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ocupação que se afirma a vontade da apropriação, a condição de legitimidade
de minha apropriação é ser o primeiro ocupante”.
Num espaço geográfico vazio
56
, terra supostamente sem gente, forma
com a qual vem sendo definida a Amazônia por muito tempo, o Estado é
legalmente
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proprietário de grande parte das terras da região. Ser, então, o
primeiro a requerer a área, definia, no final do século XIX, um proprietário,
desde que pagasse as taxas necessárias ao governo. Isso porque o espaço
requerido pelo senhor Joaquim não tinha sido reivindicado por herdeiros de um
dos 22 contemplados pela doação da Ilha do Marajó em 1760
58
, por D. José I.
O local escolhido para a instalação da Comunidade de Bairro Alto era distante
da sede municipal, à qual somente se chegava por dentro da mata ou por
várias horas de canoa a remo, cortando furos
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que levam de um rio a outro.
O senhor Joaquim fez esse caminho até a cidade de Soure, buscando
com isso ser proprietário da área na qual se instalara com sua família. Tentou
garanti-la a seus herdeiros a partir de documentação, porque sabia que “a
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Charles Wagley (1988) mostra com clareza, em seu estudo clássico sobre uma “uma
comunidade amazônica,” o modo de vida dessa população da região. Ele ressalta ainda a
baixa densidade demográfica da Amazônia, um por dois habitantes/km
2
, na década de 50. Este
aspecto ainda não mudou significativamente. A denominada Amazônia Legal cobre 61% do
território nacional, com um total de cinco milhões de k m
2
. Ela abrange os estados do
Amazonas, Acre, Amapá, oeste do Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Roraima e
Tocantins. Se considerarmos a sua superfície total, temos uma densidade demográfica média
de 3 habitantes/k m
2
, enquanto que, nas capitais dos estados, esse indicativo sobe para 17
habitantes/k m
2
, o que evidencia o inchaço das cidades da região. Tal aspecto impõe a
hipótese de alta concentração de terras nas mãos de poucos, relegando às pequenas
comunidades camponesas, ribeirinhas e quilombolas uma área reduzida de terra para
reprodução de seu modo de vida. Fato que leva muitas vezes à migração para as cidades,
tornando ainda mais grave a situação decorrente daí. MEIRA, Alcyr. A Amazônia e seus Mitos.
Site: http://www.acp.com.br/pdf/AlcyrMeira.pdf , 12/09/2007.
57
A ilha do Marajó possui 74,2% de terras devolutas, ou seja, essas terras são legalmente do
Estado. Porém, a área da ilha está em grande parte ocupada por fazendas. E seus
proprietários exercem poder significativo na relação com as comunidades quilombolas ao
dizerem que são donos das terras. Todavia, somente 25,8% estão devidamente registradas
como estabelecimentos agropecuários, segundo o Plano de Desenvolvimento Territorial
Sustentável do Arquipélago do Marajó, formado pelo Grupo Executivo Interministerial (GEI), por
meio do Decreto de 26 de julho de 2006.
58
Os Jesuítas foram, por muito tempo, no Pará, os mais ricos. Em suas fazendas reuniam 134.
465 cabeças de gado bovino e 1.409 cabeças de gado cavalar. Além disso, possuíam outras
fortunas. Com a expulsão dos religiosos, suas posses foram entregues a um diretor, que quase
as leva à ruína. Antes disso, D. José I mandou, por carta régia de 18 de junho de 1760, ratear e
repartir entre juntas governamentais tais posses. Assim, na Ilha de Marajó, formaram-se vinte e
dois quinhões, aproximadamente iguais. ANNAES BIBLIOTHECA ARCHIVO PUBLICO DO
PARÁ. Tomo II. Belém: Imprensa Official, 1902.
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Trecho de água, em meio a arvoredos e plantas aquáticas, passível de ser navegado, pelo
qual rios e lagos se comunicam.