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JONAS ALVES REGINO
AÇÕES DE GUERRA SEM O USO DE ARMAS:
O SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA NO VALE DO RIO DOCE/MG
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós- Graduação em Extensão Rural, pela
Universidade Federal de Viçosa, como
requisito parcial do Programa em Extensão
Rural, para a obtenção do título de Magister
Scientiae.
VIÇOSA
Minas Gerais - Brasil
2007
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ii
Às minhas madrinhas Penha e Dôra.
Às memórias de Irene e Benjamim.
“A adoção da felicidade como um objetivo legítimo e a decisão
consciente de procurar a felicidade de modo sistemático podem exercer
uma profunda mudança no restante de nossas vidas”
(Dalai Lama)
AGRADECIMENTOS
Um dos grandes momentos em nossas vidas faz menção à nossa gratidão
por todos aqueles que, de algum modo, tornaram possíveis a realização
dos objetivos estabelecidos a priori. Desta forma, mencionarei algumas
pessoas e instituições que participaram desta etapa importante da minha
carreira profissional, agradecendo desde este momento, pela ajuda a mim
conferida.
A Deus e às memórias do meu avô Beijo, da minha tia Irene (responsável
pela formação de conduta da Senhora Bela), à minha avó “Nica” e ao avô
Regino.
Aos meus pais (principais incentivadores e maiores amores da minha
vida), às minhas irmãs (que me tratam como um filho, amo vocês) e aos
tios Nivaldo, Penha, Diná, Maria da Conceição, Generoso e Eugênia.
Ao inigualável Denis Clei Cândido de Sá, obrigado por todos estes anos
de favores prestados e exemplo de caráter a ser seguido.
Aos meus orientadores e conselheiros: professor Fábio Faria Mendes
(“Mestre”), professoras Maria Izabel Botelho e Nísia Trindade Lima (que
me possibilitou uma maior “incursão aos sertões” e me aconselhou de
forma direta, num maior aprimoramento de meu objeto de estudo).
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iii
Aos meus grandes amigos do Curso em Extensão Rural: Raquel, Diene,
Daiane, Shirlene, Fábio, Elias, Narayana, Edgard, Arnaldo, Débora, Maika,
Fátima, Gleide, Kmilla, Rosival, Vivian, Patrícia, Tati, Luciana e Almir.
Aos demais professores do Curso em Extensão Rural e funcionários do
DER (Departamento de Economia Rural), em especial à ajuda que me foi
dada pela professora Sheila Maria Doula e à secretária Graça Freitas.
Ao auxílio dos professores Haruf Salmen Espíndola (UNIVALE) e Gilberto
Hochman (FIOCRUZ) e dos profissionais responsáveis pela manutenção
do acervo da Casa de Oswaldo Cruz, funcionários Jean e Rose.
À Júnia e Bruno, que me receberam com muito carinho, sempre que
precisei da ajuda de ambos.
Aos meus amigos republicanos de Viçosa: Emerson Stiilpen, Otávio, Luiz
Alberto, Carlão, Marco Carim e Guilherme.
Aos meus velhos amigos: Ricardo Amorim, Breno Martins, Luciano
Rodrigo, Juno Alexandre, Gustavo Batista, Guilherme Salgado, Alexandre
Gomes, Diego Cândido, Rodrigo Dettogni, Vinícius, Pablo Christian e
todos da República Trem de Doido, em Ouro Preto.
À Universidade Federal de Viçosa, pela possibilidade de ser mais um
“mestre” em Extensão Rural, ao CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pela bolsa a mim conferida e à
FIOCRUZ, mais uma vez sob a figura da Professora Nísia Trindade Lima,
que me permitiu o acesso às fontes necessárias para a elaboração deste
trabalho e o ingresso (como estudante externo), ao programa de pós-
graduação em História da Saúde, no primeiro semestre de 2006.
A todos, muito obrigado.
iv
BIOGRAFIA
Licenciado em História, pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),
desde 2003.
Pós-graduado (lato-sensu) em História de Minas Gerais, pela Universidade
Federal de São João del-Rei (UFSJ), desde 2005.
Estudante do Programa de pós-graduação em Extensão Rural (stricto-sensu),
pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), desde 2005. Pós-graduado
(stricto-sensu) no ano de 2007.
v
SUMÁRIO
SIGLAS E ACRÔNIMOS ................................................................................ viii
LISTA DE FIGURAS.......................................................................................... x
LISTA DE TABELAS E QUADROS ................................................................ xii
RESUMO......................................................................................................... xiii
ABSTRACT..................................................................................................... xiv
Introdução....................................................................................................... 01
O Serviço Especial de Saúde Pública.............................................................. 03
O Vale do Rio Doce e a Malária....................................................................... 06
Relevância e Justificativa da Pesquisa ............................................................ 08
Objetivos Geral e Específico............................................................................ 09
Organização da Dissertação............................................................................ 09
Aspectos Metodológicos .................................................................................. 10
Capítulo 1 - A criação do SESP e o Vale do Rio Doce ............................... 13
1.1 - As origens das preocupações internacionais em saúde pública............ 13
1.2 - A saúde pública durante a Primeira República ..................................... 18
1.3 - O papel da Missão Rockefeller no Brasil................................................ 27
1.4 - O Governo Vargas: a criação do SESP e os Sertões do Leste.............. 34
Capítulo 2 - Conhecendo o SESP: a estrutura interna do Serviço e os
tipos de trabalhos realizados em saúde pública.................................... 51
2.1 - As alianças entre Yankees e Tupiniquins em tempos de guerra............ 51
2.2 - Considerações gerais acerca do funcionamento do SESP.................... 58
2.2.1 A estrutura interna do SESP.................................................................. 58
2.2.2 O Programa do Rio Doce e as formas de contenção da malária........... 64
2.3 - Os tipos de trabalhos realizados pelo SESP no Vale do Rio Doce........ 69
vi
Capítulo 3 - O SESP no Vale do Rio Doce................................................... 76
3.1 - As dificuldades enfrentadas pelo Serviço na contenção de doenças..... 76
3.2 - Os trabalhos realizados em infra-estrutura no Vale do Rio Doce ............ 81
3.2.1 Os embates entre o SESP e a Prefeitura de Governador Valadares .... 81
3.2.2 A construção de latrinas sépticas.......................................................... 86
3.3 Programas educativos e treinamentos realizados pelo SESP................. 91
3.3.1 Os trabalhos das Visitadoras Sanitárias.................................................. 91
3.3.2 Os serviços prestados pelo Centro de Saúde de Governador
Valadares .............................................................................................. 95
3.3.2.1 A saúde das mulheres e das crianças.................................................. 95
3.3.2.2 A importância das Curiosas junto às gestantes.................................... 97
3.3.2.3 A saúde infantil................................................................................... 101
Considerações Finais .................................................................................. 111
Referências Bibliográficas .......................................................................... 113
Endereços Eletrônicos ................................................................................ 120
Anexos .......................................................................................................... 121
vii
SIGLAS E ACRÔNIMOS
ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural
ANM Academia Nacional de Medicina
BCG Bacilo de Calmétte-Guérin
CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão
CIAA
Office of the Coordinator of Inter-American Affairs
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
COC Casa de Oswaldo Cruz
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DDT
Diclorodifeniltricloretano
DER Departamento de Economia Rural
DGSP Diretoria Geral de Saúde Pública
DMRD Divisão Militar do Rio Doce
DNI Departamento Nacional de Imigração
DNSP Departamento Nacional de Saúde Pública
EFVM Estrada de Ferro Vitória-Minas
EUA Estados Unidos da América
FEB Força Expedicionária Brasileira
FGV Fundação Getúlio Vargas
FIOCRUZ Fundação Instituto Oswaldo Cruz
FSESP Fundo Serviço Especial de Saúde Pública
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GV Governador Valadares
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IHD
International Health Division
IIAA
Institute of Inter-American Affairs
IOC Instituto Oswaldo Cruz
MES Ministério da Educação e Saúde
MESP Ministério da Educação e Saúde Pública
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial da Saúde
viii
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
PASB
Pan American Sanitary Bureau
RDC
Rubber Development Corporation
SAVA Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico
SEMTA Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a
Amazônia
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SNM Serviço Nacional da Malária
SUCAM Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
UFV Universidade Federal de Viçosa
USP Universidade de São Paulo
UNICEF
United Nations Children’s Fund
UNRRA
UN Relief and Rehabilitation Administration
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura A. O Vale do Rio Doce
........................................................................... 03
Figura 1.1 - Antônio Martins presta atendimento médico a N. Pereira Pinto
.... 47
Figura 1.2 - Engenho de farinha. Jatobá (BA), junho de 1912............................ 47
Figura 1.3 - Bócio. São Francisco (MG), setembro de 1911............................. 48
Figura 1.4 - Doentes. Caracol (PI), maio de 1912.............................................. 48
Figura 1.5 - Leishmaniose. Manaus (AM), 1912................................................. 48
Figura 1.6 - SESSÃO de instalação da Liga Pró-Saneamento do Brasil........ 49
Figura 1.7 - Vista da ponte sobre o Rio Doce..................................................... 49
Figura 1.8 - Vila operária na margem do Rio Doce............................................ 50
Figura 2.1 - Superestrutura finalizada. Engenheiro Póvon Filho e
Superintendente de Campo José Fernandes
................................. 74
Figura 2.2 - Construção de lajotas – Pedra Corrida (MG) – s/d........................ 74
Figura 2.3 Cartaz referente às campanhas de profilaxia SESP 1947 ............. 75
Figura 3.1 - Contenção da malária...................................................................... 105
Figura 3.2 - Contenção da malária...................................................................... 105
Figura 3.3 - Controle da malária em córrego de Governador Valadares....... 105
Figura 3.4 - Modificação do Sistema de Esgotos Sanitários – Governador
Valadares – Minas Gerais – RD-GVA-8-1
.................................... 106
Figura 3.5 - Modificação do Sistema de Esgotos Sanitários – Governador
Valadares – Minas Gerais – RD-GVA-8-1 .................................... 106
Figura 3.6 - Escavação para um poço de visita ................................................ 106
Figura 3.7 - Reservatório de água....................................................................... 107
Figura 3.8 - Método de distribuição de água ..................................................... 107
Figura 3.9 - Unidades de privadas, Baguari....................................................... 108
Figura 3.10 - Meio para obtenção do contágio da lombriga............................... 108
Figura 3.11 - Privadas construídas em distritos de Governador Valadares .... 108
Figura 3.12 - Laje de concreto............................................................................... 109
Figura 3.13 - Visitadoras – Governador Valadares (MG) - 1940....................... 109
Figura 3.14 - Cartaz referente às campanhas de profilaxia SESP 1947......... 110
Figura 3.15 - Cartaz referente às campanhas de profilaxia SESP 1947.......... 110
x
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 2.1 - Percentual de financiamento do Sesp por Brasil e EUA
(1942-1954)
......................................................................................... 56
Tabela 3.1 - Total de casos positivos de malária em pessoas que
procuram os 10 subpostos de medicação entre Governador
Valadares e Cel. Fabriciano. Total acumulado, 1944 e 1945
....... 77
Tabela 3.2 - Total de casos positivos de malária em pessoas que
procuram os 10 subpostos de medicação entre Governador
Valadares e Cel. Fabriciano. Total acumulado, 1944 e 1945
....... 78
Tabela 3.3 - Tratamento de doentes de malária.................................................. 78
Tabela 3.4 - Número de escolas x número de privadas...................................... 87
Tabela 3.5 - Latrinas construídas em Minas Gerais (RD-MGE-9)..................... 89
Tabela 3.6 - Horários para as atividades dos Centros de Saúde .................... 102
Tabela 3.7 - Horários para as atividades dos Centros de Saúde .................... 103
Quadro 1.1 - Formação demográfica de Governador Valadares........................ 44
xi
RESUMO
REGINO, Jonas Alves, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, junho de 2007.
Ações de guerra sem o uso de armas: o Serviço Especial de Saúde
Pública no Vale do Rio Doce/MG. Orientadora: Maria Izabel Botelho. Co-
Orientadores: Fábio Faria Mendes e Nísia Trindade Lima.
A finalidade deste trabalho é apresentar a atuação do SESP no Vale do
Rio Doce, durante a II Guerra Mundial e início da Guerra Fria (1943-1950),
períodos relevantes da História do Brasil Contemporâneo, pois evidencia os
acordos internacionais firmados por Vargas, com intuito de modernizar
internamente algumas regiões do país, tornando possível a integração
Sertão/Litoral. Inicialmente, busquei reconstituir o processo de estudos sobre
saúde pública no Brasil, desde a República Velha até a Era Vargas,
enfatizando o papel central de ida aos sertões, dos pesquisadores do Instituto
Oswaldo Cruz, nos anos de 1912 a 1915. Trouxe para esta dissertação, a
parceria entre o governo brasileiro e a Fundação Rockefeller, que se inicia na
década de 1910 e culmina com a criação do SESP, em 1942. O foco do
trabalho é dedicado aos tipos de serviços prestados pelo SESP no Vale do Rio
Doce. Problematizei sobre o processo de contenção da malária e de outras
doenças, a construção de redes de esgotos e de distribuição de água potável à
população, os programas de educação sanitária e de treinamento de pessoal,
procurando demonstrar todas as dificuldades quanto aos embates entre os
profissionais de saúde do SESP e os políticos locais e as mudanças no
cotidiano dos indivíduos após a exposição do tipo de trabalho empreendido
pelo Serviço.
xii
BSTRACT
REGINO, Jonas Alves, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, june of 2007.
Actions of war without guns: the Serviço Especial de Saúde Pública in
the Rio Doce Valley/MG. Adviser: Maria Izabel Botelho. Co-Advisers: Fábio
Faria Mendes and Nísia Trindade Lima.
The purpose of this work is to present the performance of the SESP in
the Rio Doce Valley, during the World War II and beginning of the Cold War
(1943-1950), important periods of the History of Contemporary Brazil, therefore
it evidences the international agreements firmed by Vargas, with intention to
modernize internally some regions of the country, becoming possible the
Sertão/Litoral integration. Initially, I reconstituted the process of studies about
public health in Brazil, since the Old Republic until the Vargas Age,
emphasizing the principal purpose of Instituto Oswaldo Cruz researchers going
to the Sertões, in the years of 1912 to 1915. I show in this work, the partnership
between the Brazilian government and the Rockefeller Foundation, that initiates
in the decade of 1910 and culminates with the creation of the SESP, in 1942.
The focus of the work is dedicated to the types of services given for the SESP
in the Rio Doce Valley. I argued the process of containment of the malaria and
other illnesses, the construction of nets of sewers and distribution of potable
waters to the population, the programs of sanitary education and training of
staff, looking for to demonstrate to all the difficulties how much to you strike
them after enters the local professionals of health of the SESP and politicians
and the changes in daily of the individuals the exposition of the type of work
undertaken for the Serviço.
13
Introdução
A proposta deste trabalho é analisar e descrever as formas ou tipos
de intervenção, aplicadas pelo Serviço Especial de Saúde Pública (SESP)
1
,
no Vale do Rio Doce (ver figura B) – região Leste de Minas Gerais -, durante
os três últimos anos da II Guerra Mundial e o princípio da chamada Guerra
Fria, mais precisamente, entre 1943 e 1950.
A idéia apresentada se originou de uma busca por documentos pouco
pesquisados, e que tivessem alguma relação com a saúde pública no Brasil
neste período, como os exemplares da Revista do Serviço Público (1938-
1950) e principalmente, a partir da seleção de um rol importante de fontes
escritas e até mesmo iconográficas, ainda inéditas, pertencentes ao Fundo
SESP (1943-1950), arquivados na Casa de Oswaldo Cruz (COC), no Rio de
Janeiro. Por ‘saúde pública’ utilizo-me da definição de PAIM (1980, pp. 39-
46), onde o autor afirma que:
Em geral, a conotação veiculada pela instância da "Saúde Pública"
costuma se referir às formas de agenciamento político/governamental
(programas, serviços, instituições) no sentido de dirigir intervenções
voltadas às denominadas necessidades sociais de saúde.
Já com relação à ‘saúde coletiva’, o autor tem a seguinte definição:
Saúde Coletiva, em síntese, implica em levar em conta a diversidade e
especificidade dos grupos populacionais e das individualidades com
seus modos próprios de adoecer e/ou representarem tal processo. E,
que, não necessariamente, passam pelas instâncias governamentais
ditas responsáveis diretas pela saúde pública.
A questão da saúde pública durante a II Guerra é importante, pois
evidencia uma interdependência existente entre o Brasil e os Estados
Unidos: o primeiro país tendo como necessidades básicas a expansão do
território para os sertões e consolidação de um poder centralizado, sob a
1
O SESP pode ser caracterizado por um Serviço voltado para a contenção da malária (isto
até o fim da II Guerra Mundial), mas que se aprofundou em questões relativas à saúde
pública, demandando esforços para a contenção de outras doenças, como a febre amarela
e a esquistossomose. Além disto, o SESP concentrou esforços na educação sanitária dos
indivíduos atendidos, como forma de prevenção à novas doenças. Também atendeu
crianças, para garantir conceitos em saúde pública a várias gerações e por fim, fez diversas
alianças com as prefeituras locais, órgãos de saúde dos governos estaduais e até mesmo
com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Estruturou cidades, por meio da construção
de redes de esgotos e contribuiu nas zonas rurais, ao criar fossas sépticas e cisternas para
os moradores, diminuindo o índice de doenças adquiridas através de fezes de animais e dos
próprios seres humanos. Sobre isso ver: CAMPOS (1997; 2006).
14
figura de Getúlio Vargas, ao passo que o segundo, necessitava de matérias-
primas para a fabricação de armamentos de guerra, no caso a borracha e de
alguns minerais.
O termo interdependência social, retomado por HOCHMAN (1998)
2
vai além desta simples relação entre yankees e tupiniquins, e reforça o quão
é importante problematizarmos sobre a associação que pode haver entre
diferentes camadas sociais, grupos e até mesmo países, que ao serem
acometidos por certos tipos de doenças, tendem a “horizontalizar” as
medidas em torno da solução destes problemas. A ocorrência de doenças
fez com que nações criassem políticas públicas em saúde para atender a
populações em situações pontuais, como nos casos dos trabalhadores da
borracha na Amazônia e os empregados da CVRD, em Minas Gerais e no
Espírito Santo, durante a guerra – não com a finalidade de assistir
socialmente estes indivíduos, mas para impedir alguns percalços que viriam
a atrapalhar no andamento de todo um processo mais amplo, como a
exportação de minério de ferro e borracha para a América do Norte.
No sentido de trazer ao trabalho os desdobramentos de políticas
públicas em saúde, aplicadas no Vale do Rio Doce, que me propus a elencar
os seguintes questionamentos: Quais foram as ações em saúde pública,
implementadas pelo Estado brasileiro, durante a II Guerra Mundial? Como
foram feitas as ações de intervenção do SESP, no Vale do Rio Doce? Quais
os mecanismos que o SESP utilizou para implementar seus trabalhos
naquela região? E ainda, quais as influências recebidas pelo SESP para a
execução de seus trabalhos?
Para responder a estas dúvidas suscitadas, houve durante a pesquisa
documental, uma preocupação também em verificar outras fontes, além da
Revista do Serviço Público e do Fundo SESP, tais como, os arquivos do
ministro da Educação e Saúde do governo Vargas, o mineiro Gustavo
Capanema (localizadas na Fundação Getúlio Vargas) que participou da
assinatura para a criação do SESP, no ano de 1942 e o Fundo Rockefeller
(também localizado na COC), importante por trazer a esta tese um pouco da
atuação desta Fundação no Brasil, tentando demonstrar os tipos de ações
2
O termo interdependência social foi apresentado a priori por ELIAS (1993).
15
empregadas por seus representantes em território nacional, mesmo antes da
II Guerra Mundial.
Figura A – O Vale do Rio Doce
Fonte: (wikipedia.org/wiki/Imagem:MinasGerais_Meso_ValedoRioDoce)
O Serviço Especial de Saúde Pública
A década de 1910 marcou o início de grandes transformações
ocorridas nos sertões do país, caracterizadas pelas incursões dos
sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) a lugares pouco conhecidos
pela República, que acabara de se consolidar. Ao me referir ao termo
“sertão”, faço-o com base na obra “Um sertão chamado Brasil”, de Nísia
Trindade Lima (1998), onde seu sentido faz menção à idéia de “distância em
relação ao poder público e a projetos modernizadores”, é o lugar a ser
conquistado, incorporado, civilizado e capaz de progredir. Segundo a autora
(1998: 60), “o sertão no Brasil começaria onde terminava a Avenida Central”,
em alusão aos projetos modernizadores da I República. Sertão seria neste
período o lugar do atraso, ao passo que o litoral seria o lugar do moderno,
da civilização, isto a partir da visão de intelectuais da época.
Trabalhos realizados pelos pesquisadores Penna & Neiva entre os
anos de 1911 e 1913, mostraram uma situação que beirava o abandono e
um rol inestimável de doenças que acometiam o caboclo brasileiro. Estes
dois personagens foram médicos do Instituto Oswaldo Cruz e iniciaram uma
incursão ao interior do Brasil (estados de Goiás, Minas Gerais, Amazonas,
Pará, Bahia, dentre outros), relatando através de fotografias e anotações o
estado de saúde destas populações, entre os anos de 1911 e 1913.
16
“Noticiados na época, os fatos relatados pelos sanitaristas causaram
formidável impacto nos moradores dos centros urbanos, que desconheciam
a dura realidade vivida pelo brasileiro do interior” (THIELEN et all, 2002: xvi).
Penna inclusive, passou a ser um defensor assíduo da necessidade
de assistência aos povos do interior do Brasil, por parte dos políticos
nacionais, constatando o que muitos personagens do período da República
Velha já sabiam: que o país estava fragmentado politicamente e que a
República não tinha forças para ajustar a realidade vivida pelo morador do
norte ao morador do sul, o homem sertanejo ao habitante do litoral.
Após esta incursão, estes médicos sanitaristas esforçaram-se em
divulgar o resultado final de seus afazeres (por meio de palestras com
membros do IOC e autoridades da Capital Federal), lançando à sociedade
brasileira, um dos vieses que viria a ser o embrião para a constituição de um
aparato sanitário público e o mais importante, mostraram a toda nação que o
brasileiro era um ser doente, que sua preguiça era causada pelas
pestilências adquiridas e também reivindicaram uma maior ação do Estado
Nacional, frente aos quadros sanitários que se apresentavam.
Passadas algumas décadas, Getúlio Vargas retoma a idéia de
integrar o sertão ao litoral, o que lhe possibilitaria governar o país de forma a
facilitar o a administração do vasto território nacional. O processo de
“unificação” conta com a presença de ideais norte-americanos, que viam o
Brasil como um ponto estratégico para a consolidação de bases militares
contra os nazistas, passando também a extrair do Norte do país os
derivados da seringueira, importantes por serem matéria-prima para a
confecção de armamentos de guerra (CAMPOS, 2006).
O projeto que possibilitou a extração da borracha amazônica se
adequava aos ideais do Estado Novo, compreendidos como “station and
nation building”, numa clara concepção voltada para a centralização do
poder ditatorial de Vargas. Foram feitos acordos com a Rubber Development
Corporation (RDC), de propriedade do governo norte-americano, em 1940,
ratificando a presença estadunidense em território nacional. Porém, alguns
fatores foram responsáveis por um número reduzido de trabalhadores nos
seringais do vale amazônico, neste período: havia uma baixa densidade
demográfica, cerca de apenas 0,44 habitantes por km
2
, em muito justificada
17
pela grande porção territorial da região Norte do país, pelos problemas
quanto à entrada nas matas e o entrecortamento de rios, o que gerava
dificuldades quanto à comunicação, e por fim, pelo número elevado de
doenças tropicais presentes, como a malária e outras, tais como a
tuberculose, “a mortalidade infantil, as doenças entéricas, a filariose, a
bouba, o vitiligo, o beribéri e a leishmaniose” (CAMPOS, 2006: 117).
A retirada da borracha amazônica contou com a presença da força
armada de seringalistas contra seus subalternos e a venda obrigatória da
borracha defumada para o mercado norte-americano. Em contrapartida, a
Amazônia se abastecia (nos aldeamentos), de produtos importados, vindos
pelos aviões que chegavam à Belém e Manaus. Este quadro caracterizado
por um grande número de doenças, levou o primeiro diretor do Programa da
Amazônia (sanitarista Kenneth Waddell) a se ater à necessidade de
provimento de recursos aos brasileiros em saúde e saneamento (CAMPOS,
2006).
O SESP nasce desta trama política entre Vargas e Roosevelt e conta
também com todo um processo de consciência sanitária já existente no
Brasil, que advém da década de 1910, com a presença de instituições
renomadas, como o próprio Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã. A
eclosão da II Guerra Mundial, forçou os estadunidenses a concentrarem sua
busca por matérias-primas para a confecção de armamentos, justamente no
Vale do Amazonas, isto porque, vários contatos comerciais norte-
americanos, situados na Ásia, haviam sido tomados pelos japoneses
(CAMPOS, 1997; 2006).
A extração da borracha fazia-se em Manaus-AM, Porto Velho-RO e
Belém-PA. Após o primeiro ano de acordo, o SESP também passou a
atender o Vale do Rio Doce, empregando o Programa do Rio Doce. Nesta
região, a matéria-prima extraída foi a mica, mineral utilizado para a
confecção de radares. Além da mica, a ida do Serviço para Minas Gerais,
propiciou a retomada dos trabalhos de reconstrução da Estrada de Ferro
Vitória-Minas (EFVM), que havia sido interrompida no trecho entre
Governador Valadares-MG e Colatina-ES, devido ao número significativo de
pessoas acometidas pela malária (CAMPOS, 1997; 2006).
18
Além disto, Roosevelt e figuras proeminentes do cenário político-
empresarial dos EUA, como Nelson Rockefeller (ligado à extração de
petróleo em países da América Latina), temiam uma infiltração nazista no
mercado debilitado do Hemisfério Sul e a conseqüente tomada destes
pontos estratégicos (tanto no que tange às relações econômicas, quanto à
formação de bases militares), que perfaziam uma área de influência norte-
americana (TOTA, 2000).
Do encontro entre Roosevelt e os chefes de governo de toda a
América Latina (com exceção de Cuba e Argentina), ficou firmada a criação
de serviços em saúde pública para todos os países, que deveriam também
romper ligações diplomáticas com os países integrantes do Eixo, facilitando
a extração de riquezas locais e uma maior idealização dos pressupostos
democráticos norte-americanos. É nesse período (década de 1940), que se
confirmam a presença na América Latina, inclusive no Brasil, de importantes
impérios industriais, como a Fundação Kellog, a Coca-Cola e até mesmo a
Fundação Rockefeller (TOTA, 2000).
No Vale do Rio Doce, o SESP elaborou trabalhos de contenção da
malária, da febre amarela e de outras enfermidades, promoveu a criação de
clubes de saúde para crianças, ajudou na reformulação de conceitos em
higiene sanitária para adultos, tentou agir em substituição às “parteiras”, nos
processos de natalidade e organizou toda uma rede de esgotamento de
água e de distribuição de água potável para Governador Valadares. Porém,
estes trabalhos foram caracterizados por uma tentativa de substituição dos
conceitos tradicionais no modus cotidiano local, o que propiciou um embate
entre a concepção do SESP em saúde pública e a realidade apresentada
pelos moradores e políticos locais.
O Vale do Rio Doce e a Malária
A região onde se encontra a cidade de Governador Valadares, teve
sua expansão demográfica de forma tardia, somente nas primeiras décadas
do século XX. Antes porém, vários fatores serviram para justificar a falta de
indivíduos nesta região, que vão desde a presença de tribos indígenas na
primeira metade do século XIX (que segundo relatos, eram vorazes
19
predadores humanos), e principalmente, pela falta de retorno econômico
para os desbravadores (ESPÍNDOLA, 2005).
Em princípios do século, há uma migração contínua para o Vale do
Rio Doce, que resulta no surgimento de diversas madeireiras e criações de
gado, a chegada de comerciantes de pedras preciosas e também do café.
Embora haja este processo de ida para o leste de Minas Gerais, Governador
Valadares era um lugar tipicamente rural, com problemas de infra-estrutura,
tais como, falta de água potável, luz elétrica e calçamentos, fatores que
contribuíam para a presença de doenças, sendo a malária a mais importante
(ESPÍNDOLA, 2000; 2001).
O clima quente e úmido da região (pouco conhecido e com infra-
estrutura deficitária), associado aos rios e córregos que entrecortavam o
território, ajudava nos surtos do anopheles darlingi
3
, principal vetor malarílico
da região do Vale do Rio Doce. Além da malária, havia incidência de febre
amarela, esquistossomose e leishmaniose (ESPÍNDOLA, 1998; 2000). A
criação do SESP atenuou a presença destes males, contribuindo para certo
desenvolvimento regional, termo presente em fins da II Guerra Mundial,
apregoado pelos EUA e seguido de forma desordenada pelos países pobres
do planeta (ESCOBAR, 1998).
Esta desordem é em muitos aspectos, explicada pela transposição
inadequada de métodos utilizados em países com realidades diferentes,
sejam estas políticas, econômicas ou sociais, para meios onde o tipo de
empreendimento a ser realizado, não condiz com a própria necessidade
local. É neste sentido que, muitos projetos adotados pelo SESP, no Vale
Amazônico e até mesmo no Vale do Rio Doce, acabaram sendo impróprios e
pouco propensos a obterem êxito, gerando inclusive certo tipo de aversão
das populações que, a princípio, deveriam ser beneficiadas com tais
medidas, que englobavam saúde pública e reformas sanitárias.
3
Outras espécies de mosquitos transmissores da malária foram encontradas entre
Governador Valadares e Vitória: o anopheles albitarsis e o anopheles aquasalis. Em
menores proporções foram encontradas as variedades: anopheles triannulatus, anopheles
strodei, anopheles noroestensis e anopheles argyritarsis. Sobre isso ver: (Fundo SESP
1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52).
20
Relevância e justificativa da pesquisa
Estudos em História da Saúde Pública são importantes, dentre outros
aspectos, para a compreensão dos processos históricos de desenvolvimento
de sociedades, países e/ou regiões, através do uso de novas tecnologias -
como nos casos de guerras - e de alianças que se formam entre países e
que tornam possível a criação de mecanismos, capazes de extinguir certas
doenças que agem como impecilhos ao andamento de planos estabelecidos
por acordos bipolares. Dentre essas alianças entre países, temos a criação
do SESP, no ano de 1942, Serviço responsável por atender aos chamados
soldados da borracha no Amazonas e que posteriormente, migrou para a
região do Vale do Rio Doce, com a incumbência inicial de dar
prosseguimento à reconstrução da Estrada de Ferro Vitória-Minas - através
do auxílio aos trabalhadores da Companhia Vale do Rio Doce - no trecho de
maior acometimento de endemias malarílicas, onde se localiza a atual
cidade de Governador Valadares-MG.
Analisar a atuação do SESP no Vale do Rio Doce permite um
deslocamento quanto a outras pesquisas que se atém ao eixo Rio-São
Paulo, para concentrar-se num trabalho regional ainda pouco explorado,
mas que é fonte profícua para muitos questionamentos. Além disso, ao
abordarmos a questão da saúde pública na região Leste de Minas Gerais na
década de 1950, aumentamos o número de fontes referentes à política
pública no Brasil neste período, o que de certo modo nos torna pioneiros,
pois existe uma lacuna a ser suprimida pela historiografia sobre essa
década.
O estudo realizado no mestrado em Extensão Rural e sua possível
continuidade no doutorado em História da Saúde contribui não somente para
os pesquisadores voltados para uma área em específico, ele propicia a
análise de extensionistas rurais (interessados no elo entre o SESP e a
população local), historiadores (voltados para estudos regionais), também
por cientistas sociais e até mesmo por leitores comuns, que de alguma
forma tenham ligação com a cidade de Governador Valadares e queiram
conhecer um pouco mais sobre o processo histórico de ocupação daquele
território e seu desenvolvimento.
21
“Ações de Guerra Sem o Uso de Armas” não está condicionada à
análise simples do período 1943-1960, pois as fontes pesquisadas permitem
inferir questões sobre políticas em saúde pública que datam de décadas
anteriores e que servem de auxílio ou crítica à teoria lida a priori. Toda a
trama política de criação do SESP, sua sobrevivência após o fim da II
Guerra Mundial, a necessidade por se remodelar (para atender a um maior
número de indivíduos), os embates entre seus sanitaristas e as populações
atendidas, as dificuldades econômicas verificadas para a aquisição de
utensílios diários, a presença brasileira à frente do Serviço durante a Guerra
Fria, a relação Brasil/EUA na década de 1940, a atenção dada às mulheres
e crianças, as modificações no cotidiano dos atendidos pelo Serviço, são
pontos que de certa forma tornam relevante a “incursão” de pesquisadores
em estudos sobre os sertões do leste.
Objetivos Geral e Específico
O objetivo geral deste trabalho é analisar um corpus documental
amplo, composto por fontes pouco exploradas e relativas ao espaço de
tempo compreendido entre os anos de 1943 a 1950. O objetivo específico é
analisar e descrever as intervenções do SESP no Vale do Rio Doce,
caracterizar a influência norte-americana e local recebida pelo Serviço,
identificar os embates entre SESP e o poder público local e descrever os
tipos de métodos empregados para a contenção de doenças.
Organização da Dissertação
9 O capítulo 1 traz um apanhado geral sobre a situação da saúde
pública no Brasil, desde a República Velha até a Era Vargas, dando
ênfase à criação da Liga Pró-saneamento do Brasil, a atuação da
Fundação Rockefeller em território nacional e por último, para os
acordos firmados entre Vargas e Roosevelt, que propiciaram a
criação do SESP e a situação de Governador Valadares na década
de 1940;
22
9 O capítulo 2 mostra os quadros internos do SESP, em especial a
presença brasileira na coordenação do Serviço. Cabe a este capítulo
discorrer sobre o Programa do Rio Doce e os métodos utilizados na
contenção da malária;
9 O capítulo 3 tem por objetivo analisar a documentação pesquisada.
Nele, temos a parte primordial do trabalho, onde apresento a questão
dos tipos de intervenção impositiva realizadas pelo SESP no Vale do
Rio Doce e os seus desdobramentos.
Aspectos Metodológicos
Este trabalho demandou uma busca por documentos que permitissem
responder a alguns questionamentos levantados. Para isto, foram
necessárias, além de leituras que versassem sobre o tema, o uso de
metodologia que permitissem sustentar as indagações que nortearam este
estudo de caso.
O período estudado compreendeu os anos de 1943 (marco inicial dos
trabalhos do SESP junto ao Vale do Rio Doce) a 1950 (quando os
profissionais da Fundação Rockefeller saem definitivamente da área de
atuação em saúde pública, no território nacional).
Como pesquisa de cunho histórico, o viés qualitativo sobressai nas
análises de acordo com as pressuposições de MARTINS (2004), onde a
autora afirma que:
A pesquisa qualitativa é definida como aquela que privilegia a análise de
micro processos, através do estudo das ações sociais individuais e
grupais, realizando um exame intensivo dos dados, e caracterizada pela
heterodoxia no momento da análise. Enfatiza-se a necessidade do
exercício da intuição e da imaginação pelo sociólogo, num tipo de
trabalho artesanal, visto não só como condição para o aprofundamento
da análise, mas também — o que é muito importante — para a
liberdade do intelectual.
É importante ressaltar que foram utilizados documentos importantes
sobre saúde pública no Brasil (ver anexo I), em muitos casos estes ainda
não haviam sido tratados, o que reforça a importância da análise feita.
Houve uma preocupação em ‘fichar’ todas as fontes pesquisadas, tanto
23
iconográficas quanto escritas, tendo como resultado um catálogo com mais
de 170 páginas. Além do número significativo de fontes, foi necessário
aprofundar em pesquisa bibliográfica quanto à importância da saúde pública,
num contexto que vai além dos estudos sobre o Brasil. Para tanto, cursei
uma disciplina ministrada pelo Dr. Gilberto Hochman, na Casa de Oswaldo
Cruz, o que possibilitou conhecer obras vitais para a elaboração dessa tese.
Os exemplares da Revista do Serviço Público pesquisados
encontram-se em perfeito estado de conservação, embora haja falta de
alguns números da seqüência, entre os anos de 1938 e 1950. São fontes
originais e podem ser copiados na biblioteca central da Universidade Federal
de Viçosa. Os Fundos SESP e Rockefeller apresentam documentos em sua
maioria legíveis e também podem ser copiados na Casa de Oswaldo Cruz,
ou até mesmo fotografados, como no nosso caso. A pesquisa aos acervos
da COC, permite aos interessados estarem de posse do maior volume
documental em saúde na América Latina. Quanto ao Fundo Capanema,
houve uma maior dificuldade para o tratamento da documentação, uma vez
que, não foi possível fotografar as fontes, nem tampouco copiá-las. As fontes
encontram-se micro-filmadas cabendo ao pesquisador transcrevê-las
manualmente. Feitas estas considerações, apresento de forma detalhada, as
fontes pesquisadas:
I. Revista do Serviço Público (1938-1950), com dados escritos e
iconográficos sobre a saúde pública no Brasil, localizadas na
biblioteca central da Universidade Federal de Viçosa;
II. Fundo SESP (1943-1950), com dados escritos e iconográficos dos
trabalhos dos agentes de saúde, em Governador Valadares e
região, situado na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ);
III. Fundo Rockefeller (décadas de 1910 a 1940), com dados escritos,
contendo seus trabalhos no Brasil e alguns acordos com o
governo brasileiro, situados na FIOCRUZ;
24
IV. Fundo Gustavo Capanema (Série Mandato Legislativo), com
dados escritos, contendo em especial, a parte que apresenta a
estrutura interna de funcionamento do SESP, localizado na
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
25
Capítulo 1
A criação do SESP e o Vale do Rio Doce
Este capítulo traz um apanhado geral sobre a situação da saúde pública no
Brasil, desde a República Velha
4
até a Era Vargas, dando ênfase para a
criação da Liga Pró-saneamento do Brasil, a atuação da Fundação
Rockefeller em território nacional e por último, para os acordos firmados
entre Vargas e Roosevelt, que propiciaram a criação do SESP e a situação
de Governador Valadares na década de 1940.
1.1. As origens das preocupações internacionais em saúde pública
Um número maior de pesquisas em questões relativas à saúde
pública, teve início a partir do século XVIII, quando as grandes mutações
ocasionadas pela ascensão e unificação de vários Estados Nacionais -
impulsionadas pelo fim do Antigo Regime e consolidação do capitalismo
industrial - levou aos grandes centros europeus, um contingente significativo
de ex-camponeses, vistos como mão-de-obra para as indústrias nascentes,
resultantes da Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra (ROSEN, 1994).
As condições físicas enfrentadas pelos trabalhadores nas fábricas
eram péssimas, ao se defrontarem com jornadas de até dezesseis horas/dia,
sem distinção entre homens e mulheres, crianças e idosos, associadas à
insalubridade dos cortiços, que se amontoavam, sem água potável, rede de
esgotos e alimentação deficiente. Esses trabalhadores assumiram papel
proliferador de doenças, ao tornar deficitária, a qualidade humana para o
desempenho de suas funções, transformou o ambiente urbano em local
perigoso e propenso à contágios, sem distinção entre ricos e pobres, mesmo
porque “o crescimento rápido da população urbana superava qualquer
aumento na oferta de moradias” (ROSEN, 1994: 164).
4
Ao final do capítulo temos algumas figuras do período da República Velha, mostrando
doentes, a região do Vale do Rio Doce e também integrantes da Liga Pró-saneamento do
Brasil. Algumas citações em inglês ou até mesmo em português podem conter um [sic].
Nestes casos não foi possível identificar a palavra contida na documentação pesquisada.
26
À “indistinção”, causada pela ‘doença que se transmite’, HOCHMAN
(1998) denominou de interdependência social. A partir dessa constatação,
vários países desenvolveram políticas capazes de atenuar a propagação de
epidemias e todo tipo de doenças que colocassem no mesmo plano esses
dois níveis da camada social (ricos e pobres). Nas cidades nascentes, os
indivíduos que conseguiam superar as condições mínimas de sobrevivência,
logo migravam para as áreas mais distantes das fábricas, evitando o contato
com as populações mais pobres. Nas palavras de ROSEN (1994: 166):
Os menos afortunados continuavam a morar no interior da cidade, a
maioria em bairros de cortiços miseráveis. Cortavam esses distritos
vielas estreitas, das quais nascia, por sua vez, um labirinto de pátios
pequenos e mal ventilados. Em conseqüência, os trabalhadores se
espremiam em um denso labirinto de imóveis tão compactamente
amontoados que quase não tinham espaço para chegar a suas portas.
Os países europeus, preocupados substancialmente com a qualidade
da mão-de-obra empregada e dos produtos comercializados pelas
indústrias, investiram em programas de saúde, promovendo a criação ou
aperfeiçoamento de universidades e centros de pesquisas, com destaque
para os trabalhos de Louis Pasteur
5
(1822-1895) e os avanços no campo da
microbiologia, capazes de detectar agentes patológicos “invisíveis”,
responsáveis pela propagação de doenças. Além destes avanços, a saúde
pública tornou-se objeto de estudo pelo acelerado processo de interligação
entre cidades, através da abertura “de sistemas de estradas e canais na
maioria dos países” (ROSEN, 1994: 157) e pelas vias férreas que cortavam
territórios, e que eram vistos como um agravante, ao facilitar a circulação de
doentes e doenças.
Providências importantes e que propiciaram grandes discussões entre
políticos, comerciantes e pesquisadores, fizeram menção ao processo de
isolamento de doentes, concebidos pelas controversas quarentenas. Noutras
5
Louis Pasteur esteve vinculado à Faculdade de Ciências de Lille (França), como professor
de Química e posteriormente, como reitor. A região de Lille era famosa por concentrar as
maiores indústrias produtoras de vinhos e cervejas da França, mas também sofria diversos
prejuízos, resultantes da deterioração no processo de fermentação destes dois bens.
Pasteur descobriu, através da fermentação que, alguns elementos invisíveis só conseguiam
sobreviver a uma determinada temperatura, auxiliando no processo de fabricação das
bebidas, naquilo que ficou conhecido também como pasteurização. Os trabalhos deste
cientista estiveram relacionados a problemas econômicos imediatos, mas logo foram
aprofundados, dando novas “ramificações” ao sentido original de suas propostas. Sobre isso
ver: ROSEN (1994).
27
palavras, após os trabalhos de Pasteur e a constatação da viabilidade do
contágio, seja por via direta (pessoa para pessoa) ou pelo ar, vários países
fecharam as entradas de seus portos para navios suspeitos de
transportarem indivíduos acometidos por alguma moléstia. A incapacidade
científica para a eliminação de algumas enfermidades, fez com que
inúmeros grupos fossem isolados - por um período longo de dias - causando
mal estar entre países, tanto diplomáticos quanto comerciais.
Foram criados fóruns de discussão a respeito das doenças, medidas
de contenção e movimentos importantes, como a Repartição Sanitária
Internacional das Repúblicas Americanas, no início do século XX. No ano de
1920 a Repartição passa a ser chamada de Repartição de Saúde Pan-
americana, sediada em Washington D.C., e algumas décadas depois (já em
1959), tem seu nome novamente mudado, agora para Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS). Além da OPAS, a Divisão Internacional de
Saúde (1910), a Internationale d’Hygiène Publique (1907) e a League of
Nations Health Organization (1920), foram as principais comissões
internacionais que abordavam a questão das doenças e seus estudos, até
meados do século XX (BROWN, CUETO & FEE, 1996).
Vista como o mais antigo organismo de cooperação na área da saúde
entre países, a Repartição associa-se a uma proposta norte-americana em
expandir sua influência em saúde para os demais países americanos. Em
sua gênese, verifica-se a tentativa de “expurgo” de doenças transmissíveis,
atuando em locais onde o fluxo migratório e de mercadorias era
substancialmente elevado, como nos grandes portos (LIMA, 2002).
No Brasil, os primeiros esforços para a contenção de doenças foram
tomados após a invasão napoleônica da Península Ibérica, que resultou
numa fuga em massa da Corte portuguesa para o continente americano, em
1808. A preocupação portuguesa se pautava na manutenção de um nível
aceitável de salubridade para os servidores da Família Real. Ao
desembarcarem, estes trouxeram consigo o cólera, a peste bubônica
(disseminada pela falta de limpeza dos navios ancorados) e a varíola, sendo
presenteados com a presença da malária, da febre amarela e de um sem
número de endemias, que assolavam o interior do território (BAPTISTA,
2005).
28
Antes de 1808, as técnicas empregadas em relação aos doentes não
seguiam uma uniformidade de ações, nem tampouco tinham a inspeção de
órgãos portugueses, quanto aos procedimentos de curandeiros, barbeiros e
missionários jesuítas. Cada um ao seu costume, estes três tipos de
“profissionais” agiam conforme a sua crença (por meio de rituais e feitiços),
pelo aprendizado adquirido através das gerações passadas (uso de plantas
e ervas), ou pelo pouco conhecimento que tinham em medicina (prática da
sangria ou do isolamento) (BAPTISTA, 2005).
As ações empregadas em saúde durante o século XIX, não passaram
de trabalhos pontuais, assinalados pela busca por soluções imediatistas,
concentrados numa porção diminuta do território brasileiro. Em sua maioria,
estavam atrelados aos anseios do Estado nacional por melhores condições
econômicas, em transações comerciais realizadas junto a outros países e
que exigiam cada vez mais, a escassez de vetores causantes de doenças
(BAPTISTA, 2005).
A partir desta necessidade pela salubridade dos portos, que eram a
única via capaz de escoar a produção, sobretudo para os países europeus,
BAPTISTA (2005: 14), enumera alguns pontos importantes que fazem
menção à relação entre a tentativa de se diminuírem os casos de doenças
ao processo de venda de mercadorias. São estes:
Proteção e saneamento das cidades, principalmente as portuárias,
responsáveis pela comercialização e circulação dos produtos
exportados;
Controle e observação das doenças e doentes, inclusive e
principalmente dos ambientes;
Teorização acerca das doenças e construção de conhecimento para
adoção de práticas mais eficazes no controle das moléstias.
Em meados do século XIX - com o fim do tráfico ultramarino e
posteriormente (1889) com a libertação dos escravos - a sociedade brasileira
passou por duas situações emergentes e que intensificaram o prenúncio de
novas doenças. A primeira relaciona-se à ida dos ex-escravos para as
cidades, formando grandes conglomerados humanos, naquelas que seriam
as futuras favelas. Já a segunda, é o resultado da falta de planejamento de
países europeus no tocante ao escoamento da mão-de-obra excedente, o
que gerou um êxodo rumo a países latino-americanos, que por sua vez,
29
investiram numa política de “colonização” do território (de forma abrupta),
com destaque para Uruguai, Brasil e Argentina.
A vinda de imigrantes acentuou a falta de estrutura interna, incapaz
de propiciar boas condições de trabalho para os recém chegados, fator este
que perdurou até as primeiras décadas do século XX. Com exceção de São
Paulo, que montou uma estrutura sanitária pública plausível, os demais
estados brasileiros não tinham como aventurar-se na tentativa de solucionar
os problemas em saúde, mesmo porque não tinham condições econômicas
para isto.
Desembarcaram no Brasil cerca de 3,3 milhões de imigrantes, no
período de 1870 a 1930. O destino da maioria foi as fazendas de café, em
contratos firmados com coronéis locais, que nem sempre eram vantajosos.
Ao virem para o país, italianos, portugueses, espanhóis e japoneses, não
tinham em mente que os fazendeiros não os veriam como futuros novos
donos de terra, e sim trabalhadores “braçais”, que compensariam os
pequenos salários, em dias de “eito” semelhantes aos executados pelos
negros (ALVIM, 2004).
O resultado da política imigratória nacional, não sustentada em
condições mínimas de sobrevivência para o estrangeiro, foi a pauperização
ainda mais acentuada da sociedade brasileira, com a exclusão do negro,
associada ao descaso pelo novo “brasileiro” (ALVIM, 2004). O agravante
fazia-se mediante a presença constante de doenças, capazes de adentrar os
inúmeros cortiços que se formavam, principalmente na capital federal. Com
relação aos sertões, somente após a primeira década da instauração da
República, começaremos a ter no Brasil iniciativas para a busca pela
erradicação de vários males, sobretudo, devido às incursões realizadas
pelos membros do Instituto Oswaldo Cruz, que percorreram estados
distantes do litoral, como Goiás, Mato Grosso e até mesmo os confins de
Minas Gerais (THIELLEN et all, 2002).
30
1.2. A saúde pública durante a Primeira República
Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria
réplica. Tudo se fazia consoante a sua vontade, muitas vezes
caprichosa e despótica.
(HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil, p. 80)
A chegada do período republicano pôde ser vista como um
rompimento “em parte” com a herança monárquica deixada por Portugal, isto
se levarmos em consideração o fim da escravidão, marca característica
deste enlace. De um território comandado por um único governante, o fim do
regime monárquico fragmentou o país em vários territórios, sendo estes
comandados pelas elites oligárquicas locais, como fizeram os Barões do
café, no Oeste paulista. A República não se mostrou suficientemente
poderosa para integrar o Norte ao Sul do país, o sertão ao litoral. Em 1889, o
que se verificou foi uma total falta de movimento popular em torno de sua
instauração, o que nas palavras de Aristides Lobo, retomadas por
CARVALHO (1987), pode ser entendido como a bestialização dos
brasileiros.
No fim do século XIX, o Brasil caracterizava-se como um país voltado
para a exportação do café, fragmentado politicamente, com mão-de-obra
advinda de ex-escravos e de imigrantes recém chegados, repleto de
epidemias e com crescimento econômico ínfimo, causado pela posição
periférica, perante o capitalismo reinante dos países europeus (BAPTISTA,
2005).
As ações em saúde pública ainda eram empregadas nas áreas onde
o fluxo comercial se fazia mais intenso, deixando à margem toda a
população que habitava os sertões. Segundo LIMA (1998), o lugar do
sertanejo não estava condicionado apenas aos confins de Goiás, Minas ou
outros estados afastados do litoral. O desconhecimento do território se
iniciava às margens das grandes cidades, nas encostas, onde o poder do
Estado ainda não havia chegado.
Em grande parte, a autoridade que os coronéis exerciam sobre as
populações locais, acabava por impedir a competição eleitoral, aliado à
presença de bacharéis, por vezes influenciados pelas oligarquias rurais,
31
impossibilitou um maior conhecimento do território pelo Estado
6
, reduzindo o
sertanejo a segundo plano, acometido por surtos endêmicos variados,
incapaz de sentir algum sentimento de “nacionalismo” pelo país em que vivia
(LIMA, FONSECA & HOCHMAN, 2005).
Nas duas primeiras décadas da experiência republicana, o país ficou
dominado por um núcleo agrário, envolto pelo comércio do café, capaz de
estimular a criação de um segmento urbano a ele associado, alavancando o
surgimento de novos meios de transporte, finanças e trocas comerciais. As
políticas em torno da saúde pública constituíam-se com base nos
empreendimentos agrícola ou urbano-industriais nascentes, dependentes de
um aparato sanitário compatível com as exigências internacionais. As
principais preocupações da oligarquia cafeeira nacional, faziam-se perante
os seguintes problemas internos (BRAGA & PAULA, 1986: 42):
1. Endemias e problemas gerais de saneamento nos núcleos urbanos
que surgem no processo de acumulação cafeeira;
2. A estratégia de atração e retenção de mão-de-obra por parte das
empresas e do próprio Estado, tendo em vista a escassez relativa
de mão-de-obra e as condições de reprodução da força de trabalho.
Para atender às expectativas (sobretudo oligárquicas), há a criação
de alguns institutos científicos importantes nos estados de São Paulo e Rio
de Janeiro. Em 1897, a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP)
7
, tenta
ampliar as condições da saúde pública, principalmente na zona urbana. Em
1900, temos em São Paulo, o Instituto Butantã e no Rio de Janeiro, o
Instituto Soroterápico Federal
8
, posteriormente renomeado para Instituto
Oswaldo Cruz, nome dado em homenagem ao seu mais ilustre cientista
(BAPTISTA, 2005).
6
Com o esfacelamento do poder da União, havia muitos impecilhos para a consolidação de
um mercado interno, em parte causado pelos diferentes impostos interestaduais e pela
dificuldade para a circulação de serviços e idéias. Sobre isso ver: LIMA, FONSECA &
HOCHMAN, (2005).
7
De acordo com CASTRO SANTOS & FARIA (2003), a Diretoria Geral de Saúde Pública se
limitou a atuar em socorros médicos e de higiene às populações somente em casos de
calamidade pública. Isto se justifica pela incapacidade do Estado em ultrapassar o poder
concebido aos estados pela Constituição de 1891.
8
A incidência da peste bubônica verificada no porto de Santos (1899), foi o “estopim” para a
criação dos dois institutos assinalados. O Instituto Soroterápico Federal era popularmente
chamado por Instituto de Manguinhos, em referência aos mangues que circundavam as
imediações do prédio central. Sobre isso ver: LIMA, FONSECA & HOCHMAN (2005).
32
O papel do IOC na saúde pública nacional é de extrema relevância
para entendermos a lógica da integração dos sertões ao litoral. Os primeiros
trabalhos do Instituto estiveram associados às práticas sanitárias na capital
federal, com destaque para o período do presidente Rodrigues Alves (1902)
e a elaboração de metas para a eliminação de doenças. Fizeram parte deste
trabalho, o prefeito do Rio de Janeiro (Pereira Passos), e o cientista Oswaldo
Cruz, proponente de uma espécie de Código Sanitário, que consistiu na
desinfecção e demolição de pequenos casebres e casarões antigos,
notificação de doenças e epidemias, atuação da polícia sanitária, além de
várias campanhas educativas (BAPTISTA, 2005).
Nem sempre a atuação de Oswaldo Cruz representou frente à
população um estado de empatia. A criação do Código Sanitário gerou
grande descontentamento populacional, em parte devido à falta de
propaganda apropriada, empregada pelos proponentes, pela ignorância dos
indivíduos com relação à obrigatoriedade da vacina, e pelas péssimas
condições de recepção por parte dos hospitais vigentes, vistos como
matadouros e reduto de isolamento social (BAPTISTA, 2005; CARVALHO,
1987).
Tentava-se desta forma, mudar a imagem do Brasil perante os demais
países que mantinham contatos comerciais, aumentavam as idéias sociais
perante a necessidade de cessar com os quadros epidêmicos
9
, numa
perspectiva de modernização nacional. Oswaldo Cruz e demais cientistas de
sua época agiam como missionários, preocupados com o sucesso dos
empreendimentos em saúde, mantendo trabalhos constantes, por meio de
inúmeras campanhas sanitárias (CASTRO SANTOS & FARIA, 2003).
Antes mesmo de Oswaldo Cruz, Euclides da Cunha em sua obra Os
Sertões (1902), desmistificou uma visão errônea que se tinha das
populações rurais brasileiras, principalmente reforçada pela literatura do
século XIX, em autores como José de Alencar
10
, que via na figura do
9
Em 1907 foi erradicada a febre amarela no Rio de Janeiro e Belém. Sobre isso ver:
BAPTISTA (2005).
10
A obra de Alencar mencionada intitula-se O Sertanejo (1875). Porém, o próprio Euclides
da Cunha referia-se aos moradores dos sertões como homens ímpios e que apesar das
condições inóspitas de sobrevivência, mantinham-se firmes em seu cotidiano. O autor tenta
demonstrar que, embora o sertanejo fosse uma figura feia, com vestimentas rudes, e até
33
sertanejo um homem ímpio, forte e símbolo da identidade nacional
(HOCHMAN, 1998). O livro Os Sertões mostra a situação de abandono dos
moradores do arraial de Canudos, uma população pobre, sem assistência
por parte do Estado e entregue à própria sorte (LIMA, 1998). Nas palavras
de Euclides da Cunha (2002: 331):
Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que palejam
reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança
inesperada, a República. Ascendemos, de chofre, arrebatados na
caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra secular em que
jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente.
Oswaldo Cruz segue esta tendência enfatizada por Euclides da
Cunha, no que se refere à busca pela inserção do homem do campo aos
limites de atuação do Estado nacional. Até princípios da I Guerra Mundial,
havia um pensamento social que visava o progresso da sociedade brasileira,
que se subdividia entre aqueles voltados para uma idéia de nação aos
moldes europeus, e outros que mantinham no interior do próprio Brasil, as
raízes responsáveis pela integração populacional. Faziam parte desta
segunda corrente de pensamento, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha,
Oswaldo Cruz, Alberto Torres, dentre outros (CASTRO SANTOS & FARIA,
2003).
Monteiro Lobato é uma figura emblemática no que tange ao
movimento em prol da melhoria da saúde das populações sertanejas. De
uma visão “eugenista” sobre nossa sociedade, caracterizando as populações
rurais como inaptas para modernização por sua preguiça congênita, Lobato
apelidou o sertanejo do interior de São Paulo como a personificação do Jeca
Tatu. Após contatos com os pesquisadores do Instituto de Manguinhos, este
autor muda sua concepção acerca da realidade do brasileiro pobre, vendo-o
como desassistido, e passa a publicar uma nova visão do Jeca, na reedição
de Urupês (LIMA, 1998).
As viagens dos sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do
país, patrocinadas (em parte) pelas iniciativas público-privadas
11
, serviram
mesmo pouco sociável, ele representava a figura tanto de Hércules, pela sua bravura em
manter-se vivo, como Quasímodo, por suas características físicas pouco apresentáveis.
11
As primeiras viagens ao interior do país estiveram associadas a projetos de
modernização, como “construção de ferrovias, avaliações da Inspetoria de Obras Contras
as Secas, construção de linhas telegráficas” (LIMA, 1998). Destes, a criação da Estrada de
34
para que estes “desbravadores” tivessem noção da dura realidade vivida no
país. Entre os anos de 1911 e 1913, Arthur Neiva e Belisário Penna
12
percorreram os sertões de Goiás ao Amazonas, deparando-se com um rol
imenso de doenças e falta de assistência social (THIELEN et all, 2002).
Em seus relatos, Penna & Neiva observaram que cerca de 70% da
população rural estava infestada pela ancilostomíase, diminuindo com isto, a
capacidade de trabalho do brasileiro para apenas 1/3, se comparada a uma
pessoa saudável (CASTRO SANTOS & FARIA, 2003). A tarefa proposta por
Penna era simples, mas de alcance complexo, devido à falta de estrutura do
Governo Federal. Buscava-se o saneamento dos sertões e a higienização
dos indivíduos, pois “o brasileiro era indolente, preguiçoso e improdutivo
porque estava doente e abandonado pelas elites políticas” (LIMA &
HOCHMAN, 1996).
Associados aos resultados de Penna & Neiva, a eclosão da I Guerra
Mundial suscitou um exarcebado espírito de nacionalismo em vários setores
da intelectualidade brasileira e de pesquisadores. A célebre frase “o Brasil é
um imenso hospital”, proferida pelo Professor Dr. Miguel Pereira, após tomar
nota dos trabalhos de Penna & Neiva, é uma resposta àqueles que
pensavam haver no Brasil uma populão rural capaz de defendê-lo em
tempos de guerras (LIMA, 1998; HOCHMAN, 1998).
A partir de 1916, o país começa a vivenciar um período de
efervescência política e que resulta na criação da Liga Pró-saneamento do
Brasil, dois anos mais tarde (LIMA, 1998; LIMA & HOCHMAN, 1996). Neste
período chega de forma definitiva ao Brasil a Missão Rockefeller
13
, passando
a trabalhar em conjunto com o Governo Federal, os governos estaduais e
Ferro Madeira-Mamoré é um exemplo da presença do capital privado e as avaliações que
foram feitas contra as secas que assolavam o Nordeste brasileiro, contaram com a iniciativa
estatal.
12
Belisário Penna é talvez o maior ícone para a campanha que se seguiu rumo às
mudanças sociais ocorridas no Brasil, no período da I Guerra Mundial. Médico de
Manguinhos, Penna e seus colaboradores trabalharam em substituição ao Estado, que não
se fazia presente até este momento. Seus estudos pelo interior servem, sobretudo, para
mostrar à intelectualidade e aos políticos de sua época que, o problema do Brasil não
estava pautado na inferioridade racial, na preguiça do sertanejo e nas condições climáticas
enfrentadas. O Brasil era constituído de indivíduos doentes, e o processo de cura para suas
enfermidades perfazia um dos caminhos para o crescimento nacional (LIMA, 1998; LIMA &
HOCHMAN, 1996).
13
A International Health Division (IHD) veio para a América Latina em 1913, mas se instala
de forma definitiva durante a I Guerra Mundial. Sobre isso ver: CASTRO SANTOS & FARIA,
(2003).
35
também aos Institutos Oswaldo Cruz e Butantã (CASTRO SANTOS &
FARIA, 2003).
A Liga age como um movimento de integração social e vai mais além,
constituindo-se como um aparelho político, que critica as oligarquias
estaduais, incapazes de prover benefícios às populações locais e ao limitado
poder de atuação do Governo Federal, que repassa suas obrigações para a
iniciativa de pesquisadores. Um de seus principais colaboradores foi
Belisário Penna. Além dele, a Liga contou com a presença de outros
médicos, como Olímpio da Fonseca, Astrogildo Machado, Aristides Marques
da Cunha, Mário Magalhães, João Barros Barreto, J. P. Fontenelle e Edgar
Roquette Pinto. Reuniram-se também em torno da Liga membros da
Academia Nacional de Medicina (ANM), professores das faculdades de
Medicina do Rio e de Salvador, antropólogos do Museu Nacional, políticos,
funcionários dos serviços federais e o presidente Wenceslau Brás
(REZENDE & HELLER, 2002; LIMA & HOCHMAN, 1996).
No ano de 1918, a população rural do Brasil beirava a casa dos vinte
milhões de habitantes, sendo que dezessete milhões detinham algum tipo de
parasita e três milhões eram acometidos pela malária. “Associado a este
quadro a subnutrição e o alcoolismo, concluía-se que o homem rural
brasileiro, abandonado à própria mercê, era na verdade um personagem
doente” (REZENDE & HELLER apud BERTOLI FILHO, 2002).
Nas palavras de HOCHMAN (1998), o que se constata,
principalmente aos olhos dos políticos locais, é um quadro desfavorável para
a manutenção do distanciamento entre ricos e pobres, ao perceberem que
as doenças serviam como um elo entre estes despossuídos (habitantes dos
sertões também e das favelas que circundavam os grandes centros) e os
moradores que dispunham de certo prestígio social e possuidores de bens
materiais. Há uma interdependência a ser superada e para tal, a
centralização das ações de saúde aparecem como uma tomada de
consciência a esse respeito, fator que ganha corpo e resulta no posterior
fortalecimento do Governo Federal.
O papel da Liga ganha valoração positiva nos meios de comunicação,
como nos jornais O Paiz e O Correio da Manhã, após as intensas
propagandas efetuadas, por meio de palestras, conferências, trabalhos com
36
entidades associativas de proprietários rurais, distribuição de folhetos de
educação sanitária e até envolvimentos com as Forças Armadas (LIMA &
HOCHMAN, 1996).
Debates foram tomados em torno do saneamento rural, da existência
de um Ministério da Saúde Pública, em escolas de medicina, como a ANM,
inclusive com resultados positivos, a ver, as criações do Serviço de Quinina
Oficial, do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP)
14
, em 1920, e
de serviços de profilaxia rural, durante o governo de Wenceslau Brás (LIMA
& HOCHMAN, 1996). Deste crescimento de consciência das elites em torno
dos males causados pelas doenças, HOCHMAN (1998) assinala como “a
era do saneamento”, equivalendo à grande parte do período da República
Velha.
Embora a Liga tivesse proposto um ministério para a saúde, o poder
atomizado entre as oligarquias estaduais, preocupadas em perderem poder
frente ao Governo Federal, indispôs sua viabilidade. Lançava-se porém, o
marco para a queda da hegemonia dos coronéis, num movimento que aliava
sanitaristas e intelectuais voltados para um melhor nível de vida das
populações rurais do Brasil, aos políticos não ligados às correntes locais,
preocupados em angariarem poder em torno da Liga (HOCHMAN, 1998).
O fortalecimento do poder central, que se acentua no início de 1920,
pode ser explicado pela falta de estrutura dos Estados para lidarem com a
saúde das populações, em concomitância a uma maior conscientização por
parte das elites nacionais com relação às doenças e da interdependência
que estas causavam, além dos movimentos de sanitaristas e intelectuais,
rumo aos sertões. Entre 1919 e 1922, o presidente Epitácio Pessoa e o
pesquisador Carlos Chagas atuam em todo o país, afirmando que o futuro
da nação se correlacionava à tríade: “população rural” + “aperfeiçoamento
da raça” + “desenvolvimento das forças econômicas” (CASTRO SANTOS &
FARIA, 2003).
14
O DNSP agiu em conformidade com os estados, em obras de saneamento e profilaxia.
Sua direção ficou confiada a Carlos Chagas, nos seis primeiros anos de sua existência
(1920/1926). Sobre isso ver: LIMA, FONSECA & HOCHMAN (2005).
37
Na década de 1920, há um maior rigor internacional em torno da
salubridade dos produtos brasileiros exportados, dentre os quais o café
15
.
Além dos fatores tipicamente sanitários, esta medida impunha restrições à
entrada deste produto em países europeus e americanos, forçando os
comerciantes nacionais a baixarem seus valores, mesmo que em
contrapartida, a qualidade do produto tivesse aumentado. Os portos são
fiscalizados de forma sistemática e o comércio com o exterior passa a ser
realizado com maiores dificuldades, acarretando uma crise de exportação
(BAPTISTA, 2005). O Brasil era visto no exterior como um grande
exportador de café, dando de brinde aos compradores, uma bela “leva” de
doenças.
Como um dos desdobramentos da I Guerra, cresce no Brasil uma
onda comunista, que faz da década de 1920 um campo de enfrentamentos,
entre simpatizantes e políticos, por melhorias em diversos aspectos, dentre
eles, nas condições de saúde da população. Em 1923, o chefe de polícia
Eloy Chaves acena com aquilo que viria a ser a gênese do atual fundo de
pensão para os trabalhadores, ao criar as Caixas de Aposentadoria e
Pensão (CAP’s), voltadas para ramos de trabalho politicamente ativos, com
destaque para os ferroviários e os marítimos. De acordo com BAPTISTA
(2005: 17),
As CAP’s eram organizadas pelas empresas e administradas e
financiadas por empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro
social. Nem toda empresa oferecia ao trabalhador a possibilidade de
formação de uma CAP – esse era um benefício mais comum nas
empresas de maior porte.
Coube às CAP’s proporcionar aos segurados socorros médicos,
medicamentos, aposentadorias e pensões para os herdeiros. “O direito à
assistência à saúde estava restrito, nesse período à condição de segurado”
(BAPTISTA, 2005: 17). Embora o Estado não tivesse participado
financeiramente com as CAP’s (isto ficou sob o comando das próprias
empresas), a assistência médica passa a ser sua responsabilidade, através
15
Além do café, durante a I Guerra Mundial a exportação de produtos de origem animal
também teve que ser inspecionada, como nos mostra a passagem a seguir: “(...) valendo
como regulamentação específica de inspeção sanitária de produtos de origem animal (...)
sob pressão da demanda e exigências mundiais, foi expedido o Regulamento do novo órgão
denominado Serviço de Inspeção de Fabricas de Productos Animais”. Sobre isso ver:
PARDI, (1996: 19).
38
da concessão de benefícios e serviços nesta esfera (LIMA, FONSECA &
HOCHMAN, 2005).
De forma sintética, retomo a idéia defendida por Hochman (1998)
para argumentar que, o problema da saúde pública no Brasil, que se
estende por todo o período da Primeira República, só passou a ser melhor
compreendido após a necessidade que os vários estados brasileiros tinham
em evitar a proliferação de doenças em seus limites.
Noutras palavras, a centralização das tomadas de decisão em torno
da saúde pública nacional, ficou a cargo do Poder Federal justamente
quando a maioria dos estados demonstrou grande incapacidade para
extirpar vários males, como a hanseníase, ou mesmo inspecionar a
comercialização de produtos, que migravam de estado para estado, como
frutas e carnes. Coube aos sanitaristas nacionais apresentar alguns projetos
que poderiam auxiliar no tipo de política a ser implementada durante a
década de 1920, como nos mostra a passagem a seguir (HOCHMAN, 1998:
155):
A reivindicação apresentada como solução natural pelos sanitaristas e
dirigentes dos serviços sanitários federais era que o Congresso
unificasse a autoridade fiscalizadora do Governo federal para todo o
país.
Tinha-se em pauta não somente os problemas causados pelas
doenças que atingiam aos brasileiros, mas o quão interessados na
contenção destes males estavam determinadas regiões brasileiras. Se por
um lado tínhamos São Paulo, com uma infra-estrutura em saúde pública
reconhecidamente eficaz, o mesmo já não poderia ser afirmado com relação
a inúmeros estados localizados no Norte-Nordeste brasileiro, onde havia
falta de “responsabilidade pública para com a questão sanitária”
(HOCHMAN, 1998: 158).
Este emaranhado, que envolvia política entre estados, doenças que
migravam entre as regiões, falta de conhecimento a partir da gravidade das
enfermidades, era corroborado pela ação dos chefes locais, que por vezes,
tomavam decisões em torno de epidemias, deixando à margem, os
especialistas em saúde pública, e decidiam por si mesmos sobre “a
necessidade de agir e/ou pedir auxílio à União” (HOCHMAN, 1998: 158). A
39
centralização em torno da União diminuiu este tipo de tomada de decisão,
principalmente durante a Era Vargas, onde houve um maior incentivo à
contenção das enfermidades nacionais, isto com apoio direto do IOC, do
Instituto Butantã e também da Fundação Rockefeller.
1.3. O papel da Missão Rockefeller no Brasil
Os serviços prestados por missões filantrópicas às populações na
área da saúde, tiveram suas origens no século XIX, em regiões africanas,
ocupadas por forças militares e que necessitavam de apoio médico para as
doenças provenientes em algumas colônias. O neo-colonialismo foi o
responsável pelo deslocamento de missões em saúde para estes territórios
e os trabalhos estiveram a cargo de instituições filantrópicas, como a Cruz
Vermelha (ROEMER, 1993).
Na África, os serviços médicos restringiam seu campo de atuação às
localidades onde o número de brancos colonizadores era mais denso, e que
por vezes, eram acometidos pelos males tropicais. Esta visão limitante com
relação ao desprendimento do trabalho executado, foi superada ainda em
fins do século XIX, quando há a percepção da necessidade em manter um
nível mínimo de saúde para os povos locais, como forma de eliminar certas
doenças e mantê-los ativos na execução de suas tarefas (ROEMER, 1993).
Com relação ao continente americano “a Comissão Sanitária
Rockefeller para a Erradicação da Ancilostomíase foi fundada em 1909, com
o objetivo de limpar o sul dos Estados Unidos da enfermidade que os
acometia (...)”, “sua estratégia principal foi a interferência nas condições
sanitárias das classes trabalhadoras, com o intuito de aumentar a
produtividade dos setores agrícola (...)” (REZENDE & HELLER, 2002: 172).
Em 1913, a Fundação Rockefeller promove a criação (na América
Latina) do International Health Division. O IHD começa a desenvolver
trabalhos em toda a região, visando a priori, a contenção da ancilostomose,
passando a atuar no combate à malária e à febre amarela em seqüência. De
40
forma resumida, as atividades do IHD tinham em sua pauta, as seguintes
características (ROEMER, 1993: 1.420)
16
:
1. basic health research;
2. training of health personnel through supporting graduate education;
and
3. setting up of demonstrations of model health programmes.
Os reais intuitos da Rockefeller na área da saúde pública, despertam
o interesse de vários autores sobre esta questão, dividindo opiniões entre
aqueles que defendem uma visão filantrópica para esta instituição, baseados
no histórico da família e em outros tipos de assistência social existentes, aos
estudiosos que vêem na Rockefeller um espelho para a disseminação
internacional da cultura e prática científica norte-americana. Ações em saúde
pública geram um campo inestimável para a aplicação de várias teorias,
sejam estas de cunho econômico, político, cultural ou social. Nas palavras
de ARMUS (2005: 14)
17
, as doenças são capazes de legitimar ações que
venham a justificar a inclusão de políticas públicas em situações não
esperadas, como nos mostra a passagem a seguir:
Las enfermidades también puden ser uma oportunidad para desarrollar
y legitimar políticas públicas, canalizar ansiedades sociales de todo tipo,
facilitar y justificar el uso de ciertas tecnologias, descubrir aspectos de
las identidades individuales y colectivas, sancionar valores culturales y
estructurar la interacción entre enfermos y proveedores de atención a la
salud.
A proposta da Rockefeller nos países atrasados econômica e
politicamente se fez, tendo como princípio ideológico, um misto de filantropia
(caracterizado pela formação protestante dos Rockefeller) às ações de
cunho imperialista (embasadas pelos inúmeros negócios mantidos por todo
o continente americano, principalmente no ramo do petróleo). Inicialmente,
houve uma tentativa de se transferir um modelo, já utilizado na contenção da
ancilostomose no sul dos EUA, para outros países latino-americanos, com
16
Tradução: 1. pesquisa básica em saúde; 2. treinamento do pessoal de saúde com suporte
para instrução graduada; e 3. demonstrações dos programas-modelo em saúde.
17
Tradução: As enfermidades também podem ser uma oportunidade para desenvolver e
legitimar políticas públicas, canalizar ansiedades sociais de todo tipo, facilitar e justificar o
uso de certas tecnologias, descobrir aspectos das identidades individuais e coletivas,
sancionar valores culturais e estruturar a interação entre enfermos e provedores da atenção
à saúde.
41
instruções básicas de contenção de doenças, isto independentemente do
tipo de cultura e política local verificados (CUETO, 1995).
A forma como estes trabalhos foram implementados variava de
acordo com o país atendido. Nos casos onde a nacionalidade não detinha
aparelhos públicos capazes de impedir a proliferação de algumas doenças, o
tipo de trabalho efetuado pela Rockefeller era realizado de forma impositiva,
como na Colômbia, Panamá e Bolívia. Já em países como o Brasil - onde já
existira uma rede de pesquisadores formada (IOC e Butantã) - com sua
própria noção a respeito de doenças aqui verificadas (malária, febre amarela
e ancilostomose), houve uma “remodelação” do plano inicial da Fundação
Rockefeller, não de forma total, mas ao ponto de equilibrá-las às
necessidades nacionais (ARMUS, 2005; CASTRO SANTOS & FARIA,
2003).
Os primeiros contatos da Rockefeller com o Brasil foram dados no
ano de 1916, quando Wickliffe Rose (representante da Fundação), enviou
aos seus superiores nos EUA, a escolha do país para “a realização de
atividades científicas” (CASTRO SANTOS & FARIA, 2003). As maiores
remessas de capital, aplicados pela Rockefeller na América Latina, tiveram
como destino o Brasil, entre as décadas de 1910 a 1940. Isto se justifica
pela grande porção territorial, além da localização estratégica do Brasil –
visto como país de dimensões continentais - e pelas riquezas que poderiam
ser extraídas, com a melhoria nos rumos da saúde populacional.
Como vimos, o fim da década de 1910 - período em que a Rockefeller
vem em definitivo para o Brasil – pôs em evidência no plano interno, a busca
pela consolidação do país como uma nação, por meio da união sertão/litoral.
A priori, aos pesquisadores nacionais, a vinda desta Fundação representou
um obstáculo à conquista de nossa autonomia, uma vez que, tínhamos
nosso próprio modelo em saúde, aplicado sobremaneira em Manguinhos. As
críticas pautavam-se no “americanismo” proveniente desta invasão, e no
campo científico, as aversões dirigiam-se à forma como a Rockefeller atuava
na contenção da ancilostomose, utilizando brasileiros como cobaias
humanas (CASTRO SANTOS & FARIA, 2003).
No campo ideológico, as críticas de pesquisadores nacionais (como o
médico Oscar Rodrigues, citado à frente) pautaram-se num temor por uma
42
invasão dos costumes vividos nos EUA e que podiam ser repassados à
população brasileira. O argumento mais forte esteve associado à religião e
ao contraponto entre o protestantismo adotado pelos Rockefeller e o
catolicismo pregado no Brasil. Quanto à área científica, o médico paulista
Oscar Rodrigues Alves, no ano de 1924, “levantou a hipótese de que
médicos da Comissão Rockefeller estariam utilizando brasileiros como
cobaias para testar a eficiência do uso do quenopódio no tratamento da
ancilostomíase” (CASTRO SANTOS & FARIA 2003: 72).
Após esta fase inicial, a Rockefeller firmou parcerias com os principais
responsáveis pelas pesquisas em saúde pública nacionais: a Faculdade de
Medicina de São Paulo (contribuindo inclusive para a criação da disciplina de
Higiene) e os Institutos Oswaldo Cruz e Butantã, além de promover uma
maior centralização do poder da União, ao contratarem em nome desta, os
trabalhos com os estados, que não poderiam arcar com as despesas em
saúde pública (HOCHMAN, 1998). A Escola Johns Hopkins foi o destino de
inúmeros alunos nacionais, desde a década de 1910 até fins da década de
1930. É o que destaca Benedicto Silva (Estatístico do Ministério da
Agricultura, in Revista do Serviço Público):
Talvez influenciados pela convicção da própria eficiência, os órgãos
administrativos americanos levam até o exagero o hábito de oferecer ao
estrangeiro a maior facilidade para estudá-los e observa-los pondo-lhes
à disposição por tempo indeterminado, um ou mais guias solícitos (...).
O que se intenta mostrar é uma conveniência para o Brasil, de adestrar
elementos bem escolhidos de seu funcionalismo mediante o contato
direto com um mecanismo administrativo que suporta, controla e
impulsiona a maior civilização nacional da atualidade.
(Revista do Serviço Público – Ano 1/ março de 1938/ nº. 4, p. 10)
Exageros à parte com relação à excelência prestada pelos EUA, é
plausível que, desde a sua primeira década de atuação em território
nacional, existiu por parte dos membros da Rockefeller, uma preocupação
em mapear as enfermidades que acometiam as populações rurais, inclusive
com treinamentos específicos para a atuação e combate às doenças. “A falta
de informações da população sobre condições de higiene contribuía
sensivelmente para a disseminação de doenças infecto-contagiosas”
(CASTRO SANTOS & FARIA, 2003: 68). Em 1921, é promovido um
43
treinamento de campo, com desígnio de aperfeiçoar os trabalhos contra os
males rurais. De acordo com o Fundo Rockefeller
18
:
The course will consiste intirely of practical exercises of 4 weeks
duration. There will be no theoretical exercises and the work will be
limited to that most interesting and important part of rural hygiene, which
will be of greatest value to the field post director. Each daily exercise will
continue from 8 until 4 pm and each director will be required to make
complete and accurate drawings and careful records of all his work.
(Fundo Rockefeller - Doc. 020 – 15/06/1921 – COC):
No geral, a Missão Rockefeller estava a par - no início de 1920 – do
quadro geral das doenças existentes no Brasil. Era verificada a relação de
doenças com um possível quadro de modernização regional, inclusive com
atenções voltadas para a construção de estradas de ferro, que tinham no
capital norte-americano e inglês, seus fundos de investimento. Além disto, a
região poderia gerar riquezas futuras, que viriam a ser comercializadas,
como aconteceu nos Vales do Amazonas e Rio Doce, exportadores de
borracha, minério e mica, durante a II Guerra Mundial. Para elucidarmos os
focos de doenças existentes em diversas regiões do Brasil, vale a pena
transcrever o documento escrito por Wickliffe Rose
19
:
In the Amazon region, including the states of Amazonas, Pará,
Maranhão, and the northern sections of Matto Grosso and Goyas, where
the menace would be greatest, the population is extremely sparse
(except in Maranhão). In the populated states the infection is prevalent
throughout the extent of the constal [sic] plain, from Para to Rio Grande
18
Traduzindo: O curso consiste na disposição integral de exercícios práticos de uma
duração de 4 semanas. Não haverá nenhum exercício teórico e o trabalho será limitado
àquela parte mais interessante e mais importante da higiene rural, que será do maior valor
apresentado pelo diretor de campo. Cada um exercício diário continuará de 8 até 4h p.m e
cada diretor será a requerido fazer um registro de desenhos completos e exatos e
cuidadosos do todo o trabalho.
19
Traduzindo: Na região Amazônica, incluindo os estados do Amazonas, Pará, Maranhão, e
nas seções do norte de Matto Grosso e de Goyas, onde a ameaça seria maior, a população
é extremamente escassa (exceto em Maranhão). Nos estados a infecção prevalece nos
povoados durante toda a extensão da planície [sic]. No interior, que espera o
desenvolvimento futuro, a infecção é confinada nos vales estreitos do rio, onde seu controle
não deve ser difícil. A infecção parece ser do tipo [sic] benigno, exceto na região do
Amazonas; aqui o registro das mortes em relação à edificação da estrada de ferro de
Madeira era extremamente elevado. Entre outras doenças rurais estão as seguintes, na
ordem ou em sua importância estimada: Doença de Chagas'; tracoma; lepra; leishmaniose;
esquistossomose; uma quantidade incontável de filarias. A doença de Chagas' devido a um
tripanossomo é distribuída sobre uma área larga; é estimado que ela envolve
aproximadamente 60 por o cento da população rural do estado de Goyaz, e
aproximadamente 15 por cento de Minas; e é apto resultar na inabilidade séria ou na morte.
O tripanossomo encontrado em seu reservatório natural [sic] e são transmitidos [sic]. O
Tracoma, trazido aparentemente por imigrantes Italianos, é um problema sério na região do
café do estado de São Paulo e Minas.
44
do Sul. In the great interior palteau region, which awaits future
development, the infection is confined in the main to the narrow river
valleys, where its control should not be difficult. The infection seems to
be of the benign [sic] type, except in the Amazon region; here the record
of deaths in connection with the building of the Madeira Railroad was
extremely high. Among other rural diseases are the following, in the
order or their estimated importance: Chagas’ disease; trachoma;
leprosy; leishmaniosis; schistossomiasis; an inconsiderable amount of
filariasis and of yaws. Chagas’ disease due to a trypanosome is
distributed over a wide area; is estimated to involve about 60 per cento
of the rural population of the state of Goyaz, and about 15 per cent of
that of Minas; and is apt to result in serious disability or in death. The
trypanossome finds in the [sic] its natural reservoir and is transmitted by
the “kissing bug”[sic], which lives in the den of the armadille and in the
[sic] huts of the [sic]. Trechoma, apparently brought in by Italian
Immigrants, is a serious problem in the coffee region of State of São
Paulo and Southern Minas. If not taken in hand, it will spread to the rest
of the country.
(Fundo Rockefeller - Doc. 018 – 25/10/1920 – Fundo Rockefeller – COC)
A citação serve para demonstrar que no início do século XX, já havia
sido estudado por parte desta Fundação, todos os tipos de doenças que
causavam os maiores problemas econômicos para o Brasil, estes eram
mapeados e conforme a necessidade de exploração de um determinado
território, planos de auxílio populacional eram postos em prática. Embora a
Rockefeller conhecesse as reais condições endêmicas e epidêmicas do
Brasil, sua busca pela contenção das três mais “famosas” doenças (malária,
febre amarela e ancilostomose) esteve cerceada por percalços, que em
determinados momentos, levaram seus profissionais a desistirem dos
trabalhos.
No caso da ancilostomose - doença causadora de anemia e fadiga - o
combate ao lombrices ascaris foi feito com o uso de drogas e pela
construção de latrinas e obras educativas. Os alvos eram os dispensários,
situados nas zonas rurais e os estudos foram feitos pela Universidade de
São Paulo (USP), sendo elaboradas campanhas em torno da necessidade
de educação no combate a esta moléstia, no ano de 1917. Em 1924, foram
construídos 122 postos rurais, em 17 estados da federação (CUETO, 1995).
Segundo o mesmo autor, as dificuldades quanto à contenção da
ancilostomose eram entendidos como associados aos costumes ainda
arraigados das populações atendidas (curandeirismo, auto-medicação e
presença de charlatães) e pela falta de recursos econômicos dos habitantes
45
locais para investimento em higiene pessoal. O grande número de
acometidos também influenciou nas decisões da Rockefeller, que não
conseguiu demandar doses seguras de medicamentos para os enfermos. As
campanhas educativas não deram o retorno desejado e acabaram por
despender valores acima da cota estipulada pelo escritório central da
Rockefeller, na Broadway (CUETO, 1995).
Já a contenção da febre amarela concentrou-se, inicialmente, nos
portos dos países das Américas Central e Latina, como forma de extirpar a
doença por meio da circulação de doentes e acima disto, não tornar os EUA
um país acometido por este mal. Isto serviu para ajudar na consolidação de
várias economias de exportação e de matérias-primas, rumo ao mercado
norte-americano (CUETO, 1995).
Entre os anos de 1923 e 1929, a Rockefeller atuou no Norte do Brasil,
nas regiões portuárias e centros urbanos, deixando de forma errônea o
interior dos estados sem assistência, fator este que contribuiu para a
continuidade da doença. Agindo em acordo com os governos locais, a
Rockefeller manteve o controle técnico e administrativo das ações
empregadas. Em meados desta mesma década, a Fundação Rockefeller
tenta erradicar os mosquitos e ratos da Capital Federal, esbarrando em nova
onda de febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, já no ano de 1928
(CUETO, 1995).
Durante a Era Vargas, a Rockefeller tem a primazia do controle da
febre amarela no Brasil, mas fracassa após surto da doença (variedade
selvática), o que impossibilita o controle da enfermidade. Entre os anos de
1937 a 1939, cerca de 1.600.000 pessoas são vacinadas no país, sendo as
obrigações neste campo transferidas para o Ministério da Educação e Saúde
(MES), em 1940 (CUETO, 1995).
A Revista do Serviço Público (Ano 7 - abril de 1944 - nº.1), tenta
mostrar uma outra face do trabalho realizado pela Rockefeller no combate à
febre amarela, destacando inúmeros estados onde a presença do Stegomyia
era quase nulo, como Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa
Catarina e Distrito Federal. Termina a edição em forma de agradecimento
aos trabalhos prestados, como assinalado na passagem a seguir:
46
A benemérita Fundação Rockefeller, depois de organizar todo o quadro
de pessoal técnico do Serviço com elementos brasileiros e de
desenvolver as atividades desse Serviço a um grau máximo de
eficiência, considerou a sua tarefa nesse assunto terminada, e assim a
partir do primeiro dia de janeiro de 1940, o Governo do Brasil assumiu
toda a responsabilidade dos grandes trabalhos de profilaxia anti-
amarílica no país.
No caso da malária, a Rockefeller agiu de forma precisa, descobrindo
tanto o vetor, quanto o causador da doença. Até 1930, as drogas utilizadas
para o fim da doença eram a quinina e o uso do Verde Paris, nas encostas
de rios e córregos. De acordo com HOCHMAN et all (2002: 247), o expurgo
fazia-se da seguinte forma:
Em zonas rurais, a turma de expurgo utilizava duas bombas manuais
com duas pistolas de aspersão, enquanto nas zonas urbanas,
empregava-se uma unidade motorizada montada em uma carroça com
uma bomba compressora, que fornecia pressão para três ou quatro
pistolas simultaneamente.
Descobriu-se uma variedade do mosquito, o anopheles gambiae,
principal responsável pelas mortes por malária na América Latina, e utilizou-
se uma estratégia de guerra para conter a doença no norte-nordeste
brasileiro, caracterizada pela ação militar (cercamento da área infectada,
destruição de larvas e mosquitos, uso do Verde Paris, petróleo, desinfecção
de veículos para destruição do mosquito). Esteve à frente deste trabalho o
sanitarista Fred Soper, que posteriormente participou de forma indireta da
criação do SESP, junto aos governos brasileiro e norte-americano (CUETO,
1995).
1.4. O Governo Vargas: a criação do SESP e os Sertões do Leste
O governo do presidente Getúlio Vargas procurou, sobretudo após os
primeiros sete anos de sua consolidação, modernizar o país por meio de
incentivos a diversas áreas, com destaque para o papel dado à saúde
pública, tendo na figura de Gustavo Capanema (ministro da Educação e
Saúde), um dos expoentes deste empreendimento.
Dentre os feitos mais importantes - assinalados pelo próprio ministro –
consta, a criação de inúmeros serviços nos estados e municípios,
responsáveis por campanhas contra as enfermidades que grassavam todas
47
as regiões do país. Realizaram-se trabalhos contra a lepra, a febre amarela,
a peste e a malária, instalando-se diversos leprosários e dispensários nas
zonas rurais; combateram-se a tuberculose e o câncer, fatos nunca feitos
anteriormente: as famílias receberam assistência no que diz respeito à
saúde das crianças e da mulher, com a criação do Departamento Nacional
da Criança, em 1940 (CAPANEMA, 1983).
Com relação aos trabalhos educativos, o presidente Vargas organizou
“um curso de saúde pública, para a preparação de sanitaristas
especializados, para a administração sanitária do país” (CAPANEMA, 1983:
380) e tentou reordenar o traçado urbanístico de vários municípios, com a
implementação de redes de esgotos e tratamento de água, “deu-se maior
amplitude ao serviço de esgotos da capital da República, tendo-se já
construído cerca de 140 quilômetros de redes novas” (CAPANEMA, 1983:
381).
Os institutos de investigações científicas nacionais receberam
incentivos da União, novos centros foram construídos e o número de
pesquisas, realizados pelo Instituto Oswaldo Cruz teve um salto quantitativo
considerável entre os anos de 1930 a 1943, elevando de 934 para 2.874 o
número de seus trabalhos (CAPANEMA, 1983).
Temos que nos atentar para as diferenças existentes entre o SESP e
o International Health Division, da Fundação Rockefeller. No primeiro caso,
temos um Serviço esporádico, voltado para uma situação de emergência
que flui com a II Guerra Mundial e que demanda esforços na contenção de
doenças em áreas limitadas. Além disto, o SESP teve em sua estrutura uma
presença assídua de profissionais brasileiros, diferentemente da Rockefeller.
Esta, pautou-se na ajuda internacional com um viés político que mesclou
ações humanitárias e imperialistas, e que por muitas vezes, acabaram por
aglutinar-se.
Diante deste quadro nacional, caracterizado pela luta contra as
endemias rurais, provenientes das duas primeiras décadas do século XX,
contando inclusive com a presença da Missão Rockefeller no Brasil e aos
propósitos modernizantes empregados pelo presidente Vargas, foi criado em
17 de julho de 1942, o SESP, após o III Encontro de Ministros de Relações
Exteriores, realizado no Rio de Janeiro (CAMPOS, 1997; 2006). Através de
48
investigações preliminares, feitas pelo governo Vargas no vale amazônico, o
presidente já havia exposto sua intenção de explorar a região, conforme
mostra o documento elaborado por Fred Soper (representante da
Rockefeller no Brasil in Fundo Rockefeller)
20
:
The president of Brazil is very much interested in the control of malaria
in the Amazon Valley and has been personally responsible for
preliminary studies and some initial activity on the problem. The present
plan is to spend federal money under the direction of the Federal
Delegates of Health, under contract between the Ministry of Health and
the State governments, whereby the Ministry takes over the
administration of the state health services.
(Fundo Rockefeller - Doc. 209 - 07/03/1942 – COC)
Como premissa, este Serviço teve a incumbência de conter as
endemias presentes no Vale do Amazonas, e seu tempo de duração se daria
apenas até o término da II Guerra Mundial. O SESP foi criado sob tensões
provenientes da guerra, aliando interesses nacionais e norte-americanos
distintos, onde o primeiro se pautava pela idéia de modernizar o território
para integrá-lo, ao passo que o segundo buscava desta aliança política,
bens materiais para serem utilizados na guerra e a conseqüente defesa do
Hemisfério Sul, ao poder instalar bases militares no Norte-Nordeste do país
(CAMPOS, 1997; 2006; CORBO & MOROSINI, 2005).
O caráter econômico deste Serviço é nitidamente detalhado na
passagem a seguir, onde membros da Fundação Rockefeller discutem sobre
a importância de contenção da malária na Amazônia. De acordo com o
Fundo Rockefeller
21
:
20
Traduzindo: O presidente do Brasil está muito interessado no controle da malária no vale
do Amazonas e foi pessoalmente responsável por estudos preliminares e alguma atividade
inicial quanto ao problema. O plano atual é investir o dinheiro federal sob o sentido dos
delegados federais da saúde, sob o contrato entre o ministro da saúde e os governos dos
estados, sendo que o ministro faz prognósticos sobre da administração dos serviços de
saúde dos estados.
21
Tradução: Supõe-se que a presença do Sr. Henderson no Brasil está relacionada entre
outras coisas, a algum esquema para um aumento vasto de produção de borracha da bacia
Amazônica. Há o plantio colossal da borracha na bacia, mas fará necessária uma
quantidade enorme de trabalho para começar a extraí-la e se usará muitos dólares no
processo. O estabelecimento de um serviço de saúde que proteja esse trabalho de combate
à malária, à febre amarela, etc., é de importância preliminar. Eu devo pensar que o
escritório do coordenador pôde estar interessado em uma contribuição direta à defesa
nacional, através da sustentação de tal projeto. A grande contribuição do I.P.D's estaria na
administração e dando sentido à empreitada (...).
49
It’s assumed that Mr. Henderson’s actual presence in Brazil is related
among other things, to some scheme for a vast increase of rubber
productive from Amazon basin. There is planty of rubber in that colossal
basin, but it will take an enormous amount of labor to get it out and will
use up lots of dollars in the process. The establishment of a health
service that protects that labor against malaria, yellow fever, etc, is of
primary importance. I should think the Coordinator’s Office might be
interested in a direct contribution to national defense, through support of
such project. The I.P.D’s great contribution would be in loaning
administration and direction to enterprise (…).
(Fundo Rockefeller - Doc. 020 - 18/03/1942 – COC)
Com o fim da guerra, o acordo entre brasileiros e norte-americanos foi
ampliado, ganhando o SESP sobrevida até o ano de 1960. Neste meio-
tempo, a Fundação Rockefeller (responsável pela contenção de doenças e
preparo de profissionais) se retirou
22
e o Serviço ganhou ares de
“nacionalidade”, com a presença de um corpo considerável de agentes
sanitaristas brasileiros. Em sua estrutura, o SESP ficou subordinado aos
dois governos, com destaque para sua autonomia dentro do Ministério da
Educação e Saúde (MES), ao prover receitas e verbas próprias e ter
capacidade para empregar e dispensar profissionais (CAMPOS, 1997;
2006).
Por detrás das ações tomadas rumo à sua criação, o SESP ficou sob
responsabilidade de fato, do também recém criado Institute of Inter-American
Affairs (IIAA), uma espécie de ramificação do Office of the Coordinator of
Inter-American Affairs (CIAA), agência voltada para a expansão da política
de “boa vizinhança”, difundida por Nelson Rockefeller – proprietário da
Standard Oil – aos países da América Latina (CAMPOS, 1997; TOTA, 2000).
Nelson Rockefeller era um dos “homens de confiança” do presidente
Roosevelt, tendo inclusive participação direta na controversa reeleição do
presidente dos EUA, ao tornar possível (por artimanhas políticas), seu
terceiro mandato consecutivo à frente da Casa Branca. Ao ter total apoio de
Roosevelt frente à América Latina, Rockefeller sentia-se preocupado com
22
Os trabalhos da Rockefeller em saúde já haviam sido quase extintos antes mesmo do
início da II Guerra Mundial. Mas, diante da firmação do contrato de criação do SESP, esta
Fundação prestou serviços até 1950, quando declara de forma definitiva sua saída deste
ramo, passando a atuar durante as três décadas seguintes em trabalhos voltados para a
agricultura. Para saber mais sobre a relação entre a Fundação Rockefeller e a agricultura
em países pobres no pós-guerra, ler os exemplares da Revista da Associação de Crédito e
Assistência Rural (ACAR), arquivados na biblioteca central da UFV.
50
um colapso geral da economia dos já fragilizados países, o que
proporcionaria uma infiltração de ideais nazistas por esta região (TOTA,
2000).
Os alemães haviam conquistado vários mercados na Europa e
territórios, como a tomada da França e o fechamento dos contatos da
Inglaterra com o continente. “Aos olhos dos estrategos norte-americanos, a
fraqueza – não só econômica e social, mas também militar – dos países da
América Latina era uma ameaça direta aos EUA” (TOTA, 2000: 47).
O plano proposto por Rockefeller abrangia a “americanização” da
América Latina, sob “um salto qualitativo nas condições de vida dos povos
latino-americanos com medidas de emergência, como a compra da
produção agrícola e mineral da região” (TOTA, 2000: 48). As matérias-
primas extraídas contribuiriam “na construção de uma poderosa máquina de
guerra (...) o desemprego desapareceria dos países latino-americanos, e
com ele o campo para nazistas disseminarem suas idéias” (TOTA, 2000:
53).
Porém, no vale amazônico as condições de saúde de inúmeros
trabalhadores permaneceram inalteradas ou até pioraram. Em trecho de
uma entrevista concedida por Ernani Braga
23
a Luiz Fernando Ferreira, em
16 de junho de 1978, fica clara a falta de assistência dada pela parceria
Brasil/EUA aos trabalhadores. De acordo com BRAGA (in LIMA, FONSECA
& SANTOS, 2004: 134-135),
Durante a Segunda Guerra, o governo norte-americano fechou acordos
com diversos países, que tinham por propósito a produção de matérias-
primas estratégicas, como a borracha, e a extração de minerais, como a
mica. Os acordos eram um excelente negócio para os Estados Unidos,
porque impediam que os preços fossem alterados. No caso da
borracha, por exemplo, fixavam seus preços e, em contrapartida,
ofereciam uma certa assistência aos países, sob o pretexto de proteger
os trabalhadores envolvidos na produção. Na realidade isso nunca
funcionou muito bem. O Serviço Especial de Mobilização de
Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) – era chamado de Senta-te e
Espera, Miserável Trabalhador para a Amazônia (risos).
E ainda (p. 135),
23
Ernani Braga foi sanitarista e trabalhou no Vale do Rio Doce como diretor do SESP
durante toda a década de 1940.
51
Os homens eram jogados no meio da floresta, sem dominar a técnica
da extração da borracha, e não houve praticamente nenhum aumento
da produção. O Brasil como um todo não se beneficiou com o acordo.
No que concerne à saúde, se o preço da borracha tivesse flutuado
livremente conforme as leis de mercado, certamente o país teria mais
recursos para investir nessa área, até mesmo na Amazônia. Mas isso é
história política, é assim que as coisas ocorrem (risos).
O Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a
Amazônia (SEMTA) foi uma espécie de ramificação do SESP voltado para a
região amazônica, também criado no ano de 1942, do acordo entre Vargas e
Roosevelt. Porém, em termos de comparação, a realidade vivenciada por
um enorme contingente de migrantes que rumava para a Amazônia, diferira-
se em muitos aspectos do tipo de apoio dado por Vargas para os pobres que
trabalhavam na reconstrução da linha férrea do Vale do Rio Doce.
O contingente de trabalhadores que rumou para a Amazônia, a partir
de 1941 era constituído, em sua grande maioria por flagelados, retirantes
nordestinos de uma grande seca que assolou os estados do Ceará e da
Paraíba (principalmente), neste período. Era de se esperar que a ida destes
povos desassistidos para uma região repleta de doenças acabaria por
agravar a situação da saúde pública no Brasil. Aos moradores nativos da
Amazônia, a presença destes aventureiros era vista com reprovação
assídua, tendo inclusive contado com o apoio de padres católicos, contra a
extração da borracha amazônica (CAMPOS, 2006).
Os primeiros povos que chegavam a Manaus e Belém acabaram por
firmar algum tipo de trabalho nestas mesmas localidades ou em cidades
vizinhas, não tendo relação direta com o projeto de station and nation
building, de Vargas. O Departamento Nacional de Imigração (DNI), esforçou-
se neste instante, em tentar sanar um pouco da dura realidade vivida por
estes retirantes, deixando em segundo plano, os acordos entre brasileiros e
estadunidenses. Após a reunião que contou com os membros do SESP,
IIAA, RDC e do governo cearense, em 1942, acentuou-se a necessidade
pela exploração da borracha, com recursos vindos do RDC, no que ficou
conhecido como o Programa Migração do SESP. “O Programa Migração
operava uma vasta rede de postos de saúde, enfermarias, hospitais, postos
52
de recrutamento e hospedarias nos estados do Ceará, Maranhão, Rio
Grande do Norte, Pará, Piauí e Amazonas” (CAMPOS, 2006: 141).
Coube ao Serviço selecionar os imigrantes previamente recrutados
pelo DNI. Com recursos do RDC criaram-se ainda mais dois serviços de
incentivo à ida para a Amazônia: o SEMTA, que se caracterizou por uma
propaganda enganosa de mobilização: “Rumo a Amazônia, terra da fartura”
(CAMPOS, 2006: 142), por meio de cartazes, folhetos e anúncios em rádios,
e a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA), que se
responsabilizava pela transposição de trabalhadores, recrutados em Belém e
que deveriam demandar sua mão-de-obra em seringais de boa reputação e
qualidade mínima de sobrevivência, fato este que não se contatou na prática
(CAMPOS, 2006).
O governo norte-americano incentivou financeiramente a ida de
brasileiros para os confins da Amazônia, em alistamentos feitos em
Fortaleza. A fuga de nordestinos das intensas secas que assolavam o
Nordeste do país, poderia auxiliar no sucesso da extração da borracha de
guerra, se fossem respeitados na íntegra, todos os acordos firmados pelo
Estado Novo. Muitos desbravadores brasileiros padeceram com a presença
constante de mosquitos, doenças tropicais, e até mesmo com mortes
provocadas pelos ataques de animais peçonhentos e selvagens. Após o
recrutamento, estes ficavam instalados em acomodações precárias, feitas de
madeira coberta por palhas de coqueiros, passando estes a dormirem em
sacos de estopas ou em redes (CAMPOS, 2006).
Para dificultar ainda mais a situação dos pobres trabalhadores do
SEMTA, Getúlio Vargas não demonstrou interesse em retirá-los de seus
afazeres “militares” no pós-guerra e reconduzi-los para suas cidades de
origem. O plano acordado para a criação do SEMTA versava sobre a
readequação destes indivíduos e a concessão de bônus, como
aposentadorias semelhantes às apresentadas aos soldados de guerra.
Todavia, o que se verificou foi um caminho sem volta, semelhante ao
trabalho forçado executado pelos mesmos migrantes que rumavam para a
Amazônia no início do século XX, em acordos mal elaborados, realizados
juntamente aos coronéis, proprietários de seringais (CAMPOS, 2006).
53
A ida do SESP para o Vale do Rio Doce ocorreu no ano de 1943,
quando estes acordos se ampliaram, tornando possível, a extração da mica
e a retomada dos trabalhos de construção da EFVM, responsável pela
exportação de minério de ferro para os EUA e Inglaterra, que haviam sido
interrompidas devido à presença de surtos endêmicos de malária, no trecho
que liga Governador Valadares-MG a Colatina-ES (CAMPOS, 1997; 2006).
Nas palavras de ESPÍNDOLA (1998: 155),
Era comum ver nas ruas de Governador Valadares o triste espetáculo
de doentes definharem pelo chão. Além da malária havia grande
incidência de leishmaniose e esquistossomose.
Os processos de crescimento demográfico e expansão territorial do
Vale do Rio Doce têm início na primeira década do século XX (ver quadro
1.1), alcançando assustadores índices nas décadas de 1930 e 1940, e
novamente torna-se negativo ou pouco significativo, após 1960 (BORGES,
1988). A Lei de Terras
24
, datada de 1850, foi um dos fatores que
corroboraram para a ida de indivíduos para Minas, nas porções de terra
ainda sem dono, ou nos locais onde pequenos fazendeiros ou proprietários
de sítios passaram a perder suas posses para grandes empreendedores,
isto por via legal ou à base do ‘chumbo’, numa época em que a força da lei
ainda não chegava à zona rural brasileira.
No plano regional, a chegada dos trilhos à Figueira do Rio Doce
25
, em
1903, assinala o princípio do povoamento significativo para toda região. Se o
século XIX foi marcado por pequenos lugarejos, sustentados por um
comércio de sal e mantimentos com outras regiões das Minas, a chegada
dos trens possibilitou um alargamento nas relações comerciais, que
passaram de inter-regionais para internacionais, com a exportação do maior
gênero nacional da República Velha: o café (ESPÍNDOLA, 2000).
Vieram a Figueira migrantes de zonas fronteiriças, como os Vales do
Jequitinhonha e Mucuri, fugitivos da seca, litorâneos da capital federal e do
24
A Lei de Terras (Lei n. 601 – 18/09/1850) impedia a continuidade de formação de novas
terras. “A partir de então, todos os interessados em novas terras deveriam adquiri-las de
forma legal, ou seja, pela via da compra” (MOREIRA, 2002: 158).
25
Em 31 de dezembro de 1937 foi criado o município de Figueira, desmembrado de
Peçanha, por ordem do governador do estado de Minas Gerais, Benedito Valadares. O
decreto-lei nº. 148, de dezembro de 1938 mudou o nome para Governador Valadares.
Sobre a história toponímica valadarense e demais dados estatísticos ver: BARBOSA (1971);
IBGE (1959).
54
Espírito Santo, além de militares e aventureiros de toda espécie. A
importância do café se fez presente no Congresso Agrícola realizado em
1903, agindo na transformação de todo o leste mineiro. Segundo BORGES
(1988: 208):
Provavelmente influenciado pelo Congresso Agrícola de 1903, o então
presidente do estado de Minas, João Pinheiro da Silva, transformou o
Campo de Cultura Agrícola Mecânica em Aprendizado Agrícola.
Itambacuri passou assim a ser considerado o celeiro de Teófilo Otoni.
O café foi por várias décadas o principal produto de exportação e
comércio das Minas, isto em concomitância com os grandes rebanhos de
gado leiteiro, que passam a tomar posse da paisagem do leste mineiro, após
a década de 1910. Coube à Estrada de Ferro Leopoldina, o escoamento da
produção cafeeira para o litoral, sendo substituída pela atual Estrada de
Ferro Vitória-Minas já na década de 1940. Para ESPÍNDOLA (2000: 71),
Na zona de Governador Valadares, a cultura do café concentrou-se nos
municípios de Caratinga, Conselheiro Pena, Resplendor e Itueta, os três
últimos nas margens da EFVM e o primeiro servido pela Estrada de
Ferro Leopoldina. Essa produção regular de café era realizada em
terras elevadas e afastadas das margens do Rio Doce, seguindo o
mesmo modelo itinerante.
Embora Figueira do Rio Doce não fosse produtora assídua de café,
seu crescimento está condicionado ao lugar estratégico onde esta se
localizava, às margens da estrada de ferro. Em 1910, há o primeiro
crescimento considerável desta localidade, quando a malha ferroviária é
alçada sobre o Rio Doce (a serviço da Itabira Iron Company, de propriedade
do empreendedor Percival Farquhar), o que possibilitou a ligação de Figueira
com outras zonas rurais, como é o caso de Derribadinha (ESPÍNDOLA,
2000).
O aumento populacional alia-se ao surgimento de vários ramos
comerciais, como o já citado café, a criação de empresas siderúrgicas,
madeireiras e de extração de minerais preciosos, como a mica e a turmalina.
Além destes, verifica-se em Figueira a presença da cultura de alguns bens
primários, como a cana-de-açúcar, o algodão, o fumo, a farinha e a batata.
Há um desmatamento maciço na região - onde no século XIX era quase
impossível o adentramento - nas primeiras décadas de 1900, as árvores dão
lugar às grandes pastagens de Zebus e à queima para o fabrico do carvão,
55
isto sem a preocupação em manter uma qualidade mínima do solo explorado
(ESPÍNDOLA, 2000; BORGES, 1988).
É neste período – décadas de 1910 e 1920 – que ocorrem os
primeiros contatos significativos desta região com o capital externo, seja sob
os interesses de Percival Farquhar, ou pela presença das siderúrgicas – que
se instalam em regiões circunvizinhas -, e que passam a necessitar de
combustível para o funcionamento de seus fornos. Segundo LEOPOLDI
(2005: 256),
O americano Percival Farquhar, que já realizara muitos
empreendimentos de porte na América Latina, e tinha uma mina de
ferro em Itabira, MG, passou décadas buscando financiamento para pôr
em prática um complexo siderúrgico que envolvia planta, ferrovia e
porto em Vitória (ES) para a exportação de minério de ferro a partir de
Itabira. Nos anos 20 começam a surgir empresas siderúrgicas de
pequeno porte, como o grupo Dedini em São Paulo (fundição do aço
para maquinário agrícola, em 1920), Aços Paulista (1919) e Companhia
Siderúrgica Belgo-Mineira (Sabará, MG, 1921). Em 1935 a Belgo-
Mineira expande-se para Monlevade (MG), onde constrói uma usina de
grande porte, que em 1940 já era a primeira siderúrgica da América
Latina.
Floresce desta forma a vida urbana em Figueira, que passa de um
simples pedaço de terra perdido num deserto verde, para um entreposto,
onde fluíam a siderúrgica Belgo-Mineira, rebanhos bovinos, comerciantes do
café, especuladores de terras, madeireiros, etc. Assim como em muitas
cidades brasileiras, na Figueira dos anos 20, todos os tratados comerciais
eram feitos na chamada Rua Direita, que se localizava entre os trilhos da
estrada de ferro (à sua esquerda) e o Rio Doce, à sua direita. “A Estação
Ferroviária ficava no ponto onde estava projetado o início daquela que seria
futuramente, a principal avenida da cidade” (ESPÍNDOLA, 1998: 151).
Na década de 1930, a construção da Rodovia Rio-Bahia fez com que
Figueira entrecortasse os dois sentidos transitoriais: por um lado, os trilhos
que ligavam as minas de Itabira ao litoral do Espírito Santo, e por outro, o
trajeto que vinha do Rio de Janeiro, passava por Figueira e ‘subia’ o
território, rumo ao Nordeste do país. A conclusão do projeto desta rodovia só
se encerraria na década de 1950, mas seu significado para a expansão
demográfica não só de Figueira, como de todas as cidades vizinhas foi
fundamental. Nesta época, Figueira do Rio Doce recebe o codinome
56
carinhoso de “Princesa do Vale”, por sua importância para a existência do
Vale do Rio Doce. Segundo BORGES (1988: 209),
A ferrovia Vitória-Minas, que por essa época já se achava concluída, e a
Rodovia Rio - Bahia, embora sem asfaltamento, facilitaram e
incentivaram o movimento migratório para os vales. As matas abertas
pela economia camponesa foram rapidamente se revestindo de
atrativos para a especulação comercial bem como para a constituição
de grandes latifúndios.
Quadro 1.1. Formação demográfica de Governador Valadares.
MARCO CRONOLÓGICO DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO
Período Evento
Segunda metade
do século XVIII.
Decadência do ouro e diamantes nas regiões de Vila
Rica e do Serro. Busca por novas alternativas para a
economia do Império. Crença na descoberta de metais
preciosos e agricultura pelos sertões do leste.
1808
Cartas Régias de 13 de maio e 02 de dezembro,
legitimando a caça ao índio botocudo. Criação das
Divisões Militares do Rio Doce (DMRD).
1820
Vinda de Marlière aos sertões do leste e substituição da
tática armada pela persuasiva para com as populações
nativas
1830
Pressão da Coroa pela chegada dos freis capuchinhos
aos sertões do leste
1854
Primeiros contatos dos capuchinhos com a região leste
de Minas Gerais.
1873
Fundação do Aldeamento de Itambacuri.
1903
Congresso Agrícola
1903
Criação da Estrada de Ferro Vitória-Diamantina.
1905 a 1909
Últimos relatos de ataques de botocudos às vilas do
Médio Rio Doce. Quase extinção da etnia e conversão
em flagelados e alcoólatras.
1910
Fim das obras para a construção da ponte que liga o
distrito de Derribadinha à Figueira do Rio Doce.
1910 a 1920
Diversificação das atividades econômicas em Figueira do
Rio Doce.
1930 a 1940
Chegada da Rodovia Rio - Bahia, emancipação política
de Figueira, que passa a se chamar Governador
Valadares, com o título de “Princesa do Vale” e rápido
crescimento populacional.
1940 a 1950
Extração de matérias-primas para a II Guerra Mundial.
Descuido com o solo, altos índices de mortes por
endemias e criação de serviço de saúde conjunto entre
EUA e Brasil.
Fonte: (Arquivo Pessoal)
57
O ‘boom’ demográfico
26
que caracterizou o já emancipado município
de Governador Valadares em fins da década de 1930, veio acompanhado
por vários índices negativos quanto à qualidade de vida da população.
Primeiro, por ser uma cidade ainda pouco estruturada, sem luz elétrica, ruas
pavimentadas, água potável, redes de esgoto e somando-se a isto, tem-se a
destruição em massa do solo e a presença de várias endemias rurais,
especialmente a malária. ESPÍNDOLA (1998: 154) cita os principais motivos
para o dinamismo demográfico apresentado em Governador Valadares, na
primeira metade do século XX. Segundo o autor,
O espetacular crescimento de Governador Valadares deveu-se à
fertilidade das terras desmatadas para formação de pastagens de
invernada e para agricultura, à maior facilidade da aquisição de
propriedades e estabelecimento de posse e à presença de riquezas
naturais de rápida exploração: a madeira de lei, a madeira para a
fabricação de compensado, para dormentes, para lenha e para carvão
vegetal, a mica e as pedras preciosas e semi-preciosas.
A presença da malária e de outras enfermidades não reduziu o
número de migrantes para a cidade de Governador Valadares. O Serviço de
Saúde implementado teve que agir para além da contenção desta endemia,
despendendo esforços contra a febre amarela, leishmaniose e em trabalhos
de prevenção e educação para grávidas, crianças e trabalhadores que
habitavam às margens do Rio Doce e dos córregos. Em passagem sobre a
situação dos migrantes junto à Governador Valadares, BORGES (1988:
210), mostra que a necessidade em adentrar o território era maior do que o
medo pelo risco de contágios. Para a autora:
Apesar da febre amarela que grassava na região, as matas, abundantes
em madeira de lei e propícias para a plantação, funcionavam como um
convite tanto à realização da utopia camponesa, quanto ao afã de lucro
dos grileiros e comerciantes. Por razões diferentes, a ideologia da
fronteira como bem ilimitado funcionava aí como um chamativo tanto
para o campesinato quanto para aqueles que viam nas terras do vale
uma possibilidade de enriquecimento rápido e fácil.
Até 1900, Governador Valadares vivenciou um processo de
crescimento demográfico que tardou a acontecer, pelas desvantagens
econômicas e pelos riscos de sobrevivência que o território apresentava. A
26
Na década de 1940, Governador Valadares saltou de 5.734 para 20.357 habitantes. Sobre
isso ver: ESPÍNDOLA (1998).
58
virada espetacular apresentada, seja pela presença da estrada de ferro, pela
riqueza do solo e posterior chegada da rodovia, fizeram com que a “Princesa
do Vale” assumisse uma posição de cidade-pólo, fato este que ainda a
coloca nos dias atuais como uma das principais cidades do leste mineiro.
Em resumo, este capítulo serviu como base para a parte central do
trabalho, que será dedicada aos trabalhos do SESP em Governador
Valadares. O capítulo também destacou os acordos entre os governos
brasileiro e norte-americano, que culminou com a criação do SESP. Nos
anos 1940, o Serviço agiu em Governador Valadares, tentando extirpar as
endemias presentes até aquele momento. Foram elaborados diversos
planos que não visavam somente a eliminação da malária ou demais
endemias, havia uma preocupação em consolidar um projeto de saúde, onde
a população tomasse partido daquilo a que os profissionais estavam
imbuídos, e passasse a agir conforme o plano disposto pelo programa de
saúde. É nesse momento que se têm as maiores dificuldades de aceitação
populacional, pela maneira imposta como a prestação de serviços foram
feitas, e também por condições econômicas e até culturais dos moradores
locais.
59
Figura 1.1 – Antônio Martins presta atendimento médico a N. Pereira Pinto.
Palma (GO), outubro/novembro de 1911.
Fonte: (THIELEN et all, 2002. p. 49)
Figura 1.2 – Engenho de farinha. Jatobá (BA), junho de 1912.
Fonte: (THIELEN et all, 2002. p. 92)
60
Figuras 1.3 e 1.4 – Bócio. São Francisco (MG), setembro de 1911 – Doentes. O homem da
direita sofre de entalação, o outro de ataques silenciosos e as meninas de conjuntivite
granulosa. Caracol (PI), maio de 1912.
Fonte: (THIELEN et all, 2002. pp. 42 e 105)
Figura 1.5 – Leishmaniose. Manaus (AM), 1912.
Fonte: (THIELEN et all, 2002. p. 133)
61
Figura 1.6 – SESSÃO de instalação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, na Sociedade
Nacional de Agricultura. Rio de Janeiro. 11 de fev. 1918.
Fonte: (Acervo da Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz BV:
prossiga.br/Ocruz/Trajetoria/mito/saneamento.html)
Figura 1.7 - Vista da ponte sobre o rio Doce, próximo da cidade Governador Valadares,
antiga Figueira do Rio Doce, em Minas.
Fonte: (Revista do Serviço Público. Ano IX – Maio de 1946. Volume II
nº. 2
maio de 1946.
p
. 115
62
Figura 1.8 – Vila operária na margem do Rio Doce, da Companhia Melhoramentos
encarregada das obras da estrada de ferro (1942-45).
Fonte:
htt
p
://www.tratosculturais.com.br/rio
_
doce/tecer/efvm/area.htm
63
Capítulo 2
Conhecendo o SESP: a estrutura interna do serviço e os
tipos de trabalhos realizados em saúde pública
Esse capítulo tem por objetivo apresentar os quadros internos do SESP,
com enfoque especial para a presença brasileira na coordenação do
Serviço. Cabe a este capítulo discorrer sobre o Programa do Rio Doce e os
métodos utilizados na contenção da malária.
2.1. As alianças entre Yankees e Tupiniquins em tempos de guerra
Como já demonstrado no capítulo 1, o acordo firmado entre Roosevelt
e Vargas no ano de 1942, tem suas origens ainda em meados da década de
1930, envolvendo líderes políticos de ambos os países e a presença de
figuras influentes, como Nelson Rockefeller. A ameaça representada por
parte da Alemanha nazista no entre-guerras, advém não necessariamente
de um enfrentamento armado contra os EUA, porém pautava-se nos riscos
provenientes da tomada de mercados exportadores situados na América
Latina, que se tornaram intensos durante toda a década, firmados pelos
acordos compensatórios entre alemães e sul-americanos (TOTA, 2000;
CAMPOS, 2006).
Em 1936, tem inicio uma série de conferências por todo o continente
americano, patrocinadas pelos EUA, com o objetivo de reverter esta
infiltração alemã pelo Caribe e América do Sul. A Iª. Conferência de
Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas realizada em
Buenos Aires, objetivou a difusão do livre comércio apregoado pelos norte-
americanos, em contraposição ao marco alemão, e revelou o receio advindo
dos yankees pela readequação militar da Alemanha (CAMPOS, 2006).
Como neste período os EUA estavam impossibilitados de impedir a
compra alemã por artefatos do hemisfério sul - mesmo porque não havia
espaço para o comércio do algodão na América do Norte - associado à
Grande Depressão dos anos 1930, a intensificação da aliança germânica
64
com os latino-americanos estava (em parte) assegurada. Entre os anos de
1934 a 1939, a Alemanha passou a ser o maior parceiro comercial do Brasil,
e os demais países da Europa mantinham a hegemonia do comércio com a
América Latina. Cerca de 55% do comércio sul-americano era praticado com
a Europa e apenas 32% com os EUA (CAMPOS, 2006).
Em 1939, Roosevelt tentou (assim como fizeram os alemães), manter
um comércio baseado na singularidade de relações, nos contratos entre
venda e compra de produtos, intitulada como a “área do dólar”. Com receio
pela instabilidade da economia dos países americanos, os EUA criaram o
Comitê de Assessoria Econômica Interamericana, durante a Conferência de
Ministros das Relações Exteriores. Neste mesmo ano, os norte-americanos
promovem o mapeamento dos recursos agrícolas e minerais do continente,
embasados pelos trabalhos da Fundação Rockefeller, que observou
atentamente, durante as décadas de 1910 a 1930, todas as riquezas que
poderiam ser extraídas de países como o Brasil (CAMPOS, 2006).
Nesse mesmo ano (1939), Getúlio Vargas tenta adotar uma política
externa ousada, com a expectativa de manter relações comerciais com
ambos os blocos antagônicos. Dessa “autonomia dependente”, Vargas
buscou a ampliação da capacidade produtiva e desenvolvimento econômico
do país. A propaganda nacional pautava-se na inserção das zonas
interioranas ao restante do território e no estímulo às relações matrimoniais,
como alternativa para uma maior ampliação demográfica nacional,
consolidada em núcleos familiares (CAMPOS, 2006).
Com o início da II Guerra Mundial, os EUA fazem pressão por uma
definição do Brasil frente aos dois blocos, e Vargas é forçado a romper
relações diplomáticas com a Alemanha. Estava de posse do governo norte-
americano o número de imigrantes provenientes da Alemanha, Itália e Japão
que viviam no Sudeste e Sul do país e que chegavam a 4,45 milhões de
indivíduos. Em 1940, na Conferência de Havana, Nelson Rockefeller
tenciona a compra de matéria-prima (dentre elas, destacamos a borracha
amazônica) dos países latino-americanos por parte dos EUA, como forma
preventiva de abastecimento de seu mercado (CAMPOS, 2006).
O Magnata foi ainda mais longe, ao estimular a livre democracia pelas
Américas, o pan-americanismo, a boa vizinhança entre os países latinos e
65
os ideais iluministas (TOTA, 2000; CAMPOS, 2006). Após o isolamento da
Inglaterra e a tomada de pontos estratégicos por toda a costa africana pelos
nazistas, Rockefeller propõe o saneamento do Norte brasileiro, a fim de
poder extrair com maior facilidade a borracha do território e também, instalar
bases militares na costa da região Nordeste brasileira (CAMPOS, 2006). Os
medicamentos para os militares ingleses e norte-americanos, que se
alocariam no Brasil, seriam fabricados pela própria Fundação Rockefeller,
conforme mostrado a seguir
27
:
Realizing that the Rockefeller Foundation possessed an organization of
trained personnel with laboratories and long experience which would be
of greater value of the armed forces if kept intact, and on a civilian basis
than if dispersed through the Army and Navy, it has been our policy to
be as helpful as possible in fields of our special competence. Yellow
fever vacine has been given to the Army and Navy and the British at a
time when they could not get it elsewhere; members of the staff have
served as expert on Commissions of the Board for the Investigation and
Control of epidemic diseases in the Army without interrupting for long
their regular scientific work. In the following letters from the Surgeons
General of the Army and Navy, it is recognized that the Foundation is
serving better through its own organization than it could by allowing its
staff to disintegrate and distribute itself in the armed forces.
(Fundo Rockefeller - Doc. 207 - 29/12/1941 – COC)
Nos anos de 1940 e 1941, o Ministro da Guerra
28
do Brasil expõe ao
governo norte-americano um plano de trocas, que envolviam bases militares
no Nordeste brasileiro pelo reaparelhamento do exército nacional. O país
cederia para os EUA também a matéria-prima necessária para a fabricação
de artefatos advindos da borracha, como pneus e acessórios de guerra. No
27
Traduzindo: Realidade que a Fundação de Rockefeller possuiu uma organização de
pessoal treinado com laboratórios e longa experiência que seriam de um valor maior das
forças armadas se mantidos intactos, e em uma base civil do que se dispersado através do
exército e da marinha, foi nossa política a ser tão útil como possível nos campos de nossa
especial competência. A vacina da febre amarela foi dada ao exército e à marinha e aos
Ingleses em uma hora em que não poderiam o começar em outra parte; os membros da
equipe de funcionários serviram como peritos em comissões para a investigação e o
controle de doenças epidêmicas no exército sem interromper seu longo trabalho científico
regular. Nas seguintes palavras do general dos cirurgiões do exército e da marinha,
reconhece-se que a fundação está servindo melhor com sua própria organização do que ele
poderia permitindo que sua equipe de funcionários desintegrasse e se distribua nas forças
armadas.
28
Faziam parte do Ministério da Guerra, no período que se estende de 1937 a 1945, os
seguintes personagens: Eurico Gaspar Dutra (General de Divisão – 10/11/1937 a
03/08/1945), Canrobert Pereira da Costa (General de Brigada – Interino) e Pedro Aurélio de
Góis Monteiro (General de Divisão – 03/08/1945 a 29/10/1945). Góes Monteiro foi ministro
por duas vezes e Dutra ficou à frente do Ministério da Guerra “pelo tempo recorde de oito
anos” (CARVALHO, 2005: 84). Todas as figuras deste capítulo estão apresentadas na
parte final.
66
3º. Encontro dos Ministros das Relações Exteriores, realizado em 1942 no
Rio de Janeiro, ficou acertado que os paises da América Latina e Caribe
passariam a mobilizar sua produção agrícola e de bens minerais para serem
utilizados durante a guerra, e por parte do Brasil, esta medida serviria para
ampliar os acordos bilaterais entre o país e demais Estados do Hemisfério,
com o intuito de promover quadros satisfatórios no campo da saúde pública
e melhoria sanitária (CAMPOS, 2006).
A criação do SESP foi concretizada após os ataques japoneses à
base americana de Pearl Harbour, ocorridos em fins de 1941, fato este que
impossibilitou os norte-americanos comercializar a borracha com países
asiáticos, forçando os estadunidenses a mudar seus interesses para o
Brasil. Os Acordos de Washington, foram assinados pelo embaixador
americano (Jefferson Caffery), o representante do IIAA (George Saunders),
o ministro da Educação e Saúde (Gustavo Capanema) e o ministro das
Relações Exteriores (Oswaldo Aranha). O IIAA especializou-se em
alimentação, treinamento de pessoal, saúde e saneamento, ficando o SESP
subordinado diretamente a ele (CAMPOS, 2006).
Ainda de acordo com este contrato, o governo brasileiro se predispôs
a comprar a EFVM
29
, aumentando a produção de minério e o escoamento
de matérias-primas rumo ao litoral capixaba. Sob a concepção nacional, a
infra-estrutura que viria a ser possibilitada ao Vale do Rio Doce, serviria para
integrar esta região à economia do restante do Estado (CAMPOS, 2006).
Esta medida pode ser análoga àquela feita no inicio do século XX em
outras regiões do país, onde a presença das estradas de ferro, possibilitou
uma maior integração dos sertões ao litoral. Os sertões do leste
30
- termo
utilizado para caracterizar a região onde se encontra a cidade de
Governador Valadares, ainda no século XIX - pode ser estendido para o
29
O contrato para a concessão da malha da estrada de ferro que teria como intuito inicial,
ligar as minas de Itabira ao litoral capixaba, ficou sob tutela da Itabira Iron Company, de
propriedade inglesa, tendo em Percival Farquhar, seu empresário principal. Como o contrato
firmado junto ao governo brasileiro não se desenvolveu na prática, na década de 1930, este
teve sua caducidade apresentada. Já durante a II Guerra Mundial, “realizados os Acordos
de Washington, celebrados em 3 de março de 1942, o Governo Brasileiro expediu o
decreto-lei nº. 4.352, de 1º. de junho do mesmo ano, encampando a Companhia Brasileira
de Mineração e Siderurgia, criando a Companhia Vale do Rio Doce e determinando que a
Estrada de Ferro Vitória a Minas a ela fosse incorporada.” Sobre isso ver: Revista do
Serviço Público. Ano XIII – Setembro de 1950. Volume III – nº. 3 – p. 24.
30
O termo sertões do leste foi utilizado a priori por MERCADANTE, em 1973.
67
período de chegada do SESP ao Vale do Rio Doce, pois o que se pretendia
com sua atuação e o quadro político-econômico e social encontrado
assemelham-se em muito às localidades interioranas dos anos 1910.
O SESP não apresentou, em sua estrutura, um Serviço imposto pelos
EUA junto ao Brasil. Pelo que já foi mostrado anteriormente, tanto Vargas
quanto Roosevelt tinham seus intentos próprios com este programa e que,
de fato, foram levados adiante. O plano para a América Latina pautava-se
em campanhas contra doenças específicas (malária) e sexualmente
transmissíveis; medidas preventivas e terapêuticas; engenharia sanitária,
educação sanitária e treinamento profissional (CAMPOS, 2006).
Nos primeiros anos de seu funcionamento, o SESP esteve sob
comando de profissionais vindos dos EUA, mas que logo contaram com a
presença de sanitaristas brasileiros, o que de certa forma seria positivo, pois
os sanitaristas locais tinham uma maior noção das realidades nacionais. Nas
palavras de BRAGA (in LIMA, FONSECA & SANTOS, 2004: 135),
Eu estava em Belém, como diretor de Saúde do Pará, quando o Sesp
passou à administração nacional. No início houve uma certa resistência
ao Sesp, por parte do nosso pessoal, porque seus dirigentes eram
quase todos ligados ao Instituto de Assuntos Interamericanos e tinham
muito menos preparo, experiência e qualificação em saúde pública do
que nós. Eram pessoas arrebanhadas nos Estados Unidos, sem
competência e experiência suficientes. E chegou o momento em que
não houve alternativa senão entregar a administração do Sesp a
brasileiros. Houve, então, uma grande mudança. Marcolino Candau
assumiu, junto com Sérvulo Lima, no Rio de Janeiro; Paulo Antunes, de
São Paulo, foi para a Amazônia; e eu, que estava no Pará, fui
convidado para ir para a região do Vale do Rio Doce. E então aí
começou a fase nacionalizante do Sesp.
A partir deste relato, há menção por parte do ministro da Saúde,
Gustavo Capanema, quanto à troca da superintendência do SESP, que
passa da responsabilidade estadunidense (de médicos sanitaristas indicados
pelo IIAA), para as “mãos” de profissionais nacionais. Outro ponto importante
descrito na passagem, refere-se ao processo de qualificação das camadas
diretivas do Serviço e que perfazem o núcleo das tomadas de decisões
sespianas. De acordo com Ernani Braga
31
, havia no Brasil um contingente
31
A entrevista de Ernani Braga demonstra um viés documental riquíssimo ao abordarmos a
questão da relação existente entre brasileiros e norte-americanos no tocante à estrutura de
funcionamento do SESP. Porém, não podemos nos ater somente às suas indagações, uma
68
significativo de especialistas capazes de substituir os norte-americanos nos
processos de tomadas de decisão e que tinham ampla experiência em todo
território nacional, como Marcolino Candau e Sérvulo Lima. De acordo com o
ministro:
De acordo com a Cláusula III do contrato que criou o S.E.S.P., este
deveria ser superintendido por um médico do Institute of Inter-American
Affairs aceito pelo Ministro de Educação e Saúde e tendo como
assistente administrativo um médico do serviço público federal, indicado
pelo referido ministro e aceito pelo superintendente do mesmo Serviço.
Entretanto, em setembro de 1944, por troca de notas entre o Ministério
da Educação e Saúde e o representante do Instituto de Assuntos
Interamericanos, que resultou na assinatura do Decreto-lei nº. 7 064, de
22 de novembro de 1944, foi a Superintendência do Serviço entregue a
um médico brasileiro.
(Fundo Capanema - Doc. GCI – 1946.01.19 – Cód.r. 73 – p. 885)
A quantia gasta com o Serviço foi dividida entre brasileiros e norte-
americanos, não de forma igualitária, com variáveis anuais. Como neste
trabalho nos interessa saber as proporções gastas entre 1943 e 1950, a
tabela a seguir serve para mostrar que:
Tabela 2.1 – Percentual de financiamento do Sesp por Brasil e EUA (1942-1954).
Período de vigência do
contrato
Financiamento do Brasil
(%)
Financiamento dos
Estados Unidos (%)
07/1942 – 12/1942 13 87
02/1943 – 12/1943 20 80
01/1944 – 12/1948 63 37
01/1948 – 12/1949 91 9
01/1949 – 06/1950 95 5
Fonte: CAMPOS (2006: 51).
A partir da tabela, vemos que o período imediatamente posterior ao
fim da guerra esteve associado à diminuição brusca dos recursos financeiros
advindos dos EUA. Esta diminuição na parcela de contribuição norte-
americana coincide com a extinção do CIAA, idealizado por Nelson
vez que, estas tendem a incorporar um sentimento de nacionalismo perante o
funcionamento do Serviço, relegando a segundo plano o papel que os estadunidenses
desempenharam entre 1943 e 1960. É prova da importância dos EUA neste acordo, o fato
de os brasileiros tentarem ao máximo a extensão destes laços, principalmente com o fim da
II Guerra Mundial.
69
Rockefeller, em fins da II Guerra Mundial. Após o término da guerra, George
Dunham é demitido da presidência do IIAA e Rockefeller também se exonera
do cargo de secretário-assistente, “em 25 de agosto de 1945” (CAMPOS,
2006: 196).
A possibilidade de uma maior readequação administrativa, em
determinadas áreas do SESP, corresponde a uma total falta de organização
do IIAA, justamente após a saída de Dunham. Para o seu lugar, o presidente
Truman nomeia o coronel Arthur Harris, que apesar de ser partidário à
continuação do programa, mostra-se totalmente despreparado para assumir
sua função, definindo-se “como um observador atento dos trabalhos do
Instituto” (CAMPOS, 2006: 197). Harris fica à frente do IIAA até o ano de
1947, quando é substituído pelo também inexperiente Dillon S. Meyer. Havia
grande preocupação por parte dos defensores do programa bilateral
(principalmente por parte do governo brasileiro), que não sabiam ao certo se
o acordo seria renovado após 1947. Os acordos entre Brasil e EUA para a
criação e renovação dos prazos com relação ao SESP, podem ser assim
definidas:
“Nos termos dos contratos celebrados entre o Governo do Brasil e o
Governo dos Estados Unidos da América, por intermédio do Instituto de
Assuntos Inter-Americanos – uma corporação e agência dos Estados
Unidos da América -, datados de 17 de julho, 1942 e 10 de fevereiro,
1943, prorrogado pelo contrato assinado em 25 de novembro, 1943,
modificado em 24 de agosto, 1944 e prorrogado em 14 de janeiro de
1949, dispondo sobre a criação de um programa cooperativo de Saúde
Pública e saneamento (...)”.
(Fundo SESP – 02/06/1949 – COC – Doc. 34/Caixa 33).
O SESP poderia render grandes vantagens aos EUA no pós-guerra,
como alianças político-econômicas, advindas da política da ‘boa vizinhança’,
com a expansão dos mercados consumidores por toda a América Latina.
Além disto, o Serviço seria o responsável pelo extermínio de doenças que
poderiam reinfestar os EUA, por meio do deslocamento humano e de
mercadorias. E ainda, “o programa sanitário seria politicamente bastante útil
no programa geopolítico da Guerra Fria” (CAMPOS, 2006: 198).
70
2.2. Considerações gerais acerca do funcionamento do SESP
2.2.1. A estrutura interna do SESP
A estrutura de trabalho do SESP pode ser entendida em sua
constituição, envolta por um mescla de diversos segmentos, que vão da
presença de engenheiros sanitaristas, médicos sanitaristas, enfermeiras,
cientistas sociais, etc. Na visão de BRAGA (2004), o Serviço foi muito
importante, não somente para a população atendida, seja dos Vales do
Amazonas ou do Rio Doce, mas também porque se caracterizou “por ser um
elemento importante na preparação de pessoal. Naquela fase [administrada
por brasileiros em fins da II Guerra], dava-se grande importância a toda
equipe de saúde” (BRAGA in LIMA, FONSECA e SANTOS, 2004: 135),
tendo o Serviço alcançado cerca de cem engenheiros sanitaristas.
Embora o SESP tivesse em seus quadros de funcionários um número
satisfatório de especialistas, como engenheiros, médicos, enfermeiras, nos
casos onde havia a necessidade de mão-de-obra para os níveis
intermediários, como Guardas, Parteiras Curiosas, e outras profissões,
verificou-se uma enorme dificuldade no que tange à incorporação destes
segmentos. Não havia quorum suficiente para o exercício destas funções
junto à população, pela dificuldade de mão-de-obra e incapacidade técnica
de muitos indivíduos que se integravam ao SESP. Na maioria dos casos,
esta “especialização” apontada por Ernani Braga, limitava-se ao “alto”
escalão de funcionários do Serviço. Além disto, muitos profissionais deste
“alto escalão” (principalmente os médicos), não demonstravam grande
interesse em trabalhar no Vale do Rio Doce, devido aos problemas de infra-
estrutura desta região e pela possibilidade de adquirirem rendas em outras
regiões menos afastadas dos grandes centros nacionais.
A presença norte-americana no SESP fez com que alguns trabalhos
em saúde pública - já realizados nos EUA - pudessem servir de base para a
melhoria da estrutura aqui montada. Foi assim que, introduziram-se os
serviços de cientistas sociais juntamente à sociedade. Ao discorrer sobre as
Ciências Sociais e sua relação com a saúde, NUNES (2006), afirma que
este campo de estudos se aprofundou sobremaneira, após a II Guerra
71
mundial, devido ao cenário político internacional, marcado pela bipolaridade
mundial, ao grande crescimento populacional e também pela expansão do
sistema universitário.
No Brasil, foram criadas a Escola de Sociologia e Política, em 1933, e
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, pela USP, no ano seguinte.
Ainda de acordo com o autor (p. 65), “de 1930 a 1950, desenvolveu-se a
pesquisa básica e clínica vinculada ao desenvolvimento hospitalar,
paralelamente a um grande impulso no processo de industrialização”. Para
Ernani Braga (in LIMA, FONSECA & SANTOS, 2004: 136):
Enfim, tínhamos oportunidade não só de promover certas idéias, mas
também de executá-las. Algumas eram até sofisticadas. Pela primeira
vez, na América do Sul e no Brasil, fez-se fluoração de água. Em Baixo
Guandu, com o Mário Chaves, realizou-se higiene dentária. O serviço
tinha sociólogos, como Charles Wagley. Quer dizer, já se pensava a
saúde no contexto social como algo que não pode ser isolado.
No pós-guerra, a noção de “bipolaridade” toma forma no espaço
político internacional, contrapondo EUA e URSS. Isto explica, em parte, a
ampliação do contrato entre brasileiros e norte-americanos (que se finda em
1960) para o prosseguimento do SESP, ao possibilitar aos yankees a
colaboração e aprofundamento de laços políticos, entre EUA e Brasil. Após
1960, o SESP já com outra denominação, Fundação Serviço de Saúde
Pública (FSESP) é entregue de forma definitiva ao Ministério da Saúde, e
perde força até ser extinto na década de 1990
32
(CAMPOS, 2006).
As reformulações do cenário político internacional no pós-guerra,
levaram os EUA e alguns países europeus a concentrarem seus esforços
nas áreas mais pobres do globo, em países localizados na América Latina e
também na África, sob a premissa de levar a estes povos desassistidos, a
noção de “desenvolvimento”, expressão pouco utilizada nas décadas
anteriores. Acreditava-se que o bom funcionamento do capitalismo deveria
ser obtido, concentrando os esforços na readequação social destas áreas
(PACKARD, 1998; ESCOBAR, 1998: 14)
33
.
32
“Através da lei n. 3.750, de 1960, o Sesp foi transformado em Fundação Serviço Especial
de Saúde Pública (F. Sesp), vinculado ao Ministério da Saúde (MS)”. E ainda: “em 1990, a
F. Sesp e a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) foram integradas à
Fundação Nacional de Saúde (Funasa)” (CORBO & MOROSINI, 2005: 158).
33
Traduzindo: O desenvolvimento, discute o estudioso, deve ser visto como o regime da
representação, como a invenção da história do período do pós-guerra e que, de início,
72
El desarrollo, arguye el estúdio, debe ser visto como um regimen de
representación, como uma invencion que resulto de la historia de la
posguerra y que, desde sus inícios, moldeó ineluctablemente toda
posible concepción de la realidad y la acción social de los países que
desde entonces se conocen como subdesarrollados.
No ano de 1948 é criada a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
uma das pautas internacionais – vista no pós-guerra - versava sobre a
exploração africana, realizada pelos Estados Unidos e demais países
vencedores da II Guerra Mundial. Há um duplo movimento nesse período, o
primeiro com a idéia de “desenvolver” para explorar e o segundo consistia
em manter o maior número possível de países longe dos ideais comunistas.
De acordo com PACKARD (1998), a saúde e a força das nações livres do
mundo são agora o mais importante e vital recurso contra o comunismo. Já
na década de 1950, os combates às endemias nos países de clima quente,
como Índia, Filipinas e Tailândia, renderam aos políticos locais um status
positivo frente à população governada, da mesma forma que a contenção de
doenças no Brasil, efetuadas nas décadas anteriores, propiciou uma
centralização em torno da política adotada por Vargas.
Em artigo elaborado por Isidoro Zanotti (Secretário de Departamento
do Interior e Justiça, do Ministério da Justiça in Revista do Serviço Público),
especialmente dedicado à criação de bases e funcionamento da OMS,
temos em seus princípios, alguns pontos significativos, que embasam a idéia
de “desenvolvimento”, presente no pós-guerra, aliado à iniciativa dos países
centrais pela manutenção de trabalhos em saúde nos países pobres. Nos
escritos da Revista há duas referências importantes para a concepção de
ordem capitalista que se estabelece em fins da década de 1940: a primeira
se refere a uma preocupação com a saúde das crianças, e a segunda
enfatiza o papel do Estado para a elaboração de planos concernentes à
saúde de sua população, que juntamente ao apoio dado a estes países por
potências como os EUA, diminuiriam uma ascendência comunista em várias
regiões do mundo. De acordo com a Revista:
inelutavelmente moldou toda a concepção possível da realidade e a ação social dos países
que desde então são conhecidos como subdesenvolvidos.
73
A saúde de todos os povos é fundamental para a consecução da paz e
segurança e a mesma depende da inteira cooperação de indivíduos e
Estados.
A realização de qualquer Estado na proteção da saúde é de valor para
todos.
Desigual desenvolvimento em diferentes países na proteção da saúde e
controle da doença, especialmente das doenças contagiosas, é um
perigo comum.
O desenvolvimento saudável da criança é de básica importância.
A extensão a todos os povos dos benefícios dos conhecimento médico,
psicológico e conexos, é essencial a mais completa consecução de
saúde.
Opinião bem informada e ativa cooperação da parte do público são do
maior valor no desenvolvimento da saúde do povo.
Os governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos e a
mesma só pode ser cumprida por medidas adequadas.
(Revista do Serviço Público - Ano X – junho de 1947 – Vol. II – nº. 1 e 2 – p. 42)
A sobrevivência do SESP esteve fragilizada após 1945, embora
tenhamos este quadro político internacional favorável à sua continuidade.
Para CAMPOS (2006), os anos de 1948 e 1949 foram cruciais para os
intentos sespianos
34
, devido à dúvida norte-americana em seguir com o
IIAA
35
. Houve pressão brasileira para que novos laços bipolares fossem
assinados, pela figura do ministro sucessor de Capanema, Clemente Mariani
(1947), que propõe a extensão do acordo por um período de três ou mais
anos.
Um novo acordo foi firmado em 1948, contando inclusive com a
participação efetiva do superintendente do SESP, Marcolino Candau,
intercessor do Brasil nas negociações com os norte-americanos. Porém,
estipulava-se que, seriam feitos contratos entre Brasil e EUA a cada ano,
aumentando assim, as dúvidas nacionais perante a sobrevida do SESP. O
recurso brasileiro foi adotar a política advinda dos próprios norte-
americanos, e que foi evidenciado em conferência realizada na Colômbia.
Desta forma, o plano nacional colocado, era o seguinte (CAMPOS, 2006:
208):
34
O termo ‘sespiano’ era dado de forma pejorativa pelos profissionais que não faziam parte
do SESP e viam neste Serviço um misto de interesses entre EUA e Brasil. Sobre isso ver:
CAMPOS (2006).
35
CAMPOS (2006) utiliza o termo IIAA em português, ou seja, Instituto de Assuntos
Interamericanos (IAIA).
74
Os brasileiros recorriam ao argumento de que a ação cooperativa
representava um excelente instrumento contra a ideologia estrangeira, e
que o trabalho do Iaia na América Latina foi uma das mais visíveis
ações da Política da Boa Vizinhança. Também dentro do Senado
brasileiro houve pressões: a casa alertou o Executivo para a
proximidade do término do contrato com o Iaia, enfatizando que a
interrupção poderia trazer sérios prejuízos para a saúde pública.
Para o governo brasileiro, a proposta do pós-guerra que enfatizava o
fim da pobreza como veículo de desenvolvimento poderia ser prejudicada,
com o fim do IIAA e conseqüentemente do SESP. Na região Amazônica e no
Vale do Rio Doce, a necessidade da presença dos médicos sanitaristas e
toda sua equipe de apoio era substancial para a integração destas regiões
ao restante do Brasil, segundo a concepção tomada a priori, por Vargas no
Estado Novo (CAMPOS, 2006).
Uma das metas do ditador brasileiro era inserir o país, de forma mais
precisa, aos quadros de modernização, pelos quais passavam-se EUA e
alguns países europeus. Isto só seria capaz, à medida que o Brasil se
transformasse internamente em diversos setores, o que incluía a saúde
pública. “Portanto, a preocupação com o desenvolvimento veio associada à
noção de que ao Estado caberia planejar e coordenar os esforços em
direção ao mundo industrial” (CAMPOS, 2006: 210), ainda mais em países
como o Brasil, onde “o liberalismo ortodoxo nunca havia deitado raízes
profundas e onde a crença de um empresariado fraco reforçava a idéia do
Estado como agente de modernização” (CAMPOS, 2006: 210).
Com relação ao SESP, suas linhas gerais seguiram as seguintes
prerrogativas, assinaladas pelo Ministro Gustavo Capanema (s/d):
1. Necessidade de serem de algum modo assegurados serviços de
assistência médica, dada a precariedade da situação do ponto de
vista dos recursos clínicos.
2. Admitir essas atividades clínicas como subsidiárias visto que o
principal objetivo é a execução de trabalhos de medicina preventiva
e de saneamento, que darão como fruto uma redução do número de
doentes.
3. Preparar o pessoal técnico indispensável à execução das medidas
sanitárias.
4. Realizar intensa e adequada educação sanitária das populações do
Vale.
(Fundo Capanema - Doc. GCI 1946.01.19 código r. 73 – página 886/3 –
FGV).
75
Com relação ao número de engenheiros sanitaristas (ver figura 2.1),
havia mão-de-obra nacional
36
especializada, contando o SESP inclusive,
com a presença de profissionais que se formaram nos EUA. BRAGA (in
LIMA, FONSECA & SANTOS, 2004: 137), ajuda-nos a reforçar esta
afirmativa, ao demonstrar que: “eles (os norte-americanos) criaram a
moderna engenharia sanitária no Brasil (...) não havia nada; a engenharia
sanitária era muito primitiva”.
Os norte-americanos trabalharam na formação de novos profissionais,
capazes de suprir as necessidades nacionais neste campo. Nos anos 1940,
formularam-se cursos de aperfeiçoamento semelhantes aos já empregados
em décadas anteriores pela Fundação Rockefeller, no que tange à vinda de
técnicos, auxílio a alguns indivíduos locais e retorno ao país de origem. Não
havia “preocupação” no trato com as culturas locais, por parte dos membros
da Rockefeller. Tinha-se em mente, um plano de aperfeiçoamento local, já
visto e praticado nos EUA, e que ao ser empregado em sua forma completa,
acabaria por sanar as dificuldades locais. Por esta razão, valores culturais e
sociais foram deixados em segundo plano pela Missão Rockefeller, em
décadas anteriores (CAMPOS, 2006).
No Vale do Rio Doce, as maiores carências de profissionais, faziam-
se mediante os níveis mais baixos de capacitação, o que obrigava o Serviço
a recrutar elementos locais e a partir daí, novos profissionais surgiam.
Evidente que, em alguns casos, a formação destes trabalhadores acabou
sendo deficiente, como veremos no capítulo 3, ao tratarmos dos programas
educativos para a população e de melhoramento de pessoal. No geral, além
de engenheiros sanitaristas, havia topógrafos, laboratoristas, enfermeiras e
guardas laboratoriais (Doc. GCI 1946.01.19 código r. 73 – página 886/3 –
Fundo Capanema – FGV).
Se não bastassem as dificuldades quanto ao preparo de profissionais,
o SESP teve de enfrentar problemas decorrentes da falta de obtenção de
materiais, para a construção de escritórios e laboratórios. As alternativas
tornaram-se dispendiosas, como a recorrência a materiais vindos de regiões
36
Havia pouquíssimos engenheiros no Brasil até metade a metade do século XX. No Rio de
Janeiro temos a figura destacada do Engenheiro Saturnino de Brito. Além deste, Sacha
Cynamon atuou como engenheira sanitária no país. Sobre isso ver: LIMA, FONSECA &
SANTOS (2004).
76
longínquas e o processo de auto-fabricação (ver figura 2.2), ou até mesmo, a
importação de produtos norte-americanos, relembrando que a
comercialização se encontrava dificultada pelo bloqueio marítimo, imposto
pela II Guerra Mundial.
No tocante à educação sanitária, o SESP se deparou com um nível
alarmante de indivíduos analfabetos ou semi-analfabetos, o que dificultou
ainda mais a tentativa de levar às populações, sobretudo das zonas rurais,
suas formas de contenção de doenças. Neste ínterim, à ida aos sertões do
Vale do Rio Doce (que já constituía tarefa árdua para os técnicos do
Serviço), somou-se o problema quanto à transmissão de sua ideologia,
tornando esta empreitada bastante cansativa e em alguns casos inútil.
2.2.2. O Programa do Rio Doce e as formas de contenção da malária
Os trabalhos mais importantes realizados no Vale do Rio Doce (que
contaram com a participação do SESP), estiveram correlacionados ao
Programa do Rio Doce. Criado como desdobramento dos Acordos de
Washington, o Programa teve como intuito inicial, extrair com o máximo de
viabilidade possível, os minerais advindos de Itabira, que rumavam ao porto
de Vitória, extinguindo os focos de malária da região (CAMPOS, 2006).
A necessidade deste mineral era latente em 1943, quando os nazistas
já se apoderavam de uma grande parcela de jazidas (Ásia e África), que
antes tinham como destino os portos da Inglaterra. Também os EUA
passaram a recorrer à extração brasileira, inclusive propondo junto à Vargas
a criação da CVRD (CAMPOS, 2006).
No trecho entre Governador Valadares (MG) e Vitória (ES), a
presença do anopheles darlingi, foi o principal impecilho às necessidades
econômicas
37
brasileira, norte-americana e inglesa. Ao que tudo indica, a II
37
De acordo com PACKARD (1997: 281), a relação entre o combate às doenças em certos
países tropicais, perpassam uma conotação simplesmente humanitária. Esta se concentra
na possibilidade de extração de riquezas naturais com maior êxito, o que de fato ocorreu em
áreas provenientes do Caribe e até mesmo no Brasil. Durante as décadas de 1920 e 1930,
áreas com potencial econômico foram assistidas pelo capital privado, de grandes impérios,
tais como a Fundação Rockefeller. “Fears about the limits of the world’s food supplies,
produced renewed efforts to increase the productivity of tropical countries and
dependencies”. Traduzindo: "Teme-se sobre os limites das fontes de alimento do mundo,
77
Guerra Mundial trouxe ao Brasil uma dupla frente de ação nos campos de
batalha: enquanto a Força Expedicionária Brasileira (FEB) partia para a
Itália, com seus armamentos precários, dentro do país, o combate se fazia
nos campos estratégicos, não com o uso de mosquetes, mas com o Verde
Paris e o dicloro difenil tricloretano (DDT).
Nas palavras de PACKARD (1998: 218), os primeiros trabalhos
efetuados com a utilização do DDT, deram-se durante a II Guerra Mundial,
envolvendo doenças que afetavam os meios militares. Seu uso contra a
malária só se efetuou no ano de 1944, quando demonstrações foram
realizadas na Itália, com a tentativa do expurgo do Anopheles labranchiae.
Concluiu-se que, apenas uma aspersão domiciliar por ano era suficiente
para conter o avanço do vetor. Nos anos de 1945-46, a Fundação
Rockefeller promoveu dois programas experimentais (“Sardinia and
Cyprus”), obtendo relativos sucessos, o que fez do DDT o principal aliado no
projeto de contenção universal da malária, proposto com o início da Guerra
Fria.
O Programa do Rio Doce teve o apoio financeiro da CVRD, na ajuda
aos trabalhadores locais, empenhados na reconstrução da estrada de ferro,
no trecho entre Governador Valadares e Colatina (ES). O papel da
Rockefeller já se fazia diminuto neste período, embora tivéssemos a
presença à frente do CIAA, de Nelson Rockefeller.
O plano de combate ao mosquito foi feito com base nos trabalhos já
realizados por Fred Soper no Nordeste brasileiro, em fins da década de
1930, consistindo em delimitar o território em áreas, coletar amostras, utilizar
o DDT e o Verde Paris, inspecionar periodicamente os locais onde o número
de larvas se fazia mais intensa, e no plano social, prover à população
melhores condições de sobrevivência, através dos programas assistenciais
de educação sanitária (CAMPOS, 2006).
Paradoxalmente ao que fora empregado no Amazonas, no Vale do
Rio Doce houve uma preocupação em estruturar as cidades atendidas pelo
Programa. Desta forma, trabalhos em Engenharia Sanitária foram criados,
em higiene pessoal, serviços de educação, etc. À CVRD coube a
esforços renovados produzidos para aumentar a produtividade de países tropicais e de
dependências".
78
manutenção da saúde dos trabalhadores da ferrovia, ao passo que o SESP
proveu um amplo projeto, que consistia em levar até às regiões rurais, a
noção de saúde e controle de doenças, integrando os sertões do Vale do Rio
Doce ao restante do território (CAMPOS, 2006).
O surto de malária que acometeu a localidade de Governador
Valadares, no início da década de 1940, esteve mais atrelado ao grande
contingente populacional que rumava para o leste, do que com a proliferação
desenfreada do mosquito causador da doença. Nos dizeres dos Drs. Antônio
Peryassú e Esperidião de Queiroz Lima (in Fundo SESP), há a confirmação
do pequeno número de infectados pela malária, nas décadas anteriores.
Segundo eles,
(...) em março e abril de 1922 não há referência ao paludismo no trecho
entre Colatina e Governador Valadares, a não ser uma pequena nota
em relação a Derribadinha, quando dizem: Às 10:45 chegamos a
Derribadinha, onde vimos uma série de barraquinhas de pau-a-pique,
habitadas por muita gente, na grande maioria opilada e impaludada.
(Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52)
No ano de 1944, o SESP tentou reverter a situação dos moradores de
Governador Valadares que trabalhavam na reconstrução da EFVM
38
e que
ainda se acomodavam em casas sem infra-estrutura adequada. O chão era
de terra batida, as paredes de barro com pedaços de madeira entrelaçados,
propícios ao esconderijo de insetos, o teto recoberto de folhas, sobretudo de
palmeiras, e as janelas quando existiam, eram muito pequenas, retendo a
fumaça que saía dos fogões movidos à lenha. De acordo com CAMPOS
(2006: 176), o SESP promoveu as seguintes mudanças:
Diante do exposto, o Sesp condicionou a construção dos campos de
trabalhadores e requisitos mínimos, entre os quais: a escolha de lugar
salubre para os acampamentos; uma casa com quintal para que cada
família pudesse cultivar uma horta; as casas deveriam ter latrinas e
proteção contra mosquitos; e um reservatório de água livre de
contaminação em cada campo.
O processo de contenção da malária consistia no expurgo do
anopheles darlingi, com base em duas estações distintas: a da seca dos rios
e córregos e a das intensas chuvas. As notificações das pessoas infectadas
38
O SESP se incumbia de projetos de saúde e sanitários, ao passo que a CVRD teria que
despender certa quantidade de capital e deslocar os trabalhadores para longe das áreas
infestadas pela malária.
79
se faziam somente nos lugares onde eram encontrados focos do mosquito,
isto porque em muitos casos, o doente migrava para regiões onde não havia
a presença da malária, para se cuidar.
A temporada de seca ia de abril a outubro, quando o Rio Doce e seus
afluentes voltavam ao padrão normal quanto ao volume de água, os
pântanos ao seu redor secavam e o anopheles darlingi se via obrigado a
botar seus ovos nos pequenos lagos ou diminutos córregos, que formavam
pequenas poças de água límpidas, “onde as larvas de A. darlingi podem ser
encontradas em pequeno número, porém suficiente para perpetuar a
espécie durante a estação seca” (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc.
80/Caixa 52).
Entre os meses de outubro a março, o volume de água do Rio Doce
aumentava, transbordando para além de suas margens. “Multiplicando-se os
criadouros de A. darlingi, a temperatura mais elevada diminui o tempo
necessário para o desenvolvimento do ovo em adulto” (Fundo SESP
1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52), possibilitando um crescimento
acentuado do mosquito na região. A saída para o controle da malária
durante o período de chuvas, seria a construção de redes de esgotos à
margem do Rio Doce, o que levaria o SESP a despender muito capital em
obras de saneamento.
A maneira encontrada pelos profissionais do Serviço, foi utilizar o
Verde Paris nas poças que se constituíam às margens do Rio Doce e foi
realizada a drenagem nos locais mais infestados, em substituição às redes
de tubulação. Em documento do Fundo SESP, o procedimento completo de
“caça” ao mosquito e análise laboratorial, fazia-se desta forma:
Eis como funciona o serviço: a área é dividida em zonas de 36 km2
aproximadamente. Todas as coleções liquidas existentes em cada zona
são numeradas e, no caso de rios e córregos, cada remanso constitui
um número independente. As coleções líquidas numeradas são
pesquisadas, a princípio semanalmente, e as larvas capturadas
enviadas a laboratório para identificação. O laboratório comunica ao
serviço de campo toda a vez que encontra larvas de A. darlingi,
indicando a zona e o número do criadouro em que foram capturadas as
larvas. É feito então um estudo deste criadouro para verificar qual a
maneira mais econômica de proceder: drenagem, aterro ou tratamento
pelo verde paris-areia seca ou poeira de 2% com aplicação manual ou
verde paris-cal a 5% com aplicação por bomba manual tipo Niagara.
Uma vez conhecidos os criadouros de A. darlingi de uma zona a
pesquisa nos outros criadouros passa a ser feita em ciclo quinzenal com
80
exceção dos criadouros de A. darlingi que são pesquisados
semanalmente para controle do serviço antilarvário. Depois que os
criadouros de A. darlingi em uma zona foram negativos durante 8
semanas, suspende-se o serviço antilarvário, continuando porém a
pesquisa de larvas para controle. Se a zona continua negativa após o
período das chuvas, permanece sob vigilância, pesquisando-se
somente os criadouros de A. darlingi em ciclo semanal.
(Fundo SESP - 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52)
Os dados mostrados equivalem ao processo de controle do mosquito,
feito em meados de 1940, quando o SESP passa a adotar também o DDT. A
região de cobertura dos trabalhos envolvia uma distância de 210 km através
da malha ferroviária da EFVM, e se alongarmos para as margens da ferrovia
em seis km, tínhamos um total de 2.664 km
2
pesquisados. Destes, foram
selecionados 1.476 km
2
, onde a densidade populacional era mais intensa e
“reside 87% do total da população, que assim será eficientemente protegida
contra a malária” (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52). No
restante da área não trabalhada, implantaram-se postos de atendimento,
sobretudo aos funcionários da CVRD, com o uso da metoquina
39
.
Com relação ao DDT, no ano de 1946, o SESP se prontificou a
atender 6000 domicílios, entre os meses de setembro a dezembro, em ciclos
que variavam de um a cada quatro meses, ou seja, três ciclos por ano
trabalhado (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc.80/Caixa 52). O
processo de atendimento aos domicílios pode ser assim resumido:
Calculamos que dada a dispersão das casas na área, um guarda possa
trabalhar em média 12 prédios por dia. Com uma turma de 5 guardas
sob a fiscalização de um guarda chefe será possível tratar pelo DDT os
6000 prédios em 4 meses, abrangendo uma área maior do que a que
vínhamos inspecionando, com redução de pessoal. Assim para dar
exemplo da economia apresentada pelo DDT, entre as 6000 casas a
serem tratadas estão incluídas aquelas situadas nas margens do rio
Santo Antônio, afluente esquerdo do rio Doce, malarígeno desde a sua
foz, até a localidade de Porto das Pedras (a 30 km da foz), que marca o
limite da zona palúdica com a zona sã.
(Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52)
39
De acordo com CAMPOS (1999), a atebrina foi utilizada em substituição à metoquina
(produto que causava repulsa por parte dos atendidos, devido aos problemas colaterais que
este causava, como impotência sexual). Seu uso – contra os sintomas malarílicos – iniciou-
se ainda em 1920, na Alemanha e foi largamente produzida pelos EUA após a interrupção
da rota entre a Indonésia (fabricante do quinino) e a frente Aliada, durante a II Guerra
Mundial.
81
Quando Ernani Braga assume a direção do Programa do Rio Doce,
em 1944, o número de profissionais do SESP em atuação no Vale do Rio
Doce, chegou a 763, sendo que 753 eram brasileiros. “Logo o Programa
iniciou a construção de centros e postos de saúde, laboratórios, clínicas e
hospitais, redes de abastecimento de água e esgotos, além de latrinas e
privadas nas casas” (CAMPOS, 2006: 179). Este número de profissionais
parece alto, se formos analisar a carência apresentada neste trabalho. Mas
não podemos nos esquecer que, o Programa do Rio Doce cobria uma malha
ferroviária extensa, que englobava o trecho entre Coronel Fabriciano (MG) e
o porto de Vitória, no Espírito Santo, tendo sido estes trabalhadores
espalhados em postos de saúde diversos.
2.3. Os tipos de trabalhos realizados pelo SESP no Vale do Rio Doce
Na área de saúde pública e assistência médica: o SESP manteve
os Programas da Amazônia e do Rio Doce, com a finalidade de empreender
trabalhos em higiene, medicina preventiva e saneamento. Até o ano de
1945, o Serviço também prestou assistência aos trabalhadores que
rumavam para a Amazônia.
Em Governador Valadares, o SESP construiu seus centros de saúde,
com a incumbência de realizar serviços em estatística vital, epidemiologia,
enfermagem sanitária, polícia sanitária, higiene da alimentação e da criança,
exames de sangue, etc. Esta preocupação (principalmente após 1945) com
mulheres e crianças pode ser evidenciado pela criação da United Nations
Children’s Fund (UNICEF), no ano de 1946. Até o pós-guerra, a relação de
proteção aos direitos e saúde de mulheres e crianças, num contexto
internacional, encontrava-se ainda bastante limitados e geralmente atrelados
a iniciativas de associações privadas. De acordo com BIRN (2002: 38)
40
,
40
Traduzindo: Ainda, a saúde maternal e de criança nunca se transformaram num centro de
atividades da PASB, como [sic] por seus advogados. Um estudo das definições
governamentais do PASB de 1942 a 1982 demonstrou que a saúde maternal e das crianças
recebeu a atenção de apenas 2.4% de todas as pautas, o segundo mais baixo de todas as
áreas programáticas. No começo de 1995, o programa especial maternal e de crianças da
saúde debandou completamente, deixando ser absorvido incompletamente pelas divisões
de promoção humanas do desenvolvimento e da saúde. Esta falta da atenção pôde
parcialmente ser explicada primeiramente pela fundação do Instituto e então da UNICEF,
82
Still, maternal and child health never became a cornerstone of PASB
activities, as envisioned by its early advocates. A study of the PASB’s
governing board resolutions from 1942 to 1982 found that maternal and
child health received the attention of just 2,4% of all resolutions, the
second lowest of all programmatic areas. At the beginning of 1995, the
special maternal and child health program was disbanded altogether,
leaving it to be incompletely absorbed by the divisions of human
development and health promotion. This lack of attention might be
partially explained by the founding of first the Instituto and then UNICEF,
which allowed the organization to limit its activities in this area, given this
presence of other actors.
O Centro de Saúde de Governador Valadares foi inaugurado em
1946, tendo sido matriculadas nos serviços de pronto atendimento (se
juntarmos os centros de saúde de Colatina e Aimorés) 5.805 pessoas em
1944-45 e 9.278 em 1946. O Programa do Rio Doce empregou quatorze
médicos sanitaristas entre os anos de 1943-45 e vinte e dois no ano
seguinte, mas que nem sempre executavam suas tarefas somente junto ao
Serviço. Muitos atendiam em localidades distintas de seu Centro de Saúde
de origem, gerando por vezes, um número baixo de médicos de plantão.
Entre enfermeiras, visitadoras e nutricionistas, o número de
profissionais se elevou para dezesseis (Doc. GCI 1946.01.19 código r. 73 –
página 886/3 – Fundo Capanema – FGV). O número de imunizações anti-
tifóidicas ultrapassou os 2.500 casos e as anti-variólicas quase chegaram a
300, isto para o ano de 1945. Já em 1946, essas imunizações aumentaram
significativamente, com resultados que atingiram 6.281 para a febre tifóide e
5.220 para a varíola.
No controle da malária, nos trabalhos em engenharia sanitária e
na área de enfermagem: o SESP teve como preocupação inicial ao
estabelecer seus trabalhos no Vale do Rio Doce, a busca pela contenção da
malária, agindo diretamente no vetor causador da doença, o anopheles
darlingi. Caracterizado, segundo CAMPOS (2006) por um modelo que
abrangia ações horizontais e verticais
41
de atuação, o combate à malária
teve a priori, o uso do Verde Paris, que além de acabar com os focos do
que permitiram que a organização limitasse suas atividades nesta área, dando esta
incumbência a outros atores.
41
Grosso modo, o modelo horizontal tenta abranger um número maior de enfermidades a
serem tratadas, através da integração de várias unidades sanitárias, ao passo que, o
modelo vertical atua diretamente na contenção de um mal em específico, sem abranger
outras necessidades locais de onde são empregados. Sobre isso ver: CAMPOS (2006).
83
mosquito, destruíam também a qualidade da água e do solo, onde fora
lançado. Para o uso dos doentes, há muito já se havia utilizado a quinina,
embora seus efeitos colaterais propiciassem na população certo tipo de
repulsa.
Como desdobramentos da II Guerra Mundial, passou-se à utilização
do DDT, nos casebres pouco cômodos do Vale, devido à sua eficácia e
durabilidade no ambiente onde fora aspergido. Nas palavras de HARRISON
(2005: 147): “wartime experiences helped to determine the ways in which
disease was controlled during the next few decades (...) in many parts of the
developed world, certain infectious were tackled in great, military-style
campaigns”
42
.
Em 1946, o trecho denominado de “Linha Acima” (malha ferroviária
entre Governador Valadares e Aimorés) foi atendido com a dedetização de
6.000 prédios, vistoriados regularmente. Ainda neste mesmo ano, devido à
falta de DDT suficiente para abranger toda a região infestada pela malária,
fazia-se o uso do Verde Paris. Foram instalados vinte postos de medicação,
com o intuito de atender prontamente aos doentes de malária, sendo
desocupados à medida que os níveis da doença diminuíam (Doc. GCI
1946.01.19 código r. 73 – página 887/3 – Fundo Capanema – FGV).
Em Engenharia Sanitária, o Serviço construiu casas desmontáveis,
Centros de saúde e laboratórios. Já com relação à enfermagem, existiu a
preocupação com o nível profissional das enfermeiras, das visitadoras e das
nutricionistas que compunham o corpus do SESP (Doc. GCI 1946.01.19
código r. 73 – página 886/3 – Fundo Capanema – FGV).
Na educação sanitária e treinamento de pessoal e nos estudos
referentes aos vetores causadores de doenças: a propaganda utilizada
pelo SESP junto às populações do Amazonas e do Rio Doce, teve que ser
reordenada devido ao baixo grau de instrução dos moradores. A partir disto,
o número de filmes educativos, palestras e outras formas de propaganda
tiveram que ser implementados para a obtenção de um mínimo de retorno
aos sanitaristas.
42
Traduzindo: “as experiências em tempos de guerra ajudaram a determinar as maneiras
em que a doença poderia ser controlada durante as décadas seguintes (...) em muitas
partes do mundo desenvolvido, determinadas infecções diminuíram em grandes,
campanhas feitas ao estilo-militar”.
84
Com relação à formação acadêmica de médicos, para o ano de 1945,
cerca de “42 foram enviados a Cursos de Saúde pública nos Estados
Unidos, 14 a São Paulo e 5 ao Rio de Janeiro” (Doc. GCI 1946.01.19 código
r. 73 – página 888/3 – Fundo Capanema – FGV). A parceria entre Brasil e
EUA possibilitou a apresentação de vários desenhos animados advindos de
Walt Disney, bem como slide-sounds produzidos pelo próprio SESP. Quanto
à educação infantil, a proposta do Serviço foi criar clubes de saúde e
paralelamente a estes, informar por meio de teatros e palestras a
importância da saúde para as crianças.
A preocupação com a saúde das crianças se justificava pelo principio
de que seria mais proveitoso para os agentes de saúde do SESP, incutir
uma mentalidade sanitária em indivíduos mais propensos a adquirirem
novos tipos de ensinamentos, fato este que se mostrava indissolúvel quando
se tratava de pessoas com idades mais avançadas. Segundo CAMPOS
(2006), a exibição de filmes educativos à população (principalmente das
zonas rurais) constituía tarefa árdua, isto porque muitos moradores não
conseguiam acompanhar as imagens ou até se perdiam durante as
explicações apresentadas. Já as crianças tinham maior facilidade de
compreensão e até mesmo eram mais suscetíveis a receber instruções e
não tecer comentários contrários a estas.
Em 1945 foram repassados à população onze filmes educativos,
tendo como público o total de 39.275 pessoas. Em 1946, este número
passou para 23.300 pessoas. O SESP preparou 13 filmes, tendo sido
assistidos por 76.476 pessoas em 1945, e 166.000 no ano seguinte. Foram
distribuídos neste período, 354.000 folhetos educativos e 45.000 cartazes,
além da preparação de 22 radiogramas. Criaram-se 27 clubes de saúde,
voltados para crianças, e profissionalizaram-se 127 novas Visitadoras, 72
auxiliares hospitalares e 110 guardas de saúde. Estes dados valem para os
Vales do Amazonas e Rio Doce e estão contidos nos arquivos do até então
ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (Doc. GCI 1946.01.19
código r. 73 – página 888/3 – Fundo Capanema – Fundação Getúlio
Vargas). É difícil não nos atermos ao fato de Walt Disney ser a indústria
cinematográfica, responsável pelos filmes apresentados nos Vales do Rio
Doce e Amazonas.
85
Em primeiro instante existe aquela concepção de transposição de
culturas, redefinição de costumes locais e outras variáveis que sempre nos
inquieta nestes casos. Cabe saber se no Brasil existiam fontes
cinematográficas que poderiam ser apresentadas às crianças, como forma
de contenção desta forma de american way of life, que vinha embutida
juntamente ao Pato Donald e ao Mickey Mouse.
Por último, o SESP proveu a formação de várias Visitadoras
sanitárias, auxiliares hospitalares e guardas sanitários. Aos professores
locais, o Serviço apresentou cursos de higiene e educação sanitária. Todos
estes pontos serão revistos em detalhes no capítulo seguinte, onde
poderemos perceber até que medida, estes esforços sespianos tiveram
êxito, e quais foram os principais impecilhos à sua elaboração.
De forma sintética, este capítulo procurou demonstrar o caráter
“bilateral” apresentado quanto à constituição do SESP, desde a assinatura
dos Acordos de Washington, até as medidas internas de seu funcionamento.
Desmistificou uma hierarquia norte-americana, sobretudo quando enfocou a
presença maciça de profissionais brasileiros na composição de seu quadro
de trabalho.
Além disso, o SESP encontrou muitos desafios no que tange à sua
própria sobrevivência no pós-guerra, sendo alvo da falta de investimentos
por parte do governo dos EUA. Somente uma política voltada para a Guerra
Fria, condicionou as renovações dos contratos, aliado à idéia de
desenvolvimento tardio dos países pobres, bastante presente naquele
momento.
O Programa do Rio Doce foi o alvo da associação entre EUA e Brasil,
se formos analisar somente o contexto do Vale do Rio Doce. A ida do SESP
para Minas Gerais propiciou a extração de minerais de guerra, em troca de
um plano amplo de saneamento local. O Programa abrangeu diversas áreas
de atuação, demonstradas de forma breve neste capítulo, com ênfase para o
combate à malária, através de um plano de ação já empregado por Fred
Soper no nordeste do Brasil, em fins da década de 1930. Além da malária, o
SESP proveu trabalhos em educação sanitária, engenharia e treinamento de
pessoal local para eventuais problemas advindos de doenças e realizou
diversos estudos em prol da saúde pública.
86
Figura 2.1 – Superestrucure being finished. Eng Póvon Filho and field superintendent José
Fernandes – Pedra Corrida (MG) – s/d. (Superestrutura finalizada. Engenheiro Póvon Filho
e Superintendente de Campo José Fernandes)
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1947 – COC – Doc. 45/ Caixa 48)
Figura 2.2 – Construção de lajotas – Pedra Corrida (MG) – s/d.
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1947 – COC – Doc. 45/ Caixa 48)
87
Figura 2.3 – Cartaz referente à campanha de profilaxia promovida pelo Serviço Especial de
Saúde Pública (1947).
Fonte: Arquivo Gustavo Capanema - GC foto 826 Série: foto
88
Capítulo 3
O SESP no Vale do Rio Doce
Este capítulo tem por objetivo problematizar a documentação pesquisada.
Nele, temos a parte primordial do trabalho, onde apresento a questão dos
tipos de intervenção impositiva realizadas pelo SESP no Vale do Rio Doce e
os seus desdobramentos.
3.1. As dificuldades enfrentadas pelo Serviço na contenção de doenças
Uma das preocupações verificadas pelos agentes sanitaristas do
SESP, com relação ao sucesso do Programa do Rio Doce, pautou-se no
combate ao mosquito transmissor da malária, o anopheles darlingi. Além
desta doença, o SESP buscou solucionar problemas relacionados à falta de
higiene das populações atendidas, o que as levaria a outros males, tais
como a esquistossomose e a febre tifóide, com a construção de latrinas e a
elaboração de propagandas educativas (CAMPOS, 2006).
A distribuição dos vetores malarílicos no território que perfazia a
malha ferroviária entre Governador Valadares-MG e o porto de Vitória-ES,
era composto por três variedades de mosquitos, sendo eles: o anopheles
aquasalis, o anopheles albitarsis e o mais comum verificado, o anopheles
darlingi. Os plasmódios causadores da malária encontrados foram: o
falciparum, o vivax e o malariae. Foram detectados focos de malária em
aproximadamente 33 cidades, nos estados de Minas Gerais e Espírito
Santo, entre os anos de 1943 e 1946, numa distância em torno de 660 km
ao longo da EFVM (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/ Caixa 52).
. A tabela 3.1 mostra o número de pessoas atendidas pelos postos de
saúde do SESP, nas cidades de Governador Valadares e Coronel
Fabriciano, nos anos de 1944 e 1945, dando ênfase à proporção de
infectados com algum tipo de plasmódio. De acordo com a tabela:
89
Tabela 3.1 – TOTAL DE CASOS POSITIVOS DE MALÁRIA EM PESSOAS QUE
PROCURAM OS 10 SUBPOSTOS DE MEDICAÇÃO ENTRE GOVERNADOR VALADARES
E CEL. FABRICIANO. TOTAL ACUMULADO, 1944 E 1945.
Mês Pessoas atendidas vivax falciparum malariae Mistas Total
I 1709 516 497 10 22 1045
II 1883 455 642 19 28 1144
III 2637 544 959 22 45 1570
IV 2585 510 1086 10 55 1661
V 2650 670 931 12 44 1657
VI 1579 506 463 12 26 1007
VII 1171 375 223 06 13 617
VIII 908 318 135 06 05 464
IX 832 279 78 02 07 366
X 813 249 94 02 18 363
XI 673 219 79 03 07 308
XII 908 230 153 05 08 396
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52)
A tabela mostra a grande incidência de pessoas contaminadas com
algum tipo de plasmódio transmissor da malária (principalmente o vivax), nas
localidades de Governador Valadares e Coronel Fabriciano, no ano de 1945.
Este número poderia ser ainda mais elevado, se todos os doentes com
sintomas de malária fossem a algum dos dez postos de atendimento do
SESP, mas estes não são valores que podem ser agregados aos dados.
Após este mesmo ano, houve uma diminuição mais acentuada dos focos de
mosquitos transmissores, isto porque, com o fim da II Guerra Mundial, pôde-
se fazer uso do DDT (ver tabela 3.2), além do já utilizado Verde Paris.
Na tentativa de diminuir o número de doentes, as zonas rurais
situadas tanto em Minas Gerais, quanto no Espírito Santo, foram divididas
em setores, facilitando o “cerco” ao anopheles. Neste sentido, praticava-se o
desmatamento de algumas fazendas, onde havia a existência de córregos,
brejos e lagoas, a roçagem em determinadas áreas (ver figuras 3.1 a 3.3) e
por fim, a construção ou substituição de valas, importantes por não deixarem
“água parada”, nestes locais (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 42/
Caixa 48). A tabela 3.3 mostra a relação do número pessoas atendidas pelo
90
SESP, com o uso da metoquina, no Espírito Santo e em Minas Gerais, nos
anos de 1948 e 1949.
Tabela 3.2 – TOTAL DE CASOS POSITIVOS DE MALÁRIA EM PESSOAS QUE
PROCURAM OS 10 SUBPOSTOS DE MEDICAÇÃO ENTRE GOVERNADOR VALADARES
E CEL. FABRICIANO. TOTAL ACUMULADO, 1944 E 1945.
Data Nº. de prédios
expurgados
DDT gasto
(Kg)
Média de DDT
por M2 (g)
Média de DDT
por prédio (g)
1º. Ciclo 1946
Setembro 1250 345,3 2,48 276
Outubro 1467 382,9 2,47 261
Novembro 1304 385,9 2,54 296
Dezembro 367 147,2 2,49 401
2º. Ciclo 1947
Janeiro 1190 314,7 2,30 263
Fevereiro 1080 339,2 2,58 314
Março 1653 457,2 2,49 277
Abril 860 268,4 2,49 312
3º. Ciclo
Outubro 5555 1027,6 2,00 185
Novembro 183 45,6 2,12 118
Dezembro 146 32,7 1,99 224
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 80/Caixa 52)
43
Tabela 3.3 – TRATAMENTO DE DOENTES DE MALÁRIA.
Doentes
atendidos
Espírito Santo Minas Gerais
Anos 1948 1949 Total 1948 1949 Total
Doentes
Atendidos
2799 1256 4055 1090 340 1430
Metoquina
(Comprimidos)
34989 7209 42198 4510 6036 10546
Camoquin
(Comprimidos)
2386 2386 13088 13088
Fonte: (Fundo SESP – 1948 – COC – Doc. 60/Caixa 24)
43
Os títulos das tabelas são originais do próprio Fundo SESP. As figuras deste capítulo
estão apresentadas ao final.
91
De acordo com a tabela, temos um número reduzido de pessoas
atendidas nos Centros de Saúde do SESP no final da década de 1940,
acometidas pela malária, no Espírito Santo e em Minas Gerais (isto se
levarmos em consideração o número de moradores de Governador
Valadares, que chegavam aos 20 mil). Os dados mostram que o controle da
malária não se fez somente no período da II Guerra Mundial, quando eram
voltados significativamente para a reconstrução da EFVM e melhores
condições físicas de exportação do minério brasileiro, rumo aos EUA.
Também reforçam as campanhas educativas realizadas pelo Serviço em
toda a década, somando os esforços nas zonas urbana e rural.
Porém, impecilhos de ordem econômica, como a falta de verbas para
a conclusão de projetos e até mesmo o número diminuto de profissionais de
“segundo escalão”, contrapunham um melhor desempenho dos agentes de
saúde do SESP. A saída encontrada pelo Serviço foi subdividir as despesas
referentes aos portadores de alguma doença, justamente com a CVRD e o
Departamento Estadual de Saúde. Coube à Vale, dar assistência aos
trabalhadores que tinham residência às margens da EFVM, e que
apresentavam “(...) high degree of infection, especially ascaris and
hookworm” (Fundo SESP – 1944/1950 – COC – Doc. 54/ Caixa 24)
44
.
Além destes problemas, o SESP deparou-se inúmeras vezes com a
falta de materiais básicos para o combate às doenças do Vale do Rio Doce.
Durante a guerra, a vinda de medicamentos para o Vale também esteve
dificultada pela impossibilidade de importação via-oceano, tendo o Serviço
que recorrer à produção interna. Em documento assinado por Sérvulo Lima
(superintendente do SESP) e E. Christopherson (Chefe do Departamento de
Campo), há a necessidade de pessoal e de equipamentos, para trabalhar
nos Centros de Saúde do Vale. De acordo com o documento
45
:
44
Traduzindo: “havia grande incidência de infecções, especialmente os ascarídeos e a
lombriga”.
45
Traduzindo: As atribuições do "Centro de Saúde" em um período de tempo têm ao menos
um doutor empregado por este Programa e pessoal auxiliar que o médico pode requerer;
[sic] o equipamento, o material e as fontes existentes no "Centro de Saúde" são requisitados
pelo doutor do programa, ou pelos doutores, atribuídos a este Centro.
92
Assignments to the “Centro de Saúde” on a full-time basis of at least one
doctor employed by this Program and auxiliary personnel that he or they
may require;
Angment the existing equipment, material and supplies of the “Centro de
Saúde” as requested by the Program’s Doctor, or doctors, assigned to
this Center.
(Fundo SESP – 1944/1950 – COC – Doc. 24/ Caixa 54).
Uma idéia apresentada por Marcolino Candau
46
(1948), para a
diminuição dos gastos relativos à contenção de doenças rurais, versava
sobre a possibilidade de unificar os projetos em torno das atividades
desenvolvidas, ou seja, para o combate à leishmaniose, à esquistossomose,
à malária e aos outros tipos de doenças, seria mais plausível que se
elaborasse apenas um projeto, o que impossibilitaria uma fragmentação das
verbas adquiridas (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 24/ Caixa 03).
Durante essa fase do SESP (final da década de 1940), são
perceptíveis as dificuldades enfrentadas pelo Serviço quanto à
disponibilidade de verbas, para a execução de projetos. Coincide com o
desmantelamento do IIAA e a saída de figuras importantes que fizeram parte
dos Acordos, como Nelson Rockefeller, e também com a dúvida norte-
americana em manter laços bipolares em saúde pública juntamente aos
brasileiros.
Em documento de 1948, há a notificação por parte do SESP, de um
surto endêmico de febre tifóide, na zona rural de Conselheiro Pena (cidade
que faz limite com Governador Valadares), e vários procedimentos – tidos
como de praxe – são executados, como a instalação de posto provisório de
vacinação; todavia, ao repassar à população os procedimentos preventivos
quanto a esta doença, o Serviço deparou-se com a falta de material
suficiente para a ajuda populacional. Segundo o documento:
(...) enquanto nos preparávamos para proceder a Investigação
Epidemiológica e executar intensiva campanha de Educação e
Propaganda Sanitária, fortalecendo aquelas medidas preventivas, com
palestras, projeções cinematográficas, distribuição de prospectos,
fixação de cartazes, etc. Solicitamos à seção competente do Programa
o fornecimento deste material, no que, infelizmente, não pudemos ser
atendidos
(Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
46
Marcolino Candau foi diretor da Organização Mundial de Saúde no princípio da década de
1950.
93
A passagem ainda serve para reforçar que, após o fim da guerra, a
situação econômica do Serviço não o permite engendrar obras e combates à
doenças, sem a ajuda das prefeituras locais, do Serviço de Saúde do
Estado, da CVRD, e até mesmo, através das doações angariadas pela
população assistida do Vale do Rio Doce. Esse momento coincide com o fim
dos trabalhos da Rockefeller em saúde pública e também, com o momento
em que brasileiros e norte-americanos partem para a assinatura dos novos
laços bipolares.
3.2. Os trabalhos realizados em infra-estrutura no Vale do Rio Doce
3.2.1. Os embates entre o SESP e a Prefeitura de Governador Valadares
Those of the people to whom the distribution mains were not
conveniently located, obtained their water from local sources, badly
constructed, unsanitary [sic] wells, highly polluted and unsafe and small
unprotected streams. These conditions were largely responsible for the
high rates of illness and death, due to the various dysenteries.
(Fundo SESP – 1949/1951 – COC – Doc. 36/ Caixa 33)
47
.
Em Governador Valadares, as primeiras medidas tomadas em prol da
melhoria nas condições de abastecimento de água, realizaram-se em fins da
década de 1930, e não tiveram relação com os futuros trabalhos
desempenhados pelo SESP no Vale do Rio Doce. A captação de água junto
ao leito do Rio Doce, necessitou de equipamentos e especialistas que
vieram de outras regiões de Minas Gerais, sobretudo da capital (a cargo do
Governo do Estado de Minas Gerais), que enviou em princípios do ano de
1940, maquinários que possibilitavam a retirada de água junto ao Rio Doce.
A arrecadação ínfima de impostos por parte da nascente prefeitura
local
48
, contribuiu também de forma direta para a pobreza e a
vulnerabilidade da saúde pública do município, impedindo uma maior
modernização do território, aos moldes apregoados por Getúlio Vargas. O
processo que estruturou o sistema de abastecimento de água e esgotos de
47
Traduzindo: Muitos dos povos a quem os meios principais da distribuição não foram
convenientemente localizados, obtendo sua água das fontes locais, poços [sic] mal
construídos, insalubres, altamente poluídos, inseguros e pequenos córregos desprotegidos.
Estas circunstâncias eram responsáveis pela maior parte das taxas elevadas de doenças e
mortes, devido às várias disenterias.
48
O primeiro prefeito empossado de Governador Valadares foi Moacyr Paleta.
94
Governador Valadares teve, com a presença do SESP, seu momento de
maior adequação aos traçados já existentes em outras cidades do país.
Nos anos de 1943 e 1944 tem-se a abertura dos primeiros canais de
tubulação da cidade e a construção do sistema de reservatório de água,
vinda do leito do Rio Doce. Em fins desta mesma década, devido ao
crescimento populacional do município, houve a readequação de todo o
sistema distribuidor de água, num processo que demandou esforços dos
agentes de saúde do SESP, e que esbarrou em atritos com a prefeitura de
Governador Valadares que, segundo os agentes, além de não contribuir
financeiramente com os serviços prestados, era incapaz tecnicamente de
manter um padrão de conservação dos trabalhos realizados.
Em meados de 1945, o SESP promove o que podemos denominar de
“fase desenvolvimentista” do leste mineiro. Com o fim da guerra, e até um
pouco antes de seu término, os engenheiros sanitaristas do Serviço, sob
administração de Sérvulo Lima e Eugene Campbell (responsáveis por
projetos inerentes à melhoria do abastecimento de água em Governador
Valadares) iniciam a construção de várias fontes de água potável, em locais-
chave do município, sob a prerrogativa de atender às comunidades menos
favorecidas economicamente
49
. “The public fountains and public laundries
have been constructed at the most beneficial locations” (Fundo SESP
1945/1951 – COC – Doc. 37/ Caixa 33)
50
.
A preocupação maior dos agentes sanitários pautava-se na falta de
instrução populacional, quanto aos focos de doenças presentes nos leitos
dos rios e córregos da região, locais onde os moradores retiravam água para
ser utilizada no preparo de alimentos e servia também para os banhos
diários. A empreitada do SESP foi realizada mediante acordos firmados com
a Prefeitura de Governador Valadares e gerou diversas controvérsias, frente
ao futuro dos empreendimentos em saúde pública.
Ao que tudo indica, a contribuição em capital por parte da prefeitura
local, com a construção do sistema de distribuição de água, foi irrisória,
49
Resta saber quais eram os procedimentos para identificar quais as populações “mais
pobres” de Governador Valadares, mesmo porque neste período havia um grande
contingente populacional que chegava à esta localidade e tinham as mesmas dificuldades
econômicas daqueles já instalados.
50
Traduzindo: as fontes públicas e os locais de utilizados como lavatórios públicos foram
construídos em locais benéficos à população.
95
tendo o SESP que despender a maioria de seus esforços neste sentido,
cabendo aos administradores municipais, a responsabilidade pela
manutenção do que fora realizado. “(...) the effectiveness depends in entirely
on the competence and efficacy of the municipal management, the most vital
factor” (Fundo SESP – 1945/1951 – COC – Doc. 37/ Caixa 33)
51
. Não havia
por parte dos sespianos, uma clara confiabilidade junto à administração de
Governador Valadares ou, ao menos, desconfiava-se da capacidade de
ordenamento de ações, após a conclusão deste empreendimento.
Havia uma contraposição dos especialistas do SESP aos políticos
locais, causando indiferença e falta de colaboração para o sucesso dos
trabalhos. Talvez pelo fato relatado por Ernani Braga em sua entrevista, que
assinalava uma desconfiança frente à nacionalidade do Serviço, os
membros da administração de Governador Valadares, não se predispuseram
a acatar as medidas de saneamento que estavam sendo dispostas neste
período. Esta “desconfiança” tem fundamento, na medida em que o SESP
pautava sua argumentação com base num discurso puramente científico,
relegando a segundo plano, outro tipo de concepção referente às formas de
desenvolvimento local.
A passagem a seguir demonstra um viés do Serviço tipicamente
americanizado, de como uma sociedade deve se portar para prover o
mínimo de qualidade de vida para as populações. De acordo com o Fundo
SESP:
To combat ignorance and superstition and to orient and impress the
public mind with the miracles of sanitation, and intensive and prolonged
campaign of public health education is an absolute essential. This is the
single great need of the Rio Doce Valley for thereby, only will
measurable health progress be attained.
(Fundo SESP – 1945/1951 – COC – Doc. 37/ Caixa 33)
52
A citação que o SESP se imbuiu primeiramente em tentar
“desmistificar” a população do Vale do Rio Doce quanto a procedimentos em
saúde pública adotados, inclusive tratando-os como “um combate à
51
Traduzindo: “(...) a eficácia do trabalho depende inteiramente da competência da
administração municipal, fator este que é vital”.
52
Traduzindo: Combater a ignorância e a superstição e orientar e guiar a mente pública com
os milagres da saúde, e a campanha intensiva e prolongada de instrução em saúde pública
é absolutamente essencial. Esta é a única grande necessidade do Vale de Rio Doce para
que desse modo, seja alcançado o progresso [sic] da saúde.
96
ignorância e a superstições”, para depois avançar no processo de
desenvolvimento desta região.
Os problemas de “comunicação” entre os agentes do SESP e a
administração pública de Governador Valadares, acentuaram-se
principalmente no ano de 1948, quando há a necessidade de substituição de
coletores de água, danificados pela cessão do terreno onde foram
construídos. Segundo os agentes do SESP, a prefeitura da cidade não se
empenhou de forma alguma para solucionar este impasse, ocasionando
maiores danos à tubulação, com a chegada das chuvas sazonais, que iam
de setembro a janeiro. A administração da cidade optou por tomar medidas
emergenciais e que não trariam resultados benéficos a longo prazo. “Um
canal aberto, temporário, foi instalado pelo departamento municipal de obras
públicas (...) o afluente do esgoto está sendo despejado in natura no Rio
Doce à altura do centro da cidade” (Fundo SESP – 1949 – COC – Doc. 34/
Caixa 33). O impasse entre prefeitura e SESP também pode ser visto sob
este viés, caracterizado pela tentativa do Serviço em manter uma qualidade
aceitável para a saúde pública de Governador Valadares, ao passo que,
para os políticos locais, as alternativas “emergenciais” poderiam ser
realizadas sem muita preocupação com o bem estar da população (Fundo
SESP – 1949 – COC – Doc. 34/ Caixa 33).
O plano posto em prática nesse ano, consistiu na relocação dos
condutores (ver figuras 3.4 a 3.7), em locais mais afastados do Rio Doce, em
áreas onde o terreno fosse menos arenoso, diminuindo as margens para
novas danificações. Como na maioria dos projetos empregados pelo
Programa do Rio Doce, a responsabilidade pela administração dos serviços
ficava a cargo dos membros do SESP, o que de certa forma, acabaria por
subordinar o poder público local às premissas difundidas pelo Serviço,
agindo como um agravante nas relações entre ambos.
Nesse episódio envolvendo a necessidade de mudanças dos
coletores, percebe-se com base na documentação do SESP, uma linha de
hierarquização à frente do município, inclusive com a imposição dos níveis
aceitáveis de conservação do sistema de água público municipal. Para
Marcolino Candau e Eugene Campbell (Fundo SESP – 1949 – COC – Doc.
34/Caixa 33), “as condições adequadas de funcionamento acima
97
mencionadas serão aquelas aceitáveis pela Divisão de Engenharia do
Programa do Rio Doce”. Assim como em outros casos, as sobras dos
materiais utilizados para a construção de cerca de 550m de coletores, foram
encaminhadas para outras regiões assistidas pelo SESP. Ao que tudo
indica, a ida do Serviço para o Vale do Rio Doce provocou um impacto na
hierarquização política municipal, e neste sentido, vários contratempos entre
políticos locais e membros do SESP tiveram que ser solucionados.
O SESP teve que confrontar problemas tipicamente estruturais (ver
figura 3.8), e também teve que manter uma política associativa junto à
prefeitura de Governador Valadares, mesmo que em muitos casos, a
proposta do Serviço não tenha sido complementada com a continuidade
local. Neste sentido, cabia ao SESP executar as obras de saneamento e a
prefeitura teria a incumbência de manter a qualidade do que fora feito. Além
disso, o receio ou até mesmo a aversão à subordinação que o Serviço
imprimia aos administradores locais, era fonte importante de tensão entre
estas duas esferas de poder.
A administração do Programa do Rio Doce era dividida entre a
superintendência do Serviço e os representantes do IIAA no Brasil, deixando
à margem os políticos do Vale do Rio Doce. Este tipo de hierarquização, que
possivelmente já veio definida desde os Acordos de Washington, tendeu a
distanciar o poder público de Governador Valadares, às iniciativas do
Serviço. Em decorrência disso, provavelmente muitos assuntos relevantes
para os políticos daquele município não foram colocados em pauta de
reuniões, pela administração do Programa do Rio Doce, o que de certa
forma, impediu um maior conhecimento dos problemas locais pelo SESP, a
partir da concepção tomada pelos valadarenses
53
.
53
Quando me refiro aos embates entre políticos locais e os sanitaristas do SESP, faço-o
com base nos problemas vistos pela elite local, visto que havia uma desigualdade entre os
anseios dos chamados “coronéis” locais aos problemas enfrentados pela população que
trabalhava na reconstrução da EFVM e também aos demais flagelados.
98
3.2.2. A construção de latrinas sépticas
O programa do SESP para a construção de fossas sépticas em
Governador Valadares teve início logo após a ida do Serviço para Minas
Gerais, em 07 de abril de 1943. A população atendida era composta de
famílias que não tinham acesso à higiene básica, as mesmas que foram
beneficiadas com as instalações de fontes de água potável no município.
“Specific health benefits such as, reduction in worm infections and improved
yard cleanliness cannot now be definitely measured, but are nevertheless
slowly becoming effective” (Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/
Caixa 47)
54
.
O comprometimento com a continuidade das medidas de higiene,
dispostas após a construção das latrinas (ver figuras 3.9 a 3.12), ficou a
cargo dos próprios moradores locais, isto em concomitância às visitas
regulares praticadas pelos guardas do Centro de Saúde municipais. Houve
uma proposta de inserção das camadas mais pobres de Governador
Valadares aos quadros de desenvolvimento econômico pretendidos pelo
Serviço.
Como a busca por minerais e a reconstrução da EFVM exigiram um
reordenamento no traçado de algumas cidades do Vale do Rio Doce,
passou-se a dar importância a aspectos pouco relevantes até este momento
(se formos nos ater a um quadro político mais amplo), como a contenção da
malária, a construção de latrinas e as preocupações com o nível de
salubridade dos indivíduos do leste mineiro. Até que ponto, medidas
importantes seriam tomadas contra a presença de doenças neste território,
se o mesmo não fosse fonte para a extração de minerais de guerra? O
território teria se isolado no tempo (assim como muitas regiões interioranas
do país), ou se transformaria para se tornar o que hoje conhecemos como
uma cidade de médio porte, denominada Governador Valadares?
O apoio dado pelo SESP para o Vale do Rio Doce teve grande
motivação econômica, pois a própria duração do Serviço se faria somente
até o findar da II Guerra Mundial. No ano de 1947, o Serviço propõe a
54
Traduzindo: os benefícios gerados pelo trabalho do SESP acabariam por eliminar ou
diminuir os casos de verminoses, mesmo que de forma lenta.
99
construção de latrinas a serem instaladas em residências, tendo como
premissa a importância de Governador Valadares no contexto econômico
nacional. Segundo o documento:
A cidade de Governador Valadares, no estado de Minas Gerais é uma
das maiores cidades do Vale do Rio Doce. Pela riqueza mineral das
suas circunvinhanças ela tem lugar destacado não somente na
economia estadual como nacional. Também no reino vegetal se faz
sentir o seu peso. Cerca de 8 serrarias se encontram dentro dos limites
da cidade, havendo mais algumas nos arredores.
(Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/ Caixa 47)
A justificativa para a cooperação Brasil/EUA é apresentada pelo
Serviço em relação ao número de habitantes e de domicílios construídos,
durante toda a década de 1940. Até o ano de 1943, havia em Governador
Valadares uma população em torno de 7.000 habitantes, tendo a cidade
1.200 prédios aproximadamente. Já em 1947, este número se eleva para
15.000 e 3.000, respectivamente. Com este salto demográfico, impulsionado
pela “(...) exploração da mica, cristal de rocha e também da industria
madeireira para exportação” (Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/
Caixa 47), há um planejamento para a instalação de latrinas (ver tabela 3.4),
nos domicílios ainda não assistidos. De acordo com o Fundo SESP:
Recente levantamento feito pelos guardas sanitários do Centro de
Saúde mostrou que quase 960 prédios não possuem instalação
sanitária de espécie alguma. As necessidades fisiológicas são
satisfeitas nas imediações das habitações muitas vezes próximo ao
poço que fornece toda água usada na casa. Daí, provavelmente, as
origens dos casos de febre tifóide que surgem. No mês de setembro
deste ano foram confirmados 8 casos completando assim 42 em todo o
ano de 1947.
(Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/ Caixa 47)
Tabela 3.4 – Número de escolas x número de privadas.
Escola Nº. de alunos Nº. de privadas
Escola Presbiteriana 69 1
Grupo Escolar 694 13
Escola Padre Anchieta 156 2
Escola Santa Therezinha 80 1
Escola Bela Vista 41 0
Escola Vila Nova 20 0
Fonte: (Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/ Caixa 47)
100
Os dados da tabela 3.4 mostram o número reduzido de privadas nas
escolas em comparação ao número de alunos matriculados. Isto acentua a
importância dos trabalhos do SESP (uma vez que foi o Serviço quem
construiu estas privadas) e uma preocupação com a saúde infantil no pós-
guerra. O projeto do SESP assinado por Marcolino Candau e Eugene
Campbell, abrangeu o atendimento a um número razoável de domicílios do
município, conforme demonstram os pontos a seguir:
a) Prover cerca de 500 casas, localizadas onde não haja rede de
esgotos, e onde a situação econômica do proprietário não o permita
construir, de uma privada sanitária;
b) Fornecer 250 lages para que os proprietários em melhores
condições financeiras construam uma privada em suas
propriedades;
c) Fazer as 500 privadas propostas em cooperação com os
proprietários ou moradores de maneira a dividir o custo entre estes e
o SESP;
d) Cooperar no serviço de saneamento geral levado em efeito pelo
Centro de Saúde prestando assistência técnica quando requerida
pelo Diretor do referido Centro;
e) Obter da prefeitura local a cooperação necessária à realização do
projeto e também a ligação à rede de esgotos dos prédios cujos
proprietários estejam em condições de fazê-las;
f) Obter da Prefeitura local que se coloque a licença de construção na
dependência da existência no projeto de meio satisfatório para
disposição dos excretos.
(Fundo SESP – 1943/1945 – COC – Doc. 35/ Caixa 47).
Destes pontos, alguns podem ser considerados de difícil resolução,
como os itens “c” e “e”, em função dos poucos recursos econômicos da
população atendida, e pelos atritos já assinalados entre o SESP e a
Prefeitura de Governador Valadares. Além da construção de privadas, o
Serviço se predispôs a fabricar lajes de concreto, para o complemento do
trabalho. Estas ficavam alocadas no Centro de Saúde municipal, sendo
repassadas para os proprietários de casas locais, algumas após o
pagamento de uma pequena taxa de contribuição, outras de forma gratuita.
Nas demais localidades do Vale do Rio Doce – onde havia passagem
da EFVM -, o SESP construiu um total de 122 latrinas em 1946, o que tende
a ser um número relativamente irrisório, ainda mais se formos analisar o
distrito de Derribadinha, onde apenas cinco latrinas foram entregues à
população, conforme disposto na tabela 3.5:
101
Tabela 3.5 – Latrinas construídas em Minas Gerais (RD-MGE-9).
Município Nº. de latrinas
Resplendor 48
Conselheiro Pena 12
Barra do Cuieté 10
Tumiritinga 12
Derribadinha 5
Antônio Dias 17
Desembargador Drumond 18
Total 122
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1947 – COC – Doc. 45/ Caixa 48)
Fato curioso foi verificado em um dos distritos de Governador
Valadares, denominado “Chonim”, já em princípios de 1950. O documento
intitulado Relatório do Núcleo de Cooperação Rural de Chonim, traz alguns
dados significativos, sobre as condições de trabalho do SESP pela zona
rural do Vale do Rio Doce, além de mostrar a inoperância da prefeitura
municipal no que tange à melhoria nas condições de acesso aos limites das
zonas rurais.
Escreve o documento Fausto Teixeira (visto como coordenador,
possivelmente da ACAR ou do próprio SESP). Em seus comentários, a parte
central é uma crítica ao prefeito de Governador Valadares, na questão
relativa à falta de medidas necessárias para a interligação do distrito à
Rodovia Rio-Bahia, seja pelo asfaltamento do trecho ou até mesmo pela ida
ao local de tratores apropriados para a melhoria da estrada de terra.
Fausto Teixeira percorria as regiões circundantes à cidade de
Governador Valadares, por esta razão, o bom estado de conservação das
estradas poderia gerar um ganho de tempo em seus trabalhos. O mais
interessante do documento porém, associa-se ao processo de desalento,
causado também, pela falta de condições econômicas dos moradores de
Chonim, para arcarem com a construção de privadas em suas casas.
Neste ponto, existem duas questões pertinentes sobre este
impedimento: a) realmente os moradores não tinham como arcar com os
custos da fabricação das privadas, fato este reforçado pela passagem, em
que “(...) julga-se que muitos podem arcar com as despesas, se o
102
pagamento for em prestações mensais suaves, até 10 meses, se
necessário” (Fundo SESP – 1951/1953 – COC – Doc. 45/ Caixa 23) e b) não
seria visto como um problema primordial para os moradores de Chonim, a
necessidade de se construir privadas higiênicas em suas residências, uma
vez que a presença de doenças advindas de verminoses, não era algo
desconhecido para os moradores. Embasam este raciocínio, os costumes
tradicionais mencionados e a aversão por novas técnicas de lidar com a
questão da saúde para as populações interioranas. É importante
percebermos até que ponto havia a necessidade, por parte dos moradores
deste distrito, pela construção de privadas.
Muitos problemas enfrentados pelo SESP e também pela Fundação
Rockefeller, no que tange à tentativa de propor algum trabalho em saúde
pública, estiveram associados à falta de conhecimentos, a partir das reais
necessidades das populações assistidas. Estes órgãos, tinham em seus
quadros de funcionamento, todas as doenças locais, o nível de renda dos
moradores, a instrução escolar (que era deficitária na maioria dos sertões), a
topografia dos municípios, e mesmo com tantos dados, abordaram um
método de trabalho que excluía o seu próprio alvo de ação, das decisões a
serem tomadas.
Não houve uma preocupação em listar junto às populações os tipos
de problemas a que estas mesmas se inseriam, para desta forma, manipular
algum tipo de assessoramento. Em grande medida, esta “falha” sespiana se
apresenta pela própria essência do Serviço, que visava desde sua origem,
uma extração das riquezas minerais a serem exploradas, como principal
razão de existir, para a partir disto, prover os Vales Amazônico e do Rio
Doce com seus métodos profissionais em saúde pública.
Em Chonim, o SESP não se preocupou em primeiro verificar a
relevância econômica, cultural e até política para a elaboração de seus
trabalhos, agindo abruptamente como fora feito pela Rockefeller,
principalmente em países como a Colômbia. Houve no entanto, um indício
de mudança ocasionado pela interligação da ACAR ao SESP em fins da
década de 1940, o que propiciou um aumento de estudos sobre saúde
pública e agronomia para as crianças locais. Ao Serviço, coube a tarefa de
enfatizar junto às escolas de Chonim, a relevância de se ter um bom estado
103
de saúde, e isto era passado diretamente nas salas de aula, junto às
crianças. Já a ACAR, teve a incumbência de demonstrar os novos rumos da
agronomia do pós-guerra, em muito sustentada pela maior interessada
nestes fins, justamente a Fundação Rockefeller, que difundia a mecanização
da lavoura, a plantação em larga escala (aos moldes da plantation, o que
desembocou na Revolução Verde) e o abandono dos meios tradicionais da
agricultura.
3.3. Programas educativos e treinamentos realizados pelo SESP
3.3.1. Os trabalhos das Visitadoras Sanitárias
O treinamento de pessoal executado pelo SESP, sob supervisão do
IIAA, esteve envolto em pontos simbólicos que objetivavam uma maior
presença do tipo de prática científica difundida nos EUA e que foram
empregadas (mesmo que de forma indireta) em países como o Brasil. Além
das bolsas de estudo em instituições norte-americanas, esta prática passaria
a interferir em setores como economia, política e cultura, no momento em
que houvesse uma transposição de ideais
55
estadunidenses para o Brasil.
É nesse sentido que, várias empresas norte-americanas passaram a
financiar estudos em países localizados no chamado “Terceiro Mundo”,
sobretudo no pós-guerra, como forma de angariar mercados consumidores e
tornar comum, a presença destas instituições em cenário internacional. No
início do século XX, a Rockefeller foi preponderante, ao criar a disciplina de
Higiene, na Faculdade de São Paulo e, algumas décadas depois (ano de
1968), a Fundação Ford participou ativamente da criação dos cursos de pós-
graduação em Extensão Rural e Economia Doméstica, em universidades
importantes do Brasil, a ver a Universidade Federal de Viçosa.
Os treinamentos aplicados às Visitadoras Sanitárias também sofreram
algum tipo de influência externa, embora estas tivessem sido
55
Segundo CAMPOS (2006: 224), o IIAA era fornecedor de livros para as faculdades
nacionais e também passou a administrar cursos para médicos e engenheiros, tanto em
São Paulo, como na capital federal. As enfermeiras passaram a ser treinadas nas escolas
recém inauguradas em cidades-pólo do Brasil, o que mostra um empenho brasileiro em
formar novos profissionais e uma ajuda norte-americana, que lhe permitia repassar a outros
países, seus resultados obtidos pelos trabalhos científicos.
104
“profissionalizadas” nas regiões de sua atuação, com cursos que não
ultrapassavam seis meses de duração (CAMPOS, 2006). Eram em sua
maioria, moradoras das cidades atendidas pelo SESP justificando assim, o
curto período de treinamentos realizados, e também uma maior dificuldade
quanto à chegada de novos profissionais às regiões interioranas do Brasil
neste período. Mesmo após o término dos estudos, as Visitadoras Sanitárias
estavam sujeitas a uma supervisão de seus trabalhos, que ficavam sob
responsabilidade das Enfermeiras-Chefe, o que não impedia alguns contra-
tempos referentes à sua execução (Fundo SESP – 1947/1950 – COC – Doc.
39-40/ Caixa 14).
As reuniões para a melhoria dos trabalhos das Visitadoras e para o
bom funcionamento dos Centros de Saúde, eram realizadas no estado de
Minas Gerais ou no Espírito Santo, isto para abranger toda a área de
extensão da ferrovia. Em suas pautas, estas reuniões demonstravam o tipo
de atuação dos profissionais dos Centros de Saúde, reestruturavam quadros
de horários de trabalho, estipulavam tarefas a serem executadas com
relação à população e abordavam os contratempos verificados quanto ao
mau funcionamento das Unidades.
Em muitos casos, este “mau funcionamento” esteve associado à falta
de quorum no exercício de suas funções, o que perfazia um número
reduzido de profissionais nos quadros de pessoal do SESP. No ano de 1948,
após reunião realizada em Vitória-ES, o Chefe da Divisão Médico Sanitária
do Rio Doce, constatou que os Centros de Saúde de Governador Valadares
e Aimorés estavam sem a presença de Enfermeira-Chefe e Técnico de
Laboratório, respectivamente, causando quebra qualitativa na prestação de
serviços do SESP. Os motivos das ausências foram respectivamente,
pedidos de férias e de afastamento, porém sem haver antecedência,
acarretando o deslocamento de Visitadoras para o provimento do cargo da
Enfermeira, e a falta de substitutos para a vaga de Técnico (Fundo SESP
1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02).
105
As Visitadoras (ver figura 3.13)
56
eram responsáveis pela ida às casas
da população com o intuito de demonstrarem novas formas de educação
sanitária. A formação deficiente de muitas destas (em muito ocasionada pela
pouca duração dos cursos de profissionalização e também pela má
qualidade sócio-econômica), fez com que o SESP padronizasse horários
para as visitações. No turno da manhã, os grupos realizavam seus afazeres
e no turno da tarde, ficavam responsáveis pela correção dos questionários
aplicados. Trabalhavam também dentro dos Centros de Saúde, em auxilio às
Enfermeiras, e prestavam seus serviços às gestantes e mães com filhos de
colo. Até o ano de 1948, as Visitadoras e Enfermeiras gozavam de
benefícios como alojamentos, mas que logo foram extintos pelo Serviço,
devido “a certas ocorrências graves de caráter moral na residência das
Enfermeiras, que vinham influindo bastante no conceito do Serviço” (Fundo
SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
Além destes problemas, o Serviço de Enfermagem de Governador
Valadares incorria na falta de organização perante os quadros de
atendimento dos médicos dos Centros de Saúde. Como neste período o
número de médicos que prestavam seus serviços no Vale do Rio Doce era
diminuto, (sendo que, por muitas vezes estes consultavam em outras
regiões de Minas Gerais) sua permanência nas Unidades teria que ser
agilizada pelo pessoal do Serviço, para que o trabalho transcorresse com
maior facilidade. De acordo com o Fundo SESP:
56
O modelo de uniformes, apresentado ao final do capítulo, era semelhante àqueles
utilizados em meios militares. Na verdade, havia uma ligação direta entre o combate militar
e o outro tipo de combate, feito contra as doenças. As guerras possibilitavam uma via para o
fim de enfermidades, ao demonstrarem, através de experimentos, novos conceitos e
métodos plausíveis. Um bom exemplo, utilizado inclusive em Governador Valadares esteve
relacionado à contenção da malária, com o uso de DDT, justamente após sua
experimentação na II Guerra Mundial. No século XIX, inúmeros combates entre países
rivais, acabaram por ser decididos, não nos campos de batalha, mas com relação às
endemias existentes em determinados campos de guerra. O exército de Hitler teve seu
primeiro revés durante a II Guerra na invasão da Rússia, porém, neste caso, o fator “clima”
teve papel de destaque. As tecnologias que se implementaram no pós-guerra, tiveram
nestes enfrentamentos um impulsionador absolutamente vital para transformações nos
campos da saúde e também com a geração de novas tecnologias.
106
O arquivo de cartões do roteiro de visitas sistemáticas e especializadas,
que deveria estar no Serviço de Enfermagem, encontrava-se no Arquivo
Central, assim também, a Agenda para marcar consultas no
Dispensário, que é privativo do Médico. É por centralização de
atividades fora de suas atribuições que se observa a sobrecarga
alegada no Arquivo Central.
(Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
Ao que tudo indica, o ano de 1948 marcou um processo de
reformulação na estrutura de trabalho das Visitadoras do Centro de Saúde
de Governador Valadares. O comando do Centro de Enfermagem passou à
responsabilidade de uma Enfermeira-Chefe recém diplomada, que teve
como incumbência dar maior padronização sobre as atividades exercidas.
No Brasil, os esforços na formação de profissionais em Enfermagem
advinham de décadas anteriores, com a criação de centros de estudos
importantes, como a Escola Ana Néri (RJ) e já na década de 1940, é criada
com o apoio do SESP, a Escola de Enfermagem da USP, contribuindo para
um maior número de especialistas, em território nacional. De forma
resumida, as mudanças estiveram associadas aos seguintes pontos:
Para melhor ordem no trabalho, foram procedidas correções de falhas
no Lactário, revisão na escala de atendentes e Visitadoras, para os
plantões de domingos e feriados no Lactário, e confeccionadas escalas
para projeções e palestras de Educação Sanitária no Centro de Saúde,
pelas Visitadoras.
(Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02).
Ainda neste mesmo ano, foram procedidas revisões gerais nos
diversos arquivos do município de Governador Valadares. A nova
Enfermeira-Chefe se deparou com inúmeros problemas na “Pasta de
Família”, associados aos atrasos nas visitações, “fichas de residentes
abandonadas, mudanças não registradas, fichas de Pré-Natal sem visitação
por serem estranhas ao Serviço de Enfermagem, famílias não fichadas e
famílias extintas ainda não suspensas” (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc.
15/ Caixa 02).
O trabalho das Visitadoras passou a dar resultados positivos,
justamente após uma maior sistematização e supervisionamento efetuado
pelas Enfermeiras e também pela parte diretiva do Centro de Saúde de
Governador Valadares. Este avanço visava uma integração de todas as
Unidades do Vale do Rio Doce, permitindo desta forma, uma relocação de
107
membros de um município para outro, em momentos de escassez de
profissionais. A parte técnica dos afazeres das Visitadoras foi repassada
para uma espécie de “cartilha”, sendo mimeografa e distribuída para todas
as profissionais (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02). Visava-
se com isto, manter o nível de confiabilidade do SESP, tanto em Minas
Gerais, como no estado do Espírito Santo.
Erros quanto à conduta das Visitadoras passaram a ser punidos com
rigor pela Diretoria do Serviço, inclusive com exonerações de cargos. A partir
desta constatação, inúmeras reuniões foram realizadas, visitadoras
perderam seus cargos, enfermeiras agiram como supervisoras (nas
Unidades de Saúde e avaliando os questionários de visitas), tendo como
resultado final uma possível regularização dos afazeres e posterior aumento
na qualidade do Serviço.
3.3.2. Os serviços prestados pelo Centro de Saúde de Governador
Valadares
3.3.2.1. A saúde das mulheres e das crianças
Certos aspectos relativos às preocupações com mulheres e crianças
em Governador Valadares advém do antagonismo criado entre URSS e EUA
no pós-guerra, e referem-se à uma inserção de ambos (mulheres e crianças)
em pautas de relatórios concernentes à contenção de doenças. A criação da
OMS é um dos primeiros marcos do pós-guerra, que promove o embate
entre democratas e comunistas na questão da saúde mundial.
Em seu contexto, esta Organização expõe uma maior preocupação
com a saúde de crianças e mulheres, fato pouco explorado durante as
décadas anteriores. O ponto de divergência entre russos e americanos
esteve condicionado à direção da OMS e sobre o tipo de política que seria
implementada para auxiliar os países mais pobres. Segundo BROWN et all
(1996): “a política da Guerra Fria tinha uma relevância específica, com um
inquestionável impacto na OMS em termos de políticas de pessoal”. Sendo
assim, a URSS se retirou da Organização ainda em 1949, enquanto os EUA
passaram a exercer forte poder de decisão nas resoluções internas, dando
108
respaldo às ações da OMS, ao mesmo tempo em que promovia suas
próprias políticas na área de saúde.
A proposta norte-americana para a reestruturação de certos países,
realizada aos moldes “democráticos”, também contribuiu para a criação de
dois outros importantes programas: a UN Relief and Rehabilitation
Administration (UNRRA)
57
e a UNICEF, ambos em fins da II Guerra Mundial.
A idéia era desenvolver o maior número possível de países em suas bases,
e isto incluía planos voltados para a saúde pública destas populações
(ROEMER, 1993). A base para a aceitação da política adotada pelos EUA
estava no condicionamento simbólico que estes programas viriam a suscitar
nos povos atendidos. Daí advém a idéia em despertar nos mais jovens estes
programas, por serem estes (os jovens) mais receptivos a novos conceitos,
seja pela apresentação de filmes, pela adoção de datas comemorativas
(como o dia da Criança, dia da Vacina BCG, etc.) e pela criação de clubes
infantis.
Os trabalhos do SESP - caracterizados por uma massificação de
novas idéias, oriundas de estudos científicos – embora fossem encarados
sob uma declarada perspectiva de dominação e de uma tentativa de
aculturação das populações atendidas, conseguiu realizar mudanças
importantes no cotidiano dos moradores do Vale do Rio Doce. A diminuição
do número de casos de malária é um ponto a favor do Serviço, assim como
a melhoria na estrutura física do município de Governador Valadares.
Noutras palavras, no caso específico do SESP no Vale do Rio Doce, a
imposição de medidas que foram feitas, embora tenha gerado algumas
controvérsias, auxiliou de certa forma no desenvolvimento regional de um
lugar pouco conhecido antes do início da II Guerra Mundial.
Outros exemplos positivos acerca da importância do SESP para o
Vale do Rio Doce são os trabalhos empregados junto às crianças e jovens
57
Os primeiros trabalhos da UNRRA foram realizados em 1944, assessorando as Forças
Aliadas na libertação de certos países do Mediterrâneo e dos Bálcãs. Com o fim da guerra,
países como a Ucrânia e também a Bielorrussia foram atendidos, por serem alvos diretos de
ataques japoneses durante a meia década de combates. Os alvos de apoio eram as
crianças, os sobreviventes de guerra e os trabalhadores dos campos de concentração.
Foram distribuídos: alimentação, vestuários, vacinas, maquinário para agricultura, produtos
de higiene bucal, maquinário industrial (como telefones e outros meios de comunicação),
etc. O Departamento de Saúde da UNRRA foi transferido para a OMS, em 1946. Sobre isso
ver: ROEMER (1993); BLACK (1986).
109
em tratamentos em higiene bucal, contenção de doenças e auxílio estudantil.
Quanto às mulheres, o Serviço tentou reduzir os quadros de mortalidade nas
gestações e também nos pós-operatórios, tendo sido preponderante, a
presença de um novo tipo de profissional que surgiu para dar suporte aos
técnicos do Serviço: as chamadas Curiosas.
3.3.2.2. A importância das Curiosas junto às gestantes
Na assembléia da Organização Mundial de Saúde (OMS) realizada em
1975, Halfdan Mahler, seu diretor geral, afirmou: "para vencer a dramática
falta de médicos no mundo inteiro é indispensável aproveitar todo o
pessoal disponível, as parteiras curiosas, o pessoal de nível elementar e
até mesmo os curandeiros". O pronunciamento da OMS vinha ao
encontro do que, na época, era consensual e corrente entre parte
significativa de formadores de opinião nacionais no setor saúde: a única
possibilidade de levar a assistência médico-sanitária a todos dos que dela
carecem é através da utilização de técnicas simples e de baixo custo,
aplicáveis sem dificuldade ou risco, por pessoal de nível elementar
recrutado na própria comunidade e remunerado de acordo com os
padrões locais.
(Evolução das Políticas e do Sistema de Saúde no Brasil, p. 244)
Os atendimentos prestados às gestantes, realizados por parte das
parteiras, foram bastante comuns, principalmente nas regiões interioranas
de países americanos, até o século XX. Como nas primeiras décadas de
1900, houve um crescimento contínuo de médicos obstetras, principalmente
nos EUA, o papel das parteiras passou a ser questionado nos meios
acadêmicos, com acusações que iam da prática do aborto ao infanticídio, da
ignorância até as causas de infecções nos partos. Para estes médicos, a
presença deste tipo de assistência à gestante deveria ser abolida, e
logicamente que, a substituição da parteira pelo médico diplomado era o
pressuposto para este fim. Embora houvesse esta “aversão” a estas
mulheres, havia o reconhecimento de muitos médicos de sua importância,
tanto no que tange à sua capacidade de trabalhos de nascimentos, como
pela carência populacional pelos tratamentos médicos, principalmente pelas
“limitações econômicas” encontradas (MENDONÇA, 2004: 16).
Ainda nos EUA, o que se constatou foi uma mescla, entre a
capacidade de desempenho nos partos, já existente por parte das parteiras,
aos treinamentos que passaram a ser-lhes ministrados por enfermeiras, com
110
a finalidade de poderem absorver todo o seu conhecimento em prol da
sociedade em que viviam, passando estas mulheres a influenciar de forma
direta em suas comunidades. As parteiras passaram a ter a incumbência de
serem assistentes nos partos, e ganharam o codinome de “curiosas”, ficando
subordinadas aos médicos e enfermeiras (MENDONÇA apud SMITH, 2004:
18).
No Brasil, a citação acima (Evolução das políticas...) enfatiza de forma
clara, os pontos pelos quais era necessariamente importante a presença das
Curiosas junto à população, e que por isto foram adotados pelo SESP junto
ao Vale do Rio Doce: 1) pela utilização de técnicas simples e de baixo custo,
uma vez que o Serviço não contava com uma remessa grandiosa de verbas
para a execução de seus trabalhos, a saída encontrada ateve-se ao que
poderia ser palpável e também de fácil compreensão para os envolvidos; 2)
recrutamento de pessoal da comunidade, embasa a necessidade de
trabalhar com pouco capital e reforça a importância do elemento local, como
meio de transformação, assim como fora feito nos EUA e assinalado por
MENDONÇA (2004), além de deixar margem para nos atermos à falta de
mão-de-obra presente no Vale do Rio Doce e 3) demonstra a importância
das Curiosas do Vale do Rio Doce, uma vez que, nem sempre os médicos
dos centros de saúde de Governador Valadares eram especialistas em
obstetrícia, sendo estas “profissionais” pessoas atuantes, não somente como
auxiliares, mas também como personagens principais em alguns casos de
nascimentos.
Nas Unidades de Saúde do Vale do Rio Doce, a atenção concedida
às mulheres fazia-se de forma inicial, com o apoio dado pelas Curiosas
58
nos regimes de pré-natal. De modo geral, estas trabalhavam com as
gestantes, repassando-as todas as etapas do processo de gravidez,
previamente assinaladas pelo médico responsável. As Curiosas tinham
aulas aos sábados, sendo instruídas também, pelas Visitadoras e
Enfermeiras (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02).
58
As Curiosas trazem a este estudo justamente a mescla do tradicional com o moderno, a
cultura local e a obrigação em fazer uso da Ciência como veículo de desenvolvimento, isto
porque é o resultado da associação entre as práticas das antigas parteiras locais e o SESP,
um Serviço que contava com uma forte estrutura de membros especializados, mas que não
conseguia superar os impecilhos quanto à profissionalização dos ramos intermediários, pela
falta em muitos casos de pessoas a serem treinadas.
111
A Direção do Programa do Rio Doce chegou a propor a modificação,
quanto à responsabilidade pelas aulas, devido ao número excessivo de
faltas
59
dos médicos palestrantes (pois estes trabalhavam em outras regiões
simultaneamente), o que ocasionava uma dispersão no número de parteiras.
Estas seriam ministradas pelas próprias Enfermeiras, e somente em alguns
casos com supervisão do médico-chefe do Centro de Saúde.
Outro problema verificado que advém dessas ausências, foi a
incapacidade das Curiosas na diferenciação de alguns remédios que viriam
a ser repassados para as lactantes. Em documentação do SESP (Fundo
SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02), ficou constatado a incapacidade
de algumas lactantes quanto ao processo de amamentação de seus filhos.
Uma das queixas das Visitadoras relacionava-se à falta de manejo da
mamadeira
60
, pois as mães não se preocupavam em escaldá-las e nem
tampouco as deixavam em “banho-maria”. As Curiosas eram responsáveis
pelas notificações dos nascimentos, distribuição de materiais do Centro de
Saúde (pacotes para curativo umbilical, álcool, iodo e mercúrio cromo) e
encarregavam-se de fazer os curativos nos olhos dos bebês, que ainda
estavam fechados (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02). Na
realidade, as Curiosas eram, na maioria das vezes, pessoas advindas de
classes econômicas inferiores e que tinham seus conhecimentos
fundamentados em suas tradições orais. Isto implica numa dificuldade
quanto à leitura do tipo de remédio que viria a ser utilizado, qual
procedimento a ser feito, com base nas cartilhas distribuídas e que por
vezes, eram substituídos pelo tipo de conhecimento que estas parteiras já
59
Na cidade de Aimorés (1948), o SESP documentou as inúmeras ausências do médico
responsável pela seção de Higiene e pré-natal, sendo que, o mesmo apenas trabalhava em
tempo parcial. Sobre isso ver: SESP (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02).
60
Aqui há um simbolismo importante quanto à mudança no cotidiano das mulheres que
viviam no Vale do Rio Doce. Enquanto essas sempre davam de mamar aos seus filhos
usando os métodos tradicionais, como o aleitamento materno, o incremento da mamadeira
veio com a intenção de substituir esta prática. Num simples ato de trocar o leite da mãe pelo
“seio artificial”, há também uma transposição de valores que tendem a ser empregados em
tais atos. De acordo com a passagem muitas mães não tinham muita habilidade com o
manejo da mamadeira e isto é normal, pois não existia este tipo de amamentação no Vale
do Rio Doce e noutras localidades do interior do Brasil. Nota-se também certa aversão do
SESP, verificada na passagem, quanto ao mau uso da mamadeira, numa tentativa de
acelerar o processo de substituição do aleitamento materno pelo uso de produtos
industrializados.
112
tinham a priori, fator este que causava atritos entre estas e as enfermeiras
do SESP.
O ingresso das Curiosas junto ao SESP pode ter causado uma série
de dúvidas - perante o tipo de decisão a ser tomada - por estas mulheres em
seu cotidiano, ao lidarem com assuntos que já haviam sido vistos antes
mesmo da chegada do SESP ao Vale do Rio Doce, e que foram, de alguma
forma, reformulados com a introdução de técnicas médicas. É a partir daí
que, embora levantassem (as Curiosas) a bandeira defendida pelo Serviço,
onde “a EDUCAÇÃO é o nosso principal trabalho” (Fundo SESP – 1951 –
COC – Doc. 15/ Caixa 02), estas ainda praticavam diversas medidas de
contenção de doenças e até de pequenas inflamações, com base em
elementos que não eram considerados eficazes pelos membros do Serviço.
A aversão do SESP se pautava nos seguintes procedimentos:
Há a necessidade de incrementar ainda mais a instrução das Curiosas,
quer em controle domiciliar, quer nas reuniões no Centro, para abolir de
vez as práticas absurdas, como: pó de fumo, pó de folhas, querosene,
óleos diversos, falta de cuidados com os olhos dos recém nascidos. O
melhor controle poderá ser feito com fornecimento de maleta com
material apropriado pois, além dessa possibilidade, servirá de estimulo
para a freqüência às aulas que serão mantidas semanalmente com
regularidade, permitindo punir as faltosas, inaptas e desinteressadas.
(Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
Na passagem, podemos notar alguns detalhes relevantes quanto à
relação Brasil/EUA, no pós-guerra. Primeiro, pela tentativa de padronizar os
serviços em saúde pública, embora à custa da eliminação de fatores
culturais locais, já consolidados por vários séculos e segundo, pela
preocupação com a saúde das crianças, que advém das pautas assinaladas
pela UNICEF e a OMS. Embora houvesse uma tentativa do Serviço em
extinguir o uso de plantas e outros produtos (vistos como prejudiciais por
seus sanitaristas) no trato com as enfermidades, ainda hoje encontramos
muitos casos na região de Governador Valadares, onde se fazem o uso
corrente de tais “medicamentos” alternativos. Além dos já citados pó de
fumo, pó de folhas, querosene (...), em muitas famílias de baixa renda temos
o uso corrente do açúcar, na contenção de pequenas hemorragias, a
presença de benzedeiras, que tem a incumbência de espantar “maus
espíritos”, e um número considerável de plantas, que aos olhos dos
113
moradores locais, servem para combater traumas causados por fraturas e
indisposições físicas.
A sobrevivência de costumes pode ser demonstrada pela personagem
que viveu no Vale do Rio Doce entre os anos de 1920 e 1996, conhecida
como Vicentina Maria. Além de parteira, Dona Vicentina era benzedeira e
fazia uso de ervas na contenção de doenças. Mesmo com a presença do
SESP na região, esta personagem foi capaz de dar continuidade aos
ensinamentos que lhes foram dados por seus antepassados, originários de
tribos indígenas, localizadas
61
próximas à atual cidade de Caratinga-MG.
Até o ano de sua morte (1996), a Senhora “Nica”, como era
carinhosamente apelidada por seus parentes, sempre que possível auxiliou
aqueles que a procuravam em casos de “mau olhado”, utilizando-se de
pequenas tiras de pano, que eram afixadas à cintura do “paciente” e só
deveriam ser retiradas quando estas caíssem naturalmente, agindo como
uma espécie de protetora contra os males existentes. É fato que, nos dias
atuais, com a massificação de notícias e o acelerado processo de
interligação entre países, a diminuição no número de benzedeiras e parteiras
vem se acentuando rapidamente, e a tendência é uma “extinção” dos tipos
de práticas realizadas por estas mulheres.
3.3.2.3. A saúde infantil
Outra medida importante, difundida pelo SESP no Vale do Rio Doce e
que causa certa controvérsia, diz respeito à saúde dos estudantes. O projeto
inicial de auxílio infantil (datado de 1948), associava-se às idas dos médicos
e visitadoras às residências familiares, mas que logo demonstrou ser
ineficaz, pelo fato de, muitas crianças estarem nas escolas, no período de
visitação. A alternativa foi estabelecer os trabalhos nas escolas, permitindo
desta forma, “melhorias no exame periódico, o controle dos normais, as
correções de anormalidades, a educação sanitária, e o controle higiênico do
edifício” (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02).
61
O distrito onde nasceu Vicentina Maria chama-se Vermelho Novo e pertence ao município
de Bom Jesus do Galho-MG. Fonte: (Arquivo Pessoal).
114
A citação do Fundo SESP, demonstra um tipo de visão do Serviço
pautada numa espécie de desrespeito etnocêntrico para com a população do
Vale do Rio Doce, ao tentar enquadrá-los como “normais” a partir do instante
em que estes assumissem a postura adotada pelo Serviço, ou “anormais”,
simplesmente por não corresponderem às expectativas empreendidas.
Também nos dá margem para entendermos estes “normais” como alunos
sem deficiências mentais ou até mesmo físicas, e os “anormais” como sendo
a antítese do primeiro caso. Em suas linhas gerais, as funções do SESP
voltadas para a higiene estudantil e infantil, partiam dos seguintes
argumentos:
a. – As funções de Higiene constituirão o conjunto de atividades que
cuidando da criança sadia visem proteger e conservar a saúde e
fornecer ensinamentos para formação de hábitos higiênicos;
b. – O Serviço de Higiene Escolar, obedecendo aos padrões de saúde
pública, deverá ter ação ativa passando a ser executado nas
próprias escolas;
c. – As funções de Assistência Médica, terão o intuito de promover a
recuperação tão rápida quanto possível da criança doente.
(Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
A tabela 3.6 serve para demonstrar a distribuição de horas semanais,
empregadas pelo SESP, nos auxílios pré-natais, escolares, infantis e de
endemias rurais, em Colatina-ES, Aimorés-MG e Governador Valadares-MG:
Tabela 3.6 - Horários para as atividades dos Centros de Saúde.
Tipo de Serviço Aimorés Colatina GV
Higiene Pré-natal 15h 10h 15h
Higiene Infantil e Pré-escolar 15h 10h 9h
Higiene Escolar 18h 17h 9h
Assistência Infantil, Pré-escolar e Escolar 24h 12h 18h
Higiene e Assistência Dentária 39h 24h 18h
Endemias Rurais e Doenças Venéreas 6h
Policlínica de Adultos 24h
Fonte: (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
Nela, percebemos que, embora Governador Valadares fosse neste
período (ano de 1948) o maior município dentre os três assinalados, a
quantidade de horas para o atendimento aos doentes, crianças e mulheres,
115
mostrou-se a mais reduzida. Houve uma tentativa do SESP pela
padronização dos atendimentos, mas esta se confrontou com a redução dos
médicos nas Unidades de Saúde, que em sua maioria, trabalhavam apenas
em tempo parcial.
Já a Tabela 3.7, mostra-nos uma maior capacidade de organização
dos horários de atendimento das Unidades de Saúde, isto para o ano de
1949, com ligeiro destaque para a melhoria de Governador Valadares. A
assistência aos escolares e às mulheres grávidas, foi facilitada pelas
campanhas publicitárias difundidas neste fim de década, e contaram com
filmes e festividades “educativo-sanitárias”.
Tabela 3.7 - Horários para as atividades dos Centros de Saúde.
Tipo de Serviço Aimorés Colatina GV
Higiene Pré-natal 15h 15h 15h
Higiene Infantil e Pré-escolar 8h 6h 8h
Assistência ao Infantil e Pré-escolar 16h 16h 16h
Higiene Escolar 24h 20h 24h
Assistência ao Escolar 15h 9h 15h
Serviço Dentário 39h 24h 24h
Assistência a Adultos 24h 6h
Fonte: (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02)
Em Governador Valadares, foram exibidas três apresentações
“teatrais” e projetados três filmes para um total de 47 espectadores, em
janeiro de 1949. Neste mês, os filmes assistidos no Centro de Saúde foram:
“Esperando o Filhinho”, que contou com a presença de quinze gestantes em
sua primeira exibição e dezoito Curiosas em sua segunda exibição e, “Nasce
uma Criança”, que contou com a presença de quatorze espectadores entre
Curiosas, gestantes e Visitadoras (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/
Caixa 02). Datas simbólicas passaram a ter importância significativa para a
inserção de crianças e mães aos propósitos do SESP (ver figuras 3.14 e
3.15). Os Centros de Saúde empreenderam atividades educativas durante a
“Semana da Criança” e puderam com isto, apresentar os pontos positivos
que o interesse pela saúde poderia provocar. Para cada data especial, o
SESP passou a preparar festividades, que atraíam a atenção do público e
116
neste sentido, davam respaldo à publicidade empregada. Foram feitos
trabalhos para o “Dia das Mães”, “Dia do BCG
62
” e demais datas que
poderiam ser associadas à saúde (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/
Caixa 02).
Em termos gerais, estas datas eram transpostas de festividades e de
outras ocasiões importantes já vistas, com relativo sucesso, nos EUA e que
por isto foram postas em prática no Vale do Rio Doce. Tornar possível a ida
da população, sempre em determinada época do ano, aos centros de saúde
era um passo importante para a proposta sespiana, principalmente no que
diz respeito à necessidade de vacinação, tanto em crianças como em
adultos, pois as doses deveriam ser tomadas em ciclos e a interrupção deste
procedimento poderia tornar nulo todo o trabalho já realizado.
Houve uma busca pela contenção de doenças bucais (embora
saibamos que ainda hoje existem muitos casos de problemas deste tipo, não
somente no Vale do Rio Doce, mas na maioria dos municípios brasileiros)
com as realizações de consultas dentro das próprias escolas, exames
periódicos, orientação da higiene buco-dentária e a difusão da importância
do fluoreto de sódio (Fundo SESP – 1951 – COC – Doc. 15/ Caixa 02). Os
Centros de Saúde contaram com um número maior de exemplares de livros
técnicos, formando, na medida do possível, um acervo coerente com os
serviços prestados em saúde pública. Até mesmo publicações “menos
científicas” para o uso das Visitadoras e Curiosas foram mencionadas, isto
para manterem-nas atualizadas e menos propensas a aplicarem métodos
proibidos pelo SESP, como os já citados anteriormente.
Em termos gerais, a ida do SESP à Governador Valadares pode ser
entendida como um processo amplo, que já fora abordado, que se
condiciona a toda uma trama política e de busca por desenvolvimento
político-econômico, averiguado desde a Era Vargas até o final de década de
1940. Busquei demonstrar, com base em documentação do SESP que o
cotidiano do Serviço foi muito mais complexo, no que se refere aos sucessos
de seus trabalhos, do que simplesmente os Acordos de Washington
definiram.
62
A sigla BCG significa Bacilo de Calmette-Guérin e é utilizada na contenção da
tuberculose.
117
Figuras 3.1 e 3.2 – Contenção da malária.
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 42/ Caixa 48)
Figura 3.3 – Controle da malária em córrego de Governador Valadares.
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1948 – COC – Doc. 42/ Caixa 48)
118
Figuras 3.4 e 3.5 – Modificação do Sistema de Esgotos Sanitários – Governador Valadares
– Minas Gerais – RD-GVA-8-1.
Fonte: (Fundo SESP – 1949 – COC – Doc. 34/ Caixa 33)
Figura 3.6 – Escavação para um poço de visita.
Fonte: (Fundo SESP – 1949 – COC – Doc. 34/ Caixa 33)
119
Figura 3.7 – Private well water supply at corner of Rua 55 and Rua Afonso Pena. April,
1945. (Reservatório de água localizado entre as Ruas 55 e Afonso Pena)
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1951 – COC – Doc. 37/ Caixa 33)
Figura 3.8 – One method of water distribution. (Método de distribuição de água)
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1951 – COC – Doc. 37/ Caixa 33)
120
Figura 3.9 – Privy units, Baguari. (Unidades de Privadas)
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1947 – COC – Doc. 45/ Caixa 48)
Figuras 3.10 e 3.11 – Thats is the may they get hookworms (Meio para obtenção do
contágio da lombriga)/ Privadas construídas em distritos de Governador Valadares.
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1947 –COC – Doc. 45/ Caixa 48)
121
Figura 3.12 – Concrete slaby properly placed. (Laje de concreto)
Fonte: (Fundo SESP – 1945/1947 – COC – Doc. 45/ Caixa 48)
Figura 3.13 – Visitadoras – Governador Valadares (MG) - 1940.
Fonte: (Fundo SESP – 1944/1950 – COC – Doc. 54/ Caixa 24)
122
Figuras 3.14 e 3.15 – Cartazes referentes à campanhas de profilaxia promovidas pelo
Serviço Especial de Saúde Pública (1947).
Fonte: Arquivo Gustavo Capanema - GC foto 826 Série: foto
123
Considerações Finais
O Serviço Especial de Saúde Pública esteve associado a um amplo
projeto da Era Vargas, que se pautava na inserção de áreas longínquas aos
grandes centros nacionais. Além disto, foi o responsável pela participação
brasileira de forma indireta na II Guerra Mundial, ao propiciar a ida em
massa de retirantes nordestinos para o Vale Amazônico, no combate ao
anopheles e também aos nazistas (para a retirada da borracha), embora
tenha sido mal estruturado, dando poucas condições de auxílio para os
seringueiros assistidos.
No Vale do Rio Doce, o SESP teve influência decisiva e direta quanto
aos tipos de trabalho a serem implementados, que eram decididos por
sanitaristas brasileiros e norte-americanos. Também teve que se adequar às
necessidades locais, tendo como exemplo, a utilização de mão-de-obra das
Curiosas – antigas parteiras que se prontificaram a auxiliar os profissionais
do Serviço durante a gestação de muitas mulheres.
Também o Poder Público local teve seu papel junto ao Serviço, pois
cabia a este o prosseguimento dos trabalhos executados pelo SESP e a
manutenção do bom andamento das obras realizadas. Porém, embates
entre a Prefeitura local e sanitaristas pôs em dúvida o futuro do SESP na
região, talvez porque havia pouca associação entre as decisões tomadas
pelo Serviço – que por vezes vinha de ofícios assinados na Capital Federal –
deixando à margem as decisões dos próprios valadarenses.
As ações de intervenção do SESP eram adotadas e postas em prática
de forma impositiva, principalmente em tempos de guerra, pois havia a
necessidade básica por parte dos governos brasileiro e norte-americano em
retirar da região a mica e retomar as obras de reconstrução da EFVM, capaz
de escoar a produção de minério de ferro junto aos Estados Unidos.
Com o fim da guerra, houve uma abertura do Serviço a outras
necessidades da população do Vale do Rio Doce que perpassavam os
limites do combate ao anopheles; tentou-se promover trabalhos junto às
crianças locais, às gestantes, inclusive com a utilização de filmes vindos dos
Estados Unidos, que mostra uma nova faceta do Serviço: a substituição do
combate aos nazistas pela americanização dos brasileiros através do
124
conhecido american way of life, responsável pelo tipo de antagonismo
presente entre estadunidenses e russos, no pós-guerra.
O SESP se utilizou de mecanismos voltados para a divulgação deste
estilo norte-americano de vida no Vale do Rio Doce. Além da
americanização, havia no Serviço uma ala brasileira que defendia a “saúde
populacional” como única forma para a retirada desta população de uma
sociedade atrasada. É através da propaganda, seja por cartazes,
campanhas ou até mesmo via filmes, que o Serviço tentou chegar de forma
mais ampla aos confins dos sertões do leste, porém, sem ter a preocupação
em absorver da cultura local algum tipo de necessidade que ela mesma
colocava à prova.
125
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Anexos
Anexo I - Fontes
Revista do Serviço Público
¾ Ano I – março de 1938 – nº.4;
¾ Ano I – novembro de 1938 - Vol. IV – nº.2;
¾ Ano II – fevereiro e março de 1939 – Vol. I – Nº.2 e 3;
¾ Ano II – abril e maio de 1939 – Vol. II – nº.1 e 2;
¾ Ano III – março de 1940 – Vol. I – nº.3;
¾ Ano III – maio de 1940 – Vol. II – nº.2;
¾ Ano III – novembro de 1940 – Vol. IV – nº.2;
¾ Ano IV – maio de 1941 – Vol. II – nº.2;
¾ Ano IV – maio de 1943 – Vol. II – nº.2;
¾ Ano VI – agosto de 1943 – Vol. III – nº.2;
¾ Ano VI – novembro de 1943 – Vol. IV – nº.2;
¾ Ano VII – abril de 1944 – Vol. II – nº.1;
¾ Ano VIII – julho de 1945 – Vol. III – nº.1;
¾ Ano VIII – outubro de 1945 – Vol. IV – nº.1;
¾ Ano IX – maio de 1946 – Vol. II – nº.2;
¾ Ano IX – junho de 1946 – Vol. II – nº.3;
¾ Ano X – maio e junho de 1947 – Vol. II – nº.1 e 2;
¾ Ano XI – março e abril de 1948 – Vol. I – nº.3 e 4;
¾ Ano XII – julho de 1949 – Vol. III – nº.1;
¾ Ano XIII – abril de 1950 – Vol. II – nº.1;
¾ Ano XIII – setembro de 1950 – Vol. III – nº.3;
¾ Ano XIII – outubro de 1950 – Vol. IV – nº.1.
Fundo SESP
Série Assistência Médico-Sanitária
¾ Documento nº. 29 – Caixa nº. 21 - Ano: 1943/48;
¾ Documento nº. 30 – Caixa nº. 21 - Ano: 1944/47;
¾ Documento nº. 45 – Caixa nº. 23 - Ano: 1951/53;
¾ Documento nº. 54 – Caixa nº. 24 - Ano: 1944/50;
¾ Documento nº. 56 – Caixa nº. 24 - Ano: 1944/50;
¾ Documento nº. 60 – Caixa nº. 24 - Ano: 1948;
¾ Documento nº. 69 – Caixa nº. 25 - Ano: 1945/60;
¾ Documento nº. 34 – Caixa nº. 33 - Ano: 1943;
¾ Documento nº. 36 – Caixa nº. 33 - Ano: 1949/51;
¾ Documento nº. 37 – Caixa nº. 33 - Ano: 1945/51.
134
Série Engenharia Sanitária
¾ Documento nº. 23 – Caixa nº. 45 - Ano: 1943/46;
¾ Documento nº. 35 – Caixa nº. 47 - Ano: 1943/45;
¾ Documento nº. 40 – Caixa nº. 48 - Ano: 1947/48;
¾ Documento nº. 41 – Caixa nº. 48 - Ano: 1943/45;
¾ Documento nº. 42 – Caixa nº. 48 - Ano: 1944/48;
¾ Documento nº. 43 – Caixa nº. 48 - Ano: 1945;
¾ Documento nº. 44 – Caixa nº. 48 - Ano: 1944/45;
¾ Documento nº. 45 – Caixa nº. 48 - Ano: 1945/47;
¾ Documento nº. 76 – Caixa nº. 51 - Ano: 1944/48;
¾ Documento nº. 80 – Caixa nº. 52 - Ano: 1944/48;
¾ Documento nº. 81 – Caixa nº. 52 - Ano: 1944/48;
¾ Documento nº. 83 – Caixa nº. 52 - Ano: 1944;
¾ Documento nº. 84 – Caixa nº. 52 - Ano: 1944/47;
¾ Documento nº. 69 – Caixa nº. 62 - Ano: 1945;
¾ Documento nº. 70 – Caixa nº. 62 - Ano: 1945;
¾ Documento nº. 82 – Caixa nº. 64 - Ano: 1945/46;
¾ Maço 5 (caixa 1) – Documentação com 27 fotografias, negativos,
fichas e manuscritos relativos às atividades de assistência médica,
cursos e treinamentos, engenharia sanitária e publicações;
¾ Maço 4 (caixa 2) – contendo desenhos, tabelas, gráficos, textos e
esboços referentes à publicação do folheto comemorativo dos 30
anos da Fundação SESP.
Fundo Rockefeller
¾ Documento nº.009 - 03/03/1913;
¾ Documento nº.021 - 26/05/1921;
¾ Documento nº.020 – 15/06/1921;
¾ Documento nº.209 – 07/03/1942;
¾ Documento nº.210 – 18/03/1942;
¾ Documento nº.208 - 1941;
¾ Documento nº.207 – 29/12/1941;
¾ Documento nº.018 – 25/10/1920.
Fundo Capanema
¾ Série Constituinte e Mandato Legislativo – Gustavo Capanema
(FGV) – GCI 1946.01.19 cód. r. 73 – folhas 867 a 938.
¾ Classificação: GC foto 826 Série: foto – Fotografias Tipo: cartaz
(Iconografia) Título: Cartazes referentes à campanhas de profilaxia
promovidas pelo Serviço Especial de Saúde Pública. Data de
produção: 1947 (Data certa) Quantidade de documentos: 6
Descrição física: 6 cartazes color.: 35 x 47cm.
135
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