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que o papel do Estado é transformá-la em povo
13
. Contudo, eles reconhecem a
existência de outras singularidades produzidas além das que se referem aos
fenômenos econômicos, podendo ser citada aqui a construção da sexualidade. A
produção dessas singularidades de fato toma praticamente a vida social como um
todo, incluindo a produção de afetos. Nas demais construções da biopolítica eles
reconhecem a existência de abordagens muito próximas ao que entendem por
multidão
14
.
13
Os autores Antonio Negri e Michael Hardt adotam um entendimento próprio no que se refere ao
termo pós-modernidade. Para eles a pós-modernidade não significa uma ruptura no paradigma
moderno, não significa que as teorias que fundamentaram a modernidade tiveram fim, estão
esgotadas e sim uma mudança, “conquista” do capital, no modelo de trabalho, que antes era
material e agora é imaterial. Tal fato ocorreu porque o trabalho foi subsumido ao capital, todos os
processos de produção estão dentro do próprio capital, não há mais exterior. O trabalho imaterial
toma conta da vida e dos corpos, na medida em que ele se refere à produção de afetos, construção
de redes de comunicação e de relações sociais e produção de conhecimento e formas de vida. Nesse
sentido, ele toma conta de toda a vida, pois não há como aplicar a antiga lógica das fábricas, do
trabalho material a essa nova estrutura. Na estrutura da fábrica havia uma hora predeterminada de
início e término de trabalho, agora não há horário definido para se ter idéias ou constituir relações.
A questão principal é identificar que as formas do trabalho imaterial não são fragmentadas, na
verdade acaba-se induzindo à constituição de um ser social comum, devido aos mecanismos de
comunicação e colaboração peculiares do trabalho imaterial. Esse ser social novo é um sujeito
central na produção e reprodução atual da sociedade e que possui a capacidade de criar uma outra
sociedade. Os autores chamam esse novo ser de uma nova carne. A nova carne formada pelo
paradigma do trabalho imaterial pode produzir um corpo que venha a ser utilizado a serviço do
cspital, mas pode também se organizar de forma autônoma, como uma forma de poder da carne,
cuja capacidade é a de transformação ao longo da história para a concepção de um outro mundo. O
trabalho invade a vida como um todo nesse sentido produzindo subjetividades. Por último, é
importante ressaltar que apesar do paradigma do trabalho imaterial dizer respeito à construção de
relações e afetos, sendo nesse sentido muito atrelado à concepção tradicional do papel da mulher na
família e na sociedade, os autores deixam claro que elas não têm qualquer vantagem sequer no
mercado de trabalho atualmente. Ocorre justamente o contrário. Elas continuam em posições
subalternas e com salários inferiores aos dos homens, além de terem mais dificuldades de atingir
cargos dotados de maior autoridade. Cf. HARDT, M.; NEGRI, A., Multidão: guerra e democracia
na era do Imperio, p. 152 et. seq.; Cf Id., O trabalho de Dioniso: para a crítica ao Estado pós-
moderno, p. 32 et. seq.
14
A biopolítica foi enfrentada pelos autores na obra Império a partir de um debate com Foucault,
sobre o conceito de biopoder. De forma breve, o poder disciplinar, de acordo com Foucalt, deu
conta do corpo do indivíduo. O corpo como uma analogia à máquina, no que se refere à necessidade
do poder de adestramento e de se usurpar sua força, na sua integração a sistemas que controlam a
economia e a eficácia de sua produção, bem como no desenvolvimento de sua docilidade e de sua
utilidade. Esse procedimento ocorreu pela via das instituições. O poder disciplinar, desenvolvido no
século XVII, diz respeito aos procedimentos que moldam anatomica e politicamente o corpo
humano. Interligado a essa estrutura de poder, no século XVIII surge o que Foucault chama de
biopolítica da população. O seu foco era o corpo da espécie humana, ou seja, já não dizia respeito
meramente ao controle do indivíduo. O corpo sobre o qual recairia o controle agora seria agora o da
mecânica do ser vivo, observando e incidindo nos processos biológicos de nascimento, mortalidade,
proliferação, grau de saúde da população, duração da vida, habitação, saúde pública, migração e
todas as condições que ocasionam a variação desses dados. A biopolítica incide sobre a população e
dessa forma, as duas estruturas de poder, disciplinar e biopolítica, instauram o que Foucault entende
ser a era do biopoder. O século XIX conhecerá, ainda um forte aparato tecnológico de poder sobre a
sexualidade. É importante ressaltar que essas duas formas de poder não são excludentes, sendo a
primeira, na realidade, uma facilitadora da segunda. A segunda é o investimento que o poder faz no
controle da vida na via de cima para baixo. O biopoder foi imprescindível para dar suporte ao
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