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NARAYANA DE DEUS NOGUEIRA
A USINA HIDRELÉTRICA CACHOEIRA DO EMBOQUE - MG: O
SIGNIFICADO DA BARRAGEM PARA OS ATINGIDOS
Dissertação apresentada à
Universidade Federal de Viçosa, como
parte das exigências do Programa de
Pós-Graduação em Extensão Rural, para
obtenção do título de Magister Scientiae.
VIÇOSA
MINAS GERAIS - BRASIL
2007
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NARAYANA DE DEUS NOGUEIRA
A USINA HIDRELÉTRICA CACHOEIRA DO EMBOQUE - MG: O
SIGNIFICADO DA BARRAGEM PARA OS ATINGIDOS
Dissertação apresentada à
Universidade Federal de Viçosa, como
parte das exigências do Programa de
Pós-Graduação em Extensão Rural, para
obtenção do título de Magister Scientiae.
Aprovada em:
____________________________
Profa. Márcia Pinheiro Ludwig
(co-orientadora)
_________________________
Profa. Maria de Fátima Lopes
____________________________
France Maria Gontijo Coelho
(co-orientadora)
__________________________
Profa. Maria Izabel Vieira Botelho
_________________________
Prof. Franklin Daniel Rothman
(Orientador)
ii
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ii
Aos meus pais, veículos de minha criação, por
me ensinarem a perceber a beleza das coisas
mais simples da vida, e a andar com meus
próprios pés. À minha amada filha, por dar
razão a cada dia de minha existência.
iii
AGRADECIMENTOS
Finalizar o presente trabalho possui significações importantes uma vez que
diversos caminhos foram percorridos ao longo desse período em que obstáculos
foram vivenciados e em vários momentos vencidos. E foi graças ao apoio
incondicional de pessoas especiais fundamentais em cada momento de
elaboração e transformação do projeto, marcado por períodos de angústia,
insegurança e grandes expectativas.
O amor e o carinho dos familiares foram imprescindíveis nesse momento
de trabalho em conjunto, pois eles também fizeram parte da equipe de trabalho
diário, dando força, apoio, erguendo-me em momentos de fraqueza e desilusão,
sempre presentes e positivos em minha conquista final. Por isso agradeço aos
meus queridos pais Maria Alba e Geraldo, por todo apoio e solidariedade
prestados desde a minha intenção de me ingressar no mestrado até à elaboração
da dissertação.
Agradeço à minha querida filha, Amanda, razão da minha existência, por
me amar e compreender a minha ausência em momentos tão importantes de seu
crescimento em infância, sempre me aguardando com um lindo sorriso cheio de
ternura e gratidão.
Agradeço ao meu irmão Gabriel, pela amizade, companheirismo, constante
presença e pelos cuidados com a minha filha nos momentos em que ficamos sós.
Também agradeço a todos os familiares, pilares de minha vida, que mesmo
de longe, manifestaram apoio e torcida, sempre acreditando e confiando em
minha capacidade criadora. Em especial, agradeço aos meus queridos avós, Alba
e João (não mais aqui presente), pelo apoio que se iniciou desde meus primeiros
momentos de vida. Aos demais familiares, agradeço a todos, sem mencionar os
respectivos nomes para que não haja esquecimentos, mas sintam-se todos
agradecidos e homenageados.
Verdadeiras e marcantes amizades foram encontradas e solidificadas ao
longo dessa jornada, sempre nos dando incentivo e força para a chegada na reta
final, por isso agradeço a todos os amigos do mestrado, tão queridos e especiais,
que por felicidade do destino cruzaram minha vida os quais espero não perder na
longa estrada da vida.
iv
Agradeço também ao meu companheiro Leo, por ter surgido num momento
importante do meu mestrado, pelo apoio em todos os momentos difíceis, pela
paciência e ajuda técnica nas intermináveis figuras, mapas e formatação da
dissertação.
Agradeço também aos amigos de infância, irmãos nesta vida, que fazem
parte de cada pedaço da minha história.
À Universidade Federal de Viçosa, pelo estímulo, treinamento e ao
oferecimento de condições para que a pesquisa se realizasse.
À FAPEMIG, pelo suporte financeiro.
Agradeço também a todos os professores e funcionários do Departamento
de Economia Rural da UFV, pelo conhecimento fundamental à produção do
trabalho, pelos momentos de trocas, de amizade, de colaboração e de confiança.
Em especial, ao professor Franklin Rothman, pelo compromisso em me
orientar durante essa trajetória, acompanhando de maneira efetiva, levantando
questões, apresentando desafios para o meu crescimento, enriquecendo o
trabalho com sua experiência e capacidade e, principalmente, confiando em mim.
Agradeço também às conselheiras Márcia Pinheiro Ludwig e France Maria
Gontijo por manifestarem interesse e disposição em auxiliar meu trabalho, sempre
fornecendo material de apoio e auxiliando no aprofundamento do estudo,
principalmente nas etapas finais do trabalho.
Aos membros do NACAB e do PACAB por me prestarem auxilio e
informações relevantes à pesquisa.
Ao padre Claret pelas ricas informações e dados fornecidos em entrevista.
Aos atingidos do Emboque, que abriram carinhosamente as portas de seus
lares para me receber, me permitiram-me entrevistá-los e fotografar suas famílias.
Em especial, agradeço à família de seu Manoel Clemente, que me recebeu em
sua casa, oferecendo generosa hospedagem, sempre se preocupando em dar-me
atenção.
E finalmente, à força Criadora, responsável pela minha existência.
v
Sumário
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................VII
LISTA DE SIGLAS ..............................................................................................VIII
RESUMO...............................................................................................................IX
ABSTRACT ............................................................................................................X
CAPÍTULO 1 .......................................................................................................... 1
1.1 Apresentação e construção do problema da pesquisa..................................... 1
1.2 Objetivos .......................................................................................................... 7
1.3 Identificação e Delimitação da Área do Estudo................................................ 8
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 12
MÉTODOS E TÉCNICAS DA PESQUISA ........................................................... 12
2.1 Sobre os métodos e as técnicas utilizadas para a pesquisa......................... 12
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 19
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO ESTUDO...................................................... 19
3.1 Os empreendimentos hidrelétricos e seus impactos...................................... 19
3.2 A noção de “atingido”: categoria em construção............................................ 24
3.3 Sobre as estratégias do setor elétrico........................................................... 30
3.4 Espaço, território e lugar no contexto do deslocamento compulsório. .......... 33
CAPÍTULO 4 ........................................................................................................ 40
DISCUSSÃO, ANÁLISE E RESULTADOS........................................................... 40
4.1 A chegada da barragem: “Eles insistem demais, igual furunco na gente”...... 40
4.2 O Processo de deslocamento e realocação das famílias que permaneceram
no local
................................................................................................................. 55
vi
4.3 Os meios e modos de vida da população atingida e o significado da barragem
............................................................................................................................. 60
4.4 Considerações Finais..................................................................................... 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 78
vii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa de Minas Gerais e da Zona da Mata Mineira, em destaque os
municípios de Abre Campo e Raul Soares.
..................................................................8
Figura 2: Em destaque, o Rio Matipó pertencente à Bacia do Rio Doce - MG, com
algumas das principais barragens da região, inclusive a do Emboque. É
importante enfatizar que as PCHs Cachoeira da Providência e Cachoeira Grande
ainda são projetos não aprovados.
..................................................................................9
Figura 3: Mapa da região, anterior à construção da UHE do Emboque, elaborado
pela ESSE Engenharia e Consultoria
............................................................................10
Figura 4 - Foto da casa de família de ex-posseiros, residentes em Bicuíba........51
Figura 5 - Foto da passarela, em duas perspectivas, que leva o acesso da
propriedade à estrada de Bicuíba.
.................................................................................54
Figura 6 - Região do Emboque, antes da construção da barragem.......................55
Figura 7 - Em destaque a casa antes da construção da barragem e que fora
alagada para a formação do reservatório da UHE Emboque.
..................................56
Figura 8 – Fotos de casas antigas que existiam antes da construção da
barragem, na região do Emboque
.................................................................................57
Figura 9 – Foto das novas casas construídas pelos atingidos com recursos da
indenização
........................................................................................................................58
Figura 10 - Casas geminadas construídas pela empreendedora CFLCL para
abrigar famílias atingidas, e que ficam uma na seqüência da outra.
.......................59
Figura 11 - Quintal morro acima que fica entre as duas casas geminadas...........60
Figura 12 - Foto da ponte que, antes da barragem, ligava as comunidades rurais
de Granada
........................................................................................................................64
Figura 13 - Local alagado, onde se encontrava a antiga ponte de Granada (Fonte:
autoria própria)
..................................................................................................................64
Figura 14 - Foto retratando o campo de futebol que existia em Bicuíba e fora
alagado pela barragem.
...................................................................................................68
Figura 15 - Em destaque, o local alagado onde se encontrava o campo de futebol
de Bicuíba.
.........................................................................................................................69
viii
LISTA DE SIGLAS
ADA – Área Diretamente Afetada
AMABAGEM – Associação dos Moradores Atingidos Pelas Barragens de Granada
e Emboque
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
ASPARPI – Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Piranga
CFLCL – Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CRAB – Comissão Regional dos Atingidos por Barragens
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
EIA – Estudo de Impactos Ambientais
FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente
LI – Licença de Instalação
LO – Licença de Operação
LP – Licença Prévia
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
NACAB – Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens
ONG - Organização Não Governamental
PCH – Pequena Central Hidrelétrica
RIMA - Relatório de Impactos Ambientais
UHE – Usina Hidrelétrica
WCD – World Commission on Dams
ix
RESUMO
NOGUEIRA, Narayana de Deus. M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, julho de
2007. A Usina Hidrelétrica Cachoeira do Emboque- MG: O significado da
barragem para os atingidos. Orientador: Franklin Daniel Rothman. Co-
orientadores: France Maria Gontijo Coelho e Márcia Pinheiro Ludwig.
O presente trabalho tem como unidade de análise comunidades atingidas
pela UHE Cachoeira do Emboque, Zona da Mata Mineira, que passaram por
deslocamento e reassentamento na mesma área geográfica em que se inseriam
antes da implantação da barragem. Os conflitos evidenciados no decorrer do
processo de negociações com a empresa proponente, marcados pela
desarticulação dos atingidos, bem como pela falta de informações a respeito dos
impactos que poderiam ser causados pelo projeto, resultaram em
descontentamento por parte daqueles que teriam que enfrentar mudanças
significativas em suas vidas. Este foi o contexto que possibilitou a construção do
objeto de estudo da pesquisa que teve como objetivo geral a análise do
significado da barragem para aqueles que passaram pelo processo,
aproximadamente dez anos após. Especificamente buscou-se analisar o processo
de deslocamento e realocação das famílias, bem como mostrar a atual realidade
social das mesmas, à luz daquela vivida no passado. Tais momentos foram
enriquecidos através da construção de dados que foi realizada por meio de
trabalho em campo, com entrevistas semi-estruturadas, fazendo alusão à
memória das famílias entrevistadas. Documentos relacionados ao
empreendimento, assim como o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), artigos
publicados em jornais locais e regionais, bem como registro iconográfico também
serviram de apoio para a construção dos dados da pesquisa. Com base em uma
perspectiva qualitativa, a pesquisa foi desenvolvida tendo como suporte teórico
discussões acerca dos impactos relacionados à implantação de projetos
hidrelétricos, além de reflexões sobre as categorias espaço, lugar e território. Os
resultados da pesquisa indicam que a maioria dos atingidos se sentem
insatisfeitos com as mudanças ocorridas em seus meios e modos de vida, razão
pela qual se conclui que o sentimento de desenraizamento e desterritorialização
se faz presente na grande maioria dos entrevistados.
ABSTRACT
NOGUEIRA, Narayana de Deus. M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, July,
2007. Cachoeira do Emboque Dam - MG: the meaning of the dam for the
affected. Adviser: Franklin Daniel Rothman. Co-advisers: France Maria Gontijo
Coelho and Márcia Pinheiro Ludwig.
The present study analyzes families in communities affected by the
Cachoeira do Emboque Dam, in the Zona da Mata Mineira, who were displaced
and resettled in the same geographic area where they used to live before the
building of the dam. The conflicts during the negotiation process with the company
which sponsored the dam project, were marked by division among the affected
people, as well as the lack of information about the probable impacts of the dam.
These facts resulted in dissatisfaction for those who would face significant
changes in their lives. In this context the main objective of this study was to
understand the meaning of the dam among those who had been affected by this
process ten years earlier. Specifically we sought to study the process of
displacement and resettlement of these families, and compare their current social
reality, comparing with that lived in the past. Using a qualitative perspective, the
research was developed using theories about the negative impacts caused by the
dams, as well as the reflections based on several analytical is particular: space,
place and territory. The results of the research indicate that most of those affected
are dissatisfied with the changes that took place in their way of life. We conclude
that most of those interviewed expressed a feeling of loss of identity with their
place and their past.
x
Capítulo 1
1.1 Apresentação e construção do problema da pesquisa
O homem, enquanto ser social lida diariamente com ele mesmo, com a
vida em sociedade, as adversidades, o mundo, que juntos, direcionam a história
de sua vida. A experiência desse conjunto de condições é, muitas vezes,
condicionada à tentativa de viver da melhor maneira e em harmonia com as
mesmas.
Na literatura, encontramos vários autores que se preocupam com essas
questões, bem como com a natureza e o valor do indivíduo, especialmente
quando se constatam conflitos causados tanto por questões pessoais como por
questões externas.
Dentre vários autores se destaca Anderson (1975), um escritor norte-
americano que realizou um grande trabalho ao relacionar aos efeitos advindos da
modernização e de descobertas científicas na vida humana. Em Winesburg, Ohio,
Anderson (1975) explora a transformação da vida rural no interior dos Estados
Unidos, causada pelo surgimento da industrialização, bem como os efeitos desta
em seus habitantes que, muitas vezes, por não conseguirem se adaptar à
mecanização, que retira ou diminui seus lugares no trabalho rural, fazendo com
que alguns personagens se tornassem “grotescos”, tema central da obra. Outra
questão apresentada pelo autor foi a introdução das linhas férreas em todo o
interior do país, que trouxe grandes mudanças para as pequenas cidades e
comunidades rurais, bem como para os cidadãos, alterando formas de vida,
trabalho, hábitos, gerando impactos sociais e psicológicos em algumas pessoas.
O autor ainda destaca a vida das pessoas da pequena cidade de
Winesburg, considerando-as infelizes devido à inabilidade e incapacidade de se
compreenderem e se integrarem ao novo ambiente modificado pela
“modernidade” em que passam a viver. Anderson ainda observa a ausência de
comunicação entre as personagens, que tem como conseqüência, a falta de
1
comunhão de sentimentos entre os mesmos. Sendo assim, a insatisfação e a
infelicidade passam a ser resultados naturais da inabilidade que cada
personagem tem de interagir com o próximo e com o mundo ao seu redor.
Como conseqüência, muitas personagens tornam-se infelizes na busca de
uma relação verdadeiramente humanizada, acarretando em isolamento e solidão
de muitas delas. Não havendo uma relação de amizade entre as personagens
para que possam compartilhar de seus “fantasmas” e, talvez, solucionar seus
problemas, fecham-se em seus microcosmos, isolando-se e transformando-se em
seres “anti-sociais”.
Toda essa análise dessas personagens “grotescas” de Anderson foi por
mim realizada durante o curso de graduação em Letras, onde tive a oportunidade
de participar de um programa de iniciação científica, no qual trabalhei durante três
anos com a análise de textos literários sobre a referida temática.
E foi nesse mesmo período em que meu interesse pela questão das
barragens começou a ser despertado, no ano de 2001, quando apresentei
trabalhos sobre minha pesquisa em um congresso de Lingüística Aplicada
realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante as sessões
de comunicações, foi apresentado um trabalho de uma doutoranda e professora
da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Minas Gerais, cuja temática era a
análise do discurso de um jornal produzido por atingidos pela barragem de Pilar,
localizada na Zona da Mata Mineira. Até aquele momento, o assunto relacionado
às barragens me era desconhecido, porém, o trabalho em questão revelou a
amplitude de problemas relacionados às questões sociais e ambientais que
estavam envolvidas na produção da energia hidrelétrica.
A partir desse momento, pude relacionar a experiência de projetos que
implicavam problemas sociais e despertou o meu interesse em aprofundar os
conhecimentos relacionados a empreendimentos que são capazes de
desestruturar meios e modos de vida. Foi a partir dessa relação que busquei
estabelecer contato com alguns ex-professores, um dos quais havia apresentado
o trabalho que me chamara a atenção na UFMG. Como havia muitas coisas em
comum entre a pesquisa de iniciação científica e a implementação de um
2
empreendimento “moderno” na vida das comunidades atingidas pelas barragens,
o despertar pela temática tornou-se ainda maior.
Desse momento em diante, iniciei o processo de levantamento de trabalhos
acadêmicos e produções científicas sobre a temática.
Dentre os depoimentos que pude analisar apresentados pelas famílias
atingidas, a respeito do surgimento das barragens em suas vidas, as cenas
iniciais foram captadas de maneira impressionante. As imagens fotográficas
também me impressionavam cada vez que podia ver uma pequena cidade ou
comunidade rural desaparecendo aos poucos pela água que vinha de maneira
destrutiva, submergindo histórias de vidas passadas; esperanças futuras; sonhos
planejados que jamais foram concretizados; entes queridos que ali foram
enterrados e a partir daquele momento ficariam submersos para sempre, sem
nunca mais poder receber orações e homenagens de suas famílias; o umbigo do
primeiro filho que ali fora enterrado; sem contar os rios, animais, plantas; lares
destruídos; plantações arrasadas; a vida que por ali existiu e em questão de horas
desaparecera no meio das águas de um rio que antes era símbolo de vida, e
agora, estava barrado, simbolizando a morte. Naquele local restara somente a
lembrança na memória daqueles que tiveram que partir e dar continuidade em
suas vidas em outro espaço, muitas vezes estranho, tendo que recomeçar suas
vidas, laços de amizades, meios de vida, sem condições financeiras e
emocionais, sentindo o drama e a angústia de suas perdas. Tudo o que possuíam
ficou para trás em nome do “progresso”.
A partir dessas imagens pude perceber o quanto estavam relacionados
meu trabalho de pesquisa com os dramas vividos pelos atingidos pelas
barragens. Foi então que comecei um levantamento de dados mais detalhado a
respeito da temática que tanto me chamara atenção. Nesse levantamento, várias
fontes foram identificadas, dentre elas artigos de jornais sobre o projeto (UHE)
Usina Hidrelétrica Cachoeira do Emboque- MG. Dentre as informações colhidas,
constatou-se que o referido empreendimento afetara diretamente 94 famílias que,
em sua maioria, eram compostas por pequenos agricultores rurais, sendo eles
proprietários e não proprietários.
3
E por meio das demais informações que tomei conhecimento da
peculiaridade do processo de implementação da hidrelétrica do Emboque, pela
natureza desarticulada das negociações, inclusive, com ausência de Audiência
Pública. Outra questão que chamou a atenção nos artigos lidos foi o fato de as
notícias sobre a construção da barragem já circularem no local há
aproximadamente trinta anos, quando técnicos da CEMIG realizaram medições e
estudos de viabilidade de implantação de usinas hidrelétricas. Neste sentido, a
proposta de um empreendimento hidrelétrico naquela área geográfica não
possuía caráter de novidade para aqueles que seriam afetados pelo projeto.
A partir dessas informações identificadas nos recortes de jornais iniciou-se
uma pesquisa mais detalhada e específica em busca de relatórios e materiais
científicos, bem como de outras fontes que pudessem ser utilizadas para o
processo de construção de mais dados sobre o caso Emboque. Um desses
materiais foi o relatório de pesquisa de iniciação cientifica redigido por Vieira
(1997)
1
, que realizou seus trabalhos de pesquisa sobre a população do Emboque,
entrevistando-os e coletando dados na comunidade entre os anos de 1995 e
1997.
Segundo o relatório de estudos do referido autor, o processo inicial de
estudos de viabilidade e negociações com a população para a possível
implementação da Usina Hidrelétrica (UHE) foi iniciado em setembro de 1995
quando a empreendedora Companhia Força e Luz Cataguases-Leopoldina
(CFLCL) começou o processo de licenciamento a partir de estudos apresentados
à Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). Nessa ocasião, o Conselho de
Política Ambiental (COPAM), após analisar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA)
e o Relatório de Impactos Ambientais (RIMA) concedeu a Licença Prévia
2
(LP) à
1
Alguns dados sobre o processo de licenciamento para a implantação da UHE Emboque, foram
registrados e arquivados pelo professor/ pesquisador Franklin Daniel Rothman que trabalha com a
temática das barragens tanto em projetos de pesquisa como de extensão. Um desses relatórios
analisados foi o de iniciação cientifica elaborado pelo pesquisador Vieira (1997) sob a orientação do
referido professor/pesquisador.
2
De acordo com o artigo 19 do Decreto 99.274/90, o licenciamento ambiental se encontra dividido em
três etapas: 1) Concessão ou não da Licença Prévia (LP), fase preliminar do projeto, onde será
realizado o EIA e o RIMA que apontam a localização e impactos do empreendimento, bem como sua
viabilidade ambiental. 2) Concessão de Licença de Instalação (LI), em que se elabora o Plano de
Controle Ambiental (PCA), autorizando ou não a instalação do empreendimento. É nessa fase que
ocorre a negociação com a população atingida pelo mesmo. 3) Concessão de Licença de Operação
(LO), onde acontece a autorização da operação do empreendimento, após a realização de medidas
mitigadoras e compensatórias e das condicionantes das etapas anteriores. (REZENDE, 2003, p. 31)
4
empreendedora, para que se iniciasse o processo de pedido de Licença de
Instalação (LI) – documento que autoriza a implantação da barragem.
Porém, de acordo com Vieira (1997), o empreendedor demonstrou não se
preocupar com a Licença Prévia para iniciar suas obras, afirmando que poderia
iniciá-las “na hora que quiser” (p. 16).
Dessa forma, a empresa iniciou o processo de negociações em setembro
de 1995, efetivando algumas negociações individuais. Em setembro de 1996, a
empresa instalou placas nos terrenos adquiridos comunicando que a referida área
pertencia à mesma; logo após, confeccionou um jornal informativo que foi
divulgado na região.
Apesar de não possuir as Licenças Prévia e de Instalação a
empreendedora divulgou publicamente que as obras seriam iniciadas em outubro
de 1996. Posteriormente, a empresa solicitou a Licença Prévia sem comunicar à
população sobre o seu direito de requerer uma Audiência Pública, na qual os
atingidos poderiam questionar o empreendimento e ponderar sobre as
negociações
3
.
De acordo com o referido pesquisador, naquele mesmo ano fora realizada
uma reunião com um agente da Comissão Pastoral da Terra de Belo Horizonte,
dando-se início à criação de uma comissão local para realizar as negociações
com a empresa, onde também foram estabelecidos os primeiros contatos com a
assessoria do Núcleo de Assistência às Comunidades Atingidas por Barragens
(NACAB)
4
, então projeto de extensão da UFV. Em uma reunião inicial, o grupo
contou com a presença de um atingido por uma barragem construída no norte de
Minas Gerais. Este enriqueceu os debates relatando suas experiências e os
3
Na reunião de visita à comunidade realizada pela Comissão de Direitos e Garantias, da
Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, ocorrida em 1997, os depoimentos de um dos
vereadores do município de Raul Soares e do Deputado Estadual da referida época, atribuem a
não realização da audiência pública à falhas do empreendedor e do poder municipal. O vereador
afirma que a Câmara de Vereadores não havia sido informada sobre o direito de se solicitar uma
audiência sobre a construção da UHE Cachoeira do Emboque. o Deputado afirma que o
empreendedor, embora tivesse cumprido a lei, ao pé da letra, ao ter publicado o edital sobre a
solicitação de audiência pública em jornal, deveria ter informado diretamente a Câmara de
Vereadores sobre esse canal institucional.
4
O NACAB (Núcleo de Assistência às Comunidades Atingidas por Barragens) foi um projeto de
extensão universitário que prestava assessoria às comunidades atingidas por barragens da região
da Zona da Mata Mineira. A partir de 2001 foi criada uma ONG que também adotou o nome de
NACAB, fazendo com que o projeto de extensão da UFV mudasse seu nome para PACAB
(Projeto de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens).
5
dramas das famílias atingidas, assim como a dificuldade de negociações dos
mesmos com as empresas envolvidas.
Nos momentos seguintes, a assessoria apresentou duas formas de
negociação para a comunidade: coletiva (fortemente reforçada) ou individual.
Além dessas formas de negociação, a assessoria indicou uma estratégia, que
seria a de realizar uma ação civil pública, uma vez que a comunidade havia
perdido o prazo para pedir uma Audiência Pública. Porém, nesse momento,
alguns dos proprietários das maiores terras já haviam negociado suas
propriedades de forma individual.
De acordo com Rothman (2001), poucos optaram pela negociação em
conjunto, o que fez com que a Igreja, o NACAB e o Movimento dos Atingidos por
Barragens regional (MAB-ARD) realizassem um trabalho de base com o intuito de
trazer informações à população atingida, tanto sobre os possíveis impactos
negativos que a construção da barragem poderia trazer para suas vidas, quanto
com relação às formas de negociação que lhes seriam de direito. Apesar do
esforço das entidades mediadoras, a população ainda se encontrava pouco
mobilizada para a ação coletiva, talvez pela falta de informações precisas sobre o
empreendimento, sobre seus direitos, e também por causa dos conflitos locais
acirrados pelos momentos de tensão e incerteza.
Neste contexto, as negociações foram realizadas de maneira individual,
como proposto pela empresa, sendo oferecidas aquisição de terras, relocação de
benfeitorias e permutas.
Com a construção dessa barragem, 94 famílias foram atingidas
diretamente, das quais 28 foram deslocadas para outras áreas rurais e urbanas e
66 famílias permaneceram no local, ainda que realocadas. Como se percebe, a
grande maioria das famílias atingidas permaneceu no local, embora com
modificações impostas pela construção da barragem. Diante deste fato, e
considerando o processo de construção/negociações da UHE Cachoeira do
Emboque ter sido tão conturbado/conflituoso, algumas questões se impuseram
para esta pesquisa: Como era a vida destas famílias antes da construção da
barragem? Como teria sido o processo de deslocamento e realocação das
famílias? O que os atingidos sentiram (percepções) e guardaram na memória
sobre esse processo? Será que o fato de terem permanecido na mesma
6
localidade, apesar das modificações espaciais ocorridas, aquelas famílias
realocadas sentiram-se desterritorializadas? E hoje, passados aproximadamente
dez anos da implantação do empreendimento, qual o significado da barragem na
vida dessas famílias?
As questões elencadas direcionam para o problema de pesquisa que deu
origem ao presente trabalho, cuja essência se traduz no significado da construção
da UHE Emboque para as famílias atingidas que permaneceram num espaço
modificado pela implantação da barragem.
1.2 Objetivos
Dentre os objetivos da pesquisa se encontram a descrição e análise das
percepções das famílias atingidas pela UHE Cachoeira do Emboque que
passaram pelo processo de deslocamento e realocação, problematizando o
referido processo, a realidade social vivida no passado e no presente, suas
percepções sobre seus meios e modos de vida antes e depois da barragem, no
sentido de apreender o significado por elas atribuído ao empreendimento, bem
como as perdas e os eventuais ganhos para essas famílias.
7
1.3 Identificação e Delimitação da Área do Estudo
A unidade de análise do referido estudo foi constituída pelas famílias
atingidas pela UHE do Emboque, que foi construída entre os Municípios de Raul
Soares e Abre Campo, pertencentes à Zona da Mata Mineira, apontados na
Figura 1 que se segue:
Figura 1: Mapa de Minas Gerais e da Zona da Mata Mineira, em destaque os municípios
de Abre Campo e Raul Soares.
Fonte:
www.geominas.mg.gov.br
8
A referida barragem foi construída no Rio Matipó, pertencente à bacia
hidrográfica do Rio Doce
5
, como apresentado na Figura 2.
Figura 2: Em destaque, o Rio Matipó pertencente à Bacia do Rio Doce - MG, com
algumas das principais barragens da região, inclusive a do Emboque. É importante
enfatizar que as PCHs Cachoeira da Providência e Cachoeira Grande ainda são projetos
não aprovados.
(Fonte:
www.simge.mg.gov.br/.../mapa_bacia_small.gif)
As famílias diretamente atingidas pelo empreendimento foram as
residentes das comunidades rurais de Córrego da Praia e Valão, (no distrito de
Granada, pertencente ao Município de Abre Campo) e de São Lourenço de Baixo
no distrito de Bicuíba, pertencente ao Município de Raul Soares), apontados na
Figura 3, que se segue:
5
Dados retirados da resolução 121 de 2004 da ANEEL:http://www.aneel.gov.br/cedoc/rea2004121.pdf
9
Figura 3: Mapa da região, anterior à construção da UHE do Emboque, elaborado pela
ESSE Engenharia e Consultoria
(Fonte: RIMA UHE Cachoeira do Emboque)
A escolha da UHE Emboque para a realização do presente estudo se deve
a três aspectos relevantes: o tempo significativo de construção da usina (mais de
10
10 anos); por ser uma barragem construída ao final da década de 1990 sem
realização de Audiência Pública (no mesmo período em que vários projetos de
barragem em locais próximos como: Pilar, Cachoeira Grande, Cachoeira da
Providência; que tiveram Audiências Públicas
6
); e pela ausência de estudos sobre
este caso, em contraste com os citados acima.
6
O artigo de Rothman (2001) conclui que “a falta de acesso à audiência pública no caso Emboque
foi sem dúvida, fator significativo nos resultados desfavoráveis para a comunidade atingida”.
(p.319)
11
CAPÍTULO 2
MÉTODOS E TÉCNICAS DA PESQUISA
2.1 Sobre os métodos e as técnicas utilizadas para a pesquisa
O delineamento de uma pesquisa implica a escolha de uma determinada
perspectiva analítica. No presente caso, preocupou-se com a natureza qualitativa
das informações e do processo de construção de dados, pois, dessa forma, torna-
se possível aprofundar “no mundo dos significados das ações e relações
humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas” (MINAYO,1997, p.22). Assim, a investigação do sentido ou do
significado das qualidades dos dados construídos é que se transforma na
verdadeira busca para o entendimento das percepções da população estudada.
De modo geral, esta pesquisa trabalhou com a obtenção de descrições
obtidas pela pesquisadora por meio de análise documental e de entrevistas.
Assim, trata-se de um estudo de caso viabilizado por um contato direto com a
realidade ou situação pesquisada. O foco da pesquisadora, ao estudar o problema
aqui elaborado, foi verificar como ele se manifestou nas atividades e interações da
vida cotidiana dos atores envolvidos. A sistematização da realidade estudada, em
suas múltiplas dimensões, teve por finalidade responder às questões que
nortearam a pesquisa.
Assim, a primeira etapa consistiu na identificação das famílias atingidas.
Inicialmente, foi realizada consulta às listas e documentos dos cadastros dos
atingidos encontrados no RIMA
7
e no acervo do MAB. Identificadas as famílias,
inclusive os nomes de cada membro, buscou-se informações sobre o tipo de
relação do atingido com a terra, se proprietário, meeiro ou arrendatário, o tipo de
produção, o padrão fundiário das propriedades e informações sobre as
negociações entre atingidos e empreendedor.
7
ESSE (1995), documento oficial do empreendimento.
12
A segunda etapa da pesquisa foi marcada pelo trabalho de campo, em que
se passou à coleta de dados e informações sobre a situação atual da população
atingida. Os trabalhos de campo foram realizados em três etapas e em todas elas
contou-se com o apoio de um informante inicial, apresentado por um membro do
NACAB
8
.
Em maio de 2006 buscou-se estabelecer o contato inicial com as famílias,
por meio do informante inicial, para trocar idéias e informar alguns membros da
comunidade a respeito da pesquisa, para que pudessem compreender os
objetivos da presença da pesquisadora na comunidade. Esse momento foi
realizado por meio de visitas nas casas de algumas famílias, indicadas pelo
contato inicial, onde começaram a ser estabelecidas as primeiras redes de
contato para a futura pesquisa. Cada membro da comunidade indicava um vizinho
próximo que ia indicando os demais. Geralmente, os vizinhos próximos que eram
indicados pelo anterior eram parentes, confirmando a grande presença de uma
rede de parentesco na região. Quando alguns moradores não se davam bem
com algum parente ou vizinho, procuravam não indicar, ou, se indicavam, não me
acompanhavam até a casa seguinte. Porém, sempre buscava mostrar aos
informantes que deveríamos captar todo tipo de informação, de quem ficou
satisfeito ou não com o empreendimento, de amigos, parentes ou não.
Inicialmente, apresentei a proposta da pesquisa e troquei idéias com os
mesmos a respeito dela. Os informantes se dispuseram a colaborar com seus
depoimentos no momento das entrevistas, oferecendo fotos, documentos e
escrituras para posterior análise. Na maioria das vezes, as mulheres das famílias
é que se propunham a mostrar tais materiais e a oferecer depoimentos mais
detalhados sobre a barragem e suas vidas. Os homens se contentavam em dar
informações mais diretas utilizando frases mais curtas e simples.
Com a orientação da família contatada inicialmente, foi possível conhecer
parte da população local do distrito de Granada e percorrer a região da represa
para melhor conhecer e explorar a paisagem modificada pela construção da
barragem. O inicio do “reconhecimento” da região se deu no distrito de Granada,
nas comunidades de Córrego da Praia, onde, logo após, subimos a margem da
8
Ele é atual advogado da ONG e assessorou a população atingida por intermédio do NACAB,
enquanto projeto de extensão da UFV, no ano de 1997.
13
represa, visitando as famílias de Valão. Mais adiante, percorremos as
comunidades do distrito de Bicuíba, onde visitamos os moradores de São
Lourenço de Baixo
9
.
Nessa primeira visita exploratória, foram identificados os informantes que
seriam entrevistados levando-se em consideração a acessibilidade e
disponibilidade dos mesmos em participar das entrevistas. As demais famílias que
se mudaram para o meio urbano ou outras localidades não puderam ser
contatadas para possível entrevista, pois foi perdido o contato com as mesmas,
dificultando sua localização.
Com a ajuda da família contatada inicialmente e conhecedora daquela
realidade, foi possível a localização e a identificação das demais famílias em
campo. A amostra foi sendo construída por meio da técnica da “bola de neve”, na
qual cada informante indica onde se encontram os demais (KISH,1965). Ao se
constatar a repetição das informações, interrompeu-se a coleta dos dados,
quando estes se tornaram satisfatórios.
Assim, num segundo momento, foram entrevistadas 32 famílias, sendo 18
residentes nas comunidades rurais do distrito de Granada (que pertence ao
Município de Abre Campo), e 11 no distrito de Bicuíba (pertencente ao Município
de Raul Soares). Ainda foram entrevistadas mais três famílias de atingidos que,
mesmo vendendo suas propriedades e se mudando para outra região (duas do
Município de Caputira e uma do Município de Manhuaçu), foi possível localizá-los
por possuírem laços de parentesco ou apadrinhamento com famílias que
permaneceram no local.
Nesse momento de retorno à comunidade para a realização das entrevistas
pude perceber a ansiedade de alguns em dar início aos trabalhos, onde já me
aguardavam em sua costumeira hospitalidade mineira, com produtos caseiros
para me oferecer, como queijos, broas de fubá, café com rapadura, biscoitos fritos
de polvilho e frango caipira. Além disso, uma das famílias oferecera hospedagem
em sua casa, uma vez que, na comunidade, não havia hotel ou outro lugar para
que eu pudesse permanecer durante as entrevistas. Durante todo o processo de
9
Essas localidades percorridas podem ser visualizadas na Figura 3, da página 10 do presente
trabalho.
14
construção de dados em campo, fiquei hospedada nessa casa, podendo conhecer
um pouco do cotidiano da família e da comunidade.
Para essa construção de dados utilizou-se a modalidade de entrevistas
semi-estruturadas com perguntas previamente formuladas, porém, sempre
deixando a possibilidade de se encaminharem outras perguntas ou comentários
que não estavam previamente formulados no questionário. Pretendia-se gravar as
entrevistas, mas 26 dessas famílias não concordaram em fazê-lo. Argumentaram
que não se sentiam à vontade com o uso do aparelho, ou se mostraram
desconfiadas e receosas de que as gravações fossem utilizadas para outros fins,
e afirmaram tal fato ter acontecido anteriormente. Eles se diziam cansados de ser
alvo de pesquisas, muitas delas realizadas por outras instituições de ensino,
principalmente de cursos particulares de Direito da região próxima a Raul Soares.
Dessa forma, a pesquisadora conduziu as entrevistas anotando as respostas à
mão dos que não autorizaram a gravação, o que foi realizado apenas com seis
famílias. Por esse motivo, serão apresentadas falas fiéis ao que foi dito, das que
foram gravadas, conservando a linguagem e o vocabulário do falante e, em outros
momentos, serão apresentadas falas assim como foram registradas nas
anotações da pesquisadora.
Para garantir uma variedade representativa da população de atingidos,
bem como a diversidade de pontos de vista, foram entrevistados nas duas
primeiras etapas: agricultores em geral (homens e/ou mulheres), proprietários
rurais que moravam na área da UHE; ex-proprietários; não-proprietários, incluindo
meeiros, ex-meeiros e trabalhadores rurais, assim como suas esposas e filhos,
quando possível.
O trabalho também foi complementado com entrevistas via correio
eletrônico
10
e/ ou pessoalmente, com alguns mediadores vinculados ao Projeto de
Extensão da UFV (PACAB), NACAB, MAB e CPT, que trabalharam diretamente
com a população na época da construção do empreendimento.
O retorno a campo deu-se em agosto de 2006. Essa visita foi facilitada
pelo fato de a pesquisadora ter se tornado uma pessoa conhecida entre os
10
Alguns informantes, tendo em vista outros compromissos assumidos, preferiram que as
entrevistas fossem conduzidas via correio eletrônico. Primeiramente, foram enviadas as perguntas
mais relevantes e, posteriormente, os contatos continuaram a ser mantidos para sanar dúvidas ou
adquirir outras informações.
15
atingidos. As desconfianças e as dúvidas foram minimizadas pelo trabalho
realizado anteriormente pela família contatada inicialmente. A pesquisadora não
foi mais vista pelos atingidos como apenas uma “pesquisadora” que “perguntava
muito”, “insistia” e “prometia”
11
, e que poderia até ser fonte de ameaças ou que
tivesse intenções de retirá-los de suas propriedades. Esse processo de
construção de dados ainda foi complementado em setembro de 2006, com mais
10 dias de trabalho de campo. Nessas etapas, procurou-se, a partir das
observações diretas, apreender a realidade social dessa área como um todo.
A quarta e última visita a campo foi realizada em outubro de 2006 e durou
dois dias. Para complementar as entrevistas realizadas anteriormente, utilizou-se
nessa etapa o aprofundamento da memória de quatro dos informantes mais
velhos e entrevistados anteriormente. Nesse momento, talvez por ser a quarta
visita da pesquisadora na região, através de muito diálogo e da ajuda de alguns
outros informantes conhecidos pela vizinhança, a pesquisadora conseguiu, com
consentimento por escrito, que esta etapa fosse gravada para que não se
perdessem aspectos ricos e importantes da entrevista. Desses depoimentos
pode-se construir uma narrativa que delineou uma historia oral de grupo.
Thompson (1992) destaca a importância de se valer do uso da história oral
em pesquisas: “A história oral oferece, quanto a sua natureza, uma fonte bastante
semelhante à autobiografia publicada, mas de muito maior alcance” (p. 25)
O registro das memórias dos idosos foi fonte importante para a construção
da história oral daquelas famílias, pois, como orienta o referido autor:
Um projeto de história oral, mais do que lhes propiciar novos
contatos sociais e, às vezes, levar a amizades duradouras, pode
prestar-lhes um inestimável serviço. Muito freqüentemente
ignoradas, e fragilizadas economicamente, podem adquirir
dignidade e sentido de finalidade ao rememorarem a própria vida
e fornecerem informações valiosas a uma geração mais jovem.
(THOMPSON, 1992, p.33)
11
Citações retiradas da entrevista com informante proprietário, 56 anos.
16
Assim como o autor acima citado, Niemeyer; Godoi (1998) recomendam
que se faça alusão à memória dos fatos marcados na vida cotidiana da população
estudada, pois:
Entre esse passado como preexistência geral que se desdobra até
o presente existem “regiões da memória”, onde estão contidos
todos os acontecimentos que marcaram a vida do grupo. (p. 101)
Pela alusão à memória individual, foi possível captar informações sobre a
produção social local, relativas aos momentos anteriores à construção da
barragem.
Por intermédio das entrevistas realizadas foi possível obter elementos
substanciais sobre suas realidades socioculturais, vivência no lugar, cotidiano e a
percepção das mudanças socioculturais, econômicas e espaciais por eles
sofridas.
Porém, vale ressaltar que a reconstrução da vida no lugar e da construção
da UHE não foram realizadas apenas por meio de entrevistas, mas também a
partir de análise documental. Além das informações primárias obtidas no trabalho
de campo junto aos atingidos, foram analisadas diversas fontes secundárias,
como os documentos do MAB Regional e da CPT, do Estudo de Impactos
Ambientais – EIA, do Relatório de Impactos Ambientais – RIMA, da Fundação
Estadual do Meio Ambiente – FEAM e da própria empresa empreendedora. Por
meio da análise de jornais impressos locais e regionais, foram identificadas e
verificadas as diversas notícias da época sobre a construção da barragem,
críticas e/ou protestos ao empreendimento. Também foram analisados artigos
publicados sobre o assunto, teses e relatórios publicados pela Universidade
Federal de Viçosa e outras instituições de ensino e pesquisa, bem como arquivos
pessoais do prof. Franklin Daniel Rothman e do NACAB, que incluem relatórios de
visitas e reuniões do Projeto de Extensão junto à comunidade, arquivos em vídeo
e jornais impressos, contendo todas as etapas do processo da construção da
usina, entrevistas com os atingidos e filmagens da época.
Como forma de complementar o trabalho de campo também foram
realizados registros iconográficos como procedimento de compreensão que nessa
17
dissertação coloca-se como instrumento de ilustração, análise e compreensão da
situação estudada. Durante a coleta de dados foram retiradas fotos que ilustram a
atualidade. Além desses registros, alguns atingidos cederam fotos de arquivos
pessoais de épocas anteriores à construção da barragem para que pudessem ser
copiadas e anexadas ao trabalho.
É importante destacar que além das estratégias de coletas de dados já
descritas, o registro em caderno de campo perpassou todas as etapas da
pesquisa.
Dessa forma, ao final da construção de dados, foram entrevistadas 32
famílias, que continham, em média, de dois a quatro membros em cada
residência. Desses entrevistados, 18 famílias pertenciam ao distrito de Granada
(quinze proprietários, um arrendatário e dois meeiros), sendo que quatro famílias
entrevistadas possuíam parentesco; três outras famílias também pertencentes a
outro ramo familiar e as demais famílias de ramos independentes. Também foram
entrevistadas onze famílias do distrito de Bicuíba (sete proprietários sendo que
dois com propriedade ainda não legalizada e quatro meeiros
12
).
Todas as famílias que contribuíram com a construção dos dados do
presente trabalho se declararam como pequenos produtores rurais, onde a
agricultura é alicerçada no trabalho familiar. As propriedades também foram
declaradas com tamanhos entre um a 20 hectares, sendo que, atualmente, a
produção declarada
13
está voltada para a subsistência.
Assim, ao final do trabalho em campo foi possível captar informações
relevantes para a construção do presente trabalho, que serão detalhadas nos
capítulos seguintes.
12
As 4 famílias de meeiros são do mesmo ramo familiar.
13
As produções declaradas foram: milho, feijão, cana-de-açúcar, leite e frutas.
18
CAPÍTULO 3
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO ESTUDO
3.1 Os empreendimentos hidrelétricos e seus impactos
A partir do momento em que se questionam os impactos causados nas
populações atingidas pela construção das hidrelétricas, torna-se necessário,
primeiramente, compreender de que forma eles ocorrem. Dessa forma, neste
capítulo serão apresentados aspectos conceituais relevantes para a presente
pesquisa e para a realidade estudada.
Inicialmente, é inquestionável afirmar que a sociedade necessita de energia
e a utiliza de diversas maneiras, sendo uma delas a eletricidade. Como forma de
adaptação e para atender às suas necessidades, o ser humano desenvolveu, ao
longo dos séculos, formas de utilização de energia encontradas em diversas
fontes na natureza, seja ela por meio de queima de combustíveis como os gazes
e óleos naturais, seja pelas quedas d’água. A obtenção da eletricidade por meio
dessa última forma é a chamada energia hidrelétrica.
Das descobertas e do aproveitamento de formas de utilização das fontes
de energia é que surge o desenvolvimento de processos que torna possível a
obtenção de energia em suas diversas formas, bem como a energia hidrelétrica.
As usinas hidrelétricas são exemplos do desenvolvimento dessas tecnologias. Em
países onde os recursos hídricos favorecem o aproveitamento do potencial
hidroenergético, como no caso do Brasil, as hidrelétricas tornam-se matrizes do
setor energético.
Contudo, considerando os estudos já realizados, sabe-se que a formação
do reservatório e construção da barragem implicam impactos sociais, como a
remoção de famílias e o desaparecimento de comunidades com suas práticas
culturais, além de impactos ambientais que se acumulam, como o
desaparecimento de espécies vegetais ameaçadas de extinção, paisagens
19
naturais e sistemas ecológicos, como os presentes em resquícios de matas e
capoeiras que guardam recursos vegetais sobre os quais ainda faltam pesquisas
em profundidade.
Apesar de inúmeras críticas e produção de pesquisas que comprovam os
efeitos negativos ocasionados pela construção das barragens, o investimento
nesse setor não para de crescer e tornou-se tão grande em todo o mundo que, de
acordo com dados da Comissão Mundial de Barragens
(citado por Vainer, 2000),
mais de 800.000 barragens já foram construídas no planeta, sendo que, 45 mil de
grande porte. Tais empreendimentos provocam o deslocamento de cerca de
quatro milhões de pessoas a cada ano, além de causar grande impacto na
biodiversidade.
O Brasil é considerado um dos 20 países onde as hidrelétricas
representam a parte mais importante da matriz energética, visto que responde
pela geração de 92% da energia consumida no país. Devido ao vasto tamanho do
território e à quantidade de rios passíveis de aproveitamento hidroenergético,
desde a década de 1970, mais de 2.000 barragens foram construídas no país e
mais de um milhão de pessoas já foram deslocadas, em sua maioria, agricultores
familiares e populações indígenas.
A política nacional de geração de energia elétrica começou a tomar forma
na década de 1960, no período do regime militar, no âmbito da Eletrobrás e de
suas subsidiárias – empresas estatais vinculadas ao Ministério das Minas e
Energia. Esta política, que se consolidou nos anos de 1970, gerou “não apenas
hidreletricidade, mas também efeitos sociais perversos” (SIGAUD, 1994, p.1).
Definidas a partir de critérios “técnicos”, sob a pressão de grandes grupos
empresariais privados interessados em viabilizar a realização dos lucrativos
empreendimentos com hidrelétricas, principalmente as de grande porte, agências
financeiras internacionais, como o Banco Mundial, têm colocado abundantes
linhas de financiamento. Estas políticas, públicas ou privadas, não têm levado
muito a sério as implicações sociais da inundação, muitas vezes, de grandes
áreas (SIGAUD, 1994, p.3). As obras de infra-estrutura necessárias à realização
desse tipo de empreendimento são consideradas como medidas mitigadoras
capazes de suprir as populações de recursos para novos projetos de vida em
outros lugares.
20
Como esclareceu a referida autora:
Ao contrário do que se poderia pensar, na construção de uma
hidrelétrica não estão em jogo apenas os altos interesses
nacionais de produção de energia para o desenvolvimento, mas
também os interesses particulares de grupos de empresas que se
beneficiam enormemente com os investimentos do setor elétrico,
assim como os interesses do capital financeiro internacional, que
fornece uma parcela importante dos recursos (Ibid, p. 2).
As chamadas ações “sociais” (medidas compensatórias e mitigadoras)
geralmente são realizadas após posto o problema e se destinam a “minimizar”,
“mitigar”, “neutralizar” os impactos. Sabe-se que essas medidas estão longe de
atender às demandas prévias da população atingida. Somente após definida a
realização do empreendimento, assinados os vultosos contratos é que se vai
realizar a “avaliação de impactos sociais” (Ibid, p.3). Essa avaliação post facto
tem se caracterizado como um estudo pós-decisão e, por isso, é apenas um
complemento de um fato consumado, e não uma investigação que orienta a
justeza, propriedade ou adequação sócioambiental do empreendimento.
Como as questões sociais são colocadas em segundo plano nesse
processo de tomada de decisões, elas passam a ser um “problema” e as soluções
propostas, na maioria dos casos, não favorecem a população. A autora ainda
deixa claro o papel das empresas do setor elétrico:
(...) se pode afirmar com segurança que as empresas do setor
elétrico têm sido responsáveis pelo deslocamento compulsório e
atabalhoado de milhares de cidadãos brasileiros, pela sua
diáspora, pelo seu empobrecimento e pela profunda
desorganização de suas condições de vida (Ibid, p. 5).
Os defensores dos empreendimentos hidrelétricos alegam que estes
projetos contribuem para o desenvolvimento nacional e local, enquanto que os
críticos destacam seus efeitos negativos. Martins (1993), ao tratar do impacto de
grandes projetos, ressalta que
21
Não se trata de introduzir nada na vida de ninguém. Aqui se trata
de projetos econômicos de envergadura, como hidrelétricas,
rodovias, planos de colonização, de grande impacto social e
ambiental, mas que não tem por destinatárias as populações
locais. Seu pressuposto é o da remoção dessas populações (...)
não se trata de introduzir nada na vida dessas populações, mas
de tirar-lhes o que tem de vital para sua sobrevivência, não só
econômica: terras e territórios, meios e condições de existência
material, social, cultural e política. É como se elas não existissem
ou, existindo, não tivessem direito ao reconhecimento de sua
humanidade. (p. 61-63).
Nesse processo de introdução do “estranho” na vida dessas populações, o
referido autor explica que tais empreendimentos chegam às comunidades
envolvidas em um discurso sedutor que propõe progresso, oportunidades de
emprego, melhorias de vida devido às indenizações, fazendo com que,
inicialmente, as populações se sintam interessadas e apóiem a instalação do
empreendimento. Esse discurso sedutor alcança aquelas famílias que visualizam
possibilidades de melhoria de vida através das indenizações recebidas, a
chegada da barragem é vista como um benefício. No que diz respeito aos jovens
locais, a vinda da barragem ainda pode significar a possibilidade de ir para a
cidade, de dar continuidade a seus estudos, a busca por melhores condições
financeiras e de trabalho e, por conseguinte, de acesso a bens de consumo e
“acesso à cultura moderna” (cinema, shoppings, bares, roupas, etc.), apontados
na pesquisa de Medeiros (2002, p.3). O referido pesquisador ainda aponta em
seu trabalho que o ideal de vida para os jovens rurais é “urbano”. Dessa forma, “a
possibilidade do projeto de barragem reforça para alguns o argumento de ter que
sair, devido às condições sociais e locais” (Ibid, p. 72).
Assim, a população fragilizada pelo momento de incertezas e cheia de
esperanças no progresso ali proposto, acaba por se desmobilizar num momento
em que seria necessária a formação de uma identidade de resistência ao
empreendimento.
Para Santos (2002) esse discurso desenvolvimentista proposto pelas
empreendedoras tem como prioridade a dimensão econômica destes tipos de
empreendimento.
22
Quando nos dizem que as hidrelétricas vêm trazer, para um país
ou para uma região, a esperança de salvação da economia, da
integração no mundo, a segurança do progresso, tudo isso são
símbolos que nos permitem aceitar a racionalidade do objeto que,
na realidade, ao contrário, pode exatamente vir destroçar a nossa
relação com a natureza e impor relações desiguais (p. 173).
As hidrelétricas são exemplos do processo de modernização capitalista e
por isso, a implementação dos mesmos traz consigo o discurso de “melhoria na
qualidade de vida, progresso e desenvolvimento regional” (CARVALHO, 2005,
p.5).
Esses empreendimentos desenvolvimentistas caracterizam-se, como
afirmou Ludwig (2005), por se impor sobre a “valorização da natureza e da vida,
subjugando os potencias ecológicos, destruindo formas de organização social,
desterritorializando identidades, enterrando saberes práticos e desarraigando a
cultura de seus referentes locais.” (p. 3)
O próprio Banco Mundial, que foi um dos maiores financiadores de
hidrelétricas desde a década de 1970 e, portanto, co-responsável pelo
deslocamento de milhares de famílias em todo o mundo, reconhece que nos
projetos de construção de barragens quase sempre se inicia um processo de
empobrecimento, muitas vezes representado pela perda da terra, do trabalho, da
habitação, pela marginalização das famílias atingidas, pelo aumento da
mortalidade, pelas dificuldades de acesso à alimentação e pela desarticulação
dos atingidos (CERNEA; MCDOWELL, 2000).
Os referidos autores ainda afirmam que “a expropriação da terra retira o
principal fundamento sobre o qual são construídos o sistema produtivo das
pessoas, suas atividades comerciais e seu meio de vida. Esta é a principal forma
de descapitalização e empobrecimento de pessoas deslocadas (...)”. (Ibid, p. 23)
Iokói (apud CARVALHO, 2005) caracteriza os atingidos por barragens
como sem-terra, ao considerar a falta de indenização ou os valores irrisórios
pagos pelas desapropriações. De acordo com o autor, “os atingidos por barragens
expulsos da terra tornaram-se sem-terra dada a irresponsabilidade dos governos
no pagamento de indenizações” (p. 5) .
23
A Comissão Mundial de Barragens aponta que, além de serem deslocados
pela perda de suas terras (desterritorialização), as compensações financeiras
pagas aos atingidos não são suficientes para que possam restabelecer seus
meios de vida em outro lugar. Os reassentamentos, quando existem, muitas
vezes possuem terras de baixa qualidade ou improdutivas.
As áreas de reassentamentos são sempre selecionadas sem uma
referência ou estudos sobre a viabilidade econômica das mesmas,
bem como uma consulta sobre as preferências das pessoas
deslocadas. Estes são geralmente forçados a reassentar em
locais com áreas ambientais degradadas no entorno da represa.
Assim, as terras perdem rapidamente suas capacidades
produtivas para dar suporte às populações reassentadas. (WCD,
apud VAINER, 2000, p.107)
Estudos etnográficos (SCHERER-WARREN et al, 1990) também destacam
as conseqüências negativas de empreendimentos hidrelétricos sobre os atingidos.
Eles perdem o investimento feito por uma ou várias gerações na propriedade, a
tranqüilidade do espaço vivido e construído socialmente, o sentido de “lugar”,
seus valores e a identidade individual e/ou social. Além disso, observam-se
perdas sociais e simbólicas, ou seja, a ruptura das relações de vizinhança, de
parentesco, de comunidade, assim como as perdas de bens culturais, tais como
igreja, cemitério, escola, costumes e tradições.
Assim, o impacto, a longo prazo, sobre as famílias atingidas ou transferidas
pelas barragens pode revelar as rearticulações sociais e ambientais que se
instalam. E nesse jogo de interpretações dos processos de mudança
desencadeados pela construção de barragens, quais seriam as versões da
população atingida?
3.2 A noção de “atingido”: categoria em construção
As primeiras notícias sobre as lutas de resistência nas construções de
barragens vêm da região Sul do país e foram veiculadas por redes de
24
comunicação dos segmentos progressistas da Igreja Católica de Chapecó (SC) e
Erexim (RS). Surge então uma primeira comissão para tratar das questões das
barragens, composta por um agente de Extensão Rural da Fundação Alto
Uruguai para a Pesquisa e o Ensino Superior (FAPES) de Erexim e agentes
pastorais (CPT), que realizavam reuniões com o objetivo de divulgar os impactos
negativos causados às populações, devido à construção das barragens. Dessa
forma, surge, na região Sul do país, o início de uma primeira articulação para o
movimento social que ocorreu a partir das construções das barragens de
Machadinho e de Itá, no inicio da década de 1980, quando seriam afetados
diretamente 15 e 8 municípios respectivamente, deslocando, aproximadamente,
28.000 pessoas (ROTHMAN, 1996, p.118).
A partir desses eventos, em 1983, aproximadamente 30.000 pessoas
realizaram uma romaria com o tema “Barragens: águas para a vida, não para a
morte”, ocorrida no distrito de Carlos Gomes (município de Viadutos), numa área
que seria afetada pela barragem de Machadinho. Logo após, foi realizado o
“Primeiro Encontro Estadual sobre a Construção de Barragens na Bacia do Rio
Uruguai”, no auditório da Assembléia Legislativa de Porto Alegre (Ibid, p.118). A
partir desses eventos é que, surge então, a Comissão Regional de Atingidos por
Barragens (CRAB), início de uma mobilização organizada contra esse tipo de
empreendimento, iniciando uma pré-articulação para a formação do movimento
de resistência nacional. A emergência de crescentes conflitos sociais advindos
da construção das hidrelétricas, fez com que entidades nacionais e
internacionais, a sociedade civil, e os atingidos pelas barragens passassem a se
mobilizar de forma mais intensa e coletiva com o intuito de lutar pela preservação
ambiental e pelos direitos humanos de quem sofria direta e indiretamente com a
implementação desses projetos. Essa articulação social reúne desde pequenos
proprietários de terra, passando por assalariados rurais (assim como outras
formas de relação de trabalho), até associações de pescadores e de moradores,
com a intenção de manter um objetivo básico: a luta coletiva pela permanência
no seu território, além da manutenção de seus símbolos religiosos, meio de
sobrevivência, etc. Em suma, era uma luta pela preservação de sua comunidade,
bem como pela continuidade de sua reprodução social enquanto ribeirinho ou
25
agricultor. Isto posto, surgiram os movimentos de resistência e as entidades de
apoio aos mesmos.
Diante desses eventos, surge o movimento social de campo, o Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB), advindo da CRAB. Inicialmente, os
movimentos lutavam pelo direito à indenização e pelo reassentamento, mas logo
após, com a abertura política do país (fim da ditadura militar), a qual permitiu um
diálogo maior entre o governo e a sociedade, passaram a carregar a bandeira do
“não” às barragens.
Assim, quem são, de fato, os “atingidos” por barragem? Apenas os
proprietários? Ou estão incluídos os arrendatários e meeiros?
A noção de atingidos não está fechada. Ainda está em construção e muda
de acordo com as representações e interesses de cada agente envolvido no
processo. É uma categoria social em disputa e, nestes termos, a noção de
atingido irá variar no tempo e no espaço, de acordo com os contextos políticos e
culturais. A construção de barragens configura um contexto de conflitos sociais e
na medida em que diferentes agentes sociais estão envolvidos em disputas em
todo o processo, diferentes visões aparecem desde a concepção, a implantação e
depois, a operacionalização dos projetos hidrelétricos.
Assim, as primeiras tentativas no Brasil para conceituar os atingidos
ocorreram no início da década de 80, no caso dos colonos da bacia do Rio
Uruguai, quando estavam sofrendo as conseqüências negativas dos
empreendimentos realizados pela ELETROSUL. Esta empresa considerava como
atingidos apenas “o proprietário da terra e/ou sua propriedade” (Faillace apud
ROTHMAN, 1996, p.131). Esta concepção foi classificada por Vainer (2003) como
patrimonial-paternalista, uma vez que desconsiderava aqueles que não detinham
a posse da terra, mas que dependiam dela para dar continuidade à sua
sobrevivência.
A
estratégia territorial patrimonialista desconhece qualquer direito
social ou territorial dos não proprietários, eximindo as empresas
dos custos sociais impostos a esta parcela da população
transferida. Na maioria dos casos não se reconhecia a existência
de qualquer impacto social ou ambiental. E o único problema era,
por assim dizer, um problema patrimonial fundiário. O tratamento
era o de negociação dos valores da desapropriação. Embora
26
durante muito tempo o termo não fosse utilizado, é evidente que
esta abordagem apenas reconhecia como atingidos os
proprietários de terras. Assim, a perspectiva territorial-
patrimonialista era, quase sempre, indenizatória (Ibid, p.3).
O papel exercido pela CRAB foi fundamental para o alargamento do
conceito de atingido da ELETROSUL. Inicialmente, a Comissão aceitou o termo,
mas logo procurou incluir em sua definição “categorias de agricultores sem terra,
ocupantes, arrendatários, parceiros, populações indígenas, bem como as famílias
dos agricultores, proprietários ou não” (ROTHMAN, 1996, p.131). Assim, a partir
das lutas da CRAB para ampliar a definição de atingido, a ELETROSUL se viu
obrigada a reconhecer os grupos que não haviam sido incluídos inicialmente, bem
como a redefinir “os fatores que afetariam as pessoas: não apenas a água, mas
também as linhas de transmissão, alojamento dos operários de construção e o
terreno do comando.” (Ibid, p.131).
A abordagem conceitual de atingido para órgãos internacionais como a
International Financial Corporation (IFC), o Banco Mundial e a Comissão Mundial
de Barragens é considerada mais abrangente, não a restringindo apenas aos
afetados diretamente pela água. Essa inovação conceitual se deu a partir da
incorporação da noção de “pessoas economicamente deslocadas”. Dentro desse
viés, pescadores que perdem ou têm a pesca consideravelmente reduzida,
agricultores que deixam de ter acesso à agricultura de vazante, encontram-se na
condição de deslocados econômicos, estando, portanto, inseridos na categoria de
atingido.
De acordo com o manual da International Financial Corporation, citado por
Vainer (no prelo),
O deslocado econômico é aquele resultante da interrupção de
atividades econômicas mesmo sem qualquer conotação físico-
territorial. Apenas como ilustração se poderia citar também o
pequeno comerciante que perde a clientela, ou o caminhoneiro
que recolhia o leite de produtores que não existem mais.
(VAINER, no prelo, p. 7)
27
Ainda de acordo com o referido autor, existe uma outra concepção que, de
certa maneira, continua predominando, pelo menos na prática:
É a que chamamos de concepção hídrica, e que identifica
atingido e inundado. Mesmo quando reconhece os não
proprietários – isto é, os ocupantes, posseiros, meeiros, etc. -
esta perspectiva tende a circunscrever espacialmente os efeitos
do empreendimento estritamente à área a ser inundada. Neste
caso, atingido passa a ser entendido como inundado e, por
decorrência, como deslocado compulsório – ou, como é corrente
na linguagem eufemística do Banco Mundial, reassentado
involuntário. (...) Na verdade, a concepção hídrica não é senão
uma reformulação da concepção territorial-patrimonialista, uma
vez que continua prevalecendo a estratégia exclusiva de assumir
o domínio da área a ser ocupada pelo projeto, e não a
responsabilidade social e ambiental do empreendedor (Ibid)
Essas concepções ainda visualizam os direitos da empresa, gerando
impactos e modificações sociais das comunidades atingidas, como no meio
ambiente. Essas mudanças podem possuir várias dimensões e escalas espaciais
e temporais
14
.
As Ciências Sociais vêm se ocupando a longa data com o estudo desses
processos de mudança social, considerando a noção de impacto limitada para
dimensionar a complexidade dos processos sociais em questão.
Entender o processo como mudança social implica, igualmente,
considerar que há dimensões não estritamente pecuniárias ou
materiais. Há perdas que são resultantes da própria
desestruturação de relações prevalecentes, da eliminação de
práticas, da perda de valores e recursos imateriais (religiosos,
culturais). Assim, por exemplo, a dispersão de um grupo familiar
extenso, ou a inundação de lugares com importância simbólica –
religiosa, por exemplo - para um determinado grupo social. (Ibid)
Para as diversas sociedades, a concepção e vivência do espaço irão
envolver outros valores que vão além dos materiais, ou seja, econômico-
14
Sigaud (1986), por exemplo, opta por analisar os efeitos da construção de barragens “como
mudanças na estrutura das relações sociais na qual está inserida, perspectiva esta que coloca em
questão a própria possibilidade de “impactos temporais “ (p. 6).
28
monetários. A exemplo disso, Oliver-Smith (2001) registrou o depoimento de um
porta-voz de uma comunidade tribal da Índia:
Você nos diz para aceitar a compensação. Pelo quê o Estado está
nos compensando? Nossa terra, nossos campos, as árvores de
nossos campos. Mas, nós não vivemos apenas disso. Você vai
nos compensar pela nossa floresta? (...) Ou você vai nos
compensar por nosso grande rio – seus peixes, suas águas, pelos
vegetais que crescem nas suas margens, pela alegria de viver à
sua volta? Qual o preço disso? (...) Como você nos compensará
por nossos campos? – nós não compramos essa terra; nossos
antepassados trabalharam nela e aqui se estabeleceram. Qual o
preço dessa terra? Nossos deuses, o apoio dos nossos parentes
– qual o preço você dá para isso? Nossa vida Adivasi – qual o
preço você dá para isso? (Brava Mahalia, “Letter from a Tribal
Village”, apud OLIVER-SMITH, 2001).
No depoimento acima citado percebe-se que as populações afetadas pelos
empreendimentos hidrelétricos, mesmo não sabendo ao certo o que significa o
empreendimento, têm a noção dos efeitos negativos que sofrerão a partir do
mesmo.
Ao alargar do conceito de atingido, o IFC explicita sua crítica à perspectiva
patrimonialista e esclarece a necessidade de considerar os não proprietários.
A falta de título legal da terra não desqualifica as pessoas para a
assistência do Reassentamento. Os proprietários privados e
possuidores de direitos assim como também qualquer pessoa
que ocupe terra pública ou terra privada para abrigo, negócios, ou
outras fontes de sustento devem ser incluídas no censo (IFC,
apud VAINER, no prelo)
Além disso, o Manual da IFC também considera populações e as
comunidades que serão impactadas pelo reassentamento das populações
deslocadas.
A partir dessa sistematização conceitual fica claro que o termo ainda está
em construção, podendo ser alterado e melhorado ao abranger outras categorias
descritivas ainda não incluídas na atualidade e que podem modificar o jogo de
29
forças no qual sua definição traz implicações sócio-ambientais e culturais muito
sérias.
3.3 Sobre as estratégias do setor elétrico
Pesquisadores vêm observando que as subsidiárias têm um
comportamento estruturado de forma demasiada semelhante, no que diz respeito
às estratégias de implementação do empreendimento hidrelétrico e no processo
de negociação com as famílias atingidas, quais são: “desinformação, estratégia
territorial patrimonialista e negociação individual.” (VAINER, no prelo)
A primeira tática descrita pelo autor referido é a desinformação que:
“constitui uma das principais armas do setor elétrico” (Ibid). Para compreender o
efeito dessa desinformação, basta refletir sobre indivíduo que nunca se defrontou
com outra situação semelhante anteriormente, dificilmente irá conseguir
conjeturar as conseqüências da situação imposta no presente, uma vez que, para
este indivíduo é difícil visualizar as dimensões prejudiciais que o empreendimento
hidrelétrico pode trazer à comunidade e ao ambiente.
Geralmente, o que ocorre nas comunidades atingidas, é o fato de que:
Não têm nenhuma referência anterior do que seja efetivamente
uma barragem, nem do tipo de conseqüências que elas provocam
nas regiões onde se implantam. Esse caráter de novidade é
reforçado pela quase completa ausência de informações, que
parece ser uma estratégia do setor elétrico (...). (RIBEIRO, 1993,
p.104)
Germani (2003) também aponta esse caráter de novidade sobre as
hidrelétricas, em seu estudo sobre as populações atingidas pela UHE Itaipu. Um
de seus informantes, atingido pelo projeto, afirma que:
A gente pensava que seria uma grande coisa e não tínhamos
idéia que tivéssemos que sair. Iam fazer aquela barragem, talvez
3, 4 ou mais nos rio Paraná. E, como o leito do rio é lá no fundo,
a gente, assim, não tinha nem idéia que nós teríamos que sair.
(p. 69)
30
Ao reconhecer essa falta de informações da população a respeito do futuro
empreendimento a ser projetado no local, inicialmente, a empresa adere à política
de não fornecimento de informações precisas à população, como forma de
introduzir-se com mais facilidade na região. Não são esclarecidas questões como
indenizações; quem se enquadra à categoria de atingido e que por sua vez,
possui direitos perante as negociações; impactos causados pela construção da
hidrelétrica, etc. A partir desse momento, muitas vezes mesmo antes de obter as
licenças prévia e de instalação da hidrelétrica, a empreendedora passa a comprar
algumas terras para se instalar no local com o intuito de:
assegurar que, em caso de vir a surgir resistência, a empresa já
se encontre ancorada no terreno e a obra já possa aparecer como
algo irreversível, quase como se fosse um fenômeno natural
diante do qual não se pode senão sofrer as conseqüências.
(VAINER, no prelo)
Numa próxima etapa, a empresa inverte sua atuação, ou seja, ao invés de
não fornecer informações concretas, como fez no primeiro momento, passa a
realizar a propaganda de sua obra e a mostrar seus benefícios, trazendo o
discurso de progresso, melhoria de vida da população, oportunidades de
emprego, novas casas, etc.. Ao se encantarem com as oportunidades propostas
com a vinda da hidrelétrica, muitas famílias apóiam o empreendimento.
Ainda nesse momento inicial, de acordo com Vainer (2000, p.20), a
empresa passa a fornecer informações desencontradas, contraditórias, como os
preços das indenizações e as datas de construção e enchimento da represa,
gerando um clima de dúvidas e insegurança entre os atingidos, fato este que
facilita ainda mais a atuação da empresa, ao deixar a população sensível e
temerosa.
Além dessa falta de informações, a empreendedora geralmente divulga
números exagerados sobre as pessoas que negociaram individualmente e
valores altos pagos na indenização, como forma de persuadir os demais a
aderirem às negociações propostas pela empresa.
31
Até o início da década de 1980, ao efetivar as negociações com as famílias
atingidas, a empreendedora reconhecia por atingidos somente aqueles que
possuíam os direitos legais da propriedade (estratégia territorial patrimonialista,
considerada pelo referido autor, - Ibid: p.21), ou seja, desconsiderava os
trabalhadores que ali empregavam sua força de trabalho diária, entre eles
meeiros, pescadores, caçadores, etc.).
Após resolver este “problema social”, em que as famílias atingidas são
identificadas para que se proponham às negociações, as empresas nem sempre
se preocupam com as condições em que a população atingida receberá para se
reterritorializar ou se restabelecer, muitas vezes sem oferecer oportunidades para
que os atingidos discutam sobre os valores das indenizações. Porém, sabe-se
que nem sempre uma família consegue se restabelecer em uma propriedade
equivalente à negociada, uma vez que o montante recebido não é suficiente para
a aquisição de terras cultiváveis, ou quem sabe até mesmo para a construção de
uma nova casa.
O terceiro momento estratégico da empresa aparece com o oferecimento
das negociações individuais, procurando proprietário por proprietário.
Para Vainer (2000)
Embora pareça irracional do ponto de vista organizacional, tal
opção tem objetivos claros: impedir, ou dificultar, a discussão e
organização coletivas. Para a empresa, a população não existe
enquanto coletividade/comunidade, mas apenas como um
somatório de proprietários individuais. (p. 21)
Através das negociações individuais, a empresa também busca impedir
que os problemas sociais gerados pelo empreendimento se manifestem fora dos
limites da área a ser afetada.
Dessa forma, conhecidas as táticas das empresas do setor Elétrico, os
movimentos sociais buscam enfrentá-las, procurando informações a respeito dos
empreendimentos, discutindo os projetos, trocando experiências com atingidos de
outras localidades, contatando profissionais que possam fornecer subsídios para
a avaliação dos efeitos sociais e ambientais e, por fim, mobilizando e
conscientizando as populações em defesa de seus direitos.
32
Além da mobilização, a negociação coletiva também tem sido difundida
pelos movimentos sociais e entidades de apoio, proporcionando o surgimento da
consciência de cidadania que levam às novas práticas de solidariedade e
coletividade para os atingidos, termo que, para Vainer (no prelo) possui
atualmente “um símbolo de uma vontade de luta, de apego á terra e à região –
que se opõe à forma gramaticalmente passiva da expressão.”
3.4 Espaço, território e lugar no contexto do deslocamento compulsório.
O deslocamento compulsório é um dos principais efeitos da construção de
hidrelétricas sobre a população atingida. Morando muitas vezes por muitos anos
em determinado lugar, onde foram construídas relações sociais duradouras, e
raízes foram firmadas, a população atingida se vê obrigada, em nome do
progresso, a se deslocar para outra área ou se adaptar no entorno da represa,
onde terá que reconstruir seus meios e modos de vida, laços de vizinhança e o
conhecimento das manhas da nova terra.
O “fantasma” do deslocamento começa a rondar os atingidos quando
recebem a primeira notícia sobre a construção da barragem.
Estes rumores geram os primeiros impactos já que produzem
incerteza na população, que se questiona se pode continuar com
sua vida normal: períodos de semeadura, investimentos,
aquisições, entrada nas escolas, etc. (CORTÉS, 1999, p.56).
Para os atingidos, a mudança resultante da construção da barragem:
não significa apenas mudar de um espaço físico para o outro, mas
significa a troca de um espaço com sentidos múltiplos: um sentido
mais objetivo que permite uma valorização e uma quantificação
monetárias em relação à terra e suas benfeitorias e, uma
valorização baseada em representações simbólicas que atribuem
um valor estimativo a um espaço que foi, também, apropriado e
construído socialmente (SCHERER-WARREN et al, 1990, p.30).
33
Para alguns autores, como é o caso de Geiger (apud SANTOS, 2002b, p.
244), a migração forçada seria um caso de desterritorialização, isto é, de
esvaziamento do território” ou de perda do lugar vivido e socialmente construído.
O conceito de desterritorialização deriva do conceito de território, entendido por
Corrêa (apud SANTOS, 2002b, p.251) como “espaço revestido da dimensão
política, afetiva ou ambas”. Para o referido autor, o fato de a terra pertencer a
alguém não quer dizer necessariamente que exista uma vinculação de posse,
mas sim, de apropriação em dimensões simbólicas. Guatari (1985) complementa
com a noção de que território “pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto
a um sistema percebido no seio do qual o sujeito se ente em casa. O território é
sinônimo de apropriação, se subjetivação.” (p. 110)
Para Santos et al (1988) o espaço é visto como:
um conjunto indissociável do qual participam, de um lado, um
certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos
sociais e, de outro lado, a vida que os anima ou aquilo que lhes dá
vida. Isto é a sociedade em movimento (p.16).
Segundo Corrêa (apud SANTOS, 2002b) o conceito de território pode ser
pensado em duas dimensões: política e afetiva. A dimensão política vincula-se à
geografia política e geopolítica, e a afetiva “deriva das práticas espacializadas por
parte de grupos distintos definidos segundo renda, raça, religião, sexo, idade ou
outros atributos.” (p. 251)
Outro autor também trata o território segundo as dimensões política e
afetiva:
a formação de um território dá às pessoas que nele habitam a
consciência de sua participação, provocando um sentimento de
territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de
confraternização entre as mesmas (Andrade apud SANTOS,
2002, p.214).
34
O conceito de território para Cara (1996) também se subordina ao de
espaço, na medida em que afirma que “o território é uma objetivação
multidimensional da apropriação social do espaço” (p. 262).
O conceito de território não se prende apenas a um princípio material de
apropriação, de posse, mas a um princípio cultural, de identidade, de
pertencimento, de sentimento. Bonnemaison; Cambrèzy (apud OLIVEIRA;
MARTINS, 2005) afirmam que
pertencemos a um território, não o possuímos, guardamo-lo,
habitamo-lo, impregnamo-lo dele (...) Enfim, o território não diz
respeito apenas à função ou ao ter, mas ao ser. Esquecer este
princípio espiritual e não material é se sujeitar a não compreender
a violência trágica de muitas lutas e conflitos que afetam o mundo
de hoje: perder seu território é desaparecer. (p. 28)
Outro autor relaciona o conceito de território/terra ao de “lugar”, não um
lugar qualquer
mas a um lugar construído como local de moradia, fundamento da
sociabilidade, objeto de trabalho coletivo e meio de vida que
garante a construção da rede de relações humanas com
significados e sentidos específicos (LUDWIG, 2003, p.7).
Para Tuan (1983), lugar é uma “classe especial de objeto. É uma
concreção de valor, (...); é um objeto no qual se pode morar” (p. 14). Desse modo,
à noção de lugar pode-se associar a de espaço localizado, onde se estabelecem
relações sociais especiais, que tenham significado, que despertem sentimentos
de pertencimento, impregnados de simbolismos.
Pode-se inferir desta forma que o lugar não é apenas o espaço físico, que
serve de base para produção dos meios de sobrevivência, mas um espaço dotado
de significados, onde as pessoas constroem sua identidade social e/ou coletiva.
35
Nesse sentido, para Ludwig (2003), os lugares
constituem partes integrantes de uma totalidade espacial, o que
significa que não são autônomos e dotados de vida própria, mas
que se vinculam ao caráter social e histórico da produção do
espaço físico total. (...) os lugares redefinem-se a partir da
diversidade como sedes da diferença, da alteridade natural-
sociocultural perante o projeto homogeneizador do espaço e da
cultura, decorrente da globalização econômico-tecnológica (p. 4).
E são nesses lugares materializados no espaço que as pessoas depositam
seus valores, e deixá-los implica deixar para trás todo o investimento de sua força
de trabalho elaborado durante a sua existência, embutido em projetos de vida, de
memória, relações de vizinhança (compadrio, parentesco) e bens culturais
construídos coletivamente (Igreja, escola, etc.). Ainda para a autora,
o lugar que se materializa na paisagem, historicamente
construído, é suporte para a memória coletiva daqueles que a ele
se ligam no momento presente. Sua permanência possibilita aos
moradores encontrar-se com eles próprios, situarem-se no tempo,
ter acesso à história vivida (Idem, p. 5).
É no espaço vivido e socialmente construído que o lugar se revela,
estabelecendo relações sociais e humanas, modos de vida, referências,
produzindo uma rede de significados, formando identidades e sentimento de
pertencimento do sujeito a ele.
Os conceitos de território e de lugar trabalhados pelos citados autores,
possuem significados próximos. A idéia de território, espaço e lugar como produto
e produtores de relações sociais ou vínculos sociais, de manifestações culturais,
de formação de sociabilidades, impregnados de significados e que incitam o
sentimento de pertencimento permeia ambos os conceitos. De acordo com Pinto
(apud CARVALHO, 2005, p.8), entendemos ‘vinculo social’, como a “dupla
vinculação dos homens com o mundo e dos homens entre si e que é construída
através da linguagem produzindo o sentido de suas múltiplas ligações reais: de
trocas econômicas, de poder político, de inscrição num mundo cultural de valores
36
(Autès apud PINTO, 2003, p.108). Essas múltiplas ligações configuram o espaço
com uma dinâmica de sociabilidade própria, sendo “sociabilidade” compreendida
“como padrões e formas de relacionamento social concreto que ocorrem em
contextos ou em círculos de interação e de convívio social determinado” (Pinto
apud CARVALHO, 2005, p.10).
A desterritorialização da população atingida provocada pelo deslocamento
compulsório devido à construção de hidrelétrica pode ser compreendida como a
perda do acesso à terra, vista não só em seu papel de reprodução material, num
sentido físico (...), mas também como locus de apropriação simbólica, afetiva
(HAESBAERT, 2001, p.127).
Dentro dessa perspectiva, a desterritorialização também leva à exclusão
social, uma vez que, ao perder parte de bens materiais e simbólicos, o atingido e
sua família também perdem algumas formas de participação na sociedade, seja
de natureza econômica ou social (idem).
Para Martins (2003) o processo de exclusão é resultado do modelo de
desenvolvimento capitalista. Dessa forma, “o excluído seria uma vítima da
exploração capitalista”, sendo também “excluído das oportunidades de
participação social” e do “fazer História” (Ibid, p. 31). Em outra obra (MARTINS,
1997, p.14-16) o autor nega a existência da exclusão total, apontando que na
verdade o que existem são vítimas de processos sociais, políticos e econômicos
que são, por sua vez, excludentes, criando situações de privação, seguindo a
lógica da sociedade capitalista, que tem como ”lógica própria desenraizar e a
todos excluir porque tudo deve ser lançado no mercado” (Ibid, p. 30-32). Assim, a
sociedade cria uma população que tem poucas chances de se incluir nos padrões
sociais de desenvolvimento, podendo até se integrar no plano econômico dessa
sociedade, em que consegue algo para sua sobrevivência (inclusão), mas não no
plano social e moral. Por isso, são considerados “excluídos” e “incluídos” ao
mesmo tempo, onde, ele fornece como exemplo, as crianças que se prostituem,
estando incluídas no mercado de uma sociedade excludente, revelando um outro
lado dessa inclusão social, em que elas “se integram economicamente, mas se
desintegram moral e socialmente” (Ibid, p.33-34).
37
Retornando à questão da perda do território, Carvalho (2005) sugere que
nesse contexto exista a idéia de um movimento: milhares de pessoas são
desterritorializadas pela territorialização das barragens.
A análise territorial desempenha papel na compreensão da
mudança social de um modo geral; seria interessante representar
a mudança social (e seu contrário, o bloqueio) sob a forma de
uma dinâmica territorial, pois a mudança social é em parte isso, a
vida e a morte dos territórios. A mudança social é vista como um
movimento de territorialização, desterritorialização e
reterritorialização. (Barel apud CARA, 1996, p.264)
Assim, na medida em que atingidos por barragens se defrontam com a
possibilidade de deixarem o lugar, sentem a iminente ameaça das perdas físicas
e simbólicas, representadas pelos laços sociais ali estabelecidos, por suas raízes,
tradições culturais, meios e modos de vida. De acordo com Rothman (1993,
p.193-195), ao citar a abordagem de perdas materiais e simbólicas sofridas por
atingidos por barragens em Scherer-Warren et al (1988), alguns líderes da CRAB
perceberam que os discursos utilizados pelos colonos durante seus encontros
revelavam o discurso das “perdas”. Como a ELETROSUL não apontava certezas
sobre os futuros dos atingidos, estes se mobilizaram ao perceberem que iriam, ao
migrar involuntariamente, perder suas terras, seus meios de vida e suas
identidades econômicas, a vida em comunidade e tradições culturais, escolas,
igrejas, sepulturas de antepassados, etc., fato observado por agentes da CPT.
Dessa forma, a Igreja se apropriou desse discurso, com o intuito de sensibilizar e
conscientizar os colonos durante os processos de mediação entre os mesmos e
as empreendedoras.
Dessa forma, os atingidos, deslocados compulsoriamente, reassentados
e/ou realocados no entorno do lago, se defrontam com outros desafios, pois a
chegada ou o rearranjo no outro lugar representa, para eles, (re)fazer e
(re)construir relações sociais e econômicas.
Também se torna necessário compreender a representação que a
barragem possui para as comunidades atingidas, ou seja, como ela é vista,
sentida, vivenciada e explicada por essas pessoas. O que a construção da
38
barragem representa para suas vidas sociais, econômicas e culturais é de suma
importância para uma análise mais profunda desse contexto.
Compreendemos, no presente trabalho, a representação social como “um
conjunto amplo de significados criados e partilhados socialmente. É todo um
sistema de crenças e valores que todos possuímos e que não é apenas individual,
mas que é também social” (GUARESCHI, 2000, p.70).
A compreensão das representações social se torna importante no momento
em que a mesma “comanda” as ações das pessoas, norteia suas produções
simbólicas, sua coletividade, uma vez que também é considerada como “ ‘tijolaços
de saber’, porções de sabedoria, tradição, senso comum, memória, que
encontramos e todas as sociedades e que são extremamente importantes se
quisermos compreender a ‘alma’ desse povo”. (Ibid, p. 77)
Portanto, as representações da barragem, da perda do território, dos laços
sociais, do deslocamento compulsório ou do realocamento e das adaptações dos
atingidos ao novo contexto imposto aos mesmos apresenta uma realidade
interessante e necessária de ser analisada no momento em que novos projetos
de barragens estão sendo implementados e incentivados em todo o mundo.
39
Capítulo 4
Discussão, Análise e Resultados
4.1 A chegada da barragem: “Eles insistem demais, igual furunco na gente”.
Um fato novo sempre gera diferentes formas de percepções e
interpretações, de acordo com as experiências individuais e coletivas socialmente
construídas.
No caso da notícia sobre a construção de uma barragem, sua divulgação
chega entre aqueles que serão atingidos, fazendo com que os mesmos comecem
a processar as informações que nem sempre chegam de forma clara. Nesse
processo, é comum o surgimento de diferentes pontos de questionamento.
Mesmo não conhecendo todo o processo de licenciamento, negociações e
construção de uma barragem, alguns atingidos poderão questionar a perda de
suas propriedades e de suas formas de produção e meios de vida. Outros
poderão perceber o empreendimento enquanto possibilidade de mudança
positiva, seja em relação a um deslocamento para um outro local, seja em relação
a um novo padrão socioeconômico, advindo do valor recebido pela venda ou
indenização de suas terras.
Para os jovens do meio rural, a construção de uma barragem pode
representar novas possibilidades de vida, como a mudança para a cidade, a
possibilidade de dar continuidade aos estudos, como apontado na pesquisa de
Medeiros (2002).
Para o referido pesquisador, ao citar Carneiro (1998),
Os jovens rurais oscilam entre o projeto de construírem vidas mais
individualizadas, o que expressa no desejo de ‘melhorarem o
padrão de vida’, de ‘serem algo na vida’, e o compromisso com a
família, que se confunde também com o sentimento de
40
pertencimento à localidade de origem, já que a família é um
‘espaço privilegiado de sociabilidade’ (MEDEIROS, 2002, p.15) .
Assim, as percepções das famílias atingidas sobre um projeto de barragem
podem ser variadas. É nesse contexto que o presente estudo buscou captá-las e
apreender o significado impresso ao empreendimento UHE Cachoeira do
Emboque, pelos atingidos, aproximadamente dez anos após sua construção.
Ao iniciar as entrevistas em campo, as primeiras impressões passadas
pelas famílias, ao serem questionadas sobre o empreendimento e suas memórias
sobre a época das negociações e implantação do projeto, revelam que muitos não
acreditavam que um dia ele viria a se concretizar. De acordo com os
entrevistados, as notícias sobre a construção da barragem já existiam a mais de
30 anos, criando-se assim, uma imagem de que a mesma nunca viesse a se
efetivar:
“Já tinha uns trinta anos ou mais que veio um helicóptero uma vez
com gente pra medir o local, falando que ia construir uma
barragem. De tempo em tempo vinha gente aqui mas nunca saía.
Quando foi construir mesmo o pessoal da empresa veio medindo,
colocando placa, indo nas casas das pessoas falando que ia
construir.” (Informante proprietário, 60 anos)
“Uns trinta anos antes o pessoal marcou, fez medida. Meu pai não
acreditava que ia ter barragem. Sempre achava que não ia pra
frente.” (Informante proprietária, 42 anos)
Como visto nos depoimentos acima, o fato de se realizarem estudos de
viabilidade hidroenergética e nunca se concretizar o empreendimento, levou a
população a não acreditar na possibilidade de sua efetivação.
Porém, ao iniciarem em 1995 as negociações e a compra de algumas
propriedades por parte da empreendedora CFLCL, estudos realizados por
Rothman; Lopes (1999)
15
, apontam que, nessa época, a população percebera o
15
De acordo com os referidos autores e pesquisadores, 44% dos atingidos pelas UHEs de Porto
Estrela, Pilar e Cachoeira da Providência afirmam acreditar na construção das hidrelétricas devido
à força política que envolve esse empreendimento. (p.24) Através desses dados pode-se perceber
41
poder da empreendedora e do Governo, levando os atingidos a concluir sobre a
inevitabilidade da construção da hidrelétrica.
Além da percepção da possibilidade de se efetivar o projeto devido às
forças políticas que estariam associadas ao empreendedor, o representante do
MAB-ARD
16
que mediou o processo inicial das negociações em 1995 também
apresenta suas observações a respeito:
“A barragem de Emboque iniciou sua operação em 1998; eu ainda
não estava em Granada. Mas desde a discussão e implantação
da barragem de Emboque a gente já participava, juntamente com
o pessoal do NACAB. Fomos lá diversas vezes discutir com o
povo. Mas grande parte tinha resistência ao trabalho por causa,
principalmente, do trabalho de convencimento que a empresa
havia feito durante mais de 20 anos.” (depoimento retirado de
entrevista com o representante do MAB-ARD, realizada para a
presente pesquisa em dezembro de 2006)
De acordo com o referido informante, o trabalho de convencimento
realizado pela empresa sobre a população também fora um fator a ser
considerado na irreversibilidade da concretização do projeto e na posição de
desvantagem dos atingidos, quanto a qualquer resistência à implantação do
mesmo.
Assim, em 1995 a CFLCL inicia o processo de pedido de licenciamento
junto à FEAM, recebendo a Licença Prévia, documento que permite o pedido de
Licença de Instalação, com o qual se tem a autorização para o início da
construção da barragem. Nesse mesmo ano, a empreendedora iniciou algumas
negociações individuais, adquirindo algumas propriedades e afixando placas no
local, informando que a referida área pertencia à empresa, além de divulgar um
jornal informando sobre o empreendimento que ali seria construído. Vainer (2000)
aponta em seu trabalho algumas táticas de desarticulação das comunidades,
realizadas pelas empresas do setor energético, e uma delas é realizada pela
CFLCL, quando a mesma comprou parte das melhores terras locais para instalar
seu canteiro de obras e demonstrar à população que o empreendimento era
como os atingidos pelos projetos acima citados tiveram percepções semelhantes a respeito da
inevitabilidade do empreendimento.
16
O referido representante do MAB regional também é pároco e atuou na Igreja local de Granada, nos
anos de 2003 à 2005.
42
concreto e irremediável. De acordo com o depoimento coletado do representante
local da comunidade de Granada, a compra das terras do maior proprietário local
serviu para intimidar a comunidade e mostrar que, se a empresa pôde comprar
terras do maior proprietário, poderia comprar a dos menores também.
A partir desses eventos e de acordo com a percepção dos atingidos, os
mesmos inferiram que o governo já havia liberado a construção da barragem, não
podendo então, a população, criticar ou tentar impedir a efetivação do
empreendimento.
De acordo com o depoimento de um dos atingidos, representantes da
empreendedora chegavam repentinamente com a notícia da compra das terras e
os pressionavam a vendê-las rapidamente, sem oferecer tempo para que
pudessem refletir sobre a questão, ou mesmo para procurar informações sobre
seus direitos.
“Ah, primeiro falaro que nóis ia ter emprego, casa nova, aí eu
fiquei animado, achei que ia arresorver minha vida. Mas depois
começou um tal de Paulo ir nas casa das pessoa, pressionar e
forçar a negociar, tratava mal a gente, dizia que ia mandar alagar
tudo com nóis aqui. Aí nóis começô a percebê que o negócio era
outro, tava ficando feio...(...) Ah, como sempre cada um quer uma
coisa. Eu queria o que era meu, não queria sair e deixar minhas
coisa. Mas falaro que iam alagar e que se eu não assinasse o
papel não ia receber nada no final. Acabei aceitando o que eles
disseram que eu tinha que ganhar, não deu pra nada, fiquei na
pior, o dinheiro durou poucos meses.”(Informante proprietário, 57
anos)
17
Como pode ser observado, essa “chegada do estranho” à comunidade,
representado pela chegada da barragem, como citado por Martins (1993), pode
geralmente acontecer de maneira persuasiva, com um discurso sedutor que
propõe a uma população fragilizada pelo momento, a vinda de progresso,
desenvolvimento, oferta de emprego, dinheiro, oportunidade de concretizar o
sonho de ir para a cidade, etc. Para aqueles que vêem na barragem a
possibilidade de ganhos e prosperidade, o discurso chega com facilidade a esses
interlocutores e pode se tornar efetivo.
17
Depoimento gravado com a permissão do informante.
43
Aquelas famílias que já possuíam a intenção de sair do local ou se
interessaram pela possibilidade de mudanças, negociaram suas terras em 1995
de maneira individual com a empreendedora. Os demais se mobilizaram para
criar uma comissão local para realizar as negociações de maneira coletiva.
Porém, por falta de informações a respeito do empreendimento e de seus direitos
enquanto atingidos, perderam o prazo para pedir uma audiência pública, espaço
institucional em que poderiam criticar o empreendimento.
De acordo com dados obtidos pelos depoimentos coletados em entrevistas
nesse período, alguns atingidos afirmavam que “o que a empresa quer é ficar livre
do pessoal o mais logo” (ROTHMAN; VIEIRA, 1997, p.17). E essa declaração
confirma o que foi dito por Martins (Ibid, p.61-63), o qual afirma que tais projetos
têm como pressuposto a remoção dessas famílias, também consideradas,
segundo Vainer & Araújo (1990), como enclaves ou problemas para a empresa, a
serem removidos do local para a viabilização do empreendimento:
A região, o meio ambiente e tudo o mais são olhados a partir do
grande projeto, parte em função de uma estratégia setorial.
Quanto às populações, passam a ser um obstáculo que deve ser
removido para limpar o terreno (Ibid, p. 20)
Ainda nesse mesmo ano, a comissão local pediu auxilio às entidades
mediadoras (NACAB, CPT, e MAB), para que pudessem ser mais bem orientados
durante o processo de negociações com a empresa. A negociação coletiva é
fortemente reforçada nesse momento pelas assessorias, porém, ainda existiam
conflitos de interesses que desarticulavam o processo. Um atingido comenta
sobre as negociações coletivas: “a união tá difícil, ou vende todo mundo ou não
vende ninguém” (ROTHMAN; VIEIRA, 1997, p.21).
Para um dos assessores
18
, esse processo de negociações não fora fácil,
uma vez que:
“Qualquer negociação coletiva é difícil e envolve uma mudança de
consciência dos indivíduos para saber que ela é melhor do que a
individual. Quando a assessoria chegou à comunidade a empresa
18
Ele é o atual advogado do NACAB, que participou do processo de negociações como estudante e
pesquisador de iniciação cientifica, fornecendo tais dados por meio de entrevista, em dezembro de
2006.
44
já estava lá há algum tempo. Ela fez laços com as pessoas o que
dificultou a organização do povo. Também não havia muita
estrutura para a assessoria dos atingidos ficar em campo o tempo
necessário para organizar uma luta coletiva. Já a empresa ficava
na comunidade todo dia e isso fez diferença. (...) Como disse
faltou uma maior consciência coletiva sem contar com o fato que a
empresa incentivava todo dia a negociação individual. Esse é um
problema não só de Emboque mas de todos os licenciamentos
ambientais de hidrelétricas que pude acompanhar em 9 anos”.
(dados retirados da entrevista realizada para a presente pesquisa
em dezembro de 2006)
Como visto no depoimento acima, a empresa já estava presente no local
realizando um trabalho de aproximação e convencimento com a comunidade. Por
esse motivo, foi mais fácil para o empreendedor desarticular a população e
convencê-la de que as negociações individuais seriam mais interessantes. Tais
momentos foram apresentados anteriormente por Vainer; Araújo (1991) quando o
mesmo relata sobre as estratégias adotadas pelo setor elétrico para a
desarticulação das populações atingidas, sejam elas: “desinformação, estratégia
territorial patrimonialista e negociação individual.” (p.20)
Ainda de acordo com Rothman; Vieira (1997), poucas informações foram
enviadas pela empreendedora à população, que não possuía maiores
conhecimentos no que diz respeito às indenizações, venda ou permuta de terras,
direitos dos atingidos e quem se enquadrava nessa categoria.
Nos dados construídos a partir da pesquisa do referido autor, puderam ser
captados alguns motivos, de acordo com a percepção dos atingidos, para a
desarticulação da comunidade:
“a gente pergunta pras pessoas o que aconteceu na reunião e
ninguém sabe responder, então não acredito que as reunião
possam resolver alguma coisa.”
“nas reuniões as pessoas não tão se entendendo, aí as pessoas
ficam quietas, só ouvindo.”
“Não vou na reunião por causa do horário.”
(Depoimentos citados em ROTHMAN;
VIEIRA, 1997, p.18)
45
Os depoimentos acima dão a entender que a falta de informações e talvez
de uma maior interação e de solidariedade entre o grupo, possam ter afetado a
mobilização local, desarticulando-a.
Também havia um grupo que afirmou acreditar na idoneidade da empresa,
considerando que a mesma faria o melhor pela população. O argumento
utilizado por esses atingidos, conforme sugerido pela empreendedora, era o de
que a mesma iria construir outras barragens e deveria realizar boas negociações
com o presente empreendimento, como forma de servir de exemplo para as
futuras barragens que pretendiam construir na região.
Dessa forma, por encontrarem-se desarticulados, os atingidos afirmam ter
acatado as orientações do empreendedor que, segundo os mesmos, os instruiu
para a negociação individual, convencendo-os que se esta fosse realizada de
maneira coletiva acabaria prejudicando as famílias, pois cada caso seria diferente
do outro.
O resultado é que se observam declarações como:
“Se a pessoa der sorte e saber negociar direito, sai mais
beneficiada que em negociação coletiva...”
“Não fui mais nas reuniões porque tem que negociar é com a
empresa, tem que pagar as pessoas mesmo, então não é
necessário negociar junto...”
(Depoimentos citados em ROTHMAN;
VIEIRA, 1997, p.21)
Observamos, por meio dessas declarações, a possível falta de articulação
e orientação sobre o processo de negociações. Além disso, a falta de informações
precisas sobre seus direitos parece ter causado muitas dúvidas aos não-
proprietários (meeiros e empregados).
“Se der fico, se não der, já estou acostumado a mudar de casa.”
“Para quem não tem terra é difícil negociar com a empresa.”
46
“Nós temos um empregado mas a negociação deles tem que ser
com a empresa pois são eles que tão querendo tirá-los de lá, não
nós.”
(Depoimentos citados em ROTHMAN;
VIEIRA, 1997, p.21)
Como podemos perceber, esses atingidos pareciam não possuir
conhecimentos sobre seus direitos, fazendo com que alguns acreditassem não
possuí-los perante a implementação do projeto, conformando-se, inclusive, em
sair do local. Outro aspecto importante observado, refere-se à indiferença entre a
possibilidade ou não de mudança, aludindo questões sobre o sentimento de
pertencimento, ou até mesmo de conformismo perante a situação de sua posição
social muitas vezes desvantajosa.
Um dos mediadores que atuou na época como agente da CPT, comenta
que:
“Em todos os lugares onde acompanhávamos comunidades
atingidas por barragens, incentivávamos a criação de uma
comissão de representantes dos atingidos. Ela teria a função de
ser um canal de contato e mobilização da comunidade e de
representação nos momentos de negociação dos seus interesses.
Recordo-me que tivemos dificuldades de compor essa comissão,
pois os atingidos não se dispunham a participar. Procurávamos
incluir na sua composição representantes de diferentes
comunidades ou áreas atingidas para facilitar a comunicação e
mobilização. Creio que só alguns jovens da casa onde
realizávamos a reunião apresentaram maior interesse, pois muitos
acreditavam que o melhor caminho era uma negociação
individual. Percebiam a venda de suas terras como um negócio
qualquer e que competia a cada um tratar dos seus interesses
individualmente. Em uma das viagens à região, nos surpreendeu
o fato de sermos parados por um outro carro, na estrada, pois,
achando que éramos da Cataguases, queriam já negociar suas
terras. Essa postura determinou muito das dificuldades de
organização dos atingidos de Emboque e todas as tentativas de
negociação coletiva”. (dados coletados em entrevista realizada
para a presente pesquisa em janeiro de 2007).
Pelo depoimento acima, podemos perceber outros aspectos da dificuldade
de articulação da população, bem como a possível presença de interesses
individuais, que poderiam colaborar ainda mais com a desunião local.
47
Alguns atingidos ponderam a respeito da comissão local à época da
discussão sobre a implantação da barragem:
“Não participava de nada, a gente achava que a água não ia vir”.
(informante meeira, 52 anos)
“Ah, sei não, não participava e nem participo dessa outra que tem
aí hoje, acho que a lei demora muito e a gente sempre fica na
pior. (...) Nunca fui, não gosto dessas coisa, acho que tem uns
que fala muito e não faz nada pra resolver nossas
coisa.”(informante filho de proprietário, 38 anos)
Como pode ser observado nos depoimentos acima, a falta de crédito na
construção da barragem e no papel da comissão local também foram fatores de
desarticulação da população.
Essa desarticulação também contou com outro episódio:
“Acho que porque alguns foram comprados e saíram da comissão,
isso desanimou as pessoas”. (Informante proprietário, 60 anos)
“À custa de dinheiro a pessoa acaba por isso. Aquelas pessoas
traíram a gente por dinheiro e perderam tudo. No fim essas
pessoas foram compradas, receberam terra e dinheiro e
prejudicaram todos. As pessoas que a gente confiou, letradas, ia
em BH resolver tudo para todos mas não fizeram nada. Foram
comprados e muito agredidos psicologicamente. O nome da gente
tem valor, não dá pra se vender”. (Informante proprietária, 65
anos)
“Tava tudo organizado, mas acabou. A empresa comprou os dois
mais ricos e os pobres ficaram com nada. Perto de negociar os
representantes saíram e as pessoas ficaram sem saber o que
fazer, sobraram e foram levados à justiça para aceitarem o pouco
dinheiro senão seriam expulsos da terra. Pagaram mixaria,
venderam por menos do que valia. Negociaram os ricos primeiro e
os pobres foram obrigados a sair”. (Informante proprietário, 48
anos)
“As pessoas que iniciaram porque tinham mais inteligência para
agir acabaram sendo comprados. A pessoa às vezes ilude”.
(Informante proprietária, 42 anos)
48
Os depoimentos acima, cremos que houve a percepção, por parte dos
atingidos, da cooptação dos representantes da associação local, sendo estes,
mais um fator que levou à desunião.
A partir da falta de articulação entre a população, redes de solidariedade,
cooptação dos representantes da comissão local, bem como a presença de
interesses incomuns acirrados pelo momento, a comissão acabou se desfazendo,
fazendo com que as negociações acabassem ocorrendo de maneira individual.
O representante do MAB regional comenta sobre as negociações
individuais:
“Há duas coisas importantes de se observarem. A primeira é que
toda a nossa região não tinha experiência de lutas coletivas, as
pessoas ouviam mas não acreditavam nesse processo. Por outro
lado, havia a empresa pressionando e dizendo que a pessoa
recebia aquela quantia em dinheiro que ela oferecia ou o caso iria
para a Justiça. Tudo isso é muito novo para as pessoas. Penso
que essas foram as duas razões principais que levaram os
proprietários a uma negociação individual. Há comentários de que
pessoas de frente se venderam, mas, mesmo que isso tenha
acontecido, as razões principais, a nosso ver, foram as apontadas
acima.”(relatos retirados de entrevista realizada para a presente
pesquisa em dezembro de 2006)
Como pode ser observado, o informante realiza uma crítica sobre a
atuação da empresa com relação à população, reafirmando as situações de
pressão nas negociações e a falta de informações e experiências de todos.
Alguns atingidos relatam suas percepções a respeito das negociações:
“Ah, negociei do jeito deles. Eles fazia pressão e tinha que
negociar logo senão iam alagar tudo e eu ia ficar no prejuízo”.
(Informante filho de proprietário, 36 anos)
“A gente tinha reunião, o padre falava pra unir e negociar junto,
recebia informação da empresa também, mas foi tudo meio assim,
a gente não sabia como fazer direito, os pessoal da empresa
vinha e fazia medo, a gente acabava aceitando o que eles
falavam com medo de ficar sem nada depois”. (Informante
proprietária, 68 anos)
“A gente queria melhorar um pouco. Eles dariam 4 mil reais
(R$4.000,00) pelas áreas atingidas ou nada. Se não quiser pode ir
no Fórum buscar que vocês não vão ganhar quase nada. Foi
49
muita pressão. O resto daqui prá cima foi tocado pra lá.
Colocaram luz na casa em troca do terreno perdido. Eles insistem
demais fazendo raiva na gente igual furunco na gente
19
. Falaram
até que eu tava com depressão só prá me mandar pra cidade.
Mas eu não quis porque sou deficiente visual e ia acabar entrando
em casa errada e levar porretada. Já sabia que a gente ia ficar
prejudicado”. (Informante posseiro, 68 anos)
“Eu acredito que a ignorância da gente, a falta de instrução prá
essas coisa ajudou muito. A gente mal sabe lê, nunca viu uma
barrage na vida ou ouviu falar dessas coisa, de repente chega a
empresa falando que nóis era obrigada a sair senão iam alagar
tudo com a gente nas casa, aí ficamo desesperado prá negociar e
sair logo, antes que fosse tarde.” (Informante proprietária, 54
anos)
Ao analisarmos os relatos anteriores, a fala do primeiro informante, dá a
entender sobre o medo da população com relação ao poder político e econômico
da empresa, que poderia concretizar suas ameaças e alagar a região com as
famílias dentro de suas casas.
As palavras do segundo informante nos mostram o sentimento daquelas
pessoas em relação à atuação da empresa, quando afirma que “eles insistem
demais fazendo raiva na gente, igual furunco na gente”. A insistência por parte da
empresa é tão grande que chega a desgastar as pessoas, a ferir, igual a um
furúnculo. Outro aspecto interessante é o de que o informante afirma que a
empresa ainda tentou dizer que o mesmo se encontrava com depressão, na
tentativa de enviá-lo para a cidade. A possível manipulação das pessoas e das
situações também se revela no autoritarismo da empreendedora, percebido pelos
atingidos. O referido informante é deficiente visual e mora com sua irmã, também
portadora da mesma deficiência. De acordo com os relatos dos mesmos e de
demais atingidos, essa família não recebeu indenização
20
, e teve que construir
outra casa com ajuda financeira advindas de campanhas solidárias realizadas na
época pelo padre local. A casa original havia ficado na beira do lago e a empresa,
considerando tal fato irrelevante pois descartou os perigos que isso oferecia bem
19
Destaque da pesquisadora.
20
Este caso foi enquadrado em uma situação de violação de direitos humanos, utilizado como
exemplo em um trabalho enviado pelo NACAB para a Comissão Nacional de Violações de Direitos
Humanos, com o título: Denúncia de violações de direitos humanos de populações atingidas por
barragens, em 2006.
50
como os direitos desses atingidos, não construiu outra casa em um local mais
seguro. De acordo com seus relatos, esses irmãos acabaram caindo na represa
por diversas vezes, devido à deficiência que não lhes permitia ver a proximidade
da água com a casa, o que pode ser observado na Figura 4:
Figura 4 - Foto da casa de família de ex-posseiros, residentes em Bicuíba.
(Fonte: autoria própria)
A tensão criada sobre os atingidos chegou ao extremo quando outro dos
atingidos acabou se suicidando no quintal de sua antiga residência.
“Tinha muito parente e amigo aqui perto. Agora acabou tudo, até
perdi um irmão por causa da barragem, ele se enforcou no quintal
de casa porque arrependeu do negócio que fez com a
empresa”.(Informante proprietário, 66 anos)
“A maior perda foi o tio. Ele ficou triste, não queria sair de lá, mas
foi pressionado e entrou em depressão. Um dia, amanheceu
enforcado. Antes de mudar falou que ia morrer lá”. (Informante
filho de proprietário, 30 anos)
Tal fato parece ter criado um grande pesar na população, principalmente
nos parentes dessa pessoa, que sempre relatavam o caso com muita tristeza.
51
Todos os parentes que prestaram depoimento para a presente pesquisa não
deixaram de tocar no assunto.
Já o terceiro informante refere-se à “ignorância da gente, a falta de
instrução” como fatores que os prejudicaram durante as negociações. Como o
mesmo afirma que mal sabe ler, e que nunca ter visto uma barragem antes, nos
remete à compreensão da falta de conhecimentos sobre seus direitos e formas de
negociação, que também foi percebida e sentida pelos atingidos.
Em função de todos esses acontecimentos, foi realizada uma reunião em
vinte e três de setembro de 1997, com a Comissão de Direitos Humanos e
Garantias Fundamentais da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, promovida
pelo Deputado Estadual da época, e com a Câmara dos Vereadores de Raul
Soares e a comunidade do Emboque, com o intuito de denunciar a empresa em
relação a: sonegação de informações sobre a obra; morosidade nas
indenizações; intimidações da empreendedora sobre a comunidade; cooptação
dos representantes da comissão; manipulação de documentos de uma atingida
analfabeta; ação da empresa no sentido de impedir a população de se reunir e
pedir informações sobre a obra, com o uso de força policial; intimidação dos
atingidos que não queriam negociar, com o uso do Decreto Federal, que prevê a
desapropriação e negociação em juízo
21
.
Nessa mesma reunião o presidente da ASPARPI, Associação dos
Pescadores e Amigos do Rio Piranga, uma ONG que apoiava os atingidos pelo
projeto Pilar, MG, realiza declarações a respeito:
“Desde o primeiro encontro do dia 30 que começaram a se
organizar, nunca mais essa comunidade pôde aparecer. Nós
concordamos que esse povo está oprimido, esse povo está
corrido dos encontros e esse povo não pode defender seus
direitos de uma empresa que impõe grandes máquinas
arrancando porteiras das casas de proprietários, cercando tudo,
proibindo acesso às belezas naturais, acesso a qualquer canto da
região, acesso esse que em principio não foi negado a nenhum
deles.”(Fonte: Reunião, da Comissão de Direitos Humanos e
Garantias Fundamentais da Assembléia Legislativa de Minas
Gerais, 1997)
21
Dados retirados da transcrição da filmagem do encontro – depoimento do Deputado Estadual em nota
de abertura.
52
De acordo com o depoimento acima, a comunidade se percebia oprimida
pela empresa, que os “impedia” de se mobilizarem, por pressão psicológica, por
meio de força policial ou, aproveitando as palavras do referido informante, com
grandes máquinas arrancando porteiras das casas de proprietários, cercando
tudo, proibindo acesso às belezas naturais, acesso a qualquer canto da região.”
Tal fato é registrado quando apontam inclusive a ausência dos atingidos naquela
reunião, quando os mesmos, que se afirmavam estar articulados para
participarem desse momento, não compareceram na última hora.
Ainda podemos citar o momento em que um representante
22
da comissão
local defende o empreendimento diante dos demais, afirmando que não conhecia
nenhum atingido insatisfeito, e que não poderia falar mal da empresa em nome da
comunidade, uma vez que todos estavam de acordo com a construção da
barragem.
De maneira oposta, ainda na mesma reunião, a vice-presidente
23
da
associação relata as insatisfações e os problemas enfrentados pelos atingidos.
Outro atingido ainda realiza um depoimento afirmando que a empresa
havia se aproveitado da passividade da população que, por possuir essa
característica, não resistiria ao empreendimento, pois confiava no discurso de que
o projeto, como o primeiro da empreendedora, seria o “cartão postal” da empresa.
Porém, de acordo com as percepções dos atingidos, captadas em
entrevistas, as negociações, quando ocorreram, foram consideradas injustas,
gerando insatisfação por parte da população.
Outros relatos obtidos pela pesquisa levam a crer que muitos meeiros
perderam seus meios de sobrevivência. Outros atingidos, cujas terras provinham
de herança familiar, afirmam não ter recebido nada ou uma quantia irrisória, além
de casos de famílias que relatam sobre a falta de escrituras das propriedades.
Um caso que chama a atenção é o de uma atingida, que teve a parte de
sua propriedade que dava acesso à estrada totalmente alagada pela represa,
sobrando para ela somente o topo de morro do terreno. De acordo com o
22
O referido representante fora citado anteriormente pelos atingidos pela sua cooptação, onde
afirmam que o mesmo recebeu emprego por parte da empresa. Tal fato é relevante para que
possamos compreender o porquê do mesmo defender a atuação da empresa.
23
De acordo com relatos dos atingidos a vice-presidente também foi cooptada pela empresa, uma
vez que lhe ofertaram emprego na nova escola que seria construída pela empreendedora na
comunidade. Podemos supor que, provavelmente, nesse momento de sua apresentação, ela
ainda não teria sido cooptada.
53
depoimento da moradora, esta teve que apelar por seus direitos na Justiça e
aguardar três meses para que a empresa construísse uma passarela flutuante até
a sua propriedade, para que ela pudesse sair de casa, uma vez que perdera todo
o acesso para fora da propriedade.
Sobre a referida passarela, podemos verificá-la através da Figura 5 que se
segue
Figura 5 - Foto da passarela, em duas perspectivas, que leva o acesso da propriedade à
estrada de Bicuíba.
(Fonte: autoria própria)
Como visto na imagem, acima, no caso de uma emergência ou até de
mudança da proprietária para outro local, a passarela dificulta a passagem de
mais de uma pessoa, por ser estreita, impossibilitando, também, a passagem de
móveis ou objetos de maior porte. Tal fato faz com que a família permaneça de
certa forma, isolada no local
24
.
24
Este também foi um caso utilizado como exemplo para o trabalho enviado à Comissão de Direitos
Humanos, uma vez que a família teve que processar a empresa para ter direito ao acesso à
comunidade, ao direito natural perdido, de ir e vir.
54
4.2 O Processo de deslocamento e realocação das famílias que
permaneceram no local
Após concretizadas as negociações com as famílias atingidas pela UHE
do Emboque, iniciou-se a realocação das que continuaram no local, para que a
empresa pudesse liberar as terras que seriam alagadas para dar formação da
represa.
A região onde se encontra a barragem é caracterizada por um relevo típico
da região da Zona da Mata, sendo ele acidentado, isto é, predomínio de colinas e
vales estreitos
25
, como pode ser visualizado na figura 6 abaixo:
Figura 6 - Região do Emboque, antes da construção da barragem.
(Fonte: autoria própria)
Dessa forma, muitas casas da região do Emboque se encontravam na
parte mais baixa do local, acompanhando o leito do rio, onde também se
encontravam as áreas mais férteis para a agricultura. No entanto, para se criar um
reservatório para uma barragem, a área no entorno do rio é alagada, tendo então,
que alagar as casas e produções agrícolas ali presentes. Como a maior parte das
55
25
Dados retirados de http://www.mineiros-
uai.com.br/ver.asp?codigo=3305&referer=catver.asp?id_cat=29__id_sub=0__id_div=0, consultado
dia 09/03/2007.
propriedades começavam na parte baixa próxima ao leito do rio e terminavam nos
topos de morro, as partes baixas das propriedades acabaram sendo alagadas,
então estas áreas foram indenizadas. As casas próximas ao leito do rio foram
alagadas e novas casas foram construídas na parte alta do terreno.
Na figura seguinte, é apresentado um exemplo de uma propriedade onde a
casa fora alagada, por estar próxima ao leito do rio:
Figura 7 - Em destaque a casa antes da construção da barragem e
que fora alagada para a formação do reservatório da UHE
Emboque.
(Fonte: autoria própria)
56
Nos arquivos pessoais dos pesquisados, existem fotografias que mostram
as casas nas quais habitavam antes da construção da barragem (Figura 8):
Figura 8 – Fotos de casas antigas que existiam antes da construção da barragem, na
região do Emboque
(Fonte: Arquivos pessoais de um dos atingidos)
Como pode ser observado nas imagens apresentadas na figura 8 podemos
visualizar alguns exemplos de antigas casas típicas da região, com características
que nos remetem ao passado. No lugar destas, foram construídas novas casas
(figura 9) nas partes mais elevadas de seus terrenos. Desta forma, várias famílias
vivenciaram essa perda, que reflete em dimensões imensuráveis para eles. Elas
57
receberam novas casas ou as construíram com recursos da indenização recebida
que, na maioria dos casos eram escassos ou insuficientes para tal.
Figura 9 – Foto das novas casas construídas pelos atingidos com recursos da
indenização
(Fonte: autoria própria)
As casas visualizadas na Figura 9, quando comparadas com as moradias
anteriores daquela região (figura 8), evidencia a diferença espacial, uma vez que
as atuais foram construídas em padrões diferentes, o que representou uma perda
de características passadas. Porém, tal fato também não deixa de representar
traços da “modernidade” inevitável chegando à região.
58
Dentre as famílias atingidas, apenas quatro receberam um
reassentamento, onde foram construídas duas casas que por sua vez, são
geminadas. Dessa forma, cada casa abriga duas famílias. Na Figura 10 se
apresentam as imagens das referidas casas:
Figura 10 - Casas geminadas construídas pela empreendedora CFLCL para abrigar
famílias atingidas, e que ficam uma na seqüência da outra.
(Fonte: autoria própria)
Como os moradores pertencem ao mesmo ramo familiar, tal fato serviu de
justificativa para a construção de casas geminadas para os mesmos, como
apresentado na Figura 10. Além disso, existe um quintal em conjunto, como
apresentado na imagem a seguir:
59
Figura 11 - Quintal morro acima que fica entre as duas casas
geminadas
(Fonte: autoria própria)
Como pode ser visualizado na Figura 11, a área reservada para quintal não
oferece condições para a agricultura de várzea, que era praticada anteriormente,
muito menos para a instalação de uma horta, por estar em uma área de topo de
morro.
A modificação de suas moradias foi apenas uma parte vivenciada em todo
esse processo de novidades e mudanças impostas ao local.
4.3 Os meios e modos de vida da população atingida e o significado
da barragem
Aliada à perda da casa, também houve a perda de totalidade ou quase
totalidade das terras, onde as partes mais férteis e agricultáveis, próximas ao leito
do rio, se “perderam” para dar lugar à represa, restando somente as partes mais
altas das propriedades que, por sua vez, não são próprias para a agricultura de
várzea, principalmente para o cultivo de arroz, cultura que era presente em várias
propriedades. Outras culturas também eram características da região e
60
61
declarados na entrevista realizada para a presente pesquisa como: milho, feijão,
café e cana-de-açúcar. O pomar também foi caracterizado como presente em
praticamente todas as propriedades, para consumo da família.
A perda de terras ou de parte delas se reflete na nova estrutura fundiária
local, ou seja, das 28 propriedades declaradas apresentam áreas entre 0 a 10 ha,
sendo que, na pesquisa realizada pelo RIMA em 1995, esse número era de 18
propriedades. Com a venda de parte das propriedades para que se formasse o
reservatório da barragem, as parcelas territoriais diminuíram, o que também se
reflete na diminuição da produção e da condição econômica das famílias. As
maiores propriedades, encontradas em 1995, já não existem mais no local, uma
vez que foram vendidas para a empreendedora.
Dessa forma, os meios e modos de vida dessas famílias foram alterados
pela construção da barragem. Pelo fato de terem sido reduzidas as áreas de
terras, os cultivos consequentemente diminuíram.
Os relatos abaixo explicitam essa situação vivenciada pela comunidade:
“A gente vivia da agricultura, plantava tudo para consumir e
vender, agora não tem onde plantar. Nós tinha era brejo pra
plantar arroz, era bom por demais, trazia nosso sustento, agora
acabou tudo.”(informante proprietário, 48 anos)
“O brejo que a gente tinha foi atingido, pagaram menos. Antes
produzia muito arroz agora tem que comprar no supermercado.
Era meeiro também e tive a propriedade atingida. A vida piorou
porque agora tem que comprar tudo no mercado. Vendia o arroz
que colhia antes, o arroz que colhemos quando veio a empresa
deu pra mais 4 anos.” (informante proprietário, 66 anos)
“Antes eu tinha feijão, feijão e pomar para tirar as frutas para as
crianças e pra gente comer em casa, mas o feijão era pra vender,
vender e comer. Agora compro as coisas no mercado, tem que ir
na cidade ou na venda em Granada pra comprar.” (informante
proprietário, 52 anos)
Como podemos perceber nos relatos apresentados, as modificações em
seus meios de vida causaram fortes efeitos na economia e na segurança
alimentar e nutricional
26
da comunidade, uma vez que, antes, consumiam
26
A questão da restrição alimentar ocasionada no cotidiano dos atingidos nos leva a trabalhar com
a noção de segurança alimentar e nutricional que significa “garantir a todos acesso a alimentos
62
produtos retirados da propriedade, e atualmente, passam a ter que comprá-los
nos supermercados da cidade próxima, ou até mesmo, a nem consumi-los por
falta de condições financeiras para isso.
Sem o meio de sustento anterior advindo das produções agrícolas, ainda
surge um outro fator que altera o contexto econômico local, o envelhecimento de
parte dessa população que trás consigo outra forma de renda familiar: a
aposentadoria
27
, que significa novas possibilidades de sobrevivência da família.
A presença da aposentadoria também aponta indícios de outras
modificações no local:
“Estamos com umas vacas pra vender um pouco de leite, mas nos
aposentamos, aí ajuda na renda, agente está cansado de
trabalhar também, já estamos velhos e cansados.” (informante
proprietário, 69 anos)
“Meus filhos plantam aqui porque já estamos velhos,
aposentados, agente ajuda no que pode mas eles que tocam a
lavoura.” (informante proprietária, 71 anos)
“Ah, agora que aposentamos agente planta o que dá aqui no
terreno e só pra comer mesmo.” (informante proprietário, 67 anos)
Como vimos nos relatos anteriores, na maioria das vezes, parece que a
família não se preocupa mais em investir sua força de trabalho na agricultura, ou
já se encontra cansada devido à idade, o que também pode ser considerado um
fator de diminuição das produções agrícolas.
Já para outras famílias, de acordo com suas percepções, parece que a
realidade foi outra:
básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o
acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis.
Contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da
pessoa humana.” (
http://www.actionaid.org.br/img/publics/faces_cap3.pdf), acessado em
05/03/2007.
27
Nos dados apresentados pelo RIMA (1995) foram declarados 12 pessoas aposentadas. Já nos
dados da presente pesquisa, foram constatados 23 aposentados, um aumento de quase 50%,
resultante do envelhecimento natural de parte da população, o que não tem ligação com a
presença da barragem.
63
“Mudou muita coisa pra gente, agora somos meeiros, estamos
mexendo com arroz. Perdemos a casa e o emprego.” (informante
proprietário, meeiro, 37 anos)
“Estamos na agricultura, somos meeiros, agora não temos como
plantar, porque só temos a casa.” (informante proprietário, meeiro,
48 anos)
“Agente planta pouco com os outros porque não temos condições
de organizar a propriedade. Trabalho também como autônomo, o
que encontrar, não tenho trabalho fixo.“(informante proprietário, 52
anos)
Como se percebe nos relatos anteriores, parece que essas famílias
acabaram tendo que optar pelo trabalho assalariado temporário, pelo trabalho à
meia ou como autônomos, uma vez que afirmam ter perdido a condição de
produtores rurais e não possuem outras alternativas econômicas.
Ao falarem sobre suas perdas materiais e simbólicas, os atingidos,
mostram possuir o sentimento de desterritorialização. Ao perderem seus meios e
modos de vida, acabam, por conseguinte, sendo excluídos socialmente, como
citado anteriormente por Martins (1997). Como abordado anteriormente por
Vainer (2003), também se tornam deslocados economicamente, uma vez que
tiveram suas atividades econômicas interrompidas ou modificadas.
Além de verem seus meios de vida alterados após a construção da
barragem, a piora do acesso à cidade de Raul Soares, ponto de referência para
essa população na procura de serviços como assistência médica, escolas,
supermercados, etc.. Com a construção da represa, a distância da estrada de
chão aumentou em média em 15 Km, dependendo do ponto a que se refere, o
que dificulta a ida à cidade, uma vez que relativa parte da comunidade ainda usa
a charrete como meio de transporte, pois são poucas as famílias que possuem
outros meios de transporte.
Anteriormente à construção da represa, existia uma ponte que ligava os
dois lados do rio, diminuindo a distância entre os moradores entre os moradores e
a cidade, mostrados na figura que se segue:
Figura 12 - Foto da ponte que, antes da
barragem, ligava as comunidades rurais
de Granada
(Fonte: autoria própria)
Figura 13 - Local alagado, onde se
encontrava a antiga ponte de Granada
(Fonte: autoria própria)
Como visto nas figuras 12 e 13, ao se alagar a antiga ponte, a comunidade
se distanciou ainda mais, uma vez que não fora construída outra substituta ou
oferecida outra forma de acesso ao outro lado da margem.
Essas mudanças na paisagem local são percebidas pelos atingidos da
seguinte forma:
“Acho que aqui mudou pouco depois da barragem, não melhorou
nada. Tem que dar uma volta grande pra ir pra cidade. Antes dava
pra ir de charrete, agora o rio atrapalhou, não dá pra ir de
charrete, tem que ir de ônibus, mas a estrada é ruim e perigosa.”
(informante proprietária, 45 anos)
“Bom, agora a gente tem que andar muito pra ir pra cidade, a
estrada ficou grande e perigosa. Isso afasta agente das pessoas
e dificulta a vida, se um passal mal agente nem tem como correr
pra cidade.” (Informante proprietário, 53 anos)
“Aqui precisava de ponte porque agora tem que dar volta grande
pra ir pra cidade. Quem ficou do outro lado ficou perdido.”
(informante filho de proprietário, 30 anos)
Como podemos perceber pelas palavras dos atingidos, a falta da ponte,
uma das formas de interligação das pessoas da comunidade, é percebida por eles
64
65
como algo que os “afasta das pessoas” e os faz sentir “perdido”. A comunicação
se perde, e podem se distanciar, assim, os laços sociais.
Além dessas modificações apontadas anteriormente, encontramos alguns
impactos ambientais no local:
“No verão a gente ia sempre pra cachoeira, umas 60 pessoas e
jogar bola também. Isso acabou, ninguém quer pegar doença na
água, tem verme.”(Informante proprietário, 57 anos)
“O pessoal gostava da cachoeira, da areia, das pedras. Hoje não
tem nada, fizeram aquela porcaria em Granada e ninguém faz
nada. O rio é diferente, a água é viva, rio parado é
morto.”(informante meeiro, 49 anos)
“Ah, antes era bão por demais, reunia todo mundo, ia domingo
pescar na cachoeira, tomar banho, jogar bola... agora não tem
mais nada, tem um campinho pequeno que o pessoal joga bola,
mas agente não pode nadar na represa, é suja e tem doença, e a
água é parada não tem graça.”(informante proprietária, 63 anos)
Como se observa, muitos atingidos reclamam sobre as condições da água
da represa, comparando a vivacidade da água ao rio parado que é por eles
considerado morto, sem graça e transmissor de doenças. No mesmo sentido, os
atingidos falam da atual escassez de peixes, muito utilizados, no passado, na
dieta da comunidade, por ser um recurso natural e sem custos.
Além desses fatores, a população ainda revela ter que conviver com a falta
de tranqüilidade no local, gerada pelo processo de atração de trabalhadores
diretos e indiretos da obra, ou pela chegada de pessoas em busca de
oportunidades de trabalho devido às propagandas de progresso e turismo feitas
pela empresa, as quais acabaram permanecendo no local:
“Depois dessa barragem apareceu mau elemento na área. Agora
Granada está perigosa porque gente estranha veio de fora para
trabalhar na barragem e ficou ruim. Colocaram um bar perto da
represa e o pessoal fica bebendo, usando droga, é cada coisa que
a gente vê por aqui...” (informante proprietário, 67 anos)
Pelas palavras do informante, parece que as pessoas que vieram para as
obras são consideradas, pela comunidade, como “maus elementos”, trazendo
66
confusão, drogas e roubos, eventos que eram, anteriormente, menos incidentes.
Esses e os demais aspectos apontados anteriormente, ilustram claramente
a situação gerada por um empreendimento como as hidrelétricas. Em todo o
mundo, seja qual for a situação ou contexto, encontramos características
similares nas demais comunidades afetadas por esse tipo de projeto, apontados
anteriormente nos trabalhos de Cernea (2000), Sigaud (1994) e Scherer-Warren
(1998).
Além dessas modificações nos meios e modos de vida das pessoas, uma
outra questão sentida e percebida pelas famílias atingidas é o efeito psico-
emocional que as modificações impostas pelo empreendimento geram nessas
pessoas.
Nas palavras que se seguem podemos perceber como essas questões são
percebidas pela população:
“Nasci e fui criada aqui. Tinha dia que chorava só de pensar que
iriam alagar as árvores do local. [Ela se emociona e chora ao
iniciar a conversa] Não gosto de falar nisso, é muito triste. O
marido não gosta e nem deixa eu falar nisso. Você lembra da
estrada desde que nasce, ia pra escola a pé, e ver a estrada
sumir e tudo sumir...” (Informante meeira, 65 anos)
Na questão das barragens o que mais machuca é o
psicológico. Perdemos as cachoeiras, o futebol e a família, tudo
isso deixou saudade.” (informante proprietário, 60 anos)
(...), as lembrança não se fecham e as feridas doem muito.
(informante proprietária, 45 anos)
Os relatos apresentados nos mostram como a cachoeira, o campo de
futebol e cada lugar perdido deixam saudades e remetem a boas lembranças
vivenciadas no local.
Para quem saiu da região, além de ter sido fisicamente desterritorializado,
teve que, por conseguinte, refazer relações sociais no novo local em que foi
inserido, isso sem contar com o contato familiar que foi distanciado.
“Antes a gente morava aqui em Bicuíba. A terra era nossa e foi
indenizada, perdemos a casa e o emprego, agora somos meeiros
porque o pouco que recebemos não deu pra comprar terra, só
nossa casa. Fomos pra Caputira, não gosto do lugar que vivemos,
67
foi depois dessa mudança que apareceu minha epilepsia, foi por
causa dessa barragem que fiquei doente”. (informante filha de
antigos proprietários, 18 anos)
28
De acordo com as palavras da informante acima, percebemos como as
mudanças nas relações de trabalho fazem com que os proprietários percam sua
autonomia nesse contexto. Onde antes eram os proprietários de sua terra e donos
de sua produção, e agora afirmam terem se tornados empregados ou a dividir a
produção em terras que não são suas.
O distanciamento de parentes e amigos também foi muito sentido e
relatado pelos atingidos:
“Tínhamos muitos parentes, alguns foram para longe, não nos
vemos muito mais, por mais perto que seja o convívio muda.
Separa um pouco.”(informante filho de proprietários, 30 anos)
“Perdemos contato com parentes e amigos que sumiram, foram
para longe.”(informante proprietária, 60 anos)
“Tinha parente e amigo, separou um pouco mas alguns ainda
moram perto. Essa represa veio na nossa comunidade para
destruir a família. Tiraram gente conhecida de perto da gente.”
(informante meeira, 37 anos)
“Tinha sim, era melhor, agente tinha mais parente e amigo por
perto, reunia, fazia festas, rezava, agora muitos foram embora e
sumiram”.(Informante meeira, 52 anos)
“Minha família morava quase toda perto daqui, agora foram para
as roças mais longe, a gente se vê pouco. Alguns vizinhos
também mudaram, uns foram para a cidade, outros para as roças
mais longe... agora está vazio aqui, ficou ruim por demais.”
(informante proprietário, 68 anos)
“As reunião aqui era boa. Juntava todo mundo e fazia festa, era
casamento, festa junina, nóis reunia pra tudo, até pra tomar café
na casa do vizinho era bom, agente se encontrava sempre pra
tudo, até pra proseá um pôco.”(informante proprietário, 47 anos)
“Nóis reunia sempre, era bão dimais, jogava bola, tinha até um
time da turma daqui. Depois tinha também as reunião de família,
aniversário... agora agente num encontra os pessoal muito não,
ficou pouca gente, desanima inté pra fazer as festa.”(informante
meeiro, 35 anos)
28
A referida informante mora com a família em Caputira, porém, os avós permaneceram em
Bicuíba. Como a entrevista foi realizada no domingo de dia dos pais do ano de 2006, a
encontramos na casa dos avós.
A partir dessas relatos podemos notar como o distanciamento de parentes
e amigos foi percebido pelos atingidos como algo que deixou o local menos
agradável e familiar, diminuindo, inclusive as atividade de lazer como: jogar bola,
reuniões familiares, festas, etc.
Ao se tratar das práticas de lazer, os informantes sempre se remetem ao
antigo campo de futebol local, onde o time das comunidades de Granada e
Bicuíba costumava jogar, apresentado na imagem seguinte:
Figura 14 - Foto retratando o campo de futebol que existia
em Bicuíba e fora alagado pela barragem.
(Fonte: autoria própria)
Na Figura 15 se encontra o local onde se encontrava o campo de futebol,
alagado para que se formasse a represa:
68
Figura 15 - Em destaque, o local alagado onde se encontrava o
campo de futebol de Bicuíba.
(Fonte: autoria própria)
Devido ao alagamento do campo, os atingidos afirmam não existir mais a
atividade local dos jogos aos finais de semana, o que parece trazer saudades a
quem vivenciou essa época.
Alguns espaços que eram considerados lugares carregados de simbologia
por ser palco para os encontros sociais, lazer e divertimento da população,
também se perderam para que a barragem pudesse ser construída. Exemplo
disso é a cachoeira que ficou submersa, mencionada várias vezes pelos
moradores com muita emoção e saudosismo.
“Antes agente tinha a cachoeira, o areião. Agora só água parada
com pernilongo e sujeira. Tinha área de lazer na cachoeira, o
pessoal brincava, era uma delícia, bonito, sadio. Nasci aqui.
Sempre ouvi o barulho da cachoeira, agora nada.” (informante
proprietária, 42 anos)
“Desanimaram as coisas por aqui, até as festas diminuíram, o
pessoal desanimou. Quando tinha a cachoeira era bom, todo
mundo ia se encontrar lá, as crianças, adulto, reunia tudo. Agora
não tem como, só se for na casa do amigo, mas tomar banho,
pescar, nunca mais.” (informante filha de proprietário, 40 anos)
69
Porém, como forma de “compensar” a perda dos lugares de lazer e prazer,
como a cachoeira, a empreendedora construiu uma praça no distrito de Granada:
“Hoje não podemos dizer que temos lazer, agente gostava muito
de pescar, agora pesca, mas tem pouco peixe, a água é suja
também. Fizeram uma praça em Granada pra nós, disseram que
era no lugar da cachoeira, pra gente se divertir, mas ninguém vai
lá.” (informante filho de proprietário, 38 anos)
Há que se relativizar a construção da praça enquanto proposta de se
encontrar uma solução que compensasse a perda da cachoeira. Contudo, é
importante considerar que um atributo da paisagem: a cachoeira, se perdeu, e
junto com ela, um símbolo de relações sociais. Assim, a construção da praça não
se apresenta alternativa de lazer, nem tampouco espaço de referência.
Com as perdas concretas e subjetivas, tem-se a descaracterização do
lugar, percebida e marcada pelas palavras dos moradores:
“(...) agora aqui é pra viver só. O lugar mudou, é o mesmo lugar
mas a água inundou tudo, se ficar 10 anos sem vir aqui não
reconhece o local”. (informante filho de proprietário, 30 anos)
“Conheço a represa por baixo tudo, consigo me lembrar e
imaginar tudo que a água acabou. Perco o sono de noite
lembrando de tudo. Hoje dá pra viver, não gosto daqui mas tenho
que me acostumar. Se for contar a história as suas folhas são
poucas...” (Informante proprietário, 48 anos)
Para algumas famílias, o lugar tal como se encontra na atualidade é
considerado apenas para continuar levando a vida. Eles afirmam sentir um pesar
muito grande pelas modificações ocorridas e tentam ser resilientes, ou seja,
tentam “superar adversidades, o que não significa que o indivíduo saia da crise
ileso” (Arunkumar apud YUNES, 2003, p.77). Dessa forma, os atingidos tentam se
adaptar a essas mudanças como forma de sobrevivência, porém, nunca se
esquecendo de como era a vida antes da barragem.
Já para outras famílias, a vinda da barragem representou ganhos ou
melhorias em suas vidas:
70
“Nossa vida não mudou muito, hoje não me sinto muito atingida, a
terra que foi alagada eles pagaram, pra mim ta tudo bem.”
(informante proprietária, 57 anos)
“Antes nóis não tinha terra, era meeiro, agora recebemo casa e
terra, agora agente é produtor rural, pranta feijão e milho.”
(informante proprietária, 34 anos)
As palavras acima levam a crer que a indenização paga pelas terras foi
considerada suficiente para algumas famílias. Outras famílias, que eram meeiras,
também afirmam estar satisfeitas por terem recebido casa e terra para plantar.
Por outro lado, para outras pessoas, a barragem teve outra representação:
“Todo mundo sabe que a barragem só trouxe coisa ruim, pra
comunidade mesmo nada de bom.” (informante filho de meeiro,
27anos)
“A barragem levou tudo que agente tinha de bom.” (informante
proprietária, 52 anos)
“Ah minha filha, essa represa acabou com nosso sossego e com
as coisas boas, até a cachoeira acabou, tudo. Não sobrou nada
pra gente contar história.” (informante proprietário, 68 anos)
“Essa barragem veio só pra trazer desunião, desunião e morte,
tem gente que morreu por causa dela...” (informante proprietário,
47 anos)
Como podemos notar, a barragem possui diferentes representações. Nos
relatos acima, percebemos que os atingidos possuem uma representação de
conotação ruim, fator de desunião, de morte, de destruição. Já pelo relato de
outras famílias, existe a percepção de que a barragem não representou muitas
diferenças em seus meios e modos de vida, trazendo até outras possibilidades
futuras.
A presença de um empreendimento como uma barragem traz muitas
implicações em diversos âmbitos, fato consumado pela literatura e pela realidade
empírica. Dependendo da realidade de cada atingido, essas implicações terão
proporções e conotações diferentes. No entanto, sabemos que as implicações
negativas são as mais constatadas, pois trazem para as famílias atingidas
71
algumas perdas por elas consideradas irreparáveis, como pudemos observar por
meio dos relatos apresentados, onde a perda das casas, produções rurais,
condições de vida, laços de amizade e de parentesco e toda a vida ali vivida e
planejada, se acaba em questão de momentos ao se formar a represa, trazendo
consigo angústia e insatisfação por parte de quem vive diretamente e
indiretamente esse drama.
72
4.4 Considerações Finais
Os resultados apresentados no presente estudo de caso nos permitem
realizar algumas inferências, de acordo com o problema de pesquisa que lhe deu
origem.
Desde o processo inicial de obtenção das Licenças (Prévia, de Instalação
e Operação) por parte do empreendedor, a CFLCL, para a concretização do
projeto Emboque, tornam-se evidentes os diferentes interesses, entre o
empreendedor e a população afetada. De seu lado, a CFLCL visava à instalação
de um projeto no qual os interesses empresariais sobrepunham-se aos
interesses da população. Já de seu lado, as famílias atingidas pouco informadas
e organizadas demonstravam desarticulação, acreditavam na inevitabilidade da
efetivação da obra, além de presença de falta de interesses comuns, o que os
levou à desmobilização e às negociações individuais, desarticulando-os ainda
mais.
Nesse contexto, o principal objetivo do estudo foi analisar questões
relacionadas ao processo de deslocamento e realocação das famílias que
permaneceram no local, problematizando o processo dramático o qual
vivenciaram, construindo dados a respeito da realidade social vivida no passado e
no presente, no sentido de apreender o significado pelas famílias atribuído ao
empreendimento.
Mediante a utilização de entrevistas em um trabalho de campo, buscou-se
apreender o significado da barragem para cada família, a partir das falas dos
entrevistados. Também foi realizada análise documental e iconográfica como
forma de se complementar a pesquisa.
Assim, a pesquisa buscou, por meio das entrevistas, realizar uma
construção dos dados que trouxessem informações sobre a vida dessas famílias
atingidas antes e depois da construção da barragem, sempre de acordo com
suas percepções.
Os relatos apontam questões de laços de amizade e parentesco que eram
muito próximos antes da construção da barragem, o que fazia com que
existissem muitos motivos para que a população se reunisse tais como: festas de
73
casamento, aniversários, visita aos vizinhos, jogos de futebol nos finais de
semana, bem como nos banhos de cachoeira. Tais aspectos são mencionados
com saudosismo e parecem apontar fortes raízes locais e identificação com o
lugar. Segundo os atingidos, os laços sociais foram afetados devido ao
distanciamento provocado pela formação da represa, em virtude da ponte
alagada que interligava as partes separadas pelo leito do rio, assim como a saída
de parte da população para outros locais. Eles ainda afirmam que, atualmente,
devido a esse distanciamento das famílias, não sentem tanto estímulo em
realizar as festas costumeiras, pois consideram que o esvaziamento local
desanimou a população.
Além disso, ao serem questionados a respeito do processo de
deslocamento e realocação das famílias, apontam a insatisfação inicial com
relação às negociações, afirmando não terem ficado satisfeitos com os valores
recebidos nas indenizações. Como a maior parte das propriedades possuía áreas
próximas ao leito do rio e áreas em topos de morro, estes permaneceram
intactos, e foram utilizados para a construção de novas casas, uma vez que as
que ficavam perto do rio foram alagadas. Ao terem que construir novas casas no
topo dos terrenos, os atingidos também relatam insatisfação com relação às
construções, à falta de verba suficiente para construí-las, mostrando forte
sentimento de perda em relação às casas antigas onde, muitas vezes, nasceram.
Outras informações captadas por essa população, é que, em sua maioria,
formaram-se, antes da construção da barragem, por pequenos produtores rurais
que se alicerçavam no trabalho familiar. A partir de suas percepções, foi possível
obter informações sobre suas atividades econômicas, relação com a terra
(propriedade, posse ou meeiros), tipos de produção rural, estrutura fundiária, no
passado e nos dias atuais. Os dados construídos nos informaram que o tamanho
de pequenas parcelas territoriais, já existentes antes da construção da barragem,
diminuira ainda mais, devido à perda de partes dos terrenos utilizados para a
formação da represa. Assim, aumentou o número de pequenas propriedades no
local. Tal fato também alterou a caracterização das produções agrícolas da
região que, anteriormente, eram voltadas para o comércio e a subsistência e, nos
dias atuais, estão voltadas apenas para o autoconsumo. Essa modificação
também alterou os hábitos alimentares da população, pois passaram a ter que
74
consumir alguns produtos industrializados e comprados em mercados nas
cidades ou nos distritos mais próximos.
Outro fator de alteração do quadro produtivo, porém não ligado à presença
da barragem, foi o envelhecimento natural de parte da população, o que gera um
maior número de aposentados no local, e fez com que os mesmos, devido à
idade e à garantia de uma renda fixa mensal, parassem de trabalhar na
agricultura. Assim, não é de se negar que a vinda da barragem afete a economia
e a produção rural local, apesar de não ser o único fator responsável por tais
alterações.
Porém, como existem diversidades de percepções sobre os efeitos do
empreendimento, outras famílias afirmaram-se satisfeitas, uma vez que, parece
não terem sentido muitas alterações ou perdas em seus meios e modos de vida.
Ao analisar todos esses aspectos e as modificações espaciais ocorridas
naquele lugar, questionamo-nos sobre a existência de um sentimento de
desterritorialização por parte daquelas pessoas, uma vez que já se passaram
muitos anos da construção da barragem e os mesmos poderiam estar adaptados
ao novo contexto. Mas, de acordo com a análise dos relatos dessas famílias
atingidas, foi possível perceber que muitos ainda se encontram “fora” de lugar,
ainda estão se sentindo realmente desterritorializados, pois afirmam que, após
tantas modificações, aquele lugar “(...) agora aqui é pra viver só”
29
. O sentimento
de pertencimento e a identificação com o espaço modificado foram afetados e
eles se percebem infelizes e insatisfeitos no local.
Ao serem questionados a respeito do significado da barragem em suas
vidas, grande parte da população aponta percepções de conotação negativa com
relação ao empreendimento. Afirmam ser algo que “veio só pra trazer desunião,
desunião e morte”, ou que “essa represa acabou com nosso sossego e com as
coisas boas” ou ainda que “a barragem só trouxe coisa ruim”
30
. De acordo com
seus relatos, os aspectos negativos e os sentimentos de perda aliados ao
empreendimento são fortes em grande parte dessa população, fazendo--a sentir-
se desterritorializada mesmo que continue no mesmo espaço, mas modificado
pela represa e pela realocação dos moradores.
29
Fala retirada da página 82 da presente pesquisa.
30
Falas retiradas das páginas 83 e 84 da presente pesquisa.
75
De forma antagônica, um número menor de famílias percebe a represa
como algo que não gerou muitas mudanças ou perdas em suas vidas cotidianas.
A barragem, para esse grupo, trouxe ganhos como uma nova casa e um pedaço
de terra para se plantar, ou até mesmo não representou nada significativo ao
serem resolvidas as questões das indenizações.
Os significados da barragem podem ser diversos e sua interpretação
depende da experiência de vida de cada pessoa, de sua história com o lugar, sua
identificação, bem como capacidade ou não de se adaptar às adversidades. No
entanto, nunca devemos nos esquecer de que, assim como afirmou
Bonnemaison; Cambrèzy (apud OLIVEIRA; MARTINS, 2005):
pertencemos a um território, não o possuímos, guardamo-lo,
habitamo-lo, impregnamo-lo dele (...) Enfim, o território não diz
respeito apenas à função ou ao ter, mas ao ser. Esquecer este
princípio espiritual e não material é se sujeitar a não compreender
a violência trágica de muitas lutas e conflitos que afetam o mundo
de hoje: perder seu território é desaparecer. (p. 28) [grifo meu]
Dessa forma, ao desvendar as especificidades do caso Emboque,
acreditamos que o presente trabalho, longe de encerrar ou esgotar o assunto,
possa auxiliar na compreensão e reflexão sobre os efeitos advindos da
construção das hidrelétricas, que causam as mais variadas perdas nas
comunidades atingidas, mas também procura conscientizar as populações
atingidas por barragens e a sociedade em geral, com o maior número de
informações possível, sobre os projetos das hidreletricas e suas conseqüências.
Finalizamos o estudo concordando com as palavras de Tuan (1983), que reflete
sobre o direito e a necessidade do homem de ser, de estar e de pertencer a um
lugar, símbolo de sua liberdade, de humanização, de ação, de valores
estabelecidos e de significados construídos de forma coletiva. Por todas essas
representações, Tuan (1983, p.61) afirma que “os seres humanos necessitam de
espaço e de lugar”, espaços esses que precisam ser respeitados e vistos sob
outras formas pelo setor elétrico, bem como pelos órgãos ambientais e
governamentais.
76
Essa reflexão sobre os resultados negativos de tais empreendimentos pode
levar à elaboração de novas políticas públicas que possam reavaliar todo o
processo de licenciamento e buscar alternativas na legislação para que as
implicações dos efeitos negativos, tanto no meio ambiente como na população,
sejam evitadas. Também entendemos que a busca por outras fontes energéticas
menos prejudiciais ao homem devam ser priorizadas pelos governantes, ainda
que em detrimento dos interesses particulares das empresas que se envolvem no
complexo processo de construção de usinas hidrelétricas.
77
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