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Sandra Martins Farias
ANTROPOLOGIA E MUSEUS – RECIPROCIDADES:
O CASO DO MUSEU DO ÍNDIO
Belo Horizonte
- 2008 -
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II
SANDRA MARTINS FARIAS
ANTROPOLOGIA E MUSEUS – RECIPROCIDADES:
O CASO DO MUSEU DO ÍNDIO
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-
graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), como
requisito parcial para obtenção do grau de
mestre em Antropologia.
Orientador (a): Profa. Dra. Ana Lúcia Modesto
Área de concentração: Antropologia Social.
Belo Horizonte
2008
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III
Sandra Martins Farias
Antropologia e Museus – Reciprocidades:
O Caso do Museu do Índio
BANCA EXAMINADORA
_________________________
Professora Ana Lúcia Modesto
Orientadora
______________________________________
Professora Izabel Missagia de Mattos
____________________________________
Professor Leonardo Hipólito Genaro Fígoli
____________________________________
Professor Daniel Schoreder Simião
BELO HORIZONTE
2008
IV
AGRADECIMENTOS
Á Deus, presença constante em minha vida, e que, em sua infinita bondade, me conduziu
nesta caminhada.
A meus pais, irmãos, cunhados e sobrinhos, que souberam ser pacientes nos dias em que não
pude estar com eles. Devo um agradecimento especial a minha mãe, Maria Joaquina, por sua
crença perene em minha capacidade para finalizar este curso de mestrado, até mesmo quando
eu já não mais acreditava.
A Ana Lúcia Modesto, minha orientadora e mestra, por todos estes anos de caminhada, por
aceitar meu pedido para orientar-me na elaboração desta dissertação, por sua dedicação,
atenção e cuidado, por seus conselhos, sugestões e recomendações. A voAna Lúcia meu
mais profundo agradecimento pelo seu constante estímulo e dedicação, por ter generosamente
compartilhado comigo seu saber e experiência, enfim sou muito grata a você por tudo.
Aos meus amigos que compreenderam minha distância ao longo destes dois anos.
Meu reconhecimento e gratidão aos funcionários do Museu do Índio, Carlos Augusto da
Rocha Freire, Ione Couto e Lídia Zelesco, pelas orientações, pela paciência em atender meus
pedidos e pela atenção a mim dedicada durante o período de pesquisa no Museu. Agradeço
especialmente a Ione e Carlos Augusto, que com grande gentileza, dedicação e solicitude me
ajudaram na aquisição e acesso a documentos imprescindíveis para a elaboração desta
dissertação.
Aos meus colegas de mestrado, com quem dividi angustias, ironias e risadas durante a
realização deste curso de mestrado.
À Fundação Municipal de Cultura, nas pessoas de Edilane Carneiro, Vanessa Viegas, Érika
Reis e Sania Almeida, pela compreensão e apoio, sem os quais esta dissertação não seria
concluída.
Quero agradecer também a colaboração daquelas pessoas que, oferecendo-me generosamente
seus pontos de vista, contribuíram sobremaneira para a finalização desta dissertação: Vanessa,
Denise e Alexsandra; especialmente a Soraia, minha irmãzinha e braço direito.
Meu reconhecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais FAPEMIG, pela
bolsa de estudos que, durante sete meses, permitiu minha dedicação integral a este Mestrado.
V
A necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo ameaçado pela
monotonia e pela uniformidade não escapou decerto às instituições internacionais.
Elas compreendem também que não bastará, para alcançar esses objetivos, afagar
tradições locais e conceder uma moratória aos tempos passados. É o fato da
diversidade que deve ser salvo, não o conteúdo histórico que cada época lhe
outorgou e que nenhuma poderia perpetuar além de si própria. Cumpre, pois, escutar
o trigo que germina, encorajar todas as potencialidades secretas, despertar todas as
vocações de viver junto que a história mantém em reserva; cumpre também estar
pronto a encarar sem surpresa, sem repugnância e sem revolta o que todas essas
novas formas sociais de expressão não poderiam deixar de oferecer de inusitado. A
tolerância não é uma posição contemplativa, dispensando as indulgências ao que foi
ou ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em
promover o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à
nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer a seu respeito é
que cada cultura contribua para a generosidade das outras. (LÉVI-STRAUSS, 1960:
269 Apud ABREU, 2007:273-274).
VI
FARIAS, Sandra Martins. Antropologia e Museus Reciprocidades: O caso do Museu do Índio. 183f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte.
RESUMO
Antropologia, patrimônio cultural e museus têm seu surgimento a partir da expansão colonial,
mas se consolidam durante o século XIX. Nestes quase dois séculos de existência tiveram
momentos de profunda e profusa reciprocidade e outros de grande distanciamento. No caso
brasileiro as relações entre estas áreas também seguiram esta mesma oscilação.
O presente trabalho objetiva apresentar quais foram alguns destes momentos de maior
aproximação, tendo como pano de fundo o estudo de um museu etnográfico: o Museu do
Índio. A proposta aqui trabalhada é de identificar e estabelecer quais as estratégias que o
Museu do Índio estabelece e como elas atuam enquanto uma ponte de duas mãos na relação
entre museu e antropologia.
Neste sentido, a pretensão deste estudo é identificar os entrelaçamentos entre antropologia e
museus em certo período da historia disciplinar / científica de ambos, tendo como alvo desta
interatividade o Museu do Índio, de modo que venha a contribuir para o debate e o
fortalecimento de estudos sobre temáticas do patrimônio cultural e museus dentro da ciência
antropológica.
Palavras-chave: antropologia, museu, patrimônio cultural, Museu do Índio, auto-
representação.
VII
FARIAS, Sandra Martins. Anthropology and Museums Reciprocities: the case of the Museum of the
Indian. 183p. Dissertation (Master Degree in Anthropology) Federal University of Minas Gerais (UFMG),
Belo Horizonte.
ABSTRACT
Anthropology, heritage and museums have beginning them emergence throughout the
colonial expansion, but and they consolidated during the XIX century. During these almost
two centuries of existence had moments of deep and profuse reciprocity and others of great
estrangement. In the Brazilian case the relationships among these areas also followed this
same oscillation.
The present work aims to present some of these moments of close approximate, having as
background the study of one ethnographic museum: the Museum of the Indian. The proposal
here worked is to identify and to establish the strategies that the Museum of the Indian
establishes and how they act while a bridge of two hands in the relationship between museum
and anthropology.
In this sense, the pretension of this study is to identify the interlacements between
anthropology and museums in certain period of the it disciplinary / scientific history of both,
having as objective of this interactivity the Museum of the Indian, how it comes to contribute
inside for the debate and the strengthen of studies on themes of the heritage and museums of
the anthropological science.
Keywords: anthropology, museum, heritage, Museum of the Indian, self-representation.
VIII
FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Farias, Sandra Martins.
Antropologia e Museus – Reciprocidades: O caso do
Museu do Índio / Sandra Martins Farias - Belo Horizonte, UFMG, 2008.
183 f.
Orientação Profa. Dra. Ana Lúcia Modesto.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
1. Antropologia. 2. Museu. 3. Patrimônio Cultural. 4. Museu do Índio. 5.
Auto-representação.
IX
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
01
I. Ponto de Partida Desta Pesquisa
02
II. A Proposta e o Enfoque: objetivos e perspectivas abordadas neste estudo
05
III. O plano de Dissertação: apresentação dos capítulos
10
Capítulo I Base Conceitual: elementos para o percurso de uma “boa reflexão
antropológica” e teórica
16
I. Patrimônio Cultural: a trajetória dos sentidos e formas de acautelamento da
modernidade até fins do século XX
17
II. Museus: trajetórias entre o templo das musas e a prática social
23
III. Antropologia: da busca pelo conhecimento do diferente ao encontro reflexivo sobre
si mesma
30
Capítulo II Antropologia Brasileira: delimitação de um campo de conhecimento
43
I. Antropologia Brasileira – 1940-1950: fundamentos e antecedentes
48
II. Antropologia e o nacional: configurações durante as décadas de 1940 e 1950
55
III. Antropologia Brasileira (1940-1950): consolidando informações
62
Capítulo III “Conhecer e intervir” Darcy Ribeiro: idéias e pressupostos para a
criação de um Museu
66
I. Darcy Ribeiro: Índios, Antropologia e Museu
69
II. Perspectivas da Política Indigenista Brasileira – Pacificação e Proteção
85
Capítulo IV Idealização e Criação de um Museu Sui Generis
93
I. Pequena Rememoração Conceitual
94
II. Museu do Índio: configurações de sua instituição 100
III. Museu do Índio: pretensões e metodologia de trabalho
107
IV. Configurações Atuais do Museu do Índio
113
V. Práticas Expográficas e Antropológicas do Museu do Índio: Alguns exemplos
121
Atividades e Práticas de Pesquisa
122
Atividades e Práticas Educativas
126
Atividades e Práticas Expositivas
132
Capítulo V Considerações Finais: reciprocidades e interações entre museu e
antropologia
137
I. Interações entre Museu, Antropologia e Patrimônio: uma visão geral das
reciprocidades
139
II. Considerações sobre a Investigação Realizada
143
III. Delineando novos Caminhos e Reciprocidades
147
Referências Bibliográficas
152
Anexos
160
1
Introdução
Ainda estou longe de ter explorado o bloco inteiro, de ter concluído a escultura.
(MAUSS, 2003: 370)
1
Primeiramente, gostaríamos de destacar o caráter provisório deste estudo, pois a idéia aqui
não é esgotar a temática, estamos muito distante disso, não se pretende apresentar um tratado
geral do assunto aqui abordado. Nossa intenção é fazer uma espécie de passeio sobre o tema e
em algumas ocasiões, consideradas chave para a compreensão da argumentação, trabalhar
com mais minúcia, ou mais profundamente, determinado enfoque que compõe o presente
estudo. Ou seja, a proposta e a intenção deste estudo não é apresentar um quadro exaustivo
sobre a relação entre antropologia e museus, mas indicar, por meio do estudo de caso do
Museu do Índio (Rio de Janeiro), possibilidades e processos que indicam as relações de
parceria entre as duas áreas.
Sendo assim, nossa pretensão não é construir uma análise historiográfica das possíveis
relações entre ambas, mas recuperar os entrelaçamentos entre antropologia e museus, dentro
de determinado período da história da disciplina, mais especificamente durante as décadas de
1940 e 1950 e após a década de 1990, tendo como locus desta interatividade o Museu do
Índio.
Nossa aspiração é reconhecer a existência de reciprocidades, no sentido de troca de
conhecimentos e de interação teórico-metodológica, dentro do percurso histórico tanto da
antropologia quanto dos museus. Esse reconhecimento não constitui a identificação de
propostas, mas significa uma parceria entre as práticas da antropologia e dos museus
etnográficos, na tentativa de propiciar uma resposta a questionamentos similares, que advém
de uma busca em comum: a compreensão do diferente e o estabelecimento do diálogo entre
culturas.
Por fim, a expectativa e/ou desafio deste estudo é que ele contribua para a consolidação,
dentro do campo disciplinar da antropologia, de estudos voltados para os temas patrimônio
cultural e museus, e que ambos possam se firmar como áreas de produção antropológica.
1
Esta citação foi extraída de: MAUSS, Marcel. 2003. "Uma Categoria do Espírito Humano: a noção de
Pessoa, a de 'Eu'" In Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify.
2
I. Ponto de Partida Desta Pesquisa
As primeiras preocupações de caráter mais antropológico, bem como a busca pela preservação
do patrimônio cultural e as primeiras iniciativas museológicas começam a se estabelecer com
o advento do iluminismo. As primeiras preocupações com o patrimônio cultural e com a
catalogação e guarda de objetos, de modo mais consolidado, datam do século XIX, contudo
seu germe remonta ao período da dupla revolução (patrimônio cultural) e da expansão
marítima européia (catalogação e guarda de objetos). Neste mesmo bojo de acontecimentos
surge a ciência antropológica, que em seu período de consolidação, enquanto saber científico,
segunda metade do século XIX, encontrava-se centrada em extrair dos objetos coletados pelas
expedições ultramarinas informações sobre o "outro", que na percepção da época encontrava-
se em vias de desaparecimento devido a descoberta e colonização do então chamado novo
mundo.
Durante a primeira fase da era moderna foram concebidas as primeiras elaborações sobre o
que viriam a ser estas três áreas – antropologia, museus e patrimônio cultural. Tal demarcação
faz-se possível porque foi também neste período que:
Tem-se o registro das primeiras especulações que funcionariam como fundamento de
investigações antropológicas (ainda que ainda não fossem assim definidos);
Iniciam-se os delineamentos das primeiras elaborações sobre o que viria a ser as
primícias das futuras políticas de preservação;
Os primeiros esforços que embasariam e dariam origem à sistematização de
instrumentos de catalogação e salvaguarda dos objetos museais.
Pode-se deduzir que no contexto de formação destas três áreas uma relação de mútua
comunicação e influência, principalmente da antropologia em relação aos dois outros campos,
no que se refere à divulgação de seus princípios e elaborações teóricas, sendo mais
notadamente perceptível na área de museus.
Em 2004, Regina Abreu, no texto “Quando o Campo é o Patrimônio”
2
, chama a atenção para
o fato de que, a partir da década de 1970, tem crescido no Brasil a demanda por parte da área
do patrimônio cultural e de museus para que a antropologia torne-se mais presente. Segundo a
autora estes estudos, sobre patrimônio cultural e museus, seriam influência da grande
quantidade de estudos sobre “a formação dos estados-nações e seus símbolos”, ocorridos em
virtude do bi-centenário da Revolução Francesa. Tal perspectiva faz com que Abreu busque,
2
Este texto trata de alguns questionamentos sobre a inserção do antropólogo no campo do patrimônio
cultural e faz uma reflexão sobre o papel desse profissional frente a esta demanda.
3
em seu artigo, refletir sobre este crescimento de estudos relativos aos museus e ao patrimônio
cultural, a partir de uma listagem dos trabalhos relativos ao primeiro desses temas elaborados
por antropólogos e os significados dessa produção textual para a ciência antropológica. Neste
sentido, a autora destaca os trabalhos de José Reginaldo dos Santos Gonçalves e de Antônio
Augusto Arantes
3
os quais tratam o patrimônio como campo etnográfico na busca de
investigar o processo em que bens culturais passaram a ser alvo de uma política institucional e
como foi criada ou inventada a noção de que tais bens seriam representativos da memória e
identidade nacional. Para Regina Abreu estes dois estudos são seminais ao desenvolvimento
posterior de um campo de investigação, dentro da antropologia, para futuros trabalhos focados
na temática do patrimônio cultural realizados por antropólogos (ABREU, 2004:01-05).
Neste mesmo texto, Abreu destaca outra vertente de estudos dentro da antropologia iniciados
no mesmo período em que afluíram os relativos ao patrimônio. São aqueles relacionados aos
museus e à prática do colecionismo. Isso se deve ao entendimento de que museus e coleções
eram apreendidos como expressão do patrimônio nacional, e, se o alvo era a formação de um
estado-nação, aquilo que poderia representá-lo (os bens/artefatos/objetos culturais) também
seria locus de investigação (ABREU, 2004:05).
Indo na direção apontada por Regina Abreu, ao visualizar a produção acadêmica, é
perceptível uma quantidade significativa de trabalhos (pesquisas, artigos) sobre museus, com
destaque para os museus etnográficos brasileiros. Também é notável a variedade de
investigações / estudos que hoje vêm se multiplicando a partir da pesquisa sobre exposições,
acervos museais, ações educativas em museus, bem como o incremento na criação de novas
instituições museais pelos povos indígenas.
Em relação a esta dissertação, o ponto de partida para que a temática dos museus se tornasse
nosso objeto de interesse ocorreu durante atuação na Assessoria de Patrimônio Cultural e
Memória da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Naquele momento a direção
do interesse para a investigação enfocava mais diretamente as ações educativas nos museus.
Posteriormente, à medida que nos envolvíamos com as instituições museais, e devido à nossa
formação em antropologia e as leituras feitas, este interesse direcionou-se mais para investigar
os museus etnográficos e sua relação com a ciência antropológica. A partir daí, duas questões
se destacaram: a) a relação entre a antropologia e os museus e b) as propostas de interação dos
3
O trabalho de Antonio Augusto Arantes é Produzindo o Passado, publicado em 1984 e o de José
Reginaldo dos Santos é Retórica da Perda, cuja publicação ocorreu em 1996 (1ª edição). Vide bibliografia.
4
museus etnográficos com seu objeto de estudo (grupos indígenas) no processo de realização
dos trabalhos.
A primeira questão é hoje objeto de estudo e está sendo desenvolvida durante a realização
dessa dissertação de mestrado; quanto à segunda, que se refere mais diretamente à auto-
representação dos grupos indígenas em museus (exposições), ainda que esteja contida na
primeira, tem sido objeto de aprofundamento em seu conhecimento por meio de leituras e
pesquisas extra-acadêmicas. A proposta aqui enfocada está diretamente ligada à primeira
temática e busca refletir sobre a interação, que envolve troca e parceria, entre museus e
antropologia. No caso específico desta dissertação o locus principal onde se pretende
identificar estas interações será o Museu do Índio, espaço que desde sua criação apresenta-se
como um marco diferencial em relação aos demais museus etnográficos, sempre visto como
“à frente do seu tempo”.
Regina Abreu (2005) escreveu que o percurso da antropologia e o dos museus etnográficos se
mistura. Para ela a história da antropologia é perpassada pela formação de grandes coleções
4
tanto dos povos considerados exóticos, deferentes, distantes objetos de pesquisa nos
primórdios da disciplina quanto dos povos que se encontram temporal e espacialmente mais
próximos. Isso é perceptível quando a autora afirma que:
Do colecionamento de conchas dos melanésios, colares dos tupis, pirâmides e
múmias dos egípcios, passando por instrumentos de trabalho de culturas em
desaparecimento no contexto da sociedade industrial, chegamos a colecionar a nós
mesmos nossas fotografias em pesquisas de campo e congressos, nossos diários
de campo, nossas correspondências com colegas de trabalho, etc. A passagem da
alteridade máxima para a alteridade mínima é também uma passagem por
colecionamentos diversos, cujos sentidos e significados se alteram
substancialmente. (ABREU, 2005: 104).
Ao focar o encontro destes dois campos do conhecimento poder-se-ia acrescentar um terceiro
cuja trajetória é perpassada por momentos de interação / interseção / englobamento: o
4
Regina Abreu faz uma distinção entre o colecionismo como prática universal, presente em todas as
culturas e o colecionismo no sentido particular adotado no Ocidente Moderno: “acumulação deliberada
de bens ou enquanto propriedade de objetos materiais ou imateriais que alguns passam a deter em
detrimento de outros.”. Para maiores esclarecimentos vide ABREU, Regina. 2005. Museus etnográficos e
práticas de colecionamento: antropofagia dos sentidos In CHAGAS, M. 2005. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, nº. 31. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
5
patrimônio cultural
5
. Cabe ressaltar que, ao longo do tempo ou das trajetórias, as relações
entre estas três áreas não ocorreu de forma contínua e nem nos mesmos moldes, pois foram
muitas as modificações / transformações que se sucederam ao longo do caminho trilhado por
cada uma delas.
Neste sentido, a apreensão das relações entre antropologia e museus tendo o patrimônio
cultural incluído neste último far-se-á em dois períodos de tempo e terá como locus o
Museu do Índio.
Será elaborado um estudo por meio de um recorte temporal, histórico e conceitual visando
processar as primícias, o contexto histórico, o arcabouço conceitual utilizado e produzido
pelos dois campos, para, neste cenário epistêmico e histórico, apontar que as relações entre
antropologia e museus estão para além da função de mediação entre culturas e arbitragem de
conflitos. Estas relações indicam caminhos que integram saberes e fazeres no sentido de
propiciar a interlocução, a articulação e a parceria da diversidade cultural, dentro e fora do
Brasil.
II. A Proposta e o Enfoque: objetivos e perspectivas abordadas neste estudo
Antes de iniciarmos as reflexões convém destacar um ponto importante que trata da interação
entre a antropologia e os museus. A relação entre ambos remonta aos primórdios da ciência
antropológica e da instituição dos primeiros museus, ainda como gabinetes de curiosidades.
Desta relação de reciprocidade
6
podemos destacar alguns momentos que refletem uma
aproximação e outros que retratam certo distanciamento
7
.
Um primeiro momento desta relação ocorre, em termos de registro histórico, no período de
criação dos museus e da antropologia, enquanto saber científico – final do século XIX.
Contudo, existe um período anterior, quando se iniciou a coleta de materiais dos povos
5
Adota-se a nomenclatura patrimônio cultural e o patrimônio histórico dentro das novas perspectivas
que tornaram o termo mais abrangente, incluindo conjunto de bens materiais e imateriais, com critérios
de: estilismo histórico e arquitetônico, meio ambiente, cultura, referência simbólica, etc.
6
Durante meus estudos pude perceber que as relações entre antropologia e museus retratam, num certo
sentido, as relações de reciprocidade elaboradas por M. Mauss. Existe um processo que se apresenta como
as obrigações de dar – receber – retribuir: os museus financiam (dão) as pesquisas etnográficas, os
antropólogos (recebem) vão a campo e realizam suas etnografias e retornam (retribuir) com artefatos e
suas elaborações que são incluídas no acervo museográfico.
7
Identifico como certo distanciamento, porque não existe unanimidade, de acordo com os estudos aa
presente data, que impliquem um corte definitivo nas relações de reciprocidade entre as duas áreas.
6
encontrados nas novas colônias e que eram guardados nos chamados gabinetes de
curiosidades”. Estes objetos eram utilizados como fontes de pesquisa na tentativa de conhecer
e compreender estes novos homens, ainda que, segundo concepção da época, em um estágio
de desenvolvimento anterior ao que existia na Europa
8
. A partir da organização dos
“gabinetes de curiosidades” em padrões científicos existentes no último quartel do século
XIX, seguindo os ditames da antropologia vitoriana evolucionista, pautada pela meta de
classificar e descrever as sociedades outras, a partir de seus artefatos ou registros gráficos. O
principal objetivo da antropologia centrava-se na apresentação, dentro de uma classificação
evolutiva ou conforme a localização geográfica, dos objetos coletados das ditas “sociedades
primitivas” como sendo parte da história natural – neste momento os chamados “povos
primitivos” eram considerados pela antropologia como parte da natureza.
Nas primeiras décadas do século XX, inicia-se uma nova forma de percepção e apreensão dos
“povos primitivos” na antropologia e nos museus. Trata-se do nascimento da antropologia
moderna. Esta nova etapa é inaugurada pelos estudos de Franz Boas, que inova tanto a
antropologia quanto os museus etnográficos. Para a antropologia nascem o culturalismo e o
particularismo histórico, e para os museus surgem novas possibilidades de exposição dos
artefatos, que são colocados em um ambiente simulado ao contexto cultural original.
Nesta nova acepção expositiva os artefatos eram agrupados de modo a ilustrar o modo de vida
dos nativos, visando possibilitar a compreensão do significado a partir do contexto de sua
procedência / origem. Neste sentido, as coleções eram relevantes para a pesquisa
antropológica, contudo, era necessário atentar para a forma como eram organizadas e
classificadas estas coleções.
Segundo o pensamento desta época, uma exibição que se preocupasse com o contexto de
exposição das peças era justificada porque desse modo o visitante veria os objetos pelo “ponto
de vista do nativo”. Isto porque, para Boas pesquisador que mais se preocupou com esta
questão no início do século XX a missão da antropologia é apresentar o ponto de vista do
nativo, e criar exposições contextualizadas é o modo apropriado / adequado para que os
museus antropológicos cumprissem essa missão.
Assim, o museu etnográfico era visto como um prolongamento do trabalho de campo, como
destaca Lévi-Strauss em um de seus textos escrito durante os anos de 1950 (LEVI-STRAUSS,
1991:416-421). Ainda segundo ele, o museu de etnologia ou antropologia é um local
8
Vigorava, neste período, a teoria evolucionista, onde a humanidade possuía estágios de evolução e a
Europa era considerada (se considerava) como a sociedade em mais alto nível de evolução encontrava-se
no topo da linha / escala evolutiva.
7
apropriado para o treinamento e a sensibilização dos futuros etnógrafos, destacando estas
instituições como propícias para a realização de estudos sistemáticos de línguas, crenças,
ações e personalidades, ou seja, para se compreender o homem.
Posteriormente, surge uma nova perspectiva também atribuída a Franz Boas chamada
formalística, que concebe os objetos etnográficos como integrantes das Belas Artes.
Entretanto, difere muito da anterior, porque vai de encontro ao princípio da curiosidade. Este
modo de perceber o objeto, chamado perspectiva estética ou formalista, a cultura material
de sociedades ditas primitivas como exemplos de Belas Artes, onde a forma torna-se mais
importante que o conteúdo.
Em meados do culo XX, inicia-se um período conturbado na antropologia, quando tanto o
trabalho de campo quanto o texto etnográfico são analisados e criticados internamente. A
pretensão dos críticos, denominados “pós-modernos”, abarcava todo o fundamento do fazer
antropológico, pois intencionavam desmistificar o método etnográfico do trabalho de campo,
propor uma renovação teórica, deixando de lado conceitos de cultura e sociedade, e propor a
contextualização da antropologia na história do colonialismo, expondo todas as implicações
políticas aí pressupostas.
Neste período, ocorreu um afastamento entre antropologia e museus, ainda que não se fechem
totalmente as relações, pois estes últimos eram vistos pela primeira como locus de tudo pelo
qual a antropologia era criticada: objetificação das culturas, visão etnocêntrica do
pesquisador, presentismo etnográfico, etc. Os museus também sofrem críticas muito fortes em
relação ao tipo de prática que realizam, e, tanto eles como a antropologia, passam por uma
fase de profunda reflexão sobre o seu fazer, durante as décadas de 1960, 1970 e 1980.
Somente a partir dos anos de 1990, quando surgem novas perspectivas de trabalho
antropológico e museográfico / museológico, ambas as áreas emergem de suas crises,
demonstrando que havia superado – totalmente ou parcialmente – as críticas, iniciadas a partir
dos anos de 1970. Estas novas perspectivas de trabalho fazem com que a relação de
reciprocidade se recomponha entre os dois campos: museus e antropologia, no mesmo
patamar e em moldes diferentes daquele existente até meados da década de 1960.
Cabe destacar que, neste fluxo de trabalho entre antropologia e museus, foram construídas
interpretações que estruturaram os modos com os quais a sociedade, como um todo, e
pensa sobre outras culturas, mesmo considerando o distanciamento parcial existente durante
certos períodos do século XX.
Esta relação de reciprocidade da atualidade é diferente porque inclui uma nova perspectiva
trazida por um novo ator: as populações indígenas. Cabe ressaltar que não significa, com isso,
8
que os grupos indígenas não faziam parte das atividades museísticas em meados do século
XX, como é perceptível ao se pesquisar um pouco da história de criação do Museu do Índio.
Mas a participação dava-se em pequena escala, ocasional e restrita a algumas instituições.
Todavia, no contexto atual, sua presença é mais forte, mais atuante e mais abrangente.
Com base no que foi exposto acima este estudo insere-se na perspectiva de trabalhar o(s)
encontro(s) entre antropologia e museu, incluindo o patrimônio cultural. O que se pretende
neste projeto encontra-se mais diretamente relacionado a uma reflexão sobre um modelo de
prática museológica que buscava (busca) uma concepção de museu que inclui o saber
antropológico e o patrimônio cultural: o Museu do Índio. Nesse sentido, a proposta é trabalhar
certas particularidades e peculiaridades de sua criação, implantação e de suas práticas
museísticas executadas após a década de 1990, as quais se vinculam às potencialidades de
ações relativas à preservação do patrimônio cultural no que tange as culturas indígenas.
Assim, a perspectiva desta investigação relaciona-se diretamente com os aspectos da história
da antropologia, com seu fazer teórico-metodológico e com reflexões sobre sua interação com
a área de museus, incluindo nesta última o patrimônio cultural. Trata-se de investigar
antropologia e museus, enquanto campos etnográficos, buscando quais seriam as estratégias,
que as relações estabelecidas entre ambos indicam sua integração prática e teórica que
propiciam para que seus profissionais atuem como interlocutores, articuladores e parceiros em
prol da diversidade cultural. Ou seja, pretende-se destacar quais seriam os mecanismos que
conformam ambos os campos tornando-os mais que mediadores culturais ou árbitros de
conflitos entre culturas, mas atores de um projeto diferente de salvaguarda. Não se trata mais
de guardar fragmentos do que está desaparecendo, como pensavam os antropólogos nos
primórdios da disciplina, mas sim de criar condições propícias para que a diversidade cultural
promova-se no tempo que há de vir.
Em uma visão superficial sobre as relações entre museu e antropologia identifica-se a
instauração de um processo de distanciamento da área museal e patrimonial
9
, iniciado após
9
Na última década do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX pode-se perceber o início do
distanciamento da ciência antropológica e os estudos relativos ao patrimônio cultural e as atividades
ligadas a museologia. Isto porque é neste período que se inicia o processo de distanciamento das teorias
evolucionistas e a instituição do trabalho de campo dentro do campo antropológico. Segundo George W.
Stocking Jr., a ciência antropológica ao utilizar como fonte de estudo das outras culturas ou povos os
relatos de viajantes e moradores (missionários, administradores) das colônias européias tem como
conseqüência o surgimento de uma nova problemática sobre o limite disciplinar, que passa a questionar
sobre as fronteiras entre: antropologia e folclore, antropologia e relatos de viajantes. Para fugir destas
dualidades e problemáticas, no final do século XIX e princípio do século XX inicia-se o processo
metodológico do trabalho de campo - metodologia por excelência da antropologia que propicia ao
profissional / antropólogo realizar uma pesquisa in loco do seu objeto de estudo (Stocking, 1992: 312).
9
sua consolidação como campo de saber distinto daqueles concernentes às ciências humanas, e
cuja parceria somente seria retomada nos anos de 1980. Contudo, ao se buscar um
aprofundamento mais substancial sobre as articulações entre os dois campos compreende-se
que a interação entre ambos é algo que se percebe durante toda a história disciplinar da
ciência antropológica e da área museal, principalmente em se tratando dos museus
etnográficos.
A perspectiva deste estudo está diretamente ligada ao desenvolvimento de novas concepções e
ao surgimento de novos campos de estudos, iniciados nos Estados Unidos e Europa em fins
do século XX, os denominados cultural studies e museum studies”, cuja conseqüência
mais marcante foi a reflexão sobre as relações entre a cultura material (objetos e artefatos
museais) e a ciência antropológica.
Se no passado os museus estavam sempre associados a uma narrativa oficial da nação, nos
últimos vinte anos passaram a ser vistos como locais de negociação. Com isso, cada uma das
partes envolvidas no trabalho com museus demonstra um grande cuidado em relação à
diversidade cultural e com o fato de que o trabalho realizado, na verdade, envolve,
diretamente, a construção de narrativas sobre o “outro”, esteja ele próximo ou distante
(SANTOS, 2004: 68).
Como ciência social a antropologia pretende produzir conhecimento objetivo “sobre o
mundo”, mais diretamente o mundo das outras culturas. Aparentemente esta produção
objetiva encontra-se exibida nos museus de antropologia. No entanto, ao vislumbrar a história
das exposições museológicas descobre-se mudanças na filosofia e no estilo. Isso porque o
trabalho / pensamento antropológico, ainda que comprometido com a pesquisa antropológica,
têm um papel ativo na construção do fenômeno que estuda. Em outras palavras, na medida
que a antropologia produz conhecimento sobre o “outro”, além de, sub-repticiamente, estudar
e apreender a si mesma, ela, também, constrói uma imagem, sentido ou significado desse
“outro” pesquisado.
Em uma investigação mais aprofundada pode-se identificar que a antropologia vem
interagindo com patrimônio cultural e museus desde seu inicio, mas identifica-se uma maior
ênfase durante seus primórdios, certo distanciamento no período entre os anos de 1960 e
1980, e mais recentemente houve uma retomada cada vez maior, em termos de interações e
reciprocidades, entre os três campos: antropologia, patrimônio cultural e museus.
A partir dos estudos realizados pode-se inferir que a ciência antropológica vem fornecendo
um espaço de reflexão e investigação sobre a relação entre as temáticas e buscando
desenvolver ângulos de aproximação que permitam um trabalho antropológico analítico,
10
perpassado por uma articulação entre investigação etnográfica e o fornecimento de subsídios,
os mais diversos, que possibilitem a reflexão sobre a pratica museal.
III. O plano de Dissertação: apresentação dos capítulos
Os museus etnográficos têm assumido um papel importante no tocante à memória, à
preservação de testemunhos diversos de povos e culturas, participando de questões
relacionadas ao direito cultural, à alteridade, ao direito à diferença, à auto-estima e à
cidadania. Ou seja, nos últimos anos os museus etnográficos vêm se destacando no cenário
nacional e internacional como locais propícios para salvaguarda do patrimônio cultural, seja
ele material ou imaterial, das várias etnias com as quais se relaciona por meio de seu acervo.
Com isso, tem se estabelecido como espaço convergente para discussões que incluem as
diversas facetas que são abrangidas ou se referem à diversidade cultural.
Neste sentido, devem ser entendidos como locus privilegiado para a representação /
apresentação de diferentes segmentos étnicos; culturas extintas, indígenas, afro-descendentes,
relacionados à arte e culturas populares, à memória de imigrantes, dentre outros. Nestes locais
os bens culturais expressam narrativas muitas vezes cristalizadas, mas que, devido à
ampliação dos atores que têm atuado nestes espaços, vêm permitindo novas leituras,
compreensões e práticas de representação e colecionamento, como ressalta Abreu ao falar
sobre essa temática:
As coleções formadas por antropólogos a partir de objetos coletados nas pesquisas
de campo m, muitas vezes, o poder de cristalizar imagens poderosas sobre outras
culturas. A visualidade destes objetos e as narrativas que as coleções configuram
são responsáveis pela formação de representações muitas vezes unívocas. Por outro
lado, os recentes debates em torno da auto-representação dos povos antes
esquadrinhados pelos antropólogos trazem novas práticas de colecionamento,
lançando novos olhares e perspectivas. (ABREU, 2005: 101).
A partir destas colocações, argumentos e contextos, cabe destacar que neste estudo a primazia
será dada a investigar o Museu do Índio, enquanto campo etnográfico, inquirindo-o em sua
trajetória, em sua história e em suas ações, visando encontrar pistas / vestígios / informações
sobre as relações entre o fazer antropológico e o Museu. Para tanto, será feito um
mapeamento que abarcará a constituição deste museu e seu momento atual, abarcando seus
11
modelos de expressão e representação, seus pressupostos teórico-metodológicos, etc. Este
mapeamento permitirá visualizar de que forma os bens culturais (etnológicos e imateriais) são
utilizados como possibilidade de contexto e expressão das culturas nas quais foram
produzidos. Também por meio dele, será possível indicar quais são as referências
metodológicas e teóricas que perpassam o trabalho do Museu do Índio, e por fim, quais são os
indícios / sinais que indicam e informam sobre suas relações com a antropologia, no que se
refere à concepção e conteúdo científico expresso por sua forma de abordagem, no período de
fundação e em suas atividades atuais.
Outra pretensão é identificar as estratégias que relevam as relações de reciprocidade entre
museu e antropologia, a partir de um olhar orientado para o tratamento da herança patrimonial
delineada pelos objetos museológicos, priorizando as formas de operar do Museu quando da
sua criação e na contemporaneidade.
Em relação a esta meta, a proposta é discutir e argumentar sobre as reciprocidades entre
museus e antropologia, enfocando períodos da história da ciência antropológica no Brasil em
relação tanto à instituição museal quanto ao delineamento conceitual do termo patrimônio
cultural. Por último, pretende-se também a realização de uma reflexão, ainda que inicial,
sobre as possibilidades futuras quanto ao entrelaçamento entre os museus e a antropologia no
País, contribuindo na elaboração e atualização de conhecimentos teóricos sobre o tema.
O primeiro capítulo tem como objetivo dar a conhecer o percurso dos conceitos e temas chave
deste estudo: patrimônio cultural, museu e antropologia. A intenção deste capítulo é mostrar,
ainda que sem esgotar cada um dos conteúdos dos conceitos, o caminho percorrido por cada
um deles de modo a possibilitar uma melhor contextualização do campo conceitual onde se
insere a investigação ora realizada. Ou seja, trata-se de apresentar os conceitos que são
centrais para esta discussão e que a perpassam implícita ou explicitamente todo o estudo, sem
pretender esgotar seus significados, mas percebendo-os como fundamentos (estrutura) de toda
a controvérsia a ser iniciada.
Com isso, neste primeiro capítulo a expectativa aqui é apresentar um quadro geral sobre o
terreno conceitual, cujo conhecimento é basilar para esta investigação. Desse modo, o
empreendimento aqui proposto objetiva dar a conhecer alguns pontos essenciais sobre os
processos de construção das principais categorias tratadas nesta pesquisa: patrimônio cultural,
museu e antropologia, numa perspectiva de recuperação histórica de seu processo de
construção
10
/ constituição, no intuito de propiciar um embasamento sobre “uma possível
10
Deve-se destacar que os conceitos aqui trabalhados estão em permanente aprimoramento e lapidação,
12
história teórica” (PEIRANO, 2006: 94) de categorias que comporão o percurso deste
trabalho
11
. A assimilação destes rudimentos irá permitir uma melhor apreensão dos
fundamentos onde se encontram assentados / estruturados as questões a serem discutidas nos
demais capítulos.
Cabe ressaltar, novamente, que a elaboração sobre a trajetória de cada um destes conceitos
não é exaustiva e, portanto, não esgota o assunto, mas apenas delineia e reforça alguns
aspectos que se mostram importantes para a compreensão de toda a argumentação que
prossegue nos capítulos posteriores.
Os próximos capítulos segundo e terceiro– irão abarcar o contexto teórico-metodológico
que circunscreveu a concepção e criação do Museu do Índio. Em ambos haverá informações
sobre as concepções antropológicas e de Darcy Ribeiro, que serviram de suporte para a
instituição desse Museu em 1953. Trata-se de recuperar momentos da história da antropologia
e deste antropólogo que são marcadores para a idealização e instituição do Museu do Índio.
A elaboração desse capítulo encontra-se pautada em possibilitar uma abordagem histórica
com maior detalhe sobre a antropologia existente e praticada no Brasil durante o período do
pós-guerra.
Ao vislumbrar a trajetória da antropologia feita no Brasil, tem-se a compreensão de que ela
difere daquela realizada no continente europeu. Isto porque o “outro” da antropologia
brasileira nunca esteve distante, pelo contrário é sempre próximo em termos de espaços
geográficos e culturais. Assim, conhecer / reconhecer o período que abarca os anos de 1940 e
1950 permite localizar as práticas antropológicas executadas no período em que foi criado o
Museu do Índio e de formação do seu idealizador. Também informa sobre as concepções e
elaborações concretizadas por Darcy Ribeiro e que serviram de base para a própria
antropologia no que se refere a sua autonomia disciplinar.
Desse modo, a proposta é tratar de modo mais profundo a história da antropologia brasileira,
enfatizando o período que abrange as décadas de 1940 e 1950, mas também passando mais
detidamente, contudo sem grandes aprofundamentos, pelas primeiras décadas do século XX.
Isto porque, o período que será objeto de um estudo mais cuidadoso e particular, irá requerer
uma rememoração de algumas questões e discussões seminais colocadas em prática pela
ciência antropológica ainda que não fosse concebida como um campo disciplinar
pois, como todo conhecimento, estão inseridos em um processo continuo construção.
11
Este estudo segue a distinção que Mariza Peirano (2006) faz entre história teórica e historiografia. Para
ela uma história teórica é diferente de uma historiografia, porque não possuem os mesmos objetivos.
13
independente durante essas três décadas iniciais do século passado, que serviram de base
para a configuração posteriormente da antropologia acadêmica e cientificamente.
Pode-se ter como certo que, para o escopo deste estudo, o período de maior relevo da história
da antropologia brasileira será as décadas de 1940 e 1950. Contudo, não como apresentar
esta fase deixando de lado a antropologia feita no Brasil nas primeiras décadas do século XX,
principalmente tendo em conta que a década de 1930 pode ser considerada, como destaca
Peirano (1991), academicamente falando, como um divisor de águas.
Um dos destaques desse capítulo é que a antropologia praticada entre 1940 e 1950 procurava
uma imagem do Brasil, e para alcançar este objetivo estabelece como seu objeto de estudo os
grupos indígenas, primeiramente como representante do passado e num segundo momento
como uma das matrizes da cultura brasileira. Também sobressai neste capítulo, em relação à
área museal, que a meta para esta área não se restringia à formação de coleções, mas incluía o
estudo e a análise minuciosa dos povos indígenas, o registro audiovisual e a elaboração de
conhecimento e de uma narrativa sobre estes grupos.
O terceiro capítulo inclui considerações sobre dois temas: primeiro uma apresentação da
história de Darcy Ribeiro, antropólogo formado no pós-guerra, que realizou muitas
etnografias, sendo também indigenista e idealizador do Museu do Índio; segundo uma
exposição de alguns aspectos sobre a política indigenista desenvolvida e propagada na época
de criação do Museu.
Na antropologia e na vida, Darcy Ribeiro é considerado uma figura, no mínimo, singular. Isso
advém tanto da multiplicidade dos seus estudos e atuação política, antropologia, educação,
literatura quanto devido às polêmicas que gerou. Por ser o idealizador do Museu do Índio é
de suma importância compreender um pouco sobre suas concepções antropológicas e sobre
sua ação enquanto etnógrafo.
Tomar conhecimento sobre quais foram os pressupostos teóricos e metodológicos que
orientavam Darcy Ribeiro na criação do Museu, permite visualizar possíveis reciprocidades
entre antropologia e museu, uma vez que, no capítulo anterior terão sido identificados os
pressupostos teórico-metodológicos que regiam a ciência antropológica entre os anos de 1940
e 1950. Ou seja, ao conhecer quais foram as teorias e metodologias que o antropólogo Darcy
Ribeiro seguia e praticava, bem como quais eram os princípios fundamentais e métodos que
orientavam a antropologia quando da criação do Museu do Índio, será factível identificar no
próximo capítulo reciprocidades entre as duas áreas: antropologia e museu.
Contudo, para melhor visualizar o contexto de discussões no qual o Museu foi criado é
preciso considerar também a conjuntura da política indigenista brasileira em voga no período.
14
Isto porque tanto o Museu quanto Darcy Ribeiro são abarcados e atuam em prol dessa
política. Em outras palavras, não é possível uma compreensão real e concreta do contexto que
engloba a criação do Museu do Índio sem ter como referência a política indigenista brasileira
colocada em prática nos idos dos anos de 1950. Isto porque ela influenciou e animou as ações
praticadas pela antropologia e por aqueles antropólogos que atuavam com grupos indígenas e
se afirmavam como indigenista incluindo Darcy Ribeiro bem como serviu de fundamento
para as atividades realizadas pelo órgão gestor do Museu: o Serviço de Proteção aos Índios.
Neste sentido, o terceiro capítulo aborda os pressupostos e perspectivas que nortearam a
instituição do Museu do Índio, que incluem o pensamento de Darcy Ribeiro, seu idealizador, e
as concepções contidas na política indigenista do Brasil na década de 1950.
No quarto capítulo será abordada a criação do Museu do Índio, per si, incluindo informações
sobre os primeiros anos de sua instituição, passando rapidamente por sua história institucional
até chegar ao período mais recente, sendo necessário ressaltar que, a maior ênfase, em termos
de aprofundamento, será dada ao seu período inicial e à contemporaneidade. Assim, a
perspectiva deste capítulo é se deter mais em dois pontos da história do Museu: seus
primórdios e a atualidade, visando explorar alguns aspectos de sua atuação e os princípios que
a norteavam, tanto em termos de teoria e quanto de metodologia.
Como forma de melhor visualizar seu arcabouço e pressupostos teórico-metodológicos serão
apresentadas algumas das suas atividades, que por um motivo ou outro merecem destaque.
Neste sentido, o quarto capítulo contém informações sobre as configurações iniciais e atuais
do Museu do Índio, bem como apresentação de projetos de pesquisa e de atividades
educativas e expositivas realizadas pelo Museu ao longo de sua existência.
Numa primeira mirada, sua instituição também pode ser percebida como um marco tanto para
a teoria antropológica quanto para as áreas da museologia e da preservação do patrimônio
cultural (mais diretamente aquele denominado imaterial). Isto porque o Museu do Índio traz
em seu bojo a idéia corrente na época de desaparecimento da cultura indígena e para tanto, se
torna necessário a criação de um espaço onde toda a riqueza desta cultura seja preservada e
conhecida. Um outro aspecto importante é que sua instituição tem a ver com a idéia de
cidadania e de fruição cultural e social, por meio do conhecimento das culturas indígenas
ainda existentes no País, que perpassa questões como alteridade e identidade cultural, relações
político-sociais, diversidade cultural, etc.
Ao tratarmos do Museu do Índio buscaremos identificar e ressaltar os marcos, em termos de
teoria e metodologia, que propiciaram sua criação e permanência, tendo como pano de fundo
15
as discussões, conceitos, princípios e embates no campo da antropologia durante o período de
sua instituição e depois nas últimas duas décadas, principalmente.
Dessa forma, a pretensão desse capítulo é identificar pressupostos e processos de organização
que conferem ao Museu do Índio o título de um museu à frente de seu tempo
12
. Além disso, é
objetivo desse capítulo situar os elementos que o conformam e propiciam a posição de lugar
privilegiado para discussão sobre patrimônio cultural indígena e lhe permite atuar em prol da
participação cada vez maior dos grupos indígenas nos trabalhos que envolvem exposições e
coleções de suas próprias culturas (ABREU, 2005:113).
O último capítulo apresenta algumas considerações sobre todo o estudo realizado e apresenta
algumas reflexões, a partir das informações coletadas sobre o museu aqui investigado, sobre
as interações e confluências entre os dois campos de conhecimento antropologia e museu. O
objetivo é destacar o que o Museu do Índio e as experiências e atividades por ele
desenvolvidas contribuíram e contribuem para a apreensão da relação entre os dois processos
que são objeto de estudo da antropologia: “a construção do outro e a construção de si ou, dito
de outro modo, a construção simultânea do objeto e do sujeito do conhecimento.” (ABREU,
2005: 124).
As considerações e reflexões de que se compõem este estudo poderão permitir ver o Museu
do Índio, enquanto campo etnográfico, como uma tentativa de concretizar as relações de
reciprocidades e de interação que podem e, porque não, devem ocorrem entre antropologia e
museus. Isto porque suas ações objetivam a construção de situações onde é possível visualizar
situações onde tanto conceitos e insights antropológicos são iluminados por meio da
utilização de coleções etnográficas, quanto essas coleções se utilizam da produção
antropológica para se consolidarem como imagem de culturas reais.
12
Em toda a literatura pesquisada durante a realização deste estudo, diversos autores tratam o Museu do
Índio como um museu à frente do seu tempo, devido às particularidades com que executava (e ainda
executa) suas atividades enquanto uma instituição museal de caráter etnográfico. Esta caracterização,
pelo que foi percebido nos textos pesquisados, foi cunhada desde a fundação do Museu.
16
Capítulo I
Base Conceitual: elementos para o percurso de uma “boa reflexão
antropológica”
13
e teórica
(...), a história da antropologia não é, para o antropólogo, apenas um passado perdido
ou ultrapassado, mas a inspiração para solucionar os problemas presentes, porque
estes já foram enfrentados antes e, possivelmente, nem todas as soluções
devidamente aproveitadas. (PEIRANO, 2006:88).
Mariza Peirano (2006) nos coloca a importância de se buscar na história teórica da
antropologia e nas discussões contemporâneas da disciplina, possibilidades para se
compreender e realizar uma “boa reflexão antropológica”. Isto porque, o processo de
instituição da ciência antropológica é, ao mesmo tempo, “história e teoria”, que se faz em um
processo contínuo de construção. Nesse mesmo artigo, o que segundo Peirano caracteriza essa
“boa reflexão teórica” é o fato do fazer antropológico considerar os debates atuais e aliá-los
aos temas clássicos, viabilizando, desse modo, novas possibilidades de resolver e/ou superar
problemas e demandas que estão postos para a disciplina.
Ao se visualizar a história teórica da antropologia, pode-se inferir que a interpretação sempre
foi o princípio fundamental que guiou as pesquisas antropológicas desde seu início, ainda que
muitas vezes os estudos não tenham (ou são) percebidos como uma forma de interpretar.
Contudo, é essa ferramenta interpretativa que permite à antropologia buscar a realização de
estudos, cada vez mais ricos, sobre as culturas, buscando compreendê-las. Essa busca permite,
ou objetiva compreender o diferente e os outros sentidos atribuídos a padrões culturais, para
em seguida apresentar aos demais (agentes, sujeitos, partícipes, etc.) essa compreensão
antropológica sobre a diversidade e multiplicidade de significados e/ou sentidos do mundo.
Nas linhas seguintes se apresentada a base conceitual, que percorrerá, ora implícita, ora
explicitamente, os próximos capítulos. Trata-se de apresentar uma história teórica dos
conceitos ou categorias centrais nesta dissertação: Patrimônio Cultural, Museu e
Antropologia, sem a pretensão de esgotar seus significados, mas de colocá-los como pano de
fundo e estrutura para o que virá a seguir. Ou seja, trata-se de esquadrinhar certas minúcias
13
Categoria utilizada por Mariza Peirano no texto “Um ponto de vista sobre a antropologia”, publicado
em 2006, no livro Ensino de Antropologia no Brasil: formação, práticas disciplinares e além-fronteiras,
que foi organizado por GROSSI, Miriam Pillar (et alli).
17
sobre alguns usos e definições estabelecidos e consagrados sobre aqueles três conceitos,
assim, não se trata de uma exegese de todos os sentidos que eles podem remeter.
Se a antropologia nasceu se desvinculando de outras disciplinas, como a sociologia, por
exemplo, o fato de ter como objeto de estudo a cultura, que é segmentada, faz com que ela
seja múltipla, visto que quer abarcar toda a diversidade cultural. Isso significa que, tentar
investigar as culturas, no plural e não no singular, como Boas bem nomeou no início do
século XX, teve (e tem) como efeito a multiplicação da antropologia, fazendo com que se
apresente como disciplina multifacetária, e permitindo que abarque e intensifique seu trabalho
sobre um variado leque de estudos e de interações com outras disciplinas.
Esta multiplicidade vem ano após ano se ampliando, revelando o grande apelo interdisciplinar
do fazer antropológico no intuito de apreender seu objeto de estudo. Neste caminho
interdisciplinar a antropologia, na busca por compreender e interpretar as culturas, também se
entrecruza e interage com os outros conceitos aqui abordados: museu e patrimônio cultural.
Com isso, neste capítulo a perspectiva aqui colocada é mapear o terreno conceitual, que é base
deste estudo, no intuito de realizar relatos pontuais, com a maior e mais profunda envergadura
possível, sobre os vários processos de construção das três principais categorias tratadas nesta
pesquisa: patrimônio cultural, museu e antropologia. A meta aqui proposta é trabalhar os
rudimentos destes conceitos numa perspectiva de compilação histórica de seu processo de
construção
14
/ constituição, no intuito de propiciar um embasamento sobre “uma possível
história teórica” (PEIRANO, 2006: 94) de categorias que comporão o percurso deste
trabalho
15
.
I. Patrimônio Cultural: a trajetória dos sentidos e formas de acautelamento da
modernidade até fins do século XX.
A palavra patrimônio (heritage) em sua raiz etimológica significa herança paterna e encontra-
se relacionada à noção de bens de família. Somente depois do século XVIII passa a se referir
14
Sem deixar de conceber o processo contínuo que prossegue durante a realização deste estudo, todas as
noções aqui tratadas / recuperadas não se encontram prontas e acabadas, mas sim permanecem em
construção constante.
15
Peirano faz uma distinção sobre história teórica e historiografia que seguimos neste trabalho. Segundo
ela, história teórica é distinta de uma historiografia, dando como exemplo o seguinte: (...) trazer a tona a
correspondência de Radcliffe-Brown e Margaret Mead sugere uma interação teórica significativa dos dois
autores, mas não elimina (por enquanto) a distinção clara que os antropólogos britânicos m insistido em
manter entre eles e a chamada ‘escola de cultura e personalidade’.”, pois segundo ela, “historia teórica e
historiografia” não coincidem e não possuem os mesmos objetivos. (Peirano, 2006: 94).
18
a algo (bem ou conjunto de bens) que se refere a uma memória coletiva pertencente a um
agrupamento social e por isso deve ser alvo de ações que visem sua preservação, para que
possam ser disponibilizados para usufruto de todos os participantes deste grupo social.
As preocupações com a preservação do patrimônio cultural e com a criação de mecanismos
que permitam sua salvaguarda têm início com a modernidade. É neste período que se têm
tanto as primeiras elaborações sobre quais os bens seriam preserváveis quanto sobre como se
constituiriam as primeiras políticas visando à preservação dos mesmos.
As primeiras iniciativas para a proteção do patrimônio cultural datam da segunda metade do
século XVIII, período em que a Revolução Industrial e Revolução Francesa
16
provocavam
uma verdadeira transformação nas técnicas de produção e, consequentemente, nas relações
sociais e políticas. Nesta dupla revolução as formas tradicionais e artesanais de trabalho foram
sendo substituídas pela rápida e impessoal indústria; as máquinas, cada vez mais,
predominavam o cotidiano laboral e conquistavam crescente importância dentro da vida das
cidades, que cresciam vertiginosamente em termos territoriais, de adensamento do tecido
urbano e populacional.
Segundo Hardman (1988) a modernidade podia ser descrita como um trem possuidor de um
poder transfigurador da realidade por causa da sua velocidade. Essa velocidade altera a visão
da paisagem e das pessoas que vêem o trem passar, transformando a percepção espaço-
temporal. Para esse autor, o trem propicia uma ilusão de ótica, aumentando ou diminuindo o
tamanho das paisagens, manipulando o movimento das formas e figuras, que ele denominou
como fantasmagoria.
Continuando sua argumentação, Hardman (1988) a modernidade enquanto espaço-tempo
onde homens e mulheres perdem seus referenciais, sentem-se como se estivessem num
labirinto, cujo enigma deve ser decifrado para reencontrar suas convicções que estão fora de
foco.
Esta qualidade da modernidade também é observada por Berman (1986) quando tenta
descreve-la a partir da frase de Marx: "tudo que é sólido e estável se volatiza". Segundo ele
esta frase não apresenta a modernidade como mudanças de valores espirituais e materiais,
de choque entre forças inconciliáveis trazidas pelas mudanças políticas e sociais que estão
16
É na revolução francesa que se usa pela primeira vez a palavra patrimônio com o significado utilizado
hoje e é quando se instituem leis e penalidades sobre as obras que simbolizam o passado. Além das
transformações neste período tem-se um questionamento sobre a produção arquitetônica e o passado
passa a ser considerado como perfeição e, por isso, deve ser preservado tal como se encontra pessoas
colecionam fragmentos / objetos da antiguidade clássica; a sociedade é tomada pelo sentimento de que é
impossível recriar os objetos, vistos como ideal artístico, daí a necessidade de preservá-lo.
19
ocorrendo; ela também permite que a modernidade seja traduzida como certa instabilidade na
vida dos homens. Com isso os homens se sentem deslocados temporal e espacialmente, tudo
se torna estranho e inacessível.
Neste texto, Berman utiliza da simbologia da "cidade fantasma" para apresentar as cidades
modernas como algo em constante mudança, onde nada permanece (tradições são esquecidas,
pessoas não mais se encontram). Em sua concepção, a modernidade é um lugar de
desencontros e instabilidades. Nesse aspecto, para o autor, a sensação de irrealidade e
infinitude em que o homem se encontra é fruto da ilusão causada pela grandiosidade e
velocidade do progresso (BERMAN, 1986: 149).
Esta transformação das cidades causada por grandes reformas urbanísticas e, muitas vezes,
pela forte desumanização dos espaços, tão bem expostas por Berman e Hardman, suscitou,
nos primeiros anos depois da dupla revolução, uma preocupação com a conservação da cidade
pré-industrial, visto que a cidade antiga encontrava-se prestes a ser destruída pela "mão"
avassaladora da modernidade.
A questão do patrimônio nasce, portanto, neste embate entre a necessidade de conservar a
cidade existente os monumentos e bens culturais que diziam respeito à história e à memória
social / coletiva. A proposta era uma tentativa de conjugar passado e futuro, que habitam
juntos o tempo presente, e era justificada pela necessidade de salvar aquilo que está em
desaparecimento.
Os efeitos desse esquema de pensamento em termos de práticas envolvendo os
chamados patrimônios culturais será o de desenvolver um interminável trabalho de
resgate, restauração e preservação de fragmentos visando a restabelecer uma
continuidade com aquela situação originária. Embora haja um lamento constante em
relação a esse processo de fragmentação e perda, ele, na verdade, não é apenas um
fato exterior ao discurso, mas algo que coexiste com o esforço de preservação tal
como aparece nos discursos sobre patrimônio cultural. (GONÇALVES, 2002: 24).
A primeira forma de preservação nasce na França
17
, em 1794 quando se instituiu, no texto da
Convenção Nacional Francesa, os princípios para a preservação dos monumentos históricos.
A abordagem preservacionista, de então, era de catalogar e inventariar bens edificados
igrejas católicas e monumentos. O objetivo era evitar a destruição ampla e generalizada destes
17
Os bens culturais são constituídos ao mesmo tempo em que ocorre a formação dos Estados nacionais,
que fazem uso dessas narrativas para construir memórias, tradições e identidades.
20
bens, pois a população buscava sistematicamente destruir edificações e monumentos que, em
seu entendimento, encontravam-se ligados ao poder do antigo regime (Estado ou Igreja).
Havia, entretanto, aqueles que entendiam que estes bens diziam respeito à memória da França
enquanto nação, e que, por isso, deveriam ser considerados patrimônios históricos e artísticos
do Estado francês, sendo, nesse caso, necessário criar mecanismos que viabilizassem sua
permanência no futuro.
Nesta perspectiva, de guardar aquilo que se referia a uma memória nacional, foi criada na
década de 1870, pelo governo francês, a primeira instituição preservacionista: o conselho de
patrimônio, que foi um marco significativo para as primeiras elaborações de uma percepção
preservacionista de bens que comporiam o patrimônio cultural.
Neste momento, a prerrogativa de preservação era para bens arquitetônicos e para a
monumentalidade
18
que faziam referência a uma história nacional: os denominados bens de
“pedra e cal” e/ou que eram artisticamente excepcionais. A justificativa de preservação neste
período pode ser descrita com base em três motivações:
1º) Porque se identifica nos monumentos os valores morais que a sociedade, de então,
estava perdendo;
2º) Para se ter (ou criar) uma identidade nacional baseada em um passado comum e
construir seu próprio tempo sócio-político com as soluções utilizadas anteriormente;
3º) Para recuperar a humanidade do homem por meio da recuperação dos modos de fazer
de antes, em detrimento da maximização do uso das máquinas trazidas com a
Revolução Industrial.
No princípio do século XX se tem início às discussões em conjunto sobre questões relativas à
preservação do patrimônio cultural. Em 1920, países europeus se reuniram na Grécia para
discutir a questão da preservação e, em 1933, Le Corbusier escreveu a Carta de Atenas
19
, que
colocava a política de preservação ligada ao tombamento de bens isolados.
Nas primeiras décadas daquele mesmo século, iniciam-se no Brasil as primeiras discussões
sobre a preservação do patrimônio, seguindo os mesmos passos do que ocorria na Europa,
18
A palavra monumento refere-se “ao fazer lembrar”, sua concepção e materialização buscavam um
reforço à lembrança gerando um pertencimento e uma identificação.
19
A Carta de Atenas foi a primeira Carta, promulgada pela Sociedade das Nações Unidas depois de
1945 ONU (Organização das Nações Unidas), com referências à questão do patrimônio, utilizam-se dos
conceitos básicos, doutrinas e concepções sobre as técnicas de Restauro, contudo observando a preferência
do direito coletivo. A Carta de Atenas norteou a elaboração dos próximos documentos que passaram a
direcionar a política mundial de preservação do patrimônio, uma vez que se baseava no desenho
contextual como uma intervenção do novo, e atuando em conjuntos residuais.
21
preservação de bens excepcionais e de “pedra e cal”. A discussão se inicia com Mário de
Andrade e outros intelectuais modernistas que buscavam identificar o que poderia configurar
o caráter genuinamente brasileiro.
A pretensão deste grupo era identificar, para posterior proteção, aquilo que constituía o cerne
da cultura genuinamente brasileira e que estaria desaparecendo. Neste sentido, viam a
necessidade de estabelecer estratégias que possibilitassem fazer frente ao processo inexorável
de desaparecimento em que se encontravam os bens culturais, que eram referência da nação
20
,
como nos mostra Gonçalves:
(...) intelectuais nacionalistas m como propósito fundamental a apropriação,
preservação e exibição do que eles consideram como o que pode ser salvo do
processo de destruição e perda do patrimônio cultural da nação. (GONÇALVES,
2002:31).
O objetivo primordial destes intelectuais foi o de estabelecer a identidade nacional, tanto para
os próprios brasileiros (internamente), quanto para os estrangeiros (externamente). Sua
investigação foi a essência para a criação de uma política de preservação daquilo que seria o
patrimônio cultural nacional, instituída pelo governo de Getúlio Vargas com a promulgação
do Decreto Lei 25 de 1937
21
. Cabe ressaltar que o decreto citado foi elaborado tendo como
base um anteprojeto de lei elaborado por Mário de Andrade que criava o Serviço de
Patrimônio Artístico Nacional (SPHAN) e que trazia em seu bojo o conceito de patrimônio
mais ampliado. Contudo, essa ampliação somente foi incluída, dentro da legislação
preservacionista brasileira, em 2000 com o Decreto-lei 3551, que rege a preservação dos bens
de natureza imaterial ou intangível.
Em decorrência, principalmente, da criação da Organização das Nações Unidas – ONU
(1948), a partir de meados do século XX foram realizados numerosos encontros e reuniões
entre vários países cujo resultado foi a criação de documentos que visavam uma linha mundial
20
Estes bens culturais que se referem à identidade nacional são eleitos a partir de viagens realizadas por
intelectuais modernistas Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e seu filho Nonê,
Blaise Cendrars, Olívia Guedes Penteado, Gofredo da Silva Telles e René Thiollier. Nestas viagens
(caravanas modernistas) é que se tem a concepção de que o barroco de Aleijadinho (Ouro Preto) e
expressões da cultura popular como aquilo que distingue a brasilidade, ou que faz do Brasil Brasil.
21
Este decreto não considerou todos os estudos dos modernistas, uma vez que a percepção do grupo de
intelectuais incluía aqueles bens de natureza processual ou imaterial, que somente em 2002 foram
regulamentados por legislação. Para maiores esclarecimentos vide José Reginaldo Gonçalves, 2002.
22
de conduta na preservação do patrimônio cultural. E o Brasil estava incluído neste conjunto de
países que participavam da elaboração destas convenções.
Estas reuniões e estes documentos, ao longo de décadas, resultaram em uma modificação
gradual e contínua sobre a concepção do que deveria ser considerado patrimônio cultural. A
política de preservação do patrimônio, que num primeiro momento era de preservar bens
isolados, devido ao seu valor arquitetônico e/ou histórico
22
, passa a ser a conservação de
conjuntos arquitetônicos, e posteriormente, devido à influência do conceito antropológico de
cultura, passa a incluir terceiro momento um conjunto de bens materiais e imateriais, com
critérios de: estilismo histórico e arquitetônico, meio ambiente, cultura, referência simbólica,
etc.
Esta transformação, ocorrida nos últimos trinta anos em relação à noção de patrimônio
cultural, no mundo e, também, no Brasil
23
, tem como resultado uma transformação conceitual
fazendo com que este conceito passe, então, a englobar outros tipos de bens que pertencem ao
fazer popular - é o chamado patrimônio imaterial. Este patrimônio pode ser definido como o
conjunto de formas de expressão cultural, tradicional, popular e folclórica - obras coletivas
produzidas por uma cultura que se baseiam na tradição e se transmitem oralmente ou por
gestos, e se modificam com o passar do tempo por meio de um processo coletivo de re-
significação e re-simbolização dos bens culturais tangíveis ou intangíveis.
Esta nova configuração terminológica faz com que o patrimônio cultural englobe toda a
diversidade cultural presente em nossas sociedades: as formas de expressão; os modos de
criar, fazer, viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
Assim, tão importante quanto a ampliação do conceito de patrimônio cultural é o
entendimento de sua natureza processual. Para além da concepção de legado, produzido em
tempos remotos, ou de excepcionalidade artística, é também patrimônio cultural as
transformações provocadas por um grupo social na suas respectivas heranças culturais. Ou
seja: é patrimônio cultural aquilo que se produz hoje e que amanhã traduzirá, para as gerações
22
Neste período identificar os bens culturais significa quase automaticamente tombá-los.
23
Vale ressaltar que no Brasil, já em 1930, havia o pensamento da importância de valorização de bens do
fazer popular, conforme consta no anteprojeto feito por Mário de Andrade, modificado por cortes
realizados durante sua análise por membros do governo daquela época, cujo resultado foi a instituição do
Decreto- lei 25 da Constituição de 1937.
23
futuras, um modo de viver, de integração dos grupos sociais com os espaços físicos de sua
cidade, os aspectos da identidade desses grupos, bem como das relações estabelecidas com as
manifestações culturais tradicionais, e também com o que permaneceu e o que caiu no
esquecimento.
A partir destas mudanças, a preservação do patrimônio cultural não pode ser considerada
apenas como ações de revitalização, conservação e preservação de um bem cultural. Ela vai
além dessas fronteiras, visto que traz em seu bojo uma relação intrínseca com a representação
simbólica dos indivíduos, separados ou em conjunto. O bem cultural, o patrimônio, está
intrinsecamente relacionado ao simbólico, como destaca Sérgio Mamberti:
A proteção e a promoção da diversidade dos conteúdos e expressões culturais são
elementos estratégicos de construção da ordem democrática e estão entre os deveres
básicos dos governos e estados nacionais. Cada sociedade, grupo social ou indivíduo
tem um conjunto de expressões singulares, que refletem um modo de viver próprio e
um sistema de valores, com os quais se constroem as diversas identidades. Elas, por
sua vez, podem se reconhecer e se respeitar pelo diálogo e pelos intercâmbios.
(MAMBERTI, 2005: 21).
A possibilidade de que um grupo ou indivíduo se sinta representado pelo bem cultural
preservado se revela na forma pela qual o agente, instituinte e constituinte do patrimônio
cultural, se identifica com objetos, lugares, espaços, expressões, fatos, manifestações,
símbolos e valores que dizem respeito a um passado comum e que passa a se impor como
passível de preservação, revitalização ou divulgação.
II. Museus: trajetórias entre o templo das musas e a prática social
Museu palavra latina de origem grega Mouseion, que significa o templo das nove musas que
denominavam os diferentes campos das artes e ciências, mas que também está relacionada à
Mnemousine, divindade da memória, que era, junto com Zeus, mãe das nove deusas. Ao se
buscar no dicionário Aurélio
24
(Dicionário Aurélio Século XXI, versão 3.0 novembro de
1999) o significado da palavra museu, além da indicação etimológica da palavra, tem-se sua
descrição como:
24
Dicionário Aurélio Século XXI, versão 3.0 – novembro de 1999
.
24
Qualquer estabelecimento permanente criado para conservar, estudar, valorizar pelos
mais diversos modos, e, sobretudo, expor para deleite e educação do público,
coleções de interesse artístico, histórico e técnico. (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1999)
25
.
Desta descrição pode-se destacar que um museu é um local que inclui desde a perspectiva
preservacionista (conservar e valorizar, interesse artístico, histórico e técnico), passando pela
científica (estudar, interesse histórico e técnico) e indo até atividades lúdicas e de transmissão
de conhecimentos (deleite e educação). Ou seja, na atualidade uma instituição museal se
apresenta como espaço para a investigação, salvaguarda de bens, fruição cultural,
conhecimento ou aprimoramento deste e lazer, oferecendo um leque variado de possibilidades
de apropriação, percepções e significados.
O uso da terminologia museu somente foi retomado
26
no século XV, período em que, devido
à expansão marítima européia e ao Renascimento, que propiciaram novas concepções
científicas e humanistas - ou releitura de antigas idéias. Neste período houve uma grande
mudança no olhar trazido pela revelação ao "velho mundo" do "novo mundo". Isso que dizer
que, as novas descobertas ultramarinas que indicavam a existência de outras culturas / outros
povos, tiveram como conseqüência um incremento às coleções principescas e/ou a iniciativa
de criação de várias coleções.
Durante o expansionismo europeu teve início uma onda colecionista, que passaria a ser
prática corrente e incluía desde obras de arte da antigüidade e da produção artística da época
(financiadas por mecenas pertencentes à nobreza) até objetos / artefatos ("tesouros") e
curiosidades vindas das expedições às Américas e à Ásia. Muitas destas coleções tinham
como motivação simbolizar poder econômico e político ou mesmo tentar simular a natureza
vista e relatada pelos viajantes, estas últimas eram aquelas formadas por estudiosos que
reuniam em sues gabinetes de estudo grande numero de espécies (animais e vegetais)
coletadas e de objetos trazidos das expedições. Estas coleções eram também denominadas de
gabinetes de curiosidades. Depois de algum tempo as coleções iniciaram um processo de
especialização, e passaram a ser organizadas seguindo os critérios ditados pelas concepções
25
Dicionário Aurélio, verbete Museu.
26
O termo museu desde a antiguidade clássica grega ficou em desuso, somente vindo à tona quando o
colecionismo passou a ser considerado "moda" na Europa ocidental.
25
científicas que vigoravam entre os séculos XVII e XVIII. Neste sentido, deixava-se de lado
uma função de curiosidade e passava-se a uma proposta de investigação científica pragmática
e utilitária.
Grande parte destes, então denominados, museus se transformaram, a partir do século XIX,
em museus conforme concepção atual, pois, em sua origem não havia visitação pública
27
, e a
possibilidade de fruição somente era permitida a alguns poucos: o próprio colecionador e
aqueles que lhe eram mais próximos / íntimos. Michael M. Ames traça, assim, um quadro
desta situação e sua evolução paulatina em relação ao acesso para pesquisas:
A few hundred years ago in European countries scholarship and museum collections
were restricted to a few people, typically only members of the ruling classes or
gentry. Public access to writings and works of art was strictly limited to distant
viewing in formal institutions such as cathedrals or on formal royal occasions. (...)
Many collections of natural and cultural materials began as private trophies,
curiosities, and booty of the wealthy; other collections were religiously inspired and
were used by the churches more for veneration than for study. (AMES, 1992: 16).
Muitos foram os antecedentes que influenciaram a criação de museus no sentido em que
atualmente são compreendidos: a invenção da imprensa, a expansão da educação, o
incremento da importância das classes médias, o desenvolvimento da democracia, as recentes
buscas por preservação de bens culturais que diziam respeito à uma memória coletiva, a
ampliação e crescente complexificação das coleções de artefatos / objetos advindos das
colônias européias. Todos estes fatores contribuíram para que se institucionalizassem os
antigos gabinetes de curiosidades como espaços acessíveis ao grande público. Cabe ressaltar
que, este acesso vai se ampliando paulatinamente durante vários anos achegar ao século
XX. Ainda segundo Ames, naquela mesma publicação, esse fato é perceptível quando se
observa que nos dois séculos anteriores havia complicados quadros de horários de
funcionamento e muitas restrições ao acesso que serviam muito mais para bloquear a entrada
do público do que para permitir sua entrada. Um acesso mais abrangente somente ocorrerá a
partir do século XX.
A consolidação deste sentido em que se emprega o termo museu na era moderna ocorre no
século XIX, período de apogeu destas instituições e em que, na Europa, muitas foram criadas,
27
A visitação por parte do grande público somente teve início em fins do século XVIII, quando surgiram
os primeiros grandes museus nacionais.
26
tais como: Museu Britânico (Inglaterra), Belvedere (Viena), Museu Real dos Países Baixos
(Amsterdã), Museu do Prado (Madri), Altes Museum (Berlim) e Museu Hermitage (São
Petersburgo).
Para os estados nacionais que se instituíam neste período, a criação desses museus tinha como
pressuposto demonstrar sua legitimidade, em termos simbólicos, indicando o sentido de
antigüidade de sua existência enquanto povo / nação. Outro ponto crucial na
institucionalização dos museus, dentro da acepção moderna do termo, é que suas coleções
(incluindo botânica, zoologia, mineralogia, etnografia, arqueologia), além de demonstrar sua
origem remota enquanto um povo / uma nação única, também serviam para apresentar os
acervos adquiridos pelas expedições científicas durante viagens às colônias recém
descobertas.
É também no século XIX que, no Brasil, surgem os primeiros museus e os primeiros trabalhos
de caráter mais etnográficos, cuja perspectiva era predominantemente colecionista. O
primeiro museu brasileiro a ser criado foi o Museu Real (atualmente Museu Nacional da
Quinta da Boa Vista), em 1818 por D. João VI, então rei de Portugal, quando da transferência
de sua corte para o Brasil. Em fins deste mesmo século destaca-se a criação de outros dois
museus o Paraense Emílio Goeldi e o Paulista (hoje Museu do Ipiranga). Estes dois e o
Museu Nacional se caracterizavam pelo alinhamento da perspectiva de investigação em
ciências naturais, pela coleta, estudo e exibição de objetos e pelas pesquisas de caráter
essencialmente enciclopédico. Esta tríade institucional teve papel importante em relação à
preservação da "riqueza local e nacional" bem como em relação à produção intelectual e
científica do País, muito ligada a uma interpretação evolucionista e que muito contribuíram
para a divulgação das teorias raciais, em voga na época. Este caráter evolucionista e de
difusão de teorias raciais ainda perdurou com grande força e com igual ênfase,
principalmente, até as duas primeiras décadas do século seguinte, perdendo o vigor somente
no período do pós-guerra
28
. A perspectiva destes museus era “encontrar em culturas afastadas
exemplos de estágios mais atrasados que comprovassem uma infância da civilização.
(ABREU, 2005: 106 – grifos da autora).
Cabe destacar que, foi durante o primeiro quartel do século XX, quando da criação do Museu
Histórico Nacional, que ocorreu uma grande modificação na proposta museal que até então
vigorava. A instituição desse museu traz em seu bojo o rompimento com a tradição anterior e
introduz um novo modelo de museu dedicado à história e à pátria e que objetivava a
28
Esta idéia está presente nos textos de Regina Abreu (2005) e Letícia Julião (2002). Vide bibliografia.
27
formulação, por meio da cultura material, de elementos que conjugassem uma idéia de
nacionalidade. Este período é marcado por uma forte movimentação dos profissionais ligados
a museologia brasileira e este novo modelo de museu, que foi repassado para outras
instituições museais, incrementou as possibilidades para a área tendo como uma das
conseqüências a instalação do curso de museus por Rodrigo Barroso, quando diretor do
Museu Paulista (SANTOS, 2004: 56)
29
. O ponto de vista dessa época era que a instituição
museal tinha como destino veicular e legitimar a "história oficial" e, para tanto, deveria ser
mais que um espaço de produção de conhecimento e sua proposta institucional deveria conter
a perspectiva de ser um local para educar o povo e promover a integração e coesão social.
Durante as cinco primeiras décadas do século passado foram realizadas grandes expedições
no Brasil com a finalidade de recolha de objetos dos povos indígenas financiadas ou
realizadas parcialmente por grandes museus estrangeiros. Uma outra finalidade destas
expedições era documentar materialmente, por meio dos artefatos coletados, culturas que
estavam em extinção visando posterior estudo das mesmas. Estes bens culturais tinham como
destino os acervos dos museus então existentes, pois, conforme Abreu destaca, “apreender o
exótico era, antes de tudo, salvar o que irremediavelmente se perderia; daí a significação de
relíquia ou de testemunho, expressos pelo recolhimento de artefatos.” (ABREU, 2005:107).
Cabe destacar que, o trabalho antropológico destas primeiras cinco décadas era, em sua quase
totalidade, financiado pelas instituições museais, uma vez que a antropologia não se
encontrava institucionalizada frente a órgãos de fomento à pesquisa científica e as
organizações de vertente mais antropológica, exceto museus, eram ainda incipientes. Assim,
os trabalhos etnográficos que se realizavam nestas expedições eram, em sua maioria, fruto de
pesquisas com recursos dos museus (advindos de parcerias com instituições do exterior), que
tinham em contrapartida a incrementação de seus acervos com objetos trazidos,
principalmente, de tribos indígenas. No final desta fase, a prática de colecionismo não se
reduzia a objetos indígenas e com o advento dos estudos da arte e cultura popular, outros tipos
de objetos também passaram a ser alvo dessa prática com o intuito de registrar uma alteridade
mais próxima (não tão distante / diferente): artefatos dos sertanejos, objetos relacionados aos
grupos afro-brasileiros e ao folclore. Com essa inclusão de novos tipos de objetos a serem
coletados, surgem no Brasil museus que têm como objetivo o registro das tradições populares.
29
Nas palavras de Myriam Sepúlveda dos Santos: “Mas foi ainda Barroso que exerceu papel importante
na configuração dos demais museus. Ele foi o responsável pela criação do Curso de Museus, que, entre
1932 e 1970, formou técnicos para todo o País.” (SANTOS, 2004:56)
28
Exemplo deste tipo de instituição é o Museu do Folclore Edison Carneiro (criado em 1968)
30
,
que propunha uma contextualização dos objetos museais, que objetivava propiciar a
compreensão do contexto social no qual o artefato foi produzido seguindo a proposta
expositiva de Franz Boas, muito prestigiada neste período ainda que não tenha sido elaborada
teoricamente em nenhum de seus escritos.
Contudo, até meados do século XX, ainda perpassava nos museus, mesmo que de modo mais
brando e mais em museus de caráter menos etnográfico, a idéia de representação de uma
unidade nacional, o museu ainda representava um discurso único que impossibilitava ao
visitante se identificar com o que via, ou seja, o público era pouco mais que um expectador.
A partir do final dos anos de 1960, os museus passam para segundo plano, enquanto local de
produção científica. Nesse período, ocorreu, no Brasil, a institucionalização e a criação de
departamentos das ciências sociais nas universidades, bem como a fundação de organismos de
fomento à pesquisa científica. Como conseqüência da diminuição do ingresso de novos
objetos nas coleções museológicas, da impossibilidade de interpretação dos significados das
coleções pelo público, da idéia de discurso coletivo único e do fato de que os estudos sobre
cultura material perdem sua fluidez, os museus sofrem inúmeras críticas de diversos setores e
passam a ser vistos como algo a ser superado. Myriam Sepúlveda dos Santos ao realizar um
mapeamento geral sobre os museus do Brasil comprova esta crítica relativa aos museus:
Ao longo da década de 1970, foram correntes as críticas, oriundas dos mais diversos
campos do saber, aos museus. Dizia-se que os museus representavam os lugares das
histórias oficiais, do autoritarismo das elites ou ainda das sociedades sem história.
(SANTOS, 2004: 53).
31
Durante estas duas cadas, entre 1960 e 1980, houve uma mudança de perspectiva dos
museus que, influenciados pela prática reflexiva que predominava as áreas das ciências
30
O Museu de Folclore Edison Carneiro foi criado em 1968, entretanto seu acervo foi se constituindo a
partir da instalação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro iniciada na década de 1950.
Atualmente este Museu faz parte do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular - CNFCP, órgão
federal ligado ao Ministério da Cultura, cuja preocupação centra-se na pesquisa e preservação das
manifestações populares e folclóricas brasileiras.
31
Não se deve esquecer que esta crítica também se refere ao fato de que após 1964 houve , por parte dos
militares, a apropriação dos símbolos nacionais para criarem a idéia de unidade nacional, fonte de parte
dessa crítica dos museus.
29
humanas, incluindo a antropologia, no mesmo período e/ou sob os auspícios da Nova
Museologia
32
, que propiciou um deslocamento do olhar: de uma alteridade cristalizada
33
,
elaborada dentro de um ponto de vista ocidental moderno, para uma alteridade máxima
34
, que
vinha a tona pelo auto-retrato que o outro fazia de si mesmo. Esta possibilidade se torna
factível a partir das experiências dos museus etnográficos instituídos e gerenciados pelos
próprios indígenas
35
. Nesta perspectiva, Abreu destaca que:
De outros do discurso antropológico e museológico, estes representantes de povos
indígenas passaram a sujeitos do próprio discurso, evidenciando um processo de
construção de alteridade mínima nos museus. (ABREU, 2005: 113 – grifos da
autora).
No bojo das transformações relativas ao campo museal, ocorridas nos últimos anos do século
XX e no início desse século, a saber: Nova Museologia, ampliação conceitual de patrimônio
cultural, deslocamento do olhar museológico, globalização econômica e cultural, os museus
passaram a ser compreendidos não mais como locais de guarda de relíquias, mas como peças
centrais no panorama político e sócio-cultural dentro e fora do Brasil. Segundo Romero
Tejada:
(…) museos en tiempos recientes han dado un viraje que le está separando
progresivamente de la sacrosanta relación que les ligaba a las expresiones materiales
de la cultura, para dar a conocer por fin otros aspectos, todos también muy
significantes, de esa misma cultura, y aunque no pueden abdicar de su deber de
memoria sobre los bienes patrimoniales, deben encontrar caminos originales que le
permitan abarcar la totalidad cultural que hoy inspira al patrimonio. (ROMERO DE
TEJADA, 2005: 05).
32
Este novo ponto de vista, que concebia os museus como um tipo de instituição politicamente engajada e
comprometida com os processos de transformação social, nasceu a partir tanto das reflexões e documentos
produzidos durante a Mesa Redonda de Santiago do Chile (convocada pela UNESCO e realizada em 1972,
em Santiago do Chile/ Chile), a Reunião Internacional de Quebec (realizada em outubro de 1984, na
cidade de Quebec/Canadá) quanto devido às experiências museológicas desenvolvidas no México, França,
Suíça, Portugal, dentre outros paises.
33
Conceito elaborado por Regina Abreu (2005), vide bibliografia.
34
Conforme indicado na nota nº. 17 a palavra monumento refere-se “ao fazer lembrar”, sua concepção e
materialização buscavam um reforço à lembrança gerando um pertencimento e uma identificação.
35
Para exemplos de museus dentro desta perspectiva vide artigo de James Clifford (2003): Museologia e
Contra-história: viagens pela Costa Noroeste dos Estados Unidos.
30
A percepção sobre museu se transforma para além da concepção de um local de práticas
sociais complexas relacionadas com passado, presente e futuro, passa a ser visto como centro
conectado à criação artística e científica, comunicação, produção de conhecimento e
preservação da memória (bens e manifestações culturais) não apenas de um grupo social, mas
de toda a diversidade social e cultural.
Hoje, os trabalhos nos museus não se restringem a facilitar o acesso do blico, mas também
se direcionam ao incentivo às pessoas a freqüentá-los. Atualmente são seus objetivos, dentre
outros, tornar-se atrativo para o público, a proporcionar a possibilidade de representação dos
vários e variados grupos da sociedade e buscar por mecanismos e instrumentos que
possibilitem abranger os múltiplos aspectos do patrimônio e da diversidade cultural.
III. Antropologia: da busca pelo conhecimento do diferente ao encontro reflexivo
sobre si mesma
Antropologia (cuja origem etimológica deriva do grego άνθρωπος anthropos, (homem /
pessoa) e λόγος logos (razão / pensamento) é a ciência que objetiva o estudo do homem. Sua
preocupação encontra-se centrada em conhecer o ser humano em sua totalidade, o que lhe
confere um duplo aspecto: 1) como ciência social se propõe conhecer o homem inserido em
grupos sociais, 2) enquanto ciência humana estuda o homem como um todo – história,
representações simbólicas, costumes, etc.
Sua história disciplinar se inicia a partir do contato entre culturas diferentes e é marcada pela
busca, do homem ocidental, em conhecer e compreender o "outro" / o diferente como uma
forma de auto conhecer-se e se auto-afirmar social e culturalmente. Na atualidade, além dessa
dupla preocupação, a antropologia também é perpassada pela busca em conhecer a si mesma
enquanto campo de saber, e, para tanto, se debruça reflexivamente sobre sua história
disciplinar buscando um auto conhecimento e sua auto-afirmação como área de
conhecimento, ao mesmo tempo, diferente e semelhante às demais das ciências humanas. Este
foi um longo caminho percorrido permeado e perpassado por teorias e práticas das mais
diversas, fruto do diálogo com várias áreas do conhecimento
36
. Este percurso é um pouco o
36
Ressalta-se que muitos dos paradigmas aqui apresentados, em forma bastante condensada e mais
superficial, não podem ter seu uso concebido dentro da demarcação temporal estabelecida neste texto,
31
que será feito aqui de modo que se tenha uma visão ampliada do contexto de desenvolvimento
da ciência antropológica, buscando identificar alguns pontos que, posteriormente, serão
trabalhados em termos de confluências entre antropologia e os dois outros conceitos objeto de
análise e definidos nas páginas anteriores (Patrimônio Cultural e Museus). Como ressalta
Peirano ao falar da matriz disciplinar antropológica:
Aqui é necessário assinalar, com ênfase, que a passagem de um contexto a outro não
é descontínua e tampouco excludente. o se trata de uma revolução científica, nos
termos clássicos kuhnianos. A versão da qual somos descendentes inclui a anterior e
a circunscreve. (PEIRANO, 2000: 221).
Para apresentar o processo e as estratégias da ciência antropológica, neste momento, as
elaborações aqui apresentadas seguem, de forma recorrente e mais acentuadamente, as idéias
de George W. Stocking e Edmund Leach no que se refere ao contexto internacional, e de
Roberto Cardoso de Oliveira, Mariza Peirano e Mariza Correa em relação ao contexto
nacional.
As primeiras idéias antropológicas, em termos mundiais, que se tem registro, dentro de um
arcabouço “científico”, datam do século XVI e foram decorrentes da expansão marítima e do
processo de colonização, quando se tem conhecimento da diversidade cultural descoberta
pelos navegadores e naturalistas / pesquisadores.
A partir do século XVIII, com a conceituação de homem dentro das idéias do iluminismo, a
idéia concebida sobre o que viria a ser “cultura” é apresentada e expressa como sendo algo
que é próprio do homem ou seja, a “cultura” é próprio ao homem, e esse é, portanto, um ser
cultural. Trata-se de um naturalismo cujo objetivo é propiciar uma emancipação definitiva do
pensamento teológico, que concebia o homem enquanto obra da criação divina.
Neste período, os estudos antropológicos, em sua fundamentação teórica, vinculavam o
aprofundamento da história humana ao desenvolvimento das ciências naturais e possuíam
uma visão fixa da humanidade como única e imutável associada à história bíblica (pós-
dilúvio) e marcada pela influência dos meios geográficos onde os grupos humanos estavam
estabelecidos.
visto que muitos perduraram durante longo período de tempo como paradigma científico para muitos
trabalhadores e pesquisadores da ciência antropológica, concomitantemente a outros paradigmas criados
a posteriori. Assim, a demarcação temporal aqui indicada deve ser vista como recurso de escritura das
elaborações ora apresentadas e não correspondem a uma linha temporal precisa.
32
Se nas outras ciências (física, matemática) a separação entre cientista e objeto se dava pela
natureza diversa entre ambos, na antropologia esta distância conceitual não ocorre. Esse
distanciamento se apenas em termos de espaço geográfico, visto que os primeiros
antropólogos estudavam as sociedades longínquas. Neste sentido, o objetivo era investigar o
homem e suas relações enquanto inserido num grupo social / povo que não pertenciam à
“civilização ocidental”. Os ilustrados pensavam que era possível encontrar leis gerais, como
nas ciências naturais (física, principalmente), para explicar a sociedade.
Segundo Stocking Jr. (1992: 308), em seu surgimento, enquanto “ciência”, a antropologia
se apresentava como algo multifacetário, com limites, até certo ponto, difíceis de definir e
com um objeto de estudo, um tanto quanto, complexo: o homem. Esse objeto, que também era
foco de outras ciências que se instituíam no mesmo período, se mostraria problemático no
decorrer do aprimoramento de seu estudo – teórico ou prático.
Ainda segundo Stocking Jr. (1992: 315), esse caráter multifacetado da antropologia fez com
que sua instituição variasse de acordo com o local (país, continente) onde se estabeleceu
institucionalmente. No que se refere a uma tradição anglo-americana, a antropologia,
enquanto denominação etimológica de um campo de conhecimento, teve uma definição que
incluía as múltiplas dimensões do homem em sociedade (incluindo etnologia). Enquanto que
na Europa continental o uso da denominação etimológica da antropologia estava mais
direcionado ao estudo realizado pela antropologia física, cuja primazia era dada pela
diversidade biológica, ou seja, sua ênfase estava nos caracteres genéricos do homem enquanto
espécie do mundo animal - escola evolucionista.
O padrão seguido era o padrão biológico e as culturas não ocidentais eram tidas como culturas
sem história. As diferenças sociais são justificadas pela tríade: raça, cultura e psicologia, onde
a cada raça corresponde uma disposição mental específica encarnada e manifestada por meio
da sua cultura. As ciências humanas encontram-se inscritas num contexto de biologização
generalizado, onde uma naturalização das diferenças entre “primitivos” e “civilizados” e
onde cultura e natureza são governadas pelas mesmas leis. Neste período, século XIX, os
estudos empíricos de povoações concebidas como primitivas tiveram grande aumento. O
aparecimento de sociedades etnológicas (na Europa e na América), a criação de museus e de
revistas antropológicas foram outros aspectos da mudança de atitude relativamente a outras
culturas. Buscava-se coletar o maior numero de dados possíveis que permitissem conhecer os
povos ditos primitivos, sua vida social, suas representações, e que fornecessem informações
suficientes para marcarem, principalmente, as diferenças entre os povos dentro de uma escala
33
de evolução progressiva e linear. Cabe ressaltar, que esta coleta de dados e informações era
obtida, principalmente, a partir das coleções de objetos e artefatos trazidos de além mar.
Uma das teorias dominantes, nesta fase inicial da antropologia, foi o evolucionismo unilinear
que defendia que as culturas ocidental ou outras seguiam uma evolução paralela. De
acordo com esta teoria, as culturas foram criadas, independentemente, seguindo um percurso
por estágios fixos: selvagismo, barbárie e civilização. Esta posição era similar à seguida no
período iluminista. Na Ilustração, a idéia de progresso foi central; e para o evolucionismo, as
culturas encontravam-se em movimento, através de diferentes etapas de desenvolvimento, até
alcançarem a etapa de desenvolvimento da cultura ocidental, que era superior e mais avançada
que as demais. O pressuposto básico desta abordagem teórica era que todas as culturas
evoluiriam da mesma maneira e passariam pelos mesmos estágios evolutivos. Assim, o
pensamento científico em voga e difundido amplamente era que, em termos científicos, os
pesquisadores deveriam elaborar seus estudos tendo como base a existência de uma evolução
unitária do conjunto da humanidade – teoria evolucionista.
Este período, que vai de meados do século XIX até início do século XX, é marcado pela fase
de grande incremento na conquista colonial por parte do mundo Europeu e pelo advento da
antropologia como estudo sobre o outro. em seu próprio projeto de constituição de um
saber mais sistemático sobre o homem, a antropologia delineia como seu principal eixo uma
compreensão da natureza e da cultura que eram o próprio fundamento epistemológico de sua
cientificidade.
Foi também neste período que o trabalho de campo se tornou o processo cientificador e
certificador da antropologia - cientificador por ser a metodologia por excelência da
antropologia e certificador porque passou a ser o “rito de passagem”, primaz, para se tornar
um antropólogo.
No final do século XIX, houve algumas modificações no pensamento antropológico, que
somente foram sentidas no início do século XX: iniciam-se as teorias do difusionismo e do
particularismo histórico. Passados alguns anos, o quadro evolucionista não era mais aceito por
todos os cientistas. Estas teorias de uma evolução linear foram alvo de grandes críticas e outra
corrente paradigmática surgiu justamente como forma de reação às idéias evolucionistas.
Nesta época, começou a haver um questionamento por parte dos intelectuais europeus sobre
os textos e informações recebidos das colônias. Os dados e informes oriundos por intermédio
dos viajantes e naturalistas se mostravam muito restritos e muitos sofriam adulterações.
Passou-se, então, a perceber que as limitações e deturpações poderiam deixar de existir se a
coleta das informações fosse realizada pelos próprios estudiosos, pesquisadores, intelectuais
34
que se interessavam pelos estudos de caráter mais antropológico. Partindo dessa concepção, a
informação deixa de ser adquirida por terceiros e passa a ser buscada / pesquisada por meio de
vivências junto às populações / comunidades estudadas.
A partir daí houve a instituição do trabalho de campo essencialmente antropológico /
etnológico, que trouxe uma outra diferenciação em relação aos limites da antropologia
praticada até então. Primeiro, porque com ele a idéia de somente coletar objetos / artefatos foi
substituída pela idéia de incluir nas vivências a observação do comportamento e das relações
humanas dos povos investigados. E, segundo, pelo fato de que o trabalho etnográfico trouxe
consigo uma nova visão sobre os povos pesquisados, que deixaram de ser objetos para se
tornarem parte integrante da investigação científica. A antropologia passou, então, a se
interessar pelo estudo da cultura particular, no qual cada cultura, fonte dos estudos
antropológicos, era concebida e percebida como um universo único. O sentido do estudo
antropológico não se encontra mais na perspectiva de seguir uma linha de evolução única,
mas de buscar conhecer a história particular e as formas de produção cultural de cada povo /
sociedade. Nesta nova abordagem, o costume era visto como uma unidade de um sistema que
se ordena pela sua funcionalidade. A cultura é então histórica e funcional. Assim, o que se
tem é que quase todas as variantes teóricas encontravam-se comprometidas com um saber
sobre o outro vinculado às leis científicas que estabeleciam uma natureza una e hegemônica
para todos os seres humanos, em contrapartida a constatação visível de culturas em constante
transformação.
Uma ramificação desta linha de investigação surge um pouco depois e tinha como paradigma
central que uma personalidade básica é partilhada por todos os membros de uma mesma
cultura. Trata-se dos estudos da Escola Cultura e Personalidade. A tentativa era interpretar as
culturas em termos psicológicos de personalidade básica, pois o que interessa ao antropólogo
é a conduta humana moldada por determinada tradição, são os costumes das diferentes
culturas. Nesse sentido, o objetivo do antropólogo passava a ser compreender o processo de
diferenciação das culturas, suas formas de expressão e a função dos costumes na vida dos
indivíduos. Um outro paradigma que também se constrói no mesmo período, início do século
XX, e que torna canônico o trabalho de campo antropológico, tinha como pressuposto que o
modo de descrever e interpretar os fenômenos sociais e de tratar a problemática social
encontrava-se fundamentado em uma visão, ou representação, global de sociedade. Era o
funcionalismo, que tinha duas vertentes: uma francesa e outra inglesa. Esta escola
antropológica desenvolveu duas tendências teóricas diferentes. A primeira, que dizia respeito
a uma antropologia cultural e via a cultura como sendo criada a partir das necessidades dos
35
indivíduos, o privilegio do estudo era dado às instituições culturais, à vida familiar, à
economia e à magia, mas que tudo fazia parte de um "sistema total da cultura". A segunda
vertente buscava tratar a cultura como um sistema social e, além disso, excluía do campo de
investigações antropológicas (em sua quase totalidade) aquilo que dizia respeito à cultura, a
ênfase estava no social, daí a nomenclatura de antropologia social. Seus objetos de estudo
eram a estrutura e o funcionamento da sociedade, e seu método de investigação era o
comparativo. Na primeira, a cultura possuía uma função utilitarista, expressa pela teoria das
necessidades e, diferentemente desta visão, a segunda se baseava em uma função social a
partir de uma dimensão causal.
A partir de meados do século XX novas e diversas correntes e paradigmas surgem na
antropologia a partir do revigoramento ou reconfiguração dos que foram criados durante o
século XIX, ou pela junção de alguns aspectos de dois ou mais que surgiram, por exemplo,
durante os anos de 1930.
Dentre estes, deve-se destacar aquele cuja busca era excluir o que considerava uma visão
estática da cultura dado pelo enfoque anterior e objetivava incluir uma visão da cultura como
processual ou seja, a cultura era dinâmica e estava em constante mudança: Estruturalismo.
Para este paradigma a cultura é compreendida como um sistema de idéias e de signos, sua
preocupação enfoca os princípios gicos das estruturas de sentido: a mudança e o
individualismo. Seu argumento era de que se o mundo social é simbolicamente constituído,
todas as atividades realizadas pelos grupos, construídas a partir de similaridades no processo
cultural, poderiam ser atribuídas à forma pela qual a mente humana se constrói.
Nesta abordagem, as relações sociais são incluídas dentro do sistema geral de representações
e a cultura, em termos de integridade simbólica, permanece em sua totalidade, e de modo
exclusivo, inserida na esfera da interpretação significativa. A natureza torna-se cultura pela
integração de alguns elementos naturais à ordem cultural. Nesta visão, a característica
fundamental da mente humana é a tendência para criar dicotomias e para estabelecer opostos
binários, tais como: puro/impuro, limpo/sujo... Estas dicotomias explicariam as similitudes e
as diferenças entre as culturas. A antropologia seria então uma semiologia da cultura. As
estruturas são compreendidas como um conjunto de princípios lógicos subconscientes
organizados em oposições binárias. Deste paradigma surgiram muitas ramificações que
adjetivaram a antropologia como simbólica, semântica ou cognitiva. No primeiro tipo a
cultura é um conjunto de símbolos e significados compartilhado, é um veículo de
comunicação. No segundo, cada cultura tem um estilo de pensamento e conhecimento que
modela a mente dos indivíduos e que configura a sua forma de ser, pensar, valorar e atuar.
36
Cada cultura possui um sistema próprio para perceber, entender e organizar o seu mundo, em
termos de codificação e de modo compartilhado. No terceiro tipo, os homens são concebidos
enquanto criadores de sentido e não como receptores passivos de estruturas culturais, seu
objeto de estudo é o sentido que é transmitido por meio da linguagem e do simbolismo; seu
trabalho parte de uma reflexão sobre o sentido dos dados, a experiência do antropólogo e o
papel do antropólogo, enquanto membro do grupo humano estudado.
Finalizando esta visão geral de paradigmas que surgiram na antropologia desde seus
primórdios, faz-se, ainda, necessário destacar outros dois importantes paradigmas. Um destes
tem sua configuração mais voltada para as primeiras idéias evolucionistas associadas a uma
percepção ecológica, o outro está mais alinhado com a perspectiva marxista, que era de
grande aceitação e popularidade na academia.
Trata-se respectivamente das seguintes correntes: Neo-evolucionismo, Ecologia Cultural e
Materialismo Cultural. Na primeira, a percepção predominante é de que a natureza ordena a
cultura e que um princípio presente nas sociedades denominado de vantagem adaptativa.
Esta vertente estuda o modo pelo qual os indivíduos e grupos humanos se adaptam às suas
condições naturais, por meio da sua cultura. O meio natural exerce uma pressão seletiva sobre
a cultura, eliminando os elementos culturais menos adaptados e que menos possibilidades têm
para sobreviver. Na segunda perspectiva seu arcabouço teórico prioriza a tecnologia como
fator da organização social e simbólica. Neste sentido, a cultura é auto-explicativa, ela é um
fluxo de tradição que envolve técnica e economia, organização social e representações
simbólicas - o significado do mundo é dado pelo homem. Assim, pode-se dizer que a cultura
possui um caráter simbólico, mas também se inclui como materialidade; é, ao mesmo tempo,
uma ferramenta e uma idéia.
Durante os anos de 1960 e 1970 surge um outro paradigma que também marca profundamente
o fazer antropológico. Sua ênfase encontrava-se numa perspectiva hermenêutica, ou
interpretativa, seu foco central era compreender o sentido das culturas: Antropologia
Interpretativa. Este paradigma se inspirou nas concepções de Paul Ricoeur sobre a
hermenêutica, que concebia como função da hermenêutica a possibilidade de fazer coincidir a
compreensão do outro com a compreensão de si e do ser. Neste paradigma a cultura é uma
teia de significados, é um assunto de símbolos, da sua criação, expressão e manipulação. Os
símbolos transmitem valores, visões de mundo, a localização do poder, etc. Não devem ser
explicados, mas sim interpretados, de acordo com a hermenêutica. Os símbolos têm uma
capacidade evocativa, mas evocam mais emoções do que conhecimentos. São mais afetivos
(afetar) do que cognitivos. O foco principal está no sentido (ou significado), ele é a
37
manifestação da vida social, é próprio da ação dos sujeitos, que se relacionam entre si em
função de um sentido. Sua preocupação não é com o sistema cultural, sua estrutura, mas sim
no modo como os significados / sentidos se agrupam e formam a cultura. Sua preocupação
não está, a princípio, ligada à busca por generalizações, visto que esta é realizada dentro de
casos, onde são ressaltadas as diferenças de um caso para os demais. Dessa forma, o trabalho
antropológico não possui uma referência a uma estrutura, mas às significações singulares da
própria cultura em questão. Não é no todo, mas, sim, nas partes que se encontra o elemento
diferenciador para a análise antropológica. Deste paradigma, de toda a discussão corrente
neste período, entre os anos de 1960 e 1970 principalmente, e dos movimentos emergentes
tais como aqueles relacionados às temáticas de: feminismo, gênero, etnicidade, colonialismo,
e as várias ramificações / adjetivações da área antropológica (educativa, econômica, museal,
do desenvolvimento, do turismo, visual, urbana, de cultura da empresa, aplicada, etc.), fim da
história, desconstrucionismo, inicia-se um processo de questionamento sobre o fazer
antropológico. Trata-se da Antropologia pós-moderna
37
. Este paradigma colocou em relevo
que o trabalho de campo e a etnografia eram uma forma sistemática de construção dos
“outros”, e, por tanto, as visões trazidas nas etnografias não eram um testemunho fiel dos
dados, mas uma elaboração, uma construção, uma criação de um indivíduo.
Sua crítica se baseava na defesa de que por detrás do trabalho antropológico (do seu
profissional) havia mecanismos retóricos de “autor” e “autoridade” o que comumente nos
meios acadêmicos passou a ser designado como autoridade etnográfica. Nesta perspectiva, a
autoridade etnográfica reproduzia as situações de subordinação em relação ao saber e ao
mesmo tempo implicava relações de poder. Para os integrantes deste paradigma o texto
etnográfico deveria ser percebido como um conteúdo do falar, ou seja, um relato dos
acontecimentos e não a verdade sobre esta ou aquela cultura. O que o texto etnográfico deve
buscar fazer é descobrir o sentido dos textos culturais porque cada cultura é um texto por
meio do diálogo com o outro, numa tentativa de interpretar ou traduzir a fala do outro. E
ainda, o texto etnográfico, por meio da experiência compartilhada, deve buscar estabelecer a
comunicação de diferentes culturas, pois é na relação entre o "eu" e o "outro" que se
constroem significados. A subjetividade presente no trabalho antropológico – ou textualização
37
As informações contidas nos próximos parágrafos que tratam especificamente da antropologia pós-
moderna se baseiam em Stocking Jr., George. Race, Culture, and Evolution: essays in the history of
anthropology. cap. 1. “On the Limits of 'Presentism' and 'Historicism' in the Historiography of the
Behavioral Sciences". Free Press, Nova York. 1968 e em MARCUS, George E. and FISCHER, M. J.
Anthropology as Cultural Critique: An Experimental Moment in the Human Sciences. Cap 1 A crisis of
representation in the Human sciences. London. The University of Chicago Press. 1986.
38
deve ser explicita, ou seja, o pesquisador deve expor de forma clara suas premissas e
detalhar passo a passo sua pesquisa e suas impressões. Os pensadores dessa teoria ainda
destacam que neste momento, de exposição da presença do autor, a questão da autoridade
etnográfica ainda está presente. É o que os teóricos denominam de autoridade experimental,
onde a autoria do texto etnográfico se sobrepõe àquilo que deveria ser tradução. Com a
textualização, o trabalho de campo antropológico passa a ser condição para a interpretação de
culturas, que é uma forma de possibilitar a compreender determinadas ocorrências da vida em
sociedade atitudes, relações, crenças, dentre outras situações imateriais da vida social /
cultural como componentes relacionais e constitutivos de um todo significativo. Um dos
pré-requisitos para que uma experiência ou tradução se torne texto é sua autonomia, que é a
ausência de autoria. Com isso, essa ausência de intenção e presença autoral, a autoridade
etnográfica na textualização pode ser vista como algo disperso, que passa a englobar uma
variedade de autorias.
A partir destas discussões iniciadas nas duas últimas décadas do século XX, atualmente existe
um movimento na área antropológica que se propõe realizar análises e reflexões sobre as
trajetórias e períodos históricos em diversos contextos, é a chamada antropologia da
antropologia.
Esta nova perspectiva inclui a antropologia como um problema antropológico, ou um
problema do conhecimento. O objetivo desta linha de investigação sobre a história da
antropologia é buscar quais foram / são as circunstancias históricas e qual seria (ou é) o
contexto que seu surgimento encontra-se vinculado, quais os questionamentos que
conduziram a disciplina e que ainda hoje são centrais nas discussões teórico-metodológicas da
antropologia. Por outro lado, tem-se a história interna sobre a prática antropológica, que está
relacionada às orientações e questões centrais da antropologia, incluindo toda sua elaboração
teórica, mesmo aquelas que quando da sua divulgação não foram percebidas enquanto tal e
que na atualidade merecem ser (re) visitadas buscando questionamentos e possíveis respostas
tanto no que se refere ao seu aspecto pratico quanto epistemológico. Não se trata de produzir
uma historia de / ou sobre as obras (monografias), mas de se construir a historia sobre o
pensamento das pessoas ou seja, produzir conhecimento sobre a historia de pessoas
pensando: estudar sobre as origens, rupturas e continuidades da antropologia enquanto campo
do saber. E, para tanto, se faz necessário realizar um distanciamento, tal como se pretende
quando um antropólogo realiza um estudo etnográfico sobre o "outro".
No Brasil a ciência antropológica não possui um marco institucional definitivo sobre seu
início, uma vez que se encontrava fortemente ligada à sociologia. Ou seja, não existe um a
39
data histórica onde se delimita o início formal da antropologia brasileira, visto que seus
estudos estavam sempre marcados pelo viés sociológico e vinculados a departamentos de
sociologia, uma vez que, academicamente, a antropologia somente passou a existir após a
década de 1960.
Para tratar de uma história disciplinar da antropologia brasileira deve-se ter como pressuposto
o que Roberto Da Matta (1992), em seu artigo “Relativisando o Relativismo”, reconhece
como sendo algo que distingue a produção antropológica feita no Brasil daquela praticada por
outros países, principalmente os europeus. Segundo ele, as antropologias praticadas na
América Latina e no Brasil sempre foram preocupadas com o estudo de sua própria sociedade,
está sempre estudando o outro dentro de seu próprio espaço geográfico, diferentemente do
que ocorria na Europa e Estados Unidos. Para ele, as investigações e pesquisas antropológicas
brasileiras estão buscando, pelo estudo do outro, que está ao seu lado, responder a questão:
"quem somos nós?”.
A antropologia no Brasil não possui um marco definitivo, que declare e aponte exatamente
quando começou, por que até a década de 1960 sempre esteve associada à sociologia. Não
havia limites demarcados entre sociologia e antropologia, o termo sociologia abarcava
também estudos de caráter mais antropológicos
38
. Peirano em seu texto “A Antropologia
Como Ciência Social No Brasil”, destaca que:
É no período que compreende as décadas de 60 e 70 que a antropologia no Brasil
começa a se ver como uma genuína ciência social – isto é, como um ramo da
sociologia dominante dos anos 40 e 50. Penso não ser exagero usar como metáfora o
fato de a antropologia ter se desenvolvido como uma “costela” da sociologia então
hegemônica. No entanto, para se constituir como antropologia nesse contexto, foi
necessário manter e desenvolver um estilo ‘sui generis’ de ciência social, no qual
uma dimensão de alteridade assumisse a dupla função de produzir uma antropologia
no Brasil e do Brasil. (PEIRANO, 2000: 219)
Vários autores que tem como foco de estudo a história da antropologia no Brasil - Carneiro da
Cunha (1987), Durham (1986) concebem a antropologia brasileira como sendo uma
antropologia do Brasil, isto porque desde os primeiros estudos mais voltadas para a área
38
Florestan Fernandes é um exemplo desta não limitação entre as duas disciplinas, que alguns
trabalhos desse autor possuem um cunho mais antropológico, apesar de sua formação acadêmica ser
sociologia.
40
antropológica, como os de Nina Rodrigues, existe a procura da identidade nacional. Ou seja, a
antropologia brasileira desde seu início, está sempre produzindo etnografia de nós mesmos.
A antropologia no Brasil seguiu, em termos paradigmáticos, o que ocorria em termos
mundiais. Entretanto faz-se necessário ressaltar que, a chegada das abordagens teóricas que
norteavam as pesquisas seguia certo deslocamento temporal, nem sempre o arcabouço teórico
metodológico de determinado paradigma antropológico ocorria concomitantemente ao que se
desenvolvia na Europa ou EUA.
É necessário destacar que desde seus primórdios a antropologia feita no Brasil esteve
direcionada para a busca de uma identidade brasileira e sua formatação se articulava em
termos de projeto. Isto porque a instituição da antropologia no Brasil encontra-se relacionada
à participação dos pesquisadores (antropólogos) em projetos. São esses que possibilitavam
aos pesquisadores/cientistas entrarem para o campo da antropologia. Segundo Mariza Corrêa,
a palavra chave para se estudar o que vem a ser antropologia brasileira é projeto:
A noção é a de projeto que, muito mais do que a de instituição, corrente ‘escola’
ou corte cronológico, parece particularmente apropriada, por incluir essas outras e ir
um pouco mais além, para marcar certas continuidades e rupturas na trajetória da
Antropologia que se faz no País. (CORRÊA, 1987: 19).
Seguindo os passos da antropologia mundial os intelectuais do final do século XIX utilizando-
se da perspectiva evolucionista e das categorias de raça e meio se propõem a explicar o
caráter brasileiro, enunciando / apresentando as características do “ser brasileiro”. Eles estão
procurando uma identidade que possa se adequar ao novo Estado Nacional, retirando-lhe o
caráter conflituoso de crises e problemas sociais e raciais que se apresentam com a libertação
dos escravos e proclamação da república. O trabalho de Nina Rodrigues é marco referencial
da produção antropológica no Brasil. Rodrigues, por meio de sua pesquisa, descreve as
manifestações da cultura negra baiana. Em seus estudos o elemento chave para a interpretação
cultural é o conceito de raça, que permite uma explicação global da sociedade brasileira.
Durante certo período, entre os anos de 1920 e 1940, a compreensão antropológica sobre a
sociedade se faz ou por interpretações raciais, ou por interpretações culturais. Na perspectiva
41
de G. Freyre a interpretação da sociedade brasileira segue a perspectiva culturalista. Ele tenta
caracterizar a cultura brasileira subordinando os caracteres raciais aos caracteres culturais
39
.
Entre os anos de 1940 até meados de 1960 a antropologia começa a se destacar como campo
de ensino e pesquisa, pois ocorre a vinda de pesquisadores estrangeiros para o Brasil que
incrementa a realização de pesquisas de caráter mais antropológico, são criados diversas
associações e agremiações vinculadas ao saber antropológico, foi ministrado o primeiro curso
de pós-graduação em antropologia, e, também, é nesse período que se concebe e cria os
primeiros programas de pós-graduação nas universidades. Há, então, o incremento em termos
de produção intelectual antropológica devido à institucionalização do ensino antropológico e
devido ao contato com novas teorias e a criação por antropólogos brasileiros de novos
conceitos, como o de “fricção interétnica” que segundo Peirano foi uma noção:
(...) que marcou, conceitual e institucionalmente, a inclusão de pontos de vista e
orientações teóricas considerados, na época, propriamente sociológicos a uma
temática reconhecida como antropológica. (PEIRANO, 2000: 220).
Neste período, os índios passam a ser o alvo principal das pesquisas antropológicas, assim
como o negro havia sido em fins do século XIX e princípio do século XX. Merece destaque o
fato de que os estudos sobre outras etnias não deixam de existir, mas que a ênfase dada pelas
pesquisas e elaborações antropológicas tinha como foco prioritário e central os grupos
indígenas. Uma outra marca dos trabalhos de então foi a introdução uma nova forma do
estudo de comunidades indígenas e de outras etnias a partir das possibilidades de seu
englobamento pela sociedade nacional, que buscava realizar as investigações tendo cada
grupo como um todo, permitindo, então, trabalhar as diversidades dentro do todo.
Nas décadas seguintes, seguindo os moldes do que se chamava antropologia aplicada, os
estudos antropológicos passaram a buscar mais a inserção do pesquisador no seu trabalho,
colocando a sua participação de modo mais aparente, como mediador das classes e como
formador dessa identidade. As pesquisas antropológicas entre 1950 e 1960, principalmente,
foram marcadas por uma atuação militante em relação aos povos indígenas, que pode ser
representada, notavelmente, por Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro, e Roberto Cardoso de
Oliveira. A perspectiva era que o papel do antropólogo não se circunscrevia em relatar os
39
Gilberto Freire foi fortemente influenciado pelo culturalismo boasiano, devido à temporada que passou
nos EUA.
42
fatos que observava, mas também fornecer mecanismos que possibilitassem a tomada de
consciência dos grupos estudados, para que esses pudessem fazer valer sua participação na
sociedade enquanto cidadãos. Nos anos de 1970, a atuação militante passou a incluir os
direitos de cidadania (índios, camponeses, favelados, negros), a defesa de religiões coagidas
ou de culturas e minorias excluídas.
Contemporaneamente, a antropologia brasileira, ainda seguindo os passos da trajetória
mundial, tornou-se reflexiva e seus estudos passaram a encarar a disciplina como locus de
investigação: o campo etnográfico passou a ser a própria ciência antropológica. A produção
da disciplina passou a abranger um novo enfoque que inclui uma história disciplinar e implica
em uma re-avaliação da disciplina em termos de seu ethos e sua metodologia. Neste sentido,
as tendências da antropologia existentes iniciaram uma reflexão sobre as formas de se fazer
antropologia, ou seja, surgem novas tendências acadêmicas que objetivam refletir sobre o
fazer antropológico.
43
Capítulo II
Antropologia Brasileira: delimitação de um campo de
conhecimento
A construção de um País e a constituição de uma identidade nacional não
prescindem de um conhecimento do nosso povo e da nossa sociedade. Foi nesta
tarefa que estiveram empenhados os cientistas sociais (e os antropólogos entre eles)
desde o final do século XIX, mas de modo muito mais intenso, sistemático e
científico no período após a Segunda Guerra Mundial. Era (e é necessário) para
nós conhecer o Brasil e os estrangeiros o podem realizar sozinhos esta tarefa.
(DURHAM, 2006:93)
A antropologia brasileira aquela que é feita no Brasil, por brasileiros e sobre o contexto
sociocultural brasileiro
40
, vem ao longo de seu desenvolvimento histórico e conceitual,
buscando compreender e explicar o funcionamento e os significados das formas de ser, viver,
relacionar e representar (a si mesmo e aos outros) dentro do que se pode chamar cultura
brasileira. Em seus primórdios a antropologia feita no Brasil inicia seus estudos procurando
responder perguntas como: “o que faz do Brasil, Brasil?”, “quem somos nós?”, “existe uma
identidade brasileira?”; são questionamentos, que ainda hoje, em alguns aspectos e contextos,
acompanham o campo disciplinar antropológico.
A constituição da antropologia enquanto área científica de conhecimento sistemático sobre o
homem, fez com que ela circunscrevesse para si, como locus principal para seu estudo, a
compreensão de humanidade em dois sentidos: natureza e cultura, que se torna o fundamento
epistemológico de sua cientificidade. A ciência antropológica emerge a partir de relações
historicamente dadas entre os homens e tem como objetivo primordial buscar compreender o
outro, que é diferente daquilo (mundo, cultura) que se encontra dado ou conhecido, na
tentativa de estabelecer o diálogo entre culturas. Assim, a antropologia se desenvolve a partir
do desafio de compreender o diferente e traduzi-lo, num processo de superação de sua própria
cultura, para conhecer-se e ao outro. E é neste processo que se a constituição e instituição
das bases do conhecimento antropológico. O repto que a antropologia se impõe é resgatar e
40
Eunice Durham (2006) lembra na publicação comemorativa dos 50 anos da ABA que a obsessão pela
qual os pesquisadores brasileiros estudem a si mesmos também reside no fato que de até o início do século
XX, excetuando-se a literatura e a história, os conhecimentos sobre o Brasil (cultura, sociedade) eram
obtidos em publicações estrangeiras e frequentemente não se encontrava tradução para o português.
44
redimensionar o universo das diferenças, da diversidade cultural de modo a renovar e
possibilitar novas visões de / sobre o mundo e as coisas.
Ao se pesquisar a história da antropologia percebe-se que se trata de uma ciência sui generis,
isto porque ao nascer, tem como objeto de estudo as culturas “outras”, alvo de dominação e
exploração do ocidente, algo em desaparecimento, ou seja, é uma ciência humana / social que
nasce fadada a extinguir-se; quer se comparar teórica e metodologicamente em termos das
“ciências duras”, ainda que, por seu objeto de estudo, faça parte das ciências humanas; busca
o universal, mas trata do particular e estuda o diferente e o diverso. Este caráter sui generis é
mais forte na antropologia que é feita no/sobre o Brasil. Isto porque, além de compartilhar os
itens acima indicados do campo de saber como um todo, historicamente no momento em que
os centros de produção antropológica buscavam o “outro” em contextos distantes, a
antropologia brasileira objetivava o estudo do próximo, visto que o outro era (e continua
sendo) aquele que se encontrava ao lado do pesquisador.
Neste sentido, a antropologia feita no Brasil difere daquela realizada na Europa, que buscava
conhecer o outro distante, tanto em termos territoriais quanto culturais, no caso brasileiro tem-
se a proposição de conhecer o homem dentro de seu grupo social e, ao mesmo tempo, estudá-
lo como um todo história, representações simbólicas, costumes, parentesco, etc. Estas duas
vertentes de estudo existente na antropologia brasileira promoveram seu inicio e a acompanha
até a atualidade. Ou como ressalta Carneiro da Cunha, ao tecer considerações sobre a
antropologia feita no Brasil, quando diz que a antropologia brasileira:
(...) não é conhecimento em geral; ela é um conhecimento de um tipo especial,
porque dentre outras coisas ela quer conhecer o conhecimento dos outros. Ela é uma
maneira de conhecer o conhecimento alheio. Isso à Antropologia um caráter sui
generis, de, digamos, tradução, mediação, entre vários mundos do conhecimento e
esse papel me parece particularmente importante (...) (CARNEIRO DA CUNHA,
2006:96 – grifos da autora).
Por ter esse caráter tão particular, faz-se necessário tratar a antropologia brasileira, em termos
de sua história, de forma mais cuidadosa e particular. E é esta a perspectiva deste capítulo,
tratar um pouco mais a fundo sobre a história da antropologia brasileira, dando maior ênfase
ao período entre os anos de 1940 e 1950. O aprofundamento neste período se justifica por
que: 1) é quando se concebe e cria o Museu do Índio, locus de estudo desta dissertação; 2)
porque é quando se inicia, no Brasil, o processo de delimitação de cada um dos campos de
45
saber que compunham as ciências sociais (sociologia, antropologia e política)
41
finalizado na
década de 1960, e, com isso a antropologia deixa de ser “uma costela da sociologia”
42
; e 3)
foi a partir dos anos de 1940 que se foram realizados os primeiros trabalhos de caráter mais
antropológico produzidos por brasileiros, ainda que estreitamente ligados à sociologia. Como
nos afirma Melatti ao retratar a etnologia no País:
Enfim, com as oportunidades que se abrem, para estudar, tanto no Brasil como no
exterior, começa a crescer, ainda que de maneira moderada, o número de etnólogos
brasileiros. Dada a própria distribuição dos cursos e das disciplinas nas Faculdades
de Filosofia, os etnólogos desse período tendem a se aproximarem mais dos
sociólogos do que dos lingüistas e antropólogos físicos. (MELATTI, 1990:12).
As décadas de 1940 e 1950 são aqui tomadas como período onde se inicia o processo de
autonomia da antropologia enquanto campo de saber independente e diferente da sociologia
e o de desmembramento das ciências sociais. Tal afirmação se embasa no fato de que foi
durante estas duas décadas que houve uma “efervescência” entre aqueles cientistas cujo
estudo se voltava mais para a área antropológica e que deu origem a uma série de
acontecimentos. Elementos que podem servir para corroborar esta afirmação se baseam em
um conjunto de fatos ocorridos neste período:
A multiplicidade de artigos e monografias
43
de etnólogos sobre os grupos étnicos
brasileiros, tais como: James Watson sobre os Kayová; Charles Wagley e Eduardo
Galvão sobre os Tenetehára; Fernando Altenfelder Silva sobre os Terêna; Robert
Murphy sobre os Mundurukú; Roberto Cardoso de Oliveira sobre os Terêna
(MELATTI, 1990:14).
A realização da primeira Reunião de Antropologia Brasileira, que teve como comissão
organizadora: Edgard Roquete-Pinto, Luiz de Castro Faria, Heloísa A. Torres,
Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro, Édison Carneiro, J. Bastos de Ávila, Maria Júlia
41
Cabe ressaltar que a delimitação de cada uma das disciplinas que compõem as ciências sociais variou
conforme a região.
42
Esta expressão é de Mariza Peirano, 2000: 219.
43
Esta vasta publicação monográfica e ensaística encontra-se relatada por Florestan Fernandes no livro:
A Etnologia e a Sociologia no Brasil Ensaios sobre aspectos da formação e do desenvolvimento das
ciências sociais na sociedade brasileira, publicado em 1958:17-75; em Mariza Correa Traficantes do
Excêntrico, publicado em 1988:85-88 e em artigo de Júlio Cezar Melatti, publicado em 1990 (vide
bibliografia).
46
Pourchet Passos, Manuel Diegues Jr., José Bonifácio Rodrigues e L. A. Costa Pinto, e
fora presidida por Herbert Baldus e Thales de Azevedo (...). (CORRÊA, 1988:85, nota
11).
A fundação da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), durante a Segunda
Reunião Brasileira de Antropologia ocorrida em Salvador em 1955; e de outras
instituições congêneres, tais como: Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia
(1941) fundada por Arthur Ramos, o Museu do Índio (1953), o Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (1955), o Instituto Joaquim Nabuco de Ciências Sociais
(1949), a Faculdade de Filosofia da Bahia (1943).
A realização de outros seminários, congressos e reuniões, e a criação e/ou ampliação
de cursos relacionados às Ciências Sociais, tais como: o 31º Congresso Internacional
de Americanistas, o Congresso de Sociologia, o Curso de Pós-graduação em
Antropologia (1955).
Também de se registrar o fato de que os diretores dos museus etnográficos da época (dona
Heloísa Alberto Torres do Museu Nacional, Herbert Baldus do Museu Paulista e Eduardo
Galvão no Museu Paraense Emílio Goeldi), além de abrigarem trabalhos antropológicos,
buscaram a partir de 1949 uma ampliação das seções de antropologia de suas instituições,
gerando novas perspectivas de trabalho etnográfico. Tal afirmação baseia-se no artigo de
Mariza Corrêa (1988) e também pode ser perceptível ao se fazer um levantamento das
publicações periódicas da época destes museus, onde grande parte dos artigos está relacionada
à etnologia e a antropologia
44
.
Mariza Corrêa (1987, 1988) define que a palavra chave para se estudar a história da
antropologia é projeto, isto porque sua instituição enquanto área de estudo científico encontra-
se relacionada à participação de pesquisadores (médicos-antropólogos
45
) em projetos
financiados por instituições como: Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior CAPES, Companhia do Vale do São Francisco. Também de se destacar que a
participação destes pesquisadores ocorre nas missões do Governo Federal de pacificação dos
44
Para maior detalhamento ver Corrêa, M. Revista de Antropologia – 1953-2003: Uma revista para
muitas histórias. In Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2003, V. 46 Nº. 2; e tamm PEIXOTO,
Fernanda Áreas & SIMÕES, Júlio Assis. 2003. A Revista de Antropologia e as ciências sociais em São
Paulo: notas sobre uma cena e alguns debates. Revista de Antropologia, V. 46. Nº. 2, 383-409. São Paulo:
USP.
45
Vide depoimento de Donald Pierson no Livro “História da Antropologia no Brasil (1930-1960)” de
Mariza Corrêa, São Paulo: Vértice; e capítulo 1 do livro A Etnologia e a Sociologia no Brasil Ensaios
sobre aspectos da formação e do desenvolvimento das ciências sociais na sociedade brasileira” de
Florestan Fernandes, São Paulo: Ed. Anhambi S.A.1958.
47
índios, como foi o caso do denominado “Projeto Rondon” e do Serviço de Proteção aos Índios
/ SPI; onde os pesquisadores (etnólogos / antropólogos) eram contratados como naturalistas,
contudo o trabalho era essencialmente de caráter etnográfico / antropológico.
Além disso, outro fator que serviu para este delineamento da ciência antropológica neste
período foi o início de cursos de pós-graduação em antropologia, como foi o caso do curso
instituído por Darcy Ribeiro (Aperfeiçoamento em antropologia Cultural) em 1955. Como
ressalta Mariza Corrêa é certo que os referidos cursos de pós-graduação, excetuando o criado
por Darcy Ribeiro, não tinham como denominação o termo antropologia, mas sua
configuração e as influências teóricas eram fortemente antropológicas (CORRÊA, 1987:29-
116). Tal fato é perceptível no depoimento de Donald Pierson quando relata sua experiência
de pesquisa e docência no Brasil e descreve os temas das aulas do primeiro ano do curso de
pós-graduação que implementara na Escola Livre de Sociologia e Política - ELSP:
Pediram-me que lembrasse alguns pormenores da minha atuação em nosso querido
Brasil referente àquilo que Ralph Linton chamou, em livro que consegui fosse
traduzido e publicado tempos em São Paulo, The Study of Man (O estudo da
humanidade); referente à Antropologia e Ciências afins. (CORRÊA, 1987:30).
As aulas de nível pós-graduado que apresentamos naquele primeiro ano trataram das
seguintes matérias: “Pesquisas Sociais na Comunidade Paulista” (Pierson);
“Etnologia Brasileira (Baldus); “Assimilação e Aculturação no Brasil Meridional”
(Willems). (CORRÊA, 1987:55).
Cabe ressaltar, conforme Corrêa (1988: 89) destaca e a própria história da disciplina
demonstra, que em todos estes cursos com enfoque antropológico nem sempre os alunos
depois de formados seguiam a carreira da antropologia, visto que ainda era tênue os limites
entre antropologia e sociologia, ou seja, muitos dos profissionais após formados não
permaneciam na área antropológica mas seguiam para a sociologia ou para outras carreiras:
diplomacia, administração, etc.
Após a criação acadêmica, com ligação às universidades, dos cursos de pós-graduação em
Antropologia (com esta definição terminológica), fato que ocorreu a partir dos anos de 1960,
os projetos, realizados independentes da existência de departamentos e cursos específicos de
antropologia, praticamente deixaram de existir e os trabalhos antropológicos passaram a ser
ligados a departamentos e/ou cursos de antropologia. Os antropólogos se especializavam e a
área de abrangência / atuação da antropologia se diversificava, o que fazia com que ela
perdesse parte do seu caráter interdisciplinar. Se aos anos de 1950 o apoio institucional aos
48
projetos era frágil, com sua institucionalização criação dos cursos de pós-graduação em
antropologia nas universidades brasileiras passam a ganhar maior destaque e participação
devido ao grau de influência de determinadas instituições patrocinadoras.
I. Antropologia Brasileira – 1940-1950: fundamentos e antecedentes
Segundo Mariza Peirano (2000) ao se constituir como disciplina pela diferenciação com
relação à sociologia, a antropologia necessitou conservar um caráter sui generis e desenvolvê-
lo, de modo que a dimensão de alteridade tivesse uma dupla função: produzir uma
antropologia que fosse ao mesmo tempo sobre o Brasil e feita no Brasil.
Para ela existe uma divisão da antropologia que se legitimou no Brasil, abarcando a quase
totalidade da produção antropológica e está relacionado aos estudos dos grupos indígenas.
Segundo esta autora, o primeiro tipo de antropologia que se fazia no Brasil e que predominou
a maior parte dos estudos até os anos de 1960, era aquela que tinha as sociedades tribais como
objeto de estudo, seguindo o que acontecia na Europa e EUA.
Para a finalidade deste estudo o mais relevante em relação ao contexto da história da
antropologia brasileira encontra-se mais efetivamente no período durante os anos de 1940 e
1950, contudo, é necessário um preâmbulo sobre um tempo anterior dos estudos
antropológicos, visando situar o que ocorria nas duas décadas a serem focalizadas em maior
detalhe. Desse modo, esta parte do trabalho será dedicada a apresentar em termos gerais a
antropologia feita no Brasil até os anos de 1930, que foi quando foram criadas as primeiras
universidades brasileiras, ou seja, esta década é um divisor de águas, como relata Peirano:
It is the belief of many Brazilian social scientists that the institutionalization of the
social sciences, which took place in the 1930's, established a dividing line between
an "ideological" and a "scientific" phase of social studies in Brazil. (PEIRANO,
1991: 18).
Este fato também é considerado por Florestan Fernandes, ao analisar a gênese da
antropologia. Ele também indica que foi durante as primeiras décadas do século passado o
período em que ocorreu o inicio do delineamento e separação da antropologia no Brasil,
enquanto área de estudo independente das demais ciências sociais, e sua institucionalização,
como disciplina acadêmica autônoma, ocorreria entre 1965 até 1975. Segundo Fernandes:
49
A etnologia se desenvolveu no Brasil, até o primeiro quartel do presente século,
principalmente através das obras e das realizações de investigadores estrangeiros.
Graças à criação do ensino universitário de ciências sociais, ao contrato e
permanência de mestres estrangeiros, para lecionar essas disciplinas nos principais
centros universitários, e à nova orientação no preenchimento de cargos de direção
em instituições devotadas ao labor etnográfico ou à política indigenista, com o
aproveitamento de especialistas no campo da etnologia, surgiram certas
possibilidades de desenvolvimento autônomo do ensino e da pesquisa dessa matéria.
Ainda que tais possibilidades não alimentem, por enquanto, muitas ambições, parece
pacífico que elas traduzem um estado de coisas bastante promissor e permitem
encarar a investigação etnológica no País através dos resultados conseguidos pelos
próprios especialistas brasileiros. (FERNANDES, 1958:17).
No Brasil o interesse pela cultura como tema de investigação surge no século XIX, motivado
pela questão da identidade nacional, que também foi responsável pelo início dos estudos de
caráter mais antropológicos e seu desenvolvimento futuro. Neste momento a visão sobre a
cultura e identidade nacional se encontra ligada a estudos e preocupações folclóricas, onde o
popular está relacionado à tradição e é identificado como manifestação cultural das classes de
menor poder aquisitivo (as ditas camadas populares), que são os guardiões de uma cultura
"milenar". Mas ao mesmo tempo, esse popular se refere à questão nacional, pois, as tradições
populares representam o espírito do povo/nação. Ou seja, os estudos antropológicos têm como
objetivo principal identificar na cultura e nas tradições brasileiras, postas em práticas pela
população de baixa renda ou parcelas à margem da sociedade nacional, elementos ou padrões
culturais (isolados ou em conjunto) que representassem um caráter único do Brasil.
Nesse período, mais que um caráter cultural único, o que se quer é justificar o atraso brasileiro
frente aos demais países, busca essa que permanece por algum tempo nas décadas seguintes,
mas com menor ênfase e mais localizada. Esse atraso é colocado por estudiosos americanos,
tais como Buckle, Gobineau e Agassiz, que viam na conjunção racial básica da sociedade
brasileira (branco, negro, índio) o motivo de seu futuro ser inviável. Segundo estes
pesquisadores o branco, concebido como raça superior e em uma escala de desenvolvimento
civilizacional mais elevada, estava perdendo suas qualidades para as outras duas raças (negro
índio)
46
ao se misturar com estas últimas.
46
Para maiores detalhes ler R. Da Matta Relativisando - Uma Introdução à Antropologia Social. RJ,
Vozes, 1981. Não cabe neste ensaio levantar críticas sobre essas teorias, faço apenas, em traços bem gerais,
o princípio fundamental da questão levantada por esses autores, porque são de grande relevância para o
início da configuração da antropologia feita no Brasil.
50
Surgem, então, as primeiras tentativas de explicar o atraso brasileiro, baseadas em teorias
raciais – determinismo geográfico e determinismo racial, amplamente divulgadas na Europa e
por ela utilizada como justificativa da supremacia dos países europeus ou de tradição
européia. Cabe ressaltar que, essas teorias sofrem certos ajustes, em seus pressupostos, ao
serem transplantadas e utilizadas para a realidade brasileira.
É necessário ressaltar que esses estudos têm como pano de fundo um contexto brasileiro de
profundas transformações econômicas (mudanças de uma economia escravagista para uma
economia capitalista), políticas (mudança no regime monárquico para o republicano) e sociais
(a abolição dos escravos muda as relações sociais e a visão de mundo). E também, que tais
estudos são fruto da visão antropocêntrica da Europa, cuja concepção era de que as raças não
brancas combinado ao clima tropical não produziria uma civilização compatível com a
européia. Esta apologia da superioridade européia juntamente com o liberalismo foi importada
pela América Latina e no Brasil criou um desconforto dentro da elite intelectual, tanto que em
seu estudo Peirano destaca que:
These apologias for European superiority were exported to Latin America, along
with European liberalism, and this combination created an uncomfortable situation
for the Brazilian intellectual elite. (…)The Brazilian intelligentsia, so much
influenced and linked to Europe, had to pose its questions of self-identity in the
following terms: “why are we not as developed as Europe?” (PEIRANO, 1991:21).
Dois autores podem ser utilizados para apresentar o tipo de proposição teórica utilizada nessa
época para explicar o atraso brasileiro, permitindo vislumbrar os primeiros delineamentos
utilizados por uma abordagem racial para definir a identidade brasileira: Sílvio Romero e
Nina Rodrigues.
A preocupação central de Sílvio Romero é mostrar qual o caminho para que o Brasil, num
futuro próximo, possa se constituir em uma nação. Segundo ele, a construção de uma
identidade brasileira, que possibilitará ao Brasil se constituir enquanto povo/nação, poderá
se concretizar via mestiçagem, que, por sua vez, em sua visão, possui duplo sentido: a) real - é
o de que a mestiçagem irá funcionar como um amálgama étnico, ou seja, o mestiço agrega em
si características das três raças e as modifica; b) imaginário - onde a mestiçagem é o resultado
de uma aspiração nacionalista de construção da nação brasileira.
Contudo, essa solução traz problemas para o pensamento da época, porque ao mesmo tempo
em que possibilita construir uma identidade nacional, vai de encontro à questão da
51
inferioridade das raças que se fundem para dar origem ao brasileiro. Isto porque o índio e o
negro são considerados raças inferiores e o português é visto como branco inferior aos demais
da sua própria raça
47
. Daí a compreensão de que no Brasil a mestiçagem é que inviabiliza o
desenvolvimento da nação, pois acarretou em uma configuração populacional inferior às
demais nações.
Assim, o ideal nacional de construção de uma identidade brasileira, propulsora do progresso,
pode ser pensado enquanto utopia. Para que esse ideal possa algum dia se tornar realidade,
e com isso o País possa fazer parte do grupo de nações desenvolvidas, é necessário que haja o
branqueamento da população. Ou seja, extinguir o tráfico negreiro, total desaparecimento dos
índios e trazer imigrantes europeus (não portugueses) para o Brasil, sendo que estes
possibilitariam, ao se misturarem com as demais raças brasileiras, a saída da estagnação e o
progresso. Mariza Peirano destaca que:
By the end of the century, racist social theory had spread over the United States and
Europe3, and Brazilians were confronted by the fact that their society was a multi-
racial one. Their solution to the problem was the development of an indigenous
theory, the "whitening" theory. (PEIRANO, 1991:21).
As idéias de Nina Rodrigues, ainda que seguissem a mesma perspectiva de determinismo
racial que influenciaram o pensamento de Silvio Romero, dele diferiam, pois suas concepções
colocavam o negro como problema para o Brasil, porque, em sua visão, ele (o negro)
impediria o progresso brasileiro, já que é tido como pertencente a uma raça inferior. Essa
inferioridade, em relação à raça branca não iria ter fim, porque, por mais que o negro avance e
progrida, não conseguirá alcançar o branco que, uma vez que a evolução é contínua, a “raça
branca” sempre estará em um patamar superior.
Para superar esse "problema negro" Nina Rodrigues parte do pressuposto de que a maior parte
dos negros trazidos para o Brasil pertence aos ramos mais evoluídos existentes na África
(negro ário-africano/mulçumanos). A presença desses ramos mais avançados da raça negra é
que possibilitaria ao Brasil progredir cultural e etnicamente. Contudo, Rodrigues ressalta que
esses ramos mais avançados são necessários, mas não são suficientes para o progresso
brasileiro. Para que isso realmente aconteça, é necessário a miscigenação das raças, que
47
A inferioridade biológica do português é conseqüência da inferioridade política e econômica de Portugal
frente aos demais países da Europa.
52
possibilitará à raça negra se diluir na branca (branqueamento). E assim o País estará nas mãos
dos brancos (raça superior) e poderá progredir. Também Mariza Peirano, em sua tese de
doutoramento, tem esta visão sobre o pensamento da época:
This theory was based on the assumption of white superiority, but it incorporated the
thesis that miscegenation did not inevitably produce "degenerates". Instead,
miscegenation would forge a healthy mixed population growing steadily whiter,
both culturally and physically. The optimistic conclusion was that the black
population was becoming progressively less numerous in Brazil for several reasons,
including a supposedly lower birth rate, higher incidence of disease, and the social
disorganization of the black population. From 1889 to 1914, the "whitening" theory
was accepted by the majority of Brazilian intellectuals. (PEIRANO, 1991:21).
Nesses estudos elaborados por Nina Rodrigues, o negro é o principal fator de atraso e a
miscigenação é a solução que irá possibilitar o progresso brasileiro, que o mestiço, com
componentes brancos (europeu, exceto português) e negros superiores (negro ário-
africano/mulçumano), encerram em si características que o colocam acima das raças que lhe
deram origem e com isso poderá levar o Brasil a "atualizar-se".
Na virada do primeiro para o segundo decênio do século XX, permaneçam as preocupações
com o problema do Brasil: sua ineficiência em se tornar uma nação desenvolvida e moderna.
As propostas de solução deste problema, neste período, variam em três vertentes: 1) seguiam
as teorias européias de determinismo racial e climático, 2) viam a realidade do País como
passível de solução porque o Brasil estava predestinado para a grandeza, tendo em vista suas
reservas naturais, 3) se opunham às duas primeiras, pois a solução para o atraso brasileiro
estava em analisar cuidadosamente as causas históricas das atuais condições em que se
encontrava o País, visando que o mesmo estabelecesse sua própria identidade.
Surgiram, então, novas tentativas para explicar o atraso brasileiro, que focavam ora uma das
três vertentes assinaladas acima, ora a conjunção de duas ou mais, e que ainda viam a Europa
ou paises de tradição européia como fim último a ser alcançado, pois ainda eram possuidores
de superioridade racial, cultural e econômica. Estas concepções perduram até a década
seguinte, onde o que se procurava era uma identidade nacional que pudesse se adequar ao
novo Estado, uma república. Com isso, se alcançaria a meta que era retirar o caráter
conflituoso de crises e problemas sociais e raciais que surgiram a partir da libertação dos
escravos e nos primeiros anos da proclamação da república e ainda perduravam sob certos
aspectos.
53
Nesse período o ponto de referência da busca de uma identidade nacional era o movimento
modernista, que procurava por meio da valorização do que é autenticamente brasileiro,
principalmente das tradições culturais das camadas ditas populares, e a total erradicação
daquilo que vem de fora, mostrar que o Brasil possui características próprias (comidas,
estórias, músicas, artistas, arte, etc.), que o diferenciam dos demais
48
.
A partir da revolução de 1930 essa busca das coisas que fazem do Brasil Brasil, desencadeada
pelo Movimento Modernista na década de 1920
49
, passa a ser, mais fortemente, orientada pelo
Estado, que tinha como objetivo consolidar o desenvolvimento social e em conseqüência
obter um lugar de destaque para o País no contexto mundial. A partir daí, mudam-se alguns
parâmetros que vigoravam até então e as teorias raciais se tornam obsoletas e passa-se a
buscar outra interpretação para e do Brasil.
Os estudos agora se encontram embasados pelo culturalismo de Franz Boas. Seguindo essa
linha, em seu livro Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre trata o problema racial dentro de
uma perspectiva cultural, mostrando a importância da cultura na formação da identidade da
sociedade brasileira. Nesse estudo G. Freyre demonstra que as diferenças entre os grupos
raciais devem ser explicadas pelo ambiente social, e que certas características não são
exclusivas de raças, mas de povos (no sentido de culturas), e são determinadas pela interação
entre raça e ambiente.
Segundo Freyre a inserção do negro na ordem da família patriarcal ocorre porque no Brasil há
uma integração muito grande entre negros e brancos, por causa da convivência propiciada
pela proximidade e comunicação entre casa grande e senzala. Isto porque, para o autor, o
ambiente da casa grande e senzala proporcionam uma maior intimidade entre negros e
brancos, e tem como conseqüência a influência em outros setores da cultura brasileira, que se
formava então: na religião, na linguagem, na crença, na culinária, nas relações pessoais, etc.
Na casa grande e senzala se estrutura um tipo de relação entre negros e brancos diferentes das
48
Também cabe ressaltar que é com o movimento modernista que surge no Brasil todo o arcabouço legal e
teórico para a preservação do patrimônio cultural, tendo à frente Mário de Andrade, que realizou
expedições etnográficas, idealizou os princípios da política pública preservacionistas brasileira.
49
de se destacar que, durante a década de 1920, com a Semana de Arte Moderna ocorrida em 1922 em
São Paulo, se consolidou uma visão positiva em relação às manifestações étnicas brasileiras como sendo a
essência do Brasil e identificando um caráter genuinamente brasileiro em determinadas manifestações
culturais – festas, modos de fazer (artesanato).
54
outras relações que surgiram como resultado da escravidão. Tem-se a criação da teoria da
“democracia racial”
50
.
Nestas primeiras décadas do século passado também se iniciam as primeiras preocupações
com os grupos indígenas. Na primeira década do século XX, quando eram realizadas ações de
interiorização e integração territorial, os grupos indígenas foram identificados como
obstáculos para a total e potencial ocupação territorial do País. Neste sentido, ocorrem as
primeiras ações do Estado visando identificar e pacificar os indígenas brasileiros.
Estes estudos de caráter mais antropológicos, realizados por pesquisadores
51
, que, em sua
maioria, eram autodidatas na área, mostravam interesse no destino dos povos que
estudavam, também estavam atentos para o tema das relações de contato interétnico e o
tratavam de acordo com os recursos teórico-metodológico da época.
A antropologia (etnologia) que se fazia no Brasil neste período e que viria influenciar toda a
geração pós-guerra era realizada principalmente por pesquisadores alemães
52
e tinha como
foco central o estudo dos grupos indígenas, que teve como conseqüência a criação de uma
“tradição etnológica alemã” na antropologia que se fazia então.
A consolidação das teorias culturalistas e a criação de cursos voltados para as ciências
humanas, ocorridos entre as décadas de 1930 e 1940, fazem com que o número de
antropólogos brasileiros se amplie. Cabe ressaltar que, a criação em São Paulo, durante a
década de 1930, das duas universidades é realizada tendo como base propostas diferentes. De
acordo com Peirano (1991: 27-29):
A primeira – Escola Livre de Sociologia e Política-ELSP – tinha como objetivo ser um
meio racional de buscar soluções aos problemas brasileiros relacionados ao seu
desenvolvimento enquanto sociedade industrial; nela havia o predomínio dos estudos
empíricos em detrimento à especulação teórica e era influenciada pela cultura anglo-
saxônica; os pontos principais de seu programa básico eram dois: a) destacar a
50
Sobre a questão da democracia racial, idéia criada a partir das colocações de G. Freyre, ver R. Da
Matta - Relativisando - Uma Introdução à Antropologia Social. RJ, Vozes, 1981.
51
Os pesquisadores, brasileiros e estrangeiros, desta época não eram puramente etnólogos, mas sim
antropólogos, que lidavam indistintamente etnologia, arqueologia, antropologia e lingüística e em sua
grande maioria não possuíam estudos acadêmicos nestas áreas.
52
Melatti (1990) faz um relato detalhado de trabalhos realizados por estes antropólogos, assim para um
estudo mais detalhado sobre autores e pesquisas ver MELATTI, Julio Cezar. 1990. A Antropologia no
Brasil: Um Roteiro. in O que se Deve Ler em Ciências Sociais no Brasil, vol. 3, pp. 123-211, São Paulo:
Cortez e ANPOCS.
55
importância da sociologia, que compreendia antropologia, economia, ciência política e
jurisprudência, e b) capacitar uma elite para guiar os destinos da nação.
A segunda universidade Universidade de São Paulo-USP tinha como objetivo
moldar uma elite nacional para a ão política; criada de acordo com os modelos
franceses e alemães de universidade; seus planos eram mais ambiciosos que os da
ELSP, pois propunha não apenas educar a elite paulista, mas agregar uma melhoria
educacional ao projeto político de educar toda a elite nacional.
Ainda segundo Mariza Peirano, a criação destas escolas de sociologia na década de 1930 não
ocorreu aleatoriamente ou visando apenas melhorar o sistema de ensino nacional, mas estava
intrinsecamente ligada a assuntos da política nacional. A sociologia, aqui incluindo todas as
ciências sociais, foi chamada para responder aos problemas gerados durante a construção da
sociedade brasileira, que estava destinada ao desenvolvimento a ideologia da época
acreditava que o Brasil deixaria de ser uma nação tradicional para se tornar moderna e à
melhoria do espírito humano. Peirano também destaca dois pontos importantes: os cientistas
sociais eram chamados a contribuir para a construção da nação a partir de uma perspectiva
científica, e tinham como desafio confrontar a influência européia e, ao mesmo, tempo decidir
até onde uma ciência social nacional era possível ou apropriada.
A maior parte dos estudos de cunho antropológico, até o final da década de 40, buscaria, ainda
que superficialmente, observar, argüir, examinar e/ou descrever a realidade, ou melhor,
realizar interpretações da realidade brasileira com o propósito maior de responder o
questionamento: afinal o que faz de nós, brasileiros?
II. Antropologia e o nacional: configurações durante as décadas de 1940 e 1950
Como concebe Mariza Peirano (2000), a antropologia ao se diferenciar e se tornar
independente da sociologia e das outras ciências sociais, precisou manter e desenvolver-se
como disciplina sui generis, propiciando que a alteridade, seu objeto de estudo por excelência,
possuísse dois papeis concomitantes: possibilitar a geração de conhecimento antropológico
que refletisse sobre o Brasil e que fosse uma produção teórica feita no Brasil.
Segundo ela da antropologia que se legitimou no Brasil é dividida em duas etapas:
A primeira que preponderava nas pesquisas antropológicas até a década de 1960, e
tinha como foco principal os estudos sobre as sociedades indígenas, poucos eram os
estudos sobre outros grupos sociais.
56
A segunda, que se iniciou por volta dos anos de 1970, onde as investigações
concentravam seu foco em outros grupos também excluídos da (ou pela) sociedade
nacional e que faziam parte do contexto urbano, e por isso faz com que a antropologia
se constitua por uma multiplicidade de temas de investigação antropológica.
Esta perspectiva de Peirano também está presente no texto de Corrêa (1988:86), ao relatar as
temáticas que ocuparam o conteúdo dos artigos apresentados na segunda Reunião Brasileira
de Antropologia, que ocorreu no ano de 1955.
Mariza Corrêa destaca alguns termos que com maior freqüência eram utilizados: “aculturação
e comunidade, (...) contato inter-racial, possessão, messianismo e imigração” todos indicavam
o caminho teórico utilizados pelos estudos antropológicos realizados durante a década de
1950 (CORRÊA, 1988:86-87). Corroborando com esta afirmação, Mariza Peirano ressalta que
as publicações no período eram marcadas por temas como mudança cultural, magia e religião
e organização social, tendo como foco os grupos indígenas, minorias e camponeses. Vê-se,
então, que os estudos etnológicos ocupavam lugar fundamental e determinante, configurando
o que era a antropologia, enquanto disciplina, nos anos entre 1940 e 1950 e que perdura até a
década de 1970.
Após introduzir uma paisagem geral do contexto da antropologia nas primeiras três décadas
do século XX, importante para se compreender o desenrolar da disciplina nas décadas
seguintes, o foco agora será dado, nos termos de Peirano, à antropologia de primeiro tipo,
notadamente aquela que se realizou entre as décadas de 1940 e 1950.
Em primeiro lugar, deve-se destacar que este foi um período em que o trabalho
etnográfico/antropológico ainda era artesanal e dependia quase que exclusivamente do
desprendimento e força de vontade do pesquisador. Os financiamentos escassos, as fontes de
consulta e os cursos mais especializados também eram pouco abundantes.
Algumas características que se podem considerar como marcantes para a antropologia
praticada durante estas duas décadas eram: 1) a combinação entre uma tradição teórica
inspirada no modelo francês (USP) /inglês (ELSP) e a definição do tópico de estudo os
grupos indígenas estabelecido a partir da influência alemã; 2) a busca pela essência
brasileira e uma atitude positiva em relação aos indígenas (assim como movimento
modernista nas décadas de 1920 e 1930); 3) a presença massiva de professores e
pesquisadores estrangeiros e, por conseguinte, das teorias estrangeiras em voga, que os
alunos, posteriormente, as adaptavam e mesclavam/reuniam ao aplicá-las no contexto
brasileiro.
57
Segundo Peirano, ao falar sobre Florestan Fernandes em sua tese de doutoramento, ela relata
que neste período o que predominava era uma abordagem eclética, tanto em termos de
método, quanto de teoria e objeto de análise:
Another point of reference from which to evaluate Fernandes' work is that of the
Paulista academic scene. In that context they actually represented one of the first
attempts at defining a method, a theory, and an object of analysis; a predominantly
eclectic approach prevailed up until then. Although the institutionalization of the
social sciences had occurred during the thirties, for more than a decade there had
been little differentiation among them. The period was marked by an enormous
editorial boom1, but the articles published in periodicals did not follow any clear
pattern in terms of theses or theoretical lines of investigation.
(…)
The same eclectic approach could also be seen in the two main schools of sociology.
Although both the Universidade de São Paulo and the Escola de Sociologia tried to
distinguish themselves as respectively, French and Anglo-Saxon oriented, the
difference was not always clear. (PEIRANO, 1991: 51).
A antropologia no Brasil se desenvolveu a partir da mescla não apenas de teorias e
metodologias, mas também pela incorporação simultânea do pluralismo e universalismo
presentes na tradição teórica da disciplina. Assim, se a tradição teórica da ciência
antropológica lhe um caráter universalista teoria e metodologia dos autores clássicos
expressos em suas monografias e os contextos onde ela é aplicada lhe conferem um caráter
pluralista aplicação dos conceitos e metodologias elaborados pelos autores clássicos de
acordo com o contexto onde o pesquisador encontra-se inserido. A orientação da antropologia
brasileira nos anos de 1940 e 1950 expressa estas duas especificidades. Ou seja, tratava-se de
buscar nos conceitos clássicos, Boas e Durkheim, principalmente, e a partir daí empenhar-se
em aplicá-lo e/ou articula-lo ao que se pesquisava, dando um caráter particular às produções
antropológicas realizadas então, e relatando as descrições e conclusões em artigos e
monografias
53
.
Ao lado da influência teórica também merece destaque a relação profícua entre museus e
antropologia (mais identificada como etnografia) neste período, tanto no que diz respeito a
publicização dos trabalhos antropológicos artigos, relatos de experiências, notadamente o
Museu Paulista sob a direção de Herbert Baldus, quanto ao fato de abrigar o trabalho de
53
Segundo Melatti (1990) havia nos estudos sobre as sociedades indígenas predominância da vertente
funcionalista, ainda que segundo ele “ao lado da abordagem funcionalista, trabalhos que parecem se
aproximar de estudos de cultura e personalidade ou pelo menos concedem certa importância ao nível
emocional.” (MELATTI, 1990: 16).
58
antropólogos, na ampliação das seções de antropologia e no financiamento das pesquisas.
Segundo Fernandes os estudos etnológicos apesar de não dispor de um financiamento
suficiente contam “com elevado número de instituições que concorrem, aqui e ali, para o
amparo e fomento das atividades de pesquisa, de formação de coleções etnográficas, de
divulgação de obras etnológicas, etc.”. (FERNANDES, 1958: 29, grifos meus). Nesta
afirmação de Fernandes, percebe-se que os museus patrocinavam pesquisas etnográficas
visando criar e/ou ampliar suas coleções. Também Lévi-Strauss (1991)
54
, no artigo “Lugar da
Antropologia nas Ciências Sociais e Problemas Colocados por seu ensino”, via o museu
etnográfico como uma espécie de prolongamento do trabalho de campo. Segundo Lévi-
Strauss, este tipo de museu é um local apropriado para o treinamento e sensibilização de
futuros etnógrafos. Ele ainda acrescenta que, estas instituições são espaços propícios para se
realizar estudos sistemáticos de nguas, crenças, ações e personalidades, ou seja, para se
compreender o homem, como é o objetivo da antropologia (LEVI-STRAUSS, 1991:416-421).
Alem desta combinação de especificidades anteriormente estabelecida, a “antropologia feita
no Brasil por brasileiros” engloba outro fator distintivo: o envolvimento político com o objeto
de estudo. Para Peirano esta combinação além de ser sui generis também significa:
(…) the adoption of an historical perspective linked to structural-functional analysis,
Brazil the nation as framework, the study of relations of domination, and a stress on
the mechanisms of social integration -- a model which was to influence the social
sciences for decades.
(…)
the scientist is not one individual in a group of individuals, but a member of a
society which defines itself as a particular nation-state.
(PEIRANO, 1991: 58; 64).
A antropologia brasileira, além de buscar aplicar – no sentido de adequar / apropriar / adotar –
a teoria dos grandes centros produtores de ciência (EUA, Europa), tinha sua atuação marcada
pela valorização da pluralidade e defesa das minorias, que se encontra expresso nas
problemáticas investigadas: questão indígena, negra e da migração. Neste sentido, esta
configuração chama a atenção “para a centralidade da preocupação com temas brasileiros e
com o estudo da sociedade brasileira em seu conjunto na pesquisa, na reflexão teórica e no
debate político de que participam os acadêmicos brasileiros à época.” (PEIXOTO &
54
Este texto foi escrito em 1958 e posteriormente incluído no livro Antropologia Estrutural I (vide
bibliografia).
59
SIMÕES, 2003:389). Os trabalhos ou estudos antropológicos tinham como objetivo descrever
a sociedade em sua realidade, mostrando suas especificidades em relação às outras. Em se
tratando especificamente do período destacado, seria descrever as particularidades e
especificidades dos grupos étnicos (indígenas, negros, imigrantes) em relação à sociedade
nacional. E, também, incluir esses grupos sociais no todo social, visto que até então eram
tratados como apêndices da sociedade brasileira. Mariza Peirano enfoca esta problemática ao
expor que a geração de Antônio Cândido, que era a que realizava pesquisas neste período:
(…) wanted to incorporate the Black, the Indian, and the poor into the wholeness of
a larger unity -- Brazil as nation -- and not see them at a distance, as "others", or "in
coldness". From a grouping of Blacks with primitives, children and neurotics, as in
Ramos' work, Blacks were now put together with the poor and the Indians as the
oppressed sectors in Brazilian society. (PEIRANO, 1991: 58).
Trata-se de uma herança anterior. Isso porque, a antropologia brasileira, desde os primeiros
estudos com Nina Rodrigues e Sílvio Romero, no século XIX, encontrava-se direcionada a
colocar todos os seus esforços na busca de uma identificação cultural brasileira, uma
identidade brasileira. Daí a importância para a antropologia em estudar os grupos étnicos
negro e indígena e os imigrantes, fenômeno que no pós-guerra se intensificou sobremaneira.
De certa maneira, os antropólogos retomam a temática do século XIX, pois a concepção
majoritária entre os cientistas, influenciada pela vertente modernista de preservação do
patrimônio cultural, era que juntamente com os brancos estes três grupos étnicos presentes no
Brasil davam forma e fundavam uma cultura brasileira, que trazia em si componentes de cada
um dos grupos, mas que em si mesma era única, genuína e própria aos brasileiros. Durham
destaca que a antropologia brasileira tem como função primeira “estudar e conhecer”, e o
conhecimento desta multietnicidade brasileira era necessário para se conhecer o Brasil:
Os outros, assim, estavam no nosso próprio quintal. Desde o começo, os índios e os
negros eram “outros” para os nossos intelectuais, (...). Depois, os imigrantes
europeus e asiáticos eram também outros. (DURHAM, 2006: 93).
A antropologia brasileira, realizada entre as décadas de 1940 e 1950, além de privilegiar o
estudo dos grupos indígenas, tinha como grande marco, em termos teóricos, uma combinação
60
de três paradigmas: o funcionalismo, o culturalismo americano e o sociologismo britânico
55
.
Esta combinação paradigmática, própria da antropologia feita no Brasil, introduziu uma nova
forma de trabalho de campo que era o estudo de comunidades. Este tipo de estudo permitia
trabalhar as diversidades dentro do todo, que é a sociedade brasileira. O estudo de
comunidades permitiu um grande desenvolvimento da antropologia brasileira, pois, tornava
possível utilizar os métodos de trabalho de campo (observação participante, documentação
censitária, etc.) nos estudos. Os três paradigmas utilizados foram de grande importância para a
institucionalização da antropologia como ciência acadêmica. Fernandes destaca que:
Com exceção de Radcliffe-Brown, os professores que desempenharam alguma
influência no ensino da etnologia no Brasil, como Herbert Baldus, Emílio Willems,
Claude Lévi-Strauss, Kalervo Oberg, Arthur Ramos e Roger Bastide (...), assumiram
uma atitude eclética diante das teorias etnológicas e de seus fundamentos
metodológicos. (...) Possibilidades da descrição etnológica da realidade deixavam de
ser vistas com intransigência dos componentes de “escolas”, para serem apreciadas
em sua justa significação, como instrumentos de trabalho e como alvos positivos da
investigação de campo ou histórica. (FERNANDES, 1958:30-31).
Segundo Fernandes, o trabalho etnológico seguia os parâmetros de Curt Nimuendajú, que
influenciou um novo estilo que era a fusão entre dois paradigmas principalmente o
funcionalista e o culturalista – e que se baseava principalmente em:
(...) permanência prolongada nas comunidades investigadas, no uso das linguagens
nativas como meio de comunicação e na compreensão da interdependência
fundamental dos componentes da personalidade, da cultura e da sociedade, bem
como um padrão preciso de descrição monográfica. (FERNANDES, 1958:32).
Neste período, a preponderância nos estudos dos grupos indígenas, foco principal da atenção
dos antropólogos, estava ligada mais intimamente ao interesse dos etnólogos alemães (Egon
Schaden, principalmente) em antropologia física, arqueologia, genética e lingüística,
conforme a compreensão da antropologia enquanto ciência que possibilitaria a compreensão
científica, de modo bem amplo e diversificado, da natureza humana. Por outro lado, os
55
Não é objeto deste estudo descrever as três perspectivas paradigmáticas utilizadas no contexto teórico-
metodológico da antropologia brasileira neste período.
61
estudos sobre temas brasileiros, foco de alguns antropólogos que não se identificavam com a
questão indígena, mesclavam sociologia com antropologia tanto no que se refere ao fato de
compartilhar temas como teorias, promovendo um deslocamento constante dos pesquisadores
de uma disciplina para a outra. Exemplos deste tipo de enfoque que se pode citar são: Emílio
Willems que tinha como temática o estudo de comunidades de imigrantes alemães e
Antônio Cândido – cujo enfoque era a comunidade campesina.
Em termos de base metodológica e teórica
56
, para que se lograsse a descrição da sociedade em
sua realidade e especificidades, como se buscava na época, a pesquisa e a produção
antropológicas procuravam seguir alguns princípios tidos como básicos e necessários para um
estudo de qualidade acadêmica / científica. Assim, durante o trabalho de campo tudo deve ser
anotado - desde os materiais utilizados para a construção de casas até as notas das melodias,
de forma muito detalhada. Tudo aquilo que compuser a cultura deve ser objeto de uma
descrição meticulosa e fiel. E cada sociedade pesquisada (considerada enquanto uma
microssociedade) deve ser encarada como uma totalidade independente, sendo que sua
apreensão abarcar tanto em termos de totalidade quanto de parte autônoma do todo – com isso
reuni-se a perspectiva etnográfica (trabalho de campo) e antropológica (concepção teórica).
Este tipo de articulação objetivava revelar, em termos de essência, uma unidade expressa
através de distintas composições. Neste sentido, um fenômeno cultural somente poderia ser
significativo se e quando fosse relacionado ao contexto particular no qual se encontrava
inserido.
Nesta concepção, os elementos culturais não poderiam ser manipulados e compostos
arbitrariamente porque faziam parte de sistemas definidos, próprios de cada cultura e que
cabia ao investigador descobrir.
O conceito de função aparece como o instrumento que permite reconstruir, a partir dos dados
aparentemente caóticos, que se oferecem à observação de um pesquisador de outra cultura, os
sistemas que ordenam e dão sentido aos costumes nos quais se cristalizam o comportamento
dos homens.
Outro ponto, também considerado condição para um estudo científico, é o aprendizado da
língua nativa. O domínio da língua utilizada pelo povo estudado é importante para se realizar
uma descrição pormenorizada da cultura, porque o contexto situacional é de grande
56
Os pressupostos aqui indicados também podem e/ou devem estar contidos em estudos antropológicos de
outros períodos, contudo a ênfase neste caso é no período referido.
62
importância para que se possibilite a outros alcançar o significado expresso na linguagem
(aqueles que desconhecem a língua).
Por último, nos trabalhos antropológicos o uso do método comparativo é bastante relevante,
visto que possibilita o conhecimento de como se estabelecem as redes de relações sociais
constituídas e/ou fundadas pelos indivíduos. Na visão da época (e que ainda perdura até hoje),
o método comparativo se justifica pela formulação e validação das elaborações sobre as
condições de existência dos sistemas sociais e as regularidades que são observáveis nas
mudanças sociais.
O exame abrangente da história da antropologia nestes dois decênios, exposto nas páginas
anteriores, indica que as abordagens seguiam um estudo classificatório sobre aculturação e
assimilação cultural, principalmente. Mas, também, incidiam sobre a sobrevivência de traços
culturais nos grupos étnicos que compunham o Brasil, colocando maior destaque nas culturas
indígenas.
Não se trata mais de colher e descrever, por meio da cultura material, os mais variados traços
culturais de um povo e compartimenta-los. Neste momento, trata-se mais de compreender
estes traços culturais no contexto geral da cultura onde estão inseridos, apreendê-los em
termos de funcionalidade, utilizar da comparação entre grupos culturais distintos visando
estabelecer categorias, conexões e analogias, além de perceber a dinâmica da mudança
cultural e registrar o processo de aculturação e/ou assimilação ocorrido. Desse modo, ao
antropólogo dos anos de 1940 e 1950 cabe perceber que por detrás dos traços culturais
observados durante sua pesquisa existe alguém que o produziu, que é o homem objeto de
sua investigação.
III. Antropologia Brasileira (1940-1950): consolidando informações
Néstor Garcia Canclini (2005) expõe que na atualidade os estudos sobre cultura possuem
como único consenso a certeza de não existe nenhum consenso. Segundo ele, isto ocorre
porque hoje não se tem um paradigma internacional, que seja interdisciplinarmente aceito
como eixo de uma constelação de conceitos que lhe sejam associados e cujas articulações
possam ser utilizadas como referência empírica contrastante para diversas sociedades. Ou
seja, na antropologia atualmente não existe paradigma único que poderia ser utilizado no
estudo em diferentes culturas. O que existe são diferentes e variados modos de conceber os
vínculos entre cultura e sociedade, realidade e representação, ações e símbolos. Entretanto,
63
ele ressalta que o trabalho antropológico necessita de definições operativas, ainda que poucas
e provisórias, para que se prossiga realizando pesquisas sobre as diversas culturas existentes.
Seguindo esta orientação de Nestor Garcia Canclini, pode-se dizer que no Brasil o trabalho
antropológico teve (e ainda tem) como definição operativa a interpretação. Ela sempre foi o
princípio fundamental que guiou as pesquisas antropológicas desde seu início, apesar de nem
sempre aparecer como tal. É tem sido pela interpretação que, no Brasil, se objetiva estudos
mais ricos sobre as culturas e compreendê-las (o outro) mostrando que o mundo é
diversificado.
A antropologia feita no Brasil, entre os anos de 1940 e 1950, ao eleger como objeto de estudo
prioritário as tribos indígenas, toma para si um conjunto de tendências epistemológicas. De
modo que estas lhe possibilitem colocar em interação um conjunto de padrões, fenômenos e
aspectos de uma cultura determinada por meio da coleta de dados que podem ser ordenados,
justificados e explicados para se obter uma compreensão do fora pesquisado.
Ela quer colocar em foco o diferente, mostrando que por detrás do véu de homogeneidade que
cobre a realidade, se esconde o diferente, e é na busca por compreender e interpretar
determinados grupos sociais que os antropólogos produzem subsídios para esse
empreendimento. Florestan Fernandes, neste sentido, destaca ao falar do propósito da
etnologia que:
Ela se baseia principalmente nas instâncias e evidências obtidas de modo imediato
pela pesquisa de campo ou pela pesquisa de reconstrução histórica. Devido ao fato
de que ao etnólogo não interessa a “reprodução” da realidade, mas a sua
reconstrução, tendo em vista os aspectos dela que sejam relevantes ou significativos
para a etnologia, a “descriçãojamais chega a ser uma mera acumulação de dados.
A ela é inerente um paciente e complexo esforço de elaboração interpretativa, que
exige a exploração sistemática da análise indutiva, através dos métodos usuais de
interpretação etnológica. (FERNANDES, 1958: 37).
Com isso, Fernandes corrobora a afirmação anteriormente apresentada, de que uma
explicação antropológica de uma cultura, fenômeno ou aspecto cultural é inseparável da
interpretação, que se obtém após trabalho de campo, coleta de dados e tratamento analítico
dos mesmos.
Ao analisar o período de desenvolvimento da antropologia no Brasil acima exposto, é
perceptível que a especialização crescente da disciplina e a demarcação do campo profissional
do antropólogo são conseqüência da ênfase nos estudos e pesquisas sobre a temática indígena,
64
bem como o envolvimento político-profissional, cada vez maior, com o tema. Entretanto, cabe
ressaltar que o enfoque nos grupos indígenas tinha como pano de fundo a perspectiva de
busca por inclusão destes na sociedade nacional. Ou seja, os antropólogos deste período
estavam vinculados, nas palavras de Peirano (1999:238), aos estudos de “contato com a
alteridade” e centrados na relação existente entre Estado e povos indígenas.
Neste sentido, a instucionalização da antropologia como disciplina, principiada nos anos de
1940 e 1950, tem como centro de sua preocupação: temas brasileiros e o estudo da sociedade
brasileira, tanto em termos de reflexão teórica quanto balizado pelo debate político.
Os dois centros de ensino – USP e ELSP tiveram papel importante para a antropologia
brasileira. Isto porque, dentre outras coisas, propiciou o contato com instituições e
pesquisadores estrangeiros da área, articulando, por meio do seu corpo docente
57
, relações
entre a produção antropológica feita no Brasil e aquela produzida na Europa e EUA. Também
merece destaque o fato de que os estudos antropológicos não eram circunscritos a
determinada região do País, mas circulavam, tanto em termos da produção textual quanto em
relação à interlocução entre pesquisadores.
Ambas as instituições, mesmo que diferindo em alguns pontos, eram parceiras e articulavam
atividades relacionadas à produção de pesquisa e teoria antropológica. Ou seja, apesar de
terem sido criadas com objetivos diferentes, possuírem feitios institucionais e orientações
metodológicas diferentes e de competirem entre si, seus trabalhos seguiam trajetórias
semelhantes no que se refere à temática abordada e a sua agenda de pesquisa.
Tanto a USP quanto a ELSP estão vinculadas a constituição da antropologia enquanto ciência
colada à imagem da cidade de São Paulo presente e futuro
58
. Contudo, a preocupação por
parte dos pesquisadores em fazer “ciência” vincula-se muito mais a sociologia que possui
departamentos acadêmicos constituídos e organizados do que aos antropólogos / etnólogos.
Cabe ressaltar que, a antropologia neste período estava à procura de uma imagem do Brasil.
Neste sentido, se propõe estudar o índio, a princípio como representante do passado e,
posteriormente após a criação de uma corrente indigenista de antropólogos/etnólogos
57
Cabe citar alguns dos membros dos corpos docentes que estavam à frente das cadeiras de antropologia
ou etnologia nestes dois centros universitários: Hebert Baldus, Egon Shaden, Emílio Willems, Harald
Schultz, Claude Levi-Strauss, Roger Bastide, Donald Pierson, etc.
58
Para maior aprofundamento desta abordagem sobre as duas instituições de ensino ver Peirano, Mariza.
1991. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case. Tese de doutorado. Department of,
Harvard University, Cambridge, Massachusetts. EUA.
65
como um dos grupos que compõem a raiz do Brasil, mais por fazer parte da formação do País
do que por sua cultura.
Sendo notório o incremento de pesquisas e análises antropológicas sobre estas “outras
sociedades”, que também faziam (ou deveriam fazer) parte da sociedade brasileira e tendo
visto que até os anos de 1930 já existiam cientistas que utilizando certo arcabouço etnográfico
para “descobrir” quem eram estes diferentes, pode-se inferir que os materiais recolhidos
destas pesquisas passaram a compor grande acervo.
Entretanto, já neste período observa-se que os objetivos iam além de formar coleções, tratava-
se de estudar e analisar profundamente as populações indígenas, de documentá-las por meio
de registro audiovisual e de elaborar um conhecimento e uma narrativa significativa,
persuasiva, expressiva e convincente sobre o passado e presente destes povos.
A partir do resultado deste processo de pesquisa, o cientista, posteriormente, tinha por
finalidade, devido ao engajamento político da maioria dos intelectuais e pesquisadores no
Brasil, aplicar o conhecimento obtido, no sentido de desenvolver mecanismos de salvaguarda
e comunicação das populações indígenas: demarcação de terras, maior visibilidade, desfazer
imagens distorcidas, combater preconceitos e estereótipos.
Finalizando, tem-se que o grande papel reservado a antropologia neste período é atuar na
proposição de uma interpretação possível do País e uma compreensão mais ampla sobre esse
“outro” tão próximo. Também é sua função introduzir novos conceitos e opinar, a partir do
conhecimento da realidade social, sobre questões candentes colocadas: relações interétnicas,
aculturação, dominação e mudança cultural. Assim, como disse Eunice Durham a “prática da
antropologia é uma permanente destruição de estereótipos”, pois ela “nos revela a nós
mesmos e nos altera.” (DURHAM, 2006: 91).
66
Capítulo III
“Conhecer e intervir”
59
Darcy Ribeiro: idéias e pressupostos
para a criação de um Museu
Olha, uma das decisões importantes, sábias, da minha vida, foi a de me dedicar à
etnologia indígena. (...) A opção pelos índios parecia uma opção incrível, entretanto
foi não vitalmente das mais belas, me deu os anos mais belos da minha vida,
como foi também intelectualmente, cientificamente, muito importante. (GRUPIONI
& GRUPIONI, 1997: 01).
O texto acima citado Darcy expressa a importância dos estudos etnográficos para sua vida
como um todo, uma vez que ao longo de sua vida assumiu rias facetas. Sendo um dos
pioneiros da antropologia brasileira, por ter se formado e iniciado suas pesquisas etnográficas
durante o princípio dos anos de 1940, quando de sua contratação pelo Serviço de Proteção aos
Índios - SPI para trabalhar em um dos seus departamentos: a Seção de Estudos SE. Darcy
Ribeiro está, então, entre aqueles que formaram e forjaram o que, posteriormente, resultaria
na constituição de uma antropologia brasileira. Ele também se inclui dentre os que
privilegiavam o estudo dos grupos indígenas, que possuíam um compromisso político com
esses e que versavam suas análises sobre o contato entre índios e brancos, tendo como temas
chave de estudo conceitos ou categorias como aculturação e mudança cultural. Também foi
um dos contribuiu para a criação e consolidação de uma teoria antropológica brasileira, cujo
foco encontra-se nos estudos sobre o Brasil, visto que ao se estudar o Brasil estar-se-ia
contribuindo para conhecer esse “outro” tão próximo e ao mesmo tempo possibilitar o
entendimento do que vem a ser o Brasil. Esta perspectiva de auto-conhecimento se fazia,
principalmente, pela pesquisa daqueles considerados os primeiros habitantes do País,
conforme indica Fernandes ao tratar da formação da etnologia e sociologia no Brasil:
Toda interpretação do processo histórico-cultural de formação e evolução da
sociedade brasileira esbarra na necessidade de conhecer os povos aborígines, que
habitavam o Brasil na época da conquista, e suas possibilidades sócio-culturais de
reação à colonização portuguesa. (FERNANDES, 1958: 21)
59
Frase de Darcy Ribeiro citada por Helena Bonemy, 2001:56.
67
Buscar conhecer os povos que compõem a nação brasileira é o objetivo principal da
antropologia feita no Brasil até meados do século XX. Sua busca era por interpretar o
conjunto da nação brasileira a partir dos povos que lhe deram origem: brancos, negros e
índios.
A princípio as investigações que visavam o estudo dos povos indígenas, viam esta população
apenas como representante do passado da nação, mas depois, com a formação de uma
corrente de pesquisadores indigenistas
60
, que se preocupavam com a preservação dos
indígenas, passou-se a ver a cultura dos grupos indígenas como de grande importância para a
formação do País. Disso resultou a necessidade de pesquisas e o incremento aos estudos que
propiciassem compreender esta cultura em todos os seus ângulos: mitos, arte, religião,
parentesco, etc.
Foram os resultados destas pesquisas aliados a uma busca do Estado em conhecer estes povos
e pacificá-los que forjaram e moldaram a política indigenista brasileira no pós-guerra. Uma
conseqüência tanto dos estudos e das novas perspectivas e ideais da política indigenista foi a
criação do Museu do Índio, que pode ser vista como a coroação de uma fase desta busca
antropológica realizada, no Brasil, até meados do século XX.
Como indicado acima, um dos destaques dentro do grupo de pesquisadores que se
denominavam indigenistas e que atuou de forma intensa em prol dos grupos indígenas, cuja
conseqüência material, na época, consistiu em tirar o Museu do Índio do “papel”
61
, foi Darcy
Ribeiro, etnólogo/antropólogo brasileiro, que pode ser definido como autor e pesquisador
clássico e contemporâneo da antropologia brasileira. Clássico porque traz em si a tradição dos
primórdios da antropologia, antes de ser oficialmente estabelecida como uma ciência: quando
o trabalho etnográfico e/ou antropológico era “artesanal” e dependia mais da devoção ou
abnegação ou altruísmo do pesquisador que de qualquer outra coisa. E é contemporâneo
porque suas elaborações teóricas lidam com as contradições do Brasil como nação moderna:
conflito de classes, ordem versus desordem, subdesenvolvimento, etc. Mariza Peirano (1997)
destaca que os clássicos de uma disciplina são necessários e indispensáveis para guiar os
60
Numa descrição conceitual geral Indigenista seria um grupo de pessoas que simpatizavam com a causa
dos indígenas e tinham como ideal incorporar estes à sociedade nacional.
61
O Museu do Índio constava no decreto lei que criou a Seção de Estudos do Serviço de Proteção aos
Índios (SPI). Este ponto será mais detalhado neste trabalho nas próximas páginas, quando for abordado a
criação do referido museu.
68
novos participantes na (re)produção no contexto acadêmico, mas também coloca ressalvas
que devem ser (e neste estudo, são) consideradas:
Reconhecer a centralidade dos clássicos, no entanto, não implica transformar as
ciências sociais no relato delas, nem fazer da antropologia uma história da
antropologia. Ao contrário, significa diferenciar propostas, internas e externas, entre
os praticantes e os estudiosos de uma disciplina. Por mais que a historiografia da
antropologia origine cada vez mais dados a considerar, as diversas histórias teóricas,
resultado de reconstruções da teoria que permite iluminar dados etnográficos novos,
são fenômenos internos à prática disciplinar. É a aceitação, consciente ou não, de
uma determinada história teórica que situa determinadas obras e/ou autores como
clássicos de uma vertente e estabelece uma linhagem não só de etnógrafos, mas de
perguntas e de problemas, de questionamentos teóricos enfim, que as novas gerações
herdam, procuram responder e legam modificados a seus descendentes. Tal
reconhecimento não faz dos clássicos autores eternos e desvinculados do contexto
no qual têm origem e/ou são apropriados. Mas tem como resultado observar que,
apesar das variações existentes, eles são essenciais para a continuidade de um
conhecimento que, em determinadas circunstâncias, se tornou disciplinar: a questão
de se saber quem são, onde são gerados, ou como se formam, embora extremamente
importante, é secundária diante da sua existência indispensável. (PEIRANO,
1997:68)
Darcy Ribeiro é figura singular na antropologia brasileira não apenas por seus estudos
relacionados aos grupos indígenas ou sua atuação junto ao Serviço de Proteção aos Índios
Seção de Estudos e Museu do Índio mas também por ser uma pessoa polêmica dentro da
antropologia e pelo caráter multifacetário que assumiu ao longo de sua vida: político,
etnólogo/antropólogo, educador, romancista, etc. Mariza Corrêa (1988) relata que por ser um
grupo reduzido, o de antropólogos em fins de 1940 e princípio de 1950, muitos participavam
de varias instituições ao mesmo tempo ou passando de uma a outra sucessivamente. Esse
caráter múltiplo desenvolvido por Darcy Ribeiro, além de ser uma característica própria,
também pode ser fruto do fato de ter que assumir tantos papéis ao mesmo tempo, pode-se
chegar a esta inferência ao ter contato com o texto, pois, nas palavras da autora:
Entre os antropólogos, Darcy Ribeiro é o exemplo mais flagrante nesse momento,
por sua múltipla atuação, docente (na Escola de Administração Pública da Fundação
Getúlio Vargas, na Faculdade Nacional de Filosofia, no Museu do Índio, no CBPE
onde, intermitentemente deu cursos de “Etnografia Brasileira” e de “Antropologia
Cultural”), administração (no Serviço de Proteção aos Índios, no CBPE, no Instituto
de Ciências Sociais) e de pesquisa. Esta multiplicidade, no entanto, ainda que em
menor escala, foi assumida por quase todos os personagens centrais das
comunidades antropológicas, a nível nacional e estadual, na década de 50.
(CORRÊA, 1988:89).
69
Esta última frase de Mariza Corrêa exprime mais fortemente a inferência de que a própria
profissão também contribuiu para fazer de Darcy Ribeiro um homem de várias facetas, visto
que ela assinala que muitos profissionais da área antropológica da década de 1950 assumiam
vários postos, mas em menor escala. Ou seja, segundo Corrêa, Darcy Ribeiro, em sua atuação
profissional, assumia para si mais atividades de outros antropólogos do período.
Em termos gerais, Darcy Ribeiro passou anos convivendo com índios e escrevendo ensaios,
monografias e etnografias sobre eles, hoje considerados clássicos da antropologia. Fundou o
Museu do Índio, como forma de: combater preconceitos e estereótipos relativos aos grupos
indígenas, recuperar a história indígena que estava perdida e apresentar aos outros brasileiros
esses brasileiros desconhecidos, esquecidos e oprimidos. É, pois, de grande importância para
compreender o que vem a ser o Museu do Índio e quais são suas reciprocidades com a
antropologia, conhecer um pouco da história acadêmica de Darcy Ribeiro. Para essa
compreensão também é importante considerar os pressupostos da política indigenista
brasileira durante os primeiros anos de 1950, visto que este museu e o próprio Darcy Ribeiro
estão inseridos no órgão governamental gestor desta política.
Para tanto, nas próximas páginas far-se-á uma elaboração sobre o contexto idealizador de
criação do Museu do Índio, colocando em destaque as concepções etnográficas e
antropológicas de Darcy Ribeiro, além de apresentar as principais perspectivas da política
indigenista realizada quando da criação e nos primeiros anos de existência do Museu do Índio.
Assim, nas próximas páginas serão abordados dois contextos, que serviram de alicerce e
influenciaram, se não totalmente, pelo menos em grande parte, a criação do Museu do Índio.
Desse modo, nas próximas páginas são apresentados os pressupostos e perspectivas do
pensamento de Darcy Ribeiro, idealizador do Museu do Índio e da política indigenista
brasileira na década de 1950.
I. Darcy Ribeiro: Índios, Antropologia e Museu
Darcy Ribeiro conseguiu durante sua vida integrar vários enfoques e múltiplas vertentes de
atuação, resultado das diversas articulações teóricas, metodológicas e políticas estabelecidas
durante sua vida. Escreveu sobre coisas que o afetavam como profissional e cidadão: os
índios, o povo brasileiro, a educação. Sua formação acadêmica em São Paulo, junto a
cientistas e/ou professores como Radcliffe-Brown, Emílio Willems e Herbert Baldus, lhe
70
possibilitaram mudar a direção de sua vida e ligá-la a etnologia indígena. Em entrevista a Luís
Donisete e Denise Grupioni, ele deixa isso claro:
Havia, assim, em São Paulo, um ambiente que conseguiu fazer esta coisa incrível:
levar um rapazinho que veio de Minas Gerais, filho de gente que criava gado, que o
normal para eles seria colocar um chapéu de couro e criar gado, a aceitar, como ideal
científico da vida dele, ir estudar a natureza humana lendo a natureza humana nas
populações indígenas. É quase inverossímil. Mas eu podia ser muita coisa.
(GRUPIONI & GRUPIONI, 1997:01)
Neste depoimento fica claro que para Darcy Ribeiro havia um leque de opções, sendo o
principal continuar o trabalho de sua família em Montes Claros/MG. Mas o contato com a
etnologia – metodologia, teorias, pesquisas, estudos, publicações –, fizeram com que mudasse
seu caminho para uma direção muito diferente do que fora idealizado para ele. Muitas e
diferentes foram as configurações que lhe proporcionaram alterar sua rota profissional e que
lhe possibilitou configurar-se como multifacetário.
Este fato é perceptível em seu livro Confissões (1998), onde se encontra registrado suas
múltiplas influências (mestres, lugares, áreas de estudo) como também as várias faces de seu
trabalho (etnografias, educação, poder público). Mas sempre movido pela paixão como
destaca Helena Bomeny (2001) em seu livro “Darcy Ribeiro: Sociologia de um
indisciplinado”, que faz um estudo sociológico da faceta de educador de Darcy. Essa visão é
também percebida por Couto, em seu estudo sobre a relação entre objeto e colecionador
62
,
quando identifica uma singularidade em Darcy Ribeiro enquanto necessidade autoral:
O contato com a literatura deixada por Darcy é marcado, indubitavelmente, pelas
palavras “paixão”, “afeto” e “relação”. Estas mesmas palavras marcam também
textos produzidos por outros autores quando abordam a figura de Darcy Ribeiro.
Considerando que estas palavras aparecem com freqüência, procurei por meio do
título deste trabalho fazer uma referencia a elas, entendendo-as como “caso”. Um
“caso” que pode ser definido como uma história, uma hipótese, uma ocorrência e até
mesmo uma relação amorosa entre Darcy Ribeiro e seus projetos, entre eles aquele
em que Darcy Ribeiro procurou entender a humanidade índia”. (COUTO, 2005:
11, Grifos da autora).
62
Este estudo (dissertação de mestrado) tem por objetivo analisar os critérios científicos e/ou subjetivos a
partir dos quais Darcy Ribeiro montou a coleção dos índios Urubu, cujas peças foram coletadas por ele,
quando atuava como etnólogo, entre os anos de 1949 e 1950.
71
Como se pode perceber nos primeiros parágrafos este caráter múltiplo de Darcy Ribeiro
possibilitaria, numa investigação mais minuciosa sobre seus “fazimentos”, como ele mesmo
dizia, um rico, extraordinário e extenso material, mas aqui o objetivo é outro. A proposta
deste capítulo é explorar com maior profundidade a faceta de etnólogo, idealizador e fundador
do Museu do Índio, destacando a trajetória de antropólogo influências teórico-
metodológicas –, quando estudou na Escola Livre de Sociologia e Política. Além disso,
identificar e analisar suas concepções sobre o fazer antropológico e compreender sua atuação
à frente da Seção de Estudos-SE do Serviço de Proteção aos Índios-SPI, perpassando o
período em que foi criado o Museu do Índio e aquele em que atuou como diretor deste.
Entretanto deve-se colocar em relevo ao analisar o que ele denomina de “imaginação museal
darcyniana”, como bem faz Mário Chagas, que mesmo focando uma perspectiva mais
etnográfica de Darcy Ribeiro também é perceptível aspectos relacionados a outras facetas
educação, política, literatura:
Interessa reter que na pele do etnólogo que se interessou pela criação do Museu do
Índio estavam presentes, em simultâneo, o educador, o político, o romancista e o
poeta imaginativo, capaz de interessar-se pela linguagem das coisas, capaz de coletar
e musealizar, como de fato o fez, coleções de cerâmica e couros pintados dos índios
Kadiweu viagem de 1948 e plumária dos Urubu-kaapor viagem de 1950 -,
identificando nestes artefatos expressões culturais possuídas de vida, trabalho e
beleza. (CHAGAS, 2003: 195).
No intuito de contextualizar a entrada de Darcy Ribeiro na área antropológica e/ou etnográfica
é mister apresentar um pouco da sua história de vida baseada em três relatos: Helena Bonemy
(2000), Mário Chagas (2003) e Ione Couto (2005), cujos textos versam também sobre a
trajetória de Darcy Ribeiro do nascimento até a chegada em São Paulo
63
.
Na segunda década do século XX, em Montes Claros, região norte do estado de Minas Gerais,
nasce Darcy Ribeiro, no dia 26 de outubro de1922. Este foi um ano marcado por
comemorações e acontecimentos: centenário da independência, Semana da Arte Moderna. Foi
uma década de grandes transformações, tanto em termos nacionais quanto em termos
63
Estes autores também tratam de outras etapas da vida de Darcy Ribeiro que também serão utilizadas
posteriormente, esta informação serve apenas para indicar as fontes documentais utilizadas para obter
informações sobre sua infância e adolescência, visto que no período posterior serão utilizados além destes
outras fontes, inclusive o próprio Darcy Ribeiro.
72
mundiais. Foi justamente neste inicio de século que surgiu uma primeira noção de cultura
nacional, conseqüência da Primeira Guerra Mundial finalizada em 1917 e do boom de
processos migratórios. No Brasil é um período em que se tem início o processo de
urbanização e de produção capitalista e é também quando surge o movimento modernista,
marcado principalmente pela pessoa de Mário de Andrade, que nos anos seguintes realizará
um processo de busca do seria o caráter genuinamente brasileiro.
Durante a infância e adolescência Darcy Ribeiro freqüentou escolas em sua cidade natal,
Montes Claros / MG e no final da década de 1930 é vai para Belo Horizonte, com o objetivo
de iniciar os estudos de medicina, influenciado por sua mãe, D. Fininha, e por seu tio Plínio.
Curso este que posteriormente abandonará, porque não se percebia com vocação para o oficio
de médico. Contudo, deve-se durante a realização do curso de medicina, cursou algumas
disciplinas na faculdade de filosofia e na faculdade de direito. Confirmando esta afirmativa
Couto relata que:
Desanimado com o curso de medicina, durante o qual foi reprovado inúmeras vezes,
Darcy Ribeiro buscava refúgio e “alimento” nas aulas ministradas na Faculdade de
Filosofia e de Direito. Paralelamente, participava de conferências cujo tema envolvia
as Ciências Sociais (...). (COUTO, 2005:33)
Na década de 1940 teve lugar o encontro entre Darcy Ribeiro e Donald Pierson, professor
convidado para integrar o corpo docente da Escola Livre de Sociologia e Política-ELSP,
criada em 1933. Este encontro foi propiciado pela estadia de Donald Pierson, que durante
cinco anos (1940-1945) realizou diversas palestras em todo o Brasil, inclusive em Belo
Horizonte, no ano de 1943, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi nesta
palestra que Pierson conhece Darcy Ribeiro, que serviu de acompanhante ao professor e
esposa em um passeio turístico pela cidade de Belo Horizonte e outras circunvizinhas. Fato
esse relatado por Donald Pierson em seu depoimento a Mariza Corrêa:
Fui convidado a pronunciar conferências públicas sobre minha especialidade a
princípio em São Paulo e, mais tarde, em outras cidades do País (...) e ainda de Belo
Horizonte, onde pronunciei uma série de conferencias a convite de alunos da
Universidade Federal de Minas Gerais, a gente dos quais um jovem mineiro que me
deu a impressão de alimentar interesse mui verdadeiro por sua pátria, Darcy Ribeiro,
aluno de que, ao terminar as conferências, gentilmente nos acompanhou, minha
senhora e eu, como excelente guia (...) para visitarmos alguns lugares históricos de
Minas, inclusive Sabará e Ouro Preto. (CORRÊA, 1987:61).
73
Ao relatar este encontro, Pierson faz um comentário sobre o interesse de Ribeiro pelo próprio
País: “me deu a impressão de alimentar interesse mui verdadeiro por sua pátria” (CORRÊA,
1987:61), esta percepção, fruto de uma primeira conversa, permite inferir o compromisso de
cidadão que Darcy assumia desde aquela época. Esta observação vai de encontro à afirmação
de Peirano (1991:64), apreendida como um dos pilares desta pesquisa de dissertação, quando
inicia a exposição de sua tese, onde afirma que no Brasil um cientista não é apenas um
intelectual, mas também um cidadão que atua, não como um indivíduo dentro de um grupo de
indivíduos, mas como membro da sociedade existente em um País particular em um tempo
particular. Ou seja, Darcy Ribeiro, na apreensão feita por Pierson, se encaixa nesta
denominação pleiteada por Peirano em sua tese de que o cientista social brasileiro possui um
compromisso com a nação.
Em 1944 Darcy Ribeiro deixou os estudos de medicina, os quais não conseguia finalizar, e
depois de um período em Montes Claros/MG partiu para São Paulo onde iniciaria seus
estudos na área das ciências humanas. Convidado por Pierson e subsidiado por uma bolsa de
estudos, foi para São Paulo estudar na Escola Livre de Sociologia e Política-ELSP. Esta
escola serviu como espaço acadêmico onde Ribeiro fundamentou sua concepção de trabalho
de campo etnológico, e seria esta a perspectiva, adquirida nas disciplinas cursadas na ELSP,
que regeria sua atuação frente aos diversos trabalhos relativos aos indígenas a partir de então.
A ELSP tinha como foco na realização de suas pesquisas duas temáticas: grupos indígenas e
relações raciais, e era considerada uma instituição de ensino cuja meta era formar técnicos
com competência administrativa. Seguindo a tendência sociológica americana, tinha como
orientação didático-pedagógica a pesquisa empírica, deixando pouco espaço para a teoria,
diferindo da perspectiva adotada pela Universidade de São Paulo-USP que era essencialmente
teórica. A finalidade dos estudos da ELSP estava na produção de conhecimentos que fossem
úteis para a solução dos problemas sociais existentes no País. Segundo Couto, o caráter
eminente prático de Darcy Ribeiro se baseia na orientação de ensino da ELSP, que não estava
à procura de uma teoria antropológica nos moldes desenvolvidos pela USP. Esta distinção
entre as duas instituições se fundamenta na orientação de cada uma delas: USP teoria
padrão francês; ELSP – prática/técnica – padrão americano. Nas palavras de Couto a distinção
entre as duas academias informa muito sobre as orientações seguidas por Ribeiro:
74
É importante o entendimento da orientação de ensino adotada pela ELSP, visto que
será fundamental para o futuro de Darcy Ribeiro. A ELSP não buscava uma teoria
antropológica aos moldes da USP, cuja maioria de seus professores eram oriundos
da França. (...) Os professores franceses que aqui estiveram, eram oriundos dos
ensinamentos sociológicos e antropológicos herdados de Durkheim e Mauss, seu
sobrinho. Ressalte-se que a vinda para o Brasil de seus seguidores decorreu não
apenas de uma motivação científica, mas também da falta de recursos financeiros
para o desenvolvimento de pesquisas de campo que estes estudiosos enfrentavam em
seu País de origem. a partir da entrada da Fundação Rockefeller na França, em
1930 é que o quadro começa a se alterar. (...) Já nos Estados Unidos a sociologia
nasce fora da academia. Ela nasce de uma necessidade social e tem em sua base um
caráter eminentemente empírico. A observação direta, a coleta de depoimentos, o
contato efetivo com a população estudada são traços do tipo de sociologia praticada
nos Estados Unidos, onde a Escola de Chicago encontrava-se à frente dos trabalhos
sociológicos. Outro fator que merece destaque é o caráter de independência das
universidades americanas em relação ao poder central, o que lhes confere agilidade
para implantação de programas e obtenção de verbas para o desenvolvimento de
pesquisas. Diante deste cenário, podemos perceber a diferença de orientação que a
USP e a ELSP adotaram em território nacional. (COUTO, 2005:31-32
)
A afirmativa de que na ELSP havia uma ênfase na prática, é perceptível no relato de Pierson a
Mariza Corrêa ao descrever sua constante busca em formar pesquisadores de campo por meio
de cursos de sua especialidade, ou nas palavras de Pierson:
(...) pesquisando e preparando jovens pesquisadores, tanto em aula, como e de
maior importância, a meu ver – ‘no campo’, pesquisando, eles mesmos, sob a
orientação e a supervisão de pesquisadores um pouco mais experientes; (...)
(CORRÊA, 1987: 41).
Até meados de 1960 os estudos antropológicos se desenvolviam quase que exclusivamente
em duas vertentes: estudos sobre os povos indígenas e sobre relações raciais, tendo como
conceitos e temáticas as seguintes: aculturação, assimilação e mudança cultural. Mariza
Corrêa (1988) confirma esta informação, em seu texto “Traficantes do Excêntrico: os
antropólogos no Brasil dos anos 30 aos anos 60”, ao expor que a antropologia feita no Brasil
se firmou tanto em termos de pesquisa quanto em termos de atuação política em torno dos
estudos de grupos indígenas existentes no País. Ione Couto destaca, citando Darcy Ribeiro,
que em seu livro Confissões também segue esta mesma perspectiva de Maria Corrêa:
75
Aqui, como em outros países, o traço distintivo da Antropologia em relação às
outras disciplinas das Ciências Sociais tem sido a pesquisa de campo e esta, seja
pela ênfase que lhe foi atribuída pelos professores/ pesquisadores internacionais na
sua atuação no País, seja pelo lugar que ocupou nas instituições que tem formado
antropólogos, parece ser amplamente posta em prática entre os grupos indígenas
nacionais. (RIBEIRO apud COUTO, 2005: 35).
Com isso, as duas tradições mais vigorosas em termos de estudos antropológicos eram: a
etnologia indígena e os estudos sobre a sociedade nacional, estes dois tipos de tradições se
misturavam quando, e isso não era raro, as pesquisas enfocavam as relações raciais entre
índios e brancos. Isto porque os estudos sobre as relações entre índios e brancos tinham como
ponto de convergência, ainda que não ostensivamente, compreender a situação de contato
interétnico e todas as categorias que dele derivava, bem como as possibilidades de
englobamento dos grupos indígenas pela sociedade nacional.
Darcy Ribeiro, desde os tempos em que estudava e vivia em de Belo Horizonte,
demonstrava certa distância do academicismo e uma grande aproximação com a militância
política, devido a sua simpatia, cada vez maior, com a ideologia comunista, muito combatida
pelo Governo de Getúlio Vargas. Estes dois fatos foram determinantes em sua vida. Por um
lado, levaram-no a desistir de continuar os estudos de mestrado após finalizar a graduação,
pois o próprio Pierson, que percebia o potencial de Darcy Ribeiro, começara a guardar certa
distância de Ribeiro, devido às ligações que ele tinha com o Partido Comunista. Para Pierson
a opção pela ideologia comunista afastava Darcy Ribeiro da academia. Em contraponto toda
esta situação fizeram com que Ribeiro se decidisse em definitivo buscar sua realização como
etnólogo, opção de trabalho essa que contava com o apoio de Herbert Baldus. Couto em seus
estudos confirma estes fatos:
Em Darcy Ribeiro o modus operandi, passava por uma prática social, que se
operacionalizava por meio de intervenções políticas junto ao Partido Comunista.
Darcy Ribeiro desprende-se assim da área acadêmica, buscando outras alternativas
que associassem sua militância política ao treinamento recebido na ELSP. (COUTO,
2005: 37 – grifos da autora).
Ou nas palavras do próprio Darcy Ribeiro citado por Couto:
76
Percebia, é certo, a animosidade que crescia na Escola contra mim por minha
militância política ostensiva, a começar por Pierson, que passou a ter medo de mim.
De fato, o professor Baldus continuou confiante em minha sina até o término dos
estudos, mas, então, eu via claramente que prosseguir dentro da escola para fazer
mestrado não me seria tão fácil e não me era tão atrativo. No partido ocorria coisa
semelhante. (RIBEIRO apud COUTO, 2005: 36).
A escolha pela etnologia indígena é influenciada também pela recusa do Partido Comunista
em acolher Darcy Ribeiro. Ele avalia várias hipóteses de trabalho: secretariar Roberto
Simonsem; atuar como pesquisador em um projeto sobre documentação do patrimônio
cultural tecnológico trazido pelos portugueses durante a colonização, junto a Rodrigo Melo
Franco de Andrade no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-SPHAN. Mas se
decidiu por um outro caminho. Então, viajou para o Rio de Janeiro (naquela época capital do
País) onde foi trabalhar à frente da Seção de Estudos-SE do Serviço de Proteção dos Índios-
SPI. Local onde realizou inúmeros e importantes trabalhos etnográficos
64
e onde idealizou e
criou o Museu do Índio. Cargo para o qual fora indicado por Herbert Baldus, que lhe mandou
procurar, no Rio de Janeiro, o então General Candido Mariano da Silva Rondon no Serviço de
Proteção aos Índios-SPI. Nas palavras de Chagas a opção foi um caminho alternativo que
causou espanto:
Como caminho alternativo, restava-lhe ainda uma carta do professor Herbert Baldus,
recomendando-o ao general Rondon para a função de etnólogo do Conselho
Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), q que estava ligado o SPI. Para espanto e
surpresa de amigos e familiares essa foi a opção abraçada pelo jovem recém-
graduado. (CHAGAS, 2003: 204)
Esta opção por trabalhar com os índios e fazer observação direta se encaixava na intenção que
Darcy Ribeiro tinha para seu futuro profissional, estaria saindo do meio acadêmico que
parecia não o querer mais, havia sido liberado pelo Partido Comunista e via na etnologia uma
forma de realizar as pesquisas para as quais havia sido preparado pela ELSP.
Chegando ao Rio de Janeiro em 1947 e sendo contratado para trabalhar na Seção de Estudos-
SE do Serviço de Proteção aos Índios-SPI, Darcy Ribeiro abre um novo campo de atuação
para si, que lhe daria a possibilidade de “conhecer e intervir”. Ou seja, por meio do trabalho
64
Dentre elas podemos citar as realizadas com os povos: Kadiwéu, Kaapor, Kaiowá, Terena, Ofaié, Tanurú.
77
de campo investigar e compreender a situação dos indígenas e posteriormente aplicar o
conhecimento adquirido na busca por soluções possíveis, que viabilizassem melhorias tanto
para índios quanto para brancos, como co-participantes de uma mesma sociedade.
A SE, ao ser criada por decreto governamental em 1942, tinha como objetivo documentar os
vários aspectos das culturas indígenas utilizando para tal finalidade pesquisas etnográficas,
levantamento lingüísticos e registros audiovisuais (fotográficos, cinematográficos e
fonográficos). Também estava sob sua alçada a organização dos arquivos existentes sobre
estas populações (fruto de pesquisas anteriormente realizadas) bem como elaborar critérios
científicos de proteção para estes povos. A criação deste setor dentro do órgão federal
responsável pela proteção aos povos indígenas brasileiros surgiu em um momento onde todo
o discurso governamental encontrava-se voltado para uma política de construção e
preservação de uma cultura nacional – autenticamente brasileira:
Exaltar a identidade nacional era uma questão chave para o Governo Vargas e para
sua manutenção no poder. Assim sendo, a identidade passa a ser uma questão
divisória entre o eu e o outro, uma lógica de oposição entre dominador e dominado,
branco e índio, Estado e Nação. Não é de se estranhar que as instituições de
memória tenham surgido em grande quantidade neste momento. A SE faz parte
deste conjunto. (COUTO, 2005, 45).
Darcy Ribeiro, como outros intelectuais que estavam se formando na mesma época (Florestan
Fernandes, Oracy Nogueira), era movido por um compromisso pessoal e profissional de
compreender e explicar o Brasil. Ele tinha como ideal científico de vida “estudar a natureza
humana lendo a natureza humana nas populações indígenas” (GRUPIONI & GRUPIONI,
1997: 01). Tratava-se de revelar as leis que regiam a sociedade brasileira e os diferentes
grupos que a formavam, bem como de registrar as culturas indígenas que se encontravam em
processo de desaparecimento, devido à intensificação das relações de contato, como afirma
Darcy Ribeiro em “Confissões”:
Eu, que só estava armado para ver os índios como objeto de estudos antropológicos,
cuja mitologia, religião e arte tentaria compreender e reconstituir criteriosamente, no
mesmo esforço observava e registrava etnograficamente seus costumes, seus
artesanatos, todo seu modo de ser, de encarar o mundo e de viver. Como ao contato
com a civilização suas culturas se deterioram inapelavelmente, se impunham duas
tarefas. Documentar suas culturas originais antes que desaparecessem e entender o
processo de aculturação a que eles eram submetidos. Um dos objetivos da minha
vida foi entender e integrar essa última temática e a sensibilidade social
78
correspondente no campo de interesses teóricos da antropologia. Ela era e ainda é
objeto tão legítimo de estudos como a religião, a mitologia ou qualquer outro.
(RIBEIRO, 1998: 152-153).
Darcy Ribeiro, mesmo tendo sido aluno de Baldus e herdado a perspectiva alemã para o
estudo etnológico, que versava, principalmente, sobre estudos de grupos indígenas
particulares e as características específicas de seus sistemas sociais: religião, parentesco,
mitologia, muda o foco dos estudos até então realizados de forte tradição alemã, passando a
incluir o contato dos índios com a sociedade nacional. Ou seja, com Darcy Ribeiro os estudos
que até então abordavam temas específicos das tribos indígenas, passaram a incluir também as
interações e influências advindas do contato entre grupos indígenas e brancos.
Para melhor visualizar o tipo de perspectiva, que ele colocou em seus estudos etnográficos
utilizar-se-á uma pequena comparação entre Ribeiro e Florestan Fernandes, a partir do
cotejamento de estudos que cada um fez e que se tornaram clássicos para a antropologia
brasileira, até mesmo na época em que foram produzidos
65
. Darcy Ribeiro, apesar de não
compartilhar o academicismo de Florestan Fernandes se aproxima desse último tanto pelo
idealismo político: ambos participaram do Partido Comunista, quanto pela forma como
pensavam o Brasil. Segundo Mariza Peirano, em sua tese de doutorado, o problema colocado
para ambos era o mesmo: qual a direção que se poderia projetar a mudança social.Sendo que,
para ela, Florestan Fernandes acreditava ser possível combinar o socialismo com a perspectiva
científica, enquanto que Darcy Ribeiro via a academia como obstáculo para a imaginação
criativa que possibilitaria soluções para o problema proposto. Contudo, segundo Couto,
Florestan conseguiu transferir e realizar este ideal e modo de pensar para a academia, ou seja,
fez uso das ferramentas de análise da sociologia como possibilidade de mudança das práticas
sociais. Diferente de Florestan, Darcy não se interessava pela constituição, estruturação e base
econômica e política de desenvolvimento da sociedade, seu interesse estava em associar
militância política e etnologia de campo.
Esta análise comparativa dos dois autores possibilitará uma melhor visualização dos enfoques
e ênfases importantes tanto para um quanto para outro. Os dois estudos utilizados são
65
É freqüente a comparação entre os dois autores, pois foram contemporâneos, amigos durante suas
vidas, mas seguiram caminhos diferentes, não somente em termos de disciplina: Florestan Fernandes a
sociologia e Darcy Ribeiro a antropologia, mas em termos de diferenças de caminhos profissionais um
mais ligado a academia (“fez escola”) e outro “anti-academia”. Cabe ressaltar que a proposta aqui é
ressaltar semelhanças e diferenças e não esgotar as propostas de um ou outro. Para maior
aprofundamento ver Peirano 1991.
79
Religião e Mitologia Kadiwéu
66
de Darcy Ribeiro e A Organização Social dos Tupinambás
67
de Florestan Fernandes.
Ao estudar a função da mitologia e da religião na sociedade Kadiwéu, Darcy Ribeiro elege
esses dois aspectos para explicar os significados da cultura, objeto de sua pesquisa em sua
totalidade. Para ele através de um ponto se poderia traçar o significado da cultura em sua
totalidade. Este enfoque funcionalista tem como ponto de apoio uma perspectiva histórica,
pois este trabalho é composto de pesquisa de campo (observação empírica) e arquivos
históricos (informações de terceiros). Esta investigação antropológica possui, em certa
medida, um caráter evolucionista, isto porque quando Darcy Ribeiro procura fazer
comparações realiza-as colocando o outro como um espelho de si mesmo o outro existindo
em função de mim mesmo. Também possui um caráter difusionista quando, ao comparar a
literatura Kadiwéu, a percebe como possuidora de várias fontes e heranças culturais, devido
ao contato desta tribo com outros povos indígenas, em ocasiões de conflito ou celebrações.
O estudo de Florestan Fernandes oscila entre uma reconstrução da sociedade Tupinambá
como uma totalidade e uma reconstrução histórica
68
. Sua análise se baseia em registros
históricos. Ao escolher o método de interpretação funcionalista Fernandes se preocupa em
compreender de forma globalizadora e totalizadora as atividades das ações humanas, ou seja,
sua compreensão é feita por meio da análise do comportamento, diferenciando-se de Ribeiro,
que se preocupava com as configurações culturais a função da mitologia e religião na
estruturação da sociedade Kadiwéu. Em ambos as conclusões procuram mostrar que o estudo
de uma sociedade não pode servir para explicar outra.
Diferentemente de Ribeiro, no tocante ao uso de dois conceitos de função latente e não
latente Fernandes se preocupa com os aspectos não manifestos, mas que podem ser
percebidos pelos comportamentos manifestos. Enquanto em Ribeiro este tipo de preocupação,
apesar de presente, é mais diluída, pois ele se concentra em relatar as informações obtidas e
compara-las com aquelas obtidas das fontes históricas, enfatizando mais as funções
manifestas. Darcy Ribeiro busca realizar um estudo comparativo entre a sociedade Kadiwéu
66
RIBEIRO, Darcy. Religião e mitologia Kadiwéu. Serviço de Proteção aos Índios, Ministério da
Agricultura, Serviço de Documentação. Rio de Janeiro. 1950.
67
Florestan Fernandes. A Organização Social dos Tupinambás. o Paulo: Instituto Progresso Cultural
S.A – introdução e conclusão. 1949.
68
Tal afirmativa o significa que exista oposição ou contradição entre um modo e outro de reconstrução
social utilizada pelo autor. Como será indicado mais à frente a antropologia brasileira, ao realizar seus
estudos, mescla várias correntes (tradições ou paradigmas) antropológicas.
80
em um determinado período de tempo passado e este mesmo grupo social em sua
contemporaneidade – meados do século XX.
As análises de Fernandes buscam fazer uma reflexão epistemológica (sobre o tipo de
conhecimento produzido), isto porque ele tem como preocupação mostrar que o estudante
brasileiro é capaz de fazer um estudo científico e por isso cria um padrão de investigação
científica marcada pelo rigor teórico. A questão que o move está relacionada ao tipo de
conhecimento produzido, e isto pode ser percebido quando Fernandes demonstra seu cuidado
ao inserir em sua análise conceitos aceitos e difundidos pela antropologia contemporânea,
objetivando revelar que também os estudos brasileiros possuem fontes teóricas “oficiais”, ou
seja, a produção antropológica encontra-se conectada, ligada e vinculada aos principais
conceitos, noções e métodos da ciência antropológica feita nos grandes centros – EUA,
Europa.
Em ambos os autores a preocupação com o nacional cultura, identidade faz parte de suas
produções. Para Ribeiro esta preocupação ocorre pela necessidade que ele em contribuir
para o conhecimento científico sobre os grupos indígenas existentes no Brasil. De modo que,
este conhecimento seja utilizado para mostrar que os índios são parte integrante da nação e
devem ser preservados, uma vez que, paulatinamente, seu numero é cada vez menor devido
aos fenômenos de aculturação, assimilação e desterritorialização. Na visão de Ribeiro, uma
cultura genuinamente brasileira – ou possuidora de um caráter nacional brasileiro – nasce pela
junção entre as matrizes das três raças: indígena, africana e européia, que por meio das
interações destes três grupos se origina uma nova matriz: a brasileira. No seu estudo sobre os
Tupinambás, Fernandes procura mostrar a integração das sociedades indígenas no contexto
nacional, para ele esta tribo é a ancestralidade brasileira e por isso constitui nossa brasilidade,
o traço comum da cultura brasileira – aquilo que é genuinamente nacional.
Para Darcy Ribeiro sua obrigação científica e cidadã era realizar pesquisas etnográficas que se
justificassem pela importância em se compreender os problemas nacionais, ou seja,
alcançando os processos mais gerais da estruturação da nossa sociedade é que qualquer
investigação antropológica poderia conseguir alcançar a compreensão e explicação dos
processos culturais que ocorriam. E parte dessa compreensão se daria justamente pelo estudo
do contato interétnico, daí a ênfase em estudos sobre aculturação, mudança social e
organização social.
Assim, na perspectiva de Darcy Ribeiro cabe ao etnólogo tornar patente e manifesto a
situação social em que os grupos indígenas pesquisados se encontram e não apenas pinçar ou
destacar os fenômenos que interessam aplicar ao modelo teórico e interpretativo que utiliza.
81
Trata-se de uma antropologia engajada, comprometida política e ideologicamente, vinculada à
história e ao contexto pesquisado.
Além de herdar a preocupação em interpretar e compreender o Brasil, presente também em
Florestan Fernandes e outros etnólogos, antropólogos e/ou sociólogos, Darcy Ribeiro não tem
sua preocupação muito focada em fazer ciência como principalmente os sociólogos de sua
época tinham. Seu enfoque era predominantemente em explicar o Brasil e, para tanto, sua
compreensão era que a história do Brasil somente poderia ser escrita no contexto da história
da evolução da civilização. Vem daí e de sua filiação à corrente neo-evolucionista a ênfase em
teorizar sobre a civilização e os diversos processos evolutivos, pois Ribeiro acreditava que a
evolução era multilinear e que a sociedade brasileira poderia ter um desenvolvimento a partir
de um salto evolutivo qualitativo, representado pela revolução marxista.
Para Darcy Ribeiro o estudo antropológico requer um embasamento na arqueologia, etnologia
e na história, para que se consiga fazer uma teoria mais abrangente sobre o Brasil. Ele entende
a evolução sócio-cultural como um processo cujas etapas evolutivas se expressam através de
uma seqüência de formações sócio-culturais, geradas por revoluções culturais e processos
civilizatórios; mas também a como um processo dialético, onde ocorrem progressos e
retrocessos culturais e também atualizações históricas e acelerações evolutivas. Darcy Ribeiro
ressalta em sua teorização que o processo evolutivo não ocorre da mesma forma nas
diferentes sociedades, cada cultura tem seu próprio processo evolutivo, seu ritmo. Isso ocorre
devido a quatro fatores de diferenciação: 1) a difusão; 2) diferenciação na ordem sucessiva e
nos elementos de difusão; 3) privilégio dos povos que primeiro experimentam as revoluções
tecnológicas, possibilitando sua expansão e dominação de outras culturas; 4) subjugação e
domínio de uma cultura sobre a outra, condicionando o desenvolvimento ulterior da cultura
dominada. Com isso, sua visão busca analisar diacronicamente o processo de evolução
cultural, visando atingir um processo global, que possibilitasse a integração dos processos
civilizatórios singulares em um processo mais amplo e mais geral. Em suas concepções Darcy
Ribeiro avança pela disposição em entender o Brasil abarcando o todo sem se esquecer das
especificidades de cada região, acredita que mesmo sendo culturas diferentes elas não são
incompatíveis. Para ele o grande elemento unificador é o povo, que é único, original, belo e
oprimido. Contudo, não atinge, em suas elaborações, como se daria, mais especificamente,
esse processo mais amplo; quais seriam as etapas, em termos neo-evolutivos, que esta
integração cultural ocorreria.
Resumindo as comparações entre os dois autores podem-se destacar três pontos principais:
82
Ambos tinham a nação como unidade de análise implícita (Fernandes) ou
implicitamente (Ribeiro);
Em ambos a preocupação principal é a nação;
Ambos consideram que uma avaliação histórica é uma necessidade, vendo o
conhecimento do passado como importante devido à sua função de projetar eventos no
presente.
Após esta explanação geral sobre as idéias e teorias que Darcy Ribeiro defendia, poder-se-á
ter uma idéia mais clara de sua influência na criação do Museu do Índio. Sua entrada na Seção
de Estudos do SPI, em 1947, deu início a uma série de pesquisas de campo que tiveram como
conseqüência o inicio de suas inúmeras publicações livros, artigos pelos quais teve seu
nome conhecido fora dos círculos acadêmicos e profissionais. A entrada de Darcy Ribeiro na
SE não ocorreu por acaso, tanto da parte dele quanto da instituição. Ele vê no trabalho da SE
uma forma de aplicar o que aprendeu na academia na realidade social. Em relação à
instituição, em 1944 o diretor da Seção de Estudos-SE é substituído por Herbert Serpa, que
lhe nova orientação. Se até meados dos anos de 1940, a SE tinha sua equipe de campo
formada por fotógrafos e cinegrafistas, com a entrada de Serpa o objetivo é transformá-la em
um centro de pesquisas etnológicas, proposta concretizada com a contratação de Darcy
Ribeiro (etnólogo) e Max Boudin (lingüista). Ao entrar na SE Darcy Ribeiro tem como
objeto de estudo os índios Kadiwéu, contudo primeiro realiza uma série de visitas a grupos
indígenas do Mato Grosso do Sul (Ofaié), justificando esta atitude como uma forma de
treinamento para o início dos estudos junto aos Kadiwéu. Destes estudos resultaram duas
publicações que serviram para projetar Darcy Ribeiro no cenário nacional: Religião e
Mitologia Kadiwéu, que foi premiado com o Premio Fábio Prado” e Notícia dos Ofaié-
Chavante.
As pesquisas etnográficas da SE não se circunscreviam àquelas que sua equipe
multidisciplinar (lingüista, etnógrafo e fotógrafo)
69
realizava, outras pesquisas também se
concretizavam por meio de convênio com outras instituições: USP e Fundação Oswaldo Cruz.
Assim, a Seção de Estudos do SPI financiava etnografias de vários pesquisadores externos,
enriquecendo e diversificando seu acervo, posteriormente repassado para o Museu do Índio.
Uma das parcerias da SE com USP e Fundação Oswaldo Cruz propiciou o financiamento da
69
As tarefas da equipe eram em termos gerais: cabia ao etnólogo, que era quem chefiava a equipe, fazer o
levantamento sobre a cultura material, a organização social e religiosa do grupo pesquisado, cabia ao
lingüista realizar o levantamento do vocabulário e da gramática e ao fotografo / cinegrafista registrar com
foto, filmagem e gravação de som as manifestações culturais ocorridas durante a permanência em campo.
83
pesquisa de Egon Shaden sobre a mitologia Guarani, realizada junto aos grupos indígenas
localizados no sul do, então, estado do Mato Grosso. Em Goiás a SE financiou o trabalho de
pesquisa entre os Karajá da Ilha do Bananal, que tinha por objetivo um estudo sobre
“hematologia racial comparada”.
Durante a gestão de Serpa a SE realizou outras tarefas relacionadas com seus arquivos:
organizou os arquivos de imagem, objetos e documentos, obtidos durantes os diversos
trabalhos de campo, que foram realizados desde a criação do SPI. Esta organização dos
arquivos visava a disponibilização do acervo da SE para estudantes e pesquisadores. Uma
outra atividade que merece destaque é o trabalho que a musicóloga Helza Cameu realizou,
durante três anos (1948-1951), relativo ao levantamento sobre os instrumentos musicais
indígenas de modo a correlacioná-los às danças e festas nas quais os objetos estavam
presentes (COUTO, 2005).
A partir de 1952, quando Darcy Ribeiro foi nomeado chefe da Seção de Estudos do SPI, tem-
se início à organização do Museu do Índio. É necessário ressaltar que em 1942, em seu
regimento Decreto-Lei nº. 10652, de 16/10/1943 (PAULA & GOMES, 1983:10), havia a
previsão de um museu ligado a SE, onde seriam expostas suas “coleções de artefatos,
fotografias, filmes e gravações obtidas nas diversas pesquisas” (PAULA & GOMES,
1983:10). Assim, o museu existia no “papel”, fazia parte de uma regulamentação desde 1942,
seu acervo estava disponível, devido ao trabalho de organização dos arquivos e dos
instrumentos musicais, e já estava sendo expostos para visitação no Instituto Benjamim
Constant. Como Ione Couto (2005:52) diz ao relatar a existência do dispositivo legal de
institucionalização do Museu do Índio, era que faltava apenas “efetivar aquela determinação”.
Em 19 de abril de 1953, foi inaugurado o Museu do Índio, cuja tarefa, além de disponibilizar
o acesso ao grande acervo, acumulado pela SE durante suas pesquisas junto às diversas tribos
indígenas, seria lutar contra o preconceito ao indígena, que dificultava a compreensão do que
é ser indígena e combater a imagem falsa (fabricada) destes povos
70
, tal perspectiva atraiu
atenção internacional, pois era o primeiro a ser especificamente destinado a combater o
preconceito. Segundo o próprio Darcy Ribeiro o museu fora
70
A imagem do índio veiculada por livros, jornais e outros tipos de mídia, e instituída nas mentes dos
brasileiros não indígenas era (e ainda o é) irreal, podendo assumir várias facetas tais como: o bom
selvagem, o arcaico / primitivo, o indolente, o ecologicamente correto, o “pele-vermelha” do far west.
84
Montado para desmoralizar e erradicar a idéia de que os índios são violentos e
sanguinários, selvagens e brutais, malvados e astuciosos, (...). Ao entrar no Museu
do Índio, o visitante sobe uma escadaria longa, olhando, obrigatoriamente, algumas
dezenas de grandes retratos de índios e índias, adultos e crianças, todos sorridentes,
belíssimos, o que os predispõe a concebê-los como boa gente. (RIBEIRO, 1998:
195-196).
Durante os anos seguintes em que permaneceu à frente da Seção de Estudos e Museu do
Índio, Darcy Ribeiro, assumiu para si o combate pela causa indígena e se tornou conhecido
dentro e fora do País como intelectual engajado e mobilizado pelos assuntos que envolviam a
constituição da nação brasileira.
Darcy Ribeiro trabalhou para o SPI de 1947 até 1958, e cada vez mais se envolvia com a
temática indígena, aí incluindo a política indigenista. Segundo Peirano (1991), Darcy Ribeiro,
no período em que trabalhou no SPI, iniciou a defesa de diferentes políticas de assimilação e
integração dos grupos indígenas na sociedade nacional, que para ele era um processo
praticamente inevitável devido ao contato interétnico. Ainda segundo Peirano, dentre as
propostas estavam: reservas indígenas como local propício para ocorrer uma assimilação lenta
pelos indígenas da cultura dos brancos. Peirano, neste mesmo texto, também relata que em
1957, Darcy Ribeiro diz não ter como principal preocupação a manutenção do modo de vida
tribal, mas em salvar a vida dos grupos indígenas, cujos quantitativos diminuíam cada vez
mais. Já em 1962, como relata Peirano, Darcy Ribeiro é favorável à incorporação gradual das
tribos na sociedade nacional, e esse processo ocorreria via educação e não pelo isolamento
dos grupos indígenas em reservas (PEIRANO, 1991: 68).
De acordo com as proposições de Peirano, pode-se inferir que a busca de Darcy Ribeiro era
elaborar uma teoria que explicasse a originalidade brasileira, sem perder de vista os vínculos
contextuais e históricos de seus objetos de estudos, bem como sua vinculação constante com
as conjunturas sociais. Para Ione Couto a teorização de Darcy Ribeiro sobre os indígenas está
dentro de um contexto teórico e sócio-político, segundo ela:
Neste contexto, Darcy Ribeiro aplicou seus conhecimentos acadêmicos de forma
original, teorizou por sua própria conta e risco no interior de uma disciplina marcada
pelos paradigmas oriundos de escolas “estrangeiras”. (COUTO, 2005:98)
Finalizando cabe ressaltar que suas proposições não se distanciam da tônica dos escritos
etnográficos de sua época e/ou também não estão dissociadas das discussões que eram postas
85
aos antropólogos de sua geração. O que vale destacar é que seu posicionamento, engajamento
e ideal político o levaram a associar teorias e pesquisas às suas ações políticas de
transformação.
II. Perspectivas da Política Indigenista Brasileira – Pacificação e Proteção
71
A atuação de Darcy Ribeiro como etnólogo alcançou a formatação e demarcação da política
indigenista brasileira, primeiramente baseadas nas influências do positivismo, apregoado por
Rondon e posteriormente pelo culturalismo boasiano. Contudo, vale ressaltar que as propostas
de Darcy Ribeiro, apesar de se basearem em uma ou outra abordagem, foram elaboradas a
partir de uma leitura e síntese própria desse autor. Isso significa que, as propostas que
formatou, visando intervir nas definições de uma política indigenista no País, são fruto do
entendimento e incorporação que ele realizou a partir dos enfoques tomados como ponto de
partida: positivismo comtiano e culturalismo americano. As propostas baseadas na abordagem
positivista possuíam um caráter salvacionista, as que se baseavam na perspectiva do
culturalismo não tinham este tipo de conotação.
Sua argumentação sobre o tipo de política indigenista que o Brasil deveria ter para si,
acrescentada pela experiência etnográfica adquirida nas pesquisas de campo que levou a
efeito, culminou com a concepção do projeto, em 1954, de criação do Parque Indígena do
Xingu. A viabilização da criação desse Parque foi conseqüência da boa aceitação do
argumento utilizado por Darcy Ribeiro que versava sobre o fato de ter baseado a defesa da
“ocupação primordial daquelas terras pelos índios em virtude de seus usos e costumes.”
(COUTO, 2005:98). Ou seja, Ribeiro utilizou-se da perspectiva da imemorialidade da
ocupação das terras brasileiras pelos povos indígenas.
A criação deste Parque, e o movimento de luta por parte dos antropólogos e de sua
organização a ABA, podem ser concebidos como um marco para a política indigenista
brasileira. Isto porque, serviram como divisor de águas entre uma política de assimilação e
integração para uma outra de proteção e preservação, e, também, como modificação no
modelo até então vigente de distribuição de terras. Em outras palavras, o Parque Nacional do
71
Cabe ressaltar que, a expectativa é apresentar um quadro geral do pensamento da época e o que veio a
favorecer no futuro (após a década de 1970), não será feito quaisquer juízos de valor ou validade, ou
mesmo levantamento de críticas que ocasionou e ocasiona os pressupostos da política indigenista
praticada pelo SPI durante sua existência. Ressalta-se que algumas críticas são do conhecimento da
autora da dissertação.
86
Xingu ao ser criado teve como conseqüência a busca por uma política indigenista que
viabilizasse ações de salvaguarda da população indígena e tornou viável uma redefinição
sobre o que deveria ser um território indígena, em termos administrativos, que implicou,
posteriormente, no “conceito de imemorialidade” adotado como justificativa para a
demarcação de terras indígenas, ainda em vigor até a Constituição de 1988.
A atuação dos antropólogos, associada a outros fatores, propiciou nova configuração sobre o
que deveria ser levado em conta nos assuntos relacionados à posse e demarcação de terras.
Após a constituição de 1988 a definição sobre o que seria uma terra indígena passou a incluir
a noção de “habitat” cultural de um grupo. Aliado a esta noção, os direitos dos índios sobre
suas terras passaram a ser reconhecidos como direitos “originários”, que derivavam do fato
histórico de serem eles os primeiros habitantes a ocuparem o Brasil. A essa inovação
conceitual, pode-se acrescentar o abandono de uma perspectiva assimilacionista, não faz mais
parte da compreensão da atual política indigenista que se deva criar formas de incorporação
dos grupos indígenas à sociedade nacional pressuposto que guiava muitos trabalhos
etnológicos até os anos de 1960. Ainda que a propriedade das terras indígenas continue sendo
da União, na atualidade, sua posse e usufruto exclusivo de suas riquezas continuam sendo dos
índios.
Se na segunda metade do século XX havia algumas organizações indígenas que se
constituíam, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, surgiu um grande
número de organizações indígenas, principalmente de caráter étnico de base local, mas
também regional e nacional. Apesar de algumas conquistas políticas terem sido
implantadas, ainda há muito a fazer. Mesmo tendo havido grandes progressos em termos
constitucionais, muitas medidas governamentais não são cumpridas, sabotando o empenho
das lideranças indígenas e de organizações de apoio. Estes empecilhos ao pleno exercício
pelos indígenas de seus direitos ocorrem devido à concorrência de ações que perpassam: pela
existência de um direito formal, pela prática da política indigenista brasileira e pelos
interesses econômicos e políticos locais e regionais.
Pelo fato de a Seção de Estudos-SE, embrião do Museu do Índio, ser um dos setores do
Serviço de Proteção aos Índios-SPI, faz-se necessário um relato sobre a política indigenista
em vigor no Brasil e que era executada justamente pelo Serviço de Proteção aos Índios-SPI.
Os primórdios de uma política indigenista no Brasil apontam como marcador o ano de 1910,
quando, segundo Darcy Ribeiro, em seu livro intitulado “Política Indigenista Brasileira”
72
,
72
Esta publicação teve sua primeira edição em 1962 e faz um apanhado geral dos cinqüenta anos das
87
havia uma luta sangrenta contra os grupos indígenas. Segundo o autor, durante os vinte
primeiros anos de república não houve qualquer ação publica, excetuando a de assistência
realizada pelo estado do Rio Grande do Sul, que tivesse por finalidade regulamentar as
relações entre indígenas e brancos, cujo contato se tornava, com o passar do tempo, mais
freqüente. A constância deste contato era gerada pelas várias ações desenvolvimentistas e
progressistas que o Estado implantava no País, como definidas por Darcy Ribeiro:
Nos primeiros vinte anos de vida republicana nada se fez par regulamentar as
relações com os índios, embora neste mesmo período a abertura de ferrovias através
da mata, a navegação dos rios por barcos a vapor, a travessia dos sertões por linhas
telegráficas, houvessem aberto muitas frentes de luta contra os índios, liquidando as
últimas possibilidades de sobrevivência autônoma de grupos tribais independentes.
(RIBEIRO, 1962:07).
O esforço para a modernização social, política e econômica do País, cujo modelo era imitado
da Europa, abarcava três dimensões: modernização portuária, reforma urbana e saneamento
básico e mapeamento do interior. Este esforço estatal não considerava a diversidade e
complexidade do Brasil, sua realidade social, étnica. A expectativa era ajustar o País a uma
nova ordem entendida como moderna pelo governo, regente desta orquestração. O importante
era mapear as populações e controlá-las por meio de instrumentos que estavam à disposição.
Segundo Costa esta expansão ocorrida no período causou muitas mortes:
Nos primeiros anos da república houve uma grande expansão de linhas telegráficas e
ferroviárias para o oeste do País. Nesse processo foram contatados vários grupos
indígenas. Esses contatos foram, em sua maioria, extremamente violentos. Os
jornais do início do século registraram impressionantes relatos sobre massacres e
assassinatos decorrentes do conflito entre índios e colonos. (COSTA, 1987:389).
Esta luta sangrenta, deflagrada entre índios e brancos pela terra, foi o motivo de criação do
Serviço de Proteção aos Índios-SPI, pois até 1910, os índios, de armas em punho, se opunham
à ocupação de suas terras, seja para desbravar e expandir a malha férrea, para o cultivo de café
ou fixação de colonos imigrantes. Neste contexto de guerra, as comunidades sertanejas
colonos, agricultores, trabalhadores da linha férrea – tinham para si como única solução
atividades do Serviço de Proteção aos Índios-SPI.
88
viável, para deter o instaurado estado de guerra, o extermínio dos grupos indígenas. Assim, no
meio rural a concepção majoritária, senão única, era de que a solução dos problemas, daqueles
que objetivavam construir uma civilização no interior do País, viria após o aniquilamento dos
grupos indígenas, grande empecilho para o desenvolvimento e progresso nacional (RIBEIRO,
1962: 09).
Contrapondo ao pensamento geral da área rural, na cidade a mentalidade citadina não via no
extermínio tipo de ação praticada tradicionalmente no campo a solução do problema. Um
dos mecanismos que trouxe para a cidade o que ocorria no sertão em desbravamento foi a
imprensa. A partir da publicação da opinião de Hermann von Ihering, diretor do Museu
Paulista, que defendia o extermínio dos índios em prol dos colonos em constante sobressalto
pela ação dos grupos indígenas
73
. Contrário a esta posição, personalidades da época: os
positivistas Silvio de Almeida e Luis Bueno Horta Barbosa, o diretor do Museu Nacional,
naquela época, João Batista de Lacerda, dentre outros, discordavam da execução de uma
medida tão drástica. Nas palavras de Costa (1987) a situação é assim descrita:
(...) a discussão sobre o programa indígena se polarizava entre aqueles que viam os
índios como indivíduos hostis que obstruíam o desenvolvimento e que deviam ser
exterminados; os que se horrorizavam com os massacres das tribos indígenas,
combatendo as teorias racistas que sugeriam como solução para o conflito o
extermínio dos povos indígenas. Von Ihering polarizou esta polêmica, afirmando
que os índios não representavam fator de trabalho e progresso, sendo um empecilho
para a colonização das regiões do sertão, e que não havia outro meio senão o seu
extermínio. Essa profissão de genocida sem escamoteação suscitou um grande
movimento nacional e internacional de protestos e estimulou as posições intelectuais
influenciadas pelo positivismo, que defendiam a necessidade do Estado garantir a
proteção dos índios em seu território. (COSTA, 1987: 389)
Estes debates públicos
74
, aliados a outros acontecimentos: discursos de defesa por parte de
Rondon e a morte de um padre ligado à elite da cidade de São Paulo, promoveram um
movimento que reivindicava a necessidade premente de uma ação governamental direta e
73
Esta frase não implica ser favorável ou contra ao discurso atribuído, em termos posição política, a Von
Ihering, apenas apresenta um quadro sócio-político relatado por Darcy Ribeiro no livro: A Política
Indigenista Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura Serviço de Informação Agrícola. 1962.
Também cabe ressaltar que não foi localizada, durante a realização deste estudo, outra referencia
bibliográfica que tratasse especificamente deste momento. Desse modo, ficar-se-á com o relato de Darcy
Ribeiro.
74
As opiniões eram publicadas na imprensa ou em revistas científicas como a Revista do Museu Paulista
ou os Annaes do Primeiro Congresso Brasileiro de Geografia.
89
competente. A conseqüência da pressão sobre o governo foi a criação de um órgão
governamental que tinha como missão tratar deste problema, utilizando-se de uma
metodologia persuasiva desenvolvida por Rondon. Esta metodologia era baseada em uma
proposta que objetivava a proteção por meio de ação social, não doutrinaria, com o objetivo
de amparar os grupos indígenas em suas necessidades, evitar o extermínio e a opressão dos
mesmos. Esta política indigenista pós 1910 era vinculada à postura humanística de Rondon,
adquirida durante 20 anos nos sertões do Mato Grosso e orientada pelo positivismo. O
trabalho que seria conduzido por Rondon se tratava de uma ação militar, que nas palavras de
Darcy Ribeiro significava:
A comissão Rondon fora uma aplicação prática, consciente, das idéias de Comte no
terreno militar: a utilização pacifica do exercito no desbravamento dos sertões
interiores, na construção de obras civis, como a linha telegráfica, na realização de
objetivos humanísticos, como a proteção ao índio. É, pois, de Comte que vem a
inspiração para esta epopéia dos sertões brasileiros: um corpo de tropa que,
avançando em território habitado por índios hostis, se nega a fazer uso das armas,
mesmo quando atacado, em nome de um princípio de justiça. (RIBEIRO, 1962:18).
Ao ser convidado a dirigir o recém criado órgão Rondon condicionou sua aquiescência a que
o governo aceitasse como diretrizes do órgão os seguintes princípios positivistas ainda não
realizados. Estes princípios são relatados por Darcy Ribeiro, que os elaborou a partir da
síntese de José Bonifácio de Andrada e Silva em 1822: tratar os indígenas com justiça e
concebê-los como legítimos senhores das terras que habitam; usar de brandura e constância
para com os indígenas; praticar comércio com os índios mesmo com prejuízo; incentivar os
casamentos entre índios, brancos e mulatos (RIBEIRO, 1962: 19). A ação desenvolvida por
Rondon e sua equipe demonstrou, em termos práticos, que se podia entrar em contato com
tribos indígenas sem uso de hostilidades e suas experiências levaram a constatação da situação
de miséria e exploração extrema que os denominados “índios civilizados” estavam sendo
submetidos.
A princípio o SPI também atuava na localização de trabalhadores nacionais, conforme
disposição legal de 1910, mas esta regulamentação que o criara, ao se deparar com a
especificidade do campo de trabalho, sofreu alterações (Decreto 736/36), fazendo com que
fosse delegado ao SPI somente o problema indígena, passando a outro órgão governamental a
função de localizar trabalhadores nacionais.
90
O SPI alcança concretude quanto à “visibilidade, densidade e enraizamento na vida social
brasileira” somente durante os dois governos de Getúlio Vargas, isso se devia à sua política
governamental que privilegiava a área social, campo no qual se encontrava estabelecida a
atuação daquele órgão.
O arcabouço legal que criou o SPI, que se vinculava aos ideais positivistas vigentes na época,
possuía algumas linhas mestras que compunham a política indigenista brasileira deste
período:
Percepção do índio não como selvagem ou bárbaro, mas como um indivíduo em
estágio de desenvolvimento diferente da civilização, daí a necessidade de protegê-los e
garantir as condições necessárias à sua sobrevivência, até, com o apoio devido,
alcançarem outro patamar: a civilização.
Respeito aos grupos indígenas nas suas formas de viver, incluindo representação
religiosa, parentesco, economia a perspectiva era de que com o tempo e lentamente
ocorreria uma mudança no modo como os índios viviam;
Pregava a não desterritorialização defendia a posse pelos grupos indígenas de seu
território e a garantia legal do mesmo;
Manutenção do grupo familiar com isso se manteria as formas de parentesco, os
costumes e as línguas destes povos;
Política de igualdade possibilitar e assegurar a igualdade entre índios e os outros
cidadãos.
Durante sua existência o SPI se manteve em funcionamento por um conjunto de fatores: 1)
nos primeiros vinte anos sua existência e permanência era devido, principalmente, pelo
prestigio de Rondon, posteriormente acoplado à visão social do governo Vargas; 2) a
visibilidade junto ao conjunto da sociedade sobre os resultados positivos do seu trabalho
relacionado à proteção dos grupos indígenas principalmente aquele realizado na pacificação
das tribos mais próximas das grandes cidades, retirando as pressões dos ombros do governo.
Contudo, segundo Darcy Ribeiro, o órgão também era visto como grande incômodo aos
proprietários locais e àqueles que exploravam a mão de obra indígena.
Em 1940, com o apoio do governo Vargas, foi criado o Conselho Nacional de proteção aos
Índios-CNPI, cuja competência era “o estudo de todas as questões que se relacionem com a
assistência e proteção aos silvícolas, seus costumes e línguas” (FREIRE, 1990:28). Neste
período, o SPI se renova e reorganiza, expandindo-se quer por meio da reinstalação de antigos
postos indígenas quer pela instalação de novos. Neste decênio tem-se o estabelecimento do
91
regimento deste o SPI, que fixava como atribuição deste último em relação ao CNPI a tarefa
de cooperar “nos estudos e investigação das origens, ritos, tradições, hábitos, nguas e
costumes dos índios brasileiros” (RIBEIRO apud COUTO, 2005: 44), e esta era uma das
atividades que foi destinada a Seção de Estudos-SE, que foi instituída a partir deste
regimento.
A competência da recém criada SE era documentar as culturas indígenas por meio da
realização de trabalhos de campo etnográficos, levantamentos lingüísticos e registros
audiovisuais. Também lhe cabia a organização dos arquivos e criar critérios, de acordo com
orientações científicas, visando à proteção das populações indígenas. Neste sentido, foram
contratados profissionais aptos para a realização destas atividades da SE etnólogos,
lingüistas, museólogos, que teriam como incumbência fomentar e realizar as pesquisas
etnográficas, bem como a organização dos acervos: etnográfico, fotográfico, sonoro e fílmico,
existentes na instituição.
Em 1955, em virtude de pactos políticos eleitorais do governo, o SPI passa a ser dirigido por
um político ligado a uma das alianças partidárias feitas pelo governo e o órgão entra em novo
colapso o primeiro ocorreu com o afastamento de Rondon e final do primeiro governo de
Getúlio Vargas. Apesar de em 1957 o SPI ser retirado da categoria de prêmio político torna-se
um órgão de interesse militar, tendo novamente inspiração filosófica positivista como no
período de Rondon, fazendo com que sua atuação se transformasse em “sustentação dos
espoliadores e assassinos de índios” (RIBEIRO, 1962: 39).
No Brasil, ou na antropologia nele realizada, a investigação sobre o “outro” é dirigida, ainda
que não exclusivamente, na forma de estudos a respeito de populações nativas (os grupos
indígenas) que se encontram espalhadas pelos territórios do País. Darcy Ribeiro e outros
etnólogos de sua geração, que iniciam sua atuação na antropologia ainda no período da
configuração de sua matriz disciplinar, retratam um grande dinamismo e desenvolvimento nas
etnologias indígenas, que se incrementa com o passar do tempo e, sobretudo, a partir da
segunda metade do século XX, com forte ênfase nos temas de etnicidade, política indigenista,
e relações interétnicas, entre outros.
A partir da década de 1950, inicia-se um processo em que os estudos sobre culturas
"tradicionais" e "aculturação" foram substituídos por temas politizados como direitos
territoriais. Neste momento surge uma antropologia mais engajada no estudo das relações
entre povos indígenas e o Estado-nação, que se expressa por meio de um viés mais crítico e
envolvido na procura pela melhoria dessas relações. É um período em que Darcy Ribeiro
aparece como um dos que promotores desta feição da ciência antropológica.
92
No final dos anos de 1950, ao se afastar do SPI, Ribeiro propõe que esse Serviço deveria
reformular suas diretrizes, criando nova orientação para a política indigenista, fundamentada
em uma reflexão crítica sobre a atuação deste órgão governamental de proteção aos índios nos
últimos 50 anos. Tal proposta baseava-se em sua visão, advinda da experiência de trabalho,
sobre a política indigenista do SPI. Segundo ele havia pontos que se mostraram adequados, e
por isso deveriam ser mantidos, e outros desastrosos, e por isso era necessário serem revistos
e/ou substituídos.
Finalizando, do que foi apresentado percebe-se que o papel do etnólogo ou antropólogo
nacional em relação à política indigenista, sofreu significativas transformações nas últimas
três décadas, passando de uma ação como representante junto a instâncias governamentais,
com função de dar voz aos interesses de povos que ainda não tinham reconhecidos seus
direitos de cidadãos, para o papel de assessor que oferece sua experiência profissional visando
cooperar e contribuir nas questões indígenas junto às suas lideranças e instituições.
93
Capítulo IV
Idealização e Criação de um Museu Sui Generis
Antes de qualquer coisa, de se destacar que o Museu do Índio é uma instituição muito
especifica, sui generis, não apenas pela forma de apresentação das exposições, mas também
pelo contexto de sua criação.
Trata-se de um órgão público vinculado à Fundação Nacional do Índio, que por sua vez
compõe a estrutura do Ministério de Justiça, cujo encargo é tutelar os povos indígenas
brasileiros. Sua criação está inserida em um contexto sui generis, sustentada por um
arcabouço teórico-metodológico que, além de estar à frente do que realizavam os outros
museus de caráter etnográfico, coaduna três áreas: antropologia (etnologia), museologia e
patrimônio cultural. Todas estas especificações fazem com que o Museu do Índio encontre-se
articulado com uma gama bastante variada de saberes, públicos e propostas.
Em se tratando dos saberes o que se percebe é que esta instituição trabalha com as três áreas
citadas, num processo contínuo de intercâmbio de conhecimentos sobre a temática indígena e
sua produção de conhecimento reflete esta troca.
No que se refere aos diversos tipos de públicos que o freqüenta, numa visão geral percebem-
se os seguintes segmentos: grupos indígenas, governamental, pesquisadores, estudantes
(ensino fundamental e médio), todos vistos como interlocutores do museu.
Quanto às propostas, o Museu do Índio abarca as mais variadas temáticas sobre os povos
indígenas das várias etnias existentes no País: economia, linguagem simbólico-mítica,
religiosa, organização social e política, cosmologia, processos de mudança e identidade
étnica.
Traçar o percurso histórico do Museu do Índio implica relacioná-la não apenas com o
contexto sócio-político, mas também por em destaque de que modo esta inserção social e
política veio a influenciar a produção de conhecimento antropológico sobre as populações
indígenas.
Desse modo, o que se pretende é perceber quais são os pressupostos e mecanismos
históricos, conceituais, metodológicos os quais propiciam que esse Museu, desde sua
criação até a atualidade, seja considerado à frente do seu tempo.
Também se inclui como objetivo deste capítulo, localizar quais foram/são os fatores que o
configuram e lhe favorecem, de sua criação até a contemporaneidade, uma posição de locus
singular para discussão de questões relativas ao patrimônio cultural indígena. Também
94
objetiva-se situar este Museu enquanto lugar onde ocorre a participação, cada vez maior, das
populações indígenas na configuração e realização de exposições e no colecionamento da sua
cultura.
Assim nas próximas páginas primeiramente se fará uma rememoração conceitual sobre museu
– configurações iniciais, para depois abordar dois contextos: o da criação do Museu do Índio e
o de sua manutenção principalmente a partir dos anos de 1990 até a atualidade como
espaço de mediação de interesses próximos entre indígenas, pesquisadores, comunidade em
geral. Para tanto serão destacados projetos, perspectivas de trabalho e atuação, pontos de vista
e seu entrelaçamento com a ciência antropológica realizados e utilizados por este Museu.
I. Pequena Rememoração Conceitual
Antes de se iniciar o propósito deste capítulo faz-se necessário recapitular o contexto
museológico e museográfico que serviu de pano de fundo para a criação do Museu do Índio
denominado no título como um “Museu Sui Generis”.
Como assinalado anteriormente
75
, as primeiras indicações de um tipo de organização que se
poderia conceituar como museu, nos moldes do que se concebe atualmente, surgiu no período
do Renascimento. Este foi um momento em que as coleções eram propriedades particulares de
nobres e estudiosos, onde a apreciação das peças estava vinculada ao prazer de ter sob seu
domínio objetos fantásticos, curiosos e exóticos, mas a posse destes objetos também estava
relacionada a possibilidades de distinção e poder social. Até o século XIX estas coleções eram
agrupadas de modo aleatório, acondicionadas em locais pequenos e somente alguns eleitos”
poderiam ter o privilégio de deleitar-se em sua apreciação, que enfocava, principalmente, as
características artísticas ou exóticas dos objetos. Eram os denominados gabinetes de
curiosidades.
O crescimento e diversificação das coleções, ocorridos nos séculos XVII e XVIII, passaram a
demandar a ampliação dos espaços de guarda e também favoreceu a elaboração de
conhecimento (teorias e noções), sendo que a apropriação destes elementos passíveis de
abstração científica também passou a ser vistos como subsídios para o ensino, a educação.
Contudo, ainda que vissem a possibilidade de se utilizarem os objetos das coleções como
ferramenta para a educação da população, o acesso franqueado ao grande público somente
75
Primeira parte deste trabalho.
95
ocorreu mais tarde, a partir do desenvolvimento sócio-econômico e da difusão da instrução
entre as classes menos privilegiadas da sociedade.
Este aspecto público do museu, com possibilidade de acesso livre às coleções, somente foi
estabelecido em fins do século XVIII, por meio das conquistas advindas da Revolução
Francesa e do desenvolvimento do nacionalismo, que estavam vinculados às noções de
cidadania e direitos civis. Esta nova perspectiva, de local aberto ao público em geral e
propício à convivência social, levou o museu delimitar para si, como funções primordiais a
preservação, conservação, guarda e classificação dos diferentes materiais que formavam suas
coleções.
No bojo destas transformações o museu passou a definir de modo mais criterioso os objetos
sob sua guarda e as formas de utilização do seu acervo. Data desse período também, a
formação de novas disciplina, como: arqueologia, história da arte e etnografia. Com isso, o
museu passou a se interessar por novos objetos, por novas teorias que lhe dessem sustentação
e pelo aprimoramento das técnicas de investigação.
O resultado destas novas práticas museais são a especialização e ramificação dos museus em
diferentes categorias, mais visíveis no século XIX, período caracterizado pelo aparecimento
de novos museus, pela rápida institucionalização destes locais de memória e pela
intensificação de sua especialização temática. É necessário destacar que durante nesse século
tem-se o surgimento dos grandes museus etnográficos
76
, cuja base científica se fundamentava
nas idéias evolucionistas, então em voga.
O surgimento dos museus temáticos faz lembrar que foi também neste período se iniciou o
processo de instituição da antropologia que, como destaca George W. Stocking Jr., estava
vinculada a instituições de ensino ou a instituições museais.
To begin with, it should be noted that in the same historical moment when “the
discipline” had been recognized as a field of study in a small number of major
American universities usually in some joint department, or in conjunction with a
museum the leading figure in its academic institutionalization defined
anthropology in historically contingent terms. Grating that its “historical
development seems [my emphasis] to have singled out clearly a domain of
knowledge that heretofore has not been treated by any other science,” (…).
(STOCKING JR., 1985: 307-308).
76
Berta Ribeiro (1989:112-113) apresenta uma lista com os museus etnográficos que foram criados,
durante o século XIX, a partir de grandes coleções que compunham os gabinetes de curiosidades nos EUA
e na Europa.
96
O que se pode extrair do texto acima é que, conforme ressalta Stocking Jr., o nascimento da
ciência antropológica nos Estados Unidos da América, como campo de estudos acadêmicos
77
,
acontece em termos historicamente contingentes vem para registrar culturas de povos em
desaparecimento – e está associada a algum outro departamento ou instituição museal.
Em se tratando do Brasil. o processo não ocorreu diferente, tanto em termos de contingência
histórica registrar os povos indígenas que devido ao contato com o homem branco estava
desaparecendo – quanto em termos de associação a determinado departamento (sociologia) ou
museu (Museu do Índio, Museu Nacional, Museu Paulista, Museu Emílio Goeldi).
Em se tratando dos museus etnográficos, conforme indicado alguns parágrafos acima, deve-se
destacar que sua constituição ocorreu a partir da organização dos denominados gabinetes de
curiosidades” em padrões científicos – antropológicos – existentes no último quartel do
século XIX. Este período é comumente denominado como a “era dos museus”
78
, pois é uma
época em que ocorre uma grande proliferação de museus, como destaca Berta Ribeiro ao
refletir sobre o colecionamento e as possibilidades de explicação para este incremento:
A “era dos museus”, que floresceu no último quartel do século XIX nos Estados
Unidos, na Europa e no Brasil, pode ser explicada por vários fatores. Na América do
Norte, (...), devido à consciência de uma elite euro-americana que, para redimir-
se, promove estudos etnológicos acelerados pela premissa da urgência e
incrementados pela noção de história, implícita nos objetos tradicionais que recolhe
aos museus. Enfatiza, por um lado, a distância cultural entre a sociedade americana e
os grupos indígenas produtores desses objetos, e pelo outro, a vizinhança geográfica
que os aproxima (Lévi-Strauss [1976:64]). Este raciocínio se aplica, igualmente, ao
caso brasileiro. (RIBEIRO, 1989:117)
A característica marcante destes museus etnográficos que surgiam era sua ligação a uma
antropologia vitoriana evolucionista, que se fazia em arquivos e documentos (objetos
coletados) e tinha como objetivo principal classificar e descrever as sociedades outras, a partir
de seus artefatos ou registros gráficos (fotos, retratos, quadros). Foi neste período que os
77
Como foi demonstrado na primeira parte deste trabalho, ainda que de modo superficial, desde o início
da expansão européia existiam relatos e trabalhos feitos por naturalistas, viajantes, missionários,
funcionários governamentais , que podem ser considerados dentro do campo de abrangência da
antropologia. Trata-se aqui de ressaltar a institucionalização de um saber científico, tal como outras
ciências (por exemplo, as ciências naturais).
78
Esta denominação encontra-se nos textos de Lílian Schwarcz, Myrian Sepúlveda dos Santos, Letícia
Julião e Berta G. Ribeiro – vide bibliografia.
97
estudiosos evolucionistas foram definidos como antropólogos de gabinete. A finalidade da
antropologia, então, era apresentar os artefatos das ditas “sociedades primitivas” como se
fossem parte da história natural naquele momento os chamados “povos primitivos” eram
considerados pela antropologia como parte da natureza e sua apresentação se fazia a partir
de uma classificação evolutiva (estágio de desenvolvimento) e/ou de acordo com a
localização geográfica. Jose Reginaldo Santos Gonçalves, ao se referir ao contexto histórico e
intelectual em que se iniciaram as sínteses antropológicas, indica a existência de uma relação
muito próxima entre antropologia e museus:
Na segunda metade do século XIX, que já foi chamada de “era dos museus”, a
antropologia se fazia então sobretudo no espaço dessas instituições. Esses
profissionais dependiam então de material de pesquisa trazido por outros agentes
que estivessem diretamente em contato com as populações coloniais que eram alvo
do seu interesse científico. Esse material era composto por relatos produzidos por
viajantes, missionários, comerciantes, funcionários coloniais; e, não menos
importante, por objetos adquiridos por esses mesmos agentes, de modos diversos,
junto àquelas populações. É possível dizer que a antropologia, no século XIX, se
formava na medida mesmo em que se formavam as grandes coleções etnográficas
que vieram a enriquecer os acervos dessas instituições. Ao serem reunidos,
identificados, classificados e expostos, aqueles objetos (assim como os relatos dos
viajantes) serviam para ilustrar as teses universalistas dos antropólogos vitorianos
sobre a origem e a evolução da humanidade. (GONÇALVES, 1999:21-22).
Também é a partir daquele século que o museu passa a ter como função destacada a sua
utilização como local colocado à disposição dos grupos sociais visando colaborar para a
educação e formação de uma consciência nacional desta sociedade. Ainda que desde o culo
XVIII havia a prerrogativa do museu como espaço com possibilidades educativas, mas é
somente durante o século XIX que o aspecto educativo dessas instituições se tornou alvo de
reflexão. O intenso crescimento urbano e o desenvolvimento científico, ocorrido na Europa,
deram origem à preocupação com a educação das massas urbanas. Segundo Berta Ribeiro,
objetivava-se a criação de uma tradição. Para ela, citando Virgínia Dominguez
79
, a perspectiva
era de entronização do passado, pois as rápidas transformações que ocorriam nas cidades
daquele continente “produzia uma forma de alienação, que incluía o sentimento de perda de
raízes” (DOMINGUEZ apud RIBEIRO, 1989:117), e por esse motivo faziam-se necessário
exaltar e engrandecer as tradições e/ou heranças ou mesmo reinventá-las. Ou seja, os museus
79
Conforme informação constante no artigo em tela de Berta Ribeiro o texto de Domingues ao qual ela se
refere data de 1986.
98
eram utilizados como forma de sustentação de uma ideologia e identidade nacional, que
permitisse aos cidadãos / trabalhadores uma identificação com o espaço em que viviam e, ao
mesmo tempo, com a nação à qual “pertenciam”. O que estava em jogo era a possibilidade de
continuidade de existência da nação, daí a necessidade de se criar um sentimento de pertença,
a partir da re-criação de uma memória nacional coletiva.
Nos museus as táticas pedagógicas tinham como objetivo a divulgação científica e se
efetivavam por meio de visitas guiadas ou pelo empréstimo de materiais pertencentes aos seus
acervos para instituições de ensino. Este tipo de ação educativa visitas e empréstimo de
objetos das coleções objetivavam tornar mais fácil para os visitantes, pouco familiarizados
com a situação de exposição, a apreensão dos objetos expostos e dos seus significados. Neste
período inicial de implantação de uma “cientificidade” nos museus e nas atividades que
visassem à educação, o peso entre ação educativa e preservação do acervo, pendia mais para o
segundo, pois ainda que houvesse grande emprenho em democratizar e popularizar suas ações
expositivas, o enfoque mais forte estava na valorização do acervo do que em estabelecer
comunicação com os seus visitantes. Pérez-Ruiz ratifica esta afirmação, ao apresentar sua
análise sobre o percurso de transformação dos museus no mundo a partir das modificações
que vêm sofrendo as relações entre sujeito e objeto. Segundo ele:
Una de las tendencias de la práctica museística es la que otorga mayor importancia a
los bienes culturales, de donde deriva el hecho de que la colección y conservación de
los mismos sean los fines últimos y la razón de ser de los museos. (PÉREZ-RUIZ,
1998:95).
A partir do século XX, quando havia um projeto de modernização da sociedade, os museus
passam a dar mais relevo às ações educativas quando da concepção de suas exposições,
visando maior aproximação entre público e exposição e a ampliação do conhecimento sobre o
objeto em si. Neste momento, ocorre uma mudança no eixo programático dos museus que
começam a ver no público visitante um dos motivos de sua existência e não apenas as
coleções, ainda que estas figurem como centro das atenções, pois os objetos ainda continuam
sendo sua razão de ser. Passa-se, então, a se criar propostas que permitam melhores condições
de comunicação entre blico visitante e as coleções. Esta nova linha de atuação dos museus
está relacionada ao surgimento da chamada antropologia moderna e do contextualismo.
99
Nesta nova fase de colecionamento e exposição, esse enfoque antropológico trazido para o
museu baseia-se nas concepções de Franz Boas sobre exposições etnográficas, elaboradas
durante suas atividades à frente do Museu Americano de História Natural (EUA), e cuja
proposta era expor as peças ou objetos / artefatos de uma forma diferente: “como partes
integrantes do contexto social e culturalmente singulares” (GONÇALVES, 1999: 22). Para ele
as exposições deveriam simular o contexto cultural original, neste sentido, os artefatos eram
agrupados visando ilustrar o modo de vida, possibilitando que o público visitante pudesse
compreender o significado das peças a partir do contexto de sua procedência / origem. Nessa
conjuntura histórica, a idéia predominante era que ainda que as coleções fossem relevantes
para a pesquisa antropológicas, era necessário atentar para a forma como elas eram
organizadas e classificadas.
Assim, para o pensamento daquela época, a preocupação com o contexto de exposição das
peças era justificada pelo fato de que somente contextualizando uma exposição / peça o
visitante veria os objetos pelo “ponto de vista do nativo”, que era um dos grandes indicadores
do pensamento boasiano predominante na antropologia no princípio do século XX. Isto
porque, para Boas a missão da antropologia é apresentar o ponto de vista do nativo, e,
segundo sua concepção, criar exposições contextualizadas é o modo apropriado / adequado
para que os museus antropológicos cumprissem sua missão antropológica. Este pensamento
predominou durante muito tempo, chegando até o período pós-guerra.
Esta possibilidade educativa, conjugando antropologia e museografia
80
, ainda vigorava
quando foi inaugurado o Museu do Índio, na década de 1950, criado não apenas como forma
de possibilitar, por meio de ações educativas, que a sociedade, como um todo, conhecesse os
grupos indígenas que viviam no mesmo território; mas também e, talvez o mais importante,
seria possibilitar ao indígena a negociação de sua participação na vida social do País não se
tratava da fundação e instituição de um museu que apresentasse oficialmente o indígena à
sociedade da qual faz parte, mas sim da criação de um espaço de mediação entre indígenas e
sociedade nacional.
Com base no que foi exposto nas páginas anteriores, cabe então passar para o enfoque central
deste capítulo. Com isso, nas próximas páginas serão expostas as idéias que possibilitem uma
80
É preciso destacar que, as ações educativas que ocorriam no Brasil ainda o tinham o contorno que
hoje as conformam. Podem ser vistas mais como tentativas iniciais e de pouco alcance. Contudo, não se
pode negar que os museus existentes, os etnográficos incluídos, se viam como espaço de educação e
produção de saber.
100
melhor apresentação e compreensão sobre o surgimento e a contemporaneidade do Museu do
Índio.
II. Museu do Índio: configurações de sua instituição
This Museum, the newest and most modern in the Brazilian capital, a scarcely two
years old, has already captured the attention of the specialists, because of its
innovations in the field of museology. In all its details, this Museum is an
expression of present trends in ethnology, which, throwing former prejudices
overboard, is now taking a keener interest in the human problems of the populations
it studies. (RIBEIRO, 1955a: 05 – grifos meus).
Darcy Ribeiro ao destacar que o Museu do Índio era o mais novo e moderno, foco da atenção
de especialistas por sua inovação no campo museal e por expressar as então atuais tendências
etnológicas, punha em relevo a característica que distingue esta instituição das demais da área.
Segundo ele, a etnologia clássica, presente em muitos museus etnográficos, destacava os
indígenas como “fósseis da raça humana” ou “ilustrações arcaicas pelas quais nossa sociedade
[ocidental] teve que passar” (RIBEIRO, 1955a: 05), e também, que essa mesma etnologia
colocava para os museus etnográficos tradicionais a função de expor o exótico. Com isso, os
museus então existentes não eram capazes de suscitar qualquer tipo de solidariedade humana,
na população em geral, em relação ao destino destes povos, mas somente despertavam
perplexidade e horror, tornando inviável quaisquer tipos de predisposição para a compreensão
de outra forma de sociedade ou outro tipo de cultura. Este pensamento elaborado por Darcy
Ribeiro sobre o que estava em voga nos museus etnográficos existentes até meados do século
XX, no Brasil e no Mundo, indica a presença dos ideais de uma exposição assumidos por
Franz Boas nos primeiros anos da década de 1910. O que ele pretendia era que toda
exposição vista no Museu perpasse a idéia de proximidade humana, social e cidadã entre
indígenas e brancos. Ou seja, a prioridade colocada para o Museu do Índio é que as
exposições sejam elas mesmas ações educativas, versando sobre a realidade dos grupos
indígenas como algo muito próximo da realidade dos demais grupos componentes da
sociedade brasileira também se percebe o tom inclusivo, que destaca que os indígenas
fazem parte da sociedade nacional. Além disso, também é primazia para o Museu em relação
a este ponto, o fato de que as exposições contextualizem a realidade destes povos, no intuito
de possibilitar a compreensão, por meio da inserção do objeto exposto, do universo
sociocultural indígena.
101
A criação do Museu do Índio inaugura uma nova visão trazida pela etnologia que difere
totalmente do que estava posto para as instituições museológicas etnográficas, isto porque,
como indicado acima, a organização do Museu pretendia destacar não as diferenças entre
povos indígenas e sociedade nacional, mas, sobretudo, ressaltar as semelhanças. Neste
sentido, inclui como pressuposto a concepção etnográfica boasiana, que se centrava na idéia
da utilização do conceito de culturas, no plural, e apresentando uma visão diferente sobre o
tratamento dos objetos museais, cuja descrição e análise deveriam concebê-los como
“culturalmente singulares” e mostrá-los como parte integrante de um contexto social. Esta
perspectiva boasiana pode ser percebida quando Darcy Ribeiro fala do reforço que se pretende
realizar, durante as visitas do público, de apresentar as peças expostas de modo a indicar o
contexto de criação delas:
... concentrate their efforts on dispelling the most common prejudices about Indians,
such as the idea that they are incapable of producing any delicate work, that they are
lower form of life, that they are unsuited to civilization, or hopelessly lazy.(
RIBEIRO, 1955a: 06)
A compreensão sobre o processo de criação e instituição do Museu do Índio, requer um recuo
à última década do século XIX, período em que foi criado um órgão intitulado Comissão de
Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, tendo como chefe o General
Antônio Ernesto Gomes Carneiro. Este órgão tinha como um dos objetivos principais a
instalação de comunicações com o Brasil Central, que até então encontrava-se em termos
territoriais, minimamente explorado. Também tinha como meta principal realizar a coleta de
informações sobre os índios com os quais se fazia contato e perpetuar estas relações.
Durante o primeiro decênio do século XX assume a direção daquele órgão Cândido Mariano
da Silva Rondon, que deu nova dinâmica às suas atividades, sendo inclusive denominada ou
nomeada nos anos seguintes como “Comissão Rondon”. Da busca em obter informações
sobre os grupos indígenas das regiões do Mato Grosso e do Amazonas, este setor passou a ver
a importância estratégica deste conhecimento interétnico cuja conseqüência foi a criação do
Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, chefiada pelo
mesmo Rondon. Este serviço era responsável pela execução da política indigenista brasileira e
seus contatos com as tribos se davam sem qualquer rigor acadêmico. Segundo Freire (1990)
estas atividades estão relacionadas a uma política nacional que tinha como motor possibilitar
102
ao Estado Governo Vargas a obtenção de maior controle sobre a ocupação do território
nacional, e que via o trabalhador brasileiro como agente colonizador para a total ocupação do
interior do País.
Os trabalhos deste Serviço tiveram como resultado a geração de uma grande quantidade de
objetos e filmes, que passaram a ser arquivados. Era o princípio do acervo do futuro museu.
No final do ano de 1939, quando o Serviço de Proteção aos Índios-SPI funcionava ligado ao
Ministério da Agricultura, foi criado o Conselho Nacional de Proteção aos Índios-CNPI, que
tinha como objetivo estudar tudo que se relacionava com a assistência e proteção dos
indígenas, incluindo costumes e língua. A proposta inicial era de que o CNPI iria subsidiar as
atividades do SPI, segundo Freire (1990)
81
o que deveria ser uma atuação conjunta, na
verdade não se realizou de modo tão harmonioso como pressupunham os dispositivos legais
que os criaram, sendo as relações de parceria entre os dois órgãos praticamente inexistente.
Isto ocorreu, segundo o autor por diversos motivos, que não são relevantes para este estudo, e
somente se modificou após a entrada de Gama Malcher na direção do SPI.
Três anos após a criação do CNPI, com a instituição do regimento do SPI, é criada a Seção de
Estudos SE que transforma de modo radical o perfil dos levantamentos e pesquisas
realizadas até então com os grupos indígenas e faz com que o CNPI se torne cada vez mais
um órgão consultivo. Isto porque a SE, além de objetivar favorecer a colaboração entre SPI e
CNPI, possuía os mesmos objetivos deste último.
A SE tinha por objetivo documentar, através de pesquisas etnológicas e lingüísticas,
registros cine-fotográficos e sonográficos, todos os aspectos das culturas indígenas,
orientando suas atividades de modo a proporcionar diretrizes científicas à ação
assistencial do SPI. (PAULA & GOMES, 1983:10).
Nestes primeiros anos a SE realizou várias expedições buscando registrar diversas tribos
indígenas: Terena, Kadiwéu, Guarani, Borôro, Umotina, Bakairi, Kamayurá, Mehináko,
Nahukuá, Kuikúro, Trumái, Aweti, Waurá e Yawarapiti, reunindo um vasto acervo
documental em diversos suportes: filmes, fotografias, discos e artefatos. O trabalho era
executado por meio da contratação de profissionais fotógrafos e cinegrafistas que tinham
81
Para maior aprofundamento sobre o Conselho Nacional de Política Indigenista - CNPI de sua criação
até meados da década de 1950 ver FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. Indigenismo e antropologia: o
Conselho Nacional de Proteção aos Índios na gestão Rondon (1939-1955). 1990. Dissertação (Mestrado em
Antropologia). Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Museu Nacional, Rio de Janeiro.
103
como meta: “coleta de artefatos indígenas, estudos etnográficos e etnológicos, fotografias,
filmes e gravação de discos fonográficos da linguagem e cânticos indígenas” (FREIRE, 1990:
212).
Antropologicamente falando, foi somente em 1947 que a SE / SPI passaram a imprimir um
caráter mais científico aos trabalhos desenvolvidos, pois neste ano foram contratados seus
“primeiros etnólogos, evoluindo assim, de uma equipe de documentação cine-fotográfica e
sonográfica para um verdadeiro centro de pesquisas etnológicas.” (PAULA & GOMES,
1983:10).
O acervo, bastante amplo, ainda não possuía quaisquer outros tipos de cuidado a não ser o
de classificação e de registro, sendo que muitas peças, inclusive aquelas cujas populações
não mais existiam, eram utilizadas como suporte às aulas. Assim foi crescendo a preocupação
e emergência em se instituir uma instituição que cuidasse mais adequadamente deste acervo.
Esta instituição já constava no regimento do SPI, que explicitava como uma das atribuições da
SE a possibilidade de criação de um museu, que iria viabilizar para as coleções estabelecidas
a partir da coleta de artefatos durante os trabalhos de campo etnológico, um espaço próprio
para seu acondicionamento, preservação e manutenção.
A contratação de uma equipe profissional com formação acadêmica para realizar os estudos
etnológicos, o constante e crescente número de pesquisas (com abordagem científica)
realizadas e a abrangência de grupos indígenas identificados e estudados, tornou a SE um
locus privilegiado de pesquisa sobre etnologia indígena, onde coleções e arquivos,
minimamente organizados e classificados, eram postos à disposição de especialistas. Esta
Seção fora concebida para funcionar como ponto de apoio para as atividades relativas à
política indigenista. Entretanto, à medida que o tempo passava e que se ampliava o número de
pesquisas realizadas, povos investigados e material coletado, a SE transpôs a condição de
apêndice do SPI passando a ter vida própria: desenvolvia pesquisas de campo, coletava
objetos, os quais documentava e classificava, publicizava seu acervo. Contudo, o acesso
público se restringia a uma pequena parcela de iniciados” e seu acervo não passara por um
tratamento museológico / museográfico, o que limitava seu campo de ação, que poderia ser
maior.
O tratamento do acervo, dentro de uma concepção museográfica e museológica, somente
ocorreu entre os anos de 1948 e 1951, e foi realizado pela musicóloga Helza Comeu (PAULA
& GOMES, 1983:10). Este parece ter sido o passo mais decisivo para o Museu do Índio, que
em 1953, foi criado como parte das comemorações do dia do Índio Americano.
104
De acordo com Ribeiro (1955b), ao relatar sobre o que vinha a ser o Museu do Índio, sua
primeira sede foi um velho casarão na Rua Mata Machado, restaurado e adaptado para
funcionar como uma instituição museal. Segundo ele, as dependências do Museu contavam
com salas de exposições, salão para projeção de filmes, que também funcionava como
auditório para apresentações musicais (música indígena), laboratórios cines-fotográficos e
uma biblioteca especializada (RIBEIRO, 1955b: 03).
O Museu do Índio fora inaugurado, com uma proposta de divulgar os trabalhos da SE para um
público mais abrangente; possibilitar a participação efetiva dos grupos indígenas na vida
social do País e combater o preconceito contra o índio brasileiro.
Assim, no dia 19 de abril de 1953, como parte das comemorações oficiais do “dia do
índio”, por iniciativa do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, foi inaugurado, no
âmbito da Seção de Estudos do SPI, com respaldo na ancestralidade e na
respeitabilidade do velho Rondon, o Museu do Índio. Tratava-se de uma instituição
que nascia como um coroamento da política indigenista, então em vigor. (CHAGAS,
2007: 03)
82
.
Para a concepção deste Museu, antes de sua inauguração foi realizada uma pesquisa para
identificar a imagem que as pessoas tinham dos indígenas e o que buscava e/ou encontrava o
público que visitava os museus de etnologia existentes. O resultado desta pesquisa foi que
as pessoas pesquisadas, em sua grande maioria, tinham uma imagem distorcida e desfavorável
/ irreal dos índios do Brasil. A idéia dominante era de que eles eram: inferiores, rudes e
embrutecidos, não possuidores de qualidades humanas; ou lhes eram atribuídos uma
existência idílica e aventureira, qualidades de nobreza e altruísmo. Muitos, principalmente as
crianças, tinham uma imagem do indígena brasileiro como o famoso “pele vermelha”
veiculada nos filmes “hollywoodianos” de far west e difundida pelos meios de comunicação.
Segundo Couto (2005) e Chagas (2007) para Darcy Ribeiro, que estava à frente da concepção
e criação do Museu do Índio, essa deformação da imagem do indígena brasileiro também é
resultado da forma de abordagem que os museus etnográficos realizavam até então, no Brasil
e no mundo, pois representavam os grupos indígenas como povos exóticos e totalmente
82
Conforme Mário Chagas (2007) “Por decisão dos participantes do ‘I Congresso Indigenista
Interamericano’, realizado no México, em 1940, o dia 19 de abril foi escolhido como um marco de
memória do ‘Índio Americano’. Três anos mais tarde, o governo brasileiro, através do decreto-lei n.º 5540,
de 20 de junho de 1943, instituindo, oficialmente, a referida data como o ‘dia do Índio’.” Mais adiante este
mesmo autor, no mesmo texto, cita uma fala de Darcy Ribeiro onde este informa que segundo o Marechal
Rondon a data também coincidia com o aniversário do presidente Getúlio Vargas, que na visão de
Rondon havia feito muito em prol dos índios (2007: 177).
105
desvinculados da realidade social e humana. Neste sentido, para Darcy Ribeiro a criação da
SE retoma os estudos sobre os indígenas, baseados nas modernas teorias e metodologias da
antropologia e em nível mais elevado que a museologia, que deixava de lado a humanidade
dos grupos que estudava tratando-os como exóticos e/ou primitivos concentrando-se
apenas em enriquecer acervos e vitrines.
A perspectiva museológica reinante no período de concepção do Museu do Índio era de que
os museus etnográficos no País Nacional, Paulista, Paraense tinham como meta a busca
por expressar cientificismo. Estes museus utilizavam-se de suas exposições como forma de
proporcionar uma percepção privada da realidade, aceita e aprovada institucionalmente, e que,
ao ser objetivada, durante o processo de musealização, tornava-se sacralizada juntamente com
a instituição museal. No período de criação destes museus as idéias de Boas sobre a
contextualização sincrônica da exposição ainda existiam. Estas novas concepções ocorrem no
final do século XIX e somente ganham força no início do século XX, e nestes museus elas
demoram um pouco mais para serem amplamente aplicadas. Isso significa que os museus
etnográficos não tinham como enfoque ressaltar contexto e sentido e que, também, não
objetivavam apresentar os objetos expostos como produtos de um processo histórico cultural,
ou seja, não se importavam em relacionar os artefatos exibidos nas exposições com a
produção cultural como um todo. de se destacar que também nestas instituições museais
de etnografia não havia compromisso político, educacional, social perante a nação. Segundo
Darcy Ribeiro:
Em face desta realidade [dos museus etnográficos e da imagem do indígena pela
população brasileira em geral] o que se impunha era criar um museu voltado mais
para a compreensão humana que para a erudição etnográfica. Tal é o Museu do
Índio, inaugurado dois anos no Rio de janeiro pelo Serviço de Proteção aos
Índios com o propósito de desmascarar os preconceitos mais correntes sobre os
índios, contrapondo-lhes fatos que patenteiam sua falsidade. (RIBEIRO, 1955b: 02)
Neste sentido, o Museu do Índio além de assumir explicitamente estes compromissos,
incluindo também o assistencial, vinha acompanhado de um novo significado, porque para ele
preservar era importante, mas essa ação preservacionista tornava-se mais relevante para as
pessoas no caso público visitante e grupos indígenas quando possibilitava melhorar a
qualidade de vida na atualidade. Ou seja, o grande destaque dado pelo Museu do Índio e que o
coloca como inovador e único, quando de sua criação, é a importância que atribui no
106
compromisso com seu público específico, que são: as populações indígenas e os visitantes
principalmente crianças e jovens, visando não apenas preservar objetos ou documentos, mas
preservar culturas.
Com isso, ao se colocar em defesa da causa indígena e ao buscar apresentar o índio dentro de
uma nova perspectiva, de um novo olhar, o Museu do Índio encontrava-se fora dos
parâmetros museais definidos na época (CHAGAS, 2007 e COUTO, 2005). Isso porque, o
enfoque estava centrado no contexto dos objetos expostos, dos produtores (grupos indígenas)
destes objetos e daqueles que eram chamados para apreciá-los (público visitante).
Assim, a proposta de Darcy Ribeiro era criar um museu que estivesse envolvido com a busca
de uma compreensão humanística do índio brasileiro e por isso sua missão (do Museu) era, e
continua sendo: “combater preconceitos e estereótipos” dos índios e trabalhar com sociedades
tribais contemporâneas. Deste modo, as atividades do Museu e sua proposta inovadora, que o
diferenciava dos demais, buscavam aproximar os índios dos não índios, ressaltando por meio
das exposições as semelhanças entre indígenas e brancos, colocando-os como sujeitos aos
mesmos impulsos, problemas, defeitos e qualidades que fazem parte da vida e natureza
humana, é o que destaca Darcy Ribeiro em seu relatório sobre as atividades da SE, quando se
refere à exposição de inauguração do Museu do Índio:
A exposição com que foi inaugurado (...) foi planejada em todos os seus
pormenores, tendo em vista proporcionar uma visão sintética e objetiva da vida de
nossos índios, de sua variedade de línguas e tradições culturais, e, sobretudo, de
modo a quebrar estereótipos correntes sobre o índio, que se vão generalizando na
população, divulgados pelo cinema estrangeiro e por outras fontes. Assim, o
preconceito de que o índio seja necessariamente, rude, preguiçoso, vingativo e tantas
outras falácias frequentemente repetidas são desmoralizadas sem referencia explicita
a ela através de mostruários que documentam e a delicadeza e o alto grau de
elaboração de certas artes indígenas, cenas diárias da vida nas aldeias que salienta os
esforços que eles despendem para prover a subsistência e a diferença entre a vida do
índio isolado, ainda isento de contatos com a civilização e de índio enganchado
em nosso sistema econômico. (RIBEIRO, 1953: 03-04)
O enfoque não estava nas diferenças e sim nas semelhanças e a proposta era construir um
“outro” que não ocupava um lugar de contraste, mas de afinidade e paridade, demonstrando
que índios e brancos partilhavam uma mesma pertença: a natureza humana.
Esta mudança de enfoque seguia o que a antropologia / etnologia propunha àquela época,
onde os objetos eram estudados a partir das funções e dos sentidos que assumiam dentro das
sociedades e culturais. Neste sentido, o importante era percebê-los dentro do contexto social
107
cotidiano das culturas estudadas, considerando-os como “demarcadores simbólicos de
identidades e processos socioculturais, ou, ainda, como partes significativas de ‘processos
rituais’ ou de ‘cosmologias’” (GONÇALVES, 1999:22). Outra importante conseqüência que a
criação do Museu do Índio trouxe implicou em práticas museográficas próprias que
exploravam dois aspectos: valorizar o ponto de vista estético ou sublinhar a singularidade de
determinado objeto (isolado ou em conjunto / contexto). Além disso, houve a inclusão de um
novo elemento de mediação: o “explicador”, pessoa treinada para trabalhar com o público
visitante (em grupos) e que conduzia a leitura da exposição, destacando de modo indireto as
semelhanças entre índios e brancos e desfazendo os equívocos que levavam ao preconceito
83
.
O que se destaca, em termos de concepções etnográficas do Museu do Índio, é o fato de que
as coleções ganham uma nova perspectiva e passam a ser utilizadas como uma nova forma de
percepção da alteridade e de relação entre as culturas. A etnografia contribui para uma
tendência museística em que o mais importante são os sujeitos, sendo os objetos uma forma
de informar e “educar” o visitante, pois funcionam como um mecanismo que propicia ao
público uma maior aproximação do sentido cultural impresso na peça – objeto, artefato pelo
autor / autores. Ela também coloca como função do Museu a utilização dos objetos expostos
como meio de conscientizar o público e levá-lo à reflexão crítica sobre seu entorno social,
político e cultural, além de despertar o interesse, a curiosidade e a motivação em conhecer
mais sobre outros povos e culturas.
III. Museu do Índio: pretensões e metodologia de trabalho
Após sua inauguração e nos anos seguintes o Museu do Índio intensificou as atividades da
Seção de Estudos e ambos passaram a significar uma única instituição. Logo após o inicio de
suas atividades, o Museu do Índio e a SE iniciaram um programa de colaboração em
pesquisas etnográficas com instituições de âmbito nacional e internacional, tais como
83
A figura do explicador segue um dos princípios do Museu do Índio de que “... a compreensão da
exposição é tarefa de uma ação cultural dirigida.” (NUNES, 1983: 50), sua tarefa é permitir que se
cumpra a missão primordial do museu que é lutar contra o preconceito, então cabe a ele ressaltar,
durante o percurso da exposição, as semelhanças entre índio e branco, não no fabrico de um artefato, mas
nas características intrínsecas que a fabricação de um objeto pode levar a perceber. Assim, “In front of a
panel of stones axes, the guide [explicador] stops to explain that the majority of Brazilian Indians live
from cultivating manioc and millet, which obliges them to make extensive clearings in the forests. He goes
on to describe the exhausting efforts that are necessary in order to fell large trees with such instruments,
and brings visitors to the inevitable conclusion that the Indian’s renowned laziness can be no more than a
reaction against foreign domination, or a very natural reluctance to do work for which he feels no
emotional attachment.” (RIBEIRO, 1955a: 07).
108
UNESCO, Museu do Homem (França), Museu da Basiléia (Suíça) e Universidade de
Hamburgo (Alemanha)
84
.
Este programa de cooperação não se restringia à etnologia brasileira, mas também abarcava,
em regime de colaboração, as áreas de musicologia, medicina, etnobotânica e etnozoologia.
Outras atividades ocorridas nos primeiros anos de criação do Museu e que merecem destaque
foram: a participação na Reunião Brasileira de Antropologia (1953), com apresentação de
trabalhos e a criação de um curso de pós-graduação, denominado Curso de Aperfeiçoamento
em Antropologia Cultural (em 1955)
85
. Segundo Paula e Gomes (1983) logo em sua
instituição o Museu do Índio foi muito elogiado e obteve o reconhecimento de vários setores
nacionais e internacionais, servindo de modelo para outras instituições em relação aos
trabalhos realizados, tanto em termos de investigação etnográfica quanto em termos de
catalogação e classificação do acervo etnográfico.
A conexão entre as atividades da SE e do Museu era sobremaneira concertada, e isso ocorria
porque refletia a integração, no desenvolvimento dos trabalhos do Museu do Índio, entre
pesquisa etnológica e museologia (PAULA & GOMES, 1983:14). Darcy Ribeiro (1953), em
seu relatório sobre a Seção de Estudos, destaca que o Museu não servia apenas para visitação,
mas era frequentemente procurado por estudantes das faculdades de filosofia, visando o
aprofundamento dos seus conhecimentos relacionados à etnologia. Para tanto, era
disponibilizado o acesso destes estudantes aos documentos e acervo etnográfico existentes no
arquivo e biblioteca da Seção de Estudos. O autor também destaca que o Museu teve um
papel importante enquanto instituição de pesquisa, pois grande número de pesquisadores e
especialistas buscava os recursos e acervo oferecidos, principalmente quando se encontravam
em preparação para trabalho de campo procurando informações prévias sobre os grupos que
iriam estudar. (RIBEIRO, 1953:01-04).
Darcy Ribeiro (1955b) relata que durante seus primeiros anos de existência, o funcionamento
do Museu do Índio se realizava por meio de exposições temáticas que eram modificadas
anualmente, sempre no dia 19 de abril, quando havia a inauguração de nova exposição, com
novas coleções de artefatos indígenas, nova mostra fotográfica e novos documentários sobre a
vida na aldeia.
84
Estas atividades de pesquisa em colaboração com outras instituições serão abordadas quando da
apresentação de algumas atividades desenvolvidas pelo Museu do Índio – quarta parte deste capítulo.
85
Na quarta parte deste capítulo será abordado com mais detalhe o curso de pós-graduação do Museu do
Índio.
109
Ribeiro (1955b), também informa que toda exposição era pensada e planejada
cuidadosamente para que se tornasse atrativa e para que, principalmente, contasse com
explicações simples e convincentes que seriam reproduzidas aos visitantes como pequenas
histórias e esclarecimentos sobre os objetos expostos, o cotidiano indígena e o contexto de
produção das peças e da vida nas aldeias. Ele também ressalta que estas atividades eram
introduzidas como se estivessem destituídas de qualquer implicação ou pretensão, mas que
traziam em si um conteúdo que visava desmoralizar os preconceitos em relação aos índios
(1955b).
Neste sentido, o que se queria era substituir uma narrativa museal focada nas diferenças,
frequentemente apresentadas nos museus etnográficos do Brasil e do mundo, por uma
narrativa cuja atenção primordial era transformar a diferença em proximidade que permitisse
que as culturas indígenas fossem englobadas no todo social. Como destaca Mário Chagas
(2003):
O que estava em pauta, portanto, era a construção de uma outra narrativa, na qual a
alteridade deveria ceder lugar à identificação ou, em termos contemporâneos, ao
reconhecimento de que o “nós” e o “outro” partilham um mesmo lugar de
pertencimento em relação à denominada “natureza humana”. (CHAGAS, 2003:
225).
Ao tratar da imaginação museal de Darcy Ribeiro, Chagas (2003) diz que, pelas indicações
que conseguiu colher em sua pesquisa, para os primeiros visitantes do Museu do Índio o
ingresso em suas dependências era como entrar “em outro território”, com “regras de leitura e
comportamento” que necessitavam ser apreendidas. Assim, o Museu assumia o papel de
formar e informar o seu público, quer pela percepção das exposições, quer pelo fato de
assumir para si a “causa indígena” e autoridade para falar por eles, quer pelo discurso sobre a
situação destes povos no intuito de que fossem absorvidos pela sociedade nacional.
Visando melhor clarear as orientações existentes no Museu do Índio quanto à sua metodologia
de trabalho, tanto no que concerne ao tratamento das coleções quanto ao que se refere ao
acesso a estas, nas próximas páginas serão abordados, de modo mais consistente, alguns
pressupostos que norteavam as ações desenvolvidas em relação ao público visitante e a
atividade expositiva.
O Museu do Índio, ao tomar como objetivo primordial o compromisso de lutar contra o
preconceito e aproximar e incluir o indígena na sociedade nacional, respeitando sua cultura o
110
Museu, como já assinalado anteriormente, assumiu para si o encargo de criar um modus
operandi que lhe possibilitasse êxito em sua missão. Para tanto, concebeu uma metodologia
de trabalho, conforme apresentado nas páginas precedentes, que se desenvolveu a partir do
contato e adoção dos pressupostos elaborados por Franz Boas, da Escola Americana de
Antropologia, sobre formas e conceitos expositivos, função social do Museu e atuação das
instituições museais em relação ao público visitante.
A proposta expositiva de Boas era centrada na idéia de que a instituição museal deveria: a)
captar a atenção do público para os objetos; b) garantir a real compreensão por parte dos
visitantes do que se está expondo; e c) permitir o acesso deste público ao “ponto de vista do
nativo”. Segundo ele, em correspondência a Morris K. Jesup, presidente do Museu Americano
de História Natural, toda exposição deve ser organizada tendo como base:
(...) a relação do homem com a natureza, o desenvolvimento das técnicas de
produção, as formas de costumes e crenças (...) levando em consideração as
condições históricas de cada povo. (BOAS, [1905] 2004: 357).
Com base nas considerações do parágrafo anterior há de se destacar com relação ao Museu do
Índio alguns pontos que convergem para as idéias expressas por Boas sobre os eixos
condutores de uma exposição.
Dentre as concepções de Boas o que se pode destacar, é, em primeiro lugar, a importância do
contexto e significado que cada peça exposta necessita e expressa. Isso porque segundo ele, é
necessário compreender a cultura como um todo, um objeto pode trazer consigo um número
considerável de sentidos e, somente a partir da compreensão do contexto em que foi
produzido e quais as motivações que propiciaram sua produção, é que se poderá captar o
significado deste objeto. Ira Jacknis, ao tratar das concepções boasianas sobre exibição em
museus, relata que:
Just as Boas had suggested that “the art and characteristic style of a people can only
be understood by studying its productions as a whole” (...) the meaning of an
ethnological specimen could not be understood “outside of its surroundings, outside
of other inventions of the people to whom it belongs, and outside of other
phenomena affecting that people and its productions”. (JAKNIS, 1985:79).
111
Para Boas sua perspectiva diferia da visão que os museus tradicionalmente tinham da cultura
ou dos objetos. Isso porque diferente desta tradição, cuja interpretação do objeto e da cultura
era única, Boas percebia tanto no objeto quanto na cultura uma multiplicidade de
perspectivas, pois para ele o princípio básico das coleções etnológicas deveria ser a
disseminação de que a cultura ocidental não é absoluta, mas relativa, visto que as idéias e
conceitos dos homens somente conseguem alcançar as verdades até os limites de sua própria
cultura.
Esta percepção boasiana está presente no padrão metodológico de atuação que o Museu do
Índio concebeu e empregou como recurso para conseguir propiciar o conhecimento da
diversidade cultural indígena existente no País ao público em geral (sociedade nacional). Isso
porque, o objetivo visado pelas atividades desenvolvidas pelo Museu era focado na
substituição da figura do indígena como selvagem, referência nacional, pela da figura de um
índio dono de uma cultura própria, com ambições e desejos semelhantes a qualquer ser
humano. Ou seja, possibilitar aos não índios a revisão de seus conceitos sobre as culturas
indígenas, demonstrando que o diferente significa uma forma outra de concepção, uma outra
visão de mundo, mas que se assemelha e se aproxima de qualquer um porque compartilha de
um mesmo caráter: humanidade.
Esta perspectiva de trabalho contra o preconceito era viabilizada pelo Museu do Índio ao
conceber e utilizar as exposições e suas respectivas ações educativas, de modo a oferecer e
revelar os costumes, tradições, e outras formas e sentidos presentes nas culturas indígenas. O
resultado esperado era levar o público a perceber que a inclusão de objetos e sentidos culturais
indígenas, como pertencentes à cultura nacional, implicava no acréscimo de qualidade ao
patrimônio cultural brasileiro e em uma maneira de informar que as culturas indígenas
forneciam subsídios para a composição de uma identidade nacional (COUTO, 2005:71). Ou
seja, a cultura dos grupos indígenas era singular e diferente, mas ao mesmo tempo era
semelhante e fazia parte do todo nacional, pois completava e aprimorava os sentidos e
significados das concepções e práticas sociais instituídas nacionalmente como parte de um
“caráter nacional”.
A perspectiva educativa boasiana é outro fator que está presente nas concepções da equipe do
Museu do Índio particularmente sobre o que deveria focar a ação educativa para o público
visitante. Primeiramente, pode-se destacar a visão da instituição museal como local propício à
educação, ao entretenimento e à pesquisa, bem como perceber o público dividido em três
tipos de audiências: crianças, professores e pesquisadores. Segundo Boas para cada grupo de
visitantes o Museu deveria criar formas diferentes de exibição, e sua estratégia para garantir
112
que a instituição museal se constituísse como um locus privilegiado para a educação seria: 1)
somar educação com entretenimento: utilizar aspectos notáveis da exposição aliada ao
destaque de um ponto principal que fosse mais imediatamente perceptível; 2) organizar a
exposição em pequenas séries sinóticas nos espaços menores do Museu; 3) possibilitar a
pesquisa para especialistas. Estas três estratégias devem levar em conta que a pretensão de
uma exposição é ser inteligível, e isso somente se torna possível quando se tem uma boa
possibilidade de explicação da mesma.
Com isso, a equipe do Museu teve que conceber e elaborar uma nova forma de apresentar o
acervo e de tratar os visitantes, fazendo com que estes últimos tivessem um contato mais
próximo com a instituição e melhor compreendessem a vida dos indígenas em suas aldeias.
Esse contato e compreensão eram imprescindíveis para vencer o preconceito e incluir os
indígenas no contexto social nacional.
Para conseguir viabilizar esta ação foi estabelecido, por parte do Museu do Índio, que não
seria atendido o visitante individual, mas apenas visitantes em grupos de seis ou mais pessoas,
que seriam recebidos e guiados, durante sua visitação, pelo explicador. Todo o percurso seria
direcionado e apresentado por este novo agente. Durante a visitação, o público, após percorrer
a exposição, assistiria a um filme documentário o primeiro fora produzido pelo próprio
Darcy Ribeiro e retratava um dia na vida de uma tribo indígena. Vale destacar que ao iniciar
sua atuação educativa, conforme Paula e Gomes (1983), a visita ao Museu durava, ao todo,
duas horas, que além de permitir percorrer toda a exposição e ver o filme, também serviria
para possibilitar aos visitantes a reflexão do que fora apresentado e a formulação de idéias
próprias sobre os indígenas, redefinindo suas antigas concepções e percepções sobre a
diversidade das culturas indígenas.
Estas percepções e perspectivas de trabalho, a partir das exposições de Franz Boas presentes
no Museu do Índio, tornam-se patente aos olhos daquele que se detem analisando documentos
(artigos, textos, fotos, audiovisual) que abordam a metodologia e a prática existente neste
Museu, como foi o caso do presente estudo.
A partir do exame das idéias de Franz Boas, sobre a função e utilidade das instituições
museais, e da descrição das estratégias e atividades utilizadas pelo Museu do Índio, em sua
prática expositiva e educativa, pode-se destacar que existe um mesmo ideal de Museu: “(...)
mostrar que nossos povos não são os únicos detentores da civilização, mas que a mente
humana tem sido criativa por toda parte (...)” (BOAS, [1905] 2004: 359). Neste sentido, o
Museu do Índio faz com que as coleções adquiram um novo enfoque, pois permitem perceber
a alteridade por um novo prisma, propiciando a compreensão do diferente como parte da
113
diversidade cultural, e despertando para a reflexão crítica e conscientização de que existem
outras visões e interpretações sobre o mundo e outras formas de concebê-lo.
IV. Configurações Atuais do Museu do Índio
86
A partir de sua institucionalização, o Museu ganha cada vez maior destaque nacional e
internacional. Realiza diversas exposições, pesquisas e trabalhos ainda inéditos
arquivamento de vocabulários indígenas, catalogação e classificação do acervo etnográfico
passando a ser visto como instituição modelo por outras instituições do gênero, as quais o
Museu assessorava na realização de exposições.
Nas duas décadas seguintes – 1960 e 1970, devido a mudanças administrativas, como a
mudança da capital do País para Brasília e outras de natureza política determinadas pelo
Golpe Militar de 1964, o Museu se desarticula em termos de suas funções intrínsecas, quais
sejam: pesquisa etnográfica, documentação e divulgação. Também eventos como a perda de
parte de seu acervo em um incêndio
87
, o afastamento de cnicos experientes e sua
incorporação à recém criada Fundação Nacional de Apoio ao Índio / FUNAI contribuiriam
para aquele processo de desordenação. Nas palavras de seu atual diretor, para que conseguisse
superar todas as mazelas o Museu teve que lutar:
Durante as décadas de 60 e 70 o Museu lutou para continuar existindo. Nos anos
sessenta ocorrem diversas reformas administrativas, tais como a transferência do SPI
e da Seção de Estudos para Brasília, a do Museu do Índio para a Seção de
Documentação e Divulgação do Conselho Nacional de Proteção aos Índios e,
posteriormente, a extinção do SPI e do CNPI, com a conseqüente criação da FUNAI,
acrescentando-se o incêndio da documentação do SPI, em Brasília, no ano de 1967,
no qual desapareceram documentos de inestimável valor histórico. Essas
86
Nesta dissertação não serão detalhados, em termos de pormenores, o período entre 1965 e 1990, visto
que não é objetivo deste estudo este período de tempo, uma vez que, em sua maior parte, o Museu do
Índio ficou fechado devido a precária infra-estrutura que lhe foi destinada bem como sua transferência
espacial (do bairro Maracanã para o de Botafogo).
87
Segundo Freire (2005:21) o incêndio destruiu acervos referentes à ação do Estado em relação aos
indígenas, e na nota de de gina nº. 27 de sua dissertação acrescenta que “O incêndio criminoso que
destruiu sete andares do edifício do Ministério da Agricultura em 16/06/1967, transformando em cinzas
arquivos, filmes, gravações e artefatos, nunca foi investigado por historiador ou antropólogo. O incêndio
ocorreu depois da instalação da CPI do SPI, pelo Ministro do Interior, Albuquerque Lima. Um escritor
americano, Lance Belville, esteve pesquisando o acervo antes do incêndio, tendo copiado muitos
documentos (OESP, 18/06/1967). Entretanto, desconhecemos qualquer obra desse autor sobre os índios ou
a política indigenista brasileira.”.
114
transformações, acrescidas da saída de inúmeros técnicos e da escassez de recursos,
fizeram com que o Museu praticamente paralisasse suas atividades. (LEVINHO,
2000:02).
Em meados dos anos de 1970 inicia-se um esforço institucional, liderado pela FUNAI, de
instituir um sistema de arquivos que preservasse o que restou do seu acervo e que, também,
pudesse reconstruir, tanto quanto possível, as peças perdidas no incêndio. Em fins dos anos de
1970, o Museu do Índio foi transferido para uma casa do início do século XX, localizada no
bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde permanece até hoje.
Mesmo depois da mudança de localização o Museu somente se recuperou por completo no
início dos anos de 1990, pois, segundo relato de Levinho (2000) para o periódico Museu ao
Vivo, do Museu do Índio, pesava sempre sobre sua cabeça a possibilidade de ser novamente
transferido para Brasília. Assim, a instituição, mesmo após a transferência para o imóvel do
bairro Botafogo, não conseguia se organizar totalmente e estava sempre sobressaltada pela
possibilidade de ter se mudar novamente.
Seguindo o que ocorria tanto na museologia quanto na antropologia, o Museu do Índio
durante os anos de 1970 e 1980 passou por um período de reflexão sobre sua prática museal e
antropológica que se alinhava também com as transformações sociais e políticas que ocorriam
no País. Segundo seu atual diretor, José Carlos Levinho (2000)
88
, durante a década de 1980 e
até o início dos anos de 1990 havia duas concepções que orientavam as atividades do Museu:
1) definia que a instituição se transformasse em um setor de documentação, conforme a SE
havia sido concebida antes da criação do Museu, e 2) que considerava como melhor
alternativa a reformulação do Museu em uma instituição mais dinâmica e cuja principal
atividade seria a realização de eventos. As duas propostas, defendidas por equipes diferentes
do Museu, fizeram com que se iniciasse um trabalho essencial de recuperação do “acervo
textual e audiovisual” existente. Foi um período em que a instituição contou com considerável
aporte financeiro, que viabilizava a contratação de equipes, ainda segundo Levinho: “em
meados da década de 80 e início da de 90, a Fundação Nacional do Índio FUNAI forneceu
todas as condições necessárias para que o Museu fosse transformado em uma instituição forte
e de prestígio.” (LEVINHO, 2000: 03).
Todos estes fatores implicaram não apenas novas práticas museológicas, trazidas pela
Declaração de Quebec, realizada em outubro de 1984, e pela Mesa Redonda de Santiago do
88
Este trecho se refere a um texto apresentado por José Carlos Levinho, durante a XXII Reunião de
Antropologia Brasileira, realizada em 2000.
115
Chile, que ocorreu em maio de 1972, mas também por um novo direcionamento (ou uma
postura mais radical) dentro dos seus princípios básicos de sua constituição relacionada ao
que seria sua relação com os públicos.
Contudo, a chegada dos anos de 1990 não ocasionou o que se esperava com todas as
mudanças praticadas. O que ocorreu foi o colapso da instituição, que entrou em uma crise sem
dimensões em sua história. Levinho (2000) destaca que esta crise não tinha precedente e não
estava relacionada com recursos financeiros ou de pessoal. De 1993 a 1995 o Museu do Índio
não funcionou: estava paralisado; suas edificações destruídas e, por conseguinte, seu acervo
ameaçado em sua integridade; não eram realizadas exposições, eventos ou mesmo, a
comemoração do dia do índio no mês de abril.
Esta crise estava intimamente ligada à visão que o público em geral e os próprios funcionários
do Museu tinham do mesmo: tratava-se de mais uma repartição pública, cujo serviço era
pouco relevante. Tal concepção estava embasada na inexistência de atividade de pesquisa e de
sistematização de informação real sobre seu acervo, excetuando-se o da biblioteca. Ao se
conscientizar sobre este ponto foi definida nova pauta de reformulação que tinha como
objetivo central a preservação dos seus acervos, com um mínimo de tempo e recursos
possíveis, dada a situação de instabilidade pela qual passava a FUNAI, até a metade da década
de 1990. A partir desta linha mestra, várias ações foram executadas tendo em vista cumprir
com o objetivo eleito e programado. A edificação onde está instalado foi reformada visando
melhor acondicionamento das coleções e foram realizados eventos, mostras e publicações
cujo eixo central era o acervo existente. Outras ações também implementadas foram: conhecer
o acervo e as experiências de instituições congêneres, viabilizar a máxima divulgação possível
das atividades do Museu.
O período que abarca as três décadas de reformulação teórica e metodológica do Museu
também ocasionou, a partir dos princípios éticos concernentes às aquisições em museus
estabelecidos pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), a adoção de um programa
específico para obtenção de qualquer objeto, independente de sua natureza ou do objetivo da
aquisição: pesquisa científica, educação, preservação e valorização da herança nacional,
internacional, natural e cultural. Todo material adquirido deve ser devidamente documentado
e catalogado em sua especificidade, para que o Museu cumpra fielmente com sua missão
enquanto instituição museal: conhecer, preservar e difundir.
Cristina Botelho em seu artigo sobre a política cultural do Museu do Índio, revela parcerias
importantes que possibilitaram a revitalização da instituição, e destas merecem destaque:
116
Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis CECOR, da Escola
de Belas Artes, da Universidade Federal de Minas Gerais: assessoria nos trabalhos de
climatização das áreas de exposição;
Ministério da Cultura Programa Museus, Memória e Futuro, da Secretaria de
Patrimônio Museus e Artes Plásticas: financiamento para a compra de equipamentos e
instalação de ar condicionado central;
Fundação Vitae e Governos dos Estados do Amapá e Rio de Janeiro: exposição
“Tempos e Espaços da Amazônia variações indígenas sobre um mesmo tema: os
Wajãpi”;
Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST / Programa
Bibliotecas: dotar a biblioteca de equipamentos de conectividade à Internet;
Departamento de Identificação e Documentação DID do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – IPHAN: Registro do Patrimônio Cultural Indígena.
A partir de 1995 o Museu consegue superar a crise e (re)aparece revitalizado, com
disponibilização de seu acervo a visitantes e pesquisadores, com continuas publicações sobre
povos indígenas e suas coleções, e sem se esquecer da necessidade de constante realimentação
informacional e preservação dos seus acervos. Sua identidade revitalizada encontra-se
ancorada na relação entre “o patrimônio que lhe cabe preservar e divulgar e o universo de seu
público.” (LEVINHO, 2000: 06), pois visitantes e pesquisadores são fundamentais para a
consolidação deste novo Museu que ressurge. Nesta nova configuração o Museu do Índio
também revitaliza sua atuação com os povos indígenas, também considerados público alvo da
instituição, que implica em novas possibilidades de ação, nas palavras de Levinho:
É importante ainda acrescentar o público indígena, que, de forma crescente, também
vem buscando a instituição como fonte de consulta, e mesmo, em alguns casos, para
uma interação mais direta com o Museu, atuando como tradutores de suas culturas
ao servirem de guias de visitantes nas exposições e ambientações. Essa troca de
conhecimentos, de saberes, vem definindo um novo papel, que está encontrando a
sua expressão exatamente na relação dinâmica do público com seu acervo e com os
povos que o produziram. (LEVINHO, 2003: 07).
Neste trecho são perceptíveis alguns dos pressupostos iniciais do Museu, sendo que se pode
destacar quanto a este novo papel, de que fala Levinho, que ele é, na verdade, um
desmembramento do que já se encontrava presente nos primórdios do Museu: a
contextualização da produção e a visão do nativo sobre o sentido do que se está expondo
117
agora repassada pelo próprio produtor sem intermediações e a presença de um explicador
agora o próprio indígena.
Outra mudança que se iniciou após a reabertura do Museu diz respeito à forma de aquisição
dos acervos. Se nos primeiros trinta ou quarenta anos de existência o acervo foi se
constituindo, em sua quase totalidade, a partir da coleta de artefatos/objetos durante pesquisas
etnográficas
89
, nos últimos anos teve início uma tendência, que se fortalece cada vez mais, em
se realizar exposições a partir da compra, por encomenda, dos objetos necessários para
compor a mesma. Este fato ocorreu durante a exposição “Tempo e Espaço na Amazônia: Os
Wajãpi”, inaugurada em 22 de março de 2002, cuja catalogação das peças expostas além de
relatar o fato de ter sido comprada sob encomenda, indica o nome do autor da obra. Segundo
Mario Chagas, na atualidade o Museu do Índio é bem diferente daquele existente até meados
dos anos de 1990:
Hoje o Museu [do Índio] não é mais o mesmo. As crises porque passou, as lutas que
travou pela sua própria sobrevivência, os embates políticos que enfrentou, a
reorientação dos rumos da política indigenista e o novo papel desempenhado pelos
povos indígenas dentro do campo político, exigiram dele o investimento em novas
práticas de mediação museal. (CHAGAS, 2003: 227).
Estas mudanças fizeram com que o Museu do Índio passasse a se definir como um lugar
diferente dos demais museus. Ele não seria um mero depósito de objetos, mas sua pretensão
era firmar uma aliança entre pesquisa e compromisso público, diferente do que fazia até
então, ainda que fosse embasado no mesmo pressuposto existente quando de sua criação. Sua
meta passaria a ser, então, criar novas estratégias de reforçar o contato com seu público
prioritário: os povos indígenas, ampliando e criando (recriando) novas formas de parceria com
os índios.
Assim, sua marca ou diferencial de outros museus etnográficos encontra-se em reconhecer a
importância dos indígenas seus saberes e seus fazeres e viabilizar, pelos meios que lhe
89
Alguns exemplos de coleções adquiridas por antropólogos, conforme indicado por Nunes (1983):
William Crocker – coleção Rankokamekra (Canela); irmãos Vilas Boas e outros antropólogos – coleção de
panelas zoomorfas Waurá, plumária, colares, máscaras, instrumentos musicais, propulsores e armas dos
grupos indígenas Kamayurá, Mehinako, Yawalapiti, Kuikuro e outros (1955); Eduardo Galvão coleção
cerâmica Baniwa (1957); Roberto Cardoso de Oliveira cerâmica Terena (1955); Delvair e Júlio César
Melatti – coleções Krahó e Marubo 1975); Regina Muller – Assurini (1980).
118
seja possível, a promoção e valorização da diversidade cultural destes povos e ter um
compromisso ético e político com a “causa indígena”.
É certo que desde sua fundação este diferencial se encontrava patente, contudo o que muda
após este período reflexivo é a qualidade destes três aspectos ou princípios. Isto porque na
atualidade a parceria com os grupos indígenas vai além do que inicialmente estava proposto, o
Museu não é mais o intermediário, sua função é mais de um assessor, pois os indígenas se
apresentam como sujeitos da ação, “falam na primeira pessoa” como diz Mário Chagas (2003:
232), tanto em relação à narrativa museográfica, quanto na produção de exposições, de
restauração de peças, e também na forma de conduzir o projeto educativo do Museu.
Conforme o atual diretor José Carlos Levinho relata em entrevista concedida ao periódico
Museu ao Vivo:
O museu deve prestar serviço não ao público visitante, tal qual outras instituições
similares, como também, particularmente, aos povos indígenas cujas referências
etnográficas encontram-se nele reunidas. Hoje, o acervo etnográfico, textual,
fotográfico e fílmico está todo identificado, acondicionado e sistematizado. (...)
neste processo, a participação dos índios foi constante em todas as etapas e serviços.
Muitos participaram na identificação de fotos, na restauração de peças, na
identificação de objetos e matérias-primas e na realização de atividades voltadas ao
público, sobretudo infantil. Ao longo deste trabalho, a parceria com grupos
indígenas tem sido crescente e não conseguimos apontar projetos ou ações setoriais
onde não tenha havido a sua participação. (LEVINHO, 2003: 02).
O Museu do Índio, além de apoiar a condução de explorações etnográficas no País e de
montar exposições sobre as culturas indígenas brasileiras (e em alguns casos sul-americanas),
passou nas duas últimas décadas a intensificar sua produção bibliográfica, incluindo não
apenas monografias sobre os grupos sobre os quais possui acervos ou que mantem parcerias,
mas também investindo em material didático, parte com o propósito para ser ferramenta
utilizada durante a visitação de seus espaços e a outra parte confeccionada como suporte para
escolas – na preparação para as visitas – e para os cursos direcionados aos índios.
A utilização de seu acervo como base para subsidiar ações de regulamentação de terras
indígenas, fez com que a instituição assumisse para si atuar de modo basilar em processos de
demarcação de terras indígenas, uma vez que mantem em seu acervo documentos referentes à
situação de grupos indígenas desde o início do século XX.
119
Também há de se destacar outras duas propostas viabilizadas pelo Museu, ambas relacionadas
à área audiovisual. Trata-se da realização de oficinas de vídeo e de fotografia visando
capacitar os indígenas na utilização deste material.
O resultado foi o registro de vários rituais e a produção pelos próprios membros das aldeias de
documentários sobre temas que consideram importantes registrar, que são exibidos em
mostras e festivais. Segundo notícia publicada no seu informativo, “Museu ao Vivo” feito a
partir do depoimento de um destes video-makers:
(...) fazer vídeos e ter espaço para exibi-los é poder mostrar para o público da cidade
o modo de vida e os costumes de seu povo. Para ele, é muito melhor que os próprios
índios registrem seus costumes, pois o homem branco não tem tanto compromisso
com a cultura de cada etnia e mistura danças e ritos de uma aldeia com músicas de
outra. (Museu do Índio, 2006: 2).
Outro ponto importante que se pode destacar dentro deste novo perfil do Museu do Índio é o
trabalho de parceria que vem realizando nos últimos anos junto a grupos indígenas. Trata-se
da realização de oficinas, treinamentos, publicações e consultorias a povos indígenas
interessados em organizar museus, centros culturais e/ou desenvolver projetos de preservação
e revitalização de seu patrimônio cultural.
Ao renovar sua prática e ampliar / recriar sua perspectiva de trabalho, o Museu do Índio
permanece sendo uma instituição híbrida, que engloba museologia, antropologia e política
pública. Permanece, mas de modo diferente, como uma instituição de preservação da
memória, que se ocupa da diversidade cultural contemporânea e planeja, pela utilização de
suas coleções e insights antropológicos, trabalhar pela divulgação das culturas e subsidiar
diversas ações originadas por suas próprias diretrizes ou por demandas dos grupos indígenas
com os quais mantem contato, dentre elas: demarcação de terras, assessoria a tribos na criação
de seus projetos de museus, na preservação e revitalização de suas tradições, na consolidação
da herança cultural para as novas gerações.
Os museus etnográficos têm para si a tarefa de conseguir orquestrar o problema da alteridade,
e no caso do Brasil, isso é ainda mais importante porque requer trabalhar o “outro” próximo.
No passado, muitas vezes, a construção de si mesmo e da alteridade foi bastante problemática
dentro dos museus etnográficos.
120
Isso é perceptível quando se volta para o período de criação dos grandes museus etnográficos,
que exprimiam certa arrogância de alguns antropólogos em sua atuação na produção de
conhecimento sobre os outros povos que pesquisavam e colecionavam.
Esta arrogância significou que seu conhecimento, a partir da investigação dos povos
diferentes de si e vistos como exóticos, era de tal modo a única expressão da realidade
objetiva, e, por isso, tinha a autoridade de ser cristalizado nos objetos retirados da cultura
material e expostos nos museus. Não havia discussão sobre os significados da perspectiva que
o colecionador / antropólogo tinha durante sua pesquisa, não era colocado em questão a
utilização da cultura material / dos artefatos como prova irrefutável de suas teses ou as
condições e teorias que orientavam a retirada dos objetos de suas culturas.
Tudo isso não era colocado como pontos a serem problematizados, o que teria sido de grande
importância, visto que se tratavam de fragmentos selecionados a partir de uma visão
fragmentada / parcial / incompleta da cultura investigada (ABREU, 2005:124).
A exposição "Tempo e Espaço na Amazônia: os Wajãpi" traz, conforme Abreu (2005), o
rompimento com “visões genéricas” e com a pretensão sempre presente nos grandes museus
etnográficos de “abarcar grande número de representações de culturas”.
Além disso, a autora destaca que esta exposição traz uma “preocupação absolutamente nova”
que é o fato de incluir no processo de montagem da exposição a participação dos índios.
Somados a estas inferências de Abreu, vale lembrar que a participação dos indígenas permeou
todos os momentos do processo expográfico. Tendo sido iniciado durante a confecção dos
objetos, passando pela abordagem estética da concepção museográfica e pela montagem da
exposição, indo mesmo até a organização da festa de abertura, como depoimento da
antropóloga Dominique Gallois
90
para Regina Abreu, transcrito em seu artigo “Museus
etnográficos e práticas de colecionamento: antropofagia dos sentidos”:
(...) foi a primeira vez que um grupo indígena da Amazônia participou tão
intensamente e, sobretudo, coletivamente, da preparação de uma exposição. Eles se
organizaram para que todos os diferentes grupos locais da área pudessem colaborar
com o evento. Foi assim que eles fizeram a lista dos objetos, distribuindo tarefas
entre todos. Durante três meses, trabalharam muito em todas as aldeias,
selecionando as melhores peças, transportando tudo desde lugares muito distantes.
Depois, escolheram as pessoas que viriam para orientar a montagem da mostra e os
90
Dominique Gallois é doutora em antropologia, professora do Departamento de Antropologia e
coordenadora do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, é assessora da ONG Centro de
Trabalho Indigenista e trabalha há mais de 20 anos com os índios Wajãpi.
121
músicos que iriam tocas suas flautas na festa de abertura. (GALOIS apud ABREU,
2005: 120-121)
Nestes novos caminhos a serem trilhados o Museu do Índio coloca de modo veemente que a
relação dos dois processos que ocorrem na antropologia – construção do outro e construção de
si são importantes para sua prática, e esses processos ocorrem em uma via de mão dupla,
pois ao se construir uma alteridade ocorre uma ação simultânea de transformação mútua onde
se aciona, ao mesmo tempo, a construção de identidades e subjetividades.
Durante o caminho percorrido na realização desta investigação, cujo produto final é esta
dissertação, algumas idéias se destacam como rudimentos importantes para se visualizar o
Museu do Índio enquanto instituição sui generis e à frente do seu tempo, conforme o ideal de
sua concepção.
V. Práticas Expográficas e Antropológicas do Museu do Índio: Alguns exemplos
O Museu do Índio tem para si duas metas principais que norteiam, desde os primórdios de sua
criação, todos os pressupostos metodológicos e teóricos que estão implícitos em suas
atividades e práticas: 1) divulgar uma imagem correta da cultura indígena para o público em
geral e com isso combater o preconceito; 2) preservar o patrimônio cultural das culturas
indígenas. Trata-se de uma instituição que vem ao longo dos seus mais de cinqüenta anos de
existência se esforçando para contribuir para a preservação da memória das culturas indígenas
e para a compreensão do universo cultural da alteridade no Brasil.
Para lograr êxito em suas metas tem lançado mão dos mais diversos mecanismos e
instrumentos que são colocados (ou granjeados) ao seu alcance. Desde sua formação até a
atualidade, criou numerosas oportunidades e possibilidades de cumprir com sua função social:
apoiou e realizou pesquisas em colaboração ou individualmente; divulgou seu acervo por
meio de exposições e eventos; realizou levantamentos em diversas áreas: música medicina,
etnobotânica, etc.; classificou e organizou seus acervos e revitalizou sua sede visando à
preservação e conservação de seus documentos e peças/ artefatos; realizou cursos e oficinas,
incluindo o primeiro de pós-graduação em antropologia; sistematizou e publicou trabalhos
baseados em suas pesquisas de campo ou em seu acervo documental; etc.
122
Atividades e Práticas de Pesquisa
Desde sua criação o Museu do Índio tem realizado estudos e pesquisas (de campo ou
documental), a princípio a partir da Seção de Estudos, que funcionava como uma divisão de
pesquisas do Museu, e após sua revitalização, por meio de apoio técnico e documental
existente em seus quadros funcionais e em seu acervo. Dentre os estudos e pesquisas que
possuem indicação clara da participação do Museu, alguns merecem ser destacados, quer
pelos resultados que promoveram, quer pelo caráter único ou inovador do enfoque.
Dentre as pesquisas de campo merece destaque a realizada por Eduardo Galvão, durante o
período em que era Chefe da Seção de Orientação e Assistência do SPI e que foi financiada
pelo Museu do Índio. O trabalho de campo ocorreu entre outubro de 1954 e janeiro de 1955,
tendo como foco “o estudo do processo de formação das populações caboclas da Amazônia”
(PAULA & GOMES, 1983:12). Seu estudo focava o sistema religioso das denominadas
populações caboclas e via nas práticas da “pajelança” uma origem ameríndia (Tupi) mesclada
com influências ibérica e africana. Uma das considerações que Galvão destacou, a partir dos
seus estudos, era de que as religiões de origem ameríndia iriam perder espaço para os cultos
afro-brasileiros. Esta pesquisa se tornou clássica para os estudos no campo antropológico
sobre o sistema religioso e práticas curativas.
Roberto Cardoso de Oliveira, antropólogo e etnólogo do Museu do Índio, entre 1954 e 1955
realizou uma pesquisa de campo sobre os índios Terena localizados no Mato Grosso do Sul.
Seu enfoque era sobre a assimilação por este grupo de traços culturais de outros grupos. O
resultado deste estudo foi a publicação, em 1960 (1ª Edição), do livro Do índio ao bugre. O
processo de assimilação dos Terena”, escrito entre 1958 e 1959 e que chama a atenção para o
fato de que é impossível compreender uma cultura sem atentar para o fato de que ela mantem
e/ou estabelece relações presentes e passadas com outros povos / culturas. Cardoso de
Oliveira foi assistente de Darcy Ribeiro no Museu do Índio, tendo sido também seu aluno
(PEIRANO, 1997: 77-78). Segundo Peirano, o trabalho de Cardoso de Oliveira, sobre os
Terena, mostrou que a identidade indígena permaneceu, ainda que tivesse ocorrido a mudança
cultural. Esta persistência identitária, nas considerações dessa autora, se deve a relações
sociais específicas ocorridas durante o contato (PEIRANO, 1997:78-79).
Outro etnólogo do Museu do Índio que realizou diversas pesquisas de campo, com posterior
publicação de livros, tendo sido também diretor da Seção de Estudos e diretor do Museu,
bastante citado neste estudo, foi Darcy Ribeiro. Dentre as pesquisas que realizou, financiadas
pelo Museu do Índio, vale destacar duas delas que se tornaram clássicas não apenas em
termos de conteúdo etnológico, mas, também, em termos de coleção etnográfica: entre os
123
Kadiweu e entre os Urubus-Kaapor. Estas pesquisas que foram realizadas respectivamente
nos anos de 1948 e 1950, focavam temas como mitologia, arte e religião. A publicação sobre
o estudo realizado entre os Kadiweu rendeu a Darcy Ribeiro um prêmio e a coleção formada a
partir do estudo com os Urubus-Kaapor que, segundo afirmações de Couto, tem como mérito
ser objeto de análise antropológica semelhante aos demais temas que eram centrais e
prioritários na época, em suas palavras a coleção Urubu-Kaapor foi:
(...) após os primeiros anos de recolhimento, abordada por Darcy Ribeiro como
elemento digno de uma análise antropológica, colocada em primeiro plano ou
igualada a outros temas, até então considerados prioritários no campo antropológico.
(COUTO, 2005: 157)
Além deste enfoque nos temas etnográficos / antropológicos em voga nos anos de 1950,
Darcy Ribeiro também se destaca por ter introduzido como problema para a ciência
antropológica as relações de contato entre indígenas e sociedade nacional.
Cabe ressaltar, como expõe George Zarur (1976), em seu artigo apresentado durante a X
Reunião Brasileira de Antropologia em 1976, que estes três antropólogos, profissionais que
atuaram nos primeiros anos de existência do Museu do Índio, por meio de seus estudos e
pesquisas, propiciaram os embasamentos necessários para a concepção teórica “única” e
“original” a “Teoria do Contato Interétnico”, posteriormente desenvolvida por Cardoso de
Oliveira, durante sua atuação no Museu Nacional, “em termos de Fricção Interétnica”. Ou
seja, o Museu do Índio, direta e indiretamente, propiciou as condições necessárias para que “a
contribuição teórica original trazida até hoje pela Antropologia brasileira” fosse gerada /
produzida (ZARUR, 1976: 06).
Contudo antes de entrar na descrição da próxima pesquisa de campo, de se destacar um
fato que teve a presença de profissionais do Museu do Índio e que marcou a ação
governamental junto aos povos indígenas. Este fato, ocorrido entre as décadas de 1950 e
1970, foi a demarcação do Parque Nacional do Xingu, marco da ação indigenista com
participação vigorosa dos antropólogos e que tem como mérito apontar para a constituição de
um novo contexto de delineamento de práticas políticas com a entrada de novos atores sociais
na problemática da identificação, delimitação e/ou revisão de terras indígenas
91
.
91
O intuito desta afirmativa o é fazer uma apologia da política indigenista brasileira após a
institucionalização do Parque do Xingu, pois é notório que ela está longe de ser considerada uma política
124
Em relação ao período entre os anos de 1970 e 1990, no qual o Museu passou por diversas
situações críticas e pelo processo de revitalização, as informações sobre os estudos e
pesquisas são muito escassas e pouco elucidativas.
A mais detalhada encontra-se no artigo inserido no livro “Museu do Índio: 30 anos
1953/1983” e relata a pesquisa realizada pelo Setor de Etnologia e Lingüística do Museu do
Índio, que no ano de publicação do livro ainda estava em andamento. Esta pesquisa contou
com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos FINEP (1979-1981), do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPQ (a partir de 1982) e da
Universidade Federal do Mato Grosso. Tinha como objetivo estudar o processo de
transformação e reprodução dos grupos indígenas: Xavante, Paresi e Iranxe, com enfoque na
análise da relação entre desenvolvimento econômico e espaço político a partir do contato
interétnico. Contou com a consultoria científica dos professores: Roque Laraia, Roberto Da
Matta. Dentre as atividades realizadas são relatadas no artigo acima identificado: 1)
levantamento bibliográfico e contatos preliminares; 2) subprojeto Xavante: trabalho de campo
junto ao grupo indígena Xavante; 3) subprojeto Paresi: trabalho de campo junto ao grupo
indígena Paresi; 4) subprojeto Iranxe: trabalho de campo junto ao grupo indígena Iranxe; e 5)
projetos complementares: atividades científicas individuais, com temáticas correlatas à
problemática central e sob orientação dos responsáveis pelos subprojetos Xavante e Paresi.
Após a revitalização os estudos realizados pelo Museu do Índio se concentram mais na
utilização de seu acervo como suporte documental para produção de pesquisas etnohistóricas
que orientam os trabalhos de campo dos grupos de trabalho que atuam na identificação de
terras indígenas. Vale destacar alguns destes trabalhos de demarcação de terras indígenas que
envolveram profissionais do Museu do Índio
92
.
Em 1977 foi instaurado o processo administrativo com constituição de um grupo de trabalho
que procederia ao levantamento e delimitação das áreas indígenas localizadas na região entre
a Serra do Divisor ou Contamana e o Rio Juruá. Este procedimento foi o marco inicial para a
demarcação da Terra Indígena Nukini grupo indígena acompanhado deste o princípio do
século XX pelo Serviço de Proteção aos Índios SPI e cujo acervo documental do trabalho
realizado pelo SPI encontra-se no arquivo do Museu do Índio. O produto deste estudo foi um
relatório elaborado pela antropóloga Delvair Montagner, que estimou em aproximadamente
pública irrepreensível, mas o fato que a criação deste Parque criou novas possibilidades de reivindicação
por parte dos grupos indígenas junto ao Estado.
92
A maior parte das informações foi colhida em sites da Internet ligados à questão indígena, os respectivos
“caminhos” dos sites consultados encontram-se indicados na bibliografia.
125
23.000 de hectares, conforme consta no Edital de 08/02/1979, publicado no Diário Oficial da
União (DOU) em 26/04/1979. Em 1984, dando prosseguimento ao processo administrativo de
demarcação das terras indígenas, tendo como coordenador do grupo de estudos o antropólogo
José Carlos Levinho atual diretor do Museu do Índio. O objetivo deste novo estudo foi
revisar a demarcação anterior, incluindo dentro do levantamento fundiário e de campo para
definição da “área indígena”, as terras Poyanawa, Jaminawa do Igarapé Preto e Katukina do
Campinas. Este novo estudo, de acordo com relatório de Levinho propunha para a
demarcação da Terra Indígena Nukini aproximadamente 30.900 hectares, pouco mais de seis
hectares a mais do que a proposta anterior. Contudo, apesar dos esforços empregados durante
todo este processo burocrático e das publicações no DOU sobre a demarcação administrativa
das Terras Indígenas Nukini, somente quatorze anos após o início do processo é que foi
homologada a área com superfície de pouco mais de 27 mil hectares, pelo decreto nº. 400 de
24 de dezembro de 1991.
Outro registro que vale destacar, em relação à demarcação de terras indígenas, está
relacionado à publicação do livro “Povos Indígenas no Sul da Bahia: Posto Indígena
Caramuru - Paraguaçu”, lançado em 20 de dezembro de 2002, pela Fundação Nacional do
Índio. O livro é uma compilação de mais de 20 mil documentos existentes nos acervos
documentais do Museu do Índio que versam sobre o histórico legal da terra entre 1910 e 1957,
que fora ocupada pelo grupo indígena Pataxó --Hãe e poderá ser de grande ajuda em
sua disputa judicial pela revisão da demarcação de suas terras. Este grupo encontra-se há mais
de 20 anos com uma ação junto à justiça federal, por meio da FUNAI, solicitando a anulação
de títulos da porção de terras que lhe pertence, mas foram concedidas pelo governo da Bahia a
fazendeiros da região entre as décadas de 1940 e 1950. Para os pataxós o governo designou,
na década de 1980, uma superfície de 50 mil hectares e desde então este grupo indígena luta
para reaver o direito à totalidade da área tradicionalmente por ele ocupada sem ainda obter um
resultado positivo.
Dentro da perspectiva de implantação de uma política de preservação cultural dos povos
indígenas, o Museu do Índio realizou em 2002 e 2003, com apoio da Fundação Vitae, do
Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN,
um projeto de salvaguarda para a cultura do grupo indígena Wajãpi, utilizando dos
documentos existentes em seu acervo. O resultado desta atividade foi uma exposição –
“Tempo e Espaço na Amazônia: os Wajãpi(descrita nas próximas páginas), publicações
Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica Wajãpie Wajãpi rena: roças, pátios e aldeia”, e o
relatório para a inscrição da pintura corporal e arte gráfica dos Wajãpi como patrimônio
126
imaterial brasileiro e para a obtenção do título de Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade
concedido pela UNESCO. Segundo Rosângela Abraão, em seu artigo sobre as ações de
preservação e proteção do patrimônio cultural do Museu do Índio, informa que parte da
exposição é composta por peças de um acervo que reúne 450 desenhos, divididos em duas
coleções, a primeira com data de 1983 e a segunda formada no ano de 2000, sendo ambas
resultado de projeto coordenado por Dominique Tilkin Gallois e desenvolvido pelo Centro de
Trabalho Indigenista / CTI. Esta autora também destaca que o objetivo subjacente ao trabalho
desenvolvido sobre a arte gráfica e pintura corporal Wajãpi é parte de “uma estratégia
montada para que seja reconhecido como direito restrito aos Wajãpi o uso de suas tradições.”
(ABRAHÃO, 2002:32).
O acervo do Museu tem sido alvo de diversas pesquisas que focam suas coleções etnográficas
como objeto de estudo de dissertações e teses acadêmicas. Também se deve destacar que,
segundo José Carlos Levinho, o Museu está desenvolvendo projetos de digitalização e de
construção de banco de dados sobre os grupos indígenas, tendo como parceiros o Museu
Nacional (Setor de Lingüística), no projeto de registros sonoros, e em colaboração com a
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e a UNESCO no projeto de registros visuais.
Atividades e Práticas Educativas
O Museu do Índio enquanto centro irradiador de saber e ciência tem como um de seus
pressupostos a tarefa de produção e divulgação dos conhecimentos acumulados durante / a
partir de sua atividade primordial de conservação, estudo, valorização e exposição do seu
acervo, realiza desde o início de suas atividades cursos e/ou oficinas para públicos diversos.
1- Curso de Pós-graduação
Na literatura sobre a história do Museu sempre referência ao curso de pós-graduação
ministrado nos primeiros anos de sua existência sob a direção de seu idealizador, Darcy
Ribeiro
93
. Este curso foi viabilizado por meio de convênio realizado entre o Serviço de
Proteção aos Índios SPI e a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPES (atual Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), tendo sido
iniciado em março de 1955.
93
As informações que constam deste estudo estão fundamentadas, em sua quase totalidade, no relatório do
antropólogo Darcy Ribeiro ao professor Anísio Teixeira, que neste período era o secretário geral da
CAPES.
127
De acordo com Darcy Ribeiro (s/d), em relatório final a Anísio Teixeira sobre o curso de pós-
graduação em antropologia cultural, o corpo docente era composto pelos seguintes
professores: Eduardo Galvão (Museu Goeldi), José Bonifácio Rodrigues (Fundação Getúlio
Vargas), Kalervo Oberg (Smithsonian Institution e Serviço Especial de Saúde Pública), Luiz
de Castro Faria (Museu Nacional), Luis Aguiar de Costa Pinto (Universidade do Brasil),
Joaquim Mattoso Câmara Júnior (Universidade do Brasil) e Darcy Ribeiro (Museu do Índio /
SPI e diretor do curso); também possuía conferencistas que atuavam em colaboração dos
professores: Edison Carneiro (especialista em grupos negros do Brasil) e Manoel Diegues
Júnior (Universidade Católica).
O objetivo principal do curso era propiciar aos graduados, das áreas de filosofia e ciências
sociais, a possibilidade de especializar-se na área de antropologia, de modo que pudessem
iniciar a carreira de pesquisadores de campo ou atuar em serviços relacionados a problemas
sócio-culturais.
Subjacente a possibilidade de ingresso em uma carreira ou atividade profissional, havia a
procura em suprir a ausência de profissionais especializados na área antropológica que
pudessem atuar junto a instituições como o SPI, o Instituto de Imigração e Colonização, a
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, Serviço Especial de
Saúde Pública. Esta carência também era sentida nos Institutos Científicos, como Museu
Nacional, Museu Goeldi, ou ainda, exercer atividades técnicas em campanhas de educação
realizadas pelo Centro de Pesquisas Educacionais.
Em termos de financiamento coube à CAPES arcar com as despesas relacionadas às bolsas de
estudos dos alunos, à remuneração do corpo docente e ao pagamento dos salários de um
secretário. O SPI tinha como incumbência disponibilizar sua equipe técnica, as instalações e o
acervo do Museu do Índio, para viabilização das aulas e dos trabalhos práticos.
O funcionamento do curso durou de março de 1955 a março de 1956, sendo dividido em duas
etapas: uma voltada para a teoria e treinamento dos alunos em técnicas historiográficas,
museológicas e congêneres; outra direcionada para a pesquisa de campo propriamente dita,
com duração de três meses.
O foco central era na capacitação em pesquisa de observação direta, pois para Darcy Ribeiro,
“as discussões doutrinárias ou de mera erudição” (s/d: 03) deveriam ser evitadas. Durante o
curso foram realizadas quarenta e cinco conferências com duas horas de duração cada, além
de seminário com exigência de “leitura de uma bibliografia mínima” (s/d: 03).
Em relação ao processo de seleção Darcy Ribeiro relata que o mesmo constava de duas etapas
eliminatórias, sendo a primeira de entrevistas preliminares de esclarecimentos, onde se
128
buscava avaliar a disponibilidade de dedicação aos estudos e o nível cultural dos candidatos
esta etapa foi composta de duas séries de entrevistas.
A segunda etapa consistiu na realização de prova escrita sobre tema previamente eleito pelo
candidato a partir de uma lista contendo dez possibilidades. Dentre os oito alunos que
ingressaram no curso, sete deles eram bolsistas e todos contavam com o acompanhamento de
um professor-orientador escolhido por cada um dos alunos.
Segundo Darcy Ribeiro a instituição do professor-orientador ocorreu com o objetivo de
aproximar os alunos e os pesquisadores de que se compunham o corpo docente, e tinham
como encargo encontrar-se semanalmente, durante uma hora, com seus orientandos a fim de
ajudá-los em suas tarefas acadêmicas: “controlar a cobertura da bibliografia mínima
obrigatória” e auxiliar “na elaboração do projeto de pesquisa” (s/d: 04).
2- Ações Educativas e Público Visitante
Segundo Arilza Almeida (2004:131), o Museu do Índio vem ao longo dos seus mais de
cinqüenta anos de existência desenvolvendo atividades que possibilitam, cada vez mais, a
divulgação de “informações atualizadas e corretas, do ponto de vista etnológico” para a
sociedade, como um todo, sobre os povos indígenas brasileiros.
Se os museus, compreendidos enquanto locus educativo-cultural têm como função inerente
prestar serviços de natureza pedagógica, em um País como o Brasil, esta função assume
caráter de urgência quando se depara com o atual sistema de ensino formal brasileiro. Ou seja,
se as instituições museais possuem, dentre suas práticas, a possibilidade programar atividades
que sirvam como auxiliares e complementares à escola, cabe às que estão estabelecidas no
Brasil uma ação mais incisiva, devido à deficiência existente no ensino formal.
O Museu do Índio desde sua origem realiza atividades consoantes com a perspectiva de
auxiliar e complementar a educação formal praticada no Brasil. Ainda que não seja um museu
para crianças, como alguns existentes na Europa e América do Norte, o Museu do Índio,
segundo Almeida (2001) em um estudo realizado no primeiro semestre de 2001, tem como
característica predominante de seu público visitante: crianças, entre três e seis anos;
estudantes de classe dia, de escolas particulares das zonas norte e sul do Rio de Janeiro;
ainda que seja expressiva a participação de escolas do ensino público e da periferia da cidade,
conforme ressalta a autora. Segundo Arilza Almeida “apresentar uma exposição etnográfica
para crianças visa a fazê-las perceber que estão diante de uma forma diferente de ver e
ordenar o mundo” (ALMEIDA, 2001:09), pois implica considerar os recursos e possibilidades
de que dispõe o museu e a exposição bem como os interesses e especificidades deste
129
público. Para tanto, a equipe responsável pela ação educativa do Museu realiza e colhe
informações sobre seu público e sobre o impacto de outras exposições anteriormente
realizadas. Com base nesta coleta, ela também desenvolve produtos e informações
sistematizadas que possam ser utilizados pelos professores, como material de apoio capaz de
possibilitar a disseminação de conhecimento, baseado na perspectiva expositiva do Museu
que é de contextualização dos objetos expostos, pois suas exposições estão sempre voltadas
para “falar de culturas, cujos objetos são a materialidade de conceitos, valores, conhecimentos
e visões de mundo.” (ALMEIDA, 2004: 131).
A partir de 1995, por meio do seu Serviço de Atividades Culturais e Divulgação o Museu,
vem desenvolvendo ações educativas junto a crianças em “situação de visita escolar”. Nos
primeiros anos, segundo Almeida, o foco central era a realização de oficinas cerâmica,
cestaria, pintura corporal e contação de histórias tendo como mediador os próprios índios,
que tinham como principal objetivo desconstruir os estereótipos, folclores e exotismos em
relação aos grupos indígenas, apresentando-os como povos contemporâneos e possuidores de
culturas tão dinâmicas quanto à do visitante. Destas atividades o que sobressaia era que o
importante para as crianças não era a atividade em si, mas o contato com os índios, ou seja, o
interesse do público estava centrado “no que estava por trás do que viam, em entender como
essas pessoas constroem seu mundo, suas atitudes, seus valores e o simbolismo de certos
objetos” (ALMEIDA, 2004:133). A princípio estas atividades eram realizadas com os
mediadores ornados de acordo com discussão interna destes com a equipe, posteriormente, em
novas discussões, optou-se por vestirem-se como os não-índios. Isto desencadeou muitas
perguntas aos mediadores pelo público visitante sobre o porquê de se vestirem assim, mas o
objetivo era reforçar a idéia de que a identidade cultural de um povo não se encontra nas suas
vestimentas e sim no modo de ver o mundo.
A partir de 2002 o público visitante foi dividido em dois grupos: o de educação infantil e o
das primeiras séries do ensino fundamental. Esta divisão justificava-se pela necessidade de
diferenciação de linguagem, devido à diferença de faixa etária, uma vez que o Museu do Índio
conta com 90% de seu público de crianças entre três e seis anos (ALMEIDA, 2004: 134). De
acordo com esta especificidade de público o Museu durante exposição de 2002 “Tempo e
Espaço na Amazônia: os Wajãpi” – realizou dois tipos de atividades, uma para cada segmento
visando favorecer as possibilidades de percepção de cada um:
130
Um Dia na Aldeia, para os menores, onde brincavam de organizar uma festa
Wajãpi sobre um tapete cenário com objetos etnográficos como raladores, cestos,
peneiras, tipiti e outros, tendo, portanto oportunidade de pega-los e manuseá-los. Os
maiores participavam da atividade O que tem no Karyru? que é um cesto
retangular onde cada Wajãpi guarda seus objetos pessoais, sejam tradicionais como
resinas, penas, fibras anzóis de osso etc. ou não, como dinheiro, documentos, pilhas
etc. A turma era dividida em grupos e recebia um Karyru vazio com os dados de seu
dono ou dona e do que ele ali guardava e buscavam descobrir os objetos através das
pistas dadas. (ALMEIDA, 2004: 134, grifos da autora).
Vale destacar que além de favorecer as possibilidades de cada segmento do público, no caso
do segmento composto por crianças maiores, a atividade tinha como perspectiva propiciar a
discussão sobre o fato de que grupos indígenas se utilizavam de objetos não tradicionais sem
que isso comprometesse sua identidade cultural, isto porque a inclusão de novas tecnologias e
novos objetos fazem parte da cultura, que é dinâmica, e está presente em todos os povos /
culturas indígenas ou não.
Em 2003, as atividades educativas também focavam os Wajãpi e sua arte, que fora declarada
Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela UNESCO, e seguia a mesma
segmentação de público.
No ano de 2004, Almeida destaca a atividade denominada Maruá na Aldeia do Macaco
Pendurado”, que fora destinada para crianças menores e foi concebida a partir do projeto
financiado pela Fundação Vitae denominado “Crianças no Museu e o Museu na Escola: um
programa educativo no Museu do Índio”, que consistia na produção de material de
empréstimo (ALMEIDA, 2004: 135). Trata-se de painéis produzidos a partir da junção de
fotos e trabalho gráfico, onde foi inserido um personagem Maruá, um menino Wajãpi que
fora ao Rio de Janeiro participar da construção da Jurá (tipo de casa tradicional da tribo e que,
realmente, fora construída em 2002, como parte das atividades da exposição citada acima). O
resultado foi uma identificação com o personagem que em sua história possuía paralelos com
o cotidiano das crianças, que também gerou questionamentos sobre as duas formas de ver o
mundo, nas palavras de Arilza Almeida:
(...) vão investigando como pode ser a vida de um menino Wajãpi, por que ela é
diferente? Como ele aprende a pescar ou pintar? Porque ele faz as coisas dessa
maneira ou como é ocupado o espaço da casa, onde dorme, onde brinca, onde faz
refeições, como é sua vida, de sua família, de sua aldeia? sempre comparações,
não de objetos, mas de conceitos, como brincar, lar, família, organicidade do espaço
doméstico e do seu entorno. As próprias crianças conduzem a discussão a partir de
seus conceitos, de sua visão de mundo e ficam pensativos e curiosos como outra
131
criança não compra brinquedos, não brinca no play e como tem uma escola sem
uniformes ou paredes. (ALMEIDA, 2004: 136).
Nesta atividade o conteúdo educativo focado está estabelecido pela principal missão do
Museu, qual seja, a de combater o preconceito, pois o destaque é dado ao fato de que o
diferente possui semelhanças com o visitante e não faz parte de um mundo distante ou
imaginário, pelo contrário, são reais, contemporâneos, presentes e em seu cotidiano, vivido na
aldeia, podem ser percebidos muitos paralelos com a vida nas cidades.
Almeida nesta atividade um grande ganho para a ação educativa desenvolvida pelo Museu
com seu público principal, pois:
Acreditamos que obtemos êxito, Maruá é incorporado pelas crianças como uma
figura instigante, que os torna curiosos e atentos ao que vêm sobre seu povo.
Diferentemente dos índios que anteriormente realizavam as atividades, ele não dá
autógrafos nem posa para fotografias mas torna-se um personagem instigante a
quem querem conhecer, que buscam pelo museu e que tal qual eles próprios tem
amigos, primos, estuda, brinca e se diverte em sua aldeia. (ALMEIDA: 2004: 138-
139).
Trata-se, então, de um trabalho inovador, mas que está baseado nos princípios básicos da
instituição por que viabiliza ao público diversão e educação ao mesmo tempo, conforme os
pressupostos boasianos descritos anteriormente, e, também, de acordo com o compromisso
assumido pelo Museu do Índio em 1953: combater o preconceito. Pode-se inferir que esta
perspectiva de ação educativa tem mostrado resultados ao visualizar o quantitativo de
visitantes no Museu entre 2002 e 2006, conforme apresentado na tabela abaixo:
Quantitativo de Público/Museu do Índio – 2002-2006
Ano Público visitante
(quantitativo)
2002 49.965
2003 50.549
2004 101.198
2005 113.552
2006 100.624
Fonte: Comunicação Social / Museu do Índio.
132
Não cabe aqui uma análise aprofundada sobre os dados apresentados na tabela ou
correlaciona-los com a última atividade educativa descrita, visto que não existem muitas
estatísticas ou análises sobre quantitativo de público visitante e as ações educativas do Museu
do Índio. Contudo, de se destacar que em cinco anos o público dobrou, sendo que é
justamente no ano de 2004, quando é implantada a atividade que Arilza Almeida relata como
de grande êxito junto ao público infantil que representa o maior percentual de visitantes, que
se inicia o processo de aumento extraordinário: de pouco mais de 50 mil visitantes, em 2003,
para 101.198 visitantes, em 2004.
Se é tarefa do Museu prestar serviço tanto para quem o visita, como qualquer instituição
museal, quanto para os povos indígenas, pelo seu compromisso e por guardar as referências
etnográficas destes, é possível deduzir, com base no aumento do número de visitantes e nas
percepções apontadas por Almeida em relação às atividades educativas implementadas a
partir de 2002, que sua tarefa está sendo cumprida a contento, pois o crescimento numérico
dos visitantes implica em número que cada vez maior de membros da sociedade nacional (seu
público) que incorpora uma nova imagem do índio, longe dos estereótipos e distorções.
Atividades e Práticas Expositivas
O maior número de peças que compõem o acervo do Museu do Índio foi adquirido durante a
primeira metade do século XX e em sua inauguração contava com um grande leque de
artefatos e uma quantidade considerável de documentação fotografias, documentários,
gravação sonora de várias tribos indígenas, algumas inexistentes. A partir de sua abertura
o Museu toma para si a tarefa de possibilitar a utilização pela sociedade deste seu acervo, que
durante os anos de sua existência continua a ser ampliado. Sua proposta, em termos de
viabilizar a utilização de suas coleções, se insere em uma perspectiva que inclui a utilização
em cada exposição dos diversos suportes existentes em seu acervo. Ou seja, cada exposição é
planejada de modo a possibilitar a junção dos objetos com a documentação cine-fotográfica e
sonográfica, criando assim um cabedal de interações entre visitante e museu e, com isso,
proporcionar uma visão ampla da cultura indígena.
Ao longo de seus mais de cinqüenta anos o Museu organizou e realizou diversas exposições e
a cada dia sua equipe se propõe ampliar e melhorar a informação que se pretende passar.
Contudo, após sua reabertura houve uma exposição que se transformou em certa
“coqueluche” de várias áreas: patrimônio, museus, antropologia, artes gráficas, política, etc.,
133
quer devido à multiplicidade de possibilidades de interações, quer pela repercussão posterior,
quer pelos resultados que obteve. Trata-se da exposição “Tempo e Espaço na Amazônia: os
Wajãpi”.
Logo na abertura José Carlos Levinho, diretor do Museu do Índio, declarou que esta
exposição estava incluída nas metas da política do Museu: 1) focalizava culturas indígenas
particulares, com questionamento sobre a imagem existente do índio brasileiro; 2) realizava
uma exposição “assinada por um antropólogo” que trabalhava especificamente com o grupo
focado, valorizando o trabalho antropológico;3) fora executada com a participação de
membros do grupo representado, tornando factível que os indígenas também colham
resultados da exposição; e 4) utilizava de modernas e sofisticadas técnicas museográficas,
como outras exposições que não focalizem povos indígenas, mas outras áreas culturais.
A declaração de Levinho revela que a proposta expositiva do Museu pretende o rompimento
com visões genéricas e de abarcar uma grande soma de culturas que se encontram presentes
nos acervos dos museus etnográficos. Ou seja, seguindo os princípios originais de sua criação,
para o Museu do Índio o importante de uma exposição é: combater preconceitos contra os
indígenas, valorizar a pesquisa etnográfica, favorecer o intercambio entre profissionais (da
antropologia, da museologia) e grupos indígenas e lançar mão das mais novas teorias e
técnicas para exposições etnográficas visando garantir o mesmo status que qualquer temática
abordada por outros museus.
A exposição está inserida na política de preservação cultural dos povos indígenas implantada
pelo Museu do Índio. Foi realizada durante os anos de 2001 e 2002, com financiamento da
Fundação Vitae, do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN. Ela é um dos resultados do projeto de salvaguarda para a cultura do grupo
indígena Wajãpi, produzida a partir da utilização de peças do acervo do Museu e de coleções
pertencentes ao Conselho das Aldeias Wajãpi APINA (criado no início do processo de
demarcação de suas terras em 1994). Outros resultados deste projeto foram duas publicações
Kusiwa: pintura corporal e arte gráfica Wajãpie Wajãpi rena: roças, pátios e aldeia”, e
um relatório que foi utilizado como documento base para a inscrição da pintura corporal e arte
gráfica dos Wajãpi como patrimônio cultural imaterial brasileiro e também para a candidatura
ao título de Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, que lhe foi concedido
em 2003, pela UNESCO.
A exposição teve curadoria de Dominique Gallois Dominique Gallois é doutora em
antropologia, professora do Departamento de Antropologia e coordenadora do Núcleo de
História Indígena e do Indigenismo da USP, é assessora da ONG Centro de Trabalho
134
Indigenista e trabalha mais de 20 anos com os índios Wajãpi e foi formada a partir de
duas coleções formadas em 1983 e 2000. A coleção de 1983 foi formada a partir da primeira
experiência de aplicação em papel dos padrões gráficos e a de 2000 formou-se durante
oficinas de desenhos com crianças e jovens, realizadas por solicitação de alguns chefes da
aldeia preocupados com o desinteresse desse público em aprender a arte gráfica tradicional do
seu povo (ABRAHÃO, 2002: 32).
Os Wajãpi, de língua e tradição Tupi-Guarani, vivem no Amapá, na região fronteiriça entre
Brasil e Guiana Francesa, em um território indígena Wajãpi com 604 mil hectares, sendo
composta por 580 pessoas distribuídas em 40 aldeias. A arte Kusiwa (“caminho do risco”) é
utilizada pelos Wajãpi tanto como pintura corporal como para decoração de objetos de
diversas matérias primas. São padrões gráficos de infinitas variações, cujas combinações
nunca se repetem. As tintas são feitas com semente de urucum, gordura de macaco, suco de
jenipapo verde e resinas perfumadas. Ela faz parte do cotidiano das famílias deste grupo
indígena e não apenas em festas ou rituais (ABRAHÃO, 2002: 32). Segundo a antropóloga
Dominique Gallois, o Kusiwa, em relato de Abrahão: “opera como um catalisador para a
expressão de conhecimentos e práticas que envolvem desde relações sociais, crenças
religiosas, tecnologias, até valores estéticos e morais.” (ABRAHÃO, 2002: 33).
Regina Abreu (2005: 120) ressalta que todo o processo que culminou na exposição, desde a
idealização até a montagem contou com a participação dos indígenas. Tendo iniciado na
confecção dos objetos, estendendo-se até a abordagem estética da concepção museográfica e
na própria montagem da exposição, chegando inclusive na organização da festa de abertura.
Neste mesmo artigo, Abreu (2005: 121-122) destaca que, para a antropóloga Dominique
Gallois, curadora da exposição, este tipo de trabalho conjunto que ocorreu foi algo nunca
visto, tratava-se de um episódio inovador, porque nunca vira uma participação – dos indígenas
– tão intensa e coletiva na preparação de uma exposição.
Além da exposição dos objetos, integrava o projeto uma casa wajãpi: Jurá, construída pelos
próprios indígenas – “(...) Matapi, Noé, Mata e Emyra foram os índios designados para virem
ao Rio de Janeiro montar a Jurá, uma casa tradicional dos índios wajãpis.” (ABREU,
2005:122), e a exibição de filmes produzidos pela equipe do Museu do Índio e com o aval dos
wajãpis, que opinaram sobre algumas questões existentes nos vídeos. Esta participação
inovadora é apresentada por Regina Abreu em seu artigo “Museus etnográficos e práticas de
colecionamento: antropofagia dos sentidos”, e segundo ela:
135
Além do processo de confecção dos objetos os índios wajãpis participaram da
montagem da exposição. Foram chamados ao
Museu em algumas ocasiões, quando
puderam expressar seus pontos de vista sobre a exposição. Assistiram aos vídeos
produzidos pela equipe da mostra e externaram ao diretor do Museu suas opiniões
sobre aquilo a que estavam assistindo. Chamaram a atenção para o fato de que o
Museu não poderia exibir nenhuma imagem de pessoas que tivessem falecido,
pois, no entender deles, isto seria prejudicial aos espíritos dos wajãpis. (ABREU,
2005: 122).
Antes de finalizar, faz-se necessário destacar que todo esse processo em que esta exposição
esteve incluída é parte de um projeto maior que o Museu do Índio assumiu para si como
compromisso desde sua criação e que agora tem se fortalecido com a participação das)
próprias comunidades indígenas, que vêm expressando o crescente desejo de ter o
reconhecimento de que suas criações e tradições culturais são importantes, não apenas para
eles ou artisticamente relevante, mas para todos. Esta afirmação é ratificada por Abrahão ao
tratar da possibilidade que o título da UNESCO permite aos Wajãpis em relação a direitos de
propriedade intelectual, transcrito abaixo:
Para os Wajãpi, além da garantia e do respeito aos direitos de autoria de uma arte
coletiva, a proclamação do Kusiwa como patrimônio nacional e da humanidade será
um incentivo à valorização e à proteção de uma tradição, com repercussão entre os
demais povos, não só da Amazônia como de todo o País. Simboliza um progresso no
relacionamento com as sociedades indígenas que, com toda sua diversidade e
especificidade e em condição de igualdade com os demais brasileiros, passam a
participantes legítimos do patrimônio cultural nacional. (ABRAHÃO, 2002: 34).
Finalizando, com base no exposto torna-se mais compreensível que por meio de suas
atividades o Museu do Índio demonstra possuir requisitos necessários para se considerar à
frente do seu tempo. As inovações nas ações educativas e nas exposições, permeadas pela
perspectiva de combate ao preconceito contras os povos indígenas; o vanguardismo na criação
do primeiro curso de pós-graduação em antropologia, que ao verificar os critérios adotados é
patente que foi um protótipo da pós-graduação em antropologia existente até hoje, de acordo
com definições da CAPES; as preocupações em termos de metodologia e técnica de trabalho
visando valorizar não o objeto, mas a dinâmica cultural de cada povo em particular; e por fim,
suas atividades e propostas de atuação o configuram como locus singular de discussão das
temáticas que envolvem o patrimônio cultural indígena, e ainda o situam como promotor da
136
maximização da participação dos povos indígenas em todo processo ou projeto em que se
assentam questões relativas ao colecionamento da sua cultura.
137
Capítulo V
Considerações Finais: reciprocidades e interações entre museu e
antropologia
Pode-se dizer que a atuação dos antropólogos no campo do Patrimônio não é nova.
Se incluirmos no campo do Patrimônio os museus, será possível sistematizar ações
significativas tanto em práticas de colecionamento, pesquisa em museus, quanto em
formulações e realizações de exposições. (LIMA FILHO & ABREU, 2007: 21).
Neste texto Lima Filho & Abreu informam que existe uma atuação da antropologia tanto no
campo do patrimônio cultural quanto no campo dos museus. Isso quer dizer que a relação de
parceria entre estas três áreas antropologia, museus e patrimônio cultural que são foco
desta dissertação, é bastante antiga conforme foi apontado nos capítulos anteriores e abonado
pelos autores acima citados.
A principal intenção deste trabalho visava identificar e reconhecer que durante o percurso
histórico da antropologia brasileira houve, entre ela e o campo museal, o intercâmbio de
conhecimentos, de teorias e metodologias, que teve como conseqüência uma relação de
reciprocidade ao longo da existência das duas áreas. Ao privilegiar o Museu do Índio como
locus dessas ações de interação e troca entre antropologia e museu, logrou-se o
reconhecimento de uma profícua relação de permuta entre as duas áreas ou três se
considerar incluída no museu o patrimônio cultural que significa uma estreita parceria entre
pressupostos e práticas existentes na antropologia e atividades e propostas dos museus
etnográficos. Ao visualizar as proposições e atuações do Museu do Índio de busca por
respostas a questionamentos análogos aos da antropologia, foi possível constatar que ambos
são fruto de um esforço ou procura pela apreensão da diversidade cultural e pela
compreensão entre culturas. Ou seja, ao longo deste estudo foi possível estabelecer paralelos,
analogias e reciprocidades entre museu e antropologia, principalmente quando se verifica um
profícuo diálogo entre as duas áreas ou quando se visualiza as atividades e atuações de um
museu etnográfico, como o Museu do Índio.
Partindo do que foi expresso nos capítulos anteriores pode-se afirmar que as relações de
reciprocidade identificadas entre museu e antropologia indicam que, durante o caminho
138
trilhado por ambas houve interação entre saberes e fazeres, que propiciaram interlocução,
articulação e parceria em termos de ações, teorias e metodologias.
A última Reunião Brasileira de Antropologia 25ª RBA realizada em junho de 2006,
indicava que a temática do patrimônio cultural vem sendo alvo de abordagens dentro de uma
perspectiva antropológica, como destaca Cardoso de Oliveira e Grossi (2007) ao apresentar a
publicação produzida como resultado das atividades organizadas pelo GT Patrimônio e
apontar três aspectos que são importantes para a antropologia, ao se vincular à temática do
patrimônio:
(...) (1) a articulação cada vez mais forte entre as noções de bens (inclusive os
imateriais), direitos e identidades nas discussões sobre patrimônio e sua relevância
para o exercício da cidadania na contemporaneidade; (2) a necessidade do diálogo
com outras disciplinas na definição do patrimônio e na elucidação de seus
significados, cujo caráter dinâmico não permite abordagens estáticas nem
classificações definitivas, dada a pluralidade de visões e de experiências do público-
alvo das políticas públicas nesta área; (3) o potencial de interação dos museus com
os cidadãos de uma maneira geral seja por meio de sua identificação com o
material exposto, seja pela possibilidade de contrastar sua visão de mundo e
sua identidade social com as de outros povos. Os três aspectos m como pano
de fundo o significado da dimensão simbólica da vida social e a importância de
atentar para o ponto de vista nativo marca registrada da Antropologia na
compreensão do patrimônio. (CARDOSO DE OLIVEIRA & GROSSI, 2007:08-09,
grifos meus).
Antes de tecer algumas considerações finais, é preciso destacar que, ao iniciar as pesquisas
que resultaram nessa dissertação, a expectativa e desafios colocados, era que o produto final
fosse uma contribuição para a consolidação, dentro da antropologia, de estudos voltados para
os temas de patrimônio cultural e museus, e que ambos pudessem se firmar como alvo de
estudos antropológicos. Esta possibilidade de ampliação e fomento às temáticas museu e
patrimônio estavam presentes nas reuniões da ABA, como ressaltado acima e têm
propiciado, pela diversidade de discussões produzidas, revelar o apelo ao diálogo
interdisciplinar, perspectiva sempre presente na antropologia ao longo de sua trajetória
histórica. Assim, este estudo contribui para o campo disciplinar antropológico, não apenas por
fazer um recorte histórico sobre as relações entre museus e antropologia, mas por registrar que
ambas se intercambiam desde o nascimento: “Antropologia nasceu nos museus e é marcada
pela idéia de preservação desde o início, quando os primeiros pesquisadores (...) coletavam
objetos e documentos em suas pesquisas (...)” (LIMA FILHO & ABREU, 2007: 21).
139
I. Interações entre Museu, Antropologia e Patrimônio: uma visão geral das
reciprocidades
Baseado nas reflexões conceituais expostas no corpo desta dissertação pode-se, partindo do
estudo da organização e instituição de um museu. Ou seja, vendo o museu como um artefato
ou como campo etnográfico, tentar visualizar as interações entre antropologia e o Museu do
Índio e tentar responder a questão de como as coleções podem ser usadas para iluminar os
conceitos e insights antropológicos e vice-versa.
Ao apresentar o percurso e estratégias dos conceitos (campos do saber, áreas de
conhecimento) antropologia, museu e patrimônio cultural bem como os capítulos
relativos: à história da antropologia, ao pensamento de Darcy Ribeiro e à criação e
contemporaneidade do Museu do Índio, torna-se visível a existência de um estreito
relacionamento entre as três áreas. Entretanto, o objetivo deste estudo encontra-se mais
vinculado a uma perspectiva de buscar o entrelaçamento entre antropologia e museu, desse
modo a temática do patrimônio deve ser compreendida, em termos de interações, inserido
(encompass) na temática museu.
Assim, tendo como base os capítulos antecedentes, os estudos realizados e as pesquisas
elaboradas, encontra-se exposto nas próximas paginas uma visão sobre o que se pode destacar
em termos da interação entre museu e antropologia.
Ao buscarmos a história da ciência antropológica no Brasil, pode-se perceber que um
vinculo entre esta e os museus de Etnologia e Arqueologia, principalmente no que se refere ao
seu desenvolvimento enquanto saber científico.
Um primeiro destaque deve se referir ao fato de que os campos surgem como forma de
responder a questão do desaparecimento das culturas, na antropologia fazia-se necessário
conhecer o “outro” que estava desaparecendo e no museu era preciso guardar e salvar bens /
artefatos / objetos de culturas em vias de desaparecimento.
Ao perpassarmos a trajetória destas três áreas, acima indicadas, é perceptível que grande parte
das pesquisas realizadas, tanto sobre povos indígenas quanto em relação às questões raciais,
informa sobre a existência de parceria entre antropologia e museus, ainda que não se mostre
explicitamente.
Se observarmos o contexto de criação das instituições acadêmicas de ensino e pesquisa
antropológicos também ai percebe-se, às vezes explicita e em outras vezes implicitamente, o
apoio do campo museal.
140
Com isso, pode-se inferir que a interação e reciprocidade entre a ciência antropológica e
museus teve inicio durante o surgimento da antropologia, enquanto possibilidade de
explicação do outro, ou seja, no período em que o colecionismo e os “gabinetes de
curiosidades” estavam em voga. Assim, antropologia e museu estão bem próximos desde o
expansionismo europeu, quando ocorreram os primeiros impulsos e práticas de se conhecer os
povos que estão sendo colonizados.
É necessário destacar que, nesse período, tanto a atividade antropológica quanto a museal
encontram-se em uma fase ainda de estudos incipientes, que se baseavam em elaborações a
partir de informações, dados e objetos coletados durante as expedições, trazidos por
missionários, naturalistas, viajantes e funcionários governamentais.
Quando se visualiza o período que vai do final do século XIX até o princípio do século XX no
Brasil, é perceptível o fato de que os museus eram dirigidos por pessoas cujo empenho estava
direcionado para a realização de estudos e a organização de coleções (etnográficas,
arqueológicas), circunstância que influenciou para que estas instituições contribuíssem de
modo consistente no desenvolvimento da Antropologia.
A revolução disciplinar que houve por volta do inicio do século XX, que se baseava na crítica
ao evolucionismo do século XIX, causou uma mudança paradigmática que deu origem a
novos limites da ciência e do próprio fazer antropológico bem como das formas de conceber
as exposições museológicas.
A partir da década de 1930 os museus foram marcadamente criticados pela utilização das
concepções evolucionistas e teve início um isolamento dos museus etnográficos em relação ao
fazer antropológico.
Esta mudança paradigmática também foi sentida principalmente devido à nova perspectiva de
exposição de objetos trazida por Franz Boas, que buscava uma contextualização dos artefatos
expostos que possibilitasse uma melhor compreensão da cultura onde estes foram produzidos.
A proposta era, então, que se passasse de uma noção diacrônica para uma noção sincrônica do
tempo, que se encontrava ligada a novos limites marcados pelo sentido contextual e
etnográfico que a antropologia alcançou durante as três primeiras décadas do século XX.
Dentro dessa concepção museal, baseada nos pressupostos do antropólogo Franz Boas, as
exposições devem ser um simulacro do contexto cultural original, para tanto, os objetos
deveriam ser dispostos de modo a ilustrar a vida real da cultura onde foi produzido. Com base
nisso, acreditava-se que seria possível aos visitantes compreender o significado dos artefatos
dentro da cultura na qual teve origem. Nesta conjuntura histórica, a idéia predominante era de
141
que as coleções tinham relevância para a pesquisa antropológica, e, em vista disso, era
necessário considerar a forma como elas eram organizadas e classificadas.
A partir da instituição do trabalho de campo, como metodologia própria da ciência
antropológica, outras diferenciações entre museus e antropologia são identificadas. Primeiro
porque com ele a idéia de coleta de objetos ou artefatos foi substituída pela idéia de
observar o comportamento e as relações humanas dos povos investigados. E, segundo, em
decorrência de que a realização do trabalho etnográfico trazia consigo uma nova visão sobre
os povos pesquisados, que deixaram de ser objetos para se tornarem sujeitos, e com isso, parte
integrante da investigação científica. Nos anos seguintes a estas novas perspectivas de
trabalho antropológico, se pode delimitar mais claramente um distanciamento entre
antropologia e museus.
A partir do incremento ao trabalho de campo, após a metade do século XX, o artefato
coletado deixou de ser fonte de informações – ou passou a ser apenas um apêndice da
pesquisa – pois, com a observação participante era possível tomar parte, enquanto observador,
das próprias relações sociais in loco. Com isso o museu passou a ser visto como lugar
estático, enquanto a ciência antropológica se apresentava como mais dinâmica, e por isso a
interação entre ambos os campos passou a ser vista como algo incompatível.
Entretanto, havia, ainda, mesmo que tênue, parceria entre o fazer antropológico e os museus,
pois parte dos recursos para se realizar algumas pesquisas de campo eram obtidos via museus.
Desse modo, as pesquisas etnográficas ainda se encontravam, de alguma forma, atreladas aos
museus.
No Brasil, outro fator para o distanciamento dos campos foi a criação dentro das
universidades brasileiras dos departamentos e cursos de antropologia. Muitos dos
pesquisadores, que estavam ligados aos museus, foram transferidos para as recém criadas
instituições de ensino e pesquisa. Com estas transformações parte dos recursos financeiros foi
transferida, entretanto eram insuficientes para manter a instituição em funcionamento e
também financiar as pesquisas de campo, permanecendo assim uma ligação, ainda que tênue,
entre antropologia e museu.
No período seguinte, anos de 1960, tanto o campo dos museus quanto o campo da
antropologia iniciaram (ou tornou-se mais expressivo) um processo de questionamentos sobre
si mesmos, em termos de perspectivas futuras, tanto em relação à teoria quanto em termos de
metodologia. Dentre estes questionamentos podemos mencionar alguns: quais as fronteiras
entre objeto de arte e objeto etnográfico? Qual o papel do museu na trajetória conceitual da
teoria e investigação antropológica? Que papel tem o museu enquanto local de encontro de
142
alteridades? O que seria afinal uma interpretação antropológica? Como a antropologia pode
propiciar a manifestação da voz do nativo? As sociedades ou culturas tradicionais estão
desaparecendo?
A partir dos anos de 1970, tendo a antropologia e os museus superado a crise, e não obstante a
permanência de alguns questionamentos, inicia-se uma re-aproximação entre antropologia e
museu, que se consolidou durante as duas últimas décadas do século XX e perdura até a
atualidade. Houve um desenvolvimento de novas concepções e o surgimento de novos
campos de estudos (cultural studies e museum studies) que tiveram como conseqüência a
reflexão sobre as relações entre a cultura material (objetos e artefatos museais) e a ciência
antropológica.
Se antes eram associados a narrativas oficiais da nação e à cultura das elites
dominantes, os museus, (...), aparecem hoje como espaços de negociação em que
os diversos atores demonstram um cuidado cada vez maior com a diversidade
cultural e com o fato de que constroem narrativas sobre o “outro”. (SANTOS,
2004: 68).
No passado, em diversos momentos, a construção de si mesmo (self) e da alteridade (other)
foi bastante problemática dentro dos museus etnográficos brasileiros. Tal fato é percebido ao
se voltar para o momento de criação dos grandes museus etnográficos, cuja arrogância
expressa por alguns de seus antropólogos na produção do conhecimento. Isso porque suas
elaborações, a partir da investigação dos povos diferentes de si e vistos como exóticos,
deveriam ser vistas como a única expressão da realidade objetiva, e com isso sua autoridade
se cristalizava na forma como os objetos, retirados da cultura, eram expostos nos museus. Não
havia discussão sobre os significados da perspectiva que o colecionador / antropólogo tinha
durante sua pesquisa, não era colocado em questão a utilização da cultura material / dos
artefatos como prova conclusiva e soberana de suas teses ou as condições e teorias que
orientavam a retirada dos objetos de suas culturas. Nada disso era colocado como pontos a
serem discutidos, fato que seria de suma importância para o desenvolvimento da antropologia,
visto que se tratavam de fragmentos selecionados a partir de uma visão fragmentada, parcial e
incompleta da cultura investigada (ABREU, 2005:124).
Com o passar do tempo, tudo isso foi alterado e hoje os museus etnográficos têm como meta
conseguir concertar a problemática da alteridade, que no caso brasileiro torna-se ainda mais
143
essencial porque requer trabalhar o “outro” próximo e a antropologia tem sido sempre uma
fonte recorrente para se pensar formas e métodos de se lograr êxito nesta tarefa.
II. Considerações sobre a Investigação Realizada
Como foi apresentado anteriormente, os museus, ao longo da sua existência, tem atuado no
sentido de retirar os objetos de seus contexto original para logo em seguida inserí-los em
contextos diferentes daqueles de sua concepção e criação. Neste sentido, vêm promovendo re-
contextualizações e re-significações destes bens culturais que são de interesse da ciência
antropológica, visto que permitem os estudos sobre culturas, em vários aspectos e implicam
em uma reflexão sobre o próprio fazer antropológico.
Esta possibilidade de estudo antropológico, tem como base, conforme indicado nas páginas
anteriores, não apenas a contemporaneidade em que antropólogos vem analisando coleções no
intuito de apresentar seus contextos e significados originais e criados a posteriori. Ela
também é fruto da própria gênese da antropologia, enquanto campo de estudo sobre o homem,
e dos museus, enquanto local de guarda e preservação de acervos do patrimônio cultural,
também expressa pela presença de pesquisadores e teóricos nacionais e internacionais
94
.
O pós-guerra, fase histórica recorrente neste trabalho, é um momento de grande crítica e
combate aos preconceitos, devido ao trauma que a Segunda Guerra provocou e que incitou
aos intelectuais em buscar novas possibilidades de garantir uma paz duradoura entre os povos.
Neste período, a contribuição da antropologia é trazida pela noção de cultura, estabelecida e
defendida por antropólogos de tradição boasiana e malinowiskiana, cujo enfoque estava na
“diversidade, valorização da diferença, contextualização, relativização” (ABREU, 2007: 272).
A inclusão desta noção de cultura fora utilizada como uma solução para combater as idéias
racistas, evolucionistas e etnocêntricas que se estruturavam a partir de pontos de vista
vinculados a critérios de existência de uma única linearidade histórica dos povos e em
concepções que pregavam princípios de progresso e civilização.
94
Lima Filho e Abreu (2007: 22) citam alguns nomes de “antropólogos articulados diretamente ao tema
dos museus, como Franz Boas (Museu Americano de História Natural / EUA), Georges Henri Rivière
(Museu de Artes e Tradições Populares de Paris), Paul Rivet (Museu do Homem) e mesmo Claude Lévi-
Strauss (colaborador do Museu do Homem e do Projeto de fundação da UNESCO). Nacionalmente,
algumas personagens emblemáticas neste sentido, como Édison Carneiro (Museu Nacional), Darcy
Ribeiro (fundador do Museu do Índio) e Luiz de Castro Faria (Museu Nacional)”. Destaca-se que durante
toda a elaboração da dissertação muitos destes foram não apenas citados, mas utilizados durante o texto
como forma de ressaltar a parceria entre antropologia e museu.
144
A partir destas novas possibilidades vinculadas à noção de cultura, houve grande incentivo à
realização de estudos e pesquisas que versassem sobre a diversidade cultural e que
viabilizassem: “fomentar encontros entre indivíduos de culturas diferentes, ensinar às crianças
o respeito à idéia de diferença cultural (ABREU, 2007: 272). Somado a este contexto de
combate ao preconceito era incluído a idéia de que as culturas outras, devido às
transformações políticas e socioeconômicas que se processavam no globo também estariam
desaparecendo, e esse era mais um motivo para o incremento de ações em prol de estudos
sobre as outras culturas.
No Brasil esta busca de se conhecer a diversidade cultural existente no País também estava
presente mesmo antes do período pós-guerra, devido ao contexto social e cultural brasileiro. O
movimento no exterior serviu para fazer com que crescesse e ampliasse estes estudos, com
focos em etnias diferentes, donde sobressaia a ênfase nos grupos indígenas. No bojo desta
crítica e luta contra o preconceito surge o Museu do Índio, cuja proposta era combater o
preconceito e apresentar à sociedade nacional culturas diferentes, mas que, também, eram
semelhantes aos demais grupos que compunham o País, contribuindo sobremaneira para a
construção de uma cultura nacional.
O escopo destas pesquisas e análises promovidas não se restringia à coleta de bens
representativos de uma cultura e à formação de coleções, tratava-se de registrar as culturas,
principalmente as indígenas, de modo que o produto destes estudos, transformados em
conhecimento científico, era desenvolver instrumentos que permitissem a manutenção e o
acautelamento destas populações, quer seja:
Por meio da regulamentação de seus territórios;
Pela possibilidade de transformar a imagem e representação destes povos que se tinha
até então;
Pelo combate aos preconceitos e estereótipos, permitindo maior visibilidade a estas
culturas, que mesmo diferentes também possuem características que os fazem
semelhantes aos demais.
Neste sentido, a antropologia, levada a efeito, estava relacionada a uma prática de combate a
uma estereotipagem, tendo seu papel vinculado a uma proposição que permitiria a
interpretação e a compreensão do “diferente” / ”outro”. Daí a grande importância da inclusão
da noção antropológica de cultura para toda uma gama de pesquisas, ações e demandas
existentes após a Segunda Guerra Mundial.
145
A perspectiva museística no Brasil também se altera no período pós-guerra. Enquanto o
século XIX é reconhecido como a era dos museus pela quantidade de instituições, o século
XX é marcado pelo surgimento de novas perspectivas de trabalho para museus, que foram
trazidas por Franz Boas e que, no Brasil, ganham maior força a partir dos anos de 1940.
Parafraseando Mário Chagas (2003), os museus brasileiros, com viés especificamente
etnológico, somente vieram a se instituir a partir do século XX. Desse modo, os museus
existentes no País que tinham como foco o campo da história natural, ainda que possuíssem,
principalmente após a década de 1850, atividades ligadas a coleções e estudos relacionados às
temáticas etnográficas e antropológicas, não articulavam discursos específicos e também não
se dedicavam especificamente aos problemas ligados à antropologia incluindo a etnologia e
etnografia. Chagas (2007) também destaca que os museus etnográficos brasileiros possuem,
em seu percurso histórico, dois momentos distintos. Num primeiro momento, eles se
caracterizam como locais onde se realiza a construção da alteridade as coleções são o
principal foco de suas ações e não existe preocupação em contextualizar os objetos ou a
exposição. Num segundo momento, os museus são percebidos como espaços onde ocorrem,
paralelamente, processos de construção de identidades e subjetividades (CHAGAS, 2007:209-
210) – as coleções ainda são importantes, mas muda-se o eixo programático e o público passa
a figurar, também como centro da atenção da instituição. Nesse segundo momento, as
propostas museais deixam de focar apenas as coleções e passam a incluir o público visitante,
de modo que as propostas possibilitem a melhoria da comunicação entre coleções e público.
Estas novas proposições são introduzidas a partir da inclusão dos novos estudos
antropológicos que valorizam a diversidade e o contexto cultural bem como o processo
histórico particular de cada cultura. Entretanto, poucos são os museus que de pronto se
incluem nesta perspectiva de interação entre acervo e público, o Museu do Índio se destaca
como uma destas instituições, comprovando mais uma vez que está à frente do seu tempo.
O Museu do Índio, locus principal para análise das relações entre antropologia e museu nessa
dissertação, é fruto de toda esta convergência histórica e conceitual. Foi um Museu que tinha
como finalidade última erradicar idéias preconcebidas sobre os indígenas brasileiros. As
análises realizadas comprovam que desde sua idealização tratava-se da criação de um museu
dinâmico direcionado para a comunicação e difusão cultural, tendo como vertente educacional
a busca de maior participação do público, de modo a propiciar um engajamento desses
visitantes com a “causa indígena”. A busca pela participação da população em geral na
denominada “causa indígena” está ancorada no mote antropológico desta fase da
antropologia: 1) o foco principal dos estudos antropológicos nos grupos indígenas, ainda que
146
não significasse exclusividade; 2) o antropólogo brasileiro era além de cientista um cidadão, e
sua ética lhe impingia a necessidade de defesa daqueles que não tinha como fazer valer seus
direitos. Darcy Ribeiro, idealizador e criador do Museu do Índio, foi um dos mais fervorosos
defensores destes dois princípios da antropologia da época e trabalhou intensivamente em
defesa da “causa indígena”. Segundo ele, a antropologia era (ou deveria ser) uma ciência
engajada, e, consequentemente, os profissionais que dela participavam, possuíam um
compromisso político e ideológico com o contexto pesquisado.
Dentro desse escopo conceitual e ideológico, trazido tanto pela antropologia quanto por Darcy
Ribeiro, o Museu do Índio em sua ação expositiva e educativa põe em prática um novo
enfoque para suas coleções, pois, torna possível a percepção da alteridade em um novo
prisma, favorecendo a compreensão do diferente como parte da diversidade cultural, e
estimulando a produção de uma reflexão crítica e consciente sobre a existência de diferentes
formas de conceber o mundo, ou seja, que é possível existir outras visões e interpretações
sobre o mundo.
A ação educativa é um dos principais instrumentos utilizados pelo Museu do Índio para
combater o preconceito. Cláudia Menezes (1983), em seu artigo sobre as novas perspectivas e
possibilidades que as práticas educativas do Museu do Índio frente a outras instituições
congêneres, afirma, e concordamos com esta afirmativa, que este Museu é um “núcleo
irradiador de conhecimento”, porque rompe com determinados pressupostos e conceitos
vigentes até sua criação. O primeiro deles é o entendimento tradicional que uma instituição
museal é um local de guarda de relíquias e de sacralização do passado. O segundo
rompimento refere-se à tradição de que a função principal de um museu é ser um templo do
saber das elites. Segundo Menezes, o Museu do Índio, em sua especificidade de museu
etnológico, propõe um novo sentido para si, ao possibilitar a recuperação do patrimônio
cultural e ao buscar valorar os objetos (ou artefatos), que estão sob sua guarda, enquanto bens
significativos para a cultura da nação.
Ao longo de sua trajetória o Museu do Índio sofreu grandes embates e crises que conseguiu
superar com maestria, por meio do trabalho de diversos profissionais imbuídos pela meta
principal que foi colocada para este museu. Essa instituição ainda está em processo contínuo
de mudança e aperfeiçoamento o que pode ser comprovado a cada nova exposição que é
aberta ou de acordo com Chagas:
147
O Museu do Índio está em movimento. Criado para combater preconceitos, (...), ele
se desenvolveu com bases num discurso museal que combinou romantismo e projeto
civilizador. Ao longo do tempo, passou por diversas crises, foi bem quisto e foi
preterido, foi valorizado e foi estigmatizado, foi feito, desfeito e refeito; e, como
aconteceu com algumas populações indígenas, depois de quase extinto voltou a
crescer e a reafirmar a sua identidade museal [e antropológica] – uma identidade que
também não está dada, mas que, ao contrário, se faz e se refaz permanentemente,
ainda que se mantenha, de algum modo, vinculada à chamada “causa indígena”, já
agora reconfigurada. Nesse jogo de mudanças e de permanências, ele é e não é mais
o que era antes. Com a renovação de suas práticas de mediação e de seus
procedimentos museológicos e museográficos, o Museu alinha-se com as
instituições que se movimentam na arena híbrida, resultante do cruzamento da
museologia clássica com as novas posturas museológicas. Sem abandonar o seu
papel político, ele se reafirma como instituição de memória social que trabalha com
a diversidade cultural contemporânea. (CHAGAS, 2007: 194).
No capítulo 4, desta dissertação, foram apresentados alguns exemplos de atividades realizadas
pelo Museu do Índio, sendo que, cada uma delas, remete às relações de reciprocidades entre
museus e antropologia e que, reiterando, permitem compreender de modo mais claro que se
trata realmente de uma instituição à frente de seu tempo.
Ao nos depararmos com as ações promovidas pelo Museu, descritas no capítulo anterior, fica
patente sua originalidade, singularidade e vanguarda sempre presentes nas diversas ações que
implanta (ou implantou), a saber: nas ações educativas, nas exposições, na preocupação com a
aplicação de metodologias e técnicas inovadoras na exibição das coleções – mostrando,
sobretudo, que as culturas são dinâmicas, e, também, na criação do curso de pós-graduação
em antropologia.
Essas características presentes nas suas diversas atividades tornam esse museu uma instituição
sui generis e o configuram como locus singular de dialogo sobre temáticas que envolvem o
patrimônio cultural indígena. Além disso, estas características particulares do Museu do Índio
lhe conferem o papel de promotor de ações que visam maximizar a participação dos povos
indígenas em todo processo ou projeto em que se assentam questões relativas ao
colecionamento da sua cultura.
III. Delineando novos Caminhos e Reciprocidades
A renovação de sua prática e a ampliação ou recriação de sua abordagem de trabalho não
retira do Museu do Índio seu caráter híbrido, que consegue reunir ao mesmo tempo:
museologia, antropologia e patrimônio cultural. Pelo contrário, o que logrou ao longo dos
148
anos foi incluir dentro de sua esfera de ação se é que já não estava incluída a temática da
política pública para a cultura.
Neste sentido, esse Museu permanece, ainda que com outra perspectiva, como espaço de
preservação da memória, com foco no estudo da diversidade cultural contemporânea, e com
projetos voltados para o uso de suas coleções, que incorporem concepções antropológicas, de
modo a subsidiar ações próprias ou de outros – povos indígenas, principalmente. Esses
projetos incluem ações de assessoria às tribos: quanto à criação de projetos museais em
comunidades indígenas ou que dizem respeito a grupos indígenas, em relação à demarcação
de suas terras, relativas à preservação / revitalização de suas tradições e, também, concernente
à consolidação das heranças culturais para as novas gerações.
Com isso, seu diferencial em relação a outras instituições museais etnográficas está em
reconhecer a importância dos grupos indígenas e, sobretudo, em tornar viáveis ações que
promovam e valorizem a diversidade cultural destes grupos. Além disso, sua função se
modifica, passando a ser a de assessoria, pois na atualidade há uma vertente que se torna cada
dia mais forte, adotada pelo Museu do Índio, que é a reivindicação dos grupos indígenas em
participar, como sujeitos da ação, em todos os assuntos e temas que envolvem sua cultura.
Essa nova perspectiva do Museu segue uma das marcas registradas da antropologia: a
importância do ponto de vista do nativo.
As relações entre museus antropológicos – o Museu do Índio aí incluído – e os povos
indígenas refletem a persistência e o ressurgimento do desejo nos povos indígenas, em
recuperar a posse (repossessing) de suas histórias e culturas. Estes povos, na atualidade, se
mostram mais preocupados em ter maior controle sobre os repasses e/ou relatos de sua
história e cultura. Preocupam-se em controlar como suas imagens são construídas (feitas) e
apresentadas aos diversos públicos destas instituições.
Neste sentido, as relações entre museus e povos indígenas estão se modificando. Estes povos
querem ser chamados pelos nomes que se autodenominam e querem participar mais
ativamente dos processos de musealização das coleções etnográficas. A mudança ainda é lenta
e perpassa pela busca por rever a forma como os museus os apresentam (representam)
enquanto povos “outros” / “diferentes”.
A partir destas novas possibilidades de trabalho entre grupos indígenas e museus, o que passa
a existir é uma perspectiva que tem a intenção de possibilitar a expressão nas exposições,
mostras e/ou apresentações do ponto de vista do “de dentro” daquele que é membro da
cultura diferente, do “nativo”, do produtor e idealizador dos artefatos da coleção.
149
Esta nova perspectiva vem, não apenas do período de reflexão por que passou tanto a ciência
antropológica quanto a instituição museal, mas do próprio fato de que os grupos representados
vêm discordando tanto da forma de abordagem e representação de suas culturas que museus e
antropólogos realizam em seus trabalhos teóricos e/ou práticos, quanto da manifestação,
enquanto sujeitos e detentores de um saber, do direito de se auto-representarem. Pois, o que
está em jogo, não é meramente ter novamente a posse de um objeto apropriado por outrem
(estrangeiro), mas a própria concepção de sua cultura, do seu modo de ser, viver e se
expressar; e, como são eles os detentores do conhecimento, como participante (insider) e não
como observador externo (outsider), devem tomar parte, ou melhor, assumir seu lugar nesta
relação.
No Brasil, esta busca dos grupos indígenas, em assumir seu lugar em relação ao trabalho
realizado pela antropologia e pelos museus, se tornou mais forte a partir do momento em que
grupos indígenas, após a Constituição Brasileira de 1988, sentiram necessidade de se
mobilizarem visando à demarcação de suas terras.
Ao que parece, o imperativo em assumir uma identidade para legalização fundiária lhes
mostrara a importância da ação conjunta e cidadã, não somente relacionada ao direito sobre a
terra, mas também no sentido de ampliar sua cidadania em relação a diversas outras áreas que
se mostravam deficitárias em termos de direitos civis.
Dentro dessa nova forma de atuação cidadã, um dos exemplos recentes, que se pode citar, em
se tratando da área museal, foi a criação do Museu Mangüta, concebido e instituído no final
da década de 1980, na cidade de Benjamim Constant/Brasil
95
. Conforme Freire (2003) a
concepção e implementação desse museu, além de mobilizar um grande contingente de
grupos indígenas, de demandar a capacitação na área museal de índios, de propiciar aos
Ticuna fortalecer sua identidade étnica, também foi uma ação política que os ajudou a
viabilizar a demarcação de suas terras e serviu para o renascimento da cultura Ticuna
(FREIRE, 2003: 221).
Este fato abriu novas possibilidades para uma instituição museal, mas também permitiu o
acesso a um museu para diversos segmentos sociais da região, tanto indígenas quanto brancos.
Além disso, a criação dessa instituição museal revelou a força que um museu pode conter no
sentido de reafirmação de identidades étnicas e de modificação sobre a imagem que a
sociedade brasileira, de um modo geral, teria (tem) sobre os índios. Esse autor ainda informa
95
As informações e afirmativas aqui contidas estão baseadas nas elaborações de Jo R. Bessa Freire
(2003). Vide bibliografia.
150
que quase todos que participaram desta experiência identificam a instituição como um lugar
de conhecimento, de pesquisa, de estudo e guardiã da memória (FREIRE, 2003: 224).
No entanto, os índios Ticuna, após esta e outras experiências, encontram-se em uma nova
fase, não mais querem aceitar sem debate que os museus concebidos por não-índios possam
ter o monopólio do discurso histórico que lhes diz respeito (FREIRE, 2003: 224). Portanto,
reivindicam sua inserção em todos os aspectos de idealização e criação deste tipo de
instituição.
A experiência do museu Mangüta, suscitou em outros povos indígenas o desejo de criar novos
museus tribais e a realização de diversas exposições etnográficas, onde sua participação era
condição necessária. Estes projetos de museus e exposições foram se concretizando ao longo
destes últimos quinze anos, são exemplos:
a Embaixada dos Povos da Floresta e o Centro Cultural Indígena Ambá Arandu
(ambos no estado de São Paulo/Brasil);
o centro cultural Museu Aberto do Descobrimento (Santa Cruz de
Cabrália/Bahia/Brasil);
as exposições: “Memórias da Amazônia: Expressões de Identidade e Afirmação
Étnica” (Universidade Federal do Amazonas/Brasil), “Ciência Kayapó - Alternativas
contra a destruição” (Paço Imperial, cidade do Rio de Janeiro/Brasil), “Índios no
Brasil: Alteridade, Diversidade e Diálogo Cultural” (Parque do Ibirapuera/São
Paulo/Brasil)
96
.
A percepção sobre museu se modifica e se transforma, passando para uma concepção de um
local de práticas sociais complexas relacionadas com passado, presente e futuro. Neste
sentido, a instituição museal passa a ser vista como centro conectado à criação artística e
científica, à comunicação, à produção de conhecimento e à preservação da memória (bens e
manifestações culturais), não apenas de um grupo social, mas de toda a diversidade social e
cultural. Esta nova perspectiva de trabalho, de (e com) os museus, conta com a participação
ativa dos grupos indígenas, que querem deixar de ser um objeto musealizável e passarem a
ser, também, eles mesmos agentes organizadores de sua memória.
As experiências realizadas tanto familiarizam os índios com práticas e efeitos museográficos e
museológicos, como, também, se constituíram no prolongamento das tradições indígenas
96
Maior detalhamento destas experiências pode ser encontrado em José R. Bessa FREIRE (2003). Vide
bibliografia.
151
relativas à narrativa, ao ato de colecionar objetos e às atividades de se auto-representar
visualmente.
Neste novo cenário de mobilização política e de mudanças sociais, onde papeis sociais e
culturais são redefinidos, emergem novas vozes no debate com os museus etnográficos que
põe em discussão temas políticos e sociais importantes, que devem ser focalizados para se
considerar as direções futuras destas instituições.
Finalizando, tanto no Museu do Índio quanto em outros museus etnográficos principalmente
aqueles criados a partir da demanda dos grupos indígenas pode-se considerar que se passou
de uma narrativa cristalizadora do "outro" para uma narrativa multivocal, isso porque
conforme Regina Abreu (2005: 101) os "recentes debates em torno da auto-representação dos
povos antes esquadrinhados pelos antropólogos trazem novas práticas de colecionamento,
lançando novos olhares e perspectivas.”.
152
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http://www.pegue.com/
http://www.recid.org.br/
http://www.unesco.org.br
http://www.unicamp.br
160
Anexos
I. Declaração de Quebec – 1984
Princípios de Base de Uma Nova Museologia
Introdução
Um movimento de nova museologia tem a sua primeira expressão pública e internacional em
1972 na “Mesa-Redonda de Santiago do Chile” organizada pelo ICOM. Este movimento
afirma a função social do museu e o caráter global das suas intervenções.
Proposta
1. Consideração de ordem universal
A museologia deve procurar, num mundo contemporâneo que tenta integrar todos os meios de
desenvolvimento, estender suas atribuições e funções tradicionais de identificação, de
conservação e de educação, a práticas mais vastas que estes objetivos, para melhor inserir sua
ação naquelas ligadas ao meio humano e físico.
Para atingir este objetivo e integrar as populações na sua ação, a museologia utiliza-se cada
vez mais da interdisciplinaridade, de métodos contemporâneos de comunicação comuns ao
conjunto da ação cultural e igualmente dos meios de gestão moderna que integram os seus
usuários.
Ao mesmo tempo que preserva os frutos materiais das civilizações passadas, e que protege
aqueles que testemunham as aspirações e a tecnologia atual, a nova museologia
ecomuseologia, museologia comunitária e todas as outras formas de museologia ativa –
interessa-se em primeiro lugar pelo desenvolvimento das populações, refletindo os princípios
motores da sua evolução ao mesmo tempo que as associa aos projetos de futuro.
Este novo movimento põe-se decididamente ao serviço da imaginação criativa, do realismo
construtivo e dos princípios humanitários definidos pela comunidade internacional. Torna-se,
de certa forma, um dos meios possíveis de aproximação entre os povos, do seu conhecimento
próprio e mútuo, do seu desenvolvimento cíclico e do seu desejo de criação fraterna de um
mundo respeitador da sua riqueza intrínseca.
Neste sentido, este movimento, que deseja manifestar-se de uma forma global, tem
preocupações de ordem científica, cultural, social e econômica.
Este movimento utiliza, entre outros, todos os recursos da museologia (coleta, conservação,
investigação científica, restituição, difusão, criação), que transforma em instrumentos
adaptados a cada meio e projetos específicos.
2. Tomada de posição
Verificando que mais de quinze anos de experiências de nova museologia ecomuseologia,
museologia comunitária e todas as outras formas de museologia ativa – pelo mundo foram um
fator de desenvolvimento crítico das comunidades que adotaram este modo de gestão do seu
futuro.
Verificando a necessidade sentida unanimemente pelos participantes nas diferentes mesas de
reflexão e pelos intervenientes consultados, de acentuar os meios de reconhecimento deste
movimento;
161
Verificando a vontade de criar as bases organizativas de uma reflexão comum e das
experiências vividas em vários continentes;
Verificando o interesse em se dotar de um quadro de referência destinado a favorecer o
funcionamento destas novas museologias e de articular em conseqüência os princípios e
meios de ação;
Considerando que a teoria dos Ecomuseus e dos museus comunitários (museus de vizinhança,
museus locais...) nasceu das experiências desenvolvidas em diversos meios durante mais de
15 anos.
É adotado o que se segue:
A - que a comunidade museal internacional seja convidada a reconhecer este movimento, a
adotar e a aceitar todas as formas de museologia ativa na tipologia dos museus;
B - que tudo seja feito para que os poderes públicos reconheçam e ajudem a desenvolver as
iniciativas locais que colocam em aplicação estes princípios;
C - que neste espírito, e no intuito de permitir o desenvolvimento e eficácia destas
museologias, sejam criadas em estreita colaboração as seguintes estruturas permanentes:
Um comitê internacional “Ecomuseus/ Museus comunitários” no quadro do ICOM
(Conselho Internacional de Museus);
Uma federação internacional da nova museologia que poderá ser associada ao ICOM e
ao ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), cuja sede provisória
será no Canadá;
D - que seja formado um grupo de trabalho provisório cujas primeiras ações seriam: a
organização das estruturas propostas, a formulação de objetivos, a aplicação de um plano
trienal de encontros e de colaboração internacional.
Quebec, 12 de Outubro de 1984.
II. Mesa-Redonda de Santiago do Chile ICOM - 1972
I. Princípios de Base do Museu Integral
Os membros da Mesa-Redonda sobre o papel dos museus na América Latina de hoje,
analisando as apresentações dos animadores sobre os problemas do meio rural, do meio
urbano, do desenvolvimento técnico-científico, e da educação permanente, tomaram
consciência da importância desses problemas para o futuro da sociedade na América Latina.
Pareceu-lhes necessário, para a solução destes problemas, que a comunidade entenda seus
aspectos técnicos, sociais, econômicos e políticos. Eles consideraram que a tomada de
consciência pelos museus, da situação atual, e das diferentes soluções que se podem
vislumbrar para melhorá-la, é uma condição essencial para sua integração à vida da sociedade.
Desta maneira, consideraram que os museus podem e devem desempenhar um papel decisivo
na educação da comunidade.
Santiago, 30 de Maio de 1972.
II. Resoluções adotadas pela Mesa-Redonda de Santiago do Chile
1. Por uma mutação do museu da América Latina,
Considerando:
162
Que as transformações sociais, econômicas e culturais que se produzem no mundo, e,
sobretudo em um grande número de regiões em via de desenvolvimento, são um desafio para
a Museologia;
Que a humanidade vive atualmente em um período de crise profunda; que a técnica
permitiu à civilização material realizar gigantescos progressos que não tiveram equivalência
no campo cultural; que esta situação criou um desequilíbrio entre os países que atingiram um
alto nível de desenvolvimento material e aqueles que permaneceram à margem desta
expansão e que foram mesmo abandonados ao longo de sua história; que os problemas da
sociedade contemporânea são devidos a injustiças, e que não é possível pensar em soluções
para estes problemas enquanto estas injustiças não forem corrigidas;
Que os problemas colocados pelo progresso das sociedades no mundo contemporâneo
devem ser pensados globalmente e resolvidos em seus múltiplos aspectos; que eles não
podem ser resolvidos por uma única ciência ou por uma única disciplina; que a escolha das
melhores soluções a serem adotadas, e sua aplicação, não devem ser apanágio de um grupo
social, mas exigem ampla e consciente participação e pleno engajamento de todos os setores
da sociedade;
Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que
possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das
comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades
na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas
atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em
curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais;
Que esta nova concepção não implica na supressão dos museus atuais, nem na renúncia
aos museus especializados, mas que se considera que ela permitirá aos museus se
desenvolverem e evoluírem da maneira mais racional e mais lógica, a fim de melhor servir à
sociedade; que, em certos casos, a transformação prevista ocorrerá lenta e mesmo
experimentalmente, mas que, em outros, ela poderá ser o princípio diretor essencial;
Que a transformação das atividades dos museus exige a mudança progressiva da
mentalidade dos conservadores e dos responsáveis pelos museus assim como das estruturas
das quais eles dependem; que, de outro lado, o museu integral necessitará, a título permanente
ou provisório, da ajuda de especialistas de diferentes disciplinas e de especialistas de ciências
sociais.
Que por suas características particulares, o novo tipo de museu parece ser o mais
adequado para uma ação em nível regional, em pequenas localidades, ou de médio tamanho;
Que, tendo em vista as considerações expostas acima, e o fato do museu ser uma
"instituição a serviço da sociedade, que adquire, comunica, e notadamente expõe, para fins de
estudo, conservação, educação e cultura, os testemunhos representativos da evolução da
natureza e do homem", a Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje,
convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972,
Decide de uma maneira geral
1. Que é necessário abrir o museu às disciplinas que não estão incluídas no seu âmbito de
competência tradicional, a fim de conscientizá-lo do desenvolvimento antropológico, sócio-
econômico e tecnológico das nações da América Latina, através da participação de
consultores para a orientação geral dos museus;
163
2. Que os museus devem intensificar seus esforços na recuperação do patrimônio cultural,
para fazê-lo desempenhar um papel social e evitar que ele seja dispersado fora dos países
latino-americanos;
3. Que os museus devem tornar suas coleções o mais acessível possível aos pesquisadores
qualificados, e também, na medida do possível, às instituições públicas, religiosas e privadas;
4. Que as cnicas museográficas tradicionais devem ser modernizadas para estabelecer
uma melhor comunicação entre o objeto e o visitante; que o museu deve conservar seu caráter
de instituição permanente, sem que isto implique na utilização de técnicas e de materiais
dispendiosos e complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdício incompatível
com a situação dos países latino-americanos;
5. Que os museus devem criar sistemas de avaliação que lhes permitam determinar a
eficácia de sua ação em relação à comunidade;
6. Que, levando em consideração os resultados da pesquisa sobre as necessidades atuais
dos museus e sua carência de pessoal, a ser realizada sob os auspícios da UNESCO, os
centros de formação de pessoal existentes na América Latina devem ser aperfeiçoados e
desenvolvidos pelos próprios países; que esta rede de centros de formação deve ser
completada e sua influência se fazer sentir no plano regional; que a reciclagem de pessoal
atual deve ser garantida em nível nacional e regional; e que lhe seja dada a possibilidade de
aperfeiçoamento no estrangeiro.
Em relação ao meio rural
Que os museus devam, acima de tudo, servir à conscientização dos problemas do meio rural,
das seguintes maneiras:
a) Exposição de tecnologias aplicáveis ao aperfeiçoamento da vida da comunidade;
b) Exposições culturais propondo soluções diversas ao problema do meio social e
tecnológico, a fim de proporcionar ao público uma consciência mais aguda sobre estes
problemas, e reforçar as relações nacionais, a saber:
I. Exposições relacionadas com o meio rural nos museus urbanos;
II. Exposições itinerantes;
III. Criação de museus de sítios.
Em relação ao meio urbano
Que os museus devam servir à conscientização mais profunda dos problemas do meio urbano,
das seguintes maneiras:
a) Os "museus de cidade" deverão insistir de modo particular no desenvolvimento urbano
e nos problemas que ele coloca, tanto em suas exposições quanto em seus trabalhos de
pesquisa;
b) Os museus deverão organizar exposições especiais ilustrando os problemas do
desenvolvimento urbano contemporâneo;
c) Com a ajuda dos grandes museus, deverão ser organizadas exposições, e criados
museus em bairros e nas zonas rurais, para informar os habitantes das vantagens e
inconvenientes da vida nas grandes cidades;
d) Deverá ser aceita a oferta do Museu Nacional de Antropologia do México, de
experimentar, através de uma exposição temporária sobre a América Latina, as técnicas
museológicas do museu integral.
164
Em relação ao desenvolvimento científico e técnico
Que os museus devem levar à conscientização da necessidade de um maior desenvolvimento
científico e técnico, das seguintes maneiras:
a) Os museus estimularão o desenvolvimento tecnológico, levando em consideração a
situação atual da comunidade;
b) Na ordem do dia das reuniões dos ministros de educação e (ou) das organizações
especialmente encarregadas do desenvolvimento científico e técnico, deverá ser inscrita a
utilização dos museus como meio de difusão dos progressos realizados nestas áreas;
c) Os museus deverão dar enfoque à difusão dos conhecimentos científicos e técnicos, por
meio de exposições itinerantes que deverão contribuir para a descentralização de sua ação.
Em relação à educação permanente
Que o museu, agente incomparável da educação permanente da comunidade, deverá acima de
tudo desempenhar o papel que lhe cabe, das seguintes maneiras:
a) Um serviço educativo deverá ser organizado nos museus que ainda não o possuem, a
fim de que eles possam cumprir sua função de ensino; cada um desses serviços será dotado de
instalações adequadas e de meios que lhe permitam agir dentro e fora do museu;
b) Deverão ser integrados à política nacional de ensino, os serviços que os museus
deverão garantir regularmente;
c) Deverão ser difundidos nas escolas e no meio rural, através dos meios audiovisuais, os
conhecimentos mais importantes;
d) Deverá ser utilizado na educação, graças a um sistema de descentralização, o material
que o museu possuir em muitos exemplares;
e) As escolas serão incentivadas a formar coleções e a montar exposições com objetos do
patrimônio cultural local;
f) Deverão ser estabelecidos programas de formação para professores dos diferentes níveis
de ensino (primário, secundário, técnico e universitário).
As presentes recomendações confirmam aquelas que puderam ser formuladas ao longo dos
diferentes seminários e mesas-redondas sobre museus, organizadas pela UNESCO.
Pela criação de uma Associação Latino Americana de Museologia
Considerando,
Que os museus são instituições a serviço da sociedade, que adquire, comunica e,
notadamente, expõe, para fins de estudo, educação e cultura, os testemunhos representativos
da evolução da natureza e do homem;
Que, especialmente nos países latino-americanos, eles devem responder às necessidades
das grandes massas populares, ansiosas por atingir uma vida mais próspera e mais feliz,
através do conhecimento de seu patrimônio natural e cultural, o que obriga frequentemente os
museus a assumir funções que, em países mais desenvolvidos, cabem a outros organismos;
Que os museus e os museólogos latino-americanos, com raras exceções, sofrem
dificuldades de comunicação em razão das grandes distâncias que os separam um do outro, e
do resto do mundo;
Que a importância dos museus e as possibilidades que eles oferecem à comunidade ainda
não são plenamente reconhecidas por todas as autoridades, nem por todos os setores do
público;
165
Que durante a oitava e a nona conferência geral do ICOM, que ocorreram,
respectivamente, em Munique em 1968, e em Grenoble em 1971, os museólogos latino
americanos que estiveram presentes indicaram a necessidade de criação de um organismo
regional;
A Mesa-Redonda sobre o papel dos museus da América Latina de hoje, convocada pela
UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972,
Decide:
1. Criar a Associação Latino Americana de Museologia (ALAM), aberta a todos os museus,
museólogos, museógrafos, pesquisadores e educadores empregados pelos museus com os
objetivos e através das seguintes maneiras:
Dotar a comunidade regional de melhores museus, concebidos à luz da experiência
adquirida nos países latino americanos;
Constituir um instrumento de comunicação entre os museus e os museólogos latino
americanos;
Desenvolver a cooperação entre os museus da região graças ao intercâmbio e empréstimo
de coleções e ao intercâmbio de informações e de pessoal especializado;
Criar um organismo oficial que faça conhecer os desejos e a experiência dos museus e de
seu pessoal aos membros da profissão, à comunidade a qual eles pertencem, às autoridades e a
outras instituições congêneres;
Afiliar a Associação Latino Americana de Museologia ao Conselho Internacional de
Museus, adotando uma estrutura na qual seus membros sejam ao mesmo tempo membros do
ICOM;
Dividir, para fins operacionais, a Associação Latino Americana de Museologia em quatro
seções correspondentes provisoriamente às regiões e países seguintes:
- América Central, Panamá, México, Cuba, o Domingos, Porto Rico, Haiti e Antilhas
Francesas.
- Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia.
- Brasil.
- Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
2. Que os abaixo-assinados, participantes da Mesa-Redonda de Santiago do Chile, se
constituem em Comitê de Organização da Associação Latino Americana de Museologia, e
notadamente em um Grupo de Trabalho composto de cinco pessoas, quatro dentre elas
representando cada uma das zonas acima enumeradas, e a quinta desempenhando o papel de
coordenador geral; que este Grupo de Trabalho terá como objetivo, no prazo máximo de seis
meses, elaborar o Estatuto e os regulamentos da associação; definir com o ICOM as formas de
ação conjunta; organizar eleições para a constituição dos diversos órgãos da ALAM;
estabelecer a sede desta associação, provisoriamente, no Museu Nacional de Antropologia do
México; compor este grupo de trabalho com as seguintes pessoas, representando suas zonas
respectivas:
- Zona 1: Luis Diego Pígnataro (Costa Rica),
- Zona 2: Alicia Durand de Reichel (Colômbia),
- Zona 3: Lygia Martins Costa (Brasil), e
- Zona 4: Grete Mostny Glaser (Chile); coordenador: Mario Vasquez (México).
Santiago, 31 de Maio de 1972.
166
III. Recomendações apresentadas à UNESCO pela Mesa-Redonda de Santiago do Chile
À Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje, convocada pela
UNESCO em Santiago do Chile, de 20 e 21 de maio de 1972, apresenta à UNESCO as
seguintes recomendações:
1. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-redonda foi a definição e a
proposição de um novo conceito de ação dos museus: o museu integral, destinado a
proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural. Ela sugere
que a UNESCO utilize os meios de difusão que se encontram à sua disposição para incentivar
esta nova tendência.
2. A UNESCO prosseguiria e intensificaria seus esforços para contribuir com formação de
técnicos de museus - tanto no nível de ensino secundário quanto ao do universitário, como ela
tem feito, até agora, no Centro Regional "Paul Coreanas".
3. A UNESCO incentivará a criação de um Centro Regional para a preparação e a
conservação de espécimes naturais, do qual o atual Centro Nacional de Museologia de
Santiago poderá se constituir em núcleo original. Além de sua função de ensino (formação
técnica) e de sua função profissional no campo da museologia (preparação de conservação de
espécimes naturais), e de produção de material de ensino, este Centro Regional poderá
desempenhar um papel importante na proteção das riquezas naturais.
4. A UNESCO deverá conceder bolsas de estudo e de aperfeiçoamento para técnicos de
museus com instrução de nível secundário.
5. A UNESCO deverá recomendar aos ministérios de Educação e de Cultura e (ou) aos
organismos encarregados de desenvolvimento científico, técnico e cultural, que considerem os
museus como um meio de difusão dos progressos realizados naquelas áreas.
6. Em razão da importância do problema da urbanização na América Latina e da
necessidade de esclarecer a sociedade a este respeito, em diferentes níveis, a UNESCO deverá
encorajar a redação de um livro sobre a história, o desenvolvimento e os problemas das
cidades na América Latina, o qual seria publicado sob forma de obra científica e sob forma de
obra de divulgação. Para atingir um público mais vasto, a UNESCO deverá produzir um filme
sobre esta questão, adequado a todos os tipos de público.
III. Decreto-Lei Nº. 25, de 30 de Novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe
confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
CAPÍTULO I - DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
Art. Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e
imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
167
§ Os bens a que se refere o presente artigo serão considerados parte integrante do
patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num
dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a
tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar
e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo
indústria humana.
Art. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às
pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Exclúem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no País;
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira
no País;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civil, e que
continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos
respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre
trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II - DO TOMBAMENTO
Art. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do
Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às
categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as
mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes
aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente
artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da
presente lei.
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de
ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas
deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada,
a fim de produzir os necessários efeitos.
Art. O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito
privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. 7º Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se
revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e
168
Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que
se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à
inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente,
notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar
do recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo
as razões de sua impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se
proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de
outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim
de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao
Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá
decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa
decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. desta lei, será considerado
provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou
concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento
provisório se equiparará ao definitivo.
CAPÍTULO III - DOS EFEITOS DO TOMBAMENTO
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios,
inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de
pessoas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do
órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os
devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da
transcrição do domínio.
§ No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata este artigo, deverá o
adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o
respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou
causa mortis.
§ Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e
sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma
pena.
169
Art. 14. A. coisa tombada não poderá sair do País, senão por curto prazo, sem transferência de
domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do País,
da coisa tombada, será esta seqüestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.
§ Apurada a responsabilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cinqüenta por
cento do valor da coisa, que permanecerá seqüestrada em garantia do pagamento, e até que
este se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dobro.
§ A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de incidir na multa a que se
referem os parágrafos anteriores, incorrerá, nas penas cominadas no Código Penal para o
crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado, o respectivo proprietário
deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sobre o valor da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou
mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por
cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a
autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a
visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra
ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo
objeto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não depuser de recursos para proceder às obras
de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de
multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela
mesma coisa.
§ Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo
as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a
desapropriação da coisa.
§ À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o
proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação
em qualquer coisa tombada, podeo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da
comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que for julgado conveniente,
não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob
pena de multa de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.
170
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. desta lei são equiparados
aos cometidos contra o patrimônio nacional.
CAPÍTULO IV - DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a
pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o
direito de preferência.
§ Tal alienação não será permitida, sem que previamente sejam os bens oferecidos, pelo
mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O
proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta
dias, sob pena de perdê-lo.
§ É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando
qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a
multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela
solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que
conceder o seqüestro, o qual será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos
titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias.
§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de
penhor, anticrese ou hipoteca.
§ Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, previamente, os
titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os
editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não
lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as
pessoas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir.
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em que os
bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto
do arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extrair a carta, enquanto não
se esgotar este prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do
direito de preferência.
CAPÍTULO V - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados,
para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar
sobre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de obras históricas e artísticas de
sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes,
tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim
providenciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com
finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com
as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessoas naturais
o jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio
histórico e artístico nacional.
171
Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de
manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar
semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica à dos
mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão competente
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na multa de
cinqüenta por cento sobre o valor dos objetos vendidos.
Art. 28. Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser
posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido previamente
autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o
mesmo se louvar, sob pena de multa de cinqüenta por cento sobre o valor atribuído ao objeto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento de
uma taxa de peritagem de cinco por cento sobre o valor da coisa, se este for inferior ou
equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou fração, que
exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência gosa de privilégio especial sobre o valor produzido
em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude de
infrações da presente lei.
Parágrafo único. terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este artigo os créditos
inscritos no registro competente, antes do tombamento da coisa pelo Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e 49º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
IV. Constituição da República Federativa do Brasil
Título VIII - Da Ordem Social
Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto
Seção II - Da Cultura
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais.
§ - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os
diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao
desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
(Incluído pela Emenda Constitucional nº. 48, de 2005)
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº. 48, de 2005)
II produção, promoção e difusão de bens culturais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº.
48, de 2005)
1
72
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº. 48, de 2005)
IV democratização do acesso aos bens de cultura; (Incluído pela Emenda Constitucional nº.
48, de 2005)
V valorização da diversidade étnica e regional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 48,
de 2005)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores
culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências
históricas dos antigos quilombos.
§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à
cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de
programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído
pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003)
I - despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 42, de
19.12.2003)
II - serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003)
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações
apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003).
V. Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV,
e tendo em vista o disposto no art. 14 da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998,
D E C R E T A :
173
Art. Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro.
§ 1º Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer
enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a
vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida
social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e
demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2º A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade
histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da
sociedade brasileira.
§ 3º Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de
natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos
livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo.
Art. 2º São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro:
I - o Ministro de Estado da Cultura;
II - instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
IV - sociedades ou associações civis.
Art. As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica, serão
dirigidas ao Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN,
que as submeterá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 1º A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo IPHAN.
§ 2º A instrução constará de descrição pormenorizada do bem a ser registrado,
acompanhada da documentação correspondente, e deverá mencionar todos os elementos que
lhe sejam culturalmente relevantes.
§ A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos do Ministério da Cultura,
pelas unidades do IPHAN ou por entidade, pública ou privada, que detenha conhecimentos
específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser expedido pelo Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 4º Ultimada a instrução, o IPHAN emitirá parecer acerca da proposta de registro e enviará o
processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, para deliberação.
§ O parecer de que trata o parágrafo anterior será publicado no Diário Oficial da União,
para eventuais manifestações sobre o registro, que deverão ser apresentadas ao Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural no prazo de até trinta dias, contados da data de publicação
do parecer.
Art. O processo de registro, instruído com as eventuais manifestações apresentadas, será
levado à decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Art. Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o bem
será inscrito no livro correspondente e receberá o título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
174
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural determinar a
abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro, em atendimento ao disposto nos
termos do § 3o do art. 1o deste Decreto.
Art. 6º Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de
dados com o material produzido durante a instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez
anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a
revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como referência
cultural de seu tempo.
Art. Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política específica de
inventário,referenciamento e valorização desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de noventa dias, as bases para
o desenvolvimento do Programa de que trata este artigo.
Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 4 de agosto de 2000; 179o da Independência e 112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Francisco Weffort
VI. Decreto N. 10.652 - de 16 de Outubro de 1942
Aprova o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios, do Ministério da Agricultura
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, letra a, da
Constituição, decreta:
Art. Fica aprovado o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios (S.P.I.) que, assinado
pelo Ministro de Estado da Agricultura, com este baixa.
Art. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições
contrárias.
Rio de Janeiro, em 16 de outubro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.
Getulio Vargas.
Apolônio Salles.
VII. Decreto Nº. 52.668, de 11 de Outubro de 1963.
Aprova o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios, do Ministério da Agricultura.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 87, item I,
da Constituição, decreta:
175
Art. Fica aprovado o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios, do Ministério da
Agricultura, que com este baixa, assinado pelo Ministro de Estado.
Art. O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Brasília, 11 de outubro de 1963; 142º da Independência e 75º da República.
João Goulart
Oswaldo Lima Filho
Regimento do Serviço de Proteção aos Índios
CAPÍTULO I - DA FINALIDADE
Art. O Serviço de Proteção aos Índios (S.P.I.), reorganizado no Ministério da Agricultura,
pelos decretos-leis ns. 1.736, de 3 de novembro de 1939, e 1.886, de 15 de dezembro de 1939,
tem a sua sede na Capital Federal, é diretamente subordinado ao Ministro da Agricultura e
tem por fim:
a) prestar ao índio proteção e assistência, amparando-lhe a vida, a liberdade e propriedade,
defendendo-o do extermínio, resguardando-o da opressão e da espoliação, bem como
abrigando-o da miséria, educando-o e instruindo-o, quer viva aldeado, em tribos, ou
promiscuamente, com civilizados;
b) garantir a efetividade da posse das terras ocupadas pelo índio;
c) utilizar os meios mais eficazes para evitar que os civilizados invadam as terras do índio;
d) conservar e fazer respeitar a organização interna das tribos, sua independência, seus
hábitos, línguas e instituições, não intervindo para alterá-los, a não ser que ofendam a moral
ou prejudiquem os interesses do índio ou de terceiros;
e) promover a punição dos crimes que se cometerem contra o índio;
f) garantir o respeito à família indígena, promovendo a punição dos que a violarem ou
tentarem violar;
g) procurar estabelecer a paz entre as tribos, impedindo hostilidades entre as mesmas;
h) dar ao índio ensinamentos úteis, procurando despertar nele os sentimentos nobres, incutir-
lhe a idéia de que faz parte da nação brasileira e, ao mesmo tempo, prestigiar as suas próprias
tradições e manter nele, bem vivo, o orgulho de sua raça e de sua tribo;
i) criar um ambiente de respeito recíproco entre o índio e o civilizado;
j) exercer sobre o índio, de qualquer categoria, na forma da legislação vigente, a tutela que lhe
deve ser prestada pelo Estado, zelando pela preservação, conservação e desenvolvimento de
seu patrimônio;
l) envidar esforços por melhorar as condições materiais da vida indígena, despertando o gosto
do índio para a agricultura e indústrias rurais;
m) promover, em colaboração com os órgãos próprios, a exploração das riquezas naturais, das
indústrias extrativas ou de quaisquer outras fontes de rendimento, relacionadas com o
patrimônio indígena ou dele provenientes no sentido de assegurar, quando oportuno, a
emancipação econômica das tribos;
n) proceder ao estudo e investigação das origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e costumes
do índio brasileiro, bem como efetuar o levantamento da estatística geral das populações
indígenas;
o) estudar as regiões onde houver tribos, do ponto de vista geográfico e econômico, e fazer a
demarcação das terras pertencentes ao índio, conforme determina o art. 154 da Constituição;
176
p) criar postos, visando atrair o índio e fixá-lo pela cultura sistemática da terra e
estabelecimento das indústrias rudimentares mais necessárias.
Parágrafo único. Para pleno desempenho de suas finalidades, poderá o S.P.I. requisitar das
autoridades federais, estaduais e municipais auxílios que se tornarem necessários, inclusive
forças militares, para manutenção da ordem ou captura dos que cometerem delitos contra o
índio ou sua propriedade.
CAPÍTULO II - DA ORGANIZAÇÃO
Art. 2º O S.P.I. compreende, na sede:
Secção de Estados (S. E.)
Secção de Orientação e Fiscalização (S.O.F.)
Secção de Administração (S.A.)
e no território nacional:
Inspetorias Regionais (I. R.)
Postos Indígenas (P.I.)
Art. 3º As I.R. serão em número de 8, assim discriminadas:
a) Inspetoria Regional (I.R. 1). com sede em Manaus (Amazonas) e jurisdição sobre o
Estado do Amazonas e Território do Acre;
b) 2ª Inspetoria Regional (I.R. 2), com sede em Belém (Pará) e jurisdição sobre os Estados do
Pará e Maranhão;
c) 3ª Inspetoria Regional (I.R. 3), com sede em S. Luiz (Maranhão) e jurisdição sobre parte do
Estado do Maranhão;
d) 4ª Inspetoria Regional (I.R. 4), com sede em Salvador (Baía) e jurisdição sobre o Estado da
Baía, Pernambuco, Paraíba e Minas Goiás;
e) Inspetoria Regional (I.R. 5), com sede em Campo Grande (Mato Grosso) e jurisdição
sobre os Estados de S. Paulo e sul de Mato Grosso;
f) 6ª Inspetoria Regional (I.R. 6), com sede em Cuiabá (Mato Grosso) e jurisdição sobre o
centro e norte do Estado de Mato Grosso;
g) 7ª Inspetoria Regional (I.R. 7), com sede em Curitiba (Paraná) e jurisdição sobre os
Estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul;
h) Inspetoria Regional (I.R. 8), com sede em Goiás (Goiás) e jurisdição sobre o Estado de
Goiás.
Art. Alem dos postos indígenas existentes, o diretor do S.P.I. poderá instituir outros em
zonas onde se faça sentir a necessidade de assistência ao índio.
Parágrafo único. Os postos indígenas existentes e o que vierem a ser instituídos poderão
deslocar-se de um ponto para outro, por determinação do diretor do S.P.I.
Art. 5º O diretor do S.P.I. terá um secretário, por ele designado.
Art. As Secções serão chefiadas, por funcionários designados pelo diretor do S.P.I. ou por
extranumerários especialmente admitidos para tais funções.
Art. As Inspetorias Regionais serão chefiadas, mediante designação do diretor do S.P.I.,
por funcionários ou extranumerários especialmente admitidos para tais funções, e os Postos
Indígenas terão encarregados, também designado pelo diretor.
CAPÍTULO III - DA COMPETÊNCIA DOS ORGÃOS
Art. 8º À S.E. compete:
177
a) estudar, sob o ponto de vista geográfico e econômico, as regiões habitadas por índios e
fazer levantamentos estatísticos das populações indígenas, classificando-as por agrupamentos
lingüísticos ou culturais, bem como pela respectiva distribuição pelos Postos;
b) realizar estudos e investigações sobre as origens, línguas, ritos, tradições, hábitos e
costumes do índio, promovendo a divulgação dos resultados obtidos;
c) realizar trabalhos fotográficos, cinematográficos, gravação de discos e cinematografia
sonora, não só para documentação como para estudos etnográficos;
d) cooperar com o Museu Nacional nos estudos etnográficos;
e) estudar e solucionar questões relativas a terras do índio;
f) estudar, permanentemente, o processo de assistência ao índio;
g) estudar e projetar o tipo de habitação a ser construída para o índio;
h) manter um museu na sede e mostruários nas Inspetorias, com artefatos, filmes
cinematográficos, gravações sonoras e documentação fotográfica sobre o índio e sobre as
realizações que em seu benefício sejam levadas a efeito pelo S.P.I.
i) promover a divulgação dos vários aspectos da vida indígena, através de conferências
ilustradas e exposições, despertando o interesse do público pelo índio;
j) cooperar com as universidades e colégios, fornecendo documentação material ilustrativo
para ensino;
l) guardar e conservar livros, mapas e publicações, mantendo os registros e catálogos
necessários;
m) manter arquivo de projetos ou plantas de construção de casas para índios, estradas, pontes
e outras obras executadas.
Art. 9º A S.O.F. compete:
a) orientar e fiscalizar todos os trabalhos de assistência ao índio, e cargo das Inspetorias, bem
como os serviços especiais, extraordinários e obras que se levarem a efeito em benefício dele;
b) elaborar, anualmente, o programa de trabalhos;
c) estudar e justificar medidas tendentes à criação de Inspetorias e Postos, bem como a
respectiva mudança de sede;
d) promover construção de estradas, ligando as tribos aos centros de consumo e a outros de
interesse econômico;
e) propor ao diretor, mediante requisição do chefe da Inspetoria competente, o recolhimento à
colônia disciplinar ou, na sua falta, ao Posto Indígena designado pelo diretor, e pelo tempo
que este determinar, nunca excedente a 5 anos, de índio que, por infração ou mau
procedimento, agindo com discernimento, for considerado prejudicial à comunidade indígena
a que pertencer ou mesmo às populações vizinhas, indígenas ou civilizadas;
f) organizar os inventários e a escrituração dos bens do patrimônio nacional e do índio,
fiscalizando, nos Estados, a sua gestão;
g) manter um registro e controle do material adquirido na sede do S.P.I. e destinado às
Inspetorias e Postos;
h) manter um registro e controle de todo o material adquirido pelas Inspetorias e Postos, tendo
em vista os documentos de despesas efetuadas à conta doa sub-adiantamentos aos inspetores e
encarregados de Postos;
i) estipular os períodos em que as Inspetorias e Postos deverão remeter, para o devido
controle, os mapas demonstrativos de carga e descarga do material e semovente, para o
registro de que trata a alínea h;
178
j) efetuar o levantamento e registro de todos os Postos que produzem renda proveniente de
lavoura, criação, indústria extrativa ou exploração do subsolo, bem como o de outros
proventos oriundos de fontes diversas e que constituem o patrimônio do índio, afim de que
seja efetuada a respectiva contabilização e controle de sua aplicação;
l) promover, em colaboração com os órgãos próprios, a exploração das riquezas naturais, das
indústrias extrativas ou de quaisquer outras fontes de rendimento, relacionadas com o
patrimônio indígena dele provenientes, no sentido de assegurar, quando oportuno, a
emancipação econômica das tribos;
m) fiscalizar o emprego dessas rendas;
n) manter a escrituração dos adiantamentos recebidos e despesas que forem efetuadas por
conta dos créditos distribuídos ao S.P.I.;
o) controlar a aplicação dos suprimentos distribuídos às dependências do S. P. I. nos Estados,
exigindo as respectivas prestações de contas, nos prazos fixados pelo responsável pelo
adiantamento, propondo ao diretor apuração de responsabilidades e aplicação em cada caso,
das penalidades cominadas pela legislação em vigor, quando a apresentação de tais prestações
à Secção não for feita nos prazos determinados;
p) publicar o Boletim do S.P.I..
Art. 10 À S.A. compete:
a) receber, registrar, distribuir e arquivar papéis recebidos e expedir a correspondência da
repartição;
b) atender às partes e prestar-lhes informações sobre andamento de papéis;
c) zelar pela guarda, conservação e asseio do edifício;
d) promover a aquisição do material necessário à sede do S.P.I. e do especialmente destinado
ao serviço nos Estados e que deva ser adquirido nesta Capital;
e) zelar pela guarda e conservação do material;
f) atender às despesas miúdas de pronto pagamento;
g) organizar o fichário do pessoal;
h) remeter à Divisão de Pessoal do Departamento de Administração todos os dados que digam
respeito aos servidores do S.P . I.;
i) organizar a proposta orçamentária, tendo em vista o programa anual de trabalho.
Parágrafo único. A S.A. observará as normas e métodos de trabalho prescritos pelo
Departamento de Administração do Ministério da Agricultura.
Art. 11 As I.R. compete:
a) executar ou fazer executar, por intermédio dos Postos, as medidas de proteção, assistência e
educação do índio, amparando-lhe a vida, a liberdade e propriedade. defendendo-o do
extermínio, na conformidade das instruções que forem expedidas pelo diretor;
b) atrair e pacificar por intermédio dos Postos, o índio que viver em estado selvagem;
c) fazer exercer vigilância sobre os sertões ou terras fronteiras habitadas por índio;
d) zelar pelo rigoroso cumprimento das medidas de assistência a cargo dos Postos sob sua
jurisdição;
e) superintender os serviços dos Postos;
f) manter em dia a escrituração dos suprimentos de numerário recebido, despesas e
pagamentos efetuados;
g) proceder ao inventário, registro e escrituração dos bens pertencentes ao patrimônio
nacional e do índio, existentes nas respectivas sedes, e zelar para que igual escrituração seja
feita e se mantenha em dia nos postos indígenas sob sua jurisdição;
179
h) fazer à S.O.F., quando for necessário, a requisição de que trata a alínea e do art. 9º.
Art. 12 Aos Postos Indígenas compete:
a) atrair as tribos arredias ou hostis, impedindo hostilidades entre as mesmas e estabelecendo
entre elas relações amistosas;
b) conservar e fazer respeitar a organização interna das tribos, sua independência, seus
hábitos, línguas e instituições, não intervindo para alterá-los, a não ser que ofendam a moral
ou prejudiquem os interesses do índio ou de terceiros;
c) exercer sobre o índio, de qualquer categoria, na forma da legislação vigente, a tutela que
lhe deve ser prestada pelo Estado, resguardando-o da opressão e da expoliação;
d) criar um ambiente de respeito recíproco entre o índio e o civilizado;
e) não permitir violência contra o índio, promovendo a punição dos crimes que se cometerem
contra ele, garantindo o respeito à família indígena e promovendo a punição dos que a
violarem ou tentarem violar;
f) garantir a efetividade da posse das terras ocupadas pelo índio, impedindo, pelos meios
legais e policiais ao seu alcance, que as populações civilizadas ataquem-no ou invadam suas
terras, e comunicando às autoridades os fatos dessa natureza que ocorrerem;
g) fiscalizar a entrada, para o sertão, de pessoas estranhas ao serviço e velar pela fronteira
próxima, de acordo com as instruções que lhes forem expedidas;
h) informar à I.R. das ocorrências extraordinárias ou imprevistas;
i) executar, rigorosamente, as instruções baixadas pela I.R. ou diretamente pelo diretor;
j) zelar pela preservação e conservação do material e demais bens do patrimônio nacional e do
índio, confiados à sua guarda, mantendo em dia a sua escrituração e prestancia contas, ao
chefe da Inspetoria, da respectiva gestão e dos suprimentos recebidos ou ao diretor, quando
pelo mesmo tenham sido feitos os aludidos suprimentos;
l) proceder a demarcação das terras pertencentes ao índio, conforme determina o art. 154 da
Constituição;
m) manter escolas para o índio;
n) dar ao índio ensinamentos úteis, procurando despertar nele os sentimentos nobres, incutir-
lhe a idéia de que faz parte da nação brasileira e, ao mesmo tempo, prestigiar as suas próprias
tradições e manter nele, bem vivo, o orgulho de sua raça e de sua tribo;
o) prestar ao índio assistência sanitária, fazendo-o observar práticas higiênicas;
p) conduzir o índio ao trabalho por meios persuasivos;
q) combater o nomadismo e fixar as tribos, despertando o gosto do índio para a agricultura e
indústrias rurais e assegurando, pelo incremento das mesmas e da pecuária, uma base sólida à
vida econômica do índio;
r) manter trabalho e instituições de lavoura e pecuária em grau condizente com o nível do
índio, aperfeiçoando a técnica, à medida que o índio for evoluindo socialmente;
s) envidar esforços para melhorar as condições materiais da vida indígena, fornecendo ao
índio, quando for necessário, roupas, alimentação, instrumentos de trabalho, sementes,
animais e outros recursos;
t) incentivar a construção de casas para o índio, empregando-o, persuasivamente, nesse
mister;
u) manter o índio da fronteira dentro do nosso território.
Parágrafo único. As atividades enumeradas neste artigo serão atribuídas aos Postos Indígenas,
conforme sua importância, mediante Instruções expedidas pelo diretor do S.P.I.
180
CAPÍTULO IV - DAS ATRIBUIÇÕES DOS FUNCIONÁRIOS E EXTRANUMERÁRIOS
Art. 13 Ao diretor incumbe:
a) coordenar os órgãos do S.P.I., estabelecendo entre eles a mais estreita colaboração,
orientando e fiscalizando os trabalhos, tanto na sede como nos Estados;
b) propor ao Ministro de Estado as medidas que julgar convenientes à eficiência dos serviços;
c) opinar em assuntos que, ligados às atividades do S.P.I., devam ser Despachados pelo
Ministro de Estado;
d) resolver todos os assuntos, questões e papéis que digam respeito às atividades do S.P.I. e
que não dependam de aprovação do Ministro de Estado;
e) organizar e submeter, anualmente, à aprovação do Ministro de Estado, o plano de trabalho
do S.P.I.;
f) apresentar, anualmente, ao Ministro de Estado, o relatório do S.P.I.; designar o seu
secretário e os chefes de Secção, das Inspetorias, bem como os encarregados de Postos,
mediante proposta dos chefes de Inspetoria;
h) movimentar o pessoal, de acordo com as necessidades do serviço, respeitada a lotação;
i) arbitrar ajudas de custo, diárias e gratificações, na forma da legislação;
j) aprovar a escala de férias anuais;
l) impor penas disciplinares de sua competência, representando ao Ministro de Estado quando
a penalidade não for de sua alçada;
m) determinar a instauração de processo administrativo;
n) expedir instruções e ordens de serviço;
o) exigir prestação de contas dos seus subordinados;
p) prestar, ao Ministro de Estado, contas da gestão do patrimônio indígena;
q) inspecionar os trabalhos do S.P.I. em todo o País;
r) determinar horários de trabalhos.
Art. 14 Aos chefes de Secção incumbe:
a) dirigir a Secção e executar os trabalhos afetos à mesma;
b) manter estreita colaboração entre as Secções;
c) inspecionar as dependências do S.P.I. nos Estados;
d) organizar escalas de férias do pessoal, submetendo-as à aprovação do diretor;
e) impor ao pessoal que lhe for subordinado as penas de advertência e repreensão. recorrendo
ao diretor quando for caso de penalidade maior;
f) cumprir as instruções do diretor;
g) apresentar ao diretor, mensalmente, um boletim dos trabalhos realizados e, anualmente, um
relatório circunstanciado dos serviços executados pela Secção.
Art. 15 Aos chefes das Inspetorias incumbe:
a) superintender os serviços a cargo das Inspetorias;
b) fiscalizar os Postos sob sua jurisdição;
c) seguir as instruções baixadas pelo diretor e pelas Secções do S.P.I,
d) prestar contas ao responsável pelos adiantamentos, sobre os suprimentos recebidos e
despesas efetuadas;
e) prestar contas à S.O.F sobre o material e ciemas bens do patrimônio nacional e do índio,
sob sua guarda;
f) prestar contas, diretamente ao diretor, quando por este tenham sido feitos os suprimentos:
g) admitir, pagar e dispensar o pessoal assalariado, mediante autorização expressa do diretor;
h) exigir prestação de contas dos Encarregados de Postos.
181
Art. 16 Aos encarregados dos Postos incumbe dirigir os serviços respectivos, seguindo,
rigorosamente as ordens que forem baixadas pelas Inspetorias ou diretamente pelo diretor.
Art. 17 O servidor responsável pelos adiantamentos fará a distribuição dos suprimentos,
mediante ordens de serviço baixadas pelo diretor e publicadas no Boletim do S.P.I.
Art. 18 Ao servidor responsável por adiantamentos compete o preparo da respectiva prestação
de contas.
Parágrafo único. Quando pelos adiantamentos for responsável o diretor, este designará um
servidor para organizar a respectiva prestação de contas.
Art. 19 Aos funcionários, extranumerários e servidores em geral, incumbe desempenhar todas
as atribuições que lhes forem determinadas seus superiores hierárquicos.
CAPÍTULO V - DA LOTAÇÃO
Art. 20 O S.P.I. terá a lotação que for oportunamente aprovada decreto.
Parágrafo único. A lotação do pessoal admitido para os serviços nas inspetorias e Postos
Indígenas, nos Estados, constará das respectivas tabelas numéricas.
CAPÍTULO VI - DO HORÁRIO
Art. 21 O horário do S.P.I., na sede, será, no mínimo, de seis horas diárias, exceto aos
sábados, quando poderá ser de três horas.
§ Na sede e nas Inspetorias, em trabalhos de limpeza, o horário atenderá às conveniências
dos serviços, obedecendo instruções especiais que serão baixadas, sendo, no mínimo, de
quarenta e quatro horas semanais.
§ Nos Postos Indígenas, em viagens, expedições e determinados trabalhos especiais, o
horário ficará condicionado à natureza desses serviços e será marcado pelos responsáveis
pelos mesmos.
Art. 22 Não fica sujeito a ponto o diretor do Serviço.
CAPÍTULO VII - DAS SUBSTITUIÇÕES
Art. 23 Serão substituídos, automaticamente, em suas faltas e impedimentos eventuais:
a) o diretor, pelo chefe da Secção de Estados;
b) os chefes de Secção e os chefe de Inspetoria, por funcionários designados pelo diretor ou
extranumerários especialmente admitidos;
c) os encarregados de Postos, por servidores designado pelo chefe da Inspetoria.
CAPÍTULO VIII - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 24 Os encargos e atribuições do S. P.I. serão exercidos pelos seus servidores,
competindo, exclusivamente, aos órgãos deste Serviço, a iniciativa e deliberação. sobre
quaisquer assuntos ou questões que se relacionem com a pessoa do índio brasileiro ou com a
organização e administração da economia, inclusive dos seus bens, enquanto estiver sob o
regime de tutela estabelecido em lei.
Art. 25 A gestão do patrimônio indígena compete ao S.P.I., por intermédio do seu diretor,
diretamente responsável pela mesma e que a fiscalizará, através da S O. F., pela forma
estabelecida em lei e neste regimento.
Art. 26 Os funcionários e extranumerários que receberem suprimentos numerário por conta de
adiantamentos ficam obrigados a apresentar ao servidor responsável pelos adiantamentos e
182
dentro dos prazos por ele fixados, a comprovação dos pagamentos e das despesas feitas à
conta dos citados suprimentos.
Parágrafo único. A falta de cumprimento da obrigação estabelecida neste importará, para os
servidores do S.P.I., nas penalidades cominadas pela legislação em vigor.
Art. 27 Para que possam ser atendidos os interesses dos índios em lugares onde não esteja
sistematizada a ação do S.P, I., poderão os chefes de Inspetorias autorizar pessoas idôneas de
sua confiança a representá-los gratuitamente, dando-lhes as necessárias instruções e
comunicando essa vidência ao diretor do S P.I.
Art. 28 Os chefes de Inspetorias e encarregados de Postos Indígenas terão residência
obrigatória nas respectivas sedes.
Art. 29 Os servidores do S.P.I. não poderão fazer publicações assuntos que se relacionem com
a orientação técnica ou administrativa deste Serviço, sem o visto do diretor,
Rio de Janeiro, em 16 de outubro de 1942.
Apolônio Salles.
VIII. Decreto N. 12.318 - de 27 de Abril de 1943
Modifica o Regimento do Serviço de Proteção aos Índios
O presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 74, alínea a, da
Constituição, decreta :
Art. Passa a ter a seguinte redação a alínea n do art. do Regimento do Serviço de
Proteção aos Índios, aprovado pelo decreto n. 10.652, de 16 de outubro de 1942: "efetuar o
levantamento da estatística geral das populações indígenas e dar ao Conselho Nacional de
Proteção aos Índios cooperação no estudo e investigação das origens, línguas, ritos, tradições,
hábitos e costumes do índio brasileiro".
Art. 2º Fica redigido do seguinte modo o artigo 8º do mesmo Regimento :
"Art. 8º À S.E. compete :
a) estudar, sob o ponto de vista geográfico e econômico, as regiões habitadas por índios e
fazer levantamentos estatísticos das populações indígenas, classificando-as por agrupamentos
lingüísticos ou culturais, bem como pela respectiva distribuição pelos Postos;
b) realizar trabalhos fotográficos, cinematográficos, gravação de discos e cinematografia
sonora, não só para documentação, como para estudos etnográficos;
c) estudar e solucionar questões relativas a terras do índio;
d) estudar, permanentemente, o processo de assistência ao índio;
e) estudar e projetar o tipo de habitação a ser construída para o índio;
f) manter um museu na sede e mostruários nas Inspetorias, com artefatos, filmes
cinematográficos, gravações sonoras e documentação fotográfica sobre o índio e sobre as
realizações que em seu beneficio sejam levadas a efeito pelo S.P.I.;
g) promover a divulgação dos vários aspectos da vida indígena, através de conferências
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necessários; e
j) manter arquivo de projetos ou plantas de construção de casas para índios, estradas, pontes e
outras obras executadas".
Art. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrario.
Rio de Janeiro, 27 de abril de 1943, 122º da Independência e 55º da República.
Getulio Vargas.
Apolonio Salles.
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