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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cristina Echevenguá Teixeira
Companhias oficiais brasileiras e seus desdobramentos:
O caso das companhias 2 na mídia
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cristina Echevenguá Teixeira
Companhias oficiais brasileiras e seus desdobramentos:
O caso das companhias 2 na mídia
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do tulo de Mestre em
Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa.
Doutora Cecília Almeida Salles.
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cristina Echevenguá Teixeira
Companhias oficiais brasileiras e seus desdobramentos:
O caso das companhias 2 na mídia
_______________________________________________________
Prof. (Orientador)
_______________________________________________________
Prof.
_______________________________________________________
Prof.
_______________________________________________________
Prof.
_______________________________________________________
Prof.
Data: _______ de _____________ de ________
Resultado: ______________________________
4
Dedico esta dissertação ao meu amor,
Osmar Zampieri, que teve paciência e o companheirismo
fundamental para a efetivação desta jornada acadêmica.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares Daniela Teixeira, Cláudia Teixeira, Fernando Marinho, Denise
Teixeira e Liki –, que me apoiaram durante o desenvolvimento desta pesquisa.
À parceira Lilia Shaw, pelas profundas discussões sobre dança.
À Silvia Machado, por sua amizade e por abrilhantar esta dissertação, na abertura de cada
capítulo, com sua arte de extrema sensibilidade.
À Diretora do Balé da Cidade de São Paulo, Mônica Mion, por ter contribuído com sua
experiência para a realização deste mestrado e por sua compreensão em me liberar do trabalho
quando necessário.
À Sandra Gasques, por sua atenção e carinho na revisão desta dissertação.
À minha orientadora e amiga Cecília Salles, que com sua disponibilidade, calma e sapiência
me guiou nestes dois anos de trabalho intenso.
Aos meus pais Sérgio e Lêda Teixeira, que viveram comigo cada etapa deste mestrado.
Ao Centro de Estudos em Dança, pela generosa acolhida, e ao Maurício Gaspar, pelas boas
conversas e carinho.
Às companhias e aos bailarinos que participaram do trabalho, cedendo informações e
depoimentos, meus sinceros agradecimentos.
6
RESUMO
A presente dissertação pretende fazer um estudo crítico sobre as companhias de dança que
nascem nas instituições públicas e fundações oficiais brasileiras com intuito de abrigar artistas
seniores. Essas companhias nacionais, na sua totalidade, surgem da divisão de outra já
existente e se constituem através do deslocamento, da matriz para a nova divisão criada, de
intérpretes que atingem idade em torno de 40 anos.
No Brasil, são três as companhias de dança pertencentes ao poder público que apresentam
esse perfil, a saber: Companhia 2 (Cia. 2) do Balé da Cidade de São Paulo 1999 (SP),
Guaíra 2 Cia. de Dança (G2) do Balé Teatro Guaíra – 1999 (PR) e
Balé Teatro Castro Alves 2
(BTCA 2) do Balé Teatro Castro Alves – 2004 (BA).
A alavanca para esta pesquisa foi o projeto Um Diálogo Possível?, realizado no ano de 2005,
que reuniu
o elenco da Cia. 2 do Balé da Cidade, criadores-intérpretes independentes,
pesquisadores, teóricos e outros profissionais convidados. A intenção foi abrigar debates
sobre as relações estabelecidas e sobre o processo criativo que estava sendo gerado a partir do
encontro de profissionais com distintas experiências corporais e intelectuais.
Os problemas e as conquistas gerados por essa proposta suscitaram esta pesquisa. O interesse
está em discutir e analisar novas formas de atuar e promover meios de aglutinar esforços e
multiplicar ações no entendimento de dança nos espaços públicos, em especial na Cia. 2 do
Balé da Cidade de São Paulo. A mídia impressa e a dia digital também foram recursos de
pesquisa utilizados para esta dissertação, pois são nelas que se encontram o maior conjunto de
informação sobre esse objeto.
Como fundamentação teórica, a pesquisa está sustentada pelos estudos sobre os processos de
criação de base semiótica peirceana, mais especificamente a crítica dos processos criativos
(SALLES, 2006), e pelo pensamento de Morin (2005) sobre a complexidade, discutindo-se, a
7
partir de suas análises, determinismos culturais e efervescências da cultura:
imprinting↔brecha. Para problematizar a formação das companhias públicas oficiais, a obra
de Souza Santos (2006), que discute sobre tradução e aplicação de teorias gerais na cultura,
dará apoio bibliográfico.
Palavras-chaves: dança, processo criativo, mídia, Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo,
companhia de dança oficial brasileira, Klauss Vianna.
8
ABSTRACT
Official brazilian dance companies and their development: The case of the two companies in
the media.
The following essay intends to conduct a critical study of the dance companies born from
public institutions and official Brazilian foundations with the objective of harboring senior
artists. These national companies, in their totality, are born from the division of another,
already existing one and establish themselves through the dislocation from the main office
towards the newly created division of performers around the age of 40.
In Brazil, there are 3 dance companies belonging to public domain which fit that profile: Co.
2 of BCSP (São Paulo City Ballet) 1999 (SP), Guaíra 2 Dance Co. (G2) of the Guaíra
Theatre Ballet 1999 (PR) and Balé Teatro Castro Alves 2 (BTCA 2) of the Castro Alves
Theatre Ballet – 2004 (BA).
The “lever” for this research was the project Um Diálogo Possível?”, produced in the year
2005, which brought together the cast of Co. 2, independent creators/interpreters, researchers,
theoreticians and other invited professionals. The intent was to harbor debates on the
established relationships and the creative process being generated from the meeting of
professionals with distinct bodily and intellectual experiences.
The problems and achievements generated by this proposal incited this research. The interest
is in discussing and analyzing new forms of acting and to promote means of accumulating
efforts and multiplying action in the understanding of dance in public spaces, especially in
Co. 2 of BCSP. The printed and digital media were also research resources utilized for this
essay, for it is in them that we find the largest amount of information on this project.
9
As a theoretical basis, this research is supported by the studies of the processes of creation
with peircean semiotic basis, specifically the critique of creative processes (SALLES, 2006),
and by the thinking of Morin (2005) on the complexity, discussing it, from his analyses,
cultural determinisms and effervescences of the culture: imprinting↔breach. To render
problematic/put in doubt the formation of the public companies, the work of Santos (2006),
which discusses translation and application of general theories in the culture, will give
bibliographic support.
Keywords: Dance, creative process, media, Co. 2 of BCSP, official brazilian dance co.,
Klauss Vianna.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................
11
CAPÍTULO 1....................................................................................................
17
1. Histórico...............................................................................................
17
1.1 Companhias de dança oficiais brasileiras..........................................
17
1.2 Companhias 2 brasileiras...................................................................
28
CAPÍTULO 2....................................................................................................
43
Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo...........................................................
43
CAPÍTULO 3....................................................................................................
67
Um diálogo possível?........................................................................................
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................
85
REFERÊNCIAS................................................................................................
89
ANEXOS........................................................................................................... 95
Anexo A....................................................................................................
95
Anexo B....................................................................................................
98
Anexo C....................................................................................................
101
Anexo D....................................................................................................
105
Anexo E.....................................................................................................
110
Anexo F.....................................................................................................
114
Anexo G....................................................................................................
117
Anexo H....................................................................................................
120
Anexo I .....................................................................................................
123
Anexo J......................................................................................................
125
Anexo K....................................................................................................
145
Anexo L.....................................................................................................
157
11
INTRODUÇÃO
Esta dissertação pretende fazer uma análise crítica das companhias de dança que se
originam nas instituições públicas e fundações oficiais brasileiras com a finalidade de abrigar
artistas seniores. Todas essas companhias nascem da divisão de outra já existente e são
formadas a partir do deslocamento, da companhia original para a nova divisão criada, de
intérpretes que alcançam idade em torno dos 40 anos.
No Brasil, há três companhias de dança públicas que seguem esse perfil, a saber:
- Guaíra 2 Cia. de Dança (G2) do Balé Teatro Guaíra formada em julho de 1999
(PR)
- Companhia 2 (Cia. 2) do Balé da Cidade de São Paulo criada em setembro de
1999 (SP)
- Balé Teatro Castro Alves 2 (BTCA 2) do Balé Teatro Castro Alves criada em
2004 (BA)
Tanto a Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo quanto o G2 do Balé Teatro Guaíra e
também a Cia. Ilimitada do Balé Teatro Castro Alves cujo nome mais recentemente, em
2007, foi alterado para BTCA 2 valem-se da mesma sistemática em se tratando de suas
identificações: apropriam-se da mesma denominação da companhia-mãe, distinguindo-se
delas apenas pela utilização do número “2” ao final de sua designação.
Salienta-se que nesta dissertação, quando a referência for relacionada à companhia 2 do
Balé da Cidade de São Paulo, será utilizada a abreviatura Cia. 2. Para as demais companhias
2, manter-se-á a expressão por extenso – Companhia 2.
O estímulo para esta pesquisa veio do projeto Um Diálogo Possível?, que ocorreu no
ano de 2005 no Balé da Cidade de São Paulo. Esse projeto reuniu
o elenco da Cia. 2 do Balé
12
da Cidade, criadores-intérpretes independentes, pesquisadores, teóricos e outros profissionais
convidados da mesma cidade. Promover debates sobre o processo criativo e sobre as relações
geradas a partir do encontro de profissionais com distintas experiências corporais e
intelectuais foi o escopo desse trabalho.
Entretanto, inúmeras questões surgiram no decorrer dos encontros promovidos por esse
projeto e certamente intensificaram a força do diálogo entre esses profissionais. Esse desafio
investiu na tentativa de criar uma rede de intercruzamentos artísticos e intelectuais para
encontrar uma forma de diálogo que transcendesse o formato tradicional do pensar e do fazer
dança nessa companhia pública.
Foram os problemas e as conquistas originados por essa proposta que impulsionaram
esta pesquisa, cujo interesse é discutir e analisar novas formas de atuar e promover meios de
reunir esforços e aumentar ações para a compreensão da dança nos espaços públicos, em
especial na Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo. Como recursos de pesquisa para esta
dissertação, também foram úteis a mídia impressa e a mídia digital, que dispõem de inúmeras
informações sobre esse objeto.
Esta pesquisa apontará possíveis reflexões sobre esse assunto e analisará a importância
do posicionamento e do engajamento de uma instituição pública e de seus dirigentes no
contexto da dança brasileira.
No primeiro capítulo desta dissertação, pretende-se contextualizar as três companhias 2
oficiais existentes no Brasil, as quais pertencem ao Balé da Cidade de São Paulo, ao Balé
Teatro Guaíra e ao Balé Teatro Castro Alves, e analisá-las a partir das matrizes públicas que
as geraram.
Para o aprofundamento dessa questão, o capítulo se apoiará na teoria de Santos (2006),
que discute sobre a aplicação de teorias gerais na cultura e as possibilidades de tradução e que
13
será relacionada com a formação da dança nas instituições públicas brasileiras vinculadas ao
modelo centro-europeu. Essa reflexão auxiliará na compreensão da problemática gerada pelo
uso inadequado das teorias herdadas, ou seja, aquelas que se adaptam a uma realidade social
diferente daquela onde a teoria nasceu, pois, como salienta Santos (2006, p. 46):
[...] quem somos nós nesse espaço de língua oficial portuguesa, nas nossas diferenças
e cumplicidades integrados num mundo crescentemente globalizado, segundo uma
lógica em cujo desenho temos, quando muito, uma participação subordinada, uma
lógica que ou trivializa ou, pelo contrário, dramatiza as nossas diferenças, mas, em
qualquer caso, bloqueia a construção das cumplicidades.
Problematizar a formação e a função da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo será a
ênfase do segundo capítulo. Nele será discutida a necessidade de se criar uma segunda
companhia dentro de uma mesma estrutura existente, apoiada nas expressões
“longevidade” e “maturidade” para justificar a oportunidade de dar continuidade de atuação a
artistas veteranos.
A primeira companhia mantém o perfil original e a segunda abriga bailarinos que estão
se aproximando ou ultrapassaram os 40 anos de idade. Esses bailarinos, por um lado, não
mais são considerados aptos fisicamente a desempenharem o repertório existente e, por outro
lado, não se sentem mais tão “inspirados” e instigados com a proposta artística matriz. Eles
acreditam que suas trajetórias conferem-lhes autoridade para se exprimirem de outra forma,
apoiando-se na “maturidade artística” como sua voz maior e na “longevidade” como
possibilidade de continuidade de trabalho.
Ainda no Capítulo 2 se discutisobre a complexidade do modo de organização das
idéias nas instituições aqui focadas, e, mais especificamente, sobre a Cia. 2 do Balé da Cidade
de São Paulo. Também será debatida a possibilidade de existência de uma companhia que
proponha outras vias de acesso à continuidade da dança, de modo que tenha a vivência e a
experiência adquiridas pelos bailarinos veteranos como fatores efetivos de contribuição.
14
Para tratar dessa questão, serão utilizadas as idéias de Morin (2005), aproximando a
teoria sobre determinismos culturais da problemática de criação dessas companhias, que estão
vinculadas a uma instituição que age resguardando um processo normalizador.
Morin (2005, p. 9) ressalta:
Precisamos aprender a contextualizar e a globalizar os conhecimentos. Devemos
saber que a revolução atual não se no terreno do combate mortal das boas e
verdadeiras idéias contra as más e falsas, mas no campo da complexidade do modo
de organização das idéias. Assim, pensar implica recusar de modo permanente o
avanço das simplificações.
O Capítulo 3 abordará, de modo mais específico, o projeto Um Diálogo Possível?. Para
este recorte será empregada a teoria dos processos de criação de base semiótica desenvolvida
por Salles (2006). A teórica, ao se referir à obra em criação (2006, p. 32), afirma:
Devemos pensar, portanto, a obra em criação, como um sistema aberto que troca
informações com seu meio ambiente. Nesse sentido, as interações envolvem
também as relações entre espaço e tempo social e individual, em outras palavras,
envolvem as relações do artista com a cultura, na qual está inserido e com aquelas
que ele sai em busca. A criação alimenta-se e troca informações com seu entorno em
sentido bastante amplo.
Pretende-se, assim, questionar como propostas artísticas relativas ao processo criativo,
abertas a novas idéias, podem atuar como possíveis agentes de permanente mudança ao longo
do tempo, construindo novas hipóteses sobre o modo de ver e de perceber o fazer artístico
dessa instituição. Propõe-se, assim, um novo papel para as companhias 2: o de operadoras
efetivas na qualificação da dança institucional no Brasil, modificando-se a situação de criação
e existência delas.
Salienta-se que hoje a atuação das companhias 2 é calcada no argumento simplista de
não demitir bailarinos veteranos e que despreza as possibilidades de organizar uma proposta
artística adequada a essa fase da carreira de um profissional implicado nesse formato de
instituição.
15
É importante ressaltar também que, no decorrer deste trabalho, constatou-se que o
universo bibliográfico direcionado para a área da dança brasileira dedicada às companhias 2
ainda se apresenta em processo embrionário. Esta pesquisa pretende, portanto, contribuir para
o preenchimento dessa lacuna.
Várias informações, críticas, depoimentos, programas e outros documentos que
auxiliarão nesta pesquisa e que servirão para futuros estudos sobre esse objeto constarão de
anexos. No final desta dissertação será incluído um DVD com depoimentos dos primeiros
integrantes da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo.
17
CAPÍTULO 1
1. Histórico
1.1 Companhias de dança oficiais brasileiras
A criação da primeira escola de dança oficial brasileira ocorreu em 1927
1
, na cidade do
Rio de Janeiro. Foi chamada de Escola de Bailados do Teatro Municipal, que desde 1982
adota a denominação Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Oficialmente o Corpo de
Baile desse mesmo teatro foi inaugurado em 1936, fundado por Maria Olenewa
2
, que também
era a diretora da escola.
A escola de dança oficial tinha como objetivo promover o ensino da dança
gratuitamente, conforme regras estabelecidas pela própria instituição pública. Os alunos
precisavam passar por um teste de avaliação que compreendia exames específicos; para o
ingresso deles era necessário satisfazer as condições exigidas (idade, altura, peso,
flexibilidade, musicalidade, entre outras).
o Corpo de Baile nasceu com a tarefa de cumprir as temporadas das óperas do teatro,
evitando, dessa forma, o gasto com a contratação de bailarinos e de companhias estrangeiras.
Os bailarinos selecionados para o Corpo de Baile eram provenientes, na grande maioria, da
1
Existe uma bibliografia pouco extensa sobre a história do balé no Brasil. Destacam-se o livro de Eduardo Sucena (1920-
1994) A Dança Teatral no Brasil, de 1989, e a obra de Roberto Pereira A Formação do Balé Brasileiro, de 2003 (pesquisa
na tese de doutoramento pela PUC de São Paulo em Comunicação e Semiótica).
2
Maria Olenewa (1896-1965) iniciou seus estudos em Moscou, na Academia de Dança Malinowa. Continuou seu
aprendizado com Lídia Nelidova e Alexander Domadof, em Paris, cidade para a qual fugiu com a família após a revolução
bolchevique, em 1917. E na cidade-luz conheceu Ana Pavlova, passando a fazer parte de sua troupe. Conheceu o Brasil
quando aqui esteve, em 1918, em tournée com a companhia de Pavlova. Retornou para cá, em 1921, com Leonide Massine
e em 1926 adotou definitivamente o país.
Em Buenos Aires, ela lecionou no Teatro Colón, em 1923, antes, portanto, de fixar residência no Brasil. Fundou no Rio de
Janeiro, em 1927, a Escola Oficial de Dança, nas dependências do Teatro Municipal. Maria Olenewa, com o crítico teatral
Mário Nunes (1886-1968) idealizador de uma escola brasileira para formação de bailarinos –, caminhava rumo à futura
Companhia de Balé do TMRJ e a uma tradição que contaria com extraordinárias intérpretes brasileiras do repertório
clássico. Em 1936 foi criado o Corpo de Baile do TMRJ sob sua direção.
18
própria escola.
No Brasil, o balé oficial ainda não existia até o início dos anos 1930. O Ballet Russes de
Diaghilev
3
foi a primeira companhia a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro
em 1913; e na seqüência se apresentaram a Companhia de Anna Pavlova e as companhias
pós-Diaghilev. Todas elas representaram uma implantação gradual de uma determinada
técnica de “balé” aqui no Brasil, por meio tanto de suas apresentações como dos bailarinos
que aqui ficaram ensinando e coreografando. Assim, com a permanência de Maria Olenewa
no Rio de Janeiro, estabeleceu-se efetivamente o início da formação da dança profissional
oficial no Brasil, seguindo o modelo das tradicionais companhias européias que por aqui
passaram.
Por se tratar de uma companhia que nasceu para acompanhar as óperas do teatro lírico
que a abrigavam, não é de se estranhar que ela seguisse esse modelo específico. Olenewa
implementou não na escola, mas também no Corpo de Baile, seu entendimento em dança,
elaborado ao longo de sua carreira nas grandes companhias européias. Para ela, que queria
fixar residência no Brasil, dirigir a escola e o Corpo de Baile do Rio de Janeiro era a
possibilidade de continuar a sua tradição em dança nessa cidade, neste país.
Em Sucena (1989, p. 260), encontra-se uma matéria de 12 de novembro de 1927, escrita
por Mário Nunes (1886-1968), crítico da revista Para Todos, na qual ele enaltece o trabalho
realizado por Olenewa na escola. Nunes registrou que ela em tão pouco tempo conseguiu
preparar os alunos que não tinham idéia do que seria essa dança: “Foi preciso submetê-los a
3
Em razão dos limites desta pesquisa, não se tenciona traçar um histórico do balé no Brasil; entretanto, os fatos que
parecerem pertinentes serão abordados brevemente e como fonte de esclarecimento. O Ballets Russes começou em 1909 e
se transformou em uma companhia de balé permanente em 1911. Serguei Diaghilev, apesar de nunca ter sido bailarino
profissional, conseguiu convencer os melhores coreógrafos, dançarinos e designers da sua época. Ele contratou, entre
outros, o compositor russo Igor Stravinsky, o artista espanhol Pablo Picasso, o artista francês Henri Matisse e o poeta e
cineasta francês Jean Cocteau. Entre os dançarinos, contou com Anna Pavlova, Tamara Karsavina, George Balanchine e
Vaslav Nijinski. Assim, com colaboradores que compunham o melhor da época em suas respectivas atividades, a
companhia Ballets Russes redefiniu a noção de balé durante seus 20 anos de atividade.
19
um duro regime de exercícios diários, impedir que o cansaço os tomasse, que a aspereza dos
primeiros ensinamentos os desanimasse.”
Foi a partir desses acontecimentos que se iniciou a trajetória de formação da dança
oficial brasileira pautada nos parâmetros românticos e ocidentais. Estes se caracterizavam por
constituir uma escola, um Corpo de Baile dentro de um teatro lírico e uma orquestra para
acompanhar as temporadas. Surgem anos mais tarde as demais escolas: a Escola Municipal de
Bailado do Teatro Municipal de São Paulo (1940)
4
e em seguida o Curso de Danças Clássicas
do Teatro Guaíra (1956)
5
. O Teatro Castro Alves não possui uma escola preparatória de dança
e sua companhia foi criada em 1981, estabelecendo-se com um repertório mais moderno.
O objetivo aqui é o entendimento de dança dessas instituições em questão, que foram
criadas a partir do modelo centro-europeu. Pretende-se discutir o projeto conceitual que as
regia e fazer uma reflexão crítica sobre as instituições de hoje que continuam perpetuando os
mesmos paradigmas, ditos “padrões”, através da importação desse formato sem
questionamento e, como conseqüência, sem uma mediação na forma de tradução ao novo
ambiente cultural.
A própria designação “companhia oficial” traz consigo uma força bastante relevante
para a construção de um pensamento artístico. A palavra “oficial” endossa a dança com um
carimbo que a legitima e a valida como possibilidade de expressão artística, tornando-a
referência de uma localidade e trabalhando, dessa forma, o local “oficial” como o
determinador de um pensamento. Assim, nessas instituições, oficializou-se uma forma
vinculada ao sistema do poder público de distribuição de conhecimento, padronizando os
4
A Escola Municipal de Bailado de São Paulo foi fundada em 1940, nos altos do Teatro Municipal, pelo então prefeito
Prestes Maia, especialmente para suprir os bailados das companhias estrangeiras de ópera que se apresentavam em São
Paulo. Três anos depois, com a necessidade de um espaço maior para aulas e ensaios, mudou-se para os baixos do Viaduto
do Chá, seu endereço até os dias de hoje, cumprindo o compromisso com a população como única escola municipal de São
Paulo orientada exclusivamente para o ensino de balé clássico.
5
O Curso de Danças Clássicas do Teatro Guaíra foi criado em 1956, sendo o mais antigo corpo estável da casa. Na época de
sua fundação, o objetivo era preparar os bailarinos com um nível técnico e artístico capaz de formar um Corpo de Baile
para o Teatro Guaíra. Tereza Padron foi nomeada para dirigir o curso, que era gratuito. Em 1990 passou a se chamar Escola
de Danças Clássicas. Atualmente a escola é dirigida por Jocy Beckert Santos.
20
elementos dessa arte cênica. Esse aspecto é bastante importante para a proposta deste estudo e
será aprofundado mais adiante.
Pinheiro (2007)
6
destaca que esse formato de instituição que se constrói a partir de
princípios modelados nos padrões de outras geografias vem acompanhado da questão de
como podemos reorganizar para a nossa cultura essas contribuições que de vieram, de
forma que essas experiências ocorram através de transformações dessas confluências, e não
somente como cópias cuja tradução ignora o entorno.
E aqui se faz necessário trazer a teoria de Santos (2006, p. 129), que diz:
A tradução é, simultaneamente, um trabalho intelectual e um trabalho político. E é
também um trabalho emocional porque pressupõe o inconformismo perante uma
carência decorrente do caráter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento
ou de uma dada prática.
Dessa forma o autor propõem que existe uma necessidade, mais do que nunca, de uma
pluralidade de projetos coletivos articulados de modo não hierárquico e que estejam atentos
aos processos de tradução que vão substituir a formulação de uma teoria geral para uma teoria
cada vez mais específica e localizada.
Se na organização dessas estruturas oficiais não permear esse entendimento – o de
construir um sistema cultural, partindo-se do pressuposto de que realmente a necessidade
dele, em contraponto a um inconformismo –, a possibilidade de se compreender que a mera
criação de uma companhia seja voltada para desígnios operísticos, burgueses ou políticos não
tem sentido algum. Essa situação fará permanecer a configuração existente de algo que se
sustenta a partir do que é reverenciado como padrão de excelência pela máquina pública.
6
Anotações de aula da autora. PINHEIRO, Amálio. Ambientes midiáticos e processos culturais: Relações entre teoria da
mídia e teoria da mestiçagem Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2º semestre 2007.
21
Santos (2006, p. 127) afirma: “O trabalho de tradução visa esclarecer o que une e o que
separa os diferentes movimentos e as diferentes práticas, de modo a determinar as
possibilidades e os limites da articulação ou agregação entre eles.”
Propõem-se, sob essa perspectiva, outros processos para se realizarem as convergências
das culturas no âmbito artístico-político, que permitem vislumbrar uma rota mais viável à
criação dessas companhias. Entende-se, assim, que: “A idéia e a sensação da carência e da
incompletude criam a motivação para o trabalho de tradução, a qual, para frutificar, tem de ser
o cruzamento de motivações convergentes originadas em diferentes culturas.” (SANTOS,
2006, p. 126).
Para tanto, necessita-se avaliar de maneira ponderada essas inoculações, que
importamos no âmbito da dança pública brasileira e que geraram graves problemas na sua
construção, pois sua origem se deu de fora para dentro.
As primeiras três companhias públicas – o Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
o Corpo de Baile Municipal de São Paulo, atual Balé da Cidade, e o Balé Teatro Guaíra
surgiram desse encontro com outra cultura ou seguiram o molde das instituições que
existiam. Observa-se então que o princípio da dança oficial brasileira se deu a partir das
teorias sobre essa arte trazida por bailarinos estrangeiros.
Não se está desprezando a importância dessa formação e mediação, que se manifesta
pela construção de um entendimento de dança baseado nos princípios de outra cultura. Com
relação às companhias 2, é necessário se pensar profundamente, no entanto, sobre esse
assunto e entender os desdobramentos nos dias de hoje dessa formação sem as devidas
adequações.
Como exemplificação dessa formação, em 1661 o rei Luís XIV fundou a Academia
Real de Dança, com o objetivo de enquadrar o movimento do corpo em regras, ao que se
22
imprimiu um rótulo oficial de beleza formal. Assim, surgiu na França a profissionalização da
dança, que garantia aos dançarinos das óperas rendas fixas e favorecia a competição e a
hierarquização. O intuito desses bailarinos era entrar no Corpo de Baile (expressão que
designa o conjunto de dançarinos de uma companhia clássica) e chegar a ser solistas. Ao
mesmo tempo, a Academia favorecia a regularidade, a beleza formal, o virtuosismo
(BOURCIER, 2001). Em 1669 ele inaugura a Academia Royal de Música (nome inicial da
Ópera de Paris), sendo então o Balé da Ópera de Paris a companhia de dança mais antiga do
mundo.
Hoje em dia, esse desejo de garantir oficialmente a “beleza formal”, a “regularidade” e
a “estabilidade” é uma ameaça, uma imposição estética de modos pertencentes a outro
endereço cultural. Deve-se questionar incessantemente sobre o significado dessas atribuições
na dança oficial e reorganizar urgentemente o entendimento de corpo e a relação dele com o
ambiente no qual está inserido, caso contrário poderá ocorrer um abalo fatal na história da
dança nessas instituições.
Como mencionado por Katz (2004, p. 109), ao se referir a esse formato de estrutura:
Um Corpo de Baile nasce das diversidades (vários corpos) compactadas no singular
(Corpo de Baile), indicando que devem ambicionar serem vistos como um só. Para
isso, precisam se apresentar com uma mesma feição. Sem nome próprio, tal como
seus bailarinos, portanto somente uma classificação genérica de espécie, tende a ser
identificado pelo local que o abriga, geralmente algum teatro oficial. Um Corpo de
Baile é sempre um Corpo de Baile de algum lugar, seja de um teatro, ou um
município ou uma região-forma de existir/ser nomeado que escancara uma natureza
de prestador de serviço. Nascer assim é quase como nascer com a vida traçada.
O nascimento dessas companhias, legitimado como profissão no Ministério do
Trabalho, teve, sem dúvida, um papel importante para a construção da história da dança
brasileira. Entretanto, é um equívoco endossar a vontade das instituições, que atualmente
propõem o privilégio do “selo oficial” como elemento de homogeneização absoluta, sem levar
em conta a diversidade cultural existente em cada cidade por elas representadas e sem apontar
os problemas artísticos que essa oficialização irá gerar futuramente.
23
Chama-se a atenção para o que Santos (2006, p. 198) discute:
A falta de auto-reflexividade interna é o que tem permitido que as teorias de
separação prevaleçam sobre as teorias de união. [...] A teoria da tradução é o
procedimento que possibilita a sua mútua inteligibilidade. Tornar mutuamente
inteligível significa identificar o que une e é comum a entidades que estão separadas
pelas suas diferenças recíprocas.
Poder-se-ia refletir sobre a possibilidade de haver interesse maior em avaliar
profundamente a qualidade dessas formações oficiais, por meio dos intercâmbios culturais,
pensando a partir do aproveitamento dessas contribuições, e não as tomando como absolutas.
Pensando em Canclini (1980, p. 44), pode-se trazer para esse caso específico a seguinte
passagem: “A dependência cultural obriga-nos a viver uma relação de apropriação retardada:
‘nossa’ arte é o resultado do que outras fizeram; em vez de uma produção, é uma mera
reprodução.”
No início da formação das companhias oficiais 2, no final da década de 1990, verifica-se
um “acordo” de não explorar as potencialidades das esferas que pertencem a esse lugar.
Assim, a dança brasileira nos meandros públicos continua a se apoiar nas distorções do
“típico europeu”, conforme será discutido no segundo capítulo.
Santos (2006) ressalta a dificuldade que em propor novos processos de produção de
conhecimento nas instituições modernas. Segundo ele, isso ocorre porque ao longo de dois
séculos elas produziram e reproduziram a razão indolente, as monoculturas e o bloqueio das
emancipações sociais. Santos (2006, p. 17) também salienta que “[...] para tal possibilidade se
concretize, é necessário criar novas instituições as quais, nas condições presentes, serão
simultaneamente universidades e contra-universidades”.
Sob essa perspectiva, é
extremamente importante apresentar as idéias de Klauss Vianna
7
, personalidade de grande
importância no cenário da dança brasileira que, tencionando a criação de uma estrutura que
7
Klauss Vianna (1929-1992) era natural de Belo Horizonte (MG). Bailarino, coreógrafo, professor e pesquisador, sua
pesquisa baseou-se em reflexões sobre o corpo humano e suas implicações anatômicas, funcionais e afetivas no estudo do
movimento cotidiano e cênico. Com um olhar inovador e revolucionário, influenciou toda uma geração da dança e do teatro
brasileiros com seu trabalho de educação somática.
24
desse conta da cultura brasileira e que fugisse às normas existentes, escreveu em 1952, na
Revista Horizonte (BH):
Enquanto o ballet francês é francês, o russo é russo, o italiano é italiano, o nosso não
é nada, a não ser mera imitação de todos eles. Desta forma, o ballet, no Brasil, tende
a desaparecer ou, permanecendo, ficará eternamente relegado a um plano
secundário. (VIANNA, 1952 apud MACHADO, 1955).
Nesse mesmo artigo, Vianna ressalta também que não havia se processado até aquele
momento, tanto no balé como no teatro, um movimento-idéia regional semelhante àquele que
ocorreu na literatura brasileira com Machado de Assis, Euclides da Cunha, José de Alencar,
no estilo próprio da arquitetura brasileira com Oscar Niemeyer e na arte regionalíssima de
Aleijadinho e de Portinari. Como disse Vianna, “falta a nossa música, o nosso teatro e a nossa
dança”.
É claramente inegável que de 1955 para os dias de hoje ocorreram transformações
significativas no âmbito da dança. O que se pretende abordar são as implicações na
manutenção desses formatos (companhias públicas brasileiras que se organizam a partir de
paradigmas advindos de outras culturas) e a insistência em repetir esse procedimento no
desdobramento de algumas das companhias oficiais brasileiras.
As companhias 2 brasileiras foram criadas nos moldes artísticos do NDT III
(Nederlands Dans Theater III)
8
, da Holanda. Segundo seu diretor, Jiri Kylián, o NDT III foi
estabelecido em 1991 como uma companhia para dançarinos experientes, com idade acima de
40 anos. Para ele, os bailarinos são capazes de criar uma experiência teatral completa,
aplicando os frutos de sua vasta experiência para atingir padrões de excelência que combinam
a dança moderna e clássica com o mesmo drama, comédia, expressão corporal e, às vezes,
8
Nederlands Dans Theater, companhia estabelecida em Haia (1959), criada por B. Harkavry como uma complementação ao
Balé Nacional da Holanda, sediado em Amsterdã e que trabalhava de acordo com a escola acadêmica. Quando Van Manen
assumiu a direção artística (1960), iniciou a reformulação do repertório, fortemente influenciado pelas correntes do
modernismo americano, com ênfase nas obras criadas especialmente para a companhia a com a atenção voltada para balés
de cunho social e temáticas contemporâneas. Em 1970 Kylián assumiu a direção. Em 1981, foi criada outra companhia o
NDT Júnior – com a função de servir de oficina e escola para novos dançarinos e coreógrafos. E dez anos mais tarde, 1991,
criou-se o NDT III para bailarinos acima de 40 anos.
25
canção. Kylián ainda afirma que coreógrafos empregam os dons (habilidades) originais de
cada um dos dançarinos para criar uma obra sutil e refinada. Essa companhia de artistas
genuínos do teatro e do movimento fascina o novo e o velho, o conhecedor e o novato, cada
um e todos
9
, diz ele.
O mote para o debate sobre a criação das companhias 2 brasileiras está em enfatizar a
necessidade de se pensar na elaboração de outros modos de organizar o conhecimento nas
estruturas oficiais de dança e em propor uma relação mais consistente destas com seus
contextos, identificando possibilidades inexploradas de resistência e de articulação com os
domínios políticos.
Katz (2006) chama a atenção, lembrando que:
A necessidade de as companhias oficiais repensarem o seu papel no cenário da
dança de hoje é urgente. O mundo mudou muito nos últimos 400 anos, desde que a
Ópera de Paris se tornou o projeto copiado em todos os cantos. Desapareceu o
modelo de um Estado que provê a sustentação de um teatro municipal e suas
companhias residentes. Cada vez mais, a sua continuidade depende da iniciativa
privada. Em um Brasil regido por dinheiro público via Leis de Incentivo à Cultura,
isso significa que as companhias oficiais se tornaram concorrentes das particulares,
pois passaram a disputar com elas fatias de um mesmo bolo.
10
Antes de se iniciar a discussão sobre as companhias 2 de modo mais aprofundado, será
apresentada uma lista das companhias oficiais brasileiras. Essas companhias estão distribuídas
em vários pontos do nosso território e se dizem agentes culturais representantes de seus
Estados e municípios. Elas sobrevivem do financiamento do poder público, seja do orçamento
direto, seja por meio da arrecadação de impostos ou de benefícios fiscais. São as seguintes as
companhias oficiais:
Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ, 1936)
Balé da Cidade de São Paulo (SP, 1968)
Balé do Teatro Guaíra (PR, 1969)
9
Cf. homepage institucional do Nederlands Dans Theater.
10
Cf. crítica na íntegra no Anexo A.
26
Companhia de Dança de Minas Gerais (MG, 1971)
Balé do Teatro Castro Alves (BA, 1981)
Balé da Cidade de São José do Rio Preto ( SP, 1987)
Cia. de Dança de São José dos Campos (SP, 1990)
Companhia de Ballet da Cidade de Niterói (RJ, 1992)
Balé da Cidade de Teresina (PI, 1993)
Companhia de Danças de Diadema (SP, 1995)
Companhia de Dança de Caxias do Sul (RS, 1997)
Companhia de Dança do Amazonas (AM, 1998)
Balé da Cidade de Natal (RN, 2002)
Balé da Cidade de Taubaté (SP, 2006)
Bailare – Cia. Municipal de Dança (Vacaria – RS, 2008)
São Paulo Cia. de Dança (SP, 2008)
Todas essas companhias desenvolvem suas funções oficiais com maior ou menor
precariedade estrutural (relação administrativa), tendo em vista o fato de estarem vinculadas
ao órgão público que representam. É importante lembrar também que, afora essas questões
administrativas, ocorrem ainda questões relacionadas às companhias que estão intimamente
vinculadas aos teatros líricos. Faro (2004, p. 108) aponta a problemática que se estabeleceu no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, referindo-se aos entraves causados por esse formato de
companhia que apresenta um vínculo estreito com a ópera, ou seja, o comprometimento da
companhia com as obrigações artísticas do teatro que a sedia, e enfatiza:
Hoje indubitavelmente a nossa maior companhia, sofreu altos e baixos em virtude
da sua situação administrativa. Esta sempre flutuou conforme o desígnio de quem
dirigia o Teatro Municipal; se o diretor preferia ópera, o balé era relegado a
pouquíssimos espetáculos anuais; se era uma pessoa mais eclética ou mais
esclarecida, o balé recebia um tratamento condigno, realizando extensas temporadas
hospedando artistas e coreógrafos de renome. [...] O problema foi sempre a falta de
continuidade, não por culpa dos diretores do balé, mas em virtude da subserviência à
27
ópera, que se manteve durante vários anos e que causou verdadeiros hiatos na
criatividade e no funcionamento da companhia.
As obrigações e os desígnios que são impostos por essas máquinas oficiais impedem
que haja autonomia de atuação criativa. A estrutura funcional dessas companhias, de natureza
absolutamente burocrática, principalmente das mais antigas, foi toda estabelecida por
funcionários administrativos desses órgãos, e os decretos de criação delas foram redigidos
pelos funcionários que ocupavam os cargos administrativos e jurídicos nessas instituições
públicas. E bem se sabe das conseqüências inerentes ao trabalho artístico causadas por essas
restrições. Como aponta Canclini (1980, p. 29):
As classes dominantes estão unicamente interessadas em reproduzir as condições de
produção e as relações sociais que as beneficiem; os artistas que servem a esses
interesses ou, pelo menos, aceitam seu enquadramento ideológico, concebem a sua
prática como a representação da ordem existente: a uma política da reprodução
corresponde uma estética de representação.
Observam-se até o presente momento três fortes obstáculos na vida das estruturas
artísticas públicas: vínculo com a máquina pública; vínculo com o teatro que as abriga;
formação atrelada ao modelo centro-europeu.
Ao longo do percurso, esses entraves funcionam como um armamento bélico apontado
para a produção artística dessas instituições, principalmente se não se estabelece uma relação
de afinidades entre mudanças governamentais e o potencial artístico instalado na instituição
responsável.
A importância da presença dessas instituições representantes do poder público no
cenário nacional não será aqui discutida. No entanto, isso não significa que não sejam
fundamentais e indispensáveis inúmeros ajustes com respeito às estruturas administrativas e
artísticas, à manutenção de uma única referência oficial, a questões orçamentárias destinadas
a essas companhias e a políticas públicas brasileiras. Sem dúvida, tudo isso requer um estudo
aprofundado que acompanhe os caminhos que estão se configurando nessas trajetórias da
oficialidade, e pode levar um tempo considerável para que resultados concretos aflorem.
28
1.2 Companhias 2 brasileiras
Dando continuidade a esta discussão, da qual se destaca o desenvolvimento de um
conceito estabelecido de dança, baseado em padrões formais e políticos e atrelado às relações
que sua produção e seu consumo mantêm com a classe dominante, será analisada a formação
de outras companhias dentro da mesma estrutura: as companhias 2.
A questão é buscar compreender onde ocorreu esse formato de organização e refletir
sobre a criação das companhias 2, que replicam a necessidade da importação da estrutura de
formação de outra geografia. É importante salientar, mais uma vez, que o NDT III serviu de
paradigma para a criação desses espaços no Brasil, sendo considerado o ponto de partida
dessas iniciativas.
O mérito da criação do NDT III é incontestável. Trata-se de uma companhia cujos
princípios artísticos vinham se estabelecendo ao longo dos últimos 30 anos, segundo o
conceito adotado pelo seu diretor, e que incentivou o interesse dos artistas em busca de se
lançarem em novos desafios, usufruindo e se valendo não somente do tempo de casa, mas de
suas experiências artísticas no decorrer de suas carreiras como profissionais.
Simonet (2001) cita Kylián, que, em relato sobre esse assunto, afirma:
[...] Os bailarinos mais idosos têm uma capacidade de expressão e uma
complexidade de emoção que os jovens não podem conseguir [...]. Seus corpos são
paisagens modeladas pela arte de vinte ou trinta coreógrafos. São como árvores que
guardam os traços se suas experiências. Trazem em si próprios a cultura da dança. E,
se o quiserem, podem trazê-la, sem limite de idade, até a morte.
O problema das companhias 2 brasileiras não está em imitar modelos, mas em
incorporar formas de organização estrutural de uma proposta artística. Deve-se entender como
essa via ocorre e como é possível construir outro conceito, norteando o trânsito para uma
discussão política e cultural. Sem dúvida, uma tarefa hercúlea. Apenas criticar, no entanto, é
uma maneira pouco complexa de abordar a questão, por isso e necessário elaborar um
29
conhecimento sob a forma de teoria crítica, mesmo sendo uma teoria em processo. Retorne-se
a Canclini (1980, p. 20), que aborda a associação entre a arte e o conhecimento da sociedade:
Não duvidamos de que a arte possa contribuir junto com outras vias de estudo
para o conhecimento de uma sociedade, mas para situar o valor da informação
artística, deve-se estabelecer primeiro, como a arte está inserida no contexto, em que
medida sofre seus condicionamentos e em que medida é capaz de tornar a agir sobre
eles e produzir um conhecimento efetivo.
Para compreender a importância do conhecimento crítico como força geradora de uma
possível modificação a fim de impulsionar a abertura dessas companhias, é preciso perceber e
analisar as relações existentes entre os artistas e essas instituições com esse outro
entendimento de companhia e propor outra reflexão teórica que auxilie a reformular seu
conceito.
Em Navas (Anexo B), há um trecho que dialoga com o que vem sendo discutido nesta
pesquisa:
Através desta potencialidade histórica e contemporaneamente aberta dentro de um
local público, poderão ser afirmados os seus mais amplos objetivos, para além de
uma demarcação simplista do tempo e espaço da trajetória de cada artista,
projetando-se sua inserção no tempo mais amplo da arte de nossos dias.
Informações sobre a criação do NDT III constam na matéria
11
de Angarano (2004) intitulada
Uma dança com o tempo, para o jornal Hartford Courant, de agosto de 1994:
Bailarinos morrem duas vezes; a primeira morte ocorre quando a idade ou uma lesão
os força a pendurar as sapatilhas para sempre. Contudo, alguns bailarinos desafiam
o tempo, aventurando-se corporalmente em outros graus, os quais podem mantê-los
em forma, e apresentando-se indefinidamente.
A ex-bailarina do American Ballet Theatre (ABT)
12
, Martine Van Hamel, descrevendo
trabalhos experimentais novos que são criados para o NDT III, desabafa: “Nós tentaremos
qualquer coisa.” (ANGARANO, 2004).
11
Tradução de Lilia Shaw, integrante da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo, em 2007.
12
O American Ballet Theatre é reconhecido como uma das grandes companhias de dança do mundo. Foi fundado em 1940
com o objetivo de desenvolver um repertório com obras clássicas e modernas e oferecer a oportunidade de criação a novos
coreógrafos.
30
A matéria descreve que o NDT III foi fundado em 1991, pelo coreógrafo tcheco Jiri
Kylián, para mostrar maturidade. O objetivo da companhia era propor a bailarinos treinados
no estilo clássico desafios artísticos apropriados para seus corpos em transformação, que
ampliassem a carreira deles. Na verdade, foi a mulher de Kylián que deu origem a essa idéia.
Ela tinha 40 anos e a carreira dela estava declinando. “E agora?”, ela pensou. Então Jiri
iniciou uma terceira companhia do NDT e produziu um repertório com dois projetos
coreográficos por ano, com a participação de mais quatro dançarinos.
De acordo com Kylián: “A coreografia é um gesto, um movimento direcionado aos
bailarinos. Esse gesto comunica que eles não precisam parar, desistir, existem maneiras de
expressão física, possibilidades infinitas que podem prosseguir até a morte.” E Van Hamel
diz: “É para bailarinos entre os 40 e a morte.” (ANGARANO, 2004).
Angarano (2004) perguntou aos integrantes do NDT III: “Se os bailarinos têm corpos
tão afinados, porque os 40 anos é freqüentemente o ‘cabo da boa esperança’ para eles, pelo
menos no balé clássico?A bailarina Van Hamel respondeu: “É gradual. Preparar-se para um
espetáculo, na medida em que ficamos mais velhos, você descobre que exige um trabalho
maior e mais consistente em relação ao corpo e à obra, e seu corpo se torna mais sensível ao
stress físico.”
O mesmo jornalista, nesse mesmo jornal, escreveu que em 1990, depois de celebrar o
seu 20
o
aniversário no ABT com uma apresentação de gala de Swan Lake
13
, Van Hamel
decidiu deixar a companhia para ver o que aconteceria ao parar de dançar. Enquanto estava
em terapia física para aliviar problemas nas costas, ela percebeu que queria continuar
dançando tanto quanto pudesse. “A dança me mantém saudável”, disse ela (ANGARANO,
2004).
13
O Lago do Cisne, balé russo dividido em quatro atos, com coreografia de V. Reisinger e música de Tchaikovski, estreou
em 1877 com o Balé Bolshoi (Moscou). Em 1895, em S. Petersburgo, Petipa e Ivanov recoreografaram o balé.
31
Uma carreira em dança contemporânea não é, no entanto, uma novidade para Hamel,
mas sim um tipo de comprometimento diferente “menos intenso que o balé”, diz ela e em
seguida apresenta uma questão: “Por que os coreógrafos deveriam considerar trabalhar com
dançarinos mais velhos?” (ANGARANO, 2004). E ela própria responde:
Para respeitar a vantagem de eles serem mais artísticos do que físicos. Quando você
é mais jovem, encara cada novo trabalho como um balé servindo a você,
promovendo o seu próprio interesse profissional. Agora entendo que uma
coreografia não diz respeito a mim, mas sim ao trabalho em si. Sou muito mais
aberta e disposta agora do que antes. (ANGARANO, 2004).
O NDT III encerrou suas atividades no ano de 2005. Alexandra Scott, gerente do NDT I,
em entrevista
14
realizada por e-mail, em 2008, para esta pesquisa, escreve: Infelizmente
tivemos que abandonar o NDT III no final da temporada de maio de 2006 por razões
financeiras. No entanto, esperamos que seja possível revitalizar a idéia do NDT III no futuro e
que esta esteja apenas ‘dormindo’ agora.”
A seguir serão apresentadas algumas das definições conceituais estabelecidas pelos
diretores das companhias 2 Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo (São Paulo/SP), G2 Cia.
de Dança do Balé Teatro Guaíra (Curitiba/PR) e BTCA 2 do Balé Teatro Castro Alves
(Salvador/BA) –, retiradas dos sites delas no ano de 2007, os quais foram revisitados em
2008.
Guaíra 2 Cia. de Dança – Balé Teatro Guaíra
Criado em dezembro de 1999, o G2 Cia. de Dança, segundo Carla Heinecke, diretora da
companhia, é formado por 11 bailarinos que atuaram no Balé Teatro Guaíra e agora utilizam
sua técnica aliada à maturidade artística, num espaço de pesquisa de movimento, criação
coletiva e busca de novos rumos e novas estéticas na linguagem da dança.
14
Cf. Anexo C.
32
A diretora declara também que os integrantes são incentivados com infinitas
possibilidades que a dança contemporânea oferece e que o G2 atua baseado em uma filosofia
de pesquisa e dedica-se à montagem de espetáculos que contemplam as atividades do
“intérprete-criador”.
Segundo a direção da companhia em 2000, a originalidade e a qualidade da proposta do
trabalho valeram ao G2 o Prêmio Estímulo da APCA (Associação Paulista de Críticos de
Arte), por suas apresentações no Centro Cultural São Paulo.
Ainda conforme registros retirados do site dessa companhia, em sua recente trajetória o
G2 obteve o reconhecimento da crítica e tem contribuído para a formação de uma platéia
interessada no caráter investigativo da dança contemporânea. Somente no ano de 2004 a
companhia contou com um público de, aproximadamente, 9 mil espectadores em suas
apresentações no Paraná e em Santa Catarina.
Compõem o repertório da companhia os seguintes trabalhos: Leggo, de Júlio Mota
(2007), Espécie em Extinção, de Jane Comfort (2007), Um Dia Fora do Tempo, de Maurício
Vogue (2006), Solilóquio e Ritmove, de Tuca Pinheiro (2004), O Vôo do Poeta, de Pedro
Pires (2003), O Tombo, de Júlio Mota (2002), …de Passagem, de Marila Andreazza (2001), 1
Corpo 4 Estudos, de Carla Reinecke, Rosimeri Rocha e bailarinos (2001), Rezooltado, da G2
(2000), Pare, Pense, Faça Alguma Coisa!, de Tuca Pinheiro (2000), Instável Sonata, de
Adriana Grechi (2000), Hysteria, de Júlio Mota (2000).
BTCA 2 – Balé Teatro Castro Alves
No site da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) em 2007, a diretora-
assistente, Ivete Ramos, que foi bailarina do BTCA, relata que o BTCA 2 (antiga Cia.
Ilimitada) foi criado em 2004, quando um grupo de 18 bailarinos apresentou uma proposta
inovadora, irreverente e aberta à contemporaneidade, com o objetivo de reunir a maturidade e
33
a experiência deles com vistas a produzir um trabalho consistente. O site informa também que
o BTCA 2 busca conceber e realizar propostas artísticas que se adaptem à realidade
sociocultural do povo baiano. Indica ainda que a faixa etária do grupo está acima dos 35 anos
e todos são ex-integrantes do Balé Teatro Castro Alves. Na época da realização desta
pesquisa, a companhia BTCA 2 tinha como diretores Carlos Moraes e Ivete Ramos, e estava
declarado no site que, no palco, os 16 bailarinos que compunham o elenco, alguns deles
também coreógrafos, mostravam que a dança o tem limites e que a experiência do grupo
dava às apresentações uma performance diferenciada.
Fazem parte do repertório do BTCA 2 os seguintes trabalhos: Por Trás do Olhar, de
Paullo Fonseca, Imagens entre Vestígios, de José Sampaio, Dueto, de Joffre Santos e Fátima
Berenguer, Que Navio é Esse?, de Paullo Fonseca, Sentido, de Joffre Santos, Performance
Corpo, Imagem, Sons e Movimento, criação do elenco, e Malungo, de Lícia Morais.
Vale apontar para a importância da mídia, pois, para este caso específico, atualmente é
o único lugar em que existem registros dessas companhias 2.
Cia. 2 – Balé da Cidade de São Paulo
Desde sua criação em 1999, assinam os textos que estão no site do BCSP (2007) Ana
Teixeira (diretora-assistente do BCSP desde 2003) e Lilia Shaw (integrante da Cia. 2 do
BCSP desde 1999). A Cia. 2 passou por várias transformações conceituais e artísticas,
fazendo emergir um pensamento que priorizou uma prática mais conectada com as questões
atuais da dança em sua amplitude. A trajetória e a experiência dos artistas que a compõem
são, na verdade, o cerne de sua legitimidade.
Conforme consta do site, atualmente a companhia conta com oito integrantes. Esses
profissionais vêm ampliando seu leque de atuação, assumindo uma postura de reflexão
34
aprofundada nas relações com a arte, tendo no dinamismo e na inquietação as ações que
fundamentam a busca pela não-cristalização artística. É de interesse desses bailarinos, ainda,
o entendimento do conceito e da função de um espaço artístico público como um lugar de
fruição de idéias e ações de dança que contemplem questões pertinentes dentro e fora da
instituição que a abriga.
Teixeira e Shaw, ainda no site, escrevem que a Cia. 2 propõe também a abertura para
integração e intercâmbio com outros profissionais da dança e de áreas afins, realizando troca
de experiência com artistas do Brasil e do exterior. Além disso, afirmam que a Cia. 2 colabora
com o desenvolvimento artístico do BCSP por meio de várias parcerias, tais como aulas
técnicas, criações e discussões pautadas na arte. Isso promove um diálogo mais fortalecido,
mais estimulante e arejado ao desenvolvimento do pensamento de dança nessa instituição.
A companhia também está envolvida com a criação e a implantação de projetos
educacionais na área social (Educar-Dançando e O que é a Dança)
15
, bem como com a
realização de aulas, oficinas e apresentações.
Nos trechos extraídos dos escritos que se encontram nas mídias eletrônicas de cada
instituição (nas quais atualmente informações sobre essas companhias), percebem-se
algumas expressões-chaves que podem encarcerar num modelo a proposta que, antes de ser
apenas retórica, pretende ser sólida. Na realidade, o jogo de palavras pode arruinar o discurso
pela falta de compreensão do seu real valor e encobrir a problemática de se utilizar o
vocabulário – “dança contemporânea”, “experiência”, “intérprete-criador”, “criação coletiva”,
“pesquisa do movimento”, “linguagem”, “estética” – como um jogo verbal, o que na realidade
revela a ausência de conceito.
Atualmente, essas expressões povoam os releases da maioria dos espetáculos dessas
companhias, como uma forma de justificar suas existências no cenário atual, de estar na moda
15
As informações sobre esses projetos encontram-se no site dessa companhia – www.baledacidade.com.br.
35
e principalmente de garantir sua sobrevivência. Trata-se de uma espécie de passaporte que, na
maioria das vezes, não legitima, e, sim, mascara sua natureza artística.
A falta de suporte conceitual faz com que as companhias 2 se tornem somente estoques
de boas intenções, em vez de se constituírem em uma alternativa político-artística para a
chamada “longevidade”, “maturidade” e “continuidade” dos artistas que a integram.
Nesse contexto, pode-se entender que essas expressões estão associadas a um conceito
de vida longa apenas, não se fazendo relação mais profunda com a criação de um projeto
artístico. Trata-se de expressões que contemplam a passagem do tempo somente como um
processo para a “aposentadoria” desses integrantes.
Tais explicações parecem slogans que apresentam soluções imediatas para a
problemática em questão. Em contrapartida a esse tipo de manifestação, os estudos sobre
processos criativos de base semiótica desenvolvidos por Salles (1998, 2006) destacam a visão
de que todo o percurso artístico é inacabado. Ou seja, é a continuidade como tendência que se
mostra como busca constante de algo que está para acontecer, um rumo vago, incerto, mas
gerador vital para a concretização de um projeto poético.
Os pontos a seguir serão aprofundados no Capítulo 2, assim como outras questões
pertinentes a essas instituições:
Como ultrapassar os limites da falta de comprometimento do poder público e de seus
dirigentes no desenvolvimento das competências necessárias para a construção de
um espaço de autotransformação (companhia 2) no interior da grande estrutura?
Como desenvolver consciência crítica no sentido da compreensão de sua própria
insuficiência (instituição pública) para um despertar que questione os princípios
organizadores dessas estruturas?
Quando nesse ambiente (instituição pública) se concebem companhias que abrigam
36
propostas artísticas supostamente interessadas em questões voltadas para os
processos criativos, quais as conseqüências dessas propostas políticas e artísticas
nesse âmbito institucional?
Chamando a atenção para a primeira questão apontada anteriormente, é importante
trazer a resposta
16
dos integrantes do G2 Cia. de Dança, sobre o surgimento dessa companhia:
Por uma iniciativa da Direção do Teatro Guaíra, entendendo que seria importante
para a continuidade dos bailarinos mais antigos da casa, em 1999 criou-se o G2 Cia.
de Dança. Os bailarinos que passaram por este momento não tinham o conhecimento
do que seria uma Cia. 2 dentro de um instituição. Isso causou incômodo e
insegurança diante do desconhecido.
[...]
Os projetos do G2 Cia. de Dança são propostos pela direção artística. Vivemos em
uma estrutura na qual temos pouca autonomia de decisão.
Em contrapartida, a resposta da diretoria do G2 parece não comungar da mesma
opinião, revelando uma falha comunicacional detectada já no início da construção dessa
criação. O assistente de direção do G2, Grazianni Cannalli, ao responder a essa mesma
questão, diz:
[...] A proposta, apesar de nos surpreender, pareceu-nos boa, uma vez que
estávamos participando de todo o processo, inclusive dando sugestões sobre o
projeto. Restou uma única dúvida quanto à forma e aos critérios para a composição
desse novo quadro (idade ou nível técnico???).
[...] (Anexo L).
Já o BTCA 2, segundo Sanches (2008):
[...] não surgiu de um desdobramento espontâneo, mas da vontade de um diretor
(Antônio Cardoso) que queria somente trabalhar com pessoas do seu agrado. Assim
afastou bailarinos que não tinham nenhum comprometimento técnico aparente
(naquele momento) nem idade avançada; por puro capricho.
Dessa forma, partindo-se do embrião da formação dessas companhias 2, vários outros
pontos devem ser considerados, a fim de contribuir, quem sabe, para aparar arestas que se
evidenciam nas suas atuações. Arestas essas que parecem estar associadas à importação de
um referencial pré-existente, acompanhadas de seus determinantes sociológicos e históricos
16
Cf. Anexo L.
37
de origem e suas falhas na tradução, bem como à falta de comunicação entre diretorias e
integrantes dessas companhias 2 e a propostas artísticas sem fundamento.
Para entender o papel das companhias 2 dentro dessas instituições governamentais, é preciso
optar por um caminho que privilegia a dança não como moeda eleitoral (ALVARENGA,
2006), mas como elemento de contribuição fundante na construção de uma reflexão
consistente que se busca produzir nessas companhias, e sua relação com a vida que as
produzem e a comunidade a que elas servem.
Ao longo da existência da Cia. 2 de São Paulo, do G2 Cia. de Dança de Curitiba e do
BTCA 2 da Bahia, pouco se sabe ou se fala dessas companhias. Os registros são vagos e
insuficientes, sendo que a maior parte das informações se encontra nos sites das companhias
ou em críticas de jornais. Constata-se, entretanto, com esta pesquisa, que a Cia. 2 do BCSP
possui um material mais extenso que as demais. Esse material consiste em um volume que
contém toda a sua cronologia, um documentário que contempla informações desde o início de
sua formação até o ano de 2004, além do registro em DVD de todos seus processos artísticos,
incluindo inclusive um making-off de cada produção, de 2005 a 2007.
Também é de suma importância a discussão sobre as companhias 2, no que diz respeito
ao formato de contratação dos integrantes. Atualmente, no Balé da Cidade de São Paulo, a
maioria dos artistas é contratada com a utilização de “verba de terceiros”, o que significa que
eles são apenas prestadores de serviço, não têm nculo empregatício com a municipalidade.
Os contratos desses artistas são renovados automaticamente, por decisão da direção e do
próprio bailarino, a cada seis meses, ou com base nas leis vigentes. Existem também no
quadro artístico do Balé da Cidade as categorias para cargos de servidores municipais
38
comissionados
17
, efetivos
18
e admitidos estáveis
19
, sendo que na Cia. 2 dois integrantes são
admitidos estáveis.
No G2 Cia. de Dança do Balé Teatro Guaíra, os integrantes são, na grande maioria,
estatutários, quer dizer, funcionários públicos regidos pela Lei 6.174/1970. Existem
também as categorias de cargos comissionados e estagiários. Vale informar que o Balé Teatro
Guaíra é um Corpo Estável do Centro Cultural Teatro Guaíra.
No BTCA 2 do Balé Teatro Castro Alves, que pertence à Funceb
20
, as seguintes
categorias: estatutário, Reda
21
e cargo comissionado.
Tanto no G2 como no BTCA 2 os cargos são vitalícios, o que significa que os artistas
podem permanecer na companhia para sempre. Nesse caso, a companhia deve arranjar uma
forma de propor a continuidade desses artistas que atingem a idade em que não se enquadram
mais às exigências da companhia 1. Outro problema que existe é relativo aos cargos. Quando
os bailarinos saem da companhia maior, carregam consigo seus cargos, que estes o
vitalícios. Por isso, a direção desses corpos artísticos deve se organizar e encontrar um
caminho para seguir em frente com o Balé Guaíra e o Balé Teatro Castro Alves. É por esse
motivo que se contam com estagiários e Redas.
Não serão analisados os motivos que levaram à criação do G2 e do BTCA 2, pois este
estudo está interessado mais especificamente nas questões pertinentes à Cia. 2 do Balé da
Cidade de São Paulo. Porém é importante considerar as informações existentes sobre as
atividades dessas companhias, para que o caso de São Paulo não seja entendido de modo
isolado, fora de seu contexto nacional.
17
Nomeado por livre provimento em comissão, através da publicação no Diário Oficial, e indicado pelo diretor da
companhia.
18
Ingressa na prefeitura por meio de concurso público, publicado no Diário Oficial. Atualmente funcionários dessa
categoria somente no setor administrativo da companhia.
19
Essa categoria está extinta em vacância, conforme a Lei nº 9.160/1980.
20
Fundação Cultural do Estado da Bahia.
21
Contratos temporários com duração de quatro anos – Regime Especial de Direito Administrativo.
39
No decorrer desta pesquisa, no ano de 2008, o Secretário Estadual de Cultura da Bahia,
Sr. Márcio Meirelles, reformulou a estrutura do BTCA, mantendo somente na companhia
bailarinos concursados. Para tanto, foi necessário fundir os dois grupos existentes – os
integrantes do BTCA 2 com os do BTCA 1. Resta saber se a companhia se transformou no
BTCA 2 ou no BTCA 1, tendo em vista que a maior parte dos concursados estava no BTCA
2.
Nesse sentido, algumas informações estão circulando na mídia eletrônica e na mídia
impressa. O site Bahia em Foco registrou:
Balé Teatro Castro Alves passa por reformulação em Salvador
A partir de agora, o BTCA 1 e o BTCA 2, como está subdividida atualmente a
companhia, voltam a integrar um único corpo. Criado em 1981, o BTCA foi a
primeira companhia de dança oficial do Norte/Nordeste e a quinta do país. o
BTCA 2, também chamado de Cia. Ilimitada, surgiu em 2004, sendo composta por
ex-bailarinos do elenco principal, com idade acima de 35 anos, que tinham sido
afastados do palco. “Queremos desenvolver um trabalho técnico que envolva todos
os bailarinos independentemente da idade”, destaca Fonseca, que integra o balé
desde sua fundação e tem um histórico também como coreógrafo, tendo realizado
espetáculos solo e participado de diversos outros projetos de dança. (Anexo D).
Samuel Celestino (Anexo E), crítico do jornal A Tarde, da Bahia, manifesta-se num tom
de perplexidade com relação à atitude do Secretário de Cultura. Questionando sobre o
envelhecimento da companhia principal por causa da fusão dos dois grupos, diz: “A
conseqüência imediata das demissões e da fusão dos dois grupos é um dramático
envelhecimento do BTCA, o que, na prática, decreta sua morte como uma companhia de balé
importante.”
Torna-se importante ressaltar que alguns encontros referentes às companhias oficiais
foram organizados. Em 2006, na Bahia, realizou-se o 1° Encontro Nacional das Companhias
Oficiais. Parte das comemorações dos 25 anos do Balé Teatro Castro Alves, o encontro
discutiu sobre os planos de circulação nacional das companhias para 2007. Estavam presentes
os diretores das companhias oficiais de São Paulo, Manaus, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
40
Curitiba, Salvador, entre outras. (Anexo A). as questões que envolviam as particularidades
artísticas do Balé Teatro Castro Alves foram o assunto principal do fórum intitulado “O papel
das companhias oficiais de dança na contemporaneidade”, que ocorreu também na Bahia, em
junho de 2007. (Anexo F). E também em Belo Horizonte, em setembro de 2007, foram
realizados o I Fórum de Dança Fundação Clóvis Salgado e o Encontro de Companhias
Públicas.
Katz (Anexo F) destaca o fato de estar ocorrendo essa indispensável conversa em torno
da função das companhias oficiais de dança do país e ganhar repercussão pública justamente
no mesmo Estado que deu ao Brasil a primeira faculdade de dança, em 1956. Em sua visão,
era hora de quebrar a “blindagem” existente sobre o tema.
Esses três encontros e a atitude do Secretário de Cultura da Bahia
22
parecem chamar a
atenção para um movimento reflexivo necessário sobre essas instituições. Durante muitos
anos, pouco se considerou sobre o trabalho realizado por essas companhias, mas a mídia
impressa manifestou-se quando algo parecia estar em transformação.
Essas instituições artísticas públicas mantêm-se isoladas no seu teatro ou em outro
endereço de trabalho, e a possibilidade de apresentarem sua produção fora desse âmbito é
praticamente inexistente, seja por falta de verba ou de interesse do poder público. Nesses
encontros uma das solicitações dos diretores foi quanto à circulação das companhias por
outros Estados, o que de fato até hoje não aconteceu, a não ser quando outra instituição
financiou o custo. Questões sobre aposentadoria dos artistas e problemas em comum entre as
estruturas oficiais de dança também tiveram lugar de destaque na pauta de discussão.
Cada troca de direção artística dessas estruturas oficiais propõe um novo alento para a
produção que será gerada por essas companhias. Os cargos de direções são geralmente
22
Texto, na íntegra, sobre a transformação no Teatro Castro Alves o planejamento atual da companhia proposto pelo atual
diretor Paullo Fonseca, em 2008 – consta do Anexo G.
41
designados pelo diretor do teatro, no caso da companhia a que ele é vinculado, pelo secretário
de Cultura ou pelo próprio prefeito. No Balé da Cidade de São Paulo, a associação dos
bailarinos implantou, na década de 1990, alguns acordos internos, entre eles um relativo à
eleição de diretores, em que esses artistas enviam para a Secretaria de Cultura e para o Teatro
Municipal uma lista tríplice com os nomes indicados por eles ao cargo, que pode ou não ser
levada em consideração
Cabe ao diretor eleito manter a proposta da companhia que estava sendo seguida ou
estabelecer outro direcionamento a partir do seu entendimento de dança. Geralmente esses
diretores são bailarinos que atuaram nas próprias companhias ou em outras com perfil
semelhante e, ao ocuparem o cargo, defrontam-se com uma estrutura estabelecida e com
espetáculos agendados. De bailarino para diretor existe um hiato considerável, principalmente
no que tange às questões burocráticas dessas instituições, uma tarefa árdua que poucos
conseguem driblar.
É nesse panorama estrutural de companhia oficial que será apresentado no segundo
capítulo a Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo.
43
CAPÍTULO 2
Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo
Com o objetivo de melhor compreender como ocorreu a criação da Cia. 2 do BCSP,
deve-se acompanhar o desenvolvimento dessa companhia desde o seu surgimento. Essas
informações são valiosas como fontes para o entendimento dessa instituição local e de seus
procedimentos.
O Balé da Cidade de São Paulo foi oficialmente criado em 7 de fevereiro de 1968, com
o nome de Corpo de Baile Municipal. Na época o prefeito do município de São Paulo, José
Vicente Faria Lima (1909-1969), considerando a necessidade de dotar o Teatro Municipal de
um Corpo de Baile à altura das tradições artísticas daquela casa, convidou a bailarina Lia
Marques para estruturar a criação de uma companhia de balé. Personagem importante da
dança em São Paulo nas décadas 1950 e 1960, Lia Marques era ligada à Escola de Bailado e
foi também bailarina do Balé do IV Centenário
23
. Ela indicou Johnny Franklin
24
para ser o
diretor do grupo.
Dizer que o teatro necessitava de um Corpo de Baile à altura das tradições daquela casa
significava seguir os moldes dos grandes teatros líricos da Europa, o que gerou uma polêmica
23
Entre os programas culturais e comemorativos do IV Centenário de São Paulo foi planejada a organização do Balé do IV
Centenário para a apresentação de espetáculos representativos dessa arte, bem como a criação de obras de inspiração
tipicamente brasileira. Dois problemas, entretanto, se apresentaram a princípio: a organização de um corpo de baile de
nível artístico superior e a busca de um diretor artístico que, com as funções de um pedagogo, maitre de ballet e criador
coreográfico, fosse o principal responsável pela sua idealização e realização. Do Corpo de Baile participam elementos
nacionais, sem dispensar, porém, a colaboração de artistas estrangeiros. Para diretor artístico, a Comissão do IV Centenário
escolheu o coreógrafo Aurélio M. Millos, que havia alcançado significativos êxitos, colaborando com famosas instituições
coreográficas. Em dezembro de 1955, quando o Teatro Municipal de São Paulo ficou pronto, foi agendada uma nova
temporada de apresentações. Porém, o prefeito da época, Jânio Quadros, desfez a companhia. Ele alegou que não manteria
um conjunto artístico organizado para um evento que tinha acabado.
24
Seu nome de batismo era João Franco de Oliveira. Nascido em São Paulo (1931-1991), era dançarino, coreógrafo e
professor e estudou com Maria Olenewa (1944). Participou do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro de 1945 a 1968
e dançou todo o repertório clássico e moderno da companhia. Foi coreógrafo e professor do Balé da Juventude (1952-1953)
e também trabalhou para a televisão. Em 1955 criou sua própria escola no Rio de Janeiro. Em 1968 passou a dirigir o
Corpo de Baile Municipal de São Paulo até 1973.
44
bastante forte sobre o repertório de obras adotado pela direção naquela época, como se verá
mais adiante.
Para melhor entendimento da formação dessa instituição, é reproduzida aqui parte do
Decreto nº 7.359, de 07.02.1968, do então prefeito da cidade, José Vicente Faria Lima:
Art. 1º - É criado no departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura o
Corpo de Baile Municipal, o qual fará parte integrante dos corpos estáveis do Teatro
Municipal, onde funcionará.
Art. 2º - O Corpo de Baile Municipal será composto por 1 (uma) primeira bailarina,
1 (um) primeiro bailarino, 2 (duas) solistas femininas, 2 (dois) solistas masculinos,
20 (vinte) bailarinas e 10 (dez) bailarinos, além de 1 (um) coreógrafo, a quem
competirá à direção do conjunto.
Art. 3º - Os integrantes do Corpo de Baile Municipal serão contratados, obedecidas
as normas legais pertinentes, não podendo o prazo de vigência de o contrato exceder
a 2 (dois) anos, permitida, porém a sua renovação.
Art. - As despesas com a execução deste Decreto correrão por conta das verbas
próprias consignadas no orçamento de cada exercício.
Art. - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Como se verifica no decreto, a estrutura funcional baseava-se na formação de uma
companhia clássica, com as divisões hierárquicas de primeiros solistas a bailarinos de Corpo
de Baile.
Em Dias (1980, p. 16) encontram-se depoimentos importantes de pessoas que estavam
envolvidas com o fato naquele período. Marília Franco (1923-2006), que foi também
bailarina do Corpo de Baile Municipal do Rio de Janeiro e que nessa época dirigia a Escola
Municipal de Bailado de São Paulo, conta que o Corpo de Baile de São Paulo foi criado muito
rapidamente, por causa da vontade do prefeito Faria Lima em proporcionar trabalho aos
alunos da escola após a formação deles.
Posicionamentos divergentes também estão registrados no mesmo livro (DIAS, 1980, p.
30), entre eles o da bailarina e atriz Marilena Ansaldi, cuja trajetória que será apresentada
mais adiante é de grande importância no cenário da dança brasileira e na reestruturação do
Corpo de Baile na década de 1970. Marilena se manifesta de maneira mais crítica, dizendo
45
que o decreto surgiu por laços de amizades entre o Secretário de Educação e Cultura, Araripe
Serpa, e a bailarina Lia Marques.
Outra questão interessante abordada por Dias diz respeito à declaração de Marília
Franco, referindo-se ao esquecimento de uma formulação mais rigorosa do regulamento
interno do Corpo de Baile, por causa de o decreto ter sido escrito às pressas. Esse decreto de
formação foi um ato de criação do prefeito, não passando, portanto, pela Câmara Municipal.
Assim, em meio a muita controvérsia sobre a proposta de criação desse corpo artístico
do Teatro Municipal, foi formulada sua existência jurídica e artística. A companhia foi criada
como clássica inicialmente para oferecer trabalhos remunerados aos alunos da Escola
Municipal de Bailado que atuavam em óperas. Os bailarinos foram selecionados por meio de
concurso público noticiado no Diário Oficial. Sua estréia aconteceu no dia 11 de setembro de
1968, durante a temporada rica do Teatro Municipal, com a ópera La Traviata, de Verdi.
Incluem-se nesse período de atuação obras tradicionais do repertório clássico ocidental: Les
Sylphides, Coppélia, O Lago do Cisne, O Cisne Negro, A Morte do Cisne, Giselle, Dom
Quixote, entre outras.
Somente após um ano de existência, a companhia apresentou seu primeiro espetáculo
autônomo, com as seguintes obras: Les Sylphides, Coppélia e Maracatu
25
. Franklin nessa
ocasião, indagando-se sobre os motivos que o levaram a eleger esse espetáculo inaugural,
respondeu:
Minha primeira função era a de formar um Corpo de Baile e não podia me entregar à
vaidade de inventar coreografias. Precisava dar aos bailarinos a base dos grandes
clássicos do repertório. “Sílfides”, além de ser uma jóia do bailado clássico
internacional, escola e estilo aos bailarinos. “Coppélia” oferece a oportunidade de
se aprender a mazurca, etc. E torna os bailarinos dançantes, além de divulgar a dança
de meio caráter. Maracatu” é um bailado brasileiro, que propicia o encontro de
nossa linguagem. Nossa música e nosso folclore são das coisas mais bonitas para se
aproveitar na dança. (DIAS, 1978, p. 27).
25
Les Sylphides – Coreografia de Fokine estreada em 1907 no Teatro Mariinski, com música de Chopin.
Coppélia Coreografia de Johnny Franklin (segundo Ivanov), com música de Leo Delibes. Originalmente o balé Coppélia
foi estreado em 1870 com o Balé da Ópera de Paris.
Maracatu – Coreografia de Johnny Franklin.
46
se pode ter uma idéia da deficiência estrutural do seu surgimento. Não parece ter
havido uma proposta de criação de uma companhia oficial que representasse a cidade e
atendesse às necessidades culturais dela, mas, sim, de uma companhia que patenteasse os
desígnios de um teatro lírico e, além do mais, com falhas em sua construção administrativa e
artística.
Vários conflitos ocorreram nesse período, desde a insatisfação dos bailarinos em relação
ao posicionamento do diretor perante o grupo até a ausência de trabalhos que não estivessem
atrelados à programação das óperas e a falta de bailarinos para realizar um repertório clássico.
E ainda havia outro problema: a falta de contratação de profissionais para desempenhar
funções fundamentais às atividades do quadro artístico, como professores, ensaiadores,
coreógrafos, entre outros. Essas funções, por isso, acabavam ficando a cargo do diretor do
conjunto. Enfim, seis anos se passaram na tentativa de manter a companhia, que havia
nascido com problemas sérios.
No Anexo H consta parte do programa da primeira apresentação do Corpo de Baile
Municipal, com a ópera La Traviata, de Verdi, o que aponta de antemão o lugar ocupado na
escala de valores dos corpos estáveis. No mesmo anexo também está transcrita uma matéria
publicada no jornal O Estado de São Paulo, de 1973, sobre os atritos que estavam ocorrendo
no Corpo de Baile Municipal e que ocasionaram o afastamento do então diretor.
Assim, Johnny Franklin permaneceu na direção do Corpo de Baile Municipal de São
Paulo até meados de 1973. As bailarinas Lia Marques e Marília Franco ficaram como
responsáveis interinas pelo conjunto até a chegada de um novo diretor indicado ao cargo.
Em 25 de janeiro de 1974, com o objetivo de atualizar e reformular a estrutura da
companhia, José Luiz Paes Nunes (1933-1987), então diretor do Departamento de Teatros
26
,
26
Departamento de Teatros era a instância dentro da Secretaria de Cultura que cuidava de todos os teatros do município,
inclusive do Teatro Municipal e das três escolas (Escola Municipal de Bailado EMB, Escola Municipal de Música
47
convidou Marilena Ansaldi para dirigir o Corpo de Baile Municipal, o qual passou, então, por
uma reestruturação, denominada “nova fase”. Marilena, por sua vez, indicou Antônio Carlos
Cardoso
27
, que assumiu o cargo de diretor.
Cardoso provocou uma ruptura significativa no modelo que vinha sendo aplicado ao
Corpo de Baile. Isso quer dizer que ele transformou o Corpo de Baile, então uma companhia
clássica, em uma companhia com um repertório mais atrelado às necessidades e aos
movimentos artísticos daquele tempo. Houve muita resistência por parte dos bailarinos, que
diziam que a técnica clássica era a base para toda e qualquer linguagem em dança e, sendo
assim, eles não poderiam abdicar de executar o repertório clássico, que o público tanto
estimava.
Numa entrevista para Dias (1980, p. 23), Cardoso apresenta sua opinião:
O trabalho que a gente propõe é inclusive uma coisa desvinculada de uma idéia que
muitas pessoas m, eu não sei por quê. Elas têm a mania de achar que um corpo de
baile oficial é obrigado, como se fosse assim uma obrigação mesmo, a manter o
repertório clássico, entende? Como se isso fosse uma coisa que deixou de fazer, vai
morrer.... Agora eu pergunto o seguinte: o que é um Corpo de Baile Municipal? o
que é um Departamento de Teatros? o que é a prefeitura? - é dinheiro... Os
contribuintes são quem? São a pessoas que contribuem hoje, em São Paulo, que
moram hoje em São Paulo, são pessoas que vivem aqui, assim não vejo uma
obrigatoriedade do Teatro Municipal ser um museu.
Antônio Carlos Cardoso dirigiu a companhia até 1977, retornando em 1979 e
permanecendo até 1980. Em 1978, com o afastamento de Antônio Carlos Cardoso para
atender a compromissos particulares, a companhia foi dirigida inicialmente por Victor
Navarro
28
e em seguida por Iracity Cardoso
29
, os quais, é importante salientar, não tomaram
EMM e Escola Musical de Iniciação Artística EMIA). Na gestão da Marta Suplicy (2000-2004), o Teatro Municipal, a
EMB e a EMM foram deslocados, ficando sob a responsabilidade da direção do Teatro Municipal. Nessa gestão surgiu o
DEC (Departamento de Expansão Cultural), encarregado dos outros teatros da municipalidade.
27
Bailarino, coreógrafo e diretor. Estudou em Porto Alegre e no Rio de Janeiro e entrou para o Balé do Teatro Municipal do
Rio de Janeiro em 1959. Dançou na Alemanha (Bohn – 1965, Karslsruhe – 1967) e em Flandres, em 1973, na Bélgica. Foi
diretor do Corpo de Baile Municipal de São Paulo de 1974 a 1980 e em 1985. Fundou e dirigiu o Balé do Teatro Castro
Alves de 1981 a 1983 e retornou à mesma direção em meados da década de 1990, permanecendo até 2006. Entre suas
coreografias estão: Sem Título (1970), Dança Viva (1971), Paraíso (1974), Percussão para Oito (1977), Aquarela do
Brasil (1979), e várias outras.
28
Natural de Barcelona, em 1964 foi contratado como bailarino solista pelo Ballet Del Gran Teatro Del Liceo e mais tarde
pela Zarzuela de Madrid.Viajou em 1968 a Lisboa, onde deu início à sua carreira internacional, dançando para importantes
companhias como: Ballet Gulbenkian de Lisboa, Royal Ballet de Wallonie, Ballet da Ópera de Lille, Royal Ballet de
48
posse no cargo de diretor, somente exerceram a função. Nesse período foi criada Cenas de
Família, de Oscar Araiz, obra memorável do repertório da companhia. A marca da proposta
artística de Antônio Carlos Cardoso se evidencia em todas as ações implementadas, o que se
pode constatar no layout do primeiro programa, que se encontra no Anexo I. São
significativas desse período várias obras, dentre as quais se destacam Apocalipsis (1976) e
Corações Futuristas (1976), de Victor Navarro, Canções (1976), de Oscar Araiz, Percussão
para Oito (1977), de Antônio Carlos Cardoso, entre outras que renderam ao Corpo de Baile
vários prêmios.
É importante neste momento também trazer à luz desta pesquisa um panorama geral da
trajetória de Marilena Ansaldi, figura significativa durante a gestão de Antônio Carlos
Cardoso. Em 1951, Ansaldi tornou-se aluna regular da Escola Municipal de Bailado de São
Paulo, onde desenvolveu sua formação de balé clássico. Também estudou na academia da
professora e bailarina Maria Olenewa. No início da década de 1960, conquistou uma bolsa de
estudos para se aprimorar na antiga União Soviética, sendo admitida no último ano da Escola
de Dança do Ballet Bolshoi, de Moscou.
No final da década de 1960, já no Brasil, Marilena passou a conviver em São Paulo com
artistas da dança como Renée Gumiel, rika Gidali, Peter Hayden, Victor Austin. Em
fevereiro de 1975, quando a Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo alugou a Sala
Galpão do Teatro Ruth Escobar por um período de dois anos, ela viabilizou o Teatro da
Dança, um projeto arrojado e inovador para a época, que durante o dia abrigava aulas e
Flandres. Em 1974 chegou ao Brasil, convidado para trabalhar no Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo, como
maitre de ballet e coreógrafo-residente. Conquistou vários prêmios por suas obras e em 1982 criou a Victor Navarro
Companhia de Dança, que o consagrou como uns dos melhores coreógrafos do Brasil. Em 2001 voltou à Espanha para
prosseguir com sua carreira artística e pedagógica, onde permanece até hoje.
29
Trabalhou como assessora e curadora de dança da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2006-2007), no Centro
Cultural São Paulo, e criou o Centro de Dança da Galeria Olido. Foi diretora artística do Ballet Gulbenkian (Portugal,
1996-2003); co-diretora (1988-1993), assistente de direção e bailarina (1980-1988) do Ballet du Grand Thêatre de Genève
(Suíça). Participou da transformação do Corpo de Baile Municipal de São Paulo (1974-1980). Foi bailarina e professora do
Ballet Stagium (1972-1974), bailarina do Staats Theater Karlsruhe (Alemanha, 1966-1967), do Stadt Theater Bonn (1965-
66) e da Opéra de Marseille (França, 1964). Professora do Teatro de Dança Galpão (1975), participou como bailarina nas
gravações para a Television Suisse Romande de criações de Oscar Araiz para o Ballet de Genève. Na TV Cultura de São
Paulo, atuou como bailarina nas gravações do repertório do Corpo de Baile Municipal de São Paulo.
49
intercâmbios e à noite era ocupado por espetáculos experimentais. Com Isso ou Aquilo,
espetáculo que estreou em 1975 no Teatro da Dança, Marilena promoveu uma reviravolta em
sua carreira, além de lançar uma obra emblemática para as artes cênicas do Brasil.
A partir desse momento, Marilena cria espetáculos autorais, quase sempre em
representação solo, sob direção de encenadores importantes do teatro brasileiro, como Iacov
Hillel, José Possi Neto, Roberto Galizia, Marcio Aurelio, Cibele Forjaz, Antônio Araújo. O
repertório que constituiu a o início da década de 1990 era formado por peças como Por
Dentro Por Fora, Escuta Zé Ninguém, Um Sopro de Vida, Picasso e Eu, Hamletmachine, A
Paixão segundo G.H., Clitemnestra, entre outras. Em 1992 ela se afasta da cena por 12 anos.
A própria Ansaldi afirma no programa do projeto Dança em Pauta (2005), do Centro Cultural
Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, que:
[...] em janeiro de 1992, depois de terminar a temporada de Clitemnestra, dirigida
Antonio Araújo no Teatro Municipal, tive uma crise de pânico, seguida de uma
depressão, provocada por anos de luta e exaustão.
Nesses últimos 12 anos fiquei escondida de tudo e de todos. As poucas vezes que fui
assistir a um espetáculo saía dele em prantos, com vontade de me suicidar.
Haviam se passado 30 anos da estréia de Isso ou Aquilo, então Ansaldi retornou aos
palcos a convite de Ana Francisca Ponzio, que era a curadora do Dança em Pauta, do CCBB
(2005), para participar desse projeto. Isso ou Aquilo tinha sido um espetáculo marcante na
história do teatro e da dança no Brasil, por isso o retorno dessa artista à cena paulista foi um
acontecimento de grande repercussão para as artes cênicas. Ansaldi, depois de muito relutar,
aceitou o convite e criou Desassossego, com direção de Marcio Aurelio, que estreou no dia
de junho de 2005.
Retornando à cronologia histórica do Corpo de Baile Municipal, em 1981, sob a direção
de Luis Arrieta, o nome Corpo de Baile Municipal foi transformado para Balé da Cidade de
São Paulo (BCSP), adotado até os dias de hoje. Na história de vida do BCSP, são
50
extremamente relevantes as cadas de 1980 e de 1990, momento em que o pensamento da
dança dialoga com o foco desta pesquisa.
De 1982 a 1983, a direção artística da companhia ficou a cargo de Klauss Vianna, que
foi convidado pelo Secretário Municipal de Cultura, Mário Chamie. No seu livro A Dança,
ele comentou:
Esse ia ser um novo desafio, eu nunca dirigira um grupo de dança oficial, mas pensei
que provavelmente não teria outra chance de passar por uma experiência dessas. E
fui. No primeiro dia, entro na sala e encontro dezenas de bailarinos sentados no chão,
me olhando, como se dissessem “O que é que você está fazendo aqui, se não gosta
do clássico?
Sentei-me no chão também e disse o que pensava sobre dança, do clássico, da arte, o
que pretendia fazer e pedi a eles um tempo, um mês, para ver se começávamos a nos
gostar. Porque podia ser, disse, que eu não gostasse deles. (VIANNA, 2005, p. 61).
Essa conversa significaria um redirecionamento para essa instituição pública, visando a
uma modificação na sua forma de perceber a dança, sustentada pela busca do
desenvolvimento dos integrantes em sua competência individual, sem perder a sintonia com o
grupo ao qual pertenciam. Enfatizando que o bailarino não devia ser somente um mero
integrante de um Corpo de Baile homogêneo, Vianna diz:
Nessa época, o Bado Municipal de São Paulo, tinha mudado todo o repertório,
dançava trabalhos modernos e belos, mas a mentalidade dos bailarinos ainda era a
mesma. Tinham personalidade, mas não em nível pessoal. É claro que os trabalhos
de palco modificavam um pouco a postura pessoal, mas ainda existia um ranço
antigo, de profissionais que não discutiam, não expunham suas opiniões. (VIANNA,
2005, p. 62).
Vianna trazia essa inquietação sobre a função artística do trabalho desenvolvido nas
companhias oficiais desde o princípio da sua atuação na dança. Numa entrevista ao jornal O
Diário, datado de 13 de abril de 1958, ele falou:
KV O que se precisa fazer inicialmente é deixar de lado a repetição monótona e
anti-criadora do que se faz na Europa, e particularmente na Rússia, com seus eternos
“Lago dos Cisnes”. E, pelo contrário, procurar urgentemente uma adaptação do
ballet às características brasileiras de cultura, tradição e vida. A grandeza do ballet
russo se deve a esta participação no próprio viver da Rússia. No Brasil se não
fizermos isto, com urgência, nosso ballet morrerá antes mesmo de nascer, ou então
se reduzirá a apresentações para uma elite, acadêmica e balofa sem qualquer sentido
artístico e cultural.
R – Quer dizer que ainda não se pode falar em um ballet brasileiro?
51
KV – Absolutamente. Nada se faz ainda neste sentido. Os grupos de ballet existentes
e principalmente o Municipal nada fazem neste sentido. Para que o ballet seja
realmente uma força ativa dentro da nossa cultura, é preciso que ele tenha
consciência nacional. Para isto é preciso muito esforço, estudo e cultura, e, sobretudo
honestidade nas realizações. Quanto aos ballets de Eros Volusia, Solano Trindade, a
Brasiliana, etc., são pura exploração do exótico e do burlesco, sem qualquer
orientação mais séria, ou uma concepção da dança dentro do que eu chamo
“movimento-idéia”.
Em sua gestão, Klauss Vianna, com seu ímpeto marcado pela curiosidade,
questionamento e desafio, percebeu que sua visão começava a se difundir dentro da
companhia. Esse impulso atuava como mola propulsora, ampliando ainda mais a reflexão,
estabelecendo, dessa forma, uma postura mais ativa na relação com o mundo por parte dos
integrantes da companhia. Essa percepção favoreceu a possibilidade de lançar outros desafios
à companhia, instigando Vianna a convidar artistas da cena independente para
compartilharem idéias, interesses e questões da dança, o que gerou outras buscas artísticas.
Entende-se que a vontade de criar relações, diálogos, fricção de idéias, novos ares, era
premissa fundamental na direção de Klauss Vianna, que propunha outra abordagem para a
dança dentro de um estabelecimento oficial.
Com o intuito de aproximar essa visão de Klauss Vianna das discussões de Morin (2005,
p. 34-35) sobre determinismo cultural, deve-se destacar a passagem em que este afirma:
A primeira condição de uma dialógica cultural é a pluralidade/diversidade dos
pontos de vista. Essas condições aparecem nas sociedades que permitem o encontro,
a comunicação e o debate de idéias. O intercâmbio das idéias produz o
enfraquecimento dos dogmatismos e intolerâncias, o que resulta no seu próprio
crescimento. De qualquer maneira, o encontro de idéias antagônicas cria uma zona
que abre uma brecha no determinismo cultural; pode estimular, entre indivíduos ou
grupos, interrogações, insatisfações, dúvidas, reticências, busca.
Pode-se dizer então que essa dialógica cultural marcou o nascimento do Grupo
Experimental
30
, que tinha uma proposta pioneira na história de grupos oficiais no país era
uma espécie de companhia paralela. Era formada por 15 bailarinos, sendo 10 profissionais e 5
pré-profissionais, que teriam do Balé da Cidade a estrutura necessária para exercerem com
30
Esse grupo foi criado na gestão de Klauss Vianna, com interesse de gerar um movimento artístico com uma relação intensa
entre bailarinos da companhia e artistas da cena independente paulista. Esse projeto durou pouco por ter sido considerado
muito experimental.
52
liberdade suas propostas artísticas, enriquecendo, dessa forma, as atividades do grupo oficial.
Vianna (2005, p. 64) explica o motivo que o levou à criação desse grupo:
Eu era favorável àquela gente toda que fazia dança fora do Municipal, fora de um
grupo oficial, gente como Sônia Mota, Denilton Gomes, Suzana Yamauchi, Mara
Borba, Ismael Ivo, João Maurício, Mazé Crescente, gente talentosa que trabalhava
sozinha e sem espaço para ensaiar. E me perguntava: o que aconteceria com essa
gente toda no Municipal? Minha idéia era dar a eles a possibilidade de espaço e
material para que criassem e mostrassem seu talento.
As propostas de Klauss Vianna geraram vários conflitos internos, pois se tratava de um
trabalho muito experimental tanto para a estrutura administrativa quanto artística do Balé da
Cidade. Quando ocorreu a mudança de governo, o novo responsável pelos corpos estáveis do
Teatro Municipal, o crítico Fábio Magalhães, convidou-o a continuar dirigindo o grupo,
entretanto solicitou que se realizasse um estilo de dança como o do Teatro Municipal do Rio
de Janeiro. Isso provocou a saída de Vianna, pois ele não aceitava trabalhar com essa linha de
pensamento (o estilo clássico) para a dança.
É interessante observar a imposição feita por Fábio Magalhães sobre o trabalho que
estava sendo desenvolvido por Vianna na companhia e também o seu desconhecimento do
histórico do corpo estável. A solicitação dele para que a companhia voltasse a executar as
obras que eram dançadas no início da sua criação explicitava o desejo pelo retorno da estética
do “formal” e do “belo”, tão prezada pela arte oficial. Morin (2005, p. 31) auxilia na
compreensão dessa forma de censura que excluiu a possibilidade de outra manifestação
artística:
[...] nas macroestruturas, a normalização manifesta-se de maneira repressiva ou
intimidatória, calando os que teriam a tentação de duvidar ou de contestar, reinando
a idéia do incontestável reduzindo os desviantes e os desvios ao silêncio, ao
esquecimento ou ao ridículo.
A passagem de Klauss Vianna, marcada por uma crítica à própria herança, foi de
fundamental importância para o desenvolvimento de outros procedimentos em uma
companhia oficial. Até hoje repercute sua visão voltada para um processo mais artístico,
53
investigativo e humano. Vianna trabalhou no terreno do experimental, das possibilidades de
erros/acertos, de tentativas, buscas e interações com o universo exterior e interior, sem receio
de viver e conviver com o risco. A fase descrita anteriormente é apresentada com a intenção
de aproximar o pensamento de Vianna ao entendimento do conceito de companhia 2, que se
defendido mais adiante neste trabalho. Durante sua gestão foram realizadas as seguintes
obras:
Valsa para Vinte Veias – J. C. Violla (1982)
Certas Mulheres – Mara Borba (1982)
Equinoxe – Dariusz R. Hochman (1982)
Bolero – Lia Robatto (1982)
A Dama das Camélias – José P. Neto e equipe coreográfica (1983)
Cantata Carmina Burana – montagem de Renato Magalhães (1983)
Ópera La Vida Breve – coreografia de Paula Martins (1983)
Como fonte de informação, é importante apresentar aqui a crítica escrita por Acácio R.
Vallin Jr., Uma experiência física com o espectador, de 1° de setembro de 1982, para o jornal
O Estado de São Paulo, sobre Bolero, de Lia Robatto, retirada dos arquivos do Idart
31
, que
aponta para o aspecto relacional proposto durante a gestão de Klauss Vianna.
Bolero - Lia Robatto
[...] A concepção de Emilie Chamie dividiu o espetáculo em dois momentos. O
primeiro acontece no saguão do Centro Cultural de São Paulo e tem uma abordagem
histórica. Através de fotografias e de uma trilha sonora que tem por base o “Bolero”
de Ravel, o público toma contacto com as diversas montagens do “Bolero” através
da história. Nessa primeira parte os bailarinos usam roupas típicas e alguns
movimentos têm relação com o que as fotografias mostram. Com informação
histórica a exposição cumpre sua finalidade. O que é questionável é a dança que se
desenvolve ao redor da exposição.
31
Departamento de Informação e Documentação Artística, foi criado em 1975 pela Secretaria Municipal de Cultura com uma
proposta inovadora, multidisciplinar. O departamento tem o objetivo de preservar e estudar registros das manifestações
artísticas brasileiras produzidas ou veiculadas na cidade de São Paulo. Em 1982, o Idart foi incorporado pelo recém-
inaugurado Centro Cultural São Paulo, e o Centro de Pesquisas passou a ser denominado Divisão de Pesquisas, mantendo
os mesmos objetivos de memória e reflexão.
54
[...] Ao passar para o teatro de arena, o espetáculo ganha uma dimensão. Mestra no
uso do espaço, Lia Robatto tira proveito das possibilidades que a arquitetura do local
oferece.
Entrando em cena por lugares inesperados, os dançarinos criam no palco um
universo de relações humanas. Cada intérprete traz uma personalidade, um
sentimento ou uma emoção claramente estampados.
Ao usar a percussão como estímulo, Lia Robatto mantém sempre viva a relação entre
som e movimento. As relações iniciais ora se aprofundam, ora dão lugar ao simples
jogo de movimentos. A partir da formação em círculo, começa a existir uma troca
emocional mais intensa entre os bailarinos, e quando alguns deles pulam para o meio
da roda parecem impulsionados por uma necessidade vital muito forte de se colocar
em movimento. A energia nunca cessa de crescer até explodir em intensidade no solo
final de Simone Ferro. [...]
Também na gestão de Vianna foi realizado um workshop
32
, no qual Susana Yamauchi e
João Mauricio coreografaram Karadá, que foi incorporada ao repertório da companhia em
1984. Participaram também com propostas coreográficas os bailarinos Franco Moran e Tony
Callado.
Nesse período, em 1983, a companhia teve seu trabalho reconhecido pela Associação
Paulista dos Críticos de Arte (APCA), que lhe conferiu os seguintes prêmios: Melhor
Espetáculo: Bolero; Melhor Bailarina: Simone Ferro; Melhor Coreografia: Lia Robatto.
Após a gestão de Vianna, estiveram à frente da direção do Balé da Cidade: Júlia
Ziviani
33
(1984 a 1985), Luis Arrieta (1986 a 1988), Rui Fontana Lopes (1989 a 1992) e
Ivonice Satie (1993 a 1996).
Cada um desses diretores contribuiu de forma bastante significativa para a história da
companhia, no aspecto administrativo e artístico. Foram criadas várias obras, assinadas por
coreógrafos nacionais e internacionais, que firmaram a qualidade do trabalho realizado pelo
Balé da Cidade, o qual em 1996 fez sua primeira tournée internacional, quando dançou em
Lyon (França).
32
O primeiro workshop do Corpo de Baile Municipal foi realizado em 1977, na gestão de Antônio Carlos Cardoso, e tinha
como objetivo estimular os artistas da casa que tivessem interesse em coreografar. Esse projeto ocorre até os dias de hoje
(2007).
33
Nessa gestão, em meados de 1985, Cleusa Fernandez, com a saída de Júlia Ziviani, assumiu o grupo e permaneceu no
cargo de diretora-assistente, ficando a companhia sem diretor nomeado até a gestão seguinte.
55
Em 1997, José Possi Neto
34
, que vinha da área do teatro, assumiu a direção do Balé da
Cidade. Sua gestão foi marcada, sobretudo, pelas dificuldades políticas e econômicas que o
país atravessava, mas, por outro lado, foi enriquecida pelo incentivo à pesquisa coreográfica e
pelo apoio à criação, destinados a promissores talentos dentro da companhia. O estímulo para
que os bailarinos da casa refletissem sobre sua profissão e atuação era muito instigante para
aqueles que entendiam seu posicionamento. No entanto, houve resistência, pois ainda pairava
no ar e nos corpos os bitos e ranços dos bailarinos que não queriam que sua rotina fosse
modificada.
Uma das intenções de Possi naquela fase era retomar o Grupo Experimental, inserindo-o
naquele momento da companhia e da dança brasileira e criando, inclusive, outro espaço físico
dedicado à dança, que estaria mais voltado para a pesquisa. No texto do programa
35
de 1997,
estão expressas as expectativas artísticas de José Possi Neto relacionadas ao trabalho com o
BCSP, quando ele assumiu a direção da companhia:
Com o apoio do Departamento de Teatros da Secretaria de Cultura do Município de
São Paulo estaremos inaugurando em setembro deste ano o TEATRO DA DANÇA,
que funcionará no Teatro João Caetano, e que durante dez meses do ano funcionará
oferecendo cursos e oficinas de dança durante o dia, estimulando a formação de
novos bailarinos. À noite o teatro será utilizado para apresentações do Balé da
Cidade de São Paulo, seu repertório atual e remontagens de balés importantes das
últimas três décadas. E ainda para mostras de dança nacionais e internacionais e
apresentações de companhias paulistas e de outros estados. Desenvolvimento de
ciclos de conferências e fóruns sobre a dança contemporânea, bem como cultura e
arte de vanguarda. A inspiração do Teatro da Dança me foi dada pela excelente
experiência vivida no antigo Teatro Galpão nos anos 70, idealizada por Marilena
Ansaldi durante a gestão do então Secretário de Cultura, professor Sábato Magaldi.
Pretendemos ainda a criação da COMPANHIA 2, uma companhia pequena formada
por bailarinos com a maturidade e vivência de palco e pessoal, e com experiência no
campo coreográfico. O principal objetivo dessa companhia é a pesquisa
coreográfica, a experimentação e a criação de novas linguagens para a dança
brasileira.
José Possi Neto saiu em agosto de 1999 sem conseguir realizar essa empreitada. Sua
saída causou grande frustração para alguns da companhia, pois interrompeu a continuidade de
34
José Possi Neto (São Paulo, SP, 1947). Diretor, encenador de espetáculos para os atores de teatro do país, ligado também
ao teatro-dança e musical, com várias realizações importantes nesses gêneros.
35
Programa de estréia da coreografia Como num Jardim, de Vasco Wellenkamp, de maio de 1997. Acervo pessoal de Ana
Teixeira.
56
um pensamento que deslocava as atribuições talhadas nos hábitos praticados por vários anos e
oferecia a possibilidade para a discussão de outros modos de atuação política, artística e social
dessa profissão no ambiente público.
Entre os trabalhos coreográficos realizados nesse período, três foram criados com a
participação do elenco da companhia. São eles: Enthousiasmos e Baile na Roça (1998), com
direção de José Possi Neto, e Quase Dois (1999), de Cláudia Palma e Armando Aurich,
bailarinos da companhia. Nessa gestão, outras duas coreografias foram dançadas: Plenilúnio
(1997), de Susana Yamauchi e João Maurício, e Como num Jardim (1997), de Vasco
Wellenkamp.
Nessas duas fases da companhia, a comandada por Vianna e a dirigida por Possi,
observa-se a inserção de propostas inovadoras, que fugiam dos padrões freqüentes e usais do
fazer de uma estrutura artística oficial e se mostravam disponíveis para criações voltadas aos
vocabulários regidos pela experimentação. Vale ressaltar que essas duas propostas foram
aparentemente frustradas na época, pois ambas abrigavam a necessidade urgente de mudança
nessas casas públicas. Mesmo com as adversidades artísticas, várias mudanças ocorreram.
Entretanto, percebe-se que essas propostas fertilizaram terrenos que produziram estímulos e
incubaram as idéias da possibilidade de transformação do “fazer artístico” que perduram até
os nossos dias.
De 1999 a março de 2001, Ivonice Satie
36
reassume a direção artística do BCSP e
inaugura a Cia. 2, que, mesmo sem ser oficial, começava sua trajetória. Até hoje (2008) não
existe nenhuma lei que regulamente a existência da Cia. 2, nem mesmo um regulamento
interno. A Cia. 2 foi criada simbolicamente, mas, mesmo assim, provocou o surgimento de
uma nova designação dentro da estrutura geral. Fez nascer a denominação Cia. 1 para nomear
36
Foi diretora, coreógrafa, assistente e bailarina do Balé da Cidade de São Paulo entre as décadas de 1980 e 1990 e recebeu
vários prêmios APCA e outros. Atualmente dirige, coreografa e ministra cursos para várias companhias e grupos
brasileiros e é diretora artística da Cia. Sociedade Masculina em São Paulo. Dirigiu a Cia. de Danças de Diadema (SP) e a
Cia. de Dança do Amazonas (AM).
57
o grupo que desempenharia o repertório habitual da companhia, teoricamente os mais jovens.
No texto do programa de estréia da Cia. 2, em dezembro de 1999, Satie diz:
A Companhia desdobra-se em duas, uma delas mantém o perfil do grupo, marca de
sua trajetória enquanto Balé da cidade de São Paulo, onde inovação e a
popularização da linguagem são características principais. A outra, que nasce neste
momento, reunirá bailarinos que trilharam muito desses caminhos, a eles caberá um
desafio, o trabalho com a experiência e sabedoria acumuladas, em propostas ousadas,
refinadas ou experimentais, no sentido amplo. Dentro da nova estrutura, agora é
trabalhar para que tudo isso também seja motivo de comemoração, celebrando-se a
alegria de criar e viver em busca de harmonia.
A abertura da Cia. 2 mereceu destaque nos jornais de São Paulo. Katz (1999) escreveu:
A iniciativa é mais que louvável. O Balé da Cidade de São Paulo acaba de criar a
Cia. 2, que funcionará independentemente da companhia-mãe, reunindo bailarinos
veteranos. [...]
Ao criar a segunda companhia, o Balé da Cidade de São Paulo (BCSP) aponta para
coisas importantes. Ao mesmo tempo que abre mercado para bailarinos que corriam
o risco de dançar cada vez menos no BCSP, estimula coreógrafos a criar para um
outro tipo de intérprete e educa as platéias para um outro modo de fazer dança. Num
mundo onde o corpo jovem se tornou o parâmetro de saúde, felicidade e sucesso,
essa contribuição tem até mesmo um alcance social. (Anexo J).
Para alguns bailarinos eleitos a integrar a Cia. 2, a notícia causou certo incômodo, pois
não estava muito claro o que se pretendia com essa companhia, a não ser que eles estavam
quase chegando à casa dos 40 anos de idade e que fariam um trabalho diferenciado. Eles não
foram convidados para discutir sobre o assunto. A decisão veio de cima para baixo. Um mal-
estar geral espalhou-se nesse período inicial para os bailarinos, a Cia. 2 não passava de um
lugar para os excluídos do grupo maior.
Risoléu (2008), que era integrante do grupo, conta que em 1999 Ivonice Satie, diretora
do Balé da Cidade de São Paulo, decidiu dividir a companhia em dois grupos a Cia.1,
formada por bailarinos mais jovens, e a Cia. 2, com bailarinos veteranos com o intuito de
desenvolver um repertório diferenciado. Para a bailarina Risoléu essa iniciativa seria uma
forma de dar continuidade à carreira em um outro patamar, já que estava ao lado de pessoas
maduras e experientes.
Criar outra companhia dentro da mesma estrutura não é garantia de que haverá uma
58
transformação imediata no pensamento e no comportamento dos artistas, pois eles mudam
somente de sala, permanecendo no mesmo prédio e se alimentando das mesmas informações
que os guiaram durante vários anos.
A partir dessa questão, percebe-se o que norteia essa idéia. Os bailarinos, que dançavam
vários anos na outra companhia (Cia. 1), somente se deslocaram de um lugar para outro.
Assim, pode-se imaginar que a produção artística deles será similar a que eles faziam antes,
com a diferença de que agora eles estão um pouco mais velhos. Pretender outra ação seria
fechar os olhos para a trajetória desse elenco.
A designação dada a essas companhias Cia. 1 e Cia. 2 sugere que o uma
ruptura conceitual, apenas uma linha sucessiva no tempo (do número 1 passa-se com o tempo
para o número 2, e assim por diante), e leva à pressuposição de que a proposta dessas
companhias é manter o que vem sendo realizado artisticamente nessas instituições, sendo a
idade dos bailarinos o pré-requisito para a inserção deles em cada companhia.
Pensando aqui no que foi abordado no início deste capítulo, viu-se que essa companhia
Balé da Cidade foi norteada por uma lista de nomes de diretores e coreógrafos. Treze
diretores passaram pela companhia, em cujo repertório constam mais de 180 obras. Katz
(2003, p. 111) coloca: “Na sua longa lista de produções, podem-se pinçar algumas relações
estéticas entre obras como, por exemplo, as que permitem a aproximação entre Arrieta, Araiz
e Navarro.” A crítica segue afirmando que há um outro tipo de “minilista” que incluiu
bailarinos-coreógrafos e outra, os coreógrafos estrangeiros. E continua dizendo:
[...] E como um elemento se constrói também a partir das coreografias que dança,
essa diversificação contribui para dificultar a identificação de um modo de dançar
específico, especialmente numa companhia que os bailarinos têm formações tão
distintas.
A partir da observação de que a trajetória dos bailarinos que compõem a Cia. 2 foi
construída a partir dessa engrenagem toda, entende-se que deve ter havido uma certa
59
dificuldade de adaptação nesse outro lugar. Eles enfrentam essa situação crítica no momento
em que são retirados de uma sala e colocados em outra, com o peso de terem de se aventurar
na dança da maturidade “acumulada” ao longo dessa jornada e transformá-la na dança de
pesquisa e investigação.
Se a produção de conhecimento nesses lugares está sendo desenvolvida a partir dos
mesmos parâmetros, isso também quer dizer que ela permanece obstinada no pensamento que
constrói uma estrutura como se fosse estabelecida com base nos princípios das normas
habituais e enrijecidas da própria instituição. Assim, seus procedimentos artísticos
continuarão dando vazão à noção de um lugar cujo alicerce está completamente ligado ao
pensamento cultural, político, ideológico e social dos conceitos clássicos estrangeiros, dos
quais Vianna tanto lutou para se afastar.
O insistente retorno à questão das estruturações da dança nos meandros públicos,
seguindo uma tradução equivocada do modelo centro-europeu, faz-se com o propósito de
salientar esse grande problema que nos acompanha desde meados do século XX.
Dessa forma, poder-se-ia constatar que o surgimento desse outro grupo na mesma
estrutura somente mantém a idéia de continuar com esses bailarinos no quadro artístico, seja
por terem contratos vitalícios, seja por se tornarem “vitalícios” por tempo de casa. Demitir um
profissional que atuou mais de 15, 18, 20 anos na companhia não é tarefa fácil para uma
direção, que muda, geralmente, a cada quatro anos.
Um outro fator que pode ser trazido à tona é que parece haver um desejo em manter as
aparências, privilegiando-se um aspecto atual e arrojado nessas organizações públicas, e que
existe um entendimento linear de oficialidade: o da escola para a companhia, da companhia 1
para a companhia 2, e assim sucessivamente, tentando-se manter a casta, a “tradição”.
60
Novamente evocando Pinheiro (2007)
37
, essa tendência a formar entidades que
pretendem privilegiar sua coerência estrutural interna, criando uma zona de separação do que
lhes é externo, eliminando, assim, a relação entre o dentro e fora, é parte de conjunturas
políticas históricas muito antigas, portanto arraigadas. Essas instituições impedem a
possibilidade de outras agregações, pois temem a desorganização da chamada ordem absoluta,
essa que se organiza através de estruturas de consolação e proteção, em que as centralidades
sempre desprezam o excêntrico, o acaso, o heterogêneo e o erro, pois favorecem o que é
idêntico.
Citando mais uma vez Morin (2005, p. 31): “O imprinting
38
e a normalização
asseguram a invariância das estruturas que governam e organizam conhecimento, as quais,
rotativamente, asseguram o imprinting e a normalização.” Ainda, segundo o autor (2005),
imprinting é a matriz que estrutura o conformismo que marca os humanos, desde o
nascimento, com o selo da cultura, primeiro o familiar e depois escolar, prosseguindo na
universidade ou na profissão. A normalização exerce uma prevenção contra o desvio e
elimina-o se ele se manifesta, impondo e mantendo a norma do que diz ser importante e
indicando os limites a não ultrapassar.
Por que trazer essa citação? Porque as estratégias encontradas pelos que compõem as
estrutura públicas parecem ser movimentos de proteção que ocorrem de maneira adaptativa.
As alternativas vão quase sempre de encontro com a permanência não do staff, como
também da continuação linear. Quando essas companhias 2 foram criadas poderiam fazer
parte delas aqueles que viessem da companhia 1. Hoje (2008), a direção da Cia. 2 do BCSP
procura um meio de integrar outros artistas, mas essas tentativas ainda não se configuraram de
maneira sólida, pois enfrentam a força do próprio grupo, que veta, de forma intrínseca,
37
Anotações de aula da autora. PINHEIRO, Amálio. Ambientes midiáticos e processos culturais: Relações entre teoria da
mídia e teoria da mestiçagem Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2º semestre 2007.
38
Termo criado por Konrad Lorentz.
61
qualquer manifestação que fuja do seu padrão habitual. Traduzindo: os componentes do grupo
“asseguram o imprinting e a normalização”.
O que se observa no conjunto das obras que até então formam o repertório inicial da
Cia. 2 nesta sua trajetória de nove anos de existência é a similaridade de modelo empregado
na companhia principal, ou seja, convida-se um coreógrafo ou um diretor de cena, que
compõe uma obra para ser apresentada no Teatro Municipal, a sua casa, ou em outros teatros.
Observa-se também que o repertório composto ao longo do tempo demonstra uma linha
que segue o conceito de diversificação, um conjunto de elementos quaisquer, que, ao
contrário da diversidade, orienta-se por um eixo centralizador, opção artística que, segundo
Nora (2005, p. 16), “traduz sua forma de pensar”. Trata-se, assim, de um pensamento distante
daquilo que deveria ser também seu jeito de fazer, o que certamente não desvaloriza suas
conquistas e iniciativas, entretanto não cumpre as funções auto-apregoadas como preceito
para sua criação, não atendendo aos pressupostos de “investigação”, “maturidade”,
“pesquisa”.
Ficam por conta da diferença apenas alguns momentos pontuais quando alguns projetos
são implementados a partir de 2004, os quais serão apresentados mais adiante.
Como ilustração do trabalho desenvolvido pela Cia. 2 nos primeiros anos, segue a
relação dos espetáculos que foram criados até 2003:
1999 1,2,3.4 Luis Arrieta, Jorge Garcia, Henrique Rodovalho, Anselmo Zolla, Olaf
Smith
2000 – Codornas em Pétalas de Rosa – Lilia Shaw e Armando Aurich
2000 – No Porão – Luis Arrieta
2001 – Como se não Coubesse no Peito – Denise Namura e Michael Bugdahn
2002 - Deserto dos Anjos – Cláudia Palma
62
2002 – Substância Básica – Armando Aurich
2002 – Um Passo Acima – Raymundo Costa
2002 – Swansong – Raymundo Costa
2003 – Édipo Rei – Mara Borba
A atual diretora, Mônica Mion, assumiu o cargo em 2001. Ela fez parte do elenco da
companhia desde 1976 e tem em sua biografia experiências marcantes do formato de trabalho
em companhia pública. Nos seus 32 anos de casa, além de bailarina, ocupou também o cargo
de assistente de coreografia durante várias gestões. Recebeu prêmios importantes por sua
atuação artística e técnica. Em 2000, integrou a Cia. 2, onde dançou até exercer o cargo de
diretora do BCSP.
Sua entrada na Cia. 2 foi bastante polêmica, pois Mion havia sido demitida por Satie
antes da abertura dessa companhia. Satie teve que reconsiderar a demissão, pois Mion
pertencia ao quadro artístico dos admitidos, quer dizer, ela não poderia ter sido dispensada.
Quando Mion retornou, a diretora Satie a encaminhou para a Cia. 2.
Ao assumir a direção da companhia, uma de suas preocupações era o que faria com o
grupo. Seu tempo de convivência artística com o elenco inicial fez com que ela repensasse
outras diretrizes que pudessem apontar novas pistas para a continuidade do trabalho desse
grupo. Pois, para ela, que também integrou o elenco da Cia. 2, a função dessa companhia não
era clara.
O grupo inicial era formado por Beth Risoléu, Lilia Shaw, Lumena Macedo, Suzana
Mafra, Laudnei Delgado, Armando Aurich, Maurício Martins e Paulo Goulart Filho e, tempos
mais tarde, por Áurea Ferreira, Raymundo Costa e Maurício Ribeiro.
Nesse período, das nove criações, seis foram produzidas pelos próprios bailarinos.
Pouco se sabe sobre essas peças, pois, depois de sua criação até o ano de 2004, não
63
registros na mídia impressa, somente anúncios dos espetáculos. Outros bailarinos, como
Cláudia Palma, Andréa Maia e Mara Mesquita, também integraram o grupo tempos mais
tarde.
No final de 2003 o elenco mudou. Permaneceram no conjunto Andréa, Armando,
Cláudia, Lília, Mara, Maurício M. e Raymundo e entraram Osmar Zampieri e Aguinaldo
Bueno, que eram os integrantes mais jovens da trupe. O viés conceitual começa a tomar outro
rumo, buscando-se distanciar da idéia da idade como mote principal de existência e se
aprofundando nas relações daquele grupo e seu entorno. As propostas artísticas estavam
voltadas para trocas de experiências entre os integrantes do próprio grupo e com profissionais
de fora da instituição.
Dessa forma, com o pensamento direcionado para outras buscas, foram realizados nesse
período os seguintes trabalhos e projetos:
2004 – Lei de Nada – Gabriel Castilho
2004 – Resenhas do Improviso – Luiz Fernando Bongiovanni
2004 Projeto Solo em Questão, que inclui oito solos. São eles: Ações, de Marcio
Aurelio, Do Lado de , de Luiz Fernando Bongiovanni, Um Campo em Branco e Preto, de
Armando Aurich, 206, de Marta Soares, Cortejo, de Dudude Herrmman, Um Homem de
por Curiosidade, de Osmar Zampieri, Um Outro Corpo, de Mariana Muniz, e Ponto Final da
Última Cena, de Sandro Borelli.
2005 – Projetos: Um Diálogo Possível? e Todos os 12 – Ana Teixeira e Sigrid Nora
2006 – Fragmentos Mozartianos – Fábio Mazzoni
2006 Projeto Ação Criativa: Freud, O Homem, de Raymundo Costa (1995,
remontagem em 2006), Dois Corpos que Caem, de Osmar Zampieri e Aguinaldo Bueno,
Óptica, de Andréa Maia, Um Jardim e Além Dele, de Cláudia Palma e Armando Aurich.
2007 – Como é que Faz pra Sair da Ilha? – Key Sawao e Ricardo Iazzetta
64
2007 – Meta-Sensoriais – Mariana Muniz
Na estréia do projeto Solo em Questão, Navas (2005) escreveu:
Esta fase da Cia. 2 implica em novo desafio para aqueles que a compõem, propondo-
se uma maior liberdade de atuação, privilegiando-se o talento de cada um, através da
flexibilização de papéis, oportunizando-se trocas e construções junto a outros artistas
da cena contemporânea. (Anexo B).
O certo é que esses profissionais da dança, durante toda a carreira, não m autonomia
para criar, e é impossível conquistá-la de repente (situação do bailarino de qualquer
companhia da natureza do BCSP). (KATZ, 2004).
39
Foi a partir dessa ausência de autonomia criativa que projetos como Solo em Questão,
Um Diálogo Possível?, Espaço Aberto, Ação Criativa
40
, entre outros, se fundamentaram.
Incentivaram o diálogo com outros artistas, novas relações com o espaço de trabalho e seu
entorno, a desestabilização dos hábitos e o princípio de um entendimento do que poderia vir a
ser um trabalho de pesquisa com maturidade. Como diz Salles (2004, p. 28) quando se refere
ao percurso criador e, nesse caso, ao percurso de um fio condutor de um pensamento em
dança: “O percurso criador mostra-se como um itinerário recursivo de tentativas, sob o
comando de um projeto de natureza estética e ética, também inserido na cadeia da
continuidade e, portanto, sempre inacabado.”
Ao propor esses projetos, o intuito era o de pensar a Cia. 2 como um espaço de
possibilidades de um outro jeito de fazer e refletir sobre dança, um modo que se organizasse a
partir e por causa de outras relações, e não como uma oficialização da idéia de Cia. 2 que
abriga bailarinos seniores isolados do contexto da dança. Tencionava-se propor um lugar
artístico que alimentasse a companhia como um todo, através de interlocuções, de
questionamentos e de proposições engajadas no interesse de produzir conhecimento crítico
39
As críticas relacionadas à Cia. 2 do BCSP estão reunidas cronologicamente em anexo no final desta pesquisa. Elas foram
publicadas nos jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo.
40
Sobre esses projetos encontram-se maiores informações no site da companhia www.baledacidade.com.br e no acervo
do Balé da Cidade de São Paulo.
65
em dança. “Basta, por vezes, uma pequena brecha no determinismo, permitindo a emergência
de um desvio inovador ou provocado por um abscesso de crise, para criar as condições
iniciais de uma transformação que pode, eventualmente, tornar-se profunda.” (MORIN, 2005,
p. 39). Até os dias de hoje várias tentativas foram propostas, mas ainda não se conseguiu
ultrapassar a força do pensamento oficial, aquele em que eles praticaram o entendimento de
dança durante muitos anos. Citando novamente Morin (2005, p. 39): “A oficialização da idéia
de criação e da idéia de originalidade apaga a idéia de desvio. O estatuto oficial produz uma
nova norma, uma nova conformidade.”
Nos anos de 2007 e 2008 os artistas Osmar Zampieri e Aguinaldo Bueno passaram a
exercer outras funções dentro da estrutura da companhia, não mais participando, dessa forma,
das atividades relacionadas à Cia. 2. A saída desses dois integrantes causou impacto
considerável, ao trabalho artístico como um todo. Intérpretes de qualidade ímpar, eles
atuavam como provedores de iniciativas e de propostas que ultrapassavam a fronteira do
hábito, promovendo no grupo atitudes mais criativas e que vinham ao encontro da idéia de
pesquisa e investigação.
Lilia Shaw também se desligou do grupo como intérprete em 2007 e atualmente exerce
outras atividades no BCSP. Os cinco bailarinos que compõem o quadro da Cia. 2 Andréa,
Armando, Cláudia, Mara e Ray continuam sendo guiados pela direção, e suas buscas ainda
não produziram um conceito de Cia. 2 que fugisse da idéia de experiência acumulada”,
reproduzindo os padrões de entendimento de dança da estrutura-mãe, o que não invalida suas
investidas artísticas, mas põe em questionamento a proposta de criação.
Nesse percurso de nove anos, a Cia. 2 realizou mais de 300 apresentações em cidades
brasileiras, tais como São Paulo, Porto Alegre, Alegrete, Belo Horizonte, Brasília, Rio de
Janeiro, entre outras. Recebeu três prêmios da Associação Paulista de Crítica de Dança
66
(APCA), com os projetos: Solo em Questão (2004), Todos os 12 (2005) e Melhor Instalação
Coreográfica com 206 (2004).
67
CAPÍTULO 3
Um diálogo possível?
Foi o projeto Um Diálogo Possível?, realizado em 2005, conforme mencionado na
introdução desta pesquisa, que estimulou na busca da compreensão das limitações inerentes às
companhias 2 brasileiras. Dada a complexidade do tema, serão abordados alguns aspectos
específicos da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo.
Fazer questionamentos e produzir reflexões sobre uma estrutura artística, valendo-se de
um processo de criação, não instigou, como possibilitou que as questões se voltassem
ainda mais para os problemas intrínsecos dessa polêmica que envolve as companhias
públicas.
Foram utilizados como objetos para as discussões durante o projeto os registros em
vídeo, documentário, textos, depoimentos dos participantes, rascunhos do projeto elaborados
pelas diretoras, e vários outros que serviram para ilustrar esta dissertação. Esses documentos,
que eram fontes de alimento desse processo e do próprio grupo, valeram também para uma
melhor compreensão do que se deu durante a caminhada.
E é essa relação entre os registros, o produto gerado e lançado ao mundo e toda a
documentação existente que tornou possível levantar vários pontos que permitirão que o
debate sobre o processo criativo além da avaliação maniqueísta do certo e errado”, do
“bom e ruim”, tão comum nas formas de manifestação utilizadas pelos que preferem não se
deliciar com a complexidade do assunto.
As descobertas feitas saíram, portanto, do próprio processo e foram possibilitadas pelos
documentos existentes, permitindo localizar alguns procedimentos, pontos específicos que se
tornassem relevantes para as discussões relativas ao papel de um órgão público e suas
68
ramificações.
Salles (2006, p. 13) comenta sobre a função dos registros documentais como maneira de
aproximação da arte vista pelo viés da obra em constante construção:
[...] com as reflexões que esse documentos proporcionam, oferecer uma outra
maneira de se aproximar da arte, que incorpora seu movimento construtivo. Trata-se
de uma discussão das obras como objetos móveis e inacabados, que difere
significativamente dos estudos sobre os fenômenos comunicativos, em suas diversas
manifestações, que discutem produtos considerados finalizados e acabados. Uma
abordagem cultural em diálogo com interrogações contemporâneas (Biasi, 1993),
que encontra ecos nas ciências que discutem verdades inseridas em seus processos
de busca e, portanto, não absolutas e finais.
Com o objetivo de permitir a compreensão do que será discutido adiante é apresentada,
a seguir, a descrição na íntegra do projeto Um Diálogo Possível?, com data de 14 de junho de
2005.
Projeto: Um Diálogo Possível?
41
A Companhia 2 do Balé da Cidade de São Paulo, considerada pelo público e crítica
um centro de pesquisa, investigação e produção da maior importância para o
desenvolvimento da dança, lança, através de seu próximo projeto que se intitula Um
Diálogo Possível?, mais um desafio aos profissionais da arte e ao público da cidade
paulistana.
Propondo o intercâmbio artístico-cultural, a atual gestão da companhia vem
investindo fortemente na aproximação das diversas vertentes da dança em São Paulo
através de inúmeros projetos desenvolvidos, entre eles: “Espaço Aberto”, “Solo
em Questão”, Circuito Universitário”, “Intérpretes sem Teto” e “Educar-
Dançando”. Tal iniciativa vem atingindo intérpretes, criadores-intérpretes,
coreógrafos, curadores, diretores cênicos, estudantes, professores e sobremaneira
contribuindo para a formação de platéia, fato este que lhe conferiu o prêmio
APCA/2004 - Melhor Iniciativa em Dança para “Solo em Questão”.
O Balé da Cidade de São Paulo, aqui representado pela Cia. 2, aponta um afluente
que desaguará no rio do conhecimento onde navegarão, junto à comunidade
artística, pesquisadores e gestores culturais numa grande procissão com o foco
voltado para o savoir-faire e faire-savoir.
Atualmente um dos grandes senões do fazer artístico se enraíza na produção e
circulação de espetáculos, temática essa que vem sendo largamente discutida por
todos que almejam não se submeterem aos trâmites das poucas políticas públicas
culturais vigentes. Enquanto estivermos atrelados a essa não perspectiva, daremos
vazão ao caráter perfunctório em que nos encontramos hoje. Ou a maneira de se
produzir algo se transforma, transcendendo ao fazer habitual e oportunizando uma
arte mais digna de atuação ou seremos fadados ao esvaziamento artístico.
41
Idealizado e conceituado por Ana Teixeira (2005). Ao longo do projeto, alguns pontos descritos foram se transformando.
Das universidades citadas, o intercâmbio se deu somente com a Anhembi Morumbi. As demais o chegaram nem a ser
convidadas por necessidade de delimitação do âmbito desse projeto. O iluminador-estagiário também proposto para esta
proposta partiu para a Espanha antes da efetivação do projeto, e Sigrid Nora assumiu essa função. A parceria com o
Teatro Municipal não se deu por causa da burocracia dessa instituição e pelos rumos que o projeto acabou seguindo. As
roupas utilizadas foram pensadas pelo próprio grupo. (Nota da autora).
69
Cabe então aos artistas, instituições, profissionais da área e a todos que
compreendem a importância da arte enquanto representação de uma sociedade unir-
se e juntos buscarem em outras instâncias, alternativas que auxiliem na
sobrevivência da dança, caso contrário, estaremos velando aquilo que poderia ser
um ato de repensar ações que articulam a construção de novos caminhos.
Este projeto tenciona modificar o tradicional olhar de construção cênica e através de
um intenso processo de 4 meses de trabalho, pretende envolver:
- Intérpretes independentes da dança paulista, que dividirão a performance cênica
com elenco da Cia. 2;
- Estudantes-estagiários dos últimos semestres de graduação da Universidade
Anhembi Morumbi – Dança e Movimento, que se encarregarão da documentação;
- Elenco da Cia. 2;
- Iluminador-estagiário (parceria entre Brasil/Espanha, atualmente residente no
BSCP para aprofundamento na área), que desenvolverá o light-desing;
- Diretor convidado;
- Pesquisadores nacionais;
- Parceria entre os corpos estáveis do município (BCSP e TM); e
- Parceria entre o poder público (BCSP) e a iniciativa privada (Sesc).
Para que esta proposta atinja uma importância ímpar e distenda os limites de
abrangência, estamos propondo aliar a prática do fazer e do pensar a dança. Para
tanto, serão convidados quatro pesquisadores da área da dança, preferencialmente
um de cada universidade para acompanhar e dar suporte teórico aos trabalhos de
criação, (diferentes abordagens sobre aspectos da composição coreográfica) do
princípio ao final do processo. Também, as apresentações direcionadas ao público
em geral serão acompanhadas de discussões mediadas pelos acadêmicos
convidados. E, ainda, as discussões resultantes no decorrer do processo se traduzirão
em material para seminários a serem realizados nas universidades participantes.
Os intérpretes paulistas independentes Déborah Furquim, Patrícia Werneck, Ricardo
Iazzetta e Roberto Alencar são a priori os escolhidos para trocarem experiências e
desenvolverem o processo juntamente com o elenco da Cia. 2 do Balé da Cidade de
São Paulo.
Para atuar na direção artística desta obra, será convidada a coreógrafa gaúcha Sigrid
Nora
42
, que através de seu profissionalismo e competência vem contribuindo
sensivelmente para a construção de fortes alicerces não da dança no Rio Grande
do Sul, mas da dança brasileira. Também na direção estará Ana Teixeira, cujo
trabalho vem sendo reconhecido pelo público e crítica por todos os projetos por ela
propostos ao BCSP.
A criação dos figurinos, bem como da cenografia, ficará a cargo dos alunos
estagiários dos Cursos de Graduação em Dança e Artes do Corpo da universidade
acima referida. A proposta prevê a adequação e reciclagem de materiais,
provenientes na sua maioria de brechós e ou disponibilizados pelo acervo do BCSP.
O principal objetivo desta união entre os mais diversos profissionais da área artística
via iniciativa do BCSP tem a intenção de refletir e abrigar discussões sobre o
emaranhado de experiências corporais e intelectuais de cada participante, além de
elaborar e organizar o material resultante sob forma de um produto cênico. A
princípio o interesse recai sobre questões como: O que acontece quando essas
42
Pesquisadora, coreógrafa e bailarina. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP é docente no Departamento de
Artes e de Educação Física da UCS-RS. Fundou e dirigiu a Escola Preparatória de Dança e a Companhia Municipal de
Dança de Caxias do Sul (1997-2004). Foi diretora do Teatro Municipal e da Galeria Municipal de Artes de Caxias do Sul
(2001-2004). É autora do livro Raízes (Caxias do Sul, Lorigraf, 2003). É membro da Red Sudamericana de Danza,
integrante da Câmera Setorial de Dança da Funarte e conselheira titular das Artes Cênicas na CNIC/MINC. (Nota da
autora).
70
trajetórias se misturarem? Que diálogo é possível? Como tratar o hibridismo ou a
mestiçagem nesse contexto? Quais as relações que poderão se estabelecer? Tal
proposição poderá se configurar num novo agente transformador de modelos na
construção de uma obra?, entretanto, certamente inúmeras outras questões surgirão
antes, durante e depois do processo, e sem vida residem o fascínio e a força
desse diálogo.
Portanto, esse novo desafio de caráter singular e pioneiro quer investir numa teia
onde se cruzarão fios artísticos conectados pelo intuito de buscar uma forma de
diálogo que transcenda ao formato tradicional do fazer dança. Indiscutivelmente
será um grande desafio para todos os profissionais envolvidos, que certamente
entregar-se-ão sem medir esforços, num trabalho coletivo que oportunizará novas
articulações artísticas, promoverá a expansão de idéias e impulsionará a circulação
da informação.
Um Diálogo Possível? teve início em julho de 2005, na sala 3
43
da sede do Balé da
Cidade de São Paulo, quando se reuniram todos os participantes para uma explanação geral da
proposta, bem como para a apresentação de cada um dos artistas convidados e dos integrantes
da Cia. 2. Nesse encontro os depoimentos de todos integrantes foram baseados em relatos
pessoais sobre suas trajetórias e nos anseios artísticos com relação à proposta do projeto.
Tudo parecia ser novidade para os integrantes da Cia. 2 por receberem os convidados no
seu local de trabalho e dividirem experiências artísticas até então realizadas somente entre
eles. Ao mesmo tempo, era uma experiência também nova para os convidados, que entravam
num estabelecimento público onde passariam a comungar também nos direitos e deveres das
“regras oficiais”.
Essas regras estavam estabelecidas em procedimentos tais como: assinar o “de acordo”,
que é o documento de liberação do pagamento ou o contrato (os participantes convidados
durante o período do projeto receberam salários equivalentes aos dos bailarinos da
companhia); receber uma tabela de horários de trabalho; participar de todos os eventos que
divulgavam essa iniciativa; assinar sempre que necessário todo e qualquer ofício deliberado
pela administração dessa instituição.
43
A sede do Balé da Cidade de São Paulo possui três estúdios, sendo que o designado para a Cia. 2 é a sala 3, situada no
térreo do prédio, com 11 metros de comprimento por 7 metros de largura.
71
No decorrer desse primeiro encontro, a direção do projeto lançou o primeiro desafio:
responder com o corpo à questão “Que dança meu corpo dança?”, que foi recebido com uma
inquietação bastante significativa, pois a grande maioria se defrontou com a indagação do seu
próprio percurso criador: Lilia Shaw trabalha no Balé da Cidade de São Paulo 31 anos,
Raymundo Costa, 28 anos, Andréa Maia, 19 anos, Mara Mesquita, 15 anos, Armando Aurich,
15 anos, e os mais recentes Aguinaldo Bueno, que está na companhia 9 anos, e Osmar
Zampieri, que retornou em 2003, permanecendo até 2007.
A grande meta desse projeto foi desestabilizar os modos artísticos habituais de cada
participante, privilegiando direcioná-los a uma procura na construção desse fazer, em busca
de outro posicionamento em sua trajetória e em conexão com os outros participantes e o
mundo.
Outro tipo de desafio foi também enfrentado pelos convidados, que, ao contrário dos
integrantes da companhia, estavam mais habituados a lidar com os imprevistos, com a
sobrevivência, e a exercitar a criatividade de forma mais fluida, autonomia essa vetada a
quem integra uma companhia desse porte. Como diz Déborah Furquim (Anexo K)
44
:
Para um corpo acostumado ao desenho do movimento, ao movimento exato e
continuado, estabelecendo frases coreográficas, não é tarefa fácil absorver novos
procedimentos de construção, construção essa que nunca se estabelece ou cristaliza.
Seria bom se tivéssemos uma chave para acionar uma nova conduta no corpo, mas
não temos. Ele se acostuma a padrões. Isso é inevitável. Porém o problema é lidar
com a vontade e a necessidade de quebra desses padrões, pois um momento em
que parece ser insuportável entrar em uma sala e começar a elaborar coreografias e
movimentos que você domina (não me refiro a códigos pré-estabelecidos dentro de
uma técnica ou outra de dança), e principalmente se torna insuportável continuar
com os mesmos procedimentos de elaboração mental e física para a construção de
um trabalho. A necessidade e a vontade não bastam para a concreção de uma nova
conduta.
O projeto não pretendia criar um espetáculo, e, sim, mergulhar no campo da
complexidade que envolve o processo criativo. Antes de tudo era uma proposta que não
estava buscando resolver uma questão, mas expô-la e discuti-la. Pretendia abalar as
44
Os textos que foram produzidos pelos participantes sobre o projeto estão reunidos no Anexo K
72
expectativas do que se entende por espetáculo convencional de dança desse tipo de
instituição, libertar-se de um tema ou uma narrativa pré-estabelecida, de criar seqüências que
se transformassem em meras coreografias e de considerar cenário e figurino como simples
molduras cênicas.
Algumas estratégias necessárias devem ser empregadas no momento em que se propõe
um projeto para as instituições, estratégias essas que dão a entender que não será muito
“diferente” do convencional, como se pôde ver, por exemplo, anteriormente, quando se tratou
sobre indumentária e espaço cênico.
O projeto em si já seria um “argumento para um espetáculo”, mas suas características se
deslocavam desse formato, instigando, cada vez mais, o interesse pelo universo do
desconhecido, do acaso, do despojamento, do desapego, e afastando as certezas e os padrões
na tentativa de ampliar o campo de ação.
Essa visão do processo de criação nos coloca em pleno campo relacional, sem vocação
para isolamento de seus componentes, exigindo, portanto, permanente atenção à
contextualização e ativação das relações que o mantêm como sistema complexo (SALLES,
2006, p.22), e esse foi um dos motores que impulsionaram os cinco meses em que se investiu
nesse percurso.
Assim, as intenções do projeto de antemão se mostravam bem claras; a relação entre
essas diferenças e experiências era o alimento constante de cada dia, de cada tarefa, de cada
desânimo, dos medos, da insegurança e de todos os percalços que apareceriam no seu
decorrer.
Todas essas diferenças ganharam maior complexidade na relação entre as áreas distintas
dos pesquisadores convidados, Cecília Salles e Bérgson Queiroz, das estagiárias, das
diretoras, ou seja, de todos, que se relacionavam entre si e com o espaço que os abrigava.
73
O que reuniu essas pessoas advindas de formações diversas foi a busca por:
[...] conhecer os procedimentos criativos envolvendo, sob esse ponto de vista, a
compreensão do modo como os processos culturais se cruzam e interagem nos
processos criativos: como esses índices culturais passam a pertencer às obras em
construção. (SALLES, 2006, p. 50).
Nesse momento vale ressaltar novamente o trabalho de Klauss Vianna com o Grupo
Experimental, iniciativa da década de 1980 que após 20 anos ressurgiu inserida praticamente
num mesmo contexto, na estrutura e no Balé da Cidade, com artistas da casa e de fora dela. O
que difere é que as questões lançadas por Vianna haviam contaminado a dança daquela
estrutura nesses 20 anos, exigindo, dessa forma, um comprometimento maior no que tange à
compreensão da transformação da dança nessa linha do tempo.
Por mais que o proponente e diretores do projeto não tivessem tido contato com Vianna
naquela época, a luta dele estava impregnada naquele lugar, e esse lugar continuava pedindo
por uma arte mais crítica, com diálogos mais consistentes entre “o dentro e fora” dela. “Esses
diálogos são responsáveis pelas inovações, provocando uma desestabilização, aparentemente
necessária para ruptura de possíveis esgotamentos.” (SALLES, 2006, p. 166).
É interessante observar em Salles (2006, p. 40) a citação de Morin que dialoga com o
que vem sendo discutido neste capítulo:
Para que haja organização, na macroestrutura da cultura, segundo Morin, é preciso
que haja interações; para que haja conexões são necessários encontros, e para que
haja encontros é preciso agitação, turbulência. Isso nos leva a fazer uma relação da
atmosfera cultural descrita por Morin, com o pensamento da criação que age de
modo bastante similar.
A proposta de Vianna em busca desse encontro, como já apontado anteriormente, sofreu
resistências. A idéia da mescla de artistas, com interesse de promover uma agitação criativa
na estabelecida casa de arte e também de oportunizar que esses artistas que lutavam por falta
de espaço tivessem o direito de usufruir em todos os sentidos do espaço público, era quase
absurda para o grupo oficial.
74
Para eles, cuja rotina se limitava a aprender coreografias e executá-las no palco, pensar
a dança sob outro ponto vista, questionando-se sobre sua profissão ou sobre sua função como
grupo oficial perante sua cidade, era tarefa árdua. Essa investida artística proposta por Vianna
demandava outro tipo de engajamento e disponibilidade dos integrantes. Vianna (2005, p. 40)
captura bem esse significado, dizendo: “[...] Porque, ainda que difícil, é possível modificar
um corpo. Mas mudar a mentalidade de um adulto é um trabalho quase impossível.”
Na gestão anterior à de Vianna, a companhia mantinha ainda uma estrutura bastante
rígida; as obras giravam em torno de neoclássicos e outras com viés mais moderno, mas o
pensamento conceitual da companhia ainda privilegiava a estrutura com base no pensamento
da escola clássica. Vianna (2005, p. 62) menciona:
Para começar, o diretor artístico não conversava com os bailarinos: existia uma
tabela, um pedaço de papel colado na parede, e ali os profissionais ficavam sabendo
das decisões diariamente. Os bailarinos apenas liam e obedeciam ao que havia sido
estipulado.
Dessa época de Vianna para hoje, o jeito de se organizar da companhia vem se
transformando consideravelmente, mostrando-se mais aberto ao diálogo e menos autoritário.
Retomando a fala sobre Um Diálogo Possível?, outra preocupação dos diretores era que
todos os envolvidos, direta ou indiretamente, participassem ativamente das discussões
propostas ao grupo. Assim, no decorrer do projeto, no dia 5 de outubro de 2005, Sigrid Nora
lançou três questões para serem respondidas
45
pelos pesquisadores e pela diretora do Balé da
Cidade, Mônica Mion. São elas:
1. Como seria possível traçar algum paralelo entre o processo em curso e a proposta
"oswaldiana" (Oswald de Andrade) de entender a vida como devoração?
2. A dança precisa conquistar novas platéias. Nesse sentido, de que forma você
entende a proposta "Espaço Aberto".
3. No seu entendimento, que outras ações semelhantes a esta (o projeto Um Diálogo
Possível?) são possíveis esperar de uma cia. oficial de dança que entende seu papel
como um papel político no cenário nacional da dança?
45
Esses documentos estão guardados nos arquivos da companhia e foram escritos em 23 de outubro de 2005.
75
Salles (Anexo K) responde que o próprio título do projeto Um Diálogo Possível? aponta
para um grupo que se coloca à disposição de diálogos, de contaminações, de interações e de
criar novas possibilidades. No decorrer de seu texto, ela coloca, ainda, que assistiu a uma
permanente experimentação, que se dava na rede de relações que a partir de então foram
estabelecidas. Experimentação essa marcada pela inesgotável exploração de possibilidades:
conviver com muitas e muitas opções, sem fazer escolhas. Para isso houve uma instigação,
um incentivo de ampliação de relações.
Para a pesquisadora, o que estava em jogo no projeto era o questionamento de modelos
de atuação ou rompimento de matrizes codificadas:
[...] É importante ressaltar que isso faz parte de uma discussão estética, que passa
pela ética de uma companhia oficial de dança, que se coloca disponível para ouvir e
se alimentar do outro. Não claras expectativas de um novo espetáculo, mas de
vivenciar um processo de criação com intensidade, trilhando caminhos novos para o
grupo. O propósito é o próprio processo. Ensaio e espetáculo se confundem. (Anexo
K).
Seguindo o raciocínio de Salles, entende-se que havia um pedido implícito no projeto:
desviar do conhecido. O que o outro oferece de possibilidades? O que o outro propõe?
Pensando aqui em mão dupla, como ressaltou Salles (Anexo K):
Esse diálogo é de mão dupla, desse modo também criou em mim outras
possibilidades Um exemplo: compreendi como o corpo oferece resistência, conhece
seus limites e, por outro lado, quando aberto para a sua exploração livre, cria novas
possibilidades.
Shaw (Anexo K), em seu depoimento, descreve uma passagem sobre seu entendimento
de um diálogo de mão dupla:
Em Todos os 12
46
, cada um de nós era uma fração do todo, e o trabalho, de posse
coletiva, ou melhor, de pensamento responsável coletivo. Tínhamos que produzir
momentos tácitos no palco, criando uma atividade interna tão verdadeira, que nos
movia, senão no tempo, no espaço. Isso se refere à responsabilidade que se dilatou
neste trabalho, uma vez que interferíamos tanto nas cenas que nos precediam como
nas que nos sucediam. Um trabalho em que o erro co-existe com o fazer, e num
sentido estrito só é experimentado o que foi vivido, que se torna consciente.
46
Todos os 12 foi o título dado ao produto cênico gerado a partir do projeto Um Diálogo Possível?, que era a soma dos oito
integrantes da Cia. 2 com quatro artistas convidados da cena independente. (Nota da autora).
76
No pensamento em criação as interações são muitas vezes responsáveis por essa
proliferação de novos caminhos: provocam uma espécie de pausa no fluxo da continuidade,
um olhar retroativo e avaliações que geram uma rede de possibilidades de desenvolvimento
da obra. Tais possibilidades levam a seleções e ao conseqüente estabelecimento de critérios e,
como diz Salles (2006, p. 154):
Todos esses questionamentos buscavam abordar o processo sem fazer separações
entre prática e teoria, cujos trajetos apontavam também para a necessidade de
diálogos com especialistas de áreas diversas, gerando algum tipo de critério para os
momentos de tomadas de decisões e direcionamentos.
Essa rede de conexões era a tônica dessa proposta, quer dizer, priorizava uma densidade
nas relações a partir das múltiplas visões a respeito do processo que estava em jogo para
trançá-las de forma que as interações gerassem aspectos diversos na busca artística de cada
integrante. Para Salles (2006, p. 152): “Os artistas sujeitos constituídos e situados agem
em meio à multiplicidade de interações e diálogos, e encontram modos de manifestação em
brechas que seus filtros mediadores conquistam.”
O importante era fazer permear esse conceito de diálogo nas práticas habituais dos
integrantes da Cia. 2, que, para a maioria deles, a busca permanecia focalizada nos achados
corporais que eram transformados em coreografias e no apego ao modo de fazer a “sua”
dança. As resistências, também presentes nas iniciativas de Vianna, tomaram lugar de suma
importância no processo; as dificuldades começaram a aparecer no momento em que as
tarefas eram mostradas para o grupo.
Em Salles (2007, p. 93) uma colocação bastante pertinente, em que ela aponta suas
observações sobre as dificuldades:
[...] interessante observar como algumas dessas dificuldades implicavam rever
alguns conceitos bastante cristalizados na área da dança, como aquele de repetição.
A renovação deste conceito, por sua vez, levava a uma outra visão de ensaio. Agora
os exercícios de repetição deixam se ser um meio para chegar a uma ilusória
perfeição ou um modo de evitar erros futuros e conseqüentemente garantir acertos
nos espetáculos, e passam a ser meios para se criar possibilidades. Muitas vezes, a
resistência se manifestava na negação das transformações que estava acontecendo,
77
em outras palavras, não se apropriavam da abertura a qual tinham se exposto e se
permitido.
Essas dificuldades apareciam em manifestações verbais e corporais de alguns integrantes
da Cia. 2, revelavam-se através de comentários relacionados a supostas preferências pessoais
de parte da direção pelos bailarinos convidados e de indisponibilidade para o experimento.
Essas reações eram mais evidenciadas nos bailarinos com mais tempo de casa. Sobre isso,
posicionamentos divergentes afloraram, marcados por momentos de desconforto que
demonstravam a resistência de alguns dos integrantes à abertura para trocas. Para Queiroz
(Anexo K), essa atitude ocorria em razão da trajetória artística de alguns dos integrantes:
Eu percebia naquele momento que alguns dos participante estavam tão
identificados com um certo tipo de "estrutura", e essa "estrutura" se confundia com a
história de cada um com o Balé da Cidade (Companhia 1 antes da existência da
Cia. 2) e eventualmente com a história pessoal em companhias anteriores, e ainda
com o sonho de uma companhia que poderia existir em "sonhos", que os
colocava em dificuldade de se colocarem em uma situação abertamente
experimental. [...]
Déborah Furquim (Anexo K) apresenta um ponto de vista que ela denominou de “Um
momento delicado”:
Uma nova prática é vivenciada, porém o corpo estabelece um trânsito entre seu lugar
de costume e uma nova possibilidade, um novo lugar, e que lugar é esse que está no
meio? Essa ponte é extremamente delicada, pois é frágil, causa insegurança e
sensação de tudo ter ido por água abaixo.
Essas inquietações se fazem presentes no processo criativo e são necessárias para se
desdobrarem em outras ações. No momento em que se confere às dificuldades uma
possibilidade de transformação, e não um recuo alimentado por resistência que engessa o
fluxo criativo, abre-se um caminho para se lançar no universo de descobertas que poderão
gerar várias outras, numa contínua busca. Salles (2004, p. 28) escreve:
É a criação como movimento, onde reinam conflitos e apaziguamentos. Um jogo
permanente de estabilidade e instabilidade, altamente tensivo. O produto desse
processo é uma realidade nova que é, permanentemente, experienciada e avaliada
pelo artista, e um dia será por seus receptores.
78
Salles (2007, p. 92) apresenta outra citação bastante relevante sobre esse assunto:
Como conseqüência, todos enfrentavam seus limites e suas possibilidades que se
traduzia em algumas perguntas, em certos momentos, ameaçadoras: Como lidar
com abandonos de modelos ou padrões conhecidos e enfrentar a ausência destes,
levando em conta a liberdade para descobertas individuais?” Como enfrentar a
necessidade de encontrar uma resposta, primeiro em seu corpo e depois em seu
discurso verbal, para a pergunta “que dança meu corpo dança agora”? Isto
significava buscar um novo corpo, que resiste, reage e responde.
Tendo em vista essas quatro citações anteriores que discutem as dificuldades enfrentadas
no desenvolvimento de um processo criador em essência um processo de mudança –, vêm a
propósito as palavras de Vianna (2005, p. 67 e 115), que faz um paralelo com o ato do
caminhar:
[...] em todo processo de mudança, de evolução, existe um momento crítico e
instável, como no caminhar: no momento estamos dando um passo à frente e nos
encontramos com um pé no chão e outro no ar corremos risco de desequilíbrio e da
queda. É a crise mas é também somente através desse risco que podemos alcançar
nosso objetivo e o artista, como criador, mais do que ninguém necessita aguçar sua
percepção do real, e o momento da criação pressupõe e ao mesmo tempo encerra o
processo de autoconhecimento.
Ao longo do processo, várias tarefas foram propostas. Entendiam-se por tarefas todas as
perguntas que eram lançadas com o objetivo de estimular buscas que diziam respeito à
trajetória do processo como, por exemplo: Que dança meu corpo dança? O que o trabalho de
hoje nos faz pensar? Como trabalhar o empecilho no corpo e no corpo no espaço? Como eu
observei e escutei hoje? Como o corpo seduz sem se atribuir aos fogos de artifícios habituais
de cada corpo?, entre várias outras.
A partir dessas perguntas encontrava-se um emaranhado de possibilidades que
discutiam e propunham ações corporais, bem como de reflexão crítica sobre o que se havia
solicitado. Questões que colocavam em causa o que viriam a ser naquele contexto as várias
situações que se desdobravam em diálogos constantes entre aqueles corpos e suas vivências.
79
Tudo indica que para Katz (Anexo J) o projeto cumpriu, num primeiro momento, sua
meta. Em sua crítica realizada após a primeira apresentação pública dessa proposta, ela
escreve:
A riqueza de experiências brotadas nesse convívio continuaa contaminar a Cia. 2
para além do que já se nota em Todos os 12: um entendimento de dança como sendo
uma arte que não se reduz ao virtuosismo em ordenar passos ou em executá-los de
acordo com padrões; a diversidade do material que pode ser transformado em dança;
a compreensão do que seja uma cena de dança.
A tentativa de construir uma possível mudança de padrão a partir de outros princípios,
através da investigação de sua biografia ou da biografia do outro, numa busca continuada,
lidando com o desapego, a instabilidade, início a outra compreensão e ajuda a entender o
que é possível comunicar a partir desse jogo de encontros.
A proposta do projeto visava justamente ao rompimento de hábitos. Assim, tentando
driblar a condição da formalização do movimento que se quando o vocabulário se repete,
foram utilizados objetos como, por exemplo, cano de PVC, jornal, colchão, ventilador,
praticável, proprioceptor, entre outros. Esses objetos promoviam outras articulações com
relação às atitudes corporais dos participantes, que tinham de lidar com os imprevistos por
eles gerados. Para Salles (2006, p. 22): “Nesse percurso, tendências se cruzam com o
acidental, causando possíveis modificações.”
Novamente com auxílio de Salles (2006), é possível pensar nos limites ou restrições que
parecem ser vivenciados por esses bailarinos e nas dificuldades ao enfrentarem tais restrições
em diferentes momentos e nas diferentes formas ao longo do processo de criação.
Configurava-se, assim, um percurso de criação de possibilidades internas a partir de estímulos
externos que dialogavam com a tradição que os corpos conheciam. Os estímulos estavam nas
saídas para a rua, nas interferências de pessoas de fora do processo, nos bate-papos com
visitantes, nos encontros dos corpos que não eram familiares.
80
Esses encontros alimentados por incessantes diálogos corporais promoveram a abertura
de outras possibilidades a então desconhecidas, fazendo surgir no movimento o que se
chama no senso comum de “novo”. O artista que estava aberto a essa proposta entendeu que o
projeto não visava mudar um jeito de dançar, mas, sim, instigar outros modos de se
comunicar com o corpo. Em suas impressões, pesquisadores e estagiários destacaram a
disponibilidade dos artistas convidados e dos artistas da Cia. 2 Osmar Zampieri, Aguinaldo
Bueno e Lilia Shaw.
É nesse campo de inquietações, debates, reflexões e estímulos que a proposta foi se
organizando e construindo um discurso mais afinado com as questões da atualidade, um
processo artístico, inacabado, em continuidade, em que: “Mudar um lugar interno, um
conflito de pequenos movimentos já transforma alguma coisa.”
47
.
Nos cinco meses de trabalho criaram-se cenas que, embora autônomas e cruzando-se
entre si, foram se configurando ao longo do processo. Cada cena foi nomeada como forma de
identificação, contemplando as várias possibilidades que variavam em composições de grupo,
pares, trios e solos.
Identificadas como “prótese”, “lesmas”, “colchão”, “fitas”, “toque”, “papel”, entre
outras, as cenas foram roteirizadas a cada encontro, tanto no estúdio de trabalho como em
todas as apresentações públicas realizas. Elas foram eleitas por decisão coletiva a fim de
conquistar um envolvimento cada vez maior dos participantes no projeto. Segue como
exemplo o roteiro
48
do dia 08.11.2005:
47
Depoimento de Patrícia Werneck, extraído de vídeo gravado em 27.10.2005, dia do encontro (Espaço Aberto), que faz
parte do acervo do BCSP.
48
Roteiro construído a partir das cenas que iam sendo elaboradas e que eram organizadas de forma fragmentada, com ênfase
no que poderia acontecer entre cada uma delas. Era nesse espaço entre as cenas que as possibilidades de outros arranjos se
configuravam.
81
1) Mara canto direito, Osmar e Roberto no silêncio fundo esquerdo e Zetta solo do
tubo
2) Zetta acaba e lança o tubo, quando entram os homens e cena do colchão ver
Mara
3) Cena do colchão, quando a Cláudia cair cena das fitas com a cena do giz no canto
esquerdo frente de costas
4) Cena das fitas e cena do giz, e ventilador Patrícia e Cláudia quando o Beto achar
que acabou
5) Beto comando termina com “todos podem se retirar e todos deitam” Cláudia e
Patrícia canto e solo da Lilia e segue solo Roberto, quando o Beto silenciar...
6) Estrutura e solo Déborah
7) Trio dos andrógenos
8) Corrida – falar corrida e vento com Patrícia – Cláudia – Aguinaldo e Osmar
9) Cena do vento
10) Cena do tubo no lugar da corrida – ver local e falar corrida
11) Fica duo Andréa e Zetta, volta Cláudia e Patrícia no ventilador um pouco mais
com a intenção do suspiro da morte. Tijolos até o final
12) Lesmas
13) Solo Patrícia
14) Bichos e solo Ray
15) Cadeiras – todos deitados
16) Solo Armando
17) Toque e solo Aguinaldo falar saída – ver local das duplas
18) Prótese
19) Comando Beto e praticável – ver entrada Ray e falar entrada todos.
20) Igual até o final
A opção por roteiros diversos a cada execução permitia que o conjunto das cenas não se
cristalizasse e não imprimisse o formato de espetáculo convencional, estimulando a cada
encontro um novo desafio de reorganização dos modos e da percepção em lidar com os
82
materiais corporais no tempo, no espaço e entre si. Outra estratégia utilizada para evitar a
cristalização da cena era o acionamento de uma luz vermelha colocada no canto interno do
palco, que era vista somente pelos artistas, os quais, ao perceberem a luz, deveriam trocar
imediatamente de cena.
O grupo estava assim se expondo à investigação artística, cujos rumos são vagos,
porém direcionadores. A experimentação (ou a investigação) da arte deixa
transparecer a natureza indutiva e contínua da criação. Nas concretizações das obras,
hipóteses são levantadas e postas à prova. É nesse momento de testagem que novas
possibilidades podem ser levadas adiante ou não. São interações responsáveis pela
proliferação de novos caminhos, que geram seleções, opções e concretizações de
novas formas. Tudo está, potencialmente, em movimento. (SALLES, 2007, p. 90).
As intervenções sonoras tornadas públicas foram selecionadas e elaboradas por
Aguinaldo Bueno e Ricardo Iazzetta, integrantes do grupo, a partir dos ruídos sonoros que
cada objeto produzia durante as investigações, além dos que surgiram ao acaso, como o
barulho de uma bacia que inesperadamente raspou no chão num determinado improviso.
Também o piano disponível na sala de trabalho e outros instrumentos musicais trazidos pelo
elenco (gaita e piano infantil) fizeram parte da composição sonora.
Ocorreram seis encontros, de caráter aberto, com o público, que era composto de
profissionais especializados e não especializados, para se discutir os aspectos estruturais e
composicionais do projeto, no intuito de agregar informações através de diversos olhares.
Essas conversas foram mediadas por pesquisadores convidados. Quatro encontros foram
realizados na sede do Balé da Cidade de São Paulo
50
e dois deles na Sala de Convivência do
Sesc Santana
51
.
Todos os 12 foi apresentado no Sesc Santana (19 e 20.11.2005), no Centro Cultural São
Paulo - SP (de 23 a 27.11.2005) e no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília - DF (no
início de 2006), sempre precedidos de áudio com o seguinte informe:
50
Esses encontros fizeram parte da quinta edição do projeto Espaço Aberto e foram realizados nos dias 20, 21, 27 e 28 de
outubro/2005.
51
Realizados nos dias 17 e 18 de novembro/2005, com o título Tá na Mesa.
83
Boa noite.
Sras. e Srs.,
O Balé da Cidade de São Paulo informa que as cenas que compõem a estrutura de
“Todos os 12” são definidas apenas alguns momentos antes de cada demonstração,
quando a direção apresenta aos artistas um roteiro que obedece e se organiza a partir
de diferentes ordens e conteúdos. Este formato de composição cênica gera inúmeras
possibilidades e confere a cada apresentação um caráter único.
Além disso, constava do programa o release a seguir:
Trata-se da demonstração pública do produto artístico gerado a partir do projeto Um
Diálogo Possível? que investiu numa teia onde se cruzaram diversos fios artísticos
conectados pelo intuito de buscar uma forma de diálogo capaz de transcender o
formato tradicional do fazer dança, oportunizar novas articulações artísticas,
promover a expansão de idéias e impulsionar a circulação da informação,
Esse modo e esse conceito de organização para tornar público esse projeto foram a
forma mais coerente encontrada para que Todos os 12 continuasse a cumprir sua função,
como confirma Katz (Anexo J):
Esse jeito auto-organizativo que a Cia. 2 está inventando, e que deve ser creditado
às bem-vindas inquietações de Ana Teixeira, amparadas por Mônica Mion, a
diretora do BCSP, e, no projeto que resultou em Todos os 12, realizadas em parceria
com Sigrid Nora, inova empreendimentos semelhantes em outras companhias.
Precisamos celebrar todas as importantes conquistas daí advindas, especialmente
porque se trata de uma companhia oficial que está praticando formas de
relacionamento com a produção de dança da cidade presente em seu nome. [...]
O pensamento que prioriza o questionamento sobre os padrões habituais, portanto
artísticos, estabelecidos na Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo sugere constantemente a
necessidade de haver ajustes que abarquem todas as instâncias envolvidas, com o intuito de
encontrar soluções que levem ao surgimento de outras possibilidades que impliquem novos
arranjos, novos acordos e novas configurações. Salles (2007, p. 98-99) esclarece:
No entanto, essa indagação artística que sustenta esse projeto coloca a obra
coreográfica em diálogo com outras manifestações da arte contemporânea, para além
dos limites da dança, que tem posto em debate obras que são formas que se
transformam, ou seja, obras que são processos. Obras que tendem para acontecer na
continuidade ou na constante mobilidade das formas. Os limites entre obra e
processo desaparecem a partir de um determinado momento. Se tomarmos obra
como aquilo que é exposto publicamente, essa acontece exatamente nas conexões,
que se renovam a cada atualização. Ainda nessa contextualização de Todos os 12 na
arte contemporânea, não podemos deixar de destacar a ênfase dada à permanente
reflexão sobre o processo de criação. É nesse aspecto que a crítica de processo pode
ainda aumentar seu diálogo com o grupo.
84
O projeto se desdobrou gerando outros documentos e registros, tais como registros
audiovisual e iconográfico do processo e depoimentos, além de artigo publicado em livro
especializado, todos disponíveis para consulta do público em geral no acervo do Balé da
Cidade de São Paulo.
Esse conjunto de informações, distribuídas nessas diferentes dias, traz um
mapeamento extenso de conteúdo, que contribuirá para futuras pesquisas que se interessarem
por entender a complexidade que envolve essas estruturas públicas de dança. Afinal, quais
diálogos são possíveis?
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato indelével que essas instituições públicas precisam passar por mudanças
estruturais, visando realmente a caminhos para um desenvolvimento mais efetivo da arte que
produzem. A tentativa de mostrar um dos pilares para a construção de outra maneira de
representar a cidade, que, a despeito da indiferença do poder, acena para todos, é uma tarefa
ainda a ser cumprida.
Muitas questões são pertinentes e devem ser levantadas no intento de se construir um
projeto artístico para que essas companhias 2 tenham uma função efetiva para a dança pública
brasileira. Presumir que um estabelecimento público que mantém duas companhias deve
priorizar os mesmos modos de atuação artística para elas, considerando unicamente como
diferença entre elas o fator da idade, é desprezar a arte em suas possibilidades de produzir
conhecimento.
Tornam-se fundamentais estas perguntas: Poder-se-ia almejar a criação de um espaço
que tivesse outra função dentro dessas companhias? Isso realmente é necessário? O que
pretendem os bailarinos que integram esse tipo de estrutura oficial, no que diz respeito ao
desdobramento de sua carreira artística? Se eles estão há tanto tempo no mesmo lugar,
fazendo os mesmos trabalhos, discutindo a partir do padrão de conhecimentos inerentes a
essas instituições, o que se poderá esperar deles nessa outra companhia?
Será mesmo suficiente os diretores apenas assumirem um papel vinculado ao referencial
essencialmente embasado na idade dos bailarinos que o compõem? Será a maturidade
condição suficiente para desenvolver um projeto que tenha na pesquisa o seu principal
alicerce? Teria a “censura” do balé tradicional transformado os artistas em burocratas da
dança?
86
Todas essas questões deveriam ser levantadas pelos diretores e bailarinos dessas
companhias, entendendo, assim, a importância de uma visão mais atuante sobre a
complexidade dessa ramificação no interior dessas instituições.
A idéia da abertura dessas companhias 2 parece ser uma forma velada de justificar a
transferência, da companhia dita “principal” para a companhia 2, de bailarinos que não estão
mais aptos a seguirem com seu trabalho de rotina. Tudo indica que é complicado para os
dirigentes adotarem outros procedimentos, propondo outras funções para esses artistas dentro
da grande estrutura, pois, para assumirem que a finalidade da companhia é explorar a
pesquisa e a investigação, eles devem entender a natureza dos artistas que compõem esse
companhia.
Tornar mais efetivo e construtivo um projeto conceitual que entenda a dança, bem como
o executor dela, através da passagem do tempo é entender que a história e o desenvolvimento
se fazem no presente, mas olhando para o passado e buscando outras configurações. Passado,
presente e futuro, entrelaçados, compõem juntos uma visão mais ampla, mais produtiva e
engajada com a dinâmica das transformações.
Com esta pesquisa foi possível perceber que ainda não se configurou na formação
dessas companhias 2 um entendimento sobre a razão da existência delas. No momento que a
decisão de criá-las se manifesta somente do lado da direção, sem comunicação com os artistas
que irão compô-la, pressupõe-se que ela estará constantemente passível da falta de
entendimento por parte não só dos integrantes, mas de todos os envolvidos com essa proposta.
Constatou-se também por meio desta dissertação que, no G2 Cia. de Dança do Balé
Teatro Guaíra, os bailarinos dizem não gozar de autonomia para apresentar propostas criativas
e que parece haver opiniões divergentes entre a direção e o elenco sobre o trabalho que eles
vêem desenvolvendo. Na Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo várias propostas artísticas
foram desenvolvidas, mas ainda não se configuraram numa construção sólida de um
87
pensamento de companhia 2. O BTCA 2 começou 2008 com outra proposta artística, sugerida
e direcionada pelo Secretário de Cultura, Sr. Marcio Meirelles, e pelo atual diretor do Balé
Teatro Castro Alves, Sr. Paullo Fonseca. Unindo as duas companhias, ao perceber que não
havia sentido em manter o BTCA 2 por este não apresentar uma atividade fundamental à
dança da Bahia, o BTCA se lança num planejamento que abarca várias ações culturais que
envolvem a cidade que ele representa. Agora resta ver o que vai acontecer.
Observa-se que, desde a criação das companhias públicas brasileiras, muitos são os
entraves que as regem. Tais entraves são pertinentes à vinculação com os teatros que as
abrigam, às leis de contratação, às mudanças governamentais, enfim, a problemas que dizem
respeito às instituições que são vinculadas ao órgão público.
Criar outra companhia na mesma instituição dentro dessa perspectiva significa gerar
outro problema. Duas companhias que são geridas pela mesma direção, que utilizam o mesmo
quadro técnico, que trabalham no mesmo espaço físico, com bailarinos que cresceram no
mesmo ambiente artístico, significa, de certa forma, dar vazão à mesma produção artística
existente nessa instituição. Assim, parece não fazer parte dessa estrutura outro argumento
conceitual. A insistência em querer manter a idéia de um trabalho artístico com outro viés de
pensamento incorre em sérios desvios, fragilizando a chamada “maturidade” do elenco.
Não é possível que os diretores dessas companhias pressuponham que se possa dar
conta de duas diretrizes que a princípio existem para comunicarem a arte da dança de forma
distinta. Se já é uma tarefa árdua para esses diretores manterem uma companhia livre de todos
os problemas atrelados a ela, pode-se prever que ter o mesmo trabalho com duas seja quase
impossível. Dessa forma, querer vislumbrar um processo artístico que evidencie outro modo
de fazer dança é não entender a singularidade dos bailarinos que compõem essas companhias
nem a própria companhia que dirigem.
88
Se houver o interesse de todos os envolvidos dessas instituições nessas questões, pode
ser que a dança, bem como a arte e o próprio sistema da oficialidade, deixem a contramão dos
modelos que elas optaram por implementar, descortinando a deficiência estrutural que as rege
e passando a fluir a partir de outros princípios. Assim, foge-se da pasteurização e faz-se
emergir um referencial direcionador que contemple pluralidades dentro de um sistema
singular, regido por descobertas que legitimem a importância de sua existência.
Santos, Morin e Salles alertam para a necessidade de atitudes que atuem em oposição
ao pensamento homogêneo, que despreza um processo relacional na construção de um
caminho elaborado com vetores envolvidos com seu entorno.
Entende-se com Santos (2006) que um processo tradutório se dá a partir de um interesse
mútuo entre culturas distintas, não se trata de uma reprodução. Tradução carece de mediação.
Morin (2005) sinaliza que há urgência por rupturas e brechas no determinismo cultural
adotado por essas instituições, rupturas que provoquem um desvio inovador e, portanto, de
provável transformação. Salles (2006) leva à compreensão de que um processo de criação,
para se tornar um gerador de conhecimento, necessita, antes de tudo, deixar de estar
encapsulado. É o estar em constante movimento...
89
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Apud MACHADO, Amélia Carmem. Pela primeira vez em Belo Horizonte um espetáculo de
ballet com coreografia moderna.
Diário de Minas, Belo Horizonte, 16 jan. 1955. (Acervo
completo de Angel Vianna, organizado por Juliana Pólo).
Créditos das fotos de abertura dos capítulos e criação da capa: Sílvia Machado.
Sites:
www.amigosbaledacidade.com.br
www.tguaira.pr.gov.br
www.tca.ba.gov.br
www.itaucultural.org.br
www.centrocultural.sp.gov.br
www.helenakatz.pro.br
www.ndt.nl
www.klaussvianna.art.br
http//portal.prefeitura.sp.gov.br
www.bahiaemfoco.com
www.nederlandsdanstheater.nl
www.fundacaocultural.ba.gov.br
Acervos:
Balé da Cidade de São Paulo
Museu do Teatro Municipal
Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo
Acervo pessoal
93
Entrevistas:
Alexandra Scott (Gerente do NDT 1)
Bérgson Queiroz
Ivonice Satie
Elenco do G2 Cia. de Dança – Balé Teatro Guaíra
Ailton Galvão
Anna Maria
Cinthia Napoli
Deisi Wor
Clionisi de Barros
Inês Drummond
Leandro Nascimento
Lia Comandulli
Rogério Halila
Rosemary Rocha
Bruna Spoladore
Peter Abudi
1
o
Elenco da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo
Armando Aurich
Beth Risoléu
Laudnei Delgado
Lilia Shaw
Lumena Macedo
Mônica Mion
Paulo Goulart Filho
Suzana Mafra
95
ANEXO A
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 14.12.2006
Autora – Helena Katz
Castro Alves celebra 25 anos de seu corpo de baile
No evento, discutiu-se planos para 2007 de circulação nacional de companhias
Ao comemorar 25 anos, o Balé Teatro Castro Alves (BTCA) passa a assumir, em terras
brasileiras, o mesmo nome com que se apresenta no exterior: Bahia Ballet. A grife BTCA
passou a reunir duas companhias: BTCA/Bahia Ballet e BTCA/Cia. Ilimitada, grupo formado
pelos bailarinos mais velhos da companhia. E quando se fala em BTCA, não se pode deixar
de lembrar de Antonio Carlos Cardoso, o diretor que a fundou e comandou por cerca de 20
anos. Atualmente dirigida por Lilian Pereira, a companhia estenderá a programação que
celebra seu aniversário por 2007. Para iniciá-la, preparou uma estréia do coreógrafo rio
Nascimento, Devir, e sediou o 1° Encontro Nacional das Companhias Oficiais de Dança.
Durante o 1° Encontro, apresentaram-se o Ballet do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, o Balé Teatro Guaíra, a Cia. de Dança do Palácio das Artes, o Balé da Cidade de São
Paulo e as duas companhias da casa: BTCA/Bahia Ballet e o BTCA/Cia. Ilimitada.
A Cia. Ilimitada dançou Sentido, de Joffre Santos. Faltando uma estrutura dramatúrgica
que amarrasse o excesso de acontecimentos descosturados, a obra transformou-se em uma
sucessão de clichês, e pede uma revisão urgente.
[...]
96
PROJETOS
Participaram do 1° Encontro os diretores das companhias oficiais de São Paulo, Manaus,
Teresina, Belo Horizonte, Londrina, Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador. Do saldo dos dois
dias em que estiveram reunidos saem, entre outras iniciativas, um projeto de circulação
nacional para as suas companhias em 2007 e a montagem de um banco de dados. Quem
realizará os dois projetos será a EP Produções, empresa responsável pelas atividades que
comemoram os 25 anos do BTCA/Bahia Ballet.
A necessidade de as companhias oficiais repensarem o seu papel no cenário da dança de
hoje é urgente. O mundo mudou muito nos últimos 400 anos, desde que a Ópera de Paris se
tornou o projeto copiado em todos os cantos. Desapareceu o modelo de um Estado que provê
a sustentação de um teatro municipal e suas companhias residentes. Cada vez mais, a sua
continuidade depende da iniciativa privada. Em um Brasil regido por dinheiro público via
Leis de Incentivo à Cultura, isso significa que as companhias oficiais se tornaram
concorrentes das particulares, pois passaram a disputar com elas fatias de um mesmo bolo. A
relação entre público e privado se tornou bizarra, pois também cabe perguntar se as
companhias particulares que vivem do dinheiro público que obtêm via Leis de Incentivo à
Cultura ainda podem ser consideradas particulares.
É nesse cenário que se inscreve um aspecto a ser destacado. A comemoração dos 25
anos do Bahia Ballet não é um projeto da companhia, mas sim da EP Produções, que montou
uma programação comemorativa com distintas atividades que se estenderão por 2007, e
contratou o Bahia Ballet para realizá-las.
Eliana Pedroso, a EP da produtora, tem muito orgulho em desenvolver projetos próprios,
captar os recursos que os viabilizam, e depois contratar as companhias ou os profissionais
para realizá-los. O Ateliê de Coreógrafos, que acaba de completar 5 anos, representa um dos
exemplos da sua atuação, que tem como característica inverter o sentido habitual. A produtora
97
deixa de ser uma empresa que a companhia de dança contrata para prestar um serviço. No
caso da EP Produções, ela faz o projeto, capta os recursos, e depois o oferece. “Se a
companhia não quiser, basta trocar o nome no projeto e oferecer para outra”, disse Eliana, no
fechamento do Encontro. Em Salvador, além dos 25 anos do BTCA/Bahia Ballet, há pois
um outro fenômeno em curso, na área da produção cultural, que merece ser acompanhado.
98
ANEXO B
Veículo – site do Balé da Cidade de São Paulo
Publicação – outubro de 2004
Autora – Cássia Navas
Companhia dentro de outra companhia, campo de experimentação
Em 1999, durante a segunda gestão de Ivonice Satie à frente da companhia, o Balé da
Cidade de São Paulo transformou-se, dividindo-se em dois. Polarizava-se um mesmo elenco,
na busca de uma mudança de estrutura.
Uma alteração substancial, atualizando-se, através dela, uma discussão fundamental da
história da dança enquanto moderna linguagem do século XX: o debate sobre diferentes
formas de interpretação dentro do contemporâneo.
Durante o último século, este debate caminha com o desenvolvimento da dança e balé
modernos, cujos criadores, à semelhança de outros artistas de vanguarda, buscam a liberdade
de expressão, na procura de outras formas para a linguagem, em modificações e transgressões
distantes ou mais próximas do balé clássico e de sua técnica.
A partir daí, muitas possibilidades abriram-se para os intérpretes da dança, atualmente
herdeiros de tradições clássicas e modernas, artistas buscando especificidades e diferentes
maneiras de intervenção, como homens e mulheres de seu tempo e lugar.
Em momentos decisivos da história do Balé da Cidade de São Paulo, grandes
intérpretes jogaram um peso fundamental em sua estruturação, como no período em que a
companhia, de Corpo de Baile Municipal, se transforma em Balé da Cidade de São Paulo,
sob inspiração de Marilena Ansaldi e construção de Antônio Carlos e Iracity Cardoso. Sob a
direção de Klauss Vianna, momento também fundamental para a companhia foi quando da
99
criação de um “Grupo Experimental”, cujos integrantes, paralela e conjuntamente com os
artistas do elenco, modificam o perfil das obras do grupo.
Em 1999, a divisão da companhia em dois elencos constitui-se em um marco histórico e
institucional, lançando-se a sorte através da modernização da estrutura da companhia em si, a
mudança remetendo-se a câmbios ocorridos em outras companhias ocidentais, como foi com
o Nederlands Dans Theater, sob a direção de Jiri Kylián, onde a instauração de um grupo de
bailarinos seniores também foi norteada por perspectivas diferenciadas para um grupo de
intérpretes que aliassem grande experiência técnica à maturidade cênica.
Numa ação específica de cidadania cultural, a tônica da Cia. 2 uma nova companhia
dentro da outra foi a procura de outros caminhos para uma estrutura pública brasileira, na
qual profissionalismo pudesse se matizar de mais profissionalismo, em possibilidades
específicas para artistas em diferentes momentos de suas trajetórias.
Estruturando-se através de diversas assinaturas, o repertório da Cia. 2, vem
apresentando um elenco de artistas que aceitaram este desafio, compartilhando com a direção
da companhia a responsabilidade de modificações que a proposta já trazia em seu bojo.
Desde 1999, coreografaram para a Cia. 2 Anselmo Zolla, Denise Namura e Michael
Bugdhan, Gabriel Castillo, Henrique Rodovalho, Jorge Garcia, Luis Arrieta, Luiz Fernando
Bongiovanni, Mara Borba e Olaf Schmidt, sendo que alguns dos intérpretes do grupo se
sucederam em criações para o elenco: Armando Aurich, Cláudia Palma, Lilia Shaw e
Raymundo Costa. Além disto, conjuntamente, os bailarinos do grupo realizaram em 2003 o
Carnaval dos animais, criação compartilhada entre todos.
Em 2004, agora sob a batuta de Mônica Mion, diretora da companhia a partir de 2001,
abre-se um outro caminho no desenvolvimento do grupo, onde a experimentação vem sendo
tônica necessária de atuação: a proposta Solo em questão, através da qual cada um dos
100
intérpretes escolhe uma maneira solista de trabalho, elegendo, quase todos, criadores das artes
do espetáculo para acompanhá-los em suas jornadas individuais: Ana Teixeira, Dudude
Herrmann, Luiz Fernando Bongiovanni, Márcio Aurélio, Mariana Muniz, Marta Soares e
Sandro Borelli.
Com este programa, reforça-se o trabalho com um elenco formado por bailarinos
solistas de natureza peculiar, abrindo-se espaço para atividades de investigação de excelência,
um privilégio para todos os artistas envolvidos nestes processos, um privilégio para a dança
de São Paulo.
Esta fase da Cia. 2 implica em novo desafio para aqueles que a compõem, propondo-se
uma maior liberdade de atuação, privilegiando-se o talento de cada um, através da
flexibilização de papéis, oportunizando-se trocas e construções junto a outros artistas da cena
contemporânea.
Os oito solos, resultados deste programa, se revelarão como produtos de uma nova
etapa da Cia. 2, revelando dimensões para o seu futuro.
A partir da básica questão da abertura e instauração de espaços para profissionais mais
maduros da dança deste país, ponto crucial da arte coreográfica em si, a experiência histórica
da Cia. 2 aponta para outros formatos de trabalho em dança, pela fronteirização de linguagens
e trajetórias artísticas.
Através desta potencialidade histórica e contemporaneamente aberta dentro de um local
público, poderão ser afirmados os seus mais amplos objetivos, para além de uma demarcação
simplista do tempo e espaço da trajetória de cada artista, projetando-se sua inserção no tempo
mais amplo da arte de nossos dias.
101
ANEXO C
Caros responsáveis pelo NDT III,
52
Meu nome é Ana Teixeira, moro em São Paulo - Brasil, onde trabalho no Balé da
Cidade como Diretora Artística Assistente. Atualmente estou cursando meu mestrado na
Pontifícia Universidade Católica desta cidade.
Meu objeto de estudo é o surgimento das Cias. 2, que foram criadas para acolher os
bailarinos seniores dessas instituições. São elas: Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo, G2
do Balé Teatro Guaíra e BTCA 2 do Balé Teatro Castro Alves. Todas são companhias
financiadas pelo poder público e se inspiraram no NDT III.
Dessa forma, peço gentilmente, se vocês puderem, que me enviem informações sobre o
NDT III. Elas serão valiosas para que eu possa dar continuidade aos meus estudos e com
certeza contribuirão para esclarecimentos que se referem à dança oficial brasileira:
- O motivo de seu surgimento.
- Como foi feito o regime de contratação dos artistas. O NDT é uma companhia
subsidiada pelo governo?
- Nome e data das obras que foram realizadas.
- Quando ela foi extinta e por qual o motivo.
- Qual era a relação do NDT I e do NDT II sobre o trabalho que eles realizavam?
Desde já agradeço a atenção, esperançosa por um contato.
Atenciosamente,
Ana Teixeira
52
Mensagem enviada por e-mail, pela autora, à gerente de produção do NDT, Alexandra Scott.
102
Cara Ana Teixeira,
53
Foi muito interessante saber que existem empresas no Brasil que foram formadas,
inspiradas pela idéia do NDT III como uma companhia de bailarinos seniores. Eu não sabia
disso.
O NDT III foi fundado em 1991, e nesse momento Jiri Kylián era o diretor artístico do
NDT. Ele descobriu que muitos bailarinos, quando atingem a idade de 40 anos, encontram-se
em uma terra de ninguém, tendo de renunciar à sua profissão, para a qual haviam estudado
desde a infância, e não sabendo o que o futuro reserva a eles. Para o primeiro projeto ele
contatou colegas coreógrafos cujo trabalho sempre respeitou e pediu-lhes para criar um
trabalho para bailarinos que tinham desempenhado um papel importante nas suas vidas. O
objetivo era criar algo novo, e não olhar para trás, para aquilo que tinha sido feito, mas
olhar para a frente e utilizar toda a maturidade artística acumulada ao longo dos anos,
experimentando e pesquisando novas abordagens para a criatividade.
Alguns dos bailarinos que participaram no NDT III tinham trabalhado com o NDT por
muitos anos; outros vieram para uma produção específica com um determinado coreógrafo
com o qual tinham uma relação de trabalho especial. Assim, bailarinos sempre foram
convidados a aderir ao NDT III durante um período de tempo determinado e alguns
permaneceram durante toda a existência do projeto. Contratualmente isso significava que
alguns dançarinos tinham um contrato anual e outros tinham um contrato com duração
determinada.
Infelizmente tivemos que abandonar o NDT III no final da temporada de maio de 2006
por razões financeiras. No entanto, esperamos que seja possível revitalizar a idéia do NDT III
no futuro e que esta esteja apenas "dormindo" agora.
53
Resposta de Alexandra Scott, via e-mail, em abril de 2008, traduzida por Fernando Marinho.
103
O NDT III sempre foi uma parte importante do NDT, e as três dimensões da dança que
temos promovido. Sempre foi inspirador ver artistas maduros trabalhando e criando, e esse é
um exemplo a seguir. Todas as companhias sempre trabalharam no mesmo estúdio, de modo
que foi sempre inspirador para cada grupo acompanhar o processo de criação e trabalho dos
outros grupos.
Estou enviando uma lista anexa com todos os balés criados pelo NDT III. Espero ter
respondido às suas perguntas e desejo a você as maiores felicidades com seus estudos e sua
companhia.
Atenciosamente,
Alexandra
Gerente do NDT 1
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0
0
6
6
Marion Marion William Forsythe 1991
Obscure Temptations Jirí Kylián 1991
Evergreens Hans van Manen 1991
Journey Mats Ek 1991
Made In France Maguy Marin 1992
Off White Ohad Naharin 1992
No Sleep Till Dawn Of Day Jirí Kylián 1992
The Politician/Peeling The Onion Jennifer Muller 1993
Nocturne Martha Clarke 1993
Dämmerung Martha Clarke 1993
Moonshine Christopher Bruce 1993
Them Carolyn Carlson 1993
Different Partners Hans van Manen 1993
The Garden Of Villandry Martha Clarke, Felix Blaska
& Robert Barnett 1993
La Voce Maurice Béjart 1994
104
Susto Paul Lightfoot 1994
:Amasti Mai? Susanne Linke 1994
Caught David Parsons 1994
Silent Cries Jirí Kylián 1986
Double You Jirí Kylián 1994
Vague À L'Âme Lionel Hoche 1994
So Sorry Paul Lightfoot 1994
Ich Stehe Im Regen Und Warte Maurice Béjart 1995
An Uncertain Hour Martha Clarke 1995
Arcimboldo (with NDT 1 & NDT 2) Jirí Kylián 1995
Again and Again and Again ... Nacho Duato 1996
The Old Man and Me Hans van Manen 1996
The Dinner Party Jennifer Muller 1996
TEARS OF LAUGHTER (full-length production on the occasion of NDT II’s 5th
anniversary)
Trompe-L'Œil Jirí Kylián 1996
Double You Jirí Kylián 1994
If Only Jirí Kylián 1996
No Sleep Till Dawn Of Day Jirí Kylián 1992
Compass Jirí Kylián 1996
Couple Of Moments Johan Inger 1997
Two Short Stories Ohad Naharin 1997
Grain de Folie Patrick Delcroix 1997
New Age Paolo Ribeiro 1998
Addio Terra Erik Vos 1998
A Way Alone Jirí Kylián 1998
Zero Hour Hans van Manen 1998
Small Moves Paul Lightfoot 1999
Sight Shusaku Takeuchi 1999
Squeaky Wheel Paul Lightfoot 2000
Two faces Hans van Manen 2000
Arcimboldo 2000 (with NDT 1 & 2) Jirí Kylián 2000
The Third of 2 Patrick Marin 2000
Birth-day Jirí Kylián 2001
Merryland Meryl Tankard 2001
The Moment Michael Schumacher 2001
When time takes time Jirí Kylián 2002
Tulips Mats Ek 2003
Far too close Jirí Kylián 2003
2Lips and dancers and space Robert Wilson 2004
105
ANEXO D
Veículo – site Bahia em Foco
Publicação – 27.01.2008
Balé Teatro Castro Alves passa por reformulação em Salvador
O Balé Teatro Castro Alves vai percorrer outros caminhos em 2008. Após um ano de
discussão pública sobre o papel das companhias oficiais de dança, o que colocou em pauta a
necessidade de associar, ao expressivo investimento realizado pelo Estado na manutenção de
corpos de bailes estáveis, políticas públicas para a dança, a Secretaria de Cultura do Estado
apresenta o novo modelo de gestão e de atuação do BTCA. Sob a direção artística de Paullo
Fonseca, o BTCA inicia uma nova fase de sua bem-sucedida carreira, pontuada por
espetáculos de apelo popular e repercussão internacional.
A partir de agora, o BTCA 1 e o BTCA 2, como está subdividida atualmente a
companhia, voltam a integrar um único corpo. Criado em 1981, o BTCA foi a primeira
companhia de dança oficial do Norte/Nordeste e a quinta do país. Já o BTCA 2, também
chamado de Cia. Ilimitada, surgiu em 2004, sendo composta por ex-bailarinos do elenco
principal, com idade acima de 35 anos, que tinham sido afastados do palco. “Queremos
desenvolver um trabalho técnico que envolva todos os bailarinos independentemente da
idade”, destaca Fonseca, que integra o balé desde sua fundação e tem um histórico também
como coreógrafo, tendo realizado espetáculos solo e participado de diversos outros projetos
de dança.
BTCA Extensão amplia ações de bailarinos
Defendendo a valorização do corpo de baile do BTCA, Paullo Fonseca explica que os
bailarinos mais experientes agora terão a possibilidade tanto de encenar espetáculos quanto de
106
atuar em ações previstas pelo projeto BTCA Extensão uma das novidades de sua gestão. A
experiência e o histórico desses profissionais dentro da companhia poderão ser aproveitados
para o desenvolvimento de atividades artísticas com efeito multiplicador, ou seja, que
fomentem a produção e a prática artística em dança no Estado.
As atividades de extensão do BTCA consolidam a aproximação do balé com a Diretoria
e a Escola de Dança da Fundação Cultural do Estado. “O balé, a partir de agora, passa a ser
uma companhia residente do TCA, mas sua gestão agora fica vinculada às áreas responsáveis
pela formação de profissionais e formulação de políticas públicas para a dança do Estado, o
que é mais coerente”, destaca Moacyr Gramacho, diretor do Teatro Castro Alves.
Através das atividades de extensão, os bailarinos veteranos poderão desenvolver ações
artísticas em centros culturais; contribuir para a formação de grupos de dança; realizar
apresentações e oficinas no interior; atuar na preparação de bailarinos; dar aulas-espetáculo
em cursos profissionalizantes; ou participar de atividades coordenadas pela Escola de Dança,
a exemplo do Centro Social Urbano do Nordeste de Amaralina e do Centro Cultural de
Plataforma. Os bailarinos também podem assumir a articulação de programas como o
Memórias Dançantes e o BTCA Memória, dedicado a remontagens de espetáculos
consagrados do repertório do grupo.
“Esses bailarinos, pela técnica, experiência e excelência que acumularam podem e
devem ser estimulados a compartilhar esse conhecimento, inserindo-se num projeto que visa o
desenvolvimento da dança em todo o Estado”, destaca Lúcia Matos, diretora de Dança da
Funceb. Já a diretora da Escola de Dança, Beth Rangel, comemora o fortalecimento da
instituição com a participação desses profissionais na preparação e formação de novos
bailarinos: “É algo maravilhoso, porque o aluno poderá ser treinado com um profissional
experiente do balé durante três anos, desde que ele entra na escola até sair. Acredito que,
dessa forma, a escola poderá formar novos bailarinos para o BTCA ou qualquer companhia”,
107
ressalta.
mais de dez anos sem concurso público para bailarinos efetivos, a incorporação de
profissionais para montagem dos espetáculos do BTCA 1 vinha sendo feita através de
contratos temporários com duração de quatro anos, pelo Reda Regime Especial de Direito
Administrativo. Com a saída dos últimos bailarinos contratados dessa forma, o BTCA
contará, a partir de junho, com 28 profissionais, sendo 19 do antigo BTCA 2. Aqueles que
optarem por participar de projetos de extensão terão asseguradas as suas gratificações
salariais. “Estamos buscando uma saída jurídica para isso porque consideramos que o
bailarino continua exercendo sua função, uma vez que para se dedicar ao ensino da dança ele
precisa, antes de qualquer coisa, ser artista”, explica o secretário de Cultura, Márcio
Meirelles.
Ele assinala que para este ano não está prevista a contratação ou renovação do contrato
de novos profissionais pelo Reda. Serão montados e apresentados ao longo do ano quatro
espetáculos com elencos mais enxutos. “O investimento que seria feito nos Reda será
redirecionado para a criação desse novo repertório e para as ações de extensão, o que vai
possibilitar a experimentação de outros formatos e funções para o BTCA”, reforça.
Quanto à qualidade artística do balé, o secretário afirma não ter dúvida de que ela será
mantida: “A qualidade está no corpo estável do balé e precisamos prestigiar isso que é um
patrimônio nosso, vivo”. Lúcia Matos, a diretora de Dança da Funceb, compartilha da mesma
visão: “Não existem padrões homogêneos de corpos e produções artísticas, mas uma
identidade artística do corpo que dança. A questão é: qual dança esses corpos podem dançar?
Estamos trabalhando a partir desse conceito”.
Os corpos em movimento
Ao longo do ano, quatro novos espetáculos do BTCA serão apresentados ao público de
Salvador e do interior do Estado. A proposta conceitua Paullo Fonseca, é trabalhar sempre
108
com duas montagens em paralelo e em parcerias. No primeiro semestre, o projeto “Interação
Dança BTCA Residência” seleciona um grupo ou companhia do Estado para trabalhar em
conjunto com o Balé, oferecendo residência de três meses no Teatro Castro Alves. Com
estréia prevista para maio, o espetáculo resultante dessa experiência fará dobradinha com
montagem dirigida por Nelly Frank, primeira coreógrafa do ano a participar do BTCA
Convida. O projeto também prevê a realização de workshops para dançarinos e grupos de
dança, em Salvador e em cidades do interior.
No segundo semestre, dois novos espetáculos serão concebidos. Um a partir de
parcerias com coletivos de dança do Estado e o outro, o projeto “Rapadura e o Fusca Cana,
Sociedade e Cultura”, com o coreógrafo alemão Félix Ruckert. “Estamos buscando uma
forma de atuação que proporcione um diálogo maior do corpo e da estrutura do Balé com a
cena de dança e com outros segmentos artísticos de Salvador e do interior”, afirma Fonseca,
destacando a multiplicidade de possibilidades de ação e de competências.
O BTCA Memória da Dança, projeto iniciado no ano passado, será retomado. A idéia é
possibilitar a remontagem de coreografias significativas do repertório da companhia, em
parceria com a Escola de Dança da Funceb, para garantir o registro e a permanência desses
espetáculos. Este ano, será a vez da coreografia “Ilhas”, de Victor Navarro, com participação
de bailarinos do Balé e alunos da Escola.
Para o diretor artístico da companhia, a opção de trabalhar em 2008 apenas com os
bailarinos efetivos em diálogo com grupos e coreógrafos parceiros será fundamental para
amadurecer as peculiaridades e o potencial de cada integrante do grupo. “Esperamos ter, ao
final desse processo, uma avaliação mais precisa de qual a necessidade de contratação de
novos profissionais e quais os melhores meios para fazer isso”, explica Fonseca. Para o
coreógrafo, é preciso compreender que assim como o movimento é o princípio da dança, isso
vale também para as companhias, que devem se adaptar às exigências dos novos tempos,
109
como mobilidade e versatilidade.
Mais uma vez na vanguarda
Convidada para participar do encontro O Papel das Companhias Oficiais de Dança na
Contemporaneidade, em Salvador, em junho do ano passado, a prestigiada crítica de dança do
jornal O Estado de o Paulo, Helena Katz, afirmou que as discussões propostas pelo
Secretário de Cultura, Márcio Meirelles, sobre políticas públicas para a dança, com a
avaliação do Balé Teatro Castro Alves (BTCA), são “um momento inaugural” para a
atividade.
Em artigo intitulado “O caso das companhias oficiais”, Katz destaca o fato de que a
“indispensável conversa em torno da função das companhias oficiais de dança do País” tenha
ganhado repercussão blica justamente no mesmo Estado que deu ao Brasil a primeira
faculdade de dança, em 1956. Em sua visão, era hora de quebrar a “blindagem” existente
sobre o tema.
O que está em questão, de acordo com Márcio Meirelles, é a forma de aplicação do
dinheiro público. Uma vez que a companhia, de excelência artística inegável, abocanha parte
grande dos recursos aplicados na área de dança em todo o Estado, como esse investimento
pode se reverter de fato em política pública, ou seja, numa estratégia de fomento para a
atividade? Por outro lado, observa, uma vez que os bailarinos são concursados, mas têm
tempo de atuação limitado, o que fazer com os profissionais maduros? Meirelles ressalta que
a reformulação do modelo de atuação das companhias oficiais é um tema que vem sendo
debatido também em outros Estados brasileiros e em diversos países. Com o programa de
ações para o BTCA que estamos apresentando agora, começamos a responder algumas dessas
questões”, afirma.
110
ANEXO E
Veículo – A Tarde (Bahia)
Publicação – 30.01.2008
Autor – Samuel Celestino
Réquiem pelo balé do TCA (Teatro Castro Alves)
Após uma longa e brilhante trajetória por mais de 30 anos está morrendo (assassinado)
o Balé do Teatro Castro Alves. A notícia, estrategicamente, só foi franqueada no momento em
que toda a atenção da cidade está dirigida para o Carnaval. Um velho método sorrateiramente
utilizado para evitar a indignação da opinião pública, no caso os admiradores, amantes da
dança e pessoas que se acostumaram a acompanhar e a aplaudir as belíssimas apresentações
do único corpo estável de dança da Bahia, consagrado nacional e internacionalmente. Seu
largo “portfólio” comprova sua carreira de sucessos e serviços prestados à imagem e à cultura
da Bahia.
O BTCA, considerado uma das cinco melhores companhias do País, viu-se submetido a
um processo acelerado de esvaziamento e decadência a partir da gestão do secretário de
Cultura, rcio Meirelles. Desde os primeiros meses da sua complicada gestão, Meirelles
jamais escondeu sua total antipatia pelo BTCA. Anunciou, até, a sua intenção de acabar com
ele.
Alegava que, numa terra plural como a Bahia, onde existem dezenas de pequenos
grupinhos de dança, era inadmissível que o BTCA fizesse uma concorrência desleal a esses
grupos.
Fez o comunicado da morte anunciada sob o falso pretexto de que os corpos estáveis do
Brasil estariam irremediavelmente condenados à irrelevância, caminhando para uma total
111
extinção, pois, na República de Lula, não poderia haver mais espaço para tamanho privilégio,
ou seja, o de se considerar o Balé do Teatro Castro Alves como uma companhia oficial que
pudesse, efetivamente, representar” a Bahia. Essa comunicação foi feita em um seminário
especialmente criado para referendá-lo, estratégia autoritária e contumaz que vem sendo
repetida à exaustão, sempre disfarçada por um teatro de participação popular, “democrático”,
politizando a questão com seu próprio molho ideológico.
Afirmou, peremptoriamente, que melhor seriam que os recursos do BTCA fossem
pulverizados entre esses pequenos grupos, inclusive os grupos folclóricos do interior do
Estado. Sofreu, então, para choque de sua arrogância infinita, uma imediata e virulenta
reação.
Imprensa, parlamentares, intelectuais, todos absolutamente todos ficaram contra,
inconformados com essa visão para de tosca, uma espécie de versão stalinista,
ostensivamente manipuladora. Meirelles, estrategicamente, fingiu recuar, fechando-se em
aparente silêncio. Agora, a poucos dias do reinado do Carnaval, quando qualquer reação seria
(imaginou ele) fatalmente abafada pelos tambores e a estridência dos trios elétricos, anunciou
a troca da diretoria do Balé e revelou, finalmente, suas novas medidas que, na prática,
garroteiam definitivamente a companhia, determinando o sepultamento.
Mais uma vez, o secretário lustra e faz jus a seu antigo apelido de “coveiro”, responsável
que foi pelo fechamento do TCA no governo Waldir Pires, sem, no entanto, deixar o cargo de
“diretor”. Ele, agora, enterra o Balé e a sua história de lutas, grandes talentos conjugados a
grandes sucessos.
Os dançarinos, contratados pelo Reda, que, em sua maioria, compunham a maior parte
do elenco principal da companhia, acabam de ser demitidos. Sobraram apenas sete bailarinos
desse grupo, todos concursados.
112
O BTCA perde quase todo seu capital técnico e artístico.
Resta fundir esse grupo com um remanescente de 19 pessoas, denominado Grupo II,
composto por bailarinos que, pela idade, formavam uma equipe especial, que realizava
apresentações complementares. Todos eles estavam quase semi-aposentados, já, diria,
próximo de “pendurar a sapatilha”, mas continuavam a fazer aulas e algumas apresentações
públicas especiais. Como todos sabem, bailarinos, assim como jogadores de futebol, têm vida
profissional curta, dada às exigências de extremo preparo físico. A conseqüência imediata das
demissões e da fusão dos dois grupos é um dramático envelhecimento do BTCA, o que, na
prática, decreta sua morte como uma companhia de balé importante.
Passa a ser uma companhia quase geriátrica, que nela pode até caber o próprio
secretário, mas, claro, como diretor de coreografia torta. Muito breve estarão reduzidos
somente às atividades de ensino, atendendo ao desejo expresso do “magnífico” (sem ofender
Naomar Almeida).
É lamentável uma distorção absurda de visão movida por idiossincrasias pessoais.
Errou, diminuiu a cultura da Bahia, justo, para ironia do destino.
A contradizer, frontalmente, as opiniões de Meirelles, coincidentemente, anteontem foi
publicado na imprensa brasileira grande elogio ao governo do Estado de São Paulo, que acaba
de criar uma companhia oficial de dança e irá construir um teatro para abrigá-la.
Serão R$ 34 milhões para a construção, R$ 13 milhões para a nova companhia, R$ 1,4
milhão para os grupos privados de dança de Estado, R$ 300 mil para festivais, e por vai.
Também, a Companhia Oficial da Cidade de São Paulo, o segundo corpo estável, esse da
Prefeitura Municipal, acaba de anunciar um bom aumento de salários para seus bailarinos,
tornando-se ainda mais competitivo.
113
O governo paulista fará audições até no exterior para recrutar os melhores bailarinos
mundo afora, estabelecendo parâmetros de qualidade, de profissionalismo, de excelência.
Tudo aquilo que se espera de uma companhia oficial que irá encher os paulistas de arte e
orgulho cidadão. Está de parabéns São Paulo, pelo presente que dá a sua população. Aqui, sob
o reinado de Márcio “Macbeth” Meirelles, estamos condenados à mais completa
‘mediocrização‘ da dança na Bahia, e à destruição de paradigmas de qualidade já alcançados.
para um contraponto e aporrinhá-lo mesmo, felizes são os cubanos e os russos por
nunca terem tido um Meirelles como gestor cultural. Caso contrário, a Companhia Nacional
de Cuba, o Bolshoi, o Kiev, entre tantos corpos oficiais, teriam sido extintos por
sufocamento progressivo, sob a desculpa esfarrapada de se constituírem numa elite e de que a
cultura deve servir exclusivamente aos cânones de uma política de inclusão social de grupos
pobres das periferias e de grupos folclóricos do interior.
Pois é. Bumba meu boi e toca o bonde pra Lapinha que Márcio Meirelles, coveiro da
Companhia de Balé do Teatro Castro Alves, vai atrás. Feliz, mas o Carnaval vai passar...
114
ANEXO F
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 11.06.2007
Autora – Helena Katz
O caso das companhias oficiais
Encontro hoje em Salvador discute a difícil situação de grupos como o Balé Teatro
Castro Alves
Pode-se prever que a companhia oficial de dança de Salvador, o Balé Teatro Castro
Alves (BTCA), será transformada no assunto principal, hoje, a partir das 19 horas, na Sala do
Coro do TCA, na capital baiana. É quando começa o fórum O Papel das Companhias Oficiais
de Dança na Contemporaneidade, proposto pela diretoria de dança da Fundação Cultural do
Estado da Bahia e pelo teatro Castro Alves. Dele participarão, entre outros, representantes da
Câmara Setorial de Dança-Funarte/Minc (Sigrid Nora), do Balé da Cidade de São Paulo (Ana
Teixeira) e do Fórum de Dança-Bahia (Suki Villas-Boas). Afinal, os jornais locais vêm
noticiando com destaque a boataria que se instaurou a partir de declarações do novo
secretário, o diretor de teatro Marcio Meirelles. Publicaram a sua intenção em acabar com os
privilégios em gastos com a folha de pagamentos do BTCA, identificados em duas situações:
1) existiriam bailarinos ganhando sem dançar; e 2) existiria um acordo que adiciona 300%
sobre o salário, tanto dos ativos quanto dos inativos, a partir da 1apresentação mensal o
que teria levado a companhia a realizar ensaios abertos para serem contabilizados como
espetáculos.
A divulgação das falas do secretário foi tomada como um aviso de que o BTCA seria
extinto, comprimindo a riqueza e a importância do que elas sinalizam a um único item. Isso
115
nubla o que mais importa, e que está no fato de ter sido tornada pública uma indispensável
conversa em torno da função das companhias oficiais de dança do País. Curiosamente, é de
novo Salvador quem sai na frente, a mesma cidade que deu ao Brasil, na área da dança, a
primeira faculdade (em 1956) e o primeiro curso de pós-graduação stricto sensu (2005),
ambos na UFBA. Seja onde dar essa conversa que agora se inicia, a Secretaria de
Cultura do Estado da Bahia já deve ser parabenizada pela iniciativa.
Em primeiro lugar, porque a própria recepção à sua proposta expõe um vício de
comportamento, do qual raramente nos damos conta, e que se refere ao fato de as companhias
oficiais serem mantidas à parte das conversas sobre as políticas públicas para a dança no País.
Quando se discute o assunto, quando se toca em orçamentos para a área, as cias. oficiais são
mantidas à margem. Como se o fato de serem oficiais as blindasse, e garantisse que o dinheiro
quem custam não fizesse parte das mesmas contas que definem as políticas públicas para a
dança.
Mas de chegar a discutir orçamentos, deve-se passar primeiro por outra questão: qual o
papel e qual a função de uma companhia oficial no Brasil de hoje? Que modelos elas
perpetuam? A única forma administrativa de existência para as cias. oficiais é a que hoje
adotam? De onde vem o medo de se abrir uma discussão pública sobre o assunto? Pois se elas
próprias se reuniram, no ano passado, também em salvador, para melhor se conhecerem.
A possibilidade de começar a tratar publicamente desses temas nos levará ao
conhecimento da história da relação de cada uma das nossas cias. oficiais com as suas
cidades, com os seus Estados e com as outras companhias do seu entorno. Afinal, até quando
se entenderá uma companhia oficial como fruto de um direito adquirido que deve ser
perpetuado?
Por outro lado, a conversa em torno das cias. oficiais pode se transformar também em
um saudável exercício de exorcismo de um dos piores males que assolam a área da dança: o
116
corporativismo. Sem o saudável exercício da avaliação entre os pares, não se consegue
transformar o que pede para ser transformado. É esse justamente o caso das cias. oficiais
brasileiras de dança. Elas merecem a oportunidade de pensar outros formatos para si mesmas.
117
ANEXO G
Caro colega,
54
Enquanto novo diretor artístico do BTCA dirijo-me a você para apresentar a proposta
artística e o plano de trabalho da companhia para 2008. Tenho percebido que a mudança de
gestão do Balé está em pauta na mídia, e tem gerado discussões interessantes.
Acredito que essa movimentação seja muito positiva para a dança em nosso Estado, mas
para isso é necessário que as informações sejam claras e que as colocações sejam justas. Para
contribuir com essa discussão coloco-me à disposição para quaisquer esclarecimentos, e
encaminho o texto abaixo que introduz a nova proposta do Balé, complementado pelo resumo
dos projetos para 2008 que apresento em anexo.
- Resumo do Plano de Trabalho 2008
1. Projeto “Interação Dança - BTCA Residência”
Projeto que visa a seleção de grupo, companhia ou profissional de dança para residência
no Teatro Castro Alves, pelo período mínimo de três meses. O objetivo é desenvolver
atividades de produção, pesquisa artística e de técnicas corporais em conjunto com o BTCA,
visando a articulação da companhia com a cena da dança em outros contextos.
Para o primeiro semestre, será convidada a participar do projeto uma companhia de
dança do Estado, selecionada a partir de quatro oficinas de interação. Para o segundo semestre
deste ano, em parceria com o ICBA-Goethe Institut, o convidado é o coreógrafo alemão Felix
Ruckert, que virá desenvolver o projeto “Rapadura e o Fusca – Cana, Sociedade e Cultura”.
54
Mensagem, por e-mail, do atual diretor do Balé Teatro Castro Alves, Paullo Fonseca, explanando a nova diretriz para a
companhia em 2008.
118
2. Projeto “BTCA Convida”
Este projeto pre a realização de montagens envolvendo o corpo e a estrutura da
companhia sob a coordenação de diretores/coreógrafos convidados, onde o processo de
criação terá duração mínima de três meses. O resultado coreográfico terá circulação local e
nacional.
Para o primeiro semestre, foi convidada a diretora Nehle Franke, que desenvolveu em
2007 um trabalho com bailarinos da então Companhia BTCA II. Para o segundo semestre,
está previsto o convite a um coletivo de artistas de diversas áreas (dança, teatro música e
audiovisual) para o desenvolvimento de um trabalho artístico com o BTCA.
3. Programa “BTCA Extensão”
O programa de extensão do BTCA prevê a atuação de bailarinos da companhia em
ações diversas que contribuam para o fomento da produção, a reflexão e a prática artística em
dança. Algumas ações já estão desenhadas:
- Parceria com a Diretoria da Dança da Funceb: apresentações públicas de caráter
didático e formativo em escolas e centros de cultura da capital e do interior, além
da interação com projetos especiais da Diretoria.
- Parceria com a Escola da Dança da Funceb: apresentações públicas de caráter
didático e formativo visando a preparação de bailarinos, alunos da escola, para a
prática artística.
- Projeto BTCA Memória da Dança: remontagens de espetáculos significativos na
trajetória do BTCA em parceria com instituições de formação em dança,
fomentando o registro e a memória da dança na Bahia.
- Projeto BTCA Reflexões
: ciclos de discussões com profissionais convidados sobre
temas relacionados à pesquisa e produção artística.
119
- Projeto BTCA Observatório Virtual da Dança: criação de página Web para a
companhia, que funcione como centro de discussões e onde esteja registrada a
produção contemporânea de dança no Estado (colaboração de outras companhias
na alimentação do site).
- Edital de Seleção de Logomarca BTCA: concurso público para estudantes e
profissionais de artes visuais e design residentes na Bahia, para a seleção de
logomarca institucional para o BTCA.
Observações Gerais
Os projetos Interação Dança - BTCA Residência” e “BTCA Convida”
acontecerão em paralelo, sendo o elenco da companhia dividido nas duas ações,
priorizando-se o desejo do bailarino.
Não estão previstas contratações de novos bailarinos para 2008, por ser
suficiente para a proposta artística que aqui se apresenta o corpo estável do Balé.
Essa resolução não exclui, portanto, a possibilidade de contratações caso a
direção o julgue necessário durante o desenrolar das atividades.
Todo bailarino do BTCA deverá estar em atividade em 2008, envolvido em
algum dos processos criativos para as novas montagens ou em projetos do
Programa de Extensão. Além disso, serão permitidas disposições e cessões de
bailarinos a outras instituições, caso aprovadas pelo Diretor Artístico da
companhia.
120
ANEXO H
Veículo – O Estado de São Paulo
Publicação – 16.02.1973
Agravam-se atritos no Corpo de Baile
O Corpo de Baile Municipal está vivendo uma crise, em decorrência dos
desentendimentos constantes entre bailarinos e o coreógrafo João Franco de Oliveira,
conhecido artisticamente por Johnny Franklin. O clima de intranqüilidade, que vem de
algum tempo, agrava-se agora, no momento em que um decreto municipal obriga à rescisão
do contrato dos chamados Corpos Estáveis do Teatro Municipal a partir do próximo dia 28, e
prevê a abertura de concurso para o preenchimento das vagas.
No ano passado, Johnny Franklin suspendeu cinco integrantes do Corpo de Baile, por
atos de indisciplina. A punição foi considerada injusta e os 34 bailarinos (19 moças e 15
rapazes) levaram o incidente aos jornais. O coreógrafo foi acusado de “desatualizado,
incompetente e vingativo”. Os bailarinos observaram que em anos anteriores Johnny Franklin
promoveu 150 apresentações numa mesma temporada, e que em 1972 não fez mais de sete
espetáculos. Disseram também que impedia que outros coreógrafos ensaiassem o Corpo de
Baile, o que seria um obstáculo à atualização do conjunto. Quando a bailarina Liane Daidée,
solista do “Grand Ballet Classique”, da França, se dispôs a dar uma aula ao Corpo de Baile,
uma oportunidade rara segundo os bailarinos Johnny Franklin negou-se a interromper um
ensaio, pois não teria sido comunicado a respeito da aula. Conforme a versão do coreógrafo,
os bailarinos o vaiaram e, segundo a versão dos bailarinos, estes aplaudiram a coreógrafa
convidada. O fato é que, dias depois, Johnny Franklin suspendeu cinco participantes do Corpo
de Baile por indisciplina.
121
Acusações
Com a passagem da questão dos camarins do teatro Municipal para o domínio público,
Johnny Franklin passou a ser acusado de “proteger seus afilhados”. Em 1970, teria acobertado
ausências sucessivas de uma de suas pupilas que, na época, prestava vestibular em Mogi das
Cruzes. Outra acusação diz respeito aos exames de seleção feitos todos os anos. Um dos
candidatos, amigo do coreógrafo, dias antes, teria tido conhecimento dos passos que a
banca examinadora iria exigir, para a renovação do contrato com a Prefeitura.
A posição do departamento de Cultura é, em princípio, de apoio a Johnny Franklin.
Noemi do Val Penteado, sua diretora, espera que os bailarinos provem suas acusações mais
graves e observa que, como servidores, os integrantes do Corpo de Baile estão sujeitos a
punições por conceder entrevistas à imprensa.
122
123
ANEXO I
124
125
ANEXO J
55
Veículo – Folha de São Paulo
Publicação – 09.12.1999
Autora – Ana Francisca Ponzio
Balé da Cidade ganha segundo elenco
Diretora artística se inspirou em experiência holandesa para montar a Cia. 2, com
bailarinos maduros
Com a estréia de “1,2,3.4” hoje, no Teatro Municipal, o Balé da Cidade de São Paulo
(BCSP) apresenta seu segundo elenco, a Cia. 2, com nove bailarinos escolhidos entre os
melhores e mais experientes do grupo.
A partir de agora, o BCSP passa a contar com o elenco 1, que reúne os 20 bailarinos
já atuantes, e a Cia. 2. Ivonice Satie, diretora artística do grupo, diz que formou o novo elenco
inspirada em iniciativa semelhante do coreógrafo Jiri Kylián na companhia holandesa que ele
dirigiu até agosto passado, o Nederlands Dans Theater.
Dividido em três elencos, o NDT integra as companhias juniores (n° 2), a principal (n°
1) e um grupo especial (o n° 3), que valoriza a maturidade de bailarinos com mais de 40 anos.
É no terceiro elenco formado por Kylián que Ivonice procura espelhar a Cia. 2.
“Teremos agora um repertório interpretado por bailarinos que estão no auge de suas
carreiras”, diz a diretora.
55
Neste Anexo constam críticas à Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo, de 1999 a julho de 2008, publicadas em jornais
paulistanos.
126
Segundo Ivonice, a Cia. 2 também permitirá ao BSP ocupar mais espaços. “Duplo elenco
proporciona maior flexibilidade. Poderemos ter temporadas simultâneas e levar nosso
trabalho a palcos menores. Nada impede, entretanto, que os dois elencos se reúnam em uma
produção”, diz.
Para criar o primeiro programa da Cia. 2, Ivonice convidou quatro coreógrafos brasileiros e o
alemão Olaf Schmidt.
Jorge Garcia, bailarino do grupo 1, assina as vinhetas que ligam as quatro coreografias de
“1,2,3.4”. Arrieta, ex-diretor do BCSP, criou “Spreading”, que abre o espetáculo. Rodovalho,
do grupo Quasar, é o autor de “Inacesso”, e o estreante Zolla apresenta “Prati”.
Schmidt traz a peça “Olhos Azuis”, que ele criou originalmente para o Teatro Nacional de
Mannheim, em 1992.
Concedendo valor especial a tais obras, os bailarinos Beth Risoléu, Suzana Mafra, Mônica
Mion, Lilia Shaw, Lumena Macedo, Laudnei Delgado, Armando Aurich, Maurício Martins e
Paulo Goulart Filho fazem da Cia. 2 um grupo de notáveis.
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 14.12.1999
Autora – Helena Katz
Balé da Cidade cria nova companhia
Formada por bailarinos veteranos, a Cia. 2 apresenta hoje programa de estréia
A iniciativa é mais que louvável. O Balé da Cidade de São Paulo acaba de criar a Cia. 2, que
funcionará independentemente da companhia-mãe, reunindo bailarinos veteranos. Hoje, às 21
horas, a companhia apresenta o seu programa de estréia, 1,2,3.4, no Teatro Municipal.
127
Ao criar a segunda companhia, o Balé da Cidade de São Paulo (BCSP) aponta para
coisas importantes. Ao mesmo tempo que abre mercado para bailarinos que corriam o risco de
dançar cada vez menos no BCSP, estimula coreógrafos a criar para um outro tipo de
intérprete e educa as platéias para um outro modo de fazer dança. Num mundo onde o corpo
jovem se tornou o parâmetro de saúde, felicidade e sucesso, essa contribuição tem até mesmo
um alcance social.
O modelo no qual o BCSP se inspira vem da Holanda, onde Jiri Kylián dirige, com
enorme sucesso, um projeto que reúne três núcleos: a companhia-eixo, o Nederlands Dans
Theather, o NDT II apenas para bailarinos jovens e o NDT III, dedicado aos profissionais
com mais de 40 anos.
Entusiasmada com o projeto, Ivonice Satie, diretora do BCSP, falou ao Estado sobre a
Cia. 2. “Desde 1993, na época da minha outra gestão como diretora da companhia, que tenho
essa idéia, mas naquela época as prioridades eram outras”, lembra Ivonice. “Por isso, desta
vez, sabendo que numa companhia oficial as coisas podem acontecer muito rápido, decidi
investir logo nela.”
A Cia. 2 tem nove bailarinos no elenco: Beth Risoléu, Mônica Mion, Lilia Shaw,
Lumena Macedo, Suzana Mafra, Laudinei Delgado, Armando Aurich, Maurício Martins e
Paulo Goulart Filho. Destes, apenas Beth Risoléu e Paulo Goulart Filho não dançavam no
BCSP.
“Logo percebi que esse projeto tinha um compromisso que ia além dos bailarinos da
casa, que deveria ser dirigido a toda a comunidade paulistana da dança”, explica Ivonice. O
que era um sonho para alguns bailarinos do BCSP, tornou-se realidade agora, quando a
companhia completa 31 anos. “Eu nasci profissionalmente nessa companhia, faço parte da
geração que agora se tornou veterana e o mais importante é reconhecer que essas pessoas não
abandonaram a dança”, afirma.
128
Ivonice diz que essa é a primeira geração que conseguiu manter-se atuando
primordialmente como bailarinos. “Evidentemente, existiram outras, como a que saiu do
Balé do 4º Centenário, por exemplo, mas não com as mesmas características”, diz. “Cada qual
foi tentar viver de dança, abrindo escolas ou criando grupos, mas os profissionais do BCSP
continuaram sendo bailarinos.”
Para realizar o programa da estréia, 1,2,3.4, foram convidados cinco coreógrafos. Luis
Arrieta, Olaf Schmidt (importado da Alemanha), Anselmo Zolla, Jorge Garcia e Henrique
Rodovalho. Segundo Ivonice, cada qual foi escolhido por uma razão especial. “Luis, além de
cria da companhia, é parte de sua história e representa, neste momento, todos os que ajudaram
a construir o BCSP. Rodovalho, pela ousadia como trata o movimento; Anselmo, que também
é diretor-assistente, para apresentar-se como criador; Olaf Schmidt, para preservar a
diversidade e deixar claro que achamos básico manter aberto um canal de circulação de
informações; e Jorge Garcia, como o bailarino representante do elenco que deseja testar-se
como coreógrafo.”
Arrieta criou Spreadin (Kutabambara), solo que pode ser dançado por Maurício Martins
ou por Lumena Macedo. Olaf Schmidt remontou uma obra criada em 1992 para o Manhein
National Theater, Óculos Azuis, para Mônica Mion e Laudnei Delgado ou Beth Risoléu e
Armando Aurich (ou Paulo Goulart Filho). Anselmo Zolla montou Prati para Suzana Mafra,
Beth Risoléu, e Lilia Shaw ou para Lumena Macedo, Mônica Mion e Lilia Shaw ou para
Laudnei Delgado, Armando Aurich e Maurício Martins (ou Paulo Goulart Filho).
Rodovalho escolheu Mônica Mion, Beth Risoléu, Maurício Martins e Armando Aurich
ou Lilia Shaw, Lumena Macedo, Paulo Goulart Filho e Armando Aurich para dançarem
Inacesso; e Jorge Garcia criou todas as vinhetas que unem as quatro criações – e que no título
do programa estão representadas no ponto entre o 1, 2, 3 e o 4.
[...]
129
Iniciativa é exemplo de maturidade do mercado
Criação do grupo é um fato cultural da maior relevância numa área restrita a corpos
jovens
Num projeto como o que instaurou a Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo, o que
conta, a princípio, é mesmo sua criação. Isso fala mais alto que qualquer outra consideração a
respeito do seu programa de estréia. Trata-se de um fato cultural da maior relevância, que
inaugura uma época em que público e coreógrafo praticarão o saudável exercício de
reconhecimento da especificidade do artista maduro.
Tributária de um constante aumento de exigência técnica, a dança tem se transformado
cada vez mais numa oportunidade restrita aos corpos jovens. O nascimento de uma
companhia dedicada a quem cumpriu essas exigências deve ser saudado como sinal de
maturidade também do mercado.
Poder continuar acompanhando as carreiras de bailarinas como Beth Risoléu, Mônica
Mion, Lilia Shaw, Lumena Macedo e Suzana Mafra significa a oportunidade de refinar a
sensibilidade e o olho com a dança que cada uma delas foi moldando. O mesmo vale para
Armando Aurich, Laudnei Delgado e Maurício Martins. O caso de Paulo Goulart Filho é
diferente, pois se trata de um intérprete mais jovem. No entanto, a sua formação, distinta das
dos atuais parceiros de elenco, também pedia um espaço especial: trará uma contribuição
enriquecedora para a Cia. 2.
Artista maduro pede mais da platéia, tal qual quando se conversa com gente mais velha.
A certa altura da vida torna-se possível economizar palavras e passos porque o que se faz ou
se diz já condensa muita coisa. Torna-se viável até a tarefa mais difícil: fazer bem o simples e
torná-lo denso.
130
As coreografias de 1, 2, 3, 4 enfrentam ainda o obstáculo da primeira vez. Também para
os coreógrafos essa foi uma estréia. Evidentemente, não conseguiram explorar o novo métier
com a mesma familiaridade de suas outras composições. Trata-se de uma oportunidade para
verificar o peso que tem, no resultado final, o conhecimento prévio daquilo que particulariza
cada intérprete.
O que se pode arriscar, tendo em vista a inserção de duas obras de criadores sem ligação
profissional com o BCSP, é que a familiaridade conta mais do que na outra situação, a de
coreografar para um elenco sem a marca deste. Há uma identidade coletiva a ser preservada,
nos casos habituais e, dentro dela, o coreógrafo escolhe alguns poucos para realizar bem
aquilo que é seu.
No caso de uma companhia com esse perfil, a essa receita se agrega um traço
diferenciador: a mão de direção habitual entre coreógrafo-conjunto de intérpretes-intérpretes a
serem destacados dissolve-se e no seu lugar surge uma situação em que a idéia de conjunto se
submete à do desempenho individual. Ou seja, com instrumentos como a Cia. 2 ocorre uma
aproximação entre as companhias estáveis e o modo de existência dos grupo contemporâneos,
que se estruturam basicamente à parte de um tipo de colaboração autoral de cada participante.
Também por isso, a iniciativa deve ser saudada e colhida como um indício de conectividade
do Balé da Cidade de São Paulo com o agora.
131
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 21.04.2004
Autora – Helena Katz
Cia. 2 à procura da autonomia criativa
Apesar dos clichês de “Lei de Nada”, grupo merece dar continuidade a seus
experimentos
[...] a atenção de quem se preocupa com a cultura na cidade deve se voltar para a nova
produção da Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo (BCSP), Lei de Nada, de Gabriel
Castilho, que ficou em cartaz no Galpão do Sesc Pompéia até domingo.
Falar mal do espetáculo seria tão fácil quanto estrategicamente indevido. Em vez de
desfiar os problemas da montagem, excessivamente comprimida na moldura DV8 (cia. de
Gabriel Castilho, o coreógrafo convidado), mais vale salientar o que cada um dos oito
intérpretes conseguiu agregar à sua experiência cênica – cada qual com a sua peculiaridade.
Não se pode esquecer que profissionais a quem se nega autonomia criativa durante toda
a carreira, não podem conquistá-la de repente (situação do bailarino de qualquer companhia
da natureza do BCSP).
Como se sabe, a criação desse outro tipo de grupo, dedicado a intérpretes mais maduros,
surgiu na Holanda, nos anos 90, no Nederlands Dans Theatre, e a sua rápida proliferação
mundo afora somente atesta a sua necessidade. Contudo, como não modelo pronto, quem
se aventura na sua construção precisa enfrentar um percurso rodeado de percalços. Ora, se o
projeto de companhia de casa de ópera (ao qual o Balé da Cidade se filia) foi gestado ao
longo de quase 400 anos de história da dança, por que ter tanta pressa com o aprontamento
mercadológico desse outro tipo de empreendimento? Quem sabe a sua melhor resolução não
seja sequer a forma habitual de companhia, por exemplo?
132
Assim, mais vale refletir sobre a extrema importância de continuidade da Cia. 2 do
BCSP, para que tenhamos oportunidade de educar nosso olhar para esse novo coletivo de
dança (afinal, não se trata mais de um elenco). Na medida em que vai buscando caminhos, vai
simultaneamente nos ensinando a entendê-los. Por isso, a ela deve ser dada toda a estrutura
necessária para continuar o seu experimento. Sim, Lei de Nada está povoada por clichês.
Infelizmente, Gabriel Castilho não conseguiu passar a uma segunda fase, na qual os
frutos desse seu primeiro contato com o grupo pudessem levá-lo a abandonar a marca
registrada do DV8 e criar outra encenação. Mas o que conta, de fato, é a oportunidade de
aprendermos a lidar com um ser em formação.
[...] Mas, como se trata de dança e dança não vale pela nota da sua execução, o saldo da
semana fica mesmo com os problemas que a Cia. 2 enfrenta. Embora sejam problemas,
fermentam uma reflexão auspiciosa.
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 08.12.2005
Autora – Helena Katz
A pesquisa é guia do Solo em Questão
O excelente projeto Solo em Questão Prêmio APCA de melhor iniciativa em dança
representa mais uma das realizações de Ana Teixeira (diretora artística assistente) junto a Cia.
2 do Balé da Cidade de São Paulo que, como de hábito, contou com o apoio de Mônica Mion
(diretora artística).
Graças ao trabalho continuado das duas diretoras, que não desanimaram em face dos
muitos percalços que se apresentaram, a cidade de São Paulo pode se orgulhar agora de uma
133
Cia. 2 com um perfil adequado. Sem copiar nem adaptar nenhum modelo existente, chegaram
a uma proposta capacitada a se tornar um ovo de Colombo para outras companhias oficiais.
Além de inteiramente singular, a matriz a que chegou a Cia. 2 realiza um tipo de
parceria público-privado inovadora – e aí reside sua genialidade. Como se trata de uma
companhia municipal que passou a oferecer para seus bailarinos a oportunidade de um
caminho artístico próprio, não há formato pronto. Cada estréia passará a ser a de uma coleção
de escolhas de seu elenco. Em vez de trabalhar com um coreógrafo convidado para cada
produção, estimula associações em torno de projetos de pesquisa. E, assim, alarga a própria
concepção de companhia pública, pois possibilita um novo tipo de acordo com o mercado. É
dinheiro público a serviço do desenvolvimento de um pensamento em dança coisa rara
que aposta no que não se engessou. Talvez seja sinal de novos tempos, pois em Belo
Horizonte, sob direção de Cristina Machado, a recusa do formato tradicional de companhia
oficial também está sendo sucesso.
Quando um percurso encontra a melhor rota para o seu prosseguimento, geralmente
muito trabalho empreendido antes. No caso da Cia. 2, que desde 1999 tenta chegar a um
sistema operacional adequado às suas necessidades, não foi diferente. O sucesso de agora
demonstra que as estratégias anteriores não foram em vão.
Os processos empreendidos são altamente estimulantes, mesmo quando o resultado de
um ou outro o o é. Quem assistir a Cláudia Palma em Um Outro Corpo, por exemplo,
entenderá a preciosidade de seu convívio com Mariana Muniz. Dele surgiu uma bailarina
capaz de realizar personagens na materialidade de seu corpo o que é muito distinto de
instalar nele contornos rasos de dramaturgia. Tudo nela ganhou uma densidade precisa, seja o
olhar, o modo de dizer o texto ou a própria movimentação. Nasce uma grande intérprete onde
antes havia uma ótima bailarina. E, curiosamente, com uma evidente sintonia com o medo de
atuar que a criatividade sempre inspirada de Mariana Muniz vem inventando para si mesma.
134
Em uma busca de simplicidade, Raimundo Costa voltou pras Minas Gerais de sua
infância com a sábia ajuda de Dudude Herrmann em Cortejo. Mara Mesquita, com
coreografia de Sandro Borelli, explorou os tormentos da solidão e da angústia dos mergulhos
em si mesmo, mas a ausência de Roberto Alencar (presente no ensaio) comprometeu Ponto
Final da última cena. Excelente intérprete, conseguia selar, com a qualidade que o distingue,
um indispensável limite de incomunicabilidade para essa obra.
Lilia Shaw realizou uma transformação radical. Recusou o palco e partiu para uma
instalação coreográfica com direção-geral de Mara Soares. O 206 que nomeia a sua criação
nasceu de um mito indígena do Pólo Norte e refere-se ao número de ossos do nosso esqueleto.
Aquela Lilia que nos habituou com impecáveis atuações, fruto da sua técnica sólida de
bailarina, simplesmente desapareceu para dar lugar a uma artista cheia de aptidões novas.
Como resultado de uma dedicação total a um processo de exigências inteiramente outras,
construiu um novo corpo com o mesmo talento de antes. A sua entrega é de tal ordem que
tanto espanta quanto emociona quem vem acompanhando a sua belíssima carreira.
Hoje estréiam mais três solos no Sesc Ipiranga: o instigante resultado da dupla de
Osmar Zampieri com Ana Teixeira (O Homem de por Curiosidade), que discutem de
forma muito arguta a própria natureza do fazer dança; um novo Armando Aurich (o único que
trabalhou sozinho, pois convidou Ana Teixeira para assistente depois que seu processo
estava em curso), e que já chega com amplo domínio de seus novos modos de dizer em dança
(Um Campo em Preto e Branco); e o de Andréa Maia com Luiz Fernando Bongiovanni (Do
Lado de ). Será também a última oportunidade para desfrutar da beleza de 206, de Lilia
Shaw e Marta Soares.
135
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 15.12.2005
Autora – Helena Katz
Todos os 12 consagra a arte da Cia. 2
[...] A Cia. 2 finalizou seu ano apresentando, no CCSP, o seu mais recente acerto, o
projeto Todos os 12, com direção de Ana Teixeira e Sigrid Nora, que acaba de ganhar o
prêmio APCA. O número 12 do título se refere à soma dos seus 8 criadores-intérpretes mais
os 4 destacados artistas da dança paulistana que foram convidados a integrar o processo:
Déborah Furquim, Patrícia Werneck, Ricardo Iazzetta e Roberto Alencar. Além deles,
também Bergson Queiroz e Cecília Salles colaboraram como pesquisadores convidados.
Todos os 12 avança na construção de um necessário perfil próprio para a Cia. 2, distinto
do formato da Cia. 1. A nova montagem aprofunda as conquistas do trabalho anterior, quando
cada qual dançou um solo criado por algum artista de sua escolha (com exceção de Armand
Aurich, que preferiu coreografar-se). No retorno ao trabalho em grupo, deve ser saudada a
sábia opção de enriquecer o elenco com 4 artistas militantes da dança contemporânea, no
lugar do tradicional modelão do coreógrafo convidado.
A riqueza de experiências brotadas nesse convívio continuará a contaminar a Cia. 2 para
além do que se nota em Todos os 12: um entendimento de dança como sendo uma arte que
não se reduz ao virtuosismo em ordenar passos ou em executá-los de acordo com padrões; a
diversidade do material que pode ser transformado em dança; a compreensão do que seja uma
cena de dança. Falta ainda transitar com maior liberdade pela questão do tempo de cada cena,
das suas possibilidades de simultaneidade e/ou incompletude – mas isso só se conquista
depois de montar o que agora foi consolidado.
136
Vale observar também que, uma vez que toda contaminação se em mão dupla, em
cada um dos quatro convidados se percebe algo daí surgido. Déborah Furquim, por exemplo,
requalificou sua movimentação; Patrícia Werneck desenvolveu uma outra fluidez; Roberto
Alencar iniciou um realocamento para sua dramaturgia; e Ricardo Iazzetta, com muita
porosidade, meio que ancorou algumas das qualidades de movimento em circulação no grupo.
As transformações dos 8 criadores-intérpretes da Cia. 2 são igualmente notáveis, bem
como o fato de o produto resultante ter sido corajosamente apresentado sem aparatos
habituais do BCSP em termos de cenário, figurino (feito por todos) e luz (ótima solução de
Sigrid Nora).
Esse jeito auto-organizativo que a Cia. 2 está inventando, e que deve ser creditado às
bem-vindas inquietações de Ana Teixeira, amparadas por Mônica Mion, a diretora do BCSP,
e, no projeto que resultou em Todos os 12, realizadas em parceria com Sigrid Nora, inova
empreendimentos semelhantes em outras companhias. Precisamos celebrar todas as
importantes conquistas daí advindas, especialmente porque se trata de uma companhia oficial
que está praticando formas de relacionamento com a produção de dança da cidade presente
em seu nome. Depois de Todos os 12, precisamos aplaudir a Cia. 2 de pé.
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 21.03.2007
Autora – Helena Katz
Cia. 2 reina com competência e com maturidade
Na contramão das novidades descartáveis, as 6 coreografias mostradas no Municipal
têm a segurança como marca
137
Foi uma conquista e tanto. A Cia. 2 do Balé da Cidade de São Paulo apresentou-se no
Teatro Municipal, sua casa oficial, de um modo diferente, neste último fim de semana.
Ocupou o palco, mas eliminou a platéia. Fez instalar uma arquibancada na região do fosso da
orquestra e, assim, pôde criar a proximidade necessária para que as seis coreografias fossem
vistas de modo adequado. O arranjo implicou a redução de público para cerca de 110 lugares
e demarcou uma importante flexibilização no uso do Theatro Municipal de São Paulo que, de
agora em diante, poderá ter mais de seus espaços melhor usados. O apoio da direção da casa
(maestro Jamil Maluf) foi e será fundamental nessa importante fase que inaugurou.
Foram dois programas, cada qual repetido duas vezes e, talvez o seu maior mérito tenha
sido a evidenciação de um traço comum no entendimento de dança de quase todos os
intérpretes-criadores envolvidos. O compartilhamento de uma mesma compreensão se vincula
ao fato de que todos trabalharam por muito tempo na Cia. 1 do Balé da Cidade antes de serem
reunidos na Cia. 2. Isso significa que foram treinados, ano após ano, tal como sucede em
companhias semelhantes, a lidar com a dança como se ela fosse somente um tipo único de
produto chamado espetáculo. Das várias implicações contidas, a primeira delas pode ser
encontrada na ausência de foco nos processos de criação e de pesquisa e, a segunda, na
existência de um mesmo jeito de embrulhar a dança com música, iluminação e figurinos.
A diferença que se estabelece, quando o processo ganha relevância, é que com ele se
instaura uma vivência de dança enquanto construção investigativa e ela deixa de ser tratada
como a melhor repetição dos padrões trazidos pelo coreógrafo com o qual se trabalha. É
habitual que em companhias sem coreógrafos residentes, o profissional convidado monte a
sua obra em um tempo bem curto. Felizmente, no ano passado, a Cia. 1 experimentou, com
grande sucesso, um outro modo de funcionar, quando convidou Mário Nascimento por um
semestre inteiro (ele criou Onde está o Norte?) o que enriqueceu os seus atuais bailarinos
com um outro tipo de rotina.
138
Os seis trabalhos dançados pela Cia. 2 ainda guardam resquícios do tipo de ambiente
freqüentado por seus criadores. Em alguns, eles são muito mais fortes do que em outros.
Aguinaldo Bueno e Osmar Zampieri, por exemplo, indicam já estar em rota de fuga. O tipo de
narratividade que encontraram para Dois Corpos Que Caem (2006) já não segue o roteiro
habitual, geralmente apoiado em arranjos casuais (o anterior explica o posterior) e também a
gestualidade que empregam busca se organizar fora dos hábitos da fluência seqüencial. Frases
podem ser abandonadas ou mostradas mais de uma vez e seus corpos já não se impostam
como o de bailarinos de companhia. São conquistas relevantes, que devem levá-los a questões
cada vez mais interessantes.
Armando Aurich e Cláudia Palma ficam ainda no quase com o seu Um Jardim e Além
dele (2006). Aqui e ali, frágeis traços que poderiam levá-los a abandonar o excesso de
frontalidade e de estetização do espaço que ainda permeia o que criaram. Dois momentos a
serem destacados: quando Cláudia Palma testa subir nas pilhas que vai montando, e, mais ao
final, quando os empilhamentos começam a destruir o centro hierárquico da cena. Em vez da
dispersão por tantos acontecimentos, a escolha por um foco provavelmente os levaria para
mais perto do patamar que já merecem ocupar.
É a mesma Cláudia Palma que mostra o primeiro fruto de sua parceria com Mariana
Muniz, Um Outro Corpo (2004). Foi nele que começou a consolidar uma caligrafia de
linhagem expressionista, na qual reina com toda a competência da intérprete segura e madura
que é hoje.
Óptica, de Andréa Maia (2006), e Freud, o Homem, de Raymundo Costa, mantêm-se
dentro dos padrões da dança nascida a partir de um tema, que lhe é exterior, vem de fora, não
surge de um percurso de pesquisa. Embora essa seja mais uma característica que pesponta, em
proporções diversas, as seis obras, nestas duas fica muito dominante por não criar sequer os
rascunhos de um futuro corpo específico para cada um dos assuntos tratados. Freud, o
139
Homem estreou em março de 1995, dentro de FreudAnna A Casa do Meu Pai, uma parceria
de Raymundo Costa com Gilda Murray, mostrada no Cena, espaço que ela havia fundado e
então dirigia. E carrega, 12 anos depois, uma receita de tratar personagem que também não
vem do particular de cada dança ou de cada tema. Uma mesma bula de instruções presente em
Óptica.
A substituição de Roberto Alencar por Lilia Shaw, ao lado de Mara Mesquita,
comprometeu a força dramática de Ponto Final da Última Cena (2004). Lilia Shaw, intérprete
das mais competentes de toda a história do Balé da Cidade, vem de um percurso em dança
onde não exercitou o tipo de presença teatral aqui necessário, e que exige que seu corpo se
esvazie a ponto de tornar-se somente um olhar que não mas diz tudo para quem o captura.
Ao mesmo tempo, a continuidade das apresentações da coreografia parece ter tornado Mara
muito confortável no que nos mostra. E assim, a dor, que era muito mais aguda, se
empalidece demasiado agora.
Não são as questões específicas de cada uma das peças que mais importam, nesse atual
momento da Cia. 2, mas sim o fato de ela levar adiante o seu trabalho, que inclui a
continuidade de apresentação dessas obras e coloca esse grupo na contramão do espírito
consumista de novidades descartáveis que hoje pauta e vitima a maior parte da produção
contemporânea de dança entre nós.
140
Veículo – Folha de São Paulo
Publicação – 29.11.2007
Autora – Inês Bogéa
Cia. 2 reinventa relação com seu público
"Meta-Sensoriais" decanta pesquisas do grupo, aguça percepções e promove
experimentações sem perder a densidade
"Meta-Sensoriais”, com a Cia. 2 do Balé da Cidade e direção de Mariana Muniz, que
se apresentou na cúpula do Municipal
O espetáculo "Meta-Sensoriais", dirigido por Mariana Muniz com a Cia. 2 do Balé da
Cidade de São Paulo, procura uma relação de proximidade com o público: ou melhor, procura
ampliar as intensidades da percepção, para inventar nova proximidade.
Para se chegar à cúpula do Teatro Municipal (onde "Meta-Sensoriais" esteve em cartaz
até ontem), é preciso pegar o elevador até um hall, onde estão as primeiras pistas do
espetáculo: vídeos projetados nas paredes e teto permitiam vislumbres dos bailarinos na
preparação do espetáculo. Um deles dirige a platéia, à espera, uma “escuta sensível [...] um
observador ativo”.
Em seguida, sobe-se por uma escada até a torre. Na penumbra se podem ver os espaços
divididos em semicírculos e um círculo central onde vão se dar as cenas. Na primeira, Lilia
Shaw escorrega sobre uma superfície sugerindo montes, amparada e levada por Aguinaldo
Bueno ou pelo toque do público, estimulado por uma voz gravada: “Por favor, me toque,
necessito ser tocado”. Timidamente espectadores se aproximam e tocam a bailarina, que
responde com movimentos.
Na segunda cena, Bueno enche de ar um plástico em forma de camisa. Ao lado, uma
montanha de plásticos amontoados começa a se espalhar, pelos movimentos de Raymundo
141
Costa, iluminado suavemente por focos ao redor e pela luz manipulada por Bueno. O que se
são contornos, formas em movimento, que recusam o foco direto e nos transportam para
outra percepção.
Aos poucos, Costa se levanta e dança com gestos pontuados e espacializados. O mundo
se oferece num tempo largo que culmina no encontro do dançarino com o público.
Luz e sombra
Na seqüência, Andréa Maia e Mara Mesquita dançam envolvidas por fios de luzinhas de
Natal, dispostas no chão. Uma dança sensual e ao mesmo tempo resistente ao encontro. No
início, cada uma está em sua ilha de luz, ou então na sombra. Elas fazem uma dança entre a
instabilidade e a precisão dos gestos. O duo final espreita as possibilidades de apoio, em uma
relação de sustentação violenta.
Cláudia Palma, depois, aparece parada em frente a uma grande projeção, e observa
Bueno brincando com o toque do celular. Ele se aproxima e, de forma violenta, ataca-a,
primeiro com o som do celular, depois com fotografias de partes de seu corpo e em seguida
com o seu corpo sobre o dela. O painel de imagens vai se modificando com o aparecimento
dessas partes fotografadas em grande escala, ou com o movimento do micro para o macro.
Cada gesto reforça o movimento do outro, num duo que deixa sempre o espectador à espreita
do próximo acontecimento.
Na quinta cena, Armando Aurich e Bueno fazem um duo que começa na cerimônia de
lava-pés e termina com a delicadeza de um banho na cabeça. Os espaços são habitados pelos
dois entrelaçados, articulando seus corpos num caminho repleto de possibilidades.
Tudo isso compõe um percurso decantado das pesquisas da Cia. 2, aguçando as
percepções e atualizando esta linguagem de uma dança em que a experimentação pode vir à
tona, sem perder a densidade.
142
a última cena, uma dança sobre folhas secas, com a participação de todos os
intérpretes, parece constrangida, entre uma dramaturgia convencional e a busca de um
extravasamento inédito das emoções. Sobra o epílogo: Lilia Shaw vem de encontro aos outros
e é suspensa por eles. Aquela forma sobre a qual ela se deitava no início do espetáculo agora é
formada pelos outros corpos. Tudo se ilumina por dentro, até sua saída agachada sobre o
ombro de Costa.
Veículo – O Estado de São Paulo, Caderno 2
Publicação – 14.12.2007
Autora – Helena Katz
Cia. 2 descobre o próprio caminho
Com Meta-Sensorial, grupo do Balé da Cidade desloca-se do modelo importado que lhe
deu formato
Depois de experimentar alguns modos de produzir seus trabalhos, a Cia. 2 do Balé da
Cidade de São Paulo parece ter encontrado o que procurava em Meta-Sensoriais, a sua mais
recente criação, que contou com a direção cênica de Mariana Muniz. Mas, antes de ser
celebrado, somente como uma conquista, vale refletir sobre o contexto em que isso se dá para
evitar possíveis distorções.
Como se sabe, a Cia. 2 nasceu em 1999, com o papel de abrigar os bailarinos seniores do
elenco do Balé da Cidade de São Paulo. O fato do critério usado para a sua fundação ter sido
a idade e não um projeto artístico, contaminou tudo o que daí se seguiu. Não sem razão, os
bailarinos que foram compulsoriamente transferidos para a Cia. 2 levaram com eles a
formação e a vivência profissional na Cia. 1. Ou seja, a Cia. 2 nascia como uma continuidade
143
da 1 e esta já ecoava a questão central que permeia as companhias oficiais de dança do país: a
falta de um projeto de tradução do modelo importado que lhes deu e continua a lhes dar
existência.
Para entender a importância de uma tradução adequada, vale ler os escritos do sociólogo
português Boaventura de Souza Santos. Se as cias. oficiais brasileiras surgiram da
transferência de um modelo estrangeiro (Ópera de Paris), não é de se estranhar que o mesmo
modo de existir tenha escorrido para as suas Cias. 2 (desta vez, tendo como referência uma
companhia holandesa, o Nederlands Dans Theater da gestão de Jiri Kylián).
Em um cenário assim, fica mais claro por que a Cia. 2 teve sempre uma enorme
dificuldade em consolidar um perfil próprio, e também porque Meta-Sensoriais lhe cai tão
bem. A opção por um diretor para o espetáculo vai na direção de uma estrutura oficial de
companhia e, nesse sentido, a escolha de Mariana Muniz foi muito feliz. Há um entendimento
comum a respeito do que seja dança entre Mariana e os intérpretes-criadores da Cia. 2 que
favorece o relacionamento entre eles. É justamente dessa sintonia que surge o visível bem-
estar do elenco em cena.
Aguinaldo Bueno, Andréa Maia, Armando Aurich, Cláudia Palma, Mara Mesquita e
Raymundo Costa optaram por organizar-se em cenas de solo (Raymundo Costa) e duos
(combinações entre os cinco outros) e reunirem-se em um grand finale, que reúne todos,
exceto Lilia Shaw.
A participação de Lilia se destaca, como que não fazendo parte do mesmo espetáculo.
Ela oferece um corpo que precisa do corpo do outro para se mexer, como se o movimento
dependesse de uma ignição de fora para acontecer. Em Meta-Sensoriais, seu corpo-fantoche,
jogado, inerte, se anima com o toque do outro. Mas será somente seu corpo que obedece ao
que fazem com ele? E nós, que atendemos à voz que nos diz para mexermos no corpo dela?
Também nós não passamos a agir a partir de um comando que vem de fora?
144
Esse seu corpo em cena conversa com o DVD de Osmar Zampieri, exibido no foyer da
cúpula do Teatro Municipal de São Paulo. Nele, Lilia caminha muito lentamente pelo Viaduto
do Chá, tão lentamente que acaba por confundir a nossa percepção. Parece um corpo-autista,
que ignora o entorno, gritando um isolamento que, ao contrário de se fechar em si mesmo,
curiosamente, reconfigura a paisagem.
Essas ambivalências estão ausentes dos outros quadros, já a partir do modo como
Cláudio Gimenez os dispôs. um mesmo padrão espacial, com acentos contornando os
espaços onde as danças irão acontecer, com a luz indicando o início e o fim de cada
apresentação, e sinalizando para onde se deve ir em seguida. A previsibilidade se instaura.
Os seis bailarinos que compõem as diferentes cenas parecem revigorados pela dança
que fazem, como se, finalmente, tivessem encontrado a “sua” dança. Depois de várias
tentativas, fundamentais e indispensáveis para que ficasse clara uma dificuldade histórica e
estrutural, quem sabe seja esse o formato que melhor responde a esses intérpretes. Não à toa,
Mariana Muniz pode, com a competência que assina as suas misturas de dança com teatro,
burilá-lo com talento.
145
ANEXO K
56
Cecília Salles
Apresento algumas reflexões iniciais que, de algum modo, estabelecem relações com as
perguntas, sem respondê-las de modo sistematizado.
São os primeiros resultados das observações que fiz a partir do acompanhamento do
processo da Cia. 2, que foi a mim proposto.
Apresentei essas primeiras conclusões no dia 20 de outubro (Espaço Aberto).
O próprio título do projeto, no qual estou inserida, “Um Diálogo Possível?” e a proposta
implícita no conceito de “Espaço Aberto” apontam para um grupo que se coloca à disposição
de diálogos, de contaminações, de interações. Ao longo do percurso, passei a compreender o
objetivo de tal disponibilidade: criar novas possibilidades.
Assisti a uma permanente experimentação, que se dá na rede de relações que passavam a
ser estabelecidas. Experimentação essa marcada pela inesgotável exploração de
possibilidades: conviver com muitas e muitas opções, sem fazer escolhas. Para isso houve
uma instigação, um incentivo de ampliação de relações.
O que está em jogo é o questionamento de modelos de atuação ou rompimento de
matrizes codificadas. É importante ressaltar que isso faz parte de uma discussão estética, que
passa pela ética de uma companhia oficial de dança, que se coloca disponível para ouvir e se
alimentar do outro. Não claras expectativas de um novo espetáculo, mas de vivenciar um
processo de criação com intensidade, trilhando caminhos novos para o grupo. O propósito é o
próprio processo. Ensaio e espetáculo se confundem.
56
Este anexo compreende os depoimentos de alguns dos participantes do projeto Um Diálogo Possível?: Cecília Salles e
Bérgson Queiroz (pesquisadores convidados); Mônica Mion (diretora do BCSP); Lilia Shaw e Cláudia Palma (bailarinas da
Cia. 2 do BCSP); Déborah Furquim (artista convidada da cena independente da dança paulista).
146
um pedido implícito no projeto: sair do conhecido. O que o outro me oferece de
possibilidades? O que o outro me propõe?
Quais os índices desse pedido?
Os 4 visitantes + 8 que hoje são os 12 + Ana e Sigrid
As nossas presenças Bérgson e eu + a participação das 2 estudantes estagiárias do
Curso Dança e Movimento da Universidade Anhembi Morumbi
Saída para rua
Filmes assistidos
Massagem
Conversa com Paula sobre psicologia
Estímulos externos – geradores
Os limites ou restrições parecem ser vivenciados na dificuldade de serem enfrentados,
mas são permanentemente transformados em desafios. Assim aparecem momentos em que a
criação é experienciada. Um percurso de criação de possibilidades internas a partir de
estímulos externos e internos geradores que dialogam com a tradição, que os corpos
conheciam.
Ao observar esses acontecimentos, mandei essa imagem com algumas observações que
facilitam sua leitura:
Tomemos a imagem de proteínas interagindo no fermento que talvez nos auxilie a
visualizar essa ação de um elemento sobre o outro. É interessante observar a conseqüência
dessa interação sob a forma de ramificação de novas possibilidades – uma ação geradora.
147
Mapa de proteínas interagindo no fermento. Barabási
(Scientific American) (Martins, Luiz G. F., 2004).
O pensamento em criação manifesta-se, em muitos momentos, por meios bastante
semelhantes a esse que aqui vemos. Uma conversa com um amigo, uma leitura, um objeto
encontrado ou até mesmo um novo olhar para a obra em construção pode gerar essa mesma
reação: várias novas possibilidades que podem ser levadas adiante ou não. As interações são
muitas vezes responsáveis por essa proliferação de novos caminhos: provocam uma espécie
de pausa no fluxo da continuidade, um olhar retroativo e avaliações que geram uma rede de
possibilidades de desenvolvimento da obra. Essas possibilidades levam a seleções e ao
conseqüente estabelecimento de critérios.
Como isso acontece?
Por meio de propostas de tarefas
Através de jogos, em que até as próprias regras podem ser criadas.
Por meio de exercícios de repetição, que não se configuram como meio para se chegar
a uma ilusória perfeição, ou como modo de evitar “erro” futuro e conseqüentemente
garantir “acertos”. Mas para criar novas alternativas
148
Um exemplo específico: a cena do contato.
Expressão usada por todos: acolha o que o outro propõe; proponha novos modos de
exploração para o outro.
Vejo aqui uma tradução desse conceito de antropofagia que se configuraria como uma
forma de se apropriar do outro e do que ele oferece. Não me interesso pelo que não é meu;
não me contento com aquilo que é meu; aquilo de que me aproprio é, por mim, transformado
de acordo com minhas buscas, que se cruzam com as propostas do grupo.
Esse diálogo é de mão dupla, desse modo também criou em mim outras possibilidades
Um exemplo: compreendi como o corpo oferece resistência, conhece seus limites e, por outro
lado, quando aberto para a sua exploração livre, cria novas possibilidades.
Mônica Mion
A observação é uma forma de devoração. No caso do processo pelo qual estamos
passando, ampliamos nosso vocabulário corporal, nutridos dessa convivência /
aceitação / rejeição diária entre seres únicos que somos.
Estamos abrindo não o espaço, mas nossas mentes a outras áreas do pensamento, o
que nos leva a encontros inesperados com um público diversificado.
Trata-se de propostas que nos levam a repensar e a questionar nossa função dentro da
estrutura engessada que nos mantém e a não nos deixarmos engessar por ela. Este
“diálogo possível” pode se multiplicar e irradiar infinitamente. Aparentemente
vivemos e trabalhamos num ambiente pouco propício à arte, mas é ele que nos os
elementos criativos para que o círculo de irradiação se amplie cada vez mais.
149
Depoimentos dos participantes sobre Todos os 12
Lilia Shaw (2006)
1/12 Avos
Avos – Termo que se emprega na leitura das frações ordinárias quando o número
cardinal que figura no denominador é superior a 10, e não potência de 10.
Número cardinal – Número que designa uma quantidade absoluta.
Absoluto – Que não reconhece superioridade.
Este trabalho proporcionou-me um diálogo muito denso, particular; um diálogo em que
as perguntas afloravam, multiplicavam-se e as respostas demoravam a surgir. Um diálogo
com meu corpo, com meus gestos, com meus hábitos adquiridos por freqüente repetição
durante anos. A grande questão é que incorporei esses hábitos antes mesmo de aprender a
pensar sobre eles. Então, era necessária uma auto-observação exaustiva, contínua e minuciosa
para que essa cadeia fosse rompida. Um dia apenas, e a pergunta “para quê?desponta. A
resposta: não “para quês”, e sim uma simplicidade que preenche o vazio deixado por esses
hábitos. Uma simplicidade que é difícil ser reconhecida em todo o seu valor e que sempre
esteve distante do bailarino. Sentar, estar em pé, correr, deitar, levantar, andar, num palco sem
coxias, este “espaço-lugar” que nos esconde, nos distância da platéia.
A busca era me beneficiar através do fortalecimento de um foco interno, isto é, uma
concentração total em cada momento. Cada um de nós tem uma luz interna que não precisa
ser refletida, mas que deve ser despertada, estar ativa e alerta. É preciso sair do torpor.
Em Todos os 12, cada um de nós era uma fração do todo, e o trabalho, de posse coletiva,
ou melhor, de pensamento responsável coletivo. Tínhamos que produzir momentos tácitos no
palco, criando uma atividade interna tão verdadeira, que nos movia, senão no tempo, no
150
espaço. Isso se refere à responsabilidade que se dilatou neste trabalho, uma vez que
interferíamos tanto nas cenas que nos precediam como nas que nos sucediam. Um trabalho
em que o erro coexiste com o fazer, e num sentido estrito, é experimentado o que foi
vivido e se tornou consciente.
Uma proposta desassossegada. Questões.... Uma vez que descobrimos o porquê de estar
no palco, o trabalho será diferente, pois o conceito vem de dentro para fora.
“O cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao mesmo tempo
o movimento da consciência.” ( Albert Camus, O mito de Sísifo)
TODOS OS 12 requer presenças cardinais de seres absolutos.
Déborah Furquim (2006)
O projeto “Um Diálogo Possível?” de Ana Teixeira, que resultou na apresentação de
Todos os 12, com direção dela e de Sigrid Nora, com o Balé da Cidade de São Paulo, no ano
de 2005, compreendia a vivência de um processo investigativo com os oito componentes da
Cia. 2 e mais quatro convidados, entre os quais eu estava incluída, como criadora-intérprete
independente, não vinculada à instituição. Este texto que coloco aqui em forma de
observações pessoais – é fruto de algumas vivências e questões geradas durante o processo.
Jogo, acaso ou obediência?
Durante os quatro meses de trabalho, tínhamos visitantes que contribuíam de maneiras
diversas para o processo, entre eles duas estudantes de dança da Faculdade Anhembi
Morumbi. Em uma de nossas tarefas, foi atribuído a uma delas que nos fizesse perguntas
sobre o que havíamos vivenciado nas ruas (tarefa que tínhamos acabado de realizar).
151
Em um determinado momento a estudante perguntou a um dos 12 por que ele ou ela
obedecia (não me lembro para quem foi dirigida a pergunta). A questão era, por que obedeço?
Responder a tal pergunta pode gerar discussões bastante amplas se pensarmos em nossa
formação desde crianças. O questionamento sobre aprender a obedecer aos pais e a Deus, aos
professores da escola e do balé, ou a nós mesmos, com nossos hábitos e padrões adquiridos,
abre possibilidades para um texto à parte. Porém tal assunto me fez observar esta última
questão: quanto e quando sou obediente às minhas próprias regras e em que momentos meu
corpo consegue fugir em pequenos escapes dos seus padrões e vícios. Será que estou
realmente no jogo proposto e aceito o acaso proporcionado por ele? Ou será que fujo deste
acaso e acabo conduzindo as respostas do meu corpo? Quando o foco é o movimento e
quando ele vem como conseqüência de um estado vivenciado ou como resultado de ações
geradas no jogo?
Não tenho respostas exatas para essas questões, mas posso dizer que vivenciei alguns
segundos de liberdade, momentos esses que parecem mágicos, em que a escuta e a
observação do todo tomam proporções gigantescas, proporcionando ao corpo uma
manifestação livre.
Para um corpo acostumado ao desenho do movimento, ao movimento exato e
continuado, estabelecendo frases coreográficas, não é tarefa fácil absorver novos
procedimentos de construção, construção essa que nunca se estabelece ou cristaliza. Seria
bom se tivéssemos uma chave para acionar uma nova conduta no corpo, mas não temos. Ele
se acostuma a padrões. Isso é inevitável. Porém o problema é lidar com a vontade e a
necessidade de quebra desses padrões, pois um momento em que parece ser insuportável
entrar em uma sala e começar a elaborar coreografias e movimentos que você domina (não
me refiro a códigos pré-estabelecidos dentro de uma técnica ou outra de dança), e
principalmente se torna insuportável continuar com os mesmos procedimentos de elaboração
152
mental e física para a construção de um trabalho. A necessidade e a vontade não bastam para
a concreção de uma nova conduta.
Acredito que o fato de ser “um independente” e alguns anos não obedecer ao
comando de um coreógrafo não torna meu corpo mais livre e mais despojado do que o de um
bailarino que ainda trabalha com a repetição de movimentos que lhe são transmitidos, apesar
de não ter vivenciado isso no processo, pois todos os envolvidos atuam como criadores-
intérpretes.
Definir se é bom ou ruim obedecer não compete a mim, e acho que a ninguém. O fato é
saber o que, por que e em que contexto eu obedeço ou não. Até que ponto consigo
desobedecer e obedecer a mim e ao outro? Será que obedeço porque acredito no conceito
proposto e trabalho em prol dele ou porque me foi dada uma tarefa para fazer?
Essas observações levam a questionamentos fora do âmbito de atuação profissional,
ecoam em qualquer campo de conduta, seja político, social ou familiar.
Um momento delicado
Uma nova prática é vivenciada, porém o corpo estabelece um trânsito entre seu lugar de
costume e uma nova possibilidade, um novo lugar. E que lugar é esse que está no meio? Essa
ponte é extremamente delicada, pois é frágil, causa insegurança e sensação de tudo ter ido por
água abaixo.
Por um lado existe a tentativa do desapego de algo já conquistado, porém não se
consegue chegar ao outro, pois o outro lado não se chega ou se estabelece, ele está ou não, por
um momento existe, logo depois pode não mais existir, ele depende de sua vigília
constante para permanecer. Esse momento de trânsito gera uma fragilidade na comunicação
do corpo. E acredito que assim vivenciei o processo na maior parte do tempo, exceto nos
segundos citados acima.
153
Um momento antropofágico
O texto Manifesto Antropófago que Sigrid nos trouxe me caiu muito bem,
principalmente a frase “Só me interesso por aquilo que não é meu.” O momento por que
estava passando, antes mesmo de iniciar o processo, era de desnutrição total. Sentia-me vazia
e sem muito interesse por aquilo que produzia. Esse fato me preocupava quando fui
convidada a participar do projeto, pois estava em um momento como nunca havia vivenciado
e sem saber como poderia estabelecer trocas e me adaptar a um grupo carregando essa
sensação de vácuo.
De início tinha vontade de absorver tudo e todos, mas sem saber como e o que fazer
com isso. Aos poucos as trocas começaram a acontecer, com algumas pessoas de maneira
mais direta e com outras apenas pela observação e a presença no mesmo espaço.
Talvez o fato de estar “vazio” seja uma boa situação para esse tipo de processo, melhor
do que o contrário, mas o fato de esbarrar em tantas limitações me fez questionar se estava
realmente vazia ou simplesmente vomitando aquilo que não cabia e nem queria mais. Neste
caso, estaria iniciando um momento de esvaziamento, e não o contrário.
Limitação e responsabilidade
Após o primeiro mês, problemas pessoais e crises começam a se dispersar, um foco
começa a se firmar dando maior coesão ao grupo e pessoas envolvidas. A esse foco chamo de
responsabilidade, palavra tão usada pela Ana durante todo o processo.
Sentir-me adequada ou não para a proposta não é mais importante, o que importa
agora é o todo e você como parte dele. Acredito que a responsabilidade impulsiona você a
encontrar “as saídas” e a lidar com suas limitações, mesmo que não encontre soluções tão
satisfatórias, mas pelo menos existe a tentativa e com isso a manutenção da busca constante.
154
Dança e filosofia
Um primo meu, administrador de empresas, que nunca teve em sua agenda
compromissos relacionados com a dança, ao ver a apresentação pública de Todos os 12,
comentou: “Mas isso que vocês fizeram não é dança, é filosofia!”
Se para alguém não acostumado ao universo da dança, e principalmente da dança
contemporânea, essa observação parece ser tão clara, acho que a dança toma um excelente
caminho, um lugar onde deveria ter estado sempre.
Sinto-me gratificada por ter participado de Todos os 12, embora tenha vivido momentos
de grande dificuldade. O processo por outro lado me propiciou desenvolver vivências físicas,
de elaboração de pensamento e compreensão generalista, podendo ampliar essas vivências e
condutas em qualquer setor, inclusive na dança.
Agradeço pela maneira que fui acolhida por todos e principalmente pelo respeito que
senti por parte da direção, com relação a minha trajetória e possibilidades.
Cláudia Palma (2006)
Para poder entender melhor o processo de Todos os 12, por pura curiosidade, procurei
traçar um paralelo entre ele e a numerologia, que, por coincidência, me mostrou um resultado
surpreendente.
O significado do 1 é masculino e positivo. Se a unidade simboliza Deus, ela representa
o eu, a personalidade definida do ser, a vontade de existir e criar, sua autoridade, sua ambição,
sua inteligência, sua energia.
O significado do 2 é feminino e negativo. Representa o casamento, a submissão, a
obediência, a incapacidade de independência, a incerteza, a mudança ... o amor.
O número 3 representa a expressão do homem, sua criação, o fruto. O casamento do 2
155
com o 1. Ele é a expansão, a criação, a criatividade sob todas as formas às relações humanas.
Por fim, o 12 representa a compensação do homem. Nascido do 1, positivo, e do 2,
negativo, ele convida o homem a expressar-se. O homem procura uma renovação da sua
expressão e enfrenta a escolha entre 1 e 2 para dar nascimento ao 3 do espírito de Deus.
Através dessa escolha, ele compreenderá que é uma parte de Deus e ficará livre dos interesses
egoístas que trazia em si, o desapego. Deixará de ter avidez e de ter desejos para si mesmo. O
12 encontra-se nos 12 apóstolos, nas 12 tribos de Israel, criada pelos 12 filhos de Jacob, nos
12 trabalhos de Hércules, ou nas 12 portas que os egípcios deviam atravessar para chegar ao
fim da viagem ao outro lado, e que correspondem às 12 etapas da iniciação. Vemos o 12 nos
12 meses do ano, nos 12 signos do zodíaco, nas 12 horas do dia, da noite etc.
A soma de 1 + 2 = 3 1 + 2 = 12.
Nasce Todos os 12. Um processo. Trabalho de exercício intenso, difícil, complexo,
com questões amplas, significativas, com abordagens oportunas ao nosso cotidiano. Um jogo.
Um trabalho que propôs o exercício do tempo do agora, o movimento da consciência, um
momento de despertar, desafiar-se e principalmente da ação da atitude. Do ser e estar.
Questões como: Qual a nossa responsabilidade? O quanto me apoio no outro? Somos
pombos? O que de fato é meu, me pertence? O que é instável? O quanto estou presente neste
momento? Que corpo o meu corpo dança?
Surge o real, o simples. Surge o substrato do substrato. Surge o sutil ao necessário, o
essencial à essência, o puro, o movimento.
Bérgson Queiroz (2008)
Eu percebia naquele momento que alguns dos participante estavam tão identificados
com um certo tipo de “estrutura”, e essa “estrutura” se confundia com a história de cada um
156
com o Balé da Cidade (Companhia 1 antes da existência da Cia. 2) e eventualmente com a
história pessoal em companhias anteriores, e ainda com o sonho de uma companhia que
poderia existir em “sonhos”, que os colocava em dificuldade de se colocarem em uma
situação abertamente experimental. Essa situação experimental tinha algumas especificidades
como, por exemplo, uma(s) pessoa(s) no papel de rainha, porém com regras mutantes, num
campo de jogo onde as idéias de cada um, as concepções coreográficas de cada um, acabavam
entrando como ouriços vivos, forçados a se desenroscarem e se arrastarem, ou flamingos
perplexos e imanobráveis, como no romance/conto de Lewis Carrol. Diante disso eu não
assumia uma posição de crítica/oposição, mas de real simpatia, onde eu tentava, e creio que as
vezes conseguia, perceber o “estado individual” dessas dificuldades, para mim palpáveis e
“bem razoáveis”. Porém o que eu procurava colocar para Todos os 12 era que,
independentemente da minha simpatia ou não por certos tipos de “estruturas” e de situações
individuais, pelo menos para eles o grande Pan coreográfico” havia morrido, e que naquele
momento eu os via como impossibilitados de se identificarem com um novo “grande Pan
coreográfico renascido”.
Junto com Wallace Stevens eu dizia que aquela era uma ocasião em que, apesar do
ossudo de antigas coreografias aparecerem, o único imperador era o imperador do sorvete. E
também que havia “Thirteen ways of looking at a blackbird” e que, continuando a pedir
palavras emprestadas a Wallace Stevens, os meus caros amigos e belos bailarinos, refiro-me
aos cinco mais antigos da companhia, estavam, como os homens magros de Haddam, presos a
um sonho de aves douradas, enquanto o rio estava correndo e o melro devia estar voando.
O que eu sinto hoje é que ficou algo inconcluso nas várias maneiras de olhar a dança e
que eles me devem algo. Mas acredito que foi uma experiência formidável.
157
ANEXO L
Entrevista com o elenco do G2 Cia. de Dança Balé Teatro Guaíra
1 – Como surgiu a proposta de criar o G2? E como reverberou em vocês essa iniciativa
num primeiro instante?
Por uma iniciativa da Direção do Teatro Guaíra, entendendo que seria importante para a
continuidade dos bailarinos mais antigos da casa, em 1999 criou-se o G2 Cia. de Dança.
Os bailarinos que passaram por este momento não tinham o conhecimento do que seria
uma Cia. 2 dentro de um instituição. Isso causou incômodo e insegurança diante do
desconhecido.
2 – O que pontua atualmente o conceito de existência do G2?
Atualmente entendemos que o lugar de uma Cia. 2 é antes de qualquer coisa o respeito
pela particularidade de cada corpo.
3 – Como se a tarefa artística no que diz respeito ao planejamento da companhia?
Quais são os critérios por vocês utilizados ao propor um projeto?
Os projetos do G2 Cia. de Dança são propostos pela direção artística. Vivemos em uma
estrutura na qual temos pouca autonomia de decisão. Estamos tentando transformar essa
situação. Até então nunca tinha sido proposto projeto vindo dos bailarinos, mas em 2008
a professora de contemporâneo Rosemery Rocha propôs o projeto “Vitrine”. Neste
projeto temos seguintes critérios: compartilhar o processo criativo coletivo com a
comunidade; dar oportunidade ao intérprete criador, alterar e transformar sua criação
nos diversos espaços do Teatro Guaíra, saindo da sala de ensaio.
158
4 – No site da companhia está escrito que ela privilegia a atuação dos bailarinos que se
utilizam da sua técnica aliada à maturidade artística, num espaço de pesquisa do
movimento, criação coletiva e busca de novos rumos e novas estéticas na linguagem da
dança. Ao longo de seus nove anos de existência, vocês percebem que essa proposta
tenha atingido até o momento esse posicionamento?
Em parte, esse caminho tem sido conquistado.
5 - O que significa para vocês:
- Maturidade artística?
Disponibilidade, vivência e consciência.
- Pesquisa?
Buscar aprofundar conhecimento, fazer relações, apresentar, buscar possibilidades.
- Criação coletiva?
Grupo de pessoas que compartilham idéias, negociam, dialogam, buscando um único
caminho.
- Investigação?
Localizar o objeto de estudo.
- Intérprete-criador?
Traz idéias, contribui com uma outra proposta ou a sua própria, uma contribuição ativa
com o trabalho, atuando e criando.
6 – Qual a função de uma companhia 2 dentro de um estabelecimento público?
A proposta da criação de uma Cia. 2 dentro de uma instituição pública é oferecer
condições de maior longevidade ao bailarino.
159
7 – Qual o interesse do Estado, da direção da Fundação e dos bailarinos do outro grupo
pelo trabalho proposto por essa companhia?
O interesse do Estado e da direção é teoricamente dar continuidade ao bailarino como
participante ativo no quadro do funcionalismo, porém artisticamente percebemos que
falta entendimento no trilhar desse caminho. Quanto ao outro grupo, ainda é mido o
envolvimento com o G2.
8 – Também no site da companhia encontra-se a ficha técnica. Ele é formada nos mesmos
moldes da companhia maior, ou seja, direção, assistente, assistente de coreografia e
elenco. O que significa esse dado para vocês?
Isso é um fato e é de questão administrativa e mesmo de direção artística. Na prática
esta formatação e suas respectivas nomenclaturas estão mudando, mas ainda não são
aceitas pela direção. Para nós isto significa uma falta de diálogo e harmonia nos
pensamentos, o que nos leva a entender que trabalho consciente e muita negociação é o
único caminho.
9 – Como falar em pesquisa e investigação se o elenco trabalhou durante muitos anos
sendo guiado por um outro perfil artístico?
A idéia é exatamente esta: “cohabitar” um corpo que foi guiado durante anos dentro de
um perfil , abrir para a possibilidade de pesquisa e investigação. Aí está o nosso desejo e
meta.
10 Como vocês percebem, através de suas experiências nesse assunto, o desenrolar dessas
companhias?
Percebemos este momento como uma necessidade. O olhar para um corpo como sujeito,
e não mais como objeto, não faz crer que as Cias. 2 são de extrema relevância na
contemporaneidade.
160
11 – Qual sua função como bailarino maduro e experiente dentro dessa instituição pública?
A função de um bailarino/artista, maduro ou não, dentro de uma instituição pública ou
não é possibilitar uma reflexão, sensibilização, uma aproximação do público. O cumprir
função é que difere de um lugar para outro.
Ailton Galvão, Anna Maria, Cinthia Napoli, Deisi Wor, Clionisi de Barros, Inês Drummond,
Leandro Nascimento, Lia Comandulli, Rogério Halila, Rosemary Rocha, Bruna Spoladore e
Peter Abudi
Entrevista com o assistente de direção, Grazianni Cannalli, do G2 Cia. de Dança
1 Como surgiu a proposta de criar o G2 e como reverberou em vocês essa iniciativa num
primeiro instante?
A idéia de criar uma segunda companhia foi-nos apresentada num seminário para o qual
fomos convidados pela então diretoria do Centro Cultural Teatro Guaíra e que foi
dirigido a todos os integrantes do Balé Teatro Guaíra. Ocorreu em meados de maio de
1999, no hotel-fazenda La Dolce Vita, localizado no município paranaense de Tijucas
do Sul.
Nesse encontro contamos com a presença da Sra. Ivonice Satie, convidada a dirigir as
companhias doravante. A proposta, apesar de nos surpreender, pareceu-nos boa, uma
vez que estávamos participando de todo o processo, inclusive dando sugestões sobre o
projeto. Restou uma única dúvida quanto a forma e critérios para a composição desse
novo quadro (idade ou vel técnico???). No entanto, a idéia ficou suspensa a princípio
em razão da impossibilidade de a Sra. Ivonice Sati assumir a direção das companhias
logo após a apresentação desse projeto, porque seu marido tinha problemas de saúde
naquele momento.
161
A idéia desse projeto, até então inédita em nosso país, perdeu o sentido de ser com a
criação da companhia dois de São Paulo, em julho do mesmo ano, desestimulando a
diretoria deste CCTG em sua criação. Esse projeto foi abortado definitivamente com a
vinda da Sra. Suzana Braga, convidada a dirigir o Balé Guaíra, em meados de setembro,
quando fez uma audição interna da companhia, colocando os bailarinos considerados
“não satisfatórios” (termo utilizado então para reprovação) à disposição do teatro para
desempenho em outras funções dentro do Estado. Foi nesse ínterim que procuramos
nossos direitos e pressionamos a diretoria do CCTG a retomar a proposta da criação do
Guaíra 2 Cia. de Dança, nome esse dado depois de ter sido declarada a impossibilidade
de estarmos vinculados ao nome Balé Guaíra. Na ocasião fomos proibidos de freqüentar
o andar onde funcionava o departamento de dança, bem como de conversar com colegas
de trabalho. Apesar de todo o histórico relatado, a criação do G2 reverberou para nós
como uma esperança de continuidade no trabalho que nós escolhemos como profissão.
2 O que pontua atualmente o conceito de existência do G2?
- Paixão pela dança;
- Consciência de que ainda temos muito a dar pela dança, e vice-versa;
- Identificação com a dança contemporânea;
- Reconhecimento público do trabalho que desempenhamos em nosso Estado;
- Apoio da atual diretora artística, Carla Reinecke, bem como da diretoria desse CCTG;
- Facilidade estrutural do grupo em atender aos convites feitos pelas cidades do interior
do Paraná, atribuída ao pouco material cênico, figurino e até mesmo de pessoal,
composto por 15 profissionais entre técnicos, staff artístico e bailarinos.
162
3 Como se a tarefa artística no que diz respeito ao planejamento da companhia?
Quais são os critérios utilizados por vocês ao proporem um projeto?
a. Sugestões do grupo;
b. Solicitações da diretoria por projetos voltados ao governo;
c. Parcerias com a iniciativa privada.
Critérios:
- Tempo mínimo de três meses para desenvolvimento das pesquisas;
- As criações devem ser desenvolvidas por integrantes do grupo. Quando produzidas por
convidado, este deve conhecer nosso trabalho e a forma como o desenvolvemos.
4 No site da companhia está escrito que ela privilegia a atuação dos bailarinos que se
utilizam da sua técnica aliada a maturidade artística, num espaço de pesquisa do
movimento, criação coletiva e busca de novos rumos e novas estéticas na linguagem da
dança. Ao longo de seus nove anos de existência, vocês percebem que essa proposta até
o presente momento atingiu esse objetivo?
Realmente buscamos incansavelmente esse objetivo, mas, quanto mais nos
aprofundamos, mais percebemos o quão distante dele estamos. A pesquisa ainda é
superficial pela grande maioria. A princípio, a técnica que tínhamos era calcada na base
clássica, o que dificultou o entendimento corporal exigido pela dança contemporânea.
Foi necessário muito trabalho psicoterápico de grupo para podermos compreender a
nossa diversidade e respeitar o trabalho e as idéias do colega.
5 O que significa para vocês:
- Maturidade artística
Ter consciência da sua arte, imprimindo a sua personalidade no movimento, respeitando
163
os limites do seu corpo; ser autocrítico naquilo que faz profissionalmente (prós e
contras).
- Pesquisa
Munir-se de elementos que contribuam para a reflexão e proponham mudanças que
façam pensar e agir de forma mais investigativa do movimento habitual, buscando outro
caminho para executar tarefas, das mais fáceis até as mais complexas.
- Criação coletiva
É o envolvimento de todos os componentes do grupo na criação de um trabalho em
todas as suas esferas: tema, roteiro, pesquisas de movimento, desenvolvimento
coreográfico, figurino, cenário, trilha sonora etc., administrando o anseio de todos sem
ferir suscetibilidades. Isso foi possível em dois de nossos trabalhos, de forma mais
direta, porque não tivemos direção nem suporte financeiro para a contratação dos
demais profissionais ([email protected] e Tudo por que Chorei este
último estreará ainda em 12.06.2008). Em alguns outros tivemos abertura do diretor
convidado para dar sugestões no trabalho (...de Passagem; O Tombo; Solilóquio; O Vôo
do Poeta; Um Dia Fora do tempo).
- Investigação
É o mesmo que pesquisar, ou seja, faz parte da pesquisa, sendo que na investigação são
levantados todos os questionamentos relativos ao futuro trabalho e a pesquisa é a
procura das respostas desse questionamento.
- Intérprete-criador
É a participação efetiva dos artistas na criação do movimento que comporá a coreografia
do trabalho, bem como do seu personagem.
164
6 Qual a função de uma companhia 2 dentro de um estabelecimento público?
- Desfazer o mito de que a carreira do bailarino é curta;
- Fomentar a dança numa linguagem mais acessível a um público mais carente do
entendimento da dança;
- Contribuir para a formação de opinião enquanto cidadão;
- Formar platéia;
- Levar cultura a um grupo maior de pessoas, tentando cobrir uma lacuna deixada pelas
companhias maiores, que não podem atender a todo e qualquer espaço destinado à
dança;
- Desenvolver a dança através da pesquisa de movimento, contribuindo dessa forma
para sua evolução.
7 Qual o interesse do Estado, da direção da Fundação (Autarquia) e dos bailarinos do
outro grupo pelo trabalho proposto por essa companhia?
Acredito que satisfatório, pois tivemos o apoio das direções subseqüentes ao da criação
da companhia 2, inclusive despertando o interesse de ex-bailarinos que estavam
trabalhando em outros departamentos em participar conosco, bem como de integrantes
da companhia 1, que vieram de livre e espontânea vontade somar-se a nós.
8 Também no site, encontra-se a ficha técnica da companhia. Ela é formada nos mesmos
moldes da companhia maior, ou seja, direção, assistente, assistente de coreografia e
elenco. O que significa esse dado para vocês?
A ficha técnica ainda segue os padrões normais da companhia pelas seguintes razões:
- porque no princípio desconhecíamos nossas reais necessidades;
- porque nossos trabalhos em sua maioria sempre foram dirigidos ou coreografados por
165
um profissional convidado, que escolhia os demais profissionais que integrariam a
equipe de criação artística.
9 Como falar em pesquisa e investigação se o elenco trabalhou durante muitos anos
sendo guiado por um outro perfil artístico?
Foi muito difícil no começo quebrar esses paradigmas, como expus, mas atualmente
esse processo vem sendo introduzido de forma mais pedagógica, com a orientação de
nossa professora de dança contemporânea, que é pesquisadora de dança. O reflexo disso
pode ser notado através dos nossos últimos trabalhos.
10 Como vocês percebem, através de suas experiências nesse assunto, o desenrolar dessas
companhias?
Observamos que, apesar das dificuldades existentes na máquina do Estado ao qual
estamos atrelados, as companhias vêm superando as dificuldades com muita
criatividade, o que é ratificado pelo volume de produções artísticas produzidas nesse
período curto de criação.
11 Qual sua função como bailarino maduro e experiente dentro dessa instituição pública?
Atualmente estou fazendo a assistência de direção do Guaíra 2 Cia. de Dança, mas no
período em que atuei como bailarino sempre busquei contemporizar os conflitos,
diluindo as dificuldades por meio de um diálogo aberto, bem como estimulando a auto-
estima dos colegas, mostrando de forma crítica as fragilidades e potencialidades de cada
um e do grupo. Outro fator relevante foi mostrar através do meu trabalho o meu melhor
como intérprete-criador e pesquisador da dança contemporânea.
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