Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO
CENÁRIO DITATORIAL”
Adriana da Silva Freitas
Orientadora: Profa. Dra. Suely Souza de Almeida
Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha
Rio de Janeiro
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ADRIANA DA SILVA FREITAS
“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO
CENÁRIO DITATORIAL”
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social da
Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
em cumprimento às exincias para
obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.
Orientadora: Profa. Dra. Suely Souza de
Almeida.
Co-orientador: Prof. Dr. Luiz Antônio
Cunha.
Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
2008
ads:
3
ADRIANA DA SILVA FREITAS
“REPRESSÃO AOS ESTUDANTES DA UFRJ NO
CENÁRIO DITATORIAL”
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Serviço Social, da Escola de Serviço Social, do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisição parcial
para obtenção do Grau de Mestre em Serviço Social.
Aprovada em __ de _________ de _____.
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________
Profa. Dra. Suely Souza de Almeida
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientadora
_______________________________________
Prof. Dr. Luiz Antônio Cunha
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Co-orientador
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Lídia Souza da Silveira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
_______________________________________
Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
4
Dedico este trabalho àquela que, como instrumento
de Deus, motivou seu início, meio e fim,
Suely Souza de Almeida (In Memorian).
5
AGRADECIMENTOS
À Deus, pelo dom da vida, pela possibilidade de concluir mais uma
jornada certa de que tudo o que tenho, o que sou e o que possa vir a ser vem
d’Ele, como fruto do seu grande amor por mim.
À minha família, pelo apoio incondicional em todos os momentos. Em
especial aos meus pais (Adriano e Maria), indispensáveis nessa caminhada; ao
meu irmão (Vinicius), pela compreensão e pelo auxílio na informática; e ao meu
noivo (Luciano), pelo companheirismo e pelo empenho na torcida por mais
essa vitória.
Ao CNPq, pela bolsa de estudos que financiou esta pesquisa.
À minha orientadora, professora Suely Almeida, pela atenção dedicada,
por acreditar neste trabalho e por investir seu conhecimento nesta pesquisa.
Em especial pela motivação em toda minha trajetória acadêmica, pela
perseverança, garra e coragem na luta pela vida.
Ao meu co-orientador, professor Luiz Antônio Cunha, pela contribuição
clara e objetiva, pelo incentivo diário e pela seriedade ao examinar cada fase
do trabalho.
À professora Maria Lídia Souza da Silveira e ao professor Francisco
Carlos Teixeira, pela participação, contribuição, compreensão e força
fundamentais, sobretudo nos últimos momentos desse processo.
Ao professor Almir Fraga Valadares e à Victória Grabois, pelos valiosos
depoimentos que enriqueceram a pesquisa.
Ao professor Sérgio Salomé da Silva, pelo auxílio na pesquisa.
Aos meus amigos, pela alegria desta conquista, particularmente à Camila
Freire, companheira de formação, à Mônica Ron-Rén, Taíssa Machado e Julia
e Sá da Silva Campos, pelo auxílio no processo de elaboração da pesquisa.
A todos que, em alguma medida, participaram e contribuíram para a
conclusão de mais essa etapa.
6
“(...) Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações (...)”.
(Vai Passar – Chico Buarque e Francis Hime)
7
RESUMO
A sociedade brasileira, no período compreendido entre 1964 e 1979 quando
se viveu uma ditadura militar no país –, passou por momentos de intensa
repressão em que os direitos, sobretudo civis e políticos, eram negados em
favor da segurança nacional. Um dos principais alvos de controle do governo
ditatorial foram os estudantes, que a partir de meados dos anos 40 passaram a
se inserir em lutas de caráter nacional e tiveram destaque nas movimentações
que antecederam o golpe de 1964. Diante disso, uma série de ações e
medidas foi tomada no sentido de conter suas atividades políticas.
Esta pesquisa propõe uma análise da repressão direcionada, principalmente,
aos estudantes de ensino superior no país, em especial o corpo discente da
UFRJ, que também protagonizou a resistência na luta contra a ditadura militar.
As leis e decretos criados a fim de controlar a participação e organização
política da juventude incidiram fortemente no cotidiano da UFRJ. A partir do
processo de pesquisa, foi possível observar o gradativo fechamento do
governo militar também no espaço institucional da universidade, expresso,
dentre outras questões, por meio da aplicação de sanções disciplinares aos
estudantes.
Palavras Chaves: Ditadura Militar; Movimento Estudantil; Repressão.
8
ABSTRACT
The brazilian society, during the period of 1964 to 1979 when was
experienced the military dictatorship in the country –, passed through moments
of intensive repression in which its rights, above all civils and political, were
denied in favor of the national security. One of the main targets of the dictatorial
government were the students, that since the 40’s started to insert themselves
in struggles of national character and they distinction in the movements that
preceded the stroke of 1964. Before this, a series of actions and measures was
established in due to contain this political activies.
This search proposes an analysis of the repression directed, specially, to the
university students in the country, above all the student body of UFRJ, that also
played the lead role of resistance during the struggles against the military
dictatorship. The laws and decrees created in order to control the political
participation and organization of the youth repercuted strongly in the daily life of
UFRJ. Through the process of searching, it was possible to observe the gradual
closure of the military government also in the institutional space of the
university, expressed, among other metters, by the application of disciplinal
sanctions to the students.
Key Words: Military Dictatorship; Students Movement; Repression.
9
GLOSSÁRIO DE SIGLAS
AAC – Ação Anticomunista
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AI – Ato Institucional
ALA – Ala Vermelha do Partido Comunista do Brasil
ALN – Aliança Libertadora Nacional
AMES – Associação Metropolitana dos Estudantes Secundários
AP – Ação Popular
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
ASI – Assessoria de Segurança e Informação
BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNM – Brasil: Nunca Mais
CA – Centro Acadêmico
CACO – Centro Acadêmico Cândido de Oliveira
CAD – Coligação Acadêmica Democrata
CCC – Comando de Caça aos Comunistas
CCM – Centro de Ciências Médicas
CCS – Centro de Ciências da Saúde
CEB – Comunidade Eclesial de Base
CFE – Conselho Federal de Educação
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores
CLMD – Cruzada Libertadora Militar Democrática
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil
COLINA – Comando de Libertação Nacional
CONSUNI – Conselho Universitário
CPC – Centro Popular de Cultura
CPOR – Centro Preparatório de Oficiais da Reserva
CT – Centro de Tecnologia
DA – Diretório Acadêmico
10
DCE – Diretório Central de Estudantes
DEE – Diretório Estadual de Estudantes
DI-GB – Dissidência do PCB da Guanabara
DI-RJ – Dissidência do PCB do Rio de Janeiro
DISP – Dissidência do PCB de São Paulo
DNE – Diretório Nacional dos Estudantes
DOI/CODI II Destacamento de Operações de Informações/ Centro de
Operações de Defesa Interna do II Exército
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
EBA – Escola de Belas Artes
EE – Escola de Engenharia
EEAN – Escola de Enfermagem Ana Néri
EEFD – Escola de Educação Física e Desportos
EM – Escola de Música
ENE – Encontro Nacional de Estudantes
EPES – Equipe de Planejamento do Ensino Superior
EQ – Escola de Química
ESS – Escola de Serviço Social
FAC – Frente Anticomunista
FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
FCE – Faculdade de Ciências Econômicas
FD – Faculdade de Direito
FE – Faculdade de Educação
FEA – Faculdade de Economia e Administração
FL – Faculdade de Letras
FM – Faculdade de Medicina
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FO – Faculdade de Odontologia
FUP – Frente Universitária Progressista
GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
ICB – Instituto de Ciências Biomédicas
IES – Instituições de Ensino Superior
11
IF – Instituto de Física
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
IGEO – Instituto de Geociências
IM – Instituto de Matemática
IP – Instituto de Psicologia
IPM – Inquérito Policial Militar
IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JUC – Juventude Universitária Católica
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MAC – Movimento Anticomunista
MAR – Movimento de Ação Revolucionária
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento Estudantil
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MIA – Movimento Inter-Sindical Antiarrocho
MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro
MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes
MUC – Movimento Universidade Crítica
Mudes – Movimento Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN – Operação Bandeirantes
OPAC – Organização Paranaense Anticomunista
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PDC – Partido Democrata Cristão
PE – Polícia do Exército
POC – Partido Operário Comunista
POLOP – Organização Política Marxista – “Política Operária”
POR(T) – Partido Operário Revolucionário (Trotskista)
PRT - Partido Revolucionário dos Trabalhadores
PSB – Partido Socialista Brasileiro
12
PSD – Partido Social Democrático
PSP – Partido Social Progressista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC-RJ – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
RAN – Resistência Armada Nacionalista
RU – Reforma Universitária
SAPP – Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco
SBPC – Sociedade brasileira para o Progresso da Ciência
SNI – Serviço Nacional de Informações
SUPRA – Superintendência para a Reforma Agrária.
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundários
UDN – União Democrática Nacional
UEE – União Estadual de Estudantes
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UIE – União Internacional dos Estudantes
UME – União Metropolitana de Estudantes
UnB – Universidade de Brasília
UNE – União Nacional dos Estudantes
USAID United States Agency for International Development (Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional)
USP – Universidade de São Paulo
VAR – Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 15
CAPÍTULO 1 – O MOVIMENTO PRÉ-1964 .................................................... 19
1.1 - Progressistas retornam à liderança estudantil ......................................... 23
1.2 - Hegemonia católica na UNE .................................................................... 25
1.3 - A luta pela representação na base de 1/3 ............................................... 30
1.4 - Radicalização do Movimento Estudantil .................................................. 35
CAPÍTULO 2 INSTRUMENTOS LEGAIS DE REPRESSÃO AO MOVIMENTO
ESTUDANTIL E RESISTÊNCIA DISCENTE ................................................... 43
2.1 - A Lei Suplicy: tentativa de controle do ME .............................................. 57
2.2 - O Decreto Aragão: fortalecimento da Lei nº 4.464/64 ............................. 64
2.3 - Decreto-lei nº 477 .................................................................................... 70
2.4 - Processo de abertura política .................................................................. 76
CAPÍTULO 3 A REPRESSÃO SOBRE OS ESTUDANTES DA UFRJ
SEGUNDO OS BOLETINS .............................................................................. 80
3.1 – Intensificação do controle........................................................................ 90
3.2 – Fortalecimento da repressão .................................................................. 94
3.3 Controle político “mascarado” A aplicação do Código Disciplinar na
UFRJ .............................................................................................................. 105
CAPÍTULO 4 EPISÓDIOS DA REPRESSÃO E DA RESISTÊNCIA
DISCENTE NA UFRJ ..................................................................................... 111
4.1 - Expulsão de 19 alunos .......................................................................... 116
4.2 - A repressão imediatamente após o golpe ............................................. 122
4.3 - A repressão em 1968 ............................................................................ 129
4.4 - Movimentação discente em fins da década de 70 ................................. 136
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 143
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................... 147
OUTRAS FONTES ........................................................................................ 150
ANEXOS – ANEXO I ..................................................................................... 152
ANEXO II ..................................................................................... 153
ANEXO III .................................................................................... 154
ANEXO IV ................................................................................... 156
ANEXO V .................................................................................... 160
ANEXO VI ................................................................................... 162
ANEXO VII .................................................................................. 168
ANEXO VIII ................................................................................. 169
ANEXO IX ................................................................................... 170
ANEXO X .................................................................................... 172
15
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema é fruto do meu envolvimento, como bolsista de
iniciação científica, no processo de pesquisa que, dentre outras questões,
abordava o período ditatorial e a violência praticada por agentes do Estado,
visando, através destes fatos, a perceber a constituição da mulher como sujeito
político. A pesquisa integrava o núcleo GECEM Gênero, Etnia e Classe:
Estudos Multidisciplinares da Escola de Serviço Social da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ), tendo como título: “Violência Estatal e
Lutas Sociais: a Constituição da Mulher como Sujeito”. Minha inserção neste
processo também possibilitou a participação contínua em debates, estudos
sistemáticos, elaboração e apresentação de trabalhos.
Assim, ao analisar a história do movimento estudantil neste período da
história foi possível observar a ausência de relatos e análises acerca da
repressão direcionada aos discentes da UFRJ, no espaço institucional. Tal
percepção se deu a partir da participação que tive em um evento organizado
pelo CFCH/UFRJ, de 29 de março a 02 de abril de 2004, um seminário
intitulado “64+40: Golpe e Campo(u)s de Resistência”. Dentre outras
atividades, fiquei como uma das responsáveis por realizar uma pesquisa sobre
a UNE (União Nacional dos Estudantes), quando constatei a falta de um estudo
específico que tratasse da repressão e da resistência no interior da UFRJ.
Ademais, apesar do empenho dos responsáveis pelo evento em organizar
alguma atividade que focasse o momento da ditadura na UFRJ, constatou-se
sua inviabilidade, tendo como um de seus fatores a dificuldade em localizar os
arquivos da época.
Permanecem ainda hoje polêmicas e lacunas em relação a este período
da história, o que demonstra a necessidade de analisar as ações do Estado no
que concerne à supressão dos direitos do indivíduo como cidadão, além do
impedimento da construção da memória social, tão necessária para se pensar
as continuidades e descontinuidades entre o passado e o presente. A
16
recuperação da memória desse período é fundamental, posto que a literatura
sobre a época apresenta intermissões que contribuem para o esquecimento,
que tem como fruto a produção do inexistencialismo
1
(Cardoso, 1999).
Diante disso, este trabalho, articulado à linha de pesquisa Estado,
Sociedade e Direitos Humanos, do PPGSS/ESS/UFRJ, teve o intuito de
analisar a Repressão aos estudantes da UFRJ
2
no cenário ditatorial entre os
anos de 1964 e 1979. Tal repressão se refere ao controle e à contenção da
participação política dos universitários na estrutura institucional.
Concomitantemente receberão destaque as ações de resistência por parte dos
estudantes, bem como os episódios de entrechoque com o aparato repressivo.
Aqui, optou-se por enfatizar a movimentação estudantil, o que não elimina a
atuação dos professores e a dura repressão dispensada a eles também neste
cenário político.
Para tanto, o estudo teve como ponto de partida uma pesquisa
bibliográfica sobre o contexto sócio-político do período de 1964 a 1979, além
do período imediatamente anterior ao golpe de Estado, com ênfase na
repressão direcionada aos estudantes de ensino superior em nível nacional.
Após esse primeiro momento foi realizado um mapeamento e uma análise do
plano legal no âmbito geral, no que se refere às leis e decretos direcionados
também a este segmento estudantil no intuito de conter sua atuação política.
Logo após, analisou-se como tais medidas foram aplicadas no cotidiano da
UFRJ. Recebeu destaque, ainda, o Código Disciplinar da UFRJ, criado em fins
da década de 60. Todo este conjunto de instrumentos legais de repressão fazia
parte da composição dos aparelhos coercitivos de Estado do governo ditatorial,
1
Cardoso se refere ao inexistencialismo ao discutir a imposição do esquecimento, o seu peso
na experiência do Brasil, “(...) realidades que passaram a ser consideradas inexistentes: o não-
sucedido, o o-nomeado, o não-incluído no âmbito da linguagem e da história, a pura e
simples abolição simbólica dos acontecimentos” (1999, p.138). A autora ressalta alguns
aspectos que foram determinantes na consolidação desse esquecimento, como: a questão dos
desaparecimentos políticos; o fato da repressão ter atingido um número restrito de pessoas, se
comparado às demais experiências latino-americanas, o que resultou em grande parte da
população não ter tomado conhecimento dos seus desdobramentos; a presença da censura; e,
um processo de transição política em demasia longo.
2
No processo de pesquisa optou-se por adotar a denominação utilizada atualmente na
universidade, bem como no que se refere às suas unidades. No início do governo ditatorial a
UFRJ era oficialmente chamada de Universidade do Brasil e a maior parte de suas unidades
recebia o complemento Nacional, mas em 1965 foi realizada esta alteração.
17
que, nos termos gramscianos, fortaleceu gradativamente sua sociedade
política.
No momento seguinte, realizou-se uma pesquisa empírica através da
consulta ao arquivo do PROEDES (Programa de Estudos e Documentação
Educação e Sociedade)/FE (Faculdade de Educação)/UFRJ sobre a UNE, aos
documentos dos arquivos do LEU (Laboratório de Estudos das
Universidades)/CFCH/UFRJ, aos Boletins da UFRJ localizados no Acervo de
Periódicos do CFCH –, a coleções particulares e à Biblioteca Nacional. Tal
levantamento de informações contribuiu para uma melhor apreensão das
formas como as medidas foram efetivamente aplicadas na vida acadêmica dos
estudantes. Ademais, foram realizadas duas entrevistas semi-estruturadas com
ex-alunos da UFRJ no período estudado.
Posteriormente, a partir da análise e da sistematização da pesquisa, foram
elaborados quatro capítulos. O primeiro analisa o movimento estudantil no
período anterior ao golpe de 1964, suas influências políticas, seu processo de
envolvimento na luta por questões nacionais, bem como o contexto político-
econômico da época.
O segundo capítulo trata dos instrumentos legais de repressão ao
movimento estudantil, que visava a controlar as atividades políticas dos
estudantes de ensino superior no país, e da resistência discente perante as
arbitrariedades praticadas pelo governo. Utiliza-se da concepção gramsciana
de Estado ampliado na compreensão da configuração do governo pós-golpe de
1964, uma ditadura dominação respaldada pela coerção. Dentre outras
questões, estabelece uma relação entre algumas determinações do sistema
capitalista e as movimentações políticas protagonizadas por essa geração de
jovens dos anos 60-70.
No que tange ao terceiro capítulo, vale considerar o necessário tempo de
pesquisa e a indispensável atenção requerida, por referir-se aos Boletins da
UFRJ, um material rico e detalhado. Nesta parte do trabalho encontra-se
indicada a maior parte das punições direcionadas aos estudantes da UFRJ. Por
meio das sanções disciplinares também era possível constatar a resistência por
parte dos universitários como resposta ao tratamento recebido, além da
repercussão das ações do governo em nível nacional no âmbito da
universidade.
18
Entretanto, alguns episódios – ou aplicações de penas – importantes
desse período não foram registrados nos Boletins, ou foram apresentados de
forma superficial. Por isso, receberam ênfase no capítulo quatro que aborda a
repressão e a resistência discente com base em entrevistas de ex-alunos,
realizadas no decorrer da pesquisa ou encontradas em material jornalístico,
que foi outra fonte importante nessa composição, bem como material
distribuído pelas lideranças estudantis na época.
Diante disso, vale ressaltar que as implicações da ditadura na
universidade, a imposição de mudanças e o controle sobre cada uma das
unidades de ensino, e a efervescência do movimento estudantil são elementos
importantes para a construção da história do ensino superior no Brasil e da
própria militância política da juventude.
19
CAPÍTULO 1
O MOVIMENTO ESTUDANTIL PRÉ-1964
Para a realização de um estudo acerca das ações repressivas, por parte
do governo ditatorial, em relação aos estudantes de ensino superior no país,
faz-se necessária uma análise do movimento estudantil (ME) anteriormente ao
golpe de 1964. Um período de crise político-econômica, sobretudo em virtude
da evidência de problemas resultantes da política desenvolvimentista adotada
pelo país no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando efetuou-se
um aprofundamento do capital por meio do cumprimento do Plano de Metas,
que tinha o objetivo de modificar a estrutura da economia nacional, por meio da
criação da indústria de base e da reformulação das possibilidades de
interdependência com o capital internacional.
Para tanto, o governo buscou garantir condições para atrair investimentos
e empréstimos externos, o que, associado a uma série de medidas gerou um
surto notável de desenvolvimento econômico no país, que camuflou a
contradição existente entre a ideologia nacionalista e a política econômica
internacionalizante. O Plano de Metas determinou o futuro da economia
brasileira. A crise econômica que se seguiu no início da década de 60
manifestou-se, principalmente, por meio da redução do índice de investimento,
da queda da entrada de capital externo e da taxa de lucro, bem como pelo
agravamento da inflação
3
(Cf. Ianni, 1986).
No Brasil, os estudantes passaram a ter uma representação em âmbito
nacional a partir de 1937, quando fundaram a União Nacional dos Estudantes
3
Nesse período “a inflação transformou-se no problema central da economia do País: deixou
de ser apenas uma técnica de ‘confisco salarial’ (poupança monetária forçada) e passou a
funcionar como inflação de custos” (Ianni, 1986, p.196).
20
(UNE), que passou a ser reconhecida oficialmente mais tarde, em 1942, por
meio do Decreto-lei n° 4.105, baixado por Getúlio Vargas. Anteriormente a esse
momento, existiam apenas associações locais e regionais.
As primeiras articulações no intuito de fundar a UNE foram iniciadas no I
Conselho (ou Congresso) Nacional de Estudantes, em 11 de agosto de 1937,
na Casa do Estudante do Brasil localizada no Rio de Janeiro –, que contou
com a participação do Ministro da Educação e da Saúde Pública, Gustavo
Capanema, bem como de representantes estudantis de São Paulo, Ceará,
Bahia, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais
4
. Nesse momento,
o ME defendia a importância da indústria siderúrgica nacional, necessária à
libertação do país. Cabe, ainda, ressaltar, nessa reunião, a aprovação da
proposta, apresentada por um estudante de Minas Gerais, referente à proibição
do levantamento de discussões de cunho político no decorrer do Conselho.
É importante destacar que a constituição da UNE efetivou-se apenas a
partir do II Congresso Nacional de Estudantes, em 22 de dezembro de 1938,
quando teve seu estatuto aprovado e uma diretoria eleita. A partir desse
momento, os Diretórios Acadêmicos (DAs), das instituições de ensino superior
isoladas, bem como os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs), das
universidades, por meio de uma representação estadual, participariam das
atividades da entidade.
O ME brasileiro, representado pela UNE, passou a mobilizar-se não
apenas por questões estudantis, mas também assumiu reivindicações
trabalhistas, participou de uma série de lutas contra o nazi-fascismo e em
defesa da redemocratização do país. Em inícios de 1945, os estudantes
empenhavam-se na campanha contra o Estado Novo a ditadura de Vargas,
que assemelhava-se
5
a Kubitschek no que se refere à idéia de que o caminho
para o progresso econômico-social se daria por meio de uma industrialização
acelerada.
4
Fávero (1994, p.17).
5
Entretanto divergiram quanto à concepção de desenvolvimento, que, para Vargas, baseava-
se na criação de um capitalismo nacional, alicerçado numa industrialização autônoma; e, para
Kubitschek, a possibilidade estaria num contexto de interdependência e associação com o
capital internacional.
21
De acordo com Foracchi, nesse período, “as manifestações estudantis se
revestiram de conotação política” (1965, p.227). Entre os estudantes formava-
se, gradativamente, uma compreensão mais clara e política dos problemas
enfrentados pelo país, o que não reduz a responsabilidade de grandes partidos
nacionais que lideraram a oposição ao Estado Novo. Dentre os que se
formaram ou ressurgiram depois de quinze anos de silêncio pode-se citar a
União Democrática Nacional
6
(UDN) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB),
que teve suas primeiras reuniões no salão da UNE.
No mês de março desse ano, na realização de um comício, na cidade de
Recife, em favor do brigadeiro Eduardo Gomes candidato à Presidência da
República, contrário ao governo Vargas –, o estudante Demócrito de Souza
Filho foi assassinado pela polícia. Após este episódio, a UNE promoveu um
comício-monstro, no Rio de Janeiro, em 8 de março, quando conclamou o povo
a participar da luta pela anistia e pela democracia.
Após o VIII Congresso da UNE, iniciou-se um período de prevalência da
direita no ME. Nesse momento foi introduzida uma tentativa de infiltração norte-
americana no movimento de estudantes do Brasil, no intuito de disseminar o
“anticomunismo”, o que não obteve sucesso. Os dirigentes da UNE, eleitos
para as gestões de 1945 e de 1946, eram ligados à UDN.
Entre 1947 e 1950, a luta em defesa do território e da economia nacional
foi o alvo do ME brasileiro. Sua fase de hegemonia socialista, como denomina
Poerner (2003), teve início após o X Congresso, em julho de 1947, quando a
entidade passou a ser dirigida por estudantes associados ao PSB. As
campanhas promovidas pela UNE, nesse período, referiam-se à luta “(...)
contra a alta do custo de vida, em prol da indústria siderúrgica nacional e do
monopólio estatal do petróleo (campanha ‘O Petróleo é Nosso’), da política
externa independente e da não-intervenção estrangeira em Cuba” (Cunha,
2001
7
). No que concerne ao âmbito educacional, a entidade posicionou-se
6
A UDN foi criada em abril de 1945 e se apresentava como oposição ao governo de Getúlio
Vargas.
7
Verbete intitulado UNE, que consta em: ABREU, Alzira A. (et al.). Dicionário histórico-
biográfico brasileiro pós-1930. Edição revista e atualizada. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora FGV,
CPDOC, 2001, p.5847.
22
diversas vezes “(...) contra o provimento ilegal de cátedras, pela gratuidade do
ensino, pela defesa da escola pública e pela reforma universitária” (Idem). A
repressão policial sobre os estudantes foi intensificada, sobretudo após o
lançamento da campanha “O Petróleo é Nosso”.
Em 1948, a sede da UNE foi, pela primeira vez, invadida pelo aparato
policial do governo Dutra. O intuito da ação consistia em impossibilitar a
realização do I Congresso Brasileiro pela Paz, bem como coibir as
manifestações estudantis de repúdio ao aumento, de 30 para 40 centavos
(cerca de 33%), no preço das passagens dos bondes.
O XII Congresso da UNE realizou-se na Bahia, em 1949. Neste encontro,
os estudantes direitistas
8
, visando à vitória nas eleições, compareceram ao
encontro acompanhados por uma organização fascista, a Coligação Acadêmica
Democrata
9
(CAD), que se empenhava na busca por impedir a atuação das
demais correntes no ME. No entanto, apesar desse movimento, foi novamente
eleito, para a direção da entidade, um socialista, que antes do término do
mandato, em abril de 1950, renunciou ao cargo
10
.
A partir de então, a esquerda permanece, por seis anos, fora da direção
da UNE, que entre 1950 e 1956, foi dirigida pela direita, com exceção apenas
da gestão progressista de 1954
11
a 1955. Nesta fase constata-se um refluxo do
ME, o que possibilitou o surgimento do “peleguismo universitário”. Entretanto,
em virtude da linha nacionalista do governo Vargas (1951-1954) e dos
estatutos da UNE, que determinavam como obrigação das diretorias “lutar pelo
8
Em 1949, após sucessivas derrotas da direita estudantil, ela ganha espaço na União
Metropolitana de Estudantes (UME) carioca, com a eleição de Paulo Egídio Martins, o primeiro
destaque da liderança estudantil conservadora.
9
A CAD era uma organização extremamente violenta, se necessário fosse, na luta por seus
objetivos. Era integrante dessa coligação, Paulo Egydio Martins, que mais tarde seria Ministro
da Indústria e Comércio, no governo Castelo Branco, e depois governador de São Paulo,
quando dispensou um tratamento violento ao movimento estudantil.
10
Por meio de uma reunião extraordinária do Conselho da UNE, constituído pelos presidentes
das UEEs, foi eleito um novo presidente, que concluiria o período de hegemonia do PSB na
direção da entidade estudantil.
11
Esta gestão progressista se deu de forma distinta das anteriores. Cunha Neto foi eleito no
Congresso de 1954, como candidato da direita estudantil, no entanto, de acordo com Poerner
(2003), ao recusar o apoio à conspiração para a derrubada de Getúlio Vargas, perdeu sua base
de apoio, recebendo em seguida, o auxílio de estudantes progressistas, que, dessa forma,
retomaram a direção da UNE.
23
nacionalismo e contra o entreguismo”, os deres da entidade prosseguiam na
participação de eventos, tais como: a campanha pela criação da Petrobrás; em
1952, a greve contra o provimento ilegal de cátedras; em setembro de 1954, as
manifestações contra as irregularidades nos exames; e, a partir de 1954, as
greves de protesto contra a ineficiência das faculdades.
1.1 – Progressistas retornam à liderança estudantil
Em outubro de 1955, o grupo progressista retomou a direção da União
Metropolitana de Estudantes
12
(UME) e destacou-se na campanha promovida
contra o aumento do preço da passagem dos bondes, de um para dois
cruzeiros, que paralisou o Rio de Janeiro nos dias 30 e 31 de maio de 1956.
Diante desta movimentação, a polícia carioca, ao invadir a sede da UNE, onde
se encontravam estudantes que temiam a repressão policial, agrediu
fisicamente parlamentares.
Meses depois, em julho de 1956, no XIX Congresso da UNE, a direção da
entidade foi reconquistada pelo grupo progressista, e passou a ser liderada
pelo estudante que se encontrava à frente da UME. Essa gestão promoveu
grande movimentação no sentido de uma maior politização dos estudantes, o
que comprometeu sobremaneira a influência que o Ministério da Educação e
Cultura (MEC) vinha exercendo no interior do ME. Ademais, nessa fase,
formou-se, no ME, a primeira frente única de católicos e comunistas (Cf.
Cunha, 2001).
A UNE organizou, no ano seguinte (1957), o I Seminário Nacional de
Reforma do Ensino, no Rio de Janeiro, que buscou definir propostas de
mudança para a questão da educação no país por um caminho pedagógico. De
acordo com Fávero (1994), foi a partir desse evento que a luta pela reforma
universitária iniciou-se de maneira sistemática. No entanto, ela destaca que,
segundo José Serra – presidente da UNE em 1963 –,
12
A UME carioca foi criada em setembro de 1942, no V Congresso da UNE.
24
“a visão de reforma desse Seminário é ainda uma visão
parcelada, imediatista e exclusivamente didática. Dá-se
grande ênfase aos aspectos técnico-pedagógicos, ao
problema da formação profissional, procurando-se conferir ao
ensino superior maior eficiência na formação daqueles que
tivessem o privilégio do acesso ao nível universitário” (p. 25).
E ainda nesse ano, a entidade estudantil empenhou-se na campanha contra a
American Can, empresa norte-americana que representaria uma ameaça à
indústria de lataria nacional.
Em 1958, a UNE empenhou-se na campanha pela demissão de Roberto
Campos da Presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), devido ao seu esforço para que o Brasil assinasse o Acordo de
Roboré
13
. Roberto Campos pressionava empresas brasileiras que visavam
explorar o petróleo boliviano para que recebessem financiamento da Pan-
American Land Oil & Royalt Co.
14
. Somente em julho de 1959 ele foi exonerado
após incessantes manifestações de caráter nacionalista.
A UNE, ainda, apoiou, em 1959, a composição de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre a Shell e a ESSO. Nesse momento, efetivou-se,
segundo Poerner (2003), um aprofundamento, por parte da entidade estudantil,
da visão crítica sobre a universidade brasileira, “caracterizada como
instrumento das classes interessadas na manutenção da ordem social vigente”
(p.151). Esse processo tomou corpo, sobretudo, nas discussões acerca da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e após a deflagração da greve
pelos estudantes baianos, que indicavam a necessidade de mudança no
posicionamento dos estudantes de ensino superior no país, no intuito de que
passassem a conceber a universidade de forma ampla.
Em 1960, foi realizado, em Salvador, o I Seminário Latino-Americano de
Reforma e Democratização do Ensino Superior. Neste encontro, os estudantes
13
“Segundo esse acordo, assinado entre o Brasil e a Bolívia, a Petrobras deveria aplicar
recursos no financiamento de empresas privadas brasileiras criadas com o apoio do BNDE
para operar no altiplano boliviano. Do ponto de vista nacionalista, o Acordo de Roboré violava o
princípio do monopólio estatal do petróleo e prejudicava, pelo desvio de recursos públicos, as
atividades da Petrobras no tocante à prospecção de jazidas no território nacional”
(http://cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Gabriel_Passos.asp).
14
A esse respeito veririficar verbete que consta na nota 5.
25
discutiram a Carta de Córdoba
15
documento utilizado para análise nas
primeiras reuniões de organização da UNE e diversos outros documentos
nela baseados, sendo forte a influência do movimento hispano-americano pela
reforma universitária.
De 20 a 27 de maio de 1961, a entidade estudantil realizou o I Seminário
Nacional de Reforma Universitária, em Salvador, que teve como produto a
Declaração da Bahia, que, segundo Poerner (2003), possuía uma linha
anticapitalista e revolucionária, e apresentava como proposta:
“1) a luta pela democratização do ensino, com acesso de
todos à educação, em todos os graus; 2) a abertura da
universidade ao povo, mediante a criação de cursos
acessíveis a todos: de alfabetização, de formação de líderes
sindicais (nas faculdades de Direito) e de mestres-de-obras
(nas faculdades de Engenharia), por exemplo; e 3) a
condução dos universitários a uma atuação política em defesa
dos universitários” (Idem, p.153).
Cunha (1989), ao analisar o texto final do encontro afirma a ausência de
clareza e definição no direcionamento dos participantes no que se referia ao
contexto social da universidade em nível nacional. Por outro lado, apontou a
convergência nas propostas particulares, compatíveis, em muitos casos, com
os projetos de modernização do ensino superior defendidos por determinados
setores do Estado.
1.2 – Hegemonia católica na UNE
15
A Carta de Córdoba, conhecida também como a Carta Magna da Reforma Universitária, foi
resultado do primeiro congresso da Federação Universitária Argentina composta por
delegados de Córdoba, La Plata, Tucumán e Santa em 1918. Os pontos de destaque da
reforma universitária laicizante defendidos no documento eram: “participação dos estudantes e
dos formados na direção da universidade (o princípio do co-gobierno); autonomia universitária;
assistência livre, como um meio de forçar professores a melhor prepararem as aulas; seleção
dos mais capazes e não dos mais favorecidos economicamente; instituição da livre docência
com valor igual ao do curso oficial; periodicidade das tedras; publicidade dos atos
universitários; extensão universitária; ajuda social aos estudantes; diferenciação das
universidades conforme as peculiaridades regionais, orientação social dos estudos
universitários, abordando os grandes problemas nacionais” (Cunha, 1989, p.210).
26
A partir do XXIV Congresso da UNE, realizado em 1961, quando ficou
decidida a filiação da UNE à União Internacional dos Estudantes (UIE), a
entidade estudantil ingressou numa fase de ascensão católica, identificada pela
eleição de Aldo Arantes e pelo crescimento da Ação Popular
16
(AP) que se
organizou por volta de 1960, como resultado da dissensão entre a JUC
17
(Juventude Universitária Católica) e a hierarquia religiosa no interior da
entidade. Essa gestão foi estruturada a partir de uma chapa de unidade entre a
AP, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Organização Revolucionária
Marxista Política Operária
18
(POLOP).
Nos primeiros anos da década de 60, a esquerda era composta por forças
heterogêneas, como: Leonel Brizola, representando um nacionalismo pequeno-
burguês; a AP, com um eclético anticapitalismo; o PSB
19
, com um “difuso e
moderado socialismo”; expressões populares como Miguel Arraes e Francisco
Julião, este último com as Ligas Camponesas; e, o PCB, um dos
representantes da esquerda, de filiação marxista, que no movimento operário-
sindical tinha sua maior expressão no Comando Geral dos Trabalhadores
(CGT). Além de outras organizações marxistas que pretendiam a “vanguarda
revolucionária”: o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) – POR(T); a
POLOP, também trotskista; e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), formado
pela dissidência stalinista do PCB em 1962 (Cf. Netto, 2000).
Nesse período, os dirigentes da UNE percorriam todo o país na realização
de uma série de atividades, sobretudo no que se refere à promoção do debate
16
A AP, que contava em sua composição, com membros da JUC, pretendia transformar
radicalmente a estrutura da sociedade brasileira, tornando-a socialista (Cf. Cunha, 2001).
Cunha (1989) afirma que foram “os conflitos entre a resistência da maioria dos bispos ao
‘avanço’ da Ação Católica e as tentativas desta em defender-se ante as pretensões de controle
daqueles levaram seus militantes a fundar, junto a socialistas não-católicos (...) a Ação Popular,
livre das restrições da hierarquia eclesiástica e suas limitações ideológicas, principalmente a
condenação da luta de classes e da violência revolucionária” (p. 70).
17
A JUC foi fundada em 1950, como uma associação civil vinculada à Ação Católica Brasileira
(ACB). Seu intuito era disseminar a ideologia da Igreja Católica no âmbito universitário.
18
Esta organização “nasceu em 1961, agrupando elementos de várias pequenas tendências
alternativas ao PCB, com influência sobretudo nos meios universitários. A POLOP contestava
as idéias reformistas e pacifistas do PCB, propondo a luta armada revolucionária pelo
socialismo” (Ridenti, 1993, p.26).
19
De acordo com Netto (2000), tratava-se mais de uma agremiação eleitoral do que de um
partido organizado em nível nacional.
27
em favor das reformas de base. As viagens eram financiadas com verbas
concedidas pelo Ministério da Educação e por empresas públicas, bem como
por meio da doação de passagens no Correio Aéreo Nacional (da Força Aérea
Brasileira) e nas ferrovias e companhias de navegação estatais.
Ao considerar estas concessões feitas pelo governo à entidade estudantil,
Cunha (1989) ressalta que a UNE “constitui um bom exemplo dos mecanismos
que ligavam ao Estado, contraditoriamente, o movimento pelas reformas de
base(p.57). E aponta, nesse momento em que o governo apoiava ações da
UNE que se empenhava na luta por tais reformas –, a inclusão da reforma
agrária no Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1962/65)
“com o objetivo, além de superar certos estrangulamentos do processo de
crescimento econômico, de evitar que a massa de camponeses continuasse
sendo ‘presa fácil das pregações demagógicas’” (Idem).
Importante destacar, em 1960, o apoio intenso de grande número de
estudantes na Campanha de Defesa da Escola Pública. Dentre as diversas
ações desenvolvidas nesse sentido, vale ressaltar a participação de discentes,
mobilizados pela União Estadual de Estudantes (UEE), na Convenção
Estadual, realizada em maio de 1960, em São Paulo. Ademais, desde 1959,
uma série de matérias, enfatizando a defesa da escola pública, foram
publicadas no jornal O Metropolitano ligado oficialmente à UME do Rio de
Janeiro. De acordo com os estudantes, a escola pública
“representa ensino livre de ideologias, sectarismos e
particularismos; simboliza ensino para o progresso e para o
trabalho, em suma, ensino igual para os que iguais são,
conforme ditames de nossa Magna Carta (...). Escola Pública
não quer dizer do Estado, mas assegurada por este, por ele
fiscalizada e mantida, descentralizada da União e entregue
aos estados e municípios, de acordo com sua estrutura social,
geográfica e humana”
20
.
Foram diversas as teses apresentadas nos congressos da UNE e das
UEEs que se referiam às diretrizes e bases da educação nacional. O debate
acerca de propostas para o desenvolvimento do ensino público permaneceu
ainda após o projeto ter sido enviado ao Senado Federal. Os estudantes
20
O Metropolitano, 12 de julho de 1959, p.1 (apud Fávero, 1994, p.26).
28
acreditavam que “a escola particular, muitas vezes boa, é a escola para quem,
podendo pagar, pode escolher o gênero da educação almejada para seus filhos
enquanto a escola pública é a que oferece igualdade de oportunidades para
todos, sem preconceitos de qualquer natureza”
21
. É importante destacar, ainda,
a realização constante de comícios-relâmpagos, no Rio de Janeiro, em locais
de grande concentração.
A bandeira de defesa da escola pública também foi levantada na
campanha do marechal Henrique Lott à Presidência da República, que recebeu
apoio da UNE, embora o oficialmente, em virtude de proibições estatutárias.
Vale considerar, ainda, o número relevante de estudantes que passaram a
compor o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE discutido mais à frente
após a participação nesta campanha.
Em meados de 1961, quando da crise de sucessão presidencial, em
decorrência da renúncia de Jânio Quadros – candidato da UDN que havia
iniciado seu mandato em 31 de janeiro de 1961 –, a UNE, articulada com o
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, empenhou-se na defesa da
constitucionalidade, o que garantiria a posse de João Goulart, então vice-
presidente. Para tanto, a entidade estudantil transferiu sua sede para Porto
Alegre, de onde orientava a mobilização estudantil, nos diversos estados, na
luta contra o movimento golpista. Dentre os participantes desta campanha, vale
destacar o CGT, as Ligas Camponesas, além de militares nacionalistas. Tal
iniciativa não visava a demonstrar pleno apoio a João Goulart, mas sobretudo
lutar em defesa da democracia.
Importante considerar a crise econômica com a qual o novo presidente se
deparou um período de aguçamento das contradições entre as classes
sociais, que dentre outros fatores, gerava extrema instabilidade política. De
acordo com Ianni,
“O governo deveria optar, ainda que de modo implícito, por
uma das duas estratégias políticas de desenvolvimento:
favorecer a expansão do capitalismo nacional ou acelerar a
internacionalização, como meio de promover os investimentos
indispensáveis a uma nova expansão econômica. Mas as
condições políticas da época, nos termos da ‘democracia
21
O Metropolitano, 12 de junho de 1960, p.8 (apud Fávero, 1994, p.26).
29
representativa’ então em vigor, não possibilitavam uma
decisão clara; nem permitiam mais uma atitude ambígua,
como transpirava das atuações reais do governo” (1986,
p.196).
O autor ainda destaca nesse período a acentuada radicalização dos
posicionamentos dos partidos políticos de esquerda e de direita. E observou a
perda de significado da corrente liberal em face da polarização das posições.
Um dos grandes dilemas desses anos foi o distanciamento entre os
Poderes Legislativo e Executivo. O primeiro, composto, em sua maioria, por
representantes da sociedade agrária, valorizava a economia primária
exportadora e tinha na posse da terra a base do poder político. O segundo
estava preocupado com interesses e valores da sociedade urbano-industrial e
tinha no capital industrial a fonte do poder político, ideologia latente nos
governos de Vargas e Kubitschek. Para Ianni, “tratava-se de um antagonismo
que caracterizava a essência da crise político-econômica dos anos 1961-64.
Por isso, a ‘resolução’ da crise brasileira nessa época estava diretamente
relacionada com a superação daquele antagonismo; ou melhor, exigia a
condenação da ‘democracia representativa’” (1986, p.200).
Em novembro de 1961, um grupo de estudantes, acompanhados pelo
dirigente da UNE, participaram do I Congresso Brasileiro de Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, quando expuseram tese a
respeito da reforma agrária. Ademais, no decorrer de 1962, a necessidade de
um Congresso Operário-Estudantil-Camponês foi apontada na maioria das
reuniões do conselho de representantes e da diretoria da UNE.
Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
em dezembro de 1961, pelo presidente João Goulart, o presidente da UNE
declarou:
“a UNE não pode esconder a sua decepção diante do
sancionamento da atual Lei de Diretrizes e Bases, ainda
privatista no seu estilo e forma, e por isso lesiva aos
interesses populares que poderão ser atendidos pela
Escola Pública, gratuita e democrática. (...) A UNE no entanto,
30
continuará sua luta pela democratização do ensino, pela
Reforma Universitária e pela Escola Pública” (UNE, 1962
22
).
De acordo com Cunha (1989), as reivindicações mais importantes dos
interesses privativistas foram contempladas na referida lei sob a denominação
de “liberdade do ensino”, tornando-se, inclusive, objeto de um de seus títulos.
Dentre outras determinações, o direito de participação dos estudantes na
administração das universidades e escolas isoladas também foi garantido na
Lei de Diretrizes e Bases, devendo ser regulamentado nos estatutos das
instituições de ensino, o que preocupava os estudantes, que temiam dispor de
ínfima participação.
Em março de 1962, foi realizado o II Seminário Nacional de Reforma
Universitária, em Curitiba, quando a Declaração da Bahia foi aprofundada
criticamente, tendo em vista a necessidade de suprir a lacuna deixada no que
se refere à perspectiva tática, transformando-se na Carta do Paraná. Cunha
(1989) destaca que a diversidade de tendências políticas no meio estudantil,
associada a uma abordagem fragmentada dos temas transformou o documento
num “mosaico de proposições”, por vezes antagônicas.
1.3 – A luta pela representação na base de 1/3
Após a realização do Seminário Nacional de Reforma Universitária, a
entidade pôs em prática uma definição dada no encontro: a reivindicação da
participação dos estudantes de ensino superior nas instâncias administrativas
da universidade (Congregação, Conselho Universitário e Conselhos Técnicos),
com direito a voto, na base de 1/3 do total de membros.
Os estudantes afirmavam: “os Conselhos Universitários se compõem com
dois representantes (professores) por Faculdade. Queremos também que, para
cada escola, o corpo discente esteja representado, na pessoa de um
22
Resoluções do Conselho da UNE. Rio de Janeiro: Editora Universitária/ UNE, 1962, p.11
(apud Cunha, 1989, p.132).
31
estudante”
23
. Para tanto, a UNE deu início a uma campanha nacional, quando
percorreu o país com a UNE-Volante, cujo lema era “A UNE veio para unir”. Por
meio do CPC
24
um órgão que tratava de questões culturais no interior da
UNE, com autonomia no que se refere à administração e às finanças e
respaldado por um regimento interno próprio a entidade estudantil visava
promover um movimento de cultura popular em nível nacional. Para tanto, a
diretoria da UNE visitou, em três meses, a maioria das capitais do país, quando
esteve presente nas instituições de ensino superior (IES) promovendo o debate
a respeito da reforma universitária e da greve de 1/3, e, ainda, fundou 12 CPCs
estaduais.
O CPC propagava suas mensagens por meio de atividades culturais, tais
como: a realização de peças de teatro (aproximadamente vinte espetáculos),
como o Auto dos 99% (percentual referente aos brasileiros excluídos do ensino
superior), Eles Não Usam Black Tie, Miséria ao Alcance de Todos e A Vez da
Recusa; a composição de músicas, seguidas da organização de shows, bem
como a gravação de dois discos (O Povo Canta e Cantigas de Eleição por
exemplo); a produção do filme Cinco vezes favela, além de um documentário;
investimento em literatura, com a edição de vinte e seis títulos na coleção
Cadernos do Povo, e outras publicações; a promoção de cursos de extensão
também ocorreu, dentre outras atividades. Deve-se destacar que o CPC
baseava-se num referencial teórico estruturado em dois principais textos: um
de Carlos Estevam, cujo título era A questão da cultura popular, onde defendia
a necessidade de “(...) distinguir a arte do povo da arte popular e, ambas, da
arte praticada pelo CPC a que ele chama de ‘arte popular revolucionária’”
(Góes, 1985, p.29); e outro de Ferreira Gullar, denominado A cultura posta em
questão.
É importante ressaltar, ainda, um trecho do Manifesto do CPC, de março
de 1962 expresso no texto de Carlos Estevam –, onde foi explicitado o alvo
das atividades desenvolvidas pelo CPC, como segue:
23
Trecho do Manifesto da UNE aos Estudantes e ao Povo, que consta na Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos – n° 87 – julho/ setembro de 1962, p.203.
24
O CPC, Centro Popular de Cultura, filiou-se à UNE a partir de 1961, e foi formado, no Rio de
Janeiro com o intuito de construir e difundir arte política junto às classes populares por um
grupo de jovens intelectuais e artistas que atuaram na campanha do General Lott.
32
“Pela investigação, pela análise e o devassamento do mundo
objetivo, nossa arte está em condições de transformar a
consciência de nosso público e de fazer nascer no espírito do
povo uma evidência radicalmente nova: a compreensão
concreta do processo pelo qual a exterioridade se descoisifica,
a naturalidade das coisas se dissolve e se transmuda. (...) A
arte popular revolucionária encontra o seu eixo mestre: a
transmissão do conceito de inversão da práxis, o conceito do
movimento dialético segundo o qual o homem aparece como o
próprio autor das condições históricas de sua existência”
(apud Góes, 1985).
Após a realização do I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura
Popular, em setembro de 1963, “o CPC reviu a sua diretriz política e começou
a abrir maior espaço para trabalhos mais permanentes e sistemáticos junto às
classes subordinadas, a partir da alfabetização” (Góes, 1985, p.30). O CPC,
ainda, iniciou uma tentativa de organizar-se como empresa de prestação de
serviços, no entanto, dependia do governo federal para a realização da
construção do teatro no prédio da UNE – que acabou sendo inaugurado em 30
de março de 1964 e incendiado no dia seguinte, como resultado da
movimentação do golpe de Estado – e da campanha de alfabetização.
De acordo com Poerner (2003), o grande defeito do CPC residiu na
“contradição entre o cunho empresarial que pretendia assumir e o total
despreparo, em termos empresariais, nos seus quadros” (p.158). Ademais, o
investimento da maior parte dos recursos financeiros no filme Cinco vezes
favela se pôs como outro fator negativo, e que pode ser associado, ainda, ao
empenho em criar a Universidade de Cultura Popular, antes mesmo de o CPC
estar consolidado.
Não tendo sua reivindicação atendida, no que se refere à participação de
1/3 nos órgãos universitários, a UNE decidiu greve geral nacional, que
paralisou a maioria das IES existentes no país naquele período, cerca de 23
federais, 14 particulares e três estaduais (Cf. Idem, p.156). Nesse período,
dentre as diversas manifestações públicas ocorridas concomitantemente à
greve, como assembléias e seminários locais sobre a Reforma Universitária,
destacou-se a ocupação do Ministério da Educação pelos estudantes do Rio de
Janeiro, que foram retirados do local sob pressão da Polícia do Exército.
33
A participação reivindicada pelos estudantes seria um meio de introduzir
mudanças na orientação dada às instituições de ensino superior no país. De
acordo com o Manifesto da UNE aos Estudantes e ao Povo, esta mudança:
“Além de estabelecer, em bases efetivas, um verdadeiro
diálogo criador, despertando a massa estudantil de sua
situação de passividade e destronando os professores de
suas torres de marfim, da confortável infalibilidade do magister
dixit, determinaria a nossa interferência, como parcela
significativa do povo, na política de destinação dos recursos
propiciados pelo Estado ao ensino superior. E todos bem
sabem que o estamos de acordo com a absurda e
criminosa aplicação de verbas, com prioridades às obras
santuárias, características das nossas grandes universidades.
Para nós, que nos rebelamos, o fim primordial da
Universidade é o povo, analfabeto, carente miserável em sua
maioria, na realidade brasileira”
25
.
Durante o XXV Congresso Nacional dos Estudantes, em julho de 1962,
em Petrópolis, foi eleito, para a sucessão da direção da UNE, Vinicius
Caldeiras Brant, estudante pertencente ao Movimento Revolucionário
Tiradentes
26
(MRT), que consolidou a hegemonia da AP no ME. Deve-se
ressaltar nesse Congresso, a ação de militantes do Movimento Anticomunista
(MAC) e oficiais do Exército, que feriram dois estudantes.
Nesse encontro, após mais de um mês de greve, as lideranças decidiram
o prosseguimento do movimento grevista, que foi suspenso somente em
meados de agosto
27
, quando já estava esvaziado. É importante considerar aí a
tentativa do presidente João Goulart, preocupado em garantir a participação
25
Idem nota 21.
26
O MRT foi fundado por Francisco Julião, por volta de 1962. O movimento inspirava-se na
Revolução Cubana e intencionava iniciar uma guerrilha rural, no entanto, seu projeto não foi
efetivado em virtude da repressão policial no decorrer do governo de João Goulart.
27
É importante observar que a greve não pode ser considerada como um movimento
totalmente fracassado por não ter alcançado suas metas iniciais. Certamente, por meio deste
movimento, promoveu-se ampla divulgação da luta travada pelo estudantado empenhado na
atuação política, o que possibilitou um maior conhecimento das questões políticas que
transpassavam a universidade brasileira naquele período, por parte dos estudantes. Ademais,
outro fator positivo residia no apoio da opinião pública, que ao ter acesso às discussões
levantadas pelo CPC passavam a compreender as motivações do movimento estudantil.
De acordo com Poerner, os organizadores da greve falharam “quando mistificaram com os
liderados a iminência do triunfo grevista ou quando manifestaram exagerada confiança na
atuação isolada do movimento estudantil” (2003, p.157).
34
dos estudantes na mobilização pelo retorno ao sistema presidencialista – tendo
em vista a atuação estudantil na Campanha da Legalidade de atender à
reivindicação do ME. Para tanto, o Ministro da Educação, Roberto Lyra,
solicitou auxílio do Conselho Federal de Educação (CFE). No entanto,
discordando do atendimento à reivindicação estudantil, o CFE aprovou o
parecer 155/62, de Abgar Renault que defendeu uma representação
estudantil plural, mas nunca homogênea, tendo em vista a necessidade de ser
formada segundo os estatutos de cada instituição de ensino. Abgar Renault
afirmou que
“a representação dos estudantes deve (...) ser vária. Mas,
acima de tudo, tem que ser uma representação altamente
qualificada. (...) cujos componentes sejam selecionados por
suas qualidades morais e intelectuais, pela dedicação ao
dever e por um procedimento condigno, que em conjunto
comprovem merecimento e assiduidade. Além disso, a
representação deverá ser eficaz
28
.
O parecer ainda destacava a impossibilidade do direito a voto para a
representação estudantil em todos os assuntos, indicando que “(...) a
inexperiência dos jovens e o seu desconhecimento, muito naturais, de
assuntos, quer didáticos, quer administrativos, desaconselham a sua
intervenção”
29
.
Em inícios de 1963, no Plebiscito Nacional, que decidiria a permanência
ou não do sistema parlamentarista no Brasil que havia sido instaurado em
setembro de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto
desse ano –, os estudantes se mobilizaram na defesa do retorno ao regime
presidencialista. Como resultado
30
do Plebiscito, Jango retomou os plenos
poderes presidenciais. Importante considerar que durante seu governo houve
um agravamento dos problemas políticos e econômicos, o que intensificou os
28
Fonte: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – n° 87 – julho/ setembro de 1962, p.207.
29
Idem.
30
Em 06 de janeiro de 1963, “(...) 11.531.030 eleitores, de um eleitorado de 18 miles,
votaram no plebiscito. O resultado determinou a volta ao presidencialismo por 9.457.448 votos
contra 2.073.582” (Fonte:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/6Na_presidencia_republica/Parlamentarismo_sim_ou
_nao.asp).
35
debates acerca das limitações e possibilidades inerentes ao modelo de
desenvolvimento adotado nos anos anteriores. Diante disso, tornava-se
necessária uma alternativa política para que o país pudesse se inserir numa
nova fase de crescimento econômico (Cf. Ianni, 1986).
No que se refere ao movimento estudantil, a UNE deu apoio ao
Congresso Continental de Solidariedade a Cuba que seria realizado no Rio
de Janeiro de 26 a 30 de março, mas que havia sido proibido por Carlos
Lacerda, governador do Estado da Guanabara tendo sido condenada pela
UME. Com o intuito de garantir a realização do encontro, a UNE ofereceu sua
sede, que foi cercada por fuzileiros navais com o auxílio da Polícia Militar.
Diante disso, o Conselho de Representantes da UME divulgou nota, onde
afirmou:
“A tônica deste Congresso é o sectarismo ideológico, que
aguçaria a radicalização entre os diversos grupos ideológicos
estudantis, comprometendo mais ainda a unidade no
movimento universitário brasileiro. É a cisão, quando o
momento é de união na luta pelas reformas e pela
democracia, que não tolera nem arbitrariedades nem
irresponsabilidades
31
”.
1.4 – Radicalização do Movimento Estudantil
A UNE retomou o fôlego somente em 1963, quando foi realizado, em Belo
Horizonte, o Seminário Nacional da Reforma Universitária, que manteve as
orientações básicas apresentadas na Carta do Paraná. Nesse período pós-
greve, duas foram as orientações apresentadas no ME: a defesa de uma
revisão do ME, focando nas lutas específicas do estudantado que seria a
reforma universitária –, e a defesa do engajamento do ME em lutas mais
amplas, compreendendo que a reforma universitária seria conseqüência e não
31
apud Cunha (1989, p.58).
36
ponto de partida. Cunha (1989) conclui que “embora essas orientações fossem
por vezes articuladas nos documentos estudantis, elas representavam uma
dispersão de forças que acabou por enfraquecer a luta pela reforma
universitária” (p.247).
Em julho de 1963, no 26º Congresso, outro estudante vinculado à AP foi
eleito para a direção da UNE, José Serra, que concluiria essa fase de
predomínio do seu partido. A partir desse Congresso destacou-se o
engajamento dos estudantes em movimentos populares como: a campanha
nacional de alfabetização de adultos, campanhas sanitárias visando à
erradicação de doenças do campo promovidas pelo Departamento Nacional
de Endemias Rurais do Ministério da Saúde –, trabalho em sindicatos rurais,
centros populares de cultura, dentre outras atividades, que possibilitavam uma
maior aproximação entre os estudantes e a população rural, principalmente nos
Estados do Rio de Janeiro e de Pernambuco, com a contribuição do
governador Miguel Arraes. Deve-se ressaltar, ainda, a participação dos
estudantes nas Ligas Camponesas
32
, juntamente com lavradores e
trabalhadores intelectuais. O grupo atuava principalmente na região Nordeste,
e, baseado em ideais de liberdade, buscava motivar os camponeses na luta
pela concretização da reforma agrária.
Após a realização do Seminário, os estudantes direcionaram suas ações
para o Legislativo ao encaminharem projetos de emenda à Constituição e à Lei
de Diretrizes e Bases (LDB), elaborados em articulação aos projetos de
reforma universitária. A esse respeito a UNE afirmou que:
“Parece evidente que, de certa forma, não seria possível um
projeto de Reforma Universitária, no sentido em que não é a
32
Este movimento social era liderado por Francisco Julião, que tinha como principal palavra de
ordem “reforma agrária na lei ou na marra”. O líder iniciou sua relação com o movimento
agrário a partir da criação, em 1955, da Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de
Pernambuco (SAPP).
As Ligas Camponesas eram associações de trabalhadores rurais, formadas, a princípio, em
Pernambuco, e, depois, em outras regiões do país. Em defesa da reforma agrária, essas
organizações se mobilizaram por meio de ações judiciais, passeatas, marchas, encontros e
congressos. Mantiveram atuação de 1955 até o golpe militar de 1964, quando Julião foi preso e
depois exilado. No fim deste período, as Ligas Camponesas se encontravam em refluxo
como organização. Segundo Ridenti (2003), isto teria ocorrido em função das atitudes
vanguardistas tomadas por seus dirigentes.
37
forma jurídica mas o próprio conteúdo da Universidade que
importa transformar. Mas, por outro lado, as medidas
concretas de reforma e democratização do ensino superior
esbarram constantemente em obstáculos, tais como a cátedra
vitalícia, os exames vestibulares, a estrutura de decisão dos
problemas universitários, e tantos outros, característicos de
uma legislação anacrônica. A Luta, essencialmente, é pela
democratização da Universidade, o que de imediato significa a
democratização do acesso ao ensino superior e a
democratização interna da Universidade Brasileira; mas é
indispensável remover os obstáculos mencionados, como
condição de novos progressos da Reforma da Universidade”
33
.
Nesse período, aprofundava-se a crise da política nacional, somando-se a
isso a perda de credibilidade que o desenvolvimentismo vinha sofrendo, o que
configurava um cenário de instabilidade política. Concomitantemente a este
processo, era possível constatar a emergência do movimento camponês e a
rearticulação do movimento operário. Diante da situação político-econômica
João Goulart formulou e buscou executar uma política econômica planificada.
Para tanto, o presidente deveria executar o Plano Trienal entre 1963 e 1965.
De acordo com Ianni, “pela primeira vez formulava-se, no âmbito do próprio
poder público, um diagnóstico amplo, detalhado e integrado das condições e
fatores responsáveis pelos desequilíbrios, estrangulamentos e perspectivas da
economia do País” (1986, p.209). No entanto, o autor afirma que um plano
desse viés não podia fundamentar a política econômica de um governo
apoiado na democracia representativa’, com forte influência do populismo
nacionalista e de esquerda” (Idem, p.218).
Vale considerar que havia um clima favorável à implementação desse
plano, tendo em vista a Carta de Punta Del Este, de meados de 1961, que
tratava das preocupações políticas dos países norte-americanos e latino-
americanos em face da revolução socialista em Cuba. Ganhava visibilidade por
meio, por exemplo, da Conferência (e da Carta) de Punta Del Este e da criação
da Aliança para o Progresso, a crise da liderança dos Estados Unidos na
América Latina em decorrência da situação cubana. Nesta conjuntura, o
33
Luta Atual pela Reforma Universitária. Rio de Janeiro, UNE, 1963. In: Cadernos de
Coordenação Universitária – n° 4, p.26-27.
38
governo dos Estados Unidos concordava em contribuir para a elaboração de
planos e programas de desenvolvimento econômico na América Latina.
Entretanto, João Goulart, ao longo de 1963, não conseguiu manter as
medidas preconizadas no Plano Trienal, como o investimento numa “política
monetária, cambial e salarial de cunho antiinflacionário” (Idem, 1986, p.213),
ação estruturada por meio de negociações com representantes do governo
norte-americano e do Fundo Monetário Internacional (FMI). E no intuito de
garantir sua base política, investiu nas campanhas pelas reformas de base, que
não se limitavam à questão agrária, bancária, fiscal e administrativa, mas
também contemplavam outros problemas como o ensino universitário e o
capital estrangeiro, por exemplo; e conferiu atenção à política externa
independente.
A UNE, em face dessa agitação política, pronunciou-se na defesa da
ampliação das liberdades democráticas, da autodeterminação dos povos, dos
interesses nacionais e de uma política externa que não gerasse a dependência
do país. Segundo Poerner (2003), a intensa luta gerava divisões no ME, pois
“ao mesmo tempo que se lançava a palavra de ordem ‘Legalidade com Jango’,
um setor universitário se integrava na tendência pró-resistência armada de
Leonel Brizola” (p.157).
Na organização do comício de 13 de março de 1964, duas semanas antes
do golpe, na Central do Brasil, estavam a UNE, a UME, a UBES (União
Brasileira dos Estudantes Secundários), a AMES (Associação Metropolitana
dos Estudantes Secundários), diversos diretórios acadêmicos, além de grupos
e lideranças de esquerda. Neste evento, manifestou-se aberta e
ostensivamente a separação entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
Brizola e João Goulart ameaçaram a direita com seus discursos. O objetivo era
promover o avanço da luta pelas reformas de base e para tanto apelava-se à
soberania popular. Brizola defendeu a reforma da Constituição e cogitou o
fechamento do Congresso, caso fosse necessário. Jango, por outro lado, evitou
ameaças e apresentou dois projetos:
“(...) o decreto de encampação das refinarias
34
particulares e o
decreto da SUPRA
35
, que declarava sujeitas a desapropriação
34
Gorender (1987) fazia referência às refinarias de petróleo.
39
as propriedades rurais superiores a quinhentos hectares,
marginais de vias federais numa faixa de dez quilômetros, e
superiores a trinta hectares, marginais de açudes e obras de
irrigação financiadas pelo Governo” (Gorender, 1987, p.61).
Gorender (1987) afirma ter sido o empenho pelas reformas de base o que
possibilitou uma mobilização e aglutinação de amplo conjunto de forças sociais,
esboçando então, entre 1963 e 1964, uma situação pré-revolucionária no país.
E ainda ressalta que a indicação da luta pelas reformas de estrutura era um
dos elementos acertados na Declaração Política de Março de 1958, elaborada
no interior do PCB.
A partir desse momento, o próprio presidente, segundo Ianni (1986),
passou a contribuir para a instituição de um “estado de ilegalidade”. À medida
que buscava fortalecer-se, João Goulart ultrapassava os limites
convencionados na Constituição de 1946, marginalizava os partidos políticos e
opunha-se ao Congresso Nacional.
Na semana que antecedeu o golpe, as Forças Armadas tiveram suas
estruturas de disciplina e hierarquia abaladas pela revolta. Fuzileiros e
marinheiros se declararam em assembléia permanente, no Rio, na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos. No intuito de demonstrar apoio ao movimento, os
estudantes, representados pela AMES, pelos Diretórios Acadêmicos das
Faculdades de Direito e de Filosofia, da UFRJ, e de Sociologia, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), divulgaram manifestos no
dia 28 de março. Um dos manifestos afirmava:
“na luta que travam pela obtenção dos direitos comuns que
lhes são vedados pelo estatuto arcaico da Marinha e por
artigos ultrapassados da Constituição de 1946, assim como
pela efetivação das transformações estruturais que se tornam
necessárias à sociedade brasileira e pela afirmação da
mensagem presidencial”
36
.
35
SUPRA – Superintendência para a Reforma Agrária.
36
apud Poerner (2003, p.161).
40
A UNE divulgou um panfleto
37
direcionado ao povo brasileiro, em março
de 1964, denunciando o golpe reacionário e conclamando a população a
organizar um contra-golpe. Afirmavam que “o golpe é a senha do levante
popular pelas reformas”. Por meio desta atitude, num momento de total
instabilidade política, a liderança da entidade estudantil afrontou diretamente os
setores contrários à permanência de João Goulart na Presidência da
República, e que deram o golpe de Estado.
Dentre os principais interessados na realização do golpe, os estudantes
apontavam “os grupos estrangeiros ligados ao petróleo, às empresas de
publicidade, à indústria farmacêutica”, e os “gorilas militares e civis”. De acordo
com o manifesto, o movimento golpista estaria sendo articulado:
“1) pela exploração dos sentimentos religiosos para fins
políticos. 2) pela exploração de setores militares menos
esclarecidos, principalmente em virtude da recente crise da
Marinha. 3) pela articulação de governadores (Lacerda
38
,
Ademar
39
, Meneghetti
40
, Nei Braga
41
e José Magalhães
Pinto
42
) da maioria do Congresso (UDN, PSD
43
), para o
‘impeachment’ do Presidente da República”.
37
Fonte: CPDOC/FGV/arquivo João Goulart/JG pr 1964.02.19 (www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/).
38
Carlos Lacerda foi o primeiro governador do Estado da Guanabara, empossado em 5 de
dezembro de 1960. Liderou a ala radical da UDN (União Democrática Nacional) carioca e
assinou, juntamente com outros governadores o Manifesto dos Governadores Democratas,
estabelecendo um acordo entre governadores sem aliança com João Goulart, que segundo
Lacerda teria relação com comunistas e estaria planejando um golpe.
39
Ademar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP), governou o Estado de São Paulo a
partir de 1966. Em suas declarações, defendia veementemente valores tradicionais, por vezes
de cunho religioso, que estariam sendo ameaçados pelo comunismo, difundido na sociedade
brasileira por intermédio do governo federal.
40
Ildo Meneghetti governou o Estado do Rio Grande do Sul de 1955 até 1959, e novamente
entre 1963 e 1966, quando esteve articulado aos governadores contrários ao governo de João
Goulart.
41
Eleito governador do Paraná em 1961, pelo Partido Democrata Cristão (PDC), permaneceu
na condução do estado até 1965. Militar desde 1935, Nei Braga tornou-se General do Exército
em 1963.
42
O Estado de Minas Gerais foi governado pelo banqueiro JoMagalhães Pinto entre 1961 e
1966, período em que participou do financiamento do IPES, bem como da articulação do golpe
militar de 1964.
43
O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado em 17 de julho de 1945 pelos interventores
nomeados por Vargas, que havia indicado a necessidade de aglutinar forças de apoio ao
41
Diante desse clima de efervescência, com a possibilidade de uma grande
movimentação popular, o movimento golpista foi intensificado, com o apoio do
governo norte-americano. Ademais, a expansão do capital estrangeiro no Brasil
passou a ser ameaçada pelo “pacto populista” entre Jango e as classes
populares.
Entidades como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática
44
(IBAD)
criado em 1959, a fim de combater o comunismo e estabelecer influência na
vida econômica, política e social do país e o Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais
45
(IPES) – fundado em 1962 mantendo articulação com o IBAD
associadas aos governadores do Rio de Janeiro, de o Paulo e de Minas
Gerais, difundiam abrangente propaganda antigovernamental, “anticomunista”
e golpista. Quanto aos militares, a ordem era buscar aprofundar o isolamento
do Presidente Goulart no Congresso Nacional, solidificando o movimento de
resistência contra o governo legal no Brasil.
governo. Em 1965 o PSD foi extinto, junto com os demais partidos políticos do país, por meio
do Ato Institucional n° 2.
O movimento pela posse de João Goulart contou com o apoio do PSD, que em 1963 se
encontrava em processo de afastamento do presidente. Nesse momento, a aliança com o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) liderado por Leonel Brizola vinha se desgastando, e,
concomitantemente, firmava-se uma maior aproximação entre PSD e UDN, que se opunha ao
governo federal.
44
Dentre outras organizações com as quais o IBAD estabeleceu vínculo ao compartilhar
pessoal, técnicas e recursos, vale destacar a relação com o MAC, o Movimento Democrático
Brasileiro que o deve ser confundido com o partido político criado em 1966 –, a OPAC
(Organização Paranaense Anticomunista) e a CLMD (Cruzada Libertadora Militar Democrática)
(Cf. Dreifuss, 1986).
45
O IPES foi uma espécie de Escola Superior de Guerra na forma civil em contraposição ao
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão do Ministério da Educação com a função
de elaborar e difundir os ideais nacionalistas e desenvolvimentistas, criado em 1955. O IPES
era financiado por “pessoas físicas e jurídicas, voltadas para a defesa da ordem capitalista e da
‘democracia’, combatendo a luta de classes e a atitude xenófoba diante do capital estrangeiro
(Cunha, 1989, p.53). Os objetivos declarados da instituição eram simplesmente educacionais e
cívicos. Ademais, afirmava-se a preocupação em contribuir para a resolução dos problemas
sociais do cotidiano do país.
No que se refere ao ISEB, vale considerar, como destaca Cunha (1989), que,
concomitantemente ao período de sua criação, o Estado investia na aliança entre o capital
“nacional” e o “estrangeiro”, patrocinando a internacionalização integral de alguns setores da
economia, bem como a criação de novos setores.
A criação do ISEB se deu no intuito de torná-lo um ‘centro permanente de altos estudos
políticos e sociais de nível pós-universitário’, onde se aplicariam as categorias e os dados das
ciências sociais ‘à compreensão crítica da realidade brasileira’, visando a elaboração de
instrumentos teóricos que permitissem ‘o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional’”
(Idem).
42
De acordo com Dreifuss, “no curso de sua oposição às estruturas
populistas, ao Executivo nacional-reformista e às forças sociais populares, o
complexo IPES/IBAD se tornava o verdadeiro partido da burguesia e seu
estado-maior para a ação ideológica, política e militar” (1986, p.164). Entre
1962 e 1964, com o auxílio de oficiais militares, o IPES estabeleceu um
sistema de informações que controlava e distribuía, regularmente, informações
acerca da influência “comunista” no governo.
De acordo com Gorender,
“a concepção direitista pré-64 partiu de diversos núcleos e
nunca chegou a ter comando plenamente unificado. Se, no
primeiro momento, houve acordo geral das frações da classe
dominante na entrega do poder às Forças Armadas, a idéia de
um regime militar duradouro não estava nos planos de
importantes conspiradores, em particular os candidatos à
Presidência da República” (1987, p.71).
No dia 31 de março, permanecia, segundo Gorender (1987), uma inação
generalizada por parte da esquerda, não havendo qualquer iniciativa de luta
por parte das lideranças operárias e nacionalistas. O autor afirma, ainda, o
receio de Jango sobre a possibilidade de ter a direção política transferida para
as correntes de esquerda, caso se empenhasse na luta.
Este cenário de efervescência política, que antecedeu o golpe militar de
abril de 1964, e esta série de ações, por parte do ME, contribuíram para que o
governo que tomou o poder após o dia de abril considerasse os estudantes
como uma espécie de ameaça à ordem social. A inserção dos estudantes na
luta pelas reformas de base, em movimentos populares, bem como no
lançamento de campanhas de combate à influência norte-americana na
economia do país, dentre outras iniciativas, transformaram-nos num obstáculo
para o aprofundamento dos objetivos do movimento golpista.
A ditadura militar passaria a investir violentamente na contenção dessas
mobilizações, não no que se refere ao ME, mas sobre os diversos
segmentos da sociedade brasileira. A partir do golpe de Estado, as
movimentações políticas contrárias ao que era apregoado e instituído pelos
43
governantes encontrariam uma gama de barreiras, criadas e elaboradas nesse
intuito.
No que concerne à repressão ao ME, a discussão do capítulo a seguir traz
uma série de elementos que possibilitam uma análise, por intermédio dos
instrumentos legais utilizados pelo governo ditatorial, da movimentação que se
deu nos campos político e educacional, tendo como protagonistas,
principalmente, os estudantes do ensino superior.
44
CAPÍTULO 2
INSTRUMENTOS LEGAIS DE REPRESSÃO AO MOVIMENTO ESTUDANTIL
E RESISTÊNCIA DISCENTE
Neste capítulo são identificados e analisados os instrumentos legais
criados pelo governo ditatorial de 1964 até fins da década de 70 no intuito
de conter a participação política dos estudantes de ensino superior no país,
bem como as formas de resistência adotadas pelo ME na luta contra as
arbitrariedades do governo. Para tanto, buscar-se-á discorrer acerca da Lei
4.464/64, a Lei Suplicy, que definia uma estrutura para os órgãos de
representação estudantil, bem como sua forma de funcionamento; do Decreto-
lei 228/67, que reforçou os mecanismos de controle da lei anterior; e do
Decreto-lei 477/69, cuja finalidade foi definir infrações disciplinares e
determinar as penalidades a serem aplicadas aos docentes, discentes e
funcionários que as cometessem. Todo este aparato normativo, que era parte
dos aparelhos coercitivos do Estado, segundo o pensamento gramsciano,
contribuiu para moldar o tratamento direcionado aos discentes neste período e
instituir um maior controle sobre suas atividades. Ademais, deve-se ressaltar a
criação das Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) no interior das
universidades federais – um tentáculo do Serviço Nacional de Informações
(SNI) – cuja ação consistia em investigar movimentações que denotassem
oposição ao regime.
Os primeiros movimentos das tropas golpistas, que ocorreram
concomitantemente à repressão de atividades e possíveis subversivos,
estariam indicando os estudantes como um dos principais alvos de repressão
por parte do regime militar. Em Recife, uma passeata que se direcionava ao
Palácio das Princesas foi cercada por tropas militares, tendo como resultado do
encontro, a morte de dois estudantes. Em Minas Gerais, dirigentes sindicais e
45
estudantes foram presos. No Rio de Janeiro, em de abril, a sede da UNE foi
incendiada e manifestantes reunidos na Cinelândia, em frente ao Clube Militar,
foram alvos de tiros disparados por militares. Centenas de sindicatos sofreram
intervenção. A prisão e a tortura, como formas de coerção sobre dirigentes das
Ligas Camponesas e dos sindicatos de trabalhadores rurais, começavam a ser
disseminadas.
Diante desse clima, setores da esquerda puseram-se em fuga, correndo
aos abrigos improvisados e quando não a caminho do exílio. Neste momento, a
atuação política de parte dos militantes cessou. De acordo com Netto,
“nenhuma força política, de esquerda ou não, opôs resistência ao golpe, e a
repressão que logo seguiu ao de abril, incidindo prioritariamente sobre as
lideranças democráticas e de esquerda, decapitou o movimento popular” (2000,
p.224). No entanto, em maior número estavam os que passariam a buscar uma
rearticulação ainda que na clandestinidade. Para Gorender, o fracasso da
esquerda pode ser explicado por um conjunto de elementos:
“a hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de
unidade entre as várias correntes, a competição entre chefias
personalistas, as insuficiências organizativas, os erros
desastrosos acumulados, as ilusões reboquistas e as
incontinências retóricas (...)” (1987: 67).
A partir do golpe, comissões de investigação percorriam repartições
públicas, universidades e empresas estatais, com o intuito de descobrir
opositores associados à política janguista. O denominado Supremo Comando
Revolucionário, composto por três ministros militares, general Arthur da Costa
e Silva, brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e vice-almirante
Augusto Hamann Rademaker Grünewald, elaborou o Ato Institucional 1 (AI-
1), que lhes outorgava o poder constituinte. De acordo com este ato, a
Constituição de 1946 e as constituições estaduais, com suas emendas, foram
preservadas. Autorizou-se a cassação de direitos políticos, de qualquer
pessoa, por dez anos. Ademais, a Presidência da República assumiu, de forma
direta, os meios de comando da economia, das finanças e o combate ao
“comunismo”. Para tanto, contava, ainda, com o apoio da alta hierarquia da
Igreja Católica, pelo menos até 1969 – embora tenha sido considerável a
46
resistência e a vinculação à esquerda por parte de segmentos do laicato, que
receberam destaque a partir das chamadas Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs), e do baixo clero desde 1964.
O funcionamento do Congresso, neste período, esteve sob controle dos
representantes responsáveis pelo golpe de Estado, apoiados por organizações
civis e comprometidos com os interesses nacionais e internacionais do
capitalismo. Deve-se destacar, ainda, a criação do Grupo Permanente de
Mobilização Industrial (GPMI), com o objetivo de adaptar os recursos bélicos
das Forças Armadas à nova doutrina de segurança.
“Segundo Golbery, a Doutrina de Segurança Nacional fazia
uma comparação entre segurança e bem-estar social. Ou
seja, se a segurança nacional está ameaçada, justifica-se o
sacrifício do bem-estar social, que seria a limitação da
liberdade, das garantias constitucionais, dos direitos da
pessoa humana. Foram esses princípios de segurança
nacional que nortearam a subjetividade dominante à época: a
caça ao inimigo interno” (Coimbra, 2002:32).
Ademais, o Decreto-Lei de junho de 1964 regulamentou o SNI, um centro de
processamento de informes políticos, permanentemente mantido em
articulação com o Poder Executivo e com o Conselho de Segurança Nacional
46
.
Nesse mesmo mês, uma das possibilidades de resistência dos
trabalhadores foi eliminada por meio da instituição da Lei de Greve (Lei
4.330/64), que proibiu greves de funcionários públicos e delegou ao governo
autoridade para definir greve política, o que ocasionou a decretação da
ilegalidade de grande parte delas. O artigo 723 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) determinava a impossibilidade da desobediência às decisões
trabalhistas por parte dos empregados, sem a liberação prévia do Tribunal.
Logo após, o Governo de Castello Branco
47
impôs medidas de
estabilização financeira, segundo o receituário do FMI. Instituiu o arrocho
46
Nas Forças Armadas, foram montados centros de análise de informes para cada um dos
setores: Ciex, no Exército; Cenimar, na Marinha; e, Cisa, na Aeronáutica. Havia, ainda,
serviços secretos que espionavam membros das Forças Armadas: E-2, no Exército; M-2, na
Marinha; e, A-2, na Aeronáutica.
47
salarial que atingiu tanto operários, que sofreram desemprego e perda do
poder aquisitivo, como a classe média, que demonstrou descontentamento
devido à necessidade de declarar falência de muitos proprietários de
microempresas.
Para uma melhor compreensão desse momento histórico e,
principalmente, da caracterização do Estado que começa a ser implantado,
importante demarcar a necessária utilização do pensamento de Gramsci no
que se refere à sua teoria marxista ampliada
48
do Estado. Ao examinar a
superestrutura, ele diferencia duas esferas denominadas sociedade política e
sociedade civil. A primeira faz referência ao “conjunto de aparelhos através dos
quais a classe dominante detém e exerce o monopólio legal ou de fato da
violência; trata-se, portanto, dos aparelhos coercitivos do Estado, encarnados
nos grupos burocrático-executivos ligados às forças armadas e policiais e à
imposição das leis” (Coutinho, 1996, p.53). E a segunda diz respeito ao
“conjunto das instituições responsáveis pela representação dos interesses de
diferentes grupos sociais, bem como pela elaboração e/ou difusão de valores
simbólicos e de ideologias” (Idem, p. 54), que Gramsci nomeia como
“aparelhos ‘privados’
49
de hegemonia”: escolas, Igrejas, partidos políticos,
organizações profissionais, meios de comunicação etc.
Essas duas esferas se distinguem no que diz respeito à função que
desempenham na vida social, sobretudo “na articulação e reprodução das
relações de poder” (Idem) por isso são tratadas por Gramsci de forma
47
Apesar da previsão do término do período ditatorial de Castelo Branco para 31 de janeiro de
1966, a transmissão do cargo para o General Costa e Silva ocorreu somente mais de um ano
depois. “Castelo Branco dizia acatar a Constituição de 1946, resguardar a democracia, pôr em
prática o bem-estar social, promover reformas, acreditar na autodeterminação dos povos e
confiar no desenvolvimento” (Vieira, 2000:193). No entanto, tais preceitos, sobretudo no que
concerne à democracia, se mantiveram apenas no discurso.
48
Trata-se de uma teoria ampliada do Estado que parte da noção “restrita” apresentada por
Marx, segundo a qual o Estado seria “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a
classe burguesa” (Cf. MARX, Karl e ENGELS, Friedrick., 1998, p.13). Nesta concepção, a
materialidade institucional do Estado restringe-se aos aparelhos repressivos e burocrático-
executivos. Enfim, o Estado restrito seria uma expressão direta e imediata do domínio de
classe, que despolitiza a sociedade e se utiliza da coerção para cumprir seu papel.
49
O adjetivo privado foi posto entre aspas por Gramsci no intuito de “(...) significar que – apesar
desse seu caráter voluntário ou contratual’ eles m uma indiscutível dimensão pública, na
medida em que são parte integrante das relações de poder em dada sociedade” (Coutinho,
1996, p.55).
48
relativamente autônoma e juntas constituem o Estado em sentido amplo, que
Gramsci define como “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia
escudada pela coerção”
50
.
O encaminhamento do processo de conservação ou transformação de
determinada formação econômico-social se de maneira diferenciada nas
duas esferas. Na sociedade civil as classes tentam exercer sua hegemonia
através da direção e do consenso. No âmbito da sociedade política, chamada
por Gramsci de “Estado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”, “exerce-se
sempre uma ‘ditadura’, ou, mais precisamente, uma dominação fundada na
coerção” (Idem).
As duas esferas se distinguem, ainda, em relação à materialidade (social)
própria, que são seus portadores materiais, os “aparelhos coercitivos de
Estado” e os “aparelhos ‘privados’ de hegemonia”. Enquanto na sociedade
política prevalece o constrangimento sobre o governado (em caso de não
cumprimento das ordens aplica-se uma sanção coercitiva), na sociedade civil,
por se tratar de organismos sociais “privados”, a adesão é voluntária, o que
lhes confere uma relativa autonomia em relação ao Estado estrito. Tal
independência material “funda ontologicamente a ‘sociedade civil’ como uma
esfera específica, dotada de legalidade própria, funcionando como mediação
necessária entre a base econômica e o Estado em sentido estrito” (Idem, p.55).
Para além das divergências apontadas entre as duas esferas, Gramsci
ressalta a unidade existente nessa relação, por exemplo, ao caracterizar a
sociedade política como “o aparelho de coerção estatal que assegura
‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem
passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos
momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso
espontâneo”
51
. Tal definição contribui para a análise das ações do governo
ditatorial no Brasil no período estudado no que se refere aos diferentes setores
da sociedade, como intelectuais, operários, artistas, estudantes etc. A partir daí
é possível compreender a estrutura na qual se baseavam os agentes do
50
Gramsci, apud Coutinho, 1996, p. 54.
51
Gramsci, apud Coutinho, 1996, p.56-7.
49
Estado, que para além de toda repressão física, por meio da violência, das
prisões, das torturas ou mesmo das mortes e desaparecimentos direcionados
aos que não consentiam, investiram também na elaboração de um conjunto de
leis e decretos que respaldavam a coerção aos indisciplinados, que no caso
seriam os universitários da UFRJ.
Importante considerar, ainda, a unidade, apontada por Gramsci, entre as
duas esferas, quando da manifestação da supremacia de um grupo social.
Nesse momento, as duas funções estatais de hegemonia, por meio da direção
e do consenso (“sociedade civil”), e de dominação, pelo uso da força armada
(“sociedade política”) se unificam, mas sem se homogeneizar. Diante disso, a
caracterização de um Estado como menos coercitivo ou mais consensual
dependerá
“sobretudo do grau de autonomia relativa das esferas, bem
como da predominância no Estado em questão dos aparelhos
pertencentes a uma ou a outra. E essa predominância, por
sua vez, depende não apenas do grau de socialização da
política alcançado pela sociedade em tela, mas também da
correlação de forças entre as classes que disputam a
‘supremacia’” (Coutinho, 1996, p.57).
A partir do pensamento gramsciano é possível encontrar fundamento para
a compreensão do governo ditatorial s-1964 que gradativamente foi
ampliando seu grau de controle sobre os diversos espaços da sociedade
brasileira onde se configuravam indícios de possibilidades de ação e de
organização política de opositores, sobretudo no que concerne aos aparelhos
privados de hegemonia. Neste período, paulatinamente, passavam a
predominar os aparelhos de coerção, o que dava contornos de um Estado cada
vez mais coercitivo e menos consensual; prevalecia o Estado-coerção. O grau
de autonomia relativa da sociedade civil foi se tornando ínfimo no processo de
fechamento da ditadura e compelia partidos e lideranças políticas à
clandestinidade.
Por outro lado, como aponta Coutinho, o desenvolvimento do sistema de
produção capitalista no país, que foi consolidado em determinado momento
valendo-se da ditadura militar, promoveu, objetivamente, uma complexificação
da estrutura social, com a conseqüente diversificação de interesses; estão aqui
50
os pressupostos para uma ampliação do volume de organizações sociais e, em
conseqüência, para a criação de uma sociedade civil não mais ‘primitiva e
gelatinosa’” (Idem, 2000, p.89).
Ademais, este governo não teve a capacidade de subordinar, de forma
totalitária, essa sociedade civil em crescimento, pois não dispunha de bases de
massa organizadas. Por meio do terrorismo de Estado, procurou reprimir, ou
pelo estabelecimento de uma “fachada legal” (o bipartidarismo), domesticar, o
que o levou, a conviver, mesmo que obrigatoriamente e de maneira conflituosa,
com essa sociedade civil (Cf. Idem, p.80-90).
De acordo com Netto (2000), a ditadura não conquistou nenhuma
legitimação considerável pela via política o que traduzido na concepção de
Gramsci se daria no âmbito da sociedade civil, por meio do consenso e da
direção –; pelo contrário, a partir de 1965, quando das eleições estaduais,
era possível identificar alguns oposicionistas. Verificou-se o deslocamento de
setores políticos que em princípio apoiavam o golpe. Ademais, o protagonismo
operário foi reativado, tanto por meio da adesão do movimento sindical a
manifestações antiditatoriais o que ficou marcado, em 1967, com o
surgimento do Movimento Inter-Sindical Antiarrocho (MIA) como pela
retomada de modelos avançados de luta como as greves de Contagem, de
abril a maio de 1968, e de Osasco, no mês de julho do mesmo ano. Tal
sentimento de insatisfação atingiu também a pequena burguesia urbana, o que
era expresso mais notadamente entre os estudantes, sobretudo universitários,
dos grandes centros urbanos, que garantiram uma maior visibilidade e
dinamismo dessas oposições.
A partir deste ponto é possível iniciar um aprofundamento no que diz
respeito às ações do governo ditatorial em relação aos estudantes, o que
tomaria proporções cada vez maiores no decorrer do processo de
estabelecimento da ordem e da disciplina. Este movimento foi iniciado, ao
menos no plano formal, quando Gama e Silva – Ministro da Justiça e da
Educação por um curto período de 11 dias –, passados 15 dias do golpe,
baixou uma portaria retirando do Fórum Universitário toda representação
estudantil da UNE e dos DCEs. Em 20 de abril, Flávio Suplicy de Lacerda,
Ministro da Educação, no intuito de cumprir o Ato Institucional, estabeleceu a
51
obrigatoriedade da instauração de inquéritos pelos reitores de universidades e
diretores de faculdades.
A fim de legitimar a intervenção nas IES, Suplicy de Lacerda utilizou-se do
artigo 84 da Lei de Diretrizes da Educação Nacional, que direcionava para o
CFE a responsabilidade de iniciativa e controle sobre as universidades:
“O CFE, após inquérito administrativo, poderá suspender, por
tempo determinado, a autonomia de qualquer universidade,
oficial ou particular, por motivo de infringência desta lei ou dos
próprios estatutos, chamando a si as atribuições do Conselho
Universitário e nomeando um reitor pro tempore (grifos
originais)”
52
.
No entanto, o CFE não desempenhou este papel, inclusive ele próprio era alvo
de repressão, posto que alguns de seus membros foram destituídos, outros
solicitaram licença, e os cargos, imediatamente ocupados por representantes
do regime.
Com nova composição, o CFE, em 28 de abril de 1964, aprovou a
intervenção, através do Parecer 106
53
, concluindo que: “os futuros
dirigentes, emanados de novo governo (sic) estariam em condições de apurar
as irregularidades porventura existentes, e de normalizar a vida na
Universidade”
54
.
A política educacional da ditadura, entre 1964 e 1968, efetivou seu
controle limitando as condições de funcionamento dos instrumentos
organizativos dos estudantes, o que configurou um clima de amedrontamento.
Imediatamente após o golpe, alguns deres estudantis foram presos, outros se
refugiaram em embaixadas e/ou tiveram de seguir para o exílio. Em diversos
estados, sedes de Centros Acadêmicos (CAs) e de UEEs sofreram invasão da
polícia ou de estudantes direitistas. Uma série de Inquéritos Policiais Militares
(IPMs) foram abertos na tentativa de encontrar os supostos “subversivos” no
movimento estudantil e nas instituições de ensino superior.
52
Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
53
Parecer, relatado por Clóvis Salgado, que reconhecia a legitimidade da intervenção e
apresentava propostas alternativas de desdobramento do caso.
54
apud Cunha (1988).
52
Para Guilhon Albuquerque
55
, as perseguições às lideranças ocorreram em
função de três principais fatores: por serem dirigentes de organizações
contrárias ao governo ditatorial, como a UNE, e em virtude de suas atividades
no interior do movimento estudantil; por apoiarem Jango por meio de suas
ações em sindicatos, órgãos do Estado, e sobretudo no Ministério de
Educação; e, por integrarem organizações políticas de origem estudantil.
No entanto, um elemento que deve ser considerado, de acordo com
Ridenti (1993), é a distância entre as lideranças e as bases estudantis nesse
período, pois o mecanismo utilizado pelo governo após 1964 de desmobilizar
os estudantes por meio da repressão às lideranças teria, a médio prazo,
fracassado. A responsabilidade pelas ões “subversivas” no meio estudantil
era direcionada para as minorias ativas que não representavam a maioria dos
estudantes. Dessa forma, ainda que considerando alguma distinção entre as
lideranças e as massas estudantis, a política governamental apresentava-se de
maneira equivocada. Segundo Albuquerque
56
,
“era o próprio movimento que se orientava e agia
politicamente, não bastando, portanto, simplesmente substituir
ou decapitar as lideranças. É isso que explica a dificuldade
encontrada pelo governo para modificar a orientação do
movimento estudantil através de medidas legislativas ou
repressivas. A interdição das atividades políticas no seio dos
diretórios significava a perda da substância dessas
organizações oficiais, lançando seus militantes,
inevitavelmente, às fronteiras da clandestinidade” (p. 137).
Diante disso, estavam dadas as condições para a inserção das lideranças
e da chamada “massa avançadado ME na militância política além do espaço
universitário ou secundarista. Destacou-se a notável participação/atuação dos
estudantes nas organizações de esquerda em geral. De acordo com dados do
Projeto “Brasil: Nunca Mais” (BNM), Ridenti (1993) indica que, dos processados
pelo governo em decorrência de ligação com grupos de esquerda, 906 eram
estudantes, ou seja, 24,5% do total de 3.698 com ocupação conhecida. Dentre
55
apud Ridenti (1993, p.126).
56
apud Ridenti (1993, p.124).
53
estes, 583 teriam vinculação com grupos guerrilheiros urbanos, ou seja, 30,7%
do total de 1.897 denunciados.
O autor ressalta, ainda, alguns dados acerca do PCB, que já atuava antes
do golpe de 1964
57
, que indicam o progressivo aumento da participação dos
estudantes nestas organizações no período ditatorial. Em 1964, a
representação dos estudantes no PCB se limitava a 1,1% dos processados,
aumentando entre 1965-68 para 12,3% e reduzida para 11,1% no período de
1969-74 e decaindo para 4% entre 1974-76. No que diz respeito aos Grupos de
11, os estudantes representavam apenas 3,2% do total de processados entre
os anos 60 e 70. nas organizações urbanas armadas, a participação dos
estudantes mantinha média em torno de 30% do total de processados, o que
também ocorria no caso dos grupos radicais opostos à luta armada imediata,
como o exemplo da AP, com 30,1%, e da POLOP, com 26,2%.
Outras organizações se destacavam pela proporção expressiva de adesão
estudantil, como o COLINA (Comando de Libertação Nacional) um grupo de
Minas Gerais, criado a partir de uma dissidência da POLOP, composto
basicamente por estudantes e com ramificações no estado da Guanabara
com 51% de estudantes, dentre os processados. No Movimento Revolucionário
8 de outubro (MR-8), dos 150 processados com ocupação conhecida, 49,3%
eram estudantes. É importante observar, no que concerne às informações
deste partido, que seus dados são referentes a duas organizações distintas,
que nos processos judiciais recebiam o nome de MR-8, a dissidência estudantil
do PCB
58
do estado do Rio de Janeiro (DI-RJ) e a do estado da Guanabara (DI-
GB), apresentadas em conjunto pelo BNM, apesar de não terem elementos em
comum. Deve-se ressaltar igualmente a participação dos estudantes no POC
59
(Partido Operário Comunista) e no PCBR (Partido Comunista Brasileiro
57
Ridenti justifica sua omissão acerca de outros grupos de esquerda como o PC do B, a
POLOP e a AP, que também atuavam antes de 1964, como decorrência da escassez de dados
a respeito deles no BNM.
58
No Brasil, as dissidências universitárias do PCB foram as principais fontes para os grupos de
esquerda que investiam na luta armada no período ditatorial.
59
O POC surgiu como resultado da junção, em abril de 1968, de membros da POLOP, pós-
Congresso de 1967, com a dissidência do PCB no Rio Grande do Sul. Tratava-se de um
partido que, inicialmente, se opôs à luta armada, mas que no processo político acabou por se
envolver em algumas ações.
54
Revolucionário) dissidência do PCB em torno de 40% do total de
processados.
Outros dois grupos armados devem ser notados, como a ALA (Ala
Vermelha do Partido Comunista do Brasil), com 17,5% de estudantes, e a VPR
(Vanguarda Popular Revolucionária), com 19,7%. Deve ser observada, ainda, a
quase inexistência de estudantes no MAR (Movimento de Ação
Revolucionária), no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) e na RAN
(Resistência Armada Nacionalista).
Certamente tais estatísticas apontam números inferiores aos reais, nestes
grupos de esquerda, pois, em decorrência da qualificação por ocupação, nos
dados, é possível, de acordo com Ridenti, que muitos dos que foram
identificados como profissionais de alguma área também fossem estudantes,
como era o caso de operários de Osasco, por exemplo. Ainda merece ser
ressaltado um outro dado, agora da Anistia Internacional
60
, referente a uma
lista que identifica 1.081 vítimas da repressão entre 1968 e 1972, onde, das
565 com ocupação conhecida, 39,8% eram estudantes.
Diante desses dados, pode-se constatar que grande parte dos militantes
das esquerdas no pós-1964 era composta pela juventude, o que não é
resultado de uma busca dos partidos por quadros jovens, mas das condições
sociais após a tomada do poder do Estado pelos militares, o que gerou maiores
possibilidades de mobilização dos segmentos mais jovens, sobretudo
estudantis. A intensa e recente participação política dos estudantes no período
pré-1964, a repressão do governo num período de intensa mobilização entre
1965 e 1968, a movimentação cultural, bem como o aprofundamento dos
problemas de ordem econômica, contribuíram para uma maior adesão dos
estudantes às organizações de esquerda.
Abreu (2003) realizou um estudo com jovens que atuaram na guerrilha
urbana no Brasil em sua maioria, até 1968, o tinha na militância política
uma opção de vida. O objetivo maior era a formação superior. Não havia a
pretensão de transformar a atividade política desenvolvida, seja no colégio ou
na universidade, em militância integral. No entanto, as condições objetivas
postas a eles, a repressão, a falta de espaço para a manifestação de idéias e
60
Informação destacada por Ridenti (1993, p.121).
55
a falta de liberdade para atuar politicamente em oposição às forças dominantes
foram empurrando essa geração para formas de participação que não
envolviam a negociação política, e sim ações violentas” (2003, p.185). Tratava-
se de uma geração que tinha uma juventude revolucionária atuante que não
se referia apenas aos jovens vinculados à guerrilha, mas também àqueles que
tiveram múltiplas formas de participação política.
Importante considerar no presente estudo o conceito de geração utilizado.
Tomaremos as considerações de Mannheim
61
que diferencia uma geração, não
somente pela contemporaneidade temporal, mas também pelas experiências e
acontecimentos comuns vivenciados, o que estabelece entre os que a integram
certa ligação. Uma geração é definida a partir de um fato ou uma série de fatos
que estruturam determinada época e que gera entre os indivíduos um
reconhecimento mútuo a partir da semelhança no que se refere aos seus
códigos, práticas políticas, sociais e culturais. Diante disso, indivíduos de
diferentes idades podem pertencer a uma mesma geração. Abreu (2003)
aponta como acontecimentos fundadores da geração de jovens que entraram
para a luta armada no fim da década de 60 no Brasil, como citado
anteriormente, o golpe de 1964 e o AI-5 – acontecimentos precedidos de
grande efervescência política, em contextos distintos mas que comportavam
relevantes níveis de possibilidades de manifestação política.
De acordo com Ianni, “a história do regime capitalista tem sido a história
do advento político da juventude(1968, p.225). Nos países em que o sistema
capitalista pôde ser implementado e que, de forma cíclica, vem sendo
reconfigurado a partir das crises
62
inerentes a ele, os jovens têm assumido,
historicamente, um posicionamento político de notável importância
63
. O
61
Apud Abreu, 2003, p.182-3.
62
Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, mencionaram a ameaça das crises
comerciais periódicas à existência e ao domínio da burguesia. De acordo com eles, “cada crise
destrói regularmente não uma grande massa de produtos fabricados, mas também uma
grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas” (1998, p.19). E qual seria o modo
de vencê-las? “De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças
produtivas; de outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa
dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais extensas e mais destruidoras e à
diminuição dos meios de evitá-las” (Idem).
63
Importante considerar a presença do radicalismo tanto de esquerda quanto de direita nos
países capitalistas. Merece, ainda, destaque o movimento radical de direita que envolveu
profundamente grande parte da juventude alemã após 1920, formando muitos líderes ao
56
capitalismo, no intuito de manter-se, compromete tão profundamente as
condições de vida de homens e mulheres que gera/ou nos jovens, recém-
inseridos no convívio universitário, a iniciativa de se engajarem em ações de
caráter político. Ademais, há no estudante, como defende Foracchi (1965), uma
capacidade particular de reconhecer com maior eficácia o significado da
relação entre sua classe de origem e a classe dominante e identificá-la como
um entrave à efetivação de seu projeto de carreira. Diante disso, essa
juventude passou a tomar consciência de que não lhes restava “nenhum futuro,
a não ser a degradação da subsistência. Os novos desempregados
descobriram que o desemprego não era o efeito de um acidente, mas apenas
seu destino. Bruscamente, as massas jovens negaram o sistema que lhes
negava a vida” (Idem, p.234).
Os jovens que aderiram à luta armada eram pertencentes, em grande
parte, a uma classe média ascendente (Cf. Abreu, 2003), que apresenta(va)-se
como uma categoria intermediária, comprimida entre as contradições do
sistema. Afastados da condição proletária e marginalizada no modo de
produção capitalista e, ao mesmo tempo, sem poder de interferência na
distribuição da riqueza, reduzem-se a simples assalariados. Tal condição
promove uma maior identificação com as demandas das camadas populares
(Cf. Foracchi, 1965).
De acordo com Ianni,
“Jovens procedentes das diversas camadas sociais
desenvolvem atuações políticas geralmente incompatíveis
com os interesses de suas classes. Essa é uma das
contradições das sociedades estruturadas em termos da
democracia burguesa. Nelas o processo de incorporação dos
grupos imaturos não é automático e espontâneo. Ao contrário,
ele se realiza por meio de mecanismos complexos, que nem
sempre apanham plenamente o indivíduo” (1968, p.226).
Abreu (2003), entretanto, faz uma consideração equivocada no que se
refere a essa geração de revolucionários, ao destacar nessa juventude a
construção de um projeto de vida baseado em seus valores familiares, que
revelam interesses de determinada classe, e segundo o qual eles ocupariam
nazismo. No Partido Nacional-Socialista Hitler havia grande concentração de jovens (Cf.
Ianni, 1968, p.236-7).
57
postos de liderança na sociedade
64
. Foracchi, por outro lado, faz uma
importante análise desse processo ao afirmar que “a radicalização do
movimento estudantil o seria simples manifestação das polarizações
ideológicas da classe média mas representaria, no plano da personalidade, a
síntese das alternativas de autonomia socialmente oferecidas ao estudante”
(1965, p.237).
Diante disso, o radicalismo político é concebido como “a manifestação de
um tipo peculiar de consciência social, isto é, histórica, desenvolvida pelo
jovem em condições determinadas (...)” (Ianni, 1968, p.230), ou seja, o jovem,
imerso numa estrutura social alienadora, à medida que compreende esse
processo, produz o radicalismo a partir de uma nova consciência.
Entretanto, é válido destacar a existência de limites sociais à ação
estudantil que
“só adquire uma amplitude societária sob condição de estar
conjugada com a ação das demais fôrças sociais de
renovação, que se manifestam na sociedade brasileira.
Somente na medida em que a ação do estudante estiver
identificada com um processo renovador, em curso, é que
ela poderá revestir-se de conotação “revolucionária” (Foracchi,
1965, p.294).
Esse processo se deu no quadro de fechamento do governo ditatorial no Brasil
pós-1964, quando parte da juventude, já sem perspectivas, identificou como
possibilidade a vida na clandestinidade e passou a compor os quadros de
organizações de esquerda, inclusive de luta armada.
2.1 – A Lei Suplicy: tentativa de controle do ME
A repressão sobre os estudantes foi institucionalizada, no período
ditatorial, por meio da Lei 4.464, de 9 de novembro de 1964, cujo objetivo
64
De acordo com Abreu (2003), a conjuntura dos anos 60 proporcionou a esses jovens a
opção de realização de tal projeto, em princípio transformando-os em vanguarda do ME e logo
após liderança do movimento de guerrilha.
58
era regular a representação estudantil. Dentre as determinações apresentadas,
constava a novidade do voto obrigatório para a eleição da diretoria do DA, cuja
criação em cada escola/faculdade foi determinada nesta lei. O estudante que
não votasse, estaria sujeito a sanção, como exposto em seu Artigo , § 3º:
“(...) Ficará privado de prestar exame parcial ou final, imediatamente
subseqüente à eleição, o aluno que não comprovar haver votado no referido
pleito, salvo por motivo de doença ou de força maior, devidamente
comprovado”. De acordo com Fávero (1994), as lideranças estudantis
apontavam o voto obrigatório como único fator positivo na lei. Para Ridenti, o
governo teria adotado tal medida na expectativa de que repercutisse, nas
entidades estudantis, no predomínio das parcelas mais “responsáveis” e
moderadas do estudantado.
A referida lei, em seu artigo , letra a, pôs como uma das finalidades dos
órgãos de representação estudantil, a defesa dos interesses dos discentes, não
havendo apresentação de restrição neste item. No entanto, atividades
identificadas como de caráter político-partidário que iam de encontro aos
interesses do regime vigente - eram expressamente proibidas aos órgãos de
representação dos estudantes, pois segundo determinação da lei em seu artigo
14°: “É vedada aos órgãos de representação estudantil qualquer ação,
manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar,
promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”.
Um outro ponto que merece destaque consta na letra g do mesmo artigo,
onde afirma “lutar pelo aprimoramento das instituições democráticas” como
mais uma das finalidades desses órgãos. No entanto, tal lei estava sendo
imposta no intuito de enquadrá-los e apresentava uma série de obstáculos que
limitavam as possibilidades de mobilização/atuação discente, e reduziam o
caráter democrático dos seus órgãos de representação. Como afirma Fávero
(1994) ao tratar desta norma: “(...) a lei contraria os princípios básicos do
funcionamento de qualquer entidade de representação: direito de autonomia,
de organização interna, de livre manifestação de pensamento e de associação”
(p.61). Destaca-se, ainda, a afirmação do presidente da UNE em 1965:
“os estudantes preferem continuar com suas entidades civis,
porque não pedimos o reconhecimento do Sr. Ministro mas o
59
reconhecimento da História, e lutar pela liberdade de
associação, requisito mínimo exigido para a expressão
autêntica de um grupo social”
65
.
A lei determinava ainda outros pontos, como a necessidade de existir um
DCE, em cada universidade; um Diretório Estadual de Estudantes (DEE), em
cada capital de Estado, Território ou Distrito Federal, que seria constituído por
representantes de cada DA ou grupos de DAs; além do estabelecimento de um
Diretório Nacional dos Estudantes (DNE) sediado na Capital Federal que
coordenaria as ações dos Diretórios Estudantis e seria o elo entre os
estudantes e o Ministério da Educação. Porém, as reuniões do DNE, composto
por representantes dos DEEs, deveriam ocorrer exclusivamente em Brasília, no
período das férias escolares uma determinação que contribuiria para uma
menor participação dos estudantes.
Deve-se ressaltar que anteriormente a esta lei existiam outras
instâncias de representação estudantil, locais e regionais, fora do domínio do
governo. E após estas determinações muitas entidades permaneceram em
funcionamento, o que estabelecia a existência paralela de órgãos de
representação dos estudantes. Em diversos lugares foram criados os DAs
segundo a Lei Suplicy, mas de acordo com Ridente, eles terminavam, na
prática, fugindo do controle das administrações das faculdades, o que foi
reforçado a partir de 1965, quando lideranças de esquerda começaram a ser
eleitas. Os CAs livres foram mantidos somente onde predominava um maior
grau de resistência às imposições do governo. No ME duas tendências foram
definidas:
“de um lado, o boicote aos diretórios Suplicy mantendo os
estudantes seus diretórios livres, embora não fossem
reconhecidos pelas direções universitárias; de outro, a
participação naqueles diretórios, para ocupar o espaço
disponível, mantendo-se entidades paralelas, quando
possível. No Congresso da UNE de 1965, em São Paulo, a
posição que defendia o boicote era hegemônica. Os
estudantes definiram, então, como palavra de ordem, a defesa
65
ESTUDANTES resolvem lutar contra Lei Suplicy e não elegerão seus diretórios. Jornal do
Brasil – 11 de agosto de 1965 – 1° Caderno, p.7.
60
dos diretórios livres e a o participação nas eleições das
entidades oficiais ou oficializadas” (Cunha, 1988, p.64).
Nesse momento, os comunistas tornaram-se oposição interna por
defenderem a participação nestas eleições, acreditando que as condições
políticas não eram favoráveis a um movimento de resistência ao
enquadramento dos diretórios. Já a frente que representava a maioria dos
estudantes, constituída pela AP, POLOP, PC do B (Partido Comunista do
Brasil) e outras facções menores, pronunciou-se contrariamente (cf. Poerner,
2003, p.204). Defendiam que, na impossibilidade de manter os diretórios
existentes livres do controle e das modificações impostas pelo governo,
preferiam que fossem fechados. Os estudantes esperavam que a não
participação nas eleições ou os votos nulos ou em branco gerassem a
anulação das eleições, o que repercutiria no fechamento dos diretórios e
possibilitaria os DAs-Livres, o que se efetivou em diversos casos.
O Ministro da Educação, após a realização do XXVII Congresso (1965),
quando todas essas discussões acerca da Lei Suplicy foram ressaltadas,
destacou em entrevista que “a simples discussão do assunto está a demonstrar
que ainda colônias de vírus entre estudantes, a ameaçar o futuro de um
povo inteiro”
66
. Tal afirmação revela o ideário que orientava os responsáveis
pela direção do sistema educacional, o que também é possível observar em
outro trecho desse discurso:
“não é a lei em si, que tem importância capital, mas o pretexto
da lei para se continuar a subversão nos meios universitários,
garantindo-se, assim, a contra-revolução capitaneada por
ladrões que fugiram da política, por corruptos e corruptores e
por comunistas de várias tonalidades”
67
.
Importante destacar como reforço do fechamento do regime, a
implementação do AI-2, em 27 de outubro de 1965, que intensificou maior
controle sobre o Congresso Nacional, proporcionou ao Executivo mais
autonomia, dissolveu os partidos políticos e instituiu o bipartidarismo sob regras
66
Trecho da entrevista fornecida ao Diário de Notícias, em 13 de agosto de 1965. (apud
Fávero, 1994, p.62).
67
Idem.
61
rigorosas, com a criação da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido do
governo, e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que agregaria os
opositores ao regime. Os processos de cassações de direitos políticos foram
reabertos e os civis que cometeram “crimes contra a segurança nacional”
passaram a ser submetidos a tribunais militares.
Merece destaque, ainda, no que se refere à Lei 4.464/64, o artigo 22, que
revogou o Decreto-lei 4.105, de 11 de fevereiro de 1942, que reconhecia a
UNE como entidade representativa dos estudantes de nível superior, em
âmbito nacional, responsável pela coordenação de suas atividades. No
entanto, a UNE permaneceu atuando, mas sem reconhecimento oficial, não
tendo sido extinta, como alguns autores indicam
68
. Imediatamente após o golpe
de Estado sua sede fora depredada e incendiada, o que certamente intimidou
seus líderes, que passaram a ser alvos de perseguição mais intensa. No
entanto, os meios de repressão utilizados pelo governo não foram capazes de
impossibilitar completamente a organização e articulação da entidade que
ainda pôde realizar seu XXVII Congresso, em julho de 1965, o último fora da
clandestinidade no período estudado.
A UNE promoveu, ainda, um plebiscito nacional contra a Lei Suplicy em
1965. Segundo dados divulgados pela entidade estudantil, dentre os
estudantes que votaram (número desconhecido), 92% se posicionaram
contrários à lei. Tendo em vista a dificuldade de diálogo do ME com o governo,
a UNE divulgou um manifesto, em que, dentre outras questões, seus dirigentes
apontavam que a proposta do governo era “(...) anular a juventude. Moldá-la
fascista, violenta, corrupta, transformá-la em força de peleguismo e não de
renovação”
69
.
De acordo com Ridenti, houve um forte apoio das entidades estudantis de
direita moderada
70
às ações de resistência à Lei Suplicy. Nesse momento,
estudantes liberais e de esquerda se uniam no combate às medidas
repressivas impostas pelo governo ditatorial e representavam quase que
68
Ver Fávero (1994), Poerner (2003) e Sanfelice (1986), por exemplo.
69
Correio da Manhã, 17 de dezembro de 1965 (apud Fávero, 1994, p.63).
70
Apesar de não terem explicitado apoio ao golpe, os estudantes de direita moderada não
sofreram intervenção do Estado em abril de 1964, como as UEEs dos Estados de Pernambuco,
Minas Gerais e Paraná, bem como a UME da Guanabara.
62
integralmente a massa de estudantes, com exceção, sobretudo, da extrema
direita
71
que se concentrava principalmente na Universidade Mackenzie e na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Somente em 1965 a esquerda universitária estabeleceu uma rearticulação
efetiva, o que possibilitou a retomada da direção das entidades estudantis que
vinham sendo lideradas por estudantes liberais, resultado, segundo Ridenti, da
fragilidade orgânica deste segmento, num período em que a influência dos
setores civis moderados de direita se reduzia paulatinamente em decorrência
da crescente militarização do governo.
O movimento estudantil ainda pôde atuar durante todo o ano de 1965,
apesar da repressão policial-militar, impulsionado não só pelas limitações
postas em seus campos de atuação, mas também pela insatisfação em função
das ações do governo visando à modernização do ensino superior no país,
sobretudo no que se refere aos acordos MEC-USAID
72
(United States Agency
for International Development Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional), às discussões acerca da Reforma
Universitária
73
e ao pagamento de taxas. A estrutura arcaica das instituições
71
Dentre as organizações paramilitares de extrema direita pode-se destacar o CCC (Comando
de Caça aos Comunistas), composto em grande parte por alunos da UFRJ teve como um de
seus líderes, Paulo Werneck da Cruz, que fora aluno da Filosofia; o MAC (Movimento
Anticomunista); a AAC (Ação Anticomunista); e, a FAC (Frente Anticomunista). Eram
segmentos minoritários, inclusive nas faculdades onde exerciam maior influência.
72
Uma série de estudos, análises e propostas se estruturavam, desde 1964, na elaboração
dos acordos MEC-USAID, instituição que percebia o ensino superior como constituinte da
formação de recursos humanos, e este último como elemento que impulsionaria o crescimento
da produção industrial e agrícola. O convênio foi firmado em junho de 1965 com vigência
prevista até 31 de dezembro de 1967 através da diretoria de Ensino Superior, com o objetivo
inicial de constituir uma Equipe de Planejamento do Ensino Superior (EPES), o que importaria
na doação, pela USAID, de aproximadamente 500 mil dólares, num período de dois anos, além
dos recursos que seriam viabilizados pelo governo brasileiro. Este convênio não foi aceito
facilmente pelo CFE, que cobrava a aprovação dos nomes dos brasileiros que iriam compor a
equipe, assim como a análise do documento final da EPES.
73
O Decreto 62.937, de 2 de julho de 1968, ordenou a instituição de um grupo de trabalho
para “estudar a reforma da Universidade brasileira, visando à sua eficiência, modernização,
flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto vel para o
desenvolvimento do país” (Cunha, 1988, p.241). O grupo, composto por membros designados
pelo presidente, discorreu, em seu Relatório, acerca de questões como: a importância da
universidade no processo de desenvolvimento do país, a limitação da autonomia universitária,
a fragmentação dos cursos de graduação, a oferta de cursos de duração reduzida, a
implantação da pós-graduação na universidade, a cobrança de anuidades dos estudantes, a
racionalização etc. Ademais, o GT propôs a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), a fim de financiar os programas do ensino superior.
63
universitárias, desde antes de 1964, o arrocho salarial e a redução da oferta de
empregos são outros elementos que reforçam este quadro. No que se refere à
Reforma Universitária, vale ressaltar o convite feito pelo governo, a dois
estudantes de ensino superior, para comporem o Grupo de Trabalho que
elaboraria a reformulação da universidade no país, o que foi repudiado pelo
ME, gerando a recusa do convite por parte dos estudantes.
A contestação aos acordos MEC-USAID mobilizava as lideranças
estudantis que investiam na luta contra a ditadura, a exemplo da AP, que
percebia os acordos como expressão do imperialismo, bem como a vanguarda
estudantil que buscava estabelecer uma articulação entre as reivindicações
específicas e políticas. Ademais, uma parte considerável do estudantado
acreditava que as reformas apresentadas nos acordos deturpavam a Reforma
Universitária idealizada pelos estudantes desde inícios dos anos 60.
O ano de 1966 representou um ano de denúncia da intervenção norte-
americana no país, principalmente no que concerne à educação. As lideranças
estudantis condenavam o antinacionalismo do governo imposto e
recomendavam aos estudantes o não pagamento das anuidades instituídas
neste ano, o que poderia repercutir na privatização do ensino superior. Um
outro elemento que surgiu neste período foi a fundação do Mudes (Movimento
Universitário para o Desenvolvimento Econômico e Social) pelo general-
presidente Castelo Branco, ou seja, uma tentativa de criar aparelhos “privados”
de hegemonia no âmbito do Estado, a fim de conter a ação política dos
estudantes. Para este,
“constituía ‘um desafio ao idealismo de nossa juventude’ e (...)
dava aos jovens ‘a oportunidade de transformar o protesto
vazio (sic) e a vocalização de slogans em ação efetiva para
corrigir as injustiças, minorar sofrimentos e aperfeiçoar a
capacidade construtiva da comunidade’” (Poerner, 2003, p.
213).
Neste momento, a UNE era mantida como alvo de controle direto, tendo
em vista todo o aparato policial-militar direcionado para Belo Horizonte no
intuito de impedir a realização do XXVIII Congresso, que fora proibido pelo
governo federal, apesar de findo o período de seis meses de suspensão do
64
funcionamento da UNE determinado por decreto presidencial – Decreto n°
57.634, de 14 de janeiro de 1966. Diante disso, os estudantes se reuniram
clandestinamente no interior de um templo da Igreja Católica.
É importante que se destaque o fato de o governo baixar uma medida
para suspender as ações de uma entidade que ele já não reconhecia desde
novembro de 1964. E no intuito de manter a suspensão do funcionamento da
UNE foi baixado, ainda, o Decreto-lei 8, de 16 de junho de 1966, que
determinava: “(...) a suspensão do funcionamento perdurará até que a
sentença transite em julgado” , artigo 1°). Esse Decreto-lei acrescentava
um parágrafo ao Decreto-lei 9.085, de 25 de março de 1946, que trata do
registro civil de pessoas jurídicas e, em seu artigo , suspendia a
personalidade jurídica por um prazo de seis meses de toda sociedade ou
associação “quando seu objeto ou circunstância relevante indique destino ou
atividade ilícitos ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à
segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e
aos bons costumes” (Art. 2°). Diante disso, a UNE permaneceu com suas
atividades suspensas até o fim da década de 70 e passou a ser apresentada
pela grande imprensa como ex-UNE ou a extinta UNE.
Em 18 de setembro de 1966, a UNE definiu uma greve geral, que teve
como um de seus desdobramentos o episódio da Praia Vermelha, no dia 23 de
setembro do mesmo ano – que receberá maior destaque na discussão do
capítulo seguinte. Numa ação comandada, pelo General Nieméier e consentida
pelo Ministério da Educação, a Faculdade de Medicina, da UFRJ, na Praia
Vermelha, onde se encontravam cerca de 600 estudantes em assembléia-geral
no pátio, foi sitiada, e, no dia seguinte, invadida por policiais
74
.
Destaca-se, ainda, a escolha, pela UNE, do dia 22 de setembro, como o
Dia Nacional Contra a Ditadura. De acordo com Poerner, vários
acontecimentos confirmam a escolha desse dia, como: a organização dos
estudantes da Praia Vermelha; protestos em todo o país; e a morte de um
policial militar, em Goiás, quando participava de manifestação juntamente com
estudantes.
74
ESTUDANTES nas ruas enfrentam a repressão. O Corujão, setembro, 1966.
65
2.2 – O Decreto Aragão: fortalecimento da Lei nº 4.464/64
Com a ascensão do ME, no início de 1967, o Decreto-Lei nº 228,
conhecido como Decreto Aragão (em virtude do Ministro da Educação no
período, Raymundo de Castro Moniz de Aragão), revogou a Lei Suplicy. As
restrições aos estudantes, foram, então, um pouco mais explicitadas, como é
possível observar na letra a do artigo , onde foi apresentada, como uma das
finalidades dos órgãos de representação “defender os interesses dos
estudantes, nos limites de suas atribuições (grifos da autora)”. Ademais, o
artigo 14 da Lei Suplicy – citado anteriormente – foi readaptado nesse Decreto-
lei, sendo acrescentada a proibição de ações de caráter racial ou religioso. E
estabeleceu, ainda, em seu parágrafo único como punição à desobediência ao
artigo, a extinção do DA ou DCE envolvido com a ação condenada.
O Decreto-lei reconhecia apenas os DAs e DCEs como órgãos de
representação dos estudantes e extinguiu todos os órgãos estudantis de
âmbito estadual como consta no artigo 20 com a finalidade de eliminar
possibilidades de rearticulações do ME e contornar os problemas iniciais na
organização dos DEEs e do DNE, que também foi extinto. E a fim de amenizar
a ausência dessas instâncias, em níveis regional e nacional, o Decreto-lei
determinou, no artigo 18, a criação da Conferência Nacional do Estudante
Universitário, com o objetivo de examinar e debater os problemas
universitários, no intuito de promover a elaboração de sugestões para os
órgãos de educação. Existia, neste artigo, uma ressalva referente à proibição
dos assuntos de cunho religioso, político-partidário e racial.
Essa medida reforçou a Lei Suplicy no que concerne à ampliação das
restrições e dos mecanismos de coação. E tendo em vista a falta de controle
da direção das universidades em relação à organização das entidades
estudantis, delegou ao Ministro da Educação a possibilidade de convocar
eleições para a composição dos diretórios, caso houvesse omissão” das
autoridades acadêmicas.
No que se refere à obrigatoriedade do voto, a penalidade foi reforçada, se
comparada à Lei Suplicy, pois, de acordo com o parágrafo único do artigo 5º:
“salvo se comprovar devidamente motivo de força maior ou de doença, o
estudante que deixar de votar será suspenso por trinta (30) dias”. Assim, a
66
punição não se limitava mais à privação de prestar exame, mas era ampliada
para a tentativa de excluir o estudante da vida acadêmica, não permitindo que o
mesmo participasse das aulas.
A fiscalização do cumprimento da lei foi delegada ao diretor do
estabelecimento de ensino superior, no que concerne ao DA ou ao Reitor da
Universidade, no que diz respeito ao DCE, conforme disposto no artigo 12º. Na
Lei Suplicy, tal responsabilidade estava direcionada à Congregação ou
Conselho Departamental e ao Conselho Universitário, respectivamente. Assim,
no Decreto Aragão, esta responsabilidade foi retirada dos órgãos colegiados e
passou a ser atribuída aos ocupantes dos cargos de direção, que possivelmente
apresentariam maior vulnerabilidade às pressões do governo no sentido de
limitar a atuação de cunho político por parte dos estudantes.
O Decreto-lei ainda determinou, em seu artigo 16 que nas unidades de
ensino e nas universidades em que não tivessem sido constituídas
representações estudantis segundo a Lei Suplicy, seriam convocadas eleições,
promovidas pelos diretores ou reitores, o que garantiria a efetividade da norma.
Deve-se ressaltar a ameaça de incorrer em falta grave, o diretor ou reitor que
não garantisse o cumprimento do disposto (§ 1º do artigo 12º).
Destaca-se, ainda, o artigo 21 que estabelece: “o Ministro da Educação
baixará as instruções necessárias para a execução deste decreto-lei(grifos da
autora). Uma afirmação que não define com precisão a forma de aplicação das
determinações do decreto-lei, o que dava margem a uma série de ações que
poderiam ultrapassar o disposto.
Entre 1967 e 1968, em virtude da intensificação imposta pelo “Decreto
Aragão” e das opções ideológicas, o ME estreitava suas relações com as
organizações de esquerda. A luta de contestação ao regime ditatorial por parte
dos estudantes adquiriu visibilidade social, mais notadamente nesse período,
quando o movimento operário e sindical encontrava-se sob enquadramento. A
capacidade dessas mobilizações em condensar a oposição, que continuamente
sofria ataques no sentido de fragmentá-la, preocupava os agentes do governo
devido aos problemas que poderiam ocasionar para o regime.
As greves e passeatas realizadas pelos estudantes durante o governo
Costa e Silva, segundo Poerner (2003), registravam duas novidades: para além
das demandas sempre apresentadas nesse período, surgia como foco de luta a
67
contestação ao corte de verbas das universidades públicas que foi intensificada
paulatinamente; e um outro elemento se refere à participação majoritária de
estudantes secundaristas, fortemente radicais em seus posicionamentos.
O XXIX Congresso
75
da UNE, em 1967, foi marcado pelo surgimento de
uma corrente debreísta
76
no ME, que era, segundo Poerner (2003), uma
corrente “(...) radical e romântica, voltada contra o que denominou de ‘mero
reformismo’ dos comunistas, praticamente alijados do movimento estudantil” (p.
225). O encontro foi realizado de forma clandestina no convento dos
beneditinos, em Campinas, apesar da repressão policial direcionada para o
local.
Neste Congresso, foi composta, consensualmente uma chapa única com
uma minoria representada pela AP que conseguiu permanecer na presidência
da entidade. A diretoria funcionava em colegiado e era composta por: quatro
membros da AP, três representantes das diversas dissidências do PCB e
outros três da POLOP – que mais tarde se tornaria POC. Nilton Santos destaca
a importância da participação dos estudantes das dissidências na virada do
Congresso, pois segundo ele, os discentes buscaram
“resgatar a bandeira das lutas específicas, tentando retirá-las
daqueles que procuravam dar-lhes um conteúdo legalista e
reformista. Era necessário lutar também contra aqueles que
diziam que ‘a luta específica é reformista e a luta política é
revolucionária’ (...) E o Congresso procura, então, representar
uma alternativa de condução das lutas específicas, de modo a
vinculá-las a uma luta política contra a Ditadura Militar” (p.
67)
77
.
75
Pouco antes da realização deste Congresso, foi formada a Frente Universitária Progressista
(FUP), que visava transformar a UNE numa verdadeira organização de massas. A FUP
defendia “(...) a reconquista dos direitos, o fortalecimento e a democratização da UNE, em
defesa dos interesses dos estudantes e da universidade e das liberdades democráticas e dos
direitos do povo” (Poerner, 2003, p.227).
76
Influência de Régis Debray, autor de Révolution dans la Révolution?” (A Revolução na
Revolução), onde ele sistematiza e desenvolve mais profundamente a teoria do foco
revolucionário, segundo o modelo cubano, que priorizava a luta armada. A revolução se
realizaria a partir de um foco guerrilheiro, que, de forma gradativa deveria ampliar seu raio de
ação (a esse respeito ver http://culturabrasil.pro.br/revolucaocubana.htm).
77
apud Ridenti (1993, p. 130).
68
De acordo com Marialice Foracchi (1982), um traço característico do ME
se refere à articulação da luta reivindicativa com a luta política. Segundo
Martins Filho
78
, este foi um posicionamento notável em 1968, quando, na luta
contra a ditadura e nas manifestações visando modificações no sistema de
ensino superior do país, concentravam-se os principais eixos de luta do ME.
As manifestações de massa de grande expressão em 1968 ocorreram,
sobretudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo. As entidades estudantis com
representatividade de peso nestes dois locais tinham vinculação com as
dissidências do PCB, como o exemplo da UME carioca, sob a direção da DI-
GB, e da UEE paulista, dirigida pela Dissidência de São Paulo (DISP).
A morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, em 28 de março de
1968, no conflito entre policiais e estudantes no restaurante Calabouço, no Rio
de Janeiro, gerou a articulação entre estudantes e alguns setores da
população, que se organizaram numa série de protestos que sucederam ao
episódio, como a “Passeata dos Cem Mil”, considerada o ápice das
manifestações daquele ano, realizada em 26 de junho, no Rio de Janeiro,
quando pessoas de distintas origens sociais, se manifestaram de forma
pacífica contra as arbitrariedades do governo.
Em 29 de agosto, a Universidade de Brasília foi invadida, com a ão das
Polícias Militar e Civil, do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e
do SNI. As ações violentamente repressivas por parte dos agentes do Estado
foram justificadas sob o argumento de que haveria cerca de cinco subversivos
no interior da instituição, que estariam a ameaçar a segurança nacional.
O Comando de Caça aos Comunistas (CCC
79
), uma organização
paramilitar de extrema direita, formada por estudantes e policiais, praticava um
elenco de atos terroristas com teor provocativo, realizava atentados contra
intelectuais e buscava utilizar unidades das Forças Armadas para aniquilar
dirigentes oposicionistas. Havia, ainda, a ação de diversas chefias do alto
escalão do governo com o intuito de atribuir sua autoria à esquerda radical.
78
Ibidem.
79
No interior de sua composição encontrava-se a direita liberal estudantil, que em decorrência
da política da ditadura no âmbito das universidades, fora paralisada e anulada. De acordo com
Reis Filho, o CCC e grupos afins “tinham como programa, coerente com a sigla, a caça aos
adversários, o uso da força e a intimidação pura e simples” (1999, p.66).
69
“Conforme se verifica pelo levantamento de Flavio Deckes, os
atentados terroristas de direita com autoria oculta atingem o
pico em 1968, decaem bruscamente em 1969 e desaparecem,
de todo, entre 1971 e 1975. Consumado o fechamento
ditatorial, não era mais necessária a atuação provocadora das
organizações para-militares” (Gorender, 1986, p.152).
O 30º Congresso da UNE seria realizado em meados de outubro, em
Ibiúna. No entanto, a presença de quase mil estudantes foi foco de atenção, e
rapidamente tornaram-se alvos da repressão policial-militar. Cerca de 920
estudantes foram presos, dentre estes quatro de seus principais líderes.
Houve, nesse período, uma divisão entre as principais tendências políticas
do ME. Uma, liderada pela AP, que defendia as “lutas de rua contra a
ditadura”
80
, e outra, que buscava estabelecer uma relação entre a luta de
oposição ao governo ditatorial e as demandas específicas dos estudantes. Na
corrente contrária à AP concentravam-se: as dissidências do PCB; a POLOP,
que criou o Movimento Universidade Crítica (MUC) em 1968, sem grande êxito;
a DISP, que teve grande parte de seus estudantes aderindo à Aliança de
Libertação Nacional (ALN) e uma minoria, à Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares (VAR); e, a DI-GB, que mais tarde se tornaria MR-8. Dentre as
organizações relativamente isoladas em relação a essas correntes encontrava-
se o PC do B, que somente em 1969 se aproximaria da AP, e o PCB, com
baixa representatividade em decorrência das diversas dissidências do Partido.
De acordo com Ridenti, os estudantes conservadores ou reacionários não
tiveram participação relevante nesse momento, apesar da existência de uma
direita relativamente organizada nas instituições de ensino superior. Deve-se
considerar, ainda, a existência de uma maioria silenciosa nas faculdades, com
diferentes níveis de politização, que oscilava em seu posicionamento político.
O enquadramento do ME foi intensificado, em fins de 1968, e se
concretizou a partir do AI-5, promulgado em 13 de dezembro de 1968, que não
tinha prazo para vigência e concedia plenos poderes ao Executivo.
80
apud Ridenti (1993, p.134).
70
“vestíbulo dos anos de chumbo, ele [o AI-5] assinala a
centralização do poder nas mãos das cúpulas mais
reacionárias das forças armadas, com a militarização dos
controles sociais e a instauração de um terrorismo de Estado
que garante o contexto ideal para a superexploração dos
trabalhadores e para as mais altas taxas de lucro para o
grande capital (estrangeiro e nativo)” (Netto, 2000, p.228).
Por meio dessa ação, a ditadura retirou então a “roupagem de regime
envergonhado” (Tavares, 1999), assumindo-se como ditadura. Conforme Netto,
“o que fora, até então, uma ditadura reacionária, que conservava um discurso
coalhado de alusões à democracia e uma prática política no bojo da qual
cabiam algumas mediações de corte democrático-parlamentar, converte-se
num regime político de nítidas características fascistas (2002:38). Gorender,
por outro lado, afirma que o comando ostensivo do Estado era monopolizado
pelas Forças Armadas e não por um partido fascista. Assim, teria havido uma
militarização do Estado, e não uma “fascitização”.
Diante disso, não havia mais condições para a realização de reuniões
ou manifestações públicas, o que motivou estudantes a ingressarem em
organizações de luta armada movimento reforçado após as modificações
postas pelo governo no que concerne à representação estudantil no início do
ano seguinte.
A inserção dos estudantes em organizações clandestinas também pode
ter sido resultado, da influência de Mao Tsé Tung – “a linha maoísta de
proletarização dos quadros, inserindo-as na produção, parecia a outros perfeita
como negação da cultura, formação e origem ‘pequeno-burguesa’ dos
militantes estudantis” (Ridenti, 1993, p.132) e de Ernest Che Guevara “o
guevarismo, caminho militar de libertação na ‘sierra’ e identificado com os
pobres da terra, era ideal para negar a vida acomodada das camadas médias
urbanas, sem perspectivas de libertação e ameaçadas pelo empobrecimento
constante” (Idem). Suas teorias eram convenientes às parcelas do estudantado
que identificavam os limites da luta estritamente estudantil, localizados
principalmente na estrutura do movimento, no que se refere à reivindicação de
direitos, o que denotaria seu caráter reformista. Estudantes de tendência
guevarista identificavam, já em meados de 1968, a guerrilha rural como o
71
caminho para a revolução, o que acelerava o gradativo abandono da atuação
no ME para a militância nos grupos de luta armada.
2.3 – Decreto-lei nº 477
Em 26 de fevereiro de 1969, foi baixado o Decreto-lei nº 477, que pretendia
reprimir as ações de cunho político e tratava como “subversivo” todo movimento
que pudesse conter alguma oposição real ou imaginária ao governo ditatorial.
Destacam-se, dentre tais restrições, a impossibilidade de qualquer articulação a
fim de promover paralisação de atividade escolar, bem como “(...) passeatas,
desfiles ou comícios não autorizados (...)” (item III, artigo 1º), a confecção, o
porte e a distribuição de “(...) material subversivo de qualquer natureza” (item IV,
art. ) e o uso de “(...) dependência ou recinto escolar para fins de subversão
ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública” (item VI, artigo 1º).
Os docentes e funcionários que não se submetessem às restrições seriam
punidos com “(...) demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado,
admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de
cinco (5) anos” (item I, § 1º, artigo 1º). No que se refere aos discentes, seria
aplicada “(...) a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em
qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos” (item II,
§1º, artigo 1º). Caso o infrator fosse portador do benefício de uma bolsa de
estudo ou recebesse qualquer auxílio do Poder Público, deixaria de ser
beneficiário e permaneceria nesta condição por um período de cinco anos. O
decreto atingiu cerca de 500 estudantes tendo sido aplicado com maior
intensidade até 1973 – e deixou de ser aplicado apenas no governo Geisel.
O diálogo entre o ME e o governo foi totalmente extinto em 1969. Diante
disso, o XXX Congresso, que seria realizado em fins de 1968, acabou por
ocorrer de maneira rigidamente clandestina, somente em abril de 1969, no Rio
de Janeiro. O debate tornou-se muito restrito, sobretudo ao considerar a
participação de apenas cerca de cem delegados no Congresso. A chapa da AP
foi mais uma vez eleita, e nesse momento contava com o apoio do PC do B. As
dissidências do PCB, que estavam na direção do ME no Rio de Janeiro e em
72
São Paulo, após essa derrota, foram gradativamente aderindo aos grupos de
luta armada e de guerrilha urbana
81
.
Em setembro de 1969, os atos institucionais números 13 e 14 foram
baixados por uma Junta Militar que substituiu Costa e Silva. Segundo o AI-13,
seriam considerados banidos do Brasil, os presos políticos trocados por
diplomatas seqüestrados. ”O AI-14 incrementava o rol de penalidades
existentes, adicionando-lhes penas de morte, de prisão perpétua e de
banimento, em caso de guerra psicológica, guerra adversa revolucionária ou
subversiva (grifos originais) e guerra externa” (Vieira, 2000, p.197-8). Ademais,
a Lei de Segurança Nacional suprimiu as liberdades públicas no Brasil, por
meio da agressão aos direitos individuais e do ataque aos direitos de reunião,
de associação e de imprensa.
Entre os anos de 1969 e 1979, as manifestações de caráter explicitamente
político tornaram-se inviáveis ao ME, que, em decorrência disso, buscava
articular-se clandestinamente. A intensificação do processo de fechamento do
regime no governo de Médici, associada a um bito crescimento da economia
o “Milagre Econômico”, que ocorreu entre 1969 e 1973 a partir desse ano
contribuíram para um aprofundamento do refluxo do ME. No entanto, a direção
da UNE acreditava na possibilidade de ascensão do movimento nesse período,
não percebendo as circunstâncias nas quais suas ações estariam inscritas.
Somente em fins de 1969 esta perspectiva seria anulada, tendo em vista a baixa
representatividade da entidade, bem como a repressão sobre sua liderança, que
teve que se manter na clandestinidade
82
.
81
É possível verificar um fortalecimento dos grupos armados a partir de 1969: presos políticos
fugiam, assaltos a bancos, ataques a quartéis e seqüestro de diplomatas, com o intuito de
obter a libertação de militantes presos, eram realizados. Em o Paulo, um grupo
revolucionário tomou uma emissora de rádio a fim de transmitir mensagens do líder Marighela.
Em inícios de 1969, a ALN e a VPR identificam a necessidade de comprometerem-se com a
luta armada. A ALN reforça seu investimento nas ações expropriatórias e de propaganda
armada. A Ala Vermelha (dissidência do PC do B), desde fins de 1968, realizava assaltos a
bancos, confisco de dinamites e expropriava máquinas gráficas no intuito de montar uma
oficina clandestina. A Dissidência Universitária da Guanabara, se baseava em idéias foquistas
e se organizava para ações de guerrilha urbana. No PRT (Partido Revolucionário dos
Trabalhadores) a discussão acerca da realização de ações expropriatórias provocou uma luta
interna. No PCBR a entrada para a luta armada foi iniciada no Comitê Regional de
Pernambuco.
82
A esse respeito ver em Ridenti (1993).
73
A sobrevivência do ME estava altamente comprometida, pois, dessa forma,
ocorriam apenas atos isolados. Em 1969, foram realizados protestos de repúdio
à presença de Nelson Rockefeller
83
no Brasil; em 1970, atos públicos ocorreram
devido ao segundo aniversário de morte de Edson Luís; em 1972, diretórios e
centros acadêmicos de São Paulo e do Rio de Janeiro realizaram uma série de
denúncias a respeito de prisões de estudantes; em 1973, o cardeal Paulo
Evaristo Arns celebrou uma missa, que reuniu aproximadamente 4 mil pessoas,
pela morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme, o que desfechou um
elenco de manifestações de oposição à prisão, tortura e assassinato do
estudante pela Operação Bandeirantes (OBAN
84
) de São Paulo.
Esse posicionamento contrário ao governo ditatorial por parte da Igreja
Católica, representada pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB),
foi gradativamente reforçado no decorrer da década de 70, quando a Igreja
investe na atuação pela defesa dos direitos humanos. Era possível identificar
setores progressistas, que tiveram como alguns de seus grandes atores dom
Helder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns, e outros envolvidos com uma
postura socializante, sob o direcionamento da Teologia da Libertação. No
83
De acordo com Gerard Colby e Charlotte Dennett, autores do livro “Seja feita a vossa
vontade”, obra que resgata a trajetória de Nelson Rockefeller, este teria estabelecido relações
com governos ditatoriais no Brasil com o intuito de se apossar da Amazônia, fonte de recursos
minerais e petróleo, além de ter apoiado outras ditaduras na América Latina. Eles afirmam
ainda que entre 1964 e 1969, os assessores de Rockefeller teriam ligação estreita com o SNI
(a esse respeito ver em http://www.terra.com.br/istoe/1626/1626vermelhas.htm).
84
Com o objetivo de conter diretamente os suspeitos e ativistas de grupos armados e
clandestinos, foi estruturada, no estado de São Paulo em 1969, junto ao II Exército, a OBAN,
um órgão de caráter extralegal. As verbas que viabilizavam suas ações eram obtidas junto às
multinacionais, dentre estas o Grupo Ultra, Ford, General Motors. Mais tarde, a OBAN atuou
em diversos estados. O Decreto 667, de 1969, instituiu a dependência das polícias militares
em relação ao Exército, no âmbito estadual, e direcionou-as à “segurança interna”. A OBAN “foi
composta com efetivos do Exército, Marinha, Aeronáutica, DOPS (polícia política estadual),
polícias federal, civil e militar; ou seja, todos os tipos de organismos de segurança e
policiamento, chegando a contar com os oficiais do Corpo de Bombeiros” (Coimbra, 2002:33).
Em setembro de 1970, o general Médici, que tomara o poder em 30 de outubro de 1969,
divulgou o decreto que integrava a Oban ao organograma legal com a nomeação de DOI/CODI
II (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna do II
Exército). O órgão era orientado por práticas que violavam a integridade física e psicológica
dos indivíduos com o intuito de obter informações funcionais ao regime.
Além de São Paulo, os DOI/CODI se implantaram como instituições oficiais no Rio,
Recife, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza e Belém. Em todas estas
capitais, os DEOPS se converteram em apêndices dos DOI/CODI. Exceção apenas do DEOPS
de São Paulo, que continuou ativo como órgão autônomo de investigação, captura e
interrogatório.
74
decorrer dos anos 80 a Igreja também estaria participando ativamente do
processo de democratização do país (Cf. Netto, 2000).
Na seqüência dos diversos atos isolados desse período, destacou-se,
ainda, em 1974, a criação do Comitê de Defesa dos Presos Políticos, na
Universidade de São Paulo (USP); em 1975, a realização de greves em diversos
estados, e, dentre estas, uma deflagrada em outubro, na USP, em decorrência
da morte de Vladimir Herzog; em 1976, foi fundado o DCE-Livre Alexandre
Vannucchi Leme, na USP, e foram realizados o e o Encontro Nacional de
Estudantes (ENE), em São Paulo, além da organização da campanha nacional
pelo voto nulo
85
.
Além da Igreja Católica, outras agências da sociedade civil que também
compunham a frente oposicionista à ditadura merecem destaque, como a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa
(ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que a partir
dos anos 70 passou a dedicar-se também às ciências sociais e humanas, e
transformou-se em canal de expressão da massa crítica contrária ao governo
ditatorial (Cf. Netto, 2000).
A partir de 1975, diversas tendências
86
começaram a se formar no ME,
como a Libelu (Liberdade e Luta), de influência trotskista, que exerceu grande
influência, e que defendia a criação de uma aliança entre estudantes e
operários, além do congelamento das anuidades das instituições de ensino
superior particulares.
Somente em 1977 se iniciou o processo de retorno dos estudantes às ruas
na luta contra a ditadura. Em março deste ano, uma passeata reuniu de três a
quatro mil estudantes em São Paulo. A partir desse momento, segundo Poerner
(2003), foram apresentadas reivindicações de teor mais concreto (específico),
como a demanda por mais verbas para o sistema universitário, a redução do
valor pago pelo ensino superior particular, uma melhor qualidade do ensino e da
alimentação oferecida aos universitários, a garantia de um ensino efetivamente
público e gratuito, a anulação das penas impostas a estudantes, o fim do
85
A esse respeito ver em Poerner, 2003, p.259
86
Idem, p. 264.
75
emprego da punição de jubilamento aos estudantes de baixo poder aquisitivo,
bem como a liberdade dos estudantes que se encontravam presos.
Para além dessas demandas, os estudantes empenhavam-se em
manifestações antiditatoriais, como os protestos contra o fechamento do
Congresso, as prisões de operários e intelectuais, a censura aos órgãos de
imprensa, dentre outras arbitrariedades cometidas pelo governo. Nesse período,
o Ministro da Educação e Cultura, Nei Braga, afirmou que “dentro das
universidades devem ser tratados somente os assuntos ligados à educação e à
aprendizagem, deixando para os partidos políticos o debate dos temas alheios
aos interesses específicos da classe estudantil”
87
. Tal afirmação expressa o
posicionamento do governo quanto às ações dos estudantes, que não deveriam
participar das discussões e mesmo das ões políticas referentes à situação
nacional.
A luta pela reorganização da UNE
88
decidida no ENE que ocorreu de
forma secreta em setembro de 1977, na PUC de São Paulo, quando foi definida
a criação da Comissão Pró-UNE contribuiu para o ressurgimento gradativo do
ME no fim dos anos 70.
Importante considerar aqui, a luta travada pelo ME, a fim de realizar este
encontro, que no mês de junho, seria realizado em Minas Gerais. No entanto, os
estudantes foram impedidos
89
pelas Polícias Civil e Militar, que sitiaram o
Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Nessa operação, a Polícia Federal, que ouviu 139
estudantes, enquadrou 98 destes, que eram de outros estados, no Artigo 45 da
Lei de Segurança Nacional, por estarem “fazendo propaganda subversiva”, o
que poderia implicar penas que variavam de dois a quatro anos de reclusão. No
87
LÍDERES estudantis de 34 faculdades e de um colégio fazem assembléia na PUC. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 16 de abril de 1977 (apud Poerner, 2003, p.261).
88
Apesar das indefinições, no que concerne à situação jurídica da UNE, em 1978 foram
apresentados dois projetos de lei, na Câmara, que propunham sua recriação: um do deputado
Fernando Coelho, do MDB de Pernambuco, e outro do deputado Hélio de Almeida, do MDB do
Rio de Janeiro (ver Poerner, 2003). Importante ressaltar que, Hélio de Almeida, quando
estudante do curso de Engenharia da UFRJ, foi presidente do DCE, em 1941, e presidente da
UNE, em 1942.
89
MINAS Divulga lista dos que serão processados. Jornal do Brasil – 1º Caderno Sábado, 11
de junho de 1977.
76
que se refere aos estudantes mineiros, eles seriam indiciados em inquéritos pelo
Departamento de Ordem Política e Social de Minas.
Ademais, deve-se indicar um outro fator que colaborava para a retomada
do ME, a impopularidade do governo, em virtude da crise da política econômica,
que tinha como algumas de suas expressões, o aumento do desemprego, da
taxa inflacionária e dos impostos. A partir de problemas no âmbito da economia,
o caráter repressivo e autoritário do regime ganhava maior visibilidade social, o
que colaborava para um maior repúdio às medidas ditatoriais.
O ENE foi realizado em outubro de 1978, na USP, quando se definiu o
apoio ao MDB nas eleições. Somente tendências mais radicais se posicionaram
contrariamente, defendendo o voto nulo. O XXXI Congresso da UNE, o
Congresso da Reconstrução, seria realizado em maio de 1979 – o que foi
decidido no ENE –, em Salvador, sendo considerado ilegal pelo MEC. Neste
Congresso foi definida a criação de quatro instâncias deliberativas na UNE: o
Congresso Nacional de Estudantes, o Conselho de Entidades de Base, o
Conselho de Entidades Livres, mais especificamente os DCEs e UEEs, e a
diretoria. A partir de então, a UNE lutaria
“pela gratuidade do ensino, por mais verbas para a educação,
pela anistia ampla, geral e irrestrita, contra a devastação da
Amazônia, por uma assembléia nacional constituinte ‘livre,
soberana e democrática’, e pela filiação das entidades de base
à UNE” (Poerner, 2003, p. 266-7).
Por meio dessas decisões, a entidade estudantil fora reconstruída, com a
participação de cerca de cinco mil estudantes de ensino superior, ainda que sem
o reconhecimento do governo. Meses depois do Congresso, foi eleito, para a
presidência da UNE, o candidato que contou com o apoio da esquerda católica,
do PC do B e do MR-8
90
.
90
Nos anos seguintes persistiu ininterruptamente o predomínio do PC do B na direção da UNE,
que se estendeu até 1987.
77
2.4 – Processo de abertura política
Em meados de 1979 – ano da anistia política
91
, efetivada pela Lei nº 6.683
e pelo Decreto-Lei 84.143 –, a Secretaria de Ensino Superior do MEC e o
Departamento de Assistência ao Estudante iniciaram o processo de mudança
no que se refere à regulamentação da representação estudantil no interior das
instituições de ensino superior, no intuito de revogar os decretos-leis 228 e 477,
bem como os artigos 39 e 40 da Lei 5.540/68
92
, o que foi efetivado por meio do
artigo da Lei 6.680, de 16 de agosto de 1979. Tal lei restabelecia normas
quanto às relações entre os estudantes e a instituição de ensino superior. A
partir de então, a comunidade acadêmica não estaria mais sujeita a leis
especiais. Ademais, as universidades teriam de processar reformulações em
suas legislações internas eliminando qualquer artigo indicado nos decretos e
leis revogados. De acordo com Poerner (2003), o Congresso Nacional apenas
legalizou uma situação de fato, pois estes decretos haviam sido revogados
com a extinção do AI-5.
91
A anistia política de 1979 “excluiu os crimes de sangue; não soltou imediatamente presos
políticos que tentaram reorganizar partido ilegal; aposentou militares punidos, pagando
integralmente seus proventos; os funcionários afastados voltaram a seus cargos depois de
confirmados por comissão especial” (Vieira, 2000, p.204). Ademais, o problema dos
desaparecidos políticos, desde o golpe de 1964, não foi totalmente solucionado. Entretanto, é
necessário considerarmos algumas ações que foram realizadas, como a criação da Lei 9.149,
de 1995, que garantiu a reparação econômica de parte dos familiares de mortos e
desaparecidos políticos no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e
instituiu uma Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEDMP), com a
função de reconhecer formalmente os mortos e desaparecidos, aprovar a reparação
indenizatória e localizar os corpos. Em agosto de 2002 foi promulgada a Lei nº 10.536 que
ampliou a data de abrangência da lei de 1995 para 05 de outubro de 1988 e reabriu novos
prazos para requerimento de processos. Outra mudança se deu em 1º de julho de 2004,
quando a Medida Provisória 176/2004 foi transformada na Lei 10.875 que passou a
contemplar “os casos de mortes em conseqüência de 'repressão policial sofrida em
manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público', e os suicídios
cometidos 'na iminência de serem presas ou em decorrência de seqüelas psicológicas
resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público'
(http://www.mndh.org.br consultado em 19/03/2008).
92
Nestes artigos não constava, ao menos explicitamente, determinações de caráter repressivo.
No artigo 39 estava definida a necessidade de submeter os regimentos dos diretórios à
instância universitária competente, além da possibilidade de punir o diretório que agir
contrariamente aos objetivos para os quais foi instituído. Em relação ao artigo 40 ressalta-se a
delegação, às instituições de ensino superior, da função de estimular atividades que
contribuam para a formação cívica do estudante, não havendo nenhuma referência às
atividades de cunho político, o que já era tratado nos decretos 228 e 477.
78
Tratava-se de uma abertura parcial, visto que a Lei 6.680/79
permanecia reconhecendo apenas os diretórios centrais, no que se refere às
universidades, e os diretórios acadêmicos, no que diz respeito às unidades de
ensino superior. Diante disso, os órgãos de âmbito estadual e nacional eram
mantidos na ilegalidade. Ademais, as atividades de cunho político-partidário
continuaram sendo proibidas.
Em de outubro de 1979, pouco antes das eleições para a presidência
da UNE, foi baixado o Decreto 84.035, que determinou a destituição da
diretoria da entidade de representação dos estudantes que tenha estabelecido
“participação ou representação (...) em qualquer entidade alheia à instituição de
ensino superior a que esteja vinculado” uma hipótese que constava no
parágrafo 2º da lei anteriormente citada, mas que fora apresentada sem uma
punição específica. Ressaltava-se, ainda, que por um período de dois anos os
membros da diretoria destituída estariam impossibilitados de exercer cargos de
representação estudantil.
Somente em outubro de 1985 efetivou-se uma abertura integral, com a Lei
7.395, que oficializou o reconhecimento: da UNE como entidade
representativa dos estudantes de ensino superior no país; das UEEs no vel
dos estados, Distrito Federal e dos territórios; dos DCEs nas universidades; e,
dos CAS ou DAs nas faculdades. Nenhuma restrição foi apresentada nesta lei,
que destacava em seu artigo que “a organização, o funcionamento e as
atividades das entidades a que se refere esta lei serão estabelecidos nos seus
estatutos, aprovados em assembléia-geral no caso de CAS e DAs e através de
congressos nas demais entidades”. Esta norma ainda revogou a Lei 6.680/79
e a Lei Suplicy que desde o Decreto Aragão, baixado em 1967, havia sido
revogada.
Diante de tais indicações pode-se constatar o empenho do governo
ditatorial no sentido de reprimir as iniciativas políticas dos estudantes, que de
fato eram proibidos de se oporem ao que foi sendo estabelecido, embora, em
distintos momentos, se mobilizassem na tentativa de derrubar as medidas e
ações que pretendessem contê-los, paralisando seus instrumentos
organizativos e restringindo seus campos de atuação.
79
Todos esses instrumentos legais foram criados e implementados em
nome da ordem social e da segurança nacional, o que evidencia o conteúdo
ideológico que fundamentava as discussões entre os responsáveis pela política
adotada no sistema de ensino superior do país nas décadas de 60/70.
Vale destacar, no que se refere a essa legislação, a existência de uma
diferenciação quanto à repressão legal e à repressão de fato, pois estas
normas referiam-se, em muitos casos, a termos inespecíficos que abriam um
leque de possibilidades de exigências, por parte dos defensores da ordem, em
relação ao ME.
Ademais, ressalta-se o processo de acirramento da repressão legal, tendo
em vista o progressivo aumento das restrições e punições estabelecidas.
Processo iniciado na Lei Suplicy que acabou por fortalecer o ME –, reforçado
no Decreto Aragão e que se solidifica, sobretudo, no Decreto-lei 477. Por
meio destas normas, a ditadura militar buscou, gradativamente, consolidar uma
estrutura que garantisse a impossibilidade do envolvimento dos estudantes em
atividades de cunho político-partidário, a fim de conter a oposição ao regime
vigente, que atuava arbitrariamente, intensificando, dentre outros fatores, a
perda das liberdades democráticas.
O processo de abertura política ocorreu, ainda, de forma lenta, tendo em
vista as determinações identificadas na Lei 6.680/79, que mantinha
limitações à atuação discente. Somente em 1985 pôde-se afirmar, no plano
legal, uma abertura de fato, ao considerarmos a Lei n° 7.395.
Durante todo este período ditatorial, com momentos de intensa repressão,
deve-se destacar a atuação do ME, que, para além dos equívocos e
dissensões, manteve-se contrário a todos esses instrumentos legais criados
pelo governo a fim de limitar suas possibilidades de ação política, o que teve
forte repercussão no espaço institucional das universidades brasileiras, como
veremos o caso da UFRJ no capítulo que segue.
80
CAPÍTULO 3
A REPRESSÃO SOBRE OS ESTUDANTES DA UFRJ
SEGUNDO OS BOLETINS
A repressão sobre os estudantes da UFRJ, no âmbito da própria
instituição, é o foco deste capítulo, que trata do processo de intensificação e de
fortalecimento do controle em relação às atividades dos discentes, após
fevereiro de 1967 e de 1969, respectivamente. Destaca-se, ainda, a aplicação
do digo Disciplinar na UFRJ a partir da década de 70, quando buscou-se
mascarar o controle político no interior da universidade. Ademais, no
fechamento dessa discussão são apresentados alguns quadros que
especificam as penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período estudado.
O texto foi estruturado a partir de informações obtidas em pesquisas aos
Boletins da UFRJ, onde constam decisões do Conselho Universitário
(CONSUNI) e portarias oficializando as ões de cada unidade da estrutura
universitária. Foi realizado um levantamento dos registros das sanções
disciplinares aplicadas aos estudantes da UFRJ em todos os Boletins da
Universidade publicados no período compreendido entre 1964 e 1979.
As ações repressivas sobre os alunos da UFRJ tiveram início logo após o
golpe militar. Aplicou-se a pena de expulsão a nove alunos da Faculdade de
Filosofia, no dia 23 de abril, por estarem ”incursos em faltas graves”
93
. Tal ação
foi estendida a outros dez alunos, por decisão do CONSUNI, em 2 de julho,
não tendo sido especificado o motivo da sanção disciplinar. Esta pena será
mais aprofundada no capítulo seguinte.
93
Boletim n° 19, de 08 de maio de 1964, p. 1.
81
Uma Comissão de Investigações foi criada por decisão do Reitor Pedro
Calmon, que atendia à recomendação do Ministro da Educação e Cultura, em
obediência ao disposto no Artigo , parágrafo , e no Artigo 10°, parágrafo
único, do Ato Institucional de 09 de abril. Segundo a Portaria 311, de 12 de
maio de 1964, tal comissão seria composta por professores catedráticos,
escolhidos pelo CONSUNI, além de “(...) um oficial general das fôrças
armadas, com a incumbência de abrir, por iniciativa própria ou em
conseqüência de representação, as investigações que se fizerem necessárias
no âmbito da Universidade do Brasil”
94
. Para tanto, o Reitor designou
95
o
professor emérito Maurício Joppert da Silva, os professores catedráticos José
Ferreira de Souza, da Faculdade de Direito, e Mauro Ribeiro Viegas, da
Faculdade de Arquitetura, além do General Acyr da Rocha Nóbrega. Dessa
forma, o controle do governo militar sobre a Universidade era introduzido e
normatizado.
A primeira aplicação da pena de suspensão após o golpe militar consta na
Portaria 13, de de julho de 1964, quando nove alunos da Escola de
Engenharia (EE) foram suspensos das atividades escolares por seis meses,
pelo diretor em exercício, Cesar Cantanhede, por terem “(...) participado de
atos considerados como de indisciplina, rebeldia e responsabilidade pela
perturbação da ordem (...)”
96
(grifos da autora). Eram eles:
1) Antônio Dias Rollenberg
2) Francisco Miguel de Almeida Pires,
3) Joaquim José de Mello Bastos,
4) Jones Bechara Cerqueira,
5) José Jorge Teixeira,
6) Oduvaldo Siqueira Arnaud,
7) Paulo César G. Brandão,
8) Paulo César Pinto, e
94
Boletim n° 20, de 15 de maio de 1964, p. 17.
95
A designação se deu por meio da Portaria 312, de 12 de maio de 1964, como consta no
Boletim nº 20, de 15 de maio de 1964, p.18.
96
Boletim nº 29, de 17 de julho de 1964, p. 23.
82
9) Ronaldo Barbosa Macedo.
Alguns dias depois, após sugestões da Comissão de Inquérito instituída
para apurar tais fatos, que teriam ocorrido nos dias que sucederam o golpe,
estes alunos – com exceção apenas do último da lista –, juntamente com
outros quatro, Antônio Carlos Loja, Armando Ribeiro de Araújo, Joel Carlos
Pereira e Roberto de Souza, estariam “(...) impedidos de concorrer a eleição,
ou serem designados para qualquer órgão estudantil durante sua vida
universitária”, por força da Portaria nº 18, de 20 de julho.
Em inícios de novembro de 1964, José Souza de Paula, aluno da
Faculdade de Farmácia, foi afastado das atividades escolares por meio da
Portaria 14, que assegurava a duração da pena até a conclusão do
processo. Entretanto, a pena foi convertida em suspensão por 15 dias,
resultado da reunião da Congregação, em 18 de novembro, quando se afirmou
o ato de injúria do aluno a membro do corpo docente.
Na sessão do CONSUNI, de 19 de novembro de 1964, o DCE apresentou
um recurso contra a decisão da Congregação da Faculdade de Direito (FD), de
aplicação de penas a estudantes, mas as causas das punições não foram
relatadas. Diante do exposto, o CONSUNI decidiu:
“a) cancelar as penas de afastamento temporário, por cinco
meses, aplicadas pela Congregação antes da conclusão do
inquérito; b) homologar as penalidades de suspensão e as de
afastamento temporário por noventa dias aplicadas depois do
inquérito; c) prescrever que, em caso de aplicação de duas ou
mais penalidades a um aluno, pela mesma falta, só prevaleça a
penalidade maior; d) assegurar, aos punidos com a pena de
afastamento temporário, o direito a prestarem exames de
época e matricular-se, no próximo ano, na série correspondente
às aprovações alcançadas”
97
.
A UFRJ abriu o ano de 1965 apresentando a aprovação da cobrança da
anuidade escolar para os cursos de graduação, como consta na resolução
3/65
98
, que resultou da sessão do CONSUNI de 28 de janeiro, o que tornou-se
97
Boletim nº 47, de 20 de novembro de 1964, p. 1.
98
Boletim nº 5, de 29 de janeiro de 1965, p. 3-4.
83
em mais um motivo de luta para o movimento de estudantes. Estabeleceu-se o
valor de Cr$ 28.000,00, o que equivalia a 2/3 do salário-mínimo, que seriam
pagos em duas quotas. Havia, ainda, a possibilidade de gratuidade para os
alunos que comprovassem insuficiência de recursos.
Em março de 1965, o Reitor Pedro Calmon suspendeu, por 30 dias, Ney
Couto Marinho, aluno da Faculdade de Medicina (FM). Houve, ainda, na EE,
outros dois alunos suspensos, Mauro Fernandes Orofino Campos e Sergio
Ambrosio de Medeiros, por 15 e 30 dias respectivamente. A pena foi aplicada
em função do ofício enviado ao Reitor pelo Comandante do Batalhão da
Polícia do Exército, que afirmou o fato dos estudantes terem sido “(...) detidos
em flagrante desrespeito à Autoridade (...), na manhã de 9 de março corrente,
após a realização da cerimônia inaugural do ano letivo (...)”
99
(grifos da autora).
Diante disso, o Reitor decidiu a aplicação das sanções disciplinares “(...)
independentemente das conclusões a que haja de chegar a Comissão de
Inquérito (...)”
100
, que fora nomeada por meio da Portaria n° 91, de 10 de
março. Essa ação desqualificava a Comissão de Inquérito, tendo em vista que
as penas já seriam aplicadas antes de seu relatório.
Outros dois jovens estariam envolvidos no episódio, mas foram isentos de
punição por não estarem na condição de alunos, mas de candidatos à
matrícula na Universidade. No entanto, os diretores das respectivas
Faculdades, às quais se candidatavam, seriam alertados a respeito da grave
ação cometida pelos jovens. Um deles, Nacif Elias Hidd Sobrinho, pretendia
cursar a Faculdade de Filosofia, e o outro, era candidato ao curso da FD, Milton
Castro Filho. No mês seguinte, aluno de Direito, foi suspenso por 30 dias,
por decisão do CONSUNI, em sessão do dia 8 de abril
101
. Mais tarde, em 1967,
como exposto adiante, ele foi expulso da UFRJ. Certamente este aluno entrou
na universidade com a marca de subversivo, que associada a sua
movimentação política, gerou a perseguição chegando ao extremo da expulsão
por parte das autoridades universitárias.
99
Boletim nº 11, de 12 de março de 1965, p. 13.
100
Idem.
101
Boletim nº 15, de 9 de abril de 1965, p. 1.
84
Uma outra decisão tomada ainda nessa sessão do CONSUNI se refere à
suspensão do funcionamento do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira
(CACO), da FD, o que perduraria até a resolução do processo disciplinar
processo 7.096-65. Na sessão seguinte, em 12 de abril, ao examinar tal
processo, o CONSUNI aprovou as seguintes conclusões do parecer elaborado
pela Comissão Especial:
“a) destituição da atual Diretoria do Centro Acadêmico Cândido
de Oliveira; b) imediata convocação de eleições para a nova
Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, obedecido
o que dispõe a Lei n. 4.464, de 9-11-64; c) suspensão por 60
(sessenta) dias dos membros da Diretoria do Centro Acadêmico
Cândido de Oliveira (...); d) considerar inelegíveis os atuais
membros da Diretoria do Centro Acadêmico Cândido de
Oliveira. O Reitor faz um apelo para que seja compreendida a
decisão do Conselho Universitário, como uma providência
destinada a normalizar a vida escolar, restituindo a tranqüilidade
indispensável às tarefas que incumbem a professores e alunos.
Queremos a bôa ordem, como condição para os bons estudos,
e estamos certos que este é hoje o espírito reinante na
Universidade
102
. (grifos da autora)
No que se refere às eleições dos DAs após a promulgação da Lei
Suplicy/1964, é importante destacar o exemplo da Faculdade de Ciências
Econômicas (FCE), que, em julho de 1965 e em abril de 1966
103
, ao
estabelecer as normas para este processo eleitoral, ratificou a obrigatoriedade
do exercício do voto pelos alunos, os quais seriam excluídos dos atos
escolares que sucedessem as eleições no caso de ausência, conforme consta
no Artigo das normas
104
. Ademais, em seu Artigo 19, foi proibida a (...)
fixação de cartazes com comentários políticos ou críticas às autoridades
constituídas”. Deve-se ressaltar, ainda, o Artigo 22, onde afirmou-se que: “o
candidato que infringir as disposições previstas poderá ter o seu registro
suspenso pelo Diretor, além da pena disciplinar, que estará sujeito de acordo
102
Boletim n° 16, de 16 de abril de 1965, p. 1.
103
Boletim nº 16, de 22 de abril de 1966, p. 14-16.
104
Boletim n° 30, de 23 de julho de 1965, p. 18-21.
85
com o Regimento da Faculdade”. Diante de tais indicações pode-se constatar a
incorporação, por parte das unidades da Universidade, dos termos da Lei
Suplicy, que visava regulamentar a representação discente.
Na sessão do CONSUNI de 19 de agosto, o diretor da FCE, Luiz Pedro
Baster Pilar, apresentou uma representação contra o DA de sua unidade, o que
pode ter repercutido na homologação, por unanimidade, do ato baixado por ele,
de suspensão do Diretório Acadêmico por 90 dias. Na sessão seguinte, do dia
26, foi suspenso por igual período o funcionamento do DA da Faculdade de
Filosofia, que poucos dias antes havia tido suas atividades suspensas até que
a Congregação da Faculdade se pronunciasse. A decisão do diretor estaria
fundamentada na Lei Suplicy. Segundo ele, o DA teria fornecido aos jornais
uma nota oficial que, caracterizava-se “(...) em vários trechos, como
manifestação de natureza nitidamente político-partidário vedada pela citada Lei
aos órgãos oficiais de representação estudantil (...)”
105
(grifos da autora).
Mais tarde, em fins de outubro, a situação do DA da Faculdade de
Filosofia se agravou devido ao descumprimento da pena por parte dos
membros do Diretório, que decidiram adotar a denominação de DALivre FNFi.
Segundo a direção da unidade, “(...) assim intitulando-se, atribuíram-se funções
que lhes estavam defesas enquanto durasse aquela suspensão (...)”
106
.
Ademais,
“(...) o referido D.A., por sua Presidente, reconheceu perante o
aludido Conselho a autoria e responsabilidade dos recentes
manifestos distribuídos aos alunos no recinto da Faculdade e
convocações, feitas ilegalmente, para reuniões e movimentos
estudantis que, ostensivamente, passou a liderar sem ter em
conta a suspensão prescrita”
107
.
105
Boletim nº 35, de 27 de agosto de 1965, p. 40-42.
106
Boletim nº 46, de 12 de novembro de 1965, p. 26.
107
Idem.
86
Diante disso, ficou decidido o afastamento dos cinco estudantes
declarados integrantes do referido DA Livre: Aloisio Pinto Dias (graduando de
Psicologia), Marcílio Eiras Moraes (graduando de Letras), Maria Oliveira das
Chagas e Silva (graduanda de Jornalismo), rio Ademilson de Oliveira
(graduando de Filosofia) e Tânia Caetano Marins (graduanda de História
Natural).
De acordo com as determinações que constam nos boletins, somente em
janeiro de 1967, com as modificações do Regimento Interno da Faculdade de
Filosofia, foi que a direção desta unidade tornou a fazer referência ao DA de
forma a regulamentar suas ações. Tendo como base a Lei Suplicy, reforçou-se
nesse momento a proibição de atividades de cunho político-partidário, “bem
como insuflar, promover ou apoiar movimentos que acarretem ausência
coletiva aos trabalhos escolares”
108
. Ressaltou-se, ainda, que
“o Diretório Acadêmico que, a juízo do Conselho Departamental,
infringir disposições da Lei nº. 4.464, de 9-11-64, do Estatuto da
Universidade, deste Regimento ou do Regimento do Diretório e,
bem assim que não cumprir as decisões dos órgãos
universitários competentes, será dissolvido por ato do Diretor,
que convocará, imediatamente, novas eleições”
109
.
A Faculdade de Odontologia (FO), em março de 1967, ao definir seu
Regimento Interno, apresentou, no item referente ao corpo discente, as
mesmas restrições indicadas no caso da Faculdade de Filosofia. Houve apenas
uma exceção no que diz respeito aos deveres dos estudantes, que consta no
item c, do Artigo 91, onde foi afirmado que os membros do corpo discente
deveriam
“abster-se de quaisquer atos que possam importar em
perturbação da ordem, danos materiais, ofensa aos bons
costumes, desrespeito aos professores, autoridades da
108
Alteração do Regimento Interno da Faculdade de Filosofia, publicada no Boletim 1, de 6
de janeiro de 1967, p. 23.
109
Idem, p. 24.
87
Faculdade e da Universidade, bem como aos membros do
Corpo Administrativo”
110
.
Ainda em agosto de 1965, o vice-diretor da FCE, Antônio Garcia de
Miranda Netto, resolveu suspender por 90 dias as atividades do DA, em virtude
do discurso proferido pelo presidente do Diretório quando da posse de seus
membros.
Na primeira semana de setembro, Maurício Zenóbio de Carvalho, aluno
da FCE, por ter agredido um funcionário administrativo, recebeu a pena de
afastamento temporário por 60 dias
111
, logo depois, reduzida para 35
112
.
Ademais, um outro aluno, José Alfredo da Luz, foi advertido por ter se referido
de forma descortês ao diretor da Faculdade no momento da posse do DA,
quando criticou as autoridades constituídas no país em seu discurso.
Importante destacar, no dia 16 de setembro, a suspensão da
representação do DA da Faculdade de Farmácia, por meio da Portaria 23,
em decorrência de o terem apresentado seu Regimento no prazo previsto
pelo Artigo do Decreto 56.241, de 4 de maio de 1965 decreto que
regulamentou a Lei Suplicy, tratando das normas e prazos de implementação
de seus termos.
Desde agosto de 1965, tem-se registro da designação de professores, em
diferentes unidades, para acompanhar as eleições dos DAs de suas
respectivas unidades, como o exemplo da Faculdade de Farmácia, da FCE e
da FM. Destaca-se, ainda, a apresentação, em sessão do CONSUNI de
outubro de 1965, de emendas ao Regimento Interno, por parte das unidades, a
fim de adaptá-los à Lei Suplicy, como foi o caso da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo (FAU) e da Escola de Música (EM).
Em fins de fevereiro de 1966, o Diretor da FCE, constituiu Comissão de
Sindicância, por meio da Portaria 24-66, com o objetivo de apurar atividade
de panfletagem no interior da Faculdade, “(...) bem como, autoria dos mesmos,
110
Regimento Interno da Faculdade de Odontologia, que consta no Boletim nº. 13, de 31 de
março de 1967, p.44.
111
Boletim nº 36, de 3 de setembro de 1965, p. 13.
112
Boletim nº 41, de 8 de outubro de 1965, p. 23.
88
e finalidade visada com esse fato e demais circunstâncias relacionadas com
essa irregularidade”
113
. No mês seguinte, Magdalena Veron, aluna desta
unidade ficou impedida de participar das atividades acadêmicas por um período
de oito dias. Tal decisão não foi justificada, como consta na Portaria n° 25, de
16 de março. Ainda nesse mês, por meio da Portaria n° 26 e n°27
114
foi
aplicada a pena de advertência a dois alunos da FCE, Eduardo José Gomes
Petersen e Sonia Hinds de Oliveira, em virtude de estes terem fixado cartazes
e distribuído panfletos no interior da Faculdade, o que foi considerado um ato
de desrespeito ao diretor.
Na EE, em inícios de junho, segundo a decisão da Portaria 2, o aluno
Rodrigo Barbosa e Silva foi suspenso por oito dias por ter praticado ato de
indisciplina. Um outro ato da direção que merece destaque se refere à
suspensão da representação do corpo discente nos órgãos de deliberação
coletiva da unidade, o que foi decidido em decorrência do não-cumprimento,
por parte do DA, dos Artigos 20 da Lei Suplicy e do Decreto nº 56.241/65
dentro do prazo estabelecido. Tais artigos referíam-se à adaptação do
Regimento dos DAs às normas prescritas.
No primeiro dia do mês de setembro os atos de indisciplina dos alunos da
FD foram tema de discussão do CONSUNI, que decidiu, de acordo com o
proposto pela congregação e pela direção da unidade,
“determinar a dissolução do D.A. da mesma Faculdade; e,
dada a gravidade dos fatos expostos, autorizar o Diretor a
afastar, impedindo o ingresso na Faculdade até a conclusão
do inquérito instaurado, os alunos componentes do Diretório
dissolvido, e ainda os que, por sua conduta observada, se
tornaram incompatíveis com o funcionamento regulamentar da
instituição”
115
.
Nessa mesma sessão do CONSUNI foram definidos alguns pontos acerca
da cobrança de anuidades, como consta na Resolução 22. Dentre eles,
importante destacar o item 3: “os alunos que, não tendo obtido isenção de
113
Boletim nº 8, de 25 de fevereiro de 1966, p. 7.
114
Boletim nº 13, de 01 de abril de 1966, p. 10-11.
115
Boletim nº 35, de 02 de setembro de 1966, p. 1.
89
pagamento e, no prazo acima (4 de julho a 5 de agosto) não o fizerem, terão
trancadas as matrículas, e, em conseqüência, ficarão impedidos de realizar
trabalhos escolares e exames”
116
. Tal ameaça revela a efetividade dessas
cobranças no meio acadêmico, o que pode ser confirmado por meio do registro
da aplicação da pena de cancelamento de matrículas a três alunos da FCE,
Joacil Cavalcanti de Oliveira, Luiz Roberto Muniz da Silva e Paulo César
Werneck da Rocha, em virtude da falta de pagamento
117
, em 15 de julho.
Importante assinalar a decisão do CONSUNI, em 8 de setembro, de
extinguir o DA da FAU, quando destacou em sessão: “(...) uma vez que não
tendo cumprido as decisões do Conselho sobre as anuidades, tiveram suas
matrículas trancadas”
118
. Essa afirmação foi reforçada e detalhada na Portaria
nº 23, da mesma data, onde o diretor da unidade determinou o impedimento da
entrada, no interior da Faculdade, de 27 alunos
119
, bem como o cancelamento
de suas matrículas.
A justificativa consistiu na falta de pagamento da taxa de anuidade
escolar e na perturbação da ordem causada por estes alunos. A seguir, a
direção da FAU, por meio da Portaria 25
120
, instituiu uma comissão que
deveria vistoriar as dependências do DA tendo em vista a dissolução de sua
Diretoria. Em 13 de outubro, a Comissão de Inquérito instalada excluiu das
restrições impostas nove
121
dos 27 alunos punidos, o que foi divulgado pela
Portaria nº 28-66, que não explicava o motivo da isenção concedida.
No período de abril de 1964 até fins de 1966 iniciou-se, de forma mais
clara, o processo de estabelecimento do controle sobre os estudantes da
UFRJ. Entretanto, os estudantes ainda conseguiram manter um vel elevado
de articulação e organização apesar do elevado número de penas aplicadas
116
Idem.
117
Boletim nº 29, de 22 de julho de 1966, p. 33.
118
Boletim nº 36, de 09 de setembro de 1966, p. 1.
119
Idem. Lista completa dos alunos consta no ANEXO I.
120
Boletim nº 44, de 4 de novembro de 1966, p. 24.
121
Eram eles: Célio Diniz Ferreira, César Augusto Guaracy Costa, Gilson Sérgio Cruz, Gregório
Fontan Soto, Jorge Mendonça Furtado, Max Sterenberg, Paulo Roberto Rocha, Rezso Karoly
Josef Divenyi e Ruth Tobal Barreto (informação que consta no Boletim nº 42, de 21 de outubro
de 1966, p.31-32).
90
pelas autoridades universitárias nessa fase. Este movimento revela justamente
uma intensificação progressiva da repressão, bem como da resistência mantida
pelos alunos da UFRJ frente às ações que visavam reprimir a organização e a
manifestação política. Processos que mais à frente deixam de ocorrer
concomitantemente, havendo uma prevalência da repressão sobre os
estudantes.
Vale ressaltar, que não consta nos boletins, informações acerca da
movimentação dos estudantes em setembro de 1966, quando a FM foi invadida
por policiais que visavam desmobilizar os discentes reunidos em assembléia.
Um episódio significativo na história do movimento estudantil da UFRJ que será
discutido no capítulo a seguir.
3.1 – Intensificação do controle
A partir de fevereiro de 1967, as unidades da UFRJ passaram a ter como
base, no controle do corpo discente, nova legislação, o Decreto-Lei 228,
que, como discutido no capítulo anterior, reforçou a Lei Suplicy.
A Faculdade de Economia e Administração (FEA), ao regulamentar a
eleição do DA, em agosto desse ano, declarou obediência ao Decreto Aragão.
Diante disso, pode-se constatar, novamente, a influência da legislação nacional
sobre representação estudantil no interior da UFRJ.
Em maio de 1967 a FD voltou a ser destaque em sessão do CONSUNI,
que instituiu Comissão de Inquérito Administrativo a fim de apurar fatos
envolvendo alunos desta unidade. Ademais, foi aprovado um parecer da
Comissão de Legislação, que havia definido a expulsão do aluno Milton Castro
Filho, e a absolvição dos demais alunos por insuficiência de provas. Este é um
caso extremamente significativo, pois tratava-se de um aluno considerado alvo
de sanção disciplinar antes mesmo de ser aluno. Imediatamente após seu
ingresso da UFRJ, ele recebeu suspensão e foi expulso dois anos depois.
Em inícios de agosto, a Faculdade de Filosofia, “(...) considerando que a
UNE é instituição clandestina, fechada pelo Governo da República;
considerando que, por este motivo, a afixação de cartazes relativos a iniciativa
91
da UNE assume caráter de provocação e desordem (...)”
122
, resolveu aplicar a
pena de advertência ao aluno José Bastos Ribeiro, por ter fixado cartazes no
DA referentes à atividade daquela entidade estudantil.
Nesse ano, outros sete alunos foram advertidos, dentre estes, cinco da
FEA Ana Maria de Oliveira Abrão, Franklin de Souza Martins, José Carlos
Ferreira Gomes, Marcílio Campos Casela e Marco Antônio Nascimento Pereira
–, que sofreram sanção disciplinar devido à realização de manifestações na
unidade nos dias 5 e 6 de outubro. A aplicação de tal medida efetivou-se em
virtude do relatório apresentado pela Comissão de Sindicância que foi
instituída, cuja função era:
“1º) apreciar os incidentes e tumultos havidos nos dias 5 e 6
de outubro corrente na sede da Faculdade; 2º) averiguar se o
D.A. Thales de Mello Carvalho tem promovido manifestações
de caráter político-partidário; 3º) averiguar se o D.A. (...)
incitou ou promoveu a ausência coletiva aos trabalhos
escolares havidos no dia 6 de outubro corrente”
123
.
Um outro resultado desse relatório foi a repreensão da diretoria do D.A.,
responsabilizada pelo ocorrido. Destacou-se, ainda, a advertência aplicada à
turma da série da mesma unidade pelos atos de indisciplina, como definido
na Portaria nº 67, de 21 de outubro de 1967
124
.
Em meados de janeiro de 1968, em sessão do CONSUNI
125
, foram
apontadas algumas decisões, que constavam no Relatório da Comissão de
Inquérito que apurou fatos do Instituto de Psicologia (IP) que ocorreram no ano
anterior. Conforme o Relatório, três alunos deveriam sofrer sanção disciplinar,
que consistia em: suspensão por um ano a Paulo Rubens Fonseca, suspensão
por 90 dias a Berenice Fialho Moreira, e repreensão a Luigi Moscatelli. No
entanto, não foi relatado o motivo pelo qual os estudantes estavam sendo
punidos.
122
Boletim nº 34, de 25 de agosto de 1967, p.62.
123
Boletim nº 42, de 20 de outubro de 1967, p.60.
124
Boletim nº 46, de 17 de novembro de 1967, p. 30.
125
Boletim nº 3, de 19 de janeiro de 1968, p. 1.
92
Nessa mesma sessão, retornou como tema de discussão do CONSUNI a
questão do pagamento de anuidades. Dentre as resoluções a que se
chegaram, importante destacar que “o aluno que não pagasse ou não tivesse
solicitado bolsa no prazo estabelecido não poderia executar provas, nem
trabalhos escolares”
126
e, ainda, ficaria sem freqüência. Ademais, o cartão de
matrícula seria entregue ao aluno somente após o pagamento da taxa de
anuidade escolar.
No que diz respeito às repreensões aos discentes em 1968, vale
considerar o direcionamento desta sanção à diretoria do DA da FEA, por ter
realizado, em 22 de maio, reunião em sala de aula “(...) em horário escolar com
a presença de seus dirigentes e de elementos estranhos ao corpo discente da
casa, impedindo as aulas dos professores (...) e afixando cartazes nos
corredores do Edifício da Escola”
127
. Esta ação dos estudantes revela a
resistência que ofereciam a um regime que buscava conter suas formas de
articulação e organização política.
No segundo semestre desse ano, algumas unidades, como a EE, a FAU,
a Faculdade de Farmácia e a Faculdade de Letras (FL), designaram
professores e alunos para comporem grupos de trabalho no intuito de que
analisassem como a Reforma Universitária (RU) deveria ser implantada na
universidade. Tratava-se de uma ação ordenada pelo MEC, a fim de legitimar a
RU no corpo acadêmico, principalmente no que se refere ao corpo discente.
Nesse período, os mecanismos de repressão aos estudantes da UFRJ
foram sendo reforçados. Na Faculdade de Farmácia, por exemplo, 26
estudantes
128
receberam suspensão de 30 dias por não terem participado das
eleições do DA em 12 de agosto de 1968. A direção da unidade afirmou
atender ao Artigo 5º, parágrafo único do Decreto Aragão.
Em outubro, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), em
decorrência da falta de 66 alunos na eleição do DA, tendo apenas 17 deles
justificado o não comparecimento, também receberam a pena de suspensão
126
Idem, p. 2-3.
127
Boletim nº 22, de 31 de maio de 1968, p. 22.
128
Boletim nº 40, de 27 de setembro de 1968. A listagem completa consta no ANEXO II.
93
por 30 dias 49 alunos
129
. Igual pena foi aplicada aos alunos da FEA, dos cursos
de Ciências Contábeis, Administração e Ciências Atuariais, também pela falta
na eleição do DA, num total de 112 estudantes punidos
130
. E para completar o
registro de mais de 239 suspensões no ano de 1968 vale destacar a aplicação
da pena a 48 alunos
131
na Escola de Educação Física e Desportos (EEFD).
O DCE, no mês de outubro, foi dissolvido por decisão do CONSUNI, que
posicionou-se de tal forma por meio da Resolução nº 15,
“(...) considerando que o Presidente do Diretório Central de
Estudantes tem reiteradamente participado de manifestações
públicas de sentido político, o que é incompatível com a
função de representação do órgão estudantil; considerando
que a atuação do Presidente do órgão de representação tem
sido manifestadamente contrária à vida universitária;
considerando que o Diretório Central dos Estudantes tem
incitado a desordem na vida universitária, com atitudes de
indisciplina, com prejuízo, até mesmo para os trabalhos
escolares (...)”
132
(grifos da autora).
Em fins de 1968, o clima era mais tenso. Na Faculdade de Farmácia,
ocorreram depredações na noite de 18 de dezembro, o que impulsionou a
direção da unidade a criar uma comissão a fim de vistoriar as dependências do
DA Rodolpho Teófilo
133
. Na EE, em 20 de dezembro teria ocorrido alguma
espécie de agitação estudantil, tendo em vista a pena de suspensão por 15
dias aplicada à aluna Maria da Glória Araújo Ferreira, acusada de perturbar a
ordem e de ter causado danificações no prédio
134
.
Pode-se observar que nesse ano, o controle sobre os estudantes se
intensificava paulatinamente. O número de penas aplicadas aumentou de
forma significativa, o que foi resultado de uma maior resistência dos estudantes
às imposições da estrutura universitária em obediência ao governo, que em
129
Boletim nº 43, de 18 de outubro de 1968. A lista nominal está localizada no ANEXOIII.
130
Boletim nº 50 de 6 de dezembro de 1968. No ANEXO IV consta a listagem completa.
131
Boletim nº 50, de 6 de dezembro de 1968. Lista dos alunos no ANEXO V.
132
Boletim nº 42, de 11 de outubro de 1968, p. 1.
133
Boletim nº 6, de 07 de fevereiro de 1969, p. 18.
134
Idem, p. 20.
94
muitos momentos não alcançava seus objetivos, e empenhava-se na
elaboração de novos mecanismos de repressão.
3.2 – Fortalecimento da repressão
Após a promulgação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, as
possibilidades de articulação e de organização política dos estudantes no
interior da UFRJ tornaram-se bastante limitadas, sobretudo a partir de fevereiro
de 1969, quando foi baixado o Decreto nº. 477, que, como explicitado no
capítulo anterior, agravou o quadro que vinha se apresentando em 1968. Este
Decreto reforçou, mais uma vez, e com força ainda maior, a estrutura de
controle sobre os discentes, configurando um cenário temeroso.
Importante destacar que anteriormente à aprovação do Decreto-Lei 477
em fevereiro de 1969, a UFRJ havia criado o Código Disciplinar
135
, que
visava a regulamentar a aplicação de sanções disciplinares a todo o Corpo
Social da UFRJ discentes, docentes, técnicos e administrativos. Desde julho
de 1968, o ante-projeto do Código Disciplinar já vinha sendo discutido em
sessões do CONSUNI, tendo sido aprovado em 10 de outubro do mesmo ano.
Somente em março de 1976 o referido Código sofreria atualização e alteração,
sendo, então, incluído no Regimento Geral da UFRJ, Título V.
Dentre as penas aplicadas nesse período, importante destacar, em fins de
maio, a suspensão da aluna Cléa Carapêba Melo, por 30 dias, da FL, “por
incitamento à rebelião e desobediência a ordem do Diretor e por desacato e
ofensa à pessoa do mesmo na presença dos alunos”
136
(grifos da autora),
sendo, ainda, proibida de entrar no prédio da unidade enquanto durasse a
pena. Na mesma unidade, outros 25 alunos
137
também foram suspensos, mas
por 15 dias, sendo igualmente proibidos de entrarem na FL.
135
Segue no ANEXO VI o Código Disciplinar da UFRJ.
136
Boletim nº 22, de 30 de maio de 1969, p. 13.
137
Listagem nominal consta no ANEXO VII.
95
Os estudantes foram acusados de realizarem “(...) atividades e atitudes
incompatíveis com a ordem e a disciplina internas da Faculdade, inclusive
desrespeito e desacato ao corpo administrativo, nas últimas semanas (...)”
138
(grifos da autora). Nos dias imediatamente após o retorno dos alunos
suspensos, reiniciaram-se, segundo a Portaria 25, de 10 de junho, as
“atividades não condizentes com a ordem e o respeito às autoridades, inclusive
com a afixação de impressos incitando a greve e a revolta contra os podêres
constituídos”. Diante disso, o diretor da FL decidiu instaurar inquérito a fim de
apurar as responsabilidades desses alunos.
No Instituto de Geociências (IGEO), nesse mesmo mês, a representação
estudantil, composta por quatro alunos – Augusto César Sales Galvão, Geraldo
Mac-Dowell Rumpenhorst, Ronaldo de Souza Costa e Telma Regina de
Almeida Cordeiro –, foi suspensa por desobediência às ordens expressas pelo
diretor. No mês seguinte, os mesmos alunos foram desligados do IGEO com
base no Decreto-Lei 477, em virtude das atividades por eles desenvolvidas
como membros do DA, do material encontrado nas dependências da entidade
estudantil, e, do desaparecimento de material pertencente ao IGEO.
Em fins de maio de 1969, na Escola de Belas Artes (EBA), alunos foram
suspensos e repreendidos
139
, também com base no Decreto-Lei 477, dentre
outras acusações, por movimentarem-se no intuito de reunir discentes em
reunião não permitida e por incitá-los à greve geral. Um dos estudantes
suspensos foi acusado de ter se empenhado na invasão da portaria da unidade
“em companhia de alunos suspensos, de estranhos e de alunos ainda não
punidos”
140
, e teria participado, ainda, de atos de subversão e de promoção da
desordem. Os alunos suspensos foram primeiramente penalizados por 15 dias
e logo após foi decidido que a pena duraria enquanto durasse o processo
sumário a que respondiam. Os estudantes suspensos foram:
1) Albertina Rodrigues Costa;
2) Anita de Moraes Slade (presidente do DA);
138
Boletim nº 22, de 30 de maio de 1969, p. 14.
139
A lista dos alunos repreendidos segue no ANEXO VIII.
140
Boletim nº 24, de 13 de junho de 1969, p. 14.
96
3) Dulce Carvalho Fernandes;
4) Dulce Gonzáles (vice-presidente do DA);
5) João Maurício Branco Sette (secretário geral do DA);
6) José Carlos Avelino da Silva; e,
7) Sônia Maria Goulart Salles.
No início do mês seguinte, cinco dos estudantes suspensos foram
desligados
141
da EBA com a exceção de Dulce Carvalho Fernandes e Dulce
Gonzáles e o Diretório Acadêmico da unidade foi dissolvido. O diretor da
unidade afirmou estar cumprindo o disposto no Decreto-Lei 477 e acusou os
estudantes de praticarem atos que atentavam contra a ordem e a disciplina.
No que se tange ao Código Disciplinar, vale considerar que, apesar de ter
sido criado em 1968, as aplicações de penas aos estudantes passaram a fazer
referência a ele somente a partir de junho de 1969, como foi possível observar
nos boletins da UFRJ. Tratava-se do caso de dois alunos, da FEA, que foram
punidos, Ricardo Corrêa Pimenta e Paulo Cesar Gomes Leite Pitanga, com
suspensão
142
de dez e cinco dias respectivamente, de acordo com a Portaria nº
40 e 41, nos termos da alínea C, do Art. do Código, porém é importante
considerarmos a inespecificidade da aplicação desta pena. O §1º do Art. do
Código Disciplinar define as faltas, que, cometidas por alunos, os tornariam
alvos de advertência, repreensão, e suspensão de até 15 dias ou de 16 a 30
dias – como consta no Art. 7º – conforme segue:
“I Desrespeito ao Diretor da Unidade ou a qualquer membro
do Corpo Docente ou Administrativo; II Desobediência a
ordem dada por qualquer autoridade Universitária, no exercício
de suas funções; III Ofensa ou agressão a membro do Corpo
Discente; IV – Perturbação da ordem em qualquer área da
Universidade; V – Danificação de material da Universidade,
caso em que, além da pena disciplinar ficarão obrigados à
indenização do dano ou substituição do objeto danificado; VI
Improbidade na execução de atos ou trabalhos escolares”.
141
Boletim nº 25, de 20 de junho de 1969, p.8.
142
Idem, p.7.
97
Pode-se, então, perceber, o leque de ações que poderiam ter sido
praticadas pelos alunos suspensos. O Código Disciplinar, dessa forma, abriu
espaço para que alunos fossem punidos sem que o motivo da aplicação da
pena fosse especificado. Aqui, as ações de cunho político-partidário não foram
citadas, tendo em vista a possibilidade de enquadramento destas nos itens de I
a IV. Dessa forma, o sistema de controle aos universitários ganhava uma nova
roupagem, mascarado nas possibilidades de desrespeito e desobediência por
parte dos estudantes.
Dentre as medidas tomadas pelas unidades da UFRJ, também merece
destaque a advertência ao aluno Henrique Octaviano de Moraes Sampaio
Behrens, da FAU, em inícios de agosto, “por ter-se dirigido a seus colegas, em
sala de aula, com informações inquietantes, que provocaram perturbações da
ordem no recinto (grifos da autora)”
143
. Na EBA, a direção, buscando cumprir o
Decreto-Lei 477, instaurou processo sumário no intuito de apurar atividades
subversivas por parte de alunos.
Em meados de agosto de 1969, a direção da FD instituiu Comissão de
Inquérito a fim de apurar agitações estudantis no interior da unidade. De acordo
com análise de tal comissão, alguns anos, os estudantes vinham fazendo
pichamentos nas paredes internas e externas da unidade, que expressavam
frases desrespeitosas e subversivas, incitamento aos movimentos contrários à
ordem pública e à regularidade dos trabalhos escolares, com greves e
protestos de toda espécie, até a gravação de nomes de falsos heróis porque
esquerdistas
144
(grifos da autora). Mesmo após a limpeza e a pintura das
paredes do prédio, no início de março, as autoridades universitárias
constataram que os estudantes
“reiniciaram a sua faina de sujeiras, repetindo os pichamentos,
as frases de insulto, as gravações de nomes, os cartazes
subversivos, as convocações de greves etc. Nada respeitaram
e assim continuaram no mês de maio. Os comícios, os
discursos incendiários, ataques aos não comunistas
principiaram na primeira metade de abril, por ocasião das
143
Boletim nº 31, de 01 de agosto de 1969, p. 13.
144
Boletim nº 42, de 17 de outubro de 1969, p. 20.
98
eleições para representantes de turmas e continuaram em
salas de aulas e em horas diversas”
145
.
Diante disso, no intuito de cumprir o Decreto-Lei 477, a direção da unidade
resolveu suspender o CACO (Centro Acadêmico ndido Oliveira) e fechou
sua sede. Ademais, oito alunos foram desligados, sendo, ainda, proibidos de se
matricularem, pelo prazo de três anos, em qualquer outra instituição de ensino.
Eram eles:
1) Antônio Carlos Rodrigues Pereira;
2) Antonio Rangel Torres Bandeira (presidente do CACO);
3) Aurora Oliveira Coentro;
4) José Augusto da Silva Pereira (2º tesoureiro do CACO);
5) Luiz Carlos Cataldo;
6) Maria Angélica Gonçalves Gentile;
7) Maria Julieta Viana; e,
8) Sônia Regina Yessin Ramos (2º vice-presidente do CACO).
Ao observar a Tabela 1, que apresenta as penas aplicadas aos
estudantes da UFRJ neste período, pode-se perceber a mudança da repressão
sobre os discentes, que se iniciou em 1964, e se intensificou nos anos
seguintes.
Entretanto, destacou-se a exclusão de 19 alunos já em 1964. Em 1966, o
quadro apresenta um número significativo de suspensões, 27, mas que não se
compara às mais de 239 computadas em 1968. Finalmente, com o reforço total
desse controle, o ano de 1969 se põe com 57 repreensões, número máximo,
51 suspensões, e 19 exclusões, repetindo o início desse ciclo.
145
Idem.
99
Tabela 1
Algumas penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido
entre 1964 e 1969
ANO
PENAS
APLICADAS
1964
1965
1966
1967
1968
1969
Advertência
- 2
2
> 8
146
1 8
Repreensão
1 - 4 2 > 7
57
Suspensão
10
10 > 27 5 > 239 51
Exclusão
(expulsão,
desligamento e
cancelamento de
matrícula)
19
- 3 1 - 19
Na tabela 2, que segue estão apresentadas todas as penas aplicadas aos
estudantes da UFRJ entre 1964 e 1969, com a indicação do número de alunos
punidos, da unidade a que se refere, da data de aplicação da sanção disciplinar
e da causa da pena, bem como da norma na qual a autoridade universitária de
baseou para decidir a punição estes dois últimos itens constam apenas nos
casos em que havia tal especificação.
146
O sinal > foi utilizado na tabela no intuito de informar a constatação de um número de
aplicação de penas maior do que o indicado. Isto ocorreu em virtude de algumas unidades
aplicarem sanção disciplinar sem especificar a quantidade de alunos punidos. Como por
exemplo, a FEA, no que se refere à advertência à série em 1967 e à repreensão da diretoria
do DA em 1968; na FD a suspensão aplicada a dirigentes do DA em 1966 e a suspensão
aplicada pelo IP em 1968.
100
Tabela 2
Penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido entre 1964 e 1969
ANO
PENAS
APLICADAS
1964
1965
1966
1967
1968
1969
Advertência
1 – FCE (10/09)
Descortesia ao
Diretor
1 – FAU (10/12)
2 – FCE (01/04)
Panfletagem
1 – FCE (06/01)
Displicência
1 – FEA (30/06)
Mau
comportamento
1 – Faculdade de
Filosofia (25/08)
Ação em favor da
UNE
5 – FEA (10/11)
Tumulto na FEA
3ª série – FEA
(17/11)
Indisciplina
1 – FEA (11/10)
Perturbação da ordem
2 – EE (24/01)
Desrespeito à funcionário
Cód. Disciplinar
1 – FEA (25/04)
1 – EEFD (04/07)
Indisciplina + Improbidade na
execução de trabalhos
escolares
D-L 477
_
101
1 – FAU (01/08)
Perturbação da ordem
1 – FEA (10/10)
Cód. Disciplinar
2 – EE (04/12)
Cód. Disciplinar
Repreensão
1 –
FAU (08/05)
Entrada de
carro no hall
da
Faculdade
4 – FAU (09/09)
1 – EE (10/03)
Desrespeito à
professor
1 – FCE
Desrespeito à
autoridade superior
DA – FEA (10/11)
1 – IP (19/01)
1 – EE (03/05)
Diretoria do DA – FEA
(31/05)
5 – IGEO (18/10)
Desobediência
3 – EE (24/01)
Desrespeito à docente
Cód. Disciplinar
24 – EBA (13/06)
Desrespeito/ D-L 477
1 – EBA (29/08)
Desrespeito à docente
27 – IGEO (26/09) /Cód. Disc.
2 – IGEO (18/12) /Cód. Disc.
_
102
ANO
PENAS
APLICADAS
1964
1965
1966
1967
1968
1969
Suspensão
9 – EE
(17/07)
6 meses/
Indisciplina,
rebeldia e
perturbação
da ordem
1 – Fac. de
Farmácia
(27/11)
15 dias/
Injúria à
docente
1 – FM (10/03)
30 dias
Desresp. à
autorid
1 – EE (10/03)
30 dias/Idem
1 – EE (10/03)
15 dias/Idem
1 – EE (19/03)
30 dias
1 – FD (09/04)
30 dias
Aplicada pelo
CONSUNI
1 – FCE (25/03)
8 dias
1 – EE (17/06)
8 dias/Indisciplina
Integrantes do DA
– FD (02/09)
Indeterminado
25 – FAU (09/09)
Impedidos de
entrar na FNA por
não pagamento da
anuidade e por
perturbação da
ordem – em 13/10,
9 destes são
isentos da pena
1 – EE (24/02)
8 dias/Cola
1 – FEA (20/10)
8 dias
3 – FEA (17/11)
8 dias/Indisciplina
– Port. Anulada em
21/11
1 – IP (19/01)
1 ano
1- IP (19/01)
90 dias
1 – EE (15/03)
30 dias/ Agressão à
discente
26 – Fac. de Farmácia
(27/09)
30 dias
49 – IFCS (18/10)
30 dias/ Ausência nas
eleições do D.A.
112 – FEA (06/12)
30 dias/ Idem
48 – EEFD (06/12)
30 dias/ Idem
1 – EE (07/02)
15 dias/ Perturbação da
ordem
1 – EEFD (14/02)
10 dias/ Cód. Disc.
1 – FL (30/05)
30 dias/ Incitamento à
rebelião
25 – FL (30/05)
15 dias/ Indisc./ Desrespeito
7 – EBA (13/06)
Subversão/ D-L 477
1 FEA (20/06)
10 dias/ Cód. Disc.
103
Suspensão
(afastamento ou
impedimento de
participação das
atividades
acadêmicas)
_
Diretoria do
CACO – FD
(12/04)
60 dias
Aplicada pelo
CONSUNI
1 – FCE
(03 e 22/09)
60 dias reduzido
p/ 35
Afastamento
Agressão à
funcionário
5 – Fac. de
Filosofia (12/11)
Afastamento
Agitação
_
1 – EE (15/12)
45 dias+anulação das
provas em Isostática
IP (13/12)
Indisciplina
1 – FEA (20/06)
5 dias/ Cód. Disc.
4 – FD (04/07)
Indeterminado/ D-L 477
4 – IGEO (04/07)
Indeterminado/Irregularidades
no DA
1 – FAU (25/07)
10 dias/ Agressão à disc.
1 – EE (25/07)
1 ano/ Injúria/ Agressão func.
D-L 477
2 – EE (08/08)
6 meses
1 – EEFD (29/08)
5 meses/ D-L 477
1 – ICB (04/12)
15 dias/ Cód. Disc.
104
ANO
PENAS
APLICADAS
1964
1965
1966
1967
1968
1969
Exclusão
(expulsão,
desligamento e
cancelamento de
matrícula)
9 – Fac. de
Filosofia
(08/05)
Expulsão
Incursos em
faltas graves
10 – Fac. de
Filosofia
(03/07)
Expulsão
3 – FCE (22/07)
Cancelamento de matrícula
Não pagamento da anuidade
1 – FD (05/05)
Expulsão
Aplicada pelo
CONSUNI
4 – IGEO (13/06)
D-L 477
1 – FEA (20/06)
D-L 477
5 – EBA (20/06)
Desordem/ Indisc./ D-L
477
8 – FD (17/10) (…) com
privação de se
matricularem, pelo prazo
de três anos, em qualquer
outro estabelecimento de
ensino”
D-L 477
1 – FEA (11/12)/ D-L 477
Proibição de
candidatura
12 – EE (07/08)
_
_
_
_
_
_
_
105
ANO
PENAS
APLICADAS
1964
1965
1966
1967
1968
1969
Suspensão de
representação
do DA
Fac. de Farmácia
(24/09)
Não cumpriu prazo
de adaptação à Lei
Suplicy
EE (17/06)
Não cumpriu prazo de
adaptação à Lei Suplicy/
Obs.: suspensão nos
órgãos de deliberação
coletiva da unidade
FAU (04/11)
Diretoria dissolvida
IGEO (19/05)
Desobediência
Vistoria em DA
FAU (04/11)
Comissão deveria “(...)
arrolar o material existente
nas dependências do DA
(...)”
Fac. de Farmácia
(07/02)
Dissolução de
entidades
estudantis
_
_
_
_
DCE da UFRJ
dissolvido em
11/10
Fac. de Farmácia (05/09)
Dissolução
_ _ _ _
_ _
_
105
3.3 Controle político “mascarado” A aplicação do Código Disciplinar
na UFRJ
A partir da década de 70 – período em que o movimento estudantil
encontrava-se limitado em suas possibilidades de organização, quando se
percebeu obrigado a restringir-se, sobretudo, a atividades clandestinas –, o
número de sanções disciplinares aplicadas aos estudantes sofreu uma redução
significativa e passou a ter como base o Código Disciplinar unicamente.
Para além do exposto no item anterior acerca do Código Disciplinar,
vale destacar outros pontos importantes, como a aplicação das penas de
afastamento temporário e de exclusão, que ocorreria em casos de reincidência
em faltas cometidas,
“(...) II Prática de atos incompatíveis com a dignidade e o
decôro da vida universitária; III – Injúria ou agressão ao Diretor
da Unidade a qualquer membro do Corpo Docente ou a
autoridade administrativa; IV Agressão a funcionário
administrativo; V Prática de atos criminosos; VI Por
conduta social imprópria e lesiva à reputação da
Universidade”
147
.
A aplicação da pena de exclusão era de competência exclusiva do
Conselho Universitário. Ademais, durante o processo disciplinar, o aluno não
poderia ser transferido para outra instituição de ensino superior, e, caso
estivesse na última série, ficaria impossibilitado de colar grau, como previsto no
§ 5º do Art. 11º.
Ficava sob os cuidados do Diretor da unidade a aplicação de
advertências, repreensões e suspensões até 15 (quinze) dias; e, da
Congregação ou órgão equivalente, a aplicação de suspensões de 16
(dezesseis) até 30 (trinta) dias, bem como o afastamento temporário.
O §3º, do Artigo 8º, fazia referência aos casos não previstos na norma,
que deveriam ser apreciados pela Congregação, responsável por opinar acerca
da gravidade da falta, bem como a respeito da sanção disciplinar que seria
aplicada. Esta determinação ampliava as possibilidades de punição, e abria
caminho para um controle ilimitado sobre os estudantes da UFRJ. Respaldava,
147
Trecho extraído do item II à V, do § 2º, do Artigo 8º, do Código Disciplinar da UFRJ.
106
por exemplo, a suspensão, em 1970, do aluno Gilson Gomes Vieira, do IP, por
um ano, período demasiadamente extenso para aplicação de uma sanção
disciplinar, sem que fosse apresentada justificativa alguma.
Dessa maneira, reforçou-se a prática de aplicação de penas em alunos
sem que se especificasse a causa da medida disciplinar, como pode ser
observado na tabela a seguir:
Tabela 3
Penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido entre
1970 e 1979
148
ANO
PENAS
APLICADAS
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1978
Advertência
1 – ICB
(16/04)
1 – ICB
(16/04)
1 – EE
(25/11)
1 – EE
(23/03)
1 –
EEAN
(25/05)
1 – IGEO
(27/12)
1 – EQ
(25/07)
1 – FEA
(12/08)
Repreensão
1 – EE
(16/07)
1 – FL
(28/01)
1 – IGEO
(05/08)
1 – IP
(13/01)
1 –
EEFD
(16/11)
FE +
EEFD
(25/07)
1 – FL
(25/10)
Desresp.
à prof.
1 – FEA
(03/01)
1 – FD
(14/02)
2 –
IGEO
(04/07 e
01/08)
1 – CT
1 – IP
(02/01)
1 – EQ
(10/07)
1 –
IGEO
(27/11)
1 – FD
(06/07)
Desresp
. à prof.
148
Nos anos de 1977 e 1979 não foram encontrados, nos Boletins da UFRJ, registros de
aplicação de penas aos alunos, o que justifica o suprimento destes anos da tabela.
107
(07/11)
Suspensão
Suspensão
(afastamento
ou
impedimento
de participação
das atividades
acadêmicas)
2 – EE
(09/04)
6 meses
1- IP
(09/04)
1 ano
1 –
EEFD
(25/06)
15 dias
1 – IF
(16/07)
15 dias
37 –
Fac. de
Farmác.
(30/07)
8 dias
1 – FL
(12/11)
8 dias
Desresp
+ Indisc
1 – EE
(03/12)
3 meses
1 – EE
(03/12)
30 dias
1 – EE
(24/12)
30 dias
1 FEA
(28/01)
5 dias
Subvers.
1 – EEAN
(06/05)
16 dias
3 – EE
(15/07)
5 dias
1 – EE
(19/08)
7 dias
1 – EQ
(30/12)
16 dias
2 – IM
(27/04)
7 dias
1 –
EEAN
(31/08)
8 dias
1 – FAU
(09/11)
15 dias
1 – EE
(05/04)
15 dias
1 – IGEO
(03/05)
Temporari
amente
1 – EQ
(10/05)
8 dias
1 – FL
(25/10)
Temporari
amente
1 – EQ
(18/04)
1 –
CCM
(23/05)
30 dias
1 – EE
(13/06)
7 dias
1 –
EEFD
(11/07)
15 dias
1 – FAU
(07/11)
15 dias
Desord.
1 – IM
(14/11)
5 dias
1 – EQ
(19/12)
3 dias
7 – FEA
(27/03)
15 dias
13 –
FEA
(27/03)
10 dias
2 – IM
(27/04)
45 dias
1 – IM
(15/05)
15 dias
1 –
EEAN
(10/07)
7 dias
2 – IF
(14/08)
15 dias
1 – EQ
(15/01)
180 dias
1 – EQ
(15/01)
150 dias
1 – EQ
(15/01)
90 dias
1 –
EEFD
(24/06)
3 dias
1 – EE
(23/02)
5 dias
1 – CCS
(02/03)
2 dias
1 – EE
(02/03)
10 dias
1 – IM
(27/07)
15 dias
Conforme constatado, alunos foram repreendidos, suspensos e advertidos
por contrariarem o Art. do Código Disciplinar, porém não havia nenhuma
explicação sobre que espécie de falta era cometida pelos estudantes, o que era
realizado somente em alguns casos. Em 1970, a única exceção foi a
suspensão por oito dias de uma aluna da FL, por desrespeito e indisciplina.
108
Vale registrar, ainda nesse ano, o número de suspensões computadas,
46, em virtude das 37 ocorridas na Faculdade de Farmácia
149
em fins de julho.
Os estudantes da série do curso de Farmacêutico-Bioquímico foram
suspensos por oito dias em virtude das faltas cometidas pelos mesmos que
eram previstas no Art. 8º, incisos I, II, IV e VI do Código Disciplinar.
Aqui ficou demarcado o fim do peodo em que suspensões foram
aplicadas em índice elevadíssimo, resultado do fechamento do governo militar.
Apenas em 1975 registrou-se, novamente, uma taxa significativa de aplicação
desta sanção disciplinar, como é possível observar na tabela 4.
Tabela 4
Total de penas aplicadas aos alunos da UFRJ no período compreendido
entre 1970 e 1979
ANO
PENAS
APLICADAS
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1978
Advertência
2
1
2
1
1
-
1
-
Repreensão
1
2
2
>
1
150
5
3
-
1
Suspensão
(afastamento ou impedimento
de participação das atividades
acadêmicas)
46
7
4
4
7
26
4
4
149
Boletim nº 30, de 30 de julho de 1970, p. 14. A listagem dos alunos consta no ANEXO IX.
150
O sinal > foi utilizado na tabela no intuito de informar a constatação de um número de
aplicação de penas maior do que o indicado. Isto ocorreu em virtude de algumas unidades
aplicarem sanção disciplinar sem especificar a quantidade de alunos punidos.
109
Em 1971, somente uma suspensão foi justificada. Tal sanção disciplinar
fazia referência ao aluno Cláudio Vilar Furtado, da FEA, que, por ocasião da
solenidade de formatura, como orador da turma, proferiu termos nitidamente
subversivos, de acordo com a Portaria nº 1, de 15 de janeiro.
No ano de 1973, importante destacar a repreensão, aplicada pelo Diretor
da Faculdade de Educação (FE), sem a devida causa, à turma masculina,
oriunda do 5º peodo da EEFD, que cursava disciplina na FE. Uma outra
aplicação de sanção que merece atenção, diz respeito à suspensão de João
Carlos Lopes da Rosa, aluno da FAU, “por perturbação da ordem,
desobediência a ordem dada e desrespeito ao Secretário da Faculdade e ao
Administrador da Sede
151
(grifos da autora). E, no que concerne a esse
período, somente em 1978, registrou-se novamente uma justificativa de sanção
disciplinar, que se refere à repreensão de Walter Ropon Horta, aluno da FD,
por desrespeito à professor.
Deve-se ressaltar aqui, a ausência de registros, nos Boletins da UFRJ, de
aplicação de penas a estudantes nos anos de 1977 e 1979, o que pode ou não
configurar a não-aplicação de sanções disciplinares.
O período de 1970 a 1979 foi marcado, inicialmente, por um controle
exacerbado do movimento estudantil, e assim, dos estudantes no interior dos
estabelecimentos de ensino. Diante disso, foi necessário um recuo por parte
dos alunos envolvidos em atividades que pretendessem uma organização
política na universidade, o que explica, em alguma medida a redução do
registro de sanções disciplinares aplicadas nessa década. Somente a partir de
1977 se o retorno dos estudantes às manifestações políticas ostensivas
como consta no capítulo anterior –, precedido, certamente, por uma
rearticulação discente na universidade. Ademais, é importante considerar o
processo de abertura política que se iniciou na segunda metade desse período,
que gerou, no cotidiano da UFRJ, a redução do controle sobre seus
estudantes.
151
Boletim nº 45, de 7 de novembro de 1974, p. 30.
110
Diante do exposto, pode-se constatar, por meio dos registros
apresentados, a repercussão do cenário político em âmbito nacional no
cotidiano da UFRJ. No entanto, vale destacar que as sanções aqui citadas
foram divulgadas nos boletins pelas autoridades universitárias, que também
estavam mantidas sob controle, o que em alguma medida pode ter
comprometido a exatidão das informações, em muitos casos superficiais, sem
clareza nas justificativas expostas.
A discussão desenvolvida no capítulo anterior, acerca da repressão e da
resistência discente no país, estabelece uma relação direta com a realidade da
UFRJ nesse período. A promulgação da Lei Suplicy, do Decreto Aragão, bem
como do Decreto-Lei 477 gerou modificações reais na relação estabelecida
com os estudantes no espaço da Universidade como foi possível verificar. A
UFRJ, no decorrer de todo o governo ditatorial, aplicou uma série de penas aos
estudantes que cometeram as faltas previstas nessas leis, sobretudo os
envolvidos em atividades políticas, os subversivos.
Importante considerar também a criação do Código Disciplinar da UFRJ,
que antecedeu o Decreto-Lei 477. Entretanto, a aplicação do digo tomou
força apenas a partir da década de 70. Em 1969, eram poucas as unidades que
o utilizavam; prevalecia a aplicação do Decreto-Lei 477.
Certamente, outras informações significativas para esta parte da
história da UFRJ que não foram aqui apresentadas, mas que poderão estar em
destaque no capítulo que segue.
CAPÍTULO 4
EPISÓDIOS DA REPRESSÃO E DA RESISTÊNCIA DISCENTE NA UFRJ
A UFRJ foi cenário de episódios importantes para a história do ME que
envolviam não seus estudantes, mas o estudantado carioca. O presente
capítulo tem o intuito de destacar alguns episódios da repressão e da
resistência discente na UFRJ, tendo por base, principalmente, entrevistas com
ex-alunos e material da imprensa da época.
O ME da UFRJ, no início da década de 60, era baseado, sobretudo, na
articulação mantida entre o DA da Faculdade de Filosofia, o CACO da
Faculdade de Direito e o DA da Engenharia. Outro CA de grande
representatividade era o da Medicina, mas nesse primeiro momento, segundo
Almir Fraga Valadares
152
estudante da medicina até 1966 encontrava-se
nitidamente dividido, o que também foi afirmado por Jean Marc Van der Weid
153
estudante de Engenharia Química/UFRJ desde março de 1964. Entretanto,
Valadares destacou que,
“(...) depois, durante o avanço do movimento passou a (...)
uma prevalência do movimento de esquerda. Até talvez
estimulada pela própria ditadura, porque todo mundo virou
quase que um movimento só, um movimento de resistir à
ditadura (...)
154
”.
152
Professor da UFRJ, atualmente, decano do CCS (Centro de Ciências da Saúde)/ UFRJ.
153
Afirmação feita em entrevista à Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, divulgada no
semestre de 2006 em material produzido para o evento “Invasão da FNM – 40 anos”.
Jean Marc formou-se em Economia. Atualmente é coordenador do Programa de políticas
Públicas da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e
membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA).
154
Trecho da entrevista realizada com Almir Valadares em 2007.
No que diz respeito aos estudantes de Filosofia, desde o início da década
de 60, começou-se uma mobilização na busca por melhores condições de
ensino. Com uma nova gestão, o DA, composto principalmente por militantes
do PCB e da JUC, dinamizou os centros de estudo e criou um curso pré-
vestibular, com aulas ministradas pelos próprios alunos. De acordo com
Victória Grabois:
“(...) Aquilo era uma efervescência. Aquilo foi crescendo. Eram
tantos militantes do PCB dentro, que geralmente, é... você
tem células né. Você tem célula da Filosofia, a célula do
Direito, a célula da Medicina e tal. Mas era tanta gente que
era dividido por curso (...). Nas Ciências Sociais, metade da
turma era do Partido, era impressionante (...). Então a
Filosofia fervia. As assembléias eram concorridíssimas (...)
300, 200 alunos que iam para as assembléias”
155
.
A respeito dessa afirmação pode-se retomar Hobsbawn (1995), que ao
apontar elementos que possivelmente pudessem explicar a inclinação dos
estudantes para a esquerda na década de 60, ressalta, dentre eles, o aumento
do número de estudantes de humanidades, que, no caso da França por
exemplo, foi multiplicado por quase três e meio, e de Ciências Sociais, por
quatro, no decorrer desta década. Apesar de serem dados referentes à
realidade francesa, podem nos auxiliar na análise da agitação estudantil que
ocorreu mundialmente, e, em particular, na Faculdade de Filosofia, que
configurava um local com capacidade em potencial para a realização de
grandes mobilizações e articulações políticas. Um centro que oferecia mais de
20 cursos, e que concentrava um considerável número de discentes,
principalmente da área de humanas.
No que se refere à direção partidária do DA, predominava o PCB, mas
havia, nesse período, um grupo em discordância, que após o golpe formou a
Dissidência Guanabara, e que participava de cursos de marxismo ministrados
por Maurício Grabois e João Amazonas, dirigentes do PC do B, na sede do
Jornal Classe Operária e no prédio da ABI.
A nova dinâmica da Faculdade de Filosofia, impulsionada pelo DA,
promoveu a criação de cursos noturnos, o que tornou possível o ingresso de
155
Entrevista realizada em janeiro de 2007.
jovens que pretendessem trabalhar. O critério classificatório para o
preenchimento integral das vagas também foi outro ponto de luta dos
estudantes. Ademais, investia-se na promoção de cursos, conferências,
exibições de filmes, apresentações de peças de teatro, seminários e estudos
de política internacional.
Iniciando uma série de punições aos estudantes, deve-se destacar, nesse
momento pré-golpe, o movimento discente, em 1963, que visava destituir o
Diretor da Faculdade, Eremildo Viana, o que repercutiu, no mês de outubro, na
suspensão por tempo indeterminado, de quinze alunos, eram eles:
1) Carlos Mauricio Gierbrecht Ferreira Chaves (4º ano de Física),
2) Elias Mansour Simão Filho (2º ano de Matemática),
3) João Guilherme Vargas Netto (1º ano de Matemática),
4) Fernando Bunchaft (4º ano de Física),
5) Paulo Cesar Esteves (4º ano de Química),
6) Adyr Moisés Luiz (4º ano de Física),
7) Amaury Cano (1º ano de Matemática),
8) Elio Gaspari (1º ano de História),
9) Flavio Vieira da Cunha e Silva (3º ano de Filosofia),
10) Rachel Teixeira (1º ano de Letras),
11) Regina do Prado (3º ano de Filosofia),
12) Sergio Salomé da Silva (1º ano de Ciências Sociais),
13) Victoria Grabois (1º ano de Ciências Sociais),
14) Wilson Barbosa (4º ano de História), e
15) Yeda Salles (3º ano de Filosofia).
Pode-se verificar, diante disso, que as lideranças estudantis vinham
sendo perseguidas antes do golpe de 1964. A repressão começava a ser
revelada em 1963. Os alunos suspensos puderam retornar às aulas por
volta do mês de março, após terem recorrido ao presidente João Goulart
(Jango), que revogou a pena. Logo após o golpe, uma das Comissões de
Inquérito criticou a atitude de Jango, sobretudo no que se referia à sua relação
com a UNE.
Vale destacar que imediatamente após terem recebido a sanção, os
estudantes distribuíram um manifesto, a “Carta dos 15 da FNFi aos
Estudantes”
156
, que dentre outras afirmações ressaltava:
“(...) Que fizemos? Por que somos punidos?
Somos punidos porque havendo entre nós quinze, colegas de
diversas ideologias, estamos em unidade na direção de uma
luta que há 80 dias empolga os colegas de nossa Faculdade.
Este é o nosso crime maior: participar da direção da unidade
dos colegas, em luta por uma aspiração que só pode dignificar
nossa condição de estudante e cidadão: participação dos
alunos e professores catedráticos e não catedráticos, no
encaminhamento das eleições para a nova direção de nossa
Faculdade (...)
Com a expulsão
157
de nós quinze, pensam que ilusão!
golpear a liderança dos estudantes da Faculdade, intervir no
Diretório Acadêmico e nos Centros de Estudos, atemorizar os
colegas e desta maneira, a partir da Filosofia, reprimir e
exemplar todo universitário, todo Diretório, toda Faculdade,
que ouse erguer mais alto sua luta”.
Por meio deste documento os alunos buscavam informar o corpo discente
acerca da introdução da aplicação de penas e conclamá-los à unidade,
“UNIDADE PELAS BASES”, na luta “PELA REFORMA UNIVERSITÁRIA,
PELAS REFORMAS DE BASE, POR UM GOVERNO CAPAZ DE REALIZÁ-
LAS”. Os estudantes eram capazes de perceber que não se tratava de uma
perseguição pessoal, mas principalmente de sufocar e dispersar o ME. O
exemplo serviria para inibir possíveis tentativas de mobilizações estudantis.
Entretanto, os alunos não temiam e ousaram até mesmo em assumir a direção
de uma greve e a ocupação pacífica do salão nobre da faculdade, o que mais
tarde serviu como embasamento do relatório da Comissão de Inquérito para
suas expulsões.
No período em que foram mantidos suspensos, os estudantes entraram
em greve por cerca de 15 dias, ainda em função da retirada do Diretor Eremildo
Luis Viana. A fim de garantir a permanência da greve, foram formados piquetes
no intuito de impedir a entrada de alunos.
156
O texto completo segue no ANEXO X.
157
Embora, no manifesto, os alunos afirmassem terem sido expulsos, a pena aplicada foi de
suspensão por tempo indeterminado, como afirmado anteriormente.
Um episódio que também marcou a atuação dos estudantes em 1963, diz
respeito à cerimônia de formatura dos estudantes de Jornalismo, quando
Lacerda, governador da Guanabara, havia sido convidado para ser paraninfo.
Entretanto, ele foi impedido de entrar pelos estudantes, que lançaram bomba
de gás lacrimogêneo sobre ele.
Entretanto, apesar de toda esta mobilização por parte dos estudantes,
Poerner aponta alguns elementos considerados por ele como fraquezas da
Faculdade de Filosofia. Dentre eles, a generalização estabelecida ao verem o
apoio ao DA como um posicionamento de esquerda, o que teria desestruturado
a base política que vinha se configurando. Ademais, rapidamente, a Faculdade
de Filosofia passou a ter um dos maiores percentuais de socialistas. Discentes
muito jovens acreditavam ter absorvido os escritos de Marx e Engels após
leituras superficiais.
O autor ainda ressalta que, em fins de 1963, estudar passou a ser um
“desvio pequeno-burguês” para grande parte dos estudantes, “(...) pois a
cultura estava morta e a faculdade representava um monumento do latifúndio.
Era preciso derrubar tudo, fazer a revolução e, então, recomeçar” (Poerner,
2003, p.169). Para Poerner, no início de 1964, era evidente a divisão entre os
estudantes da FNFi, os que tinham participação política mas que também
estudavam, eram vistos como direitistas reacionários pelos radicais. No que se
refere a esta afirmação, os estudantes suspensos, estariam, então, inseridos
no primeiro grupo, tendo em vista, de acordo com o discurso de alguns
158
deles, o ótimo desempenho que mantinham nas disciplinas. Entre eles estava,
inclusive, uma aluna que fora aprovada em primeiro lugar no vestibular. Diante
disso, os estudantes militantes não poderiam receber críticas quanto ao
desempenho acadêmico.
Na primeira semana do golpe, o curso pré-vestibular mantido pelo DA da
Faculdade de Filosofia foi fechado, os cursos noturnos extintos e o critério
classificatório dos exames de vestibular foram eliminados, em decorrência da
existência de “comunistas” à frente destas iniciativas. Logo, era necessário
reprimí-los, e, para tanto, o DA foi dissolvido. A partir desse momento, alguns
episódios marcaram o movimento estudantil da UFRJ, que foi alvo de uma
158
Victória Grabois, em entrevista; e Sérgio Salomé, na carta ao leitor, por exemplo.
série de sanções disciplinares, como apresentado no capítulo anterior.
Destaca-se a seguir alguns deles.
4.1 – Expulsão de 19 alunos
A perseguição às lideranças estudantis da UFRJ, que se iniciava antes
do golpe, tornou-se ainda mais incisiva após abril de 1964. A expulsão de 19
estudantes da Faculdade de Filosofia, como apontado no capítulo anterior,
foi uma decisão tomada pelo CONSUNI em duas sessões. Uma no dia 23 de
abril de 1964, dirigida pelo reitor Pedro Calmon e registrada em ata, sem
assinatura, quando o parecer da Comissão de Correição da Faculdade
presidida pelo professor José Leme Lopes foi aprovado pelos conselheiros, o
que resultou na expulsão de nove alunos, dentre eles cinco dos que haviam
sido suspensos por tempo indeterminado em outubro de 1963, como segue:
1) Carlos Mauricio Gierbrecht Ferreira Chaves,
2) Elias Mansour Simão Filho,
3) Enylton de Sá Rego,
4) Fernando Bunchaft ,
5) João Guilherme Vargas Netto,
6) Manoel José Rocha e Silva,
7) Paulo César Dantas Esteves,
8) Silvio Clemente da Motta, e
9) Sergio Emmanuel Dias Campos.
E outra sessão, que consta do dia 02 de julho de 1964, iniciada, de acordo
com a ata do CONSUNI, pela
“(...)leitura de parte do relatório (grifos da autora) da
COMISSÃO DE INQUÉRITO, referindo às conhecidas
insubordinação e indisciplina dos alunos (idem) daquele
estabelecimento de ensino, sugerindo, em nome da
COMISSÃO a extensão de penalidades aos demais alunos
implicados na referida insubordinação e que não foram
punidos”
159
.
No entanto, representando oposição à maioria dos membros da sessão, o
professor Oscar Stevenson exigiu a leitura do processo e o representante dos
alunos afirmou a necessidade de um defensor para os estudantes. Diante
disso,
“O professor Moniz de Aragão justificou à luz da tradição dos
julgamentos do CONSELHO, não haver razões legais para as
objeções do prof. STEVENSON e do representante dos
Alunos. À seguir, posta em votação a preliminar do prof.
STEVENSON, foi rejeitada, por maioria de votos”
160
.
Logo após, a expulsão de mais dez alunos que constam na lista dos
suspensos por tempo indeterminado em 1963 foi aprovada com apenas dois
votos contrários, sendo baseada nos pareceres dos professores Paulo Góes,
Abelardo de Brito, Leme Lopes e Farias Góes
161
. E os alunos expulsos dessa
vez foram:
1) Adyr Moisés Luiz,
2) Amaury Cano,
3) Elio Gaspari,
4) Flavio Vieira da Cunha e Silva,
5) Rachel Teixeira,
6) Regina do Prado,
7) Sergio Salomé da Silva,
8) Victoria Grabois,
9) Wilson Barbosa, e
10) Yeda Salles.
Não obstante, o Representante dos Estudantes, na mesma sessão,
apresentou a proposta de transformar a pena de expulsão em suspensão por
159
Trecho da ata do Conselho Universitário de 02 de julho de 1964.
160
Idem.
161
UB estuda expulsão de mais estudantes. Última Hora – 11 de julho de 1964.
um ano, o que foi rejeitado, tendo apenas dois votos favoráveis. Vale ressaltar,
que a posição do professor Stevenson, segundo Rachel Teixeira uma das
estudantes expulsas –, surpreendeu os alunos que acreditavam tratar-se de um
professor “reacionário e de direita”
162
.
Havia, ainda, a ameaça
163
de outras expulsões, como por exemplo, na
Faculdade de Direito, onde dezenas de alunos tiveram que apresentar defesas
às acusações de “prática de atividades subversivas”. Ademais, a partir de julho,
as investigações na Faculdade de Filosofia, na Faculdade de Direito e na
Escola de Engenharia, foram encerradas e tiveram início IPMs, sob a
competência da Comissão Geral de Investigações.
Vale observar que a sansão não foi comunicada oficialmente. De acordo
com Carlos Maurício Ferreira Chaves, um dos estudantes expulsos, eles
tomaram conhecimento por meio dos jornais
164
. Imediatamente após o golpe,
os estudantes estavam impossibilitados de freqüentar a universidade e com a
expulsão não podiam mais ir para nenhuma universidade pública do Brasil.
Ademais, quatro dos estudantes, Paulo César Dantas Esteves, Carlos Mauricio
Gierbrecht Ferreira Chaves, Fernando Bunchaft e Wilson Barbosa, estavam no
último ano, prestes a colar grau.
Importante considerar também, no início do governo ditatorial a relativa
liberdade de expressão se comparada aos períodos que se seguiriam de
que dispunham os estudantes, o que pode ser observado por meio da
publicação, no Jornal do Brasil, de uma carta
165
de Sérgio Salomé Silva, um
dos estudantes expulsos, retificando informações divulgadas em matéria sobre
a expulsão. Onde destacou, ainda, o bom desempenho acadêmico dos
estudantes expulsos.
Impossibilitados de freqüentar outra universidade pública e tendo perdido
anos de investimento intelectual e material num curso interrompido, os
estudantes viam suas perspectivas de futuro comprometidas. Entretanto,
segundo Rachel Teixeira, estudante do curso de Letras expulsa: “Fazer outra
162
VÍTIMAS da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999.
163
UB estuda expulsão de mais estudantes. Última Hora – 11 de julho de 1964.
164
Idem.
165
Carta do leitor. Jornal do Brasil – 19 de agosto de 1964.
faculdade não foi difícil para a maioria de nós. O difícil foi superar o trauma da
expulsão e daquele período horrível”
166
.
A estudante Victória Grabois, por exemplo, teve sua casa invadida pelo
Exército, não somente em virtude de sua atuação política, mas principalmente
porque seu pai, Maurício Grabois
167
, era dirigente do PC do B. O DOPS,
baseado em ofício enviado pelo Diretor da Faculdade de Filosofia, a definia
como “(...) ativa militante comunista no partido do Brasil. Seu pai é dirigente do
partido anos. Altamente politizada e perigosa agitadora de massas”. Diante
de tais circunstâncias a estudante foi obrigada a sair de casa e se refugiar
aonde não pudesse ser encontrada, bem como seus pais, que tiveram que ir
para um local distinto da filha. No início da década de 70, a estudante perdeu
seu pai, seu irmão, André Grabois, e seu marido, Gilberto Olímpio,
desaparecidos durante atuação na Guerrilha do Araguaia, comandada por
Maurício Grabois um trauma superior ao da expulsão que marcaria sua vida.
Ao falar acerca do motivo da expulsão, a estudante explicou:
“Eu nunca soube (...). É claro, expulsa pela luta estudantil,
mas não tem um envolvimento específico. A questão era,
‘subversiva’, como no dossiê do DOPS, ‘altamente
perigosa’, né. Eles dizem. Isso eles dizem para todas as
mulheres, ‘estando à beira do isterismo’ (...). Muito genérico
né. o tinha o ato específico. O ato específico a gente sabe,
a expulsão do Eremildo que detonou”.
De acordo com Raquel Teixeira,
“Foi um ato de vingança. Logo após o golpe, ele se juntou aos
militares e liderou a nossa expulsão”
168
.
166
UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo 23 de novembro de
1999.
167
Dentre outras ações, Grabois participou de atividades realizadas pela ANL, em 1935.
Durante o Estado Novo foi condenado à revelia num processo em Minas Gerais. A partir de
1948, em decorrência da repressão policial aos comunistas, passou a atuar na clandestinidade.
Em 1962 atuou na reorganização do PC do B e no relançamento do jornal A Classe Operária.
Logo após o golpe de 1964, voltou a viver na clandestinidade. Iniciou os preparativos para a
Guerrilha do Araguaia em 1967. E foi assassinado em 1972, juntamente com outros 58
(cinqüenta e oito) guerrilheiros do PC do B na localidade de Faveira, no sul do Pará , onde foi
estabelecido o núcleo guerrilheiro descoberto então pelo Exército.
168
Vítimas da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999.
“Fomos expulsos porque a universidade não queria
reivindicações, como a da Reforma Universitária. Foi um ato
interno, por isso nem fomos anistiados. Mas, apesar disso, a
lista foi aleatória. Alguns não se conheciam ou não militavam.
Tanto que a maioria nunca mais se encontrou (...)”
169
. /“(...)
não formávamos uma gangue, como pareceu na época
(...)”
170
.
Tratou-se de um processo que visava excluir do corpo discente da UFRJ
estudantes que pudessem comprometer o avanço do controle sobre a
universidade por parte do governo ditatorial, e que serviriam de exemplo, a fim
de gerar temor nos estudantes que pretendessem alguma ação que pudesse
configurar contrariedade ao governo. A insubordinação e a indisciplina dos
alunos expulsos, citadas na ata da sessão do CONSUNI de julho, não foram
especificadas. No que se refere às informações do DOPS acerca dos
estudantes, vale destacar outros exemplos, como segue:
“ENYLTON REGO É membro efetivo do Partido
Comunista, participando dos movimentos orientados pelas
esquerdas no meio estudantil.
ELIAS MANSOUR SIMÃO FILHO Em 24.10.63 promoveu
agitações nos meios estudantis. É comunista militante e lidera
movimentos do Partido entre estudantes e operários.
FERNANDO BUNSCHAFT Brasileiro, (...) é comunista
confesso. É pago pelo P.C. para orientar os alunos
comunistas.
Em 24.3.1962, foi detido na gare D. Pedro II, quando se
encontrava distribuindo prospectos alusivos ao 40º aniversário
do P.C.B.
SILVIO CLEMENTE DA MOTA É membro do P.C.B. e
perigoso agitador da classe estudantil.
(...)
ADYR MOISÉS LUIZ Agitador comunista, militando na
U.N.E. e participando de todos os movimentos empreendidos
pelo P.C. no setor estudantil.
ELIO GASPARI Em 24.10.63 era funcionário da embaixada
cubana. É comunista e perigoso agitador.”
Diante dos termos utilizados na identificação dos estudantes torna-se
clara a ameaça gerada por suas ações e ideais políticos naquele momento
169
UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo 23 de novembro de
1999.
170
VÍTIMAS da intolerância política. Jornal do Brasil – 23 de novembro de 1999
histórico, mas principalmente o serviço prestado pelo Diretor da Faculdade de
Filosofia ao governo ditatorial. Todas essas informações constavam no ofício
1824
171
, que foi enviado por Eremildo Viana ao DOPS, como indicado no
documento. Havia, no responsável pela unidade da UFRJ, o cuidado em
delatar as atividades e as opções políticas de cada estudante, o que reforçava
o teor da repressão sobre eles, que se dava além da universidade.
A fim de reparar, em alguma medida, a aplicação desta pena sobre os
estudantes, que não puderam ser anistiados nem pedir indenização à União
pelo fato da expulsão não ter resultado de um ato institucional –, apenas uma
medida foi tomada, 35 anos depois. No dia 22 de novembro de 1999 houve
uma cerimônia simbólica de reintegração dos 19 alunos expulsos, presidida
pelo Reitor José Henrique Vilhena de Paiva, a partir de proposta do professor
Aloísio Teixeira atual Reitor da UFRJ que foi aprovada por aclamação pelo
CONSUNI. Para ele, a expulsão é “uma mancha, uma vergonha na história da
UFRJ”
172
.
4.2 – A repressão imediatamente após o golpe
Outros episódios também puderam marcar a história do ME da UFRJ,
como por exemplo, o do dia de abril de 1964, no decorrer do golpe militar,
quando cerca de 300 estudantes concentraram-se no CACO, orientados pelo
PCB. Durante todo o dia eles permaneceram no interior da Faculdade de
Direito ouvindo a Rádio Mayrink Veiga (Rádio da Legalidade), que em
determinada hora saiu do ar, deixando os estudantes sem notícias acerca dos
últimos acontecimentos no cenário político que encontrava-se em plena
ebulição. O CCC mantinha-se em frente a Faculdade direcionando
provocações aos estudantes que em alguns momentos respondiam a elas.
171
A referência ao ofício é feita no documento 6.405 da Superintendência Executiva do
DOPS.
172
UFRJ reintegra 19 alunos que foram expulsos em 64. Jornal O Globo 23 de novembro de
1999.
Quase no fim do dia bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas no local
aonde se mantinha a concentração discente e em seguida o Exército entrou.
“Eu tenho essa imagem. Eu em cima (...) e vendo aqueles
homens do Exército de capacete de guerra, de guerra! ‘E
vocês têm que sair daqui agora, porque a ordem que eu recebi
do I Exército (...) é pra jogar bomba e que vocês todos sejam
mortos aqui dentro. É pra matar os estudantes. Então vocês
saiam’”
173
.
O militar responsável pela execução desta ação era o Capitão Ivan
Proença. Entretanto, ele não acatou as ordens e orientou aos estudantes que
se retirassem, o que foi feito rapidamente, em grupos. Em decorrência deste
posicionamento ele foi preso por longo período, na Ilha das Flores, por
desacato. E em seguida, expulso do Exército.
Os estudantes representavam ameaça ao governo que começava a ser
estabelecido, por isso era necessário que se providenciasse uma forma de
conter este perigo, sobretudo por tratar-se de estudantes ligados ao PCB. Por
meio desta ação, o governo ditatorial começou a demonstrar uma face dos
métodos que passariam a ser utilizados para legitimar-se: a violência física.
Ademais, a inserção de militares na universidade foi outra forma de
garantir o controle. Pode-se citar como exemplo a presença do general Arcy da
Rocha Nóbrega, que presidiu a Comissão Especial de Investigações quando da
intervenção
174
na Faculdade de Filosofia. Tal decisão foi tomada pelo
CONSUNI em sessão no dia 30 de maio que acolheu as conclusões do
relatório da Comissão de Inquérito instaurada na Faculdade de Filosofia
175
, no
qual continha acusações contra: o ex-diretor Eremildo Viana
176
, o DA que se
173
Trecho da entrevista realizada com Victória Grabois.
174
INQUÉRITO manda intervir na FNFi e acusa Eremildo Viana. Jornal do Brasil 31 de maio
de 1964.
175
Nesse momento o professor José de Faria Góis era o diretor da unidade.
176
O relatório faz alguns apontamentos em relação a Eremildo Viana: “a) Referiu-se à ação
deletéria de vários professores, sem declarar qual a providência que tomou para corrigir a
anormalidade; b) Cedeu diversas dependências do edifício-sede e do anexo (antigo Tribunal
Federal de Recursos) ao Diretório Acadêmico, quando 32 cadeiras não possuíam instalações;
c) Acusou o Reitor de ser conivente com vários desacertos dos alunos, ao fazer-lhes algumas
concessões quando, segundo as provas trazidas aos autos pelo Reitor, tais concessões foram
por ele, Professor Eremildo Luís Viana, encaminhadas e recomendadas; d) Concedeu recursos
encontrava dissolvido, os 15 alunos suspensos em outubro de 1963, dentre
outras. O documento também buscou enquadrar o ex-presidente Jango, por
não ter punido os repetidos excessos dos estudantes, quando da aula
inaugural daquele ano, sendo, ainda, acusado de apoiar os “planos subversivos
da UNE”.
Constam, ainda, no relatório da Comissão de Inquérito os nomes de
outros
177
alunos envolvidos no episódio da formatura de Jornalismo ou
pertencentes ao DA, além dos suspensos antes do golpe, alguns deles são:
1) Fernandes Antonio Laert Rizzo;
2) Paulo Lobo;
3) Vilas Boas;
4) Nesi Werneck;
5) Luís Maria Ganan;
6) Pedro Celso;
7) Ordefla Silva de Almeida;
8) Tomitahe Zaguti; e,
9) Orlando Guerra.
No intuito de garantir sua hegemonia, o governo também buscou
respaldar suas ações em todo um aparato legal, que no meio estudantil foi
apresentado inicialmente por intermédio da Lei Suplicy analisada no capítulo
II. Entretanto, como foi possível observar, essa lei acabou por fortalecer o ME.
Segundo Almir Valadares, estudante da medicina até 1966:
“Era proibido tudo. que os estudantes continuavam
fazendo. Era proibido, mas ainda não era reprimido. Era
reprimido localizadamente. Eles buscavam algumas pessoas,
financeiros para uma publicação de um centro de estudos que, segundo suas próprias
palavras, ‘completava a subversão da ordem na Faculdade’; e) Não entregou à Comissão
Especial de Inquérito, até o término dos seus trabalhos, e apesar de insistentemente solicitado,
a cópia de suas declarações à CPI de Brasília, as quais determinaram a abertura do presente
inquérito”.
177
INQUÉRITO manda intervir na FNFi e acusa Eremildo Viana. Jornal do Brasil 31 de maio
de 1964.
algumas lideranças (...). Mas o movimento continuou ainda
organizado, ainda funcionando (...)”.
“Qualquer encontro coletivo, em princípio, era proibido. Nos
CAs, naquela época, devia existir eventos sociais e
esportivos (...) futebol. Atividades políticas eram proibidas”
178
.
No que se refere à Faculdade Nacional de Direito, vale destacar, em
outubro de 1964, a realização de uma greve contra o terrorismo cultural. O
CONSUNI, dirigido pelo reitor Pedro Calmon, dissolveu a direção do CACO que
organizou a greve. Em 12 de abril, decorridos 60 dias da suspensão desta
diretoria, o diretor da faculdade, no intuito de impedir uma reunião de protesto
dos estudantes, solicitou a presença de agentes do DOPS e de choques da
Polícia Militar. O encontro foi marcado por ferimentos e prisões, e resultou,
ainda, na suspensão das aulas.
Outro episódio de destaque envolve o marechal Castelo Branco, que foi
alvo de vaias, diante do corpo diplomático, no decorrer de uma aula inaugural,
na Escola Nacional de Arquitetura, em 9 de março de 1965. A Polícia do
Exército, então, prendeu cinco dos estudantes que participaram do protesto. No
entanto, mesmo com estas punições o episódio se repetiu na cerimônia de aula
inaugural da FNFi, quando grande parte dos estudantes se retiraram no
momento em que o Chefe da Casa Civil da Presidência da República, o
ministro Luís Viana Filho iniciou seu discurso, tendo sido também vaiado.
Mais tarde, em junho de 1966, na Faculdade de Filosofia
179
, 23
estudantes receberam a punição de 3 a 6 meses de suspensão. Mais tarde, 35
alunos da Faculdade de Direito, dentre os quais, 11 diretores do CACO recém-
eleitos, foram suspensos “preventivamente”, por terem liderado movimento e
resistência ao pagamento das anuidades. Na Faculdade de Arquitetura, 4
estudantes foram ameaçados de expulsão e outros 400 poderiam ter suas
matrículas canceladas devido à recusa em pagar a parcela das anuidades.
Nas Faculdades de Filosofia, Química, Farmácia, Medicina, Arquitetura foram
eleitos diretórios contrários à política universitária do governo.
178
Trecho da entrevista realizada com Almir Valadares em 2007.
179
Por que se agitam os universitários. Correio da Manhã Terça-feira, 20 de setembro de
1966.
Por outro lado, em unidades como a da Medicina, por exemplo, a
repressão não se dava ou não tinha visibilidade para a maioria dos estudantes
nesse primeiro momento. Talvez pela divisão, apontada nesse primeiro
momento pelos estudantes. De acordo com Almir Valadares, logo após o golpe
“As direções das unidades em geral não reprimiam o. Elas
recebiam orientação para reprimir, mas não reprimiam não. Eu
posso falar aqui pela Medicina. (...) Pelo contrário, eles até
tentavam evitar que a repressão policial entrasse nas
dependências da Medicina (...)”
180
.
“(...) entre os estudantes da Medicina não tinha penas
aplicadas. As penas eram aplicadas de fora, os alunos eram
presos. Eles ficavam afastados. Naquele período da prisão
eles ficavam afastados das aulas”
181
.
Diante dessa afirmação pode-se observar a ação direta do governo
ditatorial na busca pela manutenção de sua ordem. No que se refere às prisões
dos alunos, Valadares destaca que
“Os alunos eram presos, ficavam presos de 3 meses, 6 e às
vezes perdiam o ano, porque naquela época não era por
período o, era por ano. Então de repente eles perdiam o
ano ou tinham que trancar a matrícula”.
“(...) pessoas às vezes ficavam sumidas. E às vezes até os
próprios professores da FM, que tinham algum prestígio com
(...) os políticos que estavam no poder, conseguiam descobrir
aonde estavam essas pessoas e buscava até dar alguma
assistência, de proteção. Não podia libertar, pelo menos
procuravam evitar conseqüências maiores”.
Em inícios de setembro de 1966, a Reitoria determinou o fechamento de
todas as suas faculdades, o que visava impedir a realização de uma grande
passeata que estava sendo organizada pelos estudantes. E no dia 14 desse
mês, alunos da Faculdade de Odontologia entraram em greve de protesto.
Estudantes de vários Estados do país realizaram gigantescas
manifestações. No Rio de Janeiro, foi realizada uma passeata composta por
universitários que se posicionavam “(...) contra o fechamento do CACO, a
180
Trecho da entrevista realizada em 2007.
181
Idem.
dissolução do DA da Faculdade Nacional de Arquitetura, a suspensão de 35
alunos de Direito e 28 da Arquitetura, em defesa da autonomia das
universidades”
182
. Com o intuito de não permitir o acesso dos estudantes à
Central do Brasil, aonde certamente receberiam o apoio dos trabalhadores, a
repressão policial-militar os interromperam a cassetetes e bombas.
Talvez o episódio de maior destaque na história da resistência discente e
da repressão sobre o ME da UFRJ tenha sido a invasão da FM, na Praia
Vermelha. Vale ressaltar que, apesar da violência policial-militar incisiva sobre
os estudantes, não se tratou de um massacre como divulgado pela imprensa:
“O Massacre da Praia Vermelha”. O episódio ocorreu no dia 22 de setembro de
1966, quando cerca de 600 estudantes se encontravam em assembléia-geral
na FM, que foi sitiada, e, no dia seguinte, no momento em que decidiam a
possibilidade de retirada, foi invadida pelos policiais que espancaram os
universitários, o que resultou em grande número de feridos. Jean Marc Van der
Weid, na época estudante de Engenharia Química, afirmou:
“(...) naquele instante, os policiais invadiram, arrombaram a
porta e, em minutos, chegaram no local da assembléia. Foi um
espalha geral. Eu corri para o terceiro andar e notei que não
tinha mais como resistir. Como sobreviveríamos àquilo? (...)
Eles arrombaram a porta sem nenhum tipo de resistência”
183
.
Todos os estudantes que se retiravam da unidade eram obrigados a
passar por um “corredor polonês”. Tratou-se de uma ação executada pelo
General Nieméier, diretor do DOPS, acompanhado pelo Coronel Darci Lázaro,
e consentida pelo Reitor da Universidade, Pedro Calmon, que após
incessantes discussões com os estudantes na tentativa de convencê-los a
retirarem-se da Faculdade afirmou não ter mais o que fazer, pois o general
havia estabelecido um prazo para a saída dos discentes.
Outro episódio que merece ser ressaltado nesse período se refere aos
alunos da Faculdade de Filosofia, que em inícios de março de 1967,
promoveram a aula inaugural que havia sido cancelada pelo Diretor Raul
182
Estudantes nas ruas enfrentam a repressão. O Corujão, setembro de 1966.
183
Trecho da entrevista concedida à Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, divulgada no 2º
semestre de 2006 em material produzido para o evento “Invasão da FNM – 40 anos”.
Bittencourt, a fim de evitar que houvessem manifestações, tendo em vista que,
no dia anterior à aula, as paredes da Faculdade amanheceram cobertas por
cartazes de convocação aos alunos e a todos os que se posicionassem
contrariamente à ditadura, para que comparecessem ao salão nobre da
unidade para participarem da aula inaugural
184
. Enquanto o Presidente do
Diretório Acadêmico discursava e protestava contra a prisão dos acadêmicos
Lincoln Bicalho Roque
185
e Antônio Carlos, do 4º ano, vestibulandos eram
convocados a realizarem as últimas provas do processo seletivo
186
, que
apresentava muitas pendências e modificações inesperadas. Diante de tanta
confusão, estudantes distribuíam um manifesto que condenava a Direção pela
desorganização da unidade e apresentava “discursos de crítica à repressão
policial aos movimentos estudantis, à infiltração policial no corpo discente, e às
relações Direção-alunos”
187
. O problema do pagamento das anuidades foi outro
ponto abordado pelos líderes do movimento que afirmavam a necessidade de
veteranos e calouros não efetuarem o pagamento e exigirem da Direção o
recibo de isenção.
4.3 – A repressão em 1968
184
Faculdade de Filosofia da UFRJ cancela a sua aula inaugural temendo agitação. Jornal do
Brasil – 1º Caderno – Sexta-feira, 03 de março de 1967 – p. 13.
185
Importante considerar a atuação política desse estudante, que apesar da repressão
conseguiu formar-se em 1967, e em seguida passou a lecionar na UFRJ. Entretanto, em abril
de 1968 foi compulsoriamente aposentado em virtude de suas atividades políticas. Após várias
prisões, o dirigente do PC do B foi para a clandestinidade em 1972 e desapareceu em 13 de
março de 1973, quando foi morto com 15 (quinze) tiros. Entretanto, em sua certidão de óbito
consta que havia no corpo feridas transfixantes no coração, pulmão, rins e gado. A versão
oficial de sua morte era falsa (Fontes: entrevista de Tatiane Roque, filha do militante, localizada
no acervo da pesquisa “Violência Estatal e Lutas Sociais: a constituição da mulher como
sujeito”, do GECEM nero, Etnia e Classe: Estudos Multidisciplinares da ESS/UFRJ; e o
site www.desaparecidospoliticos.org.br/detalhes1.esp?id=200).
186
Duas semanas depois, tornou-se necessária a realização de novos vestibulares, em virtude
do número de candidatos aprovados, para alguns cursos, terem sido inferiores ao mero de
vagas (Jornal do Brasil – 1º Caderno – Sábado, 11 de março de 1967).
187
Alunos da FNFi promovem aula inaugural cancelada para evitar manifestações. Jornal do
Brasil – Caderno 9 – 04 de março de 1967.
Com o intuito de reivindicar uma melhor qualidade na alimentação e
preços mais baixos, os estudantes da UFRJ, em março de 1968, realizaram
uma manifestação em frente ao restaurante Calabouço, vinculado à
universidade. A ação policial contra os estudantes foi incisiva, o que resultou na
morte do estudante Édson Luís de Lima Souto, secundarista de 16 anos.
Milhares de estudantes acompanharam o velório, enterro e missa, que foram
marcados por novos conflitos. O episódio repercutiu numa série de
manifestações por todo o país. Dessa forma, a repressão ditatorial tornava-se
cada vez mais evidente no cenário social.
Em 20 de junho de 1968, estudantes da UFRJ organizaram uma
Assembléia-Geral, no anfiteatro da Faculdade de Economia, na Praia Vermelha,
com a presença do vice-reitor, Clementino Fraga Muniz de Aragão
encontrava-se em Brasília –, de membros do Conselho Universitário e
professores. Estiveram presentes representantes discentes de diversas
faculdades que expuseram faixas com frases como: “Abaixo a ditadura”, Mais
verbas federais” e “Contra a fundação”. Os assuntos em destaque na
Assembléia foram: a prisão de estudantes, o aumento de vagas na
Universidade, a luta por verbas federais e a política educacional do Governo.
Antes do início da Assembléia tropas e agentes do DOPS instalaram-se ao
redor da Universidade à espera da saída dos estudantes que temiam a
repressão. O estudante Arlindo Lima Chardel, da Faculdade de Química, foi
preso ao tentar entrar na Universidade, porque estava carregando impressos
que seriam distribuídos na assembléia
188
. No decorrer da reunião, uma
comissão de deputados que pretendia estabelecer contato com o governador
Negrão de Lima Alberto Rajão, Fabiano Vilanova, Salvador Mandin, Mauro
Magalhães e Ciro Kurtz foi recebida pelo vice-Reitor. E somente no início da
noite, com a informação dada pelo Reitor de que o governador prometera
suspender a ação de policiais, foi que os universitários decidiram retirar-se do
local.
No entanto, apesar da organização e do apoio dos professores na
assembléia, bem como dos apelos dos pais para que os policiais permitissem a
saída pacífica de seus filhos, foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo no
188
Cêrco começou antes de estudante chegar. Jornal do Brasil – 21 de junho de 1968.
interior do campus e, no momento da saída, quando estudantes caminhavam
juntamente com professores e o vice-reitor, soldados agiam violentamente.
Diante da reação da polícia, Clementino Fraga retornou para a Faculdade, que
permaneceu cercada por policiais, com os deputados e cerca de 20 alunos, e a
grande maioria correu em direção à sede do Clube do Botafogo, aonde foram
agredidos fisicamente por soldados, que invadiram o local em busca de
estudantes refugiados e se propuseram a cessar as agressões somente após
terem decidido prender os universitários. Foram detidos pelo DOPS
aproximadamente 360 estudantes não só da UFRJ, sendo 61 mulheres
189
.
No dia seguinte ao episódio, aconteceria, como decidido em assembléia,
uma concentração de estudantes no MEC
190
. Porém, de acordo com o Jornal
Última Hora
191
, o I Exército estaria atento a qualquer movimentação. No que
se refere aos estudantes que foram detidos no Batalhão Blindado do Centro
Preparatório de Oficiais da Reserva (CPOR) e no Quartel da PE (Polícia do
Exército), o I Exército havia firmado o compromisso de interferir, ainda na noite
do dia 20, em favor dos estudantes detidos. Apenas 30 permaneceriam detidos,
mas seriam liberados nos próximos dias. Entretanto, os quatro estudantes
dentre eles Jean Marc Von Der Weid e Lourivaldo Dourado anteriormente
presos sob acusação de terem depredado uma camioneta do I Exército na
Avenida Rio Branco, seriam enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Os acontecimentos do dia 20 impulsionaram uma série de críticas
direcionadas aos estudantes universitários, que foram defendidos por
deputados, professores e pelo Reitor da Universidade, por meio da denúncia da
violência policial e da ênfase dada à passividade dos estudantes em todo o
decorrer da Assembléia, como segue a declaração do vice-reitor, que divulgou
em nota à imprensa, a decisão de suspender por 48 (quarenta e oito) horas o
funcionamento da Universidade, e afirmou, ainda, que
189
DOPS prendeu 400 mas soltou alguns Jornal do Brasil Caderno 21 de junho de
1968.
190
Promessa de Negrão não foi cumprida. Jornal do Brasil Caderno sexta-feira, 21 de
junho de 1968 – p.4.
191
PM levanta cerco à Reitoria e DOPS liberta primeiro as cas. Última Hora Sexta-feira,
21 de junho de 1968.
“(...) apesar dos aspectos lamentáveis e constrangedores do
episódio, não houve detenção de professores, nem depredação
da reitoria e, a autoridade universitária conseguiu evitar a
penetração da polícia na universidade, o que daria lugar a
conseqüências e danos morais e materiais fáceis de prever. O
Reitor, finalmente, agradece a digna e corajosa colaboração
prestada pelos professores e deputados presentes”.
Mesmo após declaração do vice-Reitor, o Jornal O Globo, que contribuía
fortemente para a manutenção do poder do governo ditatorial diante da opinião
pública, divulgou, no dia seguinte, uma pequena matéria intitulada: Vice-Reitor
Nega Ocupação e Diz Que Professores Não Eram Reféns. E na página seguinte
uma única manchete: Estudantes Forçam Conselho ao Diálogo, cujo conteúdo
era iniciado em tom de intimidação:
Vinte e um professores viveram ontem uma experiência
inusitada ao verem-se coagidos pelos alunos a permanecer oito
horas sentados (...) ouvindo invectivas às autoridades (...) sem
faltar os ataques ao ‘colonialismo e imperialismo norte-
americano’ (...) enquanto cerca de 1600 estudantes se
apinhavam nas escadarias do teatro (...), o restante do edifício
(...) achava-se sob ocupação de grupos de rapazes armados
de paus envoltos em panos. Eram estes os componentes da
‘tropa de choque’ estudantil que horas antes ocupara o prédio e
persuadira os professores a ‘apressarem’ o diálogo, cuja
realização já havia sido por estes decidida”
192
.
Ainda no dia da Assembléia acima referida, o Comandante do I Exército
divulgou a seguinte nota:
“O Comandante do I Exército renova o apelo que fez aos pais e
responsáveis pelos jovens e estudantes da Guanabara, para
que envidem todos os esforços no sentido de esclarecerem
seus filhos e tutelados e, assim, evitarem que sejam eles
explorados pelos demagogos e agitadores que outras causas
não defendem que não a da subversão da ordem”
193
.
192
Estudantes forçam Conselho ao diálogo. O Globo – 21 de junho de 1968 – p. 14.
193
Exército vai manter a ordem e punir todos os responsáveis. Jornal do Brasil Caderno
Sexta-feira, 21 de junho de 1968 – p. 15.
O ano de 1968 foi marcado por movimentações estudantis em toda parte
do mundo. Segundo Martins Filho (1996), muitas delas foram iniciadas pela
violação do espaço universitário por parte das forças policiais. A fim de
exemplificar tal afirmação, o autor aponta, no início deste ano, a invasão da
Universidade de Madri, na Espanha; em março, a Universidade de Roma, na
Itália; e, na Bélgica, a Universidade de Louvain. Também havia as ocupações
iniciadas por parte dos estudantes. Dentre estes episódios, podem-se destacar
os casos da Universidade de Dakar, tomada pelos jovens de Senegal, em fins
de fevereiro; e da Universidade de Colúmbia, em Nova York, em maio. No
Brasil, apesar do empenho do governo ditatorial em manter a aparente
normalidade, utilizando-se, dentre outros mecanismos, da censura, e se
servindo de parceiros como o jornal O Globo, ganhava cada vez mais
visibilidade social, a repressão sobre os estudantes, principalmente após a
morte do estudante secundarista Edson Luís, no mês de março, fato que ocupou
a primeira página dos jornais e gerou manifestações em todo o país.
Diante disso, setores da classe média e da Igreja Católica demonstraram
solidariedade aos estudantes, aderindo, então, ao protesto nas ruas contra o
regime. A Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968 no Rio de Janeiro, foi uma
das manifestações de maior expressão neste período, não tendo sido reprimida
em virtude da pressão da opinião pública. Indiretamente vinculados ao ato de
protesto, estavam o PCBR, a Dissidência Universitária da Guanabara e a AP.
Em 30 de agosto de 1968, estudantes realizaram protesto na Reitoria da
UFRJ contra a prisão de líderes estudantis e a invasão da UnB, e mantiveram
os portões fechados a cadeado, exigindo uma posição da UFRJ. A
movimentação teve início com uma assembléia composta por cerca de 150
estudantes, que foi seguida de uma passeata
194
pela Avenida Pasteur em
direção à Faculdade de Medicina, com aproximadamente 500 discentes. Ao
passar em frente ao Iate Clube do Rio de Janeiro, cinco agentes do DOPS
iniciaram um tumulto, por meio de disparos para o alto, o que gerou um
confronto entre estudantes e agentes. Diante disso, choques da
194
Agentes do DOPS dispersam uma manifestação de 500 estudantes na Av. Pasteur. Jornal
do Brasil – 31 de agosto de 1968.
PM foram mantidos em frente ao Iate Clube ao início da noite, com o intuito
de reprimir possíveis manifestações.
Ainda no decorrer desta semana, lideranças do movimento de estudantes
no Rio organizaram manifestações de rua e comícios-relâmpagos, marcando
como local de encontro o Largo São Francisco e a Reitoria
195
. E por meio de
reuniões secretas, decidiram convocar assembléias-gerais em todas as escolas
superiores com o intuito de definir as formas de protesto repudiando “a nova
violência policial, em Brasília e no Rio”
196
.
A movimentação dos estudantes da UFRJ, juntamente com discentes
secundaristas e de outras faculdades ou universidades do Rio de Janeiro
fazem parte da composição do cenário político do Brasil no decorrer de 1968,
que foi marcado por manifestações políticas de repúdio ao governo ditatorial
por parte de diversos segmentos da sociedade. Exatamente nesse contexto, a
ditadura instituiu o AI-5, no intuito de conter toda essa efervescência política e
garantir a dominação do governo instituído.
Nesse período, mesmo os estudantes que buscavam não estabelecer
envolvimento com atividades políticas deviam ter cautela ao agirem, pois o
controle era sobre todos. Qualquer estudante ou mobilização representava uma
ameaça em potencial. A realização de uma greve de alunos no IP
197
, em 1969,
exemplificou bem esse cenário. Tratava-se de uma greve contra um professor
em virtude da má qualidade das aulas ministradas, o que foi compreendido
pela direção da unidade, que preferiu não comunicar à Reitoria a fim de que o
órgão de segurança não estabelecesse intervenção. Entretanto, após um
momento de ausência da direção, o Serviço de Segurança e a Reitoria
intervieram e afastaram alunos do curso, expulsaram outros da universidade,
havendo, inclusive, aplicação de advertência aos professores envolvidos.
Porém, mais tarde, tais punições foram canceladas pelo professor Clementino
Fraga.
195
Protesto de estudantes resulta em conflito. O Globo – 31 de agosto de 1968. p.3.
196
Líderes convocam reuniões estudantis para segunda-feira. Jornal do Brasil Caderno, 31
de agosto de 1968, p.11.
197
PENNA, Antonio Gomes. História da Psicologia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1992.
O temor dominava grande parte dos estudantes, como é o exemplo das
alunas da Escola de Serviço Social, que ao tratarem da reivindicação acerca da
obtenção de uma unidade própria, que somente após 1967 passou a funcionar
fora da Escola de Enfermagem Ana Nery, destacaram em ata, do DA Mary
Richmond, do dia 27 de agosto de 1964: “(...) devemos estudar nosso caso,
pois qualquer movimento atualmente é duvidoso, principalmente as escolas de
Ciências Sociais”.
Em 1968, quando do fechamento do Restaurante Calabouço e
Pentágono, organizou-se um movimento
198
, para sua reabertura, por parte dos
estudantes que buscavam um diálogo com o Ministro da Educação, mas não
houve adesão das estudantes de Serviço Social ao movimento dos estudantes
atingidos grupo do qual também eram integrantes, pois utilizavam o
Restaurante Pentágono, que era exclusivo para os alunos da Economia,
Serviço Social e Educação Física. De acordo com Cristina Salomão, estudante
da ESS na época, as estudantes não tinham essa dimensão de coletivo.
Ademais, ela enfatizou, no que se refere ao DA:
“Não tenho recordação (...) de nenhuma conversa aberta, de
nenhuma discussão clara, política, nessa época (...) eram
poucas as pessoas que tentavam puxar essa discussão mais
política”.
“O grande conjunto dos estudantes tinha um olhar de que o
Diretório devia promover filmes, lanches, festa (...) dentro de
uma linha de confraternização”.
O que predominou então foi uma ação no sentido de demonstrar a
aparente normalidade tão ratificada pelos ditadores, de acordo com a
afirmação encontrada na ata do DA:
“(...) foi debatido o fechamento dos refeitórios e as
implicações causadas pelo mesmo. Ficou resolvido fazer-se
um movimento de erradicação sobre o assunto na escola,
198
Movimento integrado pela UME, DCE/UFRJ, Diretórios Acadêmicos das Faculdades de
Medicina, Odontologia, Química, Farmácia, Economia, Psicologia, Belas-Artes, Geografia,
Filosofia, Engenharia Operacional, Letras, História Natural, Direito, Matemática, sica e
Arquitetura.
através de cartazes, jornal, mural e exposição em classe,
levando os resultados da reunião (...)”
199
.
Constata-se, diante disso, a busca por impedir a circulação e a
apropriação das informações pelo conjunto de estudantes. Ademais, para
“compensar” a ausência do restaurante, o Governo Federal, através do
Departamento Nacional de Educação (DNE), concederia bolsas de alimentação
aos estudantes com o auxílio dos acadêmicos da ESS/UFRJ. De acordo com o
diretor do DNE, Jorge Boaventura:
“(...) para se beneficiarem das bolsas, terão de provar
carência real de recursos e comprovação de que estudam. A
triagem sobre a vida social dos candidatos será feita por
alunos da Faculdade de Serviços Sociais da UFRJ”
200
.
Dessa forma, as estudantes estariam legitimando a repressão na estrutura
universitária e fragmentando a ação dos estudantes envolvidos no movimento,
visto que também eram prejudicadas pela medida ditada. Os executores deste
controle estavam se utilizando do corpo discente para afirmar suas ações.
4.4 – Movimentação discente em fins da década de 70
O IFCS, no dia 27 de maio de 1977, em pleno período letivo foi fechado
para realização de obras, segundo informação oficial fornecida pela Reitoria. A
partir daí, estudantes iniciaram um processo de luta por sua reabertura e
planejaram entrar com um mandado de segurança contra o Reitor da UFRJ.
Entretanto, o Reitor, de acordo com o Jornal do Brasil
201
, os teria ameaçado de
199
Trecho retirado do livro-ata do Diretório Acadêmico Mary Richmond, referente à reunião do
dia 24/09/1968 – verso da p. 76.
200
COBAL diz que não lhe cabe a iniciativa da concessão das bolsas de alimentação –
Boaventura afirma que Calabouço não reabrirá. Jornal do Brasil – 19 de abril de 1968.
201
ALUNOS da UFRJ são ameaçados com o 477. Jornal do Brasil Caderno Sexta-feira,
03 de junho de 1977.
punição com o Decreto 477, informação que teria sido fornecida pelo advogado
dos estudantes, Artur Muller. Ao ser questionado, o Reitor negou e afirmou que
“Em nenhum momento disse que faria, nem nunca me passou
pela cabeça usar o Decreto 477, como foi divulgado. Quando
a gente precisa aplicar as sanções que são necessárias à
Educação, e sempre foram, temos para isso o Código
Disciplinar da Universidade. Não necessidade, portanto, de
usar o 477”
202
A afirmação do Reitor poderia ser verdadeira, pois, como constatado no
capítulo anterior, a partir da década de 70, as direções das unidades da UFRJ
baseavam-se sobretudo no Código Disciplinar para aplicar sanções aos
estudantes. Entretanto, a ameaça poderia ser ainda maior, tendo em vista a
inespecificidade das ações previstas como faltas no Código.
O fechamento era considerado pelos universitários um “abuso de direito”,
pois outro espaço deveria ser apresentado para a realização das aulas pelo
menos até o início das férias. Ademais, muitos alunos estavam recebendo
intimações do Departamento de Polícia Política e Social (DPPS).
Diante disso, foi organizada uma greve de protesto que teve como
principal atividade a realização de uma assembléia
203
ampla no prédio da
Reitoria, com cerca de 1000 estudantes, que exibiam faixas e cartazes com
palavras de ordem, tais como: “liberdades democráticas”, entidades livres” e
“liberdade de manifestação e organização para trabalhadores, estudantes e
oprimidos”
204
. A pauta de discussões foi composta por três itens: as
paralisações das aulas na UFRJ; o fechamento do IFCS; e a repressão aos
estudantes do Rio de Janeiro na tentativa de realização do Encontro
Nacional de Estudantes.
Acerca deste último item vale destacar, que dentre os 98 estudantes que
seriam processados por tentarem participar da realização do encontro, 12
pertenciam à UFRJ, a saber:
202
UFRJ não precisa usar o 477. Jornal do Brasil Caderno Terça-feira, 07 de junho de
1977.
203
RIO faz greve de protesto. Jornal do Brasil Caderno Quinta-feira, 09 de junho de
1977.
204
Idem.
1) Ana Maria de Siqueira,
2) Celso Hugo Girafa,
3) Cleber Lago do Valle Mello Filho,
4) Flávia de Oliveira Barreto,
5) Flávio das Neves Cruz,
6) Iclea Gomes Correa,
7) José Francisco de Assis Pereira,
8) Marcelo Cardoso Caldas,
9) Maria da Glória Bonelli Santos,
10) Maria Isabel de Medeiros Vale,
11) Regina Maria Vilela Vieira de Castro Ferreira e
12) William Bugarin Menezes dos Santos
205
.
Após discussões, a assembléia aprovou um manifesto e uma carta ao
Reitor reivindicando, além da reabertura do IFCS, um posicionamento firme
diante das intimações policiais. Ademais, os estudantes recomendaram a
abertura de entidades representativas livres em todas as unidade como melhor
meio de encaminhar suas lutas. No manifesto os universitários ressaltavam que
“num momento em que todo o país geme pela miséria e
opressão, a principal preocupação das nossas autoridades
está em reprimir um encontro de estudantes. Levantamos aqui
nossa voz, a força que temos contra tudo isso: contra a
repressão crescente, contra os abusos das autoridades,
contra a miséria da maioria da população, contra os atos
arbitrários dentro da Universidade, como o recente
fechamento do IFCS, enfim, contra todo o quadro que compõe
a realidade do Brasil de hoje”
206
.
205
MINAS Divulga lista dos que serão processados. Jornal do Brasil 1º Caderno Sábado,
11 de junho de 1977.
206
RIO faz greve de protesto. Jornal do Brasil Caderno Quinta-feira, 09 de junho de
1977.
Após algumas tentativas, uma comissão de estudantes foi recebida, no
dia 10 de junho de 1977, pelo Reitor, lio Fraga, que negou a acusação de
que o fechamento do IFCS teria sido motivado pelas atividades políticas dos
estudantes, que se encontravam em greve. Ademais, não foi liberado auxílio
jurídico da UFRJ para os estudantes intimados pelo DPPS
207
.
O movimento de recomposição dos CAs, ou de criação dos CAs-livres,
tomou força a partir de 1977 embora essas entidades não fossem previstas
nos estatutos da UFRJ. O decano de Graduação, professor Doyle Maia, ao
tratar da movimentação estudantil para as eleições afirmou: “as reuniões na
Universidade, inclusive para eleição dos Centros Acadêmicos, têm transcorrido
sem incidentes, apesar de preferirmos que estas eleições se dessem conforme
previstas pelos estatutos”
208
. Pode-se observar, diante disso, um princípio de
abertura para a organização estudantil no interior da universidade, pois apesar
de não declarar concordância com a ação dos universitários, a UFRJ não
proibiu as atividades. O professor ainda declarou “não razão para
preocupações; nossos alunos têm feito muitas dessas reuniões e sempre têm
mantido um clima de disciplina. A Reitoria, entretanto, ficará atenta para
qualquer quebra dessa tradição”
209
. Ele também afirmou a importância da
universidade preocupar-se com o ensino e com a proteção aos alunos,
cabendo às autoridades policiais as medidas que julgassem necessárias.
O processo eleitoral dos CAs teve início no IFCS, em 1974, que foi
seguido da Escola de Comunicação e da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Em setembro e outubro as Faculdades de Medicina e Engenharia
também promoveram as eleições de seus CAs. Predominava, nas chapas
apresentadas, a luta pelas liberdades democráticas. Na Faculdade de Medicina
havia duas chapas: Libertas, que defendia “o fim do AI-5, do Decreto 477 e
todas as leis de exceção; anistia ampla, geral e irrestrita para presos políticos,
207
REITOR nega apoio da Universidade a quem depôs no DPPS. Jornal do Brasil – 1º Caderno
– Sábado, 11 de junho de 1977.
208
UFRJ não impedirá manifestações. Jornal do Brasil – 27 de setembro de 1977.
209
Idem.
banidos e exilados; e a Constituinte”
210
; e Unidade e Luta, que reivindicava
liberdades democráticas e a melhoria das condições de ensino.
No que se refere à Escola de Engenharia, também prevalecia, nas duas
chapas, reivindicações quanto às liberdades democráticas; entretanto havia
certa divergência em relação à Constituinte, vista somente pela Chapa Debate
como um meio para se alcançar a liberdade, e investiam na idéia de que
“coerentemente com a concepção de que a luta pela democracia é concreta, e
diz respeito a todos nós, é que propomos a convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte, livremente eleita e democrática”
211
. Por outro lado, a
chapa Unidade defendia uma
“verdadeira Constituinte, aquela que seja verdadeiramente
livre, soberana e democrática, isto é, feita pelo povo, do povo
e para o povo. Por ela lutaremos no momento apropriado.
Portanto, somos contra lutar pela Constituinte, hoje. Por ora
nossa posição deve ser de travar a luta pelas liberdades
democráticas ao nível em que elas nos são possíveis, ao nível
que o Movimento comporta”
212
.
A chapa eleita com 1.022 votos foi a Debate. A chapa Unidade obteve 638
votos. Houve 45 votos nulos e 23 em branco. A eleição contou com a
participação de 66% dos alunos inscritos na Escola de Engenharia. Apesar da
entidade não ser reconhecida pela universidade, os estudantes puderam contar
com seu apoio indireto, pois foi fornecida a eles a lista nominal dos alunos
inscritos na unidade para que pudessem organizar o processo eleitoral.
Por outro lado, o decano do Centro de Tecnologia (CT), professor Afonso
Henriques de Brito, ao falar sobre a carta de solicitação do reconhecimento
oficial do CA, que representantes dos estudantes no colegiado superior do CT
– apoiados pelos representantes de estudantes da Química e da Física –
entregariam ao Reitor Luis Renato Caldas, afirmou que “o órgão foi feito à
210
DELEGADA do MEC acha Rio calmo – Medicina muda data de eleição. Jornal do Brasil – 29
de setembro de 1977.
211
Idem.
212
DELEGADA do MEC acha Rio calmo – Medicina muda data de eleição. Jornal do Brasil – 29
de setembro de 1977.
revelia dos estatutos, não cabendo, portanto, exame da matéria”
213
, ademais,
não estaria preocupado com a ação do CA,
“pois não é legal, nem oficial, e, portanto, como entidade, não
existe para a universidade. Se os representantes estudantis
no Colegiado se dizem ou não subordinados ao Centro
Acadêmico, não importa a nós, porque eles são vistos
individualmente e não como porta-vozes de uma entidade”
214
.
Desde o primeiro semestre de 1977, os estudantes vinham realizando
manifestações, tornando-se alvos de vigilância diária da polícia universitária.
Entretanto, no dia 27 de setembro
215
uma passeata, que reuniu cerca de 300
estudantes, foi realizada no campus da Praia Vermelha, quando estudantes
hasteavam a bandeira da UNE, gritando: “A UNE é nossa voz, a UNE somos
nós”. A seguir realizaram uma assembléia acompanhada por guardas
universitários e vigiada por aproximadamente 300 soldados da PM que
permaneceram de prontidão na Praça General Tibúrcio, próxima ao campus.
No decorrer da reunião, sete caminhões do 19º Batalhão da PM e do Batalhão
de Choque e um caminhão-prisão com capacidade para 50 pessoas
concentraram-se na praça, a fim de reforçar o contingente policial. Ao término
da assembléia, os estudantes, percebendo o esquema da PM, que nesse
momento estacionou uma camioneta próxima ao portão da UFRJ, deixaram a
universidade em pequenos grupos. Dessa forma, não houve confrontos.
Diante dessas movimentações estudantis, pode-se verificar a existência
de um processo de abertura política que vinha se dando no seio da
sociedade brasileira. Movimento que aparentemente se dava de forma mais
acelerada no interior da universidade, mas que encontrava grande resistência
entre os militares, que temiam a perda do controle e para tanto demonstravam
os instrumentos dos quais dispunham para manterem-se na condução do
governo.
213
ENGENHARIA da UFRJ elege CA. Jornal do Brasil – 30 de setembro de 1977.
214
Idem.
215
BANDEIRA da UNE hasteada na UFRJ. Jornal do Brasil – 28 de setembro de 1977.
Neste capítulo buscou-se demonstrar, por meio de alguns episódios da
repressão e da resistência discente na UFRJ, os mecanismos utilizados no
interior da universidade para controlar seus estudantes, que não receberam
destaque nos Boletins, ou que foram apresentados de maneira superficial.
Concomitantemente, foi possível constatar a intervenção militar no âmbito
universitário, uma autoridade externa se impondo, por vezes violentamente, na
contenção das movimentações dos estudantes. Por outro lado, pudemos
verificar a iniciativa, por parte de alguns professores, ou mesmo do Reitor, de
promover a proteção dos estudantes, o que se dava, por exemplo, por meio de
discursos e da negociação da retirada dos alunos quando da invasão da FM.
Importante considerar nesse momento, que a repressão direcionada aos
estudantes não teve início a partir do golpe. Este processo havia sido
iniciado antes do golpe, mas começou a adquirir visibilidade social no pré-
golpe, inclusive com uma suspensão por tempo indeterminado de estudantes
da Filosofia, como anteriormente.
Pôde-se perceber, ainda, a movimentação política e a articulação entre os
estudantes de algumas unidades, sobretudo da Filosofia, do Direito e da
Engenharia, e por outro lado, a alienação quanto às questões universitárias e
sociais por parte de outros. Ademais, a repressão também atingiu aqueles que
lutavam não por questões políticas, explicitamente, mas por uma qualidade
melhor das aulas, como foi o caso dos alunos da Psicologia.
A simultaneidade da movimentação estudantil de 1968 em diversas partes
do mundo foi outro dado importante, pois torna visível a inserção dos
estudantes da UFRJ, bem como da juventude carioca, num contexto mundial,
tendo em vista a movimentação política promovida por eles nesse período. Não
que as ações dos estudantes cariocas estivessem em outros momentos
desvinculadas de um contexto histórico, mas em 1968 torna-se evidente em
virtude de se tratarem de manifestações públicas realizadas em diversas partes
do mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa, que teve como foco a repressão sobre o corpo
discente da UFRJ no espaço universitário, durante a ditadura militar no Brasil,
no período de 1964 a 1979, buscou, inicialmente, resgatar o protagonismo do
movimento estudantil no período pré-64. Como foi possível observar, as
manifestações estudantis no início da década de 60 se tornaram motivo de
alerta aos governantes a partir do golpe de abril de 1964. Os estudantes
representavam uma ameaça ao governo ditatorial tendo em vista suas
principais bandeiras de luta, como por exemplo, a defesa da ampliação das
liberdades democráticas e de uma política externa que garantisse a
independência do país –, e por isso eram considerados um dos principais alvos
da repressão.
Decretos e leis foram criados e implementados nas universidades
brasileiras no intuito de controlar e conter a participação política dos estudantes
universitários, tanto no interior das universidades quanto fora dela. Apesar da
Lei Suplicy ter sido a primeira norma que buscou conter a representação
estudantil nesse período, foi possível constatar que, em fins de 1963, 15 alunos
da Faculdade de Filosofia foram suspensos por tempo indeterminado. Antes
mesmo da promulgação desta lei, imediatamente após o golpe de Estado,
haviam sido iniciadas as primeiras ações de repressão ao movimento
estudantil. Não havia, porém, nenhuma lei que respaldasse as ações tomadas
por policiais e militares. As lideranças estudantis, quando não presas, tiveram
que se abrigar em esconderijos; a sede da UNE, no Rio de Janeiro, foi
incendiada; e, dentre outros fatos importantes, destacou-se, ainda, a expulsão
dos 19 alunos da Faculdade de Filosofia da UFRJ bem no início da ditadura
militar. O objetivo era manter a ordem social e garantir a segurança nacional.
Diante do exposto pode-se concluir que, embora houvesse repressão no
período que antecedeu o golpe de Estado, não é possível afirmar a existência
de uma continuidade, mas uma ruptura no que diz respeito ao tratamento
dispensado aos estudantes, em virtude da extrema mudança na intensidade e
na qualidade da repressão.
A Lei Suplicy, que foi elaborada pelo governo a fim de controlar a
organização e a articulação discente não foi capaz de conter eficazmente suas
ações, apesar de ter apresentado uma série de limitações aos estudantes,
principalmente no que se refere às ações político-partidárias, que foram
vetadas. Nesse primeiro momento, ainda era possível aos estudantes manter a
resistência às imposições do governo, como, por exemplo, a não adequação à
Lei Suplicy por parte de alguns DAs, que, por isso, intitulavam-se D.A.s Livres.
Com o objetivo de intensificar o controle sobre os estudantes, o governo
baixou o Decreto nº 228, em fevereiro de 1967, que buscava desarticular os
estudantes, tendo em vista que reconhecia apenas DAs e DCEs como
entidades representativas do corpo discente. Importante destacar que esta
ferramenta de controle fora criada por Moniz de Aragão, Reitor da UFRJ de
1966 a 1969 e Ministro da Educação e Cultura por curto período em 1966, no
intuito de reforçar as limitações impostas pela Lei Suplicy. Ademais, o ano de
1966 foi marcado por uma série de manifestações estudantis, consideradas
pelo governo ditatorial como subversivas.
A culminância desse processo de intensificação das ações repressivas se
deu com o Decreto 477, baixado em inícios de 1969. Esta norma foi
implementada de forma a bloquear eficazmente as ações dos estudantes,
sobretudo os empenhados em atividades políticas. A partir desse momento, o
movimento estudantil entrou em refluxo. Não era mais possível enfrentar
diretamente a estrutura de controle criada pela ditadura militar. Diante desse
quadro, um número elevado de estudantes passou a compor organizações
clandestinas.
Pode-se concluir, através desse processo de fortalecimento do controle
sobre os estudantes universitários, que a incapacidade inicial do governo em
extinguir as manifestações discentes foi resultado da efervescência política do
pré-64, que respaldou a resistência dos estudantes apesar da coerção sofrida.
Com as modificações dos mecanismos utilizados pelo governo militar e o seu
reforço, associados ao apoio ostensivo da força policial, os discentes não
tiveram outra escolha.
Esta repressão legal imposta pelo governo a todas as universidades
brasileiras gerou importantes reflexos no cotidiano da UFRJ, que inclusive,
antecipou-se no processo de endurecimento das ações repressivas ao criar o
Código Disciplinar, que antecedeu o Decreto-Lei 477. Esta norma interna não
especificava as atividades que poderiam repercutir em aplicação de penas,
mas abria campo para uma série de possibilidades, uma forma de mascarar a
pretendida repressão.
Ao longo desse processo de aprofundamento da ditadura, o governo foi
fortalecendo sua sociedade política, por meio da criação de todo este aparato
legal que legitimava suas ações, o que no interior da UFRJ era sentido pelo
corpo discente quando da aplicação de sanções disciplinares que variavam
entre advertências, suspensões, expulsões, afastamentos, fechamentos de
DAs, enfim, um grande número de penas que se apresentavam, nos momentos
de maior repressão de forma mais volumosa e intensa. Nos momentos de
inviabilidade do enquadramento “pacífico” dos estudantes às diretrizes postas
pelo governo, se fazia necessária a imposição de uma disciplina, cuja
efetivação fosse garantida normativamente, e, quando preciso, a repressão,
identificada de maneira mais evidente nos episódios destacados no último
capítulo. A intenção era conter a sociedade civil, representada nesses eventos,
pela organização estudantil que recebia influência de determinados partidos
e/ou grupos políticos, que tinham como membros indivíduos que, de maneira
espontânea/voluntária, se associaram sem coerção.
Os Boletins da UFRJ também serviram como instrumento disciplinador à
medida que registrava as ações das autoridades acadêmicas em relação às
atividades políticas dos estudantes. Dessa forma, tinham caráter exemplar para
o corpo discente os procedimentos tomados a partir da identificação de casos
de desobediência e indisciplina, o que poderia servir para inibir possíveis
atividades subversivas, além de comprovar ao governo o cumprimento das
ordens relativas aos estudantes, bem como a todo o corpo acadêmico.
Importante ressaltar a ausência de referência, nos Boletins, de episódios
importantes, não para a história do movimento estudantil da UFRJ, como
também do país, ocorridos no interior da universidade com repercussões para
além de seus limites institucionais. Tal posicionamento, por parte das
autoridades acadêmicas, certamente, contribuiria para reforçar a aparente
normalidade na vida universitária. Entretanto, materiais da imprensa da época
divulgavam manchetes e páginas destacando os eventos e a violência
engendrada pelos braços armados do Estado. Vale considerar que, nos
períodos que seguiam os episódios, tornava-se evidente a tentativa, ou de fato,
um reforço do fechamento do regime. Era preciso diminuir o grau relativo de
autonomia da sociedade civil para que a sociedade política fosse fortalecida.
Para tanto, a ditadura militar também se valia de agentes inseridos na vida
universitária, compondo comissões, órgãos como a ASI, a fim de garantir a
caça ao inimigo interno tão defendida pelos ditadores.
Outro elemento interessante, no que se refere aos Boletins, diz respeito à
ausência de punições em 1977, o que se repetiu em 1979. Este fato pode estar
relacionado ao início do processo de abertura política no interior da
universidade, que pode ser percebido no último capítulo.
Este estudo possibilita constatar que a movimentação política não era
homogênea no corpo discente. Havia divergências. O destaque dado ao
posicionamento dos estudantes do Direito, da Filosofia e da Engenharia se
contrapõe ao conformismo das estudantes de Serviço Social, por exemplo.
Ademais, trata-se de uma pesquisa que visa a contribuir para o resgate da
memória da UFRJ, sobretudo da repressão e da resistência ocorrida nesse
período.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ABREU, Alzira A. (et al.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930.
Edição revista e atualizada. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora FGV, CPDOC,
2001.
_____. Quando Eles Eram Jovens Revolucionários. In: Galeras Cariocas:
territórios de conflitos e encontros culturais. VIANNA, Hermano (Org.). Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2003.
BRASIL. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Legislativo. Leis de
outubro a dezembro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1965. p.75-78.
_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Decretos.
Volume II. 1966. p. 178.
_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Volume III.
Leis de abril a junho. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1966. p. 16.
_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Decreto-lei de
janeiro a março. Volume I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1967. p. 343-
346.
_____. Coleção das Leis. Atos Legislativos do Poder Executivo. Leis de janeiro
a março. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1969. p. 77-78.
CARDOSO, Irene. Há uma herança de 1968 no Brasil? In: Rebeldes e
Contestadores 1968: Brasil, França e Alemanha. GARCIA, Marco Aurélio e
VIEIRA, Maria Alice (Org.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
COIMBRA, Cecília M. B. Doutrina de Segurança Nacional e produção de
subjetividade. In: Clínica e Política: Subjetividade e Violação dos Direitos
Humanos. Equipe Clínico-Grupal, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. Instituto
Franco Basaglia. Rio de Janeiro: Editora TeCorá, 2002.
COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e
outros ensaios. 2ª edição. São Paulo: Cortez, 1996.
_____. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo:
Cortez, 2000.
CUNHA, Luiz Antonio. A Universidade CríticaO ensino superior na República
Populista. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
_____. A Universidade Reformanda O golpe de 1964 e a modernização do
ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
_____ e Góes, Moacyr de. O Golpe na Educação. edição. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985.
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado ação política, poder
e golpe classe. Petrópolis: Vozes, 1981.
FÁVERO, Maria de Lourdes de A. A UNE em Tempos de Autoritarismo. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1994.
FERNANDES, Florestan. Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução? São
Paulo: Alfa-Omega, 1979.
FILHO, João Roberto Martins. A Rebelião Estudantil: 1968 México, França e
Brasil. São Paulo: Mercado de Letras, 1996.
FORACCHI, Marialice M. O Estudante e a Transformação da Sociedade
Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965.
_____. A Participação Social dos Excluídos. São Paulo: Editora HUCITEC,
1982.
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas A esquerda brasileira: das ilusões
perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Ática, 2ª edição, 1987.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
IANNI, Otávio. O Jovem Radical. In: Sociologia da Juventude, I da Europa de
Marx à América Latina de Hoje. BRITTO, Sulamita de (Org.). Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1968.
_____. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. edição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1986.
MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista (Trad. Mª Lúcia
Como). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
NETO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: Uma Análise do Serviço Social
no Brasil pós-64. 6ª edição. São Paulo: Cortez, 2002. (p. 15-112).
_____. Em busca da contemporaneidade perdida: a esquerda brasileira pós-64.
In: Viagem Incompleta (1500-2000): a experiência brasileira: a grande
transação. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.
POERNER, Arthur. O Poder Jovem História da Participação Política dos
Estudantes Brasileiros. 5ª edição. Rio e Janeiro: Booklink, 2003.
REGULAMENTAÇÃO da nova lei em estudo no MEC. Folha de São Paulo
Educação – Sexta-feira, 1° de junho de 1979. p.16.
RIDENTI, Marcelo Siqueira. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.
TAVARES, Flávio. O golpe de 1964, início de 1968. In: Rebeldes e
Contestadores 1968: Brasil, França e Alemanha. GARCIA, Marco Aurélio e
VIEIRA, Maria Alice (Org.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
VIEIRA, Evaldo. Brasil: do golpe de 1964 à redemocratização. In: Viagem
Incompleta (1500-2000): a experiência brasileira: a grande transação. São
Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.
OUTRAS FONTES
- Boletins da UFRJ no período de 1963 a 1979.
- Jornais do período analisado:
Correio da Manhã
Diário de Notícias
Jornal do Brasil
Jornal O GLOBO
O Corujão
O Metropolitano
Última Hora
- Entrevistas concedidas à autora por:
Victória Lavínia Grabois, e
Almir Fraga Valadares.
ANEXOS
ANEXO I
Listagem referente aos alunos da FAU que tiveram suas matrículas
canceladas, conforme Portaria n° 23, de 8 de setembro de 1966:
1) Emédio José Cintra Montenegro – 1º ano;
2) Gilson Sérgio Cruz – 1º ano;
3) Mauro Malin – 1º ano;
4) Luiz Cristóvão de Oliveira Martins – 2º ano;
5) Regina Lucia da Silva Bezerra – 2º ano;
6) Sylvia Goyanna de Carvalho – 2º ano;
7) César Augusto Guaracy Costa – 3º ano;
8) Gregório Fontan Soto – 3º ano;
9) Jacques Zajdsnajder – 3º ano;
10) Jorge Mendonça Furtado – 3º ano;
11) Matias Francisco Racz Marcier – 3º ano;
12) Ronaldo Rondeli – 3º ano;
13) Ruth Tobal Barreto – 3º ano;
14) Sônia Perez de Aquino – 3º ano;
15) Emídio Jeremias Fereira Soares – 3º ano;
16) Célio Diniz Ferreira – 3º ano;
17) Paulo Roberto Rocha – 3º ano;
18) Denoy Gonçalves de Oliveira – 3º ano;
19) Beatriz Vallandro do Valle – 4º ano;
20) Edith Maria Vargas da Costa Gama – 4º ano;
21) Henri Michel do Amaral Lesboupin – 4º ano;
22) Maria Lúcia Wendel de Cerqueira Leite – 4º ano;
23) Max Sterenberg – 4º ano;
24) Rezso Karoly Josef Divenyi – 4º ano;
25) Rui Rocha Velloso – 4º ano;
26) André Solti – 5º ano; e,
27) Cláudio Gastão Kipper – 5º ano.
ANEXO II
Listagem referente aos alunos da Faculdade de Farmácia que foram
suspensos por 30 dias:
1) Vanius Meton Gadelha Vieira – 1ª série;
2) Carmem Silvia Sardenberg Maravalhas;
3) Wandedrlei Candido de Oliveira;
4) Evaldo Rezende Cunha;
5) João Garcia do Amaral;
6) José Francisco Oliveira Carvalho;
7) Roselene Maria da Mota Marinho;
8) Paulo Roberto Ferreira de Santana;
9) Fernando Costa Miguens;
10) Marcio Kleber Pereira Torreão da Costa;
11) Antonio de Souza Lima;
12) Luiz Moreira Pantoja;
13) Léa de Jesus Malheiros;
14) Maria da Conceição Silva;
15) Elias Augusto Bouhidi Hissi;
16) Cyntia Araújo de Souza;
17) Rosamelia Queiroz da Cunha;
18) Nelza da Silva Jordão;
19) Mario Guilherme Gonçalves;
20) Wilson de Araújo Moura;
21) Francisco José Vitório;
22) Luiz Carlos da Silva;
23) Sebastião Renaldo Silva Hora;
24) Jorge Aarão Neto – 2ª série;
25) Flávio da Costa Leite; e,
26) Adilson de Oliveira Pinheiro.
ANEXO III
A listagem se refere aos alunos do IFCS suspensos por 30 dias:
1) Antônio Carlos de Melo Severiano Ribeiro – Curso de Ciências Sociais
– 1ª série;
2) Alan Melo Marinho de Albuquerque;
3) Christiano Whitaker;
4) Dalma da Silva Ferraz;
5) Darcan El Carih;
6) Francisco de Assis Paes Ferrari;
7) Heloisa Ribeiro Guimarães;
8) Joaquim Augusto Montenegro Filho;
9) João Lins de Albuquerque;
10) Manuel da Silva Gomes Tato;
11) Roberto Wrencher;
12) Roberto Gaspari Tôrres;
13) Sérgio Luiz de Souza Tapajós;
14) Sônia Rosadas Théme;
15) Wanderley de Andrade Monteiro;
16) Armando Ribeiro – 2ª série;
17) Ângela Maria Galdi Ferreira;
18) Joaquim Augusto Whitaker Sales;
19) Lincoln de Abreu Pena;
20) Vânia Maria Lopes Pinheiro;
21) Jorge da Silva Gomes – 3ª série;
22) Leila Bittencourt Brasil;
23) Márcia de Castro Lopes;
24) Sheila Vera de Melo Rodrigues;
25) Jayme Quartin Pinto Neto – 4ª série;
26) Izabel Guimarães de Abreu – Curso de História – 1ª série;
27) Maria Augusta Souza Cunha;
28) Abram Cheventer – 2ª série;
29) Hério Saboga Cardoso;
30) Louise Anne Nadjariam;
31) Marcos César Carvalho;
32) Rafael de Faria Domingues Moreira;
33) Thereza Christina Whitaker – 3ª série;
34) Helena de Britto Macedo Fernandes – Curso de Filosofia – 1ª série;
35) Jorge Eduardo Saavedra Durão;
36) Leder Souza Rodrigues;
37) Lílian Azeredo Holzmeister;
38) Marina de Godoy Bezerra;
39) Francisco de Paula Pereira de Souza – 2ª série;
40) Paulo Roberto Cavalcanti Pessoa;
41) Ana Luiza Job – 3ª série;
42) Moisés Hendler;
43) Telmo Luiz Meira Wambier
44) Claudelson Pessoa do Amaral – 4ª série;
45) Frederico Sérgio Moreira da Rocha;
46) Joaquim de Souza Bastos;
47) Mário Ademilson de Oliveira;
48) Nisete de Araújo Sampaio;
49) Rony Silveira.
ANEXO IV
Lista dos alunos da FEA suspensos:
1) David Tygel – Curso de Ciências Econômicas – 1ª série;
2) Luiz Cláudio Machado Monteiro;
3) Marcelo Cláudio Pires Lenz César;
4) Milton Arnaldo Suzuki;
5) Roberto Carvalho Carneiro;
6) Ruth Kelson;
7) Zilda Alves de Magalhães;
8) Benedito Caeté Ferreira Filho;
9) Carlos de Magalhães Frankel Filho;
10) Jaime Luiz Ferreira;
11) Marcos Antônio Canongia;
12) Sergio Luiz Cláudio da Silva;
13) Thais Neves Fraebel;
14) Edgar Vargas Tejada Nestor Maciel Barbosa;
15) João de Alvarenga Souto Maior Filho;
16) Luiz Felipe Garcia Savaget – 2ª série;
17) Paulo Oliveira Guimarães;
18) Sandra Maria Teixeira de Almeida;
19) Franklin de Souza Martins;
20) Joaquim Fernandes Fraughes – 3ª série;
21) Luiz Fernando Braga Saurdes;
22) Paulo Buscactio de Almeida Junior;
23) Matheus Antonio Pereira de Carvalho;
24) Maria Lúcia Bonnet – 4ª série;
25) Artur Max Potzesmhein – Curso de Ciências Contábeis – 1ª série;
26) Frederico Paulo Ramalho Chaves;
27) João Paulo Xavier;
28) Ricardo dos Reis Carvalho Kneipp;
29) José Lira;
30) Daniel da Cruz Paiva – 2ª série;
31) Fernando Bastos Ribeiro;
32) Joacil Gomes Pinto;
33) José Maria Vicente Rosa;
34) Luiz Antônio Raposo Carneiro;
35) Jorge Pereira Leite;
36) José Carlos Barbastefano;
37) Antonio Luiz Tenório de Albuquerque;
38) Luiz Carlos Soares da Silva;
39) Alexandre Carlos Hugueney;
40) Ademário Anacleto Vasconcellos;
41) Milton Avelino Sodré;
42) Ana Maria de Oliveira;
43) Gustavo Ribas da Gama Lima – 3ª série;
44) Joacil Cavalcanti de Oliveira;
45) Aldo de Albuquerque Barreto;
46) Francisco Ricardo Costa;
47) Roberto Coelho de Figueiredo Costa;
48) Berta Laura Grunaum – Curso de Administração – 1ª série;
49) Fernando Sá de Sá Rego;
50) Fernando Teixeira da Silva;
51) Flávio Sauer Spinola Dias;
52) Hermam Schmall;
53) José Júlio Motta da Silva;
54) José Ricardo Boselli;
55) Luiz Felipe Pereira das Neves;
56) Paulo Sérgio de Souza;
57) Roberto Aloísio Zarco da Câmara;
58) Sálvio Augusto Guimarães;
59) Sérgio Castro de Almeida;
60) Tácito de Barros Barreto do Amaral;
61) Wilson delgado Pinto;
62) Adalberto Luçan de Oliveira – 2ª série;
63) Alfredo Corrêa Libano Soares;
64) Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho;
65) Clécio Parreiros Henriques Gomes;
66) Dílson Vasquez Castro;
67) Enio Flores da Silva;
68) Helio Junqueira M.;
69) José Eduardo Ribeiro Moretzohn;
70) José Peixoto Neto;
71) Judith Mota Bastos;
72) Leonor Alice Pereira;
73) Luiz Felipe Stallone;
74) Manoel Mendes Irmão;
75) Maximino Teixeira;
76) Paulo Caeté Felipe Ferreira;
77) Raul Alberto Soares da Silva Neves;
78) Ruy Carmo Guerra;
79) Thiers Garcia de Matos;
80) Marco Antonio Ferreira de Souza;
81) Ruy L. Neto;
82) Carlos Alabno Guise da Fonseca Costa;
83) José L. Benevenuto de Lima;
84) Alexandre Fradkin – 3ª série;
85) Almir Vieira Dias;
86) Edmar Ferreira Damasceno;
87) Elinar Rodrigues Penna;
88) Elio Dagoberto de Almeida;
89) Fernando Pinto de Moura;
90) Ilo José Dantas Ramalho;
91) Jorge Antonio de Miranda S.;
92) Jorge de Monte França;
93) José Eduardo Valverde;
94) Luis Antonio Rosalindo Artigas;
95) Odilon Vieira Silva;
96) Paulo Cícero Lima Batista;
97) Ricardo Junqueira Lustosa;
98) Sérgio Suwey Gabiso;
99) Simon Wenna;
100) Waldemir Messias de Araújo;
101) Marcio Flávio Rezende;
102) Paulo Schvinger;
103) Domingos Gabriel Plastina – 4ª série;
104) José Alexandre S. Teixeira;
105) Jayme Pinto da Silva – Curso de Ciências Atuariais – 1ª série;
106) Sergio Rios;
107) Nuno Lisboa Filho – 2ª série;
108) Mario Kleiner – 3ª série;
109) Sergio Fernandes;
110) Paulo de Tarso de Mello Dantas;
111) Sergio Luiz Vieira Lima;
112) Sergio de Souza Bahia.
ANEXO V
Listagem dos alunos suspensos da EEFD:
1) Alfredo Abílio Costa Cavalcante – 1ª série;
2) Cyro Beltrão Filho;
3) Eduardo Gomes Affonso;
4) Flávio Dutra Machado;
5) João Durval de Lion;
6) Newton Moreira Lopes;
7) Paulo Augusto de Souza Oliveira;
8) Roberto de Souza Carvalho;
9) Sergio Vianna Pereira;
10) Abigail Ramos Cruz;
11) Jandira Furtado Gonçalves;
12) Maria Lucia Ferreira Machado;
13) Jane Calhau Mourão;
14) Alex Costa Ajús – 2ª série;
15) Fábio de Carvalho Costa;
16) Ivan Alves Torres Homem;
17) José Paulo Pereira Souto;
18) Júlio César Simões Advet;
19) Luiz Fernando Bravo Galvão;
20) Oberdan Araújo de São Bernardo;
21) Ruabian de Caldas Brito;
22) Dilma Cairo de Carvalho;
23) Vilma Rita Lopes;
24) Durval Caldeiras Martins Junior – 3ª série;
25) Mário Borges Junior;
26) Adaucto Sebastião Alves Vieira – Curso de Medicina Aplicada;
27) Antonio Carlos Heusi Rasseli;
28) Arildo da Silva;
29) Bernardo Grosman;
30) Daniel Maya;
31) Efroim Wolf Horowicz;
32) Epitácio de Almeida Siqueira;
33) Guilerme Suarez Curtz;
34) Jorge Galvão Fortuna;
35) José Augusto do Nascimento Pereira;
36) José Roberto Lopes Ferraz;
37) Wilson Santos;
38) Jacy Dotigatti de Souza – Curso de Especialização em Dança;
39) Gilliatt Vaz – Curso de Massagem;
40) Nilton Pinto das Neves;
41) Júpiter Flores Pereira – Curso de Técnica Desportiva;
42) Martha Helga Campmann;
43) Nelson Esteves;
44) Carlos Afonso Nery da Rocha;
45) Lineu Paulo Soares;
46) Luiz Carlos Ferreira César;
47) Carlos Alberto Florentino dos Santos; e,
48) Luiz Carlos de Andrade e Silva.
ANEXO VI
CÓDIGO DISCIPLINAR
(Aprovado pelo Conselho Universitário, na Reunião de 10 de outubro de 1968)
DO CÓDIGO DISCIPLINAR
TÍTULO I
DA INTRODUÇÃO
Art. 1º - O CÓDIGO Disciplinar da Universidade Federal do Rio de Janeiro
destina-se a regulamentar a aplicação de sanções disciplinares a que está
sujeito o Corpo Social da Universidade.
Parágrafo único – O Corpo Social da Universidade compreende:
I – O Corpo Docente
II – O Corpo Discente
III – O Corpo Técnico
IV – O Corpo Administrativo.
TÍTULO II
DOS DEVERES DOS MEMBROS DO CORPO SOCIAL
Art. 2º - Constituem deveres dos membros do Corpo Social:
a) - a fiel observância da Lei, do Estatuto e dos Regimentos;
b) - o acatamento às ordens emanadas das autoridades universitárias;
c) - a urbanidade no procedimento;
d) - o resguardo do prestígio e bom nome da instituição.
Parágrafo único Cabe ao corpo docente, em particular, contribuir para a
ampliação, difusão e transmissão do saber, a formação integral da
personalidade do estudante e a autenticidade democrática da vida universitária.
TÍTULO III
DAS SANÇÕES
Art. 3º - Os membros do Corpo Docente estão sujeitos às seguintes
sanções disciplinares:
a) – advertência;
b) – repreensão;
c) – suspensão até 15 (quinze) dias;
d) – afastamento temporário;
e) – destituição;
Art. 4º- Cabem as sanções previstas no artigo anterior nos seguintes
casos:
I – a da advertência:
a) – por transgressão de prazos regimentais ou falta a ato escolar a cujo
comparecimento esteja obrigado, salvo se apresentar justificativa
adequada;
b) pelo não comparecimento a 3 (três) trabalhos docentes
consecutivos ou a 5 (cinco) não consecutivos, no período de 30 dias,
sem causa justificada.
II – a de repreensão:
Na reincidência das faltas citadas nas alíneas do item anterior.
III – a de suspensão até 15(quinze) dias:
a) por não acatamento a determinações das autoridades
universitárias, baseadas na Lei, no Estatuto e nos Regimentos;
b) – por prática de outros atos de indisciplina.
IV – a de suspensão de 16 (dezesseis) até 30 (trinta) dias:
na reincidência das faltas citadas nas alíneas do item III.
V – a de afastamento temporário:
a) – por desídia no desempenho de suas funções;
b) – em casos de indisciplina considerada de especial gravidade, a juízo
da Congregação ou órgão equivalente;
c) – por conduta social imprópria e lesiva à reputação da instituição;
d) por não comparecimento, sem justificativa, a 25% das preleções e
trabalhos docentes diretamente a seu cargo;
e) por falta de, cumprimento de pelo menos, 75% do programa da
atividade docente a seu cargo.
VI – a de destituição:
a) – por reincidência nas faltas referidas nas alíneas do item V;
b) por atos incompatíveis com a moralidade e a dignidade da vida
universitária;
c) por condenação à pena de reclusão por mais de 2 (dois) anos ou
detenção por mais de 4 (quatro) anos;
Parágrafo único - Nas hipóteses previstas nos incisos III, IV, V e alíneas a
e b do inciso IV deverá ser instaurado o competente processo administrativo,
de cujas conclusões dependerá a aplicação das sanções.
Art. - A aplicação de sanções aos membros do Corpo Docente, em
razão de faltas cometidas no âmbito da Unidade, é da competência da
Congregação ou órgão equivalente.
Art. - A sanção disciplinar de advertência será aplicada verbalmente e
as demais serão aplicadas por escrito.
§ - Nos casos citados nas alíneas a e b do inciso IV do art. a
destituição dependerá da aprovação da Congregação ou órgão equivalente,
que os julgará em reunião a que estejam presentes pelo menos 2/3 da
totalidade dos seus membros.
§ 2º - A destituição dos docentes que gozarem de vitaliciedade será
efetivada mediante sentença do Poder Judiciário, transitada em julgado.
CAPÍTULO II
Do Corpo Discente
Art. 7º - Os membros do Corpo Discente estão sujeitos às seguintes
sanções:
a) – advertência;
b) – repreensão;
c) – suspensão até 15 (quinze) dias;
d) – suspensão de 16 (dezesseis) a 30 (trinta) dias;
e) – afastamento temporário;
f) – exclusão.
Art. - Na aplicação das sanções disciplinares serão consideradas a
natureza e a gravidade da infração e os danos dela provierem.
§ - Serão punidos com as sanções a que se refere o artigo itens
a,b,c e d, os membros do Corpo Discente que cometerem as seguintes faltas;
I Desrespeito ao Diretor da Unidade ou qualquer membro do Corpo
Docente ou Administrativo;
II Desobediência a ordem dada por qualquer autoridade
Universitária, no exercício das suas funções;
III – Ofensa ou agressão a membro do Corpo Discente;
IV – Perturbação da ordem em qualquer área da Universidade;
V Danificação de material da Universidade, caso em que, além da
pena disciplinar ficarão obrigados à indenização do dano ou
substituição do objeto danificado;
VI – Improbidade na execução de atos ou trabalhos escolares;
§ - Serão aplicadas as sanções a que se referem os itens e e f do
art. 8º conforme a gravidade da falta, nos casos de:
I – Reincidência nas faltas citadas no parágrafo anterior;
II Prática de atos incompatíveis com a dignidade e o decoro da vida
universitária;
III Injúria ou acusação ao Diretor da Unidade a qualquer membro do
Corpo Docente ou a autoridade administrativa;
IV – Agressão a funcionário administrativo;
V – Prática de atos criminosos;
VI Por conduta social imprópria e lesiva à recuperação da
Universidade.
§ 3º - Os casos não previstos neste Código serão apreciados pela
Congregação, que opinará sobre a gravidade do ato praticado, bem como
sobre a respectiva sanção.
Art. - São consideradas faltas graves as previstas no parágrafo do
artigo 8º.
Art. 10 No âmbito das Unidades, a aplicação das penas de
advertência, repreensão e suspensão até 15 (quinze) dias é da competência do
Diretor e a das penas de suspensão de 16 (dezesseis) até 30 (trinta) dias e de
afastamento temporário, da competência da Congregação ou órgão
equivalente.
§ - Na área dos Centros, iguais atribuições competem ao Decano e
ao Conselho de Coordenação, respectivamente.
§ 2º - A pena de exclusão é da competência do Conselho Universitário.
Art. 11 Nos casos em que couber a pena de afastamento temporário,
ou a de exclusão, será instaurado processo disciplinar convocando-se o aluno
acusado.
§ 1º - A autoridade que instaurar o processo administrativo poderá
determinar o afastamento preventivo do acusado.
§ - Todas as convocações para qualquer ato do processo disciplinar
serão feitas por escrito.
§ - No caso de não ser encontrado o acusado, a convocação será
feita por Edital, publicado em órgão oficial.
§ - O não comparecimento do acusado no prazo previsto em Edital,
justifica o prosseguimento do processo à revelia.
§ - Durante o processo, o aluno acusado não poderá obter
transferência para outro estabelecimento de ensino superior, e, se se tratar de
aluno de última série ficará impedido de colar grau.
§ 6º - Terminado o processo e apurado o motivo para aplicação de sanção
disciplinar, se o fato comunicado por escrito ao acusado ou ao seu
responsável, se o aluno for menor, dando-se conhecimento dos motivos que
determinaram a conclusão adotada.
§ 7º - Se o processo concluir por ausência de culpa, as conclusões do
processo deverão ser afixadas no quadro de avisos, na Portaria da Unidade em
que estiver matriculado, no prazo de trinta dias a contar do término do
processo.
Art. 12 Das penalidades impostas pelo Diretor cabe recursos à
Congregação e das impostas Poe esta ou pelo Reitor cabe o recurso ao
Conselho Universitário.
CAPÍTULO III
Dos Corpos Técnicos e Administrativos
Art. 13 – Os membros dos Corpos Técnicos e Administrativo ficam sujeitos
ao regime disciplinar instituído pela legislação em vigor.
Art. 14 No âmbito da Unidade o Diretor promoverá a instauração do
processo administrativo para apurar responsabilidades de membros do Corpo
Técnico e do Corpo Administrativo, aplicando as penalidades de repreensão,
multa e suspensão até 30 (trinta) dias.
Parágrafo único As penalidades de suspensão por mais de trinta dias,
destituição da função, demissão ou dispensa serão aplicadas pelo Reitor.
Art. 15 No âmbito da Reitoria o processo administrativo será instaurado
pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços Gerais, para apurar responsabilidades
dos servidores ou empregados técnicos ou administrativos.
§ 1º - As penalidades de repreensão, multa e suspensão até 3 (trina) dias,
serão aplicadas pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços Gerais e as demais
penalidades pelo Reitor.
§ 2º - Das penalidades aplicadas pelo Sub-Reitor de Pessoal e Serviços
Gerais caberá recurso ao Reitor.
TÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 16 A jurisdição disciplinar do Reitor estende-se a todas as áreas da
Universidade, cabendo-lhe aplicar as penalidades previstas neste Código, que
não sejam privativas de órgãos colegiados.
Art. 17 Os casos omissos serão resolvidos pela Congregação ou órgão
equivalente da Unidade, pelo Conselho Universitário, conforme a área.
ANEXO VII
Listagem de alunos da FL suspensos por 15 dias:
1) Eliana Gomes de Oliveira;
2) Rose Denise de Matos;
3) Carlos Moraes Deane;
4) Tânia Maria Alkmim;
5) Maria José Passos Lima;
6) Armando Luís Pahl Campos Lopes;
7) Carlos Silveira Versiani dos Anjos Júnior;
8) Viena Lion Barros Soares;
9) Maria Alice Fernandes Martins;
10) Carlos Augusto Corrêa;
11) Maria Deolinda Amigo;
12) Antônio Monteiro Guimarães Filho;
13) Feliciana Maria Ferreira Pinto;
14) José Luís de Araújo Sabóia;
15) Marília Monteiro de Souza;
16) Afonso José Sena Cardoso;
17) Lúcia Tôrres Shibuya;
18) Sônia Maria Gomes Faria;
19) Sylvia Maria Gomes Faria;
20) Sônia Maria Vaz Motta;
21) Martha Maria Saavedra dos Anjos;
22) Emília Rosa Silveira Tortima;
23) Tereza Augusta Correia Lima Rebello;
24) Ebe Campista Guarino; e,
25) Tânia Jatobá de Matos Menezes.
ANEXO VIII
Lista de alunos da EBA que foram repreendidos em 1969:
1) Dulce González;
2) Déa Guimarães;
3) Paulo Roberto Ribeiro de Mattos;
4) Leni da Costa Teixeira;
5) Sônia Williams Marlene Netto;
6) Maria dos Remédios;
7) Sônia Simpson;
8) Maria Luiza Mathias Borba;
9) Sandra Noronha;
10) Paulo César Lamego;
11) Eliane Tinoco;
12) Judith Ferreira;
13) Neide Linhares Jurema Medeiros;
14) José Antônio Trigueiro;
15) Elvira Wanderley;
16) Ney Piá de Távora;
17) Eliete Machado;
18) Ana Maia das Neves Vidal;
19) Ronaldo Kumer;
20) Darvin Barbosa Silva; e,
21) Célio Barroso.
ANEXO IX
Listagem de alunos suspensos da Faculdade de Farmácia em 1970:
1) Ariam Gómez Barreto;
2) Nílton Antonio R. Maia;
3) Luiz Carlos Teixeira;
4) Paulo Roberto Pereira da Costa;
5) Roberto José de Oliveira Tavares;
6) Ana Lúcia Pessoa de Campos;
7) Heloísa Molinari;
8) Reginelena Ferreira da Silva;
9) Myriam Cezarie Jourdan;
10) Álvaro Pinheiro Guimarães Neto;
11) Maria Lúcia Viana;
12) José Domingos Tassi;
13) Maria Lúcia de Brito Morley;
14) Marieta Souza Granuzzo;
15) Cristina Serafim Tavares;
16) Sueli Baldi Palmeira;
17) Orestes Bencardino;
18) Frieda Catran;
19) Olímpio Pereira de Carvalho;
20) Nilton Guimarães;
21) Ângelo da Cunha Pinto;
22) Coca Rozenbaum;
23) Valmy Curvo Vieira de Souza;
24) Antonio Carlos M. de Morais;
25) Hygia Maria Nunes;
26) Elionae de Menezes Dantas;
27) Rogério Augusto Pinto Mattos;
28) Maria Pureza Nunes Duarte;
29) André Luís Gemal;
30) Laerth Macelaro Thomé;
31) Adolpho de Alencar Araripe Júnior;
32) Marco Antonio Moreira Santini;
33) Antonio Sousa Neto;
34) José Carlos Nunes de Moraes;
35) José Pedro Viana Voto;
36) Ana Lúcia Guambo Noriega; e,
37) Antonio Teodoro de Castro.
ANEXO X
CARTA DOS 15 FNFi AOS ESTUDANTES
Caro colega universitário!
Nós, os 15 abaixo-assinados dos quais 3 membros do Diretório
Acadêmico em vias de sermos expulsos da Faculdade Nacional de Filosofia,
por resolução do seu Diretor, professor Eremildo Luiz Viana, do dia 18 de
outubro, sentimo-nos no dever de nos dirigirmos a você, neste momento em
que tentam nos afastar da coletividade universitária da qual nós e você
fazemos parte.
Devemos prestar-lhe contas de nossos atos, porque o julgamento da
comunidade universitária e do povo é o que importa pra nós.
Que fizemos? Por que somos punidos?
Somos punidos porque havendo entre nós quinze, colegas de diversas
ideologias, estamos em unidade na direção de uma luta que há 80 dias emplga
os colegas de nossa Faculdade.
Este é o nosso crime maior: participar da direção da unidade dos
colegas, em luta por uma aspiração que pode dignificar nossa condição de
estudante e cidadão: participação dos alunos e professores catedráticos e não
catedráticos, no encaminhamento das eleições para a nova direção de nossa
Faculdade.
Pleiteamos que a nossa opinião seja levada em conta, que um programa
de gestão seja delineado, enfim, o que reunimos na palavra DIÁLOGO. Neste
diálogo que se ouvisse nossa voz pela reforma universitária, por uma Direção
que inserisse nossa Faculdade na aspiração geral dos estudantes e do povo,
pelas reformas de estrutura da sociedade brasileira.
A isto, um grupo de catedráticos, liderados pelo atual diretor, Sr.
Eremildo Luiz Viana, opôs e opõe uma resistência desesperada.
Defendendo as atuais estruturas universitária e social, ultrapassadas e
os privilégios delas decorrentes, temem a discussão, o confronto de idéias e a
participação da grande maioria que estuda e aspira a criar, que luta e deseja
contribuir para a melhoria do ensino, da cultura e da vida de nosso povo.
Contra essa intransigência senil dirigimos assim e disso nos
orgulhamos – uma greve valente de protesto, por dois dias, na qual derrotamos
as investidas da polícia, do Diretor e seus agentes da F.J.D infiltrados entre
nós.
Contra esse obscurantismo feudal participamos sim e por isso nos
consideramos honrados da ocupação pacífica do salão nobre da Faculdade,
transformando em símbolo de resistência medieval ao debate de grandes
questões do pensamento moderno: humanismo, existencialismo, marxismo,
cristianismo. Por único instrumento escadas e por única aspiração, no dizer do
poeta:
“Luz! Luz para o novo mundo!”
Nesta luta, temos sido parcela dirigente sim, mas de toda uma
coletividade unida, plenamente consciente e criadoramente participante.
Com a expulsão de nós quinze, pensam – que ilusão! – golpear a
liderança dos estudantes da Faculdade, intervir no Diretório Acadêmico e nos
Centros de Estudos, atemorizar os colegas e desta maneira, a partir da
Filosofia, reprimir e exemplar todo universitário, todo o Diretório, toda a
Faculdade, que ouse a erguer mais alto sua luta.
Mas não só isto, mas nem principalmente isto. De fato, por que toda esta
sanha, este ódio, estas tentativas de desmoralizar os rapazes e moças da
Filosofia, uma vez acusados de baderneiros, outra de “agitadores”, ainda outra
de participantes em bacanais ou de estudantes “profissionais”?
Por que se unem neste fogo concentrado contra a Filosofia, certa
Imprensa, onde nunca encontram eco as vozes estudantis quando clamam
pela reforma universitária; certos catedráticos e cúpulas universitárias anos
surdas aos nosso reclamos, e determinados políticos retrógrados, que quando
se lembram dos universitários brasileiros é para nos colocar no pelourinho,
juntamente com nossas entidades representativas?
É que a Filosofia tem uma importante experiência vivida e comprovada,
a partir do Diretório do colega Enylton Rego: a da UNIDADE PELAS
BASES.
Unidade através das turmas, dos cursos, dos centros de estudos, na luta
e convívio diários, em torno dos pequenos e grandes problemas. Unidade que
não surge de conchavos. Unidade que é a união de pessoas de diferentes
concepções filosóficas e religiosas em torno de princípios e perspectivas,
objetivos e meios, comuns: PELA REFORMA UNIVERSITÁRIA, PELAS
REFORMAS DE BASE, POR UM GOVERNO CAPAZ DE REALIZÁ-LAS.
A vida nos mostrou que a unidade é possível, que com a unidade nossa
força se multiplica, se luta melhor e só assim se alcança grandes vitórias!
Este processo de unidade pelas bases, germina e se desenvolve em
todo o movimento estudantil. No momento atual, na Filosofia ele adquire
grande amplitude, profundidade e consciência.
É esta consciência, este “mau exemplo” que agora se trata de sufocar,
de isolar do conjunto do movimento universitário. Daí, que se assista a este
fato insólito: um diretor de Faculdade, o Sr, Viana, não se contenta em
combater a unidade dentro de nossa Faculdade e intervém abertamente,
através de jornais na campanha eleitoral que ora se trava para a diretoria da
União Metropolitana dos Estudantes procurando acirrar divergências e dificultar
o caminho da unificação dos estudantes de todas as faculdades da Guanabara.
Isto é o que nos sentimos obrigados a lhe dizer, colega!
Esta é a nossa prestação de contas a você!
O que está em jogo são as nossas pessoas!
O que está em jogo não são interesses eleitorais momentâneos, neste
instante em que a campanha para a direção da UME proporciona, infelizmente,
uma divisão temporária das forças democráticas de nossa coletividade
estudantil. O que está em jogo são os interesses permanentes do movimento
estudantil.
O que se decide agora é:
Resguardaremos a autonomia das entidades estudantis ou vencerá a
intervenção nelas?
Fortalecer-se-á a unidade do movimento estudantil na Guanabara ou
prevalecerá a divisão?
Cultura ou obscurantismo?
Democracia ou opressão?
A decisão está com você, com seu Diretório Acadêmico, cm os colegas
de sua Faculdade, com todo o movimento estudantil.
SALVE A UNIDADE DO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO BRASILEIRO,
EM MARCHA PARA NOVAS VITÓRIAS!!!
Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1963.
Sérgio Salomé -1º ano de Ciências Sociais
Rachel Teixeira -1º ano de Letras
Amaury Cano -1º ano de Matemática
Wilson Barbosa -4º ano de História
Carlos Maurício Chaves -4º ano de Física
Adyr Moisés Luis -4º ano de Física
Fernando Bunchaft -4º ano de Física
Ieda Salles -3º ano de Filosofia
Flávio Silva -3º ano de Filosofia
Regina do Prado -3º ano de Filosofia
Victória Grabois -1º ano de Ciências Sociais
Elio Gaspari -1º ano de História
Elias Mansur -2º ano de Matemática
Paulo César Esteves -4º ano de Química
João Guilherme Vargas Neto -1º ano de Matemática.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo