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Conhecimento e Beatitude
em Benedictus de Espinosa
Isabel Maria Pinheiro Arruda
Fortaleza
2006
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Universidade Estadual do Ceará - UECE
Isabel Maria Pinheiro Arruda
Conhecimento e Beatitude em Benedictus
de Espinosa
Fortaleza
2006
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Filosofia do Centro de Humanidades –
CH da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Emanuel Angelo da Rocha Fragoso
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Universidade Estadual do Ceará - UECE
Mestrado Acadêmico em Filosofia
Conhecimento e Beatitude em Benedictus de Espinosa
Isabel Maria Pinheiro Arruda
Defesa em: 20/10 /2006 Nota Obtida: _______10,0
Banca Examinadora
_________________________________________________________
Professor Dr. Emanuel Angelo da Rocha Fragoso
_________________________________________________________
Professora Dra.Maria Luisa Ribeiro Ferreira
_________________________________________________________
Professor Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino
Fortaleza
2006
À minha mãe,
que me ensinou que o conhecimento
é o maior de todos os bens.
(In memorian)
Agradecimentos
A realização desse trabalho só foi possível devido à colaboração, apoio e incentivo de muitas
pessoas. Mesmo sabendo da possibilidade de incorrer em alguma injustiça, por motivo de
esquecimento, agradeço a todos aqueles que tornaram possível essa empreitada:
Ao professor Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso, por ter despertado o interesse por Spinoza,
pelo incentivo e orientação.
À secretária Tereza, pelo apreço, interesse e profissionalismo demonstrados ao longo de nossa
relação acadêmica.
Ao meu marido Csio pelo estímulo e companheirismo ao longo desta jornada..
As minhas filhas Raisa e Hanna que com muito bom humor, paciência e amor motivaram esta
produção.
À Universidade Estadual do Ceará e aos colegas da Filosofia, pelo apoio recebido.
Aos professores Emiliano e Marli pelas sugestões.
Aos professores Itamar Azevedo e Luci Grangeiro pelo incentivo aos estudos no mestrado.
As queridas amigas Carol Guedes, Rosália, Alessandra Sombra, pela amizade e pelo incentivo.
Aos meus amigos Victor Bessa, Gledson, Daniel Santos, Alexandre e demais colegas da
graduação e do mestrado pela amizade e cooperação.
À FUNCAP pelo apoio financeiro recebido.
Ao pessoal da Secretaria Executiva Regional II, principalmente a Socorro pelo empenho em
conseguir minha liberação para realizar esta pesquisa.
RESUMO
ARRUDA, Isabel Maria Pinheiro. Conhecimento e Beatitude em Benedictus de Espinosa.
Os conceitos de Conhecimento e Beatitude em Benedictus de Spinoza constituem-se como
importante fonte para o entendimento do agir humano, neles percebe-se como Spinoza através
de suas ponderações acerca da razão considerava de suma importância o desenvolvimento do
raciocínio como base para promoção do desenvolvimento do homem. Entendendo o homem
enquanto coisa finita, ou enquanto modos pelos quais os atributos de Deus se exprimem de
maneira certa e determinada (E1P25C), Spinoza percebe o caráter imanente da origem no
originado, desenvolvendo toda uma filosofia do conhecimento pautada na idéia de que quanto
mais conhecimento o homem possui melhor conduz sua existência rumo a uma beatitude ou
salvação. Nesse sentido, é possível verificar o vínculo entre o Conatus e a potência do
entendimento, a partir de seus gêneros de conhecimento. Compreender os aspectos inerentes a
produção do conhecimento e sua capacidade de potencializar o entendimento finito,
compreendido como parte do entendimento infinito, permitir entender que através do
conhecimento baseado na razão aumenta ininterruptamente a capacidade de compreensão dos
afetos, possibilitando a superação da idéia de felicidade estreitamente vinculada a coisas
exteriores ao homem, ao aproximá-lo da ordem universal pelo amor intelectual de Deus e pelo
conhecimento das leis da natureza, às quais os homens se encontram indissoluvelmente
ligados. No sistema de Spinoza evidencia-se que através do conhecimento o Conatus
individual se potencializa via conhecimento adequado para alcançar a beatitude.
RESUMÉ
ARRUDA, Isabel Maria Pinheiro Arruda. Conhecimento e Beatitude em Benedictus de Espinosa.
Les concepts de Connaissance et Béatitude chez Benedictus de Spinoza ont constitué la source
importante va la compréhension de l'être humain pour agir, en eux il i a observé Spinoza à travers
leurs considérations à propos de la raison considérée d'importance de l'addition que le
développement du les raisonner base va promotion du développement de l'homme. Comprendre
l'homme pendant que chose finie, ou pendant que les manières vont le lequel les attributs de Dieu
exact dans le bon et certain chemin (E1P25C), Spinoza observe le caractère immanent de l'origine
dans him/it provenu, en développant une philosophie entière de la connaissance gouverné dans l'idée
qui la connaissance des vies l'homme possède de meilleures promenades son existence conduire est
la béatitude ou salut. Dans ce sens, il i possible vérifier l'attache entre Conatus et la puissance de la
compréhension, commencer de leurs marchandises de la connaissance. Pour comprendre les aspects
inhérents la production de la connaissance et sa capacité de potentialiser la compréhension finie,
comprenait la partie de la compréhension infinie, autoriser à comprendre cela à travers la
connaissance ont basé sur la raison augmente ininterruptamente la capacité de comprendre des
affections, en faisant possible le superação de l'idée de bonheur ont lié étroitement aux choses
externes à l'homme, quand se rapprocher d'him/it de l'ordre universel va l'amour intellectuel de Dieu
et va la connaissance des lois de la nature à laquelle les hommes rencontrent liée inextricablement.
Dans le système de Spinoza il i a manifesté cela à travers la connaissance individuelle que conatus i
a potentialisé à travers connaissance appropriée pour atteindre la béatitude.
SIGLAS E ABREVIATURAS
Nesta dissertação os textos que citamos das obras de Spinoza com traduções para o
português se encontram nas Referências Bibliográficas, as citações foram feitas ipisis litteris ou com
as alterações que julgamos necessárias. Das obras que não possuem tradução em português foram
utilizadas traduções em ngua espanhola particularmente as de Atilano Donguez, fazendo as
devidas traduções para o português. Os textos a que se referem estas obras foram transcritos e
traduzidos livremente para o português.
No intuito de facilitar a identificação dos textos por nós citados, independente da edição
ou tradão utilizada, adotamos a conveão proposta pelo perdico Studia Spinozana, publicado
em Hannover desde 1985, para a citação das obras de Spinoza (com as devidas adaptações),
conforme abaixo.
CM: Cogitata Metaphysica Pensamentos Metafísicos. As partes serão indicadas em algarismo
romanos, seguidas do número dos capítulos em arábicos: CM, I,2; II, 3, etc.
E Ethica ordine geometrico demonstrata – Ética demonstrada na ordem dos geômetras.
As partes serão indicadas em algarismo (E, I; IV); em arábico serão indicados, seguidos de
abreviaturas: as definições (E I, def.6) e suas explicações (E II,def 3, expl.), os axiomas (E
II,ax.1), os enunciados das proposições (E II, P6) as demonstrações (EV,24,dem.), os
corolários ( E III, 26, 1 cor.), os escólios (E II, 38, schol), os lemas (E II, 4 lem.) os
postulados (E III, post.) os prefácios das partes (E IV, Praef)
Exemplos de Citação:
E IV Praef = Ethica, Pars IV, Praefatio.
EII P7 dem = Ethica, Pars II, Propositio VII, Demonstratio.
Ep Epistolæ – Cartas (SO4, p. 1-342).
1, 2, 3, etc. = Números das Cartas de acordo com Gebhardt. Salvo indicação em contrário, as
Cartas serão citadas de acordo com esta edição. As Cartas que não estejam incluídas nela serão
citadas de acordo com Correspondencia. Introducción, traducción, notas y índice de Atilano
Domínguez. Madri: Alianza, 1988a.
Exemplo de Citação: Ep21 = Carta 21.
KV Korte Verhandeling van God, de Mensch en deszelfs Welstand Breve Tratado de Deus, do
homem e da Beatitude.
KS = Korte Schetz (Breve Compêndio).
Em algarismos romanos serão indicadas as partes, em arábico os capítulos e entre parêntesis
os parágrafos:
Número dos pagrafos dos capítulos ou dos diálogos, citados conforme Spinoza: Tratado
Breve. Traducción, prólogo y notas de Atilano Domínguez. Madri: Alianza, 1990.
Exemplo de Citação: KV I, 1, (2).
TIE Tractatus de Intellectus Emendatione...Tratado da Reforma do Entendimento.
Adm = Admonitio ad Lectorem (Advertência ao Leitor).
Numeração dos parágrafos de acordo com a edição de Bruder, (1843-6).
Exemplo de Citação: TIE § 7 = Tractatus de Intellectus Emendatione, Parágrafo 7.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO___________________________________________________________ 01
Capítulo1 - Uma filosofia para a
vida_____________________________________________ 08
1.1 Das obras de Spinoza______________________________________________
10
1.1.2 Do Tratado da Correção do
Intelecto_________________________________11
1.1.3 Do Breve Tratado_______________________________________________
15
1.1.4 Da Ética______________________________________________________
18
Capítulo2- Uma teoria do conhecimento em Spinoza
_______________________________ 28
2.1 Os modos de percepção no Tratado da Reforma da Inteligência
_____________ 32
2.2 Os modos do conhecimento no Breve
Tratado__________________________ 42
2.2 Os gêneros de conhecimento na Ética
________________________________ 46
2.2.1 Sobre o conceito de ideía em
Spinoza______________________________ 57
Capítulo 3 – Da beatitude segundo Spinoza
______________________________________ 69
3.1. Da causa sui e do conatus
____________________________________________ 72
3.2. Do papel das afecções na formação do conatus
__________________________ 77
3.3. Das afecções _________________________________________________ 84
3.4. Dos afectos, da razão e da beatitude
________________________________ 93
Conclusão - _____________________________________________________________
110
Referências Bibliográficas___________________________________________________
118
Introdão
O objetivo proposto, nesta pesquisa, é o de realizar uma discussão acerca do
pensamento de Benedictus de Spinoza, mais precisamente de algumas categorias de seu sistema
filofico, o conhecimento e a beatitude. Este esforço será empreendido tendo como base,
principalmente, a análise das seguintes obras de Benedictus de Spinoza: O Tratado da Reforma da
Inteligência (TIE), O Breve Tratado e sua obra maior a Ética
1
.
A sociedade atual, cujos valores e ideais se fundam nos paradigmas iluministas da razão,
se encontra num momento de revisão dos seus princípios norteadores da sociabilidade, como
atestam diversos cientistas e filósofos. Em grande parte, as críticas à sociedade da razão pressupõe a
razão como restrita à esfera da cientificidade, de fato esta razão instrumental não foi capaz de alçar o
homem ao patamar de auto-emancipação, primado por excelência da razão iluminista. O
pensamento de Spinoza, a meu ver, contribui para um melhor entendimento desta temática na
contemporaneidade, porque no seu pensamento encontram-se fundamentos para a consecução de
uma sociedade justa, em que a tolerância, como resultado do conhecimento, substanciaria soluções a
partir de uma racionalidade assentada no primado do homem, mesmo considerando as diferenças
sociais, poticas e econômicas. Isto considerando a hitese de que o homem seja capaz de se
reconhecer como parte integrante de um todo e, principalmente, que a racionalidade seja o método
pelo qual ele adquire uma maior capacidade de gerir sua vida em prol deste todo e não contra ele.
Porém, é mister salientar que, para Spinoza, a razão é um modo da substância, só a conhecemos se a
1
Para facilitar a leitura do texto optamos a partir desta parte utilizar as abreviações contidas no inicio desta dissertação
para as obras de Spinoza, quais sejam: E (Ética- more geométrico demonstrata) Ep (Epístolas); TIE (Tratado da
Reforma da Inteligência); KV (Breve Tratado).
concebermos nesse sentido, como algo que não existe em si mesma, cuja essência está fora dela,
portanto, ela é um meio de se chegar ao conhecimento do Todo, porém deve-se ter em vista que a
razão quando ensimesmada não ultrapassa suas limitações e prende-se ao mundo das abstrações
perdendo a perspectiva do todo impossibilitando o alcance da beatitude.
No entanto, sendo o homem um ser em construção cremos que sua capacidade cognitiva
tende a se aperfeiçoar conforme a sua utilização em diferentes contextos, para isto, no entanto, é
necessário que o homem tenha uma compreensão mais esclarecedora acerca de si mesmo e do
mundo ao seu redor. Assim é que concordamos com a seguinte assertiva de Jacqueline Lagree, que
nos fornece uma idéia do que seja a filosofia de Spinoza:
A filosofia de Espinoza por muito tempo foi vista como um esforço altaneiro para tomar
sobre todas as coisas o ponto de vista de Deus, aquele do eterno e do necessário, pronto a
sacrificar os meandros da vida ordinária para alcançar o desapego que proporciona àquele
que nela se exercita a prática das disciplinas matemáticas. Isso era confundir um meio para
alcançar a verdade sem deixar levar pelas ilusões da imaginação – por essas demonstrações
queo como os olhos da alma – com o desígnio da filosofia que é o de nos ancorar em nós
mesmos nos tornando no nível mais alto consciente de nós mesmos, dos outros seres e,
portanto de Deus (2004, p.322).
Na atualidade, muitos estudiosos da filosofia, particularmente os que se debruçaram
sobre o pensamento de Spinoza, perceberam uma filosofia, cujos pressupostos têm proporcionado
àqueles que nela aportam um meio para reconhecer os benecios do uso adequado da intelincia,
ao permitir efetivamente a busca da verdade e levá-los a uma existência em que está dada a
possibilidade da concórdia entre os homens, e destes com o universo do qual faz parte. No intuito de
compreender os pressupostos da filosofia de Spinoza acerca da capacidade cognitiva do homem e
também de entender como esta capacidade pode nos levar a um estado de felicidade é que nos
propomos realizar este estudo.
Neste sentido, optamos por dividir esta dissertação em três capítulos, no primeiro
procuramos tecer um viés histórico sobre as obras de Spinoza escolhidas para embasar este estudo, a
saber, o Tratado da Reforma da Inteligência, o Breve Tratado e a Ética. Além disso, para
melhor familiarização com as referidas obras, elaborou-se sinteticamente um roteiro do conteúdo de
cada uma delas, em que se expõe a exegese realizada por alguns comentadores de Spinoza
estabelecendo as discordâncias no que concernem as questões de datação das obras, autenticidade
das mesmas e dos seus conteúdos. Das obras em questão e, duas delas suscitaram um amplo debate
quanto a sua datação, são elas o Breve Tratado e o Tratado da Reforma da Inteligência, apesar
de o segundo ter sido publicado juntamente com as Opera Posthumas de Spinoza, havia
controvérsias no que diz respeito à exatidão da data em que foi escrita e, também, no que concerne a
seu conteúdo visto se tratar da teoria do conhecimento deste filósofo, pois sustentava-se que esta
obra teria sido escrita posteriormente ao Breve Tratado, não sendo, portanto, a primeira obra de
Spinoza sobre o assunto. Quanto ao Breve Tratado, questionava-se tanto a autenticidade da mesma
como também sua datação, isto se deu devido a sua não publicação entre as Obras Póstumas de
Spinoza, feita aos cuidados de seus amigos, que, no entanto, não a incluíram ou por completo
desconhecimento ou qualquer outra rao. No que diz respeito a sua autenticidade, esta foi objeto de
investigação visto que o esquema geral da obra, digo a forma de abordagem e divisão em capítulos,
diferia das outras obras do autor.
No segundo capítulo, abordamos a teoria do conhecimento nas três obras em debate.
Seguindo a ordem cronológica das mesmas, iniciamos nossa análise pelo Tratado da Reforma da
Inteligência, o qual é reconhecido como a primeira obra de Spinoza a tratar sobre este assunto, em
seguida expomos a teoria do conhecimento no Breve Tratado, elencando os tipos de conhecimento
analisados e discutidos por Spinoza e, por último, na Ética. Neste mesmo catulo, discutimos
também o conceito de iia exposto na filosofia de Spinoza, particularmente o conceito de Idéia
adequada e inadequada, conceitos chaves para compreensão da filosofia spinozista.
Optamos inicialmente por expor o pensamento do autor sobre o conhecimento, o qual
adquiriu novas perspectivas na medida em que os campos de referências adotados pelo autor se
modificavam, conforme salienta Marilena Chaui (1999, p.668). Neste sentido, tomando a análise
realizada por Chauí, percebemos a proximidade dos campos referenciais do autor para o Breve
Tratado e a Ética, notamos que, em ambos, prevalece a perspectiva do amor intelectual a Deus,
porém sob diferentes aspectos. Na primeira obra, Spinoza analisa o conhecimento como objeto
supremo de suas tendências e de seu amor, o caráter científico do conhecimento não tem lugar
privilegiado nesta obra, na Ética, Spinoza associa o conhecimento explicativo ao conhecimento que
salva como observa Victor Delbos (2002, p. 95). Neste sentido, a observação de certa identidade
entre o KV e a Ética no que concerne ao conhecimento se torna procedente, entretanto é diversa da
abordagem utilizada no Tratado da Reforma da Inteligência, pois se trata de uma análise
científica da natureza e condições do conhecimento explicativo. Amparada nestes dois aspectos do
conhecimento, ou seja, no conhecimento como objeto de amor e no conhecimento em seus aspectos
científicos, é que Spinoza postulou sua teoria do conhecimento em sua Ética. A analise cientifica do
conhecimento propriamente dita se encontra na obra TIE, embora o autor tenha também dedicado
boa parte da mesma, em descrever inicialmente algumas observações minuciosas sobre alguns
aspectos da vida e seus acontecimentos cotidianos. Buscando estabelecer uma conceituação para o
que considera o Bem Supremo, passa a relacionar entre as coisas usufruídas pelos homens aqueles
considerados bens supremos, como as riquezas, as honras e a concupiscência, porém, enfatiza em
sua análise que quando tais coisas são buscadas demasiadamente, absorve todo o ser do homem,
privando-o da capacidade de pensar. O homem gosta de paixão e dos prazeres, mas após seu deleite,
deles resta somente à tristeza. Os prazeres riquezas e honras devem ser um meio, não um fim,
portanto deve existir apenas na medida exata para se manter a vida e a boa saúde. (TIE; p.6; §3-4)
A análise do cotidiano tem por objetivo maior encontrar algo que fundamente a busca do
homem por um fim. A busca spinozista por uma resposta que atenda a inquietação humana, diante
da vida o faz encontrar um sentido para a sua vida, pois é na busca por algo que dê sentido a sua
vida que ele finalmente encontra aquilo que, no seu entender, dá sentido a de outros como ele, cuja
angústia diante da existência os conduz a viver. A transcrição que se segue nos fornece uma idéia
clara deste objetivo para Spinoza:
Eis, pois, o fim a que tendo: adquirir essa natureza e esforçar-me para que, comigo, muitos
outros a adquiram; isto é, faz parte de minha felicidade o esforçar-me para que muitos
outros pensem como eu e que seu intelecto e seu desejo coincidam com o meu intelecto e
meu desejo; e, para que isso aconteça, é necessário compreender a própria natureza; e depois
formar a sociedade que é desejável para que o maior número possível chegue fácil e
seguramente àquele objetivo. (TIE; p.11; §14)
2
Após esta análise inicial, Spinoza passa a dedicar-se à descrição do método e do
processo de aquisição de conhecimento propriamente dito. A análise da teoria do conhecimento na
Ética inicia-se na segunda parte dessa obra, precisamente no escólio da 40ª proposição, iniciando
com a classificação, descrição e análise dos mesmos.
No terceiro e no último capítulo, procuramos relacionar a teoria do conhecimento em
Spinoza com o conceito de beatitude. Para tanto, buscamos elaborar uma análise da sua teoria das
2
Hic est itaque finis, ad quem tendo, talemscilicet naturam acquirere, et ut multi mecum eam acquirant conari, hoc est,
de meã felicitate etiam est operam dare, ut alii multi idem atque ego intelliigant, ut eorum intellectus et cupiditas prorsus
cum meo intellectu et cupiditate conveniant;utque hoc fiat, necesse est tantum de natura intelligere, quantum sufficit ad
talem naturama acquirendam. 1); deinde formare talem societatem, qualis est desiderata, ut quamplurimi quam facilime,
et secure eo perveniant.
(TIE; §14).
afecções e do Conatus, para, em seguida de posse da mesma, conciliar os elementos pertinentes a
ambas que possibilitaram a este filósofo construir um sistema em que afirma a felicidade como um
amor intelectual a Deus. No intuito de esclarecer a articulação entre a atividade cognoscitiva
humana e sua causa, procuramos analisar o conceito de causa sui, através dos aspectos fundamentais
da substância a essência e a imanência, posto que, para Spinoza, a essência da substância é princípio
fundante da ordem das coisas e do conhecimento e, a imanência é o que possibilita a compreensão e
articulação da origem no originado, noutros termos é pelo caráter imanetista da substância spinozista
que é possível estabelecer um elo entre os homens, coisas singulares finitas e Deus, infinito e eterno.
Portanto, é buscando articular o conhecimento como fonte de uma reta razão de viver,
estabelecendo os nexos da mesma no agir humano que pautamos nossa análise das afecções e do
princípio de preservação do ser neste capítulo, dado que sabemos que, para Spinoza, o conhecimento
adequado é capaz de conduzir o homem a um estado de beatitude e este pressupõe o uso da razão,
uma vez que, através de sua utilização, ele potencializa suas virtudes e sua capacidade de perseverar
no ser, portanto, é verdade que a razão em Spinoza é primado da atividade racional e do resultado
desta, ou seja, do raciocínio.
Finalmente é necessário esclarecer que a análise de uma noção ou conceito nas obras de
Spinoza se impõe de imediato à recorrência de uma articulação entre estes e os demais, ou seja, é
necessário, muitas vezes, retornar a um outro conceito ou noção, para que percebamos o seu sentido,
pois os mesmos dificilmente podem ser tratados separadamente um dos outros. Isto ocorre em
virtude da construção metodogica do autor, pois cada noção ou conceito constitutivos de sua obra
estão submetidos a uma cadeia, a qual se impõe uma lógica matemática perfeitamente concatenada.
Portanto, empreender uma análise de qualquer conceito ou noção em Spinoza implica abordar,
mesmo que en passant todos os demais, pois, sem se levar em conta tal pressuposto característico do
sistema de Spinoza, corre-se o risco lamentável de ocultar elementos imprescindíveis, cujo
desconhecimento pode prejudicar a análise das idéias desse autor. Assim sendo, alcançar o sentido
dos conceitos de beatitude e de conhecimento em Spinoza nos faz retomar a diversos outros
conceitos como foi tentado realizar ao longo dessa pesquisa.
Capítulo I
Uma filosofia para a vida
Trata-se de viver: a filosofia não tem outro fim nem,
de resto, outra chance”.
Comte-Sponville
Há uma inquietação que nos toma de assalto quando iniciamos a leitura de Spinoza, uma
inquietação que nos leva a seguir adiante e devorar as palavras como que para saciar uma fome
interior, que se manifesta na necessidade de compreender para viver. Viver é a questão que se impôs
à filosofia. Como viver e ser? Esta é a questão contundente, já tratada por muitos e que ainda
continua a inquietar aqueles que buscam aprimorar a existência humana e aproximá-la o mais
possível da felicidade. Spinoza filosofou sem encarar esta tarefa como um fim em si mesmo, mas
como uma obra que se insurge em nossa mente e vai tomando forma. Trata-se de buscar a saúde da
alma, dando à existência um caminho para se adquirir algo que seja duradouro e, ao mesmo tempo,
encha de alegria aquele que o encontrou, ou nas palavras de Spinoza “algo que após descoberto e
adquirido me fizesse fruir pela eternidade a contínua e suma alegria”
3
. (TIE § 1, p.5). A filosofia de
Spinoza foi pautada na concepção de que a vida não é uma idéia, mas uma maneira de ser, como nos
diz Gilles Deleuze (2002, p. 10).
A produção filofica de Spinoza é composta de algumas poucas obras, as quais, em sua
maior parte, foram publicadas após sua morte ocorrida em 21 de fevereiro de 1677. Estas
publicações se deram em novembro de 1677 com o título de: B. de S. opera posthuma quorum
series post prafationem exhibetur, 1677. De acordo com Victor Delbos “a série de escritos repartia-
se sob cinco títulos”:
I. Ethica ordine geométrico demonstrata et in quinque partes distincta, in quibus agitur: 1°
de Deo; 2º de natura et origine mentis; 3º de origine et natura affectuum; 4º de servitute
humana seu de affectuum viribus; 5º de potentia intellectus seu de libertate humana. – II.
Tratactus politicus, in quo demonstrata quomodo Societas, ubi imperium monarchicum
locum habet, sicut et ea, ubi optimi imperant, debet institui, ne in tyrannidem labatur, et ut
pax libertasque civium inviolata maneat. – III. Tratactus de intellectus emendatione et de
via, in optime in verum rerum cognitionem dirigitur. – IV. Epistolae doctorum quorumdam
virorum ad B.D.S. et auctoris responsiones, ad aliorum ejus operum elucidationem nom
parum facientes. – V. Compendium grammaticies linguae hebraeae.(2002, Apêndice, p.
178).
Posteriormente, pesquisadores e especialistas em Spinoza encontraram novos textos de
sua autoria, bem como cartas, as quais foram impressas trazendo à tona mais informações sobre o
sistema filofico de Spinoza, o que tem contribuído sobremaneira para aqueles que se dedicam ao
estudo deste filósofo. Dentre estes textos de suma importância, foi a publicação do Breve Tratado,
3
“quo invento et acquisito continuaacsummaainaeternum fruererlaetitia” (Trattactus de Intellectus Emendatione)
obra que, como veremos mais adiante, durante algum tempo teve sua história envolta em
controrsias.
1. Das obras de Spinoza
Dentre as obras de Spinoza selecionadas para análise nesta pesquisa, no que concerne à
história e à datação das mesmas, a Ética foi aquela que apresentou poucas controrsias. O mesmo
não se aplica ao Tratado da Correção do Intelecto (TIE), nem ao Breve Tratado (KV). Obras
que foram objetos de diversas discussões, a primeira no que diz respeito a sua datação, apesar de ter
sido publicada junto às Opera Posthuma em 1677, e a segunda quanto à autoria e à datação da
mesma. Somente uma exegese realizada com afinco por seus comentadores foi capaz de dissolver as
dúvidas que pairavam sobre estas obras e conferir uma precisão sobre a autoria e as datas da
publicação. Mesmo assim, até bem pouco, o estudo interpretativo destas tendeu a referendar as
hipóteses sustentadas por vários comentadores, que defendiam a iia de que a obra KV, era o
marco da filosofia de Spinoza sobre o problema do conhecimento. De fato, como salienta Atilano
Donguez (1990), no texto introdutório à tradução espanhola desta obra, em que descreve a
descoberta do manuscrito do KV, e a trajetória dos estudos sobre a mesma enfatizando as
controvérsias a respeito desta. Em sua alise, este autor recorre aos resultados da pesquisa do
comentador Filippo Mignini que, após diversos estudos, conclui contrariamente aos argumentos que
afirmam a anterioridade do KV frente ao TIE
4
.
4
- “A esa corriente general intenta oponerse Mignini em sus recientes ediciones y em multiples trabajos em torno à la
cronologia de las obras de Spinoza y, mas concretamente, em defensa de la procedencia temporal del Tratado de la
reforma del entendimento al Tratado Breve. (Dominguez, 1990, p. 17) A essa corrente geral se empenha em opor-se
Mignini em suas recentes edições e em múltiplos trabalhos em torno da cronologia das obras de Spinoza e, mas
concretamente, em defesa da precedência temporal do Tratado da Reforma da Inteligênciaao Tratado Breve.
(Dominguez, 1990, p. 17) (livre tradução)
Portanto as recentes pesquisas levadas a cabo por Filippo Mignini (1983) denotam a
necessidade de reavaliação dos argumentos que sustentam a hipótese que alimentam a idéia de
anterioridade do KV, tendo em vista novos incios que apontam o TIE, na verdade, como a
primeira obra de Spinoza a tratar sobre o problema do conhecimento. A hitese de Mignini (1983)
se apoiou numa exaustiva e pormenorizada pesquisa pela origem e datação do KV, que ao final
apontou-o, não como a primeira, mas como uma outra obra de Spinoza a tratar também do
conhecimento, entre outros assuntos. Apesar da relevância do tema para aqueles que se ocupam da
história intelectual de Spinoza, nosso intuito aqui é apenas estabelecer que dadas às conclusões
evidenciadas por Mignini, tomaremos por base de exposição à datação defendida por este
comentador. Assim sendo, tendo como suporte as afirmações acima, nortearemos a exposição dos
modos e gêneros de conhecimento, no próximo capítulo, adotando o pressuposto que a obra TIE é o
marco inicial dos escritos de Spinoza, tanto do ponto de vista cronológico como conceitual, em
seguida passaremos a análise do KV e por último da Ética.
1.1. Do Tratado da Reforma da Inteligência
O Tratado da Reforma da Inteligência (1677) foi um dos primeiros escritos de
Spinoza conforme atesta o Prefácio holandês às Opera posthuma escrito por Jarig Jelles, no qual se
lê “o tratado sobre a correção do intelecto foi uma das primeiras obras do autor, como testemunham
o seu estilo e seus pensamentos”. (Mignini, 1983, p.6) Porém, a datação desta obra antes de ser
estabelecida por volta de 1661, foi alvo de inúmeras polêmicas. De fato, apesar da Admonitio ad
lectorem (advertência ao leitor) do próprio TIE, e de sua complementação no Prefácio da Opera
posthuma, cuja redação é atribuída a Jarig Jelles, serem as principais bases de sustentação para
apontar o ano de 1661 como a data provável desta obra, a correspondência de Spinoza trouxe
dúvidas quanto a este fato. Esta discussão e outros elementos que suscitaram controvertidos debates
entre os comentadores de Spinoza acerca da datação correta do TIE, nós os veremos a seguir.
Mignini (1983, p. 5) salienta que, mais de um século, E. Bohemer, já havia levantado
suspeitas quanto à anterioridade do KV ao TIE, mas não levou adiante suas desconfianças e
tampouco sustentou qualquer hipótese a respeito desta questão. As dúvidas deste autor quanto à
verdadeira datação do TIE não foram devidamente consideradas, pois, no entender de Mignini: “A
tradição consolidada em torno da função introdutória do TIE no que diz respeito à Ética e o hábito
de considerar estas duas obras estreitamente conhecidas [...] impediram até hoje de examinar a
posição que essa ocupa na história intelectual do autor.
5
No que se referem às argumentações de Mignini quanto ao fato do TIE ser considerado
pela tradição como obra introdutória a Ética, encontrou ressoncia em diversos comentadores de
Spinoza, como se pode observar nas palavras de Lívio Teixeira, nas quais afirma que o TIE:
É um texto de capital imporncia como introdução a esse monumento filosófico que é a
Ética. Seria difícil, sem o Tratado, compreender os pressupostos epistemológicos que levam
Espinoza a deduzir tudo das definições que se encontram no princípio de sua obra principal:
definição de causa sui, de substancia, de Deus. (2004; p.IX)
5
Cf. Mignini, Introduzione a Spinoza (1983) “[...]la tradizione già consolidata intorno allá funzione introduduttiva del
Trattato sull’emendazione dell’intelletto ripetto all’Ética e l’abitudine di conconsiderare queste due opere strettamente
connesse, [...] impedirono fino ad oggi di esaminare la posizione che esse occupano nella storia intelletuale dell’autore”.
(pp. 5 -6).
Quanto à segunda afirmação a qual se refere Mignini (1983) de que o TIE é uma das
obras mais conhecidas de Spinoza isso se deve ao fato de que a mesma foi publicada por seus
amigos nas Opera Posthumas em 1677. É sabido, porém que, no ano seguinte às publicações das
obras póstumas do autor, essas foram proibidas pelo governo na Holanda, o que dificultou o trabalho
dos pesquisadores na composição de uma história precisa das obras spinozanas.
Na advertência ao leitor que aparece nas Obras Póstumas (1677), cuja autoria é atribuída
aos amigos de Spinoza, lemos a seguinte passagem: O tratado da Correção do Intelecto, etc., que
aqui, benévolo leitor, te apresentamos inacabado, foi redigido pelo autor há muitos anos
conforme tradução e nota de Carlos Lopes de Mattos, (1989; p.42). A análise desta passagem, bem
como de outros documentos relativos ao TIE, no caso as cartas de Spinoza a Bouwmeester (Ep. 37)
e a Tschirnhaus (Ep. 59), ambas datadas de 1666 e 1675 respectivamente, corroboraram para que a
datação desta obra fosse aceita como anterior ao KV. (cf. Mignini; 1983, p.6-10).
Além do enunciado acima, Mignini (1983, p.11) no intuito de estabelecer a datação
precisa do TIE, vai de encontro às afirmações defendidas por Gebhardt
6
. De acordo com Mignini,
Gebhardt apoiado na análise das variações existentes entre o texto latino e a tradução holandesa das
obrasstumas, defende que a exposição dos modos e gêneros de conhecimento como estão
enunciados no TIE seguem a mesma ordem exposta no KV, portanto, o KV seria anterior ao TIE.
Entretanto, a análise procedida por Mignini (1983, p.11-13) sustenta o texto latino como única
redação do TIE e que esta antecede o KV, pois neste se adotou o esquema de três modos de
conhecimento, sendo um deles dividido em dois, enquanto no TIE seus tradutores e editores
adaptaram este esquema ao da Ética, já que essa era reconhecidamente a obra magna de Spinoza.
6
Gebhart ( C.): Spinoza, Opera,Heidelberg, Carl Winters, 1925 (reed. 1972): KV en Vol. I, pp. 1-121.
Segundo Mignini, a exegese do Tratado da Reforma da Inteligência aponta para as
diferenças na escrita entre esta obra e as demais obras de Spinoza, quando feitas as devidas
comparações. A análise aponta para uma escrita contínua, sem divies internas em partes, capítulos
ou parágrafos, o que levou Mignini supor que se trata de um texto elaborado para o próprio uso e
que nunca foi reelaborada para uma posterior publicação (1983, p. 13). De fato, como sustenta
Teixeira em sua introdução ao TIE:
O Tratado da reforma da inteligência é um trabalho inacabado. Espinosa não chegou, por
motivos que se discutem, a completá-lo segundo os planos que fizera. Também não
apresenta aquele polimento literário que os autores costumam dar as suas obras antes de
publicá-las. Encontram-se nele imperfeições de linguagem e obscuridades. (2004, p. IX)
O TIE se encontra nas versões atuais dividido em parágrafos, esta divisão comumente
aceita e amplamente utilizada foi proposta por Bruder. (cf. Mignini 1983, p. 13). Seguindo esta
divisão é posvel compreender o TIE em cinco partes, situando-se a primeira nos parágrafos 1-17,
nos quais o autor exe os elementos que o levaram a perceber a necessidade de corrigir o intelecto
para que este possa entender as coisas sem erros, ou seja, perfeitamente. Nos parágrafos 18-29,
temos a descrição dos modos de percepção e a escolha do melhor modo para atingir a perfeição. Nos
parágrafos 30-49, a exposição do método. Nos parágrafos 50- 90, a primeira parte do método:
distinção entre iia verdadeira das outras percepções. Nos parágrafos 91-110, a segunda parte do
método: o objetivo do método e meios para alcançá-los. No parágrafo 108, Spinoza procede a uma
descrição das propriedades da inteligência.
Outra consideração importante a respeito do TIE observada por Teixeira (2004, p. IX-
X) é o fato de esta obra não se propor a estabelecer “regras de bem pensar para serem aplicadas à
investigação da verdade, como (por exemplo) asRegulae ad directionem ingenii”, de
DESCARTES”. Trata-se, portanto, de uma obra que, como salienta o título, visa a promover uma
reforma no intelecto.
1.2. Do Breve Tratado
Durante muito tempo, o Breve Tratado era desconhecido pelos estudiosos de Spinoza,
pois esta obra, conforme a exegese das obras de seu autor,o constava no acervo conhecido do
mesmo. Sua primeira publicação ocorreu já na segunda metade do século XIX, em um suplemento
às obras de Spinoza. Tendo sido descoberta por volta da década de 50 deste mesmo século, porém
foram necessários, contudo vários estudos de caráter filológico para esclarecer sua composição e
autenticidade.
De acordo com Domínguez (1990), a primeira notícia que se dispõe sobre esta obra foi
obtida por dois estudiosos de origem alemã, Gottilieb Stolle (1673-1744) e Dr. Hallmann. Após
viajarem para a Holanda, nos idos de 1703, em busca de informações sobre Spinoza descobriram, ao
dialogarem com o filho do editor e amigo do filósofo, Jan Rieuwerstz, a informação de que havia
uma obra manuscrita de Spinoza também denominada por ele de “Ética”. No entanto a estrutura do
manuscrito era diversa da Ética impressa, pois estava dividida em catulos e exposta de modo
diferente da – ordine geométrica demonstrada. A estrutura desta obra não seguia o método
matemático usado por Spinoza em sua obra maior e contava ainda com um capítulo sobre o diabo,
queo consta na Ética.
Todavia as discussões sobre o KV não foram solucionadas até a primeira metade do
século XIX, pois as evidências relatadas acima por Domínguez (1990) só começaram a ser
descortinadas após 1899, pois até então, o que se cogitava era a existência de um capitulo inédito da
Ética sobre o diabo e a contraposição entre duas Éticas – holandesa ou latina; não geométrica e
geométrica. A descoberta de uma obra sobre a vida de Spinoza, por um outro alemão, Eduard
Boehmer (1827-1906) em 1851, trouxe para o cenário de discussão outras informações que
permitiram avançar sobre esta questão. O conteúdo da obra adquirida por Boehmer, além da
biografia escrita por Jean Collerus (1647-1707), continha documentos preciosos sobre o KV e um
Comndio de seu conteúdo. A busca de maiores informações sobre a obra findou por encontrar
alguns manuscritos da mesma, os quais necessitaram de um acurado estudo para precisar sua
autenticidade e verdadeiro conteúdo, haja vista a distância temporal entre sua escrita e seu
surgimento no cenário filofico.
Os manuscritos e os comndios foram denominados por Filippo Mignini (1980)
respectivamente de Comndio X publicado por Boehmer, 1852, Manuscrito B e Compêndio σ
adquirido pelo livreiro F. Muller (1972) e um manuscrito que havia sido editado por Vloten & Land
em 1882-3. De acordo com Dominguez (1990) atualmente encontramos duas versões do Comndio
denominado X na Biblioteca Universitária de Haille, o segundo manuscrito A (ms A) e o terceiro
manuscrito (ms. B) com o Comndio estão na Biblioteca Real de Haia. Para precisar qual destes,
era o volume original, procedeu-se a um estudo comparativo e relacional entre estes manuscritos,
buscando-se apreender sua origem. Depois de acurados exames, constatou-se que o copista dos
comndios bem como de ambos os manuscritos havia sido Johannes Monnikoff (1707-1787)
responsável também pelas diversas alterações no manuscrito original, dado que possuía direitos
sobre as obras. Segundo Mignini, o manuscrito A é o único autêntico o qual foi por ele denominado
de “codex unicus” e o manuscrito B é uma alteração do manuscrito A com várias modificações
tendo sido denominado de “codex descriptus.
As comparações entre os compêndios e os manuscritos puderam detectar as alterações
introduzidas por Monnikhoff. Trata-se de alterações que incidem pontuações, omissões, traduções e
modernizações das palavras e expressões latinas, mudanças nas ordens frasais, adição de palavras e
expressões, omissão de palavras necessárias e correções de outras, que implicaram (em) muitos
erros e erratas, como salienta Dominguez (1990).
(Apesar de todos estes percalços e não obstante as críticas que tentavam desvalorizá-lo
diante do conjunto de obras deste autor.) O KV é comprovadamente uma obra de Spinoza, Pode-se
inferir apoiado em estudos criteriosos que o KV é uma obra bem elaborada e, a versão do
manuscrito A é perfeitamente confiável de acordo com Mignini. Em conformidade com a tradução
de Dominguez, pode-se observar que o KV pode ser dividido em duas partes. A primeira no qual o
autor trata: De Deus e do que lhe pertence es dividida em 10 capítulos, constando ainda dois
diálogos. A segunda, intitulada: Do homem e do que lhe pertence, está dividida em 26 capítulos,
incluindo um prefácio, uma conclusão e dois apêndices. Resumidamente, podemos observar que, na
primeira parte, Spinoza discute a existência de Deus através de demonstrações. O segundo capítulo,
no qual encontramos os dois diálogos, é dedicado a explicações sobre a essência de Deus e seus
atributos, notadamente aqueles que são conhecidos pelo homem: o pensamento e a extensão. Os
capítulos 3 a 7 são dedicados à análise das propriedades de Deus, ou seja, o 3º e o 4º capítulos
explicam Deus como causa natural e necessária, o 5º capítulo trata da provincia de Deus, o 6º
capítulo analisa a predestinação de Deus, o 7º trata dos atributos que não pertencem a Deus.
7
Os
capítulos 8 e 9 tratam respectivamente da Natureza Naturante e da Natureza Naturada. O capitulo 10
7
Spinoza expõe os atributos que comumente são utilizados para se referir a Deus, tais como: existente por si mesmo; ser
causa de todas as coisas, bem supremo eterno e imutável, além desses atributos a onisciência, a sabedoria e onipresença.
Spinoza critica a incapacidade dos filósofos em dar uma definição de Deus, que não seja elaborada por gênero ou
diferença, ou então, afirmam que é impossível defini-lo porque compreendem que a definição de algo ou alguma coisa
“[...] deve apresentar a coisa livre e positivamente, entretanto de Deus não sabemos nada de forma positiva, de sorte só
negativa”. (1, II, 4).
é dedicado à concepção do bem e do mal
8
. A segunda parte como salientamos anteriormente,
dedica-se à existência do homem. De acordo com Rocha Fragoso (1998), nesta parte Spinoza
explana como o homem “[...] está submetido às paixões e é escravo delas, e, ao mesmo tempo, até
onde e em qual sentido se estende o uso de sua razão e por quais meios o homem é guiado a sua
própria salvação e plena liberdade”. Spinoza a inicia tratando dos modos do conhecimento, objeto
dos dois capítulos iniciais. Do terceiro capítulo ao visimo primeiro, encontramos a origem das
paixões e suas características. Do vigésimo segundo capítulo ao visimo sexto, trata da doutrina da
verdadeira liberdade principalmente no último. (Miginini, 1983, p. 65).
1.3. Da Ética
A obra máxima de Spinoza Ética: ordine geométrico demonstrada foi escrita tomando
como base o modelo matetico euclidiano. André Scala (2003) ao examinar o método na Ética,
admite que o método geométrico usado por Spinoza tenha como origem o livro os Elementos de
Euclides, para este autor, portanto:
A primeira impressão que a Ética dá é de ser um livro composto com um aparato e sob uma
forma bem singulares na história da filosofia. Não conhecemos outras obras - mestras
escritas assim. Dessa forma e desse aparato podemos dizer que possuem uma origem
matemática e, mais particularmente, que provêem do livro de Euclides os Elementos.
Donde, uma vez que Espinosa não inventou esse aparato, pode-se concluir que tomou esse
livro como modelo e que a Éticao reconhece mais que um modelo: o tratado de
geometria. (2003, p. 93)
8
Spinoza afirma que o bem e o mal são entes de razão, pois sua existência é observada sempre em relação à outra coisa
de mesma natureza, ou seja, bem ou mal são conceitos, através dos quais atribuímos valores quando estabelecemos
relações de classificação entre as coisas, do contrário seria impossível estabelecer qualquer relação deste tipo.
Ainda em conformidade com Scala, a análise da escolha do método geométrico por
Spinoza pode ser explicada através de três argumentos: o primeiro argumento explicita o caráter
pedagógico; o segundo ressalta que essa era a maneira do século XVII, e como último argumento:
o método geométrico representaria a coincidência entre o ato de conhecimento e a maneira como se
estrutura a realidade” (2003, pp. 91-92).
Para Mignini, a Ética possui uma intencionalidade filosófica, pois tem como escopo
conduzir o homem a liberdade e a um estado de perfeição que se traduz na existência contínua da
alegria, que o leva a ser senhor de suas ações, através da afirmação de seu controle sobre as paixões
e o acaso.
A estrutura material da obra e o critério que a determina expressam um projeto e uma
intencionalidade filofica. Esta intencionalidade consiste na elaboração e na apresentão
de uma Ética, entendida como filosofia, capaz de endereçar e conduzir a experiência vital do
homem a uma máxima perfeição possível.
(1995, p.25)
9
A Ética foi publicada conjuntamente com outras obras de Spinoza em novembro de
1677, após sua morte. Spinoza elaborou-a num período de aproximadamente 13 anos, tendo iniciado
em 1662 e finalizado em 1675, conforme atesta Mignini (1995, p. 24), quando tinha decidido
publicá-la, mas, devido ao contexto histórico da época, em que fervilhavam as perseguições
religiosas, o fizeram desistir do intento.
É sabido que esta obra foi discutida pelos amigos de Spinoza durante vários anos. Estas
informações estão contidas na correspondência de Spinoza. As primeiras informações sobre o livro
9
La struttura materiale dell’opera e il critério che la determina sono l’espressione di um progetto e di uma intenzionalità
filosofica. Questa consiste nella elaborazione e nella presentazione di un’etica, intesa come filosofia, capace di
indirizzare e condurre l’esperienza vitaledell’uomo alla massima perfezione possibile. Cf. Mignini. Etica: introduzione
alla lettura. La nuova Italia Scientifica. Roma, 1995 p. 25. Livre tradução.
estão na Carta 8 em que S. de Vries escreve a Spinoza solicitando-lhe esclarecimentos sobre a
natureza de algumas definições e axiomas. Estas correspondências deixam claro também que a
Ética era o resultado do trabalho de Spinoza sobre uma obra sua anterior: o Breve Tratado, que,
como salientamos anteriormente, possui elementos filoficos semelhantes ao da Ética. Sobre a
estrutura e composição do texto, a carta a Bouwmeesner, do verão de 1665 nos informa que,
inicialmente, Spinoza havia composto a Ética na forma tripartite, e que a 3ª parte continha
inicialmente 80 proposições, as quais, conforme escreve Spinoza, estaria se ampliando além do
previsto.
Segundo Mignini, a construção da Ética se apresenta como auto - demonstrativa posto
que não reenviem a nenhuma verdade pressuposta tampouco a demonstrações externas. (1995, p.
26) Salientando ainda que uma obra concebida desta maneira requeira um método de exposição e
uma linguagem adequada, que Spinoza assume ter buscado na experiência com a geometria. (1995,
p.26). A estrutura da obra tem como base a matemática
10
, precisamente o método geométrico de
Euclides
11
, iniciando-se com as definições, seguida dos axiomas, das proposições com suas
demonstrações, seguidas por escólios e ou corolários. De acordo com Carlo Vinti (1984, p. 12) “a
exposição da Ética segundo a ordem geométrica tem, além do valor metasico, uma precisa
relevância crítica e terapêutica”. A utilização deste tipo de método tinha como intuito refutar outros,
10
“Isto só por si seria causa bastante para que a verdade ficasse para sempre oculta ao gênero humano, se a matemática,
que não se ocupa de finalidades mas apenas da essência das figuras e respectivas propriedades, não desse a conhecer aos
homens uma outra norma da verdade”. (Ética, I, Apêndice). De acordo com Joaquim de Carvalho, “Espinosa confere a
matemática a função de emancipar o espírito de prejuízos e vetos e de o elevar à inteligibilidade do que é racional, por
ter por indubitável que a matemática é expressão do conhecimento claro e distinto, isto é, do que é inteligível, e,
portanto, da necessidade imanente ao Universo.” Cf. nota 185 de Joaquim de Carvalho in Ética Coleção Os Pensadores,
edição - São Paulo: Nova Cultural. 1989.
11
A questão da escolha do método geométrico em Spinoza tem por princípio o ideal cientifico do século XVII, no qual a
matemática foi instituída como critério da verdade, como linguagem expressiva e explicação constitutiva do real, em
Spinoza, porém essa adesão ao paradigma matemático revestiu-se de críticas aos seus principais expoentes como
Descartes, além disso, a esta concepção de verdade ajuntou prinpios da escolástica medieval, como por exemplo, a
causa sui e a imanência. O uso da matemática está presente em Proclo, Duns Escoto, Descartes entre outros e datam
desse período as publicações de várias obras com ênfase na lógica, como o “Novum Organon, Discurso do Método” .
Cf. Maria Luiza Ribeiro Ferreira – A dinâmica da Razão na Filosofia de Espinosa. Fundação Calouste – Gubenklan
1997. p. 326.
pois, o raciocínio matemático, desde Descartes, já se instaura contra os abusos lingüísticos e as
incertezas terminológicas da Escolástica medieval. Nem por isto faltaram criticas à filosofia de
Spinoza. Até hoje, muitos desses críticos consideram esse método de exposição extremamente
difícil, como (por exemplo), Roger Scrutton (2000, p. 9) que nos fala da austeridade do método
geométrico. Porém, esse detalhe ao invés de obscurecer a obra torna seu conteúdo extremamente
relevante e, a exatidão e rigor matemático com a qual foi escrita conferem aos argumentos de
Spinoza uma força e uma imponência que continuam a atrair, mesmo passados três séculos de sua
publicação, o interesse por parte dos pensadores da atualidade. Marilena Chaui (1999, p. 61) ao
elencar as hipóteses sobre a construção do sistema spinozista assevera que os pressupostos sob os
quais essa filosofia se assenta encontram-se com mais segurança na “matemática e na filosofia
natural moderna” ambas fincadas “geométrica e mecanicamente no racionalismo”.
A Ética é dividida em cinco partes. A primeira parte, intitulada “De Deus”; trata da
esncia de Deus, nela encontramos as principais teses da ontologia spinozista. Compondo-se de 8
definições, 7 axiomas, 36 proposições correlatas de 15 corolários e 14 escólios, conclui-se com um
apêndice sobre a natureza e origem dos prejuízos.
A segunda parte intitula-se Da natureza e da origem da alma
12
, em que se procura
demonstrar que o homem é um modo finito da substância divina única e infinita. Inicia-se com uma
breve introdução, compondo-se de 7 definições, 5 axiomas, 49 proposições correlatas de 18
corolários e 22 escólios; entre as Proposições 13 e 14, intermedeiam-se considerações sobre a física
12
No original em Latim Spinoza utiliza o vocábulo mens; mentis, cujo significado principio pensante, faculdade
intelectual, espírito, inteligência difere significativamente do vocábulo alma utilizado na tradução portuguesa. Giles
Deleuze que nos fornece a seguinte explicação para a ausência da palavra alma na Ética.
“A palavra alma não é muito utilizada na Ética, salvo em raras ocasiões polêmicas. Espinoza a substitui pela palavra
mens – espírito. É que alma, excessivamente imbuída de preconceitos teológicos, não dá conta: da verdadeira natureza
do espírito, que consiste em ser uma idéia, e idéia de alguma coisa; 2º da verdadeira relação com o corpo, que é
precisamente o objeto dessa idéia; 3º da verdadeira eternidade na sua diferença de natureza com a pseudo-imortalidade;
4ºda composição pluralista do espírito, como idéia composta que possuem tantas partes quantas faculdades”. (2002:76).
e a natureza do corpo, constituído de 4 axiomas, 6 postulados, 7 lemas e uma definição. Spinoza
introduz entre outras coisas, o conceito de corpo, atributo de Deus, ao qual conhecemos como
extensão e o atributo pensamento pelo qual conhecemos Deus como ele é em si. A mente e corpo
13
estão intrinsecamente relacionados, não existe separação entre um e outro como propunha
Descartes, mas os dois são modos finitos da substância infinita (EII P13).
A terceira parte –Da origem e da natureza das afecções” busca demonstrar-se que a
essência do homem é, acima de todas as outras coisas, o conatus, ou seja, um esforço de auto
conservação. Esta parte se abre com um prefácio
14
e é constituída de 3 definições, 2 postulados, 59
proposições correlatas com 14 corolários e 37 eslios, compreendendo também uma seção final
dedicada a 49 definições dos afetos
15
, 27 das quais seguidas de uma explicação. Spinoza inicia esta
parte com um prefácio onde se contrapõe aos pensadores que trataram as afecções como algo
externo as leis comuns da Natureza. Critica a iia desenvolvida por muitos de que o “homem é um
império num império” e que as ações humanas são guiadas por uma força exterior aos homens,
preferem não conhecer de forma racional as afecções e estas ações. Ele estabelece ainda que o
pensamento seja causa do corpo, e que este é proporcional àquele, existindo, portanto, uma união
relacional identificada através das afecções que afetam o corpo ou das iias existentes no espírito,
sendo através das afecções que este percebe o corpo. Daí resultando que corpo e espírito formam o
13
Para Spinoza a essência do homem é constituída de certas modificações dos atributos de Deus, ou seja, do
pensamento e da extensão. Assim podemos estabelecer que o que denominamos de alma nada mais é que um conjunto
de modos derivados, elementares, do atributo pensamento da substância única. E, igualmente o corpo nada mais é que
um complexo de modos derivados, elementares, do atributo extensão da mesma substância.
14
Neste prefácio Spinoza deixa bastante claro sua opção pela ordem geométrica ao enfatizar que tratará “da natureza e
força das afecções, e do poder da alma sobre elas, com o mesmo método com que nas partes precedentes tratei de Deus e
da alma, e considerarei as ações e os apetites humanos como se tratasse de linhas, superfícies ou de volumes”. (E III,
Apêndice)
15
Spinoza entende que as emoções marcam a alma, e por isto seu estudo sobre as afecções conta com um processo
descritivo dos mesmos, cujos detalhamentos se encontram nas Definições das afecções que fecham esta parte da Ética.
homem integralmente, pois a cada estado ou mudança do espírito, corresponde um estado ou
mudança do corpo, mesmo que o espírito e o corpo não possam agir mutuamente um sobre o outro.
A quarta parte, intitulada – “Da servidão humana ou das forças das afecções”,
demonstrauma fenomenologia das paixões humanas” (cf. Mignini, 1995, p. 27), ou seja, de como
as forças destas causas externas se conectam e se organizam, daí que, identificando as causas dessas,
seja possível remediá-las. Esta parte também tem início com um prefácio e é constituída de 8
definições, de um único axioma e de 73 proposições correlatas de 17 corolários e 39 escólios,
concluindo-se com um breve apêndice, seguindo-se 32 capítulos nos quais as coisas essenciais
anteriormente ditas são novamente expostas, como salienta o próprio Spinoza, de maneira reduzida.
No prefácio, Spinoza conceitua servidão humana
16
a impotência do homem de se auto-governar
diante das afecções. Nas primeiras dezoito proposições, o autor examina as causas e as condições da
impotência humana, essas são reguladas pelo axioma proposto onde temos o seguinte: “Não existe,
na Natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista uma outra mais poderosa e mais forte que
ela. Mas, dada uma coisa qualquer, é dada uma outra mais poderosa pela qual a primeira pode ser
destrda.”
17
(EIV a) E pela proposição 2 desta mesma parte: “Nós padecemos na medida em que
somos uma parte da Natureza que não pode conceber-se por si mesma e sem as outras
18
.” Seguindo-
se as demais proposições que corroboram com esta idéia. No escólio da proposição 18 Spinoza
expõe o critério geral sob o qual se fundamenta o julgamento das coisas boas e más. Este critério o
guiará na exposição de todos os afetos de que trata nesta parte da Ética.
16
Para Spinoza o homem que não domina as afecções não é senhor de seu destino, mas ao contrário refém da sorte.
Spinoza recorda que, como já havia dito antes no Breve Tratado e na primeira parte da Ética, que perfeição e
imperfeição, bem e mal, são em si nada mais que entes de razão.
17
Nulla res singularis in rerum natura datur qua potentior et fortior non detur alia. Sed quacunque data datur alia
potentior a qua illa data potest destrui. (EIVa)
18
Nos eatenus patimur quatenus Naturæ sumus pars quæ per se absque aliis non potest concipi. (E IV P2)
A quinta e última parte, intitulada “Da potência, da inteligência ou da liberdade
Humana”, come-se de 2 axiomas, 42 proposições, 8 corolários e 17 escólios e um prefácio, no
qual tece algumas observações contra Descartes e os estóicos, afirmando que não temos domínio
absoluto sobre as paixões como estes defendiam. Demonstrando também que sua intenção é mostrar
quais e quantos poderes têm a mente humana para frear e governar os afetos e, exe e discute as
teses de Descartes. Ressalta que a potência da alma é definida pela sua inteligência, e é através do
conhecimento adequado que a alma alcança a beatitude.
Spinoza inicia a Ética buscando explicar a existência e a composição do mundo. Seus
pressupostos baseavam-se nas idéias cientificamente elaborada, ou seja, suas explicações às
questões fundamentaiso se encontram em experimentos, mas na razão, daí por que seu método de
expressão seja o geométrico. “A razão não conhece outro método”, como salienta Scruton (2000,
p.9). Usando uma linguagem enfática, mas nem sempre de fácil compreensão, coloca-nos diante das
explicações das questões fundamentais e nos remete à compreensão dos mecanismos que regem o
universo, partindo primeiramente da iia de Deus. Spinoza abre a 1ª parte da Ética com oito
definições que fazem referência à causa de si, a coisa finita no seu gênero, à substância, aos
atributos, aos modos, sua concepção de Deus, sua concepção de liberdade, e de eternidade. Ele
admite apenas a existência de uma única substância, negando assim a tradição da criação ex-nihilo.
É a teoria do primeiro princípio do qual tudo depende, constrda no rigor de um método
profundamente anatico que tem como premissa basilar a verdade e sua exposição. Para Spinoza,
portanto, só existe uma substância e esta é causa de si mesmo, ou seja, sua essência não necessita ser
concebida por outra causa, nem necessita de um outro conceito para dele ser deduzido.
Deste modo é que as oito primeiras definições da 1ª parte da Ética, ao dedicarem-se à
explicação de Deus, vão expressar o pensamento e consubstanciar a filosofia de Spinoza. Apoiado
em seu método de chegar à verdade, como havia proposto no TIE, inicia com as definições, que são
explicações da essência íntima da coisa, claras e evidentes por si mesma. Como se podem constatar
nos exemplos resumidos das oito definições da Ética I: “Por causa de si entendo aquilo cuja
essência envolve a existência” (EI def1), isto é, numa explicação superficial podemos inferir que
existe um ser cuja verdadeira natureza é existir por si próprio, independentemente. “Uma coisa é
finita quando podemos limitá-la por outra da mesma natureza” (EI def.2), ou seja, as coisas são
finitas quando se limitam com outras da sua mesma configuração, havendo uma delimitação do
começo e do fim de uma coisa quando nos remetemos a outras coisas do mesmo gênero, daí que não
possamos limitar um pensamento a não ser com outro pensamento. “A substância é independente em
si” (EI def.3): aqui se encontra um dos termos básicos da filosofia de Spinoza, o conceito de
substância, e é importante salientar que este termo, embora seja usado por vários filósofos desde
Aristóteles, em Spinoza, adquire uma conotação singular, pois a substancia é uma coisa
independente de outra coisa, ela é em si mesma, dela dependem outras coisas, mas ela é causa de si,
existe independentemente. Da substância decorrem os atributos e os modos
19
. “O atributo é o que o
intelecto percebe da substância” (EI def.4), e o intelecto precisa ser corrigido parao ser
limitante
20
. “Por modo entendo as afecções da substância” (EI def.5), “Por Deus
21
entendo o ente
19
De acordo com CHAUI (1999:90-91) “Um modo é uma essência singular existente, necessária porque duplamente
determinada a ser o que é e a existir como existe: é determinada pela potência dos atributos substanciais e pelos nexos
causais da Natureza Naturada. Porque exprime a potencia da substancia, é intrinsecamente afirmativo, positivo,
indestrutível, nada havendo em seu interior leve a autodestruição.
20
No TIE, Spinoza afirma a necessidade de se proceder a uma correção da inteligência e de purificá-la o máximo
possível. Para alcançar este objetivo ele estabelece regras de vida a serem observadas a fim de não ocupar a inteligência
em demasia, ou seja, é preciso viver enquanto se busca um caminho para corrigir a inteligência, cabe eno facilitar a
vida através de regras simples. Para Spinoza existe em nós instrumentos naturais capazes de nos levar ao mais alto grau
de conhecimento, estes instrumentos forjam instrumentos intelectuais cujo poder é sempre nos levar adiante no caminho
do próprio conhecimento, no entanto a mente humana, estando imersa em outras atividades desconhece suas capacidades
inatas e portanto, necessita corrigir-se para alcançar a verdade. Cabe ressaltar que a discuso em torno da concepção da
inteligência humana não foi levada à cabo por Spinoza, o que deixou uma lacuna em seu Tratado.
21
Deste modo, a demonstração de Deus em conformidade com o livro I da Ética, pode ser resumida nas palavras de
CHAUI (1983): Deus é causa livre porque age apenas conforme a necessidade de sua essência. É causa de si porque sua
esncia e existência são idênticas a sua potencia. É causa absoluta porque produz as essências e existências de todas as
coisas. E é causa eficiente imanente e não transitiva de todas as coisas. (1983, p.70)
absolutamente infinito, isto é, uma substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais
exprime uma essência eterna e infinita” (EI def.6). Portanto, por ser causa sui, Deus é uma
substância que não remete a nenhuma outra substância, exceto a ela mesma. Possuindo inúmeros
atributos, cada um dos quais expressa uma essência infinita e eterna, (Scruton; 2000:13). Diz-se
livre o que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e por si só é determinado a agir;
e dir-se-á necessário, ou mais propriamente, coagido, o que é determinado por outra coisa a existir e
a operar de certa e determinada maneira (ratione) (EI def 7). Assim sendo, é que podemos
compreender que a liberdade é um estado de ser, quando se existe por si, e necessário quando
determinado por outras coisas. “Por eternidade entendo a própria existência enquanto concebida
como seqüência necessária da mera (ex sola) definição de coisa eterna (EI def.8)”. A eternidade
transcende o tempo, é está fora do tempo, diferentemente da duração que possui um começo e um
fim, portanto, é verdade eterna sem começo nem fim.
Segundo ainda, MIGNINI (1995) não se pode duvidar que a primeira e fundamental tese
da Ética, da qual todas as outras dependem de qualquer modo, consiste na concepção do Ser como
substância única, entendida como potência, força ou energia infinita absoluta que é causa de si e por
si. Esta substância, denominada de Natureza Naturada ou Deus, contém em si mesmo todas as
determinações, ou seja, explica e implica o todo, é causa imanente e necessária, com a mesma
potência que é causa de si.
Capítulo II
“A alma, enquanto faz uso da razão,
não julga que alguma coisa lhe seja útil
senão aquilo que conduz ao conhecimento
(E IV P26)
O conhecimento segundo
Espinosa
Este capítulo tem como objetivo descrever como se processa o conhecimento na
filosofia de Benedictus de Espinosa
22
. O problema do conhecimento humano é tratado por Espinosa
em três obras, no Tratado da Reforma do Intelecto (1662) obra inacabada, no Breve Tratado
(1661)
23
e por último em sua obra maior, a Ética (1677).
22
Esclarecemos que diversas são as terminologias acerca deste assunto adotadas pelos comentadores da obra de Espinosa
e seus tradutores, às vezes encontram o termo modos de percepção, gêneros de conhecimentos, ou ainda modos de
conhecimento. Aqui adotaremos a terminologia usada nas traduções do TIE, KV e Ética em conformidade com a
designação utilizada nestas três obras, a saber, Modos de percepção no TIE, Modos de percepção no KV e Gêneros de
conhecimento na Ética.
23
De acordo com Mignini ao iniciar a redação da Ética durante o ano de 1662, Espinosa não fazia mais que reelaborar e
ampliar uma obra finalizada no inverno de 1661, no caso o Breve Tratado, o qual não havia publicado dada a
possibilidade de perseguição religiosa. In Filipo Mignini: Ética: Introduzione alla lettura. Roma – La Nuova Itália
Scientifica, 1995, p. 21.
Antes de proceder a uma exposição acerca do conhecimento nas obras acima citada, é
necessário compreendermos o que é o conhecimento para Espinosa, para isto, partimos da afirmação
de Gilles Deleuze na qual afirma que, para Espinosa, “o conhecimento não é uma operação de um
sujeito, mas a afirmação da idéia na alma
24
” (2002, p. 63). Salientando ainda que: “o conhecimento
é a auto-afirmação da iia, “explicação” ou desenvolvimento da iia, à maneira de uma essência
que se explica em suas propriedades ou de uma causa que se explica nos seus efeitos” (Deleuze,
2002, p. 63).
É mister salientar que o pensamento de Espinosa acerca do conhecimento sofreu
alterações significativas entre uma obra e outra, ou seja, a analise desenvolvida no KV, no TIE e na
Ética apontam para uma distinção no modo de abordar, descrever e analisar o tema. Para Chaui
(1999, p 668), os intérpretes das obras deste filósofo “costumam explicar a multiplicidade de
exposições invocando seja uma evolução do pensamento de Espinosa; sejam os destinatários das
obras”. Além disso, habitualmente consideram a exposição do TIE indecisa, pois nesta obra há uma
dificuldade em situar o conhecimento racional, pois este modo de conhecimento apesar de ser isento
de erro, ainda o é considerado adequado, na Ética e no KV, entretanto o lugar da razão é
claramente determinado como conhecimento verdadeiro de relações e propriedades (Chaui, 1999, p.
668). Por este motivo, salienta esta autora, se, ao invés de buscarmos a explicação na gênese do
sistema Espinosano ou na diversidade dos destinatários, pautarmos a análise nas decisões filoficas
que o balizaram, perceberemos que as diferenças expositivas deste foram adquirindo novas
perspectivas na medida em que os campos de referências adotados pelo autor se modificavam.
24
De acordo com Giles Deleuze a palavra alma não é muito utilizada na Ética, salvo em raras ocasiões polêmicas.
Espinosa a substitui pela palavra mens – espírito. É que alma, excessivamente imbuída de preconceitos teológicos, não
conta: 1º da verdadeira natureza do espírito, que consiste em ser uma idéia, e idéia de alguma coisa; 2º da verdadeira
relação com o corpo, que é precisamente o objeto dessa idéia; 3º da verdadeira eternidade na sua diferença de natureza
com a pseudo-imortalidade; 4ºda composição pluralista do espírito, como idéia composta que possuem tantas partes
quantas faculdades. (Espinosa- Filosofia Prática – 2002, p. 76).
Conseqüentemente se tomarmos o campo de referência do autor para o KV e a Ética, percebe-se
certa proximidade, pois, em ambas as obras, salienta-se o saber intuitivo, “que se pauta no interior
de um movimento cognitivo inteiramente novo, em que a essência da mente humana é deduzida de
sua causa necessária”, ou seja, Deus. Quanto ao TIE o campo de referência é uma perspectiva
descritiva com base no desenvolvimento histórico das ciências, tratando-se, pois de “uma descrição
propriamente epistemológica”, como assevera Chaui:
No caso da Emenda do Intelecto, porém, Espinosa coloca-se na perspectiva descritiva (“a
ordem que naturalmente temos”), que deverá permitir indicar aquele modo de percepção
capaz de produzir conhecimento verdadeiro (“na devida ordem”). Donde a referência (...) ao
exercício da razão nas ciências constitdas que podem, como história, indicar o usus do
intelecto como força cognitiva e sua relação com a imaginação como obstáculo e como
auxílio ao exercio dessa força da qual, por seu turno, ela também receberá auxílios “para o
uso dos sentidos”. Justamente porque a história oferece várias ciências constituídas e são
elas o campo de referência da primeira parte do método. (1999, pp.668; 669)
Ainda sobre o campo de referência de Espinosa em relação às demais obras usadas nesse
capítulo, Chauí esclarece que:
As maneiras de conhecer são deduzidas da natureza de nossa mente não em vista da
constituição das ciências, mas em vista do saber intuitivo que é “fruição do ser” (na
Korte Verhandeling) e “alegria acompanhada da idéia de Deus como causa” ou o
eterno amor intelectual de Deus que tem a mente como causa formal “enquanto a
própria mente é eterna (na Ethica)
(1999, pp.668; 669).
De acordo com Delbos no KV, Espinosa analisa o conhecimento como “objeto supremo
de suas tendências e de seu amor”, o caráter científico do conhecimento não tem lugar privilegiado
nesta obra, (2002, p.95). Ainda, segundo Delbos, a análise cientifica do conhecimento propriamente
dita se encontra na obra TIE, embora o autor tenha também dedicado boa parte da mesma em
estabelecer que a finalidade das ciências seja contribuir para a perfeição humana. É na Ética que
Espinosa associa o conhecimento explicativo ao conhecimento que salva como observa Delbos
(2002, p. 95). A observação de certa identidade entre o KV e a Ética no que concerne ao
conhecimento se torna procedente, pois nestas obras Espinosa estabelece uma relação entre
conhecimento e salvação, entretanto, a abordagem do conhecimento utilizada no TIE, conforme
atesta este autor, se trata de uma análise científica da natureza e condições do conhecimento
explicativo, pois no TIE Espinosa busca compreender a natureza do conhecimento em seu caráter
metodológico, sem esquecer, que o escopo deste filósofo é dirigir todas as ciências que são alcançar
a perfeição humana (TIE; § 16). Deste modo, podemos concluir com Delbos que na Ética Espinosa
buscou conciliar os dois aspectos do conhecimento, ou seja, no conhecimento como objeto de amor
e no conhecimento em seus aspectos científicos, portanto, a Ética “[...] manifesta por completo a
ligação que Espinosa esforçou-se por estabelecer entre o conhecimento que explica e o
conhecimento que salva” (2002, p. 95). Assim sendo, a análise procedida das obras de Espinosa nos
leva a acreditar que o conhecimento tem um caráter eminentemente prático, haja a vista o objetivo
proposto por Espinosa, qual seja, a de dotar o homem de uma capacidade intelectual que o liberte da
superstição e da ignorância que o leva a agir movido pelas paixões e a acreditar no acaso, na sorte,
como fatores determinantes dos fatos que ocorrem em suas vidas. Essa alise é mais bem
compreendida quando retomamos aos parágrafos iniciais do TIE, os quais seo analisados nas
próximas páginas. Neste sentido é que concordamos com estudiosos de Espinosa que buscam
demonstrar que o conhecimento deste pensador possui um caráter prático.
2.1. Os modos de percepção no Tratado da Reforma do Intelecto
O Tratado da Reforma do Intelecto é a obra por excelência de Espinosa que tem como
objeto a preocupação com o conhecimento, mas não trata apenas dessa questão apesar de discuti-la
amiúde; nela encontramos expostas as considerações de Espinosa acerca do método, das idéias, da
inteligência e suas propriedades. Por isso, antes de adentrar propriamente nos aspectos do
conhecimento, optamos por esclarecer alguns aspectos da obra em questão abordados pelo autor.
Espinosa inicia a primeira seção do TIE com algumas observações minuciosas sobre alguns
aspectos da vida e seus acontecimentos cotidianos. Assim é levado a relacionar que os homens
imaginam que das coisas que realizam são considerados bens supremos as riquezas, as honras e a
concupiscência. Mas as riquezas, as honrarias e a concupiscência quando buscadas demasiadamente,
absorvem todo o ser do homem, privando da capacidade de pensar. O homem gosta da paixão e dos
prazeres, mas, após seu deleite, deles resta somente à tristeza. Os prazeres, as riquezas e as honras
devem ser um meio, não um fim; portanto devem existir apenas na medida exata para se manter a
vida e a boa saúde. (TIE; §3-4)
Quando o autor se dedica a analisar a cotidianidade da vida, tem um objetivo maior, sua
indagação é por encontrar algo que fundamente a busca do homem por um fim. É, portanto
buscando uma resposta para a inquietação humana diante da vida que ele encontrará um sentido para
a sua vida, pois procurando por algo que dê sentido a sua encontra algo que pode dar sentido a de
outros como ele, cuja angústia diante da existência nos leva procurar o melhor para viver.
Percebemos a importância desta busca de Espinosa no
§14 do TIE
25
, nesta passagem o autor
demonstra que a sua felicidade consiste no esforço de que muitos pensem como ele, e que o
intelecto e o desejo de muitos coincidam com o seu, através da compreensão da própria natureza e
da formação de uma sociedade em que todos possam alcançar esse mesmo objetivo.
Fica claro aqui que Espinosa tem a preocupação de verificar a finalidade última do
homem, que, como foi salientado anteriormente, se trata de alcançar um bem superior, cujo encontro
proporcione satisfação duradoura e contribua para a conservação do nosso ser
26
, fundamento que
não se observa quando somos impelidos a buscar a satisfação de nossa vida em trivialidades. (TIE;
§ 7).
Em conformidade com o que foi exposto, percebemos então que nossa existência só
adquire um sentido quando sabemos o que buscamos para ela. Se dedicarmos nossa existência à
busca de coisas efêmeras, a satisfação alcançada por elas serão também efêmeras. Sobre isto
Espinosa é enfático:
(...) Assim, parecia claro que todos esses males provinham disto – que toda
felicidade ou infelicidade reside em uma só coisa, a saber, na qualidade do objeto
ao qual nos prendemos por amor. De fato, nunca surgem disputas por coisas que
o se amam; nem há qualquer tristeza se elas se perdem; nem inveja, se outros a
possuem; nenhum ódio e, para dizer tudo numa palavra, nenhuma perturbação da
25
Hic est itaque finis, ad quem tendo, talemscilicet naturam acquirere, et ut multi mecum eam acquirant conari, hoc est,
de meã felicitate etiam est operam dare, ut alii multi idem atque ego intelliigant, ut eorum intellectus et cupiditas prorsus
cum meo intellectu et cupiditate conveniant;utque hoc fiat, necesse est tantum de natura intelligere, quantum sufficit ad
talem naturama acquirendam. 1); deinde formare talem societatem, qualis est desiderata, ut quamplurimi quam facilime,
et secure eo perveniant.
(TIE; §14).
Eis, pois, o fim a que tendo: adquiri essa natureza e esforçar-me para que, comigo, muitos outros a adquiram; isto é,
faz parte de minha felicidade o esforçar-me para que muitos outros pensem como eu e que eu intelecto e seu desejo
coincidam com o meu intelecto e meu desejo; e, para que isso aconteça, é necesrio compreender a própria natureza; e
depois formar a sociedade que é desejável para que o maior número possivel chegue fácil e seguramente àquele
objetivo”.
26
O principio de conservação do ser será trabalhado posteriormente em sua Ética e constitui elemento fundamental para
o sistema Espinosano, pois se trata da teoria do Conatus ou potência, prinpio da perseverar no ser.
alma (animus). Ao contrário, tudo isso acontece quando amamos coisas que podem
perecer, como são aquelas que acabamos de falar. [10] Mas o amor das coisas
eternas e infinitas nutre a alma (animus) de puro gozo, isento de qualquer tristeza;
isso é que é de desejar-se grandemente, e se deve buscar com todas as forças. (TIE;
§ 9-10)
27
Pelo que acima expomos, o racionalismo de Espinosa nos leva a acreditar que, se ao
contrário, utilizarmos nossa força vital no intuito de descobrir uma razão verdadeira, imutável,
infinita e eterna, então alcançamos uma satisfação, uma felicidade infinita.
Espinosa compreende que o ser humano admite a existência de uma natureza superior a
sua, a qual ele almeja alcançar (TIE, § 12,). Para isto, no entanto, é necessário procurar os meios
com os quais se alcançará esta natureza superior. Portanto, para ele, é necessário dirigir todas as
ciências a serviço do homem, a filosofia moral, a educação das crianças, a medicina e a mecânica,
(TIE, § 15) para que ele alcance a suma perfeição. Espinosa enfatiza que, enquanto desenvolvemos
a intelincia para que ela compreenda as coisas com perfeição é necessário viver então, devemos
observar o cotidiano transformando-o através de regras de vida capazes de nos permitir que a
“inteligência possa ser reconduzida ao bom caminho” (TIE, § 17). São as seguintes as regras
observadas por Espinosa:
27
“Videbantur porro ex eo haec orta esse mala, quod tota felicitas aut infelicitas in hoc solo sita est; videlicentin
qualitate obiecti, cui adhaeremus amore. Nam propter illud, quod nom amatur, nunquam orientur lites, nulla erit tristitia,
si pereat, nulla invidia, si ab alio possideatur, nullus timos, nullum odium, et, ut verbo dicam, nullae commotiones
animi; quae quidem omnia contingunt in amore eorum, quae perire possunt, uti haec ominia, de quibus modo locuti
sumus.” (TIE, § 9)
“Sed amor erga rem aeternam et infinitam sola laetitia pascit animun, ipsaominis tristitae est expers; quod valde est
desiderandum totisque vivibus quaerendum. Verum non absque ratione usus sum his verbis: modo possem serio
deliberare. Nam quamvis haec mente adeo clare preciperem, non poteram tamem ideo omnem avaritiam, libidinem,
atque gloria deponere. .” (TIE, § 10)
1. Falar ao alcance do povo e fazer conforme ele faz tudo aquilo que não traz
embaraço a que atinjamos nosso fim, Devemos convir em que podemos lograr não
pouca vantagem com o afazer-nos, na medida do possível, ao seu modo de ver;
acrescente-se que, com isso, se encontrarão ouvidos prontos para aceitar a verdade;
2. Gozar dos prazeres só o quanto é suficiente para a manutenção da saúde.
3. Enfim, querer dinheiro, ou qualquer outra coisa, só na medida em que é
suficiente para as necessidades da vida, para a conservação da saúde e para
conformar-nos com os costumes da cidade que não se oponham ao nosso objetivo.
(TIE, § 17, p.12 -13)
28
Como proceder a uma reforma da inteligência a fim de que ela alcance seu fim?
Inicialmente Espinosa parte da observação da ordem natural que utilizamos para perceber as coisas,
ou seja, é necessário ter um conhecimento claro de como procedemos para conhecermos as coisas
para depois disto escolhermos qual o melhor modo de percepção que nos faz afirmar ou negar
alguma coisa, somente após este procedimento é que podemos iniciar a reforma da inteligência e
proceder a uma escolha metodológica da forma de percepção que melhor se adapta ao nosso
objetivo. Este foi o procedimento utilizado por Espinosa em sua obra como em seguida veremos. O
escopo de Espinosa nesta obra é, portanto, verificar como se procede a obtenção do conhecimento
com o qual percebemos o mundo ao nosso redor, para, em seguida, proceder à correção da
inteligência, utilizando um método adequado, como sugere o título da obra. Nesse mesmo sentido, a
análise do conhecimento em Espinosa elaborada por Delbos atesta que no TIE, o conhecimento é
uma atividade do espírito:
28
I. Ad captum vulgi loqui, et illa omnia operari, quae nihil impedimenti adferunt, quominus nostrum scopum
attingamus. Nam nom parum emolumenti abe o possumus acquirere, modo ipius captui, quantum fieri potest,
concdamus; adde, quod tali modo amicas praebebunt aures ad veritatem audiendam. II. Delicius in tantu frui, in quantum
ad tuendam valetudinem sufficit. III. Denique tantum nummorum, aut cuiuscumque alterius rei quarere, quantum sufficit
ad vitam, et valetudinem sustentandam, et ad mores civitatis, qui nostrum scopum non oppugnant, imitandos.
(TIE, §
17).
O conhecimento não é mais apresentado como resultado de uma influencia da coisa
sobre o espírito. A doutrina do paralelismo dos atributos, cuja significação é
epistemológica ao mesmo tempo em que metafísica, sem ser literalmente invocada,
é aplicada rigorosamente. Em vez de exprimir a ação total dos objetos, as iias
verdadeiras exprimem a ação própria do espírito; elas derivam umas das outras a
partir do primeiro e consoante relações que traduzem a conexão real das coisas.
(2002; p.101).
Rocha Fragoso, ao analisar os modos de conhecimento no TIE, conclui: “Espinosa
afirma no parágrafo 18 do TIE que a primeira coisa que se deve fazer é corrigir o entendimento,
para torná-lo apto a entender as coisas como é necessário para atingir nosso intento” (1994, p, 184).
Neste mesmo sentido, no parágrafo 19 do TIE, Espinosa distingue quatro modos de percepção,
sobre os quais dará exemplos nos parágrafos seguintes, a fim de facilitar a compreensão dos
mesmos. Os modos de percepção descritos por Espinosa são:
I
. Há uma percepção que temos pelo ouvir ou por algum outro sinal que se designa
convencionalmente.
II. Há uma percepção que se adquire da experiência vaga, isto é, de uma experiência que
não é determinada pela inteligência e que assim é chamada porque um fato ocorre de certo
modo e não temos nenhuma outra experiência que a ele se oponha e por isso permanece
firme.
III. Há uma percepção em que a essência de uma coisa se conclui de outra, mas não
adequadamente; o que se dá quando de algum efeito deduzimos sua causa, ou quando se
conclui a partir de algo universal, que vem sempre acompanhado de alguma outra
propriedade.
IV. Finalmente há uma percepção em que uma coisa é percebida só pela sua esncia ou
pelo conhecimento de sua causa próxima. (TIE; §19, p.14)
29
29
“I. Est perceptio, quam ex auditu aut ex aliquo signo, quod vocant ad placitum, habemus. II. Est perceptio, quam
habermus ab experientia vaga, hoc est, ab experientia, quae non determ,inatur ab intelectu, sed tantum ita dicitur, quia
casu sic occurrit et nullum aliud habemus experimentum, quod hoc oppugnat, et ideo tanquam inconcussum apud nos
manet. III. Est perceptio, ubi essentia rei ex alia re concluditur ab aliquo universali, quod semoper aliqua proprietas
concomitatur. IV. Denique percepitio est, ubi res percpitur solam suam essentia, vel per cognitionem suae proximae
causae”. (TIE; §19)
A divisão dos modos de conhecimento já fora elaborada pela filosofia clássica como em
Platão e Aristóteles. Platão, no Livro VI da República, estabelece uma divisão dos modos do
conhecimento em quatro tipos, a saber: a Imagem, a Opinião, o Raciocínio (dianóia) e a Intuição
intelectual (epistéme e nóesis). Note-se que aqui estão estabelecidos diferentes graus de
conhecimento, a Imagem como primeiro modo de conhecer está relacionado com as imagens que
fazemos dos objetos através da sensação, a Opinião forma-se também pela sensação, pela crença que
depositamos naquilo que conhecemos pelas sensações e pelo ouvir dizer; o conhecimento obtido
pelo raciocínio discursivo que opera por etapas nas quais se distinguem inicialmente o processo de
divisão e posteriormente o de compreensão pelo pensamento. O quarto modo é a Intuição
intelectual, considerado por Platão o mais alto grau de conhecimento, pois se constitui pela
capacidade de ter um conhecimento e também pela capacidade de inteligir, ou seja, compreender
pelo pensamento. Esse nível de conhecimento, segundo Platão, leva-nos a conhecer a esncia. Cabe
salientar que Platão opunha radicalmente o conhecimento sensível do conhecimento intelectual, pois
considerava o primeiro tipo de conhecimento falso, sendo o conhecimento intelectual sempre
verdadeiro porque desvinculado das sensações. A análise do conhecimento em Aristóteles baseia-se
na divisão que este faz das funções da alma, distinguindo aquelas que pertencentes aos homens
daquelas dos animais não racionais. Assim, a alma possui as funções indispensáveis à vida, como a
nutrição e a reprodução e atividades estritamente vinculadas ao pensamento, como a reminiscência e
a linguagem. Portanto, em conformidade com as funções da alma ou da psykhê, temos o
conhecimento sensível, o intelectivo e a intuição intelectual. Apesar de reconhecermos a
importância das formulações desses filósofos para a compreensão do conhecimento humano, não
nos deteremos em alises pormenorizadas, nosso intuito aqui é perceber a influência destes autores
na obra de Espinosa. Portanto, acreditamos que a análise do conhecimento em Espinosa encontra
certa proximidade tanto da filosofia de Platão quando esse estabelece a divisão do conhecimento em
diferentes graus: para ambos os filósofos, há o conhecimento adquirido pelos sentidos que nos
induzem à falsidade e à opinião, e existe o conhecimento obtido pelo raciocínio discursivo,
matemático, que apesar de nos encaminhar para a essência das coisas ainda se apóia em deduções,
são derivados não são princípios. Tratando-se de um conhecimento hipotético-dedutivo. Por último
a intuição intelectual
30
único reconhecido como capaz de nos levar a verdade ou essência, pois
operando com o método dialético, permite-nos alcançar a verdade num movimento ascendente. No
que diz respeito a Aristóteles, percebemos sua influência na filosofia de Espinosa, quando esse
considera a atividade intelectual como algo forjado pela aprendizagem, já que o conhecimento
sensível e a imaginação são etapas que antecedem a aquisição da atividade intelectiva, devido a seu
caráter científico. Espinosa admite que “a intelincia pela força natural fabrica para si instrumentos
intelectuais com os quais ganha forças para outras obras intelectuais” (TIE, §31)
31
.
Procedendo a uma análise dos modos de percepção em Espinosa podemos deduzir que o
primeiro e segundo não nos conduzem a um conhecimento adequado. De acordo com Teixeira, são
conhecimentos dos sentidos e da imaginação sobre o sensível” (2004; p.XIV). Esses modos de
pensar, embora considerados inferiores, são de extrema relevância, pois, através deles, o homem
consegue pensar sobre as coisas necesrias à sua sobrevivência imediata. As ilustrações utilizadas
por ele nos evidenciam que, com estes modos de percepção, só conhecemos superficialmente visto
serem baseados em idéias vagas e difusas pelas quais conhecemos as coisas gerais de nossa vida.
Para expor melhor estes modos de percepção, Espinosa exemplifica-os utilizando coisas do
cotidiano. Para o primeiro modo de percepção, coisas das quais nunca duvidamos, como: saber o dia
30
O conhecimento intuitivo ou intuição intelectual foi descrito por Descartes como “o conceito do espírito puro e atento,
tão fácil e distinto, que o fique absolutamente dúvida alguma a respeito daquilo que compreendemos, ou o que é a
mesma coisa, o conceito do espírito puro e atento, sem dúvida possível, que nasce apenas da luz da razão, e que, por
mais simples, é mais certo que a mesma dedução, a qual, todavia, não pode ser manifesta pelo homem”. In Regras para
a Direção do Espírito – Martin claret – São Paulo, 2005.
31
“(...) sic etiam intellectus vi sua nativa 1) facit sibi instrumenta intellectualia, quibus alias vries acquirit ad alia opera
(TIE, §31)
de nosso nascimento; quem são nossos pais, a idéia de que vamos morrer. (TIE, §20). Por
experiência vaga, que é o segundo modo, sabemos que o cão é um animal que ladra; que o homem é
um animal racional. Concluindo que: “assim cheguei a conhecer quase tudo o que diz respeito ao
uso da vida”. (TIE, §20)
32
.
O terceiro modo de percepção é aquele no qual concluímos uma coisa pela outra, neste
se observa que temos o conhecimento do efeito pelo qual deduzimos sua causa, mas não da causa
em si. O exemplo utilizado por Espinosa nos fornece o seguinte relato:
Eis como de uma coisa concluímos outra: quando percebemos claramente que sentimos um
certo corpo e nenhum outro, disso, digo, claramente conclmos que a alma (animus) está
unida ao corpo, que essa união é a causa daquela sensação, mas daí o podemos entender,
de modo absoluto, o que seja essa sensação e essa união. (TIE, § 21)
.
33
Se pensarmos na visão, como sugere Espinosa, percebemos que, conhecendo sua
natureza, enganos como os causados pela distância em relação aos objetos serão imediatamente
refutados, pois, ao observarmos algo que à distância nos pareça pequeno, saberemos que estamos
equivocados, pois as imagens formadas em nossa mente não correspondem ao tamanho exato do
objeto em questão. Este exemplo evidencia que este modo de percepção não nos dá a essência da
coisa, pois a essência particular da coisa não fica evidente, dado deduzir do efeito a sua causa. O
conhecimento no 3º modo de percepção é dado pelas propriedades dos objetos e não pela essência
do mesmo, é o raciocínio hipotético-dedutivo aplicado pela matemática, o qual veremos mais
adiante em alise do próprio Espinosa. Há neste caso uma generalização da causa, e por este modo
32
(...) et sic fere omnia novi, quae ad usum vitae faciunt” (TIE, §20)
33
“Ex alia vero re hoc modo concludimus: postquam clare peripimus, nos tale corpus sentire et nullumaliud, inde,
inquam, clare concludimus animam unitam esse corpori, quae unio est causa talis sensationis 1); sed quaenam sit illa
sensatio et unio, non absolute inde possumus intelligere.” (TIE, §21)
de percepção ficamos na aparência e, dificilmente alcançamos à essência do objeto em observação.
(TIE, § 21)
O quarto modo de percepção é aquele pelo qual percebemos a essência da coisa, por ele
sabemos que conhecemos, e foi denominado por Espinosa de conhecimento intuitivo
34
.
Por último, uma coisa é percebida só pela sua essência quando, por isso mesmo que
sei uma coisa, sei o que é conhecer qualquer coisa; ou quando pelo fato de conhecer
a essência da alma (anima) sei que ela está unida ao corpo. (TIE, § 22).
35
Os parágrafos 23 e 24 são dedicados a exemplificar este tipo de conhecimento. Espinosa
recorreu a um exemplo aritmético para ilustrá-lo, no caso a procura por um número proporcional
entre três outros. Finalizando sua exemplificação assinalando que para os matemáticos este quarto
número proporcional é obtido como resultado de uma operação intuitiva sem que para isso tenham
que fazer alguma operação na qual utilizem o conhecimento das propriedades das coisas. Esse modo
de perceão difere do terceiro modo de percepção porque utiliza um raciocínio regressivo do
pensamento, pois, partindo da iia da causa próxima, como salienta Teixeira, “o espírito tem de ir,
de causa em causa próxima, até a iia do Ser Perfeitíssimo que é a causa de si mesmo e não admite
qualquer causa”. (2004; p, XV). Portanto, embora invoque uma perspectiva na qual prevaleça à idéia
de que neleo praticamos o raciocínio dedutivo isto não ocorre, pois, quando partimos à procura
da essência da coisa, o fazemos mediante esse tipo de raciocínio.
34
Sobre o conhecimento intuitivo de que nos fala Espinosa, Maria Luiza Ribeiro Ferreira adverte que o mesmo, embora
tenha sido abordado pelo autor no KV, no TIE e na Ética, demonstrando sua importância reconhece que isto não o
tornou explícito, em outras palavras, “os textos onde o tema é trabalhado com mais detalhes (o KV e a Ética), abordam-
no essencialmente em função dos efeitos que em nós provoca. (p.588) in FERREIRA, Maria Luísa Ribeiro. A Dinâmica
da razão na filosofia de Espinosa – Lisboa -Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas – Fundão Calouste
Gulbekian Junta Nacional de Investigação Cientifica e Tecnológica, 1997.
35
“Per solam denique rei essentiam res percipitur, quando ex eo, quod aliquid novi, scio, quid hoc sit aliquid nosse, vel
ex eo, quod novi essentiam animae, scio eam corpori esse unitam”. (TIE, §22)
Depois de ter descrito e demonstrado os modos de percepção, Espinosa passa a segunda
fase de seu objetivo que é determinar qual o melhor modo de conhecimento e que, portanto, deve ser
utilizado para atingirmos nosso fim. Pelo que foi exposto, podemos verificar que o primeiro modo
de percepção, pelo ouvir dizer, é deveras incerto e não nos leva a conhecer a essência da coisa,daí
claramente concluímos que toda certeza fundada no ouvir dizer tem de ser excluída das ciências”,
(TIE, §26)
36
. Quanto ao segundo modo de percepção, “jamais alguém por esse modo percebe das
coisas naturais mais do que seus acidentes, os quais nunca podem ser entendidos claramente a não
ser que se conheçam antes as essências”. (TIE, §27)
37
. No que concerne ao terceiro, assevera
Espinosa,de certo modo deve-se dizer que por ele podemos ter uma idéia da coisa e também
podemos concluir sem perigo de erro; entretanto, por si, não será um meio para adquirirmos a
perfeição”. (TIE, §28)
38
Esse modo de percepção favorece o uso da intelincia de modo a formar
conceitos e iias gerais das coisas através das propriedades das mesmas, baseia-se na razão que
pode fechar-se em si e não conduzir o homem a uma união da mente com a Natureza inteira (TIE,
§13), que é o escopo de Espinosa. Quanto ao quarto modo de percepção este é considerado por
Espinosa o único capaz de nos levar a “essência adequada da coisa, sem perigo de erro” (TIE,
§29)
39
, pois elabora os devidos raciocínios através dos instrumentos intelectuais forjados pela
própria natureza da inteligência. Espinosa explica que é desnecessário explicar ad infinito esse
procedimento uma vez que, para alcançá-lo, há de ter um método que parte do princípio da iia
verdadeira, o qual será investigado posteriormente. Assim sendo, podemos concluir que somente o
quarto modo de percepção é aquele capaz de nos conduzir à nossa perfeição, pois só ele nos conduz
36
“Hinc clare concludimus omnem certitudinem, quam ex auditu habemus, a scientiis esse secludendam.” (TIE, §26).
37
“Nihil tamen unquam tali modo quis in rebus naturalibus percipiet praeter accidentia, quae nunquam clare
intelliguntur, nisi praecognitis essentiis.” (TIE, §27)
38
(...) aliquo modo decidum, quod habeamus ideam rei, deinde quod etiam absque periculo erroris concludamus; sed
tamen per se non erit medium, ut perfectionem acquiramus” (TIE, §28)
39
“Essentiam rei adaequatam, et absque errori periculo” (TIE, §29)
à essência adequada da coisa, sem que perigue de cometer erros e, por isto deve ser empregado ao
máximo. (TIE, §29)
Destarte, no TIE o conhecimento intuitivo é o meio pelo qual o homem alcançará a
beatitude, ou seja, é através do conhecimento que o homem alcança a perfeição, aqui entendida
como “o conhecimento da união da mente com a natureza inteira” (TIE, §13).
2.2 Os modos de conhecimento no Breve Tratado
O conhecimento é abordado nessa obra na segunda parte na qual Espinosa trata daquilo
que diz respeito ao homem. Assinalando que tratará nessa parte “das coisas particulares e limitadas”
(KV II, prae.1), concernentes ao homem, iniciando com sua compreensão do mesmo, o qual é
entendido através dos modos dos atributos de Deus conhecidos pelo homem, o pensamento e a
extensão. Afirmando não ser o homem uma subsncia
40
porque este consta de corpo e espírito, o
que vai de encontro com sua definição de substância exposta na primeira parte da obra.
Inicialmente a definição de conhecimento para Espinosa nesta obra é que este é “uma
pura paixão” (KV II, 16(5)). A interpretação dessa afirmação de acordo com Teixeira pode ser
compreendida tomando como premissa o conceito de alma na filosofia de Espinosa, que é considerada
como idéia de alguma coisa: a alma não é uma substância, mas uma idéia, ou seja, o ato de pensar
alguma coisa. Nesse sentido, conhecer é perceber a essência e a existência das coisas, no sentido de
que a percepção na alma significa um estado de consciência (2001, p. 122). Essa iia, ainda conforme
Teixeira, fica mais evidente quando somamos a esta primeira assertiva a seguinte seqüência; “de sorte
40
Sobre o conceito de substância no KV Espinosa afirma que: 1. Não existe substância limitada; 2. Que tampouco
existem duas substancias iguais; 3.Que uma substancia não pode produzir outra; (KV, I, 2 (2)).
que nunca somos nós que afirmamos ou negamos algo de alguma coisa, mas é ela própria que em
nós afirma ou nega algo de si mesma” (2001, p. 122). A iia de paixão invocada por Espinosa
demonstra que o conhecer é querer unir-se àquilo que concebemos como o que há de melhor para
s mesmos, portanto é o conhecimento que produz o amor. (KV II, 22(2)).
Segundo Delbos (2002, p. 97), “o que o Breve Tratado mais salienta no tocante ao
conhecimento é a diversidade de seus graus”; por isso, no capítulo 1 da segunda parte dessa obra,
Espinosa inicia sua exposição demonstrando “alguns conceitos ou a consciência do conhecimento de
nós mesmos e das coisas que estão fora de nós” (KV; II; 1, (1)). Em seguida, Espinosa expõe os
tipos de conhecimento, denominando-os e demonstrando como eles se efetivam, assim temos três
tipos de conhecimento sendo o 1° - a opinião; o 2º - a crea e o 3º - o conhecimento claro e
distinto.
Adquirimos esses conceitos: “1. Somente mediante a crença, a que se forma pelo
que se ouve dizer ou a que se forma pela experiência, ou bem; (que nasce ou da
experiência ou do ouvir dizer); 2. Mediante uma crença correta, ou bem: 3.
Mediante o conhecimento claro e distinto”. (KV; II, 1, (2))
41
Quando comparamos o conhecimento de Espinosa no TIE e no KV, percebemos que o
primeiro modo de conhecimento aludido no KV corresponde ao primeiro e segundo modos de
percepção do TIE, o segundo modo de conhecer do KV ao terceiro do TIE. Os exemplos utilizados
por Espinosa, aliás, são os mesmos, a procura pela quarta proporcional. Quanto ao primeiro modo de
conhecimento a questão fundamental apontada por Espinosa é muito clara, pois, de acordo com ele,
não podemos tirar conclusões gerais partindo de experiência particular, mesmo que haja muitas
41
[2] – Estos conceptos los obteremos, pues: 1. O simplemente por fe, la cual fe surge o de la experiência o de oidas; 2.
O los adquirimos también por uma fé verdadera; 3. O lo tenemos por uma comprensión clara e distinta. Tratado Breve –
Alianza Editorial – Madrid – 1990.
coincidências. Por isto, de acordo com Espinosa podemos deduzir que pelo primeiro modo de
conhecimento podemos facilmente cair em erro, pois não podemos ter certeza de algo pelo simples
ouvir dizer e, de alguns casos particulares, retirar regras gerais. Isto se dá também por se tratar aqui
de uma forma indutiva de se chegar a uma conclusão, e, por conseguinte tal forma de conhecer não
nos leva a um conhecimento claro. Além disso, este modo de conhecimento é sujeito ao erro porque
tem como base a experiência sensível e a imaginação, não possuindo, portanto, fundamentação
científica, podendo ser refutado facilmente.
No entanto, a refutação do conhecimento adquirido pelos segundo e terceiro modos não
ocorreria, pois estes teriam uma fundamentação mais profunda em nossa alma, não se tratando de
uma simples conjectura ou imaginação. As conclusões obtidas com estes tipos de raciocínios são
amparadas por deduções feitas com base no uso da razão fundado em princípios anteriormente
estabelecidos. No que diz respeito ao segundo modo, por exemplo, a razão procurará no raciocínio
as conclusões a que pode chegar através de fundamentos, de princípios considerados verdadeiros,
por isto, ele ressalta que a razão nunca enganou aqueles que fazem bom uso dela. Quanto ao terceiro
modo de conhecer ou “intuição clara”, a qual já se referia Descartes nas Regras para a direção da
alma, esse modo de conhecimento tem por base um sentimento e a fruição da coisa, ou seja, “o gozo
da coisa mesma” (KV. II, 2 (2)). A distinção entre o segundo e o terceiro modo de conhecimento
consiste no da razão pelo primeiro, isto é, o segundo modo de conhecimento consiste numa relação
entre entes de razão se aplica a iia das coisas, e está no nosso entendimento e não na natureza
mesma da coisa, enquanto o terceiro modo de percepção tem como objeto os entes reais
42
, ou seja, o
que a própria coisa é.
42
Definição do ente: “Comecemos, pois, pelo ente e que entendo como Tudo aquilo que, por meio de uma percepção
clara e distinta, reconhecemos existir necessariamente, ou pelo menos poder existir”. In Pensamentos Metafísicos, Parte
I, Capítulo I.
Devemos ressaltar que estes dois últimos modos de conhecimento apresentam diferenças
entre si, as quais serão expostas em seguida, mas dificilmente nos induziriam a cometer equívocos.
O segundo modo de conhecimento entendido como convicção certa ou razão se distingue do terceiro
modo pelo fato deste se apoiar na certeza. Espinosa ressalta que “as coisas que aprendemos
unicamente mediante a razão não as vemos, conhecemo-nas somente mediante a convicção do
espírito de que deve ser assim e não de outra maneira” (KV. II, 2 (2)) e o terceiro se adquire não
com o uso da razão, mas advêm de “um sentimento e um gozo a coisa mesma; esse conhecimento é
superior aos demais” (KV. II, 2 (2)) é portanto um conhecimento que é obtido mediante a intuição.
Ferreira, ao analisar o terceiro modo do conhecimento, assinala que no KV Espinosa
demonstra que, através deste modo de conhecer, o homem procede a um retorno a si mesmo,
ocorrendo um processo de interiorização no qual ele apreende aquilo que já existe nele mesmo e não
lhe vem do exterior. Nisto consiste, segundo essa autora, a superação do conhecimento racional que
ocorre com interiorização e intimidade característicos desse processo de conhecer. (1997, p, 595).
Para Mignini, a distinção entre o segundo e terceiro modos de percepção podem ser assim
compreendidas: o que distingue o segundo do terceiro gênero do conhecimento é que naquele a
certeza se obtém mediante raciocínios claros e distintos que procedem dos mais evidentes aos menos
evidentes; neste, em vez, a certeza nasce imediatamente da evidência da coisa conhecida. (1983,
p.63). Entrementes Teixeira esclarece que a diferença entre o segundo e o terceiro modo de
percepção esteja não na presença ou ausência de raciocínio, mas “na presença ou ausência da coisa,
pois, no terceiro modo de percepção, o raciocínio não deve partir de abstrações ou generalidades,
mas das próprias coisas” (2001, p, 89).
É necessário salientar, enfim, que a compreensão da análise do conhecimento em
Espinosa impõe relacioná-la com as questões éticas, pois, para Espinosa, o conhecimento está
intimamente ligado ao objeto a que dedicamos nosso amor. A mente humana é levada a realizar
determinadas ações em detrimento daquilo que conhece e estabelece através da razão que lhe é
particular o que nos conduz ao conhecimento do Bem e do Mal
43
, considerados por Espinosa como
Entes de razão”, por ele descritos comoum modo de pensar que serve para que as coisas
conhecidas sejam mais facilmente retidas, explicadas ou imaginadas”. (CM, I, 1) Disto podemos
concluir com Teixeira (2001) que o conhecimento da natureza abstrata do homem e de suas paixões
pode contribuir para sua perfeição uma vez que podem ser conhecidas através dos modos do
conhecimento, pois assim fazendo as paixões originadas apenas do primeiro modo de conhecimento,
ou seja, da opinião deverão ser admitidas ou desprezadas em razão da iia de perfeição humana que
desejamos alcaar.
2.3 Os gêneros de conhecimento na Ética
Após termos descrito os modos de percepção no TIE e no KV, passaremos a examinar
as considerações de Espinosa no que concerne a este assunto na Ética.
A primeira observação quanto ao problema do conhecimento na Ética é a denominação
utilizada por Espinosa, diferentemente do que ocorre no TIE e no KV, em que o autor adota a
43
Os conceitos de Bem e Mal podem ser compreendidos com maior clareza na seguinte passagem do KV: [5] Temos
dito que todas as coisas são necessárias porque na natureza não existe bom nem mal. Tudo que queremos do
homem somente pode pertencer ao seunero, que não é mais que ente de razão. Por conseguinte, quando
temos concebido o nosso entendimento uma idéia de homem perfeito, é essa concepção nos permite ver
(quando nós estudamos a nós mesmos) se tem também em nós um meio de alcançar uma perfeição
semelhante.
[6] Por essa razão chamaremos bom todo o que pode aproximar-nos dessa perfeição, e mau o que, pelo
contrário, nos impede de alcançá-la ou não nos aproxima dela. (KV. II, 4 (5,6))
.
denominação de “modos de percepção”, na Ética passou a utilizar a denominação de “neros de
conhecimento”. Sobre essa mudança na nomenclatura ou classificação dos diferentes processos de
conhecimento. Fragoso salienta que o uso do termo gênero para definir os tipos de conhecimento na
Ética pode ser compreendido como: “resultado de uma gênese, na qual a característica de cada
gênero é precisada sem ambigüidades”. (1999, p.189). Isto é, ao tratar o conhecimento como gênero
Espinosa procurou enfatizar anese
44
ou origem do conhecimento o que não ocorria nas obras
anteriores, as quais tratavam de uma classificação descritiva e não de gênese (Fragoso, 1999, p190),
por isso o conhecimento que tem sua origem na experiência vaga, na opinião ou imaginação é
nomeado de conhecimento do gênero. Cabe ressaltar que Espinosa é criterioso no uso das
palavras, portanto o uso de determinados termos tem como objetivo buscar o primeiro significado
(prima significatio). Outra observação já elencada pelos comentadores de Espinosa sobre este
assunto é que nesta obra o filósofo descreve três gêneros de conhecimento e em seus estudos
anteriores dividia-os em quatro. Entretanto, subdivide o primeiro gênero em dois, a saber: o
conhecimento pela experiência vaga e o conhecimento do primeiro gênero, opinião ou imaginação.
Sobre isto, Fragoso ressalta:
Do mesmo modo na Ética serão descritos três gêneros de conhecimento, e o
quatro, conforme foram descritos no TIE. Mas, no interior do primeiro gênero,
Espinosa continua a distingui-los como dois, porque eles concernem à
imaginação, e esta distião é apenas acessória.
(1999, p, 190)
44
Conforme salienta Marilena Chaui: “Espinosa considera a retórica como a admissão de que uma palavra tem valor
próprio e independente daquilo que denota. Estes parágrafos sobre o verdadeiro revelam a preocupação de Espinosa com
os problemas da linguagem e como atribui a tarefa de desencavar a prima significatio (o primeiro significado) das
palavras, a fim de recuperar ou criticar o sentido inicial que apresentam”. Conforme a nota 16 dos Pensamentos
Metafísicos - São Paulo – Nova Cultural, 1989.
Antes de adentrarmos na exposição propriamente dita dos gêneros de conhecimento na
Ética, importa mencionar algumas considerações feita pelo autor sobre o conhecimento na 1ª parte
desta obra. Para Espinosa, o conhecimento é produzido por todas as modificações da mente,
reconhecidas como modificações produzidas em nossa alma através das idéias, sejam elas ações ou
paixões, pois: o conhecimento do efeito depende do conhecimento da causa
45
e envolve-o” (E I, ax.
4). Este axioma nos remete à causa primeira de todas as coisas, ou seja, ao Ser perfeitíssimo
46
pois,
de acordo com Espinosa, “Deus é causa imanente de todas as coisas, e não causa transitiva”
47
(E I,
P18) sendo assim Deus é causa do conhecimento. Portanto, ao buscarmos conhecer as coisas pela
ordem devida fazemo-no sob a ordem da Natureza, que é imutável e eterna, e, ao procurarmos
compreender-nos dentro da ordem universal, o fazemos adequadamente quando nos colocamos
na perspectiva de Deus que antecede a tudo. A análise do conhecimento tem como objetivo uma
finalidade prática presente na sua metafísica deduzida da idéia de que só podemos saber qual o lugar
dos homens na totalidade do universo se conhecemos esta totalidade e, através deste conhecimento,
é que podemos fixar as condições que nos permitem usufruir a melhor maneira de viver. Isto é, se
raciocinamos com coerência, utilizando um conhecimento capaz de nos fornecer as ferramentas para
o conhecimento da totalidade das coisas, estaremos potencializando nossa existência. Delbos (2002,
p.107) sustenta que “a Ética sistematiza a teoria exposta pelo De Emendatione e a ela reenvia; além
disso, a apresenta ou modifica de modo a coordenar a função científica e a função prática ou
religiosa do conhecimento”. Teixeira, ao analisar a conhecimento no KV, no TIE e na Ética,
evidencia o propósito da mesma na filosofia de Espinosa ao enfatizar que:
45
Effectus cognitio a cognitione causæ dependet et eandem involvit (E I, Ax. 4).
46
Essa forma de referencia é usada no KV, na Ética Deus é tratado como substancia e não como Ser.
47
“Deus est omnium rerum causa immanens, non vero transiens”. (E I, P18)
A doutrina dos modos de percepção, concepção eminentemente dimica do
espírito humano é um apelo ao aprofundamento da consciência; e que este constitui
um processo de eliminação do pensamento abstrato e ao mesmo tempo de
identificação da alma humana com a Realidade. Nisso consiste a sabedoria, a busca
da felicidade, o objetivo essencial da ética, patente no BT e no TRE: chegar à
suprema perfeição humana, à aquisição daquela natureza superior que é a união
que alma pensante tem com a natureza inteira, isto é, com Deus”. (2001, p, 171)
A Ética funda-se em conceitos metafísicos e ontológicos. Entretanto a demonstração dos
argumentos de Espinosa obedece a uma exposição baseada na gênese das coisas e, por conseguinte
seguem um padrão determinado apriori pelo autor que é a geometria. Assim por reconhecer na
ciência da matetica o rigor necessário para elaboração de sua filosofia é que procura traçá-la
seguindo esse encadeamento, posto que os enunciados matemáticos sejam reconhecidos por
Espinosa como os únicos capazes de nos levar à essência das coisas, portanto a exposição dessa obra
baseia-se na ordem geométrica, é ordine geométrico demonstrata. A aproximação da metafísica com
a geometria evidencia-se pelo propósito espinosano do conhecimento denominado superior no TIE
e no KV, ou seja, buscando a causa inicial, a essência das coisas, partindo da causa primeira e nela
alicerçando tudo o que existe. A matemática valoriza esse tipo de processo, pois se apóia em
verdades indubitáveis, os conceitos matemáticos são auto-evidentes, e as iias por eles forjadas são
reconhecidas pelos fisofos do século XVII como conhecimento claro e distinto. De acordo com
Ferreira, “a aproximação com a matetica é feita pelo próprio filosofo, que nesta ciência encontra
um critério satisfatório, ilustrando um conhecimento impessoal e descentrado”. (1997, p, 342) A
matemática é, portanto, um exercício realizado unicamente pela razão e pelo entendimento, não
necessita de imagens que se possam associar a uma demonstração ou axioma, é evidente por si.
Assim sendo é que Espinosa tantas vezes se refere às figuras geométricas, como exemplo, quando
explicar a iia de circulo ou do triângulo, para nos guiar ao entendimento necessário. Daí a escolha
do método geométrico para exposição da Ética, partindo da idéia de totalidade Deus, 1ª parte da
obra, para as idéias dele derivadas: o homem e suas afecções.
As descrições dos gêneros do conhecimento encontram-se na 2ª Parte da Ética,
precisamente no 2º escólio da proposição 40, em que Espinosa define os gêneros do conhecimento
como a imaginação, a razão e a ciência intuitiva, com a seguinte exposição:
) das coisas singulares que os sentidos representam mutiladas, confusas e sem ordem à
inteligência (ver escólio da proposição 29 desta parte); por esta razão tomei o hábito de
chamar a essas percepções conhecimento pela experiência vaga;
) dos sinais, por exemplo, do fato de termos ouvido ou lido certas palavras, nos
recordamos das coisas e delas formamos idéias semelhantes àquelas pelas quais imaginamos
as coisas (ver escólio da proposição 18 desta parte). Para o futuro, chamarei a essas duas
maneiras de considerar as coisas: conhecimento do primeiro gênero, opinião ou imaginação;
3º) finalmente, do fato de termos nões comuns e idéias adequadas das propriedades das
coisas (ver corolário da proposição 38, a proposição 39 com o seu corolário e a proposição
40 dessa parte), A esse gênero darei o nome de Razão e conhecimento do segundo gênero.
Alem destes dois gêneros de conhecimento, há ainda uma terceiro, como mostrarei a seguir,
a que chamaremos ciência intuitiva. Este gênero de conhecimento procede da idéia
adequada da essência formal de certos atributos de Deus para o conhecimento adequado da
esncia das coisas. (Ética 2, P 40, II s).
48
A existência de três gêneros de conhecimento não é excludente, ou seja, um modo de
conhecimento não exclui a presença do outro nem tampouco sugere que haja uma evolução de um
gênero para outro como se fossem etapas a serem concluídas e sobrepostas (Chauí; 1999, p, 632).
Espinosa se reporta ao mesmo exemplo, utilizado nas obras anteriores, demonstrar a maneira pela
qual cada indivíduo elabora uma resposta a uma questão, no caso à determinação do quarto número
48
Ex omnibus supra dictis clare apparet nos multa percipere et notiones universales formare I° ex singularibus nobis per
sensus mutilate, confuse et sine ordine ad intellectum repræsentatis (vide corollarium propositionis 29 hujus) et ideo
tales perceptiones cognitionem ab experientia vaga vocare consuevi. II° ex signis exempli gratia ex eo quod auditis aut
lectis quibusdam verbis rerum recordemur et earum quasdam ideas formemus similes iis per quas res imaginamur (vide
scholium propositionis 18 hujus). Utrumque hunc res contemplandi modum cognitionem primi generis, opinionem vel
imaginationem in posterum vocabo. III° denique ex eo quod notiones communes rerumque proprietatum ideas
adæquatas habemus (vide corollarium propositionis 38 et propositionem 39 cum ejus corollario et propositionem 40
hujus) atque hunc rationem et secundi generis cognitionem vocabo. (E II P XL sch 2)
proporcional a três outros. Ele descreve como cada resposta é dada mediante umnero de
conhecimento:
o-se, por exemplo, três números para encontrar um quarto que esteja para o
terceiro como o segundo está para o primeiro. Os comerciantes não hesitarão em
multiplicar o segundo pelo terceiro e dividir o produto pelo primeiro, quer porque
o esqueceram ainda o que, sem qualquer demonstração, ouviram dizer ao seu
professor, quer porque o tenham muitas vezes experimentado em números simples,
quer em virtude da demonstração da proposão 19 do livro 7 de Euclides, isto é,
pela propriedade comum dosmeros proporcionais. Mas, quando se trata de
números muito simples, nenhum desses meios é necessário. Sendo dados, por
exemplo, os meros 1,2 e 3,o ninguém que o veja que o quarto número é
6, e isso muito mais claramente, porque tendo visto, numa primeira intuição, a
relação que existe entre o primeiro e o segundo números, daí concluímos o quarto.
(E II P XL sch 2).
49
O que Espinosa deixa claro é que existem três gêneros de conhecimento e que somente
através de um deles obteremos a essência do objeto, pois ele nos permite raciocinar de maneira
adequada, livres de erro, do falseamento e das ilusões, pois é um conhecimento no qual a essência
advém da causa primeira. Através do conhecimento do terceiro gênero é que conhecemos a essência
pelo conceito daquele ser cuja essência equivale a existência, noutras palavras conhecimento que
vem do conhecimento de Deus.
Nas proposições que se seguem, Espinosa fundamenta os gêneros do conhecimento e
suas características em função do discernimento entre o verdadeiro e o falso, assim é que, na
49
Præter hæc duo cognitionis genera datur, ut in sequentibus ostendam, aliud tertium quod scientiam intuitivam
vocabimus. Atque hoc cognoscendi genus procedit ab adæquata idea essentiæ formalis quorundam Dei attributorum ad
adæquatam cognitionem essentiæ rerum. Hæc omnia unius rei exemplo explicabo. Dantur exempli gratia tres numeri ad
quartum obtinendum qui sit ad tertium ut secundus ad primum. Non dubitant mercatores secundum in tertium ducere et
productum per primum dividere quia scilicet ea quæ a magistro absque ulla demonstratione audiverunt, nondum
tradiderunt oblivioni vel quia id sæpe in numeris simplicissimis experti sunt vel ex vi demonstrationis propositionis 19
libri 7 Euclidis nempe ex communi proprietate proportionalium. At in numeris simplicissimis nihil horum opus est.
Exempli gratia datis numeris 1, 2, 3, nemo non videt quartum numerum proportionalem esse 6 atque hoc multo clarius
quia ex ipsa ratione quam primum ad secundum habere uno intuitu videmus, ipsum quartum concludimus. (E II P XL
sch 2)
proposição 41, Espinosa afirma: “o conhecimento do primeiro gênero é a única causa da falsidade;
ao contrário, o conhecimento do segundo e do terceiro gêneros é necessariamente verdadeiro”
50
. O
primeiro gênero de conhecimento
51
deduzido por Espinosa, o qual se encontra dividido em dois
tipos, a experiência vaga e a imaginação nos induzem ao erro porque provém das afecções sofridas
pelo corpo e são projetadas na mente. Ora, se um mesmo corpo for afetado várias vezes, formarão
um número considerável de imagens (ou signos), e essas se apresentarão de forma embaralhada e
confusa à mente, privando-a de recordar e discernir com nitidez. Por isto, as imagens que se formam
em cada um de nós dependem de nossas experiências sensíveis e se associam umas a outras também
em conformidade com estas experiências. Isto fica evidente pela seguinte passagem: “Se o corpo
humano foi uma vez afetado simultaneamente por dois ou vários corpos, sempre que, mais tarde, a
alma imaginar qualquer um deles, recordar-se-á imediatamente dos outros”
52
. (E II, P 18).
No intuito de evidenciar este gênero do conhecimento, que envolve a opinião e a
imaginação, Espinosa introduz o conceito de meria nos remetendo ao seguinte postulado em que
a define como: “certa concatenação de idéias que envolvem a natureza das coisas exteriores ao
corpo humano, a qual se produz na alma, segundo a ordem e a concatenação das afecções do corpo
humano (E II P17esc)
53
. Essa concatenação difere da concatenação das idéias, pois este tipo de
concatenação vem da inteligência e não das afecções do corpo.
50
Cognitio primi generis unica est falsitatis causa, secundi autem et tertii est necessario vera.(E II P 41)
51
Sobre o primeiro gênero do conhecimento na Ética, Deleuze nos fornece as seguintes observações: (...) O primeiro
gênero define-se antes do mais pelos signos equívocos, signos indicativos que envolvem o conhecimento inadequado das
coisas, e signos imperativos que envolvem o conhecimento inadequado das leis. Este primeiro gênero exprime as
condições naturais da nossa existência enquanto não temos idéias adequadas; é constituído pelo encadeamento das idéias
inadequadas e dos afectos - paixões que delas decorrem. (Deleuze, 2002, p. 63)
52
Si corpus humanum a duobus vel pluribus corporibus simul affectum fuerit semel, ubi mens postea eorum aliquod
imaginabitur, statim et aliorum recordabitur.(E II P 18)
53
Hinc clare intelligimus quid sit memoria. Est enim nihil aliud quam qdam concatenatio idearum naturam rerum
quæ extra corpus humanum sunt involventium quæ in mente fit secundum ordinem et concatenationem affectionum
corporis humani. Dico primo concatenationem esse illarum tantum idearum quæ naturam rerum quæ extra corpus
O processo de formação da memória possui, por conseguinte, uma estreita relação com o
1º tipo do 1º gênero de conhecimento, dado que este se forma pelas iias das coisas que afetam
nosso corpo e, por isso, é denominado de opinião ou experiência vaga, pois, pelas afecções dos
corpos com o nosso corpo, temos apenas uma idéia proveniente dos sentidos e não da natureza
mesma da coisa. Assim é que nos reportamos de uma idéia a outra idéia sem que ambas se
assemelhem entre si. Espinosa recorre ao exemplo dos mesmos signos para diferentes indivíduos e,
demonstra como as iias produzidas por estes signos se relacionam com o modo em que foram
afetados. Reportemo-nos às explicações de Espinosa:
Assim, por exemplo, do pensamento da palavra pomum, um romano passará
imediatamente ao pensamento de um fruto que não tem qualquer semelhança com
este som articulado, nem nada de comum com ele, ao ser que o corpo desse
homem foi muitas vezes afetado por essas duas coisas ao mesmo tempo; isto é, que
esse homem ouviu muitas vezes a palavra pomum ao mesmo tempo em que via o
fruto. E, assim cada um passará de um pensamento a outro, conforme no corpo de
cada um, o hábito tiver ordenado as imagens das coisas. (E II P18 scho)
54
humanum sunt, involvunt, non autem idearum quæ earundem rerum naturam explicant. Sunt enim revera (per
propositionem 16 hujus) ideæ affectionum corporis humani quæ tam hujus quam corporum externorum naturam
involvunt. Dico secundo hanc concatenationem fieri secundum ordinem et concatenationem affectionum corporis
humani ut ipsam distinguerem a concatenatione idearum quæ fit secundum ordinem intellectus quo res per primas suas
causas mens percipit et qui in omnibus hominibus idem est. Atque hinc porro clare intelligimus cur mens ex cogitatione
unius rei statim in alterius rei cogitationem incidat quæ nullam cum priore habet similitudinem. (E II P 18 scho)”
“Por isto, entendemos claramente o que é a memória. Não é, com efeito, senão uma certa concatenação de idéias que
envolvem a naturea das coisas exteriores ao corpo humano, a qual produz na alma, segundo a ordem e a concatenação
das afecções do corpo humano. Digo, em primeiro lugar, que é uma concatenação daquelas idéias apenas que envolvem
a natureza de coisas exteriores ao corpo humano; e não de idéias que explicam a natureza dessas mesmas coisas; pois
o, na realidade (pela proposição 16 desta parte), idéias das afecções do corpo humano, as quais envolvem tanto a sua
natureza própria como a dos corpos exteriores. Digo, em segundo lugar, que esta concatenação se realiza segundo a
ordem e a concatenação das afecções do corpo humano, para o distinguir da concatenação das idéias que se produz
segundo a ordem da inteligência, concatenação em virtude da qual a alma percebe as coisas pelas suas causas primeiras,
e que é mesma em todos os homens. Por isso, entendemos claramente por que é que a alma, do pensamento de uma
coisa, passa imediatamente ao pensamento de outra que não tem semelhança com a primeira.” (E II P 18 scho)
54
Ut exempli gratia ex cogitatione vocis pomi homo romanus statim in cogitationem fructus incidet qui nullam cum
articulato illo sono habet similitudinem nec aliquid commune nisi quod ejusdem hominis corpus ab his duobus affectum
sæpe fuit hoc est quod ipse homo sæpe vocem pomum audivit dum ipsum fructum videret et sic unusquisque ex una in
aliam cogitationem incidet prout rerum imagines uniuscujusque consuetudo in corpore ordinavit. Nam miles exempli
gratia visis in arena equi vestigiis statim ex cogitatione equi in cogitationem equitis et inde in cogitationem belli etc.
incidet. At rusticus ex cogitatione equi in cogitationem aratri, agri etc. incidet et sic unusquisque prout rerum imagines
consuevit hoc vel alio modo jungere et concatenare, ex una in hanc vel aliam incidet cogitationem. (E II P18 scho)
O segundo gênero de conhecimento ou razão consiste em noções comuns
55
, é o
conhecimento que adquirimos fazendo inferências do efeito à causa, do universal ao particular, em
ambos os casos forjamos uma dedução imperfeita, pois o que deduzimos de uma coisa nos chega a
partir de outra e não da essência da própria coisa. De acordo com Deleuze, (2002; p. 64) este
conhecimento racional obtido através das noções comuns e de tudo o que delas se deduz são apenas
idéias gerais e, como tal, não nos podem dar a essência das coisas. Uns exemplos de dedução das
noções comuns são a composição de relações, que consiste no esforço feito pela razão em organizar
as percepções advindas das relações entre os corpos ou as iias, para que estas se tornem
inteligíveis. (Deleuze; 2002, p. 64)
Sobre este gênero de conhecimento, Espinosa esclarece nas proposições 38 e 39 da 2ª
parte da Ética, o que são as noções comuns
56
nos objetos e ems mesmos:
As coisas que são comuns a todas as coisas e existem igualmente no todo e nas
partes não podem ser concebidas senão adequadamente (E II P39). Aquilo que é
comum e próprio ao corpo humano e a certos corpos exteriores, pelos quais o corpo
humano é habitualmente afetado, e é comum e próprio a cada uma das suas partes
assim como ao todo, a sua iia existirá adequadamente na alma (E II P 39)
57
.
55
De acordo com Gilles Deleuze (2002; p.98): as noções comuns (Ética II, 37-40) o são assim nomeadas por serem
comuns a todos os espíritos, mas primeiramente porque representam algo de comum aos corpos: quer a todos os corpos
(a exteno, o movimento e o repouso), quer a alguns corpos (no mínimo dois o meu e um outro). Nesse sentido, as
noções comuns não são de nenhuma forma idéias abstratas, mas idéias gerais (o constituem a essência de nenhuma
coisa singular, II, 37); e, conforme a sua extensão, aplicando-se a todos os corpos ou apenas a alguns, são mais ou menos
gerais (TTP, cap.7).
56
Lívio Teixeira expõe em sua obra As doutrinas dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia de
Espinosa que as explicações contidas no lema II da 2ª parte da Ética sobre as noções comuns contidas em todos os
corpos como o movimento e o repouso constituem o que Espinosa denomina modos infinitos imediatos da extensão.
Parece pois evidente as noções comuns dizem respeito aos modos infinitos. E afirma que a teoria dos modos se trata de
uma parte da doutrina das mais difíceis do filósofo a qual não foram explicadas suficientemente por ele. As doutrinas
dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia de Espinosa São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 166.
57
“Id quod corpori humano et quibusdam corporibus externis a quibus corpus humanum affici solet, commune est et
proprium quodque in cujuscunque horum parte æque ac in toto est, ejus etiam idea erit in mente adæquata. (E II P 39)”
No escólio da Proposição 40, Espinosa explica o papel que as noções comuns
desempenham para Espinosa, ele as considera a base de nosso raciocínio, pois é através delas que
nossa memória estabelece a concatenação necessária entre imagens e conceitos, entretanto salienta
que essas noções não são formadas igualmente em todos, pois variam em razão da coisa pela qual o
corpo foi mais vezes afetado.
Baseado nas proposições 38,39 e 40, Deleuze (2002; p.98) sustenta que, quando falamos
de noções comuns, estamos nos reportando àquilo que diz respeito aos corpos, precisamente ao que
há de comum a eles, como no caso do movimento ou repouso que é uma característica comum a
todos os corpos. Roger Scrutton (2000, p.25) salienta que as noções comuns possuem um duplo
sentido, o primeiro é que uma noção comum é a idéia de alguma propriedade que é comum a todas
as coisas, e o segundo é que todos nós as possuímos, uma vez que participamos da natureza comum
que elas expressam como exemplo, enfatiza o fato de possuirmos uma idéia adequada da extensão,
já que extensão se estende por todas as coisas e também por nós.
Delbos (2002, p.110) salienta que “o conhecimento do segundo gênero ou razão:
compreende as noções comuns e as idéias que, adequadas das propriedades reais das coisas, noções
e idéias que são fundamento de nosso raciocínio”. São as noções das propriedades comuns a todos
os corpos postuladas por Espinosa na Proposição 13, nos axiomas e lemas da 2ª parte da Ética, neles
o filósofo demonstra tais propriedades, a saber; a extensão, o movimento e o repouso, como estas
propriedades podem ser verificadas tanto nas partes como no todo, constituem-se iias adequadas,
noutras palavras podem ser concebidas adequadamente, por isto é através do conhecimento dessas
noções que podemos explicar as coisas particulares, salienta Delbos (2002, p. 111). Ainda de acordo
com esse autor, “As noções comuns desempenham no conhecimento das coisas o papel de princípios
apliveis a todas; mas não se constituem e não funcionam a guisa de iias que representem
gêneros e espécies” (2002, p. 111). A discussão sobre as noções comuns enquanto parte do
conhecimento do segundo gênero é que nos leva o entender que é da natureza da Rao considerar
as coisas não como contingentes, mas como necessárias. (E.II, P 44), assim como é da natureza da
Razão perceber as coisas sob certo aspecto da eternidade (E II P 44 c), mas a este postulado
devemos acrescentar que:
Os fundamentos da Razão são noções que explicam o que é comum a todas as
coisas e que não explicam a essência de nenhuma coisa singular; e que, por
conseguinte, devem ser concebidas sem qualquer relação de tempo, mas sob um
certo aspecto da eternidade. (E II P 44 c 2 dem.)
58
(grifo nosso).
Na proposição 45 desta mesma parte, Espinosa admite que a idéia de uma coisa qualquer
existente em ato envolve necessariamente tanto a essência como a existência da coisa visto que as
coisas singulares têm por causa Deus. A obtenção do conhecimento através do gênero do
conhecimento nos leva a ultrapassar a barreira da opinião e da imaginação e elevarmos nosso
entendimento a um patamar de aperfeiçoamento onde substituímos as nossas percepções
inadequadas e confusas por noções mais adequadas da realidade. Neste caso, estamos optando por
uma atitude científica na busca do conhecimento, que opera com uma reflexão pautada na
racionalidade e nas noções comuns. Mas, conquanto a Razão possa concebê-las sob os atributos
divinos, o conhecimento das essências das coisas só é adquirido através do terceiro gênero. Por isso,
o terceiro gênero do conhecimento, também denominado de ciência intuitiva, é reconhecido por
58
De natura enim rationis est res ut necessarias et non ut contingentes contemplari (per propositionem præcedentem).
Hanc autem rerum necessitatem (per propositionem 41 hujus) vere hoc est (per axioma 6 partis I) ut in se est, percipit.
Sed (per propositionem 16 partis I) hæc rerum necessitas est ipsa Dei æternæ naturæ necessitas; ergo de natura rationis
est res sub hac æternitatis specie contemplari. Adde quod fundamenta rationis notiones sint (per propositionem 38 hujus)
quæ illa explicant quæ omnibus communia sunt qque (per propositionem 37 hujus) nullius rei singularis essentiam
explicant quæque propterea absque ulla temporis relatione sed sub quadam æternitatis specie debent concipi. Q.E.D.
(E
II P 44 c 2 dem)
Espinosa como aquele capaz de nos levar à essência das coisas através do “conhecimento adequado
de certos atributos de Deus” (E II P40 2 schc)
59
.
Podemos inferir que a diferença entre o 2º e o 3º gênero do conhecimento de que nos
fala Espinosa repousam na diferença entre as noções comuns e a essência de uma coisa singular,
pois as primeiras dizem respeito, como salientamos anteriormente a propriedades comuns a todos os
corpos, presente no todo e nas partes, como admite Espinosa “o que é comum a todas as coisas
(sobre este assunto, ver, atrás o lema 2) e existe igualmente no todo e nas partes não constitui a
essência de nenhuma coisa singular”. (E II P37)
60
. As essências, entretanto, não podem ser
concebidas desta mesma forma, ou seja, presente no todo e nas partes de maneira extrínseca, elas só
podem ser concebidas na relação de imancia presentes no intermbio existente entre a
substância, os atributos e os modos, tanto finitos quanto infinitos, posto que cada essência seja parte
da potência divina enquanto esta se explica pela esncia do modo, consoante a demonstração da
Proposição 4 da quarta parte da Ética.
Comparativamente às postulações anteriores nas obras KV e TIE, o conhecimento do
terceiro gênero ou ciência intuitiva se apresenta como algo novo (Fragoso, 1994, p.192). O exemplo
utilizado por Espinosa continua o mesmo, ou seja, a procura pelo número proporcional, através dele
percebemos o resultado obtido não através da utilização da razão, mas por uma intuição que se
antecipa à razão, pois nos fornece a essência da coisa.
A compreensão deste gênero de conhecimento se torna mais clara quando evidenciamos
com Espinosa que “a alma (mente) humana é uma parte da inteligência infinita de Deus”
61
no
corolário da Proposição 11 desta parte, por conseguinte “toda iia que é ems absoluta, isto é,
59
Dei attributorum ad adæquatam cognitionem essentiæ rerum. (E II P40 2 schc)
60
“Id quod omnibus commune (de his vide supra lemma 2) quodque æque in parte ac in toto est, nullius rei singularis
essentiam constituit.” (E II P37)
61
Hinc sequitur mentem humanam partem esse infiniti intellectus Dei (E II, P11, cor).
adequada e perfeita, é verdadeira” (E II, P 34)
62
, isto é evidente como demonstra Espinosa pelo fato
de que nossa mente é constitda pela essência de Deus, pois qualquer iia de um corpo qualquer,
ou de uma coisa singular qualquer existente em ato, envolve necessariamente a essência eterna e
infinita de Deus” (E II P45)
63
. Assim, este gênero do conhecimento é aquele que procede de uma
idéia adequada de um atributo de Deus ao conhecimento adequado de suas manifestações ou modos
do mesmo.
Portanto a partir do momento em que concebemos as coisas sob esta fundamentação, ou
seja, que tudo depende de Deus como causa, podemos compreender as coisas como estando em
Deus e conseqüentemente nós também. Daí porque Espinosa afirma que do terceiro gênero do
conhecimento nasce o amor intelectual de Deus. (E V P32) É um conhecimento que depende da
alma, como de sua causa formal, enquanto a própria alma é eterna. Este tipo de conhecimento se
refere àquele alcançado pelos homens quando estes têm o conhecimento como finalidade, quando
reconhecem que tudo o que acontece tem por causa Deus, ou melhor, é compreender e assentir com
alegria que todas as coisas derivam da necessidade de Deus. E como afirma Espinosa:
O amor intelectual da alma (mente) por Deus é o próprio amor de Deus, com o qual
Deus ama a si mesmo, não enquanto infinito, mas enquanto pode ser explicado
através da essência da mente humana, considerada sob a espécie de eternidade.
(EV, P36)
64
62
Omnis idea quæ in nobis est absoluta sive adæquata et perfecta, vera est. (E II, P 34).
63
Unaquæque cujuscunque corporis vel rei singularis actu existentis idea Dei æternam et infinitam
essentiam necessario involvit. (E II, P 45)
64
Mentis amor intellectualis erga Deum est ipse Dei amor quo Deus se ipsum amat, non quatenus infinitus est sed
quatenus per essentiam humanæ mentis sub specie æternitatis consideratam explicari potest hoc est mentis erga Deum
amor intellectualis pars est infiniti amoris quo Deus se ipsum amat. (E V, P 36)
2.3. Sobre a Idéia em Espinosa
Neste últimopico, apresentamos a noção idéia em Espinosa. Escolhemos apresentá-la
aqui tendo como referência a obra TIE, que trata da iia após a demarcação dos modos de
percepção, portanto procuramos orientar a construção desse capítulo dessa maneira, isto é,
finalizando-o com as postulações de Espinosa a respeito das iias. A noção de idéia, apesar de sido
tratada por Espinosa em outras obras, apresenta-se de modo mais elaborado no TIE, pois, nessa
obra, Espinosa descreve sua busca por um método que permita dotar o intelecto de uma maior
capacidade de entendimento. Posteriormente na Ética, obra em que finaliza seu percurso filofico,
o conceito de idéia é retomado agora sob uma nova perspectiva, qual seja a partir da idéia de Deus
ou substância única.
Como frisamos anteriormente, a filosofia de Espinosa, bem como dos fisofos dos
séculos XVI e XVII em geral, procuram aproximar as demonstrações filoficas das ciências exatas,
notadamente a aritmética e a geometria, posto que buscassem fundamentar seus discursos numa base
sólida reconhecida por todos como tal. Portanto não é de estranhar que a maioria dos filósofos dessa
época tenha elegido a geometria como baluarte. A propósito disto é que Descartes, em sua obra
Meditações, afirmar que “a aritmética, a geometria e outras ciências desta natureza, que só se
dedicam a coisas bastante simples e gerais, sem se preocuparem muito se elas existem ou não na
natureza, encerram alguma coisa de certo e incontestável” (1999, p, 252, § 8). Nesse sentido é que
os conhecimentos embasados em procedimentos constrdos a partir dessas ciências se opõem ao
conhecimento fragmentado e desconexo provenientes dos sentidos e da imaginação. Ao analisar a
diferença entre a crença e a ciência, Chaui esclarece a utilização da matemática pelo filósofo do
século dezessete explicando que:a crença é uma certeza moral; e a ciência, a certeza evidente”
(1999; p. 602), por conseguinte, Espinosa ao embasar sua filosofia em demonstrações matemáticas o
faz por entender o caráter libertador e pedagógico da mesma, como salienta Chaui:
À matemática são atribuídos dois efeitos: o primeiro, libertador, afasta os homens
dos preconceitos finalistas, nascidos da superstição e da confuo entre a
causalidade natural e uma vontade divina onipotente, contingente, secreta e
finalizada; o segundo, pedagógico, ensina aos homens uma outra norma da verdade.
A matemática é apresentada negativamente - não se ocupa de fins e positivamente
– ocupa-se das essências e propriedades das figuras. (1999; p. 631)
Para compreendermos melhor o conceito de idéia em Espinosa, é mister salientar,
mesmo que em poucas linhas a ruptura
65
ocorrida na utilização desse conceito a partir do advento
histórico da Idade Moderna, notadamente naquele que é considerado por vários estudiosos da
História da filosofia como o fundador da Filosofia Moderna, Descartes. O conceito de idéia como
objeto representativo foi inaugurado com Descartes. A este pensador devemos o significado de iia
enquanto representação do pensamento, ou seja, é a partir de Descartes que este conceito passa a ser
utilizado como maneira de compreender o objeto do pensamento, “[...] Pois, que eu tenha a
capacidade de conceber o que é aquilo que em geral se chama coisa ou verdade, ou um pensamento,
parece-me que não obtenho em outra parte que não seja em minha própria natureza” (Descartes,
Op.cit. p, 273, § 8). Deve-se também a Descartes a utilização do conceito de iia como
65
A ruptura no uso desse conceito ocorreu em relação ao uso do mesmo pela filosofia clássica e a escolástica onde este
adquirira o sentido de esncia ou substância, modelo ou ideal. Assim é que costumeiramente fala-se em “mundo das
idéias” quando queremos nos referir a idéia em Plao. No Fédon, Sócrates ao dialogar com Cebes explicita: “[...]
suponho que há um belo, um bom, e um grande em si, e do mesmo modo as demais coisas. Se concordas comigo
também admites que isso existe”. E prossegue: [...] “quando além do belo em si, existe um outro belo, e este é belo
porque participa daquele apenas por isso e por nenhuma outra causa.O mesmo afirmo a propósito de tudo o mais. Logo,
o compreendendo e nem posso admitir aquelas causas científicas. Se alguém me diz por que razão um objeto é belo, e
afirma que é porque tem cor ou forma [...] Quanto a mim, estou firmemente convencido [...], que o que faz belo um
objeto é a existência daquele belo em si, de qualquer modo que se faça a comunicação com este”. (Platão, Diálogos
Fédon, Col. Os pensadores, Abril Cultural, São Paulo: 1972 p.112) A idéia adquire um sentido que ultrapassa a dos
sentidos e manifesta-se à razão, sem, no entanto haver objeto que lhe corresponda adequadamente, ou melhor, tomando,
por exemplo, o diálogo acima, o belo só é belo por participar da idéia essencial de belo. Na Idade Moderna, no entanto
essa conotação de idéia passa a adquirir uma nova roupagem, pois com alguns dos filósofos modernos a idéia passa a ter
um sentido psicológico representativo, ou seja, concebe por idéia, no seu uso corrente, como “imagens das coisas
como sustenta Descartes nas Meditações (1999, 3ª Meditação, § 6).
representação objetiva de algo exterior[...] A terra, o céu os astros e todas as coisas que percebia
por meio de meus sentidos. [...] com certeza apenas eram as idéias ou os pensamentos dessas coisas
que se apresentavam ao meu espírito” (Op.cit. p, 270 § 8). Quanto ao uso desse conceito por
Espinosa, percebe-se que, embora conserve certa aproximação com Descartes, não refuta de todo o
sentido escolástico do termo, no qual a idéia assume o significado de forma, mas extrapola-o, pois
conveniência de iia e ideado postulado por ele assentasse no pressuposto de que tudo tem como
princípio Deus.
Como fisofo racionalista, veremos que Espinosa, muitas vezes, remete-nos à filosofia
de Descartes, podemos perceber essa afirmativa com Bréhier que Espinosa se aproxima de
Descartes quando reconhece que a aquisição do conhecimento é anterior ao método, mas o supera
quando assevera que a idéia é o elemento inicial para o alcance do método, pois o método segue a
investigação e a operação intelectual efetiva, é o saber do saber (1977, p, 149), ou seja, como
salienta Fragoso “sabe-se das coisas antes de saber que se sabe” (1994, p, 156), noutras palavras,
Espinosa admite que o entendimento humano se reconhece como iia que possui idéias e estas, por
sua vez, são iias de alguma coisa.
Espinosa, nestas obras, fornece-nos a noção de vários tipos de idéias, porém, se
tomarmos a Ética como sua obra principal, este conceito se encontra reduzido a uma única definição
nela contida, “entendo por idéia um conceito da alma, que a alma forma pelo fato de ser uma coisa
pensante” (E II D3)
66
. Na explicação, Espinosa enfatiza a necessidade de entender idéia como
atividade da alma, daí a utilização do termo conceito ao invés de percepção, pois, neste sentido, a
alma seria passiva em relação ao objeto.
Inicialmente tomaremos por base a construção deste conceito a partir do TIE, que
identificamos na passagem na qual o autor, ao explicar a diferença entre idéia e ideado, fornece-nos
66
“Per ideam intelligo mentis conceptum quem mens format propterea quod res est cogitans.”(E II, P 3)
um primeiro conceito de idéia afirmando quea idéia verdadeira difere de seu ideado, pois uma
coisa é a idéia em si e outra é o ideado, que é a representação da iia”
67
(TIE §33). Espinosa
enfatiza sua tese de que a iia verdadeira tem a certeza em si mesma. Em seguida, ao explicar a
diferença entre ambos, enfatiza que a idéia verdadeira é o primado da razão, pois ela nos assegura
que sabemos e, por conseguinte, a certeza é a própria essência formal. Portanto, “para saber, não é
necessário saber que sei” (TIE §34)
68
, assegura Espinosa, “para saber que sei é necessário,
primeiramente saber” (TIE §35)
69
. Daí se deduz que para termos a certeza da verdade nada mais
basta que se tenha a idéia verdadeira. A idéia verdadeira para Espinosa é o critério da verdade, e o
alcance da verdade não é através de um método, mas a própria procura pela idéia verdadeira, ou
seja:
67
“De fato, uma coisa é o circulo, e a outra é a idéia do círculo. Pois a idéia do circulo não é algo que tem uma periferia e
um centro, como o círculo; nem a idéia do corpo é o próprio corpo: e como a idéia de algo, diverso do seu ideado, será
também algo por si mesmo inteligível; isto é, a sua esncia formal, pode ser objeto de outra objetiva e, por sua vez, esta
outra essência objetiva, considerada em si mesma, será algo real e inteligível, e assim indefinidamente”. (TIE §33.p.20-
21) Os termos formal e objetivo conservam ainda o sentido escolástico: formal é o que tem uma essência atual, efetiva;
objetivo é o que existe só a título de idéia. (cf. nota 19 do tradutor)
I d e a v e r a (habemus enim ideam veram) est diversum quid a suo ideato. Nam aliud est circulus, aliud idea circuli;
idea enim circuli non est aliquid, habens peripheriam et centrum, uti circulus, nec idea corporis est ipsum corpus. Et cum
sit quid diversum a suo ideato, erit etiam per se aliquid intelligibile, hoc est, idea quoad suam essentiam formalem potest
esse obiectum alterius essentiae obiectivae, et rursus haec altera essentia obiectiva erit etiam in se spectata quid reale et
intelligibile, et sic indefinite. (TIE §33)
68
Postquam novimus, quaenam cognitio nobis sit necessaria, tradenda est v i a et m e t h o d u s , qua res, quae sunt
cognoscendae, tali cognitione cognoscamus. Quod ut fiat, venit prius considerandum, quod hic non dabitur inquisitio in
infinitum; scilicet ut inveniatur optima methodus verum investigandi, non opus est alia methodo, ut methodus veri
investigandi investigetur; et ut secunda methodus investigetur, non opus est alia tertia, et sic in infinitum. Tali enim
modo nunquam ad veri cognitionem, imo ad nullam cognitionem perveniretur. Hoc vero eodem modo se habet, ac se
habent instrumenta corporea, ubi eodem modo liceret argumentari. Nam ut ferrum cudatur, malleo opus est, et ut
malleus habeatur, eum fieri necessum est; ad quod alio malleo, aliisque instrumentis opus est, quae etiam ut habeantur,
aliis opus erit instrumentis, et sic in infinitum; et hoc modo frustra aliquis probare conaretur, homines nullam habere
potestatem ferrum cudendi. (TIE, §30)
69
“Hinc patet, quod certitudo nihil sit praeter ipsam essentiam obiectivam; id est, modus, quo sentimus essentiam
formalem, est ipsa certitudo. Unde iterum patet, quod ad certitudinem veritatis nullo alio signo sit opus, quam veram
habere ideam; nam, uti ostendimus, non opus est, ut sciam, quod sciam me scire. Ex quibus rursum patet, neminem
posse scire, quid sit summa certitudo, nisi qui habet adaequatam ideam aut essentiam obiectivam alicuius rei; nimirum,
quia i d e m e s t c e r t i t u d o e t e s s e n t i a o b i e c t i v a .”
(TIE, §35)
*) Nota, quod hic non inquirimus, quomodo prima essentia obiectiva nobis innata sit. Nam id pertinet ad investigationem
naturae, ubi haec fusius explicantur, et simul ostenditur, quod praeter ideam nulla datur affirmatio, neque negatio, neque
ulla voluntas. Sp.( TIE, §35)
(...) O verdadeiro método não é procurar um cririo de verdade após a aquisição
das idéias, mas o verdadeiro método é o caminho pelo qual a própria verdade ou a
essência objetiva das coisas, ou as idéiaso procuradas na devida ordem. (TIE,
§36)
70
Após demonstrar os modos de percepção descrevendo cada um deles, Espinosa aborda a
questão do método pelo qual atingiremos o conhecimento necessário. Para tanto, afirma que para
descobrir o “melhor método de investigar a verdade não é necessário outro método para investigar o
melhor método de investigação da verdade” (TIE, §30)
71
. Analogamente ele compara o método de
investigação com as técnicas de feitura dos objetos materiais, pois assim como o homem forjou um
primeiro instrumento rudimentar até alcaar formas mais elaboradas de instrumentos materiais
capazes de fazer coisas mais difíceis, a inteligência elabora processos mentais cada vez mais
sofisticados a fim empreender o exercício de conhecimento da natureza inteira. Partindo do
pressuposto que temos uma iia verdadeira primeira, Espinosa afirma que o melhor método para
alcançarmos a verdade é “entender o que seja a iia verdadeira” (TIE, §37)
72
.
Destarte a idéia verdadeira tem valor em si mesmo, como observamos no parágrafo
seguinte em que Espinosa aborda ainda seu conceito de método, que neste sentido deve “falar de
raciocinar e entender”, e, portanto “entender o que seja a idéia verdadeira, distinguindo-a das outras
percepções, investigando a natureza dela”. (TIE. §.37)
73
. Teixeira, ao interpretar esta assertiva,
explica que o bom método para Espinosa consiste em partir da iia verdadeira e não em buscar a
idéia verdadeira posto que “qualquer idéia é verdadeira do momento em que pelo esforço da
inteligência a integramos na ordem universal das idéias”. (2004, p.25)
70
“Cum itaque veritas nullo egeat signo, sed sufficiat habere essentias rerum obiectivas, aut, quod idem est, ideas, ut
omne tollatur dubium; hinc sequitur, quod vera non est methodus signum veritatis quaerere post acquisitionem idearum,
sed quod vera methodus est via, ut ipsa veritas, aut essentiae obiectivae rerum aut ideae (omnia illa idem significant)
debito ordine quaerantur. .( TIE, §36)”.
71
72
Sed est intelligere, quid sit vera idea. (TIE, §37).
73
Rursus methodus necessario debet loqui de ratiocinatione aut de intellectione. (...)intelligere causas rerum; sed est
intelligere, quid sit vera idea, eam a ceteris perceptionibus distinguendo eiusque naturam investigando (TIE, §37).
Espinosa entende que existe em nós uma idéia superior as outras iias que é o
conhecimento reflexivo da idéia do Ser Perfeitíssimo. Esta idéia deve existir em nós como algo inato
cujo uso nos fará perceber a diferença entre uma percepção qualquer e a percepção advinda da idéia
do Ser Perfeitíssimo. A mente será tanto mais perfeita quanto maior for sua aproximação com as
idéias provenientes de seu conhecimento da Natureza e, por conseguinte, ela prosseguirá a um
estado de perfeição em que compreenderá sua própria capacidade e também a ordem da natureza.
Este conhecimento lhe proporcionará a capacidade de impingir regras para si mesmo, aumentando
sua potência, ou melhor, seu conatus.
Como sustenta Espinosa, “a ordem e conexão das coisas é a mesma ordem e conexão
das iias” (E II, P7)
74
, isto é, a iia verdadeira está intrinsecamente relacionada com a ordem da
Natureza, pois nela as idéias têm uma relação, posto que na Natureza tudo tenha relação e por isto,
se pode conhecer a essência objetiva das coisas, como se pode observar na seguinte passagem:
Se, pois, existisse na Natureza uma coisa que não tivesse relação alguma com as
outras, se dela também houvesse uma essência objetiva, concordando exatamente
com sua essência formal, tal essência objetivao teria, igualmente, nenhuma
relação com outras idéias, isto é, dela nada poderíamos concluir; ao contrario,
aquelas que têm relação com outras coisas, como são todas as que existem na
Natureza, serão entendidas e suas essências objetivas terão entre si a mesma
relação, isto é idéias se deduzirão destas, que, por sua vez, terão relação outras e
assim crescem os instrumentos para realizar outros progressos, como desejávamos
demonstrar. (TIE. § 41)
75
74
Ordo et connexio idearum idem est ac ordo et connexio rerum. (E II, P7).
75
Adde quod idea eodem modo se habet obiective, ac ipsius ideatum se habet realiter. Si ergo daretur aliquid in natura,
nihil commercii habens cum aliis rebus, eius etiam si daretur essentia obiectiva, quae convenire omnino deberet cum
formali, nihil etiam commercii haberet cum aliis ideis 2), id est, nihil de ipsa poterimus concludere; et contra, quae
habent commercium cum aliis rebus, uti sunt omnia quae in natura existunt, intelligentur et ipsorum etiam essentiae
obiectivae idem habebunt commercium, id est, aliae ideae ex eis deducentur, quae iterum habebunt commercium cum
aliis, et sic instrumenta ad procedendum ulterius crescent. Quod conabamur demonstrare.
(TIE. § 41)
No intuito de demonstrar com objetividade a sua teoria da idéia verdadeira, Espinosa
assevera que “para provar a verdade e o raciocínio correto, nenhum outro instrumento é necessário
senão a própria verdade e o raciocínio correto” (TIE. § 44)
76
. Espinosa admite, entretanto que tal
intento é um caminho árduo e que as dificuldades existentes nessa atividade seriam elaboradas na
sua Filosofia
77
, em que os detalhes sobre a influência de outras ações que corroboram para
impossibilitar o raciocínio correto estão cuidadosamente expostos. Podemos ressaltar com Teixeira
que “a idéia verdadeira é que é, em si, uma norma. [...] Como a idéia verdadeira não é uma imagem,
um quadro mental, mas uma construção de nossa mente. [...] A norma de uma idéia verdadeira
qualquer é, pois, a maneira como a construímos pela nossa inteligência”. (2004, p, XXVII) Ainda
sobre isto, Teixeira que “o dinamismo intelectual que aparece na construção de uma idéia” (2004, p,
XXVII) nos faz raciocinar de dois modos: num primeiro momento deduzindo as conseqüências da
definição constrda, e num segundo momento, procurando as causas que nos levaram a formular tal
idéia numa ordem regressiva. (2004, p, XXVII).
No estudo das iias, Espinosa distinguiu quatro tipos de iias: as idéias fictícias, que
são aquelas fingidas ou forjadas pela imaginação; as iias duvidosas são aquelas que não são nem
claras nem distintas; as iias falsas são aquelas que supõem o assentimento, ou seja, por pensarmos
que ela vem de uma causa exterior a nós mesmos, supomos que ela não é fruto de nosso raciocínio,
mas vem de fora de nós, suem o assentimento. Isto é, como observa Espinosa, no momento em
que as representações oriundas de idéias falsas se apresentam e a assentimos nenhuma causa se
apresenta. Por fim Espinosa apresenta a iia verdadeira cuja concordância com seu ideado deve ser
76
Ad probandam veritatem et bonum ratiocinium nullis nos egere instrumentis, nisi ipsa veritate et bono ratiocinio.
(TIE. § 44)
77
Os estudiosos deste autor concordam que quando ele assim se refere está se reportando a Ética.
intrínseca (E II Def. 4, explicação)
78
. Ela é, como já salientamos anteriormente, norma do
verdadeiro e do falso. Conforme a Ética:Por idéia adequada entendo uma idéia que, enquanto é
considerada em si mesma, sem relação com o objeto, tem todas as propriedades ou denominações
intrínsecas de uma idéia verdadeira. (E II Def4)
79
”.
Na carta à Tschirnhaus (1675), Espinosa chama a atenção para a distinção existente
entre idéia verdadeira e adequada, explicitando-se da seguinte maneira:
Entre a idéia adequada e a idéia verdadeira não reconheço outra diferença, seo
aquele que o termo verdadeiro só se refere a conveniência da idéia com seu objeto
(ideatum), enquanto que o termo adequado se refere a natureza da idéia em si mesma.
”(Ep. 60)
Desta forma, a iia adequada é a norma do verdadeiro e do falso, ou o critério de
verdade, que é definida por Espinosa como uma iia enquanto considerada em si mesma, sem
relação com a coisa ideada, e que possui todas as propriedades ou denominações intrínsecas de uma
idéia verdadeira (Fragoso, 1994, p. 157). Ainda conforme Fragoso, “toda iia encerra em si um
juízo, uma afirmação ou uma negação, verdadeira ou falsa” e são formadas pelo espírito que este é
uma coisa pensante, como postula Espinosa, quando revela que “por idéia entendo um conceito da
alma, que a alma forma por ser uma coisa pensante” (E II Def. 3)
80
.
Espinosa ressalta que as idéias adequadas por serem estas claras e distintas jamais
podem ser falsas, visto que as iias concebidas clara e distintamente “ou são as mais simples, ou
78
Dico intrinsecas ut illam secludam quæ extrinseca est nempe convenientiam ideæ cum suo ideato. (E II, Def. 4,
explicatio)
79
Per ideam adæquatam intelligo ideam q quatenus in se sine relatione ad objectum consideratur, omnes veræ ideæ
proprietates sive denominationes intrinsecas habet. (E II Def4)
80
Per ideam intelligo mentis conceptum quem mens format propterea quod res est cogitans. (E II, Def. 3)
compostas de idéias simples, isto é, são deduzidas das mais simples idéias (TIE. § 68)
81
. É da
natureza do intelecto distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso pelas suas características
intrínsecas. Portanto, a verdade se encontra na própria idéia, como observa Espinosa no exemplo
que se segue:
Efetivamente, se um construtor concebe, segundo certa ordem, uma construção
qualquer, ainda que tal construção nunca tenha existido, nem nunca venha a existir,
o seu pensamento nem por isso é menos verdadeiro, e o pensamento permanece o
mesmo, quer a construção exista, quero; se, ao contrário, por exemplo, alguém
diz que Pedro existe sem que, entretanto, saiba se Pedro existe, este pensamento a
respeito dele é falso, ou, se se prefere esse pensamento não é verdadeiro ainda que
Pedro de fato exista. Nem esta afirmação: “Pedro existe” é verdadeira, a não ser
para aquele que sabe com certeza que Pedro existe. (TIE. § 69)
82
Da passagem acima, podemos ainda perceber que mesmo o objeto do pensamento do
construtor existindo ou não, isto não quer dizer que o que ele pensou não seja verdadeiro, o
pensamento em si se seguir à norma da idéia verdadeira é verdadeiro. A iia, para ser clara e
distinta, deve proceder da atividade da inteligência e “não de movimentos fortuitos do corpo (TIE.
§ 91)
83
. Donde se conclui que há nas idéias certa realidade com a qual se pode distinguir a idéia
verdadeira da iia falsa, é preciso ter em mente que “devemos determinar nossos pensamentos
segundo a norma da iia verdadeira” (TIE. § 70)
84
. E que o método é conhecimento reflexivo,
81
Sunt vel simplicissimae, vel compositae ex ideis simplicissimis, id est, a simplicissimis ideis deductae. (TIE. § 68)
82
Nam si quis faber ordine concepit fabricam aliquam, quamvis talis fabrica nunquam exstiterit, nec etiam unquam
exstitura sit, eius nihilominus cogitatio vera est, et cogitatio eadem est, sive fabrica existat, sive minus; et contra si
aliquis dicit, Petrum ex. gr. existere, nec tamen scit, Petrum existere, illa cogitatio respectu illius falsa est, vel si mavis,
non est vera; quamvis Petrus revera existat. Nec haec enunciatio, Petrus existit, vera est, nisi respectu illius, qui certo
scit, Petrum existere. (TIE. § 69)
83
Scopus itaque est claras et distinctas habere ideas, tales videlicet, quae ex pura mente, et non ex fortuitis motibus
corporis factae sint
(TIE. § 91)
84
(Ex data enim verae ideae norma nos nostras cogitationes debere determinare diximus, methodumque cognitionem
esse reflexivam)
(TIE. § 70).
bem como saber que “o pensamento verdadeiro consiste em conhecer as coisas pelas causas
primeiras” (TIE. § 70)
85
.
Mais uma vez é mister salientar que se diz do “pensamento verdadeiro aquele que
envolve objetivamente a essência de algum princípio que não tem causa e que se conhece por si e
em si mesmo (TIE. § 70)
86
. Espinosa defende que devemos procurar no próprio pensamento e
deduzir da natureza da inteligência a forma do verdadeiro pensamento, neste intuito sugere
pensarmos nos conceitos que formamos a partir de causas criadas arbitrariamente como, por
exemplo, o conceito de esfera que formamos a partir da idéia de um semirculo que gira sobre seu
centro e de cuja rotação nasce a esfera. Embora se saiba que na Natureza nunca uma esfera se
formou deste jeito, este pensamento é verdadeiro e o modo mais fácil de formar o conceito de esfera.
Ao utilizar o conceito de esfera para exemplificar a idéia verdadeira, Espinosa demonstra também as
bases da falsidade de uma idéia, pois, analisando este conceito em suas nimas nuances, percebe-se
que a idéia do semicírculo girar só é verdadeira por estar relacionada ao conceito de esfera ou da
causa que determina o movimento, ou seja:
A falsidade, pois, só nisto consiste – que de uma coisa se afirme algo que não está
no conceito que dela formamos como o movimento ou no repouso ditos do
semicírculo. Donde se segue que as idéias não podem deixar de ser verdadeiras,
como a idéia simples do semicírculo, de movimento, de quantidade. O que quer que
estas idéias contenham de afirmação é adequado ao conceito delas e não vai além;
pelo que podemos formar idéias simples à vontade, e sem medo de errar. (TIE. §
72)
87
85
Quod cogitatio vera est res cognoscere per primas suas causas. (TIE. § 70)
86
Cogitatio enim vera etiam dicitur, quae essentiam alicuius principii obiective involvit, quod causam non habet, et per
se et in se cognoscitur. (TIE. § 70
).
87
Quare falsitas in hoc solo consistit, quod aliquid de aliqua re affirmetur, quod in ipsius quem formavimus conceptu
non continetur; ut motus vel quies de semicirculo. Unde sequitur simplices cogitationes non posse non esse veras, ut
simplex semicirculi, motus, quantitatis etc. idea. Quicquid hae affirmationis continent, earum adaequat conceptum, nec
ultra se extendit. Quare nobis licet ad libitum sine ullo erroris scrupulo ideas simplices formare. (TIE. § 73)
Leon Brunschvicg, ao analisar a lógica espinosana, afirma que “uma idéia falsa é uma
idéia que ainda não atingiu o desenvolvimento que comporta a essência real, a qual ela corresponde
objetivamente, é uma idéia inadequada (2004; p. 62). Procedendo a uma analise dos diferentes
tipos de iias descritos por Espinosa, Brunschvicg esclarece que:
[...] Uma idéia verdadeira é uma idéia possuidora da plenitude de sua compreensão,
é uma idéia adequada. Ora, a idéia inadequada é uma parte da idéia adequada, a
idéia adequada é uma totalidade de idéias inadequadas, A relação entre o erro e a
verdade resume-se, em definitivo, à relação entre a parte e o todo. Se então nos
acontece de termos idéias inadequadas, não podemos concluir que isso não esteja
dentro da natureza do ser pensante de formar idéias verdadeiras, isto é, adequadas,
mas simplesmente que nosso espírito o é o espírito todo, que nós somos apenas
uma parte de um ser pensante do qual algumas idéias constituem o nosso espírito,
algumas tomadas em sua integridade, as outras somente em parte. (2004; p. 62-63)
Espinosa ao estabelecer o critério da idéia falsa nos leva a perceber que quando nossa
mente percebe parcialmente os objetos somos impelidos a desenvolver idéias mutiladas ou
truncadas e formamos idéias inadequadas “pelo fato de sermos parte de um ser pensante cujos
pensamentos constituem nossa mente às vezes no todo, ou às vezes só parcialmente” (TIE. § 73)
88
.
Por isso, “o verdadeiro é o critério do falso, e também do verdadeiro”, pois a negação e afirmação,
de acordo com Brunschvicg, (2004, p.62), não podem ser entendidas como categorias que se opõem,
mas como categorias distintas de um mesmo pensamento, de tal sorte que é impossível estabelecer
entre ambas qualquer determinação em comum que possibilite compará-las. Apesar de ser da
“natureza do ser pensante formar pensamentos verdadeiros e adequados
(TIE. § 73)
89
, nossa
parcialidade, no sentido de sermos apenas uma parte do todo, induz-nos a ter idéias parciais e,
portanto inadequadas.
88
Quod pars sumus alicuius entis cogitantis, cuius quaedam cogitationes ex toto, quaedam ex parte tantum nostram
mentem constituunt. TIE. § 73
89
Quod si de natura entis cogitantis sit, uti prima fronte videtur, cogitationes veras sive adaequatas formare. (TIE. § 73)
Para Espinosa, a idéia “é uma essência objetiva, cujas características são sua
inteligibilidade, realidade e, só é devidamente conhecida quando reconhecemos seu caráter
independe do objeto, porém sua essência “se busca numa outra de mesma ordem, tão ideal quanto
ela. Só existe uma relão inteligível entre ume idéia e outra idéia”. (Brunschvicg, 2004, p.57).
Portanto, guiados pelo pensamento de Espinosa sobre as idéias e o método podemos
considerar que quando possuímos uma iia verdadeira sabemos dela, de posse dessa consciência
podemos ultrapassar os limites impostos pela razão e alcançarmos a mais alta sabedoria ou a
beatitude, como é nosso intuito tentar demonstrar através da análise deste conceito e de sua
articulação com o conhecimento.
Capítulo III
Estou profundamente surpreso, encantado; tenho um precursor e que precursor!
Eu conhecia pouco Espinosa: que eu me tenha voltado para ele justamente
agora me foi inspirado pelo instinto. (..) Sua tenncia suprema é a minha, que
faz do conhecimento o mais potente dos afetos
(...). Em suma: minha solidão
que, como sobre cumes elevados, com freqüência tornou minha respiração
difícil e esvaziou meu sangue, é ao menos uma dualidão.
Nietzsche (carta a Franz Overbeck, julho de 1881)
90
A Beatitude segundo Espinosa
O pensamento de Espinosa apesar de ter tido como marco inicial o dos teóricos do amor
divino como salienta Émile Bréhier (1900) desenvolveu-se de modo distinto destes, pois, buscou
pautar-se numa perspectiva extremamente racionalizada e de caráter eminentemente prático,
distanciando-se do ascetismo, da devoção que caracterizavam estas teorias. Neste sentido a doutrina
spinozista apesar de possuir características que a aproximam de filosofias neoplatônicas, quando a
90
“Me reencontro em cinco pontos primordiais de sua doutrina, nos quais este pensador, o mais fora da norma e o mais
solitário, me é justamente o mais próximo: ele nega o livre-arbítrio, a finalidade, a ordem moral do mundo, o
desinteresse e o mal.” (Carta a Franz Overbeck, datada do dia 30 de julho de 1881. In Nietzsche, F. Oeuvres, vol.II,
p.1272.)
examinamos apuradamente percebemos que essas semelhanças são apenas aparentes (Bréhier; p.),
pois Espinosa buscava dotar o intelecto humano de ferramentas que pudessem aumentar-lhe o poder
de conhecimento, como pudemos observar em sua teoria do conhecimento, para utilização na sua
vida prática. Assim é que a teoria do conhecimento de Espinosa tem um caráter intrínseco com sua
definição de felicidade ou beatitude, pois a beatitude conforme Espinosa consiste no amor
intelectual a Deus, nascido com o terceiro gênero do conhecimento. (E IV ap.4)
91
Outra evincia da influência do pensamento da Europa Medieval na filosofia de
Espinosa diz respeito à presença de termos do vocabulário escolástico em suas obras, mas devemos
esclarecer que os mesmos adquirem em Espinosa um sentido diverso daquele empregado na
filosofia de herança neoplatônicas, pois é noria na filosofia desse autor essa peculiaridade, qual
seja a de estabelecer através de um diálogo com a mesma um sentido novo aos termos herdados da
tradição. Neste sentido é que Rousset (2005) ao analisar a teoria da beatitude afirma que a utilização
de certas expressões por Espinosa demonstra a herança das filosofias e teologias da salvação
presentes na sua filosofia, por causa disto, assegura:
Somos tentados a interpretar a doutrina final da Ética à luz dessas aproximações [...]
como se Espinosa retomasse, no seio do panteísmo naturalista, das mais altas
aspirações religiosas e das concepções teológicas as mais tradicionais. [...] Essa
interpretação é errônea por ignorar a noção invocada sem cessar na definição e
dedução da eternidade, do conhecimento e do amor que salva, da liberdade e da
beatitude: esta idéia de uma atividade imanente, graças a qual o finito pode existir
nele mesmo e por si mesmo, em lugar de ficar perdido no finito extrínseco ou de se
perder no infinito. (2005, p.9)
91
In vita itaque apprime utile est intellectum seu rationem quantum possumus perficere et in hoc uno summa hominis
felicitas seu beatitudo consistit; quippe beatitudo nihil aliud est quam ipsa animi acquiescentia quæ ex Dei intuitiva
cognitione oritur : at intellectum perficere nihil etiam aliud est quam Deum Deique attributa et actiones quæ ex ipsius
natunecessitate consequuntur, intelligere. Quare hominis qui ratione ducitur finis ultimus hoc est summa cupiditas
qua reliquas omnes moderari studet, est illa qua fertur ad se resque omnes quæ sub ipsius intelligentiam cadere possunt,
adæquate concipiendum.( E IV, ap. 4)
Portanto, a análise do conceito de Beatitude em Espinosa que ora se faz se assenta na
perspectiva defendida por estes comentadores, procurando demonstrar a distância conceitual
presente entre o pensamento deste autor e a filosofia em questão.
É notório que quando se faz referência à felicidade, a maioria dos seres humanos logo a
relaciona com objetos externos, podendo estes ser corporificados ou não, que de acordo com sua
utilidade podem nos trazer a sensação de alegria e conforto para a alma. Essa noção de felicidade se
deve na perspectiva de Espinosa as idéias inadequadas que costumamos formar a partir de
representações criadas pelos encontros entre os corpos que provocam em nós afecções tanto
corpóreas como mentais. A compreensão do conceito de felicidade requer, portanto a explicitação
das afecções que impulsionam as ações, bem como de outras categorias filoficas postuladas por
Espinosa.
Nesse sentido, se busca evidenciar a estreita vinculação entre Beatitude e conhecimento
na filosofia spinozista, procurando estabelecer os nexos causais existentes entre ambas, articulando
através deste percurso um diálogo capaz de demonstrar a relação entre o conhecimento e a vida,
evidenciando o caráter prático nela presente. Pressupomos que esta característica da filosofia
spinozista está explicita na articulação entre a substância e seus modos, cuja dinâmica é observável
na presença do conatus. Para Ribeiro (1997; p.309) “[...] O conatus é mediador entre a Substância e
os modos, é o elemento de ligação porque é o elemento comum”.
3.1 Da causa sui e do conatus
É sabido que quando escolhemos abordar na obra de Espinosa um conceito ou noção,
percebemos que os mesmos dificilmente podem ser tratados desvinculados um dos outros, assim é
que cada conceito ou noção que constituem esta filosofia forma um encadeamento lógico, na qual se
encontra perfeitamente articulados. De fato, empreender uma análise de qualquer conceito ou noção
em Espinosa implica abordar, mesmo que en passant todos os demais, pois sem se levar em conta tal
pressuposto característico do sistema de Espinosa, corre-se o risco lamentável de ocultar elementos
imprescindíveis, cujo desconhecimento pode prejudicar a análise das idéias desse autor. Assim
sendo, alcançar o sentido dos conceitos de beatitude e conhecimento em Espinosa nos faz retomar o
conceito de causa sui o qual foi anteriormente mencionado.
O conceito de causa sui adquire uma conotação diversa em Espinosa, pois promove uma
ruptura com a tradição filofica. “De facto, sustenta Ferreira (1997), a causa espinosana reveste-se
de uma conotação predominantemente ontológica e lógica”. “[...] Para o filósofo, a causa é também
a condição e o fundamento (1997, p.285:286)”. Corroborando com esta prerrogativa Bove salienta
que: “o conceito de causa sui encaminha para a compreensão do real, pois Deus se afirma na
infinidade infinita de seus efeitos e através de cada uma de suas expressões” (1996, p. 8) e assim:
Tudo que existe, exprime de maneira certa e determinada a natureza ou essência de
Deus, isto é tudo que existe exprime de modo certo e determinado a potência de
Deus, que é causa de todas coisas e, por conseguinte, dele resulta algum efeito. (EI,
P36, d)
92
Retomando os aspectos que contribuem para dissociar a noção da causa sui spinozista da
filosofia tradicional, Ferreira (1997) admite ainda que, “a heresia inovadora” de Espinosa reside no
fato deste ter associado à causa sui à necessidade e à imanência. Sendo, portanto essa característica
92
Quicquid existit, Dei naturam sive essentiam certo et determinato modo exprimit (per corollarium propositionis 25)
hoc est (per propositionem 34) quicquid existit, Dei potentiam quæ omnium rerum causa est, certo et determinato modo
exprimit adeoque (per propositionem 16) ex eo aliquis effectus sequi debet. Q.E.D. (E I, P 36, d|)
da causa sui spinozista o que possibilita estabelecer pontes entre a Substância e as coisas existentes.
(Ferreira, 1997, p. 306; 307).
A definição de causa sui inicia a Ética, se trata de uma definição notum per se, ou seja,
uma definição auto-explicativa. Ao definir de imediato essa propriedade da substância única,
Espinosa põe o inicio e o fim de seu sistema, pois de acordo com Ferreira (1997) “a Ética não faz
mais que desenvolver essa definição inicial, desvelando os seus conteúdos e explorando as suas
virtualidades”. (1997; p.292)
Fragoso (2002) ao analisar as definições iniciais da Ética salienta a importância do
conceito de causa sui, afirmando que:
Esta é uma das definições fundamentais do sistema spinozista por postular a
identidade entre aquilo que é e aquilo que é concebido, ou seja, é a definição que
funda a ontologia spinozista porque possibilita que aquilo que o entendimento finito
(por ser parte do entendimento infinito) concebe da coisa e o que a coisa é em si
sejam postos como idênticos. (2002, p.213)
A definição de causa sui é, portanto, de suma importância para descortinar o sistema
spinozista, pois nela repousa o fundamento ontológico primordial, sob o qual se erige as
possibilidades de análise causais, a saber, a causa sui e a causa in re, a primeira “imanente e
autônoma, a segunda “transitiva e heterônoma”. (Ferreira, 1997, p. 290). Além disso, o
desenvolver metodológico da Ética estabelecendo um encadeamento lógico ao sistema filofico em
questão permite que analisemos as proposições 15 e 18 desta parte da Ética como bases de uma
dupla causalidade como salienta Ferreira (1997), a primeira ao estabelecertudo que existe, existe
em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido”, afirma a imanência divina e a segunda,
na qual Espinosa afirma: “Deus é causa imanente de todas as coisas, e não transitiva”, é seqüência
da demonstração spinozista que afirma Deus como razão e causa de tudo. Assim se pode inferir que
através da imanência Espinosa articula a relação perfeita entre causa e efeito, pois sendo a causa de
si é causa imanente de tudo que existe. Nesta perspectiva é que Chaui afirma o seguinte:
A causalidade eficiente imanente não transitiva evidencia a permanência da origem
no originado, sem que ambos se confundam: causa de si, a subsncia é o ser em si
e por si, concebido por si mesmo, enquanto o modo é o ser em outro e por outro,
concebido através desse outro, e essa diferença real entre ela e eleso os separa,
porque eles existem nela e ela lhes dá o ser exatamente no mesmo sentido em que
dá a si mesma. (Chaui; 1999, p.71)
Ainda no que diz respeito ao sentido de imanência em Espinosa, Chaui salienta que:
É a imanência que leva Espinosa, no Tratado da emenda do intelecto, a referir-se
ao intelecto humano como automa spirituale (autômato espiritual) e vis nativa
(força inata), para com isso indicar a espontaneidade interna do conhecimento no
qual nossa mente age por si mesma, segundo a necessidade das conexões entre suas
idéias, conhecendo exatamente a mesma espontaneidade do atributo pensamento,
do qual é um modo determinado; ou seja, conforme demonstra a Ética, nossa mente
é causa formal e eficiente de suas iias. (1999, p.88) (grifo nosso)
A imanência da causa no efeito ou da origem no originado, nervura do pensamento
e da realidade é a fibra onde se prendem e de onde irradiam as idéias espinosanas,
entrelaçadas numa estrutura dinâmica que desenha a articulação inédita entre o
especulativo e o prático, ou entre teoria e práxis. (1999, p.83)
Diante do exposto se tornar claro que a causa sui sendo prinpio fundante de tudo, é
também principium do conatus como potência singular atual de perseverar na existência. E como
salienta Chaui (1999; p. 72) se a essência divina é o principio tanto na ordem do conhecimento
como na das coisas é porque ela é condição e razão para que existam as coisas singulares ou modos,
e assim como os atributos é a própria expressão da essência de Deus, os modos também o são e,
expressam a essência de Deus ou substância única. Os homens são, portanto entendidos como coisas
singulares ou modos finitos como assegura a EII D7 “Por coisas singulares entendo as coisas que
são finitas e quem uma existência determinada”
93
, e que sendo constitdo por certas
modificações dos atributos da substância única, os modos finitos consoante a EIII P7d expressam de
maneira certa e determinada os atributos de Deus. Neste sentido é que podemos dizer que os modos
são os efeitos pelos quais Deus se expressa enquanto Natureza Naturada
94
, portanto os homens são
modos de Deus, enquanto ele se expressa como coisa finita. Para Ferreira a relação existente entre
atributos e modos é primordial, pois:
Os atributos são uma peça essencial da causalidade imanente, colocando-se como
mediadores indispensáveis da manifestação da “causa sui.” (...) Sem eles a relão
Substância modos não se efetuaria. Os atributos condicionam quer a existência da
Subsncia quer o seu agir, por conseência, a existência das coisas. Estabelecem
relações causais entre a potência primordial e a sua atualização determinada. (1997,
p. 295)
Retomando a definição de conatus postulada da seguinte forma na 3ª parte da Ética: “o
esforço pelo qual toda coisa tende a perseverar no seu ser não é senão a essência atual dessa coisa”
(E III P7)
95
se compreende como a potência de Deus se manifesta no homem através da imancia,
pois para Espinosa o homem é pensado como um ser relacional, ou seja, um ser que mantêm
necessariamente relações com o os demais existentes (EIV, P18, sch). As relações entre os homens e
o mundo ocorrem através dos encontros (occurrs), estes por sua vez têm o poder de modificar as
relações de composição do corpo e também da mente, pela teoria do paralelismo, teoria pela qual
Espinosa explica que a ordem das idéias corre paralela a ordem dos corpos (E II, P7). Os encontros
93
Per res singulares intelligo res quæ finitæ sunt et determinatam habent existentiam. Quod si plura individua in una
actione ita concurrant ut omnia simul unius effectus sint causa, eadem omnia eatenus ut unam rem singularem considero.
94
“Porque tudo que é, ou em si ou em outro, Deus sive Natura é o ser que se desdobra em Natureza Naturante (a
substância absolutamente infinita, causa de si, constituída por infinitos atributos em seu gênero) e Natureza Naturada (os
efeitos da potência dos atributos em modificações infinitas e finitas, constituindo o todo do universo)” in Chaui, 1999, p.
67.
95
Conatus quo unaquæque res in suo esse perseverare conatur, nihil est præter ipsius rei actualem essentiam.(E III P7)
demonstram por sua vez a capacidade que as coisas singulares possuem de afetar e serem afetados e,
segundo Deleuze (1978, p.5) uma afecção é o “estado de um corpo quando sofre a ação de outro”,
pois através das afecções é que obtemos o conhecimento, que advêm das idéias delas provenientes.
É a partir dessa premissa que podemos estabelecer em Espinosa a distinção entre as idéias
96
, que se
dá em nós a partir das afecções, primeiro as “idéias affectio”, em segundo as “idéias noções” e em
terceiro as “idéias essências”. (Deleuze, 1978, p.5)
Destarte, Espinosa ao entender o homem como modo finito, união de corpo e mente,
compreende-o também como um conatus, esforço de autoperseveração na existência, cujas emoções
ou afecções estabelecem um vínculo com a realidade que o envolve e possibilitam através das
mesmas um aumento ou diminuição da potência. Compreender a natureza das afecções e sua relação
com o conatus nos aproxima da filosofia spinozista, posto que o mesmo ao desenvolver seu estudo
sobre a natureza dos afetos buscava mostra os caminhos pelos quais poderíamos superar as
dificuldades oriundas de um conhecimento inadequado do mundo. As relações entre afecções e
conatus explicitam a influência das mesmas no desenrolar de nossa vida. È através dessa relão que
percebemos o aumento ou a diminuição de nossa potência de perseverar na existência, pois “o
conatus, quando eficiente, chama-se apetite, no corpo e desejo na mente; e que pode ser causa
adequada, isto é, causa eficiente imanente de suas ações e iias(Chaui, 1999; p.77).
96
Na compreensão de Deleuze “[...] As únicas idéias que temos nas condições naturais da nossa perceão, são as idéias
que representam o que sucede ao corpo, o efeito de um outro corpo sobre o nosso, isto é, uma mistura dos dois corpos:
elas são necessariamente inadequadas (II, 11, 12, 19, 24, 25, 26,27...) . Tais idéias são as imagens. Ou melhor as
imagens são as próprias afecções corporais (affectio), as marcas de um corpo exterior sobre o nosso. [...] Tais idéias
são signos: elas não se explicam pela nossa essência ou potência, mas indicam o nosso estado actual e a nossa
impotência para nos subtrairmos a uma marca; elao exprimem a essência do corpo exterior, mas indicam a presença
desse corpo e o seu efeito sobre nós (II, 16) (in Filosofia Prática; p. 87)
3.2 Do papel das afecções na formação do conatus
É na 3ª. Parte da Ética em que Espinosa se dedica a uma exposição detalhada sobre as
origens e a natureza das afecções que encontramos também a formulação da teoria do conatus,
postulada da seguinte forma: “Cada coisa se esforça, quando está em si, por perseverar em seu ser”
(E III, P6)
97
. Nesta parte também, Espinosa se expressa sobre as afecções, demonstrando sua origem
e natureza, e articula a essência da alma às idéias e às afecções do corpo (E III, P9, dem.). É no
Apêndice que finaliza esta parte da obra que encontramos as definições das diversas afecções
humanas e a crítica spinozista aos estudos das mesmas.
Espinosa elabora uma crítica acerca das afecções, cuja análise tem início na introdução
onde o filósofo já observava uma auncia de cientificidade no tratamento destas pelos filósofos que
se dedicaram a este assunto. Ele percebeu que até aquele momento as afecções eram tratadas como
coisas antinaturais, independentes da natureza, o que levava a crença de que o homem era um
império dentro de um império. Tal pressuposto imputava ao homem inteira independência sobre
suas as afecções e, por conseguinte a capacidade de agir de tal forma que tudo aquilo que o tornasse
inapto a determinadas ações eram frutos de seus vícios, de sua impotência e sua inconstância.
Buscando compreender melhor as afecções e sua influência no agir humano, é que Espinosa ao
contrário de outros filósofos observou as afecções com o mesmo rigor metodológico dado às
ciências exatas. De acordo com Scrutton: “Espinosa começa declarando que ele pretende tratar desse
pico com o mesmo rigor geométrico que adotou na sua discussão sobre Deus e a mente”. (2000; p.
33) podemos perceber esta afirmação nas próprias palavras do filosofo, que afirma:
97
Unaquæque res quantum in se est, in suo esse perseverare conatur. (E VI P 6)
Tratarei, portanto da natureza e da força das afecções, e do poder da alma
sobre elas, com o mesmo método com que nas partes precedentes tratei de
Deus e da alma, e considerarei as ações e os apetites humanos como se
tratassem de linhas, supercies ou de volumes. (E3. PRÆFATIO)
98
Deste modo as definições que iniciam a Parte 3 da Ética explicitam os conceitos
relativos à ação humana, os quais estão relacionados com as definições de causa adequada e
inadequada pelas qual Espinosa estabelece a capacidade de agir dos seres humanos e, além disso, ele
define as afecções e as idéias dessas afecções como fatores determinantes da potência de ação do
corpo, e estas, por conseguinte podem ser entendidas ainda sob dois aspectos distintos, consoante
sua causa, recebendo a denominação de afeto ou paixão, (EIII, D3). Assim sendo, as três definições
que iniciam esta parte conceituam causa adequada e inadequada; atividade e passividade e
afecções, como podemos observar:
I. Chamo causa adequada aquela cujo efeito pode ser clara e distintamente
compreendido por ela; chamo causa inadequada ou parcial aquela cujo efeito não
pode ser conhecido por ela. (EIII D1)
99
II. Digo que somos ativos (agimos) quando se produz em nós, ou fora de nós,
qualquer coisa que somos a causa adequada, isto é, quando se segue da nossa
natureza, em nós ou fora de nós, qualquer coisa que pode ser conhecida clara e
distintamente apenas pela nossa natureza. Mas, ao contrário, digo que somos
passivos (sofremos) quando em nós se produz qualquer coisa ou qualquer coisa se
segue da nossa natureza, de que não somos senão a causa parcial. (EIII D2)
100
98
De affectuum itaque natura et viribus ac mentis in eosdem potentia eadem methodo agam qua in præcedentibus de
Deo et mente egi et humanas actiones atque appetitus considerabo perinde ac si quæstio de lineis, planis aut de
corporibus esset. (E3. Præ)
99
Causam adæquatam appello eam cujus effectus potest clare et distincte per eandem percipi. Inadæquatam autem seu
partialem illam voco cujus effectus per ipsam solam intelligi nequit. (EIII D1)
100
Nos tum agere dico cum aliquid in nobis aut extra nos fit cujus adæquata sumus causa hoc est (per definitionem
præcedentem) cum ex nostra natura aliquid in nobis aut extra nos sequitur quod per eandem solam potest clare et
distincte intelligi. At contra nos pati dico cum in nobis aliquid fit vel ex nostra natura aliquid sequitur cujus nos non nisi
partialis sumus causa.
III. Por afectos entendo as afecções do corpo, pelas quais a potência de agir desse
corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou entravada, assim como as idéias
dessas afecções. (EIII D3)
101
Ainda sobre as afecções esclarece que:
Quando, por conseguinte, podemos ser a causa adequada de uma dessas afecções,
por afeto entendo uma ação; nos outros casos, uma paixão. (EIII D3)
102
De acordo com Scrutton “a primeira definição junta dois conceitos-chaves: causa e idéia
adequada. Para Espinosa, a causação é um outro nome dado para explicação; a relação entre causa e
efeito é uma relação intelectual, tal como a relação entre premissa e conclusão numa demonstração
matemática” (2002, p. 34).
Assim pelo conceito de afecções acima podemos observar o poder que as mesmas
exercem sob a potência do corpo, pois elas também corroboram para o aumento, diminuição,
favorecimento ou entrave do mesmo, bem como as idéias relacionadas a elas. Esclarecendo ainda
que quando somos causa adequada da afecção elas se denominam afeto, caso contrário, são paixões,
donde se conclui que as paixões são frutos de causas inadequadas. Para Mignini (1987) Espinosa ao
definir afetos como afecções do corpo possibilitam uma dupla interpretação:
Por um lado o afeto o se distingue da idéia (que é idéia da afecção do corpo)
possuindo por sua própria natureza, perfeição e duração; por outro lado ela se
distingue enquanto se considera idéia como acompanhada do sentimento de
maior ou menor potência, ou capacidade de ações, do corpo que esta exprime.
(1987, p.132)
103
101
Per affectum intelligo corporis affectiones quibus ipsius corporis agendi potentia augetur vel minuitur, juvatur vel
coercetur et simul harum affectionum ideas. (E III D 3)
102
Si itaque alicujus harum affectionum adæquata possimus esse causa, tum per affectum actionem intelligo, alias
passionem. (E III D 3)
103
Da un lato, dunque, l´affetto non si distingue dall´idea (che éidea della affezioni del corpo), avendo la sua stessa
natura, perfezione e duratta; dall´altro non se ne distingue solo in quanto si consideri l´idea come acompagnata dal
sentiemnto della maggiore o minore potenza, o capacità di azione, del corpo che essa esprime. (livre tradução)
A análise spinozista das afecções envolve tanto sua ação sobre o corpo como sobre a
mente. Os postulados III e VI que seguem a Proposição 13 da 2ª parte da Ética explicitam a
capacidade do corpo humano de afetar e ser afetado pelos corpos exteriores de inúmeras maneiras,
por isso a alma humana que é iia do corpo percebe o que acontece nesse corpo sendo, por
conseguinte afetada também por um grande número de coisas. Entretanto, a reação advinda desse
encontro entre corpos pode ser o aumento ou a diminuição da potência de agir, no entanto pode
ocorrer de uma afecção não produzir nenhum efeito sobre este, ou seja, nem aumentem nem
diminuam sua potência. Para esclarecer melhor o que acima se disse citemos Espinosa:
As iias de uma alma humana qualquero umas adequadas, outras, ao contrário,
mutiladas e confusas. Mas as iias que existem adequadas na alma de alguém
existem adequadas em Deus, enquanto ele constitui a essência dessa alma, e as que
existem inadequadas na alma existem adequadas em Deus,o enquanto ele
constitui a essência dessa alma somente, mas enquanto ele contém em si, ao mesmo
tempo, as almas de outras coisas. (...) Portanto, a nossa alma, enquanto tem idéias
adequadas, é necessariamente ativa em certas coisas – o que constitui a primeira
parte da proposição a demonstrar. Por outro lado, de tudo o que se segue
necessariamente de uma idéia que existe adequada em Deus, não enquanto ele tem
em si somente a alma de determinado homem, mas enquanto, ao mesmo tempo, tem
em si as almas de outras coisas, a alma desse homem não é a causa adequada, mas
somente parcial; por conseguinte a alma, enquanto tem iias inadequadas, é
necessariamente passiva em certas coisas.(EIII P1 d)
104
104
Cujuscunque humanæ mentis ideæ aliæ adæquatæ sunt, aliæ autem mutilatæ et confusæ (per scholia propositionis 40
partis II). Ideæ autem quæ in alicujus mente sunt adæquatæ, sunt in Deo adæquatæ quatenus ejusdem mentis essentiam
constituit (per corollarium propositionis 11 partis II) et quæ deinde inadæquatæ sunt in mente, sunt etiam in Deo (per
idem corollarium) adæquatæ non quatenus ejusdem solummodo mentis essentiam sed etiam quatenus aliarum rerum
mentes in se simul continet. Deinde ex data quacunque idea aliquis effectus sequi necessario debet (per propositionem
36 partis I) cujus effectus Deus causa est adæquata (vide definitionem 1 hujus) non quatenus infinitus est sed quatenus
data illa idea affectus consideratur (vide propositionem 9 partis II). At ejus effectus cujus Deus est causa quatenus
affectus est idea quæ in alicujus mente est adæquata, illa eadem mens est causa adæquata (per corollarium propositionis
11 partis II). Ergo mens nostra (per definitionem 2 hujus) quatenus ideas habet adæquatas, quædam necessario agit, quod
erat primum. Deinde quicquid necessario sequitur ex idea quæ in Deo est adæquata, non quatenus mentem unius
hominis tantum sed quatenus aliarum rerum mentes simul cum ejusdem hominis mente in se habet, ejus (per idem
corollarium propositionis 11 partis II) illius hominis mens non est causa adæquata sed partialis ac proinde (per
definitionem 2 hujus) mens quatenus ideas inadæquatas habet, quædam necessario patitur. Quod erat secundum. Ergo
mens nostra etc. Q.E.D.( EIII P1 d)
De acordo com Scrutton é através da discussão das emoções ou da teoria dos afetos que
Espinosa evidencia a potência dos mesmos no homem, portanto para Scrutton:
A definição de emoção reflete a teoria de Espinosa sobre a relação entre a mente e o
corpo. Uma emoção é uma condição corporal, e, ao mesmo tempo, a idéia dessa
condição. É aquilo que acontece dentro de nós, quando a nossa atividade é
aumentada ou diminuída – sendo a atividade ao mesmo tempo mental e física.
(2000; p, 34)
Delbos ao analisar as afecções humanas estabelece que nosso conatus começa com as
experiências advindas das afecções em nosso corpo, as quais provocam modificações, nesse sentido
o estágio inicial de nossa tendência a perseverar em nosso ser é de passividade, pois as primeiras
afecções sofridas são paixões. (2002; p. 132) Porém cabe ressaltar que estas paixões efetivam
mudanças em nós, o que não contradiz o conceito de paixão em Espinosa pelo quais as paixões são
entendidas como causa de nossa passividade, mas explicitam que as mudanças que se opera em nós
são provocadas por causas externas entendidas pela mente inadequadamente.
Vinti (1984; p.51) ao analisar a influência das paixões explicita a idéia de que “O
homem, enquanto parte da natureza, é necessariamente passivo. (E IV, P2)Esta passividade traz
consigo o conhecimento do limite e da potência do universo que o circunda”
105
, ou seja, a
consciência que seu perseverar na existência é limitada e superada pela potência das causas
exteriores, reconhecendo ainda que “o vínculo do homem com Deus não faz deste um ser absoluto
diante as determinações particulares às quais sua natureza está submetido”
106
(Vinti; 1984; p.51).
As paixões são entendidas em Espinosa livres do julgo moralista, pois exprimem a própria condição
105
“l´uomo, in quanto parte della natura, è necessariamente passivo (E,IV, 2). Tale passivitá porta con sé la
consapevolezza del limite e della potenza nullificante dll´universo che lo circonda.
106
Il legame com l´assoluto non fa dellúomo un essere di fronte alle determinazioni particolari cui la sua natura è
sottoposta. (Vinti; 1984; p.51).
humana, neste sentido não são as paixões que expressam uma situação particular ou infeliz em que
os homens possam cair, elas indicam, sobretudo “uma tensão entre aquilo que o homem é e aquilo
que ele pode não ser, entre a sua singularidade e os outros indivíduos”
107
(Vinti; 1984, p.51). Ferreira
(1997; p. 466) corrobora com esta afirmação quando sustenta que a essência das coisas é ao mesmo
tempo agressiva e colidente posto que exija uma afirmação das mesmas, pois expressam os conflitos
existentes no próprio homem e nas suas relões com os outros homens e com os outros modos.
Entretanto no homem dado à especificidade de seu conatus, “A razão aprende a conviver com os
conflitos, acalentando tudo o que possa contribuir para aumentar o ser próprio. E como lhe
impossível manter-se isolada, necessariamente se mistura com os afectos, não desdenhando
manipula-los” (Ferreira; 1997 p. 466). Isto posto se torna evidente que o homem sendo afeito às
paixões delas sofre influência e, considerando a razão também um afecto é pelo uso deste que se
pode estabelecer um vínculo entre as afecções e a formação do conatus individual, ou seja, segundo
Ferreira (1997; p. 469) “[...] Ora no que respeita às paixões, a razão só pode ser eficaz, só as reduz,
se se assumir como afecto, como força que actua no mesmo registo”, retornando a Ética podemos
compreender as palavras de Espinosa quando diz que uma afecção só pode ser reduzida ou
suprimida por outra mais forte que ela (E, IV, P7). É o trabalho da razão que engendra meios para
superar a passividade em que nos encontramos e para clarificar nossa mente ao acesso para
fortalecer nossa perseverança na existência.
Por isto, ao conceber as afecções também como idéia Espinosa permitiu perceber a
influência destas na formação do conatus bem como sua influência em nossa relação cotidiana com
a existência na duração, pois pelas afecções é que nossa potência de agir (potentia agendi) e força de
existir (vis existendi) e suas variações se realiza. Deleuze (1978) sustenta que essas variações são
107
La passione indica che l´uomo è uma continua tensione tra cio che é e ció che puó non essere, tra la sua singolaritá e
gli altri individui che premono. (idem)
provocadas por uma sucessão de iias que se afirmam em nós e que tanto podem aumentar como
diminuir nossa potência de agir. Nesse sentido ao desenvolver a teoria do conatus Espinosa
demonstrou que a essência de uma coisa é o seu esforço e esta essência é a própria virtude do
homem, (E5P4), explicitando assim que a “nossa essência é o esforço, ou melhor, o conatus com o
qual procuramos persistir em nosso próprio ser” (Scruton, 2000, p. 36). Assim sendo o
essencialismo presente em Espinosa, de acordo com Rousset (2005) permite entender a essência não
como uma coisa atemporal e fora de nós, ou ainda “uma coisa pela qual eu seria determinado e à
qual estaria sujeito – a essência é minha própria natureza, é o que eu sou, no meu ser atual e no
conjunto de minhas propriedades, (2005, p. 11)”. Corroborando com essa idéia Ferreira (1997; p.
308) afirma que: “As coisas se definem pelo seu conatus. Este, por sua vez, identifica-se com a
essência: “o esfoo (conatus) (...) nada é para além da essência actual da própria coisa”.
Chauí ao analisar o conceito de modo finito estabelece que: “Modo é a essência singular
como expressão determinada da essência e potência da substância. [...] Todavia, a essência singular
existente é um modo finito e, sendo finito, existe rodeado e limitado por infinitos outros, tão
positivos e indestrutíveis quanto ele”. (1999; p. 90 - 91), desse modo, corrobora com a idéia de que a
construção do conatus individual está intrinsecamente relacionada com as atividades que mantemos
com os outros modos. Por isto buscar esclarecer o conceito spinozista de modo, nos remete a uma
compreensão da essência das coisas de serem e de existirem, evidenciando a relação entre estas e a
formação do conatus.
Apesar do conatus ser compreendido como a essência atual de todo ser, há que
estabelecer a diferenciação entre a essência humana e a essência de Deus, posto que em Deus a
essentia e a potentia, se equivalem pela definição de causa sui. Neste sentido, Deleuze (2002; p.
103) se expressa da seguinte forma: “[...] à potentia como essência corresponde uma potesta como
poder de ser afetado, poder que é preenchido pelas afecções ou modos que Deus produz
necessariamente, Deus não podendo padecer, mas sendo causa ativa dessas afecções”. No homem,
todavia, essa potência possui uma outra causa, posto que se trate de uma coisa singular, cuja
existência se dá na duração, porém relacionam-se com a substância da qual são originadas através da
força ou potencia que as habita. (E I, P 18). “Neste sentido, Deleuze (2002; p.104) ao descrever a
potência humana afirma que: “A essência do modo, por sua vez é grau de potência, parte da potência
divina, ou seja, parte intensiva ou grau de intensidade:”. O que nos remete a Espinosa:” A potência
do homem, enquanto se explica pela sua essência atual, é uma parte da potência infinita de Deus ou
da Natureza” (E IV, P 4)”
108
.
Ainda no que diz respeito à potência humana, Deleuze (2002; p, 109) afirma que assim
como “a potência absoluta de Deus é dupla, potência de existir e de produzir, potência de pensar e
de compreender, a potência do modo como grau é dupla”. Há que se compreender esta duplicidade
pelos modos dos atributos extensão e pensamento, “[...] a aptidão para ser afetado que se diz em
relação ao modo existente, e particularmente em relação ao corpo; e a potência de perceber e
imaginar que se diz em relação ao modo considerado no atributo pensamento”. Essa duplicidade na
potência dos modos permite retomar as definições de Espinosa sobre os afetos encontrando assim a
justificativa da ação das mesmas sobre a potência de forma a torná-la ativa ou passiva. Segundo
Ferreira “o conatus está na base do nosso agir. Este explica-se quer pelas modificações que o
desenrolar conativo provoca em nós quer pela ação de causas exteriores.” (1997; p,459) Disto tudo
podemos inferir que as afecções são a base sobre as quais se ergue nosso conatus, desempenhando
papel fundamental na construção da racionalidade humana proposta por Espinosa.
108
Fieri non potest ut homo non sit Naturæ pars et ut nullas possit pati mutationes nisi quæ per solam suam naturam
possint intelligi quarumque adæquata sit causa.
(E IV, P 4)
3.3. Das Afecções
Isto posto, passemos a verificar a atuação como dos afetos na formação da potência
humana e a utilização da razão como força capaz de transformar os afetos. No TIE observamos
como Espinosa, demonstra a necessidade de adequarmos nossa mente para alcançarmos o 4º modo
de percepção ou ciência intuitiva, também na Ética Espinosa nos mostra o caminho a seguir
paulatinamente para sairmos das iias-afectos para as iias adequadas, entretanto este processo
não se constitui obrigatório a todo e qualquer ser humano, como ele mesmo salienta. Ou seja,
compreender as coisas através do terceiro gênero de conhecimento só acontece para um número
ínfimo de homens, visto que apesar de todos possuírem capacidade intelectual apenas uns poucos
conseguem alcançar a beatitude.
Como salientamos anteriormente as iias são responsáveis pelas atitudes ativa ou
passiva dos seres humanos, segundo as definições que iniciam a Parte 3 da Ética, na qual Espinosa
postulada a capacidade de ação humana como proporcional às idéias que temos. Daí que pelas
definições de idéias sabemos que as idéias adequadas são responsáveis por nosso agir enquanto as
inadequadas são responsáveis por nossa passividade, ou sofrimento, pois nos colocam a mercê da
ordem comum da Natureza, posto que todos os homens enquanto não conseguem refrear o poder das
afecções se encontram sujeitos a uma atitude passional. De acordo com Mignini “idéias e afetos são
idênticos, pois todas as iias exprimem uma afecção do corpo e o estado de maior ou menor
perfeição que ele possui” (1983; p, 132). Para Espinosa existem dois tipos de afecções: as paixões e
as ações. As paixões provocam ems afetos cujas causas são exteriores, por isto na filosofia
spinozista, a paixão é uma idéia inadequada, pois elas se referem a um conhecimento do qual não
somos a causa, ou melhor, não podemos conhecê-la em sua natureza. Neste sentido é que Espinosa,
na EIII, Definição Geral das Afecções ao dedicar-se a esclarecer os afetos explica que:
Uma afecção, chamada paixão da alma (animi pathema), é uma idéia confusa pela
qual a alma afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, do seu corpo ou
de uma parte deste, e pela presença da qual a alma é determinada a pensar tal coisa
de preferência a tal outra.
109
Daí que todas as afecções que derivam de uma paixão não colaboram para tornar o
homem apto a alcançar uma perfeição. Por isto é que Delbos nos diz que: “Nossas afecções são más
na medida em que são paixões; são boas na medida em que são verdadeiramente ações.” (p, 145).
Mignini ao analisar a influência dos afetos nos homens esclarece que todas as afecções humanas
derivam necessariamente do desejo, posto que este seja a própria essência humana e que é a partir
do desejo que se manifestam todas as outras afecções (1983; p, 135). Pois o apetite ou “cupiditas”
pelo qual o homem é impelido a fazer qualquer coisa, seja agido seja sofrendo, é a própria essência
do homem. Segundo Espinosa: “O desejo é a própria essência do homem, enquanto esta é concebida
como determinada a fazer algo por uma afecção qualquer nela verifica”. (Definição das afecções).
Isto implica que sem ser dado uma afecção o homem não seria determinado a buscar qualquer coisa
que o leve a perseverar na existência. Nestes termos é que se torna procedente a análise de Mignini
sobre o desejo:
Porque o desejo, portanto, é o fundamento de todos os afetos, e os afetoso se
distinguem realmente das idéias, o desejo exprime ao mesmo tempo a tendência
estrutural de cada idéia ou representação da mente, seja essa imaginativa, seja essa
racional ou intelectiva, a afirmar isto que promove a conservação do ser e a negar
isto que a obstaculiza. (1983; p, 135)
109
Affectus qui animi pathema dicitur, est confusa idea qua mens majorem vel minorem sui corporis vel alicujus ejus
partis existendi vim quam antea affirmat et qua data ipsa mens ad hoc potius quam ad illud cogitandum determinatur. (E
III)
Assim sendo, as iias que a mente produz pelas afecções, sejam elas crescentes ou
decrescentes, oriundas a partir das modificações do corpo servem de princípio regulador do desejo
(Mignini; 1983, p, 135) resultando daí que pelo desejo o homem procurará manter as afecções que
aumentem sua potência e se distanciará daquelas que diminuem ou entravam sua potência. Neste
sentido é que os dois afetos considerados fundamentais para Espinosa, no sentido de que os outros
serão sempre em relação a eles, são a alegria e a tristeza; pois o primeiro nos remete de uma
perfeição menor para uma perfeição maior, e o segundo, a tristeza, nos remete de uma perfeição
maior a uma menor, ou seja, o oposto da alegria. “As idéias ou afetos com os quais percebemos a
passagem de uma perfeição maior ou menor perfeição, são chamados por Espinosa de júbilo (ou
alegria) e tristeza, são os afetos fundamentais dos quais todos os outros derivam” (Mignini, 1983; p,
135-6). Assim a alegria tende a aumentar a potência de ação do ser humano como podemos
observar: [...] Uma vez que alegria aumenta ou favorece a capacidade de agir do homem, demonstra-
se facilmente, pela mesma via que o homem afetado de alegria não deseja senão conservar essa
alegria, e isso com um desejo tanto maior quanto maior é a alegria. (E III, P37 d). É também nesta
mesma passagem Espinosa nos esclarece sobre a influência dos afetos sobre o conatus, usando a
tristeza como exemplo de um afeto que tende a diminuir ou reduzir o agir do homem:
A tristeza diminui ou reduz a capacidade de agir do homem (pelo escólio da
proposição 2 desta parte), isto é (pela proposição 7 desta parte), o esforço pelo qual
o homem tende a perseverar no seu ser; e, por conseqüência (pela proposição 5
dessa parte ), é contrária a esse esfoo; e tudo o que se esforça por fazer o homem
afetado de tristeza é afastara tristeza. (EIII P37 d)
110
110
Tristitia hominis agendi potentiam (per scholium propositionis 11 hujus) minuit vel coercet hoc est (per
propositionem 7 hujus) conatum quo homo in suo esse perseverare conatur, minuit vel coercet adeoque (per
propositionem 5 hujus) huic conatui est contraria et quicquid homo tristitia affectus conatur, est tristitiam amovere. EIII
P37 d .
Esse afeto tende a provocar no corpo que sofre sua ação um esforço superior no sentido
de desprender mais energia e vitalidade para se libertar deste estado, por conseguinte esse esforço
pode levá-lo a uma diminuição de seu conatus. Como a essência do homem é perseverar na sua
existência, sua essência tenderá a se afastar deste afeto, e este esforço será sempre maior e exigirá o
uso de sua capacidade de agir de modo considerável. O mesmo ocorre com a postulação
estabelecida na E III P 38 d, referente ao afeto do ódio, pela qual se pode entender que o ódio
nascido do amor é uma negação do próprio Conatus.
Se alguém começa a odiar a coisa amada de tal maneira que o amor seja
completamente destruído, te por ela, por um motivo igual, um ódio maior do que
se nunca a tivesse amado, e tanto maior quanto o amor anterior era maior.
111
Há uma proporcionalidade que reduz sua potencia de agir, pois o ódio é uma tristeza
maior, e o esforço para se libertar de uma afecção que nos causa diminuição de potencia é sempre
maior. Isto é, se o amor que sentimos por uma coisa for completamente destruído e transformado em
ódio, a força de sua ação ser-lhe-á correspondente. Não se quer aqui enfatizar ou afirmar que o ódio
é um afeto mais forte que o amor. Disto resulta que a alegria em si mesma, bem como os afetos que
dela derivam, aumenta nosso conatus, nosso esforço de perseverar na existência, aumentando nossa
potência para agir e continuar existindo. Ao contrário, a tristeza e seus afetos derivados, diminuem
nosso conatus, nossa potência de agir e de continuar existindo. Entrementes, é necessário esclarecer
que os afetos diferem nos homens, tanto quanto sua essência, pois a esncia de um não é
111
At hi conatus odio erga rem amatam coercentur (per corollarium propositionis 13 et per propositionem 23 hujus);
ergo amans (per scholium propositionis 11 hujus) hac etiam de causa tristitia afficietur et eo majore quo amor major
fuerat hoc est præter tristitiam quæ odii fuit causa, alia ex eo oritur quod rem amavit et consequenter majore tristitiæ
affectu rem amatam contemplabitur hoc est (per scholium propositionis 13 hujus) majore odio prosequetur quam si
eandem non amavisset et eo majore quo amor major fuerat. Q.E.D. (E III, P 38, d)
equivalente a do outro; por conseguinte, a maneira como reagimos aos afetos não são idênticas, dado
a nossa própria natureza. Isto pode ser mais bem evidenciado pela demonstração da E III P57.
(...) Todas as afecções se referem ao desejo, à alegria ou à tristeza, como mostram as
definições que delas demos. Ora, o desejo é a própria natureza ou essência de cada
individuo (ver a sua definição no escólio da proposão (dessa parte); portanto, o
desejo de um individuo difere do desejo de um outro tanto como a natureza ou
essência de um difere da essência do outro. A alegria e a tristeza são paixões pelas
quais a capacidade de cada individuo, ou o seu esforço para perseverar no seu ser, é
aumentada ou diminuída, favorecida ou reduzida.
Ora, por esforço para perseverar no seu ser, enquanto ele se refere ao mesmo tempo
à alma e ao corpo, entendemos o apetite e o desejo (ver escólio da proposição 9
desta parte). Portanto, a alegria, e a tristeza são o pprio desejo ou apetite,
enquanto ele é aumentado ou diminuído, favorecido ou reduzido por causas
exteriores, isto é(pelo mesmo escólio), é a própria natureza de cada indivíduo; e,
por conseqüência, a alegria ou tristeza de um difere da alegria ou tristeza de outro
tanto como a natureza ou essência de um difere da essência do outro; e, por
conseqüência, uma afecção qualquer de cada individuo difere da afecção de um
outro, etc.Q.e.d..
112
Ainda com relação às afecções, Espinosa afirma que estas podem interferir nas ações do
corpo, pois o afetam aumentando ou diminuindo sua potência de ação e, todavia aponta que existem
casos em que certos afetos não causam nenhuma reação do corpo, donde se conclui que, neste caso,
lhes são indiferentes. Embora Espinosa reconheça a influência dos afetos na dinâmica do homem,
compreende que “nem o corpo pode determinar a mente a pensar, nem a mente determina o corpo ao
112
Omnes affectus ad cupiditatem, lætitiam vel tristitiam referuntur ut eorum quas dedimus definitiones, ostendunt. At
cupiditas est ipsa uniuscujusque natura seu essentia (vide ejus definitionem in scholio propositionis 9 hujus); ergo
uniuscujusque individui cupiditas a cupiditate alterius tantum discrepat quantum natura seu essentia unius ab essentia
alterius differt.titia deinde et tristitia passiones sunt quibus uniuscujusque potentia seu conatus in suo esse
perseverandi augetur vel minuitur, juvatur vel coercetur (per propositionem 11 hujus et ejus scholium). At per conatum
in suo esse perseverandi quatenus ad mentem et corpus simul refertur, appetitum et cupiditatem intelligimus (vide
scholium propositionis 9 hujus); ergo lætitia et tristitia est ipsa cupiditas sive appetitus quatenus a causis externis augetur
vel minuitur, juvatur vel coercetur hoc est (per idem scholium) est ipsa cujusque natura atque adeo uniuscujusque lætitia
vel tristitia a lætitia vel tristitia alterius tantum etiam discrepat quantum natura seu essentia unius ab essentia alterius
differt et consequenter quilibet uniuscujusque individui affectus ab affectu alterius tantum discrepat etc. Q.E.D. (E III P
57).
movimento ou o repouso ou qualquer outra coisa (se acaso existe outra coisa)”
113
(E III, P 2), ou
seja, “o pensamento não pode mudar diretamente o corpo”, nos diz Scrutton (2000 p. 39). Mas se
aumentamos a potência de nosso corpo estamos também aumentando a potência de nossa mente,
como salienta Espinosa “Quem tem o corpo apto para um grande número de coisas, esse tem uma
alma cuja maior parte é eterna” (E V, P39), essa assertiva nos leva a perceber a importância do
corpo na construção dessa potência. Além disso, essa proposição é fundamental para
compreendermos o sentido de eternidade no que se refere a mente humana, pois quando entendemos
o conceito de eternidade como algo diverso da duração, como demonstra Espinosa (E I, D 8), e
percebemos este conceito como referente a Deus ou a substância, compreendemos também que a
eternidade de nossa mente está na aproximação que esta faz de Deus, é o conhecimento das coisas
que nos leva ao conhecimento de Deus, e o que nos conduz a beatitude. É a inteligência, como
salienta Espinosa no corolário da Proposição 40 da quinta parte, que é eterna, a parte perecível é a
imaginação.
Por isso, “O esforço pelo qual toda coisa tende a perseverar no seu ser não é senão a
essência atual dessa coisa” (E III, P7)
114
, nossa essência nos induz a agir de forma que essa ação
permita a conservação de nossa essência, de sorte que saibamos distinguir nas coisas que nos afetam
quais são aquelas que nos proporcionam indubitavelmente esta preservação daquelas que ao
contrário tendem a diminuir ou destruí-la. Daí resulta que tendo plena conscncia disto a alma
esforça-se por afastar-se das afecções cujo resultado seja uma diminuição do agir do corpo. Para
Damásio (2004; p, 184-185) “Os seres humanos são aquilo que são: vivos e equipados com apetites,
113
Nec corpus mentem ad cogitandum nec mens corpus ad motum neque ad quietem nec ad aliquid (si quid est) aliud
determinare potest
. ( E III, P 2)
114
Conatus quo unaquæque res in suo esse perseverare conatur, nihil est præter ipsius rei actualem essentiam. (E III, P
7)
emoções e outros dispositivos de autopreservação, incluindo a capacidade de conhecer e raciocinar”,
disto resulta que o papel da consciência é fundamental na tomada de decisões que permitam ao
indivíduo preservar-se a si mesmo, portanto[...] A consciência, a despeito de suas limitações, abre
o caminho para o conhecimento e para a razão, os quais, por sua vez, permitem aos indivíduos a
descoberta daquilo que é bom ou mal”. (2004; p, 185). As afecções têm nesse sentido papel
fundamental na formação do conatus, entendido como todo este esforço proporcionado pela essência
de nossa alma em atrair afecções que possam preservar sua própria essência.
Portanto, é esse o esforço pelo quais as coisas preservaram no intuito de afastar tudo
aquilo que possa suprimir sua existência e, é através dele que constantemente auto-insurgimos
contra aquilo nos pode tornar perecível. Este esforço se manifesta através da potência das coisas e ao
mesmo tempo em que as impulsiona no sentido de perseverar nada faz além de expressar sua própria
essência, (EII, D2). Por conseguinte através do conatus percebemos a presença de Deus nas coisas
singulares dado ter Deus como causa imanente, logo Deus é sua condição indispensável de existir e
perseverar. O conatus é, pois este esforço de auto-perseveração que move as coisas, que lhes confere
a possibilidade de manifestarem através de si a capacidade de agir, de ser ativa. Esse esforço é puro
ato, e enquanto tal procura incondicionalmente formas de manifestar-se, seja no sentido de atrair
coisas que possibilite um aumento de sua potência, seja para afastar-se daquilo que pode causar sua
diminuição.
Delbos (2002) articula o princípio do conatus à teoria das afecções sustentando que o
primeiro ao ser introduzido na Ética foi “[...] para dar razão de todo o desenvolvimento da natureza
humana” e, exprimir “[...] uma lei que vale para todo o ser e não somente para a alma, uma lei que
assegura, por conseguinte que o corpo, também ele, tende a conservar-se, e que as modificações da
alma são correlativas às modificações do corpo” (2002, p.129).
O esforço desprendido por uma essência em perseverar não se encontra limitado a um
espaço de tempo; ao contrário, este esforço perdura num tempo indefinido, pois se assim não o
fosse, a idéia de perseverar na sua essência seria inadequada, pois restringir o esforço a um tempo
finito seria admitir que depois de um dado período, após o término do tempo em que ocorreu o
conatus a coisa pereceria, ocorreria sua destruição. A alma independente do tipo de idéias que
possua, quer se auto-conservar em um tempo indefinido e assim o fazendo possui a consciência do
esforço. Esta consciência do seu esforço em sua própria conservação está intimamente ligada às
idéias das afecções do corpo que ela possui e que contribuem para que ela tenha consciência do
esforço que faz. Para que a essência se conserve, o homem deve, por conseguinte procurar os meios
adequados que lhe proporcione conservar-se. Nesse sentido, o que é buscado torna-se útil ao
homem; e, como é próprio da natureza humana buscar o que lhe é útil e afastar-se do que lhe é
prejudicial, resulta daí que procuramos as coisas boas não porque assim as consideramos, mas
porque tendemos a elas as desejamos e enquanto as desejamos conscientemente elas se tornam úteis
para nós e favorece nossa conservação.
A noção de conatus, enquanto considerada como o esforço da essência em perseverar na
existência, pressupõe que cada coisa possa se definir não pela finitude que lhe corresponde ao estar
limitada por outras coisas que lhes são exteriores, mas pelas ações e particularidade que as
caracterizam, ou lhe são inerentes. Na Ética spinozista a iia que pode destruir nosso corpo inexiste
em nossa alma, sendo, portanto necessariamente exterior a ela, pois o primeiro e o principal efeito
de nossa alma é o conatus ou o esforço para afirmar a existência do nosso corpo, qualquer idéia
contrária a este é também contrária a nossa alma. Essa idéia de corpo e alma corrobora para que
entendamos o poder que os afetos podem ter sobre o conatus, pois quando o corpo é afetado por
outro corpo isto igualmente afeta a alma e a recíproca é verdadeira.
Com relação às necessidades da alma fica evidente ao lermos a demonstração da E III
P19
115
, “A alma esforça-se, tanto quanto pode, por imaginar as coisas que aumentem ou favorecem a
capacidade de agir do corpo, isto é, as coisas que ela ama e pela demonstração da E IV P9d
116
:
[...] uma imaginação é uma idéia pela qual a alma contempla uma coisa como presente, [...]”, que
há uma tendência em nossa alma em produzir como estando presente aos afetos que nos conduzem a
uma maior potência, e, ao contrário, em afastar aqueles que o diminuem. Nisso reside uma paridade
entre nossa capacidade de pensar e de agir. A alma possuindo como essência o seu esforço de agir,
imagina ou esforça-se por imaginar apenas o que lhe capacita a isto, ou seja, imagina o que lhe
afirma ou põe sua capacidade de agir. Pelo que acima foi dito quando a alma imagina alguma coisa
que interfere em sua capacidade de ação no sentido de diminuir sua potência dar-se-á uma tristeza,
ocorrendo o mesmo quando ela se coloca diante de si mesma como incapacitada de agir, isso faz
com que ela perceba seu esforço diminuído e assim fica triste, ou seja, incapacitada de agir. Disto
podemos compreender a maneira como os afetos produzem uma variação no conatus e é neste
sentido, que Espinosa esclarece que todos os nossos esfoos ou desejos resultam de uma
necessidade de nossa natureza.
Desta maneira, o afeto de alegria contribui para um aumento do esforço de imaginação
da alma; neste sentido a alegria age buscando uma maior perfeição; assim ao imaginarmos algo
afetando aquilo que amamos sendo afetado pela alegria, somos afetados por esta imaginação e as
sensações que daí possa derivar estão em conformidade com a intensidade do afeto. Ao contrário, se
imaginarmos algo que amamos afetados pela tristeza, também seremos atingidos por este afeto na
mesma intensidade. Por isto, no que diz respeito à conservação de nosso ser sabemos que algumas
115
Mens tam quatenus claras et distinctas quam quatenus confusas habet ideas, conatur in suo esse perseverare
indefinita quadam duratione et hujus sui conatus est conscia. ( E III, P19)
116
Imaginatio est idea qua mens rem ut præsentem contemplatur. (E IV P 9d)
idéias são-lhes mais úteis que outras. Donde, o conhecimento do bem e do mal, são idéias que
resultam dos afetos de alegria e de tristeza, respectivamente. Assim, quando nos referirmos a um
afeto bom, isto nos reportará à iia de alegria, do mesmo modo, quando nos referirmos a um afeto
mau, isto nos reportará à iia de tristeza. Portanto, o conhecimento do bem e do mal é o
conhecimento do pprio afeto, quando dele temos conscncia.
3.4. Dos Afectos, da Razão e da Beatitude
A análise procedida por Espinosa na IV parte da Ética demonstra toda a preocupação
deste filósofo com a força das afecções sobre os homens. Na verdade Espinosa expõe
paulatinamente as afecções e seus efeitos, bem como àquelas que favorecem a razão e as que são
contrarias a natureza humana. Iniciando com as definições de bem e de mal, que se tornam conceitos
chaves no desenrolar desta parte por expressarem a tendência natural de todo ser de procurar
perseverar na existência. Assim, reconhecendo o homem como estando necessariamente sujeito às
paixões, por seguir a ordem comum da natureza, se faz necessário conhecer a natureza humana sua
potência e impotência diante do poder das afecções para compreendermos o que pode a Razão no
governo das afecções (E IV, P17, sch).
No intuito de compreender a articulação entre os afectos e a razão na filosofia de
Espinosa é que se faz necessário retomar a análise do conceito de modo, porém há que se salientar a
dificuldade de interpretação desta teoria posto que o próprio filósofo não a esclarecesse
suficientemente, como salienta Fragoso (2002; p. 82) que neste sentido afirma: “O conceito a teoria
spinozista dos modos se revela com particular dificuldade, tendo em vista que Espinosa não a expôs
com suficiente desenvolvimento para sua perfeita compreensão”. A interpretação de Fragoso sobre a
teoria dos modos, considera que:
Em sua totalidade a teoria dos modos em Espinosa abrange tudo aquilo que não é
concebido por si, ou seja, todas as coisas que não podem existir nem serem
concebidas sem Deus. Pois seNa natureza nada existe de contingente; antes, tudo
é determinado pela necessidade da natureza divina a existir e a operar de modo
certo.” (E1P29), tudo o que existe, ou existe necessariamente devido à sua essência
e definição, ou existe necessariamente de uma dada causa eficiente (E1P33S1).
Portanto, a teoria dos modos deve compreender tudo aquilo que existe
necessariamente de uma dada causa eficiente, pois somente o próprio Deus (causa
sui) e seus atributos que existem por sua essência e definição. Esta teoria
compreende o modo infinito imediato, o modo infinito mediato e os modos finitos,
ou as coisas particulares. (2002; p. 82)
Nesse sentido é que procuramos respaldar esse conceito no sentido interpretativo que
evidencie as relações destes com os outros modos. Assim sendo, a compreensão dos modos finitos
pode ser entendida como nas palavras de Chaui:
Os modos finitos seguem da natureza de seus respectivos atributos enquanto estes
são afetados por modificações finitas, e dependem da causalidade universal dos
modos infinitos, isto é, das leis universais da Natureza Naturada. [...] As coisas
finitas são imanentes a Deus porque suas essências são compreendidas nas
essências dos atributos que constituem a essência do ser absolutamente infinito, mas
sua singularidade depende da potência causal dos atributos e dos modos infinitos,
além da sua existência na duração depender das relações causais entre os próprios
modos infinitos. Chaui (1999; p. 73)
Como foi esclarecido anteriormente o que se visa estabelecer sobre o conceito de modos
é o que Deleuze analisa como pontos essenciais do espinozismo. A interpretação deleuziana aponta
para as relações existentes entre os modos e a substância, bem como com o conhecimento e as
relações explicativas entre causa e efeito, evidenciando o caráter imanente da substância ao mesmo
tempo em que a distingue deles, ou seja:
Um dos pontos essenciais do essenciais do espisinosismo reside na identificação da
relação ontológica substância – modos, com a relação epistemológica essência -
propriedades e a relação física causa – efeito. É que a relação causa- efeito não é
sepavel de uma imanência pela qual a causa permanece em si para produzir.
Inversamente, a relação essência – propriedades chegam a infinidade,o são
deduzidas pelo entendimento que explica a subsncia, sem serem produzidas que
se explica ou exprime no entendimento e, enfim gozam de uma essência própria,
distinta da essência de onde a deduzimos. Os dois aspectos reúnem-se nisto: os
modos diferem da substância em existência e em essência, sendo, entretanto
produzidos nesses mesmos atributos que constituem a essência da substância. Deus
produz uma “infinidade de coisas numa infinidade de modos” (Ética, I, 16) significa
que os efeitos são efetivamente coisas, isto é, seres reais tendo uma essência e uma
existência próprias, maso existem e não estão fora dos atributos nos quais são
produzidos. Assim, há uma univocidade do Ser (atributos), embora aquilo que é
(aquilo de que Ser se diz) o seja de forma alguma o mesmo (substância ou
modos). (2002; p.92)
A compreensão dessas relações mantidas entre os modos ou coisas particulares se
traduz magistralmente na filosofia de Espinosa como a essência do homem que é, acima de todas as
outras coisas, conatus. Porém esta essência não pode ser considerada apenas na sua individualidade
posto que haja uma ordem geral na natureza a qual o homem encontra-se subordinado, é o que
Espinosa denomina de facies totius naturae” composta de diferentes modos que por sua vez
possuem diferentes potências. A atuação dessas diferentes potências dentro da ordem natural se
impõe ao homem e assim o fazendo ime ao homem buscar o que lhe seja útil e afastar-se do que
lhe prejudicial, num movimento dinâmico de formação do conatus individual de cada um. Por isso
para Ferreira:
O conatus surge, assim, como o contexto referencial das manifestações particulares
da vontade, do apetite e do desejo, bem como de todos os afectos que a partir dele
se definem, na medida em que contribuem para o seu aumento ou diminuição.
Naturalmente cultivamos aquilo que faz crescer a nossa potência. Mas a ignorância
da ordem verdadeira do universo faz-nos desejar coisas que aparentemente nos
gratificam, embora na realidade não nos realizem. (1997; p. 450 451)
É buscando compreender a essência do modo existente, que nos remetemos as
considerações de Chauí na qual a compreensão da essência das coisas de serem e de existirem têm
como fundamento o conatus afirmando: “Porque toda esncia singular existente é conatus, cada
uma e todas elas esforçam-se para preservar na existência e o fazem seja na ordem necessária, seja
na ordem comum da Natureza”. (Chaui; 1999 p.91) O modo existente como salienta Deleuze (2002;
p, 104) tem sua essência determinada pela aptidão de ser afetado, ou seja, pelo seu conatus, para
Deleuze, portanto:
Essa aptio é necessariamente preenchida a cada instante por afecções (affectio) e
afetos (affectus) que não têm o modo como causa adequada, e nele são produzidos
por outros modos existentes: tais afecções e afetos são, pois imaginações e paixões.
Os afetos – sentimentos (affectus) são exatamente as figuras que o conatus assume
quando é determinado a fazer isto ou aquilo, por uma afecção (affectio) que lhe
sobrem. Essas afecções que determinam o conatus são causa de consciência: o
conatus tornado consciente de si sob este ou aquele afeto chama-se desejo, sendo
este sempre desejo de alguma coisa (III def. do desejo). (2002; p, 104)
Tendo em vista que todos os corpos se relacionam, dado que têm o poder de afetar e ser
afetado, Espinosa evidencia através do estudo das afecções o poder das mesmas sobre o homem, por
conseguinte a análise da teoria dos afetos em Espinosa tem como escopo demonstrar a articulação
entre estes e a potência de agir do corpo e da mente. O conceito de potência por sua vez, como já foi
anteriormente salientado corresponde à essência do modo e esta essência é entendida como conatus
ou esforço. O conatus confere ao modo finito maior grau ou menor de perfeição em conformidade
com as afecções que experimenta através de sua abertura para a variedade de relações que mantêm
com os outros modos finitos. De acordo com Deleuze:
O modo existente es necessariamente aberto para o exterior, porque experimenta
necessariamente paixões, porque encontra suas relações vitais, porque as partes
extensivas que lhe pertencem sob a sua relação complexao deixam de ser
determinadas e afetadas do exterior. (2002; p 105
).
Chaui (1999; p, 91
) ao esclarecer o conceito spinozista de modo, reconhece o
essencialismo que perpassa a filosofia de Espinosa nos remete a compreensão da essência das coisas
de serem e de existirem como fundamento do conatus, ou seja: “Porque toda essência singular
existente é conatus, cada uma e todas elas esforçam-se para perseverar na existência e o fazem seja
na ordem necessária, seja na ordem comum da Natureza”. Enfatizando que são as relações
existenciais estabelecidas entre os modos contribuem para o desenvolvimento de suas
potencialidades, para esta autora, portanto:
[...] Os corpos buscam uma relação com outros que formam um meio vasto onde
existem, relação que os faz regenerar-se, crescer, desenvolver-se para manter o
equilíbrio de sua proporções de movimentos e repouso, das quais dependem tanto
suas vidas como ampliação de sua aptidão para o ltiplo simultâneo; e as mentes
exprimem em estados afetivos e cognitivos essas relões, gras às quais também
se regeneram, crescem e se desenvolvem, fortalecendo sua aptidão para a
multiplicidade simultânea de seus pensamentos e ações.(1999, p, 91)
Delbos (2002, p. 119), ao analisar a teoria do conatus na Ética explicita antes de tudo
que esta possui uma finalidade, qual seja explicar que o determinismo presente nessa filosofia, não
deve ser interpretado como fatalismo, mas sim como algo necesrio ao homem, posto que “o
esforço pelo qual toda coisa tende a perseverar no seu ser não é senão a essência atual dessa coisa”
(E III, P7). Portanto, segundo Delbos “[...] Todas as tendências humanas são apenas expressões
desse esforço e, [...] é no esforço fundamental de cada ser, seja qual for, para perseverar em seu ser
que está a lei que explica todas suas maneiras de ser” (2002; p.119). Ferreira corrobora com esta
interpretação de Delbos explicitando que por estarmos imersos na duração a construção do conatus
individual, “é uma tarefa em aberto, que implica no alargamento das relações”, (1997; p. 465)
noutras palavras, é necessário aos homens se relacionarem entre si e com os outros modos no intuito
de desenvolver as apties com as quais sua capacidade de perseverar na existência é mantida.
Por isso o sentido do conatus se torna mais evidente quando relacionado com as
explicações de Espinosa sobre a influência dos affectus na existência do homem, poiso através do
relacionamento entre os modos que se processam as modificações em nossa potência. As relações
entre as coisas singulares se configuram como encontros, cujos resultados compreendidos como
poder de afetar e ser afetado pode diminuir ou aumentar o conatus dos envolvidos. Scrutton ao
analisar a definição de emoção de Espinosa enfatiza que a mesma reflete a teoria sobre a relação
corpo e mente. Para ele: “toda emoção é uma condição corporal, e, ao mesmo tempo, a iia dessa
condição. É aquilo que acontece dentro de nós, quando a nossa atividade é aumentada ou diminuída
– sendo atividade ao mesmo tempo mental e física” (2000, p. 34). Nesse sentido é que verificamos
que os afetos, tanto se referem ao corpo como à alma; pois em Espinosa a alma e o corpo eso
sintonizados, daí que, todas as mudanças que ocorrem na potência da alma afetam o corpo e toda a
mudança que afeta o corpo é também sentida pela alma. Assim os afetos são as idéias
117
através da
117
Deleuze (1978) no intuito de distinguir afeto e idéia, para tornar evidente ao nosso entendimento os conceitos de
Espinosa, esclarece que Espinosa entende idéia no sentido comum que a entendemos, ou seja, “a idéia é um modo de
pensar definido por seu caráter representativo” e em seguida, estabelece que “afeto seja um modo de pensar o
representativo”, portanto o sentido de afeto é de uma vontade, um querer, impossível de ser representado concretamente,
mas que existe enquanto tal e, ainda que tenhamos uma idéia indeterminada destes afetos dele temos uma idéia.
qual a alma afirma a força de existir de seu corpo em maior ou menor grau. Por isso, os afetos
produzem na alma através das iias uma variação na força de existir de um corpo, que em
conformidade com o afeto pode aumentar o poder de agir ou diminuir este poder, ou seja, tanto a
coisa em si como a idéia dela pode favorecer ou entravar nosso conatus. Neste sentido é que
encontramos a seguinte passagem da E III, P11:Se uma coisa aumenta ou diminui, facilita ou
reduz a potência de agir do nosso corpo, a idéia dessa coisa aumenta ou diminui, facilita ou reduz a
potência de pensar de nossa alma”
118
.
Delbos (2002; p, 119) interpretando a teoria do conatus em Espinosa assinala que esse é
o princípio regulador do curso da existência humana, entrementes não se trata de um princípio
presente somente no homem, mas a toda existência natural. Entretanto no homem podemos observar
as diferentes expressões que este esforço adquire, pois de acordo com Espinosa quando esse esforço
se refere só à mente, chama-se vontade; quando se refere à mente e ao corpo simultaneamente,
chama-se apetite; quando o apetite é acompanhado da consciência de si mesmo, chama-se desejo.
Disto se segue que o desejo para Espinosa é a própria essência do homem. Scrutton ao referir-se a
teoria dos afetos ou geometria das paixões, explicita que:
Somos essencialmente criaturas corporificadas, desejosas, esforçadas. Somos
empurrados e feridos por coisas fora des e estamos trancados com elas numa
cadeia de causa e efeito. Em tais circunstâncias, só existe uma única verdadeira
sabedoria, que é a de aumentar a potência, procurando assegurar, na medida do
possível, que às coisas que acontecem conosco também sejam produzidas por
nós.(2000, p.39)
118
Quicquid corporis nostri agendi potentiam auget vel minuit, juvat vel coercet, ejusdem rei idea mentis nost
cogitandi potentiam auget vel minuit, juvat vel coercet.
E III, P11
Para Cristofilini (2000, p. 4)o homem se define como desejo, ou seja, é uma estrutura
dinâmica como todas as outras coisas do universo e o dinamismo que o constitui é antes de tudo um
esforço (conatus) de conservar-se e de aumentar a própria potência.” É esse esforço que leva o
homem a buscar o que lhe é útil
119
e a afastar-se do que lhe prejudicial, estabelecendo uma
intencionalidade nas suas ações cujo resultado seja o aumento da sua potência, a perfeição a ser
alcançada vincula-se cada vez mais à experiência, ao conhecimento racional, ao terceiro gênero do
conhecimento.
Ferreira nos chama atenção do papel do desejo como elemento chave para a
compreensão do homem, é o desejo que confere ao homem o diferencial frente aos outros seres, ou
seja: “O desejo é uma modalidade conativa especificamente humana vedada a todos os seres
destituídos de capacidade reflexiva” (1997; p, 450). Neste sentido o desejo, juntamente com as
afecções de alegria e tristeza, é considerado fundamental ao homem como salienta Espinosa no
escólio da Proposição XI da Ética III. O desejo é o único afecto pelo qual o homem pode ser
definido, pois os afectos de alegria e tristeza são temporários e transitórios, ou seja, constituem-se
afectos de transição da potência humana. Noutras palavras é através destes dois afectos que o
homem passa de um estado de perfeição a outro, ou diminui este estado de perfeição caso se trate de
uma afecção de tristeza. Nas palavras de Ferreira (1997; p. 453) “è impossível conceber fenômenos
de alegria e de tristeza que não se relacionem com oconatus / cuppiditas, provocando-lhes
alterações”. Disto podemos compreender o papel do desejo na formação do conatus, pois é através
deste que o esforço para perseverar se realiza, e se altera na medida em que o homem adquire uma
119
O princípio de utilidade é postulado por Espinosa quando este trata das noções de bem e de mal, noções que no seu
entendimento, são desprovidas de positividade ou negatividade, ou seja, “[...] bem e Mal quando considerados em si
mesmos não indicam nada de positivo nas coisas, consideradas em si mesmas, nem são outras coisas que modos de
pensar ou razões, que formamos por compararmos as coisas umas com as outras”. (EIV, Prefácio) Portanto, por “bem
Espinosa entende “o que sabemos com certeza ser meio para nos aproximarmos cada vez mais do modelo da natureza
humana que nos propomos. Por mal, [entenderei] aquilo que sabemos ao certo nos impede de reproduzir este modelo”.
Destarte, as definições I e II da Quarta Parte da Ética vão justamente demonstrar que bem é o que é útil e mal o que nos
impede de sermos senhores de um bem qualquer.
atitude de reflexão frente às causas exteriores que o afetam. Através do desejo o homem adquire a
capacidade de discernir entre os afectos, aqueles que podem contribuir para o aumento ou
diminuição de sua essência, além disso, “[...] ele reflete tudo o que acontece ao indivíduo. É ele que
permite o relacionamento com as coisas. [...] É ele que fundamenta a sociabilidade. É ele que
legítima os juízos de valor”. È o desejo como atividade cognitiva que conduz o homem a suprema
realização. (Ferreira. 1997; p. 453).
Cabe, portanto indagar como homem pode trabalhar as paixões de modo a torná-las úteis,
já que é impossível erradicá-las, somente a razão pode levar o homem a superar as adversidades
provenientes das paixões, ou seja, a rao possui ditames que quando considerados levam o homem
a agir conforme sua natureza e a perseverar no seu ser, afirma Espinosa (E IV, P18, sch). O desejo é
a própria essência do homem (E IV, P18), mas é a razão que trabalha estes desejos para que eles não
dominem os homens e os faça agir inconsequentemente. Para Ferreira, “O mecanismo do desejo dita
regras e estabelece critérios. A energia dos indivíduos comanda o processo e a razão na sua
dimensão cognitiva é uma vivência específica dessa energia” (1997; p, 456) Espinosa, conforme
Ferreira vai demonstrando que o desejo vai adquirindo um caráter prático ao coincidir com a razão,
quando estes se fundem no homem, o desejo passa a ser um “instrumento de poder” pelo qual a vida
pura e simples torna-se a verdadeira vida, onde a razão trabalha os desejos reorientando-os para que
alcancemos à perfeição. (1997, p 457).
Ferreira (2004; p, 467) analisando como a razão trabalha os afetos afirma que: “é a
paixão que leva a multidão a viver racionalmente, portanto existem afectos que lhes são agradáveis
e outros que lhe causam repulsa, daí as classificações de Espinosa identificam-nas neste viés e, por
conseguinte apontam à necessidade de trabalhar nossa mente através de processos imaginativos e
associativos para com eles aumentarmos a potência da mente (2004; p, 467). Salientando ainda que
apesar do filósofo reconhecer a ineficácia dos processos de imaginação, associação e afetividade na
aquisição do conhecimento adequado, “aproveita-os e trabalha-os, deles colhendo o máximo
possível”. É nesse sentido que a análise de Cristofilini acerca da eternidade da mente humana se
torna procedente, pois para ele:
O aumento da sua potência, as virtudes que este pode adquirir, ou seja, tudo aquilo
que podemos conhecer no mundo graças aos nossos órgãos dos sentidos, as nossas
habilidades psicomotoras, a nossa imaginação e memória, a nossa cultura no
sentido mais amplo do termo, tudo isto em suma como resultado um
enriquecimento da eternidade da nossa mente (2005, p.10).
Porém, a razão é incapaz de por si mesma aplacar a força dos afectos, das paixões. A
razão atua eficientemente apenas quando se torna também um afeto, nos diz Ferreira (1997; p,470)
analisando a Proposição 14 da 4ª parte da Ética: “A presença da verdade e do objeto que a
testemunha, fortalece o nosso corpo e alarga as relações com os outros corpos, portanto a capacidade
de nos situarmos diferentemente no Todo.” Por isto, o conhecimento só por si não leva a ação, é
necessário algo a mais, neste caso, é à força do conatus de cada um que na medida em que a mente
conhece através do terceiro gênero, “ onde vontade e intelecto se identificam plenamente” (Ferreira,
1997, p.470). A razão é o afecto supremo, afirma essa autora, daí é natural que o homem se
determine por esta capacidade, é sobre esta capacidade que se desenvolve a analise espinozana da
natureza humana. Portanto o que fazemos quando utilizamos nossos desejos e apetites é buscar a
felicidade dotando a mente dos meios racionais de alcançar o útil, para realização de um projeto de
humanidade no qual o risco de sucumbir diante de todas as adversidades, na perspectiva de
Espinosa, se coloque cada vez mais distante.
Analisando o percurso da filosofia de Espinosa para alcançar a virtude e a felicidade, nos
apoiamos em Delbos que ao analisar as obras de Espinosa particularmente o Breve Tratado e a
Ética, afirma que:
O Breve Tratado não havia definido as condições especiais e suficientes das quais
resultam a virtude e a felicidade na vida presente; tendendo a admitir a ineficácia do
conhecimento racional, sem dificuldades apelava à intuição e à fruão do Ser
infinito e eterno para a completude do renascimento. Na Ética, a teoria do
conhecimento racional, destinada a mostrar como as coisas existentes se explicam
pelas noções comuns, em simultâneo, tinha por efeito estabelecer que as afecções
podem conduzir a conceitos claros e distintos que as despojam do que elas têm de
passivo e convertem-nas segunda uma ordem necessária em forças ativas,
verdadeiramente livres. (Ética, V, prop. IV.) Assim, o governo da vida atual pela
razão nos põe em relação com algo de eterno, pois as noções comuns, reportando-se
aos modos infinitos e eternos, representam os objetos sob certa forma de eternidade.
(2002; p,160)
Pelo que anteriormente expomos podemos perceber que a teoria do conatus possibilita
articular o conhecimento e a beatitude, pois é pela potência do conatus de cada um que a
perseverança na existência se afirma. E quanto mais um indivíduo consegue utilizar o conhecimento
advindo do terceiro gênero, maior sua força de perseverança relativa às causas das coisas. Portanto
quanto mais o homem conhece utilizando sua intelincia e razão mais próximo das causas
adequadas ele se aproxima e mais próximo de Deus ele se coloca. Isto se explica segundo Chaui
(1999) pelo fato de que em Espinosa não existe a ruptura sujeito-objeto, a compreensão de Deus
infinito no infinito e de Deus infinito no finito, expõe e demonstra o sentido da imanência do infinito
no finito e deste no infinito, ao demonstrar a equivalência entre os desejos de liberdade, felicidade e
verdade demonstra também que essa liberdade constitui a esncia humana de modo que realizá-la é
alcançar a si mesmo como singularidade individual, (1999 p. 66)”, reiterando que: “quanto mais
inteligimos as coisas singulares, tanto mais inteligimos a Deus” (E V P 24)
120
. Assim sendo, tornar
a mente apta ao conhecimento das essências das coisas é aproximá-lo da causa única de todas as
coisas, é levá-la a beatitude.
Ao analisar a articulação do conatus com a virtude Delbos salienta que: “O princípio da
virtude, portanto, só pode ser o próprio esforço de cada ser para perseverar em seu próprio ser; se
algo diferente fosse afirmado, isto implicaria que um ser pode renegar sua própria essência.” (2002,
p. 143) Neste sentido, a essência do homem se potencializa pela sua virtude, a virtude é o
termômetro que determina o grau do conatus, pois quanto maior esta for, tanto maior é a esncia do
homem, maior o seu conatus. Espinosa afirma esta iia ao expressar que a essência de uma coisa é
sua própria virtude, (E IV, D8) e esta, por conseguinte “não é outra coisa senão agir segundo as leis
da sua própria natureza, e que ninguém se esforça por conservar o seu ser, a não ser segundo as leis
da sua própria natureza” (E IV, P18, sch)
121
. A virtude é o seu poder de agir, é o seu esforço quando
age, e este poder ou esforço é a sua essência, porém, deve-se esclarecer que agimos somente quando
conhecemos (E IV, P 34, dem) logo, no dizer de Espinosa agir por virtude não é outra coisa que
viver sob a direção da Razão.
Nesse sentido podemos inferir que é no campo relacional dos modos finitos que a
potência de cada conatus individual se afirma ao manifestar-se como expressão da atividade
cognoscente, ou seja, o conatus de cada um se desenvolve a partir da atividade racional e esta por
sua vez é proveniente de nossa capacidade de afetar e ser afetado, o aumento de nossa potência é
diretamente proporcional à atividade afetiva. De acordo com Ferreira:
120
Quo magis res singulares intelligimus eo magis Deum intelligimus. ( E V, P 24)
121
Deinde quandoquidem virtus (per definitionem 8 hujus) nihil aliud est quam ex legibus propriæ naturæ agere et
nemo suum esse (per propositionem 7 partis III) conservare conetur nisi ex propriæ suæ naturæ legibus. ( E IV, P 18
sch)
[...] Se orientarmos a leitura dos últimos livros da Ética atendendo a temática dos
afectos, verificamos que: [...] o livro III pretende compreender o mecanismo dos
afectos; o livro IV constrói uma ética a partir deles; e o livro V procura alcançar a
beatitude em fuão desse mecanismo previamente analisado.Concluímos portanto
que a afectividade desempenha um papel de relevo, sendo ela que desencadeia e
orienta o processo de realização humana.” (1997; p, 473)
Corroborando com essa idéia é que Regina Schöpke quando analisa a natureza humana
em Espinosa salienta que este é pensado não em “formas ou funções, mas enquanto relação com os
demais existentes”. Para Espinosa, salienta essa autora, “tudo o que existe está necessariamente em
relação com outros seres e deve ser pensado em termos de agenciamento” (2002; p, 10). Devemos,
portanto, ao tentar compreender estas relações, reconhecer que apesar de saber que tudo o que existe
expressa uma mesma natureza isto não implica pensar todas as relações entre os seres como
necessariamente positivas, ou seja, implica reconhecer as relações entre os seres num campo no qual
é necessário conhecer o bem e o mal, pois assim saberemos quais corpos podem compor com o
nosso e potencializa-lo, ou o contrário que corpos implicam uma decomposição do nosso. Nas
palavras de Ferreira “é bom o que aumenta o nosso poder. São boas, portanto as afecções de alegria.
Há nelas uma dinâmica libertadora que conduz à felicidade. As paixões alegres são elementos
catalisadores na marcha progressiva da auto-realização, empreendida pelo sábio” (1997, p, 475).
Ainda com relação à teoria dos encontros, Schöpke (2002) salienta que essa mesma
lógica, ou seja, o aumento ou diminuição da potência de agir a partir das relações de composição e
decomposição aplicam também as idéias, assim para essa autora:
As idéias seguem essa mesma lógica, mesmo porque a noção de composição e
decomposição parece aplicar-se mais ao âmbito das idéias do que ao dos corpos.
Os encontros determinam à existência. Os bons e maus encontros serão a temática
spinozista, no campo existencial. (2002; p, 11)
Espinosa, como se sabe não apregoa um ascetismo que conduza os homens a felicidade,
para esse filósofo a felicidade é uma construção, sobretudo Ética, pois é pelas noções de Bem e Mal
que se desencadeiam em nós a busca pela perseverar na existência, ou seja, buscamos o que nos é
útil e nos ajuda a aumentar nosso poder. Daí a teoria dos afetos demonstrarem o caráter pragmático
dessa filosofia ao analisar os afectos a partir de dois pólos, a alegria e a tristeza. A Ética desenvolve
a teoria dos encontros, salientando a necessidade destes para a construção da individualidade
humana, demonstrando como a partir dos afetos se desenrola um encadeamento existencial no qual à
medida que somos tomados pela alegria nossa potência aumenta e o desejo de nos mantermos fortes
e ativos nos conduz ao desejo de sempre termos encontros alegres.
Neste sentido acreditamos que Espinosa ao desenvolver sua filosofia buscou demonstrar
a felicidade humana como algo intimamente relacionado com o conhecimento adequado, ou melhor,
alcançamos a beatitude com o conhecimento obtido através da ciência intuitiva. Assim essa filosofia
procurou também dotar a alma humana das ferramentas que a capacitassem alcançar um bem
supremo, identificado com o conhecimento de Deus, salientando que a suprema virtude da alma é o
conhecer a Deus (E V, P 38) isto é, como demonstra Espinosa “A essência da lama consiste no
conhecimento,
122
(EV, P38, dem) . Cabe ressaltar com Cristofolini que “conhecer é inseparável de
amar” (2005, p.10). Este mesmo autor, ao analisar o conceito de felicidade em Espinosa esclarece
que: “A felicidade como alegria pode ser conhecida e compreendida plenamente somente se
colhermos a natureza objetiva da alegria na expressão mais completa da alegria mesma, o amor”.
Como o amor “é uma alegria acompanhada de uma causa exterior” conseqüentemente:
122
Mentis essentia in cognitione consistit. (E V P 38 dem)
“A coisa conhecida constitui em nós um desenvolvimento, ou seja, uma causa
externa de alegria, o amor intelectual de Deuso é outro senão um conhecimento,
logo um amor em constante incremento das coisas e das leis naturais que o
governam”. (Cristofolini; 2005, p.10).
Donde o amor e o conhecimentoo, portanto afecções de alegria. Se entendermos que
a potência humana aumenta proporcionalmente em relação às afecções alegres é perfeitamente
plausível inferir que quanto mais conhecemos, mais desenvolvemos em nós um estado de alegria
que nos fortalece. Por isto acreditamos como Ferreira que:
O conhecimento permite-nos destriar paixões e acções e traçar fronteiras entre o
bem e o mal. Mas confirmando as conclusões a que a razão nos conduz, surge a
alegria, indicando o caminho certo, estabelecendo nos seus diferentes cambiantes
(“titillatio” , “hilaritas”, ou “summa felicitas) as diferentes fases do processo. É
ele o critério ético por excelência, pois, como vimos nada do que é bom nos poderá
entristecer. Daí o papel fundamental que desempenha no que respeita à
constituição de uma razão prática, concretizada no agir ético. (19997; p, 485)
Com efeito, Espinosa não procura uma felicidade momentânea, mas duradoura, este é
seu escopo, demonstrar que podemos chegar a este tipo de felicidade, embora admitindo o grau de
dificuldade de tal intento, como afirma na última parte da Ética, precisamente no escólio da
Proposição 42, “Como seria possível, com efeito, se a salvação estivesse a mão e pudesse encontrar-
se sem grande trabalho, que ela fosse negligenciada por quase todos? Mas todas as coisa notáveis
são tão difíceis como raras”. Concordamos então com o que afirma Ferreira: “A procura da
felicidade implica subir cada um dos degraus dessa vivência total, cuja vicissitude urge conhecer.
Nos diferentes degraus que levam a beatitude, Espinosa constata o mesmo “élan” passional que
depois de conhecido é susceptível de controle.” (1997, p, 475)
É na última parte da Ética que dispomos mais claramente da iia de beatitude. Espinosa
afirma na última proposição que:
“A felicidade consiste no amor para com Deus, amor que nasce do terceiro gênero
de conhecimento e, por conseguinte, este amor na medida em que age, deve ser
referido à alma; e por conseqüência, é a própria virtude. [...] Depois, quanto mais a
alma goza deste amor divino, ou seja, da felicidade tanto mais compreende , isto
é,tanto mais é o poder que ela tem sobre as afecções e tanto menos sofre por parte
das afecções que são s; e, por conseguinte, pelo fato de alma gozar deste amor
divino, ou seja, da felicidade, tem poder de refrear as paixões. E como o poder do
homem para refrear as afecções consiste só na inteligência, ninguém, por
conseqüência, goza da felicidade por refrear as afecções, mas pelo contrário, o
poder de refrear as paixões nasce da própria felicidade”. (E V, P 42)
123
Deste modo nossa compreensão da trajetória humana rumo à beatitude implica aceitar
que o conhecimento é antes de tudo aperfeoamento. Aperfeoamento da nossa melhor parte,
aquela que é eterna no dizer de Espinosa, a inteligência. E, por conseguinte fazer das palavras de
Ferreira, as nossas confirmando com essa autora que:
A beatitude é o estádio máximo de felicidade, correspondente à realização integral.
O seu alcance prende-se com uma verdadeira mutação, pois não mais somos
sujeitos a afectos. A beatitude é a superação/sublimação dos afectos. Só Deus a
goza totalmente. Ao homem resta aspirar a uma vida em Deus, da qual decorrem
um amor e um conhecimento supremos. Porque a alegria levada à perfeição é
simultaneamente princípio de inteligibilidade (por ela o Universo torna-se
compreensível) e de amor total. (1997, p, 485)
De tudo o que expomos e deste caminho que procuramos percorrer junto a Espinosa, se
de compreender que conhecer e atuar são ambos a mesma coisa, pois toda iia é um projetar-se
para a ação e esta, por conseguinte expressa uma idéia. São através dos encontros ou das relações
123
Beatitudo in amore erga Deum consistit (per propositionem 36 hujus et ejus scholium) qui quidem amor ex tertio
cognitionis genere oritur (per corollarium propositionis 32 hujus) atque adeo hic amor (per propositiones 59 et 3 partis
III) ad mentem quatenus agit referri debet ac proinde (per definitionem 8 partis IV) ipsa virtus est, quod erat primum.
Deinde quo mens hoc amore divino seu beatitudine magis gaudet, eo plus intelligit (per propositionem 32 hujus) hoc est
(per corollarium propositionis 3 hujus) eo majorem in affectus habet potentiam et (per propositionem 38 hujus) eo minus
ab affectibus qui mali sunt, patitur atque adeo ex eo quod mens hoc amore divino seu beatitudine gaudet, potestatem
habet libidines coercendi et quia humana potentia ad coercendos affectus in solo intellectu consistit, ergo nemo
beatitudine gaudet quia affectus coercuit sed contra potestas libidines coercendi ex ipsa beatitudine oritur. Q.E.D. (E V P
42)
que mantemos com os outros seres que fortalecemos nossa potência e nossa virtude, isto enquanto
desta temos o conhecimento a priori daquilo que nos é útil, aproximando-nos do bem e afastando-
nos do mal, não no sentido moral, mas no sentido ético que Espinosa tão bem soube empregar para
estas palavras e evidenciar em suas obras. Conhecer implica construir um mundo de relações no
qual possamos progredir rumo a um estado de sabedoria, implica atrair aquilo que nos convém e
afastar o que não nos convém, implica também diminuir o poder das afecções transformando-as
através do exercício da razão em potência e efetividade. A sabedoria advinda do terceiro gênero de
conhecimento uma vez alcançada nos leva a compreensão das coisas e altera nosso comportamento
frente às adversidades fazendo com que passemos a ver as coisas, antes incompreendidas e
contrárias, agora como necessárias. Só através da razão é possível substituirmos o amor pelas coisas
imediatas e perecíveis pelo amor intelectual a Deus e com isto superamos a distância entre nós e a
Natureza inteira, antes incompreendida agora verdadeiramente amada, porque conhecida.
Conclusão
Nossa preocupação fundamental nessa dissertação foi expor a articulação existente entre
conhecimento e beatitude na filosofia de Benedictus de Espinosa. No entanto procuramos realizar
também, na medida do possível, uma exegese das obras que utilizáramos para elaboração desse
trabalho.
As enveredarmos pelo pensamento de Espinosa, vimos que quanto mais nos
aprofundávamos na sua filosofia percebemos que seu pensamento formava uma cadeia, cujos elos
estavam tão fortemente entrelaçados que parecia-nos muitas vezes uma barreira inexpugnável.
Porém, à medida que avançávamos as descobertas foram transmutando as dúvidas em certezas e as
tristezas em alegrias duradouras. Descobrimos através do rebuscado linguajar desse filósofo a
experiência do conhecimento e a força da razão diante das adversidades cotidianas.
Da exegese das obras passamos para as definições de iia e de conhecimento, onde
procuramos analisar os modos de percepção e os gêneros de conhecimento, buscamos estabelecer as
diversidades existentes entre as primeiras obras do autor que tratavam do tema e as modificações
surgidas no decorrer de sua análise. Compreendemos através do olhar de diversos comentadores a
importância da teoria do conhecimento de Espinosa, principalmente na construção de conceitos
chaves dessa problemática como, por exemplo, o de idéia e de suma importância a questão do
método, o qual se colocou para nós objeto de futuras investigações. Através dessas leituras
percebemos que as diferentes nomenclaturas usadas pelo filósofo em suas obras possuem um
princípio, como observou Chaui (1999), que diz respeito ao campo de referência. De fato a teoria do
conhecimento na Ética e no Breve Tratado adquirem um movimento inteiramente novo situado
em que a essência da mente humana é deduzida de sua causa necessária, tem como horizonte as
relações corpo e mente, paixões e as ações e nossa relação com o absoluto” (1999; p, 669). A teoria
do conhecimento no Tratado da Correção do Intelecto possui uma outra perspectiva trata-se de
saber se somos capazes de conhecer verdadeiramente, através da observação das idéias que temos e
da atividade das ciências constitdas, tomando por base à matemática e filosofia natural. (1999; p,
669).
A teoria do conhecimento abre-se para uma leitura da Ética onde procuramos relaciona-
la com a beatitude ou felicidade, tomando a iia racionalista de Espinosa, conhecer é agir. Espinosa
orienta a razão para um exercício da mente no ato de estabelecer vínculos entre esta e a existência,
trata-se, pois de uma filosofia para a vida. Portanto a leitura que fizemos da Ética, permitiu perceber
a construção do conceito de razão tanto a nível do ser como do saber e também se abre na
perspectiva da construção de uma ética desvinculada de preceitos moralistas, dado a relativização
das noções de bem e mal.
A partir também da leitura da Ética percebemos a influência do conatus em nossa
relação cotidiana com a existência na duração, pois é pelo grau de conatus que nossa potência de
agir (potentia agendi) e força de existir (vis existendi) bem como suas variações se realizam. Donde
concluímos que o homem possui uma essência singular, constitda pela união das modificações dos
atributos, pensamento e extensão, e que enquanto coisa singular se define pelo seu Conatus. O
estudo desse conceito nos levou a mergulhar na concepção spinozista de causa sui, de imancia e
finalmente no mundo afectos e das paixões. Espinosa sustenta a necessidade de reconhecer a razão
como um afeto cujo poder sobre os outros afetos parte da premissa que a verdade por si mesma não
tem poder de anular a falsidade, mas um afeto é capaz de refrear outro afeto. Foi possível através da
análise da Ética compreender o mundo das paixões como o mundo dos homens, e perceber que
através da razão podemos aumentar a potência da mente.
Ao tratar a beatitude como o momento em que alcançamos o ponto máximo do
conhecimento, Espinosa nos revela o amor intelectual a Deus, sabemos que em Espinosa o amor é
uma alegria, o amor que se realiza não num “relacionamento pessoal, mas na contemplação do
Todo” (Ferreira; 1997, p, 608) através do conhecimento obtido pela ciência intuitiva o homem
alcança o ápice da razão, razão que amalgama suas diversas formas de ser numa só e com isto
conquista a capacidade de transformar e entender o mundo colocando-se na ordem necessária do
universo. Assim a razão altera sua capacidade de entendimento transformando paixões em ações,
mas isto só após um árduo percurso, como traçou Espinosa em sua Ética.
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