Download PDF
ads:
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fernando José Cunha Belfort
A responsabilidade do empregador na degradação do meio
ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas
no âmbito do direito do trabalho
DOUTORADO EM DIREITO
São Paulo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fernando José Cunha Belfort
A responsabilidade do empregador na degradação do meio
ambiente do trabalho e suas conseqüências jurídicas
no âmbito do direito do trabalho
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Doutor
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo sob a orientação do Prof. Doutor Paulo
Sérgio João
São Paulo
2008
ads:
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
_______________________________________
A Deus que fez todos e faz por todos.
Belfort, Fernando José Cunha
A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e
suas conseqüência jurídicas no âmbito do direito do trabalho / Fernando José Cunha
Belfort. - São Paulo, 2008.
204 f.
Impresso por computador
Orientador: Paulo Sérgio João
Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2008.
1. Meio ambiente do trabalho - Dano - Responsabilidade do empregador. I. João,
Paulo Sérgio. II. Título.
CDU 349.243:347.515.2
Fernando José Cunha Belfort
A responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho
e suas conseqüências jurídicas no âmbito do direito do trabalho
RESUMO
O objetivo desta tese é demonstrarmos que não há qualquer razão plausível para os
tratamentos distintos que são dados na apuração do dano causado ao meio ambiente.
Com efeito, se a degradação é contra o meio ambiente em geral aplica-se a “teoria da
culpa objetiva”. Todavia, quando se trata de acidente do trabalho e é o empregado a
vítima o tratamento que se vem encontrando é dúplice: se o dano sofrido pelo
empregado é originado da degradação do meio ambiente do trabalho – meio ambiente
artificial – aplica-se a teoria objetiva; mas, se ao revés, o infortúnio não ocorrer da
degradação ambiental e se se tratar de acidente tipo ou típico, embora encontremos na
doutrina e jurisprudência entonações para que seja, também, aplicada a “teoria
objetiva” demonstraremos que se trata de interpretação inconstitucional, haja vista que
não foi essa a intenção do legislador constituinte que manda aplicar a “teoria da culpa
subjetiva ou aquiliana”. A tese é amparada em sólida doutrina sobre responsabilidade
civil tanto objetiva como subjetiva. Justificamos ser o meio ambiente direito fundamental
pertencente aos chamados direitos fundamentais de terceira geração, inserido em
nossa Carta de Princípios. Analisamos o meio ambiente do trabalho, o conceituamos,
vimos os princípios ambientais no aspecto geral e sem alterar a essência destes,
estabelecemos nomenclaturas próprias para princípios do meio ambiente de trabalho e,
igualmente, o que vem disciplinado no nosso ordenamento jurídico. Falamos sobre
acidentes do trabalho, sua origem, suas causas e conseqüências, legislação, seu
conceito, teorias e as formas de responsabilidade em matéria acidentária. Abordamos o
dano moral, seu conceito, vimos as concepções no direito comparado e a evolução
histórica no Brasil. Também, vimos a responsabilidade do dano ambiental em seus
vários aspectos, características e a regra da responsabilidade objetiva no dano
ambiental. Mostramos a reparação do dano nos acidentes de trabalho, para finalmente
concluirmos. Uma vasta bibliografia comentada foi consultada, inclusive com incursão
perante o acervo do Supremo Tribunal Federal e do Senado Federal para identificação
de jurisprudência e legislação.
Palavras-chave: Responsabilidade. Meio ambiente. Acidente do trabalho. Reparação e
dano moral.
Fernando José Cunha Belfort
The responsibility of the employer in the degradation of the environment of work
and it's legal consequences under labour law.
ABSTRACT
The main goal of this thesis is to show that there is no plausible reason for the different
treatments given in the assessment of the damage caused to the environment. Indeed, if
the deterioration is against the environment we aplly the "teoria da culpa
objetiva" (objective damage responsability theory). However, when it comes to accidents
suffered by the employee, two situations have to be considered: if the damage caused
to the employee derives from the degradation of the environment of work - artificial
environment – we should consider the" teoria da culpa objetiva" (objective damage
responsability theory); But, on the other hand, if the misfortune is not caused by the
environmental degradation, such as a typical accident, even though doctrine and
jurisprudence may consider the above theory, we shall demonstrate it's unconstitutional
interpretation, as seen that this was not the intention of the legislature when
implemented the " teoria da culpa subjetiva ou aquiliana" (subjective damage
responsability theory). This thesis is solidly supported by the doctrine of both objective
and subjective theories. Over all, the environment is a right that belongs to the so-called
fundamental rights of third generation, inserted in our constitution. We review the
environment of work, its concept , general principles and without altering the essence of
them, we rename some principles of our labour environment relating to the ones being
used already. We talk about accidents at work, its origin, its causes and consequences,
legislation, its concept, theories and responsibilities. We approach the moral
responsability (damage), its concept, the comparative law and the historical
development in Brazil. Also, the responsibility of environmental damage in its various
aspects, features and the rule of our "responsabilidade objetiva" (objective damage
responsability theory) in environmental damage, to finally complete this paper showing
how to repair the damage in accidents at work. An extensive bibliography has been
consulted, including research related to the theme at the Federal Supreme Court and
the Senate.
Keywords: Responsibility. Environmental labour law. Occupational accident. Moral
damage and reparation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9
CAPITULO 1
RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ........... 12
1.1 Conceito de responsabilidade ............................................................... 12
1.2 A responsabilidade civil: conceito ........................................................ 13
1.3 Responsabilidade civil: classificação ................................................... 14
1.4 Noção de responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa ................... 15
1.5 Noção da responsabilidade objetiva ou teoria do risco ..................... 23
1.6 Responsabilidade civil e dano ............................................................... 29
CAPÍTULO 2
O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ......................... 32
2.1 Introdução ............................................................................................... 32
2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais .......................................... 38
2.3 O meio ambiente como direito fundamental ........................................ 42
2.4 Meio ambiente geral ............................................................................... 48
2.4.1 Aspectos gerais ........................................................................................ 48
2.4.2 Meio ambiente geral: conceitos doutrinário e legal ................................... 49
2.5 A responsabilidade civil no meio ambiente ......................................... 54
CAPÍTULO 3
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO ......................................................... 55
3.1 Aspectos gerais ...................................................................................... 55
3.2 Conceito ................................................................................................... 57
3.3 O meio ambiente do trabalho e as constituições estaduais ............... 58
3.3.1 As constituições estaduais ........................................................................ 60
3.4 Princípios ambientais ............................................................................. 65
3.4.1 Princípios .................................................................................................. 66
3.4.2 Princípios do meio ambiente natural ......................................................... 67
3.5 Princípios do meio ambiente do trabalho ............................................ 75
3.5.1 Precautelar ................................................................................................ 75
3.5.2 Empregador-predador ............................................................................... 77
3.5.3 Informação e participação dos riscos de trabalho .................................... 79
3.5.4 Intervenção do Estado nos riscos de trabalho .......................................... 80
CAPÍTULO 4
ACIDENTES DO TRABALHO .................................................................. 82
4.1 Introdução ............................................................................................... 82
4.2 Acidentes do trabalho: origem .............................................................. 83
4.3 Causas e conseqüências dos acidentes de trabalho .......................... 86
4.4 Legislação e concepções sobre os acidentes de trabalho ................. 94
4.5 Conceito de acidente de trabalho e doenças ocupacionais ............... 96
4.6 O Estado e as teorias sobre acidentes ................................................. 99
4.7 As formas de responsabilidade em matéria acidentária ..................... 102
CAPÍTULO 5
DANO MORAL ......................................................................................... 106
5.1 Noção jurídica de dano moral ................................................................ 106
5. 2 Conceito de dano moral ......................................................................... 109
5.3 Direito comparado .................................................................................. 112
5.3.1 Direito Francês .......................................................................................... 112
5.3.2 Direito italiano ........................................................................................... 114
5.3.3 Código civil alemão ................................................................................... 115
5.3.4 Direito português ....................................................................................... 117
5.3.5 Outros ordenamentos ............................................................................... 118
5.4
Reparação do dano moral: a evolução histórica no Brasil ................. 120
5.4.1 O código de Teixeira de Freitas ................................................................ 120
5.4.2 O Código de 1916 ..................................................................................... 121
5.4.3 Os projetos legislativos anteriores ao Código de 2002 ............................. 122
5.4.4 A responsabilidade civil no Código Civil de 2002 ..................................... 124
CAPÍTULO 6
RESPONSABILIDADE CIVIL DO DANO AMBIENTAL .......................... 128
6.1 Introdução ............................................................................................... 128
6.2 Ecologia e meio ambiente ...................................................................... 129
6.3 Tutela do ambiente ................................................................................. 139
6.3.1 Responsabilidade civil e penal .................................................................. 142
6.3.2 Responsabilidade civil ambiental .............................................................. 143
6.3.3 Características do dano ambiental ........................................................... 144
6.3.4 Reparação do dano ambiental .................................................................. 149
6.3.5 A regra da responsabilidade objetiva no dano ambiental ......................... 154
CAPÍTULO 7
A REPARAÇÃO DO DANO NOS ACIDENTES DE TRABALHO ...........
159
7.1 Esclarecimentos iniciais ........................................................................ 159
7.2 Introdução ............................................................................................... 159
7.3 Teorias sobre a natureza do risco ......................................................... 161
7.4 Concepções de acidente ........................................................................ 163
7.5 A reparação, hoje, dos acidentes de trabalho ..................................... 167
7.5.1 A cláusula geral da teoria do risco prevista no parágrafo único do art.
927 do Código Civil ................................................................................... 168
CONCLUSÕES ......................................................................................... 195
REFERÊNCIAS ........................................................................................ 197
ANEXO .....................................................................................................
9
INTRODUÇÃO
O que pretendemos demonstrar em nossa tese são os tratamentos distintos
que são dados na apuração do dano causado ao meio ambiente. Com efeito, não nos
parece plausível que se a degradação é contra o meio ambiente em geral aplica-se a
“teoria da culpa objetiva”. No entanto, quando se trata de acidente de trabalho e é o
empregado vitimado verifica-se um tratamento dúplice: se o dano ocorre tendo em vista
a degradação do meio ambiente do trabalho – meio ambiente artificial – já vêm a
doutrina e a jurisprudência com enfoque na Constituição Federal entendendo que para
tais casos deve o empregador ser responsabilizado objetivamente aplicando-se,
também, a teoria da culpa objetiva, ou seja, a da responsabilidade objetiva. Porém, se o
infortúnio não decorre da degradação ambiental e se se tratar de acidente típico, ou
tipo, ainda que parte da doutrina enverede pela responsabilização objetiva do
empregador iremos demonstrar que quem assim pensa, lamentavelmente, está a
incorrer em uma interpretação contrária à Constituição, logo uma interpretação
inconstitucional, sendo que manda o nosso Estatuto Fundamental que se aplique a
tradicional teoria da culpa subjetiva ou aquiliana, da responsabilidade subjetiva,
devendo o empregado ou seus beneficiários, que pretender ser indenizado, provar que
houve culpa do empregador. Esses tratamentos díspares não mais se toleram nos dias
atuais e algo precisa ser feito. Com realidade, também, iremos demonstrar que a
intenção do legislador constituinte foi estabelecer, quando tratou do meio ambiente, que
não são institutos semelhantes o geral e do trabalho e, sim, desiguais. Mas ainda que
não sejam institutos semelhantes é mister que seja dito que a preocupação quanto à
preservação quer de um quer de outro, foi uma só. Logo, se existe a degradação o
tratamento quanto à responsabilização tem que ser igualitário. Não pode comportar
distinções.
No presente trabalho abordamos no Capítulo Primeiro “A responsabilidade
civil seu conceito e classificação”.
No Capítulo Segundo demonstramos ser hoje “O Meio Ambiente” Direito
Fundamental.
10
No Capítulo Terceiro falamos especificamente sobre o “Meio Ambiente do
Trabalho”.
No Capítulo Quarto faz-se uma incursão sobre “Acidente do Trabalho” sua
origem, causas e conseqüências, legislação, concepção, conceito de acidente do
trabalho e das doenças ocupacionais, as teorias e as formas de responsabilidade
acidentária.
No Capítulo Quinto faz-se uma incursão sobre o “Dano Moral”. Na noção
jurídica de dano moral: conceito, elementos e evolução, conceitua-se a idéia de dano,
seu fundamento, e a seguir define-se em que consiste o dano moral.
Em seguida no Direito Comparado, traz-se uma visão panorâmica e não
exaustiva da regulamentação do dano moral no âmbito do direito positivo francês,
italiano, alemão, português e algumas considerações sobre outros ordenamentos
jurídicos esparsos. Procura-se aqui dar maior ênfase ao ordenamento e, sobretudo à
jurisprudência dos Tribunais franceses, onde a matéria recebe tratamento mais
desenvolvido.
No Brasil, se busca fazer um balanço do reconhecimento do dano moral no
país, abrangendo desde os primórdios das tentativas de codificação do direito civil, até
o Código propriamente dito, suas tentativas de reforma e a evolução do tema na
jurisprudência brasileira, tudo isso culminando com a consagração da reparabilidade do
dano moral efetuada pela Constituição de 1988. Por fim a responsabilidade civil no
Código Civil de 2002.
No Capítulo Sexto falamos sobre “A Responsabilidade Civil no Dano
Ambiental”, características, reparação e a regra da responsabilidade objetiva no dano
ambiental.
No Capítulo Sétimo vamos encontrar a “Reparação do Dano nos
Acidentes de Trabalho”, para em seguida concluirmos.
O trabalho faz um apanhado não só da legislação constitucional e da
infraconstitucional, bem como da doutrina e jurisprudência sobre a matéria,
estabelecendo, finalmente conclusões.
O método que utilizamos, na execução deste trabalho, consistiu em pesquisa
bibliográfica e pesquisa de campo haja vista que o tema central trata sobre a
11
responsabilidade do empregador na degradação do meio ambiente do trabalho e sua
reparação nos acidentes de trabalho tipo.
12
CAPÍTULO 1
RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
1.1 Conceito de responsabilidade
Enfrentam os doutrinadores grande dificuldade para conceituar a
responsabilidade, pois tal problema está presente em toda manifestação da atividade
humana. Com efeito, pode adquirir um significado sociológico, no qual ganha relevância
aspecto de realidade social, pois decorre de fatos sociais, é fato social, o que levou
Miranda (apud DIAS, 1987) a observar que os julgamentos de responsabilidade são
reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de
responsabilidade. Se a observarmos pelo aspecto jurídico haver-se-á de constatar que
assume um sentido obrigacional, ou seja, quem quer que cometa um ato ilícito fica com
a obrigação de indenizar a vítima pelos prejuízos que esta sofreu.
Buscando a origem do vocábulo, alguns autores, como Azevedo (1999, p.
272)
e Diniz (1993a, p. 28)
afirmam que o termo "responsabilidade" deriva do verbo
latino respondere, de spondeo, o qual correspondia à antiga "obrigação contratual do
direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava ao credor nos contratos
verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne mihi dare Centum?
Spondeo, ou seja, prometes me dar um cento? Prometo)".
A origem da palavra “responsabilidade” não nos auxilia no seu conceito atual,
uma vez que seu significado original seria a “posição daquele que não executou o seu
dever”, ou, ainda, a idéia de fazer com que se atribua a alguém, em razão da prática de
determinado comportamento, um dever. Juridicamente relevante seria a
responsabilidade imposta àquele que, com sua conduta comissiva ou omissiva, violou
bem juridicamente protegido, gerando para ele uma sanção.
Na doutrina estrangeira encontramos conceitos tais como para Soudart
(1911, v. 2) a responsabilidade é “como o dever de reparar dano decorrente de fato de
que se é autor direto ou indireto”. Já Savatier (1951a, p. 2) diz que é "a obrigação de
alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou
13
coisas que dele dependam". Pierson de Villé (apud LOPES, 1962, p. 187) a conceitua
com mais propriedade ao dizer que “é a obrigação imposta pela lei às pessoas no
sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições, as
conseqüências prejudiciais destes”.
Na doutrina brasileira Lopes (1962, p. 187) após dizer que o vocábulo
responsabilidade provém de “respondere”, que quer dizer aproximadamente, o ter
alguém se constituído garantidor de algo, acrescenta que:
[...] a violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a
perpetrou. Todo ato executado ou omitido em desobediência a uma norma
jurídica, contendo um preceito de proibição ou de ordem, representa uma injúria
privada ou uma injúria pública, conforme a natureza dos interesses afetados, se
individuais ou coletivos.
Então, responsabilidade significa garantia ou segurança de restituição ou compensação.
1.2 A responsabilidade civil: conceito
A expressão responsabilidade civil pode compreender-se em sentido amplo e
em sentido estrito. Em sentido amplo, tanto significa a situação jurídica em que alguém
se encontra de ter de indenizar outrem quanto à própria obrigação decorrente dessa
situação, ou, ainda, o instituto jurídico formado pelo conjunto de normas e princípios
que disciplinam o nascimento, conteúdo e cumprimento de tal obrigação. Em sentido
estrito, designa o específico dever de indenizar nascido do fato lesivo imputável a
determinada pessoa.
A amplitude do conceito de responsabilidade civil revela dificuldades em se
ater numa só definição que seja, porque a doutrina tende a unir os conceitos técnicos e
a realidade concreta da obrigação de reparar os danos, independentemente de serem
identificadas à causalidade, à teoria subjetiva ou à objetiva.
O campo da responsabilidade civil é amplo, já que não se trata de instituto
jurídico exclusivo do Direito Civil, pois está, também, inserido no corpo da Teoria Geral
do Direito, daí sofrer naturais adaptações conforme aplicado no direito público ou
privado, porém sempre mantendo a sua unidade jurídica.
A noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito
genérico de obrigação, o direito de que é titular o credor em face do devedor, tendo por
14
objeto determinada prestação. No caso assume a vítima de um ato ilícito a posição de
credora, podendo, então, exigir do autor determinada prestação, cujo conteúdo consiste
na reparação dos danos causados.
Quando se aplica essa idéia à responsabilização civil, quem deve é o
devedor e quem responde pelo débito, ou pela reparação do dano é o seu patrimônio.
Dessa forma, o autor de um ato (civil) ilícito tem o dever de reparação patrimonial.
A responsabilização civil tem por finalidade precípua o restabelecimento do
equilíbrio violado pelo dano. Por isso, há em nosso ordenamento jurídico a
responsabilidade civil não só abrangida pela idéia do ato ilícito, mas também há o
ressarcimento de prejuízos em que não se cogita da ilicitude da ação do agente ou até
da ocorrência de ato ilícito, o que se garante pela Teoria do Risco, haja vista a idéia de
reparação ser mais ampla do que meramente o ato ilícito. O princípio que sustenta a
responsabilidade civil contemporânea é o da restitutio in integrum, isto é, da reposição
do prejudicado ao status quo ante. Nesse aspecto, a responsabilidade civil possui dupla
função na esfera jurídica do prejudicado: a) mantenedora da segurança jurídica em
relação ao lesado; b) sanção civil de natureza compensatória.
Conceituando responsabilidade civil Lopes (1962, p. 160) diz: "significa a
obrigação de reparar um prejuízo, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra
circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância
meramente objetiva". Já Pereira (1992, p. 11) após deter-se em conceituações
construídas por outros doutrinadores, leciona que ela:
[...] consiste na efetivação da reparabilidade abstrata em relação a um sujeito
passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o
binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que
subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.
Portanto, a responsabilidade civil consiste na obrigação do agente causador do
dano em reparar o prejuízo causado a outrem, por ato próprio ou de alguém que dele dependa.
1.3 Responsabilidade civil: classificação
Basicamente, a responsabilidade civil se divide em duas grandes espécies: a
responsabilidade contratual e a extracontratual.
15
A primeira corresponde à imposição de reparabilidade do dano em razão da
existência de um acordo prévio entre as partes. Ocorre quando determinadas pessoas
estabelecem algum acordo de vontade, regendo determinada conduta entre elas. Este
contrato passa a valer como verdadeira lei entre as partes e o seu descumprimento por
qualquer delas faz surgir o direito de pleitear indenização por aquele que se tornou
lesado ante este inadimplemento.
Ao lado desta, existe a chamada responsabilidade extracontratual, também
chamada de responsabilidade aquiliana. Esta, por sua vez, tem origem em um ato
ilícito, causador de prejuízo.
Enquanto na responsabilidade contratual há um vínculo anterior entre o
credor e o devedor, na responsabilidade delitual tal vínculo poderá não existir. Da
responsabilidade aquiliana, segundo leciona Azevedo (1999, p. 276) advêm duas outras
subespécies, "a responsabilidade delitual ou por ato ilícito, que resulta da existência
deste fora do contrato, baseada na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa,
fundada no risco".
Na primeira subespécie, deve-se aferir se o causador do dano agiu com dolo
ou com culpa na prática danosa. Em relação à segunda, verifica-se apenas o
acontecimento de determinado fato, previsto em lei, que enseje reparação.
Além dessas duas espécies, Diniz (1993b, p. 93, 94) enumera a
responsabilidade civil, de acordo com o seu próprio fundamento. Segundo este critério,
a responsabilidade civil se divide em subjetiva e objetiva. A primeira existe em função
"da culpa ou dolo, por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa”. Já na segunda,
não se leva em conta se a conduta daquele que causou o dano é culposa ou dolosa,
baseando-se o dever de indenizar apenas no risco.
1.4 Noção de responsabilidade subjetiva ou teoria da culpa
Remonta ao início de nossa civilização a idéia de obter a reparação do dano.
Podemos afirmar que esta surgiu desde a origem do homem. Com efeito, a ocorrência
de um dano gerava na vítima uma idéia de vingança para com o agressor, ou seja, a
justiça era feita pelas próprias mãos. Ao advento da Lei de Talião, surgiu a justiça
16
privada. Limitava-se a retribuição do mal pelo mal. Impunha-se a regra "olho por olho,
dente por dente", sem que se procurasse averiguar a existência ou não da culpa. É
evidente que tal procedimento, sem qualquer critério de apuração gerava
conseqüências danosas e, ao invés de se obter a reparação, obtinha-se com essa
prática a ocorrência de nova lesão, duplo dano e, assim em concomitância tínhamos ao
mesmo tempo vítima e ofensor e vice-versa, ou seja, quem antes fora a vítima era
agora o agressor. Para Lisboa (2001) o direito primitivo dos povos demonstra que o
causador do dano sempre foi considerado o responsável pelo prejuízo, sem nenhuma
cogitação sobre culpa, sendo a responsabilidade objetiva uma velha teoria cuja
existência antecede a teoria da responsabilidade subjetiva. Antes mesmo do Direito
Romano, as mais antigas codificações mesopotâmicas já previam a noção de
reparação de dano. O Código de Hamurabi punia o causador do dano com sofrimento
igual. A civilização helênica instituiu o conceito de reparação do dano causado, com
sentido objetivo, e independente da violação das normas predeterminadas.
Com a evolução dos costumes ficou evidenciado que tal critério – vingança
privada – que nada reparava, além de ser constatado que muitas vezes sob o pálio de
“reparar-se o dano” o que em realidade ocorria era a prática de atos abusivos, foi
buscada nova solução com fulcro no que vinha estabelecido na Lei das Doze Tábuas
que proclamava na tábua VI, 11º “que se alguém fere a outrem, que sofra a pena de
Talião, salvo se existir acordo.
Nessas condições ao invés de se infligir a quem produziu o dano o castigo
corporal (amputação de um órgão, por exemplo), a reparação se consistiria em
transferir para o ofendido o patrimônio do agressor, desde que para tanto estes assim
acordassem. Mas, mesmo nesse tipo composição que ficava ao critério da vítima
(faculdade), ainda não se fazia a apuração da culpa de quem havia praticado o ato.
Dias (1987) acredita que a noção de culpa sempre fora precária no direito romano,
aonde jamais chegou a ser estabelecida como princípio geral ou fundamento da
responsabilidade.
Tempos mais tarde o Estado vem a proibir que a vítima faça justiça com as
próprias mãos e a composição que era facultativa passa a ser obrigatória,
estabelecendo-se critérios objetivos para a reparação do dano com a imposição de
17
penas pecuniárias. Assim, foi criada uma tabela que estabelecia o quantum da
indenização prevendo desde a amputação de um membro, à morte etc.
Nos primeiros tempos do direito romano a responsabilidade estava
dissociada da noção de culpa e era baseada na idéia de vingança privada, embora não
tivesse nenhuma relação com o risco profissional, tal como hoje é concebido.
No ano 572 da fundação de Roma é promulgada a Lex Aquilia de damno
de ordem penal - proposta pelo tribuno do povo, Lúcio Aquílio, a qual propunha
“assegurar o castigo à pessoa que causasse um dano a outrem, obrigando-a a ressarcir
os prejuízos dele decorrentes; punir o escravo que causasse algum dano ao cidadão,
ou ao gado de outrem, fazendo-o reparar o mal causado”. Abandonou-se, assim, a idéia
de represália e, a partir desta Lei, desenvolveu-se a moderna noção de culpa do autor
do dano, que progrediu com o direito de Justiniano até ser consagrada no Código Civil
francês de 1804.
Desde a Lex Aquilia, que introduziu os primeiros alicerces da reparação civil,
que a pena pecuniária passou a constituir, de fato, a reparação do dano causado,
conforme advertem Henri e Mazeaud (apud DIAS, 1987), a ação de ressarcimento
nasceu no dia em que a repressão se transferiu das mãos do ofendido para as do
Estado.
Mais tarde o Direito da França aperfeiçoou as idéias românicas sendo que a
partir dos princípios que foram estabelecidos pelo legislador francês como v.g. direito à
reparação, sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a
responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado);
a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações),
e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da imperícia, negligência ou
imprudência. Surge o Código de Napoleão, e com ele a distinção entre culpa delitual e
contratual. A partir daí, a definição de que a responsabilidade civil se funda na culpa,
propagou-se nas legislações de todo o mundo.
O Código Civil brasileiro de 1916, inspirado no modelar e referencial Código
de Napoleão, representava a preponderância da responsabilidade subjetiva, calcada na
culpa, pois seu art. 159 dispunha de modo genérico, que aquele que, por ação ou
18
omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violasse direito, ou causasse prejuízo
a outrem, ficava obrigado a reparar o dano.
Rodrigues (1987), durante a vigência desse Código Civil, dizia que, dentro da
concepção tradicional, a responsabilidade do agente causador do dano só se
configurava se ele agisse culposa ou dolosamente, haja vista a prevalência da teoria da
culpa em relação à do risco.
O Código Civil de 1916 representava um modelo liberal-burguês, baseado
numa sociedade agrária voltada para a exportação, em descompasso com a
industrialização que ia tomando conta das economias européia e norte-americana no
final do século XIX.
Nesses países, o advento da sociedade industrial — consistente na adoção
de novas tecnologias, no desenvolvimento do maquinismo e no crescimento e
concentração da população nas cidades —, multiplicara consideravelmente o número
de acidentes envolvendo máquinas e vítimas, tornando a perquirição da culpa uma
atividade complexa e, ao mesmo tempo, insuficiente para a responsabilização civil.
Pois ficara praticamente impossível à vítima provar a negligência,
imprudência, ou imperícia, por exemplo, do maquinista, ou do dono da máquina
industrial causadora do acidente, sobretudo porque ela não tinha conhecimento técnico
para apontar a falha humana na manutenção ou condução do engenho.
Adotada no Brasil a teoria da responsabilidade subjetiva esta tem na culpa
seu embasamento basilar, só existindo a culpa se dela resulta um prejuízo. Todavia,
esta teoria não responsabiliza aquela pessoa que se portou de maneira irrepreensível,
distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano. Aqui, argüi-se a
responsabilidade do autor quando existe culpa, dano e nexo causal.
Monteiro (1995b, p. 392) nos diz que "pela teoria da responsabilidade
subjetiva ou da culpa [...] a obrigação de reparar o dano decorre do juízo de reprovação
ao comportamento do agente".
A culpa, que deve ser judicialmente provada, é, com efeito, a pedra angular
da qual se deve partir para que se dê por configurada a responsabilidade civil. Esta é a
obrigação que pode incumbir a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem, por
19
fato a ela imputável, ou por fato imputado a pessoas ou coisas que dela dependem ou a
ela estejam sujeitas. No magistério de Savatier (1951a, p. 1) a culpa
[...] é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se
efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em
matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser
conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da
matéria contratual, de quase-delito.
A responsabilidade civil repousa, substancialmente, no elemento subjetivo
culpa, “lato sensu”. Não demonstrada a sua ocorrência, não há como impor o dever de
indenizar a vítima, ao pretenso responsável pelo prejuízo que lhe foi causado pelo
evento danoso.
Ainda segundo Savatier (1951a), em todos os âmbitos da responsabilidade
civil, o ato ilícito que pode justificar a responsabilização do agente é composto de dois
elementos essenciais, um, de ordem subjetiva, outro de natureza objetiva: a existência
de um dever violado e a imputabilidade do agente.
Para Savatier (1951a, p. 7-8) a existência, a extensão e os efeitos da prática,
apontada, de um ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, só pode ser levada a
cabo por meio da comparação, confrontação da conduta concreta do agente,
pressupondo-se sua probidade e diligência em função da observância dos seus
deveres: a) o dever legal (a prática de um fato ou de uma abstenção previstos em lei);
b) o dever moral (a prática ou abstenção de um ato que, embora não previstos
expressamente no sistema legal, são tutelados pela ordem jurídica); c) o dever
contratual; d) o dever geral de não fazer mal a terceiros.
A culpabilidade, ainda segundo Savatier (1951a, p. 205-206), pressupõe a
imputabilidade: Assim, a culpa não comporta somente a violação de um dever, mas no
que se refere ao agente, a possibilidade de o observar. Como elementos da
imputabilidade, aponta:
a) a possibilidade, para o agente, de conhecer o dever violado; se o ato
praticado é legítimo, mesmo que cause danos, o agente está isento de
culpa, vez que ele não tinha a possibilidade de conhecer o dever não
observado.
20
b) a possibilidade, para o agente, de observar o dever do qual tem ciência,
pois ele deve, diante da possibilidade de observar o dever, ter, voluntária
e livremente, criado a situação de sua não observância.
c) a previsibilidade e a evitabilidade da situação na qual não houve a
observância ou o cumprimento do dever; somente quando o seu ato ou a
sua abstenção voluntários pudessem tornar previsível a inobservância ou
inexecução do seu dever, é que o agente comente um ato culpável; da
mesma forma, somente quando uma conduta diferente da que o agente
tomou pudesse evitar a violação previsível do dever é que o seu ato pode
ser considerado culposo; nesse particular, toda ilicitude ou culpabilidade
do ato desaparecem quando a conseqüência ilícita ou danosa já era
inevitável quando ela se tornou previsível.
Dias (1987, p. 143-145), nota que a doutrina francesa, por muito tempo,
debateu os seus conceitos essenciais e estruturais. Mostra, porém, que o artigo 159 do
Código Civil brasileiro solucionou muitos dos problemas debatidos em França, ao definir
o que é o ato ilícito: "Todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".
Acrescenta mais que: Das noções expostas, ficou-nos a concepção da culpa genérica,
que se desdobra em dolo e culpa propriamente dita; aquele não é o vício da vontade,
mas o elemento interno, que reveste o ato da intenção de causar o resultado, ao passo
que na culpa, em sentido restrito, a vontade é dirigida ao fato causador da lesão, mas o
ato não é querido pelo agente. A culpa é a falta de diligência na observância da norma
de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para
observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se
detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude. [...] “Como
quer que seja, o que o nosso Código Civil
1
tem em vista é o ato ilícito. Este acarreta, de
si só e originariamente, o vínculo da obrigação. “Nele, concorrem elementos objetivos e
subjetivos”.
1
É preciso que seja esclarecido que os comentários supra referem-se ao revogado Código Civil de 1916,
pois hoje, a partir da publicação da Lei n.10.406, de 11.01.2002, temos novo Código Civil.
21
No novo Código Civil tal regra foi dividida em mais de um artigo, constante na
Parte Geral, Livro III, Título III [“Dos Atos Ilícitos”], e na Parte Especial, Livro I, Título IX
[“Da Responsabilidade Civil”]. Na nova redação, foram modificadas e inseridas algumas
palavras, a fim de deixar mais clara a intenção do legislador, além de inserir o
posicionamento jurisprudencial já pacífico de que haverá responsabilidade por dano
moral independente da existência cumulativa de dano material [art. 186 in fine], bem
como o abuso do direito como ato ilícito [art. 187].
Um aspecto de especial relevância, na teoria da culpa, é a imagem standart
de homem diligente e probo, herdada do direito romano (o bonus pater familias).
Mostra, Savatier (1951a, p. 208-209), quanto ao tema, que tal idéia padrão não passa
de mero indicativo, de ordem generalíssima, vez que tal conceito, tal imagem, só pode
se delinear, ou mesmo se concretizar, como parece óbvio, a partir da análise das
circunstâncias do caso concreto e, principalmente, tendo em vista as características
físicas e psíquicas daquele a quem se atribui a prática do ato que se afirma ter causado
um prejuízo a alguém. Além disso, cabe, em grande parte, ao suposto prejudicado
provar de forma inequívoca as suas alegações.
A doutrina, à unanimidade, tem considerado que os pressupostos ou
requisitos essenciais para que se tenha por configurada a responsabilidade civil são: a)
a existência de um fato; b) a ilicitude deste fato; c) a imputação desse fato ao agente; d)
um dano experimentado pela suposta vítima; e) o nexo de causalidade entre esse fato e
o dano supostamente
2
causado pelo agente e experimentado pela vítima.
Desnecessário dizer que a presença de tais requisitos é cumulativa e não
meramente alternativa. A ausência de um só deles impede que se configure a
obrigação de indenizar. A clareza de tais requisitos, cuja compreensão se dá pela só
leitura de seu enunciado, não causa maiores dificuldades ao intérprete. Talvez fosse,
no entanto, esclarecedor, tecer alguns comentários em torno do nexo de causalidade.
Para que surja a obrigação de indenizar - afirma Rodrigues (1987, p. 18)
[...] mister se faz a prova de existência de uma relação de causalidade entre a
ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se a
vítima experimentou um dano, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do
2
Nesse sentido ver: RODRIGUES, 1993, p. 14; GOMES, 1986. p. 332-336; MENDONÇA, 1956. v. 2. p.
531-534.
22
comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização, formulado por
aquela, deverá ser julgado improcedente.
Isso significa que a relação que se produz entre causa e dano é
precisamente uma relação de causa e efeito, na qual o dano deve necessariamente
decorrer das conseqüências da causa, que deve ser a conduta, a ação ou omissão livre
e voluntária do agente. Não havendo tal relação de conseqüência, mesmo que se
possa vislumbrar, na situação de fato retratada, uma longínqua participação do agente
no evento danoso, não se há de falar em obrigação de indenizar.
Contudo, havia no próprio Código Civil de 1916 artigos estabelecendo a
responsabilidade independentemente de culpa, como os arts. 15 (responsabilidade das
pessoas jurídicas de direito público pelos atos de seus agentes que nessa qualidade
causassem danos a terceiros), 1.101 a 1.106 (responsabilidade por vícios redibitórios) e
1.107 a 1.117 (responsabilidade por evicção), os dois últimos relativos à
responsabilidade contratual.
3
A tradicional teoria da culpa ainda é o principal fundamento da
responsabilidade civil, vez que ninguém será obrigado a indenizar se não houver agido
culposamente, salvo nos casos especificados em lei ou quando sua atividade seja
perigosa e implique em risco para os direitos de outrem.
O Direito Civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade
civil, em direito privado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns setores, e
mesmo em algumas passagens desse vetusto instituto, imperar a teoria do risco
4
.
Encontramos, também, no ordenamento jurídico de outros países, o conceito
de responsabilidade civil calcada na noção de culpa.
Exemplifica-se com o Código Civil
Italiano, que no seu artigo 2.043 diz que todo o fato delituoso ou culposo, que ocasione
a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano.
São
admitidas exceções como a legítima defesa e o estado de necessidade, que mesmo
3
DIAS (1987, p. 93) cita como exemplo os arts. 1.519, 1.520, parágrafo único, e 1.529.
4
Assim é, que a legislação sobre acidentes no trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os
transportes em geral (ferroviário, aeronáutica) invoca-a; a responsabilidade por fato das coisas repousa
na responsabilidade objetiva. Há uma tendência para nela atrair as questões relativas à
responsabilidade civil dos bancos. Com relação aos direitos do consumidor impera a responsabilidade
objetiva, assim como, no que se refere a responsabilidade civil do Estado, atualmente, é a que vigora,
nos termos do art. 37, § 6º. Da Constituição Federal, entre outros poucos casos.
23
assim concede ao Juiz o poder de fixar indenização equânime para o prejuízo sofrido.
O Código Civil Grego também se fixa na culpa como fundamento da responsabilidade
civil, mas, em casos especiais, admite a responsabilidade objetiva, como no caso do
mandatário sem poderes e até cria a hipótese de culpa presumida, responsabilidade
pelo fato causado pelo animal doméstico. No Direito Germânico, o princípio
fundamental é o da culpa, elemento integrante da responsabilidade civil, como se pode
notar no §826 do B.G.B. Há alguns casos que se exige dolo, não sendo a culpa
suficiente (FRIZZO, 2005).
Ocorre que com o passar do tempo a jurisprudência, e com ela a doutrina,
convenceram-se de que a responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não
satisfaz e não dá resposta segura à solução de numerosos casos. A exigência de
provar a vítima o erro de conduta do agente deixa o lesado sem reparação, em grande
número de casos.
Todavia, é notável acrescentar-se que uma nova concepção surgiu no Brasil,
referente à responsabilidade civil, com o advento do novo Código Civil. Com efeito, a
despeito de a regra geral continuar sendo a da responsabilidade subjetiva, passa o
Código a prever hipóteses de responsabilidade objetiva, não somente em função de
previsão legal, como era no sistema anterior, mas também em função da atividade
desenvolvida pelo autor do dano, sempre que for considerada de risco para os direitos
de outrem (art. 927, parágrafo único).
1.5 Noção da responsabilidade objetiva ou teoria do risco
Com o desenvolvimento do sistema capitalista e industrial o sistema de
responsabilização com fundamento na culpa mostrou-se de todo insuficiente para fazer
frente aos inúmeros eventos danosos oriundos do desenvolvimento tecnológico, muitos
deles, conforme constata Rocha (1989, p. 37), “surgidos com a marca do anonimato.
Nesta época abandona-se o princípio do “laisser faire laisser passer. O Estado passa a
ser socialmente conformador e economicamente interventor. O direito fiscaliza e limita a
autonomia da vontade, mesmo porque historicamente ficou comprovado, que esta
24
autonomia poderia levar, como afinal levou, a situações de profundas desigualdades
senão formais, certamente materiais.
A regra geral é a responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa
legislação, com finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em determinados
casos a responsabilidade objetiva. Esta, por sua vez, elimina de seu conceito o
elemento culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando
presentes a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.
A evolução que a teoria objetiva provocou se deu pelo fato da facilitação da
ação da vítima em concreto na reparação do dano, gerando aos infratores a obrigação
de indenizar por acidentes provenientes de suas atividades, em detrimento da teoria
subjetiva, para a qual o agente precisa salientar a culpa dentro da idéia de desvio de
conduta.
A prova acaba sendo de difícil constatação, criando grandes óbices à vítima,
que quase sempre acabava arcando com os respectivos ônus. Com a técnica da
presunção de culpa, impõe-se a inversão do ônus da prova, em razão da condição
menos favorável da vítima.
A doutrina objetiva abstrai a culpa, concebe a responsabilidade sem culpa e
se concentra na teoria do risco.
A palavra risco é um conceito polivalente. Várias são as acepções em que se
empregam umas relativamente próximas, outras bem diferenciadas. Em termos de
responsabilidade civil, risco tem sentido especial, e sobre ele a doutrina civilista, desde
o século passado vem-se projetando, com o objetivo de erigi-lo em fundamento do
dever de reparar, com visos de exclusividade, ou como extremação da teoria própria,
oposta à culpa.
Para Pereira (1992, p. 14) o conceito de risco que melhor se adapta às
condições de vida social
[...] é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma
qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera
para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso,
isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência ou a um erro de
conduta.
25
Já Cavalieri Filho (1999, p. 145) diz que risco "é perigo, é probabilidade de
dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe
assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente".
A característica dominante da doutrina objetiva é que o dano pode ser
resultado de uma conduta eximida do elemento culpa. Portanto, o dever de indenizar
não se vincula à idéia de comportamento culposo.
A responsabilidade civil calcada no risco tem sua origem no Direito Francês,
nas interpretações de Saleilles e Josserand (apud PEREIRA, 1992). Ambos
argumentam no sentido da necessidade da responsabilidade civil adequar-se às
grandes mudanças ocorridas no mundo social, no qual a teoria da culpa já não
encontrava mais o respaldo de justa e de garantidora da segurança jurídica.
A responsabilidade, segundo a corrente objetiva, deve surgir exclusivamente
do fato. Assim, o agente deverá ressarcir o prejuízo causado, mesmo que isento de
culpa, porque sua responsabilidade é imposta por lei independentemente de culpa e
mesmo sem necessidade de apelo ao recurso da presunção. O dever ressarcitório,
estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem
necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se
houve ou não erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente
deverá indenizá-lo. Mas, como não há que se falar em imputabilidade da conduta, tal
responsabilidade só terá cabimento nos casos expressamente previstos em lei.
Com efeito, se por um lado, no campo da responsabilidade contratual, é fácil
determinar a infração do dever preexistente, o mesmo não ocorre no da
responsabilidade extracontratual. Sendo assim, segundo alguns autores, pouco a pouco
a responsabilidade civil marcha em direção à doutrina objetiva, que encontra maior
supedâneo na teoria do risco. A matéria, sem dúvida, é controvertida.
De um lado, temos os que mantêm estrita fidelidade à teoria da
responsabilidade subjetiva, repelindo a doutrina do risco. De outro, há os que abraçam
tal teoria, considerando-a o substitutivo da teoria da culpa, que seria insatisfatória e
estaria superada. Em terceiro lugar, sem ser propriamente eclética, a posição dos que
admitem a convivência das duas teorias: a culpa exprimiria a noção básica e o princípio
geral definidor da responsabilidade, aplicando-se a doutrina do risco nos casos
26
especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação criada por quem
explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano que sofreu
5
.
No final do século XIX a doutrina desvia-se da teoria da culpa e volta sua
atenção para o risco criado pelo proprietário da máquina, deixando de lado exames de
caráter subjetivo, cujo referencial era o comportamento do "homem médio".
O direito brasileiro, sempre influenciado pela cultura européia, não ficou
inerte à evolução da nova doutrina, cuja finalidade era eminentemente social. Antes
mesmo do Código Civil de 1916 entrar em vigor, a responsabilidade objetiva logo foi
recepcionada pela Lei n. 2.681/1912, que a estabeleceu para as empresas de
transporte ferroviário.
Depois, o Decreto n. 24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho) fixou a
responsabilidade objetiva do patrão pelo dano causado ao trabalhador, de que
resultasse morte ou ferimento; esse encargo foi agravado pelo Decreto-lei n.
7.036/1944, que confirmou a responsabilidade mesmo no caso de culpa da vítima.
O Decreto n. 483/1938 responsabilizou o proprietário da aeronave pelos
danos causados a pessoas em terra, por coisas que dela caíssem, assim como por
danos derivados das manobras dos aviões em terra. Essas regras, não modificadas
pelo Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei n. 32/1966, alterado pelo Decreto-lei n.
234/1967), foram mantidas pelo atual Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei n.
7.565/1986).
Durante muito tempo, falou-se na responsabilidade objetiva do Estado como
exemplo maior para explicar a responsabilidade sem culpa, considerada exceção à
regra da responsabilidade subjetiva. Da doutrina surgia a diferenciação entre as teorias
da culpa administrativa, do risco administrativo (adotada pelo direito brasileiro) e do
risco integral.
Citavam-se a Lei n. 2.681/1912 (das Estradas de Ferro), o Decreto n.
24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho) e a Lei n. 7.565/1986 (Código Brasileiro de
Aeronáutica), para justificar outros casos não envolvendo a atividade direta do Estado.
5
A propósito de quem é ou não partidário da teoria da culpa subjetiva, objetiva e da terceira corrente,
consultar o clássico, LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999.
27
Contudo, foi com a chegada do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.
8.078/1990) que houve uma verdadeira reviravolta na doutrina e jurisprudência, que
passaram a dar especial destaque à responsabilidade sem culpa.
Isso porque a lei de proteção do consumidor erigiu a responsabilidade
objetiva à categoria de princípio, visando assegurar que o consumidor jamais ficasse
indene por não provar a culpa do fornecedor de produto ou serviço.
Desse modo, estabeleceu-se a responsabilidade objetiva não só para o fato
do produto ou serviço (acidentes de consumo), como também para os vícios do produto
ou serviço (vícios de adequação).
6
No novo Código Civil despeito de a regra geral continuar sendo a da
responsabilidade subjetiva, conforme dito supra, pois se por um lado o artigo 186
7
estabeleceu a culpa como requisito para a responsabilização civil, por outro, o art. 927,
parágrafo único, definiu a obrigação de indenizar, independentemente de culpa, da
seguinte forma: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a, atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
8
.
Por isso Rodrigues (1987), ao comentar o projeto de lei, dizia que a regra -
hoje contida no parágrafo único do art. 927 - , abria uma porta para ampliar os casos de
responsabilidade civil, confiando ao prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do
caso concreto, para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também,
indiretamente, por eqüidade.
O parágrafo único do art. 927, pelo visto, é deveras amplo, abrangente o
bastante para afastar a idéia de que seria exceção ao sistema da responsabilidade
subjetiva.
Sua natureza genérica pode ser deduzida também da comparação com o art.
931 do mesmo código, este sim regra complementar e particular que responsabiliza os
6
Para Gonçalves (1998, p, 85), no CDC tanto a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço como a
oriunda do vício do produto ou serviço são de natureza objetiva (Comentários, p. 85). Lisboa (2001, p.
57) também classifica a responsabilidade do fornecedor de produto defeituoso como objetiva .
7
Art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
8
O projeto do CC/2002 tinha redação mais restritiva: "Parágrafo único. Também haverá a obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, grande risco para os direitos
de outrem, salvo se comprovado o emprego de medidas preventivas tecnicamente adequadas".
28
empresários individuais e as empresas, independentemente de culpa, pelos produtos
postos em circulação.
A redação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, dada sua amplitude,
ainda permite ao intérprete superar até mesmo o conceito de "atividade perigosa",
pressuposto para aplicação da regra segundo boa parte da doutrina.
Ocorre que a redação original do projeto do Código Civil de 2002 falava em
"grande risco para os direitos de outrem", enquanto as legislações italiana
9
e
portuguesa
10
, ao tratarem do assunto, diziam respeito à "atividade perigosa".
Isso levou parte do pensamento jurídico brasileiro a associar a atividade
referida no parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 com a "atividade
perigosa" que contivesse em si "uma grave probabilidade, uma notável potencialidade
danosa, em relação ao critério da normalidade média e revelada por meio de
estatísticas, de elementos técnicos e da própria experiência comum” (BITTAR, 1984, p. 93).
O legislador, entretanto, ao excluir do Código Civil de 2002 a expressão
"grande risco", que estava no projeto, deu a entender que qualquer atividade,
normalmente desenvolvida, que, por sua natureza, implicar risco aos direitos de outrem,
obrigará o autor a reparar o dano, independentemente do grau de periculosidade
11
.
A posição liberal adotada no art. 927, parágrafo único representa louvável
progresso em responsabilidade civil, propiciando indenização a quem quer que sofra
dano causado por qualquer tipo de atividade que, normalmente desenvolvida por
outrem, possa, por sua natureza, implicar risco.
9
Art. 2.050 do CC italiano: "Chiunque cagiona ad altri nello svolgimento di un’attività pericolosa, per sua
natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto al risarcimento se non prova di avere adottato tutte
le misure idonee a evitare il danno". Codice Civile d’Itália. Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.
10
Art. 493, n. 2, do CC português: "Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade,
perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los,
excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os
prevenir". Código Civil Português: Decreto-lei nº 47.344 de 25 de novembro de 1966. Coimbra: Coimbra
Editora, 1994.
11
Merece destaque a interpretação dada pela Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal (11 a 13 de setembro de 2002). Segundo o Enunciado n.
38, "a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo
único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da
coletividade". Promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no
período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do
STJ.
29
Se há novidade no novo Código no sentido de que para todos os casos que
possam ser considerados de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de
atividade de risco ou perigosa, deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade
objetiva prevista no novo Código Civil, mas como veremos em momento próprio, não se
aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil aos acidentes de trabalho,
continuando a empresa a responder por esses somente quando for provada a sua
culpa.
A doutrina do risco pode, então, assim ser resumida: todo prejuízo deve ser
atribuído e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com
culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de
valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou do dano
12
.
1.6 Responsabilidade civil e dano
A responsabilidade civil quer seja subjetiva ou, objetiva, tem no dano
elemento essencial. Não pode haver responsabilidade sem dano efetivo.
O vocábulo dano, proveniente do latim damnum, genericamente é definido
como “todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa
resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu
patrimônio.”(SILVA, 1998, p. 192).
13
Para Costa Júnior (1989, p. 23), dano é “tudo aquilo que impede, total ou
parcialmente, a satisfação das necessidades humanas. Como estas são mitigadas
pelos bens, dano é tudo aquilo que implique a destruição ou diminuição de um bem.”
Para Lopes (1962, p. 256) o dano é composto de dois elementos distintos:
“1º) elemento de fato – o prejuízo; 2º) elemento de direito – as violação ao direito, ou
seja, a lesão jurídica. É preciso que haja um prejuízo decorrente de uma lesão de um
direito” (grifos no original).
A noção de dano, desse modo, reporta-se a ato que tenha como efeito um
prejuízo, afetação de um bem jurídico, de modo a diminuir-lhe a utilidade, ou o gozo,
12
Sobre a responsabilidade fundada no risco ver capítulo 6º quando abordamos “a responsabilidade civil
no dano ambiental”.
13
Verbete: direito subjetivo.
30
por conduta antijurídica do agente. Isso nos leva a raciocinar que se o ato ilícito provier
de mera conduta do agente, mas se não resultar em dano patrimonial ou
extrapatrimonial poderá haver responsabilidade penal, mas não civil, já que o Direito
Penal pune a tentativa (v.g. tentativa de homicídio), onde não houve prejuízo para a
vítima, mas houve violação do direito.
Para provocar a tutela legal, o dano deve derivar de conduta contrária ao
direito, constituindo um fenômeno jurídico, e não apenas uma realidade física.
O objeto desse prejuízo consiste em bens jurídicos que formam o patrimônio
de um sujeito de direito, seja este patrimônio material ou ideal.
Na doutrina de Alsina (1997) existem danos justificados e ressarcíveis
aparecendo estes últimos como danos patrimonial e extrapatrimonial. No que pertine a
danos justificados leciona que há hipóteses em que a lei exclui a conduta do agente
causador do ato lesivo do dever de indenizar, exemplificando com os casos da “legítima
defesa”, exercício regular de um direito e estado de necessidade próprio ou de terceiro.
Adverte, igualmente, que mesmo estes violam as esferas patrimonial e/ou moral, mas
agindo o agente de conformidade com as excludentes explicitadas não tem o dever de
reparar.
O dano patrimonial é aquele que afeta o patrimônio econômico da vítima; já o
dano extrapatrimonial, o chamado dano moral, o prejuízo atinge apenas a consciência
psicológica da vítima, é resultante da violação dos direitos da personalidade. O conceito
a ser formulado reveste-se de peculiaridades, vez que o prejuízo que experimenta a
vítima não possui natureza patrimonial ou de ordem econômica.
Para Diniz (2004a, p. 68),
o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo
ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial,
dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação
pecuniária e de indenização pelo responsável.
Já o conceito de dano extrapatrimonial ou, moral formulou-o Melo da Silva
(1969, p. 13, 14) como sendo as
[...] lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu
patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a
patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor
econômico. Jamais afetam o patrimônio material, [como o salienta Demogue]. E
para que facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem
sobre que incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. Seu
elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo,
31
abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, como os morais
propriamente ditos. Danos morais, pois, seriam, exemplificadamente, os
decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às
crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à
vida, à integridade corporal.
Após termos discorrido sobre o tema responsabilidade civil, passemos a
analisar o meio ambiente do trabalho, pois é nesse local que ocorre a degradação e
que vai atingir o operário. É nossa pretensão defendermos que com a degradação do
meio ambiente do trabalho se vier o empregado sofrer um acidente de trabalho – o que
lhe ocasionará um dano moral – a responsabilidade do empregador deve ser objetiva,
não se justificando mais a apuração através da teoria subjetiva ou da culpa, como vem
hoje, estabelecido no nosso ordenamento jurídico.
32
CAPÍTULO 2
O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
2.1 Introdução
O mundo está muito perto de perder suas maiores fontes de vida humana. A
água está com os anos contados, o solo está sendo ferido e o ar está contaminado.
Será que podemos fazer alguma coisa? Quando foi reconhecido que os recursos
ambientais eram finitos, ao mesmo tempo em que se constatava já ter havido uma
enorme destruição destes em face das ações predatórias do homem sobre o meio
ambiente, este mesmo homem - principal agente causador dos desequilíbrios
ambientais - passou a se preocupar com a preservação daquele.
Sendo o homem o principal agente que tem influência direta no meio
ambiente, é a estes que devemos concentrar nossas ações, é a estes que devemos
nos dirigir, pois não desconhecemos que ao lado da crise ambiental existe a crise do
trabalho.
A crise do trabalho e a crise ecológica, hoje, no entanto se constituem num
pesadelo: deterioração, sem precedentes, dos diferentes equilíbrios ecológicos,
produção de novas raridades nos mais diversos âmbitos (inclusive raridade do tempo),
mas também precarização generalizada e, cada vez mais, novas formas de
subordinação ao trabalho, ruptura do laço social e, finalmente extensão do econômico
sobre setores cada vez maiores da nossa vida cotidiana e do nosso entorno natural e
cultural (GOLLAIN, 2000).
Os efeitos ao meio ambiente são os mais diversos. Entre estes temos o
efeito estufa, onde a elevação da temperatura poderá resultar em modificações
profundas no regime de precipitações, no ciclo natural das águas e na elevação dos
níveis dos oceanos. Para não piorarmos a situação, seriam necessárias medidas de
controle que inibem a emissão de gases, ou pelo menos amenizem, principalmente a
emissão do dióxido de carbono CO
2,
que é o principal responsável pelo aumento do
33
efeito estufa
14
.
Em Bonn, 178 países selaram o acordo sobre metas para cumprir o
Protocolo de Kyoto (de combate às mudanças climáticas e o corte de emissões de
gases causadores do efeito estufa). O acordo básico inclui a aplicação dos créditos de
emissão de poluentes em troca da ajuda a conservação de florestas e a produção de
energia limpa, este acordo foi realizado mesmo sem o apoio do EUA
15
.
A nível global, se protocolos como o de Kyoto entre outras agendas
internacionais de preservação do meio ambiente, países ditos "desenvolvidos" como os
EUA e Canadá se negarem a respeitá-los as dificuldades serão imensas na
preservação do meio ambiente, uma vez que são eles mesmos os maiores poluidores.
Também temos o desequilíbrio climático, a escassez dos recursos hídricos
resultados de ações como desmatamento, queimadas, destruição da flora e da fauna
tendo como conseqüência a perda da biodiversidade.
A década de 1990 é paradigmática para o mundo do trabalho, no Brasil. O
emprego formal acumulou um déficit estimado em 3,2 milhões de postos de
trabalho, assim como o desemprego alcançou índices nacionais sem paralelo
desde a década de 1930. Entre 1989 e 1999, a quantidade de desempregados
ampliou-se de 1,8 milhões para 7,6 milhões, com aumento da taxa de
desemprego aberto passando de 3% da PEA para 9,6% (POCHEMANN, 2001a,
p. 9 e 49).
No entanto, apesar deste aumento do desemprego, nos anos 1990, a
quantidade de trabalhadores com jornada de trabalho superior à oficial de 44 horas
duplicou, passando de 13,5 milhões para 26,7 milhões de pessoas ocupadas. Isto
significa que cerca de 4,9 milhões de novas vagas deixaram de ser criadas no país. Ou
seja, cerca de 2/3 do total do desemprego aberto no país poderia ter sido reduzido com
a forte redução do sobretrabalho (POCHEMANN, 2001a).
Acentua, também, esse autor que no Brasil
uma das características centrais no mundo do trabalho é o crescente
dessalariamento, isto é, a redução relativa da participação dos assalariados no
total da ocupação. [...] Atualmente, os assalariados com registro (incluídos)
perdem participação para o conjunto de desempregados e ocupados
precariamente (excluídos). Para uma PEA estimada em 73 milhões de pessoas
em 1996, cerca de 43 milhões (59%) eram assalariados e apenas 23 milhões
empregados com registro formal, restando 20 milhões de trabalhadores sem
registro.
14
Boletim informativo do Núcleo de Recursos Hídricos, n.
4, 2001.
15
Correio do Povo, Porto Alegre, 10 jul. 2001. p. 17.
34
Assim, se em 1989, 64% do total da ocupação brasileira era de assalariados,
em 1999, eles diminuíram para 58,7% (POCHMANN, 2001a, p. 48 e 167).
No final de 1999, em torno de 55% dos ocupados das grandes cidades
encontram-se em algum tipo de informalidade, o que significa estar sem registro
em carteira de trabalho e sem a proteção social vinculada ao emprego formal,
como FGTS, Seguro Desemprego e aposentadoria. Somente 18,3 milhões de
assalariados estavam, em abril de 1999, regidos pela CLT, em uma PEA de 75
milhões de pessoa. Durante os anos 1940 e 1970, a cada 10 postos de trabalho
criados apenas 2 não eram assalariados, sendo 7 com registro formal
(POUCHMAN, 2001b, p. 96 e 97).
Observa-se, também, no mundo do trabalho brasileiro a precarização, a
barbarização, a desregulamentação e a flexibilização sendo que nos anos 1990, a cada
cinco ocupações criadas, quatro referem-se ao conjunto de trabalhadores autônomos,
sem remuneração e assalariados sem registro formal; o fenômeno da barbarização do
mundo do trabalho se expressa na decrescente participação da renda do trabalho na
renda nacional. A desregulamentação compreende as iniciativas de eliminação de leis
ou outras formas de direitos instituídos (nos contratos coletivos, por exemplo) que
regulam o mercado, as condições e as relações de trabalho. É derrogar ou diminuir
benefícios existentes. Ou seja, é a supressão das normas que regulam as relações de
trabalho, deixando que o mercado se encarregue de estabelecer livremente o
tratamento dos assuntos. As seguintes sete medidas foram decisivas na
desregulamentação do trabalho, nos anos 1990, no Brasil: o fim da política salarial, a
abertura do comércio aos domingos, a instituição da figura do mediador nas
negociações coletivas e das comissões de arbitragens. O conceito de flexibilização que
prevaleceu na década de 1980 e 1990 está associado à possibilidade de a empresa
contar com mecanismos que permitem ajustar sua produção, emprego, salário e
condições de trabalho ante as flutuações da economia, das inovações tecnológicas e a
outros fatores (tais como a sua estratégia de mercado). A flexibilização dá “liberdade”
às empresas na determinação do uso do trabalho, o que significa desregular (eliminar
ou afrouxar direitos) ou adaptar a proteção trabalhista clássica às condições de
produção das empresas ou à realidade do mercado de trabalho. Assim, no contexto
atual, de reorganização econômica e produtiva, o conceito de flexibilidade, para os
35
trabalhadores, se torna qualquer coisa feroz, inflexível, sinônimo de livre demissão
16
.
Constata-se, por outro lado, uma evidente crise ecológica. Ela consiste na
diminuição das reservas energéticas não renováveis, no acúmulo de gases que
esquentam o planeta e no declínio contínuo da diversidade biológica. Esta degradação
ambiental vem acompanhada pela crescente desigualdade social e pelo desenfreado
aumento do consumo.
A crise do mundo do trabalho e a crise ecológica, desta maneira, são a
manifestação de uma crise mais profunda. Em outros termos vivemos uma
[...] revolução profunda e silenciosa, cujos efeitos visíveis e ruidosos acabam
por ocultar sua verdadeira natureza e seu alcance, que está em curso há pelo
menos dois séculos nas camadas elementares do psiquismo e nos
fundamentos das estruturas mentais do indivíduo típico da civilização ocidental.
Ela vem transformando num nível de radicalidade até hoje aparentemente
desconhecido na história humana, as intenções, atitudes e padrões de conduta
que tornaram possível historicamente nosso ‘ser-em-comum’ e, portanto, as
razões que asseguram a viabilidade das sociedades humanas e o próprio
predicado da socialidade tal como tem sido vivida nesses pelo menos cinco
milênios de história (VAZ, n. 88, 2000).
“Quantos postos de trabalho serão perdidos se as empresas forem obrigadas
a desempregar para poluir menos?”
17
Essa indagação, quase um lamento tem um
significado. Como viveremos?
A esta pergunta a sociedade moderna respondeu a partir da instauração da
ficção, que se constitui num verdadeiro mythos, do poder-dominação. Segundo o direito
romano, o dominium remonta à facultas que possui o poder de fazer o que se quer com
aquilo que se tem, de modo tal que um direito de propriedade é tanto “o direito de troca”
como o “direito de fazer uso de”. Esse domínio da lógica e da potentia absoluta é
levado ao auge por Hobbes quando afirma: “O direito da Natureza, mediante o qual
Deus reina sobre os homens e pune aqueles que violam suas Leis, deve ser derivado
não do fato de ele o ter criado, como se exigisse obediência como gratidão pelos seus
benefícios, mas do seu Poder Irresistível” (HOBBES apud MILBANK, 1995, p. 30). “Não
a bondade e a verdade, mas o poder tornou-se a qualidade principal da divindade”
(MOLTMANN, 1993, p. 51).
16
Cf. POCHMANN, 2001a, p. 31, 48, 100, 172; FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Paulo:
Unesp, 1997.
17
MATTEOLI, ministro do trabalho do governo Berlusconi, sobre as conseqüências advindas para a Itália
da assinatura do Tratado de Kyoto - La Stampa 14-6-01.
36
Para Locke (1994, p. 44), o homem “é alguém que se apropria, e transforma
a natureza pelo seu trabalho, que se torna proprietário e que, por esta apropriação, se
torna capaz de existir por ele mesmo como indivíduo, isto é, sem depender de ninguém.
“O homem é senhor de si próprio, e proprietário da sua pessoa e das ações e do
trabalho desta mesma pessoa”
18
.
A humanidade se encontra, assim, confrontada com novos perigos que
emergem do seu poder-dominação instaurado na época moderna. Partindo da
constatação desses perigos que Jonas (1990) introduz a idéia de uma humanidade
frágil e perecível, perpetuamente ameaçada pelos poderes do homem. “Este torna-se
perigoso para si mesmo, constituindo-se agora em seu próprio risco absoluto” (DUPAS,
2000, p. 94).
No plano internacional a década de 70 do século XX marcou uma profunda
mudança de comportamento do Ser Humano em relação ao meio ambiente. Um marco
importante para a nova maneira de compreender o meio ambiente foi a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano realizada em 1972 em Estocolmo na
Suécia. O item 1 da declaração de Estocolmo proclama que:
O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá
sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual,
moral, social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no
planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da
Tecnologia, conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em
escala sem precedentes o meio ambiente. Natural ou criado pelo homem, é o
meio ambiente essencial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos
fundamentais, até mesmo o direito à própria vida.
19
A declaração de Estocolmo é, indiscutivelmente, o ponto, a partir do qual,
todo o futuro da proteção ambiental irá se desenvolver. As principais questões que
viriam a ser debatidas e desenvolvidas na Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 já se encontravam
presentes no texto de Estocolmo.
A Conferência de 1972, entretanto, foi mal recebida em sua época, pois não
se logrou estabelecer um diálogo adequado entre os países em desenvolvimento e os
países desenvolvidos, pois ambos os blocos, não compreenderam, de início, a
18
LOCKE, John. Second Traité du gouvernement (1689). PUF. Paris. 1994. parágrafo 44.
19
DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO. Disponível em:
http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm. Acesso em: 14 nov. 2006.
37
importância do tema que estava sendo apresentado à opinião pública
internacional. Criou-se uma polaridade entre ricos e pobres, fazendo com que o
desenvolvimento da matéria permanecesse em ritmo aquém do desejado, durante vinte
anos, até que fosse realizada a Conferência do Rio. É verdade que, no intervalo foi
constituído o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA e foi
elaborado o conhecido relatório Nosso Futuro Comum que teve o mérito de cunhar a
expressão “desenvolvimento sustentado”.
O ano de 1992 é, no entanto, o marco fundamental para o desenvolvimento
da consciência ambiental e, principalmente, para a proteção jurídica do meio ambiente.
Há que se consignar que o próprio nome da conferência internacional incorporou a
necessidade de conciliação da proteção ambiental com o desenvolvimento econômico.
A Conferência foi denominada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento – CNUMAD que foi conhecida popularmente como Rio 92 ou Eco 92.
No direito interno o Brasil avançou muito. Tão logo se encerraram os
trabalhos da Conferência de Estocolmo, foi instituída a Secretaria Especial de Meio
Ambiente – SEMA, naquela época um órgão vinculado ao Ministério do Interior. A
SEMA é o embrião do Ministério do Meio Ambiente que hoje presta relevantes serviços
à nacionalidade. No ano de 1981 foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente –
PNMA, mediante a edição de Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Esta política é o
centro nervoso de toda a legislação brasileira de proteção ao meio ambiente, pois é o
pólo irradiador de todo o conjunto de princípios e normas que regem á proteção
ambiental no Brasil. A evolução legislativa desde 1981 é bastante significativa. Várias
leis vêm sendo elaboradas e postas em prática pelos órgãos ambientais dos Estados e
pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis que é o órgão federal encarregado da proteção ambiental. É muito ampla a
legislação brasileira sobre meio ambiente. A produção legislativa é constante e,
praticamente, todos os grandes temas ambientais da atualidade estão cobertos por
normas próprias. É importante deixar consignado, no entanto, que a Política Nacional
38
do Meio Ambiente – PNMA não inaugurou – no direito brasileiro – o conjunto de normas
legais destinadas á proteção da natureza.
20
A Constituição da República promulgada aos 05 de outubro de 1988
estabeleceu contornos mais nítidos para a proteção do ambiente de trabalho brasileiro.
Ao tratar do tema meio ambiente do trabalho, destacou-o do complexo de normas
destinadas à proteção do meio ambiente em geral. Assim em seu artigo 7º, XXII, XXIII e
XXXIII
21
dispôs de forma genérica sobre a proteção da saúde do trabalhador, sendo
certo que no artigo 200, II e VIII da Lei Fundamental da República
22
foi feita uma
menção expressa ao chamado meio ambiente do trabalho, ali incluído como uma das
competências do sistema único de saúde que as exerce nos termos da lei.
2.2 Direitos humanos e direitos fundamentais
Tradicionalmente, a teoria geral dos Direitos Humanos recorre à trifásica
classificação dos direitos humanos originada do dístico da revolução francesa: direitos
de liberdade, de igualdade e de solidariedade. Assim, seriam de primeira geração os
direitos individuais, civis e políticos, também chamados "direitos negativos", na medida
em que impõem ao Estado uma obrigação de não fazer, de não interferência nas
esferas de liberdade dos indivíduos. De segunda geração, seriam os direitos sociais,
vistos como direitos positivos em razão de gerarem ao Estado obrigações de fazer, ou
de propiciar a realização desses mesmos direitos. Por fim, os direitos de terceira
geração, associados ao princípio da solidariedade, seriam aqueles cujo titular é o ser
20
Antes da edição de Lei nº 6.938/81, já possuíamos o Código Florestal, o Código de Águas, a Lei de
Proteção à Fauna, o Código de Mineração e muitas outras normas que, de uma forma ou de outra,
asseguravam algum padrão de proteção ao meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente –
PNMA, no entanto, inaugura a integração entre as diferentes normas e a moderna concepção de que
meio ambiente é uma totalidade que não pode ser tratada de forma parcial.
21
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: [...] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança; [...] XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei; [...] "XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores
de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de quatorze anos".
22
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II -
executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador [...]
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
39
humano indistinto, difuso, visto como parte da comunidade internacional. Nesse
contexto implementam-se os direitos à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente
saudável, entre outros.
Os direitos do homem para Bobbio (1992, p. 5-7) são direitos históricos,
nascidos de modo gradual, partindo de um caminho contínuo da concepção
individualista da sociedade, pelo qual se vai do reconhecimento dos direitos de cada
cidadão frente ao Estado até o reconhecimento dos direitos do cidadão do mundo, cujo
primeiro anúncio foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no entanto, não
podiam ser sequer imaginados quando foram promulgadas as primeiras Declarações de
direitos. O direito de viver num ambiente não poluído, a exemplo, é exigência nascida
em razão de mudanças nas condições sociais, e num contexto em que o
desenvolvimento tecnológico permite sua implementação e proteção. Os direitos
humanos "nascem quando devem, ou podem nascer."
Não há discrepâncias sensíveis entre os doutrinadores quando atribuem ao
período pós 2ª Guerra Mundial o início do processo efetivo de proclamação e de
internacionalização dos direitos humanos. Comparato (2001, p. 54, 55) nos diz que
[...] após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o
totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em
qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade humana. O
sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a
lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos
direitos humanos. [...] Chegou-se, enfim, ao reconhecimento de que à própria
humanidade, como um todo solidário, devem ser reconhecidos vários direitos: à
preservação dos sítios e monumentos considerados parte integrante do
patrimônio mundial, à comunhão das riquezas minerais do subsolo marinho, à
preservação do equilíbrio ecológico do planeta.
Igualmente marcante, no período que se seguiu à Declaração Universal, foi a
renovação de determinados conceitos, especialmente ligados ao direito internacional,
na medida em que diversos tratados e convenções passam a apontar um novo sujeito
ativo, um novo titular de direitos no plano internacional: a humanidade. Não mais os
Estados como sujeitos típicos do direito internacional, ou mesmo os cidadãos, vis-a-vis
os Estados, mas a comunidade, o coletivo heterogêneo ou difuso, a espécie humana.
Diz Bonavides (1998, p. 523)
[...] os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se nesse fim de século
enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção de
interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm
40
primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo
de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Assim, firmou-se no direito internacional, a partir da segunda grande guerra, o conceito
de "humanidade", com a idéia da existência de direitos inerentes a essa nova "pessoa"
de direito internacional.
Na concepção de Canotilho (1993, p. 500) os “Direitos Fundamentais” podem
ser visualizados em duas fases:
[...] uma anterior ao Virgínia Bill of Rights (12.06.1776) e à Declaração des
Droits de l’Homme et du Citoyen (26.08.1789), caracterizada por uma relativa
cegueira em relação à idéia dos direitos do homem; outra posterior a esses
documentos, fundamentalmente marcada pela chamada Constitucionalização
ou positivação dos direitos do homem nos documentos constitucionais.
Com efeito, o debate sobre os direitos fundamentais se instaurou após as
Declarações de Direitos, no final do Século XVII, (Revolução Francesa e Independência
Americana) e foi pautado pela negação a esses direitos.
Foi imposta pela nova ordem burguesa, após esses processos
revolucionários, uma limitação às autoridades estatais que deveria vir expressa na
Constituição pela técnica da separação dos poderes (funções legislativa, executiva e
judiciária) distinta da declaração de direitos. Assim é que as Constituições liberais
clássicas limitavam-se a esses dois aspectos.
Após a Segunda Grande Guerra, quando já se tornara obsoleta a discussão
em torno da negação dos direitos do homem o conflito ideológico, no campo dos
direitos humanos, desloca-se para o eixo do confronto entre os valores liberdade e
igualdade.
Para o liberalismo, que se apega ao paradigma do indivíduo como ator
autônomo, separado e autodeterminado, num contexto minimalista do Estado, direitos
fundamentais seriam apenas os direitos civis e políticos, para cuja concretização
requerem prestação negativa e sem custos, para o Estado.
Para os socialistas, que se inspiram no ideal de igualdade, seriam também
direitos fundamentais os chamados direitos econômicos, sociais e culturais, porquanto
somente com sua implementação, mediante prestação positiva do Estado, com efetivos
investimentos sociais e com redistribuição solidária das riquezas e seus benefícios, é
que se realizaria a democracia material.
41
O conflito ideológico, projetado na geopolítica, dava-se mais numa direção
leste/oeste do que norte/sul. Era um confronto entre os Estados Unidos e a Europa
Ocidental, de um lado; e o bloco liderado pela União Soviética, de outro.
A “Declaração Universal dos Direitos Humanos” só foi possível com a
unanimidade que houve, porque foi vitoriosa a pressão dos países socialistas, liderados
pela então URSS, no sentido de que fossem também contemplados naquele
documento os direitos econômicos, sociais e culturais.
Assim é de se verificar que os “os direitos fundamentais” são os direitos do
ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito Constitucional positivo de
determinado Estado; “direitos humanos”, por sua vez, guardam relação com os
documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem Constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal, para
todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional
(internacional).
É nessa perspectiva que Canotilho (1999) e Bonavides (2000) se apegam ao
conceituarem que: o primeiro ao entender que o local exacto desta positivação jurídica
é a constituição [...] os direitos fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que
se encontram reconhecimento nas constituições e deste reconhecimento se derivem
conseqüências jurídicas, [sic] enquanto o segundo entende que direitos fundamentais
são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.
Nos dias atuais, a idéia de direitos fundamentais - assim entendidos os
direitos humanos reconhecidos pelas normas dos Estados - está diretamente associada
à idéia de um núcleo de valores ou interesses de todos e de cada um que gera, ao
Estado, a terceiros ou à comunidade, a obrigação de respeito e proteção, quer pela
abstenção de condutas que possam pôr em risco o uso e gozo de determinados
direitos, quer por atos concretos de implementação e desenvolvimento desses mesmos
direitos. Assim, os direitos fundamentais são encontrados positivados nos textos
constitucionais dos Estados; os direitos humanos antecedem à positivação enquanto
perspectiva filosófica em um primeiro momento e reconhecimento internacional não
delimitados espacial e territorialmente.
42
2.3 O meio ambiente como direito fundamental
A atual Constituição brasileira elegeu o trabalho como fundamento da ordem
social, constituindo-se como fonte de dignidade e meio que possibilita o alcance do
bem-estar e da justiça sociais. Em vista disso, o direito ao trabalho se sobressai do
conjunto de normas previstas no nosso texto fundamental.
De início, pode-se constatar que no inciso IV do seu art. 1º, entre outros, o
valor social do trabalho se apresenta como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil; no art. 6° está consignado que o trabalho é um direito social; no
art. 7°, I além de determinar o “direito à relação de emprego protegida contra despedida
arbitrária e prevendo uma indenização compensatória, nos termos da lei”, haja vista que
o trabalho é a principal fonte de sustento do trabalhador, constituindo-se o emprego, o
lugar, o posto de trabalho fatores essenciais da ordem social; no inciso II há a previsão
do “seguro desemprego, em caso de desemprego involuntário”, pois o desemprego
pode levar o homem à pobreza e esta é um fator de desagregação do todo social. A
extensa lista, relativa ao trabalho, prevista no artigo 7º deu força normativa
constitucional há vários dispositivos que já estavam previstos em legislação
infraconstitucional. Vilhena (1999, p. 101) entende que essas regras constitucionais,
enquanto avançaram substancialmente, nesse tema, chegando a assumir postura de
legislação originária, em dispositivos não programáticos ou principiológicos, admite que
a técnica de imposição desses preceitos, quando há colisão é simplesmente substitutiva
“através da qual a norma constitucional se coloca no lugar da lei ordinária que com ela atrite.
No Título VII, capítulo I “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”
vamos encontrar no “caput” do art. 170 que a ordem econômica se assenta em dois
pilares, quais sejam “a valorização do trabalho humano” e a “livre iniciativa”, havendo,
pois o constituinte assegurado a todos uma existência digna, dentro do espírito da
Justiça Social.E ao assegurar existência digna, entre outros, elege como princípio no
seu inciso VI “a defesa do meio ambiente”. Assim é que o trabalho é reconhecido em
dupla dimensão como um direito e um dever e não encarado como castigo.
No Título VIII, Capítulo I “Disposição Geral” “a ordem social tem como
prioridade o trabalho”. Como as necessidades da vida humana têm que ser atendidas
43
para a preservação de sua própria existência e esse atendimento supõe a transformação
da natureza pelo trabalho, o direito ao trabalho torna-se direito fundamental do cidadão.
O ser humano, desde os primórdios de sua existência, utiliza a natureza
como instrumento de recursos inesgotáveis com o intuito de sobreviver, buscando
subsídios nas diversas fontes naturais existentes no planeta, como: animais e vegetais
servindo a carne dos primeiros como fonte de alimento e a pele para se aquecer; os
vegetais, em princípio, também o alimentava e com a descoberta do fogo utilizou a
madeira para se aquecer. Os minerais ajudaram-no na criação de certos utensílios
domésticos e armas para a sua defesa. Mas, o homem primitivo fazia uso dos recursos
naturais, somente com objetivo de atender suas necessidades de subsistência.
Mas, enquanto o homem utilizou os recursos naturais de modo parcimonioso,
não houve preocupação com a sustentabilidade do meio ambiente, o que não se
verificou “a posteriori”, pois, a partir do advento da Revolução Industrial, quando este
fenômeno pelo modelo econômico e tecnológico que inaugurou, desencadeou a
degradação ambiental o que tem se verificado até nossos dias.
Podemos observar que o ser humano, ao longo do tempo, obteve conquistas
significativas como, por exemplo, o domínio de pragas e doenças, aumento da
expectativa de vida, redução da mortalidade infantil, crescimento industrial, urbano e
agrícola desenvolvimento de tecnologias nucleares e químicas, mas que levaram a
impactos ambientais negativos locais, regionais e globais.
O homem, em cem anos, evoluiu de uma maneira espantosa, mas de forma
desordenada, apropriando-se de recursos naturais, o que pode inviabilizar a vida no futuro.
Com isso, a humanidade encontra-se em um momento de definição histórica
para estabelecer o modelo de desenvolvimento, já que da preservação dos diversos
ecossistemas depende o nosso bem-estar.
Esse processo desagregador que vem comprometendo a própria
sobrevivência da espécie humana propiciou uma reação, a princípio, sem qualquer
preocupação normativa, entretanto, mais tarde, foi visto que algo de mais eficaz deveria
ser feito e assim começou a tomar vulto uma nova modalidade de ramo jurídico
inicialmente baseada no que vinha estabelecido na legislação civil, “muito embora o
44
legislador civil disciplinasse as relações potencialmente conflituais de vizinhança”
23
com
a denominação de “Direito Ambiental” ou de “Proteção ao Meio Ambiente”.
A Declaração de Estocolmo (Suécia, 1972) consagrou o reconhecimento
internacional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, posto que
[...] abriu caminhos para que as Constituições supervenientes reconhecessem o
meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre
os direitos sociais do homem, com suas características de direitos a serem
realizados e direitos a não serem perturbados (SILVA, 1994, p. 43).
Nessa dimensão na década de 70 os sistemas constitucionais começaram,
efetivamente, a reconhecer o ambiente como valor próprio da tutela maior. Note-se que
o clamor por um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
emerge, na sua origem, em fórmula estritamente antropocêntrica, como componente
mais amplo da dignidade humana; só mais tarde, toma corpo uma concepção
biocêntrica (integral ou mitigada), que gradativamente afasta-se de uma vinculação
exclusiva aos interesses estritamente antropogênicos
24
. Foi assim com as novas
constituições dos países que se libertavam de regimes ditatoriais, como, numa primeira
leva, Grécia (1975)
25
,
23
Argumenta em seguida o Professor português a evolução e a mudança do Direito Ambiental: A partir
dos anos 60, a rápida industrialização, o aumento desordenado dos aglomerados urbanos, a alteração
radical dos processos de exploração agrícola a ramificação das infra-estruturas de transporte, o
gigantismo que atingiu o parque automóvel, tudo prosseguido numa perspectiva puramente
economicista, puseram os homens, os Estados e a comunidade internacional perante a evidência de
que os recursos naturais não são inesgotáveis, e que o desenvolvimento e o progresso dependem
tanto de uma forte e moderna indústria como, por exemplo, da pureza da água e das margens dos rios
para que, a fim de poupar nos custos de produção aquela lança de afluentes resíduos e detritos da sua
laboração. É a conscientização do “ambiente” como valor a preservar, e, por isso, a defender que se foi
derramando aos poucos, por toda a malha do tecido jurídico social, ao lado, por exemplo, dos
interesses do consumidor e do patrimônio cultural (CANOTILHO, 1999, p. 10).
24
Cf. Karl-Heinz Ladeur. Environmental constitutional law. In Gerd Winter (editor), European
Environmental Law: A Comparative Perspective, Aldershot, Dartmouth, 1994, p. 18.
25
Trata-se do art. 24:
“1) A proteção do meio ambiente natural e cultural constitui uma obrigação do Estado. O Estado
tomará medidas especiais, preventivas ou repressivas, com o fim de sua conservação. A lei regula as
formas de proteção das florestas e espaços com arborizados em geral. Está proibida a modificação da
afetação das florestas e espaços arborizados patrimoniais, salvo se sua exploração agrícola tiver
prioridade do ponto de vista da economia nacional ou de qualquer outro uso de interesse público.
2) A gestão do território, a formação, o desenvolvimento, o urbanismo e a extensão das cidades e
regiões urbanizáveis são regulamentadas e controladas pelo Estado, com o fim de assegurar a
funcionalidade e desenvolvimento das aglomerações humanas e as melhores condições de vida
possível.
3) Os monumentos assim como os lugares históricos e seus componentes estão sob a proteção do
Estado. A lei fixa as medidas restritivas da propriedade para assegurar esta proteção, assim como as
modalidades e natureza da indenização dos proprietários prejudicados.”
45
Portugal (1976)
26
, e Espanha (1978)
27
. Finalmente, após a ECO-92, outras
Constituições foram promulgadas ou reformadas, incorporando, expressamente, o
conceito de desenvolvimento sustentável
28
.
Em todas essas constituições, o meio ambiente perde o seu estado
periférico, ingressando na órbita dos valores fundamentais dos pactos políticos
nacionais, privilégio esse que outros bens sociais igualmente relevantes levaram
décadas, quando não séculos, para atingir.
26
Estabelece o atual artigo 66 (“Ambiente e Qualidade de Vida”) da Constituição portuguesa:
“1 – Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de
o defender.
2 – Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenameto do território, tendo em vista uma correcta localização das
actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-econômico e paisagens biologicamente
equilibradas;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger
paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores
culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de
remoção e a estabilidade ecológica.”
27
A Constituição espanhola inspirou-se, genericamente, na Declaração de Estocolmo e, de modo mais
imediato, na Constituição portuguesa de 1976. Cf., nesse ponto, Ramón Martín Mateo, Tratado de
Derecho Ambiental, vol. I, Madrid, Editorial Trivium, 1991, p. 107.
É o art. 45:
“1) Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente adecuado para el desarrollo de la
persona, así como el deber de conservalo.
2) Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de
proteger y mejorar la calidad de vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la
inexcusable solidariedad colectiva.
3) Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se
establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el
daño causado.”
28
Cf., p. ex., a Constituição argentina de 1994, na qual observa-se, claramente, a influência da definição
de desenvolvimento sustentável de “Nosso Futuro Comum” (“as actividades productivas satisfagan las
necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras”):
"Artículo 41 - Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el
desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin
comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El daño ambiental
generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley.
Las autoridades proveerán a la protección de este derecho, a la utilización racional de los recursos
naturales, a la preservación del patrimonio natural y cultural y de la diversidad biológica, y a la
información y educación ambientales.
Corresponde a la Nación dictar las normas que contengan los pressupuestos mínimos de protección, y
a las provincias las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones
locales.
Se prohibe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos y de los
radiactivos."
46
Após 20 anos da Declaração de Estocolmo, seguiu-se a Declaração do Rio
de Janeiro (Eco 1992) que ratificou e acrescentou princípios àqueles já estabelecidos
destacando-se o homem como parte integrante do meio ambiente.
A disciplina jurídica das questões ambientais no Brasil, em termos de
evolução, foi inaugurada ainda no Império com a Lei de outubro de 1828. Mas é de se
acrescentar que, antes mesmo do movimento de constitucionalização da proteção do
ambiente, a inexistência de previsão constitucional inequívoca não inibiu o nosso
legislador de promulgar leis e regulamentos que, de uma forma ou de outra,
resguardavam os processos ecológicos e combatiam a poluição.
No período republicano, contudo, é mais intensa a regulamentação dos
problemas ambientais, sempre no domínio normativo da legislação ordinária
29
, até
pelos menos 1988, quando a nova Constituição confere “status” de matéria fundamental
ao meio ambiente. Antes da Constituição de 1988, já se nos deparavam três
instrumentos normativos que visavam à tutela protetiva do meio ambiente. A primeira
manifestação legislativa de proteção autônoma do meio ambiente veio com a edição do
Decreto-Lei n. 1.413, de 14/08/75, que dispunha sobre o controle da poluição do meio
ambiente provocada por atividades industriais; a segunda foi a edição da Lei n.
6.938/81, sobre Política Nacional do Meio Ambiente a qual consagrou a regra da
responsabilidade objetiva para qualquer dano ambiental; a terceira norma incorporada
ao nosso ordenamento jurídico foi a Lei n. 7.347/85 instituindo a “Ação Civil Pública”
como instrumento processual legítimo na defesa dos interesses difusos e coletivos.
Horta (1995, p. 305) observa que esses primeiros modelos disciplinadores
ambientais caracterizavam-se como incidentais, posto que o meio ambiente não se
constituía objeto principal das normas reguladoras, as quais tratavam, por exemplo, de
promover a segurança nacional das águas ou do solo, referindo de passagem aspectos
da realidade ambiental.
A Constituição de 1988, ainda em período marcado pela influência direta da
Declaração de Estocolmo de 1972, pela primeira vez no Brasil, insere o tema "meio
ambiente" em sua concepção unitária. Ela garante o direito de todos ao meio ambiente
29
O Código Florestal (1965), a Lei de Proteção à Fauna (1967) e a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiental, todas extremamente avançadas, foram editadas em período anterior à Constituição Federal
de 1988.
47
ecologicamente equilibrado e essencial à qualidade de vida. Além disso, conceitua o
meio ambiente como "bem de uso comum do povo" o que significa lhe ter sido atribuído
o regime jurídico de um bem que pertence à coletividade, como agrupamento natural
não dotado de personalidade jurídica. O meio ambiente pertence, indivisivelmente, a
todos os indivíduos da coletividade e não integra, assim, o patrimônio disponível do
Estado. E, dessa forma, não pode ser apropriado: é bem jurídico sempre indisponível e
insuscetível de apropriação individual e exclusiva.
Assim, o texto constitucional brasileiro dispõe, em seu art. 225, que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações.
Representam uma nova lógica que vai além das fronteiras territoriais ou
temporais, pois alcançam não só toda a humanidade hoje vivente, bem como as
futuras gerações. Neste rol de direitos, estão os direitos ao patrimônio, ao
desenvolvimento, à paz, à livre comunicação e ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (BONAVIDES, 2000, p. 522-523).
Fica claro, pois que, embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado se
constitua como direito fundamental e, apesar de possuirmos no Brasil uma legislação
extensa e adequada, compondo-se por reação a uma onda ou movimento de interesses
sociais relevantes, ou influentes, premida não raro por pressões de opinião pública e
por valorização político-eleitoral das questões ambientais, isso por si só não foi capaz
de estabelecer uma proteção efetiva no equacionamento da prevenção dos riscos e
conflitos do nosso tempo. Aliás, o que agora se afirma foi observado por Wolf (1997)
que acentua o caráter simbólico do direito ambiental servindo apenas como uma
retórica falsa e sofisticada e não foi capaz de frear a degradação ambiental.
Acrescentamos, também, não existir no Brasil uma consciência ecológica bem
amadurecida seja por motivo de incipiente política educacional no campo ambiental,
seja porque de um modo geral o sistema social brasileiro tem-se mostrado defasado,
não obstante o ufanismo tão freqüente em proclamar o regime nativo de proteção
ambiental como um dos mais lúcidos do mundo.
Os mais recentes modelos constitucionais elevam a tutela ambiental ao nível
não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental, em pé de igualdade com
outros também previstos no quadro da Constituição, entre os quais se destaca o direito
de propriedade privada.
48
Assim configurada, a proteção ambiental deixa, definitivamente, de ser um
interesse menor ou acidental no ordenamento, afastando-se dos tempos em que,
quando muito, era objeto de intermináveis discussões científicas ou poéticas. Aqui, o
meio ambiente é alçado ao patamar máximo do ordenamento, privilégio que outros
valores sociais relevantes só depois de décadas ou mesmo séculos lograram
conquistar. E tratando-se de direito fundamental, a norma que dele cuida tem
aplicabilidade imediata
30
.
Diz Silva (1994) que de relevante efeito prático, a caracterização do meio
ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental traz consigo três
qualidades consideradas inerentes a tal tipologia: a irrenunciabilidade, a inalienabilidade
e a imprescritibilidade. Irrenunciabilidade conquanto, embora tal direito conviva com a
omissão de exercício (a passividade corriqueira da vítima ambiental), não aceita
renúncia apriorística; inalienabilidade na medida em que, por ser de exercício próprio, é
intransferível, inegociável, pois possui titularidade pulverizada e personalíssima,
incapaz de apropriação individual; finalmente, imprescritível, já que têm perfil
intertemporal, consagrando entre seus beneficiários inclusive os incapazes de
exercitarem seus direitos diretamente e até as gerações futuras.
2.4 Meio ambiente geral
2.4.1 Aspectos gerais
Toda atividade laborativa expõe o ser humano a riscos de acidente ou de
doenças, e o trabalho possui especial capacidade de gerar infortúnios. E explica-se:
utilizamos a expressão “trabalho capaz de gerar infortúnio” dentro do que vem
estabelecido para as precauções que devem ser tomadas no meio ambiente artificial
(onde se inclui o meio ambiente do trabalho) por estarem “ausentes condições
adequadas que têm sido causa de morte, doença, incapacidade e sofrimento dos
trabalhadores” (MACHADO, 1999, p. 42).
30
“As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (Constituição
Federal, art. 5
o
, par. 1
o
).
49
A denominação meio ambiente encerra uma riqueza maior de sentido, mais
globalizante, abrangendo o natural, cultural e/ou artificial. O meio ambiente natural é o
físico, constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora e fauna e de toda a matéria e
energia que regem a natureza. É regido pelo homeostase, fenômeno de equilíbrio
dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem; o meio ambiente cultural pode
ser enunciado como aqueles bens de natureza material e imaterial, bens que compõem
ou traduzem a história de um povo, a sua formação, cultura, seus valores apreciados de
qual for sua natureza, desde que integrem, componham material ou imaterialmente
valores ligados à cultura; o meio ambiente artificial é o compreendido pelos espaços
construídos, mantidos ou manipulados pela ação do homem.
31
Para Krell (2002, p. 15)
é possível incluir, neste último conceito, o “meio ambiente do trabalho”
32
, do qual
passaremos mais em diante a nos preocupar.
2.4.2 Meio ambiente geral: conceitos doutrinário e legal
O aparecimento do homem, no planeta, passou a incidir, aos poucos, no
meio ambiente, alterando-lhe o natural equilíbrio, quando o ser humano necessitou das
coisas da natureza, utilizando-as para a alimentação ou para abrigar-se das
intempéries. No início, praticamente desprezível, a ação humana vai depois, aos
poucos, afetando o equilíbrio do meio circunvizinho e, nas últimas décadas, em razão
do avanço tecnológico e do aumento extraordinário da poluição mundial, constituiu-se
em ameaça flagrante ao próprio destino da humanidade, que sem a menor dúvida, se
extinguirá, a não ser que os governantes e toda a comunidade internacional, em
conjunto, detenham a ação predatória do homem, que se faz sentir por motivos
imediatistas traduzidos em omissões e atos positivos, destruidores da vida terrestre,
marinha, atmosférica e estratosférica.
Guerras, vazamentos de usinas nucleares e de petroleiros, fábricas móveis,
indústrias, escapamentos dos carros e chaminés, descargas das fábricas destroem a
31
Cf. SILVA (1994b, p. 3) que corrobora com o nosso pensamento.
32
Esse alargamento conceitual se deve à teoria do desenvolvimento sustentável, cada vez mais aceita
depois da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (RIO-92), segundo a qual é
necessário adotar uma visão interdisciplinar e integral do meio ambiente (KRELL, 2002, p. 15).
50
fauna marítima, fluvial e lacustre, as reservas florestais, o ar atmosférico, colocando
terra, mar e ar, em vias de colapso total.
A conservação ambiental há muito pouco tempo tem-se tornado uma
questão de relevância, adentrando no mundo político e jurídico, considerado a
importância que o tema requer.
O conceito de meio ambiente varia a partir da integração ou exclusão do seu
conceito dos elementos culturais ou artificiais.
Assim, nesse sentido Padilha (2002, p. 32) nos diz,
[...] claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio
ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do
meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia
qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado,
tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem,
normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho.
Numa evolução de conceitos vamos encontrar em Freire (1992, p. 24) que no
Brasil o direito ambiental foi definido, em caráter pioneiro, por Luiz Fernando Coelho
como sendo "um sistema de normas jurídicas que, estabelecendo limitações ao direito
de propriedade e ao direito de exploração econômica dos recursos da natureza,
objetivam a preservação do meio ambiente com vistas à melhor qualidade de vida
humana".
Milaré (2000, p. 53)
traz conceito de Ávila Coimbra que afirma ser
[...] o meio ambiente o conjunto de elementos físico-químicos, ecossistemas
naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num
processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas,
à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do
entorno, dentro de padrões de qualidade definidos.
Já para Machado (2004, p. 139)
[...] na medida em que ambiente é a expressão de uma visão global das
intenções e das relações dos seres vivos entre eles e com seu meio, não é
surpreendente que o Direito do Ambiente seja um direito de caráter horizontal,
que recubra os diferentes ramos clássicos do Direito (Direito Civil, Direito
Administrativo, Direito Penal, Direito Internacional), e um Direito de interações,
que se encontra disperso nas várias regulamentações. Mais do que um novo
ramo do Direito com seu próprio corpo de regras, o Direito do Ambiente tende a
penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para os orientar num sentido
ambientalista.
51
Para Canotilho (1991, p. 290), “ambiente” traduz-se como ambiance, ou seja,
como um “mundo humanamente construído e conformado” consistente em tudo o que
está presente na natureza, seja ou não decorrente da ação humana.
Encerrando os conceitos doutrinários temos em Milaré (2000, p. 201) que
A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter
social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do
povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o ambiente resulta das
relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo.Esta visão
faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossistemas naturais, as
sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas
obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-
se do patrimônio cultural, expresso em realizações significativas que
caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as
paisagens de seu entorno.
No Brasil as primeiras formulações legislativas disciplinadoras do meio
ambiente são encontradas na legislação portuguesa que vigorou até o advento do
Código Civil em 1.916, onde aparecem preocupações ecológicas mais acentuadas. Nas
décadas que seguiram, a questão tutelar do meio ambiente tomou contornos maiores,
surgindo os primeiros diplomas legais com regras específicas sobre fatores ambientais.
Na década de 1.960, com o movimento ecológico, novos diplomas legais surgiram com
normas mais diretas sobre prevenção e degradação ambiental. Foi, entretanto, a partir
da década de 80, sob o influxo da onda conscientizadora emanada da Conferência de
Estocolmo de 1.972, que a legislação sobre a matéria tornou-se mais consistente,
abrangente e voltada para a questão da proteção do meio ambiente.
Proliferou uma intensa produção legislativa com vistas à proteção específica
do meio ambiente. Alguns autores mencionam marcos do ordenamento jurídico que são
de extrema importância e que contornam amplamente a questão ambiental. O primeiro
grande marco é a edição da Lei 6.938 de 31.08.81, que conceituou o meio ambiente.
Além disso, instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente.
O segundo marco foi a Lei 7.347 de 24.07.85, disciplinadora da ação civil
pública como instrumento processual específico para a defesa do ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
O terceiro marco ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de
1.988, que dedicou capítulo próprio ao meio ambiente, considerado um dos textos mais
52
avançados do mundo. Com a Constituição Federal, vieram as Constituições Estaduais e
Leis Orgânicas com preocupações ecológicas.
Por fim, em quarto lugar, a Lei 9.605 de 12.02.98, que dispõe sanções
penais e administrativas aplicáveis às condutas lesivas ao meio ambiente.
O legislador ordinário considera como meio ambiente apenas os seus
elementos naturais, já que a Lei nº. 6.938/81 dispõe, em seu art. 3º, ser meio ambiente
o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Harmonizado com
ele, o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal
33
, trata separadamente o meio
ambiente e o patrimônio histórico e cultural.
Ainda hoje, importantes sistemas jurídicos, aí incluindo-se os Estados
Unidos, França
(1958)
34
e a Itália (1947), protegem o ambiente sem contar com apoio
expresso ou direto na Constituição. Em todos eles, doutrinadores e juízes procuram
“depreender de outros princípios ou de outros direitos um princípio de defesa do
ambiente, com as decorrências inerentes” (MIRANDA, 1993, p. 472). No regime
italiano, é na salvaguarda da saúde (art. 32)
35
que se vai, amiúde, buscar apoio para
amparar o meio ambiente
36
, compreendendo-se o direito à saúde, em sede doutrinária
e jurisprudencial, como “direito ao ambiente salubre”
37
. Isto ocorria também no sistema
constitucional brasileiro até a Constituição de 1.988. Entretanto, mesmo sem a proteção
constitucional eram promulgadas leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente,
como visto acima.
33
Cf. art. 5º, LXXIII – "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência;"
34
Segundo Prieur (2001, p. 56), na França a proteção ambiental não é ainda uma liberdade pública
constitucionalmente garantida, não obstante ter a Lei de 2 de fevereiro de 1995 admitido um direito de
todos a um ambiente sadio.
35
Art 32 – La Repubblica tutela la salute come fondamentale diritto dell’individuo e interesse della
collettività, e garantisce cure gratuite agli indigenti.
36
Para Guerio D’Ignazio, embora a Constituição italiana não contenha uma disciplina orgânica da matéria
ambiental, o aplicador pode se amparar em dispositivos isolados, como o art. 9
o
, que trata da proteção
da paisagem, ou o art. 32, segundo o qual a saúde é “direito fundamental do indivíduo e de interesse
da coletividade”. Cf. Guerio D’Ignazio. La protezione della natura nell’ordinamento italiano. In Luca
Mezzetti (a cura di), I Diritti della Natura. Paradigmi di Giuridificazione dell’Ambiente nel Diritto
Pubblico Comparato. Milani: CEDAM, 1997. p. 28.
37
Cf. Vezio Crisafulli e Livio Paladin, Commentario Breve alla Costituzione. Padova: CEDAM, 1990. p.
217.
53
A partir da Constituição de 1988 a proteção do meio ambiente ganhou
identidade própria, definindo os fundamentos da proteção ambiental. A nova
Constituição despertou a consciência da necessidade da convivência harmoniosa com
a natureza. Traduz em diversos dispositivos o que pode ser considerado um dos
sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A
dimensão conferida ao tema vai desde os dispositivos do capítulo VI do Título VIII, até
inúmeros outros regramentos insertos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e
Capítulos.
A Constituição Federal ao dar tratamento jurídico ao meio ambiente como
bem de uso comum do povo, criou um novo conceito jurídico. Isto porque, até então,
tinha-se como integrantes do conceito de bem de uso comum os rios, os mares, praias,
estradas, praças e ruas. O meio ambiente deixou de ser coisa abstrata, sem dono, para
ser bem de uso comum do povo, constitucionalmente protegido.
As Constituições que precederam a de 1988, jamais se preocuparam com a
proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas jamais foi empregada a
expressão "meio ambiente", revelando total despreocupação com o tema.
Machado, na primeira edição da sua obra Direito Ambiental Brasileiro,
pregava, já em 1982, que o meio ambiente merecia “melhor formulação na Constituição
Federal. O fato, contudo, da inexistência de um ordenamento específico não pode ser
entendido como inibidor das regras sobre a defesa e proteção da saúde notadamente”
(MACHADO, 1982, p. 8). E acrescentava:
Se de um lado a Constituição não tratou o ambiente de forma abrangente e
global, de outro lado, muitas matérias que integram o tema ambiente foram
contempladas no texto maior do país. Assim, águas, florestas, caça, pesca,
energia nuclear, jazidas, proteção à saúde humana foram objeto das
disposições constitucionais.
O meio ambiente, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à
preservação da vida no planeta, mereceu do legislador constituinte de 1.988 especial
cuidado. A Constituição Federal confere a todo cidadão, sem exceção, direito subjetivo
público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oponível ao Estado que
responderá por danos causados ao ambiente, só, ou solidariamente, caso o dano seja
decorrência de entidade privada, por ele não policiada.
54
2.5 A responsabilidade civil no meio ambiente
É mister que se verifique, também, no presente capítulo como vem sendo a
responsabilização de quem degrada o meio ambiente natural, haja vista que neste é
que vem inserido o meio ambiente artificial como se verá adiante.
O Direito está em evolução constante, mas nas últimas décadas acelera-se
esse processo de atualização, como exigência decorrente da própria celeridade das
mudanças de ordem social. Tem-se detectado teorias originais na sua concepção,
buscando, no âmbito dos direitos constitucionais, principalmente, uma nova dimensão
além daquelas que visam à proteção de direitos individuais ou coletivos.
Na concepção de Bonavides (1993, p. 481), há um novo pólo de alforria do
homem, além dos tradicionais que eram a liberdade e a igualdade. Se o lema da
Revolução Francesa compreendia esses dois valores, o terceiro era o da fraternidade.
Mas esta, a fraternidade, cingiu-se mais às regras éticas e morais, sendo alijada da
normatividade jurídica. Não é assim, agora. Se o valor fraternidade tem uma dimensão
imensa, não poderia a ele ficar alheio o Direito. E, por fim, absorvido que foi, surgiu um
novo pólo jurídico, denominado de "direitos de terceira geração", na medida em que não
se destinam especificamente à proteção de interesses de um grupo ou de um
determinado Estado, tendo, como objeto próprio, nada mais nada menos do que o
próprio gênero humano. Este seria o "valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Esses direitos de terceira geração materializam-se como a coroação de um
movimento evolutivo do direito ao longo de três séculos para a concretização dos
direitos fundamentais, surgindo dentre eles o “direito ao meio ambiente” ao lado de
outros como o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito de propriedade
sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Nessa
conformidade, a estes cinco tipos de novos direitos firmou-se um entendimento entre os
juristas de que se trata de uma nova concepção dos "direitos da fraternidade", não
apenas por despertar a curiosidade jurídica, mas um imenso respeito, por dizer,
intrinsecamente, com um dos mais elevados valores éticos da humanidade, o da solidariedade.
Em seguida, passaremos a demonstrar que, dentro do meio ambiente
artificial, encontra-se incluído o meio ambiente do trabalho.
55
CAPÍTULO 3
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
3.1 Aspectos gerais
Com o surgimento há algumas décadas dos estudos ambientais criou-se o
conceito de meio ambiente, o qual se limitava a se relacionar apenas às condições
naturais, mas após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, o
fator humano passou a integrá-lo, incluindo os problemas do homem como relacionados
diretamente à problemática ambiental como a pobreza, o urbanismo etc. Assim, o
conceito apenas clássico perdeu sentido ante as novas proposições da referida
conferência.
Registre-se em enfoque histórico e, como preceito básico da legislação
trabalhista, que a Constituição de 1946 (art. 157, inciso VIII) elegeu a higiene e a
segurança do trabalho como fator de melhoria da classe trabalhadora, no que foi
seguida pela Constituição de 1967 (art. 158, inciso IX) e pela Emenda Constitucional n.
1 de 1969 (art. 165, inciso IX).
Recentemente, no ordenamento jurídico brasileiro, antes mesmo da
realização da ECO-92, a Constituição Federal de 1988 já trouxe no seu Capítulo II, art.
7°, caput, inciso XXII, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança”. Determinou, dessa maneira, o legislador constituinte,
em item próprio, aos empregadores que adotassem, em seus estabelecimentos e nos
ambientes de trabalho, normas e procedimentos cautelares de modo a reduzir os riscos
inerentes ao trabalho, através de medidas adequadas, de modo a preservar a sanidade
ambiental, garantindo condições propícias de higiene e segurança.
Em outros dispositivos, também se pode vislumbrar a preocupação do
constituinte de 1988, relativos ao meio ambiente do trabalho. Com efeito, o art. 39, § 3°,
da CF 1988, estende esse direito aos servidores públicos civis. O art. 225, caput, já
várias vezes enunciado, dá os parâmetros da proteção jurídica dispondo que “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
56
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O art. 200,
inciso VIII, quando fixa a competência do Sistema Único de Saúde (SUS), ao relacionar
as suas atribuições utiliza a expressão “meio ambiente do trabalho” e dispõe que é seu
dever “colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho”. Em reforço à sadia
qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, no capítulo dedicado à ordem
econômica e financeira, e como já visto, o inciso VI do art. 170 observa dentre outros, o
princípio “da defesa do meio ambiente”.
Essa preocupação legislativa do nosso constituinte originário cedo nos leva a
concluir que a proteção sobre o meio ambiente do trabalho vem estabelecida nesse
primeiro momento, sem precisarmos fazer maiores incursões. O Texto Fundamental em
seu conjunto converge para a concluirmos que a intenção do legislador foi de dar
proteção ao meio ambiente de trabalho, afastando o trabalhador, realmente, das
vicissitudes que contra ele ocorriam no desempenho de suas atribuições.
Contrapondo-se ao que agora se afirma Krell (2002) entende que a norma
insculpida no art.200, inciso VIII, CF/88 não comprova por si que o meio ambiente do
trabalho estaria necessariamente incluído no conceito do meio ambiente geral protegido
pelo art. 225 e que, só a partir de uma visão holística
38
do meio ambiente e o abandono
da dicotomia entre o meio ambiente natural e artificial, é que há uma tendência para a
proteção, quer no interior ou exterior das fábricas onde o trabalho humano é
desenvolvido.
39
Passaremos, a seguir, a analisar qual o conceito
40
mais consentâneo sobre o
meio ambiente do trabalho.
38
Holismo é a ciência que vê e analisa todos os problemas ou situações ou relações como fazendo parte
de um todo, como parte de um processo que se desenvolveu desde o início dos tempos, que sempre
existiu e sempre existirá, seja relativamente ao mundo material ou imaterial, físico ou energético, real
ou metafísico. (COSTA, apud KRELL, 2002).
39
Cf. MACHADO (1999, p. 87-94), corrobora com nosso entendimento.
40
Por conceito entendemos no sentido de idéia, opinião, juízo; (que se faz de alguém ou de alguma
coisa); objeto concebido pelo espírito (GARCIA, 1979).
57
3.2 Conceito
A multiplicidade de locais onde se desenvolvem as atividades dos
trabalhadores — a revelar um complexo de condicionantes nem sempre uniformes —
dificulta o estabelecimento de um conceito preciso do meio ambiente laboral. Daí
decorre sua multifária visão, com matizes que o diferenciam dos chamados meio
ambiente natural e meio ambiente cultural (aquele produzido pelo homem, de natureza
artificial).
Por outro lado, o meio ambiente do trabalho mantém estreitas relações com
o local de prestação dos serviços, em geral no estabelecimento patronal
41
. Observe-se
a peculiar condição dos trabalhadores que exercem atividades subaquáticas
(mergulhadores), sendo fácil constatar, neste caso, que o meio ambiente natural é o
local de prestação de serviços.
Conceituar, neste contexto, o meio ambiente do trabalho não é tarefa fácil,
considerando que doutrinadores de escol defendem a tese do conceito “camaleônico”
de meio ambiente. De todo modo, a Lei n. 6.938/81, em seu inciso I do art. 3°, traz a
definição legal de meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas. É ela mesma, como já vimos, que trata da Política Nacional do
Meio Ambiente e define a poluição como a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que diretamente ou indiretamente: prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem estar da população ou afetem as condições estéticas ou sanitárias
do meio ambiente e como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou
privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental (art. 3°, III e IV).
Claro está que as definições destacadas espelham com fidelidade o meio
ambiente natural, a poluição e o poluidor. Todavia, é Silva (1994, p. 2) quem fornece
um conceito globalizante sobre o meio ambiente ao dizer que é a interação do conjunto
41
Verificam-se situações excepcionais de realização do trabalho no domicílio do empregado, algumas
com fornecimento das ferramentas (máquinas, equipamentos, matéria-prima etc.) necessárias ao
desempenho do serviço.
58
de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas.
Conquanto seja antiga a compreensão da relação trabalho doença (os
romanos foram os primeiros a reconhecê-la), entretanto data de muito pouco tempo a
relação entre o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores. Entendia-se que ambiente
do trabalho é o “conjunto das condições de produção em que, simultaneamente, a força
do trabalho e o capital se transformam em mercadorias e em lucro” (ODDONE apud
MACHADO, 1999, p. 66).
Krell (2002, p. 15) conceitua meio ambiente do trabalho como “ambiência na
qual se desenvolve as atividades do trabalho humano ou o conjunto das condições
internas e externas do local de trabalho e sua relação com a saúde dos trabalhadores”
[grifos do autor].
Analisadas tais concepções, pode-se traduzir o meio ambiente do trabalho
como sendo o local
42
onde se desenvolve a prestação dos serviços quer interna ou
externamente, e também o ambiente reservado pelo empregador para o descanso do
trabalhador, dotado de condições higiênicas básicas, regras de segurança capazes de
preservar a integridade física e a saúde das pessoas envolvidas no labor, com o
domínio, o controle, o reconhecimento e a avaliação dos riscos concretos ou potenciais
existentes, assim considerados agentes químicos, físicos e biológicos, no objetivo
primacial de propiciar qualidade de vida satisfatória e a proteção secundária do
conjunto de bens móveis e imóveis utilizados na atividade produtiva.
3.3 O meio ambiente do trabalho e as constituições estaduais
O Direito Ambiental não deve ser concebido a partir de um enquadramento
rígido, como ocorre com outros ramos do Direito. Basta verificar que as normas que o
compõem inserem-se nos mais variados diplomas legais e atuam sobre as relações
sociais estabelecidas com os elementos do meio de ordem natural, artificial, cultural ou
do trabalho.
42
Local de trabalho é definido na alínea c do art. 30 da Convenção 155, da OIT, como sendo “todos os
lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm de comparecer, e que estejam sob
controle, direto ou indireto, do empregador”.
59
Assim, defende-se a preservação do equilíbrio ambiental na legislação
atinente ao uso dos agrotóxicos (Lei 7.802/89), no Código de Trânsito Brasileiro (Lei
9.503/97), na Consolidação das Leis do Trabalho (Capítulo V, Título II), na Lei Penal
Ambiental (Lei 9.605/98), no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), entre
tantos outros, abordando matéria civil, penal e administrativa, sempre de conformidade
com o Capítulo VI, do Título VIII, da Constituição Federal, que cuida especificamente do
meio ambiente.
Derani (1997, p. 88) contribui para a compreensão do movimento específico
do Direito Ambiental, que define como "transversal", explicando que: "Ele perpassa todo
o ordenamento jurídico, não lhe cabendo delimitação rígida e estática. A ele é
característico o movimento próprio das sociedades que integra
A correlação entre meio ambiente e saúde emerge do próprio texto do caput
do art. 225 constitucional ao afirmar que a preservação do meio ambiente equilibrado é
"essencial à sadia qualidade de vida."
Ora, segundo Milaré
(2000, p. 211)
Em linguagem técnica, meio ambiente é 'a combinação de todas as coisas e
fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão'. Mais
exatamente, é constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e
interações. Não é mero espaço, é a realidade complexa.
Referida definição ajusta-se à definição legal de meio ambiente, constante do art. 3°, I,
da Lei 6.938/81, legislação esta que estabeleceu a política nacional do meio ambiente e
que foi quase totalmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
Ora, conforme já visto supra a determinação endereçada pelo inciso VIII, do
art. 200, da Carta Magna, ao Sistema Único de Saúde, no sentido deste colaborar na
conservação e defesa do meio ambiente, notadamente do meio ambiente do trabalho,
dentre as disposições específicas à saúde, conclui-se que a saúde e o meio, que a
influencia, mantêm permanente e estreita relação entre si.
O meio ambiente não pode ser fracionado: é o todo externo à pessoa
humana. O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da República
Federativa do Brasil, como preconiza o art. 1°, III, da Carta de 1988, bem como o
respeito ao trabalho, manifestação do caráter gregário que preside as relações
humanas desde tempos remotos, impõe considerar que as atividades humanas
60
produtivas, em benefício da sociedade, não podem ser realizadas em condições
adversas à saúde, alçada à condição de direito social fundamental pelo artigo 6°,
também presente na Norma Maior.
O meio ambiente do trabalho deve permitir a preservação da integridade
física e psicológica do trabalhador, compatibilizando os meios de produção com o
equilíbrio ambiental interno aos locais onde se desenvolvem as atividades laborativas.
Trata-se do direito à vida, bem indissociável à saúde, que lhe atribui a necessária
qualidade, resultando que o bem jurídico ambiental tutelado, quando se trata
especificamente do aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, é a saúde.
3.3.1 As constituições estaduais
O bem jurídico tutelado pelas normas ambientais, no meio em que a pessoa
humana desenvolve suas atividades produtivas, é a saúde e não o trabalho
subordinado. A competência para legislar sobre trabalho, regido por contrato próprio, é
da União, consoante dispõe o art. 22, I, da Carta Magna. Referida competência engloba
apenas os aspectos contratuais, pecuniários e processuais relativos ao exercício do
trabalho subordinado
.
Entretanto, quando se trata de proteger a vida, a saúde e a dignidade da
pessoa que trabalha, em relação direta com a influência proveniente do meio ambiente
em que esta se ativa, a competência tanto material como legislativa diz respeito ao
meio ambiente e à saúde, competindo aos demais entes federados, além da União,
como prevêem os artigos 23. 24 e 30
43
, da Lei Maior, zelar pela proteção do meio em
que o trabalhador exerce suas atividades, bem como buscar a preservação da saúde
humana.
43
Art. 23 - competência material comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios - o inciso II
determina que todos estes entes federados cuidem da saúde da população e o inciso VI, preconiza que
devem proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.
b) Art. 24 - competência legislativa concorrente entre União, Estados e Distrito Federal - o inciso VI
permite que legislem sobre a proteção do meio ambiente e controle da poluição, o inciso VIII que
disciplinem adequadamente a responsabilidade por dano ao meio ambiente e o inciso XII que
estabeleçam normas acerca da proteção e defesa da saúde.
c) Art. 30, I e II, resta estabelecida a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de
interesse local e suplementar as legislações federal e estadual.
61
Conforme dito acima com base na afirmação de Derani (1997) sobre o
movimento transversal do Direito Ambiental, presente nos mais diversos diplomas
legais, perpassando todo o ordenamento jurídico, verifica-se que a Consolidação das
Leis do Trabalho, no Capítulo V, do Título II, que cuida da segurança e medicina do
trabalho, não contém apenas normas endereçadas àquele que está sob contrato de
trabalho, em sentido estrito, mas normas ambientais relacionadas à prática de qualquer
trabalho, em defesa da saúde, ao buscar a manutenção de um meio ambiente propício
à incolumidade física do obreiro.
Assim, o art. 154, da CLT, prevê não bastar obediência ao disposto no
Capítulo V, mas determina que o empregador ou todo aquele que se utiliza, a qualquer
título, da força de trabalho humana cumpra as disposições relativas à matéria
concernente à saúde do trabalhador, no meio ambiente laboral, incluídas em códigos de
obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios, em que se situem seus
estabelecimentos.
Fiorillo (2000, p. 211) assevera que "[...] jamais se deve restringir a proteção
ambiental trabalhista a relações de natureza unicamente empregatícia" [...] "O que
interessa é a proteção ao meio ambiente onde o trabalho humano é prestado, seja em
que condição for [...]".
Os Estados vêm legislando sobre matéria de saúde no trabalho, inserindo
normas de observação obrigatória, em seus territórios, nas respectivas Constituições.
3.3.1.1 Constituição do Estado do Maranhão
Buscando implementação de sua Política Estadual do Meio Ambiente o
Estado do Maranhão delineou na sua Carta Constitucional diversas competências. Mas
diferentemente do que se verifica com a Constituição Federal que separou os Títulos da
“Ordem Econômica e Financeira” da “Ordem Social” e nesta última cuida da matéria
ambiental, o Estado do Maranhão na sua Carta de Princípios aglutinou esses dois
Títulos denominando-o “Da Ordem Econômica e Social” e no Capítulo IX, os artigos 239
a 250 tratam “Do Meio Ambiente”.
62
A Carta do Estado do Maranhão, no seu art. 239, define o meio ambiente
ecologicamente saudável e equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se à
coletividade e em especial ao Estado e aos Municípios o dever de zelar por sua
preservação e conservação em benefício das gerações atuais e futuras. No § 1° desse
artigo pode-se ver instituído o princípio da “reparação”, pois aquele que devastar a flora
nas nascentes e margens dos rios, riachos e lagos de todo o Estado será
responsabilizado patrimonial e penalmente, na forma lei. A responsabilidade, no caso, é
a objetiva.
O art. 240, ao dispor que a atividade econômica conciliar-se-á com a
proteção ao meio ambiente e que a utilização dos recursos naturais será feita de forma
racional para preservar as espécies e para evitar danos à saúde, à segurança e ao bem
estar das populações, esta em consonância com o princípio da garantia do
desenvolvimento econômico e social sustentado o qual enuncia que deve haver um
equilíbrio entre as vantagens econômicas e o impacto no meio ambiente, ou seja, todas
as implicações de uma intervenção no meio ambiente devem ser avaliadas, buscando
adotar o caminho mais razoável para não importar em gravames excessivos para o
meio ambiente (MIRRA, 1996).
O art. 241 ao dispor que na defesa do meio ambiente, o Estado e os
Municípios levarão em conta as condições dos aspectos locais e regionais e
assegurarão: que é seguido por XI incisos e diversas alíneas, arrola as medidas e
providências que incumbem a esses entes Públicos tomar, deveres específicos para
lhes dar efetividade além de condutas preservacionistas a quantos possam direta ou
indiretamente gerar danos ao meio ambiente. Dentre os princípios ambientais podemos
encontrar estabelecidos o do princípio da supremacia do interesse público na proteção
do meio ambiente em relação aos interesses privados (art. 241, incisos I a IV, alíneas
“a” a “i”); princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente (inciso
V, alíneas “a” a “e” e incisos VI e VII); princípio da avaliação prévia dos impactos
ambientais das atividades de qualquer natureza (inciso VIII); princípio da informação
(inciso IX); princípio da reparação (inciso X); princípio da participação popular na
proteção do meio ambiente (inciso XI) (MIRRA, 1996, p. 58).
63
De se observar que nenhum dos artigos, aqui referenciados da Constituição
do Estado do Maranhão, trata de Direito do Trabalho. Referem-se todos eles ao Direito
Ambiental.
Entretanto, se a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 24,
competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar
sobre vários temas, entre eles proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso
VI, in fine), responsabilidade por dano ao meio ambiente (inciso VIII, 1ª parte), proteção
e defesa da saúde (inciso XII), de outro no art. 22, inciso I quando trata de competência
privativa da União di-la que é só dela a competência para legislar sobre Direito do
Trabalho. Por essas circunstâncias não pode o Estado legislar sobre o meio ambiente
do trabalho, mas tão somente sobre o meio ambiente natural e cultural.
44
O artigo 246 trata da legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar
na proteção e defesa do meio ambiente e do patrimônio paisagístico, cultural, artístico e
arqueológico.
A legitimidade de atuação do Ministério Público Estadual para atuar na
proteção e defesa do meio ambiente entendemos, ser, também, só no que diz respeito
ao meio ambiente natural e cultural, conferindo-se ao Ministério Publico do Trabalho a
legitimidade para atuar na defesa e proteção do meio ambiente artificial onde se
encontra incluído o meio ambiente do trabalho.
3.3.1.2 Constituição do Estado do Amazonas
O § 2°, do artigo 229, da Constituição do Amazonas, consagra
taxativamente, a proteção ao meio ambiente do trabalho, pois, se no caput do artigo
dispõe que: "Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia
qualidade devida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo", no §2° já aludido especifica: "Esse direito estende-se ao ambiente de
trabalho, ficando o Poder Público obrigado a garantir essa condição contra qualquer
ação nociva à saúde física e mental do trabalhador".
44
Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 217-234), que tem posição contrária a minha, entendendo ser possível os
Estados legislarem sobre direito ambiental do trabalho.
64
3.3.1.3 Constituição do Estado da Bahia
O art. 218 desta Constituição Estadual dispõe expressamente: "O direito ao
ambiente saudável inclui o ambiente de trabalho, ficando o Estado obrigado a garantir e
proteger o trabalhador contra toda e qualquer condição nociva à sua saúde física e
mental."
O art. 239 determina às empresas que submetam, periodicamente, seus
empregados expostos a substâncias químicas, tóxicas ou radioativas a exames
médicos individuais.
3.3.1.4 Constituição do Estado de São Paulo.
O artigo 220, § 1°, presente na Seção II, do Capítulo II, do Título VII, ao
cuidar da Saúde, estabelece: "As ações e os serviços de preservação da saúde
abrangem o meio ambiente natural, os locais públicos e de trabalho."
Significativas são as disposições presentes no art. 223 ao determinar ao
sistema único de saúde: a) no inciso II, a identificação e controle dos fatores
determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, mediante ações
referentes à saúde do trabalhador, de acordo com previsão contida na alínea "c"; b) no
inciso VI, a colaboração na proteção do meio ambiente, incluindo o do trabalho, a partir
de atuação no processo produtivo para garantir o acesso dos trabalhadores às
informações respeitantes a atividades que comportem riscos à saúde e a métodos de
controle e adoção de medidas preventivas de acidentes e doenças do trabalho.
Em decorrência desse espectro de proteção conferido ao meio ambiente do
trabalho, a Constituição Paulista estipula, no art. 229 § 3°, que o Estado atuará para
garantir a saúde e a segurança dos empregados no ambiente de trabalho.
O § 4°, deste mesmo artigo, assegura a cooperação dos sindicatos de
trabalhadores nas ações de vigilância sanitária desenvolvidas no local de trabalho e o §
garante a interrupção de atividades que coloquem em risco a integridade do
trabalhador, o que equivale à garantia de paralisação do trabalho, para a manutenção
da salubridade do meio ambiente, como meio de defesa, sem a necessidade do
65
cumprimento das exigências procedimentais, especialmente de prazos, estabelecidas
pela Lei 7.783/89, que disciplina a greve, tendo em vista a expressa autorização
constitucional de paralisação do trabalho na defesa de bem indispensável à
manutenção da vida e de sua sadia qualidade: a saúde.
3.3.1.5 Constituição do Estado do Rio de Janeiro
O art. 290, inciso X, estabelece na alínea "c" o "controle e fiscalização dos
ambientes e processos de trabalho nos órgãos e empresas públicas e privadas,
incluindo os departamentos médicos", na alínea "d" assegura "direito de recusa ao
trabalho em ambientes sem controle adequado de riscos, assegurada a permanência
no emprego" e na alínea "h" determina a "intervenção, interrompendo as atividades em
local de trabalho em que haja risco iminente ou naqueles em que tenham ocorrido
graves danos à saúde do trabalhador."
Oferece, por conseguinte, ao trabalhador dois importantes meios de defesa
da higidez do meio ambiente do trabalho: a paralisação das atividades em casos de
riscos não controlados, sem maiores óbices ou exigências legais, e a intervenção
estatal no sentido de interromper atividades em locais de trabalho com acentuado risco
à saúde humana.
3.4 Princípios ambientais
Da mesma forma em que demonstramos estar “o meio ambiente do trabalho”
inserido no “meio ambiente natural”, também, faremos uma incursão pelos princípios
estabelecidos para o meio ambiente em geral (natural) para fazermos uma correlação
entre estes e o que nominamos de “princípios do meio ambiente do trabalho”. No
entanto, antes de nos determos sobre os “princípios do meio ambiente do trabalho”, há
a nosso ver, para melhor entendermos o que queremos enfocar sobre tal que, antes
façamos uma digressão e falemos sobre o que é “princípio” diferenciando-o de regra e,
ao mesmo tempo ainda que em linhas breves, façamos referência sobre “princípios
66
ambientais do meio natural”. Nesse compasso vejamos o que os nossos autores dizem
sobre princípio.
3.4.1 Princípios
Para entendermos o que são os princípios, antes teremos que fazer uma
distinção entre princípios e regras.
Os Princípios são verdadeiros comandos ordenadores do sistema, que tem
por função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e
servindo de mandamento nuclear destas, já as regras, possuem um grau de
concretização maior, dado que regula o fenômeno jurídico com um grau menor de
abstração.
Ainda, os princípios são pautas de valores, mandamentos de natureza
nuclear do sistema jurídico, que direcionam e concretizam a aplicação das normas
jurídicas; podem ser os princípios tanto expressos como implícitos, enquanto as regras
só podem ser expressas; não comportam exceções, enquanto os princípios sim; as
regras, quando confrontadas entre si, podem expressar antinomias, os princípios não;
eles não se excluem, enquanto as regras sim, quando confrontadas. Conclui-se assim,
que as regras para serem aplicadas devem sopesar os princípios que as instruem,
estes são hierarquicamente superiores às mesmas, conquanto este não seja um
entendimento majoritário. Os princípios constituem-se em fontes basilares para
qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação.
Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios.
Reale (1993, p. 299) diz que:
[...] os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento,
como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas
também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como
pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e de práxis.
Elementos fundamentais da cultura jurídica humana são os pressupostos
lógicos e necessários das diversas normas legislativas.
Podemos, pois concluir que os princípios são os pontos básicos e que
servem para a elaboração e aplicação do direito.
67
3.4.2 Princípios do meio ambiente natural
A expressão legislação ambiental pode assumir sentido variado.
Dependendo da forma, ou ângulo como é utilizada, essa expressão pode ser entendida
no sentido puramente legislativo ou normativo (não como ciência) e, assim sendo, vem
a nossa mente a idéia de parte do ordenamento jurídico aplicado ao meio ambiente,
sejam regramentos expressos no texto constitucional, em leis ordinárias,
complementares, decretos-legislativos, resoluções etc. Mas, também podemos pensar a
legislação ambiental em outra perspectiva, isto é, quando princípio e norma se
conciliam como mecanismo disciplinador dirigido ao meio ambiente.
Mas de toda sorte não nos é desconhecida, como já visto supra, a diferença
que existe entre o princípio e a norma, visto que aquele se constitui num dado de
síntese superior, como fonte ou sede condensada de inspiração para o legislador
ordinário (MELLO, 1995, p. 477-478).
Os princípios seriam os pilares, os fundamentos do sistema jurídico ou os
“mandamentos nucleares do sistema jurídico” Mello (1995), com os quais este se
concilia com harmonia; é dos princípios que se irradia a luz que inspira a criação e
esclarece a compreensão de cada uma de todas as normas de direito. Por conseguinte,
as normas trazem, em si, uma carga de princípios visto que estes têm sede,
especialmente na Carta Fundamental.
Assim, os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores
fundamentais da ordem jurídica, eles não regulam situações específicas, mas regulam
todo o mundo jurídico.
Sem eles a Constituição seria um aglomerado de normas que só teriam em
comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, assim, por mais que as
normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta contradição diminui com
a força catalisadora dos princípios.
Os princípios constitucionais têm outra função muito importante, que é servir
como critério de interpretação das normas constitucionais, ao legislador ordinário, no
momento de criação das normas infraconstitucionais, aos juízes, no momento de
68
aplicação do direito e aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus
direitos.
Os princípios constitucionais dão sistematização ao documento
constitucional, servem como critério de interpretação deste, e alastram os seus valores
sobre todo o mundo jurídico.
A questão ambiental vem tendo uma crescente repercussão e motivando
uma grande preocupação em toda a população mundial. Milaré (2000, p. 34) observa
que o alerta para a gravidade desses riscos foi dado em 1972, em Estocolmo, na
”Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”. Teve como
motivação o que perceberam as nações mais ricas e industrializadas sobre o que vinha
acontecendo com a degradação ambiental causada pelo seu processo de crescimento
econômico e progressiva escassez de recursos naturais.
Essa tomada de consciência mundial obriga que se faça uma revisão e
renovação dos conceitos existentes, agora, com uma preocupação com o futuro;
preservação perene do planeta.
O Brasil não ficou alheio a essa preocupação e vem surgindo uma legislação
ambiental, a partir de conferências, acordos e legislações internacionais, consagradoras
de novos princípios e regramentos voltados à preservação do meio ambiente, visando a
impedir os danos que lhe são causados, acarretando conseqüências grandiosas, que
comprometem a própria sobrevivência humana e de todos os seres vivos.
Diante disso obriga-se que se estabeleça um equilíbrio no sentido de que ao
tempo em que não devam ser frustrados o desenvolvimento econômico e a
continuidade do progresso técnico-científico, mas que estes se façam sem, contudo
atingir o meio ambiente, preservando-se a natureza, com o compromisso de assegurar,
no presente, a sobrevivência das gerações futuras.
Acresce frisar que todo sistema de desenvolvimento se assenta na economia
e esta, fundamentalmente, no avanço industrial e este, por conseqüência causa uma
agressão imensurável ao meio ambiente produzindo poluição gerada em todos os
níveis, o que deve ser combatido. Assim, há necessidade de que sejam feitas
inovações nas legislações para o controle da poluição gerada, impondo-se obrigações e
69
responsabilizações a todos aqueles que, de modo intencional ou não, venham a causar
degradação ambiental.
3.4.2.1 Princípio do poluidor-pagador
Na Constituição Federal, art. 225, e como já visto, encontramos a
consagração do direito ambiental como direito fundamental do indivíduo, com o
estabelecimento de obrigações a que todos estão vinculados. Sendo assim, encontra-
se recepcionada toda norma ambiental que com ela não colida. No § 3° deste artigo, é
que vem estampado referido princípio quando estabelece “sanções penais e
administrativas, independentes do dever de indenizar a qualquer pessoa que por ação
ou omissão, com culpa ou dolo, cause degradação ao meio ambiente”.
Assim, vamos encontrar na legislação nacional, dentro do que preceitua o
art. 4º, inciso VI, combinado com o §1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 – Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente o princípio “poluidor pagador”, “predador pagador”
(MACHADO, 2004) que significa, conforme Antunes (2000, p. 33) “pagamento do custo
relativo à degradação causada ao meio ambiente por sua utilização de forma
inadequada e negativa, cabendo a responsabilização objetiva e sanção em virtude do
ilícito praticado”. Como a recuperação e/ou limpeza do bem ambiental poluído ou
prejudicado, implicam em custo público, em função de que se trata de bem cuja
natureza jurídica é pública, devem ser suportados seus custos por todo aquele que de
forma não racional utilizou o bem e causou a degradação.
Preferimos a nomenclatura “predador pagador”, pois permite uma melhor
interpretação, haja vista que “poluidor-pagador” poder-nos-á levar ao entendimento de
que, se quem polui, pode arcar com os custos pode poluir; ou pode contaminar desde
que para tanto suporte o pagamento.
Machado, Porto e Freitas (2000, p. 46) entendem o alcance do princípio em
duas órbitas: uma vinculada ao princípio da prevenção, evitar a ocorrência de danos
ambientais; outra ao princípio da repressão, a reparação, com a responsabilização
residual ou integral do poluidor, quando da ocorrência de um dano ambiental.
70
Por via de conseqüência, este princípio com sede na nossa Lei Fundamental
visa como efetivação, a evitar a poluição do meio ambiente, a sua degradação, não se
conferindo ao poluidor o direito de com o pagamento destruir a natureza. E essa
responsabilização é objetiva o que no início, quando da entrada em vigor da nova
Constituição foi questionado, ante que o texto constitucional não havia consagrado o
que vinha disposto na legislação ordinária (Lei n. 6.938/81) ao não inserir a expressão
“independentemente da existência de culpa” (MARQUES, 1999, p. 135). Hoje, esse
questionamento está superado.
45
O efetivo exercício do direito de proteção ao meio ambiente, o direito de agir
ativamente em nome da coletividade, se tem no Ministério Público, nas Associações
Civis, nas Administrações Públicas Diretas, Indiretas e Fundacionais, consagrado não
só na Lei n. 7.347/85 como no Código de Defesa do Consumidor, o que se constitui
num grande avanço, diante da Lei n. 6.938/81 que, repita-se, instituiu a Política
Nacional do Meio Ambiente.
Concluindo, a Constituição Federal e a legislação ambiental decorrente e por
ela recepcionada, procura garantir a todos um ambiente ecologicamente equilibrado e o
faz com escopo de preservar a vida com dignidade num meio ambiente saudável
voltado, em especial, à sua preservação para as futuras gerações.
3.4.2.2 Princípio da precaução
Este princípio ganhou reconhecimento internacional na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro
em 1992 (ECO-92), a qual o adotou, em sua declaração de princípios. Está ele previsto
no item 15 do texto.
46
45
Quando a norma deixar de exigir qualquer conduta por parte do agente, preocupando-se apenas com o
resultado danoso, estaremos no império da responsabilidade objetiva, tal como ocorre no preceito
constitucional (MARQUES, 1999, p. 136).
46
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos
Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas
eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. Tradução utilizada pelo
Ministério das relações Exteriores do Brasil, Divisão de Meio Ambiente.
71
Precaução, para Milaré (1998, p. 60-62) “é substantivo do verbo precaver-se
(do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados,
cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis”.
Derani (1997) avalia que, a partir dela, procura-se prevenir não só a ocorrência de
danos ao meio ambiente, como ainda, e mais especificamente, o próprio perigo da
ocorrência de danos. Pela precaução, protege-se contra os riscos (precaução contra os
riscos).
Postergar é adiar, é deixar para depois, é esperar acontecer. “Quem sabe faz
a hora não espera acontecer”. Machado (1994, p. 57) adverte que:
[...] a precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro
e não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto,
que possa resultar das ações e omissões humanas, como deve atuar para a
preservação oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da
prevenção no tempo certo.
Ora, consumada uma degradação ambiental, a sua reparação é sempre
incerta e, quando possível, seu custo é excessivo. Daí é melhor atuar-se de maneira
preventiva e com segurança, para evitar que os danos ambientais sejam produzidos.
Foi esse corolário que justificou consagrado o princípio da prevenção. Assim, o princípio
da precaução veio em reforço a este princípio. Há um reforço de princípios.
Ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das futuras
gerações e também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas, Derani
(1997, p. 167) diz que este princípio é a tradução da busca da proteção da existência
humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade
da vida humana, e deve-se considerar, a partir dessa premissa, não só o risco iminente
de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de
empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de
desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade.
Nessas circunstâncias, e em termos práticos, não mais deve ser aceita, hoje,
a concepção de política empresarial que, por muito tempo, prevaleceu, qual seja, só
deveriam ser proibidas as atividades e substâncias que provavelmente causassem
degradação quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam
perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente. A
orientação a ser seguida é a de que mesmo que haja controvérsia ou incerteza no
72
plano científico sobre os efeitos poluidores de determinada atividade ou substância
sobre o meio ambiente “presente o perigo de dano grave ou irreversível, a atividade ou
substância deverá ser evitada ou rigorosamente controlada” (MIRRA, 1996, p. 61 e 62).
Esclarecem Machado, Prado e Freitas (2000, p. 55) que em caso de certeza do dano
ambiental este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso
de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do
princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não
dispensa a prevenção.
Uma questão importante que emerge a respeito do princípio 15 da
Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento é saber-se se as
declarações de princípios, oriundas de Conferências Internacionais estão incluídas
entre as fontes tradicionais de Direito Internacional; se são obrigatórias para os países
membros da Organização que as adotou; se esses textos internacionais têm aquela
imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais.
Em resposta a essas indagações, Kiss (1989, p. 49-50 e 61-66) ao mesmo
tempo em que afirma que as declarações de princípios oriundas de Conferências
Internacionais não estão incluídas entre as fontes tradicionais do Direito Internacional e
não são obrigatórias para os países membros da Organização que as adotou,
esclarece, todavia, que isso não significa que elas não possam ser consideradas senão
como uma nova fonte do Direito Internacional, ao menos como uma nova técnica capaz
de criar normas jurídicas internacionais. Trindade (1981, p. 30-32) diz que, em razão
dessa peculiaridade, esses textos internacionais, não sendo, na terminologia do direito
das gentes, mandatórios, não têm aquela imperatividade jurídica próprias dos tratados
e convenções internacionais, mas não nega a influência que estas Declarações de
Princípios exercem sobre as normas jurídicas tanto no plano internacional, quanto no
plano da ordem interna dos países, no que é acompanhado por Mirra (1994, p. 182) o
qual entende que o fato de não serem mandatórios não pode levar à conclusão de que
as declarações de princípios não exercem nenhuma influência na evolução, na
interpretação, e na aplicação do direito interno dos países membros da Organização
Internacional que as concebeu.
73
Pelo que acima se viu, não se pode desconhecer a influência que essas
declarações de princípios exercem sobre as normas jurídicas, tanto no plano
internacional como no nacional. O Brasil, ao ratificar a Convenção da Diversidade
Biológica e a Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima as quais inseriram
expressamente em seus textos o princípio da precaução, não poderá deixar de
implementá-lo, no cumprimento dos princípios do art. 37 “caput” da Constituição
Federal.
Se a Administração Pública, assim não proceder e postergar a
implementação de medidas de precaução, por certo, estará contrariando os princípios
da moralidade e da legalidade e violando os princípios da publicidade e da
impessoalidade administrativas.
Em conclusão, pode-se afirmar que, enquanto o princípio da prevenção,
segundo é entendimento da doutrina, caracteriza-se quando há certeza do dano
ambiental, a maneira mais eficaz de se evitar o dano ambiental é pela prevenção.
Previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato,
prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, certo,
decorre muitas vezes até da lógica.
No princípio da precaução, como já visto, previne-se porque não se sabe
quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação
científica causarão ao meio ambiente, no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou
conseqüências. Há incerteza científica ainda não apurada ou determinada.
Como o princípio da precaução tem uma abrangência maior do que o da
prevenção entendemos que este, hoje, já não mais tem razão de figurar como princípio
dado que foi absorvido por aquele.
3.4.2.3 Outros princípios
Machado, Prado e Freitas (2000, p. 62-74) apontam mais os princípios da
reparação, da informação e da participação. Segundo diz, o princípio da reparação
está previsto na Declaração do Rio de Janeiro/92 em seu princípio 13 o qual estabelece
que: “Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e
74
à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais”. Basicamente tem
como fundamento obrigar o poluidor a reparar a degradação a que deu causa. No
Direito interno, o Brasil adotou na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.
6.938/81), e como já visto, a responsabilidade objetiva ambiental sendo imprescindível
a obrigação de reparação dos danos causados ao meio ambiente, conforme prevê a
Constituição Federal de 1988; o princípio da informação pode ser extraído do princípio
10 da Declaração do Rio de Janeiro/92 que afirma ”no nível nacional, cada indivíduo
deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham
as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas
em suas comunidades”. No âmbito do Direito Internacional já se consolida o costume de
troca de informações ambientais entre países. Tendo como grande destinatário o povo,
a informação ambiental uma vez recebida pelos órgãos públicos ou pelas organizações
não governamentais deve ser sistematicamente transmitida à sociedade civil (excetua o
segredo industrial ou do Estado), e tem como fim não só a formação da opinião pública,
mas também, formar a consciência ambiental dos canais competentes administrativos e
judiciais; o princípio da participação que é uma das notas características da segunda
metade do século XX tem como assento básico a participação popular visando à
conservação do meio ambiente e insere-se num quadro mais amplo da participação
diante dos interesses difusos e coletivos. A Declaração do Rio de Janeiro/92, em seu
art. 10 diz: “O melhor modo de tratar as questões do meio ambiente é assegurando a
participação de todos os cidadãos interessados, no nível pertinente”.
De se observar que existe uma inter-relação entre os princípios vistos acima
com os do poluidor-pagador e da precaução. Antes já demonstramos com base em
Leme Machado que o princípio poluidor-pagador interage com o da prevenção (o qual
entendemos que foi absorvido pelo da precaução) e com o da reparação. Do mesmo
modo, os princípios da informação e da participação interagem com o da precaução,
pois se somos informados podemos participar. Essa participação pode ser exercida no
campo judicial pelo cidadão, através da Ação Popular prevista na Constituição Federal
de 1988, conforme art. 5º, inciso LXXIII. No campo administrativo, a Lei n. 7.802/89 –
sobre agrotóxicos – dá legitimidade às associações de defesa do meio ambiente e do
consumidor para impugnar o registro de pesticidas ou pedir o cancelamento do registro
75
já efetuado. Também, o Ministério Público tem legitimidade para propor não só o
Inquérito Civil Público e, também, Ação Civil Pública ambos regulados pela Lei n.
7.347/85. Por fim, resta registrar a inter-relação que existe entre os princípios da
informação com o da participação. Ambos são instrumentos eficazes no combate aos
males que podem ser causados ao meio ambiente, pois, se não somos informados, não
podemos participar. Assim, quem detiver a informação terá o dever de repassá-la e
entendemos que se assim não o fizer deverá sofrer sanção por omissão.
Apesar de ser uma ciência jurídica nova, e contar com princípios específicos
que o diferenciam dos demais ramos do direito, como se viu acima, os autores
divergem um pouco na sua colocação, como também nas nominações (DERANI, 1997;
MIRRA, 1996).
3.5 Princípios do meio ambiente do trabalho
Quando examinamos, supra os princípios ambientais do meio natural, isto é,
uma das nomenclaturas utilizadas pelos autores, chamamos a atenção de que os
autores divergem quanto a elas.
Entretanto, não nos foi possível identificar, entre os autores aos quais
consultamos, o estabelecimento de nomenclatura própria para os princípios do meio
ambiente do trabalho. Não queremos com isso modificar a essência dos princípios,
mas, tão somente estabelecermos sinonímia mais condizente à tutela trabalhista.
Nessas circunstâncias, vamos chamar de princípios precautelar,
empregador-predador, informação e participação dos riscos de trabalho e intervenção
do Estado no risco de trabalho, como a seguir passaremos a expor.
3.5.1 Precautelar
47
Equivale esse princípio para o meio ambiente do trabalho (ambiente
artificial), ao da precaução. E explicamos: com efeito, o princípio da precaução, como
47
Precautelar, v. t. e p. precaver (GARCIA, 1979, p. 1221).
76
vimos, é baseado no fundamento da dificuldade e/ou impossibilidade de reparação do
dano ambiental. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência
de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar
medidas eficazes e, economicamente, viáveis para prevenir a degradação ambiental.
Por outro lado, na clássica noção de dano, o entendimento é no sentido de
prejuízo resultante de uma lesão de direito, aniquilamento ou alteração de um bem
jurídico. O dano ambiental, por conseqüência será a destruição ou lesão ao meio
ambiente.
Vimos, também, quais as definições trazidas pela Lei n. 6.938/81 para o meio
ambiente, poluição e poluidor.
Também, defendemos a tese de que o meio ambiente do trabalho encontra-
se inserido no meio ambiente artificial e trouxemos conceito próprio para o mesmo.
Diante de tais concepções, e como corolário lógico, existem a degradação, a
poluição e o poluidor do meio ambiente do trabalho.
Na linha do nosso entendimento, Rocha (1997) diz que a poluição do meio
ambiente do trabalho consiste na degradação da salubridade do ambiente afetando
diretamente a saúde, o bem-estar e a segurança dos trabalhadores. Diversas são as
situações que alteram o estado de equilíbrio do ambiente, como: os gases, os produtos
tóxicos, as irradiações, as altas temperaturas etc.
Transportando o princípio para o meio ambiente do trabalho e ao
conceituarmos este, vimos que é entendido no sentido onde se desenvolve a prestação
dos serviços quer interna ou externamente, e também o ambiente reservado pelo
empregador para o descanso do trabalhador [grifos nossos], onde se abandona a
antiga teoria de que somente os ambientes internos é que poderiam ser enunciados
como local de prestação do trabalho, e considerando que entre as teorias sobre a
natureza jurídica do direito do trabalho vamos encontrar a de direito unitário, que no
Brasil é defendida pelos dois maiores nomes entre os juslaboralistas brasileiros
(Sussekind e Evaristo de Moraes Filho), a qual é entendida como a fusão de normas de
direito público com as de direito privado, surgindo outra realidade e, como acentua
Sussekind (1996, v. 1, p. 130) que no campo do direito público podem ser enumeradas
normas gerais concernentes à tutela do trabalho, entre estas as de segurança e
77
medicina do trabalho (CLT arts. 154 a 233), e desde que a precaução se caracteriza
pela antecipação, é perfeitamente aplicável tal princípio ao meio ambiente do trabalho.
Se a ausência ou incerteza científica não deve servir de pretexto para
procrastinar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a degradação do meio
ambiente (di-lo o princípio da precaução), e com o abandono da dicotomia entre o
ambiente natural e o artificial, a partir de uma visão holística, por certo é que a proteção
da qualidade ambiental no interior das fábricas e outros lugares onde se desenvolve o
trabalho humano pode ser objeto da aplicação do princípio precautelar
48
.
3.5.2 Empregador-predador
Corresponde esse princípio ao do poluidor-pagador. Assim como quem direta
ou indiretamente cometa ou possa a vir cometer danos ao meio ambiente,
49
responde
pela reparação, fixamos para o meio ambiente do trabalho a mesma obrigação e
responsabilização para aquele que intencionalmente ou não acarrete ou possa vir
acarretar degradação ao meio ambiente de trabalho. Essa responsabilidade que é
objetiva será sempre do empregador, pois é este quem assume os riscos da atividade
econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços.
50
Com efeito, e como já visto, a Constituição Federal de 1988 trouxe como
novidade e inovação, como direito dos trabalhadores, em seu art. 7°, inciso XXII, a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança. Machado (1999) diz que a explicitação do conteúdo dessa regra ainda não
foi realizada a contento pela dogmática, mas se a redução dos riscos inerentes ao
trabalho vem contemplada na Constituição e, o que a primeira vista pareceria ser uma
norma programática a qual necessitaria de regulamentação, com suporte em Canotilho
que entende ser “posição jurídica legal” conclui que a norma está dotada de eficácia
48
Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 67-69), corrobora com nosso entendimento.
49
Cf. Supra: O dano ambiental, por conseqüência será a destruição ou lesão ao meio ambiente.
50
Cf. MARANHÃO (1996. v. 1, p. 291). “A atividade econômica traduz-se na produção de bens ou de
serviços para satisfazer às necessidades humanas. Em regime capitalista, as noções de atividade
econômica e de lucro vêm, geralmente, associadas, porque este é o incentivo para o exercício daquela.
Isto não importa, no entanto, que se confunda uma coisa com outra. Desde que haja uma atividade
econômica (produção de bens e serviços), na qual se utiliza a força do trabalho alheio com fator de
produção, existe a figura do empregador”.
78
não havendo necessidade de lei conformadora, pois a norma indica, de forma clara, o
direito fundamental: reduzir os riscos do trabalho
51
.
Ora, a consagração do direito ambiental como direito fundamental do
indivíduo, conforme previsto na Constituição, art. 225, sendo dever de todos a sua
defesa e preservação e tendo o empregador o poder de direção, já que dirige a
prestação dos serviços, é um direito-função intrínseco à sua atividade. Dentro do poder
de direção, está contido o poder de organização, isto é, como o trabalho deve ser
desenvolvido, mas que não é absoluto, visto que deve ser pautado pelo que vem
determinado pela lei, acordo, convenção coletiva. Há, portanto, ao empregador não só
subordinação como vinculação a essas normas. Nessas condições e se, durante o
processo produtivo, houver poluição do meio ambiente de trabalho, uma vez que foram
utilizados métodos de produção não condizentes com o conceito de desenvolvimento
sustentável, e que venha a afetar a saúde dos trabalhadores, ou mesmo terceiros (v.g.
caso de escapamento de gases tóxicos), ter-se-á a figura do empregador-poluidor, pois
não é pelo fato de dirigir os trabalhos como direito-função que poderá se descurar dos
cuidados que devem ser tomados nos ambientes de trabalho quer interno, ou externo, e
da preservação da saúde dos seus empregados ou de terceiros.
Assim pela degradação que já foi ou que possa vir a ser causada ao meio
ambiente de trabalho, que possa vir ou já afetou a saúde dos trabalhadores, ou de
terceiros, ante a utilização inadequada dos métodos de produção, busca-se a
responsabilização do empregador para que não só seja obrigado a pôr fim a poluição
que deu causa ou que possa vir a dar e a garantir a todos os empregados um ambiente
de trabalho ecologicamente equilibrado no sentido de preservar a vida daqueles com
dignidade.
No arcabouço jurídico existente no Direito Brasileiro, pode-se encontrar
vários instrumentos protetivos que possibilitam a aplicação do princípio do empregador-
predador na busca de responsabilizar aquele empregador que degradou o meio
ambiente do trabalho, seja, por culpa ou dolo. Entre eles a Ação Civil Pública.
51
Cf. SILVA (1994, p. 261-267).
79
3.5.3 Informação e participação dos riscos de trabalho
No âmbito do meio ambiente de trabalho, preferimos a aglutinação desses
dois princípios em um só e justificamos. Se, no princípio da informação para o meio
ambiente, o grande destinatário é o povo e tem como fim não só a formação da opinião
pública, mas também, formar a consciência ambiental, e o da participação tem como
assento básico a participação popular visando à conservação do meio ambiente e
insere-se num quadro mais amplo da participação diante dos interesses difusos e
coletivos, para o meio ambiente de trabalho o grande destinatário da informação seriam
os trabalhadores para formação da consciência dos riscos
52
ambientais que poderiam
ser ocasionados no desempenho do trabalho que executam e, o da participação seria a
participação dos trabalhadores visando a conservação do meio ambiente de
trabalho com a finalidade de evitar a sua degradação quando fossem utilizar
determinado produto até então desconhecido ou utilizarem nova técnica de produção.
Assim, a melhor maneira de se proteger o meio ambiente de trabalho a fim de ser
evitada a sua degradação, é obrigando-se o empregador
53
a informar seus
empregados, a fim de que estes se conscientizem dos riscos que o emprego
inconseqüente ou inadequado de certa técnica ou o uso excessivo de determinada
substância tóxica possa acarretar para o ambiente de trabalho. Assim, se são
informados têm capacidade de formar uma consciência ambiental e participarem
adequadamente do processo produtivo, evitando a degradação do meio ambiente onde
trabalham.
54
Constituem-se, dessa maneira, tanto a informação como a participação
instrumentos eficazes no combate aos males que podem ser causados ao meio
ambiente de trabalho, pois se os empregados não são informados não podem
participar. O detentor da informação terá o dever de repassá-la aos empregados para
52
“Risco é a probabilidade de ocorrência de um evento causador de dano às pessoas e ao meio ambiente
de forma leve ou grave, temporária ou permanente, parcial ou total”. Cf. MACHADO (1999, p. 50).
53
Empregador está empregado como todo aquele que é responsável pelo todo ou por parte de
determinado setor na empresa como diretores, gerentes, chefes de seção, chefes de serviços, ou outro
qualquer preposto responsáveis pela informação pertinente.
54
Cf. FIGUEIREDO (2000, p. 69-70), sustenta posição contrária a minha no que tange ao princípio da
participação.
80
oportunizar-se a participação deles e, se assim não o fizer, entendemos que deverá
sofrer sanção, por omissão.
3.5.4 Intervenção do Estado nos riscos de trabalho
A relação de emprego que era outrora, apenas regulada por normas de
direito privado é hoje tutelada, em muito de seus aspectos, por disposições de direito
público, com as quais o Estado impõe sua vontade, em nome do interesse coletivo.
55
O
que designamos como Intervenção do Estado nos riscos de trabalho, é conhecido no
Direito Ambiental como “Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal” encontra-
se na Carta da República de 1988 no art. 200, inciso VIII, que estatui competir ao SUS,
entre outras atribuições, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido
o do trabalho” (FIGUEIREDO, 2000, p. 67).
Quando o exercício de dada atividade econômica causa dano que repercute
no âmbito da relação de emprego (como sucede, por exemplo, nos danos causados ao
meio ambiente de trabalho e irradiam reflexos sobre os empregados do causador do
dano), o interesse difuso aí presente assiste também aos trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988 trata o Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
O Ministério Público do Trabalho integra o Ministério Público da União (CF,
art. 128, I, b). A ele incumbe, dentro da esfera de suas atribuições, as mesmas tarefas
que a Constituição assinala ao Ministério Público em geral entre elas a defesa dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre suas funções institucionais, inclui-se
a de promover a ação civil pública.
55
“A velha divisão do Direito Público e do Direito Privado já não pode ter, na realidade, aquela
significação que lhe atribuíam os romanos, tanto mais quando cada vez se faz sentir com mais rigor a
penetração da influência do Estado, mesmo na esfera até hoje reservada ao Direito Civil. E nessa
penetração, longe de constituir uma subordinação de uma disciplina a outra, representa antes uma
transformação no próprio Direito Privado, regulado por normas mais amplas, sob a influência da
evolução social” (CAVALCANTI, apud SUSSEKIND, 1996, v. 1, p. 123).
81
Assim, esse princípio tem por escopo permitir ao Ministério Público do
Trabalho ajuizar Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho para a defesa do
meio ambiente do trabalho, a fim de obrigar o empregador a cumprir as disposições
legais ou outras relativas à higiene e segurança no ambiente de trabalho.
Examinado os aspectos da responsabilidade civil no capítulo primeiro e
observado no capítulo segundo que, hoje, o meio ambiente se constitui como direito
fundamental além de conceituarmos o meio ambiente em geral nos aspectos doutrinário
e legal e no presente capítulo termos tecido considerações sobre o meio ambiente do
trabalho e, levando-se em consideração o respeito à dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa do Brasil, como vem estabelecido no art. 1º, III, da
Constituição de 1988, bem como o respeito ao trabalho, manifestação de caráter
gregário que preside as relações humanas desde o mais remoto tempo, é impositivo
considerarmos que as atividades humanas produtivas, em benefício da sociedade, não
podem ser realizadas em condições adversas à saúde, alçada à condição de direito
social fundamental pelo artigo 6º da nossa Norma Maior.
Assim, é que o meio ambiente do trabalho deve permitir a preservação da
integridade física e psicológica do trabalhador, compatibilizando os meios de produção
com o equilíbrio ambiental interno aos locais onde se desenvolvem as atividades
laborativas. Trata-se do direito à vida, bem indissociável à saúde, que lhe atribui a
necessária qualidade, resultando que o bem jurídico ambiental tutelado, quando se trata
especificamente do aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, é a saúde.
A concepção de nossa tese é responsabilizar objetivamente o empregador
pela degradação do meio ambiente do trabalho, ou seja, se não tomou o empregador
as precauções devidas, pois é sabido que “se a ausência ou incerteza científica não
deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando
prevenir a degradação do meio ambiente” e se o empregado venha a sofrer qualquer
dano no seu ambiente de trabalho não mais deverá ser aplicada a teoria da culpa
subjetiva. Com efeito, fica claro que iremos tratar dos casos de acidente de trabalho
ocasionados pela degradação do meio ambiente do trabalho com abordagem sobre o
dano moral.
82
CAPÍTULO 4
ACIDENTES DO TRABALHO
4.1 Introdução
O aumento vertiginoso do número de acidentes de trabalho que se deu a
partir da Revolução Industrial; as agressões quer físicas, ou psicológicas, a que se vê
constantemente submetido o operário em seu ambiente laboral, ainda hoje, em pleno
início do terceiro milênio; as péssimas e indignas condições de trabalho nas indústrias,
nas minerações, nas lavouras; o descaso com milhares de famílias operárias; a jornada
de trabalho fatigante, sem o repouso compensador; o trabalho de crianças e mulheres
em troca de alimentação ou por míseros salários; a inexistência de higiene física e
psíquica; o maquinismo; o desemprego, etc., cujos efeitos são danos, quase sempre,
irreversíveis para o trabalhador vitimado e sua família e, em contrapartida, o
desinteresse ou desinformação de algumas empresas em efetivarem as normas de
proteção ao meio ambiente laboral, que são fontes eficazes na prevenção de acidentes
do trabalho, tudo contribuiu para os inúmeros casos de acidentes e doenças
profissionais e, via de conseqüência, para uma completa desordem social: chefes de
famílias doentes, aleijados ou mortos, o que os conduz para a miséria, a
marginalização.
Quando se fala em acidente de trabalho a idéia que de logo surge é a busca
da sua reparação civil ou previdenciária ao invés de se antever um bem muito mais
precioso: a dignidade humana.
Nem mesmo o extraordinário avanço tecnológico não foi capaz de eliminar
ou, ao menos, reduzir os infortúnios laborais a números aceitáveis. Ao contrário, em
parte, a alta tecnologia é apontada como uma das atuais causas mediatas do acidente
de trabalho, juntamente com o fenômeno chamado globalização oriundo do neo-
liberalismo, que impõe um modo de produção transnacional com novas condições de
trabalho agressivas à segurança e saúde do trabalhador, onde se constata que a
83
prioridade dos empresários pelo aumento do capital é inversamente proporcional ao
desenvolvimento sócio-econômico sustentável.
Assim, é mister que se busque o porquê da razão do pouco interesse em dar
efetividade às medidas de segurança e higiene do trabalho, mesmo após o crescimento
estarrecedor dos infortúnios oriundos da inadequação do ambiente laboral, cujos efeitos
são danos, quase sempre, irreversíveis para o trabalhador vitimado e sua família.
4.2 Acidentes do trabalho: origem
Os acidentes do trabalho rememoram das primeiras atividades do homem
voltadas à sua sobrevivência: a caça e a coleta. Os primitivos ancestrais do homem
passavam por toda forma de penúria para conseguirem seu sustento. As caçadas eram
atividades perigosas e extremamente arriscadas, com risco tanto de apanhar e matar
uma presa quanto de serem, eles próprios, devorados. As coletas também exigiam, não
raro, habilidades para escalar em árvores de grande porte, sem qualquer proteção.
Desde a Idade da Pedra, há mais de 2,5 milhões de anos os seres humanos
já fabricavam e utilizavam instrumentos para facilitar a execução de seus trabalhos.
Eram manuseados instrumentos cortantes ou perfuro-cortantes, o que confirma as
habilidades intelectuais dos seres primitivos. Mas tais instrumentos, por certo, eram
causas de diversos acidentes.
Na medida em que se deu a evolução dos processos de produção
aumentaram os riscos de acidentes do trabalho. Todavia, foi a partir da Revolução
Industrial – século XVIII, que se verificou a intensificação da degradação do meio
ambiente natural e humano (artificial, cultural e do trabalho). A exposição dos seres
humanos aos riscos do trabalho aumentou desde então. Quando a máquina a vapor foi
inventada e com sua conseqüente utilização nos meios de produção, onde se verifica
uma diminuição do número de operários, pois aquela substituía em larga escala a mão
de obra humana, foi capaz de diminuir o número de acidentes. Pode-se observar que
os empresários ao invés de proporcionar a uma diminuição dos esforços físicos dos
seus empregados, isso não fizeram e, a ganância em sempre obter lucros maiores
84
exigindo mais e mais esforço daqueles fez crescer o infortúnio laboral. Há uma tendente
desumanização da economia com o avanço tecnológico e econômico.
E atualmente, em plena época da globalização, embora algumas empresas
tenham implantado e implementado com sucesso as normas de segurança e medicina
do trabalho, o índice de acidentes ainda é altíssimo e aviltante.
Cotrim (1999, p. 237) sintetiza, em poucas linhas, a dura realidade do
operariado na época da Revolução Social e as conseqüências da terrível exploração do
trabalho humano:
Sempre com o objetivo de aumentar os lucros, o empresário industrial pagava o
menor salário possível, enquanto o explorava ao máximo a capacidade de
trabalho dos operários. Em diversas indústrias, a jornada de trabalho
ultrapassava 15 horas diárias.
Os salários eram tão reduzidos que mal davam para pagar a alimentação de
uma única pessoa. Para sobreviver, o operário era obrigado a trabalhar nas
fábricas com toda a sua família, inclusive mulheres e crianças de até mesmo
seis anos.
Além de tudo isso, as fábricas tinham péssimas instalações, o que prejudicava
em muito a saúde do trabalhador.
Toda essa terrível exploração do trabalho humano acabou gerando lutas entre
operários e empresários. Houve casos de grupos de operários que, armados de
porretes, atacaram as fábricas, destruindo suas máquinas. Para eles, as
máquinas representavam o desemprego, a miséria, os salários de fome e a
opressão. Posteriormente, perceberam que a luta do movimento operário não
devia ser dirigida contra a máquina, mas contra o sistema de injustiças criado
pelo capitalismo industrial. Surgiram então os sindicatos operários, que
iniciaram a luta por melhores salários e condições de vida para o trabalhador.
Sussekind (2003) nos diz que avanço tecnológico e econômico desumanizou
a economia. As máquinas, as exigências de aumento de produção, o vertiginoso
crescimento tecnológico, a automação, a informatização e, especialmente, o advento do
processo de globalização da economia implicam em desemprego para milhares de
chefes de família e, via de conseqüência, ao contrário do que se aspirava, no
crescimento do índice de pobreza mundial e também no aumento do número de
desempregados, que se vêem obrigados a trabalhar no mercado informal, sem
qualquer amparo das normas protetivas trabalhistas, inclusive das normas de
segurança e medicina do trabalho, tornando-se vítimas de acidentes profissionais
desamparadas do seguro social. O desemprego e a insegurança na área social
inviabilizam o pleno exercício do trabalho, segundo os ditames sócio-jurídicos. Após
dizer que o problema atual do mercado e meio ambiente do trabalho agravou-se com o
modo de produção neo-liberal transnacional – a globalização, e enfatizar que este
85
fenômeno é um verdadeiro paradoxo, pois enquanto estimula o empresariado na busca
dos Certificados da série ISO 9.000, ISO 14.000
56
, dentre outros, tendo em vista a
competitividade do mercado, também empurra os trabalhadores para a informalidade,
destituindo-os de seus direitos trabalhistas básicos, e “dá-se início à "flexibilização
selvagem". Esta, segundo o Ilustre jurista acima citado, compreende a
desregulamentação ou derrogação de normas de proteção ao trabalhador, tem
ampliado o contingente de seus propugnadores numa orquestração mundial de
inegável reflexo na mídia. Essa campanha afronta, sem dúvida, a nova declaração
universal dos direitos do homem, aprovada na assembléia geral das Nações Unidas de
1948, após o término da segunda grande guerra, que consagrou os princípios
fundamentais do Direito do Trabalho e da seguridade social, tendo sido eles
regulamentados pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
da ONU. No preâmbulo da declaração universal dos direitos da pessoa humana, como
bem asseverou o saudoso jurista e político André Franco Montoro, há uma lei maior de
natureza ética, cuja observância independe do direito positivo de cada Estado. O
fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana. Ela é a fonte das
fontes do direito.
Segundo Viana (2006) algumas das novas facetas do contrato de trabalho
impregnado pelas idéias neo-liberais de flexibilização, por suas características são
56
Os certificados da série ISO 9.000 são conferidos às empresas que implementam o programa de
Qualidade Total – em equipamentos máquinas, produção e prestação de serviços, etc.; já os da série
ISO 14.000 são conferidos para empresas que cumprem as normas ambientais, exceto as normas
sobre o meio ambiente do trabalho, o qual está incluído na ISO 18.000, cujo certificado ainda não es
sendo exigido.
86
extremamente extenuantes e, por conseguinte, são causas mediatas de acidentes
laborais
57
.
4.3 Causas e conseqüências dos acidentes de trabalho
Há necessidade de se identificar quais os problemas determinantes relativos
ao acidente do trabalho (causas e efeitos) a fim de se possibilitar aos empregadores,
aqui a concepção utilizada é no sentido moderno do termo inclusive sobre a
57
Aponta o seguinte: a) troca-se o salário fixo por prêmios, gratificações e salário-produção, o que leva o
trabalhador a participar dos riscos do negócio e também fomenta o individualismo e a fragmentação do
coletivo, também intensifica a competição entre colegas de trabalho, uma vez que "quem não segue à
risca as ordens, quaisquer que sejam elas, pode perder o prêmio para o colega"... b) a decomposição
do salário-fixo em parcelas são consideradas simples liberalidades suprimíveis a qualquer tempo e, portanto,
não integram o salário para fins de acerto rescisório (assistência médica, acesso a clubes de campo,
etc.) e, se não bastasse "o mesmo processo de fragmentação do salário se insere na prática das
negociações coletivas e na esfera legislativa, permitindo que se afaste de seu campo até mesmo
utilidades típicas (habitação, transporte, etc.)"; c) "Em razão desse mesmo enxugamento da troca
salário-trabalho, que faz lembrar a eliminação de porosidades do processo produtivo, a face social do
salário vai perdendo espaço". É de somenos importância "que a família operária tenha um rendimento
estável e cada vez mais que a produção se mantenha ótima". A título de exemplo Viana cita o não
pagamento dos reflexos salariais ou redução do salário, "seja de forma clara e direta, em nível coletivo,
seja de modo oculto e indireto, em nível individual, ao se exigir maior esforço do empregado" ; d) Essa
comutatividade trabalho/salário acentua também, em detrimento da qualidade de ser humano, a
exploração do trabalhador como simples fonte de energia, como apenas mais uma peça integrante da
força do trabalho, que está sujeita às alterações funcionais, às transferências; e) pela mesma razão,
"as pausas vão perdendo a relação com a fadiga e adquirindo mais um caráter de mercadoria, de
crédito negociável. É assim, por exemplo, que surgem os bancos de horas e se acentua, à margem da
lei, a prática de acumular repousos semanais, trocados depois por dinheiro. Se não bastasse, "as duas
tendências opostas (fortalecimento da troca salário/trabalho, enfraquecimento da relação
fadiga/descanso)" tornam oportuna a responsabilização do "trabalhador por falhas na produção e se
exija dele, em contrapartida, trabalho extra não pago"; f) "A importância da jornada de trabalho como
meio de quantificar o salário se relativiza progressivamente. Graças à automação, à informática, aos
novos métodos de organização e ao terror do desemprego, oito horas de trabalho podem exigir o
esforço de doze. O operário de qualidade total economiza para o empregador contratos novos e horas-
extras: melhor do que elastecer a jornada é intensificar o trabalho dentro dela"; g) "o ideal de
estabilidade, que tutelava o empregado, é passo a passo substituído pelo ideal de instabilidade, que
tutela a empresa. Tal como a máquina e a matéria-prima, o empregado vale o que produz".
87
desconsideração da personalidade jurídica, terceirização, etc., aos órgãos de governo e
não governamentais (ONGS), sindicatos, enfim a todos os que estejam envolvidos com
relação de trabalho ou emprego a buscar soluções concretas, não queremos chegar ao
exagero de pensarmos em índice zero, mas para redução desses eventos danosos a
níveis suportáveis.
Com efeito, em um primeiro momento pode-se observar que a identificação
dos acidentes de trabalho se tivermos vista em ótica restrita ou imediata as causas são
apontadas como atos ou condições inseguros, como por exemplo: a) contato da pessoa
com um objeto, uma substância ou com outra pessoa; b) exposição do indivíduo aos
riscos que envolvam objetos, substâncias químicas ou outras pessoas ou condições;
etc.
Conforme já visto supra com bases em Sussekind (2003) e Viana (2006) em
acepção ampla e mediata verifica-se que as causas acidentárias, quase sempre estão
intrinsecamente ligadas ao incrível crescimento tecnológico experimentado pela
humanidade nos últimos tempos e ao excessivo aumento da produção. É lamentável,
mas em pleno início do século XXI, os empreendimentos econômicos, ainda, são
voltados para os lucros imediatos em detrimento dos investimentos em programas e
equipamentos adequados à proteção coletiva, que são meios eficazes de combate a
acidentes do trabalho.
Preferem-se equipamentos paliativos de proteção individual, aos
equipamentos de proteção grupal ou outras a tomar medidas preventivas coletiva, por
julgá-los mais onerosos, o que caracteriza o desinteresse pelo meio ambiente laboral
salutar.
Identificam-se, pois, como causas indiretas do aumento dos casos de
doenças de origem psíquica e física e dos acidentes do trabalho, dentre outras: a
complexidade das máquinas, a automação e a informatização, a crescente exposição
aos ruídos, calor e substâncias tóxicas (condições insalubres, perigosas e penosas),
ausência de efetividade das normas protetoras do ambiente laboral, a preferência
apenas pela redução à eliminação dos riscos, deficiência no sistema de inspeção do
trabalho, excesso de horas extras (que é uma das principais causas mediatas de
acidentes laborais e do aumento do índice do desemprego), sistema inadequado de
88
compensação de quadro de horários e dos turnos de revezamento, ausência de
conscientização, a desmotivação, as exigências rigorosas nos processos de seleção
combinada com deficiência de formação profissional, as dificuldades para atualizar os
conhecimentos e acompanhar o desenvolvimento tecnológico para assegurar o direito
ao trabalho digno, o temor do desemprego, a precarização dos direitos dos
trabalhadores, o trabalho informal, a fadiga física e a tensão mental do trabalhador.
Silva Filho (2003) leciona que com a chegada ao país das tecnologias de
engenharia de perdas e árvore de causas para os acidentes houve uma mudança no
antigo enfoque dado às análises de acidentes graves e ou fatais. Hoje tais análises se
prendem muito mais a refazer o conjunto de causas que geraram o acidente. Assim
sendo, perdeu totalmente a importância avaliar unicamente e de forma simplória se
houve ato [do trabalhador] ou condição [ambiental] insegura. Isso justifica também pelo
fato de que dificilmente se encontraria um acidente onde atos ou condições inseguras
se apresentariam isoladamente, ou seja, sem que a outra situação também estivesse
presente.
Sem necessidade de se fazer um esforço ingente pode-se concluir que está
nas causas mediatas ou indiretas, o ponto de onde se deve partir em direção da
prevenção dos acidentes laborais, uma vez que são as causas básicas do índice
estarrecedor de acidentes do trabalho, demonstrado pela estatística mundial. Desse
modo, para prevenção e redução desse número, é imprescindível fazer um
levantamento amplo e específico sobre a ocorrência de acidentes, como os fatos
agressores mediatos e imediatos causadores do evento, o local, as condições de
trabalho, etc. Assim, além de possibilitar a implementação de programas de prevenção
de acidentes de trabalho pelos atores do ambiente laboral, aponta os locais em que a
fiscalização deve ser realizada com mais rigor.
Pode-se perceber, pelos estudos e pesquisas feitos com intuito de conhecer
e dissertar sobre o tema que, as estatísticas oficiais, deixam a desejar, pois não
revelam a realidade de acidentes laborais.
No órgão previdenciário os acidentes de trabalho são registrados para fins de
levantamentos estatísticos apenas em bloco de números de benefícios concedidos:
auxílio-doença ou auxílio-acidente, pensão por morte, sem determinar a origem do
89
sinistro (as causas específicas, o local do trabalho, etc.)
58
. Se não bastasse, percebe-
se, com base na experiência forense, que há relutância, por parte do INSS, em
reconhecer as doenças profissionais e do trabalho, diagnosticando-as, muitas vezes,
como doenças normais, negando, conseqüentemente, o benefício respectivo.
Não se pode esquecer que os processos acidentários trabalhistas são
iniciados pelo órgão previdenciário somente após a comunicação do fato sinistro a partir
da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), documento relativo apenas aos
empregados registrados em carteira da empresa, cujo número é reduzido em relação
aos trabalhadores autônomos e informais.
Outra realidade lastimável ocorre nos hospitais ou clínicas médicas, onde os
prontuários médicos deveriam registrar informações mais abrangentes sobre os
trabalhadores/pacientes que ali buscam consulta ou internamento (como a profissão, a
origem (local) e a causa mediata e imediata dos acidentes, doenças e morte destes, ou
seja, dados mais específicos de um eventual acidente/doença do trabalho), mas não o
fazem, geralmente, limitam-se apenas em constar os sintomas físicos ou mórbidos
apresentados pelo paciente.
Diferentes não são os atestados médicos de óbito, que também, na sua
maioria, somente constam as causas letais físicas, dos quais originam os registros de
óbito – instrumento formal, exigido pela Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73, arts.
77 e ss).
Como se vê, os trabalhadores que não têm vínculo com a Previdência Social
estão alijados das estatísticas oficiais, especialmente das estatísticas de tal órgão.
Portanto, embora possa verificar uma redução significativa do número de sinistros
trabalhistas sofridos pela massa de segurados da Previdência Social, segundo o quadro
de estatísticas de acidente do trabalho no Brasil – 1970/2000, não se pode dizer que o
referido quadro retrata a realidade brasileira, porquanto, de acordo com o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 1991 e 1996, o percentual de
trabalhadores sem carteira assinada passou de 40% para 47% no conjunto de seis
58
Ver: Bernadete Cunha Waldvogel, em suas pesquisas sobre a questão acidentária relativas às fontes
de dados (Acidentes do trabalho – vida ativa interrompida. In: Novos desafios em saúde e segurança
no trabalho. Belo Horizonte: PUC-Minas/Fundacentro, 2001. p. 38-58). Ver: MELO (2002. p. 207, 208).
90
regiões metropolitanas pesquisadas. Depois de se manter estável entre 1996 e 1997, a
informalidade no mercado de trabalho brasileiro voltou a crescer no final da década de
90, como reflexo da crise da economia brasileira, até chegar a 50% no final de 1999 e
ultrapassar os 60% em 2003.
Os efeitos dos acidentes do trabalho são inúmeros e extremamente
negativos e onerosos. Curialmente o trabalhador acidentado e sua família sofrem os
maiores prejuízos (mutilação, incapacidade para o trabalho, morte, dor pelos danos
físicos, psíquicos e morais, marginalização social, pobreza, etc.). Além deles, outros
prejuízos sócio-econômicos são detectáveis. Os custos sociais da Previdência Social
são altíssimos, considerando os gastos com benefícios: aposentadorias antecipadas
(especiais e por invalidez), auxílios-doença, pensão por morte, auxílio-acidente,
reabilitação e readaptação do segurado-acidentado, gastos com saúde. As empresas
também perdem grandes somas e credibilidade social com os acidentes. Por um lado,
precisam arcar com despesas imediatas com o acidentado (atendimento médico-
ambulatorial, transporte, medicamentos, pagamento às vítimas de diárias
correspondentes ao valor proporcional de seu salário-base até o 15º dia de
afastamento, sem isenção dos encargos sociais relativos. Por outro lado, há queda na
produção (pela perda e eficiência do processo, contratação de substituto ou
necessidade de horas extras), inutilização de máquinas, insumos, produtos,
necessidade de reposição de material inutilizado, etc. Além destes prejuízos, a
empresa, a longo prazo, poderá ser obrigada a fazer a reinserção do acidentado pelo
período de estabilidade adquirido, etc.), arcar com despesas advocatícias, judiciais,
indenizatórias, multas administrativas, ter perdas negociais (multas contratuais por
atraso de produção, rescisão de contratos), perda de certificados de gestão de
qualidade, de gestão ambiental, etc.
59
59
De acordo com planilha de custos acidentários, apresentada por Robson Spinelli Gomes e Waldemar
Pacheco Júnior – Sistemas de Gestão e Segurança e Saúde do Trabalhador (SGSST) em Pequenas
Empresas. In Novos Desafios em Saúde e Segurança no Trabalho. Belo Horizonte: PUC-
Minas/Fundacentro, 2001. p. 239. Nesse sentido, MELO, Raimundo Simão de. Meio Ambiente do
trabalho no setor rural. In: GIORDANI, Francisco Alberto da Motta Peixoto; MARTINS, Melchíades
Rodrigues; VIDOTTI, Tárcio José (Coord.). Direito do trabalho rural: estudos em homenagem a Irany
Ferrari. São Paulo: LTr, 1998. p. 207. SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho.
16. ed. São Paulo: LTR, 1997. v. 2. p. 888.
91
Ademais, vale lembrar que a fadiga física e mental dos demais
trabalhadores, gerada pela ocorrência do sinistro, implica em absenteísmo, rotatividade
de mão-de-obra, novos acidentes entre outras perdas.
Dado o altíssimo índice mundial de acidentes do trabalho, a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), com fito de reduzi-lo, lançou em 1976, o programa para
o melhoramento das condições e do meio ambiente do trabalho (PIACT), mediante a
implantação e implementação de medidas de segurança e higiene laboral, cujo início se
deu na América Latina. Após o lançamento desse programa, especialmente no Brasil,
notou-se a efetiva queda dos índices dos infortúnios do trabalho entre os operários
segurados pela Previdência Social, segundo estatísticas oficiais. Observou-se, também
que além de evitar os conhecidos prejuízos sociais e humanos, as empresas que
implementaram esse programa tiveram significativa diminuição dos prejuízos
econômicos (continuidade e elevação da qualidade da produção, eliminação de
desperdícios, etc.)
60
.
Entretanto, verificou-se a partir dos noticiários da imprensa falada e escrita e
das doutrinas estudadas, que embora haja diminuído a ocorrência dos infortúnios
laborais no Brasil, o país ainda é palco de um dos maiores índices de acidentes do
trabalho do mundo.
61
As informações obtidas no sítio da Campanha Nacional de Saúde e
Segurança no Trabalho – 2002, realizado pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI) e coordenado pela Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (ABPA) –
www.sst-cni-sesi.org.br – confirmam as benesses da prevenção de acidentes do
60
Cf. SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 16. ed. S. Paulo: LTR, 1997. v. 2. p.
888-891. Para corroborar essa queda dos índices acidentários ver: em anexo as estatísticas de
acidentes do trabalho. Para exemplificar a redução dos gastos, escolheu-se o relatório do balanço
social da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO – que demonstrou, quanto
à gestão de segurança e saúde de trabalho, que a partir dos investimentos para monitorar riscos
ambientais, do conhecimento sobre os riscos de cada uma das atividades desempenhadas pelos
empregados e da formação das Comissões Internas de Prevenção a Acidentes (CIPA) com números
superiores a 20 pessoas, e também com a prática de incentivos às ações que reduzem o risco de
algumas atividades houve uma redução significativa no número de acidentes com afastamentos, bem
como na gravidade destes acidentes, resultando em economia de 50% com gastos no caso de
acidente.
61
Cf. MELO, Raimundo Simão de. Meio ambiente do trabalho no setor rural. In: GIORDANI, Francisco
Alberto da Motta Peixoto; MARTINS, Melchíades Rodrigues; VIDOTTI, Tárcio José (coord.). Direito do
trabalho rural: estudos em homenagem a Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1998, p. 205/223. e Meio
Ambiente do Trabalho: prevenção e reparação. Juízo competente. Revista do Ministério Público do
Trabalho, São Paulo, n. 14, p. 95/104, 1997.
92
trabalho. Ficou demonstrado que as empresas que implantaram e implementaram as
medidas prevencionistas de acidentes laborais conseguiram a redução destes e dos
prejuízos econômicos.
É oportuno evidenciar que, ao participar da solenidade de lançamento da
Campanha Nacional da Indústria para a Prevenção de Acidentes no Trabalho 2002 (em
22 de agosto de 2002), o Presidente da Associação Brasileira para Prevenção de
Acidentes (ABPA), Daffre (2002) – Coordenador da Campanha – declarou que um dos
pontos básicos do novo conceito sobre a segurança no trabalho é a preservação da
vida do trabalhador. E disse ainda que:
Isso gera lucro para o empresário e vantagem para a sociedade. É
importantíssimo investir na saúde e segurança dos trabalhadores, o que é um
fator de competitividade para as exportações que geram os empregos de que o
Brasil precisa.
Na mesma ocasião, o então Presidente da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), Ferreira (2002a) falou sobre a relevância da prevenção acidentária para
a economia das empresas ao afirmar que:
Investir em prevenção, além da questão humana da perda de um ente querido,
representa uma vantagem extraordinária e uma grande economia de recursos
que são despendidos no pagamento de acidentes por invalidez e despesas
hospitalares e, também, do tempo que o trabalhador fica fora de seu posto de
trabalho. Isso obriga as empresas a contratarem mão-de-obra supletiva e todos
esses custos, somados, aumentam o Custo Brasil, que precisa ser reduzido
porque senão as empresas perdem a competitividade e, perdendo a
competitividade, o número de empregos acaba reduzido.
No dia anterior (21/08/02), em entrevista concedida ao Caldonews Jornal,
Ferreira (2002b)
lembrou que após várias décadas de atuação prevencionista e das
campanhas nacionais de prevenção desenvolvidas pelo sistema CNI/SESI/SENAI/IEL,
iniciadas em 1997, houve uma significante redução dos números catastróficos
acidentários da década de 70, se comparados proporcionalmente em relação à massa
trabalhadora daquela época e a atual. Mas, acrescentou que "ainda há muito para ser
feito: apenas 3% das empresas no País contam com um serviço adequado em
segurança do trabalho"
Das assertivas supra e da leitura das diversas obras pesquisadas percebe-se
que muitas empresas desconhecem ou ainda não estão convencidas da importância
93
dos investimentos em prevenção acidentária como meio de evitar desperdícios e de
torná-las mais competitivas.
No Brasil ainda há o ranço da "monetização do risco", isto é, há uma opção
pelo aumento da remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador,
mediante pagamento de adicionais de periculosidade, de insalubridade, de horas
extraordinárias, aposentadorias especiais, etc. Essa é uma estratégia traiçoeira que
inibe a luta dos trabalhadores e sindicatos por melhores condições de trabalho.
Estimula-os a acreditarem que é melhor obter um ganho imediato (aumento dos
minguados salários e antecipação da aposentadoria) do que correr o risco de perder o
emprego. Ficam inertes. Deixam de reivindicar a implantação e implementação das
normas de higiene e segurança do trabalho. Parece que preferem expor a saúde, sem
pensarem, de fato, nas nefastas e irreversíveis conseqüências das mutilações e
doenças ocupacionais para o resto de suas vidas, a trabalharem por longos anos e com
salário menor, mas com vigor.
62
Por fim, muitas empresas desinformadas ou negligentes, quando adotam
algumas medidas preventivas dos acidentes laborais, escolhem as paliativas, como o
uso de equipamentos de proteção individual e/ou pagamento dos referidos adicionais e
deixam de implantar medidas de proteção coletiva, mais eficazes na eliminação ou
redução dos riscos do ambiente do trabalho, por julgarem as últimas mais onerosas ou
por simples desinteresse. Agem em desacordo com os estudos das organizações
governamentais (FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e
Medicina do Trabalho) ou privadas (CNI - Confederação Nacional da Indústria, ABPA -
Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, etc.) e violam as exigências da
legislação trabalhista que impõe ao empreendedor a obrigação de, primeiramente,
eliminar os riscos do trabalho ou, se impossível, no mínimo, procurar reduzi-los
(Convenções da OIT 148, arts. 9 e 10 e nº 155, art. 4.2; CLT, art. 166 c/c NR-4, item 4.12, "a").
Uma das funções primaciais da lei é anular o desequilíbrio das partes, vindo em
socorro dos mais fracos; assim se procede no próprio terreno contratual onde
há a livre manifestação da vontade.
Com mais força de razão, quando as circunstâncias da vida, múltiplas,
imprevisíveis, inexoráveis, colocam os homens mais a mercê uns dos outros,
justifica-se, sobremaneira, o amparo da lei na proteção da vítima (OLIVEIRA,
1998, p. 134-135).
62
Cf. OLIVEIRA (1998. p. 124-129 e 361).
94
4.4 Legislação e concepções sobre os acidentes de trabalho
Os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, embora presentes na vida
dos trabalhadores desde a Antigüidade enquanto reflexos das condições de trabalho e
dos processos de produção passaram a se constituir em objeto de análise sistemática a
partir do século XIX, com o avanço do processo de industrialização e as lutas operárias
dele decorrentes. No início do século XX, no Brasil, os acidentes e as doenças do
trabalho sequer eram mencionados pelos fiscais sanitários.
A primeira legislação acidentária é de 1919, quando se começa a
responsabilizar a empresa pela indenização das vítimas, deixando a cargo da polícia a
função de registrar tais acontecimentos. A partir de 1930, o Estado benfeitor assume
seu papel de promotor do desenvolvimento e de mediador da relação capital-trabalho,
criando um sistema de previdência social e assistência médica, no qual se inclui o
seguro acidente. Entre 1930 e 1945, estabeleceu-se a obrigatoriedade da notificação
dos acidentes de trabalho, pelo empregador ou por qualquer outra pessoa que tivesse
conhecimento do fato. Em 1934, houve alguns avanços como estender o conceito de
acidentes às doenças do trabalho e estabelecer responsabilidades do empregador pelo
acidente e pelas indenizações. Em 1944, as empresas com mais de 500 empregados
foram obrigadas a implantar um serviço médico de urgência. Caberia a esse serviço
atender o trabalhador e emitir um atestado sobre sua condição de saúde no momento
do acidente e após a alta. Além disso, são instituídas normas de prevenção, higiene e
reabilitação profissional, bem como o direito do trabalhador de recorrer ao poder
judiciário sempre que se sentir lesado no decurso dos procedimentos previstos diante
da ocorrência de acidentes ou doenças profissionais.
O período entre 1945 e 1960 é caracterizado, com base na concepção do
Estado de Bem-Estar Social, pela reestruturação da Previdência Social, composta por
seis institutos que ofereciam diferentes serviços e benefícios. Em 1960, a promulgação
da Lei Orgânica da Previdência Social trouxe modificações importantes. Os segurados
dos vários institutos passaram a ter os mesmos direitos; aumentaram-se os gastos com
a ampliação dos benefícios e serviços, o que representou também um aumento da
contribuição dos segurados.
95
De 1960 a 1983, alguns fatores marcaram as ações da Previdência, dentre
eles a privatização da assistência e o acirramento de uma crise no setor. Em 1967, a lei
5316-67 torna obrigatório o seguro acidente de trabalho e atribui a responsabilidade
pelo seu pagamento à Previdência Social, passando tal benefício a englobar todos os
trabalhadores, inclusive os avulsos e os presidiários que exerçam atividade
remunerada. Explicita-se a tipificação dos acidentes (acidente típico, acidente de trajeto
e doença do trabalho) e o acidentado passa a receber pensão proporcional à lesão sofrida.
Em 1976, foram estabelecidos níveis de contribuição da empresa para o
seguro acidente, em função de três graus de risco. Essa determinação busca
diferenciar a contribuição de acordo com a probabilidade de ocorrência de acidente,
obtida através da avaliação estatística do número de registros de acidentes por
empresa. Tal legislação foi modificada em 1997, ficando estabelecido que a Previdência
Social pudesse reduzir a contribuição da empresa desde que esta investisse em
melhorias das condições de trabalho.
Em 1992, inclui-se no regulamento de Benefícios da Previdência Social um
maior detalhamento das circunstâncias que caracterizam o acidente de trabalho:
- acidente ligado ao trabalho, o qual, mesmo não provocado por causa
única, haja contribuído diretamente para a morte, perda ou redução de
capacidade, ou que tenha produzido lesão que exija atendimento médico;
- acidente sofrido no local e no horário de trabalho em conseqüência de:
ato de agressão, sabotagem ou terrorismo; ofensa física intencional; ato
de imprudência, de descuido ou de imperícia de terceiro, ou de colega de
trabalho; ato de pessoa privada de razão; desabamento, inundação,
incêndio, entre outros;
- acidente sofrido ainda que fora do local de trabalho: na execução de
ordem ou realização de serviço para a empresa; na prestação espontânea
de qualquer serviço à empresa; em viagem a serviço da empresa; no
destinados a descanso ou refeição e no agravamento ou complicação do
percurso da residência para o trabalho ou deste para aquele; em períodos
quadro de saúde no período de reabilitação profissional.
96
4.5 Conceito de acidente de trabalho e doenças ocupacionais
O artigo 19 da Lei n. 8.213/91 nos dá o conceito legal de acidente do
trabalho:
Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da
empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do
artigo 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que
cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da
capacidade para o trabalho.
O conceito jurídico geral de acidente de trabalho utilizado na legislação
brasileira permite operacionalizar a gestão dos benefícios da Previdência Social e o
reconhecimento oficial do acidente, através da emissão da CAT (Comunicação de
Acidente de Trabalho). Entretanto, caracterizar os efeitos dos acidentes numa
perspectiva exclusivamente securitária impede entendê-los na sua historicidade e no
contexto de relações de trabalho, enquanto eventos heterogêneos e complexos em que
componentes sociais, tecnológicos e de saúde interagem e operam como mediadores
da relação processo de trabalho e saúde (MACHADO; PORTO; FREITAS, 2000). A
ênfase nesse tratamento securitário é um fator de confusão, na medida em que engloba
como semelhantes situações e efeitos muito diferenciados. Essa imprecisão, ao
encobrir a especificidade dos riscos, reflete-se numa certa assepsia da morte e das
doenças relacionadas ao trabalho.
Para o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), segurados são todos
os indivíduos que se inscreveram e contribuem para a Previdência. Mas, apesar de se
considerar beneficiários o conjunto dos trabalhadores que contribuem, só uma parcela
tem direito ao seguro acidente. Para receber esse benefício e, portanto, para registro de
casos, o trabalhador deve ser vinculado aos setores da economia regidos pela CLT.
Depreende-se, pois que para a Lei Previdenciária, o acidente do trabalho somente
ocorre com trabalhadores, os quais, no exercício de suas atividades, prestam serviço à
empresa: o segurado empregado ou empregado avulso, bem como o segurado
especial, cujos efeitos provocam lesão corporal ou perturbação funcional suficientes
para causar a morte, a perda ou a redução, temporária ou permanente, da capacidade
97
para o trabalho
63
. Ficam excluídos os empregados domésticos e os contribuintes
individuais e facultativos, os quais não receberão o benefício de auxílio-acidente.
Também, não estão contemplados, entre outros: os trabalhadores autônomos e
os funcionários públicos – municipais, estaduais, federais, militares e civis
64
. Ao definir quem é
segurado, a legislação é a mais includente possível. Contrariamente, quando se trata
de determinar os que fazem jus ao seguro acidente, torna-se excludente.
A lei também considera acidente do trabalho a doença profissional e a
doença do trabalho. As chamadas doenças ocupacionais.
Silva (1999) diz que:
DOENÇA PROFISSIONAL é a produzida ou desencadeada pelo exercício do
trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação
elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
DOENÇA DO TRABALHO é a adquirida ou desencadeada em função de
condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relaciona
diretamente, e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego.
Segundo este mesmo autor a doutrina classifica os acidentes do trabalho em três espécies:
DOENÇAS DO TRABALHO, também chamadas mesopatias, são aquelas que
não têm no trabalho sua causa única ou exclusiva. A doença resulta de
condições especiais em que o trabalho é executado (pneumopatias,
tuberculose, bronquites, sinusite, etc.). As condições excepcionais ou especiais
do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica fazendo eclodir ou agravar
a doença.
DOENÇAS PROFISSIONAIS ou tecnopatias - Têm no trabalho a sua causa
única, eficiente por sua própria natureza, ou seja, a insalubridade. São doenças
típicas de algumas atividades (silicose, leucopenia, tenossinovite, etc)
ACIDENTES DO TRABALHO TIPO - Em seu conceito devem estar presentes a
subtaneidade da causa e o resultado imediato, ao contrário das doenças que
possuem progressividade e mediatidade do resultado.
63
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o
pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de
economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges
ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem,
comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
(O garimpeiro está excluído por força da Lei nº 8.398, de 7.1.92, que alterou a redação do inciso VII do
art. 12 da Lei nº 8.212 de 24.7.91).
A lei considera acidente do trabalho tanto o ocorrido pelo exercício do trabalho a serviço da empresa,
como o prestado em benefício próprio nos casos daqueles que exercem suas atividades
individualmente ou em regime de economia familiar.
64
Destacamos o seguinte julgado o qual vai de encontro à legislação: RESPONSABILIDADE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – funcionário de município – acidente do trabalho – aplicação das normas
e princípios que regem o contrato administrativo e o acidente do trabalho – não incidência do art. 37,
§6º da cf/88 –. amputação do quinto dedo da mão direita – diminuição da potencialidade produtiva
dano presumido – prejuízo material e sofrimento psicológico também reconhecidos – indenização
correspondente de vida (TJRS– Apc 70000363275 – 9ª C.Cív. – Relª Desª Mara Larsen Chechi j. 25.10.2000).
98
Há que se observar a distinção que é feita entre as doenças do trabalho e as
doenças profissionais
65
. Com efeito, enquanto nas primeiras a relevância está nas
65
Além do acidente laboral propriamente dito, também as doenças ocupacionais são consideradas como
acidente do trabalho, nos termos do artigo 20 da lei previdenciária de nº 8.213/91:
Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I-doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do
trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo
Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II-doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais
em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
O parágrafo 1º desse artigo, de plano, exclui das referidas listagens as seguintes doenças: a) doença
degenerativa; b) doença inerente a grupo etário; c) doença que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva.
O parágrafo 2º do mesmo artigo determina que mesmo eventuais doenças não relacionadas nas listas
elaboradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, mas que resultem das condições especiais em que
o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, deverão ser consideradas como acidente do trabalho
pela Previdência Social. A exceção abrange também as doenças endêmicas que, comprovadamente,
resultem da exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (§ 1º, "d", parte final).
Com fito de ampliar o rol dos acidentes de trabalho e amparar o trabalhador desvalido, o legislador
enumera outras situações diversas das condições específicas determinadas pela natureza do trabalho.
Equiparam, pois, ao acidente do trabalho, para efeitos da citada lei previdenciária em seu artigo 21 e
seus incisos:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído
diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou
produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus
planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado,
inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio
de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Esta lei previdenciária esclareceu, ainda, nos parágrafos 1º e 2º desse artigo que:
§ 1º. Nos períodos destinados à refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras
necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§ 2º. Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de
acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.
Em síntese, a legislação brasileira considera acidente do trabalho os eventos ocorridos pelo exercício
do trabalho, que causem lesão corporal ou perturbação funcional, morte e perda ou redução da
capacidade para o trabalho, bem como as doenças profissionais e outras formas de acidentes
vinculados ao trabalho: 1) aqueles ocorridos no local do trabalho decorrentes de atos intencionais ou
não de terceiros ou de companheiros do trabalho; 2) os acidentes oriundos de casos fortuitos ou de
força maior; 3) as doenças provenientes de contaminação acidental no exercício da atividade; 4) os
acidentes ocorridos no percurso residência/local de trabalho/residência e nos horários das refeições.
99
condições em que a atividade é exercida, nas segundas o fator determinante é a
atividade.
Ora, dever-se-á também intuir que existe diferença entre aquelas e o
acidente de trabalho tipo. Este pode ocorrer quando o empregado está a serviço da
empresa (dentro ou fora da sede), ou mesmo em acidente de trajeto, quando a
ocorrência se dá durante o deslocamento do trabalhador para o local de trabalho ou
vice-versa ou nos horários das refeições. Já aquelas são doenças que ocorrem ou pela
exposição cotidiana do trabalhador a agentes nocivos de qualquer natureza, presentes
no ambiente de trabalho, ou cuja atividade, por sua natureza, atua na incapacitação
para o trabalho, doença ou morte. O acidente ocorre de maneira imediata as doenças
mediatamente.
A importância dessa classificação é de interesse do Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS), que reconhece automaticamente a existência da relação de
causa e efeito quando o cidadão que busca sua assistência é portador de doença
profissional. Contudo, para os casos de doenças do trabalho o nexo causal deverá ser
comprovado por meio de laudo técnico competente emitido pelo engenheiro de
segurança ou médico do trabalho.
4.6 O Estado e as teorias sobre acidentes
Duas teorias explicativas – a do risco social e a do risco profissional - estão
implícitas na legislação e ação de órgãos oficiais responsáveis pela prevenção e
vigilância dos acidentes. A teoria do risco social baseia-se no princípio de que os bens
são produzidos para consumo da sociedade e, portanto é a própria sociedade quem
deve arcar com alguns dos ônus da produção. Essa teoria se desenvolve no momento
de crise das seguradoras privadas, diante do crescimento dos prêmios, quando o
Estado acaba assumindo o gerenciamento do seguro acidente como parte de sua
política social.
Segundo a teoria do risco profissional, desenvolvida na Alemanha na
segunda metade do século XIX, cabe ao empregador indenizar o trabalhador
acidentado. Baseia-se no fato de que o acidente é visto como conseqüência do trabalho
100
e como parte integrante do negócio, ou seja, o lucro do empresário está ligado ao risco
de ocorrência de acidentes. Em conseqüência, é função de a empresa indenizar o
acidentado. Essa teoria, ao identificar os riscos e suas repercussões sanitárias
específicas, obriga o capital a aceitar sua imperfeição e abre a possibilidade de
alterações nos processos de trabalho, sob os critérios de saúde, o que é
potencialmente transformador, se consolidados mecanismos de controle social.
Ambas as teorias têm como principal preocupação a identificação de um
culpado para o acidente - teoria da culpa - tendo em vista as implicações jurídicas da
responsabilidade civil. Desde a sua formulação,
a teoria da culpa direciona a análise dos acidentes no sentido de atribuir-lhes
uma dentre duas causas possíveis: uma ação dolosa do empregado (ato
inseguro) ou uma ação dolosa do empresário (condição insegura, criada por
imprudência, negligência ou falta de diligência), metodologia de análise esta
que ainda hoje é profusamente utilizada, ainda que com uma pequena
modificação ao admitir a possibilidade da concomitância das duas causas
(RODRIGUES, 1986, p. 19).
Essa teoria, segundo Vidal (1989), sustenta interpretações - desde a
imperícia profissional até a necessidade de adequação do trabalhador ao posto de
trabalho - que correspondem a várias concepções: a culpabilidade, em que é ressaltada
a imperícia do trabalhador; a acidentabilidade, que supõe a existência de trabalhadores
acidentáveis, a predisposição aos acidentes, em decorrência de características
individuais, e a dicotomia entre fatores humanos e o ambiente de trabalho, na qual se
apóia a legislação brasileira vigente sobre acidentes de trabalho.
Em termos conceituais, mantém-se na legislação acidentária a doutrina da
responsabilidade objetiva, ou seja, a vítima deve ser reparada financeiramente pelo
dano, independentemente da culpa. Não se discute mais a culpabilidade, nem o risco
profissional e a figura do empregador como presumível responsável desaparece.
Subentende-se que a sociedade, através do Estado, deve arcar com os danos
ocorridos no exercício do trabalho. O empregador contribui apenas para o seguro
social, por meio de uma taxa acidentária diferenciada e proporcional ao risco
profissional de o trabalhador se acidentar ou adoecer. Atualmente, no entanto,
encontra-se em curso a discussão em torno do processo de privatização do Seguro
Acidente de Trabalho – SAT, que passaria a ser gerenciado por empresas seguradoras
privadas ou mútuas. As seguradoras privadas são entidades abertas com fins lucrativos
101
e as mútuas, entidades fechadas, de direito privado, sem fins lucrativos, cujo objetivo é
garantir a proteção e a indenização aos trabalhadores das empresas filiadas, tendo nas
suas instâncias deliberativas representantes dessas empresas e dos trabalhadores.
Segundo Freitas (2001), o que acabou acontecendo foi que, depois de muitas
discussões, o governo lançou no lugar do projeto original de privatização um
anteprojeto de lei elaborado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social
(MPAS), de cunho comercial, que dificulta a constituição de mútuas e confere a
companhias seguradoras a função de indenizar os trabalhadores que sofreram
acidentes e doenças advindas da atividade laboral, bem como a responsabilidade pela
atenção, recuperação e reabilitação do trabalhador vítima de acidente do trabalho.
A discussão das teorias que embasam a compreensão dos acidentes de
trabalho encontra um solo fértil para polêmicas tecnicistas, provocando um dualismo
superficial. Como exemplo, o caso da distinção entre acidente no trabalho e do
trabalho. O primeiro conceito assume o ambiente como potencializador de acidentes; o
segundo considera o acidente parte da atividade laboral, do trabalho em si. Os que
defendem a teoria do risco social tendem a usar a definição de acidente no trabalho,
por ser mais abrangente. Os adeptos da teoria do risco profissional adotam o conceito
de acidente do trabalho, por ser mais específico e apresentar maior visibilidade.
Ambiguamente, recorre-se ao conceito restritivo para amortecer gastos com o seguro
social e ao mais abrangente, para dissolver responsabilidades jurídicas e financeiras.
Em conseqüência, se nos deparam modelos fragmentados e ineficazes de abordagem
do acidente de trabalho.
Segundo Machado (1991), as políticas específicas, que influenciam a adoção
de uma ou outra teoria, podem ser demonstradas a partir do modelo brasileiro. Atua-se
em consonância com a teoria do risco social, ao contratar serviços por meio de
convênios especiais para assistência aos acidentados e apoiar políticas de controle de
acidentes por parte das próprias empresas. A Previdência Social, atualmente, ao adotar
a teoria do risco social, assume a parte onerosa – o pagamento dos acidentes com
afastamento superior a 15 dias - e delega às empresas as ações preventivas. Já o
Ministério do Trabalho, por sua vez, desenvolve toda uma regulamentação específica,
na qual fica clara a adesão à teoria do risco profissional. As empresas estabelecem
102
princípios de ação – prevenção de acidentes, comissões de trabalhadores etc -
concomitantes à criação e dimensionamento dos serviços de empresa de engenharia
de segurança e medicina do trabalho, numa perspectiva habitualmente tecnicista e
distante do trabalhador. Quanto ao Ministério da Saúde, até a década de 80,
desconhece a especificidade das repercussões do trabalho sobre a saúde. Por
influência do "movimento sanitário", a vigilância sanitária passa a incorporar questões
relativas à saúde do trabalhador e começam a surgir experiências regionais centradas
em seu enfrentamento no interior dos serviços de saúde. Com a Lei Orgânica de Saúde
(Brasil, 1988), que consagra o SUS – Sistema Único de Saúde - e fomenta a
implantação de programas voltados para essa temática, o acidente de trabalho, dada
sua magnitude, passa a ser um dos objetos prioritários dessas ações.
4.7 As formas de responsabilidade em matéria acidentária
Com efeito, é importante que se tenha clara a distinção entre as três formas
de responsabilidade em nossa legislação acidentária.
Cada uma delas parte de fundamentos legais diversos e se baseiam em
circunstâncias que não se comunicam.
São elas: 1) a responsabilidade objetiva do órgão de Previdência para com
os benefícios; 2) a responsabilidade subjetiva do empregador para com o acidentado ou
seus dependentes, quando aquele agiu com dolo ou culpa; e 3) a responsabilidade
subjetiva da empresa para com o órgão previdenciário, em regresso aquilo que foi pago
por este último ao beneficiário, nos casos em que aquela negligenciou as normas-
padrão de higiene e segurança do trabalho.
A responsabilidade do Seguro Social relativamente aos beneficiários
(segurados e dependentes) diz-se objetiva porque, em seu estágio atual (inaugurado,
no Brasil, desde a Lei n. 5.316, de 1967), funda-se no chamado risco social.
Este se funda, em breve, no princípio da solidariedade e pressupõe que
todos os membros da sociedade (e não exclusivamente o empregado ou a empresa),
representados pelo Estado, devem suportar as contingências sociais que afligem o
103
trabalhador, sempre que estas ocorram, independentemente da existência de culpa da
empresa.
Ela se baseia no seguro social, imposto pelo Estado e financiado por toda a
sociedade, direta ou indiretamente, se bem que, especificamente quanto aos acidentes
do trabalho, a Constituição determina que o seguro deve ser financiado exclusivamente
pelo empregador (art. 7º, XXVIII).
Seu objeto é o pagamento de prestações previdenciária, quer em dinheiro
(benefícios), quer em utilidades (serviços), que não têm, a rigor, natureza indenizatória:
destina-se à manutenção tanto quanto possível das condições de subsistência do
trabalhador e de seus familiares, verificadas antes da ocorrência do acidente.
Como é sabido, aqui não tem a menor relevância a perquirição de culpa das
empresas: comprovada a ocorrência de acidente do trabalho e a perda ou redução da
capacidade laborativa, paga-se a prestação cabível ao beneficiário.
A existência de culpa na ocorrência de acidente do trabalho só passa a ser
relevante se o acidentado, ou os seus dependentes, pleitearem, em face das empresas,
o pagamento de indenização com base na regra das formas de responsabilidade acima
elencadas. Esta se funda na existência de culpa da empresa (por isso é subjetiva),
independente do recebimento de benefício acidentário (vale dizer, pode ser cumulada
com este) e não visa ao recebimento de prestações previdenciárias, mas sim de
verdadeira indenização pelos danos causados pelo acidente.
Tal hipótese está atualmente prevista na Constituição Federal, entre os
direitos do trabalhador (precisamente no art. 7º, XXVIII, segunda parte: "sem excluir a
indenização a que este obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” e também na Lei
nº. 8.213/91 (art. 121).
Já no que pertine a responsabilidade subjetiva da empresa para com o órgão
previdenciário, em regresso aquilo que foi pago por este último ao beneficiário- nos
casos em que aquela negligenciou as normas-padrão de higiene e segurança do
trabalho, se funda na culpa da empresa, (CF, art. 7º, XXII; CL, Título II, Capítulo V -
especialmente arts. 157 e 158; e ainda, art. 19, § 1º, da Lei nº 8.213/91).
104
Encontra-se regulada expressamente desde a Lei nº. 8.213/91, que o fez por meio dos
artigos 120 e 121
66
.
Esta responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados ao
INSS a partir desses acidentes não podem e não devem ser suportados por toda a
sociedade, na medida em que, no risco repartido entre os membros da coletividade
(risco social), não se admite a inclusão de uma atitude ilícita da empresa que não
cumpre as normas protetivas da higiene e do ambiente de trabalho.
Depreende se que a finalidade dessas ações regressivas representam, num
primeiro momento, recuperação, para os cofres públicos do recuso acidentário
daqueles recursos que passaram a ser exigidos a partir da ocorrência dos eventos
sociais acidentários, que poderiam ser evitados, bastando, para isso que tivesse sido
cumprido dever legal de proteção ao local de trabalho.
E nesse caso, não se pode perder de vista que, sendo públicos os recursos
administrados pelo INSS, mais do que conveniente, mostrar-se mesmo necessário que
sejam ressarcidas todas e quaisquer despesas havidas a partir de acidentes para os
quais concorreu a inobservância, pelas empresas, de seu dever jurídico.
Afinal, se o INSS, enquanto órgão da Administração, exercer função, vale
dizer, tem o dever de fazer algo no interesse de outrem, age sempre tendo em vista a
coletividade que representa - formada pelo conjunto de todas as empresas contribuintes
e de todos os trabalhadores beneficiários do sistema de seguro acidentário - de modo
que tem que buscar o ressarcimento dos prejuízos causados pela empresa negligente,
como maneira de bem cumprir a finalidade de administração desse seguro público.
Assim, não cabe à sociedade arcar com um risco adicional, que advém do
descumprimento, muitas vezes ostensivo, da legislação tutelar do trabalho.
Além disso, num segundo momento, não se pode deixar de enxergar, na
vontade do legislador, a intenção de que venham a ser desestimuladas as práticas de
inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
66
"Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho
indicados para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os
responsáveis."
"Art. 121. O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a
responsabilidade civil da empresa ou de outrem."
105
O seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará para
que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador fiquem
acobertadas de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso
estímulo a esta prática socialmente indesejável.
Afinal em diversas passagens, a Constituição de 1988 deixa clara a
importância do trabalho e de seus valores sociais, como fundamento da ordem social
(art. 193, da ordem econômica (art. 170, caput) e da própria República (art. 1º, III e IV)).
Por isso é que iremos propor, no objeto de nossa tese, que a
responsabilidade do empregador por qualquer que seja o acidente de trabalho tipo ou
não e venha causar dano ao empregado que lhe afete a saúde causando neste
incapacidade laborativa permanente ou temporária de sua responsabilidade seja
sempre objetiva pois só assim tomará aquele as cautelas legais o que contribuirá para
diminuir sobremaneira o absurdo numero de acidentes de trabalho que hoje se verifica.
106
CAPÍTULO 5
DANO MORAL
5.1 Noção jurídica de dano moral
Desde o seu surgimento no mundo jurídico, o instituto do dano moral tem
provocado acesas polêmicas na doutrina e na jurisprudência, não só no Brasil, mas
também, em diversos outros ordenamentos jurídicos.
Contribuiu em muito para o acirramento dessa polêmica entre nós o fato de
que o direito civil pátrio não instituiu entre seus preceitos uma regra geral prevendo a
reparabilidade do dano moral. As normas referentes à indenização de danos morais
existentes no ordenamento civil, elaboradas numa época onde ainda predominava uma
concepção eminentemente individualista e tradicional do Direito, e imperfeitamente
elaboradas, contribuíram muito mais para a criação de cizânia entre os juristas do que
efetivamente para a justa resolução do problema.
O dano é o principal elemento necessário à configuração da
responsabilidade civil. Não pode haver responsabilidade sem dano efetivo.
Com efeito, buscamos em Mazeaud e Mazeaud (1947), que a certeza do
dano ou prejuízo se refere ao fato de que ele não deve ser simplesmente hipotético ou
eventual, mas objetivamente determinável sendo que De Cupis (1954) mostra, a
propósito, que "O direito não pode levar em conta as fantasias e as ilusões de eventuais
vantagens".
O dano civil pode ser conceituado como toda desvantagem que
experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra,
crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc.).
O dano abrange, em toda sua extensão, o que efetivamente se perdeu e
aquilo que, razoavelmente, se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante.
O conceito moderno de dano também não se limita mais ao dano patrimonial,
mas abrange também o dano moral.
107
A reparação do dano deve ser integral, se possível, com a restauração do
"status quo ante", isto é, devolvendo a vítima ao estado em que se encontrava antes da
ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal
desiderato, busca-se uma indenização em forma de pagamento de uma indenização
monetária.
Nosso antigo Código Civil de 1916 consagrava o princípio de que não existe
o dever de indenizar se não houver dano. O prejuízo deve ser certo, é a regra essencial
da reparação. O dano hipotético não justifica a reparação. Deve-se distinguir entre o
dano atual (damnun emergens) e o dano futuro (lucrum cessans). Deixaremos para
mais adiante analisarmos o que vem disposto no Código Civil de 2003.
Para autorizadamente se computar o lucro cessante a mera possibilidade
não basta, mas também não se exige a certeza absoluta. O critério acertado está em
condicionar o lucro cessante a uma probabilidade objetiva resultante do
desenvolvimento normal dos acontecimentos conjugados às circunstâncias peculiares
ao caso concreto.
O ressarcimento do dano se processa de duas formas: pela reparação
natural ou específica e pela indenização pecuniária.
Segundo Mazeaud e Mazeaud (1947), há duas espécies de dano moral.
Uma, refere-se à "parte social do patrimônio moral", a exemplo da honra, reputação,
consideração; outra, que diz respeito ao indivíduo, em suas afeições internas. Mas
reconhecem, no entanto, que suas características, qualquer que seja, destas duas
faces, o prisma sob o qual se o analise, são 1) a certeza e objetividade em sua
ocorrência e verificação e 2) a personalidade, vale dizer, a titularidade ou coincidência
entre o dano e aquele que demanda a sua indenização. No entanto, conforme
demonstra Casillo (1994) na reparação do dano deve prevalecer o princípio do "in dubio
pro creditoris" .
[...] a tendência deve ser no sentido contrário. Na dúvida, a atenção do julgador
deve voltar-se para a vítima, ainda que se corra o risco de que, por um excesso,
o ofensor indenize mais do que era devido. O risco inverso de a vítima receber
menos do que seria devido é que não pode ser admitido.
Há, entretanto, doutrina divergente. É o que se observa de Mendonça (1956)
o qual aponta quanto ao aspecto da honra, o que se busca reparar, no tocante ao dano
108
moral, não é nenhum prejuízo de ordem econômica, patrimonial, mas o sofrimento
íntimo do lesado. O que se busca atenuar é um desconforto interno, íntimo, nunca, por
exemplo, a reputação objetiva do indivíduo perante seus semelhantes, nunca a opinião
do público sobre a vítima. O que está em questão, a bem da verdade, é a violação, a
oposição de obstáculos à livre e normal expansão de nossa personalidade.
Como quer que seja, já que se trata de um tema polêmico desde o início em
que foi considerado, já se pode notar, com Savatier (1951), que à idéia de culpa, para
fins de responsabilidade civil por dano moral, está essencialmente conectada à idéia de
violação consciente de um dever imposto ao sujeito pela ordem jurídica e que cause um
mal evidente à vítima. Com efeito, para o tratadista francês, neste tópico especial, todo
ato culposo, em princípio, se causar um dano a terceiros, é um ato ilícito juridicamente
sancionável. No entanto, a responsabilidade civil ligada ao dano de natureza moral
exige três condições:
a) é necessário provar, desde logo, que se trata de um dever moral preciso e
de um objeto certo e determinado;
b) em seguida, é necessário que o dever moral se refira a um fato certo ou a
uma abstenção;
c) enfim, é imperioso que a inexecução do dever moral tenha causado um
dano a quem se diz prejudicado.
Ora, não havendo um decréscimo patrimonial, uma lesão ao patrimônio
econômico ou material da vítima, mas ao seu patrimônio ideal, a indenização que se
busca é meramente satisfatória, e não reparatória, pois não se pode negar, mesmo com
a evolução da doutrina e da jurisprudência, que é impossível avaliar economicamente a
extensão do desconforto ou do sofrimento moral que ela experimenta, em virtude da
ofensa à sua integridade psíquica. Nesse sentido decisão do Supremo Tribunal Federal,
em 1973.
67
Daí que encontramos na doutrina que para se configurar o dano moral é
necessário um sofrimento, seja moral ou físico, do paciente; que o mesmo resulte de
67
"[...] dano moral é um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida para o qual não se encontra urna
estimação perfeitamente adequada" e que a soma que se paga, a título de indenização, não importa
numa exata reparação (Recurso Extraordinário n. 69.754/SP Rel. em. Min. Thompson Flores. In:
Revista dos Tribunais, v. 485, p. 230)
109
lesão de um direito não patrimonial de que ele seja titular, não envolvendo perda
pecuniária
68
.
Penso que o dano moral, deve causar à pretensa vítima um mal estar
psíquico, um desconforto espiritual em virtude de um ato, comissivo ou omissivo,
daquele apontado como ofensor. A ofensa deve causar, no sujeito pretensamente
ofendido, uma modificação de suas emoções, de sua capacidade de situar-se no
mundo, uma agressão à sua capacidade de entender, sentir ou agir, imediatamente
derivada da situação causal. Mas, a dor que justifica a indenização por dano moral não
é qualquer estado emocional de que padeça quem o alega, mas deve ser de tal
intensidade que, projetando-se de sua dimensão espiritual para sua vida in concreto,
reflita em seu crédito, a prive da situação econômica de que antes gozava por não mais
estar capacitada ao trabalho, provenha de grave ofensa física, ou mesmo debilite a sua
resistência física, ou seja, “a dor deve retirar o indivíduo da normalidade de sua vida
para pior”, nas precisas palavras de Pontes de Miranda (1984).
5. 2 Conceito de dano moral
Como pode ser conceituado o dano moral? Há necessidade que se faça uma
incursão nas doutrinas estrangeira e brasileira para podermos observar se são
convergentes ou divergentes, se existem pontos comuns ou antagônicos, a respeito do
tema.
Para Savatier (1951) dano moral é todo sofrimento humano que não é
causado por uma perda pecuniária. Possui estes aspectos variados: pode-se reclamar
por um sofrimento físico, o pretium doloris; mais freqüentemente ainda a vítima sofre de
uma dor moral, em sua reputação, em sua autoridade legítima, em seu pudor, em sua
segurança e tranqüilidade, em seu amor-próprio, na integridade de sua inteligência, em
suas afeições etc.
68
Cf. MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Verbete: Dano moral. In: SANTOS, J. M. Carvalho; DIAS,
José de Aguiar (Org.). Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de janeiro: Borsoi, v. 14. p.
242-248.
110
Para Minozzi (1917, p. 157) a distinção entre dano patrimonial e dano não
patrimonial (dano moral) se refere aos danos em seus efeitos, sobre a pessoa que os
sofre:
La distinzione del danno in patrimoniale ed in non patrimoniale son si riferisce al
danno nella sua origine, ma al danno nei suoi effetti. Quando paleremo di danni
che non ledono il patrimonio della persona. Il contenudo di questi danni non é il
danaro, nè una cosa comercialmente riducibile in danaro, ma il dolore, lo
spavento, l’emozione, l’onta, lo strazio fisico o morale, in generale una dolorosa
sansazione provata dalla persona, attribuendo alla parola dolore il più largo
significato.
A fundamentação filosófica para a exigibilidade da reparação do dano moral
é magistralmente fundamentada por Von Ihering (1987, p. 176) na idéia de que a lesão
de direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário (dano patrimonial) mas
representa sobretudo uma ofensa ao sentimento de justiça que necessita de reparação:
Limito-me a indicar dois desvios de nossa jurisprudência - é precisamente este
o termo que devo usar. Trata-se de desvios fundamentais, que representam
verdadeiras sementeiras de injustiças.
Um deles consiste no abandono completo, pela jurisprudência moderna, da
idéia tão simples, por mim desenvolvida, de que a lesão de direito põe em jogo
não apenas um valor pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de
justiça, que exige reparação. O padrão pelo qual se medem todas as coisas é
exclusivamente o do materialismo mais rasteiro e desolador, o do interesse.
Assume relevo, portanto a idéia de que a ofensa moral, fundada num
sentimento de justiça, se traduz num dano efetivo, embora não patrimonial, atingindo
valores internos e anímicos da pessoa. Não se trata assim de pena, como punição ao
ofensor, e sim reparação ou compensação ao ofendido.
No Brasil quem primeiro tratou do dano moral foi o Supremo Tribunal
Federal. Com efeito, na década de 20, o eminente Min. Pedro Lessa, relatando a Ação
Cível. nº. 3.585, já definira o dano moral como aquele que afeta "a honra, a liberdade, a
amizade, a afeição e outros bens morais, mais valiosos do que os econômicos".
69
Dias (1995)
70
citando Minozzi, assevera que o dano moral não é o dinheiro
nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a
vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada
pela pessoa, atribuído à palavra dor o mais largo significado.
69
In: Revista Forense, v. 37, p. 202.
70
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. 2 v. p. 730.
111
Pamplona Filho (1998) sustenta que o dano moral consiste no prejuízo ou
lesão de interesses e bens, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente
redutível a dinheiro. Afirma que o dano moral é aquele que lesiona a esfera
personalíssima da pessoa, violando a intimidade, vida privada, honra e imagem, bens
jurídicos tutelados constitucionalmente.
Santos (2000, p. 32) após fazer um estudo da moral através dos tempos
mostrando que esta varia de acordo com a sociedade em que se vive vindo desde a
moral grega mostrando que as idéias de Sócrates, Platão e Aristóteles estão
relacionadas com a existência de uma comunidade democrática limitada e local (o
Estado-cidade ou polis), até chegar a moral contemporânea conceitua o dano moral
como “uma lesão a um indivíduo, proveniente de ato ilícito que recai sobre seu
patrimônio extrapatrimonial, isto é, aquele conjunto de princípios, valores intrínsecos,
que constituem a segunda natureza do indivíduo lesado e que se aloja no mais
recôndito do seu ser”.
Mais recentemente, o eminente Min. Francisco Rezek, assim se manifestou:
Penso que o que o constituinte brasileiro qualifica como dano moral, é aquele
dano que se pode depois neutralizar com uma indenização de índole civil,
traduzida em dinheiro, embora a sua própria configuração não seja material.
Não é como incendiar-se um objeto ou tomar-se um bem da pessoa. É causar a
ela um mal evidente.
71
Isso significa que deve ser evidente o mal causado à intimidade, à vida
privada, à honra e à imagem de quem alega ter sofrido um dano moral. Não basta
alegar simplesmente a dor psíquica, afetiva ou emocional. É preciso que o juiz disponha
de alegações sérias e objetivas para que possa avaliar se realmente aquele que a
alega está mesmo a experimentar um desconforto psíquico, e não a expor meros
caprichos. Como bem afirma Cunha Gonçalves (1957, p. 547): "A reparação não é
devida a quaisquer carpideiras. Não basta fingir dor, alegar qualquer espécie de mágoa;
há gradações e motivos a provar e que os tribunais possam tomar a sério".
O dano moral pode ser direto ou indireto. É direto quando lesiona um
interesse tendente à satisfação ou gozo de um bem jurídico não patrimonial. Os danos
morais são diretos quando a lesão afeta um bem jurídico contido nos direitos da
71
Voto-Vista no RE 172.720/RJ. STF, 2ª Turma (DJU 21.02.97). In: Lex-JSTF, v. 224, p. 215 (esp. p.
222).
112
personalidade, como a vida, a integridade corporal, a honra, a própria imagem ou então
quando atinge os chamados atributos da pessoa, como o nome, a capacidade, o estado
de família. Como preleciona Zannoni (1982, p. 165):
"[...] el menoscabo afecta poderes de
actuación en la esfera subjetiva para la preservación de ciertos bienes jurídicos existenciales
que exigen respeto. En la segunda hipotesis, el menoscabo afecta a cualquiera de los
presupuestos de la categoria jurídica de la persona".
Já o dano moral indireto ocorre quando afeta um bem ou interesse de
natureza patrimonial “quando há uma lesão específica e que de modo reflexo, produz
um prejuízo na esfera extrapatrimonial, como é, por exemplo, o caso de furto de um
bem com valor afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, rebaixamento funcional
ilícito do empregado, que, além do prejuízo financeiro, traz efeitos morais lesivos ao
trabalhador” (PAMPLONA FILHO, 1998, p. 37).
5.3 Direito comparado
5.3.1 Direito Francês
O Código Civil francês consagrou a responsabilidade civil em sentido amplo
ao dispor em seu art. 1382: "Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autre un
dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, a le réparer"
72
Nessa fórmula ampla se fundamentou a sustentação dos pleitos de
reparação por danos morais.
A jurisprudência francesa sempre reconheceu o direito à reparação de danos
pelo prejuízo de ordem moral resultante, por exemplo, de propostas ou de escritos
injuriosos ou difamatórios, da ruptura injustificada de uma promessa de casamento, de
uma sedução dolosa, de um divórcio.
Ela hesitou muito, durante longo tempo, a admitir que a perda de afeição, a
dor moral que causa aos parentes próximos o desaparecimento de um ente querido,
pudesse dar abertura a uma ação de danos-interesses fundada no art. 1382. As
primeiras decisões que se pronunciaram nesse sentido subordinavam a aceitação da
72
Code Civil Français. Paris: Jurisprudence générale Dalloz, 1977.
113
ação pelos tribunais à existência de uma obrigação alimentar entre a vítima e o
demandante.
O leading case dessa nova orientação foi o pronunciado no caso Lejars c.
Consorts Templier em 13 de fevereiro de 1923, no qual o Tribunal reconheceu que
tendo sido o sr. Templier mortalmente ferido por um cavalo que pertencia ao sr. Lejars
era devido aos três filhos e à filha de Templier uma indenização compreendendo além
do prejuízo material, a indenização do dano moral resultante da dor provocada nos
menores pela morte de seu pai:
d’exercer contre l’auteur de ‘Attendu que Templier ayant été mortellement
blessé par un cheval qui appartenait à Lejars, l’arrêt attaqué a condamné celui-
ci , par confirmation du jugement, à payer aux trois fils et à fille de Templier une
indemnité comprenant, en autre du préjudice matériel, le dommage moral
résultant de la douleur qu’éprouvent les enfants par la mort de leur pére; qu’en
statuant ainsi, il n’a pas violé l’art. 1382 c. civ., visé au moyen; qu’en effet, cet
article, d’aprés lequel quiconque par sa faute cause à autri un dommage est
obligé de le réparer, s’applique, par la generalité de ses termes, aussi bien au
dommage moral qu’au dommage matériel.
Par suite, c’est à bon droit qu’un arrêt décide que la douleur éprovée par les
enfants d’une personne, morte victime d’un accident, suffit, en l’absence de tout
préjudice matériel, pour permettre à ces enfants l’accident une action en
dommages-intérêts’. (CAPITANT, 1973, p. 163).
Posteriormente, a Corte de Cassação decidiu que, ainda que o art. 1382 do
Código Civil se aplicasse tanto ao dano moral quanto ao dano material, a ação de
indenização, intentada à razão somente do prejuízo moral, deveria se fundar sobre um
interesse de afeição nascido de um laço de parentesco ou de uma aliança que unisse a
vítima do fato danoso àqueles que demandavam a reparação.
Essa condição excluía a ação em reparação do prejuízo moral intentada
pelos noivos. Contraditoriamente, certas decisões de cortes civis reconheceram que
proprietários de animais, em condições especiais, tinham direito à reparação do
"prejuízo de ordem subjetiva e afetiva" que lhes causaram a morte dos animais.
Aos poucos uma evolução se desenha num senso mais favorável à
reparação do prejuízo moral: acatando a reparação do dano causado à uma pessoa
pelo falecimento de seu noivo; tratando a "mãe de fato" como "mãe de direito";
reconhecendo o direito da esposa putativa aos danos-interesses, sem se limitar a
justificar a solução pela não-retroatividade da nulidade; reparando o prejuízo moral
sofrido por um pupilo em decorrência da morte de seu tutor.
114
A jurisprudência dos tribunais, sempre conservadora, tentou erguer uma
outra barreira contra a multiplicação das ações. Nos casos em que somente a vítima é
ofendida, a Corte de Cassação primeiramente decidiu que os parentes não poderiam
demandar reparação dos prejuízos morais que lhes causaram os sofrimentos de um
ente querido. Mas, posteriormente, a Câmara Cível se pronunciou em sentido contrário.
Todavia, após essa reviravolta, ela não mais admitiu a ação de reparação senão nos
casos em que os terceiros, mais freqüentemente o pai e a mãe, sofreram um prejuízo
moral de natureza excepcional.
Essa concepção restritiva foi finalmente descartada por um acórdão de 8 de
dezembro de 1971 pronunciado pela 2ª Câmara Cível da Corte de Cassação,
invalidando um acórdão de uma Corte de Apelação que tinha recusado ao marido
reparação de seu prejuízo moral em conseqüência de um acidente de trânsito do qual
sua esposa havia sido vítima, por não ter ele provado que "a natureza dos ferimentos
de sua esposa tinham acarretado um distúrbio na paz e no equilíbrio do casal". A Corte
de Cassação enunciou, em consideração de princípio, que o art. 1382 do Código Civil,
"pela generalidade de seus termos se aplica tanto ao dano moral quanto ao dano
material; é preciso e é suficiente que o dito dano seja pessoal, direto e certo".
A jurisprudência atual da Câmara Criminal parece, todavia ainda hostil a este
gênero de ações, considerando o prejuízo invocado como indireto.
A jurisprudência administrativa durante longo tempo foi muito mais restritiva
que a jurisprudência civil. Certamente ela não recusava sistematicamente a reparação
do prejuízo moral: assim, o Conselho de Estado acordava danos-interesses a todos os
casos onde o prejuízo moral consistia em um prejuízo corporal (sofrimentos etc.) ou em
um atentado a crenças. Mas por muitos anos essa jurisprudência considerou o prejuízo
de afeição como insuscetível de valoração; finalmente o Conselho de Estado admitiu,
mesmo nesse domínio, a reparação do dano moral.
5.3.2 Direito italiano
O Código Civil italiano de 1865, seguindo a trilha traçada pelo Código
Napoleão, também previa a reparação dos danos em termos amplos: "art. 1151 -
115
Qualum que fatto dell’uomo che arrecadanno ad altri, obbliga quello per colpa del quase
à avvenuto a risarcire il danno".
73
Também o Código Penal previa a ampla reparação dos danos causados,
patrimoniais ou não patrimoniais, ao prever em seu art. 185: "Ognireato, che obbia
cagionato un danno patrimoniale o non patrimoniale, obbliga al risarcimento il colpevole
e le persone che, a norma delle leggi civili, debbono rispondere per il fatto di lui".
74
Com o advento do Código Civil de 1942 a reparação do dano moral
restringiu-se tão-somente aos casos previstos em lei, por força do art. 2059: "Art. 2059 -
Danni non patrioniali Il danno non patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi
determinati dalla legge"
75
.
Embora tal artigo representasse certo retrocesso em relação aos amplos
termos da reparação de danos do Código anterior, teve o mérito de tornar certa a
obrigação de reparação por dano moral, pela consagração legislativa.
Não obstante isso, o Código Civil de 1942 também sufragou a regra geral de
reparação dos danos injustos, ou seja, derivados de fatos ilícitos (art. 2043) o que tem
permitido o alcance maior de diferentes hipóteses submetidas aos tribunais: "Art. 2043 -
Risarcimento per fatto illecito Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un
danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno".
5.3.3 Código civil alemão
O princípio da reparação por fatos ilícitos foi consagrado no art. 823 do
Código Civil alemão de 1900 (BGB), prevendo-se a sua aplicação em atentados contra
a vida, ao corpo, à saúde, à liberdade, à propriedade e a todos os direitos de outrem,
bem como em hipóteses de violação de lei que proteja outra pessoa:
§ 823 - Principes
Celui qui, à dessein ou par négligence,se illégalement la vie, le corps, la
liberté, la proprieté ou tout autre droit d’une autre personne est tenu envers
celle-ci de réparer le dommage cause.
73
CODICE Civile de Regno d’Itália: 1865 Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.
74
CODICE Penale de Regno d’Itália – Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.
75
CODICE Civile d’Itália – Milano: Editore Ulrico Hoepli, 1979.
116
La même obligation incombe à celui qui transgresse une loi faite en vue de
protéger une autre personne. Si, d’après la teneur de la loi, la transgression est
possible même sans faute, l’obligation de réparer le dommage n’a lieu qu’en cas
de faute.
76
Tal regra geral de obrigação de reparação dos danos causados à vida, ao
corpo ou à liberdade dos indivíduos já era corrente no direito germânico, tendo sido
adotado no direito civil prussiano (Landrecht, I.6, § 132-136), no Código Civil austríaco
de 1812 (C. austr. art. 1329) no Código do Estado de Saxe (C. Saxe, art. 1497 e 1498)
e nos Projetos de Códigos Civis dos Estados de Hesse (arts. 666-668), Baviera (arts.
945 e 941-943) e Dresden (arts. 1011-1012).
Também nos casos de difamação, aquele que, contrariamente à verdade,
afirmasse ou divulgasse um fato destinado a lesar um outro, de alguma maneira, em
seus bens ou em sua existência, ficava obrigado a reparar o dano causado, mesmo se
ignorasse, mas devesse conhecer, a inexatidão do fato afirmado ou divulgado (BGB, §
824).
O dano moral decorrente de uma sedução também devia ser reparado:
aquele que mediante malícia enganosa, ameaça ou abuso de uma relação de
subordinação, determinasse a uma mulher ou filha em consentir em coabitação
extraconjugal, era obrigado a reparar o dano causado (BGB, § 825).
O direito civil alemão também adotou a cláusula geral de obrigação de
reparação dos danos resultantes de atos ilícitos, nos seguintes termos: "§826 - Actes
contraires aux bonnes moeurs Celui qui, contrairement aux bonnes moeurs, cause
intentionellement du dommage à une autre personne est obligé envers celle-ci à la
reparation du dommage"
O dano moral apresenta-se, em alguns casos, mormente os decorrentes de
direitos da personalidade, como um direito personalíssimo, que não pode se estender
além da esfera de reivindicação do ofendido:
§ 1300 - Droits de la fiancée deflorée
Lorsqu’une fiancée sans reproche a permis à son fiancé de coabiter avec elle, si
les conditions de l’art. 1298 ou de l’art. 1299 sont réunies, elle peut exiger un
dédommagement équitable en argent, même pour le dommage qui n’est pas
causé à ses biens.
76
CODE Civil Allemand et Loi d’introduction - traduit et annotés par O. de Meulenaere. Paris: Librarie A.
Marescq, 1987.
117
Ce droit n’est pas transmissible et ne passe point aux héritiers, à moins qu’il
n’ait été reconnu par contrat ou ne fasse l’objet d’une instance pendante.
No BGB foi fixado o princípio da reparação do dano moral, em seu § 253,
embora este restrinja também a reparação dos danos não patrimoniais aos casos
expressamente fixados em lei:
"§ 253 - Dommages-interêts: S’il s’agit d’un dommage qui
n’est pas pécuniaire, la réparation en argent ne peut être exigée que dans les cas déterminés
par la loi"
A jurisprudência alemã, porém vem dando a este parágrafo uma
interpretação extensiva, admitindo apenas a limitação de indenização pecuniária
obrigatoriamente contida em norma legal, mas não uma restrição legal quanto à
reparação específica.
5.3.4 Direito português
Conforme Canotilho (1974, p. 186) o Direito português, de longa data,
admitiu a reparação dos danos morais, quando expressamente previstos em lei. Como
dispuseram as Ordenações Filipinas, Livro III, Título 86:
E se o vencedor quiser haver, Não somente a verdadeira estimação da causa,
mas, segundo a afeição que a ela havia, em tal caso jurará ele sobre a dita
afeição, e depois do dito juramento, poderá o Juiz taxa-la, e segundo a dita
taxação assim se condenará o réu e fará a execução em seus bens.
Aponta, também, que Constituição da República Portuguesa promulgada em
1933, em seu art. 8º, nº. 17, declarou: “art. 8º - É garantia dos cidadãos portugueses:
XVII - o direito de reparação de toda lesão afetiva, conforme dispuser a lei, podendo
esta, quanto à lesões de ordem moral, prescrever que a reparação seja pecuniária".
O Código Civil português de 1966
77
expressamente consagrou em seu art.
483º o princípio da ampla reparação de danos:
Artigo 483º - Princípio geral
1 – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem
ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2 - Só existe obrigação de indenizar independentemente de culpa nos casos
especificados em lei.
77
CÓDIGO Civil Português: Decreto-lei nº 47.344 de 25 de novembro de 1966. Coimbra: Coimbra
Editora, 1994.
118
O artigo 487º consagra a teoria da culpa ao dispor
1 – É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo
presunção legal de culpa.
2 – A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um
bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Já no artigo 493º, ao dispor por danos causados no exercício de uma
atividade dispõe no n. 2 que.
2 – Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por
sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a
repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providencias exigidas
pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
O art. 496 do mesmo Código expressamente se refere à reparação dos
danos não patrimoniais, fixando inclusive critérios para a referida reparação:
Artigo 496º - Danos não patrimoniais:
1 - Na fixação da indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que,
pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito de indenização por danos não patrimoniais
cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e
aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros
ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - O montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo tribunal, tendo
em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso
de morte podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela
vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indenização nos termos do
número anterior.
Outra previsão relevante do ordenamento português é a referida no art. 484
que dispõe sobre a obrigação de reparação no caso de afirmação ou difusão de fato
prejudicial ao crédito ou ao bom nome de outrem: "Art. 484 - Ofensa do crédito ou do
bom nome. Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom
nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados"
5.3.5 Outros ordenamentos
O Código Civil argentino, inspirado no Esboço de Teixeira de Freitas,
prescreveu a reparação por atos ilícitos e por inexecução de obrigações, nele
compreendendo-se, textualmente, os agravos morais sofridos pela vítima
78
:
Art. 522 - En los casos de indemnización por responsabilidad contractual el juez
podrá condenar al responsable a la reparación del agravio moral que hubiere
78
CÓDIGO Civil de la Republica Argentina. Buenos Aires: Víctor P. de Zavalía, 1981.
119
causado, de acuerdo con la índole del hecho generador de la responsabilidad y
circunstancias del caso.
Art. 1078 - La obligación de resarcir el daño causado por actos ilícitos
compreende, además de la indemnización de pérdidas e intereses, la
reparación del agravio moral ocasionado a la víctima.
La acción por indemnización del daño moral sólo competerá al damnificado
directo; si del hecho hubiere resultado la muerte de la víctima, únicamente
tendrán acción los herderos forzosos.
Tais dispositivos foram introduzidos no direito civil argentino pela Reforma de
22 de abril de 1968, efetuada pela Lei nº. 17.711/68. A modificação tornou supérfluas
certas discussões doutrinárias entre os juristas argentinos, cujas conclusões, alguns
autores brasileiros não atentos às modificações da legislação portenha, ainda insistem
em tomar por atuais (ITURRASPE, 1991).
O Código Civil mexicano, de 1932, prevê que, independentemente de danos
e prejuízos, pode o juiz fixar indenização eqüitativa como reparação moral à vítima de
ato ilícito, ou à sua família
79
:
Art. 1916 - Independientemente de los daños y prejuicios, el juez puede
acordar, en favor de la víctima de un hecho ilícito, o de sua família, si aquélla
muere, una indemnización equitativa, a título de reparación moral, que pagará
el responsable de hecho. Esa indemnización no podrá exceder de la tercera
parte de lo que importe la responsabilidad civil.
O Código do Uruguai dispõe de forma clara e induvidosa a obrigatoriedade
ampla e geral da reparação:
Art. 1319 - Todo hecho ilícito del hombre que causa a un daño, impone a aquél
por cuyo dolo, culpa o negligencia ha sucedido, la obligación de repararlo.
Cuando el hecho se ha cumplido con dolo, esto es, con intención de dañar,
constituye un delito, cuando falta esa intención de dañar, el hecho ilícito
constituye un quasi-delito. En uny en otro caso el hecho ilícito puede ser
negativo, según que el deber infringido consista en hacer o no hacer
(ARAMENDIA, 1946, p.36).
Acrescenta mais Aramendia que a menção da palavra dano, sem qualquer
adjetivação, deve ser entendida em sentido amplo, genérico, abrangendo qualquer tipo
de dano. Buscou inspiração para esse artigo o direito uruguaio no art. 1382 do Código
Civil francês onde a reparação do dano se entende em termos amplos, como ressalta
em diversas ocasiões a jurisprudência francesa.
79
CODIGO Civil de México. México, D.F: Editorial Porrua, 1955.
120
5.4 Reparação do dano moral: a evolução histórica no Brasil
5.4.1 O código de Teixeira de Freitas
A idéia da reparação integral do dano já estava em germe na obra de
Augusto Teixeira de Freitas e, particularmente, em seu Esboço do Código Civil, de
1864. Teixeira de Freitas previu a ocorrência de dano em termos amplos, atribuindo
neste conceito não só as ofensas ao patrimônio da vítima, mas também as relativas à
sua própria pessoa:
Art. 828 - Haverá dano, sempre que se causar a outrem (arts. 298 e 300) algum
prejuízo suscetível de apreciação pecuniária; ou diretamente nas coisas do
domínio, posse ou detenção do prejudicado; ou indiretamente pelo mal feito à
sua pessoa, ou a seus direitos e faculdades (FREITAS, 1983, p. 255).
Em outro artigo de seu Esboço, previu especificamente, nos casos de
estupro ou de rapto, a obrigatoriedade de pagamento de indenização como dote para a
ofendida, no caso de não ocorrência de casamento, o que pode ser considerado como
uma aceitação tácita da reparação dos danos morais neste caso:
Art. 3646 - Se o delito for de estupro ou rapto, a indenização consistirá somente
no pagamento de uma quantia para dote da ofendida, conforme a sua condição
for, a não se seguir o casamento.
É extensiva esta disposição, quando o delito for de cópula carnal por meio de
violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta; ou de sedução de mulher
honesta, menor de 17 anos, com a qual se tenha cópula carnal (FREITAS,
1983, p. 255).
Também em relação à injúria o Esboço previa a obrigatoriedade de
reparação dos danos, inclusive morais, desde que estes fossem efetivos e apreciáveis
em dinheiro: "Art. 3647 - Se o delito for de calúnia ou de injúria de qualquer espécie, o
ofendido só terá direito a exigir uma indenização pecuniária, se provar que da calúnia
ou injúria lhe resultou efetivamente algum dano, ou cessação de lucro, apreciável em
dinheiro".
Segundo Bittar (1989, p. 93), a amplitude com que Teixeira de Freitas inseriu
"os efeitos decorrentes de delitos e a técnica da determinação estipulada demonstram a
compreensão, em seu bojo, da reparação dos danos morais".
121
5.4.2 O Código de 1916
No Código Civil brasileiro, promulgado em 1916, as regras gerais de
responsabilidade (arts. 159, responsabilidade por danos extra-contratuais, e 1056,
responsabilidade por danos contratuais) são de caráter amplo e aberto, permitindo-se
entender que compreendem os danos morais, especialmente diante da explícita
previsão de certas hipóteses delituosas em que se ferem aspectos da moralidade e da
afetividade pessoais (arts. 1537 e ss.) (ALVES, 1917).
Além disso o Código destacava a possibilidade do interesse moral embasar a
postulação judicial (art. 76) ainda que essa postulação em juízo se achasse limitada ao
autor e sua família.
Beviláqua (1953, p. 183), comentando esse artigo 76, expressa a sua
convicção de que a obrigatoriedade de reparação abrange necessariamente o dano
moral:
Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que
tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro.
É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e,
não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em
dinheiro o interesse de afeição e os outros interesses morais.
Este artigo, portanto, solveu a controvérsia existente na doutrina, e que, mais
de uma vez repercutiu em nossos julgados.
O Código de 1916 também assentava hipóteses casuísticas em que o dano
moral seria reparável. Como no caso da vítima sofrer ofensa corpórea que deixe lesão
ou deformidade; no de ser ofendida mulher jovem e solteira, ainda capaz de casar
(Código Civil, art. 1538). Nesses casos o próprio legislador assenta a concessão de um
pagamento à vítima, a título de reparação pelo dano sofrido, ignorando o fato do ato
lesivo ter atingido o patrimônio, isto é, cogitando da reparação sem dano patrimonial.
Partindo da idéia expressa no art. 76 e considerando também os inúmeros
dispositivos específicos onde o Código prevê reparações por danos morais (Código
Civil, arts. 1537, 1538, 1543, 1548, 1549 e 1550), Pereira (1972) conclui que o princípio
da reparação por dano moral encontra guarida no ordenamento brasileiro. Lamenta ele
a falta de uma norma genérica textualmente assecuratória da reparação por dano
122
moral, mas conclui que, nem por isso, uma interpretação sistemática do direito positivo
brasileiro autoriza uma conclusão contrária.
Aduz ainda à sua argumentação o fato de que o Código de
Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27.8.62, art. 81), autorizou explicitamente a
indenização por dano moral ao ofendido por calúnia, difamação ou injúria, cometidas
por via de modificação, fixada no mínimo de cinco e no máximo de cem vezes o salário
mínimo.
5.4.3 Os projetos legislativos anteriores ao Código de 2002
As diversas tentativas de reforma do Código Civil Brasileiro de 1916
trouxeram novas luzes à questão ao consagrar em seus dispositivos a necessidade
expressa de reparação dos danos morais.
O Anteprojeto do Código de Obrigações de 1941 elaborado pela comissão
integrada pelos professores Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann
Guimarães deu prioridade à matéria obrigacional em função da unificação dos preceitos
que passariam a reger todas as relações de ordem privada. Caracterizava a proposição
o intuito de proceder a uma "defesa extrema da boa fé", o anseio de "coibir os abusos
egoísticos" e a busca da "verdadeira liberdade das partes na formação do vínculo e na
sua execução, tendo em vista os interesses da ordem social". O Anteprojeto previa um
capítulo específico referente à reparação civil (Título I, Capítulo VI) e previa
expressamente a reparação decorrente de dano moral, embora esta devesse ser
limitada:
Art. 181 - Além da que for devida pelo prejuízo patrimonial, cabe a reparação
pelo dano moral, moderadamente arbitrada.
Art. 182 - Não ocorrendo prejuízo patrimonial ou sendo insignificante, será o
autor do ato lesivo condenado a pagar soma em dinheiro, nos termos do artigo
anterior (BRASIL, 1989, v. 1).
Era o reconhecimento da doutrina, já na década de 40, da obrigatoriedade da
reparação dos danos morais.
Em 1963 surge o Anteprojeto do Código Civil elaborado pelo Professor
Orlando Gomes e posteriormente revisto por uma comissão composta pelo próprio
Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Orosimbo Nonato.
123
Não tratou esse Anteprojeto da reparação por dano moral, diante da idéia então
dominante de edificar-se codificação apartada para o Direito das Obrigações.
Entretanto, explicitou, pela primeira vez em nosso Direito, os chamados direitos da
personalidade, prevendo a ampla possibilidade de indenização destes nos casos de
violação:
Art. 28 - Direitos da Personalidade
O direito à vida, à liberdade, à honra, e outros reconhecimentos à pessoa
humana são inalienáveis e intransmissíveis, não podendo o seu exercício sofrer
limitação voluntária.
Parágrafo único - Quem for atingido ilicitamente em sua personalidade pode
exigir que o atentado cesse e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de
sanções de outra natureza.
Vinculado ao Anteprojeto do Código Civil do Prof. Orlando Gomes surge o
Anteprojeto do Código de Obrigações do jurista Caio Mário da Silva Pereira. Em sua
Exposição expressou o autor a convicção de haver introduzido no Anteprojeto "aquelas
inovações necessárias a que os direitos civis possam exercer-se em respeito aos
ditames da consciência coletiva, e sem que se proporcione a situação já hoje
injustificável de acentuar a predominância econômica dos poderosos contra os
desvalidos".
Neste, o jurista mineiro insere título sobre responsabilidade civil (arts. 914 a
952), prevendo, de modo explícito, que o dano moral seria ressarcido
independentemente de dano material: "Art. 916 - O dano moral será ressarcido,
independentemente do prejuízo material. [...] Art. 942 - No caso de dano moral, haja ou
não haja prejuízo material, o juiz arbitrará moderadamente a indenização, invocando
inclusive a eqüidade”.(BRASIL, 1989, v. 3).
Também aqui se encontra presente a idéia de limitação da reparação dos
danos morais.
Em 1965 o Presidente da República envia ao Congresso Nacional o Projeto
de Lei nº 3.264/65 que estabelece o Código de Obrigações, com base no Anteprojeto
do Prof. Caio Mário, revisto por uma comissão integrada pelo próprio Caio Mário,
Orosimbo Nonato, Theophilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes e
Nehemias Gueiros. Previa este, na trilha do texto anterior, título próprio para a
responsabilidade civil (arts. 854 e ss.), referindo-se, por expresso, à reparabilidade do
dano moral: "Art. 856 - O dano, ainda que simplesmente moral, será também
124
ressarcido. Art. 879 - No caso de dano simplesmente moral, o juiz arbitrará moderada e
eqüitativamente a indenização". (BRASIL, 1989, v. 4).
O Anteprojeto traz uma modificação inovadora, ao estabelecer que o dano
ainda que simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio do agente, deverá ser
também objeto de reparação, solucionando antiga controvérsia doutrinária. Como
expressam seus autores no Relatório da Comissão Elaboradora: "Dentro do conceito
amplo e moderno em que se põe o princípio da responsabilidade, não poderia deixar o
Projeto de, explicitamente, mencionar a reparação do dano simplesmente moral (art.
856) cuidando de o determinar, com o advérbio que alude ao que o é simplesmente,
para assim afastar a controvérsia se a reparabilidade do dano moral se ressente da
falta de repercussão no patrimônio do agente".
Este Projeto, entretanto não logrou transformar-se em lei. Por força de
mensagens do Poder Executivo foi, em 1967, retirado para reexame do assunto.
Em 1972 surge um novo Anteprojeto do Código Civil formulado por uma
comissão nomeada pelo Ministério da Justiça em 1969, supervisionada por Miguel
Reale e integrada pelos juristas José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim,
Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro.
A reparação dos danos era prevista nos seguintes termos: "Art. 187 - Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que simplesmente moral, comete ato ilícito". (BRASIL, 1989, v. 5,
t. 2).
Por fim, ainda sob a regência de Miguel Reale, fez-se a revisão do texto
mencionado, chegando-se a Projeto de Lei, oferecido ao Congresso Nacional sob o n
634-B, em 1975. (BRASIL, 1989, v. 5, t. 1).
5.4.4 A responsabilidade civil no Código Civil de 2002
O novo Código Civil, trazido à vida política da nação brasileira a partir da
publicação da Lei 10.406, de 11.01.2002, trouxe relevantes inovações no âmbito da
responsabilidade civil, quer no tocante à responsabilidade contratual, quer no que diga
125
respeito à responsabilidade extracontratual, aquiliana ou delitual. Sem falar nas novas
hipóteses de responsabilidade civil objetiva.
A responsabilidade civil contratual é a que decorre do inadimplemento total
ou parcial de um contrato. As obrigações devem ser cumpridas – o adimplemento é a
regra, e o inadimplemento, levou Diniz (1990-1991, p. 296), citando Valverde y
Valverde, a dizer que “a exceção, por ser uma patologia no direito obrigacional, que
representa um rompimento da harmonia social, capaz de provocar a reação do credor,
que poderá lançar mão de certos meios para satisfazer o seu crédito”. Quem
descumpre a sua parte na relação obrigacional, em princípio, estará obrigado a
indenizar o outro pelos prejuízos sofridos em virtude do inadimplemento. Esse tipo de
responsabilidade, já que conseqüência de uma ação ou omissão de um dos
contratantes, via de regra está baseada na culpa, vale dizer, é responsabilidade
subjetiva. A culpa de quem descumpre o contrato é presumida, cabendo ao devedor
comprovar a ocorrência do caso fortuito ou da força maior. Não havendo culpa, não
existirá a obrigação de indenizar, salvo se o contrato contiver cláusula expressa
obrigando o inadimplente a indenizar o caso fortuito e a força maior. Ou seja, mesmo
em se verificando tais situações excepcionais, ainda assim pode o inadimplente vir a
ser compelido a indenizar. Nas obrigações de dar coisa incerta, por exemplo, o devedor
não pode alegar força maior ou caso fortuito para se furtar ao cumprimento da
obrigação (CC/2002, art. 246). O devedor também estará obrigado a indenizar a força
maior ou o caso fortuito sempre que houver por eles se responsabilizado
expressamente (CC/2002, art. 393), ou ainda quando tais eventos se manifestarem
após a mora do devedor (CC/2002, art. 399). O novo Código Civil trata da
responsabilidade contratual nos arts. 389 e seguintes. Se o descumprimento da
obrigação for parcial, vale dizer, o devedor cumpre a obrigação, mas não no tempo e
modo acertados, verifica-se a mora, tratada nos arts. 394 a 401.
Já a responsabilidade civil extracontratual pode estar fundada na culpa ou
não. No primeiro caso, estamos falando da responsabilidade subjetiva, como dito
anteriormente. No segundo, estaremos diante da responsabilidade objetiva, onde a
obrigação de indenizar independe de existir ação culposa do agente causador do dano.
Na responsabilidade aquiliana subjetiva, em regra, salvo quando a lei dispuser em
126
sentido contrário, não há presunção de culpa, ou seja, cabe ao lesado comprovar a
culpa do agente causador do dano.
Em termos de responsabilidade delitual, uma das inovações mais
importantes tem pouso logo no pórtico do Título IX, do Livro I, da Parte Especial,
precisamente no art. 927, que versa sobre a obrigação de indenizar imposta ao autor do
ato ilícito. Apesar de repetir, em parte, o art. 159 do Código revogado, mas mantendo-
se fiel à teoria da culpa, ou seja, as hipóteses do caput são de responsabilidade
subjetiva, o novo Código Civil inova substancialmente o direito anterior, pois prevê,
expressamente, a indenização em caso do dano moral puro, alargando a conceituação
anteriormente vigente no art. 159 do Código Civil de 1916.
Trata-se de adequação ao que já estabelece a Carta da República. Com
isso, a indenização do dano moral passa a constar expressamente do ordenamento
infraconstitucional. Ao fazer remissão aos arts. 186 e 187, o caput do art. 927 também
inova ao contemplar expressamente a responsabilidade decorrente do abuso de direito.
A grande novidade, no entanto, a ser destacada nessa nova concepção de
responsabilidade civil no Brasil é que, a despeito de a regra geral continuar sendo a da
responsabilidade subjetiva, passa o Código a prever hipóteses de responsabilidade
objetiva, não somente em função de previsão legal, como era no sistema anterior, mas
também em função da atividade desenvolvida pelo autor do dano, sempre que for
considerada de risco para os direitos de outrem (art. 927, parágrafo único).
O dispositivo contempla a responsabilidade objetiva do autor do dano nos
casos especificados em lei e a responsabilidade também objetiva, decorrente da teoria
do risco, sempre que o risco for produto de atividade lucrativa e dele decorrer dano para
alguém, embora não desejado. O legislador não chegou a definir, nem ao menos
exemplificar, as chamadas “atividades de risco”. Em alguns casos, a tipificação é óbvia
(ex: postos de gasolina, refinarias, distribuidoras de combustíveis e quaisquer outras
empresas que exerçam atividades de manejo de inflamáveis, empresas de vigilância,
transporte de valores, fábricas de produtos tóxicos, etc.). Em outros, caberá ao juiz
definir, com base nas circunstâncias do caso concreto, se determinada atividade
causadora de dano poderia ser considerada “atividade de risco”, para fins de
caracterização da responsabilidade objetiva.
127
Ainda como exemplo de nova hipótese de responsabilidade objetiva, põe-se
em relevo a regra constante do art. 931, segundo o qual “os empresários individuais e
as empresas responderão independentemente de culpa pelos danos causados pelos
produtos postos em circulação”. O dispositivo contempla outro caso específico de
responsabilidade objetiva, em que não se indaga da culpa de quem pôs o produto em
circulação: essa culpa se presume. Importante esclarecer que, não obstante o Código
de Defesa do Consumidor já houvesse estabelecido essa responsabilidade objetiva do
fornecedor, o seu espectro de abrangência estava restrito à seara consumista. Com a
entrada em vigor do novo Código Civil, toda uma nova gama de relações jurídicas, não
caracterizadas como relações de consumo, passam a estar sujeitas às regras e
princípios que informam a responsabilidade objetiva.
No Capítulo Primeiro item 1.5 - Noção da responsabilidade objetiva ou
teoria do risco dissemos que “Se há novidade no novo Código no sentido de que para
todos os casos que possam ser considerados de evento danoso ocorrido em sede de
desempenho de atividade de risco ou perigosa, deverá ser aplicada a cláusula geral de
responsabilidade objetiva prevista no novo Código Civil, mas como veremos em
momento próprio, não se aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil
aos acidentes de trabalho típico ou tipo, continuando a empresa a responder por esses
somente quando for provada a sua culpa”.
Mas defendemos que quando houver a degradação do meio ambiente do
trabalho e vier o empregado sofrer um acidente de trabalho – e este acidente lhe
ocasionar um dano moral – a responsabilidade do empregador deve ser objetiva, não
se justificando mais a apuração através da teoria subjetiva ou da culpa.
Assim, para que possa ser aplicada a norma que vem estampada no
parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil também aos casos de acidente de
trabalho típico ou tipo, deverão ser tomadas algumas providências como se verá em
momento próprio. Entretanto, no próximo capítulo iremos demonstrar que quando se
tratar de reparar dano causado ao meio ambiente aplica-se a teoria da responsabilidade
objetiva.
128
CAPÍTULO 6
RESPONSABILIDADE CIVIL DO DANO AMBIENTAL
6.1 Introdução
Freyfogle (1992) nos diz que as primeiras constituições objetivavam
resguardar o cidadão contra governantes arbitrários, penas vexatórias ou cruéis, e
apropriação da propriedade sem justa causa ou indenização. Hoje, no mundo civilizado,
as pessoas comuns, mais do que com a ameaça às suas liberdades, assustam-se,
dentre outros malefícios, em particular com a contaminação da água que bebemos, do
ar que respiramos e dos alimentos que ingerimos. É inegável a atualidade e gravidade
desses riscos, que afetam ou podem afetar todos os membros da comunidade,
indistintamente riscos que integram a esfera daquilo que poderíamos denominar de
segurança ambiental, bem de cunho coletivo.
Instrumento típico nesses primeiros arcabouços constitucionais era a edição
de uma Carta de Direitos (= Bill of Rights, como no caso americano), desenhada de tal
modo a resguardar os cidadãos em face do Estado-Rei opressor. Hoje, é certo, a
grande maioria dos cidadãos ainda espera a tutela forte que decorre da norma
constitucional.
E como veremos mais adiante, assim como a Constituição Federal de 1988
tratou da proteção do meio ambiente conforme já nos referimos acima nos capítulos
segundo e terceiro e para o qual nos reportamos, do mesmo modo tratou sobre o dano
causado ao empregado se este sofrer acidente do trabalho. Mas, apesar de
encontrarmos defensores de que tal dispositivo, inciso XXVIII
80
, art. 7º da Constituição
Federal, autoriza a aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil para
imputar a responsabilidade do empregador pelos danos causados ao empregado,
apesar de respeitarmos tais opiniões, com ela não concordamos, por uma razão
elementar: O Código Civil é que deve estar conforme a Constituição e não esta àquele.
80
Seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a que este está obrigado,
quando incorrer em DOLO OU CULPA (destacamos).
129
E o dispositivo é claro, haja vista referir-se à teoria da culpa, responsabilidade subjetiva
e, não à teoria do risco, responsabilidade objetiva. Assim, para que possa haver a
aplicação do dispositivo do Código Civil - parágrafo único do artigo 927 – aos casos de
acidente de trabalho haverá necessidade de ser alterada a Constituição Federal, é o
que pretendemos demonstrar, não sem antes falarmos sobre a responsabilidade civil
ambiental, esta sim, objetiva.
6.2 Ecologia e meio ambiente
A conservação ambiental há muito pouco tempo tem-se tornado uma
questão de relevância, adentrando no mundo político e jurídico, considerada a
importância que o tema requer. Apesar de ser questão recente, a tutela ambiental tem
tomado proporções consideráveis sendo que hoje, meio ambiente e ecologia são
expressões da moda.
A expressão ecologia pode ser entendida como o estudo da casa,
compreendida em sentido lato como o local de existência, o entorno, o meio. É ramo da
moderna biologia, com foros de ciência.
Para Milaré (2000) "meio ambiente" é uma expressão "camaleão" uma
vez que inexiste consenso sobre sua definição. Distingue, entretanto, dentro do
conceito jurídico de meio ambiente uma perspectiva estrita e outra ampla. Na primeira,
o meio ambiente é uma expressão do patrimônio natural e suas relações com e entre
os seres vivos. Na concepção ampla há uma abrangência de toda natureza original e
artificial, assim como os bens culturais correlatos.
O conceito de meio ambiente varia a partir da integração ou exclusão do seu
conceito dos elementos culturais ou artificiais. O legislador ordinário considera como
meio ambiente apenas os seus elementos naturais, já que a Lei nº 6.938/81 dispõe, em
seu art. 3º, ser meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações
de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
130
formas. Harmonizado com ele, o art. 5º, inciso LXXIII
81
, da Constituição Federal trata
separadamente o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Também o vocábulo
"natureza" apresentado diversas vezes, abrange indistintamente os reinos animal,
vegetal e mineral, mas ficam excluídas do seu alcance acessões humanas.
Há, entretanto, uma tendência de que a abordagem da questão ambiental
englobe também seus aspectos artificiais, sociais, culturais, econômicos e políticos.
Silva (1981, p. 435) trata do meio ambiente em seu sentido amplo, pois
considera "toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos,
compreendidos portanto, o solo, a água, o ar, as belezas naturais, o patrimônio
histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico".
A Constituição Federal ao dar tratamento jurídico ao meio ambiente como
bem de uso comum do povo, criou um novo conceito jurídico. Isto porque, até então,
tinha-se como integrantes do conceito de bem de uso comum os rios, os mares, as
praias, as estradas, as praças e as ruas. O meio ambiente deixou de ser coisa abstrata,
sem dono, para ser bem de uso comum do povo, constitucionalmente protegido.
Benjamin (1998) aponta que países, entre eles o Brasil, já “ambientalizaram”
suas constituições. A nossa Constituição, “em matéria de meio ambiente, situa-se em
posição pioneira” (FREITAS, 2001, p. 33) dotada que está de “um dos sistemas mais
abrangentes e atuais do mundo” (MILARÉ, 2000, p. 211). Contudo, como em tudo mais
que diga respeito à norma constitucional, nossa tarefa “não é unicamente fazer a
Constituição, mas cumpri-la” (BONAVIDES, 1998, p. 162).
Pode-se verificar que no nosso País as regras jurídicas ambientais,
acompanhando o que ocorreu em outros países, primeiro publicizou o modelo de
regulação. Como exemplo, podemos indicar a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente. Segundo, a constitucionalização, com a passagem da ordem jurídica
legalizada para a ordem jurídica constitucionalizada.
Assim, o parágrafo terceiro do artigo 225 da Constituição Federal cuidou de
elevar ao plano constitucional a responsabilidade dos causadores de danos ecológicos.
81
Art. 5º, LXXIII – Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência.
131
Como deixa claro o dispositivo, essa espécie, à qual se aplicam as regras da teoria
geral da responsabilidade, pode dar origem, cumulativamente, ou não, dependendo do
caso, a sanções de natureza administrativa, civil e penal. Uma, em regra, independe da
outra, tal como sucede na teoria dos atos ilícitos em geral.
A história dos danos ao meio ambiente e da destruição da natureza é antiga.
Como disse Girod (1974) em sua obra pioneira sobre a matéria, "le dommage
écologique-c'est-à-dire le dommage causé aux personnes ou aux choses par le milieu
dans lequel elles vivent-a toujours existé."
Apesar de os danos ambientais coincidirem com a própria existência do ser
humano na face da Terra, só mais recentemente se vem dedicando maior atenção ao
assunto. Assim ocorre porque os milhares de desastres ecológicos verificados no
Planeta, a atitude eminentemente predatória e agressiva do homem em relação à
natureza, ao longo de séculos, bem como a invenção e o uso corrente de tecnologias
cada vez mais aptas a dominá-la e destruí-la fizeram com que a situação ecológica
mundial se agravasse a tal ponto, que já se afirma, nos dias que correm que a grave
situação ambiental é irreversível e sua forçosa evolução levará à inabitabilidade da
Terra, pelo esgotamento dos recursos naturais imprescindíveis à manutenção da vida
em suas diversas espécies.
Para viabilizar a solução de tal problema, faz-se indispensável verdadeira
cooperação entre governos e povos de todos os países. No plano interno, cada país
pode melhor enfrentar as dificuldades que o atingem mediante regras que adaptem,
entre outras coisas, o uso dos recursos naturais, a ocupação dos grandes centros
urbanos e a produção à necessidade de conservação ambiental.
A par disso, é mister que se estabeleçam mecanismos jurídicos eficientes
para responsabilização dos que transgredirem as normas relativas à matéria em
detrimento da coletividade. Essa última providência assume especial relevo no que se
refere à obediência à regulamentação das atividades produtivas, especialmente as
indústrias, que, por sua própria natureza, são as que mais afetam o meio ambiente.
De acordo com Girod (1974, p. 135),
c'est en règlement la fabrication et la diffusion des produits, en fixant des
accords de branche entre I' industrie et les pouvoirs publics, en définissant dans
le cadre d'une coopération internationale des normes échelonnées, qu' il paraît
le mieux répondre au réalisme exigé des circonstances.
132
Em nível de direito constitucional comparado, vale fazer referência ao
apartado 3 do artigo 45 da Constituição espanhola, segundo o qual "para quienes violen
lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se estabelecerán
sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligacíon de reparar el
dano causado (VALDEREZ; ALENCAR; CERQUEIRA, 1987, p. 370)." referindo-se às
sanções a que ficará sujeito quem violar o dever de não degradar o meio ambiente.
Vale notar a semelhança entre o dispositivo constitucional espanhol e o símile do direito
pátrio, no que se refere à acumulabilidade de sanções administrativas, civis e penais,
em matéria de dano ambiental.
Não se pode duvidar de que as medidas preventivas do dano ecológico se
fazem de todo imprescindíveis, devendo-se deixar para a esfera da responsabilização
a posteriori tão-somente aquelas situações em que o dano não pode ser evitado.
Para enfrentar os casos em que a ocorrência do dano ambiental é, em certo
grau, decorrência inevitável da atividade industrial, foi desenvolvido o chamado
"principe pollueur-payer" (PPP), segundo o qual o dano ecológico deve ser ressarcido
por quem dele se houver beneficiado, seja o próprio causador do dano ou o adquirente
do produto para cuja fabricação foi provocado o dano. Este último, ao adquirir o
produto, paga o valor acrescido do custo ambiental (FONSECA, 1981).
O referido princípio, adotado em diversos países após a Conferência de
Estocolmo, realizada em 1972, resultou exatamente do esforço desenvolvido para
minorar os efeitos negativos de impactos ambientais inevitáveis, decorrentes das
atividades normais da sociedade de produção e consumo em que vivemos.
O sentido do princípio do poluidor-pagador é o de que quem de alguma
forma se utiliza dos recursos naturais ou contribui para a degradação ambiental deve
pagar importância proporcional à sua contribuição. Tal pagamento é calculado com
base no custo de recomposição do bem lesado pelo pagador. Para estimar
economicamente o valor de um bem ambiental, devemos conscientizar-nos, antes de
mais nada, de que os recursos naturais vêm sendo utilizados com tal intensidade pelo
homem, ao longo da História, que se tornam escassos, passando, assim, a ter
conteúdo econômico apreciável.
133
A cobrança do custo ambiental ao poluidor é expressa no artigo 14,
parágrafo primeiro, da Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a
obrigação de indenizar, independentemente da existência de culpa, o dano ambiental e
o causado a terceiros afetados por sua atividade.
Muito embora o legislador haja adotado a sistemática de imputar ao
causador do dano o custo ambiental, é compreensível que, em muitos casos, o aludido
custo seja repassado ao consumidor final da mercadoria em cuja produção ocorreu o
dano. Haverá, portanto, muitas vezes, o repasse do custo ambiental.
Não obstante tal repasse provoque o encarecimento do produto, julgamos
que essa desvantagem ficará amplamente compensada pelos benefícios que advirão
do ingresso de recursos destinados à recomposição das lesões sofridas pelo meio
ambiente e à renovação dos recursos naturais utilizados. Em ambos os casos, a longo
prazo, tais providências evitarão encarecimento ainda maior dos produtos, provocado
pela escassez de bens de produção, inclusive de matérias-primas, isso sem se
mencionar o direito de todos a um meio ambiente saudável e a uma digna qualidade de
vida, valores que se encontram, no plano político, ético, moral e jurídico, acima de
quaisquer outros, como deixa claro o próprio sentido do texto constitucional.
A cobrança do custo ambiental deve abranger tanto o da reconstituição dos
bens lesados, conforme dissemos, como o do exercício de poder de polícia pelo
Estado, inclusive no que se refere à manutenção de instalações e equipamentos para
pesquisa, fiscalização e monitoramento das fontes de degradação ambiental. A referida
cobrança deve ser, ainda, agravada quando se tratar da utilização de recursos
ambientais "além dos limites legalmente permitidos. A sanção correspondente às
atividades antijurídicas deve permitir não só a regeneração ambiental, como também
atuar como forma desalentadora de sua ocorrência", segundo bem lembra (FONSECA,
1981, p. 146).
O mesmo estudioso afirma que os instrumentos de cobrança do custo
ambiental podem ser classificados "em quatro categorias: a) a polícia administrativa; b)
a imposição tributária; c) a concessão de incentivos fiscais; d) a via judicial."
(FONSECA, 1981, p. 146). Esta última categoria, mais diretamente relacionada ao tema
134
de que estamos aqui tratando, será analisada com mais minúcia ao abordarmos,
adiante, a responsabilidade civil por danos ecológicos.
Ainda com relação ao princípio de que "quem polui paga", devemos enfatizar
que o fato de se estipular, por meio de lei, sob a forma de uma ou de diversas
categorias, o pagamento do custo de utilização dos recursos naturais ou da degradação
ambiental não torna legítima a atividade lesiva, ou dispensável a sua prevenção.
Com razão, ao meu sentir, a afirmação de Machado (1989, p. 96) quando diz
que:
há sempre o perigo de se contornar a maneira de se reparar o dano,
estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor, como se alguém pudesse
afirmar ‘poluo mas pago’. Ora, o princípio ‘poluidor-pagador’ que está sendo
introduzido em direito internacional não visa a coonestar a poluição, mas evitar
que o dano ecológico fique sem reparação.
É comum nos ordenamentos jurídicos de outros países, a cumulação de
sanções aos infratores de normas de proteção e preservação ambientais. Assim como,
por exemplo, a Constituição espanhola, já acima visto, existem em outros
ordenamentos jurídicos estrangeiros normas dispondo sobre o assunto.
No direito italiano Tommaso Alibrandi e Piergiorgio Ferri nos ensimam que "il
regime per inosservanza delle prescrizioni in materia di beni culturali ed ambientali si
articola in un duplice ordine di sanzione: sanzioni amministrative e sanzioni penali"
(ALIBRANDI; FERRI, 1985, p. 661).
Proclamam referidos juristas que na Itália as punições administrativas são de
três espécies, quais sejam:
Devono essere qualificate come sanzioni amministrative: a) I' obbligo di
eseguire i lavori ritenuti necessari per riparare i danni prodotti alla cosa dalle
trasgressioni alle disposizioni contenute negli artt. 11,12,13,18,19, 20 e 21 della
1.1 giugno 1939, n. 1089 (art. 15 della 1.29 giugno 1939, n. 1497); c) I' obbligo
di corresponsione allo Stato di una somma (indennita), che, nel caso di cose di
interesse artistico o storico, e pari al valore della cosa perduta o alla
diminuzione di valore subita dalla cosa stessa per effetto della trasgressione,
mentre, nel caso di cose di interesse paesistico, e equivalente alla maggiore
somma tra il danno arrecato e il profitto conseguito mediante la commessa
trasgressione. (ALIBRANDI; FERRI, 1985, p. 662).
Para Machado (1989, p. 196) em matéria ambiental, pode-se entender que o
exercício do poder de polícia é:
a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse
ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de
interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos
135
ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de
atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão,
autorização, permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam
decorrer poluição ou agressão à natureza.
A responsabilidade civil por danos ambientais, consistente na obrigação de
reparar os danos causados, já se encontrava prevista no parágrafo primeiro do artigo
14 da Lei n°6.938, de 31 de agosto de 1981, cujo artigo 4°, inciso Vll, a estabeleceu
como uma das metas da política nacional do meio ambiente.
A toda evidência, trata-se de responsabilidade objetiva, isto é, modalidade na
qual a caracterização prescinde da existência de culpa na conduta do agente causador
do dano. São suficientes para tornar obrigatória a reparação civil do dano ambiental a
ocorrência do dano, a existência de uma conduta comissiva ou omissiva que o tenha
provocado, a comprovação da autoria do fato que a ele deu origem e o nexo de
causalidade entre ambos, não importando, para esse fim, que a atividade degradadora
seja, ou não, lícita e licenciada pelos órgãos competentes. Difere, portanto, da
responsabilidade civil subjetiva, que era prevista no artigo 159 do antigo Código Civil
82
.
Justifica-se que assim seja porque o causador do dano ambiental deve responder em
vista do risco provocado por sua atividade. Caso contrário, o poluidor poderia, conforme
pondera Machado (1989, p. 193), "pretender sua irresponsabilidade pelos danos por
estar exercendo atividade licenciada pelo Poder Público, ou pelas dificuldades técnicas
e financeiras, para evitar a emissão poluente".
Narra-nos, também, Machado (1989, p. 196 e 197) que a aplicação da
responsabilidade objetiva já se encontrava presente em legislações ordinárias de outros
países como a França, a República Federal da Alemanha, a Suécia, o Japão, os
Estados Unidos da América do Norte e a Itália.
No Brasil a doutrina precedeu à legislação em defesa da adoção da
responsabilidade objetiva por danos ambientais. Exemplifica-se com Ferraz (1987, p.
131), para quem: "Não se fará, seguramente, qualquer passo à frente, no tema da
responsabilidade pelo dano ecológico, se não compreendermos que o esquema
82
A referência ao antigo Código Civil foi para compatibilizar as legislações das épocas. Hoje, a matéria
sobre atos ilícitos vem regulamentada no artigo 186 do Novo Código Civil, e também refere-se à teoria
da culpa, ou seja, teoria subjetiva e não objetiva.
136
tradicional da responsabilidade subjetiva, da responsabilidade por culpa, tem que ser
abandonado."
Além da Lei n° 6.938/81, outros diplomas do direito pátrio já dispunham
sobre a responsabilidade por danos ao meio ambiente. O parágrafo segundo do artigo
9°da Lei n°6.902/81 prevê a "[...] obrigação de reposição e reconstituição, tanto quanto
possível, da situação anterior [...]" de danos causados em áreas de proteção ambiental.
A Lei n° 6.453, de 17 de outubro de 1977, estabeleceu, em seu artigo 4°, a
responsabilidade civil objetiva do causador de dano nuclear. No direito internacional,
podemos citar, como exemplo, a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil
por Danos Causadores de Poluição por óleo, celebrada em 1969 e introduzida em
nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n° 79.347, de 28 de março de 1977.
Assim, a responsabilidade civil, a danos ambientais, assume o caráter
objetivo, isto é, sua caracterização independe da existência de culpa ou ilicitude na
conduta do agente causador do dano.
Grande novidade foi introduzida pelo texto constitucional ao tratar da
responsabilidade penal por danos ao meio ambiente. A extensão da responsabilidade
penal às pessoas jurídicas não foi prevista no ordenamento jurídico anterior, que só a
estabeleceu para pessoas naturais. Pela atual Constituição, tal hipótese se tornou
possível em matéria de crimes ecológicos.
Entretanto, no que diz respeito à matéria de direito penal, é necessário que
não nos esqueçamos que no Brasil prevalece "princípio da legalidade dos delitos e das
penas ou princípio da reserva legal". Tal princípio "é essencial à estrutura jurídica do
crime e da pena no Estado de Direito" e manifesta-se pela idéia de que "não se pode
obedecer ou violar senão ao que é previamente imposto". Esse princípio encontra-se
incrustado no artigo 1°do nosso Código Penal (FRAGOSO, 1986, p. 89-93).
Assim sendo, faz-se necessário, para a incriminação de condutas
consideradas lesivas ao meio ambiente, a criação de novos tipos penais relativos à
ecologia, aí se entendendo "tipo" como para Fragoso (1986, p. 157), "o modelo legal do
comportamento proibido, compreendendo o conjunto das características objetivas e
subjetivas do fato punível". Em certa época, o ordenamento jurídico italiano, relata
Costa Júnior (1981, p. 68) “também carecia de tipos penais suficientes, em matéria de
137
ecologia e a jurisprudência italiana procedeu a perigosa aplicação extensiva da norma
penal ecológica. Procurou desse modo suprir a lacuna legislativa."
83
Mas uma indagação que deve ser feita a respeito da responsabilidade penal
por dano ao meio ambiente é sobre a punibilidade. Deve ou não ser punida uma
conduta que venha a ser posteriormente considerada nociva, mas que haja sido
autorizada ou licenciada pelas autoridades competentes em matéria de meio ambiente?
Encontramos em nossa doutrina posições antagônicas, entendendo Costa
Junior (1981, p. 71) que: "A permissão da autoridade administrativa justifica
naturalmente a conduta, mais até. Se a autorização da autoridade estiver contida no
tipo penal, a conduta será considerada atípica pelo aplicador da lei penal, e não
justificada." Para Machado (1982, p. 25, 26) "a Constituição deu um sério passo para a
punição da ofensa ao ambiente, pois, agora, mesmo uma conduta ou uma atividade
autorizada pelo Poder Público, desde que lesiva, poderá ser incriminada penalmente" e
sustenta sua tese dizendo que "não é qualquer lesão que poderá ser tipificada, mas
aquela que desequilibre o meio ambiente bem comum do povo (art. 225, caput, da CF)."
Embora respeitando o ponto de vista de Leme Machado
84
, todavia, pelo
princípio da segurança jurídica, faz mais sentido o que pré-leciona Costa Junior.
Quando o Poder Público através de seus prepostos confere a licença para uma
atividade a ser desenvolvida pelo agente, é de pressupor que aquela foi regularmente
licenciada e é importante para descaracterizar o crime que a licença haja sido expedida
com a observância dos requisitos previstos em lei, especialmente a realização do
estudo de impacto ambiental, com as formalidades que a ele são inerentes. Assim, não
poderá ser enquadrada num determinado tipo penal, que sempre contém condutas
ilícitas e que, portanto, não poderiam ser licenciadas. Se houve o licenciamento, é
porque a atividade foi considerada lícita sob todos os ângulos, especialmente o do
83
"Exemplifiquemos com o preceito contido no artigo 439 do Código Penal italiano, que pune ‘um
envenenamento de água ou substâncias destinadas à alimentação.’ Sustentou-se então que a locução
‘destinada à alimentação’ se referia apenas à substância. Conseqüentemente passou-se a punir todo
aquele que procedesse qualquer envenenamento de água, ainda que não destinada à alimentação.”
Op. cit., p. 68.
84
Devemos, contudo, observar que a posição preconizada por LEME MACHADO encontra respaldo no
direito comparado. No Japão, por exemplo, "a Suprema Corte condenou, em decisão recente, empresa
que poluía o meio ambiente, embora autorizada pelas autoridades administrativas e embora seguisse
as prescrições destas, no sentido de reduzir ao mínimo a carga poluidora". COSTA JUNIOR, 1981, p.
71.
138
direito penal. Se de tal conduta decorrerem danos ambientais, não nos parece possível
responsabilizar criminalmente o agente causador do dano, exatamente por faltar o
elemento da ilicitude da conduta, que só existiria se ela fosse típica, isto é, proibida
pelas leis.
O Poder Público não pode considerar que no momento da concessão da
licença a conduta do agente era lícita e, posteriormente, reputar essa mesma conduta
antijurídica para fins penais.
O mesmo fenômeno não acontece com a responsabilidade civil. Por essa
razão é que quem deu origem a danos ecológicos não pode pretender escapar à
responsabilidade brandindo uma licença do Poder Público para o exercício de atividade
poluidora, ou predatória, porque, para que haja a obrigação de reparar danos, não é
preciso que a conduta seja ilícita.
Se no campo do direito penal uma conduta não pode ser simultaneamente
lícita e penalmente punível, por lesiva ao meio ambiente, no âmbito do direito civil tal
possibilidade é perfeitamente admissível.
Ainda no que tange à responsabilidade penal, cumpre-nos examinar, posto
que com brevidade, a inovação que, como dissemos, foi implementada pelo dispositivo
constitucional referido supra, ou seja, a incriminação de pessoas jurídicas. A matéria já
foi objeto de estudo e controvérsia em outros ordenamentos jurídicos, e já
exemplificamos em nota de rodapé n. 216 com a decisão da Suprema Corte japonesa
quando a conduta incriminada houver sido consentida pelo Poder Público. Ponto
importante no que toca à matéria é estabelecer-se a que sanções de natureza penal
estará sujeita a pessoa jurídica incursa em crime ecológico. O direito penal alemão
cogita de pena de multa e de confisco de bens. A primeira varia de acordo com a
qualidade do ilícito e a gravidade da culpa. Já no direito suíço, a pena pecuniária é
quantificada em conformidade com "as condições econômicas da empresa e não de
acordo com o grau de culpa" (COSTA JUNIOR, 1981, p. 72).
O direito italiano, por sua vez, penaliza as empresas poluidoras com "o
confisco dos aparelhos, utensílios e instrumentos empregados na poluição hídrica"
(COSTA JUNIOR, 1981, p. 72). Já no Brasil muito há ainda que se legislar em matéria
139
de direito penal ecológico, para torná-lo satisfatório no que diz respeito à tipificação de
condutas lesivas ao meio ambiente.
Cabe, ainda, enfatizar que a responsabilidade constitucionalmente instituída
abrange, em qualquer de suas modalidades, tanto ações quanto omissões. Esse é o
entendimento que se pode extrair do próprio teor do dispositivo que, em seu início,
refere-se a "[...] condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente [...]". Se
o texto visasse tão-somente às ações, referir-se-ia, apenas, a "atividades". O emprego
da palavra "condutas" significa que não só as atividades serão passíveis de
responsabilização, mas quaisquer espécies de condutas. Estas, como é sabido, podem
ser comissivas ou omissivas.
6.3 Tutela do ambiente
A devastação ambiental não é exclusiva dos dias modernos. Desde os mais
remotos tempos é tema de preocupação de todos os povos, em maior ou menor escala.
A devastação ambiental acompanha o homem desde os primórdios de sua história
Sendo a proteção do ambiente um tema deste século, se compreende que
as Constituições mais antigas, como a norte-americana, a francesa e a italiana, não
cuidem especificamente da matéria. Isto ocorria também no sistema constitucional
brasileiro até a Constituição de 1988. Entretanto, mesmo sem a proteção constitucional
eram promulgadas leis e regulamentos de proteção ao meio ambiente.
As Constituições que precederam a de 1988, jamais se preocuparam com a
proteção do ambiente de forma específica e global. Nelas jamais foi empregada a
expressão "meio ambiente", revelando total despreocupação com o tema.
A partir da Constituição de 1988 a proteção do meio ambiente ganhou
identidade própria, definindo os fundamentos da proteção ambiental. A nova
Constituição despertou a consciência da necessidade da convivência harmoniosa com
natureza. Traduz em diversos dispositivos o que pode ser considerado um dos sistemas
mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A dimensão
conferida ao tema vai desde os dispositivos do capítulo VI do Título VIII, até inúmeros
outros regramentos insertos ao longo do texto nos mais diversos Títulos e Capítulos.
140
O meio ambiente, em decorrência da relevância que apresenta à saúde e à
preservação da vida, no planeta, mereceu do legislador constituinte de 1988 especiais
cuidados. A Constituição Federal confere a todo cidadão, sem exceção, direito subjetivo
público ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, oponível ao Estado que
responderá por danos causados ao ambiente, só, ou solidariamente, caso o dano seja
decorrência de entidade privada, por ele não policiada.
Cretella Junior (1990, p. 4517), refere que
[...] o meio ambiente, entregue à própria sorte, sem a presença humana, está
por excelência, em equilíbrio, encarregando-se a própria natureza de recompor
eventuais perdas vegetais, animais e mesmo minerais, sob o impacto quer de
fenômenos telúricos e cósmicos – raios, erupções vulcânicas, inundações,
chuvas, saraiva, meteoritos, gelo, terremotos, maremotos -, quer de animais
predatórios. Em tempo maior ou menor, o meio ambiente reequilibra-se,
mediante interação dinâmica dos componentes desse mundo. E a natureza
prossegue, normalmente, como vem ocorrendo há milhões de anos, antes do
surgimento do homem, na face da Terra.
Direito ambiental é uma especialização do direito administrativo que estuda
as normas que tratam das relações do homem com o espaço que o envolve. É o
conjunto de normas que regem as relações humanas com o meio ambiente.
Custódio (1996, p. 58) define o direito do ambiente como o
[...] conjunto de princípios e regras impostos, coercitivamente, pelo Poder
Público competente e disciplinadores de todas as atividades direta ou
indiretamente relacionados com o uso racional dos recursos naturais (águas
superficiais e subterrâneas, águas continentais ou costeiras, solo, espaço aéreo
e sub-espécies animais e vegetais, alimentos e bebidas em geral, luz, energia),
bem como a promove proteção dos bens culturais (de valor histórico,
arqueológico, paleontológico, ecológico, científico), tendo por objeto a defesa e
a preservação do patrimônio ambiental (natural e cultural) e por finalidade a
incolumidade da vida em geral, tanto a presente como a futura.
No capítulo terceiro, item 3.3.2 já nos referimos aos princípios do meio
ambiente natural, princípios estes que o fundamentam e sustentam. Mas é mister que
se diga que entre os doutrinadores não existe uma unanimidade em suas
denominações. Mas se atentarmos para a sinonímia dos mesmos haveremos de
concluir que, embora possuam nomes divergentes, há convergência no que diz respeito
à proteção da vida, preservação e restauração dos recursos ambientais, utilização
racional dos recursos encontrados no meio ambiente e, principalmente os custos de
prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental.
141
Segundo a teoria clássica, a responsabilidade civil se assenta em três
pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o
fato culposo e o mesmo dano.
Segundo já vimos supra a fonte do princípio regulador da reparação do dano
está na Lei Aquília, apesar de não apresentar os moldes do direito moderno. A partir
daqui é que se começou cogitar a culpa.
Foi o direito francês que aperfeiçoou o direito das reparações,
estabelecendo, através do Código de Napoleão o princípio geral da responsabilidade
civil, distinguindo, inclusive, culpa contratual e delitual.
A definição de que a responsabilidade civil está embasada na culpa inseriu-
se nas legislações de todos os povos e foi-se aperfeiçoando com o tempo e com as
mudanças ocorridas no mundo.
Surgiram novas teorias, sendo que, modernamente, a teoria do risco - a qual
verifica a responsabilidade sob aspecto objetivo - mesmo sem ocupar o espaço da
teoria da culpa, tem se destacado, ampliando seu território.
A matéria, entretanto, é controvertida. De um lado, apresentam-se fiéis
defensores da responsabilidade subjetiva, repelindo a teoria do risco. De outro lado, há
os que abraçam a doutrina do risco, considerando-a o substituto da teoria da culpa, que
estaria superada, além de insatisfatória. E, por fim, há a posição dos que admitem -
entre eles Caio Mário da Silva Pereira (1992) - a convivência das duas teorias: a culpa
exprimiria a noção básica e o princípio geral da responsabilidade; a teoria do risco seria
aplicada nos casos especialmente previstos, ou quando a lesão provém de situação
criada por quem explora profissão ou atividade que expôs o lesado ao risco do dano
que sofreu.
Para a teoria do risco a responsabilidade é objetiva. Consoante Gonçalves
(1998)
nesta teoria se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como
fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer
algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os
danos que venham resultar a terceiros dessa atividade. A responsabilidade objetiva
funda-se num princípio de equidade, ou seja, aquele que lucra com uma situação deve
142
responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Quem aufere cômodos,
deve suportar incômodos.
No direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva apresenta-se sob
duas faces: a teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Pela última, desde que exista
um dano, deve ser ressarcido, independentemente da idéia de culpa. Uma e outra
consagram, em última análise, a responsabilidade sem culpa, a responsabilidade
objetiva. A tendência atual do direito manifesta-se no sentido de substituir a idéia da
responsabilidade pela idéia da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a
responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva.
A realidade, no entanto, é que se tem procurado fundamentar a
responsabilidade na idéia de culpa, mas sendo esta insuficiente para atender às
imposições do progresso, tem o legislador fixado os casos especiais em que deve
ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção
85
.
6.3.1 Responsabilidade civil e penal
O fundamento da responsabilidade civil e penal é praticamente o mesmo. As
condições em que surgem é que são diferentes, pois uma é mais exigente do que a
outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar.
A responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, determinada pela
violação da norma penal. O agente infringe uma norma de direito público. O interesse
lesado é da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse lesado é privado. O
prejudicado pode, ou não, pleitear reparação.
A diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal é a
distinção entre o direito civil e o direito penal. Na responsabilidade civil não se verifica
se o ato que causou dano ao particular ameaça, ou não, a ordem social. Não importa
que a pessoa compelida à reparação seja, ou não, moralmente responsável.
A responsabilidade penal envolve dano que atinge a paz social, embora,
muitas vezes, atinja um só indivíduo. Esta responsabilidade é intransferível,
85
Ver capítulo primeiro.
143
respondendo o réu com a privação de sua liberdade. Ao Estado incumbe reprimir o
crime e deve arcar com o ônus da prova.
Na responsabilidade civil não é o réu, mas a vítima que, em muitos casos,
tem de enfrentar entidades como empresas multinacionais e o próprio Estado.
No cível qualquer ação ou omissão pode gerar a responsabilidade civil,
desde que haja violação de direito ou prejuízo de outrem. No crime há a presença da
tipicidade: é necessário que haja perfeita adequação do fato concreto ou tipo penal.
A culpabilidade é mais ampla no cível, na esfera criminal nem toda culpa
resulta na condenação do réu.
A questão da imputabilidade também é tratada de forma diferente. Há regras
no cível que divergem das do crime.
A responsabilidade civil envolve o dano, o prejuízo, o desfalque, o
desequilíbrio ou diminuição do patrimônio de alguém.
Quando coincidem, a responsabilidade civil e a responsabilidade penal
proporcionam as respectivas ações, isto é, as formas de se fazerem efetivas: Uma
exercitada pela vítima; outra pela sociedade; uma tendente à reparação; outra à
punição.
6.3.2 Responsabilidade civil ambiental
Com as modernas técnicas e os equipamentos sofisticados disponíveis, não
mais se justifica a degradação ambiental além dos limites necessários ao
funcionamento da atividade ou do empreendimento. Em pleno inicio do século XXI não
se pode admitir o crescimento econômico à custa da depredação desenfreada do meio
ambiente.
A prevenção, a reparação e a repressão são as três esferas básicas de
atuação do direito ambiental. A prevenção volta-se para o momento anterior ao dano,
enquanto a reparação e a repressão cuidam de dano já causado.
A reparação ambiental ocorre através das normas de responsabilidade civil.
144
Num primeiro momento, considera-se dano qualquer evento lesivo ao
interesse alheio. De forma geral, considera-se dano a diminuição de um bem jurídico,
ou seja, de qualquer bem reconhecido e protegido pela Constituição e pela Lei.
Todo dano que resulte de ato ilícito é passível de ressarcimento,
sustentando-se, em doutrina, a equiparação do fato danoso com o ato ilícito ou ilegal.
Com as transformações decorrentes do progresso científico, industrial, tecnológico, da
explosão demográfica, com novas exigências sociais, econômicas, urbanísticas,
ambientais, observa-se a mudança da doutrina, que hoje, nega a equiparação do fato
danoso com o ato ilícito. Hoje, o fenômeno danoso pode originar tanto de ato ilícito
como de ato lícito.
O dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais - segundo a Lei nº
6.938/81, no art. 3º, V, são "a atmosfera, as águas interiores, superficiais e
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera,
a fauna e a flora" – com conseqüente degradação do equilíbrio ecológico.
6.3.3 Características do dano ambiental
A teoria geral da responsabilidade civil ensina que seus pressupostos
clássicos são a existência de conduta comissiva ou omissiva caracterizada por ilicitude,
um dano a ser reparado e o nexo de causalidade que permita vincular o dano ocorrido à
conduta cujo autor se pretende seja responsabilizado pelo ressarcimento do dano. Os
danos ao meio ambiente se constituem em uma das hipóteses em que o legislador
considerou conveniente e oportuno excluir a ilicitude da ação ou da omissão como
pressuposto da obrigação de ressarcimento. Restam, portanto, no caso do dano
ambiental, três requisitos para que a responsabilidade possa estar suficientemente
caracterizada: o fato, o dano e o liame ou nexo de causalidade entre o fato e o dano.
Os tribunais têm sido chamados a apreciar diversos litígios relativos à reparação de
danos ecológicos sejam eles de maior ou de menor proporção. Questões pertinentes à
matéria, muitas vezes rumorosas, têm sido postas perante o judiciário, que
repentinamente se vê compelido a analisá-las e a decidi-las quando ainda se encontra
viva, na memória da opinião pública, a recordação, triste, dos fatos ocorridos, em geral
145
causadores de graves prejuízos ao equilíbrio ecológico e à qualidade de vida da
população, que está a exigir, com todo o direito, a reparação do dano e a punição
exemplar dos que por ele foram responsáveis.
É bastante comum, entretanto, que ao propor uma ação civil pública de
responsabilidade por danos ambientais o Poder Público ou as associações civis de
proteção ao meio ambiente se defrontem com uma dificuldade, às vezes de difícil
transposição, de apresentar ao órgão jurisdicional provas cabais da ocorrência e do
montante do dano ambiental que se pretende venha a ser reparado com a condenação
judicial. A dificuldade a que nos referimos manifesta-se sob diversas formas, mesmo
nos casos em que o dano ambiental pode, em tese, ser comprovado mediante a
realização de prova pericial, há dificuldades para a escolha de perito tecnicamente apto
a desempenhar a tarefa com o padrão de qualidade necessário. Os danos ambientais
são, não raro, de proporções substanciais, o que torna extremamente árdua-quando
não impossível - a tarefa do expert de verificá-lo em toda a sua extensão para que
possa posteriormente, avaliá-lo. A matéria ambiental é de natureza altamente
específica, o que, por si só já dificulta ao magistrado a designação de um especialista
capaz de manuseá-la, especialmente quando, como dissemos o dano possui
características que tornam difícil sua mensuração.
Há casos, ainda, em que a efetiva comprovação do dano ambiental, dentro
dos padrões rígidos que a teoria geral das provas exige para o fim de embasar uma
sentença condenatória de responsabilidade, é praticamente ou totalmente inviável.
Tomem-se, como exemplo, os casos de emissão de poluentes, sejam atmosféricos,
líquidos ou sólidos. Nesses casos, a verificação da existência das emissões poluidoras
é relativamente fácil, o que exime de maiores óbices probatórios a demanda judicial que
tiver por objetivo a cessação das emissões, pois se tratará de condenação à obrigação
de não fazer. Suponhamos, todavia, que ditas emissões já estivessem ocorrendo há
algum tempo. Como comprovar e dimensionar os efeitos adversos que a poluição
gerada provocou no meio ambiente, na qualidade de vida e na saúde da população?
Qual será o valor da indenização a ser cobrada do poluidor? A resposta às indagações
que acabamos de formular, bem como a outras que sejam igualmente pertinentes não é
simples.
146
O princípio básico que deve ser considerado é o de que a reparação do dano
deve ser a mais completa possível. Assim sucede na responsabilidade civil de modo
geral e, tratando-se de dano ao meio ambiente, em que há grande interesse público em
jogo, o princípio deve ser ainda mais respeitado. Entendemos que todos os efeitos e
conseqüências da conduta lesiva devem ser objeto de apuração e indenização, sob
pena de ela não ser completa. O custo da reconstituição do ambiente afetado, as
despesas decorrentes da atividade estatal realizada em virtude do dano ocorrido, o
tratamento médico das pessoas afetadas pelo sinistro ecológico são itens que devem
integrar a verba indenizatória a ser prestada pelo causador do dano ambiental. Mas a
questão é, na verdade, mais profunda, pois ela reside não apenas na dificuldade de
verificar e estimar o dano ambiental ou, pelo menos alguns de seus aspectos, mas, da
mesma forma, em certas situações, em estabelecer o liame de causalidade entre os
danos verificados e o fato ocorrido. No caso que acabamos de utilizar como exemplo,
de emissões poluidoras de efeitos cumulativos, como provar os danos causados pelas
emissões e suas respectivas expressões pecuniárias, se, muitas vezes, eles somente
se manifestam com o passar dos anos? E, como imputar, com segurança, os danos que
venham a verificar-se muito tempo após aquele fato?
É claro que, com a evolução da técnica e da ciência, tais obstáculos serão,
progressivamente, superados e tornar-se-á possível responder a tais indagações com
um grau de certeza cada vez maior. Enquanto assim não ocorrer, contudo, é preciso
procurar soluções que viabilizem a concretização da meta maior de interesse público,
expressa nos textos legais e no constitucional, de reconstituição do meio ambiente
prejudicado, com vista à manutenção do equilíbrio ecológico, da sadia qualidade de
vida e da saúde da população. Sabe-se que o direito tem mecanismos para disciplinar e
regular a convivência com situações e realidades que as ciências não têm, ainda,
condições de explicar e solucionar de modo claro e definitivo. Exemplo disso era até
bem pouco tempo, a investigação de paternidade. Muitos outros poderiam ser aqui
citados. Um dos principais mecanismos de que se utiliza a ciência jurídica em tais
situações é o das presunções-absolutas ou relativas, conforme o caso para, depois,
chegar às ficções jurídicas. Em diversas situações o legislador, tendo consciência da
dificuldade que terá o aplicador da lei em perquirir a verdade real acerca de
147
determinado fato, contenta-se com uma verdade ficta, da qual faz uso
para solucionar o impasse que certamente surgiria se fosse indispensável a busca da
certeza absoluta a respeito de determinado fenômeno do mundo dos fatos. Isso
acontece, com grande freqüência, no campo do direito processual civil.
Ao nos referirmos às presunções e às ficções, devemos, para melhor esclarecimento,
mencionar a distinção que entre elas a doutrina estabelece. Em relação a tal aspecto,
Dias (1983, p. 94), reportando-se a outro autor em sua conhecida obra sobre o tema,
afirma:
ARNOLDO MEDEIROS faz distinção necessária entre ficção e presunção,
explicando que não se confundem. Assim não há ficção em presumir a culpa.
Invoca a autoridade de GENY e esclarece que a presunção é baseada na
verossimilhança e responde às tendências da lógica natural, ao passo que a
ficção vai mais longe, ultrapassa o domínio da prova e desnatura cientemente
as realidades, de forma que exclui aprioristicamente qualquer possibilidade de
prova em contrário. A presunção, ao revés, baseia-se no que ordinariamente
acontece.
Acreditamos que para as situações que não possam ser completamente
solucionadas com o emprego das técnicas existentes de investigação e avaliação de
danos ambientais se fará indispensável o recurso às presunções legais. O emprego das
presunções de dano não é novidade no campo da responsabilidade civil.
Afigura-se-nos razoável e encontra respaldo na teoria geral do direito, o
recurso às presunções legais para a determinação do nexo de causalidade. O dano
ambiental tem características próprias que orientam o tratamento de ordens jurídicas.
A primeira característica é a pulverização de vítimas. O dano ambiental afeta,
necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando certos aspectos
particulares de sua danosidade atingem individualmente determinadas pessoas. Difere,
pois, do que se chama de dano tradicional, onde a regra é a lesão a uma determinada
pessoa ou a um grupo.
A Lei nº 6.938/81 prevê expressamente, duas modalidades de dano (art. 14,
§ 1º)
86
, o dano ambiental público e o dano ambiental privado. No primeiro caso, a
86
Lei 6.938/81, art. 14, § 1º "sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da
União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por
danos causados ao meio ambiente."
148
indenização, quando reclamada, destina-se a um fundo (Lei nº 7.347/85, art. 13)
87
para
a reconstituição dos bens lesados. No segundo, a indenização destina-se a recompor o
patrimônio da(s) vítimas(s).
Outra característica do dano ambiental é a difícil reparação. Na grande
maioria dos casos de dano ambiental a reparação ao “status quo ante” é quase
impossível e a mera reparação pecuniária é sempre insuficiente e incapaz de recompor
o dano. No ponto, pertinente a reflexão de Feldmann (1992, p. 5):
É essa – a prevenção - a ótica que orienta todo o direito ambiental. Não podem
a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano
ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o
desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de
séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar um lençol
freático contaminado por agrotóxicos?
Por fim, o dano ambiental é de difícil valoração. Esta característica é
corolário da anterior, na medida em que há dificuldade em se estabelecer parâmetros
econômicos de reparação. Nem sempre é possível fazer o cálculo do dano do
ambiente. Além dos danos de ordem material, com o advento da Lei nº 8.884/94, art.
88, pode-se cobrar danos morais coletivos, através de ações de responsabilidade civil
em matéria de tutela de interesses transindividuais. É o que nos mostra Bittar Filho
(1994, p. 50) que, com propriedade, refere:
[...] ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, por que a coletividade
não pode sê-lo? [...] os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade
como um todo, independentemente de suas partes. [...] o dano moral coletivo é
a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.
Essa inovação legal, que permite indenizar moralmente o dano ambiental,
demonstra a dificuldade na avaliação criteriosa dos danos de ordem moral e patrimonial
oriundos de um mesmo fato.
87
Lei 7.347/85, art. 13 "Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a
um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados á reconstituição dos bens lesados."
149
6.3.4 Reparação do dano ambiental
A Lei nº 7.347/85 (arts. 3º, 11 e 13) determina que a ação civil pública pode
ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer. Na ação que tenha por objeto obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da
atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária,
se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor;
havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um
fundo gerido por um Conselho Federal ou Conselhos Estaduais.
Duas, portanto, são as principais formas de reparação do dano ambiental: a)
o retorno ao “status quo ante” e b) a indenização em dinheiro.
A primeira modalidade sempre deve ser tentada independentemente de ser
mais onerosa que a segunda. A reversibilidade ao estado anterior ao dano se faz
imperiosa, apesar de nem sempre ser possível. Mais do que nunca, nos últimos anos, a
poluição do meio ambiente, como fator negativo de veloz e tumultuoso progresso vem
assumindo dimensões enormes, já alarmantes e preocupantes, o que impõe a
imprescindibilidade, na medida do possível, de recomposição de todo e qualquer dano.
A indenização em dinheiro, apesar de ser um modo de punir o causador do
dano é uma tentativa, econômica, de recomposição ambiental, não consegue reparar o
prejuízo ecológico. "Não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um
carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa
formação do feto" (MACHADO apud MILARÉ, 2000, p. 335).
Nas duas formas de reparação o legislador busca impor um custo ao poluidor
para, assim, atingir três objetivos: (a) dar uma resposta aos danos sofridos pela vítima,
seja indivíduo ou coletividade, (b) evitar reiteração do comportamento do poluidor e (c)
dar exemplo para terceiros.
Custódio (1997) classifica o dano ressarcível da seguinte forma: patrimonial e
não patrimonial. O dano patrimonial ou material (também chamado dano econômico) é
aquele que causa diminuição no patrimônio ou ofende interesse econômico. O dano
não patrimonial ou dano moral é aquele que se refere a bens de ordem puramente
150
moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos. O dano moral,
fundamentado em legítimo interesse moral, assume, nos dias de hoje, particular
importância, notadamente diante das questões de ordem ambiental e cultural. Os
notórios fenômenos da poluição ambiental ocasionam a degradação da qualidade de
vida do meio ambiente, com reflexos direta e indiretamente prejudiciais à vida, à saúde,
à segurança, ao trabalho, ao sossego e ao bem estar da pessoa humana individual,
social ou coletivamente considerada.
Com o agravamento da problemática da degradação ambiental e cultural
decorrente notadamente de agressivas tecnologias, da explosão demográfica, de
ganâncias, de consumo exagerado, dos desperdícios, da contaminação de todos os
elementos ambientais e culturais, de forma especial, por fontes industriais diversas,
pela contaminação dos alimentos, pelo aumento de lixos inesgotáveis altamente
perigosos, surge o dano público ambiental ou dano biológico, também chamado dano
ecológico ou dano ambiental como “tertium genus” entre o dano patrimonial e o dano
não patrimonial (ou dano moral). Nesta ordem de observações, acrescenta a doutrina
que a própria Corte Constitucional Italiana inclui o dano biológico na categoria dos
danos econômicos, isto é, dos danos que seriam caracterizados por objetiva e direta
avaliação em dinheiro.
Com base no princípio da ordem geral da obrigatoriedade reparatória de todo
dano, em sentido jurídico, a autora supra mencionada classifica, ainda, o dano
ressarcível de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em: a) Dano emergente,
definido como a perda imediata, compreendendo as perdas e os danos devidos,
efetivamente, ao autor da ação (CC, arts. 1.059 e 1.060); b) Dano pelo lucro cessante,
definido como a perda mediata correspondente ao acréscimo patrimonial que o
prejudicado (autor) teria conseguido se não tivesse ocorrido o fato danoso. Trata-se de
parcela correspondente à vantagem que o autor deixou de lucrar, devendo ser
razoavelmente avaliada na liquidação de sentença (CC, arts. 1.059 e 1.060)
88
; c) Dano
verificado no momento da liquidação, direto ou indiretamente relacionado com o fato
danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante (CPC, arts. 18, § 2º, 606 e
88
Os artigos 1.059 e 1.060 acima mencionados são os do Código Civil Brasileiro de 1916. Entretanto,
com a entrada em vigor do Novo Código Civil em 2003 vamos encontrar nos artigos 402 e 403 os
correspondentes.
151
607); d) Dano futuro, em decorrência da alegação e prova de fato novo, direta ou
indiretamente relacionado com as conseqüências do fato danoso, mas inconfundível
com o dano pelo lucro cessante e com o dano verificado no momento da liquidação
(CPC, arts. 608, 609).
Evidencia-se que todos os danos aos elementos integrantes do patrimônio
ambiental e cultural, bem como às pessoas (individual, social e coletivamente
consideradas) e ao seu patrimônio, como valores constitucional e legalmente
protegidos, são passíveis de avaliação e de ressarcimento, perfeitamente enquadráveis
tanto na categoria do dano patrimonial (material ou econômico) como na categoria do
dano não patrimonial (pessoal ou moral), tudo dependendo das circunstâncias de fato
de cada caso concreto.
Todavia poderemos nos defrontar com casos em que o dano ambiental
poderá ficar sem reparação, o interesse público expresso na manutenção do equilíbrio
ecológico desatendido e o causador do dano, civilmente impune, o que é extremamente
injusto. É verdade que sempre que se cede espaço à chamada verdade ficta corre-se o
risco de se estar cometendo erros. É um risco, devemos reconhecer. Não obstante isso,
deixar sem reparação civil danos ambientais que sabidamente ocorreram é pior ainda,
pois não haverá risco de erro, mas certeza de se estar deixando impune o causador do
dano e prejudicadas as vítimas do fato, sejam apenas determinados indivíduos ou a
coletividade de modo geral. Dias (1983, v. 1, p. 88 e 91) nos dá alguns exemplos:
Nem sempre é bem entendida a exigência do requisito do dano para a
procedência da ação de reparação. Enquanto em caso já comentado foi
desconhecida a feição do dano concreto à perda do prazo de recurso, por parte
do advogado, em outro houve voto ilustre, em que esse dano se dava como
decorrente da própria falta a uma cláusula de preferência sujeita, ademais, a
condição resolutiva.
Caso de presunção do dano encontra-se ainda nos juros moratórios. Não tem o
credor de demonstrar prejuízo: a satisfação da obrigação, se feita com atraso,
acarreta a fluência desses juros, que se consideram a indenização do prejuízo
que se presume ter sofrido o credor, com a mora (arts. 1.061 e 1.064 do Código
Civil).
Também constituem exemplos de presunção de prejuízo: o art. 103, parágrafo
2°, do Código Brasileiro do Ar, segundo o qual, em relação aos pequenos
objetos que o viajante traz sob sua guarda, a responsabilidade do transportador
se efetiva mediante simples declaração daquele, não impugnada pelo
transportador; e todos os casos em que a indenização é estipulada previamente
na lei, como sucede em casos de reparação por injúria ou ofensa à honra da
mulher, ou em que se estabelece um montante mínimo ao montante da
reparação. A indenização à fortait ou o mínimo estipulado são devidos
independentemente de prova do prejuízo.
152
Um dos mais conhecidos modos de se aplicar, na prática, esse recurso é
criar, por lei, situações de inversão do ônus da prova. A utilização de tal instituto é
relativamente comum no campo da responsabilidade civil, sendo de eficácia
comprovada para evitar que inúmeros casos fiquem sem solução devido à
impossibilidade de a vítima provar determinados fatos, o que já foi reconhecido pelo
legislador pátrio em diversos diplomas legais, sendo um dos mais recentes exemplos o
Código do Consumidor.
Com base ainda em Dias (1983, p. 85) acentua este jurista que “a variação
dos sistemas de responsabilidade civil se prende precipuamente à questão da prova”.
Mais precisamente, ao problema da distribuição do ônus probatório, sendo
rigorosamente exata a observação de Josserand (apud DIAS, 1983, p. 85), no sentido
de que, numa época em que "o acidente se tornou anônimo, a concepção que se faz da
natureza da responsabilidade reage poderosamente sobre a atribuição do fardo da
prova, no curso da instância de indenização", ao que acrescenta que
[...] as questões de prova são o centro em torno do qual têm gravitado os
diferentes sistemas. Nenhum autor, aliás, procura disfarçar a importância desse
aspecto do problema da responsabilidade civil, visto como em todos os casos
duvidosos, que são mais numerosos do que se pensa, sucumbe a parte a quem
toca a obrigação de provar.
Assim, ao se certificar da existência do fato imputado potencialmente
causador de um dano ambiental, o magistrado não estaria obrigado a vincular o
julgamento de procedência do pedido de reparação à comprovação do dano e do nexo
de causalidade, como usualmente ocorre. Ser-lhe-ia facultado presumir a ocorrência de
tais requisitos, nos limites razoáveis que o bom senso indicasse, e verificar se a prova
produzida pela parte ré foi suficiente para elidi-la, ou, se não impor-lhe a condenação
de reparar.
Haveria, então, uma presunção de dano, quando este não se demonstrasse
aparente, ou devesse ocorrer em época futura, ou, ainda, conforme o caso, uma
presunção da existência do nexo de causalidade entre um dano comprovadamente
ocorrido e o fato sobre o qual versasse a demanda. A mesma regra se aplicaria aos
casos em que a existência do dano ambiental pudesse ser comprovada, mas sua
avaliação fosse de difícil ou impossível aferição. Em tais casos, dever-se-ia fazer uso da
liqüidação por arbitramento, a mais indicada em tais situações. Uma vez mais
153
recorremos à doutrina brasileira sobre responsabilidade civil, que assim se posiciona
sobre a matéria:
Em todos os casos não contemplados nos dispositivos que regulam a
liquidação do dano, cabe a liquidação por arbitramento. Isso quer dizer que o
Código não admite que se deixe de reparar o dano sob o pretexto de que não
ficou provado o seu quantum. Provada a existência do dano e a relação de
causalidade com o ato atribuído ao responsável, não se pode deixar de
indenizá-lo, ainda que sua extensão não fique demonstrada. Estabelecido que
houvesse um dano, não pode o juiz, por exemplo, julgar extinta a execução,
mas deve empregar todos os recursos de seu prudente arbítrio, examinando até
os indícios e presunções, para outorgar a reparação ao prejudicado. [...]
Equacionando o problema em termos genéricos, Fischer, em sua obra
mundialmente conhecida e já hoje clássica sobre o assunto, formula as
seguintes perguntas: que critério deverá adotar o ordenamento jurídico, quando,
no momento de se reparar o dano causado, as coisas se tenham dispostas de
tal modo que não seja possível já a sua indenização pura e simples, mas só
uma indenização de conteúdo maior ou menor do que a devida, isto é, uma
indenização alcançando um ‘mais’ ou restringindo-se a um ‘menos’? Deverá
decidir a favor do obrigado, condenando-o a prestar o menos, ou em beneficio
do credor concedendo-lhe o mais? E, respondendo a estas perguntas Fischer
acrescenta: A resposta não pode ser duvidosa: em tais casos, não tem
aplicação o axioma ‘in dubio pro reo’ (DIAS, 1983, p. 870).
"O autor do dano deverá sempre indenizar o "mais", embora depois, quando
a eqüidade assim o recomende, possa reclamar uma compensação pela diferença
prestada a maior: o devedor deverá ser condenado a prestar o mais sempre que, se
assim não fosse, o credor da indenização resultasse prejudicado." (GARCEZ NETO,
1970, p. 103).
"É a conclusão a que também Agostinho Alvim (apud GARCEZ NETO, 1970,
109), in verbis: "A dificuldade da estimativa não será objeção. O arbitramento é, em
geral, incerto, e por vezes hipotético. Nem por isso deixa de ser uma prova reconhecida
pela lei (Código Civil, art. 136, n° VlIl) e que todos os dias serve de base a decisões."
Cabe recordar, como remate, o ensinamento de EISELE em citação de
FISCHER: ‘Em vez de perguntar se são susceptíveis de prova coisas que
teriam podido acontecer, digamos: não é necessário demonstrar que se teria
realmente verificado em dado caso concreto aquilo que a experiência geral
ensina que costuma verificar-se; pois é antes a inversa que necessita de
demonstração.’ (GARCEZ NETO, 1970, 110).
De tudo o que foi dito a respeito do assunto em pauta deduz-se que se faz
necessária para aumentar o número de casos em que a reparação do dano ambiental
efetivamente ocorre, em qualquer de suas modalidades, como é determinado pelo
legislador pátrio, inclusive pelo legislador constituinte de 1988, a criação legal de
situações de inversão do ônus da prova e a ampliação do âmbito de discricionariedade
154
do julgador, para que este possa, com o auxílio da prova pericial, do bom senso e de
seu prudente arbítrio, suprir deficiências técnicas e científicas que, inegavelmente,
ainda existem no campo da comprovação do dano ambiental, na delimitação de sua
extensão e na aferição do nexo causal entre determinado fato ocorrido e o dano
verificado, a fim de se reduzirem, ao mínimo possível, as situações em que este último
não seja reparado em toda a sua extensão e em seus diversos efeitos.
6.3.5 A regra da responsabilidade objetiva no dano ambiental
Nos casos de dano ao meio ambiente a regra é a da responsabilidade civil
objetiva, independentemente da existência de culpa. Isto é o que dispõe a lei nº
6.938/81, no art. 14, § 1º: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste
artigo, é o poluidor obrigado, independentemente, de existência de culpa, a indenizar ou
reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".
Em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a
do risco integral.
Este o entendimento de Ferraz (2000, p. 38) que entende insuficiente a
responsabilidade subjetiva para regular a questão:
[...] em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que
não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha, que não seja
a malha realmente bem apertada, que possa, na primeira jogada da rede,
colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental. É
importante que, pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível
enredar agente administrativo e particulares, todos aqueles que de alguma
maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para a coletividade.
A Lei mencionada estabelece a responsabilidade objetiva em matéria de
dano ambiental, afastando qualquer perquirição e discussão de culpa, mas não se
prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o
dano. Para se pleitear reparação há necessidade da demonstração do nexo causal
entre a conduta e a lesão ao meio ambiente. Assim, para haver a responsabilização
imprescindível ação ou omissão, evento danoso e relação de causalidade.
Já se viu que a responsabilidade civil objetiva lastreia-se em princípio de
eqüidade e que quem colhe benefícios com determinada atividade, responde pelos
riscos daí decorrentes. É obrigação de reparar determinados danos, acontecidos
155
durante atividades realizadas no interesse ou sob o domínio de alguém que por isso
seja responsável, independentemente da culpa.
Mesmo com as críticas que recebe, não se pode deixar de considerar a
teoria da responsabilidade objetiva, ou do risco como uma evolução. Uma série de
novas situações criadas pela civilização moderna não foram resolvidas, entre elas
muitas questões ambientais. A teoria do risco baseia-se exclusivamente em que o dano
tenha sido produzido. Não é a conduta, ou a culpa, a fonte da responsabilidade. È
apenas o fato de haver-se criado um risco de que determinado dano se produza.
No direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica,
independe da ofensa a “standard” legal ou regulamento específico. É irrelevante a
licitude da atividade. Pouco importa que determinado ato tenha sido devidamente
autorizado por autoridade competente ou que esteja de acordo com normas de
segurança exigidas, ou que as medidas de precaução tenham sido devidamente
adotadas. Se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal
que faz surgir o dever indenizatório.
A legalidade do ato não importa, basta a simples potencialidade de dano
para que a responsabilidade civil seja objetiva.
No ponto também não importa e é irrelevante a força maior e o caso fortuito
como excludentes da responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral onde o
dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado
pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir
integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, não importando se o
acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso
ou de força da natureza. O Direito do ambiente tem como fim último o interesse público
e que justifica a responsabilidade objetiva. No ponto, a máxima Latina: Propter
privatorum commodum non debet communis utilitas praeiudicari
(a utilidade dos
particulares não pode prejudicar a utilidade comum) (MILARÉ, 2000).
Há uma corrente mencionada por Freire (1992)
que reclama a existência de
três requisitos, além do dano ao meio ambiente e nexo causal, necessários à
configuração do dever indenizatório: a anormalidade, a periodicidade e a gravidade do
prejuízo.
156
Para verificação da anormalidade deve-se considerar a normalidade que
decorre da atividade do pretenso responsável. A anormalidade se verifica quando há
uma modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal
grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Gravidade
é quando se transpõe o limite máximo de absorção de agressões que possuem os
seres humanos e os elementos naturais. Deve ser periódico, não bastando a eventual
emissão poluidora.
Por certo que a multiplicidade de situações, aconselha que se examine cada
caso frente às peculiaridades apresentadas. No conceito de dano já estão implícitas a
anormalidade e a gravidade. O direito nada mais é do que a realização do razoável, do
lógico, do justo. No caso específico da poluição industrial, a compatibilização da
evolução econômica e social com a preservação da qualidade ambiental constitui
princípio constitucional.
Impossível imaginar, no atual estágio da evolução humana, um Estado e
uma sociedade sem fábricas, sem indústrias, sem atividade mineral, sem atividade
agropecuária, sem abertura de novos loteamentos, sem abertura de estradas, sem
veículos automotores. Desse modo, a fumaça das chaminés e dos veículos e as
escavações para aproveitamento das jazidas minerais devem ser consideradas como
elementos normais e circunstanciais do processo econômico. Não se cogita em
indenizar pela simples instalação de uma fábrica com sua chaminé, nem a construção
de uma barragem de rejeitos, por si só, constituirá fator de indenização. São atividades
normais e, como tais, devem ser toleradas pela sociedade. Dentro de uma visão
racional, não se pode negar a utilidade dessas atividades e os benefícios econômicos e
sociais que proporcionam.
Avaliar se uma atividade causa ou não poluição ou transtorno além do que é
suportável parte do art. 8º da Lei nº 6.938/81, que dá competência ao Conselho
Nacional do Meio Ambiente para estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente.
Os parâmetros de conduta do particular estão previstos no art. 14 da lei
supracitada, que limita o art. 3º da lei nº 7.347/85, dando-lhe foros de legalidade. Não é
qualquer alteração das condições ambientais que pode ser considerada poluição.
157
Em se tratando de questões ambientais, não se pode formular um modelo
único, aplicável a todas as situações, visto que a diversidade de possibilidades impõe
ao julgador análise das particularidades de cada caso concreto. A questão é complexa
porque envolve vários elementos, que se entrelaçam e integram, provocando o
resultado final.
No ponto, Freire (1992, p. 157)
menciona alguns casos práticos que devem
ser considerados na verificação da efetivação ou não do dano ambiental.
Casos: a) uma pedreira que, mesmo utilizando quantidade de explosivos
aprovada pelo órgão ambiental, após estudos sismográficos, provoca, com sua
atividade, rachaduras em edificações vizinhas; b) uma indústria que, mesmo
lançando fumaça dentro dos limites de tolerabilidade legalmente previstos,
causa doenças pulmonares aos integrantes da comunidade local". Para estes
casos, devem ser examinados fatores tais como: a) se o dano decorre da
atividade normal da empresa, ou decorre de ato imprevisto (estouro de
barragem, danificação inesperada de um filtro, etc); b) a pré-ocupação da
indústria; c) a adequação da norma ambiental; d) a regularidade da empresa
sob o aspecto administrativo; e) a correta implementação dos projetos
ambientais.
O causador do dano ambiental é obrigado, independentemente da culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua conduta.
Assim, se se tratar de dano ambiental, ainda que se trate de empresas que
exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, aplica-se a teoria da
responsabilidade objetiva.
Na vigência do Código Civil de 1916, não restava dúvida que a
responsabilidade do empregador era subjetiva, ou seja, dependente de prova de culpa
da empresa. O fundamento utilizado na prática forense não divergia muito do velho
conhecido artigo 159 do Código Civil, que, em suma, dizia que todo aquele que
causasse dano por ação ou omissão era obrigado a reparar o dano causado. Ou seja,
na sistemática do antigo Código, em caso de acidente de trabalho, o empregado devia
provar a culpa da empresa, por exemplo, por falta de equipamento de proteção, para
que se gerasse o dever de indenizar do empregador.
Com o novo Código Civil, muitos estão defendendo que houve uma
modificação nesse caso; que ao invés de responder o empregador subjetivamente, por
culpa, agora ele responderia de forma objetiva, sem culpa, tendo em vista a cláusula
geral de responsabilidade objetiva por desempenho de atividade de risco prevista no
158
novo Código, no parágrafo único do artigo 927 (“haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”); defendem que sob a égide de um contrato de trabalho, há um risco
inerentemente assumido pelo empregador, e previsível a ocorrência de acidentes em
seus empregados, sendo então objetiva a responsabilidade do empregador, e
questionam ainda se seriam beneficiados os empregados não diretamente expostos ao
risco.
Com o devido respeito, para os que respondem que seria aplicável esse
dispositivo para o caso de acidentes de trabalho típico ou tipo, e que tecem esses
questionamentos, ou seja, que com o novo Código Civil o empregador responde
objetivamente, sem culpa, e como dissemos supra não é a Constituição que deve estar
conforme o Código Civil, mas este àquela. É o que pretendemos demonstrar no próximo
capítulo.
159
CAPITULO 7
A REPARAÇÃO DO DANO NOS ACIDENTES DE TRABALHO
7.1 Esclarecimentos iniciais
No capítulo primeiro ao falarmos sobre responsabilidade civil trouxemos seu
conceito e classificação e abordamos não só a noção da responsabilidade subjetiva ou
teoria da culpa como, também, a da responsabilidade objetiva ou teoria do risco.
Entretanto, deixamos para o presente capítulo tecermos outras considerações sobre a
teoria do risco, por entendermos ser agora mais apropriadas, como se verá adiante.
no capítulo quinto discutimos aspectos relevantes do dano moral como
sua noção jurídica, seu conceito, trazendo inclusive estudos de direito comparado e,
especificamente, sobre o direito brasileiro fez-se abordagem da sua evolução histórica
desde o Código de Teixeira de Freitas, o Código Civil de 1916, os projetos legislativos
anteriores ao Código Civil de 2002 e a responsabilidade no atual Código Civil.
Trataremos no presente capítulo como entendemos a reparação do dano moral, no que
tange ao acidente do trabalho, pois a nosso ver, enquanto não houver alteração do
dispositivo Constitucional que trata da espécie - inciso XXVIII, art. 7º - continua a ser
empregada a responsabilidade subjetiva e, não, como pensam alguns, já haver
autorização para que a teoria do risco – responsabilidade objetiva – seja a aplicável.
7.2 Introdução
A importância do equilíbrio e da harmonização social, a partir da reparação
dos danos, torna o tema da responsabilidade civil ou penal um dos mais relevantes
para as ciências humanas, especialmente para a jurídica. Portanto, aquele que por sua
conduta ou exercício de atividade produz uma modificação negativa no mundo exterior,
violando direitos de outrem, deverá responder pelos seus atos com fito de satisfazer
não só o lesado, mas principalmente, visando à paz social.
160
Os imensuráveis e estarrecedores casos de acidentes do trabalho, na sua
grande maioria oriundos do descaso dos empregadores em manter um meio ambiente
laboral salutar e outras vezes pelos riscos próprios da atividade econômica das suas
empresas, afrontam o princípio constitucional da dignidade humana e da integridade
física, psíquica e moral do trabalhador.
O acidente de trabalho é evento danoso tanto para a vítima quanto para seus
dependentes e, em muitos casos, é irreparável, devido à extensão de seus efeitos. Mas
se o direito à vida e à integridade física do trabalhador é violado pela ocorrência de
sinistro relacionado ao meio ambiente laboral, ocasionando-lhe perda parcial ou total,
temporária ou permanente da sua capacidade para trabalhar ou até mesmo a morte, tal
dano deverá ser reparado, ao menos pelo seguro social, independentemente de culpa
do empregado ou empregador, ainda que tal indenização apenas mitigue o mal sofrido.
É imperiosa, portanto, a reparação do dano causado a outrem para, na medida do
possível, desfazer seus efeitos funestos e restituir “statu quo ante” aquele que sofreu o
prejuízo.
Por sua natureza social, a responsabilidade civil decorrente de acidente do
trabalho funda-se em norma cogente de caráter público elevado à categoria
constitucional.
A nossa Carta Magna assegura ao trabalhador, com base nos princípios da
valorização do trabalho e da dignidade humana, o direito ao meio ambiente laboral
salutar e entre outros direitos o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em
dolo ou culpa" (CF/88. art. 7º, inc. XXVIII). E determina que a Previdência Social
atenderá, em concorrência com o regime de seguro privado, a cobertura dos riscos de
acidente do trabalho, inclusos eventos de doença, invalidez ou morte (CF/88, art. 201,
inc. I e § 10).
Mas no que tange à reparação a lesão ao meio ambiente, inclusive, ao meio
ambiente do trabalho, a Constituição, cujo bem maior protegido é a vida, determina
também, em seu parágrafo 3º, artigo 225 que:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
161
Na combinação desses dispositivos está delimitada a fundamentação legal e teórica
para as normas infraconstitucionais relativas à reparação acidentária laboral, seja de
cunho civil, administrativa ou penal. E, infere-se das normas mencionadas que a
responsabilidade civil poderá ter natureza contratual ou extracontratual, cujos
pressupostos básicos são: a ocorrência de dano, nexo causal entre o evento danoso e
o dano e a causa oriunda de ato ilícito ou não.
Sendo assim, o tema está compreendido tanto pelas teorias civilistas (teoria da culpa
civil ou da responsabilidade subjetiva) quanto pelas teorias publicistas (teoria do risco
ou da responsabilidade objetiva), ou seja, para o primeiro caso – responsabilidade
subjetiva – se ocorrer acidente de trabalho com um trabalhador, hoje, esta é a teoria
que se aplica como, por exemplo, um empregado que ao utilizar uma serra elétrica
deixa de colocar a coifa protetora e vier a sofrer a amputação de dois ou mais dedos de
sua mão direita. Para uma possível reparação e responsabilização do seu empregador
e indenização respectiva terá o operário que provar o dolo ou a culpa deste. Mas, como
visto supra “se se tratar de dano ambiental, ainda que se trate de empresas que
exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, aplica-se a teoria da
responsabilidade objetiva”.
Entretanto, não desconhecemos que se um empregado é vitimado por
acidente de trabalho e vier a pleitear benefício previdenciário junto ao Órgão
Previdenciário – INSS – quanto a este, a responsabilidade pela concessão dos
benefícios previdenciários é objetiva, independente de culpa. No caso, basta ao
trabalhador-segurado provar o evento, o dano e o nexo causal entre estes.
7.3 Teorias sobre a natureza do risco
Segundo Cavalieri Filho (1999) várias foram as concepções que embasaram
a teoria do risco e que podem ser assim resumidas:
a)Teoria do risco-proveito – funda-se essa teoria na idéia de que aquele que
tira proveito da atividade danosa é responsável pela reparação do dano.
Porém, aplica-se somente aos exploradores de atividades econômicas, e ao
lesado impende provar a existência do proveito.
b)Teoria do risco criado – por essa teoria "aquele que, em razão de sua
atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que
162
causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas de evitá-lo".
Dessa elucidação se infere, que prescinde a prova do proveito da atividade.
c)Teoria do risco profissional – esta teoria foi desenvolvida especificamente
para justificar a reparação dos prejuízos advindos de acidentes do trabalho, e
sustenta ser suficiente a lesão, seja em decorrência da atividade ou da
profissão do lesado.
d)Teoria do risco excepcional – voltada para responsabilizar exploradores de
atividades de riscos coletivos (exploração de energia nuclear, materiais
radioativos, ect.), que podem lesar até mesmo terceiros alheios a estas
atividades.
e)Teoria do risco integral – para esta teoria basta haver o dano para
caracterizar o dever de indenizar. Não admite quaisquer causas excludentes
da responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, de terceiros, caso fortuito ou
força maior).
Afirma, também, que em qualquer das modalidades, a teoria do risco se
resume na seguinte afirmação:
"Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por
quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa" (CAVALIERI FILHO, 1999, p. 145).
Por conseguinte, para assegurar o ressarcimento ao prejudicado, cabe
verificar se ocorreu o evento e dele emanou o dano, não se cogitando da imputabilidade
ou antijuridicidade do fato danoso. É satisfatória a relação de causalidade entre o
prejuízo e aquele que materialmente o causou, isto é, basta o nexo causal entre o dano
e o fato gerador. O agente deve ser responsabilizado pelo simples fato da ocorrência do
fato danoso prejudicial a outrem, relacionado à atividade exercida, visto que aquele
assumiu, ao explorá-la, todos os riscos a ela inerentes.
Segundo o escólio de Diniz (2004, v. 6, p. 12) a crescente tecnização dos
tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens
em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores,
aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação
da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. Este
representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser
garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos
trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano
deve ter um responsável.
Isso ocorreu porque a responsabilidade com base na culpa se tornou
insuficiente para solucionar questões complexas em torno de eventos danosos oriundos
dos riscos de determinadas atividades econômicas, especialmente dos eventos
sinistros ocorridos no ambiente laboral.
163
Assim, surgiu a responsabilidade com fundamento nos riscos de atividade
responsabilidade objetiva - cujos pressupostos são apenas a existência do prejuízo e a
relação entre este e o evento danoso que o causou (nexo causal).
Devemos levar em conta que os acidentes do trabalho constituem fenômeno
de múltiplas facetas. Sua ocorrência costuma trazer à tona no mínimo a face
existencial, a técnica e a jurídica. Ou seja, simultaneamente ao drama existencial que
produz para vítimas, familiares e pessoas próximas, os acidentes costumam ser
seguidos de iniciativas técnicas visando à compreensão de suas causas e podem
ensejar ações também na esfera judicial.
Essa visão do aspecto jurídico não se pode distanciar do aspecto técnico, ou
seja, conhecermos as teorias dos especialistas acerca dos acidentes que ocorrem em
razão do trabalho.
7.4 Concepções de acidente
A análise de acidentes é sempre influenciada pela visão ou compreensão do
analista acerca desses eventos. No entanto, nem sempre os valores ou pontos de vista
implícitos numa determinada concepção são claramente assumidos ou compreendidos
por esse mesmo analista.
A própria idéia da existência de uma determinada concepção de acidente
associada a cada proposta de análise pode causar estranheza tal é a freqüência com
que essas propostas são enunciadas como técnicas assépticas ou neutras.
Pode-se afirmar que predomina, no Brasil e no mundo, a compreensão de
que o acidente é um evento simples, com origens em uma ou poucas causas,
encadeadas de modo linear e determinístico. Sua abordagem privilegia a idéia de que
os acidentes decorrem de falhas dos operadores (ações ou omissões), de intervenções
em que ocorre desrespeito à norma ou prescrição de segurança, enfim, “atos inseguros”
originados em aspectos psicológicos dos trabalhadores.
Fazendo-se uma abordagem das causas que determinam os acidentes de
trabalho há de se intuir que o nosso legislador constituinte ao estabelecer a teoria da
culpa – responsabilidade subjetiva – para determinar a responsabilidade em matéria de
164
acidente do trabalho, haveremos de concluir que ele não o fez de maneira aleatória,
pois muitos são as variáveis abordadas por especialistas como se verá a seguir. E o fez
de maneira a atingir os empregados, pois o grande empresariado é o financiador
natural dos custos de campanha eleitoral. É preciso que seja mudado o dispositivo da
Constituição, haja vista que pela nossa tradição romano-germânica, por melhores que
sejam as decisões do Judiciário e também, ainda que tenhamos grandes textos
doutrinários a nossa concepção sempre se volta para o que está na lei. É sempre na lei
que vamos buscar o fundamento para uma decisão.
Os comportamentos são considerados como frutos de escolhas livres e
conscientes por parte dos operadores, ensejando responsabilidade do indivíduo. A
dimensão coletiva aparece associada com noção de cultura de segurança,
compreendida como soma dos comportamentos dos indivíduos. A cultura de segurança
seria construída com a adoção de estruturas hierárquicas e disciplina rígida. Em alguns
casos a referência ao modelo de organizações militares e instituições totais é explícita.
Com pequenas diferenças, às vezes, apenas de ênfase, essa forma de
conceber o acidente recebe denominações como: centrada na pessoa (REASON,
1997), paradigma tradicional (LLORY, 1999), acidente normal ou sistêmico (PERROW,
1999), centrada no erro (HOLLNAGEL, 2002). Segundo Llory (1999), essa é a única
forma de conceber o acidente que alcançou o status de paradigma, no sentido dado por Kuhn
ao termo.
A seguir, de modo resumido, apresentaremos algumas das propostas de
sistematização desse tema que estão presentes na literatura especializada.
Reason (1997) classifica duas concepções de acidentes como sendo “da
engenharia” e a “organizacional”. A concepção da engenharia enfatiza a quantificação
da probabilidade de eventos ou aspectos associados, e as falhas de concepção
ensejando o surgimento de propostas de sistemas de gestão de segurança e da saúde
no trabalho e de melhoria das interfaces de troca de informações. Abordagens de
confiabilidade que privilegiam cálculos de probabilidade são apontadas como exemplos
desse enfoque. Essa forma de conceber o acidente mostra-se pouco difundida no
Brasil, sendo praticamente inexistentes experiências e publicações que a tenham
adotado, sobretudo como instrumento para abordagens de acidentes.
165
Na concepção organizacional, Reason (1997) considera que o erro é muito
mais conseqüência do que causa e que suas origens estariam em condições latentes,
incubadas na história do sistema.
O modelo de acidente organizacional proposto por Reason (1997) enfatiza o
fato de o acidente apresentar origens latentes, associadas às escolhas estratégicas
adotadas desde sua concepção e às políticas de gestão assumidas. O autor
critica as análises de acidentes que se restringem à identificação de falhas humanas
que ocorrem nas proximidades da lesão e do acidente propriamente dito porque eles
têm pouca importância para a prevenção. Segundo ele, a gestão da segurança e da
saúde passa a recomendar medidas pró-ativas e a busca de reformas contínuas do
sistema, como por exemplo, as estratégias de qualidade.
Llory (1999) em seu modelo psicoorganizacional de acidentes não perde de
vista a importância da compreensão de aspectos técnicos presentes em acidentes, mas
ressalta sua insuficiência para a compreensão desses eventos. O acidente é apontado
como potencialmente revelador de aspectos da história da organização, sobretudo
daqueles relacionados às suas origens, que estavam incubados ou adormecidos. A
dimensão subjetiva é reconhecida tanto em nível individual, quanto no das relações
horizontais e verticais estabelecidas historicamente nas situações de trabalho. Ou seja,
ressalta-se a necessidade de explorar tanto aspectos conjunturais, ditos sincrônicos,
como aqueles construídos ao longo da história de vida das pessoas e da organização,
ditos diacrônicos.
Na visão de Perrow (1999) a teoria do acidente normal ou sistêmico dá
origem a uma concepção de acidente que tem vida própria e é adotada sobretudo em
estudos de desastres ocorridos em sistemas técnicos complexos, com conseqüências
que estendem-se muito além dos muros da organização em si. Para ele nesse tipo de
sistema, sempre haverá interações de natureza inesperada, complexas,
incompreensíveis em tempo real para os operadores e capazes de desencadear, de
modo irreversível, o processo acidental. O acidente é normal não por ser freqüente,
mas sim por ter origem em propriedades inerentes ao sistema.
A concepção proposta por Hollnagel (2005) dita da gestão da variabilidade
de desempenhos, destaca contribuições de abordagens cognitivas rompendo com a
166
leitura que vê o erro sempre como evento negativo. A variabilidade do trabalho tanto
pode ser negativa como positiva. No caso de sistemas sócio-técnicos abertos que
alcançaram bons desempenhos em termos de segurança e confiabilidade, essa
variabilidade mostra-se associada, sobretudo, aos componentes humanos, sendo
fortemente influenciada pela compreensão dinâmica da atividade em todos os seus
momentos. Em outras palavras, trabalhar implica a adoção de estratégias cognitivas de
gestão da atividade: do planejamento à execução. As representações mentais do que
vai ser e do que está sendo feito são influenciadas por aspectos do tempo (hora do dia,
“idade” dos componentes etc.), da história do indivíduo, dos grupos e da empresa a que
se vincula, como das características técnicas e organizacionais do sistema e do
contexto sócio-político-econômico em que esse está inserido. Assim é que a
compreensão de um ruído, por exemplo, pode ser diferente para um novato e um
trabalhador experiente; ou para um membro de equipe de empresa contratada e
trabalhador da contratante que atua há anos naquele setor.
O erro é um dos sinais que orienta a compreensão da equipe acerca do que
está ocorrendo, do controle ou não da atividade, em cada momento. De acordo com
esse enfoque, sua ocorrência revela que a representação mental da atividade tanto dos
objetivos (o que fazer), seja do como fazer, não está em consonância com a realidade.
Distanciou-se dela. No entanto, os procedimentos usados para elaborar e atualizar esse
modelo mental, enfim, o próprio modelo adotado, foram exatamente os mesmos usados
nas situações sem acidente. De acordo com ele as origens dessa variabilidade podem
ser identificadas e monitoradas.
Em publicação feita no Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, onde vem
inserido resumo de tese de doutorado de Vilela (VILELA; IGUTI; ALMEIDA, 2004) este
demonstra que
no Brasil, o modelo explicativo monocausal centrado na culpa da vítima vem
se mantendo intocável no meio técnico-industrial, em meios acadêmicos mais conservadores e
em organismos oficiais, mesmo após inúmeras críticas publicadas nas décadas de 80 e 90.
Esta manutenção silenciosa não seria uma demonstração de que este modelo é conveniente e
interessante pra esconder as verdadeiras causas dos acidentes do trabalho?
O mais impressionante é a conclusão que chegou após analisar diversos
laudos efetuados pelo Instituto de Criminalística Regional de Piracicaba.
167
Com efeito, diz que: Após analisar os laudos e dados obtidos das
investigações de acidentes graves e fatais do trabalho efetuadas pelo Instituto de
Criminalística (IC), Regional de Piracicaba, concluímos que os acidentes envolvendo
máquinas representam 38,0%, seguido pelas quedas de altura (15,5%) e em terceiro
lugar os causados por corrente elétrica (11,3%). Os laudos concluem que 80,0% dos
acidentes são causados por “atos inseguros” cometidos pelos trabalhadores, enquanto
que a falta de segurança ou “condição insegura” responde por 15,5% dos casos. A
responsabilização das vítimas ocorre mesmo em situações de elevado risco em que
não são adotadas as mínimas condições de segurança, com repercussão favorável ao
interesse dos empregadores. Observa-se que estas conclusões refletem os modelos
explicativos tradicionais, reducionistas, em que os acidentes são fenômenos simples, de
causa única ,centrada via de regra nos erros e falhas das próprias vítimas. A despeito
das críticas que tem recebido nas duas últimas décadas no meio técnico e acadêmico,
esta concepção mantém-se hegemônica prejudicando o desenvolvimento de políticas
preventivas e a melhoria das condições de trabalho.
Construiu-se então um modelo conveniente e útil para a descaracterização
da culpa do empregador ou de seus prepostos, mantendo-se deste modo um clima de
impunidade em relação aos acidentes do trabalho. Cabe destaque o fato de que nossa
teoria jurídica no acidente de trabalho assenta-se na responsabilidade subjetiva,
baseada na necessidade de demonstração de culpa do empregador. E isso precisa ser
mudado, apesar de já encontrarmos na doutrina nacional vozes que entendem que para
tais casos a aplicação da teoria do risco já vem autorizada em nosso ordenamento
jurídico. Entendemos que não, apesar de respeitar as opiniões destoantes.
7.5 A reparação, hoje, dos acidentes de trabalho
Já vimos antes que mesmo quando o Código Civil de 1916 ainda não havia
entrado em vigor no nosso ordenamento jurídico e, tendo em vista a influência da
cultura européia no nosso direito positivo, já se fazia presente a nova doutrina e,
depois, especificamente, sobre a responsabilidade para a reparação de acidente do
168
trabalho foi estabelecida a “responsabilidade objetiva”, segundo se via do Decreto n.
24.687/34 – Lei de Acidentes do Trabalho.
Já dissemos antes “que para todos os casos que possam ser considerados
de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa,
deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo
Código Civil”, todavia, não se aplica o parágrafo único do artigo 927 do novo Código
Civil aos acidentes de trabalho. É o que procuraremos demonstrar a seguir.
7.5.1 A cláusula geral da teoria do risco prevista no parágrafo único do art. 927 do
Código Civil
Cabe-nos aqui indagar, se a novidade trazida pelo parágrafo único do artigo
927 do Código Civil em termos de responsabilidade civil a qual acolhe a obrigação de
reparar o dano, independentemente da culpa do agente causador deste, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normal desenvolvida por quem causar o
dano for por sua própria natureza de risco para os direitos de outrem, tem aplicabilidade
nos casos de acidente de trabalho.
Com efeito, em franco antagonismo, duas correntes doutrinárias se
estabeleceram entre os juristas pátrios quanto a sua aplicabilidade aos casos de
acidente de trabalho. A primeira entendendo que se aplica a novidade. A segunda, por
óbvio, entende que não. Para efeitos didáticos denominá-la-emos de “Positivista” e
“Negativista”, mas explicando de logo que não possuem qualquer traço com as
doutrinas filosóficas conhecidas.
7.5.1.1 A corrente positivista
Com efeito, e, sinteticamente, podemos anunciar que os doutrinadores desta
corrente sustentam ter o novo dispositivo inteira aplicação no caso de acidente do
trabalho, pois a previsão do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal deve ser
interpretada em harmonia com o que estabelece o seu caput, já que o rol dos direitos
mencionados ali não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente
169
outros que visem à melhoria da condição social do trabalhador. Sobre a possível
incompatibilidade do que está previsto no Código Civil em relação ao princípio
constitucional, asseveram estes doutrinadores que o princípio realmente consagrado no
inciso XXVIII do art. 7º é o de que cabe a indenização por reparação
independentemente dos direitos acidentários. Exemplificam com o artigo 121 da Lei n.
8.213/91 que ao estabelecer que “O pagamento, pela Previdência Social, das
prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou
de outrem”. Alegando que “a responsabilidade civil foi mencionada genericamente, o
que leva a concluir que todas as espécies estão contempladas e que só haveria
incompatibilidade se a redação do inciso XXVIII tivesse como ênfase a limitação a uma
espécie de responsabilidade, como, por exemplo, se a redação fosse assim lavrada:
“Só haverá indenização por acidente de trabalho quando o empregador incorrer em
dolo ou culpa”. Outro argumento utilizado por esta corrente é de que “a indenização do
acidentado, como apoio na teoria da responsabilidade objetiva, visa à melhoria da
condição social do trabalhador”.
Outro argumento que utilizam os partidários da corrente positivista tem
contornos históricos, pois “o desenvolvimento da responsabilidade objetiva tem estreita
ligação com a questão dos acidentes do trabalho, e é nesse tema, tão aflitivo para o
trabalhador, que a teoria do risco encontra primazia de sua aplicação e a maior
legitimidade dos seus preceitos”.
Apontamos em seguida argumentos e exemplos trazidos por doutrinadores
brasileiros que abraçam a aplicabilidade da inovação trazida pelo parágrafo único do
art. 927 do Código Civil Brasileiro de 2002 aos casos de acidente do trabalho. Oliveira
(2005, p. 83) argumenta que a responsabilidade sem culpa já tem presença não só na
nossa Constituição, exemplificando com os danos nucleares, art. 21, XXIII, c, na
obrigação de ser reparado os danos ambientais, art. 225, § 3º, como, também, na Lei n.
6.938/81 que traça a política nacional do meio ambiente a qual em seu art. 14, § 1º
prevê que o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar
os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Também dá ênfase ao Código de Defesa do Consumidor dizendo que este “contempla
abertamente a teoria objetiva, prevendo a reparação independentemente da existência
170
de culpa” e que “hoje resta superada ou, pelo menos abalada a posição doutrinária de
que a responsabilidade civil subjetiva era a regra básica no Brasil”. Reforça sua
argumentação com escólio doutrinário de Sergio Cavalieri Filho o qual diz que o CDC
trouxe avanços extraordinários nessa área “ao fazer da responsabilidade objetiva regra
para todas as relações de consumo” enfocando logo em seguida que “não haverá
nenhuma impropriedade em se afirmar que hoje a responsabilidade objetiva, que era
exceção, passou a ter um campo de incidência mais vasto do que a própria
responsabilidade subjetiva. O Juiz mineiro encerra sua argumentação doutrinária dizendo que
[...] uma vez consolidada a estrutura básica da responsabilidade objetiva
surgiram várias correntes com propósitos de demarcação de seus limites,
criando modalidades distintas da mesma teoria, mas todas gravitando em torno
da idéia central do risco e podemos indicar as teorias do risco proveito, do risco
criado, do risco profissional, do risco excepcional e do risco integral. (OLIVEIRA,
2005, p. 83).
Com muita argúcia traz um lúcido exemplo ao dizer “que não faz sentido a
norma ambiental proteger todos os seres vivos e deixar apenas o trabalhador, o
produtor direto dos bens de consumo, que muitas vezes, consome-se no processo
produtivo, sem proteção legal adequada. Ora, não se pode esquecer – apesar de óbvio,
deve ser dito – que o trabalhador também faz parte da população e é um terceiro em
relação ao empregador poluidor. Além disso, não há dúvida de que o ruído, a poeira, os
gases e vapores, os resíduos, os agentes biológicos e vários produtos químicos
degradam a qualidade do ambiente do trabalho, gerando conseqüências nefastas para
a saúde do trabalhador”.
Melo (2006, p. 3270) diz que “a interpretação do inciso XXVIII do art. 7º da
CF precisa ser buscada levando-se em conta a finalidade e razão de ser do mesmo no
contexto da Constituição e do ordenamento jurídico como um todo”, argumentando em
seguida com base em Celso Ribeiro Bastos (apud MELO, 2006, p. 3270) que
[...] as normas constitucionais são como que envolvidas por uma camisa-de-
força. Destarte, o intérprete se vê na contingência de descobrir para além da
simples literalidade dos Textos o ‘para que’ e o ‘para quem’ da suas
prescrições, de sorte a distender o fio da interpretação até os limites daqueles
parâmetros sistemáticos [...]
o que deve fazê-lo levando em conta, como acrescenta o referido autor, que "a
importância da interpretação é fundamental em razão do caráter aberto e amplo da
171
Constituição, sendo que por isso os problemas de interpretação surgem com maior
freqüência que noutros setores do Direito”.
Em seguida traz ensinamento de Humberto Theodoro Junior (apud MELO,
2006, p. 3270) que acentua
[...] ser difícil inovar em doutrina acerca de velhos institutos, não pelos
embaraços da argumentação, mas porque há uma força muito atuante entre os
intérpretes e aplicadores do direito positivo, que é a lei da inércia, pois é, sem dúvida,
muito mais cômodo seguir antigos padrões, já estabelecidos de longa data na
praxe forense e nos manuais da doutrina, do que repensar soluções para os
quase complicados problemas da interpretação evolutiva das normas legais.
Argumenta a seguir que há um equívoco dos que interpretam na sua
literalidade norma que vem insculpida no inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição
Federal, baseando sua discordância “no caráter aberto da Constituição e no "porquê",
no "para que" e no "para quem" foi criada referida norma”.
Para infirmar sua tese assevera que não pode esse dispositivo ser
interpretado isoladamente, como tem sido feito. Assim, enquanto o § 3º do art. 225 da
Constituição Federal assegura a responsabilidade objetiva por danos ao meio
ambiente, incluído o do trabalho (CF, art. 200 - VIII), o inciso XXVIII do art. 7º fala em
responsabilidade subjetiva por acidentes de trabalho. Surge, desde logo, aparente
contradição/antinomia ou conflito de normas constitucionais. Enquanto o § 3º do art.
225, de âmbito maior, assegura a responsabilidade objetiva nos danos ao meio
ambiente, o inciso XXVIII do art. 7º, fala em responsabilidade subjetiva nos acidentes
individualmente considerados (MELO, 2006).
Com efeito, a partir do momento que se compreender o disposto no § 3° do
art. 225 como princípio maior (regra supralegal) que protege um direito fundamental - a
preservação da vida em todas as espécies -, difícil não é admitir a possibilidade de
mitigação do inciso XXVIII do art. 7º, norma de alcance menor, para se aplicar à
responsabilidade objetiva em determinados casos. Cabe observar que pela norma
supralegal do § 3º do art. 225, estabeleceu o constituinte, para os danos ambientais, a
responsabilidade objetiva, mas de maneira contraditória, tratou diferentemente os
acidentes de trabalho, que são a conseqüência maior dos danos que atingem o ser
humano trabalhador. Parece mesmo uma antinomia.
No sistema constitucional, as supostas antinomias ou tensões entre normas
da Constituição são resolvidas por meio dos princípios da unidade e da harmonização
172
dos textos constitucionais. Procura-se ponderar valores e delimitar a força vinculante e
o alcance de cada uma das normas em "conflito", para se harmonizá-las e otimizá-las a
fim de se produzir um equilíbrio sem negar por completo a eficácia de nenhuma delas.
“Estou certo de que não se pode fazer uma leitura tópica e isolada do inciso XXVIII do
art. 7º da Constituição. É necessário interpretá-lo em conjunto e de forma harmônica
com o disposto no § 3º do art. 225 da mesma Lei Maior.
A vida, como não resta dúvida, é o bem maior do ser humano e é
exatamente em função desse bem supremo que existe o Direito. Assim, não é lógico
nem justo que para a conseqüência do dano ambiental em face da vida humana se crie
maior dificuldade para a busca da reparação dos prejuízos causados ao trabalhador.
Desse modo, não mais se sustenta uma interpretação literal do inciso XXVIII do art. 7º
("seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa"), para desde
logo se concluir que se trata unicamente de responsabilidade subjetiva. Esse dispositivo
está umbilicalmente ligado ao caput do art. 7º, que diz textualmente: "São direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social (grifados)” (MELO, 2006, p. 3270).
Rocha (1997, p. 67) por seu turno entende que só haverá responsabilidade
objetiva em caso de degradação ambiental e subjetiva para o acidente de trabalho-tipo
individual, assim:
A Constituição estabelece que, em caso de acidente do trabalho, o empregador
pode ser responsabilizado civilmente, em caso de dolo ou culpa. O dispositivo
fundamenta-se no acidente de trabalho tipo individual. Contudo, ocorrendo
doença ocupacional decorrente de poluição no ambiente de trabalho a regra
deve ser da responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática ambiental,
na medida em que se configura a hipótese no artigo 225, §3º, que não exige
qualquer conduta na responsabilização ambiental. Em caso de degradação
ambiental no ambiente do trabalho, configura-se violação ao direito ‘ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado’, direito eminentemente metaindividual.
Como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a vida dos
trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser
outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva;
e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente
se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição
no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que
ocasiona as doenças ocupacionais.
Sady (2000) com base na doutrina de Rocha – que como vimos entende que
a responsabilidade do empregador deve ser objetiva para os casos de indenizações
173
quando se trata de doenças ocupacionais – nos traz um exemplo indagação: Imagine-
se o caso de uma empresa que polui um curso d’água destilando um poluente orgânico
persistente, que gera doenças terríveis para o empregado, assim como a degradação
do curso d´água. O terceiro que tem uma propriedade ribeirinha prejudicada irá gozar
do conforto de tal responsabilidade objetiva do poluidor, enquanto o empregado doente
terá que provar a culpa da empresa?
7.5.1.2 A corrente negativista
A corrente que denominamos de “Negativista” em franco antagonismo à
corrente “Positivista”, entende que não pode o parágrafo único do art. 927 do Código
Civil Brasileiro ser aplicado nas hipóteses de acidente do trabalho argumentando que a
Constituição Brasileira estabelece expressamente que somente no caso de culpa do
empregador é que será devida a indenização.
Com efeito, Stoco (2004, p. 606) com lucidez pensa que
[...] se a Constituição estabeleceu, como princípio, a indenização devida pelo
empregador ao empregado, com base no direito comum, apenas quando
aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode prescindir desse elemento
subjetivo com fundamento no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
Realmente e como já se apontou supra norma de hierarquia inferior não
pode contrariar a previsão constitucional.
Em oposição a teoria da responsabilidade objetiva vozes consagradas se
alevantaram e argumentos não menos consistentes argúem “se formos dar demasiada
atenção à vitima, acaba por se negar o princípio da justiça social, impondo cegamente o
dever de reparar, levando-se a equiparar o comportamento jurídico e injurídico do
agente” (PEREIRA, 2002, p. 271). Por sua vez Aguiar Dias (apud PEREIRA, 2002, p.
271) aponta que “se os pressupostos da culpa for afastado, aquele que age
corretamente, tomando todas as medidas recomendáveis para evitar os danos,
receberia o mesmo tratamento do outro que atua displicentemente”. Considerados os
mais ferrenhos adversários da doutrina do risco argumentam os irmãos Mazeaud e
Mazeaud (1947, t. 1) “que a equidade exige também que não se inquiete aquele cujo
procedimento é irrepreensível”.
174
Como se pode observar estamos perante dois pólos: um objetivo – do risco;
outro subjetivo da culpa. Mas não é só. Com efeito, há uma aparente antinomia entre
normas constitucionais. O inciso XXVIII do art. 7º e o §3º do artigo 225 da Constituição
Federal.
Em seguida vamos procurar buscar uma solução adequada para esta
aparente antinomia.
7.5.1.3 A responsabilidade do empregador ante a Previdência Social e do § 3º do artigo
225 da Constituição Federal
A infortunística, matéria legal que trata dos riscos das atividades econômicas,
especialmente dos riscos de acidentes do trabalho e doenças profissionais, tem por
fundamento a teoria do risco. Por essa razão as leis acidentárias do sistema jurídico de
vários países, inclusive no Brasil, para dar respaldo aos anseios dos cidadãos ávidos
por justiça, consagraram a aplicação da responsabilidade objetiva para a reparação dos
danos às vítimas de infortúnios relacionados ao meio ambiente do trabalho.
Vale ressaltar que em nosso país, o dever da Previdência Social de indenizar
por acidente do trabalho tem fulcro na teoria do risco integral. Basta o empregado ou
seus dependentes provar a relação de emprego e que o dano foi decorrente de uma
situação relacionada ao seu trabalho. Não afastam seus direitos as tradicionais causas
excludentes ou atenuantes da responsabilidade: culpa exclusiva da vítima, força maior,
caso fortuito ou fato de terceiro.
Assim, como já está previsto no sistema jurídico pátrio, a responsabilidade
para indenizar sem culpa, advém de determinação legal. Várias legislações (Decreto
Legislativo nº. 3.724/19, Decreto nº. 24.637/34, Decreto nº. 7.036/44, Decreto-lei nº.
293/91, Lei nº. 5.316/67, Lei nº. 6.367/76) trataram da infortunística. Hoje a lei
acidentária (Lei nº. 8.213/91), que é obrigatória e impositiva, estipula em dois prismas a
responsabilidade objetiva para assegurar a relação jurídica do seguro social e o direito
de reparação da vitima de acidente. Por um lado, impõe ao empregador
responsabilidade objetiva de natureza previdenciária – o ônus de arcar com a
manutenção do seguro coletivo para reparação dos danos decorrentes de acidente do
175
trabalho, haja ou não ocorrência de sinistros relativos ao seu empreendimento, além de
obrigá-lo a arcar com a responsabilidade de natureza trabalhista de pagar os primeiros
quinze dias de afastamento do empregado e de garantir-lhe a estabilidade acidentária
de um ano, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de
percepção de auxílio-acidente, conforme previsão nos artigos 29 e 118,
respectivamente, da Lei 8.213/91. Por outro lado, impõe à Previdência Social, a
responsabilidade objetiva de dar cobertura à vítima que provar sua relação de emprego
e o nexo causal entre o acidente e a atividade profissional exercida, indenizando-a,
independente de esta haver recebido as parcelas do seguro do empregador, cabendo-
lhe cobrar deste as contribuições previdenciárias devidas.
Mas, é bom lembrar que embora o empregador se responsabilize
objetivamente pela manutenção do seguro social, este ou os seus prepostos não
estarão livres de ressarcir a Previdência Social dos gastos inerentes à cobertura
indenizatória, se foram negligentes quanto à implementação das normas de higidez e
segurança do trabalho. À Previdência Social foi assegurado o direito de regresso,
contra eventuais responsáveis pelo acidente do trabalho, nos termos do artigo 120 da
Lei nº. 8.213/91.
A função teleológica da lei acidentária é assegurar o mínimo ao trabalhador
acidentado e evitar que a vitima de sinistro trabalhista fique sem amparo, caso não
obtenha a reparação do dano sofrido segundo as normas do direito comum. Outra
finalidade, também de cunho social, é impedir o fim de pequenas empresas que não
suportariam o ônus da indenização. Razões por que se buscou a socialização dos
riscos, mediante a seguridade social.
Vale evidenciar que a extensão da reparação do infortúnio é definida nos
limites previstos na lei. Assim, se fica assegurado ao lesado o direito de indenização,
em contrapartida, o seguro social não cobre todos os prejuízos causados pelo acidente,
sendo o ressarcimento menor do que aquele que poderia ser conseguido segundo as
normas gerais de indenização, embasadas na culpa do causador do dano.
Existe, por evidente, uma compensação tanto para o empregador quanto
para o empregado. Este sempre será indenizado, embora com valor menor, sem
necessitar provar a culpabilidade daquele. O empregador, por sua vez, é obrigado a
176
custear o seguro social, independentemente da ocorrência de acidente, mas se livrará
de pagar uma indenização maior se houver o sinistro e a ação reparatória.
Monteiro (1995a, p. 397) explica “que tudo se resolve, pois, sob a égide do
risco profissional; o exercício de sua atividade expõe o operário a vários acidentes; é
justo que esse risco seja compartilhado pelas duas partes, pelo patrão e pelo
empregado".
Deve ser compreendido, então, que o risco gerado por acidente do trabalho
deve ser repartido entre o empregador e o empregado. Cabe ao empregador pagar o
seguro social e garantir a estabilidade no emprego por doze meses, enquanto ao
empregado corre o risco de se acidentar e ter redução de suas habilidades para o
trabalho e, na maioria das vezes, receber os valores de auxílio-doença ou da
aposentadoria por invalidez ou especial inferiores à remuneração que receberia se não
fosse vítima de acidente, haja vista ser a indenização compatível com o salário-
contribuição e não com o salário real.
Vislumbra-se, por certo que em matéria de acidente do trabalho típico há
responsabilidade objetiva para a Previdência Social, já que é esta quem responde pela
indenização que couber ao empregado. Em contra partida há responsabilidade objetiva
do empregador, haja vista que está obrigado pela manutenção do seguro social.
Também, tem aquela direito de regresso contra o empregador pelo acidente do
trabalho, nos termos do artigo 120 da Lei nº. 8.213/91.
Mas, todos sabem que a reparação de natureza previdenciária, em muitos
casos, não mitiga os infortúnios dos lesados, pois não compensam as mutilações e
doenças profissionais adquiridas em ambiente laboral inadequado. E o que deverá ser
feito para que a vítima de acidente laboral típico tenha respaldo na teoria do risco para
exigir indenização do seu empregador diante do obstáculo que se apresenta na nossa
Carta Magna, a qual em seu artigo 7º inciso XXVIII estabelece o dever do empregador
de indenizar apenas quando ficar comprovado que este agiu com dolo ou culpa para a
ocorrência do acidente?
Mais adiante procurar-se-á trazer uma solução para este angustiante
problema, pois, como se verá a seguir, que a outra conclusão não se poderá chegar se
e quando o acidente do trabalho for originário de danos ambientais, nos termos do
177
parágrafo 3º, do artigo 225 do Texto Maior combinado com os dispositivos do parágrafo
1º, do artigo 14 da Lei nº. 6.938/81 e do artigo 120 da Lei nº. 8.213/91. Aqui, a toda
evidência, a responsabilidade do empregador é objetiva, senão vejamos.
Vejamos, inicialmente, com Fiorillo e Rodrigues (1998, p. 66) o que estes
pensam ao tratar da tutela do meio ambiente, especificamente ao meio ambiente do
trabalho, bem como os princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana
que têm como meta prioritária tutelar o bem maior – o direito à vida. Dizem eles que "o
que se procura, salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das
formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que é
essencial à sua vida. Trata-se, pois, de um direito difuso".
A proteção da qualidade ambiental em todas as suas modalidades, cuja
finalidade é antropocêntrica, visto que o homem está inserido no ecossistema, tem
como objetos básicos de tutela: a saúde, a segurança e o bem-estar da população e da
biota
89
. E devido à magnitude desse direito, para efetivar a sua tutela, o parágrafo 3º do
artigo 225 da Constituição, regulamentado nos termos do parágrafo 1º, do artigo 14 da
Lei nº. 6.938/81, prevê a responsabilidade civil objetiva, para a reparação dos danos
ambientais, incluídos os danos ao ambiente laboral ao estipular que: “§ 3º. As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Resta claro que o legislador constituinte teve a intenção de proteger o meio-
ambiente, no sentido de punir todo e qualquer dano causado ao meio-ambiente, seja
ele ocasionado por uma pessoa natural ou por uma sociedade cível ou comercial. E
mais, a Lei nº. 9.605/98 completou a legislação ambiental punitiva, dispondo no artigo
3º a responsabilidade civil, penal e administrativa das pessoas jurídicas que cometem
crimes ambientais previsto na mesma Lei.
89
Biota é o conjunto de seres vivos, flora e fauna, que habitam ou habitavam um determinado ambiente
geológico, como, por exemplo, biota marinha e biota terrestre, ou, mais especificamente, biota lagunar,
biota estuarina, biota bentônica.
178
Porém, a questão de grande relevância é o artigo 4º
90
da referida Lei. Esse
determina a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que esta impossibilite o
ressarcimento dos prejuízos causados ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado,
por uma sociedade, como por exemplo. A regra determina como principal fundamento a
reparação do dano ambiental, sendo que para tanto, não importe se a culpa pelo dano
seja da pessoa jurídica por seu ato próprio ou por ato de terceiros que a administram.
Assim, mesmo que o dano seja ocasionado pela sociedade como tal, e ela não possuir
patrimônio suficiente para a indenização, seus sócios podem ser responsabilizados e
obrigados a repará-lo.
A lei ambiental nº. 6.938/81, artigo 14 em seu parágrafo 1º, define que:
§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o
poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar
ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade
para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao
meio ambiente.
Portanto, qualquer conduta ou atividade, lícita ou ilícita, culposa ou não,
desde que lese o meio ambiente, implica obrigação do autor de reparar o dano
ambiental e os prejuízos causados a terceiros, inclusive, a integridade física destes.
Trata-se, nitidamente, de responsabilidade civil objetiva daquele que violar
direito difuso ou coletivo, ao provocar dano ambiental. A responsabilidade civil objetiva
aos danos ambientais pode assumir duas acepções diferentes. Por um lado, a
responsabilidade objetiva tenta adequar certos danos ligados aos interesses coletivos
ou difusos ao anseio da sociedade, tendo em vista que o modelo clássico de
responsabilidade não conseguia a proteção ambiental efetiva, pois não inibia o
degradador ambiental com a ameaça da ação ressarcitória. Por outro lado, a
responsabilidade objetiva visa a socialização do lucro e do dano, considerando que
aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo, deve
responder pelo risco, sem a necessidade da vítima provar a culpa do agente. Desse
modo, a responsabilidade estimula a proteção a meio-ambiente, já que faz o possível
poluidor investir na prevenção do risco ambiental de sua atividade. De acordo com
esse aspecto, manifesta-se Leite (2000, p. 131).
90
Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio-ambiente.
179
[...] a responsabilidade objetiva, devidamente implementada, estimula que o
potencial agente degradador venha a estruturar-se e adquirir equipamentos que
visam a evitar ou reduzir as emissões nocivas, considerando que o custo destes
é menor que o custo da indenização.
Assim, com base nas normas mencionadas, se uma pessoa alheia à
atividade de determinada fábrica, ali entrar, no momento de uma explosão, e esta foi
ocasionada por escapamento de gases que já vinham degradando o ambiente laboral,
e tiver amputado uma parte do corpo em razão daquele sinistro, deve ser indenizada
com base na teoria do risco, sendo obrigada apenas provar o nexo causal.
Pergunta-se: E se um empregado, devido à mesma explosão, tiver sido
mutilado, somente será indenizado se provar a culpa do empregador? Não é tratar o
bem da vida sob duas medidas? Ora, a teoria objetiva é empregada sempre em matéria
ambiental para proteger a flora, a fauna, o homem enfim todos os seres vivos. Seria
crível não proteger o homem trabalhador, “o produtor direto dos bens de consumo, que
muitas vezes, consome-se no processo produtivo”? E já foi dito em doutrina “que o
direito não se interpreta em tira, aos pedaços”.
Também penso que se o dano causado ao trabalhador tiver como causa
inadequado meio ambiente do trabalho, ou seja, se o empregador não tomou as
devidas cautelas para afastar os riscos de acidente, gerando a degradação ambiental
do trabalho deve ser, também, responsabilizado objetivamente, pois é do empregador
os riscos de sua atividade.
Assim, nas chamadas doenças ocupacionais, quais sejam, as que são
adquiridas pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade ou, pelas
condições especiais em que esse trabalho é realizado e com ele se relaciona
diretamente, não há como não se responsabilizar objetivamente o empregador.
Aponta Melo (2006, p. 3270) que “suas causas são o meio ambiente do trabalho
inadequado. Essas doenças decorrem dos danos ao meio ambiente do trabalho. Elas
vêm aumentando a cada dia em decorrência das mudanças no mundo do trabalho,
que se agravam com a precarização do trabalho humano, fenômeno existente em
quase todo o mundo e intensificado nas economias emergentes, como é o
180
caso do Brasil”.
91
Por conseqüência essas doenças são adquiridas pelos trabalhadores por
exposição inadequada no meio ambiente do trabalho, ou seja, das ações agressivas
causadas por agentes insalubres de natureza física, química ou biológica, v. g. ruído,
poeira, gases e vapores, os resíduos e outros produtos químicos e, com toda certeza
esta degradação haverá de ser atribuída à incúria do empregador, haja vista que os
operários não têm opção de querer este ou aquele trabalho.
Assim, a conclusão que se impõe é de que se o dano causado à saúde do
empregado foi em conseqüência de doença ocupacional ou profissional adquirida pela
degradação do meio ambiente do trabalho, há que se responsabilizar objetivamente o
empregador, por ser, também mandamento constitucional “que a empresa deve
cumprir sua função social”. Nessa conformação podemos concluir que nas hipóteses
de doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a
responsabilidade pelos prejuízos à saúde do trabalhador é objetiva (§ 3º do art. 225 da
Constituição e 1º do art. 14 da Lei 6.938/81).
91
Uma importante e crescente causa de doenças relacionadas com o trabalho, à qual ainda se dá pouca
importância, é o estresse no trabalho ou pelo trabalho ou por falta do trabalho. Sobre o tema, veja-se:
CATALDI, 2003 (apud MELO, 2006, p. 3270).
Também aponta este autor que existem seqüelas bastante antigas e outras correlacionadas com o
trabalho na atualidade. Por exemplo, a pneumoconiose, conhecida como pulmão negro, que podia ser
encontrada entre mineiros de carvão durante muito tempo, ainda persiste como verdadeira epidemia de
intoxicação; outras, como câncer, agravam-se por conta da existência e proliferação de agentes
nocivos dos ambientes de trabalho: presumem-se duas mil substâncias carcinogênicas nos locais de
trabalho. Por outro lado, as mudanças no mundo do trabalho ocasionam repercussões nos ambientes
de trabalho e aparecimento de novos riscos e repercussões sobre a vida e a saúde do trabalhador. Por
conta do desenvolvimento de novas tecnologias, como os vídeo-terminais, surgem conseqüências para
o obreiro, por exemplo, catarata, fadiga, dor de cabeça, dor muscular, estresse, depressão, problemas
neurológicos. A par disso, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) ocasiona riscos e
repercussões nos ambientes de trabalho da área da saúde (laboratórios, hospitais, clínicas,
emergências); tal como a manipulação de organismos geneticamente modificados (OGM) pode
disseminar agente biológico, com conseqüências para a saúde dos trabalhadores e meio ambiente. Por
seu turno, no que diz respeito às relações humanas no meio ambiente do trabalho, são cada vez mais
importantes às análises acerca de elementos psicológicos como a pressão para desempenho da
atividade, que desencadeia a depressão e distúrbios emocionais (Cf. ROCHA, Júlio César de Sá da
Direito ambiental do trabalho, p. 138).
181
7.5.1.4 A responsabilidade do empregador ante o inciso XXVIII do artigo 7º da
Constituição Federal em confronto com o parágrafo único do art. 927 do Código
Civil Brasileiro
Com seu método de investigação analítico, que consiste em decompor
pensamentos em suas partes e em dispô-las em sua ordem lógica, na visão de
Descartes (1960, p. 67, 68) o seguinte roteiro deveria ser seguido:
[...] o primeiro - consistia em nunca aceitar, por verdadeira, cousa nenhuma que
não conhecesse como evidente; em segundo - dividir cada uma das
dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e
fossem exigidas para melhor compreendê-las; o terceiro - conduzir por ordem
os meus pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de serem
conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento
dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não
precedem naturalmente uns aos outros; e o último- fazer sempre enumerações
tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir.
Haver-se-á por certo de indagar o por que de estarmos utilizando o
pensamento deste filósofo. A resposta é dada por ele próprio ao afirmar que devemos
“aplicá-los a todos os usos aos quais são próprios e, assim, tornar-nos senhores e
possuidores da natureza" (DESCARTES, 1960, p. 136). Haveremos de convir que
apenas os aspectos mais fáceis de serem compreendidos dentro de uma grande obra
são realmente aplicados, comprometendo na maioria das vezes o que realmente foi pensado.
Nessas circunstâncias é que não aceitei como “verdadeira” a aplicabilidade
do parágrafo único do art. 927 do Código Civil Brasileiro para os casos de acidente
típico de trabalho tendo em vista o que dispõe o inciso XXVIII do artigo 7º da
Constituição Federal; também procurei “dividir as dificuldades para melhor compreende-
las”; conduzi meu pensamento partindo do raciocínio mais simples até chegar ao mais
complexo encadeando-os em certa ordem lógica; por fim fiz enumerações e revisões
que estavam ao meu alcance para nada omitir.
A partir da insatisfação com a responsabilidade objetiva parcial do
empregador (que responde objetivamente, segundo a lei previdenciária, pelos encargos
do seguro social) e, principalmente, ante o descaso de inúmeras empresas no que
tange a efetivação das normas de segurança e higiene do trabalho e dos princípios da
valorização do trabalho e da dignidade humana e do conseqüente aumento
estarrecedor dos números de acidentes laborais, muitos doutrinadores nacionais
182
passaram a defender teses para impor ao empregador a responsabilidade objetiva de
indenizar diretamente ao empregado, ao menos nos valores que não são cobertos pelo
seguro social.
Como já visto alhures afirmam os defensores da corrente que nominamos de
“Positivista” que tem aplicabilidade a responsabilidade objetiva total do empregador nas
hipóteses de acidentes laborais, tendo em vista o que preconiza a determinação do
parágrafo único, do artigo 927 do atual Código Civil, que prevê responsabilidade
objetiva do empreendedor, para a reparação dos danos ocasionados ao trabalhador
lesado, advindos da atividade, por aquele exercida, cuja natureza é perigosa e oferece
riscos para os direitos de outrem. A esse respeito Melo (2006, p. 3270) diz que
[...] não se sustenta uma interpretação literal do inciso XXVIII do art. 7º e a mais
simples análise destas disposições constitucionais mostra que o disposto no
inciso XXVIII constitui garantia mínima do trabalhador e o que mais importa
para a presente análise é que qualquer direito integrante do rol do referido art.
7º pode ser alterado visando melhoria para os trabalhadores.
Em seguida e com amparo de Amauri Mascaro Nascimento aponta que este
diz, verbis:
A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos e
não de direitos máximos, de modo que nela mesma se encontra o comando
para que direitos mais favoráveis ao trabalhador venham a ser fixados através
da lei ou das convenções coletivas. Ao declarar que outros direitos podem ser
conferidos ao trabalhador, a Constituição cumpre tríplice função. Primeiro, a
elaboração das normas jurídicas, que não deve perder a dimensão da sua
função social de promover a melhoria da condição do trabalhador. Segundo, a
hierarquia das normas jurídicas, de modo que, havendo duas ou mais normas,
leis, convenções coletivas, acordos coletivos, regulamentos de empresa, usos e
costumes, será aplicável o que mais beneficiar o empregado, salvo proibição
por lei. Terceiro, a interpretação das leis de forma que, entre duas
interpretações viáveis para a norma obscura, deve prevalecer àquela capaz de
conduzir ao resultado que de melhor maneira venha a atender aos interesses
do trabalhador (
MELO, 2006, p. 3270).
Continuando seu raciocínio diz que “o melhor significado para o disposto no
inciso XXVIII do art. 7º é de conceito aberto que permite harmonizá-lo com o disposto
no § 3º do art. 225 da CF, que assegura a responsabilidade objetiva pelos danos
causados ao meio ambiente e com outros preceitos legais”. Conclui dizendo que a
“responsabilidade subjetiva de que trata o inciso XXVIII do art. 7º aplica-se somente nos
acidentes que não decorram de degradão ambiental, ressalvados os eventos
oriundos das atividades de risco, de fato de terceiro” [...] e quanto a este último diz que
183
“O Código Civil (art. 927, § único) adotou a teoria do risco como fundamento da
responsabilidade objetiva paralelamente à teoria subjetiva e por ser conceito aberto, por
falta de regulamentação expressa do que seja atividade de risco, assim, considerando a
recepção do § único do art. 927 do Código Civil pelo inciso XXVIII do art. 7º da
Constituição, com apoio do § 3º do art. 225 da mesma Carta e, levando em conta os
princípios que informam o Direito do Trabalho, os fundamentos da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho (CF, art. 1º), entendo aplicável à
responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes de trabalho em atividades de risco.
Penso, todavia, que estes doutrinadores estão equivocados ao interpretarem,
sob a égide desse comando, que o empregado acidentado ou seus beneficiários
consigam o seu intento, ou seja, a condenação do empregador ao pagamento de
indenização sem a necessidade de provar a sua culpa, mesmo que exerça uma
atividade de risco.
Penso que tal interpretação é inconstitucional, pois a simples aplicação do
critério hierárquico lex superior derogat inferiori, para verificar a validade e eficácia da
norma, pois, em regra, a responsabilidade do empresário com fulcro no risco do
empreendimento (CCB, art. 927, parágrafo único), pode ser aplicada a outros casos e
não às hipóteses de indenização dos danos procedentes de acidentes do trabalho, sob
pena de inconstitucionalidade.
A Constituição Federal consagrou no inciso XXVIII do artigo 7º, a
responsabilidade subjetiva do empregador para reparar os danos oriundos de acidentes
do trabalho, salvo a exceção constitucional do parágrafo 3º do artigo 225, como visto supra.
Pergunta-se, então: estamos diante de um aparente conflito de normas
constitucionais entre o art. 7º, XXVIII e o § 3º do artigo 225?
Respondendo à indagação vamos encontrar em Kelsen (1994, p. 232) que
"tal conflito de normas surge quando uma norma determina certa conduta como devida
e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela".
Ao analisar o conflito de normas do mesmo escalão, Kelsen (1994, p. 232),
ensina que quando numa mesma lei se encontram duas disposições, em que uma limita
a validade da outra parcialmente, implica em exceção. Mas, para ele, não existe
qualquer norma objetivamente válida. Porque quando o legislativo põe “[...] atos cujo
184
sentido subjetivo é um dever-ser e que, quando este sentido é também pensado
(interpretado) com o seu sentido objetivo, quando esses sentidos são considerados
como normas, estas normas entram em conflito umas com as outras”.
Embora o ato tenha sido posto em harmonia com a norma fundamental, [...]
[esta] não empresta a todo e qualquer ato o sentido objetivo de uma norma válida, mas
apenas ao ato que tem um sentido, a saber o sentido subjetivo de que os indivíduos se
devem conduzir de determinada maneira.
Assim, a norma fundamental torna possível interpretar (pensar) o material
que se apresenta ao conhecimento jurídico como um todo com sentido, o que quer dizer,
descreve-lo em proposições que não são logicamente contraditórias (KELSEN, 1994, p. 232).
O bem maior assegurado pela Constituição é a vida. Isto é, todos os
comandos constitucionais têm como norma fundamental a tutela da vida. Até mesmo as
normas organizacionais do Estado, somente têm sentido se forem para dar dignidade
ao ser humano. Ora, o Estado Democrático Brasileiro foi instituído com o destino de
[...] assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a
solução pacífica das controvérsias (CF/88, preâmbulo).
E por outro lado a República Federativa do Brasil tem por fundamentos o
valor social do trabalho e a dignidade humana (art. 1º, incs. III e IV), razão porque estes
princípios são também as primícias da ordem econômica e social (art. 170 e 193).
No item 3.41 desta tese ao falarmos em princípios dissemos que “Os
princípios constituem-se em fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo
tanto em sua formação como em sua aplicação e concluindo fizemos ver que os
princípios são os pontos básicos e que servem para a elaboração e aplicação do direito”.
Feitas essas demonstrações em um primeiro momento denota-se não haver
qualquer antinomia entre o comando da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da
Constituição, que define a responsabilidade subjetiva do empregador em casos de
acidente do trabalho, apenas como confirmação da regra geral, que institui a culpa
como fundamento responsabilidade civil, adotada pelo nosso ordenamento jurídico,
com o parágrafo 3º do art. 225 combinado com o dispositivo do parágrafo 1º do artigo
14 da Lei Ambiental nº. 6.938/81 (recepcionada pela Carta Maior) deve ser vislumbrado
185
como exceção a esta regra ao impor a reparação dos danos ambientais, inclusive dos
danos ao ambiente laboral, objetivamente, como já acima visto. Esclarece-se: aplica-se
a responsabilidade subjetiva do empregador, única e exclusivamente, se as hipóteses
de acidente laboral não advierem de dano ao ambiente do trabalho.
Passemos, por último a analisar se existe ou não compatibilidade em se
aplicar nos casos de acidente de trabalho o que vem previsto no parágrafo único do
artigo 927 do novel Código Civil.
Com efeito, no art. 186 temos a dicção que “aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, sendo que no art. 927 consta que
“aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo”, e com o seguinte parágrafo único: “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem”. É fácil constatarmos que tal dispositivo introduziu em nosso
ordenamento jurídico uma cláusula geral de responsabilidade civil objetiva quando o
desempenho da atividade for de risco ou perigosa. Entretanto, será isso bastante para
aplicarmos referida cláusula geral se o evento danoso tiver ocorrido com um
empregado, quando este for vitimado por acidente de trabalho tipo? Aplicar-se-ia a
teoria da responsabilidade objetiva, ou, melhor dizendo, seria objetiva a
responsabilidade do empregador?
No Brasil, como já dispusemos supra ao falarmos sobre a responsabilidade
subjetiva (item 1.4), fizemos ver que “uma nova concepção surgiu no Brasil, referente à
responsabilidade civil, com o advento do novo Código Civil, e a despeito de a regra
geral continuar sendo a da responsabilidade subjetiva, passa o Código a prever
hipóteses de responsabilidade objetiva, não somente em função de previsão legal,
como era no sistema anterior, mas também em função da atividade desenvolvida pelo
autor do dano, sempre que for considerada de risco para os direitos de outrem”.
Mas, poder-se-ia argumentar, partindo-se da premissa que a atividade
empresarial é uma atividade de risco por seu próprio conceito, e por isso se o
empregado está vinculado por um contrato de trabalho em tal atividade, chegar-se-ia a
186
conclusão de que estaria sujeito a sofrer acidente de trabalho, logo teria aplicabilidade a
teoria da responsabilidade objetiva. Mas, como se verá a seguir tal silogismo encontra
óbice no nosso sistema constitucional, senão vejamos.
Afirma-se, de logo, que para todos os casos que possam ser considerados
de evento danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa,
deverá ser aplicada a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo
Código Civil, já que esta se constitui em exceção ao sistema de responsabilidade civil
ali previsto, pois segundo a nossa tradição, continua sendo a responsabilidade subjetiva
a regra geral, antes no artigo 159, agora nos artigos 186 e 927 (antes transcritos), no
novo texto civil.
Entretanto, apesar de respeitar as opiniões em contrário no que tange a
aplicabilidade da cláusula geral da responsabilidade objetiva prevista no nosso novel
Estatuto Civil, também nos eventos oriundos dos acidentes de trabalho típico, ou tipo,
com ela não concordamos conforme passaremos a demonstrar em seguida.
Relembremos que Kelsen (1994) nos ensina: “a interpretação da norma
fundamental não pode levar a preposições contraditórias”. Não esqueçamos, todavia, o
princípio da igualdade. Se uma empresa, cuja atividade causou, por alguma razão,
irreversível dano ambiental em sentido amplo (coletivo ou difuso) afetando,
consequentemente, qualquer pessoa, inclusive seu empregado, acarretando-lhe
prejuízos físicos ou não, deverá reparar todos os danos (ambiental ou individual), com
base na teoria da responsabilidade objetiva, segundo o princípio do poluidor-pagador.
Mas, se houver acidente de trabalho típico, sem a ocorrência de dano
ambiental, ao empregado cabe demonstrar a culpa do empregador.
Assim, o que se imaginou, a princípio, haver sido a grande novidade, ouso
discordar dos que assim pensam. A propósito e corroborando com o nosso
entendimento encontramos em Matos (2006) o que se segue:
Mas, com efeito, apesar de algumas vozes já ditarem pela aplicação desse
dispositivo para o caso de acidente do trabalho, tais posições devem ser
enfrentadas pelos advogados com o advento do novo Código Civil não de forma
simples e direta. O que pode se tornar uma grande modificação no enfoque da
responsabilidade civil, como assim restou com a sua presença, por exemplo, no
Código Civil de Portugal de 1966 – portanto, recente e um dos mais lembrados
em matéria de responsabilidade civil, nos seus arts. 483.º, 2., e 493.º, 2., tem a
mesma orientação de responsabilidade objetiva excepcional nos casos fixados
em lei, à regra geral da subjetiva, e responsabilidade sem culpa por
187
desempenho de atividade perigosa - , no Brasil, com o novo Código, de fato,
não significará grandes mudanças, ao menos no que tange aos acidentes do
trabalho. Vale dizer, até, que a jurisprudência há muito já vem julgando certos
casos que eram tipicamente considerados como de responsabilidade subjetiva,
como objetiva, com fundamento nas teorias do risco da coisa ou do
desempenho de atividade perigosa.
Ora, a cláusula geral de responsabilidade objetiva prevista no novo Código
Civil deverá ser aplicada, para todos os casos que possam ser considerados de evento
danoso ocorrido em sede de desempenho de atividade de risco ou perigosa, já que se
constitui em exceção ao sistema de responsabilidade civil ali previsto, que seguindo a
nossa tradição, continua sendo pela responsabilidade subjetiva, por culpa, como regra
geral, antes no art. 159, e agora nos arts. 186 e 927, “caput”, do novo Código.
Entretanto, para o caso de acidentes do trabalho, devemos levar em
consideração o seguinte.
Com efeito, há, “data venia”, lamentável equívoco dos que pensaram que o
fundamento legal para que o empregador respondesse por acidente de trabalho estaria
no regramento que vinha estabelecido no artigo 159 do superado Código Civil de 1916.
Já demonstramos supra no capítulo 4º, item 4.4 - Legislação e concepções sobre os
acidentes de trabalho – que estes sempre tiveram legislação própria sendo que a
“primeira legislação acidentária é de 1919, quando se começa a responsabilizar a
empresa pela indenização das vítimas” e que em “1992, inclui-se no regulamento de
Benefícios da Previdência Social um maior detalhamento das circunstâncias que
caracterizam o acidente de trabalho”.
Matos (2006) em abono do que sustentamos também pensa assim e diz:
os que defendem a aplicação desse dispositivo (de responsabilidade sem culpa
para o empregador por acidentes de trabalho), com a devida venia, incorrem
em um corriqueiro erro proveniente da prática forense: o principal fundamento
legal para responsabilidade por acidente de trabalho não era o Código Civil (no
antigo artigo 159), e sim, depois de 1988, a Constituição Federal, que no artigo
7º, inciso XXVIII, aduz do direito do empregado de ‘seguro contra acidentes de
trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa’.
A Súmula 229 do Colendo Supremo Tribunal Federal estabelecia que:
A INDENIZAÇÃO ACIDENTÁRIA NÃO EXCLUI A DO DIREITO COMUM, EM
CASO DE DOLO OU CULPA GRAVE DO EMPREGADOR.
Se examinarmos alguns acórdãos que serviram para o estabelecimento
dessa Súmula encontramos que:
188
RECURSO EXTRAÓRDINÁRIO Nº. 48.894 – SÃO PAULO.
EMENTA – Concorrendo o empregador para acidentes no trabalho com culpa
grave, pode ser responsabilizado de acordo com o direito comum.
Relator: Exmo.Sr. Ministro Victor Nunes.
Recorrente: Tipografia e Papelaria Unida Ltda.
Recorrido: Bartho Laforgia.
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Victor Nunes: - Recorre, extraordinariamente (fl.80), a
tipografia e Papelaria Unida Ltda., contra decisão que a condenou a indenizar
de acordo com o direito comum (arts.159 e 1.539 do Código Civil), empregado
seu, em virtude de esmagamento da mão direita.
O acórdão recorrido (fl.77), do 1º grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça
de São Paulo, que confirmou julgado da 1ª Câmara Civil (fl. 65), e este, por sua
vez, a sentença de primeira instância (fl.43), firmou o principio de que,
concorrendo o empregador para o acidente no trabalho com culpa grave, pode
ser responsabilizado de acordo com o direito comum.
Interpretou-se o art. 31 do DI. 7.036, de 10.11.44, de modo a equiparar-se ao
dolo – a que se refere a lei – a “equipa lata” do empregador.
Admitindo o recurso, assim se expressou o ilustre Presidente Sylos Cintra
(fl.88):
“A ação foi julgada procedente. Entendeu o magistrado de primeira instancia
que o autor, menor, embora de idade superior a catorze anos, fora posto a
trabalhar numa máquina perigosa, correndo riscos além do normal, em virtude
de defeitos mecânicos da referida máquina. Essa natureza de riscos e perigos
extraordinários implicavam na responsabilidade da empregadora por culpa
grave, com o pagamento da indenização conforme as regras de direito comum.
[...] Deu-se ao art.31 da lei de acidentes uma compreensão avançada com a
equiparação da culpa grave ao dolo. Impõe-se que a questão seja submetida ao
exame do E. Pretório Supremo. Ele dirá se houve ou não ofensa ao texto legal
invocado pela recorrente, em decorrência da interpretação que lhe deu o
Tribunal Paulista. O recurso foi interposto somente pela letra “a”.
VOTO
O Senhor Ministro Victor Nunes (relator) – pelo menos duas decisões recentes
do Supremo Tribunal versaram a hipótese dos autos, decidindo-a no mesmo
sentido da ora recorrida (a sentença menciona outras, mais antigas: RT.
252/548, 1257/892, 156/570).
Uma foi a da 2ª Turma, no R.E. 46.643 de 7.4.61, em que votou vencido o eminente
relator, Ministro Ribeiro da Costa. Não tendo participado do julgamento o
eminente Ministro Lafayette de Andrada, tomou-se a decisão com os votos dos
eminentes Ministros Hahnemann Guimarães, Villas Boas e com o meu.
Posteriormente, foi o mesmo amplamente discutido no plenário, em grau de
embargos, no R.E. 23.192, de 2.6.61. Tendo pedido vistas dos autos, o
eminente Ministro Gonçalves de Oliveira manifestou-se no mesmo sentido da
decisão que ora examinamos, seu bem fundamentado voto convenceu o relator,
que era o eminente Ministro Henrique D’Ávila, e este, mudando de parecer,
igualmente recebem os embargos ao dolo praticado, para os efeitos do art. 31
da Lei de Acidentes.
Não participei da votação, porque não pertencia ao Tribunal, quando se iniciou
o julgamento, mas a decisão foi adotada pela unanimidade dos presentes:
Henrique D’Ávila, Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves, Vilas Boas, Candido
Motta, Ary Franco, Hahnemannn Guimarães e Lafayette de Andrada. O
eminente Ministro Ribeiro da Costa, que ficará vencido no outro julgamento, da
turma, se achava na presidência e, por isso, não teve ocasião de se manifestar.
De acordo com os referidos julgados, para um dos quais concorri com meu
desvalioso voto, não conheço do recurso, que foi interposto somente pela letra
“a” o acórdão recorrido limitou-se a interpretar o art.31 da Lei de Acidentes, e
189
lhe deu a interpretação que melhor condiz com as finalidades sociais da
legislação acidentaria, para cujos efeitos a culpa grave do empregador se há de
equiparar ao dolo.
Decisão
Como consta da ata, a decisão foi a seguinte:
NÃO CONHECERAM DO RECURSO, UNANIMENTE.
Relator – O exmo. Sr. Ministro Victor Nunes Leal.
Presidente da Turma – o exmo. Sr. Ministro Lafayette de Andrada.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Ministros Victor Nunes Leal,
Villas Boas, Hahnemann Guimarães, Ribeiro da Costa e Lafayette de Andrada.
Recurso Extraordinário nº 50.297 –
Recorrente: João Cardoso Oliveira
Recorrido: CIA. FERRO CARRIL CARIOCA.
EMENTA: - Acidente no trabalho. Ação de direito comum. Cumulação permitida.
Ao dolo se equipara a culpa do patrão que, visando maiores ganhos, expões o
empregado ao perigo. Provimento do recurso para que, afastada a prejudicial
acolhida, julgue a Câmara a causa o seu merecimento, a saber, se ocorreu a
culpa equiparada ao dolo.
Vistos, etc.
Acorda a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por decisão unânime,
conhecer do recurso e dar-lhe provimento, de acordo com as notas
taquigráficas.
Custas na forma da Lei.
Brasília, 15 de novembro de 1962.
RECURSO – EXTRAORDINÁRIO Nº 50.297 –
Relator: O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira
Recorrente: João Cardoso Oliveira
Recorrido : CIA . FERRO CARRIL CARIOCA.
RELATÓRIO
O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira: - Senhor Presidente. A ação de direito
comum não foi emitida, in casu, porque proposta a ação de acidente no trabalho
e não se tratar de caso de “dolo do patrão ou seus prepostos” (art.31 da Lei de
acidente).
Foi relator do acórdão e eminente Desembargador Aguiar Dias, emérito
tratadista da matéria. Assim fundamentou sua Exª seu douto voto:
“O sistema de reparação estabelecido na Lei de acidente de trabalho tem,
universalmente, sentido transacional constituindo direito especial ao lado dos
sistemas de reparação de direito comum. A vitima do acidente, através da
aplicação de doutrina do risco industrial, tem enormemente facilitada a
demanda contra o responsável. Este, a seu lado, vê compensada a sua
obrigação de indenizar mediante tarifação, em bases suportáveis para a sua
economia, da indenização a ser paga. O estado tem interesse de ordem pública
nesse regime, que acomoda os direitos em conflito e elimina os graves
inconvenientes que resultam da solução de tais questões por via do direito
comum. Eis porque sustentamos por a aplicação da lei de acidentes obrigatória,
sem espaço para opção, da ação de direito comum. A aceitação dessa opção,
como tem sido admitida em arresto do Supremo Tribunal Federal, abriria brecha
no sistema, que só funcionaria no caso de ser difícil e prova por parte do
prejudicado ou seus beneficiários e isso resultaria em rompimento de equilibro e
eqüidistância em que a lei recolocou.
Não sendo possível a opção, muito menos viável é a cumulação das ações de
acidente do trabalho e de indenização de direito comum, porque, se aquela
opção se tem como incompatível com o sistema de repartição de ônus em que
se baseia a lei especial, e cumulação é terminante e expressamente vedada por
essa lei, ao estabelecer que o recebimento da indenização por acidente do
trabalho exclui a de direito comum, salvo o caso de dolo do patrão ou seus
190
prepostos. Ora, diante dessa condição irrevogável, só a prova do doloso seria
capaz de atender à pretensão do apelante, que não a fez, conforme salienta a
decisão recorrida.”
Daí o presente recurso, e as decisões divergentes – recurso admitido e
devidamente processado.
É o relatório.
VOTO:
O Senhor Ministro Gonçalves de Oliveira (relator) – A jurisprudência desta
Suprema Corte é no sentido de possibilidade de cumulação de ações,
equiparando ao dolo a culpa grave, mormente quando o autor alega que a
empresa não se importe com a sua segurança nas cupidez de maiores ganhos,
expondo-o ao perigo. É a alegação dos autos.
Tive ensejo de tratar minuciosamente da questão em mais de uma
oportunidade, como, por exemplo, no Rec. Extr. N 23.192, sessão de 2.6.61,
decisão unânime do Tribunal Pleno (embargos), acórdão publicado na Revista
Forense. Vol. 197, pág. 109/113; na Revista Jurídica (do Rio Grande do Sul,
vol. 53, pág.71).
Efetivamente, ao dolo equipara-se a negligencia grave, a omissão consciente
do empregador, que não se incomoda com a segurança do empregado,
expondo-o ao perigo. Neste caso, é que a ação de direito comum tem
cabimento: tal falta se equipara ao dolo, a que se refere o art. 31 da Lei de
Acidente, na conformidade com a jurisprudência desta Corte, que recordei no
citado recurso extraordinário nº 23.192.
Pelo exposto, conheço do recurso interposto dada a divergência invocada e
dou-lhe provimento para que a Egrégia Câmara Julgadora afastada a prejudicial
argüida – que, se procedente levaria à carência e não a improcedência da ação,
- aprecio a apelação, no seu merecimento mesmo, a saber, se ocorreu a culpa
alegada para a procedência ou improcedência da ação.
É o meu voto
92
.
É de se observar que nos julgados supra o Supremo Tribunal Federal deu
interpretação ao artigo 31 do Decreto-lei n. 7.036/1944 (Lei de Acidentes de Trabalho que
vigia à época dos julgados), que confirmou a responsabilidade mesmo no caso de culpa da
vítima, pois pelo referido artigo a responsabilidade do empregador só era acolhida na
hipótese de haver dolo. Mas a este foi equiparada a culpa grave. “Deu-se ao art.31 da lei
de acidentes uma compreensão avançada com a equiparação da culpa grave ao dolo”.
Hoje resta superada a Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal,
respondendo o empregador, também por culpa leve. Elucidativo é o acórdão do STJ, verbis”;
Ementa: Direito Civil. Indenização (art. 159, CC). Acidente do trabalho. Culpa
leve. Enunciado 229 da Súmula/STF. Lei 6.367/76. Direito adquirido.
Precedentes. Recurso desacolhido. 1. Segundo o entendimento da Turma, a
partir da edição da Lei 6.376/76 passou a não mais prevalecer o enunciado nº.
229 da súmula/STF, que restringia a responsabilidade do empregador pela
indenização de direito comum aos casos de dolo ou culpa grave. Pela
reparação civil, devida como decorrência de sinistros laborais desde então
verificados, passaram a responder todos aqueles que para os mesmos tenham
92
Ambos julgados foram retirados do site www.stf.gov.br capturado em 2 de novembro de 2006. À época
não se restringia o STF a interpretação somente da Constituição Federal, mas também da Legislação
Federal. Hoje essa competência é deferida ao STJ.
191
concorrido com culpa, em qualquer grau, ainda que leve, independentemente
da existência, ou não, de vínculo empregatício com a vítima. 2. Ocorrente o
sinistro em abril de 1988, não se há de cogitar de pretenso direito adquirido a só
indenizar nos casos preconizados pelo superado verbete
93
.
Dessa maneira é que, entender-se ser a responsabilidade do empregador
como objetiva é contrariar o que vem firmado na nossa Constituição
94
, e é esta quem
diz de modo insofismável que tal tipo de reparação só ocorre quando provada a culpa,
logo responsabilidade subjetiva e neste sistema de culpa aquiliana independe o grau da
ocorrência quer seja culpa leve, grave ou gravíssima.
E Matos (2006) vem ao nosso encontro e diz:
Assim sendo, a responsabilidade do empregador deve ser entendida de forma
subjetiva, por culpa, e no sistema da culpa aquiliana, ou seja,
independentemente do grau de culpa – até por culpa leve.
É claro que mister considerar do grau de culpa para fins de arbitramento da
condenação, como de regra, uma vez que ocorrida culpa levíssima do
empregador não há como se fundamentar e sustentar da pertinência de
condenação nos mesmos moldes da hipótese se tivesse obrado com culpa
grave o empregador, realizando-se, em suma, graduação importante, por
exemplo, no momento da fixação das verbas de reparação de dano patrimonial
e extrapatrimonial, tipicamente cumuláveis neste tipo de ação. Isso com o novo
Código Civil, é de mandamento expresso, nos termos dos arts. 944 e 945. No
caso, os acidentes de trabalho, ocorrendo, ofendem a integridade física do
empregado, e assim podem esses ser titulares de pedidos de danos material e
93
STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, Relator do REsp. nº 12.648-SP.
94
A Constituição de 1988 veio confirmar o regramento da responsabilidade do empregador de forma
subjetiva, isso no art. 7º, inc. XXVIII, que possui a seguinte dicção: “seguro contra acidentes de
trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer
em dolo ou culpa". Esse dispositivo veio soterrar qualquer dúvida da aplicação da Súmula 229, do
Supremo Tribunal Federal, ou seja, responde por culpa e em qualquer grau. Nesse sentido, desde
então, ampla doutrina e jurisprudência vêm entendendo pela responsabilidade por culpa do
empregador. “Indenização. Acidente do trabalho. Direito Comum. Culpa do empregador. Constituição
Federal de 1988. I - Em caso de acidente de trabalho, constatada a culpa do empregador, ao
empregado é devida a indenização do direito comum. II - Eventual dissonância jurisprudencial
respeitante ao tema estaria superada, pois ao novo texto constitucional (art. 7
0
, XXVIII) há de adequar-
se o entendimento dos tribunais, inclusive com nova leitura da Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal.
III - Recurso Especial não conhecido. Maioria.”, em STJ, REsp. nº 5.358/90-MG, relator Ministro Fontes de
Alencar.
Nesse sentido, Nelson Silveira Guimarães, e Rodrigues, Juliana Pereira Ribeiro, Polícia e acidentes de
trabalho, São Paulo, Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, 1998,
p. 23; Moraes, Evaristo de, Apontamentos de direito operário, 2º ed., São Paulo, LTr. e Edusp, 1971,
pp. 39 e ss.; Serpa Lopes, Miguel Maria de, Curso de Direito Civil - Fontes Acontratuais das
Obrigações - Responsabilidade Civil, Volume V, 4º edição revista e atualizada por José Serpa Santa
Maria, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1995, pp. 332-334; Castronovo, Carlo, La nuova responsabilità
civile, 2º ed., Milão, Giuffrè, 1996, pp. 145 e ss.; Barcellona, Pietro, Formazione e sviluppo del diritto
privato moderno, Napoli, Jovene, 1995, pp. 419 e ss.; e Savatier, René, Du droit civil au droit public a
travers les personnes, les biens et la responsabilité civile, Paris, LGDJ, 1950, pp. 137 e ss.
192
moral, e nesse caso deve ser cotejada, para fins de fixação dessa reparação
pelo juiz, o grau de culpa do empregador
95
.
Ora, se dispõe a Constituição que só haverá a obrigação de indenizar
quando da ocorrência de acidente de trabalho tipo nos casos em que o empregador
obrar com dolo ou culpa e sendo a norma constitucional de hierarquia superior a norma
estabelecida no Código Civil deve aquela prevalecer, haja vista que por princípio devem
os textos de hierarquia inferior se conformarem com o texto constitucional e não em
contrário. E é em Matos (2006) que vamos encontrar amparo em nossa tese, quando diz:
[...] a norma que dispõe sobre a responsabilidade do empregador por acidentes
do trabalho é constitucional, assim, essa é hierarquicamente superior ao Código
Civil, devendo prevalecer como é notório, e devemos salientar que não se deve
torcer o texto constitucional para se conformar ao texto inferior; o contrário é
devido: devem todos textos normativos se conformarem com o texto
constitucional, operando-se uma interpretação conforme a Constituição, que
tem dentre seus limites, o teor literal dos dispositivos constitucionais, que, no
caso, é claro no sentido de que a responsabilidade do empregador por
acidentes do trabalho é por ‘culpa ou dolo’, ou seja, depende de prova de culpa
sua, nos termos do art. 7º, inciso XXVIII, da CF/88.
96
95
Nesse sentido, pela apreciação do grau de culpa do causador do dano para fins de fixação da
reparação, v., BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1994. p. 209, 413 e ss.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 1995. Lembrando inclusive que tal critério é de ditame legal, por exemplo, no
Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei 4.117/62, e a Lei de Imprensa, Lei 5.250/67; THEODORO
Jr., Humberto. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 35, citando arestos do
Tribunal de Justiça de São Paulo e do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, nesse sentido;
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 177-179 e p.
264; Jorge, Fernando Pessoa, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra,
Almedina, 1995, pp. 361 e ss., com especial atenção ao art. 494.º do Código Civil de Portugal, que é
expresso nesse sentido; ainda sobre a relação gravidade culpa e arbitramento da reparação, v.,
Mazeaud, Henri e Léon, e Tunc, André, Tratado teórico y práctico de la responsabiliad civil delictual y
contractual, V. I, T. III, trad. de Luis Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa
– América, 1977, notadamente pp. 557-558; e Savatier, René, Traité de la responsabilité civile em droit
français, T. II, Paris, LGDJ, 1951, p. 94 e pp. 187-188.
96
Sobre uma interpretação conforme a Constituição, v., LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do
direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, p. 168 e ss.; HESSE, Konrad. Escritos de
Derecho constitucional. 2. ed. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1992. p. 50 e ss.;
MÜLLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique. Paris: Presses Universitaires de France, 1996
p. 120 e ss.; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo:
Saraiva, 1996. p. 174 e ss.; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade na Alemanha: a
declaração de nulidade inconstitucional, a interpretação conforme à Constituição e a declaração de
constitucionalidade da lei na jurisprudência da corte constitucional alemã. Revista de Direito
Administrativo, v. 193, p. 13-32; MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle
abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 221 e ss., inclusive com
criteriosa análise de sua aplicação no Supremo Tribunal Federal, com a contribuição do Ministro
Moreira Alves, em pp. 268 e ss.
193
Não desconhecemos que desde o início do século passado já vinha Evaristo
de Moraes Filho (1971, p. 41) acentuando que deveria ser aplicada a teoria objetiva
para os casos de acidente de trabalho, e diz:
As delongas, as chicanas e os gastos forenses não são árvores que vicejam
apenas no Brasil. Por tôda parte, o mundo dos tribunais é o inferno dos pobres
e dos humildes, em razão dos meandros da processualística e das alicantinas
da rabulice.
Admitindo que o operário encontrasse patrono gratuito, as despesas com a
ação judiciária de indenização do dano colocavam o trabalhador em posição de
evidente inferioridade perante a parte contrária. A demonstração da culpa, isto
é, da responsabilidade civil do patrão, tornava-se, em cada caso, objeto de
demanda renhida, onde o sofisma e a chicana funcionavam por longo tempo.
Era, pois, necessário firmar direito Nôvo; reconhecer a responsabilidade dos
proprietários de fábricas, oficinas, armazéns, e dos empregadores em geral,
pelos danos causados aos trabalhadores, mesmo em casos fortuitos. Já não
devia ser a culpa delituosa que servisse de base ao direito; só o infortúnio do
operário deveria ser seu alicerce seguro e inabalável. Em linguagem técnica,
chama-se a essa teoria a do risco profissional.
Entretanto, hoje, dizer-se que a responsabilidade do empregador é objetiva,
não se aplicando o que vem disposto na Constituição Federal (
do art. 7º, inciso XXVIII),
e sim a norma da novel Código Civil (parágrafo único do art. 927) é o mesmo que
afirmar-se incongruência tal como O Código Civil por ser mais recente sobrepõem-se
hierarquicamente a Constituição.
Assim, a responsabilidade do empregador em casos de acidente do trabalho
tipo é subjetiva aplicando-se o comando da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da
Constituição, coerente com uma exegese sistemática e teleológica dos princípios e
normas constitucionais, que define a responsabilidade subjetiva do empregador em
casos de acidente do trabalho, o que confirma a regra geral do Código Civil que institui
a culpa como fundamento responsabilidade civil, adotada pelo nosso ordenamento
jurídico. No entanto, o parágrafo 3º do art. 225 combinado com o dispositivo do
parágrafo 1º do artigo 14 da Lei Ambiental nº 6.938/81 (recepcionada pela Carta Maior)
deve ser vislumbrado como exceção a esta regra ao impor a reparação dos danos
ambientais, inclusive dos danos ao ambiente laboral, objetivamente. Esclarece-se:
aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, única e exclusivamente, se a
hipótese de acidente laboral não advier de dano ao ambiente do trabalho.
Para que haja coerência no nosso ordenamento jurídico trazemos em anexo
uma PEC que visa a tornar, também, objetiva a responsabilidade do empregador em
194
casos de acidente tipo, pois não é crível que essa incumbência de provar a culpa, na
maioria dos casos acidentários laborais, fique a cargo do empregado vítima de acidente
de trabalho tipo ou a seus dependentes e beneficiários. Se o sistema legal brasileiro
de segurança e saúde do trabalho visa à proteção da vida humana, cujo valor é
inestimável, e se por essa razão as medidas preconizadas em suas normas têm por
escopo garantir aos trabalhadores um meio ambiente laboral sustentável, com o mínimo
possível de riscos à saúde e ao bem estar, a partir do momento em que seja o
empregador responsabilizado objetivamente ver-se-á que haverá, com toda certeza,
uma considerável diminuição nos acidentes de trabalho típico, pois aquele tomará mais
precaução no ambiente do trabalho, para evitar maiores riscos e danos à saúde do
empregado.
195
CONCLUSÕES
a) No Capítulo 3, tratamos do Meio Ambiente do Trabalho e fizemos ver que
a denominação “meio ambiente” encerra uma riqueza de detalhes, mais
globalizante abrangendo o natural, o cultural e o artificial e que neste se
encontra incluído no meio ambiente do trabalho.
b) Analisamos, também, o meio ambiente como direito fundamental e
demonstramos que, pela primeira vez, foi ele positivado na Lei
Fundamental brasileira.
c) As normas protetoras do ambiente do trabalho foram elevadas à
categoria constitucional. A atual Constituição Brasileira estabeleceu essa
proteção mediante vários princípios. Entre seus princípios fundamentais,
estão estatuídos os princípios da valorização do trabalho e da dignidade
da pessoa humana (CF/88, art. 1º, incs. III e IV).
d) A reparação do dano acidentário, se se tratar de acidente tipo ou típico,
segundo a norma constitucional, está embasada no instituto da
responsabilidade civil subjetiva do empregador (CF/88, art. 7º, inc.
XXVIII, última parte). No entanto, se o acidente decorrer tendo em vista
que o dano ocasionado à saúde do empregado teve como causa a
degradação do meio ambiente do trabalho a responsabilidade do
empregador é objetiva não só pelo que vem previsto na Constituição
Federal §3º do art. 225, que assegura a responsabilidade objetiva por
danos ao meio ambiente, incluído o do trabalho (CF, art. 200 - VIII), como
também pela teoria do risco.
e) O legislador constituinte impôs a responsabilidade objetiva do
empregador pelos encargos do seguro social, sem prejuízo de responder
por indenização autônoma se tiver incorrido em dolo ou culpa. Mas, é da
Previdência Social o dever de indenizar o operário vitimado com fulcro na
teoria do risco integral, bastando existir o dano e o nexo causal entre este
e o evento danoso, vedada a negação do direito com base nas
excludentes da responsabilidade civil. Mas concedeu à Previdência o
196
direito de regresso contra o empregador, se lhe for imputada a
culpabilidade pela ocorrência do sinistro.
f) O empregador responde, objetivamente, pelos prejuízos causados ao
operário vítima de acidente do trabalho oriundo de danos ao ambiente
laboral provocados em razão da atividade econômica empreendida ou da
negligência do empreendedor, tendo em vista que a reparabilidade dos
prejuízos causados aos empregados vem prevista pela combinação do
parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição com o parágrafo 1º do artigo
14 da Lei nº 6.938/81, que impõe a reparação dos danos ambientais e os
danos conseqüentes causados a terceiros, independentemente de culpa,
sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade humana.
Daí, porque, em anexo, propomos uma alteração constitucional na parte final
do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal tornando, também objetiva a
responsabilidade do empregador nos casos de acidente típico ou tipo, uma vez que não
guarda qualquer coerência legislativa apontar-se ser direito do empregado receber uma
indenização quando for vítima de acidente de trabalho, e ainda ficar com incumbência
de provar a culpa do empregador, quando sabemos das dificuldades que são cometidas
quer aos empregados quer a seus beneficiários para tal mister.
197
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Humberto Mariano de. Mineração e meio ambiente na Constituição
Federal. São Paulo: LTr, 1999.
ALMEIDA, Isis de. Manual de direito processual do trabalho. 4. ed. São Paulo:
LTr, 1991.
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2000.
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito ambiental como direito econômico: análise crítica.
Revista Brasileira de Direito Comparado, n. 14, p. 31-60, 1993.
ARAMENDIA, José Pedro. A reparação do dano moral na doutrina e no Código civil
uruguaio. Revista Forense, v. 105, p. 36-44, jan. 1946.
BARCELLONA, Pietro. O egoísmo maduro e a insensatez do capital. São Paulo:
Ícone, 1995.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 1988-1989. v. 2.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito processual das coletividades e dos
grupos. São Paulo: Ltr., 1991.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado judiciário do trabalho. São Paulo:
LTr, 1997.
BELFORT, Fernando José Cunha. Associação sindical brasileira e dissídio
coletivo. São Luís: Lithograf, 1995.
BELFORT, Fernando José Cunha. Substituição processual e sindicato no direito
do trabalho. São Paulo: LTr, 1993.
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense,
1982.
BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BORGES, Marcos Afonso. Jurisdição Voluntária. Direito Processual Civil.
Conferências. Revista de Processo, São Paulo, v. 11/12, p. 209.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Malheiros,
2000.
BRASIL e Argentina elaboram planos de fiscalização fronteiriça. Jornal Segurança
& Saúde no Trabalho, v. 3, n. 4, p. 9, abr. 1999.
CAMPANHOLE, Adriano. Todas as constituições do Brasil. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 1976.
198
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra:
Almedina, 1993.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da
Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Proteção do ambiente e direito de
propriedade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995.
CAVALCANTI, Themístocles. apud SUSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de
Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 1996. v. 1.
CARNELUTTI. Sistema de diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936. v. 1.
CARRION, Valentin. Comentários a CLT. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
CHAVEZ, Victor H. Alvarez. Reparación del daño moral en el derecho del
trabajo. Buenos Aires: 1987.
COQUEIJO COSTA. Direito judiciário do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
COSTA, José Kalil de Oliveira e. O Ministério Público e o controle da
administração pública ambiental. Disponível em: <
http://www.ecoambiental.com.br/meio/controle.htm >. Acesso em: 04 jun. 2002.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.
DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade Civil em Debate. Rio de Janeiro:
Forense, 1983.
FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila. Reflexões sobre o direito ambiental. In
Fundação Boiteux. Inovações em direito ambiental. Florianópolis: 2000.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa.
2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e saúde dos
trabalhadores. São Paulo: LTr, 2000.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2000.
FREIRE, William. Comentários ao código de mineração. Rio de Janeiro: Aide,
1995.
GARCIA, Hamilcar de (Coord.). Grande dicionário enciclopédico brasileiro
ilustrado. São Paulo: Novo Brasil, 1979.
GOMES, Orlando. Direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1979.
199
GONÇALVES, Edwar Abreu. Sinopse de segurança e medicina do trabalho. In:
DUARTE, Bento Hergulano (Coord.). Manual de direito do trabalho: estudo em
homenagem ao prof. Caássio Mesquita Barros. São Paulo: LTr, 1998. p. 261-299.
GONÇALVES, Emílio. O poder regulamentar do empregador. São Paulo: LTr,
1985.
GUAITA, Aurélio. Regime dos direitos fundamentais. Revista de Direito Político,
Madrid, n. 13, p. 77, 1982.
HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del
Rey, 1995.
KISS, Alexandre. Droit International de l’Environnement. Paris: Pedone, 1989.
KRELL, Andréas J. Notas críticas ao emprego do direito ambiental na defesa da
segurança e saúde do trabalhador. Revista do Ministério Público de Alagoas,
Maceió, n. 7, p. 13-35, jan/jun. 2002.
LAMARCA, Antônio. Livro da competência. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1979.
LEITE, José Rubens Morato. Estado de direito do ambiente: uma difícil tarefa.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Transdisciplinariedade do
direito ambiental e a sua equidade intergeracional. Disponível em: <
http://www.ecoambiental. com.br >. Acesso em 04 jun. 2002.
LIMA, Amarildo Carlos de. Ação civil pública e sua aplicação no processo do
trabalho. São Paulo: LTr., 2002.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1949.
LIMA, Meton Marques de. Direitos fundamentais e constituições estrangeiras,
estudos. Disponível em: <http://www.genedit.com.br >. Acesso em 28 fev. 2000.
LOPES, Edilza Barros Ferreira. Proteção jurídica à qualidade de vida no trabalho
sob perspectiva do direito ambiental. São Luís: UFMA, 2000.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Estudos de direito ambiental. São Paulo:
Malheiros, 1994.
MACHADO, Sidnei. O direito à proteção ao meio ambiente de trabalho no Brasil:
os desafios para a construção de uma racionalidade normativa. 1999. Dissertação
(Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do
Paraná. Curitiba.
200
MAGALHÃES, José Luiz, Quadro de. A indivisibilidade dos direitos humanos.
Disponível em <http//:www.unifran.br>. Acesso em 22 fev. 2000.
MAIA, Nicodemos Fabrício. Apontamentos sobre meio ambiente do trabalho.
Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, v. 1, n. 1,
p.28/29, maio 1988.
MALLET, Estevão. Ação civil pública. Revista da Amatra II, São Paulo, n. 2, p. 22,
abr. 2000.
MALTA, Cristóvão Piragibe Tostes. Prática do processo trabalhista. 11. ed. Rio de
Janeiro: Edições Trabalhistas, 1979.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública trabalhista: análise de alguns
pontos controvertidos. Revista do Ministério Público do Trabalho, n. 112, p. 59-60
set. 1996.
MARANHÃO, Délio. Sujeitos do contrato de trabalho. In: SUSSEKIND, Arnaldo.
Instituições de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 1996. v. 1. p. 283-318.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas:
Bookseller, 1997.
MARQUES, José Roque Nunes. Direito ambiental: análise da exploração
madeireira na Amazônia. São Paulo: LTr: 1999.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Breve história da justiça do trabalho. In:
História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho,
Homenagem a Armando Casimiro Costa, São Paulo: LTr, 1998.
MAZZILLI, Hugo Nigri. A defesa dos interesses difusos em juízo. 11. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
MELO, Raimundo Simão de. Gênesis. Revista de Direito do Trabalho, n. 1 [s.d].
MELO, Raimundo Simão de. Meio ambiente do trabalho: prevenção e reparação:
juízo competente. Revista de Direito Administrativo Aplicado, n. 7, p. 10-15, dez.
1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 1995.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2000.
MILARÉ, Edis. Princípios do direito do ambiente. Revista dos Tribunais, v. 756, p.
60-62, out. 1998.
201
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 1993. t. 4.
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Fundamentos do direito ambiental no Brasil. Revista
Trimestral de Direito Público, v. 7, n. , p. 182, 1994.
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de
Direito Ambiental, n. 2, p 51-66, abr./jun. 1996.
MONTEIRO, Antônio Lopes; BERTAGNI, Roberto Fleury de Sousa. Acidentes do
trabalho e doenças ocupacionais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho, 18. ed.
São Paulo: Saraiva, 1998.
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria. Código de processo civil
comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
NOGUEIRA, Diogo Pupo. A insalubridade na empresa e o médico do trabalho.
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, v. 12, n. 445, p. 42, 1984.
OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Dano material, dano moral e acidente do trabalho na
Justiça do Trabalho. Disponível em: <http//:www.buscalegis.ccj.ufsc.br>. Acesso
em: 20 mar. 2001.
OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Ação civil pública: enfoques trabalhistas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 2.
ed. São Paulo: LTr, 1998.
OLEA, Manoel Alonso, Introdução ao direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr.
1984.
PAMPLONA. Rodolfo Filho. O dano moral na relação de emprego, 2. ed. São
Paulo: Ltr., 1999.
PAZZIANOTO, Almir. Direito ambiental do trabalho. Revista CEJ, São Paulo, v. 1, n.
3, p. 5-12. [s.d].
PEDREIRA, Luiz de Pinho. Ensaios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998,
p. 71-72.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20. ed. São Paulo: Forense, 1993.
ROCCO. La sentencia civil. México: Editorial Stylo, 1969, p. 15.
ROCHA, Ibraim. Ação civil publica e o processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1996.
ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito ambiental e meio ambiente do trabalho:
dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 1997.
202
ROCHA, Júlio César de Sá. Direito e meio ambiente do trabalho: por um novo
paradigma protetivo. Jornal VII Congresso Brasileiro de Direito Individual do
Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.
ROMITA, Arion Sayão. Direito do trabalho: temas em aberto. São Paulo: LTr,
1998.
ROMITA, Arion Sayão. Sindicalismo, economia, estado democrático: estudos.
São Paulo: LTr, 1993.
RUSSOMANO, Gilda M. Corrêa Meyer. Integração econômica e direito social. Rio
de Janeiro: José Konfino, 1971.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do
Trabalho. Rio de Janeiro, Forense, 1983.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Temas atuais de direito do trabalho. São Paulo:
LTr., 1968.
SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais e a Constituinte:
constituinte e constituição. Belo Horizonte: UFMG, 1986.
SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 1987. v. 1.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SEMINARIO do Mercosul debate segurança na construção civil. Revista
Fundacentro, v. 1, n. 2, p. 25, set. 1997.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São
Paulo: Malheiros, 1994.
SILVA, José Afonso da. Direito constitucional ambiental. São Paulo: Malheiros,
1994.
SILVA, José Afonsa da. Direito à qualidade do meio ambiente. Revista do
Advogado, São Paulo, n. 18, p. 49-50, jun. 1985.
SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advogado. Rio de Janeiro: Rio, 1978.
SOUZA, Marcelo Gomes. Direito minerário e meio ambiente. Belo Horizonte: Del
Rey, 1995.
SUSSEKIND, Arnaldo. Natureza juridical e princípios do direito do trabalho. In:
SUSSEKIND, Arnaldo et. al. Instituições de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo:
LTr, 1996. v. 1, p. 116-136.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Curso n. 23: ação civil pública. São Paulo: LTr,
1998.
203
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de
Janeiro: Forense, 1999.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Princípios do direito internacional
contemporâneo. Brasília: UnB, 1981.
VENDRAME, Antonio Carlos. Os adicionais de risco no contexto da saúde do
trabalhador. São Paulo: LTr, 1999.
VIANA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr,
1996. v. 1.
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego estrutura legal e
supostos. 2. ed. São Paulo: Ltr, 1999.
WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado
pelos autores do projeto. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
WOLF, Paul. A irresponsabilidade organizada? Comentários sobre a função
simbólica do Direito Ambiental. In: O novo em política e direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997.
204
ANEXO
PEC Nº
O inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal passa a vigorar com a
seguinte redação:
XXVIII – seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que está obrigado, independente da apuração de culpa.
Justificativa -
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo