Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
RITA DE CÁSSIA MELÉM DA SILVA
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO:
A REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR
NA ESCOLA CABANA EM BELÉM / PA.
NATAL – RN
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
RITA DE CÁSSIA MELÉM DA SILVA
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO:
A REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR
NA ESCOLA CABANA EM BELÉM / PA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira.
NATAL – RN
2006
ads:
3
RITA DE CÁSSIA MELÉM DA SILVA
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO:
A REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR
NA ESCOLA CABANA EM BELÉM / PA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Aprovado em 04 de agosto de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Adir Luiz Ferreira (orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Prof. Dr. Salomão Antônio Mufarrej Hage (examinador externo titular)
Universidade Federal do Pará - UFPa
Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira(examinador interno titular)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Profª. Drª.Érika Andrade (Examinadora Interna Suplente)
Universidade Federal do rio grande do Norte - UFRN.
4
DEDICATÓRIA
A todos e todas educadores e educadoras que acreditam que
uma outra educação é possível e que constroem coletivamente com suas
práticas pedagógicas cotidianas, as bases para uma sociedade mais
democrática e cidadã.
Dedico especialmente, à comunidade da Escola Pública
Municipal João Carlos Batista em Belém do Pará, colaboradora desta
pesquisa, com quem (re) aprendi na prática, como os nossos ideários
pedagógicos fazem sentido...
5
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial à minha mãe Terezinha e à Livinha,
pelo companheirismo, incentivo, apoio, carinho e também renúncias
causadas pela minha ausência .
Aos colaboradores desta pesquisa, professores e colegas educadores de
Belém e Natal pelas lições e construções diárias.
À “República Paraense” em Natal pela acolhida, torcida e apoio.
Ao professor Adir Ferreira
Adir FerreiraAdir Ferreira
Adir Ferreira pelas orientações, paciência, ensinamentos
e desafios ao longo do curso.
Rita Melém
6
Se você vai mais além dos padrões previamente estabelecidos,
considerados como inevitáveis, você perde a credibilidade. No
entanto, não criatividade sem ruptura, sem um rompimento com o
passado, sem um conflito no qual é preciso tomar uma decisão. Eu
diria que não há existência humana sem ruptura.
(Paulo Freire, 2003, p. 63)
7
Resumo
Este estudo analisa a experiência de reorientação curricular via tema gerador, vivenciada
nas escolas que compõem o sistema municipal de educação de Belém do Pará dentro do
projeto da Escola Cabana, tendo como locus de pesquisa a Escola Municipal João Carlos
Batista. Esse movimento de reorientação curricular, que rompe com o modelo tradicional
de um currículo linear, hierárquico e fragmentado, tomou como pressupostos teórico-
metodológicos os princípios e categorias freireanos da pedagogia crítica, que pressupõe
um currículo interdisciplinar, dialógico, democrático, crítico e contextual, a partir da
sistematização de uma proposta teórico-metodológica de reorientação curricular via tema
gerador, ou seja, partindo das situações-problema da comunidade escolar, fazendo
relações mediadas pelos conhecimentos escolares para a compreensão e possível
intervenção na realidade. Essa proposta vem sendo implementada não somente em Belém,
mas também em várias partes do Brasil. Sendo a Escola Cabana uma experiência
instituinte na tentativa de viabilizar uma Educação verdadeiramente democrática, dialoga
ainda com outras experiências de escolas de mesma natureza no Brasil, como a Escola
Plural-MG, a Escola Cidadã Rs e a Escola Candanga DF. Com base nas idéias de
Paulo Freire, J. Sacristán, M. Apple, C. Linhares, A. Coulon e outros, apresento algumas
reflexões epistemológicas acerca do problema da pesquisa que consiste no registro e na
análise do esforço de construção social do conhecimento via tema gerador na Escola
Cabana em Belém-PA, com seus avanços e contradições durante o período de 2001 a
2004. Como procedimento metodológico, desenvolvi uma pesquisa qualitativa, de
inspiração etnometodológica e de caráter colaborativa, utilizando como técnicas de coleta
de dados a observação participante no cotidiano escolar, entrevistas semi-estruturadas, e a
análise dos documentos e das produções da Escola. Os resultados apontam para a
importância do registro de tal experiência, enfatizando seus avanços e entraves que
poderão servir como referencial para inspirar futuras políticas de reorientação curricular
que se pautem pela construção social do conhecimento e, por conseguinte, de uma
Educação mais
1
democrática e voltada para uma cidadania ativa.
Palavras-chave: Pedagogia crítica – reorientação curricular – tema gerador - Escola Cabana
1
O termo “mais” utilizado ampla e intencionalmente antes de alguns adjetivos que caracterizam a concepção de
educação que defendo, serve não somente para enfatizar tais características, como também, para não negar as
práticas já existentes que apontam nesta direção.
8
Résumé
Cette étude analyse l'expérience de réorientation curriculaire atravers le sujet
générateur, vécue dans les écoles qui composent le système municipal d'éducation de Belém
du Pará - École Cabana, en ayant comme locus de recherche l'École Municipale João Carlos
Batista. Ce mouvement de réorientation curriculaire, qui rompt avec le modèle traditionnel
d'un curriculum linéaire, hiérarchique et fragmenté a comme préssuposées théoriques-
méthodologiques les principes et les catégories freireanas la pédagogie critique qui estime un
curriculum interdisciplinaire, dialogique, démocratique et contextuel, à partir de la
systématisation d'une proposition theorico-méthodologique de réorientation curriculaire par le
thème générateur, c'est-à-dire, en partant de situations-problème de la communauté scolaire,
en faisant des relations négociées par les connaissances scolaires pour la compréhension et
possible intervention dans la réalité. Cette proposition est mise en oeuvre non seulement à
Belém, mais aussi par d’autres municipalités du Brésil. Étant donné que l'École Cabana est
une expérience inovatrice dans la tentative de viabiliser une Éducation vraiment
démocratique, elle dialogue encore avec autres expériences d'écoles de même nature au
Brésil, (comme l'École Plural-MG, l'École Citoyen - RS et l'École Candanga DF). Á partir
des idées de Paulo Freire, J. Sacristán, M. Apple, C. Linhares, A. Coulon et autres j’apporte
des réflexions epistemologiques concernant le problème de la recherche qui consiste sur le
registre et l'analyse de la tentative de construction sociale de la connaissance par le thème
générateur qui a eu lieu à l'École Cabana dans la période de 2001 à 2004. Comme procédure
méthodologique, j'ai développé une Recherche qualitative, de caractère collaboratif, en
utilisant comme techniques de rassemble de données l’observation participative dans le
quotidien écolier, des interviews semi-structurées, et l'analyse des documents et des
productions de l'École. Les résultats indiquent l'importance du registre de ce type
d’expérience, en soulignant leurs avances et reculs qui pourront servir de référentiel pour de
futures politiques de réorientation curriculaire dans la direction de la construction sociale de la
connaissance et, par conséquent, d'une Éducation plus démocratique et tournée vers une
citoyenneté active.
Mots-clés: Pédagogie critique - réorientation curriculaire - thème générateur - École Cabana
9
LISTAS DE SIGLAS:
Av. ................................................................................................................................. Avenida
C1, C2, C3,C4 ...................................................................................
Ciclos de formação nível 1,2,3,4
CB...............................................................................................Ciclos básicos de alfabetização
CCA.............................................................................................Construção Civil da Amazônia
CEAL .............................................................................Coordenadoria de Esporte, Arte e lazer
COED ..............................................................................................Coordenadoria de Educação
DABEN....................................................................................... Distrito administrativo Benguí
DEP. ..................................................................................................................... Departamento
DF...................................................................................................................... Distrito Federal
E.M.................................................................................................................. Escola Municipal
ECA.................................................................................. Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA................................................................................................Educação de Jovens e adultos
ENEM................................................................................... Exame Nacional do Ensino Médio
ETEF.............................................................................Equipe Técnica de Ensino Fundamental
H.P.................................................................................................................... Hora pedagógica
ICIRA.......................................... Instituto de Capacitación e nvestigación en Reforma Agraria
IDA .................................................................................... Instituto de Desarollo Agropecuario
LDBEN ........................................................Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MEC ...................................................................................................... Ministério da Educação
MG......................................................................................................................... Minas Gerais
MOVA.........................................................................Movimento de Alfabetização de Adultos
ONU .........................................................................................Organização das Nações Unidas
PA......................................................................................................................................... Pará
PCN's.................................................................................... Parâmetros Curriculares Nacionais
PNEE.’s...........................................................Pessoas com Necessidades Educativas Especiais
PPA.................................................................................................. Plano de Apoio Pedagógico
PPGED......................................................................Programa de Pós-graduação em Educação.
PROALFA..........................................................................Projeto de Alfabetização de Adultos
PT....................................................................................................... Partido dos Trabalhadores
RME.............................................................................................. Rede Municipal de Educação
RN..............................................................................................................Rio Grande do Norte
RS.................................................................................................................. Rio Grande do Sul
SAEB....................................................... Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEMEC..................................................................................Secretaria Municipal de Educação
SESI.................................................................................................Serviço Social do Comércio
SP................................................................................................................................ São Paulo
T.G....................................................................................................................... Tema Gerador.
UEI............................................................................................... Unidade de Educação Infantil
UFRN.................................................................Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNESCO......................... Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
10
LISTA DE FIGURAS
Pg
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
QUADRO 1: Modelo Educativo Dominante..................................................
QUADRO 2: Modelo Educativo Democrático................................................
QUADRO 3: Resumo da trilha metodológica do tema Gerador...............
ILUSTRAÇÃO 1: Rede temática da E.M.Amália Paumgartten.....................
QUADRO 4: Síntese dos Temas geradores de 04 escolas municipais...........
ILUSTRAÇÃO 2: Rede Macro da E.M. Amália Paumgartten......................
ILUSTRAÇÃO 3: Quadro de problematização da E.M.João Batista.............
ILUSTRAÇÃO 4: Plano de Aula da E.M. João Batista.................................
FOTO 1: Rua da Feira.....................................................................................
FOTO 2: Avenida Independência...................................................................
QUADRO 5: Distribuição das turmas em 2004 .............................................
FOTO 3: Fachada da Escola João Batista.......................................................
FOTO 4: Alunas Ciclo 1 em sala de aula........................................................
FOTO 5: Sala dos Professores........................................................................
QUADRO 6: Rede de Falas da E.M. João Batista..........................................
QUADRO 7: Rede Macro da E. M. João Batista............................................
QUADRO 8: Problematizações das falas significativas para o ciclo 4...........
QUADRO 9: Plano de aula de Português (função da família)para ciclo 4.....
ILUSTRAÇÃO 5: Redação de aluno ciclo 4..................................................
QUADRO 10: Plano de aula de Português (função da escola) para ciclo 4...
QUADRO 11: Problematizações das falas significativas para Ed. Infantil....
QUADRO 12: Plano de aula para a Educação Infantil...................................
FOTO 6: Alunos da Ed. Infantil do Anexo João Batista.................................
ILUSTRAÇÃO 6: Desenho da aluna Julianne (Ed. Infantil)..........................
ILUSTRAÇÃO 7: Desenho do aluno Ygor (Ed. Infantil)..............................
ILUSTRAÇÃO 8: Desenho da aluna Lorena (Ed. Infantil)............................
ILUSTRAÇÃO 9: Desenho da aluna Thaís (Ed. Infantil)..............................
ILUSTRAÇÃO 10: Desenho da aluna Laís (Ed. Infantil)..............................
QUADRO 13: Problematização das Falas Significativas para o Ciclo 1........
QUADRO 14: Síntese das Respostas dos Pais (Lazer)...................................
FOTO 7: Alunos Ciclo 1 em sala de aula........................................................
QUADRO 15: Plano de Aula para o Ciclo 1..................................................
QUADRO 16: Anotações do caderno de aluno..............................................
FOTO 8: Alunos do Ciclo 1 em atividade.......................................................
ILUSTRAÇÃO 11: Produção de aluna do Ciclo 1 sobre lazer.......................
QUADRO 11: Síntese da Avaliação do tema gerador na escola em 2003.....
053
055
065
067
068
069
070
072
085
087
088
090
092
095
104
105
108
111
112
113
115
116
117
119
120
121
122
123
125
128
129
130
131
132
133
141
11
APRESENTAÇÃO:
Paulo Freire, apesar de não ser considerado um “curriculista” por não ter desenvolvido
teorias específicas acerca do currículo, vem influenciando concepções e práticas educativas
no mundo todo e, por conseguinte, impulsionando movimentos de reorientação curricular que
buscam uma maior adequação “do que se aprende” com o “por quê” e “para quem’, ou de
outra forma, uma relação indissociável entre currículo e vida”.
No Brasil, o movimento das escolas democráticas ganha força e alento em seus
pressupostos de denúncia das situações opressoras e ao mesmo tempo o anúncio de
possibilidades emancipatórias através de uma pedagogia crítica e cidadã, uma vez que visam
desenvolver em seus espaços educativos ações de formação para a cidadania, de maneira
inclusiva e participativa e na perspectiva de uma transformação cultural.
Dentre as escolas participantes deste movimento democrático, destaco a política
pública municipal da Escola Cabana que ocorreu em Belém do Pará entre 1997 e 2004, e mais
especificamente o seu movimento de reorientação curricular via tema gerador e o conseqüente
processo de construção social do conhecimento que se deu; proposta na qual tomei parte na
gestão, consistindo numa das experiências mais significativas em minha trajetória
profissional, o que me impulsionou a investigá-la, analisá-la e registrá-la neste trabalho.
A investigação desta pesquisa foi orientada pela e para a ação educativa, tomando
como foco as práticas curriculares cotidianas e as suas contribuições para a construção social
do conhecimento.
Agradeço a todos os professores e as professoras, alunos e alunas, pais e mães
2
da
Escola Municipal Deputado João Carlos Batista, colaboradores desta pesquisa, que terão aqui
suas identidades protegidas, por uma questão ética, mas seus pensamentos preservados.
2
Tentando superar a nossa herança machista marcadamente presente na Língua Portuguesa e incompatível com
qualquer posição progressista, algumas vezes flexiono os artigos e substantivos para os dois neros, mas nem
sempre é possível. Assim, em todas as ocorrências de substantivos como professor, aluno, homens, educando,
educadores entenda-se que a intenção é abranger os dois gêneros humanos.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
CAPÍTULO 1– FUNDAMENTOS E PROBLEMATIZAÇÕES DE UMA EDUCAÇÃO
PARA A CIDADANIA: Movimento das Escolas Democráticas no Brasil.
1 - Problematizando a Escola Pública.......................................................................................20
a- A Educação no Século XXI: Fundamentos Filosóficos e princípios pedagógicos....25
2 - Fundamentos, Concepções e Práticas curriculares................................................................31
3–O Movimento das Escolas Democráticas de Educação no Brasil: Fundamentos e
Experiências.
a- As contribuições de Paulo Freire: As experiências fundantes na trama da vida........46
b- Pressupostos de uma Pedagogia dialógica e crítica: ................................................49
c-Movimento das Escolas Democráticas: As experiências no Brasil.............................51
CAPÍTULO 2: ESCOLA CABANA: TENTATIVAS E MUDANÇAS.
1 – Projeto Político Pedagógico da Escola Cabana (documental e memorial)..........................57
a. Princípios da Escola Cabana.......................................................................................58
b. Diretrizes da Escola Cabana.......................................................................................59
2 – Em busca de uma Qualidade Social para a Educação: Reorientação curricular via tema
gerador:
a- Pressupostos filosóficos e metodológicos... ..............................................................61
13
CAPÍTULO 3: E.M.DEP. JOÃO CARLOS BATISTA:
Usos e representações dos atores sociais e suas Estratégias de mudanças
1 – Natureza e Memória da Pesquisa:........................................................................................74
a- Pressupostos da Pesquisa participante........................................................................74
b- Pressupostos da pesquisa Colaborativa......................................................................78
c- Negociação de Entrada Na Escola..............................................................................80
2 – Contextualização da Escola: Descrição densa do campo de pesquisa:
a- o bairro.......................................................................................................................83
b- a escola.......................................................................................................................88
CAPITULO 4: RECORTES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA VIA TEMA GERADOR:
Planejamento, registros e produções, memórias e análises.
1- O Movimento de Reorientação Curricular via Tema gerador na Escola.............................100
2 - Experiência 1:No ciclo de formação 4................................................................................111
3- Experiência 2:Na Educação Infantil.....................................................................................114
4 - Experiência 3:No ciclo de Formação 1...............................................................................125
5 A dimensão inovadora da reorientação curricular via tema gerador:
a. Avanços e possibilidades proposta de Reorientação curricular via Tema Gerador 134
b. Principais entraves: Limites e Dificuldades.............................................................138
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................145
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS....................................................................................148
14
INTRODUÇÃO
A qualidade da escola pública vem sendo sistematicamente questionada pelos
diversos setores da sociedade. Problemas recorrentes como: evasão escolar, baixa
qualidade do ensino e conseqüente baixo nível de aprendizagem, desvalorização
profissional do professor, falta de recursos e outras condições de trabalho, ajudam a
configurar a representação social dominante da escola pública como inoperante,
desestruturada, promotora de um “ensino fraco” e com professores descompromissados.
Segundo os pressupostos de Michael Apple (1982), as elites dominantes aliadas,
formam um grande guarda-chuva ideológico”, uma espécie de “engenharia do consenso”
desmerecendo a coisa pública em favor da privatização. Por que em meio à
implementação de diversas políticas públicas não se superam as problemáticas
educacionais?
De acordo com David Plank (2001), o que permeia a maioria das ações políticas na
educação é um grande conflito entre serviços e bens públicos x interesses privados. As
políticas fomentadas pelo Banco Mundial, também atuam nessa lógica, vindo sempre
como um pacote de medidas (macropolíticas) que pouco ou nada atendem as necessidades
das comunidades educacionais. Um dos reflexos da ineficácia das políticas públicas é o
aumento dos problemas sociais como a pobreza, desemprego, fome, violência, entre
outros, que acabam por “engessar” os serviços públicos com amarras assistencialistas para
conter a pressão social.
Dentre as políticas educacionais implementadas nas últimas décadas, as que
propõem a reorientação do currículo nos diversos níveis de ensino têm sido
preponderantes. Segundo Sacristán, o currículo vem sendo colocado no centro da ação
educativa, ganhando significado social. Nas teorias críticas, o currículo é concebido como
uma prática social concreta e coletiva, visando a superação da fragmentação e
descontextualização curricular. Centra-se na leitura e compreensão do mundo e das
situações-problema vividas e percebidas pela comunidade educacional, na perspectiva de
uma construção social do conhecimento com vistas a uma intervenção no real, como nos
diria Paulo Freire, que por sua vez, nos deixou um legado com grandes contributos
teórico-práticos para a gestão de uma pedagogia libertadora, verdadeiramente
emancipatória.
15
Para se compreender as representações e questões sociais e psicológicas
vinculadas à educação para a cidadania democrática é preciso, inicialmente,
situar as três missões indissociáveis da escola ocidental contemporânea: a
formação cultural, a socialização e o aprendizado individual.
(FERREIRA, 2004, p.77).
Em uma proposta de Educação democrática e cidadã, a prática pedagógica precisa
ser convertida em práxis social e dialógica, mediadora no processo de construção do
conhecimento, onde o diálogo é mais que uma metodologia de trabalho, ele é uma exigência
epistemológica na relação entre sujeitos e saberes.
No Brasil houve e ainda experiências significativas em escolas, principalmente
públicas, que buscam orientar a organização e a ação escolar numa perspectiva crítica,
popular, inclusiva e participativa. Tais experiências são identificadas como participantes do
que se convencionou chamar de “Movimento das Escolas Democráticas”.
Podemos destacar experiências como: Escola Candanga DF (1995 1998), Escola
Plural MG (1994-2002), Escola Cidadã -RS (1995-2004) e Escola Cabana Belém-Pa (1997
2004), entre outras, que possuem como eixo comum a concepção de uma educação
dialógica, crítica e inclusiva, através de ações como a reorganização do tempo escolar de
séries para ciclos, quer sejam de alfabetização, básicos ou de formação, a reorientação do
currículo para uma diretriz mais social, a ruptura com a avaliação classificatória, somativa e
competitiva para a implementação de um sistema de avaliação diagnóstica e formativa.
Outra característica em comum entre as ações nas escolas democráticas supracitadas
é a descentralização e democratização da gestão administrativo-pedagógica visando a
horizontalidade do poder e das competências, buscando assim uma visão integral e
integradora da escola pela construção de objetivos comuns, impulsionando ações coletivas em
todos os âmbitos da política educacional.
Para Apple (2001), o objetivo maior das escolas que se propõem democráticas, é o
de contribuir efetivamente para a transformação social através da atuação dos cidadãos nas
diversas esferas e campos da sociedade. Assim, deve partir de práticas mediadoras e atitudes
democráticas e viabilizar estruturas e processos participativos para tomada de decisões
coletivas, além e uma organização curricular que propicie vivências democráticas. Em suma,
não se prepara para uma cidadania futura, mas se vivencia relações democráticas dentro da
escola que já se configura cidadã.
16
Dentre todas essas experiências, meu olhar e minha vivência centram-se na Escola
Cabana em Belém do Pará, minha cidade natal situada na Amazônia e ao norte do Brasil,
onde venho atuando nos últimos doze anos na educação pública no âmbito municipal,
estadual e também federal, além de algumas incursões em faculdades privadas.
No entanto, minha atividade profissional dez anos, centra-se na educação
municipal, tendo atuado como professora licenciada para os primeiros anos do ciclo
fundamental e posteriormente como assessora tecnico-pedagógica da Coordenadoria de
Educação, durante a gestão do prefeito Edmilson Rodrigues (1997 a 2004), tendo atualmente
retornada para a sala de aula.
Assim, tendo tomado parte na concepção e gestão da proposta da Escola Cabana,
reuni elementos que me instigaram a investigar numa perspectiva mais acadêmica e com um
certo distanciamento epistemológico, proporcionado pela minha entrada no curso de Mestrado
em educação do programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte/UFRN. Trata-se de recortes da prática educativa inovadora que vinha acontecendo nos
diversos espaços pedagógicos da Rede Municipal de Ensino, de forma documental e
memorial.
A Escola Cabana faz referência ao Movimento da Cabanagem ocorrido no
Pará no século XIX e que apesar dos questionamentos de alguns historiadores, é
considerado um movimento revolucionário de efetiva tomada popular do poder,
fazendo parte da história e da memória do povo paraense, como símbolo de luta
contra as desigualdades sociais e pela inclusão social. O apelo do imaginário da
Cabanagem é tão forte que na cidade diversas referências ao Movimento e aos
seus grandes nomes, tais como: bairros, praças, monumentos entre outros. Nesta
lógica, a Escola Cabana, por vocação em seu ideário pedagógico, nasceu
inclusiva.
Tendo se desenvolvido durante os anos de 1997 a 2004, teve os seus
princípios e diretrizes modificados a partir de 2005 com a entrada de um novo gestor
17
municipal: prefeito Duciomar Costa. Essa descontinuidade nas ações, encaixam-se
bem ao feitio que Luiz Antônio Cunha(1991) denomina de “administração zigue-
zague”, caracterizada por uma espécie de personalização das políticas, onde cada
gestor na ânsia de “deixar a sua marca”, apressa-se por descaracterizar as ações do
governo anterior, sem no entanto avaliar ou comprovar a validade das ações
implementadas. Dessa maneira, as trocas de governo (em todos os âmbitos),
consistem numa problemática constante que muitas vezes impede a consolidação
das ações no espaço público.
Nesta perspectiva, a relevância desta pesquisa reafirma-se pela importância do
registro e da análise da experiência da Escola Cabana, para servir não como modelo, mas
como ponto de partida e indicações de referência para experiências futuras.
A escola Cabana, a exemplo de outros modelos de Escolas Democráticas,
apresentava como princípio maior em suas ações a inclusão social e a participação popular, e
trazia ainda como diretrizes político-pedagógicas a democratização do acesso e a permanência
com sucesso, a gestão democrática, a valorização profissional do servidor e a qualidade social
da educação.
Dentro desta última diretriz, a construção de uma qualidade social para a educação
no município houve um interessante movimento de reorientação curricular via Tema Gerador
a partir dos pressupostos freireanos, e que consiste no objeto maior das investigações desta
pesquisa.
A proposta de reorientação curricular através da construção do tema gerador,
consiste num movimento interdisciplinar e dialógico na tentativa de romper com os ônus das
práticas curriculares tradicionais seletivas: fragmentação, descontextualização e
burocratização do currículo, reafirmando-o como uma práxis social e epistemológica,
transformando a pesquisa num princípio educativo e reafirmando o espaço escolar como
espaço de produção do conhecimento. Partindo das situações-problema (limites-explicativos),
desconstruindo-as e problematizando-as através de uma redução temática que proporcione
18
uma visão de totalidade, favorecendo a análise e uma possível intervenção no real (inédito
viável).
Tal distanciamento, desconstrução e redução temática, me permitem ter uma visão de
totalidade não só do processo educativo, como das relações sociais intra e extra - escolares,
incidindo sobre o planejamento e prática curricular de forma a romper com a fragmentação e
departamentalização do conhecimento, através de uma práxis cada vez mais coletivizada e,
por conseguinte, interdisciplinar e multicultural, implicando na reorganização do espaço-
tempo da escola, bem como na ressignificação de papéis, quebrando a dissociação entre
escola e vida.
Esta pesquisa não teve a pretensão de configurar o trabalho com o tema gerador
como um novo “modelo” curricular, mas de registrar que uma outra organização escolar e,
por conseguinte uma outra práxis pedagógica é possível para elevar a qualidade social da
educação pública.
Tomei por objetivo investigar se a nova organização escolar proposta pela Escola
Cabana contribuiu para o redimensionamento de uma cultura escolar capaz de superar a
fragmentação curricular, contribuindo para consolidar a lógica da aprendizagem com sucesso
para os educandos atendidos pela Rede Municipal de Educação de Belém. Propus-me também
acompanhar de forma participante e colaborativa o processo de reorientação curricular via
Tema Gerador desde o seu momento de organização até a sua aplicação no currículo
propriamente dito, bem como a avaliação dos resultados alcançados e análise das
representações sociais de currículo para os sujeitos envolvidos no processo, a partir de seu
conhecimento/objetivações acerca de sua prática social, sistematizando as possíveis
contribuições epistemológicas para as teorias do currículo.
A presente investigação foi direcionada pela e para a ação educativa, tomando como
matéria-prima a cultura cotidiana escolar como ponto de partida para a construção social do
conhecimento, combinando o trabalho de campo com a investigação documental e o registro
memorial das minhas próprias vivências.
Michael Apple (2001) nos chama a atenção ainda de que precisamos ter registradas
tais experiências, contar e ouvir nossas histórias, não para alimentar nossa memória
coletiva e histórica, mas para aprendermos com a experiência do outro, nos possibilitando
saltos qualitativos e epistemológicos que nos permitam maior consolidação do projeto para
uma escola mais democrática:
19
Todos os educadores de tendência progressista estão sobre os ombros dessas
pessoas, cuja visão eloqüente e uma vida inteira de trabalho duro ficam
como lembrança de que aquilo que os educadores que escreveram nesse livro
estão fazendo agora em escolas reais é uma continuação do rio comprido e
largo da democracia.Nossas tarefas como educadores são de manter o rio
fluindo em seu curso e possibilitar que todas as crianças desta nação
participem deste processo. (APPLE, 2001, p.155-156)
Optei então por trabalhar com uma pesquisa qualitativa de caráter colaborativa, tendo
como locus a Escola Municipal Deputado João Carlos Batista, integrante da Rede Municipal
de Ensino de Belém/Pa, onde através da análise das informações obtidas por um combinado
de técnicas como a observação participante no cotidiano escolar, entrevistas semi-
estruturadas, análise das produções da Escola e outras formas possíveis de registros, tais como
fotografias e filmagens, procurei tornar visível os padrões e as práticas que permeiam a
cultura da vida na referida escola.
Os resultados indicam que o trabalho com um currículo temático como o de
reorientação curricular via tema gerador não pode se reduzir a uma metodologia que agrade os
educandos e/ou educadores, mas torna-se relevante porque essa abordagem envolve colocar o
conhecimento em relação às situações-problema da realidade vivida, na perspectiva de
superá-las. Está intimamente ligado aos anseios e necessidades da comunidade, de pessoas
reais com problemas concretos.
A experiência de Belém com a Escola Cabana, de Brasília coma Escola Candanga,
de Porto Alegre com a Escola Cidadã, de Belo Horizonte com a Escola Plural e tantas outras
ainda desconhecidas para nós parecem ser experiências isoladas, mas estão interligadas em
um movimento muito maior para a construção de uma escola verdadeiramente democrática e
são esses ensaios, essas tentativas, essas ousadias com seus acúmulos e produções, que
permitem que ainda acreditemos que uma outra educação é possível e que precisamos
registrar nossas experiências, para aprendermos também com a experiência do outro, nos
possibilitando saltos qualitativos e epistemológicos que nos permitam maior consolidação do
projeto para uma escola mais democrática e cidadã.
O texto está organizado em quatro capítulos, sendo o primeiro voltado para os
pressupostos de uma educação para a cidadania envolvendo uma problematização da escola
pública, enfatizando os fundamentos, concepções e práticas curriculares e ainda os
20
pressupostos teórico-práticos das propostas democráticas de Educação, destacando as
contribuições de Paulo Freire e algumas experiências no Brasil.
No segundo capítulo, apresento em linhas gerais a proposta da Escola Cabana,
destacando seus princípios e diretrizes, seu processo de reorientação curricular via tema
gerador e seus pressupostos teórico-metodológicos.
No terceiro capítulo apresento a natureza, a memória e os dados da pesquisa de
campo construídos na Escola Municipal dep. João Batista descrevendo e contextualizando o
funcionamento da escola e de seu entorno, dando ênfase aos usos e representações dos atores
sociais e suas estratégias de mudanças presentes na dimensão inovadora do projeto curricular
via tema gerador desenvolvido na escola.
No quarto e último capítulo trago o planejamento, registros das produções, memórias
e análises de alguns recortes da prática pedagógica curricular da escola, mediada pelo tema
gerador da Educação Infantil ao Ciclo 4 (8ª série) do ensino fundamental, seguido de
considerações acerca de suas contribuições epistemológicas paras as teorias e práticas
curriculares.
Finalizando, apresento algumas considerações acerca dos múltiplos significados da
experiência de reorientação curricular via tema gerador, vivenciado na Escola Cabana em
Belém do Pará, na expectativa de eles possam inspirar outras experiências democráticas e
inovadoras que estão sendo atualmente engendradas.
CAPÍTULO 1
– FUNDAMENTOS E PROBLEMATIZAÇÕES DE UMA
EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA: Movimento das Escolas Democráticas no Brasil.
1 - PROBLEMATIZANDO A ESCOLA PÚBLICA
A Escola Pública atualmente vem sendo alvo de inúmeras críticas dos diversos
segmentos da sociedade por não estar conseguindo assegurar em seu interior o desempenho de
uma prática pedagógica consistente, capaz de garantir uma aprendizagem com sucesso aos
seus educandos, não alcançando assim, a tão esperada qualidade de ensino. Vale lembrar que,
21
a memória de uma educação pública bem sucedida reporta-se a um momento histórico onde o
acesso à escola pública “de qualidade” era restrito a poucos, em geral, advindos da burguesia.
Com a massificação deste acesso, sem uma política consistente que garantisse condições para
o seu pleno funcionamento, a escola pública passou a ter a sua qualidade questionada,
tornando-se para alguns, sinônimo de ineficiência. Paulo Freire, no entanto, nos convida a
olhar um pouco mais criticamente para essa discussão:
Não aceito que a escola por si seja ruim. Precisamos ir mais além da
compreensão metafísica da escola. Para mim, a escola é uma instituição
social e histórica, e ao ser uma instituição social e histórica, a escola pode
ser mudada.
(FREIRE, 2003, p.207).
Paradoxalmente, nunca se discutiu tanto acerca de políticas e diretrizes para a
reorganização escolar e a formação docente. Nas últimas décadas tivemos em vários governos
no Brasil diversas tentativas de políticas blicas para a educação pública sem, no entanto,
alcançar resultados satisfatórios. Apesar de existir uma espécie de consenso político-
pedagógico acerca dos problemas educacionais e até mesmo dos caminhos para a sua
superação, de forma geral parece não haver mudanças significativas no quadro educacional
brasileiro. O Brasil padece historicamente de problemas crônicos na educação, tais como:
crianças fora da escola, analfabetismo, baixa qualidade do ensino público, professores mal
preparados e mal pagos, greves, currículos burocráticos e descontextualizados, poucos
recursos didático-pedagógicos, instalações precárias e, por conseguinte, resultados ruins: altos
índices de evasão e repetência e baixo nível de escolaridade dos brasileiros.
Contraditoriamente, segundo David Plank (2001), a universalização do ensino
fundamental é condição para o Brasil tornar-se mais competitivo no mercado internacional.
Nessa gica, se tem havido tanto investimento, tantas políticas implementadas, por que não
se superam os problemas?
Para tentarmos entender melhor essa complexidade do fenômeno educativo, se faz
necessário refletir sobre as relações entre economia, educação e cultura, bem como sobre as
conexões entre saber, identidade cultural e poder para melhor compreender e intervir nos
elementos que perpassam e norteiam as diretrizes das diversas políticas de formação do
22
educador e de reorientação curricular presentes no cenário nacional, revelando o conflito
existente entre os fins públicos e os interesses privados na implementação de diversas
políticas públicas educacionais, e que estabelecem novas funções à escola.
Capitalismo, Neoliberalismo e Globalização se aliam e compõem hoje, de acordo
com os pressupostos de Michael Apple (2000) um “guarda-chuva ideológico”, junto com
outras alas conservadoras, capaz de formar o pensamento dominante nas sociedades do
mundo inteiro de acordo com a lógica do mercado, cujo perfil de homem/mulher desejado é
de um ser consumista, individualista, competente e competitivo. Sob essa égide da
competitividade há contraditoriamente contínuo investimento no capital humano e progressiva
redução de seus direitos.
Para garantir a sua manutenção no poder as elites dominantes, nacionais e
internacionais, vêm engendrando no seio da sociedade uma espécie de “engenharia do
consenso”. Neste sentido, reforça-se a idéia de que as agências públicas devam receber toda a
culpa pelas mazelas da sociedade, tais como: desemprego, violência, fome: “O público agora
é o centro de todo o mal e o privado é o centro de tudo o que é bom”. (APPLE, 2000, p.75).
Assim, segundo Coraggio (2000), apesar dos objetivos das políticas sociais
atualmente consistirem em dar continuidade ao processo de desenvolvimento humano,
compensando conjunturalmente os efeitos perversos da revolução tecnológica e econômica
que caracteriza a globalização, as reformas referentes às políticas públicas de assistência,
quase sempre vêm desvinculadas de reflexões e reflexos sociais.
Aqui no Brasil, em termos de políticas públicas para educação na última década, por
exemplo, percebeu-se uma grande consonância em suas diretrizes com as exigências do
Banco Mundial, em função do compromisso firmado pelo Governo Fernando Henrique
Cardoso (1995 a 2002) e que não parecem que serão rompidas pelo atual Governo Brasileiro
(Lula).
3
As maiores implicações disso são que, além do jogo de interesses e poder as
estratégias do Banco Mundial aos países em desenvolvimento, vêm geralmente em “pacotes
de medidas” pautadas em macropolíticas - quase sempre reformas - em geral baseadas em
3
Governo Luis Inácio Lula da Silva, de 2003 até os dias atuais.
23
resultados de pesquisas científicas, sem atender às especificidades ou dar espaço para
propostas alternativas que respondam às reais necessidades das diversas regiões brasileiras,
chegando por vezes, até mesmo a ameaçar a soberania dos paises em desenvolvimento.
Paradoxalmente, percebemos como reflexo a esse modelo de investimento do Banco
Mundial um grande aumento da miséria, e multiplicação do número de brasileiros e
brasileiras que vivem abaixo da linha da pobreza, prescindindo assim de serviços assistenciais
que acabam por consumir recursos, gerando “amarras” assistencialistas e paliativas ao Estado
e provocando “inchaço” e redução na qualidade dos serviços públicos.
Dessa forma, as políticas públicas sociais ganham a função de conter a pressão social
através do ataque à pobreza, promovendo ajustes estruturais na sociedade e prevenindo assim
situações politicamente críticas.
Sendo o desenvolvimento humano, condição para a competitividade de um país, as
políticas públicas atuam como alavancas na melhoria dos serviços básicos tais como Saúde e
Educação. De acordo com Coraggio (2000), o principal recurso dos pobres é a sua capacidade
de trabalho que aumenta com a educação e com a saúde, e o Banco Mundial sabe disso.
Partindo dos pressupostos de Sacristán: “O ensino é o processo desenvolvido para cumprir
com as finalidades da educação”.(SACRISTÁN, 1998, p.37).
Nesta lógica, as instituições educacionais são avaliadas por seus resultados que, por
sua vez, não são medidos apenas pelo nível de aprendizagem dos alunos e das alunas, mas
também pelas estatísticas na relação de entrada e saída dos mesmos e o posterior
ingresso/aprovação em outra instituição idealizada como continuação propedêutica dos
objetivos daquela de origem. Cria-se um quase mercado, uma concorrência entre os
estabelecimentos educacionais.
Desta forma, faz-se necessário então, desvelarmos as relações de poder que
permeiam o processo educativo e que determinam suas finalidades, bem como as
representações da noção de qualidade de ensino.
A questão da qualidade na Educação processada nos espaços educativos públicos tem
sido foco da maior parte da literatura pedagógica da atualidade, bem como dos fóruns de
discussão dos profissionais da Educação e dos setores do Governo. O conceito de qualidade,
no entanto, pode ganhar conotações diferentes de acordo com o interesse dos grupos
dominantes e, por conseguinte, empreendedores das políticas. Esse conceito tão polissêmico
24
encontra-se em disputa na sociedade atual; qualidade na é um conceito universal à medida que
assume significados diferentes em função das intencionalidades dos sujeitos e grupos sociais.
Temos, por exemplo, a “qualidade” que se orienta pelos princípios do individualismo, da
competitividade e da excelência, reconhecida sob o termo “qualidade total”, inspirada no
chamado Darwinismo social, seletivo e excludente. Por outro lado, temos também em nossa
sociedade um conceito de “qualidade” que se inspira no acesso, inclusão, controle social e
coletivo da gestão do ensino com vistas à implementação de uma “qualidade social” da
Educação, onde o sucesso escolar que se reivindica é para todos e não apenas para uma
minoria excludente.
Em tempos de globalização, segundo Rosa Torres (2000), as estratégias para a
melhoria da qualidade da Educação são propostas por economistas para serem executadas por
educadores. Forja-se um modelo escolar baseado em variáveis observáveis e quantificáveis,
cujo termômetro de qualidade é localizado nos resultados, no rendimento escolar, medido por
sua vez a partir dos parâmetros definidos por cada instituição que também é influenciada
pelas tendências educacionais contemporâneas. Contudo, não se questiona a validade, o
sentido, o significado e nem os métodos de ensino daquilo que se ensina.
Entretanto, a representação social acerca da idéia de uma escola bem sucedida,
implica na produção de cidadãos “educados”, no sentido amplo da palavra, capazes de inserir-
se plenamente no mercado de trabalho, contribuindo para o crescimento econômico do país e,
por conseguinte, para a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes. Dessa forma, a
escola precisaria então cumprir fins públicos de inclusão social. Esse pressuposto referente à
função social da escola deveria nos remeter ao desenvolvimento de uma qualidade social para
a Educação, caracterizada pela construção de uma escola mais democrática e inclusiva, capaz
de produzir conhecimentos, fruto das relações entre sujeitos, visando a sua emancipação
social; isto é, uma escola realmente cidadã! Escola Cidadã não apenas como na definição de
Gadotti e Romão (1994): estatal quanto ao financiamento, comunitária quanto à gestão e
pública quanto à destinação, mas verdadeiramente crítica, dialógica, democrática, inclusiva e
emancipatória.
Tal meta implicaria na necessidade de um amplo e participativo controle social por
parte do poder público e dos cidadãos em geral, para assegurar a democratização do acesso e a
25
permanência com sucesso para todos e não apenas para alguns, a reorientação curricular na
perspectiva de uma construção social do conhecimento respeitando a diversidade cultural e
implementando assim a tão almejada qualidade social da Educação.
No entanto, o controle das políticas públicas de assistência em geral é econômico e
não social. O controle político-econômico tem precedência sobre metas, fins e qualidade: “O
sistema educacional é organizado para proteger o interesse das classes dominantes”. (PLANK,
2001, p. 17). Há um visível conflito entre os fins públicos da Educação e os interesses
privados das elites dominantes da sociedade. Tais interesses se sobrepõem de maneira a
transformar a Educação em objeto de negociação, trocada por apoios, benefícios, votos, entre
outras contrapartidas. Instala-se um quase mercado clientelista, pela manipulação de cargos,
bolsas, contratos, editores, fornecedores em geral.
Não se pode generalizar! Há diversas políticas públicas em nosso país, sérias,
comprometidas com os interesses das classes menos favorecidas, porém asfixiadas pelo
conflito de interesses entre gestores e a elite dominante.
Apesar de diversos recursos, investimentos e iniciativas, ao longo de diferentes
governos, as problemáticas educacionais se renovam e se perpetuam no Brasil como em
outros países em desenvolvimento. Todavia, as estratégias do Banco Mundial incluem a
sustentação de um discurso técnico dos pressupostos filosóficos para a escola do futuro que
acaba por ter um efeito político, uma vez que não corrobora para a formação de um cidadão
crítico, participativo e atuante para a transformação da sua realidade local. Podemos perceber
tais pressupostos globalizados nos documentos divulgados nos últimos anos pela UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, órgão das Nações
Unidas – ONU, pontuados a seguir.
a- A Educação do Século XXI: Fundamentos Filosóficos e Princípios Pedagógicos:
As diferentes concepções de mundo e, por conseguinte, de educação vêm
promovendo a formação de diversas tendências e teorias de educação que por sua vez, vêm
historicamente influenciando e sendo influenciadas pelas práticas pedagógicas dos educadores
do mundo todo.
No final do século passado, a década de noventa foi marcada por inúmeras mudanças
e reformas educacionais no Brasil e em vários outros países, centradas principalmente na
26
reorientação dos currículos trabalhados em seus respectivos sistemas, tentando claramente
responder às necessidades de diversas ordens, configuradas na virada do século.
Todo esse contexto de mudanças educacionais acabou demandando ações para a
UNESCO que tenta configurar-se numa referência mundial para a Educação a Ciência e a
Cultura em geral, mas que muitas vezes acaba por desempenhar um papel meramente técnico
estabelecendo parâmetros nos diversos campos sociais, favorecendo aos interesses do Banco
Mundial, que por sua vez favorece os interesses de outros...
Formou-se então uma comissão internacional de educadores, visando construir uma
proposta pedagógica para a Educação no planeta no novo milênio, cujo resultado foi
divulgado em 1998, através do relatório Jacques Delors, publicado no Brasil com o título:
Educação um Tesouro a Descobrir (1998) e cujos pressupostos podem ser sintetizados na
imagem de quatro pilares do conhecimento:
1-Competência Pessoal: Aprender a Ser
2-Competência Relacional: Aprender a Conviver
3-Competência Produtiva: Aprender a Fazer
4-Competência Cognitiva: Aprender a Conhecer.
Percebemos a predominância de elementos sócio-interativos no princípio das
categorias adotadas nos pilares como reflexo da tendência de integrar a Educação à vida em
sociedade, aliada à compreensão de que tão importante como o que se aprende, é o como se
aprende, ou seja, aprender a aprender.
Além da elaboração dos Pilares do Conhecimento, a UNESCO encomendou
paralelamente proposta semelhante a Edgar Morin, pensador francês de expressão
internacional, considerado polêmico por empenhar-se, sobretudo, na elaboração de um
método de pensamento capaz de compreender a complexidade do real. Ele critica fortemente
a fragmentação do conhecimento e propõe o que se convencionou chamar de uma nova
paradigmatologia, uma Ciência com consciência, uma Ciência da Complexidade.
Morin (2003), partindo da análise da crise dos fundamentos científicos que afeta todo
o pensamento contemporâneo, a que ele denomina de ruído, envolvendo questionamentos
acerca da objetividade e demarcação da Ciência defende uma reforma não pragmática, mas
também epistemológica, ou de outra forma, uma reforma do pensamento e seu método de
processamento, sendo esta a sua maior contribuição: um método de pensar novo para a
Ciência , religando a phisis e o homem.
27
Em resposta ao convite feito pela UNESCO, Morin elabora no mesmo ano (1998) o
que ele chamou de Os saberes necessários à Educação do futuro, postos como um desafio a
todos os educadores empenhados em repensar os rumos da educação no séc. XXI, onde
podemos destacar sete desses saberes:
1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
2. Os princípios do conhecimento pertinente;
3. Ensinar a condição humana;
4. Ensinar a identidade terrena;
5. Enfrentar as incertezas;
6. Ensinar a compreensão;
7. A ética do gênero humano
Pautando-se também nos pilares do conhecimento supracitados, e na tradição
platônica que inspirou o Iluminismo, Morin traz de volta o convite a repensar na ética de uma
educação planetária, inclusiva, desafiadora e capaz de realizar as transformações necessárias
para ressignificar o seu papel social, abrindo uma outra perspectiva que proporcione uma
relação mais dialética entre as certezas e incertezas que permeiam o mundo globalizado.
Paralelamente aqui no Brasil, na década de noventa, em meio ao clima de tantas
reformas e mudanças educacionais impulsionadas principalmente pelas exigências das
políticas do Banco Mundial e pelas influências das novas tendências da Educação que
implicam em maior adequação à lógica do capital, paradoxalmente, surge no país como uma
espécie de contra-imagem ideológica, o desejo de uma Educação mais inclusiva, democrática,
crítica e participativa e que ganha grande espaço no cenário nacional. Nesse contexto, os
pressupostos do educador brasileiro Paulo Freire emergem mais fortemente tornando-se
referenciais para todos os que querem construir uma Educação crítica, libertária, democrática,
dialógica, autônoma, emancipatória e socialmente inclusiva.
Paulo Freire lança então nesse momento, em 1996, aquela que seria a sua última
obra publicada em vida e que traz profeticamente como título: Pedagogia da Autonomia:
Saberes necessários à prática educativa, contribuindo também, porém de maneira mais crítica
e contextualizada, com a elaboração dos fundamentos que permearão a Educação no século
XXI, e que para alguns estudiosos como Gadotti (1996), consiste na síntese dos pressupostos
freireanos, a saber:
Não há docência sem discência.
Exige rigorosidade metódica.
28
Predisposição à pesquisa.
Respeito aos saberes do educando.
Criticidade, estética, ética e exemplo.
Risco e aceitação do novo.
Rejeição a qualquer forma de discriminação.
Reflexão crítica sobre a prática.
Reconhecimento da identidade cultural.
Ensinar não é transmitir conhecimento.
Exige consciência do inacabamento.
Reconhecimento de ser condicionado.
Respeito à autonomia do ser do educando.
Exige bom senso.
Humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos.
Apreensão da realidade.
Alegria e esperança.
Convicção de que a mudança é possível.
Exige curiosidade.
Ensinar é uma especificidade humana.
Exige segurança, competência e generosidade.
Comprometimento e intervenção
Liberdade e autoridade
Tomada consciente de decisões.
Saber escutar.
Reconhecer que a educação é ideológica e dialógica.
Querer bem aos educandos.
Esses pressupostos nos remetem às categorias centrais do pensamento freireano:
diálogo, politicidade na educação, práxis, conscientização, autonomia e transformação social.
Apesar das diversas propostas apontarem para a formação para a cidadania como fim
da Educação, é perceptível a diferença de intenção e interesses entre as propostas difundidas
pela UNESCO (qualidade total da educação) e aquelas advindas de Paulo Freire e de outros
29
pensadores de uma educação mais crítica (qualidade social da educação), cujos princípios e
conflitos entre elas, acabam por influenciar o fazer pedagógico dos educadores no mundo
todo, de uma maneira ou de outra.
O diferencial freireano vem justamente da base, ou seja, na preocupação
eminentemente social e libertadora. Na compreensão de Romão (2002), a centralidade do
pensamento de Paulo Freire não privilegia os resultados, o ensino apenas, mas a compreensão
de que a aprendizagem se de forma processual e eminentemente dialética e dialógica, logo
construtiva e também conflitiva. Diante da imagem dos pilares do conhecimento (DELORS,
1996) para este novo século, a versão da pedagogia Freireana provavelmente seria: re-
aprender a conhecer, re-aprender a fazer, re-aprender a conviver, re-aprender a ser.
É seguramente esta relação entre “saberes x aprenderes” que os atores sociais dos
espaços educativos precisam reaprender. No entanto, é no interior da escola, na sua forma de
organização e gestão e mais precisamente na prática pedagógica cotidiana dos educadores,
que se encontram os maiores focos de contradições, movidos pela tensão e resistência às
mudanças, ao novo. Velhas práticas são defendidas e/ou mascaradas por representarem muitas
vezes o “chão” do docente, que muitas vezes vê com descrédito as inovações pedagógicas por
virem de encontro às velhas estruturas e concepções de ensino já tão arraigadas e cristalizadas
em sua prática pedagógica.
Em meio a todos esses paradigmas que formam o pensamento educacional
contemporâneo e efervescente sob a égide da educação para o novo milênio, emergiram
inúmeras políticas de reformas educativas.
Em geral busca-se a melhoria da qualidade do ensino, nos diversos sistemas de
educação, e a sua adequação às necessidades das sociedades onde se está envolvido, sejam
elas políticas, econômicas ou culturais.
A escola configura-se na principal instituição formadora, responsabilizada pela
mediação entre as práticas sociais e as práticas educacionais. Logo, é foco de grande atenção
nas reformas e políticas que visam mudanças sociais e que enfatizam a discussão em torno da
sua função social, movida principalmente pelas correlações de forças presentes nas relações
de poder na sociedade. Portanto, qualquer teorização sobre a prática pedagógica implica,
como nos diz Sacristán (2000, p. 50), numa metateoria social e uma metateoria educativa e
ambas conectadas com a História.
30
Neste sentido, uma teorização acerca do processo educativo significa uma tentativa
de representação das concepções das práticas sociais nas dimensões intra e extra-escolares
traduzidas em usos, tradições e ritos, métodos e perspectivas.
As diferentes concepções de mundo e de sociedade que impulsionam tais práticas
atuam de forma incisiva na definição dos fins da educação e em sua organização, quer seja
para manter e/ou adaptar as estruturas sociais, ou para mudá-las. Segundo Goodson (1997) O
currículo é um artefato social, concebido para realizar determinados objetivos humanos
específicos. (apud UFRN, 2000, p.14).
A implementação de reformas e mudanças educativas em nível macro (políticas
públicas) ou micro (projeto político-pedagógico das escolas) é comum, para adequar o ensino
às finalidades da Educação proposta (ou imposta), quer seja pelos administradores ou pelos
educadores. Essas multiplicidades de fins, aliada à inserção da prática pedagógica em
inúmeros contextos, é que configuram a complexidade da ação educativa.
De acordo com os pressupostos de Sacristán (2000, p. 9), observamos na maioria das
reformas educacionais a tendência a centrar no currículo as possibilidades de mudanças, uma
vez que é mais difícil mudar a estrutura do sistema como um todo, bem como, os seus
conteúdos e ritos internos. Em função disto, tradicionalmente, as decisões sobre currículo têm
sido prerrogativa de instâncias administrativas que, reduzindo a maioria das vezes a
compreensão da práxis curricular aos conteúdos selecionados, concentra-se em mudar o rol de
conteúdos considerados válidos para serem ensinados e esquece-se que para mudar tais
conteúdos, é preciso também mudar procedimentos e contextos de realização, ligados
principalmente à organização da escola e a formação do educador.
...O currículo, com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e formas de
desenvolvê-los, é um ponto central de referência na melhora da qualidade do
ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos
professores, na renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de
inovação dos centros escolares. (SACRISTÁN, 2000, p. 32).
Dessa maneira, o currículo é posto no centro da ação educativa, como nos afirma
Sacristán: “toda a prática pedagógica gravita em torno do currículo”; (SACRISTAN, 2000, p.
26) e o mesmo adquire forma e significado na prática. Logo, a prática curricular é que
31
condiciona a sua teorização e a mesma precisa pensar sobre as suas condições de realização,
uma vez que o seu campo de ação é uma realidade prévia, composta de diversos sujeitos,
padrões de comportamento, crenças, valores, etc. Em função dessa complexidade de relações
a que está submetido o currículo, as suas teorias não se encontram devidamente
sistematizadas ou encerradas e demandam pesquisas constantes para acompanhar a sua
dinâmica, tentando desvelar esse tão polissêmico termo, desde às suas origens aos seus
desdobramentos.
2 - FUNDAMENTOS, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS CURRICULARES
O currículo traz sua raiz semântica do latim curriculum: pista de corrida,
etimologicamente derivado do verbo currere: correr; representa o percurso percorrido o
caminho a ser seguido pelo sujeito ao longo de toda a sua trajetória, neste caso, escolar.
Assim, podemos entender o currículo como todo o processo de formação humana, quer seja
escolarizada ou não; no entanto, o currículo escolar configura-se em uma forma organizada e
sistemática de (re) conhecer e (re) construir os conhecimentos historicamente elaborados pela
humanidade, sejam eles científicos ou empíricos. O currículo, antes de tudo, exerce uma
função socializadora, partilhando saberes e ressignificando práticas culturais:
O currículo expressa a organização dos saberes vinculados à formação
das identidades individuais e coletivas dos sujeitos sociais. Ele é a
expressão da função socializadora e cultural de uma instituição, que
possibilita a um grupo assegurar que seus membros adquiram a
experiência social historicamente acumulada e culturalmente
organizada.(HAGE, 2001, p.2).
Todo currículo é um recorte, resultado de uma seleção epistemológica que é
materializada na práxis pedagógica. As diferentes perspectivas sociais e culturais dos atores
envolvidos na prática curricular nos remetem a elementos e olhares diferentes nos estudos que
tomam o currículo como objeto:
As teorias desempenham várias funções: são modelos que selecionam
temas e perspectivas; costumam influir nos formatos que o currículo
adota antes de ser consumido e interpretado pelos professores, tendo
assim um valor formativo e profissional para eles (....) finalmente,
oferecem uma cobertura de racionalidade às práticas escolares. As
teorias curriculares se convertem em mediadores ou em expressões da
32
mediação entre o pensamento e a ação em educação. (SACRISTÁN,
2000, p. 37).
Nos estudos funcionalistas, por exemplo, a ênfase recai sobre a sua dimensão técnica,
entendendo-o como meio para alcançar fins pré-estabelecidos:
A gestão científica é para a burocracia o que o taylorismo foi para a
produção industrial em série, querendo estabelecer os princípios de eficácia,
controle, previsão, racionalidade e economia na adequação de meios a fins,
como elementos-chave da prática, o que fez surgir toda uma tradição de
pensar o currículo [...] o gestor pensa, planeja e decide; o operário executa a
competência puramente técnica que lhe é atribuída, de acordo com os
moldes de qualidade também estabelecidos externamente ao processo e de
forma prévia a essa operação. A profissionalidade do operário e do professor
na transferência metafórica consiste numa prática “normalizada” que deve
desembocar, antes de mais nada, na consecução dos objetivos propostos,
definidos logicamente com precisão. (SACRISTÁN, 2000, p. 45).
Esse legado eficientista no currículo, tem nas perspectivas curriculares de Ralph
Tyler o seu modelo mais paradigmático e difundido, principalmente na década de 70, pautado
numa visão de currículo a partir de experiências de aprendizagem planejadas e dirigidas pela
escola para alcançar os seus objetivos educacionais (pedagogia por objetivos):
O desenvolvimento do currículo é uma tarefa prática, não um
problema teórico, cuja pretensão é elaborar um sistema para conseguir
uma finalidade educativa e não-dirigida para obter a explicação de um
fenômeno existencial. O sistema deve ser elaborado para que opere de
forma efetiva numa sociedade onde existem numerosas demandas e
com seres humanos que têm intenções, preferências.
(TYLER, 1981, p. 18 apud, SACRISTÁN, 2000, p. 46)
Infelizmente, é comum percebermos a influência dessa concepção curricular
funcionalista na prática pedagógica de inúmeros educadores Brasil afora: no momento do
planejamento pautado na pedagogia por objetivos: “Que no final do curso/aula o aluno seja
capaz de...”, na preocupação estrita de “cumprir o programa” ou seguir o livro didático; na
prática avaliativa classificatória e excludente, entre outras ações reveladoras desta prática a-
crítica e descontextualizada, que cumpre mais eficientemente a função reprodutora da escola.
Nos estudos críticos, o currículo é visto como artefato mediador entre as práticas
sociais de dentro e de fora da escola, isto é, como uma construção social. Se o currículo,
evidentemente, é algo que se constrói, seus conteúdos e suas formas últimas não podem ser
33
indiferentes aos contextos nos quais se configura.(KING, 1996, p.37, apud SACRISTÁN,
2000, p.21)
Nas teorias críticas do currículo, a preocupação não é apenas com o que ou como
ensinar, mas também com o “por quê” e “para quem” se ensina e “em que contextos”:
Tomando a prática como objeto pedagógico crítico, revelam-se conflitos,
tensões e intenções. São suas contradições que nos permitem replanejá-la,
construir novas ações. Assim, se a prática pedagógica, como prática política,
pressupõe um “por quê” se ensina, consubstanciado no “para quem” e “para
quê”, tais pressupostos se revelam nas concretudes do sobre “o quê”, do
“como” e do “com quem” se faz o processo ensino-aprendizagem: o discurso
pode ser contundente, mas a contradição está na prática. Concebo a
pedagogia, portanto, como uma ação política, uma intencionalidade
concretizada na prática que, fundamentada em uma racionalidade crítica,
orienta o fazer comprometido e com ela coerente. O fazer que organiza esse
percurso é o tema deste trabalho.
(SILVA, 2004, p. 7)
4
No entanto, o reconhecimento do Currículo enquanto campo específico de saber é
relativamente novo, data das proximidades da década de 20, nos Estados Unidos da
América/EUA. O currículo enquanto campo de pesquisa não surgiu para responder problemas
epistemológicos ou pedagógicos, e sim como uma tarefa de gestão administrativa.
Impulsionados pelos pensamentos de Taylor e principalmente de Bobbit, em sua obra
The Curriculum (1918) inicia-se um movimento cuja preocupação centrava-se nas finalidades
da educação e mais precisamente com o que ensinar; na verdade, a preocupação sugeria uma
adequação do modelo escolar ao modelo fabril, ou de outra forma, a preparação para o
trabalho.
Nasciam assim as teorias tecnocratas, que tinham inicialmente a proposição de
romper com o currículo clássico humanista Trivium (gramática, dialética e retórica)
Quadritivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia), vigente na época. Caracterizam-
se pela primazia das técnicas, do saber fazer, com uma excessiva preocupação utilitarista,
teorização a-histórica, modelos descontextualizados entendidos como base de racionalização
do currículo, que figuram como elementos da tradição curricular americana e que foram
difundidos no mundo todo, influenciando a prática pedagógica de inúmeros educadores,
adeptos das concepções tradicionais e conservadoras de ensino.
Perde-se de vista as dimensões históricas, sociais e culturais do currículo,
para convertê-lo em objeto gestionável. A teoria do mesmo passa a ser um
4
Antônio Fernando Gouvêa da Silva, mais conhecido como Gouvêa ou Gôva, foi assessor da SEMEC Belém/Pa
em seu movimento de reorientação curricular via tema gerador, no período de 2000 a 2002
.
34
instrumento da racionalidade e da melhora da gestão. Conseqüentemente, o
conhecimento que se elabora dentro dessa perspectiva é o determinado pelos
problemas com os quais a pretensão da gestão eficaz se depara [...] tudo isso
auxiliado por um desarmamento intelectual do professorado.
(SACRISTAN, 2000, p. 46).
Essas preocupações utilitaristas, movidas pela égide da produtividade, acabam por
condicionar o próprio fazer educativo, definindo o “bom professor” como aquele que obtém
“bons resultados”, auxiliado por uma avaliação classificatória que ajuda a fazer melhor o
controle da qualidade de quem teve ou não rendimento, tomando como parâmetros os
objetivos propostos previamente, além é claro, da trilha segura que oferece o programa
curricular (ou o livro didático) que uma vez seguido e cumprido regiamente, consiste na
“receita do sucesso”. Assim, o professor é atrelado à amarras institucionais, que acabam por
prender-lhe também o pensamento, uma vez que não lhe é exigido pensar ou problematizar o
processo pedagógico; apenas precisa dar as suas aulas, seguir o planejamento e tentar alcançar
os objetivos propostos.
Uma visão tecnicista, ou que apenas pretenda simplificar o currículo, nunca
poderá explicar a realidade dos fenômenos curriculares e dificilmente pode
contribuir para mudá-los, porque ignora que o valor real do mesmo depende
dos contextos nos quais se desenvolve e ganha significado.
(SACRISTAN, 2000, p. 22).
Com esse procedimento, não tempo e nem espaço para teorizar, refletir coletiva e
mais profundamente sobre a prática pedagógica. A percepção da realidade limita-se ao vivido
e as reuniões pedagógicas destinam-se à resolução dos problemas imediatos, esvaziando o
cotidiano escolar da possibilidade de desenvolvimento de teorias e reflexões que possam não
só explicar a prática, mas compreendê-la para intervir sobre ela.
Em contrapartida, surgiram ao longo do tempo inúmeros questionamentos às
limitações impostas por tal concepção e organização de ensino. Um dos momentos históricos
de resistência foi o movimento iniciado na década de 70 na Inglaterra e que ficou conhecido
como a Nova Sociologia da Educação/NSE, que segundo Sacristán (2000, p. 19), contribuiu
de forma decisiva para atualização das discussões acerca das teorizações sobre o currículo,
entendendo-o como uma invenção social, que reflete escolhas sociais conscientes ou
inconscientes em consonância com valores e crenças dos grupos dominantes da sociedade.
Pesquisando os mecanismos sociais presentes na seleção e organização da escola, bem como
35
as suas condições de realização, analisando então como se define e materializa a função social
da escola.
A Nova sociologia da Educação, bem como o movimento de reconceptualização,
ocorrido nos EUA, entre outras formas de questionamento da hegemonia tecnicista na
educação e no currículo, formam a base de fundação epistemológica das Teorias Críticas do
Currículo, que tem como principais representantes Michael Apple, Henry Giroux, Paulo
Freire – apesar de não ser considerado um curriculista - Willian Pinar, entre outros pensadores
que trazem como característica comum em seus pressupostos a preocupação com o processo
educativo e a sua inserção nas relações culturais, sociais e ideológicas que permeiam as
relações de poder, movidas principalmente pelo questionamento da hegemonia Capitalista e
pela conseqüente luta de classes.
As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e
transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é desenvolver
técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos
permitam compreender o que o currículo faz. (SILVA, T.T. 2001, p. 30).
Dessa forma, o currículo ganha um significado cultural e não é mais suficiente o seu
entendimento como um conjunto de experiências planejadas, uma vez que o planejamento
curricular não pode dar conta da multiplicidade do real vivido cotidianamente, dentro e fora
da escola. Assim, a aprendizagem e, por conseguinte, a formação do sujeito pode ocorrer a
partir do que foi planejado, mas não se limita a isso.
Muitas vezes não temos nem a consciência dos efeitos produzidos por experiências
outras, vividas espontaneamente na escola ou por força das circunstâncias provocadas pelas
diferenças culturais, sociais e econômicas presentes nas relações interpessoais intra e extra
escolares. Segundo Sacristán (2000, p. 43), é a esse fenômeno que conhecemos como
currículo oculto.
Algumas vezes, esses efeitos advindos das experiências vividas no interior da escola
são desejados e considerados positivos pelos educadores e pais, tendo como parâmetro
determinada concepção educativa em que se baseiam de forma consciente ou não; outras
vezes, são vistos de maneira negativa e contrária à visão de mundo e de sociedade em que se
acredita. Na relação professor e aluno (a), por exemplo, é comum o reforço de uma prática
autoritária e bancária, como nos diria Paulo Freire, onde o professor e somente ele ensina, e o
aluno aprende passivamente, além da reprodução de práticas discriminatórias e
36
preconceituosas com relação às questões éticas, étnicas, sexuais e de gênero, bem como de
práticas exploradoras e individualistas fruto das relações sócio-político-econômica e cultural
presentes na macro estrutura social.
As experiências curriculares vividas, planejadas ou não, são responsáveis por grande
parte da formação do sujeito e sua interação com a sociedade. Logo, uma das funções do
currículo é de selecionar os conhecimentos necessários para formar o educando de acordo
com o perfil desejado, perceptível nos projetos pedagógicos e/ou planejamentos das escolas
e/ou nas atitudes dos sujeitos envolvidos.
Percebo na sociedade capitalista de hoje, o predomínio da égide da competitividade,
configurada por um “darwinismo social”, onde se seleciona os mais aptos e excluem-se os
menos “preparados”. Em função disto, vivemos uma inversão de valores, onde as boas escolas
são aquelas que conseguem melhores resultados, isto é, que conseguem formar sujeitos
competitivos, individualistas, (multi) competentes e criativos o suficiente para satisfazer o
mercado de trabalho, cada vez mais exigente, especializado e excludente.
O currículo, especialmente na educação básica, ganha ênfase no seu caráter
instrumental e propedêutico, objetivando o desenvolvimento no educando de competências e
habilidades necessárias ao bom andamento das relações de produção engendradas na
sociedade, ou seja, a sua inserção no mercado de trabalho e/ou a preparação para a sua entrada
na universidade.
Percebe-se claramente essa intenção nas políticas públicas educacionais nacionais
implementadas nos últimos anos no Brasil, tais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais/PCN’s e os mecanismos de controle e avaliação nos diversos níveis de ensino:
Sistema de avaliação da Educação Básica/SAEB, o Exame Nacional do Ensino Médio/ENEM
e até mesmo no “provão” no Ensino Superior.
As preocupações e as críticas são em função de que uma organização curricular nesta
linha burocrática, uniforme e pouco flexível, organizada previamente em disciplinas e/ou
áreas de conhecimento fechadas (reforçando a idéia de professores especialistas de área),
deixando de fora as situações problemas da escola, bem como as discussões de questões como
gênero, multiculturalidade, ética, orientação sexual, entre outras consideradas subjetivas.
Estas poderão ser abordadas, se houver oportunidade, nas diversas disciplinas como tema
transversal das mesmas, como propõem os PCN’s ou pelos inúmeros projetos e novas
37
disciplinas que “incham” o currículo das escolas, demandados pelo poder público,
movimentos sociais e/ou por iniciativa da escola.
Na prática, percebe-se que esta estrutura hermeticamente disciplinarizada
departamentalizada e burocrática não alcança as especificidades e as necessidades da
dinâmica da realidade vivida de cada estado, cidade, escola, sala de aula, educando, bem
como, uma prática pedagógica “bancária”, nos pressupostos de Paulo Freire, onde o professor
ou professora “deposita nos educandos o conteúdo programático que ele ou ela mesma
seleciona e decide que é relevante, numa prática por essência antidialógica e reprodutivista.
Para mim, as práticas que seguem esse perfil não se configuram em experiências instituintes,
isto é, que contribuam efetivamente para uma formação e aprendizagem mais significativa e
crítica para os educandos. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua produção ou a sua construção. (...) No processo educacional, homens e mulheres
são irredutíveis a objetos do educador. (FREIRE, 1997, p. 25).
Nesta perspectiva, a gica excludente do capital cultural
5
impregnada da cultura da
classe dominante, ou seja, a gica do sucesso dos mais ricos x fracasso dos mais pobres,
precisaria ser relativizada. Esse “capital cultural” despossuído pelos pobres, está relacionado à
visão determinista cristalizada no imaginário da maioria dos educadores (e até dos
educandos), para quem as classes populares aprendem menos e de forma mais lenta por terem
menos acesso a informações, a uma boa alimentação e aos bens culturais em geral, ignorando
o universo cultural que as classes populares também possuem.
É neste sentido que volto a insistir na necessidade imperiosa que tem o
educador ou educadora progressista de se familiarizar com a sintaxe, com a
semântica dos grupos populares, de entender como fazem eles sua leitura do
mundo, de perceber suas “manhas” indispensáveis à cultura de resistência
que se vai constituindo e sem a qual não podem defender-se da violência a
que estão submetidos. (FREIRE, 2003, p. 107).
Além disso, também a prática da predição feita pelos educadores ainda no início
do ano letivo, diagnosticando e prognosticando quem são os alunos que terão uma
aprendizagem com sucesso e que se tornam alvo das atenções do professor, enquanto que para
aqueles fadados ao fracasso, considera-se que qualquer tentativa por parte do professor seria
considerado desperdício e perda de tempo. Estes últimos os “fracassados” são, em primeira
5
O termo está identificado com a teorização do sociólogo francês Pierre Bourdieu. O capital cultural pode ser de
forma objetivada (objetos culturais como obras de arte, livros, discos); institucionalizada (títulos, certificados e
diplomas); ou incorporada (disposições e capacidades culturais internalizadas). (SILVA, T.T, 2000, p. 24).
38
análise, sérios candidatos a engrossarem os números estatísticos da repetência, da evasão e do
baixo rendimento escolar.
na escola, em especial na pública, alguns rituais característicos como o ritual das
queixas, das lamentações que tomam conta dos encontros pedagógicos e que atuam como
mantenedores do status quo, por funcionarem apenas como catarse para os professores sem,
contudo implicar numa percepção mais crítica do real e, por conseguinte, em mudanças
significativas para superação da problemática.
Além dessas problemáticas, uma outra mais estrutural referente à práxis
curricular. A concepção e organização do currículo predominante nas escolas brasileiras
consistem, em geral, numa estrutura disciplinar diretiva e fragmentada que reforçam uma
ordem hierárquica e auto-suficiente entre as áreas do conhecimento e uma pseudo-idéia de
linearidade entre os conteúdos, que reforçadas por uma utilização quase que exclusiva e
dependente do livro didático - que muitas vezes constituem no próprio organizador curricular
e de programas pré-estabelecidos de conteúdos para as diversas áreas do conhecimento,
estabelecem uma lógica seqüencial que, independente de você estar em Belém, Natal ou no
interior do Rio Grande do Sul, podem ser aplicados tranqüilamente, sofrendo apenas algumas
adaptações para levar a realidade para a sala de aula. O problema é que “tem conteúdo que
para relacionar com a realidade, mas têm outros que não, então a gente tem que dar assim
mesmo: seco; porque você sabe, não é, matemática é matemática...”. (informação verbal,
2002)
6
Depoimentos como este de uma professora da Rede Municipal de Ensino de Belém -
RME, onde atuei como assessora pedagógica de um grupo de escolas, bem como nas ações de
formação continuada dos diversos educadores da RME, são recorrentes. Assim como são
também freqüentes outros comentários, como “- eu não sei por que ou para quê estudei
equação ou logaritmo...” (informação verbal, 2001)
7
Eu mesma me questionei algumas vezes acerca destas e outras questões e certa
vez, ao indagar um grupo de professores quanto a “utilidade” de estudar logaritmo, recebi a
seguinte resposta de um professor de matemática: “- Professora, tomas refrigerante? Ainda
bem que a tua relação com o refrigerante é de consumidora e não de fabricante pois, o
6
Comentário de uma Professora de Matemática da E.M. Amália Paumgartten, durante uma discussão sobre
currículo numa hora pedagógica coletiva realizada em março de 2002 em Belém/Pa.
7
Comentário de uma Professora do Ciclo II da E.M. Amália Paumgartten, durante uma discussão sobre currículo
numa hora pedagógica coletiva realizada em março de 2002 em Belém/Pa.
39
logaritmo é uma fórmula essencial na sua composição, como tu podes observar aqui nesta
garrafa... [apontando para o rótulo]” (informação verbal)
8
Depois de mais alguns diálogos com este e outros professores percebi que, em
termos curriculares, todo “conteúdo” é significativo e tem sua explicação e origem na própria
realidade, senão perderia sua essência primeira de conteúdo (algo que está dentro, contido
em). Porém, quando esse conhecimento adentra a sala de aula, está tão fragmentado e
cristalizado, que não faz sentido nem eco para aquela realidade e muito menos para os
educandos. Então, os espaços da aprendizagem na escola se reduzem a espaços de reprodução
e memorização do conhecimento que na sua maioria, são aproveitados e retidos pelos
educandos até a data do teste. Depois escoam pelos corredores da memória humana, ficando a
espera de que um dia sejam ancorados e ressignificados:
“Manhê! Tirei um dez na prova
Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova
Decorei toda lição, não errei nenhuma questão
Não aprendi nada de bom
Mas tirei dez (boa filhão!)
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci
Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi
Decoreba: esse é o método de ensino
Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino
Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos
Desse jeito até história fica chato. “
(GABRIEL - o pensador / Música: Estudo Errado)
A letra desta música supracitada, traduz minha convicção de que uma organização de
currículo estanque e fragmentada, portanto com pouco ou nenhum significado para os
educandos, acompanhada de metodologias repetitivas e pouco dinâmicas, reduzidas a
explanação oral e ao quadro de giz (ou magnético), aliadas à falta de infra-estrutura da
maioria das escolas públicas no Brasil, configuram um ambiente pouco propício à motivação
e ao interesse por parte dos educandos.
Então, uma das tarefas do educador e educadora é também provocar a
descoberta da necessidade de saber e nunca impor um conhecimento, cuja
necessidade ainda não foi percebida. Às vezes a necessidade é sentida - não
é verdade? – mas ainda não percebida. Existe uma diferença.
(FREIRE, 2003, p. 86).
8
Explicação de um Professor de Matemática da E.M. Remígio Fernadez, durante uma discussão pedagógica
numa reunião com professores realizada em Outubro de 2001 em Belém/Pa.
40
Todo currículo é um recorte epistemológico do conhecimento construído
historicamente pela humanidade. No entanto, estou convencida de que este recorte precisa
emergir das necessidades dos sujeitos envolvidos para fazer sentido. Não acredito mais em
uma escola que apenas convide a realidade, quando for possível, para visitar suas salas de aula
e “ilustrar” seus conteúdos. Precisamos de uma escola que assuma e trabalhe com os
conhecimentos que estão imbricados na realidade vivida e percebida, promovendo um diálogo
entre o senso comum e os conhecimentos sistematizados. Juntos proporcionarão um outro
saber, capaz de ajudar na compreensão das relações que compõem aquela determinada
realidade, revelando os espaços de intervenção para possíveis mudanças. Entretanto, essas
mudanças não se fazem sem angústias e sem questionamentos:
Primeiramente se faz necessário o entendimento do currículo para além de um rol de
conteúdos e compreendê-lo como uma práxis social concreta e coletiva:
Portanto, o currículo escolar pode também ser concebido como uma prática
social concreta e coletiva, em que ocorrem lutas, socioculturais e político-
epistemológicas por sentidos e significados identitários ou não -, ideologias
e hegemonias, organizadas para a transmissão e/ou construção do saber, a
partir de diferentes concepções de sociedade e de seus respectivos
comprometimentos políticos, éticos e filosóficos.
Nesse sentido, é fundamental tomar a instituição escolar, com seus sujeitos,
conhecimentos e práticas coletivas, como referência primeira e última para
desencadear um movimento de reorientação curricular comprometido com a
transformação sociocultural. (SILVA, 2004, p. 324).
Entender o currículo como uma prática social, implica na percepção de que não basta
a seleção criteriosa de tópicos do conhecimento considerados mais relevantes, para assegurar
uma leitura crítica da realidade, e muito menos a sua transformação, uma vez que, o conteúdo
social está menos nos conteúdos elencados e mais na abordagem e na intervenção que propõe
o educador junto ao coletivo de educandos. Não se pode ensinar Biologia, por exemplo,
pautando-se apenas no conteúdo de área sem considerar o conteúdo social que implica e é
implicado naqueles tópicos do conhecimento. Neste sentido, o diálogo entre educadores e
educandos ganha papel fundamental na leitura crítica do mundo, pelo desvelamento do real
imbricado na origem epistemológica daquele conteúdo escolar.
O rompimento com práticas autoritárias e positivistas é fundamental, tomando a
prática dialógica não apenas como uma atitude pedagógica, democrática e mediadora de
papéis dos sujeitos nela engajados, mas também como centro do processo de construção do
conhecimento. O diálogo torna-se mais do que uma postura pedagógica, uma exigência
41
epistemológica. Conceber a Educação como ato eminentemente dialógico, é enfatizar a
condição fundamental do ato de conhecer que é a sua própria condição dialógica.
Enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que disponho de,
abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento. (FREIRE, 2003, p. 120).
No entanto, o diálogo não pode ser entendido como simples “bate-papo” ou em
extensas aulas expositivas (convertendo-se em monólogo), improvisado e descontextualizado,
mas pautado numa intenção pedagógica e mediadora de saberes:
Não diálogo no espontaneismo como no todo-poderosismo do professor
ou professora. A relação dialógica, porém, não anula, como às vezes se
pensa, a possibilidade do ato de ensinar. Pelo contrário, ela funda este ato,
que se completa e se sela no outro, o de aprender, e ambos se tornam
possíveis quando o pensamento crítico, inquieto do educador ou da
educadora não freia a capacidade de criticamente também pensar ou começar
a pensar do educando.[...] Se o pensamento do educador ou educadora anula,
esmaga, dificulta o desenvolvimento do pensamento dos educandos, então o
pensar do educador, autoritário, tende a gerar nos educandos sobre quem
incide, um pensar tímido, inautêntico ou às vezes, puramente rebelde.
(FREIRE, 2003, p. 118).
Logo, essa relação dialógica precisa se dar não apenas entre os sujeitos como
também entre os conhecimentos de dentro e de fora da escola:
Na perspectiva de estabelecer o diálogo e a troca entre os conhecimentos é
fundamental buscar uma diferenciação entre os saberes populares e os
elaborados, sabendo-se de antemão que não se trata de delimitações precisas
nem de rotular sujeitos detentores do senso comum ou do conhecimento
científico, mas sim de caracterizar as práticas mais condizentes com cada um
dos procedimentos de análise, evidenciando suas contribuições e seus
limites. Ambos o fundamentais para a convivência social crítica, portanto,
a prática educativa precisa possibilitar a consciência e o acesso dos sujeitos
aos critérios para a escolha entre esses saberes, em função dos contextos e
das intencionalidades das intervenções desejadas. (SILVA, 2004, p. 241-2).
A construção do conhecimento que se na escola converte-se num processo
resultante da mediação entre os saberes escolares e os saberes populares, através da
problematização das situações vividas e/ou analisadas, instrumentalizando os educandos a
desconstruir, decodificar e intervir nas situações limites, percebendo-se eticamente envolvidos
42
nelas. Para tanto, se faz necessário a organização de categorias, procedimentos e metodologias
que embasem a práxis de um currículo crítico.
Todos os pressupostos aqui apresentados como perspectivas de superação das
problemáticas e limitações de um currículo tradicional, conteudista e fragmentado, consistem
em categorias que fundamentam os pilares epistemológicos de uma concepção crítica do
currículo, pelas suas possibilidades de problematização, desvelamento e intervenção na
realidade.
Configura-se num ato de desvelamento do real, a partir da problematização das
situações limites, no dizer freireano (2003, p. 109 e 205-206), isto é, dos conflitos, das
barreiras vividas e das necessidades sentidas pelos sujeitos nelas envolvidos. É preciso “tomar
distância” da realidade para melhor nos aproximarmos epistemologicamente dela, de forma a
desconstruirmos e compreendermos os elementos que a compõem e a relação entre eles, o que
Paulo Freire chamaria de “cerco epistemológico”.
Destaca-se aquilo que nos “incomoda”, entendendo-o como um problema passível de
ser transponível, pela negação e, por conseguinte resistência ao mesmo, na busca de sua
superação através dos atos limites dos sujeitos engajados, ou seja, do alcance do “inédito
viável”.
Do desnudamento das contradições que constituem as “situações-limite”,
isto é, a partir das realidades cotidianas concretas, surge um melhor
entendimento dos “atos limite”. Esta consciência por sua vez, permitiria a
proposição do “inédito-viável”, isto é, a luta por um projeto social possível
que ultrapassasse os limites existentes da realidade atual. (FERREIRA,
2004, P. 167).
Essa atitude curricular político-epistemológica e crítica diante da realidade, nos ajuda
a entender que, na maioria das vezes, a forma de estruturação da sociedade não possibilita,
sem rupturas, formas mais democráticas e participativas de organização sociocultural. Por
conseguinte, as relações são baseadas na opressão, exploração e na exclusão da maior parte da
população, impulsionadas pelo jogo de interesses e posses advindos da luta de classes, que
como diria Paulo Freire (2003, p. 91), não é o motor da história, mas com certeza é um deles.
Dessa forma:
43
Na perspectiva de educação emancipatória, popular crítica, comprometida
com a denúncia das negatividades reificadoras dos sujeitos, a prática
curricular não deve procurar a “solução” dos conflitos vivenciados, mas sim
incorporar a dissensão como elemento fundamental que, visando à superação
negociada das práticas socioculturais opressoras a partir da coesão interna e
resistência dos grupos envolvidos, propicia a criação e reconstrução de
novos ordenamentos organizacionais. (SILVA, 2004, p. 204).
Nessa perspectiva crítica do currículo, a realidade deixa de visitar as salas de aulas
apenas para didaticamente “ilustrar”, quando possível, os conteúdos preestabelecidos, mas
passa a ser o próprio conteúdo, ou seja, as situações vividas convertem-se em temas-problema
do processo educativo, que de forma desafiadora, ajudam a pensar a realidade. No entanto, “É
impossível ensinar a pensar pensando, isto é, tenho que ensinar como pensar, pensando
sobre alguma coisa e depois sabendo alguma coisa”.(FREIRE, 2003, p. 170).
algumas críticas infundadas que entendem a educação progressista como
destituída dos conteúdos mínimos (aqueles tradicionalmente elencados) necessários à
formação do educando. Na verdade, mesmo que não haja negação dos saberes historicamente
acumulados, a preocupação de uma educação verdadeiramente emancipatória está na
construção de conhecimentos significativos que lhes dê o máximo de possibilidades para fazer
relações e contextualizações, realizando leituras do mundo mais amplas, instrumentalizados
pelos tópicos do conhecimento elaborados historicamente pelos diferentes sujeitos quer seja
de maneira formal ou informal.
Dessa maneira, uma visão de totalidade da situação-problema é imperiosa e para
isso, torna-se necessário o rompimento da concepção fragmentada do currículo, que divide,
isola e aprisiona o conhecimento e os sujeitos em suas áreas, não lhes permitindo a visão do
todo. Nesse contexto, mais uma vez o diálogo coloca-se como mediador na construção do
conhecimento, promovendo uma prática dialógica entre sujeitos, áreas e disciplinas, ou seja,
uma concepção e atitude interdisciplinar:
Apesar de não haver consenso acerca do conceito de interdisciplinaridade, os
pressupostos de uma prática interdisciplinar têm se tornado cada vez mais presentes e
necessários nos discursos educacionais, especialmente aqueles que defendem uma educação
mais crítica e significativa.
Entendida como uma postura, uma atitude do educador, implica numa
intercomunicação entre as disciplinas através de um diálogo permanente entre saberes. Não se
trata de uma visão reducionista de buscar um consenso, denominador comum para as
44
disciplinas, mas de uma relação integradora, como nos diria Japiassu (1976), capaz de fazer
uma modificação entre elas, através de um diálogo compreensível ao nível de conceitos e
métodos. A simples troca de informações entre as diversas áreas do conhecimento ou uma
justaposição de disciplinas não configuram uma prática interdisciplinar.
epistemólogos, que acreditam que a interdisciplinaridade encontra-se em
oposição a disciplinaridade, prescindindo de seu rompimento para existir, pois não haveria
possibilidade de uma ação interdisciplinar dentro do atual modelo curricular dominante:
disciplinar, que por si sugere fragmentação do currículo. Porém, os que defendem
como eu, a possibilidade de uma ação interdisciplinar dentro da disciplinaridade,
necessitando, no entanto, uma participação efetiva de educadores e pesquisadores das diversas
áreas do conhecimento, pressupondo a formação de uma equipe multidisciplinar.
Numa perspectiva dialética, e com base em diversos pressupostos, posso afirmar que
a interdisciplinaridade está em relação a disciplinaridade e não necessariamente em oposição.
Assim sendo, esse elemento tão polissêmico propõe-se em ser um articulador epistemológico
que perpasse de forma dialógica às diversas áreas do conhecimento.
Se por um lado, a ruptura com a organização curricular clássica em forma de
disciplinas torna-se cada vez mais condição para a existência da interdisciplinaridade, por
outro lado, compreendemos que a disciplinaridade não é a-histórica, sendo resultado de todo
um processo de construção curricular ao longo dos tempos. Portanto, pode ser entendida como
mais uma etapa no processo de construção do conhecimento escolar, contudo tomando
cuidado para não fechar-se nela com praticas curriculares fragmentadas e estanques.
A perspectiva interdisciplinar não pretende absolutizar um conhecimento
hegemônico, nem tão pouco dar conta da completude epistemológica do saber, o que seria
impossível. Busca uma visão de totalidade, ultrapassando a experiência focalista que nos
impele à disciplinaridade, tentando universalizar a prática através do diálogo entre saberes,
que nos possibilite uma percepção plural e ampliada dos tópicos do conhecimento abordados.
Aliada à concepção curricular interdisciplinar na perspectiva de assegurar uma visão
de totalidade do processo educativo e do contexto onde se está inserido, está a compreensão
da dimensão da multiculturalidade, resultante da trama de relações implicadas na composição
do real, não como justaposição de culturas, mas numa interação que garanta a liberdade e o
direito de mover-se entre elas, reconhecendo e respeitando as diferenças, sejam elas culturais,
de gênero, religiosas, regionais, etárias, etc.
45
Dentro desses pressupostos, reorientar o currículo para uma perspectiva crítica,
inclusiva e interdisciplinar, implica na reorganização do espaço - tempo escolar e no
redimensionamento das práticas socioculturais e pedagógicas, tornando-as cada vez mais
coletivas. Logo, o planejamento da instituição escolar precisa expressar bem mais do que as
atividades a serem realizadas para a “transmissão” dos conteúdos e alcance dos resultados
propostos. Precisa entender a ação educativa como processo e planejar processos implica em
mudanças nas finalidades e intenções educativas, ressignificação dos papéis e das relações
sociais dos sujeitos dos diversos segmentos da comunidade escolar, bem como a relação
destes com o conhecimento, que passa a ser construído de maneira processual, dialógica e
problematizadora, exigindo pesquisa constante.
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o
que de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de
ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da
prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que,
em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque
professor, como pesquisador. (FREIRE, 1997, na nota da p. 32):
Para Paulo Freire então, não é pertinente a figura do “professor-pesquisador”, assim
como algo dicotomizado, para ele pesquisar é um ato inerente ao ato de ensinar. Logo, a
principal metodologia de trabalho do professor é a pesquisa, a pesquisa-ação pela investigação
de sua própria práxis, envolvendo os diversos campos ali implicados: epistemológico,
sociocultural e econômico, isto é, a investigação da trama de relações que tecem a sua ação,
abrindo-lhe um “leque temático”, no dizer do próprio Freire, que lhe demanda pesquisa
constante da realidade e do levantamento do conhecimento historicamente sistematizado
sobre ela nas diversas áreas o que, por sua vez, implica na necessidade do trabalho coletivo e,
por conseguinte, na organização do tempo e do espaço escolar.
Em um esforço de síntese, posso afirmar que implementar um currículo crítico
implica em concebê-lo como uma práxis social, onde a simples seleção de conteúdos
relevantes, mesmo considerados críticos, não é suficiente para assegurar uma leitura crítica do
mundo aos educandos, recaindo sobre a formação e, por conseguinte a “performance” do
educador a responsabilidade de mediação no processo de construção do conhecimento,
tomando o diálogo como mediador das relações entre os sujeitos e os saberes, rompendo com
práticas e estruturas autoritárias, buscando uma prática dialógica e problematizadora com
perspectivas de intervenção na realidade opressora.
46
Para tanto, se faz necessário tomar um “distanciamento epistemológico”, ou seja,
olhar o contexto como um todo buscando compreender as relações que o compõe, para melhor
se aproximar da realidade vivida, desfocando e desconstruindo as situações-limite e assim,
desvelando os elementos e os conhecimentos ali implicados, convertendo a realidade em
temas-problema se configurando ela própria como organizadora curricular e não mais apenas
ilustradora de conteúdos.
Tal distanciamento, desconstrução e redução temática (conversão dos grandes temas
em temas escolares), nos permitem ter uma visão de totalidade não do processo educativo,
como das relações sociais intra e extra - escolares, incidindo sobre o planejamento e prática
curricular de forma a romper com a fragmentação e departamentalização do conhecimento,
através de uma práxis cada vez mais coletivizada, interdisciplinar e multicultural, implicando
na reorganização do espaço-tempo da escola, bem como na ressignificação de papéis dos
atores sociais implicados.
Entender o currículo de forma crítica é compreendê-lo como processo e não como
produto, e de maneira dialógica e problematizadora, exigindo pesquisa constante por parte dos
sujeitos participantes do processo educativo, bem como um diálogo permanente entre os
saberes de dentro e de fora da escola.
Políticas curriculares pautadas nesses pressupostos estão amplamente comprometidas
com projetos político-sociais que viabilizem uma qualidade social para a Educação pública,
através da gestão democrática das suas ações em diversos âmbitos, pautada na promoção de
uma educação verdadeiramente para a cidadania, mas uma cidadania inclusiva e participativa,
via democratização da educação.
No Brasil, muitos ensaios e algumas experiências concretas e significativas do
movimento de democratização da escola pública, pautadas principalmente nos pressupostos
das teorias críticas, onde se destaca a obra de Paulo Freire, que com suas vivências e reflexões
influenciou e continua influenciando o fazer pedagógico de muitas comunidades escolares no
país. Assim, apresento a seguir de forma resumida algumas idéias centrais no pensamento de
Paulo Freire, bem como as experiências no movimento das escolas democráticas no Brasil nas
ultimas décadas.
47
3– O Movimento das Escolas Democráticas de Educação no Brasil: Fundamentos e
Experiências.
1. As contribuições de Paulo Freire:
a- Paulo Freire: As Experiências Fundantes na Trama da Sua Vida.
Paulo Reglus Neves Freire, nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no Recife,
Pernambuco, uma das regiões mais pobres do país, onde se deu as suas primeiras experiências
familiares e político-pedagógicas que configuraram-se nos elementos fundantes da sua obra,
especialmente da sua “pedagogia do oprimido”.
Foi alfabetizado por seus pais, sob as mangueiras do seu quintal em Recife e
considera essa a primeira lição significativa de seu aprendizado pedagógico, pela
possibilidade de dizer a sua palavra:“As palavras com que eu comecei o meu aprendizado
eram palavras de meu horizonte, da minha experiência e não as da experiência de meus
pais”.(FREIRE, 2003, p.52).
Engajado nos movimentos de Educação Popular tomou parte, no final da década
de 50 e início de 60, nos movimentos que buscavam uma educação mais democrática no
Nordeste Brasileiro, sendo um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular do Recife.
Influenciou, entre outras ações, a campanha “De pé no chão também se aprende a ler”,
realizada no governo de Djalma Maranhão em Natal, no Rio Grande do Norte. No início de
seu trabalho em Angicos/RN (1963), esteve mais fortemente ligado ao movimento de
esquerda da ação católica, tais como a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de
Base CEB. Atuou no Serviço de Extensão Cultural SEC da Universidade do Recife com
alfabetização de adultos, onde teve a oportunidade de sistematizar o chamado “método Paulo
48
de Freire”
9
. Naquele momento, Freire havia alcançado reconhecimento nacional como um
educador comprometido com as causas sociais e voltado para uma educação verdadeiramente
popular e, em função disso, foi convidado no Governo João Goulart, a coordenar uma
campanha nacional de alfabetização. Coordenou durante alguns anos os trabalhos de
alfabetização de adultos promovidos pelo SESI – Serviço Social da Indústria, experiência essa
que, mesmo com um visível interesse por parte dos governantes de ampliar o número de
eleitores, é considerada por Paulo Freire, como decisiva em sua trajetória, principalmente no
tocante à formação dos círculos de cultura.
Interessante, no contexto da infância e da adolescência, na convivência com a
malvadez dos poderosos, com a fragilidade que precisa virar a força dos
dominados, que o tempo fundante do SESI, cheio de “soldaduras” e
“ligaduras” de velhas e puras “adivinhações a que meu novo saber emergindo
de forma crítica deu sentido, eu “li” a razão de ser ou algumas delas, as tramas
de livros escritos e que eu não lera ainda e de livros que ainda seriam
escritos e que viriam iluminar a memória viva que me marcava. (FREIRE,
1992, p.19)
Com o golpe militar de 1964, teve seus trabalhos interrompidos, por ter sido
considerado “perigoso” por sua concepção libertadora de educação, sendo acusado de
subversivo. Após muitas humilhações e 72 dias de prisão, foi exilado, indo primeiramente
para Bolívia e logo em seguida para o Chile (de 1964 a 1969), onde atuou como assessor do
Instituto de Desarollo Agropecuario e do Ministério da Educação do Chile e posteriormente
como consultor da UNESCO junto ao Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma
Agraria - ICIRA, período no qual escreveu a sua obra mais famosa e decisiva: A Pedagogia
do Oprimido, gestada durante todos os seus anos de empenho pela consolidação de uma
Educação verdadeiramente popular no Brasil e molhada das novas experiências vivenciadas
no Chile.
Partiu em seguida para os Estados Unidos (1969/1970) para dar aulas na
Universidade de Havard como professor convidado. Em seguida foi para Genebra, na Suíça,
para ser Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas,
por onde percorreu boa parte do mundo, difundindo a sua “Pedagogia do Oprimido”, obra que
no Brasil, por causa da ditadura militar instaurada no país com o golpe de 1964, pôde ser
publicada em 1975, depois de já ter sido traduzido para vários idiomas. Paulo Freire somente
9
o próprio Paulo Freire entendia tratar-se muito mais de uma Teoria do Conhecimento do que de uma
metodologia de ensino, muito mais um método de aprender que um método de ensinar
49
recebeu permissão para retornar ao Brasil no final da década de 70, voltando de fato em 1980.
Por conta das restrições da lei de anistia, não pôde voltar para o Recife, permanecendo em
São Paulo, onde atuou como professor da UNICAMP - Universidade de Campinas e na
Pontífice Universidade Católica- PUC de São Paulo - entre 1980 e 1990. Posteriormente,
assumiu a Secretaria de Educação do Município de São Paulo no período de 1989 a 1991,
durante o governo da prefeita Luiza Erundina, onde implementou diversas políticas públicas
no tocante à reorientação curricular numa perspectiva popular - e à formação continuada -
formação permanente - e valorização salarial dos professores e professoras.
A obra de Paulo Freire repercutiu e repercute pelos quatros cantos do mundo,
influenciando a práxis de inúmeros educadores dentro e fora dos espaços escolares. Foi
condecorado como cidadão honorário em rias cidades do Brasil e reconhecido e
homenageado em muitas partes do mundo, bem como outorgado Doutor honoris causa por
diversas universidades brasileiras e estrangeiras.
No dia 10 de abril de 1997, lançou seu último livro em vida, intitulado “Pedagogia da
Autonomia: Saberes necessários à prática educativa”, que consiste, de certa forma, na síntese
das experiências de sua vida. Partiu da denúncia através de uma “pedagogia do oprimido”
para o anúncio de uma outra práxis: a pedagogia da e para a autonomia. Paulo Freire faleceu
no dia 2 de maio de 1997 em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio.
b- Pressupostos de uma Pedagogia Dialógica e Crítica
Ícone dos Educadores, Paulo Freire inspirou toda uma geração de educadores
críticos. Além de professor, atuou em organizações populares, organismos internacionais e
exerceu cargos políticos em governos revolucionários. É considerado um estrategista de
alfabetização no Terceiro Mundo. Paulo Freire e seus pressupostos configuram-se num marco
na história da Educação contemporânea e, de acordo com a afirmação de Torres, “os
educadores podem estar com Freire ou contra Freire, mas não sem Freire”.(TORRES, 2003,
p.226).
Dentre os seus principais contributos, está a denúncia de uma Educação bancária
(reprodutora e instrumento de opressão) na esfera de uma sociedade calcada em relações de
50
dominação e exploração, logo opressora. Dessa maneira, elabora então a contra-imagem às
relações de opressão, ou seja, a consolidação de uma educação para a formação de uma
consciência crítica através da leitura e compreensão do mundo e das suas relações sociais,
com vistas à sua transformação. Centra-se numa educação como prática da liberdade, através
de uma pedagogia crítica de caráter sócio-histórico, intimamente ligada à Educação
emancipatória e para a mudança e transformação social. Traz como pressupostos político-
pedagógicos básicos: respeito ao saber popular, esperança, afetividade, ética, alteridade,
autonomia, emancipação, mudança/transformação, compromisso, intervenção, liberdade e
autoridade, tomada de consciência e o diálogo. Esses e outros pressupostos estão presentes em
toda a obra de Paulo Freire.
Para tanto, centrou seus esforços na denúncia e na desconstrução das estruturas
opressoras da sociedade, sedimentadas nas relações de exploração e dominação impregnadas
nas relações de classe, de etnia, sexual e de gênero. Para ele, no dizer de Torres (2003, p.
211): poucos encontros humanos estão isentos de uma certa opressão, e assim, sexismo,
racismo e exploração social, são as formas mais evidentes de dominação e opressão. Logo,
para Freire, a Educação é sinônimo de intervenção social e diz respeito à expansão da
democracia e da cidadania.
Nesse sentido, Freire o não distingue claramente educação de política, como
também não acredita numa revolução educacional sem uma revolução política. Educação para
a cidadania é parte de um projeto democrático radical e de uma educação democrática utópica
pela organização da consciência de classe dos oprimidos, visando a transformação efetiva das
estruturas de opressão: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se
libertam em comunhão”.(FREIRE, 1984, p. 27).
Concebe a Educação como prática da liberdade através de uma educação
problematizadora - a pedagogia da pergunta - onde o conhecimento media as relações
homem-mundo de forma dialógica e, por conseguinte, crítica, compreendendo o sujeito como
ser sócio-histórico e dialógico, colocando assim o “diálogo” como centro de sua obra.
Nesta perspectiva, percebemos alguns intertextos da pedagogia crítica de Freire com
alguns fundamentos da teoria crítica difundida na Escola de Frankfurt no início do século XX
que, calcada na tradição Marxista, consiste numa abordagem humanista e antipositivista
baseada na relação dialética entre ação e estrutura social. Apoiada em Carlos Alberto Torres
posso arriscar dizer que, a pedagogia crítica tem sua matriz filosófica e sociológica nas teorias
críticas, porém com restrições:
51
a classificação de Freire nestes termos [teoria crítica] se afigura mais
problemática, pois as suas origens encontram-se na teoria social brasileira e
em problemas específicos da Educação. Contudo, a utilização freqüente do
termo pedagogia crítica por parte daqueles que se apropriaram da pedagogia
de Paulo Freire em contextos exteriores à América Latina, sugere a
existência de uma afinidade. A referência à relação entre teoria crítica e
educação encontra-se inevitavelmente associada à pedagogia crítica, que
significa atualmente muitas coisas diferentes. Para nós, refere-se
fundamentalmente a um modo de designar o conjunto de trabalhos
influenciados por Paulo Freire.
(TORRES, 2003, p.243).
Com base nesses comentários, além dos depoimentos do próprio Freire (FREIRE,
2003, p. 62), posso afirmar que os filósofos das teorias críticas, bem como outros pensadores
críticos, tais como: Frantz Fanon, Albert Memmi, Lev Vygotsky, Antonie Gramsci e o próprio
Karl Marx, entre outros, influenciaram o pensamento de Paulo Freire e lhe possibilitaram,
juntamente com leitura constante do mundo e seus novos padrões sócio-político-econômico-
sociais, reformular as suas idéias sobre Educação, ao longo de sua existência:
O que me fascina ao ler bons livros é descobrir o momento em que o livro me
possibilita ou ajuda a melhorar o entendimento da realidade (...) Mas o
processo de realidade no qual estamos envolvidos exige, sem dúvida, um
certo entendimento teórico daquilo que está acontecendo na realidade. Ler os
livros faz sentido para mim, na medida em que os livros têm a ver com essa
leitura da realidade. (FREIRE, 2003, p.58).
As experiências pedagógicas de Paulo Freire ocorreram em um determinado contexto
sócio-histórico-cultural e econômico vigente na década de 60. No entanto, os seus
pressupostos encontram eco nos governos progressistas atuais, em geral de partidos políticos
de esquerda, considerados progressistas e que ocuparam nas últimas décadas as esferas
públicas, quer seja Estadual ou Municipal, implementando políticas públicas educacionais na
perspectiva de conseguir resultados semelhantes, ou seja, a consolidação de uma educação
para todos e a configuração da educação como princípio de inclusão social.
c. Movimento das Escolas Democráticas: as experiências no Brasil
52
diversas experiências de escolas democráticas públicas e particulares no mundo
inteiro no decorrer da historia da educação, nos últimos séculos. As mais conhecidas são:
Yasnaia Poliana (1857-1960), na Rússia, liderada por Leon Tolstoi e voltada para filhos de
camponeses; Lar das Crianças (1912-1942) na Polônia coordenada por Janusz Korczac para
crianças judias e algumas contemporâneas, tais como: Summerhill na Inglaterra (1912 até os
dias atuais) SudBury Valley School nos Estados Unidos (1968 até hoje) e a Escola da Ponte
em Portugal. Também no Brasil tivemos várias iniciativas como a Escola Lumiar (Campos do
Jordão/ São Paulo) que rompe com padrões e normas convencionais de funcionamento tais
como horários de entrada e saída, período letivo e de férias flexível.
Experiências democráticas e inovadoras no âmbito do ensino formal e blico
também fazem parte da história recente do país. Em meio à diversas políticas de inclusão,
foram implementadas no Brasil algumas políticas públicas educacionais no âmbito Municipal
e Estadual e até Federal por projetos político-pedagógicos nos moldes do que se
convencionou chamar de Movimento das Escolas democráticas e que experienciaram
concretamente em seus espaços escolares, ações de formação para a cidadania de forma
inclusiva e participativa.
Podemos destacar experiências como: Escola Candanga DF (1995 1998), Escola
Plural MG (1994-2002), Escola Cidadã -RS (1995-2004) e Escola Cabana Belém-Pa (1997
2004), entre outras, que possuem como eixo comum a concepção de uma educação
dialógica, crítica e inclusiva, através de ações como a reorganização do tempo escolar de
séries para ciclos quer sejam de alfabetização, básicos ou de formação e a ruptura com a
avaliação classificatória, somativa e competitiva para a implementação de um sistema de
avaliação diagnóstica e formativa.
Outra característica em comum entre as ações implementadas nas escolas
democráticas supracitadas é a descentralização e democratização da gestão administrativo-
pedagógica visando a horizontalidade do poder e das competências, buscando assim uma
visão integral e integradora da escola pela construção de objetivos comuns, impulsionando
ações coletivas em todos os âmbitos da política educacional.
As tomadas de decisão devem ser frutos das discussões coletivas, garantindo assim,
um planejamento participativo. As dificuldades, incertezas, contradições, tensões são
entendidas como parte do processo e devem ser superadas no espaço das problematizações e
53
negociações com vista à construção de consenso (ou bom senso) capazes de contemplar os
interesses coletivos.
Essas escolas que se propõem a serem democráticas e populares, intencionam
assumir um papel revolucionário, primando por uma educação para todos na perspectiva da
inclusão social, pela apropriação devida e significativa dos saberes historicamente
acumulados pela humanidade e ressignificados na compreensão crítica e vivência do mundo
real, desvelando as diversas tramas que compõem a sua complexidade. Para tanto, cada
experiência se valeu de estratégias de organização curricular que aproximasse o conhecimento
escolar com o conhecimento vivido, tais como: eixos-temáticos, complexos temáticos ou tema
gerador. Este último consiste no objeto de investigação da presente pesquisa.
Independentemente da forma de organização curricular adotada, o conhecimento é
visto como uma construção de saberes e sentidos, baseada nas interrelações entre os diversos
sujeitos que compõem a comunidade escolar: educadores, educandos, pais, funcionários,
movimentos sociais, etc. Todos e todas são considerados portadores e produtores de saberes
relativos às suas experiências e formações; baseia-se também na leitura e releitura constante e
crítica do mundo e seus acontecimentos. Assim, numa relação dialógica, a escola supera a
perspectiva de local de reprodução do saber para ressignificar-se em espaço de socialização e
produção de conhecimento. Neste sentido, tanto o professor quanto o aluno passam a ser
sujeitos no processo de construção do conhecimento e mediadores um do outro no acesso e na
produção deste conhecimento.
Acompanhando toda essa reestruturação no espaço escolar, é imprescindível a
valorização do corpo docente, quer seja através da recuperação salarial e/ou de uma formação
continuada e permanente para os seus professores e professoras.
As escolas democráticas buscam o rompimento com a estrutura e organização
educacional opressora e alienante, amplamente praticadas ao longo da historia da educação
brasileira e por vezes ratificadas pelas políticas e documentos oficiais, tornando-o
hegemônico e dominante. Tal modelo educativo, tradicional e reprodutivista, foi sintetizado
por Helena Singer
10
(2003):
MODELO EDUCATIVO DOMINANTE
10
Diretora de Educação da Fundação Semco e doutora em Sociologia pela USP
54
Objetivo geral
Perpetuar a sociedade que o criou, tornando-se uma força contra
a qual qualquer resistência implica dissidência (moralização).
Objetivo específico
Preparar a criança para o esforço e a dor, para a máxima eficácia
física e psíquica
Instrumento
A escola
Definição de escola
Sistema de regras que predeterminam a conduta, pelo controle
ininterrupto e minucioso das operações do corpo e pelos exames
que permitem comparar, medir e avaliar (docilidade/utilidade).
Dispositivo
Disciplina o respeito à regra é garantido como dever (a criança
sente-se culpada pela falta cometida)
Papel do professor
Autoridade que garante o cumprimento das regras inspeciona,
controla, vigia e ensina as crianças a avaliarem suas faltas.
FIGURA 01- QUADRO 01: MODELO EDUCATIVO DOMINANTE
Este modelo traz agregado consigo alguns limitadores para a prática pedagógica
cotidiana, tais como projetos pautados no âmbito das concepções e não da práxis pedagógica e
sua problematização, gerando assim perspectivas generalistas, desvinculando com isso a
gestão escolar da prática curricular. A formação dos educadores voltada para eventos, oficinas
preocupadas com o “como fazer” sem, contudo, acompanhar, discutir e intervir na sua prática
pedagógica cotidiana.
Os conteúdos escolares são entendidos como produtos isolados, verdades absolutas e
neutras, dissociando processo de produto, método de conteúdo, desconfigurando o processo
de construção do conhecimento que passa a ser estanque e sem significado e reduzindo assim
o processo ensino aprendizagem a práticas estritamente cognitivistas e fragmentadas
destituídas de análises sociais mais amplas e críticas e que acabam por configurar-se em uma
formação escolar reprodutivista e homogeneizadora.
Como contra-imagem desse modelo educacional hegemônico, positivista, autoritário,
discriminador e reprodutor, surge então um outro modelo opositor ao modelo dominante,
conhecido como democrático e progressista, que questionando os efeitos perversos do modelo
tradicionalmente praticado, vai em direção ao anúncio de uma outra prática, pautada no
diálogo e na inclusão social, visando a formação da autonomia de pensamento do sujeito, bem
como, o seu engajamento e responsabilidade social.
Trata-se uma proposta pautada numa política educacional, instituinte e participativa,
articulando gestão democrática e reorientação curricular como práticas pedagógicas
55
comprometidas com a qualidade social da Educação, estabelecendo relações orgânicas entre
escola, comunidade, movimentos sociais e órgãos oficiais com a perspectiva de transformação
da realidade concreta:
MODELO EDUCATIVO DEMOCRÁTICO
Objetivo geral
Transformar a sociedade
Objetivo específico
Tornar a criança apta a assumir responsabilidades, tomar
decisões, aprender qualquer ofício, desenvolver suas
habilidades.
Instrumento
Centros de aprendizado
Definição de
centros de
aprendizado
Locais de socialização, onde se disponibilizam fontes de
conhecimento e oportunidades de participação ativa na
gestão.
Dispositivos
Assembléias gerais e comitês
Papel do educador
Orientar os educandos na medida em que demonstrem
necessidade
FIGURA 02- QUADRO 02: MODELO EDUCATIVO DEMOCRÁTICO
Tal modelo toma por inspiração uma práxis pedagógica crítica, popular, participativa
e transformadora que viabilize e seja viabilizada por uma política de democratização da escola
pública, que por sua vez, pauta-se em diretrizes como a democratização do acesso e
permanência com sucesso na escola, a democratização da gestão da política educacional e
ainda uma reorientação curricular que vincule efetivamente escola e vida, viabilizando assim,
uma qualidade social para a educação pública.
Logicamente, não podemos reduzir uma discussão tão complexa a modelos binários
que encerrem as características das práticas pedagógicas praticadas ao longo dos últimos anos
56
no Brasil. As políticas educacionais democráticas nos mostram que é possível, dentro da
educação formal, criar um ambiente participativo, cooperativo e crítico, com vista à formação
do educando para uma cidadania ativa, fomentando assim a base para uma sociedade futura,
mais propositora, democrática e cidadã. Não podemos esperar que primeiro a sociedade se
mostre mais cidadã, para depois ensinarmos cidadania. A escola, em especial a pública,
precisa assumir a sua função social integradora e transformadora das condições
antidemocráticas na escola e na sociedade.
Nesta perspectiva, tornam-se extremamente relevantes as propostas inovadoras
vivenciadas, não podendo ser entendidas como experiências isoladas e individualizadas e sim
valorizadas como práticas políticas coletivas e contextualizadas, capazes de introduzir e
demandar novas práticas e fomentar uma nova ordem educacional.
Tomemos de perto uma dessas experiências mais recentes que se deu em Belém do
Pará, e na qual pude contribuir na função de assessora técnico-pedagógica das escolas durante
os anos de 1997 a 2003. Trata-se do projeto político-pedagógico da Escola Cabana, que
ocorreu durante o governo do prefeito Edmilson Rodrigues do Partido dos Trabalhadores -PT
(Frente Belém Popular) de 1997 a 2004.
Implementou-se como política pública municipal de educação os pressupostos de
uma escola inspirada no ideal da luta pela inclusão social fomentada na revolução histórica da
Cabanagem ocorrida no Pará no século XIX, onde as minorias: negros, índios e outros
homens e mulheres marginalizados da época, se uniram para lutar contra os interesses de
exploração e exclusão dos poderosos que lhes oprimiam. Logo, a Escola Cabana traz como
princípio maior e norteador de suas ações, a inclusão social e a participação popular, calcada
em diretrizes como: a democratização do acesso e permanência com sucesso, a valorização do
servidor, a gestão democrática e a qualidade social da Educação.
Nesta última diretriz encontram-se, entre outras ações, a reorganização do tempo
escolar em ciclos de formação, avaliação processual e emancipatória, bem como um
movimento de reorientação curricular via tema gerador que, pautada nos pressupostos
freireanos, propõe uma relação indissociável entre escola e vida através da produção do
conhecimento a partir da problematização da realidade vivida, isto é, parte das “situações-
57
limite”, para tentar chegar ao “inédito viável”, como nos diria Paulo Freire (1984), ou seja,
sendo e permitindo ao outro ser.
Conheçamos então os pressupostos que nortearam a estrutura e o funcionamento da
Escola Cabana em Belém do Pará
CAPÍTULO 2: ESCOLA CABANA: TENTATIVAS E MUDANÇAS
1 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA CABANA:
Documental e Memorial
Em Belém, Estado do Pará, em plena Amazônia, vivenciamos um momento de
tentativa de inversão de prioridades em favor do social, em função da gestão do poder
Municipal desde 1997, por um governo popular que objetivava, através de diversas políticas
públicas, reverter ou minimizar situações de exclusão nos diversos setores da sociedade local.
Tendo como característica primeira um governo popular e participativo, intencionou
inaugurar em Belém uma nova forma de governar, pautada na gestão democrática organizada
principalmente através do orçamento participativo, que se transformou posteriormente no
Congresso da Cidade
11
, que demandava e era demandado pelos diversos setores da sociedade.
Como política pública educacional, trousse um projeto político-pedagógico
denominado ESCOLA CABANA- a exemplo de outros projetos de governos populares que
traçaram propostas mais democráticas para a Educação, consideradas inovadoras no Brasil, e
que já citei anteriormente, tais como: Escola Plural - MG, Escola Cidadã - RS, Escola
Candanga - DF, entre outras - que trazem como princípio maior, a inclusão social pautada na
construção de uma qualidade social para a Educação Municipal.
A Escola Cabana é herdeira e guardiã do ideal de inclusão social defendido
fortemente na revolução histórica do Movimento da Cabanagem no século XIX que se deu no
11
Forma de organização proposta pelo Governo Municipal contando com a participação de
delegados eleitos por seus pares e oriundos de bairros e setores diversos da sociedade como:
movimento negro, indígenas não aldeados, movimento de mulheres, homossexuais e etc.
58
Pará, cuja imagem permanece fortemente presente no imaginário do povo paraense, onde
excluídos e marginalizados da época, as minorias: brancos pobres, negros, índios e mulheres
juntaram suas forças e suas dores e tomaram, mesmo que provisoriamente, o poder. Nesta
perspectiva, A Escola Cabana, que consiste na política pública municipal de educação para a
cidade de Belém, já nasce inclusiva no seu ideário pedagógico.
Tem suas bases fundadas na proposta Freireana de uma educação Dialógica, crítica e
emancipatória. Neste sentido, pressupõe uma ressignificação da própria função social da
escola que precisa configurar-se enquanto espaço de direito de acesso a uma educação de
qualidade, percebendo-se enquanto locus de encontro de saberes e assim produtora de cultura
e construtora de conhecimento através das ações de seus atores sociais, concorrendo para o
desenvolvimento de uma aprendizagem crítica e significativa e de forma acolhedora,
prazerosa, afetiva e participativa, capaz de consolidar, em consonância com seu projeto
político-pedagógico, ações que promovam a democratização do acesso, bem como a
permanência e a aprendizagem a todos, em especial para aqueles que historicamente vêm
sendo ainda mais excluídos pelo sistema: crianças em situação de risco, que apresentem
dificuldades de aprendizagem, que encontrem-se e distorção idade/ciclo; Pessoas com
deficiência; jovens e adultos trabalhadores, homossexuais, entre outros.
Esta forma inclusiva e ousada de educar para e pela cidadania consiste numa
inovação educativa, construída democraticamente num processo de discussão com o coletivo
da RME. Teve início oficial em 1998, quando seus principais pressupostos de organização e
funcionamento foram aprovados na Conferência Municipal de Educação, por
representantes dos diversos segmentos que compõem a Rede Municipal de Educação e a
sociedade civil organizada, que delinearam seus princípios e diretrizes que nortearam todo o
funcionamento da Escola Cabana. Toma como princípio o ideal já tão difundido da inclusão
social viabilizado através de políticas de acesso e permanência com sucesso para todos,
garantindo direitos e sinalizando para a construção de uma cidadania crítica e participativa:
a- PRINCIPIOS DA ESCOLA CABANA
Inclusão Social;
Construção de uma cidadania crítica e participativa.
A escola Cabana, projeto político-pedagógico que se traduziu na políticas pública
no campo da educação municipal, veio se consolidando desde 1997, através de um esforço
59
conjunto do poder público e da sociedade civil organizada que tem no segmento de
educadores/as uma das mais vigorosas expressões.
A política educacional que se desdobra nos projetos político-pedagógicos de
cada Escola de Ensino Fundamental e Unidade de Educação infantil da rede
municipal, faz parte de um movimento coletivo que constrói diariamente a
escola pública municipal de Qualidade social como espaço cultural do
cidadão, valorizando os diversos saberes sócio-culturais que se interpenetram
na construção e ação do currículo escolar, articulando-os com os saberes
historicamente acumulados para a geração de novos conhecimentos.
Professores/as e alunos/as são sujeitos construtores desse conhecimento que se
articulam a outros instrumentos político-pedagógicos na formação da
cidadania crítica e participativa com vistas à inclusão social.
(MEDEIROS, 2004)
12
O funcionamento administrativo da Secretaria pautou-se num processo de diálogo
permanente e coletivo em várias instâncias micro e macro, que iam das horas pedagógicas e
Conselhos de Ciclos nas escolas, ao Congresso da Cidade que, por sua vez, demanda e é
demandado pela escola. O maior diferencial da Escola Cabana consiste na concretização das
ações concebidas nas diretrizes construídas que passam por políticas públicas, ações e
projetos que consolidam as diretrizes da Proposta Cabana e a aproximam do ideal de inclusão
intencionado como poderemos perceber a seguir:
b- .DIRETRIZES DA ESCOLA CABANA
Democratização do acesso e permanência com sucesso
Ampliação de vagas na RME: construção de novas escolas e reformas das já pertencentes
a rede, extensão do atendimento com a criação de anexos pedagógicos na região das ilhas,
incorporação das creches enquanto Unidades de Educação Infantil assegurando o
atendimento das crianças nesta faixa etária.
Programa Bolsa Escola: bolsa + formação profissional para os pais no esforço de tirar a
criança da rua e garantir a sua presença efetiva na escola ;
Políticas para a Educação de Jovens e adultos: PROALFA (1997/2000), MOVA
(2001/2004), implantação das Totalidades no ensino regular noturno;
Inclusão das Pessoas com deficiência: escola inclusiva em turmas regulares com avaliação
e acompanhamento especializado;
Ações de esporte, Arte e Lazer: Escolas de Esporte, Oficinas nas diversas linguagens
artísticas, Esporte e Lazer comunitário dentro e fora da escola.
Programa Belém Criança: assistência social e de saúde às crianças.
12
Trecho de documento oficial de apresentação da Escola Cabana assinado por Luciene
Medeiros, que foi Secretaria Municipal de Educação de Belém-Pa no período de 1999 a 2004.
60
Distribuição de material didático básico para os educandos/as para garantir as suas
condições de estudo.
Gestão Democrática
Eleição direta para direção e Conselhos Escolares e democratização de indicação,
quebrando restrição de candidatura a pedagogos.;
Recomposição e ressignificação dos Conselhos Escolares, com programa de formação
para os conselheiros e acompanhamento ás escolas,com vista a sua legalização.
Conselhos de Ciclo: avaliação institucional. participação de pais, alunos e
professores;
Jornadas pedagógicas, Fóruns e Conferências e Congressos Municipais de Educação.
Realização de Congressos setoriais (das crianças, educadores, movimentos sociais,
etc) e Congresso da Cidade como instancia maior.
Valorização Profissional dos Educadores
Formação Continuada: através de encontros e eventos de estudos e discussões e
encaminhamentos para o ensino das disciplinas, pautados nos novos paradigmas para
as diversas áreas do conhecimento;
Criação da hora pedagógica semanal do professor, prevista em sua jornada de
trabalho, onde em sistema de rodízio, os professores podem reunir com seus pares para
estudos, planejamentos e encaminhamentos de atividades, enquanto seus alunos
encontram-se envolvidos em outras atividades;
Recuperação salarial sem perdas no período e garantia de direitos básicos do servidor.
Qualidade Social da Educação
Reorganização da escola: ruptura com o sistema seriado e a avaliação classificatória, para
organização em Ciclos de Formação, bem como uma avaliação processual e
emancipatória que respeite os ritmos de aprendizagem diferenciados;
Turmas de aceleração para alunos com distorção idade/ciclo.
Reorganização Curricular: reorganização do modelo curricular, primando por uma relação
de maior eqüidade na distribuição do tempo entre as diversas áreas do conhecimento,
numa perspectiva interdisciplinar;
Reorientação curricular via trabalho com Tema Gerador: partindo das situações-problema
da comunidade exercitando a percepção e contextualização do real, através da pesquisa
participante, do trabalho coletivo objetivando a construção de conhecimentos
significativos: conteúdos máximos, estabelecendo uma relação dialógica entre os saberes
populares x saberes escolares.
61
Esta última diretriz compreende, dentre outras ações, o movimento de reorientação
curricular para a RME, que traz como fundamentação teórica os pressupostos de Paulo Freire,
num enlace indissociável entre escola e vida, partindo das situações problemas vivenciadas
pela comunidade intra e extra escolar, resignificando assim a função social da escola enquanto
produtora de saberes que instrumentalizem os sujeitos envolvidos para superação dos seus
limites explicativos e apontem possíveis intervenções na realidade vivida.
2 – EM BUSCA DE UMA QUALIDADE SOCIAL PARA A EDUCAÇÃO:
REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR
a- Pressupostos filosóficos e metodológicos
A Secretaria Municipal de Educação de Belém- SEMEC em seu processo de
reorientação curricular que ocorreu no período de 2000 a 2004, realizou diversas ações na
tentativa de aproximar o fazer pedagógico da compreensão do currículo como construção
social, tecido por um conjunto de práticas sócio-culturais que se interrelacionam no
espaço/tempo escolar, evidenciando a possibilidade de uma construção coletiva e participante,
através de um processo de intervenções concretas que fomentem uma transformação social
efetiva. Concebendo a Educação como uma totalidade social, inserida no tecido cultural mais
amplo e complexo.
Além dos estudos e discussões coletivas entre técnicos e educadores da rede, a
SEMEC recorreu ainda à consultoria de alguns Professores/pesquisadores tais como: Antônio
Fernando Gouvêa da Silva (São Paulo), Marcos Mello (Rio Grande do Sul) e Leusa Passamai
(Santa Catarina) que, em função de seus estudos e vivências com o tema gerador, nos
ofereceram suporte teórico-metodológico para uma construção social do conhecimento,
partindo de suas experiências na atuação como assessores pedagógicos no processo de
reorientação curricular de suas respectivas Secretarias de Educação e, posteriormente, como
consultores de diversas prefeituras populares. Desse modo, aprofundaram seus estudos acerca
da possibilidade de uma reorganização curricular através da proposta de um currículo
interdisciplinar via tema gerador, sistematizando trilhas teórico-metodológicas do trabalho
62
com as redes temáticas, a partir dos pressupostos de Paulo Freire registrados em Pedagogia do
Oprimido.
O Projeto Interdisciplinar, via Tema Gerador - referência básica para todos os
movimentos de reorientação curricular que acompanhei e acompanho nos diferentes
municípios e Estados - toma como referência organizacional as quatro etapas propostas por
Freire (1988). Parte de uma investigação temática realizada por uma equipe interdisciplinar
que tem início com o reconhecimento e o levantamento preliminar dos dados da localidade (1ª
etapa), propiciando a escolha de situações que revelam contradições a serem codificadas (2ª
etapa); uma fase é caracterizada pelos “diálogos decodificadores” com a comunidade, nos
“círculos de investigação temática”, com a identificação de “temas geradores”; e, por último,
uma etapa em que a equipe investigadora começa um estudo interdisciplinar e sistemático
do levantamento realizado, desencadeando um processo de “redução” dos temas para a
elaboração do programa a partir de material pertinente previamente selecionado. (SILVA,
2004, p. 413)
Em Belém, durante os anos de 2000 a 2004, diversas escolas municipais vivenciaram
a reorientação do seu currículo através do trabalho interdisciplinar com o tema gerador,
partindo das situações problemas em cada bairro, rua, efetivando na prática a leitura do
mundo que as cercam. Promovendo dessa maneira, uma aprendizagem mais significativa do
conhecimento, e não somente para educandos como também para os educadores, mediada
pela pesquisa e diálogo entre os saberes populares e escolares, que revelem dialeticamente, as
contradições sócio-histórico-cultural e econômicas da sociedade.
É importante reenfatizar que o “tema gerador” não se encontra nos homens,
isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos homens.
pode ser compreendido nas relações homem-mundo. Investigar o “tema
gerador” é investigar, repitamos o pensar dos homens referido à realidade, é
investigar o seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis. (FREIRE, 1983,
p.115)
A reorientação curricular via tema gerador é um outro movimento de currículo
diferente da concepção e organização do currículo padrão, praticado nas diversas redes de
ensino, legalizado e legitimado pelo Ministério da Educação - MEC através de seus
programas oficiais, que se pauta na simples tradição seletiva” dos conteúdos, como nos diria
Michael Apple, encerrando-se nela. Seu objetivo maior é quebrar a dissociação entre o
conhecimento escolar e cidadania, compreendendo a escola como construtora/produtora de
conhecimento, primando pela tomada de consciência dos sujeitos envolvidos nas situações
problemas, pelo desvelamento das amarras estruturais que condicionam as situações-limite,
63
através de uma abordagem interdisciplinar e dialógica dos tópicos do conhecimento que
compõem o currículo escolar.
Consiste numa intervenção pedagógica emancipatória que parte dos conflitos, das
situações problemas vividas e percebidas numa concepção crítica e dialética do
conhecimento, buscando referenciais epistemológicos supradisciplinares, que vão para além
dos saberes escolares. Rompe com práticas tradicionais do currículo advindas da “tradição
seletiva” dos conteúdos, com a supremacia do livro didático como organizador curricular,
com lógicas como linearidade e hierarquização entre conteúdos, com a idéia de um currículo
prescrito e outro oculto, com a idéia de departamentalização e fragmentação do conhecimento
e ainda com a supremacia dos saberes escolares sobre os saberes populares, redimensionando
assim a própria cultura escolar. A construção da cidadania se dá na relação com o outro,
enquanto sujeito e com o objeto do conhecimento.
Diferencia-se de outras formas alternativas de organização curricular, tais
como eixo temático ou “pedagogia de projetos”, por manter permanentemente uma visão de
totalidade do conhecimento, em todas as suas etapas, proporcionando assim uma relação
eminentemente interdisciplinar e dialógica entre as suas diversas áreas. Pauta-se numa
compreensão múltipla da realidade para organizar as suas programações didático-
pedagógicas, dentro de um planejamento participativo realizado a partir das intencionalidades
coletivas explicitadas no projeto político-pedagógico da escola, evidenciando assim, os
critérios de seleção dos conhecimentos sistematizados e das metodologias de trabalho.
O trabalho com o tema gerador configura-se numa concepção/organização de
currículo capaz de promover uma percepção ampla e contextualização do real, através da
construção de Rede Temática, ou seja, rede de relações que estabelece conexões em nível
local, micro e macro, que por sua vez é construída a partir de pesquisa participante (sócio-
antropológica), realizada em cada espaço educativo para investigação e análise de suas
situações problemas, bem como para diagnosticar os conhecimentos ali implicados.
Tudo isso num trabalho eminentemente coletivo, que prima por (re) tornar os
conhecimentos significativos que não se limitem em conteúdos mínimos, mas que avancem
para conhecimentos máximos ancorados no real, que proporcionem aos educadores e
educandos uma relação mais dialógica entre saberes populares x saberes escolares, apontando
para uma construção social do conhecimento. O redirecionamento interdisciplinar do trabalho
com o tema gerador visa: “Estabelecer relações entre conceitos epistemológicos ee utilizar o
64
contexto sócio-histórico como referência para o processo de desenvolvimento e
aprendizagem”.(SILVA, 2001, p.81).
Tal proposta estabelece uma relação mais interativa entre currículo e realidade,
tornando significativo para o educando o estudo dos conteúdos escolares trabalhados, uma vez
que esses partem diretamente das situações vividas e percebidas e não apenas imaginadas de
forma abstrata e descontextualizada. Desta forma, consiste também num desafio a educandos
e educadores que precisam estar envolvidos numa formação contínua, constantemente
alimentados por um processo de investigação e análise crítica do real, ou seja, por uma
permanente leitura crítica do mundo.
Estes temas se chamam geradores porque, qualquer que seja a natureza de sua
compreensão como ação por eles provocada, contém em si a possibilidade de
desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas
que devem ser cumpridas.
(FREIRE, 1983, p.110)
Segundo Silva (2001), no trabalho com a proposta de reorientação curricular
interdisciplinar via tema gerador, cada grupo ganha características próprias no seu fazer
pedagógico. No entanto, pressupostos filosóficos e metodológicos comuns, tais como:
tomar a realidade como ponto de partida, primar pelo trabalho coletivo e analítico pautado na
rede temática e a organização metodológica de todos os momentos da prática pedagógica de
forma dialógica.
Há também passos comuns nos momentos organizativos da prática:
Levantamento da realidade local: Geralmente através de uma pesquisa sócio-
antropológica e dos testemunhos de alunos e pais, evidencia diferentes visões de
mundo, interrelaciona dados, analisa e contextualiza coletivamente os fenômenos
locais, explicita contradições e as analisa a partir do referencial das áreas do
conhecimento, gerando conteúdos escolares.
Retirada dos temas geradores/contratemas: parte do levantamento e análise dos
limites explicativos da comunidade contidos nas falas significativas, contrapondo com
a visão dos educadores que aparece como contratema, seguida da montagem da rede
das falas selecionadas, configurando uma teia social conjuntural.
Redução temática: as questões geradoras, ou a problematização da rede temática,
objetivam nortear o trabalho dos educadores, viabilizando a programação curricular
propriamente dita.
65
Observe o quadro a seguir que contém a trilha metodológica proposta para o trabalho com
tema gerador em Belém.
Atividade Detalhamento
Pesquisa Sócio-
antropológica
Visitas às casas, entidades, comércios, para ouvir a comunidade e levantar
dados;
Análise e Seleção das Falas
significativas
Falas que possibilitem perceber o conflito, a contradição social e, sobretudo que
expressem visões de mundo - apresentem um limite explicativo;
Tema Gerador
Visão da comunidade e dos alunos em relação à problemática;
Contra tema
Visão dos educadores, explicação do problema através do conhecimento
produzido historicamente;
Rede Temática -
Denúncia da realidade, estabelecendo as relações da realidade local com a
estrutura social mais ampla (micro x macro);
Redução Temática Questões geradoras: Problematização da visão do mundo da comunidade com a
dos educadores e levantamento de dúvidas, a fim de superar a visão “ingênua”
de comunidade;
Planejamento curricular
propriamente dito
Seleção dos tópicos do conhecimento historicamente produzidos.
Planejamento de aulas: intencionalidade, estudo da realidade, organização e
aplicação do conhecimento;
Avaliação coletiva do
processo e replanejamento
Retroalimentação.
FIGURA 03- QUADRO 03:RESUMO DA METODOLOGIA DO TEMA GERADOR
A maior parte destes termos fazem parte do universo vocabular freireano, porém
ganharam novas acepções diante do olhar interpretativo dos pesquisadores supracitados,
convertendo-se em novas categorias.
O ideário da proposta interdisciplinar de um currículo viabilizado pelo tema gerador
é ver o espaço social escolar transformado na medida em que a prática pedagógica for
entendida como prática social e histórica, onde é restituída aos indivíduos a sua condição de
sujeitos de suas práticas, redimensionando as relações e compondo uma epistemologia social
66
marcadamente contra-hegemônica, comprometido com a fomentação de uma nova ordem
sócio-cultural-econômica mais democrática e cidadã calcada numa educação emancipatória e
humanizadora.
O currículo via tema gerador pode ser entendido como uma organização plural,
comprometida com a ressignificação da escola enquanto espaço de construções e produções
coletivas de resistência e organizadora de práticas críticas. Nesta perspectiva, a gestão
democrática torna-se mais que um direito, uma necessidade pedagógica acompanhada de uma
formação político-pedagógica processual e contínua para os sujeitos envolvidos,
principalmente para os educadores, na sua maioria acostumados à reprodução do livro
didático, sem grandes reflexões acerca da seleção de tópicos do conhecimento sistematizado
mais pertinentes à realidade vivida e percebida.
A questão é que os livros didáticos por sua própria natureza, são em geral
justaposição de conteúdos, sem dialogicidade. Estão cheios de contratemas, porém
desvinculados das reais situações problemas vivenciadas pelos educandos, permitindo assim
ao educador e educandos, no máximo aproximações superficiais e genéricas, sem
contextualização. Desta forma, é imperioso a necessidade de inverter a relação entre sujeito e
conhecimento, onde este último precisa estar à disposição dos sujeitos e não submetê-los a
conteúdos pré-estabelecidos.
Neste sentido, a pesquisa enquanto princípio educativo torna-se a principal ação
educativa, na perspectiva de romper com o paradigma da reprodução em função de uma
construção social do conhecimento de forma participativa e crítica.
Os próprios educadores constroem o seu material didático, analisando e
sistematizando dados, tomando a realidade local (micro-estrutura) como ponto de partida,
contextualizando-a e relacionando-a com a macro estrutura social. Praticando assim, um
currículo processual, fundamentado em diálogos epistemológicos, problematizadores e
interdisciplinares.
O início do trabalho se dá com a realização de uma pesquisa qualitativa participante,
de caráter sócio-antropológico, organizada pela escola e em geral envolvendo representantes
dos diversos segmentos da comunidade escolar. Na maioria das vezes toma como
instrumentos de coletas de dados, questionários ou roteiros de entrevistas para as visitas a
campo pelas ruas do entorno da escola, cujo objetivo é o de “ouvir” o outro e de conhecer de
perto os problemas que mais afligem os moradores do bairro.
67
Tais visitas e falas dos colaboradores são registradas pelas anotações dos
pesquisadores ou por recursos como gravadores, filmadoras, máquinas fotográficas, entre
outros. Não se trata apenas de querer conhecer a realidade, mas banhar-se dela para investigar
os conteúdos ali implicados e as suas possíveis contribuições para a melhoria da qualidade de
vida dos moradores.
É claro que quando se vai para a pesquisa de campo se têm hipóteses acerca das
principais problemáticas enfrentadas no bairro. Porém, a qualidade da pesquisa está mais nas
surpresas que nas confirmações. A problemática precisa ser aquela manifesta na opinião do
outro e não predição da nossa. No entanto, não podemos nos restringir às falas descritivas
apenas, que pouco acrescentam ao entendimento dos fatos, mas por conceber
etnometodologicamente os sujeitos como usuários competentes de suas práticas sociais,
capazes de objetivar a sua realidade, precisamos atentar para as falas de caráter analítico ou
propositivo. As falas significativas são assim chamadas por denotarem os sintomas da dor,
gerada pela estrutura opressora da sociedade.
Assim, são estabelecidos critérios por cada grupo de pesquisadores após a coleta de
dados para seleção coletiva das falas mais significativas, em geral em função da recorrência
da problemática e da visão de mundo embutida. Procura-se privilegiar falas que sintetizem as
concepções de mundo, as contradições sociais explicitadas e o limite explicativo dessas
visões. Uma vez selecionadas, as falas mais significativas são dispostas em uma rede de falas
que representam a análise de conjuntura da realidade local realizada por aquela comunidade.
Uma vez selecionadas as falas, vem a hora da retirada do tema gerador, ou seja, da
fala mais ampla e que faz interfaces com todas as outras que é disposta no centro da rede
interligando-se com todas as problemáticas representadas.
Vejamos como todos esses elementos postos interagem no gráfico de representação
da Rede Temática construída pela comunidade de uma escola municipal:
68
FIGURA 04- ILUSTRAÇÃO 01: REDE TEMÁTICA DA E.M. AMÁLIA PAUMGARTTEN
Na experiência da E.M. Amália Paumgartten a fala significativa considerada de
maior amplitude foi As vezes gang e muitos lixos na rua,segurança e limpeza(falta de união
da comunidade’. Tal fala sintetiza as maiores problemáticas vividas pela comunidade:
violência, falta de saneamento e segurança e inércia da comunidade diante dos fatos. As
demais falas significativas acabam relacionando-se com estas categorias destacadas, gerando
uma teia, uma rede temática.
Após a retirada da fala síntese, isto é, do tema gerador, os educadores tentam
desconstruir e desvelar coletivamente o limite explicativo daquela fala, elaborando o seu
contraponto analítico, ou seja, o contratema. No exemplo acima o contratema elaborado pelos
educadores aponta para a desconstrução da situação-problema apostando na força da
organização popular. Se o tema gerador é o ponto de partida, o contratema consiste na meta
de chegada. Vejamos mais alguns exemplos:
ESCOLA TEMA GERADOR CONTRATEMA
Inês Maroja
“Meu sonho é sair desse
buraco
O processo de modificação das estruturas do bairro melhora as
condições dos moradores, entretanto, não rompe com o atual
sistema sócio-econômico e cultural da sociedade que é fator
determinante para a melhoria efetiva de qualidade de vida.
69
Maroja
Neto
“Lá em casa não tem
comida porque o papai
bebeu cachaça”
O alcoolismo atinge todas as classes sociais. Entretanto, não é o
responsável direto pela falta de alimentação e sim conseqüência da
falta de perspectivas sócio-político-econômico-emocionais que
venham contribuir para significativas mudanças no meio familiar
João Carlos
Batista
“Aqui é uma ilha
perdida porque estamos
cercados de asfalto,
saneamento e conjuntos
bons e aqui é esquecido
sempre
Os problemas do bairro estão circunscritos em uma esfera macro
da situação econômica e social do país, no qual o modelo
econômico não privilegia a maioria da população, resultado das
políticas públicas que não atendem as demandas sociais, o que
ocasiona falta de saneamento, violência e o processo de ocupação
urbana desordenada. A resolução destes problemas não depende
somente das ões governamentais, mas também das ações
coletivas da comunidade.
FIGURA 05- QUADRO 04: SINTESE DOS TEMAS GERADORES DE 04 ESCOLAS MUNICIPAIS.
Construída a rede de falas, que denotam a micro-estrutura social que compõem
aquela realidade local, é o momento de contextualizá-las relacionando-as com a macro-
estrutura social à que elas nos remetem. A partir das discussões e análises do coletivo, é feita
a representação de uma rede contendo os macro elementos que compõem a estrutura social
mais ampla. A Rede macro (modelo sócio-econômico-cultural) objetiva fazer relações entre
os elementos da organização social e os problemas locais. Parte-se da representação da micro
para a macro organização sócio-cultural e econômica, considerando aspectos históricos e de
transformação social. (SILVA,2001).
70
FIGURA 06- ILUSTRAÇÃO 02: REDE MACRO DA E.M. AMÁLIA PAUMGARTTEN.
No exemplo acima, os educadores fizeram uma análise de conjuntura, uma reflexão e
perceberam que as problemáticas do lixo e da violência estão imbricadas num conjunto de
relações advindas da macro-estrutura social e, ao mesmo tempo, a sua existência pressupõe
outras relações que visem a sua superação.
Nesse sentido, a Rede temática, formada pela rede de falas e a rede macro é mais do
que apenas o registro do processo de discussão e análise da escola, mas uma releitura coletiva
da realidade, um distanciamento crítico e epistemológico para “ver melhor” as tramas que
compõem as estruturas sociais envolvidas nos fenômenos investigados.
Em seguida à “montagem” da Rede Temática, inicia-se o processo de redução
temática, realizada coletiva e interdisciplinarmente, contando ainda com a participação dos
educadores das diversas áreas do conhecimento e representantes dos demais segmentos da
escola.
A redução temática é assim chamada por tentar “reduzir” (não no sentido de limitar,
mas de transpor) os grandes temas, a realidade criticamente pesquisada e analisada, em
conteúdos escolares e didaticamente sistematizados. Isto é, cindir os temas em partes para,
voltando-se a eles, compreendê-los como totalidade e assim, melhor conhecê-los.
71
A questão principal, neste caso, está em que faltando aos homens uma
compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos
quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não
podem conhecê-la. E não o podem porque para conhecê-la, seria necessário
partir do ponto inverso.Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão
totalizada do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos
ou as parcialidades do contexto, através de cuja cisão voltariam com mais
claridade à totalidade analisada. (FREIRE, 1983, p.113)
Em geral, a redução temática é realizada por meio de questões geradores (pedagogia
da pergunta) organizadas num quadro de problematização, que visam desconstruir a situação-
limite presente em cada fala significativa da Rede temática. No processo de redução temática,
é o momento onde mais se evidencia e se registra os tópicos do conhecimento implícitos na
rede, pela seleção dos conteúdos pertinentes aos aspectos sócio-histórico-culturais destacados.
Ou seja, as contribuições epistemológicas de cada área do conhecimento para o desvelamento
das contradições sociais implicadas, bem como a instrumentalização dos sujeitos envolvidos,
para os possíveis canais de intervenção.vejamos o exercício de problematizaçãodos
educadores da E.M. JOÃO BATISTA:
FIGURA 07- ILUSTRAÇÃO 03: PROBLEMATIZAÇÃO DA E.M. JOÃO BATISTA
72
A partir desta seleção dos tópicos do conhecimento pertinentes às situações-
problema pesquisadas, é realizada uma espécie de “negociação” (ver as penúltimas colunas)
entre os educadores das diversas áreas do conhecimento para distribuir esses tópicos com
abordagens diferenciadas para cada área e viabilizar a feitura dos planos das aulas. Por
exemplo, nos tópicos saúde e saneamento as ciências naturais poderiam abordar os dados
estatísticos de atendimento medico no bairro, os tipos de doenças mais comuns no bairro e
suas formas de evitar, etc.
O plano de aula na perspectiva do trabalho com o tema gerador, também possui um
formato próprio. Em geral é construído em grupos menores de educadores com seus
respectivos pares: professores que atuam com o mesmo ciclo/disciplina/série. Inicia-se pela
seleção da problematização de uma determinada fala significativa e, por conseguinte, do
tópico do conhecimento ali implicado e aplicado àquela área do conhecimento/ciclo/série. Em
seguida, parte-se para o planejamento propriamente dito que principia pelo estabelecimento
do objetivo, ou seja, da intencionalidade daquela aula ou conjunto de aulas. Depois se
elaboram questões geradoras adequadas à realidade daquela turma específica (idade, vivências
prévias, etc.), visando fomentar o diálogo para o diagnóstico do que os educandos sabem
sobre aquela situação-problema, ou seja, o estudo da realidade-ER enfocada. Daí a
importância de mesclarmos às questões geradoras perguntas descritivas, reflexivo analíticas e
propositivas.
A intencionalidade mais o diagnóstico do nível de informação dos educandos acerca
da situação-problema estudada, nos oferecem subsídios para planejarmos o próximo momento
da aula: a organização do conhecimento OC que consiste num recorte epistemológico de
tópicos do conhecimento sistematizado referentes àquela disciplina/série/ciclo e necessários
para fundamentar as discussões levantadas pela problemática.
Fechando o ciclo de planejamento das aulas temos o momento de aplicação do
conhecimento - AC, que consiste num momento de ntese e avaliação do processo vivido,
bem como de sua retroalimentação. Vejamos o documento abaixo que contem o registro de
uma aula elaborada por um educador da escola pesquisada:
73
FIGURA 08- ILUSTRAÇÃO 04: PLANO DE AULA DA E.M. JOÃO BATISTA
É possível perceber que a intencionalidade do educador é assegurar a saúde como um
direito social; inicia fazendo vários questionamentos que com certeza levantarão os subsídios
necessários á discussão posta e em seguida elenca tópicos do conhecimento que ajudaram
numa melhor compreensão, análise e intervenção na realidade, aqui chamada de aplicação do
conhecimento
Vale lembrar que cada momento descrito deve acontecer tomando sempre como base
a rede temática, para o perder a visão de totalidade. A idéia é que o trabalho simultâneo e
interdisciplinar com a problematização e contextualização de diversas falas faça elo para
professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem tornando-o mais significativo,
crítico e abrangente, mesmo que no decorrer do processo os educadores cometam erros
conceituais ou apresentem consciência ingênua, como no exemplo acima que abre um
questionamento entre o voluntarismo ou “sacerdócio” profissional e a luta por melhores
condições de trabalho.
74
Dentre as características da proposta interdisciplinar e crítica de um currículo via
tema gerador está a denúncia das relações de poder e de interesses hegemônicos, em geral
escamoteados pela ideologia da prática curricular convencional, através de análise dialética da
realidade, estabelecendo constantes relações homem x mundo e primando pela tomada de
consciência dos sujeitos envolvidos.
Segundo Silva (2001), a utilização das redes temáticas tanto na organização do
programa curricular quanto nas atividades metodológicas de sala de aula, oferecem vantagens,
como facilitar a seleção de objetos de estudo, favorecendo a atitude interdisciplinar através do
diálogo e da negociação entre educadores e norteando os caminhos didático-pedagógicos.
Além do que, a rede temática baliza as alterações programáticas, convergindo e propiciando a
interação entre as áreas do conhecimento, mas parametrizando a escolha de conceitos
epistemológicos supradisciplinares. O risco é acabar dogmatizando o processo, a ponto de
torná-lo padrão novamente.
As redes temáticas visam contextualizar o processo de produção do conhecimento
humano que se no âmbito escolar, com elementos da estrutura sócio-histórica,
estabelecendo algumas relações entre práticas sociais e modelos sócio-econômicos,
configurando-se assim numa metodologia de ensino privilegiada para uma prática curricular
menos fragmentada e mais significativa para educandos e educadores.
75
CAPÍTULO 3– E.M. DEP. JOÃO CARLOS BATISTA: USOS E REPRESENTAÇÕES
DOS ATORES SOCIAIS E SUAS ESTRATÉGIAS DE MUDANÇAS
1 – NATUREZA E MEMÓRIA DA PESQUISA
Para uma investigação que acompanhasse o processo histórico de construção
curricular que se deu no interior dos espaços educativos da Rede Municipal de Ensino de
Belém- RME, precisei realizar uma pesquisa qualitativa, participante e colaborativa, numa
abordagem que permitisse perceber as conseqüências e os significados para os educandos e
educadores, sujeitos da minha pesquisa e, por conseguinte meus colaboradores e informantes,
acerca de suas práticas sociais e vivências dentro e fora das suas salas de aula, que me
possibilitou investigar a dimensão inovadora do movimento de reorientação curricular via
tema gerador, vivenciado nos diversos espaços educativos que compõem a RME de Belém.
Optei então por trabalhar com a pesquisa qualitativa, participante e de caráter
colaborativa, tendo como locus a Escola Municipal Deputado João Carlos Batista,
integrante da Rede Municipal de Ensino de Belém/Pa, onde através da análise das
informações obtidas por um combinado de técnicas como, a observação participante no
cotidiano escolar, entrevistas semi-estruturadas, análise das produções da Escola e outras
formas possíveis de registros, tais como fotografias e filmagens, procurei apreender e tornar
visível os padrões e as práticas que permeiam a cultura da vida na referida escola.
a) Pressupostos da Pesquisa Participante
A opção por uma orientação de pesquisa participante com características
etnometodológicas foi inspirada no tipo de investigação que, segundo Alain Coulon (1995),
consiste num esforço científico, uma pesquisa científica, para tentar conhecer o que as pessoas
sabem sobre o que fazem e as conseqüências do que fazem. Consiste numa concepção
sociológica que diferencia-se da sociologia clássica e que se configura numa sociologia da
prática social; uma investigação antropológica, que considera os sujeitos, atores sociais com
conhecimento competente do mundo em que vivem e de seu contexto, uma vez que
compreende a capacidade de objetivação como uma capacidade humana, e não monopólio dos
cientistas, mesmo que muitas vezes nossas objetivações estejam equivocadas. É esse
conhecimento comum do social que nos permite vivermos juntos e de conduzir diferentes
ações da nossa vida cotidiana.
76
Objetivar o mundo, ainda segundo Coulon (ibid), significa que temos necessidade
sempre de (re)conhecer e compreender os objetos presentes em nossa vida cotidiana, quer
sejam ações físicas, do pensamento ou acontecimentos sociais, ou seja, um processo constante
de leitura e releitura do mundo, nas palavras de Paulo Freire, sempre resignificada pelas
representações e dinâmicas que permeiam as relações sociais:
Eu diria que cada um de nós, objetiva o mundo permanentemente; a
objetivação é uma operação natural, evidente e imediata. Isso nos permite
conhecer e classificar os inumeráveis objetos que estão conosco em nosso
convívio.Essa capacidade de objetivação que cada um entre nós possui, nos
permite reconhecer e diferenciar nossas ações, tão diversas como: se casar,
fazer supermercado, telefonar, fazer esporte, ler, almoçar com os amigos,
escutar uma conferência. (COULON, 2003)
13
Esse processo de investigação empírica da realidade converte-se para os atores
sociais nas suas temáticas geradoras de conhecimento, partindo de suas próprias práticas
sociais cotidianas, por sua vez, imersas numa grande trama de relações sócio-histórica-
político-cultural e econômica que lhes condicionam, mas também se influenciam e se
transformam por ela. Objetivando a prática social, sua própria ou dos que lhes rodeiam, os
atores sociais são capazes de desconstruí-la revelando a estrutura de organização social que
lhes contextualiza e, por conseguinte, atua na formação da sua visão de mundo:
A investigação da temática, repitamos, envolve a investigação do próprio
pensar do povo, pensar que não se dá fora dos homens, nem num homem só,
nem no vazio, mas nos homens e entre os homens e sempre referidos à
realidade. [...] Os homens são porque estão em situação [...] Se encontram
enraizados em condições tempo-espaciais que os marcam e a que eles,
igualmente marcam. (FREIRE, 1983, p. 119)
Todos e todas nós, atuamos como sociólogos práticos e estamos sempre fazendo
juízo de valor, classificando, categorizando e tentando explicar as nossas ações e as dos outros
também. Entretanto, a diversidade de vivências e nível de acesso às informações de rias
ordens, nos possibilitam percepções e concepções diferentes dos fenômenos sociais, inclusive,
sobre um mesmo fato. No entanto, é importante que se diga que essa capacidade, inerente aos
seres humanos, de objetivar o mundo, não nos assegura termos sempre razão.
13
COULON, Alain. “Etnometodologia e Educação” Palestra proferida na UFRN para alunos e
professores do PPGED em 29/10/2003.
77
Aquilo que é importante e significativo para uns, não o é para outros, gerando uma
pluralidade de idéias e opiniões que compõem o repertório das relações humanas que ao
mesmo tempo em que de forma identitária aproxima, também segrega grupos que convivem,
na sua maioria, de forma antagônica e excludente. Como reflexo dessa dinâmica social,
também percebemos a formação ou inculcação de uma relativa consciência ingênua em
alguns sujeitos, que alimenta e é alimentada por práticas sociais exploradoras e opressoras.
Essa pesquisa preocupa-se em ouvir as falas significativas e as explicações dos atores
sociais de suas próprias práticas, na busca da percepção da lógica de sua objetivação, em geral
advinda de uma coerência interna para os sujeitos daquele grupo de relações, e que deve
consistir no objeto mesmo da investigação, que pressupõe de forma dialógica, uma
desconstrução da situação-limite vivenciada, seguida de sua problematização e, por
conseguinte, seu desvelamento e percepção das possibilidades de inferências e intervenções.
O ator social é sempre sujeito e nunca objeto, e a investigação de sua prática social converte-
se em possibilidade de formação para ambos os sujeitos envolvidos na pesquisa. “Neste
sentido é que toda investigação temática de caráter conscientizador se faz pedagógica e toda
autêntica educação se faz investigação do pensar”.
(FREIRE, 1983, p. 120)
Nesta perspectiva, a investigação crítica ganha espaço no campo educativo, não
apenas por consistir num olhar diferenciado sobre os objetos da sociologia da educação, como
também por não se contentar com os diagnósticos ou prognósticos resultantes do cruzamento
das variáveis, em geral estatísticas, de entrada e saída das instituições escolares, mas por
reunir esforços para investigar o processo que se dá no interior das instituições educativas, das
salas de aula, etc; adentrar, nas palavras de Coulon(2003), na “caixa-preta” das instituições de
ensino, para compreender as representações, usos e significados que permeiam as suas
relações sociais.
A pesquisa de campo configura-se então no momento mais privilegiado da
investigação, por permitir a percepção in lócus das suas problemáticas. Mergulhei no universo
da escola Municipal Dep. João Batista em Belém do Pará, de abril a dezembro de 2004 para a
coleta e sistematização dos dados da presente pesquisa.
78
Durante esse período pude observar e registrar de maneira participante, diversas
ações dos sujeitos que compõem a comunidade escolar e de seu entorno. Do planejamento,
execução e avaliação de atividades pedagógicas, à organização e realização de eventos e
comemoração de datas consideradas importantes. Momentos de lazer de alunos e professores,
tentativas de resolução dos problemas cotidianos da escola, reforma nas suas instalações
físicas, greve dos professores, entre outros momentos da vida e da cultura da escola.
Além da observação participante, fiz uso de entrevistas do tipo semi-estruturadas, a
fim de proporcionar um grau maior de interação com os sujeitos que compõem o universo da
pesquisa, e dessa maneira, pude captar outras manifestações advindas das dinâmicas das
relações relevantes e não previstas. Foram selecionados como informantes e dessa forma,
colabores da pesquisa, sujeitos que exercem um certo grau de representatividade dentro das
situações investigadas, tais como: professores, alunos e pais de alunos, coordenadores e
assessores pedagógicos, entre outros, na tentativa de melhor conhecer o que os atores deste
núcleo social sabem sobre as suas práticas e mais precisamente sobre a práxis curricular que
se desenvolve na escola.
A pesquisa envolveu diretamente 4 professores e 1 coordenadora pedagógica e 2
mães, em entrevistas individuais e vários grupos de alunos em entrevistas coletivas, sempre
mediadas pelo diálogo. Em contrapartida, tentei participar dando a minha colaboração e
compartilhando a minha experiência enquanto educadora quer seja em sessões de estudo,
reflexões e sistematizações das discussões, ou participação direta nas ações realizadas,
especialmente nos eventos. Ou seja, a pesquisa se deu de forma participativa, coletiva e
colaborativa.
79
b) Pressupostos da Pesquisa colaborativa
A pesquisa colaborativa ou participativa, além dos pressupostos supracitados,
preocupa-se com a construção de sentidos através de um processo de construção do
conhecimento coletiva e uma “tomada de poder” compartilhada entre pesquisadores
universitários e professores docentes. (DESGAGNÉ, 1998).
No entanto, essa construção coletiva do conhecimento é caracterizada pela definição
bem marcada dos papéis de pesquisadores e pesquisados, e pela co-construção, ou seja,
contrapartida para ambas as partes no decorrer do processo de investigação. Em geral, essa
contrapartida é “combinada” na negociação de entrada do pesquisador na Instituição, onde o
mesmo se coloca a disposição para possíveis contribuições, no campo epistemológico, no
processo educativo que se dá nesta escola.
Ainda de acordo com os pressupostos de Desgagné (ibid), a pesquisa colaborativa
pode ganhar uma tripla dimensão: processo epistemológico de construção de um objeto de
conhecimento entre o(s) pesquisador(es) e os profissionais do ensino, associação ao mesmo
tempo de atividades de produção do conhecimento e de desenvolvimento profissional
(formação continuada), mediação entre o discurso e a prática da academia e o discurso e a
prática dos profissionais pesquisados: comunidade acadêmica x comunidade escolar.
No entanto, essa multidimensionalidade é entendida muitas vezes com ambigüidade,
transformando a pesquisa colaborativa em um conceito “guarda-chuva”, onde qualquer ação
realizada em conjunto é considerada parte da investigação formal, desviando muitas vezes o
pesquisador de seu objeto de pesquisa, no seu sentido mais restrito. Outra ambigüidade é
quanto à participação desejada dos profissionais investigados, uma vez que colaborar não quer
dizer todos fazendo todas as atividades, nem que os docentes devam assumir a parte formal da
investigação.
O que se almeja e não se pode perder de vista em todo o processo da pesquisa
colaborativa é que os profissionais pesquisados -os práticos no dizer de Desgagné (ibid),
sejam “o outro” da pesquisa, isto é, os co-construtores, ou seja, levar em conta o
conhecimento e a compreensão que tem o docente da sua própria prática profissional e a
leitura de seu contexto de ação. Assim, propõe-se uma relação dialógica entre o(s) o
pesquisador(es) e pesquisados, onde o papel do pesquisador é de balizar e de orientar
epistemologicamente dentro de seu projeto teórico, ou seja, colocar os profissionais em
relação aos elementos conceituais que constituem o quadro teórico da pesquisa, sem
desvincular do contexto vivido.
80
O objeto de investigação é um complexo sistema de comunicação. Ele ocorre
num espaço institucional determinado, no qual se intercambiam, espontânea e
intencionalmente, redes de significados que afetam o conteúdo e as formas de
pensar, sentir, expressar e atuar dos que participam em tal sistema.
(SACRISTAN & GÓMEZ, 1998, p. 100)
Essa reflexão é importante para não se perder de vista também que a pesquisa não
consiste numa ação isolada, num local descolado de um sistema, mas ao contrário, precisa
levar em conta as estruturas organizacionais: sistemas, instâncias e culturas profissionais em
ambos os ambientes: acadêmico e escolar, fazendo do pesquisador um articulador constante
entre a cultura de trabalho da comunidade científica e a da comunidade escolar.
Em suma, podemos dizer que na pesquisa colaborativa, os conhecimentos
construídos no processo de investigação e que serão sistematizados pelo pesquisador, serão o
resultado de um processo de negociação e mediação constantes, a partir da experiência da
comunidade pesquisada, para uma auto-reflexão relatada, compartilhada e compreendida de
forma dialogada, pelos diversos atores que compõem a pesquisa. Uma reaproximação entre
teoria e prática e entre cultura de pesquisa e cultura de prática.
Dessa forma, iniciei primeiramente com uma pesquisa bibliográfica e documental
que me forneceu subsídios para a observação participante realizada, bem como para a
sistematização e análise das informações registradas, além de ter me auxiliado nas diversas
reorientações no processo de pesquisa. Partiu não apenas do mapeamento das produções e
literatura pedagógica pertinentes, como também dos documentos da Escola Cabana, editados
pela Secretaria Municipal de Educação de Belém, além das Redes temáticas da escola e seus
planejamentos via tema gerador: instrumentos da pesquisa sócio antropológica,
problematização das falas e planejamentos das atividades pedagógicas.
A escolha da Escola Municipal Dep. João Carlos Batista para a pesquisa de campo,
foi definida por alguns critérios, tais como: experiência reconhecida com a reorientação
curricular via tema gerador de forma coletivizada e nos quatro ciclos de formação que
compõem o ensino fundamental na Rede Municipal de Educação de Belém, conforme
socializações nos eventos da RME; boa recepção por parte dos educadores com relação ao
desenvolvimento da pesquisa na escola e interesse dos mesmos em investigar e reorientar suas
práticas.
81
O caráter colaborativo através da presença da pesquisadora na escola foi firmado
num encontro entre a mesma e os educadores, em que se concretizou a sua negociação de
entrada na escola.
c) Negociação de entrada e memória da pesquisa
O encontro para a negociação dos termos de minha entrada na escola se deu
formalmente no dia 13 de abril de 2004, mediante uma carta de apresentação expedida pelo
PPGED da UFRN. Na ocasião, pude conversar primeiramente com a direção e a coordenação
pedagógica da escola e em seguida participar de uma pequena reunião na hora do intervalo
com os professores e professoras do turno da manhã e intermediário e para os quais tive
oportunidade de explicar, em linhas gerais, o objetivo e teor de minha pesquisa,
disponibilizando inclusive cópia do projeto, e também de lançar o convite para que nos
tornássemos colabores do trabalho um do outro. Convite plenamente aceito por ambas as
partes, pois desde aquele momento os professores e professoras se colocaram à minha
disposição, mostrando-me seus planejamentos, produções dos alunos e abrindo as portas da(s)
sua(s) sala(s) de aula.
Atribuo a minha rápida aceitação por parte dos professores, por já ser conhecida
deles pela minha atuação profissional na Coordenadoria de Educação, principalmente nos
seus momentos de formação continuada e ainda pela minha participação na última Jornada
Pedagógica da escola, que havia ocorrido em janeiro de 2004.
Uma vez autorizada a minha presença e livre trânsito na escola, veio o momento de
discutirmos a contrapartida da escola nessa pesquisa, além do seu resultado, é claro. Foram
elencadas como ações prioritárias a minha contribuição para a consolidação do trabalho com o
tema gerador, sessões de estudos dirigidos acerca de temáticas pertinentes ao trabalho com o
tema gerador e de caráter pedagógico em geral e também a reformulação do Projeto Político-
Pedagógico e do Regimento da Escola.
Essas duas últimas ações acabaram não acontecendo por força das circunstâncias,
algumas corriqueiras na escola, que “atropelaram” o andamento das atividades na escola e,
por conseguinte, da própria pesquisa. A primeira delas foi a paralisação das atividades na
escola em função de uma greve dos professores no período de 17 a 27 de maio.
82
No mês seguinte, as ações ficaram polarizadas na preparação para a festa junina com
ensaios, decoração, organização de vendas de comidas, brincadeiras, entre outras coisas,
que a festa, além de ser uma realização coletiva entre educadores, alunos e seus pais, é um
momento de captação de recursos para a escola.
Depois das férias escolares de julho, que naturalmente dispersa alunos e
professores, a escola demorou alguns dias a mais para retomar as suas atividades em agosto
em função de uma reforma nas salas de aulas para, entre outras coisas, a troca do quadro de
giz pelo magnético.
Em setembro uma quebra natural no ritmo de trabalho em função dos feriados
nacionais da Independência do Brasil e novamente a polarização das ações para viabilizar a
participação da escola na caminhada pela Independência pelas ruas do centro da cidade,
realizada pela SEMEC e envolvendo representações de todas as escolas da RME.
Em outubro em Belém vários dias facultados em função das festividades do Círio
de N. Srª de Nazaré, além é claro, da festa pelo dia das crianças que na escola se estende em
uma semana de atividades.
Em novembro, houve a realização dos conselhos de ciclo que por sua própria
dinâmica pára algumas atividades, mobilizando toda a atenção por parte das coordenadoras
pedagógicas.
E finalmente em dezembro, houve a realização da Feira Cultural da Escola.
Todas esses acontecimentos, apesar de fazerem parte da rotina e da dinâmica de
funcionamento das escolas de Belém (com exceção da greve dos professores), interferiram
efetivamente no desenvolvimento das atividades planejadas, transformando o ano letivo de
2004 num ano com um ritmo diferenciado e com muitas quebras no trabalho, trazendo sérios
prejuízos para a organização e execução da proposta pedagógica pensada durante a jornada
pedagógica da escola, o que logicamente também refletiu nos resultados desta pesquisa.
No entanto, algumas ações foram realizadas em caráter colaborativo, contando com a
minha participação efetiva, como interlocutora pedagógica, coordenadora de estudos ou
mesmo nas coletas de alimentos para a cesta do dia das mães, brinquedos no Natal, para
compra da água mineral ou no almoço coletivo que acontecia todos os dias em sistema de
rodízio entre os professores e professoras.
83
Eis algumas atividades pedagógicas em que participei junto à escola:
Reuniões com a coordenação pedagógica, direção e professores da escola para estudos
e encaminhamentos acerca das ações da escola: elaboração do Plano de ação,
especialmente daquelas vinculadas ao desenvolvimento do trabalho com o tema
gerador;
Participação nos Conselhos de ciclos para acompanhamento e sugestões para a
superação das situações - problemas de aprendizagem;
Participação nas horas pedagógicas H.P. dos professores para discussões e estudos
acerca do trabalho pedagógico e das temáticas do tema gerador: educação, lazer,
violência, cultura popular, etc.;
Participação como palestrante em eventos pedagógicos da escola: Jornada pedagógica;
Contribuição na organização de eventos: dia das mães e festa junina, feira de cultura;
Participação nas reuniões com a assessoria pedagógica da Secretaria de Educação,
junto aos professores e coordenação pedagógica da escola: Ed. Infantil, Ensino
Fundamental e EJA;
Observação participante em sala de aula e nos diversos espaços da Escola.
Além da pesquisa colaborativa na escola, também investiguei a experiência realizada
no Anexo João Batista, que funciona numa das ruas do bairro, em um prédio que na verdade é
um centro comunitário e que foi conveniado com a Secretaria para atender às crianças em
idade de Educação Infantil (4 a 6 anos). Também visitei as ruas do bairro, a feira, estive na
parada de ônibus também, observando, fotografando, conversando com os comerciantes,
moradores, feirantes, entre outros, o que me possibilitou um conhecimento mais amplo da
realidade vivida naquele contexto. Tais informações me possibilitaram uma descrição mais
densa do campo de pesquisa, situando a escola no contexto sócio-político-econômico do
bairro e que apresento a seguir.
84
2 -
CONTEXTUALIZANDO A ESCOLA: DESCRIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA
Para compreendermos melhor a dinâmica de funcionamento da escola investigada, se
torna importante conhecermos primeiro alguns elementos que compõem o seu cenário, tais
como a contextualização do bairro da Cabanagem, onde a escola esta inserida bem como, a
sua estrutura, organização e funcionamento.
a) O Bairro
Localizado na periferia de Belém, encontra-se o bairro da CABANAGEM, à margem
direita da rodovia Augusto Montenegro, sentido Entroncamento-Icoaraci, cercado pelos
bairros do Benguí, conjunto Panorama XXI e Coqueiro. Em 25 anos de fundação, o bairro da
Cabanagem pouco foi beneficiado. Nos últimos dois anos, três ruas sofreram melhorias e são
as únicas asfaltadas no bairro inteiro: a avenida Independência, obra do Governo do Estado; e
as ruas Damasco e Belém, ambas pavimentadas pela Prefeitura de Belém.
Mesmo tendo a maior parte de suas ruas sem saneamento e pavimentação, a
topografia do bairro da Cabanagem, agora é bastante regular, uma vez que a sua paisagem foi
modificada pela pavimentação da avenida Independência que atravessa todo o bairro, e de
onde saem, entrecortadas, as diversas ruas, passagens, vilas e conjuntos que compõem o
bairro, quase todas sem pavimentação e dessa maneira, de difícil acesso, especialmente
quando cai a tradicional chuvinha da tarde belenense. Percorrendo umas dessas ruas, a de
nome “Cristina Cardoso”, encontramos a Escola Municipal Deputado João Batista:
Exceto as três vias pavimentadas, 95% das ruas da Cabanagem
necessitam de saneamento. O matagal invadiu os leitos das ruas e as
valas por onde deveria escoar a água da chuva encontram-se entupidas
de lixo. A coleta de lixo é ruim, segundo os moradores. Como a
administração atual está deixando o poder, os moradores sabem que o
próximo inverno será de sofrimento. “Quando chove, enche tudo.
Depois que seca, a lama toma conta das ruas. Até os taxistas se
recusam a entrar nessas ruas críticas”, disse Nélio Pamplona, feirante
do bairro. (FERREIRA, K. 2004 )
14
14
Ferreira é jornalista do Jornal “O Liberal”, um dos jornais de maior circulação na
Amazônia.
85
O nome do bairro faz referência e homenagem à revolução histórica da Cabanagem
ocorrida no Pará no século XIX, realizada pelos cabanos, homens e mulheres do povo
oprimido e excluídos que viviam em casas de palafitas(cabanas) nas beiras dos rios e igarapés
que entrecortavam a cidade de Belém na época, e que é motivo de orgulho para o povo
paraense tornando-se símbolo de luta pela inclusão social.
Segundo relato de moradores do bairro, da direção e outros funcionários da Escola, o
bairro da Cabanagem surgiu a partir de uma invasão em área pertencente à Empresa de
Construção Civil da Amazônia- CCA, ocorrida em 1988 e promovida por 5 líderes, tendo sido
dividida em 5 áreas e reloteadas depois. As primeiras casas foram improvisadas, a maioria de
tábuas, lonas e palha e sem nenhuma infra-estrutura, saneamento ou energia elétrica. A
primeira rua só surgiu em 1989 e havia muita violência: assassinatos, estupros, agressões,
roubos e brigas de gangues, que começaram a chamar a atenção do poder público. Por força
das reivindicações da população foi instalada uma delegacia de polícia no bairro, o que inibiu
e amenizou a violência.
O bairro da cabanagem possui uma área de aproximadamente 28.000 m² e uma
população estimada em 22.000 habitantes. O crescimento populacional levou a população a
reivindicar desde 1995 a construção de uma escola no bairro. Levaram a solicitação para o
poder público municipal (Governo Hélio Gueiros) que construiu somente o alicerce, tendo
abandonado a obra depois. Somente em 1997, com a mudança de governo municipal
(Governo Edmilson Rodrigues), a escola foi concluída e inaugurada, a primeira pelo governo
do povo, em 3 de junho de 1997.O nome da escola homenageia ao der estudantil, advogado
e deputado estadual João Carlos Batista, homem militante em sindicados e movimentos
sociais e político comprometido com as causas sociais, em especial a dos sem terra, e que
após sofrer vários atentados, foi assassinado por pistoleiros na porta de sua casa em 1988. Sua
morte foi considerada um crime político “de encomenda”, mas jamais foram descobertos os
verdadeiros mandantes...
Com o tempo começaram a surgir comércios e feiras no bairro, bem como
prestadores de serviços autônomos e trabalhadores do mercado informal. A economia no
bairro foi incrementada com o asfaltamento da Avenida Independência, que facilitou mais o
acesso e, por conseguinte, aumentou o transito de pessoas por lá, proporcionando mais
oportunidades de “negócios”. No entanto, a chegada do asfalto se limitou às três avenidas
principais do bairro, deixando os moradores das demais ruas literalmente com o “pé na lama”
86
como podemos observar na figura abaixo que retrata a falta de infra-estrutura na rua onde
funciona a feira popular:
FIGURA 09- FOTO 01: RUA DA FEIRA
Apesar de hoje o bairro contar com alguns serviços como delegacia, posto médico,
escolas, e de possuir lojas, comércios, feiras, igrejas, centros comunitários, bares, rádios,
posto de gasolina e condomínios residenciais, apresenta alguns problemas. Segundo os
moradores, dentre os problemas mais recorrentes está principalmente a violência
"Apesar de ter sido assaltada três vezes sou feliz, porque estou com
vida".(moradora)
"A violência, o descaso, assalto demais! Eu aqui na janela, o assalto
na frente!" (moradora)
Ainda segundo os moradores, o que é mais triste é que a violência não vem apenas do
lado dos bandidos não:
“Tenho mais medo da polícia que dos bandidos, porque a polícia entra
armada lá na rua, pra buscar dinheiro...”
(aluna da escola- ciclo 1)
"Gostaria que mudasse tudo. A delegacia que está de enfeite e não
faz nada para que a violência acabe".(morador)
“A Delegacia é inoperante, nunca tem ninguém .” (morador e feirante)
87
A delegacia foi implantada como resposta do poder público às constantes
reivindicações dos moradores, para inibir os altos números de casos de violência no bairro:
assalto, brigas, estupros e até assassinatos; no entanto, a precariedade de condições de
funcionamento, com poucos funcionários e equipamentos escassos, tornaram-na praticamente
inoperante diante da crescente demanda.
A violência, aliada à falta de espaços para lazer, complica ainda mais a situação dos
moradores:
"Aqui é preciso uma área de lazer para os jovens. Eles vivem jogados
por aí sem ter opção para se divertir".(moradora)
Não há praças, campos de futebol ou quadras esportivas públicas no bairro. Há
algumas poucas “arenas” particulares que cobram por hora o seu aluguel para a prática do
futebol.
Antigamente, os moradores jogavam bola na rua “grande” ( Av. Independência), mas
com o seu asfaltamento e o aumento no fluxo e na velocidade do trânsito, isso ficou
impossível de acontecer. As crianças brincam em casa, quando há espaço ou nas suas
enlameadas ruas.
“Às vezes, dia de Sábado, eu vou pra arena brincar de bola com os
meus colegas . É que as vezes a vovó estende roupa lá na frente de casa
e eu tenho que ir lá pra arena.” (Renato 8 anos, aluno da escola)
A qualidade de vida dos moradores fica ainda mais comprometida com a falta de
saneamento e pavimentação nas ruas do bairro:
Os próprios moradores se organizam, juntando dinheiro para
comprar aterro para a rua" (morador)
"Eu não gosto dos alagamentos, as valas transbordam quando chove e
alagam as casas. Depois tudo vira lama" (moradora)
três ruas asfaltadas no bairro: Avenida Independência, Rua Damasco e Belém,
as demais padecem pela histórica briga do “toma que esse filho é teu” entre as prefeituras de
Belém e Ananindeua, uma vez que o bairro faz parte de uma área de expansão e situa-se no
limite entre os dois municípios.
88
O sistema de transporte é precário, possui apenas duas linhas de ônibus para servir o
bairro, castigando os moradores com horas espera nas paradas, tendo de submeter-se a ônibus
lotados e ainda precisar caminhar bastante pra chegar às suas residências, uma vez que os
coletivos passam nas ruas “grandes” e asfaltadas. Abaixo podemos ver o ponto final de
uma das duas linhas de ônibus que servem ao bairro e que fica em frente à da delegacia:
FIGURA 10- FOTO 02: PARADA DE ÔNIBUS NA AVENIDA INDEPENDÊNCIA
Como é possível observar, não nem abrigo na parada de ônibus, submetendo os
usuários ao sol forte e à chuva, clima característico de nossa região.
Outro grande problema no bairro da Cabanagem e infelizmente de outros bairros
periféricos de Belém é o lixo. Antes do seu asfaltamento, o local onde hoje é a avenida
Independência, consistia num verdadeiro “lixão” a céu aberto. Hoje há coleta regular e
pequenos depósitos de lixo, mas restringindo-se apenas às ruas asfaltadas, obrigando os
moradores a carregarem seu lixo até a “boca” da rua ou darem outro destino a ele.
A precariedade de saneamento além de gerar doenças: micoses, verminoses, doenças
respiratórias, gera também desesperança aos moradores:
89
Entra governante, sai governante é sempre assim: a gente espera,
espera, espera e é decepção...” (morador e pequeno comerciante do
bairro-vendedor de caldo de cana)
Há algumas iniciativas de Centros Comunitários e Associação de Moradores de
tentar organizar a comunidade para reivindicar melhorias para o bairro e alguns benefícios já
foram conseguidos, no entanto como o bairro situa-se, como afirmei anteriormente, na
fronteira entre os Municípios de Belém e Ananindeua, os moradores padecem também do
“jogo do empurra” entre as prefeituras para a realização dos serviços solicitados, deixando o
bairro à margem dos serviços públicos.
Vejamos agora o reflexo que tudo isso tem na escola.
b) A ESCOLA
A Escola Municipal Deputado João Carlos Batista, está situada em Belém do Pará na
rua Cristina Cardoso s/n°, entre a rua Belém e a Avenida Independência, no bairro da
Cabanagem.
Com funcionamento em quatro turnos: manhã, intermediário, tarde e noite, a Escola
atendeu em 2004, cerca de 1411 alunos nos diversos níveis de ensino oferecidos na escola, a
saber: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Ela possuía
naquele ano em seu quadro de funcionários: 40 professores, 07 coordenadoras pedagógicas (2
orientadoras, 3 administradoras, 1 supervisora e 1 diretora), 05 funcionários administrativos,
uma secretária, 17 de apoio (entre porteiros e serventes, e 4 merendeiras). Cerca de 90% do
professores possuem nível superior e os demais funcionários, na sua maioria, possuem o nível
médio e alguns poucos, somente o fundamental.
Apesar de um número relativamente grande de pessoal, em geral as relações
interpessoais eram favorecidas, havendo diálogo e demonstração de afinidade,
companheirismo e afetividade entre os funcionários que na sua maioria gostam de trabalhar na
escola e alguns estão lá desde a sua inauguração em 1997.
É considerada uma escola de médio porte, atendendo boa parte da população infantil
do bairro. A distribuição das turmas em 2004 ficou assim organizada:
90
Turno Nível de Ensino n° Turmas
Faixa etária de referência
Manhã
Ensino Fundamental:
Ciclo de Formação 1
Ciclo de Formação 1
Ciclo de Formação 2
10
1
5
4
6 a 10 anos
6 anos
7 a 8 anos
9 a 10 anos
Intermediário
Ensino Fundamental:
Ciclo de Formação 1
Ciclo de Formação 2
Ciclo de Formação 3
10
2
4
4
7 a 12 anos
7 a 8 anos
9 a 10 anos
11 a 12 anos
Tarde
Ensino Fundamental:
Ciclo de Formação 1
Ciclo de Formação 2
Ciclo de Formação 4
10
1
4
5
7 a 14
a
nos
7 a 8 anos
9 a 10 anos
13 a 14 anos
Noite Ed. de Jovens e adultos:
1ª Totalidade:
2ª Totalidade
3ª Etapa
4ª Etapa
MOVA
10
2
1
2
2
2
15 a 80 anos
FIGURA 11 QUADRO 05: DISTRIBUIÇÃO DAS TURMAS EM 2004
A orientação para a enturmação dos alunos nos ciclos se dá pelo seu nível de
escolaridade e faixa etária aproximada, sendo que muitas exceções neste último caso,
havendo por vezes, bastante disparidade entre as idades dos alunos de uma mesma sala. A
Escola mantém também uma turma de aceleração, destinada a alunos com distorção
idade/ciclo, que possuem em média de 12 a 14 anos e são repetentes. A maioria dos alunos
dos primeiros ciclos veio das turmas de Educação Infantil que funcionam no anexo da escola.
Em seu aspecto físico, a Escola apresenta uma estrutura arquitetônica moderna e
funcional distribuída em blocos. Ela possui: auditório com capacidade para mais ou menos 80
pessoas, hall de entrada, lateral de acesso, um jardim, 4 banheiros para alunos, cozinha,
depósito de merenda, refeitório, 3 blocos de salas de aula com 10 salas no total, bloco
administrativo abrigando a secretaria, arquivo, sala da direção, sala da Coordenação
Pedagógica, sala dos professores, sala de leitura e banheiro de funcionários.
91
FIGURA 12- FOTO 03: FACHADA DA ESCOLA MUNICIPAL JOÃO BATISTA
As salas de aula são grandes, ventiladas e bem iluminadas, possuindo manutenção
através de pequenas reformas constantes. Possuem na maioria revestimento de azulejos
brancos quadrados e lisos. também prateleiras, quadro de avisos e quadro magnético, que
substituiu o tradicional quadro de giz, porém muitas cadeiras quebradas. A escola não
possui quadra de esportes e sim uma área aberta e pavimentada no meio dos blocos de sala de
aula, onde se realizam as atividades de Educação Física. também uma área de chão batido
e arborizada conhecida como “o quintal” da escola, onde as crianças brincam nos intervalos.
Quando começaram as atividades na escola, havia três prédios anexos onde
funcionavam as turmas de Educação Infantil, a saber: Boa Esperança, Cristo Redentor e João
Batista. No entanto, vale lembrar que a utilização desses espaços, na sua maioria era resultado
da parceria entre o governo municipal e as comunidades organizadas, uma vez que os mesmos
consistiam em centros comunitários ou outros lugares “adaptados” para o funcionamento das
turmas, o que sempre acarretou muitos prejuízos à qualidade das aulas ministradas, sem
mencionar a dificuldade natural das condições de trabalho em função de se estar relativamente
distante geograficamente da “escola sede”, tais como: pouco acompanhamento e
assessoramento pedagógico-administrativo, falta de recursos materiais e humanos, entre
outros.
92
Em função dessas e outras situações, hoje a escola só mantém um anexo, o do Centro
comunitário João Carlos Batista, onde funcionam as suas turmas de Educação Infantil - jardim
1: crianças de 04anos e jardim 2: crianças de 05 anos) e ainda uma turma de Ensino
fundamental: 1°ciclo (06 anos), num total de quatro turmas, divididas em dois turnos: manhã
e tarde.
Como parte integrante do Sistema Municipal de Ensino, a escola comunga dos
princípios filosóficos da “Escola Cabana” que prima pela inclusão social, através da
democratização do acesso e permanência com sucesso.
No que diz respeito à sua gestão, a escola juntamente com outras 58 e ainda 34
Unidades de Educação Infantil- UEI’s compõem a Rede Municipal de Ensino de Belém que
está sub-organizada em 8 Distritos Administrativos, pertencendo, por sua vez, ao distrito
administrativo Benguí DABEN. Desde a sua inauguração em 1997 até meados de 2003, a
escola teve uma única diretora: a profª. Maria Mendes Trindade.
Tendo sido inicialmente indicada pela Coordenadoria de Educação –COED da
Secretaria Municipal de Educação- SEMEC, a Profª. Trindade posteriormente em 1998
concorreu ao cargo numa eleição direta, contando com a participação de todos os segmentos
da escola, conseguindo ser eleita para um mandato de dois anos, sendo ainda reeleita para
mais dois anos de gestão. Somente em outubro de 2003, na oportunidade de outra eleição
direta, houve a troca de diretora com a vitória nas urnas da profª. Ivanilda Vieira, pedagoga e
professora dos ciclos iniciais da escola há três anos.
A profª. Ivanilda apresentou, em sua campanha para a eleição, uma proposta de
trabalho onde destacou alguns aspectos importantes acerca da escola e que me subsidiaram
nesta caracterização da mesma. Como uma de suas primeiras ações como diretora, foram
chamadas reuniões com os pais de todos os ciclos, no horário de aula de seus filhos, contando
com ampla participação dos mesmos para discussão da seguinte pauta: organização da escola
em ciclos, avaliação contínua, controle social: participação dos pais e o uso do uniforme na
escola.
93
Em relação ao uniforme foi reafirmado pelos presentes a obrigatoriedade de
utilização da camisa, com calça ou bermuda jeans. Os pais e professores decidiram
coletivamente pela cor da camisa que não deveria ser branca “porque suja muito”, optaram
então pela cor azul, mas com uma condição: que não fosse nem azul “papão” e nem azul
“leão”, fazendo referência aos dois times de futebol mais populares de Belém:
respectivamente o “Paysandú” (alvi-azul celeste) e o Clube do Remo (azul marinho), tudo
isso para evitar que a tradicional rivalidade do futebol paraense adentrasse a escola.
A escolha foi então pelo azul turqueza, como podemos observar nas crianças da
figura abaixo:
FIGURA 13- FOTO 04: ALUNAS DO CICLO 1 EM SALA DE AULA.
Os demais pontos de pauta da reunião foram mais expositivos, uma vez que a
reorganização da escola de séries para ciclos e da avaliação classificatória (avaliação por
notas)para a avaliação continuada(avaliação processual), consiste num dos principais focos de
tensão e resistência entre professores e pais, pela dificuldade de ruptura ideológica com os
paradigmas da educação conservadora vivenciada direta ou indiretamente pelos mesmos, o
que implica em constantes e recorrentes esclarecimentos à comunidade de pais para fins de
entendimento e apoio à proposta da Escola.
94
Durante o restante do ano letivo os pais e mães, que na sua maioria moram no
entorno da escola, e alguns ainda são alunos do noturno (cerca de 1/3 -aproximadamente 400
pessoas), são convidados constantemente a estar na escola para tomar parte nos eventos: dia
das mães, festa junina, páscoa, confraternização, entre outros, bem como para participar de
reuniões para discutir acerca da aprendizagem de seus filhos e filhas na ocasião dos
Conselhos de classe ou ciclo, plantão pedagógico ou individualmente ou sempre que os/as
professores/as ou a coordenação pedagógica sentem necessidade de chamá-los em função da
situação de alunos/as faltosos ou com problemas de aprendizagem ou comportamento.
Em geral, os problemas de comportamento são considerados desvios das normas de
boa convivência na escola. Algumas dessas normas foram estabelecidas coletivamente por
alunos e professores por iniciativa da professora de Inglês e que depois ganhou repercussão e
tentou se expandir para toda a escola. São elas:
O que devemos fazer:
- Estudar para aprender;respeitar os funcionários, professores e colegas; fazer todas as
tarefas; prestar atenção nas aulas; organizar o caderno, as carteiras; ajudar os colegas
quando tiverem dificuldade; organizar eventos; ser obedientes; brincar na hora certa;
trabalhar em grupo; praticar todas as normas da escola; conservar os livros limpos e
perfeitos.
O que não devemos fazer:
- Riscar cadeiras, mesas e paredes; sair no horário das aulas; desperdiçar a merenda;passear
pelos corredores fora de hora, durante as aulas; chamar palavrão; riscar o quadro das salas
de aula; brigar e bater nos colegas; rasgar os cartazes, anúncios e avisos colocados nas
paredes da escola; interromper a explicação dos professores; conversar durante as aulas;
desrespeitar professores, funcionários e colegas da turma; quebrar vidros, utensílios da
merenda, mesas, carteiras, etc.; pegar as coisas dos colegas sem autorização; faltar aula;
comer em sala.
Tais normas podiam ser encontradas fixadas em vários pontos da escola em forma de
cartazes (de onde pude transcrevê-los) e foram sugeridas como ponto de discussão nas aulas
de todos os professores. Nota-se nos tópicos a rigidez com que se pretendia combater a
indisciplina na escola, pois mesmo no que se refere ao que é permitido às crianças fazerem,
aparecem apenas as regras já circunscritas no espaço e no tempo escolar, sem contudo,
assegurar nehuma contrapartida às crianças, como por exemplo direito à uma boa educação
ou ao lazer.
95
Se a questão da disciplina ocupava naquele momento lugar central nas normas da
escola, parecendo às vezes até impositiva, talvez tenha sido por reflexo das situações
problemas vividas no início dos trabalhos na escola, onde as manifestações de violência em
diversos níveis, como agressão aos professores, entre alunos, invasão de gangues, entre
outras, atrapalharam bastante o processo educativo, provocando altos índices de abandono e
reprovação. Como resposta a essa situação, os professores elaboraram na época um projeto
chamado “Pira Paz, briga jamais”
15
que visava à sensibilização dos alunos e suas famílias para
a problemática da violência e suas conseqüências. Na avaliação dos professores, houve bons
resultados deste projeto com mudanças perceptíveis no comportamento de alunos, pais de
alunos e também de alguns professores, que passaram a se sentir menos ameaçados e por isso
tornaram-se menos autoritários.
Vale lembrar que a disciplina na escola é um tema recorrente no meio educacional é
vem sendo debatido e estudado por educadores do mundo inteiro, revendo-se conceitos e
atitudes na e para a prática pedagógica, como por exemplo, a mudança no enfoque da
disciplina como um sistema de castigos ou sanções que são aplicadas a alunos que alteram o
desenvolvimento normal das atividades escolares com uma conduta negativa, para percebê-la
como um caminho para o domínio de si mesmo e conseqüentemente ao ajuste da conduta do
sujeito às exigências do trabalho e de convivências próprias da vida escolar e na sociedade em
geral, isto é, uma autodisciplina.
A Indisciplina também, segundo Di Santo(2006), pode ser pensada como conflitos,
de motivação interna ou externa, algumas vezes questionando a validade da atividade, o modo
de ensinar do professor, o uso dos espaços e do tempo, e às próprias normas institucionais.
Nesse sentido, que se organizar uma sala de aula cooperativa, democrática e altamente
estimuladora, com interdependência entre os sujeitos da ação pedagógica e conexões com a
sociedade.
Na Escola pesquisada, o fato das aulas dos primeiros anos do Ensino Fundamental
não serem centralizadas num(a) só professor(a), também traz uma outra dinâmica à disciplina
e ao funcionamento da escola, uma vez que os alunos podem experimentar a metodologia de
vários professores e ir se “moldando” às normas escolares de forma mais diversificada.
15
Alusão à frase “pira paz não quero mais” normalmente dita pelas crianças para encerrar sua
participação na brincadeira popular conhecida no Norte como “pira” e que em outros lugares
recebe nomes como pique, pegador, etc.
96
As turmas dos ciclos 1 e 2 são atendidas não apenas pela professora “regente” como
também pelos professores de Arte, Educação Física e Sala de Leitura. O horário é organizado
de forma que cada turma seja atendida pelo menos uma vez por semana, possibilitando assim
que, paralelamente, a professora regente participe de sua hora pedagógica.
A hora pedagógica- HP é um momento previsto dentro da jornada do professor,
portanto remunerada( 25 horas/aulas), em que o mesmo semanalmente e em sistema de
rodízio, sai da sala de aula para reunir-se com seus pares (mesmo ciclo/disciplina/área) e a
coordenação pedagógica da escola, a fim de realizar estudos, planejamentos e/ou organização
de programações pedagógicas de forma coletiva. Algumas vezes, destina-se à correção ou
elaboração de trabalhos das turmas. Enquanto isso, seus alunos encontram-se envolvidos em
outras atividades pedagógicas, como as mencionadas: Sala de Leitura, Educação Física,
Artes e Informática Educativa, em escolas com laboratório.
Os horários das H.P’s na escola em geral eram organizados em função da
distribuição dos horários das atividades nas turmas, a montagem dos grupos de professores
era feito na intenção de juntar os professores do mesmo ciclo ou disciplina. Alguns grupos no
entanto,a pedido dos próprios professores foram montados a partir das afinidades surgidas
durante o trabalho. Aliás, afinidade parece ter sido um conceito-chave para assegurar o
sucesso do trabalho pedagógico:
Tem uma questão muito interessante entre eles, que é a questão das
afinidades. Eles sabem exatamente com quem querem se agrupar para
planejar e, muitas vezes, não é necessariamente com seus pares.
(Sílvia, coordenadora pedagógica)
Essa parceria por afinidades, misturando professores do ciclo 1 e 2 com os
professores das disciplinas do ciclo 3 e 4, rendeu bons resultados pedagógicos. Em função
disso, em 2004 foi proposto uma mistura maior entre os grupos para que uns contagiassem os
outros, o que não deu resultados positivos, uma vez que não houve a mesma empatia, os
professores começaram a se sentir meio isolados e, por conseguinte houve uma “quebra” na
produtividade dos trabalhos realizados, principalmente com o tema gerador.
Pra tentar manter o sentido da coletividade a Coordenação Pedagógica organizava
reuniões pedagógicas, em geral as sextas-feiras onde dispensava-se os alunos após o recreio,
para discussões e encaminhamentos com os professores. Um desses momentos coletivos, foi
registrado na figura a seguir:
97
FIGURA 14- FOTO 05: SALA DOS PROFESSORES – REUNIÃO PEDAGÓGICA
Para garantir a responsabilidade coletiva e a descentralização da gestão, cada turma
possuía um professor/coordenador, sendo nos ciclos 1 e 2, as próprias professoras regentes,
enquanto nos ciclos 3 e 4 havia a indicação de um dos professores das disciplinas do
currículo. As funções de um coordenador de turma são definidas coletivamente desde o início
do ano e acompanhadas durante o processo pela coordenação pedagógica da escola. Ficam
afixadas em um cartaz na sala dos professores, de onde pude transcrevê-las. São as seguintes:
- Informar e sensibilizar os alunos com relação às normas da escola;
- Aconselhamentos, orientações, dicas e informações diversas;
- Coordenar as atividades extra-classe;
- Participar e preparar relatórios para os Conselhos de classe e de ciclo;
- Entregar os livros didáticos e recolhê-los ao final do ano;
- Participar das reuniões de coordenadores;
- Preenher as fichas síntese da turma no final do ano.
O professor/coordenador é a referência maior da e para a turma, é ele quem faz a
mediação entre as ações da escola com os alunos daquela sala específica, como por exemplo a
organização para aulas-passeio, elaborar relatórios sobre a turma, coletar os pareceres dos
diversos professores e sistematizar o parecer final no registro síntese,entre outras.
98
Os documentos de registro síntese do processo de aprendizagem do educando, bem
como os conselhos de ciclos, são documentos e instâncias oficiais de avaliação da Rede
Municipal de Educação, aprovados pelo parecer 019/00 do Conselho Municipal de Educação
de Belém.
Os Conselhos de Ciclo acontecem periodicamente - em geral a cada bimestre - e
reúnem todos os professores da turma, os alunos e seus pais para avaliação do processo de
aprendizagem dos alunos, bem como o de ensino dos professores. Algumas vezes, configura-
se em verdadeiro espaço de avaliação institucional, onde a atuação de todos os segmentos da
escola é avaliada. Cada escola elabora seu instrumento de registro que subsidia a realização
do Conselho de Ciclo. Conforme ficha entregue a cada professor(a), e a mim também, o da
Escola João Batista para 2004 ficou com a seguinte orientação:
Observações gerais - Perfil da turma:
- Nível de aprendizagem, freqüência, relação professor e aluno, relação família e escola,
comportamento(interesse dos alunos), alunos que deixam a desejar(desempenho), alunos
com problema de freqüência, alunos com problemas de relação humana.
Intervenções Pedagógicas:
- O desempenho da turma no ciclo; O trabalho específico do professor; Considerações
finais.
Na dinâmica estabelecida pela escola para a realização de Conselhos de Ciclo, o
primeiro Conselho do ano se apenas com os professores das diversas turmas daquele ciclo
e a coordenação pedagógica do turno, os demais contam com a participação efetiva dos pais e
os alunos que são, por sua vez, avaliados individualmente. A participação dos pais é vista
pelos educadores como fundamental para uma aprendizagem com sucesso, uma vez que os
sujeitos envolvidos na relação família x escola, podem avaliar e ser avaliados em suas
práticas
:
.Então no conselho de ciclo, não o aluno é visto no seu processo
de aprendizagem, mas o pai e o professor são instigados a perceber
que também fazem parte da desse processo...O professor precisa
ainda fazer uma reavaliação de como pode ajudar melhor os seus
alunos nas suas dificuldades. (Professora Rose)
A organização da escola favorece uma prática avaliativa processual e formativa,
pautada nas observações e registros do processo de aprendizagem, aplicação de testes
diagnósticos e buscando a participação e o acompanhamento dos pais, mesmo que por vezes
tal participação, segundo alguns professores, seja melhor nas festas da escola do que nas
discussões pedagógicas.
99
Além dos conselhos de ciclo, outra instância de gestão democrática na escola é o
Conselho Escolar, composto por representantes dos diversos segmentos escolares, eleitos
diretamente por seus pares, cuja função é acompanhar administrativa e pedagogicamente a
escola, deliberando, juntamente com a direção, acerca da utilização dos seus recursos e
espaços. Essa tarefa é um tanto quanto árdua pela relativa falta de tempo dos conselheiros
para administrar poucos recursos financeiros
16
e ainda mediar os conflitos de interesse dos
diversos sujeitos que compõem a comunidade escolar.
Cada segmento escolar manifesta as suas dificuldades e necessidades. Professores
desejam melhores condições de trabalho e solicitam recursos tecno-pedagógicos; os
funcionários de apoio e administrativo solicitam a manutenção do material de expediente para
assegurar o trabalho na secretaria; as merendeiras e serventes solicitam utensílios e produtos
de limpeza para dar andamento às suas atividades; e os alunos, bem os alunos além de
desejarem condições dignas de estudo, tais como carteiras inteiras e para todos, salas bem
iluminadas, merenda escolar, material escolar, entre outrAs, também solicitam
Principalmente em função de que a escola se torna cada vez mais, um dos poucos
espaços de lazer de que dispõe a comunidade- um dos grandes desejos do meninos e meninas
é ter a quadra reformada, pintadinha, coberta e equipada. Além disso, a violência cotidiana no
bairro e a desestruturação familiar causada por gravidez não planejada, desemprego e
alcoolismo dos pais e relações incestuosas, cada vez mais freqüentes, acabam por interferir
diretamente no andamento das atividades na escola.
Nessa época de “tempos incertos”, como nos diria Mariano Enguita (2004), onde a
velocidade das mudanças sociais e dos valores ultrapassam o ritmo da mudança escolar,
paradoxalmente um apelo maior da participação da família no processo de formação escolar
dos educandos, ao mesmo tempo que a mesma sente-se cada vez mais incapaz de educar os
seus filhos, delegando à escola tal função.
A escola, esta em particular e todas as outras públicas ou privadas, vivem às voltas
com problemas de indisciplina por parte dos educandos, em função do fenômeno de inversão
de valores morais e éticos, que põem em evidência antigos “contravalores”, tais como:
egoísmo, individualismo, consumismo, relações superficiais, interesseiras exploradoras e sem
muitas preocupações éticas.
16
(Plano de Desenvolvimento Escolar -PDE, Programa Dinheiro Direto na Escola -PDDE ,
Programa de Adequação física de prédios escolares - PAPE e fundo rotativo, arrecadações dos
eventos da Escola: festa junina, entre outros.);
100
Assim, as crianças e adolescentes, na sua maioria, se vêem em dificuldades de lidar
com a autoridade dos pais, professores e outras pessoas que possam contrariar suas vontades e
necessidades. Não obstante, existe também o processo cada vez mais precoce de descobertas e
exploração do mundo. Movidas por práticas sociais sob a égide da independência” que
expõem mais os sujeitos às situações de risco. Nesta perspectiva, torna-se cada vez mais
recorrente nos “corredores” escolares temáticas como: gravidez na adolescência, doenças
sexualmente transmissíveis – DST’s, sexualidade, homossexualidade e violência.
Diante desse contexto, a escola precisa se reafirmar enquanto instituição formadora e
assumir em seu currículo essas e outras discussões que venham ao encontro dos interesses dos
educandos. A Escola João Batista vem tentando efetivar tal preocupação através de trabalho
coletivo e integrado à família e aos órgãos blicos competentes, por meio de palestras,
pesquisas e discussões em sala de aula e nas diversas disciplinas, acerca das situações-
problema encontradas na escola.
Vem buscando ao longo de sua existência aproximar o seu currículo das
necessidades da comunidade, estreitando suas relações com ela. Segundo o relato dos
professores colaboradores, a prática curricular vem assumindo diferentes movimentos na
escola ao longo de sua trajetória, desde 1997, que apesar de não se apresentarem de forma
linear e absoluta, tiveram predominância em determinados momentos na trajetória histórica da
escola.
Num primeiro momento, o livro didático ocupava papel central na seleção dos
conteúdos a serem trabalhados, configurando-se ele mesmo, no organizador curricular da
instituição. Isto é, selecionava os conteúdos mínimos e a sua seqüência para serem
trabalhados em cada ano do ciclo, tendo como referência a seriação correspondente à faixa
etária .Os livros didáticos são enviados pelo Ministério da Educação MEC, após prévia
escolha por parte dos docentes, como acontece na maioria das escolas públicas no Brasil.
Passados alguns anos, os professores sentiram uma necessidade maior de
contextualizar os “conteúdos” e melhor adequá-los aos ciclos e, principalmente, sentiram falta
de um planejamento mais coletivo. Com a ajuda da coordenação pedagógica - COPED da
escola, construíram coletivamente cada um com seus pares propostas curriculares por área
de conhecimento e por ciclo, experimentaram assim, uma outra possibilidade de organização
curricular. Tal planejamento curricular era realizado no início do ano, por ocasião da jornada
pedagógica e desdobrado nas reuniões pedagógicas ao longo do período letivo.
101
A preocupação que norteava o planejamento era a de que conteúdos, objetivos e
estratégias poderiam ser desenvolvidos para que os alunos aprendessem mais. Tal proposta
funcionou bem e favoreceu o trabalho coletivo, o diálogo entre os professores dos diversos
ciclos, bem como observou-se melhoria no rendimento dos educandos e educandas, porém era
preciso mais. Era necessário integrar a escola como um todo às diversas áreas do
conhecimento, aos diversos ciclos e turnos diferentes da escola.
Nesta ótica, o processo de implementação do trabalho com o tema gerador veio bem
ao encontro dos anseios dos educadores da escola que desejavam redimensionar as ações
curriculares da escola numa perspectiva mais coletiva, crítica e significativa para os
educandos.
102
CAPITULO 4: RECORTES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA VIA TEMA GERADOR:
Planejamento, registros, produções e análises
O movimento de reorientação curricular a partir da elaboração dos temas geradores
materializou-se na RME através de inúmeras experiências diferenciadas nas escolas e
envolvendo os diversos níveis de ensino. Vejamos como se deu os diversos momentos do
processo de reorientação curricular na E.M. João Carlos Batista, lócus desta pesquisa.
1- O MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA TEMA GERADOR
NA E. M. JOÃO BATISTA
A busca pela reorientação do currículo para uma perspectiva mais social, crítica,
democrática e popular vinha sendo uma constante desde o início do governo municipal
popular em 1997. No entanto, o processo de reorientação curricular a partir do trabalho
interdisciplinar com o tema gerador, na perspectiva freireana, começou a ser fomentado na
RME em 1999, tendo encontrado eco principalmente na EJA.
Em 2001, adentrou o ensino fundamental e educação infantil pela adesão à proposta
dos educadores de diversas escolas que desenvolveram experiências interessantíssimas do
ponto de vista da inovação na construção curricular, coletiva e crítica. A partir dessas
experiências primeiras, houve um crescimento significativo na adesão das escolas ao trabalho
com o tema gerador, totalizando 39 escolas até 2004, das 59 existentes na RME .Vale lembrar
que a Secretaria Municipal de Educação –SEMEC de acordo com os documentos analisados,
tomou como diretriz para a sua política pública curricular a partir de 2001 a reorientação do
currículo praticado nas escolas via temas geradores, visando uma construção social do
conhecimento, capaz de promover mudanças sociais efetivas. No entanto cada escola, através
de deliberação coletiva, poderia aderir ou não a esse movimento, ou apresentar a sua proposta
curricular. As demais escolas também buscavam formas mais significativas e contextualizadas
de desenvolver seu currículo, quer seja através de eixos-temáticos, pedagogia de projetos ou
outras formas de organização curricular.
A Escola Municipal Dep. João Batista, iniciou o trabalho com o tema gerador em
dezembro de 2002, com a realização da sua pesquisa sócio-antropológica, seguida da
montagem da rede temática para posterior redução temática durante a jornada pedagógica de
2003, até chegar nas salas de aulas.
103
A reorientação curricular na escola na perspectiva interdisciplinar através do tema
gerador passou por todo um processo de conquista e sedução, primeiramente com os
professores e depois com a comunidade escolar como um todo, movido pela presença efetiva
da assessoria e consultoria técnico-pedagógica por parte da Coordenadoria de Educação-
COED.
O interesse dos professores da escola João Batista pelo tema gerador teve início nos
encontros de formação continuada promovidos pela COED, onde professores de outras
escolas socializavam as experiências bem sucedidas com o tema gerador. A partir daí, um
grupo de professores tomou a iniciativa de lançar-se ao desafio e começar as discussões com
os demais educadores, com vistas à implementação da reorientação curricular via tema
gerador naquela escola.
Houve muita resistência por parte dos demais educadores, vista como parte do
processo dialético de conquista:
A gente tinha que convencer os outros a partir do trabalho, não adiantava
dizer: É legal!Mas, mostrando a importância do trabalho, se engajando nele.
(Prof.ª Rosana)
Segundo avaliação oral da COPED da escola, o medo do novo não passa pela
competência dos professores, mas pelas suas concepções pedagógicas e convicções pessoais.
Os professores que resistiram mais fortemente ao trabalho com o tema gerador, foram aqueles
que nunca trabalharam com a proposta, nem nesta, nem em outras escolas. Neste caso, a
resistência pode ser entendida como uma reação natural de sobrevivência. Havia também uma
certa resistência política, uma vez que para alguns, a proposta do tema gerador foi colocada de
forma muito determinante e impositiva para os professores da RME.
Há também consenso entre os educadores da Rede de ensino como um todo, de que a
proposta de reorientação curricular via tema gerador é muito mais trabalhosa, pois exige do
professor atualização e pesquisa constante, como podemos inferir no depoimento abaixo:
É igual à avaliação processual: resistem porque é muito mais trabalhoso. É
mais cômodo para o professor passar uma prova e pronto! (Professora Sílvia
– COPED)
Na Escola João Batista, houve ainda um fenômeno interessante: apesar de haver todo
uma organização para o planejamento por ciclo e área de conhecimento, os professores se
agrupavam para planejar por afinidades pessoais e pedagógicas e não necessariamente com
seus pares. Assim, professores dos diversos ciclos planejavam junto as suas aulas, dando uma
outra dimensão à perspectiva propedêutica naquela instituição.
104
Esta é considerada uma das experiências mais significativas para os professores, pela
oportunidade de formação coletiva e interativa que tiveram, onde, por exemplo, o professor de
língua portuguesa aprendeu com as professoras alfabetizadoras e vice-versa. Também houve
resultados muito positivos no que se refere ao processo ensino-aprendizagem, uma vez que
melhorou o rendimento dos alunos envolvidos nas atividades do trabalho com o tema gerador.
Tal melhoria é atribuída, segundo os professores colaboradores, à nova forma de abordagem
dos tópicos do conhecimento e à sua dinamização e diversificação metodológica que rompe
com a prática tradicional pautada na cultura da cópia:
A criança reage negativamente ao estigma de ter que vir para a escola ouvir
e copiar, copiar. Os pais é que gostam disso...(Prof.ª Vera)
A participação dos alunos e alunas não se restringiu às atividades de sala de aula,
mas se estendeu pelas diversas fases do processo, da pesquisa sócio antropológica à
relaboração do conhecimento construído.
A pesquisa sócio-antropológica consiste numa investigação de campo nas ruas do
bairro onde a escola está situada, para conhecimento in loco da realidade vivida pelos seus
moradores, bem como, compreender a sua percepção do real. No final de 2002, a escola João
Batista organizou a sua ida a campo em grupos distribuídos no espaço geográfico do bairro,
contando com a participação de professores, funcionários, representações de alunos, pais e
mães. Para as entrevistas, os pesquisadores optaram por elaborar coletivamente um roteiro de
entrevistas semi-estruturado, contendo questionamentos para conhecer melhor as situações-
problema mais recorrentes no bairro. Também houve uso de recursos audiovisuais como
gravador e máquina fotográfica.
Após o registro das falas significativas, as mesmas foram trazidas de volta para a
escola e socializadas através de relatórios dos diversos grupos para o coletivo de alunos,
professores e funcionários, sendo ampliadas em seus conteúdos. Durante a jornada
pedagógica de 2003, houve a seleção das falas mais significativas, até chegar à seleção da fala
mais abrangente, ou seja: o tema gerador. Os critérios para seleção das falas compreendiam
três categorias de análise: falas descritivas, analíticas e propositivas. Para montagem da rede
de falas foram priorizadas as falas analíticas e propositivas mais recorrentes, bem como
observados os limites explicativos presentes nelas e as suas possibilidades de desconstrução.
105
A fala considerada mais abrangente e sintética ao mesmo tempo, por isso eleita como
o tema gerador foi a seguinte: Aqui é uma ilha perdida porque estamos cercados de asfalto,
saneamento e conjuntos bons, e aqui é esquecido sempre!”, saiu da pesquisa realizada pelos
professores do anexo na rua Henrique Dias, proferida por uma moradora e pequena
comerciante do bairro.
Em seguida à montagem da rede de falas já com a elaboração do contratema, meta de
intervenção dos educadores, foi feita a elaboração da rede de relações com a macro estrutura
social, atentando para o contexto local, meso e macro de organização da sociedade. Nas
palavras de Paulo Freire, é possível dizer que se trata de um momento de codificação e
descodificação da realidade, fazendo relações na tentativa de uma visão de totalidade,
superando limites recorrentes na prática pedagógica cartesiana de muitos educadores:
Não
lhes era possível ultrapassar a sua experiência existencial focalista, ganhando a consciência da
totalidade.” (FREIRE, 1983, p. 130)
.
106
REDE TEMÁTICA DA ESCOLA MUNICIPAL JOÃO BATISTA
FIGURA 15- QUADRO 06: REDE TEMÁTICA DE FALAS SIGNIFICATIVAS DA COMUNIDADE DA ESCOLA MUNICIPAL JOÃO CARLOS BATISTA.
"Aqui é preciso uma área de
lazer para os jovens. Eles
vivem jogados por sem Ter
opção para se divertir".
O prefeito não liga para
quem mora na Cabanagem.
Eu escolhi este bairro por causa
das condições financeiras. Só tive
condições de comprar aqui."
TEMA GERADOR
Aqui é uma ilha perdida porque estamos cercados de asfalto
saneamento e conjuntos bons e aqui é esquecido sempre.
Vida de pobre é assim
mesmo. Jesus disse que
o fim do mundo seria
assim mesmo.
“As crianças dez, onze
horas da noite, estão na
rua cheirando cola”.
O governo não paga
os médicos, aí eles
não atendem bem os
clientes.
"Eu acho que o culpado é o
povo que não luta pela
melhoria do bairro e o
presidente do centro
comunitário. Eu não vejo luta
por nenhuma melhoria"
.
Colocar uma boa escola, pois
o ensino é fraco e todo mundo
reclama existe muita reunião".
Eles só procuram o povo em época
de eleição. Depois nem ligam, não
cumprem o que prometem.
A comunidade deveria se ajudar uns
aos outros. O governo olharia pra cá.
O policial diz que tem que
pagar mais para ter segurança.
Se pagar, a delegacia volta a
funcionar.
"Eu queria que mudasse essa
delegacia, tivesse mais atendimento.
Parece que não moram pessoas.
Aqui tá abandonado".
"A violência é o maior
problema. A culpa é dos pais de
não conversarem com os filhos
e a falta de emprego, pois
existem muitos jovens.”
desocupados".
CONTRATEMA
Os problemas do bairro estão circunscritos em uma esfera
macro da situação econômica e social do país, no qual o
modelo econômico, não privilegia a maioria da população
resultado das políticas públicas que não atendem as demandas
sociais, o que ocasiona falta de saneamento, violência e o
processo de ocupação urbana desordenada. A resolução destes
problemas não depende somente das ações governamentais,
mas também das ações coletivas da comunidade.
107
FIGURA 16-QUADRO 07: REDE DE RELAÇÕES DA MACROESTRUTURA SOCIAL DA ESCOLA MUNICIPAL JOÃO CARLOS BATISTA
CULTURA
CONVIVÊNCIA
LAZER
DESEMPREGO
PARTICIPAÇÃO
POPULAR
RELAÇÕES SOCIAIS
URBANIZAÇÃO
ORGANIZAÇÃO
SOCIAL
POLÍTICAS
TRABALHO
MODELO SÓCIO
-
ECONÔMICO
MORADIA
DIREITOS HUMANOS
DISTÂNCIA
PRECONCEITO
ORGANIZAÇÃO
COMUNITÁRIA
SEXUALIDADE
EXCLUSÃO
QUALIDADE DE VIDA
VIOLÊNCIA
MARGINALIZAÇÃO
EDUCAÇÃO
DESESTRUTURA
FAMILIAR
SEGURANÇA
SANEAMENTO
108
Nesta rede temática, os educadores a parir das falas significativas elegeram três
grandes categorias da macroestrutura social: cultura, trabalho, moradia de onde se desdobram
varias outras como: exclusão, educação, saneamento, desemprego, violência,etc. Isto é, as
situações-problema vivenciadas na comunidade não estão isoladas da conjuntura da cidade,
do país e são determinadas pelas relações sócio-politico-econômica da nossa sociedade.
Após a montagem da rede temática, os educadores passaram para o processo de
redução temática, que consiste na desconstrução através da problematização das falas
significativas, decompondo-as para melhor conhecê-las, tomando distância para “ver melhor”
as situações-problema na sua totalidade.
Os temas, sendo em si totalidades, também são parcialidades que em
interação, constituem as unidades temáticas da totalidade programática.
Na redução temática, que é a operação de “cisão” dos temas enquanto
totalidades, se buscam seus núcleos fundamentais, que são suas
parcialidades. Desta forma, voltando-se a ele como totalidade, melhor
conhecê-lo. (FREIRE, 1983, p. 137
Na tentativa de melhor conhecer as situações-problema, se busca também perceber
os espaços epistemológicos, ou seja, os conhecimentos implicados naquela realidade para
melhor explicá-la e/ou transformá-la. Não se faz uma pesquisa sócio-antropológica apenas
para conhecer mais de perto os problemas daquela comunidade, mas também para selecionar
os tópicos do conhecimento pertinentes, tornando o currículo escolar mais significativo por ir
ao encontro das necessidades cotidianas do educando sem, contudo, limitar-se a ela.
Um instrumento bastante utilizado pelas diversas escolas é o quadro de
problematização das falas significativas, organizado pelo coletivo de educadores sem
distinção de nível de formação e atuação ou área de conhecimento. Por vezes conta também
com a participação funcionários e representantes dos pais, alunos e das organizações da
comunidade.
A problematização das falas,consiste no momento de maior expressão do
planejamento interdisciplinar, por promover o diálogo entre os diversos sujeitos que
compõem a comunidade escolar, ocorrendo muitas vezes inversão de papéis, onde alunos,
pais ou funcionários, moradores do bairro, com conhecimento vivencial do mesmo, tornam-se
os mediadores do conhecimento junto aos professores. Tais discussões e estudos servem de
guia para a elaboração dos planejamentos de suas disciplinas.
Vejamos abaixo um exemplo de redução temática, na fase de problematização de
uma das falas, retirada da rede temática:
109
QUADRO DE PROBLEMATIZAÇÃO DE FALAS SIGNIFICATIVAS:
ESCOLA MUNICIPAL JOÃO CARLOS BATISTA
TEMA GERADOR: “Aqui é uma ilha perdida porque estamos cercados de asfalto, saneamento e conjuntos bons.
Aqui é esquecido sempre”
CONTRA TEMA: Os problemas do bairro estão circunscritos em uma esfera macro da situação econômica e social do
país. A resolução destes problemas não depende somente das ações governamentais, mas também de ações coletivas da
comunidade.
FALA
SIGNIFICATIVA
VISÃO DA
COMUNIDADE
VISÃO DO
EDUCADOR
PROBLEMATIZAÇÃO TÓPICOS DO
CONHECIMENTO
ÁREAS DE
CONHECIMENTO
Colocar uma
boa escola, pois
o ensino é fraco
e todo mundo
reclama.”
O ensino é fraco
porque a escola
não é boa.
Há falta de
interesse da
comunidade em
participar das
atividades
pedagógicas da
escola, por isso
não compreende a
proposta de
ensino.
Qual o nível de
participação dos pais
na educação escolar
dos filhos?
Qual o papel da
escola na educação
dos alunos?
O que é um “ensino
fraco”?
O que é um bom
ensino?
Qual o papel do
educador?
Função social:
família e escola.
Definição de
“família”:
composição,
tipos, hierarquia,
direitos e
deveres.
Fenômenos
sociais:
mudanças
culturais
Códigos e
linguagens;
Ciências da
sociedade.
FIGURA 17-QUADRO 08: PROBLEMATIZAÇÃO DAS FALAS SIGNIFICATIVAS PARA O CICLO 4
110
Como é possível perceber, a problematização da fala: “Colocar uma boa escola, pois
o ensino é fraco e todo mundo reclama.’, remeteu o grupo de educadores a questionar e
investigar qual é a representação para os pais e alunos atualmente do que seja uma boa escola,
bem como, a discussão acerca de qual seria então a função e a responsabilidade social da
escola e da família.
De acordo com os pressupostos dos professores colaboradores desta pesquisa,
recorrentemente ainda presente nas falas e atitudes dos pais, um estranhamento da nova
organização e funcionamento da escola em ciclos de formação em vez de séries, com
avaliação processual em vez das tradicionais provas, com conhecimentos mais subjetivos em
vez dos tradicionais cálculos e regras descontextualizadas. Tudo isso entra em choque com o
modelo de escola incutidos em suas memórias. Eles querem ver o caderno dos filhos cheios
de atividade...
No entanto, os professores assinalam também que os pais e mães que freqüentam
mais a escola, já compreenderam melhor como funciona a escola Cabana e até gostam mais.
Para os professores, a escola precisa oferecer um ensino de qualidade cumprindo a
sua função social de inclusão através da promoção do acesso ao conhecimento sistematizado,
porém é fundamental a participação e o acompanhamento da família:
“Os pais das escolas particulares, vêem os estudos dos filhos como
investimento, acompanham, cobram. Se não houver cobrança em casa,
aqui fica difícil de cobrar.” (Prof. Antônio)
A função e a responsabilidade social da família enquanto instituição formadora é
colocada em cheque pelos professores, assim como os pais também questionam a função da
escola:
A escola não deve ensinar apenas a ler e escrever e fazer conta, mas
também educação, que a mãe em casa, mas também pode ser dado na
escola, né?
(D. Luzia, mãe de aluna)
111
Mais uma vez recorremos aos pressupostos de Mariano Enguita (2004) referentes à
necessidade de relativizar a responsabilidade de educar em tempos incertos, uma vez que a
pluralidade de objetivos dos setores envolvidos, a rápida sucessão das reformas institucionais,
as incertezas quanto à incumbência profissional, o multiculturalismo e a globalização
ascendente desenham um novo cenário, ao mesmo tempo atrativo e ameaçador, pleno de
oportunidades, mas entremeado de riscos. Atualmente, a mudança social ultrapassa o ritmo da
mudança escolar; o valor do trabalho oscila na sociedade do conhecimento; família e escola
não conseguem encontrar o caminho do diálogo; os critérios de igualdade e justiça estão mal
acomodados na escola; as organizações escolares estremecem diante das turbulências do seu
entorno; a profissão docente se debate em busca de uma identidade satisfatória.
Neste sentido, faz-se necessário um certo distanciamento, porém com profundidade,
para analisar os processos de mudança em que estão imersas a instituição escolar e a profissão
docente, bem como, as organizações e estruturas familiares para, deste modo, restituir a
ambas o papel ativo que já tiveram no desenvolvimento social. (Ibid).
Vejamos os desdobramentos e possibilidades curriculares desta fala significativa:
Colocar uma boa escola (pública), pois o ensino é fraco e todo mundo reclama” em sala
de aula, na abordagem realizada com alunos e alunas do ciclo 4 (14 a 16anos) pelo professor
da disciplina Português, centrada na investigação da função social da família fomentada pela
pergunta geradora: Qual o nível de participação dos pais na educação escolar dos filhos?
112
B -EXPERIÊNCIA 1: CICLO DE FORMAÇÃO 4
FIGURA 18- QUADRO 09: PLANO DE AULA DA DISCIPLINA PORTUGUÊS PARA O CICLO 4
TRABALHO COM O TEMA GERADOR: ESCOLA CABANA Belém –Pa
PLANEJAMENTO DE AULAS: E.M. João Carlos Batista
ÁREA DE ATUAÇÃO: Aula de Português C 4 (2° ano)
FALA SIGNIFICATIVA
: Colocar uma boa escola, pois o ensino é fraco e todo mundo reclama.
TÓPICO DO CONHECIMENTO: Entendendo família (função social)
INTENCIONALIDADE: Possibilitar aos educandos o entendimento do papel social da
família e a importância desta, na formação do cidadão.
ESTUDO DA REALIDADE –(ER):
O que é família?
Quais os tipos de família que existem?
Como se dá a hierarquia familiar?
Quais os direitos e deveres dentro da família?
ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO (OC):
Redação de um texto sobre seu entendimento de família;
Análise e discussão do texto;
Entrevista com a família (questionário);
Socialização e análise dos resultados;
Associação: grafia e fonema;
Discussão dos capítulos do E.C.A ( Estatuto da Criança e do adolescente), referentes
à família e ao papel do Conselho Tutelar;
Criação de um texto abordando como é formada a sua família, a sua participação
dentro dela, as relações afetivas e a convivência dentro do ambiente familiar.
APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO (AC):
Existe família ideal?
Como é a sua família?
Quais os direitos e deveres de uma família/
Como é o acompanhamento dos pais/responsáveis na sua educação escola?
Qual o seu nível de participação dentro da sua família?
113
Esta aula, na verdade um conjunto de aulas, realizada em 2003 com alunos e alunas
de 14 a 16 anos rendeu, segundo o professor, muitos questionamentos e discussões acerca da
movença na conceituação de família nos dias de hoje e o sentimento de pertença, tão confuso
para os jovens que em geral se identificam muito mais com as “turmas”, “galeras” e os outros
grupos do que com seu grupo de origem: a família.
Após estudos, análises, discussões e pesquisas acerca da função da família na
formação dos sujeitos, enfatizando as diferenças e contradições existentes em cada cleo
familiar, no momento da aplicação do conhecimento-AC, onde se prevê uma tomada de
consciência e conseqüente mudança no comportamento dos educandos, o professor os
provocou com a seguinte temática para redação: Existe família ideal?
Vejamos um dos exemplares dessas redações produzidas pelos alunos e alunas:
FIGURA 19 – ILUSTRAÇÃO 05 REDAÇÃO DE ALUNO SOBRE O TEMA: EXISTE FAMÍLIA IDEAL?
É interessante percebermos a representação social de “família” deste aluno, pautada
na organização e distribuição do trabalho de dentro e de fora da casa. Apesar dele ter afirmado
que não existe família ideal, no discurso sobre sua família não apresenta elementos de
contradição que revelem alguma desarmonia ou algo que nos faça perceber que a sua família é
real e não “ideal”, sujeita a problemas e dificuldades, como todas as outras.
Ainda na perspectiva da aplicação do conhecimento –AC houve ainda sensibilização
para uma melhor convivência em casa, pelo respeito às diferenças, bem como, para percepção
da função de cada aluno como membro de sua família, ou seja, seus direitos e deveres, como
fica bem evidente nesta redação observada acima.
TRANSCRIÇÃO DA REDAÇÃO
:
Não porque a família é a comunidade formada
pelos pais e responsáveis a qualquer deles e suas
pessoas.dentro da família.
Mas família Ideal não existe!
A minha família, é uma família em que todos
ajudam um pouco, cada um faz sua parte. Todos
ajudam;meu pai, minha mãe, eu, meu irmão.
Todos tem uma função, uns ajudam na casa,
outros no mercado. E meu pai trabalha de padeiro.
No caso, da minha casa todos ajudam uns
ajudam a fazer tarefa da casa. Outro trabalham
capinando quintal e eu trabalho na feira. onde vendo
frutas!
Lá em casa todos a fazem alguma coisa. Cada um faz a
sua tarefa na casa
114
Uma vez definida a função da família, foi a vez de abordar a função da escola:
FIGURA 20- QUADRO 10: PLANO DE AULA PARA A DISCIPLINA PORTUGÊS NO CICLO 4
Como resultado dessas investigações acerca da função da família e da escola, a partir
da desconstrução da fala significativa “Colocar uma boa escola, pois o ensino é fraco e todo
mundo reclama.”, envolvendo pais e alunos houve, segundo o professor colaborador, uma
certa ressignificação nos valores e no entendimento dos papéis destas instituições na formação
dos educandos, bem como, melhoria no comportamento dos mesmos no tocante à tolerância
nas relações dentro e fora da escola. Esta experiência que acabamos de relatar ocorreu com os
(pré) adolescentes do ciclo de formação 4, mas a redução temática através do quadro de
problematização é realizada por todos os veis de ensino, adequando às suas especificidades
de faixa etária, recursos, experiências prévias, entre outras coisas.
Vejamos agora como se deu a reorientação curricular na Educação Infantil:
TRABALHO COM O TEMA GERADOR: ESCOLA CABANA Belém –Pa
PLANEJAMENTO DE AULAS: E.M. JOÃO CARLOS BATISTA
ÁREA DE ATUAÇÃO: Aula de Português C 4 (2° Ano)
FALA SIGNIFICATIVA: Colocar uma boa escola, pois o ensino é fraco e todo mundo reclama.
TÓPICO DO CONHECIMENTO: Função social da Escola, contraponto histórico.
INTENCIONALIDADE: Esclarecer a comunidade escolar acerca do funcionamento da escola, a fim de
que a mesma compreenda e possa interagir no ambiente educativo.
ESTUDO DA REALIDADE:
O que é escola?
Qual a importância da escola?
Há diferença entre a escola antiga e a atual?
Quais os direitos e deveres dos sujeitos que compõem a escola?
Como é nosso ambiente escolar?
ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:
Pesquisa de fotos de escolas antigas e atuais;
Texto narrativo: Como era a escola no tempo de seus pais ou responsável?
Análise e contextualização dos textos;
Leitura, expressão oral e escrita, associação grafia e fonema, dificuldades ortográficas.
APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO:
Todos têm direito à escola?
O que é um ensino fraco, o que é um bom ensino?
Qual a função da escola?
115
C- EXPERIÊNCIA2: EDUCAÇÃO INFANTIL
Os professores e professoras da Educação Infantil que atuavam no prédio do Centro
comunitário João Batista, anexo da escola desde 1997, partiram da mesma fala significativa e
além da problematizações já apresentadas, elaboraram outras questões geradoras que por sua
vez proporcionaram uma outra abordagem e outros desdobramentos pedagógicos
desenvolvidos durante o ano letivo de 2004. A concepção de Educação infantil que norteia o
trabalho da equipe do anexo, segundo os professores colaboradores, é a de considerar a
criança enquanto sujeito de direitos, devendo ser a escola e seu processo educacional um
espaço onde o desenvolvimento da mesma ocorra de forma a garantir a sua plena inserção no
meio social, através do respeito e estímulo às suas potencialidades cognitivas, artísticas,
físicas e emocionais numa perspectiva emancipatória que contribua para o exercício pleno de
sua cidadania, através de seu desenvolvimento biopsicosocial. No momento das discussões foi
consenso entre os 4 professores envolvidos que toda criança tem direito a um ensino de
qualidade, o que lhes remeteu imediatamente ao Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA.-
e aos direitos fundamentais da criança, assegurados. Elaboraram o seguinte quadro de
problematização:
116
Na Educação Infantil (04 anos)
ESCOLA: Dep. João Carlos Batista
TEMA GERADOR: “Aqui é uma ilha perdida, porque estamos cercados de asfalto, saneamento e conjuntos bons e aqui é esquecido
sempre”
CONTRA-TEMA: Os problemas do bairro estão circunscritos em uma esfera macro da situação econômica e social do país. A resolução
destes problemas não depende somente das ações governamentais, mas também de ações coletivas da comunidade.
Fala
significativa
Visão da Comunidade Visão do Educador Problematização Tópicos do Conhecimento Áreas
“ Colocar uma
boa escola, pois
o ensino é fraco
e todo mundo
reclama”
A fala expressa a
insatisfação da
comunidade em relação à
qualidade do ensino. Para
a comunidade, a
qualidade do ensino está
diretamente relacionada à
aprendizagem da leitura e
escrita, na Educação
Infantil.
A função social da escola
e, Especificamente da
Educação Infantil,
é garantir o
desenvolvimento integral
da criança, em parceria
com a família,
possibilitando a
alfabetização em seu
sentido mais amplo.
- O que é uma boa
escola?
- Qual a função social
da escola?
- O que você mais gosta
na escola?
- O que você não gosta
na escola?
- O que é um ensino
fraco?
- O que você acha do
trabalho do(a)
professor(a)?
- Qual a função da
família na escola?
- O que a família pode
fazer para ajudar a
melhorar o ensino na
escola?
1. Relação família e escola:
- Direitos e deveres da
família em relação à
criança(cuidar/educar)
2. Direitos e deveres da
escola em relação à
criança(cuidar/educar)
3. Direitos e deveres da
criança (LDB/ ECA).
Ed. Infantil
Jardim 1 e 2
e ciclo 1(06
anos).
FIGURA 21- QUADRO 11: PROBLEMATIZAÇÃO DE FALA SIGNIFICATIVA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL.
117
De posse desse quadro de problematização, foi o momento de organizar as aulas e
definir a metodologia mais adequada para ser utilizada com as cerca de 150 crianças do
Jardim 1 e 2 (4 e 5 anos) e do Ciclo 1 (6 anos). Sistematizaram um único plano de aulas para
ser aplicado pelos quatro professores:
:
Figura plano de aulas para a Educação Infantil.
Figura Plano de aula para a Educação Infantil.
FIGURA 22- QUADRO 12: PLANO DE AULA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL.
Fica evidente neste plano de aula a preocupação por parte dos professores em
desmistificar a concepção de Educação Infantil inferida pelos pais, centrada na alfabetização
tradicional, sem considerar o lúdico e outras metodologias como viabilizadoras do processo
de construção do conhecimento da criança.
Para reafirmar seus pressupostos, construíram seu planejamento das aulas centrado
em atividades lúdicas, tais como: contação e recontação de histórias, desenhos e pinturas,
brinquedos cantados e expressão oral.
TRABALHO COM O TEMA GERADOR: ESCOLA CABANA Belém –Pa
PLANEJAMENTO DE AULAS: E.M. JOÃO CARLOS BATISTA (Anexo)
ÁREA DE ATUAÇÃO: Educação Infantil (Jd.1 e 2) Ciclo 1 (06 anos)
FALA SIGNIFICATIVA: “Colocar uma boa escola, pois o ensino é fraco e todo
mundo reclama.
TÓPICO DO CONHECIMENTO: Função social da família e da Escola.
INTENCIONALIDADE: Esclarecer a comunidade que a função social da escola é
garantir o desenvolvimento integral da criança, em parceria com a família.
ESTUDO DA REALIDADE:
Conversa informal em “rodinha”, com as seguintes perguntas:
O que tem na nossa escola?
Do que tem na escola, o que você mais gosta?
O que você não gosta na escola?
O que você gostaria que tivesse na escola?
De quem você mais gosta na escola?
Desenho sobre: “A escola que temos e a escola que queremos.”
ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:
1. Relação família e escola:
Direitos e deveres da família em relação á criança (cuidar/educar)
Direitos da criança (ECA Declaração Universal da ONU)
Contação de Histórias (Contos de fadas)
Brinquedos cantados;
Produção de desenhos e pinturas;
Registro das falas significativas.
APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO:
Construção de um álbum a partir de uma história coletiva sobre os direitos da
criança.
Encontro com os pais para socialização das discussões.
118
Tomaram como ponto de partida os direitos fundamentais da criança contidos no
Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA, relacionando cada direito com um conto de fadas
clássico:
- Do Direito à vida e à saúde: Branca de Neve (Irmãos Grimm);
- Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade: Patinho Feio (
Hans Christian Andersen)
- Do Direito à convivência familiar e comunitária: João e Maria (Irmãos Grimm);
- Do Direito à Educação, à cultura, ao Esporte e ao Lazer: Cinderela (Irmãos Grimm);
- Do Direito à profissionalização e à proteção no trabalho: A Menina e os Fósforos.
(Hans Christian Andersen).
FIGURA 23- FOT0 06: ALUNOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL DO ANEXO
No momento da “rodinha” se introduzia a temática do dia, através de questões
geradoras que ajudavam a perceber o que as crianças já sabiam sobre o assunto a ser abordado
e, por conseguinte, quais os destaques para o trabalho.
A metodologia trabalhada compreendia a leitura oral (contação) do conto pelo
professor (a), ilustrado com o livro. Em seguida, geralmente na aula seguinte, a história era
recontada pelas crianças. Depois, os professores começavam os questionamentos,
contextualizações e análises dos fatos, conduta das personagens e outros elementos através de
119
interpretação oral e coletiva destacando as situações-problema trazidas na história, para fazer
ligação com o direito fundamental relacionado. Alguns questionamentos eram levados para
casa para serem discutidos com os pais. Uma vez apresentado e assimilado o direito enfocado
através da história, a criança era convidada a registrar a sua compreensão através de desenhos,
pinturas, recorte e colagem, confecção de fantoches e livro ortogonal.
Finalizando as atividades, foram montadas dramatizações a partir das histórias
ouvidas, utilizando máscaras e fantoches, e depois houve apresentações para os pais e para a
comunidade pesquisada inicialmente, dando um retorno para a mesma.
Esse planejamento inicial, sofrendo algumas reformulações, rendeu aulas para o
primeiro semestre inteiro de 2004. A intenção maior era a de trabalhar os princípios da
cidadania em sala de aula de forma lúdica, através dos enredos dos contos de fadas. Cada
história suscitava questionamentos (pergunta-geradora) de acordo com os elementos que
trazia consigo e a contextualização e ligação com os direitos fundamentais da criança e do
adolescente que fazia o professor (a), envolvendo posteriormente a família na discussão,
através da participação nas pesquisas e nas reuniões de discussão.
Assim, as mesmas princesas, fadas e bruxas que povoam séculos o imaginário
infantil com suas aventuras e dramas, também ajudaram as crianças a entender os significados
de cidadania.
Como por exemplo, no conto da “Menina e os Fósforos”, também conhecido como a
“A Pequena Vendedora de Fósforos” de Hans Christian Andersen, que conta a história da
pobre menina que sai vendendo fósforos em uma véspera de ano novo, nas ruas geladas de
uma cidade, que vislumbra deslumbrada, pelo vidro embaciado das janelas, a ceia posta nas
casas burguesas, e com profunda fome fica encantada e nos encanta, a pequena vendedora de
fósforos risca palito por palito, a princípio para aquecer-se na noite fria. Mas a cada clarão
tem visões reconfortantes, inclusive da avó falecida; a cada luz de fósforo, uma esperança
fugaz. Risca boa parte dos fósforos que possui. percebendo possibilidades de vida nova
enquanto dura cada pequenina chama de luz. Na manhã do Ano Novo, dentre os que
observam o cadáver da menina e os fósforos riscados, alguém indaga: “Ter-se-á querido
aquecer?”
120
FIGURA 24- ILUSTRAÇÃO 06: DESENHO DE ALUNA
Do Direito à profissionalização e à proteção no trabalho: A Menina e os Fósforos.
“A vovó veio buscar a menina que trabalhava na rua...” Julianne 04 anos:
Houve muita consternação por parte das crianças e questionamentos sobre a morte.
Não admitiam a morte da menina. Alguns arriscaram dizer que a sua a veio buscar a
menina, tirá-la da rua e levá-la a sua casa, para aquecê-la e dar-lhe comida. Houve muita
discussão também acerca do trabalho infantil, do por quê a menina precisava trabalhar na rua,
por que tinha medo de voltar pra casa (relação com a família). Em seguida foi apresentado o
texto do ECA sobre o direito à profissionalização e à proteção no trabalho.
Outro momento interessante do trabalho foi com o conto “João e Maria” que conta a
história de dois irmãos, que perderam a mãe e vivem com seu pai, um pobre lenhador, e a sua
madrasta às margens de uma floresta. Em tempos de dificuldade, a falta de alimento os leva a
uma solução um tanto quanto drástica: abandonar os filhos na floresta por não ter como
alimentá-los. Na continuação do conto, João e Maria, conhecendo o triste objetivo de sua
madrasta, decidem marcar o caminho para conseguir voltar. Da primeira vez com sucesso, ao
usarem pedras brancas. Na segunda, com pão. Mas os passarinhos comem as migalhas e as
crianças ficam perdidas na floresta até encontrarem a casa de doces que pertencia a uma velha
bruxa, que por sua vez tentou devorá-los, mas espertos, os dois reverteram a situação
enganando e matando a bruxa, ficando com todos os seus pertences. Retornaram a casa, se
reconciliaram com o pai e salvaram a família da fome e da miséria.
121
FIGURA 25- ILUSTRAÇÃO 07: DESENHO DE ALUNO
Do Direito à convivência familiar e comunitária: João e Maria.
Todas as crianças tinham que ter família, alguém que cuidasse delas.” Ygor 05 anos
Não foi muito difícil relacionar este conto com o Direito à convivência familiar e
comunitária, pois muitas crianças se identificaram com o conto, pela situação de pobreza e
desestrutura familiar em que algumas vivem. Nessa faixa etária ainda não possuem
discernimento suficiente para compreender as diferenças sociais causadas pela organização
social excludente, fruto da distribuição de renda. Assim, não conseguem aceitar a idéia de
que possa haver crianças sem casa e comida, mesmo que essa não seja uma realidade muito
distante deles.
Passando para a saga de Branca de Neve, que por ser a mais bela do reino, desperta a
inveja mortal da rainha, sua madrasta tem que se refugiar na casa dos sete anões, sendo
perseguida ainda pela madrasta que lhe oferece uma maçã envenenada e a única coisa que lhe
salvaria seria um beijo de amor. E eis que surge num cavalo branco, o seu herói, o príncipe
encantado que lhe beija e lhe desperta de seu sono mortal, casam-se e vivem felizes para
sempre.
122
FIGURA 26- ILUSTRAÇÃO 08: DESENHO DE ALUNA
Do Direito à Vida e à Saúde: Branca de Neve.
A princesa comeu a maça envenenada, mas ela viveu. Criança não pode morrer!
Lorena -04 anos)
Foi imediato a relação deste conto com o direito à vida e à saúde. A exemplo da
“Pequena vendedora de Fósforos”, as crianças não admitiam a idéia da morte da Branca de
Neve. Se não surgisse o príncipe, elas inventariam qualquer outra coisa para salvá-la, pois a
viam como uma criança – talvez pela convivência com os anões- e criança não pode morrer...
O Patinho Feio é um outro conto de Hans Christian Andersen, talvez o mais famoso
deles, considerado por muitos uma autobibliografia, e conta a história de um patinho
considerado trapalhão e feio pelos outros animais e por isso foi rejeitado e posto para fora do
galinheiro, tendo se submetido a toda sorte de acontecimentos até crescer e descobrir que na
verdade ele era um lindo cisne negro. Também foi fácil relacionar ao direito à liberdade, ao
respeito e dignidade. Muitas crianças se sentem diferentes, desajeitadas e por isso pouco
aceitas nos grupos na escola, na rua. Então para elas é mesmo um grande alento imaginar que
podem ser cisnes disfarçados de patinhos feios e que algum dia alguém irá reconhecer isso.
123
Um fato interessante que ocorreu com a abordagem dessa temática foi que, havia
uma criança com necessidades especiais na turma e após a sensibilização e a discussão, as
crianças naturalmente passaram a perceber e respeitar melhor as diferenças, o que facilitou e
favoreceu a convivência com essa criança que antes brincava mais sozinha e que tornou-se
uma das mais populares do anexo (vide figura 27 ). Todo mundo queria ser seu amigo (a), eles
aprenderam um pouco mais a lidar e ser mais acessível à ela, e a incluí-la mais nas atividades.
Foi um grande aprendizado para educandos e educadores.
FIGURA 27- ILUSTRAÇÃO 09: DESENHO DE ALUNA
Do direito à liberdade, ao respeito e dignidade: Patinho Feio.
O patinho feio encontrou muitos amigos que gostavam dele.”Thais 04 anos
124
No conto Cinderela, moça muito bonita que vive com uma madrasta muito má e suas
duas filhas, feias e invejosas. Também é conhecida como a Gata Borralheira, referindo-se às
cinzas que a suja, toda vez que precisa limpar a casa. Cinderela sofre muito nas mãos das três,
tendo que fazer todo o trabalho sozinha. Até que um dia, o príncipe do reino resolve fazer um
baile para escolher uma noiva. Cinderela se animou toda para ir, mas as “irmãs” e madrasta a
proibiram e de qualquer forma ela não teria sequer um vestido para a festa. Quando tudo
parecia perdido, surge a sua fada madrinha que transforma seus trapos num vestido majestoso,
uma abóbora em sua carruagem e pronto: transformara-se numa bela pretendente ao príncipe.
Tudo ia bem, até que soaram as doze badaladas da meia noite e Cinderela teve que sair
correndo antes que o encanto acabasse, deixando para trás somente um sapatinho de cristal
que transformou-se na única pista para o príncipe encontrá-la. Casaram-se e forma felizes
para sempre!
FIGURA 28- ILUSTRAÇÃO 10: DESENHO DE ALUNA
Do Direito à Educação, à cultura, ao Esporte e ao Lazer: Cinderela .
As crianças gostam de festas e os grandes têm que respeitar as crianças.Laís 04 anos
125
Este conto foi relacionado ao direito à Educação, à cultura, ao Esporte e ao Lazer. A
exemplo da Pequena Vendedora de Fósforos, também trouxe à tona a discussão acerca do
trabalho infantil, dentro e fora de casa. O professor perguntava: Quem faz o serviço de casa?
Quem ajuda? Do que brincam em casa? E assim, de acordo com as respostas das crianças ia
trabalhando os conceitos. Também houve um questionamento acerca do conceito de família.
Por quem é formada? Precisa ter laços de sangue? Quando não tem pai, mãe ou os dois, a
avó, não é família? As crianças chegaram à conclusão que família são todos aqueles que
moram com a gente.
A avaliação pedagógica ocorreu através da observação do interesse e
desenvolvimento da criança e de seu desempenho nas atividades realizadas. Também foi
possível perceber, segundo os professores colaboradores, o envolvimento e a mudança de
concepção dos pais quanto à questão da alfabetização e, por conseguinte, houve um novo
olhar acerca da qualidade do ensino na escola, como podemos inferir no depoimento da
professora:
A gente colhe o resultado na fala dos pais que se mostram bem mais
satisfeitos com o trabalho da escola. Em reunião eles dizem que as crianças
estão bem empolgadas, comentam em casa as discussões da escola,
reconhecem seus direitos e não querem nem trabalhar em casa... (Professora
Laura, Educação Infantil – anexo)
Os professores também puderem avaliar o nível de assimilação das crianças através
de seus desenhos bastante expressivos que foram copilados e deram origem a um livro
artesanal. A recontagem oral das crianças, que segundo ainda os professores, já ganhava outra
“roupagem”, incluindo outros fatos que não apareciam no conto original, exercitando a sua
criatividade e/ou contextualizando com a sua própria vivência, trazendo para dentro a “vida
fora da escola”: pais separados, falta de cuidados, falta de recursos, conflitos em casa e outras
situações que muitas vezes, afetam a aprendizagem escolar.
Em geral, os professores avaliam que houve um maior interesse nas atividades por
parte das crianças e maior envolvimento dos pais, o que resultou numa aprendizagem
significativa para ambos, acrescentando também para a formação dos professores envolvidos.
Ainda segundo os professores colaboradores, o trabalho com o tema gerador é viável, até
mesmo com as crianças pequenas da educação infantil, e um ótimo dinamizador do trabalho
escolar.
126
4- EXPERIÊNCIA 3: NO CICLO DE FORMAÇÃO 1 (08 ANOS)
:
As discussões que perpassam o trabalho com o tema gerador sugerem muitas formas de
abordagem pedagógica, que combinam a faixa etária e o nível da turma à formação e
disposição e competência do professor, gerando recortes curriculares diversos que têm como
ponto de partida comum a escuta das falas significativas, mas que seguem cursos
metodológicos diferenciados em cada sala de aula. Vejamos então, as construções de
professores e alunos no ciclo 1.
127
ESCOLA MUNICIPAL DEP.JOÃO CARLOS BATISTA
TEMA GERADOR: Aqui é uma ilha perdida ,porque estamos cercados de asfalto, saneamento e conjuntos bons e aqui é esquecido sempre
CONTRA TEMA: Os problemas do bairro estão circunscritos em uma esfera macro da situação econômica e social do país. A resolução destes
problemas não depende somente das ações governamentais, mas também de ações coletivas da comunidade.
Fala significativa Visão da
Comunidade
Visão do
Educador
Problematização Tópicos do
Conhecimento
Áreas do
conhecimento
Aqui é preciso
uma área de lazer
para os jovens .Eles
vivem jogados por
aí, sem ter opção
para se divertir”.
*Falta no bairro uma
área de lazer onde os
jovens possam se
divertir e fugir do
ócio”.
*O Lazer é direito
de todos, pois
contribui para o
desenvolvimento
físico e mental
saudável”.
- O que é lazer?
- Qual a importância do
lazer?
-
O lazer é possível
dentro de uma área
específica?
- Qual a importância de
uma área de lazer no
bairro?
- Como a comunidade
pode reivindicar uma
área de lazer?
- Qual o papel das
lideranças comunitárias?
- Como a Escola pode
organizar–se de forma a
torna-se um espaço de
lazer?
- Bairro
- Políticas de lazer no
bairro: principais barreiras.
- Comunidade
- Trabalho Infantil
- Escola
- ECA (no que se refere ao
lazer)
- Qualidade de vida:
conteúdos do lazer.
- Trabalho
- Relações Sociais
- Linguagem Oral e Escrita
- Textos musicados
- Adição e Subtração
-Desenvolvimento humano
*Ciências da sociedade
*Códigos e Linguagens
*Ciências da Natureza
FIGURA 29 QUADRO 13: PROBLEMATIZAÇÃO DAS FALAS SIGNIFICATIVAS PARA O CICLO 1
128
Inicialmente a professora Vera escolheu a fala significativa: Aqui é preciso uma
área de lazer para os jovens. Eles vivem jogados por aí, sem ter opção para se divertirpor
remeter a uma situação já sabida por professores e alunos das dificuldades de lazer no bairro.
Pensou que poderia lhe render várias atividades lúdicas com as crianças e que isso seria muito
interessante para motivá-los à aprendizagem. No entanto, conforme relatou, não via
inicialmente grandes perspectivas pedagógicas de conteúdo no lazer, somente de brincadeiras,
mas buscou ajuda da coordenação pedagógica, fez pesquisa na biblioteca da escola e
descobriu muitos materiais acerca dos conteúdos: interesses sociais, os intelectuais, os físicos,
os manuais e os turísticos, bem como as barreiras para o lazer: a faixa etária, as diferenças
econômicas (as classes sociais), preconceitos de sexo, e principalmente a falta de espaços e
equipamentos para o lazer.
17
Uma vez fundamentada, e com uma visão mais ampliada das questões que envolvem
o lazer, a professora organizou as suas atividades, centrando não na falta de espaço para o
lazer, mas também na compreensão das práticas culturais de ontem e de hoje. Assim,
organizou junto com as crianças, um questionário para ser aplicado aos seus pais, que por sua
vez, “... diminuíram a cobrança pelo “caderno cheio”, porque eles perceberam que tinha
trabalho, conteúdo, pesquisa e eles estavam envolvidos também (Prof. Rosa).
Paralelamente, a professora também fez uma sondagem com as crianças em sala de
aula, para identificar a concepção e a prática de lazer predominante entre os seus alunos. Essa
investigação inicial junto aos pais e alunos serviu de diagnóstico para a professora e, segundo
ela, ajudou a apontar os caminhos que relacionavam ao lazer questões como: o bairro, os
equipamentos de lazer, responsabilidade pública, os direitos das crianças (ECA), a função da
escola, entre outras.
Vejamos a síntese das respostas dos pais:
Para um maior aprofundamento vide: MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do Lazer: uma introdução.
Campinas/SP, Ed. Autores associados, 1996.
129
FIGURA 30 – QUADRO 14: SÍNTESE DAS RESPOSTAS DOS PAIS SOBRE LAZER
FIGURA 30 – QUADRO 14: SÍNTESE DAS RESPOSTAS DOS PAIS SOBRE LAZER
As respostas e opiniões dos pais, juntamente com as dos alunos, confirmaram
algumas das hipóteses prévias acerca das barreiras para o lazer, tais como a violência e a falta
de condições financeiras, bem como as mudanças de valores e costumes e, por conseguinte,
mudanças nas práticas sociais de lazer, compreendendo a função da escola tanto em ampliar o
repertório conceitual dos educandos acerca dos conteúdos, possibilidades e diversidades do
lazer, quanto em configurar-se ela mesma, num equipamento não específico de lazer. As
professoras organizaram na própria escola momentos de lazer coletivo com jogos e outras
atividades lúdicas, como podemos observar na foto a seguir:
1. O QUE VOCÊ ENTENDE POR LAZER?
- Sair, passear, se divertir, aproveitar a vida. Viver feliz, brincar , cantar, ir à praia, viajar. Tudo o que
fazemos por prazer. Tempo disponível, descanso, folga; momentos de alegria, sem violência.
Conversar é diversão saudável.
2. COMO VOCÊ SE DIVERTIA NO TEMPO DE CRIANÇA?
- Viajava, brincava de boneca. As mesmas brincadeiras da minha filha. De elástico, de farmácia,
taberna, etc. pira, corrida de saco, bandeirinha. Trabalhando na roça com um paneiro na cabeça;
bicicleta, cemitério, seu bobo, roda, ir à praia. Bola, cozinhar, e de estudar. Subia nas árvores, pula
corda, dançando quadrilha.
3. COMO SEU/SUA FILHO (A) SE DIVERTE HOJE?
- Ao meu lado; brincando de pega-pega, na escola. Assistindo TV, jogando bola, de bicicleta, peteca,
de carro; de boneca, elástico, cemitério, bandeirinha. De esconder, de luta.
4. O LAZER DO SEU TEMPO DE CRIANÇA É DIFERENTE DOS ATUAIS? POR QUE?
- Sim, no meu tempo não havia tanta liberdade; sim, muito diferente. Antigamente os pais eram mais
severos; sim, hoje as crianças querem saber de vídeo-game e desenhos violentos. Totalmente.
Nossos pais nos policiavam. Hoje, as crianças fazem o que querem. Hoje, as crianças descansam
comem e dormem. A cidade não era tão violenta. As crianças hoje têm mais poder de escolha. Não
existia tanta violência.
5. O QUE VOCÊ CONSIDERA BARREIRA PARA A MAIORIA DAS PESSOAS TEREM ACESSO
AO LAZER?
- Condições financeiras, segurança. Deixar de brincar para trabalhar. Transporte, local para praticar
esporte, nosso bairro não tem isso. Preguiça, falta de tempo. Emprego, preconceito. Medo,
desrespeito, assalto.
130
FIGURA 31 FOTO 7: ALUNOS DO CICLO 1 EM ATIVIDADE DE SALA DE AULA
A oportunidade de vivenciar a escola também como espaço de lazer, como na figura
acima, gera uma outra motivação para o aprendizado dos alunos, que se sentem desafiados
pela dinâmica e lógica do jogo, além de favorecer as relações interpessoais em sala.
A discussão e prática do lazer em sala de aula renderam muitas aulas e atividades
pedagógicas. Vejamos o plano de aula da professora:
131
FIGURA 32 QUADRO 15: PLANO DE AULA PARA O CICLO 1
Tornar a escola mais prazerosa exigiu mudanças na atitude e na metodologia da
professora, que passou a incluir mais freqüentemente em suas aulas: jogos, gincanas, contação
de histórias, desenhos, entre outras atividades dicas. O resultado dessa mudança foi mais
perceptível, segundo a professora, na motivação para a escrita que aumentou
significativamente e, por conseguinte, a sua produção. Vejamos um dos apontamentos
encontrado no caderno do aluno Renato (08 anos), cujo texto é resultado da interpretação
coletiva entre professora e alunos:
TRABALHO COM O TEMA GERADOR: ESCOLA CABANA Belém –Pa
PLANEJAMENTO DE AULAS: E.M. João Carlos Batista
ÁREA DE ATUAÇÃO: Ciclo 1 ( 3° ano) PROFESSORA: Vera
FALA SIGNIFICATIVA: Aqui é preciso uma área de lazer para os jovens.
Eles vivem jogados por aí, sem Ter uma opção para se divertir.
TÓPICO DO CONHECIMENTO: Lazer e desenvolvimento.
INTENCIONALIDADE:
Possibilitar aos educandos o entendimento da importância do lazer para o seu
desenvolvimento físico e mental;
Fazer a relação do lazer com as demais questões sociais: emprego, qualidade
de vida e direitos humanos;
Propiciar momentos de lazer dentro da própria escola, resgatando ou
construindo novas práticas recreativas.
ESTUDO DA REALIDADE:
Quais são os tipos de lazer que a comunidade oferece para as crianças e
jovens?
Como você brinca com seus amiguinhos da rua?
De que brincadeiras você gostaria de brincar na escola?
ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO:
Conversa informal;
Construção de textos coletivos sobre o lazer;
Entrevistas com os pais;
Levantamento das brincadeiras;
Socialização com os educandos
Associação gráfica e fonética (br-qu)/ encontros consonantais.
Discussão do texto do Estatuto da Criança e Adolescente-ECA, referente ao
lazer: Capítulo IV art.71;
Conteúdos e barreiras para o lazer.
APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO:
Você gosta do seu bairro?
O que você acha que está faltando no bairro?
Como podemos melhorar o lazer no nosso bairro?
Como nossa escola pode ser mais prazerosa?
132
FIGURA 33- QUADRO 16: ANOTAÇÕES DO CADERNO DE UM ALUNO
Percebe-se no texto acima a preocupação de abordar os diversos conteúdos do lazer,
revelando a amplitude de sua compreensão.O diferencial nessa metodologia é que as
aulas são dialogadas e as produções textuais são síntese das discussões entre alunos e
professora, tornando-se mais significativa:
“As crianças acham chato as aulas expositivas sobre as temáticas,
sugerem escrever uma história sobre o assunto, de onde nós partimos
para fazer as inferências... Eu quero que tu vejas as produções. Tudo
o que eu ia falar, ta lá nas histórias deles”. (Prof.ª Vera)
Segundo a professora, havia uma criança com dificuldade de aprendizagem. Com a
mudança de metodologia a professora relata que houve maior interesse da mesma e melhoria
na sua aprendizagem, produção e participação.
De acordo com análise da professora, a fala significativa da rede temática advém e ao
mesmo tempo nos remete de volta às barreiras para o lazer no bairro, pela falta de espaços
apropriados (equipamentos específicos de lazer). Assim, a escola acaba ela mesmo tornando-
se um dos poucos espaços de lazer, como veremos na imagem abaixo:
Aula: 11/05/04 Português
Professora Vera
Aluno: Renato Pinto.
Assunto: O que é lazer?
Lazer, são as atividades desenvolvidas no tempo liberado do trabalho ou
no “tempo livre”, não das obrigações profissionais, mas também das
familiares, sociais e religiosas.
Lazer = Descanso
Desenvolvimento intelectual
Sentir-se bem
Prazer- LAZER
Desenvolvimento físico
Aprendizagem.
133
FIGURA 34-FOTO 08: ALUNOS DO CICLO 1 EM ATIVIDADE DA FEIRA CULTURAL.
A imagem acima registra o movimento das crianças em transformar a sua sala de
aula em espaço de lazer, com jogos e brincadeiras, durante a feira cultural da escola.
No bairro não há praças, nem quadras, arenas ou campos de futebol públicos,
somente particulares, onde se tem acesso pagando. Alguns improvisam espaços para o seu
lazer em pequenos quintais ou nas ruas enlameadas. Outra barreira bastante visível no bairro é
a falta de poder aquisitivo e pouca diversidade para a prática do lazer. As crianças quase não
saem do bairro; não conhecem praças, shoppings, cinema, teatro, museus ou galerias de arte.
O lazer da maioria é acompanhar a mãe nos feriados ou final de semana, ao seu trabalho
doméstico na casa da patroa. Isso é um grande passeio para elas. É lazer! Afirma a professora.
Férias? Em casa assistindo TV. O Futebol nos quintais, nas ruas quando não chove e nas
arenas quando se pode pagar:
A gente trabalha a questão dos direitos, mas esbarra na falta das condições
conjunturais.(Prof.Vera)”
Para a professora, trabalhar com o tema gerador é possível e relativamente fácil,
basta adequar as atividades à faixa etária com desenhos, contação e recontação de histórias,
produção de textos, brincadeiras, jogos, adivinhações. É preciso diversificar as metodologias!
134
“FIGURA 35- ILUSTRAÇÃO 11: PRODUÇÃO DE ALUNO DO CICLO 1 SOBRE LAZER:
Lazer é aquela coisa que a criança gosta de brincar, é alegre, se diverte”(Anacleto,08 anos)
O envolvimento dos pais também cresce com o tema gerador porque as temáticas
trabalhadas em sala de aula advêm das situações-problema vivenciadas por toda a família,
logo vem ao encontro de suas necessidades e anseios também. Quando dever de casa, em
geral é uma investigação do tópico do conhecimento que se está abordando. A tarefa adquire
formato de perguntas que precisam envolver os pais, cuja memória e vivência consistem no
maior objeto de investigação, pautado principalmente no saber popular.
reações diversas por parte dos pais: aqueles que desconfiam que a professora
não “sabe nada”, pois vive perguntando as coisas; outros que pensam que eles é que não
sabem nada, porque não estudaram o suficiente e não se sentem capazes de ajudar, mandando
seus filhos perguntarem para os vizinhos. ainda um grupo de pais que se sentem
valorizados pelos seus conhecimentos e pela possibilidade de troca com seus filhos. Em todo
caso, a prática da pesquisa como princípio educativo para os alunos, estendendo-se às suas
famílias vem ressignificando a relação entre família e escola e a sua função na formação dos
meninos e meninas.
Neste sentido esta reorientação curricular traz algumas inovações, analisemos quais
são elas:
135
5- A DIMENSÃO INOVADORA DA REORIENTAÇÃO CURRICULAR VIA
TEMA GERADOR
“Se a Cabanagem fosse minha, eu mandava ela prender os ladrões e
mandar os médicos trabalharem bem. Limpar todo o bairro, e colocar
mais guardas de segurança em todas as ruas e construir muitas
escolas e dar mais cheques e aumentar os salários.”
(Texto Coletivo – alunos Ciclo 1, 08 anos)
A experiência de reorientação curricular a partir de um tema gerador, trouxe mudanças
substancias na forma de pensar, organizar e realizar o ensino, delineando novas trilhas
metodológicas, ressignificando a prática pedagógica dos educadores. Façamos agora uma
análise dos novos elementos da proposta, investigando as suas contribuições para as teorias do
currículo, bem como, os seus limites e possibilidades.
a- Avanços e Possibilidades da Proposta de Reorientação curricular via Tema Gerador:
A partir das experiências apresentadas, podemos perceber que a forma de
organização curricular vivenciada na Escola Cabana em Belém-PA nos anos de 2001 e 2004,
através de um movimento de reorientação via Tema Gerador “molhado” de pressupostos
freireanos, mesmo que não tenha alcançado um nível de efetivação e de sistematização capaz
de provocar mudanças substanciais político-pedagógicas no sistema, provocou diferenças na
forma de pensar, organizar e fazer educação dos sujeitos envolvidos, na intenção de assegurar
uma aprendizagem com sucesso a partir de um currículo crítico e significativo e, por
conseguinte, uma educação emancipatória.
Na perspectiva epistemológica, o trabalho com o tema gerador ensaia uma espécie de
ruptura (ou redimensionamento) com a abordagem curricular tradicional, burocraticamente
preestabelecida e fragmentada, na medida em que proporciona um vínculo significativo entre
o conhecimento sistematizado e a realidade local, estabelecendo uma relação dialética e
dialógica entre os saberes populares (senso comum) e os já sistematizados; ressignificando e
reafirmando assim a escola e seus atores sociais enquanto portadores e produtores de
conhecimento e sujeitos competentes de suas práticas sociais.
Compreende e aplica a pesquisa enquanto princípio educativo para uma construção
social do conhecimento através de pesquisa participante e sócio-antropológica que ao mesmo
tempo em que investiga a realidade vivida, alimenta a fonte curricular; envolvendo alunos,
professores, pais, moradores, no pensar e fazer o currículo, que por sua vez é concebido como
práxis social, concreta e transformadora.
136
Busca a superação da visão focalista por uma compreensão da totalidade dos
fenômenos sócioeducativos, propondo uma abordagem interdisciplinar dos saberes escolares,
(as crianças escrevem todas as atividades num caderno só, independente da área de
conhecimento), pressupondo um trabalho eminentemente coletivo, promovendo a percepção
da escola como um todo integrado, através do diálogo entre os professores de diversas
formações e níveis de atuação diferentes, mediado pelo planejamento coletivo no processo de
redução temática. Essa pratica dialógica abre novas possibilidades para a relação professor e
aluno:
“Nas conversas a gente tem uma percepção melhor da onde a gente
quer chegar e do nível de aprendizagem dos alunos. (Prof. Antônio)
O trabalho de reorientação curricular via tema gerador propõe partir da leitura da
realidade local vivida e percebida (situações-limite) e estabelecer relações e conexões com as
dimensões sócioeconômicas na esfera micro, meso e macro da sociedade, mediada pelos
saberes escolares, permitindo uma leitura de mundo mais crítica e transformadora.. Como por
exemplo, as discussões e análises ocorridas numa turma de ciclo 2 da escola com crianças de
09 e 10 anos, que tomou como ponto de partida uma fala significativa sobre a violência no
bairro (micro-estrutura social), fazendo relações com a violência na cidade de Belém como
um todo (meso-estrutura social) e se conectando aos rios tipos de violência presente na
guerra dos EUA contra o Iraque (Macro-estrutura social) que ocorria na época (2003). A
discussão retornou depois à realidade local, desvelando aos olhos das crianças algumas
práticas de violência simbólica, tais como: racismo, discriminação sexual e social e outros
tipos de agressões presentes na própria sala de aula, muitas vezes promovidas por eles
próprios. Houve uma grande mudança no comportamento dos alunos que se tornaram menos
agressivos e mais solidários. Pode-se atribuir estas mudanças às oportunidades de discussão,
informação e formação oportunizada pela metodologia de trabalho curricular do tema gerador,
bem como, a todo o processo de sensibilização no ambiente escolar.
Sabemos que outras maneiras de se alcançar resultados semelhantes, porém o
trabalho com o tema gerador empresta toda uma dinâmica que facilita a fluência, organização
e sistematização das discussões.
O tema gerador também promove uma ampliação no leque temático dos professores
envolvidos, que precisam estar num processo de formação continuada e permanente
constantemente se atualizando, se informando, para acompanhar o processo de descoberta dos
alunos. Vejamos o depoimento de uma das professoras:
137
Foi bom porque, assim, eu iniciei um trabalho tradicional e houve uma
revolução, sabe?Uma revolução muito grande com o tema gerador, e a
partir disso, eles [os alunos] conseguiram um rendimento maior do que
aquele com o trabalho tradicional com o qual eu vinha me arrastando,
me arrastando...É muito mais trabalhoso o tema gerador! Em casa eu
estava sempre pesquisando, me atualizando, me organizando,
guardando textos.” (ProfªRosa)
Na perspectiva político-pedagógica, promove uma gestão mais coletiva do processo
de produção e socialização do conhecimento, pressupõe um estreitamento nas relações entre
escola, família e comunidade de entorno (demais moradores), que passam a ver mais sentido
na existência de uma escola no bairro, ou seja, pela evidência de sua função social.
Houve um maior envolvimento das famílias das crianças envolvidas no trabalho com
o tema gerador, menos cobrança, mais apoio. Segundo os professores colaboradores, os pais
questionaram no início, mas depois começaram a ver resultados nos seus filhos, em casa:
mudança de comportamento, de hábitos: desenvolveram gosto pela leitura, ganharam
autonomia de pensamento, senso crítico na leitura dos fatos e fenômenos sociais novos
ocorridos no bairro, vistos na TV.
As problematizações no trabalho com o tema gerador geram de fato, nos educandos e
também nos educadores, um olhar mais sensível e crítico da realidade vivida e percebida;
Possibilita um processo de alfabetização significativo na perspectiva de letramento, de uma
leitura permanente e crítica do mundo, que continua nos sujeitos, para além da sala de aula,
conforme podemos inferir no relato da professora:
Os alunos e alunas já sabem reivindicar seus direitos dentro da
escola, avaliam tudo e todos com criticidade. Os alunos ficam com a
percepção mais aguçada para o dia a dia, para a sua vida extra-
escolar também, chegam com novidades sobre temas recorrentes
em sala de aula, como por exemplo: lixo, política, violência, etc.
(Prof.ª Rosa)
Os educandos ganham mais autonomia de pensamento e começam a se deparar com
reflexões acerca dos grandes temas da vida, como por exemplo, esta surgida nas discussões de
sala-de-aula: Qual a origem da vida? Criacionismo (Adão e Eva) ou evolucionismo (Big
bang)? Por que os negros que eram tantos se deixaram dominar e escravizar?
138
O trabalho de reorientação curricular via tema gerador atua na perspectiva de
proporcionar, através das problematizações e análises das situações-problema, a tomada de
consciência do sujeito como elemento de mudança, configurando a formação para uma
cidadania ativa, com vistas a uma intervenção na situação-problema apresentada (o inédito
viável), seja de forma direta: mudança de comportamento, atitude, campanhas, etc e/ou de
forma indireta: reivindicações ao poder público, organizações populares, entre outras,
desenvolvendo a sua noção de pertencimento e identidade com o bairro em que vive:
“O trabalho com o tema gerador com os alunos foi muito bom,
porque através da fala deles, da experiência, das pesquisas que eles
fizeram, eles descobriram coisas que nem eles mesmos sabiam
enquanto moradores da comunidade Os alunos passaram a se
perceber mais, enquanto moradores”.(Professor Antônio)
Esta proposta, pressupõe uma reorganização do trabalho e da cultura da escola para
uma perspectiva mais inclusiva e participativa, favorecendo as relações afetivas por
aproximar mais as pessoas envolvidas de maneira solidária e cúmplice, resultando num
processo de aprendizagem mais consistente, significativo, contextualizado e crítico.
O trabalho com o tema gerador na Escola João Carlos Batista apresentou resultados
pedagógicos interessantes, tais como: mudança de postura no comportamento, aumento do
interesse e da concentração e na auto-estima do educando, diminuição na agressividade,
desenvolvimento de consciência crítica e uma aprendizagem mais efetiva da leitura e da
escrita, na perspectiva de letramento, ou seja, ganhando autonomia de pensamento e
ampliando o seu leque de conhecimentos, que passa a expandir os seus horizontes
epistemológicos. Havia um aluno, por exemplo, que uma vez alfabetizado e tomando contato
com outras culturas a partir dos livros, manifestou o interesse em aprender grego...
|Acompanhando no discurso da professora de que o conhecimento e a leitura não
estão apenas em sala de aula, estão em toda parte, referindo-se à leitura de mundo, os alunos
buscaram elementos de seu universo e além dos livros, alguns se alfabetizaram lendo gibis,
cartões telefônicos, figurinhas de chiclete, entre outros. Houve promoção de alguns alunos
para o ciclo seguinte no meio do ano letivo, em função de seus “saltos” no processo de
aprendizagem.
139
O sucesso escolar dos alunos envolvidos no trabalho com o tema gerador se
principalmente em função das mudanças nas metodologias em sala de aula, que se tornam
mais dinâmicas, participativas e lúdicas em função de uma gestão e produção mais coletiva do
conhecimento, favorecendo também uma aproximação maior na relação professor-aluno. A
avaliação formativa também se torna indispensável por promover uma avaliação processual
da aprendizagem do aluno, envolvendo práticas como: observação, registro, participação nas
atividades, testes, encontros com os pais para acompanhamento do desenvolvimento do
educando, entre outras ações.
Tais resultados e produções pedagógicas, como: peças de teatro, produções de texto,
envolvimento com os pais, parcerias, auto-estima do aluno elevada, proximidade na relação
professor e alunos, etc, contagiavam os outros professores da instituição e até de outras,
promovendo intercâmbio entre professores de diversas escolas para relatos das experiências
com o tema gerador. Tal “reconhecimento” do trabalho promove também elevação na auto-
estima do professor. Esses e outros elementos geraram um verdadeiro movimento de
reorientação do currículo e da prática curricular na RME. de Belém, numa dimensão
inovadora, crítica, dialógica e cidadã.
b. Principais entraves: Limites e Dificuldades
“Antes do trabalho com o Tema Gerador era mais fácil
dar aula, era reproduzir. Agora é muito mais
trabalhoso...” Profa.Vera.
Como resultado da pesquisa, também foram identificados alguns entraves intra e
extracurriculares no processo de reorientação a partir do tema gerador e que, por conseguinte,
dificultaram a sua consolidação na RME de Belém. Alguns internos e estruturais e outros
inerentes à condição de um projeto novo e em construção, e que rompe com padrões
tradicionalmente estabelecidos gerando, por exemplo, preocupações com a descontinuidade
na sistematização convencional dos tópicos nas diversas áreas de conhecimento que deixariam
de assegurar o domínio dos “conteúdos mínimos” pelo educando e, por conseguinte,
comprometeriam a continuidade de seu processo educativo na perspectiva propedêutica; a
mesma preocupação se aplica também às suas condições de inserção futura no mercado de
trabalho.
140
Para alguns professores, a forma de funcionamento do trabalho pedagógico com o
tema gerador, rompendo com a linearidade do conhecimento e desprendendo-se do livro
didático, pode gerar um possível comprometimento na continuidade do sucesso escolar dos
alunos nos anos e instituições posteriores, pelas prováveis lacunas com relação à
aprendizagem dos chamados “conhecimentos mínimos” deixados ao longo de seu processo de
escolarização..
Isso se deve muito ao estranhamento por parte dos educadores, um certo “pasmo
pedagógico”
18
, como diria Paulo Freire, como reação às rupturas com as práticas curriculares
tradicionais em função da dimensão inovadora do trabalho curricular com o tema gerador, que
gera um “afrouxamento” nas ações pedagógicas, causando problemas no processo ensino-
aprendizagem e baixa nos índices de indicadores de rendimento.
Como a prática de muitos professores o livro didático funciona como seu
“organizador curricular”, aliado ao planejamento curricular tradicionalmente praticado: linear
e pré-estabelecido, a busca de se alcançar os conteúdos sociais, investigados nas situações-
problema da realidade vivida para posterior relação com os conhecimentos mais elaborados,
faz com que alguns professores precipitem-se em afirmar que “o tema gerador não tem
conteúdo” ou então “é trabalhado de forma desorganizada, impedindo a sua sistematização”.
Foram perceptíveis também as dificuldades sentidas por alguns professores como
reflexo das limitações na sua formação inicial não lhe possibilitando teorizar sobre a sua
prática e compreendê-la como uma práxis social e, desta maneira, influenciando na sua
postura renitente e resistente, também configurada como uma forma de defesa natural de
instinto de sobrevivência..
Tal resistência de natureza político-pedagógica foi percebida principalmente por
parte dos educadores que ainda não haviam se envolvido no trabalho com o tema gerador por
julgá-lo, entre outras coisas, um processo mais trabalhoso, mais complexo e pouco palpável.
Por outro lado, muitos professores ainda não estavam convencidos de que o trabalho com o
tema gerador era a melhor forma de provocar a criatividade e criticidade dos alunos;
consideravam que haveria outras maneiras tão ou mais eficientes que o tema gerador.
Como a SEMEC assumiu a reorientação curricular via tema gerador como diretriz
para todos os espaços educativos da RME., alguns a interpretaram como imposição do
governo municipal, posta de maneira muito determinante e angariando natural rejeição,
18
Termo do vocabulário freireano que significa uma certa inércia dos educadores frente ao novo.
141
advindas das disputas político-partidárias que ocorriam em seu interior, ou do simples medo
do “novo”, medo esse que, segundo a coordenação pedagógica da escola pesquisada, não
passa pela competência do professor. Há uma questão maior em jogo que parte dos resultados
alcançados; um certo pânico envolvendo um grupo de professores, de que suas práticas e
competências sejam julgadas pelos resultados com os alunos (o produto) sem considerar os
seus esforços e iniciativas no processo.
No trabalho com o tema gerador, apesar de ter sido observado que houve mudanças
quase que imediatas na auto-estima, no interesse e na concentração dos educandos e, por
conseguinte, melhor desempenho escolar a partir da vivência das atividades com a rede
temática, nem sempre é possível perceber ou abstrair os resultados em curto prazo na
formação propedêutica do educando, bem como nas mudanças das situações-problema na
comunidade, no bairro, gerando uma certa angústia e preocupação para os educadores em
geral.
De acordo com as observações da pesquisa, os professores mais resistentes são os
chamados “especialistas de área”, os professores licenciados para as disciplinas específicas
que atuam no currículo dos Ciclos 3 e 4 (5ª a séries). A dificuldade começa com a sua
formação inicial nas licenciaturas, cujo paradigma dominante é o de preparar especificamente
o futuro professor para atuação na sua disciplina específica e com competência técnica para
tal, sem lhes possibilitar uma visão mais ampla do conhecimento e do processo pedagógico na
dimensão escolar.
O resultado deste modelo de formação, de forma geral, é de que cada professor das
disciplinas específicas adentra a escola com o objetivo quase que exclusivo “de dar conta do
seu pedacinho do conhecimento”, sem ter uma preocupação efetiva com o desenvolvimento
integral do educando. Mesmo a competência técnica adquirida por esses profissionais pode
ser questionada, uma vez que os professores, na maioria das vezes, aprendem em seus
cursos de formação inicial a “transmitir” o conhecimento de uma maneira linear e positivista,
como verdade absoluta.
Dessa maneira, quando se deparam com situações que perturbam a ordem
estabelecida, ficam desorientados, desenvolvendo uma resistência instintiva diante de
qualquer inovação pedagógica proposta, e um certo “descolamento” do encaminhamento
pedagógico cotidiano, vivenciado na escola. Ficam com o receio de serem questionados em
suas práticas, em terem o seu conhecimento colocado em xeque, tentando assim evitar uma
situação desconfortável, de provável estresse profissional.
142
Em outro sentido, a falta de compromisso e de ética profissional da parte de
alguns educadores que não cumprem a sua carga horária de trabalho, que chegam atrasados ou
simplesmente não aparecem para ministrar as suas aulas, numa atitude de aparente
desinteresse e descompromisso. Também o caso de docentes que acabam prejudicando o
processo educativo dos educandos, por terem que dar aulas em rios lugares e não
conseguirem se deslocar em tempo hábil...
Essas e outras situações-problema configuraram-se em dificuldades recorrentes ao
trabalho pedagógico em geral, em especial ao tema gerador, por sua própria dinâmica de
funcionamento que exige um envolvimento maior do educador, pesquisas constantes, maior
tempo de preparação de aulas, registro das discussões e vivências, acompanhamento
processual da aprendizagem do educando. A necessidade dessas e de outras ações educativas
para a efetivação do trabalho curricular com o tema, chega a assustar alguns educadores e que
por isso relutam em se envolver com tal proposta, que com certeza vai lhes exigir muito mais
empenho:
No início pensei que o trabalho com o tema gerador fosse difícil, mas
depois percebi que não era bem assim, era bem mais trabalhoso e
precisei de estudos para fundamentação e muita discussão coletiva.
(Professora Rosa)
Os professores da escola durante a jornada pedagógica de 2004, tiveram
oportunidade de avaliar o trabalho com o tema gerador em 2003, construindo o seguinte
quadro-síntese:
Avanços Desafios Propostas
- Implantação do tema
gerador
- Socialização
- Escola x comunidade
- Trabalho interdisciplinar
- Conhecer a realidade
- Coletivizar para todas as
categorias
- Dar continuidade: replanejar aulas
- Pais: compreensão da proposta.
- Realização de HP
- Solidificação do T.G.
-Fundamentar a prática
- Garantia de recursos
- Relato de experiências
FIGURA 36 – QUADRO 17: SÍNTESE DO TRABALHO COM O TEMA GERADOR NA ESCOLA EM 2003
De acordo com este quadro analítico, A escola consegue perceber os seus avanços e
as suas limitações também e traça estratégias para plena efetivação do trabalho com o tema
gerador. Apesar da tentativa de re-planejamento para continuidade e consolidação do trabalho
com o tema gerador durante o ano letivo de 2004, a Escola Municipal João Carlos Batista
apesar de vivenciar experiências interessantes como às aqui relatadas, não conseguiu ainda,
em minha opinião, reorganizar satisfatoriamente sua dinâmica de funcionamento e de seu
espaço-tempo escolar para viabilizar os seus trabalhos e envolver os demais professores.
143
Houve quebra na hora pedagógica dos professores da escola, gerando certo
isolamento, uma falta de alimentação do processo por dificultar os encontros para
planejamento coletivo, desanimando assim os professores, principalmente aqueles que têm
insegurança com sua prática, têm dificuldades de tomar a iniciativa e precisam do outro, da
idéia do outro para realizar o seu trabalho. Essa perda do trabalho coletivo implica em uma
perda de ânimo e a falta de empolgação com o trabalho, necessários para contagiar e envolver
os demais educadores.
O pouco acompanhamento técnico- científico dos trabalhos, pela falta de
entrosamento da coordenação pedagógica da escola, e pelas limitações no assessoramento da
Coordenadoria de Educação/ COED, geraram quebras no trabalho com o tema gerador,
comprometendo a sua continuidade, como podemos perceber no relato de uma das
professoras.:
Olha, às vezes a gente se perde no trabalho com o tema gerador. Por
exemplo: eu ainda nesse temática, mas têm momentos que eu quero
alguém pra dizer assim mesmo: olha, eu aqui, cheguei até aqui e
daqui para onde eu vou? Que eu não sei para onde ir e às vezes me
sinto muito e muito solta...falta trabalho mais comum, coletivo para
não ficar fragmentado...e é aí que as coisas se entravam. (Prof.ª Vera)
Os problemas cotidianos na escola, muitas vezes desmobilizam as ações pedagógicas
por polarizarem a atenção dos técnicos da COPED, tais como: problemas de comportamento
dificuldades de aprendizagem, de concentração, baixa freqüência. Os faltosos, em geral, são
os que estão nas ruas em situação de risco (trabalho infantil) reparando carros ou “fazendo
carretos”, ou aqueles pelos quais a família não se interessa, não se preocupa em “mandar” as
crianças para a escola. Como estes não participam das aulas, são os que apresentam
rendimento mais baixo, gerando assim um problema “crônico” e estrutural para a escola,
circunscrito na macro-estrutura social.
outras limitações conjunturais que também emperram o trabalho pedagógico na
escola, como por exemplo, a escassez de recursos; a superlotação nas salas, problemas de
enturmação, pessoas com necessidades especiais/ PNEE’s sem atendimento devido, Conselho
Tutelar inoperante, não respondendo satisfatoriamente os encaminhamentos de casos de
incesto, estupros, maus-tratos, e descaso com as crianças e adolescentes matriculadas na
escola, entre outras situações. Além disso, as escolas públicas municipais vêm enfrentando
um fenômeno, principalmente nos últimos anos do Ensino Fundamental, de um índice cada
vez maior de evasão e transferência de alunos para as escolas estaduais, a fim de assegurar
vaga para o ensino médio.
144
A quebra no calendário e no ritmo do trabalho em função da greve ocorrida, das
preparações de atividades específicas para as datas comemorativas: dia das mães, do folclore,
etc, e para os eventos: feira da cultura, caminhada pela independência, festa junina, entre
outras. O mais grave é que os professores não conseguiam perceber a pertinência do tema
gerador trabalhado na escola, como se os temas relativos ao calendário escolar não pudessem
fazer parte de seu planejamento curricular. Então, quando chegavam as datas festivas, os
professores precisavam “parar todo o trabalho” com o tema gerador para produzir (ou
fabricar) atividades em função do evento, sem relaciona-lo com as discussões com o tema
gerador.
Todos esses entraves geraram dificuldades de ampliação do envolvimento efetivo do
coletivo da comunidade escolar, não conseguindo irradiar da escola um movimento capaz de
envolver os demais moradores do bairro, especialmente as comunidades organizadas para
mudanças mais efetivas nas situações-problema abordadas.
ainda a histórica resistência dos pais dos alunos e alunas que, em função de
verem rompidas as suas representações de escola e de um bom ensino, construídas ao logo de
suas experiências pessoais, ficam inseguros e em geral têm dificuldades de compreensão e
aceitação das propostas inovadoras, como o tema gerador.
Como não há na escola uma definição coletiva dos objetivos ou critérios de avaliação
da aprendizagem para cada ciclo, fica um pouco difícil avaliar se o desempenho dos
educandos foi satisfatório na experiência com o tema gerador, uma vez que a mesma é
realizada por critérios subjetivos de cada professor, sem um ponto de convergência. Como os
documentos oficiais da RME apresentam apenas diretrizes para os Ciclos, algumas escolas
perdem-se nelas, não conseguindo traçar as suas próprias metas de aprendizagem. Como não
houve uma avaliação institucional acerca da qualidade do ensino prestado pelas escolas, nem
uma sistematização efetiva acerca das mudanças e melhorias proporcionadas pela implantação
do tema gerador, não se tem elementos substancias que comprovem a sua eficácia e validade
pedagógica.
Minha análise ainda, tomando por base a observação e o acompanhamento
desenvolvidos nas turmas pesquisadas e nas observações do funcionamento da escola como
um todo e relacionando os fatos com os pressupostos filosóficos do tema gerador constata
que, diante desta experiência pesquisada, a proposta do tema gerador além de todos os
problemas externos indicados como limitadores de sua implantação, como configura-se numa
construção processual, parece ter ainda alguns problemas de ordem interna ao seu
145
funcionamento, principalmente no que tange a sua metodologia e o que parece ainda estar em
caráter experimental s gerando questionamentos aos seus próprios conceptores.
Propõe-se a ter dimensões de uma proposta fomentadora de uma revolução cultural
sem, contudo, conseguir resolver primeiro a estrutura necessária às rupturas diante do Sistema
Educacional, como por exemplo, a comprovação do cumprimento dos requisitos curriculares
mínimos exigidos pela legislação e que garantem a liberdade e a mobilidade escolar do
educando sem prejuízo ao seu processo de escolarização. A própria indefinição de sua
natureza ou proposição: projeto de revolução cultural, abordagem educativa ou metodologia
de organização curricular e de ensino, geram falsas expectativas que acabam por levar os
educadores à angústias, confusões e equívocos em sua prática pedagógica.
Desconheço se experiências vividas em algum lugar do país, que tenham durado e
amadurecido o suficiente para conhecermos melhor a sua definição e desdobramento.
Desta forma, é complicado o tema gerador pretender abarcar para si a
responsabilidade de ser o catalisador da efetivação da função social da escola, afunilando-a na
gestão curricular do ensino. A Escola possui muitas outras funções formativas, integradoras e
socializadoras, as quais não se restringem a sua organização curricular e política.
O Tema Gerador se mostra uma experiência extremamente válida e eficiente
enquanto uma metodologia de organização e gestão curricular que dinamiza o processo de
ensino e aprendizagem, porém precisa rever alguns elementos necessários para configurar-se
num processo de reorientação curricular efetivo e transformador.Considero problemática a sua
“trilha metodológica” da maneira que foi experenciada em Belém quando aborda a aplicação
do conhecimento somente no último momento, a parte, como se não existissem possibilidades
de aprendizagem e elaborações epistemológicas em todo o processo. A redução temática pode
ser interpretada por alguns numa perspectiva cartesiana de fragmentar o todo em partes,
perdendo-se de sua essência de totalidade. Os conceitos e a relação entre “saberes populares”
e “saberes escolares” precisa ser realizada de maneira mais profunda, revendo-se a concepção
epistemológica do processo de construção de conhecimento que se na escola.Estes são
apenas alguns exemplos de reflexões que se fazem necessárias para a consolidação do
trabalho com o tema gerador nas escolas.
146
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
De acordo com os pressupostos de Noel McGinn (1993), a Educação é um dos temas
centrais da sociedade, portanto é um espaço em potencial de conflitos políticos, tornando-se
importante entender quem ou que grupos se interessam pelas reformas educacionais e quais as
suas razões para isso, sendo muitas vezes necessário que os gestores façam alianças para
evitar conflitos e questionamentos.
As reformas vão sempre existir, porque os elementos que a provocam não
desaparecem “sozinhos”. Educação requer mudanças fundamentais na postura e nos valores
dos atores sociais, na organização do funcionamento do sistema e das escolas, nas
metodologias de trabalho, no currículo e nas relações interpessoais. Ao mesmo tempo, se
torna mais complexo observar os resultados que envolvem vel de conhecimento,
competências e habilidades, sensibilizações, desenvolvimento emocional, mudanças no
comportamento em nível individual e grupal, questões de identidade, entre outras.
Em função desta subjetividade, é mais difícil avaliar o sucesso numa reforma em
educação do que em qualquer outro setor público, pois o êxito depende muito mais das
habilidades políticas do que técnicas; no entanto a competência técnica precisa estar “colada”
ao pedagógico. Em geral, os professores aplicam em suas práticas partes da reforma e muitas
vezes não se trata de um processo de resistência consciente ou de subversão, mas, como
analisamos anteriormente, como ato de defesa de se resguardarem em suas práticas
conservadoras.
Todavia, é preciso considerar que os professores sabem mais acerca de como fazer
educação do que os cnicos, administradores ou políticos. Assim, é importante que a política
proposta esteja de acordo com a cultura local, redimensionando-a se necessário, mas nunca
desconsiderando-a.
As propostas inovadoras e as mudanças sugeridas vêm, via de regra, em função de
um fracasso, com perspectivas de compreendê-lo e superá-lo. Muitas propostas fracassam
porque as metas não estão suficientemente claras, além é claro da falta de recursos e das
competências necessárias. No entanto, ainda segundo McGinn (1993), mesmo que uma
reforma tenha “fracassado”, ela ainda pode gerar muitas mudanças. Aliás, a própria noção de
fracasso vem sendo ressignificada, na medida em que muitas vezes não se alcançam todos os
resultados almejados, mas surgem reflexos no processo não esperados, mas positivos. Isto
seria então considerado fracasso?
147
Também não podemos desconsiderar os conflitos de interesse e de forças entre
governo e determinados grupos na sociedade que buscam o controle dos mecanismos da
Educação e dessa forma, apropriam-se de alguns pressupostos defendidos pelos grupos de
base e resistência: movimentos sociais, sindicatos, fóruns, entre outros, redirecionando-os
para os seus interesses. Assim por exemplo, o significado de democracia vem mudando nos
últimos tempos. A participação, condição mínima para implementação de um processo
democrático, vem sendo usada como manobra comercial para fins ideológicos de manutenção
do status quo em favor do capital, “descolada” de um movimento mais amplo de participação
efetiva e significativa. Parece que se gastam mais verbas com publicidade dos governos do
que com políticas sociais efetivas.
Da mesma forma, mudanças no currículo, metodologia e avaliação não podem ser
importantes apenas para fins publicitários, ideológicos, mas para promover mudanças efetivas
na práxis pedagógica, fazer a diferença.
O trabalho com um currículo temático como o de reorientação curricular via tema
gerador, por exemplo, não pode se reduzir a uma metodologia que agrade os educandos e/ou
educadores, ou ajudem a caracterizar um determinado governo, mas se torna relevante porque
essa abordagem envolve colocar o conhecimento em relação às situações-problema da
realidade vivida, na perspectiva de superá-las. Deve estar intimamente ligado aos anseios e
necessidades da comunidade, de pessoas reais com problemas concretos.
De acordo com Michael Apple (2001), os educadores com concepção e postura
democráticas, têm um trabalho maior e mais exaustivo, por estarem envolvidos e
comprometidos com problemas reais e concretos, engajados em atividades pedagógicas
organizadas em torno de princípios pedagógicos e sociais democráticos e não somente
burocráticos. E por isso mesmo, enfrentam desafios reais: maiores pressões, dificuldades
pedagógicas, cobranças, controle de suas práticas, cortes orçamentários, entre outros. Assim,
muitos educadores tomam as dificuldades como desafios e não como desculpas para as
limitações na sua prática pedagógica, demonstrando coragem e perspicácia para realizar
experiências educacionais significativas, que contribuam efetivamente para uma
transformação social, através da formação e vivência para uma cidadania ativa.
Experiências como esta com o tema gerador, dentro da proposta da Escola Cabana
em Belém/Pa, mesmo que com suas limitações, não questionam as práticas sociais
hegemônicas dominantes, como também evidenciam a possibilidade de um novo paradigma
voltado para uma Educação mais crítica e emancipatória.
148
Tendo a possibilidade de contribuir assim, efetivamente, para a transformação social
através da construção social do conhecimento, de práticas mediadoras e atitudes democráticas
inclusivas, viabilizando estruturas e processos participativos para uma gestão coletiva da ação
educativa, configurando uma escola verdadeiramente cidadã, com uma educação com
conteúdo social que toma a pesquisa como principio educativo, tornando o ensino mais
dinâmico, participativo e significativo.
As escolas democráticas em geral desejam assumir um papel social efetivo e radical,
primando por uma educação para todos na perspectiva da inclusão social, pela apropriação
devida e significativa dos saberes historicamente acumulados pela humanidade e
ressignificados na compreensão crítica e vivência do mundo real, desvelando as diversas
tramas que compõem a sua complexidade.
A experiência da Escola Cabana, Escola Candanga, Escola Cidadã, Escola Plural e
tantas outras ainda pouco conhecidas para nós, parecem ser experiências isoladas, mas estão
interligadas num movimento muito maior para a construção de uma escola verdadeiramente
democrática e são esses ensaios, essas tentativas, essas ousadias com seus acúmulos e
produções, que permitem que ainda acreditemos que uma outra educação é possível.
Daí a importância de serem registradas tais experiências, contar e ouvir nossas
histórias, não para alimentar nossa memória coletiva e histórica, mas para aprendermos
com a experiência do outro, nos possibilitando saltos qualitativos e epistemológicos que nos
permitam continuidade na consolidação do projeto para uma escola mais democrática,
edificado em cima do trabalho e dedicação de inúmeros educadores progressistas, acumulados
ao longo da história.
muitos lugares no Brasil que fomentam, promovem e registram experiências
como esta aqui relatada: Instituto Paulo Freire, Instituto Popular Porto Alegre/IPPOA, entre
outros, além das produções das próprias escolas supracitadas. A relevância desta pesquisa está
exatamente no registro e socialização desta experiência vivenciada dentro de uma escola
pública, demonstrando que as nossas esperanças e sonhos de construção de uma educação
democrática e de qualidade têm fundamentos, e encontram espaço e eco numa escola real,
com pessoas de verdade, com problemas concretos, e cuja ação educativa desenvolvida em
seu interior também contribui para a formação das bases para o futuro de uma sociedade mais
democrática e inclusiva.
149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANDERSEN, HANS CRISTHIAN. Os mais Belos Contos de Andersen. Edição Portuguesa.
Civilização Editora, 1992.
APPLE, Michael. W. Política Cultural e Educação. São Paulo: Cortês, 2000.
______ Ideologia e Currículo. SP: Brasiliense, 1982.
______ & BEANE, James (orgs) Escolas Democráticas. 2ª ed., SP: Cortez, 2001.
BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W.; HABERMAS, Jurgen.
Textos escolhidos. Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1980.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro
de 1996.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura / SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Documento Introdutório, versão agosto, 1996.
CORRAGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a Educação: Sentido Oculto ou
Problemas de Concepção? In: TOMMASI, Lívia et alli.(orgs). Banco Mundial e as políticas
Educacionais. 3ª ed. SP: Cortez, 2000
COULON, Alain. [1993] Etnometodologia e Educação. Petrópolis /RJ: Vozes, 1995.
______. [1992] A Escola de Chicago. Campinas/SP: Papirus, 1995.
______. Etnometodologia e Educação palestra proferida na UFRN para alunos e professores
do PPGED em 29/10/2003. Informação verbal.
CUNHA, Luiz Antônio. (1991). Educação, Estado e Democracia no Brasil, São
Paulo: Cortez.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO. Portugal:
Asa, 1996.
DI SANTO, Joana Maria R. Disciplina na Escola: Tarefa e construção Desafiadoras.
Disponível em: http://www.centrorefeducacional.com.br/curpales2.htm. Acesso em
28/07/2006.
150
FERNÁNDEZ ENGUITA, Mariano. Educar em tempos incertos. Porto Alegre, RS:
Artmed, 2004.
FERREIRA, Adir Luiz. Havia uma Sociologia no meio da escola. Natal/RN: EDUFRN
Editora da UFRN, 2004.
FERREIRA, Karla. Falta de saneamento irrita moradores. Jornal O Liberal. Caderno:
Cidade, p. 07, Belém/Pa: 30/11/2004.
FREIRE, Paulo. (1970) Pedagogia do Oprimido. 13ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1992.
______ (1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à educação do futuro. 13ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1999 (Coleção Leitura).
______ (1964). Educação como Prática de Liberdade. 25ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
2001.
FREIRE, Paulo. MYLES, Horton. O Caminho se faz caminhando: Conversas sobre
educação e mudança social. Petrópolis /RJ: Vozes, 2003.
GADOTTI, Moacir, 1941. Paulo Freire: Uma Biobibliografia. São Paulo: Cortez: Instituto
Paulo Freire; Brasília, DF: UNESCO, 1996.
HAGUETTE, Teresa Maria Frota (1987). Metodologias Quantitativas na Sociologia (2ª
ed.). Petrópolis / RJ: Vozes, 1990.
JAPIASSU, Hilton. A Interdisciplinaridade e a Patologia do Saber. R.J: Imago, 1976.
MAINGUENEAU, Dominique. (1998).Termos-chaves da análise do Discurso. Belo
Horizonte/MG: Ed. UFMG, 2000.
MCGINN, Noel. Importancia de las Reformas Educativas. In: Planeacion & Desarrollo.
Volumen XXIV n°. 3 Septiembre-diciembre de 1993.
MELLO, Marco. Pesquisa Participante e Educação Popular: Da intenção ao gesto. Porto
Alegre: Ed. Isis Dialógo-pesquisa e assessoria em educação Popular; IPPOA-Instituto
Popular Porto Alegre, 2005.
151
MORIN, Edgar. Educar na Era Planetária. SP: Ed. Cortez; Brasília; UNESCO, 2003.
______ - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro ed. - São Paulo - Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2001.
PARO, Vítor Henrique (1995). Por Dentro da Escola Pública. 3ª.ed., São Paulo: Xamã,
2000.
PLANK, David N. Política Educacional no Brasil: Caminhos para a Salvação Pública. Porto
Alegre: Artmed Editora, 2001.
ROMÃO, José Eustáquio. Educação Cidadã frente ao Projeto Pedagógico Neoliberal. In:
Anais do II Fórum Nacional de Educação São Luis/Ma: As dimensões de uma Educação
transformada pela Modernidade. João Pessoa: autores associados, 2002, p. 42
______. Pedagogia Dialógica. Instituto Paulo Freire - São Paulo: Ed. Cortez, 2002.
SACRISTÁN, J.Gimeno(1991). O Currículo: Uma Reflexão sobre a Prática. 3ª. ed.; Porto
Alegre: Artmed, 2000.
SACRISTÁN, J.Gimeno & GÓMEZ, Péres. Comprender e Transformar o Ensino. 3ª. ed.;
Porto, 1998.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELÉM: Escola Cabana - Construindo
uma Educação democrática e Popular. Belém/Pa: SEMEC, 1999, Caderno de Educação n.º 1.
SILVA, Antônio Fernando Gouvêa da. A Construção do Currículo na Perspectiva Popular
Crítica: Das falas significativas às Práticas contextualizadas. São Paulo: PUC, 2004.
Originalmente apresentada como tese de doutorado em Educação na Pontífice Universidade
Católica de São Paulo em junho de 2004.
______O Currículo na Educação Popular: Projeto pedagógico interdisciplinar via tema
gerador e rede temática. In: Cadernos Pedagógicos, SMED – Maceió, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: Uma Introdução às Teorias do Currículo.
B.H: Ed. Autêntica, 2ª ed. 2001.
______. Teoria Cultural e Educação: Um vocabulário crítico.
B.H.: Ed. Autêntica, 2000.
SINGER, Helena. Educação. Disponível em : : www.zmag.org/singered.htm. Acesso em
20 de junho de 2005.
TORRES, Carlos Alberto, (org.). Teoria crítica e sociologia política da educação. São
Paulo, Cortez/ Instituto Paulo Freire, 2003.
152
TORRES, Rosa. Melhorar a Qualidade da Educação Básica: As estratégias do Banco
Mundial. In: TOMMASI, Lívia et alli.(orgs). Banco Mundial e as políticas Educacionais.
ed. SP: Cortez, 2000.
VIEIRA, Ivanilda. Proposta de Trabalho para Eleição à direção da Escola João Carlos
batista. Belém: outubro de 2003(mímeo).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE/UFRN. Coleção Pedagógica
n.º2. Currículo como Artefato Social. ALMEIDA, M.ª Doninha (org.) - Natal/RN:
EDUFRN- Editora da UFRN, 2000.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo