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SUZANA RAMALHO FURTADO
LÉXICO E IDENTIDADE LINGÜÍSTICA: FORMAÇÃO DO
VOCABULÁRIO DO PORTUGUÊS-BRASILEIRO PELOS
ESTRANGEIRISMOS.
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2008
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SUZANA RAMALHO FURTADO
LÉXICO E IDENTIDADE LINGÜÍSTICA: FORMAÇÃO DO
VOCABULÁRIO DO PORTUGUÊS-BRASILEIRO PELOS
ESTRANGEIRISMOS.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa,
sob a orientação da Professora Doutora Jeni Silva Turazza.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Gerino Ramalho e Maria do Carmo, pelo amor, dedicação, educação e
carinho que sempre me devotaram...
Ao meu esposo Sérgio, pelo carinho, apoio e incentivo durante todos estes anos
juntos...
Aos meus filhos Aline e Guilherme, razão do meu viver, e inspiração para os meus
objetivos...
DEDICO.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida e por me propiciar a família formidável e amada que eu
tenho...
À Professora Doutora Jeni Silva Turazza, orientadora, por todos os ensinamentos
durante a realização deste trabalho, cuja dedicação e incentivo ultrapassaram os limites
profissionais...
À Professora Doutora Vera Lucia Andrade Bahiense Pavanello e ao Professor Doutor
José Everaldo Nogueira Jr. , por suas valiosas contribuições, no momento da Banca de
qualificação e de Mestrado, que possibilitaram a ampliação desta pesquisa.
Aos Professores Doutores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa, pela contribuição à minha formação acadêmica...
À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por meio da Diretoria de Ensino
Regional de Osasco, que, graças à concessão da bolsa de estudos, permitiu a
realização desta pesquisa...
A equipe gestora, professores, alunos e funcionários da Escola Estadual “Professor
José Jorge”, pela amizade e pelo apoio durante a pesquisa...
À minha irmã Regina que me acompanha, participa e compartilha, com muito carinho,
da minha vida pessoal e acadêmica...
Aos meus irmãos Claudinei e Adriana, pelo carinho, dicas e apoio incondicional nos
meus estudos...
Aos meus cunhados Bete e Rogê e ao meu sobrinho Henrique, pela ajuda no uso de
novas tecnologias na área da informática ...
Aos meus sogros Antonio e Teresa, à minha avó Guiomar, à minhas tias, aos meus
cunhados e cunhadas e aos meus sobrinhos que sempre estiveram ao meu lado.
Às amigas de infância Rosana, Elaine e Zenaide pela compreensão em razão falta de
tempo para nos encontrarmos...
À amiga e professora Márcia Filomena, pelo incentivo para que eu fizesse o Mestrado...
Aos companheiros de curso Maria da Graça de Souza, Cassiano Butti e Regina Célia
Carbonari por participarem juntos das experiências acadêmicas, pelo apoio, pelos livros
que me emprestaram e pela torcida para o sucesso...
Às amigas e professoras Mônica Maria Rodrigues e Elisete Maria França, pelas
contribuições, incentivo e convivência profissional.
RESUMO
Esta Dissertação situa-se na linha de pesquisa História e Descrição da Língua
Portuguesa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e compreende uma investigação
exploratória, cujo objeto de estudo está circunscrito aos estrangeirismos presentificados
no idioma português-brasileiro. Postula-se o uso de estrangeirismo como um fenômeno
cujo marco se inscreve na própria história da formação de um dado idioma e se estende
a qualquer contemporaneidade. Fundamentado pelos princípios e pressupostos da
Lexicologia, e norteado por um objetivo geral buscar compreender as estratégias
empregadas pelos usuários do idioma português-brasileiro nos processos de
transmudação dos estrangeirismos em empréstimos lingüísticos — o percurso
investigativo está traçado por três focalizações. Uma que privilegia o ponto de vista
histórico-cultural, atribuindo relevo a diferentes contextos das formações sociais
humanas, no fluxo de suas construções, para neles situar a formação do idioma
português-brasileiro como um produto de contato entre diferentes povos, usuários de
línguas diferentes; outra mais ampla referente a contextos sócio-histórico-culturais que
configuram formações sociais humanas que têm por suporte o desenvolvimento de
tecnologias; e uma última circunscrita aos quadros dos estudos lingüísticos que
privilegiam o léxico, com vistas a verificar quais são as estratégias implicadas no
processo de nacionalização de vocábulos estrangeiros que, na atual
contemporaneidade, foram ou estão sendo incorporados ao vocabulário do idioma
português-brasileiro. O procedimento metodológico implicou a seleção e análise de um
corpus, a título de exemplificação, composto de palavras do idioma inglês, selecionadas
a partir de diferentes campos semânticos, no qual se busca focalizar os processos de
transmudação de estrangeirismos em empréstimos lexicais, privilegiando a comparação
com o marco fundador das categorias: projeção, transferência e identidade: aquelas
que asseguram, por princípios analógicos, identificar o “não familiar” pelo “familiar”.
Ressalta-se que, para as análises, as formas vocabulares e seus respectivos conteúdos
foram considerados em sua dimensão fonológica, morfossintática e semântica. Os
resultados obtidos indicam que a aquisição e uso de novos vocábulos, bem como de
uma ngua estrangeira, nunca ocorrem de forma isolada, e sim no fluxo da
discursivização e têm por ancoragem os conhecimentos prévios do falante. De forma
que, a utilização de palavras estrangeiras exige do usuário não falante do idioma inglês
um maior esforço de interpretação e de compreensão mesmo quando o repertório
cultural da língua inglesa é empregado em enunciados estruturados pelas categorias
frasais da língua portuguesa. Constatou-se, ainda, que os vocábulos são
aportuguesados pelo ponto de vista fonético e, quando integrados ao sistema
vocabular, se tornam produtivos de forma que a nova matriz lexical passa a sustentar a
produção de novas formas vocabulares; portanto os empréstimos são explicados pela
produtividade lexical.
Palavras-chave: Lexicologia, Estrangeirismo, Empréstimo lexical
ABSTRACT
This Dissertation is grounded within the History and Portuguese Language Description
research line, of the Post-Graduation Studies in Portuguese Language of Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo and comprehends an exploratory investigation,
whose object of study is limited to the foreign words present in the Brazilian Portuguese
language. The use of foreign words is seen as a phenomenon whose milestone is
inserted within the history of composition of a certain language and reaches any
coexistence. Grounded by the principles and presuppositions of Lexicology, and guided
by a general objective to try to understand the strategies adopted by users of the
Brazilian Portuguese language in the process of transference of foreign words in
linguistic loans the investigative route is guided by three different focuses. One of
them emphasizes the cultural and historical point of view, giving importance to different
contexts of human social formations, in the flow of their constructions, in order to place
in them the composition of the Brazilian Portuguese language as a product of contact
between different peoples, users of different languages; another one, broader, concerns
social, historical and cultural contexts that comprise human social formations supported
by the development of technologies; and the last one is limited to linguistic studies that
mainly focus on the lexical, aiming at determining the strategies implied in the process of
nationalization of foreign words that, in the current coexistence, were or are being
incorporated into the Brazilian Portuguese language vocabulary. The methodological
procedure implied the selection and analysis of a corpus, in order to provide examples,
comprised of words from the English language, selected from different semantic fields,
in order to focus on the transference processes of foreign words in lexical loans, paying
special attention to the comparison with the foundation milestone of the categories:
projection, transfer and identity: those that ensure, by analogical principles, identify the
“non familiar” by the “familiar”. It is important to notice that, for the analyses, the words
and their respective contents were considered in their phonological, morphosyntatic and
semantic dimensions. The results obtained show that the acquisition and use of new
words, as well as of a foreign language, never take place in an isolated manner, but in
the flow of speech and is grounded on the previous knowledge of the speaker.
Therefore, the use of foreign words requires from the user who does not speak the
English language a greater effort of interpretation and comprehension, even when the
cultural repertoire of the English language is used in sentences structured by phrasal
categories of the Portuguese language. It was also noticed that the words become
Portuguese words in the phonetic point of view and, when integrated into the vocabulary
system, become productive in a way that the new lexical matrix begins to support the
product of new vocabulary forms; therefore, the loans are explained by the lexical
productivity.
Key words: Lexicology, Foreign words, Lexical loan
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – REPERTÓRIOS CULTURAIS: DAS SOCIEDADES ARCAICAS
ÀS HISTÓRICAS – MATRIZES PARA A COMPREENSÃO DOS ESTRANGEIRISMOS
1.1 Preliminares......................................................................................................................20
1.2 A língua no espaço da história e da cultura......................................................................24
1.2.1 Os limites da história oficial pela dinâmica cultural.............................................. 29
1.2.2 As descobertas e invenções matrizes de renovação cultural................................30
1.2.3 Propagação das descobertas e inventos..............................................................32
1.2.4 Cultura e civilização...............................................................................................35
1.3 As revoluções tecnológicas por palavras testemunhas....................................................37
1.3.1 A Revolução Agrícola............................................................................................ 40
1.3.2 A Revolução do Regadio.......................................................................................43
1.3.3 A Revolução Urbana.............................................................................................46
1.4 Sociedades arcaicas e históricas: uma síntese................................................................53
CAPÍTULO II – REPERTÓRIOS CULTURAIS: MARCOS FUNDADORES DO
PORTUGUÊS ARCAICO E DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
2.1 Preliminares......................................................................................................................55
2.2 A construção da identidade lingüística pela identidade cultural....................................... 58
2.3 A conversão de língua de cultural ao romanice fabulare – origem do galego-português.60
2.3.1 Processo de dialetação: estratos da língua latina................................................... 61
2.3.2 Processo de dialetação: estratos das línguas dos bárbaros................................... 65
2.3.3 Processo de dialetação: estratos da língua árabe...................................................67
2.4 Formação do Estado Nacional português e os marcos da Revolução Mercantil............. 70
2.4.1 A criação do Condado Portucalense....................................................................... 71
2.4.2 A Revolução Mercantil e as grandes descobertas.................................................. 74
2.4.3 O projeto de D. Henrique.........................................................................................75
2.5 A formação do Estado brasileiro pelos marcos da colonização: matrizes lexicais...........78
2.5.1 O aportuguesamento dos habitantes do Brasil: a constituição de um vocabulário
brasileiro.................................................................................................................. 79
2.5.2 A dialetação do português arcaico pelos empréstimos lingüísticos dos
ameríndios............................................................................................................... 81
2.5.3 O aportuguesamento dos habitantes do Brasil: a construção da gramática
anchietana............................................................................................................... 83
2.5.4 A formação do Estado Nacional brasileiro...............................................................86
2.5.5 Revolução Industrial e Revolução Termonuclear: impulsos à criação de novas
tecnologias e terminologias..................................................................................... 88
2.6 Português-arcaico e português-brasileiro: uma síntese................................................... 94
CAPÍTULO III – A CRIATIVIDADE LEXICAL PELOS EMPRÉSTIMOS NA SOCIEDADE
BRASILEIRA MODERNA
3.1 Preliminares......................................................................................................................98
3.2 Estrangeirismos e empréstimos....................................................................................... 100
3.3 Os empréstimos e a falsa concepção de pureza..............................................................102
3.4 O uso de estrangeirismo e estratégias de exclusão.........................................................104
3.5 Alguns fundamentos teóricos para o tratamento dos estrangeirismos.............................109
3.5.1 Procedimento analítico............................................................................................ 114
3.5.2 Resultados obtidos.................................................................................................. 131
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 140
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 148
ANEXO A............................................................................................................................... 156
ANEXO B............................................................................................................................... 159
ANEXO C............................................................................................................................... 160
ANEXO D............................................................................................................................... 161
ANEXO E............................................................................................................................... 162
ANEXO F............................................................................................................................... 163
Língua
Esta língua é como um elástico
Que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
De tão clássica.
Com o tempo, se foi amaciando,
Foi-se tornando romântica,
Incorporando os termos nativos
E amolecendo nas folhas de bananeira
As expressões mais sisudas.
Um elástico que já não se pode
Mais trocar, de tão gasto;
Nem se arrebenta mais, de tão forte.
Um elástico assim como é a vida
Que nunca volta ao ponto de partida.
(Gilberto Mendonça Teles)
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, situada na linha de pesquisa História e Descrição da Língua
Portuguesa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, está circunscrita à área da
Lexicologia e tem por tema o estudo dos estrangeirismos. Estes, concebidos como
um fenômeno lingüístico, cujo marco se inscreve na própria história da formação de
um dado sistema lingüístico, ou idioma nacional, que se estende a qualquer
contemporaneidade, como é o caso dos anglicismos que povoam o cotidiano de
nossa sociedade moderna.
A origem do deslocamento e o uso de vocábulos estrangeiros se explicam
pelo contato entre povos distintos, falantes de diferentes línguas que, devido à falta
vocabular tomam uma da outra formas vocabulares de que não dispõem para
designarem novos/outros conceitos, idéias, ou “coisas do mundo”. Essa propagação,
cujo suporte são as interações humanas, para Guilbert (1975), implica a
incorporação dessas designações ao vocabulário geral da língua de que os
importadores fazem uso.
Segundo esse autor, o vocábulo importado de um outro território lingüístico —
por meio da propagação de conhecimentos científicos, tecnológicos, literários, ou
mesmo informações, ou notícias veiculadas pelos meios de transmissão de sinais
lingüísticos pode ou não ser acolhido pelos usuários do território que faz sua
importação. Quando não acolhidos pela maioria da população, eles são empregados
como citação, de sorte a serem reconhecidos no corpo de um texto escrito por
registro em itálico, ou uso de aspas. O não acolhimento deve ser interpretado como
não aceitação; contudo, tal fato não impede que alguns usuários a eles possam
recorrer, quer por necessidade de expressão, ou para demonstrar maior grau de
erudição em relação àquele do seu interlocutor.
Nesse contexto é preciso compreender que as palavras em sendo uma
produção humana destituída de autoria razão pela qual ela é de todos e de
ninguém, afirma Turazza (2005) viajam pelo mundo e levam consigo carga
significativa de caráter sócio-histórico-cultural daqueles que dela fazem uso e, à
semelhança dos gêneros do discurso e/ou tipos de textos, atos de fala, estilos,
integram-se aos repertórios culturais de um povo. Por conseguinte, não se importam
simplesmente formas vocabulares, mas também seus respectivos conteúdos,
10
configurados por matrizes culturais que identificam o perfil de seus usuários. Assim,
o processo de adesão às formas estrangeiras implica a sua reinterpretação pelas
estruturas fonomorfológico-sintáticas da língua materna do importador e, também,
de seus respectivos conteúdos sêmio-lingüísticos.
Segundo Morin (2005), as técnicas e os conhecimentos sempre transitaram
entre continentes e sociedades, mas
foi no século XX que se selou a aliança entre ciência e técnica, na
tecnociência (...). Claro, todas as invenções e inovações são rapidamente
utilizadas pelos poderes estatais e econômicos. No começo do século XIX,
(...) a tecnociência tornou-se motora e transformadora. Ainda mais: a aliança
técnico-ciência ampliou-se na indústria e em benefício do capitalismo. É esse
quadrimotor, ciência-técnica-indústria-lucro, que impulsionou a marcha da
história. (p. 214).
Nessa acepção, postula esse autor que a história da sociedade moderna tem
os seus registros escritos nos conteúdos dos vocábulos “globalização” e
“mundialização”. O primeiro faz remissão à automatização das mega-máquinas
econômicas que, cada vez mais associadas entre si, buscam se fazer
transnacionais, na medida em que dispõem de inúmeros canais de comunicação
que lhes facultam transpor qualquer fronteira nacional. Dirigidas por uma elite
internacional de executivos manangers, experts, economistas especializados no
conhecimento das informações, das administrações, proclamam a necessidade de
um modelo de educação especializada, visando à formação do homem do futuro:
aquele capaz de contribuir com a gestão e produção de “bens” desse novo mercado
do capital econômico.
Assim, o vocábulo “globalização” se remete a uma concepção de um mundo
sem fronteiras e “fora da lei”, ou seja, que escapa àquele da legalidade geridas pelos
Estados e com eles se mistura, visto que a mega-máquina é administrada apenas
pelo princípio da eficiência, da qualificação e do lucro. Trata-se do mito do
progresso.
O termo “mundialização”, por sua vez, não se dissocia da complexa rede de
significações condensadas pelo vocábulo “globalização”. Remete-se à necessidade
de reinterpretar os princípios da humanidade, fundados nas matrizes de bens
culturais capazes de assegurar a consciência de uma identidade comum, inscrita na
pluralidade que qualifica os humanos: “(...) identidade que vem da filiação a uma
11
identidade materna e paterna que concretiza o termo pátria e traz a fraternidade a
milhões de cidadãos sem laço consangüíneo”. (MORIN, 2005. p. 240).
Essa consciência, afirma Morin, está na construção de uma concepção de
pátria terrestre destituída de abstrações e, para tanto, é preciso compreender que
todos os homens têm os mesmos ancestrais que, indistintamente, são filhos da
Terra. Tal compreensão obriga os homens a beberem no passado cultural, visto que
é de suas raízes que ela emergirá e possibilitará a construção de uma “sociedade-
mundo”, organizada pelos valores da vida em comunidade, povoada por princípios
éticos e estéticos, ausentes do mundo do mercado de bens de capital financeiro-
econômico.
Nessa acepção, os vocábulos “mundialização” e “globalização” se
complementam na medida em que se concebe o mundo da vida como aquele que
abarca a complexidade do mundo do mercado, das finanças, da atual política
econômica, sem se reduzir a eles. Esse mundo da vida, capaz de levar a
humanidade a se reencontrar consigo mesma, se explica por uma dupla dimensão:
aquela técnica-econômica é institucionalizada, bem organizada, movida por
um pensamento único mais ou menos homogêneo (...). A outra deriva de
correntes muito diversas e enfrenta dificuldades de organização (...mas é)
irrigada pelas ricas correntes emancipadoras do passado humanismo,
democracia, socialismo — carrega a aspiração a um mundo melhor. (MORIN,
2005. p. 234).
Contudo, a primeira é estimulada pela segunda que vive em estado de
efervescência e deverá entrelaçar as posições humanistas e sociais do passado
para se firmar na sociedade civil internacional, com vistas a solucionar as grandes
carências de humanidade que emergem daquela.
Esse contexto de complexidades, habitado por projeções, carências,
marginalidades povoa o mundo contemporâneo que tem uma infinidade de reformas,
em todos os campos do saber, registrados na reforma do vocabulário das línguas
faladas no mundo. Tal fato comprova que as revoluções vivenciadas pela
humanidade por descobertas, inventos e produções de novas técnicas incidem
sobre a renovação do vocabulário. Por conseguinte, os empréstimos são múltiplos e
variados vêm dos países asiáticos, dos europeus e também dos EUA. Todavia,
nesta pesquisa, privilegiam-se aqueles oriundos da língua inglesa, na medida em
que o controle da mega-máquina a que se refere Morin é exercido pelo poder
político-econômico dos EUA, após a Segunda Guerra Mundial.
12
Focaliza-se a incorporação dos estrangeirismos pelo seu processo de
nacionalização pelo povo brasileiro, quer no exercício da fala oral, ou escrita.
Ressalta-se o uso desses empréstimos por profissionais da área das ciências e
tecnologias; contudo, muitos deles se fazem extensivos às práticas discursivas do
cotidiano, quando são reinterpretados pelos parâmetros da cultura geral dos
usuários da língua portuguesa. Outros ficam mais restritos às práticas discursivas de
especialistas, quando a sintaxe e o léxico asseguram estilos próprios, fixando-se e
nela permanecendo, mas sem deixarem de adequar as renovações e interpretações
teórico-técnicas.
Observa-se, ainda, o fato de alguns políticos e/ou estudiosos das questões
lingüísticas, quer nos tempos modernos e nos não modernos, assumirem posição
contrária aos empréstimos, por interpretarem que estes sinalizam para valores
referentes a procedimentos de um povo ou não sobre outros. A valorização dessa
questão de caráter ideológico desconsidera o fato de as línguas, em qualquer tempo
ou lugar, não serem sistemas puros, ou impuros, mas poluentes e poluídos, visto
não se poder impedir o contato entre homens de línguas e culturas diferentes.
(MORIN, 2005).
Afirma Guilbert (1975) e outros estudiosos desse tema que a importação de
tecnologias, direta ou indiretamente, responde por mudanças do modelo de
organização das forças que respondem por movimentos inerentes à dinâmica das
relações sócio-culturais, principalmente quando fazem emergir novas funções, ou
papéis sociais técnico ou programador em computação, por exemplo. Por
conseguinte, essas novas designações referem-se não aos novos produtos
“computador”, “scanner”, impressora mas também aos elementos que os
constituem “hardware”, “software”, “mouse”, “nobreak” e, ainda, às funções
desempenhadas por essas máquinas, por meio de ações humanas: digitar,
escanear, imprimir, xerocar, fotocopiar, clicar, deletar... E, a essas funções são
agregados valores como “baixo grau de letramento digital”, exclusão digital, por
exemplo. Logo, a importação de novas tecnologias - produtos de conhecimentos no
campo das ciências - carrega consigo novas idéias, conceitos que sempre são
designados pela língua dos importadores.
Assim sendo, a nacionalização de termos, ou palavras estrangeiras não se
refere apenas à denominação de uma máquina propriamente dita, mas de conceitos
referentes a vários campos do saber ou áreas que co-ocorrem com novas
13
descobertas com novas/outras funções por elas desempenhadas. Tais designações
podem ser ou não incorporadas ao repertório cultural de uma língua materna que,
empregadas como designação de conceitos, idéias, objetos e/ou “coisas no mundo”
são recontextualizadas pelos modelos léxico-gramaticais dessa língua importadora.
A esse processo de recontextualização que abarca a nacionalização, os estudiosos
designam “aportuguesamento”, “naturalização” ou “aclimatação” para tratar da nova
forma fonética e ortográfica desses novos vocábulos: um tema bastante controverso
entre esses estudiosos.
O não consenso parece ser decorrente do fato de a escrita, se focalizada
quanto à materialidade do seu sistema ortográfico, demonstrar a não equivalência
unívoca entre dois sistemas fônicos e gráficos, quando do processo de
nacionalização. Parece, entretanto, ser esse vazio, que emerge no tempo de
comparação entre dois sistemas aquele que o usuário domina e usa, porque
aprendido desde o seu nascimento, e aquele que lhe é estranho, não familiar – ser o
espaço necessário capaz de facultar a reinterpretação do “estranho”, pelo
conhecido”. Nessa acepção, tal pressuposto deve facultar ao pesquisador responder
à seguinte questão: em que medida esse processo de nacionalização responsável
pela produtividade do sistema lexical da língua portuguesa – sempre em
consonância com os movimentos desencadeados por forças responsáveis pela
dinâmica das formações sócio-culturais explicaria a “naturalização”, ou a
“aclimatação”.
Tomar-se-á, como ponto de partida, o fato de a nacionalização ser um
processo complexo que pressupõe tanto a naturalização quanto a aclimatação, pois
se o primeiro vocábulo se refere à adoção do “estrangeiro” como palavra do próprio
vocabulário dos importadores, fica pressuposta nesse ato de adoção a aclimatação,
o identificar-se com as condições vitais do clima para onde ele migra. Tais condições
“climáticas” carregam consigo significados referentes à geografia humana que,
segundo Santos (2006), abarca a cultura de grupos humanos, habitantes de um
dado território nacional.
A reciprocidade entre as ações designadas por essas formas verbais
possibilita considerar que ambas se remetem a questões de idiomatização, inscritas
naquelas da nacionalização. Logo, pela nacionalização ocorre a perda da
nacionalidade de origem do termo ou palavra estrangeira, por se haver a ele
atribuído os mesmos valores e “direitos” daqueles que respondem pelo vocábulo
14
geral do português-brasileiro importador, ou seja, por ele se haver aclimatado.
Empregado de modo natural, tais vocábulos passam a funcionar para designar
modelos de representação de mundos, construídos por seus usuários, na medida
em que tais modelos foram recontextualizados pela aquisição de novos conceitos,
idéias, modalizados pelas matrizes da cultura do povo importador.
Descobrir essas matrizes, inscritas nas raízes da história fundadora da língua
portuguesa, idiomatizada em terras do Brasil, será um dos focos da pesquisa que
deve contribuir para uma melhor compreensão dessas mesmas matrizes culturais
que asseguram o reconhecimento desse processo de idiomatização como fundador
do português-brasileiro.
Outro foco estará voltado para uma perspectiva mais ampla, de modo a
favorecer a compreensão de contextos sócio-histórico-culturais que configuram as
formações sociais humanas que têm por suporte o desenvolvimento de tecnologias.
Estas, se por um lado, garantem a renovação desses modelos de formações, por
outro lado, são tornadas por eles, obsoletas e sempre renováveis. Tais renovações
estão inexoravelmente associadas à própria dinâmica dos sistemas lexicais
lingüísticos. Nessa acepção, esse foco se qualificará por um caráter exploratório,
pois o objetivo que se busca alcançar está circunscrito ao desenvolvimento dessas
tecnologias em diferentes contextos históricos dessas formações sócio-humanas,
privilegiando a extensividade e a propagação delas entre diferentes povos, situados
em diferentes lugares do espaço terrestre.
Um terceiro foco, cuja perspectiva estará centrada em conhecimentos de
caráter propriamente lingüístico, capazes de fundamentar procedimentos analíticos
de um pequeno corpus, selecionado a título de exemplificação. O objetivo, nesse
caso, é verificar quais são as estratégias implicadas no processo de nacionalização
de vocábulos estrangeiros que, na atual contemporaneidade, foram ou estão sendo
incorporados ao vocabulário do idioma português-brasileiro. Tal incorporação deve
implicar o uso de estratégias fonomorfológicas e sintático-semânticas que abarcam o
uso de “velhas” formas vocabulares do idioma português-brasileiro. Esse uso,
contudo, não decorre de uma mera transposição das formas estrangeiras para
aquelas do português, visto que o sistema lingüístico da língua inglesa aquele em
que têm origem os vocábulos do corpus selecionado – não tem equivalência unívoca
com aquele da língua portuguesa. Assim sendo, segundo Turazza (2005), a
nacionalização de formas vocabulares tomadas como empréstimos implica o uso de
15
estratégias de criatividade, pois dessa não equivalência emerge a “falta” de
fonemas, de morfemas, bem como de categorias sintático-semânticas para recobrir
os da língua inglesa.
Os estudos desenvolvidos por Guilbert (1975) sobre o tema em questão
possibilitam afirmar que os grupos de uma sociedade que mais facilmente dão
adesão aos estrangeirismos são aqueles que estão inseridos no mundo do trabalho
e nele atuam como negociantes ou industriais, cientistas ou técnicos, pois são
sempre eles que, segundo esse autor, aderem entusiasticamente ao vocabulário
estrangeiro. Essa adesão tem por fundamento a crença segundo a qual aqueles que
se inserem nessas áreas do saber podem se colocar entre os homens poderosos
que habitam o território ocupado pelos bens do capital importado. Esses bens, para
Guilbert (1975) são aqueles produzidos no campo científico e ou tecnológico que
renovam as fontes de produção do capital econômico e, conseqüentemente, do
cultural: ambos refletidos no modelo de organização social.
Tal convicção fez com que se classificasse o mundo em dois blocos: aquele
habitado por homens desenvolvidos e aqueles habitados por homens
subdesenvolvidos, ou seja, habitantes de países exportadores de ciência e
tecnologia e habitantes de países importadores desses mesmos bens.
Essa crença projetada pela necessidade de inserção faz com que esses
grupos economizem na tradução, para instituírem um sistema de confraternização
internacional tomando por parâmetro a terminologia que acompanha os bens
importados. Por conseguinte, no caso dos técnicos, a adesão é explicada pela
preocupação com a eficácia e a necessidade que têm de trabalhar com os
equipamentos estrangeiros; logo, aderir aos termos estrangeiros é uma conduta
decorrente da necessidade de compreensão da estrutura e funcionamento desses
equipamentos, concebidos pelos seus fabricantes. Para os cientistas, a preocupação
é com a eficácia decorrente da necessidade de se compreender conhecimentos
teóricos que facultaram a produção desses bens tecnológicos. os industriais,
aderem aos termos estrangeiros em razão da necessidade de uso proficiente desses
equipamentos para assegurar a manutenção do sistema de produção de suas
indústrias, cujos produtos manufaturados precisam ter mercado, enquanto os
comerciantes os têm como recurso lingüístico que faz remissão à qualidade do
produto que vendem.
16
Ressalta, ainda, Guilbert (1975) a necessidade de se considerar a massa de
não especialistas ou do público que se submete a pressões de caráter sócio-cultural,
impostas pela importação de equipamentos, de teorias, de filmes, de romances
principalmente os policiais revistas e jornais infantis, músicas...; poderosos
veículos de ideologia do campo da indústria do lazer e/ou da diversão que,
necessariamente, acompanha a importação de tais produtos. Contudo, é preciso
atribuir relevo ao fato de que, se as relações econômicas fundadas no modelo
comercial dessas importações implicando a refuta ou a adesão ao vocabulário que
os denomina, essa política de adesão poderá sofrer rupturas, sempre decorrentes
de mudanças de interesses.
Assim, tais mudanças levam políticos, motivados pelo princípio do
nacionalismo, a se colocarem em defesa do “idioma nacional”, posicionando-se
contrários aos anglicismos. Esse é o caso do Projeto de Lei 1676/99 (ANEXO A), de
autoria do Deputado Federal Aldo Rebelo, PC do B, que propõe a proteção, defesa e
o uso da língua portuguesa, a partir de punição, por multas, àqueles que venham a
desrespeitar o proposto pelo referido projeto de Lei.
Tal procedimento, se por um lado, incentiva a defesa do idioma frente ao uso
exagerado de estrangeirismos em detrimento ao uso da língua materna, por outro
lado, desencadeia reflexões dos lingüistas de que resultam estudos sobre os
empréstimos. Por conta desse Projeto de Lei, Carlos Alberto Faraco (2001)
organizou o livro: “Estrangeirismos: guerras em torno da língua”, nele, Faraco
apresenta textos de Pedro M. Garcez, Ana Maria Sthal Zilles, Marcos Bagno, John
Robert Schmitz, José Luiz Fiorin, Sirio Possenti e Paulo Coimbra Guedes, que
discorrem de forma crítico-reflexiva sobre o Projeto de Lei, para apontar a
inadequação da proposta do Deputado fundamentada em argumentos não
convincentes, porque meramente político-ideológicos.
Nessa acepção, considera-se o tema dos empréstimos para além dessas
questões políticas e/ou ideológicas, inscrevendo-os na história da própria formação
do idioma português-brasileiro, visto que as línguas de cultura ou a própria cultura
não se consubstanciam pelo isolamento de um povo em Estados políticos, como é o
caso da brasileira.
Por conseguinte, os estrangeirismos merecem ser investigados por dois
pontos de vista complementares: um fundamentado pela perspectiva histórico-
cultural de um povo; outro referente a posições político-ideológicas. Observa-se que
17
tal posição está fundamentada em projetos políticos que visam à planificação e
institucionalização da língua oficial: uma norma de prestígio que visa controlar as
variações e o uso de formas léxico-gramaticais que promovem o dinamismo do
próprio sistema e, conseqüentemente, rupturas nessa norma oficial. É por essa
razão que nossos gramáticos tradicionais se opõem ao uso de estrangeirismos, à
semelhança do Deputado Aldo Rebelo, em nome do “purismo lingüístico”.
Privilegiar o ponto de vista histórico-cultural, atribuindo relevo a diferentes
contextos das formações sociais humanas, no fluxo de suas construções, para neles
situar a formação do idioma português-brasileiro como um produto de contato entre
diferentes povos, usuários de línguas diferentes, deverá comprovar a não pureza do
próprio sistema lingüístico do qual emerge o idioma brasileiro, dentre outros. Esse
posicionamento facultará um tratamento mais aprofundando para os estrangeirismos
que foram e continuam sendo incorporados ao idioma mencionado, contribuindo
para a extensividade e renovação do seu léxico. Esse objetivo geral deverá
possibilitar o desenvolvimento do tema proposto e a sua mensuração será
considerada a partir dos objetivos específicos que facultarão organizar a pesquisa
em três dimensões, ou focos. Nesse sentido, os objetivos específicos que orientam a
elaboração desta pesquisa estão configurados da seguinte maneira:
1. verticalizar conhecimentos contextos sócio-histórico-culturais que funcionam
como parâmetro para a compreensão do vocabulário fundador das línguas
naturais: suporte para o entendimento dos estrangeirismos contemporâneos,
convertidos ou não em empréstimos;
2. tratar da construção da identidade lingüística pela identidade cultural, para
melhor explicitar os processos de nacionalização de vocábulos estrangeiros.
3. compreender os processos de renovação e produtividade do sistema lexical
do idioma português brasileiro, pela incorporação de empréstimos..
Assim sendo, para atender a esses objetivos, propõe-se a seguinte
organização para apresentar a pesquisa realizada, além da Introdução e das
Considerações Finais:
Capítulo I Repertórios culturais: das sociedades arcaicas às históricas
matrizes para a compreensão dos estrangeirismos: tem caráter
exploratório e está configurado de modo a que o pesquisador explicite, com
18
vistas a compreender, contextos sócio-histórico-culturais em que se sustenta
a formação do vocabulário fundador das línguas naturais e,
conseqüentemente, os estrangeirismos contemporâneos. Nesse caso, o
resgate dos bens culturais materiais e não materiais é focalizado por
descobertas e invenções que serviram e servem de suporte para a
organização das formações sócio-culturais humanas.
Capítulo II - Repertórios culturais: marcos fundadores do português-
arcaico e do português-brasileiro apresentam-se, por uma perspectiva
historiográfica, fundamentos que possibilitam ao pesquisador tratar da
construção da identidade lingüística pela identidade cultural. Toma-se por
ponto de partida a origem do português arcaico transportado para o Brasil, na
época de sua descoberta e colonização, bem como o processo de
idiomatização, cujo fundamento é a cultura indígena e a africana. Por essa
perspectiva busca-se compreender o idioma como uma arquitetura de um
sistema lingüístico que tem por suporte novos matizes culturais. Contudo,
esse novos matizes modificam o sistema em uso, mas não promove rupturas
radicais, de sorte a formar uma outra língua ou sistema lingüístico.
Capítulo III A criatividade lexical pelos empréstimos na sociedade
moderna brasileira: apresentam-se fundamentos das Ciências do Léxico
que responderão pela análise do corpus selecionado, a título de
exemplificação. Tais análises devem possibilitar explicar que a incorporação
de vocábulos estrangeiros funciona como recurso de expressividade, sem
alterar as matrizes formadoras e fundadoras do idioma ao qual eles são
incorporados.
19
CAPÍTULO I
REPERTÓRIOS CULTURAIS: DAS SOCIEDADES ARCAICAS ÀS
HISTÓRICAS — MATRIZES PARA A COMPREENSÃO DOS
ESTRANGEIRISMOS
1.1 Preliminares
O vocabulário, para os estudiosos da lingüística contemporânea, qualifica-se
como um dos elementos do repertório interpretativo dos usuários de uma dada
língua e, nesse sentido, são unidades que asseguram a construção de práticas
discursivas, tendo por parâmetro “o contexto sócio-histórico-cultural” em que essas
práticas são produzidas. Spink e Medrado (1999) também consideram ser os
repertórios interpretativos formas léxico-gramaticais, gêneros do discurso e/ou
tipologia de textos, atos de fala, estilos os fundamentos das práticas sociais
humanas, visto que por eles é possível compreender não a dinâmica, mas
também a variabilidade e a estabilidade das produções lingüísticas humanas. Por
conseguinte, o vocabulário é dinâmico e variável de pessoa para pessoa, de grupo
social para grupo social, alocados em tempos e lugares diferentes, de civilização
para civilização e de cultura para cultura.
Para Turazza (2005) os vocábulos são compreendidos como formas léxico-
gramaticais socialmente construídas no espaço das produções discursivas e, nessa
acepção, as pessoas deles fazem uso para produzir sentidos. Construídas e
reconstruídas, no fluxo da dinâmica dos processos sócio-cognitivo-interativos,
quando a linguagem se situa entre os homens, essas formas léxico-gramaticais são
desmobilizadas-remobilizadas, de sorte a se adequarem aos modelos de contexto
situacional e facultarem a comunicação. Segundo a autora, essas formas
lingüísticas de tal repertório se inscrevem nas matrizes culturais de um povo; logo,
têm raízes históricas e possibilitam aos usuários de uma língua designar novos
conceitos, novos conhecimentos de mundo, por meio delas. Por conseguinte, para
compreender tais repertórios, na dimensão da palavra, é preciso assumir uma
posição perspectivizada pelo olhar capaz de situá-los no longo tempo da história de
20
constituição das línguas que se busca estudar, sem desconsiderar as mudanças de
conteúdos sócio-culturais, estruturadas por essas formas lingüísticas que
apresentam certo grau de estabilidade. A esse grau de estabilidade designa-se
“significado”.
Nessa acepção, este capítulo desta Dissertação tem caráter exploratório e
está voltado para a compreensão de contexto(s) sócio-histórico-cultural(is) que
funciona(m) como parâmetro para a compreensão do vocabulário fundador das
línguas naturais, visto que tal fundação se qualifica por um número bastante
significativo de empréstimos. Tais empréstimos resultam da transmudação de
estrangeirismos, isto é, de adequações de vocábulos estrangeiros aos modelos
fonomorfológicos e sintático-semânticos, consoante matrizes sócio-culturais das
línguas que os importam.
Esse processo de importação, implicando reinterpretações capazes de
converter o estranho, o não familiar, em conhecido, familiar, não se dissocia da
importação de novos/outros conhecimentos e das tecnologias por eles produzidos.
Os conhecimentos e suas tecnologias respondem, por um lado, pela transformação
e desenvolvimento das condições da vida humana na Terra e, por outro lado, pelos
modelos de formações sócio-culturais, inscritos no fluxo do longo tempo da sua
própria história. Observa-se o fato segundo o qual essas formações tanto
asseguram a construção dessas tecnologias quanto são transformadas por elas, na
mesma proporção em que as tornam obsoletas e renováveis e, por essas
renovações, tais formações, suas línguas e seus vocabulários também se renovam.
Ressalta-se que, na presente contemporaneidade, a técnica tem ocupado
grande parte dos processos investigativos no campo das ciências. Embora a técnica
experimente um primeiro desenvolvimento explosivo no período neolítico das
formações sócio-culturais humanas, no século XVIII, as tecnologias são
associadas à ciência, de modo que o acasalamento entre ambas terá por marco o
século XX. Contudo, afirma Santos (2001), a ciência moderna é fertilizada na Idade
Média e nasce no Renascimento, quando a concepção de racionalidade humana se
sobrepõe àquela de racionalidade divina, ou seja, os parâmetros fundados na visão
de mundo teocêntrico são superados por aqueles antropocêntricos.
Nesse sentido, quando se retomam estudos referentes à teoria do
conhecimento, descobre-se que as técnicas antecedem à produção científica da
modernidade e são qualificadas como fundamento de todo e qualquer
21
desenvolvimento humano. Para Jacquard e Planes (2006) é difícil estabelecer os
primeiros marcos produtores de tecnologias, mas é possível compreender que o uso
de lascas, quer de madeira ou pedra, capazes de facultar o despedaçamento de
caças para a alimentação, implicava a produção de uma técnica humana. Tal
produção aponta para a seleção dessas lascas bem como a necessidade de lapidá-
las de modo a se tornarem objetos cortantes, de sorte que esse trabalho abarca a
transmudação delas em utensílio. Observam os autores que esse trabalho
pressupõe uma projeção orientada para um objetivo futuro: caçar para comer. O
mesmo processo ocorre com a descoberta e uso do fogo: um inimigo de todos os
demais animais, convertido em colaborador do homem, quando descobriu o seu
princípio e dele passou a fazer múltiplos usos: cozer alimentos, aquecer-se,
afugentar inimigos e transformar minérios em metais.
A tecnologia não se dissocia de conhecimentos produzidos por experiências,
descobertas e invenções. Por conseguinte, todo e qualquer instrumento produzido
pelo homem para suprir necessidades ou vencer obstáculos que o impedem de
conquistar objetivos no aqui e no agora, bem como no futuro, são designados
“tecnologias”; razão pela qual estas se explicam pelo vínculo com as projeções
humanas, o que não ocorre com os demais animais.
Nesse contexto, pode-se observar a existência de um conjunto de vocábulos
registrados nas mais variadas línguas modernas, mas que se remetem à
designação dessas tecnologias perdidas no tempo da história. Segundo Melo
(1971), são “palavras-chaves” por meio das quais se denominam tanto os elementos
“naturais” do mundo da vida “água”, “ar”, “vento”, “chuva”, “terra”, “sol”, “lua”...
como aqueles referentes à produção de tecnologia: “faísca”, “moinho”, “irrigação”,
“canal”, “eólio”, “barco”, “adubo”, “plantio”, “colheita”... Tais denominações
respondem pela formação da base do vocabulário de uso comum cuja extensão
está associada à extensividade de conteúdos e tecnologias que sempre viajaram e
viajam de um lugar para outro, contudo, sempre reinterpretados. Assim, por
exemplo, em sociedades onde a água se faz escassa o uso dessas tecnologias
difere daquele em que esse elemento se faz abundante. Razão pela qual as usinas
hidrelétricas e o domínio de sua construção não estão incorporados aos povos do
deserto, por exemplo, e o vocabulário referente a esse campo do saber será mais
extensivo ou não. Logo, a propagação de tecnologias e de suas designações,
depende de fatores sócio-geográficos-culturais que orientam a seleção do que é
22
importado, o que também diferencia a formação da base vocabular das línguas
naturais.
A bibliografia pesquisada aponta que os agentes históricos por meio dos
quais as sociedades humanas se transformam abarcam diferentes ordens de
complexidade e, embora não se possa reduzir a força propulsora desses
movimentos renovadores apenas às tecnologias, elas são os seus fundamentos
primeiros. É nessa acepção que o pesquisador optou por privilegiar as tecnologias
como objeto de exploração neste Capítulo, mesmo reconhecendo a força dos mitos
fundamento das ideologias, segundo Morin (2005) das guerras e das religiões,
como agentes históricos dessa força transformadora.
Justifica-se tal recorte na medida em que eles parecem responder pela
propagação de estrangeirismos, apontando para o fato de serem, estes, produtos de
contatos entre humanos que, estranhos entre si, fazem-se familiares por suas
descobertas e inventos. Tal familiaridade tem por suporte a linguagem marco dos
processos de hominização pela produção de “cultura”, abarcando a produção de
conhecimentos e técnicas: um bem criado, protegido, mantido, nutrido e
reconstruído pelo homem. De acordo com Morin, é a cultura “que permite apreender
e conhecer, mas também é o que impede de aprender e conhecer fora de seus
imperativos e das suas normas.” (2005. p. 36).
Assim sendo, busca-se saber o que os imperativos e as normas da “ciência
moderna” permitem ou impedem o pesquisador de aprender a conhecer “sobre seus
antepassados”. Entende-se que tais contextos facultarão construir uma nova
concepção sobre os estrangeirismos e seus usos. Seriam eles uma questão
inerente apenas à modernidade dos séculos XX e XXI? Haveria razões para o
Congresso brasileiro votar uma Lei proibindo o uso de estrangeirismos pela
sociedade brasileira (conforme capítulo III), na medida em que parece haver um
substrato cultural comum fundador de diferentes e variadas culturas existentes no
mundo, registradas em diferentes línguas? Neste capítulo, objetiva-se reconstruir tal
contexto até o início da modernidade, conforme postulado por Santos (2001), para
entender os modelos de conhecimentos prévios do pesquisador e melhor
compreender a transmudação das sociedades arcaicas em sociedades históricas.
23
1.2 A língua no espaço da história e da cultura
As línguas são criadas, recriadas e instituídas por relações sociais que,
fundadas no princípio da reciprocidade, asseguram as interações humanas,
mediadas pela linguagem e sem as quais nenhuma sociedade existiria. Assim, o
fato de os homens serem animais eminentemente relacionais e racionais faz das
sociedades espaço de processos de socialização e do exercício político, cujo
suporte são as práticas discursivas. É pelo exercício dessas práticas que os homens
se comunicam para se compreenderem, dizendo o mundo que signifazem por meio
de textos coesos e coerentes. Logo, os textos são produtos do exercício das
práticas sociais que, mediadas pela linguagem no exercício da fala, são
compreendidas como discurso.
Essas práticas, portanto, se explicam por uma complexidade de processos
psico-sócio-culturais inerentes à ação da linguagem: uma competência da qual os
seres humanos são dotados e que lhes facultou criar as línguas dentre outros
sistemas de sinais e recriá-las, no fluxo de suas existências, ao exercerem suas
atividades de fala. Assim, as línguas são produtos criados pela linguagem que, em
ação, desencadeia movimentos pelos quais os produtos do pensamento são
tecidos, entretecidos e “informados”, ou seja, colocados nas formas das línguas, de
sorte a dar ao pensamento tangibilidade pelo exercício das atividades de fala. Falar
é, portanto, dizer o mundo pensado, refletido, textualizado em língua, a outrem com
quem se interage. (TURAZZA, 2006).
O texto, nessa perspectiva, é lugar de representações dos conhecimentos de
mundo, compreendidos como reconstruções de novas versões do velho mundo;
contudo, o novo nele designado tem por suporte velhas formas léxico-gramaticais
da língua, reordenadas, reorganizadas e, portanto, recriadas pela dinâmica da força
da linguagem inscrita na fala. Assim, a língua se faz também criadora da linguagem,
tendo a fala como lugar de novas designações dessas outras versões do velho
mundo.
Produto das interações humanas, as línguas se explicam por essa relação de
reciprocidade e interdependência em que os humanos se situam para interagir uns
com os outros. Nessa acepção, elas são produtos de contatos entre membros de
grupos que habitam um mesmo território e falam uma mesma língua, ou entre
24
grupos que habitam territórios distintos e falam línguas distintas, mas buscam se
compreender aprendendo um a(s) língua(s) dos outros.
A diversidade de línguas implica modos diferentes de focalizar, conhecer,
identificar, construir e interpretar versões de mundo expressas por formas léxico-
gramaticais, bem como por modos de ordenação morfo-sintático-semântica
diferenciados. Nessas diferenças se inscrevem os sentimentos qualitativos de um
povo, bem como sua maneira de sentir o modo como “as coisas são e estão no
mundo”, ou como deveriam ser e estar. Trata-se da chamada visão de mundo, ou
ponto de vista cultural que, no caso da codificação lingüística, é moldado pelas
formas léxico-gramaticais da língua, construídas no fluxo da história de vivências
experienciadas por um povo: “sua maneira de pensar, de sentir, de agir (...)
encontra-se expressa nas tecnologias, nas relações pessoais, nos mitos, na dança,
na arte, nos rituais (...), em numerosos modos grosseiros ou sutis.” (HOEBEL e
FROST, 1976. p. 341).
Assim, a “visão de mundo” é um pressuposto que possibilita situar a posição
dos povos no mundo diante do universo e, para os lexicólogos, elas estão inscritas
nas formas léxico-gramaticais das línguas, qualificando-se como expressões de
produtos da inteligência e de significações emocionais: produtos de cultura em
contato. Desta feita, o mundo dos objetos físicos e o dos seres vivos, por exemplo,
não são representados da mesma maneira e tampouco designados da mesma
forma pelos povos ou grupos humanos, de sorte que,
o indivíduo que guia um automóvel é chamado, em francês de chauffeur,
em espanhol de conductor, em inglês de driver, em português de motorista;
isto significa que os franceses associam tal indivíduo com a atividade de
aquecer o motor para pôr a máquina em movimento; os espanhóis e os
ingleses o associam ao ato de dirigir o carro, enquanto que nós, falantes do
português, o associamos diretamente com o motor do veículo. (LOPES,
1977. p. 22).
Nessa acepção, o léxico de uma dada língua, elaborado no curso de
diferentes temporalidades, segundo Chaves de Mello (1967), carrega consigo essa
carga nocional, diferenciada em cada uma das outras línguas, impregnada de
significações referentes aos modos de designar objetos, seres, idéias. Esse léxico
se configura por um vocabulário fundamental, qualificado por uma matriz cultural
comum e empregado por todos os seus usuários. Segundo o autor, neste
vocabulário estão as denominações de nomes, grau de parentesco, localizações
25
temporais e espaciais, bem como vestuário, trabalho, inventos e objetos de uso
comum, além de ações cotidianas e/ou de diversão.
Contudo, essas denominações nocionais estão sujeitas a contatos entre
povos e, por essa relação interlínguas, elas se deslocam de uma região para outras,
de um território para outros. Elas se referem a denominações que nomeiam idéias e
objetos produzidos pelo progresso científico ou tecnológico, pelas artes, pela moda,
ou são decorrentes de intercâmbios comerciais e também da variedade da flora e da
fauna, além daqueles decorrentes de mudanças no corpo de uma sociedade. Esses
deslocamentos implicam, necessariamente, a reordenação dos conteúdos dessas
designações, não pelo ponto de vista por meio do qual os novos usuários
apreendem e interpretam as “coisas do mundo”, mas ainda pelo ponto de vista da
estrutura gramatical da língua que formaliza tais conteúdos. Logo, tem-se alteração
de conteúdo e de forma quando tais designações se propagam para outros/novos
lugares no espaço.
Os conteúdos da história e da cultura humanas, segundo Kroeber (1969), se
ramificam, alargam-se, reúnem-se, cruzam-se e se entrecruzam indefinidamente,
serpenteando-se no espaço humano, incrustados nas palavras e por elas viajando.
Para Sapir (1971) de se diferenciar formas de conteúdos e conteúdos dessas
formas de expressão, de sorte que o conteúdo das formas léxico-gramaticais tem
caráter cultural e organiza a base significativa das formas vocabulares da língua
sempre construídas no espaço da sua história.
Whorf (apud REY, 1970) afirma que a gramática ou sistema lingüístico de
base de cada língua é um modelador e reprodutor de idéias, de sorte a funcionar
não como guia para as atividades sócio-cognitivas humanas, mas também para
orientar análises de informações e sínteses do acervo depositado em sua memória,
resultante dos processos de interação dos quais as pessoas participam. Assim, as
línguas diferem umas das outras porque, pelos modelos de ordenações formais dos
conhecimentos de mundo, não se igualam e tão pouco se recobrem quanto aos
seus recursos expressivos formais. Para esse autor, os homens apreendem e
recortam seus conhecimentos de mundo, consoante modelos categoriais
organizados em conceitos e, assim procedendo, produzem significações
socialmente partilhadas, em consonância com modelos de organização. Há,
portanto, um acordo social que orienta os processos de codificação pelos padrões
lingüísticos e funcionam como parâmetros modeladores das atividades de fala.
26
As considerações acima impossibilitam qualificar as línguas apenas como
estruturas; fato que leva Coseriu (1962/1979) a postular serem elas também
arquiteturas
1
. Afirma que, para se conceber as línguas como arquiteturas, é preciso
focalizá-las nas suas dimensões psicossociais e histórico-culturais, compreendendo
estas como fatores modalizantes das próprias línguas, ou seja, eles não são de
ordem extralingüística, mas intralingüísticas. Tais dimensões, portanto, estão
inscritas nos conteúdos das suas formas léxico-gramaticais, na padronização de
seus esquemas morfossintáticos e/ou frasais, cuja flexibilidade admite a diversidade
de usos desses mesmos esquemas ou padrões.
Desta forma, a língua histórica incorpora a língua estrutural e a funcional que,
como sistema, é subjacente à diversidade de sua funcionalidade e abarca a norma
coletiva como uma de suas realizações, ou uso. Em se tratando da norma padrão,
esta é designada “norma culta”. Por conseguinte, a gramaticalidade de uma língua
histórica está assegurada pela sua submissão ao sistema; contudo, a sua
vernaculidade, assegura Elia (1987), tem por ancoragem o uso tradicional de
gerações sucessivas e se sobrepõe ao sistema, ou a quaisquer de suas normas.
Nesse sentido e por essa razão, é que os tipos de gramáticas propostas para
descrever o sistema - a estrutural e/ou funcional ou para descrever a chamada
norma padrão, cujo suporte é a tradição escrita e literária - não se opõem, mas se
complementam. Tal complementação se deve ao fato de as primeiras descreverem
o sistema lingüístico imanente e, assim sendo, oferecerem princípios e
pressupostos para a descrição de quaisquer normas; a segunda descreve apenas a
norma padrão, ou oficial: aquela ensinada nas escolas, usada para registro escrito
de documentos oficiais do poder estatal e que funciona como suporte de identidade
nacional
2
.
Ressalta-se que a ciência em geral e, mais especificamente, aquela referente
ao campo das humanidades propriamente dita, despende esforços para postular e
descrever o universo pelos princípios da racionalidade, de sorte a reduzi-lo a um
sistema compreensível.
1
Nessa acepção considerou-se o idioma brasileiro como uma das diferentes ou várias arquiteturas do
sistema lingüístico português, inclusive do próprio idioma português europeu. Entretanto se
considerarmos as diferentes variações de uso desse mesmo idioma, o brasileiro, pode-se afirmar que
variações nas edificações de uma mesma arquitetura. Assim, essa concepção orientará o uso da
expressão “português-brasileiro” no corpo da Dissertação.
2
Observa-se que a chamada norma padrão é aquela descrita pelos nossos gramáticos tradicionais e
lexicógrafos, sendo ela resultante de planificação de projeto de política lingüística que serve de
suporte para a construção dos Estados Nacionais.
27
Desta feita, até a década de 1960, aproximadamente, entendia-se que as
“leis da natureza humana” eram ordenadas pelos princípios da lógica matemática e,
portanto, previsíveis. Para tanto, bastava descobrir as regularidades a elas inerentes
para se poder compreendê-las. Afirma Moreno et al. (2000) que a física, tendo por
suporte os conhecimentos matemáticos, pressupunha poder descobrir a lógica da
ordem universal. Por essa mesma perspectiva, as ciências sociais também tomaram
o princípio da regularidade como fundamento para suas investigações, favorecendo
a produção de resultados que recontextualizaram os estudos lingüísticos por um
ponto de vista gramatical, ou seja, pelo princípio das regularidades. Esses estudos
reduzem a complexidade dos fatos de linguagem e deles resultam a produção de
gramáticas para o estudo do sistema das estruturas lingüísticas dissociadas de seu
uso efetivo e real.
Na atual contemporaneidade, entretanto, a ciência tem despendido esforços
para também operar com o princípio da irregularidade, ou da diversidade para
abarcar as línguas como totalidades sócio-histórico-culturais humanas, de sorte a
favorecer a compreensão da complexidade inerente aos fatos de linguagem. Passa-
se a compreender as irregularidades, na medida em que a singularidade dessas
regras se inscreve na pluralidade dos usos lingüísticos:
(...) A idéia de mudança como parte da natureza das coisas
prospera e aplica-se paulatinamente à constituição de nosso
próprio planeta e, ao universo inteiro que, rompendo seu estatismo,
expande-se infinitamente (...) mas em toda mudança algo que
permanece, e a conjunção da permanência e da mudança aumenta
a complexidade dos fenômenos (...) segundo a necessidade de
modelos capazes de descrever e interpretar simultaneamente o que
permanece e o que muda, isto é, capazes de dar conta da
complexidade. (MORENO et al. 2000 p. 16-17).
É nessa acepção que as línguas deixam de ser focalizadas como meros
sistemas estruturais e passam a ser tratadas como lugar em que tais estruturas
funcionam de modo a servir de ancoragem para a construção de diferentes
arquiteturas. Contudo, essa visão dinâmica passou a ser postulada pelos estudos
lingüísticos, a partir da década de 70, do século XX, implicando a elaboração de um
novo paradigma teórico-metodológico.
Sabe-se que a constituição de um novo paradigma é tarefa a ser realizada a
várias mãos. O paradigma das regularidades de que resultaram as teorias dos
sistemas de conhecimentos, disciplinados por áreas, subáreas dos saberes,
28
moldados pelos princípios da lógica matemática, segundo Santos (2001), teve início
nos interstícios da Baixa Idade Média e só se esgotou na segunda metade do século
XX. Logo, não se pode ter a pretensão de considerar que esta pesquisa ponha um
ponto final no problema que investiga: os estrangeirismos, focalizados como fonte de
renovação da estrutura e funcionamento de uma dada língua.
1.2.1 Os limites da História oficial pela dinâmica cultural
Os historiadores das sociedades humanas têm se ocupado em retomar a
"história oficial” centrada em relatos de fatos relevantes para a humanidade,
concebendo-os como fundadores do progresso social. Assim, por exemplo, o
Renascimento é focalizado pela História oficial como um dos marcos
transformadores da Europa e tem a Itália como pátria do seu nascimento, fazendo
pressupor que apenas os italianos eram criativos, nessa época; enquanto os
habitantes de outras regiões desse mesmo continente eram passivos receptores da
produção italiana. Ignora-se, portanto, a criação pictórica dos Países Baixos à qual
muitos artistas da Itália tiveram acesso e nela percebiam o grau de originalidade
desses pintores estrangeiros, nos séculos que antecederam à eclosão do
Renascimento italiano propriamente dito. Desta feita, o Renascimento italiano foi
uma interpretação da cultura medieval, por outros parâmetros criados em outras
regiões da Europa e reinterpretados para Itália. Tal originalidade, percebida,
observada, estudada fez com que eclodisse na Itália um novo ponto de vista,
originário desse processo interacional. (BURKE, 1997).
Nessa acepção, a cultura, quer material, quando focalizada como produto -
manufatos, artefatos - ou não material, quando focalizada como idéias, crenças,
conceitos, comportamentos estereotipados ou costumes sóciofatos, psicofatos
deixa de ser concebida pela estaticidade, e sim pela dinâmica dos processos sócio-
cognitivos-interacionais: suporte das reinterpretações.
A dinâmica dos processos de reinterpretação, ou recontextualização das
tradições, entretanto, se por um lado as desgasta, por outro, mantém–nas,
garantindo que elas continuem a atender a diferentes necessidades dos variados
grupos constitutivos da sociedade. Assim, por exemplo, na Idade Média, “os heróis
homéricos, como Aquiles, foram transformados em cavaleiros, o poeta Virgílio virou
29
um necromante, Júpiter (de vez em quando) tornou-se um acadêmico, Mercúrio
virou bispo, e assim por diante.” (BURKE, 1997. p.13).
Logo, no fluxo da transmissão da cultura não material informações,
conhecimentos, concepções, idéias, crenças... transformações decorrentes de
reconstruções ou reinterpretações por parte daqueles que a recebem para que
possam adaptá-la a novas temporalidades e lugares e/ou modelos de contextos
situacionais. Por conseguinte, a cultura não é estática e tampouco as
representações culturais humanas o são.
1.2.2 As descobertas e invenções matrizes de renovação cultural
As transformações sócio-culturais explicam-se como um processo de
mudança e auto-superação desenvolvido em espaço configurado pelas culturas,
construídas e mantidas por um corpo social que não existe isoladamente, visto a
contínua interação dos humanos uns com os outros. Nessa acepção, às
descobertas e invenções humanas, de se pressupor a difusão desses processos
criativos, que sempre responderam e respondem pela inserção de novos traços
culturais num corpo social, recontextualizando seus repertórios culturais ou
interpretativos.
A combinação desses três fatores - as descobertas, as invenções e as
propagações é decisiva para as mudanças sócio-culturais, cujo suporte está no
desenvolvimento de tecnologias produtivas, inclusive daquelas que implicam a
resolução de conflitos militares, como foi a invenção da bomba atômica, por
exemplo. Para Ribeiro (2005), não se pode ignorar o fato segundo o qual as novas
tecnologias e os novos conhecimentos, decorrentes da produção científica,
funcionam como meios que, se por um lado, asseguram a identidade de seus
criadores, por outro lado, garantem a seus detentores atuarem sobre povos e
nações que ignoram as funções e os valores desses mesmos bens.
É nessa acepção que alguns países asiáticos são identificados como
produtores de novas tecnologias, enquanto os países latino-americanos são
identificados como “atrasados”: meros usuários dos inventos asiáticos, ou de outros
povos. O mesmo ocorre com os Estados Unidos da América que, no campo da
política militar potência tecnológica na invenção de armas de guerra — subjugam
30
ou invadem outros territórios, cujo poderio bélico é inferior ao seu, para atuar sobre
o modelo constitutivo de organização social de outros povos. Tais povos, contudo,
são sempre detentores de um território em que as riquezas minerais ou naturais se
tornam objeto de conflitos, projetando a necessidade de aquisição desses bens
culturais materiais por outros países. Contudo, adverte Ribeiro (2005), qualquer
sistema social tem por suporte um dado sistema tecnológico capaz de assegurar um
dado modelo de funcionamento dessas sociedades.
Esses modelos são designados por formações sócio-culturais, na medida em
que seu funcionamento se explica no espaço de tais formações, qualificadas
como condição para a sua existência. Para esse autor, as mudanças sócio-culturais,
apreendidas no fluxo dos movimentos históricos, abarcam transformações inerentes
aos modos de agir, de ser e de viver dos grupos humanos, e esses movimentos são
sempre desencadeados por revoluções tecnológicas:
(...) ou, em outras palavras, como modelos conceituais de vida social,
fundados na combinação de uma tecnologia produtiva de certo grau de
desenvolvimento, com um modo genérico de ordenação das relações
humanas e com um horizonte ideológico, dentro da qual se processa um
esforço de interpretação das próprias experiências com (...) maior ou menor
lucidez e racionalidade. (RIBEIRO, 2005. pp. 51-52).
O fato de as culturas serem aprendidas possibilita afirmar serem elas flexíveis
e adaptáveis; razão pela qual elas são mutáveis no tempo e no espaço, conforme
considerado. Tais mudanças são explicáveis pelo acréscimo ou substituição de
invenções, implicando alterações nos modos de proceder e/ou nos comportamentos
sociais. Esses inventos podem ser criados por membros de outros grupos que não
aquele ao qual se pertence e que se integram ao corpo de uma mesma sociedade.
Neste caso, a eles se tem acesso por processos de difusão de que resultam os
empréstimos lingüísticos de outras sociedades: de outros modos de ser e agir de
outros povos ou nações. Por conseguinte, não se emprestam apenas palavras de
outras línguas, mas manufatos, sociofatos e artefatos e, com eles, as denominações
pelas quais eles são designados, além da aquisição de novas formas ou modos de
se proceder no mundo da vida.
Afirmam Hoebel & Frost (1976), ser necessário compreender que as
invenções não equivalem às descobertas, pois se designa por “descoberta” o ato de
apreensão e conscientização de uma idéia, conceito referente a um ser ou objeto,
até então inexistente: não conceptualizado. Consideram que as manchas solares e
31
as vitaminas, por exemplo, são “descobertas” humanas e não inventos, pelo fato de
elas existirem na natureza. a “invenção” pressupõe procedimentos de análise e
síntese referentes a materiais, condições ou práticas pré-existentes que, pela ação
humana, implicam a produção de uma nova forma de material ou de ação:
(...) os primeiros noventa e dois elementos do nitrogênio ao urânio, foram
descobertas por meio de estudos científicos, mas os novos elementos
transurânicos, como o netúnio e o plutânio, que começaram a existir em
1940, são elementos inventados. (HOEBEL & FROST, 1976. p. 36).
Para os autores não se pode desconsiderar o fato de os homens não
cientistas serem inventivos, pois ali mesmo nas sociedades mais arcaicas é possível
registrar inventos, ainda que esse processo tenha um caráter mais acidental.
Relatam a invenção do “tipi”:
(...) um homem estava pegando uma grande folha de álamo e, por mero
acaso, dobrou-a em forma de coneisto é de uma choupana como as que
são usadas hoje. Quando olhou para a folha, lampejou-lhe na mente que
um abrigo naquele formato seria melhor do que os que tinham até então.
Mostrou-o às pessoas, e fizeram choupanas na forma da folha, e desde
então as fizeram assim. (HOEBEL & FROST, 1976. p. 38).
Demonstram, também, que os inventos decorrem de ações mentais de
separar ou isolar um evento descoberto do seu contexto natural para combiná-lo de
modo inédito. Tem-se, neste caso, o descobrimento e o isolamento dos raios
ultravioleta da luz solar que, reproduzidos artificialmente foram aplicados aos
cereais, ao leite... Trata-se de inventos de sofisticadas mudanças culturais. Por
conseguinte, as invenções se qualificam como processos de adaptação criativa, de
sorte se poder considerar a prensa tipográfica como uma reinterpretação da prensa
de logar e o romance como reinterpretação do gênero épico, por exemplo.
1.2.3 Propagação das descobertas e inventos
No corpo dos registros da Antropologia e da História humana, a propagação
de inventos origem aos empréstimos culturais que um povo faz de outro(s), quer
quanto a bens materiais ou não materiais – idéias conceitos, ou cultura não material.
Quando se trata da cultura material tais empréstimos são designados tecnológicos e
implicam, ao mesmo tempo, o empréstimo de vocábulos da língua dos usuários
inventores, empregados para denominá-los. Quando se trata de bens não materiais,
32
tais empréstimos podem implicar, ou não, a incorporação de novos vocábulos ao
léxico da língua de quem tomou emprestado, bem como a substituição ou não de
uma forma vocabular por outra existente. O fato é que, em se tratando de
empréstimos tecnológicos, o uso dos novos objetos, bem como dos termos
emprestados são empregados com maior facilidade do que quando se trata de
idéias e conceitos. (HOEBEL & FROST, 1976).
A domesticação de cavalos, por exemplo, implicou posteriormente a invenção
do cabresto, do freio, da rédea, do estribo e do arreio pelos povos que habitavam a
Península Ibérica; contudo, na região oeste da Europa, ou naquelas montanhosas, à
sela foi justaposta uma maçaneta de chifre como apoio, à semelhança daquela
usada por índios na América do Norte e dos Andes. Já a sela da região leste é cópia
daquela do tipo inglês, surgida na costa do Atlântico Norte. A propagação desses
inventos implicou, necessariamente, a importação das denominações a eles
atribuídas, designados pelas línguas dos usuários que os importaram; contudo, eles
foram reelaborados para atender às necessidades de cada povo, como demonstra o
exemplo da sela à qual se justapôs maçaneta de chifre. Cavalgar em planície não
equivale a subir a cavalo uma região montanhosa: a maçaneta de chifre
sustentação ao cavaleiro, quer na subida ou descida sob o lombo do animal.
Explicitam Hoebel & Frost (1976) ser necessário observar, ainda, que a
descoberta do búfalo como alimento pelos chayenes, a princípio, não implicou o uso
da pele desse animal como vestimenta, visto que esse povo não dominava as
técnicas de curtição do couro. Os sioux lhes mostraram, muito tempo depois, como
cortar a pele em duas partes, curti-las, costurá-las para juntar as partes separadas e
usá-las como vestimentas. Posteriormente, aprenderam com os kiowas e os
comanches a curtir a pele em uma só peça e usar uma mistura para amaciá-las. Por
conseguinte, os contatos interpovos facultam a aquisição não de novos
conhecimentos, ou de novas tecnologias, mas também de modos de ser e de
proceder no mundo para se proteger do frio, por exemplo.
Investigações mais recentes no campo da linguagem apontam para
empréstimos da cultura não material, por meio de investigações, no campo da
narratologia. Os dados revelam o grau de similaridade entre narrativas do tipo
“fábulas” e mitos, decorrentes de sua difusão entre habitantes de diferentes
territórios do chamado Velho Mundo. As coincidências entre esses tipos de textos
se fazem tão significativas que as histórias, nas suas origens, apresentam-se na/por
33
relação de interdependência entre povos e culturas distintas. Assim os “Músicos de
Green” são encontrados no sudoeste da Ásia, do Japão, no sul da Rússia e entre
alguns povos da Europa Central, tendo chegado à Alemanha no começo da Idade
Média e ao Continente Americano por meio da colonização. No Brasil, ela foi
popularizada por Chico Buarque de Holanda como um musical designado por “Os
saltimbancos”.
Tem-se comprovado que as macroestruturas desses tipos de textos são as
mesmas, mas os seus conteúdos são adaptados, recriados pelas matrizes da
cultura de cada povo que reconta essa mesma história. Observa-se, portanto, que
as culturas sempre estiveram entrelaçadas umas as outras.
Contudo, as ciências sociais, no caso a Antropologia e a Lingüística
focalizam esse processo de adaptação criativa pela precisão que a metodologia
científica possibilita, de sorte que seus pesquisadores jamais dão conta daquilo que
os membros de uma comunidade fazem, pensam, ou de todas as atividades
inerentes à rotinas da vida que experienciam. Assim, entre o vivido e o narrado, o
pensado e o dito pelo antropólogo, pelo filósofo, pelos lingüistas, o que se tem é um
mosaico de fatos descritos que se apresentam como diferenças culturais inerentes a
modelos de formação social. Logo, a realidade, o vivido é sempre produto de
interpretações, inclusive aquela focalizada pelos conhecimentos científicos
referentes à cultura; razão por que tais conhecimentos também são construções
interpretativas que nunca são aprendidas como uma totalidade, pois as
interpretações precisam da materialidade das línguas para se ter acesso a elas.
As línguas, segundo Turazza (2005), por sua vez, são lineares e se opõem à
totalidade dos fatos de linguagem que são alineares, de sorte que o materializado
em língua são recortes de conhecimentos processados pelas vivências humanas.
Reconstruir por recortes totalidades significativas dessas vivências sempre foi uma
tarefa humana. Nessa acepção, (...) para alargar a história oficial, encerrada na
esterilidade da crônica política, de fazer entrar aí outros eventos que não a política e
outros atores que não as personagens oficiais” (BRAUDEL, 1992. p. 238), é
necessário projetar sobre o presente a compreensão de vivências passadas. Assim
procedendo, o homem se torna capaz de construir, interpretar, para além dos limites
do aqui e do agora. Desta feita, para estender a compreensão do vocábulo “cultura”
um recorte lingüístico que se remete a uma totalidade significativa para além dos
34
limites do conteúdo por ele designado é preciso focalizá-lo na sua relação com o
vocábulo “civilização”.
1.2.4 Cultura e civilização
O esforço de Braudel (1992) em compreender de forma crítico-reflexiva o
hoje pelo ontem, com vistas a desenhar um amanhã em que a humanidade seja
preservada, faz com que ele postule ser necessário reinterpretar o tempo de história
do homem. Para tanto, afirma ser necessário situar-se entre o que permanece, a
estabilidade dos sentidos institucionalizados, e o que é provisório em cada tempo
histórico, referente às vivências dos homens. Situar-se nesse espaço de
permanências, inscrito em múltiplas mudanças, é aprender a buscar a história de
cada tempo na história da civilização humana: aquela que abarca qualquer tempo
histórico, qualquer outra história.
Para esse autor, a concepção de civilização coloca em foco a humanidade na
sua totalidade e, ao mesmo tempo, a sua dispersão, ou seja, as várias mobilizações
da civilização por diferentes matrizes da cultura. Por conseguinte, a palavra
civilização jamais viaja sozinha pelos discursos dos distintos campos do
conhecimento humano, pois sempre se faz acompanhar da palavra cultura, mas
esta não é o seu “doublé”. Assim sendo,
(...) qualquer que seja a palavra-chave, essa história particular, dita da
civilização ou da cultura, das civilizações ou das culturas, é, à primeira vista
(...) um cortejo, ou antes, na orquestra de histórias particulares: história da
língua, história das letras, história das ciências, história da arte... história
dos costumes, história das técnicas, história das superstições, história das
crenças, da vida cotidiana... o esmigalhamento da civilização na dupla
direção do tempo e do espaço. (BRAUDEL, 1992. pp. 236-237).
A revisão teórica desencadeada por Braudel (1992), leva-o a considerar que
a concepção de cultura está mais associada àquela de civilização, de sorte que
estas formas vocabulares acabam sendo empregadas uma pela outra, ainda que
haja um esforço para diferenciar as duas concepções entre si. Observa que o uso
do termo cultura tem seus primeiros registros nos textos de Cícero para se remeter
a conhecimentos não materiais, produzidos pela reflexão crítica e que contribuem
para os processos de humanização, a serem cultivados pelo homem na sua vida
35
cotidiana. o termo civilização data do século XVI e XVII para designar o
progresso técnico, moral e social que se estende sobre a Terra e responde por
modelos de formação sócio-cultural que se opõem à barbárie: sociedades que
fazem da guerra, da escravidão e da miséria o fundamento do poder e a fundação
de suas existências.
Aponta que, em estado de cultura, o homem se faz produtor de bens não
materiais e materiais e, assim, reinterpreta, reinventa as artes, a ciência, as
técnicas; em estado de civilização, ele se faz consumidor dos produtos criados por
esses bens. Logo, a civilização remete-se a movimentos de estabilização desses
processos criativos. Por conseguinte, a cultura é a matriz, o fundamento dos
processos civilizatórios na medida em que ela responde pela sua dinamização.
Nessa acepção, a civilização também não tem fronteiras, vive e sobrevive dos
empréstimos de bens culturais:
(...) micro elementos da civilização que não cessam de viajar (...) as
civilizações os exportam ou os emprestam. Umas são glutonas. Outras
pródigas (...) Certos elementos culturais são mesmo contagiosos, é o caso
da ciência moderna, ainda que todas as civilizações não sejam abertas às
trocas dessa ordem. (BRAUDEL, 1992. p. 270).
Contudo, segundo o autor, recursos estratégicos para se emprestar, seja
quanto a forma de pensar, ou de crer, ou de viver, ou até mesmo de um simples
instrumento de trabalho. Tais recursos tanto podem ser orientados de forma
consciente ou inconsciente, mas sempre interditam a passagem do que se busca
importar e, por essas escolhas estratégicas, se fixa mais a cultura do importador.
Mas de qualquer forma, a civilização ganha corpo nos espaços que ocupa por meio
das importações, de trocas culturais, o que faz a grandeza do exportador e a ele
posição de relevo, de glória no mundo.
É nesse sentido que a cultura cristã, reformada pelo Calvinismo, é recusada
por alguns e aceita por outros povos da Europa. Do mesmo modo, a França difunde
na América Latina o existencialismo, o positivismo, o romantismo por ela importado
da Alemanha e reconstruído por sua cultura. Assim, o importado é produto de
escolhas e implica a sua reconstrução pelo importador; razão pela qual não se pode
afirmar que o romantismo brasileiro é cópia do francês, na medida em que ele foi
reinterpretado por esse povo latino.
36
Nessa acepção, os bens importados não são apenas a base, o fundamento
das civilizações humanas que se tipificam como uma área cultural, pois no interior
dessas áreas, jamais estreito, mas sempre mais ou menos vasto, o importado irá
coexistir na diversidade de bens,
(...) de traços culturais, tanto a forma, o material das casas, seus telhados,
quanto determinada arte da flecha emplumada quanto um dialeto ou em
grupo de dialetos, gostos culinários, uma técnica particular, uma maneira
de crer, uma maneira de amar, ou ainda a bússola, o papel, o prelo do
impressor. (BRAUDEL, 1992. p. 269).
O agrupamento regular, consoante freqüência desses elementos ou traços,
numa área precisa, é o primeiro signo de uma coerência cultural. A permanência
desses traços no tempo forma às civilizações, de sorte a ser impossível isolar
bens culturais de bens de civilização. Por conseguinte, os processos civilizatórios
desencadeiam movimentos cuja força visa à homogeneização; mas a força da
cultura, por sua vez, está na heterogeneidade, o que assegura diferentes
interpretações desses bens de longa duração; contudo, sempre renováveis.
1.3 As revoluções tecnológicas por palavras testemunhas
Os tópicos antecedentes a este apontam que as civilizações não se deixam
explicar como condições, e sim como movimentos desencadeados por forças
criadoras, ou inovadoras das culturas de que resultam novas tecnologias, ou a
lapidação, a reconstrução daquelas existentes. Desta feita, por exemplo, a
descoberta do arado para lavrar a terra a ser cultivada, a princípio, implicou o uso da
força humana amarrado o arado à cintura dos escravos, a terra era removida e
preparada para a semeadura. Domesticados os cavalos e bois, estes passaram a
responder pela força de tração necessária ao exercício desse trabalho: descobriu-
se, assim, uma nova energia para o trabalho braçal.
Essa transmudação, entre o uso da força humana e a do animal para arrastar
o arado, segundo Schulte-Herbrüggen (1967) está inscrita no significado da base
vocabular de otiun, empregada pelos romanos:
37
(...) significava no principio (...) “estar vestido”, “andar com sapatos”, em
oposição a “nec-otus”, “não vestido. Virgílio nos conta que o lavrador arava
e semeava desnudo. Estar vestido significava (...) “estar desocupado”; tanto
do trabalho do campo, como daquele de cargo público desempenhado na
sociedade. (p. 27).
Apontou-se que a propagação dessas tecnologias faz com que as culturas
viajem, sem que seus investigadores possam determinar os portos que lhes servem
de ancoragem. Contudo, elas sempre viajam em companhia das palavras por meio
das quais são designados seus inventos, de modo que a força dessa propagação
está inscrita nos seus conteúdos, conforme apontado na citação acima. No fluxo
desse movimento de deslocação não as novas tecnologias, mas também as
palavras vão sofrendo adaptações, por meio de reinterpretações que implicam o ato
de traduzir de uma cultura para outra, de uma língua para outra. Adverte Câmara Jr.
(1972) que tais adaptações, implicando a tradução para a incorporação de novas
palavras ao léxico de uma língua, não estão circunscritas apenas às formas de
conteúdos léxico-gramaticais, pois elas se fazem extensivas ao plano de expressão
de tais conteúdos, formalizados em língua:
Os elementos culturais que servem de maneira mais definida às
necessidades mais imediatas da sociedade e entram mais claramente no
campo da consciência não hão de mudar mais rapidamente do que os
elementos lingüísticos, mas a própria forma da cultura que a cada
elemento a sua significação relativa, de ficar em processo contínuo de
remodelação. (p.60).
Nessa acepção, segundo Mattoré (apud REY, 1970), os modelos de
formações sócio-culturais humanas podem ser focalizados e compreendidos por
meio de palavras testemunhas: aquelas que se remetem a tipos de sociedades
configuradas por processos civilizatórios, sustentados por revoluções tecnológicas,
quando sedimentados por fatos culturais. Para tanto, é preciso projetar redes
semânticas que abarcam campos lexicais, capazes de pontuar inventos e
descobertas que serviram (em) de suporte para os fatos relevantes que possibilitam
aprender as civilizações pela dinâmica das formações sociais.
A propagação dessas redes semânticas abarca campos lexicais que,
estruturados à semelhança de um mosaico, unem palavras lexicais umas as outras,
limitando cada uma delas por relações diferenciadas, de sorte a apontar que seus
contornos significativos explicitam-se por essas diferentes relações. Entretanto, ao
visualizar tais relações como um todo, elas são apreendidas como suporte de uma
38
ordenação superior que não a mera abstração. Nessa acepção, as designações
lexicais de campos se inscrevem na relação de solidariedade, em que o valor
significativo de cada uma delas se estende para além da presença simultânea das
demais. Assim, cada lexia é tomada como ponto de uma constelação de
significâncias, cuja extensividade é difícil precisar; razão pela qual os elementos de
um campo lexical não se apresentam em número definido e tampouco em uma
ordem pré-determinada. Logo, a extensividade e a ordem são aquelas que se
remetem à compreensão do pesquisador e, nesse caso, consoante interpretação da
bibliografia citada. (GECKLER, 1984).
Observam os etnólogos ser necessário considerar que antecede à Revolução
Agrícola a descoberta do fogo, a fabricação de instrumentos de trabalho e/ou de
ataque e defesa – lanças, arcos, flechas, pequenas canoas... -, bem como o domínio
de línguas que facultavam aos homens acumular patrimônios de saber e crenças
para orientar suas ações. Nessas sociedades arcaicas também se haviam criado
instituições reguladoras da vida familiar e grupal, além de elas haverem intensificado
o sentimento de lealdade étnica. Ressaltam ser esse um tempo de vivência em
bandos de caçadores, pescadores e coletores de frutos e raízes, de sorte que suas
vidas eram condicionadas ao ritmo das estações da natureza; razão pela qual
engordavam ou emagreciam conforme a oferta de alimentos do mundo natural
exceção feita àqueles que ocupavam as costas marítimas porque, ricas em
alimentos, eram disputadas e apresentavam maior índice de concentração. Viviam
em pequenos bandos e se subdividiam à proporção em que o número de seus
membros aumentava.
Por conseguinte, a observação e os experimentos, acumulados por milênios,
fizeram surgir as primeiras formas de agricultura de subsistência e também a
domesticação de animais, fato que possibilitou o enriquecimento da dieta humana,
pela provisão regular de carne, leite e peles. Descobre-se que alguns animais
domesticados facultariam o uso de uma nova fonte de energia muscular, ou de
tração para operacionalizar os arados. Apresentam-se, a seguir, redes semânticas
por campos lexicais, que visam a melhor compreender a transmudação de
sociedades arcaicas em históricas.
39
1.3.1 Revolução Agrícola
A construção da história do homem, no âmbito das ciências sociais ou
humanas, tem por ponto de partida a história do desenvolvimento da agricultura, da
domesticação dos animais de pequeno e grande porte neste segundo caso, o
cavalo, o camelo e os bovinos. Desse desenvolvimento emergem as chamadas
sociedades agrícolas e do pastoreio como marco das primeiras civilizações
humanas e estas têm a invenção do “arado” como marco do uso da “força” para
lavrar a terra para o cultivo. A rede abaixo, fundamentada em dados da
Antropologia, busca focalizar a transmudação do homem “coletor” e “caçador” em
“agricultor” e “pastor”: um primeiro estado que faz emergir o homem–faber do
homem sábius.
Legenda:
(preto) – lexia genérica.
(vermelho) – modelo de organização sócio-cultural, fundamentos tecnológicos.
(azul) papel social dos seres humanos no mundo do trabalho e condição de existência de
alguns homens no mundo social.
40
Faz-se necessário considerar, para a leitura da rede acima, que o processo
de domesticação de animais é decorrente de descobertas que têm por marco
observações e experimentos.
Segundo o testemunho etnográfico, os grupos de caçadores têm gosto em
levar para suas moradas, e entregar aos cuidados das mulheres e das
crianças, filhotes dos animais que eles caçam para serem criados como
brinquedos animados. Essa atividade está na base da domesticação que,
começando pelos cães de caça, se estenderia às aves, porcos e muitas
vezes outras crias de terreiro e, depois a animais de grande porte, criados
em rebanhos, como as renas, os camelos, as ovelhas, os eqüinos e os
bovinos, cujas condições de crescimento conduziriam ao pastoreio como
atividade especializante. (RIBEIRO, 2005. p. 84).
Por conseguinte, tais observações e experimentos, acumulados por milênios,
fizeram surgir não só a domesticação dos animais, mas também as primeiras formas
de agricultura de subsistência e, ainda, propiciaram a descoberta de que a
domesticação de eqüinos e bovinos facultaria o uso de uma nova fonte de energia
para operacionalizar os arados: a tração animal.
Essa produção alimentar de caráter regular possibilitou uma maior
longevidade e fecundidade, de sorte que a sobrevivência desses grupos deixa de ter
como causa principal a carência de alimentos. A maior ameaça à vida passa a ser
as enfermidades. Outro fator relevante a considerar é a subdivisão dos grupos de
lavradores em outros grupos, pois essas novas tecnologias ainda não asseguram a
formação de grupos populosos, responsáveis pela criação de unidades sociais
extrafamiliares. Assim, esses lavradores e criadores estavam sempre buscando
terras para novos roçados e para pastagem de seus rebanhos, desalojando antigas
populações que nelas habitavam, de modo a integrar novos grupos humanos a eles,
ou exterminá-los. Dessa integração desintegração das colônias humanas tem-se o
contato entre etnias, línguas e culturas, bem como a propagação de experiências
vivenciadas por cada um deles.
A ocupação de novas terras também leva ao aprimoramento ou à criação de
objetos para o ataque e defesa dos territórios ocupados machado, lanças, uso do
fogo como arma. Desta feita, a unidade desses grupos humanos, cujo suporte era a
língua e a cultura, leva-os a se associarem periodicamente para realizarem essas
ações de ataque, defesa e ocupação de novos territórios.
41
A unidade das aldeias agrícolas indiferenciadas e pastoris era fundada em
pactos ordenados por relações de parentesco e as atribuições produtivas eram
divididas pelo sexo e idade. Às mulheres cabia cuidar das crianças, semear, colher e
preparar os alimentos; aos homens derrubar os bosques e preparar a terra para o
plantio, ou cuidar dos animais de criação, domesticá-los, conquistar outras terras
para o pastoreio, além de pescar e caçar.
A invenção do arado puxado por animais e a descoberta de fertilizantes
naturais folhas, esterco dos animais, enchentes que estendem as vazantes dos
rios depositando húmus em suas margens - aumentam a capacidade de produção
desses grupos. Outra descoberta significativa foi a do barro para a fabricação de
cerâmica, o que introduz o hábito de comer vegetais cozidos; bem como a fiação,
que vem a substituir as roupas de couro por tecidos de fibras vegetais: cânhamo,
linho, algodão. A produção de cerâmica, de tecidos e até dos roçados tornou-se
tarefa feminina; mas, à medida que a agricultura vai se fazendo extensiva, o homem
assume o plantio e a colheita e passa a trocar produtos e serviços entre os grupos.
As línguas que criaram e usaram se mantêm como patrimônio comum, bem como
lhes assegura a coesão como membros de um desses grupos comunitários e o
domínio coletivo dos rebanhos e da terra que ocupam. Cada um aprende a fazer o
que todos fazem: produzir e assegurar o crescimento de todos com o
desenvolvimento ou aprimoramento dessas outras tecnologias; contudo,
papéis diversificados como o de chefe e o de sacerdote da comunidade.
Nessa acepção, a Revolução Agrícola é qualificada pelos antropólogos e
sociólogos como um primeiro processo civilizatório, na medida em que responde
pela ruptura de um modo de ser e de viver como coletor e caçador transmudado
naquele designado por “aldeias agrícolas indiferenciadas”. Conjugada ao processo
civilizatório agrícola, tem-se a domesticação de animais de que emerge a formação
sócio-cultural designada por “hordas pastoris nômades” principalmente em regiões
de desertos. (RIBEIRO, 2005).
Numa síntese, tem-se a Revolução Agrícola como fundação de dois modelos
de formação sócio-cultural humana: as aldeias agrícolas indiferenciadas e as hordas
pastoris nômades, por um lado. Por outro lado, as tecnologias, embora tenham
contribuído para a domesticação e produção de alimentos para subsistência das
colônias humanas, não as fixaram a nenhum lugar na Terra, mas as levaram a
ocupar todo o espaço geográfico do Globo Terrestre.
42
1.3.2 Revolução do Regadio
Esse movimento de propagação das colônias humanas, voltado para a
acepção “geografia terrestre”, está qualificado por alguns estudiosos como um
primeiro processo de globalização que, diferente daquele vivenciado pela
modernidade, se qualifica como se fora uma diáspora. (MORIN, 2005). Dessa
diáspora, marcada pelo princípio da extensividade, tem-se a criação de uma
multiplicidade de línguas e de culturas que documentaram o esquecimento de uma
identidade humana comum. Línguas e culturas diferenciadas tornam os homens
estranhos uns aos outros. Entretanto, a diversidade cultural se mantém como fonte
de inovações e propagações entre essas colônias distintas, de sorte que a
Revolução Agrícola, associada a do Pastoreio, é reinterpretada pelos humanos,
apesar de suas dispersões pela Terra.
Essa reinterpretação é orientada não mais pelo processo de domesticação,
mas pelo processo “de criação” de animais que, associado à descoberta da
adubação natural do solo e à invenção da roda, deu origem a um outro processo
civilizatório, fundado na chamada Revolução do Regadio, cuja rede semântica está
abaixo configurada por relações entre campos lexicais.
43
(*) o termo “engenheiro” não integrava o vocabulário da época, tratava-se de um ofício. Observa-se que o termo engenheiro
tem a sua matriz vocabular fundada no significado: “aquele que construía ou criava engenhos de guerra, além de conceber e
executar obras de fortificação e defesa de posições”; razão pela qual as primeiras escolas de engenharia foram as Academias
militares. (HOUAISS, 2004).
Faz-se necessário explicitar, ainda, que a leitura compreensiva dessa rede
abarca a extensividade de seus respectivos campos lexicais. Assim,
da criação de animais para consumo, associada à descoberta do sal, ao
cozimento da carne e de ervas para tempero, surgem diferentes tipos de
carnes salgadas para consumo posterior.
do leite, surgem queijos, doces, coalhadas...
da gordura animal, surge o sabão;
do couro, surgem as selas, cabrestos, vestimentas, sapatos...
da lã, surgem cobertores, mantas para montaria, vestimentas;
No âmbito das tecnologias, decorrentes do desenvolvimento da força propulsora
da engenharia hidráulica, têm-se a descoberta e o uso dos minérios, mais
especificamente o ferro e o cobre fundidos, a princípio, por artesãos e que
contribuíram para um novo processo civilizatório, fundado na Revolução Metalúrgica.
Apesar da precariedade dos transportes terrestres e marítimos esses minérios
44
passam a ser escoados por esses meios de transportes, favorecendo um comércio
bastante incipiente entre povos do Continente Europeu. O azeite, segundo alguns
dados, era transportado em jarros de bronze, por exemplo.
Ressalta-se que, no fluxo do tempo que configura a Revolução do Regadio, o
lugar ocupado pelo escravo para lavrar a terra passa a ser ocupado por eqüinos e
bovinos substituição da tração humana pela tração animal. Agora, o escravo
assume o lugar do proprietário da terra a ser cultivada, qual seja, direcionar o arado
puxado pelo animal e semear a terra, de sorte a deixar o proprietário livre. É ainda o
escravo que assume o trabalho braçal nas minas de cobre e de ferro, enquanto o
artesão responde pela produção de instrumentos fundidos: armas para a guerra,
ferraduras para animais e utensílios para montaria e para a vida doméstica em
pequenas aldeias e cidades. Estas vão surgindo na mesma proporção em que
aumenta o número de escravos, de pequenos artesãos e o número de “homens
livres”, de sorte que esse movimento dá origem à chamada Revolução Urbana.
1.3.3 Revolução Urbana
A complexidade da Revolução Urbana, sustentada pela força propulsora das
engenharias hidráulica, metalúrgica, eólica, da construção civil e naval e,
posteriormente, daquela voltada para o desenvolvimento de sistemas de
comunicação à distância, fez-se extensiva à civilização moderna que perdura no
fluxo de um longo tempo. Nesse tempo do seu desenvolvimento, alguns etnólogos
reconhecem a existência de outros processos civilizatórios cujas matrizes
fundadoras têm por ancoragem um conjunto bastante vasto de descobertas e
inventos tecnológicos significativos. De forma geral, esses inventos se
circunscrevem à agricultura de irrigação, à metalurgia do ferro e do bronze, à
invenção dos veleiros e à cartografia, à descoberta e uso do aço e de novas fontes
de energia como a elétrica e a atômica.
Entretanto, independente do número de processos civilizatórios, todos
consideram que do seu desenvolvimento emergem as formações sócio-culturais
diferenciadas, cujas vivências históricas são dinamizadas por inúmeras
reinterpretações culturais. Tais reinterpretações, todavia, devem ser consideradas
não como incorporações de tecnologias e saberes herdados do passado e
45
transformados pelo presente, mas também como perdas, porque rejeitadas por
tabus, por normas rígidas e/ou crenças e ideologias. Desta feita, afirma Morin (2005.
p. 17) que “há uma fraquíssima incorporação da experiência humana adquirida e um
desperdício dela, em grande parte dissipada a cada geração.”
Nessa acepção, para a leitura compreensiva da rede, abaixo, da Revolução
Urbana, não se podem desconsiderar aquelas referentes às Revoluções Agrícolas e
do Regadio, pois muitos desenvolvimentos tecnológicos sobrevivem à morte das
formações sócio-culturais para as quais tais tecnologias serviam de suporte.
(¹) observa-se um conjunto mais extenso de designações lexicais referentes a uma maior diversidade de papéis e posições
sociais.
46
Desta feita, considerou-se a descoberta de técnicas incipientes de irrigação e
de adubagem do solo para controlar fatores essenciais da produtividade agrícola,
como sustentáculo da Revolução Urbana. Observa Ribeiro (2005) que, em regiões
baixas, se criaram mecanismos para controlar as enchentes e garantir a fertilização
do solo; em regiões altas, foram construídos complexos sistemas de captação e
distribuição da água por meio de canais artificiais. A esses fatores deve-se
acrescentar o uso generalizado do arado e de veículos de roda, ambos movidos por
tração animal, bem como o aprimoramento de barcos a vela que facultaram a
navegação costeira.
A combinação dessas tecnologias leva à descoberta e/ou aprimoramento não
da pedra como material de construção, mas também à fabricação de tijolo,
ladrilhos, azulejos, bem como à arte da vidraçaria, seguida de um maior domínio da
metalurgia do cobre, do bronze e produção de cerâmica, que levaram a um domínio
cada vez mais apurado das técnicas de construção. No fluxo desse longo tempo de
descobertas e invenções, situa-se o uso do alfabeto ideográfico, do sistema de
numeração, a construção de silos e de grandes monumentos pirâmides, templos,
palácios, muralhas, por exemplo. Assim, esses são inventos que serviram de
suporte para a formação das sociedades modernas.
Para alguns antropólogos, dentre os quais Ribeiro, é preciso considerar que a
Revolução Urbana fundada nesses avanços tecnológicos, a princípio, abarca três
processos civilizatórios que promoveram dois modelos de formação sócio-cultural: o
rural e o urbano. O modelo rural, a princípio, foi configurado por dois estilos de vida:
o rural artesanal e o pastoril, muito embora acabem por se unificar no fluxo do longo
tempo, de modo a se oporem ao estilo citadino. Desta feita, esses estilos rurais se
mantêm disciplinados por tradições milenares, tendo a família e as relações de
parentesco como eixo ordenador da vida social, conforme apontado. Homens e
mulheres se dedicam à lavoura, à criação de animais domésticos e à produção de
artefatos de barro. Todos conhecem as técnicas de produção e estas são divididas
consoante idade e sexo, de sorte a não haver entre os membros dessas
comunidades competição e tampouco o despertar do espírito de aventura.
As formações pastoris se desenvolvem no entorno desses estados rurais
artesanais como provedores especializados na criação de bovinos, eqüinos,
ovinos..., quer para abastecimento de carne, leite, couro, quer para prover animais
de tração ou de montaria para as guerras:
47
(...) documentação arqueológica comprova que em princípios do segundo
milênio antes de Cristo alguns desses grupos pastoris dominavam a
tecnologia da metalurgia indispensável à fabricação de freios de cavalos e
de grande parte da tralha de uso comum. Começam (...) a lançar-se sobre
populações ruralizadas, transmudando-as étnica e socialmente e, mais tarde
sobre os próprios centros de civilização urbana... (...) Seu modo de vida,
mobilizado por uma economia mercantil lucrativa (...) lhes permite
multiplicação constante do gado e dos pastores. Selecionam o gado e os
homens: a estes, pelas altas exigências de tenacidade, agilidade e
resistência que a lida pastoril impõe, infundindo atitudes senhoriais, bem
como a ambições de riquezas e domínio que os tornariam, mais tarde, os
naturais domadores dos povos sedentarizados. (RIBEIRO, 2005. p. 106).
No fluxo desse caminhar em que os desafios apontavam para modelos de
ordem de comunidades cada vez mais populosas, a opção pela propriedade privada
e pelo escravismo foi um dos critérios de ordenação social; o outro foi manter e
preservar o acesso de todos os homens à terra e optar por um modelo de ordenação
política de caráter religioso, sem deixar de incentivar a produtividade e o acúmulo
de riquezas. Essa ordenação social propiciou a diferenciação entre os grupos sociais
produtores e aqueles que têm o controle dos bens e dos excedentes dessa
produção e a transformação das pequenas vilas em cidades, tendo esse “velho
grupo” nelas atuado como criadores de impostos, ou como intermediários entre os
lavradores, pastores, artesãos e a comercialização dos produtos. Os artesãos, à
medida que se especializavam na fabricação de objetos de usos comuns, também
abandonavam as atividades de subsistência, alocando-se nas cidades.
O Estado emerge nesse modelo de contexto situacional como necessidade
para ordenar essa população por vínculos cívicos, implantando o domínio político
sobre um território. A escravidão vai assumindo um cunho pessoal e ganha impulso
crescente:
(...) estimulando guerras de conquistas que não apenas expandem o
domínio territorial, como ensejam a conversão das populações das áreas
conquistadas em escravos pessoais apresados como mão de obra tanto
para a agricultura como para manufaturas e transportes cada vez mais
ativos. (RIBEIRO, 2005. p. 98).
Logo, esses povos escravizados se convertem em condição material de vida
desses outros que lhes impõem modos de vida e de ordem social deles
desconhecidos, até então. Tal processo desqualifica a semelhança entre os homens
das antigas hordas e, ao mesmo tempo, libera os “amos” de trabalharem para seu
sustento, de sorte que o valor de “força” e “virilidade” passa a ser atributo dos
escravos e o valor de “poder” e “riqueza” são atributos dos senhores.
48
Desobrigada do trabalho de produção alimentar esta camada da população,
donos de propriedades rurais, concentra-se nas vilas e passa, então, a responder
pela transformação delas em cidades. Nelas habitam
(...) artesãos profissionalizados (oleiros, tecelões, vidreiros, metalurgistas...
dedicados à produção de bens para trocas, e de comerciantes incumbidos
do intercâmbio, dedicados à acumulação das safras e produtos artesanais.
A essas camadas juntar-se-ão, sucessivamente, novos estratos de
especialistas - sacerdotes, funcionários, soldados – encarregados de manter
a ordem na sociedade ampliada e enriquecida, de defendê-la contra
saques... bem como de abrir espaços à expansão étnica sobre novas áreas,
e onde prover massas de escravos para as atividades produtivas.
(RIBEIRO, 2005. p. 99).
Observa-se que essa configuração rural e urbana se desenvolve, a partir de
então, sempre correlacionada, mas diferenciadas por conjugar tradições culturais e
línguas distintas, fazendo emergir a concepção de “território” como fundamento da
unidade sócio-político-humana. Desta feita, para dar unidade social e coesão a
populações diferenciadas, e agora divididas em estratos sociais distintos e
contrapostos, optou-se pelas tradições religiosas. Tais tradições foram
recontextualizadas para encontrar uma interpretação que facultasse àquelas dos
estratos sociais da base produtiva conviver com a riqueza e a nobreza, de modo a
encontrar sentidos para suas existências. Exemplo significativo desse processo é
registrado na história da Idade Média, por exemplo.
A invenção da escrita colabora significativamente para resgatar tais tradições
e registrá-las nos corpos de variados textos.
A Revolução Urbana, nos seus primeiros milênios, respondeu pela criação de
Estados locais que sempre disputavam entre si as mesmas áreas, de sorte a
impossibilitar a estabilidade de um único modelo de civilização. Desta feita, a
expansão desses Estados se fazia sobre regiões cujos povos viviam em condições
pré-agrícolas ou de agricultura incipiente. Assim sendo, o acúmulo de bens
produzidos pelos estados rurais artesanais de modelo coletivista sustentação à
agricultura do regadio que vai aprimorando os complexos sistemas de comportas e
canais que se estendem para alguns centros urbanos, os quais, posteriormente, se
tornam pontos de ancoragem de extensas redes de cidades.
Inovações tecnológicas e institucionais vão sendo desenvolvidas após a
sedentarização das comunidades agrícolas em sociedades estratificadas, como a
49
engenharia hidráulica que favorece a agricultura artesanalmente irrigada e adubada,
agora em alta escala.
Tem-se ainda, a generalização da metalurgia do cobre e do bronze, bem
como a criação de novos materiais de construção, além da descoberta e uso da
polia, da prensa, dos cabrestantes. Acrescenta-se também o desenvolvimento da
escrita etnográfica e de notações numéricas, indicando o início da sociedade da
escrita e da sistematização do recursário lógico matemático para controlar o sistema
de compra e venda. Esse avanço da metalurgia intensifica as guerras, pois as armas
de metal são aprimoradas e os carros com rodas passam a ser reforçados. A
intensificação do comércio levaria à cunhagem de moedas metálicas, dando origem
ao capitalismo mercantil.
Esse modelo de processo civilizatório, fundado e sustentado pela Revolução
tecnológica do Regadio, implicou a edificação de uma organização estatal
centralizadora que integra todas as forças sociais, de modo a inibir qualquer
oposição aos interesses desse modelo de força pelo controle político, militar, de todo
sistema de produção da época e, ainda, tem a religião como modelo de integração.
Designadas por impérios teocráticos, essas organizações têm no “faraó” ou no
“imperador” a personificação do poder divino ao qual estão subjugados todos os
demais, inclusive a propriedade nominal de todas as terras. Exemplo significativo
dessas formações sócio-culturais é aquele referente ao Império Romano e Egípcio,
dentre outros. (MORIN, 2005).
Para Ribeiro (2005) esse modelo de estado levou ao desenvolvimento de um
corpo burocrático especializado no planejamento e direção de obras de engenharia
hidráulica, de rodovias, bem como para a implantação de sistemas uniformes de
pesos e medidas, de tributação, medição de terras, recolhimento de excedentes,
registros de bens: criação de procedimentos contábeis. Observa-se, com o advento
da escrita, que o saber tradicional passa a ser codificado de modo a levá-lo para
todos os tempos, embora ele fique circunscrito a “autoridades” que passam a ser
suas guardiãs atribuindo-se tais saberes a divindades.
No corpo social dessas formações de caráter estatal, a legitimação do poder
esteve fundamentada em concepções religiosas, militares e cívicas; contudo, (...)
sempre discutíveis pela ambigüidade das tradições culturais contraditórias (...) e por
seu caráter de meras justificações do exercício do mando, conquistado por um
grupo contra os demais.” (RIBEIRO, 2005. p.116).
50
Desta feita, os estados rurais artesanais vão se estruturando como Estado–
Igreja que, regidos por monarquias feudais, têm caráter centralizador. Tal poder
tinha suporte a figura do rei cuja soberania, identificada com divindades, assegurava
a ele a propriedade da terra, a condição da vida religiosa no reino, o comando
superior de guerra e a direção da máquina burocrática de arrecadação e serviços
burocráticos. outros estados que vão se estruturando pelo predomínio da
hierarquia guerreira, de sorte a se imporem politicamente sobre seu próprio povo ou
sobre aqueles por eles dominados. Exemplo significativo desse modelo estatal é o
espartano e o chinês, substituídos pelos quadros de uma economia escravista.
Ressalta-se, ainda, o surgimento de uma terceira configuração de cidade-
estado democrático, cuja fundação tinha por suporte um patronato escravista
integrado por mercadores, latifundiários e empresários de ergasterions: termo grego
para se referir às fábricas que reuniam numerosos trabalhadores, grande parte deles
escravos, na produção de vidro, ferramentas, armas e móveis, ou seja, manufaturas
destinadas ao comércio. Os ergasterions, predecessores das fábricas modernas,
voltavam-se para a concentração de mão de obra especializada no uso de
implementos mecânicos, como o torno de oleiro, o moinho rotativo de tração animal,
rodas e martelos hidráulicos...
Modelo dessa civilização mercantil escravista é a greco-romana que surge
como desenvolvimento dos estados artesanais de modelo coletivista e privatista,
fundamentada na mão de obra escrava e no formato do colonialismo mercantil. Tem-
se assim, a extensividade da Revolução Urbana pela Revolução do ferro e do
bronze, que servirão de suporte para a Revolução Mercantil. Essa extensividade
pode ser considerada pela rede abaixo:
51
Revolão Urbana: forças propulsoras
.
.Engenharia hidráulica
.Engenharia eólica
.Metalurgia
.Engenharia civil
.cisternas
.canais
.diques
.portos
Veleiros
.moinhos
.palácios
.templos
.muralhas defensivas
. Armas de metal c/ carros
de rodas reforçadas
+ Engenharia mecânica ( ¹ )
Revolão Mercantil Século XV e XVI (cf. Cap. II).
+ Engenharia elétrica
Revolão Industrial Século XIX (cf. Cap. II).
+ Engenharia das Telecomunicões
Revolão Termonuclear – Séculos XX e XXI
(cf. Cap. II).
+ Engenharia Atômica
Revolão Termonuclear – Séculos XX e XXI
(cf. Cap. II).
( ¹ ) As engenharias hidráulica, eólica, civil e metalúrgica; fundadas em princípios de cater empírico a os
séculos XVII e XVIII, aproximadamente, são recontextualizadas por princípios científicos e por eles
desenvolvidos na mesma proporção do desenvolvimento das cncias físicas, químicas e de suas e outras
tecnologias.
I.4 Sociedades arcaicas e históricas: uma síntese
Este capítulo, apesar de seu caráter exploratório, possibilitou ao pesquisador
compreender que a concepção de cultura como conjunto de hábitos, costumes,
práticas, saberes e “saber-fazer”, normas, regras, estratégias, interdições, crenças,
idéias, valores, ritos e mitos postulada por vários estudiosos é uma concepção
genérica. Saber que ela é transmitida de geração para geração por meio de
processos de reinterpretação, mobilizando e desmobilizando os processos
civilizatórios humanos e, ao mesmo tempo, que os desgasta, os reconstrói, por meio
de descobertas e inventos contribui para a compreensão da formação dos
repertórios culturais e da dinâmica inerente à mutabilidade e criação de novas
formas vocabulares.
Essa concepção genérica de cultura, implicada naquela de linguagem como
força propulsora que tangibilidade ao pensamento, por meio das línguas a sua
criação e a sua criatura inscritas no exercício das atividades de fala, expressa a
sabedoria do homem e faculta a compreensão de como essa concepção genérica
de cultura se inscreve em diferentes culturas. Tal fato pode ser considerado por se
52
haver concebido as línguas como produtos da diversidade cultural humana, onde
cada povo inscreve, naquela língua que fez uso o modo como apreende e interpreta
as mesmas coisas no mundo. Assim, se o homem se identifica e se unifica pela
linguagem, ele se diferencia e se dispersa pelas línguas. Entretanto, a assimilação
de saberes e técnicas por culturas distintas, por meio de processos de propagação,
implica empréstimos lingüísticos.
Ressalta-se que as redes semânticas apresentadas por campos lexicais têm
por suporte palavras testemunhas de “saber-fazer” registradas não no dicionário
de Língua Portuguesa, mas também de outras como a francesa, a espanhola e a
inglesa. Tal fato comprova a propagação e permanência desses “saberes” e
“fazeres” na memória de povos da sociedade moderna.
Nessa acepção, pode-se considerar que se esses vocábulos se mantêm nos
registros dessas línguas, e possivelmente de outras, a cultura é um bem protegido,
mantido e nutrido pelos humanos, facultando a sua aprendizagem e conhecimento.
O fato de Morin (2005) considerar que a ocupação do solo da geografia
terrestre é um primeiro movimento de mundialização, não significa que todas essas
colônias humanas tenham vivenciado processos civilizatórios capazes de
transformar as sociedades arcaicas em sociedades históricas. As sociedades
históricas, conforme apontado, emergem por meio da construção de “estados” e
elas têm por marcos não a força das tecnologias, fundadas por descobertas,
invenções e propagações, mas também as guerras, o processo de
profissionalização, os mitos e as religiões; contudo, optou-se por considerar a força
propulsora das tecnologias. Esta migra de sociedade para sociedade e de
continente para continente.
É preciso considerar, ainda, que esse movimento extensionista de ocupação
do solo terrestre também se fez acompanhar por aquele que condensa as
populações em algumas regiões do mundo, no caso o europeu e o asiático. Tal
movimento de condensação, voltado para a conquista de terras para pastagens ou
para a agricultura, implicou o domínio de algumas colônias por outras, de alguns
povos por outros. Desse domínio emerge, por um lado, a escravidão e, por outro, a
destruição de línguas e de culturas; todavia, tal destruição parece sempre deixar
marcas no código cultural lingüístico do conquistador: nas matrizes do seu
vocabulário.
53
CAPÍTULO II
REPERTÓRIOS CULTURAIS: MARCOS FUNDADORES DO
PORTUGUÊS-ARCAICO E DO PORTUGUÊS-BRASILEIRO
2.1 Preliminares
O vocabulário do idioma português-brasileiro, concebido como uma das
arquiteturas do sistema lingüístico do português e um dentre outros elementos
formadores do repertório cultural desse povo latino americano, inscreve-se na
história de conquistas de que resultaram as Américas do Norte, do Sul e a Central.
O marco dessa história de conquistas é dado pela extensividade do processo
de mundialização que, desencadeado pela Europa, colocou os cinco continentes do
mundo em relação. Desta feita, os europeus implantaram no continente africano e
americano as matrizes de seus processos civilizatórios e com eles as suas armas,
suas tecnologias e concepções de mundo em cada feitoria, em cada entreposto
comercial, tornando esses dois outros espaços territoriais mundos de suas colônias.
Esses mundos coloniais ancoram-se, então, na transposição dos sistemas
lingüísticos pelos quais os europeus representavam suas culturas e passaram,
também, a representar os habitantes naturais das terras colonizadas.
Esse processo de colonização, iniciado no século XV, começou a se diluir no
final do século XVIII e início do século XIX, quando colônias da América
conquistaram o direito de se converterem em “estados nacionais”. Entretanto, a
África se manteve partilhada entre Inglaterra, França e Portugal, a Índia se fez
colônia britânica, nesse mesmo espaço de tempo, de sorte que a emancipação
desses povos coloniais ocorreu no século XX, após as duas grandes guerras
mundiais. Esse processo de emancipação tem por fundamento a apropriação da
concepção de “direito dos povos à liberdade” e de um modelo de organização social
configurado pelo “Estado-Nação” de origem européia. (MOUSINIER, 1995).
Nesse sentido, o processo de mundialização européia, iniciado por Colombo e
Vasco da Gama, em 1492, fez-se a primeira hélice da chamada era planetária e
carregou consigo os valores da conquista do globo terrestre. Esta conquista,
54
inseparável do progresso econômico-mercantilista, teve por suporte a imigração
desses europeus para as suas respectivas colônias, de sorte que 21 milhões de
europeus estavam instalados em terras das Américas, no século XIX. (MORIN,
2005).
Tal processo diferente daquele voltado para a ocupação dos diferentes
lugares da terra por várias colônias humanas, implicando diversidade de línguas e
de cultura – está orientado pela força de movimentos convergentes. Tais
movimentos, por um lado, visam a estender o poder de duas jovens nações
européias, Portugal e Espanha, agregando novas terras sob seus domínios políticos
e, assim, ampliar a pequenez do território sob seus controles. Por outro lado,
objetivavam implantar no Novo Mundo a civilização européia, suas tecnologias, suas
armas, suas concepções em todas as feitorias, entrepostos e zonas de penetração,
nelas fixando seus colonos. Por conseguinte, se por milhares de anos o movimento
das colônias humanas se explicou pela força de diáspora que separou os humanos,
multiplicou suas identidades lingüístico-culturais, tornando-os estranhos uns aos
outros, tem-se, desta feita, um movimento inverso: os diferentes, os estranhos
buscam se tornar familiares, descobrindo suas semelhanças.
Observa Morin (2005) ser necessário considerar que, apesar das forças que
emergem das ações, qualificadas como “diáspora”, a humanidade não produziu
qualquer cessão genética. Tanto é que os dados de pesquisas genéticas,
produzidas na modernidade, apontam como resultado não haver “raça” humana,
pois brancos, negros, amarelos, pigmeus e índios, todos pertencem à mesma
espécie e têm as mesmas características genéticas fundamentais. Diferentes são as
línguas por meio das quais se tem a expressão de uma diversidade cultural
significativa.
Ferrer (1997) considera que não se pode mascarar o fato segundo o qual a
civilização ocidental tem o ano de 1492 como marco fundador do que hoje se
designa por “globalização”; postulando que tal designação se remete à era
planetária cujo marco é o desenvolvimento de tecnologias que colocam todos os
povos do mundo em conexão. Assumir tal posição mesmo considerando o fato de
que o termo “globalização” faça remissão apenas ao comércio mundial, ancorado
em um modelo de economia financeira de caráter internacional é desconhecer, por
exemplo, que o açúcar foi o primeiro produto transnacional, visto que sua produção,
nos séculos XVI e XVII, em terras do Brasil e do Caribe, atendia à demanda do
55
mercado europeu. Observa-se que o atendimento a tal demanda foi sustentado por
um sistema de produção que, nas terras das Américas, teve o escravagismo como
sistema de trabalho e suporte para a produção açucareira.
Nesse contexto, não se pode ignorar que, sob o uso do termo “globalização”
pela modernidade, se oculta uma complexidade de processos sócio-histórico-
culturais que se faz necessário desvendar para melhor compreender os significados
que esse termo recobre: objetivo deste segundo capítulo desta Dissertação.
Tem-se por pressuposto que a conquista do Território Americano implicou não
o desbravamento, a ocupação e desenvolvimento de um outro/novo lugar no
espaço, mas também a sua exploração. Assim, todo ato de conquista de um ou mais
povos por um outro arrasta consigo a destruição de culturas; entretanto, qualquer
dominação desse tipo suscita comunicação e trocas. Resquícios dessas trocas
justificariam, por um lado, a formação do vocabulário do português arcaico
transportado para o Brasil com os colonos portugueses e, por outro lado, a fundação
do vocabulário do português brasileiro. Ambos carregariam consigo marcos
históricos de um substrato cultural de contatos interlínguas e comprovariam que
esses contatos se explicam por processos de aquisição de vocábulos estrangeiros,
de sorte a assegurar o domínio de uma língua materna.
Esse domínio também implicou inúmeras trocas por meio desse processo
interativo, de sorte que também o sarampo, a herpes, a sífilis, a tuberculose chegam
à América e à África, desde então.
Essa propagação de vírus e de bactérias, associadas ao poder das armas de
fogo e ao modelo escravista, contribuiu para destruir as civilizações dos maias, dos
incas e dos astecas.
Os maias e os astecas, diferentemente dos incas, conheciam o sistema da
escrita, embora todos eles ignorassem a roda e a abóbada. Os astecas, ao contrário
dos maias, conheciam o cobre e com ele fabricavam pontas de lanças, além de
foices e outros instrumentos para trabalhar a pedra; os maias faziam uso desse
metal apenas como ornamento; sequer conheciam o prego e, por isso, usavam laços
de sisal ou de cipó no lugar daquele. Nenhum deles usava o arado, mas estacas de
madeira recurvada para o traçado dos sulcos na terra a ser plantada; conheciam a
enxada de madeira dura; facas, lanças, arcos, flechas e espada de madeira
guarnecida de sílex afiado. (MOUSINEIR, 1995).
56
Afirma Mousineir (1995) que os astecas fabricavam cerâmica, teciam
fazendas de algodão, de fibras de coqueiro, de pêlo de coelho e davam coloridos a
tais tecidos. Os maias teciam o algodão e o sisal e detinham conhecimento sobre o
calendário e sobre edificações, de sorte que foram construtores de templos, de
palácios e de plataformas destinadas às danças e rituais. As inscrições de sua
escrita revelam conhecimentos que tratam da cronologia, da astrologia e religião de
caráter
astrobiológico: fase politeísta em que todo objeto, mesmo o céu e os astros,
é considerado como ser vivente, o exemplo dos animais e dos homens, mas
em que tudo(...) obedece a leis periódicas, concomitantemente leis de
necessidade, leis de harmonia, seguida pelos movimentos periódicos da
abóbada celeste, pela alternância regulada das estações, pela reprodução
animal, das plantas e em tudo, acontecimentos e atos, é considerado como
dependente das posições e dos movimentos celestes. (MOUSINIER, 1995.
p. 45).
2.2 A construção da identidade lingüística pela identidade cultural
A identidade tem sido concebida pela consciência de pertença expressa pelo
enunciado “nós somos portugueses, ou brasileiros, ou africanos, ou...”. Desta feita,
afirma-se o fato de se pertencer a uma categoria de indivíduos que se qualifica pela
condição de “ser X” ou português, ou brasileiro, ou ... diferenciando-se daqueles
homens que não “são X”, por serem estrangeiros.
A construção dessa consciência de pertença, na modernidade, está
assegurada pela escolaridade obrigatória, pelo serviço militar também obrigatório e
por um conjunto de conhecimentos institucionais que, sob a gestão do Estado,
possibilitaram presumir que todos os habitantes de um dado território nacional são
X. Entretanto, a escolaridade e o serviço militar obrigatório para os jovens do sexo
masculino são marcos dos tempos modernos, por meio dos quais se passou a criar
um vínculo entre os habitantes de um dado território e os limites geográficos de um
território sob o poder do Estado.
Câmara Jr. (1998), ao estudar a questão identitária do povo português,
pondera que a construção dessa consciência de identidade não se faz transparente
para todos os indivíduos, em cujos registros civis são designados “portugueses”.
Observa que a identidade resulta de um processo histórico e não se explica apenas
57
por fatores de ordem político-social, ou político-econômico, nem mesmo de ordem
estritamente cultural, pois ela resulta do modo como tais fatores distintos são
conjugados no fluxo de níveis históricos.
Para esse autor, a consciência identitária não tem o mesmo grau e tampouco
o mesmo valor para todos os grupos sociais, na medida em que a representação do
território, dos seus bens materiais e não materiais difere entre o homem do campo e
aquele da cidade, entre os governantes de Estado e aqueles da Igreja, por exemplo.
Também se deve ponderar que as questões de identidade não se circunscrevem
apenas a um fenômeno mental, do mundo das idéias, pois estas sempre têm por
suporte a objetividade.
Assim sendo, se desprovida de alguma forma de expressão política, ou seja,
sem a manifestação da apropriação de poder qualificado por um certo grau de
autonomia, não se pode tratar dos fatos identitários. Essa modalidade de poder
também precisa ser considerada numa esfera territorial e pelo princípio da
continuidade e da permansividade, sem o que o sentimento de pertença não se
consolida. Já as questões lingüísticas são bastante importantes; entretanto, elas não
podem ser dissociadas das demais; pois identidades cuja construção não são
dependentes do uso de uma única língua oficial em um dado território nacional;
como a Bélgica, o Canadá, por exemplo.
Nesse contexto, a formação de uma identidade cultural se faz suporte da
concepção de “nação” sobre a qual os Estados são edificados, por meio da
construção de uma modalidade de “poder” que se concretiza no fluxo de um tempo
histórico. Assim, a concepção de nação portuguesa teve por matriz um modelo de
exercício político por meio do qual se deu a expansão do galego-português como
língua oficial de que resultou o atrofiamento de outros falares naquela região da
Península Ibérica. Por conseguinte, o galego português se fez, pelo poder político,
fator de identidade nacional de um pequeno e jovem reino edificado por Afonso
Henriques, o primeiro rei português.
58
2.3 A conversão de línguas de cultura ao romanice fabulare origem do
galego-português
Buscar a origem do galego-português é retroceder no tempo para focalizar a
implantação da primeira língua oficial na Península Ibérica: O sermo urbanus ou
latim clássico. Esse latim clássico, contudo, não é qualificado pelos historiadores
como matriz fundadora das línguas românicas, mas sim o sermo vulgaris ou latim
vulgar. Esse latim vulgar, matriz fundadora das línguas românicas, designa o uso
coloquial da língua latina e, portanto, abarca uma grande variedade de usos por
diferentes grupos sociais que, integrados pelo poder político-administrativo do
império romano, migraram para terras da Península. Logo, o latim clássico, ensinado
nas escolas até o século XIX e empregado na escrita de textos eclesiásticos, dentre
outros de caráter oficial, vai se fazendo uma língua estrangeira nas terras
peninsulares.
Esse processo de migração, desencadeado pela conquista desse território
europeu, explica-se como um dos episódios da Segunda Guerra Púnica, implicando
o desembarque dos romanos e a invasão da costa catalã naquele território, no ano
218 a.C., com vistas a conquistá-lo. Se tal invasão teve a força militar como suporte,
a ação colonizadora se fez pela força da migração; pois “romanos de todas as
classes sociais fixaram-se no território conquistado, criam-se cidades e escolas e os
mercadores circulam pelas novas vias imperiais.” (CARDEIRA, 2006. p.20).
Ressalta-se que a esse processo migratório, fundamento da ocupação de um
novo território por um estado imperial invadido pela força do seu poder político–
militar, conjuga-se um processo de miscigenação. Assim, “em regiões cedo
pacificadas e densamente povoadas por colonos romanos, uma política de
casamentos mistos” (CARDEIRA, 2006. p. 25) favoreceu a aceitação da língua do
colonizador, ainda que o resultado desse processo fosse a existência do bilingüismo.
Nessa acepção, a Península Ibérica se fez multilíngüe, em razão da
diversidade de línguas materiais existentes naquela região européia. Contudo, a
necessidade de comunicação fez do latim vulgar a língua dominante na medida em
que ela passou a ser um meio funcional de interação entre povos distintos, de
culturas distintas, pois à variedade étnica dos habitantes peninsulares correspondia
a variedades lingüísticas. Desta feita, os fatos políticos afetaram os fatores culturais,
pois a eficácia do poder político sempre resulta, em grande parte, da eficácia das
59
práticas sociais administrativas serem configuradas e/ou vinculadas por uma dada
norma lingüística, ou por uma dada língua: garantia da sua difusão. (CÂMARA Jr.,
1998).
Para os historiadores dos estudos lingüísticos, a imposição do latim vulgar na
Península Ibérica implicou a sua difusão e a adoção da língua dos conquistadores, à
exceção do povo basco. Observa-se que a fixação dessa língua, à semelhança com
a ocupação e fixação naquele território, dependeu da pacificação dos seus
habitantes: fato que não obedeceu a um mesmo ritmo, no fluxo da história. Assim, o
processo de romanização se estende ao longo de vários séculos e se dá do Sul para
o Norte, avançando em regiões onde a resistência ao invasor é mais atenuada e
retrocedendo onde ela se faz mais acirrada.
Desta feita, a pacificação se fez bastante tardia na região da Galécia; razão
pela qual a fixação de classes sociais de prestígio se fez em um grau pouco
significativo, bem como, o processo de escolarização: fatores que contribuem para
uma romanização pouco solidificada. Por conseguinte, apenas no final do século IX
d.C., tem-se a pacificação e a prosperidade naquele território totalmente romanizado
pela implantação de uma organização político-social sustentada pela legislação do
Direito romano inscrita nos registros do latim vulgar, que suplantava as línguas de
cultura ali faladas.
Observa-se, nesse tempo, haver naquela região variedades lingüísticas que,
fundamentadas no latim coloquial, são designadas por galego-português, astur-
leonês, castelhano, navarro-aragonês e catalão: todas elas produtos de um esforço
de comunicação que levou à dialetação dessa modalidade de fala latinizada. Esses
falares vernáculos de base latina compreendem núcleos lingüísticos diferenciados
que emergem do esforço para se falar “à maneira dos romances”. Tais romances
tornam-se línguas dos estados medievais, de sorte que o termo “romance” passa a
ser empregado para designar o português e o castelhano entre outras modalidades
de línguas, como línguas neo-latinas, ou os gêneros literários criados nesse período
da história. (CARDEIRA, 2006. p. 19).
60
2. 3.1 Processo de dialetação: estratos da língua latina
Coseriu, em seus estudos sobre variações, inerentes às mudanças
lingüísticas decorrentes de contatos interlínguas, designa por substrato a recriação
que emerge de forças entre hábitos articulatórios de uma dada língua materna e a
aquisição de uma outra, nova língua. Assim, esses hábitos facultam que tendências
lingüísticas pré-existentes atuem sobre a língua em aquisição. Trata-se de um
processo que, embora não se apresente refletido de modo imediato, leva à
transformação gradativa da língua que se busca aprender a falar e a ela imprime
uma função particular. A essa função particular designa-se dialetação: uma ação
que provoca diferenciação de funcionamento de um dado sistema e alteração da
estrutura de seus elementos constitutivos, de sorte a surgir como norma, quando a
imposição da língua estrangeira se faz enfraquecida, em razão do enfraquecimento
do poder político. A assimilação de uma outra língua, conforme apontado, implica
não assimilação de um outro marco cultural, mas também um estado de
bilingüismo.
O superstrato também se refere às variações que apontam para vestígios e
influências da língua do povo que domina e se impõe sobre um outro pela conquista.
Nesse caso, tem-se na região peninsular não a invasão romana, mas também a
dos bárbaros e dos árabes a ser considerada para o tratamento de substratos
inscritos na formação do léxico do português arcaico. O termo adstrato remete-se à
concepção de variações lingüísticas em que dois estratos de línguas diferenciadas
convivem de modo pacífico, influenciando-se reciprocamente, sem que qualquer um
deles se modifique de forma radical.
Essas três dimensões propostas para se focalizar as variações acentuam a
diversidade fundadora da transformação do latim implantado na Hispânia, mas
torna-se bastante complexo considerá-los de forma isolada: razão por que se
buscará apenas ressaltar cada uma delas, no contexto dessa investigação. Convém,
ainda, ressaltar o uso que se fez da expressão “latim vulgar” como modalidade
diferenciada daquela designada por “latim clássico”: modalidade escrita que qualifica
os textos literários. Contudo, esse latim dito vulgar possui, segundo os historiadores,
inscrições pouco elaboradas em cartas pessoais, tratados técnicos e mesmo em
obras literárias, quando autores como Plauto, a ele recorre para qualificar a fala de
alguns personagens. Tais fontes, acrescidas do Appendix Probí um manuscrito
61
datado do século 700 d.C. referente à cópia de um tratado gramatical cuja autoria é
atribuída a Valério Probo à qual foram anexados alguns apêndices. Dentre eles,
encontra-se na lista de 227 correções de formas “incorretas” em língua falada têm
servido para atestar o uso do latim coloquial diferenciado daquele do latim literário.
Assim, esse uso vulgar, pouco elaborado, ainda apresenta registros inscritos nos
graffiti de Pompéia que têm possibilitado aos historiadores reconstruí-lo como marco
do sistema lingüístico português contemporâneo. (CARDEIRA, 2006).
Nesse contexto, os romanos se defrontam, no período da invasão Hispânica,
com uma região habitada por colônias ou tribos humanas de origem distintas que
haviam chegado àquela Península, quer por via marítima ou terrestre. Essa onda de
sucessivas migrações deveu-se à seleção privilegiada da geografia peninsular.
Dados fornecidos por historiadores greco-latinos, segundo Basseto (2000), afirmam
a existência de povos iberos que, por volta do III milênio a.C., ali se estabeleceram,
ao Sul e ao Leste, vindos do norte da África. Povos celtas ocupavam o centro e o
oeste daquela região, enquanto os fenícios ocupavam a costa meridional daquela
região e os bascos situavam-se na colônia montanhosa ao norte.
Essa distribuição, pressuposta pelos estudiosos do período pré-romanização,
tem possibilitado considerar que as línguas por eles faladas teriam funcionado como
substrato do latim hispânico. Assim, tem-se postulado uma unidade lingüística
protobasca, referente a não distinção entre os fonemas /b/ e /p/ que caracterizara os
dialetos setentrionais portugueses, como o galego e todos os falares originários do
Norte da Península. Concomitantemente a esse fenômeno não distinto, tem-se,
ainda, a queda do /L/ e do /N/ intervocálicos latinos no galego-português (DOLORE
> port. door > dor / cast. dolor, LANA > port. lãa > / cast. lana), bem como o
aportuguesamento do F inicial no Castelhano (FARINA> cast. harina/ port. farinha).
Esses fenômenos de caráter fonético-morfológicos, registrados por Cardeira, são
designados como betacismo e implicam ações de substrato.
O galego-português sofreu diferenciações, em decorrência da unidade
lingüística de origem celta, que responderiam pela transmudação dos encontros
consonantais latinos “PL, CL e FL” em “ch”, em português (PLICARE > chegar;
CLAVE > chave; FLAMMA > chama), diferente da transmudação em castelhano:
llegar, llave, llama. Atribui-se ainda ao substrato celta o processo de
enfraquecimento das consoantes oclusivas intervocálicas que são sonorizadas no
Português, no Galego, no Castelhano, no Catalão, no Francês, no Provençal e no
62
Franco-provençal. o grupo consonantal “KT” do latim evolui por meio da
semivocalização: SAPERE; NOCTE > saber; noite, em Português. Entretanto, na
România Oriental itálico e romeno as oclusivas são conservadas e o grupo KT”
sofre assimilação: SAPERE e NOCTE> sapere e notte, em Italiano.
Esses fatos lingüísticos comprovam a importância do substrato celta na
dialetação do latim hispânico, comparado ao da região sede do Império Romano. A
eles se deve acrescentar a origem social e dialetal dos colonos romanos pela
similaridade de alguns traços lingüísticos existentes no Sul da Itália e na região
peninsular que também contribuiu com esse processo de dialetação. Considera-se
que a quantidade de colonos de origem suditálica e seus hábitos articulatórios muito
teriam contribuído com a evolução do “LL” e “NN”, grupos consonantais latinos
intervocálicos, para diferenciar o falar Leonês, do Castelhano, do Aragonês, do
português e do Catalão. Tem-se, por exemplo: CABALLU > port. cavalo / cast.
cabalo; ANNU> port. ano/ cast. año. Diferencia-se ainda o “L” inicial em Leonês e em
Catalão: LUNA> lua, em português, mas lluna em Catalão e também a assimilação
do grupo consonantal “MB”, em posição medial para todos os falares ibéricos, à
exceção do galego-português: PALUMBA> port. pomba/ cast. paloma. Essas
mutações teriam como fonte os dialetos falados pelos colonos oriundos do Sul da
Itália.
A entrada do vocabulário celta na língua portuguesa se por meio da sua
acomodação fonomorfológica à língua latina, de sorte a evoluir como se fossem
genuinamente latinas. Tal contribuição se fez bastante considerável, conforme os
seguintes exemplos: camisea > camisa; salmo > salmão; leuca > légua; carrus >
carro; carpentarius > carpinteiro; mantica > manteiga; cattus > gato; caminum >
caminho; taratu > trato; lancea > lança; vassalus > vassalo (SILVEIRA BUENO,
1955). Dentre esses empréstimos e adaptações, deve-se também considerar
mudanças no sistema vocálico e consonantal do latim:
a) a substituição de um acento tonal por um acento de intensidade e a oposição
entre vogal breve e longa por vogal aberta e fechada: uma mudança que se
processou bem cedo nos novos romances;
b) o surgimento de um sistema vocálico em que as vogais breves se deslocam para
um timbre mais aberto e as longas para um timbre mais fechado, implicando a fusão
do } em /e/: actu > azedo; påra > pera. O å evolui para /e/ aberto: påtra > pedra e a
63
fusão de ø e ù resultará em /o/: amøre > amor; lótu > lodo, sendo que î abriu para /O:/
pîrta > porta.
c) o enfraquecimento das consoantes oclusivas, em contexto silábico intervocálico,
de que resultou a simplificação das geminadas e a sonorização das surdas:
ABBOTE > abade. A apócope ou queda das consoantes sonoras “D” e “G”:
FRIGIDO > frio, bem como a mudança do ponto de articulação da consoante “B” de
que se originou uma nova consoante, o /v/, inexistente no latim: FABA > fava;
d) o reforço na articulação das semivogais, por sua vez, implicou a consonantização
delas: IOCU >jogo; VACCA> vaca;
e) os encontros vocálicos latinos, por meio da ditongação, resultaram em um maior
grau de freqüência das semivogais palatais que, devido ao contato com algumas
consoantes, implicou na palatização destas: FILIU > filho; SENIOR > senhor; BASIU
> beijo; PASSIONE > paixão. Assim, a consoante e a semivogal se fundiram,
originando um novo som.
ainda topônimos e hidrônimos portugueses Braga, Viseu, Olisipo,
Coimbra, Lacóbriga, Tejo, por exemplo que são testemunhas de populações
anteriores à romanização. Também se integram ao léxico do português designações
como: chaparro, sapo, várzea, meta, sarna, bruxa... , que atestam a existência das
mesmas.
2.3.2 Processo de dialetação: estratos das línguas dos bárbaros
No século V, a Península é invadida por hordas germânicas, de sorte que no
ano de 409 os Alamos ocupam a região da Lusitânia e a Cartaginense (cf. mapa,
anexo B), os Suevos e os Vândalos ocupam a Galécia e a Bética. No ano 410,
exceção feita aos Suevos, todos são derrotados pelos visigodos. Embora o reino
Sueco permaneça na região por um século, ele será integrado à monarquia visigoda.
Ressalta-se que a supremacia da cultura romana e suas estratégias de
conquista do povo peninsular, após a ocupação gradativa do território, estavam
baseadas na simpatia e na construção de obras públicas que a todos beneficiavam.
Desta feita, a captação e armazenagem de água passaram a ser um bem comum e
chegava a seus usuários por meio de canais. Detentores que eram das tecnologias
64
que promoveram a Revolução do Regadio investiram na construção de grandes
reservatórios e o uso do sifão invertido garantia a água em fontes públicas, em
termas, nas saunas e casas de banho. No campo da engenharia civil elas
responderam pela edificação de pontes e de estradas pavimentadas que
asseguravam, por um lado, a facilidade de mobilidade da população e, por outro, o
contato dos colonos com o império. Estas edificações eram objeto de constante
manutenção de sorte que, ainda hoje, muitas delas sobrevivem. Como tais serviços
eram concebidos como um bem público, não era objeto de cobrança de taxas,
cabendo às províncias cuidar do bom funcionamento dos transportes e do
abastecimento de água. Assim, além de transformar a arquitetura peninsular, os
aquedutos contribuíram para a ampliação do saneamento básico da região.
A essas obras somam-se aquelas que resultaram na construção de teatros,
bibliotecas, edifícios públicos, basílicas e outros monumentos em cidades maiores,
ainda que, a construção de escolas fosse bastante escassa e voltada para a
formação de um pequeno grupo de elite. O serviço da padaria pública se fez
presente, desde então, com a construção de fornos aos quais os pães eram levados
pelos habitantes de cada província para serem assados. Assim, os povos
peninsulares assimilavam, por meio desses bens materiais, conhecimentos e
técnicas que neles se inscreviam, bem como suas respectivas designações em
língua latina, no esforço despendido para se comunicarem e serem compreendidos
pelos invasores e se deixam por eles compreender.
Nesse contexto, é fato que os visigodos, durante suas andanças pela
Romênia, antes de se fixarem na Ibéria, haviam se romanizado; razão pela qual,
embora falassem a língua gótica, conheciam o latim vulgar. Na Península, fizeram
uso da língua latina para se comunicarem com o povo romanizado e no século VII
abandonaram o gótico. É nesse mesmo século que esses povos invasores se
convertem ao catolicismo. Assim, as invasões germânicas não promoveram rupturas
bruscas na sociedade hispânica, configurada pelo modelo romano e substituída
pelos parâmetros do Direito aplicado pelos administradores das cidades e
províncias. Mantém-se, portanto, a divisão e gestão administrativa ali implantada
pelos latinos de Roma. Desta feita, os visigodos se diluem na população e na cultura
hispânica fundada pela romanização.
A influência germânica, por esse quadro, é bastante reduzida,
circunscrevendo-se ao enriquecimento do léxico; contudo, vocábulos como guerra,
65
trégua, guardar, de origem germânica, pertenciam ao latim vulgar e se acham
registrados em todas as línguas da Romênia Ocidental. As contribuições referentes
aos empréstimos lexicais dos germanos estão nos nomes patronímicos nome
próprio formados a partir do nome do pai ao qual se acrescentava o sufixo “-ICI
como designativo de origem. São freqüentes em português os patronímicos
Gonçalves, Rodrigues, Soares que significava filho de Gonçalo, de Rodrigo e, hoje,
conservados como nome de famílias. (CARDEIRA, 2006: 29).
O contato prolongado com hábitos articulatórios das línguas germânicas não
deixou de provocar algumas diferenciações fonomorfológicas entre os romances
ibéricos, como:
a) romanização das consoantes oclusivas, em posição intervocálica: RIPA > riba;
AMICA > amiga;
b) a ditongação das vogais breves da língua latina å, î que, devido ao forte acento de
intensidade das línguas germânicas, respondeu pela diferença entre PORTA > porta;
PETRA > pedra, em Português, e puerta e piedra, em Castelhano.
Entretanto, o fato mais significativo da invasão desses povos está no fato de
ela haver contribuído para a fragmentação na medida em que provoca o
desmembramento do império romano, fracionando a România, de sorte a separar a
área ocidental da oriental. Tal separação apontará a Península Ibérica do Império
latino.
Para Basseto (2000) e Ferronha (1992) os três séculos de domínio pelos
visigodos acentuam as transformações sofridas pelo latim vulgar, em razão dos
substratos e devido ao isolamento de algumas regiões ibéricas. Desta feita, na
região da Galécia: reino suevo povoada por colonos dedicados à agricultura e
tardiamente romanizada, a língua tomará forma diferenciada.
Assim, o latim vulgar, em contato com as línguas de substrato e superstrato,
sofre um conjunto de variações também decorrentes das circunstâncias geográficas,
de maior ou menor contato de algumas regiões com o império, e do seu ensino,
imposto pela Igreja e por instituições escolares. Tais instituições, alocadas em
centros mais urbanizados, contribuíram para acentuar o grau de diversificação da
língua latina, acentuando falares regionais hispânicos.
66
2.3.3 Processo de dialetação: estratos da língua árabe
A invasão da Península pelos árabes tem por marco o ano 711 e, após dois
anos, esses conquistadores haviam subjugado todos os habitantes da região
meridional até o Mondego e deslocado os hispano-godos para a cordilheira, situada
ao Norte daquele território. Tal conquista é marcada por alguns episódios de uma
história sangrenta e por uma administração centralizada em Córdoba. A pacificação
acaba por situar os cristãos ao Norte da Península, os muçulmanos e os hispano-
godos convertidos ao islamismo os moçárabes e os judeus no Centro-Sul.
Organizada em reinos, a nobreza visigótica do Norte desencadeia um conjunto de
ações com vistas a reconquistar o território peninsular. No Sul, a convivência entre
povos de diferentes religiões é tolerada pelos invasores, de modo que os moçárabes
população cristã que vive sob o domínio dos árabes - preservam e mantêm sua
identidade cultural e preservam seus costumes e tradições cristãs.
Nesse contexto, os confrontos entre cristãos e árabes tiveram a língua e a
cultura dos moçárabes como marco de resistência ao invasor, ainda que a
população dessa região Sul se veja compelida a aprender a língua dos árabes.
Desta feita, a nova língua de cultura passa a coexistir com aquela do substrato latino
e dessa ação do substrato árabe tem-se o enriquecimento do léxico.
Os topônimos, ao Sul do Mondego, têm no árabe a sua matriz designativa:
Odemira, Odeceixe, Odivelas, Aljeaur, Alfama reconhecidas pelas formas “ode” ou
pelo antigo “Al”. Entretanto, a extensividade designativa se faz presente no léxico
comum, circunscrevendo-se ao campo semântico da administração e da guerra.
Vocábulos como alcaide, almirante, alferes, alfândega, algazarra e alarido são
emprestados dessa língua de cultura. A eles acrescentam-se aqueles referentes aos
campos da arquitetura, da alimentação, da agricultura, da ciência e de instrumentos
como, por exemplo: alpendre, azulejo, andaime, armazém, bairro, aldeia; açude;
algarismo, álgebra, cifra, zênite, alecrim, alfazema, algodão, tremoço, azeitona,
laranja, limão, xarope, almôndega. Os portugueses, ainda hoje, usam ceroulas e
comem regueifas e aletria.
A extensividade dos empréstimos lexicais aponta a superioridade de domínio
de conhecimentos e de técnicas pelos árabes que se sobrepõem àquelas dos povos
peninsulares, em vários campos do saber; razão por que instrumentos e produtos
desconhecidos invadem a Ibéria e com eles as novas designações. Grande parte
67
desses empréstimos se integra à fala dos romances moçárabes, apontando o
encontro entre invasores e invadidos e revelando a interpenetração da cultura árabe
na cristã. Trata-se de questões de superstrato, ainda que elas não tenham
modificado as raízes mais profundas da cultura cristã; razão pela qual o mais
adequado, neste caso, é considerar tal fenômeno como adstrato. Nesse sentido,
tem-se a convivência entre culturas distintas, contudo, aquela do invasor não altera
substancialmente a do invadido, ou seja, a Península não chegou a ser “arabizada”.
Para Cardeira (2006. p. 33), esses fatores “refletem na estratégia de domínio
político-administrativo muito diferente da romana e, até, da germânica. Roma
integrou a Hispânia ao Império, romanizando-a; os visigodos integram-na à
sociedade hispano-romana”.
Segundo essa autora, os casamentos mistos podem ser vistos como símbolos
de miscigenação, resultantes do domínio romano e visigodo, que implicou no
bilingüismo: conseqüência da ação de substratos e superstratos. Entretanto, os
casamentos entre árabes e romanos-godos se devem à escassez de mulheres na
população invasora; todavia, eles não foram significativos para a construção de
variações substantivas que levassem à mudanças das matrizes culturais
implantadas na Península. A língua e a cultura árabe, conforme demonstrado,
interferiram de duas formas nas transformações do romance moçárabe, quais sejam,
no enriquecimento lexical e, ao relegar a língua falada por esta população à
intimidade das famílias. Por conseguinte, à medida que se o processo da
Reconquista, essa modalidade de uso da língua falada, sob o domínio árabe, vai
desaparecendo.
Faz-se significativo, nesse período de reconquista, o fato de as ações
políticas dele resultantes implicarem a criação de reinos, à proporção que esse
momento ia se estendendo pelo território peninsular. Tais reinos não iam
dividindo a sociedade hispânica como também afirmando entidades políticas
diferenciadas que passaram a defender o alargamento do território por eles
ocupado. Esse expansionismo não se circunscrevia apenas à conquista de espaços
ocupados pelos árabes, visava também aos territórios a eles vizinhos.
Nesse sentido, tem-se a busca pela criação de fronteiras políticas e de reinos
distintos que se transformarão em fronteiras lingüísticas, em razão da ação dos
substratos e superstratos. Surgem, assim, os reinos da Galiza e Portugal, das
Astúrias e Leão, de Castela, de Navarra e Aragão, fundados em núcleos lingüísticos
68
distintos. Trata-se de um tempo em que, na região da Galiza, extensiva até as terras
de Aveiro, abarcando uma faixa das Astúrias, predominava um romance com traços
de uma fala peculiar: um léxico de base latina ao qual se incorporavam
germanismos latinizados, e que apresentava um caráter arcaizante, produto de uma
romanização pouco sistematizada devido ao isolamento geográfico, ou seja, ao
isolamento em relação aos centros de renovação lingüística.
Trata-se de um espaço muito mais rural do que citadino, cujo dialeto se
qualificava pela evolução dos grupos consonantais PL, CL, FL que haviam se
transformado em “X”: Plúmbeo > chumbo; clave > chave e a consoante “N”
funcionava de modo a nasalizar a vogal anterior, de que resultaria a nasalização
vocálica do português. Desses processos matriciais emergirá a língua portuguesa,
pelo alargamento do reino de Leão ao qual foram incorporados Santarém, Coimbra e
Faro.
No fluxo desse tempo de vivências, o latim vulgar vai se fazendo uma língua
sintagmática e perde aos poucos o caráter paradigmático. Assim, os morfemas de
“casos” agregados, ou articulados às palavras que indicavam, ao mesmo tempo, o
gênero, o número e as relações gramaticais, no contexto frasal, são substituídos por
morfemas flexionais e a ordem das palavras no contexto frasal vai se fazendo
fundamento de um novo modelo de organização e estruturação das funções
sintáticas, tendo as preposições como um desses marcos mais significativos. A
sinalização dessas transformações terá na obra de Luiz Vaz de Camões, o primeiro
registro escrito da língua portuguesa, no século XVI. Datam dessa época as
primeiras gramáticas voltadas para esse processo de sistematização, cuja autoria é
de Fernão D’Oliveira e João de Barros. Assim, entre a criação do Condado de
Portucale, em 1143 e o século XVI, é que se deu a constituição do português com o
sistema lingüístico autônomo. Esta autonomia e sistematização têm como suporte a
força política de que resultou a formação do Estado Português como nação
autônoma.
69
2.4 Formação do Estado Nacional português e os marcos da Revolução
Mercantil
A formação do Estado Moderno Português está inexoravelmente associada
ao processo da Reconquista, no esforço despendido por forças políticas da época
para traçar limites territoriais entre diferentes reinos, à chamada “guerra santa”
causada pela descoberta do túmulo do Apóstolo Thiago de Compostela. A esses
fatos acrescenta-se a força de crenças que impediam a exploração dos caminhos do
Oceano Atlântico, limitando o espaço ocupado pelo pequeno reino português à costa
marítima da Península Ibérica. Destruir as forças dessas crenças foi uma das
grandes estratégias que levou o rei Afonso Henriques a fazer de Portugal um marco
da Revolução Mercantil, cujo domínio implicou grandes investimentos no campo de
descobertas, propiciando a produção de novas tecnologias no campo da engenharia
náutica.
2.4.1 A criação do Condado Portucalense
A constituição progressiva de grupos políticos, situados ao Norte da
Península Ibérica e responsáveis pela Reconquista, leva o exército hispano-godo a
derrotar os muçulmanos em Cavadonga. Essa batalha comandada por Pelágio
torna-se o primeiro símbolo da reitoria cristã e se faz lendária nas regiões
peninsulares. Ao longo do século IX, o vale do Douro e a região do Mondego foram
o palco de lutas de que resultou a expulsão dos mulçumanos ali alocados.
A transformação da Reconquista em Guerra Santa ocorre com a descoberta
do túmulo de Thiago de Compostela, deslocando nobres da Europa para a
Península, envolvendo as Cruzadas e a Igreja nesse processo de expulsão dos “não
cristãos”. Afonso III, das Astúrias, nesse mesmo século IX, cria o Condado de
Castela que, limitado da região de Burgos, teve território estendido e sua autonomia
política mantida.
Esse mesmo rei atribui o título de Conde de Portucale a Vilmara Peres um
antropônimo que se converteu no topônimo Vimaranis > Guimarães e a ele coube
organizar a defesa e o povoamento entre o Douro e a região de Lima. Entretanto,
nos idos do ano de 981, um ataque comandado por Almansor desencastela a
70
dinastia dos condes portucalenses, de sorte que a sua retomada ocorre sob o
comando de Henrique de Borgonha.
No século XI, o rei Afonso VI, do reino de Leão e Castela, reúne sob o seu
comando os territórios de Portucale e Coimbra e os concede ao Conde Henrique,
casado com sua filha Teresa. A D. Raimundo, casado com sua outra filha, concede
o condado da Galiza. A fronteira entre os dois condados, traçada pelo Rio Minho,
mantém a divisão administrativa estabelecida pelos romanos em conventos
jurídicos.
Afonso Henriques, filho de D. Henrique e Dona Teresa, encorajado por uma
pequena aristocracia que buscava se tornar uma corte régia, passa a se opor à sua
mãe e a reclamar a autonomia do Condado Portucalense. Associado ao poder
político instituído na Galiza, conquista esse objetivo por meio da Batalha de São
Mamede, de sorte que, em 1143, se institui rei, pelo tratado de Zamora.
O papa Alexandre III, em 1179, reconhece a independência do novo reinado,
cujo território fica limitado à reconquista das regiões Norte e Leste e o
desenvolvimento e repovoamento dos reinos vizinhos. Assim, em 1147, vive-se a
reconquista de Santarém e de Lisboa e, avançando para o Sul, em 1249, Faro é
libertada, mas sob o reinado de Afonso III. Cria-se, desta luta, umas das fronteiras
mais estáveis da Europa.
O último reduto mouro a ser reconquistado é o reino de Granada, o que
ocorre no século XV sob o comando dos reis católicos de Castela, assegurando-lhes
o avanço em direção ao Sul da Península e a sobreposição sobre reinos vizinhos.
Castela se esforça por criar uma a hegemonia política na Península e, como
conseqüência desse esforço, Portugal fica subordinado a esse poder político entre o
final do século XVI e meados do século XVII. Essa afirmação do reino de Castela se
faz extensiva,
(...) de norte para o sul e do centro para este e oeste, resulta uma
diferenciação lingüística nítida, uma vez que o romance castelhano,
inovador em virtude de circunstâncias que favoreceram o seu
desenvolvimento em regiões em que o contato com substratos
(nomeadamente o Basco) e superstrato significativo, se expandiu
geograficamente, reduzindo a área anteriormente ocupada por outros
romances ibéricos. (CARDEIRA, 2006. p. 40).
Afirma Cardeira (2006) e outros historiadores (cf. bibliografia) que o avanço
desses movimentos de reconquista esteve conjugado com a migração de
71
mercadores da região Norte para aquelas do Sul da península. Contudo, a região
Norte fora povoada quando ali se formara o poder político que desencadeou a
reconquista, de sorte que à população rural se somaram novos senhores. Estes se
apropriaram das terras e deram início à criação de vilas, o que configurou a
implantação da Revolução urbana em terras da Hispania portuguesa. (cf. Capítulo I).
Nesse mesmo espaço de território tem-se a fundação de igrejas e mosteiros que,
por um lado, atrai mais habitantes para formar uma densa rede populacional, por
outro lado, tem-se apropriação das terras e das pessoas.
Na região situada entre o Mondego e o Tejo, o repovoamento se reveste de
um caráter municipal, conciliando-se em torno das cidades e dos principais rios que
a ela dão acesso, resultando em um baixo grau de povoamento das terras do
interior. As ordens militares Templários-Cristo, Calatrava, Santiago por sua vez
responderam pelo repovoamento do vale do Tejo para o Sul e este se traduziu em
vastas propriedades e baixa densidade populacional.
A necessidade de repovoar a região portuguesa leva o rei a instituir conselhos
do tipo “prefeito”, por meio da outorga de um foral que modela uma administração
municipal. Ao sul do Mondego, a abundância desses conselhos são indícios da
necessidade e urgência dessa prática de povoação. A distribuição dessa população,
formada por migrantes de diferentes origens, quer do Norte, do Sul, do Nordeste,... e
que carregam consigo suas falas dialetais, acaba por configurar, ao Norte, uma área
de dialetos galegos, ao centro, uma área de dialetos portugueses setentrionais e, ao
Sul, de dialetos portugueses centro meridionais, conforme mapa abaixo.
(CARDEIRA, 2006. p. 43).
72
Observa-se que a produção de documentos escritos, desde a criação do
Condado Portucale, tinha o latim como língua oficial, contudo, era uma modalidade
de registro muito próxima do romance falado. Assim, os falantes, mesmo que não
soubessem se expressar usando o latim, compreendiam o conteúdo desses textos
notariais. É no século XIII que a chancelaria régia, durante o reinado de D. Diniz,
adotaria o português como língua oficial muito embora alguns estudos recentes no
campo da historiografia moderna apontem a existência de documentos escritos
datados de 1173 e 1175. Tais estudos têm considerado a necessidade de se
diferenciar o português antigo - iniciado com os documentos escritos em latim
vulgar, cuja norma se aproxima do romance português do galego-português em
que se registrava a produção poética dos trovadores.
2.4.2 A Revolução Mercantil e as grandes descobertas
A formação do estado português, em meados o século XII, consolidada pela
dinastia de Borgonha, teve por marca a decadência de um modelo de formação
sócio-cultural em que prevalecia uma vida política regida por uma economia rural de
subsistência.
Observam os historiadores que este modelo de política econômica de
subsistência começou a emergir no território europeu à medida que o Império-
Romano entrava em decadência, acentuando o fortalecimento de diferentes grupos
73
étnicos e as rebeliões escravas. Assim, muitos escravos, ao se tornarem “colonos”,
passam a pagar pelo uso da terra por meio de tributos que resultaria no campesinato
rural, por um lado. Os chefes bárbaros, por outro lado, ao conquistarem as terras da
Europa, vão se tornando aristocratas e passam a constituir a realeza de antigas
províncias imperiais. Vive-se, portanto, um tempo de regressão ou de estagnação do
comércio, circunscrevendo-o a uma economia local e auto-suficiente.
Nesse contexto feudalizado, a Igreja torna-se monopolizadora da economia e,
aos poucos, apropria-se dos excedentes desse sistema de produção, cobra dízimos,
obtém legados e doações. Esses bens são investidos nas construções de catedrais:
únicas criações arquitetônicas da Idade Média; pois o desenvolvimento técnico e a
criatividade intelectual ficam circunscritos ao fortalecimento da teologia. Desta feita,
a Igreja se tornaria a única fonte geradora de empregos, monopolizando a economia
e ordenando a vida social sob a forma de disciplina, compromisso e obediência.
Trata-se de um modelo de formação sócio-cultural que tem por suporte o uso da
tecnologia do ferro, aplicada à cavalaria de guerra, com armas, lanças e armaduras,
mais eficientes. Entre os séculos X e XIII, as ambições de conquista, o
enriquecimento dos senhores feudais e esforços de revitalização salvacionista,
formam o contexto de criação e sistematização da nação portuguesa.
É nesse mesmo tempo que passam a emergir vales e cidades que, habitadas
por burgueses, colocam em circulação os produtos da terra no mercado. Assim,
entre o Senhor feudal que usufruía os rendimentos da terra e o servo que a
custeava, emergem novos grupos sociais, quer vinculados ao trabalho rural
“pequenos proprietários e rendeiros livres quer vinculados às novas atividades
econômicas: mercadores e negociantes do dinheiro.” (LOPES e SARAIVA, apud
NICOLA, 1997. p. 10).
Mousinier (1995) atribui a essas razões político-religiosas o fato de os
portugueses serem os primeiros dos povos europeus a se ocuparem com as
chamadas grandes descobertas, seguidos pelos espanhóis e pelos ingleses e
franceses, posteriormente. Para esse historiador não o ardor apostólico, a
vontade de converter outros povos longínquos ao ardor católico, mas também
questões de ordens econômicas levariam aquele povo a planificar o projeto político
do príncipe Henrique: o navegador (1394 – 1460).
74
2.4.3 O Projeto de D. Henrique
O infante D. Henrique é o autor do projeto expansionista português para a
exploração do “mar tenebroso” designação do Oceano Atlântico, nos idos do
século XV – que estenderia os limites do território português e, conseqüentemente, o
poder daquele pequeno reino. A conquista desse objetivo se justificava, ainda, como
solução para problemas vivenciados pelo povo daquele reino, quais sejam: o
abastecimento, visto que as terras férteis, naquela região eram bastante reduzidas;
a falta de metais preciosos - para assegurar um comércio em expansão - é
insuficiente para satisfazer à nobreza e ao clero.
A África e a Ásia eram lugares povoados por tesouros a que narrativas
lendárias fazem referência; buscar esse ouro por iniciativa própria se faz o grande
sonho dos europeus. Nesse sentido, perseguir essas metas também será uma
exigência do novo modelo econômico e de organização de um novo modelo social
que se institui com o fim da Idade Média. Tal necessidade é intensificada, quando se
o fechamento dos caminhos para o comércio com o mar Mediterrâneo com a
conquista turca:
(...) as especiarias, indispensáveis ao Ocidente, sem grande consumidor
para fins farmacêuticos e culinários; atingiriam preços (...) exorbitantes em
Constantinopla e Alexandria, praças onde os genoveses e venezianos iam
buscá-las. (...) impôs-se naturalmente a idéia de procurar diretamente as
especiarias nas regiões de origem, evitando-se os onerosos intermediários
dos turcos e venezianos. (MOUSINIER, 1995. p. 24).
O olhar de D. Henrique recaía sobre o mar Tenebroso: grande obstáculo para
empreender as navegações que projetava, pois as lendas existentes registravam ser
ele o habitat de seres marinhos gigantes que devoravam aqueles que ousassem
navegá-lo para além da linha do horizonte. Assim, era preciso transpor aquela linha
imaginária produzida pelo imaginário do povo português por meio de novos /outros
conhecimentos capazes de o impedirem de cair no abismo devorador de homens e
embarcações. (SILVEIRA BUENO, 1998).
Consciente de serem as lendas produtos cristalizados de modelos criados
para explicar o desconhecido, o infante D. Henrique ordena a seu irmão D. Pedro
que vasculhe todas as bibliotecas existentes para coletar conhecimentos sobre o
mar Tenebroso. Assim, são deslocados para a corte portuguesa livros e mapas,
inclusive os de Marco Pólo que registravam descrições de suas viagens pelo mundo
75
de sua época. D. Pedro também foi incumbido da vila de Sagres: sábios,
astrônomos, astrólogos, cartógrafos especialmente os de origem judaica que
fugiam de perseguições desencadeadas pela corte espanhola . Funda a escola de
Sagres, oficinas para a construção de embarcações, salas de estudo e um
observatório astronômico. Desta feita, esses estudiosos foram assegurando um
conjunto de conhecimentos náuticos que garantiriam explorar os caminhos do mar
Tenebroso, à medida que os galés portugueses foram sendo transformados em
caravelas.
No reinado de D. Henrique, Portugal se fez um dos centros de eclosão da
arte náutica capaz de vencer distâncias entre territórios separados pelos mares – um
outro, situava-se entre Madagascar e a Ilha de Páscoa, cujos habitantes dominavam
a construção de pirogas com balanceiro e o outro se situava nos mares do Oriente.
Entretanto, em Sagres renasciam os conhecimentos sobre matemática, geometria, e
astronomia que, gradativamente, possibilitaram não traçar a cartografia do
mundo, como também à Europa entrar em contato com o novo mundo até o século
XIX, por meio de embarcações com quilha e leme axial. (MOUSINIER, 1995).
Contudo, os avanços promovidos por D. Henrique facultaram a esse rei explorar a
costa do Continente Africano e descobrir ilhas como a de Cabo Verde e dos Açores.
Desta feita, a descoberta de outros povos, outras terras deslocava para Portugal
bens que nelas se produziam e se faziam necessários para a Coroa Portuguesa.
Observa-se que a participação da Igreja nesse processo expansionista se
voltava para a conversão de novos habitantes ao Cristianismo; a Coroa, por sua vez,
os convertia em escravos. Assim, a escravidão tribal aquelas tribos que perdiam o
combate com tribos inimigas e eram por elas escravizadas são negociadas com os
portugueses para lhes servirem de mão-de-obra se torna matriz de formação do
Estado Português moderno.
É nesse sentido, segundo Mousinier (1995) e outros historiadores, que a
aquisição de escravos era obtida por meio de forças bélicas, ou pelo uso estratégico
do próprio modelo cultural de organização das estruturas sociais tribais.
Nesse contexto, a origem das grandes navegações está no projeto de D.
Henrique: um monge guerreiro, cavaleiro da Ordem de Cristo, herdeiro da tradição e
conhecimentos dos Templários. A planificação desse seu projeto garantiu a
descoberta do Continente Americano, no reinado de D. Manuel, o Venturoso, o que
coloca Portugal e Espanha em contato com íncolas desconhecidos na Europa e
76
assegura a expansão dos reinos português e castelhano. Essa expansão tem por
fundação os negócios da Coroa e os da cristã que fazem, então, das terras e dos
povos do Brasil território colonial português.
Ressalta-se que a transmudação desses dois reinos ibéricos em impérios
mercantis salvacionistas tem como suporte o desenvolvimento da engenharia
náutica de que resulta o aperfeiçoamento de instrumentos de navegação e de
orientação como: a bússola magnética montada em balancins, o quadrante, a
balestilha, o astrolábio, as cartas celestes, os portolanos, e os cronômetros,...
Também responde por essas conquistas, o aperfeiçoamento das embarcações -
naus e caravelas – bem como a vela latina, o leme fixo, as carretilhas e os barcos de
guerra. O aperfeiçoamento da engenharia e os avanços no campo da metalurgia
contribuíram para recontextualizar ou inventar armas de guerra como canhões,
morteiros, espingardas que instituíram a chamada artilharia naval. A combinação
dessas tecnologias permitiu o domínio de novas terras por meio da navegação. A
essas novas técnicas associam-se aquelas que resultaram na invenção da
imprensa, em 1438, e implicaram a produção de papel e a instalação de tipografias,
de que advém a impressão de livros.
Tem-se como testemunha desse novo processo civilizatório os campos
semânticos abaixo registrados por meio das “palavras testemunhas” que figuram em
dicionários da língua portuguesa.
77
Todos esses avanços respondem pelo desenvolvimento expansionista da
história humana e, segundo Ribeiro (2005), tal desenvolvimento implicou a tendência
de unificar o mundo em um sistema de intercâmbio econômico, de onde emerge
um movimento oposto àquele de segmentar os povos em entidades étnico-nacionais
marcadas pela hostilidade umas com as outras. Por conseguinte, o mesmo
processo civilizatório que responde pelo alargamento do mundo, colocando os povos
dos cinco continentes em contato, não pela ampliação do âmbito interno de cada
sociedade “devido ao rompimento de barreiras regionais”, tem os limites geográficos
dos territórios nacionais como marco de identidade cultural, mas o sistema
econômico se estende para além delas e tem o próprio planeta como limite.
78
2.5 Formação do Estado brasileiro pelos marcos da colonização: matrizes
lexicais
Na história do mundo ocidental, o Estado Nacional brasileiro se constituiu
pelos marcos que identificaram o Estado Nacional português: o cultivo de um
patrimônio cultural inscrito nos registros de uma norma padrão, instituída como
língua oficial por um poder político centralizador. Observa-se que a força desse
padrão lingüístico de prestígio tem por suporte a produção literária, imitada e
enriquecida no fluxo de vivências históricas de um povo. Outro fator relevante para a
planificação desse padrão lingüístico de prestígio é a sua descrição por meio de
gramática(s) normativa(s) e por meio de dicionários. Se as gramáticas se ocupam de
descrições fonomorfológicas e sintáticas, os dicionários se voltam para explicitar, por
meio de predicações analíticas, o conteúdo das formas vocabulares, tendo por
critério a expansão de seus conteúdos semânticos, tomando por parâmetro a
freqüência de uso desses vocábulos, em diferentes práticas discursivas (TURAZZA,
2005). Tais obras servem de suporte para o ensino institucionalizado da norma
padrão.
Nessa acepção, no tempo da descoberta do Brasil, Portugal se fizera um
Estado Nacional independente, consoante parâmetros acima explicitados.
Publicaram-se duas gramáticas Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão
D’Oliveira e Gramática da Língua portuguesa, de João de Barros e havia
dicionários bilíngües. A esses dicionários se segue a publicação daquele elaborado
por Jerônimo Cardoso: o primeiro a ser organizado em ordem alfabética na Europa.
Tal dicionário traz o registro do vocabulário do português arcaico e expressa uma
escassa receptividade a inovações latinizantes, segundo bibliografia desta pesquisa.
Justifica-se o fato dos vários dicionários latinos, ou bilíngües até o século XVIII, em
razão de o latim ser ensinado como língua estrangeira de prestígio, nesse tempo em
que a vida eclesiástica ou laica tinha o seu prestígio assegurado pelo seu uso
escrito.
79
2.5.1 O aportuguesamento dos habitantes do Brasil: a constituição de um
vocabulário brasileiro
A chegada dos portugueses em Terras de Santa Cruz, posteriormente Vera
Cruz e Terra dos Papagaios, antes de ser designada “Brasil”, coloca-os em contato
com diferentes tribos de caçadores e coletores, com línguas desconhecidas e uma
fauna e flora jamais vista. Designar essa nova realidade e interagir com povos
nativos cujos hábitos e costumes se perderam no longo tempo de vivências de uma
Europa mercantilista foi um trabalho árduo voltado para o esforço do exercício de
comunicação.
O processo de descobrimentos, como se sabe, implica o de conquista e este
foi acompanhado pela evangelização e pela migração:
(...) o intercurso comercial e a ação evangelizadora tornam o português um
símbolo da cultura cristã e língua franca dos marinheiros, mercadores,
missionários europeus e não europeus. Lisboa transformada em empório
comercial torna-se um centro difusor do vocabulário asiático, africano e
americano. Com os produtos exóticos Portugal importava também, os
termos que os designavam. E, ao exportar para toda a Europa esses
produtos, Lisboa exportava vocabulário exótico. É assim que, por intermédio
do português, as línguas européias adquirem termos como cabra, zebra,
coco, manga, ananás, banana... (CARDEIRA, 2006. pp. 67-68).
O domínio desse rico e gigantesco comércio “mundial” sob o domínio da
nobreza e da alta burguesia é intensificado com o plantio da cana de açúcar,
tornando Portugal o seu fornecedor mundial. As fortunas individuais se avolumavam;
contudo, os rendimentos ficavam concentrados nessas camadas sociais superiores
que sufocavam a agricultura com altos impostos. No final do Século XVI, após a
batalha de Alcácer Quibir e a invasão das Coroas Portuguesa e Espanhola
domínio político da dinastia dos Felipes a carga tributária se torna elevadíssima e
insustentável.
É nesse mesmo tempo que se iniciam as perseguições aos judeus, o confisco
de suas fortunas do qual resulta a fuga de bens do capital financeiro para a
Inglaterra e a migração desse povo para terras das colônias portuguesas. O
agravamento dessa crise se fez agudo nos anos finais do século XVII; entretanto, a
descoberta de minas de ouro e pedras preciosas no Brasil criou novamente o sonho
da riqueza e levou a Coroa a abandonar propostas referentes a reformas político-
econômicas. Intensifica-se a migração para o Brasil. (CARDEIRA, 2006).
80
Esse contexto político-econômico justifica o fato de a Coroa Portuguesa haver
se ocupado da colonização brasileira até os idos de 1530, aproximadamente, de
forma exploratória para comércio do pau-brasil, madeira avermelhada da qual se
extraía corante avermelhado para tecidos e móveis, era conhecida desde a Idade
Média. Designada pelos nativos por ibirapitinga, era usada para colorir penas
brancas das aves para enfeitar o próprio corpo: tangas, cocares, colares,
braçadeiras e, ainda, para uso medicinal. Tal designação se fazia acompanhar de
vários parassinônimos – arabutã, arubatã, ibira-piranga, ibirapatá, ibirapuitá,
muirapiranga em razão das variações da língua do tronco tupi-guarani, falada
pelas diferentes tribos de nativos. Contudo, para os portugueses era apenas “pau-
de-tinta”. (HOUAISS, 2004).
Transportados para Lisboa, os troncos dessas árvores eram reembarcados
para Amsterdã e reduzidos a por prisioneiros holandeses, antes de serem
vendidos na França e na Itália. Proibida a importação dessa tintura do Oriente,
garantia-se o consórcio e o monopólio do negócio a Portugal. Assim, o direito de sua
exploração era concedido pela Coroa Portuguesa, mas os riscos eram dos
donatários; logo, sem qualquer investimento, a Coroa recebia parcelas do lucro
advindo desse negócio. O trabalho de corte e embarque dos troncos era feito pelos
índios por meio do escambo: troca de serviços prestados por espelhos, miçangas,
enxadas, martelos, machados, facas, anzóis, tesouras... E a alegria e a felicidade
dos nativos despertadas por esses objetos de troca levariam os portugueses a
descobrirem como converter o interesse dos indígenas em seus próprios benefícios.
Desse contato, sustentado por um modelo colonizador exploratório e
alicerçado pela escravidão quer indígena, quer africana os portugueses buscam
aprender “as línguas da terra”, de onde vão surgindo as chamadas “línguas
travadas”, designadas genericamente por “língua geral”. Observam Silveira Bueno
(1998) e Silva Neto (1951) que a língua geral, em verdade, se explica por falares
diferenciados do tupi, do guarani e do nhengatú. Afirma Silveira Bueno:
(...) por tupi entendemos exclusivamente a língua dos tupis, como as
registraram os jesuítas nos séculos dezesseis e dezessete. Ao lado dessa
língua policiada, desenvolveu-se uma fala popular, deturpada pela
ignorância e pelos vícios de pronúncia dos mestiços e alienígenas, que
devia diferir ainda um pouco de Sul a Norte. Que nos impede de dar a esse
tupi mestiço o nome de brasileiro? Ao descendente amazônico do brasileiro
conservamos o eufemismo usual de nhengatú. (1998. p. 667).
81
Logo, a própria língua geral se explicaria por duas variantes: uma alocada ao
Sul; outra ao Norte do país, já no século XVI.
2.5.2 A dialetação do português arcaico pelos empréstimos lingüísticos dos
ameríndios
A sistematização lingüística do tupi é um trabalho que se deve aos jesuítas,
principalmente ao Padre José de Anchieta que se propôs a construir uma gramática
e um dicionário com vistas não a melhor compreendê-la, mas também para
subsidiar a sua aprendizagem por outros missionários que chegavam à colônia para
a missão evangelizadora. Anchieta entendera que para evangelizar os ameríndios
era necessário conhecer a língua por eles falada e, assim, poder também ensinar a
eles o português.
A bibliografia utilizada aponta o empenho de novos habitantes para
aprenderem a língua falada na costa atlântica, de sorte que a população buscava
aprender o nome dos peixes, das carnes de caça e de alguns produtos como milho,
mandioca, batata-doce, amendoim, cultivadas pelos indígenas como agricultura de
subsistência. Assim, tudo o que comiam para sobreviver implicava a aprendizagem e
uso de novas designações. Essa aprendizagem se fazia extensiva às denominações
dos inúmeros e variados acidentes geográficos que as águas do Atlântico e dos
grandes rios desenhavam na terra habitada e funcionavam como ponto de referência
para localização. Nesse processo de aprendizagem, o uso de analogias não era
desprezado: se igara era canoa; igaraçu, canoa grande, as naus portuguesas nos
ancoradouros eram designadas por “igaraçu”, ou “guaraçu”.
Segundo Drumond (1953), Anchieta observou, valendo-se do critério da
comparação e da deriva, que os novos habitantes fazem uso do vocabulário que
conheciam para designar o que desconheciam e, assim procedendo, dominar o novo
espaço ocupado. Assim, o plano da expressão e o do conteúdo são
recontextualizados, reorganizados, ao mesmo tempo em que o vocabulário dos
indígenas vai sendo emprestado e aportuguesado.
Ouvir e falar nhengatú e tupi é o critério selecionado por Anchieta para
produzir o primeiro dicionário de equivalências entre o português e o tupi. Nele o
82
jesuíta se esforça para registrar por aproximação os significados das palavras
portuguesas e aquelas da língua geral, conforme exemplo abaixo:
Palma ou palmeira não tem gênero – As espécies são muitas, mas nenhúa se nomea
senão póla fruita, salvo a principal delas com que se cobrem às casas q. se chama
Pindoba. E o fruito dela yanajá. As mais são jaraigbã, cujo fruito arremeda às
tâmaras. Marajaigbã. Airig, que tem espinhos, etc. Nomeia a folha ou ramos, a de ser
por seu próprio nome q. çoba é folha comü, a toda a folha, posto q. comumente o
nome da fruita serve pa. Tudo máxime por q. a cousa; ou propósito pa. Q. se nomeão
distingue hüa cousa e outra, porq. Se em digo q. tenho hüa linha de pescar de tucum,
claro esta q. não he da fruita pois não tem estopu; abastado estar de qualquer coisa –
xerecemõ, vel xepoecemõ, etc. (DRUMOND, 1953. p. 63).
Tal dicionário não traz registros gramaticais da língua descrita, ainda que
sejam possíveis palavras da classe dos substantivos, adjetivos, verbos e advérbios.
Também não se faz remissão à origem das palavras, pois o objetivo era conhecer e
dominar as palavras da língua estranha. Observa-se que o esforço do jesuíta estava
em traduzir e interpretar o vocabulário da língua estrangeira.
2.5.3 O aportuguesamento dos habitantes do Brasil: a construção da gramática
anchietana
As dificuldades vivenciadas por Anchieta para descrever a língua estrangeira
dos brasilíndios são de diferentes ordens. Conforme bibliografia estudada, tanto a
língua tupi, quanto a guarani, não tinha os fonemas /r/, /f/, /l/, e para cada palavra
pronunciada em português se faziam corresponder várias em língua geral. Assim os
missionários iam registrando o que ouviam e iam adaptando aos conhecimentos da
gramática da língua portuguesa. Desta feita, tem-se, por exemplo:
A vogal “ã” era mais nasalizada do que a sua correspondente em
língua portuguesa;
Não havia ditongo “ao”, mas “on”: yaguraron, que os portugueses
falavam jagurará;
A vogal “e”, semelhante à do português, sempre é pronunciada “e”,
jamais “é”.
Não havia “ó” com valor de “u”: bororo, pororo, não bororu ou pororu;
83
Não havia no tupi os sons representados por /f/, /j/, /l/, /lh/, /rr/, /s/; o /v/ e o /z/
e o /r/ eram sempre fracos. O /s/, entre duas vogais, sempre era sibilante: easy
(yassy); guasu (guassu). O “g” é sempre gutural: mo- ingé. Assim, tem-se:
yaguar, pronunciado djaguar – cachorro, onça;
yasy, pronunciado “djassi” – lua;
Depois de algum tempo, os indígenas fazem acomodações do tipo:
cavalo – cabaru;
filho – fiyo;
mulher – muyé;
palha – paya;
alma – arma;
palma – parma;
animal – animar.
Tais acomodações deixam traços bastante vivos, ainda hoje, na pronúncia do
português brasileiro.
Língua aglutinante, o tupi e o guarani marcam o conceito de masculino e
feminino pelas palavras, respectivamente. Assim:
mambyra apayaba – o filho;
mambyra cunha – a filha.
No caso de animais tem-se: yaguara s-acuãa-baé, para se referir ao
masculino de onça e uaguara-cunha apis, para onça. O plural era formado pelo
acréscimo da palavra etá: perá = peixe; perá etá = peixes. Também não havia,
nessas línguas, concordância no nome e no gênero, de sorte a se ter registros das
seguintes construções: “o meu é fria”, “a mão meu é fria”. (SILVEIRA BUENO,
1998).
No que se refere ao gênero e ao grau, este era marcado pelo acréscimo de:
“mirim” : etá mirim = pedra pequena;
perá mirim ou pirain = pescado ou peixe pequeno;
peráguassu - peixe grande
minboi + ussu = minboiussu = cobra grande
tin + ussu = tinguassu = nariz grande
84
yaguar + eté = yaguareté – muita onça
porang + (c) atú = porangatú – muito bonito
Não flexão de pessoa para os verbos, ainda que eles sejam indicados por
meio de pronomes, como por exemplo:
Che marangatú – Eu é bom (Eu sou bom).
Nde marangatú – Tu é bom (Tu és bom).
Y marangatú – Ele é bom (Ele é bom).
Yande marangatú – Nós é bom (Nós somos bons).
Pe marangatú – Vós é bom (Vós sois bons).
Y marangatú – Eles é bom (Eles são bons).
Essas variações fonomorfológicas são focalizadas como substratos indígenas
que vão mesclando o português arcaico e diferenciando-o daquele de Portugal. No
interior das terras do sertão, em que a população portuguesa foi sendo diluída pela
indígena, o número de vocábulos da língua tupi é mais extenso. Nesses espaços,
observa-se o convívio de fones lexicais do tipo: Araci, Iracema, em que o nome
próprio aportuguesado convive com aquele indígena (adstrato). A incorporação do
léxico indígena ao vocabulário do português possibilitou a criação de nomes
compostos: sabiá, sabiá-da-praia, sabiá-laranjeira, sabiá-da-mata, jabuticaba,
jabuticabeira, capim, capinzal. O mesmo se com a criação de expressões
idiomáticas: viver na pindaíba = viver sem dinheiro (pindaíba = palmeira usada pelos
indígenas para fazer anzol, em que pinda = estar no gancho, pendurado). Quando o
anzol não está preso à pindaíba não pesca, e se pescado não como
sobreviver.
Aos substratos indígenas - que vão respondendo pela dialetação do
português arcaico, acelerando a sua pronúncia, enriquecendo a sua morfologia,
modalizando a sua sintaxe, ora estudando, ora introduzindo novas/outras
concepções de mundo, recontextualizando a visão de mundo do colono e dos
indígenas – têm-se os substratos africanos.
Os africanos decorrem das levas de escravos que, trazidas para o Brasil
desde a fase colonial até a independência da colônia, também contribuíram com
adaptações fonomorfológicas e constituíram os brasileirismos. Para Renato
Mendonça (apud ELIA, 2003), a influência africana se fazia presente no Brasil
85
desde o século XVI, ainda que dela não se tenham registros. Tal influência estaria
nos campos da:
Culinária: quindim, acarajé, vatapá, angu, abarê...
Religião: Iemanjá, Orixá, Ogum, Xangô, babalaô...
Objetos e/ ou instrumentos musicais: cachimbo, berimbau, calunga, tanga,
miçanga;
Animais e vegetais: chuchu, quiabo, mandioca;
Dança: samba, maracatu;
Bebida: aluá, cachaça;
Lugares: cacimba, senzala, quitanda;
Doenças e/ ou defeitos físicos: banguela, corcunda, caxumba;
Verbos: engambelar, xingar, aquilombar, batucar;
Acontecimentos sociais: calundu, muamba, dengue;
Na derivação e composição a construção social se faz bastante significativa:
anguseiro, angu-de-caroço, angu de vespas, angu de chuva, bangue, andar de
bangue, bangueludo, esbanguelado, feitiço, feitiçaria, enfeitiçado, enfeitiçar,
moleque, molecagem, molecada...
O abrandamento amolecido de certos sons e a forma sincopada dos verbos
portugueses, como dá, fazê, tocá, aprendê”, em vez de dar, fazer, aprender são
heranças do falar africano.
Nesse contexto, a idiomatização do português arcaico vai sendo
sistematizada, de sorte que, na primeira metade do século XIX, a sua arquitetura
fora edificada e, distinta daquela existente em Portugal, levava os brasileiros a
saberem que não eram “portugueses”. Esse sentido de brasilidade fora percebido
tenuamente por Gregório de Matos e registrado em sua poesia satírica, no século
XVII. No século XVIII ele se fez inscrito no movimento dos Inconfidentes mineiros e
na primeira metade do século XIX levou Alencar a designar e chamar à existência
“uma língua brasileira” para apontar a existência de uma colônia que, formada por
imigrantes portugueses e outros poucos europeus em contato com os ameríndios e
milhares de escravos africanos, queria se tornar um novo Estado.
86
2.5.4 A formação do Estado Nacional brasileiro
O estado político, gestado pela força da brasilidade e sustentado pela
formação de um novo idioma do sistema lingüístico do português, é instituído em
1822. Nesse tempo, admite-se o fato de a língua da nova nacionalidade ser a
portuguesa por meio da qual se tem o registro do patrimônio cultural e literário,
armazenado desde o século XIII, em código escrito. Entretanto, nos registros de
Gregório de Matos, Antonio Vieira e dos poetas neoclássicos da escola de Minas,
se faziam incorporadas as matrizes da cultura brasileira. Assim como o português
arcaico corresponde a um processo de dialetação do latim coloquial, o brasileiro, o
do Timor-Leste, o de Angola, de Moçambique... se explica como dialetação deste
sistema lingüístico: o português. Desta feita, os modelos de estrutura
fonomorfológico-sintática não divergem entre si, assegurando um grau de simetria
significativo para a concepção de sistema, cuja variação se explica por substratos e
adstratos inerentes a matrizes culturais distintas, mas recontextualizadas pelo ponto
de vista do colonizador, inscritos nos registros da sua matriz lingüística, cuja origem
é o latim coloquial.
Nesse contexto, o novo Estado Nacional da América do Sul oficializa a norma
literária como padrão para o bem falar e o bem escrever, a ser ensinada nas escolas
e para o registro dos documentos oficiais. Desde então as aulas de Português
tiveram orientação normativa rígida, buscando preservar a norma literária dos
clássicos portugueses, ou de escritores brasileiros como Machado de Assis. No
tempo presente, tem-se procurado rever essa posição, em razão dos avanços no
campo dos estudos lingüísticos.
Fato é que a planificação de uma política lingüística nacional tem resultado na
produção de gramáticas e dicionários do português-brasileiro, de sorte a facultar a
recontextualização do padrão pelas matrizes da cultura nacional desse novo Estado,
que também se fez republicano, na metade do século XIX. Diferenças léxico-
gramaticais registradas nessas matrizes possibilitaram afirmar a idiomatização do
sistema lingüístico do português em terras do Brasil. Uma localização histórica,
como a apresentada por esta pesquisa, possibilita afirmar que esse processo de
dialetação ou vernaculidade é assegurado por processo de aculturação entre povos,
usuários de línguas distintas que, em esforço de comunicação, constroem padrões
com alto grau de similaridade sem que neles se deixe de inscrever as diferenças
87
idiomáticas que lhes asseguram singularidade ou identidade. Por conseguinte, o
léxico do português brasileiro aponta, por um lado, para um modelo de estruturação
de visões do mundo constituídas na Velha Europa, em que se prefiguram povos
distintos, de culturas distintas; por outro lado, para visões de um mundo de
caçadores e coletores das terras americanas e de pequenos reinos tribais africanos,
perdidos nas savanas daquele território de um outro continente.
É nesse sentido que o Brasil, dentre outros países que fazem uso do sistema
lingüístico do português, faz-se um território inter-territórios, habitado hoje por todos
os povos do mundo conjugados por uma modalidade de fala oral e escrita que se
sobrepõe a todas as línguas estrangeiras: o português-brasileiro. Perpassam o
vocabulário dessa modalidade da língua portuguesa, inúmeros empréstimos das
mais diferentes línguas que, acomodados pela sua estrutura morfo-fonológica-
sintática-semântica, deixam de ser vocábulos estrangeiros.
Na atual contemporaneidade, esses empréstimos que têm origem
principalmente na língua inglesa remetem-se aos campos das ciências, das
tecnologias, da alimentação, do vestuário, dentre outros. Nesse sentido, com vistas
a demonstrar o processo de criação e de derivação de palavras testemunhas,
apontado no capítulo anterior, retoma-se o pressuposto de que são a ciência e as
novas tecnologias responsáveis pela propagação de estrangeirismos no seio de
comunidades que ainda não as possuem. Para tanto, focalizam-se, a seguir, as
revoluções tecnológicas e termonucleares no fluxo do tempo histórico e as
implicações do uso destas inovações na sociedade.
2.5.5 Revolução Industrial e Revolução Termonuclear: impulsos à criação de
novas tecnologias e terminologias
A Revolução Industrial que eclodiu no século XIX, desencadeada inicialmente
em áreas que sofreram uma renovação estrutural imposta pela Revolução Mercantil
— Inglaterra e Estados Unidos, seguidos em menor escala pela França, Alemanha e
países escandinavos propiciou a multiplicação da produtividade do trabalho
humano. Desta nova revolução emerge uma classe dirigente denominada burguesia
urbana, composta por aqueles indivíduos que, desde o Mercantilismo, vinham se
88
fortalecendo, pois atuavam como antigos mercadores, na exploração da usura, no
monopólio de certas mercadorias e nos riscos marítimos.
Esses burgueses, a partir da Revolução Industrial, dedicam-se a sistemas
fabris de produção em massa, tornando a mão-de-obra, inclusive a escrava,
posteriormente erradicada, em assalariados, liquidando as formas de produção
artesanais.
A Inglaterra torna-se o marco da Revolução Industrial, pois havia ampliado
seu poder naval e o sistema capitalista mercantil de base mundial, além de acumular
tecnologias de princípios científicos produtivos aos processos, implantando uma
economia industrial urbana. (RIBEIRO, 2005. p. 193).
O acúmulo de riquezas advindas com o mercantilismo foi aplicado nos
sistemas fabris de produção em massa, os quais utilizavam fontes de energia
inanimadas. De forma que as tecnologias foram aplicadas nos processos produtivos
tanto nas fábricas como na exploração mineral. Para suprir tal demanda de
produção foi necessário contar com a mão-de-obra dos antigos artesãos
desempregados e de trabalhadores do campo, remanejando-os para as fábricas.
Nesse processo, implantou-se uma economia industrial essencialmente urbana de
forma a provocar o êxodo rural.
Segundo Ribeiro (2005), três fatores contribuíram diretamente para o
desenvolvimento industrial: primeiro a invenção e difusão das máquinas a vapor, as
quais utilizavam o carvão como combustível; segundo a queima do carvão para a
produção de vapor final do século XIX e início do século XX e terceiro, os
motores a explosão que utilizavam o petróleo como combustível, logo após a
Primeira Guerra Mundial.
A produção industrial cresceu muito entre 1860 e 1950, e a esses processos
de inovações tecnológicas utilizados na industrialização, soma-se também o
aperfeiçoamento dos processos produtivos agrícolas e pastoris viabilizando um
aumento na distribuição de alimentos para as áreas em expansão populacional
devido aos processos de modernização.
Cresce também a disponibilidade de bens de consumo, bem como um
aumento no poderio militar, surgem então os países chamados “desenvolvidos”
aqueles que expandem suas riquezas; elevam a produtividade do trabalho; obtêm
lucros altos e dominam os mercados mundiais. Esse sistema tem por característica
uma necessidade de progresso técnico continuado e o acúmulo de capital,
89
desencadeando um crescimento global no qual cada um tem o seu papel prescrito
entre dominados e dominantes, ou seja, economias industrializadas contra
economias baseadas no sistema de produção movido pelo trabalho humano.
O interesse dos países ricos em relação aos países menos desenvolvidos
está no fornecimento de matérias primas destes, como, por exemplo, minérios,
petróleo, borracha, algodão, couros, lãs, entre outros, para suprir as indústrias
daqueles. (RIBEIRO, 2005. p. 199). Concomitantemente, os países ditos em
desenvolvimento têm produtos considerados de “exportação”, a saber: cacau, café,
carne bovina, frutas tropicais, entre outros, que também são matérias primas para os
mercados industrializados. Tal exportação reflete diretamente na economia rural, do
pastoreio e extração mineral dos países periféricos.
Nesse sentido, nestes países crescem outros tipos de serviços com o intuito
de industrializar e prover as regiões produtivas de canais de escoamento da
produção como, por exemplo, sistemas modernos de ferrovias, portos comunicação
e maquinário especializado. Como conseqüência dessa evolução pós-capitalista,
ocorre um processo de industrialização na agricultura, percebe-se uma tendência da
redução de mão-de-obra humana no campo e uma aproximação entre o estilo de
vida rural e o urbano.
Esta mão-de-obra do campo passa a ocupar postos diferenciados na
indústria, no comércio, na educação, entre outros importantes setores da sociedade.
Ocorre também, neste período, um aumento no número de profissionais liberais,
granjeiros, além de um crescimento no setor de terceirização de serviços, o que
diminui a mão-de-obra dentro das grandes indústrias.
Outro fator, apontado pelo autor, que vem contribuindo para a diminuição da
mão-de-obra humana nas linhas de produção das grandes indústrias é o
desenvolvimento da tecnologia de base eletrônica, a qual propiciou a automação dos
processos produtivos.
Atualmente, passamos por mais um processo civilizatório sustentado por uma
Revolução termonuclear e eletrônica, que vem se desenvolvendo com maior
intensidade desde a Segunda Guerra Mundial.
Segundo Ribeiro (2005), o desenvolvimento das ciências básicas e suas
aplicações tecnológicas resultaram em: armas termonucleares, aviões a retropulsão,
baterias solares e dispositivos baseados em transistores, propiciando a produção de
radares, computadores, reatores nucleares, projéteis espaciais, meios modernos de
90
comunicação em massa, além do desenvolvimento da área química. O uso dessas
tecnologias afetou diretamente a rotina dos homens, ampliando seus espaços e
sentidos, sejam eles de forma real ou virtual - por meio de computadores, Internet,
celulares, bips, pagers, gps, entre outros produtos que circulam livremente, nos
grandes centros urbanos e financeiros mundiais.
A criação de tais inventos implica também a renovação do léxico das línguas
e a sua propagação, pois as palavras utilizadas para nomeá-los, quando registradas
no vocabulário destes povos, funcionam como palavras que testemunham essa nova
era de aceleração da economia mundial.
A propagação destas novas palavras implica empréstimos lingüísticos, de um
sistema “A” para um sistema “B”. Tal propagação tem se dado mundialmente por
meio do idioma inglês, visto terem sido Inglaterra e Estados Unidos os detentores
das ciências e das novas tecnologias a partir do primeiro processo da Revolução
Industrial, no século XIX. Segundo Ribeiro (2005), a segunda fase da Revolução
industrial deu-se quando se implantaram aos processos produtivos inovações como
a transformação de ferro em aço; o uso do dínamo em substituição do vapor por
motor elétrico, motor a combustão interna e a introdução do uso de petróleo como
fonte geradora de energia.
Contudo, adverte o autor, que as grandes mudanças e avanços tecnológicos
estão na área da tecnologia militar, tão desenvolvida a ponto de poder provocar com
uma arma a destruição mundial. Decorre que, o impulso para esta explosão de
pesquisas científicas e tecnológicas se deu a partir da Segunda Guerra Mundial,
período em que se investiu muito financeiramente em pesquisas, de forma como
nunca se havia investido antes, implicando uma abundância de novidades, frutos
destes investimentos, que hoje povoam o nosso cotidiano.
Entretanto, postula o mesmo autor que a atual Revolução Termonuclear só se
fará sentir como força de transformação histórica quando todos os equipamentos
industriais de hoje máquinas, instrumentos de uso limitados forem substituídos
por produtos que ainda estão apenas como projetos ou potencialidades a serem
desenvolvidas.
A Revolução Termonuclear tornou-se sinônimo de inovações tecnológicas, tal
fato se deve a uma nova fonte energética diferenciada que modificou e modernizou
a história da evolução humana chamada de energia atômica. Por hora, esta nova
fonte de energia foi responsável, no século XX, por conflitos entre grandes potências
91
como Estados Unidos da América e a antiga União Soviética, durante um período da
História chamado de Guerra Fria. Nessa época, os países não guerrearam, mas
o fato de eles possuírem bombas nucleares que poderiam ser disparadas a qualquer
momento provocava um clima de tensão na população mundial. Sendo assim, os
investimentos financeiros em pesquisas tecnológicas e científicas em prol de
armamentos de defesa das nações mísseis com ogivas nucleares, miras
telescópicas a laser, aviões supersônicos e até aviões que não são detectados por
radares, submarinos nucleares, entre outros cresceram muito, gerando
novamente novos produtos e palavras, conforme podemos verificar na teia abaixo:
92
Atualmente, os investimentos na área das pesquisas tecnológicas e científicas
não estão mais voltados apenas para armamentos a serem utilizados em uma
guerra atômica, que uma previsão de que as próximas guerras envolvam
armas químicas, bacteriológicas e radiológicas. Embora, tenha sido o medo de uma
guerra nuclear que acelerou a revolução tecnológica de hoje.
Nesse contexto, os processos de evolução sócio-cultural não serão mais
pautados na ação do homem sobre a natureza, mas sim num processo de condução
racional das sociedades futuras que determinarão e estabelecerão os caminhos do
desenvolvimento técnico-científico de acordo com as suas conveniências e
necessidades. Sendo assim, a ciência, antes pautada como fator cultural, passa a
um plano de adaptação ideológica que reordenará e configurará as personalidades
humanas, tornando-se fundamental na ação do homem sobre a própria natureza
humana.
Todavia, o uso de novas tecnologias nos processos produtivos tem provocado
uma desconexão entre: mão-de-obra x novas tecnologias x antigas matérias primas,
provocando o desemprego em várias áreas fabris e produtoras de matérias primas.
Esse desarranjo pode causar o caos e até gerar conflitos armados entre as nações,
conflitos tais que vêm ocorrendo em muitas localidades, devido a mão-de-obra
estrangeira. Entretanto, os processos produtivos de hoje não exigem mais do
homem a força humana, mas sim a formação profissional e investimentos na
qualificação educacional.
Para Ribeiro (2005) a Revolução Termonuclear desencadeará a integração
dos povos sob o uso de tecnologias que tornarão suas formas de viver idênticas,
global. Talvez, venha desta conclusão o uso do termo globalização com um sentido
de ligação técnico-social-cultural igualitária entre as nações, que as tornam
dependentes umas das outras; homogeneização e/ou cristalização da humanidade:
As profundas defasagens de tempos evolutivos que hoje medeiam entre os
povos poderão ser, assim, paulatinamente reduzidas. Para isso conta-se
com a unidade psíquica essencial da espécie humana, que a toda ela torna
suscetível de progresso, e com a natureza mesma da evolução cultural que,
ao contrário da biológica, processando-se por transmissão simbólica, se faz
rapidamente difundível sobre todos os contextos humanos. Para tanto, ter-
se-ão de criar sistemas adequados de difusão e de educação de base
mundial, capacitados a socializar cada nova geração de acordo com os
mesmos conteúdos e as mesmas diretrizes. (RIBEIRO, 2005. p. 246).
93
Contudo, de acordo com Sene (2003. p. 159), “não são todos que vão se
beneficiar da atual onda da globalização, como a maioria não se beneficiou da
mundialização da produção”. Observa-se, ainda, que o fenômeno da globalização
parece ser um fator de ordem econômico-político-social excludente que atinge
apenas grandes centros, pois nas localidades longínquas onde impera a pobreza e a
miséria humanas ainda coletores e caçadores que sequer dispõem de energia
elétrica para utilização desses novos equipamentos e inventos - frutos de tecnologia
que, hoje, ainda estão ao alcance de poucos. Estes continuarão preservando suas
culturas locais, bem como suas línguas, recontextualizando-as e inovando-as, na
medida em que tenham acesso a estas inovações.
2.6 Português-arcaico e português-brasileiro: uma síntese
O processo de romanização, barbarização e islamização que forma a história
de Portugal foi recontextualizado em terras da América pelo processo de
aportuguesamento de seu território. Esse aportuguesamento se explica por um ato
de conquista fundado em ações centradas na extensividade, ou na
recontextualização de conhecimentos que foram sendo sistematizados a partir do
século XVII. Essas ações, conforme apontado, têm a energia do mito como força
propulsora e animadora de ideologias, de sorte a facultar que monstros submarinos
se enfraquecessem para surgir o Estado-Nação, habitado por um povo que aprende
a navegar por precisão, pois “navegar é preciso”. Essa necessidade é fortificada
pela criação de uma consciência religiosa que não criou o Deus único dos
cristãos, mas também combateu e destruiu os deuses pagãos greco-romanos. As
guerras entre esses deuses estão ligadas àquela da Reconquista, entre outras,
quando o Deus dos católicos ofereceu aos homens a salvação, por meio da
ressuscitação de seu filho único. É em nome desse Deus e da busca do Eldorado
que a América foi conquistada pelos reis católicos de Portugal e Espanha. Assim, “o
mito e a religião, infiltrados na razão e na ciência (...) garantiram o progresso da
humanidade” (MORIN, 2005. p. 216). Logo, não se pode atribuir este ato de
conquista apenas à força propulsora de novas tecnologias como suporte das
transformações sociais.
94
Apontou-se, nas páginas que antecedem a estas, que, embora os romanos
fossem os senhores da guerra, dos cavalos, dos carros de combate e de armas
capazes de lhes assegurar supremacia sobre os bárbaros, o poder político daquele
Império foi destruído pelo uso de estratégias mais eficientes. Por conseguinte, as
estratégias dos comandantes e/ou chefes bárbaros compensaram a força das
tecnologias romanas. (BASSETO, 2000).
Assim, desses movimentos orientados pela força da conquista, a América
portuguesa, bem como a castelhana, passa a vivenciar formas de ocultamento de
suas diversidades culturais, à medida que a força das tecnologias descritas e das
armas avançadas institui o modelo de Estado colonizador, sustentado pela
escravização. Entretanto, desse ocultamento emergem simbioses de civilizações, de
mestiçagens impulsionadas pela imigração que formam um caldeamento de culturas
cujo exemplo mais significativo é o povo brasileiro. Tal formação tem por suporte um
novo processo de dialetação do português arcaico que viajou para o novo território
com esses imigrantes europeus, arrastando consigo a própria história de formação
dos reinados portugueses povoados pelas vozes de tantos povos aos quais se fez
referência neste capítulo desta Dissertação.
Nesse contexto, a formação do sistema lingüístico português contemporâneo
tem como matriz uma das arquiteturas do latim coloquial explicitada por
empréstimos de povos que, estrangeiros entre si, se fizeram familiares por
recontextualizarem suas línguas maternas que, estranhas, impediam a comunicação
entre eles. Eleger a língua do dominador como língua oficial faculta um maior grau
de comunicação e de compreensão, mas não impede a transformação dessa
mesma língua pela força dos substratos, dos superstratos e dos adstratos. Da força
dessas variações emergem processos de dialetação ou idiomatização do português
arcaico de que o idioma brasileiro se faz um dos exemplos.
Do contato dos portugueses com os índios brasileiros, sustentado por um
modelo de colonização exploratório, surge a língua geral, utilizada pelos jesuítas no
processo de evangelização dos nativos. Mais tarde, com a chegada dos escravos
africanos, o português falado no Brasil, ou língua geral, enriquece-se com mais este
contato sócio-cultural, embora sustentado pela escravatura apesar da proibição,
século XVIII, imposta pelo Marquês de Pombal, quanto ao uso da língua geral o
substrato indígena e africano faziam parte das matrizes fundadoras do léxico do
idioma português.
95
A transmudação do território brasileiro como extensão do território português,
sob a condição de colônia, para a de Estado nacional, em 1822, implicou a
planificação de um projeto lingüístico com vistas a eleger uma das “normas” dessa
nova “arquitetura idiomática” como “padrão oficial”. À semelhança de outros estudos
edificados na Idade Moderna, essa norma seria aquela empregada por “homens
doutos” e, registrada em língua escrita, representaria o grupo social de maior
prestígio. Nesse tempo, o novo Estado dispunha de produção literária própria;
entretanto, a diversidade do sistema léxico-gramatical, comparado ao do povo
português propriamente dito, abarcava a constituição de um outro repertório cultural.
Tal repertório se explicava e se explica pelo uso de categorias de interpretação de
mundo, de práticas sócio-culturais e valores que, se por um lado, apresentavam
graus de similaridade com aquelas empregadas pelo povo português, por outro,
delas se diferenciavam.
Nessa acepção, a identidade do sistema lingüístico estava preservada;
contudo, a identidade cultural era fator de ruptura, razão pela qual as obras de José
de Alencar, impugnadas de brasileirismos, são rejeitadas em Portugal. Todavia, a
proclamação da Independência e a permanência de um modelo estatal monárquico,
cujo poder governamental é assegurado pela permanência no trono de imperadores
portugueses D. Pedro I e D. Pedro II leva o congresso a instituir a “língua
portuguesa” como “língua oficial” do novo Estado Nacional.
Esse acordo tácito, afirma Biderman (1973), leva à incorporação do
patrimônio literário que fora armazenado pela nação portuguesa desde o século XII
cantigas, novelas de cavalaria, outros textos produzidos por escritores que
antecedem a Camões e posteriores a ele à literatura brasileira, concebida como
literatura luso-brasileira. Tal concepção, segundo a autora, se deve ao fato de se
haver enxertado no tronco da literatura portuguesa produções literárias da nova
nacionalidade que emergia e se expressava desde alguns textos produzidos no
século XVI. Entretanto, esse enxerto ganha particularidades com a produção satírica
de Gregório de Matos, os sermões e cartas de jesuítas, principalmente de Vieira, no
século XVI e XVII e os poetas da escola mineira, no século XVIII. No século XIX,
com os românticos vive-se a primeira crise de consciência nacional, referente a um
padrão lingüístico próprio, cujo marco é a posição de Alencar em defesa de uma
“língua nacional” distinta daquela de Portugal.
96
Os estudos filológicos que sustentam o segundo capítulo apontam, entretanto,
que as estruturas fonomorfológica-sintático-semânticas do português-brasileiro não
diferem daquelas do português de Portugal. Logo, o que difere são as arquiteturas
que esse mesmo sistema possibilitara edificar. Assim, o idioma brasileiro não
equivale àquele do português propriamente dito, quer na esfera lexical, quer na
gramatical, implicando modelos de expressividade de mundos representados que se
fazem semelhantes nas diferenças culturais que unem e separam esses dois povos,
cuja identidade lingüística não tem equivalência unívoca com a cultural. Assim, o
novo Estado Nacional optou pela equivalência lingüística e a norma padrão do
português-brasileiro se manteve semelhante àquela de Portugal e como tal
continuou a assegurar o ensino escolar, até que surgissem gramáticos e
lexicógrafos do português brasileiro propriamente dito.
Observa-se assim que, a língua falada no Brasil é enriquecida ainda mais
com inúmeros empréstimos vindos das mais diferentes línguas, com a chegada de
imigrantes de todas as partes do globo a partir do século XIX, tais empréstimos são
recontextualizados pelo falante brasileiro. Nacionalizados deixam de ser vocábulos
estrangeiros.
As palavras que designavam crenças, objetos, hábitos e costumes tanto dos
escravos negros, como dos índios e dos novos imigrantes contribuíram para a
transformação, formação e ampliação do léxico nacional, hoje, conhecido como
português-brasileiro, por diferir no vocabulário, não na estrutura, daquele falado
atualmente em Portugal.
97
CAPITULO III
A CRIATIVIDADE LEXICAL PELOS EMPRÉSTIMOS NA SOCIEDADE
MODERNA BRASILEIRA
3.1 Preliminares
Os registros da pesquisa realizada e organizada no capítulo II, tendo por
parâmetro o contexto desenhado por aquela registrada no capítulo I, possibilitam
afirmar que a pureza não é uma predicação adequada para se atribuir aos idiomas e
tampouco às estruturas dos sistemas lingüísticos que servem de suporte para suas
criações.
Produto de trocas lingüísticas, referentes a encontros entre povos distintos,
usuários de línguas distintas que carregam consigo cargas sócio histórico
culturais diferenciadas entre si (cf. cap. I), os empréstimos lingüísticos se inscrevem
nos registros de diferentes vocábulos, cujas origens nem sempre são fáceis de
serem identificadas. Conforme apontado, tais empréstimos têm como fonte os
deslocamentos humanos entre vários lugares no espaço da geografia terrestre,
nesses lugares por onde os homens transitaram e transitam, ou em que se fixaram,
quer por curto ou longo tempo, foram e são deixadas marcas dessas passagens, de
suas falas, matizadas nas designações das formas vocabulares.
Observa-se que entre o tempo de partida e o de chegada, de fixação, ou de
retorno, eles também carregam consigo esses mesmos matizes daqueles que
ficaram. E assim, as palavras viajam no mundo. Tais viagens motivadas por
razões distintas: desterro; pagamento de penas, de promessas (romarias); negócios;
guerras; escravidão; busca do paraíso perdido, aventuras e conquistas, por exemplo
criam a possibilidades para a construção de identidades, ou para acentuar
diferenças entre seres que sempre foram semelhantes, jamais iguais.
Nessa acepção, as línguas se qualificam por graus de semelhanças, em
relação aos quais elas se fazem estrangeiras entre si. Esse estranhamento se faz
mais acentuado quanto maior a distância histórico–cultural entre os povos que dela
fazem uso, afirma Silveira (1998). Assim, para a autora línguas de interface
98
cultural como a portuguesa e a espanhola, em razão da convivência em um único
território, cuja história foi parcialmente partilhada e em suas raízes está o registro de
matrizes culturais também partilhadas por ambos os povos. Entretanto, o mesmo
não ocorre entre o português e o inglês que se qualificam por um grau de
estranhamento mais acentuado, quer pela origem dos povos e cultura anglo-
saxônica, distinta da greco–latina — quer pela história vivenciada por esses povos.
Pôde-se observar o quanto são restritos os empréstimos lingüísticos que
contribuíram com a formação do vocabulário constitutivo da matriz lexical do
português arcaico, transportado para terras do Brasil. Entretanto, a partir da segunda
Guerra Mundial, o território americano, conquistado e ocupado por colonos ingleses
e convertido em estado nacional, torna-se relevante no campo da ciência e das
tecnologias e o inglês estadunidense é propagado no/pelo mundo. Essa
propagação, na medida em que o Estado conjuga sob o seu poder esses dois
campos do saber, assegura aos Estados Unidos da América um grau significativo do
controle político mundial, disputado com outros países do globo terrestre. Tal
controle, segundo Santos (2001) e Morin (2005), nem sempre é exercido pela força
da palavra, aliás o seu exercício se faz muito mais por meio de armas que têm por
suporte pesquisas desenvolvidas no campo da física e da química. (cf. cap.II,
revolução termonuclear, p. 87). Esse poder, exercido em consonância com a
Inglaterra fez do inglês a língua “chave” da comunidade Européia, suporte do mundo
do mercado Internacional.
Acrescenta-se o fato de esse mercado ter por ancoragem as novas
tecnologias de transmissão de sinais e, conseqüentemente, de informações vitais
para o seu funcionamento em tempo recorde. Operando noite e dia, de forma
intermitente, esse mercado financeiro contemporâneo, oriundo da tecnociência, é
concebido por Morin (2005) como “globalização técnico–econômica”
institucionalizada, realizada, bem organizada, movida por um pensamento
homogêneo, dito “único”. (p. 234).
Segundo o autor, duas globalizações
3
que, embora antagônicas, são
inseparáveis. A primeira, a técnico-econômica, fundada no pensamento tecnocrático,
cuja finalidade está voltada para o desenvolvimento da economia. A segunda busca
ultrapassar os limites traçados pelo cálculo, vive ainda em estado de efervescência e
3
A mundialização teria decorrido do feito português - hispânico que colocou os cinco continentes em
contato, pelos caminhos do mar e assim prevaleceu até o século XX, com a invenção do avião.
99
se esforça por resgatar valores humanísticos do passado capazes de responder aos
problemas criados pela primeira: concentração de riquezas em mãos de poucos,
excesso de guerras, de fome, de doenças... . Esta segunda, também se esforça por
encontrar parâmetros capazes de dar forma a uma “consciência de pertença a uma
pátria terrestre que prepara na cidadania planetária” (p. 235). Uma progride na
mesma proporção da outra, de sorte que a segunda está sendo gestada em meio à
organização e sistematização do mercado mundial financeiro, que responde pela
desumanização, vivenciada pela maior parte dos habitantes desse mundo
planetário.
Adverte Morin (2005) que nas bordas destas duas globalizações surge
aquelas que são parasitas e corrosivas:
(...) a das máfias, especialmente a da droga, a da evasão e da sonegação
fiscal; enfim, a de uma rede de terror sem Estado, nem fronteiras que,
visando à hegemonia do Ocidente, tende a arruinar globalizações
principais.(.......). Continuamos na idade do ferro planetário. (p.235 ).
Nesse contexto em que o inglês se faz língua oficial do mundo globalizado, os
anglicismos povoam as demais línguas do mundo. Com elas se designam os novos
conhecimentos e técnicas bem como “as coisas do mundo”, inclusive aquelas que se
integram como produtos da globalização marginal; “crack”; “ecstasy”. E, assim
sendo, as matrizes do sistema do português arcaico, idiomatizadas em terras do
Brasil, têm a ela incorporada empréstimos de todos os povos do mundo. Todavia,
aqueles provenientes do inglês têm sido cada vez mais intensivos. Tal intensividade
se faz mais significativa, principalmente no campo da tecnociência, das finanças e
comércio.
Essa intensividade reflete a dinâmica dos processos de renovação e
produtividade do sistema lexical do idioma português. Compreender esses
processos renovados e produtivos, por um procedimento teórico–analítico, e pelos
fundamentos da Lexicologia, é o objetivo deste terceiro capítulo.
100
3.2 Estrangeirismos e empréstimos
Os estudiosos dos fatos de linguagem apontam ser necessário diferenciar e
precisar que os vocábulos “estrangeirismo” e “empréstimos” não são designações
que mantêm entre si equivalência de sentidos, como muitos acreditam. Câmara Jr.
(1975), por exemplo, designa “estrangeirismo” apenas aos vocábulos emprestados
de línguas estrangeiras, mas que não se integram ao vocabulário da língua nacional,
visto não serem idiomatizados pelos usuários dessa mesma língua. Nesse sentido,
embora empregados por um ou alguns grupos sociais, eles se mantêm e se revelam
estranhos quanto à dimensão fonética, quanto à flexão e grafia, na medida em que
suas significações e/ou sentidos não são considerados como necessários, ou úteis
pelos novos usuários. Todavia, em ocorrendo o contrário, eles são reinterpretados
pelas matrizes fundadoras do vocabulário geral desses usuários, de sorte a se
adaptarem ao sistema lingüístico de uso, quer fonomorfologicamente, ou sintático–
semanticamente.
Para Guilbert (1975), esse processo de adaptação, implicando a interpretação
dos vocábulos estrangeiros, abarca a criatividade lexical, visto ser a nacionalização
não uma questão de caráter formal, ou gramatical, mas também semântica, pois
se emprestam formas vocabulares que se remetem a signos lexicais e estes não são
desprovidos de conteúdos sêmio–lingüísticos.
Os conteúdos sêmio–lingüísticos dos vocábulos estrangeiros carregam
consigo carga histórico–cultural e, portanto, modelos diferenciados de interpretação
de mundo e, conseqüentemente, de organização e ordenação de tais conteúdos,
neles inscritos. Tais diferenças, nem sempre perceptíveis em um primeiro momento,
são designadas por Silveira (1998) “implícitos culturais” e sobre eles poucos ou
esparsos estudos no campo da lexicologia. Entende-se, contudo, serem esses
implícitos uma das razões, se não a prioritária, que dificulta a aprendizagem de
línguas estrangeiras, pois eles impõem uma fronteira discreta, mas eficaz, entre
aqueles que compreendem e os que não compreendem os sentidos locais e globais
dos textos que circulam em língua estrangeira.
Segundo Carvalho (2003), é preciso considerar que as mudanças culturais
não podem ser focalizadas como marco diferencial entre os povos e nações
distintas, visto que elas também existem entre membros de uma comunidade,
habitantes de um mesmo território nacional, usuários de uma mesma língua. Neste
101
caso, referente a mudanças de focalizações grupais e/ou regionais, deve se
considerar que os implícitos culturais têm por marco não só a geografia diferenciada,
o território, o clima, a fauna, a flora e o tipo de solo que assegura a produção de
alimentos diferenciados, mas também o grau de letramento das populações.
Conforme Chaves de Mello (1967), situam-se ainda, no caso do Brasil, questões
relativas ao seu povoamento que devem abarcar não a ocupação do território
pelo português, mas se estender a dos povos invasores que aqui estiveram e,
mesmo por um curto espaço de tempo, foram agentes do processo de miscigenação
genético–cultural. As ondas migratórias de europeus, mais especificamente após a
e Guerra Mundial, também devem responder pela produção desses implícitos,
sempre controlados por uma única língua oficial.
O processo de socialização que faculta a construção de diferentes versões do
mundo real, afirma Turazza (2005), qualifica-se pela intersubjetividade e, assim
sendo, a liberdade da subjetividade é marcada pela responsabilidade social e
compromisso com os bens culturais da comunidade. Assim, as representações
dessas versões de mundo sempre têm por parâmetro os marcos fundadores da
memória de longo prazo e esta é antropo–sócio–cultural, conforme demonstrado nos
capítulos que antecedem a este. Tal memória assegura a identidade cultural
formalizada pela identidade lingüística; contudo, essas identidades são dinâmicas e
não estão circunscritas apenas aos empréstimos, pois são extensivas às intenções
entre os usuários de uma mesma língua.
3.3 Os empréstimos e a falsa concepção de pureza
Afirma Cunha (1981) ser possível considerar, em um mesmo território, regiões
arcaizantes e inovadoras, sendo que estas dão forma política à nação e respondem
pela norma lingüística de intercurso: aquela que orienta e dirige a vida pública e
cultural de uma nação. Essa norma é pouco inclinada a novidades, “porém com
agudo espírito de seleção adianta-se em adotar aquelas formas ou maneiras mais
convenientes a todos, mais vitais e difundíveis dentro da própria tradição.” (p.31).
Logo as inovações em termos de linguagem pressupõem necessariamente
inovações das relações sociais e a dinâmica cultural e, em se tratando dos
empréstimos, assinala Cunha
102
(...) não se resolve com atitudes reacionárias, como estabelecer barreiras ou
cordões de isolamento a entrada de palavras e expressões de outros
idiomas. Resolve-se com o dinamismo cultural, com o gênio inventivo do
povo. Povo que não forja cultura dispensa-se de criar palavras com energia
irradiadora e tem de conformar-se, quer queiram ou não seus gramáticos, à
condição de meros usuários de situações alheias. (1981. p. 32).
Para o autor é preciso considerar o fato de os comportamentos sociais serem
regulados por normas as quais orientam a conduta das comunidades humanas e
respondem por sua adequação/inadequação, à semelhança do que ocorre com a
linguagem. Entretanto, as normas que orientam os procedimentos verbais são, de
modo geral, complexas e coercitivas, afirma Cunha. Assim, as inadequações são
consideradas desvios da(s) norma(s) aceitos pelas comunidades, de sorte que eles
são avaliados em relação a um ideal lingüístico. Logo, para se saber o que é
adequado/inadequado é preciso saber qual é esse ideal: uma busca a que inúmeras
pesquisas lingüísticas têm se dedicado, para saber o que é tolerável e o que não é,
ou seja, qual é (são) o(s) parâmetro(s) capaz(es) de assegurar os graus de
aceitabilidade.
Nesse contexto, o autor coloca em revelo o fato de que os estrangeirismos,
quando nacionalizados, não podem ser submetidos a uma deficiente visão histórica
dos gramáticos, ou de políticos que acreditam poder controlar, através das regras e
decretos, pois os empréstimos não são coisas
(...) facilmente extirpáveis de um idioma, (...) que nele entraram por
necessidade, para suprir um défict cultural. Desde épocas antigas
numerosas palavras têm saído do seu domínio original para regiões
distantes. Vendryes lembra o fato de as palavras tomadas de empréstimo
ao latim pelos povos setentrionais foram quase sempre as mesmas, e
dentre elas um bom número correspondia a palavras tomadas,
anteriormente, pelo latim ao grego. Também a maioria dos estrangeirismos
incorporados ao português são palavras que igualmente ingressaram em
outros idiomas por ‘barbarismo universais de que fala Manuel Bandeira’.
(CUNHA, 1981. p. 35)
Essas considerações de Cunha, por um lado, reforçam os estudos
apresentados nos capítulos I e II e, por outro, apontam para o mesmo ponto de vista
que se buscou reforçar: nenhum empréstimo lingüístico provocou anarquia
idiomática e tampouco decomposição de idiomas, apenas enriquecem o campo
lexical e o sintático–estílistico. Os idiomas têm recursos de autodefesa e, segundo
Cunha, o mais produtivo é analisar as condições e processos que acarretam a
nacionalização dos empréstimos, em vez de se prender a questões puristas. Para
103
tanto, é preciso considerar que as diferenças entre homens e línguas sempre
existiram e existirão e elas são desejáveis. Mas é preciso se esforçar para que “elas
não ultrapassem aquele matiz ideal preconizado por Jorge Luis Borges: um matiz
que seja bastante discreto para não entorpecer a circulação total do idioma e
bastante nítido para que nele ouçamos a pátria”. (CUNHA, 1981. p. 85).
O “ouvir a pátria”, quando se trata de palavras de origem estrangeira, parece
ser a razão ou a força motriz que desencadeia os processos de nacionalização
delas; entretanto, para nacionalizar vocábulos estrangeiros, o usuário se depara com
duas dificuldades: a pronúncia e os implícitos culturais. A pronúncia decorre da não
equivalência do sistema fonológico da língua portuguesa em relação ao da inglesa;
os implícitos, conformeapontado, do foco com que cada um desses povos recorta
e interpreta conhecimentos do mundo.
3.4 O uso de estrangeirismos e estratégias de exclusão
Os estudos acima possibilitam afirmar que não se podem associar os
empréstimos à mudança de código lingüístico que, conforme apontado no capítulo II,
pressupõe um modelo de contexto sócio–histórico–cultural distinto. Assim, a
mudança de código tipifica-se por situações de bilingüismo que pressupõe a
justaposição de um modelo de fala segundo o qual o usuário opera com os dois
sistemas léxico– gramaticais: aquele da sua língua materna e aquele da língua
estrangeira.
A proficiência do uso de cada um deles está diretamente associada ao
domínio da língua estrangeira e pressupõe alternância no uso de um e outro desses
códigos, em relação a situações distintas e, por isso, se referem a funções ou
práticas discursivas diferenciadas.
Para os estudiosos do bilingüismo, a troca de sistemas de codificação,
implicando a criação de nova(s) língua(s), ou idiomas — um falar próprio de um povo
que faz uso de um mesmo sistema estrutural; contudo, modalizado por marcos
culturais próprios, de que resulta uma arquitetura lingüística diferenciada, quando
comparada a outros povos que fazem uso desse mesmo sistema é um fato
104
histórico de longa duração
4
e sempre implica a imposição e aprendizagem da língua
estrangeira como língua oficial. As línguas oficiais têm a função de impedir a troca
de sistemas de sinais lingüísticos como suporte do processo de comunicação em um
dado território nacional, mas não impedem a idiomatização e tampouco os contatos
e, com eles, os empréstimos:
a mudança de código caracteriza-se por mudança completa para outra
língua (...) enquanto o empréstimo é uma palavra ou expressão fonológica e
morfologicamente adaptada à língua que está sendo falada (...) os
elementos em questão são incorporados ao sistema gramatical da língua
que os toma emprestado. Eles são tratados como parte seu sistema lexical
(...) adotam suas características morfológicas e entram nas suas estruturas
sintáticas. (BRITO DE MELLO, 1999. pp. 95 e 96).
Para Brito de Mello é preciso considerar duas situações distintas, quando se
estuda a troca de sistemas de codificação: aquela referente ao longo tempo em que
a focalização incide sobre o processo histórico, cujo resgate explicita a criação de
uma nova língua ou idioma, e aquela referente ao curto tempo, em que se podem
registrar situações reais de interação discursiva. No primeiro caso, afirma Pereira
(2006), a necessidade de comunicação em uma comunidade bilíngüe sempre
conduz à escolha da língua dominante, visto ser ela a mais funcional. Em vastas
extensões territoriais, devido ao fato de os falantes de outra(s) língua (s) estarem
nelas dispersos e terem pouca oportunidade de se comunicar entre si, a língua do
colonizador, no caso a portuguesa, acabou por ser a mais funcional, principalmente,
quando imposta oficialmente por Pombal.
Outro fator aludido por Brito de Mello (1999) e focalizado por Pereira (2006)
remete-se ao processo de miscigenação que leva as crianças mestiças, durante o
processo de aquisição lingüística, a acelerarem as mudanças de codificação. Tal
situação contribui significativamente para a reinterpretação do material lingüístico
que se faz novo para a comunidade, no caso o português. É dessa reinterpretação
que nasceram as línguas gerais, matizadas pela cultura dos escravos africanos, ou
as chamadas línguas crioulas, também designadas “pidgin” pelos lingüistas
contemporâneos.
Afirma Brito de Mello que essas novas línguas são produtos de práticas
discursivas em que se observa a proficiência dos dois sistemas de codificação, em
4
A romanização da Península Ibérica se estende por três séculos; a colonização brasileira por,
aproximadamente, três séculos e meio.
105
contexto diferenciado da aprendizagem da língua materna, propriamente dita. Tal
contexto pressupõe o uso alternado de ambos os sistemas por um usuário que os
domina de forma proficiente, com outros dois, no mínimo, que apenas dominam
cada um deles, respectivamente. Nesse contexto de conversação, a mudança no
uso dos dois códigos decorre das funções discursivas e se qualifica por uma busca
de sintonia com os interlocutores - ouvintes, conforme exemplo abaixo:
interlocutor 1 = Patrícia (P): domina ambos códigos;
interlocutor 2 = mãe de Patrícia (M): domina apenas o sistema de codificação da
língua inglesa:
interlocutor 3 = Aninha: amiga de Patrícia, domina apenas o sistema de
codificação da língua portuguesa.
P: - Mommy, Aninha veio aqui para tomar banho na piscina.
M: - What ? ( O quê? )
P: - Eu falei assim: Aninha came here to swim. (Aninha veio aqui para nadar)
A: - Patrícia, eu falei assim, ó: vamos brincar primeiro?
M: - What do you want ? (o que vocês querem?)
P: - Swim ... came here to swim, tomar banho na piscina. (p.154)
Observa-se no fragmento da corpora analisada por Brito de Mello, o uso dos
dois códigos como estratégia de negociação: a língua inglesa entre mãe e filha; e a
portuguesa entre Patrícia e a amiga, para não excluí-la da conversação. Tal
estratégia, implicando o uso do discurso direto de Patrícia com a mãe e do indireto
com a amiga, de sorte a justificar para a mãe a razão de Aninha estar na casa, visa
a realizar o propósito da visita da amiga: brincar e tomar banho na piscina e, para
tanto, usa o inglês para conseguir a adesão ou autorização da mãe; o português
para que a amiga possa aderir a sua fala e garantir seus argumentos. Logo, a
mudança de codificação tem função pragmática: por um lado, informar à mãe que
ambas estão compreendendo o que ela diz; por outro lado, apontar para amiga o
que está sendo negociado entre mãe e filha.
O fato de ambas quererem brincar, tomar banho de piscina e brincar na sua
água, podendo implicar ou não a prática de natação, leva Patrícia a explicitar para
mãe a finalidade do encontro com a amiga. Mas para a mãe, piscina é “para nadar”;
contudo, Patrícia sabe que para os brasileiros o encontro na piscina tem outras
finalidades: brincar e tomar banho. A transposição inter-códigos, na esfera da
106
conversação, entretanto, é revestida de uma função maior: manter a comunicação
com ambas e, assim, não marginalizar a amiga: procedimento comum entre crianças
que buscam e priorizam a socialização. Esse procedimento é diferente daquele do
adulto que, na maioria das vezes, faz uso de outro código para marginalizar, ou
impedir a participação do outro, no processo de interação.
Nesse contexto, pode-se considerar o uso de estrangeirismo por grupo(s) de
uma dada comunidade, como recurso estratégico de exclusão, na medida em que o
discurso não cancela as influências do contexto social imediato, tampouco as
competências do usuário nos processos de interação. Assim, a maior parte do povo
brasileiro, mesmo aqueles que habitam grandes metrópoles desconhece a língua e,
conseqüentemente, o vocabulário do inglês; por conseguinte, para que se use essa
língua como recurso expressivo é preciso que o usuário se apóie no discurso
codificado pela língua que domina.
A falta desse apoio, segundo os estudos de Brito de Mello (1999), implica a
exclusão e, para Guilbert (1975), impossibilita o processo de reinterpretação dos
vocábulos estrangeiros pelo repertório cultural desse usuário. Nessa acepção, os
vocábulos ingleses em anúncios publicitários, ou registrados nas vitrines de lojas
que expõem seus produtos em liquidação, mantêm-se estrangeiros para grande
parte da população brasileira.
A análise dos conteúdos das formas vocabulares “sale”, “on sale”, “off” e “out”,
em dicionários de língua inglesa (MICHAELLIS, 2002) aponta haver no português
brasileiro formas equivalentes na área do comércio. Aurélio, ao definir o conteúdo do
vocábulo “liquidação” indicia o significado genérico a que ele faz referência para
designar “a venda de mercadorias a preços abaixo do normal, para renovação de
estoque ou extinção do negócio”. O vocábulo saldo faz remissão a “resto de estoque
de certa mercadoria vendida com maior desconto pelos negociantes”. Assim “saldo”
tem, para o brasileiro, maior grau de intersecção semântica com “bota-fora”: venda
por um preço até mesmo abaixo do custo, quando o comerciante quer ou precisa se
desfazer da mercadoria. E, nessa acepção, “saldo” e “bota-fora” carregam consigo
valores de um certo grau de depreciação, principalmente quando a mercadoria é
sazonal.
Observa-se que segundo Michaellis (2002)
sale: tem por conteúdo o sentido de liquidação
on sale: refere-se a venda não só em liquidação, mas também a saldo.
107
off; tem carga significativa que se remete a “fora de”, mas, diferente de out
também “fora (de)”, faz remissão a anulado, cancelado.
Trata-se de formas estrangeiras que concorrem entre si no uso escrito,
contudo não concorrem com os vocábulos nacionais “liquidação”, “bota-fora” ou
“saldo” em língua oral. Ressalta-se, ainda, que esses vocábulos estrangeiros não
são de uso generalizado em todo país, circunscrevendo-se a vitrines de lojas de
shopping center de bairros nobres, ou situados em corredores de butiques de luxo.
Quando grafados em vermelho, a população traduz por “liquidação”, visto que a cor
vermelha associada à letra X colocada sobre “preços antigos” registrados nas
etiquetas das mercadorias, significando “corte ou rebaixamento de preço” é sinal de
liquidação. Tal associação levou comerciantes a criarem a chamada “promoção do
lápis vermelho” em shoppings da cidade de São Paulo mais freqüentados pela
classe média.
Esses estrangeirismos, surgidos na década de 1980, ainda não se
incorporaram ao léxico do idioma nacional, quer pelas razões acima expostas, quer
por serem mais utilizados em lojas cujos produtos mais sofisticados não estão ao
alcance de todos freqüentadores desses espaços. O uso deles tem a função de
reiterar o sentido do status, da superioridade das mercadorias e clientes que
adquirem as mercadorias.
Guilbert (1975) designa tais empréstimos por “conotativos”: aqueles que
implicam ou resultam de uma certa adaptação a um dado conceito existente na
sociedade e importado de uma outra sociedade economicamente influente,
funcionam para simbolizar “prestígio”. Utilizados por pequenos grupos, dentro de um
campo restrito, tais vocábulos não se enquadram como empréstimos propriamente
ditos e tendem a desaparecer com o passar do tempo. Para o autor, nesse caso, a
concepção de “liquidação”, “bota–fora” e “saldo” é mais intensiva no idioma
português; razão pela qual o uso de “off”, por exemplo, registrado sobre os botões
de aparelhos de som, ou televisores importados, foi nacionalizado: “aperta o off,
para mim”, “dá um off nesse som, por favor”, “você está mais perto clica o off”,
“apertar o off” é igual a desligar, “deixar fora de sintonia”.
O uso desses vocábulos em língua oral indica, contudo, o seu
aportuguesamento pelos usuários do idioma brasileiro, na dimensão referente à
pronúncia: [ f
i
], logo, poder-se-ia considerar pelos marcos da pronúncia que eles
sofreram apenas adaptação fonéticas, mas não morfológica e tampouco sintático–
108
semântica. O mesmo ocorre com o vocábulo weekend” (= final de semana),
aportuguesado apenas na dimensão fonológica e de pouco uso no Brasil.
Conclui-se, deste modo, que todos os estrangeirismos tornam-se
empréstimos, à medida que são aportuguesados. No caso de empréstimos que
mantêm a forma original, por não sofrerem alteração na grafia, ocorre o
aportuguesamento, devido à adaptação por parte do falante de certos fonemas. Este
aportuguesamento remete-se apenas à pronúncia, o falante brasileiro não consegue
pronunciar as palavras da mesma forma que o falante do Inglês. Esta é uma das
formas pela qual se percebe o domínio que o falante brasileiro tem da língua inglesa.
3.5 Alguns fundamentos teóricos para o tratamento dos estrangeirismos
Os lingüistas têm dispensado aos vocábulos estrangeiros tratamento
fundamentado em princípios da lexicologia, cujo objeto de estudos é o signo
lingüístico: unidade de significação que se explica por uma dupla lateralidade:
significante–significado. Tal unidade, segundo Turazza (2005), reveste-se de alto
grau de complexidade e deve ser considerada como produto das atividades de fala
e, ao mesmo tempo, como processo que assegura tais atividades.
Segundo essa autora, a relação indissociável entre significante–significado é
necessária, pois arbitrária é a relação que se estabelece entre o signo uma
imagem acústica ou gráfica conceito e “as coisas do mundo” por ele
designadas. Diferenciar também o sinal do signo é outra necessidade para o
tratamento adequado das questões lexicais. Postula, para tanto, a distinção entre
lexia, vocábulo e palavra, na medida em que não entre eles uma correlação
unívoca.
Nessa acepção, o sinal é compreendido como marcas escritas ou sonoras
que funcionam como registro do signo, ou seja, a sua dimensão física, visto que ele
se tipifica como “psíquico” e está armazenado na memória social semântica de longo
prazo. Assim, focalizado na sua materialidade sonora ou gráfica, o signo é
designado pela autora “palavra”. Se focalizado no exercício das práticas discursivas,
o signo se faz vocábulo.
Essa distinção leva Turazza (1998) a afirmar ser necessário considerar que
um signo por ser materializado por formas vocabulares distintas, como por exemplo
109
“guri(a)”, “piá”, “curumim”, menino(a)” que se remetem ao signo “criança” homem de
pouca idade. O contrário também é uma realidade, qual seja, na mesma forma
vocabular podem-se materializar diferentes signos, como por exemplo “botão” que
tanto pode se remeter a uma fase em que a flor ainda não desabrochou, quanto ao
produto manufaturado - de plástico, de madeira, de madrepérola ... - usado nas
vestimentas para fechar ou enfeitar blusas, vestidos, calça, camisa... . “Botão” é
ainda a forma vocabular por meio da qual se designam pequenas partes de um
artefatos mecânicos, - campainha de elevadores, por exemplo, - que acionados
pela pressão do dedo da mão funcionam para chamar pessoas ou para fazer um
elevador subir ou descer.
Nessa perspectiva, quando se toma um vocábulo isolado, fora do contexto do
uso dos processos de produção discursiva, isto é, na dimensão da palavra, ele
representa para seus usuários:
1) uma unidade de significação, cujo feixe semântico se define pela
experiência de uso, pela cultura, pela ideologia;
2) uma unidade morfológica, por possibilitar a ativação de traços categoriais
semânticos que implicam a possibilidade de estabelecer diferentes
encadeamentos, estando assim subordinada ou configurada pelas
categorias da frase e também às do enunciado, por isso se qualifica por
diferentes possibilidades de uso, visto que seus usuários conseguem
projetar as mais diferentes combinatórias para a palavra
descontextualizada, em diferentes espaços discursivos e/ou tipos de
discursos, isto é, diferentes contextos. (TURAZZA, 1998. p. 110)
Segundo a autora, a aquisição e uso de novos vocábulos, como é o caso dos
estrangeirismos, sempre se no fluxo dos processos de discursivização e tem por
ancoragem os conhecimentos prévios do aprendente, lingüisticamente designados
em sua língua materna. Tal conhecimento, arquivado na memória de longo prazo
sob a forma de esquemas de compreensão, faculta ao usuário interpretar o “novo”,
“o desconhecido” pelo “velho”, pelo “conhecido”:
(...) incorporados desde o nascimento a uma comunidade antropo–sócio–
cultural, os homens dela recebem um repertório de palavras que, se por um
lado, são portadoras de conteúdo pré-estabelecidos, por outro, essas
palavras veiculam ou ativam esquemas que possibilitam combiná-las em
unidades mais abrangentes: os quadros da discursividade”. (1998. p. 111).
Por conseguinte, ainda que desprovido da configuração espaço–temporal
modalizadora das práticas discursivas e de seus sentidos, os vocábulos sempre
110
ativam marcos de conhecimentos em possíveis quadros de práticas discursivas nas
quais podem ser empregados; razão pela qual eles carregam consigo a textura de
diferentes possibilidades de uso.
Observa, ainda, que nenhum falante domina a totalidade de um vocabulário
da sua língua materna, mas sim o “vocabulário básico” dessa mesma língua que lhe
serve de suporte para o exercício de suas atividades de fala. Esse vocabulário
básico abarca todos os vocábulos que ele usou, que usa, ouviu e/ou leu nas
páginas de diferentes e variados tipos de textos e estão integradas ao seu léxico
ativo e/ou passivo. Assim, esse usuário, por dominar sua língua materna, também
domina suas regras estruturais e funcionais, bem como as estratégias de produção
de novas formas vocabulares que têm por suporte “velhas” organizações estruturais
e funcionais. Tal domínio lhe faculta reconhecer novos vocábulos e,
conseqüentemente, a reorganização de velhos conteúdos que, reinterpretados para
indexar novos matizes de significação, passam a se remeter a novos signos.
Para Turazza não se pode negligenciar, ainda, o fato de o vocabulário de um
usuário ou grupo de usuários de uma dada língua, quer na dimensão de suas formas
de expressão, quer na de seus conteúdos, nunca ter caráter essencialmente
individual, pois ele sempre está em conformidade com o vocabulário de outros
grupos e, necessariamente, com aquele da língua geral. Desta feita, as unidades
vocabulares de domínio geral são empregadas respectivamente com certo grau de
freqüência, em diferentes gêneros discursivos ou tipos de textos que estão em
circulação nos espaços sociais.
Nessa perspectiva, os esquemas organizadores e ordenadores que
respondem pela estruturação dos conhecimentos em língua, emergem dessa
repetição ativa, inerente a condutas verbais, sempre modalizadas por matizes sócio–
cultural–ideológicas. Justifica-se, portanto, o fato de as formas verbais serem
repetitivas e, por isso, ativadas por sinais (palavras) que possibilitam, no fluxo dos
processos interativos, fazer emergir os conhecimentos socialmente partilhados
significado = sentidos sedimentados pelo uso modalizados por aqueles que
emergem dos novos/outros contextos situacionais; sentidos = significações que
apontam para novas interpretações, outros pontos de vista. Assim sendo, as
palavras sinalizam para esses esquemas ou modelos de organização sócio–cultural.
A organização do vocabulário por esquemas de compreensão, postula a autora, é
sempre cultural; razão pela qual a aquisição de novas formas vocabulares implica a
111
apreensão, compreensão e interpretação de marcos de contextos de grupos de uma
comunidade, ou seja, das matrizes antropo–sócio–culturais. Essas matrizes
respondem pela identidade dessa mesma comunidade:
Aprender novas formas vocabulares é aprender o conteúdo criado
coletivamente pelas mãos do passado, mas continuamente redimensionado
pelas mãos do presente, o que implica, necessariamente, adquirir novas
formas esquemáticas de organização de conteúdo e/ou contextos de
mundo. (1998. p. 109-111).
Esses fundamentos teóricos possibilitam considerar que o homem jamais
aprende ou aprendeu palavras isoladas, bem como uma língua estrangeira, lendo as
páginas de sua gramática ou de seus dicionários, visto que essa aquisição não se
reduz a simples armazenagem de repertórios culturais para atividades verbais
futuras.
A compreensão e interpretação dos elementos desse repertório implicam
projeções de sentidos que, se aceitos pela comunidade, são convertidos em
significados porque adotados e empregados de modo freqüente; logo, incorporados
pelos seus usuários, ou grupos: Ao aprender a nomear as coisas no mundo
aprende-se a nomear conhecimentos mediados pelas palavras, afirma Turazza
(1998. p.113).
O ato de nomeação, para essa autora, implica o domínio de habilidades de
observação, análise, comparação e síntese, de modo que pela ação de caráter
sintético, uma dada forma vocabular condensa um conjunto de predicações,
designado por “conteúdo” e, pela ação de caráter analítico, tais conteúdos são
expandidos por formas de enunciados frásticos. Por conseguinte, as designações
vocabulares podem nomear “as coisas do mundo” tanto pela condensação quanto
pela expansão.
No corpo de um texto lexicográfico, dicionário, os conteúdos das formas
vocabulares são expandidos por predicações analíticas: paráfrases, definições que
se remetem ao saber socialmente construído: “menino => criança, ser humano de
pouca idade, do sexo masculino”; por exemplo. Nesse caso, essas paráfrases se
tipificam como metalingüísticas e se remetem à chamada “verdade por definição”, na
medida em que seu valor de verdade não é questionado por qualquer usuário, em
qualquer tempo ou lugar; entretanto, no espaço das práticas discursivas, quando tais
paráfrases definicionais servem de suporte para a produção de sentidos, a essas
112
definições lógicas são indexadas significações que emergem do contexto situacional
de uso:
chuva = água que cai do céu ( relação metalingüística de caráter lógico);
chuva => boa colheita que, vendida, possibilitará o pagamento de
empréstimos bancários feitos para a compra de trator para cultivar a terra
plantada (relação analógica).
Observa-se que toda definição lógica (x é y) é reconstruída por definições
analógicas (x não é apenas y, mas também z). Logo, as formas vocabulares
funcionam como suporte fundador de paráfrases lógicas e analógicas; razão pela
qual a sua aprendizagem implica a produção dessas modalidades de paráfrases,
que não podem ser focalizados pelo princípio da oposição e sim pelo da
complementaridade. (TURAZZA, 2005.).
Nessa mesma acepção, para se compreender a nacionalização de
estrangeirismos, faz-se necessário postular como essa autora, que tal processo
implica a interpretação do “novo”, do não familiar pelo “velho”, pelo familiar, pois é o
familiar o suporte fundador dos processos interpretativos dessas formas vocabulares
desconhecidas.
Segundo Butti (2007), esse processo de interpretação, mesmo circunscrito à
nomeação, implica a analogia e esta se explica pelas categorias da projeção, da
transferência e da identidade. Essas categorias não se explicam por uma ordem
lógica seqüencial, pois são estrategicamente aplicadas pelo homem, de forma
concomitante, ao se deparar com fatos e/ou objetos que lhe são desconhecidos.
Observar e analisar o estranho pelos recursos que se dispõe, projetando e
comparando o que sabe pelo que busca conhecer, encontra similaridades nas
diferenças e vice–versa. Pelas similaridades, identifica, transfere categorias
prototípicas de um campo do saber para outro e busca, nas matrizes do vocabulário
que domina, formas capazes de designar o “novo”.
Afirma Morin (2005) que os processos analógicos se explicam por duas
perspectivas: uma surgida entre os gregos, de caráter abstrato e racional que faculta
designar procedimentos analíticos fundados no princípio da proporcionalidade, da
semelhança entre duas relações matemáticas. A outra se estende de semelhança a
semelhança e funciona de modo a estabelecer parentescos ou identidades entre o
dado e o novo. Contudo, afirma o autor, a analogia funciona de sorte a estabelecer
ligações e identificações, onde a lógica separa; logo, o analógico tem a finalidade ou
113
a função de unir o separado, por um lado e, por outro, complementar, fecundar o
conhecimento.
A seleção desses fundamentos teóricos justifica-se para o tratamento dos
estrangeirismos, em relação do baixo grau de similaridade entre o sistema lingüístico
do idioma português brasileiro e aquele do sistema da língua inglesa, o que as faz
línguas estrangeiras. Entende-se que esse grau de estranhamento exige do usuário
não falante do inglês maior esforço de interpretação e, conseqüentemente, de
compreensão, mesmo quando a seletividade incide sobre o vocábulo do repertório
cultural da língua inglesa, empregado pelo seu interlocutor em enunciados
estruturados pelas categorias frasais da língua portuguesa. Muito embora, nesse
contexto, ele poderá atribuir a esse vocábulo sentidos valendo-se de um
procedimento indutivo.
3.5.1 Procedimento analítico
A análise do corpus, selecionado a título de exemplificação, privilegiará a
comparação com o marco fundador das categorias: projeção, transferência e
identidade. Busca-se focalizar os processos que respondem pela transmudação de
“estrangeirismos” em “empréstimos” lexicais, para melhor compreender a
nacionalização dessas formas vocabulares e de seus respectivos conteúdos. Nessa
acepção, não se fará distinção entre forma e conteúdo dos mesmos, na medida em
que uma não existe se desprovida da outra. Por conseguinte, as formas vocabulares
e seus respectivos conteúdos serão considerados em sua dimensão fonológica,
morfo-sintática e semântica; logo, não se propõe a diferenciar “decalque” de
empréstimos semânticos.
Essa não distinção justifica-se, por um lado, frente aos pressupostos teóricos
propostos e, por outro lado, devido à grande diferença de estrutura e pronúncia das
línguas em questão: fato que dificulta o aportuguesamento e adaptação do termo
estrangeiro ao português. Afirma Santos (2001) que muitos jamais serão
aportuguesados, razão do pouco consenso entre estrangeirismo e empréstimos,
além do uso do termo “anglicismo” como designação hiperonímica para se referir a
qualquer termo da língua inglesa, no Brasil.
114
Na análise do corpus, será utilizado o alfabeto internacional para registrar a
pronúncia em língua inglesa e em língua portuguesa da forma vocabular. Para
apontar a pronúncia diferenciada dos usuários da língua portuguesa, será utilizado o
alfabeto da Convenção Brasil Portugal, pois o objetivo é registrar o
aportuguesamento da cadeia sonora pelos usuários do idioma português brasileiro,
o que é um sinal de nacionalização. Essa pronúncia diferenciada, segundo
Silveira (1998), interpretada como “sotaque” aponta para as matrizes sócio–
culturais dos novos usuários e, nesse sentido, se poderia afirmar que todos os
vocábulos estrangeiros se qualificam como empréstimos. O fato de eles terem longa
ou curta duração, serem ou não serem incorporados do sistema lexical do idioma
português, depende do grau de aceitação de seus usuários.
As análises realizadas apontam, ainda, que os vocábulos aportuguesados,
quando integrados ao sistema vocabular da língua geral, tornam-se produtivos, de
sorte que a nova matriz lexical funciona como suporte de novos processos de deriva.
Apresentam-se, abaixo sob a forma de quadros, as análises realizadas pelo
pesquisador.
115
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127
128
129
130
3.5.2 Resultados Obtidos
As análises apontam para a necessidade de estudos mais específicos no
campo da fonologia, com vistas a explicitar, por um ponto de vista científico, a
interpretação do sistema fonológico do inglês por aquele do português brasileiro. Tal
interpretação decorrente da regra da falta, devido a não equivalência entre os dois
sistemas fonológicos, leva os usuários brasileiros a realizarem, no exercício de suas
atividades de fala, como vogais abertas aquelas do inglês que não têm equivalência
em português, como é o caso de:
hot dog, em que o fonema vocálico [O] é interpretado por []
fast food, em que o fonema vocálico [æ] é interpretado por []
self service, em que o fonema vocálico [‘] é interpretado por []
off, em que o fonema vocálico [O] é interpretado por []
O mesmo ocorre com as consoantes:
“h” que, inexiste em português, é interpretada por [ r ]
“s”, no início de fonemas vocabulares do inglês, como em start e scanner, por
exemplo, sofrem o acréscimo da vogal “i” ou “e”, pronunciadas [
i
startŠ
i
] ou
[
e
startŠ
i
] devido à neutralização do fonema, para formar sílaba inicial, visto que
em português não se inicia sílaba por “s”.
acréscimo das vogais “e” ou “i” também no final de sílabas que, em inglês,
terminam por consoantes: [
i
startŠ
i
]; [fstŠ
i
fúdZ
i
]; [dg
i
]; [ swf
i
].
Esses poucos exemplos, acredita-se, não dão conta da totalidade de
questões implicadas nos processos de fonologização de que resultam pronúncias
diferenciadas em ambas as línguas. Contudo, essa pequena amostragem revela
facilidades e dificuldades inerentes à nacionalização, inscritas na pronúncia dessas
formas vocabulares, mas que não impedem sua adoção pelos usuários do idioma
português. Tal fato ainda faz pressupor a não necessidade de se falar a língua
estrangeira, no caso o inglês, para se adotar palavras do seu vocabulário, pois o
falante é capaz de projetar, identificar e transferir para a sua pronúncia aquela do
usuário da outra língua estrangeira.
O grau de identidade/não identidade entre os dois sistemas fonológicos
explicita-se pelos hábitos articulatórios que asseguram a identidade da pronúncia do
131
idioma, bem como a formação silábica prevista e pressuposta pelo sistema que
serviu e serve de suporte para a sua constituição idiomática. Logo, se o usuário do
idioma português reinterpreta a pronúncia do inglês significa que esse esforço de
interpretação não pode ser avaliado como sinônimo de adesão ao sistema da língua
inglesa, na medida em que tal esforço está em manter a idiomaticidade que lhe
assegura identidade sócio-cultural e nacional.
Na dimensão morfológica e/ou morfossintática a equivalência não unívoca
entre os dois sistemas se mantém, de sorte que a regra da falta continua
respondendo pelos processos de interpretação para tornar familiar o que não é
familiar. Não se trata, portanto, de simples adaptação, mas da busca fundamentada
no processo de comparação que pressupõe projeção, identidade e transferência de
um sistema para outro, para assegurar a identidade sócio-cultural do importador
da(s) forma(s) vocabular(es). Assim, nesse esforço, é orientado pelo princípio da
equivalência que sempre se explica pelo da gradação.
As análises apontam para os seguintes fatos, registrados abaixo.
A) Em se tratando de formas vocabulares compostas, tem-se:
a.1) combinatória de dois morfemas lexicais, quer em inglês, quer em português:
o usuário interpreta o modelo de estrutura do processo de composição em
língua inglesa e o re-configura pelo modelo da língua portuguesa.
Nesse contexto, situa-se “hot dog” que não é interpretado como cachorro-
quente, mantendo grau significativo de equivalência semântica entre os vocábulos
de ambas as línguas, mas invertendo o uso do adjetivo que, em português, é
posposto e não anteposto ao substantivo. O uso do adjetivo anteposto ao
substantivo explica-se apenas como recurso estilístico, em português. Nesse caso, a
analogia se explica pela análise da proporcionalidade qualificada por alto grau de
similaridade entre as expressões: hot-dog = cachorro-quente.
No que se refere ao conteúdo semântico da forma vocabular emprestada, é
preciso considerar que, no Brasil, o adjetivo “hot” perdeu parte de sua carga
semântica (+ apimentado, + picante), pois o brasileiro, em vez do molho chucrute e
da mostarda apimentada, prefere maionese, catchup, mostarda e purê da batata
(quando se trata de pequeno lanche). Quando se trata do “dogão” ou “cachorrão”, a
esses molhos acrescenta-se batata-palha, queijo cheddar e/ou molho vinagrete. O
uso da expressão “cachorro completo” se faz freqüente como parassinônimo de
132
“dogão” e/ou “cachorrão”. Assim, pelo processo de deriva tem-se o sinal de “lanche
grande” registrado no sufixo “-ão” e não “big” do inglês.
Outro aspecto relevante, além da diferença entre os ingredientes, é o preparo
desse lanche em estados do nordeste, como Pernambuco, em que se designa por
“cachorro quente” um lanche feito de “pão de banha” recheado com carne e lingüiça
calabresa, moídas e refogadas com vários temperos brasileiros. Neste caso, a
designação “cachorro-quente” atribui relevo apenas ao tipo de pão: o contedor, pois
o conteúdo deixa de ser a salsicha. Logo, a salsicha se fará parte integrante do
lanche, se o cliente explicitar: quero um hot dog de salsicha. Por conseguinte, tem-
se uma interpretação da cultura alimentar inglesa pela do brasileiro.
Assim, segundo Guilbert (1975), esse vocábulo estrangeiro
5
processado pelas
matrizes fonomorfológicas e sintático-semânticas do idioma português não se
incorpora ao seu sistema lexical, mas também pela desconstrução do processo de
composição que tem o substantivo como base lexical da produção por derivação:
dogão e cachorrão. Todas as formas designativas mencionadas estão integradas ao
vocabulário geral e, embora cada uma delas atribua relevo diferenciado ao tipo de
lanche, criado nos EUA, tal relevo aponta para a variedade do conteúdo que recheia
o “pão de banha”, de formato alongado. O brasileiro digeriu o nome do lanche e o
reinterpretou e, ao reinterpretá-lo, criou mais outras designações para precisar tal
variedade, adaptada aos seus hábitos e paladar. O empréstimo, neste caso, sofreu
alto grau de extensividade pela criatividade lexical. A alta freqüência de uso de hot
dog, em língua escrita, convive com a alta freqüência de uso de cachorro quente,
dogão e cachorrão em língua oral, principalmente nas cidades do interior dos
estados brasileiros e regiões norte, nordeste e centro-oeste.
a.2) combinatória de dois morfemas lexicais, em inglês, mas não em português:
o usuário interpreta o modelo de estrutura do processo de composição da
língua portuguesa; contudo, um dos termos perde sua forma original e, por
conseguinte, o seu conteúdo semântico.
Nesse contexto, situa-se “cheeseburguer”, em que “cheese” é interpretado por
“X”, mantendo-se “burguer”. O queijo (cheese) desaparece do conteúdo semântico
da nova designação, mas não o “burguer” que, como conteúdo do pão, pode ser
5
Hot- dog foi introduzido no Brasil, em 1926, quando o sanduíche é lançado no centro da cidade do
Rio de Janeiro e vendido nos cinemas e, a partir de então, popularizou-se.
133
substituído por picanha ou calabresa. Quanto ao queijo do tipo “cheddar”, cede lugar
ao do tipo “prato” ou “mussarela” ou, ainda, o “mineiro” tipo “fresco”.
Assim, na dimensão morfológica e/ou morfo-sintática, a equivalência não
unívoca entre os dois sistemas se mantém e a regra da falta responde pelo processo
de interpretação da forma estrangeira. A composição se mantém pela seguinte
equivalência analógica: cheeseburguer : x-burguer, x- salada :: x-burguer : x-picanha
: x-calabresa. Nessa acepção, a incorporação do signo, no sistema lexical do idioma
português se faz produtiva e, nessa produtividade, o primeiro lexema “cheese” [‘tSi:z]
é reduzido a [Šis] e o segundo é substituído: burguer (= bolinho de carne) por
picanha, calabresa...
Observa-se que, à semelhança de hot dog, tem-se a repetição de fatos
análogos quanto ao processo de interpretação, de sorte que, embora controlado
pela manutenção da concepção de lanche, o grau de similaridade entre o que o
estadunidense designa por hot dog e por cheeseburguer vai se distanciando. Esse
distanciamento se deve à propagação de semelhanças em semelhanças:
cheeseburguer “X” e burguer picanha, calabresa, salada... O mesmo processo
ocorre com os molhos: purê de batata, maionese, mostarda, catchup, batata-palha,
vinagrete. Logo, o modelo de representação cognitiva é flexibilizado pelos marcos
culturais deste povo latino que não associa, de modo inexorável, queijo – carne; mas
opta pela carne e sua variedade. Quanto ao queijo, este é sempre optativo.
Para Morin (2005), a identidade com a analogia original (salsicha
semelhança com o cachorro bassê) vai se perdendo, pois o cachorrão não é mais o
bassê e sim o “grande cachorro”, o que alimenta bem. Desta feita, o pequeno
almoço se faz grande; no que se refere ao queijo, ele é mais leve do que a carne;
digerido mais rapidamente pelo organismo.
a.3) combinatória de dois morfemas lexicais que não mais se remetem à relação
morfo-sintático-semântica: contedorconteúdo e sim à relação caracterizador
caracterizado para designar “refeição rápida”, ou lugar em que a refeição é servida
rapidamente. A rapidez, portanto, qualifica tanto o “lugar” quanto a “refeição”.
Nesse caso, o vocábulo funciona como parassinônimo de restaurante
estadunidense que, no Brasil, funciona sob a forma de franquias. O brasileiro,
contudo, não vai a fast-food, e sim ao Mac Donald’s, ao Bob’s, ao Burguer King para
um lanche rápido, no horário do almoço. Neste caso, houve uma reinterpretação
134
circunscrita apenas à dimensão fonológica, de modo que a palavra se mantém
estrangeira na dimensão morfossintático-semântica. Assim, o grau de não
identidade é mantido com a língua inglesa, o que justifica a não produtividade do
vocábulo.
Segundo Guilbert (1975), as transformações semânticas, mesmo as mais
simples, sempre implicam a extensão ou transformação da “coisa designada” e,
neste caso, a ausência de extensão ou transformação está registrada na mudança
morfossintática do termo que se mantém estrangeiro e é empregado por grande
parte do povo brasileiro. Logo, não foi incorporado ao vocabulário da língua geral. Ir
ao Mac Donald’s é ir a uma “lanchonete”: palavra que, no Brasil, serve para
diferentes tipos de lanches — inclusive os vários tipos de “Xis”, além de salgadinhos,
por exemplo.
a.4) combinatória de dois morfemas: o primeiro de natureza dêitica pronome “se”;
o segundo de natureza não dêitica, designação propriamente dita da classe do verbo
= servir-se:
o usuário, ao contrário do caso anterior, reinterpreta o vocábulo inglês pela
estrutura morfossintático-semântica do português, de sorte a reconfigurar o
conceito importado pelas matrizes de sua cultura.
Neste caso, atribui relevo ao lugar em que as pessoas se dirigem: um balcão
de variados alimentos frios saladas, legumes, maioneses, tortas ... e quentes,
também bastante variados; e, depois de selecionar, dentre eles, porções, dirigem-se
ao caixa. Esse funcionário cobra o valor dos alimentos selecionados, tendo por
parâmetro o seu peso. A esse processo de “servir-se”, designa “restaurante por
quilo” = aquele em que se alimenta pelo preço pago em quilogramas. “Ir ao/no quilo”
é uma construção metonímica de grande uso pela população, pois esse tipo de
restaurante tem-se estendido também para cidades do interior brasileiro, onde a
expressão “self service”, não é empregada pelos usuários ou freqüentadores.
A criatividade inscrita no processo interpretativo desse modo de proceder
“scriptural”
6
, no Brasil, atribui relevo à quantidade do alimento pesado e não ao
6
scriptural – de script – modelo cognitivo referente a processos complexos que implicam um conjunto
de ações (verbos), organizadas no eixo do tempo por antecedentes e conseqüentes (dirigir-se ao
balcão de pratos, bandejas e talheres (t.a.), colocar prato, talheres e guardanapo na bandeja (t.p.);
(t.a.) percorrer o balcão de frios, (t.p.) selecionando porções ... tais ações estabelecem uma
ordenação, segundo a qual o sujeito procede no mundo da vida.
135
sujeito que deixa de ser servido para servir-se. Assim, a designação se qualifica
como recorte de uma das ações desse processo, formalizada não mais pela
composição normal que designa relações semânticas do tipo contedorconteúdo,
caracterizadorcaracterizado, por exemplo. Tal recorte faz remissão à totalidade do
processo, circunscrito a um lugar restaurante qualificado e diferenciado de
outros pelo modo como a refeição é servida. Assim, a designação é formalizada, em
português brasileiro, por um sintagma designativo em que “quilo” se opõe a outros
tipos de restaurantes, principalmente àqueles em que se é servido.
No que se refere ao significado de “rapidez”, este depende do tempo
disponível para o almoço; razão por que ele não se faz relevante para o conteúdo
condensado pela nova forma vocabular. Têm-se, então, duas criações metonímicas:
“restaurante por quilo” e “quilo”. A não criação de novas lexias se explica pelo fato
de não se estar designando simplesmente “coisas no mundo”, mas procedimentos
humanos, em relação a elas. Desse modo, a extensividade semântica está no foco
que responde pelo recorte diferenciado dado no processo e nos alimentos servidos:
mais diversificados, coloridos e abundantes, no Brasil.
Os empréstimos analisados, acima, referem-se ao campo semântico da
alimentação que povoa o mundo da vida e se faz diferenciado de povo para povo e,
muitas vezes, de região para região, em um mesmo território nacional.
Os compostos que se seguem remetem-se ao campo do deslocamento
corporal e àquele do mundo do trabalho, propriamente dito, que abarca o campo das
novas tecnologias, do comércio, finanças e/ou economia. Os resultados obtidos das
análises serão agrupados em relação a esses campos.
7
Em se tratando de deslocamento corporal do sujeito, tem-se “city-tour”
quando o sujeito, no exercício do papel de turista, é deslocado por meio de ônibus
ou van por cidade(s) que está visitando, para conhecer os chamados “pontos
turísticos”. O termo foi introduzido no Brasil, a partir do desenvolvimento dessa
modalidade de comércio que mobiliza e movimenta a economia dos países e/ou de
seus estados que recebem o estrangeiro, em viagens de férias, ou períodos de
festividades propagadas e vendidas como grandes espetáculos. Tal comércio se
intensificou, no Brasil, a partir das últimas décadas e exige grandes investimentos e
7
“on sale” e “off” foram tratados nas páginas 106-107 deste capítulo, além de explicitados nos
quadros I e L (pp. 124 e 126), nada há a acrescentar.
136
infra-estrutura, bem como a construção de hotéis e restaurantes, cujo grau de
sofisticação depende da classe social ou poder aquisitivo do turista.
A designação estrangeira sofreu apenas interpretação fonética, na medida em
que a concepção referente a esse modo de proceder em relação ao turista,
sedimentada em países de civilizações antigas Grécia, Egito, China ... e os da
Europa foi assimilado pelos estadunidenses, cujo turismo tem por marco as
edificações e espetáculos da Civilização Moderna.
Nesse contexto, o empréstimo, à semelhança do anterior, é um recorte de um
procedimento “scriptural” designado de modo genérico: deslocar-se pela cidade, ou
entre cidades, para apreciar pontos turísticos. “Vamos fazer um tour pela cidade”,
“pelos bares da cidade”, “pelo centro da cidade”, “pelos shoppings centers” ... são as
variações de uso empregadas pelos brasileiros, na condição de não turistas. Trata-
se, portanto, de um empréstimo no sentido lato do termo, cujo grau de
nacionalização está apenas na dimensão fonética
B) Em se tratando de formas vocabulares simples, tem-se:
b.1) O empréstimo “telemarketing” para se referir à venda de produtos e de serviços,
por meio de telefone, à qual se segue o “delivery” = entrega rápida, à semelhança de
“city-tour”, sofreu apenas reinterpretação fonética e tem co-ocorrência com a
expressão “venda por telefone”. Seu uso está circunscrito, quanto à freqüência, a
grupos que atuam na área comercial, visto que a população emprega “venda por
telefone” e “serviço de entrega”, razão pela qual os porteiros dos edifícios avisam
para o morador “entrega de pizza”, por exemplo. Dessa mesma forma, o morador
“liga para a pizzaria”, “pede uma pizza”, mas jamais “faz uso do delivery da pizzaria
Bela Pizza”, por exemplo.
b.2) O vocábulo “workshop”, também de uso freqüente por alguns poucos grupos de
usuários, sofreu tão somente reinterpretação fonética. Empregado para cursos de
treinamento de pessoal em empresas, seu uso foi deslocado para o sistema de
ensino escolar de sorte a qualificar o uso de recursos didáticos: gráficos, mapas,
sínteses das idéias principais de uma comunicação oral (aula, palestra,
conferência...). Todavia, a diferença entre “treinar” e “ensinar” tem feito com que o
grau de freqüência de uso desse vocábulo seja suplantado pelos vocábulos “oficina”,
“seminários”, por exemplo. Assim, o relevo dado em “material didático” -
137
compreendido como um meio, ou recursos estratégicos, que coloca a técnica a
serviço do ensino, e não o contrário, responde pelo fato de ele estar sendo
deslocado desse campo para ficar circunscrito ao mundo empresarial.
b.3) No caso de “compact disk”, observa-se que o processo de nacionalização
implicou a transformação por abreviação do vocábulo composto por justaposição em
língua inglesa. Tal abreviação teve por suporte a seletividade das consoantes iniciais
de um dos lexemas do composto, de sorte a qualificar-se como sigla, passando a
funcionar como palavra primitiva (SILVA & KOCH, 2001 p. 36), sem possibilitar,
contudo, a formação de outras/novas formas vocabulares. Observa-se que tal
procedimento interpretativo manteve a concepção de “disco compacto” e assim foi
incorporado como signo do sistema lexical do idioma português.
b.4) A designação inglesa “banner” foi apenas fonologicamente aculturada e se
mantém como vocábulo estrangeiro no campo da publicidade e propaganda.
Contudo, não se integrou ao vocabulário geral da língua portuguesa; razão por que a
designação “faixa” ou “faixa grande” se mantém no uso geral. A distinção entre
“faixa” e “banner” circunscreve-se apenas a esse grupo de especialistas e àqueles
do mundo do comércio e da indústria que fazem uso dos serviços prestados pelos
publicitários para divulgar eventos. Tal distinção também é feita pelo público
universitário, mas também referente à publicidade e/ou publicação em/de eventos.
b.5) No caso de “scanner”, designação de um aparelho reprodutor de textos
formalizados por imagens e/ou sinais da língua escrita, por meio de digitalização, a
reinterpretação abarca: a) a dimensão fonética pelo acréscimo do fonema [
i
] que,
em posição inicial é neutralizado; razão por que é pronunciado [
i
skne] ou [
e
skne];
b) tal acréscimo, implicando a produção de sílaba inicial, contribui para inserir a
palavra na estrutura silábica da língua portuguesa (não aceita sílaba formada
apenas por consoante); c) a combinatória do fonema vocálico com o consonantal /s/
é freqüente em português escola, esqueleto, por exemplo bem como a
terminação da forma vocabular em “r”.
Nesse sentido, a reinterpretação fonológica “acomoda” o novo vocábulo à
formação de novos vocábulos em língua portuguesa. Por conseguinte, o termo
inglês construído pela deriva do verbo inglês “scan” - fazer uso da máquina para
138
reproduzir textostorna-se produtivo em português, facultando a formação de verbo
e de adjetivo pelo sistema de deriva: “escanear”, “documento escaneado”. Tal fato
aponta, segundo Guilbert (1975), que o novo vocábulo foi incorporado ao sistema
lexical da língua portuguesa. O seu uso será propagado à medida que a máquina se
tornar de uso popular.
b.6) Os verbos “start” e “eject”, importados do inglês, à semelhança de “scanner”,
pela reinterpretação fonético-fonológica, acomodam-se ao sistema morfológico do
português. O primeiro, forma sílaba em posição inicial pelo acréscimo de /i/,
pronunciado como [ i ] ou [ e ]; o segundo, pelo acréscimo da vogal temática /a/
seguida do morfema “r” como sinal da forma infinitiva.
Nesse caso, tem-se a incorporação ao vocabulário do português, como signo
lexical; bem como o uso do novo lexema como base do sistema de deriva: “ejetado”,
ou como produção de parassinônimos: “dar um eject” [ejtS
i
]; “dar ou fazer um estarti
[
i
startŠ
i
].
A análise de mouse, consideradas as diferenças do campo semântico, é
semelhante àquela de “city-tour”.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz-se, ao final desta Dissertação, uso de habilidades de síntese para discutir
os resultados obtidos no fluxo da investigação e, para tanto, são retomados os
objetivos específicos que orientaram, por um lado, a investigação sobre o uso de
estrangeirismos, no caso anglicismos, presentes no idioma português-brasileiro; por
outro lado, a organização de cada um dos capítulos referentes à pesquisa realizada.
O caráter exploratório da investigação realizada foi configurado por três
focalizações: uma primeira que privilegia o ponto de vista histórico-cultural,
atribuindo relevo a diferentes contextos das formações sociais humanas, no fluxo de
suas construções, para neles situar a formação do idioma português-brasileiro como
um produto de contato entre diferentes povos, usuários de línguas diferentes; uma
outra mais ampla referente a contextos sócio-histórico-culturais que configuram
formações sociais humanas cujo suporte é o desenvolvimento de tecnologias; e uma
terceira, circunscrita à Ciência do Léxico, com vistas a verificar quais são as
estratégias implicadas no processo de nacionalização de vocábulos estrangeiros
que, na atual contemporaneidade, foram ou estão sendo incorporados ao
vocabulário do idioma português-brasileiro.
O olhar digressivo, sustentado pelo ponto de vista sócio-histórico-cultural e
mobilizado pelo tempo presente em que se situa o pesquisador, possibilita afirmar
que o idioma falado no Brasil, e considerado como língua de contato, é uma das
arquiteturas, das diferentes arquiteturas do português europeu.
A busca por exemplificar esses contatos exigiu uma leitura compreensiva de
diferentes e variados registros capazes de facultar uma organização teórico-
metodológica que apontasse a formação do idioma português e da contemporânea
língua portuguesa falada no Brasil, bem como a transmudação de estrangeirismos
em empréstimos lingüísticos. Tais contatos propiciaram a propagação de palavras
testemunhas, frutos da criação de produtos de ciência e tecnologia, bem como de
hábitos e costumes.
Os fundamentos da Lexicologia e os estudos realizados por Guilbert (1975),
sobre criatividade lexical, nos quais o autor aponta para o fato de não existirem
estrangeirismos e sim empréstimos lingüísticos, possibilitaram ancorar o propósito
140
desta Dissertação: discutir a transmudação de estrangeirismos em empréstimos
lingüísticos.
O uso de termos estrangeiros, principalmente advindos do idioma inglês, tem
aumentado muito nas últimas décadas, favorecidos por meios de comunicação mais
ágeis e eficientes como telefone, fax, e-mail, Internet entre outros. Este fato trouxe à
tona a discussão entre puristas - defensores do idioma português, estudiosos da
língua e políticos, sobre o uso desses termos, cogitando-se até a proibição de uso,
sob forma de lei, na qual se prevê pena e punições. A pureza do idioma português e
a soberania nacional são defendidas pelos puristas, desconsiderando a própria
formação do idioma português europeu, bem como a do português-brasileiro.
Nessa perspectiva, optou-se, num primeiro momento, por um estudo de
caráter historiográfico para que este pesquisador pudesse aprofundar seus
conhecimentos referentes a contextos sócio-histórico-culturais, visto que se
pressupôs serem eles sustentáculo para a formação do vocabulário fundador das
línguas naturais e estas, suporte para o entendimento dos estrangeirismos
contemporâneos, convertidos ou não em empréstimos – objetivo específico proposto
para o primeiro capítulo. O produto desse procedimento, registrado no primeiro
capítulo desta Dissertação, garantiu ao pesquisador compreender que:
a) a concepção de cultura é genérica, expressa a sabedoria humana e
se inscreve em diferentes culturas e que sua transmissão de
geração em geração se realiza por meio de processos de
reinterpretação, o que lhe facultou, ao mesmo tempo, a
compreensão dos processos de formação dos repertórios culturais e
a dinâmica inerente à mutabilidade e criação de novas formas
vocabulares;
b) se, por um lado, os homens se identificam e se unificam pela
linguagem; por outro lado, eles se dispersam e se diferenciam pela
línguas: produtos da diversidade cultural humana. Nelas, cada povo
inscreve o modo como apreende e interpreta as mesmas coisas no
mundo; todavia a assimilação de saberes e técnicas por culturas
distintas, por meio de processos de propagação, implica
empréstimos lingüísticos.
141
Apontou-se também, nesse capítulo, que o domínio exercido por certas
sociedades sobre outras trouxe não uma expansão territorial, mas também
inovações tecnológicas que migraram de sociedade para sociedade. Tal migração é
sempre acompanhada das palavras por meio das quais são designados seus
inventos. No percurso desse deslocamento não as novas tecnologias, mas
também as palavras vão sofrendo adaptações, por meio de reinterpretações que
implicam o ato de traduzir de uma cultura para outra, de uma língua para outra.
O capítulo II, também apresentado por uma perspectiva historiográfica, tratou
da construção da identidade lingüística pela identidade cultural. Para tanto, tomou-se
por ponto de partida a origem do português arcaico transportado para o Brasil na
época da sua descoberta e colonização. Concebeu-se o idioma não como língua
de uma nação ou povo, mas também como uma construção arquitetônica que,
edificada no fluxo de uma história de longo tempo, vai facultando a construção da
sua própria identidade. Observa-se que a identidade está concebida como o que é
semelhante, mas não igual e que ela a semelhança se inscreve em diferenças.
Logo, o português-brasileiro é semelhante àquele de Portugal tem a mesma
estrutura mas a sua singularidade se explica pela pluralidade de arquiteturas que
qualificam seus usos idiomáticos por diferentes povos, habitantes de diferentes
territórios, hoje, convertidos em nação que buscou assegurar a consciência da
diferença do modelo arquitetônico de uma mesma estrutura ao eleger uma norma
escrita como língua oficial e a torná-la padrão de prestígio.
Ressalta-se que essa diferença decorre do processo de idiomatização, cuja
construção só se explica por um tempo histórico de convívio entre línguas diferentes.
Compreendeu-se que a idiomatização do português-brasileiro se inscreve no léxico
e data do século XVI: quando o português arcaico-provençal entra em contato com
as línguas indígenas e africanas e o território americano se faz bilíngüe. Nesse
contexto, o idioma brasileiro se explica como produto de contato entre tais línguas,
da mesma forma que o português arcaico-provençal é produto de contato entre
línguas e povos ibéricos, celtas, latinos, árabes, germanos...
Assim, o idioma brasileiro não equivale àquele do português propriamente
dito, quer na esfera lexical, quer na gramatical, implicando modelos de
expressividade de mundos representados que se fazem semelhantes nas diferenças
culturais que unem e separam esses dois povos, cuja identidade lingüística não tem
equivalência unívoca com a cultural.
142
Os registros constantes nos Capítulo I e II desta pesquisa possibilitaram ao
pesquisador afirmar que “pureza” não é uma predicação adequada para se atribuir
aos idiomas, nem às estruturas dos sistemas lingüísticos que servem de suporte
para suas criações. Uma vez que os empréstimos lingüísticos são frutos de contato
entre povos distintos, que carregam consigo cargas sócio-histórico-culturais
diferentes. Estes empréstimos, em forma de palavras, viajam pelo mundo por razões
distintas que acabam por criar a possibilidade de construção de identidades ou
acentuar diferenças entre seres que sempre foram semelhantes, mas jamais iguais.
Tal assertiva demonstra que os empréstimos decorrem da cultura e não de ações
políticas, como defendem os puristas.
O Capítulo III, cujo objetivo específico foi o de compreender os processos de
renovação e produtividade do sistema lexical do idioma português brasileiro, pela
incorporação de empréstimos, apresentou fundamentos das Ciências do Léxico que
responderam pelas análises da corpora, selecionada a título de exemplificação para
o tratamento dos processos de nacionalização ou aportuguesamento de formas
vocabulares estrangeiras, privilegiando-se apenas os de língua inglesa.
Tal análise possibilitou a diferenciação entre estrangeirismo e empréstimo,
pois estas denominações não apresentam equivalência de sentidos entre si. De
modo que todo estrangeirismo torna-se empréstimo à medida que é aportuguesado.
No entanto, no caso de empréstimos que mantêm a sua forma como na língua de
origem, pois não sofreram alteração na grafia, ocorre aportuguesamento devido à
adaptação de certos fonemas por parte do falante que o utiliza. Este
aportuguesamento restringe-se apenas à pronúncia, pois o falante brasileiro não
consegue pronunciar as palavras da mesma maneira que o falante do inglês.
Nessa acepção, a pesquisa constatou que a aquisição e uso de novos
vocábulos, bem como de uma língua estrangeira nunca ocorrem de forma isolada, e
sim no fluxo da discursivização e têm por ancoragem os conhecimentos prévios do
falante. De forma que a utilização de palavras estrangeiras exige do usuário não
falante do idioma inglês um maior esforço de interpretação e de compreensão
mesmo quando o repertório cultural da língua inglesa é empregado em enunciados
estruturados pelas categorias frasais da língua portuguesa.
Na busca por compreender a transmudação de estrangeirismos em
empréstimos não se fez distinção entre formas vocabulares e seus respectivos
143
conteúdos. Tais formas e conteúdos foram analisados na dimensão fono-morfo-
sintático-semântica.
As análises do corpus apontaram que os vocábulos aportuguesados, quando
integrados ao sistema vocabular, tornam-se produtivos, de forma que a nova matriz
lexical torna-se suporte de novos processos de derivação. De modo que
permanecem realmente estrangeiras aquelas formas que não fazem significado
algum no contexto discursivo do falante brasileiro.
Outro fator identificado nas análises é que toda forma estrangeira é
aportuguesada pelo ponto de vista fonético, além de a reinterpretação fonológica
acomodar o novo vocábulo à formação de novos vocábulos em língua portuguesa.
A não equivalência entre os dois códigos faz com que o falante faça uso da
“regra da falta”, ou seja, quando se opera com o processo de equivalência na
dimensão fonológica e este não existe, o falante passa a articular os fonemas do
idioma inglês pelos pontos de articulação dos fonemas em português, por exemplo:
o [h] aspiralado que se torna [r] como em [rtši] de hot dog ,
a consoante [t] realiza-se como fricativa chiante [tš] no português-
brasileiro, como em [sítš
i
] de city tour, no mesmo exemplo ainda, o som
do Inglês: [ә] em [t’uә] realiza-se por [] no português-brasileiro [],
entre outros.
Entendeu-se, assim, haver graus de proximidade e de distanciamento na
pronúncia entre os dois idiomas, designando uma reinterpretação fonológica pelas
matrizes do português e não uma tradução de fonema a fonema. De modo que,
muitas vezes, ao fazer a interpretação fonológica se faz uma interpretação
morfossintática que, nestes casos se pelo acréscimo de vogais em posições de
sílabas iniciais e sílabas finais de acordo como corpus analisado. Esses acréscimos
possibilitam inserir o vocábulo estrangeiro pelas estruturas morfológicas do
português. Assegurando o seu uso proficiente em produções extensivas às
dimensões sintático-semânticas das estruturas frasais. Observa-se que, nestes
casos, estas formas estrangeiras, assim nacionalizadas, tornam-se produtivas
conforme demonstrado nas análises.
O conteúdo semântico dessas formas vocabulares tem equivalência com
aquele de língua inglesa, como no caso de scanner, mas pelo processo de deriva
144
são expandidos em português: escanear e escaneado, por exemplo. De forma a
haver o processo de derivação das formas compostas (a) e das formas simples (b).
No caso das formas compostas, o modelo de representação não se
circunscreve à dimensão da forma morfológica como no caso acima. A interpretação
fonética poderá implicar uma não produtividade, como no exemplo telemarketing
(justaposição), em que não produtividade, mantém-se a base semântica
semelhante ao português, não mudanças significativas, pois “tele” = televisão,
telejornalismo, é produtivo em língua portuguesa, está na fundação da base
idiomática do português.
Em hot dog ocorre um aportuguesamento na dimensão fonética, e um
aportuguesamento na dimensão gráfica, quando da tradução cachorro-quente
acrescenta-se o (-) hífen, seguindo-se os padrões da língua portuguesa, neste caso,
em hot dog, diminui-se o grau de estrangeirização, mas não o dilui por completo,
tem-se também uma tradução; esse processo de tradução vai implicar não a
mudança da forma como também de conteúdo pelas matrizes da cultura alimentar
do brasileiro e por um processo metonímico hot dog, aportuguesado torna-se
“dogão” da mesma forma que cachorro-quente, torna-se “cachorrão”, em que o
sufixo “-ão” vai funcionar como valor aumentativo. O uso do hífen também ocorre
com os compostos em inglês que mantêm a sua forma gráfica em português, mas
recebem o hífen, como sinal de aportuguesamento da forma: self-service, fast-food e
X-burguer.
Self-service, em português-brasileiro, pelo processo de tradução remete-se ao
verbo pronominal “servir-se” que, empregado no campo da alimentação, faz
referência a um modelo scriptural. O uso deste termo foi reinterpretado por um
recorte dado no conjunto de ações scripturais no conteúdo do lugar onde se come
(restaurante) quando o alimento é pesado, de sorte a equivaler a restaurante “a
quilo” ou “por quilo”, por um processo metonímico simplesmente “quilo”,
reinterpretação do conteúdo das formas semânticas conforme apontado no Capítulo
I.
Workshop, em português-brasileiro, manteve sua forma gráfica de origem e a
mesma classe gramatical: substantivo composto formado por justaposição, não
houve mudança da sua designação na passagem de um idioma para o outro, porém
sofreu aportuguesamento fonético e também se tornou empréstimo devido às formas
concorrentes - oficina, seminário ou curso intensivo - em português-brasileiro não
145
recobrirem o status que o termo emprestado aparenta dar a uma pequena elite que
o utiliza, uma forma de mostrar prestígio de uma classe economicamente dominante
sobre outra.
Fast-food não se tornou produtiva em português brasileiro, mantém sua forma
gráfica original, apesar de receber o hífen - um sinal de aportuguesamento é
aportuguesada foneticamente, na dimensão semântica segue o mesmo script de
refeições rápidas nos dois idiomas e quase não é utilizada pela população que se
refere a estes tipos de restaurantes pelas suas marcas ou franquias, Mc Donald’s,
por exemplo.
A denominação CD refere-se a compact disc (= disco compacto) que, por ser
produto de tecnologia, não tem o mesmo sentido para o brasileiro que o compacto
de vinil, de forma que foi aportuguesado foneticamente, e se tornou empréstimo
mesmo havendo designação na língua nacional, porém não se fez produtivo.
Cheeseburguer passou por um processo de criação em que a palavra cheese
transformou-se em X, no português-brasileiro, além das diversas variações que o
lanche ganhou no Brasil, como X-salada, X-bacon, X-calabresa e X-picanha entre
outras. O termo emprestado sofreu aportuguesamento fono-morfo-sintático-
semântico e se tornou produtivo em português-brasileiro.
City tour o se fez produtiva em português-brasileiro, porém sofreu
aportuguesamento fonético e se tornou empréstimo por ser uma idéia ou conceito
não existente no Brasil: regra da falta.
On sale, não criatividade em língua nacional, pois o termo concorre com
outros existentes que recobrem o mesmo conceito, porém seu uso se faz como
marco de um estilo de um pequeno grupo social elitizado e, embora tenha sofrido
transmudação fonética, não foi incorporado ao vocabulário nacional, nem se fez
produtivo.
No caso das formas simples: off concorre com formas existentes no idioma
nacional e não se torna produtivo, porém sofre um aportuguesamento fonético.
Banner sofreu um aportuguesamento fonético e semântico, porém não se
tornou produtiva em português-brasileiro, foi reinterpretado pelo falante nacional se
fazendo sinônimo para faixa.
Scanner, apontado acima, sofreu aportuguesamento fono-morfo-sintático-
semântico, devido à regra da falta vocabular que recobrisse o objeto novo, tornou-se
146
produtivo em português-brasileiro com o adjetivo escaneado e com o verbo
escanear.
Mouse não se tornou produtivo em português-brasileiro, porém tornou-se
empréstimo devido à falta vocabular, pois não havia vocábulo que recobrisse o novo
objeto, além de sofrer aportuguesamento fonético.
Eject e start tornaram-se produtivos em português-brasileiro, com a forma
ejetar/estartar, sofreram aportuguesamento fonético, porém ambas recobrem,
respectivamente, a mesma ação em ambas as línguas.
Em suma, constatou-se que os vocábulos são aportuguesados pelo ponto de
vista fonético e, quando integrados ao sistema vocabular, se tornam produtivos de
forma que a nova matriz lexical passa a sustentar a produção de novas formas
vocabulares; portanto os empréstimos são explicados pela produtividade lexical.
Entretanto, tal resultado, obtido das análises desenvolvidas não por encerrada a
discussão sobre o uso de estrangeirismos, mas, ao contrário, a direciona para novas
perspectivas de estudo.
147
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Melhoramentos, 2002.
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155
ANEXO A
O Projeto
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º - A língua portuguesa, considerando o disposto no caput do art. 13, e
com base no caput, inciso I, e nos §§ 1º e 4º do art. 216 da Constituição
Federal, integra o patrimônio cultural brasileiro, concorrendo para a definição
da soberania do País.
Art. 2º - Incumbe ao Poder Público, no intuito de promover, difundir e valorizar
a língua portuguesa, mediante a alocação de recursos específicos e com a
colaboração da comunidade:
I - melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa
em todos os níveis e modalidades da educação nacional;
II - incentivar o estudo e a pesquisa sobre as variedades lingüísticas do
português brasileiro;
III - realizar campanhas e certames educativos sobre o uso da língua
portuguesa, destinados a estudantes, professores e cidadãos em geral;
IV - criar comissões para operacionalizar os parâmetros curriculares da língua
portuguesa, visando à renovação do ensino do idioma no Brasil;
V - criar, no rádio e na televisão, cursos de língua portuguesa que tratem do
uso e funcionamento do idioma;
VI - incentivar a criação de leitorados em universidades estrangeiras para a
promoção da língua portuguesa;
VII - promover a criação e a ampliação de programas de treinamento e
pesquisa, no País, para professores estrangeiros de língua portuguesa;
VIII - estimular a criação de centros de estudos de língua portuguesa em
países não-lusófonos;
IX - estimular a divulgação e o intercâmbio de livros de escritores dos diversos
países lusófonos;
X - estabelecer um sistema de rodízio cultural, educacional e lingüístico de
professores de língua portuguesa, lingüística e literatura das nações lusófonas;
XI - apoiar a realização de espetáculos baseados em obras de valor universal,
apresentados no Brasil com texto traduzido para a língua portuguesa;
XII - fomentar a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua
155
Portuguesa;
XIII - incentivar a melhoria dos cursos de formação de professores de língua
portuguesa;
XIV - incentivar a criação de bibliotecas escolares, com acervo de obras
literárias em língua portuguesa em número de títulos e quantidade de
exemplares suficiente para atender a clientela estudantil;
XV - dotar as bibliotecas escolares de bibliotecários especializados no
atendimento de crianças e jovens;
XVI - fomentar a criação de bibliotecas públicas em todos os municípios
brasileiros, com acervos adequados, numérica e qualitativamente, para
atender a demanda da população.
Art. 3° - É obrigatório o uso da língua portuguesa nos documentos emanados
da administração pública direta, indireta e fundacional dirigidos ao
conhecimento público.
§ 1° - As palavras e expressões em língua estrangeira atualmente em uso nos
documentos de que trata o caput deverão ser substituídas por palavras ou
expressões equivalentes em língua portuguesa, no prazo de um ano, a contar
da data da publicação desta Lei.
Art. 4° - Toda palavra ou expressão escrita em língua estrangeira e destinada
ao conhecimento público no Brasil virá acompanhada, em letra de igual
destaque, do termo ou da expressão vernacular correspondente em língua
portuguesa.
Parágrafo único - O disposto neste artigo aplica-se aos seguintes domínios:
I - relações comerciais, sobretudo às informações contidas nos produtos de
origem estrangeira comercializados no País;
II - meios de comunicação de massa;
III - mensagens publicitárias;
IV - informações afixadas nos estabelecimentos comerciais ou prestadores de
serviços.
Art. 5° - Para as áreas de intensa inovação tecnológica e científica, em que há
o predomínio do léxico de língua estrangeira, serão formadas comissões
específicas com a finalidade de elaborar os respectivos glossários contendo
sugestões de termos equivalentes no vernáculo ou resultantes do processo de
aportuguesamento.
§ 1° - As comissões de que trata o caput contarão, obrigatoriamente, com
especialistas técnicos da área, lingüistas, lexicólogos e filólogos, conforme o
disposto na regulamentação desta Lei.
156
§ 2° - Os glossários referidos no caput receberão ampla divulgação e terão seu
acesso facilitado ao público, por todos os meios disponíveis.
§ 3º - Os meios de comunicação de massa impressos poderão utilizar palavra
ou expressão estrangeira de qualquer das áreas tratadas no caput pelo período
máximo de um ano após a elaboração do respectivo glossário, desde que
também utilizem o termo correspondente em língua portuguesa.
§ 4° - Decorrido o prazo estabelecido no § 3º, o emprego de palavra ou
expressão em língua estrangeira será considerado lesivo ao patrimônio cultural
brasileiro e punível na forma da lei.
Art. 6° - A regulamentação desta Lei tratará das sanções administrativas
cabíveis no caso de descumprimento da presente norma, sem prejuízo das
demais sanções aplicáveis.
Parágrafo único - A regulamentação de que trata o caput será subsidiada por
um conselho formado por representantes da Academia Brasileira de Letras, da
Associação Nacional de Pesquisadores em Língua e Literatura e da Associação
de Lingüística Aplicada do Brasil.
Art. 7° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
(Disponível em http://www.aldorebelo.com.br/noticia_impressao. Acesso em 04 jan
2008).
157
ANEXO B
(CARDEIRA, 2006)
158
ANEXO C
(folder distribuído ao público - arquivo do pesquisador)
159
ANEXO D
(CAMARGO, 2007)
160
ANEXO E
(CAMARGO, 2007)
161
ANEXO F
(Disponível em http://noticias.uol.com.br/ultnot/agencia/ Acesso em 13/12/2007)
162
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