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UNIVERSIDADE DE UBERABA
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARISE SOARES DINIZ
A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS
DE FORMAÇÃO
Uberaba - MG
2006
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MARISE SOARES DINIZ
A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS
DE FORMAÇÃO
Uberaba - MG
2006
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade de
Uberaba como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientadora - Profª. Drª. Elaine Sampaio Araujo
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MARISE SOARES DINIZ
A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM CONTEXTOS
DE FORMAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Educação da Universidade de
Uberaba como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Aprovado em __/__/__
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profª. Drª. Elaine Sampaio Araujo
Universidade de São Paulo - USP
______________________________________
Profª. Drª. Terezinha Azerêdo Rios
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
PUC
______________________________________
Profª. Drª. Andréa Maturano Longarezi
Universidade de Uberaba - UNIUBE
AGRADECIMENTOS
Agradeço as grandes educadoras que fazem parte de minha trajetória amorosa pela educação,
em ordem alfabética: Elaine Sampaio Araujo, Kátia Maria Capucci Fabri, Maria Antonieta
Borges Lopes, Maria de Lourdes Melo Prais, Maria Élida da Silva, Maria Lúcia Cicci de
Castro, Marisa Mayrink Santos Ferreira, Miriam Freire Angotti Carrara e Sandra Maria
Ramos de Godoy.
Agradeço a toda a equipe de professores do Mestrado em Educação da UNIUBE que pelo
formato arrojado dos seminários provou o despertar da pesquisa e, também aos meus colegas
de curso. Em especial, agradeço a professora Nilza Consuelo Alves Pinheiro, que fez as
correções de Língua Portuguesa dessa dissertação.
Agradeço a todos os meus alunos.
Agradeço a minha mãe Ieda Diniz, ao Nilson e minha filha Nanda que me envolveram com
carinho e incentivo.
RESUMO
Os cursos de licenciaturas, historicamente, têm privilegiado a formação profissional docente
de forma fragmentada, separando a concepção e a execução dos projetos educativos. Na
tentativa de compreender o processo de formação inicial do professor, nesta pesquisa,
investigou-se como se realiza a aprendizagem da docência, durante o estágio. O problema
gerador da pesquisa que se coloca é: o estágio se constitui em um momento de aprendizagem
docente? A partir do pressuposto de que ele privilegia a relação teoria e prática, a intenção foi
abordar o estágio como objeto de investigação. Isso envolveu a análise da atividade docente e
a maneira como se constituiu em um momento de aprendizagens. Ao proceder a essa análise,
buscaram-se novas formas de relacionamento entre a dimensão prática e a teórica da
realidade, também expressas na legislação federal, que orienta as diretrizes curriculares dos
cursos de licenciaturas e organiza, enquanto política educacional, a formação docente.
Apoiando-se na fundamentação teórica histórico-cultural, pretendeu-se superar a
racionalidade técnica presente nos projetos educativos desses cursos. Os sujeitos eram alunos
de um Curso de Licenciatura em Letras e os dados foram coletados por meio de entrevistas,
questionários, vídeo-gravação, relatórios de estágio e registros do caderno de campo. Como
resultados, evidenciaram-se as aprendizagens em situação de estágio e o movimento de
formação de professores. Considerando-se que as ões do estágio articulam ensino, pesquisa
e extensão, iniciadas na docência e concretizadas na escola, concluiu-se que ele, ao mobilizar
as dimensões teórica e prática, remete a formação à concepção dialética do processo
educacional, constituindo-se, assim, como um elemento fundamental na formação docente.
Palavras-chave: aprendizagem; docência; estágio; formação de professores.
RESUMEN
Históricamente, los cursos de licenciatura, han privilegiado la formación profesional docente
de manera fragmentada, separando la concepción de la ejecución en los proyectos educativos.
En el intento de comprender el proceso de formación inicial del profesor, en esta
investigación, se quiere saber cómo se realiza el aprendizaje de la docencia, durante el
periodo de la práctica profesional. O problema generador de la investigación que se plantea
es: ¿la práctica profesional se constituye en un momento de aprendizaje docente? Partiendo
del presupuesto de que esta privilegia la relación teórico-práctica, lo que se pretende es
abordarla como un objeto de investigación. Tal hecho envuelve el análisis de la actividad
docente y la manera como este se constituye en un momento de aprendizajes. Al llevar a cabo
este análisis, se han buscado nuevas formas de relación entre la dimensión práctica y teórica
de la realidad, tal como se menciona en la legislación federal, que orienta los curriculos de los
cursos de licenciatura y organiza, en cuanto a la política educacional la formación docente.
Apoyándose en los fundamentos de la teoría histórico-cultural, se intenta superar la
racionalidad técnica, existente en los proyectos educativos de los cursos. Los sujetos
estudiados fueron alumnos de un Curso de Licenciatura en Letras y los datos fueron
recolectados por medio de cuestionarios, entrevistas, videoconferencias, informes de prácticas
profesionales y registros de cuadernos de campo. Como resultado se evidenciaron los
aprendizajes tanto por las prácticas profesionales como por los movimientos de formación
docente. Considerándose que las acciones de la práctica profesional articulan enseñanza,
pesquisa y extensión, ya iniciadas en la docencia y concretizadas en la escuela, se concluye
que esta, al movilizar las dimensiones teórico-prácticas, remite la formación a la concepción
dialéctica del proceso educacional, constituyéndose, así, como un elemento fundamental en la
formación docente.
Palabras-claves: aprendizaje, docencia, práctica profesional, formación de docentes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 – O PAPEL DA ESCOLA E A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA:
análise de um projeto pedagógico ........................................................................................... 12
1.1 O lugar da escola na sociedade atual.............................................................................. 12
1.2. A formação profissional do professor: a aprendizagem da docência......................... 13
1.3. Uma proposta de formação de professores................................................................... 18
1.4. A atividade de ensino .................................................................................................. 29
CAPÍTULO 2 – A LEGISLAÇÃO DO ESTÁGIO E AS IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO
DOCENTE .............................................................................................................................. 36
2.1. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.................................................. 36
2.2 O estágio na história da legislação brasileira............................................................ 43
2.3. Para além da LDB: a dimensão histórico-cultural da formação docente ............... 47
2.4. A relação teoria e prática: um movimento de contradição.................................... ... 51
2.5. O estágio como relação entre teoria e prática ........................................................... 52
CAPÍTULO 3 - O PROFISSIONAL DOCENTE .................................................................. 57
3.1. O que é ser profissional da educação hoje?............................................................... 57
3.2. O exercício da profissão............................................................................................. 60
3.3. Aprendizagem do ser professor em situação de estágio............................................ 63
3.4. A mediação da aprendizagem e a Zona de Desenvolvimento Proximal .................. 65
CAPÍTULO 4 – A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM SITUAÇÃO DE ESTÁGIO . 69
4.1. A atividade de aprendizagem realizada........................................................................ 69
4.2. Aproximações com o objeto de estudo ......................................................................... 83
4.2.1 A história de Maria ........................................................................................................ 86
4.2.2 A história de José ........................................................................................................... 98
4.2.3 Marias e Josés .............................................................................................................. 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 111
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 118
Apêndice A – Roteiro das entrevistas....................................................................................123
Apêndice B – Questionário .................................................................................................. 124
Não basta entendermos a aprendizagem somente a partir
de quem aprende. Importa entendê-la, igualmente, na
atuação daquele com quem se aprende, ambos, o discente
e o docente, não relacionados em abstrato e no vazio, mas
situados em lugares sociais específicos, como é a escola,
sendo que a aprendizagem social precede às
aprendizagens individuais em que se concretiza.
Mário Osório Marques
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa busca aprofundar, por meio de uma investigação sistemática, o
significado histórico-cultural da formação docente em situação de estágio e a relação deste
com o desenvolvimento profissional do professor.
O objeto dessa pesquisa é o estágio. Como professora de um curso de licenciatura, esta
pesquisadora busca compreender as possibilidades de aprendizagem no estágio, analisando os
fatores que podem influenciar no processo de aprendizagem da docência.
O problema gerador que se coloca é: o estágio se constitui momento de aprendizagem
docente? O que se aprende e como se aprende a ser professor? Essas questões emergem das
turmas de formação docente, em que diferentes necessidades dos educandos; tanto
daqueles que já são professores como dos alunos que ainda não são professores. Estes
apresentam diferentes perguntas de busca, que os constituirão enquanto profissionais.
A teoria histórico-cultural é o referencial mais pertinente para se refletir sobre essas
questões. Tal teoria possibilita o entendimento de que, a partir da prática social, ocorre o
processo de desenvolvimento e formação humana. Esse referencial respalda a discussão da
docência em contextos de formação inicial.
Nessa perspectiva, dialoga-se com alguns autores, como Vigotski (2003) e Leontiev
(1978). O primeiro explica os processos de aprendizagem e de desenvolvimento como
processos mediados, e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD), espaço entre
o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. A ZPD, pois,
representa o espaço mais apropriado para se desenvolverem as ações de aprendizagem. O
segundo, Leontiev, explicita a teoria da atividade, que se traduz como: aprende-se com os
outros e em atividade. Segundo o referido autor, esse processo determina o desenvolvimento
da mente e imprime-lhe seu dinamismo. Considera ainda que é, na atividade, que o homem
busca o sentido de sua existência.
Para tanto, procedeu-se à análise de um curso de licenciatura em Letras, buscando
entender o processo de constituição do profissional docente, o desenvolvimento do processo
de ensino e de aprendizagem e como são desenvolvidas as atividades de estágio, enquanto
suporte da constituição desse profissional docente. Como apoio, inicialmente, parte-se do
estudo da legislação vigente sobre o estágio, com a finalidade de entender-se a adoção de
9
determinadas políticas educacionais de formação docente e aí se enfoca a relação entre teoria
e prática como cerne da questão formativa.
A investigação em campo foi realizada durante um ano e meio, em uma turma de
licenciandos em Letras, nos três primeiros semestres de estágio, que representam os seguintes
momentos: observação contextual da escola, observação de sala de aula de Língua Portuguesa
e regência de turma em Língua Portuguesa. Seguindo a orientação do referencial teórico de
analisar-se o fenômeno no processo, a metodologia, em consonância, busca estudar a
formação docente em desenvolvimento.
Por meio de um dos instrumentos de pesquisa, a entrevista, pretendeu-se entender as
relações dos alunos com o seu contexto histórico mais amplo; as relações com os colegas
(professores e não professores); relações com o professor da sala de aula estagiada; relações
com o professor coordenador de estágio. Com isso, visava-se visualizar o papel dos alunos em
seu próprio processo de formação, significando o movimento de aprendizagem, pela fala, pelo
que fazia e pelas relações sociais que estabelecia ali; identificando as suas necessidades e as
suas motivações.
Ainda quanto à metodologia, foi aplicado um questionário para todos os alunos da
turma (dezessete), foi realizada uma vídeo-gravação de uma aula de uma estagiária em uma
escola pública e foram consideradas também, para a análise, as anotações do caderno de
campo e os relatórios de estágio dos alunos, em especial dos dois alunos entrevistados: um
professor e outro não.
Os dados levantados por esses instrumentos apontam o impacto do estágio na
formação docente. Ao mesmo tempo, constatam-se as aprendizagens do professor
coordenador de estágio, que nesse processo aprende enquanto ensina.
Propõe-se uma formação docente que não supere a visão mecanicista, como
também que rompa com o tradicional, fazendo sobressair-se a sua dimensão humana, que não
não despreza o constituído, mas ainda lhe uma nova qualidade. A apropriação do
conhecimento, isto é, a internalização dos mesmos, ocorre pela mediação com os outros e com
os objetos e, nesse processo, o homem se humaniza. uma intencionalidade pedagógica: a
formação humana.
No Capítulo I, analisa-se o Projeto Pedagógico do curso de licenciatura em Letras. Tal
Projeto foi uma produção pensada, coletivamente, pelos professores da instituição de ensino
superior, da qual esta pesquisadora fez parte. Com essa análise, pretende-se identificar o
referencial curricular de formação e os reflexos que se produzem quando de sua execução.
10
No capítulo II, procura-se compreender o estágio no bojo das várias políticas
educacionais brasileiras. Para tanto, recupera-se o histórico da legislação do estágio, e se
delineia o modelo teórico-prático da formação docente instituído. Em contraponto a esse
modelo, imprime-se à formação docente uma dimensão histórico-cultural que caracteriza a
aprendizagem como uma problematização da prática pedagógica, um momento de produção
de conhecimentos e de pesquisa, extraindo-se os princípios presentes nas ações educacionais.
Nesse momento, apresenta-se ainda a complexa relação entre a teoria e a prática, que,
ao serem separadas, representa uma fragmentação no processo de formação. Analisa-se,
também, o estágio nessa relação.
No capítulo III, discute-se o perfil do professor que se quer formar, relacionando-o
com o exercício da profissão docente como atividade humana. Apresenta-se a proposta de
formação do professor mediador e discute-se o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal. Busca-se, ainda, redefinir o papel do professor coordenador de estágio,
apresentando-o como mediador.
No capítulo IV, apontam-se os instrumentos do estágio: as observações e os relatórios
e sua contribuição para a elaboração do pensamento. Aquelas como momento de apropriação
do pensamento prático e teórico e como busca de significação do processo educativo; estes,
cujos registros tornam-se conteúdos de pensamento.
Apontam-se, também, os limites do estágio referentes aos tempos do aluno trabalhador
e aos elementos dificultadores para estudantes de cursos noturnos, para entender o movimento
da formação. São apresentadas as histórias de Maria e de José, ressaltando os seus processos
de aprendizagem da docência.
O trabalho desenvolvido no estágio é discutido coletivamente com os alunos
universitários durante o processo de realização do mesmo. As discussões o desencadeadas
com o objetivo de sistematizar-se as aprendizagens oriundas das relações que se estabelecem
entre professor-coordenador do estágio/aluno; aluno-professor/aluno, aluno/aluno;
aluno/professor da escola estagiada, escola estagiada/faculdade.
Nessa direção, o estágio institui-se como articulador dos diferentes saberes que
possibilitam a aprendizagem dos alunos-professores em exercício, dos que não estão em
exercício, do professor que recebe o estagiário e do professor orientador do estágio. Nesses
processos mediacionais, em que o encontro com o outro, é que ocorre a produção de
conhecimentos. O estágio é, também, um estudo da prática educativa, de suas transformações
durante o processo, em constante movimento de formação. Ainda, ele proporciona atualização
constante das ações que acontecem no cotidiano escolar e aponta reais necessidades de
11
estudos e aprimoramentos das práticas pedagógicas. O estágio, portanto, compõe-se de ões
articuladas entre ensino, pesquisa e extensão, que surgem da docência para se concretizar na
escola.
12
1 – O PAPEL DA ESCOLA E A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA: análise de um
projeto pedagógico
1.1 O lugar da escola na sociedade atual.
O estudo sobre a aprendizagem da docência tem passado, sobretudo na última década,
por questionamentos impulsionados pela redefinição do papel da escola em nossa sociedade, o
que nos remete a uma necessidade de revisão dos cursos de licenciatura, que é neles que se
a formação “inicial
1
do profissional de educação. Nesse processo de revisão ocorrem
novas significações, o que implica superar uma visão mecanicista da educação, fundamentada
no papel conservador e reprodutor da sociedade e na produção e desenvolvimento de uma
concepção de formação fundamentada no ser humano, como um processo de humanização, a
fim de que se possa ter uma sociedade mais igualitária. Segundo Araújo (2003, p.165) “o
conhecimento é o patrimônio constitutivo da cultura, que possibilita aos homens viverem o
seu processo de humanização”. O acesso ao conhecimento, ocorre de maneira ativa com a
participação dos sujeitos, possibilitando também a produção de cultura, num processo
dinâmico de expansão e constituição de novas relações sociais.
Na atual sociedade ocidental, marcada pela política sócio-econômica do
neoliberalismo, ocorre uma descentralização dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo
social e cultural quanto de si mesmos. Nesse contexto, qual seria o papel do professor? O
proletário do ensino, o intelectual crítico, o reflexivo, o mediador de situações de
aprendizagem, o sabe-tudo” de conteúdos, o que desenvolve excelentes técnicas de
aprendizagem? Assim, é necessário refletir sobre a função do professor nessa sociedade,
desde a sua formação universitária.
A educação torna-se um aspecto prioritário para implantação de um modelo político
social nesse “mundo” que exige uma crescente formação intelectual dos indivíduos. Todavia,
educação e conhecimento se apresentam como meios à constituição de um sujeito histórico,
que atue na realidade social, sendo capaz de transformá-la, como também de transformar a si
próprio.
Nesse sentido, é necessário romper com
¹ Formação inicial entendida aqui como a formação em cursos de licenciatura, início do processo
formal de profissionalização.
13
a formação tradicional dos educadores, concebida fundamentalmente como
desvinculada da situação político-social e cultural do país, visualizando o
profissional de educação exclusivamente como um especialista de conteúdo,
um facilitador de aprendizagem, um organizador das condições de ensino-
aprendizagem, ou um técnico da educação. (CANDAU, 2003, p.50).
A dimensão técnica citada por Candau (op. cit) representa uma visão individualista da
formação, atribuindo ao professor a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso
profissional. Tendo por base essa crítica da autora, e com o objetivo de alcançar uma mudança
de qualidade, busca-se uma formação que se identifique com a dimensão humana, centrada no
contexto histórico e, assim, a dimensão coletiva. Superar a formação individualista e alcançar
a dimensão coletiva da formação docente significa partir de um outro modelo formativo que
será discutido no Capítulo 3, item 4, sobre o papel da mediação do professor no processo de
aprendizagem. A responsabilidade pela qualidade da educação também resulta de um
complexo processo de relações presentes na escola, que interferem nos rumos de formação e
no desenvolvimento do indivíduo: trata-se de relações econômicas, políticas, sociais e
culturais.
1.2 A formação profissional do professor: a aprendizagem da docência.
Acostumamo-nos a raciocinar usando alternativas exclusivas (ou.../ou...),
quando a realidade nos obriga a tomar consciência de que a conjunção
correta é aditiva. A realidade não é sim ou o - ela é sim e não. (RIOS,
2004, p. 8) .
Os cursos de formação de professores devem ser objetos de reflexão e reformulação,
considerando as intensas modificações sociais, econômicas e políticas pelas quais passamos,
num movimento muito rápido de transformações. Dentre elas, citam-se: a ampliação das
vagas escolares, a obrigatoriedade legal de freqüência à escola, criação de um fundo nacional
de investimento na educação, maior participação das famílias, melhoria nos meios de
comunicação, a formação docente (educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental)
em cursos superiores. Essas modificações ocorrem também no pensamento educacional
brasileiro, demonstrando que o modelo de formação que está posto o atende às
necessidades dos tempos atuais. E mais do que isso, os cursos de formação o deveriam ser
regulados, exclusivamente, pela lógica de mercado. Cabe ressaltar que tais reformulações
devem ser pensadas coletivamente, evitando que esse movimento transforme-se em um
mecanismo de separação entre quem pensa a formação e quem faz e vive o processo
formativo, alimentando um processo de alienação.
14
A alienação, nesse caso, ocorre quando uma separação, no processo educacional,
das pessoas que executam as tarefas daquelas que pensam e as elaboram. Dessa forma,
estabelece-se uma relação de poder, em que os que pensam determinam tarefas a serem
executadas por meio de imposição de currículos e manuais, não incentivando a reflexão sobre
essas tarefas, não priorizando a importância da formação continuada e, quando valorizam o
professor, o fazem por meio de iniciativas individuais, isoladas. Mais do que isso, a alienação
faz-se presente ao separar o domínio dos modos de produção e o seu produto. Uma
reformulação torna-se mais consistente à medida que o professor participa efetivamente das
mudanças, reflete, critica, atua em conjunto através de decisões coletivas com seus pares.
Com essa participação, tem-se a possibilidade de constituir-se um sujeito histórico,
que se desenvolve ao longo do tempo e está continuamente sendo formado. O que não
significa abandonar o que se é, mas sim, de se superar, considerando o passado, sua história e
a necessidade de avançar. Para entender esse processo de mudança recorre-se ao método do
materialismo histórico-dialético, em que a lógica da formação considera o movimento da
atividade humana em condições objetivas. É histórico porque “é produto da atividade
humana” (SIRGADO, 2000, p. 49), materialista, pois, analisa o homem e o conhecimento em
condições reais, materiais e sociais, da sua produção.
É o materialismo que confere à dialética seu caráter histórico, pois expressa
os princípios das condições concretas da produção do conhecimento, ou seja:
(a) a distinção entre o real e o conhecimento desse real e (b) a primazia do
real sobre o conhecimento. O primeiro desses princípios, além de permitir
escapar das concepções racionalistas e empiricistas, implica no fato de que
entre o real e o conhecimento desse real existe um distanciamento em que
opera a atividade produtiva do sujeito. O segundo faz do real o ponto de
partida do conhecimento, não de chegada como decorre do idealismo
hegeliano – mas um ponto de partida que não se perde no processo de
produção do conhecimento. O objeto de conhecimento não é o real em si,
tampouco um mero objeto de razão. Ele é o real transformado pela atividade
produtiva do homem, o que lhe confere um modo humano de existência
(SIRGADO, 2000, p. 50 e 51).
Isso significa considerar que o desenvolvimento humano é cultural e histórico, fruto
do longo processo de transformação que o homem opera na natureza e nele mesmo como
parte dessa natureza, superando-se continuamente.
Superação que significa alcançar uma nova qualidade, que avalia as memórias do
passado, o desejo por viver coletivamente e a vontade de se apropriar do historicamente
constituído, da herança que se recebeu. Essa idéia tem por base a lei da negação da negação,
citada por Triviños (1997), em que esclarece as relações entre o antigo e o novo no processo
de desenvolvimento, aqui em especial, do conhecimento profissional do sujeito. No processo
15
dialético de constituição do sujeito, na luta dos contrários entre o novo e o velho, este segue
existindo, mas com outras características. Para se perceber isso, não é suficiente observar o
sujeito em si mesmo, mas a maneira como ele está vivenciando suas funções básicas. Isso
significa observar como ele desenvolve sua prática educativa e como, nesse processo,
estrutura a si mesmo. Na luta dos contrários, o novo que surge não elimina o velho de forma
absoluta. “O novo significa um novo objeto, uma nova qualidade, mas o novo possui
elementos do antigo, os elementos que são considerados positivos na estrutura do novo e que,
de acordo com as circunstâncias onde se desenvolverá o novo, continuam existindo neste”.
(TRIVIÑOS, 1997, p. 72).
Na constituição do novo, o movimento é em espiral, isto é, “o retorno acima do
superado para dominá-lo e aprofundá-lo, para elevá-lo de nível libertando-o de seus limites
(de sua unilateralidade)”. (LEFEBVRE, 1995, p.240).
Esse autor continua esclarecendo que as
leis da dialética constituem, pura e simplesmente, uma análise do
movimento. O movimento real, com efeito, implica essas diversas
determinações: continuidade e descontinuidade; aparecimento e choque de
contradições; saltos qualitativos; superação. (LEFEBVRE, 1995, p.240).
Apresenta-se, a seguir uma visão panorâmica das leis da dialética, tendo como
referência Lefebvre (1995). Tal apresentação geral faz-se necessária para se compreender o
movimento de análise fundamentado no materialismo dialético. São elas:
a) Lei da interação universal (da conexão, da “mediação” recíproca de tudo o que
existe). Nada é isolado, cada fenômeno é considerado no conjunto de suas relações
com os demais fenômenos e, por conseguinte, também no conjunto dos aspectos e
manifestações daquela realidade;
b) Lei do movimento universal. Deixando de isolar os fatos e os fenômenos, o método
dialético reintegra-os em seu movimento: movimento interno, que provém deles
mesmos, e movimento externo, que os envolve no devir universal. Os dois
movimentos são inseparáveis;
c) Lei da unidade dos contraditórios. A contradição dialética é uma inclusão (plena,
concreta) dos contraditórios um no outro e, ao mesmo tempo, uma exclusão ativa. O
método dialético busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os
contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera;
d) Transformação da quantidade em qualidade (lei dos saltos). A lei dos saltos é a lei da
ação. A ação e o conhecimento não podem criar nada já pronto e acabado. O
momento da ação, do fator subjetivo”, aparece quando, reunidas todas as
16
condições objetivas, basta um fraco impulso proveniente do “sujeito” para que o salto
se opere. O salto dialético, implica, simultaneamente, a continuidade (o movimento
profundo que continua) e a descontinuidade (o aparecimento do novo, o fim do
antigo);
e) Lei do desenvolvimento em espiral (da superação). O pensamento compreende e
aprofunda a vida e a si próprio. No devir do pensamento e da sociedade, revela-se
ainda mais visivelmente o movimento “em espiral”: o retorno acima do superado para
dominá-lo e aprofundá-lo, para elevá-lo de nível, libertando-o de seus limites (de sua
unilateralidade).
A partir dessas idéias de Lefebvre pode-se dizer que nada surge do nada e, esse
processo de apropriação do conhecimento ocorre num progresso em espiral, “tem um caráter
contraditório, isto é, que é possível que em determinadas etapas se repitam, com outra
qualidade, fases do fenômeno que foram passadas” (TRIVIÑOS, 1997, p.73). É uma nova
qualidade, formada a partir da anterior, que incorpora o velho. A forma espiral é a
representação que permite que em um ponto se passe duas vezes e, na segunda vez, sempre
diferente, com outra qualidade, transformada, não se constituindo, portanto, na repetição de
movimentos, mas em uma ampliação dos mesmos.
No processo de ensino e de aprendizagem o movimento dialético-histórico apontado
por Trivinõs e Lefebvre, ocorre em cada vivência na sala de aula onde uma retomada e
uma expansão. Os conteúdos vão se relacionando com o cotidiano dos alunos, com as
relações entre as pessoas e se confrontando, criam-se novos conceitos, que expressam as
novas necessidades postas continuamente pelo dinamismo social. Ocorre aqui um processo
interno de apropriação ativa dos conhecimentos, e externo quando as mudanças na atuação
docente começam a ser percebidas; momento em que se superam antigas situações e busca-se
o novo, projetando-se para novas ações.
Nesse sentido, um pressuposto deve permear a discussão da formação: o educador
necessita ser educado, pois circunstâncias também constituem os homens. Circunstâncias que,
segundo Heller (1985), constituem-se de relações e de situações sócio-humanas, formadas
pela unidade de forças produtivas, estrutura social e formas de pensamento. As circunstâncias
educacionais dão-se na relação histórico-cultural, são mediadas, o frutos de relações
intencionais. “E não podemos deixar de ressaltar que essa circunstância se configura de uma
determinada maneira porque estamos nela, e a construímos de maneira peculiar”. (RIOS,
2002, p.121).
17
Para que se analisem as circunstâncias que mudam os homens, é necessário fazê-lo
com uma visão de totalidade. Segundo Basso (1998), totalidade não se reduz à soma das
partes, mas sim em suas relações essenciais, em seus elementos articulados, responsáveis pela
sua natureza, sua produção e seu desenvolvimento. Visto que as coisas não se mostram ao
homem diretamente, é fundamental conhecer a realidade e como o homem se apropria dela.
Isso significa entender como ele se forma ao atuar na realidade. A aprendizagem caminha
para além do contexto da estruturação pedagógica, incluindo a estrutura do mundo social, a
natureza conflituosa da prática social; e a visão de totalidade permite aprender o fenômeno na
sua essência.
A situação de aprendizagem da docência implica ensinar para aprender, vivenciar o
contexto, as relações que se estabelecem e decidir, dando significado às atividades que
poderão i
mpactar a realidade e possibilitar novas aprendizagens.
Historicamente, pode-se observar que no Brasil, as políticas educacionais, que o
financiadas por organizações multilaterais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID), atendem aos interesses da classe hegemônica. Ressalte-se que,
em momentos
[...] em que ocorre internacionalmente o auge de políticas educacionais
semelhantes, devemos levar em conta que as políticas não criam âmbitos
legais e diretrizes de atuação. Também supõem a expansão de idéias,
pretensões e valores que paulatinamente começam a se transformar de modo
inevitável. [...] Estabelecem não um programa político, mas também um
programa ideológico [...]. (CONTRERAS, 2002, p. 228).
Nesse mesmo sentido, Contreras (2002) analisa o aspecto da cópia do modelo
econômico das fábricas pelas escolas, o modelo econômico das empresas, a racionalização,
tudo invade o ensino. Uma das conseqüências mais graves dessa invasão é a separação entre
concepção (os que pensam: os burocratas e administradores) e execução (os que fazem: os
professores que cumprem tarefas pré-determinadas), gerando um trabalho alienado. A esse
respeito Araujo (2003, p.8) destaca que também os programas de formação docente
encontram-se, na maioria das vezes, impregnados dessa concepção empírica de que basta
saber fazer”. E o bom profissional seria o que bem utilizasse as teorias, repassando-as por
meio da aplicação de técnicas de ensino, aprendidas nos cursos de formação. Marques (2003,
p.32) chama a atenção de que os professores necessitam ser educados para passarem de
funcionários da máquina social a educador coletivo, que pense a educação”. Necessita-se
superar a condição de ser um reprodutor autômato e um repetidor de conhecimentos prontos
para o de um dinâmico produtor de novos conhecimentos desenvolvidos junto aos seus alunos
18
e aos seus pares. O educador coletivo pensa sobre o que é a educação; a educação que faz e
que quer; decide e se mobiliza para um trabalho em equipe, mantendo-se aberto à discussão
de diferentes pontos de vista.
A formação docente que se restringe à concepção empírica, fica limitada à
racionalidade técnica, ao saber fazer. Para ampliá-la, é necessário superar essa concepção, o
que acontece na medida em que há a apropriação pelo sujeito dos meios, dos instrumentos dos
resultados do desenvolvimento histórico-cultural e pela compreensão da formação como um
processo permanente de aprendizagem, que não se limita apenas à racionalidade técnica.
Nesse cenário, adota-se a perspectiva teórica histórico-cultural que tem como base o
materialismo histórico dialético e a relação dessa teoria com o processo de formação docente,
especialmente com as atividades de estágio.
1.3 Uma proposta de formação de professores
Para melhor entender o que, na realidade, é a formação em situação de estágio,
analisa-se aqui, uma proposta de formação de professores de um Curso de Licenciatura em
Letras de uma instituição de Ensino Superior da rede privada de uma cidade do Triângulo
Mineiro, Minas Gerais. A partir dessa análise, pretende-se identificar os parâmetros de
formação, numa tentativa de reconhecer o movimento de construção da referida proposta e os
reflexos que se apresentam quando de sua execução com os alunos do curso em questão.
Parâmetro aqui entendido como referência curricular, que expressa os princípios pedagógicos,
filosóficos e políticos da formação docente.
A proposta de formação docente da instituição, analisada a seguir, está expressa no
Projeto Pedagógico². Na presente pesquisa, ao analisar o Projeto Pedagógico, busca-se
entender o compromisso da instituição com a aprendizagem de alunos e professores, a
expressão do teor político tanto a formação individual como na coletiva, o nível de
envolvimento com a comunidade e a busca de sua transformação. Busca-se, ainda, perceber se
sua estruturação foi embasada na participação coletiva dos envolvidos, condição de integração
da equipe e da visão do todo do processo educacional a ser desenvolvido, com as
contribuições das diversidades individuais.
² Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Letras, elaborado em 2004, pela necessidade de
preservação da identidade da instituição de Ensino Superior pesquisada, não aparecerá nas referências.
19
O Projeto Pedagógico, em questão, propõe, entre outros, a elaboração de estratégias
para a intervenção educacional. Estratégias que se norteiem pela concepção de ser humano,
delineada coletivamente e que o defina filosoficamente.
A formação se apresenta no Projeto em dois momentos: a formação docente inicial e a
continuada, prevendo encontros de estudo e avaliação da ação docente, quando, então, são
discutidos o que é ser professor/profissional, as relações entre teoria e prática, a pedagogia
universitária, a avaliação e o currículo.
No início do Projeto Pedagógico analisado é explicitada a missão da faculdade: [...]
“educação para o desenvolvimento humano, tecnológico e científico da sociedade, assumindo
o compromisso de ser centro de referência nos avanços tecnológicos, na oferta de
oportunidades e na prestação de serviços à comunidade”. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004,
p.2). Missão que engloba os aspectos humanos, técnicos, científicos e sociais, configurando o
tripé ensino, pesquisa e extensão. A perspectiva proposta pelo curso é formar um profissional
competente, criativo, solidário: com amplo e sólido conhecimento” para atuar
“interdisciplinarmente, relacionando teoria e prática e, positivamente, na formação de um
professor qualificado, com espírito de equipe, para o exercício da cidadania, da justiça, da
ética nas relações interpessoais e de transformação do contexto que o rodeia”. (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 2). As ações solidárias são estruturadas e desenvolvidas pelos
“diretórios acadêmicos”, os D.A., que envolvem os alunos nesse sentido, promovendo
encontros e decidindo sobre as ações a serem implementadas por essa entidade representativa
dos alunos. Esse exercício de decisão, de reflexão coletiva e de tomada de posição perante
suas ões possibilitará a continuidade de mobilização, após a sua formatura, nos sindicatos
da categoria, que hoje, muitas vezes, o se mobilizam sobre essas questões, priorizando as
conquistas salariais.
Essa instituição de ensino superior tem trinta anos de existência com cursos de
ciências agrárias no turno diurno; os cursos de formação docente, que são mais recentes,
acontecem no período noturno.
Ela desenvolve junto com seus funcionários o programa da qualidade total e, no
Projeto Pedagógico, percebe-se a influência desse programa também na formação docente,
quando aí surge a expressão: professor qualificado.
Observa-se que a expressão professor qualificado não condiz com o programa de
qualidade total, implementado pela instituição como um dos sub-projetos para o corpo
técnico, visto que, nessa conjuntura, espera-se formar um profissional com uma gama de
conhecimentos, com visão de equipe e que esteja engajado em seu contexto, participando e
20
atuando nele. Afirma-se ainda no Projeto Pedagógico (2004, p. 2) que “Não basta um
profissional ter conhecimentos sobre o seu trabalho. É fundamental que saiba mobilizar esses
conhecimentos, transformando-os em ação”.
A relação entre teoria e prática apontada aqui indica uma única direção: conhecer para
atuar e não para uma relação de movimento, em que a atuação é refletida e novas ações são
estabelecidas. É um discurso cunhado pelo neoliberalismo, em que o conhecimento é para a
ação imediata, imprimindo-lhe a noção utilitarista e não formativa. É um contraponto com a
formação humana expressa em outros pontos destacados, percebendo-se assim a força do
discurso governamental na elaboração de um projeto institucional.
Atuar com profissionalismo exige do professor não o domínio dos conhecimentos
específicos em torno dos quais ele precisa agir, mas também a compreensão das questões
envolvidas em seu trabalho, em sua identificação e resolução, em sua autonomia para tomar
decisões, quanto à responsabilidade pelas opções feitas. Requer ainda, que o professor saiba
avaliar criticamente a própria atuação e os contextos em que trabalha, que saiba também
interagir cooperativamente com a comunidade profissional a que pertence e com a sociedade
como um todo.
Por conseguinte, requer também um professor competente e, “[...] a construção de
competências, para se efetivar, deve se refletir nos objetos da formação, na eleição de seus
conteúdos, na organização institucional, na abordagem metodológica, em especial na própria
sala de aula e no processo de avaliação”. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p.2). Percebe-se
que no Projeto, mesmo fazendo-se uso do termo “construção de competências”, ele não é
empregado somente no sentido de saber-fazer, uma vez que a definição de competências
estabelecida é muito mais ampla, considerando o profissional que define. Isso se comprova
pela afirmação “A aquisição de competências requeridas do professor deverá ocorrer
mediante uma ação teórica-prática, ou seja, toda a sistematização teórica articulada com o
fazer e todo o fazer articulado com a reflexão” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p.2).
Almeja-se, pois, um professor que vá além do saber-fazer, que reflita e articule saberes.
Parece uma tentativa de conceituação que se aproxima da idéia de que o professor que
somente refletir não mudará sua prática. Importa que a reflexão provoque uma nova ação,
diferente, e que esta esteja em constante movimento; ou seja, somente com a reflexão em si
não se garante mudanças.
Nessa perspectiva, o Projeto Pedagógico supera um conceito de competência
vinculado a uma concepção de produto, em que a educação é confundida com informação e
21
instrução, com preparação para o trabalho, distanciando-se do seu significado mais amplo de
humanização e de emancipação humana.
Segundo Rios (2002) as dimensões da formação docente: técnica, política, estética e
ética; mantêm estreitas relações entre si. A dimensão técnica refere-se ao saber-fazer, que
supõe domínio de conteúdos e a articulação desses com os alunos e o contexto; a dimensão
política expressa a intencionalidade do ato educativo; a dimensão estética a presença da
sensibilidade como elemento constituinte do saber e do fazer docente. Essas dimensões
possibilitam a compreensão do como “apropriar-se da realidade para ir além da explicação, da
descrição, para buscar o sentido (na dupla acepção de direção e significado) dessa realidade”.
(RIOS, 2004, p. 17). A dimensão ética está presente na definição e organização do saber e na
direção que será dada a esse saber na sociedade. A dimensão ética aqui apontada colabora
com a emancipação humana.
A noção de competência está presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9394/96), orientando a formação profissional dos educadores, substituindo os
saberes docentes por saberes técnicos. Essa opção mostra o vínculo da lei com as regras do
mercado, que é uma lógica excludente, com formato de pouca mobilidade social e ênfase no
individualismo.
A compreensão do professor, no referido Projeto, é expressa
[...]como mediador da construção de conhecimentos, deve ter como objetivo
formar alunos conscientes para que possam atuar como sujeitos-agentes da
transformação social, econômica, política e cultural e, como conseqüência,
promover o crescimento do espaço social em que atuam ou onde irão atuar.
Nessa perspectiva o trabalho desse professor é por uma aprendizagem não
fragmentada, mas, sobretudo, que vai além dos limites dos conteúdos,
integrando disciplinas, ações pedagógicas, conhecimentos (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 2).
A fragmentação do conhecimento não permite uma atuação mais abrangente do
professor, com uma visão da sociedade mais humana, mais sensível, mais solidária. Não
fragmentar é, portanto, ir além dos limites da racionalidade cnica, visando promover o
homem, formando o professor como mediador do processo de apropriação do conhecimento.
O Projeto Pedagógico visa também a que “[...] o curso desperte nos discentes a
consciência de seu compromisso e inserção com o conceito histórico social que os envolve”.
(PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 7). Com esse objetivo, pretende-se formar professores
inseridos no contexto, com a possibilidade de atuarem na escola e na sociedade. Daí, surge
um questionamento: O que garantirá sua ação na escola e na sociedade? o se acredita na
concepção ingênua de que os professores conseguem mudar a sociedade e nem na concepção
22
de que não é possível transformar a sociedade pela educação. É nesse conflito que se
estabelecem as possibilidades de mudanças.
Para o alcance desse objetivo, o Projeto prevê, como componente do currículo, a
realização de diversas ações ordinárias tais como: “[...] oficinas de produção de texto e leitura,
encontros com escritores, jornada científica, seminário de letras, simpósios e projetos diversos
voltados para a formação acadêmica, visando proporcionar ao futuro profissional um
conhecimento amplo”. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 6). Em um curso noturno com
três anos e meio de duração para alunos trabalhadores, cabe a instituição inserir em seu
currículo atividades culturais que permitam uma relação com o saber diferenciado.
Com essa proposta, sinaliza-se evitar a dicotomização bastante comum em cursos de
licenciatura, entre disciplinas de conteúdo específico e as de formação pedagógica que
integram os dois componentes básicos: “ensinar o conteúdo e ensinar a melhor forma de
ensiná-lo” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 7). Esse é um dos grandes desafios a ser
superado, a dicotomia entre conteúdo e forma. Sabe-se que, sob o
[...] ponto de vista teórico, forma e conteúdo relacionam-se. Uma concepção
dialética está empenhada justamente em fazer essa articulação, estabelecer
esta relação entre conteúdo e método. A separação destes aspectos é própria
de uma lógica não-dialética, da lógica formal. pela qual se pode separar, pela
abstração, um elemento do outro. ... A lógica dialética é uma lógica concreta.
É a lógica dos conteúdos. Não, porém, dos conteúdos informes, mas dos
conteúdos em sua articulação com as formas (SAVIANI, 2003, p. 144).
Os professores, especializados em seus conteúdos e, na ansiedade de compartilhá-los
fazem-no de maneira acadêmica e teórica, que são importantes e esperam que os pedagogos
do curso, e somente eles, demonstrem a melhor forma de ensinar esses conteúdos. Essa
dicotomia poderia ser minimizada no próprio ensino do conteúdo específico, se professores
das áreas chamassem a atenção dos alunos sobre sua própria didática e refletissem sobre as
dificuldades e facilidades pedagógicas dos conteúdos.
No documento analisado, prevêem-se, ainda, encontros de docentes e discentes,
oportunidade em que estes apresentam seus projetos de pesquisa e outros trabalhos, ministram
minicursos, palestras e oficinas. Esta ação é uma tentativa do curso de não se fechar em si
mesmo abrindo possibilidades diversas de atuação aos estudantes. Tal avaliação é feita por
essa pesquisadora que, simultaneamente é professora na instituição analisada. Assim, percebe-
se que os alunos têm, também, oportunidades de apresentar suas pesquisas em outras
instituições e receberem uma avaliação de outros profissionais, ampliando a visão sobre a
relevância da divulgação de seus trabalhos acadêmicos.
23
Outro aspecto apresentado pelo referido Projeto Pedagógico, trata-se da ênfase na
promoção cultural, que desperta o homem para a riqueza constituída pela história, prevendo
visitas a museus e exposições de arte, eventos teatrais e musicais em uma visão de diferentes
manifestações culturais da humanidade.
Nessa instituição de ensino, percebe-se a necessidade de promover a concepção de
uma educação inclusiva, entre os professores, considerando que a escola deve estar atenta às
necessidades sociais. Isso fica claro no oferecimento do curso de extensão com a temática:
“Educação inclusiva: perspectivas teóricas e práticas”, “[...] reconhecendo que projetos de
extensão devem ser valorizados pela importância da ampliação, discussão e produção de
saberes. O curso aborda questões voltadas aos portadores de necessidades educativas
especiais, como pessoas com dificuldades auditivas, visuais e com deficiência mental”.
(PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 128). A justificativa apresentada no Projeto é a de
suprir lacunas da estrutura curricular e colaborar na tomada de decisão quanto às ações
educativas perante as diferenças.
Quanto aos princípios da relação entre teoria e prática o Projeto apresenta:
[...] a concepção de educação como um processo dialético de
desenvolvimento do homem historicamente situado; a relação dialética entre
teoria-prática-teoria: um “fazer” sustentado por umdizer” e um “dizer”
sustentado por um “fazer”; a interação permanente entre ensinar o conteúdo
específico e a forma de melhor ensinar a ensinar; a articulação das
disciplinas de formação específica, de formação geral e de formação
pedagógica, extinguindo a fragmentação; a busca de um novo paradigma:
educador como sujeito que aprende, que persegue permanentemente a
aprendizagem; a perspectiva pluralista, interdisciplinar e integradora, cuja
prioridade é o apoio às práticas coletivas e reflexão crítica, fundamentada
teoricamente, de descrição, análise e explicação dos fatos lingüísticos e
literários” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 8).
O que acaba por expressar a educação como um processo que se constitui
continuamente, mas que dialeticamente se realiza na relação prática-teoria-prática. A prática
como ponto de chegada e de partida e não a teoria como esexpressa no projeto, discussão
que será apresentada no item 4 deste capítulo. É o professor, como afirma Marques (2003, p.
123), que realiza “a articulação buscada entre o fazer e o pensar a educação”. Essa articulação
se concretiza quando ele realiza ações pensadas e avalia essas ações para a constante
retomada do processo educacional.
Para concretizar esses princípios, o Projeto Pedagógico (2004, p. 8) aponta como uma
das características gerais do curso o “enfoque interdisciplinar”. Na filosofia, a
interdisciplinaridade vai além da integração das disciplinas. Traz a idéia de busca do todo na
24
análise de um tema, na medida em que cada disciplina imprime o seu objeto próprio de
estudo, o que amplia sua compreensão. Para se compreender a interdisciplinaridade:
[...] é fundamental o raciocínio dialético orientado no sentido de aprender o
movimento da realidade e seu potencial, analisar os fenômenos numa
dimensão de totalidade, captar suas múltiplas determinações e a lei que rege
sua transformação. (GONÇALVES, 1996, p. 78).
Segundo a autora, na perspectiva interdisciplinar, o conhecimento volta-se para as
necessidades reais do ser humano, retoma sua função social reunindo elementos para a análise
da realidade, dos problemas, das contradições e possibilidades de superá-los. Para tanto, são
necessárias as contribuições das diversas disciplinas, num esforço de se alcançar os
fenômenos e imprimir essa concepção na formação humana. O trabalho interdisciplinar se
apresenta como possibilidade de evitar a fragmentação, a perda da relação entre as partes e o
todo. Constitui-se um exercício de unicidade do conhecimento humano, sem negar a validade
da especialização, mas buscando as relações entre as áreas do saber humano.
A preocupação com o desenvolvimento do enfoque interdisciplinar está presente na
programação da formação continuada para os professores da instituição. Nela estão previstos
encontros sobre políticas educacionais, paradigmas educacionais, metodologia científica,
avaliação, desenvolvimento de projetos. Um desses projetos, o “Leia e passe adiante”, busca
manter uma corrente de leitores, em que cada núcleo (escolas, creches, centros de
convivência,...), recebe um acervo e deve mobilizar a sua comunidade para ampliá-lo,
desencadeando ações dinamizadoras que são passadas adiante a outras instituições. ,
também, outros projetos como exposições culturais, participação nos programas nacionais de
leitura, fóruns, cinevídeo e teatro.
No Projeto, a avaliação é definida como um “[...] processo contínuo de ações em favor
da aprendizagem, compromissada com o desenvolvimento pleno dos alunos em suas múltiplas
dimensões: social, cognitiva, política, ética, estética, afetiva e outras”. (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 19). São várias páginas dedicadas ao processo de avaliação, com
fundamentação de teóricos, enfatizando a sua importância e reafirmando que para a
consolidação de uma proposta, a avaliação é fundamental, desencadeando novas ações e
provocando o desenvolvimento do processo educativo.
Destacam-se ainda, alguns programas como o nivelamento acadêmico propostos
pela instituição que são uma “oportunidade de o aluno recuperar seu aprendizado”. Como é
realizado entre os próprios alunos, “motiva-os a se ajudarem mutuamente”; alguns se
preparando para o trabalho e outros minimizando suas dificuldades. Os professores apontam
25
“[...] a necessidade desse ajustamento de pré-requisitos e/ou conteúdos curriculares
[...]”.(PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p.26), pelos quais os alunos assistentes se orientarão.
Esse programa se faz necessário pois deficiências e problemas na estrutura do ensino
fundamental e dio têm repercutido negativamente no ensino superior, em forma de
dificuldades de leitura, interpretação e escrita.
Nesse sentido, o significado de nivelamento, apresentado na proposta, reflete uma
educação compensatória que supõe homogeneidade de nível entre os alunos, o mesmo
patamar para se ter sucesso em sua formação. Entretanto, a educação se com alunos em
diferentes níveis, sendo exigido deles a constante superação de suas dificuldades, trabalhando
com o que ainda não está formado, provocando o seu desenvolvimento.
A aula é definida no Projeto Pedagógico como espaço e tempo de aprendizagem,
tanto por parte do aluno como do professor. A esse respeito propõe-se:
Professores e alunos sujeitos do processo de aprendizagem se encontram
para juntos realizar uma série de interações: estudar, ler, discutir, debater,
fazer perguntas, solucionar dúvidas, orientar trabalhos de investigação,
desenvolver diferentes formas de expressão, utilizar diferentes linguagens,
realizar oficinas e trabalhos de campo. (MASETTO, 2001, apud PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 146).
Entende-se que, no Projeto Pedagógico, defende-se um trabalho educativo interativo,
articulado com a pesquisa, utilizando diferentes linguagens e estratégias e ainda, conectado às
novas tecnologias, com o domínio dos instrumentos de multimídias de informação e de
comunicação.
Uma dessas ferramentas tecnológicas utilizadas pelos professores para desenvolver
aulas no laboratório de informática e estabelecer uma comunicação com alunos ou grupos de
alunos via e-mail dessa instituição é o programa de computação denominado TELEDUC
(ambiente para a criação, participação e administração de cursos na web, da UNICAMP:
Universidade Estadual de Campinas). Esse dá suporte aos professores colocando suas aulas no
portal educacional inserindo os docentes no mundo da informática.
Sobre a Iniciação Científica, no Projeto declara-se como um dos objetivos do curso de
Letras, tornar o professor, “[...] orientador das atividades de iniciação científica”. (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 148). Para tanto, prevê a capacitação de professores, espaços para a
socialização de saberes, reflexões sobre a prática docente, planejamento integrado e a
organização dos cronogramas de atividades didático-pedagógicas.
Nessa direção, o conceito de capacitação, no sistema neoliberal, é entendido como
preparação do trabalhador para operar a quina, ensinando a técnica, num processo simples
26
e repetitivo. Assim seria mais adequado, no Projeto, a utilização do conceito de formação
continuada de professores, que caracterizaria melhor as idéias apresentadas. A formação abre
possibilidades de entender o processo, a partir do sujeito, aquele que se percebe como
participante, atuante que transforma a si próprio e o processo educacional em que está
inserido. E isso pode ser concretizado com o processo científico de pesquisa, que indaga,
busca soluções e que se lança a novas perspectivas. O trabalho de conclusão de curso, que é a
apresentação de uma monografia para uma banca de defesa, concretiza a idéia de pesquisa
junto aos alunos.
A formação continuada é uma oportunidade para organizar experiências, um espaço
para o professor apresentar os problemas vividos e as conquistas obtidas na aula e no grupo.
Construção de uma cultura de que o “bom professor” ultrapassa o conhecimento do conteúdo
que ele ensina, para formar um discente com visão intercultural, crítica, criativa e ética
(PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 150).
Em relação ao estágio, o Projeto Pedagógico (2004, p. 104) o define como parte
integrante do processo de formação do futuro professor, que visa abarcar as várias
possibilidades de atuação do profissional de educação em espaços escolares e não-escolares,
onde quer que se desenvolvam projetos pedagógicos. Converte-se em um objeto rico de
investigação científica constante, bem como de prática docente e da relação da Instituição
com a comunidade em diferentes dimensões.
O estágio, segundo o Projeto, colabora com a formação de um professor que seja
consciente de que sua ação envolve um comportamento de observação, reflexão crítica e
reorganização das atividades educativas. “Busca formar um investigador preocupado em
aproveitar as atividades comuns de sala de aula e delas extrair respostas que reorientam sua
prática pedagógica”. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 104), ou seja, no estágio procura-
se levantar questões básicas de investigação, buscando entender cada vez mais seu espaço de
atuação e suas possibilidades de realizar intervenções qualitativas. É “um mergulho
necessário na realidade social” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2004, p. 104). É nessa realidade
que o futuro professor tem a oportunidade tanto de avaliar a formação que está recebendo no
curso, como de fazer desse momento, reflexão, análise e crítica, por meio de uma postura
questionadora e problematizadora sobre o cotidiano escolar.
Os objetivos do estágio, nesse Projeto são os de “realizar a leitura crítica do campo de
estágio, desde o estudo dos documentos que compõem a estrutura e o funcionamento do
campo à operacionalização das propostas educativas; a elaboração de relatórios” (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 104). O estágio é um espaço privilegiado da relação entre teoria e
27
prática que busca romper com a fragmentação curricular e captar da prática a realidade
vivenciada nos diferentes espaços do ensinar e do aprender, “com o devido lastro teórico, o
que contribui significativamente, para a melhoria do fazer pedagógico” (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 104). Permitindo ao estudante assumir uma atitude investigativa e
colaborando com a integração da faculdade com a comunidade.
Nas normas do estágio, o Projeto estabelece que ele será desenvolvido de acordo com
o plano do professor-supervisor, apresentado e aprovado pelo Colegiado de curso, no início de
cada período letivo.
As 400 (quatrocentas) horas de estágio, previstas na Resolução 02/2002 do CNE
(Conselho Nacional de Educação), deverão ser cumpridas, segundo esse Projeto, em forma de
atividades que atendam aos objetivos do estágio e colaborem com a reflexão do processo
pedagógico e da formação do professor.
Essa Resolução amplia, além do estágio, a carga horária dos cursos de Formação de
Professores da Educação Básica, incluindo 400 (quatrocentas) horas de prática como
componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; e 200 (duzentas) horas para outras
formas de atividades acadêmico-científico-culturais.
Para cumprir a essa determinação legal, o Projeto prevê que a Prática Profissional será
desenvolvida com a atuação dos alunos em diversos níveis de ensino e com diferentes
projetos. Nas Atividades Complementares os alunos participam, de cursos, congressos,
seminários, encontros em que ampliam sua visão do processo educacional.
O Projeto Pedagógico apresenta, ainda, a regulamentação do estágio na instituição. A
Prática de Ensino sob a forma de Estágio Supervisionado, como componente curricular, que
deverá ser cumprida pelos alunos do Curso de Licenciatura em Letras, a partir do período,
de acordo com a Resolução CNE/CP 02, de 19 de fevereiro de 2002 e de acordo com a
nova grade curricular, aprovada em 2003, pelo colegiado do curso.
Resolução que mantém preservada outra resolução, a de 01 do CNE, de 30 de
setembro de 1999, que no parágrafo 1º, do art., caracteriza as atividades de estágio como:
I – a articulação entre teoria e prática, valorizando o exercício da
docência:
II – a articulação entre áreas do conhecimento ou disciplinas:
III o aproveitamento da formação e experiências anteriores em
instituições de ensino e na prática profissional:
IV a ampliação dos horizontes culturais e o desenvolvimento da
sensibilidade para as transformações do mundo contemporâneo.
28
Nota-se que no inciso IV, está o reflexo da formação humana com a palavra
“sensibilidade’ e a(s) possibilidade(s) de reflexão sobre a sociedade com a expressão
“transformação”, de uma época da política brasileira de início da democratização e do
movimento de organização dos professores. Sensibilidade que implica olhar o outro, não se
acostumar com as injustiças, desenvolvendo a ética, com atitudes que favoreçam o outro, num
movimento de valorização de si e dos outros.
Ainda no Projeto Pedagógico (2004, p.106), no art. estabelece as competências do
Professor Supervisor: a) coordenar, orientar e acompanhar o desenvolvimento das atividades
de cada estagiário sob sua responsabilidade; b) avaliar continuamente a freqüência e o
desempenho do estagiário, indicando alterações necessárias ao desenvolvimento do trabalho;
c) validar a freqüência do trabalho desenvolvido pelo estagiário; d) apresentar à instituição
que recebe o estagiário o seu plano de trabalho naquele período letivo; e) propor, juntamente
com os alunos, projetos de intervenção na escola, local do estágio; f) desencadear projetos de
extensão e de iniciação científica a partir das experiências vivenciadas no estágio.(PROJETO
PEDAGÓGICO, 2004, p. 106).
O papel do supervisor de estágio, portanto, é de acompanhamento, exercendo a função
de um docente, que rege 01 (uma) aula semanal em sala de aula e 10 (dez) aulas semanais no
campo de estágio, onde acompanhará as atividades, planejando com a coordenação do curso,
o desenvolvimento das mesmas e avaliando o discente quanto à realização das ações
estagiadas e quanto a confecção da pasta de estágio e fichas de desenvolvimento das ações.
Também é função do professor de estágio a realização de projetos e incentivo à pesquisa. O
nome supervisor, historicamente, remete a idéia de fiscalizador do trabalho, exercendo suas
funções com preocupações burocráticas de cumprimento das ações e conferência de horas e
assinaturas. Torna-se inadequado para as funções de acompanhamento, conforme estabelecido
no Projeto Pedagógico analisado, que ao contrário, significa estar junto, propondo e
recebendo propostas de atuações conjuntas com os estagiários e com as escolas. Embora esse
seja um termo cunhado no cenário educativo.
Os alunos que apresentam experiências docentes diversas, atuais ou anteriores, ao
processo de formação, isto é, que são professores, podem incorporar essas vivências ao
processo formativo, não apenas para contabilizá-las em créditos, como se realizasse uma
transferência matemática. Essas experiências docentes podem se transformar em objetos de
investigação, de efetivos estudos e até mesmo de (re)significação da referida prática. Os
alunos professores contribuem com a formação docente dos colegas de turma e com a sua
29
própria formação ao analisar sua prática teoricamente e realizar, a partir delas, outras práticas
dando-lhes novo significado.
Segundo a normatização do Projeto, seguindo o Parecer 02/2002, o aluno te50%
(cinqüenta por cento) de redução na carga horária a ser cumprida e na sua vivência com outras
realidades, isto é, em outra escola, poderá confrontar saberes e experiências cotidianas que o
ajudarão a rever sua própria prática.
1.4 A atividade de ensino
O conceito de atividade³ aqui discutido origina-se em Leontiev, um dos teóricos que
juntamente com Vigotski e Luria criaram a chamada psicologia soviética, nos primeiros anos
da Revolução Russa. A discussão apóia-se também nos estudos realizados no GETA
4.
Aléxis
Leontiev foi um psicólogo russo, falecido em 1978, e desenvolveu a Teoria da Atividade, que
tem se constituído um referencial teórico-metodológico para pesquisas na área educacional
(MOURA, 1996; ARAUJO, 2003; SERRÃO, 2004).
Leontiev (1978) explica atividade como os processos em que as relações do homem
com o mundo respondem a uma necessidade particular. Constitui-se quando o objeto para
qual se dirige a atividade coincide com o motivo. No caso do estágio, objeto de estudo em
questão, constitui-se atividade quando, o que leva o aluno a realizá-lo é a necessidade de
conhecer, entender, compreender a docência; isto é, o motivo coincidindo com o objeto de sua
formação. O objeto de uma ação, por si mesma, não leva a agir. Para que a ação surja e seja
executada é necessário que seu “objeto apareça para o sujeito, em sua relação com o motivo
da atividade” da qual ele faz parte. (LEONTIEV, 1978, p. 298).
As ações, também podem tornar-se atividades, quando são atribuídos novos motivos,
novos sentidos e consequentemente um novo desenvolvimento. A apropriação do mundo
objetivo pelo indivíduo acontece de forma ativa; ao reproduzir uma atividade, o indivíduo se
apropria da história da humanidade, que vai se constituindo como sua história. O processo de
apropriação da cultura é um processo mediador entre a história e a formação do indivíduo. A
formação do indivíduo é sempre um processo educativo, acontece de maneira
³ A palavra atividade aparece em itálico por se referir ao conceito do autor Leontiev.
4 GETA: Grupo de estudo sobre a teoria da atividade. Grupo de estudo do Programa de Mestrado Educação da
Universidade de Uberaba, cujas atividades estão vinculadas ao Grupo de Pesquisa Formação docente e suas
práticas” na linha de pesquisa “Teoria da atividade na formação e prática docente”, cadastrada no
CNPq.
30
direta e intencional, em que o indivíduo é levado a apropriar-se da história e da cultura da
humanidade.
Leontiev, citado por Baquero (1998, p. 107) esclarece que
[...] na atividade, o objeto é transformado em forma subjetiva ou imagem; ao
mesmo tempo, a atividade é convertida em resultado objetivo ou produto.
Vista nessa perspectiva, a atividade emerge como um processo de
transformações recíprocas entre o pólo do sujeito e do objeto.
Nesse sentido, é possível analisar as relações entre o sistema das relações sociais e o
da atividade cognitiva interna. A atividade é um sistema com sua própria estrutura, suas
próprias transformações internas e seu próprio desenvolvimento, que responde à necessidade
do indivíduo. Quando a necessidade é satisfeita, volta a se reproduzir em condições distintas e
modificadas. O que distingue as atividades é o seu motivo.
Baquero (1998) afirma ainda que a estrutura da atividade permite relações complexas
entre as ações componentes que podem ter relativa independência. O entendimento das
atividades num contexto sócio-cultural definido, pode facilitar a compreensão do próprio
desenvolvimento humano.
O homem se desenvolve em sua inserção na cultura e nas relações sociais que
estabelece com o outro. Relações, essas, de trabalho e da vida em sociedade, que vão permitir
um salto de qualidade no desenvolvimento humano. Nessas instâncias, o homem liberta-se do
biológico para constituir a condição humana. O que a natureza lhe dá quando nasce, o
biológico, não lhe basta para viver em sociedade, é preciso adquirir o que foi alcançado no
decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana, pelos outros homens. Alcança-se
essa aquisição, segundo Leontiev (1978), relacionando com os homens, aprendendo com os
outros. Nos cursos de formação docente, na situação de estágio, o aluno estabelece relações
com a equipe da escola, buscando entender a constituição histórica daquele ambiente de
aprendizagem, relacionando as suas necessidades de aprendizagem com a formação
acadêmica e com o trabalho educativo desenvolvido na escola, num processo de
desenvolvimento profissional.
Rossler (2005, p. 101), citando Leontiev, afirma que “o psiquismo humano estrutura-
se a partir da atividade social e histórica dos indivíduos, ou seja, pela apropriação da cultura
humana material e simbólica, produzida e acumulada objetivamente ao longo da história da
humanidade”. Isto que dizer que uma determinada realidade social corresponde a uma forma
de consciência e personalidade. É a mediação por outros indivíduos, que se desenvolve no
processo histórico-cultural.
31
As atividades sociais dos seres humanos que formam a consciência, tanto podem ser
humanizadoras, como alienadas. Portanto, as diferenças na estrutura da atividade humana
produzem diferenças qualitativas na estrutura do psiquismo.
A atividade humana possui sempre algum motivo. Quando essa atividade
passa a ser composta de unidades menores, as ações, isso quer dizer que cada
uma das ações individuais componentes da atividade coletiva deixa de ter
relação direta com o motivo da atividade e passa a manter uma relação
indireta, mediatizada, com aquele motivo. (DUARTE, 2003, p. 285).
Quando as ações individuais deixam de ter relação direta com o motivo da atividade,
tornam-se alienadas, pois o homem não as percebe na sua totalidade e sente-se repetidor de
tarefas determinadas por outros. O homem, ao sentir-se participante e capaz de tomar
decisões, percebe a importância dos motivos que regem sua atuação no coletivo e torna sua
ação humanizadora.
A aprendizagem em situação de estágio, segundo essas considerações, tanto pode ser
formadora, como ser apenas o cumprimento de tarefas mecânicas. É formadora quando as
ações individuais articulam-se como unidades constitutivas da atividade como um todo, numa
estreita relação entre o objetivo da ação e o motivo que justifica a atividade em seu conjunto.
“Surge a relação entre o significado da ação realizada pelo indivíduo e o sentido da mesma”.
(DUARTE, 2003, p. 286). O significado é o conteúdo da ação e o sentido, as razões, os
motivos pelos quais o indivíduo age. Quando essa relação entre o significado e o sentido se
rompe, acontece a alienação. Diante das condições determinadas pela sociedade, os sentidos
não estabelecem relações com as significações e, nesse momento, as ões passam a ser
alheias ao indivíduo. Na situação de estágio, quando não é possível o acompanhamento das
atividades docentes, em que os alunos estagiários estão apenas uma vez por semana na escola,
corre-se o risco de perder o sentido do todo, exercendo-se ações pontuais. Evitando isso, o
professor da sala de aula, como mediador, será apoio localizando as ações estagiárias com o
desenvolvimento do processo educativo.
Segundo Basso (1998), o conceito de significado na perspectiva histórico-cultural
exige que se entenda a diferenciação entre atividade e ação. Para Leontiev (1978) a atividade
humana, constitui-se de um conjunto de ações que não tem, necessariamente, relação direta
com o motivo. É somente através das relações com o todo da atividade, isto é, com as demais
ações que a compõem, que o resultado imediato de uma ação se relaciona com o motivo da
atividade. Assim, o significado das ações é dado pelos indivíduos quando se apropriam da
atividade, atribuindo sentido às suas ações. O significado aí
32
[...] é, então, a generalização e a fixação da prática social humana,
sintetizado em instrumentos, objetos, técnicas, linguagem, relações sociais e
outras formas de objetivações como arte e ciência: a significação é o reflexo
da realidade independentemente da relação individual ou pessoal do homem
a esta. O homem encontra um sistema de significações pronto, elaborado
historicamente, e apropria-se dele, tal como se apropria de um instrumento.
(LEONTIEV, 1978, p. 96).
No caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da
ação de ensinar, quando estabelece objetivos, conteúdos, operações, realizadas
intencionalmente, considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de
apropriação do conhecimento pelo aluno.
Segundo Basso (1998), na sociedade capitalista, caracterizada pela divisão social do
trabalho e pela divisão em classes, a ruptura da integração entre o significado e o sentido
da ação. O sentido pessoal da ação não corresponde mais ao seu significado social. Assim,
sob relações sociais de dominação, o significado e o sentido das ações podem separar-se,
tornando-as alienadas. A autora ainda defende que o significado do trabalho do professor é
entendido como função mediadora entre o aluno e os instrumentos culturais que serão
apropriados, visando ampliar e sistematizar a compreensão da realidade, e possibilitar
objetivações em esferas não cotidianas.
Analisando a sociedade capitalista, Serrão (2004, p. 156), afirma que “[...] o indivíduo,
nessa organização social, passa a agir, então, a partir de posições sociais em conflito e o
apenas impelido pelas significações”. É nessa organização social que o homem apreende o
mundo, constitui-se e na medida em que sentido às suas atividades, suas condições de vida
podem ser alteradas, se voltando contra o processo de alienação.
A educação, como atividade humana, envolve relações de dominação e processos de
alienação historicamente produzidos. Para entender essas relações estudam-se os processos
educacionais, reportando à teoria do conhecimento para a perspectiva dialética, materialista e
histórica.
Segundo Leontiev (1978, p. 287) “no decurso do desenvolvimento da criança, sob a
influência das circunstâncias concretas da sua vida, o lugar que ela ocupa objetivamente no
sistema das relações humanas muda”. Aprende-se quando se relaciona com as outras pessoas
em condições concretas de vida e o desenvolvimento ocorre em condições históricas reais.
Analisando as contribuições da Teoria da Atividade para a formação docente, Moura
(1996) esclarece que a atividade de conhecer se inter-individualmente, que se aprende com
os outros e em atividades que satisfazem as necessidades dos alunos e dos professores. Ao
33
planejar, o professor aprimora-se e organiza situações cujos resultados são as modificações
dos sujeitos a quem intencionalmente visa modificar.
Ao colocar as pessoas em posição de aprendizes, os professores desenvolvem atitudes
de ensinadores; por isso, precisam, segundo Marques (2003), dominar determinado conteúdo
técnico, científico e pedagógico, ser capaz de perceber as relações entre as atividades
educacionais e a totalidade das relações sociais, econômicas, políticas e culturais, assumindo
assim, seu compromisso histórico e considerar as práticas e teorias como núcleo integrador de
sua formação. Ao atuar, o professor aprende, e aprender é uma atividade particular humana
que faz com que a pessoa se desenvolva, e nessa situação de aprendiz, percebe que os saberes
evoluem e que é necessário aprender continuamente. Além disso, para organizar o ensino é
preciso que o professor conheça os elementos constituintes da atividade de ensinar, conheça
os resultados das pesquisas sobre o desenvolvimento humano que contribuem para entender
os processos de aprender e ensinar.
O professor conscientizando-se das finalidades do aprendizado e do papel do
conhecimento veiculado na escola, definido e redefinido ao longo da história, é que
desenvolve a capacidade de elaborar um projeto pedagógico. O homem se percebe como
agente que cria e impacta a realidade.
Para Leontiev [197?], a consciência não é instintiva, é social e é desenvolvida nas
relações sociais, é o reflexo subjetivo da realidade objetiva. Portanto, são as relações sociais
que determinam a consciência. “A consciência humana transforma-se de maneira qualitativa
no decurso do desenvolvimento histórico e social” (LEONTIEV, [197?], p. 95). Ela depende
do modo de vida humano, isto é, é a vida que faz a consciência.
A consciência se desenvolve em condições históricas concretas, num processo de
transformações qualitativas do psiquismo humano. “O desenvolvimento da consciência não se
reduz ao desenvolvimento do pensamento”. (LEONTIEV, [197?] p. 98). A consciência se
apropria da significação histórica e um sentido para as ações do homem, num determinado
espaço e tempo.
Um dos educadores estudiosos de Leontiev, Moura (1986), estende a teoria da atividade
para a educação, denominando-a de atividade orientadora do ensino, e a define como:
[...] a atividade que se estrutura de modo a permitir que sujeitos interajam,
mediados por um conteúdo negociando significados, com o objetivo de
solucionar coletivamente uma situação-problema. É atividade orientadora
porque define os elementos essenciais da ação educativa e respeita a
dinâmica das interações que nem sempre chegam a resultados esperados pelo
professor. ...A atividade é fruto de uma necessidade que, para ser realizada,
34
estabelece objetivos, desencadeia ações, elege instrumentos e, por fim, avalia
se chegou a resultados adequados ao que era desejado. (MOURA, [1980?]).
Portanto, a atividade orientadora de ensino parte do sujeito, que diante de um
problema, elabora estratégias de ação para solucioná-lo e, segundo o autor, o professor que
trabalha na perspectiva da teoria da atividade é aquele que aprende ao ensinar.
O professor que aprende ao ensinar torna-se cada vez mais culto, cresce nas relações
humanas, na linguagem, no conhecimento, na produção de ferramentas e tecnologias. Ser
professor é dominar o conhecimento específico de certos saberes (patrimônio cultural)
produzidos e considerados relevantes. Planejar as atividades de ensino é estabelecer formas de
se relacionar com os alunos, organizar o espaço de aprendizagem, eleger instrumentos
(domínio de tecnologia de ensino), domínio de conteúdos, da proposta curricular. “O
conteúdo é objetivo social tornado possível em sala de aula” MOURA, [1980?], eles têm
história. Essa perspectiva rompe com a alienação, pois o professor planeja suas atividades
decidindo e estabelecendo relações com os alunos e sendo aprendente nesse processo.
Desse modo, ao entender os conteúdos, os alunos o fazem não como meros
assimiladores de significados; eles se apropriam de uma significação social, através de suas
crenças e saberes, portanto, os elementos culturais são importantes fatores a serem
considerados na organização do ensino. Uma questão fundamental, apresentada por Moura
(1986) é: para quem ensinamos?
A reflexão dessa pergunta leva a entender os fins da educação, os pressupostos
sociológicos, antropológicos, psicológicos, históricos, culturais que sustentam determinadas
práticas pedagógicas. O professor deve ter consciência do papel social dos conteúdos, que se
revelam como produto e processo na história das necessidades humanas, numa perspectiva
humanizadora de valorização do conhecimento como feito e se fazendo.
A atividade envolve ações combinadas e interdependentes, fruto de acordos entre os
sujeitos que deverão satisfazer uma necessidade do grupo: parceria, divisão de trabalho, busca
comum de resultados. Sobretudo, a atividade de ensino concretiza o projeto pedagógico.
Araujo (2003), fundamentada em Leontiev (1978) e em Moura (1996), realiza um
paralelo entre a teoria da atividade e a atividade orientadora. Na teoria de Leontiev (1978), é a
atividade prática que determina o desenvolvimento da mente e imprime o seu dinamismo. E o
que move os sujeitos, além das satisfações pessoais, é a necessidade de participação social e
sua transformação. O que impulsiona o homem a agir é a necessidade e é nela que ele
encontra o objeto, a sua determinação, o motivo da atividade. Portanto, o motivo precisa
coincidir com o objeto.
35
A estrutura psicológica da atividade proposta por Leontiev compõe-se de
necessidades, motivos, objetivos e condições. Os objetivos são atingidos por
meio de ações que se concretizam por determinadas operações, definidas a
partir das condições dadas. (ARAUJO, 2003, p. 25).
As condições de realização das atividades são advindas da história e da cultura de cada
povo, que a compõem. A estrutura da atividade proposta por Leontiev, segundo Araújo
(2003), encontra, consonância com a teoria de Moura, quando este propõe a atividade
orientadora de ensino como fonte de produção de conhecimento e ambos têm como objetivo:
humanizar. Deriva da necessidade de solucionar um problema advindo de uma necessidade do
sujeito, e “é percebida como núcleo da ação educativa: forma o professor, forma o aluno e
ambos constróem o conhecimento”. (ARAUJO, 2003, p. 28).
Na educação, a apropriação da cultura objetivo social decorre da necessidade do
sujeito histórico (o aluno) que é desenvolvida por um professor, o qual exerce a função de
mediador cultural, que, com seus saberes, organiza o ensino.
No próximo capítulo, tendo como apoio a legislação de ensino, busca-se entender a
estrutura dos cursos e a política da formação docente no Brasil e o profissional formado nesse
contexto.
36
2 – A LEGISLAÇÃO DO ESTÁGIO E AS IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO DOCENTE.
2.1 A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96)
A LDB, buscando traçar um perfil de profissional para a educação básica, coloca para
a Universidade a responsabilidade da construção de uma política de formação inicial de
professores.
A construção dessa política, no discurso da lei, aparece como autônoma e como
condição para se estabelecer um sistema democrático de ensino superior. Mas, na realidade,
as diretrizes já estão determinadas e atreladas à situação do financiamento da educação
nacional. A LDB, nesse sentido, não escapa à política do Banco Mundial, retrato da política
educacional brasileira, que tem como um dos princípios a possibilidade de mobilidade social
pela educação, referindo-se à igualdade democrática, numa clara articulação entre escola e
mundo produtivo. “A sociedade conta com a escola para garantir o capital humano necessário
ao seu desenvolvimento” (AZEVEDO, 2002, p. 2) e a educação é encarada como bem de
consumo. O que implica dizer que a escola precisa se adaptar aos interesses do mercado. Isto
se confirma com a posição do Banco Mundial que impõe um modelo aos governos latino-
americanos, ajustando-os ao neoliberalismo. Nesse processo de imposição, uma
dominância ditada pelas universidades particulares, num distanciamento do Estado que não há
indicadores de políticas públicas que privilegiam a educação. É uma perspectiva pedagógica
individualista, voltada às necessidades do mercado de trabalho.
O princípio da proposta pedagógica para cursos superiores de formação docente,
presente na Lei de Diretrizes e Bases, é estabelecido a partir de competências, que podem ser
mensuráveis, avaliáveis por instrumentos externos, o que distancia a educação de seu
significado mais amplo: a humanização. Essas propostas se restringem ao financiamento de
programas sociais compensatórios voltados para as camadas mais pobres da população para
aumentar o número de consumidores. O Banco Mundial elege prioridades, que não são as
mais necessárias para o país, apropria-se do discurso democrático, mas estabelece metas que
não resolvem nem a questão estrutural, nem a econômica e muito menos a social, e continua
marginalizando culturalmente e excluindo economicamente a população. Por exemplo, é
importante a distribuição de livros didáticos para os alunos, mas a prioridade, além da
distribuição, deveria ser a formação docente continuada para possibilitar ao professor a
37
decisão de escolher o livro a partir de critérios pedagógicos, desenvolver um trabalho de
qualidade e possibilitar o pensamento crítico a partir desse instrumento.
Particularmente, o Capítulo IV da LDB trata da Educação Superior e no Art. 43,
enumera as suas finalidades:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e
do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento
da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura,
e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que
vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e
técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber
através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e
possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos
que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do
conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à
difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
(BRASIL. LDBEN 9394/96).
Princípios que abrangem uma formação de um profissional ideal, mas o
concretizado pela política educacional atual, que sucateou” a universidade pública, pela não
destinação de verbas enquanto as particulares, na sua maioria, oferecem o diploma sem o
desenvolvimento de pesquisas relevantes para a sociedade brasileira.
As faculdades de menor porte, particulares, que abrem campi em cidades do interior,
fazem extremo esforço para atingir esses princípios norteados pela LDB, mas encontram
muitos entraves em seu percurso. Por exemplo, problemas de ordem funcional, como
professores, em sua maioria, horistas, e o envolvimento com a pesquisa, por iniciativa própria
dos professores. Problemas de ordem financeira, em que os custos da pós-graduação, preços
de livros, publicações são elevados, além do tempo para se dedicar à pesquisa, haja vista o
número excessivo de aulas semanais. Portanto, não contempla uma política de incentivo à
docência em um sistema que visa ao lucro e à rapidez de “produtos” lançados no mercado.
Com a duração dos cursos de formação docente cada vez mais reduzida, dificulta-se a
formação geral no que se refere ao entendimento da sociedade brasileira e conseqüentemente
à possibilidade de uma participação social e profissional efetiva dos alunos. Os alunos ao
38
atuarem no mercado serão facilmente “engolidos” por ele e serão apenas mais um, sem o
diferencial da formação humana proposta pelo Projeto Pedagógico da faculdade analisada.
Ainda também pelo expresso no inciso VI (LDB/96) e que no currículo não estão
contemplados os conhecimentos dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais
e regionais, que ajudariam no entendimento da nossa sociedade e na tomada de decisão na
atuação dos alunos.
No art. 47 (LDB/96), § , estabelece-se que: “As instituições de educação superior
oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade
mantida no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas,
garantida a necessária previsão orçamentária”. Os alunos do curso noturno apresentam
algumas dificuldades que, às vezes podem comprometer a qualidade do processo de ensino e
de aprendizagem. Eles o trabalhadores e o têm as mesmas condições de estudo e
realização de pesquisa, pois lhes faltam tempo, instrumentos (como um computador em casa)
e condições de adquirir uma bibliografia básica ou freqüentar bibliotecas. Além do que,
durante a realização dessa pesquisa, constata-se que muitos desses alunos são os primeiros de
sua geração a cursarem o Ensino Superior e apresentam dificuldades com a escrita e leitura
sistemática e científica. Esses aspectos levantados não são determinantes de uma baixa
qualidade, mas pelo tempo de formação ser muito curto, não é suficiente para sanar essas
dificuldades, o que deverá ser complementado com os estudos seqüenciais, sobretudo os de
formação continuada.
No art. 52 (LDB/96), no Inciso III, consta que as universidades são instituições
pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de
extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por “um terço do corpo
docente em regime de tempo integral”. O professor, sem o regime integral de trabalho, tem
dificuldades para o desenvolvimento de pesquisa, pois está em mais de uma instituição, como
exposto acima. Apenas um terço não é suficiente para garantir a qualidade, com isso mantém-
se um princípio, legal, de que uns professores podem só ensinar e outros ensinar e pesquisar.
O art. 53 (LDB/96), trata da autonomia da universidade, que não se concretiza, pois
essa remete ao significado de liberdade que se precisa ter para exercer o exercício da docência
sem as regulações, que não são as da lógica do trabalho do professor. A autonomia deve
significar espaço de decisão para que o professor constitua o seu fazer pedagógico. Rios
(2002, p. 23) ao abordar o desenvolvimento moral, declara que este se dá
39
[...] exatamente num processo que vai da heteronomia, quando o
comportamento dos indivíduos se pauta apenas pelas imposições externas,
para a autonomia, quando os indivíduos são capazes de avaliar e reformar os
valores norteadores da conduta.
A autonomia constitui-se, assim, um processo de apropriação de uma maneira própria
de atuação pelo indivíduo, levando-se em conta as circunstâncias presentes. Continuando, a
autora afirma que “a autonomia e a liberdade são sempre relativas, isto é, elas são algo que se
experimenta em relação, no convívio com outras pessoas”. (RIOS, 2002, p. 124). Autonomia
que se constitui na relação com o outro.
A legislação propõe a qualificação dos professores em nível superior, mas a confina a
instituições ou cursos de menor prestígio como os Institutos de Educação, que se constituem
unidades isoladas, com carga horária reduzida em relação aos cursos superiores universitários.
Cursos de baixo custo que se destinam à classe trabalhadora numa falsa idéia de que o Ensino
Superior dá acesso a melhores condições de vida. Em lugar de apostar na formação de
professores, aposta-se em propostas (PCN Parâmetros Curriculares Nacionais) e em
avaliação posterior que comprova se o proposto foi realmente seguido e assumido. “O
conhecimento e a autoridade nos currículos escolares estão organizados não para eliminar as
diferenças, mas para regulá-las mediante divisões do trabalho social e cultural”. (GIROUX,
1985, apud CASTELLS, 1996, p. 69).
O que o autor afirma é que a estrutura curricular não rompe com a lógica de mercado e
também é excludente. Ao mesmo tempo em que se assiste a um programa de universidade
para todos (ProUni), proposta do atual governo, não se tem a mesma oportunidade de sucesso
para todos, pois durante o curso as dificuldades dos alunos são imensas e não garantia de
emprego melhor. Isso acontece por não ser priorizada uma política econômica de valorização
do profissional docente. Portanto, abrem-se as portas da Universidade e surge outro problema,
que é o da permanência, pois, perante as dificuldades, os alunos, em índice considerável,
abandonam os estudos.
Uma outra perspectiva para realizar uma análise da formação docente, na conjuntura
educacional, teria como base conceitual o seu enfoque da dimensão histórico-cultural,
desatrelando tal formação tão somente da análise da racionalidade técnica. A política de
formação de professores de nosso país está totalmente atrelada à lógica do mercado,
priorizando a formação do capital humano de forma articulada às necessidades de produção,
pautando-se na competitividade e na competência individual” (AZEVEDO, 2002, p. 10).
Assim, mercado, capital humano, competência individual são conteúdos a serem
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desenvolvidos nos curso de formação docente, pois possibilitam ao professor compreender a
realidade objetiva de sua profissão.
Para quebrar essa lógica de mercado, segundo Marques (2003), faz-se necessário
objetivar uma educação emancipatória. Ao pretender construir-se um projeto de educação,
que se formar educadores que, coletivamente, promovam uma visão de totalidade do ser
humano, promovendo o desenvolvimento das condições de sua existência e de sua superação.
Não que isso signifique colocar o peso das mudanças sociais necessárias na figura dos
professores, pois sem uma mudança estrutural não se consegue a real transformação. A
educação e as escolas representam uma parte do todo das relações sociais, que se entrecruzam
e se relacionam completando-se e formando o homem na sua totalidade.
No título VI, que se refere aos profissionais de educação, a LDB expressa que:
Art. 61 - a formação de profissionais da educação, de modo a atender aos
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características
de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
serviço;
II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de
ensino e outras atividades”.
Quanto à associação entre teorias e práticas, em referência ao inciso I dessa lei, uma
outra legislação, o Parecer 28/2001 do Conselho Nacional de Educação, afirma que “a prática
não é uma cópia da teoria e nem essa é reflexo daquela. A prática é o próprio modo como as
coisas vão sendo feitas cujo conteúdo é atravessado por uma teoria”.
Nesse mesmo sentido, mais adiante afirma:
Assim a realidade é um movimento constituído pela prática e pela teoria
como momentos de um dever mais amplo consistindo a prática no momento
pelo qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e que a teoria procura
conceituar, significar e com isso administrar o campo e o sentido dessa
atuação. (BRASIL, MEC/ CNE, Parecer 28/01).
O Parecer CNE/CP 09/2001 expressa a concepção de prática
(...) mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do
conhecimento, que tanto está presente nos cursos de formação nos momentos
em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o
estágio nos momentos em que se exercita a atividade profissional.
uma distinção entre a prática como componente curricular e a prática de ensino e o
estágio obrigatório definidos em lei. Segundo o Parecer, referido anteriormente, esta
correlação teoria e prática é um movimento contínuo entre saber e fazer na busca de
significados na gestão, administração e resoluções de situações próprias do ambiente da
educação escolar”. As práticas anunciadas concorrem conjuntamente para a formação da
41
identidade do professor como educador. Percebe-se o movimento entre a teoria e a prática,
dando à prática também a dimensão de conhecimento. Esse tema será tratado posteriormente,
no item 4 deste capítulo.
No tulo VIII, Das Disposições Gerais, a LDB, em seu art. 82, estabelece que os
sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos alunos
regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição.
Considerando o disposto na legislação vigente, o estágio supervisionado é concebido
como tempo de aprendizagem, pois demandará uma relação pedagógica entre um profissional
reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e um aluno estagiário, conforme
estipulado no Parecer 28/ 2001, intermediados pela ação de orientação e acompanhamento do
professor de estágio. Nesse caso, esse mesmo Parecer estabelece que o estágio curricular
supervisionado “é o momento de efetivar, sob a supervisão de um profissional experiente, um
processo de ensino-aprendizagem que, tornar-se-á concreto e autônomo quando da
profissionalização deste estagiário”. Aqui se ressalta a importância do papel do professor de
estágio, que além da aula semanal, acompanha os estagiários em campo, o que possibilita
tratar diretamente com os problemas concretos da docência e significando-os na forma de
estudo, pesquisa e intervenção.
Alguns professores que recebem os estagiários nas escolas, demonstram o
compromisso com a formação do outro, pois aceitar recebê-los é expor seu trabalho, colocá-lo
à discussão, refletir através de outro olhar. E o estagiário, com sua formação em processo,
com as observações do trabalho do outro, discutindo com seus pares e com o professor de
estágio se formará como profissional.
O estágio curricular supervisionado é, portanto, no corpo da legislação, concebido
como um momento de formação profissional que deve ser efetivado pelo exercício in loco,
pela presença participativa do licenciando em ambientes reais de trabalho. Por isso deve ser
realizado direta e efetivamente em unidades escolares dos sistemas de ensino, pois é um
momento, segundo a Lei de Diretrizes e Bases, “para se verificar e provar (em si e no outro) a
realização das competências exigidas na prática profissional e exigíveis dos formandos”
quanto à regência e quanto ao acompanhamento de aspectos da vida escolar, como a
elaboração de projeto pedagógico, participação e acompanhamento da matrícula, da
organização de turmas e do tempo e espaço escolares. Assim, a formação inicial é o momento
crucial da construção de uma socialização e de uma identidade profissional. Importa, pois,
que se efetuem práticas de estágio que se constituam momentos de aprendizagem para todos
os envolvidos: os professores da escola, os estagiários, o formador.
42
O estágio curricular supervisionado, no curso de licenciatura em estudo, inicia-se na
segunda metade do curso de formação de professores e suas atividades favorecem a relação
entre a teoria e a prática. O Conselho Nacional de Educação (CNE) propõe, por meio da
legislação, que o Estágio Supervisionado seja um componente curricular a favorecer a
descoberta de novas práticas educativas e seja um processo dinâmico de aprendizagem em
diferentes áreas de atuação no campo profissional, dentro de situações reais de forma que o
aluno possa conhecer, compreender e aplicar, na realidade escolar, a união da teoria com a
prática. Essa afirmação de unir teoria e prática, sinaliza que não estão juntas. O sentido de
unidade, necessário nessa relação, não é conceber união e conceber separação, mas entender a
prática e a teoria em sua dinâmica. O CNE apresenta uma seqüência linear: conhecer,
compreender e aplicar, sem a idéia do movimento dialético desses conceitos, tão importante
para compreender a relação entre a teoria e a prática.
O estágio como componente curricular obrigatório funciona, atualmente, como elo
entre os componentes curriculares da formação comum e os da formação específica e garante
a inserção do licenciando na realidade do contexto escolar. O estágio assume, assim, as
dimensões formadora, social e política, prevendo a atuação do licenciando aplicando os
conhecimentos apropriados, trazendo para reflexão outros conhecimentos da prática e as
análises do contexto educacional. Dimensões estas que promovem o desenvolvimento
profissional.
Quanto às atribuições da Coordenação de estágio, o Projeto Pedagógico do curso
analisado aponta:
Ser um elo mediador entre a faculdade e as escolas;
concentrar e organizar a documentação relativa aos estágios e projetos desenvolvidos
em cada uma das escolas conveniadas;
administrar o conjunto de ações que dizem respeito à implementação e execução dos
estágios;
organizar e coordenar a oferta de cursos, projetos e programas de extensão, palestras,
seminários e discussões sobre temas relevantes, para os professores das escolas
conveniadas e para os demais interessados.
O coordenador de estágio como mediador na formação do aluno, desencadeia o
processo de diálogo entre diferentes saberes e isso é formativo para o aluno estagiário. As
muitas relações que se estabelecem entre os estagiários, os professores e a equipe da escola e
43
o professor coordenador de estágio são relações mediacionais extremamente ricas para a
aprendizagem da docência.
Retomando o Projeto Pedagógico do curso de licenciatura analisado, além dessas
atribuições, cita-se uma outra, fundamental, que diz respeito a desencadear projetos de
pesquisa a partir das experiências vivenciadas no estágio e propor projetos de intervenção nas
escolas.
Algumas escolas vêem na participação do estagiário e da faculdade na escola, um
importante momento de discutir os principais problemas educacionais, abrindo possibilidade
de um estudo, de uma pesquisa e de elaboração de propostas para resolução dos problemas,
com a atuação dos próprios estagiários. Esse é um exercício profissional que contribui para a
constituição de um professor que decide, projeta, atua e avalia diante de situações problemas.
A avaliação da prática constitui momento privilegiado para uma visão crítica da teoria
e da estrutura curricular do curso. Tarefa para toda a equipe de formadores e não, apenas, para
o coordenador de estágio. A atuação prática possui uma dimensão investigativa e se constitui
uma forma de criação ou recriação do conhecimento.
2.2 O estágio na história da legislação brasileira.
Parte-se da análise da legislação de estágio de 1977 para se entender o movimento
legal atual, incluindo os Pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), que exercem
uma função complementar e principalmente para analisar a relação entre a teoria e a prática na
formação docente. Esse estudo teórico objetiva mostrar o movimento de legitimação, pela
legalidade, da dicotomia teoria e prática.
A Lei Federal nº 6364, de 07/12/1977, estabelecia no seu § 2º que:
[...] os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da
aprendizagem a serem planejados, executados, acompanhados e avaliados
em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares, a
fim de se constituírem em instrumentos de integração, em termos de
treinamento prático, de aperfeiçoamento técnico-cultural, científico e de
relacionamento humano.
Nessa lei (6364/77), o estágio era alocado no final do curso, situação que se apresenta
como problemática. Em primeiro lugar é problemática porque o se permite o diálogo dos
estagiários durante o seu processo de formação, com as disciplinas, refletindo as atividades
realizadas e o retorno delas; e, em segundo lugar, porque assim estabelecido o estágio
caracteriza-se mais como um cumprimento formal de horas do que um movimento de
44
aprendizagem. Era ainda mais clara a divisão do curso em dois momentos: primeiro a teoria e
no final a prática.
Confrontando a Lei 6364/77 com a Resolução 54/87, do Ministério da Educação,
em seu artigo 2º diz; e
[...] considera-se Estágio Curricular o conjunto de atividades de
aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante
pela participação em situações reais de vida e de trabalho, de seu meio,
sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de
direito público ou privado, sob a responsabilidade e coordenação da
instituição de ensino.
Nessas duas leis, editadas em um período de uma década, fica clara a diferença nos
termos utilizados. Na primeira o estágio se configura como complementação à formação,
como algo à parte, realizado no final do curso e com objetivo de aprender a fazer. Já, na
segunda lei, o estágio é visto como atividade de aprendizagem e como ação humana: social,
profissional e cultural, embora não contemple explicitamente a formação pessoal. Além de
apontar que essas atividades serão desenvolvidas em situações reais de vida e trabalho,
ressalta-se a importância de um estágio no contexto em que se essa ação humana. Ao se
referir à autonomia, na segunda legislação a coordenação das atividades de estágio está a
cargo de cada instituição. A autonomia apontada na Lei 6364/77 se desfaz na prática por
outras determinações também legais dentre as quais podemos citar o número de horas
mínimas e o direcionamento quanto aos registros das atividades, que limitam a atuação da
coordenação do estágio.
A expressão treinamento prático” na primeira lei reflete a época política (regime
militar) em que foi elaborada; época em que a formação assumia um caráter de treinar o bom
professor com técnicas apropriadas e impregnadas de valores a serem desenvolvidos pela
escola tradicional cujo objetivo, também expresso na lei, era a integração do indivíduo na
sociedade como estava estruturada, isto é, pronta e sem questionamentos. O estágio nesse
contexto caracteriza-se por ser um momento à parte dos cursos de formação docente, de
prática no sentido de execução técnica, separado da teoria e sem o movimento dialético
prática-teoria-prática. As atividades são específicas para cumprir as horas previstas pela
legislação.
A legislação atual, como já foi citado, amplia a carga horária para quatrocentas (400)
horas além de estipular práticas profissionais e atividades complementares com maior
participação do aluno. Esse assunto será aprofundado mais adiante.
45
No curso de licenciatura analisado, além da observação e ação direta, poderão
complementar a formação docente, segundo o Projeto Pedagógico (2004) as tecnologias da
informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores,
produções de alunos, situações simuladoras e estudo de casos. Essas orientações para o
estágio estão em consonância com um dos princípios que norteiam o Projeto Pedagógico
(2004) do curso de Letras investigado, o qual estabelece que a aprendizagem deverá ser
orientada pelo princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e
que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas
privilegiadas. A criação de situações-problema suscita o desenvolvimento da autonomia e de
tomada de decisões. O aluno estagiário também percebe que as tecnologias propiciam novas
possibilidades de uso de estratégias diferenciadas das tradicionais, com interação e
comunicação virtual, além de possibilitar a constante atualização, acompanhando as
publicações recentes em sua área, pelos sites específicos na internet.
Nesse mesmo sentido, o estágio deve funcionar ainda como uma instância de
formação continuada, resultado de uma interação sistemática com as escolas de educação
básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados. Durante o desenvolvimento de
tais projetos, acontece a aprendizagem tanto do estagiário, como dos profissionais da escola
em uma interação de conhecimentos.
Uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC) que tem alterado o perfil dos cursos
de graduação está contida na Portaria n
o
2.253, de 18 de outubro de 2001, que prevê a
inclusão de disciplinas a distância, principalmente as que privilegiam as ferramentas de
interação assíncrona. Fica a questão: como a educação a distância promove a aprendizagem
colaborativa? Contribuirá com a flexibilização do currículo, trabalhando melhor com as
limitações de tempo e espaço?
Outras iniciativas que, certamente, influenciarão o perfil dos cursos de graduação
dizem respeito à avaliação. O Processo de Avaliação Integrada do Desenvolvimento
Educacional e de Inovação da Área (ENADE), instituído pelo Ministério de Educação, criou a
avaliação externa aplicadas aos alunos, por amostragem, no meio do processo e no final dos
cursos de nível superior. Esses instrumentos, dependendo das constantes modificações
políticas por que passa o país, assumem diferentes denominações, mas visam avaliar o
licenciado, a qualificação docente e regular o ensino superior.
Tendo como parâmetro o resultado da avaliação institucional e a análise do projeto
pedagógico do curso superior, o Ministério da Educação define o reconhecimento e a abertura
46
de novos cursos, colocando como ponto central a preocupação com a formação de docentes
mais qualificados.
No processo de formação do professor, o estágio deve se articular com a totalidade do
curso, isto é, com as disciplinas, apresentando a dimensão prática de cada uma delas. Assim,
não se pode esperar que somente nos momentos de estágio se faça a relação entre teoria e
prática. As demais disciplinas, ao propiciarem também essa relação, rompem com a separação
entre essas duas instâncias.
Para tanto, o Parecer CNE/CP 9/2001, “estabelece um novo paradigma” para os cursos
de licenciatura, com “formação holística que atingem todas as atividades teóricas e práticas
articulando-as em torno de eixos que redefinem e alteram o processo formativo das
legislações passadas”.
Um outro aspecto a ser observado, está expresso na lei 8859/94 que estabelece o
estágio para alunos com necessidades especiais. As instituições escolares devem ser adaptadas
com rampas, entre outras modificações na estrutura física, para permitir o acesso desses
alunos.
O Parecer 28/01 explicita a necessidade do estágio ser supervisionado, afirmando que
o “[...] estágio curricular supervisionado supõe uma relação pedagógica entre alguém que já é
um profissional reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e um aluno estagiário.
Por isso é supervisionado”. O professor de estágio terá melhores condições de orientar seus
alunos quando tem experiência como professor em escolas de ensino fundamental ou médio
ou desempenha as funções de pedagogo. Isso possibilita sua comunicação com os
profissionais da escola e na discussão coletiva entre escola, professor de estágio e alunos
estagiários, ao priorizarem e elaborarem projetos de intervenção, partindo das reais
necessidades da escola, e estabelecendo programas de formação continuada para os mesmos.
A possibilidade de se superar desafios à prática educativa instituída, encontra-se
ainda, no momento de formação, atrelada à possibilidade de a faculdade oferecer alguma
modalidade de formação continuada aos profissionais da escola estagiada. Momento em que a
faculdade projetaria, junto a seus profissionais, encontros pedagógicos para discussões e
estabelecimento de projetos de parceria e apoio às questões levantadas pelas escolas. Nesse
caso, estabelece-se o vínculo necessário entre a universidade e a comunidade.
Nessa mesma direção, a LDB (art. 43) apresenta em seu texto alguns anseios dos
educadores, como: o estímulo à criação cultural, ao desenvolvimento do espírito crítico e do
pensamento reflexivo. Tais estratégias têm o propósito de formar um aluno apto a participar
do desenvolvimento da sociedade, que se preocupe com sua formação contínua, que divulgue
47
seus conhecimentos em publicações, isto é, que tenha uma produção intelectual a serviço da
educação dos homens. Esses anseios estão postos e não se efetivam por diversos fatores.
Dentre eles, destaca-se a redução do papel do Estado, em que a descentralização fica melhor
entendida como diminuição de responsabilidades do Estado. Além de uma política
educacional que reduz o papel do Estado a somente controlar e regular o sistema. A educação,
de direito social e subjetivo de todos, passa a ser serviço de empresas privadas ou
filantrópicas, sustentado pelas campanhas governamentais. Daí, impõe-se uma reflexão:
Como é que alunos que m dificuldades de financiar sua formação inicial terão condições de
investir em sua formação continuada? As universidades federais, além de atenderem a uma
parcela tão pequena da população, atendem aos que teriam condições de financiar seus
próprios estudos.
A LDB, baseada na pedagogia das competências, assume uma perspectiva,
individualista, pronta ao que dita o mercado de trabalho. A noção das competências, discutida,
anteriormente, reduz a formação ao treinamento de professores, ao saber fazer distanciado da
formação humana. a possibilidade de os professores aproveitarem as brechas da lei e,
reconhecendo a necessidade do sujeito desenvolver competências, incluírem a ética como
componente que humaniza, conforme já defendido por Rios (2004).
Nas legislações mais atuais do Conselho Nacional de Educação (Parecer 09/01,
Parecer 28/01, Resoluções 01 e 02/02) amplia-se a possibilidade do movimento prática-teoria-
prática, que poderá ocorrer como a atuação do professor coordenador de estágio, como
mediador desse processo, apoiado em um Projeto Pedagógico que preveja o envolvimento de
toda a equipe de professores do curso de licenciatura, dinamizando atividades nessa
perspectiva.
2.3 Para além da LDB: a dimensão histórico-cultural da formação docente
A perspectiva histórico-cultural defendida por Vigostki, Leontiev, Luria, entre outros,
defende a educação como um movimento coletivo, que valoriza o processo mediacional do
professor, que cria situações de aprendizagem, incorporação e produção de valores e
conhecimentos do grupo social.
Essa dimensão leva em conta não apenas o que o aluno sabe, mas ainda o que,
potencialmente, pode aprender. Leva em consideração o movimento do aluno que constrói
seus conhecimentos, rompe com a idéia de que o aluno tem que estar pronto para aprender;
coloca, sobretudo, a aprendizagem propiciando o desenvolvimento do educando.
48
O homem possui todas as propriedades biológicas necessárias ao seu
desenvolvimento sócio-histórico e se apropria desse desenvolvimento de maneira ativa, na
relação com os outros, num processo de comunicação. “Quanto mais progride a humanidade,
mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da
educação e mais complexa é a sua tarefa”. (LEONTIEV, [197?], p. 291). Pela comunicação,
condição necessária do desenvolvimento do homem na sociedade, estabelecem-se relações
desse homem com o mundo circundante. O autor estabelece a relação entre o
desenvolvimento do processo histórico, cada vez mais acelerado, e o desenvolvimento do
processo educacional, isto é, quanto mais se expandem as informações, maior é a tarefa da
educação. O papel da educação, da escola e dos professores, nesse sentido, é de transformar
informações (dados) em conhecimentos (organização e sistematização) junto a seus alunos.
Para entender a dimensão histórico-cultural, Duarte (2001) alerta sobre a importância
de realizar a leitura de Vigotski e Leontiev, a partir dos referenciais teórico-metodológicos
originais, para não ocorrer o distanciamento do marxismo, lugar de produção dessa teoria.
Nessa teoria a aprendizagem deriva das interações que os indivíduos estabelecem na atividade
prática socialmente organizada. O ensino como trabalho configura-se como atividade prática,
socialmente organizado.
A sociedade contemporânea não cria condições para uma real socialização do saber e é
tarefa do educador contribuir para que a educação amplie os horizontes culturais dos alunos,
que não vise apenas à satisfação das necessidades imediatas, mas necessidades que alcancem
uma qualidade de existência humana. A socialização dos conhecimentos é condição prévia
para a compreensão da realidade social e natural e para o desencadeamento de ações coletivas
conscientes. Ao assimilar o conhecimento, que os alunos não apenas assimilem o saber
objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção bem como as
tendências de sua transformação”. (SAVIANI, 1997, apud DUARTE, 2001, p. 11). Isso
significa que importa que os alunos participem ativamente da produção dos conhecimentos e
não somente atuem como assimiladores passivos das verdades colocadas como prontas,
acabadas e estáticas.
Duarte (2001), ao analisar essa questão, concorda que a educação deva desenvolver,
no indivíduo, a capacidade e a iniciativa de buscar, por si mesmo, novos conhecimentos. Por
outro lado, ele discorda da idéia de que o professor, ao ensinar, ao transmitir conhecimentos,
esteja cerceando o desenvolvimento da autonomia e da criatividade dos alunos. Os
procedimentos não podem ser mais importantes que os conteúdos. Aprender a aprender” é
uma expressão da racionalidade técnica, uma adaptação às novas exigências sociais em que
49
[...] as desigualdades econômico-sociais refletem-se na desigualdade de
acesso ao conhecimento. Desigualdade, que é vista pelos neoliberais, entre o
crescimento do conhecimento e a limitada capacidade de sua absorção pelos
indivíduos. (DUARTE, 2001, p. 49).
No “aprender a aprender” a escola prepara os indivíduos para estarem sempre aptos a
aprender aquilo que for necessário em determinado contexto e momento de sua vida.
Transparece aqui a ideologia de que não há tempo a perder com discussões políticas e
ideológicas, de que é preciso agir de forma pragmática e rápida, sem tempo para a reflexão
crítica da realidade.
Para se romper com essa forma pragmática de se pensar a educação, torna-se
importante que os cursos de formação de professores priorizem uma fundamentação teórica
do historicamente construído pelos educadores e uma formação humana que permita o
questionamento, visualizando o contexto e as necessidades de atividades, que expandirão as
teorias educacionais, num contínuo movimento prático-teórico-prático.
Na perspectiva histórico-cultural, o conhecimento se origina na prática social. O
estágio torna-se um momento de aprendizagem que se no local em que acontece a
educação: na escola, na sala de aula; com o parceiro mais experiente: o professor, tanto o
professor-coordenador do estágio, como o da sala de aula da escola estagiada, como o colega
da faculdade que é professor. Portanto, é na análise da atuação do professor que ensina que
os estagiários vão percebendo como essas relações se efetivam. Os efeitos dessa prática
modificam o aluno e podem se constituir em outra prática, pensada, refletida e projetada de
outra maneira. “O conhecimento resulta do trabalho humano no processo histórico de
transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse processo”.
(GASPARIN, 2005, p. 4). Tal reflexão, que leva à ação, representa um novo conhecimento,
mais elaborado.
Além da ida à escola, local de práticas sociais, na instituição de ensino superior, que
ocorre o momento de teorização sobre essa prática, em que se questiona o cotidiano escolar e
se busca um suporte teórico que explique essa realidade. Essa compreensão possibilita o
estabelecimento de ligações dos conteúdos com a realidade, em todas as suas dimensões.
Gasparin (2005, p. 7) elucida que passam a ser desenvolvidas, nesse espaço, “[...] atitudes e
atividades de investigação, reflexão crítica e participação ativa dos educandos na articulação
dos conteúdos novos com os anteriores que trazem”. É este o momento de se reverem as
teorias e significá-las perante a prática analisada.
Após esse momento, espera-se que o estagiário modifique sua maneira de entender a
prática e, conseqüentemente, esta não será a mesma; será transformadora da realidade.
50
Portanto, a prática social é ponto de partida e ponto de chegada da criação do conhecimento e
do processo de formação dialética do docente: forma-se enquanto forma seus alunos.
Para um maior entendimento desse processo de formação, busca-se entender a
dialética. Para Kosík (1976, p. 15) “[...] a dialética é o pensamento crítico que se propõe a
compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à
compreensão da realidade”. O processo dialético possibilita o entendimento da realidade, o
entendimento do processo educacional como um todo, para entender a atuação docente no
espaço específico da sala de aula, associando esse espaço às múltiplas dimensões da
sociedade que nele interferem. É essa compreensão que abre as possibilidades de mudanças
estruturais na escola.
O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade.
Resultando estas do desenvolvimento das gerações humanas, não
incorporadas nem nele, nem nas suas disposições naturais, mas no mundo
que o rodeia, nas grandes obras da cultura humana. apropriando delas no
decurso da sua vida ele adquire propriedades e faculdades verdadeiramente
humanas. (LEONTIEV, [1978?], p. 301).
Pela atividade, o homem em seu processo de educação, apropria-se desse mundo
cultural, que está posto, entrando em relação com a realidade pela comunicação com outros
homens, e assim aprende. Primeiro imitando os atos do meio e depois operando com seu
próprio controle e com a sua intervenção.
A realidade humano-social pode ser mudada, porque são os homens mesmos que a
produzem. As coisas, as relações e os significados são produtos do homem histórico-cultural e
o próprio homem se revela como sujeito real do mundo social, onde se desenvolve. O
pensamento dialético critica, reflete, avalia para compreender a realidade, as suas relações e,
assim, transformá-la.
Segundo Kosík (1976), a dialética parte da atividade prática objetiva do homem
histórico, busca a totalidade que compreende a realidade nas suas íntimas leis e revela as
conexões internas. E, partindo daí, tem-se o princípio epistemológico para o estudo, a
descrição, a compreensão, a ilustração e a avaliação de temas da realidade.
Na perspectiva histórico-cultural, a aprendizagem acontece quando o aluno se apropria
do objeto do conhecimento, em suas múltiplas relações, tornando-o seu, internalizando-o. O
processo de aprendizagem é inter e intrapessoal, acontece de forma expansiva, em que o
retomados conhecimentos anteriores que se juntam ao novo continuamente. O
desenvolvimento do conhecimento se em espiral, passando por um mesmo ponto a cada
51
nova revolução, enquanto avança para um nível superior; em cada movimento são aprendidas
novas dimensões do conteúdo.
A herança cultural não ocorre geneticamente. A apropriação dos conhecimentos
historicamente produzidos pelo homem ocorre pela mediação com os outros e com os objetos,
possibilitando ao homem a sua humanização.
Nesse sentido, cabe-se discutir o papel do coordenador do estágio, que é o professor
mediador entre o aluno e a aprendizagem, na escola e na universidade, pois é ele que
problematiza as situações do contexto escolar, desafia o aluno no movimento de seu
desenvolvimento histórico e cultural.
2.4 A relação teoria e prática: um movimento de contradições
Nossa época sente profundamente a necessidade de uma atividade
unificadora, de um método de superação dos conhecimentos dispersos.
Trata-se de para nós, reunir racionalmente, lucidamente, a prática e a teoria,
o objeto e o sujeito, a realidade e o “valor” do homem, o conteúdo e a forma
do pensamento, a ciência e a filosofia, todos os elementos da cultura.
(LEFEBVRE, 1995, p. 78).
Essas considerações de Lefebvre (1995) constituem também questões básicas para a
educação e especialmente para a formação do educador, que é a relação entre teoria e prática e
a busca de novas formas de relacionamento entre essas duas dimensões da realidade. Nesse
mesmo sentido, Candau (2003) afirma:
Na questão da relação teoria e prática, se manifestam os problemas e as
contradições da sociedade em que vivemos que, como sociedade capitalista,
privilegia a separação trabalho intelectual-trabalho manual e,
conseqüentemente, a separação entre a teoria e a prática. (CANDAU, 2003,
p. 56).
Em uma visão dicotômica entre teoria e prática, Candau (2003) critica a separação e a
total autonomia de um em relação ao outro. Trata-se de afirmar a propalada separação “na
prática a teoria é outra”. Dentro desse esquema, aos “teóricos” cabe pensar, elaborar, refletir,
planejar; e aos “práticos”, executar, agir, fazer. Essa visão é reforçada pelo sistema capitalista,
mas não se origina nele, é-lhe anterior.
Em uma outra visão, a associativa (Candau, 2003), teoria e prática são pólos
separados, mas não opostos. A prática deve ser uma aplicação da teoria, como na
racionalidade científica que defende a neutralidade da ciência.
Em uma visão de unidade privilegia-se a articulação entre teoria e prática.
Unidade que não significa identidade entre estes dois pólos. Unidade que, segundo Candau
52
(2003), é assegurada pela relação simultânea e recíproca, de autonomia e dependência de uma
em relação à outra. É a lógica dialética em que simultaneidade e reciprocidade expressam o
movimento das contradições nas quais os dois pólos se contrapõem e se constituem uma
unidade. Essa prática implica um grau de conhecimento da realidade que transforma e das
exigências que busca responder.
Por ser transformadora da realidade, a prática é criadora, ou seja, diante das
necessidades e situações que se apresentam ao homem, ele cria soluções, sendo esse processo
criador imprevisível e indeterminado, e o seu produto, único e irrepetível. (CANDAU, 2003).
Segundo Palangana (2001, p. 114), a verdadeira atividade é teórico-prática e, nesse
sentido, é relacional, crítica, educativa e transformadora. É teórica sem ser mera
contemplação, uma vez que é a teoria que guia a ação. É prática sem ser mera aplicação da
teoria, uma vez que a prática é a própria ação guiada e mediada pela teoria.
Para conhecer a realidade, o homem deve transformá-la de coisa em si (realidade concreta)
em coisa para si. O “em si” refere-se ao homem natural, ainda ingênuo, que faz uma leitura
desinteressada do mundo, que conhece as coisas, mas sem intervir, sem pensar em mudar e
está pronto para ser trabalhado. O “para si” é a transição, a arrancada do “em si”, que
possibilita mudança e emancipa; é ação daquele que se torna sujeito exatamente por conta de
seu efeito real no mundo; muda a si mesmo enquanto muda o mundo à sua volta.
2.5 O estágio como relação entre teoria e prática
O estágio, no curso de formação de professores, pode compreender o movimento
dialético entre a teoria e a prática. As orientações da disciplina “Prática de ensino sob a forma
de estágio supervisionado” representam o corpo teórico que pretende possibilitar um novo
olhar para a prática docente. Um olhar de observador da prática, olhar instrumentalizado pela
teoria e com a participação dos olhares dos outros.
O ato de observar constitui-se um momento de apropriação do pensamento prático e
teórico. Observação da sociedade, da política (a quem serve a escola?), da ciência da
educação (qual a estrutura da ação pedagógica?). Observação que significa ler “a realidade, os
outros e a si próprio, interpretando, buscando significados” (WEFFORT, 1995, p. 8).
É interessante que, no estágio, privilegie-se o registro das observações da prática,
instrumento que permite rever a ação e melhor apreendê-la. Nesse processo de buscar
significado ao que se observou, estabelece-se o conflito que leva à reflexão sobre essas
53
práticas, ao questionamento, à criação e à possível transformação da teoria. A reflexão sobre
a prática move o processo de formação permanente e rompe com o cotidiano alienante. A
prática transforma o homem que, por sua vez, a transforma. Parte-se do concreto a prática
faz-se um movimento de abstração para voltar para a prática modificada, isto é, ao concreto
pensado (Kosik, 1976).
Saviani (1986) esclarece esse movimento, apontando cinco passos. O referido autor
afirma que o ponto de partida do ensino é a prática social, comum a professores e alunos, mas
que estes têm posicionamentos diferentes quanto à percepção da realidade. O segundo passo
constitui-se a problematização, em que são identificados os principais problemas postos pela
prática social e são inseridos novos conhecimentos por parte dos professores. O terceiro
passo é o da instrumentalização, em que apropriação “dos elementos teóricos e práticos
necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social”. (SAVIANI,
1986, p. 74). Tais instrumentos, que são produzidos socialmente e preservados historicamente
são transmitidos pelo professor. É a apropriação cultural. O quarto passo é o momento da
expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu, a
catarse, entendida como elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência
dos homens. São esses os instrumentos culturais transformados em elementos ativos, é a
assimilação subjetiva da estrutura objetiva. O ponto de chegada é a prática social, mas com
alteração qualitativa. Altera-se qualitativamente por meio da mediação da ação pedagógica,
da ação do professor no processo de ensinar, que ocorre com agentes sociais ativos e reais.
É importante ressaltar que esses passos são momentos articulados num mesmo movimento,
único e orgânico.
Não o estágio deve trabalhar a unidade teoria-prática, mas todas as disciplinas
curriculares do Curso de formação de professores deveriam trabalhá-la, com diferentes
olhares, mas com a preocupação de não perder a visão da totalidade da prática pedagógica. No
estágio, que se constitui como unidade formadora, a articulação entre teoria e prática faz-se
presente, é desafio e envolve as diferentes disciplinas, nas soluções e intervenções a partir das
necessidades e dos problemas apontados pelas atividades desencadeadas na escola. É
necessário que o conjunto das disciplinas do curso de licenciatura, cada qual com seu campo
de conhecimento, propicie aos alunos a uma reflexão sobre seus conteúdos. Ao mesmo tempo,
além da reflexão sobre cada disciplina, os alunos reelaboram não o significado atribuído a
ela, disciplina, como ainda à sua prática.
Para Mazzeu (1998) a teoria aparece como fragmentos, porque a prática cotidiana é
movida pelo senso comum pedagógico, que cria a ilusão de um domínio das teorias. O
54
professor deve “romper com essa relação imediata entre pensamento e ação, o que leva a uma
rejeição da reflexão filosófica e das teorias educacionais mais elaboradas” (MAZZEU, 1998,
p. 64). Sem romper essa relação imediata, o professor passa a resolver os problemas na
própria prática, de acordo com sua experiência profissional. O estagiário, para realizar uma
análise dessa experiência do professor da sala de aula, necessita se apropriar dos
conhecimentos acumulados historicamente, aprender conceitos científicos para identificar e
superar os conceitos espontâneos.
O estagiário aprende quando se depara com problemas, toma a prática como objeto de
reflexão e planeja suas ações com fundamentos dos conceitos construídos por ele, fruto do
pensamento e discussão coletiva: professor da sala, colegas e professor de estágio.
Ainda segundo Mazzeu (1998), no momento de compreender os problemas referidos
anteriormente, surgem explicações que resultam das teorias, que de fato estão orientando o
trabalho em sala de aula. Os professores percebem, pois, suas próprias dificuldades, passo
essencial para se elaborar uma nova postura perante sua prática. Para superar esses problemas
de aprendizagem exige-se
[...] que o professor se aproprie e crie instrumentos de trabalho
(procedimentos, técnicas, materiais didáticos) e, ao mesmo tempo,
desenvolva um discurso significativo, fundamentado teoricamente, que
possibilite compreender esses problemas e reorientar a prática no sentido da
superação deles. (MAZZEU, 1998, p. 68).
A aprendizagem do estagiário, segundo o autor, permitirá a ele elaborar seus próprios
instrumentos e seu discurso, assumindo assim, o controle do processo de constituição de suas
ações no cotidiano da sala de aula. O pensamento e a ação internalizados passam a ser coisa
para si, criação do próprio indivíduo, em um processo contínuo, em que o estagiário percebe a
importância de, constantemente, rever e aperfeiçoar sua forma de aprender, tornando-se
sujeito de sua própria formação.
Conforme Vázquez (1968, p. 192), se o “homem aceitasse sempre o mundo como ele
é, e se, por outro lado, aceitasse sempre a si mesmo em seu estado atual, não sentiria a
necessidade de transformar o mundo nem de transformar-se”.
Nessa concepção, a relação teoria e prática é consciente e transformadora. A
necessidade de transformar move a necessidade de conhecer. Não basta conhecer e interpretar
o mundo; é preciso transformá-lo. Na atuação em situação de estágio essa necessidade de
conhecer torna-se elemento-chave para reestruturar e/ou atualizar o currículo dos cursos de
formação, promovendo um novo olhar para as práticas educativas. Olhar que surge da
55
realidade observada, refletida e registrada, colocando em questão o referencial teórico dessas
práticas.
Compartilha-se das indagações de Candau (2003) que são relevantes para nortear esse
trabalho e merecem ser mais uma vez enunciadas: Como é encarado o estágio
supervisionado? Como prática utilitária, reduzida ao cumprimento de uma exigência legal?
Como prática criativa? Como o estágio colabora com as grandes questões levantadas na
formação? Como pode ser formador, possibilitar o desenvolvimento do movimento, da
trajetória pessoal, coletiva, na busca de identidade do professor? E como colabora com sua
criatividade e originalidade?
Acrescenta-se a essas questões a indagação: qual o impacto que o estágio tem na
formação dos professores? A possibilidade que aqui se defende é a de apresentar a prática
como ponto de partida e de chegada, como momento de estruturar o pensamento, como
campo de possibilidades formativas.
Pretende-se que o estagiário, nas primeiras aulas que elabore, imite o professor
observado, de uma maneira própria e isso contribui para sua formação, pois é um processo
ativo que possibilitará sua autonomia. Imitação, que segundo Vigotski (2003, p. 29) é um
processo indicativo de que o aluno “está dominando o verdadeiro princípio envolvido numa
atividade”. Portanto, a imitação indica desenvolvimento e não no sentido puramente
mecânico, de repetir, sem pensar, uma determinada ação. Que os alunos, no estágio,
trabalhem os conteúdos de modo que aprendam o próprio conteúdo enquanto ensinam. Que,
das relações pessoais que se estabelecem na escola, percebam como se o movimento de
aprendizagem, de aprender com o outro. Que a partir das dificuldades apresentadas pelos
alunos, possam planejar, atentos ao como os alunos aprendem, a como aprendem a decidir e
elaborar ações que permitam a promoção do outro e de si mesmos. Participando das ações
estagiadas, eles terão oportunidade de perceberem a escola como totalidade, de refletirem os
conteúdos da graduação e sobre como a prática educativa provoca mudanças em si próprios e
nos professores. Que o estágio também se constitua um momento de desenvolver a
criatividade, de se elaborar atividades que promovam o interesse e a vontade de conhecer dos
alunos.
O estágio se caracteriza por ser uma prática educativa entendida como prática de
ensino e aprendizagem, em que a situação de ensino se constitui para o aluno estagiário uma
situação de aprendizagem. Ensinar é a atividade do professor e pelo ensino ele se humaniza. O
estudante, ao aprender a ensinar, humaniza-se, porque essa é uma dimensão particular da
atividade humana. O conteúdo do estudo do estagiário é o ensino, a docência.
56
É essa discussão que a situação de estágio privilegia: a unidade prática e teoria,
fundamentalmente, mobiliza o curso de formação docente como um todo, e está diretamente
ligada à questão do professor que se quer formar. Os instrumentos do estágio como a
observação, a reflexão, a discussão, a problematização da realidade escolar, entre outros,
podem possibilitar a formação de um professor aberto a novas possibilidades e às novas
exigências sociais que a ele se apresentam.
57
3 - O PROFISSIONAL DOCENTE
3.1 O que é ser profissional da educação hoje?
O que é ser profissional da educação na dimensão histórico-cultural? Esta questão nos
remete à reflexão sobre que sujeito se pretende formar e a reflexão sobre a educação do
professor como atividade humana. Segundo Marques (2003, p. 9) “na práxis da educação a
humanidade se refaz em cada homem e os homens refazem seu próprio projeto de vida e seu
mundo social.” Pela educação, apropria-se dos conhecimentos que a humanidade produziu,
num processo ativo em que o homem se transforma e mobiliza a transformação social. A
participação ativa é que o faz tornar-se sujeito de sua relação com o conhecimento e com o
processo de apropriação dos mesmos.
Uma vez que os conhecimentos estão em constante movimento, pela dinâmica da
história, a dimensão teórica da formação tem que ser explicitada e reformulada
continuamente. As necessidades de conhecimento dos alunos evoluem e a questão
epistemológica torna-se urgente para se definir os conteúdos dos cursos de formação, que,
conseqüentemente, refletirão nos conteúdos ministrados na escola.
Uma questão relevante, apresentada por Azevedo, refere-se à relação com o saber. A
autora aponta:
O problema central da democratização é o sentido da relação que cada aluno
mantém com os conhecimentos da escola. A redefinição dos conteúdos
orientou-se pelo estabelecimento de noções de objetivos e competências, as
quais deveriam produzir as condições de atribuição de sentido aos saberes
escolares. As formas de fazê-lo parecem uma racionalização de tipo
instrumental. Na verdade, um obstáculo a essa produção de sentido.
(AZEVEDO, 2002, p. 4).
Essa relação “sem sentido” dos conteúdos escolares, apresentada por Azevedo (2002),
é identificada também por Marques (2003) em relação à formação docente, quando ele afirma
que o exercício da profissão, reduzido ao plano da racionalidade instrumental, orienta-se para
empreendimentos de cunho particularista, ficando o professor preso ao cálculo egocêntrico
dos resultados e fechado em si mesmo. Esse movimento de racionalização encontra sua
legitimação na ciência e na técnica.
Nesse sentido, é importante entender o processo de significação. Para Serrão (2004, p.
152) esse processo é fundamental
58
para a formação do ser humano, porque pela significação o homem se
apropria da experiência humana generalizada por gerações. A significação é
um processo eminentemente social, é uma elaboração histórico-cultural,
portanto coletiva e viabilizada mediante a atividade humana em geral.
Ao nascer o homem encontra um sistema de significações, uma realidade que
existe e que ele poderá vir a transformar. Por isso o movimento de apropriação das
significações tem uma dimensão subjetiva, um sentido pessoal, mas esse sentido é vinculado
às condições histórico-culturais dadas. Quando “não coincidência entre o sentido atribuído
e a significação social da atividade docente” (SERRÃO, 2004, p. 166), o trabalho do
professor distancia-se das práticas sociais, adquirindo características alienantes. As situações
reais do processo educacional e suas atribuições de sentido são o diferencial entre o processo
de constituição social da consciência e da alienação. Basso (1998) levanta uma importante
questão: o que melhora a prática pedagógica docente, levando o aluno ao sucesso? Para tanto
se torna fundamental que os professores tenham fundamentos teóricos que lhe possibilitem,
além de avaliar e planejar continuamente suas ações educativas, orientar as modificações
necessárias ao processo. Os fundamentos teóricos propiciam a compreensão do significado da
prática docente, que é estruturada também, pela prática social.
O conhecimento é a dominação da natureza e se realiza a partir da atividade, quando o
homem transforma a coisa para si em sua práxis. “O homem só conhece a realidade na medida
em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser prático” (KOSIK,
1976, p. 22). O homem compreende a realidade mediante uma determinada atividade. A
análise do problema da criação da atividade estabelece o acesso à “coisa em si”.
As atividades humanas são os vários aspectos ou modos de apropriação do mundo
pelos homens; elas têm um caráter de intencionalidade, de intenção significativa e são
produtos histórico-sociais. Esse conceito de atividade, segundo a teoria histórico-cultural,
provoca na escola, um salto qualitativo, visto que a significação da atuação do professor muda
as relações com o conhecimento.
A partir dessas considerações, entende-se que o processo educacional não pode ser
desenvolvido apenas com a noção de competências. Tal noção foi explorada por César Coll,
educador espanhol, explicitada no Brasil, sobretudo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais
de 1996, que, por meio de uma política de internacionalização das reformas educacionais,
influenciou a elaboração dos conteúdos escolares no Brasil. Nesse aspecto, a questão da
significação se torna apenas informação, segundo Azevedo (2002), o que minimiza a função
da educação como constituidora de saberes. Isso é reduzir a função social de educação à
dimensão técnica, de forma que o ser humano não se aproprie dela e nem de seu produto. Para
59
Rios (2002, p. 83) a palavra competência guarda um “viés ideológico, presente na proposta
neoliberal”:
Na verdade, a referência às competências, no âmbito das propostas de alguns
teóricos, parece indicar um movimento no sentido de dar maior flexibilidade
à formação, rompendo com modelos fechados de saberes e disciplinas.
Entretanto, quando é apropriada pelas propostas oficiais, percebe-se que
corre o risco de apenas atender a uma nova moda, mantendo-se no discurso,
uma vez que não se têm alterado as condições concretas do contexto
educacional. (RIOS, 2002, p. 85).
A autora defende uma reflexão e a definição de competência (no singular) como
importante na formação docente, aliando as dimensões técnicas e estéticas com a dimensão
ética, tendo essa como mediadora das anteriores. Nessa pesquisa, optou-se por não se utilizar
a palavra competência para não se correr o risco de uma interpretação ideológica do termo.
Segundo Contreras (2002), a forma de ensinar do professor técnico se baseia na
racionalidade técnica, que apresenta limites e problemas como as relações de dependência do
professor, o isolamento de seu trabalho e sua função exclusivamente relacionada à execução
de tarefas, a partir de regras prontas. O professor se aliena, porque não visualiza a pluralidade
do mundo, que não se reduz à técnica. Desse modo, não consegue lidar com o imprevisível,
com o que não está planejado. Alienação é “sempre alienação em face de alguma coisa e,
mais precisamente, em face das possibilidades concretas de desenvolvimento genérico da
humanidade”. (HELLER, 1985, p. 37).
A formação dos indivíduos começa na esfera da vida cotidiana em que se estruturam
as formas de pensamento, de sentimento e de ação. Ao atuar como professor, o aluno do curso
de formação se concretamente na situação de regência e o desafio é fazer da experiência
cotidiana a objetivação em momentos de estágio.
Kosik (1976) define o agir objetivamente, como o agir a partir de um estudo, de uma
fundamentação teórica, que se origina das necessidades que geram questões básicas,
levantadas pelo pesquisador e, no campo da pesquisa, analisa, enriquece, avalia e o objeto
de pesquisa e a si mesmo nesse processo.
Sobre esse assunto, Heller (1985, p. 45) ressalta que “a vida cotidiana pode ser fonte,
exemplo, ponto de partida para a teoria, pode ter certa participação não consciente na práxis,
mas não é identidade. A vida cotidiana não é práxis, o pensamento cotidiano não é teoria”. A
alienação acontece quando a estrutura da vida cotidiana torna-se a única forma de vida do
indivíduo, suas ações se reduzem à reprodução, cristalizam-se e o empobrecimento da
condição humana. “A alienação está presente quando, por conta de determinadas condições
materiais, sociais e econômicas, a estrutura da vida cotidiana incha, hipertrofia-se, e penetra
60
em todas as esferas da vida dos indivíduos” (ROSSLER, 2004, p. 114). Assim, o homem não
questiona o seu modo de ser, não decide sua própria vida e não conduz o seu trabalho.
Romper com esse processo de alienação, nos cursos de formação, leva aos
questionamentos, à fundamentação teórica e à elaboração de propostas que se apresentam
como possibilidade de modificar o contexto e a si mesmo. É nesse momento que o movimento
teoria e prática se entrecruzam dando substância à formação e sendo o momento crucial para o
posicionamento crítico, consciente de ser profissional – professor.
Para Lefebvre (1995, p. 49), “em primeiro lugar o conhecimento é prático. A prática
nos põe em contato com as realidades objetivas”. Em segundo lugar, o conhecimento é social.
Estabelecemos relações com os outros, pelo exemplo ou pelo ensino, onde se transmite o
saber já adquirido Para conhecer mais sobre os saberes docentes o estagiário realiza um
trabalho na escola, na prática, onde tem contato com a realidade objetiva. Também, o
conhecimento tem um caráter histórico, está em constante expansão. Nos cursos de formação
docente, torna-se importante analisar os elementos do conhecimento: o sujeito e o objeto em
suas relações, em seu movimento, em seu processo de constituição.
3.2 O exercício da profissão
A ruptura possível com a alienação faz com que o professor seja sujeito da sua própria
formação, com uma visão crítica, histórica e científica, que tem como base a atividade
produtiva e criadora. Nessa seção, a formação desse professor está em discussão.
Para Sacristán (apud NÓVOA, 1995, p. 65) “O conceito de profissionalidade docente
está em permanente elaboração, devendo ser analisado em função do momento histórico
concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar; em suma, tem
de ser contextualizado”. O conhecimento da prática implica a compreensão das interações de
diferentes contextos: as práticas cotidianas, o saber técnico e o contexto sociocultural. “O
ensino é uma prática social, não porque se concretiza na interação entre professores e
alunos, mas também porque estes atores refletem a cultura e contextos sociais a que
pertencem”. (SACRISTÁN, 1991, aput NÓVOA, 1995, p. 66). Entre outras atividades, o
ensino constitui-se uma prática social. O diálogo que se estabelece entre professor e alunos
identificam entre si a cultura e o contexto social em que vivem.
O papel do professor na perspectiva de mediação é o de motivador da aprendizagem. É
um papel interativo que colabora para o aprendiz alcançar os seus objetivos e, ao mesmo
tempo, aprimorar-se em sua profissão. A relação com o aluno é de interaprendizagem, para
61
construir aprendizagem, compreender a realidade social e aí interferir. Nesse processo, o
conhecimento ao ser apropriado, incorpora-se ao mundo intelectual e vivencial. É
fundamental que o aluno estabeleça relações entre os conteúdos do ensino e as situações de
aprendizagem com os muitos contextos da vida social e pessoal” (GASPARIN, 2005, p. 110).
É importante que o aluno o assimile conteúdos propostos nos programas de ensino, o
lide com métodos de ensino, mas supere criando outros conteúdos, outros métodos,
atendendo às circunstâncias concretas da ação docente.
Na situação de estágio, o professor orientador reconhece o conhecimento cotidiano do
aluno e da realidade escolar e busca relacioná-los com o conhecimento científico. O processo
de aquisição de conhecimento científico envolve os processos cognitivos dos alunos e suas
relações subjetivas e objetivas de existência em seu contexto.
As condições objetivas e subjetivas do trabalho docente apresentam muitos limites,
impostos pelas situações de vida e pelas coordenadas político-administrativas que regulam o
sistema educacional, dificultando a desvinculação com o tradicional.
A formação continuada apresenta-se como uma tentativa de desvincular-se do
tradicional, mantendo-se em permanente processo formativo, iniciado na licenciatura,
desencadeando um movimento de aprendizagem, que possibilita ao professor se apropriar do
objeto de sua atividade, tornando-se sujeito da mesma.
Segundo Camargo (2004), na formação continuada, o professor passa por um
movimento interno (intrapsíquico) de reelaboração de saberes que, nos momentos de encontro
com outros professores, é revelado por meio da fala. Ao mesmo tempo, passa por um
movimento externo, quando ouve o colega, que o auxilia em suas interpretações, e vai
ressignificando e aprendendo. É um processo em que o professor necessita do outro para
realizar sua tarefa.
O professor, como pessoa, age de acordo com suas potencialidades adquiridas no seu
processo de formação. “A prática social depende de decisões individuais, mas rege-se por
normas adotadas por outros professores e por regulações organizacionais”. (SACRISTÁN,
1991, aput NÓVOA, 1995, p. 71). O professor deverá dominar os conceitos e os instrumentos
para provocar mudanças nos alunos. Sua ação é pessoal, é marca social e também de sua
identidade, dá-se na relação com os outros. A relação entre conhecimento e ação só poderá ser
compreendida com a mediação do sujeito.
A profissionalidade docente além de ser composta pela dimensão pedagógica, política,
administrativa, curricular, contém a dimensão pessoal, que continuamente decide e estabelece
o sentido de suas ações.
62
Nesse sentido, Marcelo Garcia (1999) conceitua formação como função social de
transmissão de saberes, de saber-fazer ou de saber-ser; como um processo de
desenvolvimento e estruturação da pessoa e como instituição que organiza, estrutura e
desenvolve atividades de formação.
Na ação formativa existe uma intencionalidade de mudança. Pretende-se, a partir da
análise da realidade e de sua problemática, propor alternativas de mudanças visando melhor
qualidade da formação de professores, visto que eles formarão outros sujeitos. “A análise do
trabalho docente, pressupõe o exame das relações entre as condições subjetivas – formação do
professor e as condições objetivas, entendidas como as condições efetivas de trabalho”.
(BASSO, 1998, p. 21).
Quanto às condições subjetivas na situação de formação, percebe-se que os alunos, em
uma mesma sala de aula, diferem um dos outros: alunos professores e alunos não
professores. A relação entre eles, mediada pelo professor, especialmente o de estágio,
colabora para a análise objetiva das possibilidades e dos limites para exercer a função de
professor.
O processo de formação ocorre diferentemente em cada pessoa, pois, cada um se
apropria do conhecimento tendo como princípio sua história de vida, o que julga fundamental
seguindo sua escala de valores, a cultura que o constituiu. Isso o significa que a pessoa não
se desloque e busque novas significações para o seu cotidiano e analise criticamente o seu
espaço de atuação; ela reconhece suas condições de trabalho e, nestas, suas possibilidades de
transformação em busca de uma melhor qualidade profissional.
O homem planeja sua ação, age e se adequa a situações concretas. O conjunto de suas
ações relacionadas com o todo da atividade precisa manter coerência com o motivo da ação.
“O significado das ações de todos os indivíduos que participam da atividade é apropriado por
eles, fornecendo a essas ações o sentido correspondente ao seu significado” (BASSO, 1998, p.
24). Portanto, é na atividade que o homem busca o sentido de sua existência.
O significado do trabalho do professor é ensinar, satisfazendo necessidades e
produzindo novas necessidades que estimulem e desenvolvam o aluno. Na sociedade
capitalista há a ruptura entre significado e o sentido da ação e as relações se tornam alienadas.
Exemplo disso é quando o professor passa a trabalhar para ter salário, sem a noção da função
social de sua atuação. Nesse sentido, é necessário estabelecerem-se novas relações entre teoria
e prática na busca coletiva de novos fundamentos para a prática, valorizando-se o professor,
identificando-se problemas reais, ampliando-se o conhecimento por meio de estudo, pesquisa,
reflexão. Primordial também problematizarem conhecimentos relacionando teoria e prática.
63
3.3 Aprendizagem do ser professor na situação de estágio
É necessário compreender a formação do futuro professor dentro das condições atuais
do sistema escolar, para que seu trabalho se constitua intencionalmente no sentido de se
desenvolver uma visão crítica de educação e de sociedade. Por um lado, superando as análises
idealistas e, por outro, tornando seu saber e fazer pedagógicos uma alavanca, que desencadeie
mudanças não na escola, mas também no sistema social do qual essa instituição é parte
integrante.
O cotidiano da sala de aula não se caracteriza somente como uma realidade subjetiva;
sobretudo a realidade objetiva prevalece em relação aos conhecimentos. Daí poderão ser
retirados os elementos teóricos, que permitem compreender e direcionar uma ação consciente
que procure superar as deficiências encontradas e recuperar o real significado do papel do
professor, que está
[...] dependente da possibilidade de construir um saber pedagógico que não
seja puramente instrumental. Por isso, é natural que os momentos fortes de
produção de um discurso científico em educação sejam, também, momentos
fortes de afirmação profissional dos professores. Todavia, estes momentos
contêm igualmente os germes de uma desvalorização da profissão, uma vez
que provocam a “deslegitimação” dos professores como produtores de
saberes e investem novos grupos de especialistas que se assumem como
“autoridades científicas” no campo educativo. O entendimento deste
paradoxo parece-me essencial para compreender alguns dos dilemas atuais
da profissão docente (NÓVOA, 1999).
A possibilidade de construção de saberes na prática de estágio constitui-se um campo
fecundo na medida em que, no movimento das ações de professores e alunos, percebe-se os
saberes que não são mais valorizados, os que precisam ser repensados e os saberes fundantes.
Por saberes fundantes entende-se que são os que mobilizam a formação humana, são os que
tocam na essência e possibilitam sua emancipação. Segundo Rios (2002, p. 108) o saber
fundante “[...] além de se apoiar em fundamentos próprios da natureza, se guia por princípios
éticos”. São os saberes que fundamentam a ação quanto ao valor dos conceitos.
O homem é inteiro na vida cotidiana, ou seja, o homem participa na vida cotidiana
com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se em
funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas
habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões, idéias, ideologias, sem que nenhuma
delas possa realizar-se em todas sua intensidade. (HELLER, 1986, p. 17). Ao analisar o
64
cotidiano, especialmente o escolar, não se tem a possibilidade de se absorver inteiramente
nenhum desses aspectos.
No cotidiano o homem assimila as relações sociais e domina
espontaneamente as leis da natureza. A assimilação começa sempre por
“grupos”: família, escola... E os grupos estabelecem uma mediação entre o
indivíduo e os costumes, as normas e a ética de outras integrações maiores.
(HELLER, 1986, p. 19).
Desse modo, pode-se compreender o grupo: a sala de aula, como fonte de
conhecimento, que traz elementos teóricos para que o estagiário projete ações, com
intencionalidade educativa.
Para tanto, as mudanças na formação do professor não se darão somente com uma
reforma no estágio e sim na elaboração de um projeto de curso, que contemple um movimento
teórico-metodológico, nas suas várias dimensões.
Nesse sentido, uma das possibilidades seria pensar o estágio como um “projeto
coletivo de formação de professores” (FAZENDA, 1994, p. 58), em que todas as disciplinas
se voltem para a investigação, análise e articulação com a prática educativa. Dentre as várias
disciplinas, o estágio não pode ser a única a se aproximar da realidade do trabalho docente
para estar em unidade com o projeto de curso. O estágio configurar-se como um contexto
formativo, seja para o professor de estágio, para o professor que recebe o aluno e para o
próprio aluno.
O estágio representa um momento em que o aluno entra em contato com a prática
social, percebe seus problemas, discute, reflete, interpreta e reelabora seus conhecimentos, a
partir de elementos teóricos das diversas disciplinas e ainda elaborando propostas de atuação.
É, também, o momento de avaliar a formação docente e de investigar-se e se problematizar o
cotidiano escolar não é [...] “um mero mecanismo de ajuste para solucionar o problema da
desarticulação entre a teoria e prática”, como afirma Fávero (1987, p. 525).
Segundo Carvalho (1994) para que o estágio adquira em sua concretude, a
característica de prática humana, ele precisa ser uma prática pensada, precisa partir de um
projeto, ser intencionalizada. Entender a atividade de estágio como atividade humana é
entender a historicidade que a determina, as relações sociais definidas, as suas finalidades e os
conhecimentos que a compõem. É uma atividade teórica por ter uma intenção; é, portanto,
reflexão teórica. Pimenta (1995) explica o estágio como atividade prática e teórica, o faz
separando os termos, não dando a visão de unidade. A autora ressalta que o estágio é uma
atividade teórica quando apresenta sua intencionalidade, seus conhecimentos, e é prática
quando intervenção e transformação. Ainda, a autora colabora trazendo a idéia de que é a
65
necessidade de transformação (de si mesmo e do mundo) que move a necessidade de conhecer
e se estabelecerem finalidades. Completa dizendo que o estágio apóia as demais disciplinas,
sendo elemento articulador nos cursos de formação docente. Por outro lado, um outro
movimento também deve ser considerado: as disciplinas apoiando o estágio, pois, este, como
momento de problematização da prática pedagógica, constitui-se um lugar de produção de
conhecimentos.
3.4 A mediação da aprendizagem e a Zona de Desenvolvimento Proximal
A prática social atua na formação do indivíduo, especialmente em seu
desenvolvimento psíquico. Nessa perspectiva, Vigotski investiga a maneira como fatores
históricos e culturais influenciam na formação da mente. Nesta pesquisa, com o apoio da
teoria histórico-cultural, investiga-se também como ocorre a aprendizagem da docência nos
cursos de formação inicial, no momento do estágio, e como aponta Vigotski, reconhecem-se a
aprendizagem e o desenvolvimento como processos mediados.
Na formação docente, ocorre o processo dialético que “no curso de seu
desenvolvimento, também moldam ativamente as próprias forças que são ativas em moldá-
los”. (DANIELS, 2003, p. 10). Portanto, a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem por
um processo de apropriação ativa e vão além da transmissão de conhecimentos.
Vigotski, pensador russo (1896/1934) viveu durante a Revolução Russa, desenvolveu
seus estudos com o objetivo de realizar uma análise histórico-crítica da situação da
psicologia na Rússia e no resto do mundo” (PALANGANA, 2001, p. 86) e propor uma
explicação mais abrangente para os processos psicológicos humanos. Iniciou “a criação de
teorias psicológicas que ele e outros usaram como ferramenta para o desenvolvimento de
novas pedagogias para todos os aprendizes”. (DANIELS, 2003, p. 10). O contexto da Rússia
não é similar ao contexto brasileiro, nem a época é a mesma, mas as idéias de Vigotski
chegam a esse país apontando novos conhecimentos sobre o desenvolvimento mental humano
e como esses contribuem para a formação humana.
Na sociedade atual, que oferece novas possibilidades para o ensino e a aprendizagem,
com novas ferramentas que expandem as mediações, como os computadores e a internet,
torna-se necessário uma releitura das idéias de Vigotski. Algumas delas o fundamentais
para a reflexão do professor, como: ao ensinar eu aprendo, máxima que remete à idéia de
movimento do processo de ensino e de aprendizagem, de formação continuada, de que a
aprendizagem se realiza o tempo todo e na relação com o outro. Outra idéia é que o homem
66
tem que ser educado e é preciso intervir para tornar o homem humano e a escola torna-se
essencial, lugar privilegiado onde ocorre o desenvolvimento dos processos psicológicos
exclusivamente humanos.
Sendo a escola lugar do ensino, nesta perspectiva, a atividade de planejamento
educacional torna-se fundamental, pois é nela que se organizará o processo de humanização,
sempre nas relações entre pessoas para se promover a aprendizagem.
Os estudos de Vigotski (2003) sobre os processos interpessoais e intrapessoais
refletem a importância desses dois movimentos na aprendizagem da docência: aprendo na
mediação com os outros: colegas, professores da escola estagiada, professores da
Universidade; e essas aprendizagens são apropriadas internamente, num processo criativo de
construção. O processamento de aprendizagem ocorre no aluno de maneira ativa,
relacionando com sua própria formação familiar, social, que para o autor, é cultural e
histórica; o indivíduo vai atribuindo sentido à aprendizagem pelo contexto em que vive. É o
processo de objetivação, que segundo Daniels (2003), é o significado corporificado,
sedimentado em objetos quando são empregados em mundos sociais. Significado, não em
virtude de sua natureza física, mas porque foi produzido para certo uso e incorporado num
sistema de fins e propósitos humanos; é sustentado pela atividade humana que sempre tem um
propósito.
Segundo Palangana (2001) a linguagem e o pensamento são os mecanismos pelos
quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa, pois, têm origem social. As funções
mentais são entendidas pelas atividades do homem, enquanto fenômeno histórico e
socialmente determinado. Reportando-se a Engels, a autora completa, elucidando que o
homem é afetado pela natureza e, por sua vez, o homem age sobre a natureza e cria novas
condições para sua existência, determinando seu desenvolvimento histórico. As mudanças
históricas na sociedade produzem modificações na natureza humana, na consciência e no
comportamento. “Estudar um comportamento historicamente significa estudá-lo em sua
dinâmica de transformação”. (PALANGANA, 2001, p. 95).
A história e a cultura são apropriadas por meio de processos mediacionais, que são
constituídos de instrumentos e signos. São elos intermediários que criam “uma nova relação
entre sujeito e objeto” (VIGOTSKI, 2003, p. 53). Apresentam-se como mobilizadores de
ambos, provocando mudanças em ambos. Os mediadores servem como meios pelos quais o
indivíduo age sobre fatores sociais, culturais e históricos e sofre ão deles. O instrumento
constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio
da natureza, portanto, o instrumento muda o objeto.
67
O principal instrumento do professor é a linguagem: as palavras, os textos, e a
formação social de idéias. “A mediação social/cultural/lingüística do significado serve para
criar um conjunto de possibilidades individuais de compreensão”. (DANIELS, 2003, p. 20). A
linguagem é uma criação humana, que forma os homens como seres históricos e culturais,
dando-lhes acesso ao mundo. A linguagem estrutura o pensamento, o sentimento, a ação. O
homem tem necessidade de se comunicar, de se relacionar com o mundo e com os outros para
se apropriar do conhecimento histórico.
A palavra se constitui uma importante mediação, que permite dirigir e dominar os
processos mentais internos. Combinada com os instrumentos, forma as funções mentais
superiores, que nascem de formas coletivas de comportamento, ocorrem num processo
cooperativo, ou seja, pela assistência e pela participação do outro. Portanto, a cognição
transpõe o individual, nasce na atividade compartilhada. Para Vigotski (2003), o signo se
constitui um meio da atividade interna dirigida para o controle do próprio indivíduo,
exercendo a função organizadora, produzindo novas formas de comportamento, provocando
mudanças no sujeito.
A teoria histórico-cultural estuda o ser durante o processo de desenvolvimento. O
professor coordenador do estágio acompanha o processo de formação docente, analisando as
ações do aluno estagiário que geram desenvolvimento e crescimento cognitivo, em atividade.
Estudar aspectos dos indivíduos em desenvolvimento envolve estudar as “relações entre esses
indivíduos e seu mundo imediatamente circundante (pessoas e objetivos), e o contexto
cultural-histórico mais amplo”. (DANIELS, 2003, p. 61). Estudar tanto a escola como
organização social, como o processo educativo em seu movimento dinâmico de
transformações históricas.
Na formação docente, os alunos que são professores dão significação ao processo
educativo que nem sempre são percebidas pelos novatos, pois usam esquemas socialmente
adquiridos pela participação na sua prática. As perguntas de busca são outras. A formação dos
alunos sem a experiência na docência (que o são professores), com a mediação do
professor-orientador de estágio será aprendida no coletivo, confrontando as ações com os
padrões culturalmente dados. Esse deve conhecer as dinâmicas sociais, a escola e seu
contexto, saber as possibilidades de sua própria atividade pedagógica e conhecer os alunos.
Um conceito fundamental, nesse sentido, é o apresentado por Vigotski (2003) de Zona
de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Esta representa uma tentativa teórica de compreender a
operação de contradição entre possibilidades internas e necessidades externas, que constitui a
força motriz do desenvolvimento. Os homens fazem a si mesmos a partir do exterior. Agindo
68
sobre as coisas no mundo, eles se envolvem com os significados que essas coisas assumiram
na atividade social. Os humanos tanto moldam esses significados como são moldados por
eles. Esse processo ocorre na ZDP que é um engajamento ativo do indivíduo na descoberta de
novos meios de resolver problemas. (DANIELS, 2003, p. 77). Sair do aprendido para ir além
alcançando, o potencial.
A ZDP é compreendida como
[...]a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com pares mais capazes
(VIGOTSKI, 2003, p. 112).
A atuação do adulto, aqui representado pelo professor, possibilita ao aluno expandir o
que sabe, orientando-o naquilo que ainda não sabe, até que atinja novamente o nível real;
novamente outros desafios surgirão. Um problema educacional aqui lembrado é o processo de
avaliação da escola. Avalia-se o que o aluno sabe (nível real) e não o que o aluno está em
processo de conhecimento (potencial).
Portanto, “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”
(VIGOTSKI, 2003, p. 117), que desperta as funções superiores. O autor defende uma
aprendizagem para além do contexto da estruturação pedagógica, incluindo a estrutura do
mundo social e a natureza conflituosa da prática social.
Daniels (2003, p. 112) afirma as idéias defendidas por Vigotski:
A atividade cultural e os fenômenos psicológicos têm uma relação mútua de
dependência e sustentação. A relação é como uma espiral, em que cada um
se converte no outro e se constrói sobre o outro. Os fenômenos psicológicos
são os processos subjetivos, a atividade cultural é o lado objetificado prático.
A atividade prática organiza os fenômenos psicológicos.
Portanto, a estrutura e o desenvolvimento dos processos psicológicos humanos surgem
pela atividade prática, culturalmente mediada. E, segundo Baquero (1998), operar sobre a
ZDP possibilita trabalhar sobre as funções em desenvolvimento.
Na sala de aula ocorrem, ao mesmo tempo, várias ZDP, que podem ser percebidas
pelas questões levantadas pelos alunos, pelas diferentes colocações nos relatórios de estágio,
demonstrando que eles desenvolvem seqüências diferentes, cada um em seu ritmo, que devem
ser levadas em consideração ao organizar a atividade dos alunos estagiários, promovendo a
aprendizagem.
69
4 – A APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA EM SITUAÇÃO DE ESTÁGIO
4.1 A atividade de aprendizagem realizada
A complexa relação entre teoria e prática deveria ser a base para se organizar a
atividade dos alunos estagiários, desenvolvendo o pensamento pedagógico durante a
formação, sedimentando, assim, uma dimensão de totalidade do ato educativo.
A literatura sobre formação docente, sobretudo, a de autores como Marques (2003),
Tardif (2002) e Contreras (2002), valoriza as experiências vividas na concretude do cotidiano,
como experiências formadoras. O estágio é uma experiência concreta da formação docente,
que representa um momento que permeia toda a formação do novo profissional da educação.
Tardif (2002), refletindo sobre o trabalho, afirma que, por meio dele, o homem
transforma um objeto ou situação em uma outra coisa e transforma a si mesmo no e pelo
trabalho. Enfatiza a idéia de que se aprende no exercício, na experiência da profissão e nas
relações que se estabelecem com o outro. O autor defende que o saber não se reduz, exclusiva
ou principalmente, a processos mentais, cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos,
mas é também saber social que se manifesta por meio de relações complexas entre professores
e alunos, dando importância aos saberes cotidianos.
O saber social, cultural e histórico, o estagiário confronta-os com as experiências
diárias da escola, aprendendo, assim, as práticas educativas, localizando-as no espaço em que
se manifestam.
A esse respeito, Marques (2003, p. 30) ao formular uma proposta para um curso de
formação de professores no Rio Grande do Sul, apresenta algumas questões bastante
pertinentes:
[...] como vincular a teoria e a prática, de modo a superar a ambivalência da
prática assumida ora como aplicação, ora como exercitação da teoria? Escola
de aplicação ou escolas da comunidade como cenários do estágio? Como
garantir a presença ativa da comunidade na qualidade de condição decisiva
de formação e como garantir o efetivo apoio às atividades dos estágios por
parte da Universidade? Como assegurar a interdisciplinaridade e a
cooperação interdepartamental nos cursos de licenciatura?
Essas indagações são fundamentais para a reflexão da organização do estágio como
uma situação de aprendizagem. As questões de Marques (2003) nos remetem a outras
reflexões: como se realiza a aprendizagem do estudante nas situações de estágio? Como o
70
estágio constitui-se um momento de aprendizagem da docência? Qual é o papel do professor
de estágio?
Segundo Marques (2003, p. 93), importa superar a visão fragmentada da dinâmica
curricular e, em nenhum momento separar teoria da prática, pois (...) “nem a prática é
realidade pronta e indeterminada, nem a teoria é sistema autônomo de idéias”. É necessário, a
cada momento, interrogar-se o modelo teórico-prático e qual a sua relevância social. Por isso,
as observações e reflexões, durante os estágios, devem ser resultado de análises teóricas
consistentes, assumindo um caráter de iniciação à pesquisa. Isso porque se entende que
observar, analisar e sintetizar a prática docente são ações que concorrem para uma atitude
científica de investigação. O que se defende é que o estágio por se constituir um momento de
aprendizagem da docência, com um objeto específico ensino seja estudado com o rigor
acadêmico que merece.
Ao repensar o estágio, é necessário repensar também os cursos de formação como um
todo, já que do ponto de vista teórico-metodológico, nem sempre são bem compreendidos. Na
proposta aqui apresentada de licenciatura, pretende-se analisar o estágio como atividade de
aprendizagem e interligada à formação com uma visão de totalidade da prática docente.
Assim, apresenta-se, inicialmente, a estrutura organizacional do curso de licenciatura
investigado.
A organização do ensino de estágio, tal como tem sido realizada no Curso de
Licenciatura investigado, tem se estruturado pelas atividades descritas, a seguir, elaboradas e
desenvolvidas por esta pesquisadora. As atividades de estágio 1 e 2 são aqui apresentadas para
uma compreensão do processo. Prioriza-se para as análises desta pesquisa o estágio 3,
momento em que foram estabelecidas atividades específicas para desencadear a reflexão e a
ação dos estagiários, cientes (com declaração de consentimento) dos objetivos da
professora/pesquisadora. Os estágios subseqüentes não serão aqui tratados, pois esta pesquisa
foi realizada durante três semestres em que se realizam os estágios de Língua Portuguesa, a
saber:
1) Estágio de observação cujo objetivo é ter uma visão contextual da Escola. Observa-
se o local em que a escola está inserida, o bairro, a comunidade e sua participação nas
atividades educacionais, as expectativas em relação à escola, as condições sociais e a
educação que realiza. o analisados o movimento, a dinâmica, as relações e inter-relações
que se efetuam na escola. A observação das relações dá-se por meio de análise das
documentações, normas e regimentos; da atuação dos pedagogos e dos demais funcionários na
escola e, também, quanto às questões dos recursos sicos e materiais que se encontram à
71
disposição dos professores para o seu trabalho em sala de aula. Analisa-se o movimento de
professores, ao decidirem e projetarem ações no processo de ensino e de aprendizagem,
também, a partir das reuniões coletivas.
No decorrer dessas observações, os alunos trazem, para discussão em sala, as
facilidades e os entraves na vivência escolar. O professor de estágio, com apoio de um
referencial teórico, colabora definindo critérios de reflexão, mediando teoricamente as
observações apresentadas, oportunizando a ampliação da visão dos alunos na análise do
processo educativo. A articulação prática-teoria-prática é facilitada pela ida à escola e pelas
reflexões no coletivo da sala de aula da universidade.
O significado desse momento relaciona-se à compreensão de que a observação ajuda a
elaborar o pensamento. Na observação tem-se a possibilidade de eliminarem-se os
preconceitos e os pré-conceitos para que se possa enxergar objetivamente o contexto escolar.
Leva-se em consideração, também, o que cada aluno estagiário observa pelo que já vivenciou
em sua vida escolar e as relações que estabelece com a análise da bibliografia sugerida e
estudada no curso. Partindo daí, ele começa a delinear, com os outros, de maneira coletiva,
nos encontros semanais, o profissional que deseja ser e a visualizar suas necessidades de
formação. Ao detectar situações-problema por meio das análises, abre-se um extenso campo
de pesquisa.
No movimento de observação deve-se ter presente o todo que representa o trabalho da
escola, em que aspectos que são dados, como exemplo: a opção pedagógica, os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e, também, os costumes, as exigências morais, as normas a
serem seguidas. Ainda os aspectos em processo: o projeto político-pedagógico das escolas
e o desencadeamento de suas ões; as decisões após um Conselho de Classe e outras nas
diversas reuniões administrativas e pedagógicas das escolas. A reflexão caminha no sentido
de compartilhar os objetivos e as aspirações sociais e os objetivos e aspirações particulares,
articulando o significado da ação pedagógica ao sentido pessoal atribuído.
2) Um segundo movimento é referente à observação da dinâmica da sala de aula. O
contato do estagiário é direto com o professor e os alunos, observando como se o processo
de conhecimento, de ensino e de aprendizagem, as dinâmicas, os estudos, as pesquisas, a
participação dos alunos. Também são analisados o papel do professor no desenvolvimento das
atividades de ensino, a maneira como realiza as mediações, sua relação com o livro didático e
outros materiais, a divisão do tempo de cada atividade em sala de aula, a disciplina, a
avaliação. Todas essas questões o objetos de análise, como também a escolha e a
72
priorização do conteúdo pelo professor regente de turma, a análise dos programas de ensino
oficiais e as adaptações e estudos que são realizados sobre eles.
Na sala de aula da universidade, o professor de estágio, ao atuar como mediador, apóia
a análise referente aos conhecimentos desenvolvidos nas escolas, sobre o planejamento, o
manejo, a postura e a organização sob a ótica das atividades orientadoras de ensino. A
atividade orientadora de ensino, segundo Moura (1996, p. 29), representa a síntese do
currículo, “ao articular objetivo, conteúdo, métodos e concepções sobre o conhecimento e
como este se constrói”.
A atividade tem o caráter intencional e pode ser a unidade de formação do aluno e do
educador, ao entender a educação escolar como situação-problema, cuja solução envolve a
partilha de diferentes saberes nesse espaço, que forma o aluno e o professor. A situação-
problema na situação de estágio é o como ensinar.
O estagiário, ao observar a atuação docente, deverá entender que a imitação também se
constitui aprendizagem, mas é necessário significá-la, isto é, da atuação do outro para si,
configurando um jeito próprio de atuação, refletindo a possibilidade de liberdade e a criação
de uma maneira própria de atuação, um jeito transformado de ser professor. A imitação torna-
se importante no movimento de aprender no estágio, pois, segundo Heller (1985, p. 88), na
perspectiva do cotidiano,
[...] o homem imita modos de conduta e de ação. Sem a imitação ativa da
totalidade, de um comportamento, o haveria a assimilação de papéis.
Mesmo a imitação humana mais mecânica é assimilação ativa. Assim ele
toma posse da história humana.
O estagiário vai se constituindo professor nesse movimento de assimilação ativa de
papéis e na integração da história da profissão docente.
3) Num terceiro movimento, o aluno estagiário atua em regência em sala de aula. Os
alunos preparam e executam as aulas e, num trabalho de discussões coletivas com os colegas
da sala, são levantados critérios para análise da aula: os pontos fortes e as dificuldades durante
o desenvolvimento da mesma.
Na análise do ensino, segundo Marcelo Garcia (1999), salienta-se a importância do
estudo do ambiente da classe, a análise de tarefas e atividades como elementos estruturadores
do currículo em ação, aprofundando a compreensão do desenvolvimento do contexto real de
ensino.
Os critérios para a análise o levantados junto com os universitários e, a partir deles,
se estabelece o que precisa ser superado. Aulas se compõem de momentos diversificados:
sensibilização, momento de início da aula para abrir os canais de comunicação; dinâmicas que
73
desafiam os alunos a pensarem e a interagirem com os conteúdos; criação de situações de
ensino e de aprendizagem que despertem o interesse dos alunos; aula expositiva; jogos e
elaboração de avaliações de conteúdo e utilização de diferentes recursos na aula.
Nesse estágio, momentos de diagnóstico das necessidades dos alunos, pesquisa de
conteúdo e estudo visando orientar o trabalho docente, o planejamento e a elaboração dos
materiais didáticos.
A aula, na universidade, constitui-se um movimento de extensão da prática de estágio;
extensão no sentido de completude, extensão numa relação dialética, que sai da universidade,
vai para a escola, mas retorna àquela. Aí, a discussão tem uma outra qualidade. Busca-se
descobrir o significado sobre o caminho; é o momento de analisar-se os propósitos, os
valores, os motivos coletivos, as normas, a ética.
O retorno à universidade juntamente com outros instrumentos, como: leituras,
mediações, as possibilidades de ver o objeto, constitui-se uma outra situação. Esse retorno
assume um outro significado. Parte-se do concreto, abstrai-se e se volta ao concreto com outra
qualidade.
Com o significado se dando no processo, o conteúdo das aulas é componente dinâmico
das ações educativas. Os motivos são mutáveis. Ao se iniciar uma ão ou projeto, pode-se
estabelecer um motivo que, no decurso do processo, pode ser alterado ou mudado. Como
afirma Sacristán (1999), na aula a intenção prévia (antes de agir) e intenção na ação que é
interativa (enquanto se age). É na dinâmica entre as intenções que se realiza a aula.
A partir da atuação e da percepção de problemas, os alunos estagiários são desafiados
a elaborarem projetos de intervenção e a analisarem sua execução. Nesse projeto, inclui-se um
estudo teórico que fundamente o tema específico da necessidade detectada, o que permite
decidir e refletir sobre os problemas educacionais de forma que a teoria oriente a prática e
vice-versa.
Os métodos, as técnicas de ensino e os materiais didáticos devem estar em coerência
com os objetivos, com a opção política do projeto educativo. Na elaboração dos projetos essa
coerência entre objetivos e ações, e a opção política, entendida aqui como um lugar de partida
da escolha teórica, do aporte teórico que o estagiário escolherá, aponta para os rumos de
sua profissionalização.
É importante uma análise coletiva das práticas pedagógicas que podem sugerir
momentos de partilha e de produção da profissão. Num certo sentido, trata-se de inscrever a
dimensão coletiva no “habitus profissional dos professores”. (NÓVOA, 1999).
74
Os três movimentos apontados não representam a totalidade das atividades de estágio
do curso de licenciatura em estudo. Aqui foram analisados três semestres letivos.
A intenção do estágio é abarcar as várias possibilidades de atuação do profissional de
educação em espaços escolares, onde se desenvolvam projetos pedagógicos, localizando um
espaço definido para o desenvolvimento do trabalho acadêmico, considerando o referencial
teórico de que o aluno se apropriou.
Esse relato até aqui explicitado, constitui-se o trabalho que consta no plano de curso
da disciplina. No caso desta pesquisa, o movimento do terceiro estágio fundamentou-se nos
princípios teórico/metodológicos da atividade orientadora de ensino de Moura (1996) com o
objetivo de os alunos identificarem as situações-problema observadas na regência de aulas,
para desencadear propostas de soluções, a partir das atividades refletidas por eles.
Esta pesquisa parte de uma condição objetiva: uma realidade do Curso de Letras e a
turma escolhida, foi o período, que teve o acompanhamento desta pesquisadora, na
condição de docente, durante três semestres (um ano e meio). Nesses casos, pode ocorrer o
envolvimento da pesquisadora com a turma, mas, ao mesmo tempo, a coloca em uma situação
de ver o que outros não veriam, por estar inserida e também se formando no processo.
Várias ações foram desencadeadas para a coleta de dados: houve mudanças no
planejamento das aulas, ocorreram atividades extras, vídeo-gravação de aulas dos alunos,
aprofundamento teórico com apoio do GETA (Grupo de Estudo sobre a Teoria da Atividade),
citado anteriormente e estudo de referenciais. Os alunos também estudaram e promoveram
seminários, responderam um questionário e dois deles, responderam as questões da entrevista.
Tudo foi registrado em um caderno de campo, as questões da entrevista foram discutidas em
sala de aula e os relatórios, as vídeo-gravações e as aprendizagens foram pensados
coletivamente, em horário de aula.
Uma primeira reflexão realizada com os alunos estagiários diz respeito aos conteúdos,
que são dinâmicos e podem ser criados, transformados e aprendidos para atender aos
objetivos do professor, em contraponto ao que está posto (o livro didático).
Ao priorizar-se os conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas, é importante questionar
a quem ensinar, para quem ensinar, o que ensinar, como ensinar, como avaliar, como parte da
capacidade de decisão do professor ao elaborar um projeto pedagógico.
Evidencia-se que esses movimentos vivenciados no estágio possibilitam o
desenvolvimento do aluno em seu processo de formação, visto que contemplam atividades de
observações aliadas a um estudo teórico, num movimento em espiral, confrontos e
75
contradições no momento de atuação e uma reflexão coletiva, da turma, das escolas e das
mediações do professor de estágio.
Um dos instrumentos utilizados no estágio é o relatório. A função primeira do relatório
é espelhar a leitura crítica do aluno-estagiário sobre o campo de ação em suas várias
dimensões, desde o estudo de documentos que compõem a estrutura e o funcionamento da
escola à operacionalização de suas propostas educativas nos diferentes tempos e espaços. O
registro da prática é momento reflexivo. Quando se relata ao outro, um movimento das
operações mentais: comparação, observação, interpretação... é anotar o cotidiano. O registro é
fonte de investigação e replanejamento para ações futuras. As informações dos registros
tornam-se conteúdos de pensamento.
No relatório, o aluno descreve analiticamente todas as etapas de operacionalização da
sua experiência decorrente do campo de estágio. Ele registra, descreve e analisa o que
observou. E essa é uma prática em que os estagiários encontram dificuldades, pois não estão
familiarizados com as atividades de pesquisa. Talvez pelo condicionamento de pensar sempre
numa única direção, demonstrando deficiências em sua formação da educação sica, ou
porque a questão da atividade de pesquisa exige a definição de um método, de um fenômeno a
ser investigado. A esse respeito, Fazenda (1994, p. 55) alerta que todo
(...) o profissional que não consegue investigar questões específicas de sua
área de conhecimento ou que não tenha tido oportunidade de pesquisar-se a
si mesmo necessariamente não terá condições de projetar seu próprio
trabalho, de avaliar seu desempenho e de contribuir para a construção do
conhecimento de seus alunos.
No final do curso, o estágio poderá subsidiar a monografia ou o trabalho de conclusão
de curso, com os aspectos que o estudante considerar mais significativos para a sua formação
acadêmica, retratando um aprofundamento teórico e um posicionamento crítico frente a toda
gama de informações que recebeu ao longo do curso e as relações com as situações práticas
vivenciadas.
O contato com a escola, campo do estágio, e/ou outras atividades voltadas para a
concretude da realidade profissional do professor oportuniza ao aluno-estagiário captar desde
a prática de ensino à realidade vivenciada nos diferentes espaços do ensinar e do aprender,
com o devido lastro teórico, o que contribui significativamente para a melhoria do fazer
pedagógico. Isso porque “[...]a ciência não está separada da vida do pensamento cotidiano por
limites rígidos. Toda obra volta à cotidianidade e seu efeito sobrevive na cotidianidade dos
outros”. (HELLER, 1985, p. 26-27). Realizar o estágio é ver a experiência do outro, aprender
com o outro. O pensamento de que outros agiram dessa maneira na mesma situação [...]”.
76
(HELLER, 1985, p. 35) se por um lado pode impedir de captar o novo, o irrepetível e único
de uma situação e é esse tipo de “continuísmo” que a situação do estágio pretende romper, por
outro lado, possibilita colocar-se no lugar da professora e compreender os motivos de sua
ação, superando o imediatismo.
O saber vinculado apenas às necessidades de formar um professor prático-reflexivo,
causa o aligeiramento da formação teórica do futuro educador. Pode causar aversão ao
“clássico”, ao saber socialmente produzido, à teoria, à valorização do útil, do que não exige
questionamento, crítica, raciocínio. Segundo Duarte (2001), para ir além da aprendizagem
significativa é importante conhecer a teoria de origem da mesma.
Cada vez mais, vem sendo dada importância em ouvir a experiência do outro, em
encontros da área educacional. E “em nome da valorização da experiência de cada professor,
o que acaba por existir é a legitimação do imediatismo, do pragmatismo e da superficialidade
que caracterizam o cotidiano alienado”. (DUARTE, 2001, p. 79). Nessas experiências o que
se percebe é uma fuga da análise teoricamente fundamentada e politicamente consistente dos
princípios presentes em ações. Repetem-se as experiências por achá-las interessantes sem se
localizar o momento em que elas acontecem ligadas ao desenvolvimento do que é trabalhado,
inseridas nos objetivos do professor.
O estágio, nesta perspectiva, deve converter-se em um objeto rico da investigação
acadêmica, bem como da prática docente e da relação da Universidade com a comunidade em
diferentes dimensões. Proporciona uma atualização constante do que realmente acontece no
cotidiano e das reais necessidades de estudos e aprimoramentos. O estágio, portanto,
constitui-se ações articuladas entre ensino, pesquisa e extensão, que surgem da docência para
se concretizar na escola.
As atividades de estágio envolvem atividades de observação, reflexão crítica e
reorganização das ações desenvolvidas. Essas características colocam o futuro professor
próximo à postura de um pesquisador, de um investigador preocupado em aproveitar as
atividades comuns de sala de aula e delas extrair respostas que reorientem sua prática
pedagógica com os alunos.
A seguir, apresenta-se uma particularidade no movimento formativo dessa turma de
alunos pesquisada. Uma das atividades realizadas no estágio é vídeo-gravada para depois ser
analisada pelo aluno estagiário e pela professora de estágio do curso de Letras. O objetivo da
gravação é analisar a ação docente no coletivo da turma. A aluna pode se ver atuando e os
colegas colaborando, estabelecendo os critérios de uma boa aula. O estudo sobre a aula vem
77
na seqüência do trabalho de leituras sobre planejamento, avaliação, metodologia e estratégias
de ensino utilizado.
A atividade realizada foi uma vídeo-gravação da aula de uma aluna da turma, na
série matutina de uma Escola Estadual. A aluna realizou o estágio cumprindo a regência de
aulas. O relato que se segue foi realizado pela professora de estágio, dialogando com a aluna e
ouvindo as observações da equipe da escola que acompanhou a atividade.
Nessa rie, havia poucos alunos na sala e eles ficaram bem concentrados; não se
incomodaram com a câmera de vídeo. A atividade desenvolvida foi leitura, interpretação de
texto e o uso de onomatopéia. Antes de solicitar a leitura do texto a aluna estagiária, elaborou
perguntas aos alunos sobre o tema do texto. Estabeleceu-se um diálogo inicial e os alunos
contaram várias coisas sobre o tema. A referida aluna sugeriu, então, que cada um lesse o
texto silenciosamente e que, após, cada um lesse uma frase. Assim todos teriam oportunidade
de ler em voz alta. A aluna estagiária pediu que os alunos pensassem sobre questões de
interpretação do texto e as relacionassem com o que tinham contado. Abriu-se um debate
sobre as idéias do texto e se solicitou que fizessem um desenho dos personagens e
mostrassem seus desenhos para os colegas. Posteriormente, solicitou-lhes identificar “os
barulhos” contidos no texto; e no quadro de giz, fizeram vários exemplos de onomatopéia. Os
alunos da escola colaboraram com a atividade e falaram quando solicitados, muito atentos
a tudo. Na leitura oral, alguns apresentaram dificuldades (nas palavras maiores). Quanto à
idade, alguns com mais de doze anos, monopolizaram a atenção e todos fizeram as atividades
propostas. “Hei! o acabou a aula não!”, diz um aluno, quando a estagiária começou a
agradecer-lhes, demonstrando que queria mais tempo de atividades.
Observou-se que a aluna estagiária começou ouvindo da turma o que os alunos sabiam
do assunto do texto que tinha levado (sobre animais que têm em casa e a relação com eles).
Como os alunos ficaram midos, a aluna aflita, ia respondendo suas próprias questões; é
preciso dar tempo aos alunos para falarem.
A aluna estagiária solicitou a leitura silenciosa e todos leram realmente em silêncio e,
logo após, realizou a leitura oral e pediu a cada aluno para ler uma frase e o próximo
continuar. Eles distraidamente liam mais após a frase, ou, então, não entenderam a proposta.
A estagiária não interrompeu para explicar a dinâmica; em seguida, ela apontou a importância
de se ler as notas de rodapé do texto e quando os alunos liam palavras erradas, ela não os
corrigiu.
A professora da turma que assistia à aula falava quando os alunos erravam e os
lembrava de que era para ler só uma frase (muito discretamente).
78
A leitura oral de muitos não foi boa, o que comprometeu o entendimento do texto.
Percebendo isso, a estagiária leu o texto todo com entonação e sugeriu que eles fizessem os
exercícios com questões de interpretação do texto.
Os alunos realizaram as atividades com facilidade, pois, tinham entendido o texto. Ela
caminhou entre as carteiras atendendo um a um em suas dificuldades. Na correção coletiva,
ela não esperava as respostas dos alunos. Dois alunos respondiam antes dos outros, ela
poderia ter incentivado a participação de todos ou dizer: e você, o que acha? Aflita, ela
mesma interpretava o texto.
Um aluno fez um comentário que o “sorriso amarelo” expressão que aparece no
texto, era o sorriso de não escovar os dentes. A aluna não aproveitou a oportunidade para
retornar ao texto, localizar a expressão, mas explicou o correto sentido do texto, uma
metáfora.
Como ainda tinha tempo, ela sugeriu um desenho representando a expressão dos dois
personagens do texto e, após, pediu para que mostrassem o desenho ao colega do lado. Foi um
momento descontraído em que riram, admiraram e conversaram sobre os personagens.
Escreveu no quadro a palavra onomatopéia e deu alguns exemplos e os alunos levantaram os
“barulhos” do texto, puxando o conteúdo da Língua Portuguesa.
A aluna avaliou a atividade pedindo para falarem o que acharam da aula e eles com
timidez falaram que gostaram da aula, do texto e pediram para ela voltar. Um aluno quis saber
detalhes da faculdade e a aluna conversou com a turma sobre o curso superior e finalmente
agradeceu a todos.
Na análise da fita, dois pontos foram levantados e discutidos com a aluna. O primeiro
é que ela ouviu pouco o que os alunos diziam e o segundo, que ela não aproveitou as
oportunidades de expandir o conteúdo, surgidas com as questões dos alunos.
A vídeo-gravação dessa aula da aluna foi condensada em 15 (quinze) minutos e
apresentada à sua turma – 5º período da faculdade – para observações coletivas da aula.
O filme foi apresentado à turma pela própria aluna e teve como objetivos, refletir
sobre a ação, poder observar e reconhecer suas próprias idéias e compartilhar com o grupo.
A possibilidade de se discutir com o outro as idéias presentes no pensamento, ajuda a
organizá-lo, à medida que, no processo de discussão, suas idéias são questionadas,
completadas por outros, ou mesmo rejeitadas, como afirma Camargo (2004).
Antes de assistirem ao filme, levantaram os critérios para a análise:
Interação dos alunos.
Interação professor e alunos.
79
Intencionalidade qual a necessidade dos alunos ao realizarem a atividade? O tema é
pertinente?
As mobilizações que a aluna fez, as iniciativas, as mediações, os instrumentos usados.
Discussão sobre a complexidade da aula a partir da questão – nem tudo que planejo sai
certo; por quê?
A esses critérios os alunos acrescentaram outros: postura, tom de voz, vocabulário
(gírias), roupa (visual), conteúdo, criatividade, envolvimento dos alunos, desenvolvimento
dos alunos, material utilizado, comportamento e disciplina, metodologia.
Os alunos observaram que a situação de filmagem modifica o comportamento da
turma e eles ficaram muito disciplinados, mas isso não comprometeu a atividade, pois foi uma
preocupação inicial. Logo eles se acostumaram com a situação.
A vídeo-gravação foi um instrumento para se conhecer melhor a docência, para se
compreender o fenômeno da docência. O recurso de vídeo-gravação permite captar
significados e sentidos que não seriam possíveis apenas com o caderno de campo, que
incentiva processos reflexivos para a ação, sobre a ação. A preocupação é de fundamentar os
alunos teórica e metodologicamente; perceberem o lugar dos outros, fazerem o exercício de
discutir suas práticas.
São dezessete alunos na turma do período (a totalidade) do curso de Letras que
decidiram participar do estudo sobre a aula. A aula é, no estágio em que estão, o foco
principal, pois atuarão diretamente nas salas de aula, como regentes.
Nesse sentido, o estudo coletivo do texto “A atividade de ensino como unidade
formadora” de Moura (1996) teve como objetivo subsidiar a elaboração das aulas, a aplicação,
a avaliação coletiva e individual e os registros feitos pelos alunos de todas as atividades
realizadas.
Os alunos começaram a delimitar o tema da aula a ser ministrada na escola estagiada,
a partir das observações de aulas do professor na escola escolhida, preocupando-se em dar
seqüência às atividades, colaborando com a escola estagiada. Escolheram também, temas que,
a partir das observações, da fala dos alunos e pela análise das avaliações, os estagiários
perceberam ser os de maiores dificuldades.
Um dos grandes desafios em se dar seqüência às aulas planejadas é o tempo de cada
aluno estagiário. Nessa turma alguns alunos são trabalhadores durante todo o dia, outros
trabalham em um só período. O tempo do estágio, portanto, é o de uma noite em que eles não
têm aula na faculdade, justamente para a realização do estágio. A escolha de se trabalhar um
80
tema por projetos se apresenta como solução, para que possam perceber o processo,
desenvolver ações e perceber seus resultados.
Nessa turma, a maioria dos alunos trabalha como professores: alguns na educação
infantil (dois alunos, 11.7%), outros de a séries (dois alunos, 11,7%) e ainda professores
de a séries, principalmente de Língua Estrangeira (cinco alunos, 29,4%). Há, ainda,
alunos voluntários ou assistentes em escolas particulares (dois alunos, 11,7%); secretário de
escola pública (um aluno, 5,8%) e alunos que nunca atuaram em sala de aula (cinco alunos,
29,4%).
A partir do estudo e das observações, foram levantadas algumas questões: como se
o conhecimento? O que se tem que fazer para que o outro aprenda?
Para se obter as respostas, surgiu uma proposta: os estagiários deveriam refletir sobre a
atividade, elaborar atividades de Língua Portuguesa, desenvolver essas atividades, filmar a
aula, relatar, ver o filme e realizar um exercício de reflexão através de discussão coletiva e de
reflexão pessoal.
O texto de Moura (1996) colabora, nessa discussão, explicitando a importância da
elaboração das atividades de ensino, a partir da necessidade de aprender, de uma situação-
problema, da definição de ações e de ferramentas e a importância de se desenvolverem ações
articuladas, elaborando um projeto pedagógico, demonstrando a intencionalidade educativa.
A turma assistiu também, a uma fita de vídeo de uma professora ensinando e a partir
da questão como o professor aprende?” foi desencadeado o processo de reflexão. Dessa
discussão, os alunos concluíram e entenderam que é mobilizando experiências, ao elaborar
atividades, que se aprende. Nessa direção, não só se analisou a interação professor/aluno,
aluno/aluno, conteúdo, objetivo como também observou-se que, no filme, a aprendizagem do
conteúdo é desencadeada a partir do jogo; que é mais fácil lidar com o concreto, com objetos.
O que é concreto? É o que tem significado. O que motiva a pessoa? É importante o professor
conhecer o conteúdo para articular hipóteses. Pelo filme, realizou-se a reflexão da prática, o
exercício de aprender com a experiência do outro. Uma aluna relata que, mesmo ela
ministrando uma excelente aula, não consegue despertar o entusiasmo do aluno. Por quê?
Levantam-se as características de uma boa atividade: o lúdico, o objetivo se materializa no
conteúdo, provocar o desenvolvimento do aluno, escolher um caminho, a estratégia (método);
registrar, visualizar o problema a ser resolvido, a intencionalidade pedagógica, a construção
humana por trás do conceito.
As aprendizagens sobre a atividade orientadora (característica da atividade apresentada
no filme) relatadas pelos alunos foram as seguintes:
81
Essa atividade desperta o interesse dos alunos, fazendo com que fizessem vários
questionamentos e esses o levassem a descobrir uma solução para o problema
apresentado.
Assistir a uma experiência facilita a aprendizagem, mais do que falada. É
importante vivenciar a experiência para aprender melhor.
Ajuda a refletir a maneira como você ensina e a observar os alunos, a maneira como
se comportam na hora de aprender, ver os pontos positivos e negativos que, às vezes,
passam despercebidos durante a aula.
Desperta nas crianças toda sua carga de emoção, sentimentos e imaginações que tem
relações essenciais envolvidas com a ação pedagógica. Os instrumentos utilizados
foram fundamentais para a compreensão do mundo em que a criança vive, pois
trabalha também com o racional. A atividade faz a criança pensar, estruturar e
calcular, assim estimula o desenvolvimento de cada um, respeitando seus limites.
A partir da história que a professora contou, começaram os questionamentos, que
ajudaram o personagem a aprender, com o apoio dos alunos. A professora trabalhou
com o raciocínio, para que cada um buscasse uma solução.
Ajuda a checar falhas, observar a reação das crianças.
É possível trabalhar de acordo com cada criança.
As respostas das crianças são de acordo com o meio em que vivem.
Os alunos dão mais valor a aulas diferentes.
É importante diversificar a aula.
No filme, o objetivo não é a história que a professora conta, mas é compreender o
conceito. A idéia de cada aluno é valorizada e, a partir delas, a professora vai explicando o
conceito correspondente.
Após o estudo do texto foi realizado um seminário com as questões mais relevantes e
um debate sobre os conceitos defendidos por Moura (1986), em que os alunos desfizeram suas
dúvidas e se posicionaram perante o texto.
Desses estudos, encontros, seminário, reflexões coletivas, registra-se, a seguir, as
observações dos alunos:
Devemos associar o objetivo com a motivação, levando o aluno a descobrir,
questionar e se interessar pelo assunto proposto.
82
É importante conhecer os alunos, é muito bom realizar atividades com eles e sempre
ter novidades e idéias novas para aplicar em sala. Fazer com que os alunos aprendam
gostando.
O professor tem que estudar sempre. Quanto mais diversificada e atraente for a aula,
maior será o prazer do aluno em estudar e freqüentar a escola.
O estágio é mais que observar aulas de Língua Portuguesa; deve ser constituído e
vivenciado em todos os momentos e por todos que fazem parte da escola. Tem como
objetivo dinamizar e direcionar, fazendo com que se tenha um ensino qualitativo, em
que todos participem de sua construção, buscando cada vez mais ampliar os
conhecimentos discente e docente na escola.
É importante ouvir e tomar conhecimento do saber de pessoas mais experientes.
Entender a aprendizagem do aluno.
Idéia de que a partir de situações-problema chega-se a um consenso lógico.
Enfoque sobre formar o cidadão consciente e preparado.
O professor tem de dominar o assunto que ensina.
O planejamento tem que ser claro e conciso e o professor dominar o conteúdo.
As experiências diversas são válidas.
A sala de aula é um lugar de aprendizagem do professor; ao elaborar atividades,
aprendemos.
Todo esse processo é desencadeado pela professora de estágio. Atuando como
mediadora, provoca a discussão após o estudo teórico, chama a atenção sobre os pontos
importantes do processo de ensino e de aprendizagem (localizando os maiores problemas),
que acompanha os alunos no local de estágio, apoiando e ajudando a refletir sobre sua
atuação. Incentiva o aprofundamento de estudo (histórica e culturalmente acumulados) e a
pesquisa (produção nova).
O papel mediador do professor está relacionado à idéia de que o desenvolvimento
humano é um processo histórico-cultural em que o acesso ao conhecimento é mediado. Daí,
surge uma indagação: o que é mediação? Mediação é um processo de representação mental
em que o homem opera mentalmente sobre o mundo, sinal que ele tem conteúdo mental de
natureza simbólica, como esclarece Vigotski (2003). O homem faz relações mentais, imagina
coisas jamais vivenciadas, faz planos, desenvolve a abstração e a generalização. E consegue
isso através da linguagem, sistema simbólico, que lhe permitem dar o salto qualitativo em seu
processo de humanização.
83
Pela mediação, a cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação
da realidade, as significações que permitem construir uma nova ordenação, que permitem
interpretar os dados do mundo real. O professor, ao desenvolver a linguagem, favorece a
abstração e a generalização. Vigotski (2003) defende que as palavras o signos mediadores
na relação do homem com o mundo. O pensamento verbal não é natural, é determinado por
um processo histórico-cultural e trabalhado pelo professor. Os conceitos são construções
culturais, internalizadas pelos indivíduos ao longo de seu processo de desenvolvimento. É o
grupo cultural onde o indivíduo se desenvolve que vai lhe fornecer o universo de significados
que ordena o real em conceitos, nomeado por palavras. A linguagem, nesse sentido, é
instrumento de organização do conhecimento.
Partindo dessas considerações sobre a mediação e a linguagem, identifica-se a teoria
histórico-cultural que embasa esta pesquisa qualitativa.
4.2 Aproximações com o objeto de estudo
Uma pesquisa qualitativa, baseada na teoria histórico-cultural, busca refletir o
indivíduo em sua totalidade, articulando dialeticamente os aspectos externos com os internos,
considerando a relação do sujeito com a sociedade à qual pertence”. (FREITAS, 2002, p. 21).
Busca conservar a concretude do fenômeno estudado, sem ficar na mera descrição, sem perder
a riqueza da descrição e avançando para a sua explicação. As ciências humanas estudam o
homem em sua especificidade humana, isto é, em processo de contínua expressão e criação”
(FREITAS, 2002, p. 22).
Esse método de investigação, referenciado no materialismo histórico-dialético, estuda
o processo, em que todo conhecimento é sempre construído com o outro, no coletivo, gerando
desenvolvimento. Nesse processo é possível perceber, também, a mediação do pesquisador,
pois muitas
[...] questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da
operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos
fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico. Isto é,
não se cria artificialmente uma situação para ser pesquisada, mas se vai ao
encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de desenvolvimento.
(FREITAS, 2002, p. 25).
Assim, os fenômenos humanos, quando estudados em seu processo de transformação
e mudança, refletem seu aspecto histórico. Segundo Bogdan (1991) a pesquisa qualitativa
privilegia a compreensão dos comportamentos, a partir da perspectiva dos sujeitos de
84
investigação: o contato com os indivíduos (professor/alunos/professores das escolas) no seu
contexto (a sala de aula). A investigação se baseia numa orientação teórica e por ela se
analisam os dados.
Neste trabalho, o pesquisador é atuante no seu campo de pesquisa, é professor da
turma pesquisada, situação que permite uma aproximação e uma familiaridade com os sujeitos
a serem pesquisados. O pesquisador entra em contato com as pessoas, conversando e
recolhendo material produzido por elas ou a elas relacionado. Estar imerso no contexto
pesquisado aproxima o pesquisador ao objeto do estudo, à situação, ao que se anuncia, ao que
se produz e aos sentidos atribuídos nas relações que se estabelecem.
No método dialético-materialista, o pensamento analítico chega a um conteúdo que
não era conhecido no ponto de partida:
O trabalho de análise parte, necessariamente, de uma percepção imediata do
todo, ou seja, da realidade tal qual ela se apresenta. Penetra, em seguida, nas
suas abstrações e conceitos, reconstruindo o processo histórico de formação
dessa realidade [...] Compreender a realidade significa, assim, passar da
caótica ou ideológica representação do todo à realidade concreta.
(PALANGANA, 2001, p. 113).
Constituindo o estudo da realidade, as questões formuladas no questionário buscaram
entender o aluno universitário hoje, na sua vivência cultural e a relação desta com as suas
aprendizagens. Tenta-se penetrar no mundo conceitual dos sujeitos para compreender o
significado que eles constroem para o seu cotidiano. As anotações no diário de campo
permitem perceber os pontos de encontro, as similaridades, as diferenças, as particularidades.
Na entrevista, o roteiro das perguntas, permitiu uma mobilidade para perceber elementos
importantes nas relações que o aluno estabelece com o social, com sua escolarização e com a
sua constituição como profissional. A entrevista tem caráter dialógico, os sentidos são criados
na interlocução, focalizando a situação concreta da relação entre os interlocutores.
As entrevistas foram realizadas, com dois alunos, com os objetivos de desvelar o
mundo cultural deles e sua opção pelo magistério; analisar as experiências individuais e
sociais para se obter um conhecimento de homem; avaliar a possibilidade de inferir o
comportamento do indivíduo em situações futuras. Enfim, compreender o que os alunos
pensam e como desenvolvem seus quadros de referência em relação à docência.
O roteiro da entrevista teve intenções, entre as quais:
o contexto social vivido pelos alunos: o contexto representa um apoio e/ou influência
na formação?
85
a relação com a família: ouviam história quando criaa? Qual a opinião da família
sobre a escola? Quem os ensinou a ler e escrever? Qual a escolaridade dos pais?
a condição de criança: têm boas lembranças do brincar? O que aprendiam ao brincar?
Com quem brincavam? Com o quê? Construíam os próprios brinquedos?
a condição de estudante: quais escolas freqüentaram? Que lembranças trazem da vida
escolar? Quais os momentos mais marcantes em relação aos professores? De qual
disciplina gostavam mais?
a formação literária: que livros liam quando crianças? Que leituras realizam hoje?
o ingresso na profissão: quais os cursos que fizeram e fazem? Por que resolveram ser
professores? O que representa estar na faculdade? Como realizaram a escolha da
profissão? Quais as perspectivas de futuro pessoal e profissional?
o impacto do curso: o que aprenderam? Como isso vai ajudá-los? Ou está ajudando em
sua vida pessoal e profissional?
o que estariam fazendo hoje se não fossem professores?
Esse instrumento de pesquisa possibilitou a coleta de dados para entender o objeto de
pesquisa, ou seja, as aprendizagens em situação de estágio. Apresenta-se, a seguir, o
movimento de constituição da docência de dois alunos, referidos anteriormente, do Curso
de Licenciatura analisado.
As histórias de Maria e de José são constituídas a partir da análise dos resultados da
entrevista gravada com uma aluna e um aluno do Curso de Letras, das relações com a
fundamentação teórica, dos relatórios de estágio e do diário de campo. As histórias
representam a tentativa de identificar nos alunos que se preparam para o exercício da docência
a sua formação como profissionais e as aprendizagens no estágio. O conhecimento sobre a
vida cotidiana dos alunos é importante para o entendimento de seu processo de formação
como um todo e representa uma tentativa de não isolar o momento de estágio.
Particularmente, nas entrevistas, a intenção foi perceber a trajetória das construções que os
dois alunos fizeram sobre a escola, a educação, a cultura, a carreira, o professor, o curso de
licenciatura, a relação que estabelecem entre teoria e prática e as aprendizagens na situação de
estágio. Esses critérios subsidiaram as perguntas da entrevista e os dados são relatados com o
objetivo de perceber o movimento de formação docente dos alunos, desde as suas
experiências de infância, escolares e na situação de formação para professores. Para a análise
retoma-se a teoria histórico-cultural, buscando-se apresentar as mudanças, as superações e as
86
dificuldades de se atingirem os objetivos da formação e a condição da existência social dos
sujeitos. Ressalta-se aqui, novamente, que as circunstâncias determinam o homem e
dialeticamente, por ser por ele mesmo constituídas se diferenciam, pois,
[...] os processos superiores se formam a partir da participação dos sujeitos
em atividades sociais, valendo-se de instrumentos mediadores, alguma
diferenciação na natureza de tais atividades sociais e nas características dos
instrumentos mediadores e de seu uso deveria explicar as diferenças na
constituição de processos superiores “rudimentares” e “avançados”.
(BAQUERO, 1998, p. 74).
O desenvolvimento e a aprendizagem estão relacionados à participação dos sujeitos
em atividades sociais e culturais, nas relações com os outros: família, escola, lazer, profissão,
que formam diferentemente cada pessoa.
Os nomes dos entrevistados são fictícios e as entrevistas foram realizadas a partir dos
seguintes critérios: uma aluna que ingressou no curso assim que terminou o Ensino Médio e
que não tem experiência profissional e um aluno que é professor, atuando nessa profissão
mesmo antes de cursar a faculdade, isto é, já com experiência profissional. A fala original está
em itálico e entre aspas.
4.2.1 A história de Maria
Maria entrou na faculdade com 19 anos, sem experiência profissional na área da
educação. No início do curso, não demonstrava compromisso com as atividades propostas:
atrasos, desinteresse, conversas em sala. Com o passar do tempo, envolveu-se com os estudos.
Hoje - por sua atuação no estágio é considerada uma ótima aluna, pois expõe relatórios de
qualidade, registra com critério as observações e apresenta aulas bem preparadas.
Os textos trabalhados nas aulas de estágio e o referencial bibliográfico foram
aproveitados pela aluna, que estabelece relações conceituais na produção dos relatórios de
estágio, demonstrando que esses ajudaram em sua reflexão, principalmente sobre a
aprendizagem. Prioriza-se também, nas aulas de estágio de regência, o estudo de referenciais
sobre a aula, fundamentando teoricamente os alunos para que tenham facilidade para lidar
com os conceitos pedagógicos e próprios do ensino de Língua Portuguesa.
Maria nasceu em Uberaba e analisa o contexto cultural que vivenciou: (...)“é uma
cidade, quanto ao aspecto cultural, que não proporciona, infelizmente, uma área expansiva”.
Segundo a aluna, a cidade oferece pouco culturalmente e o teatro – atividade capaz de
interferir positivamente na sala de aula é objeto de interesse de muitos alunos. Para ela, o
87
teatro proporciona a perda da timidez e a aquisição de aprendizagens, além de facilitar a
comunicação e a interação quando se está frente a um grupo de alunos. A partir dessa análise,
confirma-se que Maria compreende cultura tendo como parâmetro uma de suas possíveis
manifestações: o teatro, e dimensiona esse item como algo capaz de melhorar a comunicação
do professor e enriquecer o seu pensamento. Todavia, o significado cultural é mais amplo,
implica a formação histórica da sociedade e a identidade de um povo. A cultura é importante
não somente porque permite ao professor se expressar melhor, mas também contribui com sua
formação humana dele e de seus alunos. Como afirma Vigotski (2003), o processo de
humanização ocorre quando o homem se apropria da cultura.
Na crítica aos limites culturais da cidade, essa discente argumenta que o aspecto
cultural também auxilia a formação de um bom professor. Ela expressa a necessidade de se
formar integralmente, idéia defendida por Marques (2003) quando enfoca a importância da
valorização das experiências vividas na concretude.
Esse fato revelado por Maria vem corroborar a crescente importância da cultura no
processo de aprendizagem. A cada ano percebe-se a necessidade de expansão cultural dos
alunos ingressantes na faculdade e, principalmente, os do Curso de Letras. Assim, é
fundamental proporcionar momentos culturais significativos: filmes e respectivos comentários
para contextualizar uma produção cinematográfica; o teatro, tanto assistir como promover
peças; análises de obras de arte, o artista, a história; músicas e outras expressões culturais que
são privilégio de poucos. Importa ao futuro professor desenvolver sua dimensão intelectual. A
formação acadêmica em que a entrevistada está inserida proporciona, estimula e promove esse
desenvolvimento requerido por ela.
Maria relata, ainda, sobre o seu contexto familiar: a família é composta por pai, mãe e
dois irmãos. Os pais não m curso superior. Um irmão está fazendo o curso de veterinária,
estuda fora, e o mais novo faz o ano do Ensino Médio. A família deu muito apoio à aluna
para cursar Letras. Eu lembro que quando eu resolvi fazer faculdade, eu tinha duas opções:
Direito ou Letras e eu passei nas duas e eu sempre me interessei em ser professora, desde
pequena, eu gostava muito. É uma profissão que muitas vezes você não é valorizada,
infelizmente, mas o contato com o aluno, essa presença com o aluno é muito boa, então eu
tive muito apoio da minha família para fazer Letras”.
A não valorização do professor é uma questão histórica que a aluna apresenta, como
uma possível resistência em fazer a escolha pelo curso de Letras. Mas o desejo, o gosto de
estar com o outro, pautado em uma idéia de que o contato com o aluno é bom, argumento
88
imaginário, pois ainda não vivido, representa o lado romântico da profissão que facilitou a sua
escolha e o ingresso na carreira.
Desde pequena, Maria estabelece relações com a escola, pois, brincava de escolinha:
quadro, giz, música, dança, teatro. Não ouvia histórias contadas pela família. Na rua brincava
de futebol, basquete, queimada, brinquedos, jogos didáticos, jogos de letras. Eu sempre tive
dificuldade de associar as palavras, trocava p por b, eu sempre confundia e a minha mãe me
dava jogos didáticos para me incentivar, de maneira diferente, para eu estar aprendendo.
Lembro de um deles que tinha desenhos. Tinha o desenho do tatu e vinha a letra T. Como eu
tive muita dificuldade na alfabetização, minha mãe seguia o que a professora pedia. A
professora disse que era através dos jogos didáticos a melhor maneira para eu estar
aprendendo”. “Nas brincadeiras de rua, no contato com os amigos, aprendi a participar,
fiquei mais comunicativa”.
Durante a infância, brincar de professora era atuar de forma lúdica o ser professora
se tornou uma expressão de arte.
Ao indagar como a família participa da sua formação, a aluna expôs: “com meus
irmãos tenho uma relação muito boa, o que mora fora me dá a maior força para fazer
faculdade. Quando ficou sabendo que eu tinha passado ele ficou muito feliz, ele sempre me
liga para falar como é que está, me força para eu não parar, para fazer pós-graduação,
mestrado, qualquer coisa, mas não parar. Não é porque você terminou uma faculdade, tem
um certificado na mão, tem que parar, pelo contrário, que você tem que ir atrás mesmo
para estar se qualificando”.
Vinda de uma família sem formação acadêmica, tem uma visão crítica do profissional
hoje no mercado de trabalho: o de se qualificar continuamente. No caso dos professores é
investir na formação permanente, que possibilite organizar e conduzir os processos de ensino
e de aprendizagem, e “a educação assuma caráter de permanente recomeço e renovação, na
continuidade dos tempos exigentes da recorrência da formação profissional em ritmos e
formas apropriadas”. (MARQUES, 2003, p. 208).
Nesse relato, percebe-se como é significativo para a família a continuidade dos
estudos, o valor do Ensino Superior e a expectativa é muito grande quanto a um futuro
melhor. E no relato do irmão, já cursando faculdade, vê a necessidade de não parar de estudar,
investindo sempre em sua própria formação.
O significado de escola para a família é importantíssimo: (...) tanto minha mãe,
quanto o meu pai sempre falam, sem estudo não tem jeito, não consegue ter uma carreira, ter
uma profissão. Não é ser bem sucedido e ganhar bem, mas ter uma qualidade de vida estável.
89
Não tem jeito, sem estudo, sem uma formação, num mercado de trabalho que é muito
competitivo”. Ela cita como exemplo os pais que não tiveram oportunidade de estudar, ele é
pedreiro, e a mãe trabalha em uma repartição pública municipal. Em momento nenhum da
entrevista, ela desvaloriza a profissão dos pais, mas afirma que eles investem tudo para os
filhos terem melhores chances na vida.
Ao mesmo tempo em que se assiste à expansão de vagas e o acesso ao ensino superior
de um maior número de pessoas no Brasil, percebe-se, principalmente, nos cursos de
formação de professores, cursos de curta duração, sem o necessário estímulo à pesquisa,
oferecidos à noite, para alunos trabalhadores, sem tempo para os estudos. E quanto ao
mercado de trabalho, as condições ainda são precárias, baixos salários e recursos escassos.
No depoimento da aluna, já se percebe uma pequena mudança nessa expectativa,
quando ela fala que é preciso cursar o ensino superior, não para ganhar bem, significando que
o ensino superior não representa mais ter melhores condições financeiras, mas pela formação
humana. A própria situação dos pais que não tiveram ensino superior, mas têm condições de
manter os filhos estudando, já apresenta também mudanças nesse cenário econômico.
O início da vida escolar da aluna foi aos seis anos e sempre estudou em escola pública
(municipal e estadual). Na hora de escolher o local para estagiar, escolhe a escola pública em
que estudou, expressando a necessidade de voltar à sua antiga escola, para analisar o que
sentia e perceber sua própria formação. No relatório de estágio, ao analisar o projeto
pedagógico da escola estagiada, Maria ressalta como pontos importantes a gestão
democrática, desde a eleição para diretor até os colegiados que decidem sobre as destinação
de verbas, como condição para a qualidade de ensino. Ainda nessa análise, ressalta a
importância de se rever a prática pedagógica. No Projeto Pedagógico estão contidas as ações
pedagógicas a serem desenvolvidas e Maria envolve-se nelas participando e colaborando com
a escola.
Ao ser indagada sobre suas lembranças das séries iniciais, Maria cita sua desagradável
experiência com as “letras”:
Na série, eu tomei bomba, porque eu tinha uma dificuldade enorme. Eu não tinha
noção de letras e passar para a com dificuldades não tinha como. Quando eu fiz o pré eu
lembro que não gostei. lembro que ia para a escola chorando e não gostava, eu pensava
uma coisa e cheguei lá era outra. E comecei a ter dificuldades, até chegar na série. E eu
não conseguia aprender”.
Ao analisar sua dificuldade de aprender, parece assumir que ela era o “problema”, e
nos relatos posteriores, divide a culpa pelo fracasso com a professora.
90
A aluna Maria define o que considera o bom professor com o seguinte relato:
É importante que, desde a pré-escola, a criança seja incentivada, que o
professor passe o que prazer, e a criança sinta prazer em ir para a
escola. E eu não sentia isso e por isso, sentia dificuldade de aprender.
Quando repeti a 2ª, eu peguei outra professora, Zilda. Ahoje eu lembro
dela, era uma fada, eu não tive mais dificuldades. Ela começou a me
incentivar, disse que eu poderia ir à escola de manhã, que ela iria me
ajudar, ela passava desenhos, era uma outra maneira, ela me ajudava.
Depois não tive tanta dificuldade, a 3ª série foi positiva, a 4ª também. Na 4ª,
a professora também foi show e eu gostei muito dela. A mudança da 4ª para
a 5ª que dizem ser traumática, eu não tive problema. A professora passava a
mão na cabeça e foi devagar e muito positivo. E eu queria continuar nessa
escola, mas o tinha o ensino médio. Tanto a professora da como da
me marcaram mais pelo carisma, eram daquele tipo de pessoa que não tinha
o bom e o ruim, para elas todos eram iguais, a sala toda era igual e não
tinha diferença, o jeito que elas tratavam os alunos que tinham menos
dificuldades era o mesmo dos que tinham mais dificuldades. É lógico que
ela dava mais atenção para aqueles que tinham mais dificuldades, mas
aquela maneira de tratar todos iguais é importante para uma sala de aula.
Na escola infelizmente não tinha recursos, mas por exemplo, tinha dia que
ela levava a gente para fora da sala, ela queria explicar sobre raízes, folhas.
Era uma aula dinâmica então você tinha prazer, era bom.
Maria relata que outra professora, que utilizava tempos e espaços diferenciados dos da
sala de aula, incentivou seu progresso nos estudos. Diante das dificuldades como aluna, ela
expõe sua compreensão sobre o problema, centrando, sobretudo, na figura do professor, como
o faz o pensamento da racionalidade técnica, criticada por Contreras (2002). Entretanto,
outros elementos contribuem para essa situação: a questão da repetência, o sistema de
avaliação, a estruturação curricular não-flexível, entre outros.
As primeiras experiências de leitura e escrita foram difíceis, mas a origem das
dificuldades é reconhecida pela aluna com uma reflexão crítica. Desde então se nota que ela
localiza o problema despontando um arcabouço teórico e essa fundamentação lhe possibilitou
uma análise da condição em que foi alfabetizada. Ela percebe que a valorização da sociedade
situa-se entre o bem e o mal, no sentido moral, e não, no sentido de formação. Ingenuamente,
o professor que não considerava as diferenças era o bom e, hoje, é importante reconhecer as
diferenças para valorizar o indivíduo.
As primeiras experiências da aluna com as letras foram através da cartilha, e ela diz
que a cartilha deveria ser anulada da escola, porque com ela não se aprende nada, “[...] era
tudo decorado e se passasse algum texto diferente eu não conseguia fazer, porque a cartilha é
mecânica. Você aprende o que está ali ba be bi bo bu, se muda aquilo ali você não consegue
associar”. Ela identifica a pedagogia tradicional como insuficiente para promover a
91
aprendizagem, por se basear na memorização e no pensamento linear, reforçado por
exercícios de respostas previsíveis e sem relações com o contexto de vida do aluno.
Ao visitar a escola, durante o estágio, a aluna teve a oportunidade de ver que a cartilha
não é mais usada. Isso foi bom, foi muito bom. Quando fiz a série tive muitas dificuldades
e foi por causa da cartilha”. Ela analisa os problemas da cartilha utilizando aprendizagem
de sua formação acadêmica, em termos pedagógicos.
Uma das orientações do estágio é o estudo sobre o livro didático de a séries do
Ensino Fundamental e também do Ensino Médio. Maria sentiu necessidade de analisar ainda
o uso de cartilha, pela história da vida escolar dela. Mais uma vez, confirma-se que o estágio
propicia situações de aprendizagem.
Ao se ver diante dos alunos, vem à memória do estagiário a imagem de seus antigos
professores, principalmente, daqueles de quem mais gostava. Tais imagens podem ser
utilizadas como modelos básicos e, a partir daí, começa-se a criar os seus próprios modelos de
prática docente num processo de imitação ativa. (HELLER, 1985).
Esse processo de identificações e superações progressivas, diante de situações
totalmente novas, é um processo comum na constituição dos sujeitos. O que ocorre é que,
normalmente, as pessoas não se conscientizam da existência desse processo e não se colocam
criticamente diante do modelo herdado (da prática docente) de seus antigos professores,
repetindo-os, sem estabelecer rupturas significativas, não dando o salto de qualidade.
Ao rememorar seu contato com os livros, a aluna relata que sempre teve rios livros,
mas não gostava de ler. veio a ter gosto pela leitura na faculdade. No ano do Ensino
Médio, quando o professor pedia para ler livros, lia só o resumo e através do resumo
conseguia fazer a prova muito bem. Não precisava ler. Hoje não; você a importância de
ler o livro não só para você, mas porque você tem que estar passando isso para frente”.
Quanto à sua formação literária, Maria esclarece também sobre a importância da
leitura não para passar de ano, mas para aprender e se alimentar da leitura como fonte de
trabalho com os alunos, fonte de apoio para a futura profissão. Nesse sentido, o objeto e o
motivo se coincidem. Isso significa superar a visão imediatista e utilitarista para compreender
a importância do conteúdo em si.
Maria continua refletindo sobre o bom professor lembrando-se de uma atitude:
[...] “o que mais marcou na minha vida escolar foi uma professora minha
que casou e disse que ia levar todos os alunos dela no casamento. Nós não
acreditamos, mas foram 24 damas de honra, todas as alunas, eu tenho a fita
de vídeo até hoje. Não podia ter esse tanto de damas, mas ela insistiu, disse
que eram alunas dela e conseguiu. Esse carinho, essa atenção que ela dava
para gente, esse tratamento como filha, até hoje. Encontrei-a na escola
92
que faço estágio e ela fez a maior festa. Na sala de aula era carinhosa com
um jeito de chegar, sempre sorrindo, brincando, passava a mão na cabeça,
até aqueles mais custosos com ela era diferente, ela mantinha o respeito
com eles sem ser autoritária. Ela conseguia dominar a sala inteira sem ser
agressiva, sem chamar atenção. Ela entrava na frente e todos prestavam
atenção no que ela ia falar.
Vemos então, como a memória afetiva vai nos constituindo como pessoas.
Quais as características de uma boa professora? Ela as associa com a figura de mãe, a
que respeita as diferenças: Manter o respeito sem ser autoritária”. É a que consegue se
comunicar com todos, que conquista os alunos, levando-os a terem interesse pela escola. Daí,
surge uma indagação: O que é essencial na relação educativa e qual a natureza do trabalho
docente? A educação se no encontro com o outro, é um processo que desenvolve a vida, o
que para Contreras (2004) reflete uma visão feminina do processo educativo. Mas essa visão
contempla satisfatoriamente o processo educativo? É suficiente? Depende da qualidade das
relações que se estabelecem. Nas relações da sociedade atual, o saber é mediado pelo mercado
e não pelo gosto pelo conhecimento. Estabelece-se o conflito entre a razão, o desejo e a
necessidade. Desejo de interrogar-se para compreender-se e compreender o mundo e que
orienta a ação vinculada ao sentido. A identificação do trabalho do professor com a mãe não é
suficiente para caracterizar toda a complexidade do trabalho educativo.
É grande a preocupação e talvez o temor dos alunos estagiários, quanto a questão de
ele conseguir envolver uma turma de alunos no trabalho docente: participação ativa,
aprendizagem significativa, disciplina. Maria a afetividade na relação professor e aluno
como fator importante para se conseguir esse envolvimento. Mas a afetividade precisa estar
aliada ao conhecimento, ao desenvolvimento dos alunos para provocar o seu interesse. O
professor mediador está sempre atento às questões levantadas pelos alunos para desencadear a
aprendizagem para além do que já está constituído, como afirma Vigotski (2003).
Maria analisa como foi trabalhada a redação, matéria de que a aluna mais gostava e
conteúdo específico de sua futura atuação, dizendo que a professora de redação não conseguia
passar o que ela queria e era somente uma vez por semana, indicando assim como lidava com
as expectativas não realizadas.
Eu ficava doida para chegar o dia da redação para ver o que ela iria
passar. Chegava o dia e não era o que eu esperava, era outra coisa. Ela
chegava com texto, perguntas, respondia e eu achava que aquilo não era
aula de redação. Gostava de redação. Ela dava um tema para fazer em casa
e era na redação, em casa, que eu gostava de escrever. Escrevia e rasgava,
escrevia e rasgava até sair. Era a aula que eu mais gostava, eu acho que
isso ajudou a escolher Letras. Quando fiquei sabendo que passei em Letras,
93
eu entrei em casa gritando. Felicidade de saber que eu tinha passado. Eu
nem sabia o que Letras estudava, eu sabia que seria professora de
Português, mas não era isso. Tem aula de literatura, tem um mercado
muito bom.
Quanto ao ingresso na carreira, Maria escolheu o curso sem a noção do que estudaria e
sem clareza do trabalho que iria desenvolver após formar-se. A dificuldade na escolha
profissional e a idade se constituem conflitos, além da falta de orientação vocacional nas
escolas de Ensino Médio e a situação instável do mercado profissional. Isso nos revela um
fato infelizmente comum: muitos jovens escolhem o curso superior sem terem nenhum
contato preliminar com a profissão correspondente a ele, muitas vezes sem nenhum critério.
Essa escolha aleatória pode delinear, muitas vezes, a relação que se estabelece com o saber.
Maria enuncia os livros de que mais gosta:
gosto de ler romance, eu li um que eu amo:“Enquanto o amor não vem”.
Gosto dos livros que te passam alguma mensagem, pode até contar uma
história, mas através daquela história vai te passar uma mensagem.
Qualquer mensagem que seja mas vai te passar alguma coisa. Gostei muito
do livro “Vidas Secas”. Você o livro e não fica naquilo, a história do
cachorro, até a novela repetiu isso, história do cachorro Baleia, é uma
mensagem do Brasil, de uma realidade nossa, então eu gosto de livros que
mostram a nossa realidade. Gosto de ler revistas de fofocas, gibi eu não
gosto, já li muito mas hoje eu não gosto. Gosto de revista de signos, eu amo
essas coisas. Adoro filmes “Duelo de titãs” foi ótimo, é um filme que passa
uma mensagem muito boa que como um professor, ou qualquer outra
profissão, você pode conquistar seus objetivos. Eu gosto de filmes assim.
“Passar alguma coisa”. Ela afirma isso várias vezes, em seu depoimento. Parece querer
dizer que professor passa conteúdo. Sim, mas ela não alia ao significado e, sim, a mensagens
que fazem refletir; talvez uma moralidade ou aspectos do senso comum e o uma
fundamentação. Que tipo de mensagens ela quer passar?
Não expressa aqui o passar conteúdo de maneira lúdica como fez no relato de infância
referindo-se à aprendizagem com prazer.
Aqui também, o reflexo das poucas opções culturais e de leituras. Não se lembra
dos clássicos e cita apenas “Vidas Secas” e Drummond (quando relata sobre o lazer).
Confessa o que prefere mesmo: as revistas de fofocas; quanto aos livros, são reduzidos aos da
leitura obrigatória, na faculdade. Se a formação cultural da faculdade não se expressa na vida
cotidiana, será que a leitura se coloca como árdua e como encargo da profissão? Como lidar
com essas aparentes contradições?
Em suas atividades de lazer Maria diz:
amo escutar música: sertaneja, axé, dança eletrônica, adoro. Ver filme, ir
ao cinema. Último livro que li foi da faculdade, alguns versos de Carlos
94
Drummond. Quando pequena gostava das histórias da Cinderela, dos contos
infantis e até hoje eu gosto. Tem hora que eu pego, porque muda o que você
leu quando criança e agora”.
Ao reler, com a experiência de vida adquirida, a aluna percebe outras coisas, focaliza
um novo olhar sobre o lido. A aprendizagem se em espiral, volta-se ao mesmo ponto
para compreendê-lo de outra maneira (MARQUES, 2003), pois, estabelece novas relações e
destas expande seus conhecimentos.
Quanto ao impacto do curso, Maria afirma que
estar na faculdade é um caminho longo, mas é meio caminho andado, estar
aprendendo várias coisas, estar se modificando, estar em contato com
professores que te passam novas informações é muito bom, é muito
gratificante. Eu amo a Faculdade. Quando passei o meu pai disse: não tem
jeito (financeiro), e eu falei que queria lá. Sempre gostei de e no meu
primeiro semestre eu senti mais vontade de continuar. Eu escolhi porque
o curso estava começando, era a 3ª turma que estava entrando e está
crescendo muito, se tornando conhecida. Gosto de tudo, do espaço físico,
dos professores sempre atenciosos, os alunos, tudo, a faculdade gira em
torno do aluno e das pessoas que estão em volta. Desde a coordenação até o
serviço de limpeza. Assim como na escola não são os professores que
fazem a escola.
Quem faz a escola? Que visões tem a aluna a partir das experiências de estágio? A
percepção dessas experiências que se adquire, a faz mudar como pessoa? Informações fazem
alguém mudar como pessoa? O contato com o outro ou com os outros? Na escola, o trabalho
com conhecimento, que nesse espaço se realiza, possibilita a constituição do sujeito histórico,
aliada às circunstâncias em que vive esse sujeito – as relações econômicas, políticas, sociais e
culturais.
Para se entender a questão “quem faz a escola?, têm-se que pensar nessas relações: o
financiamento da educação, as políticas públicas, as expectativas da sociedade quanto à escola
e o desenvolvimento cultural da comunidade escolar. O sujeito se constitui nesse complexo de
relações e as atividades de estágio, como atividade humana (Leontiev, 1978), apresentam
possibilidade de modificar o sujeito, apresentando-se como aprendizagem com os outros.
(VIGOTSKI, 2003).
Maria defende a formação continuada dizendo que
para o futuro eu espero crescer muito profissionalmente, estudar muito,
quero terminar Letras e não quero parar, fazer outra faculdade, me
qualificando, especializando, quero sempre estar aprendendo e ser uma
professora qualificada. Uma professora que possa passar uma mensagem
aos seus alunos. Quero ser uma professora feliz; uma professora que chega
de mal com o mundo dentro de uma sala de aula, pode até ter um conteúdo
para passar, mas não é significativo se ela não der com um sorriso, não for
95
feliz, mesmo com muitos problemas, pois todo mundo tem, mas o aluno não
tem culpa, tem os seus problemas também mas está ali para aprender. Você
tem uma responsabilidade grande, uma sala com 35 alunos e ver que eles
estão esperando a sua aula, você tem que dedicar a eles, pelo menos
naquele momento você tem de dedicar a eles, dar matérias significativas
para que aprendam mesmo, de verdade.
A aluna levanta outras características de uma boa professora: estudar sempre, sempre
aprender, passar” mensagens para os alunos (promover a reflexão), ser feliz, ter
responsabilidade, saber a importância de seu papel no desenvolvimento do outro, dedicação,
dar matérias significativas, promover a aprendizagem. Ela percebe a aprendizagem como um
processo que significado ao que se ensina e se aprende (Serrão, 2004). E continua dizendo
que ser professor é ter conteúdo, metodologia, objetivo, quanto à organização do ensino
(Moura, 1996).
Entende-se que matéria significativa não é só conteúdo, mas o que os alunos podem
aprender por meio dele e, no decorrer de sua trajetória, o que eles vão necessitar conhecer.
Nessa perspectiva, anuncia-se aqui o que é aprender e a necessidade e o objetivo do estudar.
O sujeito se constitui na história, apropriando-se da cultura da humanidade de maneira ativa,
criando novos conhecimentos e, nesse processo, se forma enquanto homem, conforme
Leontiev (1978).
Para Maria, o papel dos professores, na faculdade, é ensinar sobre escola e
aprendizagem: “a formação na Faculdade está me ajudando na vida profissional, pois
consegui um estágio numa escola particular. Todos os professores da faculdade, através das
aulas, passam uma mensagem muito construtiva que você aprende, cria uma visão de escola,
de aprendizagem”. A aluna valoriza a escola particular e sente-se gratificada por ter sido
escolhida, tanto pela seleção que é rigorosa, como por ser remunerado, além de enriquecer o
currículo.
Maria reflete sobre o lugar dos professores na escola:
O estágio é o contato com o aluno. Graças a Deus, no estágio, tive
professoras na escola que me ajudaram muito, que me receberam bem, me
deram oportunidade de estar aprendendo e sempre que tenho dificuldades
elas me apóiam, me ajudam. Dizem que o início é difícil, é complicado para
todo mundo, mas vai da força de vontade de cada um. O estágio ajuda muito
a ver a realidade, você sentado vendo o professor na frente é uma coisa,
mas você estar lá na frente é diferente. São dessas experiências que você vai
aprendendo, você vai vendo: ah isso foi legal, vou fazer de novo, aquela
aula não foi positiva, não teve interesse, o que está acontecendo? O
problema é comigo, com a matéria ou a maneira que estou passando o
conteúdo para os alunos? Então você faz uma avaliação de você, de seu
comportamento, de como passa os conteúdos para os alunos, isso você
96
aprende no estágio com a ajuda de professores que estão ali anos e com
certeza eles podem te passar experiências, te ajudar e apoiar.
E assim, elenca as aprendizagens na situação de estágio, entre elas, a aprendizagem
com o outro (Vigotski, 2003) e aprendo enquanto ensino (Moura, 1996).
Quanto ao papel político do professor, a aluna acentua que é importante que
estudamos na faculdade, conhecer as leis, as leis das escolas, como está a condição de vida
do professor hoje, é uma situação boa? O que o professor pode estar fazendo para melhorar
isto, buscar, ir atrás de formação para melhorar tanto a escola que ele trabalha, quanto
financeiramente”. Os alunos dessa turma tiveram encontro com a presidente do Sindicato dos
Professores Públicos, e segundo ela, foi a primeira faculdade que convidava o sindicato; nesse
momento discutiram-se temas como: a política salarial, o estatuto de carreira, os direitos e os
deveres dos professores.
Ainda sobre os professores, Maria diz que “[...] tem professores, como a que me
reprovou na série que não mudou nada, nada, ela continua a mesma, fechada. Não tem
quem está pronto”. Ela analisa o professor que ano a ano é o mesmo, que não participa do
processo histórico, como se as coisas o mudassem, alienado, como analisa Heller (1985); e
o entendimento da necessidade de formação permanente, Marques (2003), confirmado a
seguir: Fiz um monte de curso, participei do encontro regional de educadores, do Cefor
(referindo-se ao Centro de Formação de Professores, mantido pela Prefeitura) e muitos outros
e quero continuar fazendo”. Na formação continuada o professor reelabora e ressignifica
saberes ao se encontrar com outros professores e nesse exercício, aprende.
Maria defende: “[...] trabalhar em sala de aula é um objetivo do meu próprio
crescimento enquanto educadora”.
Uma idéia trabalhada nas aulas de estágio aparece aqui: eu cresço quando dou aula:
formar-se.
A concepção de aprendizagem da aluna é de que o prazer é elemento essencial no
processo educativo. Relata que realizou a decoração da biblioteca “[...] a biblioteca é
importante, garante o acesso à informação (informa e conscientiza)”. A função social da
escola, além de inserir o estudante no mercado profissional, é de socialização, de estreitar as
relações humanas. A aluna considera a educação como um processo de aprendizagem, de
formação humana e a relação com o saber é de um saber com significado para a vida. A
perspectiva dessa entrevistada, em relação ao curso, é de satisfação, com a certeza de ter feito
a opção correta. Para ela ser professor é uma profissão, que exige uma formação continuada.
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Nos relatórios de estágio, ela demonstra otimismo quanto aos problemas da educação,
afirmando que estes têm solução não imediata e dependem de consciência e perseverança”.
Maria percebe a complexidade dos problemas educacionais e visualiza possibilidades de
solucioná-lo, mas entende que são mudanças a longo prazo, estruturais.
A aluna participou de diferentes ações, cursos e eventos: apoiou os alunos que iriam
fazer vestibular, participando de um seminário de literatura sobre livros explorados no
vestibular. Nesse seminário, afirma que se valorizou, além da leitura, a importância do
conhecimento, sua estrutura, a linguagem. Participou do Programa Nacional de Incentivo à
Leitura (PROLER), que busca envolver a sociedade, desenvolvendo ações interligadas para
promover a leitura, e conclui que “[...] a leitura exige esforço, motivação, recursos e
objetivos”. Participou de sessões de contação de histórias em asilo “[...] o projeto que busca
reafirmar a importância do ser humano com o outro”, conta e ouve histórias com os idosos.
Promoveu dinâmica de auto-conhecimento na escola objetivando “[...] melhorar o
desenvolvimento pessoal”. Participou do CEFOR (encontros semanais de estudos, com três
horas de duração, com os professores, por área de atuação; já citado anteriormente). “É
preciso refletir sobre as dificuldades da profissão e buscar soluções mediante ações
coletivas”. Ocorre isso na faculdade, temos possibilidade de conhecer o mais cedo possível,
os sujeitos e as situações com as quais vamos trabalhar”. Essas participações nos eventos
pressupõem o processo de tomada de decisões da aluna, já direcionando a sua formação
profissional e relacionando teoria e prática docentes.
Nos relatórios de estágio, ela registra sua concepção de aulas boas:
aulas dinâmicas, em que há o prazer em saber, aulas que despertam o
interesse e conscientizam a importância da leitura e da escrita. Pude
perceber que a participação coletiva no momento da explicação dos
exercícios é que promove a aprendizagem. Os alunos gostam de serem
ouvidos; na integração, os alunos expressam as suas idéias, exploram a
criatividade e a forma de pensar.
A aluna relata, que a professora da escola estagiada pediu-lhe que planejasse uma aula
para uma turma de 38 alunos com sua própria maneira de pensar e agir e se colocou à
disposição para ajudá-la. “[...] foi muito gratificante, os alunos prestaram atenção e em
nenhum momento precisei chamar a atenção enquanto explicava”. Por isso prática e teoria
devem caminhar juntas para que caia a idéia de que o estágio está destinado a aplicação
mecânica da teoria, e sim é uma base de saberes e experiências adquiridas com professores
que trabalham há mais tempo, e que podem ajudar na formação inicial”.
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Maria observa que os alunos de 11 anos estavam aprendendo o mesmo que ela
também estava aprendendo na faculdade e conclui:
O ensino da Língua Portuguesa é um contínuo, onde os alunos estão sempre
no processo de formação pelo conhecimento e não meros repetidores de
conteúdos. As aulas de Língua Portuguesa têm que ter técnicas (dinâmicas)
que facilitem o desenvolvimento das atividades. É preciso manter os alunos
interessados, envolvê-los com perguntas, comentários, análise de outros
textos [...]. A importância das correções dos exercícios e das tarefas de
casa, analisando os erros, para que ganhem mais confiança para realizar
avaliações. É importante desenvolver: criatividade, competência na
linguagem, valores afetivos, formação do leitor nas aulas.
Por fim, o projeto de intervenção, atividade do estágio 3, desenvolvido pela aluna, foi
sobre a biblioteca, com o objetivo de incentivar a freqüência e a leitura dos alunos. Uma das
atividades é a encenação de um livro: “[...] é inovação no conduzir a aprendizagem através
da dramatização”. Apresenta, no projeto, a importância de se usar diferentes recursos, como
“[...] música, desenhos, imagens, pinturas, poemas, experiências do cotidiano dos alunos,
excursões, visita a mostras culturais, filmes”.
Ao planejar sua primeira aula na regência, Maria referenciou-se pela observação
efetuada nas aulas de estágio; ao contrário da experiência a ser analisada, a seguir. O aluno
José partiu de sua própria experiência de docente para atuar na escola estagiada.
4.2.2 A história de José
O aluno José é professor de a 8ª séries, há mais de dez anos. Tem 34 anos, casado e
iniciou outros cursos superiores sem concluir nenhum deles. Nos momentos de discussão
sobre a articulação entre teoria e prática, sempre diz: “[...] na prática não é assim”, mas é
aberto ao diálogo e possibilidades de um movimento de aprendizagem em sua postura
docente, a partir do seu desenvolvimento como aluno.
O aluno nasceu em Uberaba e comenta sobre a influência cultural em seu processo de
formação: “[...] não tive muitas experiências culturais. Meu pai e minha mãe não são
formados, estudaram até a série. Quando estudava na à e colegial não tinha nada de
cultura, não foi me apresentado nada de cultura”.
A concepção que o aluno expressa nessa afirmação, é de que a cultura é instituída ou
validada socialmente pela classe dominante e o a concepção de que todo homem faz
cultura. As aprendizagens advêm da apropriação cultural, como afirma Vigotski (2003). A
cultura torna-se parte da pessoa à medida que é apropriada pela linguagem que estrutura o seu
99
pensamento. Todavia, os acessos aos bens culturais da humanidade estão determinados pelas
condições sociais, políticas e educacionais.
José relata sobre seu contexto familiar
[...] meu pai é aposentado e a minha mãe é do lar. Minha mãe sempre
cuidando da casa e o pai sempre trabalhando, para ter o que precisava,
sempre com dificuldade. Tenho dois irmãos, pai e mãe e nenhum formou na
faculdade. Nasci no bairro São Benedito, brincava na rua, brincava de
queimada, de esconder, aproveitei bastante a minha infância. Hoje eu vejo
que as brincadeiras me ensinaram e as crianças de hoje não brincam do que
eu brincava antes, as brincadeiras mudaram. O que é significativo nas
brincadeiras é a liberdade de fazer as coisas, não ficar preso a nada. Hoje
as crianças são presas ao computador, a televisão, eles não correm, não
caem, não machucam.
Essa leitura sobre sua condição cultural reflete a realidade em mudança, que interfere
nos interesses dos alunos na escola. Não se tem mais a liberdade de brincar na rua, mas se tem
a tecnologia, que impacta a atividade mental e leva a escola a estabelecer outras necessidades
na formação do educando. Ao mesmo tempo, a escola busca assegurar momentos de resgate
das tradições infantis, como necessidade básica do desenvolvimento humano. Perante essas
constantes modificações nas condições de vida, torna-se importante trabalhar na escola
levantando situações-problema, como esclarece Moura (1996).
Sobre o valor atribuído à escola, José remete-se aos referidos pelos pais:
Os meus pais sempre falavam que eu tinha que formar, que tinha que
estudar, em escola boa. Estudei nas melhores escolas da cidade da 5ª série
em diante e também no primário. Eles acreditam que a escola
oportunidade para a pessoa, oportunidade que eles o tiveram. Mas
também sem cobrança, me deram escola, me deram tudo, com dificuldades.
Eu estudei tudo de graça até o 3º colegial. A faculdade também foi de graça,
engenharia. Não terminei o curso, sai no ano. Minha vida inteira, estudei
de graça, não paguei nada. Abandonei a faculdade porque depois de 3 anos
vi que aquilo não era o que realmente eu queria. Mexer com contas, não
estava preparado para essa área.
Apesar de alegar o abandono do curso por não se identificar com o mesmo, esse
abandono remete a uma problemática não assumida explicitamente: perceber a função social
de um curso superior.
Na entrevista com Maria, ficou evidente a importância do estudar e ela sempre estudou
em escolas públicas, próximas a casa dela. Na entrevista com José, ele revela que os pais
sempre quiseram os melhores colégios da cidade. Qual o critério de escolha da melhor escola?
Segundo José, “[...] a melhor escola é a que passa muito conteúdo, muitas tarefas de casa
(ocupando grande parte do tempo do aluno em casa) e que prepara para passar no vestibular.
É a que o professor consegue passar conteúdo para os alunos, com tranqüilidade e o aluno
100
consegue estudar, isso porque tem organização administrativa. É a que remunera bem o
professor, que tem recursos didáticos, computadores, internet, sala de vídeo e muitos
recursos”.
A concepção de José apresenta aspectos da racionalidade técnica na profissão docente.
Nesse estudo, entende-se que a boa escola é a que supera a racionalidade técnica como aponta
Candau (2003), formando o aluno para ser profissional e ser humano, que decida sobre a sua
vida, vendo os outros como participantes de sua formação e, ao mesmo tempo, percebendo
sua interferência no processo de formação dos outros. É ainda aquela que não supera a
fragmentação dos conteúdos e trabalha buscando a compreensão do todo, dos conhecimentos
e do homem, mas também que supere a divisão do conteúdo e da forma, e os conhecimentos
sejam formativos, tornando o homem mais humano. É importante, nessa direção, que o
professor não dissocie o objeto de seu motivo, e que a necessidade do estudo possa ser
percebida como necessidade de se fazer humano, de fazer parte do processo de expansão
social, fazendo cultura e participando de sua história. Reconhece-se assim, o movimento
dialético da formação humana. (MARQUES, 2003).
O aluno, refletindo sobre suas concepções acerca de uma boa escola, afirma que essa
definição representa uma crença”, ou seja, percebe que essa visão de escola é resultado do
significado social por ele incorporado. Da mesma forma, evidencia sua crença sobre o ato de
ler. Quando pequeno não liam pra mim porque não tinham esse costume, os pais eram mais
fechados. Mesmo as famílias que os pais eram estudados também não tinham esse costume de
ler para os filhos. Quando eu estava na ou série surgiram as enciclopédias, antes não
tinham muitos recursos e também não tinham condições financeiras para adquirir”.
Ler para os filhos parece ser uma coisa da atualidade, as famílias fechadas não
estabeleciam um diálogo com as crianças e com isso a aquisição da língua escrita se
desenvolvia, prioritariamente, em outras relações: meios de comunicação, brincadeiras,
escola.
A esse respeito comenta:
Eu me lembro do meu primeiro dia de aula no prezinho em uma escola
estadual, eu cheguei e deu aquele “tcham”, largado , minha mãe e meu
pai de um lado e eu abrindo a boca do outro, lembro disso até hoje e eu
tinha seis anos, quer dizer, 28 anos atrás. Não me lembro como fui
alfabetizado. Lembro mais da matemática, uns fichários com dezenas,
unidades, valores. Estudei sem nenhuma bomba e sem nunca tirar um
vermelho nas notas. Estudei com bolsa, no começo porque meu pai conhecia
o diretor e depois quando viram que eu tirava notas boas eu continuei
com essa bolsa até o final do curso.
101
A história relatada é de sucesso escolar; todavia, qual a relação efetiva que ele teve
com o saber? E esse sucesso diz respeito a quê? O sucesso é passar de ano, com boas notas,
representando a preocupação com o imediato o produto e não com o processo de
desenvolvimento. O que difere da outra aluna, que teve dificuldades em se alfabetizar e no
desenvolvimento da linguagem oral, e conseguiu sucesso superando-as e se apropriando dos
conhecimentos adquiridos, relacionando-os para entender seu próprio processo de formação.
Sobre as experiências escolares, José percebe o tipo de ensino e aprendizagem que
viveu sem significação em que ocorre a separação entre o significado social do
conhecimento, como afirma Azevedo (2002) e o sentido pessoal atribuído. Na escola todos
me marcaram muito, os professores, o diretor e até hoje lembro de todos. Os professores que
mais gostava, depende das fases que passei; lembro mais do finalzinho: o de física, o de
química e o de matemática, que já faleceu”.
Nos estudos, José identifica-se com as disciplinas exatas:
[...] eu era craque em todas as matérias vinculadas à engenharia que cursei.
Para falar a verdade nunca fui bom em Letras, eu não lembro dos
professores de Língua Portuguesa. Eu sempre fui meio “caxião” e curioso.
Uma coisa que lembro direitinho quando saí do colegial é que, se eu
chegasse a dar aula um dia, não seria do jeito que tive, era muito massante,
muita decoreba, muita coisa pronta, teórica que tinha que mastigar para
entrar no vestibular. E eu lembro direitinho, se um dia eu chegar a dar aula
eu não dava desse jeito não, ia mudar, ia fazer tudo diferente. Não pensei
em ser professor, pensei se um dia eu tivesse a chance de dar aula ia ser
diferente.
Analisando as aulas que não daria, José aponta que faria diferente. A experiência
profissional dele começou nessa mesma escola em que ele questiona o modo de se
trabalharem as ciências exatas. Diante dessa declaração de José, propõe-se um
questionamento: o seu trabalho e suas reflexões na faculdade são instrumentos suficientes
para modificar a sua prática docente? Resolvem o conflito entre o que ele questiona e ao
mesmo tempo o que ele afirma sobre ensinar e aprender?
Em seu percurso de formação relata como ingressou na docência, como professor de
línguas. Como é que para atender uma necessidade imediata inicia um trabalho, sem se dar
conta da natureza formativa do mesmo.
Depois que larguei a faculdade de engenharia, comecei o Inglês. Percebi
minha capacidade com línguas, fiz alguns cursos pequenos, precisava fazer
alguma coisa para ganhar dinheiro. Não gostava de literatura. Gostava de
ler tudo: coisas de química, curiosidades, matemática, física, tudo.
Literatura brasileira eu não gostava. Gostava de ler coisas que traziam mais
conhecimentos, curiosidades eu lia direto. Mas é uma forma de leitura,
que não é leitura literária.
102
Gostava de ler coisas que trazem conhecimento ou informação? Pela informática tem-
se informações, que o dados técnicos, que serão conhecimentos a partir da apropriação, isto
é, do processo ativo de interferência do indivíduo, dando significação ao que recebe e
incorporando-os ao seu processo de formação.
O aluno tem uma trajetória em diferentes cursos, ase decidir, por concluir o ensino
superior – o que está conseguindo alcançar no atual curso. Ao ser indagado: por que a escolha
desse curso? Ele justificou que começou como uma ação, que é a necessidade de
sobrevivência e foi se tornando atividade humana. Tinha um motivo imediato, que foi sendo
reconhecido e se transformando. O aluno vai dando sentido ao seu fazer pelo resultado da
ação, elevando sua necessidade dentro das possibilidades reais. Será que esse processo pelo
qual ele está passando virá a se constituir um motivo suficiente?
Sobre seu ingresso na carreira, José fala sobre o curso que escolheu:
[...] o curso que faço agora na Faculdade é o meu curso superior, os
outros ficaram incompletos. Primeiro eu fiz odontologia, mas comecei,
passei quando estava no colegial. Entrei na Academia Militar e fiquei
pouco tempo, fui para outra cidade e entrei na Engenharia, larguei e fui
fazer Arquitetura, 4 meses e larguei e fiz 3 cursos de Letras.No penúltimo
curso de Letras estava fazendo por fazer. O primeiro na minha cidade, o
segundo numa faculdade em outro estado, que era uma faculdade fácil de
fazer. Viajava sempre, toda sexta e ficava o fim de semana todo. Estava
gastando o mesmo que gastaria aqui e gastava 3 dias estudando lá, na sexta
à noite, no sábado e domingo. Fazer por fazer é bobeira. que estou
gastando dinheiro, gastando tempo, vou fazer uma faculdade para aprender
alguma coisa, pelo menos, e aí eu escolhi a atual Faculdade. E estou
aprendendo.
Fazer o curso superior, expressa José, é para aprender, portanto, faz opção por um
curso de quatro anos de duração, presencial e em sua própria cidade. Entretanto, a escolha
pelo curso não o fez gostar da literatura, ainda por não considerar sua importância, visto que
seu interesse maior é pelo ensino de línguas estrangeiras. E assim ele analisa suas dificuldades
com a disciplina: “[...] a idéia antiga da literatura, era aquele negócio que passava na
escola, eram aqueles romances, aquela água com açúcar, aquele nhém-nhém-nhém. Aquilo lá
foi um trauma que veio desde muito. Melhorou um pouco tem umas pessoas aqui tipo a
professora C. que montou um outro jeito de chegar interesse na coisa, que é contando uma
história, a época literária tal, para depois chegar no romance. Tem a opção de ler a obra
inteira ou ler um trecho, uma página”.
Analisa esse “trauma” pela literatura que teve no colégio: água com açúcar. Embora
tenha mudado a maneira de ver a literatura, com uma concepção um pouco mais positiva, não
foi o suficiente para se interessar e se dedicar a estudos literários.
103
Outro tema abordado por José foi a sua formação literária:
[...] eu leio jornais tipo Folha de SP, revista tipo Isto é, Veja, leio na
internet coisas sobre o meio ambiente. Tenho livros em casa, mas somente
os livros didáticos que uso no colégio. Livro que li e lembro só “Capitães de
Areia”, sobre a Bahia, com meninos de rua. Eu devo ter gostado ou alguma
coisa dele me marcou por eu ter lembrado. Nunca fui de gostar, de pegar
para ler, fale alguns livros e eu vou dizer: vi, vi, vi, que nada de
marcar. Gibi eu lia muito: o Chico Bento, Cebolinha, turma da Mônica,
homem aranha, super homem, mas não leio mais. De vez em quando na
internet olho alguma coisa. Meu filho por incrível que pareça não gibi.
Uso internet o fim de semana, dependendo do que estou interessado na
semana, busco coisas da faculdade, do colégio, vejo coisas no jornal, um
assunto na televisão e o que quero explorar mais.
O acúmulo de atividades que realiza, isto é, o grande número de aulas ministradas
somadas às aulas, à noite, na faculdade, parecem impor limites, ao José quanto à leitura das
obras literárias. Inclui-se aí, a necessidade de sua atualização específica na língua estrangeira,
que o leva a priorizar livros a fim de aprimorar suas aulas nessa área. Tal situação traduz uma
fragmentação na formação humana apontada pela necessidade imediata de “dar conta” de sua
profissão. Assim, o seu interesse pela leitura é direcionado para planejar suas aulas e para
realizar seu trabalho. Essas são suas lembranças a respeito da relação com o saber,
especificamente com a Literatura.
Sobre o processo de aprendizagem dos filhos, diz: “[...] tenho uma filha de 3(três) e
um de 10 (dez) anos e a alfabetização do mais velho foi normal. Agora na série, ele está
com dificuldades em Português, em compreensão, ele lê pouco. Minha mulher para ele,
mas ele tem dificuldade em compreensão, ele é bom na matemática em um punhado de coisa,
mas em compreensão [...] para tirar uma informação do texto ele tem dificuldade. Teve
alguma falha em algum lugar”.
Ele identifica as dificuldades do filho, que são da área em que estuda; aponta o hiato
existente entre o conteúdo e forma, ou seja, o que se aprende e como se aprende, sendo capaz
de descrever a dificuldade, mas não reflete sobre as propostas de solucioná-las.
Uma questão fundamental abordada por José diz respeito a como o estágio tem
permitido compreender a unidade forma e conteúdo? Assim ele se manifesta: “[...] a
faculdade ajudou um pouco, eu tenho uma boa noção de compreensão, uma visão geral de
texto, que eu venho trazendo de algum tempo, uma coisa ou outra tem colaborado com
certeza. Os outros alunos eu vejo que quase 100% ajuda muito, eu acompanho desde o
começo e vejo que tem aluno que entrou e, meu Deus do céu! não sabia ler uma linha, e
muitos já estão do meio para frente. Tem gente que já está deslanchando”.
104
O aluno ingressou no curso com uma certa vivência de escola, com muitas
experiências, com idade superior a dos colegas. Nessa posição, analisa os outros, os colegas
da Faculdade, e não analisa sua própria situação. Esta postura também se constitui momento
de aprendizagem, quando apóia os colegas nos trabalhos, reflete trazendo a sua prática para a
discussão coletiva.
Quanto ao ingresso na carreira, o referido aluno relata: [...] quando sai de
Uberlândia comecei a dar aulas particulares de Inglês e vi que precisava melhorar um
pouquinho e comecei a aprofundar mais em Inglês. Aí terminei o curso de Inglês e depois que
eu entrei no colégio vi que precisava mais ainda. Aí, fiz uma prova internacional e passei
nessa prova. E tenho o diploma para lecionar”.
José percebe que somente um curso técnico de Inglês não seria suficiente para a
exercer a função da docência. Mesmo entendendo assim, não localiza, na Faculdade, a
oportunidade de relacionar os seus conhecimentos de língua estrangeira com a didática, a
metodologia, enfim com os processos educativos que poderiam ser apropriados por ele para a
sua função de professor. Em um trabalho de pesquisa que desenvolve atualmente, José
escolheu como tema as crenças no processo de ensino e de aprendizagem. Nesse trabalho, o
aluno aprofunda conhecimentos que o incomodavam, antes de se decidir pelo curso de Letras.
A formação docente mobilizou-o para se aprofundar nos estudos pedagógicos, talvez
questionando sua própria crença de que basta saber o conteúdo para ensinar?
Ainda sobre o ingresso na carreira, José reflete:“[...] acredito que resolvi ser
professor, por influência do final do colegial, a didática estava meio pesada, tinha que
estudar demais sem parar um minuto senão saía mal pode ser isso. Pode ser também porque
é gostoso lidar com o aluno. Pode ser um conjunto inteiro”.
Ele gosta de ser professor, gosta de estar com os alunos, mas questiona a situação do
ensino, as condições financeiras e os encargos dessa profissão que o levam a pensar em ter
outra, visando ter melhores condições salariais.
Quanto à questão de se formar José explica a influência de sua família: “meu pai quer
que agora eu termine a faculdade para ter o diploma superior. Para ele ser médico, dentista,
advogado, professor tudo na mesma, o importante para ele é ter o curso superior. Eles
valorizam muito o local que eu trabalho, a escola. Minha esposa ajuda, fica olhando as
crianças e eu fico estudando. Eles participam da minha formação porque meu pai não me
deixa desanimar de jeito nenhum e minha mulher também não”. O curso superior tem um
significado relevante para a sociedade, demarcando a distinção entre os que fazem e os que
105
pensam a vida social (CONTRERAS, 2002). O sentido que José atribui ao curso superior é o
de possibilitar a participação e de se sentir incluído na sociedade intelectual.
Suas expectativas quanto ao futuro são:
[...] desejo para o futuro o diploma, prestar um concurso público, para ter
uma base financeira e continuar dando aula. Porque formar para dar
aula, aquele idealismo de professor isso o existe não. Ele chega a passar
fome, não dá para sobreviver sendo professor. Tem que ser professor e mais
alguma coisa. Essa mais alguma coisa é qualquer uma outra profissão, um
cargo público, sei lá, uma coisa, montar uma firma, para você ter o seu
dinheiro. O que vem de uma outra atividade é o que vai te sustentar. Ser
professor não para sustentar, mas ganhar um pouquinho de dinheiro e
transmitir conhecimento para as pessoas. Para sobreviver do ensino tem que
trabalhar de manhã, de tarde e de noite, não vai ter qualidade de vida e eu
pus na cabeça que as pessoas têm que dar aula pelo prazer de dar aula e
não pelo serviço. Ter um emprego ou ter uma firma que sustenta 80% da sua
renda e 20% da aula, você vai dar aula porque você quer.
José questiona o professor idealista afirmando que não para ser professor por
gostar do que faz e acreditar no próprio trabalho; ao mesmo tempo, admite que é uma
profissão que prazer, que transmite conhecimentos, mas não oferece boas condições
financeiras. Daí, pergunta-se: dar aulas porque quer e não pelo dinheiro também não é ser
idealista?
Para José, o importante do curso é “a formatura vai me ajudar a ter sucesso
profissional com certeza. 10 anos quando larguei a faculdade de engenharia, eu dando
aula particular ganhava mais que engenheiro recém formado. Então porque eu vou formar,
eu ganho mais que eles. Nos últimos dois anos parece que começou a dar outra viravolta e
começaram a valorizar demais quem tem curso superior. É essa a tendência do mercado,
quem tem curso superior tem mais chance de quem não tem. Então vem essa onda e eu
estou seguindo junto”.
Comparando a diferença de salários entre a profissão de professor com a que ele
chegou a cursar, a engenharia, José conclui que as necessidades que o mercado de trabalho
impõe são transitórias. O mercado de trabalho modificando-se,influencia na escolha
profissional, contrapondo a identificação com a profissão.
O curso de licenciatura ajudou José “[... ]a ver que dar aula não é o que se prega em
sala de aula, praticamente. Prega-se a perfeição, apesar de falar que não existe a perfeição,
tem que ser assim, assim, assim, acontece isso, isso, isso, a lei é isso, isso e isso, os alunos
são assim, assim, tem que ser assim, assim...A aula é isso.. acontece...a aula deveria ser
assim, os alunos deveriam prestar atenção, deveriam adquirir conhecimento, o professor
deveria em cada aula ser dinâmico e tal e na realidade não acontece”. José confirma a
106
existência da separação entre teoria e prática, não compreendendo a unidade apontada por
Candau (2003). Prática e teoria relacionam-se reciprocamente, expressam o movimento de
contradições e se constituem em unidade.
Continua seu relato refletindo sobre a relação teoria e prática: “com certeza ser
professor é importante. Quando eu digo: o que se ensina na faculdade não é bem o que se
na sala de aula, mas o que se vê também na sala de aula é aluno carinhoso, é aluno que te
como exemplo, que gosta de sua presença, isso aí é outra parte que a faculdade mostra e que
realmente acontece. Na escola tem muita coisa mudando”. Segundo o aluno, na faculdade,
a valorização da profissão docente, mas afirma que, no curso diz-se como a escola deve ser,
uma escola idealizada, distante da situação concreta. O que o estágio propõe é confrontar a
escola real e as possibilidades de avanços. Não é dizer como deve ser, mas analisar a escola
em seu movimento de se fazer educação. A faculdade possibilita a reflexão para que
mudanças aconteçam, para que a atuação docente, em formação, dê um salto de qualidade.
Para José, o perfil do bom professor refere-se àquele que atrai a atenção da turma toda.
Afirma que “[...] atrair a atenção dos alunos em toda aula, isso para um ano que você
80 aulas, por exemplo, que tem aula no noturno, você não conta de dar 100 aulas com
todos os alunos atentos a você. Se você consegue isso você é um excelente professor. Todos
atentos querendo participar que seriam 100 planos de aula excelentes, planejados em que
cada aula fosse perfeita”.
O professor, ao se preparar para trabalhar com turmas de uma mesma série, planeja
sua aula, que acontecerá de maneira diferente de uma turma para a outra. São relações
diferentes que se estabelecem, em uma e noutra. Com o estabelecimento de objetivos claros a
se desenvolverem, poderão ser feitas adaptações segundo a necessidade dos alunos. Nesse
caso, o planejamento é suporte para a dinâmica e complexa situação de sala de aula. O tempo
de preparação das aulas do professor, segundo José, é insuficiente para criar momentos de
aprendizagens diferentes. Isso reflete a falta de valorização do professor e a real situação dos
baixos salários.
Para José, o curso de licenciatura, teve um papel importante em sua formação:
[...]a faculdade me ajudou a refletir o seguinte: o que existe, o que tem que
acontecer, dito como sendo o certo, sala de aula é isso, sala de aula é
aquilo. Eu na realidade que estou vivenciando, vejo que não acontece ou
acontece em parte. Me ajudou a refletir: será que tem jeito de mudar? Será
que isso vai continuar sendo a vida inteira assim? Será que eu vou estar
pronto para mudar isso? Será que essa mudança vai acontecer agora? Será
que não se deveria mudar esse nome de escola para outro? A escola como a
de antigamente não existe mais. Ou se existe está acabando essa cara de
escola. Podia ser uma ambiente de educação, sem sala de aula, sem escola,
107
existiria sim um lugar de transmissão de conhecimento, um lugar de
aprendizagem mútua.
O curso o ajudou a refletir: será que estarei preparado para mudar? Será que a
Faculdade o ouviu, ouviu suas experiências, valorizou-as, trouxe-as à tona, colocou-as em
xeque? Quais as perguntas de um aluno que já é professor? Entender que problemas, isso
ele vivencia. A formação possibilita analisar as possibilidades de mudança e agir,
envolvendo a sua equipe de trabalho, o que depende de vários outros fatores. Nessa direção,
faz-se um questionamento: Quais os impactos da formação para as mudanças? O aluno faz
uma proposta de uma escola diferente, com ambientes de aprendizagens, contrapondo a
estrutura organizacional atual, tradicional, que se apresenta como um dos fatores que
dificultam o processo de mudanças.
Sobre a questão de gênero afirma que sofreu modificações com o nascimento dos
filhos: “[...] ser homem e ser professor não afeta em nada, o que me ajudou um pouco foi o
nascimento de meus meninos, vivenciei o crescimento dos dois e isso pode ter, com certeza,
contribuído para que hoje na 5ª rie, eu ter um pouquinho mais de paciência com os alunos,
6ª, 7ª também”.
Apesar de afirmar que não altera em nada a relação de gênero na educação, percebe-
se, pelo relato que, pelo contato com os próprios filhos, o aluno José mudou em relação aos
seus alunos, imprimindo uma amorosidade que não tinha antes.
José define também o que acredita ser uma boa escola, agora a partir do momento de
observação no estágio. Relata que é a que tem melhor ensino, tem atividades culturais
(música), destaca a leitura e a produção intelectual. “Na sociedade capitalista a disputa pelo
lugar se baseia na aquisição de conhecimentos para se conseguir uma posição de destaque e
afirmação em nossa sociedade [..]”. “No ensino é importante material didático moderno,
atual e de acordo com os PCNs”. Escola boa para ele, portanto, é a que prioriza a assimilação
dos conteúdos curriculares pelos alunos, com excelentes recursos à disposição dos
professores. Em contraponto, nessa pesquisa, defende-se a escola como produtora da
existência humana e, conseqüentemente, produtora de saber: saber sobre a natureza, saber
sobre a cultura, conforme Saviani (2003).
Ao produzir relatórios do estágio, o aluno relaciona o estudado com a experiência
própria (já é professor). Ao observar a sala de aula, relata que “a professora falou e deixou
também os alunos falarem, valorizando assim a prática dos alunos e promovendo a sua
interação com a turma [...] Não tive dificuldades com os alunos, pois, trabalho com os
108
alunos de a série”.Ao escolher a turma, no estágio seguinte para a regência, ele escolhe
“[...] a 5ª; é a turma que eu me sinto mais à vontade”.
Para tal, conforme relatório de estágio, José preparou aulas em que usou música do
grupo Titãs para trabalhar verbos; um texto de Monteiro Lobato para leitura pelo professor,
com a participação dos alunos como personagens e reproduzindo os sons da história; deu
tempo para os alunos contarem outras histórias, inclusive, com produção de texto. Ainda, o
aluno José, escolheu um tema: a violência e, em primeiro lugar, deixou que cada um falasse
sobre esse tema, fez perguntas, promoveu a leitura do jornal Folha de SP, com recorte de
textos e fotos sobre o assunto. Após, em grupos de no máximo três componentes, os alunos
recortaram frases com exemplos de pronome e José pediu que os alunos os destacassem com
marcador de texto. Montaram um cartaz classificando os pronomes (aplicou a mesma
atividade para substantivos em outra turma).
Também o aluno estagiário montou um teatro sobre o livro “Uma professora muito
maluquinha”, após imaginar uma professora e fazer uma redação. Outras atividades
desenvolvidas: relacionar o livro lido com fatos, personagens, acontecimentos da vida real e
respostas de perguntas de interpretação, desenvolver uma narrativa partindo de uma gravura
apresentada, entre outras.
Das aprendizagens do estágio, o aluno conclui que “[...] o importante é que conheci,
pelo estágio, um ambiente diferente do meu que é uma escola particular, conheci outros
professores”. E teve a oportunidade de planejar aulas para alunos que não eram os dele,
utilizando os recursos disponíveis na escola.
Em uma análise recente, José, no último período do curso de Letras diz “A
formação da faculdade foi mais crítica e isso ajuda a construir novos pensamentos. sabia
muito do teórico mas não seria capaz de escrever o TCC no início do curso”.
Um dos momentos importantes do curso é a elaboração do trabalho de conclusão
(TCC), em que os alunos utilizam métodos científicos para a realização de pesquisa, com
escrita acadêmica. José reconhece a possibilidade de escrevê-lo, sinalizando que o curso
colaborou com a sua formação. Nessa direção, além de as atividades do curso de formação
colaborarem para seu desenvolvimento como professor, a escola em que José trabalha
também lhe proporcionou tal formação.
Sintetizando os saberes dos quais José se apropriou durante o curso, percebe-se sua
aprendizagem. A concepção de aprendizagem do aluno prioriza os conteúdos científicos e sua
destinação: passar no vestibular, em detrimento da formação humana. Visualiza e propõe
mudanças, o que representa que ele sofre o impacto do curso. A função social da escola é,
109
para ele, a de inserir o estudante no mercado profissional, fazer dele um trabalhador com
sucesso financeiro. A educação se preocuparia com a aprendizagem de disciplinas. Sua
relação com o saber é linear, tem a leitura para a prática cotidiana, o que precisa para suas
aulas. A perspectiva em relação ao curso está em conflito; ao mesmo tempo em que percebe a
precarização e a proletarização (CONTRERAS, 2002) do trabalho do professor, diz que gosta
muito do contato com os alunos.
Os motivos que tal aluno apresenta, decidindo-se por ser professor são,
concomitantemente, os dele e os da sociedade. Pois, “todo homem é ao mesmo tempo, ente
particular-individual e ente humano-genérico, ou seja, uma “singularidade” e,
simultaneamente, uma parte orgânica da humanidade, da história humana”. (HELLER, 1985,
p. 47). Portanto, todo homem tem motivações que se referem apenas a si mesmos, finalidades
que pacificam tão somente suas próprias necessidades, mas, além disso, está necessariamente
inserido no desenvolvimento global da humanidade mediante atividades objetivas, como o
trabalho; e pode ter motivações que tendam a encarar o humano-genérico: as exigências
éticas, valores assumidos na integração da classe de professores.
4.2.3 Marias e Josés.
As questões que se colocam são: como Josés e Marias saem do lugar em que eles se
encontravam e onde se localizam durante a formação? Quais os limites da formação e que
lugares deixaram de ocupar?
Maria superou parte de suas dificuldades, como José também pôde superá-las, pois, a
constituição da profissão é um processo em que estão incluídas as histórias de vida de cada
aluno e a formação universitária, que se apresenta como condição de superação.
Ele estudou boa parte da vida escolar na mesma escola em que hoje é professor e no
período da licenciatura e do estágio, vivenciou ambientes educacionais diferentes.
Nas entrevistas, as motivações de se formar o diferentes e o estar em processo de
formação com essas diferenças constituem professores que atuarão também de maneiras
próprias. Na medida em que a apropriação dos conhecimentos acadêmicos está atrelada ao
desenvolvimento de cada um, à história de vida, aos seus motivos, até que ponto um curso de
licenciatura efetiva o salto de qualidade?
Analisando o processo formativo de José e Maria, percebem-se as diferentes
necessidades dos alunos de uma mesma turma e como elas evoluem: as perguntas que
realizam durante o processo de formação não são as mesmas entre os que são professores e os
110
que não o são. Isso é indicativo de que a questão epistemológica é fundamental: que
conteúdos deverão ser mobilizados para atender às necessidades formativas da turma? Essa
reflexão deve permear a estrutura do plano de curso do Estágio.
Reportando-se a Leontiev (1978), é em atividade que ocorre a aprendizagem e o
desenvolvimento, em que o homem apropria-se do mundo, com intencionalidade, dando
significação a suas realizações do cotidiano. Para isso há uma mobilização dos conhecimentos
que compõem as atividades estabelecendo projetos de intervenção. Nessa mobilização, cada
aluno levantaproblemas no local onde acontecem: na escola, e esses são delimitados pelo
impacto que causou no estagiário e ele desenvolve atividades tentando solucionar tais
problemas com o apoio da mediação do professor de estágio, do professor da sala de aula e
dos colegas. Nesse processo, ele estuda, pesquisa, decide e atua estabelecendo a unidade entre
o pensar e o fazer, evitando a fragmentação do conhecimento. Para atuar em forma de projetos
é importante entender o contexto, captando uma visão de totalidade que as etapas semestrais
do estágio buscam proporcionar. Além de trazer a questão da relação teoria e prática, o
estágio coloca, como ponto de partida e de chegada, a prática educativa, como ensina Saviani
(2003), levantando problemas, atuando como professor mediador, criando situações de
aprendizagem, onde incorpora valores e conhecimentos do grupo social. Ao criar as situações
de aprendizagem aprende e desenvolve os instrumentos necessários para a atuação (o como
fazer, por que fazer, o que fazer), não como métodos prontos mas como elaboração própria
adequada a cada contexto, mas sim, tendo como objetivo a formação humana, que se constitui
nas relações que se estabelecem com os outros.
Ao intervir, imprime-se sentido e significado à prática educativa, possibilitando atuar
na zona de desenvolvimento proximal, que é um desenvolvimento em espiral, onde vão se
expandindo os conhecimentos sobre a realidade em que se está atuando. A busca é pela
mudança, rompendo e superando formas tradicionais de se educar que dissociam o fazer e o
pensar e buscam mudanças estruturais. Essas, dão salto de qualidade no processo educativo.
O estágio se constitui unidade formadora unindo teoria e prática, em que a ida às
escolas traz os elementos para a discussão teórica e a elaboração de atividades. Nesse sentido,
os alunos entrevistados não são os mesmos do início do curso: mudaram. Cada um a seu
modo, mas vivenciaram, refletiram e atuam nas escolas pensando sobre suas ações e sobre seu
compromisso com a profissão e a formação do outro. Imbuíram-se da importância da
profissão e da necessária formação continuada. Têm, sobretudo, um olhar crítico sobre si
mesmos e sobre o processo pedagógico por que passam no curso de Letras.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar uma realidade, a atitude do pesquisador é de
um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que
exerce a sua atividade prática, no trato com a natureza e com os outros
homens, tendo em vista a consecução dos projetos fins e interesses, dentro
de um determinado conjunto de relações sociais. (KOSIK, 1976, p.9 e 10).
Agir objetivamente significa agir a partir de um estudo, de uma fundamentação
teórica, que se principia a partir das necessidades que geram questões básicas, levantadas pelo
pesquisador, e no campo da pesquisa, analisa, enriquece, avalia e o objeto de pesquisa e a
si mesmo nesse processo. O professor, assumindo essa dimensão de pesquisador, poderá atuar
construindo projetos e na sua execução, como mediador do processo de ensino e de
aprendizagem, estar se formando constantemente e se humanizando ao fazê-lo, visto a
importância de sua tarefa social, a riqueza das relações que estabelece, as possibilidades de
intervenção na realidade. Mas, a realidade não se apresenta à primeira vista; ela apresenta-se
como o campo em que o pesquisador exercita a sua atividade prático-sensível. Os homens
criam as próprias representações das coisas e para distinguir a representação do real tem-se
que buscar o essencial, fugindo do senso comum, pois, no dinamismo do trabalho cotidiano,
se localiza o perigo de não se ter a compreensão da realidade.
A divisão do trabalho, que é historicamente determinada, apresenta uma visão
fragmentada do homem que os divide entre os que pensam e os que fazem ou executam. Essa
complexidade está presente no ambiente cotidiano, na vida humana, penetra na consciência
dos indivíduos se desenvolvendo à superfície dos processos realmente essenciais e dão
impressão de serem condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis como atividade
social dos homens.
O pesquisador deve analisar a essência e o fenômeno em constante movimentação
dialética. Para alcançar a essência, para descobri-la, é preciso se afastar para entendê-la,
usando a filosofia e a ciência;
[...] captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever
como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo
tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência. Sem o
fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível.
(KOSIK, 1976, p. 12).
112
O problema que se coloca na formação do professor é a questão do conhecimento, que
é produto do homem histórico-cultural, que não é dado, não está pronto e acabado. A
realidade concreta é criação do ambiente humano. O conhecimento é a superação da natureza
e se realiza a partir da atividade, quando o homem transforma a coisa para si. se
compreende mediante uma determinada atividade. As atividades são os vários aspectos ou
modos de apropriação do mundo pelos homens que têm um caráter de intencionalidade, de
intenção significativa e é um produto histórico-cultural. Esse conceito de atividade provoca na
escola um salto qualitativo, visto que, a significação da atuação do professor mudará as
relações com o conhecimento.
A teoria materialista põe em evidência o caráter ativo do conhecimento e se apóia
sobre uma determinada teoria da realidade. Busca compreender a realidade através da análise
da representação do todo e da rica totalidade das determinações e das relações.
O método científico de explicação da realidade humano-cultural é a dialética
materialista, que parte da atividade prática objetiva do homem histórico, busca a totalidade,
compreende a realidade nas suas íntimas leis e revela as conexões internas. E partindo daí
tem-se o princípio epistemológico para o estudo, a descrição, a compreensão, a ilustração e
avaliação de temas da realidade.
Vigotski (1998) também analisa a tarefa do pesquisador, que é a de pôr às claras as
relações reais que existem entre o comportamento e seus meios auxiliares. Suas pesquisas
cindem o todo analisando a formação social da mente de maneira dialética, conectando ao
todo, analisando o homem cultural e histórico. Ao analisar a aprendizagem e o
desenvolvimento coloca questões fundamentais para o processo de mediação do
conhecimento que acontece na Escola, o que permite trazer o foco da pesquisa para uma
realidade demarcada. Realidade educacional, histórica e cultural, em que as atividades
humanas são desenvolvidas buscando a humanização.
Segundo demonstram experimentos de Vigotski (1998), os seres humanos sempre
foram além dos limites das funções psicológicas impostas pela natureza, evoluindo para uma
organização nova, culturalmente elaborada, de seu comportamento. Os seres humanos, em
cada tempo histórico, criam sua cultura que, por sua vez, estrutura sua realidade. Nesta
contextualização é que se busca o entendimento das atividades humanas.
As funções psicológicas superiores são de origem histórico-cultural e o formas
mediadas de comportamento. São criadas no meio histórico-cultural e são compreendidas nas
relações entre pessoas; por isso, mediadas.
113
As relações entre as funções cognitivas mudam no curso do desenvolvimento. “A
característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens
influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam
seu comportamento, colocando-o sob seu controle”. (VIGOTSKI, 1998, p. 68)
Assim, o homem ao provocar a alteração sobre a natureza, altera a sua própria
natureza. Ocorre o mesmo no processo de aprendizagem. O conhecimento é apropriado pelo
homem através da mediação, num processo de internalização que consiste numa série de
transformações: uma operação que inicialmente representa uma atividade externa e começa a
ocorrer internamente; um processo interpessoal que é transformado num processo intrapessoal
(entre pessoas e no interior da pessoa). O conhecimento se realiza através de atividades
coletivas, sociais (interpessoais) e internas ao próprio indivíduo (intrapessoal).
As questões levantadas por Vigotski (1998) possibilitam aos educadores refletirem
sobre o papel da escola na transmissão de conhecimentos, de natureza diferente daqueles
aprendidos na vida cotidiana, numa dimensão social do desenvolvimento humano. Um de
seus pressupostos básicos, a idéia de que o ser humano constitui-se enquanto tal na sua
relação com o outro social, enaltece a importância do professor que promoverá essas relações.
Na escola, a transmissão de conhecimentos é fundamental na construção dos processos
psicológicos dos indivíduos. A intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam
espontaneamente. A intervenção deliberada de um indivíduo sobre o outro é uma forma de
promover-se o desenvolvimento. A aprendizagem desperta processos internos de
desenvolvimento que só podem ocorrer quando o indivíduo se relaciona com outras pessoas.
Nesse sentido, repensar a formação docente, nos contexto de estágio, implica um
movimento de superação. A formação tradicional representa o modelo que precisa ser
superado. E para tanto que se considerar o sujeito em formação como sujeito histórico-
cultural. Considerá-lo como ser humano com capacidade de pensar, que tem história e cultura.
Um sujeito inteiro que não fragmenta pensamento e ação.
A proposta pedagógica aqui defendida é de uma escola, que considerando a história e
a cultura, possa emancipar o homem. Por escola está se entendendo o processo de educação
formal. Isso compreende todos os segmentos de Ensino desde a Educação Infantil até o
Ensino Superior que passa a constituir um sujeito histórico, que se desenvolve ao longo do
tempo e está sempre sendo formado, sem desconsiderar a importância de seu passado, mas
com a certeza da necessidade de uma ruptura para a sua expansão. Que supere as
circunstâncias que determinam sua condição pessoal e profissional e avance. Tais
circunstâncias são constituídas de relações e de situações sócio-humanas, localizadas na
114
totalidade do seu ser. Entender essa totalidade é conhecer a realidade e como se dá o processo
de sua apropriação pelo homem. Esse é o desafio do estágio.
A relação teoria e a prática expressam o movimento das contradições no contexto de
formação docente. A reflexão dessa relação move o processo de formação possibilitando o
romper com o cotidiano alienante.
A concepção histórico-cultural apresenta a possibilidade de romper com a
racionalidade técnica, ressaltando que a educação do professor se realiza como atividade
humana.
O estágio, como atividade humana, tem um impacto na formação dos professores,
enquanto desvelamento da realidade, aproximação da prática-teoria-prática e desafio à
pesquisa. Para isso o estágio deve estar em unidade com o projeto pedagógico dos cursos de
licenciatura, envolvendo todas as demais disciplinas nesse movimento de aprendizagens.
O estágio ressignifica as relações com o saber; possibilita a compreensão da docência
como uma atividade humana e se constitui um contexto de aprendizagem para alunos e
professores.
Os dados coletados apresentam os resultados com relação às aprendizagens apontadas
pelos alunos, no apêndice B, do que se aprende no estágio.
Também apresentam os limites do estágio, desafios a serem superados:
O pouco tempo que o aluno trabalhador tem para se dedicar às atividades do estágio, o
deslocamento para as escolas estagiadas ser uma vez por semana à noite, o que
dificulta a visão do processo desencadeado pelos professores.
O preenchimento de fichas e a elaboração dos relatórios que demandam muitas horas
de trabalho.
O currículo não estar voltado, em sua totalidade, para a reflexão sobre a unidade teoria
e prática ou os alunos não perceberem que o que aprendem se constitui, o tempo todo,
momentos importantes de elaboração de suas atividades.
A metodologia de pesquisa adotada supera alguns desses obstáculos ao indicar a
intencionalidade de cada ação. O referencial teórico – a perspectiva histórico-cultural – aponta
as múltiplas relações que se estabelecem no momento de aprendizagem docente. O
entendimento dessas relações como reciprocidade ensino enquanto aprendo imprime um
movimento na ão educativa e tem condições de impactá-la durante o seu processo. A teoria
orienta a pesquisa para as atividades se desenvolvendo, extraindo daí o seu entendimento e a
formação humana advinda dela.
115
Os alunos pesquisados apontam as aprendizagens do estágio, que vêm do movimento
de formação: do estudo da fundamentação teórica, da análise coletiva das atividades
desenvolvidas, do entendimento da importância da observação e do registro como
instrumentos do estágio, das mediações entre as pessoas envolvidas nesse processo. É o
confronto entre os conhecimentos acadêmicos, a prática numa mobilização de conhecimentos,
que começa com a imitação e após, como ela é ativa, a criação de um modo próprio de ser
professor.
O professor supervisor de estágio, melhor denominado professor coordenador de
estágio, também está se constituindo nesse processo. Ele exerce a mediação, que tem por
objetivo desenvolver a aprendizagem da docência. Busca, junto ao aluno estagiário os
fundamentos da atividade docente; busca encontrar significados nas dinâmicas, na ação, nos
objetivos (que nem sempre têm um objetivo específico do conteúdo, mas contemplam o
desenvolvimento do indivíduo). Portanto, o papel do professor de estágio é dar significação, a
partir de fundamentos teóricos possibilitando o processo de significação das experiências
vivenciadas no campo de estágio, sempre num refletir coletivo, buscando as aprendizagens
nas relações estabelecidas: alunos com alunos-professores (a complexa sala de aula dos cursos
de formação); aluno com professor da sala de aula da escola estagiada (e com toda a equipe da
escola); alunos com professor de estágio. E, indiretamente com as relações estabelecidas na
história de cada aluno: a família, escolas que freqüentaram, a infância, enfim as situações
cotidianas de aprendizagens, que também constituem a profissionalidade docente.
O relato da história de José e de Maria é uma tentativa de ir, à luz do referencial
teórico, mostrando como o estágio pode realmente constituir-se uma unidade formadora.
Nelas percebe-se como a educação vai promovendo o desenvolvimento, os saltos de
qualidade. Ao ingressar na faculdade Maria não sabia o que iria estudar e José vinha de outras
faculdades. Ambos mostram-se reflexivos quanto ao seu processo de formação,
desenvolvendo o poder de decidir sobre sua própria prática, apontada nos relatórios, no
desafio de planejar a aula. Eles demonstram alegria em estar com os alunos, compreendendo
melhor sua própria opção profissional.
E as dificuldades que enfrentam são reflexo do paradoxo de viverem numa sociedade
letrada que não tem tradição cultural de formar leitores. E ao chegarem na faculdade,
percebem essas deficiências e exigem que esse direito que lhes foi negado seja suprido. Os
alunos da faculdade, dos cursos noturnos de licenciatura, em sua maioria, são os primeiros de
sua geração, a freqüentar o ensino superior, expressão de uma histórica política educacional
excludente. Esses alunos enfrentam dificuldades com a inclusão nessa sociedade letrada.
116
Alunos com histórico de dificuldades de aprendizagem, principalmente de leitura e escrita,
mas que têm visão da necessidade da formação continuada, do aprender sempre, cientes do
pouco tempo de que dispõem, e aprendendo que se aprende cada vez mais enquanto se ensina.
E o que é formar o professor nesse contexto? A formação suprirá tantas carências,
encaminha para que cada um se desenvolva por si, como defende o neoliberalismo?
A formação realizará mediações que desafiem seus pensamentos e ações que.
promovam atividades para que os alunos adquiram o gosto de ler, de reler, de ver de modo
diferente. Perante a consciência que se produz no processo de formação, José e Maria
questionam se será possível serem bons professores: conseguirão a participação dos alunos,
promoverão aprendizagens? A faculdade é pouco, sentem a necessidade de ir além.
Questionam também, que às vezes, constatam que, nas escolas as atividades são as
mesmas, os professores o mudam? Seremos também engolidos pelo sistema e ficaremos
iguais a eles?” Fazem uma análise mais global da escola.
Esses questionamentos são fundamentais para a reflexão acadêmica de que a
experiência se torna positiva na medida em que ocorre a significação, e é esse também, o
papel da formação: analisar as experiências. No curso de Letras, por exemplo, não se constrói
uma oficina de escrita se não se conhecer a gênese da escrita. É um processo de muito estudo,
em que se busca perceber o mundo, codificar o pensamento, transformar em linguagem, para
que se possa possibilitar que o outro leia. Aprendemos também pelo que negamos (pela
contradição), ao dizer que as atividades na escola o sempre as mesmas, identifica-se o que
precisa ser superado.
A compreensão de que ao aprender vou me modificando”, que aprendo enquanto
ensino aponta o movimento do processo de formação, que não é linear, que não se
individualmente e demonstra que a constituição da pessoa ocorre por meio das outras pessoas,
nas relações de aprendizagem que estabelecemos.
A expectativa dos alunos é ser um professor feliz, um bom professor, que mobilize
conhecimentos e participem do processo de emancipação do homem. Para tanto, o significado
e o processo do ensino e da aprendizagem, a sua organização e a dimensão política da
formação permitem-lhes entender e atuar nesse sentido.
A estruturação dos cursos de licenciatura pretende promover um impacto na
redefinição do papel da escola, que aqui é defendida como um lugar de aprendizagem mútua.
A melhoria da formação de professores intencionalmente promoverá a melhoria da
escola. A contribuição dessa pesquisa é suscitar a reflexão e o levantamento de propostas
sobre o estágio e sua importância, nas reflexões teoria e prática, na análise sobre a aula como
117
atividade orientadora de ensino, elevando a importância da aula como interferência na
aprendizagem. Espera-se que o aluno, que irá ser professor, possa visualizar o seu papel na
aprendizagem, experenciando, confrontando seus conhecimentos, promovendo as
interferências para construção da aprendizagem no outro. Espera-se que o aluno perceba a
intencionalidade de sua prática pedagógica. De cumpridor de tarefas passe para o de
organizador e produtor delas.
Nessa pesquisa pretendeu-se discutir um referencial curricular de estágio para o curso
de Letras, que ressaltam a importância dos conteúdos (historicamente produzidos); o como
ensinar e o como se aprende (processo dinâmico em constante movimento) e as atividades a
serem realizadas (que formam enquanto o formadas) com o objetivo maior de promover-se
a emancipação humana.
O estágio se constitui assim, como articulador da pesquisa, do ensino e da extensão. O
planejamento da organização do ensino, desenvolvendo o exercício da iniciação científica,
possibilita alcançar tais objetivos.
118
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123
APÊNDICE A
ENTREVISTA
O contexto social – repertório cultural
1) Qual a cidade onde nasceu e viveu? Cidade pequena, menos oportunidade cultural.
Influência na formação da pessoa
2) Como é seu convívio familiar?
3) As relações com a família: foi apoio? Contava histórias quando pequeno? O que a
família acha da escola. Quem ensinou a ler e escrever?
4) Condição de criança:Você tem boas lembranças de seu brincar na infância? O que
você aprendia nessas brincadeiras, com quem brincava, fazia os seus próprios
brinquedos?
5) Qual a escolaridade de seus pais?
6) Condição de estudante: Onde você estudou? Qual o tipo de escola? O que mais
marcou na escola? Quais as lembranças da vida escolar, as passagens que marcaram,
que professor marcou, qual área?
7) Formação literária: Que livros gosta de ler? O que está lendo hoje? Que livros você
lembra que leu quando criança – conta um pouco do que lia – gibi?
8) Ingresso na profissão - Quais cursos já fez? A formação profissional. Por que
resolveu ser professor?
9) O que o levou a escolher Letras? O que representa estar na Faculdade? Para você e
para usa família
10) Hoje a sua família participa da sua formação?
11) Por que escolheu essa Faculdade?
12) Quais suas perspectivas para o futuro? Pessoais e profissionais
13) Impacto do curso: Como você acha que essa formação poderá lhe ajudar a ter sucesso
profissional? O que aprende na Faculdade vai lhe ajudar em quê? Tem ajudado você?
14) Você consegue imaginar o que você seria profissionalmente se não tivesse optado
por Letras? O que estaria fazendo?
124
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO
Questionário aplicado para a turma do período. O objetivo é descobrir quem são os alunos
dos cursos de licenciatura e o que aprendem no estágio.
1) Quantas pessoas são na sua família, quais fizeram faculdade e quais suas profissões.
2) Registre os bens que possui em sua casa:
( ) DVD
( ) Computador
( ) Computador com internet
( ) Vídeo-cassete
3) Estudou em escola pública ou particular? Qual (is)?
4) Qual sua atividade favorita no lazer?
5) Tem livros em casa? Quantos?
6) Cite os livros que leu mais recentemente.
7) Caso goste de ver filmes, quais são seus preferidos?
8) Assina jornais e revistas? Quais?
9) Assiste a TV? Quais os programas favoritos?
10) Conhece os movimentos artísticos da cidade? Quais?
Você participa de algum?
11)O que se aprende no estágio?
12) O que pode ser aprendido no estágio?
13) Qual o motivo de se fazer o estágio?
Levantamento das respostas por categorias: aprendizagens, necessidades e
possibilidades:
O que já foi aprendido no estágio – conhecimento instituído:
Adquirir experiência quanto à sala de aula.
Aprender com os professores regentes diferentes técnicas de aprendizagem, as mais
variadas maneiras de ministrar aulas.
125
Conhecer os modos de dar aula dos professores.
Relação entre professores e alunos.
Observar o preparo, ensino e a avaliação do conteúdo.
Ser humilde e perguntar o que e como fazer nas situações de aula.
Analisar as maneiras que os conteúdos estão sendo elaborados, os fundamentos do
planejamento, a metodologia do ensino-aprendizagem, a avaliação. Se atingimos algum
significado para os alunos.
Integrar teoria e prática, refletir sobre o trabalho realizado, sobre o melhor método para
desenvolver as aulas.
O que é a escola, relacionamento professor e aluno, aluno e aluno, a rotina escolar, o
material didático.
Aprender a lidar com situações as quais estamos sujeitos a enfrentar.
Colocar em prática o conteúdo aprendido além de corrigir eventuais erros.
O funcionamento, a estrutura e o programa da escola.
Conhecer melhor os alunos e os professores.
Conviver com diferentes tipos e maneiras de se dar aula.
Rever nossos conceitos de futura professora.
Adquirir experiência através de trocas com os professores regentes.
Acostumar a lidar com os alunos.
Como ministrar aulas, como ensinar, além de aprender o próprio conteúdo de Língua
Portuguesa.
Aprofundar nas observações da escola, dos alunos, dos professores.
Ganhar experiência na maneira de ministrar aulas observando as dificuldades, crescimento
e interesse dos alunos.
A prática.
Como tratar o aluno.
Conhecimentos e sabedoria.
Das dificuldades dos alunos aprender a lidar com as diferenças.
Possibilidades – em que medida a possibilidade se encontra com a realidade?
Convivência adequada entre professor e aluno, atividades, projetos. Perceber o que não se
deve fazer no ambiente escolar.
Diferentes maneiras de dar aula, deveres e direitos dos alunos e professores.
126
O que é a prática educativa, que está sempre sendo analisada. Prática coerente com as
necessidades de mudanças e transformação.
Planejar a ação de ensinar, estabelecer os objetivos, atividades, buscar condições
favoráveis para que o aluno construa conhecimentos e aprendizagens.
Gostar da profissão.
Corrigir os erros durante as aulas.
Trabalhar na escola em sua totalidade.
Relacionamento com os alunos.
Formas de fazer com que os alunos se interessem mais.
Aulas sem monotonia e com criatividade.
Onde está a necessidade de se fazer estágio
Adquirir experiência na sala de aula e no ambiente escolar.
Treinar, observar e aprender o procedimento de ser professor.
Aprender novos jeitos de dar aula.
Enriquecer o currículo, colocar em prática os estudos e reflexões feitos na faculdade.
Integração construída no cotidiano.
Vivência de conhecimentos e técnicas adquiridas no curso.
Observar nossa desenvoltura.
Lapidar as técnicas de ensino.
Aprender, compreender e conhecer uma escola.
Cumprir o papel do curso.
Aprender a conviver com a escola.
Conviver em uma sala de aula.
Adquirir conhecimentos e experiência na sala de aula.
Dar confiança de como será nossa aula.
Descobrir formas de elaborar aula, vivenciar o dia-a-dia, as dificuldades e vitórias dos
alunos.
Os alunos sentirem prazer.
Na atuação podemos demonstrar o que aprendemos.
Aprender para atuar.
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