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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FILOSOFIA E ARTE EM THEODOR W. ADORNO:
A CATEGORIA DE CONSTELAÇÃO
Eduardo Soares Neves Silva
Belo Horizonte
2006
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EDUARDO SOARES NEVES SILVA
FILOSOFIA E ARTE EM THEODOR W. ADORNO:
A CATEGORIA DE CONSTELAÇÃO
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Filosofia da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Filosofia.
Área de concentração: Estética e Filosofia da Arte
Orientador: Rodrigo Antonio de Paiva Duarte
Belo Horizonte
2006
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100
S586f
2006
Silva, Eduardo Soares Neves
Filosofia e arte em Theodor W. Adorno : a categoria de constelação
/ Eduardo Soares Neves Silva. - 2006.
201 f.
Orientador: Rodrigo Antonio de Paiva Duarte.
Tese (doutorado)- Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Adorno, Theodor W., 1903-1969. 2. Filosofia - Teses 3. Arte
Teses 4. Teoria crítica. I. Duarte, Rodrigo Antonio de Paiva II.
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas. III. Título
Para Dora
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Rodrigo Duarte, que se fez presente nas horas
importantes e, sobretudo, sempre manteve uma distância respeitosa, fundamento de
todo trabalho intelectual que se pretende exercício de autonomia.
Aos professores que integraram a Banca Examinadora da tese, pela atenção e
críticas.
Às agências de fomento CAPES e CNPq, pela concessão de bolsas em momentos
distintos desse longo percurso de formação. Aos funcionários do Departamento de
Filosofia da UFMG, em especial a Andréa Baumgratz, pela sempre gentil eficiência.
Aos professores Christoph Türcke, pela decisiva co-orientação deste trabalho
durante o estágio de pesquisa em Leipzig, e Gerhard Schweppenhäuser, pela
acolhida e o acesso à biblioteca em Weimar.
A Roger Behrens, pela amizade e diálogo.
Aos inúmeros professores.
Aos muitos alunos.
Aos vários colegas.
Aos poucos amigos.
Aos meus familiares.
Aos meus pais, por muito.
A Dora, pelo que não se mede.
Gedanken, die wahr sind,
müssen unablässig sich aus der Erfahrung der Sache erneuern,
die gleichwohl in ihnen sich erst bestimmt.
[...] Wahrheit ist werdende Konstellation
Pensamentos, os que são verdadeiros,
devem renovar-se incessantemente pela experiência da coisa,
a qual, não obstante, apenas neles se determina.
[...] Verdade é constelação em devir
Theodor W. Adorno
Observações sobre o pensamento filosófico, 1964
RESUMO
Esta tese demonstra que a categoria de constelação é a chave do que Adorno
denomina “modelos de pensamento” e, como tal, garante a fidelidade à sua utopia
do conhecimento. Com isso, enfrenta-se de modo fecundo dois problemas legados à
tradição de interpretação: o que diz respeito à sua atualidade e o que procura o nexo
entre arte e filosofia. Conclui-se que a constelação, como procedimento metódico e
princípio composicional, ilumina o nexo entre ambas e explicita o sentido da
atualidade de Adorno, ao conferir importância às noções de “diagnóstico do tempo”,
“negação determinada”, “momento dialético” e “composição”.
Palavras-chave: Theodor W. Adorno, constelação, dialética, composição.
ABSTRACT
This thesis states that the category of constellation is the key of what Adorno calls
“thought models” and, as such, guarantees the loyalty to his utopia of knowledge. In
doing so, it challenges in fruitful way two interpretation problems: the one that
questions its actuality and the other that looks for the connection between art and
philosophy. It concludes that the constellation, as methodical procedure and
compositional principle, illuminates the connection between both and elucidates the
meaning of Adorno’s actuality, by way of attesting the significance of the notions of
“time diagnosis”, “determinate negation”, “dialectical moment” and “composition”.
Key-words: Theodor W. Adorno, constellation, dialectics, composition.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11
1. SKOTEINOS OU COMO SE DEVE LER, MAIS UMA VEZ.......................... 13
1.1. A possibilidade do impossível........................................................................ 13
1.2. Pensamento: modo e modelo........................................................................ 38
1.2.1. Filosofia e arte, identidade e expressão .................................................. 44
1.3. Dialética negativa e análise modelar............................................................ 49
2. CONCEITOS E CATEGORIAS ......................................................................... 62
2.1. Procedimento como método .......................................................................... 62
2.2. Constelação: esboço de figura ...................................................................... 74
2.3. Constelação, análise modelar, utopia .......................................................... 83
2.3.1. Estetização ................................................................................................... 93
2.4. Entre arte e filosofia......................................................................................... 98
2.5. Antecipando a pergunta: por que o senhor voltou? ................................. 109
CONSIDERAÇÃO INTERMEDIÁRIA ..................................................................... 112
3. ENSEMBLE ........................................................................................................ 126
3.1. Música, história, verdade.............................................................................. 126
3.2. Entre música e filosofia................................................................................. 148
CONCLUSÃO............................................................................................................. 171
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 173
ANEXO A – QUADROS DE OCORRÊNCIAS ...................................................... 186
INTRODUÇÃO
O objetivo desta tese é mostrar que a idéia de constelação, presente na obra de
Adorno desde seus primórdios, torna-se paulatinamente a categoria que, na
pluralidade de seus modos, realiza os modelos de pensamento e consolida sua
utopia do conhecimento. Para tanto, mostraremos, na primeira parte da tese, que a
obra de Adorno se caracteriza pela oposição dialética entre momento e sistema,
corrigido por cada diagnóstico do tempo, o que implica em afirmar que a negação
determinada que governa seu anti-sistema não exprime apenas a contraposição
efetiva entre os momentos, mas também a necessidade de resistência à dissolução
de um no outro. Em seguida, mostraremos que se o modelo de pensamento é o
modo de sua filosofia, a constelação torna-se o seu meio, por força de sua face de
procedimento metódico. Feita essa passagem, enfrentaremos o problema da relação
entre arte e filosofia, para reencontrarmos a constelação, não mais como
procedimento, mas como princípio composicional. Em função dessa descoberta,
iremos intervir em alguns debates que se estendem da arte à filosofia, a partir de
algumas regras que se seguem como implicações da categoria de constelação.
Após essa primeira aproximação ao problema, indicaremos que o tratamento
constelatório do pensamento de Adorno revela que ele se configura como uma
unidade dialética apreendida nos seus três momentos: o da juventude, o maduro e o
tardio. A cada um desses momentos, negação determinada do momento anterior,
corresponderia um diagnóstico do tempo e o exercício de um modelo de
12
pensamento. Logo, é por via do tratamento constelatório desses momentos – a partir
do exame, justamente, da categoria de constelação que faremos a leitura da obra
de Adorno como um ensemble de análises modelares. Para que isso ocorra, será
preciso, contudo, verificar duas condições: por um lado, a categoria de constelação
precisa resguardar os diagnósticos e objetos, o que se verifica conforme sua
variação em função dos momentos; por outro lado, ela precisa estar presente em
todos os momentos para que seja possível acompanhar nela a composição das
análises modelares. A “Consideração intermediária” que faz a mediação entre as
duas partes da tese visa desenvolver essa questão.
Finalmente, na segunda parte da tese, faremos a composição de análises modelares
que partem da atenção às ocorrências da categoria de constelação na obra de
Adorno. Mais precisamente, acompanharemos a origem dessa categoria a partir da
recomposição dos debates musicais e filosóficos nos quais o jovem Adorno se
envolveu, para então, no cotejo entre seu projeto inacabado acerca do problema da
reprodução musical e sua primeira conferência filosófica, encontrar a primeira
formação plena da categoria de constelação, que confirma a possibilidade de leitura
empreendida nos passos anteriores.
1. SKOTEINOS OU COMO SE DEVE LER, MAIS UMA VEZ
1.1. A POSSIBILIDADE DO IMPOSSÍVEL
Por ocasião do centenário do nascimento de Theodor Wiesengrund Adorno, exatos
dois anos após os abalos de 11 de setembro, o meio acadêmico viu um sem-número
de comemorações trazer à tona um dos tópicos que balizam a interpretação de todo
autor em algum momento de sua herança teórica, o problema de sua atualidade.
Como os sinais vívidos da mais nova expressão do terror contribuíram para tornar
mais acirrada a fronteira do problema, talvez em nenhum momento da história
recente tenha estado tão claro o que diz (e o que cala) Adorno acerca do mundo: por
um lado, os que nunca duvidaram da atualidade de seu pensamento puderam
entrincheirar-se na obra a buscar elementos para a análise do que, por
solidariedade, não admite explicação; por outro lado, aqueles que legaram Adorno
ao passado puderam questionar em sua filosofia justamente a capacidade
explicativa, entenda-se, a possibilidade de engendrar ação sistêmica. Como sempre
ocorre em debates em que não clareza das premissas, as partes contribuíram,
cada uma a seu modo, para um diálogo de surdos. Ora acentuando negatividade,
ora acentuando resignação, o que se viu, sob esse aspecto, foi uma reedição do
vigoroso embate dos anos 80, aquele que opôs habermasianos e adornianos e
14
constituiu a referência central dos destinos da teoria crítica.
1
Ainda assim, e é
preciso que se diga, tal interpelação constituiu a exceção do que realmente se viu: a
mais profunda reverência, o mais profundo desprezo. A ambigüidade aparente da
última assertiva se deixa compreender quando reconhecemos o que significa
designar uma obra filosófica como clássica. Para tanto, vale acompanhar os passos
dados pelos organizadores de uma mostra de arte contemporânea que, ao buscar
um diálogo com a estética adorniana, recuperam uma definição cristalina: “segundo
Niklas Luhmann, autores se tornam clássicos quando seu potencial de diagnóstico
está exaurido e se trabalha ainda com suas teorias porque outros o estão
fazendo”.
2
À parte a crueldade da definição, cumpre verificar sua validade. Seria
Adorno um clássico? Ou ainda, seria Adorno um clássico nesses termos?
Claramente, a diferença entre essas duas perguntas recobre todo o debate que
mencionamos.
Um pouco à frente, no mesmo texto, encontramos mais alguns elementos para
entender o problema. Os autores argumentam que, por razões históricas,
profundamente articuladas ao estabelecimento do debate público na Europa do pós-
guerra, encontramos hoje na Alemanha “uma sociedade cuja filosofia oficial
designa propriamente a forma pragmática da teoria crítica, aquela relativa a uma
ética da responsabilidade, a de Habermas”.
3
De mais a mais, uma série de
1
Cf. FRIEDEBURG; HABERMAS (Orgs.), Adorno-Konferenz 1983, Suhrkamp, 1999; LÖBIG;
SCHWEPPENHÄUSER (Orgs.), Hamburger Adorno-Symposion, zu Klampen, 1984.
2
HIRSCH; MÜLLER, “Vorwort”, in SCHAFHAUSEN et al. (Orgs.), Adorno, Lukas & Sternberg, 2003,
p. 7. Todas as traduções são de nossa responsabilidade, salvo indicação de edições já estabelecidas;
note-se, porém, que também essas últimas podem vir modificadas sem aviso.
3
Ibid.
15
transformações devidas ao projeto artístico das neovanguardas, “que procuram
superar a distinção entre arte e vida” e “articular produção cultural e práxis em um
contexto político progressista”, acabaram por legar às análises de Adorno uma
posição periférica. A razão é clara: “nada poderia estar mais distante do autor da
Teoria estética que essa atribuição imediata de função e lugar”.
4
Em face dessas
considerações, os autores estabelecem aquela que seria a divisa tanto da mostra de
arte que organizaram, como dos ensaios que a acompanharam: se entendermos
que o gesto fundamental de Adorno é a recusa a toda forma falsa de reconciliação,
toda asserção de imediatidade, então “insistir na possibilidade do impossível contra
o pragmatismo e, acima de tudo, contra o realismo do presente seria o objetivo
enfático de todo trabalho contemporâneo com Adorno”.
5
Mesmo aventando uma
possível recusa da formulação do problema, o que se revela sumamente
interessante é a tomada de posição dos organizadores, teóricos e artistas envolvidos
no projeto: “advogamos, por isso, a causa de um trabalho imparcial com o
pensamento de Adorno, para além da ortodoxia estéril e para além do Zeitgeist
dominante que toma Adorno por superado”.
6
Assim, à pergunta “seria Adorno um clássico?”, os membros do projeto
responderiam: sim, mas não naqueles termos. Haveria, então, uma outra pergunta: o
que permite que um autor seja clássico, sem ser superado? Ou ainda, por que
justamente Adorno escaparia à definição dada por Luhmann, com a qual os
4
Ibid., p. 8.
5
Ibid., p. 9.
6
Ibid.
16
organizadores, no geral, concordam? A resposta que eles dão é evasiva, mas
aponta para uma questão crucial.
Na conclusão da apresentação, podemos ler:
Neste livro se encontra uma variedade de modos de trabalho com Adorno
[...]. Perceber-se-á a diferença, disparidade, até, entre as várias abordagens
do conteúdo da teoria de Adorno. O que isso significa é, por ora, pouco
claro. Contudo, formulada sob a perspectiva do presente, essa múltipla
releitura aponta para os fragmentos de um pensamento que preservou sua
radicalidade, mesmo na abstração de seu contexto histórico imediato.
7
A construção é preciosa. Em primeiro lugar, os autores afirmam a um tempo seu
contentamento e seu desconforto com os resultados obtidos, ao reconhecer que não
se afigura claro o modo privilegiado de se abordar o conteúdo da obra de Adorno.
Além disso, se a afirmação do fragmento parece remeter ao caráter anti-sistemático
de sua obra, o que reforça a impressão de que ela seria imune à refutação em bloco,
a insistência em marcar seu componente histórico parece funcionar como defesa
prévia a uma acusação de caducidade. Como se não bastasse, nessas poucas
linhas se verifica uma bamboleante apreciação do conjunto de ensaios: “variedade”,
“diferença”, “disparidade”, “várias abordagens”, “múltipla releitura”. O que é notável
nessa apreciação não é tanto sua variação, posto que os termos não são equívocos,
mas a ênfase implícita no direito de existência de todas as interpretações. Afora
esse critério de validação interpretativa discutível, ao qual retornaremos depois, o
que parece estar em pauta não é a defesa da atualidade do pensamento de Adorno,
mas a da possibilidade de sua atualização.
7
Ibid., p. 11.
17
Assim, se quiséssemos manter a definição de Luhmann, Adorno poderia ser um
autor clássico e atual se e somente se sua teoria pudesse manter-se a mesma ao
mesmo tempo em que se tornasse outra. Sinteticamente, duas possibilidades de
se entender essa última frase.
A primeira delas envolveria um abandono da lógica sentencial clássica e a afirmação
de alguma lógica polivalente que envolva a negação do princípio tertium non datur.
Embora haja um grande número de esforços envidados nesse sentido,
8
não nos
parece plausível recuperar um tema lógico contemporâneo para justificar a
atualidade de um autor. Isso seria, como diz o vulgo, “muita bala para pouco
passarinho”.
A segunda possibilidade de se definir a teoria de Adorno como algo que muda mas
permanece resulta de uma generalização do particular: confirma-se ou rejeita-se
toda a teoria de Adorno, mas o que está em xeque são seus elementos. Assim, a
atualização do que se supõe clássico se daria ou pela defesa de que algo
constitutivo da teoria permanece, embora seus desdobramentos tenham se alterado,
ou pela defesa de que a aplicação da teoria ainda é válida, embora seu princípio
geral tenha caducado. Ao que parece, em um sentido estrito, essa é a única
possibilidade de, com Luhmann, entender como uma teoria pode ser clássica sem
ter seu potencial de diagnóstico exaurido. Rigorosamente, Adorno estaria em um
estado indiviso: a meio passo de se tornar um clássico, permanece atual porque o
8
Cf. HAACK, Filosofia das lógicas, UNESP, 2002, p. 269-288.
18
trabalho com sua obra revela dimensões insuspeitas que lançam luz sobre o que
se julgava claro. Logo, a atualização de Adorno é, na verdade, sua descoberta.
É por essa razão que os autores do texto analisado ressalvam não saber o que
significa a disparidade entre as análises da obra. Se o que move o trabalho dos
estudiosos envolvidos no projeto em questão é uma releitura, o Adorno que emerge
não é um clássico sob nova roupagem, mas um Adorno diferente da “ortodoxia
estéril”, um outro autor, atual e indecifrável. E, como tal, indecidido.
Sob outra chave, que tem a propriedade de avançar questões intrínsecas que nos
serão caras à frente, a possibilidade de se entender essa peculiar atualidade de
Adorno através de uma compreensão dialética do problema. Como o termo
“dialética” é um dos mais ambíguos da história da filosofia, convém alguma
explicação; porém, como essa explicação poderia tomar centenas de páginas sem
que se chegasse ao ínfimo ponto que nos interessa, o mais indicado aqui é uma
exposição direta que faculte, então, o desdobramento de outras questões
implicadas. Assim, in media res, a teoria de Adorno teria se tornado atual uma vez
que deixou de ser mera abstração: contradita em alguns pontos, negando-se a si
própria no particular, sua teoria se mostra tanto mais concreta quanto mais se deixa
atualizar. Entretanto, mesmo sob essa compreensão, para que uma teoria qualquer
possa se tornar verdadeira à medida que revela seus momentos de inverdade, ela
deve satisfazer dois critérios: 1) não ser de todo contínua, caso contrário, a negação
do momento implicaria a negação do todo da teoria; 2) não ser de todo discreta,
caso contrário, a negação dos momentos isolados não diria nada sobre a verdade
do todo. Logo, o custo pago por tal teoria não é outro que a aceitação desse
equilíbrio instável. Seu limite é a precariedade da síntese, a aceitação de que todo
19
diagnóstico é provisório. Dito de outro modo: para que satisfaça os dois critérios, a
teoria deve se construir na mútua negação entre momento e sistema.
Agora podemos retomar a questão da atualidade de Adorno e redescrever seus
termos em uma forma condizente com os pressupostos teóricos acima esboçados.
Dizíamos que a atualização de Adorno corresponde à sua descoberta, que o
trabalho com sua obra revela elementos que contradizem a dóxa anteriormente
formada. Ora, esse esforço tanto alude à necessidade de se ratificar a morte
daquele Adorno clássico, que ortodoxamente vem sendo lido como pensador
sistemático,
9
como resgata a possibilidade de sua permanência através da atenção
ao momento e ao elemento negativo da teoria, o que necessariamente implica a
consideração de que na sua obra de a vigência de um princípio estruturante que
poderíamos chamar de “momento dialético”.
10
A aplicação desse termo de extração
hegeliana, que circunscreve a remissão de uma idéia a seu contrário, não é gratuita.
Na verdade, ele ao mesmo tempo ilumina um aspecto central do hegelianismo “em
suspensão” de Adorno e fornece a chave de compreensão do processo de
atualização que estamos descrevendo. Sucintamente, sua aplicação ao caso
envolve entender a atualização de uma teoria como negação de um de seus
momentos. Dito de outro modo: a atualidade de Adorno dependeria da aceitação do
limite de seu diagnóstico; a fidelidade à sua filosofia exige que a concreção histórica
perpasse a atividade de abstração.
9
Tanto a tradição que Adorno à maneira de um sistema, linha interpretativa hegemônica, como as
tradições que procuram outras abordagens da obra serão apresentadas logo à frente.
10
Cf. HEGEL, Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse, in Hauptwerke in
sechs Bänden, vol. 6, WBG, 1999, §81, p. 119.
20
Desse modo, o confronto com a realidade, ao invés de significar que o “potencial de
diagnóstico está exaurido”, pode implicar, dado o caráter dialético da obra de
Adorno, a necessidade de um novo diagnóstico do tempo que comporte uma
reordenação dos termos do problema o que nos remete a uma das idéias centrais
da teoria crítica, a saber, a pressuposição de um núcleo temporal da verdade. Essa
idéia, transformação de um motivo que se fazia presente no Trabalho das
passagens de Walter Benjamin,
11
encontra duas formulações lapidares na obra de
Adorno, que merecem uma leitura conjunta.
No primeiro dos Três estudos sobre Hegel, escrito em 1957 e publicado em 1963,
Adorno afirma:
A verdade, como processo, é um “percorrer de todos os momentos”
contraposto à “proposição isenta de contradição” e tem, como tal, um núcleo
temporal [Zeitkern]. Isso liquida aquela hipóstase da abstração e do
conceito que se iguala a si mesmo, que domina a filosofia tradicional.
12
Tal noção de verdade processual (que, aliás, Adorno atribui com ressalvas à filosofia
de Hegel)
13
ganha literalidade na nota para a nova edição alemã da Dialética do
11
Cf. BENJAMIN, Das Passagen-Werk, in Gesammelte Schriften, V.1, Suhrkamp, 2001, p. 578.
Abordaremos a relação entre Adorno e Benjamin no Capítulo 3. Por ora, observe-se que o esboço do
Trabalho das Passagens era conhecido de Adorno desde 1929, especialmente o trecho conhecido
como “Pariser Passagen II”, Gesammelte Schriften, V.2, p. 1044-1059. Acerca dessa questão, vale
ainda ressaltar a correção da análise de Nobre, que sustenta que esse primeiro esboço do Trabalho
das passagens, ao lado do ensaio de Benjamin sobre As afinidades eletivas de Goethe e o livro
Origem do drama barroco alemão, marca a base da aproximação teórica entre Adorno e Benjamin e
gera um debate que ilumina a obra tardia de Adorno (NOBRE, A dialética negativa de Theodor W.
Adorno, Iluminuras, 1998, p. 60-63). O que mostraremos é que a reconstrução desse problema, a
partir da visada que iremos propor, é também a chave para compreensão do sentido da filosofia de
Adorno e explicita o que chamamos de “diagnóstico do tempo”.
12
ADORNO, Drei Studien zu Hegel, in Gesammelte Schriften (doravante GS, seguido do volume e
página), vol. 5, Suhrkamp, 1997, p. 284. Aspas no original.
13
Cf. ibid., p. 285.
21
esclarecimento, escrita por ele e Horkheimer, em abril de 1969: “Não nos agarramos
sem modificações a tudo o que está dito no livro. Isso seria incompatível com uma
teoria que atribui à verdade um núcleo temporal, em vez de opô-la ao movimento
histórico como algo de imutável”.
14
Como entender essas passagens? Como dizer o que é uma teoria que pressupõe
que a noção de verdade seja refratária à idéia de permanência? Ou: como expor
uma teoria que pretende manter acesa a possibilidade de conciliar verdade e
história? A resposta a isso não será dada agora, mas podemos começar dizendo
o que não é tal teoria.
Adorno não pretende com a noção de “núcleo temporal da verdade” nem afirmar um
relativismo destemperado, nem apostar em um princípio historicista de evolução
linear do conceito de verdade. Isto é, não se trata nem de negar a realidade em
estado bruto, traço irredutível que sobrevive a qualquer devaneio teórico, nem de
conceder à passagem do tempo uma propriedade que ela, por si mesma, não pode
ter e que é aduzida pela atividade racional. Ainda que se possa sustentar uma
abdicação não-enfática do princípio de adaequatio,
15
certamente não se cogita
rejeitar por completo, ao modo do anti-representacionalismo contemporâneo, as
noções de correspondência, fato e representação.
16
Porém, tomadas as devidas
14
HORKHEIMER; ADORNO, “Zur Neuausgabe”, Dialektik der Aufklärung, GS 3, p. 9; trad., “Sobre a
nova edição alemã”, Dialética do esclarecimento, Zahar, 1986, p. 9.
15
Cf. Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 283.
16
Cf. RORTY, “Anti-representacionalismo, etnocentrismo e liberalismo”, in Objetivismo, relativismo e
verdade, Relume-Dumará, 1997, p. 13-33. Há ainda muito a ser dito acerca da posição de Adorno em
relação ao debate contemporâneo que envolve o neopragmatismo e a filosofia analítica, mas isso
escaparia aos propósitos desta tese. Vale apontar, entretanto, que o esforço de Adorno em garantir à
22
precauções, cada uma dessas posições informa um pouco a situação específica de
Adorno em relação às correntes de que é herdeiro.
Em primeiro lugar, embora não fosse relativista nem duvidasse quixotescamente do
que lhe saltava aos olhos, Adorno nutriu durante toda a vida uma suspeição irritada
tanto em relação às teorias que ignoravam a natureza dialética do pensar e
confundiam o conceituado com o conceito, como em relação às hipóteses que
contrariavam o limite dado pela crítica kantiana e julgavam encontrar em um caso
singular a verdade redentora. Em segundo lugar, embora não entendesse que a
cada época corresponde uma verdade provisória posta em linha evolutiva ao modo
de uma revelação, Adorno manteve como horizonte analítico tanto a imbricação
hegeliana entre pensamento e realidade, corrigida pela sua própria tese da não-
identidade entre saber e objeto (do saber), como a correção feita por Marx dos
termos daquela imbricação, sintetizada na fórmula da “primazia do objeto”.
17
E em
terceiro lugar, embora Adorno não tenha abandonado a tradição filosófica clássica e
se refugiado em uma tarefa analítica, nem tenha feito, em termos habermasianos, a
transição do paradigma da filosofia da consciência para o da linguagem, o núcleo
estético de seu pensamento anuncia cada uma dessas frentes de trabalho teórico.
18
idéia de verdade a abertura para o que escapa à possibilidade de nomeação significa bem mais que
uma crítica à noção clássica de representação, apontando para uma idéia da filosofia como crítica da
atividade conceitual, o que o aproxima, malgré tout, de Wittgenstein. Cf. também DEMMERLING,
Sprache und Verdinglichung, Suhrkamp, 1994, p. 130-139.
17
A análise da primazia do objeto [Vorrang des Objekts] e o conseqüente impacto no método dialético
e no materialismo de Adorno ocupam a segunda parte da Dialética negativa (Negative Dialektik, GS
6, p. 194-207). Apresentaremos alguns elementos dessa questão ainda neste Capítulo.
18
Sobre o embate entre Habermas e Adorno ver SILVA, “Mímesis e forma”, in DUARTE et al. (Orgs.),
Theoria Aesthetica, Escritos, 2005.
23
Em função do modo de exposição aqui escolhido, mal chegamos à soleira da obra
de Adorno e podemos inferir muitos de seus predicados. Desde se pode notar,
por exemplo, que essas sucessivas aproximações e distanciamentos em relação às
demais teorias que compõem seu espectro de problemas marcam de modo evidente
sua obra. Mais ainda, como se sugere desde o início, também nos parece que a
relação de Adorno para com suas próprias análises pode (e deve) ser vista segundo
um princípio dialético de reconstrução. Em face do que foi exposto, a sustentação do
argumento exige que voltemos nossa atenção para o exame das nuances
interpretativas que envolvem a pergunta sobre a unidade de sua obra.
Seria impossível relacionar todas as menções a esse problema da unidade ou
indicar todos os diagnósticos da questão, uma vez que não é fácil lembrar nem ao
menos um caso em que tal questão não seja tratada ou pressuposta. Porém, mesmo
um mapeamento sucinto desse ponto indicaria como posição prototípica a que
enfatiza a continuidade da obra, ancorada em algumas referências que se tornaram
chave de leitura e, assim, compuseram a tradição interpretativa dominante. No caso,
são significativos os trabalhos de Tiedemann (1973),
19
Jimenez (1973),
20
Jay (1973
e 1984),
21
Habermas (1981 e 1985),
22
Wellmer (1985)
23
e Wiggershaus (1986).
24
Por
19
Trata-se do editor das obras de Adorno. Sua compreensão dessa questão – que constitui a base da
posição prototípica que poderíamos chamar de uma hermenêutica da continuidade – pode ser lida em
sua nota ao primeiro volume da edição: “Editorische Nachbemerkung”, GS 1, p. 379-384.
20
Cf. Para ler Adorno, F. Alves, 1977, p. 45 e 59-60.
21
Cf. La imaginación dialéctica, Taurus, 1974, p. 121-122; Adorno, Harvard, 1984, p. 57.
22
Cf. Theorie des kommunikativen Handelns, vol. 1, Suhrkamp, 2001, p. 515-516; Der philosophische
Diskurs der Moderne, Suhrkamp, 1998, p. 144-145.
24
motivos diversos, esses trabalhos geraram uma caudalosa produção secundária que
contribuiu, entre erros e acertos, para estabelecer como hegemônica a tese de que,
nos termos de Jay, “não nenhum problema ‘jovem-maduro’ que seja significativo
para os estudos de Adorno”.
25
Contribuíram igualmente para essa orientação um grande número de estudos hoje
periféricos – que procuravam encaixar Adorno em dois construtos teóricos: a “Escola
de Frankfurt” e o “Marxismo Ocidental”. Esses estudos, em sua maioria, cumpriam
duas funções: ou eram “estudos de ocasião”, isto é, procuravam situar Adorno em
relação a correntes filosóficas ou problemas teóricos candentes, ou eram rematadas
simplificações, aliás, bem ao gosto do que, paradoxalmente, ganhava relevo nessas
leituras, a indústria cultural. Se essas leituras simplificadoras não nos deram senão
dores de cabeça, o mesmo não se pode dizer dos chamados “estudos de ocasião”.
Na verdade, é possível dizer o seguinte: se as simplificações tentavam aplainar as
diferenças constitutivas da obra de Adorno e fracassaram justamente por tentá-lo, os
“estudos de ocasião” que tentaram enquadrar Adorno na “Escola de Frankfurt” e no
“Marxismo Ocidental”, na medida em que fracassaram, obtiveram sucesso.
Examinemos brevemente o sentido desses estudos.
Embora haja consenso entre os especialistas acerca de sua impropriedade, o termo
“Escola de Frankfurt” vale mais que um pé de página. Ao que tudo indica, embora tal
23
Cf. “Adorno, Anwalt des Nicht-Identischen”, in Zur Dialektik von Moderne und Postmoderne,
Suhrkamp, 2000, p. 139.
24
Cf. L’École de Francfort, PUF, 1993, p. 584-585.
25
JAY, Adorno, p. 57.
25
designação se refira à origem, ela se forma na recepção de meia dúzia de
contribuições de alguns membros do Instituto de Pesquisa Social, entre eles Adorno,
Horkheimer e Marcuse, então exilados nos Estados Unidos da América. Assim,
tratar-se-ia de uma designação post-mortem que visava mais introduzir esses
autores no ambiente intelectual norte-americano do que dar conta da orientação
original do Instituto, que justamente insistia na necessidade de se fazer teoria em
meio às divergências de posições, portanto, de maneira não-escolástica. Nesse
contexto de recepção, um elemento é central: o movimento estudantil, tanto na
Europa, quanto nos Estados Unidos.
26
Se por um lado o movimento estudantil
europeu é responsável por tirar conseqüências práticas da obra de Adorno e
Horkheimer, em perspectiva contrária aos próprios autores,
27
revitalizando nesse
passo dúbio seu legado, por outro lado o movimento norte-americano é que
definitivamente reorganiza a herança do Instituto e põe Marcuse em primeiro plano,
mudando o espectro de forças original. Logo, a conjunção desses dois movimentos
não apenas criou a legenda fantasiosa “Escola de Frankfurt”, como garantiu aos
teóricos a saída de um relativo ostracismo na Europa, para onde muitos voltaram
depois da guerra, possibilitando, assim, a sobrevivência de uma tradição.
26
Na vasta bibliografia sobre o tema, um estudo é central: KRAUSHAAR, Frankfurter Schule und
Studentenbewegung, Zweitausendeins, 1998. Sobre o papel intelectual dos membros do Instituto
emigrados nos Estados Unidos, cf. JAY, Permanent exiles, Parte 1, Columbia, 1985, p. 3-137.
27
Uma ressalva deve ser feita a esse respeito: a posição pública de Adorno em relação ao “salto para
a prática” realizado pelos estudantes de Frankfurt pode ser matizada pela sua apreciação privada da
dívida teórica que alguns de seus melhores alunos, ativistas, afirmavam ter para com ele. Tal posição
ambígua – que mescla o rigor teórico na rejeição ao engajamento e o ingênuo contentamento consigo
mesmo cai por terra a partir dos episódios da prisão de Hans-Jürgen Krahl e da invasão de sua
aula pelas estudantes seminuas. Cf. LÜDKE, “Über Beckett hinaus”, in FRÜCHTL; CALLONI (Orgs.),
Geist gegen den Zeitgeist, Suhrkamp, 1991, p. 194-195.
26
A mesma ambigüidade pode ser lida na relação de Adorno com o “Marxismo
Ocidental”. Não apenas sua compreensão do sentido do materialismo em geral e da
obra de Marx em particular é bastante idiossincrática, para dizer o mínimo, como seu
diálogo com outros protagonistas da legenda “Marxismo Ocidental” é feito de muita
apropriação secreta e afastamento voluntário. Parte dessas sutilezas de convívio
será examinada mais à frente, mas o resultado imediato pode ser dito: a
necessidade de recompor a relação de Adorno com o marxismo é irmã de seu
esforço pessoal em repensar suas análises à luz das transformações efetivamente
dadas na sociedade e, nesse sentido, ilumina de modo claro uma herança deixada
por Marx, a saber, a ênfase no que acima denominamos diagnóstico do tempo.
Assim, se a aproximação de Adorno com Marx e seus epígonos não é fácil, isso se
porque ele compreendeu como poucos a necessidade da teoria não se fazer
doutrina, o que, mais uma vez, testemunha sua filiação dialética a Marx e ao
materialismo. Essa seria a inesperada lição dos melhores estudos sobre Adorno e o
“Marxismo Ocidental” e lança a base para a compreensão dos modelos teóricos que
vão de Horkheimer (ou mesmo Marx)
28
até Habermas.
29
Seja como for, voltando ao tema da unidade da obra de Adorno, a ênfase transversal
desses “estudos de ocasião”, sem espaço para tratar dos meandros da análise,
acaba favorecendo a tese da continuidade de sua obra, com um agravante: de modo
geral, tanto os textos que trabalham o tema “Escola de Frankfurt”, quanto os que
28
Cf. BOLTE, Von Marx bis Horkheimer, WBG, 1995, p. 31-32.
29
Muitos textos estão pressupostos nessa passagem e sua compreensão plena depende de análises
que nos afastariam do percurso da tese, o que não queremos. Porém, como indicação da importância
dessa discussão, devemos nos remeter à reconstrução da teoria crítica realizada por Habermas na
Teoria da ação comunicativa. Cf. HABERMAS, Theorie des kommunikativen..., vol. 1, p. 453-534.
27
investigam o “Marxismo Ocidental”, tendem a ler sua obra sob o prisma da Dialética
do esclarecimento, uma vez que, além de ser o título que mais destaque obteve, é
precisamente aquele em que o débito para com ambas as legendas aparece de
modo mais claro. E aqui encontramos uma especificação do problema da unidade
da obra. Quase todos os estudos que fomentam a tradição predominante de
interpretação, acima mencionados, não apenas insistem na continuidade da obra de
Adorno, como reforçam a impressão de que essa continuidade se em torno da
Dialética do esclarecimento.
Tal linha interpretativa – chamada de “paradigma da Dialética do esclarecimento” por
Nobre
30
– traz a reboque uma série de outras pressuposições que, segundo o
princípio que orienta esta tese, o de que a obra de Adorno deve ser entendida
segundo a oposição dialética entre momento e sistema, corrigido pelos sucessivos
diagnósticos do tempo, não são isentas de simplificações e erros. Não ajuda em
nada transferir tal centralidade para outro texto, como procura fazer Jimenez e, em
certa medida, Gómez em relação à Teoria estética (1970).
31
Também nesse caso,
uma vez escolhido o texto que servirá de apoio para a leitura, passa a vigorar o
critério da continuidade. De qualquer modo, embora os limites dessa tradição
30
NOBRE, A dialética negativa…, p. 15. Cf. também DUARTE, Mímesis e racionalidade, Loyola,
1993, p. 13-17.
31
Cf. JIMENEZ, Para ler Adorno, passim; GÓMEZ, El pensamiento estético de Theodor W. Adorno,
Cátedra, 1998, p. 11-21, 46-47 e 151-159. A leitura de Jimenez é uma boa introdução a alguns
aspectos da Teoria estética, mas não consegue sair da camisa-de-força da atribuição de uma teoria
sistemática a Adorno. O texto de Gómez, ao contrário, embora tenda a aplainar as diferenças ao
sugerir uma chave de leitura da obra de Adorno fundamentada em uma “virada estética”, que teria
início com o ensaio sobre Kierkegaard (1929) e se manteria relativamente estável até seus últimos
textos, nos fornece um material muito importante à medida que salienta a vinculação entre projetos
do jovem Adorno e sua solução tardia, chave de leitura que informa parte das nossas análises.
28
interpretativa possam ser vistos à luz de alguns elementos que ainda não
apresentamos, é possível antecipar que tais estudos tendem erroneamente a
desconsiderar o elemento de negatividade que perpassa a obra de Adorno, além de
nutrirem um inconfessável amor secreto pela simplicidade da resolução, que levaria
os diagnósticos, paradoxos e fragmentos à rigidez do sistema.
Não é contra outra arbitrariedade que se ergue outra linha de estudos que, na exata
contramão da ênfase na continuidade, procuram atestar a ruptura na obra de
Adorno, como o de Thyen (1989).
32
Em geral, tais trabalhos procuram marcar a
distância entre a Dialética do esclarecimento (1947) e a Dialética negativa (1966),
tendo como adversário imediato não os proponentes da tese da continuidade, mas
um em particular: Habermas. O que move essa tradição não é apenas expor as
diferenças qualitativas ou fases do pensamento de Adorno, mas responder à
acusação habermasiana da falência do programa teórico representado pela Dialética
do esclarecimento que, segundo Habermas, pode ser estendido aos demais textos
da primeira geração de teóricos críticos. Essa multifacetada discussão gerou uma
torrente de trabalhos interessantes, encabeçados pelo debate entre Türcke, Kalász e
Schiller,
33
que se definiu como uma resposta à conferência de 1983, a qual, por sua
vez, tinha gerado justamente a hermenêutica da continuidade. Outros estudos
seguiram a trilha aberta por Thyen e procuraram na seqüência construir uma
resposta ao diagnóstico de Habermas e, assim, apontar os limites da reconstrução
32
Cf. Negative Dialektik und Erfahrung, Suhrkamp, 1989, p. 157-158.
33
Cf. TÜRCKE et al., “Kritik der Frankfurter Adorno-Konferenz 1983”, in LÖBIG;
SCHWEPPENHÄUSER (Orgs.), Hamburger Adorno-Symposion, p. 148-169. Cf. também a
apresentação da crítica habermasiana por SCHILLER, “Habermas und die Kritische Theorie”, in
BOLTE (Org.), Unkritische Theorie, zu Klampen, 1989, p. 101-121.
29
proposta
34
ou, ainda, propor uma revisão de certos aspectos desse diagnóstico.
35
Entre idas e vindas, esse debate e, por extensão, a tradição que procura salientar as
rupturas no pensamento de Adorno trazem para o primeiro plano da discussão algo
que está um pouco mais próximo do princípio que organiza esta tese do que aquela
afirmação inconseqüente da continuidade. Nomeadamente, essa tradição
interpretativa tem por referência os diferentes modelos de teoria crítica.
36
Não é esse o lugar de nos situarmos em relação ao debate entre adornianos e
habermasianos.
37
Que seja dito de imediato, contudo, que a perspectiva aqui
adotada aceita o enquadramento proposto pelo diagnóstico de Habermas
justamente por entender que a teoria crítica se organiza em modelos que se
constroem segundo diagnósticos do tempo. Nos termos aventados, a mera
pressuposição de um núcleo temporal da verdade exige a compreensão de que é
possível à teoria crítica sobreviver à medida que, atenta ao concreto, faça a negação
de seus momentos. No entanto, como contraponto à démarche habermasiana,
devemos afirmar que, em vista do caráter anti-sistemático da obra de Adorno, que
apenas começamos a expor, não nos parece possível descartar em bloco todos os
seus possíveis desdobramentos.
34
Cf. SCHWEPPENHÄUSER, “Die rividierte Kritische Theorie”, Leviathan, vol. 13, n. 4, 1985, p. 595-
598; BERNSTEIN, “Art against enlightenment”, in BENJAMIN (Ed.), The problems of modernity,
Routledge, 1992; RADEMACHER, Versöhnung oder Verständigung, zu Klampen, 1993, p. 103-106;
DUARTE, “Expressão como fundamentação”, in Adornos, UFMG, 1997, esp. p. 168-183.
35
Cf. BARBOSA, Dialética da reconciliação, Uapê, 1996, p. 137-148; FINLAYSON, “The theory of
ideology and the ideology of theory”, Historical Materialism, vol. 11, n. 2, 2003, p. 165-187.
36
Devo a expressão “modelos de teoria crítica” ao trabalho de BOLTE, Von Marx bis..., p. 31-63. Cf.
também NOBRE, A teoria crítica, Zahar, 2004, p. 47-60.
37
Para tanto, voltamos a nos remeter a SILVA, “Mímesis e forma”, passim.
30
Com essa tomada de posição, passemos à apreciação da terceira linha
interpretativa da obra de Adorno, aquela que, atenta aos matizes na sua obra,
começou recentemente a tirar as conseqüências mais notáveis da problematização
da tradição hegemônica. O primeiro estudo sistemático que lê Adorno segundo
critérios outros que o da continuidade e o da ruptura parece ser o de Buck-Morss
(1977),
38
que entende sua obra como resultado do desenvolvimento de hipóteses
primitivas. Na esteira desse trabalho, encontramos uma série de comentários que
procuram ler Adorno segundo a orientação de que é possível acompanhar os
sucessivos momentos de sua obra, sem que isso signifique tomar uma determinada
fase ou período como chave-mestra. Assim, se por um lado esses trabalhos são
também herdeiros de uma abordagem inaugurada por Petazzi (1977),
39
que mostra
como as marcas do trabalho tardio de Adorno podem ser encontradas na sua
muito particular aproximação da obra de Marx e Hegel, por outro lado não descuram
da análise de Buck-Morss que, muito embora se aproxime da abordagem de
Petazzi, enfatiza a busca do jovem Adorno por um modo de pensamento que
permita dar conta de um problema que não não estava claro no início como
sofreu transformações ao longo do caminho, um modo, diga-se de passagem, que
ele vai encontrar em Benjamin.
40
38
Cf. The origin of negative dialectics, Free Press, 1979, p. 64-69.
39
PETAZZI, “Studien zu Leben und Werk Adornos bis 1933”, in ARNOLD (Org.), Theodor W. Adorno,
Text + Kritik, 1977, p. 22-43.
40
Cf. BUCK-MORSS, The origin of…, p. 122-163; ZUIDERVAART, Adorno’s aesthetic theory, MIT,
1991, p. 5-10, 28-43; NOBRE, A dialética negativa…, p. 59-101. Voltaremos a isso no Capítulo 3.
31
A intuição que deu origem a esta tese nos aproxima do horizonte interpretativo
representado por essa última tradição. O que nos parece fundamental na obra de
Adorno é que a leitura de seus textos, particularmente daqueles perenemente à
margem da interpretação canônica, revela um amálgama de pequenas obsessões e
repetidos desvios. Não dúvida que é possível encontrar uma abundante coleção
de argumentos, imagens, termos e referências a se repetir em textos diversos, o que
faz saltar aos olhos uma unidade inegável. Acresce a isso que a reiterada
uniformidade estilística
41
a artificialidade na construção de frases, a abundância de
parataxes, elipses e quiasmos, a insurgência repentina de conceitos se pensada
conjuntamente com a dependência radical entre conteúdo e modo de exposição,
desdobrada por Adorno de modo decisivo ao longo de sua produção intelectual,
reforça a impressão da mais pacífica continuidade. No entanto, um olhar atento ao
detalhe, ao contexto específico, mostra que os materiais de que se faz a teoria, os
conceitos, nunca recebem uma definição que não seja sujeita a correções não
nomeadas, mas presentes se é que alguma vez chegam a receber definições no
sentido rigoroso do termo. No mais das vezes, o que observamos ao acompanhar
um conceito é um esboço de definição que, ao longo de um mesmo texto, vai sendo
nublada, deixada de lado, negada e reconstruída, em um processo tão persistente
41
A primeira análise conseqüente da questão do estilo de Adorno pode ser encontrada em ROSE,
The melancholy science, Macmillan, 1978, p. 11-26. Cf. também o artigo que antecedeu a publicação
do livro e que apresenta sinteticamente sua posição: ROSE, “How is Critical Theory possible”, Political
Studies, vol . XXIV, n. 1, 1976, p. 69-85. A mais completa apresentação da questão por Adorno está
em “Der Essay als Form”, GS 11, p. 9-33; trad., “O ensaio como forma”, in Theodor W. Adorno, Ática,
1994, p. 167-187.
32
quanto subcutâneo. Ao fim e ao cabo, apenas na composição do texto é possível
perceber aquela coerência que escapa à análise isolada do detalhe.
42
Por essa razão, ao passarmos os olhos pela literatura secundária sobre Adorno,
encontramos raros estudos que se constroem como análise de um conceito, algo tão
comum com outros autores. Em contrapartida, é comum o estudo da relação entre
Adorno e seu espectro de influências ou a análise de algo que, na falta de palavra
mais apropriada, poderíamos chamar de motivo. Isto é, uma vez que carece tanto a
estrita estabilidade dos conceitos como sua definição em viés analítico, a tradição
interpretativa é constrangida a rever a expectativa de compreensão de uma teoria
através da atividade de decomposição do todo em partes elementares, e busca
nos melhores, mais profícuos casos iluminar a obra através de uma atividade que
conjuga os esforços de atenção ao detalhe e vislumbre do todo, uma tarefa que,
como foi dito, implica em pensar a teoria a partir da mútua negação entre
momento e sistema, a partir de sua oposição recíproca. Frente a essa exigência, a
análise de um motivo que conjugue um elemento organizador da teoria a um de
seus conceitos tornou-se modo privilegiado de interpretação, uma vez que nele o
princípio de composição da obra se mostra de modo claro e restrito.
Todos esses aspectos somados, ou seja, a se levar em conta o parentesco entre
motivo e composição, o acordo não-linear entre momento e sistema, os
42
Em termos musicais, o processo acima descrito se assemelha à idéia de modelo que Adorno
reconhece e elogia em Schönberg: “aquele que, como compositor, conduz o subcutâneo para fora,
encontrou e transmitiu um modo de exposição [Darstellungsweise] no qual essa estrutura subcutânea
torna-se visível, no qual a execução torna-se realização integral da coerência musical” (“Arnold
Schönberg (1874-1951)”, GS 10.1, p. 172; trad., “Arnold Schönberg (1874-1951)”, in Prismas, Ática,
1998, p. 165). Voltaremos a examinar os modelos na próxima Seção e no Capítulo 2.
33
deslizamentos por que passam os conceitos e ainda a ênfase nas noções de
diagnóstico do tempo e núcleo temporal da verdade, não como afirmar
categoricamente a prevalência de um dos pólos, continuidade ou ruptura. Somada à
impressão de unidade, que não obstante persiste, o que se forma é algo como
coerência em fragmentos.
Se a última expressão causa estranhamento não é porque pretendemos revelar um
autor amante dos paradoxos. Tampouco seria correto atribuir a instabilidade dos
conceitos em sua atividade teórica a uma carência de capacidade lógico-
argumentativa. Como se verá, o que realmente alinhava cada uma dessas
características constitui o mais íntimo projeto intelectual de Adorno, projeto que
circunscreve a busca de um modo de pensamento capaz de acolher e dar expressão
ao que se deixa entrever na passagem seguinte:
Nos debates estéticos recentes se fala de antidrama e anti-herói, assim
também a dialética negativa que se mantém afastada de todos os temas
estéticos poderia se chamar anti-sistema [Antisystem]. Com os meios da
conseqüência lógica, ela tenta substituir o princípio de unidade e o domínio
universal do conceito de ordem superior [übergeordneten Begriffs] pela idéia
daquilo que estaria fora do sortilégio [Banns] de tal unidade.
43
vários problemas a se compreender nessas poucas linhas. Pode-se, por
exemplo, perguntar por que a dialética negativa se afasta de todos os temas
estéticos, o que, aliás, não deixaria de ter um impacto sobre a tradição, uma vez que
parte considerável da literatura secundária procura esclarecer essa relação. Pode-se
procurar entender como é possível que a conseqüência lógica atue contra o princípio
de unidade e o domínio do conceito, o que é agravado pelo fato do pensamento de
43
Negative Dialektik, GS 6, p. 10.
34
Adorno ser fundamentalmente erguido ao largo dos conceitos rigidamente definidos.
Pode-se questionar o sentido de atribuir a algo do âmbito da lógica um sentido que
lhe é avesso, o de encanto. Alguns desses problemas receberão, oportunamente, a
atenção que os esclarece. De imediato, procuremos entender o que poderia
significar “anti-sistema”.
A primeira observação a se fazer é que, afora as formas derivadas, essa é a única
ocorrência do termo “anti-sistema” em toda a obra de Adorno publicada em vida.
44
O
notável aqui, insista-se, não é o fato de ser uma ocorrência rara, mas de ser única. O
que se pergunta, então, é porque esse termo, de todo apropriado ao que estamos
chamando de mútua negação entre momento e sistema, não se constituiu como
tema principal da filosofia de Adorno, ao modo do que o termo “sistema” representou
para o idealismo em geral, ou “crítica”, para Kant, ou “absoluto”, para Hegel. A
resposta ladina seria: por isso mesmo. A resposta adequada parte da atenção ao
que, na passagem citada, aparece como o que é visado pela dialética negativa
entendida como anti-sistema: chegar à idéia de algo que estaria fora da unidade
dada pelo conceito.
Antes mesmo de se pensar o que poderia estar além do conceito, teríamos que
aceitar dois passos implícitos na formulação acima: em primeiro lugar, não
identidade entre o que se pensa o conceituado, o objeto do saber e o que é
resultado do pensar o conceito, o saber –, caso contrário Adorno não poderia
44
Como se tornará claro, o levantamento de ocorrências de termos em toda a obra, tarefa tão árdua
quanto necessária, constitui um dos elementos-chave na metodologia adotada nesta tese. Cf. a
“Consideração Intermediária”, à frente.
35
sugerir que a dialética negativa visaria algo além do conceito; em segundo lugar,
qualificando o passo anterior, embora o conceito procure dar unidade àquilo ao qual
ele se dirige, algo escapa ao seu encanto. Ora, se não identidade entre saber e
objeto, se é possível dizer que algo não-conceitual em relação ao qual o conceito
mostra sua insuficiência, e se o anti-sistema da dialética negativa procura chegar à
idéia disso, logo se entende por que a resposta ladina não deixou de ser verdadeira:
em uma cartada, a filosofia de Adorno põe-se substantivamente distante daquelas
filosofias mencionadas, ainda que delas não se afaste a ponto de perder de vista
suas categorias.
45
Essa primeira aproximação ao que chamamos de mais íntimo projeto intelectual de
Adorno nos leva a outra passagem da Dialética negativa que, por seu turno, nos
conduzirá às portas do problema que enfrentaremos neste trabalho:
Uma confiança, como sempre questionável, de que seja sim possível à
filosofia que o conceito possa ultrapassar o conceito, que prepara e isola, e
através disso alcançar o sem-conceito [Begriffslose] é imprescindível à
filosofia e, com isso, também algo da ingenuidade de que ela sofre. Senão
ela está obrigada a capitular e com ela todo o espírito. Nem a mais simples
operação se deixaria pensar, não haveria nenhuma verdade, de modo
enfático tudo seria apenas nada. Mas o que na verdade é encontrado pelos
conceitos, para além de sua extensão abstrata, não pode ter outro cenário
que não o do que é oprimido [Unterdrückte], desprezado [Mißachtete],
45
Em face do que foi exposto, é possível compreender o que está implicado na questão da
primazia do objeto. Embora uma apresentação completa do problema exigisse bem mais do que uma
nota, aqui podemos sugerir uma apreciação que nos parece correta e atinge precisamente o ponto
que nos interessa: “O objeto tem primazia porque, em seu ser-outro [Anderssein], como algo
absoluto, ele não pode ser abstraído como ‘idéia’ do sujeito, justamente ao contrário. Evidentemente,
o objeto pode ser pensado através do sujeito, ‘mas ele se mantém sempre em relação a esse
como um outro’” (BOZZETTI, Hegel und Adorno, Alber, 1996, p. 70). Cf. também
SCHWEPPENHÄUSER, Theodor W. Adorno zur Einführung, Junius, 2000, p. 62-63; THYEN,
Negative Dialektik und Erfahrung, p. 207-213.
36
descartado [Weggeworfene] pelos conceitos. A utopia do conhecimento
seria abrir o sem-conceito com conceitos, sem torná-lo igual a eles.
46
Ao lado da nomeação por negação sem-conceito daquele algo que escapa ao
conceito e, rigorosamente, não poderia ser nomeado de outra forma, Adorno realiza
nessas linhas uma das mais explícitas tomadas de posição que encontramos na sua
obra. Na primeira parte da passagem, a tarefa da filosofia se mostra em sua
inteireza: se por um lado a ela cabe persistir no esforço de alcançar o sem-conceito
através do conceito, por outro lado essa atividade pode se realizar como
renovada confiança, uma vez que seu resultado não é outro que a mesma
conceituação isolante. Em outros termos, a filosofia se enredada na necessidade,
“contra Wittgenstein, de dizer aquilo que não se deixa dizer”,
47
tendo, porém, que ver
frustrada sua expectativa posto que “apenas conceitos podem consumar o que o
conceito impede”.
48
Esse giro em falso nos leva à segunda parte da passagem, em
que Adorno não apenas sustenta que na atividade de conceituação uma dose
incalculável de violência, como sugere que no instante indiviso em que a
conceituação gera a extensão do conceito aquilo que ele efetivamente coordena
o que ele tem verdadeiramente diante de si é o isso, o τόδε τι, que a violência
oprime. Esse τόδε τι sem-conceito”
49
recebe, não obstante a impossibilidade de
46
Negative Dialektik, GS 6, p. 21.
47
Ibid.
48
Ibid., p. 62.
49
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 319.
37
conceituação, um nome: o não-idêntico. À filosofia caberia, enfim, a tarefa de dizer
esse algo inexprimível, como se em outra das raras referências de Adorno a
Wittgenstein:
A máxima de Wittgenstein, “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se
calar”,
50
na qual o extremo do positivismo transborda [hinüberspielt] no
habitus da reverente autenticidade autoritária, e que por isso exerce um tipo
de sugestão de massas intelectual, é pura e simplesmente antifilosófica. A
filosofia se deixa definir, se possível for, como o esforço de dizer aquilo de
que não se pode falar; auxiliar o não-idêntico [Nichtidentischen] a chegar à
expressão, ao passo que a expressão de qualquer modo sempre o
identifica.
51
Para recuperar o fio da meada, diríamos que a dialética negativa entendida como
anti-sistema, modo próprio de realização da filosofia de Adorno, teria como tarefa
chegar à idéia do não-idêntico, justamente aquilo que permanece sem-conceito
porque não é acolhido no processo de identificação, no encanto da unidade. Além
disso, tal tarefa retém simultaneamente sua possibilidade à medida que a
confiança nela se apóia no cenário que o conceito “na verdade” encontra e sua
impossibilidade – à medida que a expressão desse cenário paga “de qualquer modo”
tributo à identificação. Não é por outro motivo que essa tarefa é definida, na terceira
parte da passagem analisada, como utópica. Com efeito, se “pensar quer dizer
identificar”,
52
como seria possível chegar a pensar o não-idêntico? E ainda, que
50
WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, Edusp, 1994, aforismo 7, p. 281.
51
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 336. Cf. as formulações paralelas proferidas em aula à época da
publicação desses Três estudos sobre Hegel em Philosophische Terminologie, vol. 1, Suhrkamp,
1997, p. 55-56 (4. Vorlesung, 17/5/1962) e p. 82 (7. Vorlesung, 5/6/1962); vol. 2, p. 183 (35.
Vorlesung, 15/1/1963).
52
Negative Dialektik, GS 6, p. 17.
38
filosofia sobrevive a essa necessidade? Desde já, somente uma filosofia que desafie
o sentido de se fazer teoria.
1.2. PENSAMENTO: MODO E MODELO
Retomemos brevemente o problema enfrentado até aqui. Dissemos que a
atualização necessária porque constitutiva do pensamento de Adorno
dependeria da negação de seus momentos, realizada em vista de um novo
diagnóstico do tempo, pautado pela atenção à concreção histórica. Tal processo
condena, em última instância, tanto a tradição interpretativa da continuidade (que
sustenta um Adorno sistemático e, assim, perde de vista seus momentos), como a
tradição interpretativa da ruptura (que embora atenta à idéia de modelos sucessivos
de teoria crítica, tende a não considerá-los segundo sua possibilidade). Em função
disso, defendemos uma leitura da obra que procura ler seus matizes segundo a
oposição dialética entre momento e sistema, corrigido por cada diagnóstico do
tempo. Assim, faríamos justiça ao princípio de composição da obra de Adorno que,
sob o aspecto formal, articula coerência e fragmentação, face visível da dialética
negativa entendida como anti-sistema. Finalmente, vimos que a idéia de um anti-
sistema recobre justamente um de seus projetos intelectuais auxiliar na expressão
do não-idêntico e circunscreve sua utopia do conhecimento: “abrir o sem-conceito
com conceitos, sem torná-lo igual a eles”.
39
A pergunta que deve dirigir os próximos passos não pode ser outra que a seguinte:
que teoria é capaz de comportar a dupla necessidade representada por tal utopia do
conhecimento? E supondo que haja essa teoria, como representar, ou ainda, como
exprimir adequadamente o pensamento do não-idêntico sem trair sua intenção?
Afinal, esse deve ser necessariamente negativo, uma vez que pensar e identificar se
coadunam. Claro está que se os conceitos trazem consigo não apenas o esforço de
identificação, mas também a identidade positiva resultante, o caminho tradicional da
teoria é precisamente o que está em crise. Se por um lado o que deve vir à luz é o
que “na verdade é encontrado pelos conceitos, para além de sua extensão abstrata”,
o que aponta para a expressão do não-idêntico “oprimido, desprezado, descartado
pelos conceitos”, por outro lado essa tarefa se vê bloqueada, uma vez que “a
expressão de qualquer modo sempre o identifica”. Assim, entende-se por que
Adorno encontra razões para afirmar que “apenas conceitos podem consumar o que
o conceito impede”. Essa ambigüidade, que aponta para uma radical não-identidade
entre o que deve ser exposto e o que efetivamente é exposto, o leva a pensar a
própria atividade conceitual no limite de sua possibilidade, o que não justifica a
aposta em um anti-sistema que rejeita a atividade teórica linear e a identidade
entre conceito e conceituado –, como exige que se persista nessa resistência à
falsidade inerente ao estado de identidade. Ora, é precisamente esse o sentido do
“conceito transformado de dialética”,
53
representado por uma dialética negativa:
contra a afirmação da dialética idealista, Adorno vai encontrar o cerne da dialética
sua verdade não na suprassunção [Aufhebung] hegeliana, mas na resistência à
53
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 250.
40
identidade, ou ainda, em uma suspensão da síntese.
54
Como sustenta
Schweppenhäuser:
Dialética ‘negativa’ não é outra coisa que a negação determinada da
dialética idealista. Ela gostaria de libertar o particular, o não-idêntico, da
subordinação no universal e no idêntico do conceito.
55
Que se faça duas observações: em primeiro lugar, a reconstrução da dialética
proposta por Adorno está apoiada na mencionada rejeição da identidade entre
conceito e conceituado, portanto em uma crítica ao princípio idealista que forma
ao sistema; em segundo lugar, tal crítica não surge sem mais, ela está apoiada em
um diagnóstico das condições de produção do próprio pensar que, segundo Adorno,
54
Cf. a muito influente apresentação dessa questão por THEUNISSEN, “Negativität bei Adorno”, in
FRIEDEBURG; HABERMAS (Orgs.), Adorno-Konferenz 1983, p. 41-65. Cf. também THYEN,
Negative Dialektik und Erfahrung, p. 162-169; e BOZZETTI, Hegel und Adorno, p. 55-75.
55
SCHWEPPENHÄUSER, Theodor W. Adorno zur..., p. 54. Outro dos termos de extração hegeliana
que, reconstruídos, conferem ao pensamento de Adorno sua especificidade em relação à tradição
dialética, a “negação determinada” é, em Hegel, peça-chave da chamada Lógica do Conceito e o
passo para a universalidade concreta. Na “Introdução” da Fenomenologia do espírito encontramos a
seguinte posição do problema: “[...] a exposição [Darstellung] da consciência não-verdadeira na sua
não-verdade não é um movimento meramente negativo. [...] é o ceticismo que vê sempre, no
resultado, apenas o puro nada e por isso abstrai do fato de que esse nada é determinado, é o nada
daquilo do qual ele resulta. Porém, o nada considerado apenas como o nada daquilo do qual procede
é, de fato, o resultado verdadeiro; ele é, pois, algo determinado e possui um conteúdo. O ceticismo,
que termina com a abstração do nada e da vacuidade, não pode avançar além dessa, mas deve
esperar que algo de novo se lhe ofereça para lançá-lo no mesmo abismo vazio. Ao contrário, à
medida que o resultado é apreendido como negação determinada [bestimmte Negation], como na
verdade é, então com isso uma nova forma surge imediatamente e, na negação, é feita a passagem
por meio da qual o processo se efetua por si mesmo, através da série completa das figuras
[Gestalten]” (HEGEL, Phänomenologie des Geistes, in Hauptwerke in sechs Bänden, vol. 2, WBG,
1999, “Einleitung”, §79, p. 57; trad., A fenomenologia do espírito, Abril Cultural, 1974, p. 51). Para
nossos propósitos, o mais importante a destacar nessa truncada passagem de Hegel é que a
negação determinada, ao contrário da negação abstrata que define a Lógica da Essência (e que o
ceticismo assume), considera o que está sendo negado. Assim, quando algo é apreendido como
negação determinada (ou concreta), ele não é eliminado, ao contrário, sua negação é passo do
reconhecimento de sua dependência às demais figuras. Ou seja, passo da suprassunção, a negação
determinada faz do que é negado um momento dialético. Cf. a excepcional análise desse mecanismo
hegeliano, em relação à determinação das três dimensões do espaço, em ARANTES, Hegel a
ordem do tempo, Polis, 1981, p. 33-37; e o comentário de LEBRUN, Passeios ao léu, Brasiliense, p.
24-31. Cf. também a exposição dos sentidos da negação determinada em Hegel, Marx e Adorno em
GRENZ, Adornos Philosophie in Grundbegriffen, Suhrkamp, 1974, p. 75-116.
41
transformam o modo de uma crítica possível ao sistema.
56
Dessa disposição de
crítica ao impulso sistemático, já podemos inferir alguns resultados para o sentido da
sobrevivência do pensamento. Como se disse acima, o que está em crise é a idéia
tradicional de teoria. A hipótese de Adorno é que o resultado da atividade teórica
tanto na crítica kantiana, como na dialética hegeliana acaba por afastar do centro
da análise aquilo que realmente importa: à medida que ela gera através de conceitos
uma falsa solução do problema da não-identidade entre pensamento e coisa,
afirmando que, afinal, não se trata disso, mas da identidade entre conceito e
conceituado, a teoria perde de vista o único elemento ao qual deve fidelidade, o não-
idêntico. Logo, uma vez que a atividade filosófica visa alcançar o sem-conceito,
“senão ela está obrigada à capitular e com ela todo o espírito”, Adorno é obrigado a
trabalhar com conceitos e contra a ilusão de identidade que eles representam. Que
essa ilusão de identidade seja, porém, inescapável, isso é um resultado direto da
tese implícita na frase “pensar quer dizer identificar”; que, além disso, ela seja
necessária e tenha uma razão objetiva, esse é o horizonte descortinado por seu
diagnóstico do tempo.
57
56
Faz-se necessário ressaltar alguns desdobramentos desse problema que, embora nos levem além
do intento desta tese, fincam um marco possível de estudo da obra de Adorno e retomam questões
aqui sugeridas: é exatamente o peso desse diagnóstico acerca das condições do pensar que situa a
obra de Adorno em um lugar indiviso, a meio caminho de várias escolas filosóficas, e confere
possibilidades insuspeitas de aproximação. Em um ótimo parágrafo de Demmerling: “a crítica ao
idealismo por Adorno deve ser entendida como crítica à filosofia do sujeito. A correção materialista do
idealismo excede as suposições fundamentais da filosofia da consciência. De modo análogo à crítica
materialista ao idealismo, Adorno exerce uma crítica ‘antropológica’ ao princípio fenomenológico de
Husserl. Com isso é dado mais um passo na direção de uma transformação materialista da filosofia
clássica. O materialismo é validado [abgesichert] de maneira crítico-cognitiva” (DEMMERLING,
Sprache und Verdinglichung, p. 143).
57
Novamente, eis a posição do problema por Nobre: “a dialética é a teoria da não-identidade de
sujeito e objeto no interior da formação social em que a lógica da dominação é exatamente a da
42
Em outros termos, precisamente porque esse diagnóstico revela transformações
constitutivas nas condições de produção do pensar, como mencionado, é que
Adorno é obrigado a esse específico esforço do conceito. Grosso modo, isso
significa elaborar um modo de pensamento que permita perseguir o não-idêntico
entre o conceituado e o conceito, sem que isso implique entendê-lo como o “resto”
da atividade de conceituação. Embora seja freqüente na tradição interpretativa a
assimilação do não-idêntico ao “resto” do conceito, boas razões para não fazê-lo.
A principal delas, suficiente, advém da compreensão do que, segundo a
passagem da Dialética negativa anteriormente citada, o conceito efetivamente faz:
“prepara e isola”.
58
Se o conceito simplesmente isolasse [abschneiden], poderíamos
sim localizar o não-idêntico como uma categoria residual do processo de
identificação. No entanto, como a atividade de conceituação envolve também um
preparar [zurüsten] do cenário, uma armação prévia, o não-idêntico indica um
excesso, não um resto. Daí o motivo de Adorno, coerentemente, afirmar: “em brusca
oposição ao ideal científico habitual, a objetividade do conhecimento dialético requer
não um menos, mas um mais em sujeito”.
59
Ora, o modo de pensamento que procura realizar tais tarefas não pode seguir
nenhum caminho usual do discurso teórico porque, fundamentalmente, ao buscar a
‘ilusão necessária’ da identidade entre sujeito e objeto: a dialética é a ontologia do estado falso’”
(NOBRE, A dialética negativa…, p. 174-175).
58
Negative Dialektik, GS 6, p. 21. Cf. as últimas páginas da Seção 1.1.
59
Ibid., p. 50. Para uma leitura que, por argumentos distintos, rejeita a aproximação entre não-
idêntico e resto ver TÖBBICKE, Negative Dialektik und kritische Ontologie, K&N, 1992, p. 115-116. Cf.
também uma definição possível do não-idêntico: “ele é o resultado conceitual-negativo da negação
determinada do conceito de identidade” (SCHWEPPENHÄUSER, Theodor W. Adorno zur..., p. 64).
43
expressão do não-idêntico, o pensamento se às voltas com a necessidade de se
deixar guiar, na medida do possível, pelo conceituado. A medida desse “possível” se
mostra em mais um trecho da Dialética negativa:
Não de outro modo pode o conceito defender a causa [die Sache... zu
vertreten] que ele recalcou [verdrängte], a da mimese, senão na medida em
que ele se apropria de algo desta em seu próprio procedimento
[Verhaltensweisen], sem nela se perder. Até aqui o momento estético,
embora por motivos inteiramente outros que em Schelling, não é acidental à
filosofia.
60
Assim, subjacente à tarefa de levar o não-idêntico à expressão, encontramos a
exigência de que o conceito se aproxime do conceituado deixando-se instruir pelo
procedimento mimético. Mesmo que aqui não nos estendamos na apreciação do
problema da mimese,
61
vale ressaltar a aproximação entre a causa da mimese
recalcada pelo conceito e o cenário do que é oprimido pelos conceitos: duas
instâncias de resistência à ilusão de identidade dada pelos conceitos.
62
Tal
aproximação aponta para um outro aspecto da tarefa filosófica de Adorno: se o
pensamento deve ser solidário a essas instâncias que sobrevivem de modo lacunar,
como elementos de negatividade, ele deve abandonar a forma mais persistente do
discurso teórico, aquela que justamente supõe um discurso linear, sem lacunas.
Com isso, seu pensamento não apenas permanece refratário ao que
convencionamos chamar de teoria, como traz para dentro de si um pressuposto
60
Negative Dialektik, GS 6, p. 26.
61
Algumas apresentações do problema informam esta tese e podem ser lidas em GAGNEBIN, “Do
conceito de mímesis no pensamento de Adorno e Benjamin”, Perspectivas, n. 16, 1993, p. 67-86;
DUARTE, Mímesis e racionalidade, p. 133-141 e BARBOSA, Dialética da reconciliação, p. 55-66.
62
Como sintetiza Barbosa: “o conceito de mimese evoca antes a resistência do reprimido no interior
mesmo da lógica da identidade” (BARBOSA, Dialética da reconciliação, p. 56).
44
estético, que se exprime por força do momento mimético apropriado pelo
procedimento conceitual – em sua forma de exposição. Logo, como mostra Duarte, a
tarefa filosófica de Adorno tem como pressuposto “a não-exterioridade entre o
conteúdo do filosofema e sua forma de apresentação [Darstellungsform]
convergentes na própria expressão”.
63
Tal é a razão primária para o momento
estético não ser acidental à filosofia.
1.2.1. FILOSOFIA E ARTE, IDENTIDADE E EXPRESSÃO
O projeto filosófico de levar o não-idêntico à expressão e a utopia do conhecimento
que ele exprime resolvem-se, portanto, em um pensamento que parece guardar
maior parentesco com a arte, terreno privilegiado da mimese, do que com a lógica
discursiva. Contudo, dada a insistência na centralidade inapelável dos conceitos,
convém examinar melhor esse parentesco. Voltemos à Dialética negativa:
Quisesse a filosofia imitar a arte, quisesse a partir de si ser obra de arte,
arriscaria a si mesma. [...] Ambas mantêm a fidelidade ao seu próprio teor
[Gehalt] através de sua contraposição [Gegensatz]: a arte, ao se fazer
reservada [spröde] em relação aos seus significados; a filosofia, ao não se
agarrar a nenhuma imediatidade. O conceito filosófico não abandona a
nostalgia [Sehnsucht] que anima a arte como sem-conceito e cuja satisfação
escapa à sua imediatidade como mera aparência. Organon do pensamento
e, ao mesmo tempo, muro entre esse e o que é para ser pensado, o
conceito nega aquela nostalgia. A filosofia não pode nem contornar nem se
63
DUARTE, “Expressão como fundamentação”, p. 178. Cf. também DUARTE, “Expression as a
philosophical attitude in Adorno”, Kriterion, n. 100, 1999, p. 93-97.
45
curvar a tal negação. Nela reside o esforço de alcançar para além do
conceito através do conceito.
64
A relação da filosofia com a arte, portanto, não se faz pela subsunção ou
equivalência, mas pela contraposição. Enquanto a arte parece prometer à filosofia a
realização daquilo que a última tanto busca quanto reprime, a reafirmação da
específica tarefa filosófica, “alcançar para além do conceito através do conceito”,
reforça a caracterização da tarefa como bloqueada por seus próprios meios. Se esse
bloqueio implicava, como vimos, a aposta em um anti-sistema e a resistência à
falsidade representada pelo estado de identidade entre o conceito e o conceituado
(ou entre o pensamento e o que é para ser pensado) único modo de se manter a
verdade da dialética –, agora sabemos que persistir nessa tarefa exige que a
filosofia não abandone algo que a arte parece exprimir. Desse modo, a
contraposição entre ambas, arte e filosofia, é trazida para dentro do próprio
procedimento conceitual: ele não abandona aquela nostalgia, mas a nega. Mais
especificamente, aquela contraposição é salva, como expressão, nesse impasse. Ao
fim da “Introdução” da Dialética negativa encontramos uma passagem que elucida
essa relação e situa a posição filosófica de Adorno como projeto crítico e tarefa:
“Dialética, literalmente, linguagem como organon do pensamento, seria a tentativa
de salvar [erretten] criticamente o momento retórico: aproximar coisa e expressão
até a indiferença entre si”.
65
64
Negative Dialektik, GS 6, p. 26-27.
65
Ibid., p. 66.
46
A dialética buscada por Adorno não pode se resolver em sistema, posto que deve
ser expressão da resistência ao estado de identidade. No entanto, do mesmo modo
que os conceitos expressam o esforço de alcançar além de si mesmos, através de si
mesmos, a dialética guarda também a necessidade de salvar o conceituado no
conceito. Em outras palavras, a dialética negativa de Adorno não é mera denúncia
da falsidade efetiva do estado de identidade, mas exprime também a verdade
possível da identidade que o momento retórico aponta: aquela que reconciliaria
pensamento e realidade. Assim, em relação ao pensamento, Adorno pode afirmar
que “sua aparência e sua verdade se entrelaçam”.
66
Alguns aspectos aqui sugeridos
merecem um desenvolvimento. Particularmente, cumpre destacar a dupla remissão
desse processo: o sistema filosófico, a construção teórica, converge com o sistema
histórico-social, a construção do mundo. Logo, a falsidade e a verdade do estado de
identidade se deixam compreender plenamente a partir da análise da formação
social, da qual o projeto filosófico de Adorno é, fundamentalmente, um diagnóstico.
Sendo assim, a falsidade do estado de identidade, embora diga respeito à relação
entre conceito e conceituado, se define em função do estado de coisas que
afirma essa identidade e no mesmo passo a bloqueia. por esse motivo Adorno
pode falar de um aspecto do conceito que está além de uma teoria do significado, a
saber, seu momento utópico, aquele que aponta para o cumprimento da promessa
do conceito ser uno com a realidade. É nessa dupla remissão que se apóia o sentido
preciso que Adorno ao princípio de crítica ao sistema,
67
e é essa dialética entre
66
Ibid., p. 17.
67
Cf. THYEN, Negative Dialektik und Erfahrung, p. 116-131; NOBRE, A dialética negativa..., p. 165-
176; BEHRENS, Adorno-ABC, Reclam, 2003, p. 202-203.
47
possibilidade e bloqueio que esclarece o sentido do célebre motivo da solidariedade
“com a metafísica no instante de sua queda”.
68
Com isso, já podemos antecipar o desdobramento dessa renovada tarefa crítica. Por
um lado o projeto dialético de Adorno desafia o sentido tradicional de teoria e se
constrói à medida que realiza a “desmontagem de sistemas”,
69
por outro lado ele
não abandona a teoria nem deixa de resgatar no sistema aquilo que é sua verdade:
a busca de uma coerência entre o plano do pensamento e o plano do real. Ora, é
exatamente essa coerência que o conceito, ao afirmar, bloqueia. Aqui
reencontramos a afinidade entre o momento mimético que sobrevive no
procedimento conceitual e o momento retórico entendido como impulso dialético: se
o que importa é “auxiliar o não-idêntico a chegar à expressão” e se essa tarefa está
bloqueada pelo conceito, então a crítica filosófica pode fazê-lo à medida que
defender a mimese salvando-a no momento retórico.
Desse modo, a “teoria” que Adorno propõe exprime um mundo governado, por assim
dizer, pelos conceitos e pelos conceituados, que em sua oposição recíproca
recuperam algo daquela indiferença que a mimese expressa e o momento retórico
tenta salvar. Obviamente, não é possível que isso ocorra a não ser que o modo de
exposição, sobre o qual incide o momento retórico, traduza tanto a resistência à
violência do sistema, como a afirmação de sua coerência. Logo, a dimensão
68
Negative Dialektik, GS 6, p. 400. Cf. o desenvolvimento desse motivo em MARAS, Vernunft- und
Metaphysikkritik bei Adorno und Nietzsche, Eberhard-Karls-Universität zu Tübingen, 2002, esp. p. 96-
102.
69
Negative Dialektik, GS 6, p. 43.
48
expressiva do pensamento, trazida para o primeiro plano por um motivo estritamente
crítico, exige que o discurso filosófico, ao mesmo tempo, conduza e se deixe levar:
“algo racionalmente organizado e, simultaneamente, descontínuo, assistemático,
móvel, isso expressa o espírito autocrítico da razão”.
70
Na Dialética negativa essa
reconstrução da herança do pensamento sistemático ganha nome: modelo de
pensamento.
A exigência de rigor sem sistema é a exigência de modelos de pensamento
[Denkmodellen]. Esses não são apenas do tipo monadológico. O modelo
encontra o específico e mais que o específico, sem se evaporar em seu
conceito superior mais genérico. Pensar filosoficamente é tanto quanto
pensar em modelos; a dialética negativa é um ensemble de análises
modelares.
71
Uma vez que, conforme vimos acima, a dialética negativa entendida como anti-
sistema tenta “com os meios da conseqüência lógica [...] substituir o princípio de
unidade e o domínio universal do conceito de ordem superior pela idéia daquilo que
estaria fora do encanto de tal unidade”,
72
podemos reconhecer no modelo aquele
modo de pensamento que procura realizar essa tarefa: enquanto reconstrução do
sistema e da atividade lógica de conceituação, o modelo exprime a possibilidade da
filosofia não se render nem à nostalgia de imediatidade, a dissolução no específico,
nem à loucura do sistema, que é a evaporação no genérico.
73
Portanto, o modelo
exprime tanto o esforço [Anstrengung] de se “alcançar para além do conceito através
do conceito”, como o esforço [Anstrengung] em “auxiliar o não-idêntico a chegar à
70
Ibid., p. 40.
71
Ibid., p. 39.
72
Ibid., p. 10.
73
Cf. ibid., p. 33.
49
expressão”. Com isso, podemos responder à questão lançada no início desta
análise, a saber, “que teoria é capaz de comportar a dupla necessidade
representada por tal utopia do conhecimento?”: memória da limitação constitutiva da
filosofia, é no modelo de pensamento que se deposita a responsabilidade de “abrir o
sem-conceito com conceitos, sem torná-lo igual a eles”. Não é outro o sentido da
mais precisa referência à sua função por Adorno, encontrada no prefácio da
Dialética negativa: “os modelos devem [sollen] esclarecer o que é a dialética
negativa e levá-la para dentro do domínio do real, conforme com seu próprio
conceito”.
74
1.3. DIALÉTICA NEGATIVA E ANÁLISE MODELAR
Sem o peso de ter que representar todo o interesse da razão, como na célebre
asserção de Kant,
75
mas com a mesma força de síntese, podemos fazer três
perguntas a partir dos últimos passos da argumentação, a fim de circunscrever a
74
Ibid., p. 10.
75
“Que posso saber? Que devo fazer? Que me é permitido esperar?” (KANT, Kritik der reinen
Vernunft, in Werke in zehn Bänden, vol. 4, WBG, 1983, B 832-833, p. 677; trad., Crítica da razão
pura, vol. 2, Nova Cultural, 1988, p. 223). ainda a conhecida quarta pergunta anotada por Jäsche:
“Que é o homem?” (KANT, Logik, in Werke..., vol. 5, A 25, p. 448). Em relação a isso, vale citar uma
conhecida passagem de uma entrevista dada por Adorno. Confrontado com a questão: “Mas como o
senhor pretende alterar a totalidade social sem ações isoladas?”, Adorno contesta: “Essa pergunta
vai além de mim. Diante da pergunta ‘o que se deve fazer?’ eu realmente posso responder, na
maioria das vezes, ‘eu não sei’. Eu posso tentar analisar, intransigentemente, o que é” (“Keine
Angst vor dem Elfenbeinturm”, GS 20.1, p. 404). Sobre o papel dessas questões, especialmente a
quarta, no plano geral da filosofia de Adorno, cf. BEHRENS, “A dialética negativa da negação
determinada”, in DUARTE et al. (Orgs.), Theoria Aesthetica, p. 140-141.
50
tarefa que a filosofia de Adorno se dispõe a enfrentar: o que é o modelo? Qual é o
seu método? Quais são seus resultados?
Embora se veja que o modelo se apresenta no pensamento de Adorno como
efetivação da dialética negativa e reconstrução da filosofia sistemática em anti-
sistema, a primeira dessas perguntas é, das três, a que menos admite resposta
direta. Não porque a pergunta “o que é o modelo?” prescreva uma exegese em que
a mão do intérprete pese mais que a do autor; justo ao contrário, isso se porque,
enquanto modo de pensamento que demanda um modo de exposição, o modelo
realiza a filosofia intentada por Adorno. Logo, a única resposta possível é a que
devolve uma pergunta pelo sentido da atividade específica da filosofia: na
reconstrução que faz da herança filosófica com a qual debate, Adorno salva no
modelo a verdade do pensamento sistemático; nele se resguarda o princípio
sistemático da aproximação entre razão e coisa, corrigido pela causa do não-
idêntico. Do mesmo modo, a terceira pergunta também aponta para fora de si
mesma: se “pensar filosoficamente é tanto quanto pensar em modelos”, julgar a
realização do modelo significa repor a pergunta pela realização do projeto de
Adorno, sua atribuição de sentido à própria filosofia. Assim, nos dois casos, a
resposta apenas se mostra: é seu pensamento.
Entretanto, se uma definição direta não parece factível, a aproximação ao problema
através da atenção às suas circunstâncias é plenamente realizável. Como o modelo
de pensamento conforma a filosofia de Adorno e sustenta a possibilidade de
enfrentar as questões que ele se propõe, as marcas dessa atribuição podem ser
encontradas dispersas em sua obra. Com efeito, não são poucos os textos de
Adorno que se definem a si mesmos como modelos: esse é o caso da terceira parte
51
da Dialética negativa, que compreende três modelos,
76
bem como o dos dois
volumes de ensaios Intervenções (1962)
77
e Palavras-chave (1969)
78
e o planejado
terceiro volume que completaria essa série de modelos críticos.
79
Em uma atribuição
mais tímida, esse mesmo termo designa também a função dos aforismos finais de
cada parte da Minima moralia (1951), que deveriam fornecer modelos “para um
futuro esforço [Anstrengung] do conceito”.
80
Deve-se notar também que não é casual
que as mais explícitas referências se encontrem em textos da maturidade: o modelo
é o resultado da busca por um modo de pensamento que permitisse o
enfrentamento de um problema que, em larga medida, era presente para o jovem
Adorno mas que se esclareceu ao longo de seu percurso intelectual. Não
obstante a explicitação tardia, ao longo de toda sua obra a idéia de modelo está
presente, ainda que não se reconheça como modo privilegiado de pensamento ou
categoria operatória. Assim, embora possamos dizer que o modelo de pensamento
vem à autoconsciência no Adorno tardio, sua presença se faz notar em toda a
obra, o que faz com que mesmo as ocorrências do termo Modell, seus derivados
(Denkmodell, Grundmodell, Hauptmodell, Modellanalyse, Modellcharakter,
Modellfunktion, modellieren, gemodelt, modellartig, etc.) e formas flexionadas e
76
Cf. Negative Dialektik, GS 6, p. 10.
77
Eingriffe, GS 10.2, p. 455-594.
78
Stichworte, GS 10.2, p. 595-782; trad., Palavras e sinais, Vozes, 1995.
79
Kritische Modelle 3, GS 10.2, p. 783-799. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 842.
80
Cf. Minima moralia, GS 4, p. 17; trad., Minima moralia, Ática, 1992, p. 10.
52
declinadas se contem às centenas.
81
Descontadas muitas ocorrências que não
guardam relação direta com o que estamos apresentando, mas apenas com o
sentido trivial do termo, encontramos ainda uma grande quantidade de referências
ao modelo como um modo de pensamento.
82
No entanto, em função do grau de
importância relativa que o termo ganha em cada texto, podemos dizer que se
encontramos em um dos seus primeiros textos uma definição de modelo muito
congruente com os traços que acabamos de apontar,
83
o tempo altera para Adorno a
consciência da centralidade dessa idéia e sua compreensão.
Com isso, chegamos à única pergunta, dentre as sugeridas acima, que não se
dissolveu na remissão ao todo: qual é o método dos modelos de pensamento? Ou:
como se formam análises modelares? Uma indicação dessa resposta é encontrada
81
Como dito em nota, a metodologia que escolhemos prescreve o acompanhamento de alguns
termos que julgamos importantes para a caracterização da tese sustentada. Um desses termos é
justamente “modelo” e suas variações. Porém, como não é em relação a esse termo que a tese se
constrói, a atenção à sua ocorrência só se fez em vista de sua participação no argumento. De
qualquer modo, a fim de justificar esta nota, estimamos em 1000 suas ocorrências no corpus
examinado. Na “Consideração Intermediária” serão apresentados os detalhes do processo de
pesquisa e seleção de material.
82
Além de centenas de ocorrências nas obras citadas pouco, cf. Kierkegaard, GS 2, p. 161;
Dialektik der Aufklärung, GS 3, p. 227; trad., Dialética do esclarecimento, p. 188; Zur Metakritik der
Erkenntnistheorie, GS 5, p. 9 e 52; Jargon der Eigentlichkeit, GS 6, p. 507; Ästhetische Theorie, GS 7,
p. 105, 300, 392 e 530; trad., Teoria estética, Edições 70, [1993?], p. 83 e 228 (a parte final,
“Paralipomena”, não foi traduzida); “Zum Verhältnis von Soziologie und Psychologie”, GS 8, p. 43;
“Soziologie und empirische Forschung”, GS 8, p. 196; “Über Statik und Dynamik als soziologische
Kategorien”, GS 8, p. 219, 224 e 227; “Einleitung zum ‘Positivismusstreit in der deutschen
Soziologie’”, GS 8, p. 331; trad., “Introdução à controvérsia sobre o positivismo na sociologia alemã”,
in Textos escolhidos, Abril, 1975, p. 249; “Charakteristik Walter Benjamins”, GS 10.1, p. 239; trad.
“Caracterização de Walter Benjamin”, in Theodor W. Adorno, p. 189; “Blochs Spuren”, GS 11, p. 241;
“Zum Studium der Philosophie”, GS 20.1, p. 320; “Kritische Theorie und Protestbewegung”, GS 20.1,
p. 400.
83
“Elas [as imagens históricas] são modelos com os quais a ratio, examinando e provando, se
aproxima de uma realidade que se nega a lei, mas que o esquema do modelo pode pouco a pouco
imitar, se ele estiver corretamente cunhado” (“Die Aktualität der Philosophie”, GS 1, p. 341). Observe-
se que, na passagem citada, a idéia de modelo está associada à de imagem histórica, outra idéia de
Benjamin que tem grande impacto no pensamento de Adorno.
53
também no prefácio da Dialética negativa, no momento em que Adorno afirma que a
terceira parte do livro “executa os modelos de dialética negativa” [führt Modelle
negativer Dialektik aus]:
Eles não são exemplos; não explicam simplesmente considerações gerais.
À medida que eles conduzem ao que é próprio à coisa [Sachhaltige],
querem simultaneamente fazer justiça à intenção conteudística [inhaltlichen
Intention] daquilo que inicialmente, por necessidade, foi tratado de modo
genérico; ao contrário do uso de exemplos como algo de per se indiferente,
que Platão introduz e a filosofia desde então repete. Ao mesmo tempo em
que os modelos devem esclarecer o que é a dialética negativa e levá-la
para dentro do domínio do real, conforme com seu próprio conceito, eles
discutem conceitos-chave das disciplinas filosóficas, não de maneira diversa
do chamado método por exemplos [exemplarischen Methode], a fim de
nelas intervir em seu centro.
84
Por ora, o mais importante a se desdobrar a partir dessa passagem é que se os
modelos procuram fazer justiça [gerecht werden] à intenção particular daquilo sobre
o qual se debruçam enquanto modo de pensamento, então o modelo não é
indiferente àquilo que representa, embora seja, por necessidade [aus Not], um
esquema geral de atribuição. De fato, o que Adorno indica é que o modelo deve ser
conduzido por isso que foi tratado de modo genérico. Ora, se por um lado Adorno
quer se referir à mencionada primazia do objeto e seu impacto sobre o sentido da
dialética negativa qual seja, ela é sua limitação constitutiva –, por outro lado ele
quer acentuar que os modelos de dialética negativa podem existir em prática,
que dessa restrição dependeria a possibilidade do modelo pretender ser mais que
84
Negative Dialektik, GS 6, p. 10. Nesta passagem particularmente intraduzível, Adorno recupera sua
crítica e transformação da fenomenologia de Husserl. As marcas dessa apropriação são a inversão
do termo-chave fenomenológico intendierender Inhalt, “conteúdo intencionado”, e a substantivação do
adjetivo sachhaltig, “dotado de conteúdo concreto”. A referência última são as Investigações lógicas
(edição de 1913) e as insuficiências que Adorno na alegação husserliana da imediatidade entre o
conhecer e o que é conhecido. Para Adorno uma tese como “o objeto intencional da representação é
o mesmo que seu objeto efetivo [wirklicher] e, conforme o caso, o mesmo que seu objeto exterior, e é
um contra-senso distinguir entre ambos” (HUSSERL, Logische Untersuchungen, vol. 2, parte 1, Max
Niemeyer, 1968, p. 425) pareceria ou contraditória ou insuficiente.
54
exemplo e, com isso, intervir no sentido de se fazer filosofia. Em outras palavras,
tomada ao da letra, a sugestão de que os modelos devam tomar um conteúdo
particular como constitutivo implicaria em dizer que não método abstrato,
métodos concretos, materiais, guiados pela “intenção intrínseca” dos particulares, ou
seja, atentos à sua concreção histórica. Se os modelos acabam por passar em
terrenos já demarcados pela filosofia, isso não se daria porque o método impõe essa
adequação, mas porque os modelos na exata forma da crítica filosófica viram os
conceitos contra si mesmos. Claro, o horizonte não é outro que o do
estabelecimento de um método dialético capaz de “aproximar coisa e expressão até
a indiferença entre si”, o que justifica a afirmação das análises modelares como
realização da dialética negativa: em última análise, os modelos acabam por apoiar a
dialética não no método, domínio da razão, mas no que é próprio à coisa, domínio
do real.
A metodologia que podemos inferir dessa apresentação dos modelos de
pensamento guarda um parentesco com Hegel e Marx, como é claro, mas também
com Husserl, como pode não parecer à primeira vista.
85
Efetivamente, se os
métodos das análises modelares devem se aferrar à coisa, o que Adorno faz não é
senão, em nome de uma necessidade dialética, portanto extrínseca à fenomenologia
de Husserl, mas próxima ao sentido enfático da fenomenologia em Hegel, radicalizar
uma premissa husserliana tornada lema: zu den Sachen selbst (às coisas
85
Adotamos o termo “método” para nos referir aos procedimentos que guiam os passos e operações
em vista de um objetivo, isto é, literalmente, “caminho para se chegar a um fim”. Com o termo
“metodologia” queremos nos referir à reflexão geral que coordena e justifica esses métodos.
Conquanto essa diferença não seja relevante em todos os casos, entendemos que na obra de Adorno
ela é importante, como mostraremos na seqüência do texto.
55
mesmas).
86
Dessa fenomenologia tornada crítico-dialética se segue, contudo, uma
ambigüidade: a ênfase de Adorno na impossibilidade de se estabelecer métodos
abstratos, que no fim das contas trairiam a intenção daquilo em relação ao qual eles
deveriam se construir, implica em concluir que os modelos, para não serem
indiferentes ao que é próprio à coisa, não podem seguir método; porém, as análises
modelares, que realizam (trazem para o real) os modelos, parecem seguir princípios
metódicos ao se deixar guiar pelos particulares. Vejamos como essa ambigüidade
pode ser compreendida.
Não são poucos os estudos na tradição de interpretação da obra de Adorno que
procuram definir qual é sua metodologia. Muitos desses estudos passam por alto a
explícita tomada de posição de Adorno contra uma metodologia geral, o que implica
em desconhecer algo que, como se viu, está sustentado em uma cadeia de
argumentos que remonta a aspectos nodais de seu pensamento. Outros apostam na
total ausência de métodos, o que além de ser contraproducente ao extremo, não
considera a tão inegável quanto incômoda presença de procedimentos recorrentes
em suas obras, aquilo que abrange o que o próprio Adorno chama de proceder
86
Interessante observar que nesse ponto Adorno parece não ter sido levado pela mesma miopia que
acometeu os primeiros intérpretes de Husserl, que entendiam o princípio literalmente como se
Husserl propusesse um retorno às coisas brutas ou aos objetos ônticos, e não um retorno às coisas
que estão em questão, ou seja, um retorno às representações próprias da coisa visada, determinada
pela intenção. O que Adorno questiona em Husserl é justamente não ter dado esse passo. Cf. a
análise da banalização da fenomenologia no zu den Sachen selbst e o erro dos intérpretes em
MOURA, Crítica da razão na fenomenologia, Nova Stella, 1989, p. 18-25.
56
“metodicamente sem método”,
87
o que na feliz expressão de um comentador
configura seu “imperativo metodológico”.
88
Nas poucas apresentações mais explícitas da questão metodológica em filosofia,
como a da passagem da Dialética negativa que analisamos acima, Adorno tanto
condena o estabelecimento de uma metodologia geral – ela trairia a filosofia –, como
condena os métodos abstratos eles trairiam seus objetos.
89
No entanto, não
porque diversas passagens em que Adorno defende um método específico para
se lidar com um problema enfrentado mesmo que guiado pela intenção intrínseca
dos particulares e chega a afirmar, por exemplo, que “o nervo da dialética como
método é a negação determinada”,
90
mas principalmente em função do escopo
exato da crítica de Adorno, é possível coligir procedimentos que são tratados como
métodos. O que de fato se verifica é que esses procedimentos se estabelecem
frente a uma impossível metodologia geral como redescrição de um princípio de
crítica imanente: contra o caráter coercivo de um sistema lógico que se torna
87
“Der Essay als Form”, GS 11, p. 21; trad., “O ensaio como forma”, p. 177.
88
Cf. ZUIDERVAART, Adorno’s aesthetic theory, p. 53-54.
89
Além das mencionadas passagens da Dialética negativa e dos textos “Der Essay als Form” e
“Die Aktualität der Philosophie”, outras referências metodológicas importantes são: Dialektik der
Aufklärung, GS 3, p. 37-44, 227-228, 249; trad., Dialética do esclarecimento, p. 33-39, 188 e 204-205;
Negative Dialektik, GS 6, p. 42-45 e 163-168; Ästhetische Theorie, GS 7, p. 530-533; “Gesellschaft”,
GS 8, p. 13-17; “Theorie der Halbbildung”, GS 8, p. 101-102; “Spätkapitalismus oder
Industriegesellschaft?”, GS 8, p. 356-360; trad., “Capitalismo tardio ou sociedade industrial?”, in
Theodor W. Adorno, p. 63-67; “Beitrag zur Ideologienlehre”, GS 8, p. 461-462. Além disso, um
conjunto de textos de Adorno sobre teoria social em que ele faz a crítica de diversas metodologias:
“Soziologie und empirische Forschung”, GS 8, p. 196-216; “Einleitung zu Emile Durkheim ’Soziologie
und Philosophie’”, GS 8, p. 245-279; “Einleitung zum ‘Positivismusstreit...’“, GS 8, 280-353; trad.,
“Introdução à controvérsia...”, p. 215-263; “Zur gegenwärtigen Stellung der empirischen
Sozialforschung in Deutschland”, GS 8, p. 478-493; “Zur Logik der Sozialwissenschaften”, GS 8, p.
547-565; trad., “Sobre a lógica das ciências sociais”, in Theodor W. Adorno, p. 46-61.
90
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 318.
57
método, tanto na filosofia como na teoria social, Adorno adota procedimentos que
por um lado, à medida que resultam em um ensemble de análises modelares,
explicitam os limites do método abstrato, enquanto por outro lado, à medida que
regem efetivamente cada uma dessas análises, devolvem à atividade teórica a
possibilidade compreensiva. Não deve escapar à atenção que “imanente”, no caso,
implica algo diferente do sentido tradicional que o termo ganha em um sistema. Ou
seja, ao invés de se referir apenas ao âmbito interno do método e do sistema, de ser
apenas crítica à pretensão do sistema em ser uno com a realidade e a pretensão do
método em chegar à exposição dessa unidade, a crítica imanente no anti-sistema é
redescrita como crítica imanente e transcendente: trata-se tanto de expor a
inverdade do sistema, sua afirmação de identidade, quanto de fazer a crítica da
sociedade que o engendra. Logo, em consonância à passagem anterior que
apontava a dupla remissão analítica sistema filosófico e sistema histórico-social
o que se trata aqui é do diagnóstico do tempo traçado por Adorno: na inverdade do
sistema filosófico sobrevive um momento verdadeiro, qual seja, a de que o sistema
histórico-social se comporta conforme aquela identidade.
91
Logo, a análise modelar,
como procedimento e exemplo, repõe o sentido específico da noção de crítica em
Adorno: por um lado trata-se de mostrar o limite específico da teoria sistemática, por
outro lado – do mesmo modo que o conceito é obrigado a ir por si mesmo além de si
mesmo não como mostrar isso por outros meios que não aqueles que
governam o próprio sistema. Ou seja, não se trata de questionar a metodologia
91
Cf. o desenvolvimento desse problema, em que se imbricam tanto as análises de Sohn-Rethel
acerca da troca de equivalentes no modo de produção capitalista e as de Pollock sobre o capitalismo
de estado, quanto o legado das análises de Lukács sobre as antinomias do pensamento burguês, em
THYEN, Negative Dialektik und Erfahrung, esp. p. 185-198; NOBRE, A dialética negativa…, p. 44-58;
BEHRENS, “A dialética negativa da negação determinada”, p. 141-147.
58
tradicional “de fora” apontando como seus métodos traem o objeto, mas através de
procedimentos metódicos mostrar sua própria insuficiência constitutiva: um método
possível, por concreto que fosse, seria ainda método. Daí, ser guiado pela intenção
intrínseca dos particulares não significa comparar o objeto real com o objeto teórico
(como fazer isso se não metodicamente através da teoria?), mas insistir na sua não-
identidade contra a afirmação de sua identidade pela metodologia tradicional. Vale
notar que essa é a forma que o problema do não-idêntico se apresenta em relação
ao método da atividade crítica. Ou seja, aqui como lá, está em pauta o esforço de
“auxiliar o não-idêntico a chegar à expressão, ao passo que a expressão de
qualquer modo sempre o identifica”. Para tanto, é preciso simultaneamente expor “o
que é próprio à coisa”, o “específico”, e reconhecer o que há de geral no particular, o
“mais que o específico”.
92
Tal é a tarefa a que se dedica o modelo: sua realização
em análises modelares se através do que estamos chamando de procedimentos
que, nessa medida, conferem à atividade crítica seu modo de exposição
[Darstellungsweise].
93
92
Cf. MÜLLER-DOOHM, Die Soziologie Theodor..., p. 133-149. Acerca desse passo, Müller-Doohm
conclui: “por conseguinte, os métodos precisam estar referidos à compreensão da relação de tensão
[Spannungsverhältnis] entre o geral e o particular em sua concreção histórica” (ibid., p. 149).
93
O sentido preciso de mais esse termo que deve sua concepção a Hegel e já nos acompanha desde
as primeiras páginas indica de maneira clara o desdobramento da noção de crítica que Adorno põe
para funcionar em seu anti-sistema. O espaço em que esse termo se desenvolve na obra de Adorno
é determinado pelo sentido da crítica de Marx a Hegel e o lugar que a exposição ocupa. Para a
compreensão desse passo, remetemo-nos imediatamente à seguinte passagem de um brilhante
artigo sobre o problema: “a análise do elemento ‘exposição’ no método dialético d’O Capital não
pode, em nenhum momento, levar ao esquecimento de que a exposição das categorias da economia
política está indissociavelmente unida à crítica, e que é este um dos aspectos em que a exposição
dialética de Marx se distingue da de Hegel. A exposição é essencialmente crítica porque ela
reconstitui a totalidade sistemática das determinações do capital, através da tematização da sua
estrutura e do seu movimento contraditórios, a partir da pretensão de dominação total do capital
sobre o trabalho e do seu malogro sistêmico (crise) [...]. Enquanto exposição das contradições do
capital ela é essencialmente crítica, embora a crítica se exerça exatamente e apenas (enquanto
teoria) através da exposição sistemática da sua instabilidade estrutural e da necessidade da sua
59
Ora, do mesmo modo que em outras questões, como a pertinente aos modelos, se
uma metodologia que coordena e justifica tais procedimentos ela não pode ser
outra coisa que toda a obra de Adorno como projeto filosófico. Portanto, se nos
remetermos à pergunta que motivou nosso desvio para as questões de método
“qual é o método dos modelos de pensamento?” – podemos afirmar que o que há de
método na obra de Adorno está representado pelos procedimentos que guiam a
realização de modelos, a formação de análises modelares. Disso se segue uma
hipótese liminar: a metodologia de Adorno se restringe à recorrência a esses
procedimentos que atuam na formação de análises modelares. Como, por sua vez,
as análises modelares realizam os modelos, então podemos atribuir a esses
procedimentos aquela responsabilidade que repousa nos modelos: não esquecerem
a utopia do conhecimento. Remontando a questões ainda mais internas a seu
projeto filosófico, reencontramos nossa hipótese: se ao modelo cabe esclarecer a
dialética negativa e levá-la para o domínio do real, isso pode se dar porque as
análises modelares se constroem a partir de alguns procedimentos que, tratados
como método mas guiados pela “intenção intrínseca” dos particulares, aproximam
coisa e expressão na própria análise.
94
superação” (LUTZ MÜLLER, “Exposição e método dialético em ‘O Capital’”, Boletim SEAF, n. 2, 1982,
p. 19, nota). As vicissitudes da apropriação desse modelo crítico por Adorno podem ser lidas em
NOBRE, A dialética negativa..., p. 103-148 e 172-177.
94
Note-se mais uma vez a relação do modelo com o princípio de composição que liga Adorno a
Schönberg, como mencionado em nota anterior. Não é por outro motivo que outra das mais
importantes referências à idéia de modelo também se reporta a Schönberg: “logo, em relação ao
desenvolvimento, ela [a variação] oferece a produção de relações universais concretas, não
esquemáticas. A variação é dinamizada. Até mesmo se ela ainda mantém idêntico o material de
partida, que Schönberg chama de ‘modelo’. Tudo é sempre ‘o mesmo’. Mas o sentido dessa
identidade se reflete como não-identidade. O material de partida está feito de tal maneira que mantê-
lo significa ao mesmo tempo modificá-lo. ‘É’ não em si, mas somente em relação com a possibilidade
60
Em função da necessidade de desenvolver essa hipótese, buscaremos indícios de
procedimentos que possam cumprir as exigências determinadas pelo projeto crítico
que estamos desdobrando. Para tanto, precisamos verificar uma dupla exigência.
Em primeiro lugar, um tal procedimento precisaria exprimir o cerne da questão
enfrentada, precisaria resguardar a primazia do objeto. Esse seria o único modo de
não atribuir a esse procedimento mais do que ele sustenta, isto é, de não resvalar
para a afirmação de uma metodologia geral em Adorno, resultado inevitável da
instrumentalização dos seus procedimentos. Nos seus termos:
Por mais que os momentos dos modos de proceder [Verfahrungsweise]
queiram ser definidos de forma instrumental sua adequação ao objeto fica
ainda assim exigida, mesmo que de modo oculto. Os procedimentos
[Verfahren] serão improdutivos quando carecerem dessa adequação. O
objeto precisa alcançar validade no método segundo seu próprio peso, caso
contrário até mesmo o método mais refinado resultará falho.
95
Em segundo lugar, esse procedimento precisaria estar presente garantidas as
adequações determinadas pelo que se viu acima em toda a obra de Adorno. Uma
razão para isso é de ordem interpretativa: porque queremos intervir no debate sobre
a unidade da obra e defender que o pensamento de Adorno se constitui de
momentos que são sucessivamente negados em vista de novos diagnósticos do
tempo, precisamos de uma chave de leitura da obra que permita percorrer esses
momentos e qualificá-los em relação ao princípio da oposição dialética entre
momento e sistema. Em outros termos, essa é uma necessidade que surge de uma
lógica da descoberta do sentido de seu pensamento. A outra razão para isso é,
do todo” (Philosophie der neuen Musik, GS 12, p. 58; trad., Filosofia da nova música, Perspectiva,
1989, p. 51).
95
“Zur Logik der Sozialwissenschaften”, GS 8, p. 557; trad., “Sobre a lógica das ciências sociais”, p.
53.
61
contudo, de ordem interna: por mais que os procedimentos devam estar atentos ao
particular para não traírem a promessa que a filosofia faz ao não-idêntico, jamais
foge ao esforço do pensamento uma dimensão especulativa, na verdade, ela é que
lhe seu sentido. A remissão ao todo, o impulso sistemático, sobrevive na obra de
Adorno como única instância possível de realização daquela noção de crítica que
configura o telos de todo o seu projeto filosófico. No mesmo texto citado acima, ele
reitera:
Se não se quiser confundir definitivamente a sociologia com modelos das
ciências naturais, então o conceito de experimento deverá se estender
também ao pensamento que, saturado da força da experiência, ultrapassa-a
para compreendê-la. [...] O momento especulativo não é uma carência do
conhecimento social, mas, como momento seu, lhe é imprescindível, muito
embora a filosofia idealista que outrora glorificava a especulação já pertença
ao passado.
96
Assim, conquanto o procedimento procurado deva ser necessariamente marcado
pelo traço intrínseco aos particulares, essa marca não pode se fazer nem à custa da
consideração dos momentos da teoria, sustentada pela mais estrita compreensão do
sentido dos modelos de pensamento, nem à custa da atenção ao todo da teoria, ao
qual cada um desses momentos se refere em oposição recíproca. Satisfeitas essas
condições, encontrar tal procedimento abre a possibilidade de ler a obra de Adorno
como um ensemble de análises modelares.
96
Ibid., p. 556; trad., ibid.
2. CONCEITOS E CATEGORIAS
2.1. PROCEDIMENTO COMO MÉTODO
O estabelecimento de uma chave de leitura de um filósofo não é das atividades mais
transparentes para a tradição interpretativa. Na maioria das vezes, ela é resultado
de um esforço combinado de intérpretes que, ao longo de anos, acabam gerando
um programa de pesquisa fundado em hipóteses relativamente estáveis que passam
a coordenar tanto as análises pontuais futuras, como suas possíveis “releituras”,
nome que abrange o espaço impreciso que vai das perguntas sobre a atualidade do
autor até as aplicações mais, digamos, criativas. O fator que regula se tais análises
ou releituras não estão perdendo o foco naquilo que lhes deveria servir de
fundamento a obra não pode ter outra origem que a própria tradição, o que
implica em dizer que ele também repousa nas chaves de leitura que os
protagonistas, por decisão metodológica, aplicam à obra. Assim, mesmo que um
intérprete queira ler a obra isoladamente e dela derivar uma linha argumentativa
“independente”, não há como ele medir sua fecundidade enquanto proposta de
leitura senão quando retorna ao manancial de hipóteses basais determinadas pela
tradição: paradoxalmente, a força de uma hipótese que pretende iluminar um
aspecto de uma obra se verifica à medida que essa hipótese corresponda a um
ponto cego na tradição interpretativa. Em outras palavras, dirigir um olhar atento a
63
uma obra é sempre possível, mas dirigir a ela uma pergunta fecunda é possível
com o aporte da tradição.
O caso específico de um autor que, conforme vimos, constrói sua obra à margem de
um princípio sistemático estrito e procura não perder de vista a concreção histórica e
particular dos fenômenos estudados, pode levar a tarefa acima ao seu limite. Isso
porque historicamente tem sido difícil às tradições interpretativas definir
metodologias que permitam inquirir coerentemente aquelas obras que carecem tanto
de uma orientação essencialista que aposta em uma homologia entre ser e pensar
sob a forma do sistema, quanto de uma orientação rigorosamente deflacionista que
se guia por critérios de consistência proposicional.
97
Não é por outro motivo que,
como vimos, tornou-se expediente comum na tradição de leitura de Adorno exagerar
aspectos sistemáticos de seu pensamento ou propor rupturas: o que move essas
leituras é também estabelecer hipóteses estáveis o suficiente para que nelas se
apóie uma tradição. Entretanto, o fato de que queremos aqui cumprir a dupla
exigência de se resguardar o particular e referi-lo à dimensão especulativa do
pensamento não implica que não possamos encontrar uma chave de leitura geral.
Na verdade, é exatamente em vista dessa exigência e do princípio operador a elas
97
Essa dificuldade não atinge somente Adorno, claro. Aliás, bem se pode dizer que sua extensão a
outros autores, como Nietzsche, Heidegger e Foucault, ilumina com excepcional clareza o fosso que
separaria analíticos e continentais. Mais do que qualquer outro, Nietzsche contou com duas tradições
interpretativas bastante distintas entre as décadas de 80 e 90, cada qual procurando acentuar em seu
pensamento aqueles aspectos que mais se adequassem a uma agenda filosófica deflacionista ou
tradicional. O aparecimento relativamente tardio de um ambiente “pós-analítico” não apenas mudou
um pouco o foco da questão como mostrou que boa parte dessas fronteiras é menos de método e
mais de política intelectual. Que se aponte como esforços exemplares de esclarecimento dessas
questões o trabalho de Rorty e Putnam, de um lado, e Habermas, de outro. Cf. a apresentação
simples e direta do ambiente pós-analítico no volume de entrevistas realizadas por BORRADORI, A
filosofia americana, UNESP, 2003, esp. o texto introdutório (“O muro do Atlântico”, p. 11-42) e as
entrevistas de Putnam (“Entre new left e judaísmo”, p. 81-99) e Rorty (“Depois da filosofia, a
democracia”, p. 145-164).
64
relacionado o da oposição dialética entre momento e sistema que se constrói
nossa hipótese de que na obra de Adorno procedimentos metódicos que atuam
na formação das análises modelares: sua existência garantiria que ao longo dos
sucessivos momentos da teoria não se perdesse de vista o que Adorno representa
como marca do pensar filosófico: “a exigência de rigor sem sistema é a exigência de
modelos de pensamento”. Explicitada a tarefa, vejamos como a tradição pode nos
ajudar a encontrar nossa chave de leitura.
Embora muitos comentadores de Adorno tenham procurado definir sua metodologia,
raros são aqueles que tomaram uma distância precavida tanto da afirmação de uma
metodologia geral, quanto da afirmação da ausência completa de métodos. Dentre
esses, mais raros ainda são aqueles que reconheceram que entre “metodologia
geral” e “ausência de métodos” um universo, que a negação da primeira não
implica a afirmação da segunda. Assim, não é surpresa que não se tenha lido a obra
de Adorno como um ensemble de análises modelares, afinal, para fazê-lo seria
preciso antes de tudo encontrar o que gera uma análise modelar, definir seu
procedimento. Não obstante, os poucos estudos mais atentos ao problema que
queremos abordar não apenas fornecem o metro de nossos próprios esforços, como
podem de imediato indicar possíveis rumos.
Não por acaso, o primeiro trabalho que investigou os métodos empregados por
Adorno em sua obra é o mesmo que pela primeira vez criticou a leitura segundo os
critérios mutuamente excludentes continuidade ou ruptura, o de Buck-Morss (1977).
no prefácio, ela apresenta sua muito influente hipótese: os escritos da juventude
de Adorno, profundamente marcados pelo contato direto com Benjamin, vão
fornecer as linhas gerais de um programa e uma tarefa filosófica que servirão como
65
guia de sua vida intelectual, ressalvada uma alteração substantiva após 1938. No
mesmo passo, ela propõe uma questão:
Como a filosofia inicial, não-marxista, de Benjamin forneceu a chave para o
peculiar método dialético-materialista de Adorno? A resposta envolve seguir
Adorno em um duplo processo: traduzir as concepções originais de
Benjamin em um modelo teórico marxista e fundamentar filosoficamente a
teoria marxista com o auxílio dessas concepções, de modo a provar
imanentemente que o materialismo dialético era a única estrutura válida da
experiência cognitiva.
98
Responder a essa questão é o que pretende o estudo de Buck-Morss: seu
desenvolvimento conduz o leitor para o cerne das relações entre Adorno e Benjamin
e fornece, assim, as marcas pelas quais a tradição interpretativa posterior
inevitavelmente passa, a saber, o diagnóstico e mensuração de um suposto
programa comum, “nossa porção destinada à prima philosophia”, que o jovem
Adorno tributa a ambos.
99
No entanto, dois pontos importantes que ficam sem
resposta adequada no seu trabalho, um dos quais é central para nós. O primeiro
deles se revela quando procuramos investigar, a partir de seu texto, o espaço entre
afirmar “a notável consistência de seu pensamento ao longo do tempo”,
100
e
acentuar que “uma mudança que ocorreu na posição do Instituto de Frankfurt depois
de 1938 [...] marcou da parte de Adorno uma mudança em direção a Marx”.
101
Se
por um lado está claro que com isso Buck-Morss se mostra atenta às mudanças de
diagnóstico que também formam o projeto de Adorno, o que lhe permitiu questionar
98
BUCK-MORSS, The origin of…, p. xiii.
99
Cf. ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, Suhrkamp, 1994, carta de número 23, p. 73.
100
BUCK-MORSS, The origin of…, p. xii.
101
Ibid.
66
a tese da continuidade, por outro lado ela não mostra por que essas mudanças não
chegam a representar inconsistências entre momentos do pensamento. Ou seja,
embora devamos a esse estudo a percepção de que as hipóteses de Benjamin
informam a busca de Adorno pelo modo de pensamento que chega à definição nos
modelos, não é nele que podemos encontrar os passos dessa definição: para não
minar seus próprios esforços de ler a obra de Adorno segundo a tese de uma
remissão original às teses de Benjamin, Buck-Morss apresenta o paulatino
afastamento entre as concepções de Adorno e Benjamin durante os debates dos
anos 30, mas não desenvolve claramente as fases posteriores que deveriam
sustentar a impressão de consistência total da obra. Em outras palavras, Buck-
Morss acaba aproximando muito rapidamente a fase inicial de Adorno de sua fase
final, sem a mediação imposta pelo contraste entre os diagnósticos do tempo, o que
a impede de considerar possíveis transformações nas categorias de análise.
Isso nos leva ao segundo ponto que não encontra resposta satisfatória no texto de
Buck-Morss: todo seu estudo converge para a hipótese de que o pensamento de
Adorno pode ser lido como a realização de um método, o “método da dialética
negativa”.
102
O problema aqui não é tanto dizer o que é tal método, uma vez que se
pode conceder que a dialética negativa assuma sob certas condições a forma de um
método, mas fundamentá-lo, passo a passo, na obra de Adorno. E isso, Buck-Morss
não faz. Por supor um desenvolvimento “imanente” desse método e encontrar traços
do seu estado final na formulação de um “programa comum” entre Adorno e
102
Cf. ibid., passim.
67
Benjamin, ela é conduzida a uma paradoxal e abrupta conclusão que brota sem
muita mediação na última página de seu texto:
Na Dialética negativa, Adorno previne que o pensamento deve evitar fazer
da própria dialética um princípio primeiro “prima dialectica”. Mas ele foi
levado a isso apesar de si mesmo, talvez pelas “demandas objetivas” do
material. Quando o princípio da técnica dodecafônica tornou-se “total”, as
dinâmicas da nova música foram “postas em suspensão”. Mas quando o
método da dialética negativa se tornou total, a filosofia também ameaçou
chegar a uma suspensão, e a Nova Esquerda dos anos 60 não criticou
Adorno injustamente por levar a Teoria Crítica a um ponto sem saída.
103
Como procuramos mostrar no capítulo anterior, mesmo a resistência a uma
metodologia sistemática, outra expressão do projeto filosófico de Adorno, não pode
prescindir de procedimentos metódicos. Do mesmo modo que o conceito é obrigado
a ir por si mesmo além de si mesmo, o apego à não-identidade em Adorno implica
dizer que uma crítica à metodologia nem pode ser externa (porque isso implicaria
uma outra), nem meramente interna (porque isso a confirmaria); trata-se, na
verdade, de apontar a insuficiência da metodologia por seus próprios meios (seus
procedimentos), de questioná-la de modo imanente e transcendente. vimos
outros dois aspectos desse mesmo problema: por um lado isso remete à exigência
de que “a crítica se exerça exatamente e apenas (enquanto teoria) através da
exposição sistemática da sua instabilidade estrutural e da necessidade da sua
superação”;
104
por outro lado isso repõe o sentido preciso no anti-sistema de
Adorno do termo “crítica imanente”, que “não significa comparação do conceito
com o conceituado em vista da sua unidade (atual ou potencial), mas não-identidade
103
Ibid., p. 190.
104
LUTZ MÜLLER, “Exposição e método dialético...”, p. 19, nota.
68
de conceito e conceituado em vista da ilusão necessária de sua identidade real”.
105
Ora, é exatamente isso que Buck-Morss não considera: afirmar que a dialética
negativa se tornou total é afirmar que ela se tornou uma metodologia, o que talvez
não esteja errado sob o prisma interno, uma vez que o seu nervo, a negação
determinada, se tornou, de fato, o procedimento privilegiado de crítica imanente;
106
mas certamente não está certo sob o prisma externo, uma vez que ela se alça a
essa condição sob as condições de um determinado diagnóstico. Ou seja, mesmo
que a dialética negativa seja o método do Adorno tardio, isso pode se dar em
função de um determinado estado de coisas que as análises modelares procuram
expor. Exatamente porque esse princípio não foge totalmente à autora, ela
consegue perceber que o que está em jogo é uma questão de diagnóstico e não de
método: ao afirmar que “a Nova Esquerda dos anos 60 não criticou Adorno
injustamente por levar a Teoria Crítica a um ponto sem saída”, parece criticar o
método de Adorno, mas questiona seu diagnóstico (que, como ela bem sabe, está
na base de seu “método” da dialética negativa). Conseqüentemente, por fazer de um
procedimento tardio a confirmação de um método original, Buck-Morss pode aludir a
“uma mudança que ocorreu na posição do Instituto de Frankfurt depois de 1938” que
teria tido um impacto na posição teórica de Adorno, mas não é capaz de
acompanhá-la, e também sugere que “‘demandas objetivas’ do material” talvez
tenham levado Adorno à posição tardia, mas não as investiga.
105
NOBRE, A dialética negativa..., p. 175.
106
Cf. Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 318.
69
De qualquer modo, além do inapelável reconhecimento da influência precoce de
Benjamin, devemos também ao estudo de Buck-Morss a confirmação por sua
insuficiência de que um procedimento metódico, para ser capaz de realizar sua
tarefa, deve estar presente em toda a obra e, principalmente, para ser guia de seus
momentos, não deve ser independente dos diagnósticos do tempo, pontuados pela
concreção histórica. Na verdade, tal procedimento precisa justamente construir a
possibilidade das análises modelares serem feitas em vista desses diagnósticos.
Voltando ao centro do nosso problema: se o que de método na obra de Adorno
deve estar próximo à tarefa de exprimir o não-idêntico, próximo aos modelos, então
os procedimentos que porventura possam guiar a formação das análises modelares
precisam também resguardar a configuração particular dada pelos diagnósticos. Que
tipo de procedimento poderia nos dar isso? Ressalte-se que nesse ponto o estudo
de Buck-Morss nos fornece uma preciosa indicação, ao afirmar que a dialética
negativa em ação opera segundo um procedimento também encontrado por Adorno
em Benjamin.
107
Entretanto, vejamos como outro comentador apresenta a questão
do método em Adorno, em busca de novas pistas.
Durante a mencionada conferência de 1983, que inaugura a série de estudos
marcada pela oposição entre gerações de teoria crítica, houve um colóquio dedicado
aos aspectos metodológicos da obra de Adorno. Em seu rigoroso estudo de
abertura, que ditou os trabalhos posteriores, Bonß alerta:
Falar de metodologia em Adorno significa, portanto, a reconstrução de
fragmentos filosóficos, estéticos e das ciências sociais, que em seu nexo
107
Cf. BUCK-MORSS, The origin of…, p. 96-110.
70
interno remetem a um “tecido” [Gewebe, entre aspas no original] de
procedimentos cognitivos [Erkenntnisverfahren] tão complexo como
inconcluso.
108
Há dois aspectos a se ressaltar na passagem citada. Em primeiro lugar, Bonß
observa que a obra de Adorno obedece a uma dupla leitura: do ponto de vista
externo, ela pode ser vista como uma composição de fragmentos, o que, segundo a
leitura que propomos, pode ser referido à oposição mútua entre momento e sistema
que costura sua obra. Em segundo lugar, diante desse ambivalente nexo em
fragmentos, Bonß alude a um tecido interno da obra, necessariamente inconcluso,
que é constituído por aquilo que ele chama de procedimentos cognitivos e, sob a
inquirição que se dirige ao modo, reaparece como o que buscamos: os
procedimentos metódicos que atuam na formação das análises modelares. Nesse
sentido, o passo seguinte de Bonß é mostrar que a idéia original de Adorno – no que
tange aos seus aspectos metodológicos deve exprimir justamente a defesa do
momento contra a opressão do sistema, como ressaltamos na análise da relação de
conseqüência entre anti-sistema e modelo. Para Bonß, se consideramos a dupla
necessidade de expor tanto a irracionalidade da totalidade social como a
possibilidade de uma vida racional,
então um conhecimento que abranja ambos os lados deve se colocar para
além da filosofia sistemática no sentido de uma formação positiva de
sistemas. Ele precisa adaptar-se à dispersão e admitir a forma de uma
preservação negativa de evidências [negativen Spurensicherung],
109
que
parte de elementos singulares e tenta concebê-los como expressão de uma
108
BONß, “Empirie und Dechiffrierung von Wirklichkeit”, in FRIEDEBURG; HABERMAS (Orgs.),
Adorno-Konferenz 1983, p. 202.
109
O termo Spurensicherung descreve a atividade forense que visa prevenir que os vestígios sejam
destruídos por agentes humanos ou naturais, o que garante que eles possam ser utilizados como
evidência em um processo.
71
unidade contraditória entre uma razão possível e uma desrazão efetiva. [...]
Para essa [estratégia], não se trata da subsunção do particular no universal,
mas da descoberta da universalidade contraditória no particular.
110
Assim, tais procedimentos cognitivos devem buscar conceber a expressão
contraditória daquele τόδε τι sem-conceito” que mostramos estar no escopo do
modelo de pensamento, isso se eles quiserem ser mais que mera denúncia da
falsidade efetiva, ou seja, se quiserem também descobrir a verdade possível que o
modelo de pensamento exprime no momento retórico como sua contradição
constitutiva. Em função da necessidade de descobrir a universalidade contraditória
no particular, Adorno é obrigado, como mostra Bonß, a desenvolver uma estratégia
que coordene a compreensão da contradição, segundo o aspecto cognitivo, e sua
exposição, segundo o aspecto expressivo. Logo, todo e qualquer procedimento, para
preservar a evidência em sua forma contraditória, esbarra na impossibilidade de uma
explicação positiva do particular: o que lhe cabe é coordenar a compreensão da
contradição. Nos termos consagrados por Dilthey, o método em Adorno não seria
nunca explicativo, mas sempre e necessariamente compreensivo. Porém, como
aquele particular revela-se sempre contraditório, os procedimentos metódicos são
menos um processo interno à teoria e mais uma atividade que estrutura a teoria. Ou
seja, na linha das hipóteses que estamos desdobrando, os procedimentos metódicos
em Adorno geram as análises modelares à medida que estruturam a compreensão.
Portanto, congruente ao aporte crítico feito à generalização do método por Buck-
Morss, podemos inferir que o procedimento buscado não deve resguardar a
concreção do particular que se expressa a cada diagnóstico do tempo, mas deve
110
BONß, “Empirie und Dechiffrierung...”, p. 204.
72
precisamente por isso coordenar a atividade de interpretação desse particular na
teoria. Como conclui Bonß:
Visto metodologicamente, trata-se, em tais preservações de evidências, de
realizar exegeses de interpretações [Interpretationen bzw. Deutungen], as
quais são necessárias porque o mundo, como uma vez formulou Foucault,
não “nos apresenta uma face legível que apenas teríamos de decifrar”.
111
[...] Todavia, a categoria de interpretação [Deutung] é tomada por ele
[Adorno] menos como processual, isto é, como processo de compreensão
[Verstehensprozeß], que como estrutural, a saber, como formação teórico-
estrutural com o fim de decifração [Dechiffrierung] do aparente.
112
Assim, a estratégia de preservação de evidências realiza-se em uma atividade que
permite a compreensão do singular como cifra justamente o que remete à
descoberta da universalidade contraditória no particular. Tal estratégia, segundo
Bonß, realiza-se como decifração, isto é, como interpretação da evidência e solução
do enigma que essa mesma evidência, como expressão da contradição,
representa.
113
Para nosso argumento, cumpre observar que Bonß afirma que o
núcleo de toda essa estrutura compreensiva – entendida como relação dinâmica que
tanto recupera a necessidade de resguardar a configuração particular de cada
diagnóstico do tempo, como permite a descoberta do contraditório no particular se
apóia na construção de um procedimento:
Adorno planeja exatamente essa imagem de movimento permanente e
duplo relacionamento quando, na Dialética negativa, descreve a produção
de ordenações experimentais [Versuchsanordnungen] como uma
111
FOUCAULT, A ordem do discurso, Loyola, 1996, p. 53.
112
BONß, “Empirie und Dechiffrierung...”, p. 204.
113
Cf. ibid., p. 204-207. Note-se que, como Buck-Morss, Bonß reencontra, ao tratar da metodologia
de Adorno, o horizonte representado pelo “programa comum”, aqui diretamente representado por
outras categorias de Benjamin: enigma [Rätsel] e cifra [Chiffre].
73
construção de constelações [Konstellationen] que permitem tornar visível o
objeto em constelações.
114
Ora, a se fiar na sugestão de Bonß, a hipótese liminar desta tese as análises
modelares se constroem segundo procedimentos metódicos que, guiados pela
“intenção intrínseca” dos particulares, aproximam coisa e expressão na própria
análise pode ser desdobrada na afirmação da constelação como fundamento de
toda a atividade teórica pretendida por Adorno. Em termos diretos, aquela utopia do
conhecimento a que as análises modelares procuram dar forma, “abrir o sem-
conceito com conceitos, sem torná-lo igual a eles”, pode se realizar por meio do
que a constelação representa: uma sempre provisória ordenação conceitual do sem-
conceito. Logo, enquanto procedimento metódico e princípio composicional, a
constelação parece nos fornecer a chave dos modelos de pensamento. Entretanto,
para que nossa tese se sustente, é preciso verificar duas condições aventadas:
em primeiro lugar, para não ferir o cerne da dimensão metodológica implicada na
utopia de Adorno, para resguardar a primazia do objeto, a constelação como
procedimento precisaria expor os diferentes diagnósticos e objetos; em segundo
lugar, para não ferir o cerne da dimensão teórica implicada no anti-sistema de
Adorno, para resguardar a oposição recíproca entre momento e sistema, ela
precisaria estar presente em todos os seus momentos. No que se segue
examinaremos o quê, o como e o porquê da constelação.
114
Ibid., p. 207. Na passagem citada, Bonß utiliza um termo, Versuchanordnung, que tem na obra de
Adorno uma pequena mas reveladora história: esse termo reflete, na oscilação inerente ao seu
sentido ora na compreensão científico-positiva de “experimento”, ora na compreensão artístico-
criativa de “tentativa” –, aquilo que de mais sutil na apropriação por Adorno de termos de outros
autores, no caso, de Brecht, através de Benjamin. Cf. ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-
1940, p. 98, nota. Cf. também o Capítulo 3, à frente.
74
2.2. CONSTELAÇÃO: ESBOÇO DE FIGURA
O esforço de ler Adorno segundo a chave que atribui à constelação a consolidação
da utopia do conhecimento permite que desdobremos sua obra em análises
modelares e marca uma contribuição específica desta tese. Contudo, a atenção à
constelação não chega a ser novidade na tradição de estudos adornianos. De fato,
uma grande parte dos comentadores se refere à constelação como uma idéia
nuclear de Adorno, enquanto uma parte considerável procura explicitar seu sentido e
alcance. Além disso, do mesmo modo que se com as metáforas musicais, a
imensa maioria dos comentadores emprega o termo constelação, nos contextos e
usos mais diversos, mesmo que mais por efeito retórico que em função do
argumento. Porém, se em maior ou menor grau parece claro a todos que
“constelação” circunscreve algo muito importante, não houve ainda o esforço
sistemático de se determinar o quê.
Seria impossível listar todos os textos sobre Adorno em que se pode ler o termo
constelação. Aliás, é quase possível dizer o contrário: não texto que não o faça,
seja como sinônimo bem-posto de “conjunto” ou “grupo”, seja como questão a ser
compreendida, ao menos em parte. O primeiro desses usos típicos, como dissemos,
é o mais numeroso na tradição. Seu modo exemplar é a construção de termos
compostos como “constelação de conceitos”, “constelação de teorias”, “constelação
de objetos”, “constelação de fenômenos”, “constelação de temas”, “constelação de
autores”, etc., modo que pretende atribuir compreensibilidade, embora não se
75
discuta algo primário: por que faria mais sentido dizer “constelação de” e não
“conjunto de” ou “grupo de”? Se esse uso do termo é onipresente, isso não significa
que ele seja justificado. Ao contrário, e infelizmente, muitas vezes ele se aproxima
de um expediente teórico duramente criticado por Adorno: o jargão. Quase nunca do
jargão que se pretende autêntico e, portanto, se revela impostura, mas muitas vezes
do jargão que se presume auto-evidente e denota impostação. Para esses usos,
vale a crítica rápida e direta encontrada numa nota de Adorno escrita, em 1967,
como adendo ao livro Jargão da autenticidade (1964): “Sendo o jargão uma forma
contemporânea da inverdade na jovem Alemanha, então em sua negação
determinada poderia ser experimentada uma verdade que se ergue contra sua
formulação positiva”.
115
Assim, contra os usos mistificadores do termo constelação
que geram mais problemas que soluções e os usos triviais do mesmo que não
sendo de modo algum condenáveis, podem ganhar muito com sua correta
apropriação –, o melhor a se fazer é estabelecer sua crítica a partir do uso, sentido e
ocorrência do termo, como faremos à frente.
O segundo uso típico do termo constelação pela tradição interpretativa, aquele que
procura desvendar a idéia de constelação, muito freqüentemente tem bons
resultados como aproximação às questões nucleares do pensamento de Adorno. Ao
se observar esse uso no conjunto das análises tanto pontuais como estendidas do
termo, identifica-se a atribuição de modos variados à idéia de constelação, que
talvez possamos aqui reconstruir segundo três passos analíticos, inevitavelmente
imbricados: 1) “constelação” descreve uma propriedade teórica ou um modo de ser
115
Jargon der Eigentlichkeit, GS 6, p. 526.
76
do pensamento, aproximando-se bastante do que vimos ser o sentido dos modelos;
2) “constelação” é um aspecto concreto ou modo de ser da coisa, o que nos remete
ao enigma que o objeto representa para o pensamento identificante; 3) “constelação”
é uma forma que desafia a intenção sistemática da teoria, princípio de composição
que dá visibilidade ao anti-sistema. De imediato, note-se que enquanto os dois
primeiros passos recuperam aquele princípio do “duplo relacionamento” sugerido por
Bonß,
116
consistindo, assim, na constelação como procedimento, o terceiro passo
remete à questão do estilo de Adorno e sua composição no ensaio. O
reconhecimento dos dois primeiros passos configura, sem dúvida, a mais comum
abordagem do problema. Ela é fundamentalmente correta uma vez que não
desconsidera o sentido primário do termo constelação, a saber, sua dupla remissão
aos aspectos conceitual e coisal.
117
Em Schiller, por exemplo, encontramos uma
formulação inequívoca, síntese da tese de Bonß sobre as constelações como
produção de ordenações experimentais: “O conceito de constelação contém uma
dupla interpretação. Por um lado trata-se de constelações de conceitos, por outro
lado da constelação na qual a própria coisa está”.
118
os estudos que procuram
apontar a dupla remissão do termo constelação e, a partir daí, abordam também o
princípio composicional em seus traços expressivos, estilísticos ou formais são ainda
116
Cf. BONß, “Empirie und Dechiffrierung...”, p. 207.
117
Boas apresentações atentas a essa dupla remissão podem ser lidas em SCHILLER,
“Übertreibung”, in SCHWEPPENHÄUSER (Org.), Soziologie im Spätkapitalismus, WBG, 1995, p. 204-
205, 214-216; GLAUNER, “Gut ist, was Sprache findet”, in AUER et al. (Orgs.), Die
Gesellschaftstheorie Adornos, Primus, 1998, p. 151-161. Cf. também o desdobramento sociológico
dessa relação em DEMIROVIĆ, “Geist, der fliegen will”, in SCHAFHAUSEN et al. (Orgs.), Adorno, p.
13-22; e seu desdobramento psicanalítico em RANTIS, Psychoanalyse und ‘Dialektik der Aufklärung’,
zu Klampen, 2001, esp. p. 14-27.
118
SCHILLER, “Übertreibung”, p. 214.
77
mais conseqüentes, embora bem menos freqüentes.
119
Sobre esse uso típico, note-
se também que conforme a perspectiva aberta por esta tese a de que as
constelações, como procedimento e princípio, são o meio de realização das análises
modelares esses três passos podem ser tomados como conduções parciais de um
mesmo problema: a utopia do conhecimento de Adorno, no que se refere à
aproximação entre coisa e expressão na análise modelar.
O uso do termo constelação que nos interessa é uma especificação desse segundo
uso típico: alguns raros comentários procuram não apenas desvendar a idéia de
constelação, mas também definir seu escopo na obra de Adorno. Sintomaticamente,
os mais rigorosos esforços de explicitação do sentido e alcance dessa idéia têm
como precursores aqueles dois autores que primeiramente se dedicaram a
compreender a questão de método em Adorno: Buck-Morss e Bonß.
120
Como dissemos, conquanto o estudo de Buck-Morss resvale para o reducionismo
implicado na atribuição de uma metodologia geral a Adorno, ele não deixa de nos
fornecer uma indicação definitiva ao propor que a dialética negativa adorniana
119
Uma parte dos trabalhos sobre a estética ou a ensaística de Adorno se mostra atenta a isso, como
podemos ver em GÓMEZ, El pensamiento estético..., p. 136-150; BAYERL, Von der Sprache der
Musik zur Musik der Sprache, K&N, 2002, p. 121-126; BAUER, Adorno’s Nietzschean narratives,
SUNY, 1999, p. 198-205. Cf. também a breve mas precisa apresentação desses três passos em
JOHANNES, “Das ausgesparte Zentrum”, in SCHWEPPENHÄUSER (Org.), Soziologie im
Spätkapitalismus, p. 57-58. A remissão da idéia de constelação à lógica do ensaio faz parte da
tradição desde o estudo de ALLKEMPER (Rettung und Utopie, Schöningh, 1981, p. 122-126).
120
Até onde sabemos, dois autores anteriores a Buck-Morss e Bonß trataram do problema da
constelação em Adorno, nos termos aqui aventados, porém ou não a trataram sob a perspectiva
metodológica, ou não fizeram uma análise sistemática de suas implicações. São eles: GRENZ,
Adornos Philosophie in Grundbegriffen, p. 211-222; KAISER, Benjamin. Adorno, Athenäum, 1974, p.
129-132, 150-153.
78
operaria segundo um procedimento de origem benjaminiana, justamente a
constelação.
Cada um dos ensaios de Adorno articula uma “idéia”, no sentido dado por
Benjamin, ao construir uma específica e concreta constelação a partir de
elementos do fenômeno, e faz isso a fim de que a realidade sócio-histórica
que constitui sua verdade se torne nela fisicamente visível. [...] Seu esforço
central era descobrir a verdade da totalidade social (que não poderia nunca
ser experimentada em si mesma) à medida que ela, quase literalmente,
aparecesse no objeto em uma configuração particular.
121
O passo seguinte de Buck-Morss é a justificação do modo possível de análise desse
procedimento: por reconhecer que o método de Adorno não é um “método formal
que possa ser separado de sua aplicação específica” e que a “excessiva
esquematização, refratária ao pensamento de Adorno, deve ser evitada”, Buck-
Morss opta por “clarificar os princípios composicionais de sua teoria vendo-os em
ação”.
122
Assim, nas páginas seguintes, ela alguns exemplos do como da
constelação ao acompanhar o acima aludido processo de decifração de um
fenômeno por Adorno, realizado justamente através do processo de construção de
constelações. Aqui cabem duas observações. Em primeiro lugar, a ambigüidade que
notamos no estudo de Buck-Morss se acentua: se a “excessiva esquematização
deve ser evitada”, não se compreende por que optar por atribuir à obra inteira de
Adorno o governo de um método, o método da dialética negativa. Mais ainda,
podemos questionar se esse método não é ele mesmo “separado de sua aplicação
específica” quando é atribuído a períodos da obra de Adorno que sequer tratam do
121
BUCK-MORSS, The origin of…, p. 96.
122
Ibid.
79
que seja uma dialética negativa.
123
Em segundo lugar, observe-se que, apesar
desse limite, Buck-Morss nos um dos primeiros usos conseqüentes do termo
constelação ao distinguir nele a realização de uma idéia que, como vimos, abrange
tanto uma propriedade teórica quanto um aspecto concreto, ao mesmo tempo em
que se define como princípio composicional. Nos seus termos:
Havia dois momentos no processo dialético de construção de constelações.
Um era conceitual-analítico, desmontando o fenômeno, isolando seus
elementos e mediando-os por meio de conceitos críticos. O outro era
representacional, juntando os elementos de um modo que a realidade social
se tornasse visível neles. No processo analítico, os elementos fenomênicos
eram vistos como linguagem em código, “cifras” da verdade sócio-histórica,
cuja tradução na linguagem conceitual de Marx e Freud gerava sua
interpretação, tornando possível “transformá-las” em um texto legível. Nesse
caso, objetos “dados” visíveis eram traduzidos nos termos de um processo
social invisível. Mas no momento da representação ocorria o contrário: os
elementos “caíam em uma figura”; eles congelavam em uma imagem visível
de termos conceituais.
124
Apesar de uma formulação excessivamente marcada pela análise de um único texto
da juventude de Adorno, o que, mais uma vez, mostra que o calcanhar de Aquiles de
Buck-Morss é a pressuposição de um método continuado em sua obra, podemos
identificar na definição acima os três passos analíticos que inevitavelmente devem
estar presentes em uma apresentação adequada da idéia de constelação em
Adorno. Como se viu, essa também é a perspectiva adotada posteriormente pela
afirmação por Bonß do duplo relacionamento envolvido na construção de
constelações. Contudo, talvez por não compreender o pensamento de Adorno como
mera extensão programática das hipóteses de Benjamin, Bonß é capaz de dar um
123
Essa questão não escapou a comentadores posteriores que reconhecem a relevância do estudo,
mas apontam precisamente esse limite. Cf. ZUIDERVAART, Adorno’s aesthetic theory, p. 54. Vale
observar que, mais uma vez, o limite da interpretação de Buck-Morss nos instrui a perseguir
rigorosamente os procedimentos metódicos ao longo da obra.
124
BUCK-MORSS, The origin of…, p. 101-102.
80
passo além de Buck-Morss ao encontrar na implicação sociológica da idéia de
constelação os fundamentos de uma pesquisa social crítica que, curiosamente,
aproxima Adorno de um autor de extração bastante diversa, Weber.
O entendimento da análise como composição que Adorno, como
musicólogo, supõe encontra-se, aliás, também em Max Weber, que
acerca disso afirma que os conceitos sociológicos não podem ser
impingidos [oktroyiert] dedutivamente ao material, mas “devem ser
gradualmente compostos a partir de seus elementos isolados tomados à
realidade histórica”.
125
[...] Para além de todas as diferenças, Adorno se
encontra ainda com Weber na medida em que também aos seus olhos a
sociologia constitui ao fim e ao cabo uma ciência compreensiva
[verstehende Wissenschaft].
126
Se nesse passo reencontramos a dimensão compreensiva implicada na
necessidade da decifração do aparente, cabe ainda ressalvar, como faz Bonß, que
“sobre o pano de fundo da fundamentação histórico-filosófica do conhecimento nas
ciências sociais” não como remeter essa dimensão do pensamento de Adorno à
referida distinção de Dilthey, senão à medida que consideramos que o
“pensamento em constelações” além de estruturar a compreensão e interpretação
do particular pode também ser entendido como um processo.
127
Ora, justamente
nesse caso, por ser uma instância que coordena o processo de composição dos
conceitos a partir de elementos reais, a constelação se comporta como categoria
sociológica e Adorno se vê próximo a Weber.
125
WEBER, “Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus”, in Potsdamer Internet-
Ausgabe, 2005, p. 30; trad. A ética protestante e o espírito do capitalismo, Pioneira, 1992, p. 28.
126
BONß, “Empirie und Dechiffrierung...”, p. 208.
127
Cf. ibid., p. 208-209.
81
A relevância de tal aproximação está em atribuir a Weber uma possível influência no
desenvolvimento por Adorno do princípio de análise como composição.
128
Essa
possibilidade atraiu desde cedo o esforço interpretativo de outros comentadores que,
como Bonß e Buck-Morss, também aludem à imbricação daqueles três passos
analíticos que encontramos na idéia de constelação: uma propriedade teórica e um
aspecto concreto, pólos de um procedimento metódico, e um princípio
composicional. A primeira referência a uma possível relação entre Adorno e Weber
sob esse aspecto foi feita por Rose que, em 1978, pôde dar atenção a uma
passagem da Dialética negativa
129
e notar que, entendida como categoria
sociológica, a constelação se comporta como os tipos ideais weberianos.
130
Embora
Rose não chegue a desenvolver tudo o que essa passagem comporta, sua nota nos
conduz a uma série de excelentes trabalhos, sobretudo o de Thyen, que
descortinam o horizonte até então insuspeito porque pouco freqüente em sua obra
da influência sociológica definitiva que Weber exerce sobre Adorno, segundo o
modo e função das categorias sociológicas. Nesse ínterim, a idéia de constelação
passa a ser referida não apenas a Benjamin, como se fazia desde Buck-Morss, mas
eventualmente também a Weber. Nas palavras de Thyen:
A convergência de “conceito” e “tipo ideal” se torna particularmente clara no
conceito de constelação de Adorno. É antes de tudo elucidativo que Adorno,
no contexto em que ele apresenta o conceito de constelação, remonta a
Weber e não ao “teórico da constelação”, Benjamin. Ele reconhece o
128
Tal relação de influência tampouco escapa aos comentadores da obra de Weber. Cf. o paralelo
entre ambos em COHN, Crítica e resignação, T. A. Queiroz, 1979, p. 3-6.
129
Cf. Negative Dialektik, p. 166-168.
130
ROSE, The melancholy science, p. 90-91.
82
momento de crítica ao cientificismo na sociologia de Weber no fato de que
ela é conduzida por conceitos sem hipostasiá-los.
131
Assim, se os dois primeiros aspectos envolvidos na idéia de constelação são uma
herança benjaminiana
132
e se referem ao “duplo relacionamento” sugerido por Bonß
“uma construção de constelações que permitem tornar visível o objeto em
constelações” –, que aqui recobre o que chamamos de procedimento metódico, o
terceiro desses aspectos, que envolve entender tanto a articulação entre a atividade
de compreensão e o princípio de composição, como a realização desse princípio em
um modo de exposição do pensamento, pode ser remetido à reconstrução por
Adorno da categoria weberiana de tipo ideal. Como conclui Müller-Doohm:
Para Adorno, o método de formação de tipos ideais é uma forma do compor
[Form des Komponierens] no nível da formação de teoria com o fim da
interpretação [Deutung] sociológica. Uma vez que o próprio Weber fala
sobre compor no contexto da formação de tipos ideais, é de se supor que o
compositor Adorno recorra a esse método a fim de esclarecer a idéia
metódica do constelar conceitual [der begrifflichen Konstellierung].
133
131
THYEN, Negative Dialektik und Erfahrung, p. 242-243.
132
Como foi dito, essa herança de Benjamin ocupará nosso Capítulo 3. Ressalve-se aqui, porém,
que outros comentadores abordam essa questão – na trilha de Buck-Morss – sem incorrer na
atribuição de um método geral derivado de Benjamin. De grande interesse são o excurso sobre o
“conceito” de constelação em Adorno no livro sobre Benjamin de KRAMER (Rätselfragen und wolkige
Stellen, zu Klampen, 1991, p. 120-129) e a análise da influência da idéia benjaminiana de “imagem
dialética” no projeto adorniano sugerida por TIEDEMANN (“Begriff Bild Name”, in LÖBIG;
SCHWEPPENHÄUSER (Orgs.), Hamburger Adorno-Symposion, p. 73-74) e desenvolvida por
HELMLING (“Constellation and critique”, Postmodern Culture, vol. 14, n. 1, 2003).
133
MÜLLER-DOOHM, Die Soziologie Theodor..., p. 166. Cf. também a apresentação desse
parentesco em DUARTE, Mímesis e racionalidade, p. 167-169.
83
2.3. CONSTELAÇÃO, ANÁLISE MODELAR, UTOPIA
Vejamos o que nossos últimos passos revelam. A busca pela chave dos modelos de
pensamento nos conduziu à constelação, procedimento metódico e princípio
composicional que se mostra consolidação da utopia do conhecimento. Enquanto
procedimento, a constelação apresenta-se como um feixe de propriedades teóricas
e aspectos concretos, o que nos permite afirmar que ela responde positivamente
àquela primeira condição implicada por essa utopia:
134
ela expõe diagnósticos e
objetos à medida que compreende justamente a dinâmica de coordenação desses
elementos. Enquanto princípio de composição, a constelação se resolve
formalmente em uma exposição constelatória, na qual os conceitos passam a
guardar, num esforço compreendido como retórico, aquilo que buscam interpretar.
Se, por ora, isso responde com certa clareza o como da constelação, podemos
também dizer que do mesmo modo que os modelos não é possível responder
diretamente o quê da constelação. Isso não está impedido, como no caso dos
modelos, porque a resposta remeteria ao pensamento de Adorno como um todo,
mas porque ela mesma se tomada como objeto do pensamento pode ser
compreendida sob a forma da constelação. Daí, ao contrário da pergunta hegeliana
pelo conceito do conceito, que necessariamente admite resposta, responder o que é
a constelação significa não dar uma resposta unívoca justamente o que está
bloqueado e sim uma resposta constelatória. Em outros termos, se o porquê da
134
Cf. o parágrafo final da Seção 2.1.
84
constelação implica, conforme a utopia do conhecimento, tentar alcançar o sem-
conceito através do conceito, então a constelação apenas pode ser exposta. Dito de
modo categórico: compreendemos a constelação à medida que ela compõe análises
modelares.
A tradição de comentários que procurou explicitar o sentido da constelação tocou
em algumas das questões acima resumidas. Há, por exemplo, alguns estudos que
imputam à constelação a função de método e, a partir disso, referem-se a alguns de
seus traços. Zuidervaart identifica na obra de Adorno três procedimentos metódicos
negação determinada, historicismo e constelação e explica a constelação ao
apontar para um princípio anti-essencialista que estaria na base de seu pensamento:
“devemos construir uma constelação de conceitos para iluminar os contornos
cambiantes de um fenômeno que se desdobra continuamente”.
135
Essa perspectiva,
que alinha Adorno a uma posição de crítica à ontologia tradicional, recebe o apoio
do trabalho de Többicke, que procura justamente explicitar sua “ontologia crítica”,
dela derivando uma análise que se desdobra em três aspectos metodológicos:
experiência, constelação e não-identidade.
136
Nesse estudo invulgar podemos
encontrar a mais extensa exposição do “conceito” de constelação realizado.
Conquanto a designação de constelação como um conceito não venha sem
135
ZUIDERVAART, Adorno’s aesthetic theory, p. 62.
136
Cf. TÖBBICKE, Negative Dialektik und kritische..., esp. p. 75-106. Cf. também sua apresentação
da questão metodológica na obra de Adorno, que serve como fundamento de sua proposta de uma
ontologia crítica (ibid., p. 24-29).
85
preço,
137
Többicke atribui a isso que chamaremos de categoria do pensamento de
Adorno uma posição-chave, na medida em que afirma que um pensamento em
constelações aparece na obra como recurso metodológico do pensamento não-
identificante. Na verdade, continua Többicke, em função da promessa contraída com
o não-idêntico, a dimensão prática do pensamento de Adorno pode se realizar
por constelações, nunca por definições: “Quanto mais o conceito de constelação [...]
comunica-se com o conceito de evidência, tanto mais ele, por outro lado, se
encontra em uma relação que se pode chamar de frágil com o conceito de
definição”.
138
Portanto, a constelação mantém-se indefinível porque nela se
resguarda tanto a possibilidade da não-identidade, como o ínfimo liame entre objetos
e pensamento. Se os modelos, ou ainda, as análises modelares mantêm uma
relação intrínseca com diagnósticos porque deles depende o “aferrar-se à coisa”,
isso só pode se dar porque a constelação, enquanto as compõe, garante e coordena
a interpretação dos objetos. Assim, entende-se que a utopia do conhecimento não
apenas se apóia nas constelações como exige que esse esforço se faça sempre em
vista dos diagnósticos. Como sustenta Nobre, “o esforço do conceito de superar a
sua própria ‘insuficiência inevitável’ chama-se constelação e “a ‘constelação’ é
categoria que não apenas não admite definição como também é refratária a
137
Voltaremos a essa questão logo à frente. Por ora, ressalte-se que duas boas apresentações da
categoria de constelação que vimos em citações anteriores incorrem nesse mesmo erro: SCHILLER,
“Übertreibung”, p. 214; THYEN, Negative Dialektik und Erfahrung, p. 242-243.
138
TÖBBICKE, Negative Dialektik und kritische..., p. 92.
86
qualquer tratamento teórico que pretenda isolá-la de suas configurações
concretas”.
139
Em vista dos últimos passos, cabe explicitar por que tomamos a constelação como
categoria e não como conceito. Em primeiro lugar, como ressaltam Többicke e
Nobre, a constelação mantém uma relação problemática com a definição e, nessa
exata medida, se abre para além do conceito. Em segundo lugar, aceita a hipótese
de que a constelação é chave dos modelos de pensamento, então a designação por
conceito envolve também um contra-senso ao impedir a correta compreensão da
principal tarefa a que os próprios modelos de pensamento se lançam: “alcançar para
além do conceito através do conceito”. Em terceiro lugar, se aceitarmos que a
constelação é simultaneamente procedimento e composição, então ela
rigorosamente transcende o domínio da univocidade do conceito para se constituir
como o espaço lógico que os coordena e expõe. Desse modo, podemos dizer que a
constelação é condição de possibilidade dos conceitos sob o esquema dos modelos
de pensamento. Não é por outro motivo que optamos pelo termo categoria. A
memória kantiana que o termo evoca, embora não possa ser tomada à risca, aponta
para um elemento comum: em Kant, das categorias, como conceitos puros do
entendimento, depende a possibilidade de compreensão do múltiplo da intuição;
140
em Adorno, da categoria de constelação, como chave do modelo de pensamento,
depende a possibilidade de expressão do não-idêntico.
139
NOBRE, A dialética negativa…, p. 168 e 169.
140
KANT, Kritik der reinen Vernunft, in Werke in zehn Bänden, vol. 3, B 106, p. 119; trad., Crítica da
razão pura, vol. 1, p. 106.
87
É nesse sentido que a constelação pode ser vista como o procedimento que pode
realizar a utopia do pensamento de Adorno: ela traz para dentro de si a dinâmica
própria que caracteriza as análises modelares; nela se encontram em permanente
tensão os diagnósticos e os objetos. Essa é também a conclusão de um dos mais
influentes textos escritos sobre o pensamento de Adorno, a contribuição de
Schnädelbach à conferência de 1983:
Que a interpretação das constelações ou configurações de conceitos, às
quais Adorno imputa o fim utópico do conhecimento [utopische
Erkenntnisziel], não seja mera projeção mas contexto necessário do
discurso, isso mostra a própria caracterização por Adorno da práxis da
dialética negativa e, antes de tudo, a estrutura do modelo, que ele mesmo
apresentou como modelo dessa práxis.
141
Assim, a partir da compreensão da constelação como um procedimento metódico
que estrutura elementos teóricos e concretos e, como tal, aponta para a utopia do
conhecimento de Adorno, podemos ratificar a seguinte pressuposição: seu
pensamento exige que o tratamento de suas categorias não se faça sob a forma de
definições, mas sob a forma de uma exposição constelatória, único modo de fazer
justiça à sua utopia enquanto atividade teórica, em vista dos conceitos, e concreta,
em vista dos diagnósticos. Exatamente por reconhecer essa questão, Hermann
Schweppenhäuser pode propor uma leitura que se apóia no princípio de um
procedimento constelatório [konstellatives Verfahren], posto que essa categoria
permitiria uma exposição privilegiada das questões mais internas ao projeto filosófico
em questão.
142
Nesse ponto, ele persegue a indicação de um “pensamento em
141
SCHNÄDELBACH, “Dialektik als Vernunftkritik”, in FRIEDEBURG; HABERMAS (Orgs.), Adorno-
Konferenz 1983, p. 83.
142
SCHWEPPENHÄUSER, “Denken in Konstellation konstellatives Denken”, in FLEISCHER (Org.),
Philosophen des 20. Jahrhunderts, WBG, 1995, p. 210-211.
88
constelações” feita por Bonß e exemplarmente retomada por Gerhard
Schweppenhäuser:
Mas como poderia isso [a compreensão do não-idêntico] ser possível?
Adorno quer alcançá-lo através do procedimento [Verfahren] de um
pensamento constelatório. [...] Um pensamento que poderia adaptar seu
próprio movimento ao movimento do objeto, sem que nessa quase mimética
aproximação ele tivesse que abdicar de sua autonomia tal é a utopia
concreta do conhecimento em Adorno, que não é alcançável de outro modo
que pelo caminho da crítica imanente.
143
Enquanto a referência ao princípio de crítica imanente evoca o princípio de negação
determinada no âmbito do anti-sistema, justamente o que o “procedimento de um
pensamento constelatório” visa alcançar, a referência à dimensão mimética
implicada no procedimento constelatório nos remete ao outro modo da idéia de
constelação, aquele que acena para a possibilidade de compreendê-la como um
princípio de composição e um modo de exposição que salvaguarda o momento
mimético. Por esse motivo, se a categoria de constelação revela-se também como
realização formal da utopia de Adorno, ou seja, se a constelação, como modo de
exposição do pensamento, exprime a intenção utópica do seu anti-sistema, então
resulta claro que essa intenção tem como pano de fundo o que Adorno chamará de
solidariedade com a “metafísica no instante de sua queda”, final enigmático de sua
obra que circunscreve, ao fim e ao cabo, a “quase mimética aproximação” ao objeto
realizado pela constelação.
144
143
SCHWEPPENHÄUSER, Theodor W. Adorno zur..., p. 66-67.
144
Cf. Negative Dialektik, GS 6, p. 400. O reconhecimento da relação crucial entre a crítica da
metafísica e a categoria de constelação em Adorno se deve à contribuição definitiva da tese de
MARAS (Vernunft- und Metaphysikkritik..., esp. p. 139-155).
89
O princípio composicional da constelação, isto é, a resolução dos elementos teóricos
e concretos em uma exposição constelatória, é o que recebe menos atenção da
tradição. Na verdade, os estudos que se dedicam às dimensões estilística ou formal
de Adorno não apenas são menos freqüentes, como também tendem a negligenciar
aspectos metodológicos, especialmente no que concerne à centralidade da
categoria que perseguimos.
145
Salvo engano, à parte algumas referências à
constelação como problema formal,
146
o único trabalho que trata sistematicamente
da questão sob esse prisma é o mencionado excurso de Kramer.
147
No entanto,
embora notável sob muitos aspectos, esse estudo é insuficiente na medida em que,
ao desconsiderar a implicação procedimental da categoria de constelação, ignora o
problema da dependência entre diagnóstico e momento, fortalecendo a imagem
determinada pela hermenêutica da continuidade. Exatamente por isso, Kramer
repete uma das mais persistentes inconsistências que encontramos na tradição
adorniana: o tratamento isolado das questões estéticas. A gravidade dessa
inconsistência e o impacto da tendência daí derivada na tradição nos obriga aqui a
um comentário mais detido.
Em primeiro lugar, é importante observar que essa tendência não parece ter tomado
conhecimento de um dado elementar, sistematicamente sustentado por Adorno:
145
Depois do citado estudo de Rose estabelecer a chave de leitura marcada pela atenção ao
problema do estilo em Adorno, poucos autores mantiveram uma análise continuada e consistente do
problema. Dentre eles, cabe o destaque do trabalho de GARCÍA DÜTTMANN (cf. “Thinking as
gesture”, New German Critique, n. 81, 2000, p. 143-152; e So ist es, Suhrkamp, 2004, esp. p. 36-49).
146
nos referimos ao estudo de GÓMEZ (El pensamiento estético..., p. 123-150) e às análises
pontuais realizadas por BAYERL (Von der Sprache der Musik..., p. 121-126) e BAUER (Adorno’s
Nietzschean narratives, p. 198-205).
147
KRAMER, Rätselfragen und wolkige..., p. 120-129, esp. p. 126.
90
compartimentar a atividade do pensamento, por extensão, compartimentar seus
registros, não apenas é infrutífero, como é, em grande medida, contrário ao motivo
liminar de toda a teoria crítica e que define o papel da filosofia.
148
Logo, tratar dos
temas estéticos sem levar em conta nenhum dos demais registros do pensamento
adorniano tanto é sinal de desatenção a um de seus princípios fundamentais, como
pode até mesmo conduzir os estudos a exposições fundamentalmente falhas. Em
caráter eventual, como no caso do trabalho de Kramer, voltado apenas à análise da
dimensão ensaística de Adorno, o tratamento isolado tem resultados fecundos,
porém certamente não configura uma hermenêutica rigorosa a ponto de gerar um
programa de pesquisa que tenha o foco na obra, entendida como um diagnóstico de
seu tempo, portanto historicamente determinada, e não como um sistema
inequívoco de razões aplicáveis a qualquer situação.
Em segundo lugar, precisamente no que concerne a essa última questão, que se
fazer uma observação importante: não foi outro abuso metodológico que conduziu
uma parte expressiva do empenho analítico a entrar na ciranda da crítica à indústria
cultural, tendência que, muito embora tenha suscitado alguns trabalhos primorosos,
é indelevelmente marcada por diligentes “tomadas de posição”, gerando um curioso
círculo de desentendimento de parte a parte. O desdobramento completo desse
148
Encontramos tantas referências a isso na obra de Adorno e dos demais teóricos críticos que
resulta quase impossível destacar as mais importantes. Algumas das mais conhecidas estão em
HORKHEIMER; ADORNO, “Vorrede” e “Philosophie und Arbeitsteilung”, Dialektik der Aufklärung, GS
3, p. 11-16, 279-281; trad., “Prefácio” e “Filosofia e divisão do trabalho”, Dialética do esclarecimento,
p. 11-15, 226-228; “Max Horkheimer”, GS 20.1, p. 158-159; “Wozu noch Philosophie”, GS 10.2, p.
464-469; “Notiz”, Jargon der Eigentlichkeit, GS 6, p. 524-525. Uma exaustiva apresentação do
pressuposto teórico crítico de que a filosofia deva funcionar como atividade de resistência à divisão
de trabalho intelectual se encontra em DEMIROVIĆ, Der nonkonformistische Intellektuelle, Suhrkamp,
1999, p. 603-632.
91
imbróglio não poderá ser feito nesta tese, porém algumas implicações devem ser
observadas, mesmo que rapidamente, uma vez que recuperam sob nova chave
questões já trabalhadas.
149
149
A hipótese que baliza nossa leitura na próxima seção tem origem na análise de parte do
vastíssimo material produzido sobre a questão da indústria cultural. Não poderemos tratar aqui de
todos os seus aspectos, mas destacaremos alguns dos estudos que nos conduziram à elaboração da
hipótese, segundo uma tipologia que procura dar conta da complexa rede entretecida por essa
produção.
Entre os estudos que analisam a questão da indústria cultural a partir da congruência aos
pressupostos que governam o pensamento de Adorno (Tipo 1), são proeminentes os livros de COOK,
The Culture Industry Revisited, Rowman & Littlefield, 1996; e DUARTE, Teoria crítica da indústria
cultural, UFMG, 2003; bem como os vários debates encampados pela revista Zeitschrift für kritische
Theorie (cf., por exemplo, os textos de DUARTE, “Zurück in der Zukunft”, e ZUCKERMANN, “Aspekte
‘hoher’ und ‘niedriger’ Kultur”, ambos na seção “Kulturindustrie – Fortsetzung folgt”, vol. 6, n. 10, 2000,
p. 61-71 e 89-106). Nesses estudos o que se intenta é traçar a fisionomia da indústria cultural como
fenômeno contemporâneo por via da explicitação dessa idéia segundo as categorias adornianas, o
que os leva a estabelecer um “re-equacionamento” da questão a partir da idéia de uma indústria
cultural tornada global e, no mesmo passo, a romper decisivamente o limite do tratamento isolado das
questões estéticas.
Entre os que são marcados mais pela “tomada de posição”, portanto, mais pela incongruência do que
pela remissão à obra de Adorno (Tipo 2), merecem menção sobretudo os artigos de ANDRAE, “The
culture industry reconsidered”, Jump Cut, n. 20, 1979; BAUGH, “Left-wing elitism”, Philosophy and
literature, n. 14, 1990; KEMPER, “Der Rock ist ein Gebrauchswert”, Merkur, vol. 35, n. 9/10, 1991;
RUYTER, “Fragment zum Jazz”, Merkur, vol. 48, n. 8, 1994; e o livro de PUTERMAN, Indústria
cultural, Perspectiva, 1994. Conquanto sejam presas do equívoco gerado pela compreensão limitada
à estética, algumas dessas contribuições têm o mérito inegável de apontar limites no diagnóstico
adorniano quando aplicado sem mais à situação contemporânea.
Além dessas, podemos encontrar na tradição uma terceira tendência que, embora guarde um
parentesco com as anteriores, estabelece com a elas e com a obra de Adorno uma relação de
mediação à qual poderíamos alinhar, em certa medida, os nossos propósitos nesta tese. Em
conformidade ao princípio de que a fecundidade do campo da crítica à indústria cultural se reporta ao
estabelecimento de novos diagnósticos acerca dos produtos culturais, o que move essa tendência
mediativa é a leitura de Adorno “a contrapelo” (Tipo 3), um exercício que nasce da atenção à célebre
passagem de Benjamin sobre a tarefa do materialismo (cf. “Über den Begriff der Geschichte”, in
Gesammelte Schriften, I.2, p. 697; trad. “Sobre o conceito da história”, in Obras escolhidas, vol. 1,
Brasiliense, 1993, p. 225). Para a validação dessa tendência, são também importantes os sinais de
que, nos anos que antecedem sua morte, Adorno se aproximava da reavaliação de alguns aspectos
de seu diagnóstico acerca da indústria cultural (cf. sobretudo os ensaios “Der wunderliche Realist”,
GS 11; “Zweimal Chaplin, II”, GS 10.1; “Filmtransparente”, GS 10.1; “Freizeit”, GS 10.2). A
apresentação dos modelos interpretativos evocados por essa tendência, muitos dos quais bastante
fecundos, exigiria um espaço que esta tese não comporta, porém, como indicação de leitura,
podemos apontar suas ramificações e os textos-chave de cada uma delas.
A mais contundente delas, também a que nos parece mais acertada, é a que procura rever a crítica
de Adorno ao cinema (Subtipo 3.1). Toda essa produção pode ser focada a partir dos trabalhos de
Hansen e sua leitura do novo cinema alemão, ao qual Adorno, aliás, emprestava certa validade:
92
HANSEN, “Introduction to Adorno”, New German Critique, n. 24/25, 1982; “Benjamin, cinema and
experience”, New German Critique, n. 40, 1987; “Of mice and ducks”, The South Atlantic Quarterly,
vol. 92, n. 1, 1993. Cf. também: ROSEN, “Adorno and film music”, Yale French Studies, n. 60, 1980;
ALLEN, “The aesthetic experience of modernity”, New German Critique, n. 40, 1987; SILVA, “Adorno
e o cinema”, Novos Estudos CEBRAP, n. 54, 1999; STAM, Film theory, Blackwell, 2000, p. 64-72;
SEEL, “Unkontrolliert dabeisitzen”, in SCHAFHAUSEN et al. (Orgs.), Adorno, p. 25-31; e LOUREIRO,
“Considerações sobre o cinema na teoria crítica”, Impulso, vol. 16, n. 39, 2005.
A segunda dessas ramificações também procura fazer uma revisão, no caso, ao diagnóstico de
Adorno sobre o Jazz (Subtipo 3.2). Ao contrário do que ocorre com o cinema, o Jazz recebe de
Adorno uma avaliação negativa inequívoca (cf. esp. “Über Jazz”, GS 17, p. 74-108; “Zeitlose Mode”,
GS 10.1, p. 123-138; trad. “Moda intemporal”, Prismas, p. 117-130; e “Replik zu einer Kritik der
‘Zeitlosen Mode’”, GS 10.2, p. 805-809; trad. “Réplica a uma crítica à ‘Moda intemporal’”, Prismas, p.
281-285). A razão desse diagnóstico pode ser lida no brilhante livro de STEINERT, Die Entdeckung
der Kulturindustrie, VG, 1992, que não exatamente revê a posição de Adorno, embora procure
avançar em uma “teoria do Jazz como arte irônica” (cf. ibid., p. 137-158), o que reabilitaria algumas
de suas potencialidades estéticas. Alguns outros esforços nesse sentido, mesmo que marcados pela
explícita “tomada de posição” contrária a Adorno, produziram um resultado filosoficamente atraente.
Destacam-se o artigo de SCHÖNHERR, “Adorno and Jazz”, Telos, n. 87, 1991; e o festejado livro de
BÉTHUNE, Adorno et le Jazz, Klincksieck,
2003. No entanto, parece-nos que o artigo que trata do
problema de modo mais fecundo é o de WILCOCK, “Adorno, Jazz and racism”, Telos, n. 107, 1996.
Finalmente, a terceira ramificação, provavelmente a que mais distante está da letra da obra de
Adorno, porém talvez a mais próxima do motivo inicial que a gerou, é a que procura situá-lo em
relação ao debate sobre a modernidade, ou antes, sobre o pós-moderno. Nessa, a partir do
diagnóstico que aponta uma transformação historicamente determinada das formas de produção da
cultura, o problema da indústria cultural é reconstruído como o problema da cultura Pop (Subtipo 3.3).
Por um lado, essa tendência reporta-se ao ambiente intelectual norte-americano, principalmente aos
estudos culturais e sua revisão dos critérios históricos de valor cultural. Sob esse aspecto, as
referências mais próximas da tradição adorniana nos parecem ser o artigo de JAMESON que
visibilidade ao problema, “Postmodernism, or the cultural logic of late capitalism”, New Left Review, n.
146, 1984, retomado, em 1990, em seu volume sobre Adorno, O marxismo tardio, Unesp, 1997; além
dos dois livros de CONNOR, Cultura pós-moderna, Loyola, 2000, publicado em 1989, e Teoria e valor
cultural, Loyola, 1994, publicado em 1992, que replicam no ambiente europeu um problema que
nasceu com o ensaio de LYOTARD, A condição pós-moderna, José Olympio, 1998, publicado em
1979. Por outro lado, é no ambiente intelectual alemão que o debate sobre o pós-moderno se fez
notar como índice de um novo diagnóstico do tempo, o que exigiria uma revisão da teoria clássica da
indústria cultural e sua apropriação a contrapelo. Para isso, contribuíram, fundamentalmente, dois
movimentos intelectuais. O primeiro deles se viu articulado por um grupo de germanistas em
instituições fora da Alemanha, principalmente nos Estados Unidos. Cf. os textos de HUYSSEN,
“Postmoderne eine amerikanische Internationale?”, e RAULET, “Zur Dialektik der Postmoderne”,
ambos no volume organizado por HUYSSEN e SCHERPE, Postmoderne, Rowohlts, 1997, p. 13-44 e
128-150. O segundo movimento se articula a partir de autores com imensa veiculação na imprensa,
como Diederichsen e Büsser, e da revista alemã Testcard, que se propõe a escrever a história e
teoria do Pop sobre as bases dos estudos culturais e da teoria crítica. Cf. DIEDERICHSEN,
“Zeichenangemessenheit ”, in SCHAFHAUSEN et al. (Orgs.), Adorno, p. 33-46; e BEHRENS, Krise
und Illusion, Lit, 2003.
Evidentemente, as três ramificações da leitura mediativa (Subtipos 3.1, 3.2 e 3.3) guardam uma
proximidade entre si e, no nosso entender, procuram realizar, cada qual a seu modo, uma tarefa
enunciada por Paetzold: “uma teoria estética que se estenda para uma teoria da cultura tem tanta
necessidade hoje de uma teoria da indústria cultural, quanto tem de uma teoria da arte” (PAETZOLD,
“Kultur und Gesellschaft bei Adorno”, in SCHWEPPENHÄUSER (Org.), Soziologie im
Spätkapitalismus, p. 129). Note-se que essa também poderia ser uma tarefa enunciada pela
93
2.3.1. ESTETIZAÇÃO
Se voltarmos os olhos para a parte da produção estritamente acadêmica acerca de
Adorno que, todavia, é balizada pelo tratamento isolado da estética algo que aqui
chamaremos de estetização intrínseca –, veremos um grande número de ensaios,
artigos e livros que procuram compreendê-lo, sobretudo, como um autor voltado à
crítica cultural e a reflexão acerca da arte moderna, a arte de vanguarda, a música
nova, a nova dramaturgia, etc. Ao lado disso, outra parte dos especialistas procura
entender, pendendo a balança para o lado da crítica, não apenas o modo de ser da
arte nesses sucessivos momentos, mas a forma contemporânea da produção
cultural em geral, abrangendo o que seriam as duas faces de um mesmo fenômeno:
o pólo da autonomia, representado pelo que Adorno chamou, repetidas vezes, de
arte, e o pólo da heteronomia, representado pelo afamado conceito indústria cultural.
E aqui chegamos ao núcleo do problema que queremos acompanhar. A maior parte
tendência congruente (Tipo 1), com uma diferença: ao contrário dessa, e a partir de um diagnóstico
semelhante, a leitura mediativa se propõe não apenas o re-equacionamento da questão, mas
também o abandono de algumas categorias.
Para além dessa tipologia aberta pela implicação estética da idéia de indústria cultural, está o livro de
ZUCKERMANN, Gedenken und Kulturindustrie, Philo, 1999, que aplica as categorias adornianas à
análise do holocausto. Embora se trate ainda da indústria cultural, o que está em jogo na obra é
menos a crítica às mercadorias culturais e mais a crítica à produção de falsa consciência pelo
revisionismo histórico, o que significa uma apropriação das categorias do capítulo sobre a indústria
cultural na Dialética do esclarecimento, aplicadas ao esquema do anti-semitismo, sugestão
encontrada na própria obra e que, até onde sabemos, foi exposta primeiramente no ensaio de
CLAUSSEN, “Nach Auschwitz”, em um volume organizado por DINER, Zivilisationsbruch, Fischer,
1988, p. 54-68. Cf., no mesmo volume, o ensaio luminoso de POSTONE, “Nationalsozialismus und
Antisemitismus”, p. 242-254, que deve ser lido como adendo necessário ao esquema exposto no livro
de Adorno e Horkheimer.
94
da leitura que se faz de Adorno fora do meio acadêmico tem como marco
fundamental sua crítica aos produtos da chamada indústria cultural, especialmente
aqueles que ele rejeitou e que são, ao contrário, fonte de deleite para uma infinidade
de pessoas, como é o caso do Jazz e da música popular, do cinema e da astrologia.
Nesse outro círculo, Adorno é pouco lido, mas combatido ou defendido com paixão
inesgotável. O que nos parece essencial no entendimento dessa questão é que, em
função do que mostramos até agora, o tratamento não isolado, digamos,
constelatório, deveria ser a condição inicial para uma discussão adequada das
razões para a inclusão ou exclusão de cada uma dessas expressões culturais na
extensão dos conceitos arte e indústria cultural. Em outra forma: o debate sobre a
indústria cultural não se torna atividade crítica, no sentido proposto por Adorno, a
não ser que as demais categorias de seu pensamento sejam postas à baila. Ora,
como o debate não-acadêmico acerca da validade da crítica de Adorno à indústria
cultural não passa pela compreensão dos diversos registros de sua obra, como esse
debate nem mesmo parte da pergunta pelo porquê do seu diagnóstico implicar tal
crítica, então qualquer que seja a entrada na questão, qualquer que seja a
“tomada de posição” a referência à Adorno, no debate, é mero adorno. No caso,
tratar-se-ia somente de encontrar ou rejeitar algum argumento de autoridade para
escolhas feitas e carentes de fundamentação. Esta é a estetização extrínseca:
Adorno como adorno.
Logo, o que queremos notar é que se, por um lado, a querela midiática acerca da
indústria cultural é motivada pelo fenômeno da estetização extrínseca de Adorno,
que se resolveria com a mudança das condições de recepção da obra, essa
depende, por outro lado, de uma alteração no modo persistente pelo qual os estudos
95
adornianos têm obnubilado a inconsistência da estetização intrínseca de sua obra. A
hipótese que propomos para a solução desse impasse nos reconduzirá ao ponto que
deixamos em aberto.
Na observação que abre o volume com as atas do congresso de Frankfurt em
comemoração aos cem anos do nascimento de Adorno, Honneth observa:
Nos últimos anos, pode-se dizer certamente sem exagero, consumou-se no
mainstream das ciências do espírito e sociais um dramático abandono da
teoria de Adorno; [...] somente na estética sua teoria ainda tem um papel
influente, pode-se dizer dominante, porque ela pode funcionar como chave
para a compreensão da arte moderna.
150
Se julgarmos válido o diagnóstico de Honneth, contraponto interessante ao
diagnóstico dos organizadores daquela mostra de arte comemorativa que abriu esta
tese,
151
podemos inferir que a Teoria estética passou a ser a porta de entrada e
chave explicativa da obra de Adorno. Essa inferência permite o estabelecimento de
uma hipótese que conquanto não seja plenamente demonstrável, tem alto poder
explicativo. Com efeito, a partir dos diagnósticos citados, é possível inferir que, “nos
últimos anos”, a imensa maioria dos jovens adornianos passou a se dedicar ao
estudo da dimensão estética de sua obra. Ora, na medida em que esta recepção
intrínseca levava a tradição a se confrontar com os aspectos salientados pela
recepção extrínseca, o debate acerca da indústria cultural aflorava como o da
questão para ambos: por um lado, os especialistas reconheciam que Adorno estava
150
HONNETH, “Vorbemerkung”, in HONNETH (Org.), Dialektik der Freiheit, Suhrkamp, 2005, p. 8.
151
HIRSCH; MÜLLER, “Vorwort”, in SCHAFHAUSEN et al. (Orgs.), Adorno, p. 7-9. O ponto a ser
observado é que enquanto Honneth afirma que os estudiosos adornianos se refugiaram na estética,
Hirsch e Müller apontam que mesmo ali sua dominância vem sendo disputada. O que se deve notar,
porém, é que o fato de ainda haver disputa indica sua presença; o que é dramático, como sugere
Honneth, é o silêncio nas demais áreas.
96
sendo veiculado como mercadoria cultural no modo da estetização extrínseca e,
para combater essa tendência, se aferravam cada vez mais na análise imanente da
obra, o que contribuiu para que a estética fosse ainda mais estudada, em detrimento
das dimensões que haviam perdido respaldo na canônica acadêmica, fortalecendo,
nessa medida, a estetização intrínseca; por outro lado, os leigos, recebendo as
respostas cada vez mais técnicas geradas pela estetização intrínseca, não tinham
outra reação a não ser concluir que Adorno é mesmo incompreensível, o que
acabou contribuindo para reforçar a estetização extrínseca, uma vez que nenhum
leigo se sentia apto para lidar com ele e, não obstante, lidava. Com isso, o debate
entre especialistas e leigos foi se tornando um diálogo de surdos, gerado pelo fosso
cada dia maior entre ambos.
Desdobrando a hipótese: com o peso desmedido dado ao domínio estético da obra,
resultado dessa estratégia de combate ao Adorno que é mero adorno, a recepção
intrínseca aprofundou a cegueira envolvida no tratamento inconsistente da obra. Ao
mesmo tempo, tal cegueira hermenêutica parece se radicar em um outro passo do
problema: quando lidamos com a Teoria estética ou a crítica à indústria cultural,
Adorno parece contemporâneo, parece estar falando diretamente a nós, parece
estar vivo. Ora, isso ocorre não apenas pela validade de seu diagnóstico ou porque
sua obra se fez chave de leitura da arte moderna, mas também porque um
debate intenso acerca dessas questões na periferia da academia, debate cujo motor
é justamente o conflito entre as duas ordens de recepção. Logo, a cegueira
hermenêutica é especialmente motivada por uma ilusão de um “Adorno vivo”, ilusão
essa que se deve ao mecanismo de retro-alimentação do debate acerca da indústria
cultural.
97
A saída para esse dilema é, como defendemos no capítulo anterior, admitir que
Adorno não está vivo, não é “atual”, pelo menos não exatamente: seu pensamento
se torna tanto mais concreto, quanto mais se deixa atualizar; e como nem a época
para a qual ele falava é a nossa, nem os fenômenos que descrevia são os mesmos,
então tanto os diagnósticos devem ser refeitos, como os conceitos devem ser
compreendidos em uma nova figura. Em síntese, cabe considerar que essa série de
posições críticas, constituída por via da negação determinada dos momentos, alude
a distintas constelações. Isso não significa que nada do que então foi dito não tenha
validade,
152
nem que não haja nada parecido com uma indústria cultural nos dias de
hoje: pelo contrário, tanto há, que foi justamente sua atividade que levou à
estetização de Adorno. O que se trata, portanto, é de reconhecer que os mesmos
traços que nos afastam da indústria cultural “clássica”,
153
presente até onde não
imaginávamos – na tradição interpretativa do pensamento do próprio Adorno –,
ainda nos permitem dizer que “o diagnóstico de Adorno do caráter de mercadoria da
cultura envelheceu bem ele se tornou, depois de décadas, sempre mais
correto”.
154
152
Fundamentalmente, entendemos que ainda tem validade o que define a questão, a saber, “os
conceitos de uma obra de arte radical, que aspira à autonomia na relação com seu contemplador, e
de cultura de massa, que vive em função dos desejos e expectativas de quem a consome,
integrando-se em um contexto de consumo” (FREITAS, Adorno e a arte contemporânea, Zahar, 2003,
p. 52). O que não significa, todavia, que os fenômenos que esses conceitos abarcam sejam, hoje,
localizáveis. Paradoxalmente, as condições contemporâneas de produção cultural parecem ter
emprestado a esses conceitos algo que deles não se esperava: que determinassem apenas
condições transcendentais de possibilidade.
153
Cf. DUARTE, Teoria crítica da indústria cultural, p. 174-182.
154
STEINERT, “No reino das belas e boas mercadorias”, Die Zeit, 28/01/1999.
98
2.4. ENTRE ARTE E FILOSOFIA
De volta à argumentação anterior, vê-se como a inconsistência envolvida no
tratamento isolado das questões estéticas, contrária a motivos nodais do
pensamento de Adorno, tanto tem um impacto deletério na recepção de sua obra,
quanto contribui pouco para a consolidação de uma hermenêutica rigorosa. Sob o
ponto de vista da produção acadêmica conseqüente, o mais notável problema
gerado por tal inconsistência é o vácuo paulatinamente constituído entre os
numerosos estudos sobre a Teoria estética e os comparativamente raros estudos
sobre a Dialética negativa, o que indubitavelmente contribuiu para o “dramático
abandono da teoria de Adorno” de que trata Honneth.
155
Logo, se aceitarmos – como
155
Deve-se aqui entender o vácuo entre a Teoria estética e a Dialética negativa em dois sentidos: em
primeiro lugar, ele refere-se à repetida desconsideração, por parte de algumas tendências, dos
inúmeros temas transversais que, em função do pressuposto de que a filosofia é uma instância
refratária à divisão do pensamento, deveriam conduzir a uma interpretação conjunta dos textos; em
segundo lugar, e associado ao primeiro, trata-se também de uma desproporção no número de
estudos dedicados a cada texto. O primeiro sentido será trabalhado à frente. Quanto ao segundo
sentido, cumpre observar que a desproporção numérica era enorme em 1983, ano em que foi feito
o último recenseamento extenso da tradição de leitura. Nele se contavam 94 estudos dedicados à
Teoria estética, descontados os numerosos textos sobre música (65) que acabavam por se remeter
também a ela, e apenas 25 dedicados à Dialética negativa, também descontados alguns poucos
textos (9) sobre Hegel, que atingiam seu escopo (cf. GÖRTZEN, “Theodor W. Adorno”, in
FRIEDEBURG; HABERMAS (Orgs.), Adorno-Konferenz 1983, p. 447-471). Embora não se tenha feito
outro recenseamento de igual envergadura, é possível sugerir que essa relação não se alterou de
maneira substantiva, justamente em vista do já citado diagnóstico de Honneth, de 2003.
Ainda sobre a literatura secundária, que se notar uma outra, e absurda, desproporção: segundo
Görtzen, em 1983, os estudos acerca da Dialética do esclarecimento somavam apenas 10 itens (cf.
ibid., p. 453-454); porém, segundo outro recenseamento feito pelo mesmo Görtzen fez, em 1987, os
estudos somavam 138 itens (cf. GÖRTZEN, “Dialektik der Aufklärung”, in REIJEN; SCHMID-NOERR
(Orgs.), Vierzig Jahre Flaschenpost, Fischer, 1987, p. 242-252). Não apenas porque é virtualmente
impossível que em apenas 4 anos a Dialética do esclarecimento tenha se tornado tão mais estudada,
com também pela mera observação da datação dos textos, o que podemos notar é que nesse
segundo recenseamento Görtzen levou em conta para a contagem dos estudos não apenas a
recepção global do livro, tímida no primeiro recenseamento, mas sobretudo o que acima
descrevemos, a saber, o debate periférico acerca da indústria cultural. Ora, que essa questão tenha
em tão pouco tempo tomado o primeiro plano da discussão entre adornianos não apenas antecipa o
99
um corolário da tese que estamos desenvolvendo que esses textos de sua
maturidade definem, respectivamente, o sentido da categoria de constelação como
princípio composicional e modo de exposição e seu sentido como procedimento
metódico e estrutura compreensiva, então poderíamos encontrar na constelação o
vetor que permitiria aproximá-los, que permitiria justapor essas duas análises
modelares, reconciliando registros do pensamento de Adorno que a inconsistência
na tradição cuidou de separar: arte e filosofia. É exatamente a compreensão dessa
dupla face do problema que nos permitiria redargüir uma observação de Wellmer:
A Dialética negativa e a Teoria estética referem-se uma a outra de modo
aporético; porém, nesse nexo referencial aporético circula, na verdade, uma
porção de metafísica não aquela que foi redimida criticamente, mas a que
não foi elaborada e que Adorno nem gostaria de abandonar, nem
confessar [einbekennen] abertamente.
156
Remontando a questões trabalhadas, vimos que à insuficiência do conceito e da
estrutura compreensiva, insuficiência à qual a constelação como procedimento visa
dar resposta, corresponde uma sempre cambiante exposição. Por sua vez, sabemos
que a composição constelatória porque se deixa instruir pelo momento mimético e
defende criticamente o momento retórico na aproximação entre coisa e expressão
paga necessariamente um tributo, ou em outros termos, move-se em relação ao que
a metafísica visava exprimir: o espaço da não-identidade. Portanto, se tomarmos
diagnóstico de Honneth, como também confirma o nosso, tanto em relação ao mecanismo de retro-
alimentação do debate, quanto no que se refere a um traço da indústria cultural o esvaziamento de
sentido, a simplificação, a estandardização ter invadido a tradição interpretativa. Nesse sentido, tal
invasão, que parece paradoxal, pode ser vista como a mais estrita confirmação das teses de Adorno
acerca dos mecanismos de produção de cultura.
156
WELLMER, “Metaphysik im Augenblick ihres Sturzes”, in Endspiele: die unversöhnliche Moderne,
Suhrkamp, 1999, p. 212. Cf. outra apresentação desse nexo aporético no mesmo volume:
WELLMER, “Adorno, die Moderne und das Erhabene”, p. 178-180.
isoladamente cada momento do pensamento, não como evitar um quê de
metafísica não-elaborada, uma vez que é somente na verdade depositada no
contínuo da dialética entre momento e sistema que a metafísica é “redimida
criticamente”. Em outros termos, a solidariedade à metafísica somente é prestada,
em vista dos diagnósticos e por via das constelações, nas análises modelares. E
porquanto a constelação, como procedimento metódico e princípio composicional,
realiza a análise modelar, então tanto a superação do vácuo produzido entre a
Dialética negativa e a Teoria estética, como a explicitação de seu “nexo referencial
aporético”, dependem de uma abordagem rigorosamente pautada pela dinâmica das
análises modelares, rigorosamente moderada pela negação determinada que
governa os modelos de pensamento.
De modo análogo, podemos objetar as várias interpretações parciais, que ao fim e
ao cabo desconsideram a vinculação entre diagnóstico, constelação e análise
modelar, a partir do destaque do traço constitutivo da exposição filosófica no ensaio,
qual seja: nele a forma não é exterior ao conteúdo.
157
Com efeito, é precisamente
sob esse aspecto que a categoria de constelação se mostra como realização das
análises modelares: por um lado, a constelação é o procedimento que, no “duplo
157
A mais clara apresentação por Adorno desse argumento está no seu texto sobre a forma-ensaio
(“Der Essay als Form”, GS 11, esp. p. 11-14, 20-21, 31-31; trad., “O ensaio como forma”, p. 169-172,
176-177, 185-186). Cf. também Negative Dialektik, GS 6, p. 29-30. Por sua vez, no que tange à
literatura secundária, encontramos um significativo acordo na tradição, muito bem apresentado por
Allkemper: “a exposição do ‘material’ dado, seu arranjo [Anordnung] e composição, é para Adorno o
análogo do ensaio em relação à arte: seu conteúdo não se descola de sua forma, ele está, ao
contrário, em relação de dependência quanto à precisão de sua exposição e sua expressão”
(ALLKEMPER, Rettung und Utopie, p. 124-125). Essa também é a conclusão de Duarte, que aponta
“algo fundamental na arquitetura da Dialética negativa: a não-exterioridade entre o conteúdo do
filosofema e sua forma de apresentação convergentes na própria expressão” (DUARTE, “Expressão
como fundamentação”, p. 178). Cf. também DUARTE, “A ensaística de Theodor W. Adorno”, in
Adornos, esp. p. 73-81; GÓMEZ, El pensamiento estético..., p. 124-126; NOBRE, A dialética
negativa..., p. 170; HOHENDAHL, Prismatic thought, University of Nebraska Press, 1995, p. 232-235.
relacionamento” de propriedades teóricas e aspectos concretos, resguarda o espaço
da não-identidade à medida que em seu “movimento permanente” se exprime uma
“insuficiência inevitável”; por outro lado, como “ordenação experimental” de
conceitos que permite tornar visível o objeto em conceitos, a constelação é também
a composição instruída pela mimese, a “imagem visível” do esforço de “alcançar
para além do conceito através do conceito” que o modelo procura exprimir. Logo, a
exposição constelatória é o índice dessa “não-exterioridade” entre conteúdo e forma
na filosofia, sobrevivência de sua utopia constitutiva.
À parte a recorrente análise da categoria de constelação na forma-ensaio, alguns
estudos aventam hipóteses na direção proposta. Em um trabalho precursor, Zenck
(1977) ressalta que o ordenamento conceitual em constelações recupera o momento
mimético por meio da semelhança [Ähnlichkeit] que se estabelece entre a
coordenação do pensamento e seu objeto na atividade constelatória, por um lado, e
a própria forma assumida pela constelação, por outro.
158
Todavia, como seu
interesse é salientar os desdobramentos da relação entre momento mimético e
momento do conhecimento na arte, sua análise não se volta para o horizonte
descortinado pela Dialética negativa. Embora outros trabalhos alarguem a clareira
aberta por Zenck e enfrentem também a Dialética negativa ao procurar na categoria
de constelação elementos para o deslindamento da relação entre arte e filosofia,
159
158
Cf. ZENCK, Kunst als begriffslose Erkenntnis, Wilhelm Fink, 1977, p. 106-111. Cf. também a
importante referência à relação entre as idéias de campo de força [Kraftfeld] e constelação (ibid., p.
153-156).
159
Cf. KRAMER, Rätselfragen und wolkige..., p. 126-127; BAYERL, Von der Sprache der Musik..., p.
121-123; RADEMACHER, Versöhnung oder Verständigung, p. 81-85; WELLMER, “Die Bedeutung der
Frankfurt Schule heute”, in Endspiele: die unversöhnliche Moderne, p. 230-232.
aquela que nos parece ser a aproximação mais importante ao problema é
encontrada em um trabalho que, paradoxalmente, não faz parte da tradição nuclear
de estudos adornianos. Trata-se de uma interpretação que aborda simultaneamente
aspectos metodológicos e estéticos da obra de Adorno a partir de categorias
analíticas que lhe são extrínsecas, a saber, as da hermenêutica profunda de
Lorenzer. Por muito que a possibilidade de uma tal interpretação possa ser
questionada, o fato é que o estudo de König vê na constelação mais uma articulação
entre a Dialética negativa e a Teoria estética:
Mas não apenas o pensamento discursivo da filosofia se desenvolve em
constelações, segundo a concepção de Adorno, mas também a estrutura
simbólica de apresentação [präsentative Symbolgefüge] da obra de arte. [...]
A obra de arte surge através da produção de constelações, as quais se
unem em uma ora compreensível, ora incompreensível escrita secreta
[verständlich-unverständlichen Geheimschrift].
160
O que está implicado nessa interpretação merece destaque. Vista sob o aspecto
composicional, a categoria de constelação teria uma dupla referência: tanto se aplica
ao modo de exposição do pensamento privilegiado por Adorno, como também à
atividade de produção e apresentação cifrada da obra de arte. Logo, se voltarmos os
passos sucessivamente dados ao longo deste capítulo e tomarmos a categoria de
constelação em toda a sua complexidade, ou seja, se evitarmos sua definição estrita
e a apresentarmos segundo seus diferentes modos procedimento metódico que
gera a análise modelar, estrutura compreensiva que resguarda a configuração
particular dos diagnósticos e permite a descoberta do contraditório e a decifração do
160
KÖNIG, “Methodologie und Methode tiefenhermeneutischer Kulturforschung in der Perspektive von
Adornos Verständnis kritischer Theorie”, in KÖNIG (Org.), Neue Versuche, Becketts Endspiel zu
verstehen, Suhrkamp, 1996, p. 357.
aparente, princípio que coordena o processo de composição dos conceitos a partir
da evidência e se resolve em um modo de exposição do pensamento que dá
expressão à utopia do pensamento na forma do anti-sistema, e, finalmente,
seguindo a proposta de König, processo cifrado e estrutura simbólica da obra de arte
–, se assim fizermos, então podemos, por força daquela dupla referência da
constelação como processo de composição, também enfrentar o espinhoso
problema da relação entre filosofia e arte em Adorno. Mais precisamente, assim
podemos defender que o momento estético do pensamento de Adorno ilumina o
sentido do momento utópico do conhecimento enquanto promessa: o que está em
jogo, em cada momento e entre eles, é sua reconciliação [Versöhnung]. Em outras
palavras, a atenção ao não-conceitual na utopia do conhecimento e a promessa de
felicidade na obra de arte teriam na categoria de constelação o seu meio e na figura
da reconciliação o seu fim. Vejamos, agora, os passos desse argumento.
Presente em todos os momentos da obra de Adorno, a figura da reconciliação é
comumente associada aos temas da redenção [Rettung] e da utopia [Utopie].
161
Por
essa associação, entende-se que o tema da reconciliação remeteria tanto a uma
questão de teor metafísico, em que a arte entendida como promessa ganha relevo,
como a um problema sócio-histórico, em que se acentua a tarefa da filosofia.
162
Rademacher resume o horizonte do problema: “Filosofia e arte não convergem na
teoria estética, mas na utopia da reconciliação. A estrutura antinômica da utopia vale
161
Sobre os temas e suas diferenças, cf. ALLKEMPER, Rettung und Utopie, esp. p. 103-126.
162
Alguns autores trabalham os dois aspectos simultaneamente, embora não o façam a partir da
categoria de constelação. Cf. BARBOSA, Dialética da reconciliação, p. 77-148; ZUIDERVAART,
Adorno’s aesthetic theory, p. 159-169.
do mesmo modo para a utopia do estético”.
163
Em consonância a essa análise, o
tema da reconciliação pode ser compreendido, a partir da categoria de constelação,
como o espaço da convergência entre arte e filosofia: em ambas, a reconciliação
implicaria uma composição constelatória de elementos, modo utópico da filosofia e
da arte. Entretanto, se por um lado é essa dupla referência da composição
constelatória que aproxima esses registros na obra de Adorno, por outro lado é a
função de procedimento metódico, traço constitutivo apenas da atividade filosófica,
que garante a essa sua especificidade e permite que ela interprete a arte sem com
ela se confundir.
164
Logo, é de antinomia e afinidade que é feito o nexo entre arte e
filosofia, como podemos depreender também a partir da Teoria estética:
Para além da aporia do belo natural, designa-se aqui a aporia da estética
em seu conjunto. O seu objeto [Gegenstand] determina-se como
indeterminável, negativamente. Por isso, a arte necessita da filosofia, que a
interpreta para dizer o que ela não pode dizer, ao passo que, afinal, isso
apenas pode ser dito pela arte, à medida que ela não diz.
165
Assim, embora ambas visem algo que não pode ser exposto senão pela atividade
constelatória, a saber, “o vestígio do não-idêntico”,
166
a dinâmica do procedimento
163
RADEMACHER, Versöhnung oder Verständigung, p. 84.
164
Uma passagem da Dialética negativa esclarece essa relação: “arte e a filosofia tem o seu comum
não na forma ou no seu procedimento figurativo [gestaltendem Verfahren], mas em um modo de
conduta que proíbe a pseudomorfose” (Negative Dialektik, GS 6, p. 26). Note-se que, como
acabamos de mostrar, o fato da filosofia gerar suas figuras através de um procedimento metódico
marca sua diferença em relação à arte, enquanto que sua aproximação é dada pela presença de um
princípio composicional que, pela promessa contraída, impede a cristalização do não-idêntico. e
cá, trata-se da constelação em seus diferentes modos.
165
Ästhetische Theorie, GS 7, p. 113; trad., Teoria estética, p. 89. Outra passagem da Teoria estética
completa o argumento: “a filosofia e a arte convergem no seu teor de verdade [Wahrheitsgehalt]: a
verdade da obra de arte que se desdobra progressivamente não é outra que a do conceito filosófico”
(ibid., p. 197; trad., p. 151).
166
Cf. ibid., p. 114; trad., p. 90.
constelatório – que aproxima coisa e expressão na própria análise – rege a atividade
da filosofia e a distingue da arte, o que permite a Adorno concluir que “ambas
mantêm a fidelidade ao seu próprio teor através de sua contraposição”.
167
Essa
conclusão se alinha a uma passagem muitas vezes retomada na literatura
secundária:
A consciência da não-identidade entre exposição e coisa impõe àquela um
ilimitado esforço. Somente isso é que no ensaio é semelhante à arte; fora
isso, o ensaio está necessariamente aparentado com a teoria, por causa
dos conceitos que nele aparecem e que trazem de fora não seus
significados, mas também o seu referencial teórico.
168
Dessa contraposição decorre uma demanda que se reporta ao nexo entre Dialética
negativa e a Teoria estética. A constatação de que o nexo entre esses textos
depende da consideração da categoria de constelação como composição e
exposição não é algo ausente nos estudos adornianos. No entanto, se isso permite
que se demonstre o vínculo entre arte e filosofia, a desconsideração da dependência
entre a exposição constelatória e o procedimento metódico que ela exprime impede
que se percorra uma imbricação crucial da estética de Adorno, que podemos
reencontrar através de uma retomada dos passos que definem sua atividade crítica:
dado que a crítica filosófica deve ser feita em vista dos diagnósticos do tempo,
condição gerada na pressuposição de um núcleo temporal da verdade; como para
isso ela deve realizar-se através da negação determinada dos momentos, o que é
exigido pela tarefa de resistência à identidade, verdade da dialética que se mostra
no movimento do conceito; e dado que essa tarefa determina que a filosofia deva
167
Negative Dialektik, GS 6, p. 26-27.
168
“Der Essay als Form”, GS 11, p. 26; trad., “O ensaio como forma”, p. 181.
buscar no modelo de pensamento a possibilidade de exprimir a utopia do
conhecimento – abrir o sem-conceito com conceitos, sem torná-lo igual a eles; então
a análise modelar que realiza o modelo de pensamento é guiada por
procedimentos que conferem à atividade crítica seu modo de exposição. Desse
modo, conquanto não seja exterior à exposição constelatória, o procedimento
constelatório tem em relação a ela uma anterioridade lógica, o que significa que
compreender uma análise modelar diga-se, um texto de Adorno exige a atenção
ao modo como os diagnósticos, cuja historicidade se torna material para os
conceitos, sofrem negação determinada. Assim, as análises modelares só se deixam
compreender em vista umas das outras, isto é, à medida que as constelações de
conceitos se negam umas às outras. Logo, compreender Adorno significa
acompanhar a dialética negativa no procedimento constelatório. É nesse sentido que
se pode compreender por que a dialética negativa “se mantém afastada de todos os
temas estéticos”:
169
ela não apenas deve manter fidelidade ao seu próprio teor
através de sua referência necessária aos conceitos, mas também exige que essa
referência se faça pela atenção à explícita negação determinada entre os
momentos, algo constitutivo da filosofia e que na estética é revelado pela crítica.
É preciso tirar as últimas conseqüências do que descobrimos. Para tanto,
podemos começar por lembrar uma das mais claras referências de Adorno à relação
entre filosofia e arte. Nos seus Três sobre Hegel, Adorno observa:
Decerto o estilo de Hegel é contrário à compreensão filosófica costumeira,
porém ele prepara, através de sua fraqueza, uma outra [compreensão]:
169
Negative Dialektik, GS 6, p. 10.
deve-se ler Hegel, enquanto se descreve com ele [mitbeschreibt] as curvas
de seu movimento intelectual, como que se tocasse as idéias com o ouvido
especulativo, como se elas fossem notas. No todo, a filosofia é aliada da
arte na medida em que ela, por meio do conceito, deseja salvar [erretten] a
mimese por ele recalcada [verdrängte], e neste caso Hegel procede como
Alexandre com o nó górdio.
170
Salvo a solução alexandrina, justamente o que Adorno rejeita, pode-se bem
reconhecer no modo sugerido para a leitura de Hegel, o modo mais adequado para
a leitura dele próprio. Além disso, no que tange ao problema que examinamos,
Adorno expõe uma tese que irá recuperar na Dialética negativa, a de que o conceito
é responsável por salvar algo que ele mesmo recalcou, “a causa da mimese”.
171
Porém, à diferença da passagem da Dialética negativa, neste trecho Adorno apõe
uma implicação coerente ao que vimos acerca do princípio composicional: as
curvas do movimento intelectual entenda-se, o “movimento permanente” próprio à
constelação, a sempre provisória, “quase mimética aproximação” entre pensamento
e objeto devem ser acompanhadas na leitura como um ouvinte diante de uma
composição. Ora, se recuperarmos a apreciação de Schönberg em outra passagem
trabalhada – “aquele que, como compositor, conduz o subcutâneo para fora,
encontrou e transmitiu um modo de exposição no qual essa estrutura subcutânea
torna-se visível, no qual a execução torna-se realização integral da coerência
musical” –,
172
então podemos encontrar uma outra conseqüência da conclusão que
tiramos acima, a de que é preciso acompanhar a dialética negativa no procedimento
constelatório: do mesmo modo que o ouvinte deve procurar o movimento
170
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 354.
171
Cf. Negative Dialektik, GS 6, p. 26. Ver também no Capítulo 1 desta tese a análise dessa
passagem.
172
“Arnold Schönberg (1874-1951)”, GS 10.1, p. 172; trad., “Arnold Schönberg (1874-1951)”, p. 165.
subcutâneo que, em uma composição, permanece abaixo das formas, o leitor deve
procurar no texto a composição constelatória, para nela reencontrar o que é
recalcado pelos conceitos. Em ambos, trata-se de decifrar aquilo que queda
bloqueado, quer seja pela rigidez da forma, quer seja pela coerção do conceito, que
“prepara e isola”.
173
Por conseguinte, da mesma forma que, segundo Adorno,
“pensar com os ouvidos” constitui o modelo adequado de audição das composições
musicais, por ser o único modo de experimentar a história exposta pelas obras
através da mediação do material musical,
174
uma leitura correta de Adorno parte do
reconhecimento dos motivos, temas e demais estruturas que perfazem a
composição constelatória do texto. A implicação desse passo deve ficar tão clara
quanto possível. No citado ensaio sobre o subcutâneo em Schönberg, uma
conhecida passagem em que Adorno afirma que “o ideal interpretativo converge com
o da composição”.
175
Ora, se é preciso acompanhar a dialética negativa no
procedimento constelatório, então também a interpretação dos textos de Adorno
173
Negative Dialektik, GS 6, p. 21.
174
A expressão “pensar com os ouvidos” [mit den Ohren denken] aparece poucas vezes na obra de
Adorno, mas a descreve, também, como poucas (cf. “Die gewürdigte Musik”, Der getreue Korrepetitor,
GS 15, p. 184; “Kulturkritik und Gesellschaft”, GS 10.1, p. 11; trad., “Crítica cultural e sociedade”, p.
7). Para o desenvolvimento do motivo, especialmente no que se refere à sua relação com a idéia de
teor de verdade, cf. a tese de ALMEIDA, Música e verdade, Universidade de São Paulo, 2000,
passim.
O conceito de “material musical” foi encontrado por Adorno no Tratado de harmonia de Schönberg e
está presente desde seus primeiros textos (cf., por exemplo, uma conversa radiofônica datada de
1930, “Ernst Krenek und Theodor W. Adorno: Arbeitsprobleme des Komponisten”, GS 19, p. 433-439),
sendo, entretanto, substantivamente transformado por Adorno para comportar aquele caráter de
mediação histórica que permite a aproximação à dimensão cognitiva implicada na expressão “pensar
com os ouvidos”. Cf. BUCHAR, “O conceito de material musical de Adorno e sua relação com o
pensamento estético de Schönberg”, in DUARTE et al. (Orgs.), Theoria Aesthetica, p. 225-240;
PADDISON, “The language-character of music”, in KLEIN; MAHNKOPF (Orgs.), Mit den Ohren
denken, Suhrkamp, 1998, p. 81-83; e, no mesmo volume, KAGER, “Einheit in der Zersplitterung”, p.
92-114.
175
“Arnold Schönberg (1874-1951)”, GS 10.1, p. 172; trad., “Arnold Schönberg (1874-1951)”, p. 165.
deve convergir com sua composição. Isso significa que a leitura correta de Adorno
como havíamos sugerido ao examinar a dependência entre diagnósticos e
análises modelares deve deixar-se instruir pelos diagnósticos e momentos
expressos pelos próprios textos. Rigorosamente, do mesmo modo que estudar
Adorno é menos estudar um sistema do que estudar a negação determinada que
move seus momentos, estudar uma de suas obras é mais estudar o debate no qual
ela se inscreve, cuja história é mediada e exposta pelos textos, do que estudar uma
suposta teoria. Em síntese, interpretar Adorno é sempre e necessariamente
acompanhar os momentos de uma composição. Ou, se quisermos, recompor.
2.5. ANTECIPANDO A PERGUNTA: POR QUE O SENHOR VOLTOU?
Os vários passos da análise que fizemos sustentam a hipótese sucessivamente
distendida nesta tese, a de que as análises modelares, realização do modelo de
pensamento que a utopia adorniana persegue, se constroem a partir da constelação
entendida como procedimento metódico e princípio composicional. No entanto, resta
uma condição ainda não verificada, a qual repetiremos literalmente: “para não ferir o
cerne da dimensão teórica implicada no anti-sistema de Adorno, para resguardar a
oposição recíproca entre momento e sistema, ela [a constelação] precisaria estar
presente em todos os seus momentos”.
176
Em outros termos, para que a categoria
176
Parágrafo final da Seção 2.1, nesta tese.
de constelação compreenda o sentido do pensamento de Adorno entendido como
anti-sistema, para que ela seja a chave dos modelos de pensamento e ponto de
convergência entre arte e filosofia, é preciso que ela se construa ao longo dos
momentos de sua obra, conforme os seus diagnósticos. Ainda sob esse aspecto,
embora tenhamos examinado “o quê, o como e o porquê da constelação”, não
como negar que essas questões podem ter sido explicadas, isto é, desdobradas,
mas não foram compreendidas. Não se trata aqui de fazer um jogo de palavras.
Tampouco se trata de apenas justificar nosso “esboço de figura”. O que ocorre é
que, como vimos, é plenamente fundamentada a alegação de alguns autores que
apontam que a categoria de constelação é “refratária a qualquer tratamento teórico
que pretenda isolá-la de suas configurações concretas”,
177
que ela “se encontra em
uma relação que se pode chamar de frágil com o conceito de definição”.
178
Na
verdade, como se pode inferir a partir da conclusão de nossa argumentação,
podemos compreender uma constelação à medida que também compomos análises
modelares. Sendo assim, nossa tarefa inicial se desdobra: para que se descubra o
quê, o como e o porquê da constelação, é preciso partir da análise de quando ela
ocorre. Dito de modo ainda mais claro: por um lado, a idéia representada pelos
modelos de pensamento determina que não “teoria geral” em Adorno, o que
são análises modelares que respondem a diagnósticos do tempo e que têm a
constelação como princípio metódico e composicional; por outro lado, a idéia
representada pela constelação envolve reconhecer que tais análises modelares
177
NOBRE, A dialética negativa…, p. 169.
178
TÖBBICKE, Negative Dialektik und kritische..., p. 92.
se deixam compreender na medida em que se acompanha sua formação, isto é, na
medida em que se recompõem aqueles debates que concretizaram um diagnóstico
em um dado momento; logo, se quisermos entender um problema em Adorno, no
caso, a própria categoria de constelação, é menos instrutivo encontrar aquela
definição cristalina que supostamente resumiria o problema, do que seguir suas
várias posições, segundo os diagnósticos e as negações determinadas que movem
a série necessariamente inconclusa de momentos. Finalmente, se tal tratamento
constelatório é unicamente o que garante “a possibilidade de ler a obra de Adorno
como um ensemble de análises modelares”,
179
também é por ele que se
compreende a própria categoria de constelação.
179
Parágrafo final da Seção 1.3, nesta tese.
CONSIDERAÇÃO INTERMEDIÁRIA
O tratamento constelatório da obra de Adorno, tarefa a que se reporta esta segunda
parte da tese, nos levará à compreensão de seus momentos por via da
recomposição de análises modelares, chave de leitura que nasceu da consideração
de alguns traços que entendemos ser centrais ao projeto adorniano: a consolidação
da utopia do conhecimento nos modelos de pensamento; a centralidade da categoria
de constelação, meio das análises modelares; a múltipla face da constelação,
procedimento metódico e estrutura compreensiva, princípio composicional e modo
de exposição; a concreção histórica revelada pelos diagnósticos do tempo, voltados
à decifração do aparente; e as posições críticas geradas pela negação determinada
dos momentos da crítica filosófica.
No terceiro capítulo da tese, vamos examinar um dos momentos do anti-sistema
constituído pelo pensamento de Adorno, guiados duplamente pela atenção à
constelação: por um lado, consoante à nossa chave de leitura, acompanharemos
uma composição constelatória a fim de interpretar a análise modelar em jogo; por
outro lado, para que possamos entender como se dá esse processo, nós faremos da
própria categoria de constelação nosso objeto. Dito claramente: como um resultado
da primeira parte da tese determina que compreender uma constelação implica
acompanhar sua composição, então, para que se possa verificar cada uma das
sucessivas aproximações que procuram circunscrever o sentido da categoria de
constelação, é preciso justamente desenvolver análises modelares que têm por
objeto a constelação. É isso que faremos. Entretanto, como as constelações se
referem a diagnósticos do tempo, então as análises modelares que se seguem serão
também exposição de tais diagnósticos. Logo, ao fim do processo, não teremos
apenas compreendido a categoria de constelação, conseqüentemente, o método
possível das análises modelares, como teremos mostrado como diagnósticos e
modelos se articulam. Além disso, se a categoria de constelação, meio das análises
modelares, realiza os modelos de pensamento, então fazer a análise das
constelações equivale a decifrar o que significa pensar em modelos, face
epistemológica da utopia de Adorno. Finalmente, se atestado esse último passo, a
categoria de constelação, sob formas e estruturas diversas, poderia ser confirmada
como o princípio que, por mediar diagnósticos e momentos, confere unidade à obra
de Adorno, isto é, o princípio que permite o ensemble das análises modelares.
Como foi aventado, para que a tarefa envolvida nesse esforço analítico pudesse se
cumprir, foi preciso verificar de antemão a presença do nosso objeto, a categoria de
constelação, em todos os momentos da obra de Adorno. Isso foi feito do modo mais
custoso e, rigorosamente, o mais proveitoso: exame texto a texto de toda a obra.
Como a edição dos textos inéditos de Adorno ainda está em curso, definimos como
corpus da pesquisa suas Obras reunidas,
180
mais uma parte do material do espólio,
a saber, os volumes Terminologia filosófica,
181
Metafísica: conceito e problemas
182
e
180
Trata-se dos vinte volumes em Gesammelte Schriften, na edição já citada.
181
Trata-se dos dois volumes em Philosophische Terminologie, na edição já citada.
182
ADORNO, Metaphysik: Begriff und Probleme, in Nachgelassene Schriften, IV, vol. 14, Suhrkamp,
1998.
Para uma teoria da reprodução musical,
183
além do volume de cartas entre Adorno e
Benjamin, Correspondência 1928-1940.
184
Esse exame foi pautado pela atenção às
ocorrências do termo Konstellation e sua forma vertida para o inglês e para o
francês, Constellation, além das formas derivadas. À medida que fizessem parte do
mesmo argumento, a atenção também foi dirigida a alguns termos correlatos,
Modell, Konfiguration, Gedanke, Denken, Kraftfeld, Bild, Figur, Gestalt, além de
eventuais compostos e afins. Como texto, a obra foi lida de modo diacrônico, em
função da necessidade de se observar quaisquer alterações em seus momentos a
partir de seu impacto no sentido relativo da categoria de constelação.
Posteriormente, foi possível confrontar parte dos resultados do exame com o registro
de ocorrências obtidas por meio eletrônico, através do uso da ferramenta de busca
da edição digital da obra de Adorno.
185
O resultado preliminar dessa tarefa foi encontrar ocorrências do termo constelação e
formas derivadas em todos os 24 volumes selecionados, o que perpassa não
apenas todos os seus momentos, como queríamos, mas todos os textos
reverenciados pela crítica como os mais relevantes, além de um sem-número de
textos periféricos que atestam uma espantosa coerência em relação aos demais
183
Id., Zu einer Theorie der musikalischen Reproduktion, in Nachgelassene Schriften, I, vol. 2,
Suhrkamp, 2001.
184
ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, na edição já citada.
185
ADORNO, Gesammelte Schriften, Directmedia, 2003 (Digitale Bibliothek, vol. 97). Sobre o uso de
ferramentas eletrônicas como suporte para a pesquisa acadêmica, remetemos à observação de
PIERUCCI, que em sua tese de livre-docência sobre Weber realizou uma tarefa muito semelhante à
nossa e passou pelas mesmas etapas: leitura da obra marcada pelo exame de todas as ocorrências
de um termo e posterior verificação digital das ocorrências. Assim, fazendo eco a Pierucci, essa nova
tecnologia editorial assegura “completeza e arredondamento em rastreamentos vocabulares”, o que
permite “se safar da dúvida instalada na porosidade dos resultados prometidos: será que não deixei
passar nada?” (O desencantamento do mundo, Ed. 34, 2003, p. 23-24).
textos da mesma época. Não é este o lugar para nos posicionarmos em relação ao
que a crítica julga ser um texto relevante, nem devemos antecipar uma resposta
definitiva ao problema da unidade do pensamento de Adorno, mas podemos afirmar
que são raros os textos em que o termo constelação e seus correlatos não
apareçam. Se registrarmos apenas os termos Konstellation e Constellation,
excluindo, portanto, os termos correlatos acima mencionados,
186
teremos
exatamente 222 ocorrências, espalhadas por 98 textos independentes na obra
reunida. Além disso, foram também encontradas 21 ocorrências em 15 textos
independentes, nos três volumes selecionados do espólio, e 8 ocorrências em 5 das
cartas enviadas por Adorno a Benjamin, preservadas no volume de
correspondências. O corpus examinado totaliza, portanto, 251 ocorrências em 118
textos.
187
Embora possamos adiantar que, entre tantas ocorrências, a categoria de
constelação responde de modo diferente a diferentes diagnósticos do tempo e a
diferentes contextos, conceitos e objetos confirmação da pertinência da hipótese
que propomos –, o que imediatamente deve ser ressaltado é que, sob o aspecto da
sua mera ocorrência, a categoria de constelação é ubíqua, o que torna mais aguda a
186
São eles: Modell (~1000 ocorrências), Konfiguration (~150), Gedanke (~1800), Denken (~1300),
Kraftfeld (~60), Bild (~1900), Figur (~500) e Gestalt (~1500).
187
Para que se tenha um plano geral dos passos da pesquisa, apresentamos no Anexo A desta tese
os quadros de localização das ocorrências – conforme seus momentos, em datação aproximada do
termo constelação e de suas formas derivadas: ao todo, foram encontradas 166 ocorrências do termo
Konstellation, 55 da forma plural Konstellationen, 4 da versão inglesa Constellation, 8 de sua forma
plural Constellations, 1 da versão francesa plural Constellations, além de 1 ocorrência da forma
derivada Gesamtkonstellation, 1 de Grundkonstellation, 2 de Machtkonstellation, 9 de
Machtkonstellationen, 1 de Mächtekonstellation, 2 de Triebkonstellationen e 1 de
Planetenkonstellationen.
constatação de um incômodo silêncio na tradição. O dilema que então se coloca é:
como desafiar esse silêncio? Por um lado, claro, se pode fazê-lo a partir da
compreensão ao longo do tempo desse princípio de conformação da obra de
Adorno; por outro lado, como a categoria de constelação está presente em mais de
uma centena de textos, a consideração de cada uma das ocorrências segundo as
análises modelares em que elas se inscrevem (e que, como categoria, compõem)
não apenas se mostra inexeqüível, como também, caso fosse levada a cabo,
arriscaria redundar em um preciosismo que, de resto, sobeja na primeira parte
desta tese. Conseqüentemente, tivemos que estabelecer um recorte que permitisse
tanto confirmar a tese quanto dar mostras de sua fecundidade. Ou seja, procuramos
atender à hipótese que encontra nos vários modos da categoria de constelação a
chave dos modelos de pensamento e, simultaneamente, apresentar o resultado da
aplicação dessa hipótese, o que significa que procuramos também compor análises
modelares a partir de textos do próprio Adorno.
A efetivação dessa tarefa partiu da análise das ocorrências, conforme o seu uso, e
privilegiou dois recortes, que nos pareciam nodais e urgentes: o primeiro marcado
pela compreensão da origem da categoria de constelação no pensamento de
Adorno, o segundo tendo como foco o nexo entre a Dialética negativa e a Teoria
estética. Em ambos, por razões mencionadas, o que se procurou foi compreender
a categoria de constelação como mediação entre arte e filosofia. No primeiro caso,
tratou-se de acompanhar como essa categoria se imbrica originalmente em uma
série de posições críticas, corrigidas por debates, diagnósticos e expectativas que,
via de regra, são representadas pelo problema da crítica filosófica da música. No
segundo caso, procurou-se estabelecer que a vinculação entre a figura da
reconciliação e a categoria de constelação conduz à compreensão da relação entre
filosofia e arte.
188
No entanto, como se disse acima, se é certo que esses dois
recortes informam a pesquisa e compõem o argumento da tese, também é certo que
somente a recomposição das análises modelares a que se ligam poderia confirmar a
chave de leitura proposta. A escolha de um desses recortes, a saber, a decisão de
compor as análises modelares referentes à origem da categoria de constelação,
respondeu às considerações que se seguem.
Em primeiro lugar, trata-se do resultado de uma questão de método: não foi de
modo fortuito que a compreensão da categoria de constelação na primeira parte da
tese se fez, de modo exclusivo, a partir das exposições do Adorno tardio. Como
sugerimos, e se verá à frente, embora o termo constelação esteja presente em um
sem-número de textos de Adorno, ele se alça ao modo categórico ao converter-
se, ele mesmo, em um problema filosófico. Ora, isso só ocorre à medida que
questões relacionadas, grosso modo, à utopia do conhecimento de Adorno ganham
o primeiro plano. Mesmo que seja inegável que traços desse programa estejam
presentes em textos do jovem Adorno, intervenções decisivas da literatura
secundária nos mostram que sua obra se move rumo à consecução de certos
motivos presentes nesses primeiros textos, algo que vem a lume com toda a
intensidade em seus textos tardios.
189
Sendo assim, uma vez que, em consonância
188
Como se pôde ver na primeira parte desta tese, esses recortes atingem as questões nucleares do
problema. Além disso, posto que não como chegar à categoria de constelação sem passar por
eles, na Seção 2.2 já se viu os passos do recorte que aborda o problema da origem e na Seção 2.4 já
se apresentou os termos do recorte que trata a relação entre Dialética negativa e Teoria estética.
189
nos referimos a vários desses estudos e chegamos mesmo a destacar o problema da relação
entre o Adorno jovem e tardio em algumas passagens. De qualquer modo, vale lembrar alguns
trabalhos que atingem precisamente esse ponto: BUCK-MORSS, The origin of…, passim, por
com o que sustenta a tradição, tudo o que descobrimos sobre a categoria de
constelação ganha forma no Adorno tardio, em suas últimas ocorrências, nos parece
crucial fazer o cotejo com suas primeiras ocorrências a fim de encontrar nessas os
germes daquelas. Em segundo lugar, e em função dessa escolha, não como
tomar isoladamente os textos correspondentes a um período: por tudo o que se viu,
é na trama dos textos em um dado momento que se faz a composição de uma
constelação. Isso significa que muitíssimas vezes um texto responde não apenas a
um problema ou debate, mas a vários. Assim é que, por exemplo, o ensaio “A idéia
de história natural” tanto é um acerto de contas com a fenomenologia de Husserl e
um repúdio à solução heideggeriana, como uma aproximação aos debates estéticos
que se aprofundavam nos anos 20 e uma disposição crítica de problemas herdados
de Benjamin e Lukács.
190
Logo, se examinássemos sob a lupa um grande número
de ocorrências e textos, teríamos que inevitavelmente tratar de um número
formidável de questões. Em terceiro e último lugar, sendo válido o princípio
descoberto de que a obra de Adorno constrói-se na oposição recíproca entre
momento e sistema, se tomássemos como objeto um conjunto de textos do Adorno
maduro ou tardio teríamos que também dar conta da contraposição que esses fazem
ao momento de juventude, o que implicaria ter que começar esta “Consideração
Intermediária” ecoando a ressalva de Adorno e Horkheimer na Dialética do
exemplo, p. 52-62; PETAZZI, “Studien zu Leben und Werk...”, passim; GÓMEZ, El pensamiento
estético..., p. 45-59.
190
“Die Idee der Naturgeschichte”, GS 1, p. 345-365. Voltaremos a esse texto no Capítulo 3, por
enquanto vale a remissão a um curto artigo que tenta deslindar todas essas referências: HULLOT-
KENTOR, “Introduction to Adorno’s ‘Idea of natural-history’”, Telos, n. 60, 1984, p. 97-110.
esclarecimento: “quanto mais nos aprofundávamos em nossa tarefa, mais
claramente percebíamos a desproporção entre ela e nossas forças”.
191
Antes de passarmos à composição de análises modelares focadas na origem da
categoria de constelação, façamos mais três considerações de ordem metodológica.
A primeira delas está subentendida no parágrafo anterior. A análise preliminar dos
textos nos levou a estabelecer para fins de organização do material uma
periodização da obra de Adorno. Não se quis com isso redefinir o problema que
circunscrevemos no primeiro capítulo, o problema da continuidade, afirmando a
existência de duas cesuras na obra que justificariam o estabelecimento de três
momentos rigorosamente distintos. Porém, para não incorrer em leviandade em
relação ao que havia sido descoberto, foi preciso preservar a hipótese de que a
oposição dialética que conforma a obra de Adorno se move segundo diagnósticos do
tempo, o que gerou a necessidade de observar sinais, o tanto quanto explícitos, de
alteração nas expectativas que governam sua atividade teórica. Entendemos que
pelo menos dois sinais evidentes de tais alterações, que configuram mudanças
amplas de diagnóstico. A primeira dessas mudanças é a mais documentada pela
tradição e refere-se à relação entre Adorno e Benjamin. Como veremos, os passos
de sua aproximação e o seu posterior afastamento podem ser examinados a partir
do contraste de alguns ensaios que eles produziram nos anos 30 e,
fundamentalmente, com base na correspondência a respeito desses ensaios, a qual
justamente permite que se esclareça entre os autores uma divergência significativa e
aponta para uma reconstrução programática por parte de Adorno, o que justifica a
191
Dialektik der Aufklärung, GS 3, p. 11; trad., Dialética do esclarecimento, p. 11.
demarcação proposta.
192
A segunda mudança de diagnóstico, e segunda
demarcação, é mais controversa na literatura secundária, mas foi defendida
algumas vezes: ela se refere a uma distância entre o período marcado pela
colaboração com Horkheimer, particularmente o período do exílio americano e da
redação da Dialética do esclarecimento, e o período tardio, em que a Dialética
negativa e a Teoria estética se destacam. Esta demarcação é particularmente
incomum dado o peso que exerceu sobre a tradição o diagnóstico de Habermas
acerca da implicação necessária das teses da Dialética do esclarecimento: elas
teriam legado uma tarefa aporética à qual ambos teriam ficado indissoluvelmente
ligados até o fim.
193
Embora seja possível disputar esse diagnóstico a partir dos
textos dos dois autores, isso nos afastaria do ponto a que queremos chegar.
194
De
qualquer modo, ressalte-se que o traço mais evidente da transformação nas
expectativas de Adorno, e que abre caminho para a periodização que propomos,
192
muito material na literatura secundária sobre esse ponto. Para todos os efeitos, a referência
mais freqüente segue sendo a avaliação do debate Adorno-Benjamin por BUCK-MORSS, The origin
of…, p. 122- 184. Para outras abordagens, mais próximas da leitura que faremos no Capítulo 3, ver
HULLOT-KENTOR, “Title essay”, New German Critique, n. 32, 1984, p. 141-150; STEINERT, Die
Entdeckung der Kulturindustrie..., p. 162-167; NOBRE, A dialética negativa…, p. 59-101.
193
Eis duas formulações bastante conhecidas: “Horkheimer e Adorno teriam que compor uma teoria
da mimese que, segundo seus próprios conceitos, é impossível” (HABERMAS, Theorie des
kommunikativen Handelns, vol. 1, p. 512); “Adorno estava plenamente consciente dessa contradição
performativa da crítica totalizada. A Dialética negativa de Adorno se deixa ler como uma explicação
continuada de porque nós devemos gravitar em torno dessa contradição performativa e até mesmo ali
permanecer. [...] Adorno manteve-se fiel ao impulso filosófico nos vinte e cinco anos desde a
conclusão da Dialética do esclarecimento e não se esquivou da paradoxal estrutura de um
pensamento da crítica totalizada” (HABERMAS, Der philosophische Diskurs..., p. 144-145).
194
Algumas referências dão conta desse problema, embora esse seja, de fato, um tema pouco
explorado, o que talvez se explique pela significativamente menor produção acerca da obra de
Horkheimer, que impediria, por ora, a justa medida da distância entre a obra escrita em conjunto com
Adorno e a obra tardia de ambos. Sobre a específica impropriedade da aplicação de uma hipótese de
continuidade entre o Adorno maduro e o tardio, cf. NOBRE, “Da Dialética do esclarecimento à Teoria
estética”, Kriterion, n. 85, 1992, p. 71-87. Sobre a mesma questão em Horkheimer, cf. CHIARELLO,
“O mal na trama da razão”, Kriterion, n. 100, p. 57-80, 1999; e, do mesmo autor, Das lágrimas das
coisas, Editora da Unicamp, 2001, p. 126-137.
não está no texto que, necessariamente, por carecer de interpretação, faculta
posições diversas mas na avaliação que ele mesmo faz de sua obra e de seu
projeto ao lado de Horkheimer. Como no caso do diálogo epistolar com Benjamin,
que ilumina a compreensão do afastamento que os textos concretizam, o que
queremos fazer notar não é que a demarcação se fora do texto, mas que as
marcas da divergência podem ser encontradas também naquele debate que
subsiste à fixação nos textos e que mostras de sua vigência em cartas, notas e
fragmentos. O desenvolvimento pleno desse passo exigiria que nos voltássemos
para a correspondência entre Adorno e Horkheimer e a produção tardia desse
último, o que também escapa ao nosso intuito, porém, para indicar sucinta e
eficazmente o ponto, convém explorar uma muita expressiva revisão de texto feita
por Adorno. Na apresentação dos seus Três estudos sobre Hegel, Adorno sustenta
que o intento do livro é preparar “um conceito transformado de dialética”.
195
Como
vimos no primeiro capítulo, a imposição dessa tarefa, ao lado dos esforços em
realizá-la, aproxima Adorno de um projeto de crítica ao sistema de modelo idealista e
ao princípio hegeliano da síntese, que se completa no horizonte de uma dialética
negativa. Porém, o que ainda não vimos é que essa mesma tarefa afasta Adorno de
outro projeto, exatamente aquele que desenvolveu ao lado de Horkheimer. Esse
afastamento pode ser visto a partir de uma informação dada pelo editor das obras
reunidas de Adorno, uma tão curta quanto reveladora observação que, até onde
sabemos, ainda não recebeu a devida atenção. Segundo o editor, na nota à edição
de 1957 dos Três estudos sobre Hegel, Adorno afirmava: “justamente uma
195
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 250.
publicação sobre Hegel oferece a oportunidade de repetir que o pensamento
filosófico do autor e o de Max Horkheimer são um. Por isso se pôde abdicar das
referências isoladas”.
196
Entretanto, na edição definitiva do livro, de 1963, esse
parágrafo é posto de lado e a referência ao trabalho comum, agora no prefácio,
ganha uma forma atenuada:
Desde muitos anos, Max Horkheimer e o autor têm reiteradamente se
ocupado com Hegel ali [no seminário de filosofia de Frankfurt] [...]. Em vista
da unidade do pensamento filosófico de ambos [ser] responsável pelas
interpretações relevantes, se pôde abdicar das referências isoladas.
197
Ora, na distância entre afirmar que o pensamento é uno e afirmar que as
interpretações relevantes são devidas a uma unidade de pensamento mede-se o
afastamento entre ambos: no primeiro caso estamos ainda em plena vigência do
projeto comum, no segundo estamos no momento seguinte, em que a coincidência
de posições já não garante unidade de projeto. Conquanto os desdobramentos
desse problema ainda mereçam atenção mais detida da literatura secundária,
especialmente o contraste entre as posições tardias de ambos e a retomada do
problema da indústria cultural por Adorno,
198
para nossos propósitos é suficiente
196
“Editorische Nachbemerkung”, GS 5, p. 386.
197
Drei Studien zu Hegel, GS 5, p. 249.
198
O primeiro desdobramento, mais do que qualquer outro, ainda está longe de ser esclarecido, o que
se vê, por exemplo, na total ausência de considerações sobre o Horkheimer tardio em uma boa
apresentação de Horkheimer como a de WIGGERHAUS, Max Horkheimer zur Einführung, Junius,
1998. É possível imaginar que essa lacuna se em função do rigor da condenação habermasiana
acima mencionada, que impacta ainda mais severamente Horkheimer haja vista o refúgio tardio deste
em uma teologia de inspiração schopenhauriana, que a Habermas certamente soa como apostasia
de ponta-cabeça (cf. HABERMAS, “Bemerkungen zur Entwicklungsgeschichte des Horkheimerschen
Werkes”, in SCHMIDT; ALTWICKER (Orgs.), Max Horkheimer heute, Fischer, 1986, p. 163-179; cf,
também a análise dessa questão por CHIARELLO, Das lágrimas das coisas, p. 126-137, 149-181 e
193-216). Por seu turno, o segundo desdobramento, como se viu na nota que antecede a Subseção
2.3.1, é talvez o mais importante elemento para a tradição de leitura a contrapelo de Adorno.
notar que a Dialética do esclarecimento se apresenta como o ponto a partir do qual
se deixam medir os esforços subseqüentes dos dois autores, o que implica dizer que
cada um dos passos de revisão de seus termos já é um afastamento tanto do projeto
comum, como do diagnóstico que enquadrou a composição da obra. Nesse sentido,
a demarcação proposta se apóia tanto na correção textual que observamos nos Três
estudos sobre Hegel, como na revisão por Adorno de suas expectativas filosóficas,
que passam a se medir frente à necessidade de elaborar “um conceito transformado
de dialética”. Para dizer claramente: se esse conceito “transformado” ainda pede por
elaboração, então não se trata mais daquele conceito que Adorno havia desdobrado
ao lado de Horkheimer na Dialética do esclarecimento. Portanto, do mesmo modo
que se dera com Benjamin, essa segunda demarcação se segue do afastamento
entre as posições teóricas de antigos colaboradores, de uma reconstrução
programática, e se apóia em uma revisão de expectativas: “o que quero da minha
atividade filosófica?” Em síntese, entre as infinitas possibilidades de recorte abertas
pela descoberta do princípio da relação intrínseca entre momentos e diagnósticos,
optamos pelo zelo para com esses afastamentos em relação a projetos comuns, o
que nos permitiu definir uma periodização na obra de Adorno: momento de
juventude, de maturidade e tardio. Longe de serem definitivas, essas demarcações
permitem, contudo, a composição detalhada de análises modelares, posto que a
periodização reduz sensivelmente o universo de questões que, por se imbricarem,
devem ser tratadas conjuntamente a cada momento, no caso, o da origem da
categoria de constelação.
A segunda consideração geral a ser feita antes de passarmos à composição de
análises modelares tem como foco outro tipo de demarcação, não mais em relação
aos momentos da obra de Adorno, mas no que concerne às ocorrências do termo
constelação. Como também se disse acima, o uso que nos interessa é aquele que
chamamos categórico, que remete aos contextos argumentativos em que a própria
idéia de constelação se converte em objeto. O que veremos à frente é que esse uso
está no cerne das passagens mais importantes dos textos examinados. Ressalve-se
que isso não implica dizer que Adorno nunca faça um uso do termo próximo ao que
poderíamos chamar de trivial, isto é, aquele uso cotidiano, plenamente adequado ao
registro normal da língua alemã e que apenas por exagero ou mistificação poderia
ser aproximado ao uso técnico que nos interessa. No entanto, mesmo nesse caso,
muitas vezes o contexto confere ao termo uma abrangência maior do que se espera
de um uso trivial. Embora nunca jargão, o termo constelação nunca é gratuito. E na
passagem do modo trivial para o categórico, seu uso evoca aquele que chamamos
de mais íntimo projeto intelectual de Adorno: contra o “princípio de unidade e o
domínio universal do conceito de ordem superior”, acolher e dar expressão à “idéia
daquilo que estaria fora do sortilégio de tal unidade”.
199
Finalmente, uma última consideração sobre o método empregado na tese. ainda
outro modo de se explicar o que faremos. Embora de modo cauteloso, é possível
dizer que a obra de Adorno foi tratada até aqui em uma perspectiva analítica, que
partiu do contraste entre a idéia que dela faz a tradição e a explicitação tardia de seu
sentido pelo próprio Adorno. Dessa perspectiva resultou nossa hipótese,
enunciada: a categoria de constelação é a chave dos modelos de pensamento e se
define segundo seus diferentes modos: procedimento metódico que gera a análise
199
Negative Dialektik, GS 6, p. 10.
modelar, estrutura compreensiva que resguarda os diagnósticos e orienta a
decifração do aparente, princípio de composição que tanto exprime a utopia do
pensamento na forma do anti-sistema como revela o processo estruturante da
atividade artística. Ora, o que se fará no próximo capítulo é verificar tal chave de
leitura a partir do acompanhamento da origem do termo constelação e recomposição
das análises modelares em que ele se inscreve, a fim de verificar em que medida
seu uso recobre cada um dos modos acima. Em outras palavras, posto que a
unidade elementar dessa segunda parte da tese é o termo constelação, segundo
suas ocorrências e usos, então o que faremos é um teste a partir de uma
perspectiva sintética. se notou que não deixa de ser estranho que, no esforço de
compreender Adorno, se empregue aqui uma estratégia que conjuga o método
histórico e o método analítico-sintético, escolha que parece avessa ao seu espírito.
No entanto, esse estranhamento terá valido a pena se a interpretação proposta
iluminar, ainda que por um instante, o enigma que constitui a obra de Adorno.
3. ENSEMBLE
3.1. MÚSICA, HISTÓRIA, VERDADE
Em que se pese tudo o que se disse sobre Adorno, sua produção dedicada à
compreensão da música permanece um desafio para toda e qualquer variante de
recepção. Esse desafio tem duas faces: por um lado, trata-se de um volume
descomunal de textos isolados, que somam não menos que metade de sua obra, o
que praticamente inviabiliza sua apreensão integral; por outro lado, trata-se também
de uma produção intelectual em sentido estrito, o que significa que esses textos não
são apenas opiniões sobre música, mas intentam constituir uma filosofia da música.
O característico desse desafio, ainda, é que a concepção de tal filosofia da música
exige o conhecimento de um sem-número de questões rigorosamente
musicológicas, o que afasta grande parte dos comentadores. O resultado direto
dessa exigência é que essa produção mantém-se, comparativamente, pouco
explorada.
200
E em nenhum dos momentos de sua obra essa exigência se mostra
200
À margem dos estudos canônicos, sobrevive uma tendência interpretativa que procura emprestar
aos chamados “textos musicais” uma posição estruturante na obra. Entre os projetos que adotam
essa perspectiva, destacam-se o livro de PADDISON, Adorno's Aesthetics of Music, Cambridge, 1993
e o volume editado por KLEIN e MAHNKOPF, Mit den Ohren denken, Suhrkamp, 1998. Entretanto, se
é verdade que tal tendência é menor entre filósofos, tanto mais é verdade que ela é pouco expressiva
entre musicólogos, situação que se observava mais de dez anos (cf. NESTROVSKI, “Adorno,
Beethoven e a teoria musical”, Folha de São Paulo, 11/03/1988) e que não melhorou muito hoje (cf.
KUEHN, “Theodor W. Adorno um clássico?”, X Colóquio de pesquisa PPGM, Uni-Rio, 2005 e
VARGAS, “Do uso de Adorno por músicos”, Colóquio Adorno, Universidade Nova de Lisboa, 2003;
AGAWU, “What Adorno makes possible for music analysis”, Nineteenth Century Music, vol. 29, n. 1,
tão claramente quanto no que podemos chamar de primeiro momento, que abrange
os anos de iniciação do jovem Adorno. Nesse, por mais que algumas questões se
aproximem de temas filosóficos recorrentes, o metro das intenções de Adorno é
dado pelo empenho em compreender problemas musicais específicos, legado claro
de sua vivência como musicólogo em formação e aspirante a compositor.
201
Também no que concerne ao problema que buscamos enfrentar o sentido da
categoria de constelação é esse o viés dos textos em que se encontra a maior
parte das ocorrências correspondentes ao primeiro momento. Porém, nesse como
em outros casos, são alguns textos periféricos ao projeto que iluminam a obra de
Adorno ao caracterizar também a produção desse período como um momento
dialético daquele processo que “se efetua por si mesmo, através da série completa
das figuras”.
202
2005, p. 49-55). Ainda sobre a recepção de Adorno pela musicologia, cf. DAHLHAUS, “Aufklärung in
der Musik”, in FRÜCHTL; CALLONI (Orgs.), Geist gegen den Zeitgeist, p. 123-135; STEINBERG,
“The Musical Absolute”, New German Critique, n. 56, 1992, p. 17-42; PADDISON, “Immanent critique
or musical stocktaking?”, in GIBSON; RUBIN (Eds.), Adorno - A Critical Reader, Blackwell, 2002, p.
209-233.
201
Ao escasso material teórico sobre esse momento da obra contrapõe-se, não obstante, um extenso
material de viés biográfico. Dentre os vários textos sobre a vida de Adorno, destaca-se, por sua
concisão, a apresentação desse período por WIGGERSHAUS, L’École de Francfort, p. 66-91. Alguns
dados que serão mobilizados neste capítulo têm esse livro e as biografias escritas por SCHEIBLE
(Theodor W. Adorno, Rowohlt, 1999) e CLAUSSEN (Theodor W. Adorno, Fischer, 2005) como
referência, outros são devidos às notas dos organizadores das obras reunidas e do volume de
correspondência entre Adorno e Benjamin, enquanto outros são referidos ao mencionado volume
em memória a Adorno organizado por Früchtl e Calloni. Uma vez que esses textos contribuíram mais
para criar uma impressão que acompanhou a leitura do que para elucidar questões filosóficas
enfrentadas na pesquisa, serão doravante destacadas em nota apenas aquelas referências que
sustentam claramente um argumento que pareça pertinente ao escopo da tese ou aquelas que
explicitam um fato relevante.
202
HEGEL, Phänomenologie des Geistes, §79, p. 57; trad., A fenomenologia do espírito, p. 51. Ver
nota correspondente no Capítulo 1.
A primeira ocorrência do termo constelação no corpus consultado data de 1928. Em
um ensaio denominado “Schubert”, escrito por Adorno para o periódico Die Musik,
uma citação de Louis Aragon serve de epígrafe ao texto e nela se encontra a única
ocorrência do termo vertido para o francês, Constellations.
203
O verso em questão,
“[...] et l’homme ne fut plus qu’un signe entre les constellations”, não parece, a
princípio, remeter ao problema que enfrentamos. Contudo, em vista do restante do
ensaio, em que diversas categorias que terão longa história no pensamento de
Adorno vêm à baila, a escolha da epígrafe não se mostra acidental, mas essencial.
Vale destacar uma passagem. Ao questionar o que significa atribuir lirismo a uma
obra de arte, Adorno conclui:
O lírico não reproduz [bildet... ab] imediatamente no construto [Gebilde] seu
sentimento, mas seu sentimento é o meio de extrair no construto a verdade
em sua pequena, incomparável cristalização. A verdade mesma não
repousa no construto, mas nele se expõe [stellt sich dar], e a descoberta de
sua imagem permanece trabalho do homem. O criador [Bildner] descobre a
imagem [Bild]. A imagem da verdade, porém, permanece sempre na
história.
204
Por um lado, se verifica na passagem a obsessão do jovem Adorno em responder
à tendência subjetivista que vigorava nas análises do fenômeno musical,
particularmente no que se refere à compreensão dos compositores românticos, a
exata tarefa que ele irá enfrentar no restante do texto. Por outro lado, e aqui temos a
transição que nos interessa, o modo pelo qual Adorno procura enfrentar esse
problema e, principalmente, sua concepção da relação entre criador e construto,
artista e obra, dão testemunho de uma muito específica e localizável teoria. Se
203
“Schubert”, GS 17, p. 18.
204
Ibid., p. 20.
observarmos a linha do argumento na passagem, veremos que a assunção de
que a verdade se expõe na descoberta da imagem, mas permanece visível apenas
enquanto história. Ora, o que se verá é que esse princípio, que tanto explicita uma
concepção do fazer artístico quanto determina uma tarefa para a crítica, tem
referência clara: é índice do início da influência de Benjamin sobre o jovem Adorno,
marco daquilo que Adorno dirá ser o desenvolvimento de “nossa porção destinada à
prima philosophia”.
205
Sintomaticamente, já na primeira carta enviada por Benjamin a
Adorno, o tema principal é, justamente, o manuscrito de “Schubert”.
206
Para
esclarecer o que está em jogo, convém examinarmos rapidamente a aproximação
entre os dois autores para, então, compreendermos como a obra de Benjamin
alcança Adorno.
Adorno e Benjamin se conhecem em 1923 e, após alguns encontros em Frankfurt,
Nápoles e Berlin, fortalecem seu vínculo a partir de fevereiro de 1928, com uma
estadia prolongada de Adorno em Berlin.
207
O retorno de Adorno a Frankfurt
início a uma intensa troca de correspondência entre ambos, em grande parte
preservada. Na primeira carta de que dispomos, datada de 2 de julho de 1928,
Benjamin se refere à “agradável expectativa” em receber sua cópia manuscrita do
205
ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, Suhrkamp, p. 73.
206
Cf. a carta de número 1, em ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 9-10.
207
Há inúmeras referências possíveis que dão conta dessa história. Para efeitos imediatos, ver
ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 10, nota. Para compreensão detalhada e em
primeira pessoa da relação entre ambos, convém consultar o volume organizado por Tiedemann com
os textos de Adorno sobre Benjamin: trad., ADORNO, Sobre Walter Benjamin, Cátedra, 1995,
especialmente os textos “En memoria de Benjamin”, p. 70-71 e “Recuerdos”, p. 76-82.
“Schubert” de Adorno.
208
Uma vez que essa prática de ler os textos um do outro
antes da publicação torna-se, sem dúvida, um traço indelével do seu modo de
produção intelectual ao longo da década de 30,
209
ela estabelece precisamente o
ponto sobre o qual teremos que nos debruçar a fim de compreender em que medida
se desenvolveu, ou não, um “programa comum” entre eles. Seja como for, no
momento de produção do “Schubert”, Adorno se mostra familiarizado com aspectos
da obra de Benjamin, nomeadamente com uma muito peculiar teoria das idéias e da
linguagem que, em 1928, Benjamin havia delineado em três textos, todos
conhecidos, ao menos parcialmente, por Adorno:
210
O conceito de crítica de arte no
Romantismo alemão,
211
As Afinidades Eletivas de Goethe
212
e Origem do Drama
Barroco alemão.
213
Esses textos, ao lado do esboço do Trabalho das Passagens,
que seria conhecido por Adorno no ano seguinte,
214
formam a base de um projeto
208
ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 9.
209
Além das incontáveis referências no volume de cartas, cf. “Recuerdos”, Sobre Walter Benjamin, p.
77 e “Editorische Nachbemerkung”, GS 1, p. 383.
210
A memória por Adorno de seu contato com os textos de Benjamin pode ser lida em “Recuerdos”,
Sobre Walter Benjamin, p. 76-82. Os passos do debate sobre cada um dos textos podem ser
conferidos a partir do sumário de sua correspondência em ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-
1940, p. 488-490.
211
BENJAMIN, Der Begriff der Kunstkritik in der deutschen Romantik, in Gesammelte Schriften, I.1, p.
7-122; trad., O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão, Iluminuras, 1999. Cf. o elogio da
obra em ADORNO, “Introducción a los escritos de Benjamin”, Sobre Walter Benjamin, p. 51.
212
BENJAMIN, Goethes Wahlverwandtschaften, in Gesammelte Schriften, I.1, p. 123-201. Cf. a
referência em “En memoria de Benjamin”, Sobre Walter Benjamin, p. 71.
213
BENJAMIN, Ursprung des deutschen Trauerspiels, in Gesammelte Schriften, I.1, p. 203-430; trad.,
Origem do Drama Barroco alemão, Brasiliense, 1984. Cf. “En memoria de Benjamin”, Sobre Walter
Benjamin, p. 71.
214
BENJAMIN, Das Passagen-Werk, in Gesammelte Schriften, V.1 e V.2. Cf. a referência em
“Recuerdos”, Sobre Walter Benjamin, p. 78. Sobre a relação de Adorno com esse texto “tomo esse
trabalho como propriamente o chef d'œuvre de Benjamin”, em carta a Horkheimer ver a nota do
editor em ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 41 e a referência direta em ibid., p. 112 .
original benjaminiano ao qual Adorno sucessivas vezes remeterá seus próprios
esforços, com distintas avaliações. No caso específico do “Schubert”, mas também
de outros ensaios desse primeiro momento, Adorno procura situar-se frente a um
aspecto desse projeto, aquilo que um comentador de Benjamin chamou de uma
filosofia da linguagem “maquiada” de teoria das idéias.
215
De imediato, observe-se
que aqui o mais importante não é destacar como Benjamin concebeu essa teoria,
mas como o jovem Adorno a compreendeu. Em face dessa ressalva, acompanhar
como Adorno transforma as hipóteses benjaminianas significa também compreender
como foi constituído o modelo de crítica que essas resenhas musicais realizam.
Além disso, cumpre ressaltar que a realização desse modelo de crítica implica
também em uma reconstrução de um projeto original do próprio Adorno, justamente
aquele que o conduz à crítica musical e que constitui, nas palavras de um
comentador, o seu “projeto vienense”.
216
Logo, é exatamente no contraste entre
esse projeto crítico do jovem Adorno e o projeto que ele passa a conceber sob a
influência de Benjamin que poderemos encontrar a primeira contraposição que, em
face de uma mudança de diagnóstico, move a série de figuras que formam sua obra.
Ou seja, se acompanharmos as resenhas musicais dos anos 20 e 30 com os olhos
voltados para a relação entre o projeto original adorniano e o que paulatinamente se
desdobra em um “projeto comum”, enfim, se traçarmos as análises modelares que
essas resenhas compõem, poderemos tanto divisar a mudança de diagnóstico que
Cf. também a nota que situa esse primeiro contato de Adorno com o Trabalho das Passagens em
leituras feitas por Benjamin “em setembro ou outubro de 1929”, ibid., p. 25.
215
Cf. ROCHLITZ, O desencantamento da arte, Edusc, 2003, p. 58.
216
Cf. STEINERT, Adorno in Wien, Verl. für Gesellschaftskritik, 1989, p. 133-155.
gera a transição entre os momentos como distingui-los como modelos de
pensamento. Finalmente, em vista da hipótese aqui adotada a de que categoria de
constelação é o meio das análises modelares e chave do modelo de pensamento –,
a verificação de uma variação formal e funcional da categoria de constelação ao
longo desse primeiro momento seria a demonstração da hipótese. Por certo, todo o
processo depende de um passo: que o modo das análises modelares em um e outro
momento seja efetivamente distinto. É a esse passo que nos dedicaremos agora.
De início, que se tome seriamente o diagnóstico do próprio Adorno acerca de sua
produção dos anos 20 e, especificamente, do “Schubert”:
O ensaio sobre Schubert remetia ao centenário de sua morte. Ele pode ser
tomado como primeiro trabalho extenso do autor na exegese [Deutung] da
música, apesar de muitos desajeitamentos e embora a interpretação
[Interpretation] filosófica se arrisque demasiadamente sem mediação, com o
descuido das circunstâncias técnico-composicionais. [...] Nenhuma outra
captatio benevolentiae teria o autor a alegar, a não ser que seu esforço
posterior foi centrado na correção de tais insuficiências; nesta medida elas
são um momento de seu próprio pensamento.
217
Ora, compreender como esses “desajeitamentos” afetam esses textos é parte da
resposta que buscamos, posto que eles são sintomas do empenho de adequação de
elementos da teoria benjaminiana a intuições derivadas da experiência musicológica
de Adorno. Mais especificamente: aquela transição entre os momentos de sua obra
responde ao processo de compreensão, por parte de Adorno, de como certas
particularidades descobertas na atividade musical constrangem a adequação plena
entre as bases da teoria de Benjamin e suas próprias intuições. Assim, em um
217
“Vorrede”, Moments musicaux, GS 17, p. 10. Sobre a interpretação de Schubert por Adorno, cf. a
análise de LEPPERT, “On reading Adorno hearing Schubert”, Nineteenth Century Music, vol. 29, n. 1,
2005, p. 56-63.
primeiro momento, tal compreensão exigiu de Adorno o estabelecimento de alguns
princípios encabeçados por um dos modos da constelação que fossem capazes
de informar a atividade teórica tomada, ao modo de Benjamin, como grande crítica,
aquela que não tem que “instruir através de exposição [Darstellung] histórica ou
formar [bilden] através de comparações, mas reconhecer através da submersão
[Versenkung]”.
218
Ora, como submersão, no caso, significa submersão no objeto,
entende-se que tais princípios operaram como a estrutura compreensiva que
permitiu a Adorno enfrentar uma tarefa herdada de Benjamin: “o mundo real poderia
constituir uma tarefa em que urge penetrar de tal modo profundamente em todo o
real, que uma interpretação objetiva do mundo ali se descubra”.
219
No entanto, em
um segundo momento, é exatamente a consecução dessa tarefa, isto é, a
submersão no objeto musical sobre o qual Adorno disserta, que revela a ele em
novo diagnóstico a necessidade de redescrição das bases do que ele entendia ser
o projeto de ambos. Logo, é ainda a renovação da tarefa herdada que conduz
Adorno a negar validade plena aos seus trabalhos de juventude, abrindo passagem
para o que chamamos de sua fase madura. Para que se compreenda essa
passagem, é necessário que nos voltemos a outras ocorrências do termo
218
BENJAMIN, “Ankündigung der Zeitschrift: Angelus Novus”, in Gesammelte Schriften, II.1, p. 242.
219
BENJAMIN, Ursprung des deutschen..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 228; trad., Origem do
Drama Barroco..., p. 70. Não deve escapar à atenção a reconstrução tardia desse problema em
Adorno. Nomeadamente, as linhas mestras do projeto da Origem do Drama Barroco, que encontram
na submersão [Versenkung] seu vetor, são retomadas na Dialética negativa sob a fórmula da
primazia do objeto [Vorrang des Objekts]: fundamentalmente, ambas coincidem em uma doutrina da
semelhança [Ähnlichkeit]. Para encontrar os traços benjaminianos dessa reconstrução operada por
Adorno, comparar as primeiras páginas do “Prefácio crítico-epistemológico” da Origem do Drama
Barroco e as últimas páginas da “Introdução” da Dialética negativa (BENJAMIN, Ursprung des
deutschen..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 207-210; trad., Origem do Drama Barroco..., p. 49-52;
Negative Dialektik, GS 6, p. 65-66). Para um breve comentário acerca dessa questão, cf. OPITZ,
“Ähnlichkeit”, in OPITZ; WIZISLA (Orgs.), Benjamins Begriffe, vol. 1, Suhrkamp, 2000, esp. p. 15-22.
constelação nos trabalhos do período, o que permitirá que se reconheça como as
análises modelares nos dois momentos variam conforme o modo da categoria de
constelação.
Como se disse aqui, parte das ocorrências do termo constelação na obra de
Adorno, não apenas no seu período inicial, refere-se ao que poderíamos chamar de
um modo trivial do termo, aquele que, em conformidade ao registro normal da
língua, teria como sinônimos, por exemplo, os termos “conjunto” e “grupo”. Parte
dessa sinonímia se perde na medida em que mesmo o uso trivial do termo
constelação envolve algo que os dois outros termos não contemplam, a saber, a
idéia de que uma ação correlativa, de modelo gravitacional, a reunir os
elementos. Em função disso, mesmo que guiados pela atenção às ocorrências-
chave, ao que chamamos de modo categórico, procuraremos destacar as demais
ocorrências, no que se refere à freqüência em cada momento da obra de Adorno.
Além do mais, o caso de sua produção precoce é singular porque nele encontramos
também um outro uso do termo constelação, um modo atenuado que se caracteriza
por estar a meio caminho dos demais. É esse o caso da ocorrência em “Schubert”.
Ainda que o termo constelação não se apresente como categoria na passagem, sua
remissão ao texto permite que se divise uma experiência, ou ainda, uma imagem
evocada por aquele projeto benjaminiano ao qual Adorno procura se filiar. Como ele
relata ao fim do ensaio:
Diante da música de Schubert as lágrimas caem dos olhos, sem antes
interrogar a alma: de tal modo intempestivo [unbildlich] e real que ela nos
invade. Nós choramos, sem saber por que; porque nós ainda não somos o
que aquela música promete, e não estamos naquela felicidade indefinida,
que ela apenas procura ser para assegurar-nos que um dia também
possamos sê-lo. Nós não podemos lê-la; mas os olhos diminutos,
inundados, apresentam-na como a cifra da reconciliação [Versöhnung]
definitiva.
220
Logo, embora Adorno não desenvolva a idéia que o termo comporta, o restante do
ensaio tanto esclarece a intenção da epígrafe como permite que se compreenda o
tipo de experiência que a formulação benjaminiana de submersão no objeto procura
resgatar e que na epígrafe aparece como alegoria: a imagem do homem “invadido
pela transparência”,
221
que não é “mais que um signo entre as constelações”, talvez
seja o primeiro esforço por parte de Adorno em compor a dinâmica que, em sua
perspectiva, coordena o “projeto comum” de ambos, aquela que se processa entre
arte e cifra, felicidade e reconciliação. Veremos à frente que Adorno fará recair sobre
a reconfiguração dessa dinâmica a responsabilidade de compreensão da tarefa da
filosofia. Ao elucidar o que deveria ser sua “porção destinada à prima philosophia”,
esse passo crucial tanto abre caminho para um novo momento no pensamento de
Adorno como motiva o arquivamento do “projeto comum”, uma vez que não mais
recobre a posição de Benjamin.
Esse movimento de aproximação e afastamento em relação às hipóteses e usos
benjaminianos, cujo modelo encontramos no “Schubert”, rege a maior parte das 37
ocorrências da categoria de constelação no período; na verdade, bem poucas
podem ser consideradas triviais.
222
De um modo geral, elas ou acompanham a forma
220
Ibid., p. 33.
221
“Schubert”, GS 17, p. 18.
222
Cf. os quadros de ocorrências no Anexo A desta tese para verificar todas as ocorrências no corpus
consultado. Quanto às referências triviais desse período, seu elenco é o seguinte. duas
ocorrências pouco significativas em “Mahler heute” (GS 18, p. 228), em que Adorno afirma que a
determinada por essa adequação de traços benjaminianos, o que chamamos de
modo atenuado, ou configuram uma transformação no escopo do termo constelação,
uma vez que constituem problemas filosóficos efetivos que o texto se encarrega de
enfrentar, o que chamamos de modo categórico. Logo, é também no contraste entre
o modo atenuado e o modo categórico do uso do termo constelação que podemos
reconhecer os passos da compreensão da tarefa legada por Benjamin e sua
consecução e posterior crítica por Adorno. Em outras palavras, os momentos da
obra de Adorno se vêem espelhados nos distintos sentidos que a categoria de
constelação toma nesse período de formação.
Entre 1928 e 1930, período que mais propriamente favorece a idéia de um “projeto
vienense”, Adorno emprega o termo constelação em outras 10 ocasiões, todas em
artigos publicados em periódicos de análise e crítica musical. Ainda em 1928, em
uma curta nota crítica acerca do “Cardillac” de Hindemith, publicada no mesmo Die
Musik, Adorno um contorno mais preciso ao seu projeto, estabelecendo
“problemática” constituída pela obra de Mahler tem seu fundamento em uma “constelação objetiva”,
isto é, em um contexto histórico específico. Em “Stilgeschichte in Schönbergs Werk” (GS 18, p. 386),
encontra-se uma ocorrência semelhante, em que Adorno se refere a uma “constelação do histórico e
do técnico”. Duas ocorrências ainda mais fracas podem ser lidas na resenha “Chinesische Musik.
Herausgegeben von Richard Wilhelm” (GS 19, p. 343), em que Adorno faz referência a elementos
que “reúnem-se em outras constelações”, e na crítica “Jemnitz, Alexander, Tanzsonate op. 23” (GS
19, p. 317), em que se trata da “constelação [formada] por Reger, Schönberg e folclore húngaro”.
Também muito tênue é a ocorrência em “Januar 1932” (in Frankfurter Opern- und Konzertkritiken , GS
19, p. 211), que remete a uma “constelação total” que teve um resultado infeliz, no sentido de uma
coordenação de eventos. Em “Anton von Webern” (GS 17, p. 207) encontra-se uma ocorrência
que poderia ser considerada significativa ou atenuada, mas não chega a se desenvolver. Nesse
ensaio, Adorno emprega o termo “constelação musical” para se referir aos modos de composição dos
elementos musicais em Webern, o que recobre, sem maiores conseqüências, a idéia de tema ou
motivo musical. No conhecido artigo “Zur gesellschaftlichen Lage der Musik”, uma ocorrência que
embora abra a possibilidade de uma análise reveladora, não se aplica ao conjunto de problemas que
caracterizam a análise modelar em questão. Trata-se do termo “constelação de pulsões” (GS 18, p.
734). Também nesse artigo, o termo é empregado no sentido de um estado de coisas presente (GS
18, p. 750), o que parece promissor, mas é bastante atenuado no restante da passagem. Das demais
ocorrências trataremos à frente.
claramente uma contraposição que dominará esses artigos, aquela que ao fim e ao
cabo se faz entre reação [Reaktion] e progresso [Fortschritt]. De início, Adorno
recupera o que entende ser a pergunta correta a se fazer frente a uma obra: “O
‘Cardillac’ não deve ser avaliado segundo o nível da composição, [...] deve-se
perguntar como ela [a ópera] expõe [darstelle] o seu teor de verdade
[Wahrheitsgehalt] a partir de si”.
223
Esse ataque ao alegado alto nível composicional
das obras que se aproximam da Neue Sachlichkeit, como é o caso da peça de
Hindemith, fica mais claro em outra passagem:
Essas peças polifônicas [...] geralmente não se deixam confiar. Elas
oferecem uma inquebrantável restituição do muito ocorrido, não muito
diferente do que o romântico Reger se esforçou [em fazer] por seu Bach [...]:
do primeiro ao último tom não história nessa música, ao contrário, o que
sempre se segue ao outro é [de fato] simultâneo se ele for arbitrariamente
intercambiável.
224
A conclusão do argumento é que se uma não-dialética “repetição inconseqüente
dos mesmos materiais”, então as “peças musicais do ‘Cardillac’ se reduzem até uma
arquitetura de fachada, que tanto mais empurra para trás os genuínos problemas
formais, quanto mais veementemente os nega”.
225
Na seqüência, por contraste ao
que questionara em Hindemith, Adorno define o que constitui o teor de verdade de
uma obra e o vincula diretamente à idéia de constelação:
Pois que a construção formal somente teria poder se ela estivesse
assentada atrás da fachada musical, se cada uma das menores mônadas
musicais estivesse viva livremente, sem consideração para com um
223
“August 1928”, in Frankfurter Opern- und Konzertkritiken , GS 19, p. 129.
224
Ibid.
225
Ibid., p. 130.
contexto superficial superior [vorgesetzten Oberflächenzusammenhang], e a
totalidade formal ascendesse imediatamente da constelação de mônadas.
226
Além de antecipar a conhecida referência à obra de arte como mônada, que será
retomada na Teoria estética,
227
essa passagem é reveladora porque nela o termo
constelação, mesmo não recobrindo plenamente nenhum dos modos da categoria,
justamente porque ainda não se descolou do modelo benjaminiano, a ver algo
que escapa a esse, a saber, a aplicação à dimensão composicional própria da
música, o que confirma a responsabilidade para com a tarefa de submersão no
objeto. Ademais, Adorno parece ter em vista não a categoria de constelação em sua
formulação mais clara por Benjamin,
228
mas aquilo que é contemplado pelo princípio
do privilégio da arte como medium-da-reflexão [Reflexionsmedium], que Benjamin
expõe em O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão. Com efeito, a idéia
de obra evocada pela passagem acima parece retomar a seguinte análise:
Aqui a resposta contém uma indicação retificadora quanto à natureza dupla
da obra: ela é apenas uma unidade relativa, permanece um ensaio no qual
o um e o todo se encontram reunidos. [...] Schlegel, num resumo, indica o
significado da reflexão para a obra e para a forma com as seguintes
palavras: ‘Uma obra está formada quando ela está por toda parte
rigorosamente delimitada, mas, no interior dos limites, ilimitada [...] quando
ela permanece completamente fiel a si mesma e em toda parte igual e, no
entanto, superior a si mesma’. Se, por força de sua forma, a obra de arte é
um momento do medium-de-reflexão absoluto, então a proposição de
Novalis: ‘Toda obra de arte possui um Ideal a priori, uma necessidade nela
de estar aí’ não possui em si nada de obscuro.
229
226
Ibid.
227
Cf. esp. Ästhetische Theorie, GS 7, p. 15 e 268-270; trad., Teoria estética, p. 16 e 204-206.
228
Cf. BENJAMIN, Ursprung des deutschen..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 214-215; trad., Origem
do Drama Barroco..., p. 56-57.
229
BENJAMIN, Der Begriff der Kunstkritik..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 75-76; trad., O conceito
de crítica de arte..., p. 83.
Logo, a crítica de Adorno a Hindemith abre a possibilidade de desdobrar a afinidade
entre arte e reflexão filosófica que Benjamin realiza em O conceito de crítica de arte
no Romantismo alemão,
230
porém não a partir do princípio da arte como medium-de-
reflexão, mas por meio da categoria de constelação. Assim, do mesmo modo que,
como vimos no Adorno tardio, é a composição dos conceitos em constelações que
preserva na filosofia o momento mimético evocado pela arte através da
semelhança entre a coordenação de pensamento e objeto na atividade constelatória,
por um lado, e a forma assumida pela constelação resultante, por outro é também
a constelação, desde o jovem Adorno, que explicita a relação entre partes e todo na
arte. Logo, e aqui chegamos à primeira conclusão no que se refere às nossas
hipóteses, a categoria de constelação tem sua origem como princípio composicional,
mais especificamente, como um princípio formal relativo à atividade de produção e
exposição da obra de arte. Conquanto a afinidade entre o processo artístico e a
atividade filosófica dependa do reconhecimento da dupla referência da constelação
como princípio composicional e do desdobramento da categoria como procedimento
metódico e estrutura de compreensão, é possível afirmar que Adorno encontra na
constelação o meio que realiza tal aproximação. Além disso, embora possamos
adiantar que a consecução dessa tarefa se a partir dos textos que marcam o
afastamento entre Adorno e Benjamin, outros de seus aspectos aparecem nas
demais ocorrências do termo constelação, vinculadas ao mesmo “projeto vienense”.
230
Cf. ibid., p. 53-72; trad., p. 61-80. Cf. também o desenvolvimento dessa afinidade em
SELIGMANN-SILVA, Ler o livro do mundo, Iluminuras, 1999, p. 42-76.
A relação de Adorno com as revistas “Die Musik” e “Anbruch”, que torna visível tal
projeto, está marcada por um engajamento que guarda um paralelo, diga-se,
emocional, com sua futura crítica à indústria cultural. Não por outro motivo, os mais
agressivos posicionamentos de Adorno na avaliação, respectivamente, do que ele
chama de reação na música e do Jazz, estão em textos que vieram à luz sob
condições especiais: “Para ‘Anbruch’. Exposé” e “Sobre o Jazz”.
231
Enquanto esse
último, publicado sob pseudônimo, manteve-se como o centro de toda aquela
polêmica que ainda hoje move o moinho da crítica, o primeiro, não-publicado,
poderia ser definido como uma das mais contundentes auto-apresentações de um
membro de corpo editorial jamais realizadas: “em resumo, não um documento de
alta diplomacia, mas escrito a partir de uma posição de força e com a arrogância do
poder”.
232
Rigorosamente um panfleto em que são desancadas diversas tendências
musicais e a própria linha editorial da revista, o “Exposé” apresenta a concepção de
Adorno do que ela deveria ser e, na medida em que traça rumos futuros, pontua
tanto sua aproximação quanto seu afastamento do corpo editorial. Se nele
encontramos a mais vigorosa tomada de posição contrária à reação na música
trata-se de uma luta [Kampf] contra Strawinsky e Hindemith –, e também ao
romantismo, à música ligeira [leichte Musik] e ao neoclassicismo, também
encontramos as linhas gerais de um programa para a crítica musical que, não
obstante, escapa a uma revista de crítica musical. O sentido dessa questão remete à
231
“Zum ‘Anbruch’. Exposé”, GS 19, p. 595-604; “Über Jazz”, GS 17, p. 74-108.
232
STEINERT, Adorno in Wien, p. 136. Cf. também a questão da inserção de Adorno no movimento
intelectual encetado pelas revistas vienenses em STEWART, “Talking of modernity”, German Life and
Letters, vol. 51, n. 4, 1998, p. 455-469.
afinidade entre arte e filosofia e, mais uma vez, pode ser compreendido a partir da
categoria de constelação.
Apesar da virulência do “Exposé”, Adorno é encarregado de preparar o editorial do
ano seguinte, 1929, da revista “Anbruch”. O editorial, não assinado, traz um recado:
dentre os leitores, se há quem queira informar-se acerca do sentido da música
kitsch, sua interpretação e função, “pois que ele compreenda a partir da constelação
do que se trata para nós [essa questão], mesmo que não levemos a isso
programaticamente”.
233
Embora essa seja uma das ocorrências triviais do termo
constelação, ela introduz outro texto de Adorno, justamente o que procura entender
o kitsch, que nos devolve à linha do argumento. Contra a reedição do tempo
passado empreendida pelo kitsch, Adorno argumenta que “a posição [Stand] da
verdade nas obras corresponde à posição da verdade na história”, o que o conduz à
conclusão:
A liberdade do artista, a do que reproduz [reproduzierenden] não menos que
a do que produz, alude em todo caso apenas ao fato de que ele tem o
direito de realizar, passando por cima de toda exigência do agora existente,
aquilo que é reconhecido por ele, segundo a posição histórica mais
avançada, como verdade atual da obra reconhecido não no sentido da
reflexão abstrata, mas da intuição conteudística [inhaltlichen Einsicht] da
qualidade [Beschaffenheit] de seu material de quando em quando [je und je]
historicamente pré-formado.
234
Essa compreensão de uma relação dialética entre verdade e história, que ganha
concreção na obra através da disposição de seus materiais, leva Adorno a dar mais
233
“Zum Jahrgang 1929 des ‘Anbruch’”, GS 19, p. 607. Passagem de difícil tradução: “[...] der mag
aus der Konstellation ablesen, worum es uns geht, auch ohne daß wir programmatisch verführen”.
Para uma análise do kitsch, ver SEUBOLD, “Die Erinnerung retten und dem Kitsch die Zunge lösen”,
in KLEIN; MAHNKOPF (Orgs.), Mit den Ohren denken, p. 134-166.
234
“Nachtmusik”, GS 17, p. 55.
alguns passos que, por um lado, delimitam sua posição definitiva em relação ao que
chama de reação na música e, por outro lado, realizam a passagem que retorna da
história para a arte. Ora, se o que deve ser visado em uma obra é sua verdade atual,
intuída no material “de quando em quando”, “sendo os teores [Gehalte]
completamente descobertos, tornam-se então as obras inquestionáveis e inatuais.
Sua interpretabilidade tem um fim”.
235
Daí, nós podemos concluir que tanto está
inscrita nas obras a possibilidade de sua decadência, como a idéia de material
evoca um princípio de historicidade inerente à obra que impede a fixação de uma
interpretação. Nos termos de Adorno, “contestar a decadência [Zerfall] da obra na
história tem um sentido reacionário”,
236
e portanto, “deveria ser possível falar de
materialismo musical na atualidade histórica com maior direito e sentido mais
profundo, do que de uma determinação a-histórica [geschichtsfreien] do material”.
237
Logo, se a obra deve ser vista como radicalmente histórica sua “posição histórica
mais avançada” é a “verdade atual da obra” –, então é precisamente sua decadência
que confere sua validade: “E, no entanto, o caráter de verdade [Wahrheitscharakter]
da obra está precisamente ligado a essa decadência”.
238
E aqui podemos tanto
recuperar a influência de Benjamin, como reencontrar os termos adornianos da
tarefa por ele legada. Por um lado, a verdade da obra deve estar ligada à sua
concreção histórica e, por isso, à possibilidade de sua caducidade: se à obra é
235
Ibid., p. 56.
236
Ibid.
237
Ibid., p. 59.
238
Ibid., p. 56.
atribuída uma relação, diga-se, intermitente com a verdade, então cada posição de
sua constituição é como um instante arrancado à história, o qual, justamente por ter
sido arrancado, caracteriza a arte como um espaço de tensão que encontra na
reflexão filosófica sua possibilidade de compreensão. Por outro lado, como vimos, a
afirmação da afinidade entre arte e reflexão filosófica, herdada de Benjamin,
reconstrói-se em Adorno como atenção à composição constelatória, mais
precisamente, à constelação de mônadas. Ora, aqui a referência à concepção de
história de Benjamin é clara, como podemos reconhecer a partir da seguinte
passagem da Origem do Drama Barroco alemão:
Com isso, redefine-se, no antigo sentido, a tendência de toda formação
conceitual filosófica: verificar [festzustellen] o devir dos fenômenos em seu
ser. Porque o conceito de ser da ciência filosófica não se satisfaz com o
fenômeno, mas somente com a consumição [Aufzehrung] de sua história. O
aprofundamento das perspectivas históricas em investigações desse tipo,
seja no passado, seja no futuro, em princípio não conhece limites. Ele à
idéia a totalidade. [...] A idéia é mônada isto significa, de modo breve:
cada idéia contém a imagem do mundo. Sua exposição [Darstellung] impõe
como tarefa nada menos que a descrição dessa imagem do mundo em sua
abreviação.
239
239
BENJAMIN, Ursprung des deutschen..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 228; trad., Origem do
Drama Barroco..., p. 69-70. De passagem, diga-se que a comparação desse trecho com a XVII Tese
de “Sobre o conceito da história” permite que se veja com clareza ímpar a reconstrução dessa tarefa
pelo próprio Benjamin: “Ao pensar não pertence apenas o movimento dos pensamentos, mas
também sua imobilização. Onde o pensamento pára, bruscamente, numa constelação saturada de
tensões, ali ele lhes comunica um choque, através do qual ele [es] se cristaliza como mônada. O
materialista histórico somente se aproxima de um objeto histórico quando ele o confronta como
mônada. Nessa estrutura, ele reconhece o sinal de uma imobilização messiânica dos acontecimentos,
dito de outro modo, de uma oportunidade revolucionária na luta por um passado oprimido”
(BENJAMIN, “Über den Begriff der Geschichte”, in Gesammelte Schriften, I.2, p. 702-703; trad.,
“Sobre o conceito da história”, in Obras escolhidas, vol. 1, p. 231). Obviamente, a diferença está no
aporte que passa a conjugar as idéias de messianismo e revolução. Cf. o comentário dessa questão
por WIZISLA, “Revolution”, in OPITZ; WIZISLA (Orgs.), Benjamins Begriffe, vol. 2, esp. p. 676-688;
ROCHLITZ, O desencantamento da arte, p. 331-336; KAUFMANN, “Beyond use, within reason”, New
German Critique, n. 83, 2001, p. 151-173; e TIEDEMANN, “Historischer Materialismus oder politischer
Messianismus?”, in Dialektik im Stillstand, Suhrkamp, 1983, p. 99-142. Observe-se também que na
boa tradução para o português há, todavia, um erro que, em vista dos objetivos desta tese, não pode
deixar de ser apontado: o que [es] “se cristaliza como mônada” não é a constelação [die
Konstellation, o tradutor prefere “configuração”], mas o pensamento [das Denken]. Não fosse pela
questão gramatical, também por tudo o que dissemos até agora, a constelação é “em movimento”,
No entanto, mesmo considerando que também para Benjamin a compreensão das
formas artísticas recupera e elucida a concepção da história,
240
uma diferença
que se mostra essencial: para Adorno, a tarefa acima descrita tem uma dupla face, a
saber, ela se aplica ao artista “que reproduz não menos que a do que produz”.
241
Assim, os termos da tarefa se alteram à medida que Adorno não apenas encontra na
dimensão composicional da música – isto é, na constelação algo que transcende a
dimensão monadológica, como também encontra na atividade daquele que
reproduz, do intérprete, a reposição da mesma tarefa: como já vimos nos seus textos
do “projeto vienense”, não as obras decaem e têm nisso seu teor de verdade
mas também as interpretações assim se comportam.
Essa questão se elucida a partir de outra ocorrência do termo constelação:
[Uma] atualização correta da interpretação [Interpretation] musical não é
arbitrariedade em relação à obra, mas maior fidelidade [Treue]; fidelidade
que compreende a obra do modo que ela nos foi concretamente mediada
através da história, ao invés de pressupor um abstrato em si, em que a obra
estivesse ainda aprisionada na constelação histórica de seu tempo original
[Ursprungszeit]. [...] A exigência de contemplar obras de modo novo e
desconhecido [Fremd] é ditada pelas obras e não pelos homens. [Essa
exigência] deve-se realizar do modo que é indicado para o conhecimento
pelas posições históricas [geschichtlichen Stande] da obra.
242
tanto em Adorno, como em Benjamin, e não poderia se cristalizar. Ainda em função desse exato
sentido, erra a tradução que pressupõe a equivalência entre os termos “configuração” e
“constelação”. Cf. OTTE; VOLPE, “Um olhar constelar sobre o pensamento de Walter Benjamin”,
[s.n.], [s.d.].
240
Cf. o desenvolvimento dessa implicação em BOLLE, “Geschichte”, in OPITZ; WIZISLA (Orgs.),
Benjamins Begriffe, vol. 1, p. 399-442, esp. p. 401-403.
241
“Nachtmusik”, GS 17, p. 55.
242
“Neue Tempi”, GS 17, p. 67.
Aqui devemos pontuar algumas questões. Em primeiro lugar, essa ampliação da
tarefa imposta pela concepção de história herdada de Benjamin, à medida que
invade o terreno da interpretação de uma peça musical, não tem outra origem que o
empenho por parte de Adorno em seguir o programa benjaminiano, “penetrar de tal
modo profundamente em todo o real, que uma interpretação objetiva do mundo ali
se descubra”,
243
e com isso realizar o ideal da crítica, “reconhecer através da
submersão”,
244
o que o leva a encontrar razões objetivas para reconstruir aspectos
do legado de Benjamin. Em segundo lugar, observe-se que o modo dessa
reconstrução, por encontrar a constelação também na atividade crítica que é
inerente à interpretação, é o primeiro passo no reconhecimento daquela dupla
referência da constelação como princípio composicional, na arte e na filosofia.
Finalmente, é preciso que se diga que o princípio de interpretação que a última
passagem aponta, se aplicado à própria obra de Adorno, é uma defesa em primeira
mão da solução que propomos para o problema da atualidade, a que demanda da
tradição interpretativa a recomposição de sua obra. Surpreendentemente, em uma
feliz coincidência, é também a defesa de uma interpretação verdadeira que afasta
Adorno do corpo editorial da revista “Anbruch” e marca, assim, o ocaso do “projeto
vienense”.
245
A medida dessa interpretação, uma correção hermenêutica
243
BENJAMIN, Ursprung des deutschen..., in Gesammelte Schriften, I.1, p. 228; trad., Origem do
Drama Barroco..., p. 70.
244
BENJAMIN, “Ankündigung der Zeitschrift: Angelus Novus”, in Gesammelte Schriften, II.1, p. 242.
245
O que acelera esse afastamento é a insistência por parte de Adorno em combater o que ele
considerava reação na música. Como também entre os vários colaboradores da revista parecia
vigorar cada vez mais a tendência de “estabilização” [Stabilisierung] das formas musicais e da crítica
musical, Adorno passou a ter que lidar, paulatinamente, com uma situação insustentável que teve seu
ápice em um enfrentamento com “Schönberg e seu círculo íntimo”. Cf. os detalhes do processo em
STEINERT, Adorno in Wien, p. 138-140.
fundamentada em um novo diagnóstico, pode ser lida em um dos seus últimos
textos para a revista, em que também uma significativa ocorrência do termo
constelação:
Baniu-se a hermenêutica. [...] Todavia, na crítica da hermenêutica, procede-
se muito sem cerimônia [zu umstandslos], como na [crítica] do ‘subjetivismo’
em geral, e precisamente por isso erra-se a verdadeira objetividade. Pois a
música se livrou, como um jogo vazio, de todos os seus teores [Gehalten];
teores os quais ela certamente não deve significar simbolicamente, como
sua ‘expressão’, porém, ao redor dos quais a figura da aparência musical de
quando em quando se agrupa; segundo os quais as constelações da
música se orientam; e por cujas cifras [Chiffren] elas [as constelações] são
legíveis na história. [...] Mais ainda, os teores propriamente objetivos da
música, independentes do modo de constituição psicológico, estão sempre
ligados à sua qualidade [Beschaffenheit] material, intratécnica. Ali deveria a
verdadeira hermenêutica buscá-los.
246
Ora, o que é essa verdadeira hermenêutica? Como ela se relaciona à mencionada
ampliação da tarefa benjaminiana? A resposta a essa questão parte do
reconhecimento, por Adorno, do limite da oposição entre reação e progresso na
música, núcleo de seu “projeto vienense”: não é possível tratar desse par conceitual
em relação à composição abstratamente, ao contrário, é por sua qualidade material
e sua concreção histórica que composições são progressivas ou reacionárias. Se
por um lado esse limite abre um novo diagnóstico adorniano, marcado pela busca de
uma “crítica materialista” que contesta a reação porque essa “também na teoria
pretende afastar as constelações históricas” –,
247
por outro lado isso significa que a
descoberta fundamental do esforço de submersão da “grande crítica”, intentado por
246
“Musikalische Aphorismen”, GS 18, p. 20.
247
“Reaktion und Fortschritt”, GS 17, p. 135. No mesmo texto, Adorno explicita o limite da cegueira à
história: “a história penetra nas constelações da verdade: quem quer ser partícipe dela
ahistoricamente, a esse derrotam as estrelas, com balbúrdia, através da visada [Anblick] morta de sua
muda eternidade” (ibid., p. 138). Observe-se também, em relação a essa passagem, que raríssimas
vezes um texto de Adorno mostra-se tão próximo a uma dicção normalmente associada a Benjamin.
Não seria sem interesse entender essa questão.
Adorno em referência a Benjamin, é que a composição da música abrange algo que,
salvo o caso da tradução, não pesa na literatura: sua interpretação, se quisermos,
sua recomposição.
248
A partir dessa descoberta, isto é, a partir da primeira transição na série de posições
críticas, uma outra análise modelar pode ser composta. Os “desajeitamentos” do
jovem Adorno, resultado do esforço de assimilação da tarefa legada por Benjamin,
culminaram em um primeiro ajuste de diagnóstico: a pergunta pelo sentido da crítica
leva Adorno à descoberta da relação intrínseca entre composição e interpretação.
Se deitarmos os olhos sobre esse problema, teremos a possibilidade de reencontrar
a categoria de constelação, agora não mais como princípio composicional, mas
como o procedimento metódico que, em face da história e suas disposições
concretas, explicita o problema da interpretação na arte e na filosofia e, nessa
medida, consolida a utopia do conhecimento de Adorno.
Observe-se que, em conformidade ao tratamento constelatório proposto, a segunda
análise modelar terá um desenho distinto: se nessa primeira análise tratava-se de
perseguir os germes da categoria de constelação na história do pensamento de
Adorno, na segunda procuraremos recompor os passos do argumento que a
constituem como problema filosófico. Para tanto, partiremos do único projeto de
Adorno que, por sua estrutura, perpassa todos os momentos de sua obra: o conjunto
248
Sobre o problema da tradução em Benjamin, que, nos termos acima sugeridos, guarda uma
semelhança com o problema da interpretação em Adorno, ver MENNINGHAUS, Walter Benjamins
Theorie der Sprachmagie, Suhrkamp, 1995, esp. p. 50-60; e SELIGMANN-SILVA, Ler o livro do
mundo, p. 199-205.
de textos, organizado postumamente, a que se chamou Para uma teoria da
reprodução musical.
249
3.2. ENTRE MÚSICA E FILOSOFIA
Nas notas que concluem o volume, o organizador dos fragmentos, esquemas e
esboços que compõem Para uma teoria da reprodução musical nos fornece as
principais datas e períodos em que Adorno se debruçou sobre esse projeto. O
“Primeiro esquema” do livro data de 29 de dezembro de 1927 e indica a condução
do argumento que deveria compô-lo desde o primeiro passo, intitulado “Reprodução,
obra, história”, até o oitavo, “A convergência para o conhecimento e a idéia do
emudecimento [Verstummens]”, passando, entre outros, pelo passo “Os teores de
verdade [Wahrheitsgehalte] da obra e sua ruína [Zerfall]” e pelas categorias de
“forma”, “tradição” e “mecanização”.
250
Se por um lado esse esquema recobre
aqueles temas que pontuaram o diálogo entre Adorno e Benjamin, que ganharia
força a partir de fevereiro do ano seguinte, com a temporada berlinense do jovem
Adorno, por outro lado ele também contém traços do liame entre estética, filosofia da
história e intenção metafísica que iriam ocupar a reflexão do Adorno tardio. No
entanto, sob o prisma do “Segundo esquema”, datado de 21 de junho de 1946, esse
249
ADORNO, Zu einer Theorie der musikalischen Reproduktion, Suhrkamp, 2001.
250
“Erstes Schema”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 315.
paralelo entre os passos do livro e o conjunto da obra ganha uma ligeira e decisiva
inflexão: a análise que os agora trinta e três passos indicam é fundamentalmente
musicológica, e está marcada pelos problemas da escrita e forma musical, da
composição e instrumentação, do ornamento e do tempo, etc.
251
Conquanto alguns
passos ainda remetam a problemas-chave do Adorno tardio, como “Música como
linguagem”, “Construção e expressão” e “Interpretação e mímesis”, e também a
obsessões do jovem Adorno, como “Fetichismo: meio em vez de fim” e “Imagem
dialética”, o segundo esquema se aproxima mais das análises que dominariam a
produção de Adorno de meados dos anos 40 ao início dos anos 60, os chamados
escritos musicais, os quais, como ressalta o organizador da obra completa, têm
como chave de leitura a primeira versão da Filosofia da nova música, concluída em
1948.
252
aqui dois aspectos que pedem por destaque. Em primeiro lugar, a
inflexão entre os esquemas denota uma mudança na escala de preocupações: da
ordem maior de um projeto histórico-filosófico ali dedicado à compreensão da obra
musical como fato estético, passamos para a ordem menor de uma análise dos
elementos que compõem a dimensão estética desse mesmo projeto. Ao que parece,
a inflexão recobre o reconhecimento daquele princípio que ganharia sua mais
precisa expressão alguns anos depois do primeiro esquema, na conferência “A
atualidade da filosofia”, cujo manuscrito é datado de 7 de maio de 1931: “o espírito
não é capaz de produzir ou conceber a totalidade do real; mas ele é capaz de
penetrar no mínimo, de fazer romper no mínimo as medidas do meramente
251
“Zweites Schema”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 315-316.
252
Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 673.
existente”.
253
Logo, e esse é o segundo aspecto a destacar, entre 1927 e 1946, o
que se na mera observação dos esquemas que deveriam conduzir a composição
do texto longamente planejado é o impacto de uma transformação nas expectativas
que governam o aporte teórico de Adorno em outras palavras, também entre os
dois momentos ocorre uma mudança de diagnóstico.
Aquele primeiro esquema, de 1927, tem como antecedente imediato o artigo “Sobre
o problema da reprodução”, contribuição de Adorno para a revista “Pult und
Taktstock”, de abril de 1925.
254
Ali, Adorno lança a referência norteadora de suas
incursões no tema durante os anos 30, tanto no seu “projeto vienense” como na sua
reconstrução rumo a uma “crítica materialista”, referência que perduraria até a
inflexão que vemos no esquema de 1946 e que tem sua expressão mais clara na
Filosofia da nova música. Numa passagem luminosa desse artigo de 1925, Adorno
delineia sua tarefa:
De modo algum a medida da reprodução está posta nas mãos daquele que
reproduz. Por mais que se institua a parte do intérprete, por maior que se
julgue a força e sinceridade de sua concepção, o seu gosto cultivado, a sua
capacidade de realização, o que determina no fim das contas o direito
estético de seu trabalho são os teores [Gehalte] da obra exposta. Em
sentido estrito, eles determinam que como toda interpretação tem seus
limites no ‘texto’ [Text], no que é pura e simplesmente fixado na
composição, então gosto e capacidade de realização se concebem
unicamente de modo relativo à intenção do construto [Gebilde], e não como
virtude isolada do intérprete. Tais limites esboçam exclusivamente o espaço
que cabe à interpretação, separando-a, por exemplo, do domínio da
improvisação. Contudo, para aquilo que se sucede no campo legítimo da
interpretação eles não oferecem nenhuma diretriz determinada quanto ao
conteúdo, que seja de ordem crítica. A problemática característica da
reprodução começa, antes pelo contrário, com a pergunta acerca da
liberdade do intérprete, a qual, caso não pretenda disputar franca
arbitrariedade, apenas tem lugar naqueles limites. Que seja sustentado que
253
“Die Aktualität der Philosophie”, GS 1, p. 343-344.
254
“Zum Problem der Reproduktion”, GS 19, p. 440-444.
também essa pergunta encontra sua resposta não somente no intérprete,
mas de modo essencial e constitutivo na estrutura da obra. De que maneira
se pode ler a obra, que liberdade ela deixa para o intérprete que a interpreta
como obra investigar isso parece ser a tarefa central de uma teoria da
reprodução.
255
Essa passagem, pouco presente nos textos da tradição, permanece única porque
apresenta com clareza a matriz do que Adorno chamará depois de interpretação
verdadeira: aquela que se constrói como uma pergunta que envolve a dialética entre
constrangimento e liberdade que tem sua origem na obra aqui entendida como um
construto que preserva uma intenção e aparece para o intérprete como problema
constitutivo de sua própria atividade. O fato de uma formulação como essa já
antecipar questões que ganharão forma, pouco a pouco, a partir das categorias de
enigma, decifração, imagem dialética, modelo, etc., é no mínimo um importante
testemunho de quão precocemente Adorno começa a elaborar a influência de
Benjamin. Entretanto, uma vez que estamos ainda em abril de 1925, menos de dois
anos depois do primeiro contato entre eles e quase três anos antes da consolidação
de sua amizade, talvez possamos dizer que da parte de Adorno jamais tenha ficado
claro o que nesse acordo entre ambos foi resultado de uma influência efetiva e o que
foi emblema de uma feliz coincidência. Em outras palavras, para o jovem Adorno, a
um só tempo impressionável e vaidoso, talvez tenha sido difícil distinguir entre o que
ele sempre pensou e o que passou a pensar, o que não poderia mesmo ter outro
resultado que a impressão, não plenamente compartilhada, de que entre ele e
Benjamin havia um “programa comum”.
256
Seja como for, não dúvida que no
255
Ibid., p. 440.
256
O que se aponta aqui é que as bases benjaminianas desse programa, normalmente consideradas
o ensaio sobre As afinidades eletivas (1922, publicado entre 1924 e 1925) e o prólogo do livro Origem
do drama barroco alemão (1925, publicado em 1928), ou eram conhecidas por Adorno antes de
horizonte do primeiro esquema de Para uma teoria da reprodução musical se o
passo seguinte do desenvolvimento desse programa por parte de Adorno, tanto um
reconhecimento como uma assimilação das idéias de Benjamin. Conseqüentemente,
não outra coisa senão a intensificação do contato é o que permite a Adorno realizar,
no esquema de 1927, a matriz apresentada no artigo de 1925. Essa matriz, vista na
passagem citada, apresenta contornos ainda mais nitidamente benjaminianos
algumas páginas à frente do mesmo artigo, quando Adorno se refere a “uma relação
de tensão [Spannungsverhältnis] entre o teor objetivo [objektiven Gehalt] e o que é
subjetivamente intencionado [subjektiv Intendierten] em uma composição”.
257
Logo,
é possível afirmar que foi justamente a partir do marco das categorias da filosofia da
história de Benjamin “obra”, “história”, “emudecimento”, “teor de verdade”, “ruína”,
“forma”, “tradição”, categorias somente esboçadas em 1925 e presentes no
brevíssimo esquema de 1927 – que Adorno pôde enfrentar a tarefa imposta por uma
teoria da reprodução.
258
1928 ou eram de algum modo congruentes a preocupações do próprio Adorno, o que caracterizaria o
que chamamos de feliz coincidência. Embora certamente pareça que o jovem Adorno teria entendido
do segundo modo, o que propomos é que esse e outros trechos de sua produção precoce indicam
que ocorreu o primeiro, o que nos leva a contestar a afirmação do organizador das obras de Adorno
de que a influência de Benjamin sobre Adorno não começou antes de 1927. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 1, p. 383.
257
“Zum Problem der Reproduktion”, GS 19, p. 444.
258
Particularmente interessante é observar como o primeiro esquema não apenas retoma o que o
artigo esboçava, como também estabelece um plano geral tanto de uma teoria da reprodução, quanto
de uma transposição da filosofia da história de Benjamin para o campo em questão. O mais claro
indício desse plano se deixa ver quando comparamos o esquema de 1927 (“Erstes Schema”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 315), o esquema de 1946 (“Zweites Schema”, Zu einer Theorie der
musikalischen..., p. 315-316) e o material que desdobra esse segundo esquema (“Materialen zur
Reproduktionstheorie”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 299-312) e organiza o conjunto de
notas que iriam compor o livro (cf. “Editorische Nachbemerkung”, Zu einer Theorie der
musikalischen..., p. 383). Observe-se também que esse material começa precisamente com uma
referência ao artigo de 1925.
aqui, porém, um renovado problema: após o esquema de 1927, Adorno
permanece por quase 20 anos distante da tarefa tão ansiosamente lançada:
somente em 1945, no exílio norte-americano, Adorno retoma as notas para esse
livro que, não obstante, seguiu como uma de suas intenções teóricas centrais, como
atestam o registro de conversas com Rudolf Kolisch, com quem planejou, em março
de 1935, a escrita conjunta do livro,
259
e as cartas trocadas com Benjamin, datadas
de 5 de abril de 1934 e 18 de março de 1936, em que Adorno refere partes de seu
argumento à teoria de “quase 10 anos”.
260
Ora uma vez que data justamente desse
período o início do reconhecimento por parte de Adorno de que havia diferenças
consideráveis entre ele e Benjamin,
261
apesar da insistente alegação de uma teoria
comum, seria possível dizer que, por um lado, o uso das categorias de Benjamin,
que, como sugerimos, definem o marco do esquema de 1927, estava assimilado
ao projeto de Adorno, enquanto que, por outro lado, a compreensão dessas
categorias começava a se tornar palco da disputa filosófica entre ambos. Ora, não é
em outro lugar que não na mencionada conferência “A atualidade da filosofia”, de
7 de maio de 1931, que podemos encontrar tanto a assimilação das categorias de
Benjamin por Adorno, quanto sua redescrição nos termos de uma teoria ainda
259
Cf. ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 176, nota; “Editorische Nachbemerkung”,
Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 382.
260
Cartas de número 17 e 47, em ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 52s e 168s.
261
O movimento de afastamento pode ser lido em uma carta de Adorno (a de número 39, de 2-4 e
5/8/1935) e na resposta de Benjamin (a carta 40, de 16/8/1935), e o esclarecimento da divergência se
faz por meio de outra carta de Adorno (a de número 110, de 10/11/1938) e a resposta de Benjamin (a
carta 111, de 9/12/1938). Cf. ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 138-158 e 364-388.
O desenvolvimento desse problema pode ser lido em BUCK-MORSS, The origin of…, esp. p. 164-
184; e NOBRE, A dialética negativa..., p. 95-101. Note-se, contudo, que as considerações feitas nas
notas anteriores levam-nos a alterar os momentos desse afastamento, embora se mantenham as
razões alegadas pelos comentadores.
incipiente. Como é exatamente esse texto que apresenta as ocorrências mais
representativas do que chamamos de modo categórico do termo constelação, sua
análise permitirá mostrar como certos aspectos da assimilação arrevesada das
categorias benjaminianas ali realizada iluminam a tarefa de uma teoria da
reprodução musical, projetada no esquema de 1927. Exatamente a lenta maturação
dessa tarefa, guiada por uma mudança de diagnóstico, exigirá de Adorno a
retomada do problema da reprodução sob novo prisma.
O cerne da questão que Adorno procura enfrentar em “A atualidade da filosofia” é
gerado a partir do seguinte diagnóstico: se a razão não consegue abarcar o real,
isso não se por deficiência sua, mas porque a realidade não se permite conhecer
senão por fragmentos. Logo, fazer o contrário, isto é, dizer o que é a realidade (ou
antes, o que é) só serve para eternizar a falsidade geral. Essa estocada nos projetos
ontológicos na esteira de Heidegger, tão em voga à época, tem como fulcro uma
distinção que Adorno julga ser fundamental, aquela que se faz entre a ciência e a
filosofia: a primeira, por ser investigação [Forschung], toma por princípio que seus
materiais são auto-referenciados, enquanto a segunda, por ser compreensão
[Deutung], assume os seus materiais como sendo enigmas a se decifrar.
262
Daí, o
paradoxo da filosofia: uma vez que ela é obrigada a compreender, mas não possui
chance de abarcar o real, ela é obrigada também a se contentar com apenas
vislumbrar os entrelaçamentos que se dão entre tais “figuras enigmáticas do
existente”.
263
Por isso, conclui Adorno, ela não chega a produzir resultados, e
262
“Die Aktualität der Philosophie”, GS 1, p. 334.
263
Ibid.
retorna sempre à tarefa da interpretação. Aliás, a história da filosofia seria
justamente a história daqueles entrelaçamentos entre os enigmas: a filosofia não
pode nunca prescindir de retomá-los porque mesmo o menor dos nexos pode ajudar
a completar a trama que transforma as cifras em um texto.
264
Esta rápida
reconstrução dos primeiros argumentos do texto de Adorno nos remete ao
espectro de categorias da filosofia da história benjaminiana: aqui estão,
principalmente, as idéias de cifra e enigma como modelo e material do que é o real
para o pensamento.
265
Antes de sucumbirmos à tentação de aproximar as idéias de interpretação e cifra do
universo da teoria musical, convém explicitar o que Adorno visa com essas
hipóteses. A idéia central de todo o projeto encontrado em “A atualidade da filosofia”
poderia ser resumida na tese de que o real não é um objeto para o sujeito, mas é um
enigma do qual o próprio pensamento faz parte. Para salientar a tese, tomando
como traço do pensamento as categorias de cifra e enigma, Adorno utiliza uma
imagem rica: a filosofia ilumina como um relâmpago o enigma e isso, o clarão, é sua
solução.
266
Não se trata, enfim, de dizer o que está atrás do enigma, mas de ver o
próprio enigma. E, por isso, Adorno conclui que não é tarefa da filosofia expor ou
justificar um sentido ou mostrar a realidade como sendo “com sentido”. A razão
desse impedimento a filosofia não nem doa sentido está em uma ruptura no
264
Ibid. Cf. a apresentação do problema da decifração por BONß, “Empirie und Dechiffrierung...”, p.
204-210.
265
Para o cotejo dessas idéias em Adorno e Benjamin, cf. KRAMER, Rätselfragen und wolkige..., p.
102-129.
266
Ibid., p. 335.
próprio ser: mesmo que nossa percepção forme figuras, o mundo que delas difere
– não as forma, de modo que o texto que a filosofia deve ler é sempre um fragmento
que nossa percepção toma do mundo. Logo, a solução de um enigma é a
reconfiguração de suas partes, não a (impedida, bloqueada) reconstrução do todo. E
se o que gera qualquer resposta é uma reorganização das peças, a pergunta
“morre” com a solução, mas “nasce” como novo enigma.
Em vista dessas questões, Adorno pode sintetizar a tarefa da filosofia: a filosofia
deve dispor os seus elementos – que recebe das ciências – em constelações
cambiantes [wechselnde Konstellationen], deve organizá-las em “ordenações
experimentais cambiantes” [wechselnde Versuchsanordnungen] até que formem
uma figura, que seja legível como resposta enquanto a pergunta desaparece.
267
Conclui Adorno, a tarefa da filosofia é interpretar uma realidade carente de intenções
mediante a construção constelatória de figuras e imagens, e não investigar
intenções ocultas ou preexistentes na realidade. Tal tarefa, que Adorno atribui ao
materialismo, surge, portanto, como interpretação do que carece de intenção
mediante composição dos elementos isolados e posterior iluminação do real por
meio dessa interpretação. Adorno ressalta que esse programa depende de abrir mão
radicalmente de afirmar o “sentido” do que é interpretado e, a partir dessa renúncia,
realizar a combinação dos elementos mínimos [Zusammenstellung des Kleinsten].
Essa seria a tarefa da interpretação filosófica.
268
Daí, Adorno pode resumir qual seria
o resultado de uma filosofia da interpretação: formular corretamente as tarefas
267
Ibid.
268
Ibid., p. 336.
filosóficas, levando a uma situação em que as questões filosóficas herdadas não
seriam enfrentadas, como tantas vezes se fez, através de idéias supra-históricas, e
sim com o recurso a construtos históricos cambiantes. Isso nos leva a apresentação
da concepção benjaminiana de história reconfigurada por Adorno: a história não é
o lugar de onde as idéias ascendem as imagens históricas são em si mesmas
semelhantes a idéias, com o senão de que constituem uma verdade, em sua
relação, que é carente de intenção e, portanto, não condizem com a hipótese de que
a verdade apareça como intenção na história.
269
Aqui uma clara correlação entre
o método de interpretação filosófica e a construção constelatória de figuras e
imagens históricas: essas não formam o sentido do real, mas dissolvem seus
problemas exatamente como a solução de um enigma e reordenam o espaço
compreensivo; elas não se encontram prontas na história, mas são produzidas pelo
homem e se justificam ao demolir, como um raio, a realidade provisoriamente
apreendida. Nessa medida, como produtos da razão humana, as figuras e imagens
históricas seriam modelos que imitam [nachahmen] a realidade.
270
Em
conseqüência, é possível afirmar que aquela dupla referência da categoria de
constelação como princípio composicional – na arte e na filosofia –, que no momento
do “projeto vienense” ainda estava em desenvolvimento, está agora com os dois
pés firmemente plantados. Daí, como consecução do projeto de uma “crítica
materialista” que se abrira para Adorno a partir da reconstrução da tarefa
benjaminiana da “grande crítica” –, a conferência “A atualidade da filosofia” leva-nos
269
Ibid., p. 338. Sobre a relação entre imagens e história em Benjamin e a reconstrução por Adorno,
ver HILLACH, “Dialektisches Bild”, in OPITZ; WIZISLA (Orgs.), Benjamins Begriffe, vol. 1, p. 186-229.
270
Ibid., p. 341.
à compreensão do movimento de negação que move o pensamento de Adorno: no
breve período que a separa dos últimos artigos para a revista “Anbruch”, do final de
1930, Adorno reconhece na constelação o meio privilegiado para a consolidação do
sentido da interpretação filosófica; isso se porque Adorno, ao reconhecer no
problema da verdade de interpretação a especificidade da música, é obrigado a
rever aspectos nodais de sua expectativa crítica.
Se nos voltarmos para o projeto de Para uma teoria da reprodução musical, teremos
que imediatamente observar que essa brevíssima reconstrução da conferência do
jovem Adorno apresenta tantos pontos de contato com as bases do projeto que
parece inconcebível que Adorno não tenha conseguido levá-lo a cabo. A
compreensão desse problema ocupará nossos esforços de agora em diante.
Não obstante a tarefa inconclusa, Adorno produziu, entre 1945 e 1966, material
suficiente para informar uma exposição do núcleo de tal projeto, marcado pela
inflexão entre os esquemas de 1927 e 1946, inaugurada por “A atualidade da
filosofia”. Além dos dois esquemas,
271
o volume de Para uma teoria da reprodução
musical é composto de cinco conjuntos de anotações: um extenso volume de notas
escritas entre 1946 e 1959,
272
uma coleção de fragmentos escritos antes de 1946 ou
depois de 1959,
273
um esboço escrito em 1949 e suas revisões,
274
o mencionado
271
“Erstes Schema”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 315 e “Zweites Schema”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 315-316.
272
“Aufzeichnungen I”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 9-203.
273
“Aufzeichnungen II”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 204-211.
material que desdobra o esquema de 1946
275
e um apontamento para um curso
dado em 1954.
276
O que se segue é o esforço de aproximar o conteúdo dessas
anotações e o cerne da conferência de 1931, a fim de mostrar que uma mudança de
diagnóstico, encontrada em germes nessa última, atinge frontalmente o penoso
projeto e ata um nó górdio ao qual Adorno se dedicará até o fim.
Adorno fundamenta seu projeto no reconhecimento de que o problema da
interpretação se ergue entre o que a obra musical rigidamente determina e o que a
obra somente sugere. Nas notas, esquemas e esboços de Para uma teoria da
reprodução musical, Adorno argumenta que o ponto de fuga dessa questão envolve
afirmar que a verdade da interpretação não reside na história, ou em seu resgate,
mas é a história que é imanente à verdade da interpretação.
277
Essa passagem, que
tem papel central no esboço de 1949 do inconcluso projeto de Adorno, pode ser
compreendida a partir do seguinte argumento: se um modo capaz de gerar uma
interpretação verdadeira de uma obra, ele está articulado à dinâmica interna desta e
se revela como a incorporação de aspectos determinados por seu devir histórico, ou
seja, se refere à essência da obra, entendida como seu desdobramento no tempo.
278
274
“Entwurf”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 215-286, “Überarbeiteter Anfang des Entwurfs”,
Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 287-295 e “Gliedernde Stichworte zu den Kapiteln 2, 4 und 5
des Entwurfs”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 296-297.
275
“Materialen zur Reproduktionstheorie”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 299-312.
276
“Stichworte zum Darmstäder Seminar”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 317-326.
277
Cf. Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 218-219.
278
Ibid., p. 206. Cf. CARVALHO, “A partitura como ‘espírito sedimentado’: em torno da teoria da
interpretação musical de Adorno”, in DUARTE et al. (Orgs.), Theoria Aesthetica, Escritos, 2005. Como
o volume Para uma teoria da reprodução musical foi publicado em 2001, ainda são raros os
estudos consistentes sobre esses fragmentos. O texto de Carvalho, originalmente uma conferência,
trata apenas do esboço de 1949.
A conseqüência mais imediata dessa tese é que as interpretações falsas são
aquelas que impõem externamente modos canônicos de interpretação: seja porque
buscam a restauração das condições de produção da obra, ignorando sua
historicidade intrínseca, seja porque pressupõem que a objetividade da obra
sobrevive na notação. Além disso, que mesmo o cânone tende a mudar, por
refletir a história da interpretação da obra, então o reconhecimento dessa mediação
histórico-dialética entre a obra e sua interpretação tem como corolário a defesa de
que qualquer mudança na interpretação só é verdadeira se responde a um problema
revelado na estrutura interna da obra, o que determina uma muito particular
conformidade a fins: mesmo a mudança é conforme a leis, que são objetivamente
determinadas e que vêm à tona na interpretação verdadeira.
279
Assim, é possível
compreender por que para Adorno a história não apenas é imanente à verdade da
interpretação, como é da obra seu “substrato essencial”,
280
o que lega à
interpretação a possibilidade de compreensão do sentido tanto da obra como da
história. Logo, toda obra musical aparece como um problema dirigido ao presente; o
gesto imanente da música é sempre “no presente”, é sempre atualidade: a obra é
um evento histórico que corre o risco de perder seu sentido quando diluída no
cânone ou quando tomada como evento pronto e acabado. Logo, do mesmo modo
279
Cf. Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 263.
280
Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 259.
que a interpretação verdadeira é inconclusa, a obra também é, e
necessariamente.
281
É possível reconhecer a filosofia da história de Benjamin nesse princípio da obra
como evento inconcluso voltado para a atualidade. No entanto, podemos reconhecer
também na demarcação do sentido da obra como co-dependente do princípio da
interpretação verdadeira a elaboração adorniana da influência de Benjamin, como
visto em “A atualidade da filosofia”. Ou seja, se retomarmos o que apresentamos
acima, particularmente o princípio de que a solução de um enigma se realiza na
reconfiguração de seus elementos, então a idéia da obra como um problema – a não
permanência de uma interpretação (no cânone) como a verdadeira – é correlativa ao
princípio de que a solução de um enigma sempre gera um novo enigma. Logo,
um parentesco entre a tarefa de uma interpretação filosófica, esboçada em “A
atualidade da filosofia”, e o modo de uma interpretação verdadeira, projeto de Para
uma teoria da reprodução musical: ambos partem da renúncia à afirmação de um
sentido prefigurado na história e, assim sendo, determinam que só o recurso a
construtos (históricos) cambiantes permite uma provisória compreensão, seja da
obra, seja do real. Com isso, esclarece-se o rumo da inflexão entre os esquemas de
1927 e 1946: embora no primeiro desses esquemas bem como no artigo de 1925
não se desconheça o dilema da interpretação verdadeira, o que o governa é um
princípio ainda marcado pela expectativa de que o liame entre estética e filosofia da
história seja suficiente para orientar a interpretação de uma obra que,
281
Cf. o desdobramento desse ponto em CARVALHO, “A partitura como ‘espírito sedimentado’...”, p.
205-207.
nomeadamente, teria seu limite fixado pela composição; por sua vez, o que se
mostra na conferência “A atualidade da filosofia” e no segundo esquema é a tese de
que a obra, como a história, não se resolve em si mesma, e por causa dessa
insuficiência constitutiva caberia justamente à interpretação orientar a sempre
provisória compreensão do enigma que ambas representam. Sendo assim, esse
novo esquema abandona a pretensão de suscitar uma teoria da interpretação capaz
de revelar o sentido da obra como composição, tomando, em contrapartida, a
orientação de que é na reconfiguração de seus elementos mínimos que se encontra
a possibilidade de suspender, provisoriamente, uma falsa atribuição de sentido.
Disso decorre a inflexão musicológica que afasta os dois esquemas. Ressalte-se,
contudo, que tal inflexão não sugere uma cesura entre os dois momentos, mas
meramente reflete uma alteração de diagnóstico: o que “A atualidade da filosofia”
inaugura e os trabalhos dos anos 40 concluem é a dúvida em relação à possibilidade
do intérprete encontrar um sentido ou intenção que resida como traço constitutivo da
obra ou na história. Mais precisamente, ao longo das décadas de 30 e 40, Adorno se
torna mais e mais atento ao fetichismo da linguagem envolvido em certos usos de
expressões como “obra”, “composição”, “história” e “real”, que, ao aludir a uma
unidade, parecem garantir o acesso àquilo que elas representam. É essa confiança
no uso “legítimo” da razão, presente no artigo de 1925 e no esquema de 1927, que
cede lugar ao esforço de reflexão que ganhará forma, claro, na Dialética do
esclarecimento, concluída no período que vai do esquema de 1946 ao esboço de
1949 de Para uma teoria da reprodução musical. Assim, a emergência da dinâmica
entre história e enigma como centro do problema da interpretação verdadeira
responde a um diagnóstico que se pode resumir na seguinte passagem da Dialética
do esclarecimento:
Ao tomar consciência de sua própria culpa, o pensamento se por isso
privado não do uso afirmativo da linguagem conceitual científica e
quotidiana, mas igualmente da linguagem [conceitual] de oposição. [...] Não
alimentamos dúvida nenhuma e nisso reside nossa petitio principii de
que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor.
Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o próprio
conceito desse pensamento, tanto quanto as formas históricas concretas, as
instituições da sociedade com as quais está entrelaçado, contém o germe
para aquela regressão que hoje se por toda parte. Se o esclarecimento
não acolhe dentro de si a reflexão sobre esse elemento regressivo, ele está
selando seu próprio destino.
282
No caso do esboço de 1949 que agora acompanhamos, o que Adorno sugere é que,
em vez de se decidir pelo objetivismo ou pelo subjetivismo, polêmica que recobre o
problema da interpretação canônica, um intérprete que busque a verdade da
interpretação deve participar da constituição da obra, o que significa dizer que,
rigorosamente, ela não existe independentemente da atividade reflexiva expressa
pela interpretação. Esse passo depende de uma hipótese defendida por Adorno
desde os primeiros esboços sobre a teoria da interpretação, a de que não há
identidade entre a obra e o texto notado, a partitura.
283
O corolário dessa hipótese é
que o que deve mover o intérprete não é a leitura do texto notado, inscrito na
partitura, e tampouco a investigação da intenção do compositor, mas a busca da
decifração justamente no espaço da indeterminação do texto notado do ideal
sonoro que o gesto do compositor visa capturar e que somente a interpretação pode
exprimir.
284
Em conseqüência, uma vez que a obra, como vimos, é necessariamente
inconclusa, Adorno pode afirmar que “a idéia da reprodução musical é a cópia
282
ADORNO; HORKHEIMER, Dialektik der Aufklärung, GS 3, p. 12-13; trad. ADORNO;
HORKHEIMER, Dialética do esclarecimento, p. 12-13.
283
O desenvolvimento dessa hipótese ocupa um grande trecho do esboço de 1949. Cf. esp.
“Entwurf”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 221-241. Cf. tb. “Aufzeichnungen I”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 69-75, 183-184.
284
“Entwurf”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 241-242.
[Kopie] de um original não existente” ou, em outra formulação, “a reprodução
verdadeira é a imitação [Nachahmung] de um original não existente”.
285
Logo, a
verdade da interpretação devolve à obra o seu sentido musical e somente por isso
preserva a condição de autonomia que a define como arte. Aqui encontramos um
processo ambivalente: por buscar fixar um sentido, o texto notado é um pólo de
heteronomia que se impõe à interpretação; ao mesmo tempo, na medida em que a
interpretação, por se dirigir ao “original não existente”, escapa a esse sentido fixado
pelo texto, então o texto notado é o que garante a autonomia e a verdade da
interpretação (e da obra).
286
É essa curiosa dialética da interpretação musical que
leva Adorno a afirmar que o texto notado é “enigma insolúvel e princípio de sua
solução”,
287
ao que podemos acrescentar: de modo semelhante ao que as figuras e
imagens históricas são para a interpretação filosófica, conforme o modelo
apresentado em “A atualidade da filosofia”, que ganha na categoria de constelação
sua forma definitiva.
A análise de uma outra questão-chave da teoria da reprodução de Adorno permite
que se compreenda a aproximação entre essas duas formas da interpretação. Como
derivação dos princípios recém descobertos o da insuficiência da notação e o da
renúncia à afirmação de sentido ou intenção Adorno dedica uma parte substantiva
do esboço de Para uma teoria da reprodução musical à explicitação da seguinte
285
Ibid., p. 243 e 269. Cf. tb. Ästhetische Theorie, GS 7, p. 204 e 347; trad. Teoria estética, p. 156-
157 e 262.
286
Ibid. Cf. tb. “Aufzeichnungen I”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 74-75.
287
“Entwurf”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 241.
tese: “a música é uma linguagem não-intencional” e, exatamente por isso, difere da
linguagem.
288
O limite que define a música como linguagem diz respeito ao que me
referi acima como sendo o gesto imanente da música: por mais que a música se
submeta à notação, que a fixa, ela o faz para preservar o gesto do compositor,
que corria o risco de desaparecer na interpretação. A esse gesto original, no qual,
como vimos, vive um ideal sonoro, corresponde o que Adorno chama de elemento
mimético ou gestual. A compreensão de todos os desdobramentos dessa questão
exigiria um esforço que não faremos aqui.
289
No entanto, cabe ressaltar que
enquanto os outros elementos da música
290
são instâncias que tendem a fixar a
interpretação, o resgate do elemento mimético por apontar para um ideal que
supera a intenção do compositor é o passo que a liberta e, portanto, garante a
verdade da interpretação. O argumento completo envolvido nesse passo é o
seguinte: a interpretação verdadeira, como vimos, aviva aspectos relativos à
insuficiência constitutiva da obra e a configura como enigma; ora, se é ao elemento
mimético que corresponde aquilo que escapa ao compositor o vínculo entre
música e natureza apenas indicado pelo gesto –, então a irrupção do mimético na
notação representa o espaço da autonomia da interpretação frente à obra, o que
justamente confere sentido a ela porque, ao repor a obra como um problema,
sublinha sua história, seu “substrato essencial”. Assim, o elemento mimético se
288
Ibid., p. 221.
289
Cf. ibid., p. 221-230. Cf. também “Aufzeichnungen I”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 88-
94 e 122-127. Para essa análise, principalmente no que se refere aos elementos que constituem a
escrita musical, cf. CARVALHO, “A partitura como ‘espírito sedimentado’...”, p. 212-217 e 220-222.
290
O significacional ou material, que diz respeito às estruturas e a notação do material musical, e o
idiomático ou lingual, que diz respeito à tradição e aos cânones de composição e interpretação. Cf. as
passagens acima e o plano geral dos elementos em “Stichworte zum Darmstäder Seminar”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 321-322.
confirma como sede da possibilidade utópica representada pela música uma vez que
é por via dele que a obra vai além de si mesma e, por isso, resguarda uma
autonomia ausente de outras esferas da cultura.
Aqui reencontramos a dialética da notação musical em uma configuração que nos
conduz a um paralelo crucial entre o projeto de Para uma teoria da reprodução
musical e a conferência “A atualidade da filosofia”: em ambos, o princípio da
interpretação visa, fundamentalmente, recuperar o que foi esquecido, seja pelo
cânone musical, seja pelas explicações históricas. Para ambas, interpretação
musical e filosófica, interpretar tem como implicação encarar o objeto como um
enigma cuja solução provisória porque se desdobra no tempo reordena a
compreensão apreendida e, com isso, rememora os traços suprimidos pela fixação
de um sentido. Logo, a teoria da interpretação em jogo busca evitar a reificação de
seu objeto, que, em passagem conhecida da correspondência entre Adorno e
Benjamin, “toda reificação [Verdinglichung] é um esquecimento”.
291
Assim, entende-
se que se a interpretação encara seu objeto como enigma em “A atualidade da
filosofia”, a essa cabe a tarefa de organizar, em “constelações cambiantes”, as
“figuras enigmáticas do existente”, enquanto em Para uma teoria da reprodução
musical, o texto notado é “enigma insolúvel e princípio de sua solução” –, então o
que ela visa é preservar o espaço utópico de um estado de coisas não reificado. E
isso se faz na medida em que se recupera, na dialética entre o sujeito e o objeto da
291
Carta número 117 de Adorno, datada de 29/2/1940, em ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-
1940, p. 417. Cf. essa mesma formulação em “Aufzeichnungen I”, Zu einer Theorie der
musikalischen..., p. 71 e a formulação paralela em “Entwurf”, Zu einer Theorie der musikalischen..., p.
226: “toda reificação remete para um esquecido”.
interpretação, o elemento de não-identidade que se perde na reificação da obra em
um cânone, que a resume em um estilo ou época, ou na reificação de uma figura
histórica em um conceito, que atribui intenção à história. Logo, estamos em plena
vigência da categoria de constelação, tanto como procedimento metódico, quanto
como princípio composicional. Esse problema, especialmente seu desdobramento
para a relação entre utopia e não-identidade que recobre toda a obra do Adorno
tardio, germina, como se vê, em textos de sua juventude, o que nos devolve ao
problema inicial.
Em larga medida, a realização de Para uma teoria da reprodução musical não seria
mais que o desenvolvimento do que encontramos em “A atualidade da filosofia”
aplicado ao problema musical. Ao que parece, uma tarefa de fácil solução para
Adorno. No entanto, Adorno morreu sem concluir esse projeto que povoa suas notas
pessoais, esboços e cartas como um espectro. Embora parte dessas questões tenha
sido tratada em textos que foram publicados em vida,
292
o imenso material produzido
durante cinqüenta anos permaneceu inédito, só vindo a lume na publicação do
espólio. Qual o motivo? A solução desse enigma depende da atenção à constelação
de textos formada pelo artigo de 1925, referência das incursões musicais da década
de 30, o esquema de 1927, base do projeto, e a conferência de 1931, marca da
apropriação das categorias capazes de realizá-lo. Como todo enigma, este também
292
Algumas análises pontuais do problema da reprodução musical podem ser encontradas dispersas
na obra. As mais relevantes são as seguintes: “Kritik des Musikanten”, GS 14, p. 106; “Zur
Musikpädagogik”, GS 14, p. 123; Komposition für den Film, GS 15, p. 53; Moments musicaux,
“Vorrede”, GS 17, p. 10; “Musikalische Aphorismen”, GS 18, p. 44; “Zur gesellschaftlichen Lage der
Musik”, GS 18, p. 752-756; “Musiklexikon ohne Staub”, GS 19, p. 414; “Drei Dirigenten”, GS 19, p.
457; “Musikstudio”, GS 19, p. 521; “Reflexionen über Musikkritik”, GS 19, p. 582; “Die Geschichte der
deutschen Musik von 1908 bis 1933”, GS 19, p. 623-624 e 629; “Berg und Webern”, GS 20.2, p. 783.
contém sua própria solução, na reconfiguração de suas partes. O que ocorre é que
embora Adorno fale de uma teoria da reprodução musical, tanto no artigo “Sobre o
problema da reprodução”, quanto no “Primeiro esquema”, o que ele esboça em
ambos e desenvolve no restante do projeto e, por outros motivos, na conferência “A
atualidade da filosofia” é o que hoje chamaríamos de uma teoria da interpretação. E
presto: eis o clarão.
Nos textos de 1925 e 1927, Adorno utiliza indistintamente os termos reprodução e
interpretação e essa ambigüidade não se dissolve nem mesmo se por atribuição,
visto que Adorno não faz essa distinção nós entendêssemos a reprodução como o
fato dado do qual a interpretação é o processo. Com efeito, essa ambigüidade não
se funda em falta de cuidado argumentativo por parte de Adorno, mas em questões
históricas: à época, a distinção não era relevante e os termos eram sinônimos no
uso quotidiano da língua alemã. Em função disso, mesmo se levarmos em conta o
fato de Adorno esboçar em ambos os textos uma análise tópica do problema da
mecanização,
293
entende-se que Adorno os use indistintamente.
294
O que ocorre é
que somente a partir de 1936, no momento em que o debate entre Adorno e
Benjamin ganha uma inflexão definitiva, fundamentada nas críticas do primeiro ao
293
Cf. “Zum Problem der Reproduktion”, GS 19, p. 444 e, especialmente, “Aufzeichnungen I”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 175 e 184-186.
294
Um trabalho interessante seria acompanhar as ocorrências dos dois termos e procurar estabelecer
um contraste entre os sentidos a partir dos usos. Para tanto, em um levantamento que não se
pretende exaustivo, as passagens mais significativas são as seguintes: “Aufzeichnungen I”, Zu einer
Theorie der musikalischen..., p. 69-73, 154-155 e 184-186; “Entwurf”, Zu einer Theorie der
musikalischen..., p. 219-221, 238-239, 243, 268-269 e 296-297; “Erstes Schema” e “Zweites Schema”,
Zu einer Theorie der musikalischen..., p. 315-316. Esse levantamento parece confirmar que os termos
eram sim tratados como sinônimos, embora se verifique a mais rigorosa não equivalência entre eles
em um dos seus usos: na expressão “reprodução mecânica”.
célebre “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”,
295
começa a ficar
claro para Adorno que a aproximação entre interpretação e reprodução em função
de injunções historicamente determinadas não pode mais ser sustentada sem que
se trate do problema aberto pelo ensaio de Benjamin. Esse novo diagnóstico não
apenas é outra das marcas do fim desse momento da filosofia de Adorno, sua
chamada fase benjaminiana, e abre sua fase madura, na qual ele desenvolve a
maior parte das anotações que viriam a compor o material de Para uma teoria da
reprodução musical, como determina que, entre outros, os produtos da recém
“descoberta” indústria cultural se vissem proscritos. As razões dessa demarcação se
apóiam, justamente, no espaço que se ergue entre as categorias de “interpretação”
e “reprodução”.
296
Ora, uma vez que é a categoria de constelação, segundo seus diferentes modos,
que carrega a possibilidade de compreensão das demais categorias do pensamento
de Adorno, posto que é a ela que se reporta a persistente reconfiguração do sentido
dos termos, então poderíamos também reencontrar na compreensão tardia de sua
centralidade por Adorno a explicitação do que move seu pensamento: a negação
determinada dos momentos, guiada pelos diagnósticos. Sendo assim, também seria
possível afirmar que a relação entre arte e filosofia, que ganha no jovem Adorno
uma primeira formulação, mesmo tendo na contraposição entre Dialética negativa e
295
BENJAMIN, “Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit”, Erste Fassung,
Gesammelte Schriften I.2, p. 431-469. O trabalho de Benjamin foi extensamente debatido nas cartas
entre ambos, sobretudo das cartas de número 43-47, 51, 55, 88, 102-103, 106 e 111-112, em
ADORNO; BENJAMIN, Briefwechsel 1928-1940, p. 161ss, 184-185, 194, 278, 319ss, 346, 384-386.
296
O desdobramento dessa questão é especialmente importante para as análises em chave
musicológica. Cf. p.ex. ZEHENTREITER, “Innere Vorstellung und Nachschaffen. Zu einer Theorie der
musikalischen Interpretation”, disponível em http://www.velbrueck-wissenschaft.de/magazin.php.
Teoria estética sua forma mais acabada, não perde de vista algo descoberto
prematuramente: o princípio de que o enigma é condição necessária tanto da crítica
filosófica quanto da obra de arte; e não por gosto do mistério, mas porque o
exercício do pensamento se bloqueado pelos seus próprios meios e, não
obstante, deve fidelidade à figura da reconciliação, no não-idêntico e na promessa
de felicidade. Justamente por isso, a “solução” que demos à transição entre dois
momentos da obra de Adorno não apenas gera demarcações e abre outros
momentos, como exige que cada análise modelar seja vista como o que é: uma
interpretação, isto é, uma recomposição dos momentos dialéticos que constituem a
obra de Adorno. Portanto, a fecundidade de nossa chave de leitura não se mostra de
outro modo que através da abertura de novas análises modelares. Se o que se
no parágrafo anterior é o primeiro passo em direção a um novo momento, motivado
por um novo diagnóstico, então podemos nos dar por satisfeitos: que se
recomponha o ensemble de análises modelares. Não aqui, nesta tese, mas por essa
chave de leitura.
CONCLUSÃO
O que significa interpretar? A resposta de Adorno a esse problema desdobra-se em
duas questões: o que faz a crítica? O que é a verdade? Por seu turno, a resposta
que demos à tarefa que essas questões legam à tradição de interpretação centrou-
se na descoberta da relação intrínseca entre a categoria de constelação e as
análises modelares: a atenção àquela, como meio dessas, permite que se
acompanhe a composição de cada uma das respostas que, segundo diagnósticos e
momentos distintos, ilumina e reconfigura o enigma aberto pela própria obra de
Adorno. Além disso, posto que se entenda que, para Adorno, a realização do que é
visado pela filosofia e prometido pela arte permanece bloqueado, então também se
entende porque apenas a persistente fidelidade ao que escapa a cada momento
pode cumprir a tarefa do pensamento, preservar seu instante utópico. Justamente
por isso, elaboramos uma chave de leitura que nos permitisse fazer a recomposição
da série de figuras que, a cada momento, por sua insuficiência constitutiva, negam-
se determinadamente. Essa chave nos abriu a possibilidade de ver na obra de
Adorno não apenas um anti-sistema, mas um anti-sistema que se constrói como um
ensemble de análises modelares. Finalmente, como o sentido da categoria de
constelação se desdobra na necessidade de se compreender as análises modelares
à medida que essas são recompostas pela atividade de interpretação, tal chave de
leitura se realizou como um tratamento constelatório da obra de Adorno.
Uma implicação secundária desse tratamento refere-se à possibilidade de intervir no
debate acerca da atualidade de Adorno. Uma vez que, conforme os resultados do
primeiro capítulo, responder por sua atualidade é na verdade responder pela
atualidade de seu diagnóstico, o que, por sua vez, conforme os resultados do
segundo capítulo, equivale a reconhecer na múltipla face da constelação o metro
dessa resposta, então comprovar a atualidade do seu pensamento ou decidir-se
pela atualização de seus momentos é passo que se conforme a composição da
constelação resguarde, ou não, a constelação presente de objetos. Porém, como
vimos no terceiro capítulo, essa constelação objetiva se altera em função de
questões concretas, historicamente determinadas, o que significa que a atualidade
do pensamento de Adorno é sempre sua atualização e que uma interpretação é, na
verdade, uma recomposição de seus termos. Entendemos que é nessa sustentada
reconstrução própria à dinâmica do procedimento constelatório que se pode manter
a fidelidade à promessa de expressão do não-idêntico que pontua a reflexão de
Adorno, ou seja, interromper esse movimento, supor a inexorabilidade de uma
composição constelatória ou de um diagnóstico, significa trair sua intenção. Em
outros termos, a atenção aos momentos abarca tanto a responsabilidade para com o
princípio anti-sistemático que move a filosofia de Adorno, como o cuidado para com
o princípio de crítica imanente e negação determinada que remonta a suas intuições
originais. Logo, é a um esforço de composição, e não de reprodução, que deve se
reportar uma leitura de sua obra que se pretenda fecunda.
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ANEXO A – QUADROS DE OCORRÊNCIAS
Primeiro momento: 1928-1935
19 textos, 37 ocorrências
“Schubert”
297
GS 17
p. 18.
Em Frankfurter Opern- und Konzertkritiken
298
GS 19
p. 130.
“Zum Jahrgang 1929 des ‘Anbruch’”
299
GS 19
p. 607.
“Mahler heute”
300
GS 18
p. 228 e 228.
“Stilgeschichte in Schönbergs Werk”
301
GS 18
p. 386.
Chinesische Musik, hgrs. von Richard Wilhelm”
302
GS 19
p. 343.
“Musikalische Aphorismen”
303
GS 18
p. 20.
“Neue Tempi”
304
GS 17
p. 67.
“Reaktion und Fortschritt”
305
GS 17
p. 135 e 138.
“Die Aktualität der Philosophie”
306
GS 1
p. 335, 340 e 341
297
Texto publicado no início de 1928. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 17, p. 347.
298
Crítica publicada em agosto de 1928. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 649.
299
Texto publicado anonimamente em janeiro de 1929. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p.
653.
300
Texto escrito e publicado em março de 1930. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 642.
301
Texto escrito e publicado em junho de 1930. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 644.
302
Resenha publicada em setembro de 1930. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 651.
303
Aforismo 15, publicado em outubro de 1930. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 641.
304
Texto escrito e publicado em 1930. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 17, p. 347.
305
Texto publicado em 1930, abreviado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 17, p. 348.
306
Manuscrito de 7/5/1931, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 1, p. 383-384.
Em Kompositionskritiken
307
GS 19
p. 317.
Em Frankfurter Opern- und Konzertkritiken
308
GS 19
p. 211.
“Anton von Webern”
309
GS 17
p. 207.
“Die Idee der Naturgeschichte”
310
GS 1
p. 359 e 359.
“Zur gesellschaftlichen Lage der Musik”
311
GS 18
p. 734 e 750.
Kierkegaard
312
GS 2
p. 5 [título], 34, 36, 46, 63,
87, 94, 132, 132 e 132.
Em Briefwechsel 1928-1940 [3 cartas]
313
p. 84, 95, 140, 144, 145 e
152.
307
A crítica em questão, “Alexander Jemnitz, Tanzsonate op. 23”, foi publicada em novembro de
1931. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 650.
308
Crítica publicada em janeiro de 1932. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 649.
309
Conferência radiofônica dada em 21/4/1932, publicada repetidas vezes. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 17, p. 348.
310
Texto de palestra dada em 15/7/1932, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 1, p.
383.
311
Texto escrito em 1932 e publicado em duas partes na revista do Instituto de Pesquisa Social, no
mesmo ano. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 647.
312
Livro escrito entre 1929 e 1930, reescrito em 1932, publicado em 1933 e corrigido pelo
organizador em 1975. Cf. “Notiz”, GS 2, p. 261 e “Editorische Nachbemerkung”, GS 2, p. 265-267.
313
Volume de correspondências entre Adorno e Benjamin, organizado por Henri Lonitz. As cartas em
questão são as de número 25, 27 e 39, datadas de 5/12/1934, 17/12/1934 e 2-4 e 5/8/1935. Nelas se
dá de modo claro a exposição da divergência entre ambos, o que justifica a demarcação proposta.
Segundo momento: 1935-1956
29 textos, 56 ocorrências
Em Briefwechsel 1928-1940 [2 cartas]
314
p. 198 e 420.
“Über Jazz”
315
GS 17
p. 95.
“Exposé zu einer Monographie über Arnold
Schönberg”
316
GS 19
p. 610.
“Zur Philosophie Husserls”
317
GS 20.1
p. 55.
“Richmond Laurin Hawkins, Positivism in the
United States 1853-1861
318
GS 20.1
p. 242.
“The Psychological Technique of Martin
Luther Thomas’ Radio Addresses”
319
GS 9.1
p. 28.
Erste Fassung: What National Socialism has
done to the Arts”
320
GS 20.2
p. 415.
314
As cartas em questão são as de número 57 e 117, datadas de 15/10/1936 e 29/2/1940. Entre elas
já se afigura claro o afastamento que vem à plena luz na carta de Adorno a Benjamin de número 110,
de 10/11/1938, e na resposta de Benjamin, a de número 111, de 9/12/1938.
315
Texto escrito em 1936, publicado sob o pseudônimo Hektor Rottweiler em 1937. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 17, p. 347.
316
Texto escrito em 1937, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 653.
317
Texto escrito em 1937, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 812.
318
Resenha aprovada para publicação na revista do Instituto de Pesquisa Social em 1939, não
publicada. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 814.
319
Monografia escrita em 1943, do espólio. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 412.
320
Primeira versão de um texto escrito em março de 1945, não publicado. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 816.
Dialektik der Aufklärung
321
GS 3
p. 195, 205, 231 e 259.
Philosophie der neuen Musik
322
GS 12
p. 14, 42, 55, 67, 121 e 125.
Em Zu einer Theorie der musikalischen Reproduktion
323
p. 220 e 264.
“Spengler nach dem Untergang”
324
GS 10.1
p. 66 e 68.
“Die auferstandene Kultur”
325
GS 20.2
p. 461 e 463.
“Democratic Leadership and Mass
Manipulation”
326
GS 20.1
p. 279.
Studies in the Authoritarian Personality
327
GS 9.1
p. 165, 460 e 462.
“Charakteristik Walter Benjamins”
328
GS 10.1
p. 239 e 241.
Minima Moralia
329
GS 4
p. 40, 73, 275 e 282.
321
Livro publicado por Adorno e Horkheimer, em 1947, após ter circulado restritamente, desde 1944,
em edição mimeografada. Esse volume consolida a aproximação entre os autores e implica a
atenuação de algumas idéias que teimavam em constituir-se como um projeto. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 3, p. 336.
322
Livro terminado em julho de 1948 e publicado em 1949, a partir de esboços que remontam a 1940.
Cf. “Vorrede”, GS 12, p. 9-11 e “Editorische Nachbemerkung”, GS 12, p. 207.
323
O trecho em questão é o esboço de 1949 (“Entwurf”), que Adorno ditou para Gretel Adorno. O
livro, cujo primeiro esquema data de 1927, foi planejado em 1935 e iniciado em 1946, mas jamais foi
finalizado. Cf., no volume, “Editorische Nachbemerkung”, p. 382.
324
Texto de palestra dada em 1938, publicado em inglês em 1941 e em alemão em 1950. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 839.
325
Texto escrito em 1949 e publicado em maio de 1950. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2,
p. 816.
326
Texto escrito em 1949 e publicado em 1950. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 814.
327
Volume coletivo publicado em 1950, a partir dos resultados das pesquisas empíricas realizadas
entre 1944 e 1949 por um grupo de pesquisa da University of California, Berkeley. Cf. a nota em GS
9.2, p. 144 e a “Editorische Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 412-413.
328
Texto escrito e publicado em 1950. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 839.
329
Livro publicado em 1951, a partir de um manuscrito escrito em três momentos, 1944, 1945 e
1946/47, cada qual correspondendo a uma de suas partes. A edição das obras reunidas contém
“Kulturkritik und Gesellschaft”
330
GS 10.1
p. 24.
“Bach gegen seine Liebhaber verteidigt”
331
GS 10.1
p. 146.
“Selbstanzeige des Essaybuches ‘Versuch
über Wagner’”
332
GS 13
p. 506.
“Imaginäre Begrüßung Thomas Manns”
333
GS 20.2
p. 470.
“Zur Krisis der Literaturkritik”
334
GS 11
p. 664.
“Über das gegenwärtige Verhältnis von
Philosophie und Musik”
335
GS 18
p. 155, 159 e 159.
“Beitrag zur Ideologienlehre”
336
GS 8
p. 459.
“Musikalische Warenanalysen”
337
GS 16
p. 285.
“Schuld und Abwehr”
338
GS 9.2
p. 148, 195, 288, 288 e 288.
ainda um anexo com partes do manuscrito que não compuseram o livro. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 4, p. 303.
330
Texto escrito em 1949, publicado em 1951. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 838.
331
Texto escrito e publicado em 1951. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 839.
332
Nota publicada em 25/9/1952, retoma o ensaio “Versuch über Wagner”. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 13, p. 519-520.
333
Texto escrito em 1952, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 816.
334
Conferência radiofônica, publicada em 1953. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 706.
335
Texto escrito e publicado em 1953. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 19, p. 642.
336
Texto escrito e publicado em 1954. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 409.
337
Texto escrito entre 1934 e 1940, publicado em 1955. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p.
678.
338
Texto publicado em 1955 como parte do volume Gruppenexperiment, trabalho coletivo realizado
por membros do Instituto de Pesquisa Social. Cf. a nota em GS 9.2, p. 122 e a “Editorische
Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 413-414.
“Einleitung zu Benjamins ‘Schriften’”
339
GS 11
p. 571 e 578.
Em “Vorworte... zu den ‘Frankfurter Beiträgen
zur Soziologie’”
340
GS 20.2
p. 645.
Zur Metakritik der Erkenntnistheorie
341
GS 5
p. 33, 45, 79 e 214.
339
Texto de apresentação ao volume de escritos de Benjamin, organizado por Adorno e Gretel
Adorno em 1955. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 700.
340
Texto escrito para o prefácio do volume Soziologische Excurse, publicado em 1956 nos Frankfurter
Beiträge zur Soziologie pelo Instituto de Pesquisa Social. Cf. a nota em GS 20.2, p. 640.
341
Livro publicado em 1956, a partir de manuscritos escritos por Adorno, entre 1934 e 1937, em sua
temporada de estudante emigrado em Oxford. Três dos capítulos do livro (I, II e IV) são provenientes
desses manuscritos, enquanto um dos capítulos (III) e a Introdução foram escritos para a edição de
1956. Justamente essa Introdução era considerada por Adorno um dos trabalhos que mais
precocemente continham o programa de sua filosofia, ao lado do texto “O ensaio como forma”, escrito
entre 1954 e 1958 (cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 5, p. 385-386 e “Editorische
Nachbemerkung”, GS 11, p. 697).
Terceiro momento: 1956-1969
70 textos, 158 ocorrências
Drei Studien zu Hegel
342
GS 5
p. 288, 342.
“The Stars Down to Earth”
343
GS 9.2
p. 28, 28, 36, 55, 109 e 112.
“Aberglaube aus zweiter Hand”
344
GS 8
p. 154, 157, 159 e 176.
“Kriterien der neuen Musik”
345
GS 16
p. 207.
“Die Funktion des Kontrapunkts in der neuen
Musik”
346
GS 16
p. 147.
“Zum Gedächtnis Eichendorffs”
347
GS 11
p. 78 e 81.
“Vernunft und Offenbarung”
348
GS 10.2
p. 611.
342
Livro publicado em 1963, a partir de três textos: “Aspekte”, concluído e publicado em 1957, a partir
de uma palestra realizada em 14/11/1956; “Erfahrungsgehalt”, concluído e publicado em 1957, a
partir de uma palestra realizada em 25/10/1958; e “Skoteinos”, escrito entre 1962 e 1963, publicado
apenas no volume em questão. Cf. “Notiz”, GS 5, p. 381 e “Editorische Nachbemerkung”, ibid., p. 386.
A tarefa a que esse volume se lança, “a preparação um conceito transformado de dialética” (ibid., p.
250), leva Adorno a retomar problemas que haviam ficado em aberto no diálogo com Benjamin dos
anos 30.
343
Fruto da segunda temporada americana de Adorno, entre 1952 e 1953, o texto foi finalizado em
junho de 1956 e publicado em 1957. Cf. “Vorbemerkung”, GS 9.2, p. 11-13 e “Editorische
Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 413.
344
Texto resultante das pesquisas realizadas por Adorno, entre 1952 e 1953, na Hacker-Foundation
de Beverly Hills. Publicação completa em inglês, em 1957, e parcial em alemão, em 1959. O texto
completo alemão só saiu em 1962. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 405-406.
345
Texto referente a uma conferência realizada em julho de 1957. Cf. “Editorische Nachbemerkung”,
GS 16, p. 677.
346
Texto escrito a partir de uma palestra, publicado pela primeira vez em agosto de 1957. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 677.
347
Conferência radiofônica realizada em novembro de 1957. Publicada no ano seguinte. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 697.
348
Conjunto de teses que orientaram um debate radiofônico com Eugen Kogon, em 20/11/1957,
publicado em junho de 1958. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 841.
“Der Essay als Form”
349
GS 11
p. 26.
“Reinhold Zickel”
350
GS 20.2
p. 761.
“Kleine Proust-Kommentare”
351
GS 11
p. 203 e 212.
“Erpreßte Versöhnung”
352
GS 11
p. 276.
“Ideen zur Musiksoziologie”
353
GS 16
p. 14.
“Dank an Peter Suhrkamp”
354
GS 20.2
p. 489.
“Theorie der Halbbildung”
355
GS 8
p. 114.
“Karl Korn, Die Sprache in der verwalteten
Welt”
356
GS 20.2
p. 516 e 519.
“Was bedeutet: Aufarbeitung der
Vergangenheit”
357
GS 10.2
p. 560 e 560.
349
Escrito entre 1954 e 1958, publicado apenas como parte das Noten zur Literatur I, esse texto é
reconhecido por Adorno como texto-chave (cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 5, p. 385-386) e
revela como nenhum outro o equilíbrio entre transformação e permanência no pensamento de
Adorno.
350
Trata-se de um texto escrito em 1958, que Adorno decidiu não reimprimir e abandonou. Após a
sua morte, o organizador decidiu recuperá-lo e incluir na edição das obras completas. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 820.
351
Comentários radiofônicos a passagens da obra de Proust, publicados em 1958. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
352
Texto publicado em novembro de 1958. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
353
Texto publicado em novembro de 1958. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 676.
354
Texto publicado em 9/4/1959. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 816.
355
Texto escrito para uma palestra realizada em maio de 1959. Publicado diversas vezes, como no
volume de textos de sociologia escrito por Adorno e Horkheimer (Sociologica II, editado pelo Instituto
de Pesquisa Social em 1962). Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 9.2, p. 405.
356
Texto publicado em julho de 1959. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 817.
357
Texto de uma palestra dada no outono de 1959, publicado em novembro do mesmo ano. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 841.
“Wörter aus der Fremde”
358
GS 11
p. 225.
Em “Vorworte... zu den ‘Frankfurter Beiträgen
zur Soziologie’”
359
GS 20.2
p. 652.
“Zur Demokratisierung der deutschen
Universitäten”
360
GS 20.1
p. 334 e 337.
“Valérys Abweichungen”
361
GS 11
p. 172.
“Wien”
362
GS 16
p. 439.
“Mahler. Eine musikalische Physiognomik”
363
GS 13
p. 180, 208, 217, 274 e 318.
“Versuch, das Endspiel zu verstehen”
364
GS 11
p. 300.
“Bergs kompositionstechnische Funde”
365
GS 16
p. 418.
“Zilligs Verlaine-Lieder”
366
GS 17
p. 130.
358
Conferência radiofônica realizada em 1959, publicada no mesmo ano. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
359
Texto escrito para o prefácio do volume Vorgeschichte des politischen Antisemitismus, de Paul
Massing, publicado em 1959 nos Frankfurter Beiträge zur Soziologie pelo Instituto de Pesquisa Social.
Cf. a nota em GS 20.2, p. 640.
360
Texto escrito em 1959, não publicado. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 814.
361
Texto publicado em 1960. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
362
Conferência radiofônica realizada em outubro de 1960, publicada em fevereiro do mesmo ano. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 678.
363
Uma das monografias musicais escritas por Adorno, esta foi publicada em 1960 e reeditada em
1963. Cf. “Notiz”, GS 13, p. 318-319.
364
Texto escrito para o volume Noten zur Literatur II. Parte do texto foi lida em conferência em
27/2/1961. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
365
Conferência radiofônica realizada em abril de 1961, publicada em maio do mesmo ano. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 678.
366
Conferência radiofônica realizada em julho de 1961. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 17, p.
348.
“Balzac-Lektüre”
367
GS 11
p. 143 e 144.
“Titel”
368
GS 11
p. 329 e 331.
“Strawinsky. Ein dialektisches Bild”
369
GS 16
p. 382.
“Einleitung in die Musiksoziologie. Zwölf
theoretische Vorlesungen”
370
GS 14
p. 253, 257 e 274.
Em Philosophische Terminologie [7 aulas]
371
Vol. 1: p. 55, 151 e 160.
Vol. 2: p. 31, 46, 57, 104, 111,
111 e 154.
“Bei Gelegenheit von Wilhelm Lehmanns
‘Bemerkungen zur Kunst des Gedichts’”
372
GS 11
p. 667.
“Anweisungen zum Hören neuer Musik”
373
GS 15
p. 248.
“Das Altern der Neuen Musik”
374
GS 14
p. 153.
367
Texto escrito para o volume Noten zur Literatur II. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p.
698.
368
Texto publicado em 1962. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 698.
369
Texto reescrito a partir de uma conferência radiofônica realizada em junho de 1962, publicado em
agosto do mesmo ano. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 678. Dedicado a Benjamin, o
ensaio revisa diversas categorias benjaminianas, ao mesmo tempo em que incorpora pressupostos
de Adorno.
370
Livro preparado a partir de conferências realizadas entre 1961 e 1962, publicado em julho de 1963
e corrigido em 1968. Cf. “Vorrede”, GS 14, p. 173-177 e “Zur Neuausgabe 1968”, GS 14, p. 171-172.
371
Transcrição de aulas dadas por Adorno entre maio de 1962 e fevereiro de 1963, planejadas para
ser uma introdução à terminologia filosófica. As aulas em questão são as de número 4, 13, 22, 23, 24,
28 e 32, datadas de 17/5, 10/7, 15/11, 20/11, 22/11, 6/12 e 20/12/1962.
372
Comentário ao ensaio de Lehmanns. Do espólio. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 706-
707.
373
Texto referente a uma série de conferências radiofônicas, publicado como apêndice ao livro Der
getreue Korrepetitor, publicado primeiramente em 1963. Cf. “Vorrede” GS 15, p. 160 e “Editorische
Nachbemerkung”, GS 15, p. 406.
“Versuch über Wagner”
375
GS 13
p. 121.
Jargon der Eigentlichkeit
376
GS 6
p. 417, 418, 420, 438, 454, 492 e
502.
“Sittlichkeit und Kriminalität”
377
GS 11
p. 382.
"Nachschrift zu einer Wagner-Diskussion”
378
GS 16
p. 666.
“Parataxis”
379
GS 11
p. 462, 468, 491 e 491.
“Fortschritt”
380
GS 10.2
p. 621.
“Offener Brief an Max Horkheimer”
381
GS 20.1
p. 163.
374
Texto reescrito a partir de uma conferência radiofônica realizada em abril de 1954, publicado no
volume Dissonanzen, em 1963. Cf. “Vorrede zur dritten Ausgabe” GS 14, p. 12.
375
Escrito entre 1937 e 1938, o texto foi publicado parcialmente em 1939, no oitavo número da revista
do Instituto de Pesquisa Social. Na ocasião não foram publicados os capítulos II, III, IV, V, VII e VIII,
apenas os seus resumos. Cf. as referências em GS 13, p. 9-10, os resumos em GS 13, p. 497-503 e
a “Editorische Nachbemerkung”, GS 13, p. 519-520.
376
Trazendo o subtítulo “Sobre a ideologia alemã”, a análise feita por Adorno da ontologia de
Heidegger foi concebida como uma parte da Dialética negativa (cf. “Notiz”, GS 6, p. 524). Foi
publicada em 1964, portanto, dois anos antes daquela.
377
Texto escrito a partir de um artigo publicado em 5/8/1964. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS
11, p. 699.
378
Artigo publicado em 9/10/1964, em que Adorno estabelece sua posição em relação a uma
controvérsia sobre Wagner, iniciada em um 24/7/1964, com um artigo do próprio Adorno. De modo
conciso, esse artigo retoma aspectos centrais da leitura que Adorno faz da obra de Wagner. Cf. a
nota em GS 16, p. 665 e a “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 680.
379
Texto de uma palestra dada em 7/6/1963, publicada no ano seguinte. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 11, p. 699.
380
Texto de uma comunicação feita em um congresso em 22/10/1962, publicada em 1964. Cf.
“Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 841.
381
Carta aberta publicada em 12/2/1965. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 812.
Em Metaphysik: Begriff und Probleme [7 aulas]
382
p. 25, 44, 103, 159, 189, 212,
219, 222 e 222.
“Anmerkungen zum philosophischen
Denken”
383
GS 10.2
p. 604.
Em “Vorworte... zu den ‘Frankfurter Beiträgen
zur Soziologie’”
384
GS 20.2
p. 663.
“Über H. G. Adler”
385
GS 20.2
p. 495.
Negative Dialektik
386
GS 6
p. 62, 106, 109 [nota], 111, 111,
133, 135, 164, 164, 165, 165,
166, 166, 166, 166, 167, 167,
168, 168, 169, 206, 300, 317,
322, 363, 390, 399, 411 [título] e
411[título].
“Filmtransparente”
387
GS 10.1
p. 358.
“George”
388
GS 11
p. 534.
382
Volume de aulas dadas por Adorno entre maio e julho de 1965, relacionadas ao terceiro “modelo”
da Dialética negativa (cf. “Nachbemerkung des Herausgebers”, p. 295-296). As aulas em questão são
as de número 2, 5, 9, 13, 16, 17 e 18, datadas de 13/5, 1/6, 24/6, 13/7, 22/7, 27/7 e 29/7/1965.
383
Conferência radiofônica realizada em 9/10/1964, publicada em outubro de 1965. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 841.
384
Texto escrito para o prefácio do volume Studentenschaft und Hochschule, de Heribert Adam,
publicado em 1965 nos Frankfurter Beiträge zur Soziologie pelo Instituto de Pesquisa Social. Cf. a
nota em GS 20.2, p. 640.
385
Texto escrito em 1965, do espólio. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 816.
386
Publicada em 1966, a Dialética negativa representa um dos pólos da relação entre arte e filosofia,
ao lado da Teoria estética, e é o texto em que Adorno discorre de modo mais exaustivo acerca da
categoria de constelação.
387
Publicado parcialmente em 18/11/1966. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 10.2, p. 840.
“Offener Brief an Rolf Hochhuth”
389
GS 11
p. 596.
“Die Kunst und die Künste”
390
GS 10.1
p. 448.
“Einleitung zum ‘Positivismusstreit in der
deutschen Soziologie’”
391
GS 8
p. 337 e 347.
“Schwierigkeiten”
392
GS 17
p. 283.
“Keine Würdigung”
393
GS 20.2
p. 503.
“Die beschworene Sprache”
394
GS 11
p. 554.
“Berg. Der Meister des kleinsten
Übergangs”
395
GS 13
p. 370, 416, 456 e 472.
Em Stichworte
396
GS 10.2
p. 598.
388
Texto referente a uma conferência radiofônica realizada em 23/4/1967. Do espólio. Cf. “Editorische
Nachbemerkung”, GS 11, p. 700.
389
Carta aberta publicada em 10/6/1967. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 700.
390
Conferência realizada em 23/7/1966, publicada no ano seguinte. Cf. “Editorische Nachbemerkung”,
GS 10.2, p. 840.
391
Introdução escrita por Adorno à conhecida controvérsia sobre o positivismo, relaciona-se ao
Congresso da Sociedade Alemã para a Sociologia, realizado em Tübingen, em 1961. publicado pela
primeira vez nos anais do congresso, em 1967. Cf. a nota em GS 8, p. 280.
392
Segunda parte das conferências radiofônicas intituladas “Dificuldades”, o texto em questão foi ao
ar em 6/5/1966 e foi publicado em 1968. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 17, p. 349.
393
Texto escrito em 1967, publicado em 1968. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 20.2, p. 816.
394
Texto publicado em 1968. Cf. “Editorische Nachbemerkung”, GS 11, p. 700.
395
Outra das monografias musicais de Adorno, publicada em setembro de 1968, retoma argumentos
que remontam a 1937. Cf. “Vorrede”, GS 13, p. 323-324 e “Editorische Nachbemerkung”, GS 13, p.
520-521.
396
Texto de abertura ao volume, escrito em junho de 1969. Adorno relaciona o título do volume,
Stichworte (“palavras-chave”), à idéia de um acordo entre constelação e enciclopédia, o que ilumina
aspectos da questão que enfrentamos. Cf. a nota em GS 10.2, p. 597-598.
“Marginalien zu Theorie und Praxis”
397
GS 10.2
p. 760.
“Zu einer Auswahl aus den ‘Klangfiguren’”
398
GS 16
p. 648.
Ästhetische Theorie. Paralipomena. Frühe
Einleitung
399
GS 7
p. 11, 18, 88, 127, 136, 174, 182,
199, 201, 204, 256, 259, 294,
304, 347, 422, 425, 462, 477, 523
e 531.
397
Um dos textos escritos por Adorno para a seção “Dialektischen Epilegomena”, que reúne um
material diretamente relacionado à Dialética negativa, planejado para um curso que não se realizou.
Ao lado do outro texto da seção, “Zu Subjekt und Objekt”, esse texto reconduz Adorno a questões-
chave de sua obra e resume o estado presente de seu diagnóstico e projeto filosófico. Cf. a nota em
GS 10.2, p. 598.
398
Texto escrito em julho de 1969, pouco antes da morte de Adorno, para uma seleção de ensaios do
livro Klangfiguren. Cf. a nota em GS 16, p. 645 e a “Editorische Nachbemerkung”, GS 16, p. 680.
399
Obra inacabada, a Teoria estética foi organizada postumamente, a partir de versões bastante
adiantadas, o que facilitou o trabalho de composição do texto. Cf. a detalhada exposição dos passos
do estabelecimento da obra em “Editorisches Nachwort”, GS 7, p. 537-544. Compõe, ao lado da
Dialética negativa, o núcleo de compreensão da obra madura de Adorno.
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