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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
DISSERTAÇÃO
Catadores de Materiais Recicláveis da Cidade de Pelotas:
Situações de Trabalho
Ricardo Gonçalves Severo
Pelotas, 2008
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1
RICARDO GONÇALVES SEVERO
Catadores de Materiais Recicláveis da Cidade de Pelotas:
Situações de Trabalho
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em
Ciências Sociais da Universidade
Federal de Pelotas, como requisito
parcial à obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Professora Doutora Beatriz Ana Loner
Pelotas, 2008
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2
BANCA EXAMINADORA:
Professora Doutora Beatriz Ana Loner
Professora Doutora Lorena Almeida Gill
Professora Doutora Anne Marie Wautier
Professor Doutor Ricardo Mayer
3
AGRADECIMENTOS
À minha Orientadora Professora Doutora Beatriz Ana Loner, pela dedicação e auxílio
na realização deste trabalho;
À minha Mãe Suzana, por tudo;
À minha Noiva Renata;
Aos meus Irmãos;
Aos amigos e amigas;
Aos Catadores entrevistados;
Aos antigos colegas da Secretaria de Qualidade Ambiental, em especial ao
Alexandre Melo, Lauro Borges e Luiz Rampazzo;
Aos professores do mestrado;
À Mana Gotardo pela ajuda na realização da pesquisa de campo;
4
RESUMO
O presente estudo analisa as relações de trabalho dos catadores de materiais
recicláveis da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. A atividade da catação
de materiais é estudada dentro do cenário atual de desestruturação dos postos de
trabalho formais e em uma cidade que há muitos anos apresenta uma economia
estagnada, não dando oportunidades de emprego, em especial, para as camadas
dos trabalhadores não especializados, caso da maioria dos catadores. Assim, com o
aumento da demanda de materiais recicláveis, o que não escapa à lógica de
desperdício produtivo, são estudadas as formas de subordinação e trabalho na
catação local, quais os vínculos com os atravessadores de materiais, as condições
de trabalho e a estrutura local da reciclagem.
Palavras-Chave: Catadores de Materiais Recicláveis. Trabalho Informal. Reciclagem.
5
ABSTRACT
The present study analyzes the relationships of work of the catchers of
recyclable materials from the city of Pelotas, Rio Grande do Sul, Brazil. This activity is
studied inside of the current scenary of desestructuration of the formal jobs and in a
city that there are many years it presents a stagnated economy, not giving job
opportunities, especially, for the not specialized workers, the case of the most of the
trash catchers. Like this, with the increase of the demand of recyclable materials,
what doesn't escape to the logic of productive waste, they are studied the
subordination forms and work in the local market of recyclabe, which the bonds with
the junk-dealer, the work conditions and the local structure of the recycling.
Key-Word: Trash Catchers. Informal Workers. Recycling.
6
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Esquema do Ciclo de Trabalho .......................................................
33
FIGURA 2: Horas de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos de 1
a 2 salários mínimos ......................................................................
66
FIGURA 3: Turnos de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos de
1 a 2 salários mínimos ....................................................................
66
FIGURA 4: Dias trabalhados em uma semana dos entrevistados com
rendimentos de 1 a 2 salários mínimos .......................................
67
FIGURA 5: Meios de trabalho dos entrevistados com rendimentos de 1 a 2
salários mínimos ..........................................................................
67
FIGURA 6: Horas de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos
inferiores a 1 salário mínimo .........................................................
69
FIGURA 7: Turnos de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos
inferiores a 1 salário mínimo ......................................................
69
FIGURA 8: Dias trabalhados em uma semana dos entrevistados com
rendimentos inferiores a 1 salário mínimo ...................................
70
FIGURA 9: Meios de trabalho dos entrevistados com rendimentos inferiores a
1 salário mínimo ............................................................................
70
FIGURA 10: Divisão dos Catadores relacionada ao sexo ...............................
81
FIGURA 11: Existência de alguma forma de apoio entre os catadores .............
90
7
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Pessoas de 10 ou mais anos de idade, ocupadas na semana de
referência, por posição na ocupação e a categoria de emprego no
trabalho principal de Pelotas ............................................................
59
Tabela 2: Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por posição na ocupação e a categoria de emprego no
trabalho principal de Pelotas .............................................................
60
Tabela 3: Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por classes de rendimento
nominal mensal de Pelotas ...............................................................
61
Tabela 4: Cruzamento do número de horas com dias trabalhados por semana
dos entrevistados com rendimentos de 1 a 2 salários mínimos ..........
68
Tabela 5: Cruzamento do número de horas com dias trabalhados por semana
dos entrevistados com rendimentos inferiores a 1 salário mínimo ......
71
Tabela 6: Dados referentes a catador entrevistado com renda de 3 a 5
salários mínimos ................................................................................
72
Tabela 7: Dados referentes a catador entrevistado com renda de 6 a 10
salários mínimos .................................................................................
72
Tabela 8: Dados referentes a catador entrevistado que não sabe a renda .......
72
Tabela 9: Escolaridade dos Catadores entrevistados ......................................
82
Tabela 10: Idade dos Catadores Entrevistados..................................................
83
Tabela 11: Atividades Anteriores à Catação dos Entrevistados .................................
84
Tabela 12: Razão de Realizar a Catação ..........................................................
86
Tabela 13: Outras atividades que gostariam de exercer ...................................
88
Tabela 14: Razão porque gostaria de exercer outra profissão .........................
89
Tabela 15: Qual apoio existe entre os Catadores ............................................
91
Tabela 16: Razões para vender para determinado Atravessador ....................
92
Tabela 17: Razões para mudar de Atravessador .............................................
93
Tabela 18: Preços de compra e venda operado por atravessadores em
Pelotas ..............................................................................................
101
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................
09
1.1 Objetivos e Hipóteses .................................................................................
10
1.2 Metodologia ...............................................................................................
12
1.3 Capítulos ....................................................................................................
18
2 DETERMINANTES SÓCIO-ECONÔMICOS PARA O DESCENSO
PROFISSIONAL DA FORÇA-DE-TRABALHO ..........................................
19
2.1 O Crescimento da Catação ........................................................................
23
2.2 Algumas Características Comuns aos trabalhadores da catação de
recicláveis no Brasil ..................................................................................
26
2.3 As Experiências do trabalho na catação e formas de auto-referência da
atividade .......................................................................................................
28
3 O PROCESSO DE REIFICAÇÃO ...............................................................
39
3.1 A Taxa Decrescente do Valor-de-Uso Aumento do Desperdício ..............
52
4 CARACTERÍSTICAS DO MERCADO DE TRABALHO DE PELOTAS .....
59
5 AGENTES PRIVADOS DA RECICLAGEM DE PELOTAS ..........................
62
5.1 Catadores de Rua ......................................................................................
65
5.2 Catadores do Aterro ..................................................................................
78
5.3 Características Comuns aos Catadores de Pelotas .................................
81
5.4 Os Atravessadores ....................................................................................
98
5.4.1 Médios Atravessadores de Pelotas .........................................................
100
6 EXPERIÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO ..........................................................
105
6.1 O Projeto Coleta Solidária (2001-2004) .......................................................
105
6.2 O Projeto Balneário dos Prazeres .............................................................
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
112
FONTES PRIMÁRIAS .....................................................................................
119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
120
APÊNDICES ....................................................................................................
123
9
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa as relações de trabalho dos catadores de
materiais recicláveis do município de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. O interesse
pelo assunto surgiu quando trabalhava para a Secretaria Municipal de Qualidade
Ambiental, durante o período de 2002 a 2004 e observava o projeto que vinha sendo
desenvolvido junto aos catadores, através do que se denominava Coleta Solidária.
Muitas pessoas vinham envolver-se no referido projeto com a esperança de
conseguir um trabalho, tendo saído, muitas vezes, de um grande período de
desemprego.
Durante o desenvolvimento deste projeto ocorreram vários problemas, tanto
de resistência dos moradores dos arredores do galpão, que não queriam os
catadores no local, quanto de atravessadores, que viam prejuízo no desenvolvimento
de cooperativas para seus negócios. Também o trabalho diretamente com os
catadores várias vezes se mostrava problemático, pois muitos buscavam uma
relação de subordinação à Secretaria, enquanto o objetivo era o desenvolvimento de
um processo de auto-gestão. Inúmeras contradições foram observadas durante este
processo, o que me chamou bastante a atenção sobre as dinâmicas de trabalho no
setor da reciclagem local.
No ano de 2005 concluí minha monografia sobre moradias irregulares e
trabalho informal em determinada vila da cidade, e percebi que, entre as atividades
desenvolvidas como alternativas ao desemprego, entre biscates, guardadores de
carro, serviços gerais e outros, a que se destacava era a catação de materiais
recicláveis.
Percebi que, em razão da estagnação econômica da cidade e da insuficiente
incorporação de mão-de-obra aos setores denominados formais do mercado de
trabalho, o lixo era a única alternativa para um contingente crescente de
trabalhadores sobreviver. Essa é uma mercadoria abundante na cidade e que parece
crescer a cada ano, com sua reciclagem empregando muitas pessoas. Daí a
necessidade de compreender as relações de trabalho no setor: quem a desenvolve e
10
qual o histórico profissional destes trabalhadores; quais as razões que os levaram a
coletar materiais recicláveis e como se relacionam com os atravessadores locais.
1.1 Objetivos e Hipóteses
Observando como se desenvolve a atividade de catação e as proporções
tomadas no referente à mão-de-obra ocupada neste processo, localmente, o
presente estudo pretende analisar as relações de trabalho nas quais os catadores de
materiais recicláveis do município de Pelotas estão envolvidos. Pretende-se verificar
quais são as formas de exploração e sub-remuneração que atingem o conjunto da
categoria local, tendo como objetivo perceber qual é o padrão de subordinação ao
capital e quais são os mecanismos que regem as negociações no setor de compra e
venda de recicláveis.
De acordo com o exposto, o conjunto da categoria de catadores são os
sujeitos investigados principais, concentram o foco da análise, como principais
portadores das relações de reciclagem local. Com o objetivo de perceber possíveis
relações padronizadas, um dos focos se dá com a investigação do histórico
profissional destes trabalhadores, quais formas de trabalho experenciaram e, dentro
desta investigação, perceber se há também um padrão ocupacional prévio. Serve
também para verificar as diferentes funções exercidas por estas pessoas ao longo de
sua vida profissional, bem como permite analisar a existência de um padrão de
descenso profissional. Ainda, de modo a descrever a sua situação atual, se realiza
levantamento dos rendimentos das pessoas que realizam a catação dentro do
município de Pelotas, buscando as conexões entre o rendimento e as formas de
trabalho local.
Para tal análise, foram observados os processos locais de negociação dos
materiais, pensando no ciclo das mercadorias, acompanhando, portanto, as relações
de trabalho dos catadores junto aos atravessadores, e por sua vez, as relações
destes com as indústrias de reciclagem, tendo como intuito investigar a existência ou
não de vínculos de subordinação de trabalho ou contrato informal de prestação de
serviço, duradouros ou temporários.
Buscou-se, desta forma, conhecer a estrutura local de comercialização de
materiais recicláveis. Com a finalidade de captar as diferentes situações de relações
11
de trabalho, foram observadas algumas experiências de trabalho autônomas e
empreendimentos cooperativados do passado recente, em especial o processo de
associação dos catadores dentro do projeto municipal de reciclagem da gestão da
Prefeitura no período de 2001 a 2004, denominado Coleta Solidária.
O que se pretende saber é como se realiza o trabalho de catação de materiais
recicláveis na cidade de Pelotas. Para responder tal pergunta, é necessário saber
quais são os agentes específicos com que os catadores de materiais recicláveis têm
de negociar dentro da cidade. Verificado quais são esses agentes, é necessário o
questionamento sobre a existência de alguma forma de subordinação no trabalho
dos catadores a tais pessoas e se há um padrão ocupacional da atividade de
catação, comum aos trabalhadores locais.
Esta dúvida, acerca da padronização das relações, levanta mais uma
questão, qual seja; havendo um padrão de trabalho, como se organizam os
trabalhadores da catação com referência à divisão do trabalho dentro do setor, às
atividades específicas que desenvolvem e a um sentido de classe. Ou melhor, se
dentro da categoria é presente a representação e organização política enquanto
trabalhadores recicladores. Dependendo da resposta dada a tal pergunta, surge a
dúvida se existem formas de apoio na atividade entre catadores que indiquem
formas de solidariedade de classe ou se o trabalho é desenvolvido, como regra
geral, de forma autônoma.
Uma das formas de verificar tal possibilidade é perguntando quais as
características comuns, caso existam, no histórico profissional destes trabalhadores.
Quem são os catadores de Pelotas? Observando seu passado e se participam de
alguma associação ou organização, procura-se saber se é possível encontrar
localmente a auto-representação da categoria enquanto trabalhadores.
Têm-se como hipótese inicial, de forma a responder temporariamente a tais
questionamentos, que se acredita existir um padrão de subordinação dos catadores
aos atravessadores do município, bem como destes com as indústrias ou os
atravessadores médios, como uma forma de relação duradoura que torna uns
agentes dependentes dos outros.
Os baixos ganhos dos catadores estão determinados, neste sentido, pela
maneira como se estabelece a relação de trabalho, no qual há subordinação na
negociação entre produtos, mas não de fato, pois os catadores não se relacionam de
12
forma salarial com os compradores de materiais recicláveis. Mantêm relações
duradouras com agentes específicos, não sendo este o fator que determina a
subordinação, mas a forma como têm de negociar. Se não vendem para um
atravessador, têm de fazê-lo para outro, que oferecerá as mesmas condições de
trabalho e negociação. Os baixos rendimentos dos catadores são, portanto, uma
necessidade para o funcionamento do setor de reciclagem como um todo no país,
sendo percebido este padrão também em Pelotas, pois é estruturalmente baseado
de forma a transferir todas as perdas de valor dos materiais aos catadores.
Outros fatores que contribuem para os baixos ganhos dos catadores são: sua
não-organização em cooperativas ou associações, levando a uma atomização
destes trabalhadores, em razão da dinâmica própria do trabalho e a competição pelo
material no quotidiano, dificultando a criação de uma identidade coletiva e comum
que possibilite a organização da categoria.
Sobre o histórico profissional destes trabalhadores, acredita-se que a força-
de-trabalho que realiza a catação faz parte do contingente dos desempregados no
processo neoliberal de reorganização produtiva e dos jovens com baixa
escolarização e não especializados, em especial em Pelotas, que tem como
característica a estagnação econômica há muitas décadas.
Outro questionamento a se fazer, em termos mais gerais, é: a reciclagem de
materiais auxilia na redução de danos ao ambiente, através da forma como
atualmente é desenvolvida? Acredita-se que a reciclagem, nos moldes atuais, não
reduz o quantum de resíduos produzidos, pois não foge da lógica sistêmica de
produção de mercadorias, degradando tanto o ambiente quanto os trabalhadores
envolvidos na atividade.
1.2 Metodologia
O processo de pesquisa foi composto de dois momentos interdependentes
para a elaboração do problema e da hipótese. O primeiro é o dedutivo, momento em
que nos detemos na leitura teórica capaz de embasar as hipóteses iniciais do
projeto. Geralmente estas hipóteses dedutivas iniciais estão relacionadas à meta
teorias generalizações que serão testadas à posteriori, mas inicialmente servem de
referencial ao projeto. Esta etapa da pesquisa é de extrema importância para o
13
começo do processo investigativo, sendo operado através da revisão bibliográfica,
em que nos detemos em trabalhos de diversos autores que estudaram temas
correlatos ao nosso objeto de pesquisa. Assim, levou a formulações mais gerais,
perguntas de pesquisa iniciais ao projeto e que servem para teste da relação da
teoria estudada com a realidade local, e, em estudo de caso, servirá para o critério
científico de verificação da hipótese levantada pelo pesquisador, baseado na teoria
metodológica de Karl Popper (QUIVY, 2005). Esta parte da pesquisa é fundamental
para a continuidade do projeto, pois liga o estudo imediato com a teoria de
referência, que guia o início do estudo e também auxilia a continuidade da pesquisa.
Partindo de uma base teórica que se comunica com o assunto do presente
estudo, construíram-se as hipóteses em um modelo geral a ser verificado mediante
pesquisa aplicada ao campo de referência, no caso, os catadores de materiais
recicláveis de Pelotas. O modelo metodológico empregado para a presente análise
é, portanto, o hipotético-dedutivo, tendo sido realizadas entrevistas prévias junto a
alguns catadores, levando em conta, portanto, já no início do trabalho, o processo
indutivo como componente processual inclusive da formulação das perguntas e
hipóteses.
De acordo com o exposto, os processos dedutivos e indutivos são
indissociáveis, não tendo um sobre o outro maior valor hierárquico para o processo
sociológico de investigação. Considera-se que em algum momento da teoria, que
serve de referência ao estudo específico, foi feito um estudo empírico, mesmo que
indiretamente, não realizado pelo autor que formula a teoria. Há uma seqüência
lógica que serve de auxílio ao pesquisador, e a dedução serve assim como guia
inicial, e é utilizada para a criação das hipóteses. A indução, já observada no
processo anterior, mas não realizada diretamente, é o guia que destaca o que é
essencial e pertinente, o que vai determinar a ocorrência do fenômeno.
Sendo os acontecimentos essenciais os fatores determinantes para o
fenômeno, busca-se neles a explicação dos acontecimentos. O motivo pelo qual
acontecem e de que forma acontecem. Mesmo o acidental aqui servirá de
explicação, na medida em que abre ou encerra perspectivas de novos padrões,
observando-se como se inserem no conjunto dos casos. Estes processos vão
determinar, então, as necessidades da investigação sobre os fenômenos sociais,
buscando conhecer os acontecimentos particulares e os cenários sociais que os
14
possibilitaram, situações generalizáveis, histórico-sociais que se comunicam com as
particularidades encontradas diretamente pelo pesquisador e, consecutivamente, a
relação existente ou não entre estes casos, cabível de explicação pelo pesquisador
(FERNANDES, 1967).
O segundo momento da pesquisa acontece com o prosseguimento lógico da
dedução, sendo a etapa em que as dúvidas, as hipóteses gerais, são colocadas à
prova da realidade que se pretende pesquisar. A partir deste momento, a pesquisa
tem de se utilizar de instrumentos próprios do método indutivo, aplicados no campo
que se estuda de forma a coletar informações diretamente com os sujeitos
pesquisados. Tendo os questionamentos sido elaborados, passou-se à construção
dos instrumentos indutivos da pesquisa, referidos aos objetivos do estudo e de
acordo com as possibilidades abertas no campo. Os sujeitos investigados são os
catadores de materiais recicláveis da cidade de Pelotas, sendo considerados
aqueles que declaram esta atividade como principal ou única para garantir os seus
rendimentos.
Estando delimitado o universo da pesquisa, procurou-se captar o que é
essencial, as características comuns aos entrevistados, de forma a demonstrar os
padrões possíveis do exercício da atividade local, que viessem a confirmar ou negar
a hipótese inicial apresentada. Pelas características do grupo pesquisado, por tratar-
se de atividade informal, não existem registros oficiais ou a possibilidade de
quantificação exata dos catadores em atividade no município. Mesmo assim, foram
encontrados dois registros de mensuração destes trabalhadores. O primeiro registro
parte da União Pelotense de Carroceiros e Charreteiros (UPCC) que contabiliza
aproximadamente 500 catadores, mas é uma contagem imprecisa, pois a referida
entidade congrega diversas pessoas que não são catadoras, e não mantém um
registro próprio, amparando-se na memória do presidente da associação.
Há também um estudo feito por pesquisador em medicina do trabalho (SILVA,
2006), que realizou um levantamento próximo aos números apresentados pela
referida entidade. Apesar destes indícios, optou-se pela não aplicação de amostra
probabilística, em razão da proximidade da amostra a ser aplicada de acordo com
este método (400 questionários aproximadamente), ao apontado como totalidade da
categoria, o que torna o intervalo de confiança irrelevante, visto o tamanho do
universo pesquisado. Desta forma, pelo universo reduzido a ser estudado, acredita-
15
se haver maior homogeneidade da categoria, sendo desnecessário tal número de
entrevistas. Além disso, as impossibilidades materiais, bem como a falta de recursos
e de pessoal para efetivar a amostra, pois o pesquisador só contou com seu próprio
esforço, foram outros fatores que influenciaram nesta opção.
Em função destes limites da pesquisa, optou-se pela aplicação de amostra
não probabilística junto aos catadores locais, sem valor matemático, estatístico, mas
de forma qualitativa, buscando entrevistar os sujeitos de referência através da
tipicidade, por traços comuns observados que podem se estender ao conjunto da
categoria (MARCONI, 1999). Os sujeitos investigados foram abordados em pontos
de fluxo da cidade, em que se observa maior movimentação destes trabalhadores
durante o dia, procurando realizar as abordagens em diferentes locais.
Para a realização das perguntas aos catadores optou-se pelo questionário de
aplicação indireta, quando é aplicado pelo pesquisador e este preenche as respostas
(QUIVY, 2005) ou formulário (MARCONI, 1999), com perguntas abertas e fechadas,
aplicado diretamente pelo pesquisador. Mesmo tendo em mãos o guia da entrevista,
procurou-se aprofundar determinadas questões (em especial nas perguntas abertas),
nos questionamentos sobre as particularidades de cada entrevistado, em seu
histórico de vida, de forma a agregar características qualitativas, distinguindo cada
entrevistado através de anotações feitas em caderno de campo.
Nesta etapa, foram realizadas 43 entrevistas em diversos pontos da cidade,
chegando a este número pela saturação das respostas e pelo encontro freqüente
dos mesmos entrevistados. Mesmo tendo em mente a busca de um padrão da
categoria, tanto pelo método de aplicação, quanto pela hipótese adotada,
procurando o que é essencial ao grupo, foi importante, ou ainda, fundamental, o
registro de características singulares ou desviantes, de alguns entrevistados, se
comparados com o total da amostra, de maneira a enriquecer os resultados e
levantar novas perguntas para a pesquisa. Outro motivo para a abordagem em
pontos de fluxo diversos, se deu pelas características levantadas inicialmente sobre
a categoria, que não está organizada em cooperativas ou associações.
Tendo essa compreensão inicial, seria incorreto iniciar a pesquisa em alguma
cooperativa até porque existe o registro de somente uma na cidade. Entendemos,
também, que, caso houvesse outras cooperativas não mapeadas na análise prévia,
isto seria demonstrado no decorrer das entrevistas com os catadores nas ruas. A
16
única exceção foi feita com os catadores do aterro, que foram entrevistados em suas
casas por não trabalharem com coleta na rua e pela dificuldade de acesso ao aterro.
Além disso, pelas próprias características do trabalho naquele local, o tempo é
precioso demais para eles, para ser desperdiçado respondendo a questionários.
Dessa forma, optamos por procurá-los em outro momento, já que, em maioria,
concentram suas moradias na Vila Castilhos, local próximo ao aterro municipal.
Através do registro de tais características e tendo como finalidade de pesquisa
levantar dados relevantes sociológica e socialmente, optou-se pelo distanciamento
(ELIAS, 1998) como melhor forma de investigação do assunto, muito em razão das
características próprias do setor pesquisado e por possíveis desvios dos resultados
da pesquisa devido a um envolvimento direto durante o processo.
De fato, pensando-se em uma lógica de organização em movimento social,
ele se encontra totalmente desarticulado. Desta forma, um engajamento direto, de
forma militante junto a algum grupo, ou ainda a tentativa de constituir ou acompanhar
empreendimentos cooperativos, levaria a um desvio grosseiro do estudo e
observações de referência, bem como limitaria, acredita-se, as possibilidades de
interferência posterior ao estudo, pois o envolvimento direto com sujeitos
pesquisados tornaria as possibilidades de análise e pretensão de modificações não
generalizáveis, pois detidas a particularidades individuais, referentes ao campo.
Foram entrevistados, ainda, os atravessadores de materiais recicláveis, pois
são parte do estudo, na medida em que são os sujeitos em negociação direta com os
catadores e com os representantes da Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental
da cidade de Pelotas. Para eles, foram aplicados questionários não estruturados.
Cabe pequena explicação sobre os tipos de entrevistas realizadas na
pesquisa. De acordo com Cortes (1998) a forma semi-estruturada apresenta
perguntas ordenadas, contudo, as respostas são abertas, podendo o entrevistado
falar livremente sobre o questionamento. Da mesma forma, o pesquisador tem mais
liberdade na conversa, podendo incluir mais perguntas em razão das respostas não
estandardizadas do requerido ou caso queira aprofundar mais algum ponto da
exposição. Esta forma de entrevista também é mais utilizada quando já existe uma
maior elaboração das perguntas e hipóteses da pesquisa, porém mais utilizadas em
caráter qualitativo, pois pretendem estudar fatores tanto objetivos quanto subjetivos a
serem coletados junto ao entrevistado, não procurando estandardizar ou padronizar
17
as perguntas e respostas. Já na forma não-estruturada somente se introduz o tema
geral sem questionamentos ordenados e o informante fala livremente sobre o
assunto, interferindo ou questionando-se apenas quando achar necessário
aprofundar determinado assunto em desenvolvimento. Esta forma de entrevista foi
utilizada no início da pesquisa, em seu período exploratório.
Com os atravessadores foi realizada a aplicação de entrevista semi-
estruturada. Como o número de atravessadores é inferior ao de catadores e por não
serem os principais sujeitos investigados, foram feitas apenas três entrevistas. Os
critérios de escolha utilizados foram a estrutura de trabalho disponível pelos mesmos
e o fato de terem sido citados no pré-teste dos formulários. Os atravessadores foram
entrevistados antes dos catadores para que suas respostas agregassem mais dados
aos questionamentos feitos para os sujeitos analisados.
Para a análise do Projeto Coleta Solidária foram entrevistados os
representantes da gestão de 2001 a 2004, da Secretaria Municipal de Qualidade
Ambiental de Pelotas, período de vigência do referido programa. Para esta etapa da
pesquisa utilizou-se a aplicação de entrevista não estruturada ou não diretiva,
levantando a pauta da conversa e deixando os entrevistados livres para desenvolver
a entrevista de acordo com os pontos que acreditavam ser mais pertinentes. As
entrevistas foram feitas com três participantes da referida gestão, para evitar
possíveis desvios, ao se confiar em uma única fonte. Desta forma, por informações
comuns, bem como pelas diferentes perspectivas dos entrevistados, pode-se montar
a análise do projeto em questão. Também foram analisados documentos sobre o
referido projeto e estudo de trabalho monográfico sobre o tema, realizado ainda na
existência do mesmo, de forma a captar as falas de outros participantes do Projeto
Coleta Solidária.
1.3 Capítulos
No segundo capítulo é apresentado o cenário de modificações
socioeconômicas do Brasil a partir da década de 1980, e como se deu a entrada da
18
força-de-trabalho em relações de trabalho precarizadas, em especial para a mão-de-
obra não especializada. Dadas tais transformações e em razão da retração do
mercado de trabalho, muitos trabalhadores, tanto aqueles desempregados
conjunturais quanto estruturais, encontraram a sobrevivência na atividade de catação
de materiais recicláveis, sendo discutido o aumento do setor a partir da década de
1990, quais as características destes trabalhadores, como se identificam dentro do
setor e suas formas de trabalhar, no Brasil.
No terceiro capítulo é feita a apresentação da reificação como característica
central do trabalho dentro do capitalismo, e em especial no referente à produção de
mercadorias, o que vai determinar como as pessoas se relacionam com a produção
e o consumo no sistema atual. Após, é apresentada a idéia da taxa de utilização
decrescente do valor-de-uso das mercadorias, concomitante à reificação das
relações de trabalho, como uma das razões para o aumento da reciclagem após a
reestruturação produtiva.
No quarto capítulo é feita uma breve apresentação da situação do mercado de
trabalho na cidade de Pelotas, demonstrando-se que há similaridade do caso local
com a situação do país. Nesse contexto, apresenta-se a situação dos trabalhadores
com baixos rendimentos, caso dos trabalhadores da reciclagem.
No quinto capítulo são demonstradas as características dos agentes
envolvidos com a reciclagem de materiais na cidade de Pelotas, com ênfase aos
catadores, divididos entre aqueles que trabalham na rua e no aterro, atentando para
suas características comuns. A última parte do capítulo é reservada aos
atravessadores de materiais recicláveis na cidade e como se relacionam com os
catadores.
No sexto capítulo são apresentadas duas experiências de trabalho associativo
dos catadores em Pelotas. O primeiro é o Projeto Coleta Solidária, que envolveu um
grande número de pessoas e entidades governamentais e não governamentais
durante a gestão municipal de Fernando Marroni e o segundo projeto, denominado
Balneário dos Prazeres, com um número bem menor de participantes e entidades
envolvidas, que existiu por curto período, mas com diferenças significativas, em
relação ao primeiro.
19
2 DETERMINANTES SÓCIO-ECONÔMICOS PARA O DESCENSO
PROFISSIONAL DA FORÇA-DE-TRABALHO
O desemprego tem levado um contingente populacional cada vez maior a
desempenhar atividades laborais precárias, as quais se expressam em trabalhos mal
remunerados, sem assistência e tampouco sem contratos de trabalho. Tais
atividades têm-se mostrado a única forma de sobrevivência a um contingente dos
trabalhadores não especializados no Brasil. Entre essas atividades se destaca a
catação de materiais recicláveis, realizado de forma autônoma, representando riscos
constantes à saúde em razão do contato direto com material contaminado, utilização
de trabalho infantil e aumento ou intensificação de jornada auto-imposta em razão do
emprego da força-de-trabalho de forma não regulada pelos direitos trabalhistas. Tais
formas de se vincular ao mundo do trabalho têm aumentado significativamente no
período neoliberal, sendo a catação de lixo uma destas atividades precarizadas que
permitem a um segmento de trabalhadores se manterem na esfera do trabalho,
como a única forma que encontram para sobreviver. As análises realizadas sobre a
atividade dos catadores concordam sobre o caráter precarizado desta atividade,
realizada, de maneira geral, sob as piores condições imagináveis.
Mesmo sendo uma atividade já realizada há muitos anos, a exemplo da
catação de trapos desde o século XIX (DOMINGUES, 2004, foi a partir da década de
1990 que a catação se tornou significativa no que diz respeito ao montante de
material coletado, bem como na quantidade de pessoas envolvidas neste trabalho.
Isto se dá [Início do presente] pelas características do histórico profissional das
pessoas que realizam esta tarefa, bem como em razão de ser uma atividade que se
baseia, principalmente, nas precárias condições e baixíssimos ganhos dos catadores
(LEAL et. al., 2002). É necessário compreender como esta atividade se torna
20
significativa para um contingente crescente de trabalhadores não-especializados,
observando a situação que possibilitou isto do ponto de vista da conjuntura
econômica para a força-de-trabalho não especializada. Desta forma, a seguir, se
apresenta o cenário de possibilidades cada vez mais restrito, no que diz respeito à
entrada no mercado de trabalho a esta parte dos trabalhadores no país, que, de
acordo com a presente interpretação, se amplia principalmente a partir de 1980.
A partir dessa década, o país enfrenta a crise da dívida, resultado do modelo
de desenvolvimento econômico adotado no período ditatorial. Segue-se, nesse
período, um aumento nunca visto da inflação, o fim dos investimentos públicos que
impulsionavam a economia interna e a desestruturação do sistema produtivo
brasileiro, marcado pela defasagem tecnológica e fechamento ao capital externo. A
crise da dívida ocorre quando cessam os financiamentos externos, o que acarretou a
desestruturação da economia interna, assentada no investimento estatal no meio
privado através dessas fontes. Ocorre uma queda nos investimentos e o período de
crescimento industrial, observado desde a metade da década de 1950, é
interrompido. Tais problemas são acompanhados pela inflação crescente, que acaba
por reduzir a demanda, e em especial a de bens duráveis, ocasionando, portanto,
uma redução dos postos de trabalho no setor, iniciando nessa década a diminuição
da incorporação da mão-de-obra na indústria.
Mesmo com a existência de tais características, o mercado de trabalho
manteve-se essencialmente o mesmo, não havendo, no período, modificações
estruturais, mantida a mesma conformação produtiva e observando-se ainda a
proteção do mercado interno através do fechamento às importações de bens. Sendo
assim, mesmo não havendo um crescimento industrial que acompanhasse o
crescimento vegetativo e a entrada de nova mão-de-obra no mercado, os antigos
postos de trabalho, bem como a sua organização produtiva, permanecem, embora
de forma estacionária.
Assim, a nova força-de-trabalho começa a sofrer, já na década de 1980, pela
não abertura de novos postos de trabalho no setor industrial, e como é o setor mais
dinâmico, tende a puxar os demais, como a construção civil, por exemplo, o que
atinge os migrantes rurais, trabalhadores não-especializados, antes incorporados às
atividades urbanas de forma ininterrupta, durante aproximadamente 25 anos.
21
Na década de 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Melo, foram
traçadas, como saída para tais problemas, uma série de políticas liberalizantes, que
tinham a pretensa lógica de modernização da economia brasileira, pela sua abertura,
a possibilidade de importações e compra de empresas locais por estrangeiros.
Inicia-se, nesse período, uma série de políticas de corte neoliberal,
destacando-se as políticas de incentivo à competitividade, que centralmente agiram
por meio da modificação das características do setor produtivo local através da
abertura dos capitais ao setor externo, seguindo a lógica internacional principiada
com Margaret Tatcher e Ronald Reagan, começando o período da globalização no
país. O desenvolvimento das multinacionais no Brasil, como principais produtoras e
empregadoras dos setores avançados, segmentam a produção por etapas,
mundialmente, o que reduz a agregação de valor local, pois as etapas da produção
se tornam mundializadas e, em especial, os processos produtivos se modificaram
através da incorporação de novas tecnologias, descartando processos que
utilizavam mão-de-obra não-especializada e diminuindo a força-de-trabalho
empregada. Muitas empresas não conseguiram acompanhar tais modificações e
tiveram de encerrar os negócios.
Destaca-se, também o aumento da importação, em especial a partir do Plano
Real, que para tal supervalorizou a nova moeda, tendo como objetivo o aumento da
competitividade, enchendo o mercado consumidor nacional com produtos
estrangeiros. Assim, um número ainda maior de empresas não consegue se adaptar
ao novo modelo de acumulação e produção. Ainda, para a contenção da inflação,
são aumentados os juros para o crédito e o controle da demanda será feito através
de uma política salarial liberalizante, que rebaixa o valor real do salário e retira do
Estado boa parte da responsabilidade na mediação entre trabalho e capital, tendo
como objetivo aumentar a competitividade do mercado. Resulta, destas políticas
neoliberais, um aumento da taxa de desemprego dentro da População
Economicamente Ativa (PEA), chegando a um patamar de 20% (GUERRA et. al.,
2007).
É na década de 1990 que ocorrem as maiores modificações para os
trabalhadores não especializados, iniciado na década de 1980 com a estagnação e
após com a transformação das características já de longa data do sistema produtivo
brasileiro, que prescinde desta mão-de-obra de forma direta, no setor industrial.
22
Ressalta-se que a nova conformação produtiva, que se assenta na divisão
internacional do trabalho, é uma das principais características do setor de
reciclagem, extremamente concentrado e que tem como destino, quase que
exclusivamente, a exportação.
A nova conformação industrial tende a empregar força-de-trabalho de forma
indireta, tanto na realização da mercadoria, sua venda direta ao consumidor final,
como em etapas anteriores ao beneficiamento, momentos necessários à produção
que se utilizam da força-de-trabalho de forma não diretamente salarial, tampouco
subordinada ao agente específico. A informalidade, compreendida como um
momento necessário e cenário possível das relações de trabalho a partir da Terceira
Revolução industrial ou tecnológica, iniciada na década de 1990 no país, caracteriza-
se pelo incremento do trabalho morto em detrimento do trabalho vivo. Como
conseqüência, percebe-se a redução do emprego de mão-de-obra nos setores
industriais de forma direta, empregando-a de forma terceirizada e, geralmente, não
regulamentada.
Devido a isso, a não ocorrência da forma salarial nas relações de trabalho
tende a degradar a situação de vida desta categoria de trabalhadores informais e
sem relação direta com as referidas empresas. Sendo mais do que uma mera
determinação jurídica, no qual se percebe a priori as formas de trabalho não
assalariadas como ilegais ou injustas (NORONHA, 2003), a forma salarial
circunscreve os trabalhadores, como sugere Robert Castel (2005), em uma
identidade comum (trabalhador assalariado) que lhe confere um status positivo junto
à sociedade. Ainda, uma cidadania econômica, pois o insere em uma série de
direitos ou benefícios, mesmo que de forma subordinada. Contudo, o trabalhador
precário, utilizado de acordo com a demanda, torna-se cada vez mais regra, e não
são mais um custo, pois seus rendimentos dependem diretamente da realização da
mercadoria, agora sob responsabilidade direta dos trabalhadores, de forma a não
mais adiantar capital (OLIVEIRA, 2003).
Observa-se, então, que o emprego de trabalho não fica restrito ao espaço da
indústria propriamente dito, pois ao utilizar trabalhadores terceirizados ou autônomos
na produção ou circulação de mercadorias em grau muito maior, possibilitam a
acumulação capitalista nos sistemas periféricos, através da taxa de superexploração
destes trabalhadores externos ou sem vínculos diretos. O que decorre disto é o
23
aumento da informalidade, que tem como principal característica o baixíssimo
rendimento destes trabalhadores e trabalhadoras, inimpregáveis no sistema
neoliberal vigente (OLIVEIRA, 1998), em que a crise da sociedade salarial se
instalou por definitivo, tem como processo central a precarização das relações de
trabalho. Compreende-se que estas pessoas em atividades precárias não devem ser
categorizadas como supranumerários, de acordo com a denominação de Robert
Castel, mas sim no que se denomina zona de fragilidade, integrados em uma rede
de sociabilidade restrita, geralmente, ao círculo familiar, pois não contam com
organizações do trabalho. Assim, no referente ao mundo do trabalho, desempenham
sua atividade de forma atomizada e em oposição, muitas vezes, a outras pessoas na
mesma situação. Não obstante, continuam desempenhando papel importante para o
sistema produtivo, na medida em que são utilizados tanto como pressão aos
trabalhadores empregados quanto na sua utilização de maneira informal.
2.1 O Crescimento da Catação
O crescimento do número de catadores no Brasil ocorre a partir do momento
em que se desenvolve a nova conformação produtiva no país, em meados da
década de 1990, sendo a catação de materiais recicláveis a alternativa laboral para
muitos trabalhadores antes empregados em setores industriais, de construção e
serviços, bem como atividades servis; este último em razão da queda do poder de
compra da classe média no mesmo período (GONÇALVES, 2006). Assim, há
basicamente dois tipos de trabalhadores que vêm a ocupar a atividade de catadores:
os mais velhos, desempregados pela modificação das novas características
industriais e redução da demanda nos demais setores periféricos, e os mais jovens,
que antes eram absorvidos por estes mercados de trabalho, mas hoje em dia tendem
a aumentar o número de desempregados estruturais, ocupando atividades informais,
em especial a catação.
Estas são as características também encontradas no estudo sobre catadores,
de autoria de Antônio Bosi, no Extremo Oeste do Paraná (2005). A maioria dos
catadores entrevistados neste estudo tem baixa qualificação profissional e poucos
anos de estudo; geralmente têm o primeiro grau incompleto. Grande parte é
24
composta por trabalhadores de 31 a 60 anos, que tiveram empregos anteriores,
sendo que entre os com idade inferior a 30 anos, as atividades informais e
temporárias, sem vínculo empregatício, são a regra. Também são, em grande parte,
pessoas que têm sua origem no meio rural e que vieram buscar na cidade melhores
condições de vida. Chegando à cidade, se defrontam com a nova conformação
produtiva, maiores restrições de acesso ao mercado de trabalho formalizado, tendo
de ocupar, portanto, a franja produtiva, em atividades como a catação.
Assim, o que se percebe é que estes trabalhadores são marcados por
trajetórias ocupacionais relacionadas ao período em que se lançaram ao mercado de
trabalho, sendo comum, entre os mais velhos, atividades profissionais de referência,
como pedreiros, comércio, serviços, safristas e outras profissões de baixa
qualificação, enquanto os mais jovens geralmente não tiveram nenhuma inserção no
mercado formal de trabalho, não tendo passado pela experiência de assalariamento.
É importante ressaltar que, conforme observa Marcelino Gonçalves (2006), a
baixa escolaridade ou qualificação profissional, mesmo sendo uma característica
comum deste segmento de trabalhadores, não deve ser considerada como o agente
causador direto da realização da catação como forma de sobrevivência. Tal
explicação seria uma fuga teórica, que hiper-dimensionaliza os indivíduos que se
encontram nesta situação, desconsiderando, portanto, elementos estruturais do
sistema produtivo, apontando como responsável o desempregado pelo seu
desemprego e, em especial, pela pobreza. Esta maneira de compreender a pobreza
está ligada a uma explicação individualista, como se o sujeito em questão fosse
anômico, incapaz, em razão de déficit educacional, drogadição, saúde precária,
doença mental ou que, por uma combinação destes fatores, é incapaz de se adaptar
e “participar do bem-estar geral” (GALBRAITH, 1974).
Desta forma, quando analisamos a categoria de trabalhadores catadores, sem
observar os caracteres sistêmicos do modo de produção, e observando somente
casos isolados, ou a visão do indivíduo, muitas análises podem criar estereótipos
totalmente desligados da realidade do conjunto desta força-de-trabalho, como a
generalização do caso específico de Estamira (PRADO, 2005), documentário que
acompanha a vida de uma catadora idosa, com graves distúrbios mentais, em razão
de sua trajetória sofrida de vida. Ao tomar como característica própria, natural destes
sujeitos, por incapacidade individual de ocupar outras atividades, somente ajuda a
25
ampliar uma pré-noção da atividade em questão, em especial, dos sujeitos que a
realizam. Para que seja realizada uma análise que capture todos os elementos que
compõem a realidade, é necessária a compreensão das determinações individuais e
sistêmicas como elementos interdependentes e mutuamente determinantes, não
havendo a possibilidade de isolar um elemento como o principal, seja o plano
individual ou coletivo, sob o risco de tornar o estudo estéril. Assim, conforme Norbert
Elias:
A crença no poder ilimitado de indivíduos isolados sobre o curso da história
constitui um raciocínio veleitário. Não menos destituído de realismo, contudo,
é a crença inversa, segundo qual todas pessoas têm igual importância para o
curso da história, sendo assim intercambiáveis, não passando o indivíduo de
um veículo passivo da máquina social (ELIAS, 1994, p. 51).
Com esta ressalva, se procura levar em conta o cenário social e as
determinações individuais agindo sobre os sujeitos, em especial o desenvolvimento
das experiências dos indivíduos e como eles se inserem no mundo do trabalho. Na
mesma lógica, mas em sentido oposto, acredita-se não poder imputar aos sujeitos
uma incompetência imanente, uma impossibilidade inata de se tornar um agente
histórico ou social ou incompetência social, como exposto anteriormente, por
incapacidades individuais, mas relacionada a determinações conjunturais que se
cruzam com as possibilidades de agir dentro deste cenário, de acordo com os
instrumentos disponíveis.
De históricos profissionais relativamente homogêneos, diferindo muito pouco
ao observar-se a faixa etária, a realização da atividade tem características comuns
para grande parte dos catadores. Muitos destes trabalhadores realizavam a catação
anteriormente, nos breves períodos em que se encontravam desempregados, mas
quando se tornou mais difícil voltar à atividade de referência, tornou-se um trabalho
permanente. Assim também é com aqueles que sempre realizaram trabalhos
informais, os “bicos”; à medida que se tornam mais difíceis de aparecer, tornam a
catação a única atividade laboral disponível. Contudo, no momento em que ela se
torna a atividade principal, única fonte de renda, mais difícil é para o trabalhador
procurar ou encontrar outro trabalho, ainda mais quando revelam a possíveis
empregadores que trabalham com catação (GONÇALVES, 2006).
26
2.2 Algumas Características Comuns aos Trabalhadores da Catação de
Recicláveis no Brasil
Grande parte dos catadores do país não participa de associações ou
cooperativas, sendo seu trabalho autônomo. Estes trabalhadores têm dois locais
principais para a coleta de seus materiais; os lixões e as ruas, sendo que geralmente
se especializam em um destes locais, de forma a criar uma espécie de rotina de
trabalho. Os catadores de rua geralmente recolhem seu material nos comércios,
condomínios e lixeiras domésticas. Neste ambiente, geralmente entram em conflito
com motoristas, com os quais têm de disputar espaço, em especial quando utilizam
charretes com tração animal, havendo uma série de embates dos catadores com o
poder público, que tenta restringir seu acesso aos centros. Freqüentemente surgem
notícias sobre isso, envolvendo cidades diferenciadas. Por exemplo, em São Paulo,
polícia e carroceiros envolveram-se em embate debaixo do viaduto Glicério
1
.
Devido a isso, as Prefeituras costumam fazer projetos de lei que proíbam o
trânsito de charretes no perímetro urbano, e em especial nos centros (Catadores de
Porto Alegre debatem política sobre carroças na cidade
2
. Torna-se cada vez mais
freqüente os comércios venderem os materiais para os catadores, em especial o
papelão, material que antes lhes era doado, reduzindo, assim, ainda mais o valor
recebido por estes trabalhadores.
No referente ao trabalho nos lixões, há um maior risco à saúde dos
trabalhadores, quando a Administração Municipal não tem uma política de coleta
seletiva, em especial, de resíduos hospitalares, podendo levar à contaminação e a
riscos à saúde. Também são comuns os conflitos entre as administrações e os
1
Disponível em <http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/01/22/ult23u1004.jhtm>.
2
Disponível em; <http://www.mncr.org.br/artigos_integra.aspx?artigo=95>.
27
catadores dos lixões, especialmente entre os trabalhadores da Prefeitura que
realizam o trabalho de manutenção dos lixões, sendo freqüentes os acidentes nestes
locais, como atropelamentos dos catadores, que ocorrem quando os caminhões de
lixo trafegam, despejando o lixo.
A principal razão para que isto ocorra é a forma como se classificam os lixões.
Quando há o soterramento contínuo dos resíduos, estes locais são classificados
como aterros controlados. Continuam a contaminar o solo, mas não deixam o lixo
disposto a céu aberto (LIMA, 2004). Em tal caso, os catadores buscam recolher este
material antes que sejam enterrados, motivo de muitos acidentes.
A forma mais comum de enfrentar o problema, pelas Prefeituras, é proibir o
acesso dos catadores a estes locais. Isto acontece em razão da necessidade de
atender normas técnicas estabelecidas para aquisição de verbas federais de
gerenciamento de resíduos. Também atuam criando regramentos, como uma forma
de cadastro dos catadores, autorizando somente alguns a entrar nos locais para a
retirada dos materiais. Os cadastros geralmente ocorrem informalmente, de maneira
a não gerar vínculo entre Prefeitura e catadores, e, logo, essa não precisa assumir
responsabilidades pelo trabalho realizado no interior do lixão (GONÇALVES, 2006).
Não foram encontrados registros sobre as diferenças de rendimentos entre os
que trabalham nos lixões e os que trabalham nas ruas. Foram encontradas
informações de que os rendimentos são de aproximadamente um salário mínimo ou
menos para os catadores autônomos, que realizam o trabalho somente de catação,
sendo também comum a realização de uma jornada de trabalho, na média, maior
que oito horas diárias para garantir tais rendimentos (BOSI, 2005). Para estes
ganhos, existe ainda a competição entre si para coletar o material, e acabam vendo
os outros catadores como concorrentes diretos para o que auferem. No caso dos
trabalhadores não cooperados influenciam, também, a inexistência de associação ou
cooperação no trabalho quotidiano, disputas de rotas de coleta, clientes e, dentro do
lixão, até os materiais recicláveis.
Outro determinante para os baixos ganhos dos catadores é a forma como o
setor da reciclagem se estrutura em nível nacional. As indústrias que realizam a
reciclagem estão concentradas nos grandes centros industriais e recebem o material
com alta exigência de pré-seleção, bem como em quantidades significativas de cada
vendedor. Sendo assim, os catadores não realizam a venda direta a estas indústrias,
28
pois antes do beneficiamento, o material passa por uma série de intermediários.
Como estas indústrias se encontram concentradas, e em muitas cidades não há
outro comprador dos materiais dos catadores, além de pequenos ou médios
intermediários, também denominados habitualmente como sucateiros ou
atravessadores, não há outra forma de negociação, nos casos de trabalho não
cooperado, do que com os negociantes. Assim, o catador passa seu material para o
intermediário, que por sua vez irá vendê-lo a um comprador maior, que se encontra
mais próximo da indústria e que conta com os equipamentos necessários para o pré-
beneficiamento do material reciclável, e este último também é um intermediário, que
finalmente venderá o material para a indústria beneficiadora.
Neste circuito, quase todo valor é absorvido na intermediação e havendo
queda dos valores pagos pelos recicláveis, o prejuízo é repassado à ponta do
circuito, ou seja, aos catadores. Foi o que ocorreu no ano de 2005, em que a queda
dos preços dos recicláveis foi de 40% a 50%, em especial o alumínio. A queda foi
considerada como conseqüência da política cambial, que tornou a importação de
material virgem mais barato que o reciclado, atingindo diretamente o mercado da
reciclagem. Os mais afetados pelos efeitos da queda dos valores foram os
catadores, que acabaram absorvendo a queda dos valores de todo setor (BOSI,
2005).
2.3 A Experiência do Trabalho na Catação e as formas de Auto-Referência da
Atividade
Mesmo dividindo características comuns sobre a realização do trabalho e as
formas de mediação necessárias, percebe-se uma diferença grande de como muitos
catadores encaram sua atividade, as formas de se perceber como trabalhadores.
Enquanto alguns ressaltam a importância do trabalho para o ambiente, dando uma
conotação positiva em um sentido de utilidade social, outros trabalhadores se
referem à atividade como uma forma de se salvaguardar de uma situação de total
desligamento das relações de trabalho, respondendo que catar “é melhor do que
roubar” (CALDERONI, 2003), resposta presente também em alguns catadores
entrevistados em Pelotas. Pode-se, assim, compreender que encaram a atividade
29
como fronteiriça a situações de marginalidade, interpretada como a necessidade de
cometer infrações para sobreviver. Tais formas diferenciadas de perceber a mesma
atividade pelos diversos atores mudam de acordo com as diversas trajetórias
ocupacionais percorridas pelos sujeitos investigados. Desta forma, destaca-se a
importância das diversas experiências individuais, que criam maneiras diferentes de
compreender a atual ocupação, tornando a percepção profissional dinâmica e
relacional, referida às diversas ocupações realizadas e pela origem dos indivíduos
(MALAGUTI, 2001). Por exemplo, aqueles que tiveram profissões estáveis, com
carteira assinada, podem dar uma conotação negativa à catação, enquanto aqueles
que vieram a trabalhar nesta atividade, vindo antes de situações de total desalento,
podem dar um valor positivo à mesma. Ainda, pela origem da família, se tinham
recursos ou viviam à beira da miséria, ou do meio de origem, se rural ou urbano,
todos estes elementos concorrem para a atribuição que os indivíduos darão à sua
atual ocupação.
Tais variações das características individuais vêm a enriquecer a
categorização da situação comum dos ocupantes desta atividade, quando
analisamos a sua forma de trabalho e os seus rendimentos e os colocamos em
conjunto em uma zona de fragilidade sócio-econômica (CASTEL, 2005), mas que se
percebem de maneiras diferenciadas, apesar de executarem a mesma ocupação.
Abarcar a análise do histórico dos catadores, conferindo poder explicativo
para as diversas formas de organização da categoria e a vinculação possível em
cooperativas ou associações, por exemplo, partindo assim das diferentes
experiências sociais, pode-se apresentar como uma maneira interessante de
compreender as diversas maneiras de organização do trabalho no setor.
Ricardo Mayer (2007) estudou aqueles catadores que nunca pertenceram a
nenhuma categoria salarial e que vivem em situação de sub-cidadania pela falta de
recursos. Surgem, segundo o mesmo, como categoria histórica desde o século XIX
com o fim da escravidão e com os movimentos migratórios do meio rural no século
XX, e sua não incorporação na sociedade formal, ocupando as franjas, o que se
mostra nas favelas, nas sub-ocupações. Pensando nas categorias específicas,
baseadas na desvinculação ao trabalho formal, é elaborado pelo autor um modelo de
análise que observa as lógicas das ações destes sujeitos, o qual se baseia na
sociologia da experiência, de François Dubet. Os elementos estão relacionados às
30
experiências sociais dos indivíduos. Nesta perspectiva, de acordo com o espaço
social ocupado pelos sujeitos, há uma série de possibilidades de ações abertas aos
mesmos, mas que não estão pré-determinadas, de antemão. Sendo a experiência
social o instrumento que explica a ação social, compreende-se a lógica ao analisar
tanto o sujeito quanto os sistemas de referência deste (MAYER, 2007, p. 6). Em tal
caso, a experiência social se constrói no trânsito do sujeito nas diferentes
possibilidades sociais e é relacionada a três sistemas que vão determinar a lógica da
ação do sujeito:
? A integração que liga o sujeito à comunidade, forma de input individual no
coletivo. A identidade é referida a um papel atribuído ao sujeito pelo espaço
que ocupa ou pelo papel que executa, ligando a identidade aos moldes
clássicos, pois é formada pela aceitação de outros sujeitos, ou pela não-
aceitação. Caso não sejam aceitos ou integrados, buscam sê-lo através de
estratégias diferenciadas ao grupo de referência, o que pode resultar, por
exemplo, em conflito.
? A estratégia, referida ao mercado, como irá se vincular a este. A estratégia
será a ação que se utiliza como recurso da identidade dos sujeitos,
compreendida como capital simbólico ou status que possui e mobiliza para
atingir determinado objetivo. Esta estratégia pode ser definida também pela
carência de status ou capital social para o referido campo em que pretende
atuar, tornando a ação uma maneira de adquirir integração por diferentes
meios, seja pelo conflito ou por subordinação.
? A subjetivação, ou como o sujeito se portará, mediante o sistema de
produção, com a alienação ou dominação, maneiras de output. A subjetivação
é a maneira como o sujeito se percebe e é relacionada à possibilidade deste
se tornar agente frente a uma percepção das relações sociais que o alienam.
Esta alienação é compreendida como a impossibilidade de perceber a
dominação ou relações desiguais, e que, ao ser apreendida, faz com que haja
ação crítica frente à realidade, mobilizando ou isolando o agente (WAUTIER,
2003).
31
No que se refere à integração social, se consideram, assim, as relações
imediatas, como as de vizinhança, o parentesco, etc. No caso específico estudado
por Mayer, observa-se a participação dos catadores em associações e cooperativas,
bem como a maneira como eles integram tais empreendimentos, sendo observado
pelo autor duas variedades, de acordo com seu estudo em associações de catadores
em Porto Alegre. Há a integração que se relaciona à liderança carismática, e que
busca a participação na melhoria individual das condições materiais, vinculando-se
ao empreendimento enquanto não surge melhor oportunidade, sendo, portanto, mais
pragmática. Outra forma é aquela que se baseia em uma identidade construída em
um projeto classista que subsume a identidade individual a uma coletiva, de forma a
criar uma solidariedade através de caracteres comuns que se colocam em disputa
contra um mesmo adversário. Neste âmbito, são analisadas as redes de
sociabilidade disponíveis aos sujeitos e como se integram aos sistemas de
solidariedade, seja de caráter comunitário ou societário.
A ação estratégica se refere, essencialmente, à busca de reconhecimento
através de mecanismos diferenciados e, no caso estudado, como os sujeitos não
estão integrados em uma rede de trabalho formal, buscam organizar-se em
associações, por exemplo. Desta forma, a maneira como está integrado em
determinada associação abrirá a possibilidade de organização em ações coletivas,
como na participação em cooperativa e, consecutivamente, na luta por
reconhecimento da categoria profissional, conferindo a este eixo uma dimensão
política que busca pressionar, no exemplo dado, o poder público para atingir
determinado objetivo, neste caso, a inclusão dos catadores na Classificação
Brasileira de Ocupações.
O terceiro elemento, a subjetivação, cruza as maneiras diferenciais de
integração e ação estratégica, resultando em experiências sociais que podem definir
as ações baseadas na instrumentalização da classe social de referência e, em suas
experiências coletivas, vindo a definir o campo de possíveis ações (MAYER, 2007).
Ainda, conferem maneiras diferenciadas de se identificar perante os demais. Por
exemplo, quando o diretor e documentarista Evaldo Mocarzel finalizou seu filme de
curta-metragem “À Margem da Imagem”, em 2003, que acompanhava a vida de
moradores de rua, preocupou-se em debater a estetização da miséria.
32
Para isso, foi procurar os movimentos sociais que apareciam no documentário
para debater o tema, em especial o movimento pela moradia e também a
cooperativa de catadores. Estes solicitaram a retirada de suas imagens do filme, pois
não queriam ser confundidos com os moradores de rua, principalmente por serem
movimentos políticos com pautas específicas e entendiam que se diferenciavam do
público que Evaldo debatia. A partir deste debate, o diretor decidiu realizar outros
dois filmes, “À Margem do Concreto” e “à Margem do Consumo”, nos quais serão
debatidos os temas referentes aos dois grupos específicos (Jornal da Globo,
24/10/2006).
Uma das formas de identidade coletiva aos catadores é a participação no
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que é uma
entidade ativa na defesa da categoria, buscando criar uma identidade de classe
frente aos diversos segmentos da sociedade, e em especial na relação com o Poder
Público, através da defesa da atividade enquanto atividade de interesse público. A
inserção neste movimento em específico, visto suas características, sugere a
participação anterior de seus integrantes em partidos políticos ligados à esquerda ou
em movimentos sociais ligados à luta pela terra e reforma agrária. No entanto, o que
se destaca no referente à categoria de catadores propriamente dita, é a participação
deste movimento na elaboração dos elementos que compõem a atividade para a
identificação do catador na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), servindo a
inserção da atividade nesta lista como forma de reservar maior legitimidade destes
trabalhadores frente ao poder público (Classificação Brasileira de Ocupações e o
Catador de materiais recicláveis, 09/03/2007, www.mncr.org.br).
Conforme tal classificação, é de responsabilidade da categoria cerca de 89%
do ciclo de trabalho do setor, o que aparece no gráfico elaborado pelo MNCR:
33
Figura 1: Esquema do Ciclo de Trabalho
Fonte: Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis
Percebe-se que a proposta incluída na CBO sobre a atividade dos catadores,
conforme o exposto no gráfico acima, refere-se aos que estão organizados em
cooperativas ou associações, atribuindo grande parte das atividades somente aos
próprios catadores. No entanto, o cooperativismo e associativismo dos catadores é
restrito a uma minoria de trabalhadores do setor, não correspondendo à divisão do
trabalho proposta para o conjunto da categoria, mesmo que abarcando parte do
trabalho destes. Assim, a proposta normativa do MNCR agrega os catadores
organizados de forma associativa, uma das principais bandeiras deste movimento,
servindo, inclusive, como alternativa para aumentar seus rendimentos e agregar
34
valor, realizando tarefas que se encontram sob responsabilidade dos
atravessadores. No entanto, a proposta não chega àqueles que não se encontram
organizados, situação da maioria dos trabalhadores.
O referencial organizativo deste movimento é a organização enquanto classe,
disputando espaços de trabalho contra sucateiros e, principalmente, ressaltando o
valor ambiental do trabalho dos catadores. Entretanto, não chegando esta identidade
à maioria da categoria dos catadores, àqueles não organizados em cooperativas, tais
trabalhadores carecem de uma identificação coletiva, baseada nas características
próprias à atividade e, desta forma, buscam uma representação para o trabalho nos
moldes tradicionais, na ocupação de papéis sociais.
A partir da fragmentação do mercado de trabalho, a identidade social não é
mais referida às divisões macro-sociais, como, por exemplo, as classes sociais.
Havendo uma modificação no sistema social, no sentido de uma desestruturação de
papéis ou lugares, torna-se o eixo de análise a experiência dos sujeitos, transitando
nos vários espaços disponibilizados pelo sistema social de referência. É neste
sentido que se percebe uma fragmentação do trabalho e das classes, a partir da
crescente segmentação produtiva que faz distinguir trabalhadores em uma série de
ocupações e com diferenciados estatutos. Esta crescente divisão da estrutura de
ocupações faz com que a idéia de um antagonismo entre classes opostas diminua,
segundo Dubet, sendo o exercício da dominação observado nestas realidades
parcelares, através de agentes que não se percebem interligados a processos que
superam suas relações imediatas.
Ademais, as desigualdades são multiplicadas, (por fatores variáveis, não
relacionados estritamente à estrutura ocupacional de acordo com Dubet (2003).
Pensando no acesso à categoria ocupacional, pode-se observar a diferença nos
ganhos ou na restrição do acesso ao trabalho formal por um filtro geracional, por
exemplo. Os mais jovens, em razão da conjuntura econômica, passam a ter maior
dificuldade para acessarem postos de serviço mais qualificados, multiplicando-se as
desigualdades.
Para este autor, a adesão a uma identidade coletiva se desvincula do mundo
industrial, como fonte única de atribuição de representações, a partir da modificação
das características produtivas. Assim, não existe mais um único conflito central,
tangível a estes sujeitos não vinculados diretamente ao trabalho formal. As classes
35
sociais não explicarão, por si só, a existência de conflitos sociais, muito em razão da
fragmentação, da heterogeneidade social, o que torna as ações sociais não
coordenadas coletivamente em um único sentido, mas em vários, quando existem.
Isso ocorre, também, porque as maneiras de exercer dominação se multiplicaram,
junto à fragmentação, e, neste sentido, especializaram-se. A ação social refere-se,
portanto, a uma realidade específica. A noção ligada ao conflito central de classe se
torna mais distante porque a mobilidade de classe ou de ocupações é muito maior do
que nos períodos anteriores, em especial agora, com a fragmentação. As
experiências sociais serão, portanto, as possibilidades que os sujeitos têm de agir
dentro de um sistema social de referência, do qual as limitações objetivas lhes
escapam. Age dentro de um campo de possibilidades, que aceitará ou tentará
modificar (DUBET, 2003).
Mesmo escapando a apreensão de um conflito central em razão das
modificações nas relações produtivas, ou ainda, sua maior divisão, se percebe a
busca da identidade relacionada às relações salariais, em especial nos segmentos
mais desprotegidos dos trabalhadores. O emprego se torna referência em razão do
aumento do desemprego. Paradoxalmente, não é uma situação, muitas vezes,
experenciada, mas é desejável por aqueles que se encontram em atividades
precárias e, neste sentido, disciplina o comportamento na busca de integração.
A busca de uma cidadania aos segmentos desassistidos da sociedade, do
qual os catadores fazem parte, se dá através da busca de integração, por meio de
um dos poucos elementos do Estado Providência no Brasil, sendo a formalização do
trabalho através da relação salarial com carteira assinada, uma delas. Este seria um
espaço em que as desigualdades seriam abrandadas através da adoção de um
estatuto comum, democrático, que é ao mesmo tempo integrador, pensando-se nos
direitos sociais comuns àqueles protegidos por seu estatuto e diferenciador, pois é
uma situação que não se dirige ao conjunto dos trabalhadores. Sendo referencial
não tangível, como visto, em razão da nova estrutura produtiva, fica demarcado um
mercado de trabalho primário, com empregos estáveis e outro secundário, de
atividades precárias, criando uma divisão entre integrados e excluídos (DUBET,
2003).
O novo cenário produtivo tornou os excluídos das relações formais, antes uma
situação transitória ou restrita, permanente; uma possibilidade de relação antes
36
compreendida como atípica, se tornou própria do sistema produtivo, não como mero
exército de reserva, mas como participante do sistema produtivo no continuum de
posições. Esta situação comum a muitos, não leva necessariamente à sua
modificação pelo auto-reconhecimento enquanto trabalhador precário, quando da
quebra da alienação de sua posição social. Ao reconhecer sua situação como
desfavorável, ele vê no outro, em mesma situação, não um igual, mas um
concorrente, e, buscando estratégias de modificação individual, tenta a conquista da
relação salarial, inclusive podendo se vincular a atores sociais que o exploram.
Ressalta-se que a perda da visão de classe se dá em razão da fragmentação
da atividade, própria das ocupações precárias e informais, o que faz com que os
sujeitos sociais em tal situação, não se percebam como pertencentes de um coletivo
sócio-econômico, a classe trabalhadora, e não em razão de uma modificação ou
retração da necessidade do trabalho na sociedade atual. Somente significa que o
trabalho está mais parcelado, dividindo-se em duas grandes divisões contínuas:
trabalhadores formais e informais, que por sua vez, contém suas subdivisões. Desta
forma, o sentido de classe continua válido enquanto fator pertinente da análise da
sociedade, sendo a característica descrita da divisão, a forma de gestão do capital
sobre a força-de-trabalho. Muitas vezes tais fatores não são percebidos, pois os
trabalhadores informais estão dispersos, não ligados diretamente ao processo
industrial. O que se quer dizer é que não é percebido pelos sujeitos precarizados que
não se sentem em um coletivo em razão da maneira como tem que trabalhar
(BERNARDO, 2000).
Mesmo sendo o mercado formal restrito e que fecha o acesso a um
significativo contingente de trabalhadores, ele permanece como referencial,
percebido como generalizável, acessível.
Mas, ao mesmo tempo, esses atores não estão em condições de satisfazer
essas aspirações por causa de sua pobreza e acabam interiorizando os
estigmas que lhes são impostos deixando de responsabilizar-se por seus
vizinhos. A partir daí, sua experiência extrema em relação às
desigualdades é vivida como uma colonização interna, uma colonização da
experiência vivida já que eles se identificam com um ideal igualitário que os
invalida. Apesar de eles ressentirem muito fortemente a distância que
separa seu desejo de igualdade de suas desigualdades reais, essas são
muito dispersas para reunificar sua experiência e para produzir uma
mobilização contra uma condição julgada intolerável (DUBET, p. 49-50,
2003).
37
Estando à margem do sistema institucionalizado, do trabalho formal,
constroem sua identidade tendo esta referência como desejável, utópica, mas não
tangível. Desdobra-se, a partir daí, um sentimento de responsabilidade sobre sua
situação, que é vista como de fracasso social, e pelo qual sentem responsabilidade.
Quando há uma tomada de consciência sobre isso, a dificuldade de acessar o
estatuto formal, por exemplo, a desigualdade se introjeta nos sujeitos criando uma
consciência infeliz, pois seus referenciais deixam de ter validade, não os confortando
mais.
Ao não partilhar objetivos comuns perceptíveis, a dificuldade de organização
do setor se dá também pela ligação com a maneira como o trabalho é desenvolvido.
As possibilidades de organização das ações estão relacionadas às estruturas
próprias de cada posição de classe. Desta forma, a mobilização e a ação são
realizadas através da capacidade de coordenar as vontades individuais, as quais vão
interferir no processo produtivo através de sua relação direta com este sistema.
Aos trabalhadores, cabe a propriedade da força-de-trabalho, a qual é
organizada pelo capital de formas diferenciadas, enquanto ao capitalista cabe a
posse do capital, os bens variados e coordenados por agente privado. Resulta que
para os trabalhadores é necessário organizar as vontades individuais heterogêneas
dentro de um padrão de classe, de forma a resultar em uma atividade sistematizada
e uniforme, enquanto ao capital é necessário mobilizar a vontade individual do
controlador de recursos relacionados à produção. Esses são fatores de inputs, a
relação da posse de determinado capital referido à produção. A posição estrutural
daqueles que detém capital lhes dá vantagem na coordenação dirigida à produção.
As possibilidades individuais entre trabalhadores e capitalistas, no referente às
sanções são, portanto, incomparáveis, repousando o poder do capitalista no controle
de seus recursos, sobre a possibilidade de agir de forma independente à
necessidade de coordenação de uma variedade de vontades, salvo em caso de
demanda política frente ao Estado (OFFE, 1984).
As dificuldades são ampliadas, para os trabalhadores, quando a execução do
trabalho não requer imediatamente a solidariedade, como acontece com os
catadores de material reciclável, que negociam individualmente com atravessadores,
em caso de trabalho não cooperativado.
38
Nestes casos em que o trabalho é autônomo, existem diversas percepções
sobre a forma como se autodefinem os catadores, a maneira como se integram a
uma identidade profissional negativa ou positiva, variando de acordo com a forma de
organização e histórico profissional dos sujeitos. Mesmo sendo variáveis tais
identidades, elas não modificam as relações produtivas do setor de reciclagem.
Mesmo que a atividade não seja executada de forma salarial, estes trabalhadores
estão indiretamente ligados às indústrias de reciclagem, as quais dependem quase
que inteiramente do trabalho dos catadores para lhes garantir o material reciclável
que será a matéria-prima de seu processo produtivo. Há, portanto, uma clara
dependência de todo o setor, ao seu trabalho.
O que pode dificultar a percepção das conexões dos agentes é exatamente a
forma como ganham a vida os catadores, que, ao receberem a remuneração pelo
trabalho de forma autônoma, estando subsumidos apenas formalmente ao capital
(ANTUNES, 2004), sua remuneração não é imediatamente de responsabilidade das
empresas e não há autoridade agindo sobre tais trabalhadores.
Por outro lado, pela maneira como é realizada a catação, os ganhos são muito
baixos, pelos motivos já expostos, atendo-se as diferentes análises no resultado do
trabalho, com seus rendimentos geralmente insuficientes para a melhoria de sua
vida. Mesmo estando desempregados formalmente, estão vinculados ao setor de
reciclagem, garantindo os ganhos em razão da maneira como desenvolvem o
trabalho (LEAL, et. al, 2002).
39
3 O PROCESSO DE REIFICAÇÃO
A reificação é a forma específica de como se dão as relações produtivas no
atual modelo histórico, abarcando a totalidade societal. De acordo com Goldman
(1979), existem leis que determinam as formas de agir em cada período histórico,
próprias às relações sociais vigentes e que determinam, em especial, as formas de
controle social, modificando-se as mesmas leis com a passagem para outro modo de
produção. Desta forma, se na Idade Média eram relevantes as relações de
dominação baseadas na autoridade religiosa com suporte na origem familiar, sob o
capitalismo sobressaem as relações econômicas, definidas pelo controle do capital
para o exercício da dominação sobre o modelo societal.
Assim, cada momento histórico é regido por leis próprias, sem que haja uma
determinação atemporal, ontológica, que determina como se darão as relações
sociais em dado momento. Há, antes, uma “totalidade estruturada” de acordo com o
modelo histórico em vigência, que determina quais arranjos estruturais definem como
acontece a dominação. Resulta daí que o econômico tem mais significância no
modelo analítico de Marx, por ser o fator determinante no período histórico sob o
capitalismo, ou seja, é uma “primazia de fato” em relação ao momento que se detém
a análise. Isto se dá em razão da mediação com a natureza realizada através do
trabalho executado para a satisfação de necessidades humanas, o que requer
cálculo econômico, tanto individual quanto coletivo, pois a satisfação das
necessidades humanas, para a imensa maioria da população, só é possível
mediante o dispêndio de sua força-de-trabalho.
No modelo atual, há o controle desta produção de forma privada,
representada pela apropriação individual do capital. Para que tal controle ocorra,
40
internamente às leis do modelo atual, existem maneiras de reforçar a dominação no
tocante às características das mercadorias, que são apresentadas aos consumidores
e que são específicas do modo de produção vigente.
Marx (1983) comumente caracterizava como fetiche da mercadoria o
fenômeno específico do processo produtivo e de resultado diretamente objetivo. As
características dos bens utilizados pelos homens, enquanto valores de uso, são
resultado dos atributos físicos destes e do trabalho agregado ao material para que
possa tornar-se útil. No entanto, as características que resultam de sua
transformação em mercadoria, o seu valor-de-troca, é um traço atribuído a esse bem
pela formação social na qual é produzido e não imanente a este, resultando de
fatores próprios às formas de mediação necessárias para realização de seu
consumo e produção. Isto se dá na medida em que o modo de produção exija que
homens tenham que se submeter a trabalhar para outros, de determinada maneira,
no sistema capitalista, sendo que a subordinação específica cria uma relação de
alienação com o produto do trabalho. Porém, o valor da mercadoria não se
apresenta aos homens, com as características de como são socialmente produzidos,
mas como característica própria do produto, junto com os demais atributos físicos
deste. Como isto ocorre?
De acordo com Marx, este processo ocorre através do processo de trabalho,
em que se considera o tempo de produção para o cálculo de seu valor, sendo este
um atributo geral das mercadorias, cada uma demandando determinada quantidade
de tempo de trabalho para sua produção. Assim, há diferença quantitativa para a
produção dos diversos trabalhos concretos, medidos pelo tempo necessário à sua
produção, assim como em seu resultado, valores de uso diversos, mas há a unidade
qualitativa de mensuração de seu valor para realização de troca, o tempo de trabalho
vivo necessário em cada espécie e etapa de produção. O que ocorre, de acordo com
Marx, é que esta característica é tomada como própria dos produtos, a grandeza do
valor ligada indiretamente às formas sociais que a propiciaram, como se o objeto
definisse as relações, tornando-se uma relação entre objetos e constituindo esta
característica em marca distintiva do período capitalista. Tendo sido feitas diversas
operações individuais de produção, estas mercadorias só podem se realizar
mediante troca a se dar no mercado; então diversos trabalhos são dirigidos à
produção de valores de uso para outras pessoas, valores de troca alienáveis. A
41
relação direta do trabalhador com a produção se dá com a necessidade de trabalhar
para garantir seus ganhos, na forma de salário.
Na outra ponta, como os consumidores só se relacionam diretamente com o
resultado do trabalho, não com o processo de produção particular, interessando
somente a aquisição do valor-de-uso em questão, percebem a relação diretamente
com a mercadoria, sem vinculação com seus produtores. Produtores e consumidores
só se comunicam indiretamente, através da mercadoria, no ciclo da circulação das
mesmas, com seus símbolos monetários. Os produtores não pensam em produzir
valores de uso para terceiros, mas em realizar sua atividade com o objetivo de
receber seus salários. Da mesma forma, o consumidor pensa somente na aquisição
de determinado produto.
Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria,
figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens. Assim,
no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana.
Isso eu chamo de fetichismo que adere aos produtos do trabalho, tão logo
são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da
produção de mercadorias (MARX,1983, p. 71).
Além destes fatores, a forma comum monetária tomada pelas mercadorias
ajuda a velar as relações sociais de produção, pois é tomada como substituto
comum de mensuração de seu valor, em substituição ao trabalho incorporado,
expressando o conjunto das relações produtivas. As mercadorias mascaram as
relações, aparecem como uma coisa independente tanto aos produtores quanto aos
consumidores, com o valor expresso monetariamente e não em relação com o
trabalho necessário à sua produção. Nesta lógica, o capital torna-se agente
independente, não revelando as relações que o produzem. Assim, o traço
fundamental do capital é a sua coisificação, sua apreensão enquanto ente
autônomo, como se existisse independente das relações que lhe conferem esta
aparência.
Mas o capital não é uma coisa, mas determinada relação de produção,
social, pertencente à determinada formação sócio-histórica que se
representa numa coisa e dá um caráter especificamente social a essa
coisa. O capital não é a soma dos meios de produção materiais e
produzidos. O capital são os meios de produção transformados em capital,
que, em si, são tão pouco capital quanto ouro e prata são, em si, dinheiro.
42
São os meios de produção monopolizados por determinada parte da
sociedade, os produtos autonomizados em relação à força-de-trabalho viva
e às condições de atividade exatamente dessa força-de-trabalho, que são
personificados no capital por meio dessa oposição (MARX, 1983, p. 269).
Georg Lukács (2003) na explicação da apreensão do modo capitalista de
produção, compreende por reificação o movimento de introjeção, subjetivação das
relações sociais capitalistas em aspecto amplo, ligando o conceito, portanto, ao
fetiche da mercadoria. Segundo Lukács, as relações sociais tomam o caráter de uma
coisa, transformam-se em uma “objetividade fantasmagórica” que escamoteia a
forma como se cria o valor dentro do modelo societal presente, baseando-se esta
falsa apreensão da realidade no fetiche da mercadoria, fenômeno específico do
período capitalista, dando vida a estas, tornando-as animadas e ocultando, nas
palavras do autor, “a relação entre os homens” (LUKÁCS, 2003, p.194). Assim, na
medida em que a forma mercadoria se generaliza ao conjunto da sociedade,
tomando forma quantitativa significante e dominante do modo de produção, modifica
qualitativamente as relações sociais, se tornando traço metabólico característico da
sociedade, sem a qual não é mais possível viver sem que se passe pela mediação
mercantil.
Nesta forma, a própria força-de-trabalho vem a transformar-se em mercadoria,
passando o homem a viver uma mediação de segunda natureza, não produzindo
mais com o objetivo direto da fruição dos valores de uso produzidos por ele, mas
como atividade meio de satisfazer necessidades, e não fim, subordinado ao agente
privado detentor do capital. Esta mediação modifica como os homens se relacionam
com os valores-de-uso, tomando uma forma misteriosa para estes, na medida em
que não mais se identifica com o produzido como obra sua. Estas mercadorias são
tidas como relações dissociadas de seus produtores, conduzidas ou determinadas
pelo mercado, ente abstrato que foge às relações determinadas dentro do sistema
do capital na compreensão dos produtores.
O mecanismo para que isto ocorra, de acordo com Lukács, é o modo como os
sujeitos se relacionam com sua força-de-trabalho, sua atividade útil, como algo que
só se ativa em razão da forma como é empregada, presa a uma formação social
determinada. Tal forma de trabalho, socialmente determinada, é naturalizada,
ignorando a transformação do trabalho produtivo, originalmente aquele de
intercâmbio orgânico com a natureza, ou mediação de primeira ordem, no qual o
43
homem modifica o ambiente para criar valor-de-uso, como objetivo final. Na
passagem para o sistema capitalista, passa à forma de mediação de segunda
ordem, pois modifica o ambiente e cria valor-de-uso para realização de valor-de-
troca, sendo o dispêndio de força-de-trabalho, agora, meio para satisfação de
necessidades através da subordinação do trabalhador ao capital, não sendo
necessário somente produzir, mas produzir quantum muito maior para apropriação
de seu empregador
3
. A atividade que era fim, trabalho auto-determinado, se torna
atividade meio e subordinada ao capital (ANTUNES, 2003).
Através da explicação de como se dá a produção no capitalismo, ao comparar
com modos de produção sociais anteriores, Goldman explica o mecanismo de
reificação no modo capitalista de produção. Por exemplo, no período feudal, o servo
tinha de produzir durante certo período de tempo para seu senhor e tinha o restante
de tempo para produzir para si, ficando visível, portanto, que parte de seu tempo de
trabalho era tomado pelo senhor. Ainda, o que motivava a produção era a obtenção
do valor-de-uso dos produtos para satisfação das necessidades de seus produtores.
Tal divisão, nos dias de hoje, não é visível, sendo computado em conjunto o tempo
para si e para o outro pela forma de dispêndio da força-de-trabalho, em que esta é
encarada como mercadoria e utilizada por determinado período de tempo pelo
capitalista, que paga pelo seu emprego em meios de produção de sua propriedade.
Assim, o trabalhador produz por determinado período uma quantidade de
valores que é de propriedade do capitalista. Todo o sistema é montado para realizar
a venda das mercadorias e as necessidades vão ser satisfeitas no plano individual,
depois de ser mediadas pelo mercado. Dessa forma, “o preço substitui qualquer
outro organismo planificador (GOLDMAN, 1979, p. 117)”.
Na explicação da categoria trabalho enquanto intercâmbio orgânico com a
natureza, Foster (2005) retoma a compreensão de Marx de maneira a abarcar
elementos ecológicos à sua análise. Segundo este autor, a dissolução da relação
orgânica com a natureza de primeira ordem, se dá originalmente com a expulsão dos
trabalhadores rurais do campo (daí o orgânico). Iniciado este processo com as
enclosures, o que compreende um dos aspectos da acumulação primitiva através da
expropriação do solo de uso comunal, o que vem a dar origem à expulsão dos
trabalhadores do campo, obrigando-os a tornarem-se proletários, ou despossuídos.
3
“O trabalhador produz não para si, mas para o capital.” (LESSA, 2005, p.57).
44
A pessoa se torna trabalhador manual. O resultado desta situação foi não só o início
da exploração capitalista da terra, mas também o desenvolvimento acentuado das
manufaturas e da indústria.
Como o modo de produção é realizado com a mediação de segunda ordem,
no qual só se cria valor-de-uso para a criação de valor-de-troca, e logo lucro, o
sociometabolismo com a natureza tem forma estranhada (alienada), pois produz
para que se lucre e degrada o ambiente, através deste sistema que tem como
objetivo a reprodução do capital e não a reprodução social. Não sendo auto-
determinada a mediação, pois não é controlada pelos produtores e nem definida
socialmente, segue que o sistema produtivo gera mercadorias que, no sistema atual,
são produzidas sem que tenham como finalidade principal, ou apriorística, a
satisfação societal abarcando o processo produtivo, pois tem como objetivo central a
realização do valor-de-troca, para que haja criação de mais valia, transformada em
lucro, e entregue à fruição individual do capital por meio da propriedade privada.
O trabalho é visto como realidade objetiva, alheia ao controle de seu produtor
direto. As relações de produção não são dirigidas pelos executores, colocando-se
como determinação exterior e realidade autônoma. Assim, em uma economia
capitalista, para satisfazer as necessidades, o trabalhador tem de, invariavelmente,
colocar sua força-de-trabalho à venda, tal qual qualquer outra mercadoria, que
servirá para satisfazer alguma necessidade alheia, neste caso a de obter lucro.
Objetivamente, quando surge um mundo de coisas acabadas e de relações
entre coisas (o mundo das mercadorias e de sua circulação no mercado),
cujas leis, embora se tornem gradualmente conhecidas pelos homens,
mesmo nesse caso se lhes opõem como poderes intransponíveis, que se
exercem a partir de si mesmos (LUKACS, 2003, p. 199).
Tal situação de subordinação ao capital é generalizável ao conjunto do corpo
social de trabalhadores na medida em que eles são o suporte do modelo mercantil
de produção, sendo forma dominante de sobrevivência econômica, tanto para os que
se encontram em atividade, quanto para aqueles que necessitam trabalhar, mas se
encontram desempregados ou sub-empregados, abarcando a totalidade social,
através da pretensa ou latente igualdade qualitativa das relações sociais que os
dominam e são necessárias à produção da vida. Dessa forma, colocam-se enquanto
possuidores de mercadoria que produz valor, a força-de-trabalho. Têm de confrontar-
45
se no “mercado de trabalho” com outros em mesma situação, em busca de emprego
que possibilitem seu sustento. Essa disputa, resultado da transformação de sua
atividade em mercadoria, cria uma individualização e disputa, um sentimento de
solidão e atomização, no que se refere às formas de ligação ao trabalho, ou o
acesso a este, e que são comuns ao conjunto dos trabalhadores. Elas aparecem
inicialmente como processo natural e permanente que deve ser enfrentado para
viver. Tal realidade leva à dissociação sistêmica de modos de vida solidários ao
conjunto do corpo dos trabalhadores. De acordo com Lukács:
Em seu destino, é típico da estrutura de toda a sociedade que essa auto-
objetivação, esse tornar-se mercadoria de uma função do homem revelem
com vigor extremo o caráter desumanizado e desumanizante da relação
mercantil (LUKÁCS,2003, p. 209).
Com a transformação generalizada dos valores de uso como suporte de valor-
de-troca, as características singulares são destituídas de sua originalidade. A
percepção dos valores se dá somente na forma mercadoria, quando da passagem
da sociedade das trocas meramente ocasionais para a mercantil, como modelo
produtivo generalizável, forma de intermediação de segunda ordem com a natureza,
característica do sistema capitalista. A máquina torna-se principalmente fonte de
aumento da produtividade, a terra, de renda, o trabalho, de mais valor. Dinheiro que
reproduz dinheiro, através de juros (MARX, 1983). Estes elementos se tornam reais,
tidos como objetivos e naturais, pois são validados por instituições que atuam
diretamente sobre a vida das pessoas ou por parte destas. Tornam-se todas estas
características naturais aos elementos a que se referem, como se vinculados à
materialidade do produto, a relações determinadas.
Sendo a única formação social que reconhecem, a forma mercantil se
interioriza no subjetivo das pessoas, fazendo com que elas percebam a realidade de
forma a ligar diretamente esta relação determinada como a forma natural, própria
dos produtos, do relacionamento, das formas como se realizam o consumo e a
produção. Estas formas sociais de interação se estruturam no conjunto dos
elementos normativos da sociedade, penetrando no direito e no Estado, por
exemplo, o que vem a reforçar os instrumentos psíquicos da reificação.
46
Pois a essência do cálculo racional se baseia, em última análise, no
reconhecimento e na previsão do curso inevitável a ser tomado por
determinados fenômenos de acordo com as leis e independentemente do
“arbítrio individual” (LUKÁCS,2003, p. 218).
Tal instrumental de regulação societal serve como reforço para manutenção
das condições necessárias à reprodução dos modelos de desenvolvimento
capitalista, estruturando as relações em determinados patamares de subordinação
da força-de-trabalho a normas que mantém a separação dos produtores e do
produzido em base, principalmente, da propriedade privada. Tal interpretação de
Lukács tem influência direta de Weber, conforme o próprio autor, ao falar sobre a
racionalização do mundo e a burocratização crescente. Segundo o mesmo, as
formas de ordenação se dão através de instrumental jurídico e Estatal,
desdobramento necessário da crescente racionalização da produção, servindo como
forma de calcular o conjunto do sistema através de regramento de condutas
generalizáveis ao conjunto do corpo social em dispositivos coercitivos, diretos e
indiretos. Tais instrumentos criaram as condições para o desenvolvimento e
aplicação do cálculo racional, expresso em técnicas de produção que se tornaram
aplicáveis em conjunto com o instrumental jurídico e político; como exemplo, a
coordenação produtiva taylorista/fordista, leis trabalhistas sobre o tempo de trabalho
e o atendimento estatal de complementação indireta de renda, através da educação,
saúde, etc.
Nota-se, porém, que o modo capitalista constantemente revoluciona as formas
de produção para manter o próprio sistema funcionando. Daí resulta a total
discrepância, em grande número de vezes, do instrumental jurídico com a realidade
que tenta regrar, não correspondendo com os movimentos reais das relações
sociais. Assim, estas contradições se resolvem através das modificações internas ao
sistema jurídico em observância às novas determinações econômicas, acontecendo
isto na forma de choque de forças interessadas em rumos específicos de tais
modificações, de acordo com a conjuntura. Muitas vezes esta contradição vem a se
resolver por omissão dos estatutos até novo rearranjo. Atualmente tais mudanças
são resultado no novo rearranjo produtivo, baseado no toyotismo, na produção e
acumulação flexíveis, e que vêm a se implementar em consonância, mas não de
47
forma harmoniosa, com a retirada de direitos trabalhistas e a redução do
atendimento na forma de rendimentos indiretos. (ANTUNES, 2005).
O que é fundamental, para que o fenômeno da reificação ocorra, é a
generalização e manutenção da forma mercantil em todos os aspectos da vida.
Tomando forma natural, penetra no direito, na administração, como momento
necessariamente anterior à fruição e como realidade independente dos sujeitos que
as tornam possíveis.
A metamorfose da relação mercantil numa forma dotada de uma
“objetivação fantasmática” não pode, portanto, limitar-se à transformação
em mercadoria de todos os objetos destinados à satisfação das
necessidades. Ela imprime sua estrutura em toda a consciência do homem;
as propriedades e as faculdades dessa consciência não se ligam mais
somente à unidade orgânica da pessoa, mas aparecem como “coisas” que
o homem pode “possuir” ou “vender”, assim como diversos objetos do
mundo exterior. E não há nenhuma forma natural de relação humana,
tampouco alguma possibilidade para o homem fazer valer suas
“propriedades” físicas e psicológicas que não se submetam, numa
proporção crescente, a essa forma de objetivação (LUKÁCS, 2003, p.222-
223).
Um momento determinando o outro, a objetividade da relação com a
mercadoria, com a subjetivação desta relação, a reificação, servem assim, para
Goldman, como analogia à Marx a cerca da infra-estrutura e super-estrutura, como
momentos interdependentes que se reforçam. De acordo com isto, o processo de
reificação vem a desenvolver a consciência enquanto mero reflexo das formas
tomadas pela produção dentro do sistema capitalista. Isto se dá em razão da tomada
do modelo mercantil da totalidade das expressões de experiências direcionadas à
fruição, havendo a possibilidade de sua transformação positiva somente através da
consciência ativa, capaz de apreender estes esquemas não percebidos. Tal divisão,
salienta o autor, deve levar em conta necessariamente as expressões, o
comportamento dos indivíduos, pois segundo o mesmo não há um recorte entre
determinado setor da consciência, como a divisão entre racional e afetivo,
constituindo os indivíduos, assim como grupos, totalidade a ser analisada de acordo
com o conjunto das expressões, em um sentido da práxis, sendo a mesmo coerente
com a totalidade das experiências, a vivência de um grupo ou sujeito.
Sendo específico do modo de produção capitalista, a consciência passiva,
forma que domina a maneira como são compreendidas as relações sociais no
48
período atual, ocorre em razão do processo de reificação que contamina todos os
setores não especificamente econômicos da vida através de sua transformação em
mercadorias, suporte de valor-de-troca. Todas as atividades ou objetos que eram
realizados como fim, em razão de seu uso, sua fruição, são agora apreendidos pelo
econômico que tende a “esvaziá-las por dentro”, tirando a originalidade e
subvertendo o objetivo destas expressões antes autônomas, não ligadas à obtenção
de lucro.
Tal transformação não é percebida pelas pessoas em razão da alienação
referente ao processo produtivo, compreendendo estas expressões como naturais e
exteriores. Ainda, tal incorporação de setores antes autônomos ao econômico, só se
tornou possível em razão das proporções tomadas pelo sistema mercantil ao se
tornar relação societal dominante. Neste modelo de organização os produtores e
consumidores são abstraídos em razão da distância entre si, sendo as mercadorias a
corporificação das relações que as produziram, ultrapassando diferenças culturais e
sociais, fazendo-se presente enquanto ente imediatamente perceptível e
independente de quem as fez. Estas mercadorias realizam o seu ciclo através da
busca do lucro pelos capitais individuais, substituindo entidades reguladoras das
necessidades pelo mercado.
Desta forma, produzir no modelo capitalista tem como objetivo final a
obtenção de lucro, o qual se dá na realização das mercadorias, produto que encerra
em si determinado valor-de-troca. Para tal se realizar é necessário que todas as
mercadorias sejam comparáveis qualitativamente no que se refere a este valor,
modificando a quantidade, tempo de trabalho despendido nestas, trabalho abstrato
em geral. São comparáveis porque são resultado de dispêndio de força-de-trabalho,
o qual se dá dentro de relações sociais determinadas e comuns. Por esta razão, a
mensuração do valor em uma unidade socialmente aceita, como dinheiro, são
intercambiáveis.
Também, só vêm a se tornar novamente valor-de-uso na esfera privada,
quando passar por todo circuito do mercado antes de chegar a tal estágio. O
resultado deste processo, segundo Goldman, é que o momento do uso, da
satisfação do consumo, se dá no mundo privado, familiar, o qual é identificado com
solidariedade em que se satisfazem as necessidades sem haver a intermediação de
segunda ordem; e o momento coletivo, relacional amplo das relações sociais, o
49
intercâmbio, no qual se realiza a troca, é identificado com a desumanização,
egoísmo, mera relação mercantil quantitativa. Tem de colocar-se enquanto
mercadoria, vender sua força-de-trabalho disputando no mercado de trabalho com
outras pessoas em semelhante situação. Sendo assim, as relações não diretamente
familiares, fora da vida privada, são tidas como antagônicas à solidariedade,
contrapondo-se o valor-de-uso ao valor-de-troca e não importando imediatamente a
satisfação das necessidades fora do campo meramente individual, solitário ou
familiar.
Como a satisfação das necessidades é realizada individualmente, servindo a
produção para realização do valor-de-troca, formas que se referem diretamente à
obtenção do ganho particular, os modos de produção que visam à conservação de
características sistemicamente qualitativas, mas não econômicas, no sentido de
corte de custos, tende a ser desconsiderado. A observância dos processos
qualitativos da produção são considerados, desde que sejam rentáveis, tais como os
ligados à preservação ambiental, por exemplo, pois os aspectos não
comercializáveis são ignorados. Nas palavras do autor:
Também é verdade que o desenvolvimento da produção capitalista,
baseada no fator puramente quantitativo do valor-de-troca, fechou
progressivamente a compreensão dos homens aos elementos qualitativos e
sensíveis do mundo natural. A sensibilidade a esses elementos tornou-se
cada vez mais um privilégio “dos poetas, das crianças e das mulheres”, isto
é, dos indivíduos à margem da vida econômica (GOLDMAN,1979, p. 121).
Tais mecanismos produtivos do sistema capitalista vêm a fortalecer a
ideologia liberal baseada na concorrência imanente das relações humanas e a busca
da satisfação das necessidades de forma individualista, através do cálculo racional,
baseado no atual modelo de produção de recusa de solidariedade ao conjunto social
e benefício indireto através do egoísmo, reforçado pela atomização do trabalho.
Com o desenvolvimento do sistema produtivo e especialização crescente das
atividades, bem como o aumento da oferta de mão-de-obra, o trabalhador não é
mais o único portador de uma especialidade, de um atributo específico que o
diferencie, ou a sua força-de-trabalho, dos demais, sendo uma mercadoria
substituível na medida em que seja mais econômica ao empregador. Este se
transforma em um “produtor de mercadorias, de valores-de-troca” (GOLDMAN, 1979,
50
p.122), sendo a especialidade o trabalho concreto que produz, juntamente com seu
portador, insignificante ao contratante, pois facilmente substituível. Torna-se produtor
de quantidades de valores de troca com indistinto caráter qualitativo, tendo de
produzir lucro, não importando diretamente a este ou ao empregador qual o valor
concreto, desde que garanta o salário ao primeiro e o lucro ao segundo. Todas estas
mediações se expressam através da relação entre os preços das mercadorias,
ignorando suas características individuais ou a capacidade de satisfazer uma
necessidade como característica apriorística. Transformam-se as relações que
produziram os bens, ficando as mesmas mascaradas nos valores monetários destes
produtos, o que se torna característica “física”, não havendo a percepção do valor
social agregado ao produto. O consumo e a produção não se realizam entre, por
exemplo, o fazendeiro e o consumidor, mas entre batatas e dinheiro. Conforme
Goldman:
Ora, isto não é um fato isolado; é, pelo contrário, o fenômeno social
fundamental da sociedade capitalista: a transformação das relações
humanas qualitativas em atributo quantitativo das coisas inertes, a
manifestação do trabalho social necessário empregado para produzir certos
bens como valor, como qualidade objetiva desses bens; a reificação que
conseqüentemente se estende progressivamente ao conjunto da vida
psíquica dos homens, onde ela faz predominar o abstrato e o quantitativo
sobre o concreto e o qualitativo (GOLDMAN,1979, p.122).
Para tal, segundo este autor, o capitalista transforma os meios de produção
empregados, portadores de categorias qualitativas (força-de-trabalho, maquinário,
insumos), em relações quantitativas, em preço, valor para venda no mercado e
obtenção de lucro, abstraindo os caracteres anteriores (por exemplo, o tecelão X,
que produz determinado tecido e é empregado pelo capitalista Y). Colocados os
produtos no mercado, os homens tornam-se agentes passivos, sendo regulado o
intercâmbio por relações nas quais os produtores são meros “espectadores” sem
papel ativo.
Pronta a mercadoria, esta não mais se relaciona com seu produtor a não ser
de forma acidental, como no consumo privado, não arrolado diretamente com sua
produção. Como estes produtos se constituem em objetos físicos do qual as pessoas
podem utilizar-se através da compra no mercado, não são percebidas as relações
determinadas que as produziram, tampouco são levados em conta seus agentes,
51
dando ares de realidade autônoma a estas mercadorias, pois são momentos
distantes da realização do consumo e que não aparecem conectados ao mesmo.
Aparecem como mercadorias que “tem um valor e preço próprios (GOLDMAN, 1979,
p. 125)”. Este fenômeno se acentua mais caso a atividade seja não especializada e
parcelar, para os produtores, que não se vêem como responsáveis pelo processo
final da produção, mas se relaciona apenas com a atividade fragmentada e com os
seus ganhos particulares, expressos no salário, compreendendo a própria força-de-
trabalho como mercadoria.
Em resumo, a economia mercantil, e em particular a economia capitalista,
tende a substituir na consciência dos produtores o valor-de-uso pelo valor-
de-troca e as relações humanas concretas e significativas por relações
abstratas e universais entre vendedores e compradores; tende, assim, a
substituir no conjunto da vida humana, o qualitativo pelo quantitativo. Além
disso, separa o produto do produtor, e fortalece, por isso mesmo, a
autonomia das coisas em relação à ação dos homens e à mutação
(GOLDMAN, 1979, p.125).
Sendo o homem mero suporte de valor, outra mercadoria, é posto ao lado dos
demais valores de troca como iguais. Assim, as “coisas inertes” são cambiáveis por
dinheiro em uma relação direta e não conectada com os produtores. O que
compreende o fenômeno da reificação é, portanto a autonomização do setor
econômico através da introjeção deste nos demais setores da vida, transformando
tudo em suporte de valor para obtenção de lucro. No exemplo de Goldman:
Isso é fácil de constatar em qualquer domínio da vida espiritual. Atenhamo-
nos apenas a título de exemplo à literatura e ao cinema. Um livro ou um
filme são, em primeiro lugar, entre outras coisas, mercadorias. Como tal,
inserem-se num setor da produção capitalista que não sobreviveria se não
fosse rentável, se não produzisse lucros (GOLDMAN, 1979, p.134).
Nesta lógica, tornando-se o próprio homem fonte de extrair valor, gerar lucro,
e lucro a outra pessoa, o trabalhador não vê a realização de suas necessidades
através do trabalho a não ser como fonte mediadora de rendimentos necessários à
sua sobrevivência, e não atividade fim. Segue que o seu trabalho é trabalho
alienado, servindo diretamente ao seu empregador. A reificação, para Goldman, é
52
reflexo direto da produção dirigida ao mercado e não planificação ou planejamento
das necessidades coletivas.
3.1 Taxa Decrescente do Valor-de-Uso Aumento do Desperdício
No que concerne ao aumento da utilização da reciclagem, acredita-se que um
componente fundamental para a compreensão de tal situação está diretamente
ligado às formas de produção atuais, caracterizadas pelo aumento do desperdício e
diminuição da durabilidade das mercadorias, como fórmulas para o aumento da
lucratividade e está expresso na taxa decrescente do valor-de-uso das mercadorias
(MÉSZÁROS, 2002).
A taxa de utilização decrescente é percebida em três setores do consumo, de
acordo com Meszáros. O primeiro se refere aos bens e serviços, que tem seu círculo
de consumo aumentado quando são oferecidas novas mercadorias às camadas
populares, transformado em consumo de massa. Estes bens apresentam baixa
qualidade pelos motivos apresentados anteriormente, pela dissociação da relação
direta do valor-de-uso e do valor-de-troca, com vias ao aumento do lucro,
movimentos próprios da lógica de acumulação.
O segundo elemento diz respeito à maquinaria e as instalações para produção
e consumo e relaciona-se diretamente com o primeiro elemento. Expandido o
consumo, dirigindo-se este às massas, o capital atinge novos limites para expandir-
se. Tal expansão se dá com a redução do tempo de vida útil do maquinário e
instalações. Este ocorre através da “obsolência planejada”, empregando tecnologias
que têm o intuito diretamente ligado ao lucro e não necessariamente ao aumento ou
melhoria das condições de produção. Tal obsolência se dá, por exemplo, através dos
programas de qualidade total (ANTUNES, 2003), montados para ditar parâmetros
artificiais que definem como se dará a substituição do maquinário, forma planejada
de substituição lucrativa. Este se refere tanto aos produtos destinados ao consumo
53
privado, como por exemplo, os computadores pessoais, quanto ao maquinário
produtivo. Estes últimos, tendo sua durabilidade reduzida, necessitam repor o seu
valor mais rapidamente. Tais práticas elevam os níveis do desperdício através da
subutilização dos produtos.
O terceiro elemento se refere à força-de-trabalho, a maneira como esta é
utilizada dentro do modelo de produção atual e o elemento contraditório que carrega,
pois é descartada ou sub-utilizada, e são os sujeitos ligados ao consumo os
necessários à perpetuação do sistema. Desta forma, o capital individual procura
reduzir custos, mas, ao mesmo tempo, a aumentar o círculo de consumo. Assim, se
faz necessário buscar outras formas de aumentar os ganhos, além do número de
produtos a vender, também reduzindo o custo de produção, diminuindo salários, por
exemplo.
Estando, pois, a taxa de utilização decrescente do valor-de-uso das
mercadorias intimamente ligada à necessidade de aumentar a velocidade do ciclo de
consumo dos produtos, isso se dá com o emprego de formas de produzir que levam
em conta tão somente a lucratividade ou a realização das mercadorias,
independentemente da quantidade ou durabilidade do valor-de-uso a ser utilizado na
concretização do valor-de-troca. Esse fato torna esta produção mais agressiva ao
ambiente, devido à utilização das novas tecnologias que não observam fatores
qualitativos, elementos ligados à natureza, como a utilização de materiais
biodegradáveis, ao invés daqueles produzidos com derivados de petróleo.
A produtividade é identificada com o crescimento, sendo compreendido útil
todo bem vendável, sendo assim, não referido imediatamente ao valor-de-uso, mas
ao de troca. Neste sentido, o que identifica as necessidades, de maneira a satisfazer
o que é biologicamente e socialmente necessário, é ultrapassado pela lógica de
criação de necessidades baseada na óptica do aumento do lucro privado e não dos
ganhos sociais. Tal se dá em razão das características sistêmicas que criam
necessidades artificiais referidas, de forma subordinada, à mediação do mercado, o
qual age sobre a seletividade do consumível, manipulando os gostos através da
propaganda.
Em essência, para o autor, a desregulação sistêmica da produção, e
conseguinte taxa de utilização decrescente do valor-de-uso se dá como um
determinante sistêmico do capital, quando da separação do trabalhador de seus
54
meios de produção. A partir daí o controle da produção e consumo é modificado,
pois trata de subordinar os valores de uso ao valor-de-troca, criando a forma de
controle social reificada ou alienada. A utilização dos produtos não é imediatamente
relevante, desde que seu valor-de-troca seja realizado, mediante sua disposição no
mercado. O útil é o que pode ser vendido e não por qualidades inerentes às
possibilidades de consumo, forma qualitativa de encarar a produção. Do ponto de
vista do capital, quanto mais valor-de-troca for realizado, melhor é do ponto de vista
da acumulação, característica fundamental para sua reprodução e continuidade
sistêmica. Daí, como o valor-de-uso não pode ser dissociado do valor-de-troca,
sendo, aliás, o receptáculo deste, quanto mais rápido o ciclo de reposição da
mercadoria, quanto maior for a necessidade de realizar novo consumo, melhor para
o capital, pois aumenta a velocidade de seu ciclo de reprodução.
O capital torna possível tal situação através da redução da durabilidade e
aumento de valor agregado não diretamente consumível, ligado à necessidade
motivadora do consumo específico, mas pago pelo consumidor, de forma a adicionar
maior lucro às operações individuais pela depreciação do conteúdo do produto que
interessa imediatamente para o consumo.
Nesse sentido, o que é verdadeiramente vantajoso para a expansão do
capital não é um incremento na taxa (ou grau) com que uma mercadoria
por exemplo, uma camisa é utilizada e sim, pelo contrário, o decréscimo
de suas horas de uso diário. Enquanto tal decréscimo for acompanhado por
uma expansão adequada do poder aquisitivo da sociedade, cria-se a
demanda por outra camisa. Ou seja, em termos mais gerais, se a taxa de
utilização de um determinado tipo de mercadoria pudesse ser diminuída de,
digamos, 100% para 1%, mantida constante a demanda por seu uso, a
multiplicação potencial do valor-de-troca seria correspondentemente
centuplicada (isto é, assumiria a estonteante figura de 10.000%). De fato,
essa tendência de reduzir a taxa de utilização real tem sido precisamente
um dos principais meios pelos quais o capital conseguiu atingir seu
crescimento verdadeiramente incomensurável no curso do desenvolvimento
histórico (MESZÁROS, p. 661).
A necessidade da acumulação como característica essencial do capital é o
que o torna, enquanto modo de produção, e considerando as novas possibilidades
de produção a partir da revolução tecnológica, insustentável, pois tem de
constantemente crescer para perpetuar-se, não significando tal crescimento a
ampliação do consumo, mas que ele carrega consigo cada vez maior número de
elementos materiais necessários à realização da mercadoria para garantir os novos
55
patamares de lucro. O desenvolvimento produtivo é acompanhado por formas de
desperdício crescentes, intrínsecas à necessidade auto-expansiva do capital. As
necessidades humanas são postas em relação antagônica com as necessidades da
produção, em que o primeiro tenciona a fruição do valor-de-uso e outro procura o
aumento do valor-de-troca. A expressão de tal fenômeno é a maneira como são
aplicadas as inovações tecnológicas, que apropriadas pelo capital, são instrumental
de lucro, modelo reificado de ciência. O instrumental tecnológico posto em
movimento pelo sistema produtivo busca aumentar a produtividade através do
aperfeiçoamento do maquinário empregado. Via de regra, se diminui o custo
produtivo reduzindo a mão de obra empregada diretamente, aumentando desta
forma o desemprego em massa.
Tal forma de produzir alcança caráter sistêmico na medida em que não está
ligado somente aos produtos, mas à própria forma, à tecnologia empregada para a
produção. No constante revolucionamento tecnológico, o aparato, o maquinário, a
divisão do trabalho, nos mais diversos setores, são descartados, havendo, portanto,
o desperdício não exclusivo às mercadorias, subutilizadas no consumo privado, mas
na própria produção, incluindo aí trabalhadores que têm sua especialidade
descartada, pois tornada obsoleta.
Com este avanço produtivo, a procura do equilíbrio entre produção e
consumo, de acordo com Meszáros, é extremamente problemática em uma
sociedade que tende a produzir cada vez mais mercadorias descartáveis. O
equilíbrio toma a forma, então, do consumo perdulário, diminuindo o tempo de vida
útil das mercadorias de modo artificial. Esta taxa de utilização decrescente não se
refere a uma natureza própria da produção, mas ligada à formação social na qual
são produzidos os bens. Como é direcionada ao consumo enquanto meio de
obtenção de lucro, não é diretamente preocupada na preservação de recursos
necessários ao consumo contínuo, reutilizável, se esta preocupação não é referida
ao ganho individual. Molda, de forma sistêmica, o consumo que deveria se dar de
forma durável, em imediato, supérfluo. Tais avanços trazem consigo modificações
qualitativas que se referem diretamente à taxa de utilização decrescente, pois sendo
as possibilidades tecnológicas à produção cada vez mais ilimitadas, o consumo de
luxo tende a ser relativizado em inúmeros setores, pela possibilidade aberta do
56
aumento da produtividade, pois abre tempo socialmente disponível para novos
ramos produtivos, explora novas necessidades geradas pelo desenvolvimento social.
Meszáros refere-se, principalmente, aos produtos de consumo durável ao
trabalhar este conceito, como por exemplo, o tempo de vida útil cada vez menor dos
computadores que, em função de novas tecnologias, tornam-se obsoletos em
questão de meses, ou de maquinarias que poderiam servir como meios de produção
e que são substituídos por novos inventos antes mesmo que sejam utilizados.
Pensemos nos eletrodomésticos de antigamente, como as geladeiras, que duravam
praticamente a vida toda. Enfim, bens de consumo durável que têm sua durabilidade
reduzida para que seja necessária nova compra de mercadorias. No entanto, este
conceito também se estende aos produtos de consumo imediato, como produtos de
alimentação.
A síntese desta lógica é que os produtos devam durar pouco ou ser agilmente
repostos no mercado, desconsiderando, no entanto, quão supérfluos o sejam, ou
ainda, quanto de valor supérfluo, como propaganda, deve ser agregado ao produto
para realizá-lo. No que diz respeito à lógica da realização das necessidades, desde
que economicamente viáveis, e, portanto lucrativas, portadores de valor-de-troca que
se realizem, esta produção é conseqüentemente justificável. Neste sentido, pode-se
falar em uma lógica destrutiva da produção, pois desconsidera o desperdício das
operações realizadas, ou o quão consumido é ou não um produto em sua
integralidade, desde que se realizem os valores de troca das mercadorias.
Para esta análise, nos deteremos no ciclo produtivo das mercadorias de
consumo imediato, como produtos para alimentação, higiene, etc. Estes apresentam
significativa taxa de utilização decrescente de seus valores de uso através da
adoção de práticas produtivas que tem aumentado, por exemplo, a quantidade de
embalagens descartáveis utilizadas, seja através da redução da unidade das
mesmas (latinhas de alumínio cada vez menores, tamanho baby) ou pela
substituição de embalagens antes retornáveis. Sendo assim, segue a mesma lógica
de necessidade de aceleração do ciclo de consumo, empregando para tal uma forma
destrutiva de produção, a qual se verifica no aumento do lixo produzido diariamente.
Desta forma, no exemplo dado, também é reduzido o valor-de-uso efetivamente
consumido do produto em relação ao seu valor total, que toma parte deste como
valor agregado, como exemplo das embalagens menores. Estas se tornam resíduo
57
ao consumidor final, mas contabilizada ao ser produzida a mercadoria em questão e
paga por este, ou seja, tendo realizado seu valor-de-troca, o que, de fato, é o que
importa nas operações capitalistas.
Esta é, portanto, a variante da taxa decrescente de utilização do valor-de-uso
das mercadorias de consumo imediato. O que é efetivamente consumido do produto
é, em muitos casos, a menor parte constituinte do valor da mercadoria produzida,
sendo o restante do valor não consumido de forma útil, e logo, descartado, causando
impactos negativos crescentes ao ambiente, importando ao capital somente o fato de
a mercadoria ter sido paga pelo consumidor. O resultado deste processo é um
círculo vicioso, no qual cada vez mais deve ser produzido, para manter as taxas de
lucro e com mais desperdício, de acordo com o processo descrito acima. Daí
acredita-se que surja o crescimento da utilização da reciclagem, não como uma
forma alternativa e ecológica de produção, mas inteiramente concatenada com a
produção capitalista destrutiva, pois não a modifica, apenas a auxilia a perpetuar-se
econômica e ambientalmente.
Como já foi dito, temos que a taxa decrescente de utilização do valor-de-uso
diminui o valor efetivamente consumido e aumenta o valor residual não consumido
das mercadorias, que se não reutilizadas, tornam-se rejeito. O que ocorre, portanto,
é que com o aumento da demanda industrial de materiais que sirvam à produção
destas mercadorias, uma quantia cada vez maior de materiais que se tornariam
rejeito, são reinseridos no ciclo produtivo através da reciclagem. Esta prática se vista
de forma isolada, ou seja, sem levar em conta a forma como é reintroduzida no ciclo
produtivo, acaba sendo percebido como positiva, porém há de se considerar o
processo de trabalho, para verificar que está inserida na lógica destrutiva do capital
que dilapida, além do ambiente, a força-de-trabalho, no caso, a dos catadores,
através da forma como é dispendida.
Os materiais reinseridos no ciclo produtivo, como matérias-primas, contêm em
si um valor residual, como dito anteriormente, pois não foram consumidas, e sim
descartadas, contendo a materialização de dispêndio de força-de-trabalho pretérito
na sua produção. Assim, no processo de catação, o valor contido nesta mercadoria
que será reintegrado ao processo produtivo através da reciclagem é depreciado ao
ser adquirido pelo atravessador a um preço inferior ao seu valor residual (trabalho-
58
morto, pretérito), o qual foi recuperado e logo acionado por novo dispêndio de força-
de-trabalho por parte do catador, trabalho vivo.
Sendo assim, está contido aí o ganho dos atravessadores, bem como o das
indústrias, em que há consumo de força-de-trabalho na catação destes materiais, e
que tendo expressado no valor destes materiais recicláveis a sua remuneração e
estando a mesma depreciada, o catador tem que gastar maior tempo de trabalho
para satisfazer suas necessidades. É nesta medida que se acredita que o processo
de reciclagem segue a lógica de redução de custos através da utilização de força-de-
trabalho precarizada e informal, lhe fornecendo matéria-prima para novo processo
produtivo, qualitativamente diferenciado da matéria-prima advinda do primeiro ciclo
de produção, ou não reciclada, o que se verifica na economia de energia para
rebeneficiamento da mesma
4
, pois resultado de trabalho anterior. Tais materiais
recicláveis têm de necessariamente ser mais baratos do que a matéria virgem para
serem rentáveis.
Ainda neste sentido gera valor não pago na catação, pois o material
recuperado é depreciado, e, desta forma, uma parte do tempo de trabalho
empregado na catação, torna-se trabalho não pago e repassado aos atravessadores
e à indústria, o que torna o setor lucrativo comparando-se àqueles setores que
utilizam matérias-primas virgens. Também seu trabalho tem caráter produtivo pelas
suas características, pois recupera e acrescenta insumos a preço baixo à produção,
sendo trabalho útil, pois cria valor-de-troca, ao reativar as propriedades de material
inerte e, em termos capitalistas, produtivo, por gerar lucro ao industrial ou
atravessador. Não realiza a mercadoria somente, tem de utilizar força-de-trabalho
para recuperá-la, transforma valor potencial, adormecido ou não realizado no
primeiro ciclo produtivo, realização da mercadoria manufaturada com matéria-prima
virgem, em valor ativado pela intermediação com ambiente natural modificado.
É no destino final ou ambiente modificado, em que é realizado o trabalho dos
catadores, recuperando valores-de-uso, mercadorias já realizadas, as quais só
podem ser reinseridas no ciclo produtivo por novo dispêndio de força-de-trabalho,
pela catação, atividade que está subsumida formalmente
5
ao capital pela forma
4
Segundo Sabetai Calderoni (2003) a economia de energia para beneficiamento de matéria-prima
advinda da coleta realizada por catadores é de 95% para o alumínio, 78,7% para o plástico, 71% para
o papel, 74% para o aço e 13% para o vidro.
5
Meios de trabalho próprios e auto-assalariamento (MARX, 2004, p.162).
59
como se executa e é remunerada, a qual não advém de forma precedente de
trabalho, mas como resultado do metabolismo entre sociedade e natureza (FOSTER,
2005) alienado (estranhado) e que possibilita a exploração de força-de-trabalho dos
catadores através da depreciação do seu preço de trabalho, meio de reduzir os
custos da reciclagem. Toda redução dos valores ofertados pelas mercadorias
recicláveis são, geralmente, repassados aos catadores.
60
4 CARACTERÍSTICAS DO MERCADO DE TRABALHO DE PELOTAS
Acredita-se que um traço marcante no desenvolvimento da ocupação da mão-
de-obra do município, que se sustenta no crescimento de ocupações irregulares e
mal pagas, é causada pela incapacidade de absorção de força-de-trabalho pelos
setores produtivos, estagnado há anos e que apresenta características pouco
dinâmicas e utiliza-se em grande parte destes trabalhadores de forma sazonal,
tornando as possibilidades de trabalho dentro da cidade limitadas, tendo no setor
terciário o maior contingente de trabalhadores (VARGAS, 1994). Tal situação acaba
gerando um maior contingente da população local com baixos rendimentos, o que
não foge à regra brasileira.
Tabela 1: Pessoas de 10 ou mais anos de idade, ocupadas na semana de
referência, por posição na ocupação e a categoria de emprego no trabalho
principal de Pelotas.
Faixas de Rendimento %
Até 1 sm 20,5
1 a 2 sm 28,7
2 a 3 sm 12,5
3 a 5 sm 13,2
5 a 10 sm 12
10 a 20 sm 5
Mais de 20 sm 2,5
Sem rendimento 5,6
Total 100
Fonte: Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Conforme se pode observar na tabela acima, 54,8% das pessoas ocupadas
encontram-se ganhando até 2 salários mínimos ou não tem rendimentos,
demonstrando o baixo índice de rendimentos da população em razão das formas de
61
trabalho predominantes no município que são em sua maioria estabelecidas pela
falta de direitos trabalhistas e portanto depreciam o valor da força-de-trabalho.
Tabela 2: Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por posição na ocupação e a categoria de emprego no
trabalho principal de Pelotas
Categoria de Emprego %
Empregado carteira assinada 39,5
Militares/ funcionários públicos 6
Sem carteira 17,2
Empregadores 3,3
Conta própria 29
Não remunerados em ajuda a membro do domicílio 4
Trabalhadores na produção para o consumo próprio 1
Total 100
Fonte: Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
De acordo com a tabela acima, 17,2% da população que se encontra ocupada
está empregada sem carteira de trabalho assinada, possibilitando o rebaixamento do
valor de sua força-de-trabalho pela não observância do cumprimento dos direitos
trabalhistas, e ainda 29% da população trabalha, segundo o censo, por conta
própria, sendo parte destes caracterizados também por trabalhadores sem carteira
de trabalho. A diferença é que estes não estão diretamente subordinados a um
empregador, porém, parte deste contingente contabiliza aqueles trabalhadores
expulsos do mercado de trabalho formal e que tem de, necessariamente, dedicar-se
a atividades autônomas.
Ambas as categorias somadas totalizam 46,2% do universo pesquisado e
caracterizam os trabalhadores informais que, se acredita, têm os piores índices de
ganhos familiares (excetuando obviamente os desempregados, que não entram
neste cálculo, de acordo com o método de IBGE, que diz respeito somente àqueles
que se declaram realizando alguma atividade remunerada).
Para uma noção ampliada, que abranja o total de pessoas para que se inclua
aquela parcela da população desempregada, utilizou-se como referência a próxima
tabela que contabiliza os rendimentos nominais mensais, não tendo relação com a
ocupação dos pesquisados.
62
Tabela 3: Pessoas de 10 anos ou mais de idade, por classes de rendimento nominal
mensal de Pelotas
Faixas de Rendimento %
Até 1 sm 17,3
1 a 2 sm 17
2 a 3 sm 8
3 a 5 sm 8,3
5 a 10 sm 8
10 a 20 sm 3,3
Mais de 20 sm 1,8
Sem rendimento 36,5
Total 100
Fonte: Censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Procedendo desta forma, calculou-se o total de habitantes do município que
se encontra em situação de precariedade no que diz respeito aos rendimentos
familiares, mas não necessariamente significando trabalho precário ou informal.
Quando se somam as categorias sem rendimento e de ganhos até 2 salários
mínimos, o total observado de pessoas com baixos rendimentos gira em torno de
191.117 pessoas, que representam 70,8% do total pesquisado, demonstrando assim
uma parcela expressiva da população do município que vive em uma situação de
fragilidade sócioeconômica.
Nesta perspectiva analítica percebe-se que o município de Pelotas está
perfeitamente integrado à lógica produtiva atual, a qual procura desestruturar o maior
contingente possível de trabalhadores, através da superexploração de sua força-de-
trabalho, o qual é expresso nos seus rendimentos diretos e pelas formas de trabalho.
Uma das formas mais comuns de sobrevivência para um contingente crescente de
trabalhadores e que se insere nas descrições acima, será a catação de materiais
recicláveis.
63
5 AGENTES PRIVADOS DA RECICLAGEM EM PELOTAS
Os catadores de materiais recicláveis na cidade de Pelotas realizam sua
atividade principalmente em dois locais: as ruas da cidade ou o aterro controlado do
município. A maioria é composta pelos trabalhadores que coletam os materiais nas
ruas da cidade, e em especial no centro, deslocando-se de bairros mais distantes,
como Três Vendas, Fragata e Areal, bem como de regiões mais próximas ao centro,
como os bairros Porto e Várzea. A ocupação do espaço urbano por parte deste
segmento de trabalhadores ocorre nas periferias, que hoje conta com 60 regiões no
município (989,42 hectares), as quais são classificadas pelo Plano Diretor
6
como
Áreas de Especial Interesse Social (AEIS). São assim denominadas em razão da
situação de vida da população que ocupa estes locais e também pela situação de
irregularidade dos terrenos - por serem terrenos municipais, federais ou particulares.
Existe a regularização jurídica, mas não há a regularização urbanística. Estas áreas
estão localizadas em logradouro público ou em áreas verdes
7
, espaços demarcados
como praças.
Ainda, deste total, nove encontram-se em Áreas Ambientalmente Degradadas
(60,25 hectares), pois sua ocupação causou impacto negativo pela destruição do
ambiente natural e, conseqüentemente, a não existência de infra-estrutura mínima
prejudica os moradores destes locais. No campo subjetivo, esta denominação lança
um estigma sobre estas pessoas, como responsáveis pela degradação local
8
.
Como ocorria no passado, a ocupação destas áreas não se dá de forma
planejada e por livre iniciativa de seus ocupantes, mas sim pela impossibilidade de
6
Informações sobre o Plano Diretor e saneamento coletadas em entrevista realizada no dia 06 de
outubro de 2006 com Fernando Caetano, Arquiteto, participante da equipe técnica responsável pela
montagem do Plano Diretor de Pelotas.
7
Dados fornecidos pelo Naurb-Faurb-UFPEL sob responsabilidade de Nirce Saffer Medvedovski
(Profa. Dra. Arquiteta).
8
A Prefeitura limpa, a população suja. Diário Popular, Pelotas, 22/06/2006.
64
arcar com as despesas de aluguel ou financiamento de imóvel em outra região, pois
os moradores das periferias são geralmente aqueles trabalhadores que exercem
atividades informais, ou seja, sem direitos trabalhistas, com baixos rendimentos
mensais, não podendo, em sua maioria, arcar com uma despesa fixa
9
.
Tal situação de moradia não pode ser interpretada sem se observar as formas
de trabalho desempenhadas pelas pessoas que ocupam a periferia, ou seja, que a
ocupação laboral é determinante para a ocupação espacial, fortalecendo a
constatação de que a cidade é dividida por classes. Percebe-se que as moradias
precárias localizadas na periferia refletem a redução do valor da força-de-trabalho e
resultam em dispêndio de sobretrabalho quando seus ocupantes constroem suas
casas, forma predominante de moradia em muitos locais (SEVERO, 2005).
Soma-se a isso a falta de infra-estrutura, ou bens de consumo coletivos, que
deixam de ser oferecidos a estas parcelas da população, devido à lógica pela qual o
Estado é pautado, deixando de investir em bens tais como; lazer, saúde,
saneamento; e os investindos em bens de capital, que são apropriados ou utilizados
pela iniciativa privada, na forma de isenções fiscais e vias de transporte para vazão
da produção. Mesmo quando aplica na infra-estrutura, esta pode acabar sendo
apropriada por especuladores imobiliários. Segue-se que o rebaixamento do valor do
trabalho torna o acesso aos bens imóveis ainda mais difícil, pois muitas vezes os
trabalhadores tem de realizar a construção de suas moradias para economizar o
valor que seria pago a um pedreiro. Os ganhos para a moradia deveriam estar
presentes nos rendimentos destes trabalhadores, o que não ocorre, sendo
necessário sobretrabalho. No lado do Estado, a ausência de bens de consumo
coletivo expressam a condição de espoliação urbana a qual a maioria da população
está submetida (KOWARICK, 1983).
O resultado das péssimas condições de trabalho e moradia, somadas ao não
oferecimento da infra-estrutura por parte do Poder Público, gera a maior incidência
de doenças nestas regiões periféricas, as quais poderiam ser evitadas ou
minimizadas através do oferecimento de serviços de saneamento. Onde antes havia
9
Como aqueles trabalhadores que no passado não tinham como pagar os financiamentos oferecidos
para morar em vilas operárias e ocupavam os cortiços que não ofereciam serviços de infra-estrutura
(Labirintos ao Redor da Cidade: as vilas operárias em Pelotas, Lorena Gill, 2006, p. 14). Na
atualidade é possível fazer a comparação com o financiamento oferecido para o Projeto de
Arrendamento Residencial (PAR), subsidiado pela Caixa Econômica Federal, o qual não é acessível
para estas camadas de trabalhadores pelo valor elevado das parcelas.
65
doenças como a febre tifóide, varíola, peste bubônica ou tuberculose (GILL, 2006),
agora são constatadas anemias sem causa detectável e viroses que não se curam,
por insuficiência alimentar, ambas responsáveis pela maior mortalidade da região
periférica, principalmente a infantil. Estas doenças estão associadas diretamente à
falta de saneamento, pois o esgoto a céu aberto carrega efluentes não tratados
residenciais e industriais, ressaltando-se a presença de metais pesados,
responsáveis pela contaminação do ambiente e das pessoas diretamente em contato
com o mesmo, depositando-se no organismo e não se apresentando como causa
principal da doença. Mesmo havendo uma melhoria na saúde pública em termos
absolutos, as taxas de mortalidade, nas regiões de ocupação irregular não decaem,
fruto desta contaminação associada às condições de vida das pessoas de baixa
renda, que podem apresentar insuficiência alimentar que se consorcia com as
condições ambientais de seu local de moradia.
Em Pelotas, segundo entrevista com arquiteto que presta serviços para a
Prefeitura, o local que mais chama a atenção pela degradação social e ambiental é a
ocupação Anglo, localizada no prosseguimento da Avenida Juscelino Kubitschek de
Oliveira, junto ao Canalete do Pepino. Neste local, um dos entrevistados relatou que
o lodo retirado do esgoto é utilizado pelos moradores da ocupação como aterro para
construção de suas casas, que totalizam 34 residências localizadas em áreas de
risco, sendo que esta área contém um índice muito maior de detritos do que o
normal, pois este esgoto não tem vazão até o Canal São Gonçalo, ficando
depositado no ambiente. Segundo o seu relato, quando em inspeção no local, viu
crianças se pintando com este lodo para brincar. Tal situação, aparentemente, está
para ser modificada pela Prefeitura Municipal de Pelotas, a qual pretende construir
casas populares com financiamento da Caixa Econômica Federal
10
,
coincidentemente próximo à região onde será instalado o novo Campus da UFPEL.
Consorciada a esta série de problemas de moradia periférica, ocupadas por
catadores que realizam separação prévia em casa, são criados verdadeiros lixões
nos pátios destes trabalhadores, aumentando a poluição e a contaminação,
especialmente na referida área, bem como nas regiões próximas aos canais de
drenagem de esgoto a céu aberto.
10
Regularização Reafirmada. Diário Popular, Pelotas, 08/10/2006.
66
Ressalta-se, ainda que, no município, as regiões de maior risco, em razão da
geografia local, são as baixadas, em que ocorrem maiores riscos de alagamentos, e,
por serem mais desvalorizadas, são deixadas vazias e ocupadas de forma irregular.
Muitas destas regiões localizam-se nas imediações do centro da cidade, onde se
concentram grande parte dos catadores locais de materiais recicláveis.
Destas áreas, os catadores vão geralmente para a região central que
concentra os maiores comércios, além de grandes condomínios residenciais que
descartam maiores quantidades de materiais recicláveis com maior freqüência, pois
o lixo é coletado diariamente pela Prefeitura e, dessa forma, também a população o
coloca à disposição todos os dias.
5.1 Catadores de Rua
Para a determinação dos ganhos dos catadores de rua, a pesquisa
demonstrou que parece não haver uma relação direta ou exclusiva entre os
rendimentos e o tempo de trabalho. A maioria dos trabalhadores realiza mais do que
oito horas diárias, geralmente nos períodos da manhã e tarde, havendo muitos casos
de catadores que realizam a coleta durante a noite, pois assim recolhem o material
antes que o caminhão coletor o faça e também reduzem a competição com outros
catadores, pois seu fluxo, neste horário, é bem menor.
De acordo com os cruzamentos realizados entre renda e tempo de trabalho,
considerando-se o número total de horas por dia e o total de dias da semana
trabalhados, as faixas que recebem menos de 1 salário mínimo mensal e aqueles
que recebem de 1 a 2 salários mínimos apresentam poucas diferenças. Os de
menores ganhos, no conjunto, chegam a trabalhar maior quantidade de tempo por
dia do que os catadores com ganhos superiores a um salário.
Do total de 43 entrevistados, entre homens e mulheres, 22 encontram-se na
faixa de rendimento de 1 a 2 salários mínimos. A maior parte deles trabalha mais do
que oito horas diárias.
67
Figura 2: Horas de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos de 1 a 2
salários mínimos
Também, em sua maioria, realizam dois turnos de trabalho diários, durante
toda a semana, sem dia de descanso para muitos destes.
Figura 3:Turnos de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos de 1 a 2
salários mínimos
22 entrevistados
4
18%
5
23%
5
23%
6
27%
2
9%
11 a 12 horas 9 a 11 horas 7 a 8 horas
4 a 6 horas Menos de 4 horas
22 entrevistados
1
5%
1
5%
3
14%
11
49%
2
9%
2
9%
2
9%
Manhã
Tarde
Noite
Manhã e tarde
Tarde e noite
Manhã e noite
Manhã, tarde e noite
68
Figura 4: Dias trabalhados em uma semana dos entrevistados com rendimentos de 1
a 2 salários mínimos
A maioria, conforme demonstrado acima, trabalha de seis a sete dias por
semana, o que combinado com os turnos longos, resulta em uma longa jornada de
trabalho. Somado a isso, têm à disposição para o trabalho diário o carrinho de tração
humana, na maioria dos casos. Utilizam também a charrete, de tração animal, e
poucos não dispõem de qualquer transporte para o material coletado, carregando-o
nas costas.
Figura 5: Meios de trabalho dos entrevistados com rendimentos de 1 a 2 salários
mínimos
22 Entrevistados
9%
9%
5%
41%
36%
3 dias 4 dias 5 dias 6 dias 7 dias
17
77%
2
9%
3
14%
Carrinho Charrete A pé
69
A seguir, apresenta-se a tabela de cruzamento dos dias trabalhados na
semana com o número de horas trabalhadas diárias, de forma a fazer a média do
total de horas trabalhados pelos catadores com rendimentos de 1 a 2 salários.
Tabela 4: Cruzamento do número de horas com dias trabalhados por semana dos
entrevistados com rendimentos de 1 a 2 salários mínimos
Dias de trabalho por semana Horas de
trabalho por
dia
1 dia 2 dias
3 dias
4 dias
5 dias
6 dias
7 dias
11 a 12 h 4
9 a 11 h 1 4
7 a 8 h 1 1 1 2
4 a 6 h 1 3 3
Menos de 4 h
1
Total Entrevistados 22
Média do total de horas trabalhadas
por catadores em um mês
162 horas
De acordo com o cruzamento realizado entre as horas de trabalho diário e os
dias na semana trabalhados, verificou-se, portanto, que os catadores que declararam
receber de um a dois salários mínimos têm de trabalhar, em média, 162 horas por
mês para alcançar tais rendimentos.
A seguir, são apresentados os dados dos catadores que declararam receber
menos de um salário mínimo em um mês de trabalho, os quais somam dezoito
entrevistados.
70
Figura 6: Horas de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos inferiores a 1
salário mínimo
Em comparação com os catadores que recebem de um a dois salários, os que
têm rendimentos inferiores a um salário trabalham, em média, mais horas por dia.
Também, trabalham em média, mais turnos por dia.
18 Entrevistados
5
28%
6
33%
2
11%
5
28%
Tarde Manhã e tarde
Tarde e noite Manhã, tarde e noite
Figura 7: Turnos de trabalho por dia dos entrevistados com rendimentos inferiores a
1 salário mínimo
18 entrevistados
2
11%
1
6%
2
11%
7
39%
2
11%
4
22%
Mais de 12 horas 11 a 12 horas 9 a 11 horas
7 a 8 horas 4 a 6 horas Menos de 4 horas
71
Observa-se, abaixo, que os catadores de rendimentos menores trabalham
mais dias da semana que aqueles com maiores ganhos.
1
1
4
11
1
3 dias
4 dias
6 dias
7 dias
Não Opinou
18 entrevistados
Figura 8: Dias trabalhados em uma semana dos entrevistados com rendimentos
inferiores a 1 salário mínimo
Na figura abaixo são apresentados os meios de trabalho à disposição dos
catadores com ganhos inferiores a um salário mínimo, e que novamente se
diferencia dos dados dos catadores com ganhos superiores.
Figura 9: Meios de trabalho dos entrevistados com rendimentos inferiores a 1 salário
mínimo
18 entrevistados
9
50%
3
17%
6
33%
Carrinho Charrete A pé
72
Este é o dado que mais diferencia as duas camadas de rendimento, pois
muitos não têm à sua disposição qualquer meio de transporte, o que influencia em
seus rendimentos, levando-os a compensar com maior número de horas
trabalhadas.
Tabela 5: Cruzamento do número de horas com dias trabalhados por semana dos
entrevistados com rendimentos inferiores a 1 salário mínimo
Dias de trabalho por semana Horas de
trabalho por
dia
1 dia 2 dias
3 dias
4 dias
5 dias
6 dias
7 dias
Mais de 12 h 2
11 a 12 h 2
9 a 11 h 1
7 a 8 h 2 4
4 a 6 h 1 2
Menos de 4 h 1 2
Não Opinou 1
Total Entrevistados 18
Média do total de horas trabalhadas
em um mês
190 horas
Conforme se pode observar acima, a maioria dos dados são bastante
próximos, excetuando os meios de trabalho disponíveis, que apresentam uma
diferença nas possibilidades de transporte, mas não são o único fator de limitação
dos rendimentos. Assim, de acordo com os dados apresentados, o tempo de
trabalho não é o fator de linearidade para mensurar a renda destes trabalhadores.
O mesmo não ocorre com aqueles que declararam receber 3 salários
mínimos ou mais, sendo lineares os rendimentos cruzados com o tempo trabalhado.
Contudo, neste caso, trata-se apenas de dois indivíduos, constituindo, os mesmos, a
exceção na categoria, permanecendo a maioria na faixa de, no máximo, um salário
ou menos
11
.
11
Na época da pesquisa, o salário mínimo era de R$ 350,00.
73
Abaixo são apresentados os dois casos, que se diferenciam, principalmente,
pelo número muito maior de horas trabalhadas por mês.
Tabela 6: Dados do entrevistado com Renda de 3 a 5 Salários Mínimos
3 a 5 SALÁRIOS MÍNIMOS 1 ENTREVISTADO
Profissão anterior Pedreiro com carteira assinada
Horas de trabalho por dia 9 a 11 horas
Horários de trabalho Manhã, tarde e noite
Dias trabalhados em uma semana 7 dias
Meios de trabalho Carrinho
Média de horas trabalhadas no mês 280 horas
Tabela 7: Dados do entrevistado com Renda de 6 a 10 Salários Mínimos
6 A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS 1 ENTREVISTADO
Profissão anterior Gerente de Clube
Horas de trabalho por dia Mais de 12 horas
Horários de trabalho Manhã, tarde e noite
Dias trabalhados em uma semana 7 dias
Meios de trabalho Carrinho
Média de horas trabalhadas no mês 336 horas
Há ainda um entrevistado que não sabia os rendimentos oriundos de seu
trabalho. O informante era uma criança, que há pouco começou a coletar materiais.
Queixou-se que roubaram as latinhas de alumínio de sua casa. Até mesmo esses
trabalhadores, com baixíssimos rendimentos, e ainda mais uma criança, são alvos
de roubo.
Tabela 8: Dados do entrevistado que não sabia sua renda
NÃO SABE A RENDA 1 ENTREVISTADO
Profissão anterior Estudante
Horas de trabalho por dia 4 a 6 horas
Horários de trabalho Manhã e tarde
Dias trabalhados em uma semana 6 dias
Meios de trabalho Charrete
Média de horas trabalhadas no mês 144 horas
Dos resultados dos rendimentos, compreende-se que os ganhos não estão
ligados exclusivamente ao tempo despendido na coleta, pois a quantidade de
material recolhido nas ruas não é determinada exclusivamente pelo tempo
74
trabalhado, sendo muito variável. Entre as variáveis estão o tipo de resíduos,
modificadas de acordo com o recorte de classe econômico dos moradores dos locais
onde se coleta. Quanto maior a renda dos moradores de determinado bairro, maior a
probabilidade dos resíduos conterem maior quantidade de recicláveis. Também se
considera os tipos de estabelecimentos comerciais e se eles disponibilizam os
materiais para os catadores, as rotas realizadas e se há exclusividade na entrega de
materiais. Isto é, não há uma relação exclusiva entre tempo trabalhado com o total
coletado de material reciclável, sendo necessário considerar vários outros fatores
para determinar o quanto de material cada catador consegue coletar diariamente,
bem como os rendimentos oriundos da atividade.
Em resumo, o que parece determinar mais a renda dos catadores de rua do
que o tempo é, necessariamente, a quantidade e os tipos de materiais coletados e
esta é garantida por estratégias diferenciadas de trabalho, como as rotas percorridas
e o relacionamento com os condomínios ou lojas. Se elas disponibilizam papelão, pet
e alumínio, só para determinado catador, este pode ter uma vantagem extra em
relação aos demais. É o caso de um dos entrevistados, que disse trabalhar somente
quatro horas por dia e conseguir uma renda superior a R$ 400,00 mensais, pois sai
somente no final da tarde e passa em determinados comerciantes que já o
conhecem e entregam o papelão somente a ele. Este catador criou uma “clientela”
fixa, segundo o mesmo, que lhe permite trabalhar menor tempo por dia, enquanto
outros, que não conseguiram ou não procuraram estabelecer esta relação, coletando
somente em lixeiras durante todo o dia, tem de trabalhar muito mais, para conseguir
um rendimento inferior ou próximo ao dele.
Mas, como esta situação não é o comum para a maioria dos catadores, e
como também não há uma limitação da jornada por agentes externos, em razão da
forma dos rendimentos destes trabalhadores, segue-se que, havendo a necessidade
de coletar o maior número possível de materiais para efetuar a venda, suas jornadas
são limitadas apenas por seus desgastes físicos diários, como se observou nas
entrevistas realizadas. Dessa forma, elas podem variar de 4 horas até 18 horas,
dependendo da capacidade física que estes catadores têm para percorrer a cidade.
A extensão das jornadas ocorre em função da forma de trabalho. Pode-se
considerar que eles se auto-empregam, pois não tem qualquer relação formal com o
comprador das mercadorias que coletam. Daí decorre que, apesar da aparente
75
autonomia que os catadores têm para realizar as tarefas, esta é determinada pela
depreciação do valor da mercadoria coletada, imposta diretamente pelo
atravessador.
Por não terem vínculos empregatícios regulados com os atravessadores, que
são os compradores das mercadorias, sua jornada de trabalho não é remunerada
pelo período de tempo trabalhado, mas pelas peças vendidas, e têm de geralmente
trabalhar muito mais tempo do que aquelas jornadas regulamentadas por lei.
Assim, o maior tempo de trabalho é necessário para compensar a
depreciação do valor da mercadoria que coleta para garantir sua sobrevivência. E
ele está diretamente ligado ao comprador desta mercadoria, que passa do
atravessador local para o atravessador de grande porte e deste para a indústria
beneficiadora dos materiais recicláveis. O não-visível é que a exploração ainda se dá
pela conexão produtiva, não do trabalhador-catador ao empresário, proprietário da
indústria de reciclagem, mas do ciclo da mercadoria necessária à indústria, coletada
pelo catador. No entanto, a diferença resulta da inexistência da subordinação formal
do catador ao empresário, o que ocorre pela lógica produtiva deste setor. Em
resumo, estes trabalhadores não são os controladores de sua vida produtiva
(THOMPSON, 1987, p. 282) apesar da caracterização do seu dispêndio de força-de-
trabalho como autônomos ou auto-empregados.
Em essência temos o catador na ponta inicial do processo, o atravessador,
(que também é caracterizado como autônomo, mas que no ciclo da reciclagem
desempenha o papel do capataz) no meio do processo, e finalmente a indústria, com
suas sub-divisões internas ao final . Observa-se que neste setor de atividade, passa-
se daquilo que Thompson denomina como capitalismo industrial disciplinado (1987,
p. 291) ao capitalismo desregulamentado da autodisciplina, imposta pelas condições
de miséria destes trabalhadores. É possível ver o que esta forma de trabalho faz com
as crianças, pois, após as 19 horas pode-se observá-las disputando o material
descartado pelo comércio do Calçadão da Andrade Neves e em frente ao Café
Aquário na Rua XV de Novembro, dois locais centrais e que concentram muitas lojas
em Pelotas.
Ressalta-se, não é o fim de um período de disciplina do trabalho e o começo
de outro, mas a comunicação entre estas duas formas, pois a catação depreciada é
o início do ciclo produtivo da reciclagem, tendo seu término na indústria, e nessa,
76
ainda conta a disciplina assistida ou regulada. Existe um continuum de tempos
diferenciados de trabalho e, desta forma, a auto-disciplina é crescente.
Foram percebidas estratégias diferenciadas, maneiras de se autodisciplinar
neste sentido. Muitos procuram realizar a coleta um pouco antes do caminhão de lixo
passar naqueles bairros com moradores de maior rendimento, de forma a garantir a
coleta do melhor material. No calçadão da cidade, em que há grande número de
lojas, existe um constante recolhimento de materiais recicláveis por parte de
catadores, geralmente os mesmos, e que permanecem durante parte do dia no local,
pedindo os materiais, em especial o papelão, para os comerciantes. Já no final da
tarde, o despejo de material é bem maior, fazendo com que haja um grande fluxo de
catadores, sendo comum observar-se crianças trabalhando junto de seus pais para
garantir maior quantidade de material, bem como brigas por pontos específicos, nos
quais a maioria do lixo é depositado.
Alguns buscam ganhar a confiança de zeladores e síndicos dos condomínios
residenciais, de forma a garantir a coleta de todo resíduo, mas, em muitos casos,
isso não se mantém por muito tempo, pois quando não há quantidade satisfatória de
material reciclável no total do lixo, eles acabam por abandonar a coleta nestes locais,
ou reduzem a quantidade de vezes que realizam a mesma rota, o que ocasiona a
irritação do doador do material, que não mais o entrega ao mesmo catador. Há, em
razão disso, as reclamações dos condomínios, sendo a mais comum a de o catador
não cumprir os horários ou dias estabelecidos informalmente para a coleta,
ocasionando o acúmulo de material, bem como do fato que muitos selecionam aquilo
que lhes interessa no local, deixando o restante, muitas vezes, espalhado.
Por parte dos catadores, a reclamação mais comum é sobre este fato, pois
consideram que muitos moradores os tratam como lixeiros, lhes atribuindo a
responsabilidade de recolhimento de todo material, tanto o orgânico quanto o
reciclável, o que lhes traz mais dificuldades para o trabalho. Isso gera atritos com os
moradores que, na maioria das vezes, não realizam a separação dos resíduos em
casa. Também ocorrem desentendimentos com os moradores quando, mesmo se
realizando uma pré-seleção dos materiais em casa, os catadores não levam todos,
deixando os de menor valor comercial para serem recolhidos pela coleta regular.
Isso se dá pela compreensão diferente que cada agente têm do sistema de
reciclagem. Muitos destes moradores acreditam que já reciclaram o material, ao
77
dispor de forma separada aos catadores, confirmando a alienação em relação ao
processo produtivo específico e as formas de trabalho dos catadores. Inclusive,
acreditam estar fazendo um favor aos catadores, dando-lhes seu lixo.
Mas nem todo o material reciclável pode ser aproveitado lucrativamente pelos
catadores. Uma das razões para isso é que muitos materiais não são comprados
pelos atravessadores, como o isopor, a borracha, alguns tipos de plástico e o vidro.
Os mais comercializados, e logo, os que são coletados pelos catadores são o pet, o
papelão e o alumínio, principalmente. A reciclagem, antes de tudo, é um negócio que
deve ser lucrativo, não fugindo à lógica sistêmica do capital de produção de
mercadorias. Caso os atravessadores não queiram comprar determinados materiais,
alguns são reaproveitados de maneiras diferenciadas pelos catadores, como o vidro.
Este último é recolhido por alguns, para ser vendido aos produtores de doces
artesanais ou cachaças caseiras, mas, em razão do baixo valor comercial, não é
negociado com os atravessadores.
Sendo uma das principais reclamações da população em relação aos
catadores de rua, a seleção que eles faziam do material nas lixeiras domésticas, a
gestão da Prefeitura de 2001-2004 propôs a implantação do que denominou
Contentores de Lixo Limpo (COLIPO) e Contentores de Lixo Orgânico (CORGA), que
tinham como objetivo educar a população pela diferenciação dos materiais dispostos
em cada uma destas lixeiras, separando, portanto, o material orgânico do reciclável.
Também tinham como característica a forma como se acondicionava o lixo, protegido
de intempéries por ser fechado, o que evitaria a criação do chorume, líquido tóxico
proveniente da reação química do lixo misturado. Ainda, destacava-se que o material
seria eficaz contra a coleta realizada por catadores não cadastrados, evitando que
ficasse jogado no chão, pois o equipamento vinha com uma chave, o que faria que
somente a Prefeitura ou catadores cadastrados recolhessem todo o material, de
forma a evitar as reclamações sobre lixo na rua.
Foi realizado um projeto piloto no bairro Laranjal, escolhido por ter uma
população residente mais concentrada e por ser distante do centro, bem como,
acreditava-se, ter menor número de catadores no local, o que facilitaria as
campanhas de educação ambiental sobre a coleta seletiva junto à população local.
Desta forma, foram instalados no bairro Laranjal 15 COLIPOS e 1 no bairro
Doquinhas no ano de 2002, bem como foi elaborado material educativo sobre a
78
coleta seletiva a ser entregue aos moradores destes locais (RAMB, 2002). Após este
teste, a colocação dessas lixeiras foi expandida a todos os bairros, mais
especificamente aos condomínios residenciais da região central, sobre os quais
recaia a responsabilidade do pagamento dos mesmos. Por exemplo, todos os
condomínios do Projeto de Arrendamento Residencial (PAR) têm este equipamento.
Mas, o que ocorreu após a implantação, ao contrário do planejado, foi o
surgimento de novos problemas. O primeiro foi em relação à população que não
fazia a separação dos diferentes resíduos, havendo até casos, de acordo com uma
entrevista, dos moradores colocarem fezes e animais mortos dentro dos COLIPOS,
segundo a fonte, por não gostarem da administração de então. Assim, ocorreu um
trabalho extra para a equipe responsável pela coleta dos materiais que deveriam ser
recicláveis, tendo que também realizar a limpeza e manutenção dos equipamentos
dispostos na rua.
O segundo problema se referiu à pretensa inviolabilidade destes
equipamentos por parte de pessoas não cadastradas. A experiência mostrou que as
lixeiras eram facilmente abertas por qualquer pessoa que conseguisse uma chave
Allen, responsável pelo fechamento do sistema da lixeira. Portanto, uma das
vantagens do equipamento, o impedimento de catadores não cadastrados
acessarem o material reciclável e a não disposição destes na rua, não se efetivou. O
acesso de qualquer pessoa ao material das lixeiras, salvo aquelas que se
encontravam no interior dos condomínios, ocasionou um outro gasto para a
Prefeitura, que contava com um caminhão específico para o recolhimento do material
nestes equipamentos, ou de charreteiros cadastrados ao projeto Coleta Solidária.
Não havendo materiais nestas lixeiras, as cooperativas existentes na época
recebiam muito pouco material e geralmente os de menor valor. Assim, isso gerou
um gasto extra com pessoal responsável pelo transporte do material e baixos ganhos
provenientes dos materiais coletados nestes equipamentos por parte dos catadores
cadastrados.
O terceiro problema foram as reclamações dos condutores de automóveis,
que, via de regra, reclamavam da diminuição do número de vagas de
estacionamento, ou, ainda, as reclamações dos riscos de colisão de automóveis com
carrinhos ou charretes de catadores parados próximos aos COLIPOS para
recolhimento de material. Estas situações descrevem como se deram as relações
79
dos catadores de rua com o Poder Público e com a população neste período,
fazendo com que muitos deles criassem resistência à participação em qualquer
projeto de ordenação da coleta, por entendê-lo como restritivo à sua atividade.
Muitas dessas reclamações, no entanto, foram fomentadas pela resistência dos
atravessadores, que instigavam os catadores contra a administração da Prefeitura,
de acordo com um entrevistado que, à época, fazia parte da gestão.
Conforme exposto, muitas das reclamações se deram por processos de
desumanização destes catadores, por parte de alguns segmentos da população.
Não são percebidos como agentes sociais, muito em razão de não haver contato
social, interação entre estes atores sociais. A relação desta parte da população se dá
somente com seu resíduo, e muitos compreendem, como descrito acima, que o mero
descarte do material com pré-seleção já é reciclagem. Assim, quando se relacionam
indiretamente com os catadores, não o fazem cientes das relações sociais inerentes
ao processo específico da reciclagem. É, ainda, um processo contraditório, pois
quando há uma relação com catadores, muitos a realizam de forma assistencial,
como se estivessem tratando com um mendigo, acompanhando, mesmo que de
forma diferenciada do primeiro exemplo, uma distância social, em especial no
referente às atividades laborais entre quem assiste e quem é assistido. Carrega em
si uma hierarquia.
Ainda no que se refere ao distanciamento, à coisificação destes sujeitos, os
condutores de veículos os consideram como obstáculos. Este processo,
propriamente capitalista, gera os conflitos descritos acima pela não percepção dos
agentes sociais envolvidos nos processos produtivos.
5.2 Catadores do Aterro
O número de catadores trabalhando no aterro controlado do município é
inferior ao de catadores que trabalham nas ruas; motivo desta diferença é o espaço
insuficiente para todos neste local. Os primeiros geralmente realizam a coleta de
materiais somente no aterro, não saem às ruas para coletar materiais, enquanto que
os últimos trabalham apenas nas ruas. Em Pelotas, há um acordo informal entre
catadores e a administração municipal. Este acordo permite a entrada no aterro
80
somente no período das 21 horas até às 4 horas da manhã. Conforme se observou
nas entrevistas, o rendimento médio dos trabalhadores do aterro é um pouco maior,
quando comparado com os rendimentos dos demais. Um dos motivos desta
diferença é a maior quantidade e concentração de resíduos neste local, não sendo
necessário realizar longas caminhadas para recolher o material reciclável, tornando o
trabalho mais intenso.
Nestas condições há, pelo que se percebeu nas entrevistas, uma maior
padronização dos ganhos, pois no local existe o cruzamento de um tempo
determinado de trabalho, (estabelecido pela administração) e um ritmo constante de
recolhimento e seleção dos materiais, o qual é imposto pela competição com os
outros catadores no local, bem como pela rapidez necessária para a coleta do
material antes que este seja enterrado pelas retroescavadeiras. Há, diferentemente
dos catadores de rua, uma imposição, mesmo que indireta, do ritmo do trabalho, o
que sugere a mensuração de uma produtividade, grosso modo, determinada pelo
tempo de que dispõe e pela disputa entre si, uma concentração destes trabalhadores
em um local comum e o ritmo ditado pela máquina que soterra os materiais.
Este ritmo de trabalho e as condições nas quais se realiza, geram inúmeros
acidentes, principalmente relacionados às máquinas. Além disso, existe a dificuldade
de trabalhar à noite e sem iluminação no local, causando cortes, machucados,
contato com material contaminado. Estes trabalhadores procuram fixar residência
próxima ao aterro, dando preferência à Vila Castilho. Nesta vila existe, inclusive, uma
rua ocupada exclusivamente por catadores - Rua dos Trilhos. Neste local existem
casas com os pátios repletos de materiais que serão selecionados no próprio local,
causando a contaminação do solo e aumentando os riscos à saúde, conforme
exposto anteriormente.
Neste local foi entrevistado um menor de idade que trabalha no aterro.
Segundo seu relato, sempre ocorrem acidentes, cortes nas mãos, machucados com
seringas e existe constantemente o perigo de atropelamentos pelos caminhões.
Mesmo trabalhando em tais condições, o entrevistado disse que não gostaria que
fosse proibida a entrada no local para coleta, pois consegue bons rendimentos.
Disse ainda que mudaria de trabalho se encontrasse algo “fixo”, com carteira
assinada, já que os riscos à saúde no atual trabalho são muito grandes. Também foi
relatada a sorte de um dos catadores do local, ao encontrar aproximadamente R$
81
2.500,00 escondidos em uma meia. Este dinheiro foi usado na construção de um
sobrado no local, feito de madeira irregular.
Em compensação, há os casos trágicos, como de um catador que não foi visto
pela retroescavadeira e quase teve uma perna amputada. O mesmo depoente
contou dos riscos ao seu cavalo, que, mesmo com ferraduras, pode se cortar ao
trafegar no escuro, que é outro problema do trabalho, aumentando ainda mais os
riscos. Na vila, há uma grande quantidade de atravessadores, em razão do grande
número de catadores da área. E também existem muitos porcos, que têm seu
alimento originado do aterro.
De acordo com entrevista do responsável técnico pela coleta de lixo do
município, tais condições referentes ao aterro devem ser modificadas ainda em
2008, pois, segundo o mesmo, os problemas sociais, no caso os catadores, não
devem ser resolvidos criando-se um problema técnico, ou seja, permitindo a entrada
destes no aterro controlado.
Segundo seu relato, para a diferenciação das formas de gestão da coleta do
lixo domiciliar, existem diferenças nas formas de disposição final dos resíduos. O
mais comum de se encontrar no país são os lixões, forma de depósito sem qualquer
tratamento, disposto a céu aberto e com presença de catadores e animais, como
porcos, por exemplo, já citados acima. O caso de Pelotas difere pelo tratamento que
é dado, como o constante aterramento dos resíduos, os lagos de estabilização para
o chorume, tratamento de gases, etc. Aqui o lixo é enterrado, mas continua sendo
depositado indistintamente, tanto o orgânico quanto o reciclável. Desta forma, a
Prefeitura pretende contratar segurança armada para que seja impedido o acesso
dos catadores ao aterro, isso em razão dos problemas gerados por eles, como
brigas, bem como para evitar que ocorram acidentes no local. Assim, seguindo
administrações municipais de outras cidades, o poder público local buscará proibir a
entrada dos catadores no aterro controlado, obedecendo a normas técnicas de
gerência de resíduos. Também, de qualquer maneira, a Prefeitura acaba por se
beneficiar do trabalho realizado pelos catadores, pois estes reduzem a quantidade
de material depositado no aterro, sem pagar nada a estas pessoas. A proibição para
a entrada dessas pessoas se dá justamente por essa razão, pois ao trabalhar dentro
do aterro, realizando um trabalho que mesmo que não seja diretamente dirigido à
Prefeitura, pode compreender, através da omissão do poder público, uma relação
82
laboral, uma prestação de serviço. Também, pelos acidentes freqüentes descritos
anteriormente, podem trazer prejuízos à Prefeitura.
5.3 Características Comuns aos Catadores de Pelotas
Distinguidas as particularidades das duas principais formas de coleta no
município, interessa destacar as características comuns aos catadores. A catação na
cidade de Pelotas é uma atividade predominantemente, mas não somente
masculina, constituindo estes a maioria dos entrevistados. Do total de 43
entrevistados, grande parte era de homens.
Figura 10: Divisão dos Catadores relacionada ao sexo
A catação propriamente dita é relegada aos homens, mesmo quando é uma
atividade que envolve toda família. Foram entrevistados casais que realizavam a
catação em conjunto, homens com filhos e algumas poucas mulheres, que relataram
não realizar habitualmente a catação. O que se percebeu é que para as mulheres,
bem como às crianças, é dada a atividade de separação e enfardamento dos
materiais em casa, nos casos em que a venda do material não é realizada
diariamente, enquanto os homens saem para realizar a coleta. Geralmente estes
casos são observados quando há crianças pequenas na família, provavelmente uma
das razões de as mulheres não saírem para a coleta.
35
8
Homem Mulher
83
Aqueles que têm filhos declararam que os mesmos, quando em caso de ajuda
na catação, o fazem quando não estão na escola, não deixando os estudos para
realizar a atividade. Contudo, quando realizada uma entrevista direta com uma
criança, ela declarou trabalhar no período das férias, mas que provavelmente
continuaria trabalhando quando começassem suas aulas.
No que diz respeito à formação escolar, a maioria dos entrevistados têm o
ensino básico incompleto, até o 5º ano e não realizaram cursos de
profissionalização, com exceção de um entrevistado que era técnico em eletrônica,
com ensino médio completo. O restante faz parte do contingente de trabalhadores
não especializados, sem formação profissional e educacional conforme apresentado
na tabela a seguir.
Tabela 9: Escolaridade dos Catadores entrevistados
Freqüência Porcentagem
Ensino Fundamental Completo
3
7,0%
Ensino Fundamental Incompleto
32
74,4%
Ensino Médio Completo
1
2,3%
Ensino Médio Incompleto
1
2,3%
Analfabeto
5
11,6%
Não Sabe/Não Respondeu
1
2,3%
Total
43
100,0%
O catador com ensino médio técnico, concedeu as informações mais precisas
sobre como se deu seu ingresso na atividade da catação. Segundo ele, a partir de
1994, iniciado o governo Fernando Henrique Cardoso, a situação para os
trabalhadores autônomos tornou-se insustentável, em razão da competição aberta
entre trabalhadores de seu ramo. O valor pago por seus serviços foi ficando cada
vez mais reduzido, pois as pessoas não consertavam mais os aparelhos ou
ofereciam um valor muito baixo pelo serviço, inferior, segundo o mesmo, aos custos.
Assim, teve de ir para a catação, desde então. Ressalta ainda, na atual atividade, a
discriminação que sofre, por mexer em lixeiras e por trafegar com sua bicicleta e
carrinho com os materiais, tendo consciência que não é dado o devido valor à
atividade.
84
Em relação à idade, a maioria dos trabalhadores encontra-se na faixa dos 40
aos 60 anos, representando este segmento um recorte distintivo, em relação ao
histórico profissional, comparado com os catadores das demais idades. O segundo
grupo em número se encontra na faixa de 30 a 40 anos, mas também foram
entrevistadas crianças e adolescentes desacompanhados de adultos e trabalhando.
Tabela 10: Idade dos Catadores Entrevistados
Percebeu-se uma distinção do histórico profissional na relação com a(s)
atividade(s) anteriores à catação, bem como a forma como encaram a atual
profissão. Os mais velhos geralmente se reportam às atividades anteriores, como a
atividade própria ou principal, de forma nostálgica, vendo nela sua profissão de fato.
Isto ficou claro, em especial, ao realizar entrevistas com as mulheres, a maioria delas
safristas das indústrias de conservas da cidade. Inicialmente, muitas delas
realizavam a catação de materiais somente nos períodos de entre-safra, em que não
havia atividade industrial, servindo a atividade de coleta somente nestes breves
períodos, em que esperavam o chamamento para dar início ao trabalho no setor de
conservas.
Com o passar do tempo e a desestruturação do setor conserveiro, cada vez
mais a catação passou de atividade esporádica à atividade principal, pois elas não
conseguem mais se recolocar no mercado local, pela sua nova configuração. Única
exceção se deu com uma entrevistada já aposentada, que trabalhava em indústrias
Idade Freqüência Porcentagem
15 a 18 anos
4
9,3%
19 a 24 anos
1
2,3%
25 a 29 anos
2
4,7%
30 a 40 anos
9
20,9%
41 a 50 anos
13
30,2%
51 a 60 anos
11
25,6%
até 14 anos
1
2,3%
mais de 60 anos
2
4,7%
Total
43
100,0%
85
de conserva e dizia que realizava a atual atividade por duas razões. A primeira,
porque era muito doente e precisava de dinheiro, pois o que recebia da
aposentadoria era insuficiente para seus remédios. A segunda razão, por gostar
muito de trabalhar com reciclagem, criando uma relação de amizade com
praticamente todos aqueles que lhe concediam o material reciclável. De acordo com
a mesma, ela se sente como se fosse da família, às vezes, pois seus fornecedores,
depois que fazem o churrasco no fim de semana, lhe reservam alguma carne e ainda
lhe dão as latinhas.
A mesma dificuldade de recolocação no mercado de trabalho acontece com
muitos homens, em especial aqueles ligados à atividade de construção civil. Em
períodos anteriores, segundo os mesmos, antes de terminar uma obra, já tinham a
encomenda de uma próxima, mas esta situação foi cada vez mais se reduzindo.
Então, foi sendo necessário, inicialmente, exercer a catação nos períodos em que
não havia trabalhos no setor e, finalmente, ela tornou-se a única ocupação. A seguir,
a tabela com as ocupações anteriores à catação de todos os entrevistados.
Tabela 11: Atividades Anteriores à Catação dos Entrevistados
Freqüência Porcentagem
Abatedor de frigorífico
1
2,3%
Ajudante de serralheiro
1
2,3%
Almoxarife
1
2,3%
Ariava alumínio
1
2,3%
Eletricista
1
2,3%
Engenho coquiando saco
1
2,3%
Entregador de jornal
1
2,3%
Estudante
2
4,7%
Funcionário de empresa
1
2,3%
Gerente de clube
1
2,3%
Vigia de motel
1
2,3%
Guardador de carro
2
4,7%
Jardineiro
1
2,3%
Mecânico
2
4,7%
Não fazia nada
1
2,3%
Não Sabe/Não Respondeu
5
11,6%
Padeiro
1
2,3%
Pedreiro
9
20,9%
86
Pintor
2
4,7%
Safrista
4
9,3%
Serviços gerais
1
2,3%
Vendedor ambulante de alimentos
2
4,7%
Vigia de boate
1
2,3%
Total
43
100,0%
Os trabalhadores mais velhos geralmente tiveram uma experiência longa com
uma única atividade, ou com mais de uma, de maneira formal, regulada pelo Estado.
Existem ainda os casos dos trabalhadores de mais idade que, em razão de algum
problema de saúde ou perda de capacidade física, não conseguiram mais empregos
formais, tendo de realizar, a partir daí, somente a catação. Todos estes históricos
demonstram a impossibilidade do retorno às relações formais de trabalho, tanto em
razão de modificações estruturais do mercado ao qual estavam ligados, quanto por
perda individual de capacidade de trabalho, mas esses últimos são exceção no
conjunto de trabalhadores na catação.
Um dos entrevistados chamou a atenção pelas características que deu à
atividade, bem como pelo seu histórico profissional, parecendo, pelo seu relato, a
encarnação do tipo ideal protestante de Weber. O entrevistado disse ter entrado no
ramo porque havia percebido ser muito lucrativo, um trabalho fácil. Trabalhava como
gerente em um clube social, tendo um salário, à época, de R$ 1.000,00. Com a
atividade da catação, atualmente, ganha por mês uma média de R$ 3.000,00,
trabalhando muito mais que doze horas diárias (tabela 4), fazendo pequenas
paradas de quinze minutos somente quando descarrega o material em um galpão.
Este fica localizado junto à igreja batista da qual faz parte.
No local, enquanto fazia a entrevista, havia uma mulher, uma adolescente e
um menino, aos quais o entrevistado chamou de secretários, pois eram responsáveis
pela venda do material que coletava diariamente. Ele tinha feito um carrinho com
capacidade para 500 quilos e estava aprontando, com o serralheiro, outro com
capacidade para 800 quilos. Perguntado sobre sua relação com o atravessador, se
considerava ser empregado ou cliente do mesmo, respondeu ser o contrário. Como o
atravessador era “obrigado” a comprar seu material, este era seu empregado. O
interessante na entrevista com esta pessoa foi o desejo de passar um sentimento de
87
independência, até de empreendedorismo de sua parte. Deixou seu trabalho anterior
porque quis e entrou na catação porque viu uma oportunidade lucrativa.
Mesmo que quase todas as atividades anteriores relatadas, com a exceção
de um entrevistado, técnico em eletrônica, sejam trabalhos que não exigiam
qualificação profissional, há uma diferença na maneira como alguns catadores, que
já tiveram outro emprego, encaram o trabalho na catação, em relação aos demais.
Geralmente são os mais velhos que parecem sentir certo constrangimento com a
ocupação atual. Os catadores mais jovens, em sua maioria, não experenciaram
atividades formais, iniciando o trabalho já enquanto catadores ou em outras
atividades informais, como serviços gerais, guardadores de carros, jardineiros ou
fazendo “bicos” de maneira geral, e parecem encarar a atividade como qualquer
outra, algo comum.
Perguntados sobre a razão de realizar a catação, a maioria absoluta dos
entrevistados disseram que estão na atividade em razão do desemprego ou a falta
de opção para se sustentar. Muitos se auto-responsabilizam pela situação precária
de trabalho, como quando declaram a responsabilidade por não ter estudado. No
entanto, para a maioria, foi o desemprego e a impossibilidade de entrar no mercado
formal que os levou ao trabalho atual.
Tabela 12: Razão de Realizar a Catação
Freqüência Porcentagem
Ajudar o pai
1
2,3%
Arrumar uma carnezinha
1
2,3%
Dá dinheiro
1
2,3%
Desemprego
19
44,2%
Desemprego por causa da idade avançada
1
2,3%
É o que dá mais dinheiro
1
2,3%
Falta de opção
7
16,3%
Gosta de trabalhar em catação
1
2,3%
Não teve estudo
3
7,0%
Obrigação humana (não roubar)
1
2,3%
Problemas de saúde
2
4,7%
Sustentar a casa
2
4,7%
Tem AIDS e não dão serviço
1
2,3%
Trabalhar por conta
2
4,7%
Total
43
100,0%
88
Há, assim, um recorte nos históricos profissionais, diretamente ligado à
conjuntura sócioeconômica do município, no momento em que se inseriram no
mercado de trabalho e a sua incapacidade de absorver mão-de-obra em diversos
setores em razão da modificação ou redução dos mesmos.
As razões para seu desemprego, geralmente é especificado de outra forma
pelos mais velhos, que dizem não arranjar trabalho em razão de sua idade avançada
ou porque têm problemas de saúde. Muitos destes trabalhadores também
compreendem a atividade como limítrofe à situação de marginalidade, em especial
aqueles que exerceram atividades formais no passado, sendo comum a muitos a
resposta “é melhor do que roubar”, o que compreende uma auto-imagem
extremamente negativa relacionada à atividade. O relato do técnico em eletrônica
demonstra como isto ocorre, sendo uma imagem atribuída à categoria e internalizada
por muitos destes trabalhadores. Existem também formas positivas de se relacionar
com a atividade, naqueles casos em que é citado o bem que gera ao meio ambiente,
ao “reciclarem” o material. Também há aqueles que reclamam por realizar um
trabalho para Prefeitura, pois recolhem o material que iria para o aterro e o
sobrecarregaria mais rapidamente, compreendendo-se, portanto, também como
agente ambiental.
O que parece comum à maioria absoluta dos trabalhadores da catação é a
insatisfação com a atividade. Os mais velhos declaram que, caso pudessem realizar
outra atividade, gostariam de trabalhar em suas antigas ocupações. Os mais novos,
mesmo não tendo ocupado atividades formalizadas, declaram que gostariam de
realizar qualquer atividade que lhes garantisse direitos trabalhistas, salário fixo, bem
como a possibilidade de aposentadoria. Os bem jovens, gostariam de jogar futebol.
89
Tabela 13: Outras atividades que gostariam de exercer
Freqüência Porcentagem
Advogada
1
2,3%
Ariar alumínio
1
2,3%
Artesanato
1
2,3%
Caseiro
1
2,3%
Eletricista
1
2,3%
Entregador
1
2,3%
Frigorífico
1
2,3%
Jogador de futebol
2
4,7%
Jogar bola
1
2,3%
Limpeza
1
2,3%
Marceneiro
1
2,3%
NS/NR
14
32,6
%
Operário
2
4,7%
Padeiro
1
2,3%
Pintor
2
4,7%
Qualquer outra
5
11,6%
Ronda
1
2,3%
Segurança
1
2,3%
Servente de pedreiro
4
9,3%
Varredor de rua
1
2,3%
Total
43
100,0%
É comum às duas gerações de trabalhadores (jovens- atividades sempre
informais/velhos atividades informais relativamente recentes) a referência ao
trabalho institucionalizado, legal, como sendo uma maneira aparentemente mais fácil
de garantir melhoria de vida. Isso ocorre muito em função dos direitos
previdenciários que advém deste tipo de relação trabalhista, sendo uma constante a
reclamação do cansaço físico e problemas de saúde gerados pela atividade de
catação. Perguntados sobre as razões de querer realizar outra atividade, estas foram
as respostas:
90
Tabela 14: Razão porque gostaria de exercer outra profissão
Freqüência
Porcentagem
Acha bonito
1
2,3%
Costume/sempre fez
8
18,6%
Ganhar um pouco mais
3
7,0%
Gosta deste trabalho
1
2,3%
Gosta do campo
1
2,3%
Melhor remuneração
2
4,7%
Menos cansativo/não ter que fazer esforço
3
7,0%
Não correr risco de pegar doenças
3
7,0%
Não Sabe/Não Respondeu
15
34,9%
Sempre gostou
1
2,3%
Serviço fixo/salário/segurança/direitos
4
9,3%
Trabalho melhor
1
2,3%
Total
43
100,0%
Neste sentido, em especial sobre a insatisfação com a catação e com os
problemas físicos decorrentes da atividade, foi feita uma pesquisa no município junto
aos catadores, que tinha como objetivo verificar quais os principais problemas de
saúde relacionados a este trabalho. A pesquisa verificou que entre eles há um
grande índice do denominado “problemas psiquiátricos menores”, e expressados em
depressão, cansaço, alcoolismo e outros problemas que acabam por trazer, além de
um desgaste emocional, maior probabilidade de acidentes no trabalho. Deste estudo,
aplicado a 440 catadores e a um grupo de comparação composto por 441 pessoas
com características socioeconômicas similares, mas de profissões diferentes,
verificou-se que 44,7% dos catadores apresentavam os referidos “problemas
psiquiátricos menores”, os quais, segundo o estudo, estão relacionados à forma
como é executado o trabalho, pela repetição monótona de tarefas, de acordo com
90% dos entrevistados.
O desgaste físico pelo levantamento de peso, pela vibração, posturas
desconfortáveis constantes e também o desgaste emocional, relacionado à
insatisfação com a atividade, em função dos baixíssimos rendimentos auferidos,
atingem com maior intensidade as mulheres e resultam em problemas físicos
diretamente ligados à atividade (SILVA, 2006). O autor da pesquisa ressalta que uma
quantia ínfima dos entrevistados disse ter problemas psiquiátricos desta ordem,
quando no exercício de outras atividades anteriores à catação.
91
As possíveis causas para o quadro de insatisfação, além dos fatores físicos
relatados são: a baixa remuneração, que de acordo com as entrevistas realizadas,
não garantem a muitos sequer um salário mínimo; a imagem negativa atribuída à
atividade, sentido por muitos; a falta de solidariedade dentro da categoria; e a fraca,
ou inexistente, coesão do grupo em âmbito local. Este último fator apareceu quando
perguntado se havia alguma forma de apoio entre os catadores, sendo recebidas as
seguintes respostas:
Figura 11: Existência de alguma forma de apoio entre os catadores
Não há, para a maioria, qualquer forma de representação da categoria;
acredita-se que muito em razão pela maneira como é realizado o trabalho. Eles se
colocam em disputa pelo material reciclável, não havendo cooperação na atividade
direta, salvo algumas exceções, conforme segue.
29
67%
2
5%
12
28%
não
NS/NR
sim
92
Tabela 15: Apoio existente entre os Catadores
Freqüência
Porcentagem
Ajuda para carregar material
4
9,3%
Cada um tem lugar para pegar material
2
4,7%
Dão material quando tem pouco
1
2,3%
Não há briga pelo material
1
2,3%
Não Sabe/Não Respondeu
33
76,7%
UPCC
2
4,7%
Total
43
100,0%
Assim, ações como o respeito pelos lugares de coleta, não brigar e a ajuda
para carregar o material, são vistos como atitudes de apoio mútuo, mas que destoam
da regra da atividade. Quanto a União Pelotense de Carroceiros e Charreteiros
(UPCC), ele é citada geralmente quando há o cruzamento da catação com a de
charreteiro, freteiro, o que não é muito comum.
Quanto aos baixos ganhos da categoria, estão determinados, em primeiro
lugar, pela estrutura local da “produção” dos recicláveis. Conforme exposto
anteriormente, o setor é extremamente segmentado, se localizando as indústrias
somente em algumas grandes cidades. Em Pelotas, os catadores encontram a
possibilidade de venda de seus materiais somente para os pequenos e médios
atravessadores, também denominados sucateiros. Mesmo que houvesse maiores
compradores, por eles só comprarem grandes quantidades, isso descartaria
negócios diretamente com os catadores. Os atravessadores locais compram o
material dos catadores e, por sua vez, o revendem para grandes atravessadores,
localizados na região metropolitana do Estado. Desta forma, grande parte deste valor
é retido nesta intermediação, antes da chegada até a indústria. As diversas etapas
que são descritas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada com o
auxílio do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e
que a princípio seriam executadas pelos catadores, chegando a 89% do total do
trabalho executado no setor, não se aplica em Pelotas.
Por falta de recursos, organização ou informação, muitos catadores locais só
realizam as etapas iniciais do trabalho: a coleta e pré-seleção dos recicláveis,
deixando de agregar grande parte do valor prévio ao beneficiamento destes
93
materiais, como enfardamento, picotagem, prensagem, realizado pelos
atravessadores que têm os equipamentos necessários para isso.
Muitos catadores mantêm relações de trabalho com os atravessadores, o que
os tornam dependentes destes. Isto se dá, por exemplo, nos casos em que o
carrinho utilizado é de propriedade do atravessador, tendo como contrapartida a
venda exclusiva para ele. Quando a venda é realizada diariamente, não há uma pré-
seleção dos materiais, podendo reduzir ainda mais os seus valores. Estes casos
acontecem com os catadores que não dispõem de carrinhos (a tração humana) ou
charretes (tração animal) ou local próprio para a prévia separação.
As formas de relação com os atravessadores têm pequenas variações locais,
mantendo-se os limites locais de negociação. Muitos catadores permanecem
negociando com o mesmo atravessador por longos períodos, dependendo a relação,
basicamente, do valor que é oferecido pelos diversos materiais.
Tabela 16: Razões para vender para determinado Atravessador
Freqüência Porcentagem
Busca o material em casa
4
9,3%
Deixa o material guardado no local
1
2,3%
Empresta carrinho
2
4,7%
Empresta dinheiro
4
9,3%
Está acostumado
6
14
,0%
Mais honesto
1
2,3%
Mais perto de casa
1
2,3%
Melhor preço
20
46,5%
Não Sabe/Não Respondeu
2
4,7%
Só conhece ele
1
2,3%
Urgência do dinheiro
1
2,3%
Total
43
100,0%
No entanto, os entrevistados disseram mudar de atravessador por serem
desonestos, a forma de tratamento e a maneira de trabalhar. A reclamação mais
comum é que a balança sempre acusa um peso inferior ao que o catador levou,
modificando o resultado apresentado na balança. Também houve relatos daqueles
que diziam não estar trabalhando com determinado material em certo período, pois
94
estaria sendo oferecido um valor muito inferior pela mercadoria. Houve muitas
queixas em relação ao tratamento dispensado pelos prenseiros, trabalhadores
empregados diretamente pelo atravessador, que destratam os catadores. É
interessante destacar que foi verificado nas entrevistas com os atravessadores que
muitos destes prenseiros já foram catadores, e agora estão contratados pelo
estabelecimento de relações duráveis.
É possível, então, que uma das razões para esta animosidade dos prenseiros
seja em razão da forma como procuram se diferenciar e da possível disputa pelo seu
emprego. Este, já tendo sido catador, procura se distanciar o máximo, destratando e
demonstrando fidelidade ao atravessador, ao mesmo tempo em que afasta a
possibilidade daquele que entrega o material se empregar nesta função. Como dito
antes, muitos procuram se diferenciar individualmente, como estratégia para
mudança de situação, e para tal buscam a vinculação com quem detém o controle da
relação econômica e social, no caso, o atravessador. Mesmo sendo freqüente esta
situação, não é a regra o desejo de vinculação permanente.
Tabela 17: Razões para mudar de Atravessador
Freqüência Porcentagem
Balança rouba
4
9,3%
Brigou com o balanceiro
1
2,3%
Fecha muito cedo
1
2,3%
Fechou
1
2,3%
Longe
5
11,6%
Mudou o dono
1
2,3%
Não buscava material em casa
2
4,7%
NS/NR
20
46,5%
Pagava menos
4
9,3%
Tinha que avisar a entrega
1
2,3%
Vendia em caso de emergência
3
7,0%
Total
43
100,0%
Um dos entrevistados disse que parou de negociar com um atravessador
determinado porque este o tratava como “candango”, o destratava, exigia o
cumprimento de horários. Em razão disso preferiu percorrer maior trajeto para
entregar seu material a outro, a continuar negociando com esta pessoa. Neste
95
sentido, alguns trabalhadores demonstram certa satisfação, necessidade de se
afirmarem enquanto trabalhadores autônomos, sem subordinação a ninguém. Uma
das entrevistadas declarou que a melhor coisa da atividade era de não ter que
cumprir horário estabelecido por um patrão, sendo livre para fazer o trabalho na hora
em que queria. O trabalhar por conta aparece como uma forma de se sentir
independente frente aos diversos problemas da atividade.
A entrevistada reconhece as dificuldades, principalmente os baixos ganhos,
mas, de acordo com a mesma, isso é compensado com a ajuda de lojistas, que lhe
dão comida, roupas, remédios e ajudas eventuais, um exemplo do estreito limite da
atividade da catação com a mendicância e o clientelismo inerente às relações
desiguais entre os excluídos do consumo e os incluídos, estes últimos, trabalhadores
formais e gerentes de lojas. Mesmo assim, a entrevistada recorda-se do período em
que era assalariada, como mais seguro.
Os catadores são trabalhadores não subordinados a um patrão, são
autônomos, e assim têm a liberdade de vender a mercadoria que coletam para quem
lhes ofereça o melhor preço. Contudo, o que fazer quando todos estes oferecem o
mesmo preço ou com pouquíssima diferença? Os atravessadores fixam o mesmo
valor às mercadorias, formando um cartel de exploradores da força-de-trabalho dos
catadores, através da depreciação extrema das mercadorias negociadas. Mesmo
não havendo a formalização das relações de trabalho, este setor da economia tem
bem delimitadas as etapas necessárias à realização de negócios lucrativos,
representando os atravessadores, ao comparar-se com o ciclo de trabalho industrial,
os capatazes, que trabalham de fato como autônomos, porém, utilizando a força-de-
trabalho alheia para produzir seus rendimentos. No final do processo há a indústria
que adquire o valor não pago aos catadores pelo trabalho despendido na coleta de
materiais recicláveis.
Além da depreciação dos valores pagos pelos materiais coletados, existem
relatos de coação sobre os catadores e ameaças quando da organização dos
mesmos em cooperativas; seja de forma auto-gerida, ou assistida pela gestão
municipal
12
. Em um caso, foi cortada a dependência direta com os atravessadores
12
Segundo entrevista realizada em 10 de julho de 2006 com Luis Antonio Paiva Rampazzo, ex-Diretor
do Departamento de Políticas Ambientais da SQA e relato realizado por Solaine Gotardo, integrante
do Grupo de Reciclagem da Incubadora Tecnológica de Cooperativas (INTECOOP) da UCPEL.
96
locais pelo Poder Público
13
, em momento que este se responsabilizava pelo envio
dos materiais coletados à indústria e, assim, tomava o lugar do atravessador, sem,
no entanto se apropriar dos materiais e, ao contrário, subsidiando os catadores. Tal
iniciativa não logrou êxito, pois estava presa à iniciativa da gestão municipal
2001/2004 e não teve continuidade. Ainda, por não ter sido uma ação
autogestionada, e sim elaborada por grupos politicamente constituídos previamente
que não contavam com catadores em sua organização ou na formulação do projeto,
ficou atrelada à dependência de iniciativa do poder público para sua continuidade, o
que não ocorreu, pela opção política tomada pela nova gestão municipal de não
trabalhar mais em parceria com os catadores, de acordo com o que será
apresentado no capítulo sobre o Projeto Coleta Solidária.
De acordo com o que é observado localmente, tal possibilidade é nula em
razão da maneira como é realizada a relação de trabalho entre catadores e
atravessadores. Estes últimos não têm qualquer forma de obrigação formal para com
estes trabalhadores. Também as indústrias não mantêm qualquer vínculo formal com
qualquer dos agentes, mesmo que dependa totalmente deles. Acredita-se, portanto,
que a maior parte do valor será apropriado neste último setor.
Ainda, por não ter sido uma ação auto-gestionada, e sim elaborada por grupos
politicamente constituídos, que não contavam com catadores em sua organização
nem na formulação do projeto, ficou atrelada à iniciativa do poder público para sua
continuidade. Esta continuidade não ocorreu, pois a nova gestão municipal optou por
não trabalhar mais em parceria com os catadores. Este ponto será abordado
adequadamente no capítulo sobre o Projeto Coleta Solidária.
Outra situação ocorreu ao final do referido projeto, logo após a Prefeitura
retirar todos os subsídios. Um atravessador ofereceu seu galpão (dizendo ser
membro de uma cooperativa, quando na verdade era proprietário do local) para os
catadores remanescentes darem continuidade ao seu trabalho. Para que estes
catadores conseguissem desenvolver seu trabalho no galpão “cedido”, deveriam
levar para o local todo material adquirido no período anterior e todos os seus
equipamentos.
13
O que, segundo relatado em entrevista de Rampazzo, gerou uma série de ameaças por parte dos
atravessadores, tanto aos envolvidos no processo da Prefeitura, quanto aos catadores.
97
Segue-se que este grupo de catadores, acompanhado pela INTECOOP14,
começou a ser pressionado pelo proprietário do galpão a pagar pela utilização do
local, caso contrário seus equipamentos seriam confiscados. Assim, constata-se que,
pelo menos em nível local, as formas de exploração podem não se apresentar
apenas na forma clássica, mas trazem os mesmos elementos finais, a saber: super-
exploração da força-de-trabalho e coação. Estes setores têm benefícios garantidos
em projetos de lei15, tais como isenção de ICMS às indústrias recicladoras. O
esperado então é que o valor que deixam de pagar, mesmo que irrisório, seja
repassado aos atravessadores.
Quanto à falta de solidariedade na categoria, isto ocorre pela forma como o
trabalho é executado. Sendo regra o trabalho autônomo, não há necessidade de
cooperação no trabalho de catação, excetuando a ajuda de familiares, tanto nas ruas
quanto no aterro, sendo normal haver a disputa pelo material. A forma de trabalho é
a descrita sobre os trabalhadores informais e precários (BERNARDO, 2000), que
realizam a atividade de forma solitária, e, às vezes, em disputa com outros
trabalhadores. Foram comuns os relatos de brigas entre catadores, não havendo
nenhum indício de cooperação entre os mesmos a não ser de forma eventual, como
o respeito por pontos de coleta ou ajuda em carregar parte do material. Perguntados
sobre a existência de apoio entre catadores, a maioria, cerca de 67% dos
entrevistados, disse desconhecer qualquer forma de apoio entre eles, conforme
exposto anteriormente. Nas ruas, a disputa se dá pelas rotas, pelo fornecimento de
materiais por determinadas lojas ou condomínios, enquanto no aterro a disputa é
praticamente física, na medida em que o caminhão despeja os materiais e somente
os mais fortes ou ágeis conseguem, ao mesmo tempo, fugir da retroescavadeira e
assegurar-se a melhor parte.
Muitos se reportam ao apoio dado pelo atravessador com quem negociam,
utilizando-se de maneiras variáveis para atrair clientes. Dependendo da quantidade
de material, alguns atravessadores vão até a casa dos catadores para buscar o
material; outros, a cada 1500 quilos de material de determinado tipo vendidos, doam
“sacolão” de alimentos; e ainda há os que fazem o sorteio de charretes para aqueles
14
Incubadora Tecnológica de Cooperativas, ligada à Universidade Católica de Pelotas.
15
Projeto de Lei de autoria do Deputado Vieira da Cunha (PDT) que pretende isentar as indústrias
recicladoras e incentivar a expansão deste setor, que, sedimentado, é “aliado fundamental da
preservação ambiental” (Mil Famílias Vivem como catadoras. Diário Popular, Pelotas, 24/09/2006).
98
com quem negociam de forma exclusiva. Foi Destacada a prática do empréstimo do
carrinho; isto acontece quando há exclusividade da venda dos materiais, assim como
o empréstimo de dinheiro; (que, na verdade trata-se de adiantamento feito aos
catadores mediante o compromisso de venda). Estas formas de cooptação
empregadas pelos atravessadores estabelecem laços relativamente duradouros,
gerando então maior identificação com o atravessador com quem negociam, do que
com outros catadores.
Pelas respostas recebidas nas entrevistas, há uma total atomização da
atividade, vendo aqueles de mesma situação laboral, muitas vezes, como
competidores e se comportando e sendo vistos pelos atravessadores, como clientes,
fregueses. Conforme relatos, os atravessadores são escolhidos pelos catadores de
acordo com o melhor preço oferecido e tratamento dispensado. Em alguns casos,
um catador vende seu material para outro, isso acontece principalmente por causa
da longa distância entre o local onde o catador realiza a atividade e o local para
venda. Outras vezes,acontece porque a quantia de material é insuficiente para que o
atravessador vá buscá-lo. Foi presenciada a venda feita por valores inferiores aos
praticados pelos atravessadores, o que significa uma forma de exploração direta
entre os próprios catadores. Para os que compram o material não há acréscimo de
trabalho, pois não levam o que compraram ao atravessador, somente acrescentam a
mercadoria ao que eles mesmos já cataram para vender junto. Alguns deles, além da
atividade de coleta de material, trabalham também como pequenos atravessadores,
havendo inclusive um caso de trabalho “cooperativado”, ou seja, um deles realiza a
compra de materiais de outros catadores.
Além de receber um baixo valor dos atravessadores, os catadores também,
quando precisam de dinheiro imediatamente, são explorados por outros catadores,
como na compra de materiais a preços inferiores, em casos de urgência de dinheiro,
de acordo com o observado em campo. Diretamente relacionado à falta de
solidariedade da categoria, há uma falta de coesão, que poderia ser demonstrada,
de diversas formas, além das já elencadas. Como, por exemplo, em
empreendimentos solidários, como cooperativas de reciclagem. A regra geral é que
existam por iniciativa externa, e o trabalho, mesmo dentro destas formas “solidárias”,
ocorre de maneira solitária e em disputa direta com outros membros da categoria.
99
Há, inclusive, certa resistência, por parte de muitos, sobre iniciativas
cooperativadas ou sobre a organização da atividade por parte do Poder Público. Isso
decorre, de acordo com os próprios, das experiências realizadas nesta área, em
especial o Projeto Coleta Solidária e os COLIPOS, bem como as restrições do
acesso ao aterro. Questionados sobre formas de apoio, declararam, em sua maioria,
desconhecer iniciativas a este respeito.
A atividade no município é quase totalmente realizada sem identidade entre
os catadores, sem se auto-reconhecerem como categoria de trabalhadores. Daí uma
das possíveis interpretações da adesão a determinado atravessador como forma
individual de sair da situação atual, desvalorizada, de catador. Adota a estratégia de
empregar os valores do atravessador na busca de se tornar um deles, como se viu
em alguns casos em que começam a comercializar materiais assim que conseguem
mínimos recursos. Ou, ainda, buscam tomar a confiança destes empresários na
tentativa de se tornarem prenseiros, buscando a relação salarial, estável e segura,
de acordo com vários entrevistados.
Muitos responsabilizam outros catadores pelos baixos ganhos; declaram que
os valores dos materiais são baixos porque existem muitas pessoas coletando. Não
relacionam o valor baixo com aspectos comerciais não diretamente observáveis por
eles, expressão da alienação do processo produtivo e, por não trabalharem
enquanto coletivo, dificulta a percepção dessas relações. A ausência de um coletivo
dificulta a percepção local de agentes antagônicos, tanto economicamente quanto
politicamente. Não responsabilizam o atravessador ou a indústria, a não ser uma
pequena parcela, limitando-se às respostas dadas pelos próprios atravessadores
sobre o valor baixo das mercadorias.
5.4 Os Atravessadores
Qual o papel desempenhado no ciclo da reciclagem pelos atravessadores de
materiais recicláveis, é o que se procura mapear no presente sub-capítulo. Para
compreensão de sua atividade e do ciclo de reciclagem no município de Pelotas
Rio Grande do Sul/ Brasil, se faz necessário recapitular a exposição de como se
estruturam as relações de trabalho no circuito local, entre catadores e
atravessadores, sendo estes os responsáveis pelo envio do material coletado nas
100
ruas por catadores autônomos, para outras cidades, geralmente localizadas na
região metropolitana do Estado. Este agente específico recebe o nome de
atravessador, intermediário ou sucateiro, dependendo da região do país em que se
aborde o tema. Necessariamente, trabalhará com os catadores não organizados em
cooperativa, pois estes têm à disposição, normalmente, um galpão para selecionar o
material e perfazem um montante suficiente para ser comprado por outro
atravessador de maior porte, ou diretamente pela indústria.
Assim, pode-se afirmar que os atravessadores não têm interesse na
organização dos catadores, visto que isso, necessariamente, leva a uma redução do
quantum de materiais recebidos por eles. As etapas de seleção, armazenamento e
transporte seriam realizadas pelos cooperados, e, sendo assim, a figura do pequeno
e médio atravessador se tornaria desnecessária para a realização do ciclo de
recicláveis até a indústria, pois as cooperativas desempenhariam a atividade que
ficaria a cargo destes. Não havendo organização dos trabalhadores catadores, o
atravessador é o agente do circuito de recicláveis responsável pelo envio dos
materiais coletados às indústrias quando não existem cooperativas.
O que é generalizável, em âmbito nacional, é que o mercado de recicláveis é
extremamente concentrado, encontrando-se as indústrias na região sudoeste do
Brasil com parte do material reciclável servindo para exportação. Neste ciclo, os
catadores cooperados são a minoria, sendo regra, portanto, o ciclo catador-médio
atravessador-grande atravessador e indústria. A diferença do grande para o médio
atravessador é a capacidade de armazenagem e sua localização, estando os
verdadeiramente grandes próximos das metrópoles. E também há uma diferença em
relação aos materiais de trabalho, pois, novamente, os grandes dispõem de maiores
meios para agregar valor ao material. Ficam, desta forma, os médios
atravessadores, localizados em cidades de médio e pequeno porte, servindo de
fornecedores para estes grandes atravessadores. Segue abaixo, de acordo com o
exposto sobre a organização da reciclagem, a descrição do mercado local de médios
atravessadores em Pelotas conforme foi possível apreender das entrevistas.
101
5.4.1 Médios Atravessadores de Pelotas
Foram realizadas três entrevistas com atravessadores de diferentes regiões
do município de Pelotas: Atravessador 1, localizado no bairro Areal, Atravessador 2,
no bairro Centro e Atravessador 3 no bairro Simões Lopes
16
. Eles foram escolhidos
pela estrutura que dispunham e por serem citados pelos catadores nas entrevistas
realizadas. Além dos três entrevistados, foram citados outros 22 pontos de entrega
de materiais espalhados pela cidade. Cada um dos entrevistados tem seu galpão e
contam com estrutura semelhante, em que compram materiais recicláveis de
catadores autônomos (que vão ao local para vender os materiais coletados durante o
dia), ou ainda de pessoas que esporadicamente juntam materiais para
complementação da renda.
O movimento nestes locais geralmente é intenso, não sendo exclusividade a
venda de materiais por parte das camadas de baixa renda. De acordo com um dos
entrevistados, algumas empresas de médio e grande porte, como por exemplo, a loja
C & A, vendem materiais recicláveis, tais como caixas de papelão. Isto significa em
primeiro lugar, que todo material, inclusive aquele que não é objeto do comércio
direto dessas lojas, é aproveitado para gerar lucro. Em segundo, estes materiais que
antes eram dados aos catadores e agora vendidos diretamente pelos geradores,
demonstram uma possibilidade de prática generalizável, em médio prazo, pelos
demais estabelecimentos comerciais. Todos os atravessadores compram os
recicláveis a determinado preço, que a princípio é estabelecido pelo mercado. Os
preços oscilaram, no período de 2007 em Pelotas, conforme quadro a seguir:
16
A escolha destes atravessadores se deu em razão do tamanho do estabelecimento e infra-estrutura
disponível e por serem os mais citados por catadores como ponto de vendas. Ainda outro
atravessador, que comercializa somente metais, se negou a dar entrevista.
102
Tabela 18: Preços de compra e venda operado por atravessadores em Pelotas
COMPRA VENDA
PAPELÃO (Kg) R$ 0,10 a 0.13 R$ 0,23
PET (Kg) R$ 0,30 a 0,35 R$ 0,65
ALUMÍNIO (Kg) R$ 2,00 a 2,50 R$ 3,20
Os preços de compra apresentam pequena oscilação em razão da qualidade
do material que recebem dos catadores e demais vendedores, pagando a mais pela
pré-seleção dos materiais, como, por exemplo, a separação das garrafas pet por cor,
ou ainda a necessidade de limpeza do papelão, sem material molhado junto,
evitando contaminação e reduzindo o seu gasto direto com pessoal.
A oscilação de preço não ocorre quando estes atravessadores realizam a
venda, sendo exigência dos grandes atravessadores e indústrias um padrão de
“pureza” dos materiais. Conforme as entrevistas, a fonte de maior renda são os três
materiais apresentados no quadro acima, sendo ignorados vidro, isopor e borracha
pelo seu baixo preço de mercado, e, sendo assim, seu destino será o aterro local ou
terrenos baldios do município.
Todos estes atravessadores locais também têm empregados que exercem as
funções de seleção, separação e prensagem do material e são pagos da mesma
forma, com salário por tempo de trabalho, diferindo apenas na assinatura da Carteira
de Trabalho, em razão do tempo de funcionamento e tamanho do estabelecimento.
Quanto menor o estabelecimento, mais provável se torna que não assine a carteira
destes trabalhadores. A relação de trabalho com estes selecionadores é
completamente diversa daquela com os catadores. Estes funcionários, em sua
maioria, já exerceram a catação e foram contratados pelo estabelecimento a partir de
uma relação de confiança entre ambos, mas são vistos como empregados,
independendo da situação jurídica (NORONHA, 2003), expresso na assinatura ou
ausência da Carteira de Trabalho, o que não ocorre com os catadores, que são
considerados em outra esfera de relação, como clientes.
103
Todos os atravessadores entrevistados, ao serem questionados sobre como
entendiam sua relação com os catadores, se esta seria uma relação de
subordinação ou de mando, disseram não compreender desta forma, chamando os
catadores que vendem material para seu depósito, de fregueses ou clientes. Tal fato
chamou atenção tanto pela significância do termo, em que expressam a
compreensão de aparente igualdade na relação, que se desvia de uma relação de
exploração, para mera compra e venda de materiais, intercâmbio de valores (MARX,
1983).
Chama atenção também o sentido dado pelo atravessador ao freguês, que ao
estabelecer uma relação de confiança, pode se tornar empregado ou selecionador
do galpão, sendo esta uma relação compreendida pelo atravessador e catador como
totalmente diversa daquela que é percebida como a de dois negociantes autônomos.
Esta relação de confiança se dá pelos diferenciados mecanismos utilizados pelo
atravessador para negociar com determinados catadores, tais como empréstimo de
carrinho, adiantamento do dinheiro, e outras formas descritas anteriormente, em
troca da exclusividade da venda. Estas relações aparecem a ambos, de acordo com
o observado, como uma atividade de benemerência do atravessador, que escolhe
aqueles catadores que se destacam pela honestidade na negociação. Tal percepção
pode resultar da falta de uma identidade salarial por parte dos catadores, advinda da
forma como recebem seus ganhos através do seu trabalho, mas que é remunerada
pelo atravessador por material comercializado. Assim, como não existe uma relação
salarial formal, percebe-se e é percebido pelo atravessador como mero comerciante.
Os atravessadores locais têm, em média, à sua disposição, a mesma
estrutura e meios de trabalho. Dispõem de prensas, que servem para o
enfardamento dos diferentes materiais negociados. Estes equipamentos geralmente
aparentam ser toscos e representar risco aos selecionadores, pois estes inserem
materiais dentro da máquina, às vezes com esta já em funcionamento, sem
utilização de qualquer tipo de Equipamento de Proteção Individual (EPI). A ausência
de segurança do trabalho dos selecionadores foi uma constante em todos os casos
observados, sendo este um resultado da inexistência ou baixo investimento em
segurança do trabalho ou manutenção do maquinário, com intuito de manter a
margem de lucros maior possível, assim como a falta de recursos para o
melhoramento destes fatores, situação típica do setor.
104
Também dispõe de elevadores para levantar o material até a caçamba do
transporte, que levará o material ao comprador. Todos pagam frete de caminhões
até a região metropolitana, o que perfaz boa parte do custo do atravessador,
reduzindo o que recebe no final do ciclo até a entrega à indústria, não
impossibilitando, de qualquer forma, os negócios. Na maioria dos casos, algum
equipamento de trabalho foi cedido por um comprador final, geralmente a prensa, em
troca da exclusividade de venda. Esta prática não foi descrita em outros trabalhos
que tratam do tema (GONÇALVES, 2006), aparentando, portanto, ser específica da
região.
Contudo, em outros locais, como São Paulo, é descrita a prática do
atravessador de cobrar aluguel do catador pelo carrinho, o que se verifica em
Pelotas de forma diferenciada, de acordo com o relatado anteriormente. Todos os
materiais são enviados para fora da cidade, com exceção do alumínio e cobre, que
são comprados por atravessador que trabalha somente com metais, sucatas e ferro.
Este atravessador se negou a dar entrevistas, possibilitando, assim, somente
especulações sobre a origem e destino dos materiais que negocia.
De acordo com as entrevistas, todos os atravessadores vendem, em média,
todos os materiais por 100% a mais que o valor da compra junto ao catador,
excetuando o alumínio, conforme se observa na tabela 15. Descontados todos seus
custos, como aluguel do galpão, pagamento de frete, funcionários e, em alguns
casos, impostos, conseguem uma renda mensal de aproximadamente R$ 2.000,00
mensais, com exceção do Atravessador 3 que tem um sócio e tem de dividir seus
lucros. Conforme este entrevistado, o rendimento mensal separado para gastos
pessoais é a menor parte dos ganhos compreendida como “pró-labore” de R$ 500,00
para cada sócio, reinvestindo parte dos ganhos no aumento da estrutura, pois estão
na atividade por “amor ao ambiente”, tendo ganhos fixos, advindos de sua
aposentadoria. De toda forma, o resultado das vendas mensais é aproximado aos
valores recebidos pelos outros dois entrevistados.
Os três entrevistados não se conhecem e tampouco demonstram interesse em
se conhecer, exceto em caso de negociação, o que se dá de forma muito
esporádica, como no caso da compra dos metais, que apresenta um mercado
diferenciado e mais lucrativo. A única vez que alguns se articularam politicamente,
por uma questão pontual e diretamente econômica, foi na ocasião do
105
desenvolvimento do Projeto Coleta Solidária desenvolvido pela gestão municipal do
Prefeito Marroni (2001-2004), em que alguns destes intermediários fizeram um
abaixo-assinado contrário a este projeto por se sentirem ameaçados
economicamente. Isto se deu em razão do projeto pretender implantar cooperativas
de catadores no município, o que, conforme exposto anteriormente, retira do ciclo de
comercialização, o atravessador. Não houve prosseguimento neste abaixo-assinado
em razão dos problemas enfrentados pelo Coleta Solidária e a questão deu-se por
encerrada. O entrevistado 2, que trabalha no ramo há 18 anos, declarou que não se
envolveu neste assunto, porque não gosta de “politicagem”.
Verificou-se, assim, que enquanto intermediários, não desenvolvem
atualmente, e tampouco desenvolveram no passado, nenhuma ação em conjunto,
mas têm em comum uma série de similaridades que possibilita sua separação em
uma categoria específica: atravessadores, empresários médios do ramo de
reciclagem, que através dos traços comuns socioeconômicos e formas de agir junto
aos catadores e grandes atravessadores ou indústrias, comprovam que não são
indivíduos independentes de relações socioeconômicas estruturadas e estruturantes,
pois o agir é padrão.
Ainda, não necessitam organizar-se enquanto categoria para que continuem
nos negócios, pois sua atividade parte da premissa da necessidade de
desorganização política e econômica alheia, no caso a dos catadores, e não é
necessária sua organização como categoria para que exerçam sua atividade. Daí a
razão, pelo menos no plano local, do descaso dos entrevistados em relação a formas
de organização mínimas da categoria, mesmo que apenas um abaixo-assinado,
compreendido como desnecessário ou ligado a interesses políticos partidários. A
principal razão é a de não haver um antagonista no setor que tenha interesses
contrários. Como não existe a organização de catadores em associação ou
cooperativa, que atue de forma independente, mas somente autônomos, caracteriza-
se o setor local como comerciantes ou fregueses que se vêem como iguais, pois
somente vendem mercadorias.
106
6 A EXPERIÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO
6.1 O Projeto Coleta Solidária De Pelotas (2001-2004)
O presente capítulo foi elaborado com base nos relatos das entrevistas dos
participantes da gestão da Prefeitura Municipal de Pelotas, no período de 2001 a
2004, respectivamente Alexandre Melo, Secretário de Qualidade Ambiental (2001 a
2004), Lauro Borges, Coordenador Geral da Secretaria de Qualidade Ambiental
(2001 a 2003) e Luis Antonio Paiva Rampazzo, Diretor do Departamento de Políticas
Ambientais da Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental (2001 a 2004). Ainda se
utilizou, como referência, o trabalho monográfico de Virgílio Porto (2004) sobre o
referido Projeto, bem como o Relatório Ambiental (RAMB, 2002) da cidade de
Pelotas.
O projeto Coleta Solidária teve como propósito a formação de uma associação
de reciclagem, responsável pelo recebimento do material da coleta seletiva no
município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Foi implantada pela
Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental de Pelotas (SQA) em 2001, ano do
início da gestão de Fernando Marroni (PT) e também da criação da referida
secretaria, que anteriormente era um departamento ligado à Secretaria de Serviços
Urbanos. A criação da SQA, assim, demonstrava, formalmente, uma maior
preocupação com a questão ambiental pelo governo que se iniciava. Isto se dava
especialmente no caso da Coleta Seletiva, em que, seguindo o exemplo das gestões
da Prefeitura de Porto Alegre, RS, Brasil, à época também sob administração do
Partido dos Trabalhadores (PT), pretendia implantar um modelo de Coleta Seletiva
próximo ao que vinha sendo adotado até então na Capital, através do envolvimento
de grupos organizados de catadores de lixo e com foco na economia solidária. Desta
forma, pensou-se na organização de um programa piloto que observasse as
107
diferenças em relação à organização da coleta de Porto Alegre, inicialmente em
relação à escala.
Um dos requisitos iniciais do programa local seria o trabalho com agentes que
tivessem prévio envolvimento com projetos sociais. A intenção era formar uma
disciplina na coleta seletiva no município, que envolvesse os munícipes, em especial
os moradores de condomínios residenciais e os catadores de materiais recicláveis,
realizando um programa integrado de coleta de resíduos sólidos de forma
cooperativa, criando um circuito de comércio que acabasse com a dependência dos
catadores aos atravessadores e melhorasse o sistema de coleta de materiais
recicláveis na cidade.
Com a orientação do programa de governo da gestão eleita, foi sancionado o
projeto através de decreto lei, assinado pelo prefeito em 2001. Para que se desse
início ao trabalho, foram convidadas organizações sociais para auxiliar no começo do
projeto, de forma a não deixar o poder público como único envolvido. Os
participantes do grupo gestor inicial do Projeto Coleta Solidária eram de três
organizações distintas: Grupo Cidadania e Vida (GCV), ligado à Igreja Católica e
Caritas, que desenvolvia projetos assistenciais junto às comunidades carentes,
Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), que sempre desenvolveu
projetos e manifestações em sintonia com o grupo político que então estava na
direção da Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental (SQA) e União Pelotense de
Carroceiros e Charreteiros (UPCC), associação que possuía prévio trabalho junto
aos catadores, mais especificamente aos charreteiros. Como tinha ligações com
políticos que atendem às demandas imediatas e que eram oposição ao governo e
como também possuíam um mínimo de organização do setor, este grupo,
necessariamente, precisava estar envolvido no projeto para não criar atritos internos
à categoria.
Todos os grupos foram articulados pelos participantes da Secretaria Municipal
de Qualidade Ambiental de Pelotas (SQA), já em 2001. O GCV e MTD participaram
na organização do projeto, não tendo trabalhadores de sua organização diretamente
no galpão, estando o primeiro envolvido com a seleção das pessoas que
trabalhariam no projeto Coleta Solidária, através de cadastro de pessoas envolvidas
em suas ações, e o segundo pelos motivos citados anteriormente e pelo seu
histórico relacionado à luta pelo direito ao trabalho dos estratos mais desfavorecidos.
108
O projeto, em seu início, contou com 100 pessoas, sendo 60 carroceiros e
charreteiros
17
na rua, cabendo esta parte à UPCC, e 40 selecionadores dentro do
galpão, ficando sob responsabilidade do MTD e GCV. A SQA cedia aos participantes
do projeto um galpão, sendo este localizado no final da Rua Andrade Neves, no
centro da cidade e que é de propriedade do governo do Estado. O projeto Coleta
Solidária, em determinado momento, chegou a contar com três galpões integrando o
projeto. Um no bairro Centro, o qual é descrito no presente capítulo, um no bairro
Três Vendas, que teve muito curta duração e poucos participantes, e outro no
Balneário dos Prazeres, o qual será relatado adiante. Cada um era responsável por
uma quantidade determinada de resíduos, geralmente o produzido no bairro em que
se encontrava o galpão.
A Prefeitura também realizava ou pagava o frete dos materiais para os
compradores finais e conseguia prensas através de financiamentos sociais e com um
grande atravessador, tal qual os atravessadores locais, tendo que vender o material
selecionado a este, como contrapartida.
Enfim, todos os meios de trabalho necessários ao funcionamento de um
galpão de coleta seletiva foram oferecidos aos integrantes do projeto. Um caminhão
que trabalhava para a Prefeitura fazia a coleta seletiva em condomínios mais
distantes e também levava material para o galpão diretamente. O valor recebido
pelos trabalhadores, em média, era superior ao pago pelos atravessadores locais,
sendo a principal razão disso o total de subsídios bancados pela Prefeitura, como o
frete, o pagamento de milho e ferraduras para os cavalos dos charreteiros. Uma
cesta básica era dada a cada integrante por mês, o que era contabilizado na forma
de pagamento indireto. Segundo relato dos envolvidos no projeto por parte da SQA,
foram feitas palestras pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas (INTECOOP) da
UCPEL explicando como se daria a relação cooperativa com trabalhadores do
galpão e como seria sua relação com a Prefeitura, de forma a, futuramente, os
próprios trabalhadores realizarem a criação da cooperativa sem a necessidade de
auxílio da Prefeitura.
A observação posterior dos participantes da SQA da época é a de que não se
conseguiu romper a relação assistencialista com estas pessoas, sendo necessário
17
Em Pelotas e região a diferença é a seguinte: carroceiros são os que utilizam tração humana e
charreteiros utilizam tração animal no transporte dos materiais.
109
manter um funcionário da SQA, que sempre era um cargo de confiança,
acompanhando o projeto e servindo de intermediador, tanto dos integrantes do
projeto junto à secretaria, quanto tentando resolver conflitos internos entre
integrantes do projeto.
Um dos muitos problemas enfrentados, de acordo com os relatos, se deu pelo
fato de inicialmente o lucro ser igualmente dividido entre todos, o que causava muita
insatisfação. Assim, por exemplo, aquele catador que levava diariamente 100 quilos
de papelão, acabava recebendo o mesmo que outro que contribuía apenas com 50
quilos. Esta forma de divisão foi rapidamente modificada, ficando restrito aos
selecionadores o recebimento do mesmo valor. A divisão dos ganhos foi revista para
que os trabalhadores da triagem recebessem 30% do valor de forma igual, e 70%
seria distribuído entre os catadores, de acordo com a quantidade de material
entregue.
Outro problema observado aconteceu com os charreteiros, identificados
geralmente como os que causavam mais problemas. Eles não obedeciam às escalas
que eram combinadas entre os cooperados para a passagem nos condomínios,
causando conflitos com estes e com o grupo do projeto. Vendiam o melhor material
para os atravessadores e levavam ao galpão do projeto somente aqueles materiais
de valor mais baixo, reduzindo assim os ganhos coletivos. Uma das razões para que
isto ocorresse, acredita-se, se dava pela demora no recebimento pela carga
entregue no galpão, que podia variar de trinta a quarenta dias, em oposição ao
atravessador, que, mesmo oferecendo um valor inferior pelos materiais, realizava o
pagamento na hora. Igualmente, eles permaneciam no projeto somente para garantir
o milho e ferraduras para seus cavalos, bem como a cesta básica, não havendo mais
nenhum charreteiro já no segundo ano de funcionamento do galpão. O projeto, já em
2004, contava com menos de 20 pessoas no galpão original e na mudança da
gestão municipal, quando foi eleito Bernardo de Souza (PPS), foi encerrado.
Destes poucos integrantes do final do projeto, apenas um já havia participado
de alguma organização social prévia ao Coleta Solidária. Estes trabalhadores, em
sua maioria, advinham de atividades informais, sem ter experiência prévia em coleta
seletiva, tampouco cooperativa. Muitos permaneciam no projeto em razão de sua
situação de desalento e, pela forma como relataram suas experiências, havia muito
conformismo com a situação, demonstrando insatisfação, mas acostumados a isso.
110
Assim, permaneciam no projeto, pois mesmo recebendo pouco, tinham a certeza da
cesta básica e dos vales-transporte (PORTO, 2004).
Muitos problemas foram observados e relatados pelos entrevistados, com
destaque para as disputas internas à gestão da SQA, sendo notório o
desentendimento entre setores e departamentos desta secretaria, o que era
percebido pelos trabalhadores do galpão e de alguma forma os atingia. Também a
falta de participação dos integrantes nas decisões, a baixa participação em reuniões
que serviam para decisões do trabalho diário, as negociações e organização de rotas
e o desconhecimento técnico, foram fatores que influenciaram no desenvolvimento
do projeto.
Durante sua existência, mais especificamente durante o ano de 2002, e,
segundo relato do coordenador geral da SQA na época, no mesmo momento em que
ele participava de atividades fora da cidade junto com o secretário, eles receberam a
informação de que os trabalhadores do galpão da Coleta Solidária entrariam em
greve. Isto se deu em razão do atraso na entrega das cestas básicas e do milho para
os cavalos. De acordo com o relato deste representante da SQA à época, o
problema foi resolvido.
Assim, enquanto trabalhadores do projeto Coleta Solidária decidiram, não
importa se realizada efetivamente ou como ameaça, realizar uma greve, a priori,
contra a Prefeitura, que era percebida como patrão, mesmo com a inexistência de
relações salariais e com todo o contexto relatado, especialmente sendo explicado
como se daria o funcionamento do galpão.
A pauta seria sobre o atraso dos pagamentos indiretos, alimentação humana
e animal, contrapartida que no início do projeto era fundamental, visto que muitas
vezes era a única fonte de rendimento dos participantes do projeto Coleta Solidária.
Fica visível que não houve, assim, a constituição de um projeto que pudesse
responder tanto à coleta seletiva quanto ao desenvolvimento autônomo de
cooperativismo neste setor, pois permaneceu sempre atrelado ao Poder Público.
Tal iniciativa não logrou êxito, pois estava presa à gestão da Prefeitura do
período de 2001-2004 e não teve continuidade. Ainda, como não foi uma ação auto-
gestionada, mas tomada por grupos politicamente constituídos e que não contavam
com catadores em sua organização, com exceção da UPCC, que, de qualquer
forma, não tinha a catação como foco, ou participação na formulação do projeto,
111
ficou atrelada à iniciativa do Poder Público para sua continuidade. Com a mudança
na gestão municipal e sua decisão política de não trabalhar mais em parceria com os
catadores, o projeto morreu. É importante ressaltar que não se compreende o
insucesso do projeto como responsabilidade da gestão específica, como se ela não
permitisse a autonomia do grupo da Coleta Solidária, mas como um problema de
vício de origem.
6.2 O Projeto Balneário dos Prazeres
Diferente do caso anterior, em relação à experiência de organização interna,
foi o que ocorreu com o galpão de catadores que se constituiu no Balneário dos
Prazeres, bairro pertencente ao município de Pelotas e que contava com ex-
integrantes do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), tendo,
portanto, um histórico organizacional prévio politicamente. Segundo relato de grupo
de acompanhamento da INTECOOP (GOTARDO, 2006), os próprios integrantes do
galpão estabeleciam horários de trabalho, organização interna, regimento e toda
uma série de dispositivos para o funcionamento de sua cooperativa, sem intervenção
externa na organização do trabalho ou tendo de conciliar-se com grupos de
orientação diferente. Este grupo tinha o mesmo suporte dos demais, tais como
pagamento do aluguel do galpão, prensa cedida, e, assim como os outros, teve seu
subsídio cortado quando da mudança da gestão municipal.
O que importa ressaltar é a diferença de sua organização frente aos demais
grupos de cooperativas que foram constituídos para o projeto, pois os trabalhadores
do Balneário dos Prazeres tinham o que pode se denominar de saldo organizativo,
pela participação anterior em um movimento social organizado
18
. Estes
trabalhadores já estavam acostumados, em razão da disciplina de seu arranjo, a
auto-organizar-se, distribuindo tarefas, tanto relacionadas ao trabalho, quanto à
administração e representação política junto aos demais segmentos da sociedade, e,
em especial, neste caso, ao Poder Público Local. Tinham uma identidade coletiva
18
Em E. P. Thompson é presente a discussão sobre a influência de movimentos políticos, tais como
o Jacobinismo, Luddismo e Cartismo que influenciaram o desenvolvimento organizacional da classe
trabalhadora. (A Formação da Classe Operária Inglesa: A Maldição de Adão. Rio de Janeiro. Editora
Paz e Terra, 1987. p. 16 a 18, volume 1).
112
enquanto trabalhadores organizados junto a um movimento social e, mais
importante, se compreendiam em competição aos atravessadores, o que não
aconteceu com os demais casos analisados, em especial com os catadores
autônomos, que muitas vezes os vêem como “parceiros”.
Contudo, estavam isolados do ponto de vista da totalidade das organizações
de catadores do município no período, constituindo exceção frente aos demais
grupos, que não possuíam esta autonomia ou organização prévia. Faziam parte do
Coleta Solidária, o qual se constituía em um projeto de governo, mas eram um grupo
de trabalhadores organizados de forma independente do governo. O resultado disso
foi que não se criou uma representação coletiva destes trabalhadores que pudesse
fazer frente à nova gestão, de forma a defender seus interesses específicos. Além
disso, como o local de funcionamento era muito distante, tanto do centro (cerca de
18 quilômetros) bem como de qualquer outro bairro, para coletar materiais, e como o
balneário em que trabalhavam é muito pequeno, somente com o resíduo coletado no
local, sem qualquer subsídio, não podiam continuar seu trabalho. E, por isso, o
projeto também acabou junto com a gestão Marroni.
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os catadores de Pelotas formam um grupo relativamente heterogêneo no que
se refere às atividades laborais anteriores à catação. Como exposto no capítulo 5,
um corte geracional, que define os trabalhos anteriores dos sujeitos investigados. Os
mais jovens ocupavam atividades informais, as quais denominam “bicos”, ou sempre
realizaram a catação de materiais. Os mais velhos tiveram trabalhos com carteira
assinada ou de longa duração. Isto vai diferenciar as maneiras de encarar o trabalho
na catação e também pode carregar experiências de organização coletivas nos
casos em que houve prévia participação em grupos sindicais, o que não é o caso
dos catadores investigados.
Não houve relatos de organização dos trabalhadores, nem mesmo através da
experiência prévia em associações, por exemplo, ou por outras maneiras de ação
coletiva. O que é comum à quase totalidade dos catadores locais é a realização de
atividades não especializadas e o trabalho informal como uma constante em seu
histórico profissional, se não de forma permanente, pelo menos esporadicamente,
naqueles períodos de espera por trabalhos ligados à profissão de referência.
Constituem-se no que se pode denominar de desempregados estruturais, pois
não se incluem mais no mercado de trabalho formal contemporâneo na maioria dos
casos, pela não especialização e pela retração local das vagas de trabalho. Para
esta situação contribuem tanto o novo padrão produtivo mundial, de enxugamento da
mão-de-obra, quanto o fato da região em que se insere a cidade estar deprimida
economicamente há muitas décadas, o que origina poucas oportunidades para os
menos especializados e provoca a saída da cidade daqueles com maior escolaridade
e dos jovens de estratos sociais mais altos.
Uma das formas encontradas de se vincular ao trabalho, portanto, é a catação
de materiais recicláveis. O mercado de trabalho do lixo é cada vez maior e não exclui
114
nenhum trabalhador. No entanto, os ganhos materiais quase inexistem, permitindo,
para a maioria destes trabalhadores, somente a sobrevivência. As características do
trabalho, pelo que foi visto localmente, colocam uns trabalhadores contra os outros,
numa competição por rotas e materiais. A imagem atribuída a este trabalhador é
negativa, e é incorporada por muitos deles. Pode-se dizer que muitas pessoas
comparam a atividade à mendicância.
Tal processo é próprio da alienação das relações sociais de produção, e,
nesse caso, aplicado especificamente ao ramo da reciclagem. Há aqueles que os
consideram um inconveniente, por mexer em seu lixo, atrapalhar o trânsito. Ainda
existem os que tomam uma atitude assistencial, se penalizam com sua situação, e
lhes dão as sobras de comida, por exemplo. Ambos os casos são lógicas de
desumanização. Uns tratam os catadores como coisas, obstáculos e outros com
distância estamental, deixando clara uma diferença social hierárquica, entre incluídos
e excluídos.
Ressalta-se que estes catadores fazem parte de um ciclo industrial complexo,
no qual se inserem no princípio da linha de produção, e que, não fosse seu trabalho,
inexistiria a reciclagem no país. O que ocorre é que, pela maneira como é executado
o trabalho, na rua e de forma precária, e todos os adjetivos já expostos, o catador
não é compreendido como participante da linha de montagem do processo da
reciclagem. Mesmo sendo sua atividade uma mercadoria, não é considerada como
tal, provavelmente pela forma como o trabalho é ainda compreendido por grande
parte das pessoas, inclusive por alguns catadores, que se envergonham da
atividade. Também, por muitos não considerarem o material reciclável ou o lixo como
uma mercadoria, não compreendem a catação como trabalho. Ligam a reciclagem a
um símbolo, de valor ambiental, alienado da materialidade e sem perceber as
relações que a concretiza como um ciclo produtivo.
Ademais, a reciclagem também é vista por muitos como algo essencialmente
bom, pois reduz a quantidade de lixo depositado nos aterros
19
e reaproveita os
produtos de pós-consumo. No entanto, ao serem reciclados, são recolocados no
mesmo ciclo de produção, que não altera a forma do consumo. Também não são
apreendidas as relações que possibilitam o ciclo industrial referido, baseado
grandemente no trabalho mal remunerado dos catadores. E, igualmente, no que se
19
Conforme opinião de alguns catadores entrevistados (p. 88).
115
refere ao consumo, não mudará por si só a lógica atual de aumento do desperdício,
pois depende inicialmente deste para existir. Precisam de quantidades crescentes de
resíduos para servirem como matérias-primas de seu processo, e mais baratas, pois
é, fundamentalmente, um negócio que precisa de lucro. A questão ambiental, assim,
se torna mera marca, valor agregado.
Referente à afirmação que a catação reduz o impacto sobre os aterros, é
verdadeira, pois o trabalho diário dessas pessoas desvia uma grande quantidade de
recicláveis do destino final. No entanto, não há contrapartida do Poder Público para
com os catadores de Pelotas.
Há, conforme declarado pelo técnico do SANEP, o impedimento da entrada no
aterro para seleção de materiais. O motivo alegado por esse é de que “não pode
resolver problemas sociais criando um problema técnico”. Na verdade a atividade
ligaria o Poder Público ao trabalho dos catadores. Essa é a real e não declarada
razão. O mesmo não ocorre nas ruas. Aí o trabalho é realizado sem impedimentos,
salvo quando há atrito com condomínios que não disponibilizam seus resíduos para
qualquer catador. O que se afirma é que o Poder Público municipal, por omissão, se
aproveita, mesmo que indiretamente, do trabalho destes catadores. Não há
contrapartida para com estes trabalhadores, tendo sido encerrados todos os
empreendimentos realizados em conjunto e iniciados na gestão Marroni (PT).
Não interessa ao Poder Público interferir no setor de reciclagem, pois já traz
benefícios da maneira como atualmente se estrutura, não tendo custos pelo trabalho
realizado. Também é do desejo de muitos atravessadores que não haja interferência
por parte da Prefeitura nesta área.
Alguns atravessadores entrevistados disseram que preferem que a Prefeitura
não se envolva com a coleta seletiva. Uma das razões disso foi a experiência
realizada no período de 2000 a 2004, em Pelotas, com o Coleta Solidária. Mesmo
não tendo continuidade, foi muito criticado pelos entrevistados. Não foi dito o nome
do projeto, mas o período em que existiu foi criticado, pois a Prefeitura “se metia”.
Sabe-se que durante a existência dos galpões era pago o frete e comercializado o
material diretamente com Porto Alegre e outros locais em que se localizavam os
grandes atravessadores e indústrias. Obviamente, essas são as razões das
reclamações desses agentes. Entretanto, as reivindicações sobre esse período, bem
como dos empreendimentos cooperados não é restrito a esses agentes.
116
Muitos catadores entrevistados, bem como vários da época, não gostavam do
projeto Coleta Solidária. As reclamações se davam pelos ganhos baixos, pois
acreditavam que iriam ganhar muito mais trabalhando “para a Prefeitura”. Na
maioria, se incomodavam com a interferência nos seus pontos de coleta,
acreditavam que seriam proibidos de trabalhar com coleta em determinados locais,
só sendo permitido o acesso aos catadores das cooperativas. Também diziam que
muitos desses não eram de fato catadores.
É importante também o alcance dos galpões do Coleta Solidária. Dado o
tamanho do município, havia um limite de pessoas que podiam trabalhar por setores
da cidade dentro dos galpões, deixando a maioria dos catadores de fora, motivo de
disputas entre os catadores associados e não associados.
Diversas reclamações repetiam ou se remetiam às mesmas dos
atravessadores. Isso se dá porque de fato havia não só uma grande dependência
dos catadores a esses agentes como uma identificação maior com eles do que com
sua categoria, não havendo um grupo de referência que pudesse lhes dar indicações
ou diretrizes. Como os atravessadores não se sentiam satisfeitos com a interferência
da Prefeitura, os catadores autônomos, maioria absoluta dos trabalhadores da
cidade, também não se sentiam. Diziam que a Prefeitura iria proibir seu trabalho, que
privatizaria a catação e coisas do gênero. Repetiam inclusive as mesmas respostas
sobre as razões dos seus baixos ganhos.
As possíveis razões para a adesão a esses agentes é a falta de uma
solidariedade da sua categoria, o que se origina na maneira como se executa a
catação. Os catadores de rua não se vêem como coletivo, pela distância entre os
membros da categoria ao executar a coleta de materiais, não existindo, fora algumas
exceções, formas de trabalho em cooperação; por exemplo, os que trabalham no
aterro, pela grande proximidade, o que, no entanto, reforça o afastamento, pois têm
de disputar pelo material encontrado em um espaço reduzido. Assim, a distância e a
proximidade são fatores que contribuem para impedir a introjeção de coletividade, de
comunidade desses trabalhadores, pois estão em disputa no trabalho. Essa seria
uma determinação material direta, advinda da experiência presente na organização
local da atividade. Também pela inexistência de uma representação coletiva dos
catadores em Pelotas, tal como o MNCR ou outra entidade do gênero.
117
Como se viu, esses trabalhadores, pelas respostas recebidas, não
participaram de associações, cooperativas ou sindicatos no passado. Muitos
parecem, inclusive, não gostar da idéia, resultado, talvez, da imagem negativa da
atividade, até mesmo, pelas características das atividades anteriores, muitas delas
informais, ou ainda, sem características de organização sindical local. Expressam
assim a realidade local e o conjunto do qual faziam parte.
Dessa forma, procuram não se vincular com sua situação atual, ou com seus
iguais no que diz respeito ao trabalho, mas sim àqueles a quem são, mesmo que
indiretamente, subordinados, ou seja, os atravessadores, pois só através desses é
que podem ganhar seu dinheiro. Como visto, muitos dependem de um agente
específico em razão de empréstimos ou da utilização de carrinho em troca de venda
exclusiva, tanto os que trabalham na rua quanto os do aterro. Procuram-se vincular a
determinado atravessador, talvez, para conquistar o emprego de prenseiro, ou
buscando ser também um atravessador. Exploram-se entre si, nos casos de compra
de materiais para revenda ao atravessador. Assim, os valores recebidos são ínfimos,
e tornam o setor mais segmentado ainda.
O mesmo aconteceu com aqueles que participavam do galpão Andrade Neves
do Coleta Solidária. Buscavam uma adesão subordinada, somente mudando o
agente, nesse caso a Prefeitura. O que é comum a esses trabalhadores, ainda que
participem indiretamente de uma cadeia produtiva complexa, é que por sua origem
profissional e pela maneira como o trabalho é realizado, são, regra geral, sujeitos
passivos, que esperam por assistência. Se não os atravessadores, a Prefeitura, ou
pessoas que lhes dêem alguma assistência. São, de fato, agentes produtivos, mas
não se constituem localmente enquanto agentes políticos coletivamente
organizados. São agentes individualizados e que se portam, em grande parte, como
são concebidos pelo senso comum, ou seja, como mendigos, excluídos sociais.
Apesar de que os processos cooperativos iniciados em Pelotas não tenham
sido bem sucedidos, tiveram o mérito de minimamente organizar o setor local de
reciclagem durante o período de vigência da gestão Marroni. Compreende-se que o
processo cooperativo, dentro desse setor, acaba por não se desvincular da lógica
global de produção e, acompanhando os processos de alienação e também da taxa
de utilização decrescente do valor de uso, são um avanço nas suas condições
materiais, pois minimamente aumentou seus ganhos, e uma potencialidade de
118
organização política auto-gestionária, pelo menos materialmente, pois dispõe os
meios para a realização do trabalho de forma coletiva.
Uma das razões da interrupção do projeto, além da linha política elitista da
gestão municipal atual (2005-2008), é que o Projeto Coleta Solidária, em grande
parte, também encarava a catação como atividade exclusivamente marginal e
precária, e tentava organizar o setor de trabalho através de uma perspectiva exterior,
sem agentes políticos participantes, de fato, do processo de trabalho. A interferência
se dava sempre na forma de auxílio, de assistência, técnica e política.
Um dado não considerado para a realização do referido projeto foi as
características dos trabalhadores do setor. Tal atitude não é exclusiva deste
exemplo, mas parte da presunção do conhecimento do funcionamento do setor por
parte dos executores dos projetos. A busca da “inclusão social” de pessoas através
da reciclagem ocorreu sem a análise anterior e posterior, tanto da cadeia produtiva
quanto das pessoas envolvidas na atividade. As pessoas que participaram do projeto
eram, em sua maioria, desempregados e que não trabalhavam com catação como
atividade principal, tampouco esporádica.
Conforme relatado no capítulo 6 foi feita uma seleção, principalmente pelo
Grupo Cidadania e Vida, ligado à Igreja Católica, para pessoas em situação de risco
participarem do trabalho nesse galpão. O que não havia, portanto, eram catadores
com experiência política, com um histórico de organização em movimentos sociais
que participassem ativamente do projeto.
O local que apresentava tais características e que os catadores eram
qualitativamente diferenciados do ponto de vista político foi no Balneário dos
Prazeres. Estes não foram convidados a realizar a catação, mas começaram a
desenvolver sozinhos o trabalho neste local e, posteriormente, solicitaram o auxílio
da Prefeitura. Infelizmente, esses catadores vieram se incluir no Projeto Coleta
Solidária no final da gestão. Além disso, encontravam entraves materiais para o
desenvolvimento do trabalho, e também eram em número pequeno, não podendo,
sozinhos, fazer frente ao Poder Público, tampouco seguir a atividade do seu galpão
sem auxílio deste. Assim, pelas maneiras de gerir o projeto, e pelas características
de grande parte desses catadores, não houve a aglutinação dos mesmos em uma
entidade comum, capaz de pressionar a Prefeitura para continuar o projeto.
119
O resgate dessa experiência de associação, mesmo que não bem sucedida
ao longo do tempo, e a observação do funcionamento do setor local, em especial da
relação dos catadores e atravessadores, são de fundamental importância para a
construção de um projeto futuro, que leve em conta as necessidades locais e que
seja construído em conjunto com os trabalhadores do setor.
Finalizando, pelo que foi observado em campo, mesmo parecendo um lugar
comum, é necessário chamar a atenção para o fato de que a atividade da catação
não é sinônimo de mendicância. Conforme exposto, é um trabalho que está ligado,
mesmo que indiretamente, ao ciclo industrial. A catação é uma das poucas opções
abertas de trabalho para um crescente número de pessoas, e que são consideradas,
sobre uma ótica liberal, inúteis ou não empregáveis. Na verdade, são os principais
fornecedores de matéria-prima para a reciclagem no Brasil.
Viu-se que não são improdutivos, e, também, rompendo com o senso comum
de que o trabalho enobrece, se demonstrou que a catação pode levar os homens e
mulheres a situações degradantes, em que suas atividades os condenam a grandes
dificuldades. O que parece óbvio, para a grande maioria é visto por uma óptica
inversa, desumanizada.
120
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Entrevista com Atravessador 3, realizada pelo autor em dezembro de 2005 em seu
local de trabalho.
Entrevistas com Atravessadores 1 e 2 realizadas em fevereiro de 2007 em seus
locais de trabalho.
Entrevista com Lauro Borges, Coordenador Geral da Secretaria de Qualidade
Ambiental de 2001 a 2003, realizada em julho de 2006 em sua casa sobre o Projeto
Coleta Solidária.
Entrevista com Luis Antonio Paiva Rampazzo, Diretor do Departamento de Políticas
Ambientais da Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental de 2001 a 2004,
realizada em julho de 2006 na sede do Centro de Estudos Ambientais (CEA) sobre o
Projeto Coleta Solidária.
Entrevista com Alexandre Melo, Secretário Municipal de Qualidade Ambiental de
2001 a 2004, realizada em junho de 2006 no Instituto de Sociologia e Política sobre
o Projeto Coleta Solidária.
121
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124
APÊNDICES
APÊNDICE 1- QUESTIONÁRIO DE APLICAÇÃO AOS ATRAVESSADORES
1 Nome, idade e escolaridade do atravessador, bem como o tempo que atua como
atravessador.
2 Por que foi trabalhar nesta área?
3 O que fazia antes de trabalhar na área?
4 Com quantos catadores negocia em média por mês?
5 São sempre os mesmos catadores ou mudam? (se positivo) Porque trabalha
sempre com os mesmos catadores?(como é a relação com estes)
6 Qual freqüência de negociação com os mesmos?
7 Qual é a quantidade média de materiais (plástico/papelão/alumínio) negociados
por mês?
8 Qual valor por quilo de cada um atualmente (compra e venda)?
9 Para quem vende os materiais?
10 São sempre os mesmos compradores?
11 Como se deu o recrutamento/contato com as indústrias/catadores e outros
trabalhadores do ramo? Como vê/ percebe a relação com os catadores e
atravessadores; se de patrão empregado ou entre negociantes independentes.
12 Como é a relação com os compradores de seu material? Existem problemas na
venda? A venda é casada?
13 Que tipo de processos os materiais tem de passar para serem comercializados?
14 De que maquinários e estruturas dispõe? Quais são os seus custos?
15 Têm empregados no galpão? Quantos são e qual a forma de pagamento? Que
atividade executam?
125
16 Tem contato com outros intermediários na cidade?
17 O que na sua opinião poderia melhorar os negócios? E o que poderia Piorar?
18 Como gostaria que fosse? (Medidas/sugestões)
19 Acha interessante/importante a Prefeitura se envolver com a coleta seletiva? (Se
positivo) De que forma? (Se negativo) Por quê?
20 Como achas que será o trabalho com a reciclagem no futuro?
21 Quanto consegue de renda média mensal?
APÊNDICE 2- ROTEIRO DE ENTREVISTA CATADORES
Questionário nº_______ Entrevistador(a)________________
Dia:________________
1 Qual seu nome?__________________________________________________
2 Onde mora?____________________2-a Com quem mora? _________________
3 Tem filhos? ( ) Não ( ) Sim. 3-a Eles vão à escola? ( ) Não ( ) Sim
4 Qual sua atual ocupação? _____________ 4-a Há quanto tempo a exerce?
__________________________
5 Por que foi trabalhar nesta atividade?___________________________________
6 Na sua família, (se tem) alguém mais trabalha?( )Não ( )Sim. 6-a-Quem e em
quê?________________________________________________________________
7 Alguém o ajuda na catação? ( ) Não ( )Sim.
7 a -Quem?____________________________________________
8 Pode descrever o que tem que fazer no trabalho? (como trabalha, o que faz, com
quem trabalha, em que lugares).__________________________________________
____________________________________________________________________
9 O que fazia antes de exercer a atual ocupação? __________________________
9-a- Há quanto tempo foi isso?____________________
9-b- Por quanto tempo exerceu esta atividade?_________________
10 Quanto ganha por mês? _________________
10-a- Quantas horas, em média, trabalha por dia? ___________________
10 b- Em que horários? ( )manhã de__às___ ( ) tarde de____às____
( ) noite de _____às_______
11 - Quantos dias por semana trabalha? _________________________
126
12 - O carrinho é seu? ( )Sim ( )Não.
12-a- De quem é? __________________________________________
13 - O que ganha é o suficiente para atender às suas necessidades? ( )Sim ( )Não
13-a - Quanto seria necessário?__________________________________________
13-b- Por que acha que ganha tão pouco?__________________________ __
14 - Encontra alguma dificuldade para trabalhar/ exercer a atividade? ( ) Não
( ) Sim
14-a-Qual?_______________________________ _____
15 - Sofre concorrência na catação? ( )Não ( )Sim.
15-a-De quem?_______ _________________________
16 -Há alguma forma de apoio entre os catadores? ( ) Não ( ) Sim.
16-a-Que tipo de apoio?___________________ ____________________
17 -Vende o material todos os dias? ( )Sim ( )Não.
17-a-De quanto em quanto tempo vende? ____________________
17-b-Onde guarda o material enquanto não os vende?_____________________
17-c- Quantos quilos em média carrega por dia? ________________________
18 - Para quem vende o material?________________________________ ______
18-a-Por que vende o material para esta pessoa?_______________________ ___
18-b- Há quanto tempo vende o material para esta pessoa?____________
18 -c- Vende somente para ela? ( )Não ( )Sim. 18 –d-(Independente da resposta
anterior)Por quê?____________________________________ _________
19 - Já vendeu material para outro? ( )Não ( ) Sim
19-a - Para quem?_________________________________________
19-b- Por que mudou de comprador?__________ ____________________________
20 - Acha justo o valor pago pelo material? ( ) Sim ( ) Não.
20-a- Por quê?_______________ _________________________________
21 - A pessoa que compra seu material, o ajuda de alguma outra forma (comida,
roupa, encaminhamento de demandas a alguém, etc. )? ( )Não ( )Sim.
21-a- De que forma?_________________________________ ________________
22 -Como é a relação com o comprador dos materiais? Sente que é empregado ou
freguês?________ __________________________________
23 - Gostaria de exercer alguma outra atividade? ( ) Não ( ) Sim
23-a-Qual? ___________________________________
127
23-b-Por que gostaria de exercer esta atividade? ____________________________
24 Participa de algum clube, associação partido político ou outro grupo? ( ) Não
( ) Sim.
24-a- Qual?_____________________________________________________
25-) Qual é a renda mensal aproximada de sua família?
( ) - de 1SM ( ) 1 a 2 SM ( )3 a 5 SM ( ) 6 a 10 SM
26-) Grau de escolaridade: ( ) analfabeto ( ) 1° grau incompleto ( ) 1°
grau completo ( ) 2° grau incompleto ( ) 2° grau completo ( ) superior
incompleto ( ) superior completo
27-) Entrevistado: ( ) Homem ( ) Mulher
Anotações de Campo:__________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
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