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A flexão de ambos os verbos, o da oração matriz e o da encaixada, é
característica que diferencia o hiperalçamento das demais construções aqui
focalizadas. Tal construção viola a Teoria do Caso: um DP selecionado por um
predicado não pode receber Caso duas vezes. Como tal estrutura não é
contemplada nas descrições, parece que estamos diante de uma construção
“aparentemente inovadora”
21
.
A expressão “aparentemente inovadora” utilizada no parágrafo anterior não foi
escolhida ao acaso. Embora a tradição gramatical não contemple o hiperalçamento
em sua descrição, como já foi mostrado no capítulo 1, e os estudos sincrônicos
sobre o sujeito do PB indiquem que se trata de uma construção que surgiu há
menos tempo no sistema (cf. Duarte 2004, 2007, entre outros), o gráfico 3.1,
apresentado no início deste capítulo, mostra que o hiperalçamento já aparecia, ainda
que timidamente (apenas 2 dados), na peça de Gastão Tojeiro, de 1918. Neste
período, ainda predominava o paradigma flexional 1 e PB ainda preferia o sujeito
nulo (cf. Duarte 1993).
Mas o hiperalçamento não teria surgido como uma conseqüência da mudança
na marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo (Chomsky 1981)? Como explicar a sua
ocorrência no Período III? Se observarmos atentamente os resultados apresentados
no estudo diacrônico de Duarte (1993), ilustrados, novamente, no gráfico 3.5,
abaixo, perceberemos que a partir da peça de 1937, o PB apresenta índices de
sujeitos nulos na faixa dos 50%. Esses índices, ao longo do tempo, vão diminuindo
gradativamente em direção ao preenchimento da posição do sujeito pronominal.
Em outras palavras, de alguma maneira, na peça de 1918, o sistema de certa
forma já reagia a uma mudança profunda que estava começando a ocorrer: o PB
estava se tornando uma língua [-prodrop]. Obviamente, não se pode afirmar que o
hiperalçamento já fosse uma estrutura recorrente na primeira metade do século XIX,
entretanto, suas ocorrências nos Períodos IV, V, VI e VII, principalmente no último
período investigado, mostram a sua considerável ocorrência. Um outro aspecto
importante é que o sistema já “permitia” a estrutura, mas as “condições” para sua
implementação ainda não tinham aparecido
22
.
21
Como dissemos no capítulo 1, Bechara (1985) considera o hiperalçamento encontrado no texto do Marquês de
Maricá uma estrutura marginal e que se caracteriza pela pessoalização do verbo parecer.
22
O português europeu contemporâneo “permite” essa estrutura, que causa estranhamento aos falantes, mas que
foi atestada uma única vez por Duarte (comunicação pessoal) em dados de fins dos anos 90, que aparecem no
CD coordenado por Nascimento (2001):
Sujeitos nulos em peças teatrais (Duarte 1993)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%