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para designar “essas unidades que não se deixam definir nem como famílias, nem como clãs
ou linhagens”
18
.
Por outro lado, diversos autores trabalham a temática espacial explorando as conexões
entre Arquitetura e Antropologia, evocando questões centrais para a antropologia do espaço,
mostrando as possibilidades deste novo campo
19
. Entre eles, destaco Gregor (1982) em seu
estudo nas terras baixas da América do Sul, realizando uma etnografia do uso do espaço
Mehinaku, mostrando que o mundo social daquele grupo molda e é moldado pelo plano da
aldeia e pela arquitetura das casas. Outros trabalhos que vêem o espaço de uma perspectiva
sociocultural estão publicados no livro organizado por Novaes (1983), Habitações indígenas.
Nele, diversos grupos indígenas são descritos através do seu modo de habitar, mostrando que
a casa se manifesta em um espaço mais amplo; o espaço analítico que ocupa a casa não se
encerra em sua concretude, as descrições extrapolam a casa como unidade espacial, e muitas
vezes ocupa o espaço territorial da aldeia como expressão dos estilos de vida de cada povo
20
.
Para Bourdieu (1970) a maison kabile é, em si mesma, as relações que ela
circunscreve. Assim o gosto, a aptidão e a tendência à apropriação de uma certa categoria de
bens são "práticas classificadas e classificadoras”, e ainda, “é a fórmula generativa que está no
princípio do estilo de vida" (BOURDIEU, 1977). No estudo sobre a maison do Béarn francês
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Levi-Strauss introduziu a noção de Casa no sentido de pessoa jurídica para descrever etnologicamente
sociedades onde há tensões entre princípios antagônicos, como, por exemplo, à descendência e a residência,
que são mutuamente exclusivos. As casas Yurok (da América do Norte) para Levi-Strauss são outro exemplo:
“tidas pelos etnólogos como meros edifícios, são verdadeiros sujeitos de direitos e deveres” (1984, p.190). O
autor escreveu sobre a categoria casa em vários outros textos em 1983 e em 1987. Sobre a análise da
categoria casa em Lévi Strauss, pode-se consultar entre outros Hugh Jones e Carsten (1995), Cuisenier (1991)
e Waterson (1992). Para Marcelin (1999), Lévi Strauss tentou construir a noção de casa como um categoria
analítica que daria conta de experiências comparáveis, no âmbito da cultura e da organização social, em
diferentes sociedades; a casa resultaria de parentesco cognático, escapando assim dos paradigmas analíticos
da descendência e da aliança. No entanto, segundo o autor, “Levi Strauss não está interessado na casa como
um processo, menos ainda na sua gênese nas sociedades cognáticas, mas apenas enquanto pessoa moral
detentora de direitos e deveres, que se perpetua pela transmissão de bens simbólico e materiais”, neste caso,
não traduzindo uma unidade sociocultural como propõe Marcelin (1999).
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A casa expressa como uma idéia de estrutura material e simbólica pode ser lida na casa camponesa de Garcia
Jr. (1983a); como materialização da família encontra-se igualmente evidenciada em Heredia (1979) e Moura
(1978); sobre a casa em sua relação com o trabalho em Palmeira (1977); para estudar a casa e as questões de
gênero, Bourdieu (1970); na sua dimensão cosmológica Woortmann (1981), nas suas dimensões ideológica e
hierárquica ver Da Matta (1997).
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Estilo de vida é a forma pela qual uma pessoa ou um grupo de pessoas vivenciam o mundo e, em
conseqüência, se comportam e fazem escolhas. O que define os elementos que compõem o conjunto
simbólico a que se chama de estilo de vida é, basicamente, sua distância (dos elementos) em relação às
necessidades básicas dos indivíduos ou grupos (BOURDIEU, 1977). "Necessidades básicas" são aquelas que
determinam minimamente a sobrevivência dos homens: comida, abrigo, etc. No entanto, se comer é uma
necessidade, o modo como se come, a escolha que se faz entre os diferentes tipos de comida ou, ainda, o uso
de talheres e a opção que se faz entre diferentes tipos e materiais dos talheres é indicadora de valores que
constituem estratégias de distinção no meio social. Portanto, as opções de uso podem revelar anseios, práticas,
adesão a valores e estratégias de distinção numa dada sociedade. Do mesmo modo, as escolhas são
significativas. Neste sentido, os elementos que preenchem os critérios de livre escolha, como os estéticos,
artísticos, religiosos e outros, passam a ser significativos para a definição do estilo de vida de um dado grupo.