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LÉO FRANCISCO PAIS
COM QUEM ME CASEI? DE QUEM ME SEPAREI?: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE MULHERES EM PROCESSO DE
SEPARAÇÃO
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE
2008
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LÉO FRANCISCO PAIS
COM QUEM ME CASEI? DE QUEM ME SEPAREI?: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE MULHERES EM PROCESSO DE
SEPARAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Psicologia da Universidade
Católica Dom Bosco, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Psicologia, Área de Concentração: Psicologia
da Saúde, sob a orientação da Profª. Drª.
Regina Célia Ciriano Calil.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CAMPO GRANDE
2008
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Ficha catalográfica
Pais, Léo Francisco
P149c Com quem me casei? De quem me separei?: um estudo de caso sobre
mulheres em processo de separação / Léo Francisco Pais; orientação.
Regina Célia Ciriano Calil. 2008
331 f. + anexos
Dissertação (mestrado) Universidade Católica Dom Bosco, Campo.
Grande, Mestrado em psicologia, 2008.
Inclui bibliografia
1. Separação conjugal 2. Psicologia psicodinâmica 3. Mulheres
Psicologia 4. Identidade Psicologia I.Calil, Regina Célia Ciriano II. Título
CDD-155.643
Bibliotecária responsável: Clélia T. Nakahata Bezerra CRB 1/757
A dissertação apresentada por LÉO FRANCISCO PAIS, intitulada COM QUEM ME
CASEI? DE QUEM ME SEPAREI?: UM ESTUDO DE CASO SOBRE MULHERES
EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO, como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em PSICOLOGIA à Banca Examinadora da UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM
BOSCO (UCDB), foi _____________________________________.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profª. Drª. Regina Célia Ciriano Calil UCDB (Orientadora)
____________________________________
Profª. Drª. Eloisa Helena Rubello Valler Celeri (UNICAMP)
_______________________________________________
Profª. Drª. Lucy Nunes Ratier Martins (UCDB)
Campo Grande, _____ de junho de 2008
DEDICATÓRIA
À minha mãe, que desde a infância, tem sido uma fonte
inspiradora de luta e determinação para minha vida.
À minha esposa, Marta, que sempre esteve do meu lado,
nos momentos mais decisivos da minha vida, nas lutas,
nas vitórias e principalmente nas derrotas.
Às minhas filhas, Lanna e Larissa, que me motivam
a continuar lutando, estudando, crescendo,
amando, vivendo e aprendendo.
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª. Sonia Grubits, coordenadora do Mestrado em
Psicologia da UCDB, que pelo seu idealismo e dedicação apaixonada ao ensino e à pesquisa,
possibilitou a realização deste grande sonho, há muito tempo acalentado em minha alma.
Às Profªs. Drªs. Ângela Elizabeth Lapa Coelho, Vera Sonia
Mincoff Menegon e Liliana Andolpho Magalhães Guimarães pelas aulas inesquecíveis de
Métodos Qualitativos de Pesquisa em Psicologia e Métodos Quantitativos de Pesquisa em
Psicologia, que tanto ajudaram no processo de elaboração desta dissertação.
Aos Profºs. Drºs. José Carlos Rosa Pires de Souza, Marta Vieira
Vilela e Heloisa Bruna Grubits Freire pelas aulas ministradas durante o período de formação,
que muito ajudaram na gestação e realização desta pesquisa.
À Profª. Drª. Regina Célia Ciriano Calil pelo apoio irrestrito,
interesse sincero, sábios conselhos e pelas muitas horas de supervisão e orientação, durante
todo o processo de elaboração desta dissertação de Mestrado.
À Psicóloga Sandra Salles, colega de turma e amiga, que eu
sempre admirei, pelo zelo e dedicação ao estudo, que me ajudou como auxiliar de
coordenação do grupo de reflexão, trazendo sábias contribuições teóricas e práticas para a
compreensão do fenômeno estudado.
À Acadêmica de Psicologia, Miriane Souza Costa, que
desempenhou a função de observadora, no grupo de reflexão, registrando com precisão os
relatos e fazendo importantes considerações na discussão que tínhamos logo após os
encontros.
À Adriana Kanasiro, sempre meiga, solícita, que contribuiu na
divulgação do grupo de reflexão e proporcionou toda a estrutura necessária para a sua
realização, na Clínica Escola de Psicologia, na UCDB.
À Jovenilda Félix, secretária do mestrado, sempre prestativa em
todos os momentos que precisei do seu apoio.
Às mulheres que participaram do grupo de reflexão, a quem
minha alma aplaude a todo instante, por terem me dado este privilégio de entrar na intimidade
de suas vidas e de seus vínculos mais íntimos, extraindo de suas vivências, tantos
aprendizados sobre a alma feminina, que me ajudaram tanto como pessoa e continuarão
ajudando por toda a minha vida.
“Gosto que haja dificuldades em minha vida, pois quero e espero superá-las.
Sem obstáculos não haveria esforço, nem luta e a vida se tornaria
insípida, sem nenhuma significação”.
( Kahlil Gibran)
RESUMO
A presente pesquisa, realizada no Mestrado de Psicologia da Universidade Católica Dom
Bosco, em Campo Grande-MS, teve como o objetivo analisar a influência das motivações
inconscientes na formação do vínculo conjugal, no cotidiano da relação conjugal, na origem e
desenvolvimento dos conflitos que promovem a desestruturação e, em alguns casos, a
dissolução do vínculo conjugal, a partir da ótica feminina, por meio de dados colhidos em um
grupo de reflexão breve, aberto e com princípios do grupo focal. Para o atendimento do grupo
estudado, utilizou-se a técnica de psicoterapia de abordagem psicodinâmica, adaptada à
condição de trabalho grupal institucional. Durante a realização dessa pesquisa, foram
utilizados os paradigmas e pressupostos das ciências humanas, empregando-se o método
qualitativo e alguns pressupostos do método clínico. Os procedimentos realizados foram: a
observação participante, as entrevistas semi-estruturadas e o tratamento de dados, através da
compreeno e interpretação do material de conformidade com os princípios do modelo
compreensivista e hermenêutico. Os resultados revelaram que as vivências das mulheres
durante as primeiras fases do desenvolvimento psicossexual e da formação da identidade
feminina, exerceram uma significativa influência na escolha do cônjuge e na configuração do
contrato inconsciente do casamento, que passou a exercer sua influência no dia-a-dia da
relação conjugal de cada uma delas. Foi possível observar que as mesmas motivações
inconscientes, que no primeiro momento geraram uma forte atração amorosa entre os
cônjuges, culminando com o casamento, no decorrer da relação conjugal, transformaram-se
em importantes focos de conflitos conjugais que contribuíram para a desestruturação e, em
alguns casos, para a dissolução do vínculo conjugal das mulheres que participaram desta
pesquisa. Também ficou evidente, pelos relatos colhidos no grupo de reflexão, que as
motivações inconscientes oriundas dos relacionamentos da infância, continuaram
influenciando as vivências das mulheres que participaram desta pesquisa, durante o processo
de separação conjugal. Com base nos resultados obtidos, foi possível contribuir para a
clarificação e compreensão dos aspectos psicodinâmicos e estruturais referentes à identidade
feminina das mulheres pesquisadas, presentes no complexo processo da separação conjugal,
bem como, iniciar o esboço de um possível modelo de atendimento psicológico grupal, que
pode ser utilizado em instituições como Clínicas Escolas, Unidades Básicas de Saúde dos
Municípios e Varas Judiciais de Família do Poder Judiciário Estadual, com a intenção de
proporcionar acolhimento, apoio e alívio à dor e ao sofrimento que as pessoas vivenciam
neste período de transição de suas vidas.
Palavras-chave: separação conjugal; identidade feminina; grupo de reflexão; psicologia
psicodinâmica.
ABSTRACT
This research was carried through a Master degree program in Psychology at the University
Catholic Dom Bosco, in Campo Grande-MS. It had as objective to analyze the influence of
the unconscious motivations of the formation, daily lives, conflict and dissolution of the
conjugal bond from the feminine point of view, collected by a data of a studied group which
was brief, opened and with some principles of the focal group. As support to the studied
group, it was used the technique of psychotherapy, a psychodynamic approach, adapted to the
work condition of an institutional group. During the accomplishment of this research, it was
used the paradigms and presumption of the human sciences, applying the qualitative method
and some of the presumption of the clinical method. The procedures that took place were:
participant’s observation, the semi-structuralized interviews and the data handling through the
comprehension, and the interpretation of the material in accordance with the principles of the
comprehensivist and hermeneutic model. The results reveled that the women’s experiences
during her first phases of the psychosexual development and the formation of the feminine
identity, exerted a significant influence in the selection of their spouse, and the configuration
of the unconscious marriage contract, which started to exert on each one of them its influence
on the daily basis. It was possible to observe that the same unconscious motivations appeared
at the first moment a strong loving attraction among the spouses, culminated marriage. During
the conjugal relation causes that originated and developed conjugal conflicts, caused in part
the process of dissolution of marriage. According the facts collected at the studied group, it
was also evident that the unconscious motivations originated from infant relationships, and it
continues to influence women’s experiences during the process of conjugal separation. Based
on the results, it was possible to clarify and comprehend the psychodynamics aspects and
structure, referred to the feminine identity present in the complex process of the conjugal
separation, as well as, to offer a psychological counseling group model, which could be used
in institutions such as School Clinics, Basic Health units in the Cities and Judicial Poles of
Family of the State Judiciary Power, with the intention to provide shelter, support and relief of
pain and suffering that people deeply live in this transition period of their lives.
Key words: conjugal separation; feminine identity; group of reflection; psychodynamic
psychology.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................14
2 O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE FEMININA .........................................21
2.1 A FEMINILIDADE E AS FASES ORAL E ANAL DO
DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL .................................................................22
2.2 A FEMINILIDADE E A FASE FÁLICA DO DESENVOLVIMENTO
PSICOSSEXUAL .........................................................................................................23
2.3 A FEMINILIDADE E A FASE PRÉ-EDÍPICA DO DESENVOLVIMENTO
PSICOSSEXUAL .........................................................................................................25
2.4 A FEMINILIDADE E O COMPLEXO DE CASTRAÇÃO .......................................29
2.5 A FEMINILIDADE E O COMPLEXO DE ÉDIPO .....................................................35
2.6 ALGUMAS REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A TEORIA PSICANÍLITICA
DA FEMINILIDADE ...................................................................................................38
3 AS ORIGENS DA RELAÇÃO AMOROSA ...................................................................42
3.1 INCONSCIENTE: UMA VERDADE NECESSÁRIA E LEGÍTIMA
PARA A PSICANÁLISE ..............................................................................................43
3.2 NARCISÍSMO COMO UM DOS PROCESSOS ORGANIZADORES
INCONSCIENTE DO AMOR .....................................................................................49
3.3 TIPOS DE ESCOLHAS OBJETAIS ............................................................................57
3.3.1 A escolha objetal anaclítica ou de ligação ..........................................................58
3.3.2 A escolha objetal narcísica ..................................................................................59
3.4 ÉDIPO: ORGANIZADOR INCONSCIENTE DO VÍNCULO CONJUGAL
E DAS ESTRUTURAS FAMILIARES .......................................................................61
4 A INFLUÊNCIA DO INCONSCIENTE NA FORMAÇÃO E NO COTIDIANO
DO VÍNCULO CONJUGAL ............................................................................................70
4.1 O INCONSCIENTE ATUANDO NA FORMAÇÃO DO VÍNCULO
CONJUGAL ..................................................................................................................71
4.2 OS FENÔMENOS DA REPETIÇÃO, DA SIMBIÓSE E DA NEUROSE
NA FORMAÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL .........................................................77
4.3 O CONTRATO INCONSCIENTE DO CASAMENTO ..............................................83
5 A INFLUÊNCIA DO INCONSCIENTE NA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO
DOS CONFLITOS DA RELAÇÃO CONJUGAL ..........................................................93
5.1 OS VÍNCULOS COLUSIVOS .....................................................................................94
5.2 AS CAUSAS QUE GERAM OS CONFLITOS CONJUGAIS ..................................100
6 AS VIVÊNCIAS E SENTIMENTOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE
SEPARAÇÃO CONJUGAL ...........................................................................................116
6.1 A RE-ATUALIZAÇÃO DE SEPARAÇÕES ANTERIORES NA
SEPARAÇÃO CONJUGAL .......................................................................................119
6.2 AS CAUSAS QUE LEVAM OS CÔNJUGES A VIVENCIAREM O
PROCESSO DE SEPARAÇÃO .................................................................................123
6.3 A DINÂMICA RELACIONAL PREPONDERANTE DURANTE O
PROCESSO DE SEPARAÇÃO .................................................................................126
6.4 OS SENTIMENTOS E AS VIVÊNCIAS DOS CÔNJUGES
DURANTE O PROCESSO DE SEPARAÇÃO CONJUGAL ...................................128
6.4.1 O sofrimento psíquico produzido pelo processo de separação .........................128
6.4.2 As formas diferentes de vivenciar o sofrimento psíquico no processo de
separação conjugal ............................................................................................130
6.4.2.1 Na condição de agente ou paciente da separação conjugal ..................131
6.4.2.2 Na condição de homem ou mulher diferença de gênero ...................135
6.5 AS FASES DA SEPARAÇÃO EMOCIONAL ..........................................................136
6.5.1 O desejo de separação .......................................................................................137
6.5.2 A decisão de separação .....................................................................................139
6.6 A CONCRETIZAÇÃO DA SEPARAÇÃO: A SEPARAÇÃO
PROPRIAMENTE DITA ...........................................................................................143
7 OBJETIVOS .....................................................................................................................152
7.1 Geral ............................................................................................................................153
7.2 Específico ....................................................................................................................153
8 MÉTODO .........................................................................................................................154
8.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO QUALITATIVO E
CLÍNICO-QUALITATIVO NAS CIÊNCIAS HUMANAS .....................................155
8.1.1 Entrevista Psicológica .......................................................................................159
8.1.2 Observação participante ....................................................................................164
8.1.3 Estudo de caso ...................................................................................................166
8.1.4 Grupo de reflexão com alguns princípios do grupo focal .................................168
8.1.4.1 Grupo de reflexão .................................................................................169
8.1.4.2 Grupo focal ..........................................................................................174
8.2 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ......................................................................178
8.3 PROCEDIMENTOS .................................................................................................178
8.3.1 Coleta de dados ................................................................................................178
8.3.2 Participantes ......................................................................................................180
8.3.3 Forma de análise dos resultados ........................................................................181
9 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS POR TEMAS .......................................................184
9.1 AS INFLUÊNCIAS DAS VIVÊNCIAS RELATIVAS À FORMAÇÃO
DA IDENTIDADE FEMININA NA ESCOLHA DO CÔNJUGE: O
VÍNCULO IDEALIZADO .........................................................................................186
9.1.1 Causas que dificultaram o desenvolvimento e a formação da identidade
feminina das mulheres do grupo de reflexão ....................................................187
9.1.1.1 Conflito e separação conjugal dos pais .................................................187
9.1.1.2 Conflito pai e filha: relacionamento difícil desde a mais
tenra idade............................................................................................191
9.1.1.3 Conflito mãe e filha: relacionamento difícil desde a mais
tenra idade.............................................................................................193
9.1.1.4 Conflito familiar minimizado em uma família isolada, rígida,
padronizada: relacionamento baseado no cumprimento de normas.....196
9.1.1.5 Filha cuidando dos pais e irmãos: inversão de papéis..........................201
9.1.2 Algumas conseqüências das dificuldades observadas no desenvolvimento
psicossexual para a formação dos vínculos .......................................................205
9.1.2.1 Conflito com o pai: Édipo mal resolvido ..............................................205
9.1.2.2 Necessidade de cuidar de si mesma quando precisava ser cuidada
por seus pais: amadurecimento rápido do ego .....................................209
9.1.2.3 Necessidade de cuidar dos pais e irmãos mais novos, quando ainda
precisava de cuidado ............................................................................211
9.1.3 Influência do desenvolvimento psicossexual e da identidade feminina no
momento da escolha amorosa ...........................................................................213
9.1.3.1 Mulheres fazendo a escolha amorosa narcísica, tentando
recuperar o vínculo primário com a mãe ..............................................214
9.1.3.2 Valores assimilados na infância, influenciando a escolha
conjugal: ser responsável, cuidadora e provedora ................................221
9.1.3.3 A idealização do amor como solução para todos os problemas
conjugais ..............................................................................................224
9.1.3.4 Dificuldade de fazer a escolha amorosa na vida adulta ......................228
9.2 O FUNCIONAMENTO DO CONTRATO INCONSCIENTE DO
CASAMENTO NO COTIDIANO DA RELAÇÃO CONJUGAL:
O VÍNCULO REAL ...................................................................................................230
9.2.1 O início da formação do contrato inconsciente do casamento
já na fase do namoro .........................................................................................231
9.2.2 Casamento: lugar de expectativas, sonhos e desejos não realizados
das fases anteriores do desenvolvimento psicológico .......................................234
9.2.3 Dificuldades surgidas no namoro ganham maior repercussão dentro
do casamento .....................................................................................................236
9.2.4 A busca do amor paixão no casamento: necessidade de completude,
de fusão com o objeto amado ............................................................................240
9.2.5 Formas de permanecer no controle da relação conjugal: o domínio
afetivo, emocional e financeiro do vínculo conjugal ........................................242
9.2.6 Família emaranhada: relacionamento triangular ..............................................248
9.2.7 Mentiras privadas: dinâmicas dos vínculos conjugais estudados .....................252
9.2.8 Características dos vínculos conjugais estudados .............................................254
9.2.8.1 Falta de companheirismo, de amizade entre os cônjuges ...................255
9.2.8.2 Fuga da intimidade ...............................................................................256
9.2.8.3 A questão da reciprocidade no investimento da relação conjugal .......258
9.2.8.4 Minimização dos conflitos conjugais: desconexão com a realidade ...260
9.2.8.5 Repetição de papéis assumidos na família de origem ..........................261
9.3 O FUNCIONAMENTO DO CONTRATO INCONSCIENTE DO
CASAMENTO NA ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS
CONFLITOS DA RELAÇÃO CONJUGAL: A DESESTRUTURAÇÃO
E DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO REAL ...................................................................262
9.3.1 Vínculo conjugal idealizado, sustentado pela fuga dos problemas e pela
desconexão com a realidade .............................................................................264
9.3.2 Sentimentos preponderantes em função do investimento unilateral no
relacionamento conjugal ...................................................................................272
9.3.3 Família emaranhada: fronteiras permeáveis, gerando pressões externas
no vínculo conjugal ...........................................................................................275
9.3.4 Luta conjugal pelo controle da relação: dinâmica relacional
dominante-submisso e os sentimentos preponderantes .....................................276
9.3.5 Luta conjugal pelo controle da relação: busca de autonomia pessoal ...............279
9.3.6 Luta conjugal pelo controle da relação: inversão de papeis na
dinâmica relacional dominante-submisso .........................................................281
9.3.7 Luta conjugal pelo controle da relação: impulsos masculinos e
femininos simultâneos, gerando inveja e competição pelos papéis
ativos e passivos do vínculo conjugal ...............................................................283
9.3.8 Mudança do contrato inconsciente do casamento: quebra da
promessa de fidelidade conjugal .......................................................................286
9.3.9 Mudança do contrato inconsciente do casamento: conseqüências na
relação conjugal e na vida emocional do cônjuge traído ..................................288
9.3.9.1 A negação da infidelidade no relacionamento conjugal ......................289
9.3.9.2 Os efeitos da infidelidade na vida emocional do cônjuge traído .........292
9.3.9.3 Os efeitos da infidelidade na relação conjugal .....................................294
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................299
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................319
APÊNDICES .........................................................................................................................327
14
1. INTRODUÇÃO
15
O processo de refinamento do tema desta dissertação de mestrado foi
acontecendo de forma gradativa. O interesse começou a afunilar-se, realmente, a partir do
segundo semestre de 2002. Eu estava no terceiro ano do curso de Psicologia, na UCDB e senti
a necessidade de direcionar meus estudos para uma das várias abordagens terapêuticas
existentes. Acabei fazendo a opção pela Gestalt-Terapia, em função da forte ênfase nas teorias
humanistas, com as quais já tinha alguma familiaridade.
Durante o curso de Introdução à Gestalt-Terapia, que conclui em agosto de
2003, realizado pelo Instituto de Gestalt-Terapia de Mato Grosso do Sul Campo Grande
MS, entrei em contato com o livro “A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem
gestáltica com casais, famílias e sistemas íntimos”, de autoria de Joseph C. Zinker, editado
pela Summus, em 2001. As aulas introdutórias do curso de Gestalt-Terapia sobre os sistemas
íntimos e terapia com casais e família e a leitura do livro despertaram, dentro de mim, uma
paixão imediata pela psicoterapia com casais, família e sistemas íntimos. A partir deste ponto,
os temas relativos ao relacionamento conjugal e familiar, se tornaram o grande foco de desejo
de conhecimento e de busca de capacitação da minha vida.
Em 2004, fiz um treinamento avançado em terapia de casal e família, com
duração de 200 horas, no Núcleo de Estudos e Vivências Humanistas ‘Laura Perls’, em São
Paulo-SP, em convênio com o Centro Gestáltico de Montevideo Uruguai, que se tornou
minha primeira grande matriz teórica sobre este tema fascinante.
Mas, o acontecimento que, literalmente, colocou-me dentro do tema da
separação conjugal, ocorreu em 2004, durante meu Estágio Supervisionado em Clínica II,
quando comecei a atender uma paciente, na Clínica Escola da UCDB, que estava vivendo um
complicado processo de separação. O material coletado e armazenado destes atendimentos
psicológicos supervisionados resultou na minha monografia de bacharelado: “Gestalt-terapia:
a arte de reconstruir-se”.
Durante aqueles encontros existenciais, dentro do setting terapêutico, eu fui
testemunha ocular de um admirável desenvolvimento interno de reconstrução de uma
identidade pessoal. Fiquei fascinado com a experiência e com a possibilidade de continuar
aperfeiçoando a arte de ser, tão somente, um simples, mas, fundamental parceiro de um
significativo momento emocional, um parceiro que apenas acolhe, da melhor maneira
possível, alguém que precisa, desesperadamente, renascer.
Quando terminei a graduação em Psicologia, o mestrado era um sonho distante.
Mas, inquieto, comecei a ler sobre o tema da separação conjugal, para ver se havia uma
maneira de cursar as matérias eletivas e obrigatórias, pesquisar, coletar os dados e, por fim,
16
escrever a dissertação de mestrado. Depois de muitos riscos, rabiscos e papéis jogados na lata
de lixo, cheguei a este tema apaixonante, que consome grande parte do meu tempo, a maioria
dos meus pensamentos, desde o segundo semestre de 2005, quando ingressei no mestrado
como aluno especial.
Na busca da compreensão dos processos e dos conflitos observados nas
separações conjugais, complexos e aparentemente sem explicações, cheguei às motivações de
natureza inconsciente. Fiquei, então, impressionado pelo impacto que esta descoberta
provocou em meu conhecimento como psicólogo humanista. Ao persistir nas leituras, esse
impacto inicial foi diminuindo, lentamente. Mas, em contrapartida, uma grande inquietação
sobre o tema foi ocupando o seu lugar e passou a conduzir minha busca por respostas.
Comecei a ficar cada vez mais intrigado com a questão da influência do inconsciente na
origem e desenvolvimento dos conflitos de casais e no conseqüente processo de separação
conjugal. Recorri a periódicos científicos e a várias bibliotecas, para reunir mais informações
sobre o assunto. Para minha decepção, em função da própria inexperiência de realizar este
tipo de busca, eu consegui obter poucas informações nesta primeira fase da minha pesquisa
bibliográfica.
Com o avanço da formação teórica, impulsionado pelas matérias eletivas e
obrigatórias do mestrado e pelas leituras paralelas sobre o tema, necessárias para a elaboração
do projeto de pesquisa, fui me sentindo cada vez mais desqualificado para esta grande tarefa.
Para minha exasperação, quanto mais aprendia sobre o tema, fui sendo forçado
a ir retrocedendo, nesses estudos, às fases anteriores do desenvolvimento psicossexual dos
cônjuges, até chegar à fase do narcisismo primário, que se caracteriza pelo relacionamento
simbiótico da mãe com seu bebê. O meu tema foi ficando cada vez mais complexo e extenso,
mas vivi, nestes últimos dois anos, uma paixão tão profunda por esse assunto, que resolvi
encarar todos os desafios que foram surgindo, para abordá-lo, no que eu entendo ser uma
forma mais abrangente.
Ao constatar a necessidade de buscar uma qualificação específica na área para
respaldar o trabalho que pretendia realizar, comecei a pesquisar, pela internet, vários cursos
de especialização em terapia de casal e família oferecidos no Brasil. Depois de exaustiva
busca, em agosto de 2006 matriculei-me no Curso de Especialização em Terapia de Casal e de
Família, reconhecido pelo Conselho Federal de Psicologia, que o CEFI - Centro de Estudos da
Família e do Indivíduo, de Porto Alegre-RS que estava iniciando em Cuiabá-MT.
Através do curso de especialização, fui entrando em contato com vários autores
específicos da terapia de casal e família que tanto me ajudaram no processo de maturação das
17
idéias que fui tendo para chegar a este resultado final que agora estou apresentando. Eu me
sinto grato e realizado por ter percorrido todo este caminho fascinante do conhecimento,
proporcionado pelo Mestrado em Psicologia da UCDB Universidade Católica Dom Bosco
Campo Grande MS.
Nesta dissertação, procurei analisar a influência das motivações inconscientes
das mulheres que participaram do grupo de reflexão na escolha do cônjuge, no cotidiano da
relação conjugal, na origem e desenvolvimento dos conflitos conjugais e no processo de
dissolução do vínculo conjugal, sempre a partir da ótica feminina. No princípio, tinha a
intenção de compreender como homens e mulheres vivenciam o processo de separação. Mas,
no momento de realizar a coleta de dados, apesar do convite feito para ambos os sexos,
somente um homem se apresentou para participar do grupo de reflexão. Após as entrevistas
semi-estruturadas, feitas individualmente com cada participante, iniciamos o grupo com sete
mulheres e um homem. Todavia, o único representante do sexo masculino freqüentou o grupo
apenas nos primeiros encontros e, em particular, expôs suas dificuldades de continuar no
grupo. Em seguida, deixou de participar dos encontros. Por isso, tive que restringir a
amplitude da pesquisa, abordando o tema apenas a partir da ótica feminina.
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e a coleta de dados deu-se por meio de
entrevistas semi-estruturadas e do grupo de reflexão breve, aberto e com alguns princípios do
grupo focal.
Pelo que o leitor já pode perceber, nem é preciso dizer o quanto este tema
tornou-se relevante para minha vida, como pessoa e pesquisador. Mas, sua relevância também
é uma unanimidade em todo o território nacional. Recentemente o IBGE divulgou uma
pesquisa informando que de 2005 para 2006, o número de divórcios no Brasil cresceu 7,7%,
conforme citação abaixo:
Em 2006, o número de separações judiciais concedidas foi 1,4% maior do
que em 2005, somando um total de 101.820. Neste período, a análise por
regiões mostra distribuição diferenciada com a mesma tendência de
crescimento: Norte (14%), o Nordeste (5,1%), o Sul (2,6%) e o Centro-Oeste
(9,9%). Somente no Sudeste houve decréscimo de 1,3%. Os divórcios
concedidos tiveram acréscimo de 7,7% em relação ao ano anterior, passando
de 150.714 para 162.244 em todo o país. O comportamento dos divórcios
mostrou tendência de crescimento em todas as regiões, sendo de 16,6% para
o Norte, 5,3% para o Nordeste, 6,5% para o Sudeste, 10,4% para o Sul e
9,3%, no Centro-Oeste. (BRASIL, INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2007)
18
Essa pesquisa do IBGE também mostrou que houve um aumento no número de
casamentos, mas, em contrapartida, constatou-se um aumento significativo no número de
divórcios. O crescimento do número de casamentos ocorreu, principalmente, pela
oficialização de uniões consensuais. Considerando o tamanho da população, a taxa de
divórcios registrou seu recorde histórico de 1,4% divórcios por grupo de 1.000 brasileiros,
com mais de 20 anos de idade em 2006. Esse recorde já havia sido registrado no ano de 2005,
quando a taxa foi de 1,3% divórcios por grupo de 1.000 brasileiros, na mesma faixa etária. A
taxa de 2006 representa o triplo do que era verificado em 1984, quando o número de
divórcios, por grupo de 1.000 brasileiros, com idade acima de 20 anos, foi de apenas 0,5%
(zero vírgula cinco por cento). (BRASIL, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA, 2007)
Esta recente pesquisa divulgada pelo IBGE aponta um grande número de
separações e divórcios realizados em Mato Grosso do Sul. Enquanto no estado a taxa de
separações judiciais é de 1,5% por habitantes, a média nacional é de 0,9% por habitantes. No
caso de divórcios a disparidade é ainda maior. Enquanto no estado a taxa de divórcios é de
2,3% por habitantes, a média nacional é de apenas 1,3% por habitantes. A cidade de Campo
Grande está entre as capitais do país com maior número de separações e divórcios.
(GUIMARÃES, 2005)
Nos capítulos teóricos, iniciamos falando sobre a construção da identidade
feminina nas fases do desenvolvimento psicossexual. Segundo a literatura psicanalítica
examinada, a fase pré-edipica, os complexos de Castração e de Édipo são fundamentais neste
processo de desenvolvimento da feminilidade. Todavia, sabemos que a construção
psicanalítica da feminilidade é apenas uma das muitas maneiras de se abordar este tema.
Aliás, há críticas contundentes a respeito da visão freudiana da sexualidade e da feminilidade.
Por isso, finalizamos esse capítulo com a visão crítica de alguns autores sobre a maneira como
a corrente ortodoxa da psicanálise aborda este assunto tão controvertido.
Na seqüência, falamos sobre as origens da relação amorosa. Começamos este
capítulo ressaltando a importância da teoria do inconsciente para a psicanálise. Depois,
analisamos o narcisismo como um dos processos organizadores inconscientes do amor; os
tipos de escolhas objetais: a escolha objetal anaclítica ou de ligação e a escolha objetal
narcísica. Finalizamos este capítulo, discutindo o complexo de Édipo como um dos
organizadores inconscientes do vínculo conjugal e das estruturas familiares.
Após lançar as bases para a compreensão do tema, iniciamos os capítulos
centrais da fundamentação teórica, elucidando a influência do inconsciente na formação do
19
vínculo conjugal. Neste capítulo, discutimos a influência do inconsciente na origem da
atração amorosa e na formação do vínculo conjugal; os fenômenos da repetição, da simbiose e
da neurose na formação do vínculo conjugal e, finalizamos, explicando o funcionamento do
contrato inconsciente do casamento no cotidiano da relação conjugal.
No capítulo seguinte, abordamos a influência do inconsciente na origem e
desenvolvimento dos conflitos conjugais. Trazemos a teoria dos vínculos colusivos e
discutimos cada uma de suas quatro modalidades: a colusão narcísica, a colusão oral, a
colusão sádico-anal e a colusão fálico-edípica. Enceramos o capítulo com uma vasta lista de
causas que podem fomentar os conflitos dentro da relação conjugal.
Finalizamos a fundamentação teórica, discorrendo sobre as vivências e
sentimentos envolvidos no processo de separação conjugal. Iniciamos este capítulo, dizendo
que a separação conjugal tem um efeito catastrófico na vida psíquica dos ex-cônjuges, porque
ela os remete as suas perdas mais primitivas, vinculadas às suas primeiras separações. Depois
falamos das causas que levam os cônjuges a vivenciaram o processo de separação; da
dinâmica relacional preponderante durante o processo de separação; do sofrimento psíquico
produzido pelo processo de separação e das formas diferentes de vivenciar o sofrimento
psíquico no processo de separação: na posição de agente ou paciente da separação e na
condição de homem ou mulher.
Na seqüência, descrevemos o objetivo geral e os objetivos específicos da
pesquisa realizada, bem como, os procedimentos metodológicos que foram observados
durante as várias fases da pesquisa. Trata-se de um estudo de caso, com a coleta de dados
individuais, por meio de entrevista semi-estruturada e do grupo de reflexão, com princípios do
grupo focal, composto de mulheres em processo de separação. Foi utilizado o método clínico-
qualitativo, com aporte teórico de compreensão psicodinâmica e psicanalítica. Os dados
coletados foram analisados com base na interpretação hermenêutica.
Na discussão dos resultados por tema foram abordados os seguintes assuntos:
a) as influências das vivências relativas à formação da identidade feminina na escolha do
cônjuge: o vínculo idealizado; b) o funcionamento do contrato inconsciente do casamento no
cotidiano da relação conjugal: o vínculo real e, c) o funcionamento do contrato inconsciente
do casamento na origem e desenvolvimento dos conflitos conjugais: a desestruturação e
dissolução do vínculo real.
O ultimo capítulo traz as considerações finais e nossas conclusões sobre a
pesquisa.
20
Ao finalizar essa dissertação, contemplo a realização de uma etapa, que pode
dar início a outras, nesta cadeia de ação e reação, produzida pelo processo de conhecimento.
Os próximos pesquisadores do tema, em nossa região, que tiverem acesso a essa dissertação
de mestrado, poderão optar em aprofundar alguns dos vários recortes de pesquisa que foram
levantados por meio deste estudo. Há muita coisa para ser feita nesta área. Aqui em Campo
Grande-MS, estamos apenas engatinhando. Não temos um programa de âmbito municipal de
assistência a este número crescente de pessoas, que todos os anos recorrem ao Poder
Judiciário Estadual, para ingressar com ações de separação judicial, ou de divórcio. Por outro
lado, temos tantas estruturas já montadas que poderiam estar atendendo esta população,
fornecendo um tratamento de psicoterapia, orientação - breve e focal ou mesmo processos
de mediação, visando auxiliá-los neste momento de transição de suas vidas.
Aliás, esta foi a principal razão pela qual optamos em trabalhar com grupo de
reflexão. Os processos grupais são instrumentos poderosos, que melhor podem dar conta da
grande demanda de pessoas necessitadas de acompanhamento, nesta área.
Espero que esse trabalho, parcialmente realizado com a finalização desta
dissertação de mestrado, possa motivar outros a realizarem pesquisas semelhantes, que
causem grandes transformações nas estruturas sociais de atendimento psicológico, público e
gratuito, de nossa cidade. Creio que o conhecimento produzido pela pesquisa pode despertar a
consciência das pessoas que têm condições de mobilizar o poder público, no sentido de criar
redes de suporte psicológico para as pessoas envolvidas em sérios conflitos conjugais e
delicados processos de separação conjugal, em nossa cidade e região, onde poderão receber
cuidado, amparo e acolhimento, neste difícil momento de transição de vida.
21
2. O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE FEMININA
22
A feminilidade é um tema complexo e controvertido. Ele parece sempre maior
e mais abrangente que os espaços nos quais as várias abordagens teóricas tentam contê-lo,
gerando sérios conflitos entre a forma e o conteúdo. Por isso, há diferentes concepções acerca
do desenvolvimento da sexualidade feminina e da feminilidade, mas nenhuma esgota o
assunto.
Consciente desta dificuldade e, em função do espaço reduzido que temos nesta
dissertação de mestrado para discutir este assunto tão controvertido, resolvemos fundamentar
nossas argumentações apenas no pensamento mais ortodoxo freudiano. Temos interesse em
estudar como os processos inconscientes das fases do desenvolvimento psicossexual
influenciam a formação da identidade feminina e de que maneira essa identidade feminina se
manifesta no casamento e, principalmente, durante o processo de dissolução do vínculo
conjugal, do ponto de vista da psicanálise freudiana.
Freud ([1933] 1976) afirma que, em função de suas peculiaridades, a
Psicanálise não define a mulher, mas, se empenha em compreender sua formação e
desenvolvimento desde a tenra infância. Sua investigação se desenvolve a partir de duas
hipóteses pré-estabelecidas: a constituição da feminilidade se dá em meio a uma grande luta e
os pontos críticos e decisivos para o desenvolvimento da feminilidade se completam antes da
menina entrar na puberdade.
Neste capítulo, estaremos abordando a construção da feminilidade durante as
fases do desenvolvimento psicossexual; a relação da feminilidade com os complexos de
castração e de Édipo e algumas considerações críticas sobre a teoria freudiana da
feminilidade.
2.1. A FEMINILIDADE E AS FASES ORAL E ANAL DO DESENVOLVIMENTO
PSICOSSEXUAL
A fase oral recebe esta denominação porque a boca é a região do corpo que
proporciona maior prazer à criança. Para a psicanálise freudiana é pela boca que a criança
entra em contato com o mundo, nesta fase do desenvolvimento psicossexual. É por esta razão
que a criança pequena tem a tendência de levar tudo o que pega à boca. O principal objeto de
desejo, nesta fase, é o seio da mãe, que além de alimentar proporciona satisfação ao bebê.
23
A fase anal coincide com o momento em que a criança começa a controlar os
esfíncteres, transformando a região do ânus na zona de maior satisfação. Para a psicanálise
freudiana, na fase anal, a criança percebe que pode controlar as fezes que sai de seu interior,
oferecendo-a para a mãe, às vezes, como um presente, às vezes, como algo agressivo. É nesta
fase que a criança começa a ter noção de higiene; é também nesta fase que ocorrem as
primeiras birras infantis.
As diferenças que se estabelecem na fase anal são importantes para a definição
da identidade sexual, pois nesta fase começa a ficar evidente as diferenças entre ativo e
passivo nas meninas e nos meninos. A diferença não é entre feminino e masculino, mas entre
ativo e passivo e essa distinção entre os sexos vai contribuir de alguma forma para a
identidade de cada um de nós. Essas diferenças também acontecem na disposição instintual, o
que permite já antever a natureza subseqüente da mulher.
2.2. A FEMINILIDADE E A FASE FÁLICA DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL
Para a psicanálise freudiana, durante esta etapa a atenção da criança se volta
para a região genital. É nesta fase que, geralmente, é desfeita a suposição inicial das crianças
que tanto o menino quanto a menina possuem um pênis. Ao descobrirem as diferenças
anatômicas entre os sexos, eles podem formar as chamadas teorias sexuais infantis. Em
função dessas descobertas, os meninos e as meninas passam por várias experiências que serão
decisivas no desenvolvimento da masculinidade e da feminilidade, conforme veremos abaixo
de forma mais pormenorizada.
O estágio fálico é uma fase importantíssima para a definição da feminilidade e
para a formação da identidade feminina. Mitchell (1979) ressalta que no decorrer desse
estágio algo importante vai acontecer no desenvolvimento psicossexual tanto masculino
quanto feminino: o reconhecimento de que o poder fálico do outro é maior do que o seu. O
menino vai chegar a essa conclusão, por meio da comparação do seu pênis com o do pai; a
menina, pela comparação de seu diminuto clitóris com o pênis de todos os homens.
Freud ([1933] 1976) entende que essa fase é marcada, para os meninos, pelo
fato deles aprenderem a obter sensações prazerosas do seu pequeno pênis. Pela primeira vez,
eles associam o estado de excitação com suas idéias de relação sexual. As meninas se
comportam da mesma maneira. Elas descobrem a excitação por meio da manipulação de seu
24
diminuto clitóris. Nesta fase, a atividade masturbatória feminina é executada no clitóris, pois a
vagina, verdadeiramente feminina, ainda não foi descoberta por ambos os sexos.
Até este ponto, a menina está fortemente vinculada à sua mãe. Essa relação
com a mãe se apresenta sob muitas formas diferentes. É caracterizada por conteúdos das três
fases da sexualidade infantil e se expressa por desejos orais, sádico-anais e fálicos. Esses
desejos se manifestam por impulsos ativos e passivos. Por isso, são ambivalentes, pois podem
apresentar uma natureza tanto carinhosa, como hostil e agressiva. Sua polaridade negativa,
muitas vezes, só se expressa após serem transformados em idéias angustiantes. (FREUD,
[1933] 1976)
Até a fase fálica, a mãe geralmente é a agente da sedução nas fantasias
primitivas das meninas. Isto porque é ela quem, por meio das atividades relacionadas à
higiene corporal da criança, acaba, inevitavelmente, estimulando seus órgãos sexuais,
despertando sensações prazerosas nos genitais da menina. Durante essa fase, o pai,
normalmente, é um rival incômodo. (FREUD, [1933] 1976)
Há casos em que essa forte vinculação com a mãe persiste além do quarto ano
de vida. Ela é tão significativa na vida da menina que, posteriormente, no seu relacionamento
com o pai, vamos encontrar várias características que já estavam presentes em sua vinculação
inicial com a mãe. Tudo aquilo que a menina vivencia durante sua forte vinculação com a mãe
ela transfere para o seu relacionamento com o pai nas fases posteriores do seu
desenvolvimento psicossexual. (FREUD, [1933] 1976)
No estágio fálico, segundo Mitchell (1979), a menina adquire a consciência de
que não possui um falo e, a partir desse momento, começa a desejar um. Essa ausência do
pênis se perpetuará em sua vida. Ela começa a tomar consciência de que essa falta não será
preenchida, por se tratar de uma circunstância real que não pode ser considerada uma mera
ausência ou falta.
A descoberta de que não tem o falo produz na menina uma sensação de
humilhação muito grande que provoca, em seu aparelho psíquico, uma significativa ferida
narcísica. Nesta fase de seu desenvolvimento psicossexual é fundamental que ela tenha um
pai capaz de olhá-la com qualidade. Se ela percebe que aos olhos do pai é uma menina bonita,
charmosa e inteligente reúne maiores condições para superar os traumas provocados pela
constatação da falta do falo. Esse olhar narcisista do pai é fundamental para a construção da
sua feminilidade.
25
A fase fálica é a precursora da forma final que o menino e a menina assumirão,
posteriormente, na vida sexual. Durante a fase fálica, a sexualidade infantil alcança o seu
ponto culminante e, em seguida, é atenuada pela fase de latência, que vem a seguir. É uma
fase que dificilmente se esgota em si mesma, pois as experiências vivenciadas neste período
terão seus desdobramentos nas fases posteriores do desenvolvimento psicossexual masculino
e feminino.
2.3. A FEMINILIDADE E A FASE PRÉ-EDÍPICA DO DESENVOLVIMENTO
PSICOSSEXUAL
Diante do que já foi dito, surge, naturalmente, uma questão que precisa ser
respondida: de que forma a menina passa da vinculação com a mãe, para a vinculação com o
pai? Ou, em outras palavras, como se dá esse processo de passagem da fase masculina para a
fase feminina, na qual a menina está, biologicamente, destinada?
As coisas começam a mudar na fase pré-edipica, principalmente na vida das
meninas. A fase pré-edípica do desenvolvimento, nas meninas, é um período que precede à
entrada no Édipo. Ela se caracteriza por um intenso amor da menina pela sua mãe, onde não
há espaço para o pai.
Neste período, no entendimento de Pincus e Dare (1981), o desenvolvimento
da menina ainda está concentrado, principalmente na mãe, mas muitas tarefas e crises
começam a acontecer e precisam ser enfrentadas. O intenso envolvimento entre mãe e bebê,
das fases anteriores, passa a mostrar suas outras faces, principalmente pelas atitudes da
menina, esclarecendo que as vivências não foram tão perfeitas e harmônicas como
aparentavam.
Todos esses conflitos acumulados do relacionamento com a mãe, das fases
anteriores do desenvolvimento psicossexual da menina, aparecem justamente na fase pré-
edípica. Por isso, Pincus e Dare (1981) advertem que as tarefas e crises deste relacionamento
a dois são de fundamental importância neste estágio e precisam ser resolvidas da melhor
maneira possível, para que a menina possa progredir e atingir as fases subseqüentes do seu
desenvolvimento.
26
Para Freud ([1933] 1976), no princípio, após a descoberta da ausência do pênis,
a menina atribui sua falta a uma má formação genética e, por um tempo, conserva a esperança
de que mais tarde o seu clitóris crescerá. Ela alimenta esse tipo de sentimento porque ainda
acredita que a mãe seja fálica.
Até a fase pré-edípica, a menina experimenta apenas o prazer clitoridiano.
Como o clitóris é equivalente e semelhante ao pênis, ela permanece convicta de que está
vivendo em um mundo fálico. Mas, com o passar do tempo, se vê obrigada a aceitar que a
castração se estende a todas as mulheres, inclusive a si mesma. Essa constatação é dolorida e
dramática para a menina, a ponto de colocar um fim ao seu amor objetal sexual por sua mãe.
Por ter apenas o clitóris, ela conclui que não pode mais possuir a mãe num plano fisiológico.
(FREUD, [1933] 1976)
A revolta e hostilidade que a menina manifesta contra a mãe, após a descoberta
de sua castração, não é uma construção exclusiva da fase-prédica. Ela traz, em sua gênese,
sentimentos negativos não expressados das fases anteriores. Freud ([1933] 1976) afirma que
essa censura contra a mãe remonta há um período anterior. Por meio da análise se verificou
que uma das acusações feita contra as mães, decorre do fato de que esta deu à criança pouco
leite. Esta censura contra a mãe corresponde com a falta de amor.
Uma outra acusação muito freqüente está normalmente associada com a
chegada do próximo bebê. A criança experimenta uma frustração oral, porque, normalmente,
a mãe interrompe a amamentação, pois necessita alimentar o recém-nascido.
Mas, a criança que perde o seio materno não acusa seu rival indesejado apenas
pela perda do leite. Com a perda do seio materno, ela também perde todas as outras
expressões de cuidado e de carinho de seu primeiro objeto de amor, sua mãe. Ela se sente
destronada e privada injustamente dos seus legítimos direitos. Em conseqüência, desenvolve
um ódio ciumento em relação ao recém-nascido e canaliza parte desse ressentimento para sua
mãe infiel. Esses sentimentos negativos, normalmente, se manifestam pela mudança em sua
conduta. Ela se transforma em uma criança manhosa, traquina, irritável, desobediente e acusa
um retrocesso nos avanços que tinha alcançado em relação ao controle dos esfíncteres.
(FREUD, [1933] 1976)
Mitchell (1979) acredita que essa hostilidade primária é algo maior do que tudo
o que já foi comentado. Ela parece surgir do fato de que não há fundo, não há limite para o
amor infinito de uma criança e para sua necessidade de ser amada. Nada pode satisfazer sua
exigência de amor; por isso, a frustração inevitável é capaz de causar sentimentos violentos. A
mãe jamais pode dar ao bebê o que para ele é suficiente.
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O próprio Freud ([1933] 1976) afirma que para ele foi uma surpresa constatar,
por meio da análise, que as meninas responsabilizavam suas mães por não terem um pênis. A
mágoa que expressavam por suas mães, por terem sido colocadas no mundo em desvantagem
era tão grande, que o perdão, para elas, soava como uma impossibilidade.
Mitchell (1979) esclarece que o importante não são as justificativas da menina
para sua hostilidade contra a mãe, mas a própria ambivalência desses sentimentos, tão
característicos da sexualidade pré-edipiana. O relacionamento mãe-filha é tão intenso que
abarca as polaridades amor e ódio.
Na sua ótica, a ambivalência se apresenta como característica da sexualidade
feminina pré-edípica pelo fato de que “a menina, diferente do menino, não pode fazer uma
separação destas emoções e transferir os ódios para um pai rival, porque em breve ela deverá
tomar este mesmo pai como seu objeto de amor”. (MITCHELL, 1979, p. 78)
Anton (2000) concorda que a decepção das meninas em relação as suas mães é
inevitável. Ela surge em decorrência do seguinte fato:
Antes havia um eu-ideal feminino, que agora se estremece e se vê
questionado em suas bases. A menina é forçada a renunciar a essa primeira
imagem de feminilidade, carregada de libido narcisista e de fantasias
onipotentes. Por mais que continue apreciando e amando a mãe, existe
alguma espécie de decepção e de mudança no relacionamento e no próprio
ideal de ego. (ANTON, 2000, p. 151)
Mitchell (1979) assinala que a transformação da menina em mulher é marcada
por sua hostilidade contra a mãe. Ela acusa sua mãe por ter nascido mulher, em função da
inveja do pênis, que deve ser recalcada ou transformada. Somente quando esta hostilidade
atinge sua força máxima é que estes desejos ativos (dar à mãe um bebê), juntamente com
outros passivos (com a mãe produzir um bebê) são recalcados. À medida que a menina
reprime seus desejos ativos, em função de sua frustração, ela também reprime grande parte de
sua sexualidade. Mas, no final, consegue aproveitar o que resta de seus objetivos passivos e
parte em busca de seu pai, com o intuito de transformá-lo em seu novo objeto de amor.
Pincus e Dare (1981) afirmam que a forma como a família trata essa passagem
da menina, de uma relação a dois, com sua mãe, para uma relação a três, com a mãe e o pai,
vai depender da própria experiência dos pais, quando passaram por esta mesma fase na
infância e da natureza do relacionamento conjugal que construíram. O estilo e a forma como
os pais reagem à menina e as qualidades da vida familiar, são fundamentais para atenuar os
efeitos negativos que essa fase pode produzir em sua vida.
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Mitchell (1979) caracteriza o nível pré-edipiano como um momento onde a
identificação e a ligação disputam o trono do relacionamento com a mãe. A menina precisa
atuar a partir de sua identificação com a mãe, já o menino, a partir de sua ligação com a mãe.
Para a menina, aceitar a castração implica em se tornar semelhante à sua mãe.
Ela só consegue se deslocar do seu desejo ativo para com sua mãe, para um desejo com fins
passivos em relação a seu pai, quando, primeiro, se identifica com sua mãe, para depois ter
condições de reforçar seus objetivos passivos, a fim de se voltar para o pai.
Nessa tarefa, a menina é ajudada pelo constrangimento que já foi obrigada a
passar e pelo conseqüente recalcamento massivo dos seus sentimentos, em função do
complexo de castração. Mas, tudo o que é recalcado volta à tona. A fusão das influências dos
seus desejos pré-edipianos e de seu recalcamento, certamente, deixará suas marcas na futura
mulher.
Durante muito tempo, o complexo de Édipo feminino, ocultou de Freud
([1933] 1976), a vinculação pré-edipiana da menina com sua mãe. Segundo ele, essa é uma
fase de suma importância na vida da menina e pode deixar fixações duradouras na mulher. Ela
é decisiva para a formação da identidade feminina, porque durante a mesma, são realizados os
preparativos para a aquisição das qualidades que mais tarde a mulher usará em seu papel
feminino, na função sexual e nas suas importantes funções sociais. Também é durante esse
período de identificação com a mãe, que a menina adquire o motivo da atração por um
homem. A ligação edipiana do menino à sua mãe, na sua fase adulta, transmuta sua atração
pela mulher em paixão e amor.
Para Mitchell (1979), a situação pré-edipiana não é um estágio, nem um
período, mas um nível próximo a um outro nível, onde as diferenças sexuais serão definidas.
Este nível é muito mais importante para a menina que para o menino. Assim, o que importa
para a menina, é a diferença entre o nível pré-edipiano e o período edipiano. Embora o
primeiro seja, aparentemente, atenuado pelo segundo, os dois estarão sempre presentes em
cada acontecimento importante da futura mulher.
Para sublinhar a importância do nível pré-edípico na vida da menina, Freud
([1933] 1976, p. 148) sumarizou seus comentários sobre o tema, dizendo o seguinte: “Em
suma, fica-nos a impressão de que não conseguimos entender as mulheres, a menos que
valorizemos essa fase de sua vinculação pré-edipiana à mãe”.
Anton (2000, p. 107) complementa: “acreditar que somos seres merecedores de
amor e que encontraremos pessoas capazes de nos amar, nós aprendemos, em primeira
29
instância, nos braços de nossas mães e daqueles que a acompanham, na tarefa de
maternagem”.
Diante dessas colocações, ficamos com a impressão que a fase pré-edípica, na
menina, parece ser uma porta, pela qual, toda hostilidade represada das fases anteriores do seu
desenvolvimento psicossexual, contra seu primeiro amor objetal, é colocada para fora de
forma chocante. Este é o um momento onde a menina responsabiliza sua mãe pelo fato de ser
uma menina; por não ter um pênis.
Durante esta fase a menina vivencia um forte sentimento de humilhação e uma
intensa sensação de traição por parte de sua mãe. No processo de construção de sua
feminilidade a menina vivencia a sensação de que foi enganada por sua mãe; de que não foi
avisada por ela sobre a realidade de que não tem e nunca terá um falo. A menina se sente
traída e humilhada pelo seu primeiro objeto de amor. Na sua visão, se sua mãe tivesse avisado
antes ela não teria passado por esta dor narcísica.
Todavia, convém ressaltar que a intensidade dessas hostilidades e a forma
como essas decepções vão repercutir na construção da identidade feminina e de seus futuros
relacionamentos, vai depender da maneira como essas experiências infantis são vividas e
resolvidas. A forma como ela vai elaborar essa sensação de humilhação e de traição e lidar
com este ressentimento é fundamental para a construção saudável ou não de sua feminilidade.
Mas toda essa revolta faz parte do processo de transformação da menina em
uma pequena mulher. Sem essa desvinculação da mãe, a menina não consegue entrar no
complexo de Édipo com o pai, o que pode comprometer seriamente seu desenvolvimento
psicossexual. As dificuldades vivenciadas por ela nesta fase, são superadas e, no futuro, são
utilizadas de forma positiva na formação de sua identidade feminina.
2.4. A FEMINILIDADE E O COMPLEXO DE CASTRAÇÃO
Na menina, o complexo de castração ocorre entre a fase pré-edípica e o
complexo de Édipo. É o complexo de castração que leva a menina a realizar o complexo de
Édipo com seu pai. Já no menino, o complexo de castração acontece como conseqüência do
complexo de Édipo. Na realidade, é o complexo de castração que recalca o complexo de
Édipo masculino. É por esta razão que estamos abordando o complexo de castração entre a
fase pré-edípica e o complexo de Édipo.
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A transição da fase pré-edípica, para a edípica, na menina, é marcada pelo
complexo de castração. Mitchell (1979) argumenta que o termo complexo, gradativamente,
passou a significar, nos escritos psicanalíticos, todas as idéias inconscientes que foram
recalcadas, correspondentes a uma forte experiência emocional. Antes, o termo complexo era
usado de forma dissociada do inconsciente.
Anton (2000) afirma que o termo complexo sempre expressa um determinado
conteúdo de origem inconsciente que, ocasionalmente, interfere no nível consciente. Não há,
portanto, como ter consciência do próprio complexo, da sua constituição e do seu teor. A sua
totalidade se encontra no nível inconsciente. Só podemos identificar seus efeitos por meio da
análise das atitudes, sentimentos e comportamentos do seu portador.
Mas, segundo a autora, não existe crescimento psíquico sem os complexos,
porque ele promove a integração das experiências emocionais que o indivíduo vai vivendo ao
longo de sua vida. Eles forçam o indivíduo a buscar uma solução para suas vivencias infantis
e para os seus conflitos internos. O estilo de solução que cada pessoa adota para si define sua
identidade pessoal e seu destino.
O próprio Freud assinalou o complexo de castração como a divisão
fundamental entre os sexos, nos seguintes termos:
[...] enquanto a criança se encontra no ponto mais elevado de seu
desenvolvimento sexual infantil, estabelece-se certa organização genital, mas
somente os órgãos genitais do indivíduo masculino desempenham nela seu
papel, permanecendo os órgãos sexuais femininos não revelados... Nessa
fase o contraste entre os sexos não se inicia em termos de ‘macho’ ou
‘fêmea’, mas de ‘possuir um pênis’ ou de ser ‘castrado’. O complexo de
castração que surge nesse sentido é da mais importância na formação tanto
do caráter quanto das neuroses. (FREUD, [1925] 1976, p. 51)
Freud ([1933] 1976) explica que o complexo de Édipo masculino evolui
naturalmente da fase de sexualidade fálica. A ameaça de castração acontece em conseqüência
do Édipo e surge exatamente para impedi-lo de realizar seus pensamentos e sentimentos
edipianos. Diante do temor de perder o pênis, pois corre o perigo de ser castrado por seu pai, o
menino abandona o complexo de Édipo, recalcando-o por meio da repressão. Seu lugar é
ocupado por um superego severo que se instala em seu aparelho psíquico, como resultado do
complexo de castração.
Com a menina, o processo ocorre de forma quase inversa. O complexo de
castração prepara o caminho para o complexo de Édipo, ao invés de recalcá-lo. Em função do
31
complexo de castração, a menina se vê obrigada a desvincular de sua mãe, por meio da inveja
do pênis, buscando a situação edipiana como um verdadeiro refúgio para seus conflitos
psíquicos e sexuais.
Em função da ausência do temor de castração, pelo fato de já estarem
castradas, as meninas não possuem um forte motivo capaz de levá-las a superar o complexo
de Édipo. Por isso, normalmente, elas permanecem no complexo de Édipo por um período
indeterminado, elaborando-o tardiamente e, mesmo assim, de forma incompleta. Como
conseqüência, a formação do superego é prejudicada, porque elas não conseguem atingir a
intensidade e a independência capaz de se desvincularem desse relacionamento triangular e
prosseguir nas fases posteriores do desenvolvimento psicossexual. (FREUD, [1933] 1976)
Anton (2000) diz que as fantasias que a criança tem no complexo de castração
estão relacionadas com a idéia e com o sentimento de que falta algo em seu corpo, seja por
problemas genéticos, por acidente ou castigo. Ela ressalta que o pênis é o centro dessa
vivência emocional para a teoria psicanalítica tradicional por duas razões: devido as suas
características (externo, lúdico, prático) e pelo fato dos homens terem prestigio e poder nessa
sociedade que ainda conserva traços do período patriarcal.
Freud ([1933] 1976) chama nossa atenção para o fato de que o conteúdo do
complexo de castração é diferente para o menino e para a menina. No menino, o complexo de
castração tem início quando ele, depois de ver a genitália feminina, forma a convicção de que
o órgão mais importante para ele não acompanha necessariamente o corpo. Logo, vêm à sua
mente as lembranças dos grandes perigos que correu ao brincar várias vezes com esse órgão
tão precioso. Ao acreditar em suas fantasias o menino é tomado pelo pavor da castração que, a
partir desse momento, se torna a mais poderosa força impulsora do seu desenvolvimento
posterior.
O complexo de castração na menina começa com a visão do órgão genital
masculino. A primeira impressão que ela registra é a diferença e, depois, a sua importância.
Na seqüência, se sente injustiçada e expressa muitas vezes o desejo de possuir um órgão igual.
Com isso, ela se torna vítima da inveja do pênis.
Freud ([1933] 1976) afirma que a menina não se resigna com facilidade após a
constatação de que lhe falta um pênis. Ela continua alimentando a esperança de tê-lo por
vários anos. A análise de pacientes do sexo feminino comprova que, mesmo depois de muitos
anos, apesar de já ter rejeitado a realização desse desejo, por estar convicta de sua
impossibilidade, ele ainda persiste no inconsciente da mulher e conserva uma considerável
catexia.
32
A inveja do pênis, segundo Freud ([1933] 1976) alimenta a vaidade física das
mulheres. Como não podem possuir um pênis, elas promovem a erogeneidade do corpo
biológico, usando-o de forma explícita, na representação de um falo, como uma compensação
tardia do sentimento de inferioridade sexual original. A inveja do pênis deixa marcas tão
profundas no desenvolvimento e na formação do caráter feminino que só podem ser
superadas, mesmo nos casos mais simples, com um gasto enorme de energia psíquica. Ele
acredita que é o complexo de castração que recalca à poderosa vinculação da menina com a
mãe.
Mitchell (1979) afirma que a menina renuncia à sua mãe pré-edipiana por
causa de sua inferioridade absoluta, pela dimensão diminuta do seu clitóris. A descoberta de
que ela é castrada como sua mãe, muda a dinâmica do relacionamento entre as duas. A
menina se volta violentamente contra ela.
Todavia, essa autora acredita que a hostilidade da menina não tem força para
destruir definitivamente a vinculação entre ela e sua mãe. No máximo, recalca a ligação e
tudo o que é recalcado está sujeito a voltar, ou disfarçar em uma nova ligação. Assim, por trás
do amor da menina por seu pai, subsiste o amor dissimulado por sua mãe.
Freud ([1933] 1976) explica que esse afastamento da mãe não ocorre de forma
abrupta, pois, no início, ela ainda considera sua castração como um problema individual. Só
aos poucos é que vai entendendo que a castração é uma realidade para todas as mulheres,
inclusive para a sua mãe. Como seu amor estava dirigido à mãe fálica, essa constatação
provoca-lhe uma profunda revolta. A hostilidade que emerge dessa vivência ajuda-lhe a
afastar de sua mãe castrada, projetando sobre ela toda raiva represada das fases anteriores do
seu desenvolvimento psicossexual.
Mas, mesmo assim, não é fácil para a menina se desvincular da mãe para
vincular ao pai, a fim de viver seu complexo de Édipo. Um ódio dessa natureza produz um
grande sofrimento e pode se tornar muito influente em sua vida e perdurar, às vezes, por toda
sua existência. Pode, inclusive, no futuro, requerer uma boa compensação. Normalmente, a
menina consegue superar parte desse sentimento negativo, mas sempre ficam os resquícios.
Mitchell (1979) aduz que o afastamento da mãe coincide com o abandono da
prática masturbatória clitoridiana. O sentimento de inferioridade do clitóris inicia, na menina,
uma onda de repressão. Ela se sente tão inferiorizada que afasta de si tudo que possa lembrá-
la de sua ferida narcísica. Evita todo contato com a mãe castrada e com seu pequeno pênis
atrofiado. Age assim, porque passa a ver seu clitóris como uma fonte inferior de satisfação
sexual.
33
Freud ([1933] 1976) ressalta que uma vez reconhecida sua castração, a menina
tem três possibilidades de escolha, sendo que apenas uma pode levá-la ao desenvolvimento
normal de sua feminilidade. Ela pode optar pela inibição sexual ou pela neurose; pode
modificar seu caráter, desenvolvendo um complexo de masculinidade, ou, de forma saudável,
pode escolher a feminilidade normal.
Até este momento, a menina viveu de forma masculinizada. Ela obtinha o
prazer pela masturbação clitoridiana e mantinha seus desejos sexuais dirigidos à mãe, muitos
deles, de natureza ativa.
Com o complexo de castração, ela desenvolveu a inveja do pênis. Em
conseqüência, perdeu o prazer que antes obtinha da sua sexualidade fálica. Sua auto-imagem e
auto-estima ficaram profundamente abaladas, pela comparação do seu diminuto clitóris com o
pênis do menino. Revoltada, ela abandona o prazer clitoridiano e rejeita o amor pela sua mãe.
Com isso, reprime uma parte significativa de suas inclinações sexuais normais. Abalada pela
perda e fragilizada em seu amor-próprio, sua hostilidade contra a mãe pode se ampliar para
todas as mulheres, levando-a a desprezar a feminilidade, se tornando inibida sexualmente e
neurótica. Ela faz a opção pela inibição sexual quando não consegue recuperar para si mesma
o valor da própria feminilidade. (FREUD, [1933] 1976)
Já o complexo de masculinidade, segundo Sanada (2006), se caracteriza pela
recusa da menina em reconhecer a castração de sua mãe e, em conseqüência, a sua. Ela se
rebela no sentido de acentuar sua masculinidade e permanece apegada a sua atividade
clitoridiana, se refugiando na identificação com sua mãe fálica ou com seu pai. Agindo assim,
permanece vítima da esperança de que um dia também terá um pênis.
Freud ([1933] 1976) afirma que a rejeição do fato indesejado leva a menina a
exagerar em sua masculinidade prévia. Com essa atitude, ela evita o desenvolvimento dos
seus objetivos passivos que abrem caminho à mudança em direção à feminilidade.
Sanada (2006) esclarece que o complexo de masculinidade se compõe não
apenas das influências e peculiaridades das experiências pré-edípicas. Ele também está
associado à imagem que a menina guardará de seu próprio corpo, formada pela relação objetal
com a mãe fálica. Vê-se que a menina, fixada nesse ponto da sua constituição subjetiva,
permanecerá enredada por um forte conflito interno, que se manifestará em forma de
impotência e impossibilidade.
André (1987) afirma que o complexo de masculinidade se desenvolve a partir
das vertentes da esperança e da negação. De um lado, a menina conserva intacta a esperança
de que um dia vai receber como recompensa o pênis tão desejado, que irá torná-la semelhante
34
ao homem. Por outro lado, ela recusa com veemência admitir sua falta e permanece aferrada à
convicção de que já o têm, se forçando a comportar como se já fosse um homem.
Finalmente, a terceira possibilidade aponta um caminho para a feminilidade.
Sanada (2006) afirma que a menina faz um deslizamento simbólico, através do qual, abre mão
do objeto materno, a fim de se dirigir ao pai, para quem canaliza seu desejo de ter um filho.
Para isso, segundo Mitchell (1979), ela explora os impulsos instintivos
passivos de sua pulsão sexual, visando se desprender de sua relação objetal com a mãe e se
ligar ao pai. Inicialmente, ela quer o seu falo, analogicamente um bebê dele e, num segundo
momento, passa a desejar o homem que lhe dará este bebê. Ao passar por esse processo a
menina se transforma em uma pequena mulher.
Pincus e Dare (1981) advertem que os aspectos edípicos não resolvidos da
mãe, podem atrapalhar o desenvolvimento pré-edípico da filha, impedindo-a de estabelecer
para si mesma uma identidade sexual coerente, com a qual poderá relacionar-se em conjunto
com pai e com a mãe, a grande tarefa da fase edípica.
Anton (2000) acrescenta que é comum a mãe ficar ressentida com a filha por
ser colocada em segundo plano. Com isso, abandona a menina, ou se vinga, por meio de
exigências ou punições descabidas. Essa atitude negativa da mãe valoriza ainda mais a figura
paterna para a menina e, ao mesmo tempo, provoca-lhe uma decepção ainda maior com a
figura feminina. Os efeitos nocivos do complexo de castração são reforçados e a menina
congela a imagem de que ser mulher é viver insatisfeita, insegura e hostil. Em conseqüência,
constrói o sentimento básico de estar incompleta e indefesa se não encontrar um homem para
assumi-la.
Mas, quando a menina pré-edípica nota que sua mãe é feliz como mulher e
possui valor próprio, tem um quadro favorável para substituir a decepção por uma nova
esperança, fundamentada em bases reais. A auto-estima da mãe, conjugada com o valor que o
pai lhe dá, a aceitação e o prazer que ele demonstra por sua filha, reforçam, sem dúvida, sua
feminilidade saudável.
A menina elabora sua fantasia de castração, quando consegue renunciar ao
desejo infantil de ter um pênis e aceita o fato de ter nascido mulher. Quando isso acontece, ela
dá um passo decisivo no sentido de se realizar, no futuro, como pessoa e como mulher, até
mesmo em áreas que são consideradas redutos masculinos.
A mulher que assume sua feminilidade tem passe livre para o sucesso. Sem se
sentir inferior, não terá que viver provando aos outros que tem valor e também não viverá
35
tentando destruir aqueles a quem ela admira. Assim, poderá canalizar todas as suas energias
em prol da consecução dos seus objetivos pessoais. (ANTON, 2000)
Como vimos, é o complexo de castração que marca de forma definitiva a
distinção psicológica entre os sexos. O complexo de castração atua de forma importante na
formação do caráter do indivíduo e também das neuroses.
Uma outra observação importante é que ele ocorre em momentos diferentes
nos meninos e nas meninas. Nas meninas, o complexo de castração atenua a vinculação com a
mãe, conduzindo-as ao complexo de Édipo com o pai. Já nos meninos, ele ocorre depois do
complexo de Édipo e tem a função de recalcá-lo, abrindo espaço para o surgimento de um
forte superego.
2.5. A FEMINILIDADE E O COMPLEXO DE ÉDIPO
Depois de elaborar o complexo de castração, a menina entra no complexo de
Édipo. Esse conceito foi baseado na tragédia grega de Sófocles, intitulada o Édipo-Rei, que
retrata a preferência oculta do filho pela mãe, seguida de uma rejeição visível pelo pai. Na
peça e na mitologia grega, Édipo matou seu pai Laio e se casou com sua própria mãe, Jocasta.
Quando ele descobriu que Jocasta era sua mãe, furou seus olhos e Jocasta se suicidou.
O complexo de Édipo consiste na presença de sentimentos contraditórios de
amor e hostilidade na vida da criança. Ele é visto como amor ao progenitor do sexo oposto e
ódio em relação ao progenitor do mesmo sexo. Estes sentimentos são contraditórios porque a
criança também ama o genitor que ela hostiliza. O complexo de Édipo é de suma importância
na diferenciação da criança em relação aos seus pais.
Freud ([1933] 1976) afirma que a situação edipiana feminina é o resultado de
um desenvolvimento longo e difícil. O Édipo funciona para ela como uma solução preliminar,
como um local de descanso, depois de uma árdua caminhada, de onde ela não terá nenhuma
pressa de sair, pois já se avizinha o período de latência.
Mitchell (1979) acrescenta que o reconhecimento da castração e o
recalcamento do amor pré-edipiano pela mãe, produzem um choque muito forte na menina.
Em função deste forte abalado psíquico, ela busca o complexo de Édipo como um refúgio;
como um ninho de amor, onde procura obter o afeto que necessita. Na fase edípica, a menina
36
tem como objetivo atrair a admiração do seu pai, por meio da sedução e do cuidado de sua
aparência física.
O complexo de Édipo é o conjunto de idéias recalcadas que pertencem ao
drama familiar, de figuras entre as quais a menina precisa encontrar o seu lugar. Portanto, não
diz respeito à situação familiar real ou à evocação de desejo consciente. Ele se refere ao
núcleo das neuroses resultantes, em função do recalcamento dos desejos inconscientes que
representa. O complexo de Édipo positivo feminino é o fechamento daquela equação
simbólica que Freud chama de “fezes-pênis-bebê”, que culmina na transferência da mãe para
o pai, como objeto de amor. (MITCHELL, 1979)
Pincus e Dare (1981) definem a fase edipiana como uma situação a três. A
forma como a menina consegue evoluir de uma situação a dois, para uma situação a três,
produz um efeito poderoso no desenvolvimento da sua personalidade. A maioria das meninas
de quatro ou cinco anos desejam conscientemente casar com seu pai, embora não tenham
conhecimentos precisos do que significa esse relacionamento físico, bem como, da relação
desse desejo com o próprio estímulo de seus órgãos genitais. Nessa fase, pais e filhos se
encontram intensamente envolvidos, próximos de uma situação incestuosa. Desejos
incestuosos produzem sentimentos intensos e segredos importantes. Mas, é fundamental para
a menina acreditar que seu pai está um pouco enamorado por ela. Só que essa ligação com o
pai não elimina sua necessidade de ser também amada por sua mãe.
Freud ([1933] 1976) argumenta que o impulso original que leva a menina ao
pai, como conseqüência do processo de castração é o desejo de possuir um pênis que a mãe
não lhe deu. Na fase edípica, a menina espera que seu pai supra sua falta. Todavia, para que o
processo de formação de sua feminilidade desenvolva, ela precisa substituir durante o
complexo de Édipo, o desejo do pênis pelo desejo de um bebê. O desejo do bebê deve assumir
o lugar do desejo do pênis, por meio de uma primitiva equivalência simbólica.
Ao transferir para o pai o desejo de um pênis-bebê, a menina inicia seu
complexo de Édipo. No complexo de Édipo a menina escolhe seu pai como objeto amoroso.
Nessa nova situação, a hostilidade contra a mãe, que já estava estabelecida, é intensificada. Se
antes ela era alimentada pela frustração de não ter recebido da mãe um pênis, no complexo de
Édipo, a mãe se torna uma rival da menina, pois recebe do pai tudo o que ela deseja.
Mitchell (1979) afirma que o complexo de Édipo positivo da menina é o
primeiro passo correto no caminho da feminilidade. Assim, ela não tem fortes necessidades de
abandoná-lo. Pode continuar a amar seu pai e a odiar sua mãe como uma rival por tempo
indeterminado. Ela pode permanecer relativamente segura nesta fase de sua evolução pelo
37
tempo que julgar necessário, mesmo porque, as emoções vividas no complexo de Édipo serão,
a seguir, dessexualizadas quando ela entrar no período de latência.
É importante ressaltar que o Complexo de Édipo é tanto positivo quanto
negativo. Neste sentido ele é homossexual e heterossexual, pois da mesma forma que a
menina ama o pai e rivaliza com a mãe, ela também ama a mãe e rivaliza com o pai. O
Complexo de Édipo é negativo quando ocorre de forma invertida. Assim, em nenhum
momento a menina se desprende totalmente de sua mãe durante seu Complexo de Édipo.
O Édipo feminino é mais complexo que o masculino porque, na verdade, não
dá para a menina se desprender totalmente da mãe. Primeiro, ela tem que deslocar seu amor
da mãe para o pai, mas, ao mesmo tempo, precisa se manter ligada à mãe, porque ainda
depende dela para subsistir. Por isso, mesmo fazendo uma troca de objeto durante o
Complexo de Édipo, a menina nunca consegue se separar completamente da mãe.
A situação edipiana da menina, portanto, consiste em um deslocamento de seu
vínculo com a mãe para sua ligação com o pai. É sabido que tudo o que é deslocado continua
extremamente importante. Assim, a elaboração do complexo de Édipo inaugura uma nova
identificação da menina com sua mãe.
Nesse sentido, podemos dizer que, no complexo de Édipo feminino, a renúncia
da menina ao seu primeiro objeto de amor, a mãe, não finaliza o vínculo que possui com seu
primeiro objeto de amor. A força de sua rivalidade com a mãe não é tão intensa e
avassaladora como a força da rivalidade do menino com seu pai, durante esse mesmo período
de seu desenvolvimento. Isto porque, no complexo de Édipo feminino, o pai é apenas o
segundo eleito e a menina rivaliza com outra pessoa que também é castrada como ela. Essa
identificação e, até certo grau, a internalização da mãe durante a fase edípica, dificulta, na
menina, a formação de um superego forte, como acontece com o menino. (MITCHELL, 1979)
É importante ressaltar que existe uma diferença entre a fase edípica da menina
e a fase edípica do menino. Como ela entra no Édipo em função do complexo de castração,
ele funciona para a menina como um lugar de refrigério, de descanso depois de muitos
conflitos e sofrimentos. É por isso que ela não tem pressa em sair do Édipo com seu pai e
pode destruí-lo tardiamente em sua vida.
Pelo fato de não haver nenhuma experiência forte capaz de tirar a menina do
Édipo com o pai, a formação do superego feminino não é tão intensa e radical quanto no
menino, que é arrancado do Édipo com sua mãe pelo complexo de castração, dando origem a
um superego forte e severo.
38
O complexo de Édipo positivo da menina representa o primeiro passo concreto
em seu caminho rumo à feminilidade. É por meio da elaboração do complexo de Édipo que a
menina se prepara para tornar mulher. Ao amar o pai ela se prepara para amar os outros
homens da sua vida, o que irá ajudá-la no desenvolvimento da feminilidade.
2.6. ALGUMAS REFLEXÕES CRÍTICAS SOBRE A TEORIA PSICANALÍTICA DA
FEMINILIDADE
Quando escrevemos sobre a feminilidade, precisamos ter em mente que
estamos comunicando um conhecimento que representa uma forma de pensamento
estruturado em uma referida cultura, delimitada pelo tempo e pelo espaço.
Nesse sentido, não há como desvincular o discurso psicanalítico a respeito do
tema da feminilidade, do caldo cultural, social, econômico e político do qual ele emergiu
como discurso científico. No final do século XVIII, pensadores de diferentes ramos do saber,
passaram a assinalar diferenças substanciais entre os sexos, tomando a biologia como
fundamento epistemológico de suas conclusões. Foi neste ambiente propício ao debate que
Freud se interessou pelo tema e deu sua contribuição ao mesmo.
Mas a sociedade é dinâmica e se encontra em processo contínuo de evolução.
Nesse sentido, a teoria freudiana da feminilidade não é a única e a última palavra sobre a
subjetividade feminina. Aliás, a própria psicanálise, segundo Celes (2005, p. 77) trata o
feminino como um enigma, como “o continente negro da investigação psicanalítica”.
Em função dessas grandes dificuldades, a visão psicanalítica da feminilidade
tem recebido críticas contundentes que não podem ser desprezadas, por parte de outros
estudiosos do tema e pelos próprios psicanalistas.
Neri (2004) reconhece que a Psicanálise trouxe grande contribuição ao tema,
pois foi o primeiro discurso oriundo do meio científico que colocou no cerne de sua
investigação a questão da diferença sexual, que sempre foi tratada de forma marginal, ao
longo da história do pensamento filosófico.
Todavia, no que diz respeito à teoria da feminilidade, afirma que Freud se
limitou a reeditar uma metafísica dos sexos, que desde a antiguidade circula no pensamento
ocidental, estabelecendo uma diferença hierárquica, na qual o masculino é equivalente “de
mais” e o feminino “de menos”.
39
Nesse sentido, o discurso psicanalítico da feminilidade produz um treinamento
dos corpos e da sexualidade, visando o fortalecimento da família burguesa dos séculos XVIII
e XIX, ambiente no qual a Psicanálise nasceu, pois vincula a mulher à maternidade e reduz
seu espaço ao âmbito privado, por meio da patologização do corpo feminino, possibilitando
ao homem o domínio do espaço público.
Neri (2004), também critica Freud por ter fundado sua teoria da sexualidade
sob o princípio de uma masculinidade originária, alegando que ele desenvolveu seu raciocínio
a respeito da sexualidade masculina e feminina a partir do falo, elevando-o a uma instância
neutra fundadora da própria sexualidade.
Na sua ótica, a construção fálico-edipiana da psicanálise inegavelmente tem o
masculino como paradigma. A lei constitutiva do desejo em Freud é a lei do pai, portanto, a
teoria fálico-edípica deve ser classificada como uma versão masculina da diferença sexual. É
por essa razão que a teoria feminina da sexualidade e a própria teoria da feminilidade é
construída sempre em comparação com o referencial fálico. (NERI, 2004)
Grant (1998) diz que em função da psicanálise ter colocado como parâmetro da
saída para a feminilidade o lado do “falo”, muitas mulheres, nos dias de Freud e nos dias
atuais, continuam usando a máscara de feminilidade para aspirarem sonhos, anseios, desejos e
posições socialmente determinadas como exclusivos da masculinidade. Elas agem assim com
o objetivo de afastar a angústia provocada pelo medo de perderem a própria feminilidade e
para evitar a vingança temida da parte dos homens.
A autora acredita que esse ainda é o drama da mulher que não está totalmente
submetida à ordem fálica. Ao longo da vida ela carrega seu conflito, pois, para assumir sua
posição masculina como escolha pessoal de vida, se sente forçada pelo meio social a se
revestir da feminina como uma máscara, para dissimular a masculinidade que lhe é inerente.
(GRANT, 1998)
A mulher lida com sua castração através de todo aparato de cuidado com o
corpo, com a maquiagem, com a forma de se vestir. Durante todo o desenvolvimento da
identidade feminina a menina que se torna, aos poucos, mulher, vai desenvolvendo sua
habilidade na arte de tornar seu corpo belo e atraente, para dar conta de seu complexo de
castração. Por isso, mais do que máscaras, as várias formas que a mulher se utiliza para tornar
ainda mais belo seu corpo, são elos necessários para manter vivo seu narcisismo de vida, que
produz a quantidade necessária de libido que precisa investir em seu ego.
Sanada (2006) ressalta que são conhecidas às objeções a equivalência do
pensamento freudiano entre ser mulher e ser mãe. Objeções, que no seu entendimento, estão
40
corretamente fundamentadas nos comentários de Freud, especialmente quando ele enfatiza
que o início do complexo de Édipo feminino se caracteriza pelo desejo da filha de ganhar um
pênis do seu pai e que, no decorrer do mesmo, ocorre um deslocamento desse desejo original
e a filha passa a querer um bebê de seu pai, o que equivale a ganhar o seu tão desejado pênis.
Segundo a autora, Freud coloca a ênfase no bebê, ficando o próprio pai em
segundo plano. Em conseqüência, ao invés do complexo de Édipo significar um
posicionamento feminino marcado pelo amor a um homem, se trata, mais uma vez, de uma
busca pelo falo, o que pode ser considerado como mais uma tentativa de ocupar o lugar do
homem.
Grant (1998) afirma que, para Freud, as mulheres não têm opção. Ser mulher é
ser mãe e ser mãe é ter o falo, entendido como ter filhos. Todavia, nos dias atuais, cresce
consideravelmente o número de mulheres que optam por não serem mães e, nem por isso,
deixam de ser femininas. No seu entendimento, ser mãe pode servir como uma resposta de
ordem fálica, mas não fecha a questão sobre o que é ser mulher.
Em função da presença marcante da mãe na vida da filha, André (1987),
questiona a ocorrência de uma metáfora paterna funcionando na estrutura feminina, durante o
complexo de Édipo. Em seu lugar, defende a hipótese de que ocorre apenas um deslocamento
metonímico associado à figura paterna e não uma nova significação capaz de substituir a forte
vinculação da menina à sua mãe. Para ele, na realidade, a menina nunca substitui
completamente a mãe pelo pai, porque durante a fase do complexo de Édipo, no seu
entendimento, é como se a mãe continuasse agindo através da figura do pai, na vida da
menina. Isto porque, a ligação com o pai não faz desaparecer, não condena ao mais profundo
esquecimento o seu vinculo anterior com a mãe.
Grant (1998) afirma que, ao tentar dar conta da problemática relativa ao acesso
à feminilidade, Freud construiu um pai hipotético que funciona como uma verdadeira
metáfora, destruindo o vínculo da filha com a mãe, criando uma forte rivalidade entre elas.
Todavia, segundo a autora, várias pacientes de Freud demonstraram que traços característicos
da fase pré-edipiana continuavam agindo na vida adulta da mulher e que também coexistiam
com os da fase edipiana.
Com esse argumento, a autora declara que a problemática feminina gira em
torno de um nó difícil de ser desfeito, referente à relação antiga da filha com a mãe. Assim, a
fase edípica da menina, na verdade, precisa ser considerada como um desdobramento da fase
pré-edipica e não como uma substituição, uma vez que o desejo do pênis, o prazer clitoridiano
e o amor pela mãe continuam agindo na vida de uma mulher adulta.
41
Uma outra crítica feita por Grant (1998) está relacionada com a segunda tarefa
exclusiva da menina rumo à sua feminilidade, proposta por Freud, ou seja, a substituição do
prazer clitoridiano, considerado por ele como tipicamente masculino, pela conformação com o
prazer vaginal, de caráter tipicamente feminino. Freud, segundo a autora, se esqueceu que o
prazer vaginal não substitui o prazer clitoridiano, mas se acrescenta a ele, pois não há como
separar o clitóris da vagina e vice-versa.
Diante dessas considerações críticas, podemos concluir que, na gênese da sua
construção teórica, a Psicanálise instalou o valor da superioridade do masculino sobre o
feminino, sustentada apenas por um órgão sexual, o pênis, privando a mulher de se definir, em
sua subjetividade pessoal, por seu próprio órgão sexual, a vagina, da qual o clitóris é apenas
parte, e que não pode, simplesmente, ser considerada como uma versão mal acabada do órgão
genital masculino.
Ainda persiste diante de nós o desafio de construir uma teoria psicanalítica da
feminilidade a partir da própria mulher, sem ter o homem como padrão de comparação. O
ponto de partida para a compreensão da mulher deve ser ela mesma, uma vez que é um ser
humano autônomo e se encontra em posição de singularidade em relação à sua própria
existência.
42
3. AS ORIGENS DA RELAÇÃO AMOROSA
43
Neste capítulo, analisaremos alguns momentos importantes do
desenvolvimento psicossexual dos seres humanos, que são decisivos na futura escolha
amorosa. Veremos o narcisismo que, em nosso entendimento, é um dos processos
organizadores do amor. Também analisaremos os dois tipos de escolhas objetais proposto por
Freud e refletiremos sobre o complexo de Édipo que, para nós tem também um papel de
organizador inconsciente do vínculo conjugal e das estruturas familiares.
Mas, antes de entrarmos nestes temas, julgamos importante tecer alguns
comentários sobre a importância do inconsciente para a Psicanálise, pois todos estes conceitos
acima citados, só podem ser considerados a partir deste pressuposto básico.
3.1. INCONSCIENTE: UMA VERDADE NECESSÁRIA E LEGÍTIMA PARA A
PSICANÁLISE
A consciência de grande parte dos pensamentos, sentimentos e
comportamentos não servem como fundamento para justificar a liberdade e a conduta
humana. Isto porque, não há como atribuir à consciência a totalidade da vida psíquica, pois na
maioria das vezes, é impossível relacionar objetivamente os conteúdos expressados pelo ser
humano com as causas que os originaram. É por esta e outras razões, que serão desenvolvidas
ao longo deste tópico, o princípio, para a psicanálise, de que o inconsciente deve ser admitido
como uma verdade necessária e legítima.
De acordo com Barros (1999), os seres humanos sempre demonstraram
curiosidade com relação às forças estranhas que agem na consciência e atuam sobre a
conduta. No passado essas forças eram explicadas como fazendo parte de uma instância que
não estava sob o domínio da racionalidade. Desde o início os psicanalistas queriam entender o
como e o porquê, em determinadas circunstâncias, o ser humano se afasta da realidade. Para
alcançar seus objetivos dedicaram-se ao estudo do inconsciente, a fim de compreender como a
vida mental se organiza.
A Psicanálise trouxe uma importante contribuição para o esclarecimento dessas
forças que agem sobre a racionalidade e interferem na determinação da conduta. Ela
demonstrou que não podemos evocar e reviver novamente tudo o que já vivemos, pensamos
ou sentimos por uma simples determinação da vontade, porque há causas internas, que não
estão sobre o controle da consciência, que forçam o ser humano a viver e sentir de uma forma
44
pré-estabelecida, alheia a sua vontade. Dessa forma, a psicanálise introduziu o inconsciente
como uma instância psíquica que age segundo suas próprias leis, no lugar do que antes era
considerado como forças irracionais. (BARROS, 1999)
A existência do inconsciente, para Freud ([1915] 1974, p. 192) é uma hipótese
imprescindível para explicar os atos psíquicos que permanecem ocultos, mas que podem
manifestar-se indiretamente como lacunas na consciência, ou sob a forma de sonhos,
parapraxias ou sintomas neuróticos:
Nosso direito de supor a existência de algo mental inconsciente, e de
empregar tal suposição visando às finalidades do trabalho científico, tem
sido vastamente contestado. A isso podemos responder que nossa suposição
a respeito do inconsciente é necessária e legítima, e que dispomos de
numerosas provas de sua existência. Ela é necessária porque os dados da
consciência apresentam um número muito grande de lacunas; tanto nas
pessoas sadias como nas doentes ocorrem com freqüência atos psíquicos que
só podem ser explicados pela pressuposição de outros atos, para os quais,
não obstante, a consciência não oferece qualquer prova.
Anton (2000) afirma que hoje há instrumentos de credibilidade que
comprovam que o ser humano é o próprio autor de sua história em grande parte de suas ações.
Todavia, ao mesmo tempo, esses instrumentos confirmam que uma outra parte significativa
dessa história é escrita por sua bagagem genética, pelos seus legados familiares e pela
influência da cultura, na qual está inserido.
As ações empreendidas frente às circunstâncias da vida são compostas de
elementos conscientes, com os quais é possível justificar as realizações e elementos
inconscientes, que permanecem reprimidos, mas que buscam igualmente um espaço para
manifestar suas necessidades e alcançar as satisfações almejadas. (ANTON, 2000)
No seu artigo intitulado “Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise”, Freud
(1912 [1974], p. 327, 328) propõe uma forma de distinguir o conteúdo consciente do
inconsciente, nos seguintes termos:
Ora, permitam-nos chamar de consciente a concepção que está presente em
nossa consciência e da qual nos damos conta, e que este seja o único
significado do termo consciente. Quanto às concepções latentes, se temos
qualquer razão para supor que existam na mente como tínhamos, no caso
da memória que sejam designadas pelo termo inconsciente.
45
Desta afirmação depreende-se que a consciência não pode ser considerada
como a essência do aparelho psíquico. Ela deve ser considerada como uma qualidade do
psíquico que, na sua totalidade, possui outros acréscimos. Freud chegou ao mais profundo
deles, o inconsciente, quando foi obrigado a admitir a existência de idéias ou processos
mentais muito poderosos que, embora estejam inconscientes, produzem os mesmos efeitos
que as idéias comuns provocam na vida mental dos seres humanos. (FREUD [1923] 1974)
Com grande rigor e detalhamento, Freud ([1915] 1974, p. 198) delimita a
instância do inconsciente nos seguintes termos:
Antes de prosseguirmos, enunciemos o fato importante, embora
inconveniente, de que o atributo de ser inconsciente é apenas um dos
aspectos do elemento psíquico, de modo algum bastando para caracterizá-lo.
Há atos psíquicos de valor muito variável que, no entanto, concordam em
possuir a característica de ser inconsciente. O inconsciente abrange, por um
lado, atos que são meramente latentes, temporariamente inconscientes, mas
que em nenhum outro aspecto diferem dos atos conscientes, e, por outro
lado, abrange processos tais como os reprimidos, que, caso se tornassem
conscientes, estariam propensos a sobressair num contraste mais grosseiro
com o restante dos processos conscientes.
Ele chegou ao conceito de inconsciente por meio da teoria da repressão. A
repressão identifica o estado em que às idéias permanecem dentro do aparelho psíquico dos
seres humanos antes de se tornarem conscientes. Elas são reprimidas ao nível inconsciente
pela força da resistência. O conteúdo reprimido, para a Psicanálise, é o propósito do
inconsciente. Todavia, Freud, não limita o inconsciente apenas ao conteúdo reprimido.
Segundo ele, tudo o que é reprimido é inconsciente, mas o inconsciente é maior que o
conteúdo reprimido. As idéias reprimidas não podem se tornar conscientes, porque a força da
resistência opõe-se a elas. É neste sentido que as idéias inconscientes diferem-se dos outros
elementos que compõe o aparelho psíquico. (FREUD [1923] 1974)
O próprio Freud ([1915] 1974) reconhece que sua compreensão dos processos
inconscientes pode parecer estranha aos seus leitores, mas garante que ela pode ser
confirmada por meio das observações da prática psicanalítica. Para ele, quando comunicamos
a um paciente uma idéia que ele reprimiu, descoberta por meio da análise, o fato de ser dito ao
paciente não provoca, no início, qualquer mudança em seu estado mental. Não finaliza a
repressão e também não cura seus efeitos. Ao contrário, tudo o que se consegue, no início é
uma nova rejeição do pensamento reprimido. Todavia, a partir deste momento, o paciente
possui, de forma concreta, a mesma idéia, em diferentes espaços do seu mecanismo mental:
46
ele possui a lembrança consciente do traço auditivo da idéia que lhe foi transmitida e a
lembrança inconsciente de sua experiência, em sua forma primária. Só quando este último
registro torna-se consciente é que se atinge o êxito.
Oliveira (2005) problematiza a questão dizendo que a partir do momento que
Freud ampliou o domínio do inconsciente, afirmando que ele não está restrito ao conteúdo
reprimido, torna-se necessário esclarecer a forma como podemos chegar a um conhecimento
do inconsciente. Ele apresenta duas possibilidades de resposta: a primeira, diz respeito à
existência de uma tradução constante em andamento em todo ser humano entre o inconsciente
e o consciente. A segunda é respondida com uma citação literal de Freud ([1915] 1974, p.
194, 195):
A consciência torna cada um de nós consciente apenas de nossos próprios
estados mentais; que também outras pessoas possuam uma consciência é
uma dedução que inferimos por analogia de suas declarações e ações
observáveis, a fim de que sua conduta fique inteligível para nós [...] Essa
inferência (ou essa identificação) foi anteriormente estendida pelo ego a
outros seres humanos, a animais, a plantas, a objetos inanimados e ao mundo
em geral [...] A psicanálise exige apenas que também apliquemos esse
processo de inferência a nós mesmos [...] Se o fizermos, deveremos dizer:
todos os atos e manifestações que noto em mim mesmo, e que não sei como
ligar ao resto de minha vida mental, devem ser julgados como se
pertencessem a outrem; devem ser explicados por uma vida mental atribuída
a essa outra pessoa.
Barros (1999) acrescenta que a grande contribuição da psicanálise para a
compreensão dos processos que estruturam a vida mental dos seres humanos não se limita à
descoberta da noção de um inconsciente dinâmico, mas também, pela criação de um método
para investigá-lo. Este método institui a idéia de que é somente por meio da relação com o
outro, investigada de maneira peculiar, que o inconsciente torna-se acessível e se mostra de
forma sistemática. O grande mérito da teoria psicanalítica, portanto, foi ter encontrado um
meio pelo qual a força opositora é removida, permitindo que as idéias reprimidas, voltem ao
nível consciente.
Freud ([1915] 1974) apresenta as características especiais do sistema
inconsciente. No seu entendimento, o núcleo do inconsciente é formado de representações
instintuais que buscam fazer a descarga de sua catexia. São impulsos cheios de desejo, que
coordenados entre si, existem um do lado do outro, sem se influenciarem mutuamente. Eles
também estão isentos de contradição mútua.
47
Na visão de Ávila (1999), as principais características dos processos
inconscientes enumeradas por Freud são as seguintes: a não-contradição, a plena mobilidade,
a ausência de tempo e a falta de consideração da realidade externa, substituída pela psíquica.
São essas características que modificam os processos inconscientes de tal forma que eles não
são identificados pela consciência.
Na visão de Barros (1999), as fantasias inconscientes formam o conteúdo
básico do inconsciente. Elas estão presentes em toda a vida emocional do indivíduo e
modelam sua conduta, sua maneira de ser. As defesas são vistas como fantasias inconscientes
que possuem uma representação que condicionam o indivíduo a uma determinada forma de
pensar.
Ávila (1999, p. 4), a partir das colocações de Freud, chega a seguinte conclusão
a respeito da composição do inconsciente: “[...] o inconsciente, enquanto sistema, vai ser
povoado principalmente por conteúdos reprimidos, representações desligadas de seus afetos,
que ou permanecem livres, ou convertem-se em angústia, ou prestam-se às somatizações.
Ainda de acordo com Ávila (1999), a lei soberana do inconsciente é o
deslocamento. Por meio dessa lei as representações ficam sem nenhum investimento, ou
acumulam, por meio do processo de condensação, ao conteúdo já investido de várias outras
representações. Elas permanecem no inconsciente por tempo indeterminado, porque os
processos (acontecimentos) do sistema inconsciente não estão subordinados ao tempo, não se
ordenam temporalmente e não se alteram com a passagem do tempo. Eles não tem nenhuma
relação com o tempo.
Freud ([1915] 1974, p. 222) ainda ressalta a importância dos processos
inconscientes que atuam sobre a racionalidade humana, chamando nossa atenção para o fato
de que o inconsciente de um ser humano pode reagir ao inconsciente de outro ser humano,
sem que essa comunicação passe através do consciente de ambos. No seu entendimento, o
inconsciente humano está aberto à recepção de estímulos externos, sem que exista
necessariamente, a mediação do sistema consciente:
Voltemos à comunicação entre os Ics. e os outros sistemas, menos para
estabelecer algo novo do que para evitar a omissão do que é mais
proeminente. Nas raízes da atividade pulsional os sistemas se comunicam
entre si de forma extensiva. Uma parte do processo do que é aí excitado
passa através do Ics., como que por um estágio preparatório e atinge seu
mais alto desenvolvimento psíquico no Consciente e uma outra parte é retida
como Ics. Mas o Ics. é também afetado por experiências que se originam de
percepções externas. Normalmente, todos os caminhos da percepção ao Ics.
permanecem abertos e só os que partem do Ics. sofrem um bloqueio pela
repressão.
48
Para Coelho Junior (1999), esta referência de Freud é de suma importância,
porque ela nos permite pensar nas várias possibilidades de relação entre a percepção da
realidade externa e o inconsciente, sem a mediação da consciência. No seu entendimento,
Freud sugere, com estas reflexões, duas modalidades de percepção presentes nas relações dos
sistemas do aparelho psíquico: as percepções sensoriais que se tornam conscientes e as
percepções inconscientes.
Quando duas pessoas encontram-se, antes da verbalização dos pensamentos e
sentimentos, simultaneamente, emitem e captam micro-sinais que municiam a ambos acerca
de seus pontos de atração e de repulsa, até mesmo naquelas áreas que contém o que há de
mais instintivo e primário em cada um deles. Com base nesses micro-sinais emitidos e
captados pelo inconsciente são formados os sentimentos de desejo, aversão ou temor, que
pode gerar ações de atração, indiferença ou repulsa. Essa movimentação interna é alimentada
por estímulos atuais que agem em conexão com os registros mais antigos, guardados na
memória inconsciente. (ANTON, 2000)
Desse modo, não há como ignorar a importância e a influência que esses dados
gravados na memória inconsciente exercem no cotidiano da vida. Ao longo do seu
desenvolvimento psicossexual, o ser humano vai reorganizando sua vida, em função dos
obstáculos que encontra pelo caminho de sua existência, a fim de conseguir as gratificações
que almeja. Nesse aprendizado contínuo de auto-gestão da própria vida, ele vai criando uma
série de crenças e valores que servem como balizadores de seu crescimento pessoal. Não há,
portanto, como se dissociar de toda essa bagagem no momento em que precisa tomar decisões
importantes relativas ao seu ciclo vital. (ANTON, 2000)
A partir dessas constatações, é possível afirmar que muitos elementos
utilizados na organização da própria vida, são de natureza interna e a maior parte deles
encontra-se gravados na face oculta da mente. Seguindo esse raciocínio, não há como atribuir
ao acaso os acertos ou desacertos, sucessos e fracassos, felicidades e tristezas. Tudo que
acontece ao ser humano é resultado de uma complexa construção pessoal, mesmo que ele
desconheça, em grande parte, como as coisas realmente acontecem.
Neste mundo interno que existe dentro de cada ser humano, há muita energia e
vida. Esses conteúdos reprimidos, mesmo em estado de latência por muito tempo,
permanecem vivos e atuantes no aparelho psíquico, provendo descargas de energia formadas
por uma série de condições e de estímulos internos e externos. É por isso que, com certa
49
freqüência, o ser humano se vê surpreendido por descargas emocionais que, ao serem
comparadas aos possíveis fatos externos correspondentes, se mostram nitidamente
desproporcionais, inadequadas e inexplicáveis.
O ser humano é complexo, capaz de ações e reações imprevisíveis, fruto dessa
combinação constante de estímulos conscientes e inconscientes, que se unem ou se intercalam
na construção da sua realidade, feita pela junção de materiais do passado e do presente, de
uma existência que começou bem antes da sua concepção.
3.2. NARCISISMO COMO UM DOS PROCESSOS ORGANIZADORES INCONSCIENTE
DO AMOR
Segundo preceitos psicodinâmicos, nada é obra do acaso, existindo uma
determinante inconsciente para os comportamentos manifestos pelos indivíduos. Nessa idéia
podemos enquadrar o estabelecimento de vínculos e a possibilidade de amar as pessoas
significativas. A formação de vínculos e a capacidade de amar sofrem a influência, muitas
vezes, de motivos e razões de ordem inconsciente. Essas capacidades fundamentais a todo ser
humano, começam a ser formadas nos primeiros meses de vida. A maneira como o ser
humano passa pela fase narcisista vai delinear os contornos da sua capacidade de amar e de
vincular com seus pares. Isto porque, a fase narcisista constitui-se um dos organizadores
inconscientes do amor objetal.
Winnicott (1999) chama nossa atenção para o fato de que os fundamentos de
um relacionamento humano são colocados no exato momento em que a mãe e o bebê entram
em acordo em relação ao ato de alimentar e ser alimentado. Este é o ponto inicial do padrão
que o bebê vai adotar no desenvolvimento de sua capacidade de relacionar-se com os objetos
e o meio à sua volta.
Peixoto Junior (2003) levanta a hipótese de que Freud pode ter conservado,
durante algum tempo, três pontos de vista distintos com respeito a relação mais primitiva que
o sujeito estabelece com o meio a sua volta. O mais antigo desses pontos de vista foi
publicado na primeira edição dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de 1905 e
permaneceu inalterado nas outras edições revistas e corrigidas de sua obra. Freud tinha o
bito de acrescentar suas novas descobertas à última edição publicada de seus artigos, mas
50
com relação ao “O encontro do objeto”, publicado pela primeira vez em 1905, não houve
alteração de seu ponto de vista. (FREUD, [1905] 1989, p. 209-216)
Na visão de Peixoto Junior (2003), neste seu ponto de vista sobre a relação
mais primitiva do ser humano com seu entorno, Freud dá a entender que no início a pulsão
sexual tem um objeto fora do corpo da criança e que mais tarde, uma vez perdido esse objeto
externo, ela se torna auto-erótica. Em função da necessidade que o indivíduo tem de restaurar
essa primeira relação objetal, o autor afirma que Freud enxerga nela o estuário de qualquer
relação de amor. Desse ponto de vista, qualquer encontro com objeto se equivale há um
reencontro com a primeira satisfação sexual.
Somente em 1915, foi que esta passagem recebeu uma nota de acréscimo.
Freud assinalou a descoberta de mais uma modalidade de satisfação: a do encontro narcísico.
Portanto, para Peixoto Junior (2003), mesmo depois de ter publicado sua introdução à teoria
do narcisismo (1914), onde desenvolveu o conceito de narcisismo primário, Freud continuou
por muitos anos mantendo seu ponto de vista sobre a existência de uma relação objetal
precoce.
Com base em suas argumentações, Peixoto Junior (2003) defende que o
narcisismo é sempre um estágio secundário do desenvolvimento psicossexual dos seres
humanos. Ele é a fase do meio no caminho entre o auto-erotismo e a relação de objeto.
Mesmo porque, Freud nunca explicou em seus escritos o que denominou de narcisismo
primário. Mas, mesmo assim, o narcisismo primário tornou-se a teoria padrão para descrever
a relação mais primitiva do indivíduo com o meio à sua volta.
O encontro do bebê com o seio materno inaugura a relação objetal. Para
Winnicott (1999), muitos bebês necessitam de algum tempo para começarem a buscar seu
objeto externo e, quando encontram o seio que o amamenta, não querem transformá-lo
imediatamente em uma refeição. Precisam explorá-lo primeiro com as mãos e a boca, prendê-
lo com a gengiva, para depois sugar o alimento. Esse encontro do bebê com o seio materno
não representa apenas o início do seu processo de alimentação, mas também o início da sua
relação objetal. Todo relacionamento humano posterior que este novo ser vivenciará no
mundo, começa a ser esboçado por meio do relacionamento com o seio.
Para Klein ([1937] 1996), o bebê responde com sentimentos de amor e gratidão
ao amor e cuidados que recebe de sua mãe. No bebê, o poder do amor, que manifesta as forças
51
que preservam a vida, convive lado a lado com impulsos destrutivos. O amor do bebê se
manifesta principalmente no apego ao seio da mãe. Mais tarde transforma-se no amor pela
mãe como pessoa.
A partir do momento que ocorre o reconhecimento do objeto inteiro inicia-se o
desenvolvimento de um sentimento de dependência. Esse sentimento traz consigo sua
polaridade correspondente, ou seja, a necessidade de independência. Ao perceber que pode
confiar em sua mãe, o bebê passa a desenvolver a confiança no mundo externo.
(WINNICOTT, 2001).
A integração da personalidade da criança não acontece de imediato, mas aos
poucos. Não é uma questão apenas de neurofisiologia, uma vez que o processo necessita de
algumas condições ambientais favoráveis, sendo que a mais importante é a figura da mãe ou
cuidador como figura provedora da criança. (WINNICOT, 2001)
Para Amado (2003), nesse primeiro momento, os instintos sexuais estão a
serviço da satisfação dos instintos do ego. Só em um estágio posterior é que eles se tornam
independentes dessa vinculação inicial. Mas, ainda é possível encontrar indícios dessa
vinculação original, uma vez que os primeiros objetos de investimento libidinal de uma
criança são as pessoas que cuidam de sua alimentação, cuidados e proteção, ou seja, sua mãe
ou alguém que a substitua. Esta primeira relação objetal, formada pelo bebê e a pessoa que
cuida dele, caracteriza o que passou a ser denominado de narcisismo primário.
Manfro, Maltz e Isolan (2001) esclarecem que ocorre uma simbiose profunda
entre a mãe e o bebê no decorrer da gestação que dá origem a significativas interações. Há
uma relação orgânica bem íntima entre o feto e a mãe. O feto está ligado à corrente sangüínea
da mãe e esse fato provoca interações por meio de intermediários químicos e neuros-
simpáticos. Em função dessas trocas fisiológicas, a vida emocional da mãe afeta a vida do
bebê, produzindo nele resultados conseqüentes.
Os conteúdos da mãe estão misturados aos do bebê. Portanto, para analisar o
relacionamento da mãe com seu filho, primeiro é preciso distinguir o que pertence à mãe e o
que já pertence ao bebê. Isto porque, há dois tipos distintos de identificação fusionados. A
identificação da mãe com seu filho e o estado de identificação do filho com a mãe.
(WINNICOTT, 2001)
Klein ([1937] 1996, p. 352) classifica a identificação como um elemento
importante das relações humanas, nos seguintes termos:
52
[...] essa qualidade de identificação com outra pessoa é um elemento
extremamente importante das relações humanas em geral, além de ser uma
condição básica para sentimentos de amor fortes e verdadeiros. Só
conseguimos deixar de lado ou sacrificar até certo ponto nossos próprios
sentimentos e desejos, pondo temporariamente os interesses e emoções do
outro em primeiro lugar, se temos a capacidade de nos identificar com a
pessoa amada. Se ao nos identificarmos com outras pessoas compartilhamos,
por assim dizer, da ajuda ou da satisfação que nós mesmos lhes oferecemos,
retomamos de um lado o que perdemos do outro.
Winnicott (2001) ressalta que o bom relacionamento mãe-bebê é fundamental
para o fortalecimento do ego da criança. A mãe suficientemente boa tem a função de apoiar o
ego da criança em todos os aspectos. Com o ego reforçado pela relação satisfatória com a
mãe, a criança tem condições de organizar suas defesas e desenvolver padrões pessoais
caracterizado por influências hereditárias já nos estágios iniciais de seu desenvolvimento.
Klein ([1937] 1996) argumenta que esses primeiros estágios da vida do bebê
são fundamentais para seu desenvolvimento emocional. Por meio da manifestação de
sentimentos de ódio e agressividade, o bebê experimenta estados dolorosos, caracterizados
pelo sufocamento, pela falta de ar e por outras sensações dessa natureza. O bebê alivia esses
estados dolorosos produzidos pela fome, ódio, tensão e medo, buscando na mãe a satisfação
de seus desejos. A mãe produz no bebê a sensação de segurança que ele necessita quando
responde a suas necessidades com amor. Esse modelo inicial que o bebê aprende, de satisfazer
suas necessidades de auto-preservação, seus desejos sensuais e de segurança, por meio da
gratificação da mãe, permanece em sua mente por todos os estágios do seu desenvolvimento
psicossexual, produzindo as mais diferentes formas de influência e efeitos ao longo de sua
vida adulta.
Para Freud ([1914] 1974), a supervalorização dos filhos por seus pais é uma
marca da escolha objetal narcisista e domina a atitude emocional dos pais, mantendo-os sob a
compulsão de atribuir todas as perfeições ao bebê e de ocultar ou esquecer todas as suas
deficiências.
Amado (2003) acrescenta, dizendo que, em função do narcisismo primário, a
criança recebe uma supervalorização de investimento libidinal da parte de seus pais. Neste
ambiente dominado pelo fascínio e admiração dos pais pela criança, os possíveis defeitos do
pequeno ser são atenuados ou complemente relegados. O ego ideal permanece enaltecido no
discurso apaixonado dos pais. A criança recebe a herança dos sonhos e desejos dos pais, que
não foram realizados ou estão ainda por se fazer. O narcisismo primário da criança é
53
influenciado pelo olhar desejoso e fantasioso dos pais. O narcisismo dos pais transmite a
imagem de que a criança é um produto absoluto produzido por eles.
O bebê, portanto, primeiro existe no desejo dos pais. Quando nasce, começa a
ser influenciado pelo narcisismo reacendido dos pais a ocupar o espaço que lhe foi reservado.
O discurso dos pais constrói, à priori, o lugar que será ocupado pela criança; um lugar
delimitado pelas suas escolhas e investimentos prévios. (AMADO, 2003)
Manfro et al. (2001, p. 73) corroboram este entendimento, por meio da seguinte
colocação:
A vida imaginária da mãe, durante a gravidez, representa uma base essencial
das relações posteriores que ela terá com a criança. Essa vida imaginária está
relacionada com sua vida afetiva, suas relações com o pai do bebê, sua
própria história e suas relações com suas imagens parentais. Muitas vezes, os
pais imaginam seus filhos de acordo com seus desejos e fantasias. Em alguns
casos, parece que, por diversos mecanismos inconscientes, esse filho já tem
um destino marcado pelos pais.
Amado (2003) diz que, no estado de narcisismo primário, o bebê não
estabelece nenhum tipo de relacionamento com o meio, pois permanece fusionado à sua mãe.
Esse relacionamento simbiótico mãe/bebê, mantém indiferenciada a libido do ego e a libido
do objeto. Para a autora, a troca que acontece nesse estágio possibilita ao bebê a capacidade
de existir, uma vez que o ser humano só se torna pessoa por meio do seu relacionamento com
outra pessoa, que pode ser sua mãe ou um cuidador substituto.
Eiguer (1985) diz que os objetos do mundo interno e inconsciente dos pais são
projetados sobre a criança desde o seu nascimento. Os aspectos individuais de cada um que
não foram resolvidos por meio da relação conjugal, fruto dos seus complexos infantis, atuam
na edificação da criança, na construção do seu mundo objetal e inconsciente.
Nesse estágio inicial do desenvolvimento psicossexual, segundo Laplanche e
Pontalis (1977), a criança constrói a base do ego ideal, ou seja, ela está envolta pelo ideal
narcísico de onipotência, sob a égide do narcisismo primário. Esse estágio é anterior à
formação do superego. O ego encontra-se ainda inorganizado e fundido ao Id numa situação
que corresponde à condição ideal. Mas, convém ressaltar que o Ego Ideal, entendido como
um ideal narcísico onipotente, não está adstrito apenas à união do Ego com o Id. Ele inclui a
identificação primária com a mãe, que também está investida de onipotência.
Laplanche e Pontalis (1977), também afirmam que há consenso na teoria
psicanalítica sobre o fato de que o ego ideal possui uma formação narcísica inconsciente. Ele
54
faz parte das instâncias ideais da personalidade e promove, no indivíduo, o processo de
idealização que o leva a tomar, como objetivo, a reconquista do chamado estado de
onipotência do narcisismo infantil.
A partir do momento que o bebê começa a se perceber como um ser
individuado de sua mãe, gradativamente, a ilusão de completude vai se desfazendo e, de
forma concomitante, seu ego passa a ser estruturado.
Winnicott (2001) afirma que a mãe normal vai deixando de se preocupar com
seu filho gradativamente. Mas, o mesmo não ocorre com a mãe que não consegue identificar-
se com seu bebê. No caso do desmame, por exemplo, a mãe não consegue realizá-lo, porque
nunca conseguiu ter a criança realmente para si. Assim, o desmame perde seu sentido. A mãe
psicologicamente comprometida, por sua vez, não consegue fazer o desmame ou o faz de
maneira súbita. Nas duas possibilidades ela deixa de reconhecer a crescente necessidade que a
criança tem de ser desmamada.
Portanto, quanto mais pobre for à maternagem, mais a criança apega-se a sua
mãe ou a seus substitutos em termos de dependência. Esta insegurança pode promover uma
fixação à infantilidade, o que se torna uma fonte de angústia para a criança. Por outro lado,
quanto mais forte e gratificante for o vínculo, o bebê desfrutará de maior liberdade e estímulo
para crescer. (ANTON, 2000)
Para Winnicott (2001, p. 24), só a mãe suficientemente boa pode propiciar à
criança um ambiente adequado para que ela inicie seu processo de desenvolvimento pessoal e
real:
Só na presença dessa mãe suficientemente boa pode a criança iniciar um
processo de desenvolvimento pessoal e real. Se a maternagem não for boa o
suficiente, a criança torna-se um acumulado de reações à violação; o self
verdadeiro da criança não consegue formar-se, ou permanece oculto por trás
de um falso self que a um só tempo quer evitar e compactuar com as
bofetadas do mundo.
Freud ([1914] 1974) afirma que o desenvolvimento do ego implica,
necessariamente, no distanciamento paulatino do indivíduo do narcisismo primário. Esse
movimento não é espontâneo na criança. Por isso, sempre haverá, nas fases posteriores do seu
desenvolvimento psicossexual, uma tentativa vigorosa de recuperação desse estágio anterior.
O afastamento do narcisismo primário acontece pelo deslocamento da libido em direção a um
ideal de ego que vem de fora. A satisfação dessa nova necessidade corresponde à realização
desse ideal.
55
Amado (2003), baseada na teoria freudiana, diz que o desenvolvimento do ego,
em função do afastamento do narcisismo primário, inaugura no psíquico da criança o
narcisismo secundário. A partir desse ponto a criança vai aprender a se relacionar com a falta
e a imperfeição. Nesse novo ambiente emocional, surgem as catexias objetais, isto é, uma
parte da libido que anteriormente estava voltada para o próprio ego, agora é dirigida para os
objetos externos. A busca pelo narcisismo primário, recentemente perdido, vai orientar a
criança na escolha dos objetos de atividade narcisista, nos quais ela investirá essa parte da
libido que foi deslocada de si mesma, viabilizando a satisfação de suas recentes necessidades.
Nesse sentido, o deslocamento do registro do ego ideal para o ideal de ego, ou
seja, do amor voltado para si, para o amor dirigido ao outro, corresponde à queda da
onipotência narcísica.
Laplanche e Pontalis (1977, p. 289) afirmam que a expressão ideal de ego foi
utilizada por Freud no quadro de sua segunda teoria do aparelho psíquico. Eles definem esse
termo como:
Instância da personalidade do narcisismo (Idealização do ego) e das
identificações com os pais, com os seus substitutos e com os ideais coletivos.
Enquanto instância diferenciada, o ideal de ego constitui um modelo a que o
indivíduo procura conformar-se [...] uma formação intrapsíquica
relativamente autônoma que serve de referência ao ego para apreciar suas
realizações efetivas.
Chamama (1995, p. 99) define o mesmo termo como “instância psíquica que
escolhe, entre os valores morais e éticos exigidos pelo supereu, aqueles que constituem um
ideal ao qual o sujeito aspira”.
A origem do ideal de ego é caracteristicamente narcísica. O que o ser humano
projeta diante de si, como seu ideal, representa a si mesmo, pois corresponde ao seu ego ideal
perdido na infância, ao deixar o estágio do narcisismo primário. Este estado narcísico, que
representa um delírio das grandezas pessoais é abandonado em função das críticas e
desaprovações que a criança vai internalizando sob a forma de uma instância psíquica especial
composta da censura e da auto-observação, ou seja, o supereu. (LAPLANCHE; PONTALIS,
1977).
Chamama (1995) esclarece que o ideal de ego surge como substituto do ego
ideal. Em função das críticas parentais e do meio exterior, a criança vai deixando, de forma
paulatina, as primeiras satisfações narcísicas buscadas pelo ego ideal. Sendo assim, ela investe
sua catexia libidinal neste novo ideal de ego, numa tentativa de reconquistar os prazeres
56
experimentados na fase do narcisismo primário, quando todo o investimento libidinal era feito
em si mesmo.
É neste espaço, denominado de ideal de ego, que a criança vai hospedar seu
antigo e seus novos objetos de amor. Assim, o ideal de ego é o substituto do ego ideal, ou
seja, do narcisismo primário. É o ideal de ego que abre espaço, no aparelho psíquico do bebê,
para a possibilidade de relacionamento com as outras pessoas, além de sua mãe. Ele
conciliará, a partir desse estágio, as necessidades individuais da criança com as exigências
parentais e sociais impostas pelo meio. (AMADO, 2003)
A dinâmica natural do relacionamento humano tem início nessa fase. No
relacionamento norteado pelo ideal de ego, o sujeito coloca-se perante o outro, aguardando
sua resposta. Nesta expectativa de retorno está o desejo de receber o reconhecimento
narcisista. O desejo de ser alguém para o outro, de ser admirado, querido pelo outro são
sentimentos que remontam a essa fase do desenvolvimento psicossexual. (AMADO, 2003)
O narcisismo presente no início da vida do ser humano e que faz parte do seu
desenvolvimento psicossexual normal jamais é abandonado. A tendência da supervalorização
narcisista do indivíduo e a crença em sua onipotência percorrem todo o curso de sua vida.
Assim, a libido narcisista torna-se uma fonte de onde partem e para onde retornam todos os
seus investimentos objetais. Essa característica persiste como pano de fundo de todos os
outros investimentos posteriores. (AMADO, 2003)
Sem dúvida, os primeiros anos de vida do bebê são fundamentais para o resto
de sua existência, pois é nesse período que se estabelece o primeiro contato direto entre esse
pequeno ser em formação e as pessoas mais significativas da sua vida que de início
representam a própria extensão da vida e depois os representantes de toda a humanidade. Os
relacionamentos que esse pequeno ser estabelecerá nas outras fases de sua vida,
necessariamente terá como alicerce, esses primeiros vínculos formados com as pessoas mais
significativas para ele, entre elas, sua mãe e seu pai. (ANTON, 2000)
Na fase adulta a pessoa tende a estruturar sua vida, segundo o narcisismo
primário ou secundário, em função da identificação que teve com seus pais nos primeiros anos
de seu desenvolvimento psicossexual. Caso a admiração dos pais por ele tenha sido
caracterizada por um número excessivo de regras e condições, maior será sua dependência
dos seus progenitores e mais obsessiva será sua busca pela perfeição, uma vez que o
afastamento desse ideal poderá provocar rejeição. (AMADO, 2003)
Não há como negar que os primeiros vínculos estabelecidos pelo indivíduo
com seus pares, constituem-se na matriz dos seus futuros relacionamentos, principalmente dos
57
mais significativos. A possibilidade de ser feliz ou infeliz em seus relacionamentos futuros
nem sempre depende apenas das circunstâncias que irão compor o presente dessas relações.
As causas positivas e negativas poderão estar localizadas no passado remoto de sua vida. O
estudo da fase narcísica do desenvolvimento psicossexual humano, leva-nos a admitir que as
primeiras raízes da relação amorosa se encontram no berço de sua origem.
3.3. TIPOS DE ESCOLHAS OBJETAIS
Com relação aos caminhos que levam os seres humanos à escolha dos objetos
sexuais, encontramos na literatura psicanalítica duas possibilidades: a escolha anaclítica, ou
de ligação e a escolha narcísica. Esses dois tipos de escolhas decorrem da relação mãe-bebê,
sendo que todo ser humano tem apenas duas possibilidades de objetos sexuais: ele próprio ou
a pessoa que cuida dele.
Freud ([1905] 1989) acredita que a escolha de objeto ocorre em dois tempos,
em duas fases. A primeira acontece entre os dois e os cinco anos e recua ou é aprisionada pelo
período de latência. Ela apresenta os alvos sexuais da natureza infantil. A segunda acontece
na puberdade e representa a forma definitiva da vida sexual. A escolha de objeto feita na
puberdade exige renúncia aos objetos infantis a fim recomeçar a mesma como uma corrente
sensual. Quando não há convergência entre essas duas correntes corre-se o risco de não se
alcançar um dos alvos da vida sexual: a junção harmônica de todos os desejos num único
objeto.
Sobre o tema Peixoto Junior (2003) esclarece que após o estado narcísico a
criança progride em seu desenvolvimento libidinal e entra na fase da escolha do objeto que
pode ocorrer de conformidade com duas possibilidades diferentes. A escolha pode se dar pelo
tipo narcisista, onde o próprio eu é substituído por outro que seja o mais parecido possível
com ele, ou pelo tipo de apoio (anaclítico) onde as pessoas que se tornaram importantes por
suprirem suas necessidades iniciais são escolhidas como objetos pela libido.
A compreensão destas duas possibilidades de escolha objetal ajuda no
entendimento dos conteúdos que levam as pessoas a se vincularem umas às outras. Também
possibilita a captação de informações valiosas sobre a maneira como essas pessoas organizam
a vida conjugal e familiar.
58
3.3.1. A escolha objetal anaclítica ou de ligação.
A escolha objetal anaclítica, ou de ligação, deriva da fase do narcisismo
secundário, quando ocorre a inversão do ego ideal para o ideal de ego. Ela representa um
deslocamento da libido sexual que, inicialmente, está direcionada à mãe ou a pessoa que a
substitui, para seus sucessores como objeto de amor. É por isso que, nesse tipo de escolha, a
busca recai sobre alguém que pode suprir algumas necessidades que eram satisfeitas pela mãe
ou pai da infância.
Para Alencar (1982), a escolha de objeto de tipo anaclítico, está fundamentada
na expressão freudiana de que o primeiro objeto sexual de uma criança é justamente a pessoa
que cuida dela, que provê alimento, carinho e proteção, ou seja, sua mãe, ou alguém que a
substitua.
Caso opte pelo tipo anaclítico de escolha objetal, na fase adulta, a pessoa vai
escolher alguém que tenha qualidades semelhantes à mulher que a alimentou; ao homem que
a protegeu ou a sucessão de substitutos, que possivelmente tomaram o lugar deles.
Eiguer (1985) declara que na escolha anaclícita, o homem ou a mulher vão
escolher uma pessoa que tenha condições de proporcionar-lhe apoio (mãe ou pai da infância).
É uma escolha que está ligada à pulsão de conservação. Ele ressalta que esse tipo de escolha
não corresponde a uma identificação ativa e adulta com o progenitor do mesmo sexo, no
processo de escolha amorosa. Trata-se de uma identificação parcial e narcisista, que resulta de
uma atitude infantil, uma vez que a pessoa permanece fixada a fases anteriores do
desenvolvimento psicossexual. Nesse sentido, segundo o autor, a escolha anaclítica é um tipo
de escolha regressiva quando comparada à etapa de dissolução do complexo de Édipo.
Mesmo representando um tipo de escolha regressiva, Amado (2003) identifica
um progresso no tipo de escolha anaclítica. Nesse tipo de escolha objetal há uma dinâmica
progressiva, uma vez que ela vai além do próprio sujeito, exigindo deste um movimento.
A escolha anaclítica é um modelo fundamentado no ideal de ego, onde o
sujeito deixa de ser seu próprio objeto de amor. Neste estágio do desenvolvimento
psicossexual já é possível identificar a existência e o reconhecimento do outro, o que
possibilita a construção de uma relação complementar.
Um outro aspecto importante relacionado à escolha anaclítica, diz respeito à
sua incidência entre os sexos. Para Freud ([1914] 1974), o amor objetal completo do tipo
59
anaclítico ou de ligação, é mais comum em pessoas do sexo masculino. Esse tipo de escolha
de amor objetal, caracteriza-se pela supervalorização sexual, cuja origem encontra-se no
narcisismo original da criança e corresponde a uma transferência desse narcisismo para o
objeto sexual.
A escolha anaclítica é caracterizada pela identificação mútua na perda do
primeiro objeto de amor. Em conseqüência, um busca no outro os aspectos perdidos do amor
idealizado do primeiro vínculo objetal. O vínculo se estabelece na tentativa de que um venha
suprir a falta do outro.
3.3.2. Escolha objetal narcísica
A escolha objetal narcísica deriva da fase do narcisismo primário, caracterizada
pela busca do ego ideal. Ela representa uma fixação nessa fase inicial do desenvolvimento
libidinal, onde toda a libido está voltada para si. Nesse sentido, a escolha narcísica estabelece
um vínculo firmado na idéia de poder, orgulho, onipotência e ambição. Não há espaço para o
reconhecimento do outro e fica difícil estabelecer uma relação caracterizada pela
complementaridade.
A escolha objetal narcísica, na visão de Freud ([1914] 1974), surge em
conseqüência de alguma dificuldade enfrentada pela pessoa durante seu desenvolvimento
libidinal. Na fase narcísica, ao invés da pessoa adotar como modelo de objeto amoroso sua
mãe, ela escolhe a si mesma. Por isso, na fase adulta, procura a si mesma, como objeto
amoroso e exibe o tipo de escolha objetal, denominado narcisista. Em sua escolha amorosa
esta pessoa está em busca de um objeto semelhante ao que ela é; ao que ela foi; ao que ela
gostaria de ser; ou alguém que foi uma vez parte dela mesma.
res-Carneiro (1994) defende o ponto de vista freudiano, quando diz que na
escolha objetal denominada narcisista, a pessoa procura a si mesma como um objeto amoroso,
em conseqüência de um desenvolvimento libidinal que sofreu alguma perturbação em uma de
suas etapas.
No tipo de escolha narcísica, segundo Amado (2003), o que sobressai é a
necessidade de ser amado, isto é, a pessoa que faz esse tipo de escolha é seu próprio ideal. É
um movimento ainda mais regressivo que a escolha objetal anaclítica, pelo fato que o ideal de
60
amor está no próprio sujeito. Nesse modelo narcísico de amor sugere uma indiferenciação do
outro, característica preponderante do narcisismo primário.
Para Freud ([1914] 1974), as mulheres, principalmente se forem belas,
desenvolvem um mecanismo de auto-satisfação, que compensa as restrições sociais que elas
sofrem, na sua condição de mulher, em função de sua escolha objetal. Como conseqüência,
elas passam a amar a si mesmas com uma intensidade semelhante ao amor dos homens por
elas. Nesse sentido, elas não sentem tanta necessidade de amar, mas de serem amadas e os
homens que conseguem satisfazer suas necessidades são plenamente acolhidos por elas.
Carvalho (1996) supõe que, em função da ausência do órgão sexual masculino,
a mulher busca uma compensação em sua beleza. Na falta do pênis ela tem um corpo
feminino que passa a ser investido como um símbolo fálico. Nesse sentido, ela tem mais
necessidade de ser amada que amar. Por isso, gratifica o homem que a reconhece, que a
admira e que a ama com intensidade.
É com base nessas argumentações, que Amado (2003) conclui que para Freud,
a escolha narcísica incide mais sobre as mulheres que sobre os homens.
Como se percebe, a escolha narcísica representa uma dificuldade no
desenvolvimento libidinal normal, uma vez que a energia libidinal permanece voltada para o
próprio sujeito e a escolha recai sobre alguém que seja semelhante a si mesmo. Neste caso, a
pessoa busca no outro alguém que seja semelhante ao que ela é; ao que ela foi; ao que ela
gostaria de ser, ou que possui uma parte do que ela foi.
Como o foco é colocado sobre ele mesmo, sobressai, portanto, na escolha
narcísica, a necessidade de ser amado e não de amar. É um processo ainda mais regressivo
que a escolha anaclítica, pois está adstrita à fase do narcisismo primário, onde há um estado
de fusão, de completude entre mãe-bebê.
Portanto, a relação fundamentada na escolha narcísica é caracterizada pela
indiferenciação com o outro. Não há espaço para a complementaridade. Apenas um recebe
todos os dividendos da relação e o outro fica responsável por todo investimento, que sempre é
tido como insuficiente, tornando seu ego empobrecido.
61
3.4. ÉDIPO COMO UM DOS PROCESSOS ORGANIZADORES INCONSCIENTE DO
VÍNCULO CONJUGAL E DAS ESTRUTURAS FAMILIARES
Para a teoria psicanalítica, todas as relações amorosas passam pela
estruturação psíquica do complexo de Édipo. As formas de amor que desenvolvemos na fase
adulta são organizadas, baseadas e fundamentadas nessa forma de organização das pulsões
humanas. A organização das pulsões sob a forma edípica é a unidade que sustenta o
surgimento do amor. É por meio do complexo de Édipo que o amor aparece e se manifesta
nas fases posteriores do desenvolvimento psicossexual dos seres humanos.
Freud ([1925] 1976) constrói, discursivamente, o complexo de Édipo
masculino, dizendo que, em um momento do desenvolvimento libidinal, o menino começa a
desejar a mãe para si como mulher. O afloramento desse desejo traz consigo um sentimento
de ódio pelo pai, que passa a ser visto como um rival, impedindo a concretização do seu
anseio.
Klein ([1928] 1996) complementa este entendimento, dizendo que quando o
menino sente-se impelido a substituir a posição oral e anal pela genital, começa a ter o
objetivo da penetração conjugado à posse do pênis. Desta forma, ele muda sua posição
libidinal e seu objetivo. Esse movimento possibilita a manutenção do primeiro objeto de
amor, sua mãe.
Gori (2003) diz que a mãe é em essência o objeto de desejo do menino. A
interdição que ocorre no complexo de Édipo bloqueia a manutenção desse desejo. Na relação
entre o menino e a mãe surge um impedimento imposto pela figura do pai. Quando ele
inaugura a proibição altera o curso e a natureza dos investimentos libidinais do menino. A
posição assumida pelo pai gera, no menino, uma reação hostil que se manifesta pelo desejo de
livrar-se dele para poder ocupar seu lugar ao lado da mãe. Há uma mistura de medo e desejo,
amor e ódio, formando dilacerantes contradições, que marcam a cena humana com o cunho da
tragédia, situando o homem em uma fronteira difícil de sustentar: ver seu desejo aflorado
diante daquilo que o horroriza.
No seu artigo intitulado “Dissolução do Complexo de Édipo”, Freud ([1924]
1976), nos diz que a resolução do complexo de Édipo masculino ocorre em função do perigo
da castração. A idéia de ser castrado destrói com um só ato os aspectos negativos e positivos
do complexo de Édipo.
62
Gori (2003) destaca que a interrupção da atividade auto-erótica é marcada pela
ameaça de castração que o menino não aceita com facilidade. Ele se defende de todas as
formas diante da ameaça de castração, porque almeja evitar o conhecimento doloroso depois
que constatou a ausência do pênis nos genitais femininos.
Para concretizar seu desejo de possuir sua mãe, o menino precisa se livrar do
pai rival, que na sua ótica é mais poderoso que ele e ainda castrador. Se a realização do amor
edipiano custa à criança o pênis, surge um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte do
seu corpo e a catexia libidinal voltada para sua mãe. Nesse conflito, o interesse narcísico pelo
seu pênis triunfa sobre seus desejos edipianos. O seu ego volta as costas ao complexo de
Édipo. (FREUD, [1924] 1976)
O processo de resolução do complexo de Édipo masculino produz dois
resultados: primeiro, preserva o seu órgão genital, afastando o perigo de sua perda; segundo,
paralisa seu pênis, removendo sua função. A elaboração do complexo de Édipo dá início ao
período de latência, onde o desenvolvimento sexual da criança é interrompido
momentaneamente. (FREUD, [1924] 1976)
Gori (2003, p. 138) afirma que a resolução do complexo de Édipo não se
esgota nesta fase do desenvolvimento lidibinal porque, no ser pulsional, a satisfação é uma
imposição e quando não pode ser realizada, ela cria novos caminhos por onde a pulsão
circula. Por isso:
O impedimento real ativa a via da fantasia, na qual o objeto é constituído
como perfeito, idealizado e é atingido por meio da atividade masturbatória.
O menino investe narcisicamente o pênis em sua atividade auto-erótica, que
é a expressão de seus desejos incestuosos, mas esse circuito libidinal precisa
ser interrompido para que o menino possa desinvestir os objetos fantasiosos
e voltar a investir na realidade, porém em outras direções: é preciso desviar o
curso da libido do objeto incestuoso, interditado, para os objetos substitutos.
Nas meninas, segundo Freud ([1925] 1976), o complexo de Édipo apresenta
um problema a mais que nos meninos. Nos complexos de Édipo masculino e feminino a mãe
é o objeto original. Só que durante o complexo de Édipo masculino, a mãe continua sendo o
objeto sexual do menino. O mesmo não ocorre com a menina, que primeiro precisa
desvincular-se da mãe, para depois tomar seu pai como objeto sexual.
Klein ([1928] 1996) explica que, na menina, o objetivo receptivo passa da
posição oral para a genital. Nesta passagem de fase ela muda sua posição libidinal, todavia,
mantém o mesmo objetivo, apesar de já ter sofrido uma grande frustração em relação a sua
63
mãe. Assim, ela desenvolve a receptividade para o pênis e busca o pai como seu novo objeto
de amor.
No entendimento de Klein ([1928] 1996, p. 222), são várias as razões que
levam a menina a abandonar seu primeiro objeto de amor e a partir em busca do pai como seu
novo objeto de amor:
Além do caráter receptivo do órgão genital posto em ação pelo desejo
intenso de encontrar uma nova fonte de gratificação a inveja e o ódio da
mãe, que possui o pênis do pai, também parecem ser mais um motivo para
que a menina se volte para o pai no período em que seus primeiros impulsos
edipianos estão se manifestando. As carícias do pai agora têm o efeito de
uma sedução e são sentidas como a atração do sexo oposto.
No decorrer do seu desenvolvimento libidinal a atração da menina pelo pai
cresce cada vez mais à medida que o vínculo com a mãe vai diminuindo. Ela começa a
experimentar fantasias conscientes e inconscientes de ocupar o lugar da mãe, em sua relação
com o pai, se tornando sua mulher. Em contrapartida, ela sente uma forte inveja dos outros
filhos que a mãe possui e almeja receber do pai seus próprios filhos:
O desejo de tomar o lugar da mãe ao lado do pai, a inveja que sente dos
filhos que a mãe deu ao pai e o desejo de dar bebês ao pai, ou seja, esses
sentimentos, desejos e fantasias são acompanhados de rivalidade,
agressividade e ódio contra a mãe, somando-se ao ressentimento que sente
contra ela, oriundo de frustrações anteriores no seio. (KLEIN, [1937] 1996,
p. 351)
Anton (2000) diz que qualquer experiência humana de grande valor emocional
não se finaliza em si mesma, mas integra-se com outras que ocorreram antes dela e que
ocorrerão posteriormente a ela, desde que partilhem de elementos comuns.
Nesse sentido, a descoberta das diferenças anatômicas liga-se ao treinamento
para o controle esfincteriano que, por sua vez, vincula-se ao prazer sexual, aos estímulos e
proibições, às fantasias e temores de castração, ao complexo de Édipo e muitos outros
elementos repletos de sensações e sentimentos, que vão acontecendo durante as fases do
desenvolvimento psicossexual dos indivíduos.
Da mesma forma, Freud ([1905] 1989) esclarece que os resultados da escolha
objetal infantil prolongam-se pelas fases posteriores da vida do indivíduo; se conservam na
forma como se encontram ou passam por uma transformação no período da puberdade. Mas,
se tornam inúteis em função do recalcamento que ocorre entre as duas fases. Os alvos sexuais
64
pelo progenitor do sexo oposto são amenizados e se manifestam apenas por uma corrente de
ternura da vida sexual.
A essência do complexo de Édipo, na visão de Pincus e Dare (1981) consiste
no sentimento de exclusão vivenciado pela criança, quando percebe que as duas pessoas mais
importantes de sua vida mantêm um relacionamento íntimo e intenso do qual ela não
participa. Na visão desses autores, este é o primeiro aspecto do complexo de Édipo, na
qualidade de um estágio do desenvolvimento.
O segundo aspecto importante do complexo de Édipo são os sentimentos fortes
e simultâneos de amor e ódio. A criança ama o progenitor do sexo oposto. Percebe que seu
amor é uma paixão intensa e possessiva. Percebe que essa atração está associada às sensações
de prazer que obtém por meio da manipulação de seus genitais. Mas, ainda tem uma noção
vaga da vinculação destes sentimentos com o fato de seus pais dormirem juntos. (PINCUS;
DARE, 1981)
Em função do complexo de Édipo a menina -se obrigada a transformar seu
amor narcísico pela mãe em um amor heterossexual. Ela ama e adora o pai e anseia consumar
este amor por meio do contato físico. Mas, ao mesmo tempo, teme perder o cuidado e o amor
da mãe por ela. Além do mais, vive sob o domínio do medo, em função da possibilidade de
vingança da mãe, por nutrir sonhos sexuais com relação ao seu pai. Esse ciúme sexual, a
rivalidade e o receio de represália formam a essência do seu complexo edipiano. (PINCUS;
DARE, 1981)
A atração sexual pelo progenitor do sexo oposto desencadeia uma complexa e
conflitante mistura de amor, ódio, rivalidade, ciúme e perplexidade. Esse turbilhão de
sentimentos desconexos surge em função do fato de que, nos estágios anteriores do
desenvolvimento psicossexual, o amor por seus pais e a conseqüente necessidade de
identificação com eles, conduziu o menino e a menina a uma identificação com cada um deles
e a uma necessidade de se tornar cada vez mais um complemento deles. Acontece que o
complexo de Édipo finaliza o ideal narcísico do menino e da menina, introduzindo a
triangulação no seio da família. (PINCUS; DARE, 1981)
No caso da menina, Klein ([1937] 1996, p. 351) afirma que mesmo depois da
escolha do pai como seu novo objeto de amor, as fantasias e desejos sexuais em relação à mãe
permanecem atuantes em sua mente:
É sob sua influência que ela deseja tomar o lugar do pai ao lado da mãe em
alguns casos, esses desejos e fantasias podem se desenvolver com mais força
65
do que aqueles relacionados ao pai. Assim, o amor que sente pelos dois se
mescla a sentimentos de rivalidade, mistura que se estende a sua relação com
os irmãos.
Essas situações geram muitos conflitos, tanto no menino quanto na menina. Ela
sente ódio misturado com amor pela sua mãe. Ele ama o pai e deseja protegê-lo do perigo
originado por seus sentimentos agressivos. Para tornar a situação ainda mais complexa, o
progenitor do sexo oposto, alvo de todo investimento libidinal, também produz, tanto no
menino como na menina, sentimentos antagônicos de amor, ódio e vingança, pois seus
desejos sexuais em relação a eles são geralmente frustrados. (KLEIN, [1937] 1996)
É nesse sentido que Pincus e Dare (1981) concluem que o problema vivenciado
no complexo de Édipo não reside apenas no fato da criança querer se livrar do pai ou da mãe
do mesmo sexo, para realizar suas fantasias sexuais com o genitor do sexo oposto, mas, no
conflito de querer manter, ao mesmo tempo, o amor, o carinho, o cuidado e a admiração do
pai ou da mãe que ela pretende rechaçar.
Pincus e Dare (1981) afirmam que o complexo de Édipo é o momento em que
a criança percebe que os relacionamentos afetivos, necessariamente, não precisam ser
exclusivos, mas podem ser ampliados a outras crianças do seu círculo de relacionamento, a
outros adultos da família e, futuramente, a outras pessoas que não fazem parte do círculo
familiar.
O complexo de Édipo, portanto, é uma fase importante na vida de todo ser
humano, onde ele experimenta um significativo crescimento psicológico, essencial para o
desenvolvimento de sua capacidade futura de amar e se relacionar.
As pessoas que não passaram pela fase edípica, que tiveram o desenvolvimento
interrompido ou distorcido enquanto ainda estavam na fase narcísica, caracterizada pelo
relacionamento a dois, geralmente, costumam apresentar problemas de sociabilidade, quando
chegam à idade adulta. As experiências vivenciadas durante o complexo de Édipo,
influenciam de maneira direta, as fantasias subseqüentes vinculadas aos anseios sexuais. Os
anseios, as necessidades e as experiências de outras fases da vida reviverão os conflitos
vivenciados no complexo de Édipo. (PINCUS; DARE, 1981)
Eiguer (1985) esclarece que a resolução do complexo de Édipo é uma
passagem organizadora, porque ao evitar o desprazer, a pessoa obtém uma vantagem: um
amor possível. Não é seu genitor do sexo oposto, mas é uma pessoa que se parece com ela.
Não é um amor absoluto, mas pode ser intenso.
66
Nesse sentido, o complexo de Édipo masculino e feminino possui um atributo
resolutivo, porque devolve à criança a possibilidade de realizar seu amor. A relação amorosa,
no futuro, herdará os aspectos envolvidos no Édipo. Esses conteúdos múltiplos que cada um
traz dentro de si, ligam fortemente os parceiros conjugais. O amor edípico que os vincula é
forte o bastante para estabilizar e perpetuar a relação conjugal. A fusão dos dois inconscientes
forma um mundo objetal partilhado, que exerce na vida de ambos uma dimensão
organizadora. (EIGUER, 1985)
Segundo Pincus e Dare (1981) é o complexo de Édipo que proporciona as
influências mais secretas e importantes na formação dos padrões conjugais e das estruturas
familiares. Isto porque, é justamente no complexo de Édipo que a criança desenvolve sua
capacidade de se relacionar com duas pessoas ao mesmo tempo. É neste estágio de vida que
ela começa a vislumbrar a possibilidade de amar várias pessoas ao mesmo tempo.
A fase edípica do desenvolvimento infantil é de suma importância para o
entendimento dos casamentos e das estruturas familiares. A família de origem, normalmente,
é a matriz que influencia o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos. A influência do
relacionamento com os pais, principalmente, durante a fase primordial da formação da
personalidade, pode delinear sobremaneira o tipo de relacionamento conjugal que a pessoa
terá no futuro.
O comportamento dos pais durante o Édipo de seus filhos é de grande
importância para a resolução satisfatória dessa fase do estágio psicossexual. Anton (2000)
afirma que, quando o pai é amado pelo filho, a relação é permeada por sentimentos e
intenções positivas. Quando o filho precisa se distanciar dele, em decorrência do seu processo
de desenvolvimento, mesmo assim, procura mantê-lo por perto, ou dentro de si, pela
identificação, ou fora de si, pela escolha de alguém com traços semelhantes. Ele aplica em sua
nova relação aquilo que internalizou da sua relação original. Comporta-se como o pai,
oferecendo ao cônjuge aquilo que o pai oferecia a sua esposa e aos filhos, ou busca alguém
que tenha condições de lhe dar a mesma sensação de bem-estar que o pai lhe dava, ou as
mesmas emoções que o pai lhe proporcionava.
Klein ([1937] 1996) ressalta a importância da figura paterna na vida emocional
da criança. Para ela, o papel desempenhado pelo pai influência a criança em todas as outras
relações amorosas que experimentará ao longo de sua vida e em todo vínculo que fará com
outras pessoas. Mas admite que a qualidade da relação que o bebê estabelece no início com
seu pai é modelada, em parte, através da sua relação com a mãe. A relação que o bebê tem
67
com a mãe pode ajudá-lo, ou não, a enxergar o pai como uma figura gratificante, amistosa e
protetora.
A mãe simbiótica ou narcisista pode criar sérias dificuldades para a realização
do complexo de Édipo de seu filho ou filha. Por estar extremamente apegada a ela, a criança
precisa negar de forma veemente todo tipo de hostilidade, de competição ou de desejo de
separação. As conseqüências são desastrosas para ambos os sexos, porque a criança fica
impedida de transferir seu amor para o genitor do sexo oposto. Com isso, mesmo passando
pela fase edípica, ocorre um sério comprometimento no processo de identificação
psicossexual e na habilidade de amar a si mesmo e ao seu futuro cônjuge. Isto ocorre, porque
o amor ao pai precisa ser mantido em oculto, pois caso chegue ao conhecimento da mãe, a
criança pode sofrer ameaças ou punições, que não são declaradas, mas insinuadas, por meio
de atitudes claras ou veladas, em prol da manutenção de um vínculo dominador e exclusivista.
(ANTON, 2000)
O conflito constante dos pais também pode criar grandes dificuldades para a
resolução do Complexo de Édipo e para a identificação psicossexual da criança. Isto porque,
falta motivação para o menino identificar-se com seu pai, quando este não é amado e
valorizado por sua mãe. Se ele buscar seu pai como modelo corre o risco de também ser
rejeitado e abandonado por ela. Por outro lado, se o pai não demonstra amor pela mãe, a
identificação com ele, como figura masculina, pode se equiparar a uma traição à mãe e, de
igual forma, em sua desvalorização. Isto pode gerar como conseqüência a perda de tudo o que
ela representa de positivo em sua vida. (ANTON, 2000)
Quando o filho percebe que o pai, em função de seu comportamento, não
merece o amor e o cuidado de sua mãe, a resolução do complexo de Édipo positivo masculino
se complica, porque a criança sente maior dificuldade de abrir mão do seu primeiro objeto de
amor. Mesmo porque, quando isso ocorre na relação conjugal, a mãe, normalmente, passa a
supervalorizar o filho, colocando nele todas as suas expectativas, fazendo com que ele
funcione como uma espécie de substituto do marido, um parceiro, um confidente e um
cúmplice. (ANTON, 2000)
No caso da menina, a situação edípica fica seriamente comprometida. Se já é
forte a vinculação mãe-filha, na fase pré-edípica normal, a tendência é que esse vínculo torne-
se ainda mais forte quando os pais vivem em constante conflito conjugal. A desvinculação da
mãe, por parte da menina, durante o complexo de castração, torna-se ainda mais traumática.
Como ela pode entrar no Édipo, ou seja, buscar o seu pai como novo objeto do seu amor, se
ele não ama a mulher mais importante de sua vida até esse momento, sua mãe? Por outro lado,
68
como a menina pode ver a mãe como uma rival que compete pelo amor do mesmo homem, se
ela tem consciência de que não há amor, afeto, carinho e consideração entre seus pais?
Outra situação que pode dificultar o complexo de Édipo dos filhos é a presença
de características sadomasoquistas no relacionamento dos pais. Mesmo diante da tensão e das
queixas freqüentes, a criança capta as verdades escondidas da relação conjugal dos pais. Uma
dúvida se instala na mente da criança: se eles não se amam e não se suportam, qual a razão de
manterem esse vínculo conjugal? Aos poucos ela vai construindo a única resposta possível: o
vínculo se mantém justamente em função do sofrimento imposto e do sofrimento recebido. A
criança se adapta a esse padrão de funcionamento, que modela sua personalidade e sua
neurose. Mais tarde, muito provavelmente, quando for fazer sua escolha amorosa, buscará
alguém com quem possa vivenciar uma relação semelhante. (ANTON, 2000)
Os casais que apresentam dificuldades de ficarem a sós, enquanto indivíduos
ou enquanto parceiros, também complicam a elaboração do complexo de Édipo de seus filhos.
Eles forçam os filhos a estarem constantemente presentes na relação familiar, inibindo o
desenvolvimento da capacidade de amar e de direcionar seus desejos sexuais para alguém que
esteja fora do círculo familiar. Esses pais podem aprisionar os filhos em torno deles, por não
suportarem a vida a dois ou por não darem conta de enfrentar e vencer a própria solidão
pessoal. (ANTON, 2000)
Segundo Mitchell (1979), a elaboração do complexo de Édipo ocorre pelo
reatamento da menina com sua mãe e do menino com seu pai. Para as meninas, a resolução do
Édipo manifesta-se pela redescoberta do amor intenso pela mãe ou pelo seio materno, apesar
da ligação análoga da menina com seu pai. Para o menino, apesar de manter seu vínculo com
a mãe pré-edipiana e edipiana, ele encontra espaço para amar, admirar e identificar-se com
seu pai.
Concluindo, não há como impedir a circulação ocasional de fantasias
incestuosas dentro do círculo familiar, pois elas fazem parte do desenvolvimento emocional
normal dos filhos. Dar espaço a essas fantasias, contê-las e limitá-las é importante para que as
crianças se tornem, na fase adulta, pessoas mais saudáveis e possivelmente mais afetivas e
sexualmente realizadas.
Por conseguinte, as experiências vividas na fase edípica ajudarão essas crianças
quando tiverem que estabelecer os limites do relacionamento afetivo com seus futuros filhos,
para que eles possam vivenciar o Édipo sem correr o risco de viver uma experiência mais
traumática.
69
Todos os autores consultados são unânimes em afirmar que o complexo de
Édipo positivo é de suma importância para o desenvolvimento saudável da capacidade de
amar e de constituir uma família. Assim, vimos que são as vivencias desses intensos
sentimentos entre pais e filhos que circulam dentro da família de origem e que podem chegar
às raias de uma experiência danosa, que acabam por oferecer as estruturas para a vivência
afetiva e sentimental com companheiros na fase adulta.
70
4. A INFLUÊNCIA DO INCONSCIENTE NA
FORMAÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL
71
É de suma importância analisar a formação do vínculo conjugal sob o prisma
das motivações inconscientes, pois, só por esse ângulo, podemos entender alguns elementos
constitutivos do mesmo, que não aparecem quando tentamos compreende-lo por outras
vertentes de investigação.
Para a psicanálise, os desejos e sentimentos das fases anteriores do
desenvolvimento psicossexual, que não foram resolvidos adequadamente, permanecem vivos
no inconsciente e podem manifestar-se no presente das pessoas adultas, gerando influência na
sua forma de ser e agir, em seus momentos significativos, principalmente, durante a fase da
escolha amorosa.
O inconsciente pode pregar muitas peças, principalmente, quando as pessoas
menosprezam seu poder e influência nas escolhas amorosas e relações vinculares. Através
deste capítulo, procuraremos compreender como e porque o inconsciente pode tornar-se numa
importante fonte de influência na formação do vínculo amoroso e no cotidiano da vida
conjugal. O entendimento da dinâmica inconsciente dos parceiros da relação amorosa, no
momento da formação do vínculo conjugal e dos cônjuges, no cotidiano do casamento, poderá
fornecer uma ampla compreensão a respeito das verdadeiras causas que normalmente
desencadeiam o processo de dissolução desse vínculo conjugal.
4.1. O INCONSCIENTE ATUANDO NA FORMAÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL
Quando estudamos a formação do vínculo amoroso, do ponto de vista das
motivações inconscientes, percebemos claramente o quanto esta escolha é importante para a
consolidação e a organização inconsciente do casal. Durante esse processo de escolha
amorosa, os inconscientes individuais de cada parceiro se entrecruzam, sondando todas as
possibilidades de constituírem um amor possível que, mesmo não sendo tão absoluto e
idealizado como aquele experimentado nas fases ulteriores do desenvolvimento psicossexual,
pode ser forte, envolvente e constituído de um significativo valor restitutivo e resolutivo.
Na visão de Berenstein (2003), o aparelho psíquico do ser humano é capaz de
armazenar os registros relativos às suas experiências mais importantes, mesmo as vivenciadas
numa fase precoce do seu desenvolvimento psicossexual, ligadas à infância, ou a uma fase
mais recente, como a adolescência. Ele, normalmente, utiliza as impressões que ficaram
72
desses registros para orientar o indivíduo no momento da escolha amorosa, da constituição do
casal, da família e de outros vínculos significativos.
No seu entendimento, o sujeito é formado, ao mesmo tempo, pelo que o
determina em sua origem, bem como, pelo que ele realiza através de suas interações com as
outras pessoas, ao longo de sua existência.
Para Anton (2000), a relação que um ser humano estabelece com o outro e
todas as suas ações e atitudes frente à vida, são sempre alicerçadas na relação que ele
estabelece com seu próprio self. Isto é: ele sempre vai utilizar seus registros pessoais, suas
crenças e os recursos que já conseguiu desenvolver, para estabelecer novos vínculos e tomar
decisões importantes das quais dependam a plena satisfação de seus desejos e a concretização
de seu projeto pessoal de realização e felicidade.
Por isso, na visão de Martuscello Neto (1992), o ser humano sempre traz em
seu aparelho psíquico as marcas de um passado que, mesmo distante no tempo, permanece
atualizado no inconsciente, pois o mesmo não está subordinado ao tempo e não leva em
consideração sua existência no momento de fazer vigorar suas próprias leis.
De acordo com Puget e Berenstein (1993, p. 148) o casal parental fornece aos
seus infantes dois modelos:
O de sujeito desejante e o de objeto desejado, ligado em diferentes relações,
uma das quais é a relação de reciprocidade. Em um primeiro momento, o ego
também é um objeto desejado pela mãe e, simultaneamente, o pai se oferece
como modelo-desejante. O narcisismo infantil configura uma representação
do casal parental que o inclui: ‘papai e mamãe comigo e para mim’. Em um
segundo momento, o ego se liga, simultânea e sucessivamente, com um par
onde cada um é sujeito desejante e objeto desejado por ele e pelo outro. O
ego incorpora, por identificação projetiva, ambas as posições. Esta interação
permite configurar no mundo interno um objeto-representação precoce e
casal parental, em uma relação de reciprocidade-desejante-desejado, com a
qual se liga o ego infantil.
Eiguer (1985), nos diz que a escolha do parceiro não pode ser atribuída ao
acaso, porque o inconsciente individual de cada um dos parceiros participa ativamente em
cada etapa desse processo. A escolha tem um valor parecido ao das formações de
compromisso inconscientes, como ocorre na formação do sintoma ou do lapso. Ela produz um
alívio econômico e procede normalmente como um mecanismo defensivo. Esta escolha
reveste-se de grande importância para a consolidação e a organização inconsciente do casal,
pois os dois parceiros entrecruzam seus objetos inconscientes, alimentando a relação
73
sentimental, que corresponde a uma redescoberta e, ao mesmo tempo, a fusão resultante do
amor infantil de cada um.
Na opinião de Anton (2000), a relação entre os objetos internos de cada um e
os objetos externos reais, durante o processo de escolha amorosa, reveste-se de uma
importância fundamental, pois o ser humano, ao escolher alguém com quem deseja
compartilhar sua vida, toma esta decisão a partir de seus desejos e necessidades conscientes e
inconscientes.
Puget e Berenstein (1993) reforçam este ponto de vista quando afirmam que
toda escolha conjugal ocorre de forma mútua e recíproca, fundada em fatores conscientes e
inconscientes. Neste sentido eles propõem a hipótese de que:
um dado membro do casal ‘escolheu’ (pode optar, sem o saber) por um outro
‘enlouquecedor’ e concordam em conviver em um vínculo cuja marca é o
‘enlouquecer’. É em sua condição de objeto único que ao outro do casal é
atribuída a capacidade de enlouquecer. Equivale a manter os esteriótipos e as
formas infantis de funcionamento. Reclama-se do objeto único que se ponha,
automaticamente, em condições favoráveis, sem intervir uma ação
modificadora do ego. (PUGET; BERENSTEIN, 1993, p. 144).
Maldonado (2000) enumera uma série de fatores motivadores para a formação
do vínculo conjugal, como a necessidade de complementação, as carências e necessidades
neuróticas. Esses fatores, em grande parte, são inconscientes. Para esta autora, é a conjugação
desses vários fatores, conscientes ou não, que forma a base do vínculo conjugal, que irá
determinar o sucesso ou insucesso da relação conjugal. Segundo ela, escolhemos o cônjuge
que podemos e não o que queremos, ou que gostaríamos de poder. O amor nem sempre é o
principal elemento na gênese do vínculo conjugal.
Pincus e Dare (1981) reforçam o entendimento dos autores já citados. Segundo
eles, as motivações que levam as pessoas ao casamento são inconscientes na sua maior parte.
Comentando Freud, estes autores afirmam que a palavra inconsciente, é usada por ele em dois
sentidos. Primeiro, indica que algo pode permanecer aparentemente inconsciente em nosso
aparelho psíquico, pelo fato de não termos necessidade, ou capacidade momentânea, para
evocar esse pensamento à consciência. Segundo, o pensamento, desejo ou fantasia, que foi
reprimido para o inconsciente, por meio da resistência, pode ser mantido fora da consciência
por tempo indeterminado, de forma que sua existência seja apenas percebida indiretamente no
nível da consciência. Para esses autores, os aspectos vinculados à escolha do cônjuge, os
74
acordos e pactos não escritos do vinculo conjugal, acontecem nesse segundo sentido da
palavra inconsciente.
Por isso, raramente é possível saber, quando questionamos os cônjuges
diretamente, as razões convincentes que justificam a escolha amorosa que fizeram, ou qual a
natureza do casamento para eles. Por mais que se questionem os cônjuges a respeito das
motivações que fundamentaram suas escolhas amorosas, eles dificilmente mencionarão os
motivos inconscientes. (PINCUS; DARE, 1981)
Na opinião de Anton (2000), no que tange a escolha do cônjuge, o que fica
aparente consiste apenas na percepção de motivos superficiais e marginais da totalidade do
processo de escolha. Os fatos conscientes compõem a face externa de uma verdade composta
de várias camadas que se superpõem e protegem umas as outras, conservando em seu núcleo
as causas mais profundas, de natureza inconsciente, que realmente motivaram a escolha
amorosa, em ambos os parceiros do vínculo amoroso.
Carvalho (1996) ressalta que os aspectos da personalidade do pai e da mãe
podem ser usados como referência inconsciente, tanto na semelhança quanto na diferença.
Eiguer (1985) diz que a escolha amorosa pode ser feita sobre alguém que seja o oposto do pai
ou da mãe. Essa postura é chamada de escolha defensiva.
O fato importante a ressaltar é que o casamento dos pais sempre será um ponto
de referência para seus filhos. Eles poderão segui-lo, evita-lo ou modifica-lo. Segundo Anton
(2000, p. 104):
[...] o modo como eles [os pais] correspondem às necessidades do filho,
estimulando-o ou inibindo-o, premiando-o ou condenando-o, fornece as
condições básicas para o desenvolvimento de uma personalidade harmônica
e sadia capaz de estabelecer e de manter relações satisfatórias.
Puget e Berenstein (1993) afirmam que, da mesma forma como há casais que
estabelecem com eles o início da relação de casal, recusando, portanto, os modelos de casal
oriundos das famílias de origem, outros, optam pela dependência e continuidade das
representações de casal de seus progenitores. Pincus e Dare (1981) orientam que podemos
chamar de combinação edipiana o padrão que estes casais juntos estabelecem, pois vão
buscar, nas vivências que experimentaram, durante a fase do complexo de Édipo, o primeiro
organizador do amor conjugal e da constituição familiar, o modelo de relação conjugal que
irão seguir.
75
Amado (2003) chama a atenção para a dificuldade freqüente que a maioria dos
parceiros encontra, no início da relação conjugal, para desvincular-se totalmente do sistema
familiar de suas famílias de origem. Realmente, sempre é um desafio para um jovem casal
separar os conteúdos individuais que pertencem a cada um deles, os que pertencem ao novo
vínculo que estão estruturando e aqueles que estão trazendo de suas famílias de origem.
Não há como negar que, geralmente, as escolhas amorosas estão permeadas de
pré-requisitos que os parceiros trazem de suas experiências de vida, principalmente, da
vivência edípica com seus pais. Em função dessas cargas inconscientes, a pessoa amada é, em
essência, uma instância psíquica bem diferente da pessoa concreta, com quem o sujeito se
relaciona na vida real. Isto equivale dizer que a representação que a pessoa tem do seu objeto
de amor, com freqüência, não corresponde ao que ele é realmente. (AMADO, 2003)
Anton (2000) explica que a escolha amorosa normalmente se desenvolve por
sinais quase imperceptíveis, mas suficientemente claros para revelar maneiras de ser, de
funcionar, de se relacionar. Apesar de serem discretos, esses sinais são tão eficientes que, nas
fases mais precoces da atração amorosa, já se torna possível aos parceiros fazer um
prognóstico, com certo grau de segurança, à respeito das possibilidades futuras do referido
relacionamento.
Com base no funcionamento da vida psíquica dos indivíduos, Puget e
Berenstein (1993, p. 136) estão convictos de que a escolha amorosa é determinada pelos
acordos e pactos inconscientes que são estabelecidos no início da relação.
Os acordos e pactos inconscientes indicam a maneira e o tipo de objeto a ser
escolhido. O ser humano conta com diversas inscrições de vínculos e
relações com os objetos parentais e, depois, com objetos extraparentais
significativos, com os quais integrou um complexo sistema de opções, a
respeito da escolha de um outro pelo ego (pois acolhe um determinado
outro) e como se oferece, por sua vez, para ser escolhido por ele.
Para Féres-Carneiro (1996), a escolha amorosa apresenta-se como um jogo
conjunto inconsciente que envolve os parceiros da relação amorosa, em decorrência de um
conflito similar não resolvido. Anton (2000) concorda com esse posicionamento, pois afirma
que quando uma pessoa sente medo de determinados estímulos presentes em seu corpo e no
seu aparelho psíquico, há a tendência de buscar, para uma relação amorosa, uma pessoa com
quem ela se sinta segura e que promova de alguma forma uma sensação de equilíbrio interno
e externo por meio da relação conjugal.
76
Assim, podemos afirmar que a atração amorosa e sexual está sempre a serviço
de profundas afinidades entre os sujeitos da relação, mesmo quando elas existem apenas em
nível inconsciente e permanecem ocultas por oposições e complementaridades. Segundo
Anton (2000, p. 56): “nesse sentido, um casamento não tem erro: está sempre a serviço de
necessidades, em grande parte, secretas compartilhadas pelas pessoas envolvidas.
Carvalho (1996) observa que, em função das fantasias inconscientes envolvidas
na escolha amorosa, normalmente, o objeto eleito torna-se um verdadeiro símbolo, pois tem
uma representação significativa para o sujeito que o escolhe. Benedito (1996) diz que a
idealização do outro é o elemento que leva as pessoas ao estado de apaixonamento. A paixão
é importante na escolha amorosa, porque ela propicia o surgimento do conteúdo inconsciente,
abrindo, por meio dele, um caminho para se expressar na relação amorosa.
Anton (2000) entende que uma pessoa adulta, que foi suficientemente amada e
feliz em sua infância, que não sofreu demais ou foi frustrada pelo excesso ou pela
insuficiência de proteção, reúne em si mesma, as maiores probabilidades para fazer uma boa
escolha amorosa. A felicidade de um casamento, na sua ótica, não é obra do acaso e nem de
forças que agem independente da vontade humana. Mas a adoção de determinadas atitudes e
as diversas opções realizadas ao longo da vida recebem a influência de vários fatores internos
que agem em cada cônjuge fora dos limites de suas consciências.
Ao realizar a escolha conjugal, por meio da mobilização dos inconscientes
individuais, os parceiros de jugo inauguram o inconsciente do casal e, em seguida, o
inconsciente da família. (EIGUER, 1985)
É interessante que, mesmo diante de tantas evidências dessas conexões entre os
fatores conscientes e inconscientes na formação do vínculo conjugal, poucas pessoas têm
conhecimento desses fatos. O desconhecimento de que somos impulsionados por estímulos
poderosos que agem sem a mediação de nossa consciência só aumenta a incidência desses
fatores desconhecidos em nossas escolhas, pontos de vistas, atitudes e comportamentos,
enfim, em nossa maneira de ser e agir nos meios onde estamos inseridos.
Por isso, é importante clarificar, por meio do processo terapêutico, as
motivações, determinações internas e externas que levaram os cônjuges, por um processo
inconsciente, a estabelecer o vínculo conjugal. Ao compreender as necessidades e anseios
advindos das experiências confluentes que ambos vivenciaram nas primeiras relações objetais
o contrato inconsciente do casamento pode ser redirecionado para o fortalecimento consciente
do vínculo conjugal e para a resolução desses conflitos não resolvidos da infância.
77
4.2.. OS FENÔMENOS DA REPETIÇÃO, DA SIMBIOSE E DA NEUROSE NA
FORMAÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL
Todos os seres humanos experimentam, no dia-a-dia de sua existência, várias
experiências carregadas de forte carga emocional. As formas que eles elaboram para superar
essas experiências e seguir em frente vão delineando o que serão no futuro, as escolhas que
farão e o estilo de vida que irão construir para si mesmos.
O nosso passado não pode ser desprezado. Ele representa a história de nossa
vida. A história não é composta de rupturas, de vivencias estanques, mas de continuidade.
Nesse sentido, não há como separar o passado do presente e o presente do futuro. Da mesma
forma como o passado está contido em nosso presente, o nosso futuro também está contido
em nosso presente. O que fomos pode ser a representação do que somos e o que somos pode
ser a representação do que seremos. Assim, passado e futuro são conectados pelo nosso
presente. O que passou pode não ter passado e continuar inacabado no presente,
comprometendo a realização dos sonhos e dos objetivos que depositamos em nosso futuro.
Uma escolha fundamental que a maioria dos seres humanos realiza em algum
momento da vida é a conjugal. Lamanno (1994, p. 39) ressalta a origem interessante da
palavra conjugal:
Deriva do latim conjugium, que significa unir, ligar e também parelhas de
animais. Con-jugo, sob a mesma canga, como bois emparelhados, atrelados.
Amarrados, laçados um ao outro? De certa forma sim, mas não é só isso.
Ambos são subjulgados a forças inconscientes, ora buscadas, ora
combatidas, ora negadas. Forças das quais o casal, qualquer casal, não se
livra facilmente e nem de forma absoluta [...] nem todos os casais
conseguem se desenvolver além do estado inicial de apaixonamento.
Intolerantes à desilusão, acabam estruturando uma organização psicótica de
casamento.
Pincus e Dare (1981) informam que esses anseios inconscientes que não
tiveram uma realização adequada nas fases anteriores do desenvolvimento emocional do
indivíduo não desaparecem enquanto não forem definitivamente resolvidos. Eles se
apresentam de forma intensa e insistente, com relativa freqüência, no presente da vida
emocional do indivíduo.
78
É neste sentido que Lamanno (1994, p. 15) ressalta que o início de uma relação
conjugal representa um encaixe perfeito para a reedição de velhos conflitos e angústias:
Assim começa uma relação um encaixe perfeito, um desfecho narcísico
perfeito para conflitos e angústias antigas, na medida em que afasta da
percepção tanto o fantasma do desamparo quanto o da castração, a partir do
qual as vivências virtuais de cada um multiplicam-se e potencializam-se
como as imagens refletidas num vale de espelhos. O que resulta daí é um
enredo cujos personagens pertencem ao atual, ao mesmo tempo em que
reproduzem algo que já não é mais.
Nesta mistura entre as vivências atuais e as vivências virtuais várias facetas
coincidem: “a mãe e a criança, o pai e a criança, o casal e a criança que foram e o homem e a
mulher encontrando-se no atual”. (LAMANNO, 1994, p. 15)
Pincus e Dare (1981) admitem a possibilidade de repetição durante o processo
de formação do vínculo conjugal, porque ninguém consegue se desvincular plenamente de
necessidades que um dia experimentou em sua relação com a mãe. Os padrões de
relacionamento estabelecidos nas primeiras fases do desenvolvimento psicossexual são
altamente dominantes e difíceis de serem reformulados totalmente. Essas necessidades e
padrões que um dia significaram as maiores prioridades da própria existência persistem e se
repetem, com certa freqüência, nas fases posteriores do desenvolvimento dos seres humanos.
Quando no passado houve um vínculo simbiótico entre mãe e filho, o
casamento do filho representa um risco para os dois. A sua concretização gera, tanto na mãe
quanto no filho, uma significativa elevação do nível de ansiedade. Para que a mesma
permaneça num nível suportável a pessoa escolhida deve submeter-se a uma série de
condições, todas orientadas no sentido de não desestabilizar o vínculo entre a mãe e o filho.
Nas palavras de Anton (2000, p. 202):
Em princípio, nenhum ser real é suficientemente digno de se casar com este
filho. Para que um parceiro seja aceito, apesar das restrições, é essencial, em
síntese, que o filho possa: a) evitar uma traição à mãe; b) continuar seguindo
sua orientação; c) fugir de quaisquer situações que incrementem o desejo de
independência, de individualidade e de novas ligações íntimas; d) dar a
impressão de maturidade e de segurança; e) seguir procurando ajuda e
confiando apenas na sua sapiente, dedicada e sensata mãe.
Para se sujeitar a um relacionamento tão limitado e dependente, a pessoa eleita
precisa ser pouco exigente, omissa e tolerante em relação ao vinculo mãe e filho. Geralmente,
79
a parceira eleita também mantém um vínculo de dependência e fixação com sua mãe, o que
facilita as coisas, pois, neste caso, os cônjuges estabelecem um acordo de cumplicidade no
sentido de respeitar as respectivas ligações familiares de cada um.
Mas é difícil viver um relacionamento conjugal tranqüilo nestas condições. As
es, poderosas, competirão entre si, exigindo cada vez mais provas de fidelidade, ansiosas
para manterem a certeza do triunfo e do controle, mesmo que para isso tornem a vida conjugal
dos filhos um verdadeiro caos. (ANTON, 2000)
Para Pincus e Dare (1981), quando um homem qualquer possui uma
consciência das mulheres que ainda se relaciona diretamente com sua mãe, quando ainda não
consegue ver seu relacionamento com uma outra mulher como algo simbólico e, portanto,
aceitável, normalmente ele sofre significativas inibições em sua vida sexual. Isto ocorre
porque, em seu inconsciente, enxerga sua esposa como sua mãe. Em conseqüência, seu
relacionamento sexual com a esposa sofre inibições, pois, em sua cabeça, está dando vazão a
sentimentos incestuosos.
Normalmente, a ligação simbiótica materna-filial tende a ficar sufocante,
empobrecida e contaminada por uma profunda hostilidade inconsciente que não se manifesta
as claras. Ela, normalmente, é preenchida pelo medo e pela raiva concomitantes. Neste caso, o
sujeito pode eleger o seu parceiro com o objetivo de descarregar nele todo o ódio que foi
obrigado a reprimir, em conseqüência de sua relação simbiótica com a mãe. Assim, ele pode
manter a mãe intacta, protegendo-a do seu ódio inconsciente. Mas, por meio do parceiro
eleito, pode fazer suas descargas, por via indireta, resguardando a si mesmo dos danos que
poderia sofrer pelo excesso de agressividade armazenada. Para Anton (2000, p. 203), nessas
circunstâncias, “a relação amorosa pode caracterizar-se pela necessidade incontida de frustrar,
humilhar, dominar. Mesmo que o parceiro apresente, em algum aspecto, uma posição
superior, o sujeito procura destruir-lhe os méritos, e não lhe dar crédito.
A presença da figura paterna junto à criança, nas fases iniciais de seu
desenvolvimento psicossexual é de suma importância no processo de afrouxamento dos elos
primitivos que naturalmente se formam entre a mãe e o bebê. A figura do pai possibilita a
passagem da criança ao amadurecimento afetivo, por meio da formação de novos vínculos,
que complementarão e corrigirão as marcas deixadas pelo relacionamento primário. O pai, por
sua própria natureza, sempre mostra a criança um mundo mais amplo que aquele ninho
habitado por ela e sua mãe. Gradativamente, consegue transmitir à criança que também possui
recursos internos para cuidar dela e protegê-la e que necessita também receber o seu amor.
(ANTON, 2000)
80
A força de repetição contida nos complexos de Castração e de Édipo é tanta
que para Freud ([1905] 1989), mesmo aquelas pessoas que passaram de forma satisfatória por
essas fases e conseguiram evitar uma fixação incestuosa de sua libido não estão isentas da
influência desses sentimentos no momento da escolha amorosa.
Frequentemente ocorre que um jovem se apaixona seriamente pela primeira
vez por uma mulher madura, ou uma jovem por um homem de idade que
desfrute de posição de autoridade: isso é claramente um eco da fase de
desenvolvimento que vimos discutindo, já que essas figuras são capazes de
reanimar retratos de sua mãe e pai. Não pode haver dúvidas de que toda e
qualquer escolha de objeto se baseia, embora menos intimamente, nestes
protótipos. O homem especialmente procura alguém que possa representar o
retrato que faz de sua mãe, de modo que predominou em sua mente desde a
primeira infância [...]. (FREUD, [1905] 1989, p. 235)
Pincus e Dare (1981) seguem essa mesma linha de interpretação e sugerem que
o padrão de relacionamento repetitivo, que mais tarde configura o vínculo conjugal, tem seu
início na fase em que a criança passa a ter consciência da intensidade de seus anseios com
relação a seus pais. Essas ansiedades surgem quando a criança conclui que os pais formam um
casal e possuem entre eles um relacionamento intenso e privado do qual ela é excluída.
Esses anseios em relação aos pais ocorrem durante a formação do complexo de
Édipo. As experiências que a criança padroniza nessa fase do seu desenvolvimento emocional
evoluem para as outras fases de sua vida e afetam diretamente às fantasias posteriores
relacionadas aos seus anseios sexuais. (PINCUS e DARE, 1981)
Depois de estruturados os traços de caráter, geralmente a pessoa procura repetir
os velhos padrões de relacionamentos, independentes de serem saudáveis ou não. As
justificativas e os objetivos conscientes para as condutas relacionais encontram poucas
correspondências com as motivações inconscientes. Frequentemente, os cônjuges tornam-se
profundamente habilidoso na busca incessante de descobrir novas formas de serem infelizes
juntos. (ANTON, 2000)
Etchegoyen (1987) afirma que nas modalidades de relação amorosa o ser
humano realiza determinadas pautas, esteriótipos ou clichês que se repetem sempre, por toda a
vida. O fenômeno da repetição ocorre porque cada indivíduo vivencia uma situação amorosa
com toda a bagagem do seu passado, na forma de modelos que, ao serem reproduzidos,
promovem uma conexão entre seu passado e seu presente.
Neste sentido, Lamanno (1994) afirma que em sua experiência clínica tem
encontrado casais que repetem incessantemente uma forma conhecida de interação, passando
81
e repassando pelo mesmo caminho desde o tempo do namoro. Ela questiona as razões que
levam as pessoas a terem essa tendência à repetição em seus relacionamentos amorosos e
oferece sua resposta:
Com que finalidade e por que uma relação tende à repetição, à atuação e à
não simbolização? Qual a razão de ser dessa regra fundamental? Pela recusa
de perder de vista o eu conhecido e desejado, o outro conhecido e desejado.
Pela recusa de reencontrar conflitos e angústias antigas ilusoriamente tidas
como inexistentes ou resolvidas para sempre. [...] Despir-se do conhecido é
quebrar a quietude, provoca agitação. É deparar-se com aspectos
desconhecidos e intoleráveis da própria mente, do outro e da relação. É
confrontar-se com a dor que evoca a morte do anterior e o reconhecimento
dos limites da relação. Salto no vazio, o encontro com uma solidão mais
nova e ainda mais completa. (LAMANNO, 1994, p. 19, 20)
Quando a escolha conjugal se concretiza, conclui Lamanno (1994, p. 19), esta
tendência à repetição de padrões relacionais pode afastar os cônjuges da realidade da vida
conjugal, tornando-a uma experiência pobre e sem vida.
Essa tendência a manter um padrão relacional específico que foi estabelecido
nos estágios iniciais da relação, pode restringir e reduzir a realidade de tal
forma que os cônjuges passam a agir como personagens que desempenham
um papel repetitivo, num enredo simplório sem muitos aparatos ou
oscilações.
Pincus e Dare (1981, p. 41) relatam que, em muitos casos, “o aspecto repetitivo
da seqüência da escolha é impressionantemente literal, como, por exemplo, quando uma
mulher cuja infância foi prejudicada por um pai alcoólatra, acaba casando com um alcoólatra,
divorcia-se dele e novamente repete tal situação”.
Maldonado (2000) exemplifica a repetição da seqüência da escolha, afirmando
que muitas mulheres, acostumadas à opressão, acabam casando-se com um cônjuge opressor,
mesmo quando se casam várias vezes. Na ânsia de se livrarem de uma relação sufocante e
insuportável, elas repetem o ciclo e acabam configurando relações sucessivas com
características semelhantes.
Segundo Horowitz (1990), os transtornos neuróticos da personalidade são
caracterizados pela tendência à repetição dos mesmos padrões disfuncionais no
comportamento interpessoal, bem como, por uma persistente evitação do conhecimento
consciente dos aspectos desagradáveis do ego. Esta forma de ser pode ser mudada no decorrer
da vida adulta, mas o processo de mudança é penoso e difícil. Segundo este autor:
82
A personalidade consiste em parte, nos repertórios de estados da pessoa:
àqueles que se deseja, teme ou procura estabilizar um compromisso
definitivo entre o desejo e o medo. A personalidade da pessoa também tem
um repertório de esquemas que organizam os desejos, medos e posições
defensivas. Além disto, a personalidade é, em parte, um repertório de
controles habitualmente usados que afetam a natureza da consciência.
(HOROWITZ, 1990, p. 270)
Durante o desenvolvimento da personalidade, as formas de controle que obtém
sucesso sobre o domínio de situações previamente estressantes começam a ser repetidas em
resposta a novas situações estressantes. Com isso, os padrões de controle passam a ser usados
com habitualidade e transformam-se em aspectos do caráter. Quando atingem este nível, são
ativados de forma tão automática que a pessoa pode permanecer relativamente inconsciente
dos seus próprios meios de defesa e de sua percepção da realidade. Mas, se a pessoa adquire
consciência de sua evitação inconsciente e das distorções que comete em sua percepção da
realidade, torna-se capaz de fazer novas escolhas alternativas. Os estilos defensivos que
normalmente utiliza, podem ser modificados pelo esforço contínuo em tomar consciência
deles. (HOROWITZ, 1990)
Segundo Eidelber (1971), a escolha neurótica de um cônjuge resulta da atuação
de vários mecanismos inconscientes de defesa. Normalmente, ela ocorre pela fixação ou
regressão a um dos três estágios iniciais do desenvolvimento psicossexual, o oral, anal ou
fálico. Desta forma, os mecanismos de defesa que são ativados para proteger uma consciência
reprimida de desejos fálicos, por exemplo, podem ser distinguidos de outros mecanismos de
defesa que protegem a consciência dos conteúdos reprimidos das outras fases. As três
modalidades de mecanismos de defesa - oral, anal e fálica - podem interferir na escolha do
cônjuge, levando a pessoa a eleger alguém que, na sua ótica, tem condições de ajudá-la a
satisfazer suas necessidades neuróticas e a negar a presença de desejos infantis. Segundo este
autor:
[...] sempre que se dá uma escolha neurótica, o paciente em vez de escolher
uma pessoa com a qual possa ser feliz, escolhe um objeto de que necessita
com a finalidade de evitar reconhecer aquilo que teme. Os mecanismos de
defesa usados para atingir esta meta levam a várias formações patológicas
que são aceitas pelo ego e por isso podem-se diferenciar dos sintomas
neuróticos. (EIDELBER, 1971, p. 56)
83
Anton (2000, p. 38) complementa esse entendimento, dizendo que esses erros
são inevitáveis, porque “em uniões neuróticas [...] há uma discrepância entre os motivos, a
escolha e a explicação”.
Depois desta visão panorâmica sobre os vários problemas que os desejos,
fantasias, expectativas e motivações inconscientes, advindas das vivências primitivas, podem
produzir durante o processo de escolha amorosa e formação do vínculo conjugal, podemos
dizer, com certeza, que a idéia romântica que a maioria das pessoas tem em relação ao
casamento, como sinônimo de constante felicidade e realização, nem sempre corresponde à
realidade.
Para a edificação de uma relação conjugal saudável, nem a ordem, nem a
desordem, podem ser classificadas, à priori, como características absolutas de um vínculo
conjugal satisfatório para ambos os cônjuges. Este prescinde de um equilíbrio híbrido de
ajustes complexos e sutis.
Embora o foco, neste tópico, tenha colocado em destaque os desejos,
necessidades e expectativas inconscientes, oriundas das fases iniciais do desenvolvimento de
cada cônjuge, que geralmente trazem motivações negativas para a formação da relação
conjugal, por outro lado, não podemos negar a presença de desejos, necessidades e
expectativas mais saudáveis, também influindo na escolha amorosa e na formação do vínculo
conjugal, fazendo o contrapeso em prol da saúde da futura relação conjugal.
Qualquer relacionamento conjugal, em função dos recursos que podem ser
garimpados do enorme potencial que há dentro de todo ser humano, a despeito das razões que
o tornaram disfuncional, pode abrir-se para o desenvolvimento do casal e, individualmente, de
cada um dos seus membros. Para isto, é necessário que os cônjuges enfrentem com
persistência as rupturas que ameaçam a continuidade da relação, procurando identificar as
forças emocionais inconscientes que estão atuando em cada circunstância específica,
investindo na criação constante de novos padrões funcionais de relacionamento que, ao serem
aplicados, neutralizam a potência de seus efeitos desestruturantes.
4.3. O CONTRATO INCONSCIENTE DO CASAMENTO
Os conteúdos do contrato inconsciente começam a circular entre os cônjuges
em etapas precoces do relacionamento conjugal. Para a reprodução do romance primitivo o
84
inconsciente vai selecionar um parceiro adequado, disponível e com necessidades
inconscientes complementares. Quando a escolha é consumada, os cônjuges podem até
desejar a mudança, mas as forças internas inconscientes, que agiram na formação do vínculo
sem levantar nenhuma suspeita, pressionam para que um ou o outro, ou ambos, atuem
segundo os papéis pré-estabelecidos no contrato prévio e tácito. Desta forma, eles entram na
vida conjugal determinados a cumprir o que lhes parece ser o destino de cada um, quando, na
realidade, trata-se tão somente de uma escolha íntima pré-determinada.
Anton (2000, p. 88) confirma este fato, quando diz:
Tais modos de vinculação apresentam-se para as devidas apreciações em
etapas muito precoces de cada relacionamento. Cabe às partes envolvidas
decidirem se houve ou não um engano, se a aproximação merece ou não
tornar-se maior e mais estável e em que termos se dará o aprofundamento ou
a dissolução do elo incipiente.
As forças inconscientes que influenciam o cotidiano da relação conjugal,
normalmente, estão fortemente recalcadas no aparelho psíquico dos cônjuges, pois sua
emergência à consciência produz fortes ansiedades. Por isso, eles têm dificuldades de
perceber o funcionamento do contrato inconsciente, no dia-a-dia da relação conjugal.
Carvalho (1996) admite a possibilidade dos cônjuges detectarem, no nível consciente,
algumas características dos pais no parceiro, bem como, aspectos da relação vivida com eles
no seu relacionamento conjugal. Todavia, ressalta que essa tomada de consciência
normalmente acontece depois do casamento e de alguns anos de convivência. Raramente, no
momento da escolha, os cônjuges têm uma clara percepção do seu fator gerador.
Pincus e Dare (1981, p. 7), de forma sucinta, apresentam o conteúdo do
contrato secreto do casamento. Segundo estes autores, a trama do inconsciente constitui-se
“[...] dos sentidos, atitudes, desejos, crenças, anseios, medos e expectativas que unem os
membros da família entre si e aos seus passados individual e familiar”.
Nesse sentido, Anton (2000, p. 88) concorda com o ditado que diz: “quem
casa, casa com a família e não apenas com o parceiro”. Na sua ótica as famílias sempre
acompanham os cônjuges na formação do novo vínculo conjugal. Elas estão presentes, de
forma ativa, na bagagem inconsciente de cada um dos parceiros.
Isto se explica, pelo fato de que a participação das pessoas em qualquer
sistema, principalmente a família, consiste na adesão de um conjunto de regras, na sua
maioria, inconscientes e não verbais. As regras vão sendo internalizadas no aparelho psíquico,
85
através da repetição de comportamentos, tornando-os previsíveis e esperados, como se fossem
absolutamente naturais. (ANTON, 2000)
Nos relacionamentos funcionais, essas regras são definições claras ou estão em
processo de clarificação até atingir esse objetivo. Independente do grau de importância que
possuem dentro do sistema conjugal, elas são flexíveis, passíveis de discussão e, às vezes, de
modificação. Já nos relacionamentos disfuncionais, as regras são permanentes e
extremamente rígidas, mesmo quando produzem conflitos, sofrimentos e paralisam a
circulação do amor e da afetividade entre os cônjuges. Quanto mais rígidas se tornam, maior a
dificuldade dos cônjuges de se libertarem de seus ditames, perpetuando, com isso, uma
relação pobre, medíocre e com um alto índice de insatisfação. Eles perdem, praticamente,
todas as coisas boas que caracterizam um relacionamento feliz (ANTON, 2000).
Para Shine (2002) é o contrato inconsciente, presente em todo casamento, que
mantém e dá sentido à relação conjugal. Segundo ele, durante a formalização desse contrato
uma parte aceita ser para a outra tudo o que ela espera e deseja, mesmo que algumas coisas
sejam, aos seus olhos, impossíveis e contraditórias. Mas, em contrapartida, exige da outra
parte que seja tudo o que ela deseja e espera de uma relação conjugal satisfatória, mesmo que
seus sonhos sejam difíceis de serem concretizados.
Segundo Pincus e Dare (1981, p. 40), a forma dos contratos inconscientes
constituídos pelas projeções e identificações é mais ou menos dessa maneira:
Eu tentarei ser algumas das coisas mais importantes que você quer de mim,
ainda que algumas delas sejam impossíveis, contraditórias e loucas, desde
que você seja para mim algumas das coisas impossíveis, contraditórias e
loucas que eu quero que você seja. Não precisamos contar um ao outro o que
estas coisas são, mas ficaremos zangados, aborrecidos ou deprimidos se não
formos fiéis a isso.
Anton (2000, p. 88) enfatiza que o contrato inconsciente é fundamentado sobre
as vivências de ambos os cônjuges, que caracterizam seus temas centrais. Ele é composto por
questões relevantes para cada um dos parceiros da relação conjugal. Alguns conteúdos
constitutivos do contrato inconsciente do casamento representam pontos fortes, pilares
centrais da estrutura de personalidade de cada um dos parceiros da relação conjugal. Eles
formam as fontes que alimentam a totalidade do vínculo amoroso e que possibilitam a
realização dos prazeres individuais e compartilhados, buscados pelos cônjuges através do
nculo conjugal, bem como, fornecem a energia e os recursos suficientes para as suas futuras
construções dentro desse mesmo vínculo.
86
Pincus e Dare (1981) argumentam que esse funcionamento mental inconsciente
dos cônjuges manifesta-se em função da luta que travam contra seus desejos não realizados e
contra seus sentimentos dolorosos. O interessante é que parte dessas pressões internas
vivenciadas pelos cônjuges, dentro da relação conjugal, no entendimento de Anton (2000) é
causada justamente em função das inibições de um ou de ambos os parceiros da relação de
casal. Eles são pressionados por seus inconscientes a inibir desejos e direitos, às vezes,
socialmente considerados legítimos, mas que assimilaram em uma das fases do
desenvolvimento psicossexual, de forma consciente ou inconsciente, como proibidos.
Quanto maior a influência do contrato inconsciente do casamento, no dia-a-dia
da relação conjugal, maior também será a tendência para a repetição de padrões conhecidos de
atitudes e comportamentos na interação entre os parceiros. Lamanno (1994, p. 20) diz que:
Às vezes, cansados de ir de uma estação à outra, de um canto a outro, de um
obscuro a outro, o casal deseja permanecer no conhecido, manter intacto o
que os fascinou num primeiro instante arriscando encontrar o gozo somente
na prisão do delírio. Trata-se de uma prisão mascarada pela fantasia de estar
vivendo no paraíso das certezas e do poder do controle. Outros se
transformam em meros caçadores de ilusão, pulando de uma relação a outra,
vivendo casamentos temporários, sem raízes e alicerce.
Anton (2000, p. 87) reforça este ponto de vista, dizendo que a repetição de
comportamentos transforma-se na marca característica das relações conjugais fortemente
influenciadas pelo contrato inconsciente do casamento. Chega a um ponto em que os cônjuges
começam a esperar as mesmas respostas para situações semelhantes. O relacionamento
conjugal torna-se permeado por seqüências típicas, propiciando aos cônjuges a capacidade de
prever, de forma automática, até onde o outro vai chegar, sem a necessidade de refletir sobre
“o que desencadeia o que e quais os melhores momentos para se desencadear o que se
espera”.
O contrato inconsciente do casamento é formado, principalmente, pelos
acordos e pactos inconscientes. Puget e Berenstein (1993, p. 21) definem os acordos
inconscientes da relação conjugal da seguinte forma:
Os acordos inconscientes são o resultado de um tipo de combinação entre
aqueles aspectos compartilháveis, partindo de cada um dos espaços mentais
dos sujeitos, e resultam do desdobramento da tendência a unificar seus
funcionamentos mentais e vinculares. Como combinação, estamos supondo
que por meio dos acordos inconscientes se configura uma nova organização
ou unidade mental vincular, distinta da mera soma de ambos, com base em
87
uma complementaridade extensa, a qual deveria ser eficaz para sustentar um
crescimento vincular, porque, de outra maneira, levará a repetições de
modelos primitivos. (PUGET; BERENSTEIN, 1993, p. 21)
No acordo inconsciente, segundo Puget e Berenstein (1993, p. 21), o ego de um
cônjuge incorpora um traço do ego do outro, que passa a funcionar como sendo seu, por meio
de uma transformação. “É como se uma proteína alheia passasse a ser, depois de decomposta
e reassimilada, uma proteína própria. Neste sentido, um acordo seria uma apropriação mútua e
compartilhada de aspectos de cada ego”.
Os acordos inconscientes realizados no tempo presente da relação conjugal são
tecidos, normalmente, com base em mensagens transgeracionais que os cônjuges carregam de
suas famílias de origem. Quando investigamos as famílias de origem, até a segunda e terceira
gerações, normalmente, encontramos a forma original de organização do sistema familiar
atual. Temos uma visão clara de como seus membros foram criados; de como o sistema,
gradativamente, foi delegando a eles funções especializadas, tornando-os verdadeiros
emissários da organização primitiva. (ANTON, 2000)
Grande parte dos elementos que constituem o âmago de uma relação de casal
são frutos dos acordos inconscientes estabelecidos entre os cônjuges. Pincus e Dare (1981, p.
39) afirmam que todo casamento é composto por um profundo acordo inconsciente que
estrutura a relação a dois. Esse acordo é realizado através da influência mútua dos cônjuges,
que se utilizam dos mecanismos de defesa da projeção e da identificação para realizarem seus
intentos inconscientes. No trabalho de psicoterapia de casais estes autores declaram que
sempre são movidos por esta profunda convicção. “À medida que conhecemos um casal,
esperamos encontrar nele um profundo acordo inconsciente no que se refere ao contrato não
escrito do casamento. Processos de mútua influência tais como projeção e identificação são
partes integrantes deste acordo”.
Puget e Berenstein (1993, p. 149) incluem como conteúdo dos acordos
inconscientes do casamento o ego infantil, em sua modalidade de resolução do complexo de
Édipo. A relação conjugal, neste sentido, consiste em uma busca de complementaridade. Dois
aspectos importantes são combinados no acordo inconsciente do casamento. De um lado, “as
identificações (ser como quem), as escolhas de objeto (a quem ter) e as realizações de objetos
(fazer como quem). No outro, cada um desses elementos se reordena ao redor de relações
permitidas e excluídas”.
88
No entendimento destes autores, todo acordo inconsciente da relação conjugal
tem a função de regular as relações permitidas e as excluídas, dentro do âmbito onde elas
fazem sentido. Mas, o que pode configurar como acordo inconsciente em uma etapa da vida
de casal, pode virar desacordo em outra, pela modificação do contexto correspondente às
novas exigências vitais. (PUGET; BERENSTEIN, 1993)
Neste sentido, Anton (2000) ressalta que os temas centrais do relacionamento
conjugal sempre são compartilhados pelos cônjuges. Um vínculo tão íntimo e amplo como a
relação conjugal só se concretiza quando se encontra alicerçada em acordos profundos e
significativos entre os parceiros envolvidos.
Quando as pessoas se atraem, quer permaneçam juntas ou não, elas estão
percebendo, ainda que não estejam conscientes disso, alguns atributos que as
tornam ‘desejáveis’, capacitando-as para o exercício de determinadas
funções. Permanecer juntas tem a ver com o estabelecimento de um acordo
secreto, que define áreas de encaixe, nas quais as funções a serem exercidas
e as regras a serem respeitadas têm fundamental importância. (ANTON,
2000, p. 49)
Todavia, é preciso levar em consideração que quando os acordos inconscientes
não se realizam no cotidiano da relação conjugal, o vínculo, que aparentemente estava
fundado em bases profundas, pode caracterizar-se por sua notória superficialidade e pela
constante instabilidade, motivada pela falta de tolerância às frustrações de um ou de ambos os
cônjuges da relação conjugal. (ANTON, 2000)
Às vezes, o dia-a-dia da relação conjugal transforma-se em tentativas
incessantes de recuperação do acordo inconsciente que deu origem ao vínculo conjugal. Puget
e Berenstein (1993, p. 149) mencionam terem encontrado esta realidade em alguns
relacionamentos conjugais:
Alguns casais matrimoniais consultam, desejando se tratar, para recuperar
esse acordo inconsciente, baseado em indiscriminação e indiferenciação
ilusória não-compartilhável com os sucessos da vida, como o nascimento de
filhos, a necessidade de diferenciação e relação com o mundo exterior.
Nestes casos, o marido, depois pai, passa a fazer parte como um irmão-filho
da família materna. Incorpora-se a esta, possuidora de um código narcisista
com pouca ou nenhuma discriminação.
89
Os pactos inconscientes que ocorrem na relação conjugal, geralmente são
utilizados para especificar elementos diferentes que provém do espaço mental não
compartilhado de cada um dos cônjuges. Nas palavras de Puget e Berenstein, (1993, p. 21):
Compartilhar o incompartilhável obriga os egos a realizar uma série de
concessões, para dessa maneira pactuar, satisfazer o desejo do outro,
colocando-se em posição favorável. Neste sistema, o desejo não é
compartilhado. Trata-se de dois desejos distintos, realizados graças à ajuda
do outro integrante do casal, para sustentar a complementaridade do tipo
sucessividade.
Em toda relação conjugal sempre há uma parte do ego de cada cônjuge que não
pode ser compartilhada por eles na relação. Os pactos inconscientes versam sobre conteúdos
dessa parte incompartilhável do ego de ambos os cônjuges, pois de outra forma o vínculo não
subsistiria. Eles são constituídos por regras de convivência que torna possível a relação a dois,
como por exemplo: “a tolerância, a conservação de objetos infantis pelo outro, que, por sua
vez, permuta por algo equivalente ao ego”. (PUGET; BERENSTEIN, 1993, p. 21)
De acordo com Amado (2003), os pactos inconscientes que os cônjuges
estabelecem no relacionamento conjugal derivam, principalmente, dos pensamentos e
sentimentos recalcados dos relacionamentos da infância. Essas necessidades e desejos, que
não tiveram uma resolução adequada em suas fases respectivas, são reavivados com relativa
freqüência, nas fases posteriores do desenvolvimento humano, tornando-se presentes na vida
emocional dos indivíduos. Como o relacionamento conjugal possui vários ingredientes
peculiares dos relacionamentos dos sujeitos com seus primeiros objetos amorosos, muitas
vezes, esses protótipos infantis são reproduzidos no cotidiano da relação conjugal, sem que os
cônjuges percebam suas atuações.
Os pactos inconscientes têm a finalidade de reforçar os acordos inconscientes e
estabelecer regras de convivência em relação aos conteúdos internos de cada um dos
cônjuges, que compõem suas zonas mentais não compartilhadas na relação conjugal,
justamente por sua natureza não compartilhável, cuja percepção produz fortes sentimentos de
solidão objetal e de intensa dor psíquica. Esta parte do psíquico guarda os registros pré-
históricos, ou seja, os conteúdos das primeiras identificações, como as mais primitivas noções
de diferenciação e individuação, anteriores à instalação da diferença sexual. (PUGET;
BERENSTEIN, 1993)
Amado (2003) afirma que no relacionamento conjugal, os cônjuges
estabelecem os pactos inconscientes, visando assegurar a continuidade da relação. Eles
90
surgem com a finalidade de se adaptar a uma nova configuração que só pode ser suportada e
superada por meio de algumas concessões que acontecem no relacionamento, de forma
sucessiva. No entanto, qualquer modificação nestes pactos coloca em cheque a organização
intrapsíquica de cada um dos sujeitos da relação conjugal.
Puget e Berenstein (1993, p. 151) ilustram a criação de pactos inconscientes no
relacionamento conjugal, dizendo que existem casais que fundamentam o pacto inconsciente
no casamento por meio da escolha de aspectos temidos e da exclusão dos desejados. Por
exemplo: “para o varão, escolher uma mulher fálica e castradora e, para a mulher, escolher
aspectos femininos e castrados do homem: relação possível, enquanto o acordo excluir os
intercâmbios genitais, que serão substituídos pela ternura sem genitalidade”.
Anton (2000) admite a forte e evidente influência das histórias pregressas dos
sujeitos na relação conjugal, mas, ressalta que o potencial de cada ser humano é maior que
essas dificuldades. Mesmo diante da clara influência do contrato inconsciente no casamento,
os parceiros ainda permanecem abertos à troca recíproca de outras influências que podem
beneficiá-los, levando-os as mudanças que desejam fazer, visando à saúde da relação
amorosa.
Para que os cônjuges possam interagir com liberdade, sem a necessidade de
buscar uma satisfação imediata através do outro, motivada por conteúdos e imagens
inconscientes dos relacionamentos da infância, o cotidiano da relação conjugal deve
proporcionar a ambos à possibilidade de estabelecer uma ligação entre seu mundo consciente
e seu mundo inconsciente. Só assim, perceberão que o casamento consiste em uma construção
permanente, edificada por meio de uma relação dialética e igualitária entre eles. (BENEDITO,
1996)
Segundo Lamanno (1994, p. 23), para suportar o aumento gradativo da
intimidade, acompanhado da liberação dos aspectos primitivos e difusos da personalidade, o
relacionamento conjugal precisa ser equipado com alguns pré-requisitos.
É preciso haver um certo grau de aceitação dos riscos implícitos no ato de
abandonar-se plenamente na relação com o outro, mas sem perder o sentido
do eu. É preciso haver uma capacidade de empatia contínua, mas não de um
estado primitivo de fusão característica de um casamento com uma
organização psicótica. É preciso tolerar a beleza triste e nostálgica do amor,
provocada pela percepção contínua de que os belos quadros adormecidos,
inevitavelmente retornam a sua condição original sonhos impossíveis da
alma.
91
O reconhecimento da existência dos acordos e pactos inconscientes que
estruturam a relação conjugal, não aponta apenas para as dificuldades que os casais irão
enfrentar até que, vencidos, resolvam permanecer infelizes em uma relação insatisfatória, ou
decida pela dissolução do vínculo, vivenciando o luto da relação. Essa constatação da
realidade conjugal também aponta para as possibilidades de se fazer uma revisão desses
conteúdos, no sentido de aproveitar o que possuem de bom, ou aprender a empregar de forma
positiva o que, a princípio, parece sem valor.
É possível reciclar o lixo emocional e transgeracional que trazemos, de forma
inconsciente, para dentro da relação conjugal. Ao invés de manter seu conteúdo tóxico e sua
aparência deprimente dentro da relação conjugal, produzindo conflito, dor e desencontros
intermináveis, é possível torná-lo útil ao crescimento individual de cada um dos cônjuges e da
relação, dando-lhe um aspecto mais belo, aproximando-o da estética comum dos outros
conteúdos mais amadurecidos que constituem os pontos saudáveis do vínculo conjugal.
Enquanto houver um fôlego de vida na relação conjugal, sempre haverá
esperança na possibilidade de se colocar abaixo toda estrutura rígida e inflexível que engessou
e caracterizou a relação até aquele momento. Quando esta esperança se realiza, novas forças
nascem e se fortalecem no interior de cada cônjuge, convergindo-os para novos acordos e
pactos saudáveis, que viabilizam a construção de uma nova estrutura para o vínculo conjugal,
caracterizada pela flexibilidade e permeabilidade, onde sempre haverá espaço para as
mudanças que chegam, naturalmente, com os ciclos naturais da vida.
Aqueles que desejam crescer no dia-a-dia da relação conjugal precisam dizer
sempre sim para as mudanças, mesmo que elas tragam uma melhora quase imperceptível a
conjugalidade. As necessidades de mudanças chegam com os desafios da relação conjugal.
Mas, quando elas são acolhidas pelos cônjuges, se transformam nas grandes oportunidades
que a vida lhes oferece para se livrarem das limitações impostas por experiências do passado,
que precisam ser resignificadas no presente de suas vidas. Só assim, as bases do contrato
secreto do casamento se tornam saudáveis e a relação sempre flexível, para que novos
conteúdos sejam acrescidos e os antigos retirados, nos momentos adequados, em cada ciclo da
vida a dois.
Primeiro, é preciso demolir para depois reconstruir um contrato, agora
totalmente consciente, firmado em bases mais saudáveis, capaz de transformar o
relacionamento conjugal que antes era sofrível, em um relacionamento conjugal satisfatório.
Para isto, os cônjuges precisam estar sempre abertos ao crescimento. Não há nenhum outro
92
relacionamento capaz de trazer tanto crescimento, no nível individual e na díade relacional,
quanto o vínculo de casal!
93
5. A INFLUÊNCIA DO INCONSCIENTE NA ORIGEM E
DESENVOLVIMETO DOS CONFLITOS CONJUGAIS
94
A configuração do vínculo conjugal compõe-se de uma série de complexas
combinações entre as vivências passadas e as vivências atuais. Não há nada que a pessoa
possa fazer para se livrar totalmente dessa fusão de tudo o que já foi é e pretende ser, que
exerce uma influência decisiva no momento de eleger outra pessoa, para fundar com ela o
vínculo conjugal. É preciso ressaltar que a pessoa eleita também tem papel ativo na formação
do vínculo conjugal e se guia de forma semelhante, por meio da atuação da totalidade de seu
ser, constituído por tudo o que já foi pelo que é e deseja ser.
O cruzamento destes conteúdos internos de cada um dos sujeitos da relação
amorosa, dificilmente é percebido por eles nas fases iniciais da composição do vínculo
amoroso. Normalmente, o namoro e noivado são caracterizados por uma forte tendência
narcisista, que alimenta o desejo de fusão, de completude e que leva os nubentes a uma
tentativa de negarem seus egos individuais pela ilusão de que são capazes de construir um ego
único, o ego conjugal, onde vão viver, para sempre, fusionados um ao outro. Desta forma,
quando o relacionamento começa para valer é natural que muitas coisas não aconteçam como
haviam sido previstas.
5.1. OS VÍNCULOS COLUSIVOS
O dia-a-dia da relação conjugal pode transportar os cônjuges, gradativamente,
do paraíso de suas idealizações, para o campo de batalha dos seus conflitos, ilusoriamente
vistos como já superados e, por isso, menosprezados durante o processo de formação do
vínculo conjugal. Nesta fase, as defesas se organizam em suas polaridades, desde a rigidez até
à instabilidade, mas dificilmente conseguem encontrar um ponto de equilíbrio razoável para a
relação conjugal. Já está claro o modelo que devem evitar, mas os cônjuges permanecem
entrincheirados em seus próprios posicionamentos, lutando, bravamente, para vencer o outro
ou, pelo menos, conseguir sua rendição.
Willi (1985) faz uma profunda investigação dos conflitos conjugais a partir da
teoria da colusão que ele criou com base na teoria psicanalítica do desenvolvimento
psicossexual. Por meio de sua teoria, procura elucidar os tipos neuróticos de vinculo conjugal.
Ele conceitua colusão como um jogo inconsciente, com a atuação de dois ou
mais parceiros, em conseqüência de um conflito semelhante, do qual são portadores, que
ainda não foi resolvido. “Colusão significa o jogo conjunto e não confessado, oculto
95
reciprocamente, de dois ou mais companheiros, por causa de um conflito fundamental similar
não superado”. (WILLI, 1985, p. 67)
O vínculo colusivo representa uma tentativa dos sujeitos de resolverem seus
conflitos emocionais e afetivos, provenientes das fases anteriores do desenvolvimento
psícossexual, por meio do relacionamento conjugal. Para Willi (1985), essa eleição colusiva
do casal pode ocorrer em conseqüência de uma junção que possibilita aos cônjuges uma troca
de extratos, de características latentes ou manifestas da personalidade. Esses estratos são
aspectos de uma mesma temática comum, que se organiza de forma complementar.
Os vínculos colusivos produzem muita dor e sofrimento nos cônjuges e são
difíceis de serem solucionados, porque se baseiam em um jogo conjunto inconsciente. São
problemas e conflitos da mesma ordem, que exercem uma forte atração mútua entre os
parceiros na fase da escolha amorosa. O autor continua, dizendo:
Ambos esperam, um do outro, a cura de suas lesões e frustrações da primeira
infância, anelam libertar-se dos temores preexistentes e aplacar mutuamente
a culpa que prevalece de relações anteriores. As fantasias e imaginações que
nunca foram expressas, mas que são as fontes de inquietação, unem ambos
os parceiros e constituem uma predisposição para formação de um
inconsciente comum. (WILLI, 1985, p. 10, 11)
Em função de necessidades comuns, os cônjuges se unem, quase sempre, de
forma inconsciente, com a expectativa de que um irá libertar o outro de seu conflito
intrapsíquico. Neste sentido, a colusão forma a matriz interacional que organiza a vida
amorosa e conjugal do casal.
Pincus e Dare (1981, p. 99) ilustram este fato, dizendo que quando uma pessoa
chega à fase adulta com conflitos edipianos não resolvidos, no momento da escolha conjugal,
há uma tendência inconsciente de eleger uma outra pessoa com conflito semelhante, para
estabelecer com ela seu vínculo conjugal. É desta forma que o sujeito escolhe seu parceiro
conjugal e, ao mesmo tempo, também é escolhido por ele.
É impressionante com que certeza inconsciente eles escolhem um
companheiro para o casamento, cujo desenvolvimento emocional foi
impedido durante a mesma fase que a sua. A esperança inconsciente,
expressa por tal escolha de parceiro, parece mostrar que juntos, pode o casal
conseguir superar os impedimentos, resolver os conflitos, ou aprender a
viver com eles e progredir apesar deles.
96
Todavia, adverte Willi (1985) que, numa relação simbiótica profunda, este
intento colusivo de cura individual geralmente fracassa, causando o retorno do desprezo para
o interior de ambos os cônjuges. Em função da frustração sofrida, os conteúdos projetados no
outro cônjuge, ou expressados na relação conjugal, voltam incrementados ao próprio ego de
seu legítimo possuidor.
O vínculo conjugal também pode ser firmado com o objetivo neurótico de se
fazer reparações. Quando o vínculo conjugal é formado com base nesta motivação, pode
trazer conseqüências positivas ou negativas para os parceiros da relação conjugal. O curso que
ele terá, dependerá, em grande parte, de quem fez a escolha amorosa e da condução que dará a
ela. Se tudo correr conforme o programado, o parceiro eleito, em função das suas qualidades
pessoais, poderá concretizar o ato reparador, suprindo, dessa forma, a necessidade de ambos
os parceiros da relação conjugal.
Mas, este tipo de configuração do vínculo conjugal, nem sempre consegue
atingir seu objetivo e pode transformar-se numa importante fonte de conflito na relação. A
culpa que precisa ser reparada só é aplacada por uma ação capaz de diminuir ou quitar os
prejuízos outrora causados. Esta ação, portanto, deve ser realizada com convicção e
efetividade. Ocorre que, nem sempre, as múltiplas variáveis que atuam na formação e
manutenção do vínculo conjugal podem ser controladas. (ANTON, 2000)
Pincus e Dare (1981, p. 39) exemplificam, dizendo que já atenderam casais
onde um bom cônjuge trouxe para a psicoterapia o outro, doente, como o paciente
identificado. Com freqüência, nestes casos, depois de algumas sessões de psicoterapia, fica
evidente que a doença é compartilhada pelos dois, “mantendo-se bem, o companheiro bom,
através da cooperação do outro, que ostensivamente é o doente”.
Anton (2000) conclui, dizendo que quando um cônjuge dedica-se a outro que
apresenta alguma forma de limitação ou doença, mental ou física, o vínculo conjugal pode
significar uma boa oportunidade para o cônjuge doador buscar alívio e absolvição para suas
culpas inconscientes e para expressar seus sentimentos ambivalentes, cuidando do seu objeto,
mas se queixando de seus esforços e da cota de seu sacrifício. Esse movimento de cuidar do
cônjuge limitado ou doente, mas se queixar energicamente do trabalho realizado deixa
evidente que o vínculo é firmado em bases neuróticas, motivadas pelos conflitos internos que
não foram adequadamente resolvidos.
A prática clínica tem demonstrado que os vínculos conjugais disfuncionais
persistem, mesmo diante de conflitos intermináveis que geram sofrimento, dor e indignação,
em função da manutenção dos desejos patológicos dos cônjuges. Anton (2000, p. 157)
97
confirma essa realidade, dizendo que, freqüentemente ocorre que uma relação conjugal
insatisfatória se perpetua, porque satisfaz plenamente às necessidades patológicas
inconscientes do par, que trouxe para seu casamento as mesmas questões que ficaram em
aberto, desde sua história pregressa.
As respostas das pessoas às suas frustrações podem gerar formas cristalizadas
de ser e agir diante de situações correlatas. Depois que suas seqüências são aprendidas e
memorizadas, mesmo sendo atitudes condenadas socialmente, tornam-se sedutoras, pois
promovem certa atração e deslumbramento, em grande parte inconsciente. (ANTON, 2000)
Willi (1985) diz que “o conflito fundamental não superado atua em distintos
papéis, o que permite ter a impressão de que um dos cônjuges é o contrário do outro, porém,
se trata meramente de variantes polarizadas do mesmo”.
Os conteúdos inconscientes da relação conjugal, muitas vezes, levam um
cônjuge a colocar compulsivamente o outro na posição de objeto ilusório, como se ele
representasse um recorte esteriotipado que atrai, fascina, mas, ao mesmo tempo, irrita e gera
violência. Enquanto o outro não aceita esse papel e se desloca completamente a esse lugar de
ilusão é considerado como intruso e perde, para o cônjuge que impõe esse comportamento,
todo encanto que parecia ter. (PUGET; BERENSEIN, 1993)
Na experiência de Anton (2000), quanto mais disfuncional for o funcionamento
do casal, independente de suas condutas apontarem para a desorganização e revelar o caos da
relação, o relacionamento será pautado por uma extrema rigidez e ambos os cônjuges
permanecerão mais reticentes a qualquer processo de mudança do sistema conjugal.
O desenvolvimento desses sistemas vinculares e dos indivíduos neles inseridos
fica praticamente paralisado. As pessoas provenientes dessas famílias, quando vão buscar seus
parceiros amorosos e sexuais, são extremamente leais ao sistema familiar no qual foram
formados. Eles se sentem fortemente atraídos por pessoas que, de alguma maneira, irão ajudá-
los na manutenção desse modelo original. Essa tendência de construção de vínculos conjugais
rígidos e fechados para as mudanças, constitui uma fonte importante de conflitos em vários
relacionamentos conjugais. Neste caso, os conflitos, os maus tratos, as agressões mútuas e
freqüentes são a própria razão de ser do vínculo conjugal. (ANTON, 2000)
Em algumas famílias disfuncionais a possibilidade de seus membros atingirem
a maturidade emocional é praticamente inexistente. A configuração do grupo familiar é tão
rígida que limita seus membros a poucos papéis, dos quais dificilmente conseguem escapar,
pois não permitem a acomodação de mudanças e nem a possibilidade de aprendizado e
crescimento.
98
Nas configurações vinculares nada acontece por acaso. Nada acontece onde
não existe correspondência, mutualidade. Entre a vítima e o algoz sempre há algum tipo de
correspondência que promove a união e conduz um ao outro. É por isso que muitos casais são
infelizes juntos, mas não conseguem viver separados. Eles buscam qualquer pretexto para
perpetuar sua ligação, demonstrando uma completa incapacidade de oficializarem o
rompimento. (ANTON, 2000)
Nem mesmo a separação consegue colocar fim a esse relacionamento doentio.
Um precisa do outro para fazer suas descargas e justificar toda infelicidade que caracteriza
suas vidas. Eles são criativos e estão sempre em busca de novas formas que reforçam suas
justificativas de que o outro é a razão definitiva de todas as mazelas acumuladas em suas
vidas. Anton (2000, p. 141) finaliza seu raciocínio, dizendo:
Mesmo quando se afastam, permanecem presos, projetando culpas com
relação à sua infelicidade e atormentando-se mutuamente. Novos elos
perpetuam a mesma história, ainda que os tropeços atuais possam ser
justificados através de acusações dirigidas contra o parceiro anterior.
Para Willi (1985), são quatro as modalidades de vínculos colusivos e todos eles
estão relacionados à teoria psicanalítica do desenvolvimento psicossexual: a colusão narcísica,
a colusão oral, a colusão sádico-anal e a colusão fálico-edípica.
O tema da colusão narcísica, segundo Willi (1985) gira em torno dos seguintes
questionamentos: até que ponto o amor e o relacionamento conjugal podem exigir que eu me
entregue ao meu cônjuge e até onde eu posso continuar sendo o mesmo nesta relação
conjugal? Até que ponto nós devemos impor um limite mútuo, para resguardar nossa
individualidade e até onde podemos nos fundir um com o outro? Até que nível o meu cônjuge
deve se identificar comigo, viver só para mim e valorizar-me no sentimento que tenho em
relação ao meu eu e até que ponto eu posso conseguir um eu melhor em meu cônjuge?
O tema da relação oral envolve a seguinte reflexão: no amor e no casamento
até que ponto um cônjuge deve se preocupar com o outro, sustentando, cuidando e ajudando
um ao outro? Até que ponto eu posso exigir os cuidados do meu cônjuge, como uma mãe que
cuida do seu filho e não espera dele nada em troca e até onde posso e devo me tornar no
salvador do meu cônjuge, ajudando-o como uma mãe que lhe oferece tudo em abundância e
de forma incondicional? (WILLI, 1985)
O tema da relação sádico-anal gravita em torno do controle e autonomia de
cada cônjuge. Os questionamentos são os seguintes: até que ponto, no amor e no casamento,
99
eu posso ser o chefe da relação conjugal e exigir que meu cônjuge se submeta passivamente
ao meu comando e até onde eu devo entregar a liderança da relação conjugal ao meu cônjuge,
tornando-me dependente dele, sem sofrer abuso de autoridade? Eu tenho um direito
justificado para possuir o meu cônjuge totalmente e para controlar todos os seus atos e
pensamentos, ou devo conceder-lhe algum nível de autonomia dentro da relação conjugal?
(WILLI, 1985)
O tema da relação fálico-edípica trata do amor e do casamento como afirmação
da própria masculinidade. Os questionamentos são os seguintes: até que ponto eu tenho, na
condição de mulher, que renunciar ao desenvolvimento das minhas qualidades masculinas em
favor do meu marido e apoiar-me nele de forma débil e passiva? Estou obrigado, como
homem, a portar-me sempre com firmeza e determinação, ou seja, de maneira masculina, ou
posso ceder, em certas circunstâncias, as minhas tendências passivas? (WILLI, 1985)
Para Willi (1985), estes quatro temas são os formadores de vários conflitos
concretos nos vínculos conjugais, construídos em torno dessas colusões. Cabe aos cônjuges
encontrar as soluções mais convenientes para ambos, quando estiverem enredados por
conflitos desta natureza. As causas destas colusões, normalmente, estão vinculadas às
vivências relacionais que os cônjuges tiveram na primeira infância.
Se quando eram crianças os cônjuges não conseguiram superar estes conflitos
relacionais com seus pais e irmãos, na vida adulta, quando defrontam novamente com
conflitos similares de relacionamento, ficam sem nenhuma referência sobre como superá-los
da maneira correta e aceitável, para todas as partes interessadas. Eles se sentem impotentes,
diante de um conflito similar instalado, numa relação tão importante quanto a de casal,
quedam-se tomados pela angústia, vergonha e sentimento de culpa. Toda expectativa que
tinham de que seus problemas pessoais seriam resolvidos com o casamento, transforma-se
numa profunda frustração. Agora, eles se vêm numa relação de casal, paralisados, magoados e
feridos um com o outro, vivenciando emoções similares àquelas outrora experimentadas no
conflito original com seus respectivos pais. (WILLI, 1985)
Lamanno (1994, p. 16) entende que os conflitos conjugais são difíceis de serem
superados pelos cônjuges, porque estão ligados aos campos que tendem a não se alterar:
Minha experiência clínica tem mostrado que o núcleo de vivência mútua
estabelecido nos estágios iniciais da relação amorosa é mais persistente. Por
ser o primeiro organizador da relação parece o mais difícil de ser elaborado
por remeter o casal, no momento da ruptura, a um profundo estado de
desilusão. Para o casal, a vivência de uma ruptura entre o atual e o virtual
não só traz à tona a ‘falha’ da pessoa desejada, mas também a ‘falha’ do
100
contexto (o casamento) que permite facilmente alucinar a realização da
ilusão original e dos conteúdos da memória inconsciente.
Esses quatro temas, ligados às quatro modalidades de vínculos colusivos,
mostram o jogo conjunto dos njuges em um tema da relação conjugal que inquieta a ambos.
As quatro modalidades de colusões encontram-se presentes, em níveis diferentes, em todo
relacionamento conjugal, como uma das muitas causas geradoras de conflito.
O conflito se instala e perpetua nesses relacionamentos disfuncionais, porque
os cônjuges, nem sempre, conseguem sustentar, no dia-a-dia da relação conjugal, os desejos e
necessidades que os levaram a efetivá-los.
Os vínculos disfuncionais respondem por grande parte dos conflitos conjugais.
Todo vínculo neurótico, mais cedo ou mais tarde, resulta em conflito, porque, dificilmente, os
cônjuges conseguem controlar todas as variáveis e manter a convivência totalmente
inalterada. Por mais que se esforcem, não há como corresponder as expectativas que um
colocou no outro. Quando o casamento vai transcorrendo e eles percebem que seus conflitos
internos não foram resolvidos, toda idealização produzida pela identificação sofre um forte
abalo. Diante da frustração, cresce o desprezo mútuo, a mágoa e a raiva. Todos os conteúdos
que haviam sido projetados no parceiro voltam para seu legitimo proprietário. A relação que
parecia um paraíso transforma-se num inferno emocional, permeado de dores e sofrimentos.
5.2. AS CAUSAS QUE GERAM CONFLITOS CONJUGAIS
Neste tópico, enumeramos algumas causas que podem dar início aos conflitos
conjugais. Entre elas, destacamos as fixações nas fases oral, anal e fálica; as idealizações
narcísicas; as fixações no complexo de Édipo; a falta de reciprocidade entre os cônjuges na
satisfação das necessidades; a expressão de conteúdos reprimidos e rejeitados pelo outro no
cotidiano da relação conjugal; as lealdades à família de origem; a utilização dos mecanismos
de defesa da identificação e projeção na relação conjugal; o contrato inconsciente do
casamento e as mudanças do contrato inconsciente, no transcurso da relação conjugal.
Anton (2000) reconhece que as dificuldades relacionais são, em grande parte,
conseqüências das dificuldades internas de cada um dos parceiros da relação conjugal e não
apenas de um deles. Pincus e Dare (1981, p. 39) concordam com esta afirmação, pois dizem:
101
“isto é enfatizado pela crença largamente difundida, e a nosso ver, exata, de que a
incompatibilidade matrimonial é geralmente responsabilidade de ambos os cônjuges”.
Martuscello Neto (1992, p. 76) enxerga o conflito conjugal como uma guerra
de egoísmos, onde um cônjuge necessita do outro para reforçá-lo e, desta forma, confirmar e
reassegurar seu valor pessoal. Segundo ele:
A intenção primária nem é tanto atingir o outro, mas não ser atingido naquilo
que ele, muito sensível e vulneravelmente, considera que está sendo
depreciado ou negligenciado pelo outro. Cada um procura salvar e defender
seu egoísmo daquilo que sente como ofensas ou falhas do outro às suas
necessidades.
Grande parte dos conflitos que ocorrem na atualidade das relações conjugais
tem suas raízes nas etapas infantis do desenvolvimento psicossexual dos seres humanos, ou
seja, nas fases oral, anal e fálica. O conflito, já instalado nas respectivas personalidades dos
parceiros, estende-se ao vínculo conjugal, desde os primeiros momentos do processo da
escolha amorosa e acentua-se no cotidiano da relação conjugal.
É por isso que, segundo Pincus e Dare (1981, p. 36), “muitas vezes os casais
acabam descobrindo terem tido experiências semelhantes na infância, as quais só descobrem
pouco antes de casar ou depois de casados”. Realmente, não sabemos como as pessoas do
sexo oposto, de forma intencional, mas, por processos inconscientes, reconhecem no outro as
características, normalmente desconhecidas do próprio sujeito, que podem ser utilizadas na
resolução de seus complexos e na satisfação de suas necessidades contraditórias internas.
Mas, embora desconheçamos o processo, este fato é uma realidade que pode ser verificada em
praticamente todo relacionamento conjugal.
Ao promover a vivência de dependência mútua entre os cônjuges, o casamento
pode acionar novamente, em graus variados, ansiedades que tiveram suas origens no
desenvolvimento infantil de cada um dos cônjuges. A dinâmica conjugal pode levar os
cônjuges a regredirem àquelas vivências de onde eles, ainda bebês, retiraram o alimento
emocional que necessitavam para sua evolução e que favoreceu o estabelecimento ou
manutenção dos primeiros traços de suas identidades. (BENEDITO, 1996)
Skinner (1979) diz que os conflitos conjugais surgem no cotidiano da relação
quando os cônjuges não conseguiram dominar com êxito um determinado nível do
desenvolvimento psicossexual.
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Com freqüência, diz Willi (1985), quando um dos cônjuges, ou ambos, não
aceita a desilusão causada pela impossibilidade de se liberar de todos os seus conflitos,
através do relacionamento conjugal, eles passam a impor, com teimosia, a definição inicial da
relação. A partir desse ponto o conflito assevera, porque os cônjuges começam a viver uma
forma fatal de relação conjugal:
Um ou ambos os cônjuges se esforçam angustiosamente para conservar a
qualquer preço o eu, o self comum, ao assegurar a importância
preponderante do mesmo, exagerando de tal modo o próprio comportamento
que permanece fixado no confronto complementar (equilíbrio
interindividual); porém exagera também sua conduta para se defender contra
o retorno das porções da personalidade própria desprezadas. Este exagero do
comportamento produz, sem dúvida, um efeito final contrário ao que se
pretendia. (WILLI, 1985, p. 182)
Willi (1985) localiza a primeira modalidade de vínculo colusivo na fase
narcísica, em função dos anseios de completude, de se tornar um ser único, que todo bebê
desenvolve por meio do relacionamento simbiótico com sua mãe, ou substitutos.
O conflito colusivo narcisista surge, no cotidiano da relação conjugal, em
função do desejo comum e oculto dos cônjuges de conseguirem, um com o outro, uma
simbiose absoluta, ideal, não prejudicada por nada. Esse objetivo só é reconhecido como
inatingível depois que os cônjuges experimentam incessantes desilusões e frustrações no
cotidiano do vinculo conjugal, na tentativa de realizarem suas fantasias narcísicas. (WILLI,
1985)
Segundo Benedito (1996, p. 27), os cônjuges passam, a partir deste ponto, a
viver uma outra fase do seu relacionamento narcísico, marcada pelo sentimento de decepção:
Decepcionados e perplexos em meio aos escombros do castelo
desmoronado, o casal tenta, cada um de seu jeito, formas de restaurar a
antiga promessa de felicidade, ainda com a figura idealizada do outro.
Nessas tentativas, geralmente, encontramos a busca insistente de ambos para
reinstalar aquele projeto inicial que os uniu e que lhes dava garantia mútua
de segurança.
Como se percebe, os obstáculos são grandes e, com freqüência, podem impor
fortes derrotas ao vínculo colusivo narcísico. Willi (1985) diz que, à medida que a idealização
narcísica começa a se desfazer na relação conjugal, o cônjuge narcisista progressivo, que no
princípio da relação havia exigido de seu cônjuge a entrega de si mesmo, agora se dá conta
103
que a idealização, da qual tem sido objeto por parte de seu cônjuge, além de não atribuir um
valor melhor ao seu eu, que tanto persegue, acaba por determiná-lo e aprisioná-lo.
Quando o cônjuge narcisista progressivo tem esta consciência de si mesmo, sua
reação contra o cônjuge narcisista regressivo é explosiva e rancorosa, pois representa uma
tentativa de se expulsar de si mesmo e se destruir. Isto porque, quanto mais ele desvaloriza
seu cônjuge, menos encontrará nele o valor que tanto necessita para alcançar seu próprio eu e
seu self e menos condições terá de se livrar da obrigação, carregada de culpa, de ter que levar
o outro dentro de si mesmo. (WILLI, 1985)
Já o cônjuge narcisista regressivo, segundo Willi (1985, p. 182) reagirá com
fúria a essa atitude do cônjuge narcisista progressivo. Sua reação se explica porque, no seu
entendimento neurótico, seu cônjuge está destruindo suas expectativas de estabelecer com ele
um vínculo de objeto único, pois o busca incessantemente desta maneira:
O narcisista regressivo reagirá com fúria porque seu cônjuge o defrauda das
expectativas ideais que havia posto nele e, com recriminações, intentará
obrigá-lo a que realize sua imagem ideal. Seguirá vivendo apenas para seu
cônjuge, porém, já não se entregando por ele, senão, se sentindo autorizado e
responsável para intervir no desenvolvimento do seu caráter. Considera-se
imprescindível para seu cônjuge e permanece convencido de que sem ele seu
cônjuge estaria perdido. (WILLI, 1985, p. 182, 183)
Benedito (1996) esclarece que quando um cônjuge decide manter a visão
idealizada do outro, mesmo quando está diante de uma realidade que não lhe corresponde, os
cônjuges se tornam prisioneiros de seus próprios desejos não realizados. A autora continua
sua reflexão, dizendo que:
Começa a surgir entre eles uma desconfiança mútua, com o sentimento de
que foram traídos, enganados. Instala-se uma confusão, às vezes não
percebida, a respeito da própria identidade e da identidade do parceiro.
Ambos se sentem perdidos, pois a base sobre a qual a relação se fez não
suporta a realidade diante da qual àqueles indivíduos se encontram. Essa
realidade que se impõe não atende aquele projeto grandioso e fantasioso
construído pela paixão. (BENEDITO, 1996, p. 27)
No conflito conjugal oral, apesar de todas as reprovações por parte dos
cônjuges, eles estão sempre de acordo que a relação conjugal deve se configurar como uma
relação entre “mãe-solícita-filho”. Segundo Willi (1985, p. 179):
104
O cuidador oral, que exige de seu cônjuge a atitude de criança necessitada de
ajuda, tende a excluir suas próprias necessidades orais de toda satisfação
direta por meio do cônjuge, se comportando a respeito deste como se não
tivesse absolutamente nenhuma pretensão e se entregando a ele no seu labor
de assistência até o esgotamento. Porém, neste esgotamento se converte em
criança necessitada de ajuda.
É justamente nesta fase da relação que se inicia o conflito conjugal. Isto
porque, o cônjuge lactante oral reclamará, cada vez mais e será ainda mais exigente de
cuidados à medida que vai aumentando seu medo de que o outro, o cuidador oral, agora
debilitado e se comportando como uma criança necessitada de ajuda possa suspender a
prestação de seus cuidados. (WILLI, 1985)
O desespero do cônjuge lactante oral se justifica, porque ele não se considera
apto para assumir as funções de mãe, pois nunca foi confirmado nesta posição pelo cônjuge
cuidador oral e, também, porque até aquele momento, nunca foi requisitado pelo cônjuge
cuidador oral, para desempenhar seu próprio papel na relação conjugal. No seu desespero para
se manter no papel de cônjuge lactente oral, ele contribui para o rompimento do compromisso
oral, pois cobra do cônjuge cuidador oral, fragilizado e necessitado de cuidados, até os limites
do absurdo, para que volte a exercer as funções de mãe-solícita-filho. (WILLI, 1985)
Ele se torna cada vez mais regressivo e exigente na relação com seu cônjuge, o
cuidador oral. Desta forma, seu comportamento provoca um efeito contrário ao que realmente
pretendia com seu estado regressivo e suas cobranças exorbitantes: o recebimento de cuidados
e não o rompimento do vínculo colusivo oral. (WILLI, 1985)
O conflito colusivo oral, segundo Willi (1985, p. 183), “continuará sem
descanso enquanto o cuidador progressivo não estiver disposto a se deixar cuidar por seu
cônjuge em suas próprias necessidades orais e o cônjuge lactante regressivo não aceitar que
ele não só pode exigir infantilmente, mas que também deve dar de si mesmo ao outro”.
Skinner (1979, p. 126) fornece um exemplo de relação colusiva ocasionada por
uma fixação oral, nos seguintes termos:
A fixação num estágio ulterior do nível oral, quando a integração da
percepção e dos sentimentos característicos da posição depressiva foi, em
certa medida, alcançada, poderá levar ao mútuo apego de um casamento tipo
‘crianças perdidas na floresta’, ou à espécie de relacionamento
exemplificado no ‘casamento tipo casa de boneca’ em que o macho
competente e poderoso (mas realmente dependente) é pai e mãe de uma
esposa infantil e impotente.
105
Willi (1985) diz que na luta anal-sádica, os cônjuges estão convictos de que
uma relação bipessoal pode chegar ao fracasso se sua segurança não for garantida através da
sujeição, do controle e da autoridade.
Desta forma, o cônjuge anal passivo-regressivo, que não consegue desenvolver
sua autonomia de nenhuma forma e que disfarça toda afirmação própria, manifestamente
agressiva, terá a tendência de se aproveitar de sua docilidade passiva para dominar o cônjuge,
aparentemente dominante e controlá-lo com mão de ferro. Essa tarefa é facilitada quando o
cônjuge anal passivo-regressivo conhece exatamente quais são as debilidades do outro e sabe
que ele depende de sua adesão. Nesta dinâmica colusiva, segundo Willi (1985, p. 184):
A obediência excessiva como comportamento desvalido de marionete, se
converte em resistência passiva e em obstrução e, por conseguinte, em uma
forma de atitude de poder. O dirigente ativo, pela angústia de não se achar
seguro da adesão de seu cônjuge, transformará sua atitude de mando em
tirania, ou procurará manter o controle de todos os pensamentos do outro,
com a pretensão de sinceridade total. Porém, como o castiga por todo
pensamento que não lhe parece acertado, o impulsiona a mentira, a
dissimulação e ao segredo. (WILLI, 1985, p. 184)
Na dinâmica colusiva anal-sádica, o conflito entre os cônjuges seguirá sem
trégua, enquanto o cônjuge passivo-regressivo não começar a defender abertamente e, com
sinceridade, suas aspirações de autonomia. O conflito tende a diminuir quando o cônjuge
passivo-regressivo começa a auto se afirmar diante donjuge ativo-progressivo, como um
ser que possui vontade própria, sem deixar ser dominado por temores de separação e
enquanto, por outro lado, o cônjuge ativo-progressivo não oferece ao cônjuge passivo-
regressivo, outras áreas de autonomia e de iniciativas, no relacionamento conjugal, por se
sentir em perigo de ser deixado de lado, ou abandonado. (WILLI, 1985)
Skinner (1979) diz que a fixação no nível anal pode transformar a relação
conjugal numa interminável e teimosa obstrução, uma luta incessante pelo poder, acrescida da
resistência a toda e qualquer pessoa a quem esse poder for conferido. Mas, segundo o autor:
Tudo isso servindo de capa a um profundo medo de perda de identidade, se
houver alguma transigência ou concessão. Esse estado constante de guerra
quente ou guerra fria (ataque aberto ou inarredável obstinação), que pode ser
uma defesa contra os temores decorrentes da intensidade do anterior nível
oral ou do posterior nível genital, intensidade suscetível de tornar confusas
ou indistintas as suas fronteiras, constitui essencialmente uma forma de
competitividade não-sexual. (SKINNER, 1979, p. 126, 127)
106
Willi (1985) afirma que na rivalidade fálica há um consenso entre ambos os
cônjuges de que, no fundo, o homem deve ser superior à mulher. Desta forma, segundo Willi
(1985, p. 184):
O marido que reclama para si o papel masculino considerará toda situação
que se ofereça como oportunidade para provar e credenciar sua
masculinidade, até que, infalivelmente, fracasse alguma vez e, então, se
desapruma sua própria consciência masculina conseguida depois de tantos
esforços. A mulher que reafirma a masculinidade de seu marido
aumentando-a lhe exigirá em excesso, por meio de suas pseudodebilidades
femininas, o que finalmente a colocará em ridículo como fracassada.
No conflito fálico-edípico a luta entre os cônjuges só termina quando o esposo
encontra espaço, no relacionamento conjugal, para confessar a esposa suas debilidades e
tendências passivas e quando a esposa não permite mais ser reduzida, no relacionamento
conjugal, a simples imagem de admiração do marido. (WILLI, 1985)
Segundo Skinner (1979), em contraste com a rivalidade decorrente da fixação
na fase oral, a rivalidade fálica tem sua origem na inveja dos papéis que cada um dos cônjuges
exerce dentro do relacionamento conjugal. Ela é o resultado da fraca capacidade que ambos os
cônjuges possuem de usar a sexualidade do outro para o prazer mútuo. No seu entendimento,
o conflito fálico:
pode levar ao aguerrido chauvinismo sexual, masculino ou feminino, ou à
exploração ‘donjuanesca’ ou ‘femme fatale’ do sexo oposto. A cooperação e
aceitação de complementaridade e mutualidade do nível genital (em vez de
excessivas exigências de gratificação infantil, poder e total independência,
ou de igualdade no sentido de identidade) é requerida para integrar e dar
expressão harmoniosa às manifestações dos outros níveis. (SKINNER,
1979, p. 127)
Willi (1985) complementa seu raciocínio dizendo que são as causas mais
profundas que polarizam os cônjuges no conflito conjugal, impedindo-os de chegar a um
acordo, a um arranjo confortável para ambos os lados. Eles permanecem em suas trincheiras,
mesmo desejando ardentemente a paz conjugal, porque, sob hipótese alguma, querem entrar
em contato com as partes desprezadas de sua própria personalidade, nem com as do cônjuge.
Eles se negam com veemência a tomar consciência dessas necessidades e
anseios primitivos, em função da dor e ansiedade que eles provocam. A negação de entrar em
contato com esses conteúdos próprios e inconscientes desenvolve no sujeito sentimentos de
107
culpa que, no vínculo conjugal são projetados no outro cônjuge, que passa a ser o responsável
por sua conduta errônea.
Essa projeção, segundo Willi (1985, p. 184), se processa, mais ou menos da
seguinte maneira: “Eu sou assim porque você é assim. Se você não fosse assim, eu não seria
assim”. Com isso, “a conduta equivocada de um se converte na desculpa da conduta
equivocada do outro. Os cônjuges se acham aprisionados no circulo de interação colusiva.
Willi (1985, p. 184, 185) descreve, de forma breve, sua teoria da colusão,
dizendo o seguinte:
Na colusão existe entre os cônjuges um acordo não confessado de não se
ocupar da parte inconsciente de seus conflitos. As recriminações mútuas são
ritos que os cônjuges executam de tal modo que melhor assegure que eles
diluem a partilha colusiva de funções. Todo intento de um deles para sair da
colusão e para chegar a um acordo no conflito com a parte deslocada por ele,
é imediatamente sabotado por seu cônjuge.
Desta forma, enquanto o cuidador oral se queixa de que o lactante oral exige
dele cuidados que o estão levando ao esgotamento, por outro lado, nunca permite ser cuidado
e ser mimado pelo cônjuge lactante oral. Este, por sua vez, está em perfeito acordo com o
outro e nunca deseja ocupar sua função de cuidador, mas reclama de forma exacerbada
quando não recebe cuidados, totalmente insensível às necessidades do outro. (WILLI, 1985)
O dominante anal está sempre jogando na cara de sua mulher passiva-
regressiva o quanto pesa para ele sua dependência e passividade. Porém, mesmo reclamando a
todo instante que é sufocado por ela, basta uma tênue iniciativa de sua parte, no intento de
desenvolver sua própria autonomia, que o dominante anal muda radicalmente de
comportamento e procura confirmá-la em sua dependência passiva.
A mulher fálica tem uma visão equivocada de seu marido impotente. Com isso,
impede que ele possa se familiarizar com sua porção passivo-feminina. Se ela permitisse a ele
uma melhor identificação com sua porção passivo-feminina, poderia integrar em si mesma, e
não nele, as aspirações masculinas que possui. (WILLI, 1985)
Willi (1985, p. 185) conclui essas reflexões, ressaltando a grande contradição
que existe nos vínculos colusivos:
É certo que os cônjuges que se atormentam mutuamente sofrem no
matrimonio, porém, em última instância, estão de acordo em que, na
realidade, nada querem modificar neles mesmos. Muitas vezes, tem que
passar bastante tempo até que consigam enxergar esta contradição, que o
casal tem completa responsabilidade por ela.
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O complexo de Édipo é uma outra etapa do desenvolvimento psicossexual
infantil, onde podem ocorrer fixações importantes, geradoras de sérios conflitos no cotidiano
do relacionamento conjugal. Amado (2003, p. 47), nos alerta para este fato:
Não ficaremos surpresos ao percebermos que a escolha amorosa de um
sujeito está sempre referida às imagos parentais. Além disso, quanto pior for
a relação que este sujeito estabelece com sua parceira, mais claramente ela
estará refletindo as dinâmicas infantis mal clarificadas desses parceiros.
Pincus e Dare (1981) afirmam que os conflitos de um casamento podem ser
conseqüências de motivações inconscientes. Eles defendem este posicionamento com o
exemplo de um casal que conscientemente havia casado por amor, na expectativa de serem
felizes. Mas o acordo mútuo e inconsciente do casamento deles emergiu com tamanha força,
que trouxe sérios conflitos à relação. A esposa, Sra. Cant, queria se livrar de sentimentos
confusos que alimentava por seus pais e irmão e tinha dificuldade de conseguir seu intento. O
Sr. Cant, por sua vez, teve sérios problemas com seus pais e não se sentia feliz e realizado no
convívio com sua família. Quando conheceu a família de sua esposa, se sentiu fortemente
atraído por ela e se casou com o desejo de fazer parte de sua família.
Para ele, isto se constituiu num progresso. Todavia, este fato freqüente de casar
para entrar na família do cônjuge, pode representar uma forma de tentar corrigir a própria
família. Após um longo relato da história do casal, os autores concluem:
A sua idealização dos sogros confirmou na esposa o sentimento de que o
companheiro ideal seria alguém como seu pai, e não como seu próprio
marido. Seu casamento, bem como seus casos amorosos, era uma forma de
ficar mais próxima a seu pai, a quem tanto queria, enquanto que ao mesmo
tempo escapava do aspecto proibitivo (incestuoso) de seu amor. Seus casos
amorosos tinham de ser inconstantes, porque seriam um substituto para seu
pai sem na verdade substituí-lo com sucesso. (PINCUS; DARE, p. 44)
Os autores supõem que a instabilidade derivada da subseqüente desilusão da
Sra. Cant por seu esposo e por seus descontínuos casos de amor, fez com que ela parecesse,
aos olhos dele, sua mãe nervosa e vulnerável. Esta situação, possivelmente possibilitou a ele
reviver uma nova versão do relacionamento mãe-filho da sua infância. Seu alvo inconsciente
era alcançar a idade adulta e realizar uma mulher com seu amor. (PINCUS; DARE, 1981)
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Por outro ângulo de observação, o relacionamento deles foi fortemente apoiado
por suas famílias de origem. Na visão de Pincus e Dare (1981, p. 45), “ambas as famílias
sentiam que tal escolha não afastaria seu filho ou filha, mas sim, reforçaria os laços familiares
já existentes”.
Essa experiência esclarece que nem o desejo consciente de se identificar com
os pais, nem o de repudiá-los, torna o jovem casal preparado para se livrar de laços
inconscientes e conflitantes que os unem aos pais. Por continuarem ocultos, esses laços os
impedem de desenvolver todo o potencial que possuem como esposo e esposa e também
como pais. Pincus e Dare (1981, p. 46) concluem, dizendo que:
Eles necessitam compreender, aceitar e elaborar alguns de seus sentimentos
ambivalentes em relação a seus pais, a fim de que possam usufruir sem
medo, em seu casamento, os sentimentos e os anseios que surgiram no início
de seu relacionamento com o genitor do sexo oposto, mas proibidos e,
portanto, irrealizados.
Uma convivência edipiana entre os cônjuges pode ser vivida em diferentes
graus de intensidade. Há cônjuges que só o fato de se sentirem atraídos conscientemente um
pelo outro, já ativa os intensos componentes de sua escolha amorosa, as fortes fantasias
sexuais que sentem em relação a seus pais. Sem a possibilidade de simbolização, o vínculo
conjugal não se estabelece e os conflitos prevalecem. Há casos em que as fortes fantasias que
os cônjuges sentem por seus pais, podem tornar impossível um relacionamento real um com o
outro. (PINCUS; DARE, 1981)
Uma convivência edipiana, vivida em um grau de intensidade onde é possível
fazer simbolizações, pode tornar a maioria dos relacionamentos conjugais plenamente
realizados. Para Pincus e Dare (1981, p. 47, 48):
O que precisa ser realizado é o desejo de usufruir da convivência com o
parceiro, o que não pode ocorrer em relação aos pais, por ser algo proibido,
ameaçador e carregado de culpa. O companheiro pode representar algum
aspecto do genitor desejado, mas como, de fato, ele não o é, o
relacionamento pode ser usufruído sem qualquer sentimento de culpa.
O conflito conjugal também pode ser gerado pelo fato de um dos cônjuges
expressar, no cotidiano da relação, conteúdos reprimidos e negados pelo outro cônjuge.
Segundo Anton (2000, p. 46), as relações estáveis marcadas por uma
disfuncionalidade persistente podem ter como causa o fato de um cônjuge expressar
110
conteúdos reprimidos e negados pelo outro. “Quando tais conteúdos atingem determinado
volume, passam a exercer uma pressão irresistível, urgindo que se abra um espaço externo,
para que sua expansão não se torne autodestruídora”. A incidência desta dinâmica na relação
conjugal leva o outro cônjuge a ter atitudes de repressão e controle, na tentativa de impedir o
sujeito nas suas manifestações. O intento é impedi-lo de expressar aquilo que rejeita em si
mesmo, ou puni-lo por tal atitude.
As dificuldades conjugais também podem estar a serviço de lealdades em
relação à família de origem. Segundo Anton (2000), as atrações amorosas, o estabelecimento
de acordos inconscientes no vínculo conjugal e a construção de novas famílias, podem estar
inseridas em uma programação inconsciente que tem como objetivo manter o sistema original.
“Assim, dificuldades conjugais podem estar a serviço de lealdades em relação à família de
origem tomada num plano horizontal (aqui e agora) ou vista através de uma linha vertical
(transgeracional)”.
Os mecanismos de defesa usados no momento da escolha amorosa, a
identificação e a projeção, continuam sendo largamente utilizados no cotidiano da relação
conjugal. Eles também podem ser vistos como a causa de sérios conflitos na relação conjugal.
Os conflitos gerados pela identificação projetiva podem tomar formas variadas,
no dia-a-dia da relação conjugal. Segundo Martuscello Neto (1992, p. 72), somente no
decorrer da relação conjugal é que os cônjuges vão deparar com as falhas no atendimento às
suas expectativas por parte do outro.
Será apenas mais tarde, com o prosseguir da relação e, principalmente,
com seu aprofundamento devido a fatores como casamento,
nascimento de filhos e outros vínculos familiares, que esta pessoa vai
se dar conta de quem ela amava não pode nunca lhe dar o amor que
ela esperava.
Durante este processo, a idealização do outro, consumada no momento da
escolha amorosa, pelo mecanismo da identificação, vai se desfazendo gradativamente. A
objetividade da realidade conjugal continua minando as identificações projetivas, produzindo
uma queda das fantasias idealizadas acerca do cônjuge ao chão duro da realidade. Isto
provoca uma enorme frustração e se transforma no combustível de uma série de conflitos
conjugais. “Uma enorme falha nas expectativas longamente tecidas em relação ao ser amado
[...] ternamente amado e enaltecido com carinho e esperança, torna-se amargo e começa a
frustrar dolorosamente”. (MARTUSCELO NETO, 1992, p. 72, 73)
111
Quando as identificações projetivas são desfeitas, a idealização do outro
finalmente chega ao seu final. Só quando a relação conjugal atinge este ponto é que o
cônjuge, que deixou de estar identificado, consegue olhar o outro de forma crítica. Este é um
momento que reserva grandes surpresas. Segundo Martuscello Neto (1992), o cônjuge não
mais identificado com o outro chega a emitir opiniões do tipo: como é que eu consegui viver
tantos anos apaixonado por uma pessoa como esta? Eles ficam perplexos diante das próprias
observações e da mudança radical que ocorrem em seus sentimentos. Na verdade, eles não
viveram apaixonados exatamente pelo outro, mas pelas idealizações que projetaram no outro,
para depois identificar-se com elas. Na realidade, eles foram loucamente apaixonados por
suas próprias partes projetadas no parceiro da relação conjugal.
A atuação freqüente dos cônjuges, através do mecanismo da projeção, também
é outra importante causa de conflitos no relacionamento conjugal. Anton (2000) diz que
quando a pessoa não assume o que se passa dentro de si mesma, tem a tendência de tomar
atitudes que, de maneira sutil, leve seu cônjuge a manifestar esses conteúdos em seu lugar. A
autora continua seu raciocínio, dizendo que:
Sutilezas mostram-se muito eficientes para desencadear reações externas,
por vezes, intensas. É assim que um parece inocente, enquanto outro se
transforma em vilão. E mais: em alguns pares, esse processo ocorre
continuamente, sem que se espere que o nível de tensão se torne intolerável.
(ANTON, 2000, p. 47)
Ao assumir o papel de expressar o que o sujeito inibe ou nega em si mesmo, o
parceiro da relação conjugal pode se tornar em alvo de admiração, inveja, ou de severas
críticas, dependendo do tipo de reação que isso provocará no outro. “Realizar algo pelo outro
ou através do outro, julgar-se no direito de condenar e de punir, ou colocar-se na posição de
réu, são tendências cuja realização as relações amorosas facilmente permitem, e isso pode ser
inconscientemente desejado”. (ANTON, 2000, p. 143)
Para Pincus e Dare (1981), as projeções de impulsos, desejos e necessidades
inconscientes no outro cônjuge, bem como, os processos de destruição que esse
comportamento freqüente pode causar em cada um dos cônjuges e na relação conjugal,
infelizmente, tem sido a dinâmica preponderante de um número crescente de relacionamentos
conjugais.
Uma outra causa muito importante de conflitos conjugais é o contrato
inconsciente do casamento, que pode ser composto de desejos, ansiedades, medos,
112
necessidades e motivações inconscientes de todas as fases do desenvolvimento humano. Às
vezes, os vários anos de convivência conjugal foram insuficientes para ensinar a alguns casais
a viverem melhor. Quando olham para trás, para o longo período que já estão juntos, podem
contar nos dedos os raros momentos em que foram realmente felizes. Da maior parte da
convivência eles têm apenas uma lembrança persistente: crises profundas e conflitos
intermináveis. Mas, por outro lado, não conseguem se separar. Estão obstinados a viverem
juntos até o fim de seus dias, mas sempre infelizes.
Quando nos deparamos com casais que possuem esta dinâmica de
relacionamento, alguns questionamentos vêm espontaneamente à nossa mente. Benedito
(1996, p. 31) não conseguiu escapar de alguns deles:
Mas onde os casais se perderam? Talvez eles ainda não se acharam. Andam
se buscando, mas por caminhos tão tortos e ilícitos que não podem se
mostrar, e muito menos ver o outro. Não se encontram, mas se trombam e se
machucam. Acusam-se mutuamente, mas não se apercebem como co-autores
desse enredo. E desde quando estão perdidos? É difícil saber. Às vezes,
desde a etapa da dependência absoluta, quando, nos primeiros encontros com
seu meio, experimentaram um nível de desproteção que pode ter violado a
construção da ‘linha de continuidade do seu ser’ e que os obrigou a uma
reação contra as ansiedades provocadas por essas situações.
Shine (2002) afirma que quando as expectativas do contrato inconsciente não
se realizam dentro do casamento, os cônjuges podem responder com raiva, ira, frustração,
depressão e dissolução do vínculo conjugal.
Segundo Puget e Berenstein (1993), quando os conteúdos permitidos e
excluídos, estipulados pelo vínculo conjugal, não concordam em cada um dos cônjuges, surge
um significativo conflito de conteúdos variáveis. Os autores explicam que:
Quando surge uma inversão, onde as identificações, escolhas e realizações
excluídas se instalam como permitidas e inversamente as permitidas passam
à categoria de excluídas, o casal evolui para o não-crescimento, a fim de
conservar as identificações infantis e os objetos incestuosos. Pode não
representar um conflito até a ruptura desse equilíbrio ilusório por uma das
circunstâncias vitais.
Anton (2000) afirma que alguns fatores podem se interpor entre o desejo e a
possibilidade de assumir e cultivar a relação que o par conjugal formou, por meio dos acordos
e pactos inconscientes do casamento. Entre eles, destaca:
113
A presença de necessidades contraditórias, a dificuldade em optar pela
realização de alguns desejos e de renunciar a outros, a incapacidade de
suportar e elaborar certa quantia de frustrações, a falta de zelo e de
responsabilidade pelas escolhas feitas, estar impedido de buscar, gozar e
manter satisfações [...].
Isto ocorre, pelo fato dos mecanismos de adaptação e defesa serem,
geralmente, inconscientes. Assim, mesmo que a pessoa perceba que sua conduta está sendo
inadequada, nem sempre ela consegue agir como gostaria ou decidiu agir de forma consciente.
“A força dos motivos e dos objetivos internos muitas vezes supera o poder das decisões
conscientemente tomadas”. (ANTON, 2000, p. 129)
Além do contrato inconsciente da relação conjugal ser uma profunda causa de
conflitos no cotidiano da relação conjugal, outro fato importante decorrente dele, também tem
sido uma causa freqüente de conflitos conjugais. Estou me referindo a mudança do contrato
inconsciente no decorrer da relação conjugal.
Segundo Willi (1985, p. 180), na fase do namoro e noivado os futuros cônjuges
vivem absortos no esforço de formarem um self comum. Eles querem modificar o self
individual de cada um, de tal maneira que o self de um parceiro da relação se torne um com o
self do outro, criando, desta forma, um todo harmônico. Mas, no seu entendimento:
Quanto maiores forem os campos que tenham que ser eliminados para um
deles como possibilidade de conduta própria e com ele tenham que ser
assumidos em sua representação pelo outro cônjuge tanto mais perigo se
encontrará na relação, mesmo no nível intraindividual como no nível
interindividual.
No nível intraindividual, segundo Willi (1985), um cônjuge pode encontrar no
outro, um substituto para seus próprios campos desprezados. Enquanto eles estão totalmente
ligados um ao outro e sentem-se como uma unidade, podem pensar neste complemento
mútuo. Todavia, a rotina da vida conjugal diária pode levar um dos cônjuges a tomar de volta
seu próprio self. Com isso, ele reduz o valor do self comum como unidade fechada. Desta
forma, as porções de personalidade desprezadas no inconsciente são destacadas novamente e
colocam em perigo a estabilidade que eles haviam encontrado por meio do vínculo colusivo.
Quando olhamos o mesmo fato pelo aspecto interindividual, podemos concluir
que o cônjuge progressivo, de imediato, abandona o vínculo colusivo, porque não tem
condições de proporcionar ao seu cônjuge a satisfação regressiva que nega a si mesmo. Com
sua atitude, ele frustra seu cônjuge por considerá-lo como insignificante em sua posição
114
regressiva. Porém, também, frustra a si mesmo, ao ter que assumir sozinho e constantemente
as funções progressivas do eu, na representação do vinculo conjugal, sem ser compensado o
suficiente por seu esforço, por meio do reconhecimento de seu cônjuge. Mas, por mais que
sofra por causa da conduta regressiva do seu cônjuge, ele suportaria muito menos sem ele se,
na realidade, pudesse se tornar consciente de si mesmo e independente. (WILLI, 1985)
Os cônjuges estão unidos por meio de suposições fundamentais em grande
parte inconscientes. As idéias comuns e as fantasias inconscientes de cada um formam a base
emocional de mútua atração, bem como, da intensidade de sua vinculação. Ocorre que, de
acordo com Willi (1985), a mesma base emocional que gera atração, também é a responsável
pela formação do conflito conjugal.
Anton (2000, p. 143) ilustra esta afirmação com o seguinte exemplo:
Uma pessoa tímida tende a se encantar, diante de outra, muito sociável e
vice-versa. Com o passar do tempo, as diferenças podem ser de difícil
administração, e isso acontece principalmente quando a admiração inicial dá
lugar predominantemente à inveja e a ressentimentos que tomam rumos
negativos. Assim, cada um dos sujeitos envolvidos, pode projetar no
ambiente externo as razões de seu mal-estar e de seus fracassos, ou pode ver
estampado neste meio o caos que existe oculto, dentro de si.
Willi (1985) diz que os cônjuges resistem ao máximo abrir qualquer discussão
destas suposições fundamentais conexivas e inconscientes. Por isso, segundo Anton (2000),
quando um dos cônjuges faz qualquer tentativa de mudança do contrato inconsciente do
casamento, o seu parceiro observa o movimento e reage de imediato, no sentido de impedir
qualquer mudança, mesmo que seja visando à melhora. Ele age assim, obstruindo qualquer
tentativa de mudança, mesmo que benéfica, para não desestabilizar o sistema de
relacionamento já conhecido. Qualquer mexida no sistema pode exigir renúncia e novas
adaptações, cujos resultados os cônjuges não conhecem.
Alguns casais, depois de vários anos de convivência, dizem um para o outro
que se enganaram, ou que foram enganados um pelo outro. Mas, segundo Anton (2000, p.
87):
Os sinais estavam ali, à disposição, e apresentando-se repetidas vezes, para
serem conferidos e devidamente confirmados. É de se refletir sobre as razões
e os objetivos dos supostos enganos. É de se procurar compreender, tão
ampla e profundamente quando possível, os acordos estabelecidos entre os
parceiros, em grande parte, não apenas através de suas comunicações
analógicas, mas também em nível de fato inconsciente.
115
Vemos, com freqüência, os casais se acusarem mutuamente por não
corresponderem às ilusões cultivadas, até há pouco tempo, no relacionamento conjugal. As
separações conjugais estão a níveis crescentes e os casamentos duram cada vez menos tempo.
A situação está tão crítica que um significativo segmento da sociedade acredita que este
vínculo tão antigo deixará de existir, em decorrência das crescentes dificuldades de
convivência, especialmente, porque muitos cônjuges insistem em estabelecer vínculos
conjugais, fundamentados em alianças caracterizadas pela utopia. (ANTON, 2000)
Nestes tempos de frenéticas mudanças, onde as coisas são feitas para não
durar; para serem adquiridas, consumidas e seus restos jogados no lixo, tudo em ritmo
acelerado, Anton (2000, p. 26) diz que:
Às vezes, uma das partes ‘rasga o contrato’, simplesmente porque, desde seu
mundo inconsciente, decidiu-se a deixar com o outro seus males projetados;
abandoná-lo pode estar a serviço de um desejo secreto, imenso, incontido:
abandonar numa lata de lixo as partes ruins de si mesmo.
Mas, o rompimento do contrato secreto também pode ocorrer em conseqüência
de uma causa saudável. Segundo Anton (2000, p. 26), “o rompimento de alianças familiares e,
mais freqüentemente, de alianças amorosas, pode indicar que uma das partes conseguiu
libertar-se das amarras, enquanto a outra permaneceu no mesmo estágio de desenvolvimento,
recusando-se a crescer [...]”.
Os conflitos, tão freqüentes no relacionamento conjugal, são sintomas de
causas que precisam ser resolvidas, para que os cônjuges possam crescer enquanto pessoas e
para que o casamento alcance níveis maiores de realização e satisfação. Não existe nenhum
casamento isento de conflitos. Quando eles aparecem na relação, precisam ser vencidos e
superados. Vencer os conflitos da relação conjugal traz como resultado o crescimento e o
desenvolvimento de ambos os cônjuges, bem como, da própria relação.
116
6. AS VIVÊNCIAS E SENTIMENTOS ENVOLVIDOS
NO PROCESSO DE SEPARAÇÃO
117
Muitas são as motivações equivocadas que levam as pessoas a decidirem pelo
casamento em determinados momentos do ciclo vital. Um dos motivos mais comuns é o
desejo de melhorar a vida ou alcançar uma felicidade que há muito tempo vem sendo
alimentada. Mas, quando estas expectativas não são realizadas no decorrer da vida conjugal,
em função da própria fragilidade do vínculo, a separação se apresenta como a melhor solução
possível.
Isto ocorre, porque as pessoas, normalmente, acreditam que a separação
conjugal é a melhor saída para uma relação infeliz. Elas optam pela separação conjugal,
porque vivem obcecadas pelo desejo de conquistar a realização pessoal, que não conseguiram
alcançar através da vida a dois. Por estarem tão focadas em seus projetos individuais, não
enxergam a conjugalidade, com todas as suas peculiaridades, como uma grande oportunidade
de crescimento pessoal e relacional.
Com freqüência, as pessoas casam e separam porque enxergam o casamento e
a separação como fórmulas instantâneas para a solução definitiva de seus conflitos
conscientes e, na sua maior parte, inconscientes. Durante o cotidiano da relação conjugal
descobrem que o casamento não é a solução definitiva de seus conflitos internos e pessoais e
ao partirem para a separação, durante a vivência da mesma, aprendem que esse processo
complexo e doloroso é apenas uma das respostas que eles poderiam dar para a relação infeliz.
Puget (2006, p. 3) informa que muitos casais chegam à consulta com várias
justificativas para a separação conjugal, ou durante a psicoterapia apresentam as razões pelas
quais não conseguem mais permanecer juntos na relação de casal. São expressões do tipo:
“não dá mais”, “é impossível”, “assim não podemos continuar”, “já nada nos une”, “entre nós
nada acontece”, me sinto só quando estamos juntos”, “há um vazio em nosso
relacionamento”, “não temos sobre o que falar”, “nunca me dá o que eu desejo”, “se fazem
longo silêncios em nossa relação”, “ele sempre se comporta da mesma maneira”. Para esta
autora:
Em cada uma dessas frases, ao denunciar alguma qualidade atribuída ao mal-
estar vincular, os cônjuges sustentam ou encobrem uma idéia de que há algo
que não está ocorrendo no nível vincular, no nível vital e estimulante e que,
se essas dificuldades não passarem, poderá levá-los a tomar uma decisão
diferente, como deixar de habitar neste casal.
Puget (2006) entende que o processo de desvinculação consiste em uma
decisão. Neste sentido, se desvincular também significa deixar de pertencer a um sistema de
118
casal do qual procedem as diferentes funções de proteção, entre as quais, destacamos a função
de testemunho e a de hospitalidade. A autora entende a função de testemunho como ter
alguém com quem é possível contar, dizer, fazer e que está sempre em posição de escutar,
receber e partilhar e a função de hospitalidade como a possibilidade de receber e ser recebido
pelo outro em um movimento permanente.
Deste ponto de vista, se desvincular representa, simultaneamente, interromper
um vir a ser com o outro e a perda de um pertencimento, ou seja, perder todas as funções de
proteção que esse respectivo vínculo proporciona. (PUGET, 2006)
Marcondes, Trierweiler e Cruz (2006) complementam que a separação não
representa apenas o ponto final de uma união material, mas a quebra definitiva de vínculos, de
laços emotivos, sexuais e afetivos que, na visão de Giusti (1987), foram sendo construídos no
decorrer da relação conjugal pela vivencia do amor, do ódio, sedimentado pelas brigas e
reconciliações.
Maldonado (2000, p. 31) chama a atenção para a dificuldade que alguns casais
enfrentam, no decorrer da vida conjugal, de manterem a idéia romântica do casamento,
resumida pela frase “até que a morte vos separe”. Às vezes, esta promessa se torna numa
impossibilidade na vida real, pois não há como garantir que a pessoa eleita numa determinada
fase do ciclo vital, continuará sendo a escolhida nas fases subseqüentes deste mesmo ciclo.
Peck e Manocherian (1995) afirmam que há um consenso entre os estudiosos
de que a separação conjugal promove o maior rompimento do processo de ciclo de vida
familiar. A tarefa de promover o desenvolvimento da família fica ainda mais complexa,
porque a separação conjugal interrompe e altera as tarefas normais do ciclo de vida do casal e
dos filhos e impõe a necessidade de uma reconfiguração totalmente nova para o sistema
familiar.
Kaslow e Schwartz (1995) ressaltam que o impacto produzido pela separação
conjugal varia em seu grau de intensidade. Esta variação depende do ponto em que a
separação conjugal atinge os ciclos vitais individuais dos cônjuges envolvidos, bem como, o
ciclo vital da família, enquanto uma unidade e dos filhos individualmente.
Ao deflagrar o processo de separação conjugal, gradativamente, os hábitos, as
rotinas, os valores que caracterizam a relação e a família começam a ruir. Forçosamente, a
separação impõe uma mudança radical para todos os membros da família, tanto para os
agentes, quando para os pacientes, integrantes do vínculo de casal e do vínculo de família. Os
antigos hábitos, estilos de vida e valores pessoais, são definitivamente destruídos. Urge a
busca desesperada por um novo equilíbrio, no nível pessoal e relacional. Uma estabilidade
119
que precisa ser construída sob novas bases. Muitos conseguem êxito nestas mudanças,
crescem e amadurecem. Outros permanecem fixados neste trauma e só depois de alguns anos
consegue se refazer. Mas, alguns se perdem durante esse processo de desconstrução do
vinculo conjugal e nunca mais se acham nos ciclos seguintes da vida.
6.1. A RE-ATUALIZAÇÃO DE SEPARAÇÕES ANTERIORES NA SEPARAÇÃO
CONJUGAL
O ser humano tem a tendência de optar por pensamentos, sentimentos e
comportamentos conhecidos e já repetidos outras vezes. Em cada transição de uma situação
conhecida para outra desconhecida, ele revive as sensações e as emoções negativas e positivas
de situações análogas, vivenciadas nos ciclos anteriores da vida. Essas vivências primitivas
são revestidas de novas representações, se tornando ainda mais intenso e efervescente o
conteúdo que se encontra registrado.
Por se caracterizar como uma forte ruptura no ciclo de vida de uma pessoa, a
separação conjugal regride os cônjuges às fases anteriores do desenvolvimento psicossexual,
possibilitando a revivência de sensações e sentimentos vinculados às separações e perdas
anteriores, desde as mais recentes até as mais primitivas.
A separação conjugal guarda certas semelhanças com as outras separações que
todos os seres humanos enfrentam ao longo da vida. Todos nós, no decorrer da vida,
vivenciamos situações permeadas por uma forte carga de emoção, ocasionadas por algum tipo
de separação. A separação de um animal de estimação, de familiares queridos, por motivos de
mudança ou falecimento, de uma grande amizade ou de uma parceria profissional.
No amor, as emoções e os sentimentos que vivenciamos em função de um
rompimento, seja no namoro, noivado ou casamento, são parecidas, guardada as devidas
proporções. Vilhena (1988, p. 10) declara “que o ‘nós’ é fundante do sujeito; é preciso que
haja dois para que surja o UM”. Neste sentido o amor pode ser visto como “uma busca da
totalidade perdida, da unidade quebrada. É verdade trata-se de um mito; mas os mitos, como
as lendas e os sonhos provêm de fantasias fundamentais do ser humano”.
Winnicott (1975), ao comentar sobre o nosso primeiro encontro com o objeto,
afirma que não é o bebê ou sua mãe a célula que estrutura, mas a relação que passa a existir
120
entre eles. É esta totalidade formada pela díade mãe-bebê que constitui a matriz psíquica das
nossas futuras relações.
É com base neste entendimento que Vilhena (1988, p. 8) ressalta a importância
do processo de separação-individuação, para as vivências de todas as outras separações que o
ser humano enfrenta ao longo de sua vida. “Podemos dizer que a separação é um fenômeno
primordial que inicia o ser no mundo, fenômeno jamais consumado, permanecendo uma
nostalgia de ‘estar com’, surgindo muitas vezes o amor como uma forma mitigada de lidar
com ela”.
A paixão amorosa sempre nos remete a esse primeiro encontro com o objeto.
Neste primeiro encontro pode residir a origem das fantasias de fusão e completude que
normalmente estão presentes durante a vivência amorosa. “Um apaixonado, não existe
sozinho; talvez pudéssemos também dizer: um par já se formou, um laço ou um vínculo se
estabeleceu”. (VILHENA, 1988, p. 6)
Carvalho (1996, p. 32) acrescenta que a angústia que os bebês sentem durante
seu processo de separação-individuação é causada pela constatação de que se não tiverem
alguém que tome conta deles, poderão perecer. Se a pessoa não consegue uma boa resolução
dessa primeira experiência de separação, na fase adulta, quando vivenciar outras separações,
poderá sentir, nestes momentos, uma perda insuperável, associada à própria morte, tendo
como conseqüência uma forte e desproporcional desestruturação emocional. “A vivência da
separação do primeiro objeto será fundamental para criar-se o lastro das outras separações, às
quais o sujeito será submetido durante toda a sua vida.
Vilhena (1988) informa que o projeto de identificação de todo ser humano se
encontra vinculado a um sentimento que existiu no seu passado, com relação a sua fantasia de
completude, durante a fase narcísica. Para se tornar em sujeito, todo ser humano precisa ser
capaz de fazer o luto das ilusões e idealizações advindas desta fase primitiva do
desenvolvimento humano. A vida adulta é fundada sobre a base desta renúncia, sobre a
aceitação desta falha e sobre a consciência da existência de uma diferença entre os egos
envolvidos em uma relação. Só assim é possível ter acesso à vida amorosa. (VILHENA,
1988)
Mas, nos momentos de fortes rupturas do ciclo vital, como o abalo provocado
pela separação conjugal, esses temas de morte e renascimento, das vivencias primitivas de
cada um, podem voltar à tona. Quando isto ocorre, a pessoa vivencia a “morte pela situação
que, ao se transformar, deixa de existir o renascimento pela nova experiência que vai ser
121
vivida. Estabelece-se um período de crise que implica em sofrimento, mas também em
reavaliação e busca de alternativas”. (CARVALHO, 1996, p. 33)
Ao analisar várias pessoas que estavam vivenciando um processo de separação,
ou que haviam passado recentemente por um processo de separação, Vilhena (1988, p. 12)
concluiu que existia entre eles algo de comum: “um modelo de relação, que internalizado em
uma fase muito primitiva da vida do sujeito, deixa impressa uma marca que o discurso
moderno não conseguiu (ainda?) erradicar”.
A partir desta constatação clínica, Vilhena (1988, p. 12) faz uma importante
afirmação sobre a regressão que a separação conjugal produz nos cônjuges, remetendo-os as
vivências das emoções e sentimentos de todas as outras separações anteriores.
Até o presente momento acreditamos que um “NÓS ideal” permanece como
um modelo de relação; um sentimento muito primitivo, ligado às fantasias
mais arcaicas de completude, e que quando de seu desmoronamento
remetem o sujeito à sua angústia básica, ou seja, a castração a desilusão de
que tanto nos falam nossos pacientes.
A separação conjugal tem um efeito catastrófico na vida psíquica dos cônjuges,
porque ela os remete a uma perda mais primitiva, vinculada às suas primeiras separações,
obrigando-os a uma volta àqueles estágios anteriores onde a ruptura de um vínculo importante
marcou definitivamente a formação incipiente do ego. (VILHENA, 1988)
Quando o término de um casamento se torna realidade, as perdas são
normalmente enormes, pois, na maioria dos casos, o relacionamento conjugal se constitui no
projeto mais importante de vida das pessoas. O impacto que essas perdas produzem no
psíquico, sem dúvida, impõe aos cônjuges a re-atualização de outras emoções e sentimentos
traumáticos vividos em situações semelhantes. Com isso, a intensidade da dor, do sofrimento
e do desespero aumenta consideravelmente, gerando uma sensação de total desamparo e
abandono.
A reativação das perdas, antigas ou recentes, ocorre pela analogia com outros
vínculos idênticos ou parecidos que tiveram um desfecho semelhante, gerando perdas e
desilusões. Algumas pessoas chegam a ter consciência desse fato, em função da intensidade
desproporcional da dor que sentem. Uma das pessoas separadas comentou durante a sessão de
psicoterapia: “Quando minha mulher foi embora, senti de novo uma dor aguda pela perda de
todas as outras mulheres da minha vida” (MALDONADO, 2000, p.11).
122
Estas experiências, decorrentes do fato atual e de todos os outros ocorridos ao
longo da vida, instala no indivíduo uma crise, porque segundo Eiguer (1985), despertam
antigos conflitos, antes adormecidos, expõe equilíbrios precários, ressuscita conhecidas
emoções e angústias de situações passadas, impõe a necessidade de fazer o luto da forma
antiga de vida, produz a modificação de regras para as quais a pessoa ainda não está adaptada.
Mas, como crise também pode ser vista como sinônimo de oportunidades, ela permite a
definição de novas perspectivas, que uma vez consolidadas podem trazer realização pessoal.
Sem dúvida, a separação conjugal produz um período crítico na vida dos cônjuges, porque
mobiliza forças antagônicas que impõe uma reavaliação e mudança. Quando eles conseguem
tomar decisões sensatas e acertadas, durante as etapas desta crise, aumentam as possibilidades
de saírem desta experiência, amadurecidos e enriquecidos.
Vilhena (1988, p. 13) comenta o seguinte ditado: “diz-se que a ilusão é o que
se constrói sobre um engano e a esperança o que se edifica sobre uma realidade”. Para ela, o
intenso trabalho psíquico que os cônjuges realizam durante o processo de separação conjugal
é ocasionado pela dificuldade de ambos, de desistirem do vínculo ilusório que levou a relação
ao fracasso e, simultaneamente, continuarem firmados na esperança de que o vínculo pode ser
refeito sobre bases mais realistas.
Maldonado (2000, p. 11) registra um relato elucidativo sobre o tema desta
reflexão:
Semanas depois da separação, me senti tão angustiada, deprimida,
desesperançada e abandonada, que comecei a desconfiar que tudo aquilo que
eu estava vivendo com tamanha intensidade não podia ser só porque meu
marido tinha saído de casa. Estava misturando muita coisa da minha época
de criança, a sensação de não me sentir segura com minha mãe, a dor do
abandono, da ausência.
São as evocações das lembranças e dores das outras separações anteriores, das
perdas e desilusões sofridas e acumuladas ao longo da vida, que deixam os cônjuges
paralisados e impotentes diante da separação atual. Os conteúdos das separações passadas
tiram suas forças, impedindo-os de finalizar o velho vínculo com suas imperfeições; de limpar
os escombros e sobre as muitas coisas boas já conquistadas juntos, edificar um novo vínculo
em bases mais saudáveis.
O conflito se estabelece em função de sentimentos antagônicos que formam o
núcleo do desejo da mudança e o da resistência à mudança. Deixar uma situação conhecida,
por outra nova, desconhecida, gera muita turbulência emocional. O psíquico é bombardeado
123
por uma torrente de pensamentos e sentimentos, provenientes de separações e perdas
anteriores, misturados com os pensamentos e sentimentos oriundos da separação atual,
gerando uma desestruturação emocional, desproporcional à realidade dos fatos.
6.2. AS CAUSAS QUE LEVAM OS CÔNJUGES A VIVENCIAREM O PROCESSO DE
SEPARAÇÃO
Muitas pessoas optam pela separação, na tentativa de evitar o confronto com as
dificuldades que estão emergindo na relação conjugal, ou porque possuem baixa tolerância às
frustrações normais, que fazem parte da relação a dois. A fuga da realidade está sempre
presente, mesmo camuflada, nas motivações que ajudam a formalizar a maioria das
separações conjugais.
Muitas separações ocorrem em função da fragilidade do vínculo. Os motivos
que levam as pessoas ao estabelecimento do vínculo conjugal, muitas vezes, são
inconsistentes e não conseguem sustentar a relação nos momentos de crise e conflito. Vários
casamentos acabam em função do conflito entre o modelo parental assimilado e interiorizado
e os modelos de conjugalidade propalados na pós-modernidade.
São vários os problemas vinculares que podem levar os cônjuges à separação.
Maldonado (2000) afirma que há pessoas que buscam com sofreguidão um vinculo conjugal
para fugir de circunstâncias ruins que estão vivendo. Neste sentido, o casamento é visto como
uma situação nova que automaticamente trará um momento melhor, pronto e acabado,
independente da necessidade de contínuo investimento.
Lamanno (1994) afirma que em seus atendimentos clínicos tem ouvido o relato
de várias fantasias da parte dos casais, relacionadas à separação. Há aqueles que estão
dispostos a perder a relação conjugal para não estragá-la. Esses casais enxergam a separação
como uma tentativa alucinada de preservar a relação de casal. Outros, paradoxalmente,
encaram a separação como a idéia da morte. Por isso, recorrem a todos os artifícios possíveis
para manter, ilusoriamente, a indissolubilidade do casamento.
Maldonado (2000, p. 69) destaca o fato de que a tendência de realizar
separações impulsivas, apenas para ficar bem consigo mesmo, sem uma cuidadosa
elaboração, pode levar a pessoa a ingressar num ciclo de repetições. Neste caso, o casal pode
ficar num vaivém de separações e reconciliações. Um, ou ambos os cônjuges podem
124
estabelecer e desfazer novos vínculos com parceiros escolhidos, segundo os mesmos critérios.
Quando este ciclo se instala na relação, na vida de um, ou de ambos dos cônjuges, os
relacionamentos conjugais subseqüentes iniciam e terminam sempre da mesma maneira,
“guiados por conflitos inconscientes e pelas matrizes arcaicas dos relacionamentos familiares
que a pessoa não consegue modificar, limitando-se a repetir”.
Mas, é preciso ressaltar que há decisões repentinas que não são caracterizadas
pela impulsividade. Elas apenas representam o transbordar de renúncias, amarguras,
decepções, concessões e sacrifícios, que foram acumulados e recalcados durante vários anos,
na esperança de preservar a relação conjugal. Há pessoas que vão suportando os maus tratos
do parceiro, se enchendo de magoas e rancores que não são expressos, nem elaborados no dia-
a-dia da relação conjugal. Chega um momento que a pessoa não consegue mais segurar e
essas emoções e os sentimentos afloram com uma fúria devastadora para a relação conjugal,
semelhante às águas revoltas de um dique que transbordou. (MALDONADO, 2000)
Aguiar e Nusimovich (1999) informam que a ruptura do vínculo matrimonial
pode acontecer pela decisão de um dos cônjuges de se separar definitivamente da sua família
de origem. Quando o vínculo conjugal insatisfatório assegura a fidelidade ao núcleo
endogâmico, onde estão depositados os valores socioculturais prescritos, acerca da
indissolubilidade do casamento, o rompimento com estes valores pode implicar na ruptura do
casamento.
Anton (2000) afirma que há casamentos que chegam ao fim, pelo fato de suas
funções essenciais, baseadas em acordos e pactos inconscientes, não estarem sendo
cumpridas, ou porque perderam totalmente o sentido para um, ou ambos os cônjuges. Nestes
casos, segundo a autora:
O divórcio tende a ser menos conflituoso, melhor resolvido. Eventualmente,
ambos já passaram por um processo terapêutico individual ou conjugal, que
lhes permitiu uma reorganização interna, novas conclusões e o aumento da
capacidade de compartilhar suas reflexões, revendo as decisões até então
tomadas e responsabilizando-se por elas. (ANTON, 2000, p. 277).
Mas, segundo Maldonado (2000), o contrato inconsciente do casamento
também promove situações onde a separação não pode ser classificada como uma atitude
saudável por parte de um ou ambos os cônjuges. A separação conjugal pode ser um
acontecimento traumático na vida dos cônjuges quando um deles busca a separação, com o
intuito de se livrar de aspectos de si mesmo, projetados no parceiro.
125
Nesta circunstância, a separação é alimentada pela ilusão de que a pessoa
poderá ficar livre de aspectos indesejáveis de si mesmo, deixando aquelas partes cindidas de
seu self com o outro cônjuge que, num determinado momento da relação conjugal, ou mesmo,
desde a fase da formação do vínculo, aceitou atuar com base nas projeções do sujeito. Além
de carregar consigo um rosário de queixas, renúncias, reivindicações recalcadas de
relacionamentos com a família de origem, ou de relações de amizade ou de trabalho, o
parceiro ainda é penalizado com o abandono, materializado por meio da separação conjugal.
A projeção no parceiro, de aspectos pessoais não tolerados em si mesmo, leva
o sujeito a jogar toda a responsabilidade pelo término do vínculo conjugal no outro. É um
massacre cruel que pode gerar sérias conseqüências, se o outro cônjuge não conseguir separar
os seus próprios conteúdos, daqueles que pertencem ao sujeito projetor. Maldonado (2000, p.
91), ainda diz que: “atribuir ao parceiro a culpa pelo que acontece conosco nos deixa cegos
para ver nossa parcela de responsabilidade na construção e no término do casamento.
Contribui, inclusive, para criar motivos de separação completamente ilusórios”.
Como acabamos de verificar, a separação pode resultar de várias causas. A
combinação de múltiplos fatores pode estabelecer características próprias e peculiares pelas
quais as relações conjugais chegam ao fim. Cada cônjuge possui uma identidade pessoal, um
jeito de ser e de fazer as coisas e, quando casam, trazem suas qualidades e seus defeitos, seus
pontos fortes e suas vulnerabilidades, para dentro do vínculo conjugal.
Nesse contexto, não existem respostas prontas, teorias acabadas que já
enumeraram e elucidaram todos os motivos que podem ocasionar o fim de um relacionamento
conjugal. Cada relacionamento desfeito pode descortinar uma série de novas causas que nunca
foram catalogadas e compreendidas pelos terapeutas de casal. Por isso, só nos resta entrar nos
meandros dos fatos que culminaram com a dissolução do vínculo conjugal, com uma
disposição mental que procura vivenciar as experiências compartilhadas por um, ou ambos os
cônjuges. É preciso partir do princípio que os relatos dos fatos motivadores da separação não
correspondem exatamente às teorias já registradas nos livros e aquelas que nascem da própria
experiência terapêutica. Sem esse cuidado, dificilmente se consegue chegar às verdadeiras
causas que culminaram com a ruptura definitiva do vinculo conjugal.
126
6.3. A DINÂMICA RELACIONAL PREPONDERANTE DURANTE O PROCESSO DE
SEPARAÇÃO
Deflagrado o processo de separação, os cônjuges têm a tendência de esquecer
as coisas boas que viveram juntos, as vitórias que conseguiram como casal e os vários
momentos de alegria e felicidade que desfrutaram. Os conflitos que resultam na separação,
mantém os cônjuges, o tempo todo, focado nos acontecimentos negativos que influenciaram o
processo de separação. O abalo emocional, as mudanças forçadas, as profundas perdas com o
processo de separação, normalmente, produzem novos fatos, igualmente negativos, que vão se
sucedendo em decorrência do processo de desvinculação.
Marcondes et al. (2006, p. 96) dizem que durante o processo de separação há
uma tendência de agressão mútua entre os cônjuges, porque, quando um consegue enxergar o
outro de forma desprezível, fica mais fácil finalizar a relação conjugal. “Em meio ao ódio, ao
ressentimento e à dor, vem a tendência de denegrir, difamar e rebaixar o ex-parceiro para se
convencer de que não perdeu grande coisa. Pensar com raiva, só nas coisas ruins, anestesia a
dor de lamentar o que não deu certo”.
Klein ([1937] 1996), afirma que a desvalorização da pessoa amada é um
mecanismo útil que pode ser utilizado em várias circunstâncias, pois permite ao indivíduo
suportar as decepções causadas pelo objeto amado, sem se tornar irracional. Por isso, não há
como evitar, nos relacionamentos, em geral, principalmente no relacionamento amoroso, um
grau administrável de descrédito da pessoa amada ou querida com quem, por uma
circunstância de força maior, o sujeito foi obrigado a interromper o convívio. Ainda mais que,
geralmente, nos relacionamentos amorosos, há sempre um nível exacerbado de idealizações
entre os parceiros da relação.
Por isso, na dinâmica relacional dos cônjuges em processo de separação, os
defeitos são sempre ressaltados e as qualidades relegadas a um segundo plano. Há toda uma
configuração defensiva, em ambos os cônjuges, para sofrerem menos com a dor das perdas e
para evitar arrependimentos futuros. Na visão de Maldonado (2000, p. 7, 8):
É mais fácil acusar ou remoer-se em culpa que refletir sobre a contribuição
de ambos para a construção e desconstrução da relação conjugal. Isso
decorre em função da dificuldade que temos de assumir nossa própria
parcela de culpa por um projeto que não deu certo e admitir nosso próprio
fracasso na manutenção do casamento.
127
Marcondes et al. (2006. p. 96) complementam, dizendo que: “os sentimentos
de ódio e frieza, nessas horas, surgem para suavizar ou neutralizar os sentimentos de pesar e
de culpa, que talvez doam muito mais”.
A defesa para evitar uma dose maior de dor e sofrimento emocional, durante o
processo de separação, promove uma anestesia afetiva quase que perfeita. Maldonado (2000,
p. 8) chama a atenção para este fato, dizendo:
Há quem tente anestesiar-se na indiferença do “não estou nem ai”. Há quem
se recolha para tentar reorganizar-se; há quem busque avidamente as
experiências que faltavam. De qualquer modo, por pior que tenha sido o
casamento, algo de bom existiu ou existe vem, então, o luto pela perda das
coisas boas e de tudo aquilo que poderia ter sido, mas não foi.
Marcondes et al. (2006), também destacam a tendência de alguns cônjuges, que
preferem ficar isolados ou em contato com poucas pessoas, a fim de se reencontrarem a si
mesmos e desfrutarem novamente da sensação de paz e de alívio. A solidão pode conter
vários significados, como a tentativa de entrar em contato com si mesmo, ou por não suportar
a indiferença do outro. O estar só pode ser processado tanto pelo isolamento voluntário,
quanto pela busca incessante de companhia.
De acordo com Vilhena (1988), a dor da perda da pessoa amada é vivida como
um duplo processo defensivo. Inicialmente, parece que a pessoa, para não sofrer, promove um
corte abrupto de investimento no outro, mas, no decorrer do processo de separação, realiza um
grande investimento numa representação do amado que não mais existe na vida real. Os dois
fenômenos são intensamente dolorosos.
A segunda representação do objeto amado é permeada de afeto e consideração,
mas acaba entrando em rota de colisão com os conteúdos da primeira representação, onde
ocorreu uma forte retirada do investimento libidinal. Diante deste conflito, o sujeito sofre
muito, porque permanece sem consolo. Simultaneamente, a força do seu amor ressuscita o
objeto amado em seu interior, mas sua consciência procura expulsá-lo de dentro de si,
acusando-o de tê-lo abandonado, de não ser merecedor do seu amor, pois, foi embora,
deixando-o numa situação deplorável.
Neste ponto, ocorre uma dissonância entre a presença viva da imagem do
outro, que o sujeito internalizou dentro de si e a sua ausência real no cotidiano da vida. Tudo
o que ficou da relação desfeita - a casa, os móveis, utensílios, os filhos, os animais de
estimação gritam bem alto a ausência do objeto amado. (AMADO, 2003)
128
Durante o processo de separação, os cônjuges precisam fazer um esforço
concentrado de memória para não se esquecerem dos bons momentos que viveram juntos. A
dor e os sofrimentos vivenciados durante o processo de separação, podem ocultar as
lembranças positivas do vínculo que está sendo desfeito, tirando o equilíbrio e o bom-senso
dos cônjuges nas decisões que precisam ser tomadas. Sem estas qualidades internas,
dificilmente eles conseguirão decidir com clareza e segurança o futuro da relação parental,
após a formalização da separação conjugal.
6.4. OS SENTIMENTOS E AS VIVÊNCIAS DOS CÔNJUGES DURANTE O PROCESSO
DE SEPARAÇÃO
Neste tópico, procuraremos compreender a forma como os cônjuges sentem e
vivenciam o rompimento da conjugalidade. A vivência emocional das pessoas, durante o
processo de separação conjugal, pode guardar alguma correspondência com sua história
pregressa de vida, com as experiências vivenciadas em seus relacionamentos da infância e
com os traumas ocorridos nas primeiras fases do desenvolvimento psicossexual. Também,
pode ter alguma relação com as circunstâncias, nas quais, a separação aconteceu e com o
papel que cada um dos cônjuges assumiu, durante o processo de separação, bem como,
questões de gênero, que também influenciam as pessoas em suas experiências pessoais.
6.4.1. O sofrimento psíquico produzido pelo processo de separação
Não há como passar por um processo que gera um profundo rompimento no
ciclo vital, como a separação conjugal, sem expressar, em qualquer uma de suas fases,
momentos de dor e sofrimento, onde afloram vários sentimentos negativos, fruto dos
pensamentos que bombardeiam nossa mente.
Os sentimentos negativos, associados a dor e ao sofrimento, oriundos do
processo de separação, são os mais preponderantes na vida dos cônjuges, durante este
período. Anton (2000) afirma que a dissolução de alianças, invariavelmente, implica em
conflitos e em sofrimentos, porque as causas que motivaram o rompimento, geralmente, são
129
sérias e difíceis de serem elaboradas. Não é fácil, para os cônjuges, lidarem com sentimentos
de traição e vazio, com animosidades e rancores, no final de um período já marcado por
muitos outros dissabores menores, que fragilizaram as emoções de ambos. As sensações de
fracasso, ligadas à impressão de investimentos inúteis e radicalmente perdidos, que ambos
fizeram na relação conjugal, são inevitáveis.
Marcondes et al. (2006) constataram que algumas características são constantes
e gerais nos estados emotivos e psíquicos, vinculados ao processo de separação conjugal. Para
todos os envolvidos é um período de transição, particularmente doloroso e difícil de ser
superado, mesmo considerando que cada pessoa é única e que cada experiência de vida nunca
se repete em sua especificidade.
Muito mais que uma ferida no narcisismo, segundo Vilhena (1988, p. 7), a
separação é um duro golpe na objetividade do sujeito, abalando sua própria identidade. Na
formação do vínculo amoroso, os cônjuges constroem uma nova identidade comum ao casal.
É um “nós” do qual ambos compartilham, que os fazem perceber o casal como uma unidade.
Um “nós” sobre o qual são construídos os ideais e os projetos comuns do casal, tanto para o
presente, quanto para o futuro da relação.
Aguiar e Nusimovich (1999) afirmam que a angústia catastrófica
experimentada pelos cônjuges, durante o processo de separação conjugal refere, não somente
a ruptura do enquadre matrimonial, mas também a emergência do conteúdo que foi negado na
constituição do vínculo conjugal. O vínculo sustenta a negatividade. Por isso, a experiência de
ruptura vem acompanhada pelo surgimento do negativo, que estava na base do vínculo como
condição.
Quando este vínculo ajuda os cônjuges a rejeitarem suas representações
insuportáveis, mantendo-as fora da consciência e reprimidas no inconsciente, sua ruptura abre
a possibilidade do retorno desses conteúdos que foram renegados de cada um, quando da
formação do vínculo amoroso. É por isso que muitos cônjuges preferem viver dentro de um
vínculo conjugal empobrecido e gerador de sofrimento. A ruptura do vinculo conjugal pode
desencadear o retorno daqueles aspectos mais primitivos e indiferenciados de cada sujeito que
ficou de fora do âmbito do vínculo conjugal. (AGUIAR; NUSIMOVICH, 1999)
Como se vê, o rompimento do vinculo conjugal reverbera nas várias dimensões
do psíquico de cada cônjuge, se conectando a emoções e sensações primitivas, oriundas de
outras constelações vinculares, estabelecidas ao longo do processo de desenvolvimento
psicossexual. Este abalo em cadeias, na visão de Vilhena (1988, p. 10) gera muitas
dificuldades e sofrimento psíquico, pelo fato da identidade dos sujeitos da relação estar
130
profundamente alicerçada em “um ‘NÓS IDEAL’, em um modelo de relação internalizado,
que o discurso ‘moderno’ não conseguiu erradicar [...]”.
Para muitos cônjuges, na visão de Anton (2000), a quebra do compromisso
conjugal representa a destruição dos sonhos e provoca um intenso sentimento de
desapontamento, de desesperança, desespero, desejo de revanche e de retaliação. Isto porque,
a ruptura do vínculo conjugal consiste numa força irresistível que empurra o casal, no sentido
contrário da própria existência de cada um deles.
A dor da separação é tão aguda que, com freqüência, é fisicamente sentida.
Maldonado (2000) afirma que são comuns as dores no peito, a sensação de peso, de
sufocamento e falta de ar. Peck e Manocherian (1995, p. 294) complementam, dizendo que
“sintomas comuns incluem a incapacidade de trabalhar efetivamente, má saúde, mudanças no
peso, insônia e outros transtornos do sono, disfunção sexual, e uso de álcool, tabaco, e outras
substâncias”.
Marcondes et al. (2006) destacam a possibilidade do início de uma depressão
vitalícia nos cônjuges que possuem vulnerabilidade predeterminada às decepções amorosas. E
Giusti (1987) diz que na escala das causas de estresse, a separação conjugal está classificada
logo abaixo do abalo emocional produzido pela morte de um parente, ou o choque de ser
preso, podendo ser considerada equivalente ao trauma produzido pela perda da única fonte de
subsistência.
A separação produz um impacto profundo no psíquico do indivíduo, gerando
sofrimento, dor e desestruturação emocional. O poder da sua força, com freqüência, remete o
sujeito às suas vivências mais primitivas, em busca da origem de si mesmo, na ânsia de entrar
em contato com seus desejos mais arcaicos e originários da própria constituição do seu ser.
Essa regressão visa conhecer suas reais condições de alcançar, no restante de sua vida, um
prazer capaz de sustentar seus objetivos e seus modelos de identificação, que fornecem os
contornos de sua identidade.
6.4.2. As formas diferentes de vivenciar o sofrimento psíquico no processo de separação
conjugal
A dor da separação é sentida de forma diferente por parte dos cônjuges,
dependendo da posição que eles ocupam durante o processo de separação e da diferença de
131
gênero. O agente da separação sente um tipo de dor peculiar, diferente da dor sentida pelo
paciente da separação. Por outro lado, os homens e as mulheres, em função da diferença da
constituição psíquica, da influência de seus modelos parentais e sociais e do objetivo que
buscam na constituição do vínculo de casal, vivenciam emoções e sentimentos diferentes, em
níveis também díspares, diante do processo de separação.
6.4.2.1. Na condição de agente ou paciente da separação conjugal
Neste tópico, pretendemos investigar a forma como as diferentes dores são
sentidas pelos parceiros da relação conjugal, tanto por aquele que toma a iniciativa do término
da relação conjugal, quanto por aquele que não deseja a separação, mas que não tem como
impedir que ela aconteça.
Muito tem sido escrito e analisado a respeito do sofrimento psíquico que o
cônjuge abandonado experimenta, durante o processo de separação, bem como, das
dificuldades que ele encontra durante o trabalho de elaboração do luto da relação,
abruptamente, interrompida.
Diante desta constatação, Vilhena (1988, p. 05) faz a seguinte indagação: “mas
o que se passa também com aquele que ‘abandona’, que ‘vai embora’ e que toma a iniciativa
de ruptura? O que acontece com aquele ‘nós’ que foi construído? Será que poderíamos pensar
que o parceiro abandonado detém o monopólio psíquico da dor?”.
Diferentemente do que pensa o senso comum, o processo de se desapaixonar
não leva necessariamente o sujeito para o espaço de quietude e tranqüilidade de onde a paixão
o havia tirado, durante a fase de namoro e formação do vinculo conjugal. No inconsciente não
existe esta neutralidade. O desamor é uma nova paixão que se instala no psíquico do sujeito,
uma repetição da loucura amorosa no sentido contrário. Na dissolução do vínculo amoroso
também encontramos várias características que ajudaram na constituição da paixão amorosa,
como a idealização, a clivagem, a ilusão, etc. O desapaixonar demanda um intenso trabalho
psíquico que traz consigo o sofrimento e a dor. (RUFFIOT, 1984 apud VILHENA, 1988)
Segundo Nazareth (2001), o processo do desamor começa bem antes da tomada
de decisão da separação. O cônjuge que toma a iniciativa da separação já começou a desligar-
se, emocionalmente, em média, dois anos antes de propor ao outro cônjuge a separação
conjugal. Só que esse processo de desvinculação emocional, na sua maior parte, acontece de
132
forma inconsciente. A pessoa não fica arquitetando a melhor maneira de propor a separação.
Nem sempre ela sabe o que realmente deseja para sua vida durante este período, mas tem
consciência que o seu afastamento emocional não aconteceu da noite para o dia.
Marcondes et al. (2006) afirmam que no início da separação o cônjuge que
tomou a iniciativa da mesma sente um alívio e, às vezes, é tomado pelo sentimento de alegria
por, finalmente, conseguir se libertar do fardo e da tensão provocado pelo jugo conjugal
infeliz. Com isso, a sensação de alívio amortece o impacto da separação sobre sua vida, pois
permanece envolvido pela aura da novidade, das mudanças de um passado previsível, para um
futuro sem previsões, que comporta qualquer tipo de construção. Na visão de Maldonado
(2000, p. 08), “há quem sinta esse processo de mudança como um novo nascimento, a saída
da casca do ovo, principalmente quando, no casamento, a pessoa renunciou a muita coisa
importante, se encolheu e murchou”.
Nazareth (2001) afirma que o abalo emocional do cônjuge que decide pela
separação é menor, porque durante todo o processo de separação ele conserva a esperança de
que o novo estado irá proporcionar-lhe um alívio e uma felicidade que já não estava mais
experimentando dentro de relacionamento conjugal desfeito. Mas, embora sua oscilação
emocional seja menor, ela não deixa de estar presente, principalmente, quando ele contempla
o desespero e a desestruturação emocional do cônjuge que não quer a separação, mas não tem
como evitá-la, dos filhos, dos parentes e dos amigos íntimos do casal.
Na visão de Nazareth (2001, p.15), “para quem quer a separação, o medo do
desconhecido, da nova vida, é menor. No entanto, a pessoa pode sentir que está abandonando
a família e ter sentimentos de culpa e remorso por decidir sair do casamento”.
Os antigos fantasmas da culpa são novamente reativados em função da decisão
de separação. A consciência do desejo de separação e os conseqüentes desdobramentos da
ruptura do vinculo conjugal fortalecem o sentimento de culpa, que passa a perturbar,
diuturnamente, o equilíbrio emocional do cônjuge que tomou a iniciativa da separação. “Não
é nada fácil separar-se de um cônjuge bonzinho quando este não concorda com a separação”.
(MALDONADO, 2000, p. 68)
Com a instalação da culpa, vem a tristeza pelo vínculo desfeito. Nesta fase,
segundo Marcondes et al. (2006, p. 96), “surgem aí, com toda força, os bons momentos,
sonhos desfeitos, a tristeza pelo que poderia ter sido, mas não foi; pelo que não foi possível
manter”.
A culpa e o remorso de fazer o outro sofrer é um fardo muito pesado que
alguns cônjuges que tomam a iniciativa da separação não conseguem carregar. Por isso,
133
optam pela fuga. Afastam-se totalmente do outro cônjuge e da família por não suportarem o
sofrimento e a dor que eles expressam por causa da separação. Maldonado (2000, p. 79) diz
que:
Ao desaparecer, para evitar contato, a pessoa evita ver o estrago que
provocou. Quando o outro se torna vítima, a sensação é de estar matando, e
essa culpa é, muitas vezes, mascarada com irritação, pena ou desprezo. Daí a
tendência a se afastar para não ver a destruição, a raiva dos filhos, os
lamentos da ex-mulher. A pessoa se endurece e se insensibiliza para evitar o
sentimento de culpa e a dor.
Vilhena (1988, p. 9) comenta o relato de um paciente que disse a ela durante
uma sessão de psicoterapia: “O mais insuportável disto é saber que um dia esta dor vai passar
[...]”. Diante deste comentário a autora faz um importante questionamento: “Da dor de quem
estaria se referindo este paciente? Da sua dor ou da de sua companheira?”. Na seqüência, ela
responde: “Penso que de ambos”.
A culpa e o remorso produzem uma dor intensa na vida do cônjuge que tomou
a iniciativa da separação. Mas, a rejeição e o abandono também provocam uma dor
igualmente forte no cônjuge que sofreu passivamente o processo de separação. A dor, embora
diferente, é um sentimento comum aos dois. Mas, chegará um dia que nem a dor pelo
desvincular poderá ser mais compartilhada pelos cônjuges. A consciência de que um dia a
pessoa, mesmo viva, será considerada morta na mente da outra, gera uma dor insuportável
para ambos os cônjuges.
Caruso (1986) diz que aquele que abandona pode, de forma consciente, desejar
o que há de melhor para seu ex-cônjuge. Com isso, tenta expiar toda culpa que sente por tê-lo
feito sofrer com a separação conjugal. Mas, a sensação de ver que o outro pode estar feliz,
mesmo sem ele, traz a cruel constatação de que ele, na verdade, nunca foi tudo para o outro. A
consciência deste fato remete-o a uma vivência primitiva, quando um terceiro, ao atrair para si
o olhar de sua mãe, impôs-lhe, dolorosamente, a quebra de uma ilusão.
Segundo Vilhena (1988, p. 9), o ex-cônjuge luta para permanecer vivo dentro
do outro, mesmo depois do término do relacionamento conjugal, porque o desaparecimento na
memória corresponde a uma sentença de morte, pois atinge o que era seu modelo de relação.
Não se trata apenas de uma ferida no próprio ego, mas sobre tudo em seu
ideal amoroso daí pensamos que ele afeta a ambos, ainda que de formas
distintas. Não há mais o “nós” para se ocupar com o terceiro das partes mais
insuportáveis, aquilo que permitia conservar o bom objeto interno e a relação
com esse objeto. Fala-se muito do que não tem mais sentido, da falta, sem
134
dúvida fazendo referência à falta existência básica; falta desta relação
amorosa [...] Não há mais ninguém para confirmar nossa identidade de
homem ou de mulher, nosso valor masculino ou feminino, nossa existência
simplesmente.
É por isso que Caruso (1986, p. 14) acha que o luto da separação é mais
intrigante e paradoxal que o luto pela morte de uma pessoa importante e querida: “Na
verdade, separação como eclosão da morte psíquica na vida dos seres humanos (que devem
viver no horror desta morte porque precisam sobreviver a ela) parece-nos um tema mais
fecundo e paradoxal do que aquele da ‘elaboração do luto’, já estudado pelos psicanalistas”.
Vilhena (1988, p. 9) exemplifica esse medo de ser aniquilado dentro do outro,
que a separação produz nos ex-cônjuges, com a fala de uma paciente que vinha tentando se
separar de seu cônjuge há algum tempo, mas sempre expressando muita dificuldade. Em dado
momento da sessão, ela disse: “falei que estava vivendo um luto, pois estou enterrando-o [...]
Mas acho que não é só isto [...] não é só tristeza, não [...] Já enterrei muitos mortos [...] Estou
tentando enterrá-lo vivo, mas não quero que ele morra. Preciso que ele viva enterrado!”.
Caruso (1986, p. 55 e 75) destaca o caráter ambivalente da separação, que nem
é vida, nem é morte, dizendo que:
“No Ego de quem se separou, deve-se matar a imagem do ser amado [...]
pela separação, deve-se ‘matar’ a imagem ideal do ausente e substituí-la por
outros ideais. Mas também é preciso continuar vivendo, para garantir o
quanto possível a continuidade do Ego [...] Mas quem se separou sabe que
tal separação ameaça a ambos os amantes que, além de tudo, sentem que o
desaparecimento de um ser na consciência é análogo a uma sentença de
morte. Os dois têm medo disso e cada um implora ao outro: ‘Não me
esqueça’”.
Marcondes et al. (2006) destacam que a separação é ruim para ambos os
cônjuges, mas quem costuma sofrer mais é aquele parceiro conjugal que se percebe como o
que foi abandonado. A separação dói nos dois, mas principalmente no cônjuge paciente,
porque o cônjuge agente tem seu sofrimento atenuado pelo estímulo do impulso que o levou a
separar e pela perspectiva de renovação de vida.
Mas, Nazareth (2001) adverte que dificilmente o cônjuge que não iniciou o
processo de separação pode alegar que foi surpreendido pelo outro, pois, durante o divórcio
emocional, que começa bem antes da decisão de separação, já há uma sinalização clara e
inequívoca de que o relacionamento conjugal está caminhando para o seu término.
135
Marcondes et al. (2006) esclarecem que quando o cônjuge, que sofre o impacto
da separação, percebe que a decisão do outro é definitiva, costuma entrar em um processo
depressivo, normalmente acompanhado de sentimentos de autodepreciação e baixa auto-
estima. Os momentos oscilam entre depressão combinada com autodesvalorização e raiva
mesclada com violentos ataques ao parceiro, motivados pela vingança e pela hostilidade.
Peck e Manocherian (1995, p. 295) esclarecem que quando ocorre a separação
propriamente dita o cônjuge que lutou até o fim pela manutenção do vinculo conjugal desaba
por completo, tomado por “um sentimento de desamparo, de falta de controle sobre os
eventos da vida, sentimentos de incompetência social e sexualmente, perda, solidão, raiva,
necessidades de dependência frustradas e problemas de identidade”.
Para o cônjuge que não deseja a separação, quando ela se efetiva, sua vida é
invadida por um turbilhão de sentimentos negativos de rejeição e de abandono. A separação
traz consigo a dor da perda, a implosão de um dos projetos mais importantes da vida, a
decepção provocada pela pessoa amada e a destruição de valores importantíssimos que
sustentavam a identidade pessoal, além de outras conseqüências igualmente graves. Algumas
pessoas não suportam esse impacto e adoecem. Fazem uma grave depressão, ou buscam o
isolamento e o ostracismo. É uma fase muito difícil. É preciso muito trabalho interno e
externo para tirar a pessoa deste fundo de poço. Alguns, felizmente, não chegam ao fundo
deste poço; outros chegam, mas conseguem sair de lá. Mas, infelizmente, alguns cônjuges
feridos de morte, escolhem ficar neste lugar de dor e sofrimento para sempre.
6.4.2.2. Na condição de homem ou mulher: diferença de gênero
Sabemos que o processo de separação é difícil e sofrido para ambos os sexos.
Todavia, julgamos importante compreender como os homens e mulheres passam por esse
processo, no que concerne à expressão de suas emoções e sentimentos. Portanto, neste tópico,
temos a pretensão de compreender se existem diferenças significativas na forma como os
homens e mulheres vivenciam suas emoções e sentimentos durante o processo de separação.
Peck e Manocherian (1995, p. 295) informam que, em geral, os homens e as
mulheres reagem de forma diferente ao processo de separação conjugal.
136
As mulheres tendem a encarar de frente o estresse do divórcio; passam por
um período de tumulto emocional, ficam zangadas ou deprimidas, e depois
se recuperam. Muitos homens lidam com a sua infelicidade atirando-se no
trabalho e mais tarde experenciam um sentimento total de mal-estar.
Féres-Carneiro (2003) complementa, dizendo que enquanto os homens
enfatizam mais os sentimentos de frustração e fracasso no processo de separação, as mulheres
ressaltam a desilusão, a vivência da mágoa e da solidão.
Essa diferença de sentimentos nas vivencias masculinas e femininas, durante o
processo de separação conjugal, podem ser explicadas pela concepção que os homens e
mulheres possuem do casamento. A separação conjugal interrompe o projeto masculino de
construir uma família, gerando neles o sentimento de fracasso e frustração. Já nas mulheres, a
separação conjugal finaliza a relação amorosa, gerando desilusão, mágoa e solidão. (FÉRES-
CARNEIRO, 2003)
Convém ressaltar que é preciso tomar cuidado com o contexto cultural, ao
mensurar a diferença de intensidade de sofrimento entre homens e mulheres, durante o
processo de separação. Os elementos da cultura machista no qual estamos inseridos podem
interferir nas respostas dos sujeitos. Os homens são altamente cobrados neste sentido. A
sociedade exige que eles sejam firmes no que concerne à expressão de suas fragilidades
sentimentais. Por isso, tendem a omitir seus reais sentimentos relacionados aos vínculos
amorosos.
6.5. AS FASES DA SEPARAÇÃO EMOCIONAL
A dissolução do vínculo conjugal não acontece de forma abrupta e instantânea.
Geralmente, se dá por meio de um processo gradativo, mesmo quando é iniciada por um
acontecimento repentino, como a descoberta de algo oculto: uma infidelidade antiga ou
recente, um segredo importante e outros acontecimentos do gênero. Os fatos que geralmente
são tomados como causas da dissolução do vínculo conjugal, normalmente, já estavam
presentes na relação há um bom tempo. A demora destas descobertas pode indicar outras
questões mais relevantes que culminaram na ruptura do vínculo conjugal, como a falta de
intimidade, de cumplicidade e de outras qualidades importantes que, necessariamente, devem
estar presentes em um vínculo conjugal saudável.
137
Peck e Manocherian (1995) afirmam que o ajustamento ao processo de
separação ocorre de forma gradativa. Leva, em média, um período de dois a três anos. Giusti
(1987) declara que quanto mais longa e intima é a relação conjugal, maior a tendência do
momento da separação ser mais desolador, mesmo se já não havia entre os cônjuges a sintonia
de antes, em função das incompreensões e ofensas não elaboradas.
Féres-Carneiro (2003) propõe as seguintes etapas na dissolução do vínculo
amoroso: o desejo de separação, a decisão de separação e o processo de separação. Para
Nazareth (2001), o processo de separação compreende não apenas a separação propriamente
dita, mas o período que a antecede, com a idéia e a vontade de um dos cônjuges de se separar
e outra fase posterior, quando os cônjuges procuram refazer-se do abalo psíquico e re-
equilibrar novamente suas vidas.
Maldonado (2000) declara que nas crises de separação, normalmente, as
pessoas passam pelas mesmas fases: a) a esperança de reformulação, onde tentam salvar a
relação conjugal; b) o período da barganha, onde fazem o possível para que o outro
permaneça na relação e c) o período da raiva, revolta e ressentimento, que levam o cônjuge
que não quer a separação a difamar e agredir o outro, com violência verbal e até mesmo física.
Por ser um processo longo e complexo, marcado por altos e baixos e por
representar o final de um período, mais ou menos longo, de sucessivos desgastes do
relacionamento conjugal, dificilmente os casais conseguem passar por essa transição de
maneira pacífica e cortês. Com freqüência, eles ferem e são feridos. Transformam a família
em um campo de batalha, se alternando nos papéis de agressor e vítima. Durante o processo
de separação vão acumulando sentimentos e ressentimentos, aumentando suas coleções de
dores, iras, culpas e acusações recíprocas.
6.5.1. O desejo de separação
A separação conjugal dificilmente acontece por acordo sincero entre as partes
envolvidas. Não há dúvida de que os cônjuges são responsáveis pelo início e pelo final do
casamento, mas, sempre tem um que reluta em colocar o ponto final na relação, enquanto o
outro insiste que este é o melhor caminho para ambos.
Neste estágio, denominado de desejo de separação, pelo menos um dos
cônjuges já está considerando a separação conjugal como uma possibilidade de resolução de
138
suas frustrações em relação à vida conjugal. Nas palavras de Peck e Manocherian (1995, p.
43): “um dos cônjuges, ou ambos, torna-se desiludido com relação à viabilidade do casamento
e se pergunta se vale a pena mantê-lo; tornam-se críticos e falam continuadamente das
características negativas do cônjuge e do casamento”.
Isto acontece quando os sonhos poucos realistas, concernentes ao vínculo
amoroso, permanecem sem serem cumpridos durante os primeiros anos de relacionamento
conjugal. Quando as necessidades continuam sendo ignoradas, o desapontamento e a raiva são
sentimentos inevitáveis, pois o cônjuge insatisfeito se sente enganado, ou pouco amado.
“Durante esse período, o casal torna-se cada vez mais consciente de seu mútuo
desapontamento e insatisfação, percebe que seu relacionamento está deteriorando e pode
começar a desconfiar um do outro”. (KASLOW; SCHWARTZ, 1995, p. 43)
Vários sintomas começam a mostrar que o relacionamento não anda bem. Os
mais importantes são a diminuição ou o término da afeição e das relações sexuais. A
constatação deste fato é um sinal claro do final emocional do casamento. Segundo Anton
(2000), a ocorrência deste fato pode não ser identificada pelos cônjuges, pois eles usam os
mais variados pretextos para justificarem o distanciamento afetivo. Utilizam as mais variadas
máscaras para convencerem um ao outro de que o casamento não está em decadência.
Peck e Manocherian (1995) informam que neste estágio, que corresponde ao
início da separação emocional, os cônjuges dão preferência por atividades e envolvimentos
individuais, relegando a um segundo plano as atividades características da vida a dois. O
resgate da individualidade e a conseqüente implosão silenciosa da conjugalidade geram
muitos conflitos, provocando ciúmes, brigas, acusações, desvalorização do outro, amargura,
depressão, ansiedade e uma série de outros sintomas do gênero.
Kaslow e Schwartz (1995) encaram esse período de separação emocional como
um tempo de desespero, pois os cônjuges percebem claramente que o casamento está
seriamente abalado, mas suas atitudes são inúteis, pois nenhum dos dois está disposto a fazer
concessões e a rever as bases iniciais ilusórias nas quais à relação foi firmada.
Por isso, o que prevalece é um forte sentimento de ambivalência, com a
presença constante da negação, pois, sem uma alternativa melhor, eles fingem que está tudo
bem, que o mal-estar vai passar. Buscam, em vão, ganhar novamente um ao outro, para que o
afeto volte a circular na relação. Eles vivem o dia-a-dia da relação conjugal dominados pelos
sentimentos de medo, caos, confusão, inadequação e fracasso.
Segundo Féres-Carneiro (2003), o desejo de separação predomina mais entre as
mulheres que entre os homens. Ela explica esta predominância feminina pela visão diferente
139
que ambos têm do casamento. As mulheres concebem o casamento como uma relação
amorosa, enquanto os homens vislumbram o casamento como a constituição de uma família.
Maldonado (2000) diz que, às vezes, o cônjuge mantém, por muito tempo, este
desejo de separação guardado só para si, sem que o outro perceba com clareza. Isto pode
ocorrer por, pelo menos, duas circunstâncias: pela recusa do outro cônjuge de enxergar os
problemas da relação conjugal, ou por falta de sintonia no casal, para que um perceba o que
está acontecendo com o outro. Quando isto acontece, o cônjuge que não pensa em colocar um
fim no relacionamento, normalmente, é o último a ser informado. Em conseqüência, fica
perplexo e magoado com seu parceiro de relação conjugal.
Em muitos casos, o desejo de separação nunca se concretiza, por mais que a
pessoa tenha consciência de que não será feliz no casamento. Os motivos da permanência no
casamento não satisfatório são vários: medo de enfrentar as perdas, a tristeza, o medo da
renúncia, do abrir mãos de coisas importantes. Maldonado (2000, p. 78) diz que: “a culpa e a
falta de coragem tornam difícil a comunicação da decisão de se separar. A pessoa acaba
fazendo sujeira com o parceiro, adotando atitudes cruéis, estranhas e chocantes”.
Como já frisamos no início, tanto na construção, quanto na dissolução do
vínculo conjugal, os dois cônjuges têm sua parcela de responsabilidade. Mas, esta fase do
desejo de separação quando apenas um dos cônjuges mantém, em silêncio, a intenção de se
separar, provavelmente, parece ser a mais difícil de todas as outras subseqüentes para o
cônjuge que inicia o processo de separação.
Durante esta primeira parte da separação emocional, denominada de desejo de
separação, o cônjuge que inicia o processo é literalmente atormentado por sentimentos de
culpa e remorso só pelo fato de antever a dor e o sofrimento que a manifestação de seu desejo
irá causar no cônjuge, nos filhos, se os tiver, nos membros da família ampliada e nos amigos
íntimos.
6.5.2. A decisão de separação
Em grande parte das separações conjugais, um dos cônjuges almeja sair do
casamento mais que o outro. Por isso, na maioria das separações consensuais, a decisão de
colocar fim na relação conjugal varia, em grau e intensidade, de um cônjuge para o outro.
140
A decisão de se separar pode acontecer em vários níveis: do sonhado, do
planejado, do conversado e do possível. O cônjuge que não quer finalizar a relação tem a
tendência de aceitar a decisão de separar no nível do conversado e, com freqüência, no nível
do possível. Normalmente é o cônjuge que quer se separar que toma a decisão no nível do
sonhado ou planejado.
O cônjuge que não deseja a separação aceita a decisão do parceiro para evitar
maiores sofrimentos. Age assim porque, finalmente, compreende a importância de finalizar o
mal-estar que vem se arrastando no relacionamento, às vezes, há vários anos, em decorrência
de seu esforço de querer manter, a qualquer preço, a ilusão de estabilidade de uma relação
falida.
A decisão de separar, neste sentido, chega junto com o doloroso
reconhecimento, consciente ou não, de que ele não possui os recursos internos necessários
para superar as decepções, mágoas e ressentimentos, para construir com o parceiro um novo
vínculo, em bases mais saudáveis. Decide separar para evitar que o mal-estar da relação
conjugal ultrapasse os limites do tolerável.
Puget (2006, p. 8) faz algumas observações interessantes sobre o conceito de
decisão:
O conceito contém a idéia de cisão, de divisão e pretende, ilusoriamente, se
basear em certeza ou justiça. Também sabemos que toda decisão tem um
grau de arbitrariedade necessária. Pode uma decisão ser justa, ou seja,
perfeita, sem dor e sem imperfeições? Como poderia uma decisão de se
desvincular se basear em certezas e justiça?
No nível de certeza e justiça, a decisão de se separar só pode ser justificada por
meio de uma posição subjetiva, baseada no princípio da responsabilidade. Ou seja, a pessoa
que toma esta decisão é responsável por ela em todas as circunstâncias. Ela é responsável pelo
fundo de incerteza que paira sobre a própria decisão. Mas, esta base de certeza é frágil e
insuficiente para dizer que a decisão de separar é satisfatória para ambos os cônjuges e para a
relação. Com base nestas argumentações, Puget (2006, p. 9) conclui:
Geralmente, o casal propõe o impossível. Como um desacordo, uma
paralisação da subjetividade vincular poderá levá-los a tornar uma decisão
conjunta satisfatória? Ou seja, evitar o mal-estar da indecisão. É possível
tomar uma decisão conjunta, ou ela sempre envolve uma objeção? Como
decidir de comum acordo, quando um já não está mais disposto a escutar o
outro? Provavelmente, o sintoma que corresponde a esta utopia é o que
141
aparece nos múltiplos comentários e dificuldades que surgem logo após o
divórcio.
Peck e Manocherian (1995) declaram que é nesta fase que acontece a revelação
do segredo ao cônjuge que não pensa em separação e aos demais componentes da família.
Neste segundo estágio da separação emocional, o desejo inicial de separação já evoluiu para o
nível de decisão.
Nazareth (2001) chama esta fase de ameaça de separação e diz que ela é
caracterizada pela insatisfação de um ou de ambos os cônjuges com a relação conjugal.
Sua denominação tem sentido, porque, às vezes, a decisão de separação faz
parte de um jogo de ameaças e dominação que caracteriza a dinâmica de determinados
vínculos conjugais. Nesta circunstância, a decisão de separação é um blefe, pois o cônjuge
que a expressa não quer se separar, mas apenas controlar o outro que, muitas vezes, acuado,
entra no jogo e se submete. (MALDONADO, 2000)
Nesta fase, pelo menos um dos cônjuges, não está conseguindo mais habitar na
situação vincular. Por isso, vislumbra, na separação, a solução para as intolerâncias e
incompatibilidades presentes no vínculo de casal, porque reconhece a sua impossibilidade,
bem como, de seu cônjuge, de produzir novidades que venham revitalizar a relação. Esta é
uma das grandes dificuldades que os casais enfrentam depois de desencadeado o processo de
desvinculação. Um ou ambos os cônjuges se tornam céticos quanto à possibilidade de
transformação do vínculo. (PUGET, 2006)
O cônjuge que decide se separar encara o fato como um alívio real. Mas a
situação pode se complicar quando o outro resiste em compartilhar de sua decisão. Nesta
circunstância, o anúncio da separação dificulta ainda mais a relação. A euforia do cônjuge que
decidiu pela separação é sufocada pelo abatimento do outro que é contra a separação. Muitas
coisas podem acontecer entre eles, neste período, desde o adoecer até a tentativa de suicídio,
ou a consumação do mesmo. (ANTON, 2000)
Peck e Manocherian (1995) declaram que as mulheres decidem mais pela
separação que os homens. Enquanto elas têm a tendência de decidir pela separação, os
homens, normalmente, são mais resistentes a esta tomada de decisão. Maldonado (2000) diz
que tem aumentado, de forma significativa, o número de mulheres que tomam a iniciativa da
separação sem a concordância de seus cônjuges, especialmente quando elas têm condições de
auto-sustento. Féres-Carneiro (2003) esclarece que o monopólio feminino da iniciativa da
separação pode ser explicado pelo fato dos homens dissociarem, mais que as mulheres, o sexo
142
da afetividade. Essa possibilidade permite aos homens, mais do que as mulheres,
permanecerem no casamento sem tantos conflitos internos, mesmo quando estão insatisfeitos
com a relação amorosa.
A própria concepção que os homens possuem do casamento, ajuda-os a
superarem as dificuldades da relação amorosa insatisfatória. Eles enxergam o casamento de
forma mais abrangente, como constituição de uma família e não apenas como um
relacionamento afetivo. Já para as mulheres, o casamento é, prioritariamente, a vinculação em
uma relação amorosa e, secundariamente, a formação de uma família. Por isso, elas não
conseguem permanecer, por tempo indeterminado, em um casamento cuja relação amorosa é
insatisfatória. (FÉRES-CARNEIRO, 2003)
Nazareth (2001, p. 15) diz que este estágio é caracterizado por um persistente
sentimento de ambivalência e uma alternância constante de medo, culpa e raiva. “Medo de
ficar só, culpa por querer sair do casamento, raiva do parceiro por este ser incapaz de garantir
sua felicidade e assim por diante. É uma verdadeira montanha russa de emoções. Quem está
passando por essa fase, às vezes, pensa que vai enlouquecer”.
A decisão de separação traz um forte sentimento de fracasso em relação a um
importante ideal social e do casal, propriamente: a indissolubilidade do vínculo conjugal.
Romper com esse ideal de durabilidade do relacionamento conjugal, do amor eterno dos
contos infantis produz, na vida dos cônjuges, um misto de várias emoções. (AGUIAR;
NUSIMOVICH, 1999)
O lapso de tempo, entre a comunicação da decisão de separação ao outro
cônjuge e a efetivação da separação pode variar muito, em decorrência dos desdobramentos
que a revelação do segredo pode produzir no vínculo conjugal. Quando o outro cônjuge não
aceita a separação, pode colocar sérios obstáculos à ruptura do vinculo. Ele pode criar
dificuldades para sair do local onde moram juntos; alega dificuldades financeiras para alugar
outro imóvel e mobiliá-lo; resiste em dar pensão compatível com a necessidade do cônjuge
que depende financeiramente. (MALDONADO, 2000)
Neste período em que a decisão já foi tomada, mas ainda não foi concretizada,
geralmente, ocorre uma separação de corpos dentro da própria residência do casal. Os
cônjuges passam a dormir em quartos separados e suspendem as atividades sexuais por tempo
indeterminado. “O adiamento de uma decisão inevitável passa a gerar tensão, inquietação,
angústia, freqüentemente expressas por sintomas de mal-estar corporal”. (MALDONADO,
2000)
143
Peck e Manocherian (1995) afirmam que este período é marcado por grandes
sofrimentos, não apenas dos cônjuges, mas também dos filhos. É nesta fase que costuma
ocorrer os maiores desequilíbrios na família, em decorrência do processo de separação.
Quando o casal e a família conseguem passar com relativa estrutura por esta fase é provável
que concluam o processo de separação conjugal com decisões mais equilibradas e
inteligentes.
Pelo exposto, fica claro que a fase da tomada de decisão é uma das mais
importantes do processo de separação conjugal. É um período propício para as grandes
tragédias dentro da família, porque os cônjuges estão acuados, pelo medo e pela culpa, entre o
já e o ainda não, vivendo debaixo de grande tensão, numa situação difícil de administrar e de
tolerar.
De um lado, o cônjuge que tomou a decisão de se separar já não tem tanta
certeza de sua convicção, porque, interiormente, se encontra corroído pela culpa e pelo
remorso de estar abandonando seu cônjuge que está tão fragilizado, emocional e fisicamente,
pela situação. Por outro lado, o cônjuge que não quer a separação se mostra cada vez mais
dependente, frágil e infantilizado, se colocando na condição de uma criança que está sendo
abandonada à sua própria sorte, com poucas possibilidades de sobrevivência se a separação
realmente se efetivar.
Nestas circunstâncias, a separação só se efetiva quando um dos cônjuges, ou
ambos percebem que a separação propriamente dita não tem força suficiente para causar uma
catástrofe maior que aquela que eles já estão vivendo. O preço emocional que estão pagando
para manter um vínculo conjugal insatisfatório, permeado de sofrimento e infelicidade pode
ser maior que o preço que será exigido de cada um nas fases subseqüentes do processo de
separação conjugal.
6.6. A CONCRETIZAÇÃO DA SEPARAÇÃO: A SEPARAÇÃO PROPRIAMENTE DITA
A separação propriamente dita pode acontecer depois de um longo período de
piora progressiva do relacionamento conjugal.
Quando o cônjuge, que não deseja a separação, se convence que a decisão do
outro é para valer, procura, desesperadamente, mudar seu jeito de ser, seus hábitos e atitudes.
Tenta, com isso, mostrar ao outro que mudou e que pretende valorizar o casamento naqueles
144
aspectos que eram alvos de reclamação. Mas, quase sempre, esta atitude de tentar salvar o
relacionamento chega tarde demais. O cônjuge que optou pela separação já está
completamente esgotado e abriu mão das ultimas coisas que poderia perder com a ruptura do
vínculo. Por isso, se encontra muito mais cético e não consegue acreditar na nova atitude do
outro e nas suas promessas de mudanças.
A cada dia que passa a relação entre os dois fica mais difícil e a separação vai
se mostrando inevitável. O diálogo já não é tão fácil. A irritação chega cada vez mais rápida, a
paciência fica curta, as emoções mais embotadas. Sem alternativa, as formalidades de ordem
práticas começam a ser tomadas. A esperança da salvação do vínculo finda.
Nazareth (2001, p. 15) diz que “a separação propriamente dita acontece quando
a relação se desfaz”. Peck e Manocherian (1995) dizem que este é o momento da
concretização da separação conjugal. É um tempo encarado com muita dificuldade pelos
cônjuges e pela família.
Maldonado (2000, p. 8) esclarece que a separação propriamente dita inaugura,
na vida dos cônjuges, um período de várias mudanças no estilo de vida, valores, hábitos e
rotinas, que demandam muito esforço de adaptação.
Muitas divisões passam a ficar mais claras e mais intensas: a divisão dos
bens, das famílias, dos filhos, dos amigos. Chantagens, desonestidade,
mesquinhez, ameaças, violências aspectos duros da relação, às vezes,
encobertos até então, surgindo com toda a força no processo de separação.
Quase tudo na vida dos cônjuges precisa ser reestruturado. A saída de um deles
ou de ambos da residência onde moram, a venda e a partilha dos bens, a perda dos amigos e
dos vizinhos, a mudança no hábito de vida da família, principalmente, quando a mulher
precisa buscar um emprego para complementar a renda familiar. Com isso, se ausenta do lar
por um período maior, diminuindo o apoio aos filhos, justamente no momento em que mais
precisam. Também é comum ocorrer a queda do padrão econômico e outras mudanças
resultantes deste estado caótico que se instala na família. (NAZARETH, 2001)
Sem dúvida, a separação conjugal implica numa profunda reorganização da
vida. Às vezes, a pessoa separada precisa se adaptar a uma nova residência. Mesmo
fragilizada emocionalmente é forçada, pelas circunstâncias, a fazer sozinha, ou com a ajuda
dos filhos, uma série de tarefas que antes eram divididas com o cônjuge. Há também a
necessidade de tentar construir uma nova rede de relacionamentos sociais, pois muitos
145
vínculos significativos são perdidos com a separação conjugal. (KASLOW e SCHWARTZ,
1995)
Até que esta reorganização interna e externa aconteça, segundo Aguiar e
Nusimovich (1999), geralmente, as pessoas separadas vivenciam sentimentos de baixa auto-
estima e de desamparo, pois a separação representa a contra face daquela ilusão de
completude, depositada na vida conjugal.
Os cônjuges ficam transtornados e vivem dias agitados pelos sentimentos
contraditórios de dúvidas, hesitações e confusão.
A pessoa não quer ganhar e perder ao mesmo tempo. Ela quer separar, mas
não quer perder nada, como divisão dos bens, apartamento mobiliado etc.
Escolher implica abrir mão de coisas para buscar outras coisas e isso pode
gerar dificuldade para algumas pessoas. (MALDONADO, 2000, p. 64)
Aguiar e Nusimovich (1999) afirmam que a separação instaura uma crise em
função da perda segura e da aquisição incerta com a nova vida. Os ex-cônjuges perdem os
amigos comuns e a vida social compartilhada com eles. Eles, normalmente, perdem o grupo
de referencia social integrado por outros casais. É um momento de transição muito difícil,
porque não tem como fazer novos projetos de imediato. A ausência de projetos implica na
falta de orientação acerca do futuro e isto se equipara a morte psíquica. Nestes momentos,
podem eclodir falsos projetos que visam, de forma ilusória, driblar a angústia de morte.
É uma crise que se instala em três níveis distintos: o intrapsíquico, o
intersubjetivo e o social. O caráter crítico da separação acontece em função do encadeamento
de várias conseqüências desastrosas para os ex-cônjuges, como: a perda do prazer advindo do
funcionamento no nível de casal, a reminiscência de rupturas anteriores, a perda do enquadre
habitual, a perda do enquadre da instituição do casamento e a angústia de não pertencimento
social. Segundo Aguiar e Nusimovich (1999, p. 197):
Nas crises históricas, ou mesmo nas separações, configuram, em última
instância, as crises de crenças, de fé. Isto equivale a penetrar em um âmbito
onde reina, segundo as peculiaridades de cada um dos integrantes do casal
que se separa a desconfiança, a desorientação e/ou a desesperação.
Mesmo quando os cônjuges estão convictos que a separação é a melhor solução
para os problemas conjugais que estão enfrentando há anos, dificilmente conseguem vivenciá-
la com uma sensação de alívio e de satisfação. A mobilização emocional, produzida pela
146
concretização da separação é intensa e provoca medo, incerteza e insegurança, pois implica na
mudança de um estado que foi construído para sempre, pelo menos, para durar por todo o
tempo da existência física dos cônjuges. Isto explica as atitudes irracionais, ilógicas e
impulsivas que costumam acontecer, com freqüência, nesta fase do processo de separação.
(MARCONDES et al., 2006)
Peck e Manocherian (1995) chamam a atenção para o fato que o momento da
separação propriamente dita coincide com o período de maior vulnerabilidade emocional dos
ex-cônjuges e isso pode interferir no funcionamento normal de cada um deles durante esta
fase. Por isso, segundo Maldonado (2000, p. 8), os primeiros dias e meses após a efetivação
da separação costumam ser bastante tumultuados. “Muitos se surpreendem com a intensidade
do ódio, da euforia, do alívio, do desespero, da culpa, do rancor, do atordoamento, da falta e
dos altos e baixos que a mistura de tudo isso acarreta”.
Este turbilhão de emoções contraditórias pode surgir como sintomas da
insatisfação pela vida que são forçados a viver após a concretização da separação. Giusti
(1987) esclarece que quando a separação já se efetivou, mas ainda não foi plenamente aceita
como nova dimensão da vida por parte dos ex-cônjuges, eles, geralmente, manifestam várias
reações contraditórias. Peck e Manocherian (1995) dizem que muitos não ficam satisfeitos
com a nova vida pós-separação e cresce dentro deles a irritação e a contrariedade, porque
gostariam de ter feito, mais do que realmente fizeram, no auge da crise, para salvar o
casamento.
Esta frustração com a própria atuação gera uma grande ansiedade que decorre
das incertezas que caracterizam a vida de uma pessoa separada. Estes estados alternados de
confusão, solidão, tristeza e luto por todas as perdas que a separação produziu no casamento e
na família podem desencadear, no cônjuge insatisfeito com a separação, um desejo dominante
de vingança e de retribuição por todas as dores sentidas e sofridas (KASLOW; SCHWARTZ,
1995)
O desejo de atribuir ao ex-cônjuge às dificuldades vivenciadas emerge com
força nestes momentos. Todavia, estas reservas mentais e emotivas, expressadas em função da
dor e da perda provocadas pela separação, refletem um conteúdo absolutamente pessoal. Não
existem ex-cônjuges que, ao defrontarem com as dificuldades da vida pós-separação, resistam
à tentação de projetar no outro a responsabilidade por suas dores pessoais. Mas, estas defesas
que são criadas logo após a separação propriamente dita com a finalidade de se eximir da
responsabilidade de assumir o comando da própria vida, terão que ser eliminadas por quem as
147
criou, para sair deste estado de paralisia emocional e confusão mental. Giusti (1987, p. 106)
conclui, dizendo:
Assim, apesar de todas as ajudas externas que solicitarmos e encontrarmos, o
ato final e decisivo só depende da vontade de viver bem. Lamentar-se de
como a vida foi pouco generosa e má transforma-se a longo prazo em uma
armadilha da qual no fundo a pessoa não quer sair: sente-se segura na
própria toca, onde não corre riscos [...] As pessoas que estão sempre mal, na
verdade, inconscientemente, adiam o problema sine die.
Peck e Manocherian (1995, p. 294) dizem que a ambivalência de sentimentos é
uma marca característica desta fase. “Para a vasta maioria, persiste um apego apesar da raiva e
do ressentimento quanto maior o apego, maior a angústia”.
Por isso, pode haver várias tentativas de reconciliações, seguidas de novas
separações, durante esta fase. Metade de todos que concretizam a separação fazem, pelo
menos, uma nova tentativa de reconciliação sem sucesso. Esse vaivém, que pode se tornar
repetitivo na dinâmica de alguns vínculos conjugais, cria “fronteiras ambíguas conforme o
casamento vai para lá e para cá, é desligado e ligado, deixando os membros da família sem
saber se devem se reorganizar para executar papéis ausentes”. (PECK; MANOCHERIAN,
1995, p. 295)
Vilhena (1988, p. 8) declara que esta vivência da separação propriamente dita
pode ser atroz para os ex-cônjuges e mobilizar neles mecanismos mais ou menos agressivos,
quanto maior for o grau de identificação de um com o outro. “Em alguns casos a perda é
vivida como tão mutiladora que não existe sequer a possibilidade de imaginar a reconstrução
‘nunca mais serei capaz de me apaixonar’ [...]”. Peck e Manocherian (1995, p. 295)
acrescentam que no decorrer deste estágio e nos outros seguintes, “cada cônjuge está
propenso a um tremendo tumulto emocional, a altos e baixos”.
Esta crise acidental que atinge uma das áreas da vida, a conjugal, no
entendimento de Aguiar e Nusimovich (1999) é vivida de forma tão intensa e abrangente que
chega a afetar o sentimento de identidade pessoal. As pessoas divorciadas, com freqüência,
quando precisam referir-se a seu estado, dizem que são divorciadas em lugar de estarem
divorciadas.
No momento da separação, diante da vivência de desamparo, os ex-cônjuges se
sentem despojados de uma parte importante de sua identidade pessoal. Por isso, o enquadre
matrimonial permanece investido como doador ilusório de resposta. Segundo Aguiar e
Nusimovich (1999, p. 203):
148
Este processo de despojamento pode levar ao empobrecimento do eu e a
idealização do enquadre matrimonial perdido. De forma paralela são
investidos como salvadores a família de origem, os filhos e os grupos de
pares tomados como objetos transicionais. Os cônjuges se refugiam em seus
vínculos originários ilusoriamente perduráveis e resistentes a todo dano
possível.
O sentimento de desamparo pós-separação é tão intenso que os ex-cônjuges,
com freqüência, retornam às suas respectivas famílias de origem. Diante da perda da família
atual eles buscam a própria por ser mais segura. Esta volta aos vínculos endogâmicos pode se
cristalizar quando a pessoa separada se refugia nos filhos, que representam para ela, não
somente o seguro, mas também o realizado, um projeto que persiste depois da ruptura do casal
conjugal. Desta forma, os filhos podem continuar alimentando os sentimentos narcísicos e
identificatórios. (AGUIAR; NUSIMOVICH, 1999)
Diaz Usandivaras (1986) diz que o retorno persistente do ex-cônjuge a família
de origem é uma das complicações freqüentes do processo de separação conjugal, sobretudo,
quando o mesmo é acompanhado da necessidade de ajuda econômica. Esse fato retira o poder
do progenitor, nivelando-o ao nível estrutural de irmão de seus filhos, prejudicando sua
hierarquia e autoridade, além de limitar de maneira significativa, suas reais possibilidades
exogâmicas.
Aguiar e Nusimovich (1999, p. 200) afirmam que a separação conjugal
desencadeia uma crise, pois priva os ex-cônjuges do espaço social promovido pelo vínculo de
casal. Ao buscarem novos espaços do tipo transicional eles se dão conta do processo
elaborativo dos sentimentos de identidade e de pertencimento ameaçados pela situação na
qual se encontram. Esta ameaça à sua identidade e a sua pertença social gera a necessidade de
se conectar com outras pessoas que estão vivendo ou já vivenciaram um processo semelhante.
Eles vão em busca de outras pessoas separadas ou de grupos que se reúnem por afinidades.
“Esta crise pode resultar traumática, conforme se remete ou não a situações de
desprendimento e desvalimento não relacionados, mas que se reatualizam na separação”.
Vilhena (1988, p. 8, 9) destaca algo chamou sua atenção na fala de seus
pacientes, durante este estado de confusão mental e emocional, provocado pela efetivação da
separação. A impossibilidade de reconhecer como sendo deles próprios a capacidade de amar.
Existe no discurso destes pacientes algo que vai mais além do “não receber
mais amor”, “ser abandonado” ou “ser discurtido pelo outro”. [...] Estes
149
pacientes nos falam da falta, não apenas do amor recebido simplesmente,
mas do amor dado, do amor a dar, enfim, da capacidade de acreditar que
possam voltar a se enamorar. [...] O que observamos é que com a ruptura do
“nós”, em função de sua articulação com o outro “NÒS”, é como se o
parceiro levasse consigo toda a possibilidade de uma vida amorosa.
O estado de confusão mental e afetivo é tão intenso na vivência de algumas
pessoas, durante esta fase do processo de separação, que elas não conseguem admitir que
ainda possuam a capacidade de investimento afetivo. Na ótica destas pessoas, em decorrência
da turbulência emocional que estão vivendo, “o amor é um atributo do outro e a capacidade de
se apaixonar não pode ser reconhecida como algo de seu também resta então um imenso
vazio”. (VILHENA, 1988, p. 9)
Enquanto algumas pessoas, nas situações de crise, perdem completamente as
perspectivas de futuro e não conseguem se imaginar sendo capaz de amar outra pessoa além
do seu ex-cônjuge, outros agem de forma completamente inversa. Quando concretizam a
separação, realizam substituições de objeto quase que imediatamente e, às vezes,
seguidamente.
Maldonado (2000, p. 74) esclarece que uma paixão avassaladora no final do
relacionamento ou logo após a separação tem pouca significância para a pessoa envolvida,
porque a terceira pessoa do triangulo amoroso, neste momento, exerce a função de tábua da
salvação. “Sustenta a auto-estima, dá força, transmite esperança de construir em meio às
ruínas, estimula a euforia em meio às dores da perda e do luto pelo casamento terminado”.
Para Vilhena (1988), nesta fase do processo de separação, o estabelecimento de
um novo vínculo amoroso não elimina a dor psíquica produzida pela perda do relacionamento
anterior e, muitas vezes, a pessoa não consegue sustentar a vivência do luto de uma relação
amorosa e o surgimento de uma nova paixão ao mesmo tempo.
A crise gerada pela separação pode ser comparada com a crise da adolescência,
segundo Aguiar e Nusimovich (1999, p. 198), pois em ambas são revividos os conflitos
oriundos das famílias de origem, o desmascaramento dos frágeis equilíbrios internos da
relação, a exigência da modificação de regras aceitas até o momento e a produção de uma
despersonalização transitória. Assim, o momento da separação pode ser visto como uma
desordem passageira das identificações. As autoras continuam a comparação, dizendo que:
Na adolescência é observável um renascer visível da vida pulsional. Na
separação, as desavenças conjugais se tornam públicas, se passa do privado
ao público. Isto tem sua repercussão no espaço social quando se pergunta a
150
um e outro, adolescentes e separados, sobre seus vínculos amorosos. Ambos
estão em disponibilidade para se vincular e o contexto social exige que eles
se apressem em cumprir com o ideal de estarem na situação de casal. Tanto
na adolescência como na separação há uma resignificação dos processos
identificatórios com o fim de conseguir uma nova organização. Em chinês o
ideograma que significa “crise” está integrado pela representação das idéias
de riscos e de oportunidades.
Costa e Katz (1985, p. 166) enfatizam que após a separação, as pessoas passam
a buscar situações que lhes possibilitem viver experiências adolescentes, “cuja característica
principal é a relação erótica com diferentes parceiros, algumas vezes mais jovens, outras
vezes mais velhos e, não raro, simultaneamente”.
Kaslow e Schwartz (1995) destacam que a literatura registra que muitos
divorciados atravessam uma espécie de segunda adolescência, que elas denominam de tempo
de exploração. Mas, ressaltam que nem todas as pessoas divorciadas retornam a esta forma de
relacionamento adolescente. Grande parte dos divorciados são pessoas adultas saudáveis e
não regridem a esta fase anterior do desenvolvimento psicossexual, numa forma de recuperar
o tempo perdido.
Nazareth (2001) aborda este fato, dizendo que após a primeira reação de
perplexidade, diante da separação propriamente dita, algumas pessoas tem a tendência de
ficarem mais ou menos eufóricas, negando, desta forma, grande parte do medo e preocupação
com relação ao futuro. Esta sensação provoca o surgimento de vários sentimentos e atitudes
instáveis e, às vezes, incoerentes com o tipo de conduta que a pessoa teve até aquele
momento.
Os homens [...] passam a sair com moças bem mais novas, numa tentativa de
recuperar o “tempo perdido”. Na realidade, tentam recuperar uma imagem
que tinham de si próprios antes de todo o sofrimento e desilusão advindos de
uma relação que não deu certo. As mulheres, por sua vez, ficam mais
“atiradas” e ousadas, comportando-se de uma maneira muito diferente da
que tinham enquanto casadas. Também podem se relacionar com rapazes
mais novos e passar a se vestir com as roupas das filhas, tornando-se um
pouco adolescentes. Resolvem fazer ginástica e cirurgia plástica [...] não são
reações fáceis de administrar.
Mas, apesar de toda sensação de liberdade que estas pessoas experimentam
logo após a concretização da separação, vivendo as experiências que evitaram no período da
adolescência, elas não conseguem se apartar do sentimento de desamparo. Permanecem
sobressaltadas pelo receio de ficarem sozinhas e agem desta forma, quase sempre, na tentativa
151
de recuperar a auto-estima, profundamente abalada pelo fracasso da relação conjugal.
(NAZARETH, 2001)
Quando olhamos os cônjuges, na condição de expectadores, concretizando a
separação conjugal, por mais que sejamos cuidadosos na observação, jamais conseguimos
passar da superfície das camadas superpostas que escondem, na parte mais íntima do vínculo
conjugal desfeito, as verdadeiras causas que motivaram sua dissolução.
A separação de casais que, aparentemente, ostentavam vínculos sólidos,
geralmente abala os demais casais do seu círculo de relacionamento. Isto acontece porque,
quem está olhando de fora não conhece de fato o tipo de vinculo conjugal que eles vinham
construindo até o momento em razão das motivações inconscientes que atuam no
relacionamento conjugal.
Desvendar as causas verdadeiras que os levaram à separação propriamente dita
dá trabalho, gera uma ansiedade insuportável, desenterra sérios problemas pessoais e da
própria relação. Por isso, é mais fácil esperar o tempo passar. Ele pode levar consigo parte da
raiva acumulada e diminuir a intensidade do apego que os fazem pensar que são incapazes de
amar novamente; de se entregar totalmente a um novo amor.
Assim, os cônjuges vão vivendo como podem e não como querem. Quando um
turbilhão de emoções começa a diminuir, sempre acontece um fato novo para renovar as
emoções antigas, que pareciam vencidas, superadas. Mas, o tempo é persistente. Da mesma
forma que o vento sopra sobre os bancos de areia que se movimentam lentamente, soterrando
casas, vilas e pequenas cidades, o tempo vai conseguindo apagar as lembranças positivas e
negativas, alegres e dolorosas, do vínculo que acabou. Os turbilhões de emoções vão ficando
cada vez mais espaçados e menos intensos. A memória finalmente consegue transformar os
fatos em paisagens que, quando contempladas, evocam emoções difusas que habitam no
vazio, no nada, sem nenhuma correspondência com aquelas, tão avassaladoras, que um dia
foram sentidas e vivenciadas.
152
7. OBJETIVOS
153
7.1. Geral
Analisar, a partir da ótica feminina, a influência das motivações inconscientes na
formação do vínculo conjugal, no cotidiano da relação conjugal, na origem e desenvolvimento
dos conflitos que promovem a desestruturação e, em alguns casos, a dissolução do vínculo
conjugal.
7.2. Específicos:
- Refletir sobre as influências do desenvolvimento psicossexual feminino e do tipo de
escolha objetal, na configuração do vinculo conjugal.
- Entender o funcionamento do contrato inconsciente do casamento no cotidiano da
relação conjugal.
- Compreender o funcionamento do contrato inconsciente do casamento na origem dos
conflitos e no processo de desestruturação e dissolução do vínculo conjugal.
154
8. MÉTODO
155
A presente pesquisa teve como objetivo realizar um estudo de caso, baseado no
discurso de mulheres, separadas legalmente ou não do primeiro casamento que, após serem
submetidas a uma entrevista individual semi-estruturada, foram reunidas em um grupo de
reflexão para o aprofundamento da coleta de dados, relacionados ao objetivo geral e aos
objetivos específicos traçados por esta pesquisa.
Este tópico se inicia com uma breve consideração histórica sobre o método
qualitativo nas ciências humanas, seguido de uma sucinta fundamentação das técnicas em
pesquisa qualitativa que foram utilizadas no presente estudo (Entrevista, Observação
Participante, Estudo de Caso e Grupo de Reflexão). Na seqüência, esclarecemos os
procedimentos que foram realizados durante as fases da coleta de dados, os passos dados para
o convite e seleção para participar da pesquisa e a análise dos resultados.
8.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO QUALITATIVO E CLÍNICO-
QUALITATIVO NAS CIÊNCIAS HUMANAS
O método e a teoria adotada pelo pesquisador definem o caminho que será
percorrido para se chegar ao conhecimento científico. Eles conferem publicidade aos critérios
seguidos pelo pesquisador para alcançar os resultados apresentados através de sua pesquisa. O
grau de cientificidade de qualquer trabalho científico está diretamente ligado à habilidade do
pesquisador de utilizar o método escolhido, dentro do campo teórico ao qual ele está
vinculado, durante a realização de sua pesquisa. É pelo método e pela abordagem teórica que
se torna possível fazer uma reflexão crítica sobre a capacidade do pesquisador de
compreender e de intervir na realidade de seu objeto de estudo.
Calil e Arruda (2004) afirmam que para se realizar um trabalho científico é
preciso tomar uma decisão importante logo no início, ou seja, escolher o método de pesquisa
que será utilizado, dentro do campo teórico no qual ele se encontra inserido. É o método
científico, juntamente com a abordagem teórica adotada pelo pesquisador, que determinam a
forma como o objeto de estudo será compreendido. O método e a abordagem teórica do
pesquisador também definem como a pesquisa será realizada e como o material coletado será
analisado e estudado. Assim, as reflexões que serão extraídas do objeto de estudo devem estar
em consonância com a formação pessoal e profissional do pesquisador e também precisam
156
estar de acordo com os pressupostos científicos que motivaram e inspiraram à realização da
pesquisa.
Turato (2000) afirma que a pesquisa qualitativa é multimetodológica em seu
foco, pois engloba uma abordagem interpretativa e cotidiana do objeto de estudo. Os
pesquisadores qualitativos investigam as coisas em seu cotidiano, esforçando-se para
entender, dar sentido e significado aos fenômenos que as pessoas lhes trazem.
O objetivo da pesquisa qualitativa, segundo Calil (2001) consiste em:
Buscar coletar um corpo qualitativo de dados e informações sobre o
fenômeno estudado, entendendo-se por qualitativo, aquilo que exprime
qualidade, a característica de um objeto, o modo de ser, sua natureza e
essência. Por isso, o método qualitativo se adapta perfeitamente às ciências
humanas, já que esta busca estudar o fenômeno humano que é polissêmico e
repleto de sentidos.
Dados qualitativos são aqueles que ressaltam a qualidade do fenômeno
estudado, isto é, suas características, seu modo de ser e sua natureza. Qualidade é o traço que
define um aspecto da experiência diferente de todos os outros, na espécie a que serve. A
qualidade é aquele dado que distingue ou identifica essa experiência das demais. A qualidade
não pode ser exprimida em termos numéricos. Ela também não é suscetível de variações de
intensidade, extensão ou grau. Por esta razão, a técnica da pesquisa qualitativa não comporta
os procedimentos de observação ou de entrevista que visam quantificar, mensurar e explicar
os fenômenos para, posteriormente, transformá-los em leis e explicações gerais. (CALIL;
ARRUDA, 2004)
Turato (2005) destaca algumas características importantes do método
qualitativo:
a) o objetivo da pesquisa é buscar o significado das coisas, porque este
tem um papel organizador nos seres humanos. Aquilo que as coisas representam é importante,
porque modela a vida das pessoas.
b) o local onde acontece a observação é, preferencialmente, o mais
próximo possível do cotidiano dos participantes. Ela ocorre sem o controle de variáveis.
c) o pesquisador se transforma no próprio instrumento da pesquisa,
porque usa seus órgãos do sentido para compreender os objetos de sua pesquisa.
d) a maior força do método é conferida pelo rigor da validade dos dados
coletados, porque a observação direta dos participantes leva o pesquisador bem próximo da
natureza de seu objeto de estudo.
157
No entendimento de Minayo (1993, p. 244), a abordagem qualitativa promove
uma aproximação importante e intima entre sujeito e objeto, pois ambos possuem a mesma
natureza. Seu foco é colocado nos motivos, nas intenções e nos projetos dos atores, por meio
dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas. Mas a autora adverte:
No entanto, não se assume aqui a redução da compreensão do outro e da
realidade a uma compreensão introspectiva de si mesmo. É por isso que, na
tarefa epistemológica de delimitação qualitativa, há de se superar tal idéia,
buscando uma postura mais dialética [...] Em outras palavras, do ponto de
vista qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos significados e das
estruturas, entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e,
logo, portadoras de significado. Ao mesmo tempo, tenta conceber todas as
etapas da investigação e da análise como partes do processo social analisado
e como sua consciência crítica possível. Assim, considera os instrumentos,
os dados e a análise numa relação interior com o pesquisador, e as
contradições como a própria essência dos problemas reais.
Chizzotti (2001) distingue a pesquisa qualitativa das pesquisas experimentais,
dizendo que para o método qualitativo o sujeito e o mundo real estão em constante dinâmica
de interação. Não há como dissociar o mundo objetivo do subjetivo, bem como, não há como
ignorar a interdependência que existe entre o sujeito do conhecimento e o seu objeto de
estudo. Ao se preocupar com a qualidade do que é observado, o pesquisador qualitativo busca
descobrir a natureza do fenômeno humano na sua totalidade, isto é, em sua relação com os
outros seres humanos e, até mesmo, com o próprio pesquisador.
O que interessa ao pesquisador qualitativo, na visão de Turato (2000), não são
as coisas em si mesmas, mas o significado, o sentido que elas representam para as pessoas,
expressos por meio da fala e do comportamento. O alvo de interesse do investigador
qualitativo é sempre o significado que as coisas ganham de um único indivíduo ou de um
grupo determinado. O pesquisador qualitativo quer entender e interpretar não as pessoas, em
si mesmas, para depois dizer o que pensa que acontece com elas. O objetivo do pesquisador
qualitativo é compreender o processo que as pessoas utilizam para criarem significados e para
descrever seus sentidos.
Em relação à técnica, segundo Calil (2001), o método qualitativo não lança
mão de procedimentos de observação, ou entrevista com a finalidade de quantificar, mensurar
e explicar os fenômenos, transformando-o em leis e explicações gerais.
O conhecimento produzido pela pesquisa qualitativa não se restringe a uma
lista de dados isolados e vinculados apenas por uma teoria explicativa. O pesquisador
qualitativo insere-se no processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, dando-lhes um
158
significado. “O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações
que sujeitos concretos criam em suas ações”. (CHIZZOTTI, 2001, p. 79)
Segundo Chizzotti (2001), os que defendem a cientificidade do método
qualitativo, ressaltam que as ciências humanas têm suas especificidades, que as diferem das
ciências experimentais. O estudo do comportamento humano e social confere às ciências
humanas o status de ciências específicas, por isso, cabe a elas o desenvolvimento de suas
próprias metodologias. Esses defensores de uma metodologia de pesquisa própria para as
ciências humanas e sociais ainda argumentam que a utilização de modelos de pesquisa,
essencialmente experimentais, nas ciências humanas, podeM conduzir a generalizações
equivocadas, uma vez que esses métodos baseiam-se num simplismo conceitual, que não
contempla as particularidades de um campo científico específico, servindo apenas para
facilitar o controle ideológico das pesquisas, sobre o pretexto de um modelo único.
Na visão de Turato (2003), método clínico-qualitativo surgiu para suprir uma
lacuna verificada nos inúmeros trabahos da literatura científica que utilizam os já consagrados
métodos qualitativos (compreensivo-interpretativos), desenvolvido na abrangente área das
ciências humanas. Os métodos qualitativos normalmente utilizados não permitiam ao
pesquisador compreender de forma mais dinâmica os sentidos e significações dados pelas
pessoas, enquanto indivíduos portadores de ansiedades e angústias, principalmente aquelas
relacionadas às questões vinculadas ao binômio saúde-doença.
Segundo Turato (2003, p. 230), os três pilares sustentadores da metodologia
clínico-qualitativa consistem nas seguintes particularidades:
a) A ATITUDE EXISTENCIALISTA: da valorização dos elementos
“angústia” e “ansiedade”, presentes na existencialidade do sujeito a
ser estudado; b) A ATITUDE CLÍNICA da acolhida dos sofrimentos
emocionais da pessoa, inclinando-lhe a escuta e o olhar, movido pelo
desejo e hábito de proporcionar ajuda; c) E A ATITUDE
PSICANALÍTICA do uso de concepções vindas da dinâmica do
inconsciente do indivíduo, tanto para a construção e aplicação dos
instrumentos auxiliares, assim como para referencial teórico para
discussão dos resultados.
Na sua ótica, o método clínico-qualitativo foi buscar na prática médica o ponto central
que lhe dá identidade, ou seja, o princípio de que somente um estudo profundo de pessoas
isoladas, respeitando e reconhecendo sua individualidade e que se encontra em um constante
processo de evolução, poderá fornecer uma compreensão dessas pessoas e, possivelmente,
através delas, a do ser humano em geral. (REUCHILIN, 1979 apud TURATO, 2003).
159
O método clínico-qualitativo, na visão de Calil e Arruda (2004) consiste na
utilização da interpretação e da compreensão simbólica durante a investigação do fenômeno
humano. O objetivo é alcançar o consenso simbólico, entendido como “fazer sentido junto”,
por meio do exercício da criticidade, no âmbito da relação clínica. Nesse sentido, o
conhecimento é construído na interação sujeito e objeto, numa relação dialética e
intersubjetiva. Por isso, Reuchlin (1986 apud Calil e Arruda, 2004), defende a idéia de que o
método clínico é caracterizado melhor como uma atitude e não apenas como a utilização de
um conjunto de técnicas específicas de uma determinada abordagem teórica e clínica.
Turato 2003, p. 240) define o método clínico-qualitativo, nos seguintes termos:
É o estudo e a construção dos limites epistemológicos de certo
método qualitativo particularizado em settings da Saúde, bem como
abarca a discussão sobre um conjunto de técnicas e procedimentos
adequados para descrever e compreender as relações de sentidos e
significados dos fenômenos humanos referidos neste campo.
Ele foi concebido com o objetivo de viabilizar a compreensão e a interpretação
das significações de cunho psicológico e psicossocial que as pessoas atribuem aos fenômenos
do campo da saúde-doença. O método clínico-qualitativo leva em consideração as angústias e
ansiedades existenciais das pessoas que estão fazendo envolvidas no estudo e leva em
consideração um quadro interdisciplinar de referências teóricas, com especial atenção às
concepções psicanalíticas básicas. Ele é um método indicado para o estudo e compreensão de
fenômenos que possuem estruturação complexa, em função de seu caráter pessoal (íntimo)
e/ou de difícil verbalização no campo emocional. (TURATO, 2003)
Dentre as técnicas da pesquisa qualitativa que serão utilizados em nossa
pesquisa, destacamos a entrevista, a observação participante e o estudo de caso, por meio de
um grupo de reflexão com alguns princípios do grupo focal.
8.1.1. Entrevista Psicológica
A entrevista é uma importante técnica de coleta de dados dentro da pesquisa
qualitativa. Na realidade, ela é uma técnica bastante difundida em quase todos os tipos de
pesquisas realizadas, dentro do campo de estudos adstrito às ciências sociais. A entrevista é
160
largamente utilizada não apenas nas atividades científicas, mas também em vários outros
seguimentos da sociedade.
Calil (2001) destaca que, ao lado da observação, a entrevista é um dos
procedimentos básicos de coleta de dados em pesquisa qualitativa. Ela é importante nessa
modalidade de pesquisa, porque viabiliza o contato direto do pesquisador com seu objeto de
estudo.
Neste sentido, Bleger (1998) afirma que a entrevista é um instrumento
fundamental do método clínico, ganhando status de técnica de investigação científica em
psicologia. Segundo este autor:
Como técnica tem seus próprios procedimentos ou regras empíricas com as
quais não só se amplia e se verifica como também, ao mesmo tempo, se
aplica o conhecimento científico. [...] essa dupla face da técnica tem especial
gravitação no caso da entrevista porque, entre outras razões, identifica ou faz
coexistir no psicólogo as funções de investigador e de profissional, já que a
técnica é o ponto de interação entre a ciência e as necessidades práticas.
Calil (2001) expressa este entendimento de forma resumida, dizendo que no
campo de aplicação da psicologia clínica, a entrevista é considerada como uma técnica
científica. Ela é fundamental para a investigação do ser humano e sua interação com o sujeito
da pesquisa.
Pelo fato da entrevista ser uma técnica de investigação cientifica, segundo
Bleger (1998, p. 1), por meio de sua utilização é possível “levar a vida diária do ser humano
ao nível de conhecimento e de elaboração científica. E tudo isso em um processo ininterrupto
de interação”.
Lüdke e André (1986, p. 13) afirmam que a entrevista é uma técnica
importante para a pesquisa qualitativa, porque é um dos meios mais apropriados para se obter
conteúdos descritivos, alcançados através do contato direto entre o sujeito da pesquisa e seu
objeto de estudo. Este é o grande objetivo da pesquisa qualitativa, que “enfatiza mais o
processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes”. Ainda,
segundo estes autores:
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a
captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com
qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista
bem-feita pode permitir o tratamento de assuntos de natureza estritamente
pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas
nitidamente individuais. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34)
161
Bleger (1998) diz que a entrevista consiste em um processo dialético composto
pela observação, pensamento e imaginação. Quem não tem uma imaginação aguçada pode
tornar-se num bom verificador de dados, mas, dificilmente, se sairá bem como investigador.
A entrevista promove uma relação de interação entre o observador e o objeto
do seu estudo, criando uma atmosfera onde um influencia e recebe a influência do outro.
Durante a entrevista, o conhecimento é produzido e captado, tanto pelo entrevistador, quanto
pelo entrevistado, por meio da constante interação que se estabelece entre eles. (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986)
Embora exista uma distinção entre a entrevista individual e grupal, para Bleger
(1998), a entrevista é sempre um fenômeno grupal, mesmo quando há a participação de
apenas um entrevistado, em função da relação que se cria entre o entrevistador e o
entrevistado. Assim, deve ser considerada como matéria inerente à dinâmica de grupo.
A entrevista pode ser aberta, semi-estruturada e estruturada. Segundo Calil
(2001), algumas pesquisas qualitativas usam as entrevistas estruturadas ou fechadas e,
também, questionários, onde o entrevistador é obrigado a seguir um esquema já elaborado
para seu procedimento.
Minayo (1996, p. 122) afirma que na entrevista não estruturada,
a ordem dos assuntos abordados não obedece a uma seqüência rígida e, sim,
é determinada freqüentemente pelas próprias preocupações e ênfases que os
entrevistados dão aos assuntos em pauta [...] a informação não estruturada
persegue vários objetivos: a) a descrição do caso individual; b) a
compreensão das especificidades culturais mais profunda dos grupos; c) a
comparabilidade de diversos casos.
Mas Bleger (1998) adverte, dizendo que a entrevista aberta não se caracteriza,
essencialmente, pela liberdade do entrevistador na formulação das perguntas. Isto porque, o
fundamento da entrevista psicológica não consiste em fazer perguntas. Seu propósito não é
apenas recolher dados históricos da vida do entrevistado. Segundo este autor:
[...] a liberdade do entrevistador, no caso da entrevista aberta, reside numa
flexibilidade suficiente para permitir, na medida do possível, que o
entrevistado configure o campo da entrevista segundo sua estrutura
psicológica particular, ou dito de outra maneira que o campo da
entrevista se configure, o máximo possível, pelas variáveis que dependem da
personalidade do entrevistado.
162
Minayo (1996) afirma que, na entrevista aberta o entrevistador se libera de
formulações prévias. Suas perguntas ou intervenções, durante a entrevista, são utilizadas com
o objetivo de levar o entrevistado a abrir o seu campo de explanação, ou para aprofundar seu
nível de informações, ou opiniões.
Bleger (1998) expressa o mesmo ponto de vista: “Na entrevista aberta [...] o
entrevistador tem ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se
toda flexibilidade necessária em cada caso particular”. Assim, para este autor, a entrevista
aberta permite ao pesquisador realizar uma investigação mais ampla e profunda da
personalidade do entrevistado.
Minayo (1996), ao abordar as entrevistas aberta, semi-estruturada e não
estruturada, declara que elas podem ser feitas verbalmente ou por escrito, mas, normalmente,
conta com a presença do pesquisador e promove uma interação entre o sujeito da investigação
e seu objeto de estudo. Elas, geralmente, são complementadas por outras formas de
observação participante. Esta autora distingue a entrevista semi-estruturada e não estruturada,
nos seguintes termos:
A entrevista semi-estruturada e não-estruturada difere apenas em grau,
porque na verdade nenhuma interação, para finalidade de pesquisa, se coloca
de forma totalmente aberta. Ela parte da elaboração de um roteiro [...]. Suas
qualidades consistem em enumerar de forma mais abrangente possível as
questões que o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas hipóteses
ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do objeto de
investigação.
Na entrevista semi-estruturada, segundo Lüdke e André (1986, p. 34), não há a
obrigatoriedade de seguir uma ordem rígida de questões. O entrevistado tem liberdade para
falar sobre o tema proposto, fundado nas informações que detém sobre ele. Na realidade,
ouvir o que o entrevistado tem para falar sobre o tema colocado consiste na verdadeira razão
da entrevista. Gradativamente, a interação entre entrevistador e entrevistado vai criando um
clima de estímulo e de aceitação mútua e as informações vão surgindo de maneira notável e
autêntica. Esses autores ainda dizem que a entrevista semi-estruturada “se desenrola a partir
de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça
as necessárias adaptações”.
Já nas entrevistas fechadas, segundo Bleger (1998, p. 3), as perguntas são feitas
previamente, bem como, a ordem e a maneira que elas serão formuladas. O entrevistador não
tem liberdade para alterar estas disposições. Ele também afirma que “a entrevista fechada é, na
163
realidade, um questionário que passa a ter uma relação estreita com a entrevista, na medida em que
uma manipulação de certos princípios e regras facilita e possibilita a aplicação do questionário”.
Minayo (1996) diz que a entrevista estruturada é apresentada na forma de
questionários que podem ser aplicados diretamente pelo pesquisador, ou indiretamente, por
meio de roteiros fechados escritos.
Lüdke e André (1986) dizem que a entrevista estruturada é útil quando o
pesquisador pretende obter resultados uniformes dos seus entrevistados. Ela facilita o
processo de comparação por meio de tratamentos estatísticos. Todavia, Minayo (1996)
adverte que, “quando se trata de aprender sistemas de valores, de normas, de representações
de determinado grupo social, ou quando se trata de compreender relações, o questionário se
revela insuficiente”.
Para Bleger (1998, p. 18, 19), o aspecto fundamental da entrevista está na
investigação que é feita durante sua execução. As observações devem ser registradas em
termos de hipóteses que o observador vai levantando no decorrer da mesma. Ele esclarece seu
raciocínio, dizendo o seguinte:
Afirma-se, geralmente de maneira muito formal, que a investigação consta
de etapas nítidas e sucessivas que se escalonam, uma após a outra, na
seguinte ordem: primeiro intervém a observação, depois a hipótese e
posteriormente a verificação. O certo, contudo, é que a observação se realiza
sempre em função de certos pressupostos e que, quando estes são
conscientes e utilizados como tais, a observação se enriquece. Assim, a
forma de observar bem é ir formulando hipóteses enquanto se observa, e
durante a entrevista verificar e retificar as hipóteses no momento mesmo em
que ocorrem em função das observações subseqüentes, que por sua vez se
enriquecem com as hipóteses prévias.
Ele fundamenta sua sugestão, dizendo que em qualquer ação humana, sempre é
preciso pensar sobre os procedimentos que vão sendo tomados. A investigação acontece
quando há uma reflexão sobre o que está sendo feito e uma constante verificação sobre a
veracidade ou não do resultado chegado por meio desta reflexão. A “indagação e atuação,
teoria e prática, devem ser manejadas como momentos inseparáveis, formando parte de um só
processo”. (BLEGER, 1998, p. 19)
Durante a coleta de dados desta dissertação de mestrado, trabalhamos com a
entrevista psicológica semi-estruturada, seguindo um roteiro prévio com alguns pontos gerais,
que foi utilizado com grande flexibilidade. Após a proposição de alguns temas no início da
entrevista, o relato das participantes transcorreu livremente. Só houve intervenção quando elas
164
esgotavam o assunto, ou quando sentíamos a necessidade de ampliar ou aprofundar alguns
aspectos dos temas abordados.
8.1.2. Observação Participante
Em pesquisa qualitativa, a observação psicológica é realizada, normalmente,
pelo contato direto do pesquisador com as pessoas que fazem parte do estudo. O observador
desempenha um duplo papel durante a coleta de dados. Ele exerce o papel objetivo de
observador e o papel subjetivo de participante da própria elaboração do conhecimento. No
entendimento dos pesquisadores qualitativos, não há como dissociar esses dois papéis durante
o processo de coleta de dados.
Em função desta particularidade da pesquisa qualitativa, o pesquisador
qualitativo ocupa uma posição privilegiada, que lhe permite uma melhor compreensão e,
conseqüentemente, uma descrição mais detalhada e profunda do fenômeno estudado. No
entendimento de Bleger (1998), o entrevistador é parte do campo, ou seja, em certo sentido
ele condiciona os fenômenos que tem a função de registrar. Ele exerce o seu papel objetivo de
observador, mas também desempenha um papel subjetivo de participante do campo, que é
objeto de sua pesquisa. Esta posição coloca-o numa situação privilegiada para entender e
descrever o comportamento humano.
Para Chizzotti (2001), o pesquisador qualitativo é um descobridor ativo do
significado das ações e das relações que permanecem ocultas nas estruturas sociais. Por isso,
sua pesquisa “não pode ser o produto de um observador postado fora das significações que os
indivíduos atribuem aos seus atos; deve, pelo contrário, ser o desenvolvimento do sentido
social que os indivíduos constroem em suas interações cotidianas”.
É com base neste entendimento que Calil e Arruda (2004) argumentam que não
há como fazer uma pesquisa qualitativa séria, quando o observador não se insere dentro das
significações que os indivíduos atribuem aos seus atos. A pesquisa que merece credibilidade é
aquela que revela o sentido individual e social, construído pelos indivíduos em suas interações
do dia-a-dia. Compete ao pesquisador descobrir o significado das ações e das relações que
ainda estão ocultas nas estruturas sociais.
Chizzoti (2001) diz que a dialética utilizada na pesquisa qualitativa exige uma
relação dinâmica entre o sujeito e o objeto, no processo de conhecimento. De acordo com seu
165
entendimento, o pesquisador qualitativo não fica preso na experiência vivida e nas
significações subjetivas dos atores sociais. Ele valoriza a contradição dinâmica entre o fato
estudado e a atividade criadora do sujeito, objeto da sua investigação. Ele também busca
compreender as oposições contraditórias entre o todo e a parte e as interações do saber e da
ão com a vida social dos homens e mulheres envolvidos em seu estudo.
No seu entendimento, os métodos quantitativos distanciam o pesquisador do
verdadeiro objeto de sua investigação. Por isso, eles não são apropriados para compreender as
ações práticas dos sujeitos em sua vida cotidiana. (CHIZZOTTI, 2001)
Bleger (1998) assegura que essa posição privilegiada do pesquisador
qualitativo não invalida os dados por ele obtidos, porque, em última instância, não existe
isenção na pesquisa científica, mesmo nas ciências naturais e, principalmente, na Psicologia,
onde o ser humano que investiga, também é objeto de estudo. Por outro prisma de
argumentação, a objetividade máxima só é conseguida quando o sujeito observador é
incorporado como uma das variáveis do campo.
Em função deste duplo papel exercido pelo observador qualitativo, Lüdke e
André (1986) ressaltam que para realizar uma observação qualitativa, o pesquisador precisa
estar preparado nos níveis material, físico, intelectual e psicológico. Ele precisa aprender a
fazer registros descritivos, saber separar os detalhes relevantes dos triviais, aprender a fazer
anotações organizadas e utilizar métodos rigorosos para validar suas observações. Ele também
precisa preparar-se mentalmente para permanecer concentrado durante a observação. Esse
esforço intelectual demanda um treinamento dos sentidos para permanecer focado, por um
tempo relativamente longo, nos aspectos relevantes do que está sendo observado.
Lüdke e André (1986) ressaltam a importância desses cuidados, nos seguintes
termos:
Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação
científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática.
Isto implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma
preparação rigorosa do observador. [...] A primeira tarefa, pois, no preparo
das observações é a delimitação do objeto de estudo. Definindo-se
claramente o foco da investigação e sua configuração espaço-temporal,
ficam mais ou menos evidentes quais aspectos do problema serão cobertos
pela observação e qual a melhor forma de captá-los.
Quando se trata de pesquisas que levam em conta a intersubjetividade proposta
pelas ciências sociais e pela fenomenologia e os pressupostos encontrados nas teorias
166
psicodinâmicas de influência psicanalítica, essa preparação do observador deve ser ainda mais
rigorosa. Ele precisa desenvolver habilidades específicas como pessoa e como profissional.
Esses cuidados adicionais demandam supervisão constante, bem como, aperfeiçoamento da
percepção analítica adquirida pelo exercício clínico e por meio da própria análise pessoal.
(CALIL; ARRUDA, 2004)
Lüdke e André (1986) informam que o processo de investigação passa por três
etapas distintas. Na primeira etapa, o investigador qualitativo vai selecionar e definir os
problemas que serão investigados; fará a escolha do local onde realizará seu estudo e todos os
contatos necessários para sua efetiva entrada no campo de pesquisa. Na segunda etapa, o
pesquisador fará uma busca sistemática nos dados que coletou, selecionando os mais
significativos para compreender e interpretar o fenômeno estudado. Ele analisará a forma e o
conteúdo da interação verbal dos participantes; a forma e conteúdo da interação verbal com o
pesquisador (ou pesquisadores); os comportamentos não-verbais; os padrões de ação e não-
ação e, finalmente, traços e registros de arquivos e documentos. Na terceira etapa, o
pesquisador analisará os fatos observados no esforço de compreendê-los, para poder encontrar
os princípios subjacentes do fenômeno estudado. Em seguida, inserirá as várias descobertas
num contexto mais amplo, no âmbito das teorias que estão sendo desenvolvidas com o
processo de pesquisa.
A observação participante é um importante procedimento utilizado na pesquisa
clínica em psicologia. Por meio da observação participante, o investigar insere-se no contexto
de sua observação, traçado pelo espaço terapêutico. A observação participante tem grande
valor como instrumento de percepção e análise do fenômeno estudado. Acrescida das
supervisões clínicas e das técnicas de análise e interpretação dos fatos clínicos observados é
possível elevar o rigor científico de pesquisa clínica em psicologia analítica.
8.1.3. Estudo de Caso
O estudo de casos é um método de pesquisa utilizado na investigação de fatos
importantes para o conhecimento científico, que ocorrem no cotidiano da vida dos indivíduos
que se tornam objetos de estudo e que, pela sua própria essência, não podem ser reproduzidos,
ou estudados dentro do confinamento de um laboratório científico. Ele representa um dos
grandes avanços que vem ocorrendo, atualmente, no processo de flexibilização do método
167
científico. Cada vez mais, o estudo de caso tem sido utilizado em pesquisa nas ciências
sociais, na área da Psicologia, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, História e
Economia.
Para Calil e Arruda (2004), o estudo de caso é aquele focado em um caso
específico, visando apresentar um quadro claro de uma unidade em ação. O caso deve ser bem
delimitado e descrito com clareza. Pode ser parecido com outros casos, porém, deve ser
distinto e despertar interesse próprio.
Nas palavras de Lüdke e André (1986, p. 17):
O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de particular,
mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com
outros casos ou situações. Quando queremos estudar algo particular, que
tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de caso.
Yin (2005, p. 32) afirma que as definições correntes de estudo de caso,
normalmente, repetem apenas os tipos de tópicos aos quais os estudos foram aplicados. Mas,
no seu entendimento, citar o tópico é insuficiente para estabelecer a definição necessária dos
estudos de caso. Depois de fornecer uma visão histórica do estudo de caso, no pensamento
metodológico americano, ele fornece a seguinte definição sobre este método de pesquisa,
desmembrando-a em duas partes. Em primeiro lugar, insere na definição técnica, o escopo de
um estudo de caso: “Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
Em segundo lugar, pelo fato do fenômeno e contexto nem sempre serem
distinguidos na vida real, o estudo de caso necessita de um aparato metodológico, como a
coleta de dados e as estratégias de análise de dados, que também precisam ser contemplados
na definição técnica:
A investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única
em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e,
como resultado, baseia-se em várias fontes de evidencias, com os dados
precisando convergir em um formato de triangulo, e, como outro resultado,
beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para
conduzir a coleta e a análise de dados. (YIN, 2005, p. 33)
As características fundamentais do estudo de caso são as seguintes: ele visa à
descoberta; leva em conta o contexto em que o objeto de estudo se situa; procura revelar a
168
realidade de forma completa e profunda; utiliza-se de varias fontes de informação; possibilita
ao pesquisador registrar suas próprias experiências durante o estudo, dando ao leitor a
possibilidade de fazer suas generalizações naturalísticas; fornece ao pesquisador a
possibilidade de registrar as opiniões divergentes e conflitantes coletadas, bem como, de
fornecer sua própria opinião sobre a questão e utiliza uma linguagem e uma forma menos
complicada que os relatórios tradicionais, portanto, mais acessível ao público. (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986)
Ao detalhar melhor as qualidades presentes nos fenômenos humanos, o estudo
de caso ganha em sua amplitude, porque não utiliza esquemas rígidos de mensuração. Ele
propicia espaço para a criticidade e para a originalidade no âmbito das pesquisas qualitativas.
Também, tem como objetivo, fornecer um relatório ordenado e crítico sobre uma experiência,
sua avaliação e análise. O caso é considerado uma unidade significativa do todo, portanto, é
suficiente para fundamentar um julgamento fidedigno e para indicar uma intervenção
(CALIL; ARRUDA, 2004).
Em função de suas próprias características, é possível dizer que o estudo de
caso é uma modalidade de pesquisa qualitativa que tem como objetivo compreender com
profundidade uma instância singular. No estudo de caso, o objeto de estudo é tratado como
único; é visto como uma representação singular da realidade que é multidimensional e
historicamente situada. Por sua característica de singularidade, o resultado de um estudo de
caso não pode ser generalizado. Sua principal característica é a profundidade.
8.1.4. Grupo de reflexão com alguns princípios do grupo focal
Neste tópico vamos analisar o grupo de reflexão e alguns princípios do grupo
focal. Em nossa pesquisa, sentimos a necessidade de complementar a questão do foco com as
técnicas do grupo de reflexão, ou seja, propor um tema que servirá de base para as discussões
nos encontros do grupo. Como as mulheres refletiram sobre o casamento e o processo de
separação, resolvemos combinar essas duas técnicas. Por isso, este tópico trata dessas duas
modalidades de grupos.
169
8.1.4.1. Grupo de reflexão
Quando juntamos algumas pessoas que estão experimentando vivências
semelhantes e pedimos para que comecem a refletir sobre suas experiências, sem dar a elas
muito direcionamento, passado aquele momento inicial de constrangimento geral, logo elas
começam a desenvolver o que chamamos de associação livre de idéias. Sempre tem alguém
mais desinibido, que começa falando a respeito de algo que lhe vem à mente, ligado a sua
experiência e, logo em seguida, os outros participantes do grupo passam a emitir suas
opiniões, iniciando uma dinâmica de processos associativos de livre expressão. Em pouco
tempo de interação elas começam a aprender umas com as outras e o grupo ganha vida
própria, sem precisar de intervenções freqüentes do coordenador.
A expressão grupo de reflexão, segundo Fernandes, Svartman e Fernandes
(2003) foi cunhada em 1960, quando alguns psicanalistas argentinos organizaram um grupo
experimental com médicos residentes em psiquiatria do Instituto Borda, na cidade de Buenos
Aires, capital da Argentina, visando criar um espaço para a elaboração das tensões geradas no
contato diário com os pacientes portadores de doenças mentais. Neste grupo, foram incluídos
os professores e coordenadores desta instituição assistencial. Como a experiência foi um
sucesso, a partir de 1970, esses mesmos psicanalistas, juntamente com Alejo Dellarossa,
Guilhermo Ferschtut e outros, fizeram uma adaptação da experiência para sua introdução no
Instituto de Técnicas Grupais da Associação Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo.
A partir desta iniciativa, a técnica difundiu-se para outras regiões, tornando-se conhecida no
universo da psicoterapia de grupos.
Segundo Zimerman (2000), o grupo de reflexão também é chamado de grupo
de discussão, ou grupo de integração. Em sua etimologia, o termo reflexão é composto pela
junção de re+flexão. O termo sugere que cada um e todos os membros do grupo devem estar
dispostos a fazer uma continuada flexão sobre eles mesmos, no sentido de assumirem suas
próprias responsabilidades. A palavra reflexão também indica a qualidade de um espelho,
sugerindo que o grupo de reflexão funcione como uma galeria de espelhos, onde cada um
possa se refletir nos outros e vice-versa. Originalmente, portanto, o grupo de reflexão surgiu
com a idéia de criar um espaço para a reflexão, para se indagar sobre as tensões provenientes
do processo de ensino e aprendizado.
Fernandes et al. (2003) classificam o grupo de reflexão como uma modalidade
dos grupos operativos, mas com uma tarefa mais ampla. Zimerman (2000) inclui o grupo de
170
reflexão na categoria de grupos operativos quanto ao seu funcionamento, mas, em função do
seu caráter reflexivo, esse tipo de grupo tem como principal finalidade o ensino-aprendizagem
sobre o tema que seus membros estarão refletindo. O grupo de reflexão tem um duplo
objetivo: fornecer informação e proporcionar a formação, principalmente, no que se refere à
aquisição de atitudes internas.
Fernandes et al. (2003) afirmam que o grupo de reflexão pode ser situado entre
os grupos operativos e os grupos terapêuticos, porque ele fornece um espaço catalisador que
propicia crescimento e gera mudanças significativas em seus participantes. Por esta
particularidade, o coordenador do grupo deve tomar cuidado para não permitir que o trabalho
com o grupo avance para uma posição mais próxima do funcionamento de um grupo
terapêutico.
Sobre este assunto, Zimerman (2000) diz que, embora o grupo de reflexão não
tenha a finalidade de ser uma forma de psicoterapia analítica e não siga suas regras básicas,
não se pode negar que, por meio de seus mecanismos específicos, ele exerça uma definida
ação terapêutica, que resulta em modificações na atitude e na conduta. Essas transformações
ocorrem porque, através do grupo de reflexão, os indivíduos aprendem a aprender. Isto
acontece, porque o grupo de reflexão trabalha com as quatro funções do Ego: percepção,
pensamento, conhecimento e comunicação.
A percepção é a forma como o indivíduo, ou um grupo, percebe os estímulos
advindos do mundo exterior. Isso varia de conformidade com a natureza e o grau das
possíveis ansiedades que fazem parte da vida de cada um. Por exemplo, se a ansiedade
predominante for de natureza paranóide, o indivíduo perceberá, de forma distorcida, tudo o
que os seus órgãos sensitivos captarem. De forma contrária à realidade objetiva ele verá, nas
outras pessoas, uma fisionomia de reprovação e ouvirá frases agressivas visando atingi-lo. Se
as ansiedades forem de natureza depressiva, as distorções com respeito à realidade objetiva
serão outras. No grupo de reflexão essa área é trabalhada, gerando significativas modificações
na atitude e na conduta. (ZIMERMAN, 2000)
A maior meta do grupo de reflexão, no entendimento de Fernandes et al.
(2003) é promover conhecimento por meio da experiência grupal. Quando ele é usado na
instituição de ensino, por exemplo, visa conhecer melhor os temas estudados, os vínculos com
os colegas e professores e o sentido de pertença à instituição formadora.
Zimerman (2000) concorda com este entendimento, pois afirma que o grupo de
reflexão também possibilita a realização de uma importante função do conhecimento. Na
evolução normal da criança existe um impulso natural e sadio de querer conhecer as verdades
171
das coisas e dos fatos que fazem parte do seu cotidiano. Todavia, também existe em todo ser
humano, o impulso de evitar o conhecimento das verdades penosas, tanto às externas quanto
as internas. O grupo de reflexão possibilita ao indivíduo perceber com maior clareza o
elevado preço que ele está pagando para evitar o contato com as verdades que lhe causam dor
e sofrimento. O ambiente reflexivo motiva os participantes do grupo a desenvolverem a
capacidade de fazer indagações de ordem dialética.
Segundo Zimerman (2000), o grupo de reflexão também propicia aos
indivíduos a possibilidade de utilizar o pensamento de forma mais adequada. Por meio das
interações que ocorrem dentro do grupo, os participantes podem perceber o nível do quanto
estão submissos ao pensamento de uma outra pessoa que está fora ou dentro dele; podem
enxergar o próprio comportamento narcísico na imposição de suas verdades absolutas, dentro
do grupo ou fora dele, ou perceber o quanto se utiliza de racionalizações para impedir o
surgimento de qualquer fato novo que venha colocar em risco a sua segurança.
É por isso que Fernandes et al. (2003) entendem que o grupo de reflexão
proporciona a construção de um espaço propício para a elucidação e conceituação dos
fenômenos inconscientes, relativos à dinâmica grupal, no contexto onde o grupo encontra-se
inserido. Também permite a observação do desenvolvimento de modalidades relacionadas à
pertença a uma determinada configuração vincular: o grupo.
O grupo psicanalítico de reflexão propicia o conhecimento dos dinamismos
grupais inconscientes que podem se transformar em posturas, bem como, os modelos
anteriores mais rígidos ou flexíveis, dificultando, ou facilitando o surgimento do novo.
No entendimento de Zimerman (2000), o grupo de reflexão também promove o
desenvolvimento da função de comunicação. Os mal-entendidos que corroem os
relacionamentos humanos surgem em conseqüência de patologias relacionadas à percepção e
ao pensamento, em conseqüência do emprego excessivo de identificações projetivas nas
relações interpessoais. Em todos os relacionamentos humanos é comum encontrarmos pessoas
depositando e atribuindo a outras aqueles conteúdos que não conseguem aceitar em si
mesmas. É óbvio que, num grupo de reflexão, essas questões não são abordadas e
interpretadas de forma sistemática. Mas, sempre que surgirem com intensidade, a ponto de
interferir no livre curso da proposta explícita do grupo, haverá a necessidade de
conscientização e de elaboração desses conteúdos.
Miranda e Padilha (1998) acreditam que o grupo de reflexão pode exercer o
papel de organizador social de espaços de experiência, porque vincula os sujeitos entre si. É
neste sentido que Damasceno, Braga e Fraga (1991, p. 480) afirmam que criaram grupos de
172
reflexão com 58 alunos de enfermagem psiquiátrica “com a pretensão de permitir que cada
um de seus participantes deixe emergir sentimentos e emoções na tentativa de buscar soluções
menos conflituosas”.
Estes grupos foram espaços criados para que:
Aluno e professor sejam simplesmente seres humanos, que a ambos seja
permitido expressarem seus anseios, medos, expectativas e sentimentos do
que se passa nos seus relacionamentos dentro do contexto institucional,
dentro da perspectiva relacional aluno-paciente, aluno-aluno, aluno-
professor, etc. (DAMASCENO et al.1998, p. 481)
Catena, Chagel, Kersner e Mohadeb (1998) afirmam que por meio do grupo de
reflexão é possível investigar as características do trabalho psíquico dos indivíduos ligados a
vincularidade. Eles definem por trabalho psíquico “o conjunto de operações mentais
necessárias para entrar em um vínculo”.
Fernandes et al. (2003) observam que no grupo de reflexão os participantes têm
a tendência de expressar suas fantasias vinculadas às suas origens e aquelas relacionadas ao
macrocontexto e com a pertença institucional.
Quanto ao seu funcionamento, o grupo de reflexão tem suas particularidades. A
primeira, diz respeito à ausência de temas para a discussão. Pelo fato de não ser oferecido um
tema pré-fixado, há pouco espaço definido no grupo de reflexão e isso facilita as projeções e a
construção de temas pelos próprios participantes. (FERNANDES et al., 2003)
No grupo de reflexão os coordenadores e os demais participantes do grupo são
sujeitos e objetos do conhecimento. Esse duplo papel facilita o aprendizado, teórico e prático,
com relação à experiência grupal. (FERNANDES et al., 2003)
Grande parte dos autores julga que as intervenções do coordenador devem
objetivar o grupo em suas dificuldades e ansiedades e nunca os indivíduos. Mas o consenso de
não se fazer interpretações no grupo de reflexão não é uma rega rígida. Alguns coordenadores
argentinos, uruguaios e brasileiros, em algum momento, interpretam. Mas, a maioria prefere
não fazer interpretações individuais. Por outro lado, o autor admite que “uma interpretação
individual pode ser útil quando o participante do grupo de reflexão é o porta-voz de algo
importante e o grupo apresenta-se estagnado”. (FERNANDES et al., 2003, p. 208).
A regra também permite fazer uma espécie de síntese do que foi abordado e
examinado pelo grupo, ao final de cada reunião, para dar a idéia de continuidade no tempo e
no espaço. (FERNANDES et al., 2003)
173
Quanto aos benefícios do grupo de reflexão, Catena et al. (1998) afirmam que
o grupo de reflexão oferece a possibilidade de se pensar e pensar com outras pessoas, dando
lugar e tempo ao exercício da reflexão. Fazer parte de um grupo de reflexão implica em uma
tarefa de pensar sobre si mesmo e vivenciar a si mesmo no grupo. Observar e pensar com os
outros é uma ferramenta importante de aprendizagem. Neste sentido, em certo grau, o grupo
liberta as pessoas da praticidade e imediatismo dos tempos modernos, ajudando na construção
de um modelo vincular diferente, perfeito para o treinamento profissional.
Neira e Villareal (2001) afirmam que dentro das várias técnicas de cuidado
psicológico, o recurso grupal em geral, e o grupo de reflexão em particular, impõem-se como
um dos métodos terapêuticos mais utilizados nas instituições, porque oferecem o seguinte:
A possibilidade de cuidado múltiplo e simultâneo a pacientes que chegam à
instituição com dificuldades, ou que evitam o tratamento fora da instituição
assistencial. No grupo de reflexão, o espaço grupal se constitui em um fórum
de contensão, discussão, reflexão, encontro, ajuda mútua e aprendizagem,
favorecendo mecanismos de maturação e crescimento nestes pacientes e de
auto-regulação na rede que os incluem.
Miranda e Padilha (1998, p. 64) relatam a experiência que tiveram com um
grupo de pais de adolescentes, dizendo que:
No grupo eles puderam expor suas imagens interiores e angústias. [...] No
grupo os sentimentos invadiram as pessoas, as estimularam; a expressão de
seus desejos, medos, angústias, às vezes, os excitaram, outras vezes,
paralisaram, apontando que são seres em movimento, dinâmicos e que
necessitam conhecer estes mecanismos para qualquer processo de mudança
em suas vidas. [...]
Para essas autoras, a vivência grupal proporciona a possibilidade de ser um
espaço afetivo e de contensão, onde cada participante pode falar de si mesmo e pode ser visto,
pelos outros, em sua individualidade. Assim, eles conseguem aprender a olhar o outro como
um indivíduo. (MIRANDA; PADILHA, 1998)
Na experiência de Neira e Villareal (2001), o grupo de reflexão possibilitou aos
pacientes renais crônicos a oportunidade de saírem do bloqueio emocional que a enfermidade
e o tratamento haviam causado, pois eles desenvolveram a capacidade de refletir sobre os
problemas que estavam vivendo. Esta mudança no estado emocional favoreceu a
compreensão e aceitação das circunstâncias nas quais se encontravam e, em conseqüência,
produziu uma melhor interação interna e com o grupo.
174
Diante desta explanação, concordamos com Almeida (2003), quando afirma
que o processo grupal traz grandes benefícios aos seus participantes, em função da troca de
experiências que ocorre dentro do grupo, permitindo que os indivíduos identifiquem com mais
clareza às dificuldades vivenciadas e encontrem formas alternativas de enfrentá-las.
Por ser composto por pessoas diferentes, vindas de realidades diferentes, que
estão vivendo fases distintas do enfrentamento de seus problemas, o grupo promove uma
troca enriquecedora de experiências. Quando um membro do grupo percebe que está vivendo
uma situação similar a que o outro já viveu, ou está vivendo como ele, as inquietações podem
ser divididas, compartilhadas, gerando uma melhor aceitação do problema pela atitude
empática dos outros membros do grupo.
8.1.4.2. Grupo Focal
Os grupos focais surgiram a partir do aprimoramento das entrevistas grupais; o
que difere é o papel do entrevistador e o tipo de abordagem. Enquanto o entrevistador grupal
desempenha um papel mais diretivo no grupo e estabelece uma relação com cada membro do
grupo, o moderador de um grupo focal assume a posição de um facilitador do processo de
discussão.
Hassen (2002) define grupo focal como uma técnica de pesquisa de abordagem
rápida, que possibilita a coleta de dados de natureza qualitativa, por meio de sessões de
grupos, onde os participantes compartilham alguns traços comuns ou discutem aspectos de um
tema proposto pelo moderador. A técnica de grupo focal possibilita a identificação e o
levantamento de opiniões que refletem o próprio grupo. A rapidez na obtenção dos resultados
ocorre em função da reunião dos participantes, do confronto de idéias que se estabelece e pela
concordância do grupo em torno de uma mesma opinião. Segundo a autora, as percepções,
expectativas, representações sociais e conceitos vigorantes do grupo só podem ser conhecidos
em alguns encontros, não em todos.
Gondim (2002) define o grupo focal como uma técnica de pesquisa que coleta
os dados através das interações grupais, por meio da discussão de um tópico específico
sugerido pelo pesquisador. Ele se caracteriza como um recurso para se compreender o
processo de construção das percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos.
175
Carlini-Cotrim (1996) define grupo focal como um método de pesquisa
qualitativa utilizado para a compreensão da formação das diferentes percepções e atitudes
referentes a um fato, uma prática, um produto ou serviços. Ele é um tipo especial de grupo
com propósito, tamanho, composição e dinâmica que são peculiares. Em sua essência, o grupo
focal apóia-se na interação entre seus participantes, para colher dados, a partir de tópicos que
são fornecidos pelo pesquisador, que funcionará como moderador do grupo.
A utilização dos grupos focais leva em consideração os pressupostos e as
premissas do pesquisador. Alguns utilizam dessa técnica para reunir informações necessárias
para a tomada de decisão; outros entendem que os grupos focais são promotores da auto-
reflexão e da transformação social e, ainda outros, vêm os grupos focais como uma técnica
para exploração de um tema pouco conhecido, objetivando o delineamento de pesquisas
futuras. Por estas razões, existem várias modalidade e tipos de grupos focais. (GONDIM,
2002)
Os grupos focais podem servir para vários propósitos. Segundo Gondim
(2002), eles podem ser orientados para a confirmação de hipóteses e avaliação de uma teoria,
ou, em termos práticos, para o uso das descobertas em contextos particulares. Essas duas
orientações podem estar contidas em três modalidades de grupos focais: exploratórios,
clínicos e vivenciais.
Os grupos exploratórios visam produzir conteúdos. Eles estão orientados
teoricamente para a geração de hipóteses, para o desenvolvimento de modelos e teorias. Na
prática eles têm como objetivo produzir novas idéias, identificar as necessidades, as
expectativas e as descobertas de outras utilidades para um produto específico. Os grupos
exploratórios enfatizam o plano intersubjetivo, ou seja, aquilo que possibilita identificar
aspectos comuns de um grupo alvo. (GONDIM, 2002)
Os grupos focais clínicos estão orientados teoricamente para a compreensão
das crenças, sentimentos e comportamentos e, na prática, visam descobrir projeções,
identificações, vieses e resistência à persuasão. Eles partem da premissa clínica de que muitos
comportamentos são desconhecidos pela própria pessoa. Por isso, é importante o julgamento
clínico e a observação do outro. A intra-subjetividade no grupo é o fator preponderante desta
modalidade. (GONDIM, 2002)
Nos grupos focais vivenciais, o alvo da análise são os próprios processos
internos do grupo. Eles estão subordinados a dois objetivos: na orientação teórica eles visam
permitir a comparação de suas descobertas com os resultados de entrevistas por telefone e
face a face. Nesse nível a análise é intergrupal. Na orientação prática eles visam compreender
176
a linguagem específica do grupo, por meio de suas formas de comunicação, preferências
compartilhadas e no impacto que as estratégias, programas, propagandas e produtos produzem
nas pessoas. Nessa modalidade a ênfase da análise é intragrupal. (GONDIM, 2002)
Quanto ao processo de pesquisa por meio de grupos focais, Gondim (2002)
afirma que a clareza de propósito é fundamental para se finalizar um projeto de pesquisa,
tendo como técnica de coleta de dados o grupo focal. Isto porque, as decisões metodológicas
dependem dos objetivos a serem alcançados. São os objetivos que o pesquisador pretende
atingir que influenciarão diretamente na composição dos grupos, no número de elementos, na
homogeneidade ou heterogeneidade dos participantes (cultura, idade, gênero, status social
etc.), no recurso tecnológico empregado (face-a-face ou mediados por tecnologias de
informação), na escolha do local de realização, nas características que serão adotadas pelo
moderador (diretividade ou não-diretividade) e no tipo de análise dos resultados. Esses fatores
irão determinar o processo de discussão e os resultados que serão obtidos ao término do
grupo.
O processo de planejamento da pesquisa com grupo focal demanda alguns
cuidados especiais. Um fator importante a ser considerado é o papel do moderador. Para
Hassen (2002), o mediador tem a função de suscitar o debate e encorajar os participantes a
expressarem com liberdade suas opiniões e sentimentos sobre o tema, dentro do grupo. Ele
também deve cuidar para que a discussão não seja monopolizada por nenhum participante e
precisa garantir um clima favorável para que todos tenham igual oportunidade de expressão
no grupo.
Carlini-Cotrim (1996) afirma que compete ao moderador do grupo criar um
ambiente propício para que diferentes percepções e pontos de vista sobre o tema venham à
tona durante a interação do grupo focal, sem que haja nenhuma pressão para que os
integrantes do grupo cheguem a um consenso ou estabeleçam algum plano. Para que esse
ambiente, relaxado e condutor de troca de experiências e perspectivas possa acontecer no
grupo, outros cuidados se fazem necessários, como:
a) É ideal que os participantes não pertençam ao mesmo círculo de amizade ou
trabalho. O objetivo desse cuidado é evitar que a livre expressão de idéias no grupo possa ser
prejudicada pelo temor do impacto, real ou imaginário, que essas opiniões possam gerar
posteriormente. Quando duas pessoas não se conhecem profundamente, normalmente podem
ser mais francas e profundas na troca de suas experiências, porque não possuem o
compromisso da convivência depois daquele encontro momentâneo.
177
b) Os participantes devem ser homogêneos em termos de características que
interfiram radicalmente na percepção do assunto em discussão. A homogeneidade gera um
clima confortável para a troca de experiências e impressões, principalmente, as de natureza
pessoal. Quanto mais próximas às pessoas estiverem em termos de idade, gênero, orientação
sexual, renda e etnia, maior será a possibilidade de aprofundamento dos tópicos ligados ao
tema em discussão. É preciso tomar cuidado para que a busca de homogeneidade não
implique na homogeneidade da percepção do tema que será discutido pelo grupo. Isto porque,
a principal riqueza do grupo focal é justamente o contraste de diferentes percepções entre
pessoas semelhantes (CARLINI-COTRIM, 1996).
A escolha aleatória dos participantes nem sempre é um bom critério na
composição do grupo focal. É preciso fazer uma avaliação prévia se o participante tem algo a
dizer e se possui suporte interno para desvelar-se diante grupo. Os mais indicados são aqueles
que conseguem produzir um maior volume de informações em curto espaço de tempo e que
trazem à tona o processo de formação de opinião, que ocorre no jogo das influências sociais
mútuas. É importante levar em consideração o potencial de cada participante para contribuir
na discussão do tema. (GONDIM, 2002)
Nos momentos iniciais, é importante explicitar aos participantes as regras do
grupo focal para que eles tenham autonomia no debate. As regras são as seguintes: a) só uma
pessoa fala de cada vez; b) evitar discussões paralelas para que todos participem; c) ninguém
pode dominar a discussão; d) todos têm o direito de dizer o que pensam.
Carlini-Cotrim (1996), destaca que a coleta de dados por meio do grupo focal é
rica em função da tendência humana de formar opiniões e atitudes na interação com outras
pessoas. Esses dados podem ser contrastados com outros colhidos em questionários fechados
ou entrevistas individuais, onde os participantes são convocados a emitir opiniões sobre
assuntos pertinentes ao tema investigado.
As pessoas, normalmente, precisam ouvir as opiniões dos outros antes de terem
uma opinião formada sobre o assunto tema. Por isso, constantemente mudam de posição ou
fundamentam melhor sua posição inicial quando são expostas em uma discussão de grupo. O
grupo focal tenta captar exatamente esse processo de formação de opinião através da interação
dos indivíduos.
178
8.2. ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA
Por ser uma pesquisa que envolve seres humanos é importante atentar para os
cuidados éticos necessários, objetivando resguardar a integridade das participantes
pesquisadas. Portanto, durante todo o procedimento de coleta de dados e análise dos dados,
este pesquisador procurou seguir os critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de
Psicologia, na sua Resolução nº 016/2000, que normatiza a pesquisa com seres humanos, na
área da Psicologia, bem como, a Resolução nº 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde, que
também aborda esta matéria. Em termos práticos, foram tomadas as seguintes providências:
a) Protocolo de pesquisa, elaborado como parte do projeto, que foi submetido à
apreciação do Comitê de Ética da Universidade, com o intuito de resguardar a ética e
cientificidade da pesquisa. Este protocolo também foi enviado ao CNS-CONEP;
b) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, feito pelo pesquisador, com
conteúdo claro e objetivo, visando informar as participantes da pesquisa a respeito dos
objetivos da pesquisa, seus procedimentos e os cuidados éticos que seriam tomados, conforme
cópia em anexo, nos apêndices (Anexo A).
8.3. PROCEDIMENTOS
Os procedimentos realizados durante a elaboração da pesquisa foram os
seguintes:
8.3.1. Coleta de Dados
A coleta de dados foi iniciada por meio de uma Entrevista Individual semi-
estruturada com as participantes da pesquisa, abordando os dados pessoais e as peculiaridades
da relação conjugal dissolvida.
Na seqüência, a coleta de dados foi aprofundada por meio de um grupo de
reflexão, com princípios do grupo focal, com duração de vinte e cinco encontros, duas vezes
179
por semana, com tempo de uma hora e quinze minutos cada encontro, tendo como referencial
metodológico de pesquisa o método clínico-qualitativo, fundamentado na abordagem
psicodinâmica.
Durante o mês de março de 2007, fizemos a divulgação da pesquisa, visando
convidar os participantes, no Departamento Jurídico das Clínicas Escola da UCDB, no Projeto
ASA Ações à Saúde do Acadêmico e no próprio Departamento de Psicologia da UCDB
Universidade Católica Dom Bosco.
O primeiro contato com as pessoas que se mostraram interessadas foi feito por
telefone. Na seqüência foi marcado um encontro para a entrevista semi-estruturada, que
sempre foi iniciada com uma explicação detalhada da pesquisa, dos objetivos a serem
alcançados, dos procedimentos éticos que seriam tomados. E, com a decisão positiva da
pessoa de participar do grupo de reflexão, foi feito o procedimento de assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e, depois destes cuidados iniciais, era iniciada a entrevista
semi-estruturada propriamente dita.
As reuniões do Grupo de Reflexão aconteceram no edifício das Clínicas Escola
da UCDB - Universidade Católica Dom Bosco, no Departamento de Psicologia, com
supervisões clínicas que aconteceram na própria instituição de ensino e pesquisa. O primeiro
encontro do Grupo de Reflexão ocorreu no dia 15/05/2007 e o 25º encontro aconteceu no dia
16/08/2007.
A entrevista individual semi-estruturada abordou os seguintes temas: dados
pessoais, histórico da família de origem, histórico da formação do vínculo conjugal, do
cotidiano da relação, dos conflitos e dissolução do vínculo conjugal. As entrevistas foram
gravadas e as partes mais importantes foram transcritas para fundamentar as discussões dos
resultados.
O grupo de reflexão funcionou no modelo exposto anteriormente. Iniciávamos
cada encontro sem dar nenhuma direção temática sobre o assunto. Alguém começava a falar
sobre fatos pertinentes ao momento que estava vivenciando em sua separação conjugal ou
vida pessoal e, na seqüência, outros assuntos eram encadeados, por livre escolha das
participantes do grupo, até o final do encontro. Os últimos dez minutos dos encontros foram
reservados para a síntese dos coordenadores, conectando os assuntos que o grupo havia
abordado e examinado com relação ao tema. O interessante foi que as próprias participantes
do grupo de reflexão pediram, desde a primeira reunião, um fechamento desta natureza.
A composição do grupo de reflexão foi a seguinte: os dois coordenadores, o
autor desta pesquisa e a psicóloga Sandra Salles, que na época estava terminando seu curso de
180
Especialização em Psicoterapia da Base Analítica pela UCDB; a acadêmica de Psicologia
Miriane Souza Costa, que não participava do grupo, mas permanecia na sala durante os
encontros, na função de observadora e as participantes da pesquisa.
O conteúdo dos relatos foi registrado pela observadora dentro do grupo e,
também, foi feita gravação de áudio com um micro gravador portátil. Em função da
quantidade de material coletado, só foram transcritos o áudio daquelas partes selecionadas por
meio das leituras recorrentes do material registrado pela observadora, para confirmação e
detalhamento do sentido exato das falas.
8.3.2. Participantes
No início, pretendíamos formar um grupo heterogêneo, composto por homens e
mulheres que estivessem vivenciando o processo de separação, com idades variando entre 25
a 50 anos, separados legalmente ou não do primeiro casamento e que ainda não haviam
contraído novo casamento.
Conseguimos iniciar o grupo de reflexão com sete mulheres e um homem. Ao
final da primeira reunião, perdemos uma participante, em função de suas próprias dificuldades
internas. O sofrimento expressado pelos participantes do grupo mexeu muito com seus
conteúdos internos e, após supervisão, achamos conveniente tirá-la do grupo de reflexão.
Todavia, continuamos com o atendimento individual, até o momento que ela mesma
reconheceu já ter trabalhado, nos encontros individuais, todo o conteúdo interno que estava
paralisando sua vida. Então, depois de quinze encontros, finalizamos o atendimento.
No decorrer dos encontros, perdemos mais dois participantes. O único homem
do grupo, que deixou de participar, alegando dificuldades pessoais e uma outra participante,
por motivo de trabalho. Ela começou a trabalhar e seu horário de trabalho entrou em conflito
com o horário do grupo de reflexão. Assim, ficamos com cinco participantes que
permaneceram até o final, quatro freqüentando assiduamente e uma participante, com algumas
dificuldades de estar presente em todos os encontros, aparentemente por questões financeiras
e conflito de horário com outras atividades pessoais.
A pesquisa foi realizada com base nos relatos das cinco participantes que
permaneceram até o final do grupo de reflexão. Para resguardar a identidade das participantes,
vamos usar nomes fictícios que poderão facilitar a identificação dos conteúdos dos
181
fragmentos que serão utilizados na discussão dos resultados por tema. Segue abaixo, alguns
dados genéricos sobre as mulheres que participaram do grupo de reflexão:
Irene, 37 anos, casou aos 20 anos de idade, permaneceu casada durante 17
anos, aproximadamente, mãe de dois filhos, cursou até o ensino médio e trabalha como
profissional liberal.
Isa, 32 anos, casou aos 20 anos de idade, mantém um casamento de 12 anos,
aproximadamente, mãe de dois filhos, cursou até o ensino médio e trabalha como empregada
em uma empresa de Campo Grande-MS.
Íris, 34 anos, casou aos 22 anos de idade, permaneceu casada durante 12 anos,
aproximadamente, mãe de dois filhos, possui curso superior completo e trabalha como
profissional liberal.
Ieda, 33 anos, casou aos 22 anos de idade, permaneceu casada durante 10 anos,
aproximadamente, mãe de dois filhos, possui curso superior completo e trabalha como
profissional liberal.
Ilca, 51 anos, casou aos 27 anos de idade, permaneceu casada durante 17 anos,
aproximadamente, mãe de dois filhos, possui curso superior completo e trabalha como micro-
empresária.
8.3.3. Forma de Análise dos Resultados
Nas ciências humanas, dentro da metodologia qualitativa, a coleta e tratamento
dos dados, têm sua própria peculiaridade.
Chizzotti (2001, p. 84) afirma que os dados não são considerados elementos
isolados e acontecimentos fixos captados em um instante da observação. Eles foram dados em
um contexto dialético de relação, por isso: “são ‘fenômenos’ que não se restringem às
percepções sensíveis e aparentes, mas se manifestam em uma complexidade de oposições, de
revelações e de ocultamentos. É preciso ultrapassar sua aparência imediata para descobrir sua
essência”. Ele complementa seu entendimento, dizendo que “na pesquisa qualitativa todos os
fenômenos são igualmente importantes e preciosos: a constância das manifestações e sua
ocasionalidade, a freqüência e a interrupção, a fala e o silêncio. É necessário encontrar o
significado manifesto e o que permaneceu oculto.
182
Lüdke e André (1986) argumentam que mesmo não existindo hipóteses ou
questões específicas formuladas a priori, estes fatos não significam a inexistência de um
quadro teórico que oriente a coleta e a análise de dados. No início o pesquisador enfrenta
questões ou temas de interesse muito amplos que, ao final, se tornam mais diretos e
específicos. À medida que o estudo vai se desenvolvendo o pesquisador tem condições de
precisar melhor os temas enfocados.
Chizotti (2001) diz que na metodologia qualitativa os dados são coletados de
forma interativa, num processo de idas e voltas, durante as diversas etapas da pesquisa e na
relação com seus sujeitos. No decorrer da pesquisa, os dados colhidos em suas diferentes
etapas são insistentemente analisados e avaliados.
As ciências humanas são também conhecidas como ciências hermenêuticas,
por se tratar de ciências da interpretação. Ladrière (1977 apud CALIL, 2001) define como
hermenêutica a disciplina que trabalha com a interpretação dos signos em geral e dos
símbolos em particular. Nesse sentido, todo o processo interpretativo tem como objetivo
relevar uma significação que não se encontra no nível do aparente. A significação é a relação
que se estabelece entre um signo e uma entidade que pertence ao mundo real ou ideal. As
ciências hermenêuticas têm como finalidade esclarecer a realidade humana que pode ser
compreendida nos sinais deixados na natureza, por meio das ações e obras dos seres humanos.
Quando se trata de compreender essas significações, o método hermenêutico é um dos mais
apropriados.
Mora (1984 apud MINAYO, 1996, p. 219-220), em seu dicionário de Filosofia,
define Hermenêutica nos seguintes termos:
A Hermenêutica consiste na explicação e interpretação de um pensamento.
Essa interpretação pode ser: (a) literal ou de averiguação do sentido das
expressões usadas por meio de uma análise lingüística; (b) ou temática, na
qual importa, mais que a expressão verbal, a compreensão simbólica de uma
realidade a ser penetrada. Tradicionalmente a Hermenêutica está referida à
exegese das Sagradas Escrituras e deve seu desenvolvimento ao avanço
histórico da gramática, da retórica humanística e dos estudos bíblicos.
Rezende (1993 apud CALIL, 2001) entende que o método hermenêutico
concede ao pensador a possibilidade de participar do texto vivido, podendo acrescentar ao
mesmo o sentido de sua própria interpretação. A interpretação analítica vai além, pois é
extraída da experiência vivida e sofrida na interação com o paciente. Como resultado desse
183
encontro vívido, o terapeuta é capaz de reconhecer em si mesmo o sentimento do paciente,
dando-lhe um novo significado.
Com base nessas considerações preliminares, esclarecemos que os dados
contidos nos discursos colocados pelas participantes da pesquisa, nas entrevistas semi-
estruturadas e nos encontros de reflexão, foram analisados, levando em consideração a
criticidade e o modelo de interpretação proposto pelas ciências humanas, aplicando alguns
princípios da hermenêutica e da compreensão simbólica contida no pensamento psicanalítico.
184
9. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS POR TEMA
185
Visando uma melhor compreensão dos aspectos psicodinâmicos que surgiram,
durante os vinte e cinco encontros do grupo de reflexão, acerca do processo de dissolução do
vínculo conjugal nos casos estudados, dividiremos este capítulo em três temas, que estão
vinculados aos objetivos da investigação e ao referencial teórico propostos. Os temas serão os
seguintes: a) as influências das vivências relativas à formação da identidade feminina na
escolha do cônjuge: o vínculo idealizado; b) o funcionamento do contrato inconsciente do
casamento no cotidiano da relação conjugal: o vínculo real; c) o funcionamento do contrato
inconsciente do casamento na origem e desenvolvimento dos conflitos da relação conjugal: a
desestruturação e dissolução do vínculo.
Ressaltamos que todos os temas serão analisados a partir do olhar feminino
exposto no grupo de reflexão, porém, levando em conta a visão do indivíduo dentro do grupo.
Sendo assim, o grupo aqui foi utilizado apenas como instrumento de coleta de dados das
pessoas individuais.
Resolvemos fazer uma análise individual de cada uma das participantes do
grupo de reflexão, nos temas e vivências particulares que elas trouxeram durante a entrevista
semi-estruturada e nos encontros do grupo de reflexão, para poder acompanhar a influência
inconsciente que os conflitos vivenciados nas primeiras fases do desenvolvimento exerceram
nas fases posteriores da construção da identidade, bem como, nas escolhas e nos
relacionamentos da fase adulta.
Portanto, há subtemas que estarão fundamentados apenas no relato de uma das
participantes, pois representa uma vivência exclusiva, mas importante para explicar as
particularidades de sua escolha amorosa e a configuração do seu vínculo conjugal, bem como,
a origem e desenvolvimento dos conflitos que culminaram com a separação conjugal. Outros
temas estarão fundamentados no relato de duas ou mais participantes que vivenciaram
situações semelhantes, durante as fases do desenvolvimento emocional.
Outra questão importante é que as interpretações dos dados seguirão os
princípios encontrados na psicologia Psicodinâmica e na Psicanálise, sabendo que poderiam
conter muitos outros sentidos se fosse levado em conta outras abordagens.
Para acompanhar melhor nossa compreensão sobre a influência das motivações
inconscientes na formação do vínculo conjugal, no cotidiano da relação conjugal, na origem e
desenvolvimento dos conflitos que promovem a desestruturação e, em alguns casos, a
dissolução do vínculo conjugal, sempre a partir da ótica feminina individual, optamos em
subdividir as discussões temáticas por blocos de fragmentos que versam sobre assuntos
pertinentes, que foram trazidos pelas participantes do grupo de reflexão, acompanhados de
186
comentários do autor ou citações de outros autores pesquisados. Optamos por este
procedimento com a finalidade de tornar mais visível, ao longo dos três temas, as influências
das motivações inconscientes e do contrato inconsciente do casamento, durante o processo
vivido pelas mulheres nos vínculos conjugais estudados nessa pesquisa.
Para a compreensão das falas que as participantes trouxeram, durante os
encontros do grupo de reflexão, vamos utilizar a interpretação simbólica, baseada na
hermenêutica. As compreensões ou entendimentos dos fatos, a partir dessa modalidade de
interpretação, levam em consideração as percepções do observador participante e pesquisador,
que não é isento do processo de produção de conhecimento.
Estas interpretações simbólicas dos fenômenos estudados representam uma
síntese do que foi compreendido pelo pesquisador, a partir de sua observação privilegiada dos
processos e discursos ocorridos no grupo, da discussão entre os coordenadores do grupo logo
após o encontro, juntamente com a acadêmica que participou como relatora. Também por
meio de dados transcritos nas supervisões clínicas, com o auxílio da orientadora de pesquisa,
que também acompanhou a fase de coleta de dados, tendo sido feitos alguns encontros com
esse objetivo. Todas estas etapas ajudaram no aprofundamento e refinamento das percepções
do material coletado e contribuíram, sensivelmente, para uma maior fidedignidade das
análises que virão a seguir.
Para melhor compreensão do modelo adotado para a citação das falas,
julgamos necessário fazer algumas ponderações. Serão utilizados os materiais coletados nas
entrevistas iniciais, feitas individualmente com cada participante, identificadas pela expressão
“entrevista individual” e nos encontros do grupo de reflexão, identificadas pela expressão que
vai do “1º ao 25º encontro”. A identificação sempre estará no início de cada fala, trazendo a
autoria, o momento que a fala ocorreu e de onde ela foi coletada.
9.1. AS INFLUÊNCIAS DAS VIVÊNCIAS RELATIVAS À FORMAÇÃO DA
IDENTIDADE FEMININA NA ESCOLHA DO CÔNJUGE: O VÍNCULO IDEALIZADO
Nesse estudo, verificamos que as entrevistas individuais e os encontros do
grupo de reflexão corroboraram o que a literatura estudada retrata sobre a forte influência dos
estágios iniciais do desenvolvimento psicossexual e da formação da identidade feminina,
durante a construção do vínculo amoroso.
187
Ao investigar a história familiar das participantes do grupo e os seus primeiros
modelos de relacionamentos parentais e relacionar esses fatos com a história de seus vínculos
conjugais desfeitos, podemos perceber algumas conexões interessantes, confirmando alguns
pontos da teoria psicanalítica que destaca a importância dos conteúdos internalizados dos
primeiros relacionamentos da criança com o pai, mãe, irmãos e cuidadores, para a formação
de seus futuros vínculos, principalmente os de cunho afetivo.
9.1.1. Causas que dificultaram o desenvolvimento e a formação da identidade feminina das
mulheres do grupo de reflexão.
Durante as entrevistas iniciais e os encontros do grupo de reflexão, observamos
que algumas circunstâncias vivenciadas pelas mulheres, dentro de suas respectivas famílias,
durante as primeiras fases do desenvolvimento psicossexual, criaram dificuldades para que
pudessem elaborar, ao menos em parte, o complexo de Édipo.
Neste tópico, faremos uma explanação de questões familiares que aumentaram
as dificuldades, que normalmente já são grandes, para que as participantes do grupo
vivenciassem esta passagem importante de suas vidas, que produz significativa influência nas
futuras escolhas amorosas, durante a fase adulta.
A partir de agora passarei a usar alguns nomes fictícios para facilitar a
identificação das falas com as participantes do grupo de reflexão. As mulheres que
participaram do grupo de reflexão receberam os seguintes nomes, escolhidos de forma
aleatória: Irene, Isa, Íris, Ieda e Ilca.
9.1.1.1. Conflito e separação conjugal dos pais.
A figura paterna é extremamente importante para o desenvolvimento
psicossexual normal dos filhos. A forma como o pai se relaciona com a filha, por exemplo,
durante a fase do complexo de Édipo, servirá de modelo para todas as outras relações que ela
vivenciará ao longo de sua vida, principalmente aquelas marcadas pela afetividade. Isto ficou
bem claro na fala de Irene, durante a entrevista individual, conforme os relatos abaixo:
188
Irene Entrevista individual: “Porque o meu pai para mim era um deus,
porque até os meus sete anos ele foi um pai perfeito. Aquele pai assim que
não tinha um pai melhor no mundo. Depois ele mudou; pelo fato de eu amar
ele demais, aquilo foi me revoltando e eu tive um grande ódio dele. Eu
odiava mesmo meu pai. Eu odiava, odiava, odiava [...]”.
Irene Entrevista individual: “Assim que nós chegamos em Campo Grande,
ele conheceu uma mulher, que era nossa vizinha e trabalhava perto de onde
ele trabalhava. Eles começaram a ter um caso. Todo dia de manhã ele dava
carona para ela. Ela convivia com minha mãe e minha mãe não sabia que
ele estava tendo um caso.
Irene Entrevista individual: “Nós mudamos com a família para Campo
Grande. Não tínhamos nenhum parente aqui em Campo Grande. Assim que
meu pai trouxe a gente para cá, logo em seguida, não demorou nem um ano,
ele se separou da minha mãe e aí minha mãe ficou sozinha em Campo
Grande. [...] Foi muito difícil quando ele deixou a gente. Passamos
necessidades e fome, mas minha mãe arrumou emprego, sempre
trabalhando, batalhando e assim fomos tocando a vida”.
Anton (2000) declara que a figura paterna ou seu substituto é de suma
importância na fase do complexo de Édipo, porque é ela quem vai promover a identificação
sexual do menino ou da menina. O pai ou seu substituto serve de modelo de masculinidade
para o menino e gratifica e reforça a feminilidade da menina.
Segundo a autora, as falhas de identificação sexual, em ambos os sexos, podem
produzir, na fase adulta, dificuldades de relacionamento, gerando conflitos e tendências a
desvalorização pessoal ou do parceiro, inveja e competição, necessidade de domínio sobre o
outro ou de cuidados excessivos sobre seus sentimentos e pensamentos.
No caso descrito acima, Irene ressalta que seu pai era um deus para ela, até os
sete anos de idade, período em que iniciaram os conflitos no casamento dos pais, em função
das traições que começaram a aparecer no dia-a-dia da relação conjugal.
Irene Entrevista individual: “Quando minha mãe descobriu que meu pai
estava traindo ela com a vizinha, me chamou para ir com ela para pegá-lo
no flagra. Nós fomos até lá e vimos meu pai entrando, de noite, bem tarde,
na casa dela. Como a janela da casa era de madeira, eu e minha mãe vimos
os dois no quarto. Minha mãe bateu na janela. Ele tentou fugir, mas quando
chegou em casa foi a maior briga. Ai começaram as brigas até que eles se
separaram”.
O que agravou mais sua situação foi o fato de ter sido envolvida no conflito
dos pais. Ela acabou sendo levada pela mãe para o centro do conflito e, com isso, tomou para
189
si as dores da mãe, mesmo porque, sentia-se a menina do seu pai, se identificando com a mãe.
Como a mãe, em suas fantasias, era também abandonada, sentia ciúmes e raiva, sentimentos
que acabaram não elaborados, interferindo na resolução, ao menos parcial, de seu conflito
edípico.
Como ficou claro em seu relato, bem antes de acontecer a separação
propriamente dita, ela vivenciou todo o processo de separação emocional dos pais. Esse
período, normalmente, é marcado, negativamente, por desentendimentos, desencontros e, às
vezes, agressões físicas e violência psicológica.
Irene Entrevista individual: “Meu pai assumiu que tinha um caso e aí
começou o sofrimento da minha mãe. Ela ia atrás dele, na casa dela”.
Irene Entrevista individual: “Ai meu pai arrumou outra casa para a
amante dele, só que minha mãe descobriu. Eu ia com ela ver e pegar meu
pai no flagra. E assim foi. Ai chegava em casa ele quebrava o pau,
maltratava a gente, xingava, falava um monte de coisa, depois saia e ficava
fora dois, três dias”.
Ao vivenciar essa fase do processo de separação conjugal dos pais, Irene
experimentou um profundo sofrimento, pois, em função do sofrimento da mãe, precisou
desinvestir todo amor idealizado que havia projetado em seu pai, durante o complexo de
Édipo, para poder socorrer a mãe e rapidamente vincular-se novamente com ela.
Mesmo percebendo o estado de infelicidade dos seus pais, foi difícil para ela
aceitar a separação. Quando isso aconteceu, o fato provocou um impacto extremamente
doloroso e profundo em sua psique, que deixou marcas definitivas, principalmente pelos
sofrimentos que a família passou após a separação, como privação de alimento, pobreza
extrema, desrespeito, humilhações e agressões por parte dos vizinhos. Ela não podia
compartilhar essas coisas com a mãe, pois isso só aumentaria seu sofrimento, sendo que a mãe
tinha que sair de casa para trabalhar a fim de sustentar a família.
A criança tem a tendência de sentir-se culpada pela separação dos pais, como
se estivesse feito algo errado que ensejou as brigas e a separação das pessoas que mais ama e
de quem mais necessita, devido às fantasias edípicas. Com isso, chama para si a
responsabilidade de reconciliá-los e, quando falha, apresenta atitudes de autopunição.
Irene Entrevista individual: “Assim foi até minha mãe descobrir outro caso
dele. Ai minha mãe se revoltou. Disse que não tinha jeito. Só que era aquela
coisa quase parecida com a minha. Ele ia e voltava, ia e voltava. Até que
190
minha mãe resolveu desistir de uma vez. Mas isso aí foram anos de briga,
briga constante. Foi uma situação muito difícil; muito difícil mesmo”.
Na separação dos pais, a criança é tomada pelo sentimento de abandono pelo
progenitor que, na sua ótica, deu causa à separação e o amor se transforma em raiva, desejo de
vingança e afrontamento as regras familiares, mas também ela se torna mais dependente e
ansiosa. O problema é que o conflito conjugal e a separação mobilizam tanto o estado de
preocupação e perturbação dos pais que, muitas vezes, eles não têm a mínima condição para
prestar assistência emocional aos filhos, agravando ainda mais o desespero, a angústia e a
insegurança deles.
Esta sensação de desamparo, em função do vazio que ficou pela ausência de
um dos pais, nas fases iniciais do desenvolvimento psicossexual, pode ser visto claramente na
vida de Isa. Na fase adulta, ela vive intensamente seu desejo de separação, mas não tem forças
para tomar a decisão de separação, porque se sente sozinha, desamparada, sem alguém para
sustentá-la, para protegê-la, neste momento decisivo de sua vida. Na sua busca por apoio
externo, a fim de ter sustentação interna para efetivar a decisão de separação, ela foi
compartilhar seu drama com a irmã mais nova. O apoio que recebeu da irmã foi fundamental
para confirmá-la nesta nova posição que está buscando para sua vida, conforme relato abaixo:
Isa 13º encontro do grupo: “[...] Depois que eu disse tudo a ela, minha
irmã me abraçou e falou: ‘olha! Eu vou lhe dizer uma coisa: eu ti amo tá.
Você pode contar comigo para qualquer coisa. E você não está sozinha’. Eu
tinha falado para ela que estava me sentindo muito sozinha, porque minha
mãe não mora aqui. Pai eu nunca tive. Eu vou contar com quem? E quando
eu precisar de alguma coisa, para onde vou correr? Ai ela me deu um
abraço e disse: ‘você não está sozinha! Eu estou com você. Por mais que eu
não queria a sua separação, mas o que for melhor para você eu lhe apoio.
Pode contar comigo para tudo; para o que der e vier. Eu estou do seu lado
[...]”.
Isa 13º encontro: “Então isso foi muito bom para mim, porque eu estava
me sentindo muito sozinha, porque eu não posso morar com minha mãe. Ela
não mora aqui. Eu não tenho como voltar para lá. Eu não posso voltar para
trás. Eu tenho que ir para frente. Foi muito bom para mim ouvir essas
coisas da minha irmã. Me trouxe um conforto, um aconchego. Eu senti que
não estou sozinha; que eu tenho alguém com quem eu posso contar. Eu me
senti bem; me senti amparada”.
Parece que Isa procurou a irmã mais nova para conseguir falar consigo mesma.
No contato com a irmã, ela pôde fazer uma síntese de tudo o que viveu em sua vida, em seu
relacionamento conjugal e do estado no qual se encontrava naquele momento. A irmã
191
substituiu a ausência da figura paterna, autenticando sua decisão de separação. Por isso, logo
após a conversa com a irmã ela conseguiu se sentir melhor, confortada, incluída e amparada.
Também, num nível transferencial, podemos pensar que o grupo estaria funcionando para ela
como irmãs, oferecendo apoio e conforto e que, a partir do momento de sua exposição no
grupo não estaria mais sozinha.
9.1.1.2. Conflito pai e filha: relacionamento difícil desde a mais tenra idade.
Os relatos de Isa, que mencionam o relacionamento com seu pai, nos levam a
concluir que ela permaneceu vinculada a sua mãe durante as fases fundamentais do seu
desenvolvimento psicossexual. Sobre o relacionamento com seu pai, na entrevista individual,
ela começou dizendo que não tinha nenhuma boa lembrança, porque, na sua ótica, nada de
bom havia acontecido.
Isa Entrevista individual: “Com relação ao meu pai eu não me lembro de
coisa boa, porque não teve. Eu não me lembro”.
Pelo conteúdo de seu relato, poucas foram suas possibilidades de elaboração
com êxito, do complexo de Édipo com seu pai, porque não havia nenhum afeto no
relacionamento entre eles. Eles apenas se suportavam enquanto conviveram juntos sob o
mesmo teto. Vejamos alguns fragmentos que retratam este tema:
Isa Entrevista individual: O relacionamento com meu pai sempre foi
complicado, desde que eu me entendo por gente, com três ou quatro anos.
Meu pai sempre foi muito nervoso. Batia na gente por qualquer coisa”.
Isa Entrevista individual: “Com ele não tinha diálogo. Às vezes, ele pedia
para fazer alguma coisa e eu não entendia o que ele havia dito. Só de
perguntar novamente, ela já gritava e eu tinha que sair correndo atrás de
minha mãe, para não apanhar. Ela atendia meu pai no meu lugar”.
Isa Entrevista individual: “Às vezes, ele me batia na rua, na frente de todo
mundo”.
Quando a menina tem dificuldade com seu pai desde a mais tenra idade, seu
desenvolvimento psicossexual fica comprometido, pois os problemas de relacionamento com
192
o pai aumentam e prorrogam ainda mais seu vínculo com a mãe. Ela pode permanecer fixada
na sexualidade pré-edípica e desenvolver uma feminilidade fálica, que mais tarde poderá
influenciar sua escolha amorosa e gerar problemas em seu relacionamento conjugal.
Anton (2000) ressalta que o amor e o desejo dos pais pela filha é um aspecto
fundamental para o seu desenvolvimento psicossexual saudável. Os sentimentos que os pais
expressam pela filha, durante a fase de elaboração do Complexo de Édipo, validam ou não o
sexo ao qual ela pertence. Quando a menina se sente aceita, amada e valorizada enquanto
menina por seus pais, esses sentimentos exercem uma importante influência na evolução da
sua auto-estima e ajudam na sua luta pela identificação sexual.
Com Isa, pelo menos em relação ao pai, parece que esta confirmação não
aconteceu, conforme indicam os relatos abaixo:
Isa Entrevista individual: Ele sempre foi assim: muito ruim; muito
nervoso. Sempre de cara feia; sempre mal educado. A gente estava sentada
na sala assistindo televisão e, de repente, ele falava: ‘água’. Ele não pedia
para a gente ir buscar. Nós já sabíamos que tinha que levantar e buscar
água e, ainda por cima, tinha que ser gelada”.
Isa Entrevista individual: “Meu pai sempre foi muito bravo. Ele me proibiu
de muitas coisas. Não podia brincar na casa da amiga, na rua. Não podia
usar mini-saia; não podia mostrar a barriga, não podia mostrar as costas.
Ele era sistemático com tudo, com qualquer coisa. Se você falasse uma
gíria, fizesse uma brincadeira, ele já achava ruim”.
Quando ocorre alguma dificuldade de identificação com o genitor do mesmo
sexo e de atração sexual pelo genitor do sexo oposto, durante a fase do complexo de Édipo,
mais tarde, na puberdade, pode ocorrer uma fixação nesta primeira fase de desenvolvimento
da sexualidade, dificultando o deslocamento da libido, inicialmente dirigida ao progenitor do
sexo oposto, para seus substitutos. Se a menina tem medo, sente desprezo e desconfiança em
relação ao seu pai, esses sentimentos, construídos durante a fase que normalmente deveria
sentir-se atraída por ele, poderão ser transportados, para o momento da sua escolha amorosa.
Por meio dos relatos de Isa, ficamos com a sensação de que ela levou muitas
coisas negativas do seu relacionamento com o pai para, os seus futuros relacionamentos,
principalmente os de cunho afetivo.
Isa Entrevista individual: Foi sempre assim. Ele implicava com os
namorados, implicava se eu pegasse carona. Implicava com tudo. Não
gostava que a gente saísse”.
193
Isa Entrevista individual: “Com relação ao meu pai eu só lembro dos
gritos, dos tapas, das surras, da falta de educação, das humilhações, de
tudo. Só isso que eu me lembro”.
Quando a menina odeia seu pai, ela tem mais dificuldade de optar pelo
caminho que a levará ao desenvolvimento de sua feminilidade. Pode escolher o caminho da
inibição sexual, gerando, com isso, uma série de neuroses, ou pode optar pela rejeição tanto
do pai, quanto da mãe, modificando o desenvolvimento de sua personalidade. Muitas coisas
podem acontecer na subjetividade feminina, pela fixação nessa fase, ou quando, por algum
motivo, o desenvolvimento do complexo de Édipo é interrompido ou distorcido.
9.1.1.3. Conflito mãe e filha: relacionamento difícil desde a mais tenra idade.
O conflito entre mãe e filha, que normalmente eclode na fase pré-edípica, como
conseqüência do Complexo de Castração, não tem sua origem apenas no momento de sua
manifestação. Na realidade, uma parte significativa do seu conteúdo, provém de outras fases
anteriores do desenvolvimento psicossexual, em decorrência de fortes frustrações que a
menina foi vivenciando no relacionamento com sua mãe.
O relacionamento de Íris com sua mãe, sempre foi marcado por fortes conflitos
e por uma acentuada rivalidade. Desde muito cedo, ela tinha consciência dessas dificuldades,
conforme fragmento abaixo:
Íris 5º encontro: “[...] porque eu e minha mãe nunca tivemos um bom
relacionamento junto, desde que eu me entendo por gente”.
Íris 5º encontro: “Eu e minha mãe sempre tivemos atritos. Depois que eu
voltei para a casa dela, as brigas recomeçaram novamente”.
Com base neste entendimento, levando em consideração o que já foi dito na
fundamentação teórica, podemos deduzir que, quando este ressentimento se mostra mais
intenso e persistente na menina, que aquele típico da fase pré-edípica, provavelmente, ele
pode estar refletindo outras dificuldades vivenciadas no relacionamento mãe-filha, das fases
anteriores do desenvolvimento psicossexual, uma vez que entendemos esta fase como uma
194
porta, pela qual, toda hostilidade acumulada, contra seu primeiro objeto de amor, é colocada
para fora, às vezes, de forma chocante.
Íris 5º encontro: “Nós sempre nos demos otimamente bem, separadas uma
da outra”.
Claro que os dados obtidos, durante o grupo de reflexão, são insuficientes para
que possamos afirmar, de forma contundente, que foi isto que ocorreu no relacionamento de
Íris com sua mãe. Todavia, há fortes evidências de que houve um sério problema entre as
duas, em algum momento das fases iniciais do seu desenvolvimento psicossexual, dando
contornos específicos a sua forma de vincular-se, de amar e de receber amor do seu parceiro
amoroso. A rivalidade entre as duas era tão forte que Íris alimentou um desejo persistente de
puni-la durante sua adolescência e início da juventude, conforme fragmento abaixo:
Íris 12º Encontro: “Minha mãe sempre maltratou o meu pai por minha
causa. Eu fico indignada porque meu pai faz tudo que ela quer e mesmo
assim ela pisa nele. Eu gostaria que minha mãe brigasse comigo, porque eu
sei me defender e não com meu pai”.
Íris 1º encontro: “Para minha mãe, mulher separada não prestava, não
tinha valor. Antes de me casar eu pensava em me separar só para vingar
dela”.
O relacionamento com a mãe é o primeiro modelo para todo relacionamento
amoroso posterior, tanto do menino, quanto da menina. Neste sentido, podemos dizer que a
atração amorosa será sempre uma tentativa de dar continuidade a esse amor inicial idealizado.
De acordo com Amado (2003), neste caso, o objeto amado representa algo que
o ideal do ego do sujeito não consegue atingir. O objeto é amado porque, na ótica do sujeito,
possui traços que ele não alcançou, mas gostaria de ter alcançado. Por meio do
relacionamento amoroso, o sujeito pretende adquirir esses traços de maneira indireta, a fim de
satisfazer as necessidades de seu próprio narcisismo. A autora completa:
Esta sensação faz com que o objetivo do relacionamento amoroso seja
encontrar algo parecido com a sensação de completude do narcisismo
primário, a busca do ideal. Essa busca ocorrerá por toda a vida, visto que
atingir a satisfação exige que o ideal esteja fora do sujeito e este ideal será
sempre um substituto simbólico. (AMADO, 2003, p. 48).
195
Carvalho (1996), fundamentada na teoria psicanalítica, afirma que a fase pré-
edipíca, na vida das meninas, é fundamental para delinear os contornos de sua futura vida
amorosa. Ela afirma que sua relação com o pai, durante o complexo de Édipo, bem como, sua
relação com seus substitutos, a partir da adolescência e durante toda sua vida adulta, sempre
será uma extensão do vinculo originário que manteve com a mãe. Esse primeiro vínculo com
a mãe servirá de base para a escolha amorosa feita, posteriormente, pela mulher.
Freud ([1933] 1976) diz que uma poderosa tendência à agressividade, sempre
vem acompanhada de um amor intenso. Quanto mais uma criança ama seu objeto, maior será
sua sensibilidade aos desapontamentos e frustrações, provenientes dele. Mas, no final, o amor
sempre prevalece sobre a hostilidade acumulada. No seu entendimento, na época em que a
menina volta-se para seu pai, ao mesmo tempo, desfila uma vasta relação de acusações e
queixas contra sua mãe, a fim de justificar seus sentimentos negativos relacionados a ela.
Mas, grande parte destas acusações, na verdade, são racionalizações e as origens da
verdadeira hostilidade permanecem encobertas.
Klein ([1937] 1996, p. 348) ilustra esta antítese de amor/ódio, que a menina
vive com sua mãe na fase pré-edipiana, dizendo que: “uma mulher pode parecer ter se
afastado da mãe, mas ainda buscar inconscientemente alguns traços de sua relação inicial com
ela no relacionamento com o marido ou com o homem que ama”.
Seguindo este raciocínio, Carvalho (1996) afirma que a mulher poderá
experimentar, durante seu relacionamento conjugal, a re-vivência de sua relação com a mãe
em dois sentidos diferentes: pode, em alguns momentos, desejar encontrar a mãe na pessoa do
marido e, em outros momentos, trazer o marido para a posição de filho, e fazer o papel de sua
mãe.
Neste sentido, segundo Freud ([1933] 1976), quando este anseio inconsciente
encontra-se presente no mundo psíquico da mulher, seu casamento conservará as mesmas
características da relação que ela viveu com a mãe, seu primeiro objeto de amor. Assim, a
motivação que deu origem ao vínculo conjugal pode ter sido uma tentativa inconsciente de
restaurar, na fase adulta, esta forte vinculação vivida entre ela e sua mãe.
Por outro lado, pelo fato dos futuros padrões amorosos serem estabelecidos
com base nesse relacionamento amoroso primário, toda esta hostilidade acumulada nas fases
iniciais do desenvolvimento psicossexual pode ser transferida, no momento da escolha
amorosa, da mãe para o esposo, que, desta maneira, substitui realmente a mãe nos afetos e
também nos rechaços da menina. (MITCHELL, 1979)
196
Freud ([1933] 1976, p. 163) admite a possibilidade da transferência dessa
hostilidade do relacionamento com a mãe para o marido, em função da ambivalência dos
sentimentos de amor e ódio, nos seguintes termos:
A hostilidade que ficou para trás segue na trilha da vinculação positiva e se
alastra ao novo objeto. O marido da mulher, inicialmente herdado, por ela,
do pai, após algum tempo se torna também o herdeiro da mãe. Assim,
facilmente pode acontecer que a segunda metade da vida da mulher venha a
ser preenchida pela luta contra seu marido, do mesmo modo como a primeira
metade, mais breve, fora preenchida pela rebelião contra a mãe. Quando esta
reação foi esgotada no decurso da vida, um segundo casamento pode
facilmente vir a ser muito mais satisfatório.
Estas idéias ressaltam que qualquer sentimento de amor, ou ódio, nutrido com
intensidade no relacionamento mãe-filha, é poderoso o suficiente para produzir contornos
específicos no desenvolvimento psicossexual da filha e na formação de sua identidade
feminina. É um vínculo tão determinante na vida da menina, que nem mesmo o complexo de
Édipo com seu pai, consegue apagar definitivamente suas marcas no psíquico da pequena
mulher. Ele subsiste e continua influenciando suas decisões cotidianas.
9.1.1.4. Conflito familiar minimizado em uma família isolada, rígida e padronizada:
relacionamento baseado no cumprimento de normas.
Na entrevista individual Ieda nos trouxe a figura do seu pai como uma pessoa
extremamente tranqüila, calma e pacata e sua mãe como uma pessoa nervosa, cheia de
problemas e bastante agressiva. Diante destas polaridades, o pai representando o pólo positivo
e a mãe o pólo negativo, desde muito cedo em sua vida, Ieda fez a opção de imitar seu pai,
dando uma ênfase exacerbada à sua polaridade positiva e reprimindo fortemente sua
polaridade negativa, conforme fragmentos abaixo:
Ieda Entrevista individual: “O meu pai sempre foi uma pessoa muito
tranqüila, muito calma, muito pacata. Eu acho que herdei um pouco desse
jeito dele. Minha mãe já era uma pessoa bem nervosa, cheia de problemas,
bastante agressiva”.
Ieda Entrevista individual: “Eu lembro do meu pai uma pessoa
extremamente calma. A pessoa podia bater nele e ele conseguia superar
197
aquilo tudo, resolver, passar por cima de tudo e minha mãe extremamente
fora de controle, quando a gente era criança, não comigo nem com meus
irmãos, mas refletia, obviamente”.
Ieda consegue identificar a fonte dos conflitos de sua mãe e a causa da sua
agressividade e descontrole emocional. Sua mãe conservou, ao longo de sua vida, um forte
sentimento de ódio pela própria mãe, no caso, sua avó materna. As duas eram inimigas
mortais e esse sentimento circulava com intensidade dentro de sua família, por meio do
descontrole emocional de sua mãe.
A mãe de Ieda nunca conseguiu superar esse problema. Sua avó morreu e
conflito não foi resolvido, conforme informa o fragmento abaixo:
Ieda Entrevista individual: “Mas assim, a minha mãe e a minha avó
tinham um ódio mortal uma da outra. Minha avó morreu nestas condições,
sem uma aceitar a outra. Minha mãe teve muitos problemas com a família
dela”.
O pai também tinha problemas com sua família de origem, com seus
progenitores e irmãos, mas a situação era menos grave que os conflitos de sua mãe com sua
avó. O fragmento abaixo retrata este fato:
Ieda Entrevista individual: “Meu pai teve problemas com os pais dele e
com os irmãos dele, mas uma coisa bem menor”.
Estes antecedentes familiares explicam o fato da família de Ieda ser fechada,
sem contato com os vizinhos e com os familiares. Vejamos o fragmento abaixo:
Ieda 19º encontro: “Minha família era isolada de todo mundo. Sempre foi
cheia de regras e padrões”.
Na dinâmica de funcionamento familiar, somente a mãe estava autorizada,
pelos membros da família a desequilibrar, a expressar toda sua agressividade, sua raiva e seu
descontrole emocional. O pai fazia o papel de uma pessoa super equilibrada, que compensava,
a todo instante, o desequilíbrio de sua esposa. Os fragmentos abaixo ilustram esta realidade na
família da Ieda:
198
Ieda Entrevista individual: “Minha mãe brigava muito com meu pai, mas
ele não respondia aquilo. Ele ia relevando. Os anos se passaram assim. Meu
pai nunca, nem por um minuto, pensou em nos abandonar. Ele foi um
homem extremamente presente e muito amigo”.
Ieda Entrevista individual: “Foi sempre assim, brigavam, mas nunca
houve uma separação, nunca houve nada. Eles se matavam dentro de casa,
mas eles ficavam juntos. Então, assim, eu não tive insegurança quanto a
isso, porque eu sabia que meu pai não iria embora. Como de fato nunca
aconteceu”.
Ieda Entrevista individual: “Com o passar dos anos minha mãe foi
melhorando. Ela foi melhorar realmente agora, há pouco tempo atrás”.
Ieda, profundamente identificada com seu pai desde muito pequena, aprendeu
que a melhor solução para seu problema familiar era viver como seu pai, persistentemente
focada em sua polaridade positiva. Desta forma, ela procurava minimizar, como seu pai, os
problemas que eles viviam no cotidiano da vida familiar. Vejamos alguns fragmentos abaixo:
Ieda Entrevista individual: “Então sempre foi muito tumultuado, muito
problema, mas eu estudei; sempre muito tranqüila. Eu nunca tive problema
nem com ela, nem com ele”.
Ieda Entrevista individual: “Eu sempre fui uma criança boazinha, que fez
tudo direitinho. Eu nunca apanhava, nunca fui recriminada. Então, assim, o
meu relacionamento com eles era muito bom”.
Ieda Entrevista individual: “Afetivamente, eles me deram bastante carinho.
Para os meus irmãos também, embora tivesse esse lado bem agressivo”.
Como seu pai, ela sempre teve consciência que sua mãe era uma pessoa
desequilibrada emocionalmente. Portanto, fazia muita força para evitar, a todo custo, qualquer
tipo de desequilíbrio emocional, principalmente, no relacionamento com sua mãe. Para não
desequilibrar, como sua mãe, Ieda desenvolveu uma técnica de relacionamento com ela:
relevar tudo o que ela falava e fazia. Assim como seu pai minimizava os desequilíbrios de sua
mãe, Ieda, desde muito pequena, também começou a minimizar, a relevar, conforme
esclarecem os fragmentos abaixo:
Ieda Entrevista individual: “Eu era criança e já tinha consciência, já sabia
explicar para os outros que eu achava minha mãe desequilibrada. Eu sabia
disso, mesmo sendo criança. Com cinco ou seis anos eu já sabia que ela era
desequilibrada”.
199
Ieda Entrevista individual: “Então, eu desenvolvi uma técnica de lidar com
ela para que não fosse uma coisa muito fora de controle. Meus irmãos já
apanharam mais. Meu pai nunca me encostou um dedo”.
Ieda Entrevista individual: “Então, eu sabia que meu pai relevava, eu
também relevava, aquilo foi passando. Mas, assim, foi tranqüilo. Eu não sei
falar de um episódio que me marcou, uma mágoa, não!”.
No primeiro encontro, por estar inibida e no controle, Ieda deixou transparecer
uma imagem de si mesma, construída ao longo dos anos, desde que tomou consciência de sua
existência, pois só assim conseguia receber a nutrição emocional que tanto necessitava de
seus pais e cuidadores. Desde muito cedo, em sua vida, parece que ela procurou construir uma
imagem diferente de si mesma: muito calma, extremamente calma, “boazinha”, meiga, a vida
toda. Fez isso, porque, em função das circunstâncias de sua família, percebeu que tinha que
ajudar seus progenitores e entendeu que para ajudá-los precisava ser muito responsável,
“certinha”, não dar trabalho para eles em nenhum momento do seu desenvolvimento
psicossexual.
Ieda 1º encontro: “Desde muito pequena eu tive a consciência de que
precisava ajudar meus pais. Eu tinha que ser a responsável e sempre fui.
Então eu sempre fui muito estudiosa, nunca dei trabalho para ninguém, nem
para meu pai, nem para minha mãe. Dificilmente apanhei”.
Ieda 1º encontro: “Eu sempre fui uma criança muito calma [...] Então eu
sempre fui muito tranqüila”.
Segundo Freud ([1933] 1976), a menina, geralmente, é menos agressiva,
desafiadora e auto-suficiente que o menino. Ela sente mais necessidade de obter carinho,
esperando isso para ser reconhecida e, em conseqüência, se comporta de forma mais
dependente e dócil. Em função dessa docilidade, ela pode ser ensinada com maior facilidade e
rapidez a controlar seus esfíncteres. Todavia, é importante ressaltar que o próprio Freud
afirma que essas diferenças não são universais, pois podem ser suplantadas por atributos
pessoais dos indivíduos.
Deste comentário, podemos inferir que em função de sua própria natureza,
desenvolvimento psicossexual e influência sócio-cultural, a mulher torna-se bem mais
aparelhada que o homem, ao atingir a vida adulta, para cumprir regras e para seguir o
programa estabelecido para ela, uma vez que esses valores são fortemente inculcados nos
200
relacionamentos parentais, nos primeiros relacionamentos sociais e durante toda sua trajetória
rumo à maturidade.
Ieda 1º encontro: “Na adolescência também não dei trabalho; continuei
ajudando. Muito calma; extremamente calma. Eu era bem alegre, bem
feliz”.
Ieda 1º encontro: “Então, eu sempre fui muito pacata, muito tranqüila.
Sempre fui de doar-me bastante. Então, eu sempre cedi a minha vez; as
minhas coisas para as pessoas. Eu nunca tive posturas egoístas”.
Ieda 1º encontro: “Eu sempre fui muito tranqüila, muito carinhosa com a
família e com todo mundo. Eu sempre fui taxada de boazinha, meiguinha,
sempre, a vida inteira”.
Durante as primeiras fases do seu desenvolvimento psicossexual, Ieda sempre
procurou ser uma criança estudiosa, nunca deu trabalho para ninguém, principalmente para
seu pai e sua mãe. O seu esforço para ficar neste papel familiar foi tão profundo, que passou
pela fase turbulenta da adolescência sem maiores mudanças. Ela reprimiu ao máximo seus
sentimentos de agressividade, para nunca demonstrar publicamente qualquer postura egoísta.
Todo comportamento interpretado como bom, tanto por ela, como pelas
pessoas importantes de sua vida, foi muito exagerado em suas vivências: muito calma, sempre
responsável, muito estudiosa, muito tranqüila, bem alegre e bem feliz, muito carinhosa,
sempre foi taxada de boazinha, “meiguinha”, a vida inteira, segundo sua fala inicial.
No décimo nono encontro, mais solta, começou a mostrar outro aspecto de sua
personalidade. Desde pequena ela foi a única da família que sempre quebrou os padrões; as
regras de sua casa. Acalentou por toda vida o desejo de procurar sair da forma; sempre teve
muita dificuldade de aceitar as imposições das pessoas. Vejamos os fragmentos abaixo que
retratam estes fatos:
Ieda 19º encontro: “Eu era a única que sempre quebrava os padrões. Eu
sempre quis sair da forma”.
Ieda 19º encontro: “Eu não aceitava das pessoas nenhuma imposição.
Quando meu ex-marido começa a se impor eu já perco todo interesse na
reconciliação”.
É importante ressaltar que toda sua vida consiste num esforço permanente para
não desequilibrar, para permanecer em sua polaridade positiva. Para isso, fez muita força e
201
utilizou-se fortemente da repressão, para tirar da consciência sua polaridade negativa,
interpretada por ela, em função do convívio com seus progenitores, como uma postura
desequilibrada.
9.1.1.5. Filha cuidando dos pais e irmãos: inversão de papéis.
Ilca trouxe, em seu relato, na entrevista individual, o fato que começou a
trabalhar muito nova, porque seu pai era alcoolista, não trabalhava com regularidade e a
família passava por muitas necessidades. Depois que começou a trabalhar ele se acomodou de
vez e ela passou a sustentar a casa com seu salário e, com o passar dos anos, acabou
substituindo seu pai na função de provedora do lar.
Segundo seu relato, começou trabalhar aos quinze anos de idade para poder
ajudar sua família, mas, este fato marcou profundamente sua vida e a transformou numa
cuidadora, influenciando sua escolha amorosa e a configuração do seu relacionamento
conjugal. Embora seu relato retrate o período da adolescência, provavelmente, desde muito
cedo, ela foi escolhida pelo sistema familiar para ocupar este papel de socorrer os pais em
seus problemas pessoais e vinculares e, mais tarde, assumiu também a responsabilidade pelo
cuidado de seus irmãos. É importante ressaltar que nada teria acontecido se ela não tivesse
aceitado este papel que ocupou com tanta intensidade dentro de sua família de origem.
Os fragmentos abaixo trazem conteúdos importantes para a compreensão da
influência que esses papéis exercidos em sua família de origem, produziram no momento da
sua escolha amorosa.
Ilca Entrevista individual: “Meu pai era alcoólatra e bebia muito. Então
eu comecei a trabalhar muito novinha. Mas eu sempre fui uma pessoa muito
equilibrada. Eu sempre fui muito responsável, muito dinâmica. Sempre tive
facilidade para aprender as coisas. Então, quando comecei a trabalhar, o
meu pai se entregou completamente na bebida, desde que eu tinha uns
quinze anos”.
Ilca Entrevista individual: “A partir do momento que eu comecei a
trabalhar e colocar todo meu dinheiro dentro de casa, meu pai parou de
trabalhar completamente”.
Ilca Entrevista individual: “A nossa casa era muito velha, muito caída, era
de tábua, aquele negócio todo. E meu pai, que era alcoólatra, não ajudava a
gente. Então, o que eu tinha condições de fazer era aquilo, de ajudar na
202
alimentação, no remédio, pagar água, luz, telefone, esses negócios. Nossa,
eu ajudava muito”.
Ilca Entrevista individual: “Então o meu pai não ligava, não trabalhava e
eu com aquele meu salário fazia compra para casa e pagava a luz. Água
encanada eu só fui ter depois. A água era de poço. Eu sempre fui tendo
aquela responsabilidade de ajudar na minha casa”.
É interessante como esses papéis assumidos no sistema familiar original
determinaram os papéis que Ilca acabou assumindo em seu relacionamento conjugal. Ela se
tornou hábil e esperta para as questões ligadas às finanças, aos negócios da família, mas,
inocente em relação às questões afetivas da vida conjugal. As convicções, as lições, as
experiências que trouxe do seu sistema familiar original ajudaram em alguns aspectos do seu
casamento, mas impediram que ela enxergasse a realidade em outros aspectos igualmente
importantes.
Eiguer (1985) afirma que, por meio do complexo de Édipo, formado por esse
jogo de amor intenso e incestuoso e sua proibição, a família prepara a criança para investir em
um outro vínculo, que poderá dar origem há uma nova família. As experiências vivenciadas
no complexo de Édipo formam uma importante estrutura que influencia a escolha do
companheiro e a organização inconsciente de um casal. Nesse sentido, a descoberta do
parceiro conjugal representa, em sua essência, um reencontro com o amor infantil perdido.
Amado (2003) acentua que o Édipo concretiza e organiza as representações
que cada membro da família (mãe, pai, filho) tem em relação a si mesmo e aos outros. A
perda do objeto primário de satisfação força a substituição do investimento em um novo
objeto de amor, que é escolhido em função das comparações com o objeto edípico.
Os fragmentos abaixo, de sua fala no grupo de reflexão, ilustram as afirmações
acima:
Ilca 16º encontro: “Eu ficava pensando: ‘puxa vida! Eu era tudo’. As
pessoas comentavam: ‘você é isso, você é aquilo, você é magrinha, não tem
uma gordura’. Outros destacavam outras qualidades que eu tinha, mas ele
me amou? Ele não me amou. Então ele vai seguir a vida dele e eu tenho que
seguir a minha vida. Não adianta a gente ficar sofrendo com o término de
um relacionamento. Não adianta a gente ficar sofrendo, se lamentando, tem
que levantar, sabe!”.
Ilca 5º encontro: “Ele disse que eu estou ganhando [...] nas costas dele. Eu
disse que estou ganhando isso porque tive cabeça e inteligência de mudar
logo de casa. Do contrário, eu teria ainda mais despesas e estaria numa
situação muito ruim agora, mas pelo contrário, está me sobrando dinheiro”.
203
Ilca 13º encontro: “Hoje de manhã eu chamei meu filho e disse: filho!
Converse com seu pai. Ele é seu pai, mas ele não sabe nada, por isso, nós
temos que ajudá-lo [...] Seu pai cada dia está afundando mais [compartilha
com o filho a idéia para ajudar o ex-marido]. Mas você fala que foi você,
meu filho, que teve essa idéia. Depois dessa conversa ele [...] foi até onde o
pai dele estava. Ele disse tudo o que havíamos combinado, ao pai. O pai
respondeu: ‘meu filho, você é maravilhoso; você teve uma linda idéia”.
Em função de estar bem preparada para uma área do relacionamento conjugal e
sem grandes malícias para outras áreas, Ilca viveu, por muitos anos, um relacionamento
conjugal idealizado, sem conseguir enxergar questões do cotidiano, que apontavam as
dificuldades que estavam acontecendo em sua relação conjugal. Somente alguns anos depois
de separada é que ela está conseguindo enxergar algumas realidades que antes não conseguia
ver.
No 16º encontro do grupo de reflexão houve um diálogo interessante entre as
participantes daquela reunião. Depois de alguns relatos de Irene, Íris e, principalmente, de Isa,
sobre os conflitos sentimentais que estavam enfrentando naqueles dias, relacionados ao
processo de separação, Ieda usou suas experiências e as vivências de Ilca para confortá-las e,
também, para frisar que elas já estavam em uma etapa mais adiantada do processo de
separação. Vejamos esses relatos:
Ieda 16º encontro: “Hoje é tempo de vocês chorarem, de vocês sofrerem.
Cada uma vai ter o seu tempo, um mês a mais, um mês a menos. Cada uma
de vocês será diferente nessa etapa que cada uma de vocês está passando. O
da Ilca já faz três ou quatro anos. O meu faz um ano e meio. Cada uma vai
ter seu tempo, mas cada uma de vocês vai ter que passar por isso”.
Dirigindo-se especialmente para Isa, que tinha acabado de falar, Ieda, fez
importantes ponderações:
Ieda 16º encontro: “Agora você ainda tem muita mágoa. Quando você diz
que vai cuidar de você, isso tem também um peso de punição. Isso acontece
com todo mundo. Aconteceu comigo também: ‘agora eu vou cuidar de mim,
eu vou cuidar de mim’. Então, isso tem uma carga de punição. Agora eu não
cuido mais dele, só vou cuidar de mim. Só que, com o tempo isso vai
automaticamente acabando e você não vai mais ligando com relação a
pensar só em você. Quando a mágoa passar, você vai cuidar de você e de
outras pessoas e isso vai ser natural, vai ser uma nova etapa na sua vida.
Mas, o que você está fazendo é legal nesse momento”.
204
No momento em que aconteceu este diálogo, ficamos com o sentimento de que
o grupo todo estava pedindo a intervenção de um dos coordenadores. Mas, conseguimos ficar
calados e fomos presenteados pelas significativas interpretações, permeadas de vida,
experiência e de afeto, que elas trocaram entre si.
Ieda era a mais calada, reflexiva. Às vezes, passava todo o período do encontro
sem abrir a boca, mas, suas intervenções, normalmente, tinham consistência e profundidade.
Com o passar do tempo, em função da nossa não diretividade no grupo, ela foi ganhando este
espaço de referência, principalmente da parte de Isa que, às vezes, pedia, explicitamente, sua
participação. Mas, neste dia, ela realmente estava inspirada e nos deixou algumas outras
pérolas, conforme fragmentos abaixo:
Ieda 16º encontro: “Eu e a Ilca sentimos e a gente continua sentindo essas
coisas até hoje, só que bem diferente da forma que vocês estão sentindo
hoje. Eu sinto como se fosse um problema que aconteceu comigo, mas que
não dói mais [...]”.
Ieda 16º encontro: “Hoje foi o divórcio da Ilca. [...] Foi mais uma vitória.
Ontem o ex-marido dela devolveu a carteirinha da UNIMED. Nos encontros
anteriores nós até discutimos esse fato. Ela estava pagando esta UNIMED
para ele. Era uma coisa que ela não aceitava cortar, talvez para não cortar
o relacionamento com ele, mas ontem ela fez a quebra. [...] Teve o tempo de
três anos para chorar, chorar, chorar, sofrer, sofrer, sofrer. Um tempinho
de três ou quatro meses para se adaptar e hoje é o tempo de desligamento
dela”.
Ieda 16º encontro: “Agora, ela está vivendo um outro tempo. Ela está num
outro nível. Tem um tempo para tudo. Então, tem um tempo para tudo, não
tem jeito. Eu até trouxe uma coisa aqui que eu gostaria de ler para vocês.
Enquanto você estava falando [Isa] eu fiquei pensando no que vou ler agora
e você vai ver como a gente passa pelas mesmas coisas. O texto tem como
título ‘Errantes caminhos’. É tudo que vocês três estão falando; é uma
poesia: ‘Pétalas ao vento perdem-se em errantes caminhos, que levam as
dolorosas escolhas. É preciso retornar ao ponto de equilíbrio e ir
novamente à fonte da força interior que não permite que você se torne uma
simples pétala, destinada ao livre arbítrio do vento, mas que se torne nos
carvalhos fortemente enraizados pelas convicções de ali permanecer, sem as
dúvidas do tempo’”.
Ieda 16º encontro: “Isso aqui eu achei no meu computador. Eu fiz essa
poesia há quatro anos atrás. Eu tomei um susto quando a encontrei hoje,
porque ela representa uma radiografia de quatro anos atrás. É uma foto da
minha alma há quatro anos atrás. Eu fiquei pensando sobre as dificuldades
de fazer escolhas. Então, eu queria achar de novo aquele equilíbrio que eu
não tinha mais, que eu havia perdido. Hoje eu tenho só que é outro
equilíbrio. Agora é de verdade. Por isso, eu sei que ninguém vai tirá-lo de
mim”.
205
O que nos deixou mais comovidos naquele encontro, foi a percepção da
manifestação do inconsciente grupal. Sem se comunicarem pelas vias normais, elas
prepararam aquele momento único que nos marcou. Justamente, naquele dia, quando Irene e
Íris, mas, principalmente, a Isa, precisavam daquela palavra, a Ieda encontrou em seu
computador a fotografia da sua alma, de quatro anos atrás, quando estava vivendo uma
situação parecida a que elas trouxeram para o grupo, para poder falar das fases do processo de
separação conjugal.
9.1.2. Algumas conseqüências das dificuldades observadas no desenvolvimento psicossexual
para a formação dos vínculos.
Neste ponto, com base em alguns relatos das participantes do grupo de
reflexão, pretendemos esclarecer como as dificuldades vivenciadas, durante as fases iniciais
do desenvolvimento psicossexual, influenciaram a formação da identidade feminina e
começaram a produzir seus efeitos, nas fases subseqüentes do desenvolvimento psicológico
de cada uma delas.
Os distúrbios provocados pelas fixações ou distorções, nas fases iniciais do
processo de desenvolvimento sexual e formação da identidade feminina parecem exercer
influência no processo de escolha amorosa.
9.1.2.1. Conflito com o pai: Édipo mal resolvido.
Durante as entrevistas individuais e os encontros do grupo de reflexão, tornou-
se possível identificar como esses conflitos e distúrbios se configuraram no dia-a-dia da vida
familiar de Irene. As impressões registradas em seu plano psíquico, durante esta fase do
desenvolvimento psicossexual, interromperam a elaboração do complexo de Édipo com seu
pai e promoveu uma fixação nesta fase do desenvolvimento psicossexual. Vejamos alguns
fragmentos sobre os quais fundamentamos nossa afirmação:
206
Irene Entrevista individual: “Eu achei assim que meu pai foi um grande
traidor. Eu confiava nele demais. Ele era tudo. E de repente eu o vi judiando
da minha mãe, batendo na minha mãe. Eu o vi judiando dos meus irmãos”.
Irene Entrevista individual: “Ele não me batia, porque nós tínhamos
aquele contato, aquele carinho. Então ele não me agredia, mas ele agredia
minha mãe, agredia meus irmãos. Ai eu saia correndo e gritava. Eu falava:
‘pai!’. Ele respondia: ‘filha, calma. O papai e a mamãe não estão
discutindo, não estão fazendo nada não’. Porque eles brigavam dentro do
quarto.
Pincus e Dare (1981) acreditam que o complexo de Édipo é uma fase fértil de
conflitos para o desenvolvimento da personalidade e um momento onde os distúrbios e as
neuroses podem ganhar consistência. Mas eles também enxergam essa fase como uma prova
essencial para o menino e para menina, pois ela capacita a criança a ingressar em intensos
relacionamentos afetivos.
O conflito entre os pais, principalmente durante a fase do complexo de Édipo,
dificulta sua elaboração para a filha. Em condições normais já é difícil para a menina
desvincular-se da mãe, durante o complexo de castração. Ela rechaça seu vínculo primário
com a mãe, em meio a muitos conflitos internos e sofrimentos. Nem mesmo a forte
hostilidade ao seu primeiro objeto de amor, em função da descoberta de que a mãe é castrada
como ela, consegue destruir definitivamente o vínculo que existe entre as duas. Mesmo se
voltando para o pai, em busca de seu novo objeto de amor, a menina ainda nutre um amor
dissimulado pela mãe.
Essas dificuldades naturais que a menina tem para retirar todo investimento
libidinal de seu primeiro objeto de amor e reinvesti-lo em seu pai tornam-se gigantescas
quando ela assiste, no cotidiano da vida familiar, o pai maltratando sua mãe. Todo o conteúdo
do complexo de Édipo é esvaziado diante do conflito e do desamor que emerge da relação
conjugal.
Por um lado, a menina tem dificuldade de sentir-se atraída pelo homem que
fere com palavras e, às vezes, até fisicamente, sua mãe, a pessoa mais importante de sua vida.
Não há como confiar e entregar-se totalmente a um homem, que mesmo sendo marido e pai,
não ama suas mulheres. Por outro lado, o conflito conjugal esfria o amor entre os cônjuges.
Com isso, a rivalidade entre a filha e a mãe, pela conquista amorosa do pai, fica sem sentido
neste contexto de violência doméstica. Ainda, se a menina verbalizar seu amor pelo pai, pode
perder o amor da mãe por ela, porque nesse estado de conflito permanente, normalmente a
mãe despreza o pai por todos os sofrimentos que ele lhe causa.
207
Irene Entrevista individual: “Quando eu tinha uns 18 anos ele se
preocupava com as minhas saídas, com as minhas companhias. Mas quando
ele falava: ‘Irene, não vá por aqui’. Ai que eu ia, só para irritá-lo. Tudo o
que ele não queria que eu fizesse, eu fazia para ele saber, para eu machucá-
lo”.
Irene Entrevista individual: “Um dia meu pai foi em nossa casa, porque
ele ficou sabendo que eu tinha saído com a filha dessa mulher com quem ele
vivia e eu estava namorando o filho dela e ele não queria. Porque ele não
queria, eu fiz questão de namorar o filho da mulher com quem ele vivia”.
Irene Entrevista individual: “Eu encarei ele e disse: ‘eu odeio você. Eu lhe
odeio muito. Tudo o que eu puder fazer para você sofrer eu vou fazer. Só
que ao mesmo tempo quem sofria era eu. Depois que eu fui perceber isso”.
É interessante notar como o amor e o ódio, com freqüência, comparecem
juntos, voltados para um mesmo objeto, caracterizando a ambivalência afetiva. Freud ([1915]
1974) afirma que é possível compreender esta ambivalência, presente tanto na expressão de
amor, quanto na expressão de ódio, pela análise da história das origens e das relações dos
termos “amor” e “ódio”. Ele também declara que o ódio, enquanto relação com o objeto, é
anterior ao amor, pois ele nasce da repulsa primitiva do ego ao mundo exterior. Somente com
a entrada do infante na fase do narcisismo primário e no relacionamento simbíótico e
fusionado com sua mãe é que ele experimenta os primeiros sentimentos de amor, criando, a
partir de então, a antítese amor/ódio e sua presença ambivalente em relação ao mesmo objeto.
A história das origens e relações do amor nos permite compreender como é
que o amor com tanta freqüência se manifesta como ‘ambivalente’ isto é,
acompanhado de impulsos de ódio contra o mesmo objeto. O ódio que se
mescla ao amor provém em parte das fases preliminares do amar não
inteiramente superadas; baseia-se também em parte nas reações de repúdio
aos instintos do ego, [...]. Em ambos os casos, portanto, o ódio mesclado tem
como sua fonte os instintos autopreservativos. Se uma relação de amor com
um dado objeto for rompida, freqüentemente o ódio surgirá em seu lugar, de
modo que temos a impressão de uma transformação de amor em ódio.
(FREUD, [1915] 1974, p. 161).
Segundo Klein ([1937] 1996, p. 349), ao adentrar na fase do narcisismo
primário, o bebê passa a ver a mãe como o objeto que supre todas as suas necessidades. Ela
representa para ele o “seio bom”. Com isso, logo ele começa a reagir às gratificações e ao
carinho que recebe paulatinamente de sua mãe, desenvolvendo sentimentos de amor em
relação a ela enquanto pessoa. Todavia, essas primeiras demonstrações de amor já nascem
208
contaminadas pelos impulsos agressivos. “O amor e o ódio lutam entre si na mente da criança;
essa luta continua presente de certa forma pelo resto da vida e pode se tornar fonte de perigo
nas relações humanas”.
Como se percebe, a mãe proporciona ao bebê o meio mais direto e primário de
satisfação e de alívio de seus estados dolorosos de fome, ódio, tensão e medo. É por meio dela
que ele obtém as primeiras sensações temporárias de segurança, quando o ódio e os
sentimentos de agressividade produzem em seu ser incipiente os estados dolorosos de
sufocamento, falta de ar e outras manifestações semelhantes, que são sentidas como
elementos capazes de destruir seu próprio corpo. Por isso, Segundo Klein ([1937] 1996, p.
348), nos estágios posteriores do seu desenvolvimento e durante toda sua vida adulta, a mãe
sempre ocupará um lugar importante em sua vida.
Como a mãe foi a primeira a satisfazer nossas necessidades de auto-
preservação e nossos desejos sensuais, além de nos dar segurança, ela
desempenha um papel duradouro na nossa mente, apesar de as várias
maneiras como se dá essa influência e as formas que ela toma nem sempre
ficarem claras mais tarde.
No caso de Irene, acima relatado, vemos que, ao agredir a mãe, sucessivas
vezes, dia após dia, o pai foi despertando na filha aquele sentimento primitivo de ódio, que
prepara o ego para abominar e perseguir, com o objetivo de destruir esse objeto que se
apresenta, nesta circunstância específica, como uma fonte de desprazer, bem como, uma
frustração tanto da satisfação sexual, quanto da satisfação das necessidades de
autopreservação. O ódio mortal que durante muitos anos Irene sentiu pelo seu pai, pelo fato de
-la traído também, não apenas sua mãe e pelo fato de impingir sofrimentos crônicos a sua
mãe e a seus irmãos, nasceu, sem dúvida, da luta do seu ego para preservar-se e manter-se,
diante do caos emocional desencadeado em seu mundo interior, pela traição do pai e a
conseqüente separação de sua mãe e todos os sofrimentos advindos destes acontecimentos.
209
9.1.2.2. Necessidade de cuidar de si mesma quando precisava ser cuidada por seus pais:
amadurecimento rápido do ego.
Ao se sentir não amada, desprotegida e desamparada pelo seu pai, Isa
aprendeu, muito cedo, que deveria cuidar de si mesma em todos os aspectos de sua vida. Ela
tem a lembrança da avareza do pai, demonstrada de várias maneiras no cotidiano da vida
familiar. Vejamos os fragmentos que tratam deste tema:
Isa Entrevista individual: “Eu me lembro que a nossa vida era muito
regrada. Ele tinha dinheiro, só que não gostava de gastar, principalmente
em casa. Ele andava muito bem arrumado. Minha mãe sempre reclamava
disso, não para ele, mas para a gente. Ele comprava roupa para ele na loja
mais cara da cidade e a gente não comprava [...] Meu pai também sempre
foi muito avarento”.
Isa Entrevista individual: “Com nove anos eu já comecei a trabalhar, mas,
assim, eu cuidava de uma meninha, depois comecei a trabalhar de
doméstica, depois já fui trabalhar no supermercado e assim por diante”.
Freud ([1910] 1970) diz que os seres humanos sentem uma profunda
necessidade de se apoiar em uma figura de autoridade. Essa necessidade é tão forte que o seu
mundo interno sofre significativos abalos quando esta figura de autoridade é ameaçada.
A função paterna é fundamental para o desenvolvimento da criança. O pai
representa um suporte afetivo para que a mãe possa interagir com a criança em seus primeiros
anos de vida. Ele deve funcionar como um fator de divisão da relação simbiótica mãe-bebê.
Isa Entrevista individual: Eu trabalhava no período das férias. Quando
voltei a estudar minha mãe falou para eu sair do serviço. Meu pai ouviu e
disse: ‘sair do serviço?’. Eu respondi: ‘é que eu tenho que estudar’. Ele
perguntou: ‘E cadê o dinheiro?’. Eu disse: ‘o dinheiro eu dei para minha
mãe’. Ele resmungou: ‘porque você trabalhou as férias inteira e não
comprou um pacote de arroz aqui para casa!’. Eu tinha nove anos! Eu nem
sei quanto eu ganhava na época”.
Isa Entrevista individual: “Depois desses servicinhos eu não parei mais. A
partir dessa data ele já não me deu mais nada. Para continuar estudando eu
tinha que comprar meus cadernos, livros. Tudo eu. Daí eu nunca mais parei
de trabalhar [...] meu pai era chato, nunca foi pai. Só foi aquela presença de
homem, mas pai nunca foi”.
210
Quando o pai não assume sua função de protetor, de provedor, ele intensifica o
relacionamento simbiótico da criança com sua mãe, porque surge, da parte da mãe, a
necessidade de suprir a ausência do pai na vida da filha. Isto pode procrastinar o
relacionamento simbiótico mãe-filha, comprometendo seriamente seu processo de
individuação.
Sem a figura de um pai presente e afetivo, que transforme a relação dual em
uma tríade relacional, a criança terá muito mais dificuldade de elaborar a perda da relação
inicial com a mãe e, portanto, será bem mais difícil se desprender dela. Com isso, em função
da fraca presença do pai em sua vida, será mais complicado o desenvolvimento da sua
sexualidade.
Quando o pai se encontra ausente a criança tem mais dificuldade de viver com
naturalidade seu processo de separação-individuação. A falta do pai gera uma sobrecarga no
papel da mãe, promovendo um desequilíbrio que pode causar prejuízo na personalidade da
filha. As crianças que não convivem com o pai acabam tendo problemas de identificação
sexual, dificuldades de reconhecer limites e de aprender regras de convivência social. Elas
têm dificuldade de internalizar um pai simbólico que representa sua instância moral.
Segundo Anton (2000), quanto mais positivo for o relacionamento com o pai,
melhores serão as probabilidades de se fazer uma boa escolha conjugal e de se manter com
essa pessoa um relacionamento feliz, estável e duradouro. Por outro lado, um pai temido e
odiado ou ausente na vida da criança deixa seqüelas para toda a vida. Infelizmente, ele
também serve de modelo, mesmo que seja negativo. Isso não impede a criança de se
identificar com ele, mesmo porque, ele conseguiu conquistar sua mãe, ou normalmente,
apresenta outros traços positivos que são valorizados pela criança. Portanto, se o pai é distante
e frio, a criança, mesmo convivendo com o pai dentro de casa, sente uma sensação de
abandono. Por mais que ela tente se adaptar a essa ausência masculina, o vazio esta presente e
exerce forte influência em sua vida e em suas futuras escolhas.
Isto está bem claro no relato de Isa. Ela diz que muito cedo teve que cuidar de
si mesma, porque viu que seu pai não estava disposto a cuidar dela, a protegê-la. Na sua ótica,
ele representava apenas uma figura masculina dentro de sua casa, composta por quatro
mulheres. Mas, até onde ela lembra, ele nunca foi pai. Tinha sérias dificuldades de exercer a
paternidade.
211
Isa 1º encontro: “Ai a gente falou com meu pai. Meu pai ficou muito bravo.
Ele disse ao meu namorado: ‘você tem certeza que quer casar com ela?’.
Porque eu e meu pai a gente não se dava bem”.
Isa 1º encontro: “Ai Deus foi muito bom; ajudou em tudo, porque meu pai,
nem no meu casamento ele não foi”.
Sem dúvida, essa orfandade emocional de pai produziu em Isa um grande
vazio, porque, em nenhum momento do seu desenvolvimento psicossexual, ela se sentiu
realmente amada pelo seu genitor. A lembrança cristalizada do pai é a de uma pessoa distante,
ruim, avarenta, fria, disciplinadora e espancadora. Esses sentimentos geraram, em criança,
uma grande desvalorização de si mesma que ainda prevalece, conseqüência do desprezo do
pai. Ela se sente confusa em relação à atitude do pai e acaba acreditando que foi uma criança
má, por isso não é amada, aceita e cuidada pelo pai. Sente-se, portanto, culpada, por não
conseguir receber o amor que tanto necessita para seu desenvolvimento psicológico.
A ausência do pai pode criar várias reações na vida da filha, desde tristeza e
melancolia, até agressividade e violência. Quando ela possui uma tendência à timidez e a
sentir temor do mundo exterior, tende a se fechar em si mesma. Por outro lado, quando é, por
natureza, extrovertida e sente medo do seu conteúdo interno, procura se vingar do meio a sua
volta com condutas anti-sociais. Os problemas familiares causam grande parte dos fracassos
escolares, problemas de aprendizado e de relacionamento com outras pessoas. O pai ausente e
rancoroso produz um efeito profundo na vida da filha, que repercute no seu comportamento,
em suas vivências relacionadas ao complexo de Édipo, produzindo, ao longo de sua vida,
muitas situações de conflito, defesas e sentimentos de culpa.
9.1.2.3. Necessidade de cuidar dos pais e irmãos mais novos, quando ainda precisava de
cuidado.
A separação conjugal e o alcoolismo de um dos pais, ou de ambos, produzem
marcas profundas no desenvolvimento psicossexual e na formação da identidade feminina, em
função, também, dos desarranjos sociais que estes acontecimentos provocam no seio da
família.
Depois da separação de seus pais, a família de Irene enfrentou momentos
difíceis. A mãe precisou sair para trabalhar, pois esta era a única possibilidade de sustentar os
212
filhos. Irene, com apenas nove anos incompletos, precisou assumir a casa e o cuidado dos
irmãos menores. Quando a mãe saiu para trabalhar sua irmã menor tinha apenas um ano de
idade. No mundo de hoje, fica difícil a gente conceber a possibilidade de entregar a uma
criança de nove anos incompletos a responsabilidade pelo cuidado integral de outra de um ano
de idade, além de dar conta do serviço do lar, fazer as refeições e cuidar dos outros maiores.
Mas foi justamente isto que aconteceu em sua história de vida. Vejamos seu relato:
Irene Entrevista Individual: “Na minha casa, enquanto minha mãe saia
para trabalhar, eu era a cuidadora. Desde quando minha mãe saiu para
trabalhar eu cuidei dos meus irmãos. Quando minha mãe começou a
trabalhar minha irmã [mais nova] tinha um aninho. Eu cuidava dela,
cuidava da casa, eu cuidava de tudo”.
Irene Entrevista Individual: “Com oito anos, quase nove, eu já estava
cuidando da casa, fazendo comida, limpando casa, cuidando da minha irmã
mais nova. [...] O mais velho trabalhava com ela para ajudar a trazer as
coisas para dentro de casa e eu fiquei cuidando da casa [...] Quando eu
tinha doze para treze anos comecei a trabalhar para fora, de babá. E dali
até hoje eu não parei mais”.
Ilca viveu uma situação semelhante. A partir dos quinze anos, aos poucos, foi
assumindo a função de provedora do seu lar. Esta situação perdurou dos 15 aos 27 anos,
quando se casou. Esse papel ficou tão impregnado em sua personalidade, que durante toda sua
vida, foi repetindo o mesmo em todos os outros relacionamentos. Vejamos seu relato:
Ilca Entrevista Individual: Eu fazia compra no Atacadão porque se
comprava aquele fardo. Então no outro mês eu já não precisava fazer
novamente a compra. Ai no outro mês eu fazia outra coisa. Eu sempre ia
administrando direitinho para dar tudo certo. Eu não ganhava muito, mas
dava o suficiente para manter a casa do meu pai. A gente não tinha carro,
eu não tinha roupa. Tudo era daquele jeito bem simpleszinho. Eu andava
com o dinheiro amassadinho na mão. Não tinha nem bolsa”.
Ilca Entrevista Individual: “Minha mãe nunca trabalhou. Ela ficou
cuidando dos filhos. Ela casou muito nova e teve muitos filhos”.
Ilca Entrevista Individual: Então eu sempre fui muito responsável e
sempre com aquele tino de administradora. Pegava aquele dinheiro, fazia
compra no Atacadão, porque no outro mês eu só ia comprar aquilo que
estava faltando. E assim foi a vida. Eu vivi essa vida dos quinze aos vinte e
sete anos, quando eu casei”.
Desde o princípio, aprendeu a administrar seu dinheiro para dar conta de todas
as suas responsabilidades financeiras. A vida era muito regrada e sem luxo e isso ajudava a
213
fechar o mês sem dívidas. É interessante quase todo seu dinheiro era canalizado para a
despesa da família. Ela comprava para si mesma o mínimo necessário. Esse dado mostra que
Ilca precisou se tornar adulta, ainda na adolescência.
Ilca Entrevista Individual: “Eu que pagava tudo. Até depois eu que paguei
o dentista para minhas irmãs mais nova, para não ficar feio. Eu sempre
dava um jeito”.
Seu cuidado com a família não se restringia apenas a manutenção do lar. Sua
vida era pensar como poderia fazer mais e melhor com os parcos recursos que recebia
mensalmente. Ela sempre dava um jeito para suprir a necessidade dos seus familiares.
Ilca Entrevista Individual: “As minhas irmãs não ajudavam na renda da
casa. Elas compravam as coisas delas. Elas usavam as rendas delas para
comprar as coisas delas. E eu sustentava a casa. Eu pagava conta de
telefone. Quando eu saí da minha casa eu comprei inclusive um
apartamento para os meus pais”.
Ilca Entrevista Individual: “Eu sou a filha mais velha na minha casa e
sempre fui esteio de todos”.
O fato das irmãs não ajudarem financeiramente nas despesas gerais do lar
coloca em evidência a inversão de papéis que ocorreu em sua família de origem e o quanto ela
estava presa a este papel de provedora do lar, por todos os membros do sistema familiar. Ela
se tornou no esteio de todos os membros de sua família. Essa vida regrada, disciplinada, fez
dela uma pessoa altamente responsável e com grande tino para a administração.
9.1.3. Influência do desenvolvimento psicossexual e da identidade feminina no momento da
escolha amorosa
Neste tópico temos a intenção de compreender como as dificuldades
enfrentadas pelas mulheres que participaram do grupo de reflexão, ocorridas nas fases iniciais
do desenvolvimento psicossexual e da formação da identidade feminina, influenciaram a
escolha amorosa e a configuração dos seus vínculos conjugais. Vamos começar tentando
clarificar o tipo de escolhas que elas fizeram, em decorrência dos desejos, anseios e
214
necessidades inconscientes que trouxeram das fases anteriores do seu desenvolvimento
psicossexual.
9.1.3.1. Mulheres fazendo a escolha amorosa narcísica, tentando recuperar o vínculo primário
com a mãe.
Além de investir na pessoa do cônjuge, neste tipo de vínculo conjugal, também
ocorre um forte investimento na própria relação conjugal. Este fato aumenta a tarefa de quem
faz este papel, mas também eleva a dívida do outro para com ele. A pessoa luta para alcançar
uma relação idealizada com seu cônjuge e quando não consegue sofre uma forte frustração.
Ela se decepciona com o outro, mas também com a vida conjugal que sempre tentou melhorar
e não conseguiu.
Isa Entrevista individual: “Logo no inicio do relacionamento nós nos
apaixonamos um pelo outro. Sempre foi uma paixão muito doida. Eu não
conseguia ficar sem ele”.
Isa Entrevista individual: “Eu não conseguia ficar sem ele no seguinte
sentido. Ele sempre foi muito bonito, as meninas sempre no pé dele e ele não
era aquele cara meloso não. Ele não era de ficar namorando. Eu fui a
primeira namorada séria dele. Ele falou: “eu ti amo”. Isso foi o que ele me
falou na época”.
Amado (2003) ressalta que, na paixão, paira a ameaça de extinguir a fronteira
entre o eu e o outro, denotando uma antiga exigência narcísica, onde os parceiros da relação
conjugal participam de uma simbiose e desejam viver como uma unidade e não uma união
entre duas pessoas diferentes. Neste tipo de relação cada um vive o desejo de se fundir com o
outro, fazendo dos dois apenas um.
Íris 1º encontro: “O nosso namoro era muito intenso. Eu era muito
apaixonada por ele. Eu comecei a namorá-lo quando tinha 19 anos e foi
minha primeira paixão, foi meu primeiro homem”.
Este tipo de vínculo indica um tipo de escolha amorosa que busca a repetição
de um sentimento infantil de fusão e de uma expectativa de alcançar a essência narcisista do
amor. Neste tipo de relação as pessoas desistem do investimento em suas identidades
215
individuais, em função da ilusão de que conseguirão construir uma única identidade onde
ambos possam viver e existir, a identidade de casal. Os dois querem se fundir em um, porque
pretendem ser único. Isso remonta aos desejos mais arcaicos do desenvolvimento
psicossexual, onde o bebê também quer ser único com sua mãe.
A intensidade sentimental dos primeiros momentos da escolha amorosa resulta
do desejo de recuperar o estado narcísico perdido. O ego busca, como na infância, as
características do relacionamento simbiótico com a mãe. Ele quer se transformar em seu
próprio ideal. Neste sentido, podemos afirmar que a paixão amorosa é ardente, porque
representa um reencontro com o primeiro objeto perdido na infância. Há, neste apego, nesta
necessidade de ficar junto com o outro, a qualquer custo, o desejo de restabelecer o
relacionamento narcísico original.
Isa Entrevista individual: “Então eu sempre fui insegura, porque eu
achava que ele era o único homem do mundo e a mulherada estava no pé
dele. Eu ficava insegura, mas sempre procurei controlar para não perdê-
lo”.
Íris 1º encontro: “Por exemplo, eu adorava carnaval, nasci no meio do
carnaval. Então eu pulei carnaval a vida inteira até arrumar esse
namorado. Quando eu comecei a namorar ele, não pulei mais carnaval,
porque ele odiava carnaval. Ele gostava de outras festas, mas não gostava
de carnaval. Em função da pessoa a gente vai deixando de fazer as coisas
que gostamos de fazer. Com isso, a gente vai deixando de ser a gente
mesma”.
Quando o relacionamento amoroso é motivado por uma tendência narcísica,
pela identificação fusionada com o outro, a pessoa amada recebe uma forte carga de
idealização, se tornando supervalorizada. A relação amorosa é caracterizada pela busca do
sujeito de se aproximar ao máximo do objeto eleito, pois, na sua ótica, ele corresponde ao
objeto original, altamente desejado.
Anton (2000, p. 216) diz que em um relacionamento narcísico, o objeto eleito
pelo narcisista precisa se deixar seduzir até permanecer perdidamente apaixonado por ele, a
ponto de ficar cego diante do seu falso brilho. A autora complementa, dizendo que o objeto
eleito pelo narcisista age da seguinte forma:
Desempenha um papel essencialmente maternal, isto é, procura descobrir e
atender às necessidades e desejos do sujeito narcisista; dispõe-se a lhe
fornecer proteção, alimento e força, sem nada exigir em troca. Mas, diferente
de um filho em condições normais, este é um indivíduo que não cresce, não
pretende crescer, não quer abrir mão de suas vantagens e nem oferecer algo
216
de valor em troca de tudo o que recebe, revelando-se incapaz de avaliar sua
conduta e de modificar sua posição. Ele se mantém numa fantasia de
onipotência e se acha no direito de exigir a perfeição de seu parceiro.
Em função destas peculiaridades, o objeto amado recebe um alto investimento
do ego do sujeito que o elege. A pessoa amada representa um substituto do ideal que o sujeito
não conseguiu atingir. Com isso, os valores do objeto se tornam nos valores ideais que o ego
quer para si neste encontro amoroso. O objeto amado é colocado no lugar do ideal do ego.
Assim, toda a vida do sujeito passa a gravitar em torno da vida do seu objeto amado. Seu ego,
totalmente empobrecido, precisa do ego do objeto amado para viver, para enxergar seu valor
próprio. É por isso que o sujeito deixa de viver a própria vida, para viver a vida do objeto
amado, porque só o objeto amado pode dar sentido e significado a sua própria vida.
Isa Entrevista individual: “A minha insegurança começou a partir do
momento que ele passou a dizer: ‘ah! A gente namora muito sério. Eu sou
muito jovem e não quero casar’. Eu falava: ‘mas a gente não vai casar; a
gente está apenas namorando’. Ele respondia: ‘Não, mas eu quero terminar
e terminava o namoro’. Fora as vezes que ele terminou por conta própria,
sem me avisar. E ai eu ficava esperando ele e ele não aparecia. E ai já
passava da hora e eu começava a ficar chateada. Já me dava bem um
desespero, porque eu. Bom, já que não quer procure e fala. Nisto foi criando
este conflito, essa insegurança no namoro, da minha parte”.
Isa Entrevista individual: “Ele sempre me procurava e a gente voltava,
porque eu gostava muito dele, eu não queria ficar sem ele e não suportava o
pensamento de vê-lo com outra”.
Isa Entrevista individual: “A gente namorou um ano, namorou dois,
sempre assim, terminando e voltando. Eu terminei dele duas vezes, porque
eu estava me sentindo tão sufocada com esta situação e porque eu percebia
que quando ele estava querendo terminar ele ficava estranho, ai eu
começava a sofrer antecipadamente. Ai eu cheguei nele duas vezes e disse:
‘Olha, eu quero terminar’. Ele respondeu: ‘porque, você está louca?’. Eu
falei: ‘não, eu prefiro ficar sozinha, sofrer sozinha por opção minha, porque
desse jeito não dá’. Era bem assim: ‘não te quero e não te largo’”.
A pessoa narcisista muda constantemente de objetos de amor, porque ninguém
consegue ser perfeito diante dela e satisfazer todas as suas necessidades e desejos. Ela é tão
insegura em sua essência, que nenhum relacionamento, por melhor que seja, consegue
satisfazê-la. Em seu inconsciente, ela se sente tão desvalorizada, que quem demonstra
legítimo interesse por ela recebe de sua parte, uma redução em seu valor próprio. Desta
forma, segundo Anton (2000, p. 216), ela “insiste em conferir sua capacidade de despertar
217
amor, procurando sempre fazer novas conquistas que, de início, são mais atraentes, pois
representam um desafio”.
Íris 5º encontro: “Conosco tudo sempre foi muito precipitado. Nós
namoramos e em seis meses ficamos noivos. Ele queria casar e nós
rompemos porque eu queria algo mais sólido, ter uma casa, ter minhas
coisas. Nós terminamos o namoro e quando voltamos eu engravidei e nós
nos casamos. Foi tudo muito tumultuado”.
Isa Entrevista individual: “Eu lembro que da primeira vez que eu terminei,
a gente ficou terminado um mês. Depois ele me procurou. Eu nem saia de
casa. Ele foi lá, na minha casa, propôs para a gente voltar. A gente voltou e
não passou dois meses, terminamos de novo e sempre foi assim”.
Íris 1º encontro: “Quando a gente terminou o namoro, porque ele queria
casar imediatamente sem prestar atenção se a gente tinha dinheiro ou não,
se tinha casa ou não. Ele queria casar e tudo mais e eu não achava isso
muito certo. Minhas irmãs tinham namorado muitos anos e construíram
casa e arrumaram tudo antes de casar. Eu queria uma coisa meio parecida.
Essas foram nossas primeiras divergências e tudo mais. E nós nos
separamos”.
Isa Entrevista individual: “A gente só firmou o namoro mesmo quando ele
começou a trabalhar aqui em Campo Grande [eles moravam no interior de
São Paulo]. Eu fiquei chateada, mas fazer o que. Ai ele voltava de quinze em
quinze dias. Ai no dia do meu aniversário ele mandou uma cesta bem
grande. Ele nem estava lá. Veja o tanto que mudou. Ele escreveu uma carta,
dizendo que realmente a distância valoriza certas coisas. Que só depois que
ele começou a trabalhar fora, viu a falta que eu fazia para ele”.
Isa Entrevista individual: “Ele deixou de ser aquele menino e virou
homem. Mas ai o nosso relacionamento já estava desgastado de tantas idas
e voltas e do que acontecia nesses períodos que ficávamos separados”.
A pessoa narcisista tem necessidade de antecipar o rompimento do
relacionamento amoroso, justamente quando os laços parecem mais estreitos. Esse
rompimento não está relacionado apenas ao fato do objeto eleito não conseguir gratificar de
forma satisfatória suas necessidades narcísicas. Ocorre, em especial, em função dos registros
inconscientes de suas experiências infantis traumáticas, que se transformaram em uma ferida
crônica e difícil de ser curada. Segundo, Anton (2000, p. 286), para se defender, a pessoa
narcísica desenvolve uma defesa que lhe permite o seguinte:
Transformar admiração em desprezo; negar os valores alheios e desdenhar
valores indispensáveis; evitar o luto: a) assumindo e antecipando os
rompimentos; b) evitando a formação de elos emocionalmente significativos;
negar ou relativizar suas culpas, graças à má formação superegóica; fugir da
218
sensação de vazio, inebriando-se na multiplicidade de relações fúteis, porém,
coloridas e substituindo-as, rapidamente, umas por outras.
Pelo fato da pessoa narcisista estabelecer um relacionamento de si mesmo para
si mesmo e não de si mesmo para o objeto, nem do objeto a si mesmo, o relacionamento é
caracterizado por ruptura freqüentes, sempre que ele atinge um ponto ameaçador, ou gera
qualquer frustração. A pessoa narcisista está sempre em busca de preencher seu vazio
existencial, mas nada consegue satisfazê-lo. Ela convive com uma insatisfação profunda.
Assim, por mais que receba aplauso do objeto eleito, sua necessidade não é satisfeita. Então,
ela simplesmente termina o relacionamento e sai em busca de novos admiradores. (ANTON,
2000)
Isa Entrevista individual: “Seis meses depois que ele começou a trabalhar
em Campo Grande, eu fiquei grávida. Foi um deslize, não foi porque eu
quis. Até um amigo nosso disse: ‘nossa, depois que ele começou a viajar que
você ficou grávida? Não vem inventar história, porque isso não acontece!’.
Isso aconteceu nas férias dele”.
A gravidez só apareceu depois de três anos de namoro, justamente em um
período que o relacionamento já estava desgastado pelas muitas rupturas e pelas traições que
ocorreram nestes pequenos intervalos. Havia mais um agravante: ele agora estava morando
em outra cidade e os encontros eram mais espaçados. Por mais que houvesse uma justificativa
por parte de Isa, avisando-o que não podiam ter relacionamento sem o uso de preservativo,
fiquei com a sensação de que eles, de forma inconsciente, escolheram o momento certo para
conceberem um filho, com o objetivo de evitar uma ruptura definitiva no relacionamento
amoroso. A gravidez de Isa, sem dúvida, segurou este relacionamento amoroso.
Fato parecido aconteceu no relacionamento de Íris, conforme relato abaixo:
Íris 1º encontro: “Quando a gente se separou [durante o namoro] eu sofri
muito, muito, muito. Eu chorava, rezava, pedia para ele voltar. E ai acabou
que eu engravidei num desses encontros malucos e a gente era realmente
apaixonados um pelo outro, mas não tinha maturidade para casar naquele
momento”.
Não é de estranhar que o término de um namoro, fundamentado na paixão
narcísica, produza um forte abalo na pessoa que alimentava estas expectativas. Quando Íris
terminou seu namoro experimentou um grande sofrimento, talvez o maior até aquele
219
momento de sua vida. A perda é enorme, porque por meio da idealização, a pessoa almeja
encontrar, de forma indireta, através do seu objeto de investimento, a satisfação narcísica
perdida. Segundo Amado (2003, p. 38):
Os valores do objeto são os valores ideais que o ego quer para si neste
encontro amoroso. O objeto idealizado é, desta forma, assimilado pelo ideal
do ego, tornando necessário que a outra parte do ego procure se comportar
de acordo com esse modelo de virtude, com o qual o ideal de ego está
identificado.
A paixão arrasta para situações que a pessoa evitaria, se conseguisse guiar sua
vida pela razão, nestes momentos permeados de fortes emoções. Íris declarou que ficou
grávida num desses encontros “malucos” que teve com seu ex-namorado, agora ex-esposo, no
período em que estavam separados, ainda no namoro. Ela não podia entrar de cabeça naquele
relacionamento “maluco”, focado apenas no presente, porque foi acostumada a pensar no
futuro: a planejar, a estruturar, a criar condições para poder casar. Cognitivamente, ela queria
seguir os passos de suas irmãs, que tiveram namoros longos e que, de certa forma, criaram
condições razoáveis para depois entrar no casamento. Mas, se de repente ela ficasse grávida,
não teria que agir mais pela razão e sim pela emoção, pelo calor do momento, pelos impulsos
fortes da paixão, que ambos estavam sentindo, um pelo outro.
Por que será que ela engravidou naquele encontro maluco, quando estavam
separados e ela queria muito recomeçar o namoro? Por que não engravidou antes, quando
ainda estava agindo aparentemente mais pela sua razão que pela emoção? Ela queria entrar
naquele relacionamento “maluco”, mas sua educação, seus princípios, seus valores não lhe
permitiam tomar esta decisão. Então, provavelmente, por um processo inconsciente, ela fez
esta gravidez, para entrar definitivamente neste relacionamento que, sem este acontecimento
imprevisto, não conseguiria assumir.
Ela sabia que eles não tinham maturidade para se casarem naquele momento,
mas estavam apaixonados. Ele queria casar rapidamente. Ela não conseguia abrir mão de seus
valores acerca do casamento, família e vida a dois. Chegou até mesmo a colocar um fim no
namoro, por causa disso. Mas, a paixão falou mais alto.
Olhando por este prisma, é possível dizer que esse casamento tinha
probabilidades de desenvolver conflitos, em função das diferenças que havia entre eles.
Isa Entrevista individual: “Quando eu falei para ele que estava grávida,
ele ficou desesperado. Ele disse: ‘eu não posso casar’. Eu falei: ‘eu não
220
estou falando para você casar. Eu só estou avisando que estou grávida; que
o filho é seu e que você vai ser pai’. Já fazia três anos que a gente
namorava”.
Isa Entrevista individual: “Ele ficou sem saber o que fazer. Eu disse para
ele conversar com a mãe dele, mas avisei que não iria abortar, porque a
culpa foi dele. Eu disse que estava fazendo tratamento ginecológico e não
podia usar pílula naquele período. Ele não quis usar o preservativo e eu
acabei ficando grávida”.
Isa Entrevista individual: “Quando ele viu que eu estava decidida a ter o
filho. A principio eu estava decidida, mas era tudo mentira. Era só
historinha. Eu estava fazendo de forte para ver até onde ele ia, porque eu
ganhava pouco, meu pai era chato, nunca foi pai. Só foi aquela presença de
homem, mas pai nunca foi [...] Ai eu pensei: ‘eu vou contar com quem?’.
Mas mesmo assim eu bati o pé e disse: ‘não vou abortar. Não tiro, não tiro,
não tiro. Eu não quero saber, porque a gente não começou a namorar
ontem!”
Isa Entrevista individual: “Quando eu casei, falei: ‘meu Deus, eu vou
casar com ele, eu amo ele, eu sei de mim’. Mas eu não tinha expectativa de
viver bem, porque, eu vou explicar, eu achava assim que ele fosse ficar no
bar e que depois que ele bebesse ele fosse ficar com outra e eu fosse ter este
monte de problema. Mas depois essas coisas não se confirmaram. Ele se
mostrou um bom marido no início do relacionamento”.
No relacionamento marcado pela idealização do outro, o objeto amado é
supervalorizado e vive acima das críticas e julgamentos. A idealização imprime uma busca
persistente de união entre o ego e a pessoa amada. A pessoa supervaloriza o outro a fim de
encontrar nele a plenitude que um dia viveu no seu relacionamento simbiótico com a mãe.
(AMADO, 2003)
A gravidez inesperada também gerou insegurança no relacionamento de Íris,
conforme fragmento abaixo:
Íris 5º encontro: “Eu casei sem saber se realmente estávamos nos casando
porque estávamos apaixonados; se ele realmente me amava ou se era
porque eu estava grávida, porque já estávamos acostumados um com o
outro”.
Esta situação nova gerou um fantasma que acompanhou o casal por todo o
vínculo conjugal. Esta dúvida permeou todo o seu relacionamento conjugal, conforme
veremos nos pontos a seguir.
Muitas vezes, a idealização se apresenta como condição necessária para o
estabelecimento de uma relação amorosa. Todavia, se espera que o tempo possa desmistificar
221
a idealização feita no início do relacionamento. Quando se esgotam todas as possibilidades de
continuar idealizando o objeto amado, o autor da idealização se sente completamente
arrasado, traído e frustrado, porque a relação amorosa sustentada pela idealização é ilusória,
pois permanece distante da realidade. O ideal é que, no dia-a-dia da relação amorosa, a
idealização que alimenta a paixão seja substituída pelo amor, que exige troca, investimento
mútuo e reciprocidade de sentimentos.
9.1.3.2. Valores assimilados na infância, influenciando a escolha conjugal: ser responsável,
cuidadora e provedora.
Em função das circunstâncias, tanto Irene quanto Ilca, tiveram que amadurecer
rapidamente. Irene começou a assumir funções de uma pessoa adulta com nove anos
incompletos e Ilca a partir dos quinze anos de idade. Ao assumirem esses papéis familiares
em idade precoce, em função das necessidades, ou da interpretação que elas fizeram da
situação, foram forçadas, pelas circunstâncias, a pularem etapas importantes do
desenvolvimento psicológico normal, criando um senso de responsabilidade, de competência
profissional e de preocupação pela provisão financeira da família acima do normal, repetindo
os antigos papéis desempenhados na família de origem, dentro do vínculo conjugal que
constituíram com seus respectivos cônjuges.
Em conseqüência da relação conjugal conturbada de seus pais, caracterizada
por seu frágil equilíbrio, elas foram sendo moldadas, desde muito novas, para se tornarem
cuidadoras e arrimo da família de origem e, por conseguinte, da própria família.
A necessidade financeira de suas famílias e o estado de pobreza em que viviam
fez com que elas buscassem um meio para cooperar com seus progenitores. Irene ficou
cuidando da casa e dos irmãos para sua mãe poder trabalhar e Ilca procurou emprego com a
finalidade de suprir as necessidades de todos.
Ilca relatou esses fatos com muita tranqüilidade e naturalidade, simplificando
as dificuldades e classificando suas ações e atitudes com naturalidade. Ao ouvi-la, ficamos
com a impressão que cresceu achando que era natural uma filha adolescente sustentar seu pai,
sua mãe e seus irmãos. Vejamos alguns fragmentos da entrevista individual:
222
Ilca Entrevista individual: “Desde meu primeiro trabalho sempre fui muito
atenciosa. Gosto de atender bem. Esse é meu jeito. Eu gosto de atender bem
as pessoas. Eu olho para as pessoas. Isso é um negócio meu. Então eu
sempre consegui promoções”.
Ilca Entrevista individual: “Depois que sai do meu primeiro emprego eu
fui trabalhar em banco e ganhava muito bem. Então eu tinha condições de
sustentar minha família com meu salário”.
Ilca Entrevista individual: “Eu era muito dedicada no meu trabalho, quer
dizer, eu sou até hoje. Então, eu era aquela menina magrinha, feia, não
tinha roupa, não tinha calçado, não tinha bolsa. Eu usava o dinheiro
dobradinho realmente na mão. Então eu era a segunda a chegar ao Banco;
o gerente era o primeiro”.
Ilca Entrevista individual: “Eu sempre fui esteio da minha família e depois
que casei sempre fui esteio do meu marido. Então a gente trabalhou muito,
muito mesmo”.
Irene, logo no início do seu casamento, ao ver as dificuldades do esposo para
exercer a função de provedor do lar, chamou para si esta responsabilidade. Os anos foram se
passando e houve uma acomodação na dinâmica conjugal, com relação a este papel. Depois
de sua separação ela conseguiu enxergar seu erro, conforme relatos abaixo:
Irene 2º encontro: “Eu reconheço que errei muito. Grande parte da culpa
do fracasso do nosso casamento está realmente comigo, pelo fato de eu estar
sempre querendo ser a provedora, sempre correndo atrás. Ele se acostumou
a ficar sem responsabilidade e eu deixei. Tá na boa, tá quietinho, tá bom. Só
que depois que tudo isso aconteceu, veio à tona, aí agora é diferente”.
Irene 2º encontro: “Acho que sou culpada, porque antes eu fingia que era
dependente dele, que precisava dele, acho que para agradar. Agora as
coisas são bem diferentes”.
Da família de origem para a própria família não houve grandes mudanças nesta
área, na vida de Irene e de Ilca. Elas continuaram sendo esteios financeiros de seus maridos e
fonte de apoio para todos.
A história de suas vidas continua até hoje, não só na família de origem, mas em
seus relacionamentos interpessoais. Dentro do grupo Ilca ocupou esta função, conforme
relatos abaixo:
Ilca 4º encontro: “Temos que ser feliz, desapegar do que passou. Gente!
Há pouco tempo eu tenho essa posição. Eu chorava dia e noite querendo
meu marido. Eu dizia: ‘eu quero meu marido gostoso, chique, elegante´.
223
Mas, ele era tudo isso para as outras, não para mim. Não vou querer esse
homem que não me quer!”.
Ilca 4º encontro: “Nós temos uma vida só; vai passar; temos que ser feliz;
não devemos permanecer presa a um casamento que já acabou. Aquele
casamento anterior já acabou; não temos que ter apego; não dá para viver
com quem está traindo você; tem que virar a página”.
Ilca 4º encontro: “Eu aprendi aqui no grupo, isso foi bem forte na minha
vida e eu tenho vivido esse aprendizado: agora, eu vivo o hoje, eu sou feliz
hoje. Lógico que nós temos que ter metas. Eu não coloco mais na minha
vida uma meta assim: ´eu estou querendo, não!’. Hoje eu falo: ‘eu quero, eu
quero, sabe!; eu quero, eu vou, eu posso, eu consigo, eu vivo o hoje, eu não
quero mais caminhar para trás´”.
Ilca sempre incentivou as outras mulheres do grupo a irem à luta, a se tornarem
auto-suficientes, a trabalharem muito, estudarem muito, se esforçarem muito, para serem
vitoriosas e bem sucedidas na vida profissional, na vida emocional e na vida afetiva.
Irene fez do cuidado ao próximo a atividade mais importante de sua vida e,
mesmo fragilizada pela separação conjugal, continuou firme neste papel dentro de seu círculo
de relacionamento. Em sua casa, perante seus filhos e as pessoas do seu convívio, continuou
passando esta imagem de pessoa forte, batalhadora, guerreira, que nunca se curva diante das
dificuldades, conforme relatos abaixo:
Irene 2º encontro: “Então, eu falava para meu marido: ‘hoje eu vou fazer
de tudo para os meus filhos não passarem o que eu passei’. Por isso, eu
levantei a cabeça; eu não abandonei meus filhos, como minha mãe nunca
abandonou a gente. Eu procuro estar sempre do lado deles, porque eu
passei muita coisa. Eu sei o quanto é difícil”.
Irene 2º encontro: “Eu sempre disse ao meu marido que não queria ter
filhos para não vê-los sofrer como eu sofri. Ele dizia que sempre ia cuidar
deles. Agora, eu vejo meus filhos nesta situação. No fundo eu me revolto,
porque eu nunca queria que eles passassem por isso. Sofrer o que eu sofri; o
que minha família, os meus irmãos sofreram”.
No grupo de reflexão, Irene, desde o princípio, conseguiu expor suas
fragilidades, medos, conflitos, revoltas e fraquezas. Mas, sempre quando compartilhava
demais em um encontro, no outro faltava. Foi a participante mais irregular. Sua justificativa
sempre foi a dificuldade financeira. Mas havia outros motivos e isso ficou claro em um de
seus relatos:
224
Irene 16º encontro: “Eu realmente não estou chorando mais. Eu só estou
chorando aqui. Eu relutei muito em voltar para o grupo, porque eu imaginei
que eu iria ficar falando dele o tempo todo, mas graças a Deus, em vista das
outras vezes que nós nos separamos, eu tenho essa consciência”.
Parece que ela reprovava a si mesma por se fragilizar no grupo. Pelo relato
acima, fica a sensação de que ela não se sentia confortável no grupo quando partilhava com as
outras mulheres sua intimidade. Estar no grupo correspondia a estar fora do seu papel
habitual. Fragilizar-se a incomodava demais. Por isso, permanecer freqüentando o grupo
sempre foi um desafio para ela.
9.1.3.3. A idealização do amor como solução para todos os problemas conjugais
Íris foi a participante do grupo de reflexão que mais enfocou a idealização do
amor, como solução para todos os problemas conjugais. Durante os relatos se mostrou uma
pessoa romântica. Compartilhou seu hábito de escrever diários permeados dos conteúdos de
suas paixões. Durante a adolescência, alimentou paixões platônicas, vivendo-as intensamente
no mundo imaginário. Mas, na juventude, optou pelos relacionamentos reais e viveu
intensamente esse período romântico de sua vida. Por meio dos fragmentos abaixo é possível
identificar a presença de um forte componente narcísico na sua visão idealizada do amor.
Íris 5º encontro: Na verdade a gente olha para eles com a sensação de: não
sei o que aconteceu com o amor? Essa que é a verdade. O que aconteceu com
aquele amor todo? Não sei. Tem momentos que eu acho que ele ainda está
presente. Tem momentos que você acha que o amor é uma idiotice que você
tinha e fazia tudo para aquela pessoa.
Segundo Carvalho (1996), a sociedade proclama modelos idealizados de
felicidade conjugal, dando origem a idéias que se tornam verdadeiros clichês no imaginário
popular, alimentando ilusões, mitos e rituais que fortalecem as contradições vividas entre o
cotidiano da vida conjugal e a relação conjugal sonhada e idealizada.
Igualmente, a mídia e os vários meios de comunicação de massa, por uma
questão estritamente comercial, alimentam as fantasias em torno do amor-paixão, colocando-o
como a única razão capaz de sustentar um relacionamento conjugal nos dias atuais. Todavia,
225
na prática, o que realmente sustenta a relação conjugal é o amor que traz em si um cunho de
cumplicidade e companheirismo. Mas, pelo fato da cultura desvalorizar o segundo e fazer do
primeiro o único digno do nome de amor, as coisas geralmente se complicam, quando os
jovens partem para o casamento, movidos por esses ideais tão difundidos na sociedade pós-
moderna. (JABLONSKI, 1994).
As pessoas entram no relacionamento conjugal com uma série de sonhos,
desejos e necessidades que precisam ser atendidos, pois, no nível consciente e,
principalmente, inconsciente, há uma expectativa de que todo investimento feito no parceiro e
na própria relação conjugal trará os dividendos pretendidos, ou seja, realização plena de tudo
aquilo que a pessoa almeja com o casamento.
Quando os anos vão passando e não ocorre, de forma satisfatória, o
atendimento das esperanças e necessidades que cada um contava que o outro iria realizar, o
casamento perde seu encanto e as pessoas começam a demonstrar, de forma velada, num
primeiro momento e, depois abertamente, seu alto nível de frustração com o outro e com a
relação propriamente dita. O fragmento abaixo ilustra estas afirmações:
Íris 5º encontro: “Esses dias eu vi um folhetinho da missa que estava
escrito assim, uma história de um monge e eu achei muito engraçado,
porque estava no folheto da missa a história de um monge [...] Era assim,
um homem chegava ao monge e dizia: ‘eu não amo mais a minha mulher, eu
quero separar dela. O que eu faço’. Ai o monge disse: ‘ame-a’. Ai ele falou:
‘não monge, o senhor não está entendendo. Eu estou dizendo para o senhor
que eu não a amo mais. Eu olho para ela e não sinto mais a mesma coisa’.
O monge virou para ele e disse: ‘ame-a’. Ele falou: ‘mas, o senhor não está
entendendo. Eu estou explicando para o senhor e o senhor não está
entendendo’. O monge disse: ‘amar não é só o sentimento; é também uma
atitude. Você tem que se dedicar a pessoa; tem que agradá-la; tem que fazer
por merecer seu amor. Ai você vai ver’”.
É difícil para o objeto amado corresponder ao investimento amoroso do outro.
Isto porque, o amor é um sentimento subjetivo, construído a partir da elaboração psíquica, que
visa a reparação de anseios, necessidades e fantasias que não foram atendidas nas inter-
relações ocorridas ao longo do desenvolvimento psicológico da pessoa, além de todas as
influências sociais e culturais que se leva em conta na construção dessa subjetividade.
As falas abaixo continuam mostrando a forte carga de subjetividade presente
na construção do amor, por parte das mulheres que participaram do grupo de reflexão:
226
Íris 5º encontro: “Ai eu fiquei pensando: ‘é verdade, porque, às vezes, a
pessoa não investe na relação. Quantos casamentos arranjados que teve em
todos esses séculos e as pessoas se apaixonavam, talvez, porque elas se
dedicavam umas a outras; procuravam saber o que a outra gostava, o que
fazia a outra pessoa feliz’. Sabe, eu acho que essa dedicação transforma
qualquer coisa em amor”.
Isa 10º encontro: “Eu não vejo a beleza como o principal. Eu me
apaixonei pela alegria dele”.
Isa 13º encontro: “[...] E eu cheguei a conclusão que não valia mais a
pena continuar nesse casamento, porque além do que aconteceu lá [na
praia], ele já tinha dito que não me amava mais. Depois ele acabou
voltando atrás. Ele disse que me amava, mais não estava me respeitando,
porque saiu a noite inteira e não disse onde estava. Eu pedi uma resposta e
ele disse que era irrelevante. Quer dizer: ele não estava preocupado comigo.
Por que ele está comigo? Que amor é esse que eu não entendo? [...] Eu vivi
um misto de emoções e sentimentos que até agora não consegui dar um
nome para isso. Só sei que me magoou demais. E eu falei para ela [irmã]
que fiquei muito decepcionada com ele. Foi uma decepção muito grande. E
eu falei para ela que havia decidido viver uma vida nova [...]”.
É impossível conviver com uma pessoa sem experimentar qualquer tipo de
frustração, principalmente quando o estado de apaixonamento pode ser uma reação emocional
à perda do objeto primário. A atração amorosa, gerada por este tipo de vínculo, promove na
pessoa a ilusão de cura da ferida narcísica, porque ela acredita piamente que encontrou no
outro esse objeto perdido. A frustração ocorre pela não realização do desejo de retornar a
identidade primária, de compor com o outro uma relação de objeto único. O rompimento do
vinculo amoroso estampa diante da pessoa a certeza de sua incompletude e, ao mesmo tempo,
aniquila, no vínculo findo, toda construção que fizeram juntos, movidos pela esperança de
completude, através da relação amorosa. Sem dúvida, é um golpe que abala as estruturas mais
arcaicas do ser humano.
A fala abaixo pode exemplificar isso:
Ilca 6º encontro: “um casamento sem amor não tem sentido”.
Íris 5º encontro: “Eu posso contar a data que acabou meu casamento. Foi
a partir de junho, julho do ano passado, porque eu lembro que quando meu
marido me apresentava para as pessoas, ele falava assim: ‘essa é minha
esposa’ e os olhos dele brilhavam, mesmo quando ele já estava me traindo e
já fazia tanto tempo que ele assumiu que tava me traindo. Mas, ele me
olhava com admiração, como que dizendo: ‘puxa! Ela é minha esposa’.
Olha só, sabe, nos olhos dele eu podia ver isso. De julho para cá, ele tava
me apresentando assim, primeiro, que já não queria me levar nos lugares.
227
Então já não queria me apresentar mais e depois que me apresentava, você
via que já não tinha mais aquele brilho nos olhos da pessoa”.
Quem ama sempre espera ser correspondido. Só a correspondência do amor
possibilita a formação do compromisso dual que viabiliza ao casal o estabelecimento de uma
série de identificações inconscientes. Muitas vezes, as pessoas confundem o amor com a
paixão. Segundo Amado (2003, p. 33), o estar apaixonado é diferente de estar amando, pela
seguinte razão:
[...] o estar apaixonado pode ser identificado como uma reação emocional à
perda do objeto, proporcionando, assim, uma ilusão de que o sujeito pode se
livrar da ferida narcísica, imaginando que o objeto foi reencontrado e que
não é mais necessário separar-se dele.
A pessoa apaixonada se desloca do seu objeto primário de amor para um outro
que deve ser idêntico ao primeiro. Por meio da identificação projetiva, ela se relaciona com o
substituto como se ele fosse seu primeiro objeto de amor. Isto ocorre, quando o objeto de
amor primitivo é visto como insubstituível.
A pessoa apaixonada vive em estado de graça, mas o esvaziamento do seu ego
é tão intenso que ela só consegue se ver preenchida na presença do objeto de sua paixão. Ela
perde a capacidade de viver por si mesma e só consegue se sentir viva através do
relacionamento com o outro. Quando o objeto amado se aproxima, o ego da pessoa
apaixonada se ilumina, como se estivesse recebendo de volta seu próprio ego através do outro.
Segundo Amado (2003, p. 34), “é como se o amor desse sujeito idealizado tornasse legítimo o
amor do indivíduo por ele mesmo. Estar apaixonado seria fazer do objeto eleito um ideal por
quem podemos ser amado”.
Mas, a paixão normalmente é construída sobre o alicerce do engano, pois a
pessoa apaixonada se relaciona não com o outro, mas com a imagem idealizada que ela
projeta no seu parceiro. Isto ocorre porque a paixão é uma construção imaginária, onde o
objeto amado representa aquilo que o amante imagina a seu respeito e que está ligado a suas
necessidades.
Quando o vínculo conjugal é oficializado apenas pelo fundamento da paixão, o
cotidiano da relação conjugal pode trazer algumas frustrações aos cônjuges, porque eles
começam a perceber que o parceiro da relação amorosa não corresponde totalmente à visão
que eles tinham um do outro no período de preparação para o casamento. A partir deste ponto,
228
um passa a projetar no outro a culpa pela sua frustração e pelo seu engano. Mas não percebe
que, na realidade, o objeto da sua escolha amorosa está permeado de desejos e anseios que ele
mesmo projetou e que são seus, pertencem a sua própria história de vida construída como um
processo complexo, que envolve fatores constitucionais, psicológicos, sociais e culturais, e
não pertence à história do outro.
9.1.3.4. Dificuldade de fazer a escolha amorosa na vida adulta
A separação dos pais e os sofrimentos conseqüentes geraram em Irene muitos
temores em relação à vida amorosa e ao relacionamento conjugal. Durante um bom tempo do
seu desenvolvimento psicossexual, ela permanece completamente fechada para a
possibilidade de casar e de ter filhos, pois não conseguia vislumbrar nenhuma possibilidade
de felicidade caso optasse por este caminho. Vejamos alguns fragmentos que abordam este
fato:
Irene Entrevista Individual: “Eu não queria casar, porque ficava pensando
que todos os homens eram iguais ao meu pai”.
Irene Entrevista Individual: “Eu lembro que uma vez eu terminei o namoro
com ele porque eu não queria ter filho. Eu pensava assim: ‘porque eu vou
por filho neste mundo, para sofrer?’ Porque nós sofremos muito, muito
mesmo. Sofremos depois que meu pai saiu, sofremos nas mãos dos vizinhos.
Nós éramos pequenos e minha mãe saia para trabalhar e os vizinhos
agrediam a gente [...]”.
Quando a pessoa formaliza o vínculo conjugal, ela traz toda bagagem que foi
acumulando ao longo dos anos, para dentro da relação. Isto inclui seus valores pessoais acerca
do casamento e da família, conteúdos conscientes e inconscientes.
Durante o namoro e noivado pouco é conversado a respeito dos pensamentos e
valores que os enamorados trazem com relação ao casamento e família. Há uma tendência
generalizada de se pensar que dificilmente pode haver pensamentos conflitantes a respeito
destes assuntos. No cotidiano da relação conjugal, esses valores sobre família, casamento,
vida familiar, tendem a aparecer. Só na relação real é que os cônjuges começam a perceber,
surpresos, o quanto eles pensam diferente e agem diferente em relação a temas que pareciam
tão inquestionáveis entre eles.
229
O sofrimento que Irene vivenciou a partir dos sete anos gerou uma grande
decepção em relação ao seu pai. Como conseqüência, ela desenvolveu uma forte desconfiança
em relação aos homens. Na sua ótica, todos os outros homens do mundo eram iguais a seu pai
e não mereciam sua confiança. Ela fez de tudo para não casar, mas levou adiante seu namoro,
pela persistência de seu ex-esposo e pelo desejo de resignificar sua vida.
Quando consentiu com o casamento, esbarrou em outro obstáculo, ainda no
namoro. Não queria ter filhos, porque, na sua ótica, os pais só colocam filho no mundo para
sofrer. O conflito foi tão sério e real que gerou o rompimento do namoro. O sofrimento que
vivenciou, depois da separação dos pais, foi tão forte que produziu o temor de ver sua dor
reproduzida na vida de seus futuros filhos. Sua fala deixa claro que os vínculos amorosos são
configurados, desde o período de namoro, pelas influencias das motivações conscientes e
inconscientes de cada parceiro da relação conjugal.
Diante do exposto, é possível afirmar que o desenvolvimento psicossexual
feminino, bem como, a forma como a identidade feminina foi sendo construída, desde a
infância até a vida adulta, influencia diretamente no momento da escolha amorosa. As pessoas
chegam ao momento da formação do vínculo amoroso, trazendo uma série de anseios, desejos
e motivações, conscientes e inconscientes, que são fundamentais para a escolha amorosa e
para a formação do vínculo conjugal.
Para Anton (2000, p. 37, 38), a escolha mútua é realizada pelos conteúdos
conscientes e inconscientes de cada parceiro da relação amorosa. Esses conteúdos são
compostos de impulsos, fantasias e mecanismos de defesa e outros elementos. Segundo esta
autora: “embora nunca se esteja perfeitamente cônscio de todos os motivos, pode haver uma
sintonia, uma correspondência entre causas internas, atos e justificativas”.
Portanto, não há como dissociar o casamento dos sonhos e projetos que vão
sendo feitos acerca do mesmo, durante as fases anteriores do desenvolvimento humano.
Muitas vezes, o casamento em si e a constituição da família resumem todo o ideal de vida de
uma pessoa. Há muita renúncia envolvida neste processo e algumas pessoas se perdem
totalmente no outro e passam a viver em função do parceiro da relação amorosa.
Só que elas não entendem que este movimento de negar a si mesma e se doar
totalmente ao outro, faz parte de sua própria vivência e, num primeiro momento, não foi uma
exigência do outro. Também é preciso levar em consideração que o outro, por um processo
inconsciente, estava buscando uma pessoa que vivesse em função dele.
A dissolução do vínculo conjugal, em muitos casos, ocorre justamente por
causa da configuração neurótica do casamento. Mas, quando se colocar um fim abrupto ao
230
distúrbio do casal, se corre o risco de esvaziar totalmente o sentido da vida de um dos
cônjuges, ou de ambos. A separação é um processo muito difícil, porque vem, de repente, e
acaba com tudo e ainda prejudica outras áreas da vida que estavam profundamente
interligadas à vida conjugal.
No entendimento de Anton (2000), uma pessoa bem definida e com boa auto-
estima tem maiores condições de se aproximar dos outros, sem medo de perder seu próprio
espaço, de ser violada pelo outro, subjugada e roubada. Isto porque, ela não depende
totalmente do outro para viver e muito menos para dar sentido à sua vida. O outro
complementa, mas não oferece todo o conteúdo afetivo que ela precisa para se considerar uma
pessoa plena e feliz. A relação amorosa exige mutualidade. Os dois parceiros da relação
conjugal precisam aprender a dar e receber amor.
Quando a pessoa idealiza o objeto amado, mesmo não ocorrendo nenhuma
alteração em sua natureza, ele é exaltado na mente da pessoa. Para a pessoa que realiza a
idealização isso demanda um grande investimento da libido do ego em direção ao objeto
amado. Esse processo exalta sobremaneira o objeto amado e transforma-o em um ideal a ser
alcançado.
Portanto, as escolhas não são aleatórias. Ninguém escolhe o outro por acaso.
Por outro lado, não podemos generalizar, dizendo que elas são sempre disfuncionais. Elas são
frutos da totalidade das pessoas. Existem partes saudáveis, no aparelho psíquico dos
indivíduos, que também influenciam nesse processo de escolha e formação do vínculo
conjugal. Há elementos conscientes envolvidos no processo da escolha amorosa. Mas,
também, é preciso admitir, que grande parte desta escolha é motivada por expectativas,
desejos e necessidades inconscientes, relacionadas às etapas mais primitivas do
desenvolvimento psicossexual, dos parceiros da relação conjugal.
9.2. O FUNCIONAMENTO DO CONTRATO INCONSCIENTE DO CASAMENTO NO
COTIDIANO DA RELAÇÃO CONJUGAL: O VÍNCULO REAL
Neste tema, nosso objetivo é compreender o funcionamento do contrato
inconsciente dentro do cotidiano da relação conjugal, nos relacionamentos que estão sendo
estudados por meio desta pesquisa.
231
Como já tivemos oportunidade de afirmar na fundamentação teórica, uma parte
significativa dos temas centrais que configuram os relacionamentos amorosos dos parceiros
da relação conjugal, começa a ser definida nos primeiros anos de vida. Muitos anseios e
medos inconscientes que se manifestaram no dia-a-dia do relacionamento conjugal e que
formaram o conteúdo do contrato inconsciente dos relacionamentos conjugais, das mulheres
que participaram do grupo de reflexão, podem ser conectados com as experiências que elas
vivenciaram nos relacionamentos da infância.
Nesse sentido, o casamento é sempre um acontecimento onde os parceiros da
relação conjugal, normalmente, depositam suas expectativas, sonhos e desejos secretos que
não foram realizados durante as fases anteriores do desenvolvimento psicossexual de cada um
deles.
9.2.1. O início do contrato inconsciente do casamento: desde a fase do namoro
A literatura analisada afirma que o contrato inconsciente do casamento
começa a ser formado desde o tempo do namoro. Acontece que os enamorados não percebem
esta construção em andamento, porque ela acontece através de processos mentais
inconscientes. Durante os encontros do grupo de reflexão foi possível identificar a
comprovação deste fato nas falas das participantes, conforme os fragmentos abaixo:
Íris 1º encontro: “Ele mentia um pouquinho. O nível de escolaridade fazia
um pouco de diferença, mesmo que eu dissesse que isso não representava
nada. A questão cultural também. Eu queria ir ao teatro, ao cinema e para
ele isso não era muito importante. Mas eu achava que era interessante e
tudo mais”.
Íris 5º encontro: “Na verdade, ele me procurava uma vez por semana,
geralmente no sábado, quando estava descansado da semana e tal. Ai você
fala assim: ‘não, então é por isso que ele me procura pouco’. Ai eu volto no
namoro, mas no namoro já era assim. Então eu pensava: ‘mas é normal’.
Quando, às vezes, eu comentava com alguma pessoa, ou um homem, falava
exatamente isso: ‘olha, será que ele não tem outra?’. Aí eu falava assim:
‘não, porque desde o namoro era assim´. Então, ele não mudou nada em
casa, continuou do mesmo jeito. Então, é difícil pra mulher quando é assim
para você notar essa diferença”.
232
Desde o tempo de namoro ela já percebia em seu ex-esposo alguns valores
contrários aos seus. Havia diferença no nível de escolaridade e isso já repercutia diretamente
na maneira como cada um enxergava a vida, o casamento a família e o mundo à sua volta.
A questão cultural já era uma fonte de conflito no relacionamento de Íris, desde
a fase de namoro. Ele gostava de algumas coisas que ela não gostava e ela gostava de algumas
coisas que ele não gostava. Ao que tudo indica, durante o namoro ficou resolvido, de forma
inconsciente, que ela sempre abriria mão das coisas que gostava, para acompanhá-lo nas
coisas que ele gostava. Esta pode ter sido uma das cláusulas do contrato inconsciente do
vínculo conjugal que eles, mais tarde, oficializaram. A partir do início do namoro, Íris sempre
teria que abrir mão dos seus prazeres, dos seus valores, da sua vida profissional, dos seus
sonhos, em função dos prazeres, valores, da profissão e dos sonhos do cônjuge.
Esta dinâmica de relacionamento, que deu certo no namoro; que despertou nele
o desejo de casar rapidamente com ela, não deu certo durante o casamento, porque ela tinha
uma expectativa de que ele iria mudar ao amadurecer. Como ele continuou agindo da mesma
forma, também durante o casamento, sua conduta se tornou numa fonte de sofrimento,
frustração e conflito para ela, principalmente, quando tiveram que educar os filhos, ocasião
em que essas diferenças entre eles, que já estavam presentes desde o tempo do namoro, se
tornaram tão evidentes que não tinha mais como ignorá-las.
Íris 1º encontro “Eu já via alguns defeitinhos nele durante o namoro,
mas preferi fechar os olhos para eles, ignorá-los. A paixão é cega”.
Íris 12º encontro “Hoje, quando leio o meu diário do tempo de namoro,
vejo registros de mentiras dele. Só que eu não vi isso naquele tempo. Pensei
que ele ia amadurecer”.
Desde o período do namoro Íris fez a opção de fechar os olhos, para não ver
quem seu ex-marido era realmente. Agiu assim para não perder as identificações, permeadas
de idealizações, que ela projetou nele, durante todo o período em que estiveram juntos. Isto
está claro em seu relato acima.
A idealização, que surge na escolha amorosa conduzida pela paixão, ignora
aquela parte da realidade que pode complicar a formação do vínculo amoroso. A pessoa
apaixonada se entrega totalmente ao objeto do seu amor, ficando, portanto, empobrecida em
seu ego. Segundo Freud ([1914] 1974), a idealização é o meio pelo qual o sujeito exalta e
engrandece o objeto idealizado em sua mente. O objeto eleito passa a existir, tanto fora como
dentro do sujeito, sob uma espécie de presença fantasiada, imaginária.
233
Amado (2003) diz que a idealização acontece como uma tentativa de
aproximar o objeto eleito do objeto original. Assim, a pessoa que idealiza seu parceiro, está
tentando resgatar o estado de narcisismo primário, movida pela ilusão de que neste reencontro
as fronteiras entre o eu e o outro irão desaparecer e eles viverão juntos uma experiência de
completude narcísica.
Ilca 1º encontro: “Depois a gente analisando o tempo de namoro, eu vejo
que ele sempre mentiu para mim. Ele sempre escondeu o lado de farra dele.
Porque, na verdade, ele sempre gostou de farra”.
Íris 12º encontro: “Ele era tudo aquilo que parecia e você não viu. Era
cópia do pai dele que traiu a mãe dele a vida inteira. Ele sempre foi o
mesmo e eu não enxerguei isso no período de namoro”.
A mentira sempre permeou o relacionamento da Ilca com seu ex-marido, desde
o tempo de namoro. Ela relatou este fato no primeiro encontro, quando disse que seu ex-
marido sempre mentiu para ela, desde quando eram namorados. Um fato interessante é que
ele sempre escondeu dela que gostava de outras atividades paralelas ao relacionamento dos
dois. Quando se casaram, esta dinâmica, que vinha desde o período do namoro, continuou
presente no cotidiano da relação conjugal. Ele permaneceu nestas atividades paralelas, mas
sempre tomando cuidado para ela não perceber esse seu traço de caráter.
Por outro lado, por mais que a pessoa tente esconder um traço de caráter, ele
sempre aparece durante a relação, mesmo que de forma dissimulada. Pode ser que uma das
cláusulas do contrato inconsciente entre eles consistisse exatamente nesta mentira. Ele mentia
para Ilca, tentando passar a imagem de que era uma pessoa séria, que não gostava destas
atividades extra-conjugais. Ela, por sua vez, de forma inconsciente, mentia para ele, aceitando
sua falsa imagem de pessoa séria, pois não podia admitir para si mesma que ele mantinha
relacionamentos fora do casamento com outras mulheres.
É complicado enxergar quem a pessoa realmente é quando projetamos nela
nossas idealizações. Abrir os olhos, querendo enxergar a realidade, dentro de uma relação
idealizada, é muito difícil. Somente quatro anos depois de separada é que ela começou a
admitir este fato.
234
9.2.2. Casamento: lugar de expectativas, sonhos e desejos não realizados das fases anteriores
do desenvolvimento psicológico
Durante o desenvolvimento psicológico, as pessoas vão construindo seu
mundo interno, composto e sustentado por muitos objetos que são internalizados por uma
série de ajustes, pactos e acordos estruturais, que promovem os contornos de sua
personalidade. Junto com estes conteúdos internos elas também vão construindo os valores do
seu mundo externo, igualmente composto de objetos e leis que foram sendo assimiladas dos
vários sistemas aos quais pertenceram, desde o nascimento.
O momento da escolha amorosa é importante, pois representa o cruzamento
dos inconscientes dos parceiros, com toda a bagagem que eles acumularam ao longo da vida.
Eles trazem dentro de si, não apenas os conteúdos dos quais têm consciência, mas muitos
outros conteúdos que, embora presentes no inconsciente, mesmo assim, são decisivos para a
formação do vínculo amoroso e para a oficialização do vínculo conjugal. Estes fatos podem
ser verificados no fragmento transcrito abaixo:
Isa 13º encontro: “[...] Aí eu disse pra ela [irmã mais nova] que quando a
gente casa [...] a gente traz pro casamento muitos sonhos, muitos desejos e
nem sempre esses desejos são realizados no casamento. Por exemplo,
quando eu casei tinha a certeza que estava casando pro resto da minha vida
[...]”.
Dificilmente as pessoas se casam porque querem vivenciar uma relação
responsável, onde há uma reciprocidade equilibrada de sentimentos, de sacrifícios, de
altruísmo e de dedicação de um ao outro. Embora este seja o discurso que mais ouvimos por
parte dos cônjuges, o que, muitas vezes, parece levar as pessoas a buscarem o casamento são
suas motivações egocêntricas, representadas pelo desejo de encontrarem alguém disposto a
realizar a difícil missão de se tornar responsável pela satisfação das suas necessidades, desejos
e sonhos, que não foram realizados nas fases mais primitivas de seu desenvolvimento.
Com isso, os vínculos conjugais, normalmente, são carregados de
identificações e projeções. Um cônjuge recebe do outro uma responsabilidade tão grande
como agente de realização de suas necessidades, desejos e anseios mais primitivos que, por
mais disponível e devotado que esteja para o relacionamento conjugal, jamais consegue suprir
as lacunas ocorridas. A tentativa de libertar o outro das fixações e corrigir as distorções que
235
aconteceram nas fases mais primitivas de seu desenvolvimento psicossexual, geralmente, é
uma tarefa fadada ao fracasso.
Os conteúdos do passado e do presente estão tão misturados na vida da pessoa,
que nem mesmo ela consegue ser específica sobre as reais motivações que produzem, em
alguns momentos, tanta alegria e que, em outras ocasiões, produzem tanta dor e sofrimento.
Vejamos um fragmento que pode nos ajudar a ilustrar esta afirmação:
Ilca 5º encontro: “Na minha opinião, tudo isso que nós sonhávamos
quando nos casamos, quando nos apaixonamos e que estávamos construindo
para os nossos filhos, trabalhando e ajudando nossos maridos... Eu vinha
aqui para a UCDB tão feliz , quando estava fazendo faculdade, porque eu
estava cursando uma faculdade, porque eu já estava terminando. Hoje eu
volto aqui para tirar toda essa dor, essa mágoa, porque a mágoa é muito
grande. Essa mágoa é difícil da gente tirar”.
Em função do funcionamento do contrato inconsciente, que está presente em
todo vínculo conjugal, os desejos fixados das fases anteriores do desenvolvimento psicológico
dos parceiros da relação conjugal, permanecem, a todo instante, misturados com os desejos e
anseios oriundos do próprio relacionamento conjugal que a pessoa está vivendo. Neste
sentido, a felicidade que Ilca sentia quando vinha para a UCDB, freqüentar as aulas do curso
superior já concluído, era uma construção oriunda não apenas do fato de estar casada, de estar
construindo um futuro melhor para seus filhos e para sua família. Com certeza, este era um
sonho bem mais antigo, que remontava a uma fase anterior de sua vida, quando ela não podia
cursar uma faculdade, pois, desde muito pequena, precisou trabalhar para sustentar sua família
de origem.
Sua fala pode ser localizada no tempo e no espaço em que ela a colocou, mas,
também, traz um forte ranço do seu passado de lutas, privações e dificuldades, quando não
podia fazer o curso dos seus sonhos por privações financeiras. Por isso, a mágoa sentida pela
dissolução do vínculo conjugal pode ficar maior, por outras mágoas correlatas. Fazer o trajeto
para a UCDB, que representava a realização de um sonho, agora representa o desamor, a
desvalorização de tanto sacrifício, de tanto investimento na vida, na família e na relação
conjugal, a traição, a implosão definitiva de um relacionamento que demandou muito esforço
pessoal.
Quando o casamento deixa de ser este lugar onde as pessoas podem depositar
suas expectativas, sonhos e desejos, a frustração é muito grande, porque as motivações
inconscientes, que antes foram canalizadas para a relação conjugal, agora precisam ser
236
retiradas deste lugar. Como não há outro lugar para depositá-las novamente, num primeiro
momento, elas precisam retornar irrealizadas e insatisfeitas para seus próprios autores. Esta
constatação pode ser verificada no fragmento abaixo:
Íris 1º encontro: “Eu coloquei a minha família na frente dos meus planos a
vida inteira, porque eu comecei a namorar fazendo a faculdade. Assim que
eu me formei a gente se casou, porque eu estava grávida. Então, eu perdi o
primeiro ano de trabalho em função da gravidez [...] depois fui
desesperadamente procurar emprego. Quando consegui achar emprego
comecei a trabalhar. Quando surgiu a oportunidade dele ir embora para
outra cidade, eu larguei tudo, mesmo já estabilizada na minha profissão; já
estava bem; [...] aí saí daqui e fui para um outro lugar. Quando eu já estava
estabilizando na outra cidade, ele mudou novamente. Eu fui para outro
lugar e, depois, para outro lugar. Tudo em função da família e em função
daquilo que eu acreditava que a família era”.
Embora Íris esteja convicta de que suas atitudes consistiram num grande
investimento pessoal no outro, na relação e na família, na realidade, todos estes movimentos
representaram um investimento em si mesma. Desde muito pequena, ela aprendeu que a
família era um lugar de refúgio, de proteção, de nutrição, de crescimento e de felicidade. Ao
lutar pela família e fazer tudo em função do seu fortalecimento, na realidade, estava fazendo
para si mesma. Na sua ótica, durante o período que agiu desta forma, não havia outra maneira
de se sentir protegida, nutrida física e emocionalmente, feliz e realizada, fora deste lugar,
fortificado, mágico e poderoso. Muitas pessoas casam, porque acreditam realmente que o
casamento, a família é um lugar de libertação dos sentimentos de abandono, vazio, solidão,
rejeição, desvalorização e outros correlatos.
9.2.3. Dificuldades surgidas no namoro ganham maior repercussão dentro do casamento
Na discussão do primeiro tema, Íris afirmou que chegou a terminar o namoro,
porque seu parceiro queria casar rapidamente, mas eles não tinham nenhuma estrutura
financeira. Ela tentou sair fora desse relacionamento, porque percebeu, desde o início, que seu
parceiro não possuía este valor. Todavia, em decorrência dos fortes sentimentos que nutria por
ele, não conseguiu terminar a relação e, através da gravidez inesperada, encontrou um jeito de
levar adiante o relacionamento, passando por cima de seus próprios valores pessoais. Os
fragmentos abaixo demonstram os desdobramentos das dificuldades surgidas desde o namoro:
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Íris - 1º encontro: “Ele nunca soube administrar dinheiro; jogava muito
dinheiro fora. Teve épocas que ele ganhava muito bem e, mesmo assim, a
gente não tinha dinheiro para nada [...] Ele nunca firmou, nunca conseguiu
fazer as coisas; nunca conseguiu dar uma alavancada em nossa vida. A
gente sempre gastava mais do que ganhava. Então, ficava uma coisa bem
apertada, bem difícil”.
Íris - 1º encontro: “Ele sempre gostou de mostrar que tinha as coisas;
sempre foi metido e o fato de estar ganhando bem e ter privilégios dentro da
empresa facilitou ainda mais nosso endividamento”.
É importante ressaltar que aquilo que parecia uma possibilidade durante o
namoro, se tornou uma realidade durante o casamento, produzindo muito sofrimento,
insegurança e conflitos para ambos os cônjuges. Desde o período de namoro, as diferenças
entre Íris e seu ex-cônjuge já causavam certos conflitos no relacionamento. Mas elas foram
ignoradas em função da forte atração que existia entre eles. Íris começou a participar do
mundo do seu namorado, relegando seus interesses pessoais, na esperança de que um dia
receberia a recompensa por seu sacrifício e doação em favor da relação. Mas, sua expectativa
não se cumpriu plenamente durante o casamento.
Íris - 1º encontro: Eu só fui sentir essas barreiras bem mais tarde, depois
que a gente teve os filhos porque para educar os filhos com valores
diferentes a situação ficou bem mais difícil. Educar os filhos fica bem mais
complicado quando os dois tem valores e pensamentos diferentes”.
Íris - 1º encontro: Eu sempre fiz questão que meus filhos estudassem em
escola particular e ele emburrava; não valorizava a educação. Dizia que
era dinheiro jogado fora [...] Meu filho odeia estudar e eu o forçava para
ser bem sucedido nos estudos e ele dizia: ‘meu pai nunca estudou e olha o
tanto que ele ganha’. Então, era um exemplo bem negativo e cruel”.
O esposo continuou aferrado a sua própria visão de mundo e Íris sempre teve
que lutar muito para impor seus valores para ele e para seus filhos. Aquela diferença que no
namoro foi percebida, mas que não se configurou como uma grande dificuldade, no
casamento, se tornou uma situação complexa que trouxe insegurança e instabilidade ao
vínculo conjugal.
A ilusão de um possível reencontro com seu primeiro objeto de amor
idealizado promove a negação de qualquer evidencia que possa frustrar sua realização. Mas,
quando a pessoa realiza o projeto dos seus sonhos e entra no dia-a-dia da relação conjugal, o
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encanto pode desaparecer diante das dificuldades que foram ignoradas. Isto aconteceu logo no
início do casamento de Íris, conforme fragmentos abaixo:
Íris - 1º encontro: “Os dois primeiros anos e meio a gente permaneceu
casado, mas com muita dificuldade, porque, para mim, era muito difícil. Eu
sou a caçula da família. Eu era a queridinha do papai; tinha tudo na mão e,
ai eu casei, estava grávida, recém formada, sem emprego. Foi uma coisa
muito difícil”.
Esse relato deixa claro que os conteúdos do contrato inconsciente do
casamento começam a circular desde o início da relação conjugal. A falta de estrutura
financeira para o casamento era apenas o problema aparente das dificuldades de
relacionamento de Íris com seu namorado. Ambos, também, apresentavam uma falta de
maturidade emocional para o casamento e isso ficou comprovado nos dois primeiros anos e
meio da relação conjugal. Havia muito envolvimento emocional, mas pouca maturidade. O
dia-a-dia da relação conjugal trouxe uma realidade bem diferente daquela que eles
idealizavam com o casamento. Vejamos alguns fragmentos que abordam este fato:
Íris - 1º encontro: “Eu morava perto dos meus pais e eles influenciavam
muito na minha vida, principalmente, minha mãe, até hoje. Ela achava que
eu não saberia cuidar de uma criança, cuidar de uma casa. Até porque
minha fase de amadurecimento foi toda longe, porque fiz faculdade fora de
Campo Grande. Tudo isso foi muito assustador para a minha família e eles
se envolveram muito no início do meu relacionamento, querendo ajudar”.
Íris - 1º encontro: “E acabava que, como eu via que era fácil e prático
deixar minha mãe cuidando do meu filho, deixar que todo mundo cuidasse,
ajeitasse as coisas, eu acabava permitindo que eles tomassem bem a frente
da minha vida. Então, eles ajudavam a pagar o aluguel, a pagar o
supermercado e também, é lógico, davam palpite, porque eles estavam
ajudando a pagar, então, opinavam sobre o nosso relacionamento”.
Íris - 1º encontro: “Era um período que eu estava trabalhando muito,
fazendo especialização e sobrava pouco tempo para ficar com meu filho.
Meus pais cuidavam do meu filho para mim. Eu não me preocupava com
isso, porque sabia que ele estava sendo muito bem cuidado pela minha mãe.
Às vezes, eu o entregava ás 6h da manhã e pegava às 22h. Eu morria de
ciúmes da minha mãe, porque ela ficava quase todo o tempo com meu
filho”.
Esse relato de Íris ajuda a compreender a origem do grande valor que a família
sempre ocupou em sua vida. Durante seu desenvolvimento psicológico, parece que ela teve
dificuldades no seu processo de individuação, permanecendo presa a sua família de origem. É
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provável que o fato de ter optado em estudar fora de Campo Grande, tenha sido uma tentativa
para conseguir se tornar independente de seus progenitores. Embora tenha crescido
emocionalmente, todo seu progresso foi realizado longe dos olhares de seus pais. Por isso,
quando engravidou e se casou rapidamente sem uma estrutura adequada, o funcionamento
padrão de seu antigo sistema familiar entrou em ação para neutralizar qualquer avanço
alcançado em seu processo de individuação. Íris, por comodidade e por estar habituada a
ocupar esse papel em seu sistema familiar, aceitou sem questionar a interferência de seus pais
em seu casamento, debilitando ainda mais seu tênue vínculo conjugal.
Íris - 1º encontro: Com dois anos e meio de relacionamento conjugal a
gente se separou. Meu marido deu um ataque e disse que não era isso que
ele queria para a vida dele. [...] Nesse intervalo de separação veio muito a
minha cabeça o seguinte pensamento: ‘será que ele não casou comigo
porque eu estava grávida?’. Então, eu senti muito aquela sensação de
desprezo, por não saber se ele me amava de verdade”.
Íris - 5º encontro: “Eu vou falar sobre o que aconteceu comigo. Eu tive essa
experiência de separar e voltar, mas não foi por causa de traição. Não que
eu saiba. Ele disse que pediu a separação porque estava inseguro, não sabia
o que queria [...]. Eu não seria a mesma pessoa que sou hoje se não tivesse
aceitado esse amor, mas foi muito difícil, porque eu estava separada há três
meses e ficava imaginando ele com outras pessoas. Eu ficava imaginando
como é que seria. Isso continuou até eu chegar à conclusão de que deveria
colocar uma pedra sobre tudo isso, ou nunca mais daria certo com ele.
Ao longo de dois anos e meio, o vínculo conjugal ganhou contornos totalmente
diferentes daqueles que eles idealizaram. Apesar de sempre ter existido uma boa circulação de
afeto na relação, eles não podiam imaginar que as motivações inconscientes de cada um, que
no primeiro momento foram determinantes para a configuração do vínculo conjugal,
pudessem comprometer seriamente a viabilidade do casamento. Totalmente confuso seu ex-
esposo decidiu pela separação, porque já não estava tão convicto da decisão que havia
tomado, quando optou pelo casamento.
No momento do seu casamento, Íris ficou em dúvida se seu parceiro estava
casando por amor ou porque ela estava grávida. Esta dúvida, com certeza, continuou presente
no vínculo conjugal até o momento da separação. Com a separação, ela voltou de forma mais
intensa. Novamente veio a interrogação: “será que ele casou comigo porque eu estava
grávida?”.
Esses pensamentos geraram “aquela sensação de desprezo”, por não saber se
ele a amava de verdade. Com a expressão “aquela sensação de desprezo”, Íris deixa claro que
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já havia sentido essa sensação antes. Sem dúvida, ela está se referindo ao momento do seu
casamento, mas, há elementos, em sua história de vida, que nos permite considerar que esta
sensação de desprezo tem raízes mais antigas. Provavelmente, era uma sensação familiar com
a qual ela estava habituada.
O seu conflito crônico com a mãe nos da base para afirmar que essa mesma
sensação de desprezo era sentida na relação mãe-filha. Desde muito nova, Íris sempre ficou
em dúvida em relação ao amor da mãe por ela. Esta insegurança pode ter influenciado sua
escolha amorosa e gerado a mesma dúvida neste relacionamento correlato.
A dúvida que, provavelmente, antes existia em seu relacionamento com a mãe
pode ter sido transferida para a relação com seu esposo. Essa dúvida persistente deixou Íris
muito insegura e mal, emocionalmente, durante os três meses em que ficaram separados. É
importante frisar que foi justamente neste período que ela sentiu, de maneira intensa, a
necessidade de se individuar de seus pais.
Íris - 1º encontro: “Então eu me senti muito insegura, muito mal nesse
aspecto, durante este período que ficamos separados. E da mesma forma
veio muito forte o aspecto da individualidade, porque eu descobri que não
era mais uma menina; que eu tinha que começar a ser responsável pelas
minhas coisas, pela minha vida. Eu tinha que tomar a frente da minha vida e
não permitir mais que meus pais coordenassem o que eu tinha que fazer ou
não. Isso era, para mim, uma coisa muito difícil de fazer, porque eu havia
permitido que eles coordenassem tudo até aquele momento”.
Íris descobriu que não era mais uma menina. Por isso, havia chegado o
momento de ser responsável por sua própria vida. Ela precisava assumir o controle de sua
vida para crescer, para se tornar uma pessoa adulta. Isso implicaria em tirar o controle de sua
vida das mãos de seus pais. Individuar-se, para ela, significava assumir a responsabilidade
pelo que desejava ou não fazer com a sua vida.
9.2.4. A busca do amor paixão no casamento: necessidade de completude, de fusão com o
objeto amado
O amor-paixão provoca um empobrecimento do ego do sujeito que desenvolve
esse tipo de sentimento e a conseqüente supervalorizar do objeto amado. A força desse amor
241
leva o sujeito a projetar no objeto amado várias idealizações que, na realidade, correspondem
apenas às suas expectativas. Nesse sentido, a pessoa amada se transforma na parte idealizada
do próprio sujeito. Ele se torna o depositário das suas fantasias inconscientes. Por isso, é
buscado e desejado com avidez. Os fragmentos abaixo ilustram o que acontece quando os
parceiros da relação amorosa são movidos por este tipo de motivação inconsciente:
Íris 5º encontro: “Eu acho que quando a pessoa sente uma admiração por
você, ela tenta fazer você feliz e quando não sente mais admiração, não quer
mais nada”.
Íris 5º encontro: “Nós voltamos o relacionamento. Foi bom, porque vi que
ele não casou comigo só porque eu estava grávida. Mas aqueles
probleminhas da época de namoro, imaturidade pessoal e financeira eram
coisas que ainda me complicava bastante. Me tornava bastante insegura,
não só em relação a ele, mas a tudo em nosso casamento. Eu sempre fui
muito ciumenta e essa imaturidade dele aumentava ainda mais minha
insegurança”.
Íris 5º encontro: “Em nossa volta, depois de três meses de separação,
estava tudo perfeito. Nós tivemos que aprender tudo de novo. Talvez não
tivesse sido fácil para mim se eu soubesse que tinha havido uma traição.
Porque eu ia ficar imaginando ele com a outra pessoa me traindo”.
No amor-paixão, o sujeito considera o objeto amado como único e
insubstituível. É por isso que ele recebe um forte investimento e passa a ser supervalorizado
pelo outro. É um tipo de sentimento regressivo, que remonta ao relacionamento mãe-filha,
pois a mãe é um ser único na vida de cada pessoa e a relação com ela é um acontecimento
exclusivo, sem correlato, que não pode ser repetido.
Íris 5º encontro: “Mas quando a gente amadurece a pessoa vê que você
não é mais a mesma. Ele tem que se apaixonar de novo por você. Quando
nós voltamos, eu senti que ele era aquela pessoa que eu queria que fosse do
tempo do namoro (começou a chorar), porque ele voltou apaixonado por
mim. E foi melhor do que eu imaginava que seria”.
Íris 5º encontro: “Quando voltei da separação, eu senti que para mim foi
melhor, porque ele voltou do jeito que eu queria, voltou apaixonado, voltou
àquela pessoa que eu imaginava que ele fosse. Ele voltou muito mais
apaixonado, muito mais dedicado à família”.
O dia-a-dia da relação conjugal, permeado de questões do aqui e agora, cria
sérios obstáculos para a manutenção do amor-paixão. Mas, quando sua existência foi decisiva
para a formação do próprio vinculo conjugal e ele constitui parte importante no contrato
242
inconsciente do casamento, os cônjuges fazem de tudo para resgatá-lo, novamente, dentro do
casamento. Esse movimento para recuperar o amor paixão sempre esteve presente no
relacionamento de Íris com seu ex-marido. A reconciliação, depois de três meses de
separação, foi um momento mágico em seu casamento, pois proporcionou,
momentaneamente, o resgate do amor-paixão que Íris tanto buscou nesse relacionamento.
9.2.5. Formas de permanecer no controle da relação conjugal: o domínio afetivo, emocional e
financeiro do vínculo conjugal
Por meio dos relatos das participantes do grupo de reflexão, foi possível
compreender algumas formas utilizadas pelos cônjuges para permanecerem no controle da
relação, durante o período em que estiveram casados. Esse controle deu-se em três níveis: no
afetivo, no emocional e no financeiro.
O vínculo conjugal de Isa com seu ex-esposo sempre foi marcado por esta luta
para permanecer no controle afetivo do relacionamento. Quando um estava perdidamente
apaixonado, o outro agia de forma desinteressada. No início do relacionamento, Isa lutou para
conquistar o amor do seu esposo. Nos últimos anos do relacionamento conjugal a situação se
inverteu. Quando ele começou a demonstrar que estava apaixonado por ela, todo o seu
interesse por ele desapareceu. É claro que o relacionamento já estava desgastado por uma
série de desprezo, de desvalorização e de declarações que provocaram em Isa muita dor,
mágoa e sofrimento. Vejamos alguns relatos que ilustram essa dinâmica conjugal:
Isa 2º encontro: “Ele sabia que eu era apaixonada por ele, por isso, usou e
abusou do meu amor”.
Isa 3º encontro: “Quanto mais eu falo para ele não me agarrar, me beijar,
que eu não o quero, mais ele faz o contrário, mais ele me agarra, me beija”.
Isa 5º encontro: “[...] ele disse que comprou um presente para mim. Ele foi
a uma loja de lingerie, olhou para uma lingerie e achou linda. Realmente é
linda! Ele disse que me imaginou nela e em tudo que ele ia fazer comigo
naquela lingerie. Ele comprou este presente para quem? Para mim ou para
ele? Gente, eu odiei aquilo. Ele disse que comprou aquilo para mim, mas só
se for para ele usar com outra, porque eu não tenho vontade, eu não quero
mais dormir com ele, eu não tenho mais tesão, acabou”.
243
Na discussão do primeiro tema, verificamos que Isa, desde muito nova, teve
problemas de relacionamento com seu pai. Como conseqüência, provavelmente ela não
vivenciou, de forma adequada, o complexo de Édipo, permanecendo fixada à sua mãe, o seu
primeiro objeto amoroso. A falta de elaboração do complexo de Édipo pode manter a menina
fixada em uma sexualidade pré-edipica que, em função do Complexo de Castração, gera
sentimentos ambíguos de amor e ódio pelo seu primeiro objeto de amor, a mãe.
Essa lacuna no desenvolvimento psicossexual de Isa pode ter influenciado sua
escolha amorosa e configurado sua relação conjugal. Neste caso, o vinculo conjugal pode
estar representando um reviver pré-edípico, onde a união com o outro é imensamente buscada
e, ao mesmo tempo, repudiada. Provavelmente esta seja a dinâmica conjugal preponderante
do relacionamento de Isa com seu ex-cônjuge. Quando ela o amava perdidamente, ele usou e
abusou do seu amor. Agora que ele diz que a ama, Isa está agindo da mesma forma: está
usando e abusando do seu amor.
Ieda sempre lutou para manter seu equilíbrio emocional durante as fases de seu
desenvolvimento psicossexual. Fez de tudo para se conter, para se submeter às normas,
porque, em algum momento de sua vida, interpretou que sendo obediente, responsável,
certinha, ela poderia receber, com mais facilidade, a nutrição emocional que necessitava dos
seus progenitores.
Na família de origem o controle emocional era a norma. A mãe, segundo seu
relato, era uma pessoa desequilibrada emocionalmente e o pai, uma pessoa extremamente
equilibrada. Eles tinham sérios problemas de relacionamento em função do descontrole da
mãe, mas o equilíbrio do pai minimizava a gravidade dos problemas que existiam entre eles.
Identificada com o pai, Ieda, desde muito nova, encontrou uma forma de conviver com sua
mãe. Ela procurou ser extremamente equilibrada em seu relacionamento com a mãe para
compensar seu desequilíbrio. Mas, estar no controle de suas emoções se tornou uma obsessão,
mesmo nas situações mais caóticas de sua vida.
Como o inconsciente geralmente nos leva a repetir aquelas situações que ainda
precisam ser resolvidas, Ieda escolheu um cônjuge com um funcionamento complementar,
que cresceu em uma família emaranhada e mantinha um relacionamento simbiótico com sua
mãe. Na família de seu ex-cônjuge sua sogra ocupou o papel da mãe desequilibrada
emocionalmente, pois exerce um forte controle sobre os membros de sua família. De forma
inconsciente, ela escolheu um parceiro que lhe possibilitou a manutenção dos conflitos que
desenvolveu durante seu desenvolvimento psicossexual. Vejamos alguns fragmentos que
ajudam a clarificar esses movimentos do seu inconsciente:
244
Ieda 22º encontro: “Essa história é esquisita. Se eu conto para os outros,
eles dizem: ‘essa mulher está surtada!’. Só quem conhece a família, que está
perto, conhece as histórias, sabem que a história é verdadeira. A gente fica
parecendo idiota. Isso é muito complicado. Essa mania de pisar, de dizer
que você não tem valor, você não serve para nada, você é uma porcaria,
você está salva porque encontrou nossa família, sempre foi colocado para
mim. Até que um dia eu falei: ‘se a gente estiver fora do país, na China, eu
consigo fritar cobra, servir e tocar piano. Se eu for para outro país, eu
consigo fazer isso. O máximo que você pode fazer é procurar um orelhão e
pedir socorro para os seus filhos’. Foi aí que eu comecei a acordar e ver
que eu posso muita coisa”.
No relato de Ieda, desde o início, encontramos um grande esforço para
controlar seus impulsos naturais, para ser agradável, aceitável, a fim de se enquadrar,
primeiro, dentro da família biológica, isolada, cheia de regras, onde tudo tinha que funcionar
conforme o manual. Depois, para se enquadrar no relacionamento conjugal, que sempre
orbitou em torno da família do esposo, comandada por uma matriarca, que criou os filhos para
si e exige, até hoje, que todos estejam debaixo do seu controle. E, finalmente, para aceitar sua
própria personalidade, que a leva a ser uma pessoa contestadora, livre, ativa e independente e
que, em função disso, faz com que ela pague um alto preço emocional para se conter, para ser
dependente, insuficiente, para se diminuir, a fim de habitar dentro desses espaços familiares
rígidos e previsíveis, nos quais foi criada desde seu nascimento.
O conflito, a confusão, entre ser o que realmente é ou assumir papéis
convenientes, para ser aceita pelas pessoas do seu convívio, se instalou, de forma permanente
em sua personalidade. Estar em conflito, confusa, se tornou uma característica tão forte em
sua vida que a deixa paralisada diante das situações reais. Na sua mente ela tem a rota. Ela
sabe o que pretende ser e o que fazer para ser. Mas, na prática, permanece paralisada, sem
ação, esperando que alguma coisa externa aconteça, para que não tenha que manifestar sua
vontade que é: assumir verdadeiramente o controle de sua vida.
Ieda 3º encontro: “Tem algo que me machuca: sempre ele me fez passar
por louca, doida da vida, me enganou, mas nunca armei o barraco. Vivi uma
fantasia durante meu casamento”.
Ieda 1º encontro: “Durante o nosso relacionamento eu permiti que ele
colocasse na minha cabeça que eu não era nada; que sem ele eu não
conseguiria nada na vida. [...] Então eu acreditei muito nisso e fui me
afundando e anulando. Com ele não era mais possível”.
245
No cotidiano do relacionamento conjugal, de tanto ouvir que era louca, que
sem seu marido não conseguiria nada na vida, ela acabou incorporando essas projeções ao seu
ego e, como conseqüência, foi se afundando na vida, se anulando e permitindo que seu ex-
esposo exercesse o controle emocional do vínculo conjugal.
Íris 3º encontro: “Ele boicotava meus regimes; trazia bolo de chocolate
quando eu começava um regime. Ele me queria mãe, mulher, dona de casa e
gorda para ficar dependente dele”.
No relacionamento conjugal de Íris, o controle emocional era feito sobre sua
auto-imagem. Caso ela se sentisse apenas mãe, mulher, dona de casa e gorda, sua auto-estima
seria rebaixada e, dessa forma, seu ex-esposo poderia continuar controlando sua vida, pois ela
faria de tudo para não enxergar o que realmente estava acontecendo no relacionamento
conjugal, por se sentir dependente dele.
A questão financeira constituiu, em alguns vínculos conjugais estudados, um
importante ponto de controle do relacionamento conjugal. Quando há uma dependência
financeira do parceiro, muitas dificuldades são relevadas em prol da manutenção do
casamento. Quando não existe dependência financeira, há uma maior legitimidade para
reivindicar outras necessidades pessoais dentro do relacionamento conjugal. Vejamos alguns
fragmentos que apontam a questão financeira como um meio de controle da relação conjugal:
Isa 15º encontro: “Meu pai era assim e a mãe do meu marido é assim. Eles
trazem costume de divisão financeira no casamento. Cada um cuida do seu
dinheiro”.
Isa 13º encontro: “O meu marido tem uma opinião formada. Ele já me
falou isso há muito tempo, primeiro quando a gente namorava. Ele disse
assim: ‘minha mulher não trabalha fora’. Tem misericórdia! Eu sempre
trabalhei. Aí a gente começou a namorar e eu sempre trabalhei. Gente, eu
amo comprar bolsa, perfume e sapato. Eu tenho um monte. Mas eu
trabalhava e eu comprava. Ele disse assim: ‘eu acho que você vai ter que
trabalhar mesmo, porque eu não vou dar conta de comprar esse monte de
sapato para você. A gente casou e eu sempre trabalhei [...]”.
A questão financeira parece que sempre foi um componente importante no
funcionamento do contrato inconsciente do casamento de Isa. Cada um tem sua conta
bancária e administra seu salário com certa independência. Eles possuem alguns combinados
acerca dos gastos mensais do lar, mas, geralmente, têm dificuldades com relação a este tema
246
da vida conjugal. Isa reconheceu que essa construção, presente em seu relacionamento
conjugal, foi trazida de suas famílias de origem.
Um outro aspecto importante do funcionamento do contrato inconsciente de
seu casamento, relacionado à questão financeira está vinculado ao fato de que, desde muito
cedo ela precisou trabalhar para prover seu próprio sustento. Quando começou a namorar,
achou um absurdo a visão de seu ex-esposo de que ela seria apenas dona de casa, que não
trabalharia fora. Com sua conduta, Isa o fez rever seu posicionamento, pois, para os dois, a
questão financeira sempre teve uma conotação de controle da relação conjugal.
Isa 13º encontro: “Então, foi isso que o meu marido falou para mim: ‘é,
hoje em dia você ganha igual a mim. Hoje você não precisa mais de mim.
Quer dizer, você estava comigo não por amor, mas apenas por interesse
financeiro’. Eu me lembro que uma vez ele disse assim: ‘a mulher nunca
pode ganhar mais que o homem’. Quer dizer, eu já estou ganhando igual!”.
Isa 13º encontro: “[...] Ai a gente começou a ter um problema financeiro.
Porque até então para ele estava tudo bem. Só estava ruim para mim. Eu fui
muito grossa com ele, porque ele me negou emprestar um dinheiro que para
mim era urgente e ele tinha. Eu prometi que depositaria para ele no outro
dia. Eu gritei com ele e falei umas coisas e ele se sentiu ofendido. Ele ficou
muito melindrado. Disse que eu não o valorizava. Depois daquele dia a
gente começou a brigar por qualquer motivo e a gente nunca foi de brigar
[...]”.
A questão financeira está tão ligada ao controle da relação conjugal, que seu
esposo demonstrou insegurança quando Isa passou a ganhar igual a ele. A questão financeira
sempre foi um foco importante de conflitos no casamento deles.
Isa 13º encontro: “[...] Ele acusou que estava endividado por minha causa
e uma série de coisas [...]”.
Isa 15º encontro: “O meu marido está tentando resolver a minha vida para
ficar no controle da relação. Se eu depender dele, tenho que ficar com ele
[...] Eu sou casada, mas sou sozinha. Não conto com ele para nada na vida
financeira”.
Seu esposo, várias vezes, projetou sobre ela a culpa de estar endividado. Mas,
nos momentos difíceis da relação conjugal ele age com maior liberalidade na questão
financeira para conseguir seus intentos. Isa interpreta suas mudanças como uma forma de
controle da relação conjugal. Ela tem consciência que se permanecer dependente dele na área
financeira, não poderá sair da relação conjugal.
247
Quando o seu pai deixou de suprir suas necessidades financeiras a partir dos
nove anos de idade, com certeza, Isa se sentiu desamparada, desprotegida e impotente. Seu
ego vivenciou um amadurecimento prematuro que deixou seqüelas profundas: uma
insegurança crônica sobre sua capacidade de auto-sustento. De certa forma, mesmo casada,
ela se sente sozinha. Seu relacionamento atual está permeado pelos temores, medos e
sentimentos inconscientes que trouxe dos relacionamentos de sua infância. Da mesma forma
como ela não podia contar com seu pai, para nada, na vida financeira, Isa fez uma escolha
conjugal sobre alguém com quem também não pode contar para nada, na vida financeira,
segundo seu relato. Assim, aquela criança assustada e impotente, que não podia depender do
cuidado de seu pai, nesta área, continua dizendo para Isa, agora adulta, que ela não pode
depender de seu esposo nesta área, para não sofrer novamente tudo o que já sofreu em sua
infância.
Vejamos nos relatos de Íris outros dados que nos ajudam a compreender esta
forma de controle da relação conjugal:
Íris 1º encontro: “Foi um período em que eu ganhei muito destaque na
minha profissão em Campo Grande. Eu estava ganhando como ele. Quando
a gente se separou, um dos médicos com quem eu trabalhava me disse: ‘olha
Íris, eu não entendo nada de vida pessoal, mas assisto muito o mundo
animal e as fêmeas nunca podem sobrepor aos machos. Elas sempre
precisam ser inferiores a eles’. Eu pensei: ‘meu Deus! O que é isso?”.
Íris 1º encontro: “Mas, depois eu percebi que o médico, meu amigo, havia
dito a verdade. Tanto que a alternativa que ele deu para a gente voltar
[quando se separaram pela primeira vez] foi a seguinte: ‘a gente pode
voltar, mas temos que ir embora daqui’. Vamos para a cidade [tal]. Eu já
arranjei um serviço lá. Era uma maneira de me tirar não só da proximidade
dos meus pais, como também de um patamar financeiro mais elevado. Ele
achava que eu fosse recusar, talvez, mas eu não recusei e fui embora de
Campo Grande. Lá eu trabalhava meio período, ganhava muito menos e
passava mais dificuldades”.
Íris 1º encontro: “Os homens incentivam as esposas até certo ponto, mas
quando correm riscos de perder o controle, eles puxam o tapete delas”.
Íris 25º encontro: “Meu ex-marido sempre me incentivava, mas, ao mesmo
tempo eu sentia que em alguns momentos ele puxava o meu tapete”.
Uma das funções do contrato inconsciente do casamento é regular os conteúdos
que podem circular na relação conjugal e os conteúdos que devem ser excluídos da relação
conjugal. De forma geral, podemos perceber que dentro do contrato inconsciente do
casamento das mulheres que participaram do grupo de reflexão, havia este acordo de que o
248
homem deveria ser o provedor principal da família. As mulheres tinham uma liberdade para
trabalhar, para ganhar seu próprio dinheiro, mas elas não podiam crescer na área profissional
mais que seus esposos.
Ilca 13º encontro: “[...] Infelizmente a vida é assim mesmo. [...] Se a
mulher for igual ou superior ao homem, dentro do casamento, é complicado.
Nós estamos no século XXI; a mulher ocupou o seu espaço, mas infelizmente
o homem não admite que a mulher seja, dentro do relacionamento conjugal,
igual ou superior a ele. O homem não admite. Eu percebo, eu vejo. Já
estudei sobre isso. Se a mulher for igual ou superior ao homem, o casamento
não sobrevive, porque o homem tem dificuldade de lidar com isso”.
Ilca 13º encontro: “Mesmo que a mulher comande, mesmo que a mulher
seja o alicerce, ela não pode demonstrar isso para o marido, dentro do
relacionamento conjugal, caso contrário, o casamento não sobrevive. Mas
todo grande homem, geralmente, tem uma grande mulher por trás dele. Mas,
um casamento não sobrevive quando a mulher quer ser igual ou superior ao
homem, principalmente, nessa fase em que os conflitos estão acentuados e
que o casamento está perto de acabar”.
Ilca 13º encontro: “É muito difícil para o homem ter uma mulher que
ganha mais do que ele, principalmente na cultura sul-matogrossense. Eles
são muito machistas”.
Mesmo quando a mulher tinha mais competência profissional que seu cônjuge,
sua superioridade, nesta área, não podia sobressair dentro do relacionamento conjugal. Na
relação conjugal ela deveria esconder essa superioridade para que seu esposo pudesse se sentir
seguro como provedor da família e no controle da relação conjugal.
9.2.6. Família emaranhada: relacionamento triangular
Ieda, por um processo inconsciente, escolheu um cônjuge com quem pudesse
reproduzir o relacionamento triangular que vivia dentro de sua casa, com seu pai e sua mãe.
De forma complementar, pelo fato de sua família ser isolada, restrita ao núcleo, Ieda escolheu
alguém que pertencia a uma família emaranhada e que mantinha um relacionamento
simbiótico com sua mãe. Em função de sua escolha, pôde fazer parte de uma família ampliada
e, além do mais, encontrou na sogra uma forma de dar continuidade, de forma explícita, ao
relacionamento velado que antes mantinha com sua mãe.
249
Ieda Entrevista individual “No fundo, ela nunca me aceitou. Ela chegou
a falar: ‘eu não gosto de você e um dia ele vai fazer a escolha e vai voltar
para mim’. Ninguém acredita que eu ouvi isso. Todo mundo fala: ‘é louca’.
[...] Foram três vezes. A última vez foi há pouco tempo. A primeira vez foi
em uma praia. Eu estava grávida do meu primeiro filho. Ela falou: ‘eu não
gosto de você e um dia ele vai escolher e vai fazer a opção pela família dele,
que sou eu e os irmãos dele”.
Ieda Entrevista individual “E de fato isso aconteceu. Nós nos separamos
e ele voltou para a casa dos pais. Está morando com a mãe. Hoje, por
exemplo, ele está voltando de Fortaleza com ela. Então, agora eles ficam
assim, viajando, fazendo as coisas. Ele não pegou uma namorada para fazer
esse tipo de coisa, ele pegou a mãe. Então esses programas de viajar, de
fazer as coisas, ele está fazendo com a mãe dele. Eu não o vejo fazendo com
outra mulher; eu o vejo fazendo com a mãe. Publicamente é com a mãe”.
Ieda Entrevista individual “Então, eu tenho certeza que durante esses
anos todos a minha tese não foi errada. Eu tinha impressão disso, mas as
pessoas falavam: ‘não pode ser, você está doida; está errada, isso não
existe; é coisa da sua cabeça’. Mas hoje eu vejo que é verdade”.
A partir do seu casamento, não mais sua mãe, mas sua sogra se transformou na
pessoa desequilibrada que passou a interferir em sua vida conjugal e que manipulava seu
esposo, que assentia com sua intromissão. Como seu pai, seu ex-esposo não fazia nada para
protegê-la desta situação de conflito com sua sogra. Por isso, precisou usar seus antigos
recursos: relevar os desmandos de sua sogra.
Ieda 1º encontro “O pai [do esposo] sempre muito perdido. Perdeu tudo
o que tinha. Saiu de casa e foi morar com outra mulher. A mãe dele passou
por um processo terrível de separação com o pai dele, mas não conseguiram
se separar e estão juntos até hoje”.
Ieda 1º encontro “Então eles eram revoltadíssimos com a perda dos
bens. Todos eles [o ex-marido e os irmãos]. Então cada um foi tentar buscar
recuperar tudo aquilo que o pai tinha e que perdeu. Cada um foi tomando
seu rumo, seu caminho e ele igualmente. Só que eu percebi que com o
passar dos anos ele foi se tornando cada vez mais insatisfeito com relação a
tudo [...] Ele tem uma insatisfação muito grande que parece uma doença.
Ele sempre teve isso. É uma coisa que já veio da família. Está nele e nos
irmãos”.
Ieda Entrevista individual “Eu o conheci numa época que ele estava
perdendo o pai, perdendo dinheiro, perdendo bens, perdendo a felicidade
dentro da casa. Eu entrei num momento em que a família entendeu que eu
era alguém que estava tirando mais ainda. Um namoro que não acabava;
que foi indo e que, de repente, chegou ao casamento”.
250
Ieda tem consciência de que entrou na vida de seu ex-esposo e de sua família
num momento delicado de deterioração do sistema familiar. Seu ex-sogro havia perdido os
bens da família, tinha traído sua ex-sogra e estava saindo de casa para morar com a outra
mulher. Parece que o sistema familiar, influenciado por sua sogra, fez o movimento para
colocar seu ex-esposo, que é o filho mais velho, no lugar do pai que havia fracassado. Ela
entrou na família justamente neste período e ficou no papel de uma outra mulher que veio
roubar o novo chefe da família, que estava em processo de reestruturação.
Um fato interessante é que os pais de seu ex-cônjuge, segundo seu relato,
nunca conseguiram finalizar o processo de separação. Ela e seu ex-cônjuge, igualmente,
vivenciaram, durante vários anos, um namoro que não acabava e que os levou ao casamento.
Após os conflitos que culminaram com a separação, eles também estão tendo sérias
dificuldades de finalizar o relacionamento conjugal. Estão separados fisicamente, mas, ainda
envolvidos emocionalmente.
Ieda Entrevista individual “Só que assim, sempre foi colocado desse
jeito: ‘eu adoro ela; é tudo certinha; ela é uma beleza, ela é isso, é aquilo’.
Mas, para mim, pelo retorno que eu recebia, sabia que não era isso. Então,
as pessoas hoje não me compreendem. Eles dizem: ‘nossa, ela tinha tudo’.
Todo mundo adorava ela, falavam muito bem dela. Mas, as pessoas só viam
as aparências”.
Ieda Entrevista individual “Então, hoje eu estou me sentindo um pouco
mais aliviada, porque eu vejo que não sou tão louca quanto eu achava, pois
já estava acreditando na minha loucura. É tanto que eu quis ir para o
hospício e ficar lá. Eu dizia: ‘estou completamente louca’. Durante esses
anos todos eu vi coisas que pareciam irreais, mas não foram. São reais”.
Ieda Entrevista individual “E assim, estabeleceu uma competição. Não é
sogra e nora, são duas mulheres lutando pelo mesmo homem. É isso que
estabeleceu; é isso que virou”.
Tanto o pai de Ieda, quanto o ex-esposo colocaram as duas mulheres de suas
vidas numa situação de competição e, através do comportamento calmo e ambíguo que
tiveram com as rivais de Ieda, sua mãe e sua sogra, mostraram a ela como deveria proceder
para receber deles o amor, a proteção, o cuidado e a admiração. Para ser aceita e nutrida
afetivamente pelo seu ex-esposo, sua conduta deveria ser a mesma que ela representou
durante quase toda sua vida para receber a nutrição emocional de seu pai. Precisava ser
“boazinha”, “meiguinha”, pacata, sempre relevando as agressões de sua sogra.
É óbvio que seu ex-cônjuge não agiu assim de forma consciente. Por isso, não
pode ser totalmente responsabilizado pela perpetuação dos velhos papéis que Ieda trouxe de
251
sua família de origem para sua família atual. Ela, também, por um processo inconsciente,
elegeu um parceiro amoroso com quem pudesse manter sua dinâmica antiga de
funcionamento psíquico, para não ter que entrar em contato com seus conflitos mais
profundos, com suas dores e sofrimentos mais arcaicos. Vejamos outros fragmentos:
Ieda Entrevista individual “Ela [sogra] sempre considerou que a minha
casa era dela. Sempre entrou na minha casa dizendo: ‘eu não acredito que
você faz assim. Está errado. Eu não acredito que você faz isso’. Então, tudo
o que eu fazia nunca prestava. Tudo o que eu fazia estava errado. Ela dizia:
a fulana faz assim, a siclana faz assim. Eu não acredito que você faz desse
jeito! Está errado’”.
Ieda Entrevista individual “E sempre foi assim: ‘aqui é a casa do meu
filho, então é minha. Você está aqui de favor’. Eu sempre senti isso. Ela foi
sempre de se meter, de entrar no meio, tomar a frente e sempre aquela coisa
de cochichar com ele, de chamá-lo no cantinho, fazendo confidencias.
Então, eu me sentia uma retardada, porque sempre estava fora dessa
situação”.
Ieda Entrevista individual “Então, tudo o que acontecia ela sabia.
Qualquer coisa que acontecia dentro da minha casa ela sabia, porque ela
buscava isso, ela buscava saber, ela o cutucava e ele repassava. Ela
freqüentava muito minha casa. Assim, estava sempre vendo o que acontecia.
Então, tudo o que eu fazia estava errado, não podia, não prestava. Ela
nunca me deu um respaldo. [...] nunca foi uma coisa sincera, nunca senti
apoio. Sempre foi uma coisa ridícula. Então eu me senti assim, a vida
inteira, uma pateta”.
O auto-controle exacerbado e a contensão que Ieda exercitou a vida inteira,
ficou muito mais difícil depois do casamento. Seus conflitos pessoais se misturaram com os
conflitos da relação conjugal e da família emaranhada de seu esposo, culminando com a
separação.
Ieda 8º encontro: “Eu sei que errei, mas não fui eu que dei origem a esse
erro. Minha sogra domina todos os filhos dela e vive sempre procurando
colocar as noras contra seus filhos, ou seja, nossos maridos. [...] Por isso,
meu marido sempre viveu dividido entre eu e a mãe dele”.
Ieda está vivenciando uma intensa confusão de sentimentos em seu processo de
separação conjugal, pois seu ex-esposo tem buscado uma aproximação com a intenção de
restaurar a relação conjugal. Acontece que para ela voltar para o casamento significa retornar
para seu mundo de regras, de padrões, para aquele papel que representou durante grande parte
de sua vida, para receber a nutrição emocional das pessoas de seu convívio. Reconciliar
252
parece ter o sentido de voltar para a prisão que, num primeiro momento, ela própria construiu
para si mesma, para receber a nutrição emocional de seus progenitores. Mas, aquilo que
deveria ser uma exceção se tornou uma regra e uma condição permanente para ela continuar
fazendo parte, sendo incluída, nos seus relacionamentos posteriores.
9.2.7. Mentiras privadas: dinâmica dos vínculos conjugais estudados
O contrato inconsciente do casamento, como já foi colocado na fundamentação
teórica, compõe-se dos sentidos, atitudes, desejos, crenças, anseios, medos e expectativas que
unem os membros do casal e da família entre si e aos seus passados.
Nos fragmentos abaixo, podemos perceber o funcionamento do contrato
inconsciente do casamento, visando proteger núcleos neuróticos, dores profundas que as
mulheres que participaram do grupo de reflexão vivenciaram durante as primeiras fases do
desenvolvimento. Nestes relatos aparece, com força, o mecanismo da negação, visando
proteger o ego da repetição de sofrimentos vivenciados anteriormente, cuja lembrança, por si
só, poderia trazer desestrutura, insegurança e dor. Vejamos estes fragmentos:
Ilca 1º encontro: “Eu imaginava ele uma pessoa boa, certa, correta, mas
hoje eu tenho até medo de falar, mas eu acho que ele tinha uma dupla
personalidade, porque era uma pessoa que fazia muita coisa
profissionalmente, mas cadê o dinheiro?”.
Irene 1º encontro: “Eu sempre tinha aquela confiança de que meu marido
era fiel. Independente da luta que a gente passava, eu nunca desconfiei dele.
Nunca tive ciúmes dele com ninguém. Ele sempre teve liberdade; muita
liberdade. Ele nunca poderá alegar que eu tive ciúme dele com alguém. Ele
tinha liberdade para conversar, para sair. Eu nunca proibi. Então, eu me
senti traída”.
Isa 16º encontro: “Eu achava que todos os homens traiam menos o meu;
que o meu era um santo e se você me perguntasse se eu me casaria de novo
com ele, eu diria que sim. Agora não. Depois que tudo isso aconteceu eu já
decidi, eu já falei até pra ele que nós vamos nos separar, porque eu não
quero mais ficar com ele”.
Todo vínculo significativo, por mais realista que seja, consiste numa mistura
entre passado e presente, realidade e fantasia de seus autores. Assim, qualquer fato do passado
ou do presente, que apresenta risco para o núcleo de convivência mútua é negado, coibido e,
253
até mesmo, se necessário, reprimido com violência. O mecanismo de negação promove a
defesa do ego. A negação é a capacidade que a pessoa possui de, inconscientemente, negar
acontecimentos que lhe sejam lesivos.
Ilca 1º encontro: “Então ele vinha e mentia para mim. Ele sabia mentir
muito bem para nós, eu e meus filhos [...]”.
Irene 1º encontro: Eu sempre pedia: ‘eu não quero passar o que minha
mãe passou’. Tanto que eu nunca quis casar e ele sabe disso. Ele que
insistiu, insistiu. Ainda hoje ele fala que só conseguiu casar comigo porque
ele foi persistente”.
Os relatos acima mostram que as mulheres que participaram do grupo de
reflexão não aceitavam, sob nenhuma hipótese, a possibilidade de serem traídas por seus
respectivos cônjuges, porque só o fato de admitir essa possibilidade poderia gerar grave
perturbação ao ego de cada uma delas. A negação ocorre para proteger o ego da ansiedade
excessiva. Por isso, ao invés de encarar o fato objetivamente, elas procuraram fantasiar. A
traição poderia acontecer em outros relacionamentos conjugais, menos no relacionamento
delas com seus respectivos esposos. Pelo fato do mecanismo da negação eliminar conteúdos
mentais da consciência, pensamentos ou sentimentos, eles prejudicam o acesso à realidade.
Irene 1º encontro: “As pessoas podiam falar do meu marido o que for, mas
eu não acreditava nelas. Perto de mim ele era tão perfeito. Um bom pai,
sempre participou das atividades voltadas para a família. Nos ambientes
que freqüentávamos juntos éramos o casal vinte, mas, lá fora, com os
amigos se comportava como uma pessoa solteira. Freqüentava todos os
lugares, festas, mas quando chegava em casa era um santo”.
Ilca 4º encontro: “Não me passava um minuto pela cabeça a idéia de que
estava sendo traída, mas hoje eu vejo que a traição é natural. Será que não
existem pessoas descentes?”.
Na dinâmica conjugal dos relacionamentos estudados é possível perceber que a
mentira, a idealização do vínculo e a negação dos problemas tinham mais facilidades de
circulação dentro do relacionamento conjugal das participantes do grupo de reflexão, que a
verdade e a realidade. Quando um está pronto para enganar, para mentir e o outro está pronto
para ser enganado, ou para aceitar a mentira como verdade, é possível manter, por muitos
anos, um relacionamento disfuncional e, até mesmo, ser feliz enquanto a pessoa enxerga
somente o que é viável enxergar e conhece só o que está autorizada, pelo contrato
inconsciente do casamento, a conhecer.
254
Ilca 1º encontro: “Eu não posso negar que era feliz com ele. Ele não era
feliz comigo, ele mentia para mim, mas eu era feliz com ele. Eu me sentia
protegida. Hoje eu não tenho aquela proteção. [...] Não é fácil, mas eu estou
bem, estou ótima. [...] Eu estou trabalhando bastante, lutando”.
Íris 5º encontro: “E aí, quando terminou, quando eu descobri que ele
estava me traindo, isso no ano retrasado, ele veio falar e eu nunca havia
jogado nada na cara dele. Mas, naquele momento eu comecei a falar tudo.
Falei que eu era infeliz, que eu não tinha um homem da forma como eu
sonhava e desejava. Que eu só sonhava; que minha vida era viver sonhando,
imaginando. Ai ele falava também [...]”.
O funcionamento do contrato inconsciente dos vínculos estudados determinava
os conteúdos que podiam ser verbalizados e os conteúdos que tinham que ficar fora da relação
conjugal. Como a possibilidade de infidelidade era totalmente rechaçada do vinculo conjugal,
os esposos, que estavam sendo infiéis, não podiam revelar a vida dupla que levavam, porque
não havia espaço, na configuração do vínculo conjugal, para a circulação da verdade e da
realidade, quando esses valores poderiam prejudicar o vínculo conjugal idealizado que
desesperadamente os cônjuges tentavam sustentar a todo custo.
Por outro lado, as esposas que estavam sendo traídas, não podiam enxergar a
verdade e a realidade dos seus vínculos conjugais, em função da negação que fizeram, tirando
da consciência qualquer possibilidade de infidelidade nos seus vínculos conjugais idealizados.
Os sofrimentos que elas vivenciaram, nos seus relacionamentos infantis, foram tão
traumáticos que, no relacionamento conjugal, não possuíam a mínima estrutura emocional
para lidarem com um problema tão sério e devastador para o casamento.
9.2.8. Características dos vínculos conjugais estudados
Os vínculos conjugais geralmente são formados por um processo inconsciente
entre duas pessoas que possuem certas correspondências. Necessariamente, os cônjuges não
necessitam partilhar as mesmas ansiedades, expectativas e fantasias. Muitas vezes, os
conteúdos mentais são complementados pelo parceiro da relação conjugal. Neste sentido, o
vínculo conjugal é formado por meio de estipulações semelhantes a um contrato inconsciente.
Os contornos que os vínculos conjugais vão recebendo, desde o início do seu
processo de formação, são fornecidos por necessidades, anseios e desejos não realizados, que
255
permanecem persistentes e atuando no aparelho psíquico, desde as fases iniciais do
desenvolvimento psicossexual dos parceiros da relação conjugal. Por isso, quanto maior for a
incidência do contrato inconsciente do casamento no cotidiano da relação conjugal, maior será
a tendência da repetição dos padrões conhecidos, de atitudes e comportamentos na interação
entre os parceiros da relação conjugal.
Os fragmentos que serão apresentados neste tópico ajudam a compreender
como as motivações inconscientes dos parceiros da relação conjugal foram determinantes para
a configuração do contrato inconsciente do casamento que eles puderam realizar. Querer, nem
sempre é poder. Uma coisa é o vinculo conjugal que eles sonhavam construir, outra, bem
diferente, foi o vínculo real que eles conseguiram edificar.
9.2.8.1. Falta de companheirismo, de amizade entre os cônjuges
Com freqüência, ouvimos os cônjuges queixando-se um do outro, porque
idealizaram um tipo de relacionamento conjugal e, na prática, estão vivendo outro, bem
diferente. Pelo mecanismo da projeção, um culpa o outro pela falta de companheirismo, de
afeto, de criatividade na vida sexual e assim por diante.
Irene 2º encontro: “Ele nunca foi um amigo, um companheiro. Ele foi um
marido, mas companheiro e amigo, não. Ele nunca foi uma pessoa de
compartilhar, de me entender, me ouvir”.
Irene 2º encontro: “Ele nunca foi uma pessoa de ouvir. Ele dizia: ‘eu gosto
assim’ e eu sempre buscava fazer o que ele gostava para agradá-lo. Eu o
agradava para ele me deixar fazer aquilo que eu gostava”.
Grande parte dos elementos que forma o âmago da relação de casal resulta dos
acordos inconscientes estabelecidos entre os cônjuges. Mas, o que foi estipulado de forma
inconsciente, nem sempre se torna realidade na vida conjugal, porque desejar algo não
significa que a pessoa está pronta para torná-lo realidade.
Irene 5º encontro: “Mas nunca, desde que a gente casou, nunca teve uma
criatividade, nenhuma, tipo alguma coisa diferente na relação sexual.
Nunca, nunca ele fez algo criativo. Se tivesse alguma coisa diferente, quem
tinha que fazer era eu. Eu aprendia e fazia em casa, mas não tinha aquele
retorno dele. Tudo o que eu tentava fazer para ele, no final ele me
256
decepcionava, me maltratava. Por mais que eu tentava ter criatividade, ele
não valorizava. Sabe aquela pessoa que não está nem ligando!”.
Irene 5º encontro: “[...] eu nunca reclamei. Eu tinha minhas carências,
mas ele não me procurava, muitas vezes. Ele ficava esperando por mim e eu
esperando por ele. Daí ficava um de um lado e o outro do outro, porque eu
ficava esperando algo dele e ele esperando de mim”.
Quando um vínculo conjugal é formado com base em pontos de fixação, onde
o desenvolvimento psicossexual ficou mais ou menos paralisado, normalmente, o cotidiano da
vida conjugal é caracterizado pela disfuncionalidade, gerando significativas frustrações e
ansiedades nos cônjuges.
O acordo inconsciente, que está presente em todo relacionamento conjugal,
compõe-se do ego infantil, em sua modalidade de resolução do complexo de Édipo. Quando
os conteúdos do complexo de Édipo atuam durante o processo de escolha amorosa e
formalização do vinculo conjugal, os cônjuges buscam, por meio da relação conjugal, a
complementaridade. Mas, se por alguma razão essas necessidades e anseios deixam de ser
realizadas, os cônjuges sofrem profundas frustrações e o vínculo conjugal se torna superficial
e passa a ser caracterizado pela permanente instabilidade.
9.2.8.2. Fuga da intimidade
Existem pessoas que fazem a opção pelo casamento, mas não conseguem se
entregar totalmente à relação conjugal. Por alguma razão, sentem a necessidade de
permanecer no controle da relação, mantendo a distância do outro por mecanismos
inconscientes.
Ieda 1º encontro: “Hoje eu penso que meu ex-marido estava alienado
daquela situação. É como se ele tivesse sido levado para a vida conjugal,
mas não quisesse vida conjugal. Então, ele sempre estava ausente, fazendo
outras coisas”.
Ieda 1º encontro: “A gente tinha quantidade de tempo naquela época. Nós
passávamos um bom tempo juntos. Ele chegava cedo em casa. A gente
almoçava juntos e jantava juntos. Passava o final de semana todos juntos;
viajava bastante. Só que a qualidade não era boa. Então, eu sempre estava
naquele vazio. Eu não sabia o que tinha de errado. Eu ficava, ficava com ele
e parecia que não conseguia alcançá-lo. Ai eu queria ficar mais tempo,
257
queria ficar mais junto. Havia alguma coisa errada no relacionamento, mas
eu não sabia o que era”.
Nos relacionamentos disfuncionais os cônjuges perdem a capacidade de
compartilhar momentos, idéias, sentimentos e a habilidade de acolher um ao outro com
interesse, carinho e amor. Para permanecerem seguros na relação conjugal, eles criam uma
série de subterfúgios, visando proteger sua intimidade. O outro, por mais que tente, não
consegue vencer sua blindagem emocional. O lema dessas pessoas é sempre se defender por
meio de evasivas e mentiras, para não entrar em intimidade com o outro.
Ieda 1º encontro: “Então, era como se eu tivesse ali e ele não estava. A
cabeça não estava; só o corpo dele estava presente. Era um conflito muito
grande. Eu sentia, na época, só angustia. Na época eu não tive capacidade
nenhuma de discernir o que era e com o passar do tempo isso só foi
aumentando”.
Ieda 1º encontro: “Tudo o que ele podia me dar eram bens materiais, era
um sustento bom. Ele proporcionava e proporciona até hoje tudo de bom:
viagens, carro. Só que, por dentro, ele não consegue me dar nada. Ficou
distante. Ele só me toca por fora. Por dentro ele não consegue”.
Ieda 1º encontro: “Então, a única coisa que ele consegue me dar é
dinheiro. Agora, satisfação pessoal, carinho, uma felicidade interna, ele não
consegue mais. Já conseguiu muito, plenamente, mas, nos últimos tempos do
relacionamento e agora não consegue mais”.
Grande parte dos problemas vivenciados por Ieda, no seu relacionamento
conjugal, segundo sua ótica, resultou do relacionamento simbiótico de seu cônjuge com sua
mãe. O vínculo simbiótico entre mãe e filho gera uma série de dificuldades para o filho,
quando se casa, principalmente em sua afetividade. Quando o homem não consegue separar
seu relacionamento com outra mulher do vínculo com sua mãe, ele sofre significativas
inibições em sua vida sexual e afetiva, porque, em seu inconsciente, enxerga sua esposa como
sua mãe. Em função desta distorção psíquica, seu relacionamento afetivo com a esposa sofre
inibições, pois qualquer intimidade com a esposa desperta nele sentimentos incestuosos.
Esta dificuldade de intimidade, normalmente, se torna mais acentuada quando
nasce o primeiro filho, pois com a maternidade aflorada, a esposa começa a se comportar de
um jeito ainda mais parecido com a mãe de seu cônjuge, complicando, para ele, a
possibilidade de separar o objeto primário de suas emoções da atual substituta.
258
9.2.8.3. A questão da reciprocidade no investimento da relação conjugal
Em toda relação conjugal sempre há uma parte do ego de cada cônjuge que não
pode ser compartilhada por eles na relação conjugal. Sem possibilidade de partilhar com o
outro essa parte do ego que precisa, por uma questão de sobrevivência psicológica,
permanecer fora da relação conjugal, o vinculo é harmonizado por meio dos pactos
inconscientes.
Nos fragmentos abaixo, podemos encontrar elementos que nos ajudam a
entender melhor como os pactos inconscientes, que compõem o contrato inconsciente do
casamento, acabam se formando na relação conjugal.
Irene 1º encontro: “Então, eu fui esse tipo de esposa. Sempre agradando,
sempre dando tudo o que ele precisava. Sempre agradando para ele não me
proibir de conquistar aquilo que eu queria; de ir atrás dos meus projetos
pessoais”.
Irene 1º encontro: “Eu vivi 17 anos em função de uma pessoa. Esqueci de
mim, me anulei em favor de muitas coisas. Mas hoje eu estou aprendendo a
lutar pelos meus sonhos, por aquilo que eu sempre quis para a minha vida”.
Os pactos inconscientes são utilizados para especificar elementos diferentes
que provém do espaço mental não compartilhado de cada um dos cônjuges. No
estabelecimento do pacto inconsciente, a pessoa faz alguma coisa para o outro, ou permite que
o outro faça alguma coisa que, em outras circunstâncias não seria tolerada dentro da relação
conjugal, para poder começar ou continuar a fazer o que ela deseja, também sem a objeção do
outro.
Este fato está presente no relacionamento de Irene com seu ex-marido, quando
ela diz que vivia fazendo o que ele queria para não ser proibida de fazer o que ela queria. Ela
tinha seus sonhos, seus objetivos a serem conquistados, mas, para que pudesse persegui-los,
dentro do relacionamento conjugal, tinha que fazer algumas coisas que favoreciam seu ex-
cônjuge, para que ele não a proibisse de fazer suas próprias coisas. Os pactos estabelecem as
regras de convivência em relação aos conteúdos internos de cada um dos cônjuges, a respeito
daquelas áreas que não podem ser compartilhadas entre eles.
Sem os pactos dificilmente a relação poderia continuar, pois eles harmonizam
áreas conflitantes entre os cônjuges. Eles surgem para adaptar o relacionamento conjugal a
259
novas configurações que só podem ser suportadas quando ocorrem essas concessões mútuas.
Por isso, os pactos são sempre bilaterais. É o famoso toma lá dá cá da relação conjugal.
Isa 16º encontro: “Eu não mereço isso não, porque foram doze anos de
dedicação a ele, a família. Foram doze anos que eu me anulei, que eu não
conduzi a minha vida do jeito que eu queria. Foi uma entrega total, porque
eu achava que não podia fazer de outro jeito.
Isa 11º encontro: “Um tem que agradar o outro indo a lugares que o outro
gosta de ir. O outro não fez nenhum investimento na relação conjugal”.
O contrato inconsciente do casamento é estabelecido, conforme referido na
fundamentação teórica, sobre as vivências de ambos os cônjuges. Ele é estruturado com base
nos temas centrais que começaram a ser formados na infância. Sua composição é feita por
questões que são relevantes aos cônjuges. Por isso, quando não há uma correspondência entre
o que cada um acha importante, como conteúdo da relação conjugal, normalmente o vínculo
conjugal produz, naquele que se vê desrespeitado, desvalorizado, não atendido, uma forte
frustração.
Íris 11º encontro: “Ele não aprendeu a gostar das coisas que eu gostava
para me agradar durante a relação conjugal”.
Ilca 4º encontro: “Todo livro que eu comprava do curso que fiz, a primeira
coisa que eu fazia era dedicá-lo ao meu marido. Eu estava totalmente
dedicada a ele”.
Todo investimento do parceiro conjugal, mesmo que a nível inconsciente,
exige uma reciprocidade. No relacionamento amoroso ninguém se doa pelo outro sem esperar
algum tipo de reciprocidade. O amor conjugal exige reciprocidade de investimento na relação.
O vínculo conjugal é sustentado por um referencial externo e, por isso, sempre é bidirecional,
ou seja, os egos dos parceiros da relação conjugal se gratificam e se realizam por meios dos
acordos e dos pactos, que acontecem de forma sucessiva, no decorrer da relação conjugal.
260
9.2.8.4. Minimização dos conflitos conjugais: desconexão com a realidade
O funcionamento do contrato inconsciente do casamento gera um núcleo de
convivência mútua que compreende tudo aquilo que determina e que também delimita a
relação conjugal. Esse núcleo, conforme já foi dito na fundamentação teórica, tem a função de
retirar a percepção dos cônjuges da visão dos conflitos e das angústias que estão circulando na
relação conjugal. Em função desse núcleo de convivência mútua, Ieda achava que tudo estava
bem em sua vida e em seu casamento. Aparentemente ela estava trabalhando, tocando sua
vida profissional, seu casamento e sua família. Ela não conseguia realmente enxergar a
realidade de tudo o que, de fato, estava vivendo.
Ieda 8º encontro: “Eu não fui autêntica no meu casamento. Fiz tudo para
agradar e fiquei com muita culpa”.
Ieda 1º encontro: “Durante o tempo de casada eu fingia para mim mesma
que estava tudo bem, que eu estava trabalhando, que em casa tudo estava
perfeito. Só que eu não sabia que vivia essa fantasia”.
Ieda 1º encontro: “Eu fui deixando o tempo passar. Eu achava que tinha
começado a trabalhar, que tinha iniciado uma carreira. Então eu passei
longos anos me enganando. Eu achava que era real, mas não era. Então eu
levei uma vida falsa nestes últimos dez anos, achando que ela era real. Só
que eu não sabia que por isso eu estava pagando com uma depressão que
estava aumentando, aumentando. Eu comecei a me sentir muito infeliz,
muito infeliz”.
Isa 2º encontro: “Eu fui guardando tudo no meu casamento. O meu
casamento está de pé por minha causa”.
Os cônjuges, geralmente, têm dificuldade de perceber o funcionamento do
contrato inconsciente no dia-a-dia da relação conjugal, porque as forças do passado, que
foram deslocadas para o presente, bem como, os objetos antigos que foram deslocados para o
objeto atual continuam recalcados. Eles atuam no cotidiano da relação conjugal a partir de um
nível mental que não podem ser captados pela consciência, porque sua percepção gera muita
ansiedade, por isso, permanecem reprimidos, mas presentes na relação atual, gerando fortes
influências.
261
9.2.8.5. Repetição de papéis assumidos na família de origem
Nos relatos abaixo é possível vislumbrar como o inconsciente é poderoso e
pode pregar muitas peças nos cônjuges, durante o relacionamento conjugal, tornando-os
praticamente cegos para realidades tão evidentes. As forças inconscientes que influenciam o
cotidiano da relação conjugal, geralmente estão recalcadas no aparelho psíquico dos cônjuges,
por isso, atuam sem serem notadas, percebidas. Vejamos como esses fatos ocorrem no
cotidiano da relação conjugal:
Irene 2º encontro: “Eu sempre estive provendo, correndo atrás das coisas.
Hoje ele fala que eu nunca o deixei ser o provedor da casa, porque desde
quando a gente casou, quando eu vi que ele começou a enfrentar
dificuldades, o que eu fiz? Eu fui trabalhar. Então, eu trazia a provisão para
dentro de casa e ele foi acostumando. Então, hoje ele mesmo fala que eu
acostumei ele errado, que eu não deixei ele exercer o papel dele”.
Isa 14º encontro: “Mulher é tudo igual, só muda de endereço. Se eu
arrumar outro vou ser mãezona dele do mesmo jeito”.
Ilca 1º encontro: “Se eu for analisar o meu casamento, fui muito Amélia.
Quando viajávamos para Bonito, eu sempre dava um jeito de ajudar, eu
sempre enchi o tanque de combustível e ele sempre ficava acomodado. Eu
não entendia isso. Eu não percebia que ele ganhava dinheiro, mas que o
dinheiro não aparecia dentro de casa. Ele tinha poucas responsabilidades
financeiras com as despesas da família”.
Na realidade, nada acontece por acaso. Irene, Isa e Ilca não assumiram esses
papéis, dentro do relacionamento conjugal por questões circunstanciais. Elas atuaram desta
maneira porque os papéis já estavam pré-definidos, de forma inconsciente, bem antes da
formação do vínculo conjugal. Elas não se casaram com seus parceiros conjugais por meras
coincidências. Eles foram cuidadosamente selecionados por elas, por um processo
inconsciente, para que pudessem repetir com eles a história de suas infâncias. Por outro lado,
elas foram escolhidas cuidadosamente por eles, para que também pudessem repetir a história
dos seus vínculos infantis, ou algumas características que eles trouxeram de suas respectivas
famílias de origem, para o vínculo conjugal atual.
Ilca 4º encontro: “Ele ganhava dinheiro, mas não comprou nada para
casa, não investiu no lar, na família. Só me deixou de bom os meus dois
filhos. Eu participei”.
262
Ilca 1º encontro: “Para ele era conveniente estar casado. Ele tinha uma
esposa que agüentava com o trampo. O dinheiro que ele ganhava, gastava
com outras mulheres. Mas eu não queria entender isso. Eu queria que ele
fosse aquele homem que era quando eu o conheci. [...] Depois que ele viu o
dinheiro foi que ele desviou. Hoje eu sinto bem isso”.
Ilca 1º encontro: “Até hoje eu não sei o que ele fez com o dinheiro que
ganhou durante o tempo em que fomos casados. Parecia que eu vivia cega.
Eu vivia tapando o sol com a peneira”.
O vínculo conjugal pode ganhar contornos bastante variados, de conformidade
com as combinações dos conteúdos inconscientes dos parceiros da relação conjugal. Sem
dúvida, é o contrato inconsciente, presente em todo relacionamento conjugal, que fornece o
sentido e mantém a relação conjugal. Ele é composto dos acordos e pactos inconscientes que
atualizam os desejos e as necessidades não realizadas dos relacionamentos infantis, na relação
atual.
Neste sentido, podemos afirmar que o casamento fornece aos cônjuges um
espaço propício para identificar, compreender e elaborar todo conteúdo disfuncional que
trazem das fases anteriores do desenvolvimento psicossexual, pois independente da vontade
deles, esses conteúdos do inconsciente sempre se fazem presente no relacionamento conjugal.
Por outro lado, é preciso asseverar que por mais que o passado dos cônjuges
possa influenciar negativamente a relação conjugal, o potencial de superação que eles trazem
dentro de si mesmos é maior que suas debilidades. Portanto, sempre é possível clarificar a
maior parte dos conteúdos inconsciente que circulam na relação conjugal, para poder refazer o
nculo em bases mais saudáveis.
9.3. O FUNCIONAMENTO DO CONTRATO INCONSCIENTE DO CASAMENTO NA
ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS CONFLITOS CONJUGAIS: A
DESESTRUTURAÇÃO E A DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL
A formação do vínculo conjugal resulta de várias combinações complexas que
sintetizam as vivências passadas e presentes de cada um dos cônjuges. Os cônjuges trazem
para o vínculo conjugal toda a história de vida, consciente e inconsciente, que acumularam ao
longo da existência de cada um. Assim, eles desempenham papéis ativos e passivos na
263
formação do vínculo conjugal, no sentido de colocarem suas motivações inconscientes e de
recepcionarem as motivações inconscientes do parceiro da relação amorosa.
Só que toda esta construção inconsciente ocorre fora da percepção da
consciência. O que eles percebem são seus efeitos, ou seja, uma louca e desmedida paixão,
uma forte e irresistível atração que toma conta de suas vidas, porque, no início, todo
relacionamento amoroso possui características narcísicas que alimentam o desejo de fusão, de
completude e de formação de um ego único, o ego conjugal, onde os parceiros da relação
anseiam permanecer fusionados um ao outro por toda a vida.
Mas, quando voltam para o mundo real, para o dia-a-dia da relação conjugal, as
idealizações começam a ser desmistificadas. Os anos vão se passando e as velhas
necessidades, anseios e desejos, das fases anteriores do desenvolvimento psicossexual,
permanecem irrealizados, reacendendo as antigas frustrações e desilusões. O que antes era
canalizado contra o próprio ego, agora, em função do fracasso do investimento que ambos
fizeram no casamento é projetado no outro. Estas culpas que um projeta sobre o outro, dentro
da relação conjugal, se tornam as fontes mais profundas dos conflitos conjugais.
Segundo Costa e Katz (1985, p. 166), os primeiros anos do casamento são
canalizados para a realização de uma série de exigências externas como ascendência
profissional, aquisição de casa própria, decoração e mobiliário da residência, filhos e uma
série de tarefas que exigem muitas energias e consomem grande parte do tempo do casal.
Estas realizações externas reforçam a ilusão de que o casamento é realmente uma experiência
rica e criativa. Mas, “atingidos esses objetivos, que muitas vezes são artifícios criados para
manter vivo um casamento que provavelmente já nasceu morto, a relação se transforma numa
intolerável rotina”.
Nesta fase, as defesas se organizam para proteger os cônjuges do sonho que se
tornou numa grande frustração, numa prisão emocional. As cobranças se intensificam e
ambos ficam desesperados, buscando alternativas para resignificar o vínculo conjugal, mas, a
confusão sentimental é tão avassaladora que nem sabem por onde começar. Ao invés de
discutir a relação, os cônjuges se fecham, porque qualquer reflexão sobre as reais causas do
conflito conjugal pode aumentar o nível de ansiedade que ambos já estão vivendo e acirrar
ainda mais esse conflito.
Depois de deflagrado o conflito, qualquer tentativa de mudança, mesmo que
seja visando à melhora do vínculo conjugal é visto pelo outro parceiro como algo que vai
desestabilizar ainda mais. Assim, o conflito segue, pois ao mesmo tempo em que os cônjuges
lutam pela relação, procurando resolver os problemas conjugais e suas próprias vidas, eles
264
continuam presos e cegos pelas motivações inconscientes que configuraram o vínculo
conjugal e que os levam a obstruir toda possibilidade de mudança, benéfica ou não, para não
desestabilizar o sistema de relacionamento com o qual já estão habituados.
9.3.1. Vínculo conjugal idealizado sustentado pela fuga dos problemas e pela desconexão com
a realidade
Quando o dia-a-dia das relações conjugais, das mulheres que participaram do
grupo de reflexão, começou a tomar uma direção diferente das expectativas e anseios que elas
sonharam para seus respectivos casamentos, ao invés de confrontarem os problemas e
tentarem resolvê-los, elas optaram pela fuga dos problemas e pela desconexão da realidade,
numa atitude desesperada para manterem a idealização que projetaram sobre seus casamentos.
Para continuar fazendo de conta que estavam vivendo um casamento satisfatório, elas
ignoraram os problemas que começaram a aparecer no cotidiano da relação conjugal. Essa
atitude, a princípio trouxe um alívio momentâneo, mas ao longo dos anos, gerou as mais
profundas dores e frustrações. Vejamos um fragmento que ilustra o que foi dito acima:
Ieda 3º encontro: “Meu casamento foi sempre mentira, mentira, mentira.
Ele jura por Deus, pela vida dele, pela vida dos filhos. Tem convicção da
mentira dele”.
Quando o processo de idealização do outro vai se desfazendo, em função da
objetividade da realidade conjugal, os cônjuges começam a vivenciar fortes frustrações que se
transformam na fonte de vários conflitos dentro do casamento. Os conflitos surgem por causa
da dor e da frustração, provocados pela constatação de que precisam sepultar as expectativas e
os sonhos que alimentaram durante todo o processo de formação do vínculo conjugal.
Maldonado (2003) afirma que alguns cônjuges constroem o casamento sobre
uma pseudo-relação, onde não ocorre o vínculo com uma pessoa real, mas com os fantasmas
e recortes de suas próprias histórias pregressas. O fato de não casar com o outro, mas com o
próprio desejo, com a própria expectativa, acaba se tornando a fonte de sérios problemas no
decorrer do relacionamento conjugal, porque, a todo instante, um procura transformar o outro
segundo a imagem do seu desejo. Os anos vão se passando e a velha dinâmica relacional
265
continua inalterada: um cônjuge, de forma persistente e repetitiva, procura moldar o outro de
acordo com o modelo interno que carrega do parceiro dentro de si.
O medo de perder o relacionamento idealizado leva um dos cônjuges, ou
ambos, a tentar ignorar o conflito conjugal existente. Eles agem assim movidos pela falsa
crença de que os problemas se resolvem por si mesmos; que um dia as dificuldades irão
passar e a relação voltará a ser aquela que um prometeu que seria para o outro. Os fragmentos
abaixo ilustram esta constatação:
Isa 3º encontro: “A vida inteira eu me fiz de boba para viver. Fui levando
até onde deu. Agora chega; não quero mais. Quero separar e ele não quer”.
Isa 17º encontro: “Eu tinha medo de resolver os problemas. Deixei os
problemas acontecerem. Eu sempre sabia, mas eu me deixava ser
enganada”.
Segundo Maldonado (2003, p. 28), no primeiro casamento os cônjuges
costumam repetir os padrões de interação que trouxeram de suas famílias de origem. Alguns
continuam evitando brigas, discussões e, com isso, vivem engolindo mágoas e armazenando
ressentimentos, outros, ao contrário, brigam e gritam por qualquer motivo. “Muitas vezes, a
pessoa se surpreende e até mesmo se horroriza ao ver-se reagindo com o cônjuge da mesma
maneira que seus pais reagiram um com o outro. Há também os que se esforçam para fazer
exatamente o oposto do que presenciaram, na tentativa de serem felizes”.
Esses comportamentos tendem a persistir, mesmo quando geram dor,
sofrimento e indignação, em função da luta dos cônjuges para manterem suas necessidades
disfuncionais inconscientes, que trouxeram das fases anteriores do desenvolvimento. Os
conflitos, tão freqüentes nestes relacionamentos idealizados, são sintomas dos problemas
pessoais de cada cônjuge, que precisam ser solucionados para que possam aumentar o nível de
satisfação conjugal. Sem encará-los e resolvê-los, os cônjuges permanecem fixados em seus
conflitos pessoais, mantendo o vínculo conjugal paralisado, diminuindo as possibilidades de
serem realmente felizes e realizados na vida a dois. A atitude de ignorar os conflitos para
salvar o casamento é uma ilusão. A tendência é que os conflitos se tornem mais sérios,
comprometendo ainda mais o vínculo conjugal real já deteriorado.
Isto aconteceu com Íris. No auge de seu conflito conjugal, ela procurou terapia
para tentar resolver as dificuldades que seu filho estava vivenciando na escola. Todavia, de
forma indireta, começou a entrar no núcleo central do verdadeiro problema.
266
Íris 4º Encontro: Eu busquei terapia pela primeira vez, não por causa do
meu casamento, mas por causa do meu filho, que estava ruim na escola. [...]
A terapia não me fez ver a traição, mas a falta de amor, o descaso. Ele dizia
que a terapia estava fazendo mal para mim”.
Os cônjuges sustentam o casamento idealizado, ignorando os problemas que
circulam na relação conjugal, porque admiti-los pode colocar em risco os sonhos de felicidade
e realização que projetaram para a vida a dois. A própria opção pelo casamento pode ter
representado uma fuga do confronto e resolução de seus conflitos pessoais. Negar sua
insurgência neste espaço idealizado se torna a única possibilidade de sobrevivência dos
sonhos de felicidade e de realização para quem optou por este caminho fantasioso. Por isso, a
resistência em tocar nas causas verdadeiras dos problemas conjugais é muito grande.
Mas, a parte saudável da personalidade dos cônjuges, os mantém, mais ou
menos, conscientes de que para alcançarem a satisfação conjugal, primeiro terão que vencer
suas debilidades pessoais. Assim, em meio a este conflito interno, mesmo que de forma
indireta, eles acabam chegando ao núcleo dos problemas, embora, permaneçam reticentes em
resolvê-los por completo. O fragmento abaixo ilustra estas afirmações:
Íris 4º encontro: “A terapia me fez ver que ele se preocupava mais com ele
do que comigo. Eu vivia em função dele. Ele criticava os psicólogos. Dizia
que a terapia estava me fazendo mal. [...] Eu parava de ir, porque ele não
gostava, porque a psicoterapia podia acabar com o meu casamento. A
psicóloga percebia o motivo da minha falta”.
Maldonado (2003) afirma que existem pessoas que não conseguem estabelecer
uma relação amorosa real com outra pessoa, porque permanecem fixadas na etapa do
narcisismo. Na colusão narcísica, essas pessoas representam o papel de narcisistas ativos-
progressivos, pois vivem a todo instante voltadas para si mesmas, enxergando apenas suas
próprias necessidades e cuidando apenas de si mesmas. Em função desse distúrbio afetivo o
narcisista-progressivo não consegue amar, nem se dar ao seu cônjuge.
O narcisista ativo-progressivo vai procurar alguém com um distúrbio
complementar; que perdeu seu narcisismo primário e vive à procura do objeto amoroso
idealizado, com quem possa estabelecer um relacionamento de objeto único. Esta pessoa, que
se doa totalmente ao outro, que investe tudo o que tem na relação com o outro, também viveu
um trauma profundo nesta mesma etapa do desenvolvimento psicossexual. Ela vai representar
o papel de narcisista passivo-regressivo. Colocará na outra pessoa toda sua esperança de viver
um relacionamento idealizado, onde seu ego se fundirá ao ego do narcisista ativo-progressivo,
267
experimentando, por meio dele, seu ego ideal perdido, entrando em contato, novamente, com
aquela sensação de plenitude, de completude que um dia viveu, mas que depois perdeu,
durante o processo de separação-individuação com seu primeiro objeto de amor, a mãe ou
alguém que a substituiu nesta função.
A necessidade de negar os conflitos, para não ter que enxergar a relação real, às
vezes, é tão forte, na vivência conjugal, que a pessoa reprime todas as lembranças dos
acontecimentos desagradáveis que ocorreram, se fixando apenas nos bons momentos que a
relação conjugal proporcionou. Vejamos alguns fragmentos que nos ajudam a entender este
tipo de negação dos problemas e a desconexão com a realidade:
Ieda 13º encontro “Parece que eu já esqueci uma boa parte do que
aconteceu nos últimos dias do meu casamento. Eu não me lembro muito. Eu
não sei por que, mas lembro pouca coisa dessa fase. O que eu me lembro é
que tinha feito uma viagem [...]. Eu estava muito bem e tinha consciência
que o nosso casamento não estava muito bem, mas estava tentando lutar
para mantê-lo. Aparentemente, as coisas estavam bem”.
Ieda 13º encontro “Eu tive medo de falar o que pensava; o que sentia do
nosso relacionamento. Eu evitei muito as brigas, atirar pedras. Eu acho que
esta postura me matava por dentro. Então, eu era muito meiga, muito doce,
muito dedicada ao casamento. O esforço que eu fazia para ser assim foi me
destruindo. Eu penso que se eu tivesse chutado, quebrado, xingado, talvez eu
tivesse melhorado. Eu saí de fininho no casamento”.
Estas declarações de Ieda esclarecem a forte influência que as necessidades,
desejos e anseios, que não foram realizados satisfatoriamente nas fases primitivas do seu
desenvolvimento psicossexual, promovem na configuração do vinculo amoroso, no cotidiano
da relação conjugal e na origem e desenvolvimento dos conflitos conjugais. Na discussão do
primeiro tema, ela afirmou que, desde muito nova, sempre foi uma criança meiga, obediente,
responsável, que fazia de tudo para corresponder as expectativas das pessoas importantes de
sua vida. Estas motivações inconscientes exerceram forte influência na formação do seu
vínculo conjugal. Durante seu casamento sempre procurou agradar, corresponder às
expectativas de seu cônjuge e sua sogra e, cada vez mais, foi se despersonalizando, até chegar
ao nível de uma forte confusão mental, de perda de contato com sua própria identidade.
Sua obsessão pela polaridade positiva, ser sempre muito meiga, muito doce,
muito dedicada ao homem de sua vida, se repetiu durante seu casamento, principalmente,
diante dos conflitos que procurou relevar, levando-a ao esgotamento emocional, a uma severa
depressão.
268
Da mesma forma como não se lembrou de nenhum episódio triste, violento,
chocante que viveu com sua mãe, também reprimiu uma boa parte do que aconteceu no auge
do seu conflito conjugal. Diz que estava muito bem, mas tinha consciência de que seu
relacionamento não estava bem. Mas, mesmo assim, provocou uma internação psiquiátrica,
pois só nesta circunstância pôde permitir a si mesma vivenciar seu completo desequilíbrio
emocional.
Desde muito pequena, precisou idealizar sua vivência familiar, pois essa foi
uma das grandes lições de vida que aprendeu com seu pai. Cada um tinha que dar sua parcela
de contribuição para minimizar os problemas que eles viviam no âmbito do lar. Dentro do
relacionamento conjugal seu funcionamento continuou o mesmo. Ela importou dos
relacionamentos parentais, para seu casamento, o mesmo medo de falar o que pensava e sentia
com relação ao relacionamento com seu ex-esposo. O esforço que fez para sustentar uma
imagem diferente de si mesma, principalmente, nas situações de conflitos da vida conjugal,
foi destruindo-a internamente. Seu relato continua trazendo outras revelações importantes de
seu funcionamento psíquico:
Ieda 1º encontro “A minha separação foi muito surpreendente porque
nós formávamos um casal perfeito também. Não tínhamos brigas, vivíamos
bem. Só que tinha uma coisa que faltava. Eu sentia e ele também sentia.
Hoje eu sei que era a falta de companheirismo dele. Eu sempre fui muito
companheira dele, mas eu sempre me sentia assim: por mais que a gente
procurasse passar o tempo juntos, tinha quantidade de tempo, mas não tinha
qualidade. Então, era como se fosse uma parede. Eu estava com ele, mas
não tinha uma troca. Eu me sentia sozinha. Isso era uma coisa muito
esquisita. Isso foi me deixando muito doente. Foi um processo muito forte e
eu acabei com uma profunda depressão; fiquei internada um bom tempo”.
Segundo Maldonado (2000), muitas pessoas se casam com uma idealização do
casamento. Quando isto acontece, os cônjuges procuram transportar para a vida real as
realidades presentes nas brincadeiras de infância. Por estarem fundamentados em bases
frágeis e infantis, o casamento se sustenta enquanto tudo corre bem, mas, com a chegada das
crises e das dificuldades, todo companheirismo, cavalheirismo, juras de amor e afetos vão
embora da relação. Surgem queixas, agressões, acusações e a relação idealizada começa a
deteriorar, chegando a ser uma caricatura do que, no início, parecia ser.
Um outro aspecto importante que deve ser ressaltado é o teatro da perfeição
que, às vezes, configura alguns vínculos conjugais. Neste tipo de vínculo, as pessoas
acreditam que se fizerem tudo certinho, como manda a cartilha social, o casamento vai dar
269
certo, a relação conjugal será um sucesso. Mas, na prática, isso nem sempre acontece.
Segundo Maldonado (2000, p. 31), assim:
Há casamentos em que o homem e a mulher tentam modelar o vínculo de
acordo com a imagem esteriotipada do “casal 20” e das pessoas bem-
sucedidas na vida. Tudo passa a ser feito em torno dessa imagem lutar para
ter uma casa, dois carros, dois ou três filhos, viagens de férias, determinados
tipos de roupas ou de marcas de uísque. Só que nem sempre isso
corresponde aos reais anseios das pessoas e tudo acaba sendo uma tentativa
de encobrir um tédio profundo: “a falta de alguma coisa que eu nem sei o
que é”.
O fragmento abaixo continua mostrando a forte influência do contrato
inconsciente do casamento de Ieda, na origem e no desenvolvimento do conflito que ela
vivenciou com seu ex-marido, durante o período em que estiveram casados. É como eles
estivessem interpretando um filme antigo, que tinham assistido várias vezes. Apesar ser
rodado no presente, eles continuam representando as velhas e repetidas cenas da vida conjugal
de seus pais.
Ieda 1º encontro: “Durante muito tempo eu não sabia o que pensar, como
agir. Eu vivia com um sentimento de falta de autenticação. Eu não sabia
quem eu era realmente. Eu era uma outra pessoa bem diferente. Hoje,
olhando para trás, eu acho que melhorei 100% enquanto pessoa, tanto para
a família, quanto para o mundo. Hoje eu me sinto muito mais madura”.
Ieda 13º encontro “[...] O nosso problema maior não foi assim uma
coisa externa de pegar ele com uma outra pessoa. Foram os desgastes
internos da própria relação. Aparentemente, o relacionamento estava
bonito, sem discussão, mas, na verdade, o relacionamento estava muito
pesado. Ele falava que eu o traía. Mas não no sentido de ter outros homens.
Ele achava que era uma traição mental. Era o fato de que eu não confiava
mais nele. Eu buscava algumas pessoas do meu relacionamento para contar
as lutas e as dificuldades que eu estava enfrentando no meu casamento. Ele
se sentia traído nesse sentido, porque achava que eu tinha que compartilhar
com ele e não com outras pessoas”.
Ieda 25º encontro: “Sinto um vazio, um desespero pelo fato de estar viva,
mas vivendo a vida de forma errada”.
Ieda se esforça para minimizar os problemas que aconteceram em sua relação
conjugal. Apesar de ter flagrado, pelo menos em duas ocasiões, o ex-cônjuge com a amante e
de ter consciência das traições dele, conforme irá declarar no último tópico deste tema, o
problema maior não foi algo externo, mas os desgastes internos da própria relação.
270
Aparentemente, o relacionamento estava bonito. Mesmo tenso, por estar
carregado de problemas, não havia discussão entre eles. Essa é uma reprodução do seu
período de infância. Ela repete no relacionamento conjugal o mesmo quadro do
relacionamento de sua família de origem. O importante não é resolver os problemas, mas
fazer de tudo para eles não contaminarem o vínculo conjugal e familiar idealizados.
Um outro aspecto importante que precisa ser ressaltado é a existência do
nculo colusivo. Tudo indica que eles formalizaram uma colusão oral, configurada como
uma relação do tipo “mãe-solícita-filho”, onde o ex-esposo desempenhava o papel de cônjuge
cuidador oral e Ieda de cônjuge lactante oral. É importante ressaltar que qualquer atitude de
independência da parte de Ieda, correspondia a uma traição para seu ex-esposo. Para o
relacionamento funcionar bem, ela deveria ser totalmente dependente dele. Por isso, se sentia
patética, imprestável, perdida, com falta de autenticação, quando se esforçava para
permanecer neste papel conjugal colusivo.
Seu ex-marido tinha o hábito de acusá-la de traição mental, pelo fato de
compartilhar os conflitos da relação conjugal com outras pessoas de seu círculo de amizade.
Até mesmo suas dificuldades relacionais com ele tinham que ser compartilhadas apenas com
ele. Na função de cônjuge cuidador oral, seu ex-cônjuge se sentia traído quando ela buscava a
ajuda de outras pessoas para tentar desabafar e se aliviar dos problemas que ele mesmo lhe
causava.
É interessante que essa postura de seu ex-marido nos remete a uma
característica da família de Ieda. Segundo seu relato, registrado na discussão do primeiro
tema, sua família era isolada e nuclear. Eles não tinham relacionamentos com os vizinhos e
essa falta de outros relacionamentos havia lhe causado muito mal. De forma repetitiva, seu
inconsciente a coloca dentro de um relacionamento semelhante. Neste, mais perverso, seus
pensamentos, a respeito da relação conjugal, não podiam ser verbalizados, nem dentro, nem
fora do vínculo conjugal. Toda atividade tinha que girar em torno do vínculo simbíotico que
seu ex-marido mantinha com a própria mãe e do vínculo colusivo que mantinha com ela.
É por isso que Willi (1985 p. 71) diz que nos relacionamentos conjugais onde
existem perturbações colusivas, ocorre uma regressão do casal a uma representação
puramente emocional da temática perturbadora.
Eles colocam em jogo todas as energias psíquicas para resolver esta
temática. A simbiose restringe tanto a relação conjugal a esta temática, que o
casamento se torna incapaz de funcionar e permanece bloqueado para o
crescimento da relação e para o desenvolvimento individual dos cônjuges. A
271
terapia de casal deve ter como objetivo tirar o matrimônio dessa fixação
paralisante, para que ele seja, de novo, capaz de se desenvolver.
Quando há uma tendência à idealização do vínculo conjugal, por meio da
negação dos problemas e desconexão com a realidade, mesmo a pessoa tendo consciência de
que não está tomando a melhor atitude para a resolução do problema, se sente seduzida a agir
desta forma. É neste sentido que compreendemos o conteúdo do fragmento abaixo registrado:
Isa 13º encontro: “Enquanto ela estava falando essa questão de esquecer o
passado eu fiquei pensando: ‘será que não seria melhor esquecer o meu
passado. Toda essa dor, todo esse sofrimento e fazer de conta que não
aconteceu nada e dar continuidade a essa relação com meu marido, porque
ele vive falando para mim que eu vivo de passado’. Será que não seria
importante eu esquecer e começar tudo de novo? Mas eu sei que se eu
resolver abrir a guarda agora e ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, mas,
daqui um tempo todo esse sofrimento, toda essa tribulação, toda essa dor
vai começar tudo de novo”.
Ilca 6º encontro: “Quando a gente para de crescer, de trabalhar, pode
segurar um relacionamento acabado por dependência econômica”.
Maldonado (2000) diz que algumas pessoas, em função de seus traumas
infantis, possuem a necessidade de, ao longo da vida, construir prisões interiores, conferindo a
outras pessoas, ou instituições, o poder de aprisioná-las e controlá-las. Elas têm a tendência de
se colocarem em situações onde a única alternativa é suportar o sofrimento e a infelicidade de
um vínculo conjugal insatisfatório.
Estes extratos colhidos das reflexões feitas pelas participantes do grupo de
reflexão, demonstram que os vínculos disfuncionais respondem por grande parte dos conflitos
conjugais. Todo vínculo disfuncional, em algum momento da relação conjugal, vai dar origem
aos conflitos conjugais e sustentar seu desenvolvimento, pois um cônjuge dificilmente
consegue satisfazer as necessidades, anseios e desejos inconscientes do outro, porque nem o
portador destes conteúdos inconscientes sabe definir o que realmente necessita; o que deseja e
quer do outro, por meio do relacionamento conjugal.
272
9.3.2. Sentimentos preponderantes em função do investimento unilateral no relacionamento
conjugal
O ato de amar outra pessoa envolve renúncia própria, dedicação e sacrifícios.
Por mais que os parceiros da relação conjugal afirmem que o verdadeiro amor é
incondicional, na prática, isso nem sempre acontece. Quem investe no relacionamento
conjugal sempre espera, pelo menos, um retorno igual da parte do seu cônjuge. Mas, algumas
pessoas, cujo desenvolvimento psicossexual foi caracterizado por uma carência básica de
amor, entram no relacionamento conjugal com uma fome tão grande de amor, que o outro
parceiro da relação conjugal, por mais que ame seu cônjuge, não consegue suprir sua
necessidade. De tanto dar amor sem ser correspondido, acaba esgotado, sugado, desnutrido
afetivamente, renunciando a posição de doador pleno, na qual foi colocado.
Esse descompasso na reciprocidade de investimento na relação conjugal foi
exposto pelas mulheres que participaram do grupo de reflexão, como uma das causas dos
conflitos que vivenciaram em seus casamentos desfeitos. O próximo fragmento ajuda nossa
compreensão a respeito deste tema:
Ilca 16º encontro: “Eu quero que ele me ame, mas ele não me ama, ele não
me adora, ele não me quer, ele achou outra pessoa, ele gostou da outra
pessoa, ele quer dormir com outra pessoa, ele quer cheirar outra pessoa, ele
não me quer mais. E aí, eu vou ficar chorando? Eu fiquei chorando e tal.
Hoje eu tenho até vergonha de olhar para algumas pessoas que me ouviram
tanto e que tentaram me tirar dos meus lamentos, mas não conseguiram. Eu
ficava todo dia naquela mesma ladainha, naquela mesma lamúria”.
Pelo fato da relação conjugal ser bipessoal, os cônjuges se casam por
necessidades iguais ou muito semelhantes. O conflito surge quando um percebe que o outro
está investindo menos, se dando menos para a relação conjugal. Sérios conflitos são
conseqüências diretas do descompasso no investimento de amor, de afeto e de cuidado, entre
os parceiros da relação conjugal. Aquele que acaba ficando com o papel de investidor na
relação conjugal, se cansa de dar e começa a demonstrar que o relacionamento conjugal não
está valendo a pena, porque todo amor investido no outro fica sem correspondência. Este fato
foi verificado no relato das mulheres, conforme fragmento abaixo:
273
Íris 11º encontro: “Quando se investe no casamento e o outro só aproveita
a gente se sente traída e todo investimento se transforma em dor”.
Maldonado (2000) afirma que este contrato inconsciente do casamento, onde
apenas um investe na relação e o outro desfruta, denominado por ela de pseudo-altruísmo, ao
longo dos anos, pode resultar num acúmulo de cobranças e exigências. Essa aparente
disponibilidade para o outro pode encobrir uma exigência de retribuição em termos de
gratidão, dependência e outros retornos semelhantes. Com isso, o parceiro que recebe pode se
sentir oprimido, aprisionado e, muitas vezes, paralisado, sem saber o que fazer diante desta
situação repetitiva. Ele recebe sem pedir, mas também tem que dar, mesmo quando o outro
faz de tudo para demonstrar que não está pedindo, que não está precisando. Por mais que ele
também faça investimentos na relação, há sempre, por parte do outro, aquela visão de que só
ele está investindo, só ele está se dando, porque não aceita a forma de doação do outro.
Esta questão de investimento demasiado por parte de um cônjuge e
investimento de menos, por parte do outro e os constantes conflitos que esta dinâmica
relacional gera no casamento, compõe o tema da colusão narcísica. O relacionamento
conjugal gira em torno do que um pode exigir do outro; do limite de entrega de um para o
outro; do medo de se despersonalizar por se fundir com o outro; do limite ideal de doação,
onde ambos podem manter a identidade própria e outras questões pertinentes.
A colusão narcísica surge no cotidiano da relação, gerando sérios conflitos
conjugais, porque os cônjuges mantêm um desejo secreto de se fundirem um ao outro, de
viverem, no dia-a-dia da relação conjugal, uma simbiose perfeita, absoluta, ideal, não
prejudicada pelas questões da vida real. O sonho narcísico é tão idealizado que se torna
inatingível numa relação real. Em conseqüência das frustrações que são certas, surgem muitos
conflitos e desgastes, até que os cônjuges se tornem conscientes da impossibilidade de êxito
neste tipo de relacionamento.
Mas, o alto investimento na relação conjugal não se dá apenas em função da
colusão narcísica. Outros distúrbios provenientes das fases primitivas do desenvolvimento
psicossexual também podem levar um dos cônjuges a este comportamento, dentro do vínculo
conjugal. Os próximos fragmentos esclarecem esta questão:
Irene 1º encontro: “Durante 17 anos eu vivi esse engano. Eu levei um
golpe muito duro quando descobri a vida dupla que ele levava. Tem dois
anos que eu descobri. Quando eu descobri que há um bom tempo atrás ele
estava me traindo, isso é o que mais me machuca”.
274
Isa 20º encontro: “A decepção com o casamento gera dor e sofrimento. Eu
estava me sentindo obrigada a permanecer no casamento”.
Em função dos conteúdos inconscientes que influenciam a formação do vínculo
conjugal e seu desenvolvimento, às vezes, um cônjuge tem necessidade de colocar o outro na
posição de objeto ilusório, num lugar onde ele gera atração e fascínio. Mas, este lugar de
destaque, pode se transformar numa grande fonte de conflito conjugal, pois qualquer deslize
deste cônjuge idealizado, digno do investimento de uma vida, pode produzir uma profunda
ferida emocional, que gera dor, sofrimento, inviabilizando a continuidade da relação conjugal.
Ilca 16º encontro: “Toda vida ele sempre dizia que gostava de mulher
magra. E a besta aqui sempre procurou ser uma mulher magra, mas ele só
vive agora com mulheres gordinhas e eu pensei: ‘que nada, os homens não
gostam de mulheres magras. Eles gostam de mulheres que tem coisas onde
eles possam pegar’. Então, não é nada disso. A gente é que fica se iludindo.
Homem gosta daquilo, daquele cheiro, daquele carinho, daquela pele, sabe?
Quando ele gosta do gosto de uma outra pessoa, ele fica com ela e que se
dane aquela esposa com quem ele vive. Não adianta!”.
Íris 12º encontro: “Dói saber que só você investiu; só você se doou; só
você se deu. Eu preciso livrar-me desta mágoa, porque, por outro lado, eu
sei que quem doou ganhou e não perdeu”.
Com base em suas experiências, Puget e Berenstein (1993) afirmam que a
relação ilusória infantil, fundamentada no desejo de contar com um objeto único, repetida na
vida adulta, traz sérios prejuízos ao vínculo conjugal e também aos próprios aspectos infantis,
exigindo que o vínculo de casal seja reparado, para que possa trilhar por caminhos mais
saudáveis e satisfatórios, para ambos os cônjuges.
Sem dúvida, os vínculos colusivos promovem muitos conflitos dentro do
relacionamento conjugal. Normalmente eles são de difícil solução, porque se fundamentam no
jogo inconsciente dos cônjuges, que atuam em função de conflitos semelhantes,
complementares, ainda não solucionados. Neste sentido, antes de resolverem o
relacionamento conjugal, os cônjuges precisam resolver suas próprias vidas individuais. Na
realidade, o próprio vínculo conjugal, muitas vezes, surge em função da esperança que um
cônjuge deposita no outro, de que seu parceiro será o responsável pela cura das lesões e
frustrações de sua infância.
Mas, quando estas expectativas não são realizadas na relação conjugal, os
conteúdos projetados no outro voltam ao seu legítimo possuidor e o fascínio que antes um
275
demonstrava pelo outro se transforma em frustração, desvalorização e desprezo, pois, na ótica
de ambos, o outro falhou na função de salvá-lo, de curá-lo das feridas emocionais, oriundas de
seus traumas infantis.
9.3.3. Família emaranhada: fronteiras permeáveis, gerando pressões externas no vínculo
conjugal
A origem dos conflitos conjugais, normalmente, é anterior à própria
formalização do vínculo conjugal. Pessoas com experiências semelhantes na infância tendem
a se escolherem, de forma inconsciente, para a formação do vinculo amoroso, porque, de
alguma forma, um reconhece no outro algumas características que, dentro do vínculo
conjugal, poderão ser úteis para a resolução, ou perpetuação de seus conflitos infantis.
Por isso, há a tendência de um cônjuge projetar no outro aqueles conteúdos
dos quais pretende se livrar, que ele não consegue aceitar em si mesmo. Os fragmentos
abaixo, extraídos dos encontros do grupo de reflexão, nos ajudam a entender a
responsabilidade solidária dos cônjuges, na origem e desenvolvimento dos conflitos
conjugais:
Ieda 21º encontro: “Eu quero um homem ao meu lado. Meu ex-marido é
muito dependente emocionalmente dos pais. Não tem solução”.
Ieda 21º encontro: “Eu sofro com a interferência externa da mãe dele. Ela
interfere na educação dos filhos e no meu casamento”.
Ieda 20º encontro: “Eu só queria eliminar da minha vida o domínio que a
mãe dele queria exercer sobre minha casa, meu casamento, minha vida e na
vida dos meus filhos”.
Segundo Maldonado (2000, p. 27), a família de origem só interfere de forma
exacerbada no vínculo conjugal, quando encontra espaço para isso. A interferência dos pais
no casamento dos filhos ocorre, com freqüência, quando os dois cônjuges não conseguem
colocar a relação conjugal como prioridade e continuam dando muito valor à relação filial. A
autora continua seu raciocínio, dizendo o seguinte:
276
É a mulher que permanece mais ligada ao pai e à mãe, deixando o marido de
lado; é o homem cuja relação com a mãe é tão forte que interfere
negativamente no casal, acentuando de forma drástica a hostilidade
competitiva entre sogra e nora. Nesse contexto, há muita subordinação a
opiniões, hábitos ou estilo de vida dos pais. Estes passam a comandar as
decisões e a vida do casal, como se o homem e a mulher não tivessem
cabeça.
Neste contexto, os conflitos conjugais ocorrem em função da lealdade de um
ou ambos os cônjuges com a família de origem. A pessoa não consegue se liberar do vínculo
familiar original e, por isso, encontra dificuldade para se vincular ao seu cônjuge e para
formar com ele uma nova família, autônoma e independente. Neste conflito de lealdade, ao
escolher uma outra mulher como esposa, o homem trai sua mãe, porque deixa de pagar a ela
sua dívida de gratidão. (MALDONADO, 2000)
Esta situação de competição e hostilidade entre um membro do casal e
familiares do outro cônjuge, pode se tornar numa fonte crônica de conflito, principalmente,
quando o vínculo de casal é caracterizado por fronteiras permeáveis, pela dificuldade dos
cônjuges de se desligarem de suas respectivas famílias de origem.
9.3.4. Luta conjugal pelo controle da relação: dinâmica relacional dominante-submisso e os
sentimentos preponderantes
O vínculo colusivo sádico-anal gravita em torno do controle da relação
conjugal e da autonomia dos cônjuges. Neste conflito colusivo, os cônjuges lutam entre si
pelo controle da relação conjugal. Os conflitos atenuam apenas naqueles momentos em que
um está no controle e o outro em posição de submissão. Só que o cônjuge conquistado pelo
outro, que é obrigado a se submeter, nunca aceita plenamente sua rendição. Quando não
consegue vencer o cônjuge dominante na luta aberta, o cônjuge submisso se utiliza de outros
métodos sutis para exercer, de alguma forma, o controle da relação conjugal.
Neste tipo de vínculo colusivo, a posição de submissão é uma situação que gera
muito sofrimento em ambos os cônjuges. Nos fragmentos abaixo, podemos vislumbrar os
sentimentos preponderantes no cônjuge que é forçado pelo outro e pelas circunstâncias, a
permanecer nesta posição:
277
Isa 8º encontro: “Eu sonhei que fui visitar minha amiga numa casa
horrorosa, mas que ficava no centro da cidade. A minha amiga estava feliz,
porque a casa era no centro da cidade”.
Isa 15º encontro: “Meu casamento é uma prisão, um sofrimento, por isso,
eu não quero mais ficar dentro dessa união”.
Isa 8º encontro: “Eu estou é passando mal. Esses dias eu fui à igreja e
disse a Deus: ‘Deus! Eu vou lhe contar uma mentira. Restaura o meu
casamento, mas só se for bom para mim. Mas, eu não quero que o Senhor
restaure o meu casamento. Eu estou mentindo, o Senhor sabe. Mas o Senhor
só restaure meu casamento se for bom para mim”.
Estes fragmentos fornecem uma pequena amostra do sofrimento, da dor e da
angústia que os conflitos colusivos geram no cotidiano do relacionamento conjugal. No
vínculo colusivo, casam-se as neuroses dos parceiros da relação amorosa e a vivência
relacional é mantida, tendo como base, os desequilíbrios de cada um deles.
Nem mesmo a separação consegue, às vezes, colocar fim a esse relacionamento
disfuncional. Isto porque, um precisa do outro para realizar suas descargas emocionais e para
justificar sua frustração crônica. Um sempre será culpado por tudo aquilo que aflige e oprime
o outro. Novas formas de vínculos serão buscadas, nos desdobramentos do relacionamento
conjugal, para que essa dinâmica relacional se perpetue entre eles.
Isa 2º encontro: “Eu disse para ele: ‘vamos separar, porque esse
casamento está acabando comigo”.
Isa 3º encontro: eu não quero mais. Não sei o que aconteceu. Estou com
uma raiva daquele homem. Eu o odeio. Quero que ele suma da minha vida”.
O esfriamento crônico, geralmente, é causado pelas mágoas e ressentimentos
que não foram resolvidos durante a relação conjugal. Quando um cônjuge começa a se
decepcionar com o outro, mas permanece em silêncio, todo amor, admiração e respeito que
tem para com ele, vai, gradativamente, desvanecendo, porque os sentimentos negativos, que
dia-a-dia vão se acumulando, preenchem todo o espaço emocional que antes era ocupado
pelos bons sentimentos que o cônjuge nutria pelo seu parceiro conjugal.
Maldonado (2000, p. 39) afirma que alguns cônjuges optam, em função dos
seus conflitos infantis, por engolir aqueles conteúdos provenientes do outro que não
conseguem digerir. Assim, ao longo do relacionamento conjugal, vão acumulando mágoas e
ressentimentos. Sem outra válvula de escape, vivem doentes, em função do hábito de remoer
sofrimentos que não conseguem colocar para o outro, com medo de comprometer o
278
casamento. “A pessoa se reprime e essa repressão manifesta-se em outras áreas da vida. A
pessoa perde a alegria de viver e passa a hibernar, adormecer e embotar-se”.
Isa 5º encontro: [...] Eu fico revoltada com as coisas que ele fez. E ele
agora está apaixonado. Que raiva que me dá”.
Isa 2º encontro: Quando eu queria que ele ficasse no meu cangote, ele me
desprezava. Agora que ele quer, eu não quero mais ficar nesse casamento”.
As diferenças de expectativas que os cônjuges trazem para dentro do vínculo
conjugal, com freqüência, se transformam nas origens e desenvolvimento dos conflitos
conjugais. Todos os vínculos conjugais são formados em função de um contrato explícito e
um contrato implícito entre os cônjuges. Mas, segundo Maldonado (2000), o conteúdo
inconsciente do contrato implícito, que normalmente é escrito nas entrelinhas do vínculo
conjugal, tem muito mais peso sobre a relação, do que tudo aquilo que os cônjuges
conseguiram verbalizar um para o outro. É por isso que a base de alguns casamentos consiste
num grande mal-entendido. A autora continua seu raciocínio, dizendo que:
Nas diferenças às vezes colossais entre o contrato explícito e o implícito,
acumulam-se ressentimentos, expectativas não cumpridas, frustrações,
desilusões. O homem e a mulher iniciam uma união já desunidos, cada qual
com uma imagem do vínculo que não se casa com a do outro.
(MALDONADO, 2000, p. 33)
Enquanto não acontecer um ajuste entre o que um cônjuge espera do outro e o
que pode ser realmente realizado, a desilusão e a infelicidade acabam se tornando os
sentimentos preponderantes do vinculo conjugal e estes sentimentos negativos vão corroendo
as bases da relação.
Quando as expectativas do contrato inconsciente são descumpridas, no dia-a-
dia da relação conjugal, os cônjuges, geralmente, respondem com violência. Eles reagem com
raiva, ira, frustração, depressão e, até mesmo, com a manifestação do desejo e decisão de se
separar.
279
9.3.5. Luta conjugal pelo controle da relação: busca de autonomia pessoal
Os conflitos conjugais surgem no cotidiano da relação conjugal quando os
cônjuges trazem, para dentro do casamento, os conflitos pessoais que não conseguiram
elaborar com êxito nas fases anteriores do desenvolvimento de cada um deles. O conflito se
instala e perpetua na relação, exatamente quando um dos cônjuges tenta sair do vínculo
colusivo, ou procura modificá-lo. O sistema conjugal e familiar se movimenta para forçar a
pessoa a permanecer no seu papel disfuncional. Esta afirmação pode ser confirmada por meio
dos fragmentos registrados abaixo:
Ieda 1º encontro: “A partir do terceiro, quarto ano de casamento, eu
comecei a transformar totalmente meu caráter, minhas atitudes. Eu comecei
a ser mais agressiva, muito mais fechada. Eu me tornei completamente
diferente, muito nervosa, muito pavio curto. Então, eu já não era mais a
mesma pessoa. Era como se tivesse nascido outra”.
Ieda 1º encontro: “Quando eu me internei no hospital, chutei o pau da
barraca; eu acabei com tudo. Mas, nessa atitude transloucada eu acabei
vendo que ele só conseguia me suprir na parte material. Ele dava o que eu e
as crianças quiséssemos, financeiramente, mas ele não tinha aquele
cuidado, aquele carinho. Era diferente; havia uma falta, um vazio afetivo,
no emocional”.
Ieda 3º encontro: “Eu deixei bem claro que não estava louca; que não
adiantava ele falar mentira para mim. Eu disse para ele que não me
internaria outra vez”.
Presa a um vínculo colusivo, Ieda se viu forçada a continuar representando um
papel que começou na infância, quando descobriu que poderia receber afeto e carinho dos
seus pais, se encarnasse a figura de uma criança obediente, boa, meiga, responsável e
dependente. Em função de suas motivações inconscientes, se casou com um homem
competente, poderoso e, ao mesmo tempo, emocionalmente dependente de seus pais, que
insistiu, durante todo o vínculo conjugal, em ser, para ela, seu pai e sua mãe. Mas, em
contrapartida, sempre exigiu que ela agisse como uma esposa infantil e impotente.
A força deste papel em sua vida foi tão preponderante que ser ela mesma, com
suas polaridades positivas e negativas, se tornou uma experiência assustadora. Para alcançar
novamente sua autonomia precisou, literalmente, enlouquecer. Por um momento, se
280
despersonalizou para tentar encontrar nas polaridades positiva e negativa sua própria
identidade pessoal.
A mesma luta em busca da autonomia, do reencontro consigo mesma, pode ser
visto nos relatos de Isa, conforme fragmentos abaixo:
Isa 16º encontro: Para todo mundo ficar bem eu tenho que voltar para a
forca; para a farsa do meu casamento feliz. Prefiro abrir mão de tudo. [ ...]
Eu estou tentando fazer o que realmente quero fazer. Na semana passada eu
já fiz a tatuagem que sempre quis fazer e ele nunca deixou. [...] Eu sempre
quis fazer essa tatuagem, mas ele nunca deixou. Agora, eu fiz. Então, eu
sinto que já pulei uma etapa, porque fiz uma coisa que ele não queria. Ele
não queria, mas eu fiz. Depois que eu fiz, ele não falou nada, não brigou,
não falou nada”.
Isa 13º encontro: “[...] Eu disse para ele: ‘A partir de agora eu sou dona
da minha vida. Eu faço o que quero, entendeu? Eu sei o meu limite. Eu faço
o que quero. Eu sei até onde posso ir’. Um dia eu falei para ele: ‘eu nunca
vou ficar no seu pé, porque eu acho que cada um sabe o que é melhor para
si mesmo. Então, se você faz seus rolos por aí, o problema é seu. Se eu não
ficar sabendo, a gente vai vivendo, mas isso não quer dizer que no dia que
eu souber vou lhe perdoar. Eu posso não lhe perdoar. Nesse dia você pode
não querer separar, mas eu vou querer. Isso tudo é conseqüência. Deixei
bem claro [...]”.
Isa aprendeu, a duras penas, nos relacionamentos da infância, que sempre
deveria engolir conteúdos que não conseguia digerir e que deveria silenciar nos momentos em
que precisava falar, para não estragar, ainda mais, seu vínculo já deteriorado com seu pai.
Esse modelo da infância foi reproduzido em seu casamento. Por muito tempo, ela engoliu
coisas que nunca conseguiu digerir, ficou calada nos momentos em que devia falar, fechou os
olhos para não ver as fortes evidencias de traição em seu casamento e, até mesmo, proibiu a si
mesma de pensar sobre estas coisas. A repressão foi tanta que seu casamento se transformou
numa prisão; numa forca que asfixiava seu fôlego de vida; numa farsa que ela não tinha
mais estrutura para suportar.
Mas, quando começou a buscar sua autonomia pessoal, o sistema familiar foi
ativado para forçá-la a voltar para o seu antigo papel disfuncional. O ex-cônjuge começou a
pressionar e os filhos passaram a fazer sintomas típicos de conflitos emocionais. Foi neste
contexto que ela disse esta frase tão forte, mas, ao mesmo tempo, profundamente
esclarecedora, acerca do funcionamento do seu sistema familiar. Para que todos os membros
da família nuclear pudessem voltar ao equilíbrio antigo, disfuncional, ela estava sendo
281
forçada, pelo sistema, a retornar ao papel que significava para ela, naquele momento de
extremo sofrimento, sua própria morte emocional.
Quando um dos membros do casal, por alguma razão, tenta sair do vínculo
colusivo, ou modificá-lo, seu cônjuge e os outros membros da família, passam a impor, com
teimosia, uma volta à definição inicial da relação conjugal. Esse movimento contrário dos
cônjuges, um querendo sair do vínculo colusivo, ou modificá-lo e o outro querendo manter o
vínculo colusivo, ou regressar a ele, assevera ainda mais o conflito conjugal, intensificando a
dor e o sofrimento psíquico dos parceiros da relação conjugal.
9.3.6. Luta conjugal pelo controle da relação: inversão de papeis na dinâmica relacional
dominante-submisso
Os padrões complementares, como perseguidor-distanciador, ativo-passivo,
dominante-submisso e outros, estão presentes na maioria dos vínculos conjugais. Eles
começam a causar problemas à relação quando são exagerados ou quando não conseguem
uma re-acomodação, diante de uma nova circunstância que modifica a dinâmica relacional.
É interessante observar que, mesmo quando ocorre uma inversão de papéis, na
relação conjugal, o padrão complementar continua inalterado. Se o núcleo do conflito está no
próprio padrão complementar relacional, ele permanece inalterado, mesmo quando os
cônjuges se revezam nos papéis esteriotipados. Esta constatação fica clara nos fragmentos
registrados abaixo:
Isa 5º encontro: “O que mais me estressa é que agora ele faz um monte de
coisas para me agradar, mas agora eu não gosto mais dele. É tanta
confusão que eu não sei mais o que é”.
Isa 5º encontro: “Todas as vezes que eu falava que queria separar ele
mudava completamente e se transformava em um anjinho”.
Isa 5º encontro: “Quanto menos eu o quero, mais ele pega no meu pé;
mais ele quer saber de tudo da minha vida; mais ele se interessa e eu
querendo que ele vá embora”.
282
Estes fragmentos demonstram a dificuldade de colocar fim no conflito
colusivo, porque os cônjuges atuam nos distintos papéis complementares, em função do
conflito fundamental, não superado.
No conflito anal-sádico, quando o cônjuge passivo-regressivo ganha maior
espaço no controle da relação, ele passa a tratar o cônjuge ativo-progressivo de forma
semelhante, como sempre foi tratado por ele, quando estava em posição de submissão.
Quando o controle da relação conjugal está nas mãos do cônjuge ativo-progressivo, ele
menospreza, diminui e inferioriza o cônjuge passivo-regressivo, com o objetivo de fragilizá-lo
ainda mais para consolidar seu domínio. Por outro lado, quando o cônjuge passivo-regressivo
ganha um espaço maior no controle da relação conjugal, ele despreza, deixa de lado, ou
abandona o cônjuge ativo-progressivo, pois esta é sua estratégia para aumentar sua área de
autonomia e de iniciativas, dentro da relação conjugal.
O conflito atenua quando o cônjuge passivo-regressivo consegue individuar
e impor sua vontade, diante do cônjuge ativo-progressivo, sem fraquejar com suas ameaças e
com os temores de um possível rompimento do vínculo conjugal e, de outro lado, quando o
cônjuge ativo-progressivo, não procura manipular o cônjuge passivo-regressivo, cedendo
outras áreas de autonomia e de iniciativas, por medo de ser deixado de lado ou abandonado.
Os fragmentos abaixo ajudam a entender um pouco mais sobre os sentimentos
que circulam na relação colusiva anal-fálica:
Isa 5º encontro: “Você falou de mágoa. A minha mágoa com meu marido é
que eu era apaixonada por ele e ele só pisou na bola e agora eu cansei.
Aquele homem que eu queria que ele tivesse sido no princípio está ali, mas
agora eu não quero mais”.
Isa 5º encontro: “O que eu queria mesmo é dormir no meu quarto. Ele até
podia ficar ali, mas eu no meu canto e ele no dele. Eu não aceito ter que
engolir tudo aquilo, ficar quieta e pronta. Eu não estou à disposição dele
para a hora que ele quiser”.
O ressentimento crônico, segundo Maldonado (2000), normalmente se expressa
por meio do desinteresse sexual. Uma forma de deixar de lado é colocar o outro de castigo
pela privação do prazer e da intimidade. No auge do conflito conjugal, o sexo vira obrigação,
carregado de hostilidade e revolta. Cresce, entre os cônjuges, um clima irrespirável de mágoa
e rancor e a comunicação entre eles cai para um nível crítico. A necessidade de se conformar
para poder continuar neste vínculo conjugal, gerador de tantas mágoas e ressentimentos,
283
sempre acaba se transformando em doenças psicossomáticas crônicas, brigas infindáveis ou
um silêncio tumular que grita bem alto todo o desamor que circula na relação conjugal.
9.3.7. Luta conjugal pelo controle da relação: impulsos masculinos e femininos simultâneos,
gerando inveja e competição pelos papéis ativos e passivos do vínculo conjugal
No conflito colusivo fálico-edípico, há uma disputa inconsciente entre os
cônjuges na auto-afirmação de suas qualidades masculinas, tanto no amor, quanto na relação
conjugal. A mulher, bem desenvolvida em suas qualidades masculinas, tem dificuldade de
renunciar às suas aptidões em favor de seu esposo e se apoiar nele de maneira frágil e passiva.
O homem, com alguns aspectos de sua feminilidade bem desenvolvida, tem dificuldade de
agir sempre com firmeza e determinação, características da masculinidade, pois, para certas
áreas do vínculo conjugal, tem a tendência de optar por suas preferências mais passivas.
Os fragmentos abaixo nos ajudam a compreender, na prática, a configuração
deste vínculo colusivo que, com freqüência, gera sérios conflitos entre os cônjuges:
Ilca 13º encontro: “Esse é o problema que acontece depois da separação.
No estágio onde eu estou o ex-marido começa a dizer: ‘ah! Você sempre
quis separar, porque você nunca precisou de mim; porque você já tem a sua
independência; porque você já conseguiu seu espaço; aquele negócio todo’.
Mas, não é bem assim. Ele não quer entender que no decorrer da relação
conjugal os dois foram crescendo juntos. Nós dois nos ajudamos dentro do
relacionamento conjugal”.
Ilca 16º encontro: “Ontem eu pensei, hoje pensei de novo. Uma lembrança
que veio à minha mente, porque uma vez eu liguei para o meu marido e ele
falou assim: ‘com você eu não vivo mais’. Ele falou e sustentou o que disse:
‘com você eu não vivo mais!”. Ai eu disse para ele: ‘mas você não morreu
ainda’. A minha esperança do retorno do nosso relacionamento era tanta
que eu me recusava a aceitar um posicionamento tão claro quanto esse.
Enquanto eu ficava alimentando esperança do retorno, ele não estava nem
aí. Estava passeando, viajando, gastando, namorando outras mulheres. Eu
sempre estava querendo o relacionamento de volta, mas ele não”.
Na rivalidade fálica-edípica, ocorre uma inveja dos papéis que os cônjuges
exercem dentro do relacionamento conjugal. O conflito surge em função da pouca capacidade
que os cônjuges possuem de utilizar a sexualidade do outro para proporcionar o prazer mútuo
na relação conjugal. Este conflito pode levar a uma defesa intransigente, cega e agressiva da
284
própria sexualidade e a conseqüente rivalidade para se impor, enquanto representante sexual
de sua espécie, no controle da relação conjugal. Mas, apesar de toda disputa interna, há um
consenso entre os cônjuges de que, na realidade, o homem deve ser sempre superior à mulher.
Ilca 16º encontro: “Eu fico olhando o antes e o depois do meu casamento.
Eu também lutei, batalhei, estudei, fiz isso, fiz aquilo, mas não adiantou
nada. Ele continuou me desvalorizando e me desprezando. Quando você
perde o amor próprio, primeiro você tem que pensar em reconquistar o
amor próprio, a auto-estima. Primeiro você tem que fazer alguma coisa por
você, para depois o outro começar também a valorizar você por aquilo que
você é”.
Ilca 13º encontro: “Se a mulher ganha um pouquinho mais, ele já
aproveita para descansar, ou para investir nos seus interesses particulares.
Pelo menos foi o que aconteceu no meu caso. Ao invés de investir na casa,
ele começou a investir nas outras coisas. Ele começou a desviar o dinheiro
para outras mulheres e isso foi complicando cada vez mais. Então, é
complicado. Depois a pessoa vira para você e diz: ‘ah! Você não precisa
mais de mim, por isso que agora você quis separar’”.
No dia-a-dia da relação conjugal, o homem precisa conquistar sua autoridade.
Acontece que ele luta com uma mulher que tem suas qualidades masculinas bem
desenvolvidas, em função da sua história pregressa de vida. Neste contexto conjugal, o
homem procura aproveitar todas as oportunidades para auto afirmar-se em sua masculinidade.
Só que, quando ele falha na função de chefe de família, perde a autoconfiança e desaba para
uma posição passiva, justamente no foco da disputa pelo controle da relação conjugal. Muitas
vezes, depois de sucessivas tentativas fracassadas para reconquistar seu espaço, ele perde
completamente a confiança em suas credenciais masculinas e, para permanecer neste
relacionamento, precisa aceitar o fato de que está casado com uma mulher que é mais
competente que ele para assumir esse lugar que a sociedade, geralmente, atribui ao homem,
no casamento.
Por outro lado, em função da concordância entre eles, de que o homem deve
ser superior à mulher, dentro do relacionamento conjugal, sua esposa sempre tentará colocá-lo
neste lugar de autoridade, aumentando, com isso, sua frustração, em função da nítida
desvalorização, por parte dela, de suas preferências passivas.
Ilca 13º encontro: “Antes eu ficava presa nele e ele não estava nem aí para
mim, mas eu ficava presa a ele, não ele comigo, é lógico. Então, isso eu já
resgatei. Mas é lógico, ainda tem esse impulso de querer ajudar, esse desejo
de querer ajudar, porque eu sempre tive essa cabeça, essa mania de querer
285
ajudar. Eu sou igual aquela galinhona que quer colocar todos os pintainhos
debaixo das asas”.
O conflito se instaura justamente nesta dinâmica relacional. Há uma confusão
interna, dentro dos cônjuges, a respeito de suas tendências masculinas e femininas. Esta
confusão interna se reflete no mundo externo. Eles lutam para ser um casal convencional, para
ocuparem os papéis tradicionais do homem e da mulher, dentro do relacionamento conjugal.
Só que estes papéis estão misturados dentro deles, em função do conflito interno com relação
às suas preferências: a mulher, com uma preponderância às tendências ativas e o homem com
claras preferências passivas para algumas áreas do relacionamento conjugal, onde há uma
rígida divisão de papéis, imposto pelo meio social, para o homem e para a mulher.
Ilca 14º encontro: “Estou procurando recuperar a minha auto-estima. Os
homens não valorizam a gente. Só começam a valorizar quando estão
perdendo.
Ilca 13º encontro: “A vida está valendo a pena. Eu sou mais eu. Sou mais
bonita. Eu sou poderosa. Eu tenho potencial”.
Para amenizar este conflito, o esposo precisa encontrar espaço, no
relacionamento conjugal, para confessar à esposa suas debilidades e preferências passivas e
para ser aceito por ela como realmente é em sua essência. Por outro lado, a esposa precisa se
impor ao esposo como mulher e exigir que ele a ame como mulher e não, apenas, como uma
imagem que deve ser admirada.
Pelo exposto, é possível dizer que o conflito fálico-edípico ocorre justamente,
em função do desequilíbrio dos cônjuges em relação à flexibilidade na realização desses
papéis, que representam uma posição ativa e uma posição passiva, dentro do vínculo conjugal.
Há uma valorização e preferência excessiva dos cônjuges pelas posições ativas do vínculo
conjugal, com um conseqüente desprezo das posições passivas, gerando um empobrecimento
das qualidades que elas promovem na relação conjugal, levando ao conflito e, até mesmo, ao
rompimento do vínculo conjugal, porque os cônjuges não sabem tirar proveito de suas
tendências passivas.
286
9.3.8. Mudança do contrato inconsciente do casamento: quebra da promessa de fidelidade
conjugal
A mudança do contrato inconsciente do casamento, também pode gerar sérios
conflitos entre os cônjuges. Na fase da formação do vínculo conjugal, composta pelo namoro
e noivado, os parceiros da relação conjugal, se esforçam para formarem um self comum. Em
função da atração amorosa, eles abrem mão da edificação do self individual de cada um, para
concentrarem todos os esforços na edificação de um self comum, criando, desta forma, um
todo harmônico, por meio do forte investimento no self conjugal.
Nesta construção do self conjugal ambos eliminam campos importantes de suas
vidas individuais, incompatíveis, naquele momento, com o ideal de amor que um sente pelo
outro e que justifica esses grandes sacrifícios feitos na vida pessoal.
Mas, durante o cotidiano da vida conjugal, em decorrência das expectativas
frustradas e do processo de desidentificação, um dos cônjuges pode querer retomar seu
próprio self, reduzindo o valor do self comum, como unidade fechada. Com isso, aquelas
atitudes e comportamentos que seriam vistos como normais dentro de suas respectivas fases
do desenvolvimento psicossexual, quando praticados numa etapa posterior onde se espera um
outro tipo de comportamento das pessoas, geram uma série de problemas e conflitos, pois
colocam em perigo a estabilidade que os cônjuges haviam alcançado através do vínculo
colusivo.
Os fragmentos abaixo indicam que, em determinado momento do
relacionamento conjugal das mulheres que participaram do grupo de reflexão, houve uma
mudança do contrato inconsciente do casamento em relação a este aspecto da fidelidade
conjugal. Todas, sem exceção, vivenciaram esta mudança abrupta e inesperada no casamento
e ficaram chocadas quando descobriram as traições de seus respectivos cônjuges.
Ieda 1º encontro: “Com o tempo a gente foi se distanciando e ele começou
a entrar em um mundo totalmente diferente do meu mundo. Ai começou o
envolvimento com outras mulheres. [...] Nos últimos cinco anos ele cresceu
muito na empresa onde trabalha. Com isso, começou a conhecer outro
mundo. Eu acho que foi a partir desse tempo que começamos a nos afastar.
Eu acho que tomei um rumo e ele tomou outro. Ele passou a viver num
mundo que eu passei a não suportar. Era uma coisa muito falsa, muito
irreal, muito cheia de soberba, uma coisa muito mentirosa. Eu não consegui
alcançar aquilo. Não era para mim”.
287
Ieda 12º encontro: “Quando o marido começa a ganhar dinheiro, fica
soberbo. Pensa em desfrutar a vida, mas não quer se separar”.
Ilca 1º encontro: “Eu analiso o meu casamento entre o antes e o depois
que ele fez uma sociedade numa firma. Antes dessa sociedade nós éramos
uma família normal de sair de mão dada e ir ao supermercado, no shopping
e passear. Todo mundo alegre. Depois que ele passou a ser assim, um
grande empresário, parece que ele desvirtuou. Mas isso eu não percebi
dentro do casamento. Não percebi de forma alguma, nem por um minuto
sequer. Eu só fui perceber isso a pouco tempo atrás”.
Puget e Berenstein (1993, p. 137) ressaltam que as várias circunstâncias da
vida produzem modificações no código do vinculo conjugal. No decorrer destas modificações
podem surgir problemas na relação conjugal.
Aquilo que unia, agora é percebido como aquilo que separa. O possível
sofrimento leva a se refugiar em condutas seguras, conhecidas, infantis,
buscando, dessa maneira, recuperar uma sensação de certeza contra a
incerteza do desconhecido, referente à evolução para a maior complexidade
vincular, geradora de angústia. O conflito surge quando houver uma maior
necessidade de manter imobilizado o vínculo, deixando excluídas as novas
exigências do casal.
É interessante que a mudança do contrato inconsciente revelou, de forma cabal,
um sério problema que, desde o início, comprometeu a formação destes vínculos conjugais
estudados: a mentira. Na discussão do segundo tema, tanto Íris quanto Ilca, admitiram a
presença desse hábito na vida de seus ex-cônjuges, desde o período do namoro. Com a quebra
do princípio da fidelidade conjugal, elas perceberam a fragilidade do vínculo conjugal que
mantinham com seus respectivos parceiros:
Íris 3º encontro: “Ele mentia e acreditava piamente nas próprias mentiras.
Tem coisas que eu falo para ele e até hoje ele mente com convicção”.
Ieda 24º encontro: “Eu não sabia que ele me comprava durante todo esse
tempo que permanecemos casados. Eu pensava que ele agia assim porque
gostava de mim”.
As mulheres do grupo de reflexão reagiram às mentiras dos seus ex-cônjuges
com surpresa, com estranheza. Todavia, a “mentira” sempre foi um dos elementos
constitutivos dos vínculos conjugais estudados.
288
Íris 3º encontro: “Eu estava depressiva, no auge do conflito conjugal.
Minha irmã chegou nele e perguntou se tinha outra pessoa. Ele jurou por
Deus que não tinha ninguém”.
Isa 2º encontro: “O meu marido sempre continuou fazendo o que quis. Já
aprontou várias vezes, mas não quer se separar de mim”.
Os sinais desta vulnerabilidade do vínculo apareceram várias vezes no
cotidiano da relação, desde o período do namoro. Eles sempre estiveram mais ou menos
visíveis. O problema é que elas não quiseram ver, nem checar as evidências. Neste sentido, a
surpresa significa uma última chamada à realidade. Sem a mínima condição de continuar
sustentando aquela relação conjugal idealizada, em função das evidências irrefutáveis de sua
inexistência, o cônjuge que se sente traído e enganado, na verdade, está apenas sendo
despertado de um sono profundo, permeado por visões de um relacionamento idealizado que
não se concretizou da forma como ele queria no mundo real.
9.3.9. Mudança do contrato inconsciente do casamento: conseqüências na relação conjugal e
na vida emocional do cônjuge traído
Os relatos das mulheres que participaram do grupo de reflexão nos ajudam a
entender que a repercussão da infidelidade conjugal, dentro do casamento, está diretamente
relacionada com as vivências infantis dos cônjuges, com o processo de formação de suas
identidades pessoais, com as motivações inconscientes que influenciaram a formação do
vínculo conjugal e com o contrato inconsciente do casamento.
A traição, portanto, é sentida de forma muito particular e pessoal. Enquanto
uma delas jamais admitiu a possibilidade da ocorrência deste fato em seu vínculo conjugal,
outra conviveu com esta possibilidade e se sentia preparada para lidar com essa ocorrência e,
ainda outras, fizeram de conta que não estavam sendo traídas. A dor, o sofrimento, a
repercussão no vínculo conjugal e na vida pessoal, portanto, varia de uma pessoa para outra e
de um vínculo conjugal para outro.
289
9.3.9.1. A negação da infidelidade no relacionamento conjugal
As mulheres do grupo de reflexão usaram várias estratégias para negarem a
ocorrência da infidelidade no vínculo conjugal.
Irene, em função do forte trauma que a separação de seus pais produziu em sua
vida, optou pela negação total. Ela simplesmente reprimiu da consciência qualquer
possibilidade deste evento traumático se repetir em seu relacionamento conjugal. A negação
foi tão absoluta que seu mundo ruiu quando constatou que seu ex-cônjuge estava sendo infiel
há alguns anos. Os fragmentos abaixo ilustram estas constatações:
Irene 1º encontro: “Eu nunca, nunca, nunca, na minha mente eu nunca
imaginava que ele poderia fazer isso comigo. Poderia tentar qualquer coisa,
mas menos nesta área. Então, quando eu descobri, parece que o mundo
caiu”.
Irene 16º encontro: “Quando ele estava saindo, eu começava a falar as
coisas. Eu percebi que depois daquele dia tudo era motivo para ele ficar
revoltado, bravo e me maltratando como era antes. Ficou mais vaidoso,
comprou um short e disse que ia correr [...] Ele disse que ia dar voltas [...].
Eu fiquei confiando, acreditando, tudo bem. Ele ia dar uma volta, depois
voltava uma hora e pouco depois [...] Quando foi numa quinta-feira uma
pessoa ligou no meu celular. Eu estava no serviço e a pessoa do outro lado
disse assim: ‘você sabia que seu marido tem uma amante?’. Eu respondi que
não. A pessoa disse para eu procurar saber onde ele estava indo, porque eu
estava sendo enganada novamente”.
Maldonado (2000, p. 30) diz que uma pessoa enxerga a outra a partir das lentes
de sua própria criação, até o instante em que é confrontada pela realidade e, neste momento,
vive a dor da diferença. Para evitar a repetição de uma dor sentida nas fases anteriores do seu
desenvolvimento psicossexual, ela acaba fazendo a opção de confiar mais em sua fantasia do
que em sua percepção. Enquanto consegue sustentar a fantasia e o teatro conjugal, se torna
mais tolerante à frustração. Mas, para permanecer no vínculo real deteriorado, se pendura
cada vez mais no sonho e na esperança de que um dia as coisas irão melhorar. Recita para si
mesma cada uma das promessas recheadas de boas intenções de seu cônjuge.
Irene 16º encontro: “Eu falei para minha concunhada que já sabia o que
ele estava fazendo. Eu perguntei novamente se ele não tinha mesmo dormido
lá há uma semana atrás ou durante o mês que havia passado. Ela repetiu
que não. Eu cheguei perto dele, ele estava conversando com o irmão, e
perguntei: ‘você veio aqui no seu irmão?’. Ele respondeu que sim. Nisto a
290
minha concunhada disse: ‘você não avisa a gente. Eu entreguei sem querer’.
Eles começaram a disfarçar. Eu vi que aquilo não é vida para mim, essa
mentira, esse engano. Na hora de ir embora eu vi que meu casamento não
tinha mais jeito, eu vi que não dava mais, que eu estava muito cansada”.
Irene 16º encontro: “Que é a mesma pessoa, eu tenho certeza disso. Ele
não admite, mas eu sei que é ela. Eu sei que foi ela que mandou ligar para
mim, para estragar de vez o nosso relacionamento”.
Durante o conflito, para poder permanecer no casamento, o cônjuge traído
alimenta sua fantasia das falsas satisfações que o relacionamento conjugal proporciona. Mas,
só consegue sustentar este vinculo deteriorado enquanto tiver forças para negar suas
limitações, dificuldades e suas características indesejáveis, pois, quando toma a decisão de
enfrentá-las, constata que as chances de restaurar o relacionamento são limitadas.
Isa, em função da forte paixão que sempre sentiu pelo seu ex-esposo e de tudo
aquilo que ele representou para ela nos primeiros momentos do relacionamento amoroso e do
vínculo conjugal, tentou fechar os olhos para não enxergar a infidelidade conjugal em seu
casamento. Ela negou enquanto pode até o momento em que não conseguiu mais ignorar este
fato. A repressão dos pensamentos e sentimentos só acumulou mágoas e ressentimentos em
relação a seu esposo, ao ponto de não suportar mais ficar neste casamento. Vejamos alguns
fragmentos que mostram as repercussões que a traição produziu em seu relacionamento
conjugal:
Isa 3º encontro: “Eu sempre fui doida por ele e ele não estava nem ai. Eu
sempre fiz vista grossa para as saídas dele. Agora que não quero, ele quer o
casamento”.
Isa 17º encontro: “Eu já sabia, mas não resolvi. Formamos um casal de
fachada. Fizemos uma família feliz de fachada”.
Já Ieda assume que procurou, de forma consciente, conviver com a quase
certeza de infidelidade em seu relacionamento conjugal, por um determinado tempo. Como
desde muito nova conseguiu interpretar, com relativo sucesso, os papeis mais convenientes
para sua sobrevivência emocional nos relacionamentos da infância, no seu casamento
procurou seguir o mesmo modelo. Fingia que não sabia que estava sendo traída e seu marido
fingia que não estava traindo e assim eles conseguiam tocar, de forma idealizada, o
relacionamento conjugal. Mas, as traições se tornaram tão evidentes que ela começou a se
291
sentir amargurada com tudo o que estava acontecendo em seu vínculo conjugal. Os relatos
abaixo esclarecem os efeitos que a infidelidade produziu em seu casamento:
Ieda 1º encontro: “Na época, eu ficava sabendo que ele saia com outras
mulheres, mas eu sempre fingia que não. Eu negava mesmo. Nunca fui atrás,
nunca segui, porque eu tinha medo. Eu pensava: ‘se eu for procurar vou
achar’. Então, eu neguei isso, não fui, fiquei na minha, fiquei quieta”. [...]
Só que como as traições eram muito na cara, uma coisa muito nítida, eu
comecei a me amargurar, a me angustiar, me angustiar. Aquilo foi
crescendo, foi passando dos limites. Ai a gente não mais se entendeu e
começou a entrar em conflitos”.
Ieda 3º encontro: “Um dia eu errei o caminho para o escritório e peguei
meu ex-marido numa rua abraçado com uma moça”. [...] Eu peguei meu ex-
marido com a amante [...]. Ele ficou gélido e disse: ‘não é nada do que você
está pensando. Você está louca’. Eu disse: ‘louca eu não estou. Já fui
internada, fiz tratamento. O médico disse que não sou neurótica, psicótica,
depressiva, nada. Eu vi você com ela”.
Como fica evidente pelos relatos acima, as possibilidades de auto-engano são
diversas. Por meio dos vários tipos de negação dos conflitos e problemas conjugais, a pessoa
pode arrastar o término de um casamento infeliz e insatisfatório por muitos anos. Ela tem
consciência de que há poucas possibilidades de revitalizar seu relacionamento para poder
continuar nele, mas, mesmo assim, procura se apegar as esperanças infrutíferas, alimentadas
por seus vários medos. Segundo Maldonado (2000, p. 51):
Às vezes, há cegueira mesmo, como na manobra do avestruz, que enfia a
cabeça na areia para tentar fugir ao perigo. No faz-de-conta que está tudo
bem, a pessoa acaba consumindo boa parte de sua energia vital no esforço de
mentir para si mesma e aparentar algo que não é ou que não sente. Negação
das dificuldades pode expressar-se também sobre planos para o futuro. Para
fugir da realidade a pessoa não leva a sério o que o outro diz, fugindo do
confronto.
Pela necessidade imperiosa de fechar os olhos para não enxergar o que está
acontecendo em seu relacionamento conjugal, para poder se acomodar da forma menos
incômoda, sem a necessidade de enfrentar os problemas da relação de casal, a pessoa acaba
perdendo seu cônjuge de vista. Ela fica tão distante e indiferente, em função da negação dos
problemas conjugais, a ponto de não conseguir enxergar que, aos poucos, está perdendo seu
cônjuge. (MALDONADO, 2000)
Como não consegue encarar os problemas de frente, a fim de resolvê-los, eles
se manifestam no relacionamento conjugal de forma indireta, por meio de condutas ou no
292
próprio corpo, através do processo de somatização. Como podemos ver, pelos relatos acima, é
difícil para um cônjuge traído tirar a cabeça da areia, limpar os olhos e enxergar o que
realmente está acontecendo em seu relacionamento e com essa pessoa tão importante na sua
vida.
9.3.9.2. Os efeitos da infidelidade na vida emocional do cônjuge traído
Uma pessoa com um conflito edipiano não resolvido tem a tendência
inconsciente de escolher um cônjuge com conflito semelhante, para formar um vínculo
colusivo fálico-edípico. Na realidade, a escolha é bilateral, pois ambos se escolhem na
esperança de que um vai ajudar o outro na resolução de seu conflito inconsciente.
Eles se escolhem mutuamente, na esperança de que juntos, na condição de
casal, irão conseguir superar seus impedimentos, resolver seus conflitos, ou aprender a viver
com eles e progredir, apesar deles. Mas, na vida real, estas expectativas nem sempre se
concretizam. Normalmente, eles acabam repetindo aqueles modelos disfuncionais das imagos
parentais que lutaram tanto para evitar. Por isso, quanto pior for a relação que um cônjuge
estabelece com outro, mais claramente eles estarão refletindo as dinâmicas infantis que não
ficaram bem clarificadas durante as fases do desenvolvimento psicológico de cada um.
Os fragmentos abaixo mostram a repetição da dor, do sofrimento e da
revivência de uma experiência da infância, na fase adulta, bem como, o forte impacto que ela
produziu no seu emocional, em função da história pregressa de sua vida.
Irene 1º encontro: “De repente você vê desabar tudo. De uma semana para
outra você vê cair todos os sonhos, os projetos que levam anos para serem
construídos. Você vê o seu nome no salão de beleza, no mercado, nos bares.
Aonde você vai, vê as pessoas falando do que aconteceu com seu casamento.
Independente de você querer ou não essas coisas mexem muito com a
gente”.
Irene 1º encontro: Eu quase entrei em desespero mesmo. Neste momento
dá vontade de sumir. Teve um dia que eu saí andando e percorri uma
distância enorme que hoje eu me assusto em ver o trajeto que percorri. Eu
estava desnorteada, porque você olha e parece que perdeu tudo. E, ao
mesmo tempo, você vê que ainda tem uma grande responsabilidade: tem seu
trabalho, tem seus filhos e tantas outras coisas. E mesmo arrebentada por
dentro você tem que encarar a realidade, encarar as pessoas e tocar a vida
adiante. É algo que mexe muito com você. Você fica de um jeito que não
293
sabe o que vai fazer. Chega um momento que parece que você vai entrar em
parafuso”.
Irene 5º encontro: Ele teve uma filha nesse outro relacionamento dele.
[...] Quando eu o via chegar perto de uma criança, de alguma menina e
comentar alguma coisa dessa filha dele com a outra, eu ficava irada, eu
ficava revoltada quando ele falava o nome dela, porque eu me lembrava da
criança”.
Em função da complexidade dos conflitos conjugais, percebemos que a vida a
dois não é uma tarefa fácil. Exige o melhor que cada um dos cônjuges possue, pois, sem a
elaboração das feridas do ego e a superação do círculo vicioso, do revide e da retaliação, as
possibilidades de se construir um relacionamento conjugal feliz e satisfatório ficam reduzidas.
Maldonado (2000, p. 33) afirma que é difícil construir uma relação conjugal
onde apenas os aspectos saudáveis dos cônjuges se complementam. É preciso muita
flexibilidade no relacionamento conjugal, para que os cônjuges possam ser o que realmente
são, para que dois indivíduos possam coexistir numa relação de casal. “O jogo de fazer um
parecer forte e definido e o outro inexpressivo e amorfo é uma ilusão de segurança e de
controle, mas também dá a sensação de estar levando o barco sozinho, sem proteção, sem
companhia”.
Os conflitos podem ser superados e o relacionamento conjugal resignificado
quando os cônjuges compreendem que o vínculo conjugal entre eles foi formalizado, porque
um necessita do outro. Portanto, não são inimigos e a vida conjugal não é um ringue, onde um
precisa estar sempre lutando contra o outro.
Para restaurar o vínculo conjugal deteriorado é preciso admitir a existência de
um amplo contrato inconsciente que governa a relação conjugal, independente da vontade
consciente de cada um deles. Em seguida, eles precisam ser parceiros na auto-descoberta dos
seus conflitos pessoais, temores, anseios, expectativas e desejos inconscientes que continuam
travando o crescimento emocional de cada um deles e inviabilizando a relação conjugal. E,
finalmente, resolverem estes problemas internos para que não sejam mais descarregados no
vínculo conjugal.
294
9.3.9.3. Os efeitos da infidelidade na relação conjugal
Os efeitos da infidelidade na relação conjugal também passam pelo filtro do
desenvolvimento psicossexual dos cônjuges, do processo de formação da identidade de cada
um deles, das motivações inconscientes que influenciaram a escolha amorosa e das
peculiaridades do contrato inconsciente do casamento.
Os relatos registrados nesta seção ratificam a importância dos primeiros
relacionamentos parentais, que funcionam como protótipos para todos os outros
relacionamentos posteriores da vida adulta, principalmente aqueles permeados por fortes
componentes afetivos.
Íris 1º encontro: “Eu sempre achei que a traição podia acontecer, porque
tem momentos no casamento que você oscila entre estar bem com você
mesmo e não. Tem momentos que o casamento está àquela coisa morta,
aquela coisa sem graça. Então, eu sempre achava que um dia eu seria
flexível se ele chegasse e me dissesse que havia acontecido uma traição
furtiva, momentânea. ‘Olha, eu te trai, mas foi sem querer’. Eu teria mais
facilidade de compreender, de perdoar”.
Íris 1º encontro: “Eu não sou contra a traição a ponto de dizer: ‘todo
mundo trai e isso é um absurdo’. Eu não diria assim. Eu acho que a traição
acontece. Às vezes, num casamento de tantos anos você vai esfriando; você
vai tendo uma necessidade de outra pessoa e, de repente, você se vê mal,
feia, gorda. De repente, você vê uma pessoa que, mesmo você estando deste
jeito, chega e fala: ‘você é linda, você é maravilhosa’. Eu sempre achei que
a traição podia acontecer [...]”.
Esta visão que Íris tem a respeito da infidelidade conjugal furtiva,
momentânea, possui uma estreita ligação com alguns temas recorrentes de suas falas
anteriores. A falta da paixão, do amor idealizado, da relação conjugal fusionada, da
completude que o relacionamento conjugal deve proporcionar, justifica na sua ótica, um
deslize, uma infidelidade momentânea. Quando o relacionamento, ou um dos cônjuges está
em baixa, desmotivado, desestimulado pelo outro, quando falta o romance, a infidelidade
momentânea pode acontecer. Ela acha que seria flexível, compreensível com este tipo de
deslize no relacionamento conjugal.
As pessoas com tendências narcisistas sentem uma necessidade muito grande
de serem amadas. Elas precisam ser amadas, mais do que amar. Por isso, segundo sua opinião,
quando a relação conjugal não está suprindo esta necessidade, pode acontecer que a pessoa
295
não resista a uma oferta que vem de fora do vínculo conjugal. Como isso podia acontecer com
ela numa situação hipotética, então, agiria de forma compreensível com seu ex-cônjuge, caso
ele tivesse cometido esse tipo de traição.
Todavia, há um tipo de traição mais dolorida. É aquela deliberada, crônica, que
vira estilo de vida. Este tipo de traição dói mais, porque expõe todo o egoísmo do outro
cônjuge, que continua idealizado pelo cônjuge traído. A constatação do seu egocentrismo
desfaz o sonho de viver com ele uma relação de objeto único. O seu desprezo, depois de ter
recebido tanto investimento é como um punhal cravado no peito. Desistir do ideal narcísico e
ter que assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento do próprio self, depois de tantos
anos de investimento no seu cônjuge, na condição de “ego ideal”, representa uma grande
traição, produz uma dor muito sentida.
Íris 1º encontro: Durante os três anos de traição, ele não tinha uma
amante por quem ele se apaixonou e com ela teve um filho. Não! Ele se
comportava como um homem solteiro. Ele saia, freqüentava as festas com a
intenção de buscar outra pessoa, mesmo estando casado comigo”.
Íris 1º encontro: Mas, eu não admito este tipo de traição, onde você
procura. Quando você sai para procurar; você sai sozinho, você tira a
aliança, você sai com outros homens que tem o mesmo objetivo; você sai só
para encontrar a mulherada; você finge uma coisa que não é para conseguir
aquilo que deseja. Então, essa traição é muito mais dolorida. É uma traição
que você fica pesando assim: ‘meu Deus, quem era essa pessoa que estava
do meu lado?’. Ela buscava outras pessoas enquanto estava comigo. Não foi
apenas com uma outra pessoa, ela buscava, ela saia com este objetivo”.
Este tipo de traição produz uma dor mais dolorida, pois arranca do interior do
cônjuge traído as expectativas ideais que ele havia colocado no outro. Tira-lhe as bases ideais
que sustentavam sua vida. O impacto é tão forte que produz na mente do cônjuge traído uma
confusão a respeito da própria identidade e da identidade do parceiro.
Isso aconteceu com Íris, conforme registrado na discussão do primeiro tema.
Com a separação ela não sabia mais quem era, porque tinha desaprendido a viver como uma
individualidade. Durante o período em que ficou casada, esforçou tanto para se identificar
com seu cônjuge que perdeu a visão de si mesma. Por outro lado, a constatação de que seu
cônjuge viveu com ela, durante um bom período, uma vida dupla, despertou-lhe uma
profunda dúvida sobre sua real identidade.
A pessoa se sente perdida, pois a base sobre a qual construiu toda a sua vida
desaba da pior forma possível, levando com ela tudo de bom que havia sido construído pelo
296
casal até aquele momento. A nova realidade que se impõe força o cônjuge traído a desistir
daquele projeto grandioso e fantasioso, construído pela paixão.
Para Irene, a infidelidade conjugal sempre foi uma experiência devastadora.
Tudo podia acontecer em seu casamento, menos a traição, mas foi justamente isto que
aconteceu e da pior forma possível para ela.
Os relatos sobre os efeitos que a infidelidade produziu em seu relacionamento
conjugal, demonstram que grande parte dos conflitos conjugais tem suas raízes nas etapas
infantis do desenvolvimento psicossexual dos seres humanos. O conflito, que se instala na
personalidade da pessoa, no momento em que ela vivencia o trauma original, se torna
persistente e continua presente, de forma inconsciente, nas etapas posteriores do seu
desenvolvimento psicológico, influenciando a escolha amorosa, interferindo no cotidiano do
vínculo conjugal, na origem e desenvolvimento dos conflitos da relação.
Irene 5º encontro: No final do ano passado eu descobri tudo. Hoje eu não
sei dizer se o que eu sinto por ele é amor ou desejo de vingança. É tudo
muito confuso, porque, ao mesmo tempo, eu não quero me vingar dele”.
Irene 1º encontro: “Eu estava do lado dele lutando, batalhando, fazendo
de tudo para gente vencer, criar os filhos bem, prosperar; renunciando por
amor a pessoa, sendo fiel e, de repente, você descobre o que a pessoa estava
fazendo contra você. Traindo você com várias pessoas, por um bom tempo”.
Irene 5º encontro: Eu não sei se estou com ele até hoje para me vingar
dele, para que ele sinta e sofra tudo o que eu passei naqueles dois anos de
sofrimento que eu tive, quando ele estava naquela situação. Embora eu
ainda não soubesse da traição dele, ele me maltratava, maltratava meus
filhos”.
Como na infância, Irene não conseguiu elaborar a separação de seus pais, na
vida adulta, quando enfrentou o mesmo conflito em seu casamento, ficou sem nenhuma
referência sobre a melhor maneira de superá-lo. Tudo o que ela conseguia ver, nas fases mais
agudas do seu conflito conjugal, era a repetição da história, da dor e do sofrimento de sua mãe
em sua própria vida. Sentindo-se impotente, diante deste conflito similar instalado em seu
casamento, ela se vê tomada pela angústia, pelo mesmo desejo de vingança que sentiu na
infância, em relação ao seu pai, pela mistura de ódio e amor do complexo de Édipo
interrompido, pelo velho e familiar sentimento de culpa, por achar que foi responsável, de
certa forma, pelo que aconteceu em seu relacionamento conjugal.
Ao reviver esse turbilhão de sentimentos que sempre procurou evitar, toda
expectativa de que seus problemas pessoais fossem resolvidos através de seu casamento, se
297
transformou numa profunda frustração. Agora ela se encontra dentro de uma relação conjugal
da qual sempre procurou fugir, paralisada, magoada, ferida com seu parceiro conjugal,
vivendo emoções similares àquelas que antes havia experimentado, em função do conflito
conjugal de seus pais.
Irene 2º encontro: Tanto é que quando aconteceu isso comigo eu falei
para o meu marido: ‘parece que eu estou vendo acontecer comigo o que
aconteceu com a minha mãe”.
Os conflitos conjugais sempre são difíceis de serem superados pelos cônjuges,
porque normalmente, estão vinculados àquelas áreas da personalidade dos mesmos que são
difíceis de serem alteradas, porque são compostas por conteúdos inconscientes, relacionados
às suas vivências infantis.
De uma coisa podemos estar certos: os grandes dramas conjugais não
acontecem por acaso. Nada é possível, no relacionamento conjugal, se houver falta de
correspondência, ou de mutualidade. Entre a vítima e o algoz sempre há uma vinculação que
produz, tanto para um, quanto para o outro, a energia que necessitam para mover as
engrenagens de suas emoções disfuncionais. É por isso que muitos casais não conseguem ser
felizes juntos, mas, por outro lado, não suportam viver separados. Estão sempre procurando
qualquer pretexto para manterem o vínculo, mesmo debilitado, porque não conseguem
finalizar a relação.
Irene 16º encontro: Só que ele saiu de casa, mas não confessou. Ele não
fala, não admite, mas eu tenho certeza que ele está com ela. Ele está com ela
e eu não tenho dúvida disso. Eu percebi isso. Até uns dias antes dele ir
embora, ele me perguntou se eu aceitava que ele ficasse comigo e com ela
ao mesmo tempo. Eu falei que isso eu não ia aceitar”.
Esta dificuldade de finalizar o vínculo conjugal pode ser visto no
relacionamento de Irene com seu ex-cônjuge. Antes desta ultima separação, eles já haviam
separado, mais ou menos, oito vezes, durante um espaço de dois anos. Ele saiu de casa pela
nona vez, mas não confessou sua culpa e não disse que estava indo de uma vez por todas,
porque antes de sua saída fez uma proposta para Irene: queria ficar com as duas ao mesmo
tempo. Ele também está confuso, perdido. Não sabe o quer para sua vida.
Caso ouvíssemos os relatos dos esposos das mulheres que participaram do
grupo de reflexão, poderíamos desenvolver, com maior riqueza de detalhes, neste capítulo que
298
trata da discussão dos resultados, a tese do conflito adolescente, citada na fundamentação
teórica.
Segundo Costa e Katz (1985, p. 166), o conflito adolescente exerce uma
influencia decisiva, de forma inconsciente, na escolha do cônjuge. Normalmente, os
portadores deste conflito, escolhem uma pessoa que, “em grau variado, guarda uma relação
com o objeto incestuoso que a pessoa tenta evitar ao dar o salto para a maturidade”. Ainda,
segundo estes autores:
O estabelecimento de relações duplas, eventuais ou permanentes, ao
contrário do que se afirma correntemente, pode representar uma tentativa de
integrar os aspectos adolescentes e adultos da personalidade [...] Outro
aspecto é que, a partir do momento em que o indivíduo rompe o seu vinculo
matrimonial, frustra uma expectativa que é tanto interna quanto externa. O
sentimento de solidão que vivencia nesta ocasião decorre da fantasia que os
objetos não vão mais aprecia-lo como antigamente”. (COSTA; KATZ, 1985,
p. 165, 166).
Todos os relacionamentos estudados foram marcados por este tipo crônico de
infidelidade. A traição dos esposos, nos vínculos estudados nesta pesquisa, parece do tipo que
Íris definiu como aquela que produz uma dor mais dolorida, porque a pessoa tinha a intenção
de trair. Eles traíram várias vezes, com várias mulheres e, com exceção do ex-esposo de Íris,
todos os outros queriam continuar casados. Não aceitaram facilmente a separação. Talvez,
porque todo filho, que escolhe alguém para substituir sua mãe, quer ficar com a esposa-mãe e
com as amantes!
299
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
300
Para que possamos demonstrar com maior clareza a influência das motivações
das motivações inconscientes na formação do vínculo conjugal, no cotidiano da relação
conjugal, na origem e desenvolvimento dos conflitos que promovem a desestruturação e, em
alguns casos, a dissolução do vínculo conjugal, optamos por fazer uma análise individual de
cada participante do grupo de reflexão. Procedemos assim, para nos mantermos fiéis ao
objetivo geral.
Destacamos que os conteúdos trazidos pelas mulheres na entrevista semi-
estruturada, feita individualmente, permaneceram estreitamente relacionados com todo o
conteúdo que elas produziram durante os encontros do grupo de reflexão. Desde a entrevista
individual, seus relatos sempre guardaram uma estreita relação com as experiências que
vivenciaram nos relacionamentos da infância.
Apesar de terem trazido alguns conteúdos comuns, como: o casamento como
lugar de expectativas, sonhos e desejos não realizados das fases anteriores do
desenvolvimento psicológico, as mentiras privadas que caracterizaram o vínculo conjugal e a
mudança do contrato inconsciente do casamento, com relação à quebra da promessa de
fidelidade, elas também trouxeram temas particulares, que influenciaram a escolha amorosa, o
cotidiano da vida conjugal e se transformaram nas causas que alimentaram os conflitos, que
culminaram com a separação conjugal.
Esta constatação é mais uma evidência da forte influência das motivações
inconscientes na escolha amorosa, na configuração do vínculo conjugal, na origem e
desenvolvimento dos conflitos conjugais e na dissolução do vínculo conjugal das mulheres
estudadas nesta pesquisa de estudo de casos.
Listaremos, a partir de agora, as considerações finais por itens de discussão e
por participante do grupo de reflexão.
Na vida de Irene foi possível estabelecer uma conexão entre os conflitos e
dissolução do casamento de seus pais com as influências das motivações inconscientes que
caracterizaram a formação do seu vínculo conjugal, o cotidiano da relação conjugal, a origem
e desenvolvimento dos conflitos que promoveram a desestruturação e a dissolução do seu
vínculo conjugal. Irene tinha aproximadamente sete anos quando isto aconteceu, portanto,
ainda estava elaborando seu complexo de Édipo com o pai. No capítulo que trata da
identidade feminina, vimos que as mulheres podem permanecer no Édipo por um tempo
maior, pois não há um evento forte e decisivo, como o Complexo de Castração nos meninos,
para tirá-las desta fase de atração e encanto pela figura paterna. Segundo seu próprio relato, o
301
pai era um “deus” para ela, antes da traição à sua mãe e dos conflitos conjugais que
culminaram com a separação do casal.
Aquele amor profundo que ela sentia pelo pai, foi se transformando em ódio,
em função da traição e dos maus tratos que o pai passou a impingir sobre sua mãe e seus
irmãos. Em decorrência da traição do pai, dos maus-tratos, da separação e das dificuldades
que a família enfrentou, a partir destes fatos, pode ser possível que ela não tenha conseguido
elaborar, com sucesso, seu complexo de Édipo, pois precisou se vincular, de forma rápida e
forte à sua mãe, para ajudá-la a vencer a difícil situação financeira que a família passou a
vivenciar. Com isso, retirou, abruptamente, todo investimento amoroso que havia projetado
em seu pai para reinvestir seus afetos na mãe com o objetivo de ajudá-la a enfrentar suas
dores e frustraçoes com a falência do seu vínculo conjugal.
Com apenas nove anos incompletos, Irene assumiu a responsabilidade pelo
cuidado da casa e dos irmãos mais novos. As circunstâncias exigiram de Irene um rápido
amadurecimento emocional. Em conseqüência, ela pulou etapas importantes do seu
desenvolvimento psicossexual normal. A partir deste acontecimento, não parou mais de
trabalhar. Portanto, internalizou valores de uma pessoa adulta, antes de adentrar na fase
adulta. Esta adultização precoce caracterizou sua vida, desde então.
Esses acontecimentos da infância e a forma que encontrou para resolvê-los
deixaram profundas marcas em sua identidade, influenciando seus relacionamentos futuros,
principalmente, aqueles de cunho afetivo. O esforço que fez para se tornar, com nove anos
incompletos, uma pessoa responsável, cuidadora e provedora, trouxe sérios traumas para sua
personalidade. Ela ficou com uma imagem extremamente negativa a respeito do casamento e
da maternidade. A separação dos pais, os sofrimentos e as necessidades conseqüentes,
marcaram fortemente sua vida. Com isso, ela enfrentou dificuldades no momento de fazer sua
escolha amorosa.
Irene esclarece que não queria casar, porque começou a pensar que todos os
homens eram iguais a seu pai. Provavelmente, pode ter elaborado um Complexo de Édipo
negativo, pois parece que buscou uma pessoa com traços de personalidade contrários aos de
seu pai, pois sempre ocupou o papel de provedora em seu relacionamento conjugal. Os papéis
que assumiu, depois da separação dos pais, produziram um forte desenvolvimento de suas
potencialidades maternas, influenciando sua escolha amorosa, que recaiu sobre um homem
com preferência pelo papel de filho.
Isto fica mais evidente quando Irene compartilha sobre a falta de reciprocidade
de investimento na relação que sempre houve em seu casamento. Segundo seu relato, ela
302
deixou de se preocupar com projetos importantes para sua própria vida a fim de se dedicar
mais ao seu esposo. Irene sempre fez tudo para agradá-lo, sempre deu tudo o que ele
precisava. Ela diz que viveu todo seu casamento, dezessete anos, em função de seu ex-esposo;
que esqueceu de si mesma para investir tudo na vida de seu ex-cônjuge.
Estas expressões estão carregadas de características de um tipo de amor de
dependência. Já comentamos, na fundamentação teórica, que o amor conjugal exige
reciprocidade. As pessoas fazem opção pelo casamento, pensando mais na satisfação de suas
necessidades conscientes e, principalmente, inconscientes, que em realizar os desejos e
satisfazer as necessidades do outro. Esta é mais uma evidência da influência das motivações
inconscientes, na formação e configuração de seu vínculo conjugal.
Ela evitou o casamento a todo custo. Uma vez, chegou a terminar o namoro
porque não queria ter filhos. Não queria colocar filhos no mundo, para não ter que vê-los
sofrer como ela e seus irmãos sofreram, com a separação de seus pais. Estes fatos ajudam a
compreender a maneira como as vivências do desenvolvimento psicossexual e da formação da
identidade feminina de Irene foram se repetindo nas fases posteriores de seu desenvolvimento
emocional, chegando a interferir em sua fase adulta, no momento da escolha amorosa e da
formação do vínculo conjugal.
No cotidiano de sua relação conjugal é possível perceber o funcionamento do
contrato inconsciente de seu casamento. Irene admitiu, perante o grupo, uma importante
parcela de culpa pelo fracasso do seu casamento porque, querendo ajudar seu esposo, se
tornou a provedora do lar. Ele se acostumou a ficar sem esta responsabilidade e Irene o deixou
permanecer nesta posição passiva, com relação a este papel conjugal. Segundo seu relato,
fingia que era dependente dele, que precisava dele, para agradá-lo.
Os fatos que caracterizaram seu casamento nos autorizam a afirmar que houve
uma repetição em seu relacionamento conjugal dos papéis assumidos na família de origem.
No início do casamento, quando ela percebeu que seu esposo tinha dificuldades de exercer a
função de provedor, foi trabalhar para trazer a provisão para dentro do lar. O próprio esposo,
segundo seu relato, admitiu sua acomodação, mas projetou sobre ela a culpa por não ter
provido também o lar, durante o tempo em que permaneceram casados.
Em função da grande decepção que teve com seu pai, parece que Irene
desenvolveu uma dificuldade de confiar e poder, por vezes, depender, em parte, de outro
homem. A ferida do abandono continuou aberta, trazendo-lhe uma grande dificuldade de se
sentir confortável nas posições passivas do relacionamento conjugal.
303
Assim, estas dificuldades de relacionamento com uma pessoa do sexo oposto,
trazidas de seus relacionamentos infantis, podem ter influenciado a escolha do cônjuge e a
configuração do seu vínculo conjugal. O contrato inconsciente do seu casamento contemplou
essas dificuldades relacionais. Ela afirmou, no grupo, que seu cônjuge nunca foi um amigo,
um companheiro, que nunca foi uma pessoa de compartilhar, de entendê-la e ouvi-la. A vida
sexual sempre foi rotineira, sem criatividade, sem brilho. Mas, ela nunca reclamou. Apesar de
suas carências afetivas, sempre permaneceu calada, sem comunicar ao cônjuge suas
frustrações. Provavelmente, ele também tinha suas frustrações, mas permaneceu calado,
esperando por ela. Um ficou esperando pelo outro e o relacionamento permaneceu na rotina
até ela descobrir a infidelidade conjugal.
O medo de repetição da experiência vivenciada na infância sempre esteve
presente em sua vida, levando Irene a fazer uma negação absoluta da possibilidade deste
evento ocorrer em seu relacionamento conjugal. Para isto, desenvolveu uma inabalável
confiança em seu esposo. Ela depositou toda confiança no caráter de seu esposo, para poder
manter fora da consciência, qualquer possibilidade de vivenciar uma traição em seu
relacionamento conjugal. Mas, este fantasma sempre acompanhou o dia-a-dia de seu
casamento. Ela sempre alertava ao esposo que não queria passar pelo sofrimento que sua mãe
passou. O casamento só se concretizou por insistência de seu ex-cônjuge. Ela não queria casar
com medo de vivenciar a mesma dor e sofrimento que experimentou, em decorrência dos
fatos que aconteceram no casamento de seus pais.
Em função do trauma gerado pela infidelidade de seu pai, que culminou com a
separação de seus progenitores, Irene optou em tirar de sua consciência qualquer possibilidade
deste evento traumático se repetir em sua vida. A negação foi tão absoluta que ela podia
admitir qualquer outra coisa da parte de seu ex-cônjuge, menos a traição. Por isso, quando
descobriu que estava sendo traída há algum tempo, as estruturas que sustentavam sua vida
ruíram, deixando-a transtornada.
É interessante que a mesma dinâmica do conflito conjugal, que aconteceu no
casamento de sua mãe, também ocorreu em seu casamento. Irene relatou que o seu pai saiu de
casa várias vezes, mas depois voltava. Só quando sua mãe descobriu um segundo caso de
infidelidade dele, foi que ela conseguiu finalizar seu relacionamento conjugal. É importante
destacar que ela conseguiu perceber esta semelhança, no momento em que estava relatando
estes fatos. Irene se surpreendeu em perceber que a mesma dinâmica de sair de casa e voltar,
em decorrência dos conflitos gerados pela infidelidade conjugal, que havia acontecido no
casamento de seus pais, também estava acontecendo em seu casamento.
304
Irene reviveu, em seu casamento, todas as outras traições e separações de sua
vida. Por isso, a dor foi tão intensa, chegando ao ponto de quase levá-la ao desespero. O efeito
que a infidelidade conjugal produziu em sua vida emocional, parece que foi um dos mais
significativos, dos relatados no grupo de reflexão. Sua vida se desmoronou de repente. Ela
perdeu toda confiança em seu cônjuge. Deu a ele várias oportunidades, mas, segundo seu
relato, ele sempre a decepcionou.
Os efeitos que a infidelidade produziu em seu relacionamento conjugal também
foram devastadores. Como nunca conseguiu elaborar as traições de seu pai e a conseqüente
separação de seus progenitores, Irene também não conseguiu elaborar as traições de seu
cônjuge e, por isso, por mais que tenha se esforçado, não conseguiu segurar o relacionamento
conjugal. No 16º encontro, do grupo de reflexão, Irene afirmou que seu esposo havia saído de
casa pela nona vez. Antes de ir embora, chegou a perguntar se ela aceitava que ele ficasse
com as duas, ao mesmo tempo.
Estes fatos ilustram como as motivações inconscientes de Irene, influenciaram
a formação do vínculo conjugal que ela e seu esposo estabeleceram, bem como, o dia-a-dia da
relação conjugal, se tornando, também, as causas que originaram e sustentaram os conflitos
que, por sua vez, foram determinantes para a dissolução do vínculo conjugal.
Na vida de Isa, também é possível verificar claramente a influência das
motivações inconscientes na formação do vínculo conjugal, no cotidiano da relação conjugal,
na origem e desenvolvimento dos conflitos e na dissolução da relação conjugal. Ela disse que,
desde muito nova, sempre teve um relacionamento difícil com seu pai. Com base em seus
relatos, tudo indica que Isa também encontrou muitas dificuldades para vivenciar o complexo
de Édipo. Como, provavelmente, não conseguiu elaborar, com êxito, a relação edípica
estabelecida com seu pai, em função do conflito que tinha com ele e, por outro lado, perdeu
parte da visão idealizada da mãe fálica, em decorrência do Complexo de Castração, parece
que se sentiu desamparada pelas duas pessoas mais importantes de sua vida. Este sentimento
de desamparo pode ter gerado, em sua personalidade, uma carência básica de ser cuidada,
uma necessidade de ser protegida, de ser amada, mais do que amar.
Tudo indica que ela interpretou suas dificuldades familiares como falta de
proteção e de cuidado paterno. A mãe, pelo que parece, passava-lhe a imagem de uma pessoa
submissa e subjugada pelo pai, que não possuía em si mesma, condições plenas para protegê-
la, para atendê-la plenamente em suas necessidades básicas. Assim, desde que começou a
trabalhar, aos nove anos de idade, não parou mais. A partir do episódio que o pai cobrou sua
participação financeira nos gastos comuns do lar, parece que o relacionamento entre eles
305
estremeceu ainda mais, pois após este episódio alega que começou sustentar financeiramente
a si mesma.
Sem conhecer plenamente o amor edípico, em função da forte repulsa que
nutria por seu pai, Isa passou-nos a idéia de que cresceu fixada em sua fase narcísica,
caracterizada pelo amor narcísico do bebê por sua mãe.
Os conflitos das fases iniciais de seu desenvolvimento psicossexual
influenciaram no tipo de sua escolha amorosa. Pela forma como relata o início de seu namoro,
parece que Isa fez uma escolha narcísica. Seu ego, empobrecido pelas duras decepções
amorosas que vivenciou com as pessoas mais importantes de sua vida, primeiro com sua mãe,
em função das decepções e depois com seu pai, por falta de uma elaboração saudável da
relação edípica, foi em busca de um objeto amoroso que substituísse o objeto inicial, do
narcisismo primário. Isso fica evidente pelo tipo de sentimento que desenvolveu durante o
namoro. Ela alega que o namoro foi caracterizado por uma forte paixão entre ela e seu ex-
cônjuge. A atração era tão intensa que ela não conseguia ficar sem ele. Essas características da
atração amorosa deixam evidentes as necessidades de fusão, de completude e de totalidade
que, desde o início, ela e seu ex-cônjuge, buscaram um no outro.
A forma como foi tratada pelo pai, durante as primeiras fases do seu
desenvolvimento, bem como, a maneira como o pai tratava sua mãe e suas irmãs, pode ter
acentuado ainda mais seu sentimento de inferioridade. A partir de seus relatos, ficamos com a
sensação que seu namorado estava tão idealizado por ela e seu ego tão empobrecido diante
dele que, mesmo tendo consciência dos sentimentos que nutriam um pelo outro, Isa se sentia
tão diminuída diante do namorado, que não conseguia vislumbrar a possibilidade dele se casar
com ela. Por isso, quando ficou grávida, chamou toda a responsabilidade para si mesma, pois
não se sentia importante o suficiente para, pelo menos, declarar que desejava se casar com ele.
Ela declarou que era uma pessoa muito insegura. Sua insegurança fez com que
visse seu namorado como o único homem do mundo, disputado por várias mulheres. Por ter
uma auto-imagem rebaixada, sempre viveu na iminência de que poderia perder seu namorado
para outra mulher, a qualquer momento. Por isso, quando seu namorado decidiu casar, Isa se
sentiu escolhida, se encheu de expectativas, sonhos e desejos não realizados das fases
anteriores de seu desenvolvimento psicossexual.
A formação de seu vínculo conjugal tem uma agravante: a gravidez inesperada.
A descoberta da gravidez gerou profundas mudanças no relacionamento amoroso, expondo a
fragilidade do vínculo sustentado pela paixão. Ela se casou com seu ex-marido, com uma
interrogação na mente: ele se casou comigo porque eu estava grávida, ou porque ele realmente
306
me ama? Ela se casou sem a expectativa de que seria feliz, pois achava que, em pouco tempo,
seu ex-cônjuge perderia todo interesse por ela e buscaria outras mulheres para compensar sua
frustração.
É interessante destacar que esta mesma dúvida pairou sobre a formação do
vínculo conjugal de Íris, que também engravidou durante o namoro, antecipando a legalização
do casamento. Outra semelhança é que os dois relacionamentos amorosos foram
caracterizados pela paixão, o que denota uma atração marcada por fortes anseios narcísicos
presentes nos parceiros da relação conjugal.
Outro aspecto importante que assinala a influência das motivações
inconscientes na escolha amorosa e no cotidiano do relacionamento conjugal de Isa é a
estruturação do contrato inconsciente, desde o período do namoro e o seu funcionamento, a
partir do início do relacionamento conjugal. A luta pelo controle da relação amorosa entre Isa
e seu cônjuge se manifestou desde o namoro. A mesma dinâmica desenvolvida no namoro
continuou durante o cotidiano da relação conjugal. Durante um tempo, ele terminou com ela
várias vezes, sem grandes justificativas, apenas dizendo que não queria um envolvimento
mais sério. Mas, quando a queria novamente, voltava a procurá-la e ela sempre estava à sua
disposição.
Chegou um momento em que, para não ser abandonada, ela começou a
abandonar. Sentia-se tão sufocada, quando pressentia que ele estava querendo romper o
vínculo que se antecipava a ele para evitar um sofrimento maior em decorrência do término
do relacionamento. Essa é uma dinâmica de sua personalidade narcisista. A ferida do
abandono leva a pessoa narcisista a abandonar, antes de ser abandonada.
No dia-a-dia do relacionamento conjugal de Isa, é possível vislumbrar o
funcionamento do contrato inconsciente do seu casamento. Fica claro, por meio de seus
relatos, que o vínculo conjugal com seu esposo sempre foi marcado por esta luta para
permanecer no controle afetivo do relacionamento conjugal. Quando um estava perdidamente
apaixonado o outro agia de forma desinteressada.
Outro aspecto importante do funcionamento do contrato inconsciente do
casamento de Isa está relacionado com o domínio financeiro do vínculo conjugal. A divisão
financeira que havia em sua família de origem e os problemas que a questão financeira
produzia dentro do seu lar, foram reproduzidos no seu relacionamento conjugal. O mesmo
sentimento que vivenciou, quando precisou trabalhar para cuidar de suas necessidades
materiais na infância, continuou sendo experimentado, por ela, em seu relacionamento
conjugal, quando adulta.
307
O forte sentimento de inferioridade, oriundo dos seus relacionamentos infantis,
configurou seu papel dentro do vínculo conjugal. Com a auto-estima rebaixada, ela sempre
fez fortes investimentos no relacionamento conjugal, pois, parece que aprendeu a ser amada
não pelo que era, mas pelo que fazia, ou proporcionava de bom para as pessoas do seu
convívio. Isso fez com que Isa sempre escondesse suas frustrações e decepções com relação
ao seu casamento. O medo de perdê-lo para outra mulher a impediu de exigir que ele fosse
somente dela. A necessidade de manter o vínculo idealizado impôs a perda gradativa do
vínculo real.
O investimento unilateral no casamento, sem reciprocidade, segundo a sua
visão, gerou dentro dela uma forte decepção, transformando seu casamento numa fonte de dor
e sofrimento. A luta antiga do período do namoro, pelo controle da relação, se transformou na
principal fonte de conflito do relacionamento conjugal. A dinâmica relacional dominante-
submisso polarizou os papéis conjugais e fomentou brigas e desentendimentos. Há uma
dificuldade em permanecer nos papéis mais passivos do relacionamento conjugal, mas, por
outro lado, há uma incapacidade pessoal de se sustentar nos papéis ativos que Isa deseja para
sua vida. Conseqüentemente não houve a possibilidade de encontro e como não consegue sua
autonomia financeira e afetiva, tem a sensação de estar aprisionada, de estar sufocada pela
relação conjugal.
A sensação de se sentir aprisionada dentro de seu casamento mobiliza grande
parte de suas energias vitais na busca de autonomia pessoal. Mas, suas ações geram reações
por parte dos outros membros do sistema familiar, trazendo-a de volta à dinâmica antiga. A
vulnerabilidade do seu sistema emocional impede-a de permanecer nas posições ativas que
tenta ocupar, dentro do relacionamento conjugal e nas vivências sociais, gerando depressão,
angústia, confusão sentimental e outros sentimentos correlatos.
Com relação à quebra do contrato inconsciente, no que tange a promessa de
fidelidade conjugal, Isa admite que o marido sempre fez o que bem entendeu, tendo-a traído
várias vezes, sem, contudo, querer a separação conjugal. Estes fatos esclarecem que grande
parte dos problemas que Isa vivenciou em seu relacionamento conjugal, culminando com sua
separação, começou a ser tecido nos conflitos que ela vivenciou em seus relacionamentos
infantis. As dificuldades no relacionamento com o pai foram determinantes na sua escolha
amorosa, no cotidiano da relação conjugal, nas causas que deram origem aos seus conflitos
conjugais e nos motivos que tornaram o vínculo conjugal inviável para ela.
A influência das motivações inconscientes na formação da relação amorosa, no
cotidiano do relacionamento conjugal, na origem e desenvolvimento dos conflitos e na
308
dissolução do vínculo conjugal de Íris, parece guardar fortes correspondências com o conflito
que ela vivenciou com sua mãe, desde muito nova. É no conflito com a mãe que encontramos
a fonte principal das necessidades, anseios e desejos não realizados, das fases primitivas do
seu desenvolvimento, que geraram uma decisiva influência na sua escolha amorosa, no dia-a-
dia do seu relacionamento conjugal, no início e desenvolvimento dos conflitos e na
conseqüente separação conjugal.
Os relacionamentos parentais formam o primeiro modelo para todo
relacionamento amoroso posterior na vida adulta. Quando ocorre um problema nas primeiras
fases do relacionamento mãe-bebê, por exemplo, o processo de separação-individuação pode
ficar comprometido, deixando a criança e, mais tarde, a pessoa adulta, fixada nas fases
narcísicas de seu desenvolvimento.
A forma como aconteceu sua escolha amorosa e o início da formação do seu
vínculo conjugal, nos levam a pensar que Íris fez uma escolha narcísica de objeto amoroso.
Ela relata que seu namoro era intenso e que era muito apaixonada por ele. A paixão intensa é
um dos principais componentes do amor narcísico. O fato de perder sua individualidade e,
praticamente, construir com seu cônjuge uma identidade única de casal, reforça ainda mais
esta suposição. Os papéis que ela e seu cônjuge exerceram durante o período em que
estiveram casados, são típicos de um vínculo narcísico. Ele fazendo o papel de narcisista
ativo-progressivo, pois desde o princípio da relação exigiu dela a entrega de si mesma e Íris,
fazendo o papel de narcisista passivo-regressivo, porque, desde o princípio, deu tudo de si ao
cônjuge e à relação conjugal.
Em função da escolha narcisista, Íris sempre cultivou uma visão idealizada do
amor. Ela nos passa a idéia de que acreditava que o amor era a solução para todos os
problemas e dificuldades do relacionamento de casal. Todavia, sua visão subjetiva do amor é
tão idealizada, que fica difícil ao objeto amado corresponder às suas expectativas.
De todas as mulheres do grupo de reflexão, Íris foi a que expressou, de forma
mais intensa, o sentimento de inferioridade por ser mulher em relação ao sexo masculino. Na
sua ótica, a mulher casa para fazer o homem feliz e o homem nem sempre entra no
relacionamento conjugal com este propósito. Íris fez esse comentário dentro do contexto da
discussão do grupo sobre a forma alienante como a filha mulher é educada por seus
progenitores, na família tradicional. Elas vão sendo preparadas, desde muito pequenas, para
repetirem os mesmos papéis sociais que a mulher vem realizando há séculos na sociedade.
309
Com relação ao funcionamento do contrato inconsciente do casamento no dia-
a-dia da relação conjugal, Íris percebeu que os fatos que causaram o conflito e a conseqüente
separação já estavam presentes no vínculo amoroso, desde o tempo do namoro. Tanto Íris,
quanto Ilca relataram, perante o grupo de reflexão, que alguns comportamentos típicos de seus
ex-cônjuges ocorriam desde o tempo de namoro. Só que elas relevaram o problema, achando
que no casamento eles iriam ter outra conduta. Suas declarações confirmam o que a literatura
diz sobre o tema. O contrato inconsciente do casamento começa a ser formado bem antes da
formalização do vínculo conjugal. No caso delas, o início já se deu na escolha do parceiro.
No cotidiano da relação conjugal, as dificuldades surgidas durante o período do
namoro, ganharam maior repercussão dentro do casamento. A intenção de casar rápido, sem
ter condições financeiras, era um sintoma da dificuldade que seu ex-cônjuge sempre teve,
durante o casamento, de administrar o dinheiro do casal. Ele gastava todo o dinheiro que
entrava mensalmente no orçamento doméstico. Às vezes, gastava além das entradas normais.
Nunca fez reservas para os períodos mais difíceis que passaram. Com isso, toda a família
sofreu em função dos apertos financeiros.
A diferença cultural entre eles, detectada já no período do namoro, agravou-se
na relação conjugal, principalmente no momento de educar os filhos. Os dois tinham pontos
de vista diferentes e os filhos tendiam a optar pelos valores do pai, deixando-a numa situação
difícil.
Íris projetou, na relação conjugal e familiar, todos os sonhos e desejos
irrealizados das fases anteriores do seu relacionamento psicossexual. Ela declarou ao grupo
que sempre colocou seu casamento e sua família na frente dos seus planos e objetivos
pessoais. A desilusão narcísica gerou-lhe uma dor profunda. O desmoronamento dos grandes
pilares de sua vida deixou-a, momentaneamente, sem sustentação de ego, sem identidade, em
decorrência da fusão com seu cônjuge e da busca incessante da relação ideal, denominada de
objeto único.
Apesar de todas as decepções e conflitos experimentados, desde os primeiros
anos da relação conjugal, Íris continuou firme, por vários anos, na busca do amor-paixão,
dentro do relacionamento conjugal. Sua necessidade de completude, de fusão com o objeto
amado sempre foi intensa. Segundo seu relato, foi justamente na reconciliação de sua primeira
separação, que durou apenas três meses, que seu casamento mais se aproximou do ideal que
ela sempre sonhou vivenciar na relação conjugal. Segundo Íris, ele voltou do jeito que ela
queria: muito mais apaixonado por ela e dedicado à família.
310
No que tange ao controle da relação conjugal, parece que havia entre Íris e seu
ex-cônjuge, uma competição vinculada à área profissional. Ela não podia ser mais bem
sucedida que ele na profissão, justamente, para ficar evidente a todos que um diploma de
curso superior não faz nenhuma diferença na realização e sucesso profissional. Sempre que
Íris estava bem, profissionalmente, o ex-esposo achava um jeito de mudar de cidade, para que
ela tivesse que começar novamente sua carreira profissional. Em prol da relação conjugal e da
família, Íris sempre abria mão de seus objetivos pessoais e profissionais. Mas isto gerou uma
profunda mágoa, principalmente depois da separação, uma vez que, na sua ótica, seu ex-
cônjuge fez poucos investimentos em sua vida e no casamento.
Durante os encontros do grupo de reflexão, Íris foi a participante que mais
expôs sua decepção com relação à falta de investimento do esposo na relação conjugal. Este
tema foi bem discutido por todas as participantes do grupo de reflexão. Ela expressava muita
dor e sofrimento, sempre que falava do investimento que fez no casamento e na família sem
receber algo em troca de seu ex-cônjuge. Em todas as ocasiões fez questão de pontuar o
descaso do ex-cônjuge, que apenas se beneficiava, mas pouca coisa de si dava em troca, a ela
e aos filhos.
Sua visão da traição difere das outras mulheres do grupo de reflexão. De
acordo com seus relatos, ela seria flexível se o ex-cônjuge tivesse cometido uma traição
furtiva, em decorrência da falta de paixão no relacionamento conjugal. Como a pessoa com
tendências narcísicas tem uma grande necessidade de ser amada, Íris se sentia capaz de
justificar uma traição furtiva, quando a pessoa não está sendo nutrida afetivamente, pelo
outro, dentro do relacionamento conjugal. Por outro lado, como a relação narcísica é
caracterizada por uma relação de objeto único, a traição sistemática, intencional, que se
prolonga no tempo, a vida dupla, é um tipo de traição, segundo Íris, “mais dolorida”. Esse tipo
de traição produz uma dor insuportável, porque destrói toda pretensão narcísica, gerando uma
intensa confusão de sentimentos no interior do cônjuge traído.
A história de vida e a dinâmica conjugal dos pais de Ieda, bem como, o
funcionamento de sua família de origem, parece ser uma fonte importante, de onde surgiu
grande parte de suas motivações inconscientes, que influenciaram a escolha do cônjuge, o
cotidiano do vínculo conjugal, o início e desenvolvimento dos conflitos e que ensejaram na
separação do casal. Seu pai e, principalmente, sua mãe, foram marcados por sérios conflitos
com seus progenitores. O pai assumiu o papel de uma pessoa muito tranqüila, calma, pacata e
equilibrada. A mãe já era uma pessoa nervosa, cheia de problemas e bastante agressiva. Desde
muito nova, Ieda se identificou com o pai e encontrou um jeito de lidar com a mãe. Para
311
receber nutrição emocional do pai e da mãe, passou a representar o papel de menina boa,
meiga, estudiosa, responsável e outros adjetivos deste tipo.
Ao analisar seus relatos, ficamos com a impressão de que, desde que tomou
consciência da sua existência, Ieda procurou conter seus impulsos naturais, seu
temperamento, todo tipo de reação emocional que tivesse alguma correspondência com o
desequilíbrio emocional de sua mãe, para não ser considerada uma pessoa louca e
desequilibrada pelas pessoas importantes de seus círculos de relacionamentos.
Esse intenso conflito que sempre existiu no casamento de seus pais e que
circulava dentro do relacionamento familiar, foi minimizado por todos os membros da
família. Segundo seu relato, Ieda cresceu em uma família isolada, rígida, padronizada, onde a
resposta afetiva de seus pais parece que estava mais ou menos condicionada ao cumprimento
de normas. Por assumir o papel de menina boa e cooperativa Ieda recebeu poucas punições de
seus pais, mas seus irmãos foram castigados várias vezes.
Desde muito nova, com cinco para seis anos, Ieda sabia explicar para as outras
pessoas que achava sua mãe desequilibrada. Isso nos leva a conjecturar que Ieda rejeitou e
reprimiu todo traço de personalidade que pudesse identificá-la com sua mãe, pois segundo seu
relato no 19º encontro, quando já estava mais a vontade no grupo de reflexão, ela era a única
de sua família que quebrava os padrões, que sempre quis sair da forma e que não aceitava
nenhuma imposição. Parece que, desde muito cedo, Ieda, em função do conflito dos pais,
encontrou muita dificuldade para transitar entre suas polaridades positivas e negativas,
dificultando o processo identificatório.
A tendência de minimizar os problemas, de ser responsável, de relevar o
desequilíbrio de sua mãe, de ser muito calma, muito pacata, muito meiga, igual a seu pai,
levou Ieda a fazer uma escolha amorosa por identificação. Ela encontrou, aos 14 anos de
idade, um jovem com conflitos semelhantes e membro de uma família com funcionamento
complementar ao que Ieda vivia dentro de sua família de origem. Em função, provavelmente
das motivações inconscientes que geraram o início desta atração, eles nunca terminaram o
relacionamento. Namoraram por toda sua adolescência e início da juventude, quando se
casaram. Segundo seu relato, foi um namoro como manda a cartilha, dentro das normas, dos
padrões.
Ela conheceu seu ex-cônjuge, justamente no momento que sua família estava
vivendo uma forte crise. O pai havia perdido todas as suas posses e tinha saído de casa, para
morar com outra mulher. Seu ex-cônjuge é o filho mais velho, já estava trabalhando na época
e, por isso, era peça fundamental para a reorganização do sistema familiar. Ao que tudo
312
indica, ele havia sido o eleito da mãe para suceder o pai. Na visão de Ieda, a mãe de seu ex-
cônjuge sempre teve um relacionamento simbiótico com ele e a viu, desde o início, não com
uma namorada de seu filho ou uma nora, uma pessoa que estava entrando para a família, mas
como uma outra mulher rival que estava ali para tirar, para subtrair alguém de muito valor
para a família.
Pelos seus relatos, podemos afirmar que Ieda desenvolveu um relacionamento
triangular com seu pai e com sua mãe, durante as fases iniciais do seu desenvolvimento
psicossexual. A mãe era a mulher, da casa de seu pai, que representava a polaridade negativa.
Ieda era a pequena mulher, da casa de seu pai, que representava a polaridade positiva. Ieda
formava um subgrupo com seu pai, que atuava no sentido de contornar e relevar os
desequilíbrios de sua mãe. Por isso, sua escolha conjugal recaiu justamente sobre um homem
fortemente vinculado à sua mãe. Desta forma, Ieda pôde repetir, na vida adulta, esse
relacionamento triangular onde as duas mulheres da família disputam o carinho, o amor e a
atenção do mesmo homem.
Também é possível afirmar que, como Ieda havia desenvolvido um jeito de se
dar bem com sua mãe é provável que, inconscientemente, se vinculou ao seu ex-cônjuge, com
a intenção de ajudá-lo a lidar com sua própria mãe. Ieda queria ajudá-lo a tratar sua mãe de
uma maneira que não ficasse preso a ela. Este entendimento é reforçado pela forma como os
inconscientes de Ieda e de sua sogra se repeliram, desde o primeiro momento em que se
encontraram.
Existe a possibilidade do filho que mantém um relacionamento simbiótico com
a mãe escolher uma esposa que também tenha dificuldades com sua mãe, para projetar sobre
ela todo ressentimento inconsciente que ele guarda em relação à sua própria, mas que não
pode expressar, em função da forte culpa que sente por isso. Neste caso, a esposa começa a
atuar em seu lugar. Quando age dessa maneira, ela pode receber tanto sua admiração, como,
também, seu desprezo e sua ira por estar agindo de maneira reprovável com relação à sua
mãe. Por outro ângulo de visão, o filho que vive um relacionamento simbiótico com a mãe,
pode escolher uma esposa para colocá-la no lugar de sua mãe, para que possa projetar sobre
ela toda fúria, todo rancor e todo desprezo reprimido que sente pela mãe. Assim, faz suas
descargas sempre que precisa e coloca para fora do aparelho psíquico seu conflito emocional.
Os detalhes dos relatos de Ieda, do dia-a-dia do seu casamento, reforçam esta última
possibilidade teórica. Segundo Ieda, seu ex-cônjuge sempre a fez passar por louca, mas ela
nunca se revoltou ou reagiu. Ela afirma que viveu uma fantasia durante seu casamento de que
poderia mudar o destino do homem que escolheu.
313
Essa sua fala aponta uma repetição da dinâmica relacional que viveu em sua
família de origem. Durante parte de sua vida, Ieda empreendeu um grande esforço para conter
seus impulsos naturais, para aprisionar sua verdadeira personalidade, porque não queria ser
uma pessoa desequilibrada emocionalmente como sua mãe. Queria também livrar seu pai da
loucura de sua mãe, segundo sua visão.
Por um longo período de sua vida, Ieda se esforçou para permanecer, em quase
todo tempo, em sua polaridade positiva, para não ser chamada de louca. Todavia, escolheu um
cônjuge que, em função de seus conflitos emocionais correspondentes, obrigou Ieda a repetir
seu funcionamento psíquico da infância. Mesmo sendo uma esposa meiga, pacata,
responsável, ela viveu encurralada, pela relação com seu ex-cônjuge, em seu drama
existencial.
Um outro dado interessante do funcionamento do contrato inconsciente do
casamento de Ieda se encontra na afirmação que seu ex-cônjuge sempre fugiu da intimidade.
De acordo com seu relato, eles tinham quantidade de tempo juntos, mas não qualidade de
tempo. Assim, quanto mais tempo ela passava ao seu lado, mais ela queria passar, porque
ficava com a sensação de que não conseguia alcança-lo, chegar ao âmago de sua vida. Por
isso, Ieda alega que sempre vivenciou uma sensação de vazio, mesmo estando ao seu lado.
Ieda nos traz um fato esclarecedor que ajuda a entender esta fuga da
intimidade. Ela afirma que seu ex-cônjuge era uma pessoa revoltada com a perda dos bens da
família, pelo pai. Ele e seus irmãos cresceram com a missão de recuperar tudo o que o pai
havia perdido. Em função desse fato, tanto ele quanto os irmãos, desenvolveram um alto nível
de insatisfação diante da vida.
Ieda afirma que seu ex-cônjuge só a tocava por fora, com bens materiais, mas
que não conseguia tocá-la por dentro, promovendo satisfação pessoal e felicidade interna.
Esses fatos nos levam a pensar, também, que esta obsessão por dinheiro e bens materiais,
trouxe-lhe um embotamento afetivo, tornando-o incapaz de satisfazê-la nesta área.
Pelos seus relatos, é possível observar o funcionamento do contrato
inconsciente de seu casamento, tanto no dia-a-dia do relacionamento conjugal, quanto na
origem e desenvolvimento dos conflitos. Ieda e seu ex-cônjuge minimizaram os conflitos
surgidos no relacionamento conjugal. Ela afirma que não foi autêntica no seu casamento; que
fez tudo para agradar seu ex-cônjuge; que durante o tempo em que permaneceu casada, fingia
para si mesma que tudo estava bem em seu casamento. Ieda achava que seu relacionamento
era real ou verdadeiro, mas não era.
314
Estes relatos demonstram uma repetição da vida irreal, fantasiada, que ela
procurou viver dentro de sua família de origem. Parece que, tanto dentro da família de
origem, quanto em sua própria família, por uma questão de sobrevivência emocional, Ieda fez
uma desconexão com a realidade, para não ter que encarar os conflitos, pois não havia
desenvolvido recursos internos para resolver problemas de cunho afetivo. Mas, esta
desconexão com a realidade custou-lhe um alto preço. Ela chegou a conclusão que levou uma
vida em falsa, por vários anos. Isso a levou a fazer uma depressão que lhe trouxe muita
infelicidade.
Para manter seu vínculo conjugal idealizado, Ieda fugiu dos problemas,
fazendo de conta que eles não existiam, por meio de uma desconexão com a realidade e uma
dificuldade de percepção da mesma. Na sua ótica, seu casamento foi sempre uma mentira. Ela
reprimiu tanto os conflitos conjugais que no 13º encontro, quando as mulheres estavam
partilhando as dificuldades enfrentadas nos últimos tempos do vínculo conjugal, ela afirmou
que havia esquecido uma boa parte dos fatos que ocorreram nos últimos dias do seu
relacionamento.
Ieda tentou lidar com a infidelidade conjugal da mesma maneira como lidava
com todos os outros conflitos da sua vida: ignorando sua existência. Ela sabia que seu ex-
cônjuge saia com outras pessoas, mas fingia que não tinha conhecimento deste fato, negando
a si mesma esta realidade. Nunca foi atrás, não o seguiu, porque tinha medo. Se ela flagrasse
seu ex-cônjuge com outra mulher teria que tomar uma atitude. Aliás, chegou a flagrar o ex-
cônjuge com outras mulheres em duas ocasiões, mas, segundo ela, de forma acidental. Mesmo
assim, quase que seu ex-cônjuge a convenceu de que não estava havendo nada demais. Que
ela estava louca, fantasiando.
Ieda compartilhou com o grupo sua luta para alcançar autonomia pessoal
dentro do relacionamento conjugal. Quando não deu mais para continuar representando
aquele papel de uma pessoa meiga, boa, responsável, dependente do marido, que relevava
tudo na vida, ela começou a entrar em conflito por manifestar aspectos da sua polaridade,
vista por ela como negativa, que tanto procurou reprimir. Para poder vivenciar sua revolta,
suas mágoas e toda agressividade reprimida, Ieda, mais uma vez, seguiu as regras, o padrão.
Procurou seu psiquiatra e pediu internação. Como ele não atendeu seu pedido Ieda provocou
uma internação, após ter tentado o suicídio. Ela precisou enlouquecer, se desequilibrar
emocionalmente, para tirar sua segunda pele: uma pessoa muito tranqüila, muito calma, muito
pacata, muito responsável, que sempre relevava.
315
Estes fatos deixam evidente a forte influência que as motivações inconscientes
produziram nos momentos mais decisivos da vida de Ieda, analisados nesta pesquisa. Seus
conteúdos internos, inconscientes, influenciaram a escolha do cônjuge, o cotidiano da relação
conjugal, a origem e desenvolvimento dos conflitos e o processo de separação conjugal.
Ilca nasceu e cresceu em uma família com vínculo conjugal e familiar instável.
Os pais tiveram dificuldade para alcançar a autonomia familiar. A pobreza material e a família
numerosa geraram várias dificuldades de sobrevivência. Em função do alcoolismo, seu pai
teve dificuldade para se manter no emprego. Com isso, todos passavam necessidades.
Seus relatos começam exatamente neste ponto da sua vida. Aos quinze anos de
idade, Ilca sentiu uma forte necessidade de trabalhar para ajudar sua família. Quando
conseguiu seu intento e começou a usar seu salário para suprir as necessidades de seu lar, o
pai se acomodou e deixou de exercer sua função de provedor. Assim, Ilca passou a cuidar dos
pais e dos irmãos mais novos, arcando com as despesas financeiras.
Este papel assumido em sua família de origem influenciou sua escolha
amorosa, o cotidiano da relação conjugal, a origem e desenvolvimento dos conflitos e a
dissolução do seu vínculo conjugal. Os valores assimilados na infância ser responsável,
cuidadora e provedora foram decisivos em sua escolha amorosa. Ela sempre foi o esteio de
sua família de origem e, depois que casou se tornou, naturalmente, no esteio financeiro de seu
cônjuge. Ilca sempre viu o trabalho e a conquista como a solução para todos os problemas
pessoais e relacionais. Para ela o trabalho é o antídoto para todos os males de uma relação
conjugal insatisfatória e para uma separação conjugal dolorosa.
Ilca conservou valores tradicionais a respeito do casamento e da vida conjugal.
Em conseqüência de seus valores, a separação conjugal foi um golpe duro em sua vida. Ela
vivenciou a sensação de cair no fundo de um poço. Foi difícil para ela superar a mágoa e a
dor, geradas pela separação e pelos fatos que as ensejaram.
Como sempre esteve focada no trabalho e neste papel mais ativo de provedora
de seu lar, Ilca nunca atentou, durante seu casamento, para as mentiras de seu ex-cônjuge. Por
isso, nem passava pela sua cabeça a possibilidade de estar sendo traída por ele. Portanto,
quando afirma que não sabia das traições de seu ex-cônjuge está sendo sincera, porque
realmente não conseguia enxergar esta outra realidade do seu casamento.
Por meio dos seus relatos é possível perceber o funcionamento do contrato
inconsciente de seu casamento, referente à repetição de papéis assumidos na família de
origem. Ilca alega que seu ex-cônjuge ganhou muito dinheiro durante o período em que
estiveram casados. Só que ela nunca atentou para o fato que este dinheiro não aparecia no dia-
316
a-dia do vínculo conjugal. Só após a separação foi que ela percebeu que o ex-cônjuge nunca
tinha comprado nenhuma mobília ou utensílios domésticos para sua casa. O dinheiro que ele
ganhava era destinado, na sua ótica, para os seus gastos pessoais ou com mulheres. Ela alega
que, durante todo o vínculo conjugal, não conseguiu enxergar este fato.
É possível traçar um paralelo interessante com o que aconteceu em sua família
de origem. Ilca nos informa que, quando suas irmãs cresceram e começaram a trabalhar, ela
continuou a bancar sua família sozinha. As irmãs não ajudavam na renda da casa. Elas
usavam o dinheiro que ganhavam para seus gastos particulares, mas Ilca empregava todo seu
dinheiro no sustento de sua família de origem.
Durante o período em que esteve casada, este foi o contrato inconsciente que
funcionou em seu vínculo conjugal. Até hoje ela não sabe o que seu ex-cônjuge fez com o
dinheiro que ganhou durante o período em que foram casados. Hoje ela tem consciência que
seu ex-cônjuge tinha poucas responsabilidades financeiras com as despesas da família, no
período em que permaneceram casados, com seu aval e permissão.
Com base em seus relatos, parece que ela aprendeu a receber admiração,
carinho e afeto, não pelo que era, mas pelo que fazia. Ilca queria que seu ex-cônjuge
reconhecesse seu investimento na relação e na família, ao assumir, junto com seu ex-cônjuge,
a responsabilidade pela provisão do lar. A mágoa, o ressentimento cresceu dentro dela quando
soube das traições, do desprezo do marido, justamente porque fez um alto investimento nele e
na relação conjugal, mas não recebeu o investimento que esperava por parte do seu marido.
Ele não cumpriu sua parte no contrato inconsciente do casamento, pois deixou de reconhecê-
la como sua única e privilegiada esposa.
Pelos seus relatos é possível verificar que o funcionamento do contrato
inconsciente de seu casamento, se transformou nas causas que originaram os conflitos
conjugais e que motivaram a ruptura do vínculo conjugal. Parece que os conflitos surgiram
em conseqüência da inveja e competição que havia entre ela e seu ex-cônjuge, com relação
aos papéis ativos e passivos do casamento. Ilca sempre foi competente nesta função de
provedora, que socialmente é um papel dado ao homem. Isto pode ter gerado muitas
frustrações e insatisfações em seu ex-cônjuge, pelo que foi relatado por ela. Mas, é importante
ressaltar que ela sempre agiu, querendo realmente ajudar seu ex-cônjuge. Foi assim que ela
aprendeu a ser valorizada em sua família de origem. Por isso, quando descobriu as traições do
seu ex-cônjuge, Ilca percebeu que foi em vão toda sua luta, batalha e esforço pessoal para
ajudar financeiramente seu esposo, tendo uma grande decepção. A constatação de que foi
traída, trocada por outras, desprezada e desvalorizada por ele, durante um longo período de
317
seu casamento, produziu-lhe muita mágoa e ressentimento em relação ao ex-cônjuge. Foi o
estopim que a fez tomar a iniciativa pela ruptura do vínculo conjugal.
Os fatos relatados por ela nos ajudam a entender como as motivações
inconscientes, geradas nas fases anteriores de seu desenvolvimento psicológico, influenciaram
sua escolha amorosa, a configuração do seu vínculo conjugal, a origem dos conflitos e a
inviabilidade da continuidade do seu casamento.
As histórias destas mulheres reforçam o entendimento dos teóricos e estudiosos
das configurações vinculares, que ressaltam a importância dos primeiros vínculos da criança,
desenvolvidos, normalmente, com seus progenitores ou substitutos, e sua influência na
configuração e desenvolvimento de vínculos posteriores, principalmente aqueles que possuem
uma forte carga afetiva, como o relacionamento conjugal e familiar.
Por meio de seus relatos é possível afirmar que muitos temas centrais, que
permeiam os relacionamentos, na vida adulta, são formados quando a pessoas ainda estão no
colo de suas mães, ou nos braços de seus pais.
Essas histórias de vida nos autorizam a fazer três afirmações conclusivas sobre
os vínculos conjugais analisados nesta pesquisa:
a) as vivências relativas às primeiras fases do desenvolvimento psicológico,
que caracterizaram a formação da identidade feminina das mulheres que participaram desta
pesquisa, permaneceram presentes nas fases subseqüentes do desenvolvimento psicológico de
cada uma delas e influenciaram a escolha amorosa que fizeram.
b) as motivações inconscientes, que influenciaram a escolha amorosa das
mulheres que participaram desta pesquisa, fizeram parte dos conteúdos dos contratos
inconscientes dos seus respectivos vínculos conjugais, formados pelos acordos e pactos dos
parceiros da relação conjugal.
c) as motivações inconscientes que, no primeiro momento, influenciaram a
atração amorosa e foram fundamentais para a formação do vínculo conjugal, se modificaram
ao longo dos anos de convivência, e contribuíram para o início dos conflitos e, como
conseqüência, para a dissolução dos vínculos conjugais estudados.
Há duas perguntas que foram feitas, de muitas maneiras, durante os encontros
do grupo de reflexão, que servem de tema para esta dissertação de mestrado. São perguntas
que se tornam persistentes na mente humana, principalmente, durante esta fase de transição,
provocada pelo processo de separação conjugal: Com quem me casei? De quem me separei?
Enquanto as respostas forem buscadas no outro, os ex-cônjuges não
conseguirão encontrar explicação satisfatória para estes questionamentos. Eles só conseguem
318
responder satisfatoriamente estas perguntas, fundamentais para a reconstrução da identidade
individual e para a reorganização saudável da vida afetiva quando, de forma corajosa,
começam a compreender suas próprias necessidades conscientes e inconscientes.
Mais uma vez, convém salientar que este estudo não pretendeu elucidar a
amplitude de causalidades de um assunto tão complexo como a separação conjugal. Temos
consciência de que existem outras questões que são importantes para a análise deste
fenômeno, como as ligadas às motivações advindas do contexto social e cultural. Todavia,
oferecemos, ao longo destas páginas, uma compreensão pautada no modelo teórico-clínico de
base psicodinâmica e psicanalítica.
319
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ZIMERMAN, David E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2ª Edição. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 2000.
327
APÊNDICES
328
ANEXO A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Tema do Projeto: Com quem me casei? De quem me separei?: um estudo de caso sobre
mulheres vivenciando o processo de separação, a partir de um grupo de reflexão.
Instituição: Universidade Católica Dom Bosco.
Mestrado em Psicologia: Área de concentração Psicologia da Saúde.
Nome do Responsável pela Pesquisa: Léo Francisco Pais
Objetivo, Justificativa e Período: A presente pesquisa tem como objetivo analisar a
influência das motivações inconscientes na formação, cotidiano, conflito e dissolução do
vínculo conjugal, a partir da ótica feminina, sob a orientação da Profª. Drª. Regina Célia
Ciriano Calil. Esta pesquisa é de natureza qualitativa, e a coleta de dados se dará através de
entrevistas individuais semi-estruturadas e do grupo de reflexão, breve, aberto e com
princípios do grupo focal, que se reunirá durante vinte e cinco encontros, nas terças e quintas-
feiras, das 17h30 às 18h45, com tempo de duração de uma hora e quinze minutos cada
encontro, no período de 15/05/2007 a 16/08/2007, em uma sala apropriada do Departamento
de Psicologia das Clínicas Escola da UCDB. As falas serão gravadas e transcritas na íntegra
para posterior discussão durante as supervisões e análise final dos resultados. Além do
coordenador, participação da equipe a Psicóloga Sandra Salles, na função de coordenadora
auxiliar e a acadêmica de Psicologia Miriane Souza Costa, na função de observadora. Os
participantes terão suas identidades preservadas e o direito de desistir de participar desta
pesquisa em qualquer tempo ou circunstância.
CONSENTIMENTO
Eu ________________________________________________________________________
RG: ___________________________________ CPF:________________________________
Endereço:___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Telefones: Residencial: _____________________ Celular: ___________________________
Cidade-UF: ________________________________
Declaro meu interesse em participar desta pesquisa e consinto que os dados coletados durante
os encontros possam ser utilizados na produção de trabalhos científicos, na área de psicologia,
desde que seja preservada a identidade pessoal dos participantes.
Campo Grande-MS, ______de ________________________ de 2007
____________________________________________________
Participante da Pesquisa
____________________________________________________
Responsável pela Pesquisa
329
ANEXO B - D e c l a r a ç ã o
Eu, Léo Francisco Pais, declaro para os devidos fins estar ciente da
Resolução 196/196 e demais resoluções complementares que estabelecem as normas e
diretrizes para o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos.
Campo Grande-MS, 17 de outubro de 2006
______________________________________
Léo Francisco Pais
330
331
ANEXO D Roteiro da Entrevista
NOME: ________________________________________________________
1ª PARTE:
1. Apresentação pessoal;
2. Apresentação da pesquisa.
2ª PARTE:
3. A razão pela qual procurou o grupo de reflexão.
3ª PARTE:
4. Dados pessoais, grau de instrução; onde mora, o que faz, o que gosta e assim por
diante.
4ª PARTE:
6. Resumo da história de vida e da história do casamento; história de relacionamentos
anteriores que ambos tiveram.
7. Relacionamento com a família de origem; com a família do ex-cônjuge.
8. Reação da família de origem e da família do ex-cônjuge durante os períodos de
namoro, noivado e casamento e de dissolução do vínculo conjugal.
9. Dificuldades encontradas no namoro, noivado e casamento.
10. Características do dia-a-dia do relacionamento conjugal.
11. Coisas boas que a pessoa entrevistada consegue enxergar na sua relação conjugal
desfeita.
12. Informações sobre os filhos: se teve ou não teve; filhos anteriores ao casamento
etc.
13. Mudanças sentidas no dia-a-dia da relação conjugal com a chegada dos filhos.
14. Relato da história da separação: a) Quando se quebrou o equilíbrio familiar; b) O
que aconteceu ou vinha acontecendo na relação que culminou com a separação conjugal.
15. Relato sobre o momento atual que a pessoa está vivendo após a separação.
16. Expectativa da pessoa com sua participação no grupo de reflexão com outras
pessoas que estão vivendo um processo semelhante ao seu.
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