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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elisabete Delpoio
A construção lingüístico-discursiva do humor político na imprensa escrita: o
caso Severino Cavalcanti
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elisabete Delpoio
A construção lingüístico-discursiva do humor político na imprensa escrita: o
caso Severino Cavalcanti
SÃO PAULO
2008
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em
Língua Portuguesa pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Prof.a Dr.a Ana Rosa
Ferreira Dias
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Banca Examinadora
_________________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos mais sinceros à Professora Doutora Ana Rosa Ferreira Dias
pela orientação segura, pela compreensão e paciência, pelo profundo respeito, pelo estímulo
constante, pelas críticas oportunas, pelo imenso interesse demonstrado nas diferentes etapas
de minha pesquisa e pelo lado tão humano.
Minha gratidão à Professora Doutora Vera Lúcia Meira Magalhães por nos ter dado
a honra de fazer parte da banca, pela gigantesca contribuição teórica e crítica quando da
qualificação do trabalho e pelo modo delicado e amigo com o qual sugeriu as necessárias
mudanças que se encontram incorporadas à presente pesquisa.
Um agradecimento especial ao Professor Doutor Dino Preti pelo grandioso prazer
de tê-lo como membro integrante da banca, pela riquíssima discussão crítica, pelas
valiosíssimas sugestões que ora fazem parte da pesquisa e pelo modo tão atuante com que
esteve presente durante o percurso do mestrado.
Sou muito grata ao Professor Doutor Hudinilson Urbano pelas orientações, pelas
correções da redação do texto e pela gentileza de ter participado como suplente da banca
examinadora. Acima de tudo, obrigada por permitir o meu convívio com a sua sabedoria.
Obrigada, também, ao Professor Doutor Luiz Antônio Ferreira por ser suplente da
banca examinadora e mais do que isso, pelas maravilhosas aulas.
Devo obrigada aos meus Mestres, pelo carinho, atenção e contribuição na
construção de novos conhecimentos.
Ao meu esposo pelo amor, companheirismo e incentivo;
à minha mãe pela presença indispensável na caminhada;
ao meu pai, exemplo constante de caráter e perseverança
(in memoriam); às minhas irmãs, Vania, Denise e
Patricia, pelo afeto.
RESUMO
A construção lingüístico-discursiva do humor político na mídia escrita:
o caso Severino Cavalcanti.
Elisabete Delpoio
O presente trabalho tem como objetivo principal analisar a construção lingüístico-
discursiva do humor político em textos da mídia impressa. O corpus de análise é composto
por textos do jornal Folha de S. Paulo sobre a vida pública do ex-deputado federal Severino
Cavalcanti. Acreditamos que os textos humorísticos possibilitam excelentes experimentos
com as questões da língua e o humor, como fenômeno discursivo, traduz um caráter de
formador de opinião. A fundamentação teórica baseia-se em conceitos de humor
apresentados e discutidos, principalmente, nos trabalhos de Bergson (2004), Propp (1992),
Alberti (2002), Minois (2003), Raskin (1985), Possenti (2000) e Travaglia (1990).
Inicialmente, procedemos à contextualização do corpus e a uma breve descrição sobre a
vida política de Severino Cavalcanti. Fizemos uma retomada histórica, buscando conhecer
como o humor foi explicado por vários pensadores e teóricos. Nós pudemos constatar os
aspectos sociológicos e políticos do humor. Explicitamos, então, os instrumentos
lingüístico-discursivos para a construção do humor. Finalmente, depois da análise do
corpus, observamos que o humor por si só pode revelar verdades e punir aqueles têm que a
ousadia de se afastar das normas sociais.
Palavras-chave: Lingüística. Discurso. Humor político.
ABSTRACT
The linguistic-discoursing of political humor construction in the written media:
the case Severino Cavalcanti.
Elisabete Delpoio
The current paper has as the main purpose to analyze the political humor linguistic-
discoursing construction in written media. The corpus’ analysis is built with texts from the
recognized newspaper, not only in São Paulo but also in Brazil: Folha de S. Paulo. In this
analysis the main subject is the personal performance of ex-federal deputy Severino da
Silva in his public career. We believe that such humoristic texts can drive us towards
admirable experiments concerning the language questions and the humor, as discursive
phenomena, translate an opinion maker characteristic trait. The theoretical statement is
based on the concepts of humor introduced and debated, mainly, by Bergson (2004), Propp
(1992), Alberti (2002), Minois (2003), Raskin (1985), Possenti (2000) and Travaglia
(1990). First of all, we proceeded with context structure of the corpus and a brief
description of political career of Severino Cavalcanti. We moved forward with a historical
retrospective, looking for to explorer how the humor was explained by several thinkers and
academics. We were able to evidence the sociological and political aspects of humor.
Considering that we left clear the weapons linguistic-discursive used in order to build the
essence of humor. Finally, after the corpus’ analysis, we realized that the humor itself can
reveal the truths and punish those ones who audacity to deviate from used society
convivial.
Key words: Linguistic. Discourse. Political humor
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................6
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO DO CORPUS......................................................9
1.1 O jornal Folha de S. Paulo........................................................................................11
1.2 Aspectos sócio-histórico em 2005 ........................................................................... 14
1.3 Quem é Severino Cavalcanti?....................................................................................18
CAPÍTULO 2– AS TEORIAS SOBRE O HUMOR..................................................24
2.1 Os estudos sobre o humor: caminhos históricos........................................................26
2.2 O humor nos tempos modernos.................................................................................29
2.2.1 O conceito de humor para Bergson.................................................................29
2.2.2 A comicidade para Propp................................................................................34
2.2.3 O humor para Possenti.....................................................................................36
2.3 Aspectos sociais do humor........................................................................................37
2.4 O humor político........................................................................................................40
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS DISCURSIVOS E LINGÜÍSTICOS DO HUMOR..42
3.1 Mecanismos lingüístico-discursivos de produção do humor.....................................49
3.1.1 Bergson............................................................................................................50
3.1.2 Propp................................................................................................................50
3.1.3 Travaglia..........................................................................................................52
3.1.4 Possenti............................................................................................................55
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO CORPUS....................................................................59
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................84
ANEXOS.........................................................................................................................88
6
INTRODUÇÃO
Com base na premissa de que a mídia constitui, hoje, uma força que atua diretamente
na sociedade contemporânea, ficamos curiosos em saber como determinadas informações e
notícias são trazidas ao leitor.
Tais motivações levaram-nos a realizar uma pesquisa mais pontual e a questão do
humor começou a permear nossas indagações. Textos engraçados, jocosos e debochados
despertaram nossa curiosidade e induziram-nos à busca de explicações. Afinal qual o sentido
do uso do humor nos enunciados? Qual sua função no contexto em que vivemos? Que jogos
lingüísticos envolvem seus efeitos de sentido? Qual seu papel na mídia impressa?
A importância dessa pesquisa confirmou-se com os estudos de Possenti (2000:38),
para quem o humor é um material com o qual “se podem fazer excelentes ‘experimentos’, isto
é, justificar ou derrubar teorias”, principalmente no campo da Lingüística que apresenta
múltiplas possibilidades de estudos muito pouco exploradas.
Além disso, estudar o humor na mídia pode ser inovador, pois, como salientam
Bremmer e Roodenburg (2000:16), “a atenção acadêmica dada ao humor em geral se
concentrava em obras de literatura ou nos contos populares”, menosprezando outras fontes de
material.
Durante algumas leituras preliminares, descobrimos que o fenômeno humorístico é
objeto de estudo desde a Antigüidade, que é investigado por várias disciplinas, que possui
uma comunidade científica que o analisa, que é objeto de discussão de encontros acadêmicos e
que possui um profuso acervo bibliográfico:
Nos dez últimos anos, o interesse pelo riso atingiu o auge, e isso em todas as
disciplinas. Para nos atermos à História, não se passa uma semana sem que um
livro, um artigo, um programa de rádio, um colóquio ou uma conferência trate do
riso nessa ou naquela época, nesse ou naquele meio. Na França, por exemplo, a
associação Corhum (Pesquisas sobre o Cômico, o Riso e o Humor), criada em 1987,
organiza regularmente jornadas de estudo sobre o assunto e colóquios, dentre os
quais o mais recente ocorreu em Besançon de 29 de junho a 1o de julho de 2000,
tendo por tema "Dois mil anos de riso. Permanência e modernidade"; a associação
publica a revista semestral Humoresques. Nos Estados Unidos, o jornal
interdisciplinar Humor: International Journal of Humor Research preenche a
mesma função e, no mundo inteiro, conhecemos publicações similares. (Minois,
2003:15)
Identificamos no humor, além de seu caráter lúdico, o de formador de opinião. O
elemento “denúncia” está presente na maioria das obras humorísticas de todos os tempos.
7
Denuncia-se o poder, os costumes sociais, a moral e a estética. O humor é um fenômeno
discursivo que busca a contradição, a transgressão, o deslocamento de algo, quase sempre de
modo inesperado, a fim de possibilitar o surgimento de um outro efeito. Esse outro efeito,
freqüentemente oculto, vai da simples comicidade ao profundo questionamento.
As causas desse fenômeno podem ser, com afirma Propp (1992), condições de ordem
histórica, social, nacional ou pessoal. Isso significa que cada cultura, cada momento histórico,
cada camada social, cada individualidade terá sentidos diferentes de humor e formas distintas
de expressá-lo. Sempre que houver transgressão a uma dessas condições, os efeitos de humor
poderão ser percebidos.
A meta desse estudo ficou definida para a seguinte questão: como e por que o humor é
construído nos textos jornalísticos impressos sob o prisma lingüístico-discursivo?
A idealização dessa pesquisa surgiu da observação do caráter jocoso presente nos
diversos gêneros da mídia escrita sobre nossos políticos. Dentre as várias figuras políticas,
selecionamos textos do jornal Folha de S. Paulo do ano de 2005 que versassem sobre a
ascensão e queda do político Severino Cavalcanti como presidente da Câmara dos Deputados
Federais, o terceiro homem na sucessão presidencial. A amostragem refere-se a esse período,
porque é nele que o político fica em maior evidência e mostra seu caráter, suas crenças, suas
idéias que, contrastando com as normas sociais, motivam a exploração humorística como
forma de denunciar seus atos.
Nos estudos sobre o humor privilegiam-se, em grande parte, as piadas. Talvez por ser
um gênero onde o humor se faz notório. No entanto, Travaglia (1990:77) explica a
importância de se estudar o humor fora do gênero das piadas:
Muitos autores fazem suas teorias referindo-se apenas às piadas. Este é talvez o
gênero base do humor, mas é bom não esquecer de outros, alguns dos quais, às
vezes, são abordados, outros não e que às vezes podem conter uma ou várias piadas.
Decidimos, então, que para a análise dos dados não buscaríamos um gênero
específico, pois a nossa intenção era analisar os instrumentos da língua capazes de deflagrar o
humor, qualquer que fosse o gênero.
O escopo teórico da pesquisa pauta-se, principalmente, pelos conceitos de humor
apresentados e discutidos nos trabalhos de Bergson (2004), Propp (1992), Alberti (2002),
Minois (2003), Raskin (1985), Possenti (2000) e Travaglia (1990).
Quanto a sua organização, esta dissertação divide-se em quatro capítulos. No primeiro
capítulo, fizemos a apresentação do corpus, categorizando o veículo de comunicação onde os
8
textos foram editados, o contexto sócio-histórico em que os textos foram escritos e a vida de
Severino Cavalcanti.
No segundo capítulo, norteamos a nossa pesquisa para quatro caminhos: o humor antes
do século XX, o humor na contemporaneidade, o humor social e o humor político. Dessa
maneira, primeiro fizemos uma breve retrospectiva histórica das teorias sobre os estudos do
humor. Para tanto, recorremos sobre as obras de Minois (2003), Alberti (2002), Bakhtin
(1996), Attardo (1994) e Bremmer e Roodenburg (2000), cujos textos se mostraram
indispensáveis para entender um assunto tão atual e tão antigo ao mesmo tempo. Segundo
direcionamos as leituras para as obras que tratavam o humor nos tempos modernos, assim
deparamo-nos com os estudos de Bergson (2004), Proop (1992) e Possenti (2000), nos quais
constatamos o seu caráter social. Em função disso, buscamos os aspectos sociais do humor em
terceiro lugar. E por ser a política nosso campo de estudo sobre o humor, em quarto buscamos
teorias que os entrelaçassem.
No terceiro capítulo recorremos às teorias lingüísticas e discursivas que possibilitam a
construção do humor nos enunciados. Para isso, além dos autores citados acima, investigamos,
brevemente, a teoria semântica de Raskin (1985) e o conceito de discurso proposto por
Fairclough (2001).
Aprendemos que até o limiar do século XX, as categorias humorísticas foram
marcadas pelos princípios aristotélicos e que depois a teoria bergsoniana permeou e esteve
presente nas reflexões dos estudiosos. Aprendemos, ainda, que o humor trabalha com
oposições básicas tanto de caráter social quanto de caráter lingüístico para denunciar ações e
idéias ilícitas do homem.
O quarto capítulo constitui a análise das estratégias lingüísticas e discursivas
produtoras de efeito humorístico. Percebemos que o modo jocoso como se articulavam os
elementos lingüísticos e discursivos pretendiam desmascarar a figura política de Severino
Cavalcanti.
9
CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO CORPUS
A variedade dos textos que compõem o corpus deste trabalho é guiada por um
propósito metodológico específico: o de encontrar as recorrências lingüísticas e discursivas
subjacentes à construção do humor, publicadas pela imprensa escrita de referência
1
, sobre a
figura política de Severino Cavalcanti, ex-deputado federal e ex-presidente da Câmara dos
Deputados Federais.
Na seleção dos materiais empíricos, os gêneros que dão voz figuram aqui como
elementos deliberadamente díspares. O corpus é constituído de artigos, notícias, reportagem,
comentário e crônicas veiculados na mídia escrita de São Paulo, publicados pelo jornal Folha
de S. Paulo. O período de edição dos textos compreende os meses de fevereiro a setembro de
2005.
Um critério de consistência preside à seleção dos textos: os três momentos históricos
na trajetória midiática do político: 1) sua eleição à presidência da Câmara, em fevereiro de
2005 (fase da eleição); 2) sua defesa às acusações de corrupção, segundo as quais cobrava
propina para autorizar a exploração dos restaurantes da Câmara pelo empresário Sebastião
Buani (fase da suspeição); 3) sua renúncia ao cargo e ao mandato (fase da renúncia).
Temos por critério a compilação de textos do percurso político de Severino Cavalcanti
na Câmara dos Deputados Federais que apresentassem ocorrências lingüísticas manifestando
em nível discursivo as marcas do humor.
Para referenciar a escolha desse personagem político, fazemos uso das idéias de
Bergson (2004:101-2):
Esta [escolha] não pertence de todo à arte nem de todo à vida. De um lado as
personagens da vida real não nos fariam rir se não fôssemos capazes de assistir a
suas atitudes como a um espetáculo que vemos do alto de nosso camarote; elas só
nos parecem cômicas porque nos apresentam uma comédia. Mas, por outro lado,
mesmo no teatro, o prazer de rir é um prazer puro, quero dizer um prazer
exclusivamente estético, absolutamente desinteressado. A ele se mistura uma
segunda intenção que a sociedade tem em relação a nós quando nós mesmos não
temos. Mistura-se a intenção inconfessa de humilhar, portanto, é verdade, de
corrigir pelo menos exteriormente. Por isso a comédia está mais perto da vida real
do que o drama.
1
Jornal de referência é um termo usado por Márcia Franz Amaral (2006) para designar os jornais que têm
leitores com alto padrão de renda e de escolaridade
10
Esperamos, com a análise do material empírico, demonstrar que há um humor sutil,
mas, simultaneamente, poderoso, subjacente à cobertura e análise da imprensa sobre a pessoa
de Severino Cavalcanti.
A configuração final de nosso corpus fica como segue:
QUADRO 1 – Distribuição do corpus
FASES TEXTOS DATAS
‘Católico roxo’, eleito personifica baixo clero 16/02/2005
A apoteose dos ‘outros Severinos’ 16/02/2005
Severino dá três versões para vaias em 2 horas 03/05/2005
Eleição
Reação à pizza provoca bate boca no plenário 31/08/2005
Em nome do macho 02/09/2005
Agora lascou! Severino recebe gorjetão! 06/09/2005
Fiéis rezam pelo futuro de deputado 11/09/2005
Suspeição
Cazuza canta Severino 16/09/2005
“Mensalinho” derruba o “rei do baixo clero” após sete meses 22/09/2005
Buchada de bode é prato principal no ‘último almoço’ 22/09/2005
Renúncia
Buemba? CPI serve chá com porrada 23/09/2005
O quadro sintetiza o critério de seleção do material publicado no jornal Folha de S.
Paulo sobre o período de atuação do político Severino Cavalcanti na Câmara dos Deputados
Federais que será utilizado na nossa análise: quatro textos sobre o período que denominamos
de “eleição”, quatro textos do período relacionado à suspeita de recebimento de “propina” e
três textos sobre a sua renúncia ao cargo.
11
1.1 O jornal Folha de S. Paulo
O jornal Folha de S. Paulo, de propriedade do Grupo Folha da Manhã, foi fundado em
19 de fevereiro de 1925 com o nome original de Folha da Manhã por Olival Costa e Pedro
Cunha. Na década de 1960, Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho compraram o
jornal e rebatizaram-no com o título atual.
A rigor, a história do jornal em análise começa quando inicia sua publicação como
Folha de S. Paulo. No entanto, deve-se saber que existe uma “pré-história da Folha de S.
Paulo” (Duarte, 1981: 309). Tal época é contada a partir de 19 de fevereiro de 1921, quando
começa a circular a Folha da Noite, até o primeiro dia de janeiro de 1960.
Nesse intervalo, o jornal passa por três grupos de proprietários. De 1921 a 1931, é
dirigido por Olívio Olavo de Olival Costa e Pedro Cunha. A partir de 1.o de julho de 1925, o
periódico Folha da Manhã é editado em conjunto com a Folha da Noite.
Em outubro de 1930, com a vitória de Getúlio Vargas, as duas folhas param de circular
em razão de divergências políticas com o governo, reaparecendo somente em 15 de janeiro de
1931, já sob a direção de Octaviano Alves de Lima. Em 10 de março de 1945 a direção das
Folhas passa para o trio composto por José Nabantino Ramos, Alcides Ribeiro Meireles e
Clóvis de Medeiros Queiroga, que a partir de 1949 acrescentam a Folha da Tarde aos jornais
editados.
2
No impulso de modernização dos negócios, Nabantino decide reunir os três jornais sob
o nome Folha de S. Paulo em janeiro de 1960, que circularia inicialmente em três edições
diárias correspondentes às antigas Folhas. O editorial de janeiro assim esclareceu o significado
das mudanças:
Somos efetivamente, a Folha de S. Paulo, porque em São Paulo se edita nosso
jornal e a São Paulo se consagra. Sem eiva regionalista, todavia, antes com a
preocupação de servir ao Brasil, que é a única maneira de defender eficazmente os
interesses de São Paulo e do País. Essa a razão do slogan que a partir de hoje figura
sob o título destas colunas: “Um jornal a serviço do Brasil” (Nabantino, apud
Duarte, 1981: 310)
2
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/. Acesso em 22/09/2007 às 22:16h
12
Antes de a sociedade Frias-Caldeira ser vendida aos seus últimos donos, as três edições
diárias do jornal foram suspensas. Permaneceu a Folha de S. Paulo como diário matutino, mas
ainda querendo se distinguir como “um jornal a serviço do Brasil”.
No dia 13 de agosto de 1962, a mudança de direção da Folha de S. Paulo foi anunciada
pela seguinte nota da redação:
A alteração havida na direção deste jornal em nada modifica a linha de conduta que
ele vinha seguindo há perto de duas décadas. A Folha de S. Paulo continua sendo,
antes e acima de tudo, um jornal a serviço do Brasil, em cujo futuro confia
firmemente. (Duarte, 1981: 311)
Acontece que o esclarecimento público sobre o parentesco editorial com o tipo de
jornalismo que os precedia imediatamente não impedia que Frias e Caldeira identificassem a
necessidade de reformulações drásticas na estrutura do jornal para viabilizá-lo. Dá-se início a
processos contínuos de transformações administrativas, tecnológicas e editoriais que vão
marcar o jornal até os dias de hoje:
Mudanças gráficas como a organização do noticiário em cadernos temáticos,
introduzida em 1991, e a utilização intensiva, desde os anos 80, de gráficos, quadros
e mapas foram algumas das adotadas por outros jornais. A versão mais recente do
Projeto, publicada em 1997, prega uma seleção mais criteriosa dos fatos e uma
abordagem mais articulada e aprofundada, como forma de sobressair à cacofonia
informativa que resultou da difusão de novos meios de comunicação, como Internet,
televisão a cabo e celulares.
3
Mota e Capelato (1981:188) identificam as seguintes etapas de mudanças na empresa:
a) 1962/1967: reorganização financeiro-administrativa e tecnológica.
b) 1968/1974: a “revolução” tecnológica.
c) 1974/1981: definição de um projeto político-cultural.
A mobilização a favor das eleições diretas é um dos marcos na definição político-
editorial do matutino paulista para os anos seguintes. Neste ano de 1984, o diretor de redação
do jornal, Otávio Frias Filho, esclarece o projeto que se delineava então. Tratava-se de
fazer um jornal liberal, burguês, preocupado com os direitos do cidadão,
preocupado com os direitos que os grupos sociais têm de se organizar, de se
mobilizar, deter o peso e presença no Estado, preocupado em democratizar a
estrutura do Estado, preocupado em introduzir algumas reformas sociais na
estrutura do capitalismo. (Frias Filho, apud: Nunes, Cardoso e Garcia,1984:34)
3
Disponível em : http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/choque_editorial.shtml. Acesso em 22/09/2007 às
22h
13
Antes de um produto histórico e uma estrutura lingüística, as notícias e idéias são
mercadorias para a Folha de S. Paulo, tal como expresso logo na apresentação do manual da
redação da empresa: “A Folha considera notícias e idéias como mercadorias a serem tratadas
com rigor técnico”. Portanto, trata-se de um negócio, mais do que um serviço público.
O manual da Folha de S. Paulo estabelece normas quanto ao modo como o trabalho
deve ocorrer no jornal. Talvez por ser concebido exatamente como um guia do jornal, é que
este manual descreva, em maior riqueza de detalhes, as práticas jornalísticas. Trabalha com
três núcleos de conteúdo: a norma lingüística, os aspectos de textualização dos gêneros
jornalísticos e os aspectos técnicos do trabalho no jornal. Ao descrever os aspectos técnicos,
revela o jargão jornalístico.
A sede do jornal é a cidade de São Paulo, sua formatação é standard
4
e tem uma
circulação diária média de 441000 exemplares
5
.
As seções do periódico estão assim divididas: Brasil, Mundo, Dinheiro, Cotidiano,
Esporte, Ilustrada, Acontece, Ciência, Guia, Informática, Mais, Revista da Folha.
6
O jornal Folha de S. Paulo é dirigido à classe A e B, pois seu leitor apresenta renda e
escolaridade altas:
O leitor típico da Folha tem 40 anos e um alto padrão de renda e de escolaridade. Se
uma pessoa for escolhida ao acaso no universo de leitores do jornal, a probabilidade
de que seja homem é idêntica à de que seja mulher. Sua faixa etária estará no
intervalo que vai de 30 a 49 anos (a idade média é 40,3). Além disso, esse leitor-
síntese teria formação superior, seria casado, estaria empregado no setor formal da
economia, teria renda individual na faixa que vai até 15 salários mínimos (R$
2.265) e familiar na que ultrapassa os 30 mínimos (R$ 4.530). Faria parte ou da
classe A ou da B. Seria católico, possuiria TV por assinatura e utilizaria a Internet.
(Mota)
7
Pela caracterização de seus leitores e pela linguagem objetiva, a Folha de S. Paulo é
denominada de jornal de referência:
4
Standard.é como se chama, em tipografia no Brasil e em Portugal, ao formato de jornal que possui cerca de 55
cm (cerca de 22 polegadas). É o maior formato desse tipo de publicação, e em outros idiomas recebe, geralmente,
o nome inglês de broadsheet.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Folha_de_S.Paulo. Acesso em 22/09/ 2007 às 22h.
5
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/. Acesso em 22/09/2007 às 22:16h
6
Disponível em: http://www.folha.com.br. Acesso em 22/09/ 2007 às 22:20h.
7
MOTA, Vinícius. Pesquisa de opinião revela que visão liberal predomina entre os leitores da Folha.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/quem_e_o_leitor.shtml. Acesso em 22/09/ 2007 às
22:40 h.
14
O jornalismo de referência fala, sobretudo, com o leitor interessado no mundo
político. É preciso compreender que todos os grandes jornais movem-se pelos
interesses comerciais, mas os jornais de referência, para terem sucesso comercial,
precisam antes de tudo ter credibilidade e prestígio perante os formadores de
opinião. E por isso ainda obedecem a certos padrões éticos. A cobertura de política
não vende jornal, mas o que seria de um jornal auto- intitulado de qualidade,
dirigido a formadores de opinião, que ignorasse o mundo do poder? (Amaral,
2006:55)
1.2 Aspectos sócio-históricos em 2005
A grande operação do artista que produz o humor, segundo Propp (1993:32), é
descobrir os procedimentos especiais para mostrar o que é “ridículo”, no sentido de ser
passível e provocador do riso. Nem sempre este nexo pode ocorrer; o que é considerado
cômico para uma pessoa, pode não ser para outra, residindo a causa dessa reação nas
condições de ordem social, cultural e histórica, pois para o estudioso “cada época e cada povo
possui seu próprio e específico sentido de humor e de cômico, que às vezes é incompreensível
e inacessível em outras épocas.”
Diante dessa afirmação, para que este trabalho não perca seu sentido com o passar do
tempo, uma vez que trabalha o humor em textos da mídia, dois objetos efêmeros, faz-se
necessário uma retomada dos principais acontecimentos históricos do ano de edição do
corpus.
O Brasil, no ano de 2005, foi marcado por uma enorme crise política deflagrada pelo
“escândalo do mensalão"
8
. A crise foi desencadeada com a divulgação, pela revista Veja
(edição 1905 de 18/5/2005), do conteúdo de um vídeo que mostrava o ex-chefe do
Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho,
8
Escândalo do mensalão” ou "esquema de compra de votos de parlamentares" é o nome dado à maior crise
política sofrida pelo governo brasileiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores
(PT) em 2005/2006. O neologismo “mensalão”, popularizado pelo então deputado federal Roberto Jefferson em
entrevista que deu ressonância nacional ao escândalo, é uma variante da palavra "mensalidade" usada para se
referir a uma suposta "mesada" paga pelo Partido dos Trabalhadores a deputados do Partido Progressista (PP) e
do Partido Liberal (PL), no valor de R$ 30 mil votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo.
Segundo o deputado, o termo já era comum nos bastidores da política entre os parlamentares para designar essa
prática ilegal.
A palavra "mensalão" foi então adotada pela mídia para se referir ao caso. A primeira vez que a palavra foi
grafada em um veículo de comunicação de grande reputação nacional ocorreu no jornal Folha de S.Paulo, na
matéria do dia 06 de junho de 2005.
Disponível: http://pt.wikipedia.org/wiki/2005. Acesso em 26/02/2007 às 10:20 h
15
negociando com dois interlocutores e deles recebendo um pacote de 3 mil reais. Em reunião
do Conselho de Ética, ao se defender, negando a acusação, o deputado Roberto Jefferson
9
denuncia um esquema de pagamento de uma mesada de R$30 mil a deputados da base aliada
(Partido Progressista -PP e Partido Liberal -PL) para aprovarem projetos do governo - o
chamado "mensalão". Estariam envolvidos, como pagadores, o tesoureiro do PT, Delúbio
Soares e o publicitário Marcos Valério. Segundo Roberto Jefferson, o esquema de pagamento
de “propinas”
10
aos deputados de outros partidos, tinha aval, do ministro José Dirceu, da Casa
Civil, do Partido dos Trabalhadores (em especial seu presidente, José Genoíno e o tesoureiro
nacional, Delúbio Soares) e o deputado Valdemar da Costa Neto, presidente do PL.
Em entrevista à repórter Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, publicada em
06/06/2005, Roberto Jefferson acusava o PT de distribuir dinheiro como forma de garantir
apoio de deputados da base aliada do governo.. A crise aumentou com uma nova entrevista à
9
O nome de Jefferson passou a ser conhecido nacionalmente durante o processo de impeachment do presidente
Fernando Collor, em que atuou como militante da "tropa de choque" de deputados que tentavam defender o então
presidente. Em 1993, seu nome foi citado entre os envolvidos no esquema de propina na CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito
) do Orçamento. Em 1994, durante depoimento, Jefferson chorou por duas vezes,
lamentando o fato de sua família ter sido exposta. Nessa CPI, ele foi incluído na lista de 14 parlamentares sobre
os quais seria necessária maior investigação. No relatório final da CPI, a conclusão era que, com crédito total de
US$ 470 mil em cinco anos, seu patrimônio e movimentação bancária seriam compatíveis com o rendimento. A
Subcomissão de Patrimônio teria constatado, porém, a existência de bens não declarados à Receita Federal. Em
2002, apoiou Ciro Gomes para a presidência da República. No segundo turno daquela eleição, apoiou o
candidato vitorioso, Luiz Inácio Lula da Silva. Até então, comparava petistas a "demônios". Como presidente do
PTB, determinou a aliança com o PT nas capitais para as eleições de 2004. Em troca, o PT ajudaria
financeiramente o PTB. Em 2005, Roberto Jefferson admitiu que a ajuda incluiu uma quantia de US$ 4 milhões
não declarada à Justiça Eleitoral - o que caracteriza crime tanto do PTB quanto do PT. Em 2005, a Revista Veja (
edição número 1905), publica na página 54, a matéria "O homem-chave do PTB", onde denuncia um suposto
esquema de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Com a iminência da instauração de uma
CPI no Congresso Nacional, Roberto Jefferson denunciou a prática da compra de deputados da base aliada (PL,
PP, PMDB) pelo partido do governo - o PT. A prática era conhecida como "mensalão". Em 14 de setembro de
2005, o mandato de Jefferson foi cassado, perdendo seus direitos políticos por oito anos. Em 10 de outubro de
2005, Jefferson teve sua aposentadoria como deputado publicada no Diário Oficial. Assim, Jefferson se junta a
outros deputados cassados que recebem aposentadoria pela Câmara: Sérgio Naya, Ibsen Pinheiro, Feres Nader,
José Geraldo Ribeiro, Raquel Cândido Silva e Narciso Mendes de Assis. No dia 29 de maio de 2006, foi
entrevistado no Roda Viva da TV Cultura. Nesse programa, queixou-se do isolamento, mas disse que está "de
cabeça erguida". Também disse que os negócios como advogado não estão muito bem: ele é especialista em
direito comercial e tributário, mas seus potenciais clientes - empresas e corporações - temem possíveis represálias
de órgãos do governo, caso entrem com petições assinadas por Roberto Jefferson.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/2005. Acesso em 26/02/2007 às 12:30 h
10
“Propina” em Portugal é a quantia que se paga ao Estado em certas escolas. Também pode significar "gorjeta".
No Brasil, é mais lembrado o sentido pejorativo da palavra: "suborno", "pagamento feito a alguém para fazer
algo geralmente ilegal ou anti-ético".
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Esc%C3%A2ndalo_do_mensal%C3%A3o" Acesso em 05/06/2007
às 11:40 h
16
mesma repórter, publicada pela Folha em 12/06/2005, na qual o deputado garantia que o
dinheiro do “mensalão”
11
tinha origem nas estatais e empresas do setor privado.
Os escândalos da corrupção tomam proporções e, no início de setembro de 2005, as
revistas Veja e Época divulgaram suposta cobrança de propina de R$ 10 mil mensais feita
pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, para prorrogar o
contrato de um restaurante da câmara.
O caso apresentou contradições, tanto do lado da acusação, quanto da parte da defesa.
O dono do restaurante, Sebastião Buani, primeiro negou o pagamento de propina, mas depois
o admitiu. Também houve imprecisão de datas: a princípio, Buani falou em pagamentos em
2003, mas apresentou um cheque de 2002:
Cópia de um cheque de R$ 7.500 nominal a Gabriela Kênia da Silva Santos
Martins, uma das secretárias do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), foi
apresentada ontem à Polícia Federal pelo empresário Sebastião Buani como prova
da propina paga ao atual presidente da Câmara em 2002 e 2003. Em troca do
pagamento, o empresário teria obtido a prorrogação da licença para explorar o
restaurante da Câmara, além de um reajuste nos preços cobrados pelas refeições.
Assinatura no verso do cheque mostra que o dinheiro foi sacado pela própria
secretária em 30 de julho de 2002, data que obrigou o empresário a reformular a
versão que oferecia até aqui para os pagamentos a Severino. Buani disse que
precisará refletir melhor sobre o valor total da propina paga ao deputado. "Com
certeza, a conta total está sujeita a alteração". Ontem, ele não quis arriscar um
número.
Na versão anterior do empresário, Severino Cavalcanti teria recebido cerca de R$
110 mil. Além de um pagamento inicial de R$ 40 mil em abril de 2002 -cujo saque
seria o que aparece em extrato bancário divulgado anteriormente por Buani-,
haveria parcelas mensais pagas entre março e novembro de 2003. (Salomon e
Michael, 2005)
Diante da informação de que teria assinado um documento ilegal para prorrogar a
licença do restaurante, Severino chegou a apresentar, num mesmo dia, três versões diferentes.
Severino negava com veemência a existência de cheques que o ligassem a Buani. Mas
o empresário apresentou um cheque de R$ 7.500,00 com o nome de uma secretária de
Severino.
11
Embora não existissem provas concretas sobre a existência do "mensalão", as denúncias de Roberto Jefferson,
mais tarde corroboradas por outras testemunhas, provocaram uma crise política no governo, o que incluiu a
formação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), a renuncia e a cassação de vários deputados da base
aliada, dentre eles o ex-braço direito do presidente, José Dirceu. No interior do Partido do Trabalhadores, os
escândalos resultaram no afastamento do presidente José Genoíno e na convocação de novas eleições para a
direção do partido.
Fonte: Especial Folha On-Line – CPI do mensalão
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2005/cpidomensalao/2 Acesso em 08/02/2007 às
9:50 h
17
O presidente da Câmara disse, então, que o dinheiro foi usado para pagar uma gráfica
na campanha a deputado estadual de um de seus filhos. A polícia federal investigou e disse
que essa despesa não existiu.
Severino Cavalcanti divulga nota negando a existência do mesmo e se dizendo vítima
de uma tentativa de extorsão.
Em 5 de setembro de 2005 parlamentares do bloco de oposição (PSDB, PFL, PPS e
PV) defendem o afastamento de Severino Cavalcanti das atividades de presidente da Câmara,
para, segundo eles, a investigação da denúncia correr sem problemas.
Em 6 de setembro de 2005 site
12
da revista Veja divulgou um documento que
comprovaria a denúncia. Segundo a imprensa, o documento dataria de 2002 e possuiria a
assinatura de Severino Cavalcanti autorizando o funcionamento do restaurante de Buani no
anexo quatro da Câmara até 2005.
Em 9 de setembro Severino Cavalcanti admite a possibilidade de se afastar
temporariamente da presidência da Câmara, enquanto ocorressem as investigações:
Tornou-se insustentável a situação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti
(PP-PE). Depois da divulgação de um documento, com a assinatura do deputado,
que garantiria a prorrogação do contrato para explorar o restaurante do décimo
andar da Casa, o empresário acusado de pagar um "mensalinho"
13
ao então
primeiro-secretário da Câmara confirmou, em entrevista coletiva, a corrupção.
Sebastião Augusto Buani afirmou que Severino lhe pediu R$ 20 mil por mês para
cada um dos três anos de renovação, mas aceitou fechar o negócio por menos.
Em editorial publicado na segunda-feira, esta Folha considerava que ainda não
havia evidências para justificar o afastamento de Severino. Os novos elementos,
contudo, são contundentes. Já fora gritante a desorientação do presidente da
Câmara, anteontem, quando recorreu a três versões diferentes para refutar o
documento. Ontem, seu caso definitivamente agravou-se. Diante dos fatos e das
dificuldades políticas enfrentadas pelo deputado, cuja gestão vinha sendo, para
dizer, no mínimo, constrangedora, formou-se um consenso. Sua permanência não é
mais possível. Ou enfrentará um processo de cassação ou renunciará.
14
Em 21 de setembro 2005 Severino Cavalcanti renuncia ao seu mandato em virtude das
denúncias. Raivoso, declara que sua queda foi orquestrada pelo que chamou de "elitezinha":
12
http://vejaonline.abril.com.br
13
Mensalinho” foi o nome dado às denúncias de propinas recebidas por Severino Cavalcanti em 2003 para
deixar o empresário Sebastião Buani instalar seus restaurantes na Câmara dos Deputados. O empresário acusou
Severino de cobrar-lhe a mensalidade de 10 mil reais sob a ameaça de fechá-lo. O nome “mensalinho” é uma
referência ao “escândalo do mensalão”.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensalinho#column-one#column-one Acesso em 22/02/2007 às
14:15h
14
SEVERINO em queda. Folha de S. Paulo, São Paulo, 09 set. 2005.Opinião.
18
Sete meses e seis dias após assumir a presidência da Câmara de forma
surpreendente, Severino Cavalcanti (PP-PE), 74, renunciou ontem, às 16h54, ao
cargo e a seu mandato de deputado federal. Dizendo-se vítima de "empobrecimento
ilícito" na vida pública e condenado politicamente, pela mídia e por aqueles que
querem seu lugar, Severino caiu após 19 dias de pressão resultante da acusação de
que recebeu propina em 2002 e 2003, quando era primeiro-secretário da Casa.
Assim como sua ascensão, sua queda foi tumultuada. Num discurso lido ainda na
cadeira de presidente, o deputado demonstrou estar bastante emocionado e afirmou,
em 33 minutos de fala, que caiu porque lutou contra "uma elitezinha", contra "os
donos do Congresso", e que provará sua inocência nos tribunais.
15
(Bragon, Zanini,
Góis, Francisco, Navarro e Ceolin, 2005)
De um modo geral, o governo, os aliados políticos e os envolvidos nesses casos de
corrupção tentam pôr fim às investigações.
1.3 Quem é Severino Cavalcanti ?
Severino José Cavalcanti Ferreira, nascido em João Alfredo, estado de Pernambuco em
18 de dezembro de 1930, é um político filiado ao Partido Progressista. Cavalcanti passou por
diversos partidos após sua estréia pela UDN. Em 1966, entrou para a Arena (Aliança
Renovadora Nacional), o partido de sustentação da ditadura militar. Em 1980, foi para o PDS
(Partido Democrático Social) e, em 1987, para o PDC (Partido Democrata Cristão), onde
permaneceu até 1990, quando entrou no PL (Partido Liberal). Ficou pouco no PL, apenas até
1992, quando foi para o PPR(Partido Popular Republicano). Em 1994, transferiu-se para o
PFL (Partido da Frente Liberal) e no ano seguinte, para o PPB (Partido Popular Brasileiro),
onde permaneceu até 2003, quando o partido mudou o nome para PP (Partido Progressista).
Seu primeiro cargo político foi o de prefeito de seu município natal em 1964 pela
UDN. Elegeu-se deputado estadual, pela primeira vez, em 1967, pela Arena. Ocupou o cargo
por outros seis mandatos consecutivos até chegar ao Congresso Nacional em 1995 como
deputado federal pelo estado de Pernambuco.
Dois anos depois, conquista um cargo na Mesa Diretora da Câmara, fato raro para um
deputado em primeiro mandato:
Severino José Cavalcanti Ferreira também é conhecido, em Pernambuco, como
“Zito Miracapillo”. Ficou assim conhecido desde o episódio de expulsão do Brasil,
em outubro de 1980, do padre italiano Victor Miracapillo. Então integrante da ala
progressista da Igreja Católica, Miracapillo enfrentou uma campanha pela sua
15
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2209200503.htm Acesso em 02/10/2007 às 23:10 h
19
expulsão do país, depois de ter se recusado a celebrar uma missa encomendada por
um grupo de usineiros para marcar a passagem do 7 de Setembro. Foi Severino
Cavalcanti, então deputado estadual, quem liderou a campanha para expulsar o
padre.
Cavalcanti também é conhecido por suas posições intransigentes contra os
movimentos homossexuais, por sua vinculação com a Igreja Católica e por não
temer desgaste na defesa de melhorias salariais dos políticos.
Sempre defensor dos interesses corporativos, Cavalcanti foi um dos articuladores,
no ano passado, do projeto que estendia aos deputados e senadores o reajuste que
seria concedido aos funcionários do Legislativo. Mas a proposta não vingou.
Integrante da Mesa Diretora aprovou com os demais membros do colegiado, em
dezembro, o aumento de R$ 12 mil para R$ 15 mil da verba indenizatória, recursos
destinados aos deputados para custeio de despesas em seus Estados.
16
Em 2005, então deputado federal, concorreu à presidência da Câmara dos Deputados e
ganhou a eleição; embora se acreditasse que o candidato oficial do governo, Luís Eduardo
Geenhalgh ( PT- SP ) seria o vencedor:
Severino, que foi deputado por 28 anos e estava em seu terceiro mandato federal,
assumiu o comando da Casa em 15 de fevereiro de 2005 após derrotar o candidato
do Planalto, Luís Eduardo Greenhalgh (PT- SP). Pela primeira vez, quebrava-se a
tradição de a maior bancada – no caso, o PT – assumir o posto.
17
(Bragon, Zanini,
Góis, Francisco, Navarro e Ceolin, 2005)
Analistas políticos acreditam que a crise interna
18
, pela qual o governo passava, levou
à vitória Severino Cavalcanti, cuja candidatura era considerada menos expressiva:
Em seu terceiro mandato consecutivo, o pernambucano Severino José Cavalcanti
Ferreira (PP), 74, construiu sua candidatura à presidência da Câmara com a
promessa de elevar salários e de melhorar as condições financeiras de atuação dos
colegas deputados. Com forte apelo no chamado baixo clero, o deputado
pernambucano faz parte da mesa diretora da Câmara há oito anos --mesmo período
em que tenta a presidência da Casa. Cavalcanti ficou conhecido na Câmara por
lançar sua candidatura independente em outras duas ocasiões. Apesar da
candidatura, o deputado sempre acabava entrando em acordo com os demais
candidatos e desistia da disputa. Pelo acordo, ele apresentava a sua desistência em
contrapartida recebia outro cargo na mesa.
19
16
Disputa na Câmara. Jornal do Commercio, Pernambuco, 16 fev. 2005. Política, p.1
17
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2209200503.htm Acesso em 02/10/2007 às 23:10 h
18
Ao indicar o nome de Greenhalgh como o candidato à presidência da Câmara, o PT provocou dissidências
dentro do próprio partido --o nome mais votado na bancada havia sido o do deputado Virgílio Guimarães, que foi
pressionado a desistir de sua candidatura devido a acordos internos na bancada. Apesar de ser o preferido dos
petistas, Guimarães perdeu o apoio da bancada ao insistir em manter sua candidatura avulsa. Aos poucos, sua
candidatura também foi perdendo força na medida em que o congressista procurou apoio entre os críticos do
governo federal, como o ex-governador Anthony Garotinho (PMDB). (SILVEIRA, Rose Ane (2005).
Independente, Severino Cavalcanti é eleito presidente da câmara.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u67210.shtml Acesso em: 16/02/2007 às 14:32 h
19
Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u67206.shtml - 28k .Acesso em 16/02/2007 às 15:04h
20
O deputado Severino Cavalcanti (PP) entrou para a história como o primeiro
presidente da Câmara Federal eleito sem o apoio do Palácio do Planalto. Severino conquistou,
assim, o trono de “rei do baixo clero”
20
– denominação utilizada para os deputados com pouca
expressão na Câmara – e garantiu, com os votos desse universo, somados à insatisfação da
base aliada, o placar de 300 votos, numa eleição que desnudou o maior espetáculo de
infidelidade partidária:
Adversários e aliados do governo conspiraram, e muito, para derrotar o candidato
oficial. Um dos movimentos decisivos aconteceu no final da manhã da segunda-
feira, horas antes da abertura das urnas. Severino tinha garantido menos de cem
votos, insuficientes para chegar ao segundo turno. Foi quando se reuniram num
canto da sala da liderança do PMDB quatro mosqueteiros dos tempos de FHC, os
deputados Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e Michel Temer.
''Esses petistas acham que somos burros. Se ganhar o Greenhalgh, eles levam. Se
for o Virgílio (Guimarães, candidato avulso do PT), eles ganham também. Vamos
de Severino'', propôs Padilha. ''E se der errado?'', perguntou Temer. ''Não perdemos
nada. E se der certo, ganhamos mil por cento'', emendou Geddel. ''Mas tem de ser na
moita'', afirmou Moreira. E foi na surdina. Até para a maioria dos colegas
peemedebistas o grupo fazia de conta que se dividia entre Greenhalgh e Virgílio.
Mas, na hora H do primeiro turno, pelo menos 20 peemedebistas ligados a FHC
votaram em Severino - o suficiente para levá-lo para o segundo turno. Então, se
acertaram com todos os adversários de Lula (de Garotinho ao PFL) e com os
governistas de pouca fibra do PP, PMDB e PL. (Traumann; Rila e Krieger, 2005)
Cavalcanti ficou conhecido por suas posições polêmicas sobre diversos assuntos, as
quais desagradaram setores da sociedade. Ele é contrário à prática do aborto e à
homossexualidade em geral (desde o beijo homossexual em público até a união civil entre
duas pessoas de mesmo sexo, passando pela Parada do Orgulho GLBT). Colocou-se, em
várias ocasiões, como o representante dos católicos no Congresso Federal, talvez para obter os
votos dessa importante parcela da população brasileira e defendia, constantemente, o aumento
nos salários dos parlamentares nas várias legislaturas que participou:
20
Não há no Congresso quem consiga explicar como ou quando a expressão começou a ser usada para designar
os cerca de 400 deputados (de um total de 513) que quase nunca aparecem na mídia. É mais fácil identificar
quem são eles e como atuam. Os integrantes do “baixo clero” são quase todos os que não têm cargos formais
dentro da Câmara, nem conseguem visibilidade por seu histórico na política. Nunca são procurados para
entrevistas na TV. Não recebem projetos para relatar. Não são líderes nem vice-líderes. Não estão na Mesa
Diretora da Casa. A rigor, são deputados sem importância política. Enquanto os deputados mais famosos
conseguem manter o nome em evidência por ocuparem cargos de alguma relevância na Câmara, o deputado do
baixo clero só fica com uma saída para manter-se ativo para a eleição seguinte: obter e levar verbas para as
cidades de sua base eleitoral.
(Parlamentar é popular no baixo clero. Folha de S. Paulo, 16 fev. 2005, cad.
Brasil)
21
A presidência de Severino Cavalcanti, no entanto, é mais onerosa para a Câmara,
para as próprias instituições e para a opinião pública a respeito da política, do que o
é para o governo. Direitista e objetivo igualmente por princípio, Severino
Cavalcanti esteve tão bem integrado no espírito e na prática repressora da ditadura
como, depois, se adaptou à conveniente convivência com o novo regime. Não é
improvável, pois, que o governo e o presidente da Câmara comunguem o suficiente
para que a derrota governamental não o seja tanto, na condução dos interesses
palacianos e ministeriais no Congresso. O sentido maior da derrota é mesmo o
político. E não está figurado só em Severino Cavalcanti. (de Freitas, 2005)
Eleito, o novo presidente da Câmara dos Deputados Federais assume seu status
adquirido com todos os benefícios materiais e de poder que a posição social lhe atribui, sem
nenhum constrangimento público:
Às 8 horas da manhã da quinta-feira 17, pouco mais de 48 horas depois de ser
proclamado presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti entrou pela
primeira vez na mansão que será seu endereço pelos próximos dois anos.
Acompanhado pelo filho e por assessores e amigos empresários de Pernambuco,
deu um passeio pelos 750 metros quadrados da residência oficial. Gostou do que viu
e anunciou que se mudaria no mesmo dia. ''Vou usar todas as prerrogativas do
cargo'', contou. ''Não vou deixar passar nenhuma.''
Severino Cavalcanti não mede palavras e choca a opinião pública ao defender
aumentos de salários e mordomias para os parlamentares. Como demonstrou o
resultado da eleição da Câmara, ele diz o que muitos políticos pensam em silêncio.
''Esses deputados que falam contra o aumento de salário na imprensa são os
primeiros que vêm falar no meu ouvido e pedir para levar a proposta adiante'', diz.
''Mas não tem problema. Vou deixar pronta uma declaração por escrito. Quem não
quiser aumento é só assinar e devolver. Quero ver se alguém vai ter coragem.”
Durante muito tempo, Severino foi descrito nos corredores do Congresso como
''presidente do sindicato dos deputados'', pela defesa permanente de aumento nos
salários dos parlamentares. Além da atividade ''sindical'', ganhou fama por liderar a
bancada ligada aos setores conservadores da Igreja Católica. Tornou-se o inimigo
número um dos movimentos feministas e de defesa dos homossexuais. ''Nas
questões morais, sou intransigente. Sou contra qualquer coisa que vá contra a
natureza e Deus.''
Eleito presidente, ganhou ares ainda mais celestiais. Um de seus aliados apresentou
projeto para transformar São Severino de Ramos no santo padroeiro do Legislativo
brasileiro. Pelo menos entre o “baixo clero”, os parlamentares menos conhecidos do
Congresso, ele já assegurou a devoção. Como bom milagreiro, ganhou pontos com
os fiéis ao interceder junto aos ministros para liberação de verbas e encaminhar
nomeações. ''Deputado gosta de ser bem atendido e vive do Orçamento. É com
essas verbas que ele atende sua base eleitoral'', prega. ''O cristianismo diz que você
deve atender bem aos seus semelhantes. Mas no governo Lula é todo mundo ateu.''
A única coisa capaz de tirar o bom humor de Severino nos dias que se seguiram à
eleição era a associação entre seu nome, o “baixo clero” e a corrupção. O novo
presidente da Câmara não nega que gosta de um bom salário e aprecia as
mordomias do cargo, mas promete que será inclemente com a corrupção. ''Quando
fui corregedor da Câmara, cassei 11 deputados. Quando dirigi a primeira secretaria,
devolvi R$ 90 milhões do Orçamento da Câmara.'' E afirma: ''Corrupção é coisa do
alto clero. Os deputados do baixo clero não têm nem a oportunidade de chegar lá''.
(Krieger, 2005)
22
No dia 5 de setembro de 2005, Severino Cavalcanti viajou para a cidade de Nova
Iorque para participar de uma conferência na sede da Organização das Nações Unidas (ONU).
A viagem coincidiu com as denúncias das revistas Veja e Época do “mensalinho”, suposto
esquema de pagamento de propina em que estaria envolvido, donde as suposições de que ele
estaria aproveitando essa viagem para esquivar-se das acusações. De fato, chegou-se a mostrar
em rede nacional uma cópia ampliada do cheque compensado, utilizado para pagar-lhe o
“mensalinho”:
Reunido em segredo com quatro parlamentares oposicionistas na noite de
anteontem, Izeilton de Souza Carvalho, 33, acusou: o empresário Sebastião Augusto
Buani, seu ex-patrão, "pagou", entre março e novembro de 2003, propina de R$ 10
mil ao deputado Severino Cavalcanti (PP-SP), atual presidente da Câmara.Em troca,
obteve privilégios na exploração de um restaurante no Congresso. Izeilton mostrou
aos parlamentares cópia de um documento que comprovaria a ligação "suspeita"
entre Severino e Buani. Trata-se de um termo de prorrogação, assinado por
Severino em abril de 2002, estendendo irregularmente a concessão para a
exploração do restaurante até 2005. O gesto teria rendido a Severino, além da
propina mensal, um prêmio de R$ 40 mil, supostamente dividido com outro
deputado, Gonzaga Patriota (PSB-PE), responsável pela redação do documento.
Severino ocupava na época o posto de primeiro-secretário da Câmara.O denunciante
Izeilton era, até quinta-feira da semana passada, funcionário do restaurante, situado
no 10º andar de um dos edifícios anexos da Câmara. Suas declarações, ratificadas
ontem à Polícia Federal, contradizem os desmentidos de Severino Cavalcanti e a
versão do ex-chefe Sebastião Buani. Ouvido por uma comissão de sindicância da
Câmara na segunda-feira, o empresário negara a propina a Severino.
No encontro
com os deputados, instado a falar, o denunciante explicou que trabalhou no
restaurante de Buani durante três anos. Tornou-se gerente-executivo do
estabelecimento, uma função que lhe franqueou o acesso a dados estratégicos da
empresa. Disse que, a pedido do ex-patrão, digitou no computador um documento
manuscrito por Buani em que ele relatou, de forma pormenorizada, a rotina dos
pagamentos que o uniam a Severino Cavalcanti. O documento, apócrifo, chama-
se"A história de um mensalinho". O documento que mais chamou a atenção dos
deputados foi mesmo o termo de prorrogação supostamente assinado por Severino,
que não está formalmente arquivado na Câmara. O texto tem um único parágrafo.
Datado de 4 de abril de 2002 e escrito em papel timbrado da Câmara, traz a
assinatura de Severino Cavalcanti. Prorroga, "até 24 de janeiro de 2005", a
autorização para o funcionamento do restaurante de Buani na Câmara. (de Souza,
2005)
Em 21 de setembro, Severino Cavalcanti renuncia a seu mandato de deputado federal
em decorrência das denúncias de esquemas de pagamento de propina em que estaria
envolvido, o chamado “mensalinho”. Com sua renúncia, a presidência da Câmara é assumida
provisoriamente pelo seu vice-presidente, José Thomaz Nonô. Aldo Rebelo foi eleito o
presidente da câmara em 28 de setembro:
A renúncia tem o objetivo de evitar a inelegibilidade até 2015 que uma possível
cassação acarretaria. Severino promete se candidatar no ano que vem e retornar à
Câmara em 2007. Para isso, citou a Bíblia: "Voltarei. Já anunciava o profeta Jó: O
23
júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas um momento”.
(Bragon; Zanini: Gois; Francisco; Navarro e Ceolin, 2005)
Em seu discurso de despedida, acusou a "elite que não quer largar o osso" de ser a
responsável por sua renúncia. Disse também que "empobreceu com a política". E arrematou:
"O povo me absolverá"
21
:
O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou nesta quarta-feira
à presidência e ao mandato parlamentar. No final de seu discurso, ele disse que
voltará e que será absolvido pelo povo. "Todos seremos, muito breve, julgados pelo
povo. Para quem dedicou sua vida à política, esse é o julgamento que conta, a
sentença que importa. Voltarei. O povo me absolverá", disse. Acusado de receber
"mensalinho" para prorrogar a concessão de um restaurante da Câmara, Severino
negou a propina e disse que sai do Congresso da mesma maneira que chegou:
endividado.
No discurso, Severino fez menção a seu pai, afirmando que ele sustentava a família
com dificuldades. "Cresci no meio das durezas que são pobres, na terra onde as
crianças desde cedo são sertanejos fortes", declarou. O parlamentar foi pressionado
por seus colegas, que reputaram como "insustentável" sua permanência na Câmara
após a confirmação das denúncias de Sebastião Buani, que sustenta ter pagado
propina para garantir o funcionamento do restaurante Fiorella. O cargo será
assumido pelo primeiro vice-presidente da Casa, o deputado José Thomaz
Nonô(PFL-AL), por um período de cinco sessões, prazo para a eleição de um novo
titular.
22
Severino renuncia ao terceiro cargo mais importante para uma nação democrática, a
de presidente da Câmara dos Deputados Federais, pois nas ausências do presidente da
república e do vice- presidente, seria ele quem assumiria o comando da nação. Isso seria um
“desastre” para o país, como provam os textos de nossa análise, onde se pode constatar a sua
inaptidão para o cargo por suas idéias e atos ilícitos, corruptos e falsos moralistas. As
conseqüências sociais da eleição Severino Cavalcanti para o cargo foram menosprezadas em
detrimento a ideais corporativos.
21
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u72614.shtml Acesso em 22/02/2007 às
16:05h
22
Disponível em: www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u72194.shtml - 27k Acesso em: 21/09/2005 às
16:54h
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CAPÍTULO 2 – AS TEORIAS SOBRE O HUMOR
O estudo sobre o humor encontrou, ao longo dos séculos, muitas vozes acadêmicas que
o investigaram para tentar compreendê-lo. Uma bibliografia sobre o humor “seria
ofensivamente seletiva, ora interminável” (Minois, 2003:15), pois ele já foi largamente
estudado pela Psicologia, pela Sociologia, pela Filosofia, pela Medicina e por outras
disciplinas. É possível agrupá-lo em distintas tendências ou linhas de abordagem, consoante as
vertentes sobre as quais a ênfase recai.
No entanto, é preciso considerar que nenhuma das teorias, tomadas isoladamente,
constitui uma resposta auto-suficiente às inúmeras questões que o humor coloca: pelo
contrário, cada uma delas avança com uma ou duas características determinantes que mais não
são do que uma parte do fenômeno. Como Raskin (1985:30) defende, será preferível supor
que "uma síntese dessas características pode servir como uma melhor aproximação do que é o
humor do que alguma teoria tomada separadamente”
23
. Não é, pois, surpreendente que, por
vezes, um mesmo autor, como é o caso do estudioso sobre o humor Henri Bergson, exiba um
posicionamento teórico misto avançando com elementos pertencentes a vários grupos de
teorias.
Assim, as várias abordagens acadêmicas do fenômeno humorístico e o caráter
sistemático de que se revestem, apelam para uma perspectiva interdisciplinar, não ignorando
o extenso legado teórico que variados campos do saber fizeram chegar aos nossos dias:
A primeira qualidade do humor é precisamente escapar a todas as definições, ser
inapreensível, como um espírito que passa. O conteúdo pode ser variável: há uma
multiplicidade de humor; em todos os tempos e em todos os lugares, desde o
momento em que, na mais remota pré-história, o homem tomou consciência dele
mesmo, de ser aquele e ao mesmo tempo de não ser e achou isso muito estranho
perante si mesmo; ou seja, o humor nasceu com o primeiro homem, o primeiro
animal que se destacou da animalidade, que tomou distância em relação a si próprio
e achou que era derrisório e incompreensível. (Minois, 2003: 79)
Este capítulo pretende fazer uma revisão sucinta dos conceitos básicos dos estudos do
humor, destacando aqueles que comportam interesse para uma abordagem lingüístico-
discursiva.
23
a synthesis of those features may serve as a better approximation of what humor is than any partial theory
taken separately.
25
Antes, porém, cabe ressaltar que, para efeito do presente trabalho, não abrigamos sob o
conceito de humor, apenas as manifestações que provocam efetivamente riso visível ou
audível. Não adotamos, tampouco, separação entre humor e riso, cômico e risível.
Seguindo Travaglia (1990:66), o humor é indissociável do riso. Não necessariamente o
riso audível, mas "o riso entendido de forma mais ampla, como um movimento de satisfação
do espírito.” A satisfação pode ser manifestada por reações fisiológicas, que vão desde o
sorriso até a gargalhada, ou não, "o que já se chamou de ‘riso recôndito’ ou riso interior":
Não concordamos com a separação de humor e riso. Para nós o humor está
indissoluvelmente ligado ao riso e é apenas o riso que diferencia o humor de outras
formas de análise crítica do homem e da vida, de outras formas de rebelião contra o
estabelecido, o controle social e o impedimento dos prazeres e o conseqüente
desequilíbrio e reestruturação do mundo sócio-cultural; de outras formas de
revelação da verdade e da criatividade (op.cit.:66)
Propp (1992:20) afirma que o cômico nem sempre é risível, que “é preciso estabelecer
a especificidade do cômico, é preciso verificar em que grau e em que condições um mesmo
fenômeno possui, sempre ou não os traços de comicidade”.
Por não considerarmos todo ato de humor como um ato de riso visível, não podemos,
por outro lado, aceitar que todo riso seja fruto de situações tidas como humorísticas.
Excluímos assim o farto campo das manifestações fisiológicas involuntárias, dos espasmos,
dos surtos psíquicos, da análise da significação do riso.
O estudo do humor em suas várias manifestações, dos atos mais explícitos das
comédias e piadas à ironia sutil que pode permear textos de todos os gêneros, não é novo na
história da humanidade:
Nossa cultura ocidental criou um enorme patrimônio de reflexões clássicas sobre o
humor e o riso, cujo único e indiscutível mérito foi o de ter mostrado o quanto se
trata de uma experiência humana muito imprecisa e na qual caberia quase tudo.
(Saliba, 2002:19)
Alberti (2002) esclarece que a cronologia do estudo do fenômeno humorístico remonta
à Antiguidade greco-latina, passa por numerosas contribuições no Renascimento e impõe-se
na Idade Moderna com o estabelecimento lexicológico do termo humor.
Com base nisso, depreendemos que as investigações sobre o humor são muito relevantes
no contexto social e que foram visitadas por grandes estudiosos:
Não escreveram sobre o cômico Aristófanes, Molière, Luciano, Groucho Marx e
Rabelais, mas sim um pensador sério como Aristóteles, ... um austero pietista como
26
Kant, ... um outro filósofo tão austero quanto ele - mas inclinado ao sarcasmo -
como Hegel, um poeta romântico tardio e melancólico como Baudelaire, um
pensador com pouca alegria e existencialmente preocupado como Kierkegaard, ...
um Bergson metafísico e, por fim, Freud. (Eco,1989:251)
2.1 Os estudos sobre o humor: caminhos históricos
Desde os primórdios da humanidade, já existiam ligações entre o sério e o cômico na
vida social. Bakhtin (1993) observou, graças às investigações do folclore de povos primitivos,
que os rituais sérios caminhavam ao lado dos rituais que parodiavam os mitos, os
acontecimentos e os heróis cultuados. Assim, o divino e o profano conviviam sem problemas.
O povo romano primitivo, por exemplo, tinha o hábito de chorar e maldizer o defunto em seus
funerais ao mesmo tempo.
Na Antiguidade clássica, o riso era considerado uma espécie de emanação das
divindades, visceralmente ligado à suprema liberdade dos deuses, e estreitamente vinculado à
crença da recriação do mundo:
Assim se exprime o autor anônimo do papiro alquímico que data do século III, o
papiro de Leyde. O universo nasceu de uma enorme gargalhada. Deus, o Único,
qualquer que seja o seu nome, é acometido - não se sabe por que - de uma crise de
riso louco, como se, de repente, ele tivesse consciência do absurdo de sua
existência. Nessa versão da criação, Deus não cria pela palavra, que já é civilização,
mas por esse espocar de vida selvagem, e cada um de seus sete acessos faz surgir do
Nada um novo absurdo, tão absurdo quanto o próprio Deus: a luz, a água, a matéria,
o espírito. E, no final desse big bang cômico e cósmico, Deus e o universo
encontram-se em um face a face eterno, perguntando-se um ao outro o que estão
fazendo lá: aquele que ri e sua gargalhada. (Minois, 2003:21-2)
A prática do elogio e do escarnecimento só foi separada com o surgimento do regime
de classes e de Estado, isto porque, com a divisão de classes, inicia-se o processo que
diferencia os direitos entre os indivíduos na sociedade. A partir daí, delimitou-se as condições
de realização do riso para os momentos festivos. (cf.Bakhtin,1993:5)
Nessas festas, os lugares sociais são dessacralizados . Quem era rei assumia o papel de
escravo e vice-versa. A inversão de papéis sociais permitia que muitas verdades fossem ditas
em tom de brincadeira. Nesse contexto, não há um único alvo de escarnecimento; todos os
atores sociais são objetos de chacotas quando se encontram no cenário carnavalesco. Por isso,
dizemos que o carnaval assume uma perspectiva dialógica e polifônica, sua forma de
expressão não visa emocionar, mas provocar o riso, representando as ações ridículas do
homem. (op.cit.:6)
27
Na Idade Média, com o advento do cristianismo, o riso era considerado coisa do
demônio. E sendo o demônio o rei da zombaria e do escárnio, então, naturalmente, por
analogia, era também o rei do riso. Dessa maneira, a sociedade só permitia o riso em festas
pagãs, como o Carnaval ou outras celebrações alusivas ao mundo material. Esse pensamento
permaneceu vivo até a época do Renascimento, quando as crenças, de um modo geral,
passaram a sofrer abalo e os valores revistos:
Agora pode-se rir. Há de quê: rir do outro, desse fantoche ridículo, nu, que tem um
sexo, que peida e arrota, que defeca, que se fere, que cai, que se engana, que se
prejudica, que se torna feio, que envelhece e que morre, um ser humano, bolas!,
uma criatura decaída. O riso vai se insinuar por todas as imperfeições humanas. É
uma constatação de decadência e, ao mesmo tempo, um consolo, uma conduta de
compensação, para escapar do desespero e da angústia: rir para não chorar. Eis aí o
que os pais da Igreja recriminam: em lugar de chorar sobre nossa decadência, o que
seria marca de arrependimento, rimos de nossas fraquezas, e essa é a nossa perda.
Vemos nosso nada e rimos dele: um riso diabólico. (Minois, 2003:112-3)
Pode-se dizer que foi somente a partir do século XVI, fruto da combinação dos
elementos do humanismo e da cultura popular medieval, que o riso mudou o seu status de
divino ou diabólico, passando para o plano do “simplesmente humano” e adquirindo, dessa
forma, um novo tom: o da “gargalhada ensurdecedora”, que faz os indivíduos chegarem a um
estado, mesmo que momentâneo, de suprema felicidade. (Minois, 2003:272-3)
O riso no Renascimento era uma forma de as classes populares liberarem, durante o
carnaval, toda a tensão, limitação, opressão que agüentavam ao longo do ano; o problema é
que essa liberação se dá de forma grotesca e aberrante, já que, neste período, o mundo fica de
cabeça para baixo:
As leis, proibições e restrições, que determinavam o sistema e a ordem da vida
comum, isto é, extra-carnavalesca, revogam-se durante o carnaval: revogam-se
antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência,
devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social
hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os
homens. (Bakhtin, 1993:105-6)
Também baseando-se em transgressão de regras para definir o humor, Bakhtin (1993),
ao falar da natureza carnavalesca presente na cultura popular da Idade Média e da Renascença,
por meio de Rabelais, oferece-nos ferramentas para tecermos mais algumas considerações
sobre o humor. Segundo o estudioso, o carnaval é uma espécie de show onde não há uma
separação entre atores e expectadores. O mundo vira de cabeça para baixo e todas as regras
28
que regem a sociedade são transgredidas, uma vez que o que há de mais subterrâneo
escondido na natureza humana é posto para fora.
Attardo (1994:45) observa que, até o Renascimento, as teorias sobre o humor são
marcadas por uma visão global, sendo vistas como parte integrante da discussão sobre a
comédia, pois os estudos não eram individualizados por disciplinas estanques.
A partir da especialização e da divisão do conhecimento em disciplinas, as noções de
comicidade se ampliaram e invadiram os campos da Filosofia, Sociologia, Antropologia,
Literatura, Psicologia, História e, como não poderia deixar de ser, dado o fato de o humor
encontrar na linguagem verbal um veículo freqüente, o da Lingüística (Travaglia, 2000).
Bremmer e Roodenburg (2000:21-2) enumeraram três pontos centrais na história e
evolução do humor: primeiro o contraste sobre quem estuda o humor nos diferentes períodos
da história, segundo o rodízio social entre os produtores de humor ao longo de sua evolução e
terceiro a própria evolução do humor:
Primeiro, é admirável como o discurso dominante muda nos diferentes
períodos. Enquanto os filósofos e retóricos da Antigüidade são os
principais autores de importantes manuais e debates, na Idade Média os
monges e outros teólogos estabelecem a lei. Por outro lado, nas regiões
influenciadas pela Reforma, manuais de civilidade e escritos de
ensaístas, como Joseph Addison e Richard Steele, passam a dar o tom.
Era de se esperar que nos tempos modernos psicólogos e sociólogos
ficassem em primeiro plano, sendo o estudo de Freud o exemplo mais
largamente reconhecido desta tendência. Em segundo lugar, há um
constante rodízio entre os produtores de humor. Grécia e Roma mostram
que o humor moderado se tornou o domínio da elite social, ao passo que
os bufões e os mímicos aos poucos perderam a aprovação oficial. Nossa
palavra “escurril” ainda revela um pouco da depreciação do scurra, o
cômico profissional do fim da Antigüidade e da Idade Média, que nos
tempos de Plauto e Cícero era um mexeriqueiro malicioso, mas ainda
um “homem de sociedade”. Na Idade Média ele é, em geral, identificado
com atores, menestréis e mímicos, pessoas de posição social inferior, e
apenas o bobo da corte ascende socialmente. Depois da Idade Média, o
hábito de colecionar e contar piadas se difundiu amplamente em todo o
aspecto social, e está claro que contar piadas até se tornou parte
essencial da arte da conversação entre cavalheiros. O desaparecimento
gradual deste ideal e ascensão do cômico profissional moderno, como o
palhaço, o comediante e o satirista, ainda permanecem em grande parte
inexplorados. Nosso terceiro e último ponto é a evolução do humor em
si. Até que ponto o humor mudou através dos séculos? Nossos
antepassados riam das piadas como nós, ou o senso de humor era
radicalmente diferente do nosso? Aqueles que leram alguns dos textos
humorísticos do passado podem ter achado que algumas piadas não são
de todo ruins, outras, visivelmente sem graça, e várias até mesmo
incompreensíveis. Em outras palavras, estes textos se mostram, ao
mesmo tempo, familiares e estranhos a nós.
29
2.2 O humor nos tempos modernos
Paradoxalmente, se a idéia de sistematizar o humor – seja limitando-o a fórmulas
mágicas, seja buscando sua significação – é antiga, a acepção do termo, atualmente como
“qualquer mensagem – expressa por atos, palavras, escritos, imagens ou músicas – cuja
intenção é a de provocar o riso ou um sorriso”, é moderna, informam Bremmer e Roodenburg
(2000:13): “No sentido estrito, a noção de humor é relativamente nova. Em seu significado
moderno, foi pela primeira vez registrada na Inglaterra em 1682, já que, antes disso,
significava disposição mental ou temperamento”.
Tantas vertentes do pensamento já se preocuparam com a investigação da comicidade
que, na opinião de Alberti (2002:34) “não há, atualmente, necessidade de se desenvolver
novas teorias do riso”.
Ainda assim, uma constante pode ser depreendida nessa questão: a de que o humor
escapou sempre a toda tentativa mais sistemática de definição e estudo, o que explica em parte
a lentidão com que avançaram as pesquisas realizadas na área. Excetuando-se as poucas e
brevíssimas referências à arte da comédia constantes na Poética (Aristóteles:1966), somente
na virada do século XIX para o século XX, com as teorias de Bergson, é que o humor é
conceituado nos parâmetros que o conhecemos hoje (Rosas:2003).
O humor chega ao século XX valorizado pelo seu potencial transgressor e pode
destruir verdades. Sua força provém do inconsciente, do nonsense, do lúdico. Observemos as
palavras esclarecedoras de Alberti (1999:23):
O riso e o risível remetem então ao o-sentido (nonsense), ao inconsciente, ao não
sério, que existem apesar do sentido, do consciente e do sério. Saber rir, saber
colocar o boné do bufão, como diz Ritter, passa a ser situar-se no espaço do
impensado, indispensável para apreender a totalidade da existência.
2.2.1 O conceito de humor para Bergson
Na virada para o século XX, o pensador francês Henri Bergson propôs-se a refletir
sobre a questão do riso. “O que haveria de comum entre uma careta de palhaço, um jogo de
palavras, um quiproquó de vaudeville
1
, uma cena de comédia fina?”, perguntava-se Bergson
30
(2004:1) logo na abertura do primeiro capítulo. Com a resposta a essas perguntas, Bergson
tinha a esperança de atingir um objetivo mais amplo:
Razoável, a seu modo, até em seus maiores desvios, metódica em sua loucura,
sonhadora, se me permitem, mas capaz de evocar em sonhos visões que são
prontamente aceitas e compreendidas por toda uma sociedade, por que a invenção
cômica não nos daria informações sobre os procedimentos de trabalho da
imaginação humana e, mais particularmente, da imaginação social, coletiva,
popular? Oriunda da vida real, aparentada com a arte, como não nos diria ela
também uma palavra acerca da arte e da vida? (op.cit.: 2)
Bergson (2004:3) reafirma o truísmo de Aristóteles de que o homem é “um animal que
sabe rir” e acrescenta que o homem é um animal que também “faz rir”.
O filósofo salienta que o cômico é um fenômeno exclusivamente humano, destacando
que esse se dirige à inteligência (pois haveria a necessidade de entendimento e capacidade de
raciocínio associativo de um acontecimento ou situação para que se possa manifestar o estado
de espírito configurado no riso) e é insensível e indiferente. De acordo com essa teoria
intelectual, as emoções seriam um obstáculo à produção do riso. Seria, assim, necessário um
distanciamento dos sentimentos para que o cômico produzisse o seu efeito. Verificada a falha
de uma pessoa querida, para que o riso apareça é “preciso esquecer essa afeição, calar essa
piedade.” (op. cit:3)
Uma outra propriedade do riso seria a relação com outras inteligências. O riso só tem
sentido se houver repercussão, se não for uma atitude isolada, mas de um grupo, em que se
compartilharia, em cumplicidade com outros ridentes, o sentido jocoso. Esse caráter social,
porém, não implicaria sempre um riso acompanhado de um ser real. O outro poderia ser uma
entidade imaginária e sua existência seria inerente ao próprio caráter social do riso.
O riso é sempre social, mesmo quando responde a um estímulo puramente físico, a
pessoa não ri quando faz cócegas em si própria, mas ri se é outra pessoa que faz cócegas nela.
Dessa forma, devemos procurar a essência do riso na sociedade:
Para compreender o riso, é preciso colocá-lo em seu meio natural, que é a
sociedade; é preciso sobretudo, determinar sua função útil, que é uma função social.
Essa será – convém dizer desde – a idéia diretiva de todas as nossas
investigações. O riso deve corresponder a certas exigências da vida em comum. O
riso deve ter uma significação social. (Bergson, 2004:6)
31
Em síntese, Bergson estabelece três premissas para o cômico: (i) apenas o homem é
capaz de rir; (ii) a sensibilidade nunca vai estar associada ao cômico; (iii) o riso faz parte de
um contexto social.
A teoria de Bergson fundamenta sua tese sobre o cômico numa idéia de que nós rimos
do Outro quando parece que esse se mecanizou, automatizou seus gestos, suas expressões,
suas palavras e até seus sentimentos.
O filósofo acredita que o riso decorra da percepção da vida como puro mecanismo. O
homem se desloca de um ponto X para um ponto Y e todo esse processo evidentemente
denota movimento. E o movimento versus a rigidez é a tônica do pensamento de Bergson.
Para entender sua idéia, observemos dois exemplos bem simples, o do homem que tropeça e
cai no meio da rua e o de um hipotético sujeito metódico que tenha sido vítima de uma
brincadeira: seus objetos foram trocados de lugar, mas ele continua se comportando de acordo
com a rotina estabelecida, seguindo o impulso impresso pelo hábito. Nesses exemplos o
risível, observa Bergson (2004:8), “é certa rigidez mecânica quando seria de se esperar a
maleabilidade atenta e a flexibilidade viva de uma pessoa.”
As fontes de comicidade tanto podem referir-se ao sujeito de quem rimos, quanto à
situação ou à maneira como o discurso é organizado e proferido. Dessa forma, o autor
distingue as fontes geradoras do riso em: o cômico de gestos e formas (que exploram o
automatismo, o enrijecimento e deformações do corpo físico); o cômico de situação
(reprodução de cenas da vida que denotam desvios de comportamento moral dos sujeitos que
representam as instituições sociais); o cômico de palavras (organizado, predominantemente,
em forma de jogo de palavras) e o cômico de caráter (relativo à fraqueza moral ou ao
temperamento contundente dos personagens).
A rigidez que engatilha o riso persegue o objetivo do aperfeiçoamento da sociedade em
três diferentes esferas, a física, a moral e a intelectual/cultural:
Toda rigidez do caráter, do espírito e mesmo do corpo será então suspeita para a
sociedade, por ser o possível sinal de uma atividade adormecida e também de uma
atividade que se isola, que tende a afastar-se do centro comum em torno do qual a
sociedade gravita, de uma excentricidade enfim. E, no entanto, a sociedade não
pode intervir nisso por meio de uma repressão material, pois ela não está sendo
materialmente afetada. Ela está em presença de algo que a preocupa, mas somente
como sintoma – apenas uma ameaça, no máximo um gesto. Será, portanto, com um
simples gesto que ela responderá. O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma
espécie de gesto social. Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades,
mantém, constantemente, vigilantes e em contato recíproco certas atividades de
ordem acessória que correriam o risco de isolar-se e adormecer; flexibiliza enfim
tudo o que pode restar de rigidez mecânica na superfície do corpo social. (Bergson,
2004:14-5)
32
Por seu caráter social, o riso é uma espécie de castigo que a sociedade aplica aos que
ameaçam deixá-la, aos que fogem da flexibilidade, marginalizando-se. Assim, o riso é um
produto da cultura e, ainda, um comentário a ela, ou um “gesto social”, objetivando destacar o
que há de automático e estereotipado no comportamento das pessoas, como bem definiu o
filósofo. (op.cit:15)
Continuando suas reflexões, Bergson (2004:18-9) procura determinar o que torna uma
fisionomia cômica. Depois de analisar alguns exemplos, conclui que “uma expressão risível
do rosto será aquela que nos leve a pensar em algo rígido, congelado, por assim dizer, na
mobilidade ordinária da fisionomia. Um cacoete consolidado, um esgar fixado” constitui a
essência dos rostos e posturas corporais que evocam o riso, como se o rosto e o corpo
estivessem imobilizados em uma careta permanente: “É um esgar único e definitivo. Parece
que toda a vida moral da pessoa se cristalizou em tal sistema. Por isso é que um rosto é tanto
mais cômico quanto mais nos sugere a idéia de alguma ação simples, mecânica, em que a
personalidade estaria absorvida para todo o sempre.” E exemplifica: “Há rostos que parecem
ocupados a chorar o tempo todo; outros, a rir ou a assobiar; outros a assoprar eternamente uma
trombeta imaginária. São os mais cômicos de todos.”
“Automatismo, rigidez, vezo contraído e mantido: aí está por que uma fisionomia nos
faz rir”, escreve Bergson (op.cit.:19). “Mas esse efeito ganha intensidade quando podemos
vincular tais características a uma causa profunda, a uma certa distração fundamental da
pessoa, como se a alma se tivesse deixado fascinar, hipnotizar, pela materialidade de uma ação
simples.”
Nas páginas seguintes, o autor perseguirá essa causa profunda, cujo principal sintoma é
uma tendência da forma a sobrepujar o fundo, e a descobrirá não só nas expressões, nas
posturas e nos gestos, mas também nas formas de falar, nas deformações profissionais e em
uma série de outras instâncias. Mais importante, examinando os personagens cômicos, ele vai
salientar como esses automatismos não surgem isolados, mas formando um conjunto de
comportamento, de modo que um personagem cujo humor nasce da rigidez com que se apega,
por exemplo, aos trejeitos e jargões de sua profissão também terá um modo de falar
igualmente cômico e estereotipado.
Para falar da comicidade de situações, Bergson utiliza-se do teatro, porque esse nos dá
ao mesmo tempo a impressão de que a vida está sendo representada, mas de uma forma
mecânica, já que não é o real. Ele ressalta, contudo que esse tipo de comicidade pertence ao
mundo real por representar o cotidiano. O efeito cômico vai ser obtido no teatro por meio de
33
três técnicas, por assim dizer: repetição, inversão e interferência em séries. A repetição no
teatro, por exemplo, será tanto mais cômica quanto mais representar o paradoxo de uma cena
que, mesmo sendo extremamente complexa, é representada da forma mais natural possível. Na
inversão, temos, digamos assim, uma troca dos papéis sociais, como se o mundo estivesse às
avessas, tal qual uma cena que mostre um ladrão ser roubado, por exemplo. Na interferência
de séries, será cômica a situação que pertencer simultaneamente “a duas séries de
acontecimentos absolutamente independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em
dois sentidos diferentes”. (op.cit:71)
A comicidade pelas palavras é uma projeção da comicidade das situações; podemos
obter a comicidade pelas palavras graças à inversão, à interferência ou à transposição. Explica
o autor que uma “frase se tornará cômica se continuar tendo sentido depois de invertida, ou se
exprimir indiferentemente dois sistemas de idéias de todo independentes, ou então se tiver
sido obtida por transposição de uma idéia para um tom que não é o seu.”(op.cit.:89)
Para o filósofo a comicidade de caráter era seu alvo principal nas considerações sobre
do cômico. Reafirmando a premissa básica de que o cômico é um fenômeno social, e o
homem, como um ser essencialmente social, é o único que pode tanto ser alvo como criar o
cômico, daí podermos dizer que no cômico estamos sempre falando sobre o homem. Nessa
última forma de caracterização do cômico, Bergson (2004:100) reforça a tese que subjaz a
tudo o que já foi dito: o cômico vai ser obtido quando houver a suspensão da vida, e o riso,
quando houver a ausência da emoção.
Adiante ele descreve uma disposição de caráter idealmente cômica e mostra que
construí-la é um trabalho árduo, mas que poderia ser encontrada facilmente disseminada na
sociedade. Essa disposição é a vaidade:
Deverá ser profunda, para fornecer à comédia um alimento duradouro, mas também
superficial, para permanecer no tom da comédia, invisível para quem a possui, pois
a comicidade é inconsciente, visível para o restante do mundo a fim de provocar o
riso universal, cheia de indulgência para consigo mesma a fim de ostentar-se sem
escrúpulo, constrangedora para os outros a fim de que eles a reprimam sem piedade,
corrigível imediatamente para que não seja inútil rir dela, segura de renascer sob
novos aspectos para que o riso sempre tenha o que trabalhar, inseparável da vida
social, ainda que insuportável para a sociedade, capaz enfim, para assumir a maior
variedade imaginável de formas, de somar-se a todos os vícios e mesmo a algumas
virtudes. Eis aí os elementos que devem ser fundidos. (Bergson, 2004:128)
O estudioso acredita que não há defeito maior do que a auto-admiração e a falta de
modéstia, mas o riso estará presente para corrigir mais esse defeito do ser humano.
34
Bergson (2004:147) reconhece o caráter corretivo do riso, mas ao mesmo tempo
considera-o injusto, pois como uma “doença castiga certos excessos, atingindo inocentes,
poupando culpados, visando a um resultado geral sem poder fazer a cada caso individual o
favor de examiná-lo separadamente.”
Nessas diferentes categorias motivadoras do cômico, tem-se a mesma configuração
básica: a do ser ou evento vivo – um rosto, um gesto, uma cena, uma frase ou um caráter – que
se deixa degradar em autômato (efeito de marionetes). O riso, fenômeno social, tem a tarefa
de restituir à própria vida aquele que dela se separou, obrigando-o a reconciliar-se com suas
leis representadas para o bem e para o mal, pelas normas da sociedade a que pertence o
infrator.
2.2.2 A comicidade para Propp
Propp dedicou-se a um estudo do cômico reunindo e sistematizando exemplos
literários, revistas humorísticas e satíricas, para criar uma teoria sobre a comicidade:
Para resolver o problema da comicidade não podemos nos limitar à obra dos
clássicos e aos melhores exemplos do folclore. Foi necessário conhecer a produção
corrente das revistas humorísticas e satíricas, incluindo-se os folhetins publicados
em jornais. As revistas e a imprensa refletem a vida cotidiana, que, como a arte, está
dentro do âmbito de nossa atenta pesquisa. Foi indispensável levar em consideração
também o circo, o teatro de variedades, a comédia cinematográfica e as conversas
ouvidas em diferentes lugares...”(Propp,1992:17)
Segundo o autor (op.cit.:32), cada povo construiria seu sentido próprio e específico de
humor e de cômico, de acordo com o contexto em que se insere em determinado período da
história. Assim, se o povo convive e reage de acordo com suas próprias normas, interiores e
exteriores, desenvolvidas nas especificidades de sua cultura, tudo que não corresponde a essas
normas será visto como cômico. Afirma, ainda, que no âmbito de cada cultura nacional
diferentes camadas sociais possuirão um sentido diferente de humor e diferentes meios para
expressá-lo.
Ele inicia seu estudo “examinando tudo aquilo que não pode ser objeto de riso” e, ao
fazê-lo, dialoga com Bergson e aceita em parte a sua idéia de que o cômico é uma experiência
eminentemente humana, pois, de um modo geral, “não existem florestas, campos, montanhas,
mares ou flores, ervas, gramíneas etc. que sejam ridículos”. O estudioso acrescenta, todavia,
35
que “se arrancarmos um rábano e ele repentinamente nos lembrar com seu perfil um rosto
humano, surge então a possibilidade de rir”. (Propp,1992:37-8)
À premissa aristotélica de que o riso é exclusivo do homem, o autor acrescenta que
assim como a natureza pode ser cômica, também “o animal pode ser ridículo”, mas desde que
vejamos neles algum arremedo de ações humanas. O estudioso explica que, por serem
parecidos com os seres humanos, rimos deles porque “lembram os homens e seus
movimentos”. (op. cit.:38)
Propp evidenciou a existência do riso em diversas situações às quais o homem poderia
estar exposto. Exemplo disso são as variações em que o gracejo pode se manifestar. O
filólogo cita o exemplo de um orador em cujo nariz uma mosca pousa – e é afastada –
repetidas vezes, provocando um deslocamento da atenção do público. Ocorre o desvio da
atenção do conteúdo do discurso do orador para as suas ações. Pela suas palavras: “A atenção
se transfere de um fenômeno de ordem espiritual para um fenômeno de ordem física”
proporcionando o humor. (op.cit.:42)
Propp afirma que o riso ocorre diante dos defeitos humanos, em especial, defeitos
revelados de modo brusco e surpreendente. Para o autor, só é possível rir das falhas quando
elas são mesquinhas, pequenas. Os grandes defeitos humanos seriam objetos exclusivos do
drama, da tragédia. Para admitir o terrível no campo do cômico, Propp apela para a noção de
grotesco. É tênue, em alguns casos, a diferença entre comédia e tragédia, pois há zonas de
similitude entre esses dois gêneros.(op.cit.:44)
O riso manifesta-se na correlação entre a natureza física e a espiritual. Quando uma
natureza prevalece sobre a outra, não ocorre o riso. Observemos como isso acontece com o
exemplo proposto por Propp: “Um gordo que sofre com sua doença não é ridículo de modo
algum.” A obesidade só será jocosa se for motivada pela gula, pela falta de atividades físicas,
por exemplo. Para o estudioso a comicidade “não está nem na natureza física, nem na natureza
espiritual do doente. Ela se encontra numa correlação das duas, onde a natureza física põe a nu
os defeitos de natureza espiritual do doente.”(op.cit.:46)
Enxergar no riso uma arma moralizadora, era comum aos clássicos, a Bergson e é
reiterada por Propp (1992:46): “O riso é uma arma de destruição: ele destrói a falsa autoridade
daqueles que são submetidos ao escárnio.”
O riso para o estudioso acontece na descoberta dos defeitos exteriores, quando é
percebido um sinal que contraria as regras morais e físicas, presentes nas desproporções,
destruindo a falsa autoridade e a falsa grandeza daqueles que são submetidos ao escárnio:
36
normas de conduta social que se definem em oposição àquilo que se reconhece
como inadmissível e inaceitável. Essas normas são diferentes para diferentes
épocas, diferentes povos e ambientes sociais diversos. Toda coletividade, não só as
sociais como o povo no todo, mas também coletividades menores ou pequenas- os
habitantes de uma cidade de um lugarejo, de uma aldeia, até mesmo os alunos de
uma classe- possuem algum código não escrito que abarca tanto os ideais morais
como os exteriores e aos quais todos erguem espontaneamente, a transgressão de
certos ideais coletivos ou normas de vida, ou seja, é percebida como defeito, e a
descoberta dele, como também nos outros casos, suscita o riso. (Propp,1992:60)
Se a pessoa apresentada ou observada possui defeitos, a comicidade se instaura se esse
defeito constitui elemento de manifestação dessa qualidade negativa da pessoa. Coloca em
evidência o modo como os defeitos exteriores podem ser desmascarados.
2.2.3 O humor para Possenti
Desde Aristóteles, outra característica considerada distintiva do humor é o
rebaixamento. "Nesse caso, o riso brota de alguém que é feio, faz ou diz bobagens, tropeça,
cai – um político que rouba, um filósofo que propaga incongruências", explica Possenti
(1998:26). Além do rebaixamento, é preciso haver algo de surpreendente. E à surpresa se
acrescenta a genialidade, o talento que um indivíduo tem para forjar a relação surpreendente.
"A própria operação gera um prazer estético no 'receptor' quando este acredita ter percebido o
que o outro quis dizer", conclui o lingüista. (op.cit.:42)
Possenti apresenta com uma série de exemplos e análises, várias estratégias que
poderão contribuir para a explicação do humor. Em seu estudo, o autor relata que a piada (ou
o humor) socialmente é marcada pelos seguintes traços: i) as piadas incidem sobre temas
socialmente controversos; ii) as piadas operam com estereótipos; iii) as piadas veiculam um
discurso proibido.
37
2.3 Aspectos sociais do humor
Pela revisão da literatura, observamos que os estudos sobre o humor recaem sobre três
teses amplamente reiteradas: a primeira que o humor é próprio do homem, a segunda que o
humor acontece quando escarnecemos do Outro e a terceira que o humor seria próprio da
sociedade. Enumerando essas três teses, pudemos considerar uma característica que talvez
englobe a todas elas e que, a nosso ver, é a que menos poderia ser contestada: o humor é um
fenômeno social.
Assim, o estudo do humor e de suas manifestações impõe, como uma de suas premissas
básicas, a observação paralela de hábitos e valores culturais, o que explicaria o regionalismo
dos atos de humor centrados em estereótipos associados ao português ignorante (Brasil), ao
francês traiçoeiro (Inglaterra) ou ao inglês apático (França), para ficarmos em poucos
exemplos. Estudar o humor, sob esse ponto de vista, torna-se uma maneira eficaz de estudar
também hábitos sociais, macro-idéias e concepções de mundo compartilhadas por uma
determinada sociedade. (Travaglia, 1990:59)
A percepção de que o riso é libertador vem de Freud (1905), um dos precursores do
estudo do humor. Segundo o autor, o cômico é um ataque a uma repressão física ou mental ao
indivíduo ridente. A abordagem psicológica do humor também enxerga sua manifestação
como forma de exprimir o socialmente inexprimível (tabus como os que envolvem
sexualidade e violência, por exemplo).
Gay (1923:372) corrobora com essa idéia com a seguinte afirmação:
o dúvida de que o trabalho psicológico feito pelo espírito e pelo humor é
fortemente sobredeterminado. Ele pode controlar ou saudar um súbito alívio de
tensão. Pode expressar ansiedade ou aliviá-la; as piadas de bravatas são, para o
medo físico ou a inquietude social, como assobiar quando se passa por um túmulo.
O humor pode servir como salutar ato de regressão – agradáveis férias de
responsabilidade sisuda, um afastar-se temporariamente da seriedade que
circunscreve o superego punitivo que os seres humanos carregam consigo. Mais
ainda: significativamente, o humor pode ser uma ardilosa afirmação de dignidade
ou uma peça de autocrítica feroz - agressão verbal dirigida para fora ou para dentro.
Propp (1992:40) enfatiza, com seus estudos indutivos com base em obras humorísticas
da literatura russa, a natureza dialética do riso. De acordo com o autor, “para rir é preciso
saber ver o ridículo; em outros casos é preciso atribuir às ações algum valor moral (a
comicidade da avareza, da covardia, etc.)”. Esses valores morais seriam atribuídos
38
diferentemente segundo cada cultura. Ressalvado isso, o autor demonstra concordar com a
parte central da teoria bergsoniana, segundo a qual o riso nasce da súbita descoberta de um
defeito moral (de caráter), físico ou intelectual – posto em outras palavras, a rigidez como
denúncia da inadequação social.
A depreensão de que o humor é antes de tudo social, é reiterada pelas diversas teorias
que com ele se preocupam:
O humor é divertido e sério ao mesmo tempo: é uma qualidade vital da condição
humana. O que o torna fascinante e relevante para antropólogos e historiadores é o
fato de fornecer pistas para o que é realmente importante na sociedade e na cultura.
O humor quase sempre reflete as percepções culturais mais profundas e nos oferece
um instrumento poderoso para a compreensão dos modos de pensar e sentir
moldados pela cultura. (Driessen, 2000: 251)
Sobre a inserção sócio-cultural do cômico, diz Le Goff (2000:65) que
o riso é um fenômeno cultural. De acordo com a sociedade e a época, as atitudes em
relação ao riso, a maneira como é praticado, seus alvos e suas formas não são
constantes, mas mutáveis. O riso é um fenômeno social. Ele exige pelo menos duas
ou três pessoas, reais ou imaginárias: uma que provoca o riso, uma que ri e outra de
quem se ri, e também, muitas vezes, da pessoa ou das pessoas com quem se ri. É
uma prática social com seus próprios códigos, seus rituais, seus atores e seu palco.
Completando o caráter do riso sob o ponto de vista cultural, Gay (1993: 372) explica
que a suas variedades são grandes, mas que
suas formas são previsíveis, pelo menos em parte, como expressões características
de mentalidades individuais, hábitos de classe e estilos culturais. O que é engraçado
para uma pessoa, uma época ou uma nação pode parecer apenas grosseiro ou
ofensivo para outra. Assim como cada cultura, ao que parece, tem sua neurose
favorita, tem também seus impulsos favoritos de achar graça.
O humor garante forças a quem o exercita, permite revirar o mundo alheio, ele castiga
os adversários.
Para Travaglia (1990:55), o humor também tem seu caráter social, pois seu maior
objetivo não é “fazer rir”, mas sim, desequilibrar uma situação - levar ao agradável ou ao
conflito -, o que justifica sua necessidade de presença em situações não esperadas:
Ele [humor] é uma espécie de arma de denúncia, de instrumento de manutenção do
equilíbrio social e psicológico; uma forma de revelar e de flagrar outras
possibilidades de visão do mundo e das realidades naturais ou culturais que nos
cercam e, assim, de desmontar falsos equilíbrios.
39
Em outro momento, referindo-se ao humorista Ziraldo, argumenta que uma posição de
espírito
é o que faz com que o humor seja visto por quase todos os estudiosos, como um
recurso, um meio, um caminho, um instrumento, uma arma usada em todas as
sociedades para descobrir (através da análise crítica do homem e da vida) e revelar
verdades escondidas e falsificadas, permitindo uma visão especial da vida, uma
nova visão do mundo pela transposição de conceitos, uma ampliação dos contatos
com nossas realidades. O humor seria o senso das proporções e da verdade
escondida. A alegria da descoberta revelada de forma não-convencional, sinuosa,
intuitiva é que geraria o compromisso do humor com o riso. (...) diante do humor
podemos ter sempre a reação de falar:— Ué! não é que é isso mesmo. (op.cit.:66)
A representação humorística mostra ser capaz de libertar o pensamento, de
“desmascarar o real, de captar o indizível, de surpreender o engano ilusório dos gestos
estáveis e de recolher,enfim,as rebarbas das temporalidades que a história, no seu constructo
racional, foi deixando para trás.” (Saliba, 2002:29)
De acordo com Propp (1992), os caracteres cômicos não existem por si só, eles têm
relação com as atividades do homem no mundo social. Dessa forma, quando estamos rindo de
um macaco em um zoológico, na verdade, não rimos do próprio animal, mas dos gestos que
correspondem a determinados significados na coletividade humana.
Bremmer e Roodenburg (2000:15) também confirmam que o humor é um fenômeno
determinado por características sociais:
O riso pode ser ameaçador e, realmente, os etologistas afirmavam que o
riso começava numa exibição agressiva dos dentes. Por outro lado, o humor e o riso
também podem ser muito libertadores. Todos nós sabemos como uma pitada
inesperada de humor é capaz de desfazer um clima tenso num instante. Em
um contexto mais amplo, o carnaval e as festividades análogas podem corromper
temporariamente as regras sociais rígidas a que todos nós obedecemos, embora,
freqüentemente, com humor de baixo nível, em vez de alto.
40
2.4 O humor político
O uso do humor contra a política é um fenômeno antigo, cujas manifestações afloram
desde a comédia medieval e mesmo antes, na Antigüidade. Mas o contrário, o uso do cômico
pela política, é moderno e atingiu o paroxismo no século XX. No período, conta Minois
(2003), o próprio constrangimento de aparecer diante de público e mídia rindo e fazendo rir
foi extinto, o que superinflacionou a oferta de chistes entre os homens públicos. Mais do que
isso, a comédia tornou-se vantajosa, capaz de atrair dividendos eleitorais. O humor configura-
se, pois, como uma virtude tão imprescindível como a honestidade ou a compaixão – ou até
mais desejável do que essa. Torna-se, no dizer do autor, atributo indispensável e, ao mesmo
tempo, característica em extinção:
O riso está em perigo, vítima de seu sucesso. Embora ele se estampe por toda a
parte, da publicidade à medicina, da política-espetáculo às emissões de variedades,
dos boletins meteorológicos à imprensa cotidiana, a grande ameaça universal deste
início do século XXI paira sobre ele: a comercialização. O riso, como a carne de
vaca, é um produto de consumo, doublé de um produto milagroso cujo valor
mercantil é inestimável. Já registrado e etiquetado, impresso, filmado, ele é vendido
no mundo inteiro; profissionais asseguram sua promoção, a difusão e até o serviço,
depois da venda, para as pessoas hipócritas. Ao mesmo tempo produto e argumento
de venda, torna-se um atributo indispensável do homem moderno, quase tão útil
quanto o telefone móvel. (Minois, 2003:593)
No longo percurso de crítica ferina a instrumento de manutenção do status quo ao
longo da história da comicidade, a democracia moderna entendeu que “um poder que não
aceita a zombaria é um poder ameaçado, desprezado, voltado a desaparecer. Só se zomba
daquilo que ainda inspira algum respeito; o cúmulo do desprezo é a indiferença.”
(
op.cit.:2003:596)
De acordo com Raskin (1985:222), o humor político tanto pode se dirigir a lideres,
partidos e instituições políticas como pode atingir todas as idéias políticas de uma sociedade.
Ressalta que o humor político trabalha com a oposição entre o que um político deve fazer ou
como deve agir e o que, de fato, ele faz. É o que o autor denomina de script do correto e do
impróprio que todo político carrega consigo. Com esse pensamento, a alusão a um fato
particular negativo que envolve o político, conduzirá o leitor ao riso.
O estudioso explica que o humor político é deflagrado ao se desmascarar ou denunciar
fatos que envolvem um regime político ou uma figura política. Pode-se, ainda, denegrir suas
imagens, mostrando por meio dos acontecimentos a oposição bom/mau de suas ações ou
posições ideológicas, por exemplo.
41
Para Possenti (2000:109-10) “ao lado do inesgotável tópico do humor de caráter
sexual, o político é provavelmente um dos campos mais produtivos”. Segundo ele, as piadas
políticas são próprias de uma época, pois exploram um determinado período político ou
evidenciam as ações de algum político. Isso nos leva a refletir que o humor político depende
do contexto, principalmente porque uma das estratégias desse tipo de humor é aludir a
determinados fatos, a certas características de um político.
O autor explica que há piadas que criticam determinada concepção política e que
podem revelar os políticos considerados mentirosos, presunçosos, estúpidos e corruptos. Esses
textos, costumam estereotipá-los e representá-los como se dissimulassem, distorcessem ou
omitissem alguns aspectos da verdade. Dessa forma, as características dos políticos facilmente
transformam-se em objeto de humor.
Ilustrando a categoria do político estúpido, cita em seus estudos a piada em que Felipe
Gonzáles confunde o nome de Plácido Domingo como sendo o dia da semana (domingo).
(op.cit.:112-5)
Afirma, ainda, que o humor apresenta um caráter crítico mais contundente quando
referir-se à política:
Correntemente, julga-se que o discurso humorístico é sempre crítico. O conhecido
Castigat ridendo mores parece valer como argumento indiscutível. Sabemos, no
entanto, que, muito freqüentemente, os chistes são formas de veicular discursos
conservadores, ou mesmo reacionários. Os campos da sexualidade e do racismo
fornecem os exemplos mais óbvios. Mas, se o humor não é sempre crítico,
certamente o é o humor político – pelo menos, na maior parte de suas
manifestações. (op.cit., 2000:109)
Outro aspecto comentado pelo estudioso sobre o discurso do humor político é o da
interdiscursividade em que ele se mistura com outros discursos, incluindo tópicos
característicos dos chistes obscenos, constituindo um intensificador da comicidade. (op.cit.:
114-5)
Confortin (1999:83) coloca ênfase no papel político do humor da imprensa escrita por
entender que "essas formas de humor [cartuns, charges e quadrinhos] impõem-se, política e
estruturalmente, no campo das especulações gráficas, não como uma nova arte, nem como
uma nova linguagem, mas como uma nova opção formal na luta por uma nova cultura e uma
nova visão de mundo" (op.cit.:87) - o que implica a linguagem de humor ser usada para
denunciar, criticar, desabafar e disseminar idéias.
42
CAPÍTULO 3: ASPECTOS DISCURSIVOS E LINGÜÍSTICOS DO HUMOR
O humor pode ser analisado tanto por seus aspectos lingüísticos como tamm pelos
fatos e discursos que circulam na nossa sociedade.
De acordo com Fairclough (2001:90), o discurso é "a linguagem como forma de
prática social". Ao incorporar o conceito de ideologia ao estudo da linguagem, a análise do
discurso abre novas frentes de investigação dos fenômenos lingüísticos.
O discurso é uma prática, uma forma de agir sobre o mundo, sobre o Outro, ao mesmo
tempo em que somos também interpelados por ele. Ter essa concepção de discurso implica no
dizer de Fairclough admitir que
o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social
que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e
convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são
subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas
de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
(op.cit.:91)
Assim, a análise do discurso avança como uma teoria transdisciplinar que, apoiada em
fundamentos da linguagem, busca a compreensão da realidade social. Fairclough aposta na
contribuição de outros campos do conhecimento, visto que as construções teóricas do discurso
podem advir de várias disciplinas.
O processo discursivo, segundo Fairclough (2001:95), constitui-se em três dimensões,
que são o texto, a prática discursiva – incluindo aqui, a produção, a distribuição e o consumo –
e a prática social. Analisar um discurso, portanto, seria esquadrinhá-lo por meio dessas três
dimensões: a descrição do texto, a interpretação e a explicação da prática social. O trabalho do
analista é investigar o discurso com base na interligação dessas dimensões do processo.
Esta pesquisa alinha-se com a perspectiva expressa por Fairclough, porque se propõe a
encetar uma análise lingüística propriamente dita como suporte de uma análise do processo
discursivo. Valoriza-se, portanto, uma especificidade lingüística nessa visão do discurso:
De uma maneira geral, o discurso diz respeito à própria materialização do texto e é
o texto em seu funcionamento sócio-histórico; pode-se dizer que o discurso é muito
mais o resultado de um ato de enunciação do que uma configuração morfológica de
encadeamentos de elementos lingüísticos, embora ele se dê na manifestação
lingüística. É uma materialidade de sentido. De certo modo a opacidade histórica e
lingüística do texto é explicada por uma teoria do discurso, da língua, do
inconsciente e da ideologia, articulados sistematicamente. (Marcuschi, 2002:4)
43
Ao escolher a mídia impressa para analisar o discurso político, tem-se em vista que o
meio não é neutro e determina, em grande parte, a forma e o conteúdo daquilo que se diz (e do
que não se diz) a respeito do assunto. Para Maingueneau (2002:71-2), o mídium não é apenas
o transmissor de um texto, na medida em que ele “imprime um certo aspecto a seus conteúdos
e comanda os usos que dele podemos fazer. O mídium não é um simples ‘meio’, um
instrumento para transportar uma mensagem estável: uma mudança importante do mídium
modifica o conjunto de um gênero de discurso.
Travaglia explicita que uma das questões a serem colocadas nos trabalhos sobre humor
é “O que é engraçado?”. Assumindo uma postura discursiva do fenômeno, poderíamos ir mais
longe: O que é engraçado nesta situação? Tal mudança não representa apenas um simples
acréscimo de palavras, mas representa a visão do humor como discurso e, como tal, inserido
em uma sociedade e muito mais dependente das situações de produção, sujeitos, contextos, do
que de propriedades lingüísticas particulares. O humor encontra-se, dessa forma, no mundo da
argumentação e busca desvendar a verdade:
Assim, por exemplo, as formações discursivas da Análise do Discurso podem ajudar
a explicar através do plano histórico-social certos fatos do humor ético tais como o
estabelecimento cômico de certos pré-juízos ou preconceitos, como aqueles
circulantes no Brasil sobre algumas etnias. (op.cit,1990:62)
O lingüista ressalta em seus estudos a existência de duas possibilidades básicas na
relação entre Lingüística e humor: (i) o objeto de estudo é a língua e não o humor, (ii) o objeto
de estudo é o humor e não a língua. Num e noutro caso, um é subsídio do outro. (Travaglia,
1995:42)
Na construção do discurso do humor, Possenti (2000:20), chama a atenção para o fato
de que só há piadas sobre temas absolutamente controversos. E nenhum assunto é mais
controverso do que a política. Principalmente quando o momento político retratado interfere
de maneira abrupta na vida das pessoas.
Outro aspecto importante destacado por Possenti (op.cit.:26) é que a piada funciona
como o “veículo de um discurso proibido, subterrâneo, não oficial”. Em uma época de grandes
incertezas políticas, como o período ditatorial, as crônicas de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio
Porto), por exemplo, publicadas no jornal Última Hora, na década de 60, representam o canal
que permite a sondagem mais crítica de um tema polêmico e que não favorecem muita
abertura para ser discutido.
44
O lingüista assevera que as piadas podem veicular também discursos não esclarecidos:
As pessoas casam por interesse (e não por amor), os governantes são ridículos (e
não competentes e dedicados), os professores são incompetentes (e não dedicados e
sábios), os padres e as freiras violam seus votos (ao invés de lutarem para mantê-
los), as línguas são cheias de ambigüidades (e não códigos que servem para a
comunicação eficiente e a expressão clara do pensamento) etc. (Possenti,2000:26)
Quando Henri Bergson propôs sua teoria, tomando como base o automatismo ou
enrijecimento presente nos personagens representados na comédia, na farsa e na arte do bufão,
orientava-se simultaneamente para uma definição do cômico e seus processos de produção e
para a descoberta da intenção social do riso. Entretanto, não dedicou à linguagem como
produtora de comicidade senão uma análise relativamente breve, na qual, inclusive, atribui-lhe
papel secundário. A comicidade da linguagem deve corresponder, ponto por ponto, à
comicidade das ações e das situações e ela não passa da projeção delas no plano das palavras.
(Bergson 2004: 76-82).
Para o filósofo as mesmas leis que caracterizam o cômico de ações e de situações
circunscrevem o cômico das palavras. Assim, o mecânico sobreposto ao vivo, ou seja, a
rigidez, que é a sua lei fundamental para que o humor ocorra, também pode estar presente na
linguagem. O pronunciamento automático de uma frase, a repetição de frases feitas e
estereotipadas é motivadora para criar um personagem risível, por exemplo.
Outro referencial para melhor compreensão de tal temática, encontramos no pensador
Vladímir Propp, que procurou retratar o cômico a partir de uma análise da literatura e do
folclore russos, preocupando-se, assim, com aspectos lingüísticos da comicidade e do próprio
riso com suas formas de exteriorização de significados.
Ao tratar das causas que suscitam o riso, o estudioso identificou os instrumentos do
discurso humorístico encontrados na língua. Ele afirma que a língua em si não é cômica.
Porém quando a língua reflete defeitos do raciocínio de quem fala, será cômica. Diz que ela
“constitui um arsenal muito rico de instrumentos de comicidade e zombaria”(Propp,
1992:119).
Possenti também investiga os mecanismos de produção do humor no campo da
linguagem e afirma que o cômico do enunciado é a organização lingüística, o processo e os
meios de construção do texto. Assim, é o aspecto lingüístico que irá ditar o tom jocoso ou
sério do texto, como explica o lingüista na seguinte passagem:
Então eu pude lhe dizer que certamente ele tinha entendido em que consistia meu
trabalho, isto é, o que eu gostaria de fazer analisando piadas: descrever as chaves
45
lingüísticas que são o meio que desencadeia nosso riso. Porque, como sabiamente
Freud já assinalou, o chiste consiste fundamentalmente numa certa técnica, na
forma, e não no conteúdo ou num sentido. (Possenti, 2000:17)
Além dessas características, o lingüista aponta outros fatores que são relevantes para
que as piadas ou o humor se tornem objeto de análise dos lingüistas: exploram os campos da
fonologia, morfologia, sintaxe e variação lingüística.
O objetivo de Possenti (2000) ao trabalhar com as piadas, mostrando que são dados
privilegiados para a lingüística, é provar que elas mostram claramente que as línguas não são
estruturas acabadas, isto é, não é verdade que nelas tudo é opositivo e distintivo; pelo
contrário, seu funcionamento exige uma contínua inter-relação entre fatores de ordem
gramatical e fatores de ordem cultural, ideológica, cognitiva e etc.
No conjunto dos elementos levantados por Possenti, um aspecto desperta a atenção: o
problema da ambigüidade como função do humor. O autor ressalta que a questão de utilizar o
material lingüístico – a palavra – para aguçar o riso, no humor, é bastante sofisticada e diz
ainda que o humor pode, também ser gerado pela dupla interpretação de uma seqüência. Essa
seqüência não precisa ser necessariamente ambígua e às vezes essa ambigüidade será
pragmática, ou seja, depende do contexto que acionamos para interpretá-la. Outro fator que
gera o humor tem base na ignorância de uma palavra da qual o personagem envolvido deveria
ter conhecimento, mas demonstra em sua fala não ter. Não há uma sintonia entre o
conhecimento apresentado e o esperado para a situação, e esta falta de conhecimento
compartilhado constitui o humor. (op.cit.:80-1)
Possenti (op.cit.:20-1) afirma que não existe uma "lingüística do humor". Para isso, ele
aponta três razões:
a) não há uma lingüística que tenha tomado por base textos humorísticos para tentar
descobrir o que faz com que um texto seja humorístico, do ponto de vista dos
ingredientes lingüísticos;
b) no caso de se concluir que o humor não tem origem lingüística, que ele não é da
ordem da língua, não há uma lingüística que explicite ou organize os ingredientes
lingüísticos que são acionados para que o humor se produza;
c) não há uma lingüística que se ocupe de decidir se os mecanismos explorados para
a função humorística têm exclusivamente essa função ou se trata do agenciamento
circunstancial de um conjunto de fatores, cada um deles podendo ser responsável
pela produção de outro tipo de efeito em outras circunstâncias ou em outros gêneros
textuais.
46
Para Possenti (2000:22- 3), a preocupação da lingüística deve ser a de perceber os
efeitos do humor e explicar como eles se realizam verbalmente. Cabe, dessa maneira, à teoria
lingüística “ a descrição dos gatilhos e das razões que fazem um texto ser compatível com
mais de um script”.
Na verdade, Possenti baseia seu estudo nas teorias de Raskin que em 1985 propõe a
teoria semântica do humor. Suas investigações foram um marco na área da lingüística.
Raskin, em relação aos estudos do cômico,
lamenta que a lingüística dedicada ao humor continue sendo a velha lingüística da
palavra, agora que se tem até uma lingüística do discurso, apta a explicar muito
melhor numerosos chistes, em especial os que se sustentam em pressuposições,
inferências, implicaturas, estratégias conversacionais etc. Não lhe falta razão ao
criticar a pouca mobilização da lingüística na análise de textos humorísticos. No
entanto, há vários tipos de chistes baseados em palavras, e não apenas em
ambigüidade ou em associações possibilitadas por pequenas diferenças no
material verbal. (Raskin, apud Possenti 2000:80).
O estudioso salienta que seu trabalho consiste numa abordagem ao humor verbal e que
“no humor verbal o estímulo é sempre um texto”
24
(Raskin, 1985:6). Formula uma primeira
equação, digamos assim, que deixa mais ou menos clara a perspectiva teórica com que
trabalha: uma semântica que não dispensa informações de ordem social e psicológica.
Vejamos como se equaciona sua teoria:
HU ( F, O, E, Ex, P, S, So )= X
Identificando cada elemento participante da equação que promove uma realização bem
sucedida num texto de humor, temos: HU como sendo o humor, F, o falante, O, o ouvinte, E,
o estímulo, Ex, a experiência, P, o psicológico, S, a situação, So, o social; que resultaria no
enunciado característico do humor ( X )
25
(Raskin, 1985:6).
Seu raciocínio mostra que para efeito humorístico, o texto precisa apresentar vários
níveis de informação: as experiências do falante e do ouvinte, a situação que os envolve, o
estímulo para o jocoso e as questões sociais e psicológicas que rodeiam o ato comunicativo.
Se um desses quesitos estiver em discrepância, o ato de humor não será bem sucedido.
24
…in verbal humor, the stimulus is always a text.
25
HU ( S, H, ST, Eh, Ph, SI, SOh )= X
47
Os estudos de Raskin concebem o humor como um ato comunicativo cujos
participantes têm uma relevância significativa. Diferentemente de outras situações
comunicativas, num contexto jocoso tanto o falante quanto o ouvinte estão empenhados no
modo de comunicação humorístico, ou seja, quando o primeiro procede deliberadamente à
produção, ou transmissão, de um texto risível, o segundo está receptivo a esse enunciado.
(op.cit.:103).
O discurso humorístico não é simplesmente a negação da comunicação dita séria:
apresenta, ao contrário, um princípio de cooperação dos envolvidos no ato comunicativo.
O princípio da cooperação a que Raskin faz referência foi desenvolvido por Grice e
consiste no seguinte: “Faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no
momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que
você está engajado” (Grice,1982:86).
Grice explica que, em nossos diálogos, não falamos coisas desconectadas, pelo
contrário, fazemos esforços cooperativos para entendermos e nos fazermos entendidos na
conversação, que envolve propósitos comuns entre os participantes.
Para ser cooperativo, o falante, então, deve seguir quatro regras básicas, chamadas por
Grice de máximas ( quantidade, qualidade, relação e modo ). A obediência a essas regras seria
a garantia de que o falante está sendo cooperativo. Porém, o falante pode, deliberadamente,
violar uma das máximas e ainda assim ser cooperativo, pois ele se utiliza das máximas como
um recurso para transmitir algo que está além do que é convencional. Nesse caso, são geradas
implicaturas na conversação, exigindo inferências do ouvinte para deduzir a intenção do
falante. Quando isso ocorre, são comunicadas muito mais informações do que está dito,
exigindo mais esforço do ouvinte. A violação de uma das máximas é um recurso de
construção do humor.
Os estudos de Raskin (1985:51-8) descrevem também a competência humorística do
falante nativo, ou seja, assim como um falante nativo sabe usar seu conhecimento sintático
intuitivo para avaliar as questões gramaticais da frase, ele saberá se um texto pertence ou não
ao conjunto de textos humorísticos.
26
O autor toma como fundamental o efeito do contexto na interpretação do texto
(op.cit.:63) e baseia-se na noção de script. Nas palavras do autor “o script é um grande pilar
de informações semânticas que rodeiam ou evocam a palavra”(op. cit.:81).
27
26
(…) to distinguish a joke from a non-joke.
27
(…) the script is a large chunk of semantic information surrounding the word or evoked it (…)
48
Segue suas explicações pressupondo o texto humorístico como composto por dois
scripts que, apesar de necessariamente distintos e opostos, são compatíveis. O script ou roteiro
define-se como um feixe de informações sobre um determinado assunto ou situação, como
rotinas consagradas e modos difundidos de realizar atividades, consistindo numa estrutura
cognitiva internalizada pelo falante que lhe permite saber como o mundo se organiza e
funciona. Tais informações apresentam-se em seqüências tipicamente estereotipadas,
predeterminadas, e, como tais, além de serem objetos cognitivos, os scripts estão intimamente
relacionados a itens lexicais e podem ser por eles evocados.
Apesar de estabelecer uma distinção entre os scripts dependentes de informação
puramente lingüística (conhecimento lexical) e aqueles que dependem de informação
enciclopédica (conhecimento de mundo), apresenta-os indistintamente como ligados por elos
de natureza semântica, formando redes. A partir daí, propõe que um texto pode ser
caracterizado como humorístico se, como já foi dito, for compatível, integral ou parcialmente,
com dois scripts que se oponham em um sentido especial, como por exemplo: real/não-real,
bom/mau, não-sexual/sexual etc.
A noção de script é fundamental para a compreensão da teoria do humor desenvolvida
por Raskin. De acordo com Attardo (1994:198), define-se script como
uma porção organizada de informação a respeito de alguma coisa ( no sentido mais
amplo ). É uma estrutura cognitiva internalizada pelo falante, que lhe proporciona
informação sobre como as coisas são feitas, organizadas, etc.
28
Numa certa situação discursiva, a ativação de um script, evocado por uma palavra ou
conjunto de palavras, permite facilmente fazer inferências e estabelecer ligações de modo a
reconstruir o sentido pretendido pelo locutor.
Raskin, na tentativa de estabelecer uma teoria semântica baseada em scripts para
estudar o humor, define-o como um ato de comunicação non-bona-fide; isto é, a função do
humor não seria, necessariamente, a de fornecer informação, mas principalmente brincar,
inverter, “transgredir” as normas lingüisticamente, pragmaticamente e socialmente
estabelecidas
28
an organized chunk of information about something (in the broadest sense). It is a cognitive structure
internalized by the speaker which provides the speaker with information on how things are done, organized, etc.
49
Suas investigações preconizam um conjunto de condições ditas “necessárias e
suficientes”
29
(op.cit.: 99) que a estrutura semântica de um texto deve satisfazer para ser
caracterizado como humorístico:
Um texto pode ser caracterizado como carregado de humor se duas condições são
preenchidas.
(i) O texto é compatível em parte ou na totalidade, com dois scripts diferentes
(ii) Os dois scripts com quais o texto é compatível são opostos. (op.cit.:99)
30
A sobreposição de scripts é importante nessa teoria. Isto configura-se da seguinte
maneira: na combinação dos scripts presentes em um enunciado humorístico é possível
observar que uma parte do texto é compatível, no todo ou em parte, com mais de uma
possibilidade de leitura. O efeito chistoso acontece com a mudança de um script para outro,
por meio de um “gatilho
31
, um elemento que obriga a um redirecionamento da interpretação
do enunciado (op.cit.:114-7). Este operador toma normalmente uma das duas formas:
ambigüidade ou contradição.
Em relação à ambigüidade, Raskin faz referência a três tipos: a lexical (onde estariam
presentes a homonímia e a polissemia), a sintática e a fonética.
Seguindo a teoria da cooperação em conjunto com a teoria dos scripts, temos a
caracterização de um ato humorístico de sucesso.
3.1 Mecanismos
32
lingüístico-discursivos de produção do humor
Com base nos estudos de Bergson, Propp, Travaglia e Possenti, faremos um
levantamento dos mecanismos lingüístico-discursivos para a construção do humor.
29
(…) is proposed as the necessary and sufficient conditions for a text to be funny.
30
A text can be characterized as a single-joke-carrying text if both of the conditions in are satisfied.
(i) The text is compatible, fully or in part, with two different scripts
(ii) The two scripts with which the text is compatible are opposite(…)
31
Raskin chamou de script-switch trigger
32
Vale ressaltar o cuidado com o uso do vocábulo “mecanismo”, porque pode sugerir algo mecânico, uma
“receita” para o acontecimento do humor. O termo deve ser visto, então, como a tentativa de delimitar os
processos lingüístico e discursivo escolhidos pelo autor e utilizados no texto que são determinantes para que o
sentido humorístico seja deflagrado.
50
Salientamos que os instrumentos da língua motivadores do humor, propostos por
Raskin, já foram esclarecidos dentro desse capítulo, portanto acreditamos ser desnecessário
retomá-los.
3.1.1 Bergson
Segundo Bergson (2004), as estratégias discursivas mais empregadas na construção do
cômico são:
1. a repetição de situações, de comportamentos, de atitudes e de palavras, ou seja, uma
combinação de circunstâncias que volta tal e qual várias vezes, interrompendo o
percurso natural da vida;
2. a referenciação ou a alusão ao que não é do conhecimento de todos;
3. a reversibilidade, isto é, a inversão de papéis, de situações;
4. a ruptura com as expectativas sociais gerando a transgressão de gêneros, de
convenções, a falta de jeito, a inflexibilidade;
5. a ironia deflagrada pela oposição na apresentação do que é no lugar daquilo que
deveria ser;
6. o exagero na imitação dos personagens, das situações, criando a caricatura e a paródia;
7. a exibição da casualidade, dos revezes da sorte, das incoerências inerentes à vida;
8. o qüiproquó, ou seja, a superposição e interferência de duas ordens de fatos, de dois
planos de realidade que permitem interpretações diversas
9. a exibição do grotesco, do simplório, do grosseiro.
Nessas situações, o que de fato ocorre, segundo Bergson, é a presença constante de
um mesmo objeto: dá-se “aquilo que chamamos de uma mecanização da vida”.
3.1.2 Propp
Propp cita alguns recursos lingüísticos provocadores de riso. Isto pode estar
configurado para o ser humano por meio de uma relação entre exagero e obviedade;
semelhança e diferença; na imitação pela paródia; no homem com aparência de animal ou de
objeto e, ordinariamente, na zombaria-sátira entre sujeitos.
51
Entre esses recursos, destacam-se:
1. trocadilho
Propp explica que o trocadilho ou jogo de palavras ou calembur emprega palavras
semelhantes no aspecto fônico, mas diferentes no sentido. O riso será suscitado quando o
sentido entendido pelo interlocutor é derrubado por outro mais consistente:
Além de brincadeira inocente e bem-humorada, o calembur pode tornar-se uma
arma afiada e extremamente eficiente. Como outros aspectos do uso de zombaria,
ele é capaz de “podar” uma pessoa. Se for dirigido contra algo que não merece o
escárnio, ele é deslocado e adquire um caráter ofensivo. Por este motivo, alguns
teóricos e estudiosos têm visto o calembur como algo negativo e mesmo
depreciativo. Assim, o filósofo Kuno Fischer diz que ao calembur “falta o órgão do
respeito”. Hecker acha que o calembur carece da participação no sentido moral.
Mesmo Goethe afirma em seus aforismos: “Ser espirituoso não é absolutamente
uma arte se não sentes respeito por coisa alguma”.
O calembur, conforme indicam os materiais que reunimos, não pode ser, entretanto,
nem moral nem imoral em si mesmo: tudo depende do modo como ele é
empregado, do alvo que ele visa. O calembur dirigido contra os aspectos negativos
da vida torna-se uma arma de sátira afiada e precisa. (Propp, 1992:122-123)
2. paradoxo
O paradoxo, segundo Propp, aproxima-se do trocadilho e é construído na contradição
entre sujeito e predicado ou numa estrutura em que a definição contradiz o que deveria ser
definido.
3. exagero
O cômico explora o exagero para explicitar o ridículo expresso na figura humana.
Assumindo essa perspectiva, Propp afirma que existem três formas de exagero que produzem
o efeito cômico: a caricatura, a hipérbole e o grotesco.
(i) A caricatura teria a função de captar a falha imperceptível e
ressaltar um pormenor que demarca um alvo de crítica. Entretanto,
alguns pontos positivos sobre a imagem construída são
resguardados.
(ii) b) A hipérbole é uma variedade da caricatura que ressalta
exageradamente os aspectos negativos, não aproveitando nenhum
aspecto positivo. Ela pode ser tanto heroizante como depreciativa.
Geralmente, ela é utilizada como pilhéria com objetivos satíricos.
52
(iii) c) O grotesco consiste na forma mais extremada de exagero; ele
aumenta o alvo do relato em uma proporção monstruosa. O grotesco
explora construções artificiais e fantásticas, ocultando os princípios
espirituais para produzir o distanciamento da realidade imediata. Tal
elaboração é a forma preferida de comicidade manifestada pela
cultura popular.
4. sátira – zombaria
Num primeiro momento Propp (1992:28) revela que um dos tipos mais comuns de riso
é o ‘riso de zombaria’:
Entre todos os possíveis aspectos do riso nós escolheremos apenas um, para
começar. E este será o riso de zombaria. Justamente este e, conforme foi visto,
apenas este aspecto do riso está permanentemente ligado à esfera do cômico. Basta
notar, por exemplo, que todo o vasto campo da sátira baseia-se no riso de zombaria.
E é exatamente este tipo de riso o que mais se encontra na vida.
5. caricatura
Propp (1992: 88-9) também a destaca como um recurso da comicidade:
Toma-se um pormenor, um detalhe; esse detalhe é exagerado de modo a atrair para
si uma atenção exclusiva, enquanto todas as demais características de quen ou
daquilo que é submetido à caracterização a partir desse momento são canceladas e
deixam de existir. A caricatura de fenômenos de ordem física ( um nariz grande,
uma barriga avantajada, a calvície ) não se diferencia em nada da caricatura de
fenômenos de ordem espiritual, da caricatura dos caracteres.
Ela é facilmente observada na atualidade ao nos depararmos com a seção de charges
em um jornal impresso. Geralmente, personagens políticos são alvos fáceis de tal comicidade.
As formas de suas faces são representadas no desenho, muitas vezes, com deformidades,
ressaltando detalhes exagerados e revelando, assim, um defeito oculto ou mesmo já conhecido
pela maioria da população.
3.1.3 Travaglia
Travaglia (1992:57) propõe categorias que provocam o humor. Adverte, porém que
elas não são humorísticas por si, pois podem ser usadas em situações “dignas de pena, de
causadoras de revolta, etc.” O que as torna humorística é a
53
existência de uma situação enunciativa classificada como humorística,
conscientemente pelos interlocutores e que deflagra ‘algo’ que aquilo que é dito ou
acontece seja risível. Este algo é a sintonização de emissor e receptor com o humor
ativando o que podemos chamar de ‘scripts’ ou ‘frames’ humorísticos que são uma
espécie de veio humorístico, de suportes convencionais do humor. (op.cit.:57)
.
Travaglia agrupa essas categorias em dois grupos: o dos scripts e o dos mecanismos
em níveis fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático, textual e/ou discursivo e
sociolingüístico.
O grupo dos scripts abarca os seguintes elementos:
1. Estupidez: o personagem tem dificuldades em perceber as coisas, deixa-se “apanhar e
assim se mostra tolo.”(op.cit.,1992:58)
2. Esperteza, astúcia: o personagem é esperto e tem sempre sucesso nos conflitos.
3. Ridículo: o personagem leva ao exagero o que é natural, ou seja, “é uma certa
inadequação criada pelo exagero.”(op.cit.:58)
4. Absurdo: o personagem contraria o senso comum, as regras e a razão. A característica
do absurdo “é a fuga às evidências estabelecidas.” (op.cit.:58)
5. Mesquinhez: o personagem mostra-se sovino, avaro e mesquinho.
No grupo dos mecanismos encontramos as seguintes categorias:
1. Cumplicidade: o leitor/ouvinte participa, envolve-se, é cúmplice das ações e das idéias
do personagem.
2. Ironia: apresentação de uma enunciação que sugere o seu oposto. Por representar “uma
transposição do ideal (o que se deseja) para o real (o que realmente temos)” (op.cit:59)
produz um humor carregado de amarguras.
3. Mistura de lugares sociais ou posições de sujeito: o indivíduo assume uma posição ou
um lugar social que não é o seu.
4. Ambigüidade: um recurso básico no humor, tanto que outros estudiosos citam-na em
seus trabalhos. Assim, é o que Bergson (2004) chama de “interferência recíproca de
séries”, Raskin (1985) teoria dos dois scripts e Travaglia (1990) de bissociação. “A
principal fonte da ambigüidade está nas formas lingüísticas e pode ocorrer nos
diferentes níveis: lexical, morfológico e sintático.”(op.cit.: 60)
5. Estereótipo: características próprias de um grupo que podem ser caricaturadas pela
lingüística, pelo vestuário, pelos gestos, pelas atitudes e pelos comportamentos do ser
54
humano. “O estereótipo no humor é sempre usado com uma dimensão negativa, pois o
riso advém da desvalorização social, do estigma que faz uso do estereótipo algo
ridículo.” (op.cit.:61)
6. Contradição: uso de dois elementos que se opõem e se contradizem.,como: negação
verbal do óbvio da situação e falar uma coisa e fazer outra. Bergson e Freud chamam-
na de inversão.
7. Sugestão: proposição do que é indizível em determinada situação ou para algumas
pessoas, segundo normas sociais.
8. Descontinuidade ou quebra de tópico: no desenvolvimento de uma conversação, um
dos falantes muda de assunto sem nenhuma razão lógica.
9. Paródia: alude ao original ridicularizando-o, isto é, freqüentemente, “a paródia lança
mão apenas da forma de um texto e altera o conteúdo para criticar não o texto fonte,
mas qualquer elemento da sociedade.”(op.cit.:63) A diferença entre a paródia e a
alusão reside nessa explicação, ou seja, a primeira busca os traços formais do original
e a segunda o seu conteúdo.
10. Jogo de palavras: uso de termos de sentido diferente numa determinada enunciação.
Para tanto, recorre-se à homonímia, polissemia e semelhanças fônicas.
11. Quebra-língua: seqüência de palavras com dificuldades articulatórias para o falante.
“Faz rir porque leva ao ridículo do erro e da incompetência” (op.cit.:64)
12. Exagero: sobrecarga no dizer (utilizando-se a repetição, a redundância e o pleonasmo)
ou fazer algo (resultando na caricatura).
13. Desrespeito a regras conversacionais: rompimento da estrutura conversacional,
desconsiderando-se, por exemplo, os marcadores conversacionais e a tomada de turno.
14. Observações metalingüísticas: sátira aos elementos da própria enunciação.
15. Violação de normas sociais: depreciação do comportamento que contraria o
estabelecido pela sociedade. “Essa forma de humor decorre de um dos objetivos
básicos do humor: o de contestar, romper a estrutura social vigente.”(op.cit.:65)
Observamos que os scripts recorrem sempre a algum dos tipos de mecanismo, mas o
oposto não acontece, ou seja, há mecanismos que não trazem exemplo de nenhuma forma de
script.
Salientamos que o lingüista baseou seus estudos sobre as categorias que caracterizam o
humor em programas humorísticos de televisão, por isso analisamos se eles seriam aplicáveis
55
a textos escritos. Excluindo o mecanismo do quebra-línguas, por prestar-se unicamente à
língua oral, o resultado foi positivo.
3.1.4 Possenti
Possenti (2000:27) explica que a piada seria um texto que usa mecanismos lingüísticos
para provocar dois cenários possíveis. Inicia dentro de um escopo e, ao final, evidencia outro.
O cenário incongruente é o que provocaria humor. Ao lingüista caberia a tarefa de evidenciar
tais mecanismos, por mais óbvios que eventualmente possam parecer (tarefa que, na opinião
do lingüista, nem todos os estudiosos do tema fazem). A “explicação” de uma piada
envolveria vários domínios da lingüística: fonológico, morfológico, lexical, dêixis, sintaxe,
pressuposição, inferência, conhecimento prévio e variação lingüística.
1. Fonológica
- Ave, Eva!
- Ave, Adão!
Existem duas possibilidades de leitura da expressão “Ave, Adão”: a primeira é as duas
palavras podem ser lidas separadamente indicando uma saudação ou alternativamente
serem lidas unindo parte da palavra “ave” (“ve”) com a palavra “Adão”. Como resultado a
palavra poderia ser lida “Ah! Viadão”. Podemos verificar que caberia classificar essa piada
como morfológica também, na medida em ocorreu a divisão de palavra.(cf. Possenti, 2000)
2. Morfológica
- Já comeu maracujá?
- Mara, não.
Aqui temos uma outra seqüência na palavra “maracujá” que ao ser dividida em “Mara
cu já” permite uma outra interpretação. O humor está presente pela ambigüidade tanto na
pronúncia, quanto na escrita da palavra “maracujá”.
3. Lexical
- Eu nasci naquela casa.
- Eu nasci no hospital.
- Por quê? Você estava doente?
56
Em primeiro lugar é preciso notar que a palavra “hospital” aciona para cada
interlocutor um “frame” diferente. A comicidade reside na diversidade de significação do
vocábulo “palavra”, pois enquanto para algumas pessoas nascer em hospital é normal, para
outras, hospital é um lugar para doentes.
4. Metalingüística
- Quem fala errado? Cebolinha ou Mônica?
- Cebolinha.
- Não. Esse fala “elado”.
O texto produz humor pela seguinte característica: o ouvinte é levado a pensar que a
pergunta é “quem fala palavras que estão fora da norma padrão”. Mas descobre-se, depois,
que a pergunta incindia sobre a palavra “errado”.
5. Sintática
- Sua mãe tá aí. Você não vai receber?
- Receber por quê? Por acaso ela me deve alguma coisa?
O cômico nesse enunciado é deflagrado por duas possibilidades de complemento ao
verbo “receber”. Primeiro lemos o texto como se ele tivesse o sentido de “você não vai
receber sua mãe?” Aqui o complemento do verbo “receber” é “sua mãe”. Numa segunda
leitura, teríamos o sentido de “você não vai receber o que sua mãe lhe deve?” Então, o
complemento do verbo “receber” passa a ser “um objeto”ou “dinheiro”.
6. Sociolingüística/ Variação lingüística
Domingo à tarde, o político vê um programa de televisão. Um assessor passa por
ele e pergunta:
- Firme? O político responde:
- Não. Sírvio Santos.
O humor nesse chiste está nos dois sentidos que a palavra “firme” denota: num tem o
significado de cumprimento informal ( você está firme, vai tudo bem?) e noutro funciona
como variante popular de ‘filme”.
7. Inferência
- Que mulher feia!
- Que homem bêbado!
57
- Mas amanhã eu tô bom!
O leitor desse texto deve concluir que a bebedeira é passageira, enquanto a feiúra da
mulher é para sempre. Estas informações, ainda que pareçam óbvias, não estão explícitas no
enunciado, exigindo a inferência do leitor/ouvinte.
8. Pressuposição
- Preciso de um emprego. Tenho 15 filhos.
- E o que mais o senhor sabe fazer?
O mecanismo lingüístico que marca o humor nesse texto é a partícula “mais”
introdutora da seguinte pressuposição: fazer filhos deve constar no currículo de quem procura
emprego.
9. Tradução
- Un cannibal, c’est une persone qui va au restaurant et commande...un
garçon.
33
Possenti (2000:35) explica que o texto é impedido de ser traduzido pelo “fato de que o
verbo francês commander não tem equivalente exato em português. A tradução depende da
explicação de que o canibal vai ao restaurante e chama um garçom ou pede um garçom.
10. Contra- ideologia
- É verdade que você é solteiro?
- É. Eu não tenho mulher.
- Então quem é que manda em você?
O aspecto humorístico encontra-se na segunda pergunta feita pelo autor/falante em
função do script de que todo homem é mandado por uma mulher.
11. Dêixis
Duas “Cobras” olhando o céu, numa noite estrelada:
- Como nós somos insignificantes!
- Você e quem? (L.F.Veríssimo)
33
Um canibal é uma pessoa que entra num restaurante e pede/chama um garçom.
58
A causa motivadora da derrisão no enunciado está no uso do termo “nós”, que é
ambíguo, pois existem duas possibilidades de serem os participantes de “nós”, o falante e o
ouvinte e o falante e um terceiro envolvido.
14. Conhecimento prévio
- Sabe quais são as comidas preferidas do Collor?
- Quais?
- Antes das eleições, lula e truta. Depois das eleições, tubarão e polvo.
O entendimento do texto exige que o leitor/ouvinte faça uma investigação lexical das
palavras envolvidas e obtenha conhecimentos sobre as eleições de 1989. Só então conseguirá
interpretar o enunciado que diz que o Collor “ ‘papou’ Lula e esteve metido em alguma truta;
depois ‘ferrou’ tanto os ricos quanto ao povo.”
Como o autor já nos havia alertado, sua classificação pretende abarcar, além dos níveis
lingüísticos, outros mecanismos que são mobilizados nas piadas. Também, embora o gatilho
das piadas se dê ao nível lingüístico, fica claro para o leitor que a interpretação destes textos
não pode se basear apenas nesse critério, isto é, os limites do lingüístico são extrapolados e o
discurso intervém para que possamos compreender o efeito de sentido que a piada quer criar.
59
4. ANÁLISE DO CORPUS
Como já foi exposto, o humor pode ser estudado sob várias perspectivas teóricas que
se influenciaram mutuamente. Nesses caminhos pluridisciplinares que permearam as
investigações sobre o humor, a lingüística pode somar valiosas contribuições. O corpus
delimitado por esse estudo é significativo: primeiro pelo discurso crítico que veicula e
segundo por marcar o processo de desqualificação de um político.
Antes de iniciarmos a análise, gostaríamos de esclarecer dois pontos. Primeiro que os
textos não foram analisados a sua exaustão, pois as estratégias do humor que muitas vezes são
repetitivas, acabariam por tornar o estudo dos enunciados redundantes. Assim, procuramos
selecionar nos textos as categorias lingüístico-discursivas do humor mais expressivas.
Observaremos, por isso, que alguns textos são mais explorados na análise que outros.
O segundo ponto refere-se à questão do gênero que não é uma prioridade em nosso
trabalho, por isso não pretendemos aqui investigar todas as teorias existentes, apenas situar o
leitor, resumidamente, em relação aos principais expoentes sobre duas propostas: o gênero
jornalístico e o gênero textual.
Os gêneros jornalísticos sofrem influência direta da cultura em que se inserem, seja
local ou em um tempo diferente. O jornalismo é um fenômeno cuja natureza é o efêmero, o
provisório e o circunstancial. (Melo, 1992:13).
Posicionando-se em uma perspectiva mais descritiva (mas ainda assim com categorias
a priori), Melo (op.cit.:45-8) classifica os gêneros com base nas trocas sociais
jornal/sociedade. Adota dois critérios para sua classificação:
1. a intencionalidade presente nos relatos que, para ele, se mostra no jornalismo de duas
formas:
(i) como tentativa de reproduzir o real;
(ii) como tentativa de ler o real
2. a natureza estrutural do relato que, segundo Melo, mostra duas categorias de textos:
(i) o jornalismo opinativo (regido pelas variáveis autoria [opinião] e
angulagem [perspectiva temporal e espacial]);
(ii) o jornalismo informativo (regido pelas variáveis imediatismo [eclosão e
evolução do/s acontecimento/s] e mediação [relação entre jornalista e
protagonista/s].
De acordo com Melo (1985:61), “gênero jornalístico é o conjunto das circunstâncias
que determinam o relato que a instituição jornalística difunde para o seu público”. O autor
afirma que os gêneros jornalísticos existentes são:
60
a) Jornalismo Informativo:
- Nota, Notícia, Reportagem e Entrevista.
b) Jornalismo Opinativo:
- Editorial, Comentário, Artigo, Resenha ou Crítica, Coluna, Crônica, Caricatura e
Carta.(op.cit.:61)
Numa perspectiva classificatória um pouco diferente, Marcuschi (2002) propõe que o
gênero jornalístico abarque os seguintes domínios discursivos
34
: editoriais, notícias,
reportagens, artigos de opinião e entrevistas. Segundo ele, é “uma proposta altamente
provisória e até mesmo questionável”, pois, como sabemos, toda tentativa de classificação se
revela, em algum momento, falha.
O autor não subdivide o gênero jornalístico em informativo e opinativo, porque todo
texto traz, ainda que de forma implícita, a voz do seu interlocutor.
Marcuschi, bem como muitos outros autores, em vários de seus textos, afirma que nós
falamos, nos comunicamos, interagimos através de textos. Seria, então, razoável dizer que não
falamos ou escrevemos qualquer texto, para qualquer audiência, em qualquer situação
comunicativa. Quando falamos ou escrevemos, sabemos que o nosso texto “tem” que se
adequar ao nosso interlocutor, à situação sócio-interativa e à prática social em que nos
encontramos e é justamente aí que entram os gêneros. Os textos que produzimos encontram-
se, de alguma forma, relacionados com outros, partilhando conteúdos, semelhanças
composicionais e, até mesmo, coerções sociais afins. Isso acontece porque, dependendo da
prática social em que estamos envolvidos, não utilizaremos indiferentemente uma receita ou
um artigo científico para interagir com o outro, isto é, a posição discursivo-enunciativa em
que nos encontramos vai determinar e vai ser determinada pelo gênero.
Ainda segundo ele, os gêneros textuais estão classificados em um contínuo tipológico,
assim como a fala e a escrita, no qual os textos se distribuem de acordo com as condições de
produção e o grau de formalidade existente entre eles:
Trata-se de textos orais ou escritos materializados em situações comunicativas
recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida
diária com padrões sócio-comunicativos característicos definidos por sua
composição, objetivos enunciativos e estilo concretamente realizados por forças
históricas, sociais, institucionais e tecnológicas. Os gêneros constituem uma
listagem aberta, são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam
em designações tais como: sermão, carta comercial, carta pessoal(...) e assim por
diante. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis,
histórica e socialmente situadas. (op.cit:2002:11-12)
34
Marcuschi utiliza o termo domínio discursivo para denominar esse espaço sócio-discursivo em que os gêneros
se encontram.
61
Seguindo a proposta de Marcuschi, os textos que compõem o corpus para análise estão
assim classificados quanto ao gênero:
QUADRO 2 – Distribuição dos gêneros
FASES TEXTOS GÊNEROS
‘Católico roxo’, eleito personifica baixo clero Artigo de opinião
A apoteose dos ‘outros Severinos’ Comentário
Severino dá três versões para vaias em 2 horas Reportagem
Eleição
Reação à pizza provoca bate boca no plenário Notícia
Em nome do macho Artigo de opinião
Agora lascou! Severino recebe gorjetão! Crônica
Fiéis rezam pelo futuro de deputado Reportagem
Suspeição
Cazuza canta Severino Artigo de opinião
“Mensalinho” derruba o “rei do baixo clero” após sete meses Notícia
Buchada de bode é prato principal no ‘último almoço’ Notícia
Renúncia
Buemba? CPI serve chá com porrada Crônica
Observamos que os gêneros dos textos são diversificados, como já explicitado o
motivo, mas tentou-se mesclá-los dentro de cada fase.
62
Grupo 1: TEXTOS DA FASE DA ELEIÇÃO (fevereiro a agosto de 2005)
Neste período, Severino Cavalcanti é eleito, para surpresa de todos
35
, presidente da
Câmara dos Deputados, pois era um nome de pouca expressividade no cenário político. Diante
do contexto, a mídia escrita apresenta textos com um discurso humorístico que revelam o
caráter, as posições ideológicas e o estereótipo político para os leitores:
1. “Católico roxo”, eleito personifica baixo clero (anexo p. 88-89)
O texto é de autoria de Josias de Souza, foi publicado na Folha de S. Paulo em 16 de
fevereiro de 2005.
Perplexo diante da improvável eleição de Severino Cavalcanti (como salienta De
Souza : “ o terceiro homem na linha sucessória da República¨) para a presidência da Câmara
dos Deputados, o que pode ser visto como reflexo ou condicionante de uma perplexidade
geral, o autor ilustra a inaptidão de Severino para o cargo investindo sua crítica nos discursos
do político sobre suas posições em relação à religião, ao sexo e à moral. Desse modo, mostra
Severino como uma pessoa que foi eleita para o cargo não por mérito próprio (“A revanche
dos 300”), mas como fruto de uma manobra de outros 300 deputados, vale dizer
irresponsáveis, que colocaram Severino lá.
Ao explicitar os falsos discursos moralista e religioso e a inaptidão do ex-deputado, o
autor cria o script do mau político. Esse script é recorrente no humor político. O humor
político é abrangente: tanto pode ser dirigido a líderes, partidos e instituições políticas, como
pode atingir as idéias políticas de uma sociedade. (Raskin,1985: 222)
Raskin afirma que o discurso do humor se faz notório quando se alude a um fato para
se referenciar as características físicas e morais de uma figura política, com o objetivo de
denegrir sua imagem ou de desmascarar e denunciar suas atitudes.
A grande operação do artista que produz o humor, segundo Propp (1992: 32), é
descobrir os procedimentos especiais para mostrar o que é “ridículo”, no sentido de ser
passível e provocador de riso.
35
Esclarecimentos sobre o assunto no capítulo 1 dessa dissertação.
63
Observemos o título do texto:
“Católico roxo”, eleito personifica baixo clero. (anexo p. 88)
O uso do sintagma adjetival “católico roxo” com sentido hiperbólico serve para
ratificar a posição que o político prega: segue todos os preceitos da igreja católica. Assim, ele
é contra o aborto, considera o papa a maior figura do século XX, é contra cenas de sexo na
televisão e combate a união entre homossexuais.
Essas posições de Severino contrastam com sua participação na vida pública, que foi
de conveniências, partidarismos e benefícios próprios. O caráter do deputado é marcado pelo
binômio entre o real versus o ideal (Raskin 1985:222), ou entre o que prega e o que pratica. A
seleção da expressão “católico roxo” possibilitou ao locutor um julgamento de valor negativo
da imagem de Severino Cavalcanti. Esse recurso é desencadeador do humor.
A segunda parte que compõe o título do artigo – eleito personifica baixo clero -
pressupõe o discurso que continua marcando a imagem de Severino Cavalcanti: moralista
religioso. Além disso, ao usar a expressão “baixo clero”, faz referência jocosa sobre sua auto-
intitulação, na confirmação como presidente da Câmara dos Deputados Federais. Ele seria,
segundo o próprio político, “o defensor dos deputados sem voz e sem repercussão na mídia”.
Podemos enxergar a presunção como elemento da comicidade. (Propp: 1992)
Assim, o título sugere um personagem com ideais religiosos definidos, um “salvador
dos esquecidos”, porém o texto relata fatos que, em conjunto com o discurso citado de
Severino, evidenciam seu caráter negativo. A incongruência ou a incompatibilidade é um
mecanismo da língua que produz o risível (Bergson, 2004; Raskin, 1985).
O enunciado pressupõe, também, o estereótipo do falso moralista sugerido por
Bergson (2004). Segundo o estudioso, os estereótipos podem ser identificados nos gestos e nas
atitudes da pessoa. “O estereótipo no humor é sempre usado com uma dimensão social
negativa, pois o riso advém da desvalorização social, do estigma que faz do estereótipo algo
ridículo.” (Travaglia, 1990:61)
Continuando a leitura do texto, deparamo-nos com o seguinte trecho:
"Vossa Senhoria é homossexual ativo ou passivo?"
Todos sabiam da aversão de Severino Cavalcanti por "relações sexuais de homem com homem". Ainda
assim, a pergunta do deputado soou deselegante. Brasília respirava uma atmosfera abafadiça naquela
manhã de terça-feira, 6 de agosto de 1996. O ar parecia ainda mais espesso no corredor das Comissões
da Câmara.
Ali, um grupo de parlamentares reunira-se para ouvir o depoimento de Toni Reis, então presidente do
grupo gay "Dignidade", de Curitiba. Ele vivia há seis anos com outro homem. Daí ter sido convidado a
comparecer à Câmara. Falava aos parlamentares sobre a conveniência da aprovação da proposta que
64
previa o reconhecimento da união civil entre casais gays. Entre as vantagens, mencionou o
reconhecimento judicial do direito à herança de parceiros homossexuais.
Atalhado por Severino, Toni Reis reagiu com humor: "Ah, senhor deputado, isso a gente conversa
depois. A gente pode combinar um vinho". (anexo p.88, linhas 1 a 13)
O trecho selecionado inicia com uma fala do deputado Severino questionando o
presidente do grupo gay “Dignidade”, Toni Reis, sobre sua escolha sexual. A cena acontece
no plenário da Câmara, onde se discutia o reconhecimento da união civil entre casais gays.
Vejamos como o autor constrói a cena: inicia o texto com uma pergunta que estimula o
leitor para um contexto humorístico, passa para uma descrição densa do local e apresenta as
situações sociais e psicológicas que envolvem o ato comunicativo. Finaliza com a resposta
que é um revés do esperado.
Esse contexto exemplifica a teoria de Raskin (1985) sobre o humor verbal. Seu
raciocínio mostra que, para efeito humorístico, o texto precisa apresentar vários níveis de
informação: as experiências do falante e do ouvinte, a situação que os envolve, o estímulo
para o jocoso e as questões sociais e psicológicas que rodeiam o ato comunicativo (op.cit.:6).
Severino acreditava que o questionamento fosse constranger Toni Reis, porém a
resposta reverte para o político esse constrangimento. Essa construção é passível de riso, pois
o leitor esperava uma resposta que desviasse o tom sarcástico da pergunta e não um convite
pessoal para que o ex-presidente da Câmara conhecesse a opção sexual do presidente do grupo
gay.
Propp (1992:95) diz que o revés “é provocado justamente por uma falha de precisão e
de espírito de observação, pela incapacidade de orientar-se na situação, o que leva ao riso
independente das intenções.”
Bergson denomina essa construção humorística como reversibilidade ou a inversão de
papéis entre os personagens da cena, pois se Severino pretendia constranger Toni Reis, foi o
próprio deputado quem acabou sendo constrangido com a resposta jocosa do representante do
grupo gay:
Imaginem-se algumas personagens em certa situação: será obtida uma cena cômica
se a situação se inverter e os papéis forem trocados. É assim que rimos do réu que
dá uma lição de moral ao juiz, da criança que pretende dar lições aos pais, enfim
daquilo que se classifique sobre a rubrica do “mundo às avessas”. (op.cit.,2004:69-
70)
65
Analisemos a continuação desse enunciado quando uma deputada tenta chamar
Severino para a normalidade de suas falas, porém o presidente da Câmara não desiste e recebe
outra resposta jocosa.
Severino é o “boneco de molas” (Bergson,2004): a deputada empurra-o para dentro da
caixa de surpresas, para que tente se recompor perante a sociedade, mas ele insiste em “pular”
e fazer seus comentários impertinentes, levando o público à derrisão.
A deputada Maria Elvira (PMDB-MG), que presidia o encontro, ainda tentou retomar a meada
da conversa.
“Senhor deputado, sua participação é com essa pergunta?!?!”
Severino, porém, não se deu por achado:
“Quero ouvir a resposta.”
E Toni Reis:
“Temos que variar, Sr. Deputado. Não é só sexo penetrativo. Há outras formas de prazer”.
(anexo p.88, linhas 14 a 18)
No diálogo reproduzido, o nonsense (Bergson,2004) intensifica-se com a pergunta
inadequada para o contexto: discutia-se a questão da legalização da união de homossexuais e
não questões pessoais sobre escolha sexual, como o deputado insistia em tratar, ainda que
advertido por uma colega de cargo.
O efeito do humor é decorrente de que o enunciado do primeiro interlocutor, no caso
Severino Cavalcanti, tem um foco e a resposta é dada como se ele tivesse outro. O
procedimento malicioso e esperto de quem responde, no caso Toni Reis, consiste em esvaziar
o foco do questionamento do autor/ falante.
Ao reproduzir tal diálogo, o autor buscou na comicidade da situação denunciar as
atitudes pouco hábeis e distraídas de Severino Cavalcanti. Bergson (2004:8-9) sugere uma
visualização mental de determinado sujeito distraído que é compatível com o texto em
questão:
Imaginemos, pois, um espírito sempre voltado para o que acaba de fazer, jamais
para o que faz, como uma melodia atrasada em relação ao acompanhamento.
Imaginemos certa falta de elasticidade inata dos sentidos e da inteligência, em
virtude da qual se continua a ver o que já não existe, a ouvir o que já não ressoa, a
dizer o que já não convém, enfim a adaptar-se a uma situação passada e imaginária
quando seria preciso moldar-se pela realidade presente. A comicidade se situará
dessa vez na própria pessoa: é a pessoa que lhe fornecerá tudo, matéria e forma,
causa e ocasião. Será de surpreender que o distraído (pois essa é a personagem que
acabamos de descrever) tenha tentado com freqüência a verve dos autores cômicos?
Mais adiante, o discurso humorístico ganha força com um enunciado depreciativo em
relação à notoriedade do político pelo povo brasileiro. Apesar de estar na vida pública há 28
66
anos, nunca apresentou um projeto relevante para a sociedade, age a favor do corporativismo e
mantém posições preconceituosas sobre questões sexuais e religiosas. Só conquistou a mídia,
porque é o boneco de fantoches manipulado para servir aos interesses particulares de
oposicionistas do governo. Mas não é necessária a compaixão, porque o próprio político é
quem assumiu os cordões do brinquedo e os manipula mecanicamente conforme lhe convém.
A mídia não se deixa vencer pelo encanto do boneco e dá um nó nos cordões
denunciando e desmascarando o político com o enunciado abaixo:
O país ainda não o havia notado (anexo p.88, linhas 21a 22)
A construção lingüística foi elaborada para mostrar a insignificância de Severino para
o país. Os usos do modificador circunstancial “ainda” e da locução verbal “havia notado”
carregam uma carga semântica que depreciam de forma discreta a imagem do ex-deputado. O
autor desqualifica sua atuação na política brasileira. O efeito é cômico porque o enunciado
subjaz um discurso que procura desbancar qualquer possibilidade de mérito que Severino
tivesse tido no passado que ajudasse a ser aceito para o cargo que assumiu.
A rigidez das ações de Severino é revelada com a descrição de algumas atitudes que
teve no passado:
Atraiu o então presidente João Baptista Figueiredo para uma causa pessoal.
Elegera um padre italiano, Vito Miracapillo, como seu inimigo em Pernambuco.
E convenceu o governo a expulsá-lo do país. (anexo p.88, linhas 26 a 28)
Nosso personagem não tem piedade, não tem caráter, é injusto e tenta caracterizar o
script do político correto por meio da rigidez de suas ações.
A rigidez em detrimento da flexibilidade, segundo Bergson (2004), denota a
comicidade. Tais referências constroem a imagem de uma pessoa moralista, arrivista.
A seleção lexical dos verbos “atraiu”, “elegera” e “convenceu” representam claramente
a visão da maneira de agir do deputado, sem escrúpulos, por conveniência, para manipular
uma situação que não lhe é confortável. É um exemplo do estereótipo do falso moralista que
Severino conquistou.
Como muitos homens de vida pública, ele busca frases de efeito para fortalecer seus
discursos, observemos:
“Eles vão ter que me engolir” (anexo p.89, linha 53)
67
A polifonia presente nesse enunciado refere-se ao ex-treinador da seleção brasileira de
futebol, Zagalo. Ele produziu essa fala, ao ser questionado sobre suas atitudes e decisões em
relação aos jogos da Copa do Mundo, onde ele era treinador e o Brasil não estava tendo boa
atuação em campo.
Severino afirma com vaidade que assumiria sua posição, ainda que isso desagradasse
alguém. Não se importou de ter sido o boneco no processo da eleição da Câmara. Afinal só foi
eleito como forma de repudiar, politicamente, o presidente da república. Severino viu a
oportunidade, provavelmente, a única, de adquirir um status que a posição lhe traria.
Bergson (2004:129) acredita não haver defeito mais superficial e mais profundo que a
vaidade. E, ainda a define como um fruto
da vida social, pois é uma auto-admiração fundada na admiração que cremos
inspirar nos outros, ela é mais natural, mais universalmente inata que o egoísmo,
pois do egoísmo a natureza freqüentemente triunfa, ao passo que é só pela reflexão
que nos impomos à vaidade.
Outra ocorrência humorística encontramos no recorte abaixo:
A presidência da Câmara dá a Severino um púlpito que ele jamais teve. (anexo p. 89, linhas 54 e 55)
O autor do texto questiona, mais uma vez, a qualificação de Severino Cavalcanti para o
cargo de presidente da Câmara dos Deputados. O efeito é cômico por duas razões, a primeira
porque busca desbancar um status inquestionável de habilidades mínimas pressupostas num
político e a segunda pela escolha do vocábulo “púlpito” que faz polifonia com pregação
religiosa, um lugar onde a verdade dos discursos devem prevalecer. A palavra traz em seu
sema a conotação do político que não tem moral para tal lugar, pois suas ações denunciam sua
falta de caráter.
2. A apoteose dos “outros Severinos” (anexo p.90)
O texto foi escrito por Alcino Leite Neto e editado em 16 de fevereiro de 2005. O autor
constrói a imagem do político Severino que contrasta com o personagem Severino do
poema.Dessa forma, por meio do intertexto com o poema “Morte e vida Severina”, o autor
mostra o paradoxo (Propp, 1992) dos dois “Severinos”. Enquanto no poema, João Cabral de
Melo Neto retrata um brasileiro que sofre com a política da seca, o Brasil sofre com o
despreparo político de Severino para o comando da Câmara dos Deputados Federais.
68
Nesse texto, o discurso constrói a figura estereotipada de Severino. Travaglia
(1992:57) afirma que causa o riso o estereótipo que é associado ao ridículo. Sobre os
estereótipos, afirma o autor:
É o uso de elementos próprios de uma classe ou grupo social (caipira, médico, rico,
pobre, louco, prostituta, paquerador, malandro, mentiroso, homossexual etc.) que
aparecem normalmente caricaturados. Os estereótipos podem ser lingüísticos,mas
também de vestuário, gestos, atitudes, comportamentos etc. Os elementos
estereotípicos estão a nível de consciência da sociedade, pois caso contrário seriam
marcadores ou indicadores. Os estereótipos são valorados socialmente de forma
negativa (para a sociedade como um todo quando não são do grupo dominante) ou
positiva (como elemento de identidade do grupo respaldada por sentimentos de
solidariedade). O estereótipo no humor é sempre usado com uma dimensão social
negativa, pois o riso advém da desvalorização social, do estigma que faz do
estereótipo algo ridículo. Aqui entra a questão da superioridade do conhecedor e
da superioridade coletiva. (op. cit.:61)
Vejamos quais os estereótipos em dimensão negativa foram construídos e que podem
gerar a comicidade:
a) pessoa de má aparência:
(..)eles que portam ternos mal cortados, têm os dentes emendados,
os sapatos de má qualidade(..) (anexo p.90, linhas 11 e 12)
b) pessoa insignificante:
Pouca gente conhece os deputados-Severinos da Câmara dos Deputados. A imprensa não os procura. Sua
imagem não passa nas TVs. O governo não lhes dá muita bola. O senador José Sarney passa na frente deles
e não os cumprimenta.
Até os porteiros do Congresso não sabem quem eles são(..) (anexo p.90, linhas 8 a 11)
c) pessoa não culta:
a fala cheia de falhas gramaticais (anexo p.90, linhas12 e 13)
d) pessoa interessada no benefício próprio, mesmo sendo representante do povo:
a política sem pensamento ( anexo p.90, linha 13 )
um ar quente de provincianismo (anexo p.90, linha 28 )
Os severinos tomaram conta da Câmara (anexo p.9, linha 41 )
e) pessoa sem ética:
(...) o arrivismo como condição brejeira. (anexo p.90, linha 14 )
Os enunciados selecionados descrevem, em ritmo poético, o político Severino
Cavalcanti e o ambiente em que vive, parodiando o poema “Morte e vida Severina”. Assim
como o poema permite refletir e se chegar a algumas considerações, também podemos
69
concluir sobre o político. Severino é obscuro, conspirador, advoga em causa própria, mas tenta
firmar-se como honesto, ético e cumpridor das leis. Sintetizando com a frase do texto: Trata-
se de um sujeito bonachão (...) (anexo p. 90, linha 24 )
3. Severino dá três versões para as vaias em duas horas (anexo p.92-93)
O texto, datado de 3 de maio de 2005, trata da sabatina promovida pelo jornal Folha de
S. Paulo com Severino Cavalcanti. Há três meses no cargo como presidente da Câmara dos
Deputados, ele, na entrevista, ratificou sua posição de falso moralista, de duvidosos ideais
religiosos e de defensor da causa própria.
A notícia começa relatando as dificuldades de intelecção de Severino Cavalcanti: ele
confunde vaia com gritos de aplausos num evento político que aconteceu quando ele já era
presidente da Câmara dos Deputados Federais. Além disso, confere alguns posicionamentos
morais ao presidente da Câmara.
“Foi uma maravilha. Aquele povo todo gritando. Entendi como aplauso.” (anexo p.92, linhas 10 e 11)
“ Fui vaiado, realmente.Eu pensava que era aplauso.(anexo p.92, linhas13 e 14)
É notório que a passagem revela pouca percepção do deputado visto que ele não
conseguiu identificar que o vaiavam e não o ovacionavam. O enunciado denota o risível
audível, não podemos deixar de gargalhar com a situação que permite tachá-lo de ignorante,
de parvo.
O estudioso assevera, ainda, que a quebra de expectativa provoca o riso. O sentido
jocoso aparece ao explicitá-la. Espera-se de qualquer político independente dos valores
comportamentais, um nível intelectual condizente com o cargo.
Propp (1992:107) reflete sobre os alogismos:
Ao lado do fracasso daquilo que se deseja por causas externas ou internas, há casos
em que o fracasso se deve à falta de inteligência. A estultice, a incapacidade mais
elementar de observar corretamente, de ligar causas e efeitos, desperta o riso.
70
Com as afirmações do autor fica clara a relação que se estabelece e o efeito jocoso que
se busca com as estratégias lingüísticas e discursivas no texto jornalístico.
Na passagem seguinte selecionada, Severino mantém um diálogo hilário com a
jornalista da Folha de S. Paulo sobre questões relacionadas ao sexo antes do casamento.
Parece, inclusive que sexo é seu tema predileto:
“ É evidente. Eu era um homem puro. Casei com uma mulher que me serviu.”(anexo p.92, linhas19 a 21)
“A mulher tem que ser virgem, pura. O homem, às vezes, quer aprender a como fazer o serviço.”(anexo p.92,
linhas 24 a 26)
Severino é a personagem cômica de Bergson (2004:139) que peca por obstinação de
espírito ou de caráter, por distração, por automatismo. Ele só enxerga e ouve o que lhe
interessa, não advoga a favor da sua comunidade, não assume o script do bom político, é
prepotente, preconceituoso. É o sonhador que
em vez de recorrer a todas as suas lembranças para interpretar o que seus sentidos
percebem, utiliza o contrário, aquilo que percebe para dar corpo à lembrança
preferida: o mesmo ruído do vento a soprar na chaminé será então, segundo o estado
d’alma do sonhador, segundo a idéia que ocupa sua imaginação, uivo de feras ou
canto melodioso
4. Reação à pizza provoca bate boca no plenário (anexo p.94-95)
A notícia foi editada em 31 de agosto de 2005, momento em que as confirmações da
existência do “mensalão” ganham o cenário político e social do país. O conflito relatado na
notícia é que no dia anterior, Severino Cavalcanti afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo
que era a favor de um abrandamento nas penas aplicadas aos envolvidos.
O texto veicula, por meio dos discursos reproduzidos, as posições que Severino
Cavalcanti tem em relação ao uso de “caixa dois”, expressão popularmente empregada para o
tipo de contas financeiras ilegais. Severino é a favor de um abrandamento na penalidade dos
deputados que a utilizam.
Identifica-se um discurso segundo o qual os políticos agem por conveniências pessoais
e, se recebem favores de outro político, ficam vinculados pela obrigação de lhe serem fiéis,
71
visando à manutenção do poder. Eles assumiriam essa atitude em detrimento da sua função
social, numa fidelidade incondicional.
O texto relata, ainda, a vida pública de Severino e reafirma seus estereótipos de falso
moralista e de defensor dos “mais fracos”, construindo enunciados reveladores de idéias
mentirosas, de posições presunçosas e dissimuladas. Observemos os trechos selecionados do
texto:
O bate-boca durou mais de uma hora e teve seu ponto alto em uma pesada troca de ofensas com Fernando
Gabeira (PV-RJ), que chamou o presidente da Câmara de "um desastre para o país”. (anexo p.94, linhas 6 a 8 )
Na fala de Gabeira, a escolha lexical do vocábulo “desastre” denota que Severino é
uma figura danosa, um acontecimento calamitoso para a política brasileira. O autor buscou o
exagero ao selecionar o termo “desastre”, para desvelar o discurso humorístico. Propp (1992:
92) explica que o grotesco nos faz sair dos limites de um mundo realmente possível. Severino
é impossível para o Brasil. Propp (op.cit.:92) em suas reflexões esclarece sobre a comicidade
do grotesco:
O grotesco é cômico quando, como tudo o que é cômico, encobre o princípio
espiritual e revela os defeitos. Ele se torna terrível quando o princípio espiritual se
anula no homem. É por isso que podem ser terrivelmente cômicas as representações
de loucos.
O presidente da Câmara dos Deputados mostra o nonsense de seu discurso, pois
utiliza-o coeso e articulado, mas totalmente esvaziado de conteúdo. É o que notamos na
reprodução do enunciado abaixo:
"Enganam-se aqueles que pensam que deixarei levar inocentes ao cadafalso, apenas para, ao desvario, ouvir
soar as trombetas." (anexo p.94, linhas 19 a 21 )
O texto tem um tom irônico que é reproduzido com citações das falas de Severino.
Nelas, o político privilegia em seus discursos referenciar questões sexuais. É a caricatura
verbal do falso moralista e religiosos, conforme explica Propp (1992).
Prosseguindo, tomemos um outro enunciado:
"Ele [Gabeira] quer se afirmar como homem, mas não conseguiu ainda." (anexo p.95, linhas 56 e 57 )
“O cômico surgirá quando homens reunidos em grupo dirijam sua atenção a um deles”
(Bergson, 2004:14). A convergência traz em comum, uma mesma direção, um mesmo
objetivo, as mesmas metas. Dessa forma, quando todos da sociedade têm os mesmos ideais
72
sociais e políticos, não sobra espaço para que ocorra o desvio. Quando o indivíduo comete um
deslize ou não consegue acompanhar a sincronia do grupo (sociedade), ele é imediatamente
interpelado a justificar o seu desvio ante os demais componentes. Foi o que aconteceu com
Severino: não esteve atento para o comportamento que a sociedade em que vivia pregava, e
foi traçado impiedosamente por essa sociedade. Com seu desvio, o ex-deputado conseguiu
chamar para si a atenção da sociedade que por sua vez voltou a atenção para o político,
ficando frente a frente o infrator e seus inquisidores. E, a troça foi geral, escarnecedora, em
todos os seguimentos sociais
Assim o riso funcionou como instrumento de castigo, pois houve uma discórdia entre
as duas partes: indivíduo e sociedade, uma quebra de protocolo. Esse processo de castigo tem
em seu bojo o objetivo de correção do desvio e de recompor o indivíduo à sociedade.
Grupo 2 : TEXTOS DA FASE DE SUSPEIÇÃO ( setembro de 2005 )
Nesse período, Severino Cavalcanti é suspeito de receber dinheiro do dono do
restaurante da Câmara dos Deputados. A crítica às suas atitudes e idéias são mais acirradas e o
discurso do humor é, como afirma Minois (2003) uma arma de destruição da carreira insólita
do político.
1. Em nome do macho (anexo p.96)
O texto foi escrito em 2 de setembro de 2005 e traz o desespero de Nelson Motta pela
péssima atuação política de Severino Cavalcanti.
Analisamos que o discurso de Severino é cheio de repetições. Ele dialoga com os
discursos das práticas sexuais e com os discursos sobre valores culturais.
Possenti (2000) argumenta que no discurso político a interdiscursividade atua para
misturar a política a outros campos incluindo elementos dos chistes obscenos. Assim, o
aspecto sexual está presente em seus discursos como forma de criar uma imagem de homem
forte, viril, capaz; mas sempre voltado para o moralismo.
Severino tenta desmoralizar o deputado Gabeira pelo viés sexual, sempre questionando
sua virilidade. Mas nesse texto, Nelson Motta dá a resposta:
Gabeira falou grosso e alto, mas se manteve dentro de um certo decoro parlamentar. Severino é que, mais uma
vez, até quando?, se mostrou em sua medonha significância ao tentar desclassificar os argumentos de Gabeira,
73
“acusando-o” de “tentar se afirmar como homem” e que ele machão nordestino caricato, homofóbico ativo-
não sabia se havia conseguido. (anexo p.96, linhas 21 a 26)
Parece que os papéis se inverteram: Severino sempre se diz viril, forte e “machão”,
mas é Gabeira quem fala grosso e forte, é ele quem tem decoro parlamentar, é ético, é
honesto; independente de sua opção sexual, a qual tanto Severino questiona como forma de
intimidá-lo publicamente.
Instaurou-se nesse contexto a contradição, o revés da situação, a mudança de script, a
inversão de papéis, todos elementos que caracterizam o discurso humorístico, como salientam
os estudiosos investigados nessa pesquisa.
Analisemos uma outra passagem do texto:
Agora mesmo, o ninho de ratos conhecido como baixo clero está em polvorosa: vai sair a escalação para o
avião da alegria que levará um bando? Uma matilha? Uma quadrilha? (anexo p.96, linhas 9 a 11)
A seleção lexical voltada a nomes coletivos encontrada no texto, como “bando”,
“matilha”, “quadrilha” produz um efeito hilário porque busca desbancar um status
inquestionável de habilidades mínimas pressupostas num político: honestidade,
responsabilidade, seriedade e sensatez. Essa seleção permitiu, ainda, a construção discursiva
reveladora do caráter corrupto de Severino.
Para Travaglia (1990:55) o humor é “uma espécie de arma de denúncias, de
instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico: uma forma de revelar e de
flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das realidades naturais ou culturais que nos
cercam e assim, de desmontar falsos equilíbrios.”.
Essa escolha lexical permitiu ao locutor veicular seu discurso sem afirmar
explicitamente que as pessoas envolvidas na cena são corruptas, o que poderia redundar num
processo criminal. É o que Goffman (1980:76-8) chama de “preservação da face”. Para o
autor nas interações sociais, os participantes agem de duas formas para manter a imagem
pública. A ação do falante pode ser defensiva, quando utiliza a linguagem de modo a manter a
salvo sua própria face, ou protetora, quando tenta salvar a face dos outros participantes da
interação. O estudioso acredita que as pessoas utilizam estratégias para manter sua face
resguardada. Uma das estratégias é a de atuação, segundo a qual cada pessoa age como se
fosse um ator, representando um personagem que melhor lhe convier. Essas estratégias
funcionam como um meio de neutralizar a possibilidade de ameaça à face, que ocorre sempre
que um falante põe em risco sua face ou a face do outro. Nesse caso, usam-se atenuadores
74
polidos, mecanismos de marcar a polidez, como utilizar frases imperativas em vez de frases
interrogativas para fazer imposições.
No trecho ”o ninho de ratos conhecido como baixo clero está em polvorosa”, o autor
demonstra sua indignação, utiliza-se do grotesco para fulminar abusos, denunciar situações
aberrantes.
...dizendo a Severino Cavalcanti o que ele merecia ouvir e o que a maioria não diz para não perder as viagens,
verbas e vantagens que o patusco presidente distribui em troca de apoios e fidelidades. (anexo p.96, linhas 5 a 8)
Ao fazer a escolha lexical das palavras “viagens, verbas e vantagens”, o locutor buscou
no recurso da aliteração uma sinalização do registro humorístico, constituindo uma estratégia
de motivação lúdica congruente com o conteúdo do texto, pois Severino Cavalcanti e seus
amigos parlamentares se aproveitam do cargo público para benefícios próprios.
O riso brota sempre da constatação de um desvio, de uma transgressão; falhas de
caráter moral ou comportamental apresentam-se segundo um padrão definido pela sociedade
em questão. Esta transgressão pode dar-se no âmbito moral /comportamental, infringindo
regras sociais e trazendo à tona relacionamentos ditos amorais, como o adultério, o triângulo
amoroso, relacionamentos homossexuais, etc. (Propp, 1992).
2. Agora lascou! Severino recebe gorjetão! (anexo p.97)
A crônica é de José Simão e foi publicada em 6 de setembro de 2005. O autor faz uma
crítica humorística a Severino Cavalcanti por receber dinheiro ilicitamente.
Corrosiva e implacável a sátira é utilizada por aqueles que demonstram a sua
capacidade de indignação de forma divertida, para fulminar abusos, castigar rindo os
costumes, denunciar determinados defeitos e situações aberrantes. (Travaglia, 1990)
Nesse sentido, a crônica de José Simão, satiriza o fato de Severino ter recebido
dinheiro para autorizar a exploração comercial dos restaurantes da Câmara por Sebastião
Buani.
Observemos o título do texto:
Agora lascou! Severino recebe gorjetão! (anexo p.97, título)
75
Nele o autor constrói o discurso humorístico por meio do vocábulo hiperbólico
“gorjetão”. O presidente da Câmara não recebe “mensalão”, como os deputados com maior
expressividade, ele recebe “gorjetão”, por pertencer ao “baixo clero”. O discurso humorístico
está presente no uso do sufixo aumentativo, fazendo uma relação direta com o termo
“mensalão”. Serve para denegrir a sua imagem. Bergson (2004) explica que o humor é
implacável e serve para denunciar e rebaixar uma pessoa.
Então não é mensalão, é BANDEJÃO (anexo p.97, linha 6)
O efeito cômico acentua-se quando o autor reitera o deboche por meio da palavra
“BANDEJÃO”. Mais uma vez ecoa a voz do “mensalão” de Roberto Jefferson. A diferença é
que Severino recebeu a “propina” de um dono de restaurante, daí a alusão ao utensílio muito
usado em restaurante: bandeja.
A violação das normas sociais é uma forma de construir o humor, pois contesta
aqueles que contrariam o que a sociedade estabeleceu . (Travaglia, 1990)
E o Severino é o único que eu conheço que vai a restaurante e, em vez de dar gorjeta, leva! Cobra pra almoçar!
Rarará! (anexo p.97, linhas 7 e 8)
O autor usa o recurso da linguagem coloquial, oralizando o seu texto, por meio de
onomatopéias (Rarará). A própria onomatopéia traz no seu contexto o riso, ainda que
sarcástico.
O script de uma cena de restaurante é rompido quando o personagem modifica suas
ações verbais. Em vez de dar gorjeta, ele leva. Há uma segunda mudança no script restaurante,
no momento em que o deputado cobra e não paga para almoçar. Passar de um script a outro,
ou do modo bona fide para o non-bona fide, na terminologia de Raskin (1985), gera o humor.
3. Fiéis rezam pelo futuro do deputado (anexo p.98-99)
O texto foi editado em 11 de setembro de 2005, momento em que as investigações
sobre o caso do restaurante da Câmara, ganham evidências de atitudes ilícitas por parte do
presidente da Câmara dos Deputados.
76
No texto, observam-se dois contextos diferentes, desenvolvendo-se
simultaneamente. O primeiro diz respeito aos eleitores de Severino Cavalcanti,
providencialmente caracterizados como fiéis, que rezam para que o deputado saia ileso das
acusações de corrupção. O segundo diz respeito ao próprio Severino, caracterizado como
pessoa de moral duvidosa, “santo do pau oco”, essência contrastante com a aparência de
salvador, de milagreiro. Essa é também uma idéia tradicionalmente ligada a um estereótipo
nordestino, como sertão e aglomeração de fiéis de razão cega.
Os estereótipos não são construídos de forma direta, mas de um modo velado. O texto,
ao narrar o “sofrimento” dos “seguidores de Severino, vão construindo sua imagem de
santidade, contrastada, o tempo todo, com os estereótipos dessas pessoas, que são mostradas
como pessoas incultas e ingênuas”.
Vejamos alguns exemplos em que o script ‘mestre” e “seguidores” entram em
conflito,criando uma situação jocosa:
Em João Alfredo, Severino é como se fosse uma seita (anexo p.98, linha 16)
Não há como ser devoto de alguém que quer ser o rei de João Alfredo (anexo p.98, linhas 22 e 23)
(..) ela pede a intervenção divina (anexo p.98, linha 5)
Contratada, segundo ela, por intervenção do deputado (anexo p.99, linha 26)
O autor do texto faz uso de uma rede metafórica, provocadora de um riso não audível,
que destrói a imagem moralista- religiosa do deputado. Observemos algumas dessas
metáforas: “fiéis”, “seguidores”, “santinho”, “intervenção divina”, “rezam”, “graça”, “seita”, e
“devoto”. Todos os vocábulos selecionados trazem em seu sema uma carga religiosa
conflitante com as atitudes ilícitas do presidente da Câmara dos Deputados. Travaglia (1990)
denomina essa estratégia lingüística de bissociação, pois ocorre a oposição de dois mundos: o
real e o fictício.
A rede metafórica demonstra que o texto foi elaborado com o intuito de desprestigiar a
figura de Severino Cavalcanti, de denunciar seus atos subversivos que contrastam com a
imagem que pessoas simples têm do político.
Essa teoria encaixa-se na teoria semântica do humor de Raskin baseada em scripts,
como já explicamos. Nos dois primeiros enunciados, o script de ideal é quebrado com o script
de real da pessoa de Severino Cavalcanti: um corrupto que não mede esforços para conquistar
o poder.
77
4. Cazuza canta Severino (anexo p.100)
O texto é de Nelson Mota, editado em 16 de setembro de 2005 e busca por meio do
intertexto respaldo na música de Cazuza, para denunciar Severino Cavalcanti por seu
preconceito, por seus atos corruptos, por sua estultice e por suas mentiras.
Observemos a passagem:
Não, Cazuza não estava falando de Severino e de seus ratinhos do baixo clero em “Blues da Piedade”, no caso
seria mais apropriado “Forró da Piedade” (anexo p.100, linhas4 e 5)
O discurso político humorístico está caracterizado nesse enunciado pela seleção lexical
com sentido pejorativo (ratinhos) e pelo contraste dos vocábulos “blues/forró”.
Outra idéia presente no texto e que pode ser vista nos estudos de Propp (1992) diz
respeito às variações lingüísticas. Eles são cômicos se denunciam um defeito no pensamento
do falante que foi trazido à tona involuntariamente ou se denunciam uma ignorância ou
grosseria de quem fala. Travaglia (1990:64) também trata da questão e explica que a violação
da norma culta pode ser fonte de riso. Vejamos a passagem do texto:
Gabeira responde com seus versos -mortíferos como um cheque nominal- às "acusações" de homossexualismo e
consumo de "tóchico" (sic) feitas pelo caricato machão nordestino. (anexo p.100, linhas 10 a 12)
A variação da norma culta é punida pelo autor ao destacá-lo com o termo (sic). Assim,
o humor marca presença em várias áreas da vida humana com funções que estão além do riso.
Ele desmascara aqueles que estão à margem da sociedade. O humor mais do que fazer rir, é o
grande desmistificador da mentira, do preconceito, da falsa moralidade e de tantos outros
desvios sociais.
Grupo 3: TEXTOS DA FASE DA RENÚNCIA (2.a quinzena de setembro de 2005)
Pressionado pelas contundentes acusações sobre o recebimento de dinheiro do dono do
restaurante da Câmara dos Deputados, Severino renuncia ao cargo. Os textos apresentam
relatos e discursos citados do próprio Severino reveladores do revés à falta de caráter, de
honestidade e de sinceridade:
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1. “Mensalinho derruba o `rei do baixo clero`após sete meses”. (anexo p.101)
O texto foi editado em 22 de setembro de 2005, um dia após Severino Cavalcanti
renunciar ao cargo e a mídia deflagra sua alegria explorando o discurso humorístico em seus
textos como forma de ratificar as incompetências do ex-deputado para o cargo:
“Mensalinho derruba o `rei’ do baixo clero`após sete meses”. (anexo p.101)
O uso do diminutivo “mensalinho”, que faz referência de forma pejorativa ao
“mensalão” recebido pela base aliada do governo Lula, corrobora com o estereótipo
construído pela mídia em torno do político Severino Cavalcanti: um personagem
desqualificado para a posição que assumiu.
O ex-presidente da câmara não perde o cargo, ele é derrubado do “trono”. Assim
age a sociedade com quem tenta enganá-la, confisca sua riqueza, açoita e corrige:
Depois que o candidato passou pelas terríveis provas, as que os colegas veteranos
prepararam a fim de formá-lo para a nova sociedade na qual ele ingressa e, como
dizem, a fim de abrandar-lhe o ânimo. Toda pequena sociedade que se forma no
seio da grande é levada assim, por um vago instinto, a inventar um modo de
correção e de abrandamento da rigidez dos hábitos contraídos alhures, que
precisarão ser modificados. A sociedade propriamente dita não procede de outra
maneira. É preciso que cada um de seus membros fique atento para o que o cerca,
que se modele de acordo com o ambiente, que evite enfim fechar-se em seu caráter
assim como numa torre de marfim. Por isso, ela faz pairar sobre cada um, senão a
ameaça de correção, pelo menos a perspectiva de uma humilhação que, mesmo
sendo leve, não deixa de ser temida. (Bergson,2004:101)
Observemos o discurso citado de Severino Cavalcanti:
“o povo me absolverá” (anexo p.101, linha 2)
É cômico o efeito provocado pelo desvelamento da presunção. No caso de o
político ser presunçoso, pode ser lembrada a idéia de Possenti (2000:113) em que ele diz que a
presunção pode fazer parte do político objeto de piadas, cujo sentido é “pensa que é Deus”,
A fala do x-presidente da Câmara dos Deputados denota tal presunção e busca no
discurso religioso sensibilizar o povo sobre sua condição de derrotado.
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2. Buchada de bode é prato principal no “último almoço” (anexo p.102)
O texto foi editado em 22 de setembro de 2005 e relata como foi o último dia
(21/09/2005) de Severino no cargo de presidente da Câmara dos Deputados: recebeu amigos,
emocionou-se, almoçou e renunciou.
O que destaca esse texto é a referência à comida servida no almoço: buchada de
bode. Mais uma vez Severino tenta ratificar sua posição de “machista”, viril e homem forte,
pois a comida é bastante calórica com o ingrediente básico um tanto inusitado.Vejamos
enunciado recortado:
Buchada de bode é prato principal no “último almoço” (anexo p.102, título)
A polifonia foi um recurso lingüístico do autor para marcar o tom jocoso e caracterizar
a pessoa de Severino Cavalcanti como um mártir . A expressão “último almoço” remete às
vozes da bíblia em referência à “última ceia” de Jesus, antes de ser crucificado. Note-se o uso
das aspas na expressão “último almoço”, que chama a atenção para essa polifonia. Só que essa
ceia tem como prato “buchada de bode”, prato típico nordestino e recomendado para homens
fortes. É claro que há um discurso humorístico subjacente, pois se trata de uma iguaria
inusitada.
Segundo Bahktin (1992:293), por meio da sua idéia de polifonia, é possível perceber
dentro de um texto a existência de muitas vozes. Para ele, as pessoas não trocam orações,
trocam enunciados. E esses estão repletos dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos
quais estão vinculados no interior de uma esfera comum de comunicação.
A estratégia de usar a polifonia aliada à descrição da comida servida a Severino
mobilizou o discurso jocoso que permitiu expor a verdade, sacudir certezas, castigar as
dissimulações, contestar os absurdos e reequilibrar a lógica
3. Buemba! CPI serve chá com porrada! (anexo p.103)
O texto é de José Simão, foi editado em 23 de setembro de 2005, logo após a renúncia
de Severino Cavalcanti. O texto é construído para criar a imagem final de descrédito do
político e o humor está presente no jogo com as palavras.
Ao se denominar “Macaco Simão – o esculhambador-geral da República”, José Simão
se coloca como o macaco, animal que representa a figura da peraltice, da ironia, do pular de
80
galho em galho, o que não tem compromisso com ninguém. Isso permite-lhe zombar e caçoar
de tudo e todos. Dessa forma, ao fazer essas “peraltices” com o léxico, José Simão cria,
dissemina e cristaliza no inconsciente coletivo, preceitos, ideologias e valores.
Analisemos o enunciado abaixo:
E o Severino Cheque-Cheque diz que foi vítima de um complô.
Tá certo. O dono do restaurante complô ele!
Ele foi complado.
(anexo p.103, linhas 3 a 4)
José Simão busca estratégias para marcar em seus textos o desmerecimento das figuras
políticas. Dentre tais estratégias podemos verificar o jogo verbal, por meio do qual pode aludir
um fato a um nome, por exemplo. O trecho selecionado acima é prova disso, pois junto ao
nome criou-se o sobrenome “Cheque-Cheque” como forma de satirizar seu envolvimento no
recebimento de “propinas”.
Travaglia (1990:64) esclarece que os nomes dos personagens podem ser explorados
lingüisticamente dentro do humor para criticar os tipos de homens que eles representam.
O autor busca, ainda, com o jogo de palavras, denunciar as verdades ocultas.
Observando o uso das expressões “vítima de um complô/ complô ele/ foi complado”,
verificamos que os trocadilhos ou jogos de palavras denunciam o esquema de corrupção que
Severino se envolveu. Do ponto de vista lingüístico-discursivo, esse recurso são fenômenos
que envolvem o significante, devem manter uma informação implícita e devem ser “audíveis”,
isto é, devem envolver jogos fônicos. É o que acontece com essa construção lingüística
elaborada por Simão: brincou com o substantivo “complô” e com o verbo “comprar”, tanto
pela questão da aproximação sonora quanto pela aproximação denotativa que essas palavras
assumem no contexto.
Por meio desses termos, Simão faz uma retrospectiva dos fatos que levaram o ex-
presidente da Câmara a renunciar: Severino se diz vítima de um “complô” ou de uma
conspiração por ter sido “comprado” pelo dono do restaurante da Câmara dos Deputados,
Sebastião Buani.
Observamos, ainda, mais um jogo com a estrutura da língua envolvendo as duas
últimas expressões “complô ele/ foi complado”: afinal quem comprou quem? Severino foi o
agente ou o paciente da ação? Severino exigiu a “propina” (complô ele) ou se deixou vencer
pelos encantos do dinheiro (foi complado)? Qualquer que seja a escolha, temos uma certeza,
ele é corrupto.
81
O aspecto lúdico que o trocadilho encerra, confere ao humor um ar de ingenuidade
para que assuntos sérios sejam ditos de forma mais amena, porém bem inteligentes, tornando-
se uma poderosa arma de desvelamento. Gay (1993:384) bem o registra:
Sob a defesa de que não devem ser levados a sério, os chistes podem vingar um
insulto, voltando-se espiritualmente, contra o agressor, esvaziar o pomposo e o
soberbo, tornando público seus defeitos ocultos, criticar uma autoridade
normalmente protegida contra desafios.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio dos estudos sobre as teorias do humor propostas por Bergson, Propp, Alberti,
Minois, Raskin, Possenti e Travaglia, entre outros, podemos afirmar que rimos do ridículo, do
defeito, do exagero, do inesperado. Rimos, sobretudo, da quebra da lógica, da ruptura, de uma
seqüência inesperada, da falta de normalidade, da presença da crítica criativa e perspicaz.
O humor surge da combinação de elementos díspares e se alimenta do efeito de
surpresa, daí resultando em contraste e espanto. Quando achamos graça de algo que ouvimos
ou observamos, é porque a súbita percepção de uma incongruência nos obriga a refazer uma
interpretação inicial e chegar a um sentido surpreendente que não supuséramos no início.
Pela análise dos mecanismos lingüístico-discursivos que permeiam o corpus desse
estudo, pudemos verificar que o humor funcionou como instrumento de crítica revelador da
imagem real do político Severino Cavalcanti. Identificamos, assim, uma consideração de que,
se por um lado, houve na trajetória política do ex-deputado artifícios para a construção de uma
imagem que o conduziu ao poder, por outro, os textos jornalísticos utilizaram estratégias que
possibilitaram a desconstrução dessa imagem. O desmascaramento intelectual, cultural e
moral pelo viés do humor foram a tentativa de promover uma mudança no processo em que se
construiu esse poder.
O jornal revelou o script do político, que no script básico, subjacente, internalizado
deveria ser do homem honesto, que se empenha eticamente pela defesa da ideologia e dos
direitos da comunidade, contudo os relatos dos fatos, os discursos citados, as estratégias da
língua na construção dos enunciados e as reflexões dos textos analisados construíram o
verdadeiro script do político Severino Cavalcanti: desonesto, mentiroso, preconceituoso, falso
moralista. A contradição do binômio real versus irreal gera o riso.
Rimos desse personagem porque a corrupção não causa compaixão, porque o grotesco
não causa emoção, porque a falta de caráter não causa piedade; enfim rimos porque ele é
humano, não nos comove e é um fenômeno social.
Sempre que a rigidez do corpo, do espírito ou do caráter contrastar com a flexibilidade
exigida pela sociedade ocorrerá o riso. O discurso humorístico estará presente nesses
momentos para castigar e corrigir aqueles que ousam romper com as normas ditadas pela
sociedade.
83
Devemos ressaltar, como procuramos mostrar durante todo esse trabalho, que não é
possível, nem aceitável a dicotomia entre língua e discurso; o que pode acontecer é que se
queira privilegiar um aspecto ao invés do outro, mas não dissociá-los.
Pudemos verificar que o jornal não se utilizou dos aspectos físicos da pessoa Severino
Cavalcanti para revelá-lo à sociedade. Parece lícito dizer que entre o jornal de referência e o
seu leitor não há previsão de manifestações preconceituosas de baixo nível, como ironias
sobre aleijados, deformados e feios. O ataque ao aspecto físico de uma pessoa, de certo modo,
aparece no senso comum como uma forma condenável de se atacar as idéias do oponente.
Portanto, as considerações a que chegamos, permitem-nos afirmar que a construção do
humor político se vale de estratégias da língua para que o deboche, o denegrir uma autoridade,
a denúncia, o desvelamento e a rigidez sejam deflagrados; a fim de que as normais sociais
sejam restabelecidas.
O uso do humor, ainda que não vise à risada audível/visível, permite desnudar todos os
discursos velados que estão presentes em nossas práticas do cotidiano. É, pois, aproveitando-
se desse estatuto libertário do humor, que a imprensa endossa o antigo aforisma “castigat
ridendo mores”.
84
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88
ANEXOS
Grupo 1
Texto 1
São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005
A REVANCHE DOS 300
Severino Cavalcanti está na vida pública há mais de 40 anos, trocou
de partido seis vezes e participou de expulsão de padre do país
“Católico roxo", eleito personifica baixo clero
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
(1)"Vossa Senhoria é homossexual ativo ou passivo?"
(2)Todos sabiam da aversão de Severino Cavalcanti por "relações sexuais de homem
(3)com homem". Ainda assim, a pergunta do deputado soou deselegante. Brasília
(4)respirava uma atmosfera abafadiça naquela manhã de terça-feira, 6 de agosto de
(5)1996. O ar parecia ainda mais espesso no corredor das Comissões da Câmara.
(6)Ali, um grupo de parlamentares reunira-se para ouvir o depoimento de Toni Reis,
(7)então presidente do grupo gay "Dignidade", de Curitiba. Ele vivia há seis anos com
(8)outro homem. Daí ter sido convidado a comparecer à Câmara. Falava aos
(9)parlamentares sobre a conveniência da aprovação da proposta que previa o
(10)reconhecimento da união civil entre casais gays. Entre as vantagens, mencionou o
(11)reconhecimento judicial do direito à herança de parceiros homossexuais.
(12)Atalhado por Severino, Toni Reis reagiu com humor: "Ah, senhor deputado, isso a
(13)gente conversa depois. A gente pode combinar um vinho".
(14)A deputada Maria Elvira (PMDB-MG), que presidia o encontro, ainda tentou
(15)retomar a meada da conversa. "Senhor deputado, sua participação é com essa
(16)pergunta?!?!" Severino, porém, não se deu por achado: "Quero ouvir a resposta". E
(17)Toni Reis: "Temos que variar, sr. deputado. Não é só sexo penetrativo. Há outras
(18)formas de prazer". Severino não integrava formalmente a comissão. Define-se,
(19)porém, como um "eterno vigilante contra a pornografia e a libertinagem".
(20)Eleito ontem presidente da Câmara, o pernambucano Severino Cavalcanti, 74, é a
(21)personificação daquilo que se convencionou chamar de "baixo clero". O país ainda
(22)não o havia notado. Mas ele está na vida pública há mais de 40 anos. Tornou-se
(23)prefeito de João Alfredo (PE), sua cidade natal, em 1964. Desde então, jamais ficou
(24)sem mandato. Seguindo as pegadas da ditadura militar, a quem sempre devotou
(25)fidelidade, foi deputado estadual por 28 anos.
(26)Em 1980, Severino atraiu o então presidente João Baptista Figueiredo para uma
(27)causa pessoal. Elegera um padre italiano, Vito Miracapillo, como seu inimigo em
(28)Pernambuco. E convenceu o governo a expulsá-lo do país.
(29)Severino diz ter defendido a expulsão porque ele teria se recusado a celebrar uma
(30)missa pela Independência, num Sete de Setembro. O padre diz que esse foi um
89
(31)pretexto. Na verdade, o deputado o considerava "subversivo".
(32)A partir de 1995, sob Fernando Henrique Cardoso, Pernambuco concedeu a
(33)Severino um mandato federal. Não saiu mais da Câmara. Está em seu terceiro
(34)mandato. Um de seus assessores dizia ontem que o chefe ascendeu à presidência da
(35)Câmara "comendo o mingau pelas beiradas".
(36)Pleiteou e obteve cargos na mesa diretora da Câmara. Na Segunda Secretaria, seu
(37)último posto, esmerou-se na defesa dos interesses dos colegas. Alçou a "valorização
(38)do mandato" -leia-se aumento salarial e um imenso etc.- ao topo de sua plataforma
(39)de campanha. Assim tornou-se o terceiro homem na linha sucessória da República,
(40)substituto eventual de Luiz Inácio Lula da Silva.
(41)O próprio Severino acha, segundo confidenciava ontem a amigos, que a presidência
(42)lhe caiu no colo porque o governo trata deputados com soberba. Esse seu ponto de
(43)vista é antigo. Em discurso de 7 de abril de 2003, disse que "os tecnocratas
(44)encastelados no poder parecem abominar os pedidos dos políticos". Defendeu a
(45)transformação do Orçamento da União em algo "impositivo", para que o governo
(46)não possa mais se negar a liberar verbas de emendas dos parlamentares.
(47)O novo presidente da Câmara assume com orgulho a condição de despachante de
(48)interesses paroquiais. "Boa parte do nosso tempo é gasto em repartições do Poder
(49)Executivo, lutando para liberar os recursos de nossas prefeituras, naquilo que já foi
(50)chamado de trabalho de vereador federal. Menciono o termo com tranqüilidade. Em
(51)vez de nos diminuir, nos honra e engrandece."
(52)Em diálogos reservados, Severino saboreava o triunfo ontem repetindo uma frase à
(53)Zagalo: "Eles vão ter que me engolir". Referia-se aos jornalistas. Acha que nunca
(54)teve da grande imprensa a atenção que merecia. A presidência da Câmara dá a
(55)Severino um púlpito que ele jamais teve. Agora sob holofotes, quer fazer da defesa
(56)da revitalização dos valores familiares o seu maior baluarte.
(57)Para o deputado, "o papa João Paulo 2º é a figura maior do século 20". Severino se
(58)define como "católico roxo". Além de combater a união civil entre homossexuais,
(59)deseja restringir a exposição de cenas que contenham sexo e violência na televisão
(60)no intervalo de 6h às 22h e proibir o aborto, mesmo em casos de estupro e risco de
(61)morte da mãe.
(62)Diz ele: "As nossas autoridades estão fechando os olhos aos malefícios que a
(63)permissiva programação das TVs vêm fazendo às nossas crianças e adolescentes e à
(64)família brasileira. Estão erotizando precocemente corpos infantis, incentivando a
(65)pedofilia, com novelas de grande audiência promovendo o sexo de crianças com
(66)adultos, alimentando a tara de adultos por adolescentes (...)".
(67)A coerência do discurso moralista de Severino contrasta com sua fluidez partidária.
(68)Já trocou do partido seis vezes. Hoje, é filiado ao PP de Paulo Maluf. Sob o
(69)tucanato, sempre votou afinado com o governo. Os articuladores políticos de Lula
(70)também não têm do que se queixar.
(71)O ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) passou em revista ontem a ficha de
(72)Severino. No essencial, sempre votou com o Planalto. Foi a favor, por exemplo, das
(73)reformas previdenciária e tributária.
90
Texto 2
São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005
COMENTÁRIO
A apoteose dos "outros Severinos"
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
(1)O Brasil precisa entender os seus Severinos. Há os Severinos de João Cabral de Melo
(2)Neto. E há os Severinos da Câmara. Uns têm pouco a ver com os outros. Eles são
(3)mesmo opostos sociais.
(4)Os Severinos de João Cabral "morrem de velhice antes do trinta, de emboscada antes
do vinte, de fome um pouco por dia".
(5)Os Severinos da Câmara dos Deputados não. Eles chegaram lá, no poder. Nos
(6)ambientes esnobes do Congresso modernista, porém, eles agem como uma espécie
(7)de lúmpen-parlamentares que andam pela sombra.
(8) Pouca gente conhece os deputados-Severinos da Câmara dos Deputados. A
(9)imprensa não os procura. Sua imagem não passa nas TVs. O governo não lhes dá
(10)muita bola. O senador José Sarney passa na frente deles e não os cumprimenta.
(11)Até os porteiros do Congresso não sabem quem eles são, eles que portam ternos
(12)mal cortados, têm os dentes emendados, os sapatos de má qualidade, a fala cheia
(13)de falhas gramáticas, a política sem pensamento, o fisiologismo como objetivo e o
(14)arrivismo como condição brejeira.
(15)A longa madrugada de ontem no Congresso foi a apoteose dos Severinos na
(16)política brasileira. Pelos votos, sabemos agora que eles são muitos, talvez
(17)muitíssimos. O momento em que um apagão deixou o plenário às escuras foi para
(18)os sensitivos como um presságio do vácuo onde o PT cairia horas depois.
(19)A sessão, de folclórica que estava, transformou-se em histérica e, por fim,
(20)histórica.
(21)Na calada da madrugada, quando todos os deputados são pardos, os Severinos
(22)derrubaram o PT da mesa da Câmara e elegeram como presidente o seu Mestre:
(23)Severino Cavalcanti.
(24)Trata-se de um sujeito bonachão, dizem, ao mesmo tempo que um exemplo do
(25)que de mais retrógrado sabe produzir a política brasileira. Um de seus projetos de
(26)lei consiste em proibir cenas de nudismo na TV brasileira. Muitos se referem a ele
(27)como o chefe dos católicos no Parlamento.
(28)Durante o seu discurso de posse, um ar quente de provincianismo espalhou-se
(29)pelo plenário, como se todos ali, de José Dirceu a Marco Maciel, estivessem
(30)assistindo à posse de um prefeito dos grotões.
(31)Os outros discursos, do ministro Nelson Jobim e do senador Renan Calheiros, não
(32)ajudaram a desfazer a sensação, apesar da pompa na entrada do Congresso, com
(33)os Dragões da Independência e tiros de canhão.
(34)Sim, havia uma atmosfera de grotões no Congresso brasileiro. Era o Brasil
(35)profundo dos políticos provincianos, dos inocêncios, do neopentescostalismo
91
(36)super conservador, dos radicais pós-ideológicos, do lúmpen-parlamentarismo
(37)fisiológico e de todos os severinos de Severino que exigiam os seus direitos
(38)plenos dentro do plenário.
(39)O Brasil precisa entender os novos Severinos -esta troca de elites políticas que já
(40)vem se processando há alguns anos no país.
(41)Os severinos tomaram conta da Câmara. Eles podem tomar conta do Planalto um
(42)dia.
(43)Até nos Estados Unidos há uma onda severina, que levou à vitória dos Severinos
(44)americanos nas últimas eleições. George W. Bush é um Severino texano.
(45)Os novos Severinos governarão o mundo.
92
Texto 3
São Paulo, terça-feira, 03 de maio de 2005
SABATINA FOLHA
Presidente da Câmara se contradiz sobre protesto de manifestantes,
defende virgindade até o casamento e evita opinar sobre uso de
camisinha
Severino dá 3 versões para vaias em 2 horas
DA REPORTAGEM LOCAL
(1)O presidente da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti
(2)(PP-PE), apresentou ontem três versões para um mesmo
(3)fato no período de duas horas. O fato são as vaias que
(4)levou no último domingo em São Paulo, na comemoração
(5)do Dia do Trabalho promovida pela Força Sindical,
(6)evento pelo qual teriam passado 1,2 milhão de pessoas,
(7)segundo estimativa da Polícia Militar.
(8)Minutos antes da sabatina da Folha, que reuniu cerca de
(9)200 pessoas ontem em São Paulo, ele dizia que não houve
(10)vaia: "Foi uma maravilha. Aquele povo todo gritando.
(11)Entendi como aplauso". Na primeira parte da entrevista,
(12)a vaia, segundo Severino, não era dirigida a ele, mas à
(13)Câmara. No final do evento, ele reconhece: "Fui vaiado,
(14)realmente. Eu pensava que era aplauso".
(15)Severino revelou na sabatina que sua visão sobre a vida
(16)sexual também é relativa -o que vale para o homem, não
(17)vale necessariamente para a mulher. A colunista da
(18)Folha Danuza Leão perguntou-lhe se, na opinião dele, a
(19)vida sexual deveria começar com o casamento: "É
(20)evidente. Eu era um homem puro. Casei com uma
(21)mulher que me serviu."
(22)Aí o deputado criou a figura do "mais ou menos"
(23)virgem. "O senhor está confessando que casou virgem?",
(24)quis saber Danuza. "Mais ou menos isso. A mulher tem
(25)de ser virgem, pura. O homem, às vezes, quer aprender a
(26)como fazer o serviço", contou. E aprende com quem?
(27)"Com quem se dispuser a ser a professora."
(28)O deputado se recusou a responder a uma pergunta do
(29)jornalista Fernando Rodrigues, que mediou a sabatina,se
(30)era contra o uso de camisinha, como defende a Igreja
(31)Católica. "Você está [sendo] muito indiscreto. Essa
93
(32)resposta não vou dar. Com 74 anos, não posso ser
(33)testemunha em nenhum desses casos", esquivou-se.
(34) Não sou ladrão!
(35)Severino afirmou que tem tranqüilidade para defender
(36)aumento salarial para os deputados porque era um
(37)homem rico quando ingressou na política e a atividade
(38)só reduziu o seu patrimônio. Contou que teve 14 lojas de
(39)eletrodomésticos e joalherias nas cidades de São Paulo,
(40)Goiânia e Campinas. "Depois que entrei na política fui
(41)acabando com as lojas. Depois entrei na herança da
(42)minha mulher e acabei com a herança."
(43)Quando a jornalista Renata Lo Prete, editora do "Painel",
(44)lhe perguntou se essa dilapidação de patrimônio não lhe
(45)daria a imagem de mau administrador, o deputado
(46)rebateu: "Deixa a imagem de que não sou ladrão.
(47)Quando eu morava em Aparecida [SP], era um homem
(48)rico".
(49)Severino reafirmou que é contra o aborto, mesmo em
(50)casos de estupro. "A vida pertence a Deus. Tenho vários
(51)exemplos de mulheres que são felizes com seus filhos,
(52)mesmo que tenha sido um acidente horrendo." O
(53)deputado disse que, se não fosse cristão, defenderia a
(54)aplicação de pena de morte para esse crime.
(55)A parábola do "cachaceiro" de João Alfredo, a cidade de
(56)Pernambuco em que Severino foi prefeito, foi citada em
(57)uma pergunta da platéia. O jeitinho que usou para evitar
(58)que um eleitor seu fosse preso por destruir copos e
(59)garrafas num bar, um prejuízo de R$ 400 que o
(60)parlamentar pagou, segundo ele, não é um mau exemplo
(61)de uso de cargo público.
(62)"Aprenda a respeitar seu semelhante", discursou
(63)Severino. "Você não sabe o que é um sujeito passando
(64)necessidade. O sujeito tinha Severino Cavalcanti e você
(65)não tem ninguém."
(66)O deputado disse que faz tudo às claras quando lhe
(67)perguntaram se era preconceituoso contra gays. "Eu não
(68)tenho preconceito. Tenho posições. Não engano
(69)ninguém. Sou o Severino Cavalcanti de 40 anos atrás."
Texto 4
94
São Paulo, terça-feira, 31 de agosto de 2005
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ACORDÃO OU
CASTIGO?
Gabeira afirma que presidente da Câmara "é desastre para o país';
Severino manda deputado recolher-se "à sua insignificância"
Reação à pizza provoca bate boca no plenário
FÁBIO ZANINI
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
(1)O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), bateu boca com deputados e
(2)chegou a ser ameaçado com pedido de cassação em razão da entrevista à Folha
(3)publicada ontem, em que defendeu penas brandas para parlamentares flagrados
(4)utilizando caixa dois. Mas outros parlamentares, inclusive alguns petistas, tomaram a
(5)sua defesa.
(6)O bate-boca durou mais de uma hora e teve seu ponto alto em uma pesada troca de
(7)ofensas com Fernando Gabeira (PV-RJ), que chamou o presidente da Câmara de "um
(8)desastre para o país". Gabeira ouviu, em resposta, insultos de vários deputados fiéis a
(9)Severino por defender a descriminalização da maconha.
(10)Severino Cavalcanti ocupou seu lugar à mesa da Câmara às 16h52 para ler um
(11)pronunciamento preparado por sua assessoria, já como resposta às críticas que
(12)sofria desde a manhã.
(13)"Noticiário dos últimos dias tem mencionado uma suposta interveniência que
(14)conduzisse a uma operação abafa ou a uma pizza, para usar o linguajar informal que
(15)tem caracterizado tais notícias. Esta presidência repele veementemente tais
(16)assertivas", disse, no início de seu pronunciamento.
(17)O presidente da Câmara, em sua defesa, não recuou de suas opiniões manifestadas à
(18)Folha. Concentrou-se em afirmar que seguirá o regimento e assegurará a todos os
(19)parlamentares citados o direito à defesa. "Enganam-se aqueles que pensam que
(20)deixarei levar inocentes ao cadafalso, apenas para, ao desvario, ouvir soar as
(21)trombetas."
(22)Isso não significa, segundo ele, que haverá condescendência. "Esta presidência não
(23)hesitará em reunir todas as suas forças para punir exemplarmente aqueles que
(24)porventura tenham conspurcado o seu mandato."
(25)Severino recorreu à sua biografia e lembrou que, quando exerceu o cargo de
(26)corregedor, pediu a cassação de oito deputados federais. "Portanto não sou leviano,
(27)irresponsável ou muito menos desequilibrado", disse, rebatendo adjetivos que
(28)recebeu durante o dia de ontem. Arrematou dizendo que seus acusadores agem de
(29)"má-fé".
(30)Bastou ele silenciar para que uma tensa troca de acusações se iniciasse. O primeiro
95
(31)a pedir a palavra foi o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA). Fez uma
(32)ameaça velada, dizendo que a defesa que Severino fez, na entrevista, do deputado
(33)Ronivon Santiago (PP-AC) coloca o presidente como possível depoente numa CPI.
(34)"E não é nada agradável ver o presidente da Câmara depondo numa CPI", disse
(35)Aleluia, para quem Severino foi "extremamente infeliz na entrevista". "A Câmara
(36)está colocada na vala comum, jogada à execração pública."
(37)O presidente da Câmara respondeu a Aleluia na hora. "Quando afirmei que não
(38)havia mensalão, acreditei no correligionário de V. Exª.", disse, em relação ao
(39)deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), que relatou o processo de cassação do deputado
(40)Roberto Jefferson (PTB-RJ) e disse não haver prova de "mensalão".
(41)Carneiro deu o troco: "Severino está doido. Ele não conhecia o meu voto quando
(42)deu a entrevista, que foi feita antes", disse.
(43)O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), disse que Severino tratou o caixa
(44)dois de forma "muito flexível". "O que lemos na Folha de S.Paulo de hoje é grave;
(45)não é bom para o Parlamento nem para a gestão de V.Exª. na Presidência da Casa."
(46)Momento ainda mais tenso ocorreu quando Gabeira tomou a palavra. "V. Exª. está
(47)se comportando de maneira indigna", disse. Ele relembrou a iniciativa de Severino
(48)há cerca de cinco meses de interceder por uma destilaria pernambucana acusada de
(49)abrigar trabalhadores escravos.
(50)"Estou apresentando a V.Exª. esta reclamação porque ainda não posso representar
(51)no Conselho de Ética. Mas afirmo que V.Exª. está em contradição com o Brasil. A
(52)sua presença na presidência da Câmara é um desastre para o Brasil e para a imagem
(53)do país. Ou V.Exª. começa a ficar calado, ou vamos iniciar um movimento para
(54)derrubá-lo", afirmou Gabeira.
(55)Severino, visivelmente alterado, disse: "V. Exª. recolha-se à sua insignificância!".
(56)Depois, já fora do plenário, completou: "Ele [Gabeira] quer se afirmar como
(57)homem, mas não conseguiu ainda."
(58)Gabeira acabou sendo atacado por outros deputados, que exploraram sua defesa da
(59)legalização da maconha. "Gabeira defende a legalização da maconha, erva maldita
(60)que tem destruído famílias, levado jovens para clínicas de recuperação, colaborado
(61)com assassinatos", disse Wladimir Costa (PMDB-PA).
(62)Outro que saiu em defesa do presidente da Câmara foi o petista Devanir Ribeiro
(63)(SP), que disse que ninguém iria "destruir o passado de Severino". "V.Exª. terá
(64)minha solidariedade enquanto presidir esta Casa, enquanto não acatar o que a mídia
(65)quer que façamos aqui, ou seja, uma caça às bruxas", afirmou.
GRUPO 2
Texto 1
96
São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005
Tropeço, mas não roubo, diz Severino
Em nome do macho
NELSON MOTTA
(1)RIO DE JANEIRO - Se atualmente já é difícil encontrar um
(2)parlamentar que não nos envergonhe, que dirá um que nos orgulhe.
(3)Como o deputado Fernando Gabeira, em quem me orgulho de ter votado,
(4)que nunca me decepcionou e agora deu mais um exemplo de coragem,
(5)independência, espírito público e virilidade moral, dizendo a Severino
(6)Cavalcanti o que ele merecia ouvir e o que a maioria não diz para não
(7)perder as viagens, verbas e vantagens que o patusco presidente distribui
(8)em troca de apoios e fidelidades.
(9)Agora mesmo, o ninho de ratos conhecido como baixo clero está em
(10)polvorosa: vai sair a escalação para o avião da alegria que levará um
(11)bando? Uma matilha? Uma quadrilha? De parlamentares monoglotas
(12)para uma semana de boca-livre em Nova York disfarçados de
(13)"observadores da Assembléia da ONU", claro, à custa dos impostos
(14)abusivos que nos sugam. Escolhidos a dedo por Severino.
(15)Jornais e TVs, sigam os passos desses turistas oficiais, filmem e
(16)fotografem suas caras, seus cabelos pintados e suas gravatas horrendas,
(17)seus passeios por Manhattan carregando sacolas de esposas e amantes,
(18)em limusines obscenas, atraindo o riso e o deboche com sua
(19)deselegância e sua falta de educação. São os súditos de Severino
(20)torrando nosso dinheiro, nosso trabalho.
(21)Gabeira falou grosso e alto, mas se manteve dentro de um certo decoro
(22)parlamentar. Severino é que, mais uma vez, até quando?, se mostrou em
(23)sua medonha significância ao tentar desclassificar os argumentos de
(24)Gabeira, "acusando-o" de "tentar se afirmar como homem" e que ele –
(25)machão nordestino caricato, homofóbico ativo- não sabia se havia
(26)conseguido... Para ele, um cidadão que goste de homens é menos
(27)cidadão ou menos homem e se iguala aos bandidos e picaretas que quer
(28)anistiar. Em nome da macheza, certamente.
(29)O grande erro de Gabeira foi seqüestrar o embaixador americano e
(30)trocá-lo por José Dirceu.
Texto 2
São Paulo, terça-feira, 06 de setembro de 2005
97
Agora lascou! Severino recebe gorjetão!
JOSÉ SIMÃO
(1)Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador geral da República!
(2)Direto do País da Piada Pronta! Ranking das catástrofes. Sabe qual a diferença
(3)entre o Katrina e o Bush? É que o Katrina vem, faz o maior estrago e vai embora. E
(4)o Bush vem, faz o maior estrago e NÃO vai embora!
(5)E agora lascou! É a vez do Severino Cheque-Cheque! Diz que o Severino recebia
(6)propina do restaurante da Câmara. Então não é mensalão, é BANDEJÃO! O
(7)Bandejão do Severino! E o Severino é o único que eu conheço que vai a restaurante
(8)e, em vez de dar gorjeta, leva! Cobra pra almoçar! Rarará!
(9)E adorei a charge do Frank com o Severino no restaurante: "Garçom! A conta está
(10)errada! Tá faltando os meus 10%". É o gorjetão! E diz que o Severino praticou
(11)"concussão": extorsão praticada por funcionário público. Que coisa! Um homem
(12)tão moralista praticando concussão? Rarará! E o Severino é real ou uma invenção
(13)do Dias Gomes? E eu já disse que o Gabeira é o maior culpado pela crise. Quem
(14)mandou ele trocar o embaixador americano pelo Zé Dirceu? Rarará!
(15)Brasil x Chile! O País da Cueca x O País da Cueca. O Brasil inventou a cueca
(16)bandida, mas o ritmo nacional do Chile é a cueca. Tem até diploma de cueca! E,
(17)quando eu fui pro Chile, comprei no aeroporto um CD chamado "14 Cuecas
(18)Inesquecíveis!".
(19)E mais cueca! Esta vem do Ceará: 90 comprimidos de ecstasy apreendidos NA
(20)CUECA! Por isso que um agente da Polícia Federal me disse: "Não agüento mais
(21)revistar cueca em aeroporto!". Viva a calcinha! E o Galvão, a gralha ufanista, tá
(22)cada dia mais parecido com o Felipe Dylon: colarzinho de surfista, pulseira da
(23)Nike e gel. Um gatinho! Rarará! E cinco a zero deixa o Gagallo e o Barreira na
(24)maior depressão. Pra eles, meio a zero já tá ótimo. "E agora o que eu vou dizer em
(25)casa? Cinco a zero? Os meninos não precisavam exagerar!" É mole? É mole, mas
(26)sobe!
(27)Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica
(28)campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de
(29)antitucanês. É que em Araripina, Pernambuco, tem um motel chamado motel
(30)Dorme Bem. Entendi, você transa em casa e vai dormir no motel. Rarará. Mais
(31)direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil.
(32)E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Concussão":
(33)companheiro com o fiofó sadio! Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis
(34)sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio
(35)alucinógeno. No pingolim.
(36)Pra ver se bate no teto!
Texto 3
98
São Paulo, domingo, 11 de setembro de 2005
VIDA SEVERINA
Seguidores do presidente da Câmara deixam fotos suas na estátua de padre
Cícero, no CE
Fiéis rezam pelo futuro de deputado
FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JOÃO ALFREDO (PE)
(1)Há uma semana, a professora Isabel Shirley da Costa, 28, cumpre um ritual: às 18h,
(2)em seu quarto, acende uma vela e reza com um terço na mão. Na parede branca há
(3)um crucifixo. Sobre a mesa, uma Bíblia, oito imagens de santos, uma de frei
(4)Damião e um "santinho" do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, por quem
(5)ela pede a intervenção divina.
(6)Shirley mora em João Alfredo (a 115 km de Recife), terra natal do deputado. Assim
(7)como ela, outros moradores da cidade também rezam por Severino, acusado de
(8)receber propina na Câmara. Fiéis que seguiram em caravana para Juazeiro do Norte
(9)(CE) também levaram em suas bagagens fotos do deputado, que serão deixadas aos
(10)pés da estátua do padre Cícero, com promessas de penitências, caso ele seja
(11)declarado inocente.
(12)"Alguns romeiros estão dispostos a subir ladeiras e andar descalços nas procissões
(13)por ele", disse o vereador de João Alfredo e aliado de Severino Wilson França
(14)(PP). "Outros prometem não comer carne ou só usar roupas brancas às sextas-
(15)feiras, se a graça for alcançada."
(16)"Em João Alfredo, Severino é como se fosse uma seita", disse o ex-vereador e
(17)primo de Severino, Josué Cavalcanti, 42. Adversário político do deputado, apesar
(18)do parentesco, ele critica o comportamento dos seguidores e afirma que "já
(19)esperava" a avalanche de denúncias contra o primo, "uma pessoa despreparada,
(20)um coronel".
(21)"Sou da família, mas não acompanho o coronelismo dele desde 1998", disse. "Há
(22)muitas pessoas pedindo por ele na cidade, mas não há como ser devoto de alguém
(23)que quer ser o rei de João Alfredo", afirmou.
(24)Os aliados de Severino rebatem. Dizem que acreditam na inocência dele e torcem
(25)para que o parlamentar não renuncie. "É calúnia o que dizem", afirma a professora
(26)Célia Campos, contratada, segundo ela, por intervenção do deputado. "Na época
(27)em que tinha concurso, as nomeações eram políticas e ele dava emprego público
(28)para muita gente. (...) Ninguém enxergou o que ele fez, e agora querem ver um
99
(29)cisco no olho."
(30)Célia já tem lugar reservado na carreata gigante que os correligionários de
(31)Severino pretendem fazer para recepcionar o deputado em sua próxima visita à
(32)cidade. "Tranqüilamente, conseguiremos levar 500 carros a Recife para trazer o
(33)Severino", disse o presidente do Prona de João Alfredo, Mávio César de Almeida
(34)Salviano, 33. Para recepcioná-lo, as faixas que saudaram Severino em sua
(35)primeira visita à cidade como presidente da Câmara serão recolocadas nas ruas.
(36)Novas faixas, disse Salviano, só serão confeccionadas após o desfecho da crise
(37)política.
Texto 4
100
São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2005
NELSON MOTTA
Cazuza canta Severino
(1 )RIO DE JANEIRO - "Vamos pedir piedade, Senhor, piedade / pra essa gente
(2)careta e covarde/ Vamos pedir piedade, Senhor, piedade/ lhes dê grandeza e um
(3)pouco de coragem."
(4)Não, Cazuza não estava falando de Severino e de seus ratinhos do baixo clero em
(5)"Blues da Piedade", no caso seria mais apropriado "Forró da Piedade", mas, como
(6)todo bom poeta, ele também era profeta. E, ao contrário deles, com sua grandeza
(7)coragem, Cazuza enfrentou e venceu a intolerância e o preconceito. Mas perde
(8)sempre para a ignorância.
(9)Mais de dez anos depois de sua morte, ele revive, irônico e cortante, quando
(10)Gabeira responde com seus versos -mortíferos como um cheque nominal- às
(11)"acusações" de homossexualismo e consumo de "tóchico" (sic) feitas pelo
(12)caricato machão nordestino.
(13)"Nos chamam de ladrão, de bicha, maconheiro / porque assim se ganha mais
(14)dinheiro."
(15)Só a piedade pode explicar os 156 votos a favor de Roberto Jefferson. No caso,
(16)piedade deles mesmos. Eles também terão piedade de Severino. Se esses dois
(17)escapam, ninguém pode ser condenado, copiaram? As piscinas deles estão cheias
(18)de ratos e suas idéias não correspondem aos fatos. Mas o tempo não pára, e
(19)aparecerão os cheques, os telefonemas, as secretárias e os motoristas, e eles
(20)voltarão aos seus grotões, ostentando macheza e protestando inocência.
(21)Quando Cazuza dizia querer uma ideologia para viver, queria sinceramente
(22)acreditar em alguma coisa e, ao mesmo tempo, debochar dos crentes otários e de
(23)velhas mentiras. Dizia a bola de cristal poética: "Meu partido é um coração
(24)partido/ e as ilusões estão todas perdidas/ os meus sonhos foram todos vendidos/
(25)tão barato que eu nem acredito".
(26)Poderia chamar-se "Balada do Mensalão" ou "Melô do Petê".
(27)Mas vamos pedir piedade, "pois há um incêndio sob a chuva rala/ somos iguais
(28)sem desgraça/ vamos cantar o blues da piedade".
GRUPO 3
Texto1
101
São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2005
ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ALÉM DO
"MENSALINHO"
Severino renuncia ao mandato e se torna o primeiro presidente
da Câmara a deixar o cargo
"Mensalinho" derruba o "rei do baixo clero" após 7 meses
(1)O presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE) renunciou ontem ao mandato e ao
(2)cargo de deputado, afirmando que voltará: "O povo me absolverá". Em seu discurso de
(3)despedida, acusou a "elitizinha que não quer largar o osso" de ser a responsável por sua
(4)renúncia. Disse também que "empobreceu com a política".
(5)Sua fala nem havia acabado, e os partidos já davam a largada oficial à corrida sucessória
(6)pela presidência da Câmara. Uma profusão de candidatos foi lançada, mas os favoritos, por
(7)enquanto, são o peemedebista Michel Temer (SP) e o pefelista José Thomaz Nonô (AL).
(8)Severino deixa o posto sete meses e seis dias após impor uma das maiores derrotas ao
(9)governo Lula, vencendo Luiz Eduardo Greenhalg (PT-SP), candidato do Planalto.
(10)Seu discurso de renúncia foi recebido pelos deputados em silêncio, sem aplausos nem
(11)vaias. Mas das galerias vieram os protestos. Tão logo findou sua fala, uma estudante
(12)gritou: "Vai embora, Severino, seu corrupto".
(13)Seguiu-se um tumulto nas galerias. A segurança da Casa, sob ordens do já presidente
(14)interino Thomaz Nonô, retirou à força os estudantes, alguns ligados ao PSTU e ao PSOL.
(15)Houve troca de empurrões, socos e pontapés.
(16)Severino perdeu o mandato e o cargo de presidente após 19 dias de pressão, resultado da
(17)acusação de receber propina em 2002 e 2003 em troca de garantir a um empresário a
(18)exploração de restaurantes na Câmara.
Texto 2
São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2005
102
Buchada de bode é prato principal no "último
almoço"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA
(1)O deputado reservou seu último dia no cargo para receber amigos.
(2)A diferença é que as visitas de ontem não se restringiram ao "baixo
(3)clero". O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o
(4)líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), visitaram
(5)o pepista. Ao abraçar o senador Ney Suassuna (PMDB-PB),
(6)Severino se emocionou. Pela manhã, ele chorou ao receber o
(7)deputado Inocêncio Oliveira (PMDB-PE).
(8)Seu último almoço contou com 25 pessoas, a maioria deputados do
(9)"baixo clero", que comeram buchada de bode, tambaqui do Acre e
(10)carneiro assado. Após renunciar, Severino não voltou à residência
(11)oficial. Foi para o apartamento funcional que usava antes.
(12)Hoje o deputado deve passar por cirurgia de catarata e viajar para
(13)Pernambuco. A aliados, disse que 17 prefeitos preparam uma festa
(14)para recepcioná-lo em João Alfredo (PE), sua terra natal, na
(15)semana que vem.
(16)Severino havia levado pouca coisa para a residência oficial, entre
(17)as quais uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. A Câmara dá
(18)um mês para que os ex-deputados desocupem os imóveis
(19)funcionais. Ele afirmou que viverá de uma aposentadoria entre R$
(20)6 mil e R$ 7 mil que recebe da Assembléia Legislativa de
(21)Pernambuco
Texto 3
São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005
103
Buemba! CPI serve chá com porrada!
JOSÉ SIMÃO
(1)Buemba! Buemba! Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O
(2)esculhambador-geral da República! E sabe onde o pessoal de João
(3)Alfredo assistiu à renúncia do Severino? Numa pizzaria! E o
(4)Severino Cheque-Cheque diz que foi vítima de um complô. Tá
(5)certo. O dono do restaurante complô ele! Ele foi complado! E diz
(6)que foi vítima de empobrecimento ilícito. Empobreceu com a
(7)política, mas quer voltar. Então ele quer ficar miserável? Quando
(8)voltar, não vai receber gorjeta, vai cobrar consumação mínima! Ele
(9)não recebeu mensalinho, foi couvert artístico! E o site Euhein
(10)mostra o Severino: "Empobreci com a política". E o cidadão: "E
(11)eu empobreci com os políticos!".
(12)E ele disse que a dona Amélia Catarina, sua mulher, é o farol da
(13)vida dele. Também, com aquele tamanho! Os inimigos dizem que
(14)ela era o canhão da vida dele! E ele repetia: "É mentira! É
(15)mentira! É mentira!". E não é que ele tava falando a verdade?
(16)Tudo que ele dizia era mentira. E aqueles 300 que votaram nele
(17)deviam ser cassados por arrebentação de decoro parlamentar!
(18)CPI urgente! PORRADA! Gente fina é outra coisa. CPI serve chá
(19)com porradas! Apelaram pra ignorância. Tava demorando pra sair
(20)um tapa. E diz que a Heloísa Helena tava alterada. Não, ela estava
(21)em seu estado normal. Alterada é quando ela fica quieta! Diz que
(22)ela quase levou um tapa. E quem saiu perdendo? O tapa? É mais
(23)fácil o tapa levar uma Heloísa Helena! Aliás, ela precisa
(24)enriquecer o vocabulário. Ela só xinga os outros de cabra safado.
(25)Muda de bicho, pelo amor de Deus, ou de Karl Marx! Rarará!
(26)GALVÃO, FILMA EU! Antes da sessão da CPI teve empurra-
(27)empurra de deputado querendo pegar lugar melhor quando um
(28)gritou: "Calma, a Globo vai filmar todo mundo". É a síndrome do
(29)"Galvão, filma EU!". E o ACM Nato? O cabelo não sai do lugar
(30)nem quando ele fica nervoso. É o deputado gel. E quando é que
(31)vão consertar o controle de volume do ACM Nato?! E a Ideli
(32)Salvati tá sendo chamada de Ideli Selvagem, adora um barraco! E
(33)a mulher do filho do Maluf disse que a prisão é triste! Então
(34)contrata o Tom Cavalcanti pra alegrar! Se me pagarem US$ 500
(35)mil, vou lá e conto um monte de piada. Do Maluf, claro! Rarará.
(36)Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica
104
(37)campanha "Morte ao Tucanês". É que na beira do rio Jari, Pará,
(38)tem um barco boate apelidado de Putanic. Viva o antitucanês.
(39)Viva o Brasil.
(40)E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.
(41)"Copom": copo pro companheiro tomar conhaque. O lulês é mais
(42)fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Fora todos!
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