procura assegurar
na guarda dos filhos do casal o melhor interesse dos menores, a fixação ou
dispensa dos alimentos entre os cônjuges, a obrigação alimentar do não-guardião
aos filhos comuns, bem como a manutenção ou mudança do nome de família.
Regulamenta ainda de forma mais detida a separação e o divórcio mediante
escritura pública, facilitando o procedimento.
Os cinco primeiros projetos de lei são o resultado de sugestões
apresentadas pelos integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), que haviam sido aprovadas em assembléia realizada em 2003. À
época, as sugestões deram origem a outros projetos de lei, de autoria do
deputado Antonio Carlos Biscaia, porém, não tendo sido aprovados na legislatura
para a qual fora ele eleito, foram, em conseqüência, arquivados, em 31.01.2007.
Para este trabalho, abordaremos apenas os dispositivos dos aludidos
projetos de lei que digam respeito aos efeitos decorrentes da separação e do
divórcio.
Registramos ainda a apresentação ao Congresso Nacional, pelo
deputado Sérgio Barradas Carneiro, em 10.04.2007, por sugestão do IBDFAM, a
Proposta de Emenda à Constituição n. 33/2007, que tem por finalidade a
eliminação do sistema duplo de institutos, abolindo do cenário nacional a
separação judicial, tanto consensual, quanto litigiosa.
Remetemos o leitor aos anexos para conhecimento dos projetos de lei e
da proposta de emenda à Constituição, esclarecendo que, no decorrer do
trabalho, essas sugestões de alteração de lei serão oportunamente comentadas.
CAPÍTULO II
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA CULPA NO DIREITO DE
FAMÍLIA
O Brasil foi colonizado por Portugal, que enviou missionários católicos
para catequizar o povo autóctone, e que acabaram por disseminar em nossa
pátria os ditames canônicos referentes à disciplina do casamento.
44
Portugal foi um dos países que mais demorou a acolher as inovações
trazidas pelo iluminismo, movimento que pregava a luta da razão contra o
autoritarismo e visava abolir velhas tradições jurídicas e o império do direito
natural
45
. Esse atraso na renovação do direito português refletiu diretamente no
Brasil, que permaneceu sob a regência das Ordenações Filipinas, constituídas por
uma compilação jurídica que traduzia influências do direito romano, do canônico e
do germânico, até a promulgação da Constituição Imperial, em 1824.
Em matéria de casamento, o direito pátrio anterior à proclamação da
República adotou a doutrina canônica e desconheceu o divórcio no sentido amplo
da palavra. Até mesmo a separação de corpos teve seu campo de incidência
reduzido, uma vez que não se reconhecia como causas determinantes da
separação a heresia e a apostasia, aceitas pelo direito canônico, por se
considerar serem causas que haviam caído em desuso.
46
Contudo, não foi sempre assim. O papel da culpa na separação, com o
passar dos tempos, foi se modificando, tendo sido atenuado na atualidade, ao
menos no que tange à tendência observada na política legislativa contemporânea,
embora seu espectro continue presente na cultura do direito de família.
47
44
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, in Maria Helena Diniz (Coord.), Atualidades jurídicas 4, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30.
45
Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, Jus
Navigandi, Teresina, ano 9, n. 655, p. 3, 23 abr. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6617>. Acesso em: 18 set. 2007.
46
Clóvis Beviláqua. Direito de família, 9. ed. atual. pelo Desembargador Isaias Beviláqua, Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 283.
47
Ver a respeito: Gustavo Tepedino. O papel da culpa na separação e no divórcio, in Temas de
direito civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 369.
17
É muito comum no âmbito do direito de família, em decorrência da forte
influência exercida pela Igreja Católica na sua regulamentação, encontrar a noção
de culpa, que deriva do pecado original, praticado no Jardim do Éden.
Pode-se dizer que a culpa é uma criação da cultura judaico-cristã,
diretamente ligada à noção de expiação de pecados, inspirada na idéia do pecado
original cometido por Adão e Eva no Paraíso, ao desrespeitarem as ordens
divinas, cedendo à tentação da serpente, para se igualar a Deus (Gên 3,1).
Passou-se assim a valorizar a idéia de penalizar a pessoa culpada,
criando-se o binômio “culpa-sanção”.
48
O direito, desfrutando de seu poder normativo, exerce um papel
sancionador, valorizando a discussão da culpa, transformando-a em instituto
universal, que passa a permear todos os ramos do direito: penal, constitucional,
administrativo, comercial e civil.
2.1 Direito romano
2.1.1 A família romana
Família é um vocábulo que em Roma, além de outros sentidos, significava
primeiro um conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um chefe o pater
familias − e, segundo, o patrimônio do pater familias.
49
A família romana era de base patriarcal e tudo girava em torno de um
pater familias, ao qual, sucessivamente, se subordinavam os descendentes alieni
juris, até a morte do chefe.
48
Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, in Eliene Ferreira
Bastos; Asiel Henrique de Sousa (Coords.), Família e jurisdição, Belo Horizonte: Del Rey, 2006,
p. 270.
49
Veja-se a respeito: José Cretella Júnior. Curso de direito romano: o direito romano e o direito
civil brasileiro, 6. ed. rev. e aum., Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 107.
18
O pater familias tem o dominium in domo, a potestas. É o dominus, o
senhor, a quem está confiada a domus, ou grupo doméstico.
A família romana era constituída de forma muito distinta da que
conhecemos na atualidade. José Carlos Moreira Alves
50
identifica no direito
romano cinco agrupamentos de pessoas vinculadas pelo parentesco ou pelo
casamento, a saber:
a) gens cujos membros, que se denominavam gentiles, julgavam
descender de um antepassado comum, lendário e imemoriável, do qual recebiam
o nome gentílico (e era esse nome, e não necessariamente o parentesco
consangüíneo, que os unia). Esta forma de agrupamento desapareceu durante o
Principado e, com ela, as derradeiras características de organismo político que a
família dela herdara;
b) familia comuni iure na definição trazida por Chamoun
51
, abraçava um
conjunto de pessoas reunidas em vários grupos, chefiados, cada um deles, por
um pater familias, mas que se encerrariam numa família se o pater familias
comum estivesse vivo. Este agrupamento desapareceu com a extinção da
agnatio. Agnados eram todos os que se acham sob a patria potestas de um
mesmo chefe pater familias. Cognados eram todos os indivíduos ligados pelo
sangue. É o laço de sangue que havia entre as pessoas que descendiam uma
das outras (filho, pai, avô, bisavô) ou de um descendente comum (irmãos que
descendem dos mesmos pais);
c) conjunto de cognados em sentido restrito eram aqueles que, não
sendo agnados uns dos outros, estavam ligados apenas pelo parentesco
consangüíneo.
d) familia proprio iure era o complexo de pessoas que se encontravam
sob a potestas de um pater familias.
50
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972, v. 2, p. 253.
51
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 151.
19
e) família natural agrupamento constituído apenas dos cônjuges e de
seus filhos, independentemente de o marido e pai ser, ou não, pater familias da
mulher e dos descendentes imediatos.
A domus tinha um tríplice aspecto: grupo religioso (pater é o sacerdote),
econômico (pater é o dirigente) e jurídico-político (pater é o magistrado).
52
A familia proprio iure era constituída por um complexo de pessoas que
viviam sob a patria potestas de um chefe – o pater familias
53
que era aquele que
não tinha, na linha masculina, ascendente vivo a que estivesse subordinado
54
. A
patria potestas não se extinguia com o casamento dos filhos que, tivessem a
idade que tivessem, fossem casados ou não, continuavam a pertencer à família
do chefe.
55
Dessa forma, os que viviam sob o poder de um pater familias eram alieni
juris, isto é, dependentes desse pater familias
56
, enquanto os que eram
independentes eram os sui juris, isto é, não se encontravam submetidos a
nenhum dos poderes domésticos, exerciam por si mesmos os seus direitos,
representavam a unidade da família, ainda que mantivessem laços de sangue
com algum outro pater familias.
57
A familia proprio iure não tinha por objetivo final a procriação, educação
dos filhos e nem mesmo o auxílio e cooperação entre os cônjuges, esclarece
Chamoun. A família romana era uma comunidade política em miniatura, que se
assemelhava ao Estado, tanto que para entrar numa família, o estranho tinha que
preencher rigorosas formalidades, como as da conventio in manu e da adoptio.
O paterfamilias era o chefe, o juiz e o sacerdote daquele grupo, exercia
um poder quase absoluto sobre os filhos, mulher, clientes e escravos, além de ser
52
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 110.
53
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 254.
54
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 256.
55
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit.,p. 110.
56
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, 16. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10.
57
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 113.
20
o senhor absoluto do patrimônio angariado pela família e do território onde
estavam instalados.
Até a época clássica, o Estado não interferia senão esporadicamente na
família e a sua jurisdição era paralela à jurisdição doméstica.
A unidade política da família correspondia à unidade econômica e
religiosa. Cada família tinha seus próprios deuses, que eram seus antepassados
mortos, em honra dos quais se devotava o culto perpétuo.
Contudo, durante o período clássico, a família começou a perder essa
unidade política, econômica e religiosa. A autoridade do pater familias sofreu
graves atenuações. Cresceu em importância o parentesco natural ou de sangue.
O eixo da economia deixou de ser a família e passou a ser o indivíduo. A religião
doméstica desapareceu absorvida pela religião do Estado. Deixou assim a família
romana de constituir uma comunidade que coexistia paralelamente ao Estado.
58
2.1.2 O casamento no direito romano
Segundo Ana Lucia Pedroni, “é em Roma que o casamento começa a
interessar historicamente, uma vez que se encontrava organizado em torno do
patriarca. uma estreita relação entre a organização do casamento e a forma
de família reinante na época”. A autora traz a comento conclusão a que chegou
Eduardo de Oliveira Leite: “A noção clara ao patriarcalismo, da certeza genética,
fica assegurada pelo casamento legítimo, pela união da mulher a um homem e
pela sanção a qualquer tentativa de adultério.”
59
O casamento romano criou a família natural. Conforme ensinamentos de
Álvaro Villaça, no direito romano não havia disciplina orgânica acerca do
casamento. Mas o matrimônio romano era a base da sociedade doméstica.
58
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 152.
59
Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial
ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, Florianópolis:
OAB/SC, 2005, p. 21.
21
O matrimônio romano continua Álvaro Villaça, diferentemente do que
entendemos hoje, era uma relação social, assumida e reconhecida pelo direito. O
matrimônio romano era assentado na longa duração do desejo e do propósito de
ser marido e mulher, da consistência e da continuidade da vida em comum.
O Corpus Iuri Civilis traz duas definições de casamento: a primeira,
atribuída a Modestino, se encontra no Digesto XXIII, 2, 1, e reza que “as núpcias
são a união do homem e da mulher, o consórcio de toda a vida, a comunicação
do direito divino e humano”. A outra, encontra-se localizada nas Institutas, I, 9, 1,
é de provável autoria de Ulpiano e diz que “núpcias, ou matrimônio, é a união do
homem e da mulher, a qual encerra comunhão indivisível de vida”.
60
Justas núpcias ou matrimônio, no dizer de Cretella Junior, é o casamento
legítimo, contraído de acordo com o direito civil. Os romanos, que por excelência
praticavam a monogamia, admitiam o instituto da manus, isto é, o poder do
marido sobre a mulher. Com base nessa potestas, conheceram duas espécies de
casamentos: o casamento cum manu e o sine manu. Ambas eram formas
legítimas de casamento entre os romanos.
Casamento cum manu é aquele em que a mulher cai sob o poder do
marido ou do pater familias do marido, caso ele seja alieni juris.
61
Casamento sine manu é aquele em que a mulher não cai sob o poder do
marido, continuando sob a manus do pater da família de que provém. Se a mulher
era sui juris, assim continua sendo, já se era alieni juris, não cai sob a nova
manus.
62
60
Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, São Paulo: José Bushatsky,
1976, p. 18.
61
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 121.
62
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 122.
22
2.1.3 A natureza jurídica do matrimônio romano
Nos dizeres de José Carlos Moreira Alves
63
, havia muita controvérsia
entre os romanistas sobre a natureza jurídica do casamento romano.
A polêmica se iniciou com os glosadores que, se abstendo de definir o
casamento, o caracterizavam, a princípio, como contrato sem fundo patrimonial
(contractus personarum).
os últimos glosadores, sob a influência dos canonistas, passaram a
considerá-lo um actus legitimus (ato jurídico).
Os pós-glosadores retomaram a tese de que o casamento romano era um
contractus personarum.
Posteriormente, os representantes franceses da escola culta o
classificaram como species societatis (espécie de sociedade).
Os jurisconsultos dos séculos XVII e XVIII, em sua quase totalidade,
consideravam o casamento romano um contrato, fixando-se, geralmente, no de
sociedade.
Pietro Bonfante, inspirado por Manenti, elaborou, ainda no final do século
XIX, tese revolucionária sobre a natureza jurídica do casamento romano, que até
os dias atuais é seguida pela maioria dos romanistas.
De acordo com a teoria formulada por Bonfante, trazida por Álvaro
Villaça
64
, o matrimônio romano era uma situação de fato que se iniciava, sem
quaisquer formalidades, com o simples acordo de vontade do homem e da mulher
e que perdurava somente enquanto persistia a intenção dos cônjuges em
permanecerem casados, ocorrendo sua dissolução, imediatamente, no momento
em que um deles, ou ambos, deixasse de tê-la.
63
Ver a respeito: José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 289 e ss.
64
Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 22-23.
23
Nesse mesmo sentido, nos traz Arnoldo Wald
65
a idéia romana de
casamento, que muito difere da dominante em nossos dias. Para os romanos, a
affectio era um elemento necessário para o casamento. A affectio deveria estar
presente não só no momento da celebração do casamento, mas também, e
principalmente, enquanto perdurasse esse casamento.
O consentimento das partes por ocasião da celebração do casamento não
poderia ser apenas inicial, teria sim que ser continuado, pois, para os romanos, a
afeição é que dava sustentação ao casamento. O desaparecimento desse
sentimento que um dia uniu o casal, por si era causa para a dissolução do
casamento.
Tem-se assim que, no direito romano, o matrimônio se iniciava com o
acordo de vontades do homem e da mulher de se casarem, e perdurava apenas
enquanto esse acordo persistisse. Identificam-se assim dois elementos
constitutivos do casamento romano: o elemento subjetivo a affectio maritallis,
que se resumia na intenção contínua dos cônjuges permanecerem casados, e o
elemento objetivo – a convivência e a vida em comum.
2.1.4 A dissolução do matrimônio no direito romano
Nos tempos primitivos, ao que parece, o divórcio foi raro, em virtude da
severidade de costumes. O marido não repudiava a mulher, a não ser nos poucos
casos admitidos pelos costumes. O primeiro divórcio que se tem conhecimento
em Roma teve por fundamento a esterilidade da mulher.
66
Amaral Gurgel conta relato de Valério Máximo: “Desde a fundação da
cidade de Roma até o ano de 520, não se registrara nenhum divórcio. Foi Spurius
Curvilius, o primeiro que repudiou sua mulher, por motivo de esterilidade. O caso
65
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12.
66
Veja-se a respeito: José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 321.
24
escandalizou Roma, cujas famílias respeitavam a conjugal, instituída na cidade
que o piedoso Camillo dizia ser a morada dos deuses.”
67
No mesmo sentido discorre Ebert Chamoun, ao esclarecer que “os
divórcios eram muito pouco freqüentes no direito antigo. O repúdio da mulher pelo
marido era autorizado apenas quando a mulher fosse adúltera, bebesse vinho ou
abortasse”.
Continua ainda Chamoun, informando que o casamento romano se
dissolvia com o desaparecimento da intenção dos cônjuges de serem marido e
mulher. O divórcio, segundo o autor, decorria da natureza consensual do
matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva.
68
Os costumes romanos permitiam o divórcio pelo consentimento mútuo, ou
pela vontade de um (repúdio), sendo ambas as modalidades independentes de
qualquer intervenção da autoridade pública estatal.
69
Álvaro Villaça
70
, reportando-se à teoria de Pietro Bonfante, identifica três
formas distintas de dissolução do matrimônio romano, a saber:
a) pela morte de um dos cônjuges;
b) pela cessação da capacidade;
c) pela cessação da affectio maritalis, sendo que ela poderia ocorrer por
iniciativa de um dos cônjuges, quando ocorreria o repudium, ou, quando
advinha da vontade de ambos, acontecia o divortium.
Divortium significava dissolução do casamento provocada pela vontade
de um dos cônjuges ou de ambos; repudium significava manifestação unilateral
da vontade de dissolver o matrimônio.
71
67
J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, São Paulo: Acadêmica, 1936, p. 5.
68
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.
69
Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial
ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25.
70
Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 25.
71
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.
25
2.1.5 A desagregação da família romana
Ana Lucia Pedroni, com supedâneo em José Eduardo de Oliveira Leite
72
,
esclarece que, até o século III, poucos foram os casos de divórcio na sociedade
romana, contudo, a partir desse período, o divórcio pelo consentimento dos dois
cônjuges ou pela vontade de um só tornou-se moeda corrente das relações
familiares. Assistia-se a partir de então a uma epidemia de separações conjugais.
Em fins da República e início do Alto Império, por volta do ano 27 a.C., o
divórcio passou a preocupar o governo, pela freqüência demasiada com que se
observava, a ponto de correr na boca romana a frase: há mulheres que contam as
datas, não pelos nomes dos cônsules, mas pelos dos maridos. A crise de
natalidade atingiu o máximo no Império; os costumes relaxaram-se, a família
desagregou-se.
73
Augusto, procurando reprimir o mal, promulgou leis com o intuito de
moralizar os costumes, não para reprimir o adultério, como para pôr um freio à
grande liberdade dos divórcios. Surgiu assim a Lex Iulia Adulteris, que ordenou,
por volta de 18 ou 16 a.C., que o repúdio se fizesse por um libelo, na presença de
sete cidadãos romanos púberes, e a Lex Iulia de Maritandis Ordinibus de 18 a.C.,
proibiu a liberta divorciar-se do patrono contra a vontade dele.
74
Esclarece Cretella Junior que sem qualquer limitação legal ao divórcio,
em fins da República e início do Império, ameaçava Roma uma série crise de
natalidade. Contudo, durante o direito clássico, não se chegou a estabelecer um
elenco de causas autorizadoras e punitivas do divórcio.
A primeira intervenção direta do Estado na dissolução do casamento foi
feita por Dioclesiano, por volta de 285 d.C., através de uma constituição imperial
72
Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial
ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25.
73
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 132.
74
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.
26
(código 5.44), que preceituava: “No caso de indignidade de um dos cônjuges,
decidirá o magistrado a quem caberá a guarda dos filhos.”
75
Contudo, o combate ao divórcio só teve início no Império cristão.
No ano de 331, durante o governo de Constantino, a mulher podia se
divorciar se o marido fosse homicida, envenenador ou violador de sepulcros.
Contudo, se o repudiasse sem causa, devia restituir-lhe o dote e todos os
presentes e ser deportada. o marido podia repudiar a mulher que fosse
adúltera, envenenadora e alcoviteira. E se repudiasse sem motivo, devia restituir-
lhe o dote e não contrair novas núpcias, podendo a mulher, nesse caso, invadir a
casa dele e apoderar-se do dote da outra mulher.
76
Em 439, Teodosio II aboliu essa legislação, limitando-se a cominar
sanções contra o cônjuge culpado do divórcio, mas, dez anos mais tarde, voltou a
proibir o divórcio “sem justa causa”, apresentando uma longa lista de causas
justas; as sanções aos divórcios injustos foram atenuadas.
77
Justiniano reafirmou a necessidade de formalidade no repúdio e
ajuntou novas causas justas de divórcio à lei teodosiana. Em 535, o direito
justinianeu distinguia quatro espécies de divórcio:
78
a) divortium ex iusta causa: era o divórcio realizado por um dos cônjuges,
em virtude de o repudiado ter cometido atos que legitimamente
justificassem o repúdio, como, por exemplo, manter concubina no lar
conjugal, ou de forma ostensiva na mesma cidade onde estivesse
domiciliada sua esposa; quanto à mulher, quando praticasse adultério ou
contrariasse a vontade do cônjuge;
b) divortium bona gratia: decorria da vontade de ambos, ou, era pedido
por apenas um dos cônjuges, quando justificado por causa legítima, como
esterilidade, impotência incurável ou voto de castidade;
75
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 133.
76
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 164.
77
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.
78
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.
27
c) divortium sine iusta causa: era o repúdio de um dos cônjuges pelo
outro, sem qualquer das causas legítimas que o justificasse;
c) divortium communi consensu: era o divórcio realizado de comum
acordo por ambos os cônjuges, sem que ocorresse qualquer das “justas
causas”.
Segundo as novelas CXVII, CXXVII e CXXXIV, quando um dos cônjuges
se divorciava do outro sem justa causa, ou quando dava justa causa para que o
outro o repudiasse, o cônjuge responsável era punido com penas pecuniárias, a
saber: a mulher perdia o dote e o homem perdia as doações nupciais, além de
penas corporais e prisão perpétua em convento, tanto para os homens, como
para as mulheres.
79
Mais tarde, Justiniano diminuiu o número de causas legítimas e agravou
as penas para o marido. Contudo, essa legislação inspirada pelo cristianismo era
sobremaneira inadequada à longa tradição divorcista romana. Quatro anos após
haver proibido, foi o divórcio, por mútuo consentimento, restabelecido por Justino
II, que ratificou as demais disposições justinianéias.
80
O divórcio permaneceu enfrentando a reação do direito da Igreja, que
fizera do matrimônio um sacramento, tornando-o, portanto, indissolúvel, e
formulara a doutrina de separatio a thoro et mensa, do qual proveio o nosso
desquite.
81
Verifica-se assim que foram os imperadores cristãos, sob a influência da
doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento, que começaram a
combater o divórcio, sem, entretanto, chegarem a proibi-lo.
Observa Cretella Junior que a atitude dos imperadores cristãos diante do
divórcio era oscilante, porque, se por um lado, de acordo com as normas do
cristianismo, defendiam a indissolubilidade do vínculo matrimonial, por outro lado,
79
José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.
80
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 165.
81
Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 165.
28
não ousavam oficialmente abolir o instituto, mas apenas restringi-lo, tanto assim
que uma constituição de Alexandre Severo, do ano de 224, decreta a nulidade de
um pacto proibitório referente ao divórcio entre esposos como sendo contrário ao
direito consuetudinário.
82
2.1.6 A culpa no direito romano
Durante o período antigo do direito romano, pode-se identificar ao menos
três causas autorizadoras do repúdio da mulher pelo homem: o adultério, a
esterilidade e o aborto. Uma decorrente do dever de fidelidade, com o objetivo de
garantir a paternidade dos filhos havidos dessa união, e as outras duas
decorrentes do dever de procriação.
Constata-se dessa forma o surgimento de um novo dever o da
procriação que embora tenha chegado até a era moderna, não resistiu às
concepções da atualidade.
Esse dever decorre da função que a mulher passou a exercer no âmbito
doméstico, após a instituição do patriarcalismo. A violação desse dever, que
normalmente independia de qualquer conduta da mulher, autorizava o homem
repudiá-la, de acordo com os costumes da época, que era o único regramento a
que se submetia o casamento.
83
A esterilidade e a incapacidade para ultimar uma gravidez eram
considerados atos ilícitos, entendidos como um fato violador de uma obrigação ou
de um dever preexistente, que autorizava o homem a repudiar sua mulher, por
culpa dela, caso ela incidisse em uma dessas duas situações.
82
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 134
83
Ver a respeito: Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163; Caren Becker de
Sousa. A culpa na separação e no divórcio, Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 54-55; José
Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322; Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação:
inadimplemento, cit., p. 30.
29
Ocorre que, com o passar dos séculos, a sociedade romana passou por
profundas mudanças em decorrência das transformações introduzidas nos
costumes romanos. Durante o período pós-clássico, que vai do século III até a
morte de Justiniano, em 565, a civilização romana viveu o período de decadência,
provocado pela desagregação da família, em decorrência do relaxamento dos
costumes.
84
Lúcia Stella Ramos do Lago relata que “nos primeiros tempos, os severos
costumes e a rígida moral dos romanos foram os freios mais veementes ao
divórcio, sendo certo que este começou a existir com a decadência desse
comportamento”.
85
Deixando de ser observadas as regras morais, a sociedade romana ficou
sem freio, passando a praticar socialmente os mais variados atos de libertinagem
e de promiscuidade, o que acabou por provocar uma grave crise de natalidade.
86
Deixaram de existir limites para o divórcio, fosse ele consensual,
divorcium, fosse unilateral, repudium.
2.2 Direito canônico
O direito canônico surgiu quando a sociedade romana encontrava-se em
franca decadência moral, provocada pela desagregação da família, diante dos
abusos cometidos na utilização do divórcio.
87
84
Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial
ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25-26.
85
Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, São Paulo:
Saraiva, 1989, p. 68.
86
Ver a respeito: Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 11-12; e J. do Amaral Gurgel.
Desquite: theoria e prática, p. 5-6.
87
Ver a respeito: Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da
separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito
brasileiro, cit., p. 26-29; Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12-17; Álvaro Villaça
Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 30 e ss.
30
A Igreja Católica, por vários séculos, instituiu a noção de culpa no
casamento, em razão da prática do pecado original por Adão e Eva, o que
provocou sua expulsão do Paraíso, absorvendo assim a mácula do pecado. Para
a Igreja, o casamento é eterno, sagrado e indissolúvel, não se tolerando, em
consequência, a separação do casal. Pelo direito canônico, o divórcio era
admitido apenas em raríssimos casos identificados com ilícitos penais. Em
decorrência desse direito eclesiástico, surgiu o princípio da culpa, como forma de
manter o casamento, que poderia ser desfeito mediante a comprovação de um
culpado que, em razão disso, deveria ser punido.
88
A reação da Igreja contra a dissolubilidade do vínculo do casamento,
largamente tolerado e consentido nos primeiros séculos do cristianismo, tomou
como ponto de partida a parábola de Cristo “não separe o homem o que Deus
uniu”.
89
2.2.1 O surgimento do direito canônico
Para moralizar e garantir a incolumidade da família cristã, era necessário
remediar os abusos cometidos na utilização do divórcio pelas civilizações
primitivas, vedando-se drasticamente o desfazimento da sociedade conjugal.
Ana Caroline Santos Ceolin traz passagem em que Antunes Varela
ressalta o fim moralizante que teve a indissolubilidade do casamento, e que
permitiu a contenção dos abusos praticados anteriormente através do divórcio:
“Foi deliberadamente com o ânimo de combater os graves abusos
a que o divórcio conduzira, numa sociedade em franca
decadência moral, que o cristianismo reabilitou o casamento,
considerando-o instituição de raiz sobrenatural e conferindo-lhe,
além do atributo da unidade (já reconhecido pelo direito romano,
que condenava a poligamia), a propriedade essencial da
perpetuidade.”
90
88
Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, disponível em:
<www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=1116918532>, acesso em: 25 jun. 2006.
89
Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, cit., p. 31.
90
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 30.
31
Segundo Aramy da Luz:
“Ao tempo em que o cristianismo ganhou forças e se impôs,
quando a logrou iluminar os primeiros imperadores, Roma
afundava na promiscuidade, mergulhada em costumes devassos.
As famílias se dissolviam, o havia estabilidade alguma nos
laços matrimoniais. A sociedade andava em busca do prazer, sem
consciência do caos que a envolvia. A opulência e a luxúria
dizimavam os lares. O divórcio era praticado com excessiva
liberdade, não sendo necessária sequer a intervenção da justiça.
Resolvia-se ao arbítrio de cada um. Os romanos eram juízes de si
próprios, podendo casar-se e divorciar-se quando bem
entendessem, tomando resoluções unilaterais, tanto os maridos
quanto as mulheres.”
91
O enfraquecimento da autoridade moral, política e intelectual da
civilização romana cedeu espaço para o cristianismo que, pretendendo tornar-se
religião universal, se apresentou, num primeiro momento, com princípios morais
próprios, reforçando a idéia de um direito natural divino e, num segundo
momento, constituiu uma possibilidade de justificação do poder e do sistema
jurídico.
92
O cristianismo surgiu durante o Baixo Império, quando os romanos
usavam e abusavam do divórcio, surgindo como meio de conter esses abusos.
Nessa época, o casamento dos cidadãos romanos transformara-se em
libertinagem, pelos divórcios anuais.
93
Esclarece Arnoldo Wald que coube ao direito canônico destacar a
importância das relações sexuais no casamento”
94
. Firmou-se a doutrina da Igreja
no sentido de que o simples consenso atual e presente concretiza o casamento,
mas quando não seguido por relações sexuais entre os nubentes, pode ser
dissolvido em casos excepcionais, previstos pelo direito eclesiástico.
Nos primeiros tempos, informa Lúcia Ramos do Lago, a Igreja tinha
normas próprias sobre o casamento, proibitivas e imperativas, diversas das leis
91
Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de
regulamentação, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 15.
92
Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, cit., p. 2.
93
J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, cit., p. 6.
94
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 14.
32
civis e baseadas em textos evangélicos e nas epístolas de São Paulo, sem que
essa união, por ela realizada, pudesse valer ante o sistema legal do Estado.
Mesmo com a influência exercida sobre os imperadores cristãos, à Igreja
não competia ainda legislar sobre o casamento e sobre as relações dele
decorrentes. Limitava-se a disciplinar a conduta de seus fiéis, procurando impor
aos cristãos suas regras.
95
Em 476, Roma foi conquistada, terminando o Império Romano do
Ocidente. Em 565, desmembrou-se o Império Romano em Ocidente e Oriente
96
, e
com ele desapareceu uma ordem secular estável
97
. Foi a partir desse momento
que começou a crescer o poder da Igreja, com a conversão dos bárbaros ao
cristianismo.
98
Terminadas as guerras, no Império Romano do Ocidente, a única
instituição organizada que sobreviveu foi o papado. A Igreja surgiu como a
detentora do mais poderoso dos monopólios: o conhecimento. Por um lado, os
religiosos cristãos eram os únicos europeus letrados no início da Idade Média; por
outro, o povo estava ávido de um amparo superior que desse significado e
organizasse novamente a sociedade, e a revelação divina surgia como a única
expressão capaz de ditar uma ordem eterna e válida para todos.
99
A introdução do catolicismo aduzido à queda do Império Romano do
Ocidente, segundo César Fiúza, impôs uma nova transformação radical no
paradigma familiar ocidental. As invasões bárbaras provocaram um certo
retrocesso civilizatório, na medida que destruíram o poder político centralizado
então existente, que organizava e civilizava.
95
Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 73.
96
José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 65-66
97
Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, cit., p. 2.
98
Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 74.
99
José Francisco Botelho. Vaticano: uma biografia não autorizada, Super Interessante, São Paulo,
Editora Abril, n. 239, p. 63, maio 2007.
33
A Igreja, através da catequização desses bárbaros que ansiavam por
civilização, e por ser ela própria o único meio para se alcançar essa meta, que
era detentora do saber e das tradições greco-romanas, representava o elo de
comunicação e eventualmente de garantia contra o Império do Oriente.
O catolicismo impregnou a Europa com os costumes, leis e língua dos
romanos, mas não de modo absolutamente puro, que permeado pela rígida
moral judaica.
100
Na monarquia merovíngia e carolíngia, os reis, por seus legisladores,
esclarece Lúcia Ramos do Lago, legislavam sobre casamento, adotando, no mais
das vezes, regras eclesiásticas, conferindo-lhes sanção civil e penal, como,
dentre outras, a proibição de casamento entre parentes, disposições contra o
adultério e o incesto, mas a competência para decretar as penas e nulidades do
casamento continuava com os juízes seculares.
Aos poucos, a Igreja foi conquistando sua jurisdição, tornando-se auxiliar
do poder real, a ponto de existirem duas justiças, uma do Estado e outra da
Igreja, independentes, mas cumulativas.
Esse dualismo, entretanto, desapareceu com o tempo e cedeu lugar à
unidade, a jurisdição sobre o casamento passando a ser exercida pela Igreja, em
desfavor do Estado. Tal fato teria ocorrido, segundo a mesma autora, em meados
do século X. Iniciou-se assim a época clássica do direito canônico, especialmente
em matéria de matrimônio, como verdadeiro sistema jurídico.
Contudo, no século XVI, a Igreja começou a ter enfraquecida essa
posição de supremacia, perdendo seu poder legislativo e seu direito de
jurisdição.
101
100
César Augusto de Castro Fiúza. Mudança de paradigmas: do tradicional ao contemporâneo, in
Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), A família na travessia do milênio: anais do II Congresso
Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB-MG; Del Rey, 2000, p. 33.
101
Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 74.
34
2.2.2 A dissolução da sociedade conjugal no direito canônico
Conta Arnoldo Wald que numa primeira fase, no próprio seio da Igreja, a
indissolubilidade do casamento não foi aceita de modo pacífico. O Evangelho de
São Mateus admite o divórcio no caso de adultério da mulher, enquanto os textos
de São Marcos e São Lucas negam a possibilidade de dissolver o vínculo,
qualquer que seja o motivo alegado.
Diante da divergência dos textos, a doutrina canônica se firmou no
sentido de interpretar o divórcio referido por São Mateus como a separação de
corpos, sem direito a contrair novas núpcias. Após longa hesitação, somente no
século XI é que a indissolubilidade foi acolhida por todos.
Durante a Idade Média, as relações familiares eram regidas
exclusivamente pelo direito canônico, visto que, do século X ao século XV, o
casamento religioso era o único conhecido.
102
Contudo, embora o direito canônico fosse adverso ao rompimento do
vínculo do casamento, pois o considerava indissolúvel e sagrado, que a união
era abençoada por Deus, permitia em algumas hipóteses a dissolução da
sociedade conjugal, de vez que não representavam qualquer ameaça à solidez e
à indissolubilidade atribuídas ao casamento, porquanto não importava na ruptura
do vínculo conjugal.
103
Para que essa doutrina tivesse sustentação, foram difundidos os
conceitos de culpa, céu e inferno, passando os cristãos a se preocuparem em
manter uma vida sem ceder aos “pecados da carne”.
104
102
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12.
103
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 30.
104
Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 57.
35
O direito canônico, esclarece Aramy da Luz, conheceu três formas de
separação dos cônjuges, com ou sem ruptura do vínculo, a declaração de
nulidade, a separação e o divórcio.
105
A declaração de nulidade não afeta o vínculo que não chegou a ser
formado. O não-preenchimento dos requisitos indispensáveis à validade do
casamento não permite que produza efeitos. É nulo o casamento ad initio. A
declaração de nulidade não o desconstitui, apenas a certeza jurídica de que
nunca existiu.
A separação de leito, mesa e habitação (divortium quoad thorum et
habitationem) não abre ao homem nova perspectiva de casamento e é o principal
modo de dissolução da sociedade conjugal proposto pelo direito canônico. Podia
se dar por duas modalidades:
a) separação perpétua: decorrente da prática de adultério por um dos
cônjuges, nos termos do cânone 1.129, parágrafo 1º;
b) separação temporal: que contém numerus clausus autorizadores da
separação temporária, estabelecida no cânone 1.131.
O cânone 1.131 assim dispõe:
“§ 1º - Se um dos cônjuges seu nome a uma seita acatólica; se
educa acatolicamente seus filhos; se leva uma vida de vitupério e
ignomínia; se se constitui em causa de grande perigo para a alma
e para o corpo do outro; se, com suas sevícias, transforma a vida
comum em algo demasiado difícil, estas e outras causas
semelhantes são todas elas causas legítimas para que o outro
cônjuge possa separar-se com autorização do Ordinário local, e
até por autoridade própria, quando julgue estar correndo perigo
com o tardar.
§ - Em todos estes casos, ao cessar o motivo da separação,
deve restaurar-se a comunhão de vida; porém se a separação foi
decretada pelo Ordinário para um tempo determinado ou
indeterminado, o cônjuge inocente não está obrigado a ele, a não
ser que medeie um decreto do Ordinário ou que haja passado o
tempo.”
105
Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de
regulamentação, cit., p. 22.
36
Orlando Gomes ao analisar esse cânone, esposa entendimento diverso,
concluindo não ser taxativa a enumeração, expressando-se nos seguintes termos:
“Pode-se dizer, assim, que não numerus clausus, porquanto se acha incluída
uma causa analógica”
106
, referindo-se à expressão “estas e outras causas
semelhantes” contida na parte final do cânone.
O divórcio vincular (divortium quoad vinculum) é o divórcio pleno,
regulado pelos cânones 1.118 a 1.127, sob a rubrica “da dissolução do
vínculo”.
107
A regra geral no direito canônico é a indissolubilidade do vínculo
estabelecido. Assim, o divórcio vincular é permitido em caráter excepcional. O
vínculo do matrimônio pode ser dissolvido em virtude de profissão religiosa ou por
dispensa concedida pela Apostólica com justa causa, por pedido de ambas as
partes ou de uma delas, ainda que a outra ao pedido se oponha.
Por profissão religiosa, entenda-se a ordenação do devoto à vida
religiosa, mediante formulação de votos públicos de obediência, castidade e
pobreza; por justa causa, de se compreender os motivos mais graves que
tornem a vida em comum extremamente difícil.
Aramy da Luz, para elucidar tal situação, cita exemplo trazido por Alonso
Lobo:
“A dissociação de ânimos entre os cônjuges, sem esperança de
reconciliação, o temor provável de um grande escândalo,
discórdia e altercação dos consangüíneos, a impotência provável
com perigo de incontinência, o divórcio civil obtido pela outra
parte, a prova semiplena de algum impedimento dirimente, uma
enfermidade contagiosa que tenha sobrevindo, o perigo que à
alma pode resultar da coabitação, etc.”
108
106
Orlando Gomes. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 64.
107
Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de
regulamentação, cit., p. 25.
108
Arturo Alonso Lobo, Comentarios al Código de Derecho Canónico, t. II, p. 692, apud Aramy
Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de
regulamentação, cit., p. 26.
37
Tem-se assim que o direito canônico desenvolveu toda uma sistemática
organizacional para a separação daqueles que contraíssem matrimônio sob suas
regras.
Conforme entendimento de Arnoldo Wald
109
, é efeito da separação do
direito canônico a extinção do dever de coabitação, subsistindo, todavia, entre os
separandos, os deveres de fornecer alimentos e de fidelidade recíproca.
2.2.3 A idéia de culpa no direito canônico
Paralelamente à separação de leito, mesa e habitação, adotava o direito
canônico, em situações muito especiais, a possibilidade da separação conjugal
com a dissolução do vínculo do casamento. O rompimento do vínculo poderia ser
reconhecido quando fosse identificado um impedimento que causasse a invalidez
do casamento.
Mas, somente nas situações autorizadoras da separação de leito, mesa e
habitação é que se pode identificar a ocorrência da culpa. Assim, ocorrendo
causas de gravidade que impediam a convivência pacífica dos cônjuges, tornava
possível a separação, que poderia ser voluntária ou por autorização da Igreja,
perpétua ou temporária.
Dessa forma, com o intuito de identificar como a idéia de culpa foi tratada
pelo direito canônico, analisaremos a modalidade de dissolução da sociedade
conjugal pela “separação de leito, mesa e habitação”, pautando-nos para tanto
nos ensinamentos trazidos por Álvaro Villaça.
110
De acordo com o direito canônico a comunhão de vida conjugal poderia
ser dissolvida, mantendo-se o nculo matrimonial, mediante separação entre os
cônjuges, por um período de tempo variável.
109
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 15.
110
Veja-se a respeito: Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 34 ss.
38
Os motivos autorizadores da separação eram variados, o primeiro deles
sendo o adultério, que permitia a separação perpétua (cânone 1.129), desde que:
a) fosse formal e culpável: isto é, quem o praticava devia ter
conhecimento da ilicitude do ato praticado;
b) consumado: deveria ter ocorrido a união carnal, não bastando outros
atos;
c) moralmente certo: as “presunções de ser tais, que produzam
certeza moral, que a prova do adultério raramente pode ser direta. Não
são suficientes as meras suspeitas de adultério. Exige-se certeza moral
do fato qualificado”;
111
d) não pode ter sido motivado pelo cônjuge inocente, isto é, o cônjuge
inocente não podia se negar a cumprir o débito conjugal, ou expulsar o
outro de casa, demonstrando inequivocamente sua recusa em manter a
coabitação, sem que existisse causa para tanto.
A separação temporária tinha suas causas elencadas no cânone 1.153:
Grave perigo para a alma: se dava quando um dos cônjuges incitava ou
influenciava o outro, expressa ou tacitamente, a se desviar das práticas e
obrigações religiosas. Tratava-se do perigo contra a fé e a moral conjugal.
Grave perigo para o corpo: moléstia contagiosa que um dos cônjuges
podia transmitir ao outro durante o matrimônio, como as doenças venéreas,
demência furiosa ou outra enfermidade de alto risco para o outro e que tivesse
sido culposamente provocada.
Intolerância da vida em comum: se dava quando um dos cônjuges tornava
a vida em comum demasiado dura, tornando intolerável a vida conjugal, devido a:
a) sevícias: compreendia todos os tipos de injúrias graves, incluindo o
tratamento duro, cruel e desumano de um dos cônjuges para com o outro.
111
Álvaro de Azevedo Villaça. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 37.
39
As sevícias podiam ser físicas ou morais. Exigia-se culpa ou dolo por
parte do cônjuge infrator;
b) vida criminosa e ignominiosa: requeria que o cônjuge culpado se
conduzisse de modo reprovável. Exigia-se a gravidade (a conduta de vida
devia ser moralmente grave); publicidade (a falta só se caracterizava
quando o delito chega ao conhecimento público); habitualidade (não
bastava um ato isolado, exigia-se uma conduta de vida moralmente
grave);
c) recusa do débito conjugal: segundo o cânone 1.135, os cônjuges têm
os mesmos direitos e deveres no consórcio da vida conjugal, dentre eles,
o débito conjugal.
d) embriaguez;
e) ódio: colocava-se dentre os motivos que tornam intolerável a vida em
comum, por ser o oposto à affetio maritalis, mas devia ser implacável,
sem qualquer esperança de reconciliação.
Dentre os direitos-deveres estabelecidos aos cônjuges pelo direito
canônico, havia, no cânone 1.128, o dever de coabitação. O descumprimento
desse dever podia acarretar a dissolução do vínculo matrimonial ou a separação
de leito, mesa e habitação.
Contudo, mesmo no direito canônico, não se pode generalizar a
incidência da culpa na separação. Fazendo-se um paralelo entre a separação
perpétua e a temporária, verifica-se na modalidade perpétua que só no adultério a
culpa era elemento indispensável ao divórcio. na modalidade temporária, não
se pode dizer o mesmo.
A. Bernardez Canton afirma que: “Como principio general se afirma que
en el ordenamiento canónico el requisito de la culpa es irrelevante para el
establecimiento de la separación entre cónyuges”
112
. que existiam causas
autorizadoras da separação sem a ocorrência por completo de culpa, como nos
112
Alberto Bernardez Canton. Las causas canónicas de separación conyugal, Madrid: Tecnos,
1961, apud Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit.,
p. 100.
40
casos de enfermidade contagiosa, alienação mental e de outras, embora a culpa
as informasse, a separação seria concedida por outro fator.
Conclui Lucia Ramos do Lago que “a finalidade dessa separação
temporal é livrar os esposos do dever de convívio, que se tornou intolerável,
podendo essa mesma intolerância resultar de situações objetivas,
independentemente da idéia de que se tenham ocasionado por culpa de um
cônjuge”.
113
A separação por culpa de um dos cônjuges podia ser identificada quando
o ato praticado pelo cônjuge culpado importasse em desvio moral caracterizador
de pecado, como é o caso da prática de sodomia, que consiste na prática de atos
sexuais contra a natureza, que no casamento de âmbito canônico, era causa de
separação temporal dos cônjuges, pontifica Lucia Ramos do Lago.
Nem mesmo os casos da prática de sevícias, quer físicas, quer morais,
consistindo as primeiras em maus tratos e as segundas em injúrias ou ofensas,
que ferissem a dignidade e os sentimentos do outro cônjuge, dependeriam
necessariamente da comprovação da culpa para que fosse autorizada a
separação do casal.
Na mesma situação se coloca o abandono malicioso, entendido como a
deserção do lar, que traz completo descontrole à célula familial. O acolhimento da
separação por esse motivo não dependia da necessária atribuição de culpa ao
cônjuge que havia descumprido com sua obrigação.
Assim, no direito canônico, a culpa na separação estava intimamente
associada à idéia de pecado, mas não significava que estivesse presente em
todas as hipóteses autorizadoras da separação conjugal, mas apenas naquelas
que importassem em promiscuidade e costumes devassos, e como não poderia
deixar de ser, em caso de adultério, o maior dos pecados contra o casamento.
113
Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 100-
105.
41
Lorenzo Miguélez Domínguez, ao tratar da separação no direito canônico,
conclui que “a separação conjugal não tem caráter de pena, nem se inflige para
castigar o cônjuge culpado, mas sim para evitar o próprio mal daquele que a
pede; por conseguinte, se um perigo que se possa evitar por outro meio, não
se deve pronunciar a separação”.
114
Tem-se assim que a culpa não é um elemento cultural, natural do homem,
mas um elemento repressor, imposto à sociedade de uma determinada época,
tendo por objetivo único a reorganização dessa sociedade moralmente
decadente.
Essa forma de organização familiar esculpida pelo direito canônico
vigorou por toda a Idade Média, do século X ao XV. no século XVI, a Igreja
começou a perder essa posição de supremacia, perdendo seu poder legislativo e
seu direito de jurisdição.
A partir do século XVIII, a sociedade ocidental começou a se transformar,
teve início o renascimento e o poder da Igreja Católica começou a ser
questionado por Lutero, que desencadeou o movimento reformador, fundando a
igreja protestante que, ao questionar a força divina que move a religião católica,
acabou por romper o dogma da sacralidade do casamento.
Registre-se que o direito canônico na atualidade é regido pelo Código
Canônico promulgado pela autoridade do Papa João Paulo II, em Roma, em
25.01.1983
115
, no qual se mantém:
a) A possibilidade de dissolução do vínculo do matrimônio conforme
disposições contidas nos cânones 1.141 a 1.150.
114
Lorenzo Miguélez Domínguez; Sabino Alonso Morán, O. P.; Marcelino Cabreron de Anta,
C.M.F. Código de derecho canónico y legislationes complementarias, p. 437, apud Álvaro Villaça
Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 44.
115
CÓDIGO de Direito Canônico: Codex Iuris Canonici. Promulgado por João Paulo II, Papa;
tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; notas, comentários e índice analítico do
Pe. Jesús Hortal, 12. ed., rev., ampl. com a legislação complementar da CNBB, São Paulo:
Loyola, 2005. (Disponível em: <www.vatican.va/archive/cdc/index_po.htm/>. Acesso em: 06 jan.
2008).
42
O matrimônio contraído e consumado entre católicos não pode ser
dissolvido senão pela morte de um dos cônjuges. (cân. 1.141).
o matrimônio não consumado, firmado entre católicos ou entre pessoa
batizada e outra não batizada, poderá ser dissolvido por justa causa pelo Pontífice
Romano (cân. 1.142).
Pode ainda o matrimônio contraído entre pessoas não batizadas ser
dissolvido pelo privilégio paulino, em favor da fé da parte que recebeu o batismo
(cân. 1.143, § 1).
b) A possibilidade da separação com a manutenção do vínculo, conforme
disposições contidas nos cânones 1.151 a 1.155.
De acordo com o atual direito canônico, o casal pode se separar desde
que haja uma causa legítima (cân. 1.151).
O cânone 1.152, parágrafo reconhece o direito de o cônjuge inocente
romper a convivência conjugal, quando o outro cometer adultério, a menos que
tenha consentido com essa prática, ou tenha dado causa a ela, ou, ainda, tenha
também cometido adultério.
Mantém também no cânone 1.153, parágrafo 1º, a possibilidade de um
dos cônjuges se separar por um motivo legítimo, como no caso do outro colocar
em grave perigo espiritual ou corporal seu cônjuge ou a prole, ou de outro modo
torne demasiado dura a vida em comum.
Verifica-se que o direito canônico atual diminuiu a intensidade da sanção
imposta ao cônjuge que infringe as obrigações decorrentes do matrimônio,
conquanto mantenha a indissolubilidade do vínculo do casamento consumado e
contraído entre católicos.
43
2.3 A secularização do direito de família e o direito moderno
Como visto, o declínio do direito canônico se iniciou no fim da Idade
Média, especialmente após a Reforma. Para os protestantes, a competência em
matéria de direito de família deveria pertencer ao Estado, não se justificando a
atribuição de caráter sagrado ao casamento, que era por eles encarado como um
simples ato da vida civil, um contrato natural, cujo vínculo poderia ser dissolvido
por vontade dos cônjuges.
Os países sob influência da reforma protestante tiveram de elaborar uma
legislação própria para o direito de família e exerceram, grande influência sobre
os países católicos, a ponto das minorias não católicas levarem o Estado a
admitir, ao lado do casamento religioso, o casamento civil, instituído na França,
em 1767.
Gradativamente, o poder civil passou a legislar moderadamente sobre
direito de família, tanto nos países católicos, quanto nos protestantes.
116
A reforma protestante, ao negar o caráter sagrado do casamento, como
defendido pela Igreja Católica, abriu caminho para a discussão sobre a
possibilidade do divórcio romper o vínculo do casamento, ainda que fundado em
violações culposas dos deveres matrimoniais por parte de um dos cônjuges.
117
Com o Renascimento, fortaleceu-se a autoridade do rei, e assim o Estado
passou a reivindicar a competência para julgar as questões que envolvessem o
direito de família.
O Renascimento, movimento de renovação artística, literária e científica
ocorrido nos séculos XV e XVI, permitiu o surgimento de uma nova concepção
epistemológica, que representou a laicização e provocou uma transformação na
mentalidade dominante, alterando de modo definitivo a concepção do direito e do
116
Veja-se a respeito do tema: Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 15-18.
117
Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 58.
44
Estado, da qual decorreram quatro revoluções que, de forma significativa,
influenciaram o direito de família, a saber: a) revolução econômica, por meio do
capitalismo mercantil, do comércio; b) revolução política, representada pelo fim do
Estado teocrático, substituído pelo Estado de Direito; c) revolução do
conhecimento, representada pelo rompimento com o pensamento religioso; d)
revolução cultural, com inclusão da família, do indivíduo e da criança como base
da sociedade.
Com essa nova concepção, o Estado laico não mais deveria intervir na
vida moral dos cidadãos, e nem mesmo promovê-la, mas apenas tutelar a
segurança dos cidadãos, para que os limites da individualidade de cada um
fossem respeitados.
A adoção do princípio da secularização decorrente da separação
definitiva entre o Estado e a Igreja provocou grande mudança na concepção da
moral, que deixou de representar uma norma divina, para transformar-se em
conduta puramente humana.
A liberdade de consciência decorrente dessa secularização abriu a
possibilidade do casamento ser desfeito da mesma forma como fora constituído,
pela livre manifestação da vontade dos cônjuges, sem que esse ato
representasse violação da moral do outro consorte, o que serviria de fundamento
para a culpa.
118
Porém, as possibilidades de separação eram restritas e sempre atreladas
à questão da expiação da culpa, que o culpado deveria arcar com os ônus de
sua atitude condenável, o que decorria da grande influência exercida pela Igreja
sobre o direito matrimonial durante tantos séculos.
119
118
Veja-se a respeito do tema: Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de
família, cit., p. 2.
119
Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 59.
45
Em 1898, o Código Napoleônico, elaborado sob a influência da ideologia
jusnaturalista, constituiu-se num marco histórico quanto aos temas da
responsabilidade civil e da culpa na era moderna, passando a exercer poderosa
influência sobre a legislação das demais nações ocidentais.
O Código de Civil de 1916 é fruto dessa ideologia desenvolvida no século
XIX, que acabou por ser reproduzida em parte no Código Civil de 2002.
CAPÍTULO III
EVOLUÇÃO DA CULPA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
3.1 Influência do direito canônico
Segundo Arnoldo Wald, “na sua técnica, o direito leigo de família
conservou, todavia, os conceitos básicos elaborados pela doutrina canônica, que
ainda hoje encontramos no próprio direito brasileiro”.
120
O direito brasileiro é filho do direito português, portanto a história de sua
evolução está intimamente ligada à história de seu progenitor.
Durante todo o período de colonização, o direito brasileiro se resumia ao
que era ditado pelas Ordenações do Reino de Portugal, o que significa que o
direito aqui vigente era apenas uma extensão dos direitos dos nossos
colonizadores. Essa situação fez com que o direito português exercesse profunda
influência na evolução do nosso o ordenamento jurídico.
121
Portugal, pelo Alvará de 12.09.1564, ordenou fossem observadas as
disposições do Concílio de Trento em todos os domínios da monarquia
portuguesa. Em 1595, foi determinada a compilação das Ordenações Filipinas,
sendo que a Lei de 11.01.1603 mandou fosse tal compilação observada tanto em
Portugal quanto no Brasil, tendo vigorado em nossa pátria por mais de 300 anos,
tempo superior ao de vigência na própria pátria mãe, já que em Portugal as
Ordenações Filipinas foram revogadas em 1867, com a promulgação do Código
Civil português.
A legislação filipina manteve a indissolubilidade do vínculo matrimonial,
fazendo distinção entre o casamento meramente consensual e o consumado, em
120
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 17.
121
Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit. p.
2.
47
que houvera relações sexuais. Quanto ao primeiro, admitia em casos especiais a
sua anulação, desde que não tivesse sido seguido de relações sexuais entre os
nubentes.
3.2 A entrada da culpa no direito civil brasileiro
Entre nós, a Lei de 20.10.1823 manteve em vigor a legislação portuguesa,
consubstanciada nas ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos, resoluções,
enquanto não se organizasse um novo código e não fossem tais disposições
especialmente revogadas ou alteradas.
O Decreto de 03.11.1827 declarou vigorar em todas as dioceses do Brasil
o Concílio de Trento e a Constituição do Arcebispado da Bahia. A Consolidação
das Leis Civis de Teixeira de Freitas se refere ao Concílio de Trento em matéria
matrimonial, deixando claro em seu artigo 158 que as questões de divórcio,
nulidade de casamento e separação continuavam sob a competência exclusiva do
juízo eclesiástico.
Segundo Clovis Bevilaqua:
“Foi esta, por longo tempo, a forma de matrimônio exclusivamente
recebida pelo direito pátrio. Enquanto a quase totalidade dos
brasileiros era católica, ao menos por tradição, nenhum grave
inconveniente havia em mostrar-se o Estado desconhecedor ou
descurado de seus direitos nessa matéria. A imigração, porém, e
o derramamento de novas crenças veio impor a necessidade de
ser decretada uma forma de casamento mais ampla e mais
compatível com os reclamos da civilização.”
122
Foi somente na segunda metade do século XIX que surgiu no Brasil uma
legislação especial referente ao casamento dos acatólicos. A Lei n. 1.144, de
11.09.1861, deu efeitos civis aos casamentos religiosos realizados pelos não
católicos, desde que estivessem devidamente registrados.
122
Clóvis Beviláqua. Direito de família, cit., p. 55.
48
A regulamentação do casamento civil foi um dos frutos das exigências
decorrentes das idéias liberais que reivindicavam a separação do Estado e da
Igreja.
Foi com a proclamação da República que houve a definitiva
desvinculação entre a Igreja e o Estado. na primeira Constituição Republicana,
era reconhecido apenas o casamento civil, cuja celebração era gratuita (art. 72, §
4º).
A regulamentação do casamento civil foi feita pelo Decreto n. 181, de
24.01.1890, que decreto permitia a separação de corpos com justa causa, ou por
mútuo consentimento, e foi o embrião do que hoje se chama separação judicial
123
,
mantendo, contudo, a indissolubilidade do nculo matrimonial, e, no mais,
utilizando a técnica canônica dos impedimentos.
3.2.1 A culpa no Código Civil de 1916
O Código Civil de 1916 demorou quase um século para ser elaborado,
aprovado e promulgado. Nessas condições foi confeccionado em um tempo e
para esse tempo, mas acabou por regulamentar um momento histórico, político,
econômico e social completamente distinto, fundado em princípios quase opostos
aos de sua feitura.
124
Elaborado sob a inspiração do Estado liberal burguês do século XIX, não
correspondia às aspirações do emergente Estado social instalado no Brasil no
início do século XX.
125
123
Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica
constitucional, Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 32.
124
Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit., p.
7.
125
FIÚZA, César Augusto de Castro. Direito civil: curso completo, 10. ed., Belo Horizonte: Del Rey,
2007, p. 30.
49
O Código Civil foi estruturado em um trinômio fundamental que se resume
aos elementos propriedade, autonomia da vontade e família, fazendo
transparecer a ideologia liberal representativa dos interesses da classe burguesa
mercantil.
Mesmo o direito de família, considerado como o mais pessoal dos
direitos, foi marcado pelo predomínio do patrimônio, que se assentava num
arcabouço patriarcalista e hierarquizado.
126
A família conforme a configuração que lhe emprestava o Código Civil
constituía uma comunidade, formada a partir do casamento e unida pelos laços
de sangue. A fórmula adotada, delineada pelo direito canônico, que compreendia
o processo preliminar de habilitação para o casamento, o sistema dos
impedimentos matrimoniais, bem como de nulidades e anulabilidades,
considerando indissolúvel o vínculo matrimonial, atendia perfeitamente ao intento
da classe dominante da época.
Previa o Código Civil algumas causas autorizadoras do pedido de
desquite nome então utilizado para designar a atual separação judicial que
estavam previstas no artigo 317, a saber, o adultério, a tentativa de morte, as
sevícias e injúria grave, o abandono voluntário do domicílio conjugal por mais de
dois anos consecutivos e o mútuo consentimento dos cônjuges que estivessem
casados por mais de dois anos.
Mas a dissolução do casamento era tratada pelo Código Civil como um
fato causador de dano social, uma vez que fundamentava sua ideologia na
mentalidade predominante no século XIX, quando a família era uma instituição
fundada no casamento e a ele diretamente vinculada. O casamento era valorado
como um bem em si mesmo, necessário à consolidação das relações sociais e,
portanto, totalmente desvinculado da realização pessoal de seus membros. O
importante era a preservação da instituição, pouco importando a felicidade e o
bem-estar de seus integrantes.
126
Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit., p.
9.
50
Nessa concepção, a dissolução do casamento, nos dizeres de Gustavo
Tepedino
127
, representava o “esfacelamento da própria família”, e por isso
socialmente reprovado.
Tudo o que viesse a representar uma ameaça ao casamento era
totalmente rechaçado pela lei, sempre objetivando a preservação da unidade
formal do casamento, que fora elevado a um valor superior ao interesse individual
do homem ou da mulher que, por qualquer motivo, pretendessem se separar.
Por essa razão, na fórmula adotada pelo Código Civil de 1916, o vínculo
do casamento era preservado tanto no desquite consensual, quanto no litigioso. A
sociedade conjugal poderia ser desfeita, mas não o casamento.
Para manutenção desse sistema, a mulher, com o matrimônio, perdia não
o seu patrimônio, como também sua capacidade e individualidade, pois se
tornava relativamente capaz e tinha que adotar o nome de família do marido. Não
podia trabalhar, dependendo, para tanto, do consentimento do marido.
128
Numa sociedade cuja estrutura da família girava em torno do homem, que
detinha o pátrio poder, a mulher desquitada, ainda que fosse o cônjuge inocente,
era a parte mais penalizada pela dissolução da sociedade conjugal, sujeita a todo
tipo de reprovação social.
Observa-se que o Código Civil de 1916 não distinguia o responsável pelo
adultério, se o homem ou a mulher, como causa para o desquite, no entanto,
conforme a redação original do Código Civil, os efeitos do reconhecimento da
culpa no desquite litigioso atingiam mais duramente a mulher, tanto social, quanto
juridicamente. Se fosse considerada culpada, ela perderia o nome do marido e o
direito aos alimentos.
127
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 382.
128
Maria Berenice Dias. Era uma vez..., in Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Afeto, ética, família
e o novo Código Civil: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família Belo Horizonte:
IBDFAM; Del Rey, 2004, p. 16.
51
Deve-se lembrar que, sob o sistema do Código Civil de 1916, ao se casar,
a mulher assumia obrigatoriamente os apelidos do marido, nos termos do artigo
240. Quanto aos filhos menores, ficariam eles sob a guarda do cônjuge
considerado inocente, conforme o artigo 326. Entretanto, se ambos fossem
considerados culpados, a mãe teria o direito de conservar em sua companhia as
filhas, enquanto menores, e os filhos até a idade de seis anos, sendo estes
últimos, a partir dessa idade, entregues ao pai.
129
Em relação aos cônjuges, o desquite litigioso produzia como efeitos:
guarda dos filhos menores pelo cônjuge inocente; pagamento de pensão
alimentícia para manutenção dos mesmos, pelo cônjuge que não ficasse com a
guarda; e pagamento de pensão à cônjuge mulher, quando inocente e pobre
130
,
nos termos do artigo 320 do Código Civil de 1916.
Somente a partir de 1930 é que começaram a surgir leis que
asseguravam a proteção da família, sendo de importante realce para o direito de
família a Lei n. 4.121, de 27.08.1962, que emancipava a mulher casada,
reconhecendo-lhe, na família, direitos iguais aos do marido.
A legislação brasileira de então, assim como as da grande maioria dos
países, admitia o desquite consensual e o desquite litigioso, mas este último
por motivos determinados em lei e associados à idéia de culpa.
Os fatos não imputáveis à culpa de um dos cônjuges não podiam nesse
sistema ser invocados como causas de divórcio, ainda que tornassem a vida em
comum difícil.
Contudo, a enumeração trazida pelo artigo 317, considerada taxativa,
desde logo permitiu constatar a impossibilidade de se prever, de forma fechada,
todas as hipóteses que deveriam autorizar a separação conjugal. A forma
129
Adélia Moreira Pessoa. A objetivação da ruptura na separação judicial, Revista Brasileira de
Direito de Família, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, ano 5, n. 22, p. 49, fev./mar. 2004.
130
J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, p. 262.
52
encontrada foi atribuir elasticidade à noção de injúria grave, entendida como
verdadeiro conceito jurídico indeterminado.
131
Comenta Caren Becker que “de qualquer forma, nessa época, a
dissolução da sociedade conjugal apenas era admitida em casos excepcionais,
que o conceito de família estava ligado à idéia de manutenção dos interesses da
instituição, ainda que com sacrifício de um ou de alguns de seus membros”.
132
O casamento, segundo Silvio Rodrigues
133
, sempre foi considerado como
parte central da família, tendo merecido espaço de realce nas Constituições
brasileiras do passado, como por exemplo, na Constituição de 1934 que, no artigo
144, dizia que a família, constituída pelo casamento de nculo indissolúvel,
estava sob a proteção do Estado, norma repetida nas Constituições de 1946,
1967 e 1969.
Em decorrência da moralidade do direito canônico presente na sociedade
brasileira à época, a noção de culpa estava amplamente permeada de
preconceito social.
Sob o regime do Código Civil de 1916, antes da Lei do Divórcio, não
havendo outra forma de desquite unilateral, senão a litigiosa, com a imputação de
culpa ao outro cônjuge, muitas vezes eram forjadas circunstâncias, a fim de se
configurar a hipótese de adultério, o que terminava por gerar enorme
constrangimento aos próprios cônjuges e aos filhos.
A indissolubilidade do casamento impunha àqueles que ousavam se
separar a marca infamante da culpa e, segundo Gustavo Tepedino, “do ponto de
vista cultural, o cônjuge desquitado, sobretudo o cônjuge-mulher, era visto com
forte preconceito, como pessoa posta à margem das relações familiares”.
134
131
Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 61.
132
Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 62.
133
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 10.
134
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 369.
53
3.2.2. A culpa na Lei do Divórcio
A Emenda Constitucional n. 9, de 28.06.1977, dando nova redação ao
parágrafo do artigo 175 da Constituição Federal de 1967, pôs termo à
indissolubilidade do vínculo matrimonial, vindo a alterar profundamente o sistema
estabelecido pelo Código Civil, em matéria de família. Seguiu-se a Lei n. 6.515,
de 26.12.1977, a Lei do Divórcio, que complementando a Emenda Constitucional
n. 9, regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus
efeitos e respectivo processo. Sem dúvida, representou um marco no campo do
direito de família no século XX.
O direito brasileiro acompanhou as tendências legislativas dos demais
países ocidentais, em especial aqueles marcados pelo catolicismo, revogando o
princípio da indissolubilidade do vínculo do casamento, por meio de emenda
constitucional.
135
O legislador brasileiro não se diferenciou muito do percurso histórico
verificado em outros ordenamentos da família romano-germânica, onde se tem
observado a atenuação dos efeitos da culpa na separação conjugal, embora sua
presença seja renitente.
Na França, com a entrada em vigor da Lei n. 75/617, de 11.07.1975 em
01.01.1976, foi introduzida mais uma reforma ao divórcio que, seguindo os
impulsos do movimento legislativo, radicalmente transformou, após 1964, o direito
civil francês da família.
Mesmo antes de 1975, o divórcio existia na França, restabelecido que
fora em 1884 pela Lei Naquet, após ele ter sido abolido em 1816, por ocasião da
Restauração. O velho direito francês não conhecia a separação de corpos, e foi a
Lei revolucionária de 20.09.1792 que o introduziu França, tendo sido ele
posteriormente admitido pelo Código de 1804.
136
135
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 33.
136
Gérard Cornu. Droit civil: la famille, 2. éd., Paris: Montchrestien, 1991, p. 386.
54
Segundo Alain Bénabent
137
, o direito francês, assim renovado na matéria
pela lei de 1975, se harmonizou com a maior parte dos direitos estrangeiros, que
também haviam efetuado tais reformas. O impulso do divórcio é, com efeito, um
fenômeno constantemente observado nas sociedades ocidentais. Somente a
Espanha ignorava, à época o divórcio, e conhecia o regime de separação de
corpos. A Itália admitira o divórcio após um referendo popular, em 1974.
Quanto aos países anglo-saxões, aos países nórdicos e a Alemanha, adiantaram-
se à França na admissão das reformas.
Na experiência italiana, a culpa perdeu terreno com a reforma de 1975
(modificada pela Lei n. 74, de 1987), que introduziu o divórcio.
138
Conforme Luigi Bellantoni e Franco Pontorieri, na nova fórmula, é
facultado aos cônjuges pedir a separação quando verificados fatos tais que
tornem intolerável a convivência ou provoquem grave prejuízo à educação da
prole. Tais fatos, por expressa disposição da lei, podem ser também
independentes da vontade de um dos cônjuges.
139
No Brasil, a despeito do intenso confronto ideológico travado entre
divorcistas e antidivorcistas, a Lei n. 6.515/77, rompendo barreiras impostas pela
noção teleológica do casamento, regulamentou o divórcio, permitindo, além da
ruptura da sociedade, a ruptura do vínculo conjugal. Foram, em conseqüência,
revogados os dispositivos do Código Civil de 1916 referentes à dissolução da
sociedade conjugal. Entretanto, tal regulamentação, no dizer de Gustavo
Tepedino, foi “assaz limitativa do divórcio”.
140
A razão dessa limitação foi a forte presença de resquícios da tradição
católica, que sempre se opôs à dissolução do vínculo do casamento, e se
manifestou na Lei do Divórcio através da inserção em seu texto normativo do
137
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, 3. éd., Paris: Litec, 1988, p. 173.
138
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 380.
139
Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, Napoli: Jovene, 1976, p. 74.
140
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 370.
55
elemento culpa, a ser imputado a um ou a ambos os cônjuges, impregnando-o da
noção de pecado.
141
A Lei n. 6.515/77 veio a permitir o divórcio a vínculo em duas hipóteses,
uma de caráter permanente, e outra transitória, a saber: a) a separação judicial,
desde que observadas as condições legais, poderia ser convertida em divórcio; b)
divórcio direto, obtido após separação de fato por mais de cinco anos, desde que
iniciados antes da data da promulgação da lei, em 28.12.1977.
Manteve assim a lei do divórcio o instituto do desquite, batizando-o como
separação judicial, que passou a coexistir com o divórcio. A manutenção dessas
duas formas de dissolução da sociedade conjugal, uma reversível e temporária, e
outra definitiva, não é criação pátria, pois conheceram essa dupla forma de
extinção da sociedade conjugal Argentina, Alemanha Ocidental, Bélgica, França,
Holanda, Itália, Portugal e Uruguai.
142
Os dois institutos, separação judicial e divórcio, ainda subsistem nos dias
atuais no direito brasileiro, enquanto o primeiro representa mera separação de
corpos e de bens, com a manutenção do vínculo conjugal o que impede um
novo casamento dos separandos e o segundo dissolve o vínculo matrimonial,
permitindo que os divorciados se casem novamente.
143
O artigo da Lei n. 6.515/77 substituiu o artigo 317 e incisos I a IV do
Código Civil de 1916, dispondo que a separação judicial poderia ser pedida por
um dos cônjuges, quando imputasse ao outro conduta desonrosa ou qualquer
ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento e tornasse
insuportável a vida em comum.
141
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 33.
142
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed. rev. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991, v. 1, p. 62.
143
A Proposta de Emenda à Constituição n. 33/2007, apresentada pelo deputado Sérgio Barradas
Carneiro, visa alterar o parágrafo do artigo 226 da Constituição Federal, para supressão do
instituto da separação judicial, eliminando assim essa dualidade de procedimentos para se obter
o rompimento do vínculo do casamento.
56
Yussef Cahali
144
, na oportunidade, destacou as modificações produzidas
pela Lei do Divórcio, a saber: as causas legais de separação deixaram de ser
específicas, uma vez que não fora repetida a enumeração taxativa do revogado
artigo 317 do Código Civil de 1916, tendo a lei dado preferência à indicação da
causa pela sua generalidade, ao dispor em seu texto conduta desonrosa ou
qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento”.
Contudo, esse entendimento não era unânime, uma vez que a
enumeração trazida pelo artigo da Lei do Divórcio era tida por alguns
doutrinadores como taxativa, a exemplo de Washington de Barros, que assim
dispunha: “Tal enumeração é taxativa. Não é possível ampliá-la além das balisas
legais, sob pena de tornar-se ainda mais precária e sem vida a instituição
matrimonial. Fora da previsão legal, por intermédio da separação consensual,
poder-se-á dissolver a sociedade conjugal.”
145
Enquanto no Código Civil de 1916 o desquite unilateral poderia ser
pedido diante da ocorrência de uma de quatro hipóteses adultério, tentativa de
morte, sevícias e injúria grave e o abandono voluntário do domicílio conjugal por
mais de dois anos consecutivos −, pela Lei n. 6.515/77, a separação litigiosa com
fundamento no caput do artigo exigia fosse provada a conduta culposa do
cônjuge requerido, para ao final obter-se, além da dissolução da sociedade
conjugal, a cominação das sanções previstas na Lei ao cônjuge considerado
culpado.
Por outras palavras, para que o cônjuge que promovesse a ação de
separação litigiosa atingisse seu intento, isto é, a dissolução do casamento,
deveria comprovar claramente a conduta desonrosa do cônjuge demandado e
que a conduta fora de magnitude tal que tornara insuportável a continuidade da
convivência conjugal.
144
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, cit., v. 1, p. 65.
145
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, 24. ed., São Paulo:
Saraiva, 1986, v. 2, p. 201.
57
E, o que era pior, caso a prova feita contra o cônjuge demandado não
fosse suficiente a formar o convencimento do juiz, não seria decretada a
separação judicial e, em conseqüência, não seria convertida em divórcio, a menos
que os cônjuges concordassem na conversão da separação judicial litigiosa em
consensual, como demonstram estas decisões:
“SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA Violação dos deveres do
matrimônio ou conduta desonrosa imputado ao cônjuge – Não
comprovação Ausência de provas que dêem suporte fático à
separação culposa Recurso não provido.” (TJSP AC n.
61.972-4/Poá Câm. Dir. Priv. Rel. Leite Cintra j.
26.11.1997 – v.u.).
“SEPARAÇÃO JUDICIAL Culpa. Inicial fundada na alegação de
abandono do lar conjugal pelo varão. Sentença que, embora e
afastando a existência de abandono do lar conjugal, acolhe a
demanda, para decretar a separação fundada em causa diversa
daquela pedida na inicial. Sentença extra petita. Sentença
anulada.” (TJSP AC n. 93.117-4 Câm. Dir. Priv. Rel. Des.
César Lacerda – j. 10.03.1999 − RBDF n. 5, abr./mai./jun. 2000).
“SEPARAÇÃO LITIGIOSA Pedido fundado na alegação de
injúria grave. Fatos constitutivos não provados. Procedência da
ação com base em fracasso do casamento. Inadmissibilidade.
Ofensa aos princípios da legalidade e da adstrição judicial à
pretensão. Ação julgada improcedente. Provimento ao recurso
para esse fim. Não pode o juízo, à míngua de prova da injúria
grave em que se fundou o pedido de separação, decretá-la sem
culpa de nenhum dos cônjuges, com base no suposto fracasso do
casamento.” (TJSP AC n. 134.345-4 Câm. Dir. Priv. Rel.
Des. Cezar Peluso – j. 09.05.2000 − RBDF n. 6, jul./ago./set.
2000).
Verifica-se, de forma cristalina, que a sistemática desenvolvida pela Lei n.
6.515/77 de impor o questionamento da culpa a um dos cônjuges, quando não
houvesse acordo na separação, traduzia o temor do legislador pátrio quanto à
possibilidade do rompimento do vínculo do casamento vir a desencadear uma
avalanche de pedidos de separação, que poderia colocar em risco a instituição
“família”.
A intenção do legislador ao fazer referência à “conduta desonrosa” e à
“violação dos deveres do casamento”, elegendo como pressuposto da separação
litigiosa a existência da culpa, foi, segundo Ana Caroline Santos Ceolin,
58
“reconduzir, ainda que sutilmente, as discussões acerca da dissolução do
matrimônio para o campo da moral e da religião”.
146
A exacerbação da culpa na Lei n. 6.515/77 encontra fundamento no fato
de tal diploma legal ser responsável pela ruptura de uma longa tradição baseada
em valores morais e religiosos fortemente arraigados à cultura brasileira, herdada
de seus colonizadores, como comentado anteriormente (item 3.1 supra).
Extremamente tímidos foram assim os avanços perpetrados, pois pela
redação original da Lei n. 6.515/77, os cônjuges não desfrutavam da liberdade de
opção entre a separação judicial e o divórcio.
A Emenda Constitucional n. 9/77 dispunha:
“§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos
expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por
mais de três anos."
Nessas condições, como regra, o pedido de ruptura do vínculo
matrimonial necessariamente deveria ser precedido da separação judicial,
aduzido ao decurso do tempo, conforme fórmula fixada no artigo 25 da Lei n.
6.515/77:
“Artigo 25 - A conversão em divórcio da separação judicial dos
cônjuges, existente mais de três anos, contada da data da
decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente
(art. ), será decretada por sentença, da qual não constará
referência à causa que a determinou.”
Mesmo a ação direta de divórcio assumiu inicialmente um caráter
excepcional, como se depreende do teor do artigo 2º da Emenda Constitucional n.
9/77:
“Artigo - A separação, de que trata o parágrafo do artigo 175
da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em
Juízo, e pelo prazo de 5 (cinco) anos, se for anterior à data desta
emenda.”
146
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 35.
59
Esse caráter foi reproduzido de modo mais sancionador no artigo 40 da
Lei n. 6.515/77, que além da prova do decurso do tempo, exigia-se a
demonstração da causa da separação de fato:
“Artigo 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28
de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos,
poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar
o decurso do tempo da separação e a sua causa.
§ - O divórcio, com base neste artigo, poderá ser fundado
nas mesmas causas previstas nos artigos e e seus
parágrafos.”
A legislação pátria fundamentou as causas autorizadoras da separação e
do divórcio não consensual em três espécies: sanção, falência e remédio,
inspirada que foi na reforma francesa de 1975, que prevê como causa para o
divórcio o descumprimento dos deveres conjugais, sendo certo que, embora esse
diploma legal tenha atenuado os efeitos da culpa, ela ainda se mostra renitente.
147
Dessa forma, com o advento da Lei n. 6.515/77, houve um avanço, ao
ser, pela primeira vez, admitida a separação sem culpa, fundada em causas que
não a violação do deveres do casamento, além da instituição do divórcio, que
permitia um novo casamento aos divorciados.
Alguns dos radicalismos da Lei n. 6.515/77 foram objeto de alteração
legislativa, como foi o caso da Lei n. 7.841 de 17.10.1989, que alterou o caput do
artigo 40, que passou a ter a seguinte redação:
“Artigo 40 - No caso de separação de fato, e desde que
completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida
ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso do
tempo da separação.”
Deixou assim a ação direta de divórcio de ter um caráter excepcional,
passando a um procedimento comum, passível de ser utilizado por um universo
de pessoas ilimitado.
147
Ver a respeito:Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 376.
CAPÍTULO IV
A CULPA ANTE O PRINCÍPIO DO RESPEITO À DIGNIDADE
HUMANA
4.1 A constitucionalização do direito civil
O século das luzes, no qual predominava o “mundo da segurança”,
fundado na ética da autonomia e na liberdade, foi substituído por um mundo de
inseguranças e incertezas”, fundado na ética da responsabilidade e da
solidariedade, do que resultou a substituição da tutela da liberdade da autonomia
do indivíduo pela noção de proteção à dignidade da pessoa humana. Esse é o
marco definidor da passagem, do direito moderno, para o que vem sendo
chamado de direito pós-moderno.
148
O conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, tal como
concebido na maioria das Constituições do pós-guerra, foi constituído e
consolidado a partir da última metade do século XX.
Seus conteúdos foram construídos e consolidados em reação ao período
caracterizado pela degradação ética e moral do ser humano, em decorrência dos
fatos ocorridos durante as duas guerras mundiais, que demonstraram quão
frágeis eram as instituições, a ponto de terem permitido ocorrências que, segundo
Mário Luiz Delgado, constituíram “verdadeiro retorno à barbárie. Nunca se
cometeram de forma tão fria e sistemática tantas violações aos direitos humanos
como nesse período”.
149
A Constituição brasileira de 1988, assim como a maioria das
Constituições do pós-guerra, colocou a dignidade da pessoa humana como
148
Maria Celina Bondin de Moraes. Constituição e direito civil: tendências, Revista dos Tribunais,
São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 89, v. 779, p. 57, set. 2000.
149
Mário Luiz Delgado. Direitos da personalidade nas relações de família, in Rodrigo da Cunha
Pereira (Coord.), Família e dignidade humana: anais do V Congresso Brasileiro de Direito de
Família, São Paulo: IOB Thompson, 2006, p. 702.
61
fundamento do Estado Democrático de Direito. A pessoa e sua dignidade
passaram a ser consideradas como razão de ser do direito, além de seu
fundamento último.
150
Tal postura adotada pelo constituinte de 1988 mostrou-se inovadora, se
comparada à adotada nas Constituições federais anteriores, que se
caracterizavam principalmente pela importância atribuída ao Estado, relegando a
pessoa humana a um plano secundário. Dessa forma, o ser humano se
apresentava como um instrumento de realização do poder estatal.
151
Cumpre destacar a importância atribuída ao princípio da dignidade da
pessoa humana pelo constituinte de 1988, posto que o inseriu entre os princípios
fundamentais, e não como direito e garantia individual (arts. e 17). Com isso,
deixou claro que “a dignidade é princípio (valor) fundamental da República,
fundante do Estado, servindo como norma a impulsionar e iluminar toda a ordem
constitucional e, por conseqüência, todo o ordenamento jurídico”.
152
O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Leonardo Barreto
Moreira Alves, é um verdadeiro princípio constitucional estruturante
153
, pois “é o
nascedouro, a fonte geradora de todo o sistema jurídico brasileiro. É o princípio
originário de onde os demais princípios e regras promanam”.
154
Continua o autor, afirmando que têm os demais princípios esculpidos na
Carta Magna como objetivo comum a proteção da pessoa humana. Tomando-se
essa noção como básica, entende-se que nenhum instituto jurídico tem um fim em
si mesmo, mas deve servir à satisfação das necessidades do ser humano.
150
Mário Luiz Delgado. Direitos da personalidade nas relações de família, cit., p. 703.
151
Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica
constitucional, cit., p. 92.
152
Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica
constitucional, cit., p. 94.
153
Conforme definição de Leonardo Barreto Moreira Alves: “Princípios estruturantes são aqueles
que demonstram qual o tipo de modelo político foi escolhido pelo Estado.” (O fim da culpa na
separação judicial: uma perspectiva histórico-jurídica, cit., p. 63).
154
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 71.
62
A promoção da dignidade da pessoa humana passou a ser, na atualidade,
um verdadeiro dever social ao qual todos devem, sempre e em qualquer situação,
absoluto respeito.
4.2 Novos rumos do direito de família diante do princípio da
dignidade humana
A dignidade da pessoa humana, elevada à condição de fundamento da
República, tem por objetivo não só assegurar um tratamento humano e não
degradante, e nem tampouco conduzir exclusivamente ao respeito à integridade
física do ser humano, mas visa a garantir o respeito e a proteção da dignidade
humana.
Dado seu caráter normativo, os princípios constitucionais, como o da
dignidade da pessoa humana, contêm valores ético-jurídicos fornecidos pela
democracia, o que provocou completa transformação do direito civil que, por sua
vez, deixou de encontrar fundamento axiológico nos valores individualistas que
permearam o Código Civil de 1916.
155
Como reflexo dessa nova ideologia, a Constituição de 1988 dedicou
especial atenção à família, bastando o exame dos artigos 226 a 230 para se
constatar que o centro de tutela constitucional se deslocou do casamento para as
relações familiares dele decorrentes, deixando para trás a milenar proteção da
família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais,
éticos, religiosos e econômicos. Deu lugar a uma nova tutela, agora
essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, oferecendo
especial atenção ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.
156
Uma vez quebrada a estabilidade do mundo do liberalismo pelos
movimentos sociais, pela crescente industrialização e pelos efeitos do após duas
155
Maria Celina Bondin de Moraes. Constituição e direito civil: tendências, cit., p. 57.
156
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit.,p. 349.
63
grandes guerras, passou a ser inevitável a intervenção estatal na economia e nas
relações privadas, com a chamada socialização do direito civil, que perdeu seu
caráter individualista, passando à proteção do indivíduo integrado na
sociedade.
157
O modelo da família patriarcal concebido pelo Código Civil de 1916, que
demonstrava marcante preocupação com as relações patrimoniais, e tinha como
princípio basilar a autonomia da vontade
158
, entrou em crise, culminando com sua
derrocada no plano jurídico pelos valores introduzidos na Constituição Federal de
1988.
159
A proteção do Estado à família, esculpida no artigo 226, caput, reflete
postulado preconizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU
de 1948, que estabelece: “16.3 - A família é o núcleo natural e fundamental da
sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.”
O direito italiano também assimilou essa nova forma de conceber a
família, como bem se verifica da colocação trazida por Pietro Perlingieri, ao tratar
da função serviente da família, que deve ser realizada de forma aberta e
integrada na sociedade civil, na qual haverá de prevalecer o respeito à igualdade,
dignidade, moral e justiça dos seus membros, inspirado no princípio da
democracia.
160
A partir dessa concepção, a família, esclarece Netto Lôbo, passa a ser
concebida como espaço de realização da dignidade das pessoas humanas. Eis a
nova função da família.
157
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 10.
158
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 10.
159
Veja-se a respeito: Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, Revista
Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, v. 6, n. 24, p.136-156, jun./jul.
2004.
160
Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, Tradução de
Maria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 245.
64
Sempre se atribuiu à família, ao longo da história, funções variadas,
dentre as quais se destacam a religiosa, a política, a econômica e a procracional.
As funções religiosa e política guardam apenas interesse histórico, posto
que não mais existem sequer traços na família da atualidade.
Quanto à função econômica, seu sentido também se perdeu, que não
se identifica mais com uma unidade produtiva, sendo desnecessária uma família
numerosa, com muitos filhos, característica das famílias do início do século XX.
No mesmo sentido seguiu a função procracional, que recebia especial
atenção da tradição religiosa. A procriação deixou de ser essencial para a
constituição de uma família.
A atual função da família está fundada na afetividade e “assim, enquanto
houver affectio haverá família unida por laços de liberdade e responsabilidade e
desde que consolidada na simetria, na colaboração e na comunhão de vida não
hierarquizada”.
161
Como resultado da nova ordem constitucional, identifica-se o fenômeno
jurídico-social denominado por Netto Lobo como repersonalização das relações
de família”, entendido como o processo que avança revalorizando a dignidade
humana e tendo na pessoa o centro de tutela jurídica, antes obscurecida pela
primazia dos interesses patrimoniais que determinou o conteúdo das grandes
codificações do período do individualismo liberal.
162
Essa repersonalização, segundo seu criador, “é a afirmação da finalidade
mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como
pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que se constrói na
solidariedade, com o outro”.
163
161
Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 134.
162
Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 155.
163
Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 156.
65
Diante do regime adotado pela vigente Constituição Federal, para Carlos
Alberto Bittar, “é no seio da família que se amolda a personalidade da pessoa, em
ambiente de moralidade, de respeitabilidade recíproca, de afeição e de
segurança, permitindo a seus integrantes o desenvolvimento normal de suas
potencialidades”.
164
Sob esse aspecto, a família deixa de ter valor intrínseco, enquanto
instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir. Ela passa
a ser valorada de modo instrumental, tutelada na medida que se constitua em
núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de
promoção da dignidade dos seus integrantes.
165
Dessa forma, é no direito de família, em toda a sua extensão, que a tutela
da dignidade da pessoa humana haverá de ser aplicada, seja na fundação e
desenvolvimento das relações familiares, seja na sua dissolução, pois é na família
que se centra a pessoa.
166
4.3 O direito de família na novel codificação civil e a Constituição
Federal de 1988
O novo Código Civil, seguindo os postulados da Constituição de 1988,
deu ênfase a conceitos com os quais o Código Civil de 1916 não havia se
preocupado. Deu primazia aos valores da pessoa humana sobre o normativismo
técnico-jurídico, prestigiando a boa-fé, a equidade, a justa causa e outros critérios
que ampliam a atuação do julgador, permitindo-lhe realizar, no caso concreto, a
solução mais justa e equitativa.
167
164
Carlos Alberto Bittar. Curso de direito civil: contratos em espécie, direitos reais, direito de
família, direito das sucessões, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, v. 2, p. 1.029.
165
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 350.
166
Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana, in
Domingos Franciulli Netto; Gilmar Ferreira Mendes; Ives Gandra da Silva Martins Filho (Coords.),
O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, São Paulo: LTr, 2003,
p. 1.103.
167
Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,
cit., p. 1.107.
66
O legislador de 2002 procurou adequar nosso ordenamento jurídico aos
princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988, inscrevendo, na esteira dos
fundamentos constitucionais, princípios de tutela que haverão de preservar a
dignidade dos membros das sociedades conjugais, bem como coibir a violação de
seus valores.
168
Ao dispor, no artigo 1.511, que “o casamento estabelece comunhão plena
de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, está a
observar o princípio fundamental da igualdade entre os cônjuges como
fundamento inafastável para cumprimento da preservação da dignidade humana.
Esse fundamento ainda pode ser sentido em outros dispositivos inseridos
no livro destinado ao direito de família, como o artigo 1.517, que mantém a
igualdade da idade núbil tanto para o homem como para a mulher; o artigo 1.565,
que estabelece a igualdade nos encargos da família: no parágrafo 1º, a igualdade
na adoção do nome de família do outro cônjuge; no parágrafo 2º, a igualdade na
responsabilidade pelo planejamento familiar; o artigo 1.566, a igualdade nos
deveres entre os cônjuges; o artigo 1.567, a igualdade na direção da sociedade
conjugal; o artigo 1.568, a igualdade no concurso material para a manutenção da
sociedade conjugal; o artigo 1.569, a igualdade na decisão do domicílio do casal;
o artigo 1.583, a igualdade na decisão sobre a guarda dos filhos; o artigo 1.631, a
igualdade no desempenho do poder familiar durante a constância do casamento
ou da união estável.
O princípio da liberdade, inerente à condição humana, protegido pela
Constituição Federal através de cláusula pétrea, também foi observado no Código
de 2002, em especial no direito de família, na medida que preserva no casamento
a livre manifestação da vontade do homem e da mulher para contrair o
matrimônio (art. 1.514), assim como garante a dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal também por mútuo consentimento, nos artigos 1.574 e 1.580,
parágrafo 2º.
169
168
Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,
cit., p. 1.103.
169
Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,
cit., p. 1.109.
67
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana se traduz na
nova formulação do direito de família, ao reconhecer e legitimar a dignidade
natural das pessoas dentro dos distintos núcleos ou entidades familiares. O
princípio da dignidade humana aflora em várias regras sobre a família que
reproduzem os preceitos constitucionais contidos no Capítulo VII da Constituição
Federal, destinado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso (arts. 226 a 230).
Dentro da família, as pessoas são tuteladas pelo direito, pois ela se
constitui num organismo destinado à promoção e à garantia da dignidade e do
pleno desenvolvimento de seus membros. A família merece toda a proteção do
Estado, pois é “lugar de tutela da vida e da pessoa humana”.
170
Quando se fala sobre o princípio da mínima intervenção do Estado em
assuntos de família, está-se tomando por rumo o conteúdo fixado nos parágrafos
e do artigo 226
171
da Constituição Federal, que vêm traduzidos
respectivamente nos artigos 1.565, parágrafo 2º, e 1.513
172
do novo Código Civil.
Contudo, convém delimitar a dimensão dessa intervenção mínima do
Estado. O Estado Democrático Social, instituído pelo constituinte de 1988, prima
pela liberdade individual de seus integrantes, que se estende, conseqüentemente,
à família. O Estado social intervém na família sem retirar seu caráter
essencialmente privado. Desempenha um papel instrumental na busca de garantir
a realização pessoal dos indivíduos, sendo praticamente inexistente seu poder de
interferência no seio da família.
173
170
Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, in Eliana Riberti Nazareth; Maria
Antonieta Pisano Motta (Coords.), Direito de família e ciências humanas, São Paulo: Editora
Jurídica Brasileira, 1998, p. 49, (Cadernos de Estudos n. 2).
171
“Artigo 226 - (...) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § - O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito familiar.”
172
“Artigo 1.565 - (...) § - O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado
qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Artigo 1.513 - É defeso a
qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela
família.”
173
José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 285.
68
Ante o princípio da mínima intervenção estatal, consagrado tanto na
Constituição Federal de 1988, como no novo Código Civil, Leonardo Barreto
considera indevida e descabida a atuação do Estado interventor, na medida que
prejudica a situação pessoal de cada um dos familiares, como é o caso da
identificação do culpado pela separação judicial.
174
Rodrigo da Cunha Pereira esclarece que o Estado abandonou sua figura
de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-
assistencialista, cuja tônica não é uma total ingerência, mas por vezes atua como
substituto na lacuna deixada pela família, como, por exemplo, propiciando
educação e saúde aos filhos.
175
4.4 A perquirição da culpa e o princípio da dignidade humana
Parte dos doutrinadores familiaristas entende que a perquirição da culpa
pelo Poder Judiciário resulta em invasão dos limites indevassáveis da intimidade,
atingindo muitas vezes a dignidade da pessoa, que tem proteção constitucional.
176
Ante a proteção constitucional da intimidade, continua Claudete Canezin,
não se mostra coerente autorizar o Judiciário, com base em norma
infraconstitucional como o Código Civil, a invadir a intimidade do casal para aferir
suas condutas com a finalidade de encontrar um culpado pelo fim do casamento.
Entende que a proteção constitucional à intimidade inibe a busca de um culpado,
autorizando ao Judiciário tão-somente o reconhecimento da separação com
fundamento no desamor. A adoção do respeito à intimidade do casal, por via
reflexa, protege também os filhos desse casal, que normalmente sofrem as
174
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 109.
175
Rodrigo da Cunha Pereira. Princípios fundamentais norteadores do direito de família, Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 157.
176
Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, in Flávio Tartuce; Ricardo Castilho
(Coords.), Direito civil, direito patrimonial e direito existencial: estudos em homenagem à
professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. São Paulo: Método, 2006, p. 744.
69
conseqüências do embate judicial provocado pela busca de um responsável pelo
fim do casamento.
177
A ingerência do Estado na vida dos cônjuges, obrigando-os a revelarem
suas intimidades para que o juiz imponha a pecha de culpado ao réu, diz Maria
Berenice Dias
178
, é de ser qualificada como inconstitucional, por violação do
direito à privacidade e à intimidade, que constitui afronta ao princípio de respeito à
dignidade da pessoa humana, maior cânone das garantias individuais.
A responsabilização de um dos cônjuges servirá apenas para desgastar
ainda mais o relacionamento entre as partes, principalmente quando se sabe que
o que vem aos autos do processo são apenas vestígios de um amor já terminado,
com alegações distorcidas da realidade, que têm como único objetivo atribuir à
conduta do outro a razão do insucesso conjugal.
179
Nesse sentido também se manifesta Mauricio Luis Mizrahi, ao analisar os
efeitos nefastos produzidos no âmbito familiar pela propositura de ações de
separação litigiosas culposas, concluindo que, de um lado, o juízo de reprovação
envenena as relações entre os cônjuges, ao se transformar o processo em um
instrumento para denegrir mutuamente os litigantes, no qual a controvérsia entre
eles é estimulada, instigados que são a uma hostilidade recíproca; na busca da
própria inocência e da culpabilidade do outro, convertem o processo numa
batalha com vieses destrutivos. Por outro lado, essa interação processual nociva
dos esposos envolve os filhos, que ficam seriamente afetados pelo alto nível de
conflito parental e pela divulgação em juízo das causas do divórcio,
generalizando-se os traumas e angústias prolongados, com perdas de auto-
estima e confiança.
180
177
Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 746.
178
Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, in Maria Berenice Dias; Rodrigo da Cunha
Pereira (Coords.), Direito de família e o novo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 72.
179
Francisco Tiago Duarte Stockinger. Família constitucional, separação litigiosa e culpa, in Sérgio
Gilberto Porto; Daniel Ustárroz (Coords.), Tendências constitucionais no direito de família:
estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis, Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003, p. 122.
180
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, Buenos Aires: Astrea, 1998, p. 200.
70
Para Francisco Tiago, é totalmente descabido ao Estado decidir sobre a
conveniência ou inconveniência de um pedido de separação, como se fosse
possível, através do processo, conhecer o íntimo das pessoas para poder
escolher o melhor caminho para o bem do casal, mesmo que seja em sentido
contrário ao interesse de um dos consortes.
181
A Constituição Federal, ao promover a democratização da família e a sua
funcionalização para realização da personalidade de seus integrantes, admitindo
diversas espécies de entidades familiares, rompeu com a lógica suprapessoal da
instituição matrimonial.
182
Nesse sentido, todas as normas que privilegiam a manutenção do vínculo
do casamento em detrimento de seus integrantes perderam sua base de validade.
Tal raciocínio se aplica tanto às normas que dizem respeito à relação matrimonial,
como àquelas relativas à dissolução do casamento, em especial as que autorizam
imposição de sanção em decorrência da ruptura do vínculo matrimonial.
183
Como afirma Christiana Caribé, a separação judicial culposa agride os
princípios da isonomia e da autonomia da vontade, posto que, na maioria dos
casos, pune-se apenas aquele que cometeu a última falta. E nem sempre aquele
considerado culpado foi o maior responsável pelo fracasso do casamento, mas
apenas cometeu o erro final. Nessas condições, a investigação da culpa conjugal,
pontifica a autora, consubstancia-se numa afronta ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana.
184
Como salientado por Mauricio Luis Mizrahi, a inconveniência do regime de
imputação em matéria de divórcio decorre em primeiro lugar do resultado do juízo
181
Francisco Tiago Duarte Stockinger. Família constitucional, separação litigiosa e culpa, cit., p.
123.
182
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 385.
183
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 386.
184
Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:
uma afronta à Constituição?, in Renan Lotufo (Coord.), Direito civil constitucional: caderno 3, São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 279.
71
de reprovação em que se pretende indagar culpas, que poderá afetar um dos
princípios básicos da organização jurídica: da justiça e equidade.
185
Tal razão, explica o autor argentino, se funda no fato de que, durante o
trâmite do processo, é muito improvável a identificação, com um grau de razoável
certeza, do real responsável pelo fracasso conjugal, se é que ele existe,
considerando-se que estarão sendo questionadas condutas e contingências
próprias da intimidade matrimonial, que acontecem no âmbito da união conjugal,
no qual, pela comunhão de vida, se mesclam os comportamentos, cujas
respectivas origens são de difícil identificação.
Diante disso, para se obter uma sentença justa, seria necessária uma
profunda intromissão na vida íntima dos cônjuges, além de que as conclusões do
julgador estariam impregnadas de uma dose de subjetivismo pernicioso, capaz de
provocar uma virtual neutralização dos princípios da isenta crítica judicial.
186
Contudo, entendemos que o questionamento da culpa pelo fim do
casamento, no atual contexto em que o respeito à dignidade da pessoa humana
foi erigido a preceito fundamental, há de passar por um filtro muito potente. Sendo
a culpa questionada e devidamente comprovada, não poderá ser ignorada, pois
ao cônjuge agredido assiste o direito de obter a prestação jurisdicional
correspondente à imposição das sanções previstas para tais casos.
A identificação de conduta de um dos cônjuges que venha a atingir a
personalidade do outro e que justifique a propositura da ação de separação
culposa também de ser abrangida pela garantia e respeito à dignidade da
pessoa humana.
185
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 196.
186
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 196.
72
A nosso sentir, quando pensamos no princípio da dignidade humana face
à culpabilidade na dissolução da sociedade conjugal, estamos a ver dois lados de
uma mesma moeda. Se, por um lado, a perquirição da culpa provoca invasão de
intimidade do casal, eventualmente atingindo a dignidade da pessoa, de outro, ela
é uma forma de garantir ao cônjuge inocente a preservação de sua personalidade
e da sua dignidade como pessoa humana, não sendo assim possível excluir
qualquer um deles, pois integram um só corpo.
CAPITULO V
FORTALECIMENTO DA IDÉIA DE RUPTURA E
ENFRAQUECIMENTO DA IDÉIA DE CULPA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PÁTRIO
Como visto no Capítulo II, a culpa, tal qual a conhecemos hoje, tem sua
origem associada ao princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, enquanto
preceito absoluto, que coincide com o surgimento do cristianismo e das leis
canônicas que romperam com a orientação esposada pelo direito romano, que
adotava o divórcio em decorrência do fim da affectio maritalis.
187
O Brasil, herdeiro das tradições, cultura e legislação de seu colonizador,
reproduziu de forma plena os ditames canônicos referentes à disciplina do
casamento, acolhendo o princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal.
Foi criado assim o princípio da culpa como forma de se manter edificado o
casamento, que seria desfeito com a estigmatização de um culpado e com a
expiação de seus pecados, por meio de uma punição exemplar.
188
À exceção do rompimento consensual do casamento, a culpa surge como
única causa autorizadora da dissolução da sociedade conjugal, que permite que a
separação se efetive, sem contudo interferir no vínculo estabelecido entre os
cônjuges por ocasião do casamento, posto que era considerado sagrado e,
portanto, indissolúvel.
187
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 29.
188
Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 273.
74
5.1 Do desquite litigioso à separação judicial litigiosa com culpa
ou sem culpa
Com o advento do Código Civil de 1916, foram estabelecidas apenas
duas formas de dissolução da sociedade conjugal, o desquite amigável previsto
no artigo 315, III e no artigo 318
189
, e o desquite litigioso previsto no artigo 317
190
,
este fundado em causas culposas expressamente fixadas no texto legal.
No direito anterior, ainda na fase do antigo desquite, conta Cigagna
Junior
191
que o legislador enumerava expressamente as causas para o desquite
litigioso. Para pôr fim à sociedade conjugal, à luz daquele dispositivo legal, dever-
se-ia que provar um daqueles fatos expressamente enumerados na lei. Nenhum
outro.
Estava assim, segundo Cristiano Chaves de Farias
192
, “afirmada a culpa
como elemento propulsor da dissolução do matrimônio”. Erigia o legislador de
então as condutas culposas, como se fosse possível um prontuário de
comportamentos atentatórios da estabilidade matrimonial.
O casamento válido se dissolvia, nos termos do Código Civil original,
pela morte de um dos cônjuges.
193
O formato do casamento indissolúvel se manteve até a promulgação da
Emenda Constitucional n. 9, de 28.07.1977, que introduziu o divórcio a vínculo em
nosso ordenamento pátrio, e que, através da Lei n. 6.515/77, acresceu às já
189
“Artigo 315 - A sociedade conjugal termina: I - Pela morte de um dos cônjuges. II - Pela
nulidade ou anulação do casamento. III - Pelo desquite, amigável ou judicial. Artigo 318 - Dar-se-
á também o desquite por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados por mais de dois
anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado.” (Revogados pela Lei n. 6.515, de
26.12.1977).
190
“Artigo 317 - A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: I -
Adultério. II - Tentativa de morte. III - Sevícia, ou injúria grave. IV - Abandono voluntário do lar
conjugal, por dois anos contínuos.”
191
Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, Revista do Advogado, São Paulo,
Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), v. 29, p. 5, ago. 1989.
192
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto
Alegre: Síntese; IBDFAM, ano 5, n.18, p. 64, jun./jul. 2003.
193
Artigo 315 (revogado pela Lei n. 6515/77).
75
existentes espécies de dissolução da sociedade conjugal desquite amigável e
desquite litigioso –, além da mudança do nome de desquite para separação
judicial
194
, a espécie de separação judicial sem culpa, em decorrência da
prolongada ruptura da vida em comum, além do próprio divórcio.
A Lei n. 6.515/77, seguindo o modelo francês, preferiu estabelecer que:
“Artigo - A separação judicial podeser pedida por um dos
cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer
ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e
torne insuportável a vida em comum”.
Enquanto o texto francês assim dispõe:
Art. 242 - Le divorce peut être demandé par un époux pour des
faits imputables à l’autre lorsque ces faits constituent une violation
grave ou renouvelée des devoirs et obligations du mariage et
rendent intorelérable le maintien de la vie commune.
195
Porém, certo é que a Lei do Divórcio deixou evidenciado que a causa a
ser considerada seria a que tornara insuportável a vida conjugal, apreciando-se
essa insuportabilidade à luz das provas, e até mesmo do imediatismo dela
196
. A
exigência da demonstração da insuportabilidade da vida em comum também está
presente no direito francês, como se depreende da decisão proferida: Mais ils
doivent rechercher s’ils remplissent la doublé condition imposée par l’art. 242
c.civ., qui exige que ces faits constituent une violation grave ou renouvelée des
devoirs et obligations du mariage et rendent intolérable la vie commune. Civ.2e,
20 avr. 1989: Bull. Civ. II, n. 91.”
197
Inovou assim a Lei do Divórcio, se comparada com o sistema tradicional
do revogado artigo 317 do Código de 1916, em matéria de causas que
autorizavam o término da sociedade conjugal, ante a admissão da separação sem
194
Artigo 39 da Lei n. 6.515/77.
195
Artigo 242 - O divórcio pode ser pedido por um dos cônjuges por faltas imputáveis ao outro
porque esses fatos constituem uma violação grave ou renovada dos deveres e obrigações do
casamento e tornaram intolerável a manutenção da vida em comum.” (nossa tradução).
196
Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, cit., p. 6-7.
197
“Mas devem investigar se eles preencheram a dupla condição imposta pelo artigo 242 do
Código Civil, que exige que esses fatos constituam uma grave ou reiterada violação dos deveres
e obrigações do casamento e tornem intolerável a vida em comum.” (Code Civil. Paris: Dalloz,
2002, p. 263). (nossa tradução).
76
culpa, fundada em outras causas, além de reconhecer o direito ao próprio
divórcio. Passou-se assim ao sistema taxativo de causas culposas, com a
admissão da dissolução sem culpa.
198
A reforma trazida pela Emenda Constitucional n. 9/77, regulamentada
pela Lei n. 6.515/77, refletiu o fenômeno da liberalização do divórcio que, segundo
Mauricio Luiz Mizrahi, es una consecuencia directa de la penetración en el seno
de la familia conyugal de los valores de individualismo, y marca el fin de la
sociedad disciplinaria”.
199
Para o autor argentino, essa mutação contemporânea das leis que tratam
do divórcio talvez se explique por dois fenômenos que não têm raízes jurídicas: a
democratização da família nuclear” e “o processo de interpretação de todas as
ciências sociais”. No que tange à democratização da família nuclear, esclarece
que não sobrou espaço para que alguns princípios dogmáticos e estereotipados,
que por décadas foram invocados pela doutrina tradicional, continuassem
operando na família, como as idéias medievais de simbiose de um cônjuge com o
outro, de renúncia à personalidade do consorte, de aquisição, e outros do mesmo
tipo. Hoje, os cônjuges se encontram em posições mais simétricas, com maiores
possibilidades de gratificações recíprocas. A tendência é a interação dos projetos
de vida de cada esposo, juntamente com os decorrentes do casamento.
O matrimônio, continua Mauricio Luis Mizrahi, não deve ser entendido
mais como uma instituição a que necessariamente de se consentir (em
particular, a mulher), como requisito inevitável para a própria subsistência. A pós-
modernidade diluiu os condicionamentos religiosos e os questionamentos
pseudomorais. O vínculo matrimonial é hoje mais uma eleição que uma aceitação
a ordens sociais ou familiares, de modo a não mais representar, na atualidade,
uma escala inevitável na vida do sujeito.
200
198
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 64.
199
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 158.
200
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p.159-160.
77
Quanto ao processo de interpretação de todas as ciências sociais,
esclarece ainda que, na atualidade, se mostra indispensável um “abrir os
horizontes” às demais ciências, pois certamente não existe hoje um objetivo de
extrapolar categorias, mas antes, se trata de utilizar os recursos que os avanços
do pensamento põem à disposição de todas as pessoas, entendendo-se que “a
soberba do saber específico conduz a reduções empobrecedoras”.
201
Também de inspiração francesa, a doutrina nacional organizando as
novas formas de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal trazidas pelo
legislador pátrio de 1977 batizou-as, de acordo com seu caráter, como:
Sanção: a terminação da sociedade conjugal será admitida a pedido
de um dos cônjuges com fundamento na prática pelo outro de infrações graves
aos deveres do casamento. Nesse sentido, tanto a separação quanto o divórcio
constituem uma sanção indireta cominada em razão de um comportamento
conjugal de tal gravidade que acaba por tornar insuportável a vida em comum, É o
que Yussef Cahali chama de “sistema de causas voluntárias ou culposas”.
202
Segundo Mauricio Luis Mizrahi, para que se configure o divórcio-sanção,
é preciso que de um lado um cônjuge impute ao outro a prática de fatos que a lei
enumera no âmbito das condutas objetivas antijurídicas; mas, por outro lado, é
indispensável que intervenha também uma atribuição subjetiva de
responsabilidade, isto é, que tais condutas sejam atribuídas a um dos cônjuges a
título de dolo ou culpa.
203
Tal espécie, de acordo com a Lei n. 6.515/77 em seu texto original, era
aplicada tanto no caso da separação litigiosa prevista no artigo 5º, caput, como no
caso do divórcio excepcional (direto), regulamentado no artigo 40, parágrafo 1º:
“Artigo 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28
de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos,
poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar
o decurso do tempo da separação e a sua causa.
201
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 161.
202
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, cit., v. 1, p. 55.
203
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 193.
78
§ - O divórcio, com base neste artigo, poderá ser fundado
nas mesmas causas previstas nos artigos e e seus
parágrafos.” (grifamos).
Dessa forma, o legislador da lei divorcista foi além do quanto contido na
Emenda Constitucional n. 9/77, que não fazia qualquer referência à necessidade
de se perquirir sobre os motivos que teriam levado o casal a viver separado por
tão longo tempo. Basta, para tanto, conferir o teor da Emenda:
“Artigo - O parágrafo do artigo 175 da Constituição Federal
passa a vigorar com a seguinte redação:
Artigo 175 - (...)
§ - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos
expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por
mais de três anos.
Artigo - A separação, de que trata o parágrafo do artigo 175
da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em
Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta
Emenda.”
Nesse mesmo sentido se posiciona Yussef Cahali, ao comentar que a Lei
n. 6.515/77 inovou na linguagem da Emenda Constitucional n. 9/77, em que esse
tipo de divórcio deveria se enquadrar na categoria divórcio-remédio, na qual não
deveria incidir qualquer indagação da culpa de um dos cônjuges pelo tempo da
separação de fato.
204
Remédio: modalidade que reconhece como causa de separação ou de
divórcio todo fato, objetivamente considerado, ou situação de que resulte a
impossibilidade de manutenção de uma união conjugal, a que Yussef Cahali
chama de “causas involuntárias”, sendo certo que na sua determinação não se
perquire a respeito do elemento culpa de qualquer dos cônjuges.
205
Dessa forma, de um lado, manteve o legislador de 1977 a separação
decretada por culpa como sanção às infrações aos deveres conjugais. Por outro
lado, aumentou as causas de separação, podendo ela ser pedida sem o
pressuposto da culpa, influenciado que foi pelo direito estrangeiro, em especial o
francês, seguido pelo italiano e, de modo mais remoto, o alemão, ampliando
204
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 2, p. 957.
205
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v.,1, p. 55.
79
assim “os casos de dissolução da sociedade conjugal como remédio para certas
situações familiares, sem indagar se houve responsável ou culpado pelas
mesmas”.
206
Nessa medida, iniciou o legislador brasileiro, ainda que timidamente, sua
caminhada no sentido da eliminação da culpa pela dissolução da sociedade
conjugal, inserindo, nos idos de 1977, o princípio da ruptura da vida em comum
como fundamento para a separação, quando, deliberadamente, afastou-se do
esquema da separação exclusivamente fundada na culpa, ou seja, da separação
por fato imputável a um dos cônjuges. Admitia o parágrafo 1º do artigo 5º da Lei n.
6.515/77 a separação judicial baseada numa circunstância puramente objetiva: a
ruptura da vida em comum.
207
O traço verdadeiramente revolucionário da inovação, afirma Antunes
Varela, residiu no fato de a separação poder ser requerida pelo cônjuge culpado
da falência do casamento contra o cônjuge inocente.
Contudo, tal faculdade, a exemplo do direito francês, ainda impunha
sanções ao cônjuge requerente: se mulher, voltaria a usar o nome de solteira (art.
17, §
208
); caso a separação requerida sob esse fundamento fosse convertida
em divórcio, o cônjuge que teve a iniciativa do pedido continuaria obrigado a
prestar assistência ao outro (art. 26
209
).
Quanto ao nome da mulher, a regulamentação nacional pouco divergiu da
francesa, que dispõe:
“Art. 264 - A la suite du divorce, chacun des époux reprend l’usage
de son nom. Toutefois, dans les cas prévus aux articles 237 et
238, la femme a le droit de conserver l’usage du nom du mari
lorsque le divorce a été demandé par celui-ci.
206
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 1, p. 349.
207
João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, Rio de Janeiro: Forense,
1980. p. 82.
208
Artigo 17 - Vencida na ação de separação judicial (art. 5º, caput), voltará a mulher a usar o
nome de solteira. § - Aplica-se, ainda, o disposto neste artigo, quando é da mulher a iniciativa
da separação judicial com fundamento nos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º.”
209
“Artigo 26 - No caso de divórcio resultante da separação prevista nos parágrafos e do
artigo 5º, o cônjuge que teve a iniciativa da separação continuará com o dever de assistência ao
outro.” (art. 231, III do CC).
80
Dans les autres cas, la femme pourra conserver l’usage du nom
du mari soit avec l’accord de celui-ci, soit avec l’autorisation du
juge, si elle justifie qu’un intérêt particulier s’y attaché pour elle-
même ou pour les enfants.”
210
Quanto ao dever se assistência, estabelece a lei francesa:
“Art. 281 - Quand le divorce est pronouncé pour rupture de la vie
commune, l’époux qui a pris l’initiative du divorce reste
entièrement tenu au devoir de secours.
Dans le cas de l’article 238, le devoir de secours couvre tout ce qui
est nécessaire au traitement medical du conjoint malade.
211
Nesse contexto, o cônjuge que requeria a separação invocando a ruptura
da vida em comum, praticamente reconhecia tácita ou implicitamente a sua culpa
na dissolução do casamento, como decorre da letra da lei, nos termos do artigo
19: “O cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela
necessitar, a pensão que o juiz fixar.”
É como se a invocação da ruptura da vida em comum, para obter a
separação, envolvesse uma espécie de responsabilidade objetiva do
requerente.
212
Na situação do artigo 5º, parágrafo 2º, quando o cônjuge requerente
fundamentava seu pedido em doença mental grave, o parágrafo do mesmo
artigo mandava reverter a favor do cônjuge que não tivesse requerido a
separação, além do remanescente dos bens que tivesse levado para o
casamento, a meação dos adquiridos na vigência da sociedade conjugal, com
210
“Artigo 264 - Em conseqüência do divórcio, cada um dos cônjuges retomarão o uso de seus
nomes. Entretanto, nos casos previstos nos artigos 237 e 238, a mulher tem o direito de
conservar o nome do marido, pois o divórcio foi proposto por aquele. Nos outros casos, a mulher
poderá conservar o nome do marido seja por acordo entre eles, seja por autorização judicial, se
justificar que um interesse particular se agregou a ela ou aos filhos.” (nossa tradução).
211
“Artigo 281 - Quando o divórcio é decretado por ruptura da vida em comum, o esposo que
tomou a iniciativa do divórcio fica totalmente vinculado ao dever de assistência. No caso do
artigo 238, o dever de assistência cobre tudo aquilo que é necessário ao tratamento médico do
cônjuge doente.” (nossa tradução).
212
João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 84.
81
todo o aspecto de uma sanção de caráter patrimonial contra o requerente da
separação.
213
De igual modo dispõe o artigo 239 do Código Civil francês:
“Art. 239 - L’époux qui demande le divorce pour rupture de la vie
commune en supporte toutes les charges. Dans sa demande il doit
préciser les moyens par les-quels il exécutera ses obligations à
l’égard de son conjoint et des enfants.”
214
5.2 Divórcio direto e por conversão
Segundo Yussef Cahali
215
, a introdução do divórcio em nosso país, diante
das dificuldades enfrentadas, resultou de uma “solução de compromisso”, sob o
aspecto político-legislativo: a resistência dos antidivorcistas só foi superada ante a
autorização do divórcio em situações bem restritas.
Se por um lado teve o mérito de romper a tradição secular do direito
canônico de modo menos doloroso, por outro, a reforma, da maneira como foi
concretizada, mostrou-se claudicante sob o ponto de vista técnico, gerando
situações marcadas pela ambigüidade, que exigiram reparações futuras.
Previu assim o artigo 25 da Lei n. 6.515/77 o divórcio-conversão, pelo
qual os cônjuges separados judicialmente por mais de três anos poderiam
requerer a conversão da separação em divórcio.
O lapso de três anos inicialmente exigido destinava-se a conceder um
prazo para que os separandos se certificassem de que de fato não queriam se
reconciliar na forma estabelecida pelo artigo 46.
213
Observe-se que tal dispositivo e conseqüente sanção foram mantidos no artigo 1.572,
parágrafos e 3º, do Código Civil de 2002, tendo apenas sido reduzido o prazo, de cinco para
dois anos.
214
“Artigo 239 - O cônjuge que pede o divórcio por ruptura da vida em comum suportará todas as
despesas. Em seu pedido, ele deve precisar os meios pelos quais executará as obrigações em
relação a seu cônjuge e as crianças.” (nossa tradução).
215
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 2, p. 1.036.
82
O divórcio por conversão também teve por inspiração o direito francês,
mas a estrutura adotada, desde a implantação desse divórcio entre nós, é de
cunho objetivo, pela qual, uma vez preenchido o requisito “tempo”, será a
separação convertida em divórcio.
Era o que se depreendia do texto original do artigo 25 da Lei n. 6.515/77:
“Artigo 25 - A conversão em divórcio da separação judicial,
existente mais de três anos, contada da data da decisão ou da
que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será
decretada por sentença, da qual não constará referência à causa
que a determinou.”
Entretanto, o direito francês ainda não adota esta solução, o que pode
conduzir a situações indesejáveis, como será demonstrado mais adiante.
A separação de corpos do direito francês se aproxima da nossa
separação judicial, conforme definição trazida por Georges Ripert e Jean
Boulanger: A separação de corpos é o estado de dois esposos que ficaram
dispensados pela justiça da obrigação de viverem juntos. Ela difere do divórcio,
pois não rompe o casamento, apenas relaxa os liames. Os dois esposos
permanecem casados, mas vivem separados. Todas as obrigações nascidas do
matrimônio subsistem, exceto as que dizem respeito à vida em comum.
216
A separação de corpos, que pode ou não anteceder o divórcio, é
regulamentada no direito francês entre os artigos 296 e 309, produzindo reflexos
na conversão ao divórcio distintos dos estabelecidos em nosso ordenamento para
a separação judicial, seja ela litigiosa ou consensual.
Segundo esclarece Alain Bénabent, o direito francês criou uma armadilha,
na qual, eventualmente, a separação de corpos não poderá ser convertida em
divórcio, se pedido por apenas um dos cônjuges.
217
216
Georges Ripert; Jean Boulanger. Traité de droit civil d’après de traité de Planiol: introduction
generale, les personnes, Paris: Librairie Gnérale de Droit e de Jurisprudence, 1956, v. 1, p. 602.
217
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 297.
83
Dispõe o artigo 307 que:
“Art. 307 - Dans tous les cas de separation de corps, peut être
convertie en divorce par demande conjointe.
Quand la separation de corps a été prononcée sur demande
conjointe, elle ne peut être convertie en divorce que par une
nouvelle demande conjointe.”
218
Dessa forma, na hipótese da separação de corpos ter sido pedida por
demanda conjunta, o legislador previu que a conversão poderá ser pedida da
mesma forma, isto é, por demanda conjunta. Disso resulta tornar-se esse tipo de
separação de corpos uma situação extremamente perigosa, pois permite a um
dos cônjuges manter o outro no estado de celibato forçado, caso não concorde
com a conversão pretendida. Não resta ao outro cônjuge outra alternativa, a não
ser esperar por seis anos, e se socorrer do divórcio por ruptura da vida em
comum, do qual se conhecem as desvantagens para o cônjuge demandante.
219
O divórcio-remédio (ou falência), de caráter excepcional, já que aplicável
apenas a situações preexistentes à promulgação da Emenda Constitucional n.
9/77, conforme dispunha originalmente o artigo 40, também misturava divórcio-
remédio com divórcio-sanção.
Estabelecia ainda a Lei n. 6.515/77 originalmente que o divórcio somente
poderia ser formulado uma única vez, o que gerou grande celeuma, pois a pessoa
solteira que viesse a se casar com outra divorciada estaria impedida de requerer
o divórcio, já que para seu cônjuge, um segundo pedido estaria vedado, por força
do disposto no artigo 38.
218
“Artigo 307 - Todos os casos de separação de corpos podem ser convertidos em divórcio por
demanda conjunta. Quando a separação de corpos foi decretada por demanda conjunta,
poderá ser convertida em divórcio por meio de uma nova demanda conjunta.” (nossa tradução).
219
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 298.
84
5.3 Crescimento do fundamento da falência em detrimento da
culpa
O passo seguinte rumo ao fortalecimento do princípio da ruptura foi dado
após o decurso de mais de dez anos, quando a Constituição Federal de 1988,
imbuída de novos princípios fundamentais, que mudaram a concepção de todo o
direito de família, ampliou os limites de admissibilidade do divórcio, estabelecendo
no parágrafo do artigo 226 que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo
divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos
em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.
A fim de adequar a legislação divorcista ao disposto na norma
constitucional, foi promulgada, em 18.10.1989, a Lei n. 7.841, que revogou o
artigo 38 e o parágrafo do artigo 40, além de alterar a redação do inciso I do
parágrafo único do artigo 36, reduzindo o prazo para conversão da separação em
divórcio de três para um ano, e o artigo 40 que, além de ter o prazo reduzido de
cinco para dois anos, eliminou a exigência de início da separação de fato com
data anterior à promulgação da emenda divorcista, tirando seu caráter de
excepcionalidade, criando efetivamente o divórcio direto e, sobretudo, eliminando
a exigência da motivação. O divórcio passou assim a ter como único fundamento
a ruptura da vida em comum.
Mais um passo foi dado com a Lei n. 8.408, de 13.02.1992, que
primeiramente corrigiu omissão da Lei n. 7.841/89, que deixara de atender ao
disposto na Carta Magna, concernente ao prazo exigido entre a separação judicial
e a conversão em divórcio, reduzindo-o de três para um ano.
Dessa forma, a redação do artigo 25 foi alterada por força da Lei n.
8.408/92 que, além de reduzir o prazo entre a separação judicial e a conversão
em divórcio, proibiu que houvesse, na sentença que decretasse a conversão,
qualquer referência à causa que motivara o pedido de separação.
85
A Lei de 1992 reduziu ainda o prazo para o pedido da separação-falência,
previsto no artigo 5º, parágrafo da Lei n. 6.515/77, de cinco para um ano, bem
como diminuiu a intensidade do sancionamento imposto ao cônjuge-mulher, no
que tange ao uso do nome de casada, por ocasião do divórcio, acrescentando
parágrafo único ao artigo 25:
“Artigo 25 - (...)
Parágrafo único - A sentença de conversão determinará que a
mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair
matrimônio, conservando o nome de família do ex-marido se a
alteração prevista neste artigo acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos
havidos na união dissolvida;
III - dano grave reconhecido em decisão judicial.”
Foram esses reflexos da releitura do direito de família, sob a luz da
Constituição Federal de 1988.
O passo seguinte foi dado com a promulgação da Lei n. 10.406, de
10.01.2002, o novo Código Civil que, a despeito das críticas recebidas por ter
mantido a separação sanção (culposa), bem como o sistema duplo para a ruptura
do vínculo matrimonial, de se reconhecer que empreendeu novo avanço, no
sentido de ampliar e facilitar a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal em
decorrência da ruptura da vida em comum, a separação-falência.
5.4 Fontes alienígenas da inovação legislativa
A introdução da ruptura da vida em comum como causa autônoma da
separação, sem necessidade de perquirição da culpa de qualquer dos cônjuges,
teve sua fonte nas reformas das leis francesa, alemã e italiana.
A Lei francesa de 11.07.1975 criou um sistema pluralista, com quatro
tipos de situações capazes de conduzir à extinção do vínculo matrimonial: o
86
divórcio pode ser decretado por culpa, ruptura da vida em comum, consentimento
mútuo ou confissão individual. O sistema se funda na distinção dos quatro
casos:
220
“Art. 229 - Le divorce peut être prononcé en cas:
- soit de consentement mutuel;
- soit de rupture de la vie commune;
- soit de faute.
221
O modelo mais antigo repousa sobre a prova de uma falta conjugal, que
perpetua na legislação francesa a concepção do divórcio-sanção:
222
“Art. 242 - Le divorce peut être demandé par un époux pour des
faits imputables à l’autre lorsque ces faits constituent une violation
grave ou renouvelée des devoirs et obligations du mariage et
rendent intolérable le maintein de la vie commune.
223
Outra modalidade de divórcio repousa sobre o consentimento mútuo dos
cônjuges. É o que a lei chama de demanda conjunta dos cônjuges, como uma
espécie de divórcio por mútuo consentimento, mas que, em realidade, não
constitui a única aplicação: A vontade dos esposos aí é a causa geratriz suficiente
ao divórcio. Um outro tipo de divórcio que a lei apresenta como a segunda
espécie de divórcio por consentimento mútuo é de outra natureza, é o divórcio por
dupla confissão ou por confissão individual, que é o divórcio pedido por um dos
cônjuges e aceito pelo outro.
224
Engloba assim a alínea 1 do artigo 292 duas espécies distintas de
divórcio, a por mútuo consentimento propriamente dita, prevista no artigo 230, e o
divórcio pedido por um dos cônjuges e aceito pelo outro, previsto nos artigos 233
e 234:
220
Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 386.
221
“Artigo 229 - O divórcio pode ser decretado em caso: - seja por consentimento mútuo; - seja por
ruptura da vida em comum; - seja por culpa.” (nossa tradução).
222
Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 387.
223
“Artigo 242 - O divórcio pode ser pedido por um dos esposos por fatos imputáveis ao outro
desde que esses fatos constituam uma violação grave ou renovada dos deveres e obrigações do
casamento e tornem intolerável a manutenção da vida em comum.” (nossa tradução).
224
Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 387.
87
“Art. 230 - Lorsque les époux demandent ensemble le divorce, ils
n’ont pas à en faire connaître la cause; ils doivent seulement
soumettre à l’approbation du juge un projet de convention qui en
règle les consequences.
La demande peut être présentée, soit par les avocats respectifs
des parties, soit par un avocet choisi d’un commun accord.
Le divorce par consentemment mutuel ne peut être demandé au
cours des six premiers mois de mariage.
225
(...)
Art. 233 - L’un des époux peut demander le divorce en faisant état
d’un ensemble de faits, procédant de l’un et de l’autre, qui rendent
intolerable le maintien de la vie commune.
226
Art. 234 - Si l’autre époux reconnaît les faits devant le juge, celui-ci
pronounce le divorce sans avoir à statuer sur la répartition de torts.
Le divorce ainsi prononcé produit les effets d’un divorce aux torts
partagés.
227
O divórcio por ruptura da vida em comum repousa num caso objetivo.
Contudo, esse quarto caso contém dois tipos, pois a ruptura da vida em comum
pode ser uma separação de fato prolongada (art. 237) ou uma separação em
decorrência de doença das faculdades mentais de um dos cônjuges (art. 238,
parte). Cada espécie constitui isoladamente uma causa distinta e suficiente de
divórcio. Mas a causa geradora (genérica) é, nos dois subcasos, objetiva: o
fracasso do casamento. Esse divórcio aparece assim como uma consagração da
concepção do divórcio-falência ou do divórcio-remédio, causa de divórcio que não
recepciona nenhum elemento de culpabilidade.
228
“Art. 237 - Un époux peut demander le divorce, en raison d’une
rupture prolongée de la vie commune, lorsque les époux vivent
séparés de faits depuis six ans.
229
Art. 238 - Il en est de même lorsque les facultés mentales du
conjoint se trouvent, depuis six ans, si gravement altérées
225
“Artigo 230 - Desde que os cônjuges demandem em conjunto o divórcio, eles não precisam
fazer conhecida a causa; eles devem somente submeter à aprovação do juiz um projeto de
convenção que regulamente as conseqüências. A demanda pode ser apresentada, seja por
advogados das respectivas partes, seja por um advogado escolhido de comum acordo. O
divórcio por consentimento mútuo não pode ser demandado no curso dos seis primeiros meses
de casamento.” (nossa tradução).
226
“Artigo 233 - Um dos cônjuges pode demandar o divórcio apresentando um conjunto de fatos,
procedentes de um e de outro, que tornam intolerável a manutenção da vida comum”. Como se
verá adiante, essa disposição pode ter servido de inspiração ao legislador, ao introduzir a nova
forma de separação sem culpa, prevista no parágrafo único do artigo 1.573 do Código Civil de
2002. (nossa tradução).
227
“Artigo 234 - Se o outro cônjuge reconhecer os fatos diante do juiz, este decretará o divórcio
sem estabelecer sobre a repartição de culpas. O divórcio assim decretado produz os efeitos de
um divórcio por culpas repartidas.” (nossa tradução).
228
Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 388.
229
“Artigo 237 - Um cônjuge pode pedir o divórcio, em razão de uma ruptura prolongada da vida
em comum, desde que vivam separados de fato há seis anos.” (nossa tradução).
88
qu’aucune communauté de vie ne subsiste plus entre les époux et
ne pourra, selon les prévisions les plus raisonnables, se
reconstituer dans l’avenir.”
230
É nítida a influência exercida pela reforma do direito francês sobre a
legislação pátria. Tendo o legislador nacional adotado a dupla forma de
dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, consubstanciada na modalidade
culposa e na falência, espelhou-se no modelo francês para regulamentar tanto as
várias situações autorizadoras da separação culposa, quanto as previstas para as
situações em que o casamento estava terminado pela falência do
relacionamento, situação essa aquilatada pelo critério objetivo do decurso do
tempo.
o antigo direito alemão, assim como o direito romano, conheceu o
divórcio por contrato ou declaração unilateral, sem qualquer intervenção judicial
ou sacerdotal.
231
Desde o século X, a Igreja obteve jurisdição em matéria de divórcio, e
com isso impôs o princípio da indissolubilidade do matrimônio.
A primeira brecha contra a indissolubilidade do matrimônio foi aberta pela
reforma, que negava a natureza sacramental do casamento, admitindo a
dissolução do vínculo em caso de adultério.
Contudo, somente pela lei civil de 06.02.1875 foi suprimida a jurisdição da
Igreja nas questões matrimoniais.
O BGB (Burgerliches Gesetzbuch Código Civil), promulgado em
18.08.1896, ordenou de maneira uniforme o direito material de divórcio.
Reconheceu como motivo de divórcio quatro causas de violação culpável das
230
“Artigo 238 - O mesmo ocorre se um dos cônjuges sofrer das faculdades mentais mais de
seis anos, de forma tão grave que empeça a continuidade da vida em comum, e que de acordo
com previsões razoáveis, não terá cura no futuro.” (nossa tradução).
231
Ver a respeito: Heinrich Lehmann. Derecho de familia, traducción de la 2. ed. alemana, com
orientaciones sobre la legislación española por Jose Maria Navas, Madrid: Revista de Derecho
Privado, 1953, v. 4, p. 234 e ss.
89
obrigações conjugais: adultério, atentado contra a vida, abandono malicioso e
perturbação culposa do matrimônio, em conseqüência de grave infração dos
deveres matrimoniais ou em virtude de conduta desonrosa e imoral.
Nota-se que, na origem, todos os países europeus passaram pela mesma
evolução no que tange às relações matrimoniais, partindo de um ponto comum,
qual seja, a influência do direito canônico, que impôs o princípio da sacralidade do
casamento, o que o tornava indissolúvel, dogma quebrado pela reforma
protestante, que passou a negar esse princípio e, portanto, a defender a
possibilidade de dissolução do vínculo conjugal.
reconhecia o direito alemão como exceção ao princípio de
culpabilidade, dando causa ao divórcio, a enfermidade mental incurável de um
dos cônjuges.
Também na Alemanha se procurou uma solução de compromisso para o
divórcio, concluindo que só se admitiria a dissolução do matrimônio quando ele
não pudesse cumprir a missão lhe incumbia de atuar como célula da ordem social
e estatal.
Perdia assim o matrimônio o seu valor como fundamento da família,
quando a comunhão de vida dos cônjuges fosse insuportavelmente perturbada.
Transformava-se, nesse caso, em uma célula enferma do organismo social, que
perturbava a comunidade ou, ao menos, lhe retirava o valor.
Nessas condições, a Lei Matrimonial de 06.07.1938 reconheceu, com
maior amplitude que o BGB, a dissolução excepcional do matrimônio, introduzindo
considerável aumento de causas de separação.
Segundo Yussef Cahali, tal como o BGB, tal lei partia de causas
perturbadoras do matrimônio por infrações graves, acrescentando, além da
90
enfermidade mental, a perturbação objetiva do casamento por outros motivos, o
que serviu para justificar certos abusos da doutrina nacional-socialista à época.
232
A objetivação conduziu, sob a influência da doutrina nacional-socialista da
missão demográfica do matrimônio, a uma jurisprudência relativamente inclinada
ao divórcio. Elevou-se ao primeiro plano considerar qual das duas uniões era
demograficamente mais valiosa: o matrimônio perturbado ou a nova união que se
formava. A decisão era, em muitos casos, favorável à segunda.
233
Após a Segunda Guerra Mundial, a Lei Matrimonial de 20.02.1946,
continua Yussef Cahali, conservou a maior parte dos preceitos da Lei de 1938,
eliminando, contudo, as causas de divórcio fundadas na missão nacionalista do
matrimônio reconhecida pela lei anterior
234
. Foram ainda estabelecidas
dificuldades para o divórcio por perturbação objetiva da sociedade conjugal, ao
não considerar unicamente se caberia esperar o restabelecimento da comunidade
conjugal, e se a manutenção ou a dissolução do matrimônio estavam moralmente
justificados, mas principalmente ao levar em conta o bem-estar dos filhos
menores do casamento.
235
Mais recentemente, em decorrência das novas contingências
socioeconômicas da família alemã, as regras do direito de família do BGB
passaram por nova reforma, empreendida pela Lei Matrimonial de 14.06.1976,
que entrou em vigor em de julho do ano seguinte que, firmando a orientação
que vinha sendo esboçada na Lei Matrimonial de 1938, promoveu uma
mudança decisiva no centro de gravidade da dissolução do casamento.
236
A reforma do direito do casamento e da família de 14.06.1976 foi votada
pelo parlamento alemão após longos anos de trabalho e discussão. O projeto de
232
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., p. 34.
233
Heinrich Lehmann. Derecho de familia, v. 4, cit., p. 238.
234
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., p. 34.
235
Heinrich Lehmann. Derecho de familia, v. 4, cit., p. 239.
236
João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 85.
91
lei era anterior ao francês, antecedendo portanto a Lei de 11.07.1975, e
influenciou em parte a reforma francesa.
237
Contrariamente ao direito francês de 1975, que manteve diversas causas
para o divórcio (culpa, consentimento mútuo e separação de fato), a reforma
alemã inovou consideravelmente, passando a reconhecer apenas uma única
causa de divórcio, cujas conseqüências, notadamente patrimoniais, foram
amplamente modernizadas.
Atualmente, o direito alemão conhece apenas uma única causa para o
divórcio, a falência da união, prevista no parágrafo 1.565 do BGB. Essa falência é
presumida pela lei no parágrafo 1.566, alíneas 1 e 2, com a finalidade de facilitar
a sua constatação:
“§ 1.565 (Principio de desavenencia conyugal; duración mínima de
la separación).
1. Podrá obtenerse el divorcio en caso de ruptura del matrimonio.
La ruptura del matrimonio tiene lugar ante la inexistência de vida
conyugal común y la presumible imposibilidad de reconciliación de
los cónyuges.
2. En caso de que los cónyuges vivan separados desde hace
menos de un año solo podrá obtenerse el divorcio cuando por
razones relativas a la persona del outro cónyuge la prolongación
del matrimonio supusiese una carga inexigible para el cónyuge
solicitante.
§ 1.566 (Presunción de desavenencia).
1. Se presumirá irrefutablemente la ruptura del matrimonio cuando
los cónyuges vivan separados desde hace un año y ambos
soliciten el divorcio o el cónyuge demandado lo consienta.
2. Se presumirá irrefutablemente la ruptura del matrimonio cuando
los cónyuges vivan separados desde hace tres años.
238
Segundo Frédérique Ferrand
239
, o texto adota duas presunções distintas,
ambas de natureza absoluta: uma separação de fato por um ano, com demanda
conjunta de divórcio pelos cônjuges, faz presumir a falência do casamento. Trata-
se assim de um divórcio por pedido conjunto, ou demandado por um e aceito pelo
outro, desde que atendidos certos requisitos: separação de fato de mais de um
237
Veja-se a respeito: Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, Paris: Dalloz, 1997, p. 491 e ss.
238
Emilio Eiranova Encinas. Código Civil Alemán comentado = BGB Burgerliches Gesetzbuch,
Madrid; Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 441.
239
Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, cit., p. 494.
92
ano; concordância do outro cônjuge ou pedido conjunto; proposta comum dos
cônjuges quanto à guarda e direito de visitas dos filhos menores comuns; acordo
dos cônjuges sobre o domicilio familiar e a partilha dos bens.
Se os cônjuges não chegarem a um consenso sobre a regulamentação
das conseqüências do divórcio, o pedido não deixará de ser aceito, mas só
poderá ser concedido com fundamento no parágrafo 1.565 alínea 1 in fine do
BGB (falência do casamento porque a comunhão de vida entre os cônjuges não
existe mais e não se espera que seja restabelecida).
Diante do parágrafo 1.566, alínea 2 do BGB, sem outro requisito a ser
cumprido, a falência do casamento é irrefutavelmente presumida, desde que a
duração da separação de fato tenha atingido três anos.
240
Para Mauricio Luis Mizrahi, a reforma vigente na Alemanha desde 1977
constitui uma mostra da consagração do divórcio-remédio, justificado sob um
sistema fechado, contudo não exclui uma considerável amplitude na valorização
judicial, típica dos sistemas abertos. Observa que não se impede definitivamente
a determinação de um presumido “responsável” pela ruptura, ainda que tal fato
não origem a conseqüências específicas, como é o caso previsto no parágrafo
1.565 2, deixando claro que a “culpa” não foi totalmente alijada do direito de
família alemão.
241
Assim demonstrado, o direito alemão serviu de paradigma ao legislador
pátrio, na situação do reconhecimento da falência do casamento, sem atribuir
causa específica para o fato, desde que constatada a separação de fato do casal,
por determinado lapso temporal.
A lei italiana de 19.05.1975 (Lei n. 898, modificada pela Lei n. 74, de
1987), que introduziu o divórcio, desfigurou o capítulo do Código Civil italiano
sobre o direito de família e acabou por deslocar, a exemplo das legislações acima
citadas, a pedra angular, sobre a qual se assentava o sistema da separação
240
Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, cit., p. 495.
241
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 211-214.
93
judicial, para circunstâncias puramente objetivas (art. 151 do CC, na sua nova
redação):
242
“Art. 151 - (Separazione giudiziale).
La separazione può essere chiesta quando si verificano, anche
indipendentemente dalla volontá di uno o di entrambi i coniugi, fatti
tali da rendere intollerabile la procecuzione della convivenza o da
recare grave pregiudizio allá educazione della prole.
Il giudice, pronunziando la separazione, dichiara, ove ne ricorrano
le circostanze, a quale dei coniugi sai addebitabile la separazione,
in considerazione del suo comportamento contratio ai doveri che
derivano dal matrimonio.”
243
Antes da entrada em vigor da Lei n. 151, de 19.05.1975, a Corte
Constitucional, pela Sentença n. 127, de 16.12.1968, declarou a ilegitimidade
constitucional do segundo inciso do texto original do artigo 151, segundo o qual
“não é permitida a ação de separação por adultério do marido senão quando
concorram circunstâncias tais que o fato constitua uma injúria grave à mulher”
244
,
de modo que o artigo 151, na antiga formulação, estava reduzido apenas ao
primeiro inciso:
“Art. 151 (Norma Abrogata) - Cause di separazione personale.
La separazione puó essere chiesta per causa di adultério, di
volontario abbandono, excessi, sevizie, minace o ingiurie gravi.
245
O elenco dessas causas de separação todas caracterizadas pelo
elemento culpa era considerado como tendo caráter taxativo, estando excluído
o reconhecimento da legitimidade da separação pessoal pelo outro, ainda que por
justa causa, não expressamente contemplada pela lei.
246
242
João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 85.
243
“Artigo 151 - Separação judicial A separação pode ser pedida quando se verificar, ainda que
independentemente da vontade de um ou de ambos os cônjuges, fatos tais que tornem
insuportável a continuação da vida em comum ou que acarretem grave prejuízo à educação da
prole. O juiz ao decretar a separação, declarará, quando não concorram as circunstâncias e nem
seja pedido, a qual dos cônjuges será imputada a separação, em consideração de seu
comportamento contrário aos deveres que decorrem do casamento.” (Pietro Perlingieri. Codice
Civile annotato com la dottrina e la giurisprudenza: libro primo, Delle persone e della famiglia artt.
L. 455, Napoli: Zanichelli, 1991, v. 1, p. 552). (nossa tradução).
244
Veja-se a respeito: Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73
e ss.
245
“Artigo 151 (Norma revogada) - Causas de separação pessoal. A separação pode ser pedida
por adultério, por abandono voluntário, excesso, sevícia, ameaça ou injúria graves.” (Luigi
Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73). (nossa tradução).
246
Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73.
94
O confronto entre a velha e a nova norma, esclarecem Luigi Bellantoni e
Franco Pontorieri, torna patente que não se exige hoje um ato taxativamente
determinado e imputável a um sujeito capaz, isto é, que leve à culpa desse último.
É suficiente, ao invés de um fato que torne intolerável a continuidade da
convivência, que o mesmo venha a incidir sobre a educação da prole, causando-
lhe grave prejuízo.
247
Para Pietro Perlingieri, o que a nova norma releva não é sempre a
intolerabilidade da convivência. Poderia verificar-se uma hipótese em que a
convivência fosse tolerável para os cônjuges, mas de grave prejuízo à educação
dos filhos. É por isso que o legislador introduziu a fórmula disjuntiva ou no texto
legal.
248
de se destacar que não se deve valorizar somente o aspecto objetivo
dos comportamentos contrários aos deveres que decorrem do matrimônio, mas
também os comportamentos e fatos que, mesmo não violando qualquer dos
deveres decorrentes do casamento, possam incidir sobre a convivência, tornando-
a insuportável, ou ainda sobre a educação da prole que, em decorrência desses
atos ou comportamentos, viesse a ficar gravemente prejudicada.
249
Embora aparentemente tenha o legislador italiano abolido o sistema da
culpa, o admitiu, ao mesmo tempo que, a requerimento de qualquer dos cônjuges,
o juiz declare qual deles é o culpado da separação, por violação dos deveres
provenientes do casamento.
250
Segundo Luigi Bellantoni e Franco Pontorieri, o segundo inciso do artigo
sob exame prevê que o juiz, ao decretar a separação, declarará, salvo não
concorrendo as circunstâncias, e que não seja pedido, a qual dos cônjuges será
imputada a separação, considerando o comportamento contrário aos deveres que
derivam do matrimônio.
247
Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 74.
248
Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 261.
249
Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 74.
250
Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 45.
95
É inquestionável que por tal via introduziu o legislador italiano o conceito
de imputabilidade da separação, com termo novo, mas que não pode significar
senão imputabilidade pela separação, que pressupõe a voluntariedade do
comportamento contrário aos deveres decorrentes do matrimônio.
O juiz não poderá declarar a qual dos cônjuges será imputada a
separação em todos os casos em que esteja diante de comportamentos ou fatos
que incidam na manutenção da convivência, que a tenha tornando intolerável, ou
que são tais a trazer grave prejuízo à educação da prole, ainda que objetivamente
considerados, se os comportamentos ou fatos ocorreram independentemente da
vontade do cônjuge.
251
Para Pietro Perlingieri, o termo imputabilidade utilizado no texto legal é
noção objetiva e não se esgota somente em uma grave ofensa ao outro cônjuge.
Quando a inadimplência de um dever que caracteriza a relação conjugal, uma
inadimplência constante, contínua, ocorrem os pressupostos da imputação,
independentemente de existir ou não uma ofensa.
252
Atualmente, segundo afirmações concordantes, a separação judicial não
encontra mais o seu fundamento na culpa de um dos cônjuges, mas na
intolerabilidade da continuidade da vida em comum, e não necessariamente
depende do comportamento de um dos cônjuges. O reflexo imediato da mudança
imposta é a legitimidade atribuída a qualquer dos cônjuges para instaurar o
procedimento de separação.
253
Em comentário à violação dos deveres matrimoniais e da culpabilidade,
incidente no segundo inciso do artigo 151, esclarece Pietro Perlingieri que é
freqüente a tentativa de reduzir o alcance inovador desse princípio, reportando-se
à nova disciplina nos esquemas individualistas da doutrina e da jurisprudência
anterior à reforma.
254
251
Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 75-76.
252
Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 262.
253
Pietro Perlingieri. Codice Civile annotato com la dottrina e la giurisprudenza, cit., p. 553.
254
Pietro Perlingieri. Codice Civile annotato com la dottrina e la giurisprudenza, cit., p. 553.
96
No mesmo sentido se coloca Enrico Quadri, ao tratar da crise da família,
em face da separação e do divórcio na Itália, ao dispor que os reflexos do
abandono da disciplina de cunho sancionatório da separação, seguido pela
reforma de 1975, são realçados na Decisão n. 364, proferida pela Corte de
Cassação em 17.01.1983, na qual se evidencia como o juízo de imputabilidade da
crise não se destina mais, como no passado, a condicionar a pronúncia da
separação, diante da constatação da intolerabilidade da convivência, qualquer
que tenha sido o cônjuge autor da demanda, uma vez que mesmo o responsável
pela crise estará legitimado a promovê-la. O novo modelo de separação recoloca
a eventual responsabilidade e a declaração de culpa (nos termos do art. 151, inc.
2º), cuja conseqüência é de outro tipo, em nada violando a Constituição italiana,
uma vez que concebido à luz da relevância atribuída ao perfil comunitário e
funcional da experiência familiar.
255
Do exposto, verifica-se que o direito italiano de certo modo influenciou o
legislador pátrio, mas, seguramente, a maior contribuição italiana no cenário
nacional se seu no âmbito doutrinário, constituindo-se em paradigma na questão
da constitucionalização do direito de família, tendo à frente as idéias de Pietro
Perlingieri e Enrico Quadri.
5.5 As alterações do novel Código Civil quanto às causas de
dissolução da sociedade e do vínculo conjugal
O novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002), embora tenha tido sua
origem em anteprojeto elaborado em 1969, foi encaminhado ao Congresso
Nacional em 1975, ficou por longo tempo arquivado, sofreu várias emendas e,
após ter sido adaptado à Constituição Federal de 1988, foi finalmente aprovado
pela Câmara dos Deputados em 15.08.2001, sancionado pelo Presidente da
República em 10.01.2002, e entrou em vigor em 11.01.2003.
256
255
Enrico Quadri. Questioni attuali di diritto privato, Napoli: Jovene, 1998. p. 54.
256
Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 13.
97
Tendo o Código de 2002 surgido após a Carta de 1988, acabou por
repetir muitas inovações que haviam sido trazidas pelo texto constitucional.
Muitas das conquistas promovidas pela Constituição de 1988, referentes à
personalização da família, foram inseridas no atual Código.
257
O novo Código mostrou sensível e necessária evolução em relação ao
Código revogado, representando o coroamento de uma série de reformas pelas
quais passou a instituição familiar, no curso do século XX.
258
A família delineada pelo Código de 2002 está muito próxima da
consagrada na Constituição de 1988. Poucas foram as alterações, e muitas foram
as repetições.
259
O constituinte de 1988 muito se valeu do exemplo trazido pelo direito
italiano, em conseqüência do que alargou o conceito de família, passando a
proteger de forma igualitária todos os seus membros, partícipes da união ou seus
descendentes
260
. Reconheceu ainda o estágio de evolução do direito de família
no qual as relações familiares estavam impregnadas de autenticidade,
sinceridade, amor, compreensão, diálogo, paridade e realidade, que se traduziram
nas modernas tendências sintetizadas por Sérgio Gischkow Pereira em três
grandes características do direito de família atual: revalorização do aspecto
afetivo; busca de autenticidade nas relações; e preservação do interesse de
crianças e adolescentes.
261
Uma das maiores características da família atual, segundo José
Sebastião de Oliveira
262
, é a afetividade, traduzida no respeito de cada um por si
257
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 95.
258
Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, in Maria
Berenice Dias; Rodrigo da Cunha Pereira (Coords.), Direito de família e o novo Código Civil, 4.
ed. rev. atual., Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 3.
259
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit. p. 96.
260
Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, cit., p. 3.
261
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2004, p. 48.
262
José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, cit., p. 233.
98
e por todos os membros, a fim de que seja a família respeitada em sua dignidade
e honorabilidade perante o corpo social.
Surgiu assim uma nova família que, na atual concepção, é entendida
como espaço de realização pessoal e afetiva. O casamento, enquanto
instrumento de constituição de uma das entidades familiares reconhecidas
constitucionalmente, passou a ser concebido pelo direito como mecanismo sócio-
político que se presta a tutelar a família: As pessoas são tuteladas pelo direito,
dentro da família, porque esta é em verdade o organismo destinado a promover e
garantir a dignidade da pessoa humana e o pleno desenvolvimento de todas as
suas virtualidades, ou seja, lugar de tutela da vida e da pessoa humana.
263
Semelhante entendimento é trazido por Pietro Perlingieri, quando trata do
interesse familiar: “A família não é titular de um interesse separado e autônomo,
superior àquele do pleno e livre desenvolvimento de cada pessoa”. Conforme
dispõe o autor, a função serviente da família deve ser realizada de modo aberto,
integrado na sociedade civil, com obrigatória colaboração de outras formas
sociais, que por sua vez são merecedoras de tutela, se a regulamentação interna
for inspirada no respeito da igual dignidade, na igualdade moral e jurídica dos
componentes e na democracia.
264
Afirma Renan Lotufo que “sem amor não há família”,demonstrando a
grande evolução que a Constituição Federal nos trouxe. Nessas condições, faz-
nos entender o casamento como uma das formas de concretização do amor.
Logo, a forma de dissolução desse casamento, através da separação e do
divórcio, tem que ser sempre pensada de maneira a preservar a dignidade de
cada um dos integrantes do núcleo familiar.
263
Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 49.
264
Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 245.
99
Assim, se e quando a família falhar no seu novo papel, pondo em risco a
dignidade de seus membros, o interesse normativo na conservação do vínculo
matrimonial e na coesão da família não pode mais prevalecer.
265
De igual modo se posiciona Pietro Perlingieri, ao afirmar que se faz
necessário, mais do que outra coisa, aceitar a idéia de que, quando falta o afeto e
a comunhão espiritual, a família “não existe”.
266
Surge, em conseqüência, tanto a separação quanto o divórcio como
remédios para livrar a pessoa da degradação a que seria submetida, em razão da
deterioração do casamento, caso continuasse em estado de sofrimento, no seio
da família.
267
O Código de 2002, embora tenha mantido o sistema de separação por
culpa nos artigos 1.572 caput e 1.573, I a VI, seguiu a trajetória, no sentido de
fortalecer o princípio da ruptura, nos artigos 1.572, parágrafos e e 1.580,
parágrafos e 2º, facilitando a obtenção do divórcio, o que constitui o
reconhecimento de que a união entre duas pessoas tem sentido e veracidade
enquanto impregnada de amor e respeito, pois “manter uniões forçadas é
incentivar e cultivar a destruição mental e moral do ser humano”.
268
Manteve o legislador de 2002, no artigo 1.572, o princípio da culpa na
separação judicial, prevendo as hipóteses em que se dará a separação judicial
com fundamento na culpa do outro cônjuge, tendo adotado conteúdo semelhante
ao da lei divorcista, mas não igual, tendo deslocado a conduta desonrosa para o
inciso VI do artigo 1.573, passando a ser uma das hipóteses que podem
ocasionar a “impossibilidade da comunhão de vida”.
265
Renan Lotufo. Separação e divórcio no ordenamento jurídico brasileiro e comparado, in
Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Repensando o direito de família: anais do I Congresso
brasileiro de direito de família, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB-MG; Del Rey, 1999, p. 209.
266
Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 264.
267
Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 49.
268
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 55.
100
Com a alteração no caput do artigo 1.572, foi adotada formulação
genérica da lei divorcista, que se mostra mais adequada, por permitir maior
liberdade ao intérprete para preencher, no caso concreto, as hipóteses previstas
em lei de modo genérico.
269
Quanto ao artigo 1.573 e incisos
270
, estranhamente o legislador de 2002
retomou a técnica da enunciação do antigo artigo 317 do Código Civil de 1916,
mas que na nova versão assumiu uma formulação meramente exemplificativa,
que seguida do parágrafo único, que introduz no sistema uma hipótese de
extremada abertura
271
, ante a possibilidade da separação ser decretada com
fundamento exclusivo na “impossibilidade de continuação da vida em comum”.
Como salienta Maria Helena Diniz:
“A norma, após arrolar casuisticamente as hipóteses que tornam
impossível a comunhão de vida, justificadoras do pedido de
separação judicial litigiosa, vem seguindo a esteira das modernas
legislações européias, no seu parágrafo único, a admitir que o juiz
pode considerar outros fatos que tornem evidente a
impossibilidade da vida em comum (p. ex., crueldade mental,
desamor, incompatibilidade de gênios etc.). Apelando, assim, para
a discricionariedade judicial, para que o órgão judicante,
empregando critérios axiológicos, consagrados na ordem jurídica
(LICC, art.5º), interprete a norma em relação com a situação fática
que deve solucionar, tendo em vista o momento atual e as
peculiaridades do caso sub judice, averiguando se, na verdade, a
conduta de um dos cônjuges torna insuportável a convivência
conjugal.”
272
Cita a autora o Enunciado n. 254 do Conselho da Justiça Federal,
aprovado na III Jornada de Direito Civil, que assim dispõe:
269
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro,
Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 3, n. 12, p. 150,
jan./mar. 2003.
270
O PL 276/2007 propõe uma alteração no inciso IV do artigo 1573, a fim de que seja eliminada a
exigência temporal de (1) um ano contínuo de abandono voluntário do lar conjugal.
271
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 151.
272
Maria Helena Diniz. Código civil anotado, 11. ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novo
Código Civil (Lei n.10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2005, p.1.279.
101
“Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na
culpa (art. 1572 e/ou art. 1.573 e incs.), o juiz poderá decretar a
separação do casal diante da constatação da insubsistência da
comunhão plena de vida (art. 1.511) que caracteriza hipótese e
‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em
comum’ – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.” (grifamos).
Nesse sentido vem se posicionando a jurisprudência, em atendimento ao
preceito constitucional de mínima intervenção do Estado, para preservação da
dignidade da pessoa humana, decidindo as demandas de separação judicial
baseadas em causas culposas, com fundamento em causa genérica autorizada
pelo artigo 1573, parágrafo único do Código Civil de 2002, conforme se
depreende dos seguintes julgados:
“SEPARAÇÃO Ação e reconvenção. Improcedência de ambos
os pedidos. Possibilidade de decretação da separação.
Evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e
manifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o
propósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer esse
fato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquer
das partes. Recurso conhecido e provido em parte.” (STJ RESP
n. 467.184/SP, 4ªT., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; j.
05.12.2002, v.u., BAASP, 2.341/2.857-j, de 17.11.2003).
“SEPARAÇÃO JUDICIAL Pedido de separação fundado na
culpa. Não-demonstração. Insustentabilidade da vida em comum.
Caracterização. Decretação da separação. Julgamento diverso do
pedido. Inocorrência. Ainda que se requeira a separação judicial
com imputação de culpa e essa não reste provada nos autos, o
juiz pode decretá-la caso verifique, nas provas coligidas aos
autos, a insuportabilidade da vida em comum, situação em que a
decretação da separação não implica julgamento diverso do
pedido.” (STJ RESP n. 466.329/RS, T., rel. Min. Nancy
Andrighi, DJU, de 11.10.2004, RBDF, n. 28, fev./mar. 2005).
“SEPARAÇÃO JUDICIAL Casamento. Violação. Culpa.
Deterioração factual. Alimentos. Valor. Manutenção.
Alimentandos. Necessidade. Alimentante. Capacidade
contributiva. Em separação judicial, é reconhecida a
responsabilidade de ambos os cônjuges pela ‘deterioração factual’
do casamento, quando não prova que um deles é o
responsável pelo fracasso da relação, tornando insuportável a
vida em comum. Tratando-se a intimidade de direito constitucional
básico, é proibido, ainda que no sigilo da justiça, o ingresso
apurado nas relações em que se edifica para, num verdadeiro
procedimento sadomasoquista, apurar-se o culpado. O valor das
prestações alimentícias é mantido quando necessário como
contribuição para o sustento da ex-esposa e da prole e adequado
à capacidade contributiva do alimentante. Nega-se provimento aos
102
recursos.” (TJMG AC n. 1.0024.01.094655-6/001/BH, Câm.
Civ., rel. p/ Ac. Almeida Melo, DJMG, de 21.12.2004, RBDF, n. 30
jun./jul. 2005).
“DIREITO CIVIL Família. Ação de separação judicial. Pedidos
inicial e reconvencional fundados na culpa. Não comprovação.
Insuportabilidade da vida em comum. Decretação da separação
sem atribuição de causa. Possibilidade. Verificada a
insuportabilidade da vida conjugal, em pedidos de separação com
recíproca atribuição de culpa, por meio de ação e reconvenção, e
diante da ausência de comprovação dos motivos apresentados
conforme posto no acórdão impugnado, convém seja decretada a
separação do casal, sem imputação de causa a nenhuma das
partes. Ressalte-se que, após a sentença de improcedência dos
pedidos de separação com culpa, as partes formularam petição
conjunta pleiteando a dissolução do vínculo conjugal, com
fundamento no artigo 1.573 do Código Civil de 2002, e mesmo
assim não alcançaram o desiderato em 2º grau de jurisdição.
Dessa forma, havendo o firme propósito de dissolução do vínculo
matrimonial, nada obsta que o decreto de separação-sanção seja
modificado para o de separação-remédio. Recurso especial
conhecido e provido.” (STJ RESP n. 783.137/SP, 3ªT., rel Min.
Nancy Andrighi, j. 25.09.2006, v.u.).
Quanto às causas objetivas na separação judicial, repete o Código o teor
do artigo 5º, parágrafo da Lei n. 6.515/77, mantendo a possibilidade de fundar
o pedido de separação judicial na circunstância objetiva da separação fática do
casal por período superior a um ano, sem qualquer questionamento sobre a
causa que teria motivado a separação.
Restou ainda mantida a hipótese conhecida como separação-remédio,
fundada em doença mental do outro cônjuge, no parágrafo do artigo 1.572,
tendo, entretanto, encurtado o prazo, que era de cinco anos, para apenas dois,
mantendo os demais requisitos para a caracterização da hipótese
273
. Contudo, na
atualidade pouco ou nenhum sentido prático existe em se pleitear tal espécie de
separação, por um lado pelas exigências de se sujeitar à averiguação do motivo e
preenchimento de vários requisitos, e, de outro, diante da possibilidade de se
pleitear em juízo o divórcio direto, o que acabou por esvaziar de sentido tal
separação.
274
273
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 152.
274
Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 277.
103
Quanto à sanção imposta ao cônjuge requerente da separação-remédio,
prevista no parágrafo do artigo da Lei n. 6.515/77, foi ela mantida, contudo
com pequena alteração, no parágrafo do artigo 1.572. A sanção pela lei
divorcista incidia tanto na hipótese de separação-ruptura, quanto na de
separação-remédio. pela nova regra, a penalização passa a incidir apenas na
hipótese de pedido fundado na doença mental do outro cônjuge.
275
O novo Código, evoluindo inclusive em relação ao direito alienígena, não
reproduziu a denominada cláusula de dureza prevista no artigo 6º da Lei n.
6.515/77, que possibilitava ao juiz negar a separação, nas hipóteses de
separação-falência e separação-remédio, quando verificasse que poderia a
separação constituir causa de agravamento das condições pessoais ou da
doença do outro cônjuge, ou ainda determinar, em qualquer caso, conseqüências
morais de excepcional gravidade para os filhos menores.
Apesar do processo de liberalização do divórcio, em várias legislações
européias ainda é possível encontrar-se a cláusula de dureza, também conhecida
como de salvaguarda ou de rigor, que se mostra como importante limitação do
regime de divórcio-remédio.
276
Avançou o Código de 2002 em relação à legislação francesa, que ainda
mantém os rigores da cláusula de dureza nos artigos 238 e 240. Segundo Alain
Bénabent, a prática dos primeiros anos demonstrou que a disposição da cláusula
de dureza foi utilizada pelos tribunais que, por princípio, eram hostis à modalidade
de divórcio por ruptura da vida em comum. Mas, na atualidade, se constata que
aquilo que era uma exceção passou a ser utilizado com muito mais freqüência,
em todos os casos que não deveriam ser considerados como uma verdadeira
exceção
277
. Esses artigos têm o seguinte teor:
275
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 153.
276
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 168.
277
Alian Bénabent. Droit civil. La famille, cit., p. 239.
104
“Art. 238 - Il en est de même lorsque les facultés mentales du
conjoint se trouvent, depuis six ans, si gravement altérés
qu’aucune communauté de vie ne subsiste plus entre les époux et
ne pourra, selon les prévisions les plus raisonnables, se
reconstituer dans l’avenir.
Le juge peut rejeter d’office cette demande, sous réserve des
dispositions de l’article 240, si le divorce risque d’avoir des
conséquences trop grave sur la maladie du conjoint.
278
(...)
Art. 240 - Si l’autre époux étabit que le divorce aurait, soit pour lui,
compte tenu notamment de son âge et de la durée du mariage,
soit pour les enfants, des conséquences matérielles ou morales
d’une exceptionnelle dureté, le juge rejette la demande. Il peut
même la rejeter d’office dans le cas prévu à l’article 238.”
279
Avançou também o legislador nacional, mesmo diante do direito alemão,
que se caracteriza pela objetividade na concessão do divórcio, realçando a
respeito Mauricio Luis Mizrahi que, nos termos do disposto no parágrafo 1.568,
estará sempre ao alcance do juiz exercer sua atribuição de evitar a extinção do
vínculo matrimonial pela aplicação da cláusula de dureza, embora reconheça que,
na prática, os juízes têm aplicado o preceito apenas em casos muito
excepcionais.
280
“§ 1.568 (Cláusulas de rigor).
1. No habrá lugar al divorcio, si bien existe ruptura matrimonial,
siempre y cuando la subsistencia del matrimonio resulte
excepcionalmente necesaria por razones de especial interes para
los hijos menores de edad nacidos gravias al mismo, o cuando el
divorcio supondría, a causa de las circunstancias extraordinarias,
una carga tan grave para el cónyuge opuesto al mismo que haga
que la subsistencia del matrimonio resulte excepcionalmente
imprescindible, incluso teniendo em cuenta los intereses del outro
cónyuge solicitante.
2. (Derogado).”
281
278
“Artigo 238 - O mesmo ocorre se um dos cônjuges sofrer das faculdades mentais mais de 6
anos, de forma tão grave que impeça a continuidade da vida em comum, e que de acordo com
previsões razoáveis, não terá cura no futuro. O juiz poderá recusar o pedido, se o divórcio puder
provocar consequências muito graves à doença do cônjuge.” (nossa tradução).
279
“Artigo 240 - Se o outro cônjuge estabelecer que o divórcio trará, seja para ele, tendo em conta
notadamente sua idade e a duração do casamento, seja para as crianças, conseqüências
materiais ou morais de excepcional dureza, o juiz rejeitará a demanda. Ele pode mesmo rejeitar
a demanda de ofício no caso previsto no artigo 238.” (nossa tradução).
280
Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 213.
281
Emilio Eiranova Encinas. Código Civil Alemán comentado = BGB Burgerliches Gesetzbuch, cit.,
p. 441.
105
Quanto à separação consensual, no artigo 1.574, inovou o Código de
2002, ao reduzir o prazo mínimo de casamento exigido, que era de dois anos,
para um ano.
de se observar que tanto o Projeto de Lei n. 276/2007 como o Projeto
de Lei n. 507/2007 propõem a alteração do texto do artigo 1.574
282
, para que
deixe de constar a exigência de lapso temporal para o pedido de separação
consensual.
No que tange ao divórcio, tanto o indireto quanto o direto, previstos
respectivamente no artigo 1.580, caput, e no parágrafo do mesmo artigo, não
houve alteração nos prazos estabelecidos na Lei n. 6.515/77, com as
alterações intruduzidas pelas leis 7.841/89 e 8.408/92, de um ano do trânsito em
julgado da sentença que tivesse decretado a separação judicial para a conversão
da separação em divórcio e de mais de dois anos de separação de fato para o
divórcio direto.
Inovou ainda de forma salutar o legislador de 2002, ao afastar, no caso da
conversão da separação judicial em divórcio, a exigência adicional de que o autor
do pedido estivesse em dia com as obrigações anteriormente assumidas
283
, assim
como é louvável a proibição de qualquer referência sobre a causa que tenha
determinado a separação judicial na sentença que venha a decretar a sua
conversão em divórcio.
Dessa forma, com as alterações introduzidas, mantendo-se a modalidade
de separação culposa ao lado da modalidade de causas objetivas, deixou claro o
legislador de 2002 seu firme propósito de delegar ao intérprete e ao aplicador
acatar a opção legislativa mais apropriada ao caso concreto.
284
282
Sugestões de nova redação: “Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo
consentimento dos cônjuges, manifestado perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada a convenção.” (PL n. 276/2007); “Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por
mútuo consentimento dos cônjuges se o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada.” (PL n. 507/2007).
283
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 155.
284
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.
106
O fato da modalidade de separação culposa ter sido mantida no
ordenamento jurídico pátrio não significa que esteja a lei obrigando quem quer
que seja a seguir o caminho tortuoso e difícil da separação-sanção.
285
Os caminhos legislativos estão abertos para se evitar o desgaste
provocado por uma separação litigiosa na modalidade sanção, caminhos esses
que, pela evolução legislativa pela qual tem passado o nosso direito, vêm
seguindo o trajeto da crescente facilitação da dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal, através de simples comprovação de ruptura da vida em comum
e da impossibilidade de sua reconstituição.
O Projeto de Lei n. 507/2007 propõe a alteração do artigo 1.572, com a
finalidade de eliminar a necessidade de qualquer referência a motivo por ocasião
do pedido de separação, que não seja o término da vida em comum, sugerindo a
seguinte redação: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação
judicial, quando cessar a comunhão de vida.”
Entretanto, concordando com Sérgio Gischkow Pereira
286
, entendemos
que não se pode pura e simplesmente proibir o uso da modalidade de separação-
sanção, pois podem surgir motivos morais consideráveis para tanto.
Ao contrário do que pensa Leonardo Barreto Moreira Alves
287
, cremos
que não se pode deixar ao desabrigo legal situações que o autor considera como
casos esporádicos e excepcionais, de patologia, em que um dos cônjuges não
tem o menor escrúpulo em humilhar, maltratar, pisotear o outro, ou ainda nos
casos em que um dos consortes sofre de alcoolismo ou é dependente químico, o
que o leva a espancar o outro cônjuge. O fato de considerá-los excepcionais (o
285
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.
286
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.
287
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 105.
107
que não condiz com a realidade brasileira), que fogem à normalidade, não justifica
a sua exclusão do ordenamento jurídico.
288
Deixar essas situações à margem da regulamentação legal é violar a
dignidade da pessoa do cônjuge inocente, que em nada contribuiu para que os
fatos se desenvolvessem nesse sentido.
A Constituição Federal, mais do que estabelecer limites externos à
atividades privadas, conferiu novo conteúdo aos institutos privados.
289
Conforme dispõe Cristiano Chaves de Farias, o mais precioso valor da
ordem jurídica brasileira trazido pela Carta de 2002 foi a dignidade da pessoa
humana, que “serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do
homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a
admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais inclusive)
mínimos para que se possa viver e o respeito pelas condições fundamentais de
liberdade e igualdade”.
290
Sem dúvida que o fim do amor não pode e nem deve representar violação
aos deveres matrimoniais, mesmo porque amar não é dever. Não pode a lei
impedir o desfazimento de um ato fundado, em princípio num sentimento, por falta
de previsão legal, posto que o amor não configura dever matrimonial.
Para atender a essa demanda, existem as opções da dissolução por
ruptura da vida em comum, que vem sendo largamente ampliada em nosso
ordenamento jurídico.
288
Haja vista a necessidade de criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, concretizada através da Lei n. 11.340, de 07.08.2006, a “Lei Maria da Penha”,
bem como o crescimento de entidades destinadas ao combate à violência doméstica e à
conscientização das mulheres, como o curso destinado à formação das promotoras legais
populares, que tem como objetivo fazer com que as mulheres conheçam e saibam como
reivindicar os seus direitos (Diário Oficial Poder Executivo, Seção I, de 31.10.2007, p. 11).
289
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 66.
290
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 66.
108
O novo Código Civil seguiu esse rumo, sendo possível identificar a
intenção primordial da comissão de juristas presidida por Miguel Reale na
construção do novo Código, “conservar o possível; inovar, sempre que
necessário”, aproveitando, da forma mais ampla possível, o arcabouço jurídico
existente, dando-lhe cores e imprimindo traços que coadunam com a realidade
vivenciada pela sociedade brasileira.
291
5.6 O enfraquecimento dos efeitos da culpa na separação judicial
litigiosa
Por ocasião da elaboração da Lei do Divórcio, o legislador de 1977
apresentou forte resistência ao rompimento do vínculo conjugal, influenciado que
estava pelo conservadorismo que, durante séculos, marcou o direito matrimonial.
Nesse contexto é que foram inseridas sanções que seriam impostas ao
cônjuge considerado culpado pela separação, com o objetivo de assegurar a
observância dos deveres do casamento e dificultar ao máximo sua dissolução.
292
As sanções cominadas ao cônjuge vencido na demanda judicial previstas
na Lei n. 6.515/77 referiam-se à guarda dos filhos menores, ao uso do nome de
casada pela mulher e à prestação de alimentos.
O Código Civil de 2002, inspirado nas inovações trazidas pela Carta
Constitucional de 1988, abrandou o rigor das penalidades anteriormente previstas
na lei divorcista.
291
Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, cit., p. 2.
292
Veja-se a respeito: Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à
luz do novo Código Civil, cit., p. 43 e ss.
109
5.6.1 Fixação da guarda dos filhos menores
Previa o artigo 10 da Lei n. 6.515/77 que, na separação litigiosa, os filhos
menores ficariam com o cônjuge que não tivesse dado causa à separação. Tal
sanção vinha recebendo inúmeras críticas da doutrina, posto que despertava
caprichos e intrigas matrimoniais, encerrando uma represália a ser imposta
àquele que fosse considerado responsável pelo fim do casamento, em
decorrência da violação de algum dos deveres do casamento, sem se preocupar
com o que efetivamente importava, o bem-estar dos filhos.
293
Em decorrência do disposto no artigo 227 da Constituição Federal de
1988, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90),
com o objetivo de preservar ao máximo o interesse das crianças e dos
adolescentes. Diante de tal orientação, tornou-se um contra-senso permitir que a
guarda dos filhos nos casos de separação litigiosa fosse decidida em função da
culpabilidade de um dos pais, sem que fosse observado o melhor interesse das
crianças no contexto.
294
Luiz Felipe Brasil Santos
295
esclarece que, mesmo sob a égide da lei
divorcista, que vinculava a guarda do menor à culpa do genitor nos casos de
separação com causa culposa, a jurisprudência vinha efetuando a aplicação da
doutrina do melhor interesse da criança, invocando como fundamento, além do
regramento constitucional, uma interpretação mais literal do artigo 13 da Lei n.
6.515/77
296
que, de exceção que era, passou à condição de regra:
293
Veja-se a respeito: Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 743;
Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, cit., p. 10; Antonio Carlos Mathias Coltro. A
descriminalização do adultério e sua repercussão no direito de família e a culpa na separação
judicial, cit., p. 13.
294
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 44.
295
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 156.
296
“Artigo 13 - Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos,
regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os
pais.”
110
“SEPARAÇÃO JUDICIAL CONTENCIOSA Culpa da mulher.
Violação dos deveres do casamento. Posse e guarda. Filho menor
Alimentos. Nome da mulher. Não havendo fundamento que
justifique a posse e guarda dos filhos menores, esta deve ser
concedida à mãe. O fato da mesma ter sido considerada culpada
para a ruptura do matrimônio por si não justifica tal
modificação. Ao fixar os alimentos o juiz deve observar o princípio
da proporcionalidade consagrado em nossa legislação civil,
admitindo o binômio necessidade e possibilidade, aliado aos
elementos e circunstâncias que consolidam tal fixação. Deve a
sentença, ao considerar o cônjuge mulher culpada, determinar o
cumprimento da determinação legal em relação à modificação do
nome de casada e a mudança do CPF. Provimento parcial do
recurso.” (Apelação Cível n. 1996.001.3165, Câm. Civ., Des.
Luiz Zveiter, j. 08.10.1996, v.u., Ementário: 19/97, n. 46, de
06.02.1997).
297
“SEPARAÇÃO JUDICIAL CONTENCIOSA Abandono do lar.
Culpa da mulher. Filho menor. Posse e guarda. Disputa entre
genitores. Separação judicial. Guarda de filho menor. Preferência
materna. Mesmo responsável pela separação por abandonar o lar
conjugal, inexistem elementos nos autos para impedir que a mãe
tenha a guarda do filho menor do casal. As amiudadas visitas da
mãe ao filho menor mantêm inalteradas as relações entre os dois,
dispensando a gradual modificação da guarda do menor. Apelo
não provido.” (Apelação Cível n. 1998.001.05208/Valença, 15ª
Câm. Civ., Des. Maria Collares Felipe, j. 09.09.1998, v.u.).
298
“GUARDA DE FILHO MENOR – Prevalência de interesse. Na
guarda de filho menor, estando o casal separado de fato,
prevalece o interesse do infante. Havendo conflito entre os
cônjuges, o juiz decidirá, tendo em vista as circunstâncias de cada
caso e o interesse do menor. Entre o direito da mãe e o do filho,
este deve preponderar. Genitora de menor que não mantém e
apresenta situação estável para reaver a posse do filho. Menor
entregue pela própria genitora ao pai e aos avós paternos, quando
a criança contava pouco mais de um ano. Permanência da guarda
assim existente, pelo que para seu exercício não a obsta o
simples fato de que deferida ao pai. Provimento do recurso.”
(TJRJ AC n. 8.821/99, 15ª Câm. Cív., rel. Des. José Pimentel
Marques, j. 01.03.2000, RBDF n. 6, jul./ago./set. 2000).
“MENOR Alteração de guarda. Medida liminar acautelatória.
Interesse e bem-estar do menor. Prevalência. Poder discricionário
do juiz. A lei confere amplo poder discricionário ao juiz, máxime
em sede de direito de família, cabendo-lhe agir ex officio,
salvaguardando sempre o primordial interesse do menor, sendo
indubitável que poderá ele tomar as providências que reputar
necessárias a este fim. Ergo, proposta a ão de guarda
autonomamente, poderá regular de plano a situação do menor
297
Flávio Guimarães Lauria. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da
criança, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 199.
298
Flávio Guimarães Lauria. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da
criança, cit., p.193.
111
tomando as medidas assecuratórias a bem-estar deste. Agravo
conhecido e improvido, à unanimidade de votos.” (TJGO AI n.
20.098-0/180 (200000271076), T., rel. Des. Fenelon Teodoro
Reis, j. 08.06.2000, RBDF, n. 7, out./nov./dez. 2000).
Contudo, essa situação obteve a devida resposta legal com o advento
do novo Código Civil que, não sem tempo, revogou o aludido artigo 10,
dissociando da fixação da guarda dos filhos menores a culpa pelo rompimento do
casamento. Agora, o artigo 1.584, cumprindo o preceito constitucional do melhor
interesse da criança, na linha da pacífica jurisprudência, expressamente
determina que a guarda dos filhos menores seja deferida a quem revelar
melhores condições para exercê-la.
5.6.2 Uso do nome pelo outro cônjuge
O artigo 17 da Lei n. 6.515/77 dispunha que se “vencida na ação de
separação judicial, voltará a mulher a usar o nome de solteira”. Nessas condições,
condicionava o uso do nome de família do marido pela mulher, após a dissolução
da sociedade conjugal, ao fato dela não ser considerada culpada pela separação.
Num primeiro momento, a legislação brasileira, em relação ao uso do
nome de família do marido pela mulher, mostrou-se mais severa que a própria
fonte inspiradora, a legislação francesa, que dispõe:
“Art. 264 - A la suite du divorce, chacun des époux reprend l’usage
de son nom.
Toutefois, dans les cas prévus aux articles 237 e 238, la femme a
le droit de conserver l’usage du nom du mari lorsque le divorce a
été demandé par celui-ci.
Dans les autres cas, la femme pourra conserver l’usage du nom
du mari soit avec l’accord de celui-ci, soit avec l’autorisation du
juge, si elle justifie qu’un intérêt particulier s’y attache pour elle-
memê ou pour des enfants.
299
299
“Artigo 264 - Em conseqüência do divórcio, cada um dos cônjuges retomarão o uso de seus
nomes. Entretanto, nos casos previstos nos artigos 237 e 238, a mulher tem o direito de
conservar o nome do marido, pois o divórcio foi proposto por aquele. Nos outros casos, a mulher
poderá conservar o nome do marido seja por acordo entre eles, seja por autorização judicial, se
justificar que um interesse particular se agregou a ela ou aos filhos.” (nossa tradução).
112
Posteriormente, com a Lei n. 8.408/92 aproximou-se da legislação
francesa e, além de alterar o caput do artigo 25, acrescentou parágrafo único com
o seguinte teor:
“Parágrafo único - A sentença de conversão determinará que a
mulher volte a usar o nome que tinha antes de contrair
matrimônio, conservando o nome de família do ex-marido se a
alteração prevista neste artigo acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhos
havidos da união dissolvida;
III - dano grave reconhecido em decisão judicial.”
A regra estabelecida era da perda pela mulher do nome de família de seu
ex-marido, independentemente da aferição de culpa. Ficara estabelecido que a
mulher não teria o direito de continuar usando o nome de casada depois do
divórcio, tivesse agido com culpa ou não, salvo nas hipóteses excepcionadas pela
lei.
Tal alteração legal gerou muita controvérsia, tendo à frente Gustavo
Tepedino, que questionava a constitucionalidade da solução legal, posto que
embora louvável no sentido de se desvincular da idéia de culpa, estaria, por outro
ângulo, violando o direito à identificação pessoal da mulher que, segundo o autor,
“com o casamento, o nome de família integra-se à personalidade da mulher, não
mais podendo ser considerado como nome apenas do marido”
300
. Vejamos o
seguinte julgado:
“DIVÓRCIO DIRETO – Uso do nome do marido. Direito da mulher.
Sendo do embargante a iniciativa da ação de divórcio direto
fundado na separação de fato, ainda que vencida na ação,
conserva a embargada o direito de continuar usando o nome do
ex-marido, porque dele utiliza-se vinte anos, tendo
incorporado a sua identidade o patronímico dele. Embargos
infringentes desacolhidos, por maioria.” (TJRS EI n.
70.000.477.489, G.C.Cív., rel. Des. José Ataídes Siqueira
Trindade, j. 14.04.2000, RBDF, n. 8, jan./fev./mar. 2001).
300
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 375.
113
O novo Código Civil, ante o princípio da igualdade entre homens e
mulheres consagrado no artigo 226, parágrafo 5º, da Carta Magna, inovou
inicialmente, na medida que agora qualquer dos cônjuges poderá acrescer aos
seus o patronímico do outro (art. 1565, § do CC/2002). Assim, tanto o homem
quanto a mulher podem, quando culpados, sofrer a sanção relativa à perda do
direito ao uso do sobrenome do outro.
A segunda inovação decorre de que as hipóteses de manutenção do
sobrenome do cônjuge, mesmo em caso de culpa reconhecida, que
anteriormente, pela lei divorcista, incidiam por ocasião do divórcio, passam agora
a ser aplicadas ao ensejo da separação judicial com causa culposa (art. 1.578,
inc. I-III, do CC/2002
301
).
302
Finalmente, como terceira inovação em relação ao uso do nome, o
Código de 2002, no parágrafo do artigo 1.578, ao determinar que “caberá a
opção pela conservação do nome de casado” nas demais hipóteses de separação
que não a sanção, revogou o apenamento imposto à mulher pelo artigo 17,
parágrafo da Lei n. 6.515/77, que determinava que, sendo dela a iniciativa do
pedido com fundamento em causa objetiva ou na doença mental do varão,
deveria voltar a usar o nome de solteira.
Com relação a tal dispositivo legal, o Projeto de Lei n. 507/2007 sugere
seja a redação alterada, para que fique constando o seguinte teor: “Artigo 1.578 -
O cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro poderá mantê-lo, após a
separação judicial ou o divórcio.”
301
“Artigo 1.578 - O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de
usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a
alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção
entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave
reconhecido na decisão judicial.”
302
Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,
p. 157.
114
5.6.3 Obrigação alimentar
A partir do artigo 1.694, trata o novo Código Civil dos alimentos,
abrangendo na regulamentação tanto a obrigação decorrente do parentesco como
a originária do casamento e da união estável.
De acordo com o artigo 1.702 do Código Civil de 2002, a obrigação
alimentar, que pode eventualmente ser estabelecida entre os cônjuges separados
litigiosamente, nasce de um ato ilícito. Seu fundamento consiste na ocorrência de
algum ato que viole os deveres do casamento e que seja imputável a um dos
cônjuges, a quem caberá a obrigação de prestar alimentos ao outro.
303
Preceitua o artigo 1.702 que precisa o cônjuge inocente ser também
desprovido de recursos, regra que é desnecessariamente repetida no caput do
artigo 1.704, a saber, sempre que não houver culpa por parte de um dos
cônjuges, a estipulação de alimentos será cabível.
304
Inovou o legislador de 2002 ao permitir que ao cônjuge considerado
culpado pela dissolução da sociedade conjugal, sob determinadas condições,
sejam concedido os alimentos.
Nestes termos dispõe o parágrafo único do artigo 1.704: ”Se o cônjuge
declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em
condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será
obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”
Assim, para que o cônjuge culpado faça jus aos alimentos a serem
prestados compulsoriamente pelo cônjuge inocente, deverão estar presentes
duas condições: não ter aptidão para o trabalho e não ter parentes (ascendentes,
descendentes ou irmãos) em condições de prestá-los.
303
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 51.
304
Veja-se a respeito: Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código
Civil brasileiro, cit., p. 157 e ss.
115
Contudo, a inovação não pára por aí, pois além do cônjuge preencher as
condições acima indicadas, na hipótese de ter sido declarado culpado pela
separação, os alimentos serão fixados no montante estritamente indispensável à
sobrevivência.
para o cônjuge inocente, bastará a prova de necessidade
(compreendendo a falta de aptidão para o trabalho) e a possibilidade do ex-
cônjuge, para estar habilitado a apresentar o pleito, sem necessidade de
demonstrar que possui ou não parentes em condições de prestá-los.
O artigo 1.694 dispõe serem os “alimentos que necessitem para viver de
modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação”; o valor dos alimentos deverá corresponder ao
que for necessário à preservação do padrão de vida que desfrutava durante o
casamento. Contudo, segundo Luiz Felipe Brasil Santos
305
, se mostra de todo
inadequada e fora da realidade. A permanecer tal expressão, o credor de
alimentos não poderá ter diminuído seu padrão de vida, quando é sabido que os
cônjuges, ao se separarem, terão despesas próprias de manutenção que não
poderão mais serem divididas, enquanto as rendas permanecem as mesmas, e
assim, na maioria das vezes, é difícil a manutenção do mesmo padrão de vida.
Em razão dessa incompatibilidade, tem curso perante o Congresso
Nacional tanto o Projeto de Lei n. 504/2007, quanto o Projeto de Lei n. 276/2007,
ambos propondo a alteração do artigo 1.694, para que passe a ter a seguinte
redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros
os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.”
Diverge, contudo, o Projeto de Lei n. 2285/2007 (Estatuto das Famílias),
que praticamente mantém a redação atual do artigo, ao estabelecer:
305
Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 4, n. 16, p. 13, jan./mar. 2003.
116
“Artigo 115 - Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou
parceiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem
para viver com dignidade e de modo compatível com a sua
condição social.” (grifamos).
Outra inovação em matéria alimentar trazida pelo Código Civil de 2002 foi
a inserção da culpa no parágrafo do mesmo artigo 1.694, in verbis: “Os
alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de
necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”
Sobre tal dispositivo legal, assim se manifesta Luiz Felipe Santos: “Essa
estranha regra determina a perquirição de culpa até mesmo em uma ação de
alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento
jurídico até o presente!”
306
A culpa tratada neste parágrafo do artigo 1.694 tem conteúdo distinto
do fixado no artigo 1.704, parágrafo único, no qual a culpa se configura ante a
grave violação dos deveres do casamento. no parágrafo ora enfocado, a culpa
decorre do próprio fato do pleiteante ser necessitado; por outras palavras, aquele
que pleiteia alimentos, e o faz por ter se tornado necessitado por sua própria
culpa, receberá tão-somente o necessário à sua sobrevivência.
307
Aponta ainda Luiz Felipe Brasil que mais crítica se torna a situação
quando a análise de tal dispositivo legal é feita quando a obrigação alimentar for
devida em decorrência de vínculo matrimonial. Nesse caso, a culpa adquire uma
dupla conotação: mantém-se a culpa decorrente da grave violação dos deveres
matrimoniais e se acresce uma nova perspectiva, a necessidade de investigar se
o cônjuge que pede alimentos contribuiu para a situação de necessidade.
308
Diante da estranha e complicada fórmula de fixação de alimentos a quem
deles necessita, o Projeto de Lei n. 504/2007 propõe a eliminação do parágrafo 2º
do artigo 1.694 do atual Código Civil.
306
Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p.14.
307
Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 15.
308
Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 15.
117
Contrariamente, o Projeto de Lei n. 2285/2007 mantém a íntegra do texto
no parágrafo do artigo 115, apenas o limitando aos alimentos devidos entre
parentes: “Os alimentos devidos aos parentes são apenas os indispensáveis à
subsistência, quando o alimentando der causa à situação de necessidade.”
Já o Projeto de Lei n. 276/2007, acolhendo proposta idealizada pelo
IBDFAM como forma de sedimentação daquilo que vinha sendo indicado pela
doutrina e pela jurisprudência, sugere a inclusão de mais um parágrafo, com
seguinte teor: “§ - A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe
de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem
rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos,
especialmente para sua educação.”
A proposta do Estatuto das Famílias mantém o mesmo sentido
apresentado acima, sugerindo apenas redação diversa, conforme o parágrafo
único do artigo 116.
Importante alteração foi trazida no artigo 1.707, que expressamente
dispõe que o direito a alimentos é irrenunciável. Previa o Código anterior que o
direito a alimentos era irrenunciável, no revogado artigo 404. Mas a jurisprudência
havia firmado entendimento de que somente os alimentos decorrentes do
parentesco tinham essa característica:
“DIVÓRCIO Alimentos. Renúncia. Renunciando o cônjuge a
alimentos, em acordo de divórcio, por dispor de meios para
manter-se, a cláusula é válida e eficaz, não podendo mais
pretender seja pensionado.” (STJ RESP n. 17719/BA, 3ªT., rel.
Min. Eduardo Ribeiro, j.16.03.1992, v.u.).
“DIVÓRCIO Alimentos. Renúncia. Recurso especial que investe
contra decisão prolatada sob duplo fundamento. E inadmissível o
recurso especial, se a decisão recorrida assenta em mais de um
fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Aplicação da Súmula n. 283/STF. Eficaz é a renúncia aos
alimentos manifestada pelo cônjuge em acordo de separação
judicial, mormente quando, como no caso, sobrevenha o divórcio.
Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido.” (STJ
RESP n. 8.862/DF, T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 12.05.1992,
v.u.)
118
Entretanto, o novo Código Civil, abrindo o Subtítulo III destinado aos
alimentos, dispôs pelo artigo 1.694 que os alimentos ali tratados eram os devidos
tanto em razão do parentesco, como do casamento, bem como da união estável,
de forma que a regra da indisponibilidade, pelo novo Código, aplica-se de forma
indiscutível a todo o direito alimentar, independentemente de sua origem.
Retomamos, sob esse aspecto, as críticas tecidas por Luiz Felipe Santos
quanto às inovações trazidas no campo alimentar, que considera lamentáveis,
pois os alimentos têm cunho patrimonial e, ao se falar de prestação alimentar
decorrente de casamento, que de muito se tornou um vínculo dissolúvel, é
injustificável associá-lo à geração de um direito indisponível.
309
Em conseqüência, o Projeto de Lei n. 504/2007 propõe a alteração de tal
dispositivo, para que passe a ter a seguinte redação:
“Artigo 1.707 - O credor pode renunciar o direito a alimentos, salvo
quando a obrigação decorrer de relação de parentesco.
Parágrafo único - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão,
compensação ou penhora.”
O Projeto de Lei n. 276/2007 também apresenta proposta de alteração do
artigo 1.707, para que fique constando a seguinte redação:
“Artigo 1.707 - Tratando-se de alimentos devidos por relação de
parentesco, pode o credor não exercer, porém lhe é vedado
renunciar ao direito a alimentos.
Parágrafo único - O crédito de pensão alimentícia, oriundo de
relação de parentesco, de casamento ou de união estável, é
insuscetível de cessão, penhora ou compensação.”
310
o Projeto de Lei n. 2.285/2007 não faz qualquer referência à
renunciabilidade do direito a alimentos, mas apenas, no artigo 120, que o seu
crédito é insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
Uma vez rompido o vínculo do casamento, não subsiste o dever de
assistência estabelecido por ocasião de sua celebração.
309
Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 25.
310
Veja-se a justificativa apresentada para a alteração do artigo 1.707 no Projeto de Lei n.
276/2007.
119
A jurisprudência mais recente vem entendendo que apenas os alimentos
decorrentes do parentesco são indisponíveis, e não os devidos em razão do
casamento, conforme se depreende das decisões:
“DIVÓRCIO CONSENSUAL Alimentos. Renúncia. Não pode o
ex-cônjuge pretender receber alimentos do outro, quando a tanto
renunciara no divórcio devidamente homologado, por dispor de
meios próprios para o seu sustento. Recurso conhecido e
provido.” (STJ RESP n. 226.330/GO, T., rel. Min. César Asfor
Rocha, j.05.12.2002, v.u.).
“CIVIL Família. Separação consensual. Conversão. Divórcio.
Alimentos. Dispensa mútua. Postulação posterior. Ex-cônjuge.
Impossibilidade. 1. Se dispensa mútua entre os cônjuges
quanto à prestação alimentícia e na conversão da separação
consensual em divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto a
essa parcela, o pode um dos ex-cônjuges, posteriormente,
postular alimentos, dado que definitivamente dissolvido
qualquer vínculo existente entre eles. Precedentes iterativos desta
Corte. 2. Recurso especial não conhecido. (STJ RESP n.
199.427/SP, T., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09.03.2004,
v.u.).
“DIREITO CIVIL e PROCESSUAL CIVIL Família. Recurso
especial. Separação judicial. Acordo homologado. Cláusula de
renúncia a alimentos. Posterior ajuizamento de ação de alimentos
por ex-cônjuge. Carência de ação. Ilegitimidade ativa. A cláusula
de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação
devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-
cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a
pleitear o encargo. Deve ser reconhecida a carência da ação, por
ilegitimidade ativa do ex-cônjuge para postular em juízo o que
anteriormente renunciara expressamente. Recurso especial
conhecido e provido.” (STJ RESP n. 701902/SP, 3ªT., rel. Min.
Nancy Andrighi, j.15.09.2005, v.u.).
Procuramos, no presente capítulo, deixar claro que o legislador de 2002,
embora tenha conservado a modalidade culposa de dissolução da sociedade
conjugal, ao enfraquecer os efeitos da culpa pela separação, sinalizou o novo
caminho a ser trilhado pelo casal que procura pôr fim ao casamento, a via
consensual e, na sua impossibilidade, a via objetiva, na qual não se questionam
os motivos que os levaram a buscar a separação, pois a opção pela via litigiosa
culposa constitui, na atualidade, um desgaste emocional para se encontrar um
culpado, cujas conseqüências tornaram-se inócuas.
CAPÍTULO VI
QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A SEPARAÇÃO JUDICIAL
LITIGIOSA
6.1 A culpa na dissolução da sociedade conjugal
Na atualidade, questiona-se por que perquirir a culpa pelo fracasso do
casamento e quais as suas conseqüências jurídicas, se atualmente, sob a
vigência do novo Código Civil, os efeitos da culpa na separação judicial foram
amplamente mitigados?
311
Embora atenuada a incidência da culpa conjugal, muitas pessoas vêem
na separação litigiosa um meio de receber a guarda dos filhos, ou de se livrar da
prestação alimentícia, chegando mesmo a forjar provas contra o outro cônjuge, ou
ainda, por vezes, mesmo que nada tenham a lucrar com a condenação do outro
cônjuge, insistem na demanda “pelo simples fato de receber um atestado de que
foi ‘vítima’, estigmatizando o outro consorte com o peso da culpa”.
312
Para Rodrigo da Cunha Pereira, “o Judiciário é o lugar onde as partes
depositam seus restos. O resto do amor e de uma conjugalidade que deixa
sempre a sensação de que alguém foi enganado, traído”.
313
Para o casal que vive uma crise conjugal, é muito mais fácil atribuir a
culpa ao outro cônjuge. A responsabilidade é sempre do outro. Entretanto, aquele
que aparece como culpado muitas vezes foi, de alguma forma, induzido ou
empurrado a manter uma relação extraconjugal, por exemplo, em razão da falta
311
Adélia Moreira Pessoa. A objetivação da ruptura na separação judicial, cit., p. 51.
312
Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:
uma afronta à Constituição?, cit., p. 274.
313
Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, in Eliana Riberti Nazareth; Adauto
Alonso S. Suannes, Direito de família e ciências humanas, São Paulo: Editora Jurídica Brasileira,
2000, p. 138 (Caderno de Estudos n. 3).
121
de afeto e carinho, ou por vezes por ter chegado ao fim o sentimento que um dia
o uniu ao outro.
314
Segundo Cristiano Chaves de Farias
315
, existe a mais absoluta falta de
interesse jurídico na discussão da culpa; inexiste qualquer utilidade prática na
declaração judicial da culpa, uma vez que os efeitos decorrentes da condenação
por causa culposa atualmente se submetem a regras próprias, não se vinculando
mais à confirmação judicial de existência da culpa de qualquer dos consortes.
316
Com supedâneo em Rolf Madaleno, Cristiano de Farias esclarece que a
atual fase do direito de família se caracteriza pela desdramatização da separação,
pela superação do culto à causa culposa de final de casamento, que tem se
prestado a aumentar as amarguras, tristezas e humilhações.
317
Mas a culpa no direito de família há de ser abordada dentro do aspecto da
sua utilidade para o deslinde do problema; como explicita Claudete Carvalho
Canezin, a culpa somente deverá ser analisada quando trouxer algum benefício
às pessoas envolvidas na demanda.
Contudo, segundo a autora, em uma ação de separação judicial, a
aferição da culpa somente servirá para sacramentar a decisão do casal em
separar-se, uma vez que durante a perquirição sobre quem seja o culpado, virão
à tona todos os momentos de discórdia, de desunião e desamor, todas as
mazelas do casal ocorridas durante os anos de casamento que, de um passado
distante, passam, como num passe de mágica, a pertencer ao presente, o de fato
que inviabiliza uma eventual reconciliação do casal.
318
314
Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 138.
315
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 73.
316
Sob esse aspecto, acompanhamos Marcelo Truzzi Otero, que discorda de Cristiano Chaves, na
medida que existindo previsão legal para tanto no Código Civil, não se poderá negar a existência
de interesse processual na discussão da culpa (A separação judicial no Código Civil, cit., p. 44).
317
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 73.
318
Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 752-753.
122
Nessa medida, entende a autora que a aferição de culpa interessa
apenas ao Poder Judiciário, que aplica sanções previstas na lei para aquele que
descumpre os deveres conjugais e, conseqüentemente, dá causa à separação.
319
Para vários autores ainda, a ação de separação-sanção muitas vezes é
utilizada com o único intuito de vingança. Esse tipo de processo segue na contra-
mão da valorização da dignidade humana, servindo apenas para degradá-la,
que movida por sentimentos egoísticos e de péssima índole.
320
6.2 Aspectos doutrinários da questão da culpabilidade na
separação judicial litigiosa
Pelas críticas apresentadas em decorrência da manutenção do sistema
de separação culposa no novo Código Civil, fica claro que o debate sobre a sua
permanência no ordenamento jurídico está longe de atingir uma unanimidade. É
possível assim encontrar partidários de renome tanto no sentido de sua exclusão,
como no de sua manutenção, instigando a continuidade do questionamento sobre
suas origens e efeitos.
6.2.1 Corrente contrária à manutenção da separação culposa
Tal entendimento tem como ferrenho defensor Gustavo Tepedino que, ao
tratar do papel da culpa na separação e no divórcio, desenvolve a tese de ter a
Constituição Federal de 1988 alterado radicalmente o quadro normativo da
família, transformando sua estrutura.
321
A família, enquanto base da sociedade, terá especial proteção do Estado,
na medida que cumpra o seu papel, que passou a ser instrumental, considerando-
319
Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 746.
320
Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 195.
321
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 367 e ss.
123
se os preceitos constitucionais estabelecidos nos artigos 226 e 227, a saber
garantia da igualdade entre homens e mulheres nas relações conjugais,
planejamento familiar fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e
paternidade responsável, em especial promoção dos direitos inerentes à plena
realização da personalidade dos filhos. É certo que tais preceitos
obrigatoriamente deverão ser interpretados à luz dos princípios fundamentais dos
artigos 1º a 4º da Carta Magna.
Dessa forma, se a unidade da família, a partir da Constituição Federal de
1988, não mais se identifica com a unidade do casamento, não se pode mais
associar a aplicação de sanções que dizem respeito a efeitos jurídicos
existenciais à culpa tais como alimentos, guarda de filhos menores, nome da
mulher casada pela ruptura do vínculo conjugal, por falta do necessário suporte
axiológico.
Ana Caroline Santos Ceolin, compartilhando desse entendimento
322
, para
análise da culpa na dissolução da sociedade conjugal, parte da reviravolta
provocada na família pela nova sistemática jurídica adotada pela Carta Magna de
1988, que erigiu como cânone absoluto o princípio da dignidade da pessoa
humana.
Com o advento da Constituição Federal, deu-se a mudança da valoração
do casamento, que deixou de ter valor em si mesmo. A busca de um culpado
perdeu sua razão de ser, esvaziando o preceito normativo contido no artigo da
Lei n. 6.515/77, reproduzido em parte no artigo 1.572, caput do novo Código Civil.
A incompatibilidade entre o elemento culpa e a nova sistemática jurídica
da família fundada agora no amor, no companheirismo e no respeito mútuo (arts.
1.565, caput e 1.566, V do CC/2002) sobressai aos olhos, quando se vê o
casamento como um mero contrato.
322
Ana Caroline Santos Ceolin, A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 27 e ss.
124
Ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar o seu
cônjuge. Imputar a culpa a um dos cônjuges pelo simples fato de seus
sentimentos não serem mais os mesmos do início do casamento é incorrer em
grave equívoco e ignorar todas as mudanças ocorridas no seio familiar, que
elevaram o afeto a seu elemento caracterizador.
323
A referência aos deveres do casamento se mostra oportuna quando o
casamento se aproxima do fim. Bem lembra Renan Lotufo
324
a frase de Agostinho
Alvim, de que “o direito de família começa onde termina o amor”.
Entendemos que é exatamente isso que ocorre na vida de um casal. Os
sentimentos que regem suas vidas independem de imposição legal, bem como
não dependem de coerção judicial para serem respeitados.
Quando entre eles reina o amor e o respeito mútuo, torna-se inócua e
impertinente a referência aos deveres conjugais, uma vez que se revelam
inerentes ao afeto que os une.
Quem ama, não é infiel. Quem ama, busca manter vida em comum. Quem
ama, presta mútua assistência. Quem ama, colabora com o sustento, com a
guarda e com a educação dos filhos que advierem dessa união. Quem ama,
respeita e tem consideração para com o outro cônjuge. Não há necessidade de lei
para que tais ditames sejam observados.
A necessidade dos deveres decorrentes do matrimônio estar registrados
no texto legal surge no momento em que os conflitos entre os cônjuges
aparecem, anunciando o fim do casamento.
325
323
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 41.
324
Renan Lotufo. Separação e divórcio no ordenamento jurídico brasileiro e comparado, cit., p.
209.
325
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 42.
125
A sistemática mantida no novo Código Civil de apuração da culpa pela
dissolução da sociedade conjugal é insatisfatória, segundo essa corrente de
doutrinadores, pois o fato da lei impingir ao cônjuge que violou algum dos deveres
conjugais a pecha de culpado faz aumentar as desavenças entre os cônjuges.
Assim, cai por terra a primeira intenção do legislador de, através da culpa, manter
a incolumidade do casamento.
Na prática, o que se constata é que a culpa não se mostra como um meio
eficiente de conter ou diminuir os litígios conjugais. Ao contrário, os processos de
separação revelam um aspecto destrutivo, na medida que, no afã de atribuir culpa
ao outro pela dissolução do casamento, um acirramento dos ânimos e um
maior desgaste emocional de todos os envolvidos, não só os cônjuges, mas
também os filhos.
Concluindo, Ana Caroline comenta que “centrando-se a família
contemporânea em valores existenciais e sendo o relacionamento dos cônjuges
marcado pela afetividade e respeito mútuo, uma vez extintos esses sentimentos,
a própria relação conjugal se esvai, não cabendo ao Poder Judiciário, tampouco
ao Legislativo retardar ou dificultar esse inevitável desenlace”.
326
O princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do direito de
família, segundo Leonardo Barreto Moreira Alves, provocou o abrupto
desabamento de todo o edifício da família criado pelo Código Civil de 1916, o que
acabou por provocar inúmeras conseqüências, dentre as quais destaca a
completa falência do sistema de influência da culpa na separação-sanção, como
elemento impeditivo da separação e sancionador do cônjuge considerado
culpado.
327
326
Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código
Civil, cit., p. 43.
327
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 100.
126
Rodrigo da Cunha Pereira desabafa: “Investigar sobre a culpa é adentrar
em uma das questões mais inquietantes do ser humano. É pensar na angústia
existencial e na eterna luta entre o bem e o mal que há em cada um de nós.”
328
Vislumbra o autor a possibilidade de reconsideração do princípio da culpa
instalado no ordenamento jurídico brasileiro, diante da tímida sinalização dada
pelo legislador de 2002, que apontou para a tendência da substituição do
“malfadado princípio da culpa”, pela instalação do simples princípio da ruptura.
329
No mesmo diapasão segue Maria Berenice Dias
330
, que critica a
manutenção do sistema de culpa pela nova lei, por ter ela nessa medida criado
uma “reserva de mercado” em favor do inocente, que o habilita a buscar a
separação com exclusividade, e assim obter benefícios em proveito próprio, além
de impor punições ao outro.
Além disso, entende a autora que a perquirição da causa da separação
constitui violação do que chama de sagrado direito de respeito à dignidade da
pessoa humana, ao autorizar a ingerência do Estado na vida dos cônjuges,
obrigando-os a revelar a intimidade do outro, para que, de forma estéril e
desnecessária, o juiz, ao final do processo, imponha a pecha de culpado ao
réu.
331
No mesmo sentido dispõe Christiana Brito Caribé
332
, ao entender que a
investigação da culpa é uma intromissão injustificada do Estado na vida íntima
das pessoas, considerando-se o reconhecimento da dignidade humana como
valor supremo, que implica a proibição do Estado de interferir em determinadas
áreas da esfera privada do indivíduo. Para a autora, as conseqüências legais
impostas ao cônjuge considerado culpado pela separação são incompatíveis com
o princípio da dignidade da pessoa humana.
328
Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 139.
329
Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 144.
330
Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, cit., p. 71.
331
Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, cit., p. 72.
332
Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:
uma afronta à Constituição?, cit., p. 277.
127
Cristiano Chaves de Farias entende ser inconstitucional a discussão da
culpa, sendo descabida qualquer pesquisa sobre a culpa, uma vez que a ruptura
conjugal deriva apenas da vontade de exercitar o direito à dissolução do
casamento: “Perquirir sobre a culpa, após a promulgação da Magna Carta de
1988, tornou-se um exercício indevido e descabido, ainda que tenha ocorrido
violação de deveres matrimoniais por um dos cônjuges, por ferir frontalmente as
garantias constitucionais da pessoa humana.”
333
Para Rolf Madaleno, o único caminho aceitável para a obtenção da
separação litigiosa é o das causas objetivas, que “trilha pela total abstração da
culpa na separação judicial”, devendo ser considerada como suficiente motivação
a mera vontade de se separar dos cônjuges, com a demonstração de que se
tornou impossível a convivência.
334
Segundo Henry Petry Junior, “a eliminação ou superação da culpa
mostra-se como caminho mais sintonizado com o direito de família
contemporâneo, preservando-se os filhos do casamento”.
335
Em razão e como concretização do posicionamento adotado por essa
corrente de doutrinadores, foi apresentado o Projeto de Lei n. 507/2007, que
propõe a alteração e revogação de dispositivos do Código Civil que versam sobre
a culpa e seus efeitos na separação dos cônjuges, em especial o artigo 1.572, par
o qual sugere a seguinte redação: “Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá
propor a ação de separação judicial, quando cessar a comunhão de vida.”
No mesmo sentido, propõe o Estatuto das Famílias: “Artigo 57 - É
facultado aos cônjuges pôr fim à sociedade conjugal, mediante separação judicial
ou extrajudicial.”
333
Cristiano Chaves de Farias. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar e
permanecer casado: eis a questão), in Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Afeto, ética, família e
o novo Código Civil: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte:
IBDFAM; Del Rey, 2004, p. 116-120.
334
Rolf Madaleno. A infidelidade e o mito causal da separação, Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, ano 3, n. 11, p. 158, out./dez. 2001.
335
Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica
constitucional, cit., p. 142.
128
6.2.2 Doutrina favorável à permanência da separação culposa
Regina Beatriz Tavares da Silva
336
, forte defensora da manutenção da
separação culposa no nosso ordenamento jurídico, entende que, através das
inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 aos alimentos, à guarda dos filhos
menores e ao nome da mulher casada, foi procedida a eliminação das
inadequações da legislação anterior, conservando dentre as causas a de
dissolução da sociedade conjugal a modalidade culposa.
Através da associação da culpa pela ruptura do casamento à prática de
ato ilícito, na medida que a culpa na separação é atribuída a quem violou os
deveres do casamento, inseriu-se a matéria no campo da responsabilidade civil.
Nessas condições, entende a autora ser pertinente a intervenção do Estado na
apuração da culpa pela dissolução da sociedade conjugal, que a apuração do
ato ilícito é da competência do Estado, que deve prestar a tutela jurisdicional
solicitada pelo lesado.
Entende a autora que a declaração judicial da culpa na ruptura do
casamento pode gerar efeitos relevantes na preservação da dignidade da pessoa
humana, por meio da aplicação dos princípios da responsabilidade civil.
Conclui que se for retirada do texto normativo a sanção imposta àqueles
que violam os deveres do casamento, estar-se-á transformando-os em meras
recomendações que retirariam a devida proteção à dignidade das pessoas nas
relações de casamento.
Participa da mesma corrente Sérgio Gischkow Pereira, não concordando
com a possibilidade de ser excluída da legislação a previsão de separação por
causa culposa.
336
Ver a respeito: Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo
conjugal, in Domingos Franciulli Netto; Gilmar Ferreira; Ives Gandra da Silva Martins Filho
(Coords.), O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, São Paulo:
LTr, 2003, p. 1.295 e ss.
129
Discorda esse autor da tese de inconstitucionalidade da manutenção do
questionamento da culpa na dissolução da sociedade conjugal. Entende ser
forçada e duvidosa tal tese, uma vez que o conceito de dignidade humana é
elástico o suficiente para abarcar o direito moral da parte que se sentiu ofendida,
de demonstrar que não foi ela a culpada pela destruição do casamento.
Para Sérgio Gischkow Pereira, dentro de uma concepção tridimensional
do direito (fato-valor-norma, nos termos postos por Miguel Reale), a realidade
social e valorativa do povo demonstra apego à indagação sobre o responsável
pela ruptura do casamento. Discorda assim das críticas tecidas ao novo Código
Civil de que o legislador teria imposto uma solução desvinculada da expectativa
da sociedade.
Francisco José Cahali, atualizador do volume de direito de família da obra
de Silvio Rodrigues, entende que não se pode retirar do inocente o direito de
buscar eventuais repercussões pelo comportamento faltoso do seu consorte.
Sugere fosse permitida a discussão exclusivamente dos efeitos secundários da
culpa, sem, todavia, condicionar o seu reconhecimento ao deferimento da
separação.
337
José Sebastião de Oliveira, embora reconheça os fortes argumentos da
corrente que defende o fim da separação por culpa, conclui que, apesar do
sistema atual não ser o ideal, demonstra preocupação com a erradicação
absoluta dos dispositivos referentes à culpa. Segundo ele, é injusto que alguém
que não tenha qualquer responsabilidade pelo fim do relacionamento conjugal
fique obrigado a pagar alimentos ao consorte culpado, assim como o consorte
responsável pelo desenlace continue a usar o nome do outro.
338
Para Marcelo Truzzi Otero, é pertinente a manutenção da culpa na
separação, na medida que a sua apuração está relacionada a eventual pretensão
indenizatória. O sucesso da demanda indenizatória está condicionada à apuração
337
Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 226.
338
José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, cit., p. 141.
130
da violação dos deveres decorrentes do casamento, que podem ser explícitos ou
implícitos, o que somente será possível em sede de separação judicial culposa.
339
Ana Cecília Parodi reconhecendo a importância da corrente que defende
a exclusão da culpa na separação do nosso ordenamento jurídico, esclarece ser
muito cedo para se decretar o fim da validade sócio-jurídica do sistema de
culpas.
340
Elogia os avanços trazidos pelo Código Civil de 2002, uma vez que
apresenta um rol de causas para a dissolução conjugal meramente
exemplificativo, assim como a facilitação tanto da separação quanto do divórcio,
através do fortalecimento do princípio da ruptura da vida em comum.
Concordando com manifestação de Rodrigo da Cunha Pereira, esclarece
a autora que essas inovações são melhor aproveitadas pelas pessoas mais
resolvidas emocionalmente, que têm a tendência de provocar menos o Poder
Judiciário
341
, mas aponta a existência de grande parte da sociedade que precisa,
organicamente, da regulamentação estatal sobre as dissoluções litigiosas. E, com
vista à proteção desse segmento da sociedade, é que o sistema de causas
culposas foi mantido no sistema legislativo, mesmo porque o modelo eudemonista
adotado pelo constituinte de 1988 não abandonou inteiramente o sentido de
preservação da unidade familiar.
Pondera a autora que a Constituição Federal se ocupou de descrever as
entidades típicas e de prescrever a sua importância social para o direito positivo,
e o Código Civil, dando cumprimento ao disposto no texto constitucional, trata
detalhadamente da regulamentação das relações familiares, tanto no sentido
horizontal, quanto no vertical.
339
Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, cit., p. 44-45.
340
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos,
Campinas: Russell, 2007, p. 239.
341
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
241.
131
Em conseqüência, se o legislador concentra normas de ordem pública
para delimitar a esfera de atuação dos indivíduos nas relações familiares, não
como deixar de se entender como válido o sistema de causas dissolutórias.
Indaga a autora: “Afinal, qual a eficácia de uma norma publicista positivada se não
cominar penalidade correlata para o seu descumprimento? Equivale a decretar a
falência de todo o sistema familiarista.”
342
Inácio de Carvalho Neto, em contrapartida, critica o sistema adotado pelo
novo Código Civil na fixação da separação litigiosa, por considerá-lo
incongruente, que mistura o sistema de causas genéricas com causas
taxativas, denominando-o de “sistema de causas mistas”.
343
No entender do autor, o melhor sistema de causas para a separação
judicial é o de causas taxativas, que abrange todas as formas de infração aos
deveres do casamento, com graves conseqüências para o cônjuge culpado,
devendo ainda aliar-se a uma ampla possibilidade de separação judicial sem
culpa, sem conseqüências para os cônjuges.
Para Inácio de Carvalho Neto, deve-se sempre permitir a separação não
culposa, tendo em vista que ninguém deve ser obrigado a conviver com quem não
mais ame ou que nunca tenha amado, bem como se deve permitir à vítima de
uma grave violação de um dos deveres do casamento a separação culposa, com
imposição de sanções, tais como obrigação de pagamento de alimentos ao
inocente e, se for o caso, indenização.
Flávio Tartuce e José Fernando Simão compartilham dessa corrente,
manifestando-se desfavoráveis à mitigação da culpa em todos os casos
envolvendo a separação-sanção, em especial naqueles em que os cônjuges têm
atitudes violentas ou que violem a dignidade do outro. Nesses casos, entendem
que a discussão da culpa tem o objetivo de imputar responsabilidade civil ao
342
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
241.
343
Inácio de Carvalho Neto. A culpa na separação judicial, Revista Brasileira de Direito de Família,
Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano7, n. 30, p. 59, jun./jul. 2005.
132
outro, inclusive por danos morais, nos termos dos artigos 186, 187 e 917 do
Código Civil de 2002. Realçam que provavelmente somente nesses casos poderá
ser utilizada a culpa como causa de separação.
344
6.3 Responsabilidade civil por danos morais na separação
litigiosa
Tradicionalmente se entendia que, no âmbito da família, as relações
jurídicas surgidas não guardariam qualquer vínculo com as normas jurídicas que
regulavam as demais expressões do comportamento humano. Criou-se, em torno
das relações familiares, uma aura de impenetrabilidade, como se não houvesse
pontos de convergência com as demais normas de direito.
345
As condutas praticadas dentro dos limites das relações familiares, lesivas
ou não a quaisquer de seus membros, não seriam susceptíveis à incidência das
regras da responsabilidade civil, como se existisse uma espécie de imunização
desses acontecimentos às normas que tutelam, nas outras áreas jurídicas, os
direitos patrimoniais e extrapatrimoniais eventualmente violados.
346
Acreditava-se que tais relações, por seu caráter peculiar, seriam regradas
pelos próprios institutos do direito de família.
Nessa medida, a violação dos deveres conjugais, por exemplo, teria como
conseqüência única a possibilidade da dissolução da sociedade conjugal, com
efeitos pessoais e patrimoniais previstos em suas normas especiais, tais como a
regulamentação da guarda dos filhos, das visitas, do uso do nome do outro
cônjuge, cessação do regime de bens, partilha do patrimônio comum e
estabelecimento da obrigação alimentar.
347
344
Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 196.
345
Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, in Maria
Helena Diniz; Roberto Senise Lisboa (Coords.), O direito civil no século XXI, São Paulo: Saraiva,
2003. p. 95.
346
Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, São Paulo: Método, 2006. p. 17.
347
Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 18.
133
Segundo Bernardo Castelo Branco, entendia-se que as relações jurídicas
no âmbito familiar, por sua natureza extrapatrimonial, não admitiam a aplicação
dos princípios prescritos pela responsabilidade civil, cabendo aos institutos
próprios do direito de família a tarefa de substituir a reparação de danos causados
a um de seus membros pelo comportamento antijurídico do outro.
A própria matéria relativa à reparação civil por danos morais teve longa e
árdua evolução, ante as resistências apresentadas quanto à sua conceituação,
que procurava se embasar na incerteza quanto à existência de um direito violado,
na impossibilidade de estabelecer-se equivalência entre o dano moral e o
ressarcimento e na imoralidade da compensação da dor com dinheiro.
348
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os argumentos
contrários à indenizabilidade do dano moral caíram por terra em definitivo. O
artigo 5º, inciso X, da Lei Maior veio a garantir a reparação do dano moral
decorrente de violação a todos os direitos da personalidade: “São invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
349
Tendo ainda a Carta Magna transformado a dignidade da pessoa humana
em princípio fundamental, a idéia de que os institutos de direito de família seriam
suficientes a reparar os danos causados pelo comportamento antijurídico no
âmbito familiar deixou de encontrar respaldo na atualidade, na medida que os
diferentes membros desse núcleo social, independentemente do papel que nele
exercem, gozam de ampla proteção com relação aos direitos dos quais são
titulares, em especial os ligados à personalidade, sendo inadmissível que os
responsáveis por eventual violação permaneçam imunes à respectiva sanção,
mesmo quando a infração se nos limites de uma relação jurídica de caráter
especial, como é a relação de direito de família.
350
348
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
São Paulo: Saraiva, 1999, p. 150.
349
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 152.
350
Yussef Said Cahali. Dano moral, 3. ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53.
134
Por outro lado, a responsabilidade civil também mudou, passando da
atenção exclusiva para o ato ilícito, para a preocupação com o dano injusto ou
injustificado.
351
Em razão disso, a admissibilidade da reparação dos danos morais nas
relações de família é fenômeno recente, pois durante séculos não se cogitou
sequer acerca dessa possibilidade.
352
Contudo, a questão jurídica sobre o cabimento da responsabilidade civil
entre cônjuges está longe de ser pacificada, pois, ao contrário do que se verifica
em países como França e Portugal, o Brasil não possui norma específica a
respeito da matéria, dando assim margem à formação de diferentes correntes
doutrinárias e jurisprudências conflitantes sobre a matéria.
O ponto central da discussão se resume na possibilidade do cônjuge
responsável pelo fim do casamento poder ou não ser condenado a reparar os
danos materiais e morais causados ao cônjuge inocente.
353
6.3.1 Teoria contrária à indenização por ato culposo
Considerada a mais tradicional das correntes, assume postura contrária à
indenização dos danos decorrentes do ato culposo entre os cônjuges,
apresentando como justificativa a ausência de disposição expressa nesse sentido
e o fato do ordenamento jurídico dentro do campo do direito de família conter
sanções específicas a serem impostas ao cônjuge culpado.
Os partidários desta corrente entendem ser o direito de família um ramo
especializado do direito civil, onde inexiste previsão legislativa de normas
regulando a reparação moral no âmbito do direito de família, como ao contrário
351
Maria Celina Bondin de Moraes. Danos morais em família? Conjugalidade, parentalidade e
responsabilidade civil, Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 102, n. 386, p. 186, jul./ago.
2006.
352
Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 55.
353
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 220.
135
existem dispositivos expressos regulando a indenização no caso das nulidades
matrimoniais e nas hipóteses de ruptura de noivado.
354
O segundo argumento apresentado se mostrava mais fortalecido antes da
promulgação do novo Código Civil, pois tanto o Código Civil de 1916, quanto a Lei
do Divórcio previam uma série de sanções a serem impostas ao cônjuge que
violasse os deveres matrimoniais, como a perda do direito à guarda dos filhos
menores, à utilização do nome pela mulher e à percepção de alimentos.
Não tendo o Código Civil de 2002 recepcionado boa parte das sanções
até então impostas na legislação específica, vez que foram mitigadas as
conseqüências decorrentes do decreto da separação culposa, como visto acima,
a tese que não admite a responsabilidade civil entre consortes adotou novo
fundamento para embasá-la, e a moderna tendência de dispensabilidade de
averiguação da culpa pelo fim do enlace matrimonial
355
tornou-se a causa
impeditiva de qualquer questionamento sobre responsabilidade civil em
decorrência da separação judicial.
Caetano Lagrasta entende ser possível a indenização por danos morais,
desde que desvinculada do processo de separação, pois admitir a reparação de
danos em decorrência da culpa na separação dentro do litígio separatório significa
imiscuir no direito de família questões que não lhe dizem respeito, a não ser
indiretamente, que não se apresentam mais como razão do fim do casamento,
mas como conseqüência do fim de um sentimento, que considera irreparável.
356
Para Maria Celina Bondin, do casamento decorrem várias conseqüências
jurídicas, consubstanciadas nos deveres do casamento. O descumprimento
desses deveres gera, nos termos do artigo 1.572 do Código Civil, apenas a
possibilidade de se propor a separação judicial, nada mais.
357
354
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, in Mario Luiz Delgado; Jones Figueiredo Alves
(Coords.), Novo Código Civil: questões controvertidas, São Paulo: Método, 2006, p. 536.
355
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 221.
356
Caetano Lagrasta. Dano moral no direito de família, Revista do Advogado, São Paulo,
Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), v. 27, n. 91, p. 32, maio 2007.
357
Maria Celina Bondin de Moraes. Danos morais em família? Conjugalidade, parentalidade e
responsabilidade civil, cit., p. 193.
136
Para a autora, a falta de preceito expresso na legislação brasileira, com
previsão de ressarcimento por danos causados pela separação, impede o pleito
por si só, ainda que reconheça que tal ocorrência cause sofrimentos relevantes.
Entretanto, faz ressalva sobre a possibilidade do dano causado em decorrência
da prática de ato tipificado como ilícito penal ser inquestionavelmente reparável,
pois se cuida de situação que merece proteção e reparação, independentemente
de ter ocorrido entre consortes.
Cristiano Chaves de Farias, comungando com o entendimento esposado
por Maria Celina Bondin, entende não ser cabível o ressarcimento por danos
morais em decorrência de infração dos deveres de casamento, tendo em vista a
ausência de legislação específica que venha a impor sanção pecuniária ao
causador da separação, quer por danos materiais, quer por danos morais sofridos
pelo cônjuge considerado inocente.
358
Entende o autor que a possibilidade de indenização por ocasião da
separação litigiosa culposa somente terá lugar caso a conduta do cônjuge
culpado seja tipificada como crime, devendo seu comportamento delituoso ser
ofensivo à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo-lhe dor martirizante
e profundo mal-estar e angústia, sendo certo que a ausência do questionamento e
prova da culpa inibe o questionamento de qualquer reparação civil.
359
Cristian Fetter Mold apresenta postura mais radical. Para ele, no âmbito
de direito de família, não se pode falar em culpa ou em responsabilidade civil. A
única responsabilidade que reconhece como imposta no direito de família é “o
direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”. O amor é uma estrada de mão
dupla, na qual os cônjuges são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas,
logo não cabe a discussão de culpa.
360
358
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 59.
359
Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem
para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 60.
360
Christian Fetter Mold. Novos olhares sobre a separação e o divórcio, Revista CEJ, Brasília,
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, v. 10, n. 34, p. 5-10, set. 2006.
137
Sérgio Gischkow Pereira reconhece que não se pode aceitar que um
cônjuge agrida o outro física ou moralmente, e tal ato deve ser indenizado por
danos morais, assim como qualquer outra pessoa estaria sujeita a indenizar
outrem por danos morais, se empreendesse tais agressões. O perigo temido pelo
autor é a “monetarização” das relações familiares. Segundo ele, “a prosperar este
exagero, praticamente toda a ação de separação judicial ensejaria pedido
cumulado de perdas e danos morais, em deplorável e perniciosa monetarização
das relações erótico-afetivas!”
361
Analisando a atual concepção de família, prescreve que, num momento
em que se proclama o “amor” como sendo o ponto central e alicerce no novo
direito de família, é incoerente admitir-se a mensuração de sentimentos e
impulsos eróticos através do dinheiro.
362
Pedro Thomé de Arruda Neto comunga do entendimento de Sérgio
Gischkow Pereira, vendo como perniciosa a “tarifação das relações familiares”
363
.
Entende que a possibilidade de indenização deve se restringir às hipóteses em
que o ato configurador da infração aos deveres do casamento se caracterize
também como um ilícito penal.
Defende ainda Pedro Thomé a mínima intervenção estatal nas esferas
das liberdades individuais e uma penalização mínima, diante da possibilidade de
se cometer absurdos fáticos de difícil correção.
364
Segundo Maria Berenice Dias
365
, na atualidade uma acentuada
tendência de ampliar o instituto da responsabilidade civil, deslocando-se o eixo do
elemento do “fato ilícito” para o “dano injusto”. Essa tendência decorre dos
desdobramentos dos direitos da personalidade, que fazem aumentar as hipóteses
de ofensa. Hoje em dia, a busca de indenização por dano moral, diz a autora,
transformou-se na “panacéia para todos os males”.
361
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 80-81.
362
Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 84.
363
Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 282.
364
Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 282.
365
Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,
p. 113.
138
A doutrina, transplantando tal teoria para as relações familiares, passou a
defender a possibilidade de busca de indenização por danos morais em
decorrência do fim dos vínculos afetivos, no momento em que vem sendo cada
vez mais afastada a culpa na dissolução do vínculo matrimonial.
Para Maria Berenice Dias, importante é fazer a distinção entre a prática
de ato ilícito que gera a obrigação de indenizar e a grave infração aos deveres do
casamento que torna insuportável a vida em comum.
366
Para a configuração do dever de indenizar, não é suficiente que o
ofendido demonstre sua dor. O direito à reparação somente ocorrerá se presentes
todos os elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal.
Impor responsabilidade indenizatória em razão do fim do sentimento que
um dia uniu o casal e serviu de fundamento à separação ou ao divórcio importa
violar em primeiro plano o princípio fundamental da liberdade, no caso de casar e
de separar e, em segundo plano, o próprio princípio fundamental da dignidade da
pessoal humana.
367
A violação dos deveres de casamento, por si só, não é suficiente a
caracterizar ofensa à honra e à dignidade do consorte, a ponto de gerar obrigação
indenizatória por danos morais. Para configurar a obrigação indenizatória,
imprescindível caracterizar o ato ilícito, quer na forma tentada, quer na
consumada. Tal configuração prescinde da existência de vínculo familiar entre
vítima e agressor. A origem da obrigação decorre da prática do delito penal, e não
do descumprimento de qualquer dos deveres conjugais.
368
No mesmo sentido se manifesta Gustavo Tepedino, para quem os
deveres conjugais não parecem ser susceptíveis de recondução ao regime da
responsabilidade contratual, que tem por fim disciplinar os negócios jurídicos
366
Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 114.
367
Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 116.
368
Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 117.
139
patrimoniais, nos quais o inadimplemento culposo pode ser facilmente
presumido.
369
Tendo o casamento natureza jurídica diversa, em que são estabelecidos
deveres não patrimoniais, dificilmente se admitiria a presunção de
inadimplemento e a aplicação automática de perdas e danos, sem que restasse
comprovada a presença do ilícito.
370
6.3.2 Corrente defensora da reparação de danos morais nas
relações de família
O posicionamento majoritário, entretanto, admite o ressarcimento dos
danos decorrentes da separação, em razão da prática de conduta culposa. O
fundamento adotado por esta corrente decorre do princípio da dignidade da
pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, III, da Constituição Federal e da
garantia à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação,
previsto no artigo 5º, X, da Constituição Federal. E, no âmbito civil, encontra
fundamento no artigo 186 do Código Civil de 2002
371
. Entretanto, identificamos
nesta corrente uma subdivisão, formando duas outras correntes: uma
amplamente permissiva e outra mais restritiva.
6.3.2.1 Corrente amplamente favorável à tese da reparabilidade
em todos os tipos de separação e divórcio
Esta corrente refuta a tese que exclui do direito de família a reparação do
dano moral, afirmando que a responsabilidade civil nas relações de família está
submetida às regras gerais do sistema.
372
369
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 379.
370
Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 379.
371
Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 222.
372
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 543.
140
Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva o direito de família, que regula
a relação dos cônjuges, não se encontra num pedestal que não pode ser
alcançado pelos princípios da responsabilidade civil.
373
Entender-se de forma diversa, segundo a autora, é transformar os
deveres dos cônjuges em meras recomendações, sem a devida conseqüência por
sua infração, o que provocaria a falta da devida proteção à dignidade das pessoas
nas relações de casamento.
Tendo a lei estabelecido deveres aos cônjuges, obrigando-os a certos
atos e à abstenção de outros, se forem violados, com a ocorrência de danos,
surge o direito do ofendido à reparação, por terem sido preenchidos os
pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, ação ilícita, dano e nexo causal.
Nessas condições, não é a idéia de culpa que fundamenta a tese da
reparabilidade, mas a da reparação civil pela prática de ato ilícito que venha a
acarretar dano a outrem, cujo fundamento legal se encontra no artigo 186 do
Código Civil em vigor.
374
Normalmente, quando a extinção da sociedade conjugal decorre da
violação dos deveres do casamento, surge, em tese, a possibilidade de aplicação
dos princípios da responsabilidade civil. Contudo, de acordo com a atual
sistemática de causas de separação adotada pelo Código Civil, a aplicação dos
princípios da responsabilidade civil encontra fundamento na separação
culposa, uma vez que somente nessa espécie de separação ainda é possível a
apuração de descumprimento do dever conjugal.
375
Como para a autora a natureza jurídica do casamento é contratual, os
deveres dos cônjuges nascem do contrato, embora sejam estabelecidos em lei,
373
Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.302.
374
Regina Beatriz Tavares da Silva. Responsabilidade civil dos cônjuges, in Rodrigo da Cunha
Pereira (Coord.), A família na travessia do milênio: anais do II Congresso Brasileiro de Direito de
Família, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB/MG; Del Rey, 2000, p. 133.
375
Regina Beatriz Tavares da Silva. Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 134.
141
de forma que, ante a sua violação, serão aplicáveis as regras da responsabilidade
contratual, em sua ruptura.
Entretanto, é somente ante a constatação de ato ilícito, decorrente do
descumprimento de um dever conjugal aduzido à ocorrência de danos morais ou
materiais, que surge a possibilidade de aplicação do princípio reparatório da
ruptura do casamento.
376
Para Regina Beatriz Tavares da Silva, a propositura do pleito reparatório
é um direito autônomo que poderá ser formulado cumulativamente à ação de
separação judicial, ou por ação própria conexa à de separação, ou ainda após a
decisão proferida na ação de separação.
377
Refuta ainda a autora a tese da ocorrência de bis in idem na fixação de
indenização por danos morais ao cônjuge considerado culpado, que também
tenha sido condenado a pensionar o cônjuge inocente.
Entende que a pensão alimentícia tem caráter alimentar, e está fundada
no dever de assistência material que resulta do casamento, e a indenização tem
caráter reparatório.
378
Apresenta Regina Beatriz Tavares da Silva como fundamento do direito à
reparação de danos a obrigatoriedade de preservação da dignidade que se opera
por meio da proteção aos direitos da personalidade, os chamados direitos
fundametais”. O dever do cônjuge proteger e respeitar os direitos da
personalidade de seu consorte, no novo Código Civil, vem disposto no artigo
1.566, V, que rege sobre o respeito e consideração mútuos e demonstra a
preocupação da nova codificação civil com a tutela da dignidade da pessoa nas
relações familiares.
379
376
Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.304.
377
Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.305.
378
Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.306.
379
Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.307.
142
Sob inspiração do direito estrangeiro, francês, português e argentino,
adota a autora a distinção entre os danos acarretados pelo descumprimento do
dever conjugal e os decorrentes de prejuízos oriundos da ruptura do
casamento.
380
Denomina danos imediatos aqueles que decorrem de fatos que
constituíram o rompimento do casamento, sendo violado um dever conjugal.
Esses danos podem ser de natureza material e apresentar natureza moral,
quando atingem a esfera da personalidade do cônjuge lesado, causando-lhe
sofrimento.
danos mediatos são identificados quando têm ligação indireta com o
descumprimento do dever conjugal. Normalmente têm caráter patrimonial ou
econômico, pois implicam perdas materiais provocadas pela separação, como,
por exemplo, a mudança para um imóvel menor.
Assim, conclui Regina Beatriz Tavares da Silva, nos rompimentos de
casamento, em várias situações, os direitos da personalidade são desrespeitados,
em evidente afronta ao dever de respeito e consideração, podendo gerar danos
ao consorte. Nessa medida, o cônjuge lesado, em observância ao princípio da
proteção da dignidade da pessoa humana, merece a devida reparação pelos
danos sofridos.
Na mesma linha de pensamento, encontramos Inácio de Carvalho Neto,
que entende ser perfeitamente cabível a indenização dos danos causados pelo
ato culposo do cônjuge considerado culpado na ação de separação litigiosa
culposa.
Comunga do entendimento de Regina Beatriz Tavares da Silva quanto à
possibilidade de ocorrência de danos, tanto decorrentes das causas do
rompimento matrimonial por violação aos deveres do casamento, quanto da
380
Ver a respeito: Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na
separação e no divórcio, cit., p. 153 e ss.
143
ruptura do casamento, que têm caráter geral e sempre patrimonial ou
econômico.
381
Entende o autor que o perdão concedido expressa ou tacitamente exclui
do cônjuge ofendido a possibilidade de pleitear tanto a separação culposa, quanto
a indenização por danos morais. A um, pois as demandas entre cônjuges, na
constância do casamento, devem ser evitadas, visando a estabilidade familiar. A
dois, pois, dependendo do regime de bens vigente entre os cônjuges, seria
incongruente se falar em obrigação de indenizar o outro, especialmente se o
regime for o da comunhão universal de bens. A três, o perdão configura hipótese
de renúncia, causa essa de não-configuração da responsabilidade.
382
Quanto ao cabimento de indenização na espécie de separação sem
culpa, embora reconheça que se o fundamento for a ruptura de vida em comum,
seja dispensada a demonstração da culpa de qualquer dos cônjuges, entende ser
possível antever-se a possibilidade de indenização, pois existe distinção entre
danos derivados do ato culposo e danos derivados do rompimento da relação
conjugal (danos imediatos e danos mediatos), podendo-se considerar a hipótese
de danos derivados do rompimento da relação conjugal como configuradora da
obrigação de indenizar.
Para tanto, deve-se, entretanto, caracterizar esse rompimento como ato
ilícito, de modo a fazer incidir o artigo 186 do Código Civil. Por exemplo, no caso
do pedido de separação em decorrência da ruptura da vida em comum por
doença mental grave, a violação ao dever de assistência pode caracterizar um
ilícito legalmente permitido, que não deixa, contudo, de configurar ato ilícito,
passível de indenização.
383
Vislumbra ainda Inácio de Carvalho a possibilidade de pedido
indenizatório na hipótese do artigo 1.572, parágrafo 1º, do Código Civil,
381
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, Curitiba: Juruá, 2004. p.
274.
382
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 278.
383
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 323.
144
reconhecendo contudo, a dificuldade da configuração prática da hipótese. Assim,
nada impede que haja danos derivados de causas culposas que não foram
discutidas no processo de separação não culposa, mas que poderiam ser objeto
de pedido específico de reparação.
384
Em sentido contrário se coloca Rolf Madaleno, que entende estar vedada
qualquer perquirição da culpa, tanto no processo litigioso de divórcio, como nas
separações judiciais promovidas com fundamento na ruptura da vida em comum
mais de um ano consecutivo. Esclarece o autor que, depois desse razoável
interregno temporal, fica vedada a iniciativa conflituosa da separação judicial e
mesmo do divórcio, pois tanto o tempo como a lei eliminaram do processo o
regime causal da separação.
385
Contudo, Inácio de Carvalho discorda desse posicionamento, pois
entende que o perdão será presumido na hipótese do revogado artigo 319 do
Código Civil de 1916. Parte, no caso, do pressuposto de que a vítima, ao tomar
conhecimento do ato culposo, afastou-se do cônjuge culpado. Não se exige,
esclarece o autor, que tenha o cônjuge agredido movido ação de separação
litigiosa para afastar a incidência do perdão tácito. O fato de ter-se afastado do
cônjuge agressor, ao tomar conhecimento de sua conduta, é suficiente para
rechaçá-lo
386
. Inácio de Carvalho vislumbra a possibilidade de reparação de
danos mesmo no divórcio direto.
387
Mais uma vez, Rolf Madaleno se coloca em oposição a tal entendimento,
ao concluir que não é possível reclamar qualquer dano moral resultante de
separação judicial ou divórcio, sem que seja deduzida em juízo a correspondente
ação de separação judicial litigiosa, na qual fique reconhecida no decreto judicial
a responsabilidade do parceiro culpado pela ruptura da união, sendo, em
conseqüência, condenado pela causa da separação, em pleito cumulativo de
384
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 324.
385
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 65.
386
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 326.
387
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 327.
145
indenização. No divórcio, estaria totalmente afastada tal pretensão, uma vez que
proibida qualquer averiguação de culpa nessa seara.
388
Inácio de Carvalho Neto, concluindo, entende que as formas consensuais
de dissolução do casamento não dão margem à indenização entre os cônjuges.
389
Segundo Ana Cecília Parodi, todo sujeito de direitos é titular de tutelas
protetivas inerentes à sua integridade física e emocional, além da patrimonial,
tendo direito à reparação dos danos sofridos em qualquer dessas esferas, não se
reconhecendo qualquer excludente de culpabilidade pelo fato do agressor manter
vínculos matrimoniais com o agredido.
390
Ocorrendo as lesões no âmbito familiar, a indenização pode ser pleiteada
a qualquer momento, não sendo obrigatório o questionamento no momento da
dissolução conjugal, bastando que seja remetido ao período de eficácia do
casamento. A separação prévia não é condição para a validade do pleito
indenizatório.
391
Entende a autora que a mera ruptura do vínculo conjugal, ou o abandono
do lar, ainda que imotivado, considerando-o como exercício da garantia de
liberdade, não enseja a obrigação indenizatória. Para que haja reparabilidade no
direito de família, deverá restar comprovado que o dano ultrapassou as raias do
previsto.
392
Ana Cecília Parodi distingue na atualidade três correntes doutrinárias
sobre a viabilidade de aplicação da responsabilidade civil nas relações conjugais.
A primeira é composta pela maioria dos operadores do direito brasileiro, que
consideram amplamente capaz de imputação a obrigação indenizatória,
388
Rolf Madaleno. O dano moral na investigação de paternidade, AJURIS: Revista da Associação
dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 24, n. 71, p. 270-283, 1997.
389
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 310.
390
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
397.
391
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
403.
392
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
404.
146
independentemente da modalidade de separação ou de divórcio. Na segunda,
estão aqueles que relacionam a previsão indenizatória ao debate das culpas na
ação de separação litigiosa. Essa corrente está começando a ser adotada pelo
Superior Tribunal de Justiça, em que pese não ser o entendimento dominante. A
terceira seria uma corrente dissidente, integrada por aqueles que defendem a
total eliminação da culpa, transformando as separações e os divórcios em meras
ações declaratórias, desprovidas do cunho punitivo.
393
Distingue a autora culpa dissolutória
394
, para a qual basta a demonstração
da violação dos deveres do casamento estabelecidos no artigo 1.566 do Código
Civil, da culpa indenizatória
395
, identificada quando o ato praticado ultrapassa o
risco assumido, provocando danos por conduta culposa, com negligência ou
imprudência (arts. 186 e 187 do CC/2002), para concluir que tendo tais culpas
natureza diversa, nada impede que um cônjuge que tenha se separado
consensualmente (sem discutir a culpa dissolutória) venha a pleitear reparação de
danos ocorridos durante a convivência conjugal, com base na culpa indenizatória.
Tal pedido terá por fundamento o artigo 187 do atual Código Civil.
396
Contudo, assevera a autora
397
que as modalidades consensuais podem
ensejar a extinção de qualquer futura obrigação indenizatória, se por termos dos
atos judiciais praticados ou por acordo homologado, venha a se concluir pelo
expresso perdão às ofensas.
398
Entende Ana Cecília Parodi que a indenização por dano moral nas
relações conjugais é sempre devida, diante da violação dos deveres matrimoniais,
393
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
416-417.
394
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
247.
395
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
254.
396
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
418.
397
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
419-420.
398
Contudo esclarece Inácio de Carvalho que poderá se falar em reparação civil também na
separação e no divórcio direto consensuais, se a concordância da suposta vítima desconhecer o
ato culposo até a dissolução pela via consensual (Responsabilidade civil no direito de família,
cit., p. 324, nota n. 1.137).
147
que não se compreende que haja a estipulação de um dever jurídico sem a
conseqüente punição de sua violação, sendo inadmissível que o fato da
ocorrência da infração no âmbito familiar seja utilizado como excludente da
responsabilidade indenizatória extracontratual, mesmo porque não existe vedação
legal expressa para tanto.
399
Para Yussef Said Cahali, deveria existir em nosso ordenamento jurídico
um dispositivo legal específico que fixasse uma sanção patrimonial pelos danos
materiais e morais sofridos pelo cônjuge inocente, medida que seria altamente
moralizadora.
400
À falta de dispositivo legal expresso, de se reconhecer a ocorrência de
danos morais reparáveis nos casos em que a dissolução da sociedade conjugal
se verifica em razão da grave infração aos deveres conjugais, quando imputada
ao cônjuge culpado.
401
O mesmo ato ilícito que configurou infração grave aos deveres do
casamento, que serviu de fundamento à separação litigiosa culposa, prestar-se-á
igualmente para legitimar o pedido reparatório do cônjuge afrontado, através de
ação de indenização de direito comum, desde que comprovados prejuízos
resultantes diretamente desse ato ilícito. Entende ainda que o pedido reparatório
independe da existência de uma ação de separação litigiosa culposa.
402
Maria Helena Diniz comunga da mesma opinião desta corrente, ao dispor
que na dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, pode ocorrer a violação de
direitos que venha a provocar danos materiais e morais, gerando
responsabilidade civil e conseqüente indenização pecuniária. A exemplo de
Regina Beatriz Tavares da Silva, reconhece a possibilidade de reparabilidade,
tanto de danos decorrentes da violação dos deveres do casamento, como da
ruptura da vida em comum, conforme exemplos colacionados, que entende
399
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
422.
400
Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., v.2, p. 818.
401
Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 759.
402
Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 762-763.
148
passíveis de reparação: recusa infundada ao débito conjugal, difamação, calúnia
ou injúria, não-cumprimento dos deveres conjugais de modo geral, assim como
gastos com mudança, perda de rendimentos sobre bens que passaram ao outro
consorte por ocasião da partilha de bens na separação, dificuldade de arrumar
emprego ou de readaptação profissional.
403
Para José de Castro Bigi, o cônjuge culpado pela ruptura do casamento,
perante o direito brasileiro, responde pela obrigação alimentar, pelos honorários
advocatícios e pelas custas processuais, esgotando-se nessa enumeração as
conseqüências para o cônjuge responsável pela destruição do casamento e da
família.
404
No entanto, esclarece o autor, quando o desfazimento provém da prática
de ato antijurídico, de delito, ou de quase delito que tenham produzido danos
materiais e morais, o cônjuge inocente acaba por suportar os danos produzidos
pelo outro, sem qualquer reparação.
E continua, dizendo que são poucas as decisões judiciais que acolhem o
pedido de reparação, apresentando como justificativa a predominância da
corrente contrária ao ressarcimento dos danos decorrentes da dissolução da
sociedade conjugal, que se funda nos argumentos de que: o ressarcimento seria
contrário à moral e aos bons costumes; não legislação específica regulando o
assunto; a fixação de indenização por violação dos deveres do casamento estaria
violando o princípio do non bis in idem, pois o cônjuge culpado estaria sendo
apenado com a prestação de alimentos, honorários e custas processuais.
405
Adverte José de Castro Bigi que tal panorama mudou com o advento da
Constituição Federal de 1988 que, ao prever, em seu artigo 5º, inciso X, que são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
403
Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva,
2005, v. 7, p. 177-178.
404
José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, in Antônio Carlos Mathias
Coltro (Org.), O direito de família após a Constituição Federal de 1988, São Paulo: Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional; Celso Bastos, 2000, p. 50.
405
José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 51.
149
assegurado o direito de indenização pelo dano material decorrente de sua
violação”, passou a doutrina a sustentar que os danos morais também devem ser
ressarcidos.
A fim de responder à pergunta de se na dissolução da sociedade conjugal
o cônjuge culpado também deveria responder pela indenização por danos morais
suportados pelo cônjuge inocente, além do pagamento da pensão alimentícia,
esclarece que a ofensa à dignidade constitui um dano moral, injusto, que o
cônjuge culpado deverá indenizar. O fato de inexistir norma expressa nesse
sentido tornou-se irrelevante, ante a existência de norma constitucional e previsão
de indenização no Código Civil.
406
Conclui o autor que, no seu entender, basta a comprovação do ato
antijurídico para impor ao cônjuge culpado a obrigação de ressarcimento do dano
moral pela infração aos deveres do casamento. Reconhece a possibilidade de
ser imputado ao cônjuge culpado tanto as sanções decorrentes da separação-
sanção, quanto a indenização com apoio no artigo 187 do atual Código Civil e que
nada impede que o pedido indenizatório seja formulado antes ou depois da
instauração do processo para a obtenção da dissolução contenciosa da
sociedade conjugal ou divórcio.
407
No mesmo sentido preleciona Elizabeth Ana Maria Pacca, ao reconhecer
que, na atualidade, os princípios da responsabilidade civil aplicam-se
perfeitamente às relações conjugais, de vez que a legislação impôs aos cônjuges
deveres conjugais que, se violados, e ocorrendo danos ao outro cônjuge, terá
direito ao devido ressarcimento.
408
Distingue a autora a ocorrência de duas situações divergentes no caso
das separações litigiosas culposas. A primeira decorre das sanções impostas em
conseqüência do descumprimento dos deveres conjugais, e a segunda se refere à
406
José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 57.
407
José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 59.
408
Elizabeth Ana Maria Meisels Pacca. A nova família e a responsabilidade civil dos cônjuges,
Revista Jurídica Universidade de Franca, Franca, SP, v. 5, n. 9, p. 96, jul./dez. 2002.
150
indenização por danos morais, que tem por fundamento o artigo 159 do Código
Civil de 1916 (atual art. 187 do CC/2002), pois tendo o casamento natureza
contratual, serão aplicadas as regras de responsabilidade civil contratual à
dissolução, sem se indagar se houve ou não culpa nessa dissolução. Para a
autora, a culpa nesses casos é presumida. Logo, todas as infrações aos deveres
decorrentes do casamento estão sujeitas à reparação de danos.
409
Carlos Alberto Bittar ensina que “dano moral é a lesão injusta a
componentes do complexo valorativo do homem causada por outrem”
410
. Assim
sendo, a lesão há de ser injusta, isto é, contra o direito, entendido como princípios
e normas do ordenamento jurídico, e deve atingir componentes do complexo
valorativo do homem, que por sua vez compreendem os aspectos físico, psíquico
e moral da personalidade humana. Além disso, os danos podem atingir o
patrimônio do lesado, que podem ser de ordem moral, quando alcançam o
aspecto pessoal do indivíduo lesado, e de ordem material, quando impactam o
seu patrimônio. Nessas condições, ocorrido o dano, nasce o direito à reparação.
Direito à reparação, continua o autor, “é o direito que o lesado tem de
obter uma resposta do ordenamento jurídico pela lesão sofrida”
411
. Normalmente,
essa resposta, no ordenamento jurídico, é dada pela responsabilidade civil.
Dessa forma, esse direito surge com a ocorrência de três pressupostos: a
existência de uma ação, a ocorrência do dano e o nexo causal entre a ação e o
dano.
Os ilícitos podem ocorrer em uma esfera contratual ou extracontratual.
Considerando-se que o casamento tem natureza de contrato especial, já que
embora dependa da vontade dos interessados para ser firmado, após a sua
celebração, passa a ser regido por normas de ordem pública constituídas pelo
409
Elizabeth Ana Maria Meisels Pacca. A nova família e a responsabilidade civil dos cônjuges, cit.,
p. 96-97.
410
Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit., p.
96.
411
Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit., p.
98.
151
direito de família, as relações que decorrem do casamento serão relações
contratuais, passíveis, portanto, de ilícitos na esfera contratual.
Nessas condições, tanto na formação como na execução e no
desfazimento do contrato especial de casamento, e especialmente na sua ruptura,
é possível a ocorrência de fenômenos danosos capazes de gerar para o
prejudicado a possibilidade de obter reparação, tanto de danos patrimoniais,
como de danos morais.
412
Entende Carlos Alberto Bittar ser possível a reparação dos danos morais
em todas as hipóteses em que a ruptura do casamento seja injusta e que haja
lesão no patrimônio ou na esfera valorativa do outro cônjuge, assim como
entende ser possível também a reparação de danos patrimoniais que decorram
da simples ruptura do nculo do casamento, indicando como exemplo a perda de
um negócio ou de uma função pública pela perda do estado de casado. De
acordo com seu entendimento, embora a sociedade tenha evoluído bastante, o
estado de casado ainda é um fator importante na vida profissional e negocial das
pessoas.
413
Eduardo de Oliveira Leite esclarece ser inquestionável que o casamento é
caracterizado e reconhecível pela duração. Se a permanência, a construção de
projetos comuns e de um projeto de vida são a regra, evidente que a brutal
ruptura, por motivo torpe ou culposo, que causa dor, sofrimento, aflição e martírio
não pode, mas deve, ser reparada por dano moral. O casamento, enquanto
projeto para o futuro daqueles que o integram, “reveste-se de transcendental
importância na medida em que sua ruptura pode destruir toda e qualquer
possibilidade de reconstrução de vida”.
414
412
Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit.,p.
100.
413
Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit.,p.
102.
414
Eduardo de Oliveira Leite. Reparação do dano moral na ruptura da sociedade conjugal, in
Eduardo de Oliveira Leite (Coord.). Dano moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 163.
152
A crescente repersonalização do direito civil, que desloca o eixo de
proteção do patrimônio para a pessoa humana, reforça a nova tendência de que
qualquer dano que se cause, decorrendo dele conseqüências patrimoniais ou
morais, não pode deixar de ser adequadamente reparado, “quer para resgatar a
supremacia do sentimento humano, quer para alcançar a mais ampla garantia da
dignidade da pessoa humana”.
415
Fernanda e Victor Hugo Oltramari compartilham da tese da mais ampla
reparabilidade no âmbito das relações conjugais, ao concluir que, diante do
intenso processo de repersonalização pelo qual vêm passando as relações
familiares, desde o advento da Carta Constitucional de 1988, que elevou o
princípio da dignidade e dos direitos da personalidade a preceito constitucional, e
agora integrados ao novo Código Civil, é impossível não reconhecer a
configuração da responsabilidade civil nas relações familiares.
416
Esclarecem os autores que não se deve submeter apenas à limitação das
sanções fixadas na lei para os casos de separação culposa, e muito menos
entender-se que a ruptura da sociedade conjugal seja previsível desde a sua
constituição, ou de que se estaria assim monetarizando as relações familiares,
uma vez que o amor não tem preço. Em havendo culpa, danos e liame causal
entre um e outro, a responsabilização indenizatória é de rigor.
Atribuem o pouco sucesso no reconhecimento de tais direitos à
acomodação, tanto das vítimas como dos advogados e do Judiciário em geral,
que deixam de apresentar essa proposta inovadora do reconhecimento e
responsabilização pelos danos causados em qualquer das hipóteses de
dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, que beneficia e estimula o
desrespeito à dignidade da pessoa humana.
417
415
Eduardo de Oliveira Leite. Reparação do dano moral na ruptura da sociedade conjugal, cit., p.
164.
416
Fernanda Oltramari; Vitor Hugo Oltramari. As tutelas da personalidade e a responsabilidade
civil na jurisprudência do direito de família, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre,
Síntese; IBDFAM, ano 4, n. 13, p. 73, abr./jun. 2002.
417
Fernanda Oltramari; Vitor Hugo Oltramari. As tutelas da personalidade e a responsabilidade
civil na jurisprudência do direito de família, cit., p. 74.
153
6.3.2.2 Corrente mais restritiva, que reconhece a incidência do
direito à reparabilidade somente nas separações culposas
Integram esta corrente os doutrinadores que acolhem a tese da
reparabilidade, contudo de maneira restritiva, posto que reconhecem como
passíveis de ressarcimento os danos decorrentes da violação dos deveres do
casamento, desde que reconhecida a culpa em sede de separação judicial
litigiosa culposa e que tal violação configure ilícito civil ou penal. Não reconhecem
os integrantes desta corrente a possibilidade de reparação de danos decorrentes
da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal por ruptura da vida em comum.
Segundo esta concepção doutrinária, a incidência do dano moral no
âmbito do direito de família não pode e não deve ser indiscriminada, mas limitada
às causas excepcionais de elevada gravidade. Nem sempre a violação dos
deveres do casamento ensejo a um dever de indenizar do cônjuge culpado,
que, por vezes, a violação de tais deveres decorre apenas do desaparecimento
do vínculo afetivo, devendo os deferimentos de indenização ser reservados para
sancionar as hipóteses em que se configuram agravos ao cônjuge inocente.
418
Ruy Rosado de Aguiar demonstra a existência de, no campo da
responsabilidade civil nas relações familiares, um conflito de princípios. De um
lado, está o princípio da dignidade da pessoa humana, que reflete o princípio da
supremacia da pessoa, sobre o qual se fundamenta o pedido de indenização para
reparação de toda ofensa à pessoa. Por outro lado, coloca o princípio da
conservação da família e a preservação da intimidade das pessoas.
419
Diante de tal colisão, propõe o autor como solução a prevalência da regra
geral da responsabilidade civil do autor do dano, ainda que praticado contra o
cônjuge. O fato de existir casamento não é causa eximente da responsabilidade
civil, nem causa privilegiada de isenção.
418
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 544.
419
Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, in Eliene Ferreira Bastos;
Asiel Henrique de Sousa (Coords.), Família e jurisdição, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 319.
154
Porém, a ação somente será cabível se e quando demonstrada a
gravidade da ofensa, a justificar o afastamento das restrições, quais sejam, não
destruir valores como a proteção da família, da intimidade dos cônjuges, de
respeito ao interesse dos filhos, de forma a permitir a justa indenização do
ofendido.
Como exemplo, coloca a admissão de indenização em casos em que a lei
indica como infração aos deveres de casamento, desde que demonstrada a
existência de danos materiais e/ou morais e da gravidade do resultado.
Concorda com Rolf Madaleno quanto ao requisito da imediatidade do
pedido indenizatório pela separação.
420
Para Ruy Rosado de Aguiar, a abstração do elemento culpa para a
separação e para o divórcio elimina a possibilidade de incidência do instituto da
responsabilidade civil subjetiva.
421
Assim sendo, é contra o reconhecimento de pedido indenizatório que
tenha por fundamento o fim do afeto, a menos que essa conduta tenha sido
altamente lesiva. Pode ainda a responsabilidade civil ter por fundamento um ato
ilícito absoluto, previsto nos artigos 186 e 187 do Código Civil, ou ainda por fato
tipificado no direito de família ou no das sucessões.
Reconhece ainda a possibilidade de pedido reparatório nos casos de
separação por culpa recíproca.
422
Para Rolf Madaleno, a indenização por dano moral, na separação judicial,
tem por finalidade compensar o sofrimento do cônjuge que foi judicialmente
declarado inocente na ação de separação. Tem por função o ressarcimento da
honra conjugal ferida e a integridade moral de que foi alvo o cônjuge inocente.
423
420
Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 319.
421
Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 309.
422
Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 320.
423
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 533.
155
Segundo o autor, o dano moral no direito de família deve se pautar pela
deliberada ofensa à dignidade humana, não existindo espaço a permitir ações de
cunho indenizatório quando a separação decorrer da perda de afeto, oriunda da
perda do amor.
424
Assim sendo, não aceita o pedido indenizatório quando a dissolução da
sociedade ou do vínculo conjugal teve por fundamento a ruptura da vida em
comum e assevera:
“O tempo age corrosivamente contra o consorte vitimado pela
separação culposa, que, inerte, não promove a sua ação de
separação judicial causal em prazo hábil, inferior a um ano de
fática ruptura física do casal; ingressando o feito na esfera da
discussão meramente temporal da separação ou do divórcio, onde
descabe perquirir da culpa e do dano moral, assim como descabe
buscar qualquer prestação compensatória que o direito pátrio não
pode contemplar por haver afastado do processo de ruptura
conjugal a sua razão causal.”
425
Belmiro Welter comunga do mesmo pensamento, uma vez que admite a
indenização por dano moral somente na ação de separação judicial litigiosa por
culpa, decorrente de grave violação dos deveres do casamento, ou ainda por
conduta desonrosa, reconhecendo ainda a possibilidade do pedido ser formulado
cumulativamente ou não, desde que obedecidos certos requisitos: a) que o pedido
de separação judicial ou de indenização por dano moral seja ajuizado logo após a
ocorrência da conduta culposa; b) a legitimidade da propositura da demanda
indenizatória é exclusiva do cônjuge inocente, considerando inviável o pedido se a
culpa for considerada recíproca, pois, nesse caso, ambos terão parcela de culpa;
c) o pedido indenizatório por dano moral somente poderá ser examinado na
separação judicial litigiosa com culpa, na qual se discute a grave infração aos
deveres do casamento ou conduta desonrosa; d) a conduta do cônjuge culpado
deverá ser tipificada como crime
426
, ofensiva à integridade moral do cônjuge
424
Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 553.
425
Rolf Madaleno. Divórcio e dano moral, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre,
Síntese; IBDFAM, ano 1, n. 2, p. 66, jul./set. 1999.
426
Em sentido contrário se posiciona Bernardo Castelo Branco, que entende que limitar a
responsabilidade civil aos casos em que a violação dos deveres do casamento que sejam
tipificados como crime significa negar a adoção do instituto da responsabilidade civil como
instrumento hábil a responder às mais variadas formas de violação dos direitos da
personalidade, decorrentes de danos produzidos no âmbito matrimonial, de vez que muitos dos
comportamentos ilícitos adotados nesse ambiente não são tipificados pelo direito penal (Dano
moral no direito de família, cit., p. 58).
156
ofendido, que tenha produzido dor martirizante e profundo mal-estar e angústia,
na medida que somente a grave ofensa a bem jurídico, que o legislador
considerou criminosa, é que poderá resultar em indenização por dano moral.
427
Por esse mecanismo, entende o autor que não se está reclamando
indenização de amor, mas pagamento contra aquele que se aproveitou da relação
jurídica que envolvia o amor para empreender graves ofensas delituosas, morais
e dor martirizante, em face daquele que jurou amar por toda a vida, que de modo
corrosivo tirou-lhe a honra e a própria dignidade humana.
428
Antonio Mathias Coltro entende que se houver grave violação dos
deveres inerentes ao relacionamento do casal, dúvida não sobre ser possível
ao ofendido ingressar com ação buscando ver-se indenizado pela atitude do
outro, que lhe causou inegável sentimento de dor e, por vezes, humilhação.
Para o autor, o simples fim do amor que unia o casal não é suficiente a
fundamentar o pleito reparatório por dano moral, contudo o mesmo não ocorrerá
se o rompimento tenha resultado ou ocorrido de modo a caracterizar ofensa de
ordem moral ao outro.
429
Nara Rúbia Alves de Resende
430
entende que o casamento tem natureza
contratual, mas um contrato de natureza especial, que contém peculiaridades que
destoam da regra geral aplicável aos contratos, em razão do que a
responsabilização a ser adotada nos danos decorrentes da dissolução da
sociedade conjugal dependerá da natureza jurídica que se atribua ao casamento.
Para os contratualistas, continua a autora, não que se falar na
aplicação do artigo 187 do Código Civil, mas na regra pertinente à quebra
427
Belmiro Pedro Welter. Dano moral na separação judicial, divórcio e união estável,
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, v. 2, n. 20, p. 72, ago. 2000.
428
Belmiro Pedro Welter. Dano moral na separação judicial, divórcio e união estável, cit., p. 75.
429
Antônio Carlos Mathias Coltro. A união estável e a responsabilidade por dano moral, in Mário
Luiz Delgado; Jones Figueirêdo Alves (Coords.), O novo Código Civil: questões controvertidas,
São Paulo: Método, 2006, p. 34.
430
Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes da
dissolução da sociedade conjugal, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese;
IBDFAM, ano 5, n. 21, p. 13, dez./jan. 2003/2004.
157
contratual. para os que vêem no casamento a natureza institucional, ou de
contrato especial, a regra a ser aplicada é a norma geral que conduz ao sistema
de responsabilidade extracontratual.
Acolhendo a autora a doutrina que vê no casamento um contrato especial,
conclui que os danos decorrentes da dissolução das entidades familiares são
passíveis de indenização, mas tão-somente pela via da responsabilidade civil
extracontratual.
Desse modo, a não-observância de um dos deveres de ambos os
cônjuges, fixados no artigo 1.566 do Código Civil, pode ser causa da dissolução
da sociedade conjugal, com fundamento na culpa de um dos consortes, dando
ensejo à separação litigiosa culposa. Entretanto, o dano causado pelo
descumprimento de um dever conjugal pode não se resolver apenas com a
separação e a possível fixação de pensão alimentar, e outras sanções da seara
do direito de família.
Nesse caso, não sendo as normas do direito de família hábeis a indenizar
os danos decorrentes da dissolução da sociedade conjugal por culpa de um dos
cônjuges, aplica-se a regra geral da responsabilidade civil subjetiva, requerendo
em conseqüência a constatação do dano, da culpa e do nexo de causalidade.
431
Observa a autora finalmente que essa indenização deve ser vista pelo
aplicador do direito com reservas, sempre tendo em vista a especialidade das
relações conjugais, sob pena de se tabelar financeiramente todos os fatos
ocorridos na dissolução de uma sociedade conjugal, coagindo indiretamente as
pessoas a continuarem casadas, ante o temor de ser responsabilizado por uma
indenização injusta, que estará em conseqüência ferindo o princípio da dignidade
da pessoa humana.
432
431
Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes da
dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 24.
432
Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes da
dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 30.
158
Silvio Venosa
433
reconhece apenas a indenização devida na separação e
no divórcio, não reconhecendo o direito autônomo à indenização e nem mesmo
durante a vigência do casamento.
Para o autor, a indenização é devida apenas se houver atos que
extrapolem os limites do normal e aceitável e que tragam prejuízos morais e/ou
materiais ao outro cônjuge, pelo descumprimento dos deveres do casamento, que
entende ser mero negócio jurídico.
Caio Mário da Silva Pereira
434
identifica a culpa nas relações de
casamento no conceito de “erro de conduta que leva o indivíduo a lesar um direito
alheio”, inserindo, portanto o dano moral ocorrido nas relações conjugais no
instituto da responsabilidade civil subjetiva.
Reconhece assim a possibilidade da concretização da responsabilidade
ressarcitória no âmbito familiar, desde que se estabeleça a clara interligação entre
a ofensa ao bem jurídico e o prejuízo sofrido, de tal forma que reste incontroverso
ter havido dano, porque o agente agiu contra o direito. Ainda que presentes a
culpa e o dano, se ausente a relação causal, não nascerá a obrigação de
indenizar.
Esclarece o autor que, na atualidade, o desrespeito e a violação à
dignidade humana permeiam todas as formas culposas de separação, capazes,
portanto, de gerar, em tese, obrigação de indenização.
Contudo, espera do cônjuge ofendido imediata reação ao gravame
sofrido, sob pena de interpretar-se o decurso do tempo e sua inércia, como
perdão ou intenção de sublimar os motivos dos desentendimentos.
433
Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: responsabilidade civil. 6. ed., atual. de acordo com o
Código Civil de 2002, estudo comparado com o Código Civil de 1916, São Paulo: Atlas, 2006. v.
4, p. 268-269.
434
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, cit., v. 5, p. 301-305.
159
Não vincula o autor o pedido de reparação por danos morais ao pedido de
dissolução da sociedade conjugal, embora reconheça excepcionalmente
situações tais em que seja promovida a ação reparatória de forma independente
da ação separatória.
Não acolhe Caio Mário da Silva Pereira o entendimento de ser possível o
pedido de reparação por danos morais, quando a separação ou o divórcio teve
por fundamento a ruptura da vida em comum, posto que o tempo transcorrido,
aliado à acomodação das partes, induz o desinteresse em perseguir indenização.
Leonardo Barreto Moreira Alves
435
, como defensor da eliminação da culpa
na dissolução da sociedade conjugal, entende que a indenização por dano moral
na separação somente será cabível em casos excepcionais e patológicos
436
, em
que um dos cônjuges tripudia e humilha o outro, promovendo publicamente sua
falta com o firme propósito de “manchar” a honra do outro consorte.
Tal entendimento se funda no fato do dano moral decorrer da direta
violação dos direitos da personalidade, de modo que para o reconhecimento do
direito ressarcitório, não é suficiente a prova da violação de um dever conjugal.
Autonomamente, tal fato não constitui ato autorizador de aplicação do instituto da
responsabilidade civil. Faz-se necessário que a conduta do cônjuge produza
prejuízo ao seu consorte.
Desloca assim o autor o cerne da indenização por dano moral entre
cônjuges da culpa pela separação, fazendo com que incida sobre a própria
conduta do consorte que pratica o ato, violando a honra de seu parceiro.
Conclui Leonardo Barreto que a culpa a ser analisada no âmbito da
responsabilidade civil em nada coincide com a que dá ensejo à separação judicial.
435
Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva
histórico-jurídica, cit., p. 112-113.
436
Tais casos já foram objeto de crítica no item 5.5, in fine.
160
Para Bernardo Castelo Branco
437
, a mera infração aos deveres do
casamento, enquanto fenômeno isolado, não se mostra como instrumento apto a
gerar o dano moral indenizável, de vez que esse só se configura quando o
comportamento adotado, além de autorizar o desfazimento do casamento, trouxer
ao cônjuge inocente inegável sensação de dor, aflição, humilhação e sentimentos
de desamor que, de forma incontroversa, demonstrem os reflexos negativos
suportados pelo cônjuge inocente, capazes de caracterizar a efetiva violação dos
deveres inerentes à personalidade.
Segundo o autor, o dever de reparação, como forma de sanção a uma
conduta nas relações familiares, surge quando nesse meio ocorrerem
comportamentos de tal modo lesivos que ultrapassem a mera violação dos
deveres do casamento, passando a atingir os direitos primários do ser humano e
a dignidade enquanto pessoa humana. Não aceita ele que o matrimônio seja
transformado em apanágio para a prática indiscriminada de atentados impunes
aos direitos da personalidade.
A jurisprudência tem se mostrado muito renitente na fixação de danos
morais em razão da separação culposa, como se constata das decisões:
“INDENIZAÇÃO – Dano moral e material – Adultério – Nascimento
de uma criança na constância do casamento Paternidade
admitida pelo marido Presunção Pai biológico um terceiro
Indenização devida Procedência Sentença reformada- Apelo
provido, em parte; agravo retido improvido.” (TJSP Ap. Cív. n.
103.663-4/Santos, Câm. Dir. Priv., rel. Des. Octávio Helene, j.
31.08.00, v.u.).
“SEPARAÇÃO Litigiosa Ação do marido e reconvenção da
mulher Improcedência da ão e procedência parcial da
reconvenção Prova satisfatória da culpa do varão pela falência
do casamento, a tornar insuportável a vida em comum Bens a
serem partilhados na proporção de 50% para cada um dos
cônjuges Possibilidade, porém, de cumulação do pedido de
indenização por danos morais, de procedência inegável, pela
grave injúria cometida pelo marido contra a mulher Indenização
fixada em R$ 35.000,00, correspondentes a atuais 100 (cem)
salários mínimos Presença dos requisitos do artigo 292 e
parágrafos do Código de Processo Civil Agravo retido
437
Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 55-69.
161
prejudicado Recurso de ré-reconvinte provido em parte.” (TJSP
Ap. Cív. n. 485.477-4/9-00/Leme, Câm. Dir. Priv., rel. Des.
José Roberto Bedran, j. 17.04.2007, v.u.).
“INDENIZAÇÃO Dano moral Separação judicial Causa
determinante para a decretação da dissolução da sociedade
conjugal Verba devida ao cônjuge inocente somente se a
violação do dever de fidelidade extrapolar a normalidade genérica,
sob pena de bis in idem Voto vencido.” (TJSP Ap. n. 369.581-
4/7-00, 6ª Câm., rel des. Des. Sebastião Carlos Garcia, j.
17.02.2005, RT 836/173).
“INDENIZAÇÃO Dano moral Abandono afetivo Inviabilidade
de reparação pecuniária Direito a ser indenizado que pressupõe
a prática de ato ilícito Verba indevida.” (STJ RESP n.
757.411/MG, 4ªT., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29.11.2005,
m.v., DJU, de 27.03.2006, RT 849/228).
6.3.3 Indenização por danos morais na ruptura do casamento no
direito comparado
Os doutrinadores brasileiros que integram a corrente que defende a
reparabilidade dos danos morais decorrentes da dissolução da sociedade e do
vínculo conjugal, e especialmente os que integram a corrente amplamente
permissiva, se inspiraram no direito alienígena, em especial no francês, no
português e, mais recentemente, no peruano.
Assim, boa parte dos doutrinadores familiaristas que abordam o assunto
analisam a questão da indenização pelo fim do casamento sob a perspectiva das
legislações acima apontadas, pois a codificação de tais países contém
disposições legais expressas quanto à indenização decorrente de ato culposo, por
ocasião da ruptura da sociedade ou do vínculo conjugal.
438
6.3.3.1 Direito francês
Antes mesmo da Lei de 02.04.1941, as cortes francesas já se
pronunciavam favoravelmente à condenação do cônjuge responsável pela
438
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 247.
162
reparação de danos por ele causados ao outro, por ocasião do fim do casamento,
fundamentando suas decisões na norma geral da responsabilidade civil
estabelecidas nos artigos 1.382 e 1.383
439
, ainda em vigor, que dispõem:
“Art. 1.382 - Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui
un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le
réparer.
Art. 1.383 - Chacun est responsable du dommage qu’il a causé
non seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou par
son imprudence.”
440
Salienta Inácio de Carvalho Neto que a jurisprudência francesa era
pacífica na admissibilidade de ações de indenização por ato ilícito praticado por
um dos cônjuges contra o outro e também dos resultantes do divórcio e da
separação de corpos, tendo assim a legislação apenas homologado o que era
assente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
441
Contrariamente, como demonstrado no item 6.3.1, supra, a jurisprudência
nacional, embora dispondo de semelhante regra geral de reparação civil antigo
art. 159, atual art. 927 do CC de 2002 sempre se mostrou refratária ao
reconhecimento de tal reparabilidade.
A reforma de 1975 estabeleceu em seu artigo266:
“Art. 266 - Quand le divorce est prononcé aux torts exclusifs de
l’un des époux, celui-ci peut être condamné à des dommages-
intérêts en réparation du préjudice matériel ou moral que la
dissolution du mariage fair subir à son conjoint.
Ce dernier ne peut demander des dommages-intérêts qu’à
l’occasion de l’action en divorce.
442
Passou a doutrina francesa a distinguir dois fundamentos legais para a
reparação de danos no divórcio: pelo artigo 266, é reconhecida a
439
Alex Weill. Droit civil: les personnes, la famille, les incapacitès, Paris: Dalloz, 1970, p. 270-271.
440
“Artigo 1.382 - Qualquer feito da pessoa que cause a outrém um dano, obrigará àquela por cuja
culpa se causou, a repará-lo. Artigo 1383 - Cada qual será responsável pelo dano que causou
não somente por sua atuação, senão também por sua negligência ou por sua imprudência.”
(François Jacob. Code Civil, Paris: Dalloz, 2002, p.1.130). (nossa tradução).
441
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 249.
442
“Artigo 266 - Quando o divórcio é decretado por culpa exclusiva de um dos cônjuges, este
poderá ser condenado na indenização do prejuízo material ou moral que a dissolução do
casamento submeteu ao seu cônjuge. Este último não pode demandar por indenização, a não
ser por ocasião da ação de divórcio.” (François Jacob. Code Civil, cit., p. 282). (nossa tradução).
163
responsabilidade civil aplicada às causas dissolutórias do matrimônio e o artigo
1.382 rege os danos decorrentes de grave violação dos deveres conjugais.
443
Nesse sentido, dispõe Alain Bénabent que essas perdas e danos têm na
realidade dois fundamentos jurídicos: o artigo 266, pelo prejuízo aliado à
dissolução em si do casamento, mas somente em casos de divórcio por culpa
exclusiva, e não a cargo do demandante, nos casos de ruptura da vida em
comum; e o artigo 1.382, para todos os outros prejuízos.
444
Idêntico entendimento é o esposado pelos tribunais franceses:
“DIVÓRCIO, artigo 266 c.civ. O decreto do divórcio e a outorga de
uma prestação compensatória não têm por objeto a reparação de
um prejuízo, as perdas e danos previstas no artigo 266 c.civ.
reparam o prejuízo independentemente da disparidade das
condições de vida dos esposos, e os previstos pelo artigo 1.382
reparam o prejuízo resultante de todas as outras circunstâncias.”
(Civ. 2ª, 12 jun. 1996: Bull, civ II, n. 1.382 que 149; RTD civ. 1996,
886, obs. Hauser).
“O decreto do divórcio por culpa recíproca não afeta o princípio do
direito à reparação de um esposo pela atitude escandalosa de seu
consorte durante o casamento, prejuízo distinto daquele resultante
da dissolução do vínculo conjugal.” (Civ. 2ª, 12 jan. 1984: Gaz.
Pal. 1984. 2 Panor. 200. obs. Grimaldi. 28 fev. 1996: Bull. Civ.II n.
47, RTD civ. 1996, 372, obs. Hauser, violências cometidas por um
cônjuge).
445
Os danos patrimoniais que afetam ao ex-cônjuge pela quebra do vínculo
conjugal, que tiveram por fundamento o artigo 266, podem ser cumulados em
suas duas espécies – morais e materiais.
446
À primeira vista, tais fundamentos podem parecer idênticos, porém, de
acordo com os doutrinadores franceses, são distintos. A regra do artigo 226
fundamenta a reparação de danos decorrentes da própria ruptura do vínculo
conjugal, exigindo-se como requisitos de sua obtenção que o divórcio tenha sido
443
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 23.
444
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.
445
François Jacob. Code Civil, cit., p. 1.132.
446
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit.,p.
184.
164
pronunciado pela culpa exclusiva do cônjuge que causou os prejuízos
447
. Tal
reparação, nos termos do artigo 266, conforme redação que lhe foi dada pela Lei
2.004-439, de 26.05.2004, não pode ser iniciada senão por ocasião da ação de
divórcio.
448
Os danos que se enquadram no artigo 266 são de ordem moral,
consistentes no prejuízo para o cônjuge inocente, diante do fato de ter sofrido
ofensas do outro, assim como na solidão onde ele se encontrou ou se encontra
ainda, por cuidar das crianças.
449
Os danos materiais, segundo Bénabent, normalmente são ressarcidos
através da prestação compensatória
450
. Contudo, outros elementos materiais
que podem constituir um prejuízo para o cônjuge inocente: verifica-se com certa
freqüência, por exemplo, a perda pelo cônjuge inocente de um certo tipo de
vida.
451
o artigo 1.382 tem por fundamento a reparação dos danos decorrentes
da própria causa do divórcio, isto é, do descumprimento de um dever conjugal.
Tais danos podem ser de ordem moral ou material, e sua reparação tem
cabimento tanto no divórcio por culpa exclusiva, quanto no de culpa recíproca.
452
Constatamos assim que, embora parte dos nossos doutrinadores defenda
tal possibilidade, o fato da legislação nacional não contar com tal norma expressa
tem dificultado o reconhecimento pelos nossos tribunais da possibilidade de
reparabilidade dos danos decorrentes da mera ruptura do vínculo do casamento,
sem a incidência de qualquer ato culposo por parte do cônjuge que pretenda a
separação.
447
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 252.
448
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
183.
449
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.
450
Prestação compensatória, segundo Gérard Cornu, é uma peça matriz da reforma do divórcio,
uma pedra angular da “política de concentração” (Carbonier). Ela é comum ao divórcio por culpa,
por dupla confissão e por pedido conjunto. A função legal dessa prestação é compensar, tanto
quanto possível, a disparidade que a ruptura do casamento criou entre as condições de vida
respectivas, previstas no artigo 270 do Código Civil (Droit civil: la famille, cit., p. 528).
451
Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.
452
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 253.
165
Buscando essa reparabilidade, o Projeto de Lei n. 276/2007 propõe a
alteração do artigo 927, para acrescentar-lhe mais um parágrafo com o seguinte
teor: “§ - Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às
relações de família.”
453
6.3.3.2 Direito português
O direito de família português adotou desde sua origem o regime
patriarcal, assim como o direito brasileiro, que este decorreu daquele. Contudo,
passou a codificação civil desse país por uma reforma em 1966, que culminou
com a edição de um novo diploma civil, no qual igualaram-se os cônjuges em
direitos e deveres, tendo sido estabelecida norma expressa de reparação
indenizatória vinculada aos danos por ruptura do casamento.
454
Na Constituição da República de 1976, foi consagrado o princípio da
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à capacidade civil e política
e à manutenção e educação dos filhos, nos termos do artigo 36º, n. 3.
Assim, como os novos princípios constitucionais conflitavam com o
regramento das relações matrimoniais estabelecidas no Código Civil português de
1966, em sua versão original, o Decreto-Lei n.496, de 25.11.1977, adaptou aquele
diploma legal à nova ordem constitucional, com profunda revisão da matéria
relativa aos efeitos do matrimônio e sua dissolução.
455
Os artigos que tratam das sanções patrimoniais impostas ao cônjuge
culpado pelo divórcio tiveram sua redação alterada pelo Decreto-Lei n. 496/77,
453
Conforme justificativa que acompanha o Projeto de Lei n. 276/2007, a sugestão de alteração é
de Regina Beatriz Tavares da Silva (Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 09 jan.
2008.
454
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 26.
455
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 27.
166
tendo sido ela mantida, mesmo após a última reforma pela qual passou o direito
português, em 2003.
456
Temos assim que, na reforma de 1977 operada no direito de família,
dedicou o legislador português especial atenção às relações conjugais,
acrescentando os deveres de respeito e cooperação aos tradicionais deveres
de fidelidade, coabitação e assistência, bem como estabeleceu regras sobre a
reparação de danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento,
demonstrando a preocupação da legislação portuguesa, tanto com a igualdade
dos cônjuges, quanto com a responsabilidade que devem ter os consortes no
matrimônio e em sua dissolução.
457
Impôs assim a legislação portuguesa, nos artigos 1.790º e 1.791º,
severas penas de ordem pecuniária ao cônjuge considerado único ou principal
culpado pela dissolução do casamento, o que não se confunde com a reparação
de danos prevista no artigo 1.792º, que dispõe que o cônjuge declarado único ou
principal culpado, ou mesmo aquele que pediu o divórcio com fundamento na
ruptura da vida em comum em decorrência de doença mental do outro cônjuge,
prevista no artigo 1.781º, “c”, deve reparar os danos não patrimoniais causados
ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
458
Contudo, para uma melhor compreensão das regras sobre a reparação de
danos na dissolução do casamento no direito português, faz-se necessário
conhecer como se processa a separação e o divórcio.
459
O divórcio e a separação judicial serão consensuais se requeridos por
ambos os cônjuges; e serão litigiosos, se fundados na violação dos deveres
conjugais, nos termos do artigo 1.779º do Código Civil português, que assim
dispõe:
456
Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.
185-187.
457
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 28.
458
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 255.
459
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 30 e ss.
167
“Artigo 1.779º (Violação culposa dos deveres conjugais)
1. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro
violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação,
pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da
vida em comum.
2. Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve o
tribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa ser
imputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidade
moral dos cônjuges.”
460
Porém, não basta qualquer violação de dever conjugal, uma vez que o
próprio artigo citado indica os requisitos necessários: gravidade ou reiteração, e
que comprometa a vida em comum.
o artigo 1.787º define o regramento sobre a declaração do cônjuge
culpado, assim dispondo:
“Artigo 1.787º (Declaração do cônjuge culpado)
1. Se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim o
declarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjuges
consideravelmente superior à do outro, a sentença deve declarar
ainda qual deles é o principal culpado.
2. O disposto no número anterior é aplicável mesmo que o réu não
tenha deduzido reconvenção ou tenha decorrido, relativamente
aos factos alegados, o prazo referido no artigo 1786º.”
Contrariamente à tendência da nossa legislação de enfraquecimento dos
efeitos da culpa na separação, a decretação da culpa no direito português gera
graves conseqüências patrimoniais, como se verá adiante.
Pelo artigo 1.781º, alíneas “a” e “b”, pode ser promovida ação litigiosa
objetivando a extinção da relação matrimonial, em decorrência da falência do
casamento:
“Artigo 1781º (Ruptura da vida em comum)
São ainda fundamento do divórcio litigioso:
a) A separação de facto por três anos consecutivos;
b) A separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por
um dos cônjuges sem oposição do outro;
460
Código Civil português em texto integral atualizado até a Lei n. 6/2006, de 27.02.2006,
incorporando declaração de retificação 24/2006, de 17.04.2006 Disponível em:
<www.portolegal.com/codigocivil.htm>. Acesso em: 06 jan. 2008.
168
c) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando
dure mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa a
possibilidade de vida em comum;
d) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não
inferior a dois anos.”
O que se percebe é que, embora essa causa de dissolução matrimonial
inspire-se na “falência” da sociedade conjugal, entendida como solução para uma
união fracassada, os artigos 1.782º e 1.783º do código civil português determinam
que na ação respectiva “o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a
haja”.
Prevê ainda o direito português a possibilidade de um dos cônjuges pedir
o divórcio em razão de alteração das faculdades mentais do outro, desde que
perdure por mais de 3 anos, mas, a exemplo dos direitos francês e alemão, como
visto anteriormente, contém a “cláusula de dureza” no artigo 1.784º, que permite
que o pedido seja indeferido caso se presuma que o divórcio agravará
consideravelmente o estado do enfermo.
461
“Artigo 1782º (Separação de facto)
1. Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da
alínea ‘a’ do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida
entre os cônjuges e da parte de ambos, ou de um deles, o
propósito de não a restabelecer.
2. Na acção de divórcio com fundamento em separação de facto,
o juíz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, nos
termos do artigo 1.787º.
Artigo 1.783º (Ausência)
É aplicável ao divórcio decretado com fundamento em ausência o
disposto no n. 2 do artigo anterior.”
Conta ainda o direito português, no artigo 1.786, 1 e 2, do Código Civil,
com norma sobre “caducidade da ação de divórcio”, regra essa que não encontra
similar em qualquer outra legislação.
461
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 35.
169
Aliás, a interpretação das normas contidas na legislação pátria corre em
sentido inverso, na medida que um dos requisitos para a propositura da
separação judicial culposa é o imediatismo, posto que, se decorrido o lapso
temporal de separação de fato, exigido tanto para a separação no artigo 1.572º,
parágrafo 1º, quanto para o divórcio direto no artigo 1.580º, parágrafo 2º, a
dissolução poderá ser apreciada sob o aspecto objetivo, a saber, o decurso do
tempo, tornando-se irrelevantes os fatos que motivaram a ruptura da vida em
comum.
Conhece assim o direito português tanto a separação judicial quanto o
divórcio fundados na causa culposa, das quais decorrerão punições patrimoniais
ao cônjuge que, em razão de sua conduta reprovável, deu causa à separação ou
ao divórcio.
462
Desse modo, para o direito português, o reconhecimento de uma dessas
espécies de culpa cresce em importância, no momento de se proceder à partilha
dos bens do casal, na fixação dos alimentos e na indenização dos danos
decorrentes da separação e do divórcio.
463
Contrariamente ao que dispõe a legislação brasileira, na qual a culpa pela
separação não exerce qualquer influência na partilha dos bens do casal, no direito
português, conforme o artigo 1.790º, o regime de bens adotado no casamento é
modificado em face da culpa exclusiva ou principal de um dos cônjuges:
“Artigo 1.790º - O cônjuge declarado único ou principal culpado
não pode na partilha receber mais do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da
comunhão dos adquiridos.”
462
Sob esse aspecto, também o direito brasileiro difere do direito português, uma vez que conhece
a modalidade culposa apenas na separação judicial, e ainda se promovida dentro do prazo de
um ano da ruptura da vida em comum.
463
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 36.
170
Pires de Lima e Antunes Varela
464
, ao comentarem esse artigo,
esclarecem que importa, para a correta aplicação da lei, que se confronte o
resultado que advém, para o cônjuge único ou principal culpado da aplicação do
regime que rege o casamento desfeito, na partilha dos bens, porque, no caso
de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo, é que a lei
manda aplicar o último (comunhão de adquiridos).
“Artigo 1.791º
1. O cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os
benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou
de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado
de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à
celebração do casamento.
2. O cônjuge inocente ou que não seja o principal culpado
conserva todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do
outro cônjuge ou de terceiro, ainda que tenham sido estipulados
com cláusula de reciprocidade; pode renunciar a esses benefícios
por declaração unilateral de vontade, mas, havendo filhos do
casamento, a renúncia só é permitida em favor destes.”
Eduardo dos Santos, ao comentar o artigo 1791º, dispõe que a alínea n. 1
é uma sanção que a lei aplica ao cônjuge que deu causa ao divórcio e, por isso,
não se mostrou digno dos benefícios recebidos ou que teria a receber do outro
cônjuge ou de terceiro. Cita a definição dada por Pereira Coelho às liberalidades
que o legislador menciona no dispositivo analisado, como sendo: doações entre
pessoas casadas, entre vivos ou por morte, feitas pelo cônjuge inocente ao
culpado, em razão do casamento; doações entre cônjuges, mesmo que sejam
doações indiretas, feitas pelo primeiro ao segundo, na constância do
casamento; deixas testamentárias, em forma de legado ou de instituição de
herdeiro, com que o cônjuge inocente tenha beneficiado o culpado. E também os
benefícios provenientes de terceiros, “em vista do casamento ou em consideração
do estado de casado”.
465
Segundo Eduardo dos Santos, a sanção do artigo 1.790º opera de pleno
direito, sem necessidade de um ato revogação das liberalidades.
464
Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, 2. ed. rev. actual., Coimbra: Coimbra
Editora, 1992, v. 4, p. 562.
465
Eduardo dos Santos. Direito da família, Coimbra: Almedina, 1999, p. 400.
171
“Artigo 1.792º
1. O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o
cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c’ do
artigo 1.781º, devem reparar os danos não patrimoniais causados
ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
2. O pedido de indenização deve ser deduzido na própria ação de
divórcio.”
O artigo 1.792º, segundo Pires de Lima e Antunes Varela, é disposição
inteiramente nova introduzida pela reforma de 1977. A novidade traduz-se em
dupla originalidade.
466
Primeiro, por prever a reparação dos danos morais, mesmo em casos em
que tenham fundamento a violação dos deveres conjugais, constituindo nessa
medida uma exceção à regra de que só o ilícito extracontratual obriga à reparação
de danos não patrimoniais.
Por outro lado, continuam os autores, admite a lei a ressarcibilidade dos
danos não patrimoniais, quando o divórcio tiver por fundamento a alteração da
saúde mental do outro cônjuge, fora, portanto, do âmbito do divórcio culposo,
admitindo a lei indenização independentemente da conduta ilícita do culpado.
Sob esse aspecto, o direito português se aproxima do brasileiro, ao fixar
sanção ao cônjuge que venha a pedir a separação em razão de doença mental do
outro, prevista no artigo 1.572, parágrafos 2º e 3º do Código Civil de 2002.
Vislumbram Pires de Lima e Antunes Varela a influência exercida pelo
direito francês, em especial o artigo 266 do Código Civil, na reforma do regime do
divórcio operada em Portugal pela reforma de 1977.
Em relação à alínea 2 do artigo 1.792º, esclarecem os autores que ela se
desdobra em duplo efeito. Se, por um lado, ela permite a cumulação do pedido de
dissolução do casamento com pretensão indenizatória, por outro, deduz-se um
princípio de preclusão da indenização, se não for requerida na ação de divórcio.
466
Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, cit., p. 567.
172
Do texto legal, se depreende que os danos morais são os resultantes do
divórcio, não abrangendo os danos causados pelos fatos geradores do pedido de
divórcio.
Contudo, tal dispositivo legal não obsta, dizem os autores, a
ressarcibilidade, quer dos danos provenientes da violação dos deveres relativos
aos cônjuges, quer da violação dos direitos absolutos de que o cônjuge ofendido
é titular. Esses danos deverão ser apreciados em ação autônoma, e não na de
divórcio, pois esta tem por objetivo fundamental a dissolução da relação
matrimonial.
467
Contrariamente à legislação portuguesa e francesa, silente é a legislação
nacional sobre a possibilidade da cumulação das ações de separação litigiosa
culposa e de reparação de danos morais, assim como ainda não se encontra
pacificado pelos nossos tribunais o entendimento sobre a possibilidade de sua
cumulação.
“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Litigiosa – Cumulação com pedidos de
reparação por danos morais. Possibilidade Competência da
Vara da Família para apreciação do pedido de indenização
Formulado pedido cumulado de indenização por danos morais e
de separação judicial, decorrentes de violação de deveres
conjugais, é competente o juiz da Vara da Família para apreciar
os dois pedidos Recurso parcialmente provido.” (TJSP Agravo
de Instrumento n. 475.358-4/8-00/São Paulo, Câm. Dir. Priv.,
rel. Luiz Antonio Costa, j. 28.03.2007, v.u.).
“COMPETÊNCIA Foro Pedidos Cumulação Indenização
por dano moral fundado na conduta ilícita imputada ao réu e
pedido de separação judicial (litigiosa) Ajuizamento perante o
Juízo de Família Impossibilidade Pedidos que não podem ser
cumulados – Hipótese em que se busca exclusivamente efeito
patrimonial decorrente de infração aos deveres do casamento,
não versando a lide matéria ligada à proteção da família
Competência do Juízo Cível reconhecida Recurso desprovido.”
(TJSP Agravo de Instrumento n. 496.500-4/0-00/São Paulo, 10ª
Câm. Dir. Priv., rel. Testa Marchi, j. 04.09.2007, v.u.).
467
Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, cit., p. 568.
173
“COMPETÊNCIA Separação judicial litigiosa Pedido de danos
morais, cumulado com alimentos, veiculado por meio de
reconvenção – Causa de pedir decorrente de relações familiares –
Competência da Vara de Família e das Sucessões.” (TJSP −
Agravo de Instrumento n. 136.366-4/1, 6ª Câm. Dir. Priv., rel.
Mohamed Amaro, j. 15.06.2000).
468
6.3.3.3 Direito peruano
O direito civil peruano adotou, na reforma pela qual passou em 1984, o
mais alto grau de reparabilidade, ao dispor, no artigo 351 do Código Civil:
“Artigo 351 - Se os fatos que determinaram o divórcio
comprometem gravemente o interesse pessoal do cônjuge
inocente, o juiz poderá conceder-lhe uma soma de dinheiro a título
de reparação de dano moral.”
469
Deu assim o legislador peruano total indenizabilidade ao dano moral
sofrido pelo cônjuge inocente em sentença de separação judicial que reconheceu
ter o outro cônjuge violado gravemente os deveres do casamento, a ponto de ter
atingido sua dignidade e honorabilidade, ou sua auto-estima.
470
Tanto o direito francês quanto o português e o peruano trazem norma
expressa sobre a reparabilidade dos danos decorrentes do desfazimento do
casamento.
Contrariamente, o nosso ordenamento legal não contém norma específica
sobre a matéria, mas, por outro lado, também não traz qualquer regra que
desautorize ou vede a reparação de danos morais ou materiais decorrentes do
descumprimento de dever oriundo do casamento.
471
468
Revista Brasileira de Direito de Família, n. 7, out./nov./dez. 2000,p. 60.
469
Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 256.
470
Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 763-764.
471
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,
cit., p. 160.
174
Contudo, concordamos com a corrente que considera o casamento como
um contrato especial, dotado de conseqüências peculiares, mais profundas e
extensas do que as convenções de efeitos puramente econômicos, ou contrato de
direito de família, em razão das relações específicas por ele criadas, que envolve
valores fundamentais, dentre os quais a dignidade da pessoa humana.
472
Nessas condições, tendo o casamento natureza especial, no qual os
deveres impostos são de ordem pública, posto que fixados em lei, diante de sua
violação, entendemos que deverão ser aplicados os princípios da
responsabilidade extracontratual, e para sua configuração será exigida a
caracterização do ato antijurídico, do dano e do nexo causal entre eles.
A nosso ver, a exclusão da culpa como causa de separação inviabiliza a
possibilidade de se obter a reparação do dano decorrente da violação dos
deveres do casamento, em especial nos casos que eles excederem à
normalidade, deixando o cônjuge agredido em seus direitos pessoais sem a
resposta legal a que faz jus.
472
Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, cit., v. 5, p. 58.
CONCLUSÃO
Através deste estudo, procuramos demonstrar que a evolução da família
no desenrolar da história da humanidade se confunde com a evolução da própria
sociedade, da qual decorre o Estado, entendido como entidade abstrata e
organizada administrativamente.
Ao longo dos séculos, família e Estado passaram por períodos de intensa
mudança, até chegar à configuração atual.
Assim como o direito, enquanto legitimador das relações humanas, a
sociedade vive em constante mutação, adaptando-se às transformações sociais
pelas quais passaram os povos, no desenvolver da história.
A família é uma instituição perene, natural e indestrutível que, mesmo
estando em constante mutação, posto que inserida num contexto social do qual
absorve as transformações decorrentes da evolução cultural, mantém íntegras as
suas responsabilidades frente à sociedade.
No contexto nacional, a Carta Política promulgada em 1988 atribuiu à
família responsabilidade vinculada à promoção do princípio fundamental da
dignidade humana, e merece especial atenção do Poder Público.
Independentemente da forma através da qual se constituiu a entidade
familiar, o Estado tem a obrigatoriedade de lhe conferir assistência e proteção. A
obrigatoriedade do Poder Público se hoje perante a família, considerando
todos seus membros, e não mais em face de um componente do agrupamento de
maneira isolada, como ocorria sob a ordem constitucional anterior.
O direito de família atualmente se encontra sedimentado em preceitos
constitucionais, esculpidos no artigo 226 da Carta Magna, passando pelo novo
Código Civil e demais leis infraconstitucionais pertinentes à matéria, que formam
o arcabouço jurídico responsável pela instrumentalização do direito de família,
176
legalizando muitas vezes procedimentos que desfrutavam de reconhecimento
social, sob o aspecto prático.
Em várias oportunidades, a lei reconheceu direitos que a sociedade
havia incorporado como certos, e que clamava apenas pela sua regulamentação,
como foi o caso do reconhecimento e legalização do divórcio.
A Carta Política brasileira seguiu esse mecanismo, em especial no âmbito
do direito de família, na medida que reconheceu, além da família formada pelo
casamento, outras entidades familiares.
Fica assim evidente a incumbência do Poder Público de reconhecer os
fenômenos sociais e, através do direito e das normas jurídicas positivas, legitimar
condutas já incorporadas pela sociedade.
Se por um lado os cidadãos, por meio de seus pensamentos e suas lutas,
transformam a sociedade, por outro lado, incumbe ao Estado, através da
elaboração de normas jurídicas, regulamentar as condutas, tornando-as legais.
Assim, entendendo-se a família, o direito e a própria humanidade como
um todo no qual se desenvolvem os acontecimentos sociais que dão forma à
evolução da civilização, o Estado surge como elemento de integração que
estrutura formal a todas essas mudanças, transformando-as em normas legais.
Nessa medida, a força estruturante da culpa originalmente se assentava
na religião, que através dela garantia a indissolubilidade do vínculo do casamento,
cujo objetivo primeiro era a manutenção da incolumidade da família, vista como
instituição estruturadora da sociedade.
Em conseqüência da evolução pela qual passou a sociedade, a força
estruturante da culpa deixou de ter natureza religiosa, diante da laicização da
própria sociedade, que provocou a separação entre o Estado e a Igreja.
177
Contudo, diante do longo período de influência religiosa exercido sobre a
sociedade, a concepção de culpa restou impregnada na consciência comum do
povo, que ainda conserva a idéia de que o casamento se realiza para ser mantido
até à morte. Aquele que age contrariamente a esse intento será culpado por
descumprimento de uma promessa feita. Nesse sentido, a culpa passa a ter por
fundamento não mais uma imposição religiosa, mas apenas um preceito moral.
Ante a dinâmica social, mesmo essa concepção moral da culpa vem
gradativamente cedendo espaço para a idéia de que o casamento não é mais um
ato celebrado para a eternidade e, portanto, é naturalmente dissolúvel, e que
ninguém pode ser considerado culpado por não mais sentir a afeição que um dia
o uniu ao outro pelos laços do casamento.
Há, portanto, uma evidente mudança na valoração do casamento, tanto
que o constituinte de 1988 foi sensível, a ponto de estender a proteção do Estado
a outros os tipos de família, além da formada pelo matrimônio. A mudança de foco
de proteção da família como instituição, para família como meio para o indivíduo
se realizar como pessoa humana, foi determinante para a ampliação dessa
proteção do Estado.
Contudo, de se entender que toda mudança passa por um período de
amadurecimento, até sua completa sedimentação. Existem sociedades que
passam por esse processo de maneira mais rápida que outras, como é o caso da
Alemanha que, após longo período de maturação da idéia, e várias consultas à
população, optou por excluir a perquirição da culpa de seu ordenamento jurídico,
deixando como único fundamento à dissolução do casamento a ruptura da vida
em comum, a impossibilidade de continuidade da convivência conjugal.
Mas outras sociedades, como a brasileira, a francesa, a portuguesa e a
italiana, têm necessidade de manter o instituto da culpa, em razão do fundamento
axiológico que lhe dá respaldo.
Diante da análise do direito comparado, ficam evidentes os avanços pelos
quais passou o direito de família brasileiro. Embora a nossa sociedade tenha
178
obtido sucesso no reconhecimento legal da possibilidade da dissolução do vínculo
conjugal apenas após atentar às mudanças empreendidas no direito alienígena,
desfrutamos de uma situação, na atualidade, mais avançada que a adotada nos
países que nos serviram de paradigma.
As mudanças trazidas, tanto pela Carta Magna de 1988, como pelo novel
Código Civil e pela legislação especial, dão mostras do grau de evolução pelo
qual vem passando a nossa sociedade, no sentido de diminuir o grau de
importância dado à culpa na dissolução das sociedades conjugais.
A perquirição da culpa no divórcio foi excluída pela Constituição
Federal, no parágrafo do artigo 226, tendo sido desferido o golpe final pelo
artigo 1.580, parágrafo 2º, do atual Código Civil, ao impedir qualquer referência da
causa da separação por ocasião da conversão em divórcio.
Pela quantidade de opções pelas quais é possível efetivar a dissolução da
sociedade e do vínculo conjugal que não a culposa, é manifesta a tendência da
sociedade em fundamentar, cada vez mais, os pedidos de separação na ruptura
da vida em comum ou na impossibilidade de continuidade da vida conjugal (arts.
1.572, §§ 1º e 2º e 1.573, parágrafo único).
Consideramos assim injustas as críticas lançadas contra o novo Código
Civil, no sentido de que se perdeu uma oportunidade para a completa eliminação
da culpa de nosso ordenamento jurídico, de vez que a espécie de separação
litigiosa fundada na culpa é ainda uma modalidade processual muito prestigiada
pela nossa sociedade, posto que continua sendo motivo de muitos embates
judiciais, longe, portanto, de cair no desuso ou esquecimento do povo.
O próprio dissenso doutrinário e jurisprudencial ainda vivo em nosso
meio, como demonstrado ao longo deste trabalho, deixa patente que a sumária
eliminação do sistema de culpas do direito de família é inoportuna. O consenso
sobre o fim da culpa na separação parecer estar ainda num horizonte distante.
179
Razão assistiu a Miguel Reale que, para justificar a introdução de
alterações na codificação civil e a permanência de outras, assim se pronunciou
nos Excertos da Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça,
acerca do Anteprojeto do Código Civil:
“Não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções
normativas dotados de certa sedimentação e estabilidade,
deixando para a legislação aditiva a disciplina das questões ainda
objeto de fortes dúvidas e contrastes, em virtude de mutações
sociais em curso, ou na dependência de mais claras colocações
doutrinárias, ou ainda quando fossem previstas alterações
sucessivas para adaptações da lei a experiência social e
econômica.”
A justificativa apresentada pelo jusfilósofo restou confirmada através da
recém-promulgada Lei n. 11.441/2007 que, ao criar o novo procedimento para a
separação e o divórcio consensuais, abriu aos indivíduos mais uma modalidade
de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, em que não existe campo para
a discussão de eventual culpa entre os cônjuges sobre o fim do casamento.
A sociedade brasileira caminha a passos largos no sentido da completa
eliminação da culpa do cenário familiar brasileiro. Mas, nessa caminhada, todos
os operadores do direito têm grande parcela de responsabilidade. Os profissionais
da área, desde os bancos acadêmicos, são incentivados no sentido da cultura da
litigiosidade, chegando por vezes até mesmo a incentivá-la, em benefício do
processo.
A nosso sentir, essa tendência tem perdido espaço, em especial nas
questões de família, com o crescimento da interdisciplinaridade. O profissional do
direito não pode esquecer que, em matéria de direito de família, sua atuação pode
provocar conseqüências diretas à vida das pessoas, motivo pelo qual é dele
exigida maior sensibilidade do que conhecimento técnico.
Quando um dos cônjuges, em meio de uma crise familiar, busca
orientação jurídica, é fundamental a postura adotada pelo profissional nesse
momento, para que coloque de maneira cristalina ao cidadão que o procura os
caminhos possíveis para solução do conflito, deixando claro que a forma litigiosa
180
de buscar um culpado terá como resultado apenas uma maior dor e sofrimento
para todos os envolvidos no litígio, e jamais significará a compensação pelo afeto
e tempo passados.
Compete a ele demonstrar que a melhor maneira de resolver o conflito é
pelo diálogo, pela conciliação, ou mesmo pela conscientização de que aquela vida
em comum chegou ao fim. E, portanto, o melhor a fazer é organizar o que restou
da convivência passada, e então partir para um novo começo. Somente assim se
estará contribuindo para o atendimento ao preceito fundamental de respeito à
dignidade da pessoa humana.
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2000.
ANEXOS
ANEXO I
PROJETO DE LEI N. 276/2007
473
Altera o Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de
2002.
O Congresso Nacional decreta:
Artigo - Esta lei nova redação aos artigos 2º, 11, 12, 43,66, 151, 224, 243,
244, 246, 262, 273, 281, 283, 294, 299, 300, 302, 306, 309, 328, 338, 421, 422,
423, 425, 429, 450, 456, 471, 472, 473, 474, 475, 478, 479, 480, 482, 496, 502,
506, 533, 549, 557, 558, 559, 563, 574, 576, 596, 599, 602, 603, 607, 623, 624,
625, 633, 637, 642, 655, 765, 788, 790, 872, 927, 928, 931, 944, 947, 949, 950,
953, 954, 966, 977, 999, 1053, 1060, 1086, 1094, 1099, 1158, 1160, 1163, 1165,
1166, 1168, 1196, 1197, 1204, 1210, 1228, 1273, 1274, 1276, 1316, 1341, 1347,
1352, 1354, 1362, 1365, 1369, 1371, 1374, 1378, 1379, 1434, 1436, 1456, 1457,
1473, 1479, 1481, 1512, 1515, 1516, 1521, 1526, 1561, 1563, 1573, 1574, 1575,
1576, 1581, 1583, 1586, 1589, 1597, 1601, 1605, 1606, 1609, 1614, 1615, 1618,
1623, 1625, 1626, 1628, 1629, 1641, 1642, 1660, 1665, 1668, 1694, 1700, 1701,
1707, 1709, 1717, 1719, 1721, 1722, 1723, 1725, 1726, 1727, 1729, 1731, 1736,
1768, 1788, 1790, 1800, 1801, 1815, 1829, 1831, 1834, 1835, 1848, 1859, 1860,
1864, 1881, 1909, 1963, 1965, 2002, 2038 e 2045 da Lei n. 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, que "institui o Código Civil”, e acrescenta dispositivos ao mesmo
diploma legal.
(...)
“Artigo 927 - (...)
§ 1º - (...)
§ - Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de
família.” (NR)
“Artigo 1.573 - (...)
I- infidelidade;
(...)
IV - abandono voluntário do lar conjugal;
(...).” (NR)
473
Do deputado Léo Alcântara. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 09 jan.
2008.
196
“Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos
cônjuges, manifestado perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a
convenção.
(...).” (NR)
(...)
“Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos
outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.
(...)
§ - A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado
a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios
próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua
educação.” (NR)
(...)
“Artigo 1.707 - Tratando-se de alimentos devidos por relação de parentesco, pode
o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos.
Parágrafo único - O crédito de pensão alimentícia, oriundo de relação de
parentesco, de casamento ou de união estável, é insuscetível de cessão, penhora
ou compensação.” (NR)
JUSTIFICAÇÃO
Trata-se de reapresentar proposição da lavra do deputado Ricardo Fiúza, de
perene memória, que tramitou nesta Casa, durante a legislatura passada, à
exceção da modificação então alvitrada para o artigo 1.361, a qual foi por nós
retirada, porquanto entendemos que a matéria encontra-se satisfatoriamente
regrada. Foram retiradas, igualmente, as alterações aos artigos 286 e 369, haja
vista que as mesmas tinham ligação com o artigo 374, o qual foi revogado. Em
homenagem àquele eminente parlamentar, reproduzirmos, adiante, a justificação
então apresentada por ele. “Inicialmente cumpre-me esclarecer que o presente
projeto de lei não tem por objetivo a reforma do Código Civil, o que seria uma
contradição , que exercemos a relatoria geral do Projeto n. 634/75 , que deu
origem à Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Na verdade, o que se pretende
com a presente proposta é a complementação de alguns dispositivos, cuja
modificação não foi possível fazer anteriormente, face aos impedimentos
regimentais já longamente expostos, quando da votação final do Projeto de Lei n.
197
634. A apresentação deste projeto de lei foi um compromisso que assumi perante
a sociedade brasileira e especialmente perante o Congresso Nacional.
Comprometi-me a que, logo após sancionado o novo Código Civil,
apresentaríamos um projeto, aperfeiçoando alguns pontos que não poderiam ter
sido alterados naquele momento, pois, ou não haviam sido objeto de emendas
pelo Senado Federal e, portanto, estavam aprovados pelas duas Casas do
Congresso, ou não se enquadravam nos estreitos limites da Resolução n. 01, de
2000, do Congresso Nacional, que me permitiu a mera atualização de
dispositivos que estivessem em manifesto descompasso com a legislação editada
posteriormente ao início da tramitação do Projeto de Lei n. 634/75. Ocorre que
muitos artigos, embora não entrassem, necessariamente, em confronto com
qualquer dispositivo de lei posterior, exigiam aprimoramento. Sem falar em várias
omissões que identifiquei e que a Resolução n. 1 não me permitiu suprir. A
continuidade do árduo trabalho empreendido para dotar o país de um Código Civil
moderno, atualizado e pronto para responder aos anseios e necessidades da
sociedade do século XXI impõe-se. É sabido que as leis dirigem-se
preponderantemente ao futuro, e ainda mesmo quando se valem da
retroatividade, não modificam, evidentemente, os fatos pretéritos, mesmo porque
não se pode mudar o passado, mas resumem-se, no dizer de Ferrara, ao início do
seu Tratado, em “atribuir efeitos jurídicos novos a fatos pretéritos” Exige-se,
agora, do Congresso Nacional, a conclusão do processo de codificação, a fim de
possibilitar a completa inserção Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, no
momento presente, de onde poderá projetar-se para o futuro. Registre-se,
finalmente, que as alterações propostas, antes de desvirtuar, completam e
finalizam o processo de codificação. Lembro que com o Código Civil de 1916
aconteceu a mesma coisa. Ou seja, pouco tempo após a sua entrada em vigor, foi
aprovado o Decreto Legislativo n. 3.725, de 15 de janeiro de 1919, modificando a
redação de mais de 200 (duzentos) dispositivos do velho código. As modificações
propostas, todas modernizadoras do texto aprovado, foram resultado de um longo
trabalho de pesquisa que empreendi, auxiliado por renomados juristas deste País,
aos quais não posso deixar de fazer a devida referência. Reuni em meu escritório
um grupo de notáveis especialistas para , em conjunto com este parlamentar,
discutirmos, tema por tema, o que ainda poderia ser feito para aprimorar o texto,
transformando as sugestões acatadas no presente projeto de lei , que ora
198
apresento à Câmara dos Deputados, o qual, se aprovado nas duas Casas ainda
no decorrer do ano de 2002, poderá entrar em vigor concomitantemente com o
novo Código Civil, ao fim da vacatio legis. Se alcançarmos esse objetivo,
provando à sociedade brasileira que a proximidade das eleições gerais não
constitui óbice a que seus representantes cumpram com seus deveres, faremos
com que o novo Código Civil entre em vigor no estágio mais próximo possível do
que se poderia chamar de “obra humana perfeita”, em termos de elaboração
legislativa. Entretanto, teria sido absolutamente impossível, não somente face à
magnitude do trabalho, bem como à responsabilidade que o mesmo encerra,
haver concluído o presente projeto de lei, em tão pouco tempo, considerando as
inúmeras questões que a análise suscitou, sem o fundamental concurso de
inúmeros professores, magistrados, Faculdades de Direito e de tantos quantos
emitiram suas críticas pela imprensa ou diretamente a este Deputado remeteram
sugestões por escrito. Mas seria injusta a generalização, sem o destaque especial
e o merecido registro a alguns que, com completo e absoluto desprendimento, me
auxiliaram na análise minuciosa que fiz em cada um dos 2.046 artigos da Lei n.
10.406/2002. Na Parte Geral contribuiu a professora Maria Helena Diniz; no
Direito das Obrigações, destacaram-se o advogado e jurista Mário Luiz Delgado
Régis e o Desembargador Jones Figuerêdo Alves. No tema Responsabilidade
Civil, recebi a colaboração e as inestimáveis sugestões da professora Regina
Beatriz Tavares da Silva; no Direito das Coisas, participaram os professores
Carlos Alberto Dabus Maluf e Joel Dias Figueira Jr. No Direito de Família, o Juiz
Alexandre Guedes Alcoforado Assunção e novamente a professora Regina
Beatriz Tavares da Silva. Finalmente, no Direito das Sucessões, o grande
professor Zeno Veloso. Além dos acima mencionados professores e juristas, devo
destacar ainda a imprescindível participação do professor Alvaro Villaça Azevedo,
sempre presente em todos os momentos da tramitação do projeto de lei que
originou o novo Código Civil e cujas substanciosas sugestões integram o presente
trabalho. Também nos remeteram sugestões os Professores Sérgio Niemeyer,
José Guilherme Braga Teixeira, Hélio Borghi, Rosely Benevides de Oliveira
Schwartz e Márcia Cristina dos Santos Rêgo. Registro específico seja feito ao
IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família que, através de Comissão
coordenada pelos Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos, Maria Berenice
Dias e ainda o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, formulou importantes e
199
construtivas críticas ao nosso trabalho. Igualmente devem ser destacadas as
propostas constantes dos trabalhos elaborados pela OAB - Ordem dos
Advogados do Brasil Seção de São Paulo e CESA Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados, pela ABPI Associação Brasileira da Propriedade
Intelectual, ANOREG Associação dos Notários e Registradores e ainda pelos
advogados Cláudio Taveira, Marcelo José Lomba Valença, Guilherme da Rocha
Zambrano e Davi Lago. Cada um desses especialistas e entidades, em sua
respectiva área de atuação, teve participação ativa e decisiva na elaboração das
justificativas, que vão a seguir expostas:
(...)
49. Artigo 927: O texto que estamos propondo acrescentar como parágrafo ao
artigo 927 é sugestão da professora Regina Beatriz Tavares da Silva. Os
argumentos da citada professora para justificar a necessidade de inclusão desse
novo texto e aos quais me acosto inteiramente, são os seguintes: “Já que a
responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, necessidade de
constante adaptação desse instituto às novas necessidades sociais. Bem por
isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir
sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso
concreto. Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil,
que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e
de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada,
por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. Dentre
as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem
ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como reconhecem a
doutrina brasileira (Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e
mulher, in Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said
Cahali, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil
por Danos Morais, ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos
Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p.
71; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade Civil, ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1.979, v. II, p. 14/16) e a jurisprudência pátria (STJ Turma, Recurso
Especial n. 37051, Relator Min. Nilson Naves, j. 17.04.2001; TJSP Câmara
Civil, Apelação n. 220.943-1/1, Relator Des. Olavo Silveira, j. 09.03.1995; TJSP
Câmara de Direito Privado, Apelação n. 272.221.1/2, Relator Des. Testa
200
Marchi, j. 10.10.1996; TJSP - 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Quaglia
Barbosa, j. 23.04.1996, in BAASP 2008/04-m, de 23.06.1997 e RJ 232/71; TJSP -
Câmara de Direito Privado, Relator Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 23.02.1999,
in RT 765/191; TJSP Câmara de Direito Privado, Apelação n. 101.160-4/0,
Rel. Des. Osvaldo Caron, j. 19.09.2000; TJSP Câmara de Direito Privado,
Rel. Des. Octavio Helene, j. 31.08.2000, in JTJ/SP 235/47). Embora as relações
familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos,
sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso,
preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o
rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os
deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da
personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos
membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias
graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v.
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação
e no Divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76- 79, 153 e 163-165); o atentado à
vida do convivente, configurado em contaminação de doença grave e letal ou em
abandono moral e material da companheira (v. Regina Beatriz Tavares da Silva
Papa dos Santos, Responsabilidade Civil dos Conviventes, Revista Brasileira de
Direito de Família, Porto Alegre, Síntese e IBDFAM, v. 1, n. 3, outubro/dezembro
de 1999, p. 36-39); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo;
a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade, com conseqüente negação à
prestação de alimentos, embora haja a certeza desse vínculo de parentesco (v.
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o
reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos
Tribunais, n. 1, janeiro/março de 2000, p. 83 e 84); estes são alguns exemplos de
desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar. Os lesados nessas
circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à
dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos.
Recorde-se que o princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa
da personalidade, ‘repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo
necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da
sociedade‘, de modo que ‘a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade
201
civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação’ (v. Carlos Alberto
Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, cit., p. 13-28). Por fim, salientamos que
a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao Direito de Família tem
amplo respaldo constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à
dignidade humana, constante do artigo 1º, inciso III da Lei Maior. E outro
relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória
no Direito de Família é o artigo 226, parágrafo 8º, ao estabelecer que ‘O Estado
assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.’
Remissão deve ser feita ao artigo 185 do novo Código Civil, que estabelece:
‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito’, sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever
de família. Inobstante haja a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil
às relações de família com base nesta regra geral, deve ser explicitamente
estabelecida a regra a seguir proposta, como ocorre no Direito Francês (Código
Civil, art. 266) e Português (Código Civil, art. 1.792), dentre outros ramos do
Direito Comparado. Em suma a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada
à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na
família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida
como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil
visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em
relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos
da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do
Direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de
neminem laedere.”
(...)
98. Artigo 1.573: A sugestão é da professora Regina Beatriz Tavares da Silva. Diz
ela que deve ser modificado o seu inciso IV, que refere o abandono do lar pelo
prazo de um ano, prazo este que não se aplica desde a Lei n. 6.515/77; anote-se
que esta exigência de duração do abandono do lar por um ano, para possibilitar o
pedido de separação judicial culposa, está em contradição com os requisitos da
união estável, que possibilitam sua constituição diante de separação de fato no
casamento de um dos conviventes (art. 1.723, § 1º); deste modo, o cônjuge pode,
202
separado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a
propositura de ação de separação judicial para buscar a regularização de seu
estado civil, se abandonado por período inferior a um ano.” Também procedeu-se,
no inciso I, a substituição da palavra “adultério” por “infidelidade” cujo conceito é
bem mais amplo e bem mais compatível e adequado ao rol meramente
exemplificativo constante do artigo 1.573.
99. Artigo 1.574: A presente proposta foi também encaminhada pela professora
Regina Beatriz Tavares da Silva. Realmente deve ser eliminado o prazo de
duração do casamento para a decretação da separação consensual, inclusive em
face da diretriz do Código Civil de intervenção mínima nas relações familiares.
Saliente-se que embora a Constituição Federal, no artigo 226, parágrafo 6º,
impossibilite a decretação do divórcio direto se não houver separação de fato por
dois anos, esta vedação constitucional inexiste no que se refere à separação
judicial. Observe-se, também, que a separação de fato do casal possibilita a
constituição de união estável, conforme artigo 1.723, parágrafo 1º, não fazendo
sentido, também por isto, vedar a separação consensual por falta do decurso do
prazo de um ano contado do casamento.
(...)
124. Artigo 1.694: Deve ser acolhida a proposta realizada pelo IBDFAM
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA -, pela qual bem pondera
que é inadequado o atendimento à necessidades de educação do cônjuge ou do
companheiro. Ainda, conforme a mesma proposta, a expressão “compatível com
sua condição social” deve ser alterada e substituída por “digno”, que a primeira
poderá ser interpretada como impossibilidade de diminuição do padrão de vida,
sabendo-se que, a depender da situação econômica e financeira dos envolvidos,
especialmente dentre aqueles com menos recursos, a diminuição do padrão de
vida é inevitável. No que tange ao parágrafo , o que se propõe vinha sendo
indicado pela doutrina de ponta. Na jurisprudência, igualmente, pacificou-se o
entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos,
mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da
maioridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua
educação (RT, 698/156 ; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o
começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao
meu ver precisa ficar expresso no novo Código Civil.
203
(...)
127. Artigo 1.707: A renúncia aos alimentos feita por cônjuge ou por companheiro
é legítima. Os alimentos somente são irrenunciáveis se decorrentes de
parentesco (jus sanguinis), sendo que o cônjuge e o companheiro não são
parentes. Esclarece Yussef Said Cahali que “como os cônjuges são maiores e
capazes, podendo eles, de comum acordo, dispensar a prestação, reconhece-se
ser lícito .... renunciar à pensão, sem direito de exigi-la posteriormente” (Yussef
Cahali, Divórcio e Separação, São Paulo, Revista dos Tribunais, ed., 2000, p.
228). Assim, mesmo com a edição da súmula 379 do STF: “No acordo de
desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados
ulteriormente, verificados os pressupostos legais”, os Tribunais Estaduais e o
Superior Tribunal de Justiça continuaram a decidir de forma diversa do
estabelecido no provimento sumular. A renunciabilidade dos alimentos no
casamento e, evidentemente, na união estável está mais do que consagrada na
jurisprudência, superada a súmula 379 do STF (STJ – 4ª Turma, - Recurso
Especial no. 94121/SP, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 27.08.1996; STJ
Turma, Recurso Especial no 85683/SP, Relator Min. Nilson Naves, j.
28.05.1996; STJ Turma, Recurso Especial no 48550/SP, Relator Min.
Waldemar Zveiter, j. 25.10.1994; STJ Turma, Recurso Especial no.
40408/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 04.10.1994; STJ Turma, Recurso
Especial no. 37151/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 13.06.1994; STJ
Turma, Recurso Especial no. 19453/RJ, Relator Min. Waldemar Zveiter, j.
14.04.1992; STJ Turma, Recurso Especial no. 17719/BA, Relator Min.
Eduardo Ribeiro, j. 16.03.1992; STJ Turma, Recurso Especial no. 9286/RJ,
Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 11.11.1991; STJ Turma, Recurso Especial
no. 36749/SP, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23.08.1999. STJ
4ª Turma, Recurso Especial no. 64449/SP, Relator Min. Bueno de Souza, j.
25.03.1999; STJ Turma, Recurso Especial no. 95267/DF, Relator Min.
Waldemar Zveiter, j. 27.10.1997; STJ Turma, Recurso Especial no.
33815/SP, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 24.06.1997; STJ Turma,
Recurso Ordinário em Habeas Corpus no. 11690/DF, Relator Min. Nancy
Andrighi, j. 08.10.2001; STJ Turma, Recurso Especial no. 254392/MT,
Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13.02.2001; STJ Turma, Recurso Especial
no. 70630/SP, Relator Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.09.2000; RT 731/278; RT
204
696/99; RT 563/210; TJ/SP Câmara de Direito Privado, Apelação no.
68.603.4/4, Relator Des. Linneu Carvalho, j. 10.03.1998; TJ/SP Câmara de
Férias “B” de Direito Privado, Apelação no. 11.350.4/7, Relator Des. Marco César,
j. 09.08.1996; TJ/SP Câmara de Direito Privado, Apelação no. 67.402-4/0,
Relator Des. J. Roberto Bedran, j. 10.03.1998; TJ/SP Câmara de Direito
Privado, Agravo de Instrumento no. 090.676-4/2, Relator Des. Mattos Faria, j.
23.02.1999). Do jeito que está redigido a artigo 1.707, estaremos retornando ao
sistema da irrenunciabilidade, o que é um retrocesso que precisa ser corrigido,
razão pela qual é formulada a presente proposta.
Sala das Sessões, em 01 de março de 2007.
Deputado LÉO ALCÂNTARA
ANEXO II
PROJETO DE LEI N. 504/2007
474
Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre
alimentos.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Artigo 1º - Esta Lei modifica disposições do Código Civil que tratam de alimentos.
Artigo - Os artigos 1.694, 1.702, 1.709 da Lei 10.406 Código Civil, de 10 de
janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:
Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir
uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.
§ 1º - (...)
Artigo 1.702 - Na separação, no divórcio, ou na dissolução da união
estável, sendo um dos cônjuges ou um dos companheiros desprovido de
recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar,
obedecidos os critérios estabelecidos no artigo 1.694.
Artigo 1.707 - O credor pode renunciar o direito a alimentos, salvo quando
a obrigação decorrer de relação de parentesco.
Parágrafo único - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão,
compensação ou penhora.
Artigo 1.709 - A nova união do devedor não extingue a obrigação
alimentar anteriormente estabelecida.
Artigo - Revogam-se o parágrafo do artigo 1.964, e os artigos 1.704 e 1.705
da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O presente Projeto de Lei nos foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de
Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,
psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito
474
Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso
em: 09 jan. 2008.
206
das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida
pelo ilustre Deputado Antonio Carlos Biscaia.
Com efeito, o parágrafo segundo do artigo 1.694 do Código Civil insere na
demanda alimentar entre parentes e companheiros o questionamento da culpa,
criando um problema de difícil solução para o juiz, que será o de apurar se o
necessitado é ou não culpado pela sua necessidade. Além do mais é de
insuportável discriminação, pois estabelece critérios diferenciados para os
credores de alimentos : para uns, a proporção derivada da necessidade versus
possibilidade, para outros o indispensável para sua subsistência.
Cumpre corrigir a disposição do atual artigo 1.702, que prevê a concessão de
alimentos apenas na hipótese de separação judicial litigiosa, esquecendo que o
divórcio pode ser concedido de forma direta, sem prévia separação judicial, além
de o crédito a alimentos decorrer da dissolução da união estável.
Ademais, coerentemente com a tendência para a supressão do ultrapassado
princípio da culpa, cumpre afastar a repercussão desta no dimensionamento da
verba alimentar, o que impõe a revogação do artigo 1.704.
O artigo 1.705 do Código Civil é inteiramente desnecessário, discriminatório e
descontextualizado em um tempo onde estão abolidas quaisquer diferenças entre
os filhos em razão da espécie de relacionamento entretido pelos pais. É claro que
os filhos, havidos ou não de uma relação matrimonial, são, por óbvio, parentes
dos genitores, e, como tal, têm o direito a alimentos assegurado pelo artigo 1.694
do mesmo Código. Trata-se, por evidente, de regra que, originariamente de um
tempo em que tinha real significado, permaneceu indevidamente no Código.
Quanto ao artigo 1.707, é conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial
acerca da possibilidade de o cônjuge renunciar ao direito a alimentos, tendo sido
versada na Súmula n. 379 do Supremo Tribunal Federal. Todavia, a
jurisprudência atual e majoritária, inclusive do Superior Tribunal de Justiça,
orienta-se no sentido de admitir a renúncia a esse direito, entre cônjuges e
companheiros. Ressalve-se que a renúncia apenas não é possível em se tratando
de relação de parentesco.
Sala de Sessões, 19 de março de 2007
Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA)
ANEXO III
PROJETO DE LEI N. 507/2007
475
Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre a culpa e
seus efeitos na separação dos cônjuges e outras providências
correlatas.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Artigo - Esta Lei altera disposições do Código Civil que tratam sobre a culpa e
seus efeitos na separação dos cônjuges.
Artigo 2º - Os artigos 1.564, 1.571, 1.572, 1.578 da Lei n. 10.406 (Código Civil), de
10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:
Artigo 1.564 - Quando o casamento for anulado por má-fé de um dos
cônjuges, este incorrerá:
I - na perda das vantagens havidas do outro cônjuge;
II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no pacto
antenupcial.
(...)
Artigo 1.571 - (...)
§2º - Na separação e no divórcio o juiz deverá incentivar a prática da
mediação familiar.
(...)
Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação
judicial, quando cessar a comunhão de vida.
1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos
cônjuges se o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente
homologada.
Parágrafo único - (...)
Artigo 1.578 - O cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro poderá
mantê-lo, após a separação judicial ou o divórcio.
475
Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso
em: 09 jan. 2008.
208
Artigo - Revogam-se os parágrafos 1º, e do artigo 1.5.72, os artigos
1.573, 1.575, e o inciso II do artigo 1.641 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de
2002.
Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
O presente Projeto de Lei nos foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de
Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,
psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito
das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida
pelo ilustre Deputado Antonio Carlos Biscaia.
Com efeito, a averiguação e a identificação de um culpado tem significado quando
o agir de uma pessoa coloca em risco a vida ou a integridade física, moral,
psíquica ou patrimonial de outrem ou de algum bem jurídico tutelado pelo Direito.
Assim, a segregação de quem comete um ato que pode ameaçar a segurança da
sociedade é a maneira eleita pelo Estado para assegurar a organização social.
No entanto, migrar o instituto da culpa para obter-se o desenlace do matrimônio
não tem qualquer justificativa. Revela-se de nítido caráter punitivo vedar ao
“culpado” a iniciativa do processo de separação, assegurando legitimamente
somente ao “inocente” para buscar a desconstituição do casamento (art. 1.572).
Ou seja, quem não tem motivo, quem nada tem a imputar contra o par
simplesmente precisa aguardar o prazo de um ano para buscar a separação (art.
1.572, § 1º) ou o decurso de dois anos para obter o divórcio (art. 1.580, § 2º). De
outro lado, se o autor não logra provar a responsabilidade do réu pelo fim do
casamento, o pedido de separação é desacolhido, ele perde a ação e as partes
continuam casadas mesmo depois de todo o desgaste de um processo judicial.
Não são exclusivamente esses os motivos que evidenciam o absurdo de o novo
Código Civil ter mantido e até tornado mais severa a necessidade de identificar
um culpado pela separação, impondo conseqüências de várias ordens.
A Constituição Federal é chamada de Constituição cidadã por priorizar a
dignidade da pessoa humana, consagrando como fundamentais os direitos à
privacidade e à intimidade, sendo a liberdade o pressuposto do Estado
Democrático de Direito. que reconhecer que não é somente paradoxal, mas é
nitidamente inconstitucional impor a quem busca a separação que inçada a
209
privacidade e desnude a intimidade do outro, sem que se possa atinar a razão de
o Estado se imiscuir na vida privada de um casal e condicionar a desconstituição
do casamento à identificação de um culpado.
Cresce a perplexidade ao se perceber que tal exigência existe somente por
diminuto tempo. É que somente se impõe a comprovação da causa do fim do
vínculo matrimonial pelo período de um ano, pois, após decorrido esse lapso
temporal, qualquer um pode pedir a separação pelo decurso desse interstício.
Mas, se o casal esperar mais um ano, é possível a qualquer um pedir o divórcio,
sem que caiba identificar a causa do desenlace do matrimônio. outra hipótese
em que a causa da separação perde a razão de ser. Quando da conversão da
separação em divórcio o culpado é absolvido, pois é vedado que a sentença
revele o motivo da separação (art. 1.580, § 1º).
No entanto, a lei não contempla a única causa que pode tornar insuportável a vida
em comum. Nenhuma das diversas hipóteses ressuscitadas pelo novo Código
Civil permite a identificação de um culpado. O que elenca a lei são meras
conseqüências de uma única causa. Somente comete adultério, tenta matar quem
não ama mais. O exaurimento do vínculo de afetividade é a única causa que leva
alguém a agredir, abandonar, manter conduta desonrosa. Tais atitudes são meros
reflexos do fim do amor.
A perquirição da culpa, além de ser de todo impertinente, tem seqüelas perversas,
que evidenciam que o interesse do legislador é simplesmente a mantença dos
sagrados laços do matrimônio, punindo quem dele quer se afastar. O culpado
perde a própria identidade, pois o uso do nome depende da benemerência do
inocente (art. 1.578). Ainda que não mais seja condenado a morrer de fome (art.
19 da Lei n. 6.515/77), o responsável pela separação irá receber alimentos tão-só
para assegurar a sobrevivência (art. 1.574, parágrafo único). Afora tal, a inocência
do sobrevivente garante-lhe direitos sucessórios ainda que separado de fato
dois anos (art. 1.830).
Não bastasse tudo isso, não deixa de causar estranheza que toda essa
averiguação cabe no processo de separação, sendo absolutamente
despicienda quando se tratar de união estável. Nada mais é preciso além da
identificação do termo final do período de convívio para a declaração do
desfazimento da entidade familiar extramatrimonial. Ainda que seja dolorido ver o
sonho do amor eterno desfeito, ninguém manda no coração e ninguém pode ser
210
condenado por deixar de amar. Portanto, de todo descabida a mantença do
instituto da culpa para se chancelar a desconstituição do casamento, devendo ser
respeitada a vontade de cada um dos cônjuges. Se o amor descabe impor
prejuízos e perdas ou proclamar culpados.
A revogação do artigo 1.575 se impõe porque contraria a jurisprudência brasileira
consagrada e a orientação adotada no artigo 1.581. O seu parágrafo único diz o
óbvio, sendo desnecessário.
O inciso II do artigo 1.641 é atentatório à dignidade humana dos mais velhos, que
ficam impedidos de livremente escolher o regime de bens, ao se casarem, como
punição pela renovação do amor. Esse dispositivo é incompatível com os artigos
1º, III, e 5º, I, X e LIV da Constituição Federal.
Sala de Sessões, 19 de março de 2007
Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA)
ANEXO IV
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.
33/2007
476
Altera o parágrafo do artigo 226 da Constituição Federal, para
supressão do instituto da separação judicial.
As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do
artigo60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto
constitucional:
Artigo - O parágrafo do artigo 226 da Constituição Federal passa a vigorar
com a seguinte redação:
Artigo 226 - (...)
§ - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso,
na forma da lei.
(...)
Artigo 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A presente Proposta de Emenda Constitucional é uma antiga reivindicação não
da sociedade brasileira, assim como do Instituto Brasileiro de Direito de Família,
entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,
psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito
das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida
pelo Nobre Deputado Antonio Carlos Biscaia (Rio de Janeiro).
Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu
o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio,
uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do
casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o
que não mais se sustenta.
476
Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso
em: 09 jan. 2008.
212
Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos
cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais
(separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas
para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.
Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade
brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas
famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o
caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de
suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos
problemas decorrentes da separação.
Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria
dos processos são iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes
os que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge
vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é nitidamente para divórcio que
apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-se nos dramas
íntimos. Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do
desaparecimento do afeto ou do desamor?
O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da separação, quando o casal
não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos filhos, aos
alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois
processos judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial.
Sala de Sessões, 10 de abril de 2007
Deputado Sérgio Barradas Carneiro PT/BA
ANEXO V
PROJETO DE LEI N. 2.285/2007
477
Dispõe sobre o Estatuto das Famílias.
O Congresso Nacional decreta:
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo - Este Estatuto regula os direitos e deveres no âmbito das entidades
familiares.
Artigo 2º - O direito à família é direito fundamental de todos.
Artigo - É protegida como família toda comunhão de vida instituída com a
finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.
Artigo - Os componentes da entidade familiar devem ser respeitados em sua
integral dignidade pela família, pela sociedade e pelo Estado.
Artigo - Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação
deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a
igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar,
o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.
Artigo - São indisponíveis os direitos das crianças, dos adolescentes e dos
incapazes, bem como os direitos referentes ao estado e capacidade das pessoas.
Artigo - É dever da sociedade e do Estado promover o respeito à diversidade
de orientação sexual.
Artigo - A lei do país em que tiver domicílio a entidade familiar determina as
regras dos direitos das famílias.
Parágrafo único. Não se aplica a lei estrangeira se esta contrariar os princípios
fundamentais do direito brasileiro das famílias.
Artigo - Os direitos e garantias expressos nesta lei não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios adotados na Constituição, nos tratados e
convenções internacionais.
(...)
477
Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso
em: 09 jan. 2008.
214
TITULO III – DAS ENTIDADES FAMILIARES
SEÇÃO VII
DO DIVÓRCIO E DA SEPARAÇÃO
SUBSEÇÃO I
DO DIVÓRCIO
Artigo 54 - O divórcio dissolve o casamento civil.
§ 1º - O divórcio direto se dá após a separação de fato por mais de dois anos.
§ - A separação de fato se configura quando cessa a convivência entre os
cônjuges, ainda que residindo sob o mesmo teto.
Artigo 55 - O divórcio pode ser litigioso ou consensual.
Parágrafo único - O divórcio consensual pode ser judicial ou extrajudicial.
Artigo 56 - A separação de fato põe termo aos deveres conjugais e ao regime de
bens.
SUBSEÇÃO II
DA SEPARAÇÃO
Artigo 57 - É facultado aos cônjuges pôr fim à sociedade conjugal, mediante
separação judicial ou extrajudicial.
§ 1º - A iniciativa da separação pode ser de um ou de ambos os cônjuges.
§ - A separação de corpos pode ser deferida pelo juiz antes ou no curso do
processo.
§ - A separação de corpos põe termo aos deveres conjugais e ao regime de
bens.
Artigo 58 - Após um ano da separação de corpos ou da separação judicial ou
extrajudicial, o divórcio pode ser requerido por um ou por ambos os cônjuges.
SUBSEÇÃO III
DISPOSIÇÕES COMUNS AO DIVÓRCIO E À SEPARAÇÃO
Artigo 59 - No divórcio e na separação são necessário:
I - definir a guarda e a convivência com os filhos menores ou incapazes;
II - dispor acerca dos alimentos;
III - deliberar sobre a manutenção ou alteração do nome adotado no casamento; e
IV - descrever e partilhar os bens.
Parágrafo único - A partilha de bens pode ser levada a efeito posteriormente.
Artigo 60 - O divórcio e a separação não modificam os direitos e deveres dos pais
em relação aos filhos.
215
Artigo 61 - O pedido de divórcio ou de separação compete exclusivamente aos
cônjuges.
Parágrafo único - Quando um dos cônjuges estiver acometido de doença mental
ou transtorno psíquico, somente é possível o divórcio ou a separação judicial,
devendo o incapaz ser representado por curador, ascendente ou irmão.
Artigo 62 - O divórcio e a separação consensuais podem ser realizados por
escritura pública, com a assistência de advogado ou defensor público:
I - não tendo o casal filhos menores ou incapazes; ou
II - quando as questões relativas aos filhos menores ou incapazes se
encontrarem judicialmente definidas.
(...)
TITULO VII – DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO
CAPÍTULO IV
DA DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR
SEÇÃO I
DA AÇÃO DE DIVÓRCIO
Artigo 168 - A ação de divórcio pode ser intentada por qualquer um dos cônjuges
ou por ambos.
§ - O cônjuge acometido de doença mental ou transtorno psíquico será
representado por curador, ascendente ou irmão.
§ - A inicial deverá ser acompanhada da certidão de casamento e certidão de
nascimento dos filhos.
Artigo 169 - Não tendo havido prévia separação, deve a inicial:
I - indicar a data da separação de fato;
II - identificar o regime de convivência com os filhos menores;
III - declinar a dispensa dos alimentos ou a necessidade de um dos cônjuges de
percebê-los;
IV - indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.
Artigo 170 - Ao receber a inicial, o juiz deve apreciar o pedido liminar de alimentos
provisórios.
Artigo 171 - Havendo filhos menores ou incapazes, deverá ser designada
audiência conciliatória.
216
Artigo 172 - No divórcio consensual, não existindo filhos menores ou incapazes,
ou estando judicialmente decididas as questões a eles relativas, é dispensável a
realização de audiência.
SEÇÃO II
DA SEPARAÇÃO
Artigo 173 - Qualquer dos cônjuges pode propor a ação de separação.
Artigo 174 - Qualquer dos cônjuges, conviventes ou parceiros pode propor a ação
de separação de corpos.
§ - A parte autora pode pleitear, justificadamente, sua permanência no lar ou
requerer o afastamento da parte-ré.
§ - Havendo alegação da prática de violência doméstica, aplica-se a legislação
especial.
Artigo 175 - Na inicial da ação de separação deve a parte autora:
I -– indicar o regime de convivência com os filhos menores;
II - declarar que dispensa alimentos ou comprovar a necessidade de percebê-los;
III - indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.
Parágrafo único - A ação deve ser instruída com a certidão de casamento ou
contrato de convivência, se existir, e a certidão de nascimento dos filhos.
Artigo 176 - Ao receber a petição inicial, o juiz deve apreciar o pedido de
separação de corpos e decidir sobre os alimentos.
Parágrafo único - Não evidenciada a possibilidade de risco à vida ou a saúde das
partes e dos filhos, o juiz pode designar audiência de justificação ou de
conciliação para decidir sobre a separação de corpos.
Artigo 177 - Comparecendo a parte-ré e concordando com a separação de
corpos, pode a ação prosseguir quanto aos pontos em que inexista consenso.
(...)
TÍTULO VI
DOS ALIMENTOS
Artigo 115 - Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou parceiros pedir uns aos
outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade e de modo
compatível com a sua condição social.
§ 1º - São devidos os alimentos quando o alimentando não tem bens suficientes a
gerar renda, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.
217
§ - Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do
alimentando e dos recursos do alimentante.
§ - Os alimentos devidos aos parentes são apenas os indispensáveis à
subsistência, quando o alimentando der causa à situação de necessidade.
§ - Se houver acordo, o alimentante pode cumprir sua obrigação mediante o
fornecimento de moradia, sustento, assistência à saúde e educação.
Artigo 116 - O direito a alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os parentes em linha reta, recaindo a obrigação nos mais próximos em
grau, uns em falta de outros, e aos irmãos.
Parágrafo único - A maioridade civil faz cessar a presunção de necessidade
alimentar, salvo se o alimentando comprovadamente se encontrar em formação
educacional, até completar vinte e cinco anos de idade.
Artigo 117 - Se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em
condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de
grau imediato.
§ 1º - Sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem
concorrer na proporção dos respectivos recursos.
§ - A responsabilidade alimentar entre parentes tem natureza complementar
quando o parente de grau mais próximo não puder atender integralmente a
obrigação.
Artigo 118 - Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança da situação financeira
do alimentante, ou na do alimentando, pode o interessado requerer a exoneração,
a redução ou majoração do encargo.
Artigo 119 - A obrigação alimentar transmite-se ao espólio, até o limite das forças
da herança.
Artigo 120 - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão, compensação ou
penhora.
Artigo 121 - Com o casamento, a união estável ou a união homoafetiva do
alimentando, extingue-se o direito a alimentos.
§ - Com relação ao alimentando, cessa, também, o direito a alimentos, se tiver
procedimento indigno, ofensivo a direito da personalidade do alimentante.
§ 2º - A nova união do alimentante não extingue a sua obrigação alimentar.
(...)
218
CAPÍTULO IX
DOS PROCEDIMENTOS DOS ATOS EXTRAJUDICIAIS
Artigo 244 - Os atos extrajudiciais devem ser subscritos pelas partes e pelos
advogados.
Parágrafo único - O advogado comum ou de cada uma das partes deve estar
presente no ato da assinatura da respectiva escritura.
SEÇÃO I
DO DIVÓRCIO
Artigo 245 - Os cônjuges podem promover o divórcio por escritura pública.
Parágrafo único - Os cônjuges devem apresentar as certidões de casamento e de
nascimento dos filhos, se houver.
Artigo 246 - Devem os cônjuges declarar:
I - a data da separação de fato;
II - o valor dos alimentos destinado a um dos cônjuges ou a dispensa de ambos
do encargo alimentar;
III - a permanência ou não do uso do nome;
IV - facultativamente, os bens do casal e sua partilha.
Parágrafo único - Não é necessária a partilha dos bens para o divórcio.
Artigo 247 - Havendo filhos menores ou incapazes, é necessário comprovar que
se encontram solvidas judicialmente todas as questões a eles relativas.
Artigo 248 - Lavrada a escritura, deve o tabelião enviar certidão ao Cartório do
Registro Civil em que ocorreu o casamento, para averbação.
§ - A certidão do divórcio deve ser averbada no registro de imóvel onde se
situem os bens e nos registros relativos a outros bens.
§ - O envio da certidão aos respectivos registros pode ser levado a efeito por
meio eletrônico.
Artigo 249 - A eficácia do divórcio se sujeita à averbação no registro do
casamento.
SEÇÃO II
DA SEPARAÇÃO
Artigo 250 - É facultada aos cônjuges a separação consensual extrajudicial.
Artigo 251 - A separação consensual extrajudicial de corpos cabe aos cônjuges,
aos conviventes e aos parceiros.
219
Artigo 252 - A separação consensual pode ser levada a efeito por escritura
pública, na hipótese de:
I - Não existir filhos menores ou incapazes do casal;
II - Estarem solvidas judicialmente todas as questões referentes aos filhos
menores ou incapazes.
Artigo 253 - Na escritura deve ficar consignado o que ficou acordado sobre
pensão alimentícia, e, se for o caso, sobre os bens comuns.
JUSTIFICAÇÃO
É com grande satisfação que oferecemos à sociedade este Estatuto das Famílias.
Tal proposta é resultado da luta e esforço de todos os militantes da área de
Direito de Família, consolidada pela Doutrina e Jurisprudência pátria e no
entendimento de que a boa Lei é aquela que consagra uma prática adotada
pela sociedade.
O Livro de Direito de Família do Código Civil de 2002 foi concebido pela
Comissão coordenada por Miguel Reale no final dos anos 60 e início dos anos 70
do século passado, antes das grandes mudanças legislativas sobre a matéria, nos
países ocidentais, e do advento da Constituição de 1988. O paradigma era o
mesmo: família patriarcal, apenas constituída pelo casamento; desigualdade dos
cônjuges e dos filhos; discriminação a partir da legitimidade da família e dos
filhos; subsistência dos poderes marital e paternal. A partir da Constituição de
1988, operou-se verdadeira revolução copernicana, inaugurando-se paradigma
familiar inteiramente remodelado, segundo as mudanças operadas na sociedade
brasileira, fundada nos seguintes pilares: comunhão de vida consolidada na
afetividade e não no poder marital ou paternal; igualdade de direitos e deveres
entre os cônjuges; liberdade de constituição, desenvolvimento e extinção das
entidades familiares; igualdade dos filhos de origem biológica ou socioafetiva;
garantia de dignidade das pessoas humanas que a integram, inclusive a criança,
o adolescente e o idoso. Nenhum ramo do Direito foi tão profundamente
modificado quanto o Direito de Família ocidental, nas três últimas décadas do
século XX.
Durante a tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional, após a
Constituição de 1988, o Senado Federal promoveu esforço hercúleo para adaptar
o texto - antes dela elaborado - às suas diretrizes. Todavia, o esforço resultou
220
frustrante, pois não se poderia adaptar institutos que apenas faziam sentido como
expressão do paradigma familiar anterior à nova realidade, exigente de princípios,
categorias e institutos jurídicos diferentes. A doutrina especializada demonstrou à
saciedade a inadequação da aparente nova roupagem normativa, que tem gerado
intensas controvérsias e dificuldades em sua aplicação.
Ciente desse quadro, consultei o Instituto Brasileiro de Direito de Família -
IBDFAM, entidade que congrega cerca de 4.000 especialistas, profissionais e
estudiosos do Direito de Família, e que também tenho a honra de integrar, se uma
revisão sistemática do Livro IV da Parte Especial do Código Civil teria o condão
de superar os problemas que criou. Após vários meses de debates, a comissão
científica do IBDFAM, ouvindo os membros associados, concluiu que, mais do
que uma revisão, seria necessário um estatuto autônomo, desmembrado do
Código Civil, até porque seria imprescindível associar as normas de Direito
Material com as normas especiais de Direito Processual. Não é mais possível
tratar questões visceralmente pessoais da vida familiar, perpassadas por
sentimentos, valendo-se das mesmas normas que regulam as questões
patrimoniais, como propriedades, contratos e demais obrigações. Essa
dificuldade, inerente às peculiaridades das relações familiares, tem estimulado
muitos países a editarem códigos ou leis autônomas dos direitos das famílias.
Outra razão a recomendar a autonomia legal da matéria é o grande número de
projetos de leis específicos, que tramitam nas duas Casas Legislativas, propondo
alterações ao Livro de Direito de Família do Código Civil, alguns modificando
radicalmente o sentido e o alcance das normais atuais. Uma lei que provoca a
demanda por tantas mudanças, em tão pouco tempo de vigência, não pode ser
considerada adequada. Eis porque, também convencido dessas razões, submeto
à apreciação dos ilustres Pares o presente Projeto de Lei, como Estatuto das
Famílias, traduzindo os valores que estão consagrados nos princípios emergentes
dos artigos 226 a 230 da Constituição Federal. A denominação utilizada -
“Estatuto das Famílias” contempla melhor a opção constitucional de proteção
das variadas entidades familiares. No passado, apenas a família constituída pelo
casamento - portanto única era objeto do Direito de Família. Optou-se por uma
linguagem mais acessível à pessoa comum do povo, destinatário maior dessas
normas, evitando-se termos excessivamente técnicos ou em desuso. Assim, por
221
exemplo, em vez de dizer “idade núbil” alude-se a casamento da pessoa
relativamente incapaz.
Casamento, regime de bens e divórcio - O Capítulo do casamento é o mais
extenso, dada a importância que a sociedade brasileira a ele destina,
sistematizando todas as matérias anexas ou conexas, de modo seqüenciado:
existência, validade, eficácia, regime de bens, divórcio e separação. A separação
dessas matérias feita pelo Código Civil, em direitos pessoais e direitos
patrimoniais, não foi bem recebida pela doutrina especializada, dada a
interconexão entre ele e o papel instrumental dos segundos. Além do mais,
considerando que cada cidadão brasileiro integra ao menos uma família, a lei
deve ser compreensível pelo homem comum do povo e não contemplar discutível
opção doutrinária.
Foram suprimidas as causas suspensivas do casamento, previstas no Código
Civil, porque não suspendem o casamento, representando, ao contrário,
restrições à liberdade de escolha de regime de bens. Os impedimentos aos
casamentos foram atualizados aos valores sociais atuais, com redação mais
clara.
Simplificaram-se as exigências para a celebração do casamento, civil ou religioso,
e para o registro público, com maior atenção aos momentos de sua eficácia.
Procurou-se valorizar a atuação do juiz de paz na celebração do casamento civil.
Suprimiu-se o regime de bens de participação final nos aquestos, introduzido pelo
Código Civil, em virtude de não encontrar nenhuma raiz na cultura brasileira e por
transformar os cônjuges em sócios de ganhos futuros reais ou contábeis,
potencializando litígios. Mantiveram-se, assim, os regimes de comunhão parcial,
comunhão universal e separação total. Por seu caráter discriminatório e
atentatório à dignidade dos cônjuges, também foi suprimido o regime de
separação obrigatório, que a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF)
tinha praticamente convertido em regime de comunhão parcial. Definiu-se, com
mais clareza, quais os bens ou valores que estão excluídos da comunhão parcial,
tendo em vista as controvérsias jurisprudenciais e a prática de sonegação de
bens que devem ingressar na comunhão.
Privilegiou-se o divórcio, como meio mais adequado para assegurar a paz dos
que não mais desejam continuar casados, definindo em regras simples e
compreensíveis os requisitos para alcançá-lo. Evitou-se, tanto no divórcio quanto
222
na separação, a interferência do Estado na intimidade do casal, ficando vedada a
investigação das causas da separação, que não devem ser objeto de publicidade.
O que importa é assegurar-se o modo de guarda dos filhos, no melhor interesse
destes, a fixação ou dispensa dos alimentos entre os cônjuges, a obrigação
alimentar do não guardião em relação aos filhos comuns, a manutenção ou
mudança do nome de família e a partilha dos bens comuns.
A separação, o divórcio e a mudança de regime de bens extrajudiciais, mediante
escritura pública, receberam regulamentação mais detida, quanto à sua
facilitação, seus efeitos e à preservação dos interesses dos cônjuges e de
terceiros.
Alimentos - Os alimentos tiveram como matriz a máxima realização da
solidariedade familiar, eliminando-se os resquícios de causas ou condições
discriminatórias. Manteve-se a obrigação alimentar, infinitamente, entre os
parentes em linha reta e entre irmãos. Limitou-se em 25 anos a presunção de
necessidade alimentar do filho, quando em formação educacional. A partir daí
exige-se a comprovação da necessidade. Esclareceu-se que a obrigação
alimentar dos parentes em grau maior, por exemplo dos avós em relação aos
netos, é complementar, se os pais não puderem atendê-la integralmente. Foi
limitada a irrenunciabilidade dos alimentos à obrigação decorrente do parentesco,
bem como se aboliu a vetusta idéia de valorar a culpa no rompimento das
relações afetivas, eis que nada agrega ao Direito Familiar.
Processo, procedimentos e revogações - O Estatuto das Famílias está dividido
em duas grandes partes, uma de Direito Material e outra de Direito Processual.
Tal providência evita a confusão, ainda existente no Código Civil, entre o que é
constituição, modificação e extinção de direitos e deveres, de um lado, e os
modos de sua tutela, principalmente jurisdicional, de outro.
Na parte destinada ao processo e aos procedimentos, sistematizaram-se os
procedimentos dispersos no próprio Código Civil, no Código de Processo Civil e
em leis especiais, que restarão ab-rogados ou derrogados. Por exemplo, a
habilitação para o casamento, que o Código Civil trata em minúcias, é
procedimento e não Direito Material.
Este Estatuto considera o processo como procedimento em contraditório. Na
ausência de contraditório, tem-se apenas procedimento, em substituição à antiga
jurisdição graciosa ou voluntária. As regras de processo e de procedimentos, nas
223
relações de família, não podem ser as mesmas do processo que envolvem
disputas patrimoniais, porque os conflitos familiares exigem resposta diferenciada,
mais rápida e menos formalizada, como ocorreu com o Estatuto da Criança e do
Adolescente ECA. Daí a necessidade de concretizar os princípios da oralidade,
celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, além de
preferência no julgamento dos tribunais. O Estatuto das Famílias privilegia a
conciliação, a ampla utilização de equipes multidisciplinares e o estímulo à
mediação extrajudicial.
Por fim, são indicadas as leis e demais normas jurídicas que ficam revogadas
expressamente conforme a Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998 e
Lei Complementar n. 107, de 26 de abril de 2001. A falta de revogação expressa
de antigas leis sobre relações de família tem levado a dúvidas, a exemplo da
continuidade ou não da vigência do Decreto-Lei n. 3.200/41, apesar do Código
Civil de 2002.
Em face de todo o exposto, conto com o decisivo apoio dos ilustres Pares para a
aprovação deste importante Projeto de Lei, que dispõe sobre o Estatuto das
Famílias.
Sala das Sessões, em 25 de outubro de 2007.
Deputado Sérgio Barradas Carneiro
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