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LAISE TAVARES PADILHA BEZERRA
A dança dos monstros:
Corpo e estética na arte e na Educação Física
NATAL – RN
2008
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LAISE TAVARES PADILHA BEZERRA
A dança dos monstros:
Corpo e estética na arte e na Educação Física
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Linha de pesquisa “Estratégia
de pensamento e produção do conhecimento”, como
requisito parcial para obtenção do título de mestre sob
a orientação da Profª Drª. Karenine de Oliveira
Porpino.
NATAL – RN
2008
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Divisão de Serviços Técnicos
Bezerra, Laise Tavares Padilha.
A dança dos monstros : corpo e estética na arte e na Educação Física /
Laise Tavares Padilha Bezerra.. - Natal, 2008.
162 f.
Orientadora: Profa. Dra. Karenine de Oliveira Porpino.
Dissertação (Mestrado em Educão) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
Graduão em Educão.
1. Educão Física- Tese. 2. Dança - Tese. 3. Corpo Tese. 4. Arte -
Tese. 5. Estica – Tese. I. Porpino, Karenine de Oliveira. . II. Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 796.4(043.3)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA: ESTRATÉGIAS DE PENSAMENTO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação intitulada A
dança dos monstros: corpo e estética na arte e na Educação Física, elaborada por
Laise Tavares Padilha Bezerra, como requisito parcial para a obtenção do Grau de
Mestre em Educação.
Banca examinadora
____________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Karenine de Oliveira Porpino (UFRN) - Orientadora
____________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Elaine Melo de Brito Costa (UEPB)
____________________________________________________________
Prof
a
. Dr
a
. Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio (UFRN)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas (UFRN) – suplente
NATAL – RN
2008
A Henrique na esperança de um
futuro bom. Amo você!
Capa agradecimentos
Por uma boa dança...
Uma boa dança é feita de encontros, aproximações e distanciamentos,
agrupamentos e relações, sinuosidades, angústias, procuras, pesquisas, que
juntos desenham linhas de movimentos e revelam sentidos, afetos. Este texto
foi dançado assim, em construção contínua, fez uso da repetição, da
fragmentação, da justaposição, da aglutinação, e, como numa boa dança,
este desenho de movimentos que envolvem sua construção, faz-se efêmero,
mas deixa algo que marca profundo. Uma dança coletiva perpassa os
movimentos desse texto, e cada um dos que se movimentaram nela,
revelando sentidos, movimentos, vibrações de intensidades, paixões, bons
encontros, a tornaram possível. Neste sentido, remeto-me:
A Deus e a Maria, pela luz, pela força, pelo discernimento, pela coragem e
perseverança ao longo da produção deste texto e por tornar-me uma
eterna aprendiz de sua sabedoria;
A minha família pelas relações de convívio, únicas e múltiplas, e pelo apoio
incondicional que me dedicaram durante todos esses anos. Pela
compressão das minhas ausências, isolamentos e angústias. Pelo
investimento e pelo exemplo de luta no exercício da heterogeneidade, da
pluralidade como condição da vida familiar e da vida humana. Ao meu Pai
(Padilha), a minha mãe (Tânia), meu irmão (Bruno), minha Irmã (Aline), A
minha sobrinha (Viviane) e a Tâmara e Miranda, obrigada por existirem;
obrigada pela confiança;
A Henrique (Momy), por não me deixar desistir perante as dificuldades e pela
confiança constante. Obrigada pelos momentos lindos que vivemos e por
aqueles que estão por vir. Obrigada por completar minha existência, sonhar
comigo e a beleza nas coisas mais simples. Espero que você nunca
esqueça de uma bela canção que um dia eu falei para você: “Eu disse que
eu te amo e isso é para sempre. E isso eu prometo do fundo do meu
coração”. Meu tudo...
A Dona Leli, minha sogrinha, quando olho para você vejo um anjo que veio
para iluminar a minha vida, sempre presente, prestativa, paciente. Obrigada
pelo carinho, pela atenção, pela compreensão, por me receber
maravilhosamente em sua casa, e pela vibração a cada momento do
trabalho;
A tio Otavio, pelo exemplo acadêmico e de família. Seus poemas sobre a
complexidade, estão diluídos nas reflexões desse texto;
A professora Karenine pela dedicação, orientação e paciência que
dispensou nesses últimos anos para comigo e para a concretização de mais
um trabalho. A sua dedicação e o senso de humanidade com que exerce
sua profissão serão sempre exemplos para mim. Espero que este seja apenas
mais um dos tantos momentos que compartilhamos juntas e que celebre
novas danças. Meu sincero agradecimento e admiração filosófica;
Aos professores Petrucia e Pereira, pela importante contribuição em minha
formação, pelo estímulo e apoio;
A professora Larissa pelas valiosas sugestões, pelo carinho e amizade. Pela
confiança, pela docilidade, pelo exemplo de vida e de pessoa, pela
paciência, pela leitura carinhosa e rica que fez no final trabalho e por
aceitar participar da banca examinadora;
As professoras Ceiça Almeida e Wani, e ao professor Alex Galeno pelas
contribuições no desenvolvimento do trabalho, pela leitura durante os
seminários. Seus olhares foram importantes para a delimitação de nosso
objeto de estudo e na atividade de recorte que envolve a produção do
conhecimento. Obrigada pelas questões lançadas, pela amizade e
comprometimento acadêmico;
Aos professores das disciplinas do programa de pós-graduação em
educação, pelas ricas discussões em sala de aula e contribuições para meu
entendimento dos temas da educação;
A professora Elaine por aceitar o convite de participar com examinadora
externa;
A Gabi pela ajuda incomensurável prestada na universidade e em minha
vida, pelo companheirismo, pelo exemplo de aluna e pessoa, pela
dedicação e prestatividade. Você vai longe;
Aos meus alunos pela oportunidade de compartilharmos nossas vidas;
Aos amigos: Iracema, Henrique Jr., Rachel, Marina, Maria, Weranna, Ricardo,
Júnior, Carol, Monalisa, Israel, Deinha, Zoé, Laís, João Carlos, Allyson, Augusto
(gugu) e Loreta, pelas vibrações, pelos momentos de trocas;
A Anna Paulla e Thales, por acreditarem em nossa amizade, pelas vibrações
durante todos os momentos da produção desse texto, por proporcionarem
momentos para que nossa amizade se solidifique cada vez mais, por tudo
que já vivemos e deixamos de viver, pelas parcerias futuras;
Ao amigo Renato pelos valiosos momentos de discussão em sala de aula e
na biblioteca do NEPSA;
Aos colegas professores da universidade por compreenderem alguns
momentos de ausência, pelas conversas amigas, pelo compartilhar de
experiências;
A minhas alunas da dança, eternas parceiras, juntas vivemos momentos
inexplicáveis, desenhamos e significamos os gestos, conquistamos espaço,
ousamos com a horizontalidade e com verticalidade, tornamos os espaços
vivíveis, rimos e nos pegamos empurrando caixas e blocos nas ruas de
Joinville. Não posso deixar de agradecer a Angélica, mãe da AnaLu, sem
seu apoio não teríamos vivido esses momentos, pelas calorosas e ricas
conversas, obrigada!
As professoras Jurema Márcia e Lúcia Leandro por acreditarem no meu
trabalho, e me proporcionarem a realização de mais um sonho, criar um
grupo de dança na universidade, estamos nessa juntas, vamos a luta, vamos
“dançar a vida”;
Ao professor Roberto Cabral, meu professor, colega e coordenador.
Obrigada pela oportunidade profissional, pelo grande exemplo que tenho
visto todos os dias no exercício de sua função de coordenador do curso de
Educação Física da UNP, pessoa de um coração imensurável;
A Fátima Sena, minha eterna diretora artística, você é um grande exemplo
para mim, obrigada sempre, por me deixar expressar pela dança, por
acreditar que é possível uma “educação sensível” na dança, por investir sua
vida nisso, pelo carinho, e pelo compromisso que tem com seus projetos, sou
sua eterna fã;
A Wanie Rose, não sei se ela sabe o quanto foi e é importante no meu
pensamento de dança. Durante o desenvolvimento desse texto, tive
oportunidade de voltar a conviver um pouco mais próximo, nas atividades
de um projeto para a formação de coreógrafos em Natal desenvolvido pela
casa da Ribeira. Tive oportunidade de vivenciar um pouco mais sobre
processo criativos, e rir com as coisas da Wanie, que sabe que convive
com ela. Admiro muito seu trabalho, muita dança nessa vida pra você;
Ao grupo cena 11 pelo trabalho que vem desenvolvendo na Dança
Brasileira, por me receberem em Florianópolis, pela ajuda no material
solicitado, pelos momentos juntos. A Alejandro pela competência profissional
e pela entrevista concedida. A Gabriel Collaço pela gentileza, agilidade e
disponibilidade. Eternas vibrações para vocês;
A Maíra Sphaguero, pela docilidade, rapidez e prestatividade. Obrigada
pelo livro;
Ao Grupo Parafolclórico da UFRN, que mesmo distante, continua presente
em minha vida. Jamais esquecerei os momentos maravilhosos que vivi com
vocês, das pesquisas desenvolvidas pelo grupo que contribuem para manter
viva a nossa história, do trabalho de re-elaboração comprometido que vem
fazendo, das amizades conquistadas, de viver o corpo, e poder ser brincante
do tempo e do espaço, olhar para o “texto corpóreo que desenham nos
sensibiliza;
Ao GEPEC, pelos valiosos momentos de discussão, pela ação comprometida,
ética e competente que vem desenvolvendo. Pela contrição para a
reflexão na Educação Física, sou eternamente grata;
Aos funcionários da biblioteca CCSA, pelo comprometimento acadêmico
que desenvolvem;
As secretárias do Curso de Educação Física da UNP, Joelma e Janaina pela
extrema competência profissional;
A todos os que de alguma forma ajudaram na elaboração deste trabalho,
este é o momento de agradecer. Com todos vós, esta dança tornou-se
menos pesada, mais colorida, mais vibrante.
Resumo
Os discursos sobre o corpo em interface com a tecnologia, que
permeiam as discussões contemporâneas, têm sido palco de inúmeras
reflexões éticas, epistemológicas, estéticas e ontológicas. Esses corpos
advindos do cenário biotecnológico também invadem a dança,
possibilitando diálogos diversos, desestabilizando velhos conceitos, abrindo
caminho a explorações desveladoras e trazendo consigo implicações e
reflexões. Nesse contexto, esta pesquisa tem como objetivo discutir
relações entre corpo e tecnologia na dança; compreender as
configurações estéticas do monstro na dança como possibilidade de
questionar o corpo; estabelecer relações entre o corpo monstruoso na
dança e as concepções de corpo na Educação Física. Acreditamos
poder contribuir para a reflexão no campo da Educação Física, visto que
o trabalho visualiza ampliar o campo das discussões sobre corpo e
estética, bem como evidenciar diálogos entre diferentes áreas do
conhecimento, como a Arte e a Educação Física. Do ponto de vista do
método, o trabalho segue orientação da Fenomenologia para uma
apreciação estética de imagens dos vídeos das coreografias In´perfeito e
Violência do Cena 11, grupo de dança que tem marcado novas
configurações estéticas na dança brasileira. Assim nos apropriamos das
reflexões sobre as “cenas significativas” propostas por Bicudo (2000), para
apreciar a dança do Cena 11. Enfatizamos que, após a identificação das
Cenas Significativas, buscou-se aproximar essas cenas a partir de sentidos
próximos, das quais destacamos a aparência, o espaço e o gesto.
Constatamos que os corpos revelados pelo grupo Cena 11 evidenciam
uma estética que entrelaça o belo, o feio e o grotesco. Uma estética das
desmedidas, capaz de transgredir as oposições, dialogando com múltiplos
antagonismos e que amplifica os preceitos lineares e as estéticas
apolíneas tão predominantes na história da dança e da Educação Física.
Identificamos alguns indicativos que nos levam às problematizações sobre
um corpo afetivo e anarquista, ao questionarem a tirania da
corporalidade perfeita; a naturalização da dor; a gestualidade fechada
em uma gramática única e acabada; a padronização de papéis
femininos e masculinos e a negação do sentir. A partir desses indicativos,
discutimos a estética dos corpos deformados do Cena 11, aproximando-a
das concepções de corpo na Educação Física, ora criticando as visões
racionalistas e naturalistas, ora dialogando com perspectivas mais
recentes pronunciadas por pesquisadores dessa área de conhecimento,
as quais apontam para uma reflexão sobre o corpo sob a ótica do
sensível.
Palavras-chave: Corpo, Estética, Educação Física, Dança.
Abstract
The speeches about the body in interface with the technology, that
fulfill the contemporary discussions, have been a stage of innumerable
ethical, epistemological, aesthetic and ontological reflections. These
happened bodies of the biotechnological scene also invade the dance,
making several possible dialogues, making old concepts instable, opening
way to revealing explorations and bringing with it implications and reflections.
In this context, this research has as objective to discuss relations between
body and technology in the dance; to understand the aesthetic
configurations of the monster in the dance as possibility to question the body;
to establish relations between the monstrous body in the dance and the
conceptions of body in the Physical Education. We believe to be able to
contribute for the reflection in the field of the Physical Education, since the
work visualizes to extend the field of the discussions on aesthetic body and, as
well as evidencing dialogues between different areas of the knowledge, as
the Art and the Physical Education. From the point of view of the method, the
work follows orientation of the Phenomenology for an aesthetic image
appreciation of the videos in the choreographies In'perfeito and Violência of
Cena 11, Dance Group that has marked new aesthetic configurations in the
brazilian dance. Thus, we took for us the reflections on the "significant scenes"
proposed by Bicudo (2000), to appreciate the dance of Cena 11. We
emphasize that, after the identification of the Significant Scenes, it was
necessary to approach these scenes from close senses, from which we
detach the appearance, the space and the gesture. We evidence that, the
bodies revealed by the group Cena 11, show an aesthetic that it interlaces
the beauty, the ugly and the grotesque. An aesthetic of the unharmony,
capable to transgress the oppositions, dialoguing with multiple antagonisms
and that it amplifies the apollonian aesthetic linear rules, so predominant in
the history of the dance and the Physical Education. We identify some
indicatives that take us to the problematizations on an affective and
anarchic body, when questioning the tyranny of the perfect corporality; the
naturalization of the pain; the closed gesture in a finished and unique
grammar; the standardization of feminine and masculine roles and the
negation of the feeling. From these indicatives, we discuss the aesthetic of
the deformed bodies of Cena 11, approaching it of the conceptions of body
in the Physical Education, sometimes criticizing the rationalists and naturalistic
views, sometimes dialoguing with more recent perspectives studied by
researchers of this area of knowledge, which point to a reflection on the body
under the optics of the sensible.
Key-Words: Body, Aesthetic, Physical Education, Dance.
Índice
LISTA DE IMAGENS____________________________________________________17
E DANÇAM FRANKENSTEIN, FREAKS E CYBORGUES______________________ 21
(introdução)
Questões de estudo.......................................................................................... 31
Objetivo..............................................................................................................32
CONSTRUINDO O FRANKENSTEIN______________________________________34
(o trajeto medológico)
Metodologia......................................................................................................35
O cena 11...........................................................................................................40
A estrutura do trabalho....................................................................................45
A DANÇA DA DESMEDIDA_____________________________________________46
(capítulo 1)
A aparência....................................................................................................... 47
O espaço............................................................................................................ 70
O gesto...............................................................................................................88
CORPO E ESTÉTICA NA DANÇA DO CENA 11 E NA EDUCAÇÃO FÍSICA___ 98
(capítulo 2)
O corpo perfeito................................................................................................99
A fragmentação homem/mundo; natureza/cultura; homem/animal......104
A gestualidade fechada em uma gramática única e acabada..............109
As determinações unilaterais do espaço.......................................................120
A negação do sentir.........................................................................................124
DANÇANDO AO SOM DE RUPTURAS PARA CONLUIR ____________________130
(Considerações finais)
REFERÊNCIAS_________________________________________________________135
ANEXOS_____________________________________________________________145
Lista de Imagens
IMAGEM 01 – A visita ao Cena 11. Fonte: Arquivo pessoal................
IMAGEM 02 – O corpo palhaço. Espetáculo Violência......................
IMAGEM 03 – A aparência do freak. Espetáculo Violência...............
IMAGEM 04 – O corpo do louco. Espetáculo Violência.....................
IMAGEM 05 Corpo frágil X corpo potência. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 06 – A exibição da feiúra. Espetáculo Violência.................
IMAGEM 07 Os corpos deformados dançam juntos. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 08 Entre a fragilidade e a potência. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 09 – O corpo diferente. Espetáculo In´perfeito...................
IMAGEM 10 O corpo desnaturalizado.
Fonte:www.cena11.com.br, Foto: Cristiano Prim................................
IMAGEM 11 - Corpos deformados. Espetáculo In´perfeito................
IMAGEM 12 - O corpo Frankensteniano. Espetáculo Violência........
IMAGEM 13 - Crianças que não sentem medo o corpo
videogame (cena 11)/ fonte:www.cena11.com.br/Foto:
Fernando Rosa.........................................................................................
IMAGEM 14 - Entre a fragilidade e a potência. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 15 - Configurações diversas para o corpo. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 16 - Explorando o espaço. Espetáculo Violência...............
IMAGEM 17 - Ampliação do espaço. Espetáculo In
´perfeito............
IMAGEM 18 - A invasão do espaço o fundo do palco ocupa o
centro. Espetáculo In´perfeito...............................................................
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49
49
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72
74
74
IMAGEM 19 - O espaço que marca o tempo. Espetáculo
Violência...................................................................................................
IMAGEM 20 - Estranhas criaturas rodopiam e exploram
movimentos diversos. Espetáculo Violência........................................
IMAGEM 22 - O espaço cênico. Espetáculo In´perfeito....................
IMAGEM 23 - O corpo projétil. Fonte: www.cena11.com.br, foto:
Fernando Rosa.........................................................................................
IMAGEM 24 - Novas convivências com o espaço: espaço vertical
e espaço horizontal. Espetáculo In´perfeito........................................
IMAGEM 25 - A configuração de um espaço panóptico.
Espetáculo In´perfeito.............................................................................
IMAGEM 26 - O corpo louco. Espetáculo Violência...........................
IMAGEM 27 - Dilatação do espaço. Espetáculo In´perfeito..............
IMAGEM 28 - A lente ampliação do corpo. Espetáculo In
´perfeito.................................................................................................
IMAGEM 29 - Re-configurando o espaço. Espetáculo In´perfeito....
IMAGEM 30 - O corpo marionete. Espetáculo In´perfeito.................
IMAGEM 31 - Os monstros dançantes. Espetáculo Violência............
IMAGEM 32 - O movimento dos desengonçados. Espetáculo In
´perfeito/violência................................................................................
IMAGEM 33 - A aranha gigante. Espetáculo Violência......................
IMAGEM 34 - O corpo que se exibe. Espetáculo Violência...............
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96
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
E dançam Frankenstein, Freaks e
Ciborgues
Os discursos sobre o corpo que permeiam as discussões
contemporâneas têm sido palco de inúmeras reflexões éticas,
epistemológicas, estéticas e ontológicas. A reinvenção do corpo
possibilitada pelo processo de virtualização das tecnologias “concretiza-
se na alteração das funções somáticas, como: a percepção, os
movimentos de deslocamento do corpo, as alterações na visibilidade do
corpo, seja por reconstituições da pele, dos tecidos, seja pela criação de
modelos digitais, entre outras possibilidades” (NÓBREGA, 2003b, p. 2).
Esses investimentos envolvem uma complexidade de questões
que trazem à tona algumas indagações, dentre elas, a mais expressiva
tem sido: Qual o limite de nossa materialidade? Tal questionamento e
incursões no corpo possibilitaram o surgimento de novos campos do
conhecimento, como o da biotecnologia, por exemplo, que passaram a
redimensionar e a discutir esses investimentos da técnica sobre o corpo.
Essa reinvenção do corpo possibilitada pelo desenvolvimento da
tecnologia traz à tona um corpo virtualizado, que passa a compor o
cenário da “era da eletrônica”
1
como um grande hipercorpo híbrido e
mundializado (LEVY, 2003). E esse “corpo mundo”, sem fronteiras, é
aberto a interdições e intrusões, sejam elas autoritárias ou
contestadoras.
Junto a essa reinvenção, temos observado alguns entendimentos
conflituosos e imprecisos que envolvem essa relação homem-máquina
proporcionada pela tecnologia. Por um lado, temos os tecnoclastas,
aqueles que vêem a tecnologia como algo destruidor e a acusam de
deteriorar a sociedade; por outro, encontramos o tecnomaníacos, os
1
Esse termo será utilizado na pesquisa como sinônimo de tecnologia, com o intuito de
demarcar nossas investigações sobre a tecnologia a partir da revolução industrial,
porém é importante reconhecermos que não somos a primeira geração a viver as
rápidas mudanças proporcionadas pela tecnologia.
22
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
entusiasmados pela tecnologia, que acreditam ser essa a solução para
desvendar os mistérios da humanidade (SANTANA, 2003).
Esses entendimentos conflituosos tornam-se, na maioria das
vezes, dualísticos, uma vez que podem contribuir para a readaptação ou
para a reconstrução de corpos mutilados, dado que restauram aspectos
funcionais, bem como apontam a defasagem do corpo em relação às
diversas possibilidades criadas e proporcionadas pela bioengenharia
(NÓBREGA, 2003b).
Estamos vivendo num mundo em que organismo e máquina se
confundem, fundem-se. É o corpo em metamorfose, o homem-satélite
2
,
o corpo Ciborgue
3
, que pelo final do século XX representa a fusão entre
a imaginação e a realidade. O Ciborgue, segundo Haraway (2003), é a
nossa ontologia, somos teorizados e fabricados de híbrido de máquinas
e organismos que vivem em uma constante guerra de margens.
Essa guerra de margens que percorre a mixagem do homem com
a tecnologia está mergulhada na ideologia dos monstros. Nessa
perspectiva, o monstro será considerado, neste texto, como aquela
criatura ciborguiana que se utiliza da interface entre organismo e
máquina para se deformar, possibilitando-nos novos olhares estéticos
para o corpo.
Os monstros proliferam por todos os lados, invadindo os cinemas,
as pinturas, os livros, os teatros, os desenhos, os brinquedos e a dança.
Essas figuras são passíveis de repúdio e atração, ora os exortamos,
como símbolos de uma aberração, ora os exaltamos, acompanhados
pela vertigem da experimentação e da aventura; “queremos conhecer
os confins de nós próprios, aquele limiar onde deixamos de ser homens”
(GIL, 2000, p. 169).
2
Termo criado por Couto (1998) para refletir sobre o homem contemporâneo e sua
mixagem com a tecnologia.
3
Termo cunhado pelo cientista Manfred Clynes, e pelo Psiquiatra Nathan Kline em
1960, referindo-se a um conceito de “homem-ampliado”. Esse cruzamento da
cibernética com os organismos biológicos redimensiona nossa polaridade homem-
máquina, tornando-nos híbridos (SANTANA, 2003). O conceito de ciborgue foi bem
desenvolvido e expandido por Donna Harraway, em seu manifesto intitulado "A
Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist-Feminism in the Late Twentieth
Century”.
23
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
No entanto findamos acolhendo todas as espécies de monstros,
reencontramos neles nossos sonhos mais antigos, palcos de
metamorfose de horror, ou, pelo pânico de tornar-se o outro, são nossos
alvos prediletos por estarem situados na fronteira entre a humanidade e
a inumanidade. É exatamente essa zona de “indiscernibilidade
4
que
nos deixa eufóricos pelo nascimento dos monstruosos.
E esse monstruoso, movido pela sua “indiscernibilidade” e pelo
conflito da alteridade, invade a arte, seja na pintura, na literatura, no
cinema, na dança seja no teatro, suscitando questões ontológicas,
éticas e estéticas movidas pelo diálogo com a tecnologia e o
rompimento com a impermeabilidade entre homem e máquina, que
segundo Santana (2006) escoam aos inventos e avanços da engenharia
genética.
Essa interface entre corpo e tecnologia na dança, nosso foco de
análise, não é nova e foi bem desenhada por Santana (2006; 2003;
2002); Ferreira (2001) e Amoroso (2004). Esses trabalhos, apesar de
terem sido desenvolvidos em áreas conceituais diferentes, trouxeram
argumentos interessantes para pensarmos o corpo na dança a partir de
sua interface com a tecnologia.
Em nosso trabalho de conclusão de graduação, refletimos sobre a
inserção da tecnologia na dança; ela advém de perspectivas bem
anteriores ao surgimento do computador, como é o caso da sapatilha de
ponta e os elementos de luz. Ambos revelaram-se como elementos que
contribuíram para a transformação da técnica da dança; a estrutura do
balé clássico não foi mais a mesma após a criação da sapatilha de
ponta, por exemplo. Nem muito menos as noções de espaço, tempo e
virtualidade são as mesmas, ou melhor, tornam possível uma discussão
quando fazem uso da tecnologia (BEZERRA, 2004).
Porém reconhecemos que um estudo constitui-se de muitos
recortes possíveis, uma vez que se faz nas apostas dos pesquisadores.
Sabemos que essa discussão da dança, do corpo e da tecnologia não se
esgota, e, partindo do pensamento de que vivemos em um mundo
4
Termo utilizado por Gil (2006), para situar a indefinição que permeia a criação dos
monstros.
24
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
movido pelo princípio da rapidez nas informações, muitas outras
interfaces do corpo com a tecnologia podem ser criadas. No entanto não
é nosso intento refletir sobre qualquer corpo em interface com a
tecnologia na dança, e sim sobre o corpo que se faz na deformação e
que usa a tecnologia, por exemplo, como sua extensão.
Entendemos ainda como pertinente um olhar sobre o discurso das
produções dos monstros ao longo dos tempos, visto que a noção de
monstro ganha contornos diferentes. Por exemplo, ao longo da Idade
Média até meados do século XVIII, o monstro estava situado à idéia de
transgressão. Essa imagem passa a ser substituída pela idéia de
irregularidade no século XIX, em interface com a noção de monstro
moral, que quebra o pacto social (FOUCAULT, 2002b).
No entanto, até o final do século XVII, observa-se que a figura do
monstro que se define nesse período é marcada pela mistura de duas
espécies, um misto de formas, de reinos, um misto de dois indivíduos; é
um ser indefinido, é um misto de dois sexos (que pode ser homem e
mulher ao mesmo tempo), de vida e morte (um feto que nasce com
uma morfologia que não consegue viver, mas pode sobreviver algumas
horas, dias), é um misto de formas, é a transgressão dos limites
naturais, e nessa transgressão a lei natural é infringida, questiona-se
certa suspensão da lei civil ou divina (FOUCAULT, 2002b).
A teoria do anormal, na transição do século XIX para XX,
apresenta três elementos que a fundamentam, são eles: o monstro
humano, o incorrigível e o onanista, que apesar de terem certa relação
de reciprocidade, cada um traz em si uma noção moral de
monstruosidade, impossibilidade, proibição, perigo e perversão
(FOUCAULT, 2002b).
Outro aspecto interessante e condizente com a definição que a
anomalia obteve ao longo dos tempos na construção dos monstros está
na necessidade de que essas criaturas fossem acima de tudo feias,
disformes, o que aumentava ainda mais sua zona de reclusão, posto
que as ciências naturais se encarregaram de disseminar padrões
estéticos restritos ao belo clássico. A beleza estava restrita às formas
25
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
milimétricas, entretanto o corpo louvado pelas simetrias “depende, em
grande parte, do processo de degradação dos ‘desengonçados’ que
sucumbiram (e ainda sucumbem) diante de suas mais cintilantes
formas” (SOARES e FRAGA, 2003, p. 78).
Não obstante, o caráter transitório que assume a feiúra corrobora
as diversas formatações do monstro. Essa transitoriedade compactua
com o caráter de indizibilidade do nascimento das monstruosidades.
Assim, as fealdades e as monstruosidades celebram um casamento que,
hoje, em nossa sociedade hodierna, poderíamos dizer um pacto não tão
fixo, no qual o excesso e a falta são sempre traços de presença.
Tuchermam (2004), em sua Breve história dos monstros,
problematiza o nascimento das monstruosidades não pela via da lei
natural, embora ela esteja presente nas construções de seu conceito de
monstro. Questiona o limite das incursões da tecnologia no corpo
humano e se essas prejudicam a imagem humana natural. Seríamos
então humanóides? Ou androhumanos?
Sem a pretensão de criar uma nova teoria da monstruosidade,
mas apenas desenhar algumas dessas construções, Tuchermam (2004)
refere-se à categoria corporal dos monstros ou dos outros”, como a
autora os chama, como uma das possíveis visibilidades da palavra
monstruosidade, que, levada em outro sentido semântico, signficaria
pessoa ruim, que pratica maldade. Dessa forma os seus outros” foram
demarcados em duas categorias gerais: as raças monstruosas e os
monstros individuais. Estes foram divididos em monstros reais, como as
figuras das deformações dos gêmeos siameses, os hermafroditas, os
anões, os freaks e monstros imagináveis, que têm como exemplo
clássico à figura do Frankenstein no qual centraremos nossas reflexões.
É oportuno destacarmos, ainda, que precisamos compreender os
inúmeros argumentos que justificam a criação das raças monstruosas,
que ora parte do argumento de que os monstros são necessários para
pensar a humanidade como natural, ora que os mesmos servem como
advertência ou até como uma simples dúvida (TUCHERMAM, 2004; LE
BRETON, 2003).
26
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
Além dos argumentos supracitados, evidenciamos, ainda, que o
nascimento da ciência também contribui para a criação dos monstros,
principalmente ao deixar o homem ocupar o lugar de Deus. Este agora
pode criar vida e destruí-la, podendo ser dono de sua existência,
definindo quando irá morrer, ou melhor, que nunca i morrer, porque
esta é a busca da ciência moderna: a eternidade da juventude e os
padrões da estética apolínea.
Nesse ínterim, reintegrando o pensamento de que o nascimento
da ciência fez com que o homem acreditasse que podia ser Deus,
vislumbramos a instigante figura de Frankenstein, “escultura viva”
criada pelo Dr. Vitor Frankenstein em sua busca incessante de alcançar
a glória na ciência. (SCHELLEY, 2004). Emaranhado de vida e morte,
Frankenstein ressalta as inquietações dos limites do corpo.
Outra figura bastante reveladora é a imagem do duplo Dr. Jekyll/
Mr. Hyde (o médico e o monstro), que, assim como o Dr. Frankenstein, é
movido pela busca do reconhecimento de seu trabalho pela ciência,
bem como é tomado pelo espírito de curiosidade e a necessidade de
refletir a condição humana.
A ideologia dos monstros envolve a necessidade humana de criar
novas criaturas em cada época, para pôr em confronto com o homem,
“pedimo-lhes, justamente, que nos inquietem, que nos provoquem
vertigens” (SILVA, 2000b, p. 196), uma vez que essas criaturas geram
conflitos e põem em cheque nossa materialidade, desestabilizando
nossos discursos para que possamos reavaliar nossos conceitos, assim
como o fazem artistas contemporâneos como Sterlac e Moravac.
Considerado um dos grandes interlocutores do corpo no cenário
da biotecnologia, Stelarc tem provocado discussões acerca da
reinvenção do corpo nos processos de criação artística, ao afirmar que o
corpo biológico é obsoleto (DOMINGUES, 1997).
Em consonância com esse pensamento, Moravac, especialista em
robótica, defende a tese de que o corpo é uma perda de tempo, um
desperdício de forças nessa nova era pós-biológica, nossa tarefa
27
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
principal é nos livrarmos da carne supérflua e estorvante que limita o
desenvolvimento tecnológico da humanidade (LE BRETON, 2003).
Essas novas visibilidades do corpo monstruoso tornam cada vez
mais problemáticas as distinções ontológicas entre homem e máquina.
uma confusão de fronteiras, não se sabe mais o que é humano e o
que não é, são máquinas humanizadas e seres humanos artificializados;
a fronteira entre o real e o artificial, vegetal e mineral se desvanece na
aproximação da ciência com a arte.
Há, no entanto, um fato importante a ser considerado: o que por
muito tempo permaneceu recluso ou colocado como exceção agora
ganha liberdade. O corpo do freak não serve mais para o divertimento
do circo-show, ou um simples passatempo da corte. Eles ganham um
novo formato, uma vez que as deformações passam a ser símbolos de
adornos e são colocadas nos corpos pela própria vontade das pessoas, e
não por um “desastre” da natureza. Os corpos monstruosos, antes
escondidos, vão às ruas, são objetos de arte (TUCHERMAM, 2004).
Esses corpos advindos do cenário biotecnológico também
invadem a dança brasileira, possibilitando diálogos diversos,
desestabilizando velhos conceitos, abrindo caminho a explorações
desveladoras e trazendo consigo implicações e reflexões. O diálogo
entre a dança e a tecnologia tem sido bastante significativo nas
manifestações da Dança Contemporânea, embora essa relação não
tenha se originado desta
5
.
Nessa teia de relações entre corpo, dança e tecnologia,
visualizamos que é possível observar modificações na própria arte, bem
como nas zonas de fronteiras entre homem e máquina (ABRÃO, 2007).
Ainda, essa dança que surge a partir da mestiçagem com as tecnologias
tem gerado novas maneiras de pensar o espaço, o tempo, o movimento,
bem como tem possibilitado o surgimento de novas visibilidades para o
corpo. Um corpo que testa seus limites, fragmentado, decomposto,
reconstruído, virtualizado, remasterizado (BEZERRA, 2004).
5
Sobre essa temática, consultar Ferreira (2001); Santana (2003); Bezerra (2004).
28
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
Reunindo um diálogo inovador entre múltiplas referências, a
Dança Contemporânea tem contribuído para essas reflexões sobre as
perdas de identidades humanas. Assim, partindo do pensamento de
Tucherman (2004, p.12), “Há algo a fazer, ou melhor, a pensar. Pois o
fim de um pensamento não é o fim das possibilidades do inventar”.
Desse modo, quando a dança abriu espaço para a renovação dos
valores estéticos, libertou-se da tirania da exclusividade técnica,
redefiniu os espaços, os tempos, os corpos e os figurinos. Quando ousou
ampliar os espaços cênicos, quebrou as estruturas das obras
coreográficas, bem como a utilização de um ambiente de criação
coletiva e das tecnologias; abriu espaços para inúmeras possibilidades
do inventar (ROBATTO, s.d.).
Como exemplo dessas possibilidades, destacamos as produções
do americano Alwin Nikolais, precursor da arte multimídia, e de Merce
Cunningham, que se destacou no cenário mundial pelas suas criações
inusitadas, contribuindo para a construção de um novo pensamento e
uma nova organização de dança.
No cenário nacional, destacamos os trabalhos do grupo Cena 11 e
sua busca incansável por explorar os limites do corpo e buscar novas
texturas. Nesse percurso, criam monstros dançantes, e esses bailarinos
permeiam por quase todas as suas obras coreográficas. O uso de
tecnologias, ou melhor, de tecnologias ciborguianas
6
, redimensiona o
corpo e a dança no mundo contemporâneo e está presente em todas as
composições desse grupo.
Desse modo, consideramos a força das imagens dos monstros da
biotecnologia, em particular dos monstros que dançam (o grupo cena
11), como significativa para apontarmos uma discussão estética, uma
vez que a concepção de estética disseminada pela nossa sociedade
primou pelo belo clássico, por proporções e formas milimétricas, ditando
6
Segundo Silva (2000a, p. 14) “as tecnologias ciborguianas podem ser: 1.
restauradoras: permitem restaurar funções e substituir órgãos e membros perdidos; 2.
normalizadoras: retornam as criaturas a uma indiferente normalidade; 3.
reconfiguradoras: criam criaturas pós-humanas, que são iguais aos seres humanos e,
ao mesmo tempo, diferentes deles; 4. melhoradoras: criam criaturas melhoradas,
relativamente ao ser humano”.
29
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
estereótipos de beleza a serem consumidos a qualquer preço, excluindo
desse cenário qualquer criatura que não se enquadrasse em seus
ditames.
Acreditamos nas proposições de Porpino (2006), ao ampliar a
concepção de estética, considerando-a para além do belo clássico, e
incluir a possibilidade de outras categorias, como o feio e o grotesco
7
,
considerando a diversidade cultural e revelando outras formas de
vivenciar o belo.
Com luz nessas reflexões iniciais que situam as produções dos
monstros, reiteramos que estamos entendendo como monstro o corpo
que se desenha na biotecnologia a partir do diálogo entre corpo e
tecnologia, e que este se faz na deformação (TUCHERMAM, 2004).
Consideramos pertinente, antes de iniciarmos nossas reflexões,
um olhar sobre o que fora produzido sobre o tema que ora
descrevemos. Destacamos que a busca por novas compreensões de
corpo tem marcado a reflexão de alguns pesquisadores da Educação
Física, possibilitando a desconstrução de muitos discursos
fragmentadores e instrumentalizadores do corpo, abrindo novos
horizontes de compreensão para sua realidade complexa, plástica e
polissêmica (PORPINO, 2001; NÓBREGA, 1999; TIBÚRCIO, 2005).
Referendamos contribuições do Grupo de Estudos Corpo e Cultura
de Movimento (GEPEC)
8
, do qual fazemos parte, como uma referência
significativa para a superação da visão objetivista e biologicista de
corpo, restrita à materialidade e ao racionalismo. Evidenciamos a
dissertação de Medeiros (2005) e a tese de doutorado de Tibúrcio
7
O vocábulo vem do italiano la grottesca e grottesco, que tem como derivada a
palavra grota. Esses designavam formas não acabadas, em metamorfose, descobertas
nos subterrâneos de Roma e em regiões próximas à Itália e que davam nome a certo
tipo de ornamentação (ALONSO, 2001). Assim, o grotesco consiste em uma categoria
estética que revela a violência dos contrários e a desproporção das formas no sentido
de deslocar as características de um signo de forma exagerada, a fim de provocar
reações de riso, pavor, repulsa, medo. Sant’Anna (s.d.) destaca que talvez essa
capacidade de unir opostos torne a categoria do grotesco adequada enquanto lente
reflexiva sobre a vida contemporânea.
8
O GEPEC é um grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Educação Física e
ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte.
30
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
(2005) como trabalhos defendidos por pesquisadores deste grupo que
se aproximam do nosso objeto de investigação.
Percorrendo outros espaços de produção acadêmica
9
,
encontramos algumas produções que também se aproximam de nosso
objeto de estudo. As dissertações de Ferreira (2001), Amoroso (2004),
Santana (2002) e Pimentel (2000), são expressivas, dado que
problematizam as formas híbridas do corpo a partir do diálogo entre
dança e tecnologia. Evidenciamos também as teses de Santana (2003)
10
e Couto (1998)
11
como significativas, por enfatizarem a relação entre
corpo e tecnologia.
Destaca-se, ainda, a utilização de pesquisas acadêmicas
dissertativas que têm o Cena 11 como objeto de pesquisa, como o
trabalho de Maíra Spanghero, publicado em 2003, em formato de livro,
pelo Projeto Rumos Itaú Cultural, intitulado: A dança dos encéfalos
acesos”, e o trabalho de Elisa Abraão, defendido em 2007, na
Universidade Federal de Santa Catarina, intitulado: O corpo in´perfeito:
o Cena 11 e as relações entre arte, ciência e tecnologia”.
Diante desse cenário, partimos para as investigações deste texto
dissertativo, questionando: Como se configura a estética do
monstro no cenário da dança? De que forma essa estética nos
sensibiliza? Como o monstro na dança reinventa o corpo na
relação com a biotecnologia?
As argumentações contidas nesse texto dissertativo têm como
objetivo: discutir relações entre corpo e tecnologia na dança;
compreender as configurações estéticas do monstro na dança
como possibilidade de questionar o corpo; estabelecer relações
entre o corpo monstruoso na dança e as concepções de corpo
na Educação Física.
9
UNICAMP, IBICT, CAPES/MEC.
10
Defendida no programa de comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e reflete o corpo na sociedade tecnológica, a primeira a partir de
aproximações mais estreitas com a dança.
11
Defendida no programa da faculdade de educação da UNICAMP e discute elementos
para a compreensão do homem-satélite que se forma na sociedade tecnológica.
31
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
Buscando responder nossas indagações, consideramos o grupo de
dança catarinense Cena 11 significativo, pois acreditamos que seus
corpos monstruosos dançam novos espirais e questionam sobre outras
formas de pensar o belo.
Foi essa possibilidade de lidar com dimensões aparentemente
inconciliáveis, a desconstrução de estereótipos corporais e a
movimentação distinta dos padrões de beleza convencionais e
unilaterais da dança que nos chamaram atenção para o Cena 11. Palco
de controvérsias, considerado por alguns como não dança, esse
movimento faz-nos questionar o corpo e a estética no cenário nacional
da Dança Contemporânea.
A Dança Contemporânea será considerada aqui como uma
visibilidade da cultura de movimento, ou seja, representa uma das
maneiras contemporâneas de usos do corpo em nossa cultura.
Compreendemos que as reflexões sobre os corpos distendidos advindas
de sua relação atual com a biotecnologia é um exemplo de como a
cultura de movimento vem sofrendo inúmeras reconfigurações ao longo
do tempo. Compreendemos, também, que sendo a dança parte da
cultura de movimento de que trata a Educação Física, é imprescindível
que os profissionais dessa área estejam antenados com as provocações
e propostas estéticas das produções contemporâneas do dançar.
A estética das criações artísticas contemporâneas pode se
constituir uma referência significativa para a reflexão sobre as
possibilidades de conhecimento, que levam à superação das visões
dualistas e polarizantes e que fazem emergir novas perspectivas de
pensar e vivenciar o corpo (PORPINO, 2001).
Acreditamos poder contribuir para a reflexão no campo da
educação Física, uma vez que o trabalho visualiza ampliar o campo das
discussões sobre o corpo e estética, bem como evidenciar diálogos
entre diferentes áreas do conhecimento, como a Arte e a Educação
Física.
Por fim, acreditamos que assim como Larrosa (1999) propõe para
a educação uma pedagogia profana, cremos que a Educação Física pode
32
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
ancorar-se nessas reflexões e viver essa pedagogia, uma vez que esta
pode contribuir para apontar outras formas de pensar o saber presente
nas múltiplas formas de usos do corpo a partir da experiência estética.
Para tanto, torna-se imperiosa uma compreensão mais ampla do
termo estética, para que, mesmo com a sua exacerbação na
contemporaneidade, não corramos o risco de assumir posturas
maniqueístas, mas que façamos como nos propôs Porpino (2001):
refletir acerca de uma estética, não pela via do culto ao modelo, mas
uma estética que conjugue alegria e dor, morte e vida, feio e belo,
medida e desmedida. Uma estética capaz de transgredir as oposições,
dialogando com múltiplos antagonismos e operando por uma
racionalidade circular, metamorfoseante e articuladora, que amplifica os
preceitos lineares e as estéticas apolíneas tão predominantes na história
da dança e da educação Física (PORPINO, 2006; TIBÚRCIO, 2005).
Desse modo, esperamos ser possível pensar a educação Física a
partir de uma estética “caosmótica”
12
, que abale as incursões sobre o
corpo advindas do desenvolvimento das ciências modernas, abrindo
espaço para o sensível, para uma polifonia de vozes.
12
Termo criado parodiando as palavras de Felix Guatarri (1992), em “Caosmose: um
novo paradigma estético”, para referir-se a uma estética que abala as incursões
lineares e questiona, por exemplo, a escravidão da aparência, seja essa para atender a
norma tirânica da magreza, seja para atender a norma da proporção dos corpos
musculosos, jovens e magros.
33
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
34
E dançam Frankenstein, Freaks e Ciborgues
35
35 Construindo o Frankenstein
Construindo o Frankenstein
Trata-se de uma investigação de natureza fenomenológica, tendo
como pressuposto básico a descrição, a redução e a compreensão das
imagens do Grupo Cena 11, em especial, os vídeos “In´perfeito e
“Violência”. Nós nos ancoramos em um “espírito contemplativo”,
buscando, a partir do nosso olhar para aqueles corpos dançantes, “núcleos
de significados”
1
que tragam sentidos para a nossa reflexão (BICUDO,
2000).
Ao adotar a Fenomenologia como método, questionamos o desafio
proposto pela modernidade em sua “gama em querer concluir, e
reiteramos a abertura do mundo, inconclusivo e perspectival. A
fenomenologia recorre ao desapego e à experiência vivida, uma vez que
ela parte do pensamento de que o universo está povoado de símbolos
cujo sentido não se consegue esgotar, mas cujas significações não valem
senão por suas interações, vividas dia a dia” (MAFFESOLI, 2005, p. 116).
Dessa forma, adotar a Fenomenologia como método é despir-se de
uma atitude fundamentada em uma lógica linear racionalista, aventurar-se
a admirar o mundo para além do que fora visto e reinterrogá-lo,
ampliando o olhar para as suas múltiplas perspectivas. É libertar-se dos
preconceitos e adotar uma atitude ancorada na experiência vivida e
envolver-se com ela, buscando compreendê-la (NÓBREGA, 1999).
Enquanto pensamento filosófico, a Fenomenologia repõe as
essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem
e o mundo de outra maneira senão a partir de sua facticidade” (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 1). Porém esse relato do mundo, do espaço, do tempo
vivido não pretende construir ou reconstruir o real, mas descrevê-lo a
1
“Os núcleos de significados não têm existência natural e se caracterizam nos
movimentos de interpretação do pesquisador como pólo de convergência de falas,
gestos, fisionomias, compreensões intersubjetivadas, entre outros atos de expressão
(BICUDO, 2000, p. 143).
35
36 Construindo o Frankenstein
partir do campo perceptivo. Nesse caso, o nosso olhar sobre a dança do
Cena 11.
Assim a percepção oferece verdades como presenças, que são
percebidas no momento em que o sentido se faz para o sujeito, sendo,
portanto, uma experiência corpórea. Nas palavras de Merleau-Ponty
(1999, p. 292), “a percepção sempre se forma em torno do núcleo do
sensível, por mais exíguo que ele seja, e é no sensível que ela encontra
sua verificação e plenitude”.
Tendo como pressupostos básicos a noção de percepção, a relação
de imanência entre sujeito e objeto, a facticidade e as experiências
vividas, a Fenomenologia de Merleau-Ponty rompe com o predomínio da
razão instrumental, linear, recorrendo à descrição como elemento
fundamental; para isso, nega as pressuposições antecipadas.
A Fenomenologia concentra-se na descrição, e não na explicação ou
análise. Põe em suspensão o mundo natural, mas sem romper com o seu
vínculo. Para isso recorre a três momentos, que ocorrem de forma
inseparável: a descrição, a redução e a compreensão. A descrição consiste
em descrever o fenômeno enquanto tal, abstraindo hipóteses,
pressupostos e teorias, em uma atitude de admiração diante do mundo
(MERLEAU-PONTY, 1999).
É pertinente destacarmos o papel da percepção, da consciência e do
sujeito no ato da descrição. A descrição como apreciação, como um alerta
para não nos acostumarmos com o mundo, consiste em descrever a
experiência tal com ela é, em busca do irrefletido, da profundidade
(MARTINS, 1992; NÓBREGA, 1999).
Porém a descrição não se esgota, e a linguagem revelada por ela
solicita uma interpretação, uma vez que gera uma interrogação. Assim, as
descrições são lidas e relidas repetidas vezes, até o descrito começar a
fazer sentido.
A redução busca uma intuição da essência e seleciona o que é
significativo da descrição, insere-se no irrefletido, na tentativa de
recuperar sentidos possíveis. Sendo, portanto, uma síntese unificadora e
36
37 Construindo o Frankenstein
provisória, e não a compreensão vulgar e comum que usualmente se tem
a dizer. A compreensão surge em conjunto com a interpretação.
Observa-se que a compreensão se torna possível quando
o pesquisador (...) assume o resultado da redução como um
conjunto de asserções significativas para ele, pesquisador,
mas que aponta para a experiência do sujeito, isto é, que
aponta para a consciência que este tem do fenômeno. A
esse conjunto de asserções denomina-se, aqui, unidades de
significado (MARTINS, 1992, p. 60).
A compreensão ampliada da intencionalidade proposta por Merleau-
ponty (1999) distingue a compreensão da intelecção, que se limita às
naturezas imutáveis. A Fenomenologia é então compreendida enquanto
gênese, vivendo, portanto, em um estado gestacional, uma vez que “é
preciso deixar-se embalar no ritmo daquilo que se quer conhecer, para
conhecê-lo” (BICUDO, 2000, p. 109).
É pertinente destacarmos, ainda, que nos aproximamos do conceito
de cenas significativas desenvolvido por Bicudo (2000) em suas pesquisas,
na busca de compreender como agir com rigor em pesquisas que fazem
uso de filmes como um meio de registro.
O termo “cenas significativas” foi utilizado como possibilidade
metodológica nas referências de pesquisas qualitativas, sendo
apresentado por Bicudo (2000), no sentido de contribuir para o olhar para
outros modos expressivos além da fala. As cenas significativas são as
unidades de significado.
O termo cena foi utilizado por Bicudo (2000), ao fazer analogia à
dramaturgia das cenas no teatro e sua marcação espaço-temporal. Porém
o sentido tradicional desse termo choca-se com a perspectiva
fenomenológica, pois considera o texto, a fala, o gesto, o tempo e o
espaço como pré-definidos. No entanto a literatura crítica dessa tradição
dramatúrgica levou Bicudo (2000) a pensar na possibilidade de articulação
do termo cena com a investigação fenomenológica.
Nessa perspectiva, o autor nos apresenta a cena como um recurso
metodológico, partindo do pensamento de que ela se faz através de um
motivo que possibilita a improvisação e vários sentidos possíveis. A cena
37
38 Construindo o Frankenstein
não segue ditames impostos e não se posterior ao texto; a palavra não
marca unicamente a cena; esta não se constitui de um conjunto explicado
logicamente, não sendo, portanto, um fragmento.
Nós nos apropriamos das reflexões sobre as “cenas significativas”
propostas por Bicudo (2000), para apreciar a dança do Cena 11. Em nosso
trabalho, destacamos uma característica presente nas produções
contemporâneas da dança: o rompimento com o padrão de organização
das obras, cujo perfil não prioriza uma estrutura hierárquica de início,
meio e fim. A narrativa única é substituída pela estrutura fragmentada ou
episódica” (RODRIGUES, 1999, p. 16). Nesse novo cenário, as cenas
transpõem as estruturas lineares e transitam umas pelas outras,
completam-se, dialogam e se redefinem. Assim realizamos uma
apreciação estética do Cena 11, com destaque para cenas significativas a
partir da idéia de circularidade, e não de hierarquia.
Destacamos, ainda, que nossa análise sobre as imagens encontra-se
descrita nos anexos, e que nomeamos as imagens capturadas nos vídeos
com o mesmo nome das imagens das cenas descritas, para facilitar a sua
visualização e identificação, assim como para ampliar os sentidos das
palavras escritas.
Os vídeos analisados foram obtidos através de contato telefônico,
virtual e pessoal e escolhidos por traduzirem aproximações estreitas com
nossa temática. Ressaltamos que as produções atuais do grupo buscam
outros caminhos conceituais, divergem das trajetórias percebidas nessas
duas obras coreográficas analisadas.
Enfatizamos, também, que a experiência estética sob a ótica da
Fenomenologia se dá na relação de imanência entre sujeito e objeto no ato
da percepção. Os sentidos e as significações são perspectivais, portanto
se definem e re(definem) dentre múltiplos olhares possíveis, a partir da
experiência vivida de cada apreciador que as reatualiza constantemente
no momento da apreciação. Portanto a experiência estética se faz na
complexidade da relação entre corpo e mundo e leva em consideração a
reversibilidade dos sentidos e sua capacidade de reinterrogar o vivido.
“[...], participar da criação de um objeto estético é também criar a si
38
39 Construindo o Frankenstein
mesmo, é poder retornar sempre a um começo repleto de horizontes
ilimitados e poder apreender a simbiose entre vários fenômenos da
existência” (PORPINO, 2001, p. 113).
Olhar a dança do Grupo Cena 11 nos faz tentar trazer, na medida do
possível, as cores, sons, formas que proporcionaram essa experiência
estética para o texto dissertativo. Experiência essa desencadeada também
a partir do contato com o grupo em Florianópolis SC, onde houve a
oportunidade de conversar com os bailarinos, observar o cotidiano do
grupo, sua compreensão de corpo, técnica, gesto. Foram realizadas quatro
visitas ao Cena 11. Nessas oportunidades, assisti a uma aula de técnica
clássica adaptada para o grupo, a uma aula da técnica desenvolvida pelo
coreógrafo, denominada percepção física, e a dois ensaios coreográficos.
Além da apreciação das aulas, fiz uma entrevista com o coreógrafo do
grupo, buscando cada vez mais elementos para compreender o corpo do
Cena 11.
Essas experiências, essas
recordações acessadas em nosso
corpo vivido possibilitaram-nos
desenvolver este texto dissertativo
sempre reinterrogando: o que nos
move ao encontro com o grupo
Cena 11?
É imperioso afirmar, ainda,
que para a apreciação estética faz-
se mister o conhecimento dos
códigos que estão sendo
apreciados. Neste contexto, minhas
experiências como bailarina e
professora de Educação Física
também são consideradas como “texto corporificado” da experiência
humana. Consideramos também contato significativo com algumas fontes
secundárias, a exemplo de matérias de jornais e de revistas virtuais e
39
40 Construindo o Frankenstein
impressas, bem como material escrito e imagens disponíveis no site do
grupo Cena 11.
Faz-se imperioso destacarmos a existência de outras pesquisas
desenvolvidas em nosso grupo de pesquisa a partir de uma apreciação
estética com base na Fenomenologia, como as teses de Porpino (2001),
Tibúrcio (2005); Viana (2006). Esses trabalhos nos envolveram nessa
leitura estética e nos deram suporte para sua realização.
Por fim, é importante evidenciar os limites da investigação, por
tratar-se de um discurso post-factum e também devido aos vídeos
apreciados constituírem-se registros de espetáculos. Estes apresentam
limitações, uma vez que uma das três dimensões de visibilidades possíveis
da dança, a profundidade, fica prejudicada.
Outra limitação consiste no fato de que o espectador não tem a
escolha do olhar, ele assiste ao ponto de vista do cinegrafista. Porém,
apesar de esse olhar ser direcionado, diferentemente da dança dos teatros
escuros, em que se apenas um ponto de vista a partir do lugar que se
ocupa no teatro, a imagem em vídeos como registro de espetáculo
possibilita ver uma mesma cena diversas vezes, em vários ângulos e
dirões, bem como “aproximações e afastamentos impossíveis aos olhos
humanos” (SIQUEIRA, 2001, p. 959).
A investigação apresenta, ainda, outra limitação que “coincide com
os limites do conhecimento em dar conta da complexidade do fenômeno”
(NÓBREGA, 1999, p. 42), bem como por seu caráter interpretativo e
perspectival, que busca conviver com as incertezas e descontinuidade do
conhecimento e da própria realidade.
Dando continuidade, entendemos como necessário situar os vídeos
analisados, bem como contextualizar o trabalho que o Grupo Cena 11 vem
desenvolvendo desde sua criação, em especial na presença do diretor e
coreógrafo Alejandro Ahmed.
O Cena 11 nasceu em 1986, em Florianópolis, através de uma
iniciativa da professora Rosangela Mattos, na tentativa de criar um espaço
de divulgação da academia Rodança em festivais e mostras de dança. Em
40
41 Construindo o Frankenstein
1992, Alejandro Ahmed, um dos primeiros membros do grupo, passa a ser
responsável pela direção do Cena 11 (SPANGHERO, 2003).
O uruguaio Alejandro, descendente de árabes, franceses e
espanhóis, nasceu em Montevidéu, veio para o Brasil (Florianópolis) aos 4
anos idade e, portador de uma doença congênita denominada
osteogênese imperfeita, cresceu na liberdade e na prisão da fratura, fez
aulas de Jazz, bem como trouxe consigo uma dança que aprendeu fora dos
palcos: o Break, que influencia parte dos movimentos de suas explorações
coreográficas (SPANGHERO, 2003).
Criador e intérprete de suas obras coreográficas, Alejandro
contribuiu sobremaneira para a emancipação do grupo, pois foi através de
seu repertório que o grupo iniciou sua trajetória de premiações. Desenhou
uma nova estética para o grupo ao longo de suas produções coreográficas,
em especial In´perfeito e Violência, destacados em entrevista como sendo
marcos significativos para o grupo no que se refere a sua marca estética,
ou, como o coreógrafo mesmo diz, uma assinatura.
Ao assumir a direção do grupo, Alejandro colocou suas experiências
de vida em suas explorações, que vão desde o osso quebrado em foco, ao
Break, ao Punk, aliados a uma trilha sonora original criada por Hedra
Rockenbach, que aparece cantando ao vivo em grande parte dos
espetáculos do grupo; da preparação técnica, à utilização de recursos
tecnológicos, das histórias em quadrinhos, aos desenhos animados e aos
jogos de videogame. Todas essas linguagens são referências fundamentais
na criação coreográfica da companhia.
O faça você mesmo do movimento Punk e a procura por uma dança
não institucional, que falasse do mundo e não dela mesma foi considerada
o pretexto inicial da sua pesquisa” (ABRAÃO, 2007, p. 21). Percebe-se uma
busca de uma produção diferente do que se vem produzindo em Dança
Contemporânea nos vários grupos brasileiros. A companhia desenha sua
técnica, sua estética singular e, para tanto, recorre ao diferente. Dessa
forma, o coreógrafo é considerado por alguns pesquisadores um
autodidata, visto que experimenta em sua dança a maneira como pensa o
mundo, e essa é uma das características das composições do Cena 11.
41
42 Construindo o Frankenstein
Apesar de o grupo ter surgido com um dos objetivos de divulgar as
produções de dança da Academia Rodanças em festivais e eventos de
dança, compartilhamos com a crítica tecida pelo coreógrafo em entrevista
concedida aos festivais de dança competitivos no período em que estive
em Florianópolis, em que ele afirma serem ao mesmo tempo perversos e
cancerígenos. Particularmente acreditamos que esses festivais ditam uma
linha de movimento aos grupos que devem segui-la para obter êxitos em
suas performances competitivas. A partir de 1994, o grupo deixa de
participar desses formatos de festivais e busca sua profissionalização. O
interessante é que é justamente nesse período que o grupo cria um estilo
singular de movimentação.
Como uma manifestação da dança contemporânea, o Grupo Cena 11
“habita uma região de fronteira no mapa da dança-tecnologia
2
(SPANGUERO, 2003, p. 18), recorrendo a uma dança híbrida, múltipla, que
busca aproximações entre: HQ, cultura dos anos 90, androginia, moda,
computador, música eletrônica, videoclip, nova MPB, temas polêmicos,
contraste entre o novo e o antigo” (www.cena11.com.br/html/grupo.html).
O grupo recebe incentivos financeiros da Petrobrás, bem como tem
como sede, desde 1995, a Academia Catarinense de Ginástica, situada no
Colégio Catarinense, em Florianópolis. Os ensaios ocorrem cinco vezes por
semana, sendo duas aulas de clássico para contemporâneo e 3 aulas de
uma técnica criada pelo coreógrafo, denominada percepção física. O grupo
faz uma pausa para o almoço e reinicia suas atividades à tarde,
dedicando-se à composição e a ensaios coreográficos.
Em particular, no que se refere às produções do grupo, destacamos
que ele criou 8 trabalhos que marcaram sua estética singular no cenário
nacional. São eles: Respostas sobre a dor (1994), O novo Cangaço (1996),
2
Expressão utilizada por Spanghero (2003), para situar a relação entre dança e
tecnologia. A autora aponta algumas regiões representantes dessas linhas de
investigação, situando o cena 11 nesse contexto. Para Spanghero (2003), é difícil
compreender a dança livre de sua relação com as técnicas e com a tecnologia.
Historicamente o uso da tecnologia possibilitou modificação na técnica da dança, como a
criação da sapatilha de ponta; o uso de luz a gás, possibilitou a distinção do dia e da
noite, como o mundo das Wilis de Gisele de 1841; o uso das luzes artificiais de Loie Fuller,
que congregou em suas pesquisas conhecimentos científicos como: óptica, química e
eletricidade. Destacou ainda as explorações de Merce Cunningham, considerado como
uma referência no pensamento da dança-tecnologia.
42
43 Construindo o Frankenstein
In’perfeito (1997), A carne dos vencidos no verbo anjos (1998), Violência
(2000), Projeto SKR (2004), Skinnerbox (2006) e Pequenas frestas de
ficção sobre uma realidade insistente (2007).
Movidos por um ambiente híbrido, de dúvida, o grupo Cena 11 vem
se afirmando no cenário nacional e internacional com uma perspectiva
inusitada e, por que não dizer, inacabada de dança e de corpo. A utilização
de videocenografia constitui-se sinônimo da marca estética do Cena 11,
bem como a exploração de outras perspectivas de espaço, como o espaço
aéreo e o espaço da platéia. A exploração dos limites, a busca por uma
plasticidade cuidadosa nos figurinos, nos objetos em cena, no vídeo, na
maquiagem e na estruturação das cenas são outras características que se
afirmam em suas obras coreográficas (SPHAGHERO, 2003).
Em In´perfeito (1997), o grupo Cena 11 busca amplificar o diálogo
entre os corpos. Em suas oito cenas, explora o homem e a necessidade de
respostas, a substituição do Deus criador pela criatura (homem) que agora
é Deus, podendo criar vida, manipulá-las, vivendo esse mistério da
criação. O grupo Cena 11 dança nesse espetáculo a inquietação e a
esperança. Aquele que é limite procurando a perfeição, aquele que é
pergunta procurando resposta” (SPHAGHERO, 2003, p. 74).
O ponto de partida é o limite físico dos corpos; como falar como
corpo imperfeito? Cabe ao homem a responsabilidade de perfeição? O que
é preciso para dar forma? Quem somos? Para onde vamos? A quem cabe a
responsabilidade de gerar vida? O que ordena o caos a ponto de gerar
vida? Esses questionamentos feitos pelo coreógrafo para dar luz a sua
criação perpassam as oito cenas do espetáculo, que simulam os sete dias
do Gênese, e no oitavo dia o homem substitui Deus, podendo criar suas
criaturas.
Carregado de complexidade, simultaneidade, tempos não-
cronológicos, linearidade anticonvencional e onde a gestação do virtual
está contida” (SPHAGHERO, 2003, p. 73). Para compor suas cenas,
Alejandro compactua vídeo cenografia, new dance, música ao vivo,
projeção de slides, textos.
43
44 Construindo o Frankenstein
O espetáculo Violência, criado em 2000, tem uma estética diferente
da proposição de In´perfeito e parte das imagens desenhadas por Goya e
das proposições de Artaud. O corpo videogame ganha espaço nessa obra,
assim como a criança, o deficiente e o palhaço são, segundo Spanghero
(2003), todos sujeitos e, portanto, sujeitos à violência.
O cenário é uma espécie de vitrine que expõe os corpos ao mesmo
tempo que os prende, carnificados e estendidos por intermédio de sua
virtualização. Esses corpos usam próteses e ganham superpoderes, visto
que ficam mais altos.
São várias as formas de violência encontradas na obra: a violência
da dor dos corpos, ao se jogarem repetidas vezes; a violência da violação
da naturalidade; a violência que sofrem os corpos diferentes; a violência
do autocontrole.
O cenário da obra foi especialmente desenvolvido, o fundo do palco
é feito de placas de acrílico ocas, que funcionam como grandes
ampulhetas, controlando o tempo durante todo o espetáculo, à medida
que se enchem de um líquido branco. Na frente do palco, escorregam
placas de policarbonato, transparentes, que demarcam o espaço, exibindo
e prendendo os corpos, funcionando como verdadeiras vitrines, telas de
televisão ou monitores de computador.
Entre placas de acrílico ocas que marcam o tempo e placas de
policarbonato que trancam e exibem os corpos, Violência inspira-se no
movimento punk, nos vídeos games, nas histórias em quadrinhos.
A coreografia estreou em 7 de abril de 2000, no Sesc da Vila
Mariana, em São Paulo. Com 73 minutos de duração, é permeada por
vídeos, slides e próteses que, em interface com o humano, criam seres
inimagináveis. São inúmeros os seres que dançam nesse espetáculo, no
entanto destaca-se o corpo do videogame, aquele corpo que pode fazer
tudo e nunca morre; o corpo do louco; o corpo do palhaço; o corpo do
deficiente e o corpo da criança. Esses corpos violentam e são violentados.
Esse se constitui o tema central da coreografia.
Violência discute a violação da percepção; ela ocorre no corpo
“carnificado e estendido pelas suas virtualizações (voz, vídeos,
44
45 Construindo o Frankenstein
animações, projeções de slides). A violência também ocorre no corpo que
assiste ao espetáculo, no espectador, uma vez que essas informações são
arremessadas, borrando os signos e os sentidos. “Violência é dança de
risco: um corpo se joga, e no espaço entre a pele e o chão, o corpo
observa um quase sorriso (Grupo Cena 11 apud SPANGHERO, 2003, p.
92).
A estrutura de nosso trabalho segue com o primeiro capítulo, A
dança da desmedida, no qual apresentamos nossa apreciação estética
dos vídeos do Cena 11. Nesta, tecemos considerações sobre a relação
ente dança e tecnologia, tendo como foco o monstro como possibilidade
de reflexão sobre o corpo a partir de 3 núcleos de sentidos, a saber: a
aparência, o espaço e o gesto. Temos como principais interlocutores:
Merleau-Ponty, Foucault, Eco, Pavis, Tuchemam e Gil.
No segundo capítulo, Corpo e estética na dança do Cena 11 e
na Educação Física, discutimos possíveis relações entre o corpo
monstruoso do Cena 11 e as concepções de corpo na Educação Física.
Para tanto recorremos às reflexões evidenciadas no capítulo anterior,
tentando buscar argumentos significativos.
Em Dançando ao som de rupturas, para concluir, tecemos as
considerações finais e identificamos algumas rupturas, avanços deste
trabalho e perspectivas para investigações futuras.
45
46 Construindo o Frankenstein
46
47 Construindo o Frankenstein
47
A dança da desmedida
A dança da desmedida
Para compor a estrutura de nossa apreciação estética, recorremos a
três núcleos significativos que surgem após vários olhares sobre as cenas
significativas desveladas em nossa apreciação estética. São eles: a
aparência, o espaço e a gestualidade, que, juntos, configuram a estética
do Cena 11 e sua dança da desmedida.
A aparência
Corpos fantasmagóricos se multiplicam, dissipam-se e aparecem,
vivem planos diferentes, mas exploram e compartilham suas existências e
participam ao mesmo tempo do mundo mineral, vegetal, animal,
“maquinal”. O espetáculo In’ perfeito nos uma visibilidade dessa
destituição de fronteiras, ao iniciar na platéia com um bailarino andando
de um lado para outro, com suas pernas de ferro por cima do público, que
ainda está procurando seu lugar para assistir ao espetáculo. O corpo
desorganizado do bailarino (uma vez que acoplado a uma outra estrutura
de metal), transforma-se em um outro ser, um ser gigante que caminha
rapidamente.
Essa cena nos instaura uma sensação de pequenez, intriga e
curiosidade. Percebe-se, logo de início, a busca por uma estética que
questiona o próprio conceito de belo. Santaella (1994), ao discutir a
estética e, em particular, o belo, destaca a obra de Platão e aponta, a
partir dos discursos de Hofstader e Kuhns (1976), que esse filósofo criou
quatro temas para a arte: um relacionado à arte a partir da discussão do
conceito de técnica (ancorado no princípio da medida); a reflexão do
conceito de mímese com seus objetivos e deficiências; os conceitos de
loucura, obsessão, entusiasmo, inspiração e o conceito de loucura erótica
e sua relação com o conceito do Belo. No que se refere à medida, é um
conceito extenso em Platão e perpassa os princípios do bem e da beleza.
47
A dança da desmedida
A estética tradicional, particularmente a grega (com Sócrates e
Platão), comunga o belo e o bom, o feio e o mau. Ao recorremos à
etimologia da palavra belo, visualizamos que ela deriva da palavra latina
bellum, segundo Tartakiewicz apud Sanches Vasquez (1999, p. 211),
“bellum origina-se em bonum, através do diminutivo bonellum, que foi
abreviado para bellum”. Tal etimologia garante a aproximação do bom
com o belo em sentido moral, o que também possibilita afirmar a sua
antítese.
A beleza idealística platônica é a beleza do arrebatamento, do
prazer, do enlevo, da deleição, e essa beleza foi questionada por
Aristóteles, ao deslocar a beleza suprema do intocável para a harmonia
das proporções (SUASSUNA, 2002).
Porém, apesar de o belo aristotélico se afirmar a partir da harmonia,
da ordem, do equilíbrio e das proporções matemáticas, curiosamente, ao
mergulharmos no pensamento aristotélico sobre a beleza, encontramos
algumas aberturas para as aberrações, uma vez que seu pensamento de
que a beleza incluía outras categorias além do belo contribuiu para a
reflexão das categorias estéticas.
Voltando nosso olhar para o Cena 11, acreditamos que ele nos
propõe outra forma de olhar o belo para além da beleza do clássico
Platônico. A deformação ganha significação em seus espetáculos, o defeito
é utilizado como potência criativa, como é o caso do palhaço, que,
segundo o coreógrafo em entrevista, surge como uma possibilidade de
gerar um outro modo de informação a partir das dificuldades dos
acrobatas velhos. Estes enchiam suas roupas de palha e, ao realizar suas
acrobacias, não se machucavam com as quedas. Na coreografia Violência,
o grupo trabalhou com a virtuose das falhas. Alejandro acredita, ainda,
que o palhaço, o freak, e os monstros geram violência e induzem à
reflexão.
48
A dança da desmedida
O corpo palhaço (cena 28).
São inúmeros os seres monstruosos utilizados pelo grupo, que
habitam, juntos, loucos, corcundas, ciborgues, além dos palhaços. A
coreografia Violência inicia com um corcunda caminhando de um lado
para outro, um corpo torto, feio. A deformação é evidenciada pelo figurino,
a luz complementa a angústia que gera sua feiúra. A cena se completa
com o diálogo que esse ser estabelece com o corpo louco e o corpo
deformado midiatizado que aparece projetado acima do palco. Seus
corpos nos promovem um deleite estético, permeado por um terror e certa
hilaridade.
A
aparência do freak (cena 1).
49
A dança da desmedida
Essas cenas nos levam às discussões sobre a produção de modelos
de beleza e de feiúra. Em nosso estudo, nos dedicaremos às produções da
feiúra, no entanto é pertinente evidenciarmos que tanto a beleza quanto a
feiúra não podem ser definidas pelo ideal de proporção e harmonia, e que
a relação entre o normal e o monstruoso pode ser facilmente invertida,
depende do ponto referencial, como os casos do ciclope
1
e do conto de
ficção científica “A sentinela”
2
, citados por Eco (2007).
É interessante, ainda, que, mesmo reconhecendo que as produções
de beleza e feiúra são relativas aos tempos e às culturas, desde sempre se
tenta e se tentou a criação de padrões definidos em relação a um modelo
estável. Tal fato pode ser bem visualizado nas palavras de Nietzsche,
citadas por Eco (2007, p. 15).
No belo, o ser humano se coloca como medida de perfeição;
[...] adora nele assim mesmo. [...] No fundo, o homem se
espelha nas coisas, considera belo tudo o que lhe devolve a
sua imagem. [...] O feio é entendido como sinal e sintoma
da degenerescência [...] cada indício de esgotamento, de
peso, de sensibilidade, de cansaço toda espécie de falta de
liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o
cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição [...]
tudo provoca a mesma reação: o juízo de valor ‘feio’. [...] O
que odeia o ser humano? Não dúvida: o declínio do
seu tipo.
Assim, beleza e feiúra são definidas com relação a um modelo
específico. E o feio é definido para além da desproporcionalidade,
englobando os “torpes”, como diria Tomás de Aquino, os diminuídos pela
falta de algum membro. Eram então considerados feios os erros da
natureza e os híbridos do mundo animal (ECO, 2007).
E esses são os seres que percorrem os espetáculos do grupo. É essa
abertura ao feio, à desordem, ao grotesco, ao cômico que encontramos
1
Eco (2007) utiliza a figura do ciclope para questionar e redimensionar nosso olhar sobre
o monstro, uma vez que um ciclope, dentro do universo de seres humanos, é considerado
monstro; no entanto um humano, no meio de tantos ciclopes, nesse caso torna-se o
monstro.
2
Conto de Frederic Brown, que discute a inversão do olhar entre normal e monstruoso,
aceitável e horripilante. Essa inversão se de onde se procede o olhar; de nós para o
monstro ou do monstro para nós (ECO, 2007).
50
A dança da desmedida
nos espetáculos analisados. Esses seres questionam a construção de uma
beleza idealizada, como as proporções ideais ditadas inicialmente por
Policleto
3
e posteriormente por Vitrúvio
4
. O ideal grego de perfeição
correspondia, no mundo anglo-saxônico, à imagem do gentleman (ECO,
2007).
Observa-se, ainda, uma estreita relação entre a feiúra e a moral, que
vem desde o Helenismo, e que habita hoje a construção do corpo
contemporâneo. Tal construção é questionada pelo Cena 11 nos dois
espetáculos analisados, em particular na figura do louco.
O corpo do louco (cena 2)
De um lado para o outro, com um sapato e o outro descalço,
entra em cena, vestindo um vestido branco, uma bailarina que representa
a loucura. Seu olhar parece habitar outro mundo. A bailarina gira repetidas
vezes, explora diversas espacialidades e gestualidades, ousa andar com
os joelhos, rasteja-se como cobra e evidencia uma feiúra que habita a
moral.
Vislumbrar as produções do Grupo levou-nos ainda a questionar a
presença da dor nas constantes quedas, na violência da repetição. Os
corpos caem repetidas vezes em Violência, uns por cima dos outros,
3
Escultor grego, que produziu no século IV aC. uma estátua de bronze denominada
cânone, na qual encarnavam todas as regras de uma proporção ideal” (ECO, 2007, p.
25).
4
Arquiteto e engenheiro Romano que viveu no século I aC. e ditou justas proporções
corporais. Um grande exemplo da influência de suas ideias de proporção e simetria, que
revolucionaram a arquitetura e que foram aplicadas à anatomia humana, pode ser
contemplado na pintura “O homem Vitruviano”, de Leonardo da Vinci.
51
A dança da desmedida
exploram a força da gravidade, ousam flagelar seus próprios corpos,
evidenciam o feio dos mártires e eremitas das pinturas seiscentistas, cuja
dor deve ser enfrentada da forma mais doce e viril.
Corpo frágil X corpo potência (cena 9)
O universo desenhado pelo Grupo Cena 11, evidencia ainda a morte
e nos faz pensar: como aqueles seres ousam cair de alturas tão altas e
não se machucar? E parecem simular diversas mortes, o corpo vídeo-
game ganha evidência e nos faz refletir que, diferentemente da Idade
Média, por exemplo, o triunfo da morte, que aparece como algo doloroso,
é, no entanto, familiar. Esse triunfo distancia-se da contemporaneidade
que se rende aos modelos de juventude eterna. Intriga-nos por que esses
bailarinos não morrem após tantas quedas e nos levam a pensar na
vontade de escassez da morte da sociedade contemporânea, com seus
corpos de bits (digitais), próteses.
Esses seres híbridos são insinuantes e abrem espaço para
refletirmos a arte do feio. O que será que nos sensibiliza ao olhar esses
seres que habitam os dois espetáculos analisados? O feio sensibiliza e
comenta sobre o mundo, e essa experiência constitui-se um trabalho
interminável, uma vez que se transforma pelo olhar de cada apreciador e
pelo mundo. E é o apreciador que transforma a experiência em objeto
estético. Merleau-Ponty (2005), ao descrever a experiência de Cézanne,
em sua busca por romper com os conceitos do impressionismo, apresenta-
52
A dança da desmedida
nos um Cézanne que buscava a realidade sem se afastar da sensação, que
pintava a natureza em um estado nascente.
Os monstros produzidos pelo Cena 11 são feios, mas nos promovem
uma experiência da beleza, visto que falam sobre o mundo (violência, dor,
exclusão, deficiência são alguns dos temas encontrados nos espetáculos
observados).
Nesse sentido, ancoramos-nos nas reflexões de Suassuna (2002),
quando relata que a arte do feio dialoga estreitamente com o sentido da
vida, esta não somente constituída unicamente do belo clássico. Segundo
esse autor, o feio nos causa singular mistura de sentimentos que
permeiam entre o horror, a repulsa, a piedade e a curiosidade, uma vez
que nos revela a realidade complexa de nossa existência , o sentido da
vida.
O feio não é sinônimo de não-estético ou de indiferente (ou
inestético) a partir do ponto de vista estético como é de
acordo com o que antes assinalamos nas relações teórico
cognoscitivas, moral ou prático utilitária. O feio ocorre na
esfera do sensível (da aisthesis) e não de um estado de
anestesia (no sentido original de carente de sensibilidade)
(SANCHES VASQUEZ, 1999, p. 212).
E reconhecemos que, apesar de estarmos falando sobre uma
produção do feio na sociedade contemporânea, encontramos muitos
indícios do nascimento das fealdades, como, por exemplo, nas
representações das danças macabras, em que os mortos convidavam os
vivos para dançar. Na fealdade das caveiras, cadáveres e esqueletos que
permeavam as poesias medievais, também naufragavam as teorias
únicas da arte do belo clássico.
53
A dança da desmedida
A
exibição da feiúra (cena 23)
Os corpos do Grupo Cena 11 parecem revelar certa relação com os
rituais macabros, eles celebram a diferença e, para tanto, violentam o
corpo, fazem uso da tecnologia para ampliá-lo e encurtá-lo. A dança
macabra, enquanto forma de celebração da morte, que surge com a
difusão da peste negra do século XIV, celebra a caducidade da vida e o
nivelamento da diferença, uma vez que independente da classe social,
todos dançavam juntos: papas, donzelas, monges, caveiras (ECO, 2007).
Na dança do Cena 11, observamos esse nivelamento da diferença, uma
vez que corcundas, loucos, palhaços, todos dançam juntos, como um ritual
macabro.
Outra imagem interessante do feio aparece, por exemplo, nas
produções do balé clássico, estabelecendo estreitas relações com a
maldade. O feio habita a estética clássica por meio dos vilões, a exemplo
do feiticeiro Von Rothbart, do ballet Russo o Lago dos Cisnes, da feiticeira
Madge, do ballet La sylphide, e da fada do mal, Carabosse, em A bela
54
A dança da desmedida
adormecida. Esta, para ficar mais grosseira e pesada, costumava ser
representada por um homem.
Com suas fadas, seus elfos, seus gênios e seus fantasmas”
(GARAUDY, 1989, p. 37), os balés românticos instauram o
entrecruzamento entre mundo real, mágico e místico, semeando um
contraste entre o sonho e o real. Da maldade dos vilões, aos seres etéreos
do ballet Giselle, em que personagens míticos ganham vida. Da leveza e
da grosseria da gestualidade dos vilões e de suas aparências bizarras e
cômicas, a arte do feio no balé clássico não consegue se desvincular da
maldade.
Diferentemente das produções do balé, que estabelecem essa
relação unilateral entre maldade e feiúra, os corpos do Cena 11
questionam esses valores, ao colocar em suas explorações coreográficas
diversas cenas de diálogos entre os corpos deformados pela tecnologia
(monstros), observando-se certa compaixão entre eles.
Os
corpos deformados dançam juntos (cena 30).
Assim, o feio, como antítese do belo, e ao mesmo tempo
dependente deste (uma vez que o belo lhe um atestado de existência),
nutre-se na desarmonia e viola as regras da proporção que fundamenta a
beleza.
55
A dança da desmedida
Porém reconhecemos a impossibilidade de nos atermos a um
discurso fechado para a compreensão do conceito do feio, uma vez que
cada cultura cria suas concepções de belo e de feio, e que aos olhos dos
contemporâneos ocidentais, certas criaturas horríveis e disformes, criadas
em outras civilizações, poderiam, em vez de representar a maldade,
conceito que perpassa muitas compreensões do feio, representar valores
positivos (ECO, 2004).
Como verdadeiros demiurgos, os corpos do Cena 11 impelem à
reflexão e nos levam à busca pela compreensão da produção do feio e
suas diversas associações. Para tanto sua estética nos impulsionou a
reflexões dessa produção na própria dança, observando a relação entre o
feio e o cômico, entre o feio e a moral e entre o feio e a maldade, de forma
unilateral. Ao olharmos a própria Dança Popular, encontramos espaço para
os gigantes, anões, monstros, bufões tolos, palhaços, que exploram, neste
contexto em particular, algumas associações entre o feio e o cômico.
Assim, dentro do contexto das manifestações populares da Idade Média e
do Renascimento, por exemplo, encontramos personagens inusitados e às
vezes indefiníveis opondo-se à rigidez dos regimes religiosos e feudais da
época (BAKHTIN,1987).
O que falar do misterioso Cazumbá, personagem do bumba-meu-boi
do Maranhão? Dotado de um corpo grotesco, desproporcional, que
permeia entre o ridículo e o cômico, um ser híbrido, que não é homem,
nem mulher, nem animal, mas, uma figura disforme que singulariza a
magia e o lúdico. Seu personagem é composto por uma máscara e uma
bata que cobre todo o corpo. Utiliza também um recurso de papelão ou
folha de carnaúba nas nádegas, para criar uma protuberância enorme que
balança de acordo com o movimento.O Cazumbá, por não ser decifrável,
tem na sua estranheza sua potência. Potência de representar imagens, de
colocar em cena uma cena” (BITTENCOURT apud MANHÃES, 2002, p. 2).
Essa indiscernibilidade encontrada no personagem do Cazumbá da
Dança Popular e a estranheza como potência também se constituem
estruturas de pensamentos encontradas nas imagens analisadas. O corpo
aranha gigante também faz uso de recurso e representa imagens.
56
A dança da desmedida
Entre a fragilidade e a potência (cena 35)
Entre o riso e o nojo, entre o ódio e a euforia, entre a vergonha e a
exposição, são diversas as formas da feiúra. E muitas das teorias do feio
surgiram a partir do pensamento de que o feio “é aquilo que sobra quando
o belo se ausenta” (FEITOSA, 2004, p. 131). Nesse sentido, a feiúra se
expressava na desmedida, na assimetria, no excesso, na escuridão e no
mal, ao contrário, a beleza, relacionava-se à ordem, à proporção, à luz e
ao bem. No entanto, observa-se que, para além do gosto, a idéia do feio
também estava associada a aspectos morais (FEITOSA, 2004).
A exemplo dessa associação do feio com a moral, reiteramos o
modelo de corpo seguido pela cultura grega, que correspondia à virtude,
moral e beleza física. Assim qualquer desvio de conduta que fugisse a
esse modelo de correspondência estaria destinado ao campo da feiúra.
Tendo essa idéia de feiúra relacionada aos desvios de conduta e,
portanto, à moral, quando olhamos a cultura contemporânea ocidental
vislumbramos traços dessa historicidade marcada nos corpos, que, em
busca de um padrão, aqui associado à beleza, sacrificam seus corpos em
nome da eugenia. Constroem-se seres humanos em massa, idênticos, em
que aqueles que se desviam desse modelo são considerados desleixados
e, portanto, amorais, como o corpo gordo. Parte-se do discurso de que
você é gordo se quiser (MARZANO-PARISOLI, 2004). Mas essa mesma
contemporaneidade que segue modelos inaugura uma reviravolta de
57
A dança da desmedida
metamorfoses para o corpo, e os corpos do Cena 11 enquadram-se nessa
reviravolta.
Assim, para além dos discursos dos corpos de fábrica e massa,
vibram os corpos antagônicos, os corpos que recriam outros corpos, os
corpos animalizados, híbridos: é o homem-cobra, o homem-sapo, o
homem-onça
5
. O corpo no cenário contemporâneo faz cada vez mais uso
da tecnologia, multiplica-se e diversifica-se em uma velocidade espantosa,
desestabilizando fronteiras. Esse corpo questiona as teorias estéticas
vigentes.
Nesse sentido, ao olhar a dança do Cena 11, percebemos a busca
por uma estética que questiona a escravidão da aparência, seja essa para
atender a norma tirânica da magreza, seja a norma da proporção dos
corpos musculosos, jovens e magros. Para tanto, exploram e criam seres
inusitados, como é o caso do bebê gigante e sua mãe monstro, que
aparecem no espetáculo In´perfeito, em uma espécie de andajá imenso.
Exploram ainda a desproporção, ao utilizar próteses em algumas partes do
corpo, ou na falta de algum adorno, como o caso de cenas de In´perfeito e
em Violência, em que bailarinos exploram movimentações com apenas um
sapato no e o outro descalço. Tais estruturas possibilitam
gestualidades e aparências que se opõem à estética da proporção do belo
clássico.
Tradicionalmente a arte, por muito tempo, evitou o feio, por ser
símbolo de imperfeição, e ancorou-se em certo fascismo estético”
(FEITOSA, 2004), como o nazismo, que, em seu projeto de pureza racial,
pretendia erradicar a existência do feio, criando, para isso, certos padrões
estéticos que se transformaram em grandes regimes de verdade.
Sobre a produção dos regimes de verdade, compartilhamos com o
pensamento de Nóbrega (2007)
6
ao afirmar que esses ditam até mesmo o
que é arte e o que não é arte. Se olharmos em particular para a tradição
5
Seres criados da relação entre corpo e tecnologia, assim o homem-cobra se deforma,
secciona a língua para tornar-se cobra. O homem-sapo tinge sua pele de verde, e o
homem- onça tinge o corpo e se tatua. Essas três visibilidades do corpo biotecnológico
são algumas das imagens evidenciadas do corpo na Body-art.
6
Palestra ministrada pela Professora Doutora Terezinha Petrucia da Nóbrega durante a
Cientec, 2007.
58
A dança da desmedida
da dança do Ocidente, perceberemos o regramento do uso do corpo, do
gesto e do espaço, bem como o conceito do que é considerado belo, este
sempre preso às perspectivas cartesianas. Mas em todo regime de
verdade sempre rupturas. Assim, podemos dizer que os monstros,
palhaços e as estranhas criaturas encontradas nas danças populares da
Idade Média e do Renascimento, por exemplo, configuram-se como a
ruptura do regime de verdade do sistema feudal e religioso da época, que
desconsiderava o riso.
Assim como a Dança Moderna, que nasceu como uma ruptura de
verdade do balé clássico, ao criar uma arte da contestação, denunciou a
linguagem morta e o códico “terpsicurisado
7
do balé. A Dança Moderna
inicia suas explorações criticando o regime de verdade sobre o corpo e o
movimento, para tanto recorreu à dança como expressão.
Destacamos, dentro desse movimento da Dança Moderna, as
produções de Rudolf Laban inaugurando um vocabulário para a notação de
dança, bem como propondo perspectivas para a dança educativa através
de seu estudo do movimento.
Reiteramos, ainda, que a perspectiva da arte como expressão serviu
com “linha de fuga” ou como ruptura para a criação da Dança
Contemporânea, que nasce, segundo Garaudy (1989), como uma dialética
da história da dança a partir da negação da negação. Assim a inspiração-
expiração de Martha Graham e a queda e recuperação de Doris Humphrey,
por exemplo, não são mais objetos nessa nova perspectiva. O conteúdo
da Dança Moderna é questionado, mas não negado, no sentido do que fez
a própria Dança Moderna com relação ao clássico.
Assim, partindo do argumento inicial de que a Dança
Contemporânea engloba uma infinidade de práticas corporais que se
caracterizam por sua hibridização, e ainda que traz ao cenário
contemporâneo algumas rupturas, como a destituição de papéis femininos
e masculinos; a exploração do espaço; o rompimento com um modelo de
7
Segundo Garaudy (1989), o século XIX é caracterizado como o século do ouro do balé,
este dando visibilidade à criação de uma codificação para dança, através da
determinação das bases do balé, de posições geométricas dos membros e a pantomima.
Tal código surge como uma forma de fugir de um mundo conduzido pelo desenvolvimento
da Revolução Industrial e fundamenta um novo academicismo para a dança.
59
A dança da desmedida
corpo longilíneo e esguio. Acreditamos que ela pode ser pensada sobre a
perspectiva de “linhas de fuga”, se olharmos as produções
contemporâneas de Pina Bausch com sua Dança-teatro, a Dança Butoh,
bem como o Grupo Cena 11, alvo de nossas investigações nesta pesquisa
dissertativa. Destacamos esses três trabalhos no cenário da Dança
Contemporânea por acreditarmos que eles se contrapõem a certos
discursos de verdade, ainda presentes em muitas produções da própria
Dança Contemporânea, que questiona o padrão de corpo, mas ao mesmo
tempo cria outro padrão corporal que se define como atlético, sarado,
perfeito, forte, disciplino e reto.
Dentro do contexto da dança-teatro, aqui compreendida como uma
das manifestações possíveis da Dança Contemporânea (NAVAS, 1999),
destacamos o processo criativo da alemã Pina Bausch, que redimensionou
o fazer artístico, ao propor um processo de criação com luz na
fragmentação e na repetição exaustiva, esta usada como forma de
desarranjar as construções gestuais da técnica ou da própria sociedade
(FERNANDES, 2000).
A repetição das estruturas coreográficas é tomada com
transformação da forma, com a criação de novas sintaxes,
com a invenção de novas estéticas. Uma escrita singular
que coloca no mundo outros sentidos: lógicos e analógicos.
Sentidos que problematizam a dicotomia entre razão e
sensibilidade, entre o pensamento e o gesto (NÓBREGA,
2003a, p. 140).
Sua estética se define na incompletude e no inesperado, que
permanecem no jogo de representações e não-representações (breves
períodos de suspensão), nas ações simultâneas, nas contraposições e
progressões. O corpo em Pina Bausch é inteligente, crítico, construtor,
ambíguo e mutável. Em seu processo criativo não existem regras nem
predefinições, aliás, é exatamente contra esses sistemas de verdade que
Pina Bausch cria sua dança. Seus bailarinos reconstroem e desestabilizam
suas próprias histórias, interessando sempre o que faz as pessoas se
moverem, e não como essas pessoas se movem.
60
A dança da desmedida
Em seus balés, não vislumbramos pernas esticadas, elásticas e
velozes, que se movimentam sem parar dentro de uma determinada
forma codificada. Sua dança vai além do codificado, aliás, é uma dança
descodificada, uma vez que parte da idéia de que um movimento sempre
é novo. Pina Bausch questiona constantemente seus bailarinos, buscando
suas lembranças das experiências das viagens de suas turnês, da infância,
de como fazemos para ensinar algo. Dessa forma, o aprender na dança vai
além do treinamento de exercícios específicos e leva em consideração a
criação de um ambiente de aprendizagem que retoma continuamente a
essência paradoxal do corpo e a reconstrução de sentidos vividos
(PORPINO, 2006).
Outra produção já evidenciada em nosso texto consiste nas
produções de Dança Butô de Kazuo Ohno, que parte do princípio da
desconstrução de estereótipos, dos códigos tradicionais que determinam a
gestualidade dos bailarinos. A dança Butô fala de um tempo lento, regrado
pela imobilidade, pensamento esse paradoxal à compreensão do tempo
rápido e da mobilidade do corpo de nossa sociedade contemporânea
ocidental (TIBÚRCIO, 2005).
O butô questiona o corpo como um instrumento e o afirma
como um processo, como condição de existência de um
corpo em crise, que tenta dissolver constantemente as
sedimentações que nele estão acumuladas. A matéria-prima
do butô é a incompletude e a precariedade humanas
(NÓBREGA e TIBÚRCIO, 2004, s.p.).
É um corpo que se refaz o tempo todo, um corpo selvagem, bruto,
que denuncia a mecanização dos gestos e dos movimentos. É um corpo
que vive em estado de contingência caótica, que conjuga morte e vida. É
um “corpo cadáver que reaprende a movimentar-se (PORPINO, 2006;
TIBÚRCIO, 2005).
Seus gestos trazem também a dor do corpo morto, tema
central quando nos referimos ao butô e que conduz à
inovação de cada instante, a uma condição de vida que se
refaz e se afirma na morte. Nesse sentido a morte é
necessária e fundamental para que a vida possa florescer,
61
A dança da desmedida
para que possamos renascer (NÓBREGA e TIBÚRCIO, 2004, p.
s.p.)
Acreditamos, ainda, que o corpo revelado pela Dança Butô
aproxima-se do corpo que desvelamos em nossa apreciação estética sobre
o Cena 11 e afirmamos que ele pode ser considerado dentro da estética
da Dança Contemporânea como uma linha de fuga, ao recorrer a uma
estética que questiona os padrões de beleza, ao recorrer a um corpo
aberto e inacabado.
Os corpos revelados pela dança Butô, resguardada sua historicidade
e visibilidade no cenário nacional e internacional, assim como os corpos do
Cena 11, buscam os desregramentos e possibilitam a criação incessante
de novos mapeamentos da condição humana, apostam em um outro
padrão de temporalidade e de beleza. Porém o corpo da dança Butô
investe na extensão do corpo para dentro, enquanto o corpo do Cena 11
investe na extensão do corpo para fora, através de suas próteses. É um
corpo pequeno e ao mesmo tempo grande que habita a Dança Butô e a
Dança do Cena 11, compondo uma estética do moribundo e do corpo feio.
Mas o jogo da fealdade/beleza não está apenas na deformação
dos corpos, mas também nos
jogos de opostos. Essa é a
força das imagens que são
projetadas durante o
espetáculo. Quem é o
perfeito in´perfeito que
dança? Essa questão
perpassa todo o espetáculo
In´perfeito, descrevendo
poemas de Augusto dos Anjos e a leitura do Gênesis.
A arte revelada pelo grupo é a arte do feio, que transita pelo
conflito, pelo inesperado, pelo grotesco. Seus corpos dançantes nos
causam estranhamento, o que move o grupo a priorizar personagens que
62
O corpo diferente (cena 12)
A dança da desmedida
historicamente foram aniquilados do convívio social ou são colocados à
margem de risadas.
Em entrevista concedida pelo coreógrafo, buscamos compreender
o que leva o Grupo a colocar em cena esses seres frankstenianos”, que
se debatem, jogam-se no chão e contra paredes acrílicas, usam próteses,
ousam deslizar, correr e se arrastar com estruturas metálicas que
redimensionam sua materialidade corpórea. E, apesar do polêmico
percorrer os mesmos caminhos que o grupo Cena 11, o coreógrafo afirma
que esse não é o intento do grupo, mas sim questionar a forma linear de
pensar, propor outras formas de olhar e conviver com as diferenças, criar
novos espaços e tempos de convivência corporal, explorar os limites da
dor, do corpo.
A estética do feio que condiz com as explorações do grupo, além de
nos fazer refletir sobre a produção do feio na dança e seus diversos
conceitos, nos faz refletir sobre a deformação a partir da exploração entre
seres reais e virtuais, bem como sobre a violação da naturalização do
corpo.
Em uma das cenas proporcionadas pelo espetáculo Violência,
vislumbramos o uso de diálogos entre seres reais e virtuais. Os seres
virtuais que aparecem projetados em telão acima da estrutura do palco
são de slides de dois bailarinos, que são projetados durante o espetáculo,
enfatizando a deformação, a violação dos corpos e, ao mesmo tempo,
dançam com os slides outros bailarinos no palco. Para compor esses
slides, os bailarinos violaram a naturalidade do corpo, ou melhor,
amplificaram a metafísica de suas carnes, através da utilização de unhas
negras, cabelos coloridos, perfurações no nariz e nas orelhas, próteses
bucais. Tais explorações intensificam a deformação do corpo por
intermédio de sua relação com a tecnologia.
Nesse contexto, as imagens de dois bailarinos do Cena 11, que
aparecem projetadas no telão, acima do palco, capturadas pelos
fotógrafos Fernando Rosa e Christiano Prim, vão para além das formas
consideradas belas, instigando-nos a ver outras possibilidades para além
63
A dança da desmedida
das imagens vistas dos corpos em tempo real, uma vez que a “imagem
em silício multiplica o instante” (MEYER, 2001, p. 2).
O corpo desnaturalizado (cena 6). Fonte:www.cena11.com.br/Foto:
Cristiano Prim
Próteses se corporificam, humano-bicho-máquina, homem-máquina,
bicho-humano, pós-humano, um verdadeiro diálogo entre o singelo e o
grotesco, entre a violência e a delicadeza. Homem e criatura dançam,
borram seus limites. O que é meu corpo, o que é o corpo do outro? Quem
sou eu? Qual o limite da materialidade? Quem dança com quem?
Essas cenas nos levam à reflexão do processo de virtualização
utilizado nos espetáculos e que vem sendo comumente utilizado em
nossas atividades diárias na sociedade contemporânea. Porém é
pertinente compreendermos que virtualizar o corpo implica multiplicá-lo, e
não desencarná-lo. Esse corpo virtualizado (hipercorpo), disperso, pode
ser visto por um grande número de pessoas ao mesmo tempo. Esse
compartilhar do olhar é denominado por Lévy (2003) de olho coletivo. No
mundo virtualizado não mais fronteiras, já não se sabe o que é vivo e o
que não é. A identidade do corpo agora explorada se dissipa, perde-se.
Não sabemos mais distinguir o que é verdadeiro e o que é falso, o que é
do corpo e o que não é.
O corpo pode realizar astúcias inimagináveis, uma vez que,
virtualizado, não sente dor, tampouco teme a morte. Ele é multiplicado
pela telepresença e pelos meios de comunicação, podendo até ser
preservado pelos sistemas de gravações em vídeo. Assim, os nossos
64
A dança da desmedida
corpos visíveis, audíveis e sensíveis, ao serem virtualizados, dispersam-se
no exterior, emanando nossos simulacros (LÉVY, 2003).
Vivenciamos diálogos inicialmente inimagináveis, é o “corpo de
carbono
8
e o “corpo de silício co-evoluindo, estabelecendo relações
intercambiáveis.A virtualização permite, portanto, gerar outros estados,
percorrer outros espaços rapidamente e, ao mesmo tempo, uma
desterritorialização. Porém desterritorializar não significa desmaterializar,
mas criar uma nova identidade, novas percepções, novas texturas
corporais (NÓBREGA, 1999).
Corpos deformados (cena13)
Ao vislumbrarmos a coreografia “Violência (2000)”, encontramos um
corpo diferente que habita suas explorações, os corpos dos bailarinos se
arrastam, como se não pudessem usar suas pernas, exploram suas
desarticulações, espasmos. Uma espécie de vidro com placas de
policarbonato seguradas por metalon envelhecido ocupa a cena e
estrutura uma quarta parede, compondo uma espécie de vídeo-game ou
8
Os termos corpo de carbono e corpo de silício foram cunhados por Santana (2003) em
sua tese de Doutorado “(sopa de) carne, osso e silício: As metáforas (ocultas) na dança-
tecnologia”.
65
A dança da desmedida
televisão que será explorada em Violência. As placas de tela nos
protegem de sua dança, e por ironia parecem nos atingir com muito mais
veemência” (SPHAGHERO, 2003, p. 86). Ao mesmo tempo, parecem expor
com mais evidência os corpos bonecos vodu criados por Alejandro, que
dançam em seu imenso tapete vermelho.
O corpo Frankensteniano (cena 31).
Explosivo, extremo e mutante, com uma música eletrônica pesada,
os bailarinos parecem morrer constantemente, giram como fantoches,
caem abruptamente, rastejam, saltam e caem outra vez. As imagens em
vídeo os mostram cobertos de sangue, usando protetores bucais” (SILVA,
2001, p. 2).
Uma cena nos chama bastante atenção, a de corpos que se jogam
incessantemente nas paredes de policarbonato; uma tinta vermelha é
espalhada, simulando o sangue daquela violência.
Em um exercício permanente de diálogo entre corpo e tecnologia,
entramos no universo dos jogos eletrônicos e das HQs. O coreógrafo [...]
sobrepõe cenas reais e virtuais, sem limites claros entre elas. No telão,
acima do palco, corpos pintados, bonecos vodu, palavras tatuadas ou
ratos no aquário interagem com a cena” (BÓGEA, 2001, p. 1).
66
A dança da desmedida
Os corpos do Cena 11 são aqueles que a ciência esforçou-se para
esconder: o da criança, do diferente, do deficiente e do palhaço. Usam
próteses, pernas e braços metálicos, bogobol, patins, separador bucal,
botas e joelheiras, “que os tornam um misto de gente com criaturas
virtuais: são mutantes, replicantes, ciborgues” (SPHAGHERO, 2003, p. 94).
Partindo das idéias de Antonin Artaud e Francis Bacon, Alejandro
mapeia seu “corpo Vodu” e semeia a transitoriedade e a indiferença. Da
inacreditável graça do desengonçado à dança sombria, inquietante, solta
e dissolvida de Dionísio. Do horror magnífico dos quadros de Bacon e suas
carniças e humanóides estranhos, à delicadeza do acabamento do
espetáculo. Entre o cadáver e a carniça, o animado e o inanimado, os
acasalamentos de mulheres agarradas ou penduradas em um imenso
homem-inseto-bicho-máquina (ROSENFIELD, 2002).
Crianças que não
sentem medo – o corpo videogame (cena 11)/
fonte:www.cena11.com.br/Foto: Fernando Rosa.
Intensas e vertiginosas são as imagens desenhadas pelo Cena 11,
que recorrem à fragmentação e à desconstrução para compor um
movimento que “se desfaz a cada momento, num corpo em estado de
crise” (MEYER, 2001, p. 1).
Em outra cena proporcionada pelo espetáculo “Violência”,
encontramos a exploração de seres estranhos, uma anomalia gigante: um
bailarino apoiado em estruturas metálicas adentra no palco. Esse gigante
de pernas de pau ganha vida quando esse recurso é utilizado
67
A dança da desmedida
diferentemente do habitual
9
, tornando-se orgânico, passando a fazer parte
daquele corpo que agora não é mais um corpo-prótese
10
, mas um corpo
distendido
11
. Junto a esse ser que nos transmite poder, impotência e
fragilidade, um corpo pequeno, sem próteses, sendo carregado por esse
corpo gigante.
Entre a fragilidade e a potência (cena )
As cenas descritas acima, proporcionadas pelas imagens dos vídeos
analisados, fazem-nos pensar que os corpos desvelados pelo grupo Cena
11 declaram guerra a toda tentativa de esquadrinhá-los, não se
conformam com a mesmice, com a forma hermética proposta para o uso
do corpo ditada pela racionalidade moderna, principalmente no que se
refere à especialização e ao isolamento dos corpos dos anormais. Esses
corpos nos fazem lembrar a concepção do corpo sem órgãos proposto por
Deleuze e Guattari (1997), ao refletir os corpos inventados por Antonin
Artaud. Seus corpos são verdadeiras “máquinas de guerra” que entram
em combate com a violência cognitiva da razão advinda do pensamento
cartesiano, que vigiam as transgressões, as linhas de fuga e os
desregramentos (DANTAS, s.d.; DELEUZE e GUATARRI, 1997).
9
Encontramos a utilização desse recurso das pernas de pau (estrutura metálica) em
outras situações das artes cênicas, como teatro de rua, por exemplo.
10
Refere-se à utilização da estrutura metálica como um recurso cênico.
11
Quando a prótese deixa de ser um simples recurso e passa a fazer parte do corpo, a
gestualidade, a visibilidade do corpo já não é mais a mesma.
68
A dança da desmedida
Antonin Artaud cunhou sua revolta às noções cartesianas que
separam e fragmentam a cultura e a vida, para tanto recorreu ao
paradoxo e às desordens. Buscou uma beleza convulsiva, selvagem,
bizarra e cruel. Criou imagens portadoras de desfiguração, tematizando
beleza e tormento, sabedoria e loucura, como artifícios que ressignificam a
presença da dor e da morte. Criou uma estética tanatógrafa que em sua
“arqueologia da revolta” cultila os sentidos (DANTAS, 2005; LINS e
GADELHA, 2000).
Os corpos do Cena 11 operam por essa “arqueologia da revolta”,
buscam em suas criações os desregramentos. Produzem, assim, como
propôs Artaud em o Teatro da Crueldade, uma escrita das vísceras dentro
de um universo de contaminação, e não da cópia. Desenham corpos que
superam a dualidade feminino-masculino e que produzem o caos
necessário para propor novas ordens. Dessa forma, compartilham com a
produção do corpo sem órgãos proposto por Artaud, ao propor uma escrita
que questiona o corpo original, imperfeito e escravo, um corpo que
confunde, embaralha, em que o macho e a fêmea ao mesmo tempo se
devoram, se misturam e separam suas faculdades. Luta, fusão,
diferenciação (GAUTHIER apud LINS e GADELHA, 2000, p. 66-67).
Da sublime analogia à máxima de McLuhan, ao ser humano-metal,
vivido por Gregório Sartori, suas próteses funcionam como extensões do
corpo, redesenhando sua forma de se movimentar (MEYER, 2001). Dos
corpos pós-humanos, estendidos, deformados, híbridos, que dissimulam
uma confusão de fronteiras, Alejandro recorre ao desvio das articulações,
às disjunções entre as partes do corpo, às posturas inusitadas que
sugerem fraturas expostas no corpo, para desenhar sua aparência
deformada e nos propor reflexões.
O espaço
69
A dança da desmedida
Ao olharmos as produções do Grupo Cena 11, analisadas,
acreditamos que uma discussão sobre o espaço faz-se pertinente, visto
que são inúmeros os usos e configurações do espaço que percorrem
Violência e In´perfeito. Neles o espaço convencional da dança é rompido,
como se as fronteiras de demarcações entre as paredes que compõem o
espaço cênico fossem borradas. Estas ganham uma nova conformação,
como é o caso da quarta parede que aparece no espetáculo Violência.
É pertinente destacarmos que, como uma manifestação da Dança
Contemporânea que faz uso da tecnologia para compor seus trabalhos, o
Cena 11 contribui para destituir a idéia de um espaço exclusivo para a
dança. Em entrevista, o coreógrafo argumenta, ainda, que o fato de
muitas capitais não possuírem teatros com uma estrutura de palco grande
fez com que ele buscasse alternativas para a apresentação do Grupo
nesses locais. Assim, realizam apresentações em pátios e ginásios. Nas
palavras do corgrafo, principalmente no que se refere ao espetáculo
Violência, Alejandro Ahmed considera interessante a possibilidade de
múltiplos olhares para o espetáculo, uma vez que se pode assistir em
volta da estrutura cênica. Nesse ínterim, aquela visão antes vista de frente
pode ser visualizada de qualquer lado e ângulo, ganhando também
profundidade. O Cena 11 brinca com o espaço, destitui alto e baixo, perto
e longe, multiplica os corpos, fragmenta-os, aumenta alguns fragmentos
do corpo, faz uso de próteses, patins, pogobol e do recurso da luz,
gerando novas formas de convivência com o corpo e com o espaço. Em
seus espetáculos, o corpo é carne, tato é parede, visão é olho de peixe,
voz é microfone, perna é pau. O corpo está espacializado e estendido até
o espectador(SPANGHERO, 2003, p. 75).
70
A dança da desmedida
Configurações diversas para o corpo (cena 4)
Partimos do pensamento de que o corpo é espaço e nos ancoramos
em Pavis (2005), Foucault (2006) e Merleau-Ponty (1999), para discutirmos
algumas cenas significativas que compõem nossa análise estética.
O espaço na nossa sociedade contemporânea encontra-se
desterritorializado, friccionado e comprimido, uma vez que podemos estar
em vários lugares ao mesmo tempo, e os espaços se fundem e se
confundem. A dança, nessa perspectiva, também participa desse cenário
de discussão e redefinição dos valores. Nesse ínterim, seu espaço pode
ser amplificado, restrito a feixes de luz ou ao equilíbrio em objetos, como é
o caso do uso do bogobol e das pernas de ferro presente nos espetáculos.
uma “dessacralização do espaço”, este não se restringe ao palco
italiano e é utilizado pelo grupo de formas diversas. Uma delas fora
apresentada em argumentos explicitados anteriormente, como é o caso da
falta de uma estrutura que comporte o recurso cênico coreográfico.
Rompe-se também com o espaço do corpo, este se liberta para viver
novos planos, níveis, formas e linhas. O corpo do Cena 11 explora o
espaço.
71
A dança da desmedida
Explorando o espaço (cena 33)
Comprimidos, ampliados, virtualizados, corpos que brincam e
semeiam uma confusão ou reordenamento de planos, espaços. Os
desenhos do corpo em cena não se restringem às formas convencionais do
uso do espaço, que priorizam o corpo de frente e de perfil. Os corpos do
Cena 11 vêm de cima, de baixo, são carregados por outros corpos e
objetos, adicionam próteses e artefatos que redimensionam o espaço.
Dentro dessa perspectiva, nos aproximamos das descrições sobre o
espaço cunhadas por Pavis (2005). O autor, ao discutir sobre a experiência
espacial, aponta duas possibilidades em que todas as teorias do espaço
podem oscilar: o espaço vazio (lugar a ser preenchido, que tem como
maiores expoentes os estudos de Antonin Artaud e Rudolf Laban), e o
espaço invisível (apresentado pelo autor como um espaço ilimitado e
ligado a seus utilizadores, a partir de seus deslocamentos, trajetórias;
nesse espaço, a substância não está para preencher, mas para estender).
72
A dança da desmedida
Outra forma de descrição do espaço evidenciada por Pavis (2005)
consiste no espaço gestual, espaço este criado pela presença, posição
cênica e deslocamentos dos corpos no espaço. Constitui-se como evolutivo
e suscetível de se estender ou se retrair (PAVIS, 2005). Compondo uma
das manifestações do espaço gestual, destacamos o espaço centrífugo,
que, segundo o autor, constitui-se do corpo para o mundo externo. O
corpo é prolongado pela dinâmica do movimento ou por intermédio de
acessórios ou figurinos.
Esse tipo de espacialidade, ou melhor, de prolongamento da
espacialidade, constitui-se um dos recursos utilizados pelo grupo. Ao
olharmos a primeira cena que aparece no espetáculo In’perfeito, vemos
um bailarino andando no meio da platéia em suas novas pernas (de
metal), que o amplificam. Essa cena nos revela que não mais um
espaço sacralizado para o corpo na dança, e que a platéia pode chegar
perto, participar da obra. Esse “corpo dilatado
12
”, utilizando uma
expressão de Barba, intensifica suas atitudes, sua presença e dilata o
espaço.
A primeira cena de In´perfeito inicia-se na platéia, com batidas
eletrônicas, luz estreboscópica
13
, o bailarino andando com suas próteses
de um lado para o outro. A luz certa embriaguez, vê-se o bailarino em
alguns momentos, seguimos seu rastro, que nos leva ao palco. Quando as
cortinas do palco se abrem, movimento, vários bailarinos correm e
andam ao som de gritos, acompanhados de certo humor macabro.
Personagens góticos, estranhas criaturas pesquisam formas de se
movimentar. A estrutura da cena permeia entre um imenso laboratório e
um frigorífico bem estruturado tecnologicamente.
12
Termo utilizado por Eugenio Barba (1995), ao realizar o estudo do comportamento
cênico do ator. O corpo dilatado é um corpo incandescente, as partículas desse corpo são
excitadas a tal ponto que separam e atraem-se com força em um espaço amplo ou
reduzido. Corpo também amplificado pelo olhar do espectador.
13
Estilo de luminosidade intermitente que provoca a sensação de que o objeto sobre o
qual a luz incide está se movendo de uma forma diversa da qual ele realmente se move.
Tal estrutura possibilita a observação e o registro da onda de movimento.
73
A dança da desmedida
Ampliação do espaço (cena 17)
São inúmeras as próteses utilizadas pelo Grupo para compor sua
estética, contribuindo para amplificar e dilatar o corpo e, portanto, o
espaço. Próteses bucais, patins, bogobol, andajá, pernas de metal,
cadeiras, lentes de aumento, microfones, todos contribuem para reforçar a
idéia de dilação do espaço ou de compilamento. A estrutura cênica
adotada pelo grupo em In´perfeito, por exemplo, contribui para destituir
estruturas hierárquicas ainda tão presentes na dança, ao invadir o espaço
cênico e deslocar o fundo do palco para o centro.
A invasão do espaço – o fundo do palco ocupa o centro (cena 37).
Com relação às formas de abordar o espaço, nos aproximamos das
incursões realizadas por Pavis (2005). O referido autor apresenta-nos
algumas formas de representação do espaço, no entanto neste texto
74
A dança da desmedida
dissertativo endossamos como significativas as discussões sobre o espaço
cênico.
O espaço que marca o tempo (cena 5)
Assim, o Cena 11 recorre a uma engenharia mecânica para compor
suas performances, o espaço, agora dessacralizado com relação à
estrutura do espaço cênico clássico, que determinou seu uso. Explora e
destitui certos formatos, como é o caso do fundo, que, em Violência, está
em contínuo movimento, as placas de acrílico contam o tempo e
modificam o espaço, ao serem cada vez mais preenchidas com um líquido
branco. As próprias paredes de policarbonato que caem durante o
espetáculo simulam uma espécie de jaula, limitando o espaço cênico, no
entanto possibilitam outras possibilidades de movimentação e de
utilização do espaço cênico, como sugere uma das cenas de Violência.
No palco, seres rodopiam e, de repente, correm e se arremessam
contra as placas de policarbonato, como se quisessem sair. A dança
macabra do Grupo e seus corpos que se jogam contra a parede parecem
ainda, como nos definiu muito bem Rosenfield
14
(2002), um clube da luta
14
Jornalista do Jornal Zero Hora.
75
A dança da desmedida
de horror dos quadros de Bacon. Assim, o espaço vertical que antes não
podia ser explorado é dessacralizado.
Estranhas criaturas rodopiam e exploram movimentos diversos
(cena 3).
Sobre o processo de sacralização, dessacralização do espaço,
Foucault (2006) faz incursões interessantes, ancorado pelos discursos de
Galileu, Bacherlard, pelas descrições dos fenomenólogos. Para o autor o
espaço não é uma inovação, bem como não é possível pensar o espaço
sem seu entrecruzamento com o tempo.
Saímos do espaço de localização, aquele espaço hierarquizado que
pode ser sagrado, profano, protegido, urbano, rural, celeste, terrestre,
para o espaço extensão, infinito, iniciado pela reviravolta das teses de
Galileu. Posteriormente, o posicionamento substituiu o espaço extensão.
O posicionamento é definido pelas relações de vizinhança entre pontos
ou elementos; formalmente podem-se descrevê-las como séries,
organogramas, grades” (FOUCAULT, 2006, 412).
76
A dança da desmedida
Porém, apesar de todas as técnicas investidas no espaço rumo ao
seu estado de posicionamento, o que concerne à sacralização,
dessacralização talvez não esteja tão nítido; sem dúvida, houve uma
dessacralização do espaço no século XIX e uma dessacralização teórica do
espaço advinda da obra de Galileu. Mas ainda existe certo jogo de
oposições ainda intocáveis, como: as relações entre espaço privado e
público, “entre o espaço da família e espaço social, entre o espaço cultural
e o espaço útil, entre o espaço de lazer e o espaço de trabalho; todos
ainda movidos por uma certa sacralização” (FOUCAULT, 2006, p. 413).
No Grupo Cena 11, o espaço é dessacralizado com relação à estética
clássica, quando o bailarino inicia sua performance na platéia. Assim, o
palco invade a platéia, ou a platéia invade o palco, destituindo uma
hierarquia advinda da dança Clássica nos séculos XVIII e XIX.
O espaço cênico (cena 18)
A movimentação dos bailarinos também permite a exploração dessa
dessacralização, uma vez que o diálogo com a tecnologia possibilitou criar
espaços diversos, em que uma simples luz determina o que pode e o que
não pode ser visto. Ou até mesmo a utilização de muletas e pernas de
ferro como extensão do corpo contribui para redimensionar o espaço e
modifica a forma de o corpo se movimentar.
Outra cena nos chamou a atenção sobre esse reordenamento do
espaço: a dança da cadeira. Intensa, vigorosa, vibrante, a imagem da
77
A dança da desmedida
bailarina e seu diálogo com a cadeira que se encontra no centro do palco
intriga-nos, uma vez que a função convencional da cadeira se dissipa,
perde-se, ou melhor, corpo e cadeira semeiam uma confusão, o corpo
torna-se um projétil, e a cadeira um certo lugar de passagem, visto que
são inúmeras as possibilidades de utilização.
O corpo projétil (cena 15)/fonte:www.cena11.com.br/
foto:Fernando Rosa
O Cena 11 nos remete à discussão das heterotopias, uma vez que a
dança constitui-se um espaço heterotópico, ao trazer e criar outros
espaços, bem como pela idéia de efemeridade. Nesse sentido nos
aproximamos das discussões de Foucault (2006), ao problematizar as
utopias e as heterotopias. Para o autor, as utopias constituem-se de um
lugar sem lugar; são essencialmente irreais, ou, como o próprio autor
define, são uma “impossibilité” e, ao mesmo tempo, falam de um espaço
real. As heterotopias, estas representam momentos utópicos realizáveis no
espaço. São, portanto, lugares reais, operantes, como o espaço fora dos
outros espaços.
As heterotopias têm como força a capacidade de justapor espaços
incompatíveis ao mesmo tempo. Assim, são exemplos de heterotopias o
teatro (ao fazer suceder dentro de seu espaço retangular espaços
78
A dança da desmedida
estrangeiros) e o cinema (ao transformar um espaço bidimensional em um
espaço tridimensional). O teatro é, ainda, uma heterotopia crônica, não
estando ligada à idéia de eternidade, como os museus, que são
heterotopias de tempo.
Dentro desse contexto, destacamos uma das cenas do espetáculo In
´perfeito, quando várias imagens são projetadas em um telão, criando um
espaço e, ao mesmo tempo, bailarinos dançam sob essa projeção, e suas
imagens (sombras) aparecem projetadas em uma imensa parede branca
colocada ao lado do palco, que utiliza o recurso da luz para criar esse
outro espaço. Dentro dessa mesma cena, observamos que os bailarinos
dançam entoados pela música cantada ao vivo por uma cantora que está
acima de toda a cena, em uma estrutura de ferro. Tais imagens nos levam
às discussões sobre a criação de espaços que são utópicos e ao mesmo
tempo heterotópicos realizadas por Foucault (2006).
Novas convivências com o espaço: espaço vertical e espaço horizontal
(cena 26)
Foucault (ibidem), dentro do contexto das utopias e das
heterotopias, discute uma experiência mista que existe entre as utopias e
as heterotopias, como o exemplo do espelho apresentado pelo autor em
sua conferência proferida Des espaces autres.
79
A dança da desmedida
No espelho, eu me vejo onde não estou, em um espaço
irreal que se abre virtualmente atrás da superfície, eu estou
longe, onde não estou, uma espécie de sombra que me
a mim mesmo minha própria visibilidade, que me permite
olhar onde estou ausente: utopia do espelho. Mas é
igualmente uma heterotopia, na medida em que o espelho
existe realmente, e que tem, no lugar que ocupo, uma
espécie de efeito retroativo; é a partir do espelho que me
descubro ausente no lugar que estou, o espelho funciona
como uma heterotopia, no sentido em que ele torna esse
lugar que ocupo, no momento em que me olho no espelho,
ao mesmo tempo absolutamente real, em relação com o
todo espaço que o envolve, e absolutamente irreal, que
ela é obrigada, para ser percebida, a passar por aquele
ponto virtual que está longe (FOUCAULT, 2006, p. 415).
O ambiente criado pelo espetáculo In´perfeito também cria espaços
utópicos e heterotópicos, na medida em que cria espaços reais e ao
mesmo tempo irreais. Esses espaços podem ser vistos ao vislumbrarmos
uma parede imensa branca disposta do lado esquerdo do palco, que, ao
receber uma determinada iluminação, que vem de frente, cria certa
atmosfera utópica, através da projeção de sombras. Os corpos monstros
que por passam se vêem projetados na parede, mas não estão e ao
mesmo tempo estão. Outra visibilidade utópica e heterotópica é a imagem
do corpo distendido que se vê através da lente de aumento.
Além do exemplo do espelho, Foucault nos apresenta outros
exemplos de lugares heterotópicos, como os cemitérios, os asilos e o
barco. Esses exemplos são apresentados como parte da produção de
sentidos diversos dados às heterotopias por cada sociedade, da qual
Foucault (2002a; 2006) destaca dois tipos: as heterotopias de crise e as
heterotopias de desvio, onde se localizam os indivíduos que se desviam
dos padrões de normalidade.
80
A dança da desmedida
É exatamente o uso da imagem das heterotopias de desvio que
marca os espetáculos do Cena 11, ao levar para o palco estruturas
panópticas que envolvem o controle, possibilitando-nos a reflexão das
heterotopias de desvio, que têm no centro a estrutura de um panóptico.
Da aranha gigante de onde habita a cantora Hedra durante todo o
espetáculo, ou até mesmo da estrutura de vidro criada em Violência,
permite-se um olhar que pode constituir-se em uma forma de controle.
A configuração de um espaço panóptico (cena 29)
Além da estrutura arquitetônica do espetáculo, os próprios corpos
evidenciados possibilitam a reflexão das heterotopias de desvio, visto que
o corpo revelado pelo grupo é o corpo das “linhas de fuga”, como o doente
e o louco.
81
A dança da desmedida
O corpo louco (cena 2).
Outro aspecto que nos chamou bastante a atenção nos espetáculos,
em particular a estrutura que visibilidade ao espetáculo In`perfeito, foi
a utilização de um cenário que abre espaço para a vivência de vários
lugares para o corpo.
Percebemos, no espetáculo supracitado, a presença de vários corpos
andando de um lado para outro, muitas cenas ocorrendo ao mesmo
tempo, o que dificulta o olhar isolado. Em um determinado momento, um
corpo pendurado entra em cena nos chamando atenção.
Uma carne pendurada e pronta para abater, essa é a sensação que
se tem ao olhar o corpo do bailarino, que roda pendurado de cabeça para
baixo. O recurso tecnológico tornou possível a exploração dessa nova
espacialidade para o corpo. Esse corpo permanece lá, pendurado, sob a
ação do peso, até que é vencido por ela e cai.
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A dança da desmedida
Dilatação do espaço (cena22)
De cabeça para baixo, de lado, de costas, são muitos momentos em
que a estrutura que permite o corpo ficar de ponta cabeça também lhes
possibilita entrar e sair de cena de forma inusitada. Formas de se
arremessar no chão e até mesmo de andar são exploradas. Como nas
cenas de desenho animado, os corpos podem andar no teto. Tal
exploração nos faz refletir o uso do espaço primado pela estética clássica
para a dança, que tinha seu uso tolhido, com o surgimento do palco
italiano, que determinava os movimentos de pés, cabeça, braços, tronco
erguido e sempre reto. O espaço podia ser utilizado sobre a forma das
posições clássicas, quase sempre no plano alto, no máximo no plano
médio. Era o ser nas alturas, a idéia de voar que sobressaía na utilização
do espaço.
No Cena 11, o espaço é amplificado e, além da idéia de voar, o ato
de se arrastar também compõe a estética do grupo. Em suas produções,
os bailarinos correm, se agarram, gritam, ousam subir uns em cima dos
outros, como um ritual de acasalamento. Arrastam-se, chocam-se uns com
os outros, nas paredes de policarbonato, são empurrados, sobem em
patins, em bogobol, que também funcionam como extensões do corpo e
redefinem o espaço.
83
A dança da desmedida
Sob pernas e braços de metal, como uma imensa aranha gigante,
um ser nas alturas dança e dialoga com outro ser. Este é pequeno, mas se
torna potente e forte, ao agrupar-se, ou semeia um pacto (como aquele
das relações ecológicas do comensalismo, que, apesar de referir-se a
relações alimentares, constitui-se um pacto de sobrevivência). Tal cena
nos permite repensar o espaço.
A lente – ampliação
do corpo (cena 27).
Na dança do Cena 11, as noções de frente, lado, atrás, em cima,
embaixo, perto e longe se confundem, como a cena proporcionada pelo
espetáculo “In´perfeito”, na qual uma lente de aumento enorme colocada
no centro do palco possibilitou a vivência de uma outra espacialidade para
o corpo.
84
A dança da desmedida
Engraçado e provocante, uma bailarina, perto e longe, dança com
uma música entusiasmante e, ao mesmo tempo, com a projeção de uma
voz de outro bailarino que está em frente a uma lente pequena de
aumento, esta cobre apenas seu rosto. A bailarina, ao contrário, tem seu
corpo quase todo re-ordenado pela lente de aumento gigante que está a
sua frente, apenas as pernas e os braços não participam da cena quando a
bailarina se aproxima da lente. Perto e longe, grande e pequena, rápida e
lenta, criatura estranha e gigante, desordem na ordem esperada. Tal cena
nos faz lembrar a crítica à concepção espacial cartesiana feita por
Merleau-Ponty (1999; 2004), ao questionar as noções de profundidade e
verticalidade. Para esse filósofo o espaço deve ser compreendido não a
partir do corpo, mas também como extensão do próprio corpo.
Re-configurando o espaço (cena 36).
Merleau-Ponty (1999) fala de um espaço espacializante, e não
espacializado. Para tanto, faz críticas às concepções de percepção,
profundidade, altura e largura advindas das concepções clássicas
empiristas e intelectualistas, cuja experiência do espaço está
desconectada do corpo e restrita a investigação da forma e do conteúdo.
85
A dança da desmedida
Ele também fala de uma profundidade que não está objetivada e
constituída de pontos exteriores, ultrapassando as concepções clássicas,
que se ancoravam nos discursos da grandeza aparente e da convergência
dos olhos, colocando dentro da construção da noção de profundidade uma
relação imanente entre sujeito e objeto. Sujeito esse não acósmico, mas
engajado com o mundo. Dessa forma, a noção de profundidade deixa de
ser uma experiência patológica da micropsia (que muda a grandeza
aparente de todos os campos, dando um padrão pré-objetivo às distâncias
e às grandezas).
Assim, ancorado na compreensão de que o esquema corporal se
desenha a partir da experiência vivida, Merleau-Ponty (1999) questiona a
visão única do espaço como sendo físico e propõe um espaço criado e
recriado a partir da experiência vivida. Quando apreciamos as imagens da
dança nos vídeos selecionados, por exemplo, criamos um espaço, assim
como o bailarino ao dançar o cria, uma vez que o espaço é vivido. Neste
sentido, as noções de lado e de baixo, de perto e de longe, de vertical e de
horizontal perdem todo o sentido determinável e são redesenhadas a
partir de experiências existenciais, como nos exemplos da inversão
retiniana e da grandeza aparente da lua a partir da ilusão de ótica
estudada por Malebranche. Nesse sentido, nossas relações com o espaço
não são as de um puro sujeito desencarnado com um objeto longínquo,
mas as de um habitante do espaço com seu meio familiar (MERLEAU-
PONTY, 2005, p. 16).”
Dessa forma, o entendimento objetivo e homogêneo do espaço,
tendo como objeto a inteligência sem corpo, é substituído “pela idéia de
um espaço heterogêneo, com dimensões privilegiadas, que têm relação
com nossas particularidades corporais e com nossa situação de seres
jogados no mundo (MERLEAU-PONTY, 2005, p. 17). Portanto nesse
espaço, ao se olhar as imagens do grupo, cabe o feio, a deformidade e
outras condições da vida.
Reiteramos que os interlocutores utilizados em nosso texto revelam
algumas aproximações de pensamento, ao ousarem pensar o espaço
destituído de um olhar de posicionamento, objetivo, físico, para um espaço
86
A dança da desmedida
que pode ser criado e recriado a partir da experiência vivida. Espaço esse
que amplifica o corpo, uma vez que o espaço é compreendido não a
partir do corpo, mas também como extensão desse corpo.
A exemplo desse entendimento do espaço, acreditamos que o Grupo
Cena 11 provoca intencionalmente em suas produções uma inversão de
sentidos em relação às determinações convencionais para o espaço,
(essas inversões podem ser pensadas e problematizadas na dança e para
além da dança) e possibilita a exploração de novos formatos espaciais,
como vimos nos exemplos das próteses, das projeções de slides, do corpo
pendurado que adentra o palco de cabeça para baixo, do espaço do corpo.
Tais explorações possibilitam que reordenemos as noções de perto e
longe, de alto e baixo, real e virtual. Acreditamos que as discussões
evidenciadas nessas cenas são significativas para pensarmos o
movimento de reordenamento do corpo na dança.
Enfatizamos que o impacto do desenvolvimento tecnológico
possibilitou a renovação dos valores estéticos, bem como o conceito de
espaço que permeou as composições coreográficas, abrindo possibilidades
para novas escritas, escutas, olhares e percepções.
Cada época e cada cultura desenvolve sua dança com uma
abordagem coreográfica própria das suas relações sociais
com o mundo circundante, como por exemplo, o arquetípico
impulso para a ocupação, expansão e consolidação do
espaço próprio, o território físico de cada homem, tribo ou
nação, substituído, agora, pela necessidade de conquistar
maior velocidade na comunicação. O novo sentido do tempo
versus poder. Essa nova percepção e relação com os
elementos espaço e tempo criou uma mudança drástica nas
manifestações expressivas do homem contemporâneo,
provocando uma outra “gramática” na dança. Surge uma
dinâmica frenética dos movimentos nas coreografias. Uma
obsessão pelo binômio espaço-temporal, simultânea à
necessidade de ampliação do universo de circulação
coreográfico (ROBATTO e MASCARENHAS, 2002, p. 39).
Acreditamos que as cenas descritas, são significativas no movimento
de re-definição do espaço e da concepção de corpo na dança, ao
explorarem: a convivência com múltiplos espaços de interpretações da
realidade; a destituição de um padrão único de convivência do espaço; a
87
A dança da desmedida
solidariedade entre as diversidades corporais, uma vez que cultivam
diálogos entre o corpo real e o corpo virtual, por exemplo; bem como os
outros espaços e tempos vividos pelo corpo que não podem ser reduzidos
a limitações espaciais pré-definidas.
O gesto
A gestualidade que se apresenta nos espetáculos analisados
desconstrói os códigos tradicionais da dança, os movimentos não tem uma
forma ordenada, parece que não terminam, fluem para outros
movimentos, como na rima poética, são, portanto, descontínuos com
contornos não nítidos. Assim, seus movimentos exploram a possibilidade
do inacabado, nas próprias cenas não existem limites, seja na exploração
dos corpos que se arrastam pelo chão como verdadeiras anomalias, ou na
estruturação da cena, dado que não limites de início, meio e fim bem
delineados, nos espetáculos apreciados observa-se a busca por uma
“borraçãode limites, de cenas e de gestos.
O corpo marionete (cena 20).
Uma das cenas do espetáculo In´perfeito nos chamou atenção para
essa descontinuidade da gestualidade apresentada pelos bailarinos. Dois
88
A dança da desmedida
bailarinos desenham uma poesia de movimentos leves e ao mesmo tempo
presos; seus corpos parecem gritar, implorando aceitação de sua
existência. Exploram jogos de movimentos em planos diversos,
experimentam andar com as mãos, movem as articulações
inusitadamente, rastejam-se como cobras. Ao se olhar esses corpos
dançantes que amplificam sua contingência de formas, sente-se uma
sensação de liberdade; eles não precisam viver apenas os códigos
existentes na dança, podem também recriá-los.
A estética evidenciada pelo grupo recorre a outro tipo de virtuosismo
daquele canonizado pelo balé clássico. Por exemplo, no Cena 11 o corpo
virtuoso nem sempre busca opor-se à gravidade, mas rende-se a ela, o
corpo se mistura ao chão, como o corpo da Dança Moderna. Tal
virtuosismo pode ser bem expresso em uma das cenas do espetáculo In
´perfeito, em que uma bailarina entra no palco de cabeça para baixo,
pendurada e agarrada a um gancho de ferro. Ela permanece lá, girando de
cabeça para baixo, sob a ação da gravidade, simulando uma carne no
abate. Repentinamente ela despenca, ao deixar seu peso agir.
Uma estética que evidencia o risco, as quedas, o peso, a
desarticulação, a impulsão do corpo no espaço e a ação da gravidade. As
linhas de movimento semeiam tanta confusão que o jazz, o balé, o break
utilizados na coreografia se diluem e criam a dança do Cena 11. Esses
gestos semeiam um ritual da dança dos corpos zumbis, quando os
bailarinos caem ao chão repetidas vezes, rastejam-se e ganham força,
enrijecem e se erguem no ar. Seus movimentos situam-se entre o precário
e o inacabado, não no sentido de uma arte mal feita, mas no sentido de
uma arte com precisão nos gestos descontrolados.
Uma cena interessante do espetáculo Violência, que também
expressa muito bem o virtuosismo primado pelo grupo, consiste na
constante utilização de quedas, o engatinhado e o arrastado dos corpos
em um imenso piso vermelho. Isso parece contribuir ainda mais para
evidenciar os rumores circenses das “marionetes desarticuladas” do Cena
11.
89
A dança da desmedida
Os monstros dançantes (cena 19).
Tanto em In´perfeito, como em Violência, tem-se a sensação de que
os corpos dos bailarinos parecem verdadeiras marionetes, não no sentido
de serem manipulados, mas no sentido articular. Assim, há uma
articulação e uma desarticulação dos membros, o movimento é torto,
fluido, em muitos momentos tem-se a sensação de que ele nunca termina
ou que cessa e flui para outra posição antes que se desenhem formas
pré-concebidas.
Estamos diante de outra referência estética que busca não se fixar a
um único código gestual, no entanto sabemos que essa busca, por
subverter as regras canonizadas do balé, fixa” outro código gestual, o
código da dança do Cena 11. Sua dança prisma por uma assimetria, uma
vez que se pode dançar apenas evidenciando um membro, utilizando-se
apenas um dos lados do palco e, ainda, vários corpos podendo dançar ao
mesmo tempo estruturas de movimentações diferentes. Não também
aquela preocupação com que todos os bailarinos desenvolvam um
movimento idêntico, em que o ato de levantar o braço, por exemplo,
tenha a mesma angulação e sentido para quem o vive.
90
A dança da desmedida
A gestualidade explorada pelo grupo em In´perfeito não deixa
dúvidas quanto à busca por desenhar em seus corpos seres monstros, e
essa busca vai além das tecnologias que reordenam o corpo, apesar de se
utilizarem destas para compor novos repertórios de movimento.
O movimento dos desengonçados (cena 7).
Outra cena do espetáculo In´perfeito que revela a exploração desse
ambiente aberto à criação de novas possibilidades de movimento é a cena
de duas bailarinas com as mãos presas, testando seus limites. Entre o
trágico e o cômico, as bailarinas ousam desenhos de movimentos no chão
que exploram suas articulações. Seus corpos se arrastam pelo chão,
rastejam como criaturas que não podem caminhar, verdadeiras anomalias,
as mãos soqueiam os próprios torsos, os braços puxam e impulsionam o
movimento. Ousam desenhar e diluem-se em relações de intensidade.
Seus movimentos são amplificados pelo diálogo com a tecnologia.
Insinuam o masoquismo e a mutilação através do uso de próteses e
artefatos no corpo, ao pendurar-se naqueles instrumentos metálicos de
tortura; nos contatos; nos choques; nos saltos e nas quedas. Comportam-
se como personagens de desenho animado, que, mesmo na experiência
da dor, continuam a sorrir.
A relação entre os corpos é intensa, e condensa golpes e colisões.
Os corpos se aglutinam, colam-se uns nos outros, caem moles e inertes no
chão, uns em cima dos outros, os gestos terminam na explosão das
quedas.
91
A dança da desmedida
A aranha gigante (cena 34).
Esses corpos rompem com o modo com que conduzimos a estética
apolínea da dança. No entanto precisamos reconhecer a impossibilidade
de reduzir uma gestualidade a uma configuração absoluta, uma vez que
“cada gesto encadeia em outro, cada gesto carrega em si vários sentidos”
(TIBÚRCIO, 2005, p.92).
Nesse sentido, os gestos não são submissos aos imperativos de
sentidos fixos. “É a energia do dançarino, o seu arrebatamento, a sua
singularidade, o seu investimento próprio, que dão vida aos símbolos
dançados” (TIBÚRCIO, 2005, p.92).
Dentro desse contexto, os gestos explorados pelo grupo Cena 11
nos fazem lembrar as problematizações feitas por Gil (2004), ao refletir
sobre o gesto dançado, tendo como referências significativas as produções
coreográficas de Pina Bausch, Mercê Cunningham, Löir Fuller, Alwin
Nikolaïs. Gil (2004) tece críticas à compreensão de gesto a partir de uma
visão linear e única de uma gramática semântica dançada, uma vez que
esta se faria paradoxal, contemplando apenas o universo dos signos, e
não da significação. Assim, as nuvens de sentido (termo utilizado pelo
autor para referir-se aos significados) desapareceriam, e o privilégio da
técnica ou o aspecto ginástico ou acrobático, a fisicalidade e o virtuosismo
definiriam o que é o gesto dançado.
92
A dança da desmedida
Quando deslocamos nosso olhar para as transformações que
ocorreram na arte, em particular na dança, no início e em meados do
século XX, observamos que as figuras e posições predominantes no balé
clássico são questionadas pela Dança Moderna e posteriormente pela
Dança Contemporânea, libertando os valores “sem-pose”, não-pulsados”
e situando o devir no centro do movimento dançado (DELEUZE 1983 apud
GIL, 2004).
Para Gil (2004), os gestos dançados se compõem de movimentos de
transição, e estes são impossíveis de significá-los em palavras, o seu
sentido tem uma generalidade ‘amodal’ impossível de exprimir fora do
circuito dos próprios movimentos do gesto: a emoção, o pensamento, a
sensação emergem e se constroem enquanto gestos. O pensamento
procede por gestos tal como a minha emoção que se dilata, se intensifica,
se dispersa” (GIL, 2004, p. 91).
Esses movimentos de transição são encontrados em todos os gestos
da vida comum, mas a dança os transforma em seqüências narrativas,
dando visibilidade ao que era imperceptível, compondo uma gramática de
dança que vai além daquela descrita em linhas anteriores. Nesta,
apesar de ainda haver certo paradoxo, não há as formas pré-definidas.
Assim, dentro desse universo dos movimentos de transição, os
corpos do Grupo Cena 11 combinam vários devires: arrastam-se pelo
chão, chocam-se uns com os outros, amontoam-se, tornando muitas vezes
a fronteira de demarcação entre os corpos borrada e impossível de
determinar de quem é cada parte do corpo que está à mostra;
suspendem-se como bichos abatidos; exploram movimentos viscerais.
Gil (2004) enfatiza que o gesto nunca vai até o fim de si próprio; ele
se prolonga, não tem contornos, o gesto escapa de si e permanece sempre
aquém da grafia, assim o gesto não desenha figuras no espaço, mas as
desliza. Esse pensamento sobre o gesto nos faz voltar novamente aos
deslizes desenhados pelo Grupo Cena 11, na coreografia In’perfeito, ao
fazerem uso de uma grafia borrada. O duo de bailarinos que explora o
movimento pela articulação representa um dos deslizes da gestualidade
93
A dança da desmedida
do Cena 11, bem como o desvio das articulações, as posturas inusitadas,
como se fossem fraturas, as disjunções e as hibridizações de corpos.
Faz-se pertinente evidenciar, ainda, que as incursões de Gil (2004)
na obra “Movimento Total: o corpo e a dança” são desenhadas pelos
discursos dos filósofos Merleau-Ponty; Deleuze e Guatarri. Nesse ínterim,
o autor parte do pensamento de que o gesto é atribuído de sentido, e é
configurado no corpo e na percepção. Assim, ele não é dado, mas
compreendido a partir da relação do espectador com o mundo e com os
outros. Por isso, a construção de uma gramática fechada do gesto
dançado faz-se paradoxal.
Assim, o sentido do gesto não está atrás dele mesmo, “ele se
confunde com a estrutura do mundo que o gesto desenha e que por minha
conta eu retomo, ele se expõe, no próprio gesto (MERLEAU-PONTY, 1999,
p. 243). No entanto é exatamente pelo controle do gesto que se afirmam
os dispositivos de disciplinamento e coerção dos corpos. Soares (2001), ao
refletir sobre a educação do corpo, afirma que o gesto constitui-se uma
unidade de atribuição de sentidos e designador de valores morais. Nele,
podemos observar dispositivos de controle, proibição e interdição de
diferentes sociedades.
Nessa perspectiva, ao olharmos uma apresentação de balé clássico,
percebemos uma rígida disciplina
15
que pode ser materializada no modelo
de gesto, moderado, disciplinado e, acima de tudo, previsível. Algo que
não se pode esperar na apresentação de um trabalho de Dança
Contemporânea no seu sentido pós-modernista
16
. Essa nova dança
desencadeou um furor crítico contra as formas, os estilos, as técnicas de
dança clássica e moderna, caracterizando-se por uma “estética da recusa”
(GIL, 2004).
15
Segundo Foucault (2000, p. 125), a disciplina “[...] individualiza os corpos por uma
localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações
[...]”. Nesse sentido a disciplina organiza o espaço, o tempo, as relações através de seu
conjunto de técnicas (vigilância hierárquica, o exame e a sanção normalizadora) que tem
com alvo os indivíduos em sua singularidade. Assim, a disciplina institui formas de saber.
16
Estamos nos referindo às problematizações desenvolvidas por Gil (2004), ao refletir
sobre os trabalhos e os empenhos dos bailarinos da Judson Church, principalmente no
que concerne à ligação da dança a uma instituição. Buscavam “libertar os corpos
quebrando todas as normas que governavam a dança” (GIL, 2004, p. 148).
94
A dança da desmedida
Nesse sentido, o contato com o Grupo Cena 11 foi significativo, visto
que visualizamos como se a relação com o gesto dançado. Segundo o
coreógrafo do grupo, busca-se a cada ensaio o retorno à compreensão do
gesto que está sendo desenhado, no sentido de fugir dos automatismos da
repetição pura e mecânica.
Entre a leveza e a brutalidade, a dança do Cena 11 oferece espaço
para discussão dos estereótipos de corpo e de movimento. Em muitas
cenas do espetáculo Violência, os corpos se chocam tanto uns com os
outros que parecem ser um corpo, suas gestualidades dão visibilidades a
diversos monstros, como é o caso da primeira cena do espetáculo
supracitado. Um ser estranho anda com dificuldade, lembrando-nos um
corcunda, com seus dentes à exposição devido a uma prótese bucal.
Tudo é extremo em Violência: personagens góticos, com maquiagens
moribundas e cabelos de um colorido vibrante, como verdadeiros
fantoches, ou, como o próprio coreógrafo denomina, vodus. Esses seres
giram até cair, levantam-se e caem novamente, inúmeras vezes, dando a
idéia de sucessivas mortes.
Dentro da linguagem coreográfica que caracteriza o Cena 11,
percebe-se a predominância de quedas, com exceção de In´perfeito, que é
compreendido pelo coreógrafo como a linguagem que início à estética
de linhas e formas que permeiam os espetáculos do Cena 11 e portanto
demarca a busca presente no Grupo por operar por outros indicativos.
Observa-se a exploração de uma movimentação mais fluida, solta,
com gestos desarticulados compondo ondas completas. Em suas
estruturas coreográficas, exploração de diversas linguagens, como o
break, por exemplo. Assim, o fluxo do movimento é alternado, sendo em
grande parte contínuo e solto. O elemento da repetição é bastante
utilizado nas explorações de In´perfeito, assim, em muitas cenas,
observam-se os bailarinos dançarem a mesma seqüência coreográfica.
Porém o excesso de quedas em violência se choca com o lirismo de
In´perfeito. Este tem uma poesia mais branda, apesar da música, da
maquiagem, do figurino e da gestualidade monstriniana. A primeira
sensação que se tem ao assistir Violência é uma mistura de repúdio e
95
A dança da desmedida
fascínio e, ao mesmo tempo, de dúvida. Eles se jogam, se jogam, se
jogam... Um no corpo do outro, em cadeiras que se subjetificam. Percebe-
se sempre a busca de diálogos entre corpos, entre corpo e objeto
(próteses). Questionam os códigos tradicionais da dança, seus gestos nos
impulsionam a diversas reflexões e partem das problematizações do
coreógrafo acerca da dor e das imperfeições do corpo, no caso das obras
analisadas.
Exploram jogos de contrastes, propõem um corpo em “estado de
crise”
17
, os movimentos exploram a relação entre o animado e o
inanimado, como a cena do corpo pendurado de cabeça para baixo, que,
em alguns momentos, parece ter vida e, em outros, parece uma carne
morta.
O corpo que se exibe (cena 8).
Ao olharmos as explorações da gestualidade em Violência,
compartilhamos com as incursões de Moraes (2002), ao descrever o seu
Corpo Impossível”, tendo como uma de suas referências as imagens das
bonecas de Hans Bellmer
18
, e fazendo um paralelo com o gesto desenhado
17
Termo utilizado pela jornalista Sandra Meyer (2000), para referir-se ao corpo do Cena 11
como um corpo que se desfaz o tempo todo.
18
Artista alemão que se dedicou à arte surrealista, sendo conhecido como o artista das
bonecas desalinhadas. Bellmer mapeia a desfiguração, contorcendo, multiplicando,
mutilando, hibridizando, questionando a ordem pré-estabelecida. Assim, “a anatomia
96
A dança da desmedida
pelo Grupo Cena 11, acreditamos que assim como as bonecas, os corpos
do Cena 11 representam o oposto do corpo, um verdadeiro devaneio
anatômico que liberta a anatomia humana “das proporções estabelecidas
e dos cânones normalizados para inventar os anagramas do corpo
(Moraes, 2002, p. 68).
E foi exatamente essa reversibilidade de sentidos que nos moveu a
essas explorações dos corpos monstrengos elaborados pelo Cena 11, uma
vez que estes podem ser tematizados como anagramas do corpo, assim
como as bonecas de Bellmer. Nesse sentido, contribuem para amplificar a
materialidade corpórea, evocam a reversibilidade do corpo, criam novos
mapas de sentidos.
humana é submetida a um grande jogo de metamorfoses que torna instáveis seus limites
e transitórias suas formas, sem, contudo, destruí-las por completo. Para que tal processo
ocorra, a figura humana é sacrificada” (MORAES, 2002, p. 167).
97
A dança da desmedida
98
A dança da desmedida
99
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Corpo e estética na dança do Cena
11 e na Educação Física
Deslocando olhares para as descrições desenhadas no capítulo
anterior através das cenas significativas, acreditamos que estas nos
ajudam a pensar nuanças para problematizarmos o corpo na Educação
Física, tendo a arte do Grupo Cena 11 como suporte epistemológico.
Acreditamos que os corpos desvelados pelo Grupo Cena 11 rompem
com a mecanização gestual, visto que propõem novas estéticas com a
fixação de um espaço-tempo, ao pensar o espaço sensível, vivido e com a
fragmentação homem-mundo, natureza/cultura, real/virtual,
mineral/artificial. Nessa relação, propõe-se um corpo deformado que pode
sensibilizar. Esses aspectos configuram alguns indicadores para refletir o
corpo na Educação Física. Partimos desses indicadores para a
estruturação de nossas discussões e aproximações com os estudos do
corpo na Educação Física.
O corpo perfeito
Identificamos nos corpos do grupo Cena 11 alguns indicativos que
nos levam às discussões e reivindicações de um corpo afetivo e
anarquista, que põe em crise o corpo da ordem e da beleza clássica, bem
como dos discursos do corpo fundamentados na instrumentalidade e no
disciplinamento propostos pela Educação Física.
Nesse sentido, seus monstros questionam os padrões de beleza
expressos na Educação Física e em seus corpos alinhados e apontam para
além da incidência dos corpos únicos, do modelo singular, das técnicas de
disciplinamento que contribuíram para racionalizar o uso do corpo e seus
formatos. Esses corpos revelam, portanto, um corpo “paradoxal”, que vive
o êxtase dionisíaco, embriagado, contorcido, torto, mas repleto de
existências. Eles instauram um movimento de eliminação dos opostos, o
que abre espaço para a reflexão e a destituição de vários pressupostos.
99
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Os corpos do Cena 11 questionam a tirania da corporalidade perfeita
(da perfectibilidade física) e evidenciam a estética do entrelaçamento do
belo, do feio, do grotesco, das desmedidas, conjugando alegria e dor,
morte e vida. Uma estética capaz de transgredir as oposições, dialogando
com múltiplos antagonismos e operando por uma racionalidade circular,
metamorfoseante e articuladora, que amplifica os preceitos lineares e as
estéticas apolíneas tão predominantes na história da dança, da educação,
e, em particular, da Educação Física (PORPINO, 2001; TIBÚRCIO, 2005).
Voltando à discussão da construção da forma, enfatizamos as
reflexões delineadas por Soares e Fraga (2003), ao problematizarem o
processo de construção dessas formas, em particular nas formas
alinhadas, através do aniquilamento de tudo o que fugisse a esse
parâmetro. Eles discutem o processo de endireitamento desse corpo torto
a partir de discursos especializados sobre o corpo humano, no final do
século XVIII e início do século XIX, como esse procedimento de construção
dos corpos sendo tomados como referência única para a elaboração do
corpo em linha. Esse formato corpóreo constitui-se uma obsessão do corpo
contemporâneo.
Essa é a crítica realizada pelo Cena 11 e, para tanto, os bailarinos
recorrem aos formatos do corpo feio, da gestualidade inacabada e do
espaço amplificado, enfatizam a desproporção, a deformação. Vivem
espaços inusitados, rompem e ousam a verticalidade, os gestos são
inacabados, desajeitados.
A arte, em particular a arte moderna e a contemporânea, contribuiu
para a discussão dos modelos canonizados de beleza, ao propor outros
sentidos para a criação artística que não comungam com a idéia unilateral
de beleza (TIBÚRCIO, 2006). Destacamos, ainda, que a produção da arte
do feio é antiga e é dada por cada sociedade (ECO, 2007). Essas foram
algumas das idéias discutidas no capítulo anterior, quando nos referimos
ao feio como uma das possíveis problematizações evidenciadas sob nossa
apreciação estética dos espetáculos. O próprio conceito de estética é
redesenhado, não se referindo apenas à obra de arte; encontra-se
100
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
amplificada a experiência vivida, considerando, assim, a experiência do
corpo em outros contextos (produções humanas).
Nesse sentido, tomando como referência a dança do Cena 11,
acreditamos que os corpos contribuem para subverter a vivência de um
padrão corporal único que determina, exclui e classifica-os em aptos ou
inaptos, habilidosos ou desengonçados, apropriados ou inapropriados para
dançar. Subvertem, ainda, um padrão de jovialidade (ao proporem uma
dança sem idade, os bailarinos possuem idades diversas) e de fisicalidade
(uma vez que nessa dança possibilidade de uma discussão sobre corpo
que sai do padrão de normalidades fixado socialmente).
A estética primada pelo grupo convoca um corpo que não se
desenha na proporção, na ordenação, na simetria, na métrica, que
delimita o uso do espaço e a gestualidade correta para se obter um
determinado desempenho. Esse ideal de beleza é facilmente identificado
nas práticas da Educação Física, que também tem se empenhado ao longo
da história em treinar o corpo para se encaixar em uma determinada
métrica.
A Educação Física, nesse contexto, canonizou modelos de beleza,
excluindo tudo o que fugisse a esse tipo de controle, sempre em prol da
construção de corpo forte, ágil, belo no sentido clássico. No entanto, em
consonância com as metamorfoses do corpo que surgem na
contemporaneidade, observa-se uma confusão nos significados dos
termos controle e falta de controle (o controle ou a falta de controle do
peso, da dor, de si, da gula) e, ainda, é sem dúvida interessante o
processo de desnaturalização que o corpo vem sofrendo em busca da
imortalidade, da eterna juventude, da beleza perfeita, e nesse percurso
são inúmeras as técnicas de incursões para esse processo de
desnaturalização, a saber: são os regimes alimentares (que têm levado à
morte até mesmo crianças que sofrem com o poder dos discursos
sociais), os exercícios físicos exagerados (que têm suscitado inúmeras
doenças), as indústrias da cirurgia estética (a garantia da beleza com
rapidez e comodidade). Aqui abrimos um paralelo para os modismos: é
inacreditável a quantidade de cirurgias de redução do estômago e a
101
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
quantidade de óbitos de jovens que morrem de fome não por não terem o
que comer, mas por não quererem comer para não engordar (SOARES e
FRAGA, 2003).
Esses movimentos em busca da desnaturalização do corpo têm
produzido inúmeros paradoxos, um deles se constitui na construção do
corpo in natura, que consegue tornar os mecanismos de correção que
desnaturalizaram o corpo de forma tão invisível “que a retidão parece
brotar naturalmente de dentro do corpo, como se viesse das vísceras e
aflorasse na pele, tal como uma erupção” (SOARES e FRAGA, 2003, p. 88).
Diferentemente dessa perspectiva, os corpos do Cena 11 são
construídos a partir do diálogo com as próteses, para produzir uma
estética feia e para chamar atenção. Assim, pintam os cabelos de um
colorido vibrante, usam lentes, usam próteses bucais, pintam as unhas de
preto, perfuram as extremidades do corpo como se buscassem evocar a
animalidade do corpo. Eles fabricam corpos deformados, não no sentido
de evocar a naturalidade (o corpo in natura), mas para propor uma
reflexão, a do homem com a máquina, a máquina humanizada, o homem
animal.
Acreditamos que os corpos anarquistas e paradoxais evidenciados
pelo Grupo Cena 11 nos fazem refletir sobre o modelo vigente da estética
clássica disseminada na nossa sociedade e na Educação Física. A estética
demonstrada pelo grupo evidencia as formas feias e grotescas e amplifica
a compreensão destas para além das coisas belas no sentido da estética
clássica. Tal discussão pode ser muito bem visualizada nas
problematizações tecidas por Porpino (2003), ao apontar que na Educação
Física predomina o conceito clássico de beleza, que, segundo a autora, é
absoluto e atemporal. Nesse sentido, Porpino (2003) sugere uma
compreensão de estética para a Educação Física que se faz na relação de
imanência entre sujeito e objeto, assim a experiência estética está
atrelada “aos fenômenos históricos e sociais em que ocorre” (PORPINO,
2003, p.145). Destaca, ainda, que a estética não se resume ao artístico, e
que a vivência estética constitui-se uma experiência que se dá no corpo.
102
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Porpino (2003) tece críticas à visão reduzida de corpo advinda do
ideal da exclusividade biológica que tem marcado a Educação Física,
negligenciando sua condição história e cultural e enfatizando os cânones
científicos tradicionalmente determinados pelos atlas de anatomia, pelos
compêndios de fisiologia e da biologia e que fundamentam uma
“pedagogia do gesto”.
A autora destaca, ainda, que a partir da década de 80 do século
passado, a Educação Física tem feito críticas a esses modelos unilaterais
de corpo. Para tanto tem se voltado a outros referenciais advindos das
ciências humanas, ressignificando a compreensão da realidade corpórea
e trazendo discussões mais amplas no que se refere à dicotomia
cultura/natureza e à fragmentação do conhecimento (PORPINO, 2003, p.
147). Evidencia a concepção de corpo da Fenomenologia advinda dos
referencias da filosofia e que tem sido problematizada na área, trazendo
desdobramentos para o campo educacional. Ela discute a relação entre
Educação física e estética, que, apesar de ainda pouco difundida na área,
é bastante antiga: “basta que retomemos o Movimento Ginástico Europeu
no século XIX” (PORPINO, 2003, p. 148).
A presença dos ideais de beleza atrelados à prática de exercícios
físicos pode ser bem visualizada na preocupação da beleza do corpo e
com a formação estética cunhados por Amoros e Demeny, bem como no
Movimento Ginástico Alemão, que revela uma interface entre arte e
ginástica e luz a perspectivas de ginástica, como, por exemplo, a
Ginástica Rítmica (PORPINO, 2003).
As preocupações com a formação estética e com a beleza estavam
traduzidas nos gestos técnicos realizados pelo corpo nas práticas
ginásticas e esportivas que compõem a Educação Física. Segundo Porpino
(2003, p. 148), “Os ideais de beleza almejados pela Educação Física estão
traduzidos nos corpos esbeltos, atléticos, esguios ou fortes. A beleza
pretensa é a beleza do gesto realizado pelo corpo ou mesmo a beleza do
corpo como produto do gesto realizado”.
Acreditamos que os corpos desordenados do Grupo Cena 11 nos
proporcionam questionamentos sobre a concepção de estética apolínea
103
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
tão predominante na Educação Física, que sistematiza suas práticas na
busca de um corpo que evoque a beleza nas simetrias, na
proporcionalidade e na medida, que tem um valor preponderante em
nossa área. Essa determina e qualifica os corpos em aptos ou inaptos,
como códigos de normas, ou igualando-se ao que fez a ciência, ao separar
os normais dos anormais. Tal perspectiva de estética traduz uma Educação
Física restrita ao desenvolvimento da aptidão física, ancorada
exclusivamente nas ciências biológicas (PORPINO, 2003).
Entretanto não podemos considerar esse como o único modelo
possível de viver a beleza na Educação Física; tal aspecto pode
representar-se como discriminatório, uma vez que privilegia um padrão,
negando outras interpretações possíveis da beleza. Também não estamos
querendo propor a negação dos modelos apolíneos nos cenários estéticos
da Educação Física, mas semear a discussão do que ocorre quando nos
centramos em um único referencial (PORPINO, 2003).
Compartilhamos com o pensamento de Porpino (2006), ao ancorar-
se nos discursos de Nietzcshe e destacar que, em vez de polarizar, a
educação deveria desenhar-se na reciprocidade entre o espírito dionisíaco
e o espírito apolíneo, uma união capaz de superar a oposição e
proporcionar novas criações e vivências que historicamente são pensadas
como inconciliáveis em nossa educação ancorada pelos ideais tradicionais
da cultura ocidental.
A fragmentação homem/mundo; natureza/cultura; homem/animal.
Compreendemos que corpos monstruosos desvelados nos
espetáculos apreciados do Cena 11 se contrapõem à perspectiva da
racionalidade historicamente predominante na Educação Física,
fundamentada numa visão conservadora, acrítica, reducionista e
objetivista “que exclui as dimensões existencial e estética da vida” (SILVA,
2006, p. 79), perdida nos seus “ismos”, como: o culturalismo, o
biologicismo, o “corporeísmo e o materialismo, tratando de operar a
separação entre sujeito e objeto, natureza e cultura através de matrizes
104
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
científicas cristalizadas nas “ciências- mães que dissociam os domínios da
natureza e da sociedade, predominando uma leitura de perfil positivista”
(idem). Esses monstros bailarinos nos fazem percorrer outros olhares,
sugerem uma outra racionalidade que supera as dualidades modernas e a
fragmentação das abordagens teóricas.
Nós vemos esses monstros como movimento, sensibilidade,
expressão criadora, inacabamento, fato que nos faz recorrer a referências
mais recentes na Educação Física, em que os estudos do corpo advindos
da perspectiva Fenomenológica podem ser citados como exemplos
significativos de um referencial não positivista do corpo (NÓBREGA, 2006;
TIBÚRCIO, 2005; MENDES, 2007; PORPINO, 2006). Destacamos nesses a
referência significativa dos estudos de Merleau-Ponty sobre a relação
encarnada e significativa do homem com o mundo.
Merleau-Ponty propõe uma subjetividade encarnada, carne essa que
não é matéria, nem substância, nem espírito, mas refere-se à
reversibilidade do corpo, ao seu estado de aderência ao tempo e ao
espaço, à simultaneidade de presença e ausência, à visibilidade e
invisibilidade, à perfeição e inacabamento, à totalidade e abertura
(MERLEAU-PONTY, 1999).
O pensamento do autor supracitado contribui para problematizar os
discursos fragmentadores e instrumentalizadores do corpo, abrindo
espaço para novos horizontes de compreensão; aponta possibilidades de
superação da visão do corpo para além da noção cartesiana de corpo-
máquina e corpo-objeto; faz críticas às representações das ciências
clássicas, bem como à compreensão de corpo restrito ao movimento
mecânico; aponta, portanto, indicativos em busca de contribuir para o
rompimento com a visão representacionista de corpo.
Um corpo que se desdobra meio a tensões e não fragmentações, um
corpo que permanece no entrelaçamento entre natureza e cultura, sujeito
e objeto, vidente e visível, tangente e tangível. Merleau-Ponty nos
apresenta uma visão de corpo diferente da concepção cartesiana: nem
coisa, nem idéia, o corpo está associado à motricidade, à percepção, à
sexualidade, à linguagem, ao mito, à poesia, ao sensível e ao invisível”
105
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
(NÓBREGA, 1999, p. 72). Longe dos princípios da utilidade e eficiência, o
corpo constitui-se um fenômeno complexo, sensível, reflexionante,
percebido, envolvido por seu mundo-vida. Um corpo que em movimento é
linguagem, cria cultura, cria gestos que não podem ser padronizados,
comunicando sua existência única e original, portanto não é apenas um
ser anatômico que se move, mas também um corpo vivo que é cultura,
que expressa e aprende (NÓBREGA, 1999).
Ao tecer críticas à ciência clássica e à ruptura natureza e cultura
presentes nas áreas do conhecimento, Merleau-Ponty recusa a idéia de
uma natureza mecanicista, morta, inerte, imutável, criada e controlada
por leis mecânicas. Para o autor, a natureza era considerada viva,
orgânica e relacionava-se com o sujeito de forma recíproca a partir de uma
relação de co-pertença. A natureza nessa relação de co-pertença com o
ser, que é natureza, admite a incerteza, a desarmonia, a perplexidade, o
acaso, a estratégia, o erro e a criação (MERLEAU-PONTY, 1999).
Fazendo relação das idéias acima apresentadas com os corpos tortos
dos bailarinos acrobatas do Cena 11, percebemos que estes exploram a
reversibilidade dos sentidos, propondo novas ontologias e, longe da
exclusividade da veracidade e da unicidade dos saberes que ressoam do
universo das instituições médicas, semeiam a confusão de fronteiras,
despertam-nos e nos reconvocam o sentido estético, aqui compreendido
como o nosso poder de expressar para além das coisas ditas ou
vistas, redimensionando as perspectivas objetivistas do conhecimento do
corpo” (NÓBREGA, 2006, p. 67).
As imagens do Cena 11 incita-nos ainda ao seguinte pensamento:
corpo e alma, humano e não humano, cultura e natureza a cada dia
tornam-se menos passíveis de uma separação clara, ou melhor, estes e
outros discursos herméticos passam a ser alvo de inúmeros
questionamentos e são remasterizados”, uma nova fita desses discursos
surge quebrando fronteiras.
O limite entre Natureza e Cultura sempre foi alvo de inúmeras
investigações da antropologia, e da biologia a determinação daquilo que é
natural e daquilo que é cultural, as oposições entre humanidade e
106
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
animalidade, natureza e cultura, inato e adquirido, constituíam-se e ainda
se constituem alvo de inúmeras controvérsias e rupturas.
Coube ao século XX provocar uma reviravolta nas concepções de
vida, natureza, cultura e da própria ciência, esse século propagou várias
mortes e inaugurou novos patamares epistêmicos em busca da religação
dos saberes, como a indistinção entre natureza e cultura. “O homem como
um sistema fechado desapareceu, sistemas cibernéticos abertos, auto-
organizados, são candidatos a sua sucessão” (ATLAN, 1992, p. 113).
Cabe destacar a contribuição dos biólogos Maturana e Varela,
também referências no âmbito da Educação Física (MELO, 2001; MENDES
2007; NÓBREGA, 1999), que redimensionam o conceito de vida,
considerando-a como auto-organizativa. A teoria da autopoiese, discutida
pelos autores, propõe o entrelaçamento de ações biológicas e os
fenômenos sociais, bem como reconfiguram o conceito de
representacionismo (MATURANA e VARELA, 1995).
A autopoiésis caracteriza-se como um processo recursivo, e por que
não dizer autônomo, mediado pela relação de complementaridade entre a
clausura operacional (interação mediada pela autonomia do sistema) e o
acoplamento estrutural (trocas com o ambiente). Esse processo não se
reduz à causalidade linear, nem tampouco ao determinismo lógico, mas a
um movimento de recriação contínua (MATURANA, 2002). “Trata-se de um
jogo dinâmico, complementar, não sendo o determinismo do ambiente
nem o equilíbrio estático que definem as regras da organização da
unidade viva” (NÓBREGA, 1999, p. 80), mas a emergência, o que pode
gerar diferentes e intermináveis possibilidades de resposta.
Assim a construção da nova biologia proposta por Maturana e Varela
tem gerado possibilidades de superação desse binarismo natureza e
cultura (MATURANA e VARELA, 2001).
A noção de sistemas que se auto-organizam apesar de com
desordem, ruído e erro, a idéia de acaso organizador e de
catástrofe e, enfim a idéia de autopoiesis como processo de
autoprodução permantente acaba por redimensionar a
compreensão dos sistemas vivos, da vida e do homem
(ALMEIDA, 2002, p. 43).
107
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Nesse cenário, o corpo passa a ser considerado como um lugar
privilegiado de proximidade e continuidade da natureza com a cultura. A
partir dele pode-se mostrar a indistinção, o diálogo, o hibridismo, a
mestiçagem entre natureza e cultura. Assim, fronteira moderna entre as
duas não poderia permanecer intocada.
Essa discussão acerca da relação entre natureza e cultura está posta
na Educação Física (SILVA, 2006; MENDES, 2002) e deve ser ratificada e
refletida pela área, considerando que o corpo, o gesto e o movimento
devem ser amplificados de sua compreensão universalmente biologicista.
Acreditamos na necessidade de relativizar esses conhecimentos para que
a Educação Física possa escapar da soberania da racionalidade científica.
As reflexões da dança dos monstros do Cena 11 nos remetem
também às discussões sobre a animalidade do homem, dado que, ao
longo da história, o ser humano, através da construção de seus discursos,
tratou de rejeitar sua condição animal, constituindo-se em ser
antropocêntrico e pronto senhor da natureza. Tal fato contribui para a
negação da animalidade, porém Feitosa (2004) nos aponta a necessidade
de termos cuidado com essa demarcação sólida entre homem e animal e
afirma que é preciso reconhecer que “a linguagem nos faz diferentes, mas
não completamente separados” (FEITOSA, 2004, p. 94).
Para justificar seu pensamento, Feitosa (2004) recorre aos filósofos
Bentham e Derrida. O primeiro questiona se os animais podem sofrer e o
tratamento do animal como uma figura escrava, destacando que é preciso
reavaliar nossa responsabilidade ética diante dos nossos vizinhos na
terra: ficar atentos, de um lado, para a pluralidade irredutível dos animais,
e de outro lado, para a dimensão animal de cada um de nós” (FEITOSA,
2004, p. 94). O segundo enfraquece a fronteira fixa e imutável entre
homem e animal através da vivência da morte, uma vez que, diante desta,
podemos viver nossa condição de animal, pois resta o silêncio em sua
presença. Feitosa (2004) enfatiza a compreensão fenomenológica da
natureza como significativa para destituir essa distinção entre o homem e
o animal.
108
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Referendamos, ainda, as incursões sobre a animalidade dos corpos
na body art desenhada por Medeiros (2005) que podem ser destacadas na
estética do Grupo Cena 11. Em “Violência”, por exemplo, evidenciamos
um bailarino que faz uso de próteses (pernas e braços de metal),
transformando sua pele em uma aranha gigante.
Novamente convocamos Serres (2004), uma vez que o autor fala de
um corpo em movimento, de um corpo que federa os sentidos e que vive
o êxtase, os desejos e as frustrações, um corpo que unifica o tempo e o
espaço, um corpo animal. Em suas palavras: “Eu me metamorfoseava
freqüentemente em aracnídeo sobre um rochedo ou quando praticava o
rapel pendurado pela ponta de uma corda. Como pudemos esquecer essa
relação elementar e animal com o mundo?” (SERRES, 2004, p. 11).
Tais implicações podem ser visualizadas na criação da aranha
gigante que se desenha a partir da interface entre corpo e próteses de
metal. Esses seres federam nossos sentidos e nos fazem buscar elementos
que destituam a ruptura, imposta pela nossa sociedade moderna, entre
homem e animal.
A gestualidade fechada em uma gramática única e acabada
Os corpos do Cena 11 rompem com certezas e pertinências, são
plásticos, propõem outras possibilidades de se expressar, de se
movimentar, de significar, de locomover-se; o gesto e a aparência animal
amplificam espaços de discussão sobre a indissociabilidade entre natureza
e cultura. Os processos de criação utilizados pelo grupo fazem uso de
metáforas como as do corpo vodu e do corpo marionete; dialogam com os
conceitos advindos do teatro da crueldade de Artaud, bem como partem
de referências da pintura dos quadros de Bacon. Ousam explorar e
ampliar o repertório gestual, trabalham com a fragmentação e a
desconstrução.
Evidenciamos sua dança como uma das possibilidades presentes na
Dança Contemporânea, que ressalta um corpo em constante
experimentação, um corpo que brinca com o espaço e o estende,
109
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
demonstra uma beleza convulsiva, ousa preencher o espaço, brinca com o
risco, explora a verticalidade. O gesto não se restringe àqueles
desenhados para a dança ou a uma simples e pura repetição mecânica;
eles são atribuídos de sentido, significam; a idéia de deslocamento ganha
outras conformações. Compreendemos que essa maneira de dançar do
Cena 11 pode ser unificada às reflexões sobre o corpo presentes na
Educação Física, como, por exemplo, as implicações destacadas por
Nóbrega (2003) ao desenhar seus corpos do Tango. Para a autora, os
gestos contam a história de um povo, expressam valores, pedagogias,
comunicam, são a dimensão expressiva do ser humano. Tal aspecto
destitui a idéia de uma não espacialidade e temporalidade que configuram
os gestos, e esses são reatualizados, como anagramas. Nóbrega (2003)
tece, ainda, considerações sobre o ato perceptivo e os sentidos atribuídos
pelo espectador como importantes para a configuração da experiência do
corpo e dos gestos.
As compreensões de corpo proporcionadas pela dança do Cena 11
nos fazem refletir sobre os usos e os interditos do corpo proporcionados
pela Educação Física, que ainda é fortemente ancorada pelo discurso da
racionalidade técnica, o que contribui para silenciar o corpo e para sua
predominante utilização instrumentalista e fragmentadora do gesto. Isso
ocorre, principalmente, quando essa área se ancora nos poderes da razão
advindos da perspectiva moderna e em seu modelo de corpo-acessório,
corpo-objeto.
O olhar sobre as imagens do Grupo Cena 11, em particular as sobre
problematizações das cenas significativas, faz-nos percorrer outra
característica estética utilizada pelo grupo. Diferentemente do habitual,
os corpos do Cena 11 exploram outras perspectivas gestuais; uma dessas
constitui-se na utilização constante da repetição, dos giros, dos saltos, dos
agrupamentos e das quedas.
A estética do grupo evidencia, ainda, através de sua gestualidade,
um corpo marionete, enfatizando a violência da manipulação das formas.
Violência essa também presente na Educação Física, quando esta
determina o gesto técnico correto para o desempenho e para a vivência
110
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
do movimento, a exemplo da prática esportiva quando alijada de seu
caráter lúdico e voltada apenas para uma visão funcionalista e utilitarista
(KUNZ, 2004).
Outra discussão possibilitada pela análise da estética do Cena 11
consiste na utilização da tecnologia para melhorar o organismo, como é o
caso de algumas próteses utilizadas pelos bailarinos nas coreografias
analisadas. Elas permitem a realização de movimentos que seriam
impossíveis sem seu uso e convidam-nos a desafiar a materialidade
humana.
Nesse sentido, é curioso o fato de Alejandro Ahmed ter sido vítima
de uma doença congênita denominada osteogênese imperfeita”, que
deixou seus ossos frágeis, o osso para ele sempre foi algo exposto
(SPANGHERO, 2003, p. 16). Talvez essa classificação herdada em sua vida,
a do freak, tenha feito o coreógrafo trilhar esses caminhos, ao redesenhar
cartografias desordenadas para o corpo através de contorções,
amplificações e fusões. Ahmed desenha seres tortos através da utilização
das próteses e ao mesmo tempo os desafia, uma vez que desestabiliza o
corpo, que precisa se auto-organizar novamente.
Nesse sentido, essas próteses propõem dificuldades aos bailarinos,
que se vêem com braços presos e pernas soltas, ora grandes demais, ora
pequenos demais. Esses corpos aparecem no espetáculo em locais
diversos e explorando infinitas possibilidades de formatos corpóreos,
podendo estar também virtualizados. Dessa forma, as próteses amplificam
a potência do corpo e lhe garantem superpoderes, assim como as
intervenções ocorrem no sentido de tornar os corpos mais eficientes, mais
fortes, mais ágeis (SPANGHERO, 2003). Seriam as imperfeições limites
para a materialidade corpórea? O próprio Alejandro nos mostra que não,
ao criar sua dança, e ainda por explorar o diálogo com as próteses. Essas
nos fazem lembrar novamente o esporte de alto-rendimento, e sua nova
ética da competição dos supercorpos biônicos (LIPOVETSKY, 2005).
Acreditamos ainda como significativas as problematizações sobre os
discursos naturalistas acerca dos gestos, presentes no capítulo anterior a
partir das discussões de Gil (2004) e Tibúrcio (2007). E reiteramos que o
111
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
olhar para a gestualidade borrada e fluida do Cena 11 aproxima-nos de
algumas discussões sobre essa visão naturalista do gesto na Educação
Física, principalmente com relação ao gesto esportivo, que, ancorada na
racionalidade científica, contribuiu para silenciar “a sabedoria do corpo e
sua linguagem sensível” (NÓBREGA, 2005, p. 90).
Nessa perspectiva, a metáfora do corpo-máquina, que representa
esse silenciamento, tem sido utilizada como identificador significativo na
Educação Física, ancorada pelos discursos da ação disciplinadora. “Esta se
constitui uma forte referência para o esporte e para a atividade física de
um modo geral, considerando-se o adestramento do corpo para fins
competitivos no mundo esportivo e na sociedade” (NÓBREGA, 1999, p.
49).
O percurso histórico da compreensão do gesto na Educação Física
ancora-se nos critérios de eficiência e utilidade e prima pela repetição do
gesto técnico, destituído de sua historicidade. Essa é a crítica realizada
por diversos autores da área (NÓBREGA, 2006; TIBÚRCIO, 2005).
Esperamos que os corpos do Cena 11 e suas gestualidades possam
contribuir para repensar o conceito de gesto na Educação Física como as
referências acima citadas o fazem. Nesse sentido, para além dos
desenhos, das conformações posturais fixas, das configurações contidas
nos limites da dimensão corporal e das conotações simbólicas únicas
possamos ampliar a forma para além do aspecto plástico da Kinesfera
1
,
como nos propõe Robatto (2006), para uma compreensão que leva em
consideração o resultado da organização do espaço e do tempo.
Dentro desse contexto, em suas composições o Cena 11 explora as
quedas. Essas são constantes e assumem várias conformações e, diante
das inúmeras possibilidades de leituras, possibilitam, por exemplo, uma
discussão sobre a produção dos corpos videogames que não sentem dor,
bem como nos faz buscar um olhar mais atento às gestualidades dos
bailarinos, percebemos o uso de próteses, principalmente na crista ilíaca
para amenizar essa dor. Tal fato nos parece um paradoxo, o corpo que está
1
Termo cunhado por Laban para referir-se ao nosso espaço pessoal. A kinesfera é tudo
que podemos alcançar com todas as partes do corpo, perto ou longe, grande ou pequeno,
com movimentos rápidos ou lentos etc (RENGEL e MOMMENSOHN, 1992, p. 105).
112
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
em cena é o corpo com superpoderes, como aqueles enfatizados no
desenho animado, que não sentem dor, ou, melhor dizendo, que não
podem sentir dor.
O corpo do Cena 11, ao problematizar a dor, lembra-nos esta e o
disfarce dela que percorre as produções dos corpos e suas gestualidades
na Educação Física, em particular nos treinamentos de auto-rendimento,
em que a dor está presente, mas deve ser superada. Destacamos as
problematizações de Abraão (2007) como significativas para pensarmos a
presença da dor nos espetáculos do Cena 11, que entendemos como fruto
de uma gestualidade que transpõe as formas retilíneas, uma vez que são
utilizadas próteses e artefatos que redimensionam o corpo e implicam a
presença da dor, como é o caso das próteses bucais. As quedas são
utilizadas com mais vigor, sua gestualidade parece enfatizar a dor e ao
mesmo tempo negá-la; os corpos do Cena 11 riem o tempo todo, como se
o riso a mascarasse.
É pertinente destacarmos que a análise feita pela autora baseia-se
em todos os trabalhos que foram produzidos pelo grupo, e sua pesquisa
foi realizada por meio de uma entrevista com os bailarinos e com o
coreógrafo sobre o tema da técnica e do corpo.
Cabe evidenciar, também, que a análise que ora fazemos do grupo
precisa ser contextualizada. Esta tem como cerne de pensamento os
trabalhos de Artaud e Goya, a perspectiva do corpo vodu, do corpo-bicho-
humano, do corpo virtual, que desenham outras formas de compreensão
para o corpo ao explorarem um corpo que foge do padrão aceito e
determinado pela modernidade; ao ampliarem e diminuírem a carne, re-
ordenando o corpo e explorando a desproporção. Nesse sentido, a dor
aparece nos espetáculos do Grupo para gerar a dúvida, bem como se
constitui uma das formas de explorar um corpo que pode sentir, inclusive,
a dor. As perspectivas supracitadas são enfatizadas pelo grupo no
momento das produções dos dois espetáculos analisados, bem como por
nós observadas em nossa apreciação estética. Os corpos produzidos pelo
grupo nos dois espetáculos analisados podem ser balizadores de inúmeras
reflexões.
113
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
No que se refere ao trato com a dor, é interessante o que nos propõe
Abraão (2007), ao nos remeter a um paradoxo: se a dor é inerente à
condição humana, assim como a morte, porque nossa sociedade faz
questão de eximá-la? A autora comenta que na busca da superação dos
limites gestuais, o corpo é questionado no trabalho do grupo, é
evidenciado, mas ao mesmo tempo também é negado.
Esse olhar enfatiza a utilização de recursos medicinais e de próteses
para esconder a dor na realização das quedas e gestos mais ousados. No
entanto nos questionamos se o grupo realmente quer esconder a dor,
mesmo com a utilização das próteses, uma vez que a evidência em
“Violência”, como sugere o próprio nome do espetáculo, traz uma reflexão
sobre a dor e a expõe, visto que são tantas as violências (dores) que
sofremos. Violência parte das explorações do aprender como sendo uma
violência, no sentido de quando nega a existência do corpo, sua história,
sua cultura; essa perspectiva está desenhada na gestualidade do grupo.
Acreditamos que o Cena 11 questiona a presença e a ausência da
dor quando faz uso de próteses para que o corpo possa saltar de grandes
alturas, enfatizando um corpo biônico, aquele que não sente dor. No
entanto uma necessidade de usar a prótese para a proteção, essa
remete à presença da dor.
Compartilhamos com o pensamento de Abraão (2007), ao destacar
que a dor passou a ser vista não como uma sensação inerente à condição
humana, mas como um mal que deve ser evitado. Nesse sentido, a autora
acredita que a dor problematizada no espetáculo nos possibilita mudar o
olhar para a dor, para além do mal a ser evitado, como algo que deve ser
experienciado. Assim, a dor que sentem os bailarinos do grupo em suas
quedas e movimentos que aparentemente não permitem segurança ao
corpo passa a ser considerada como normal”, como ocorre, por exemplo,
em alguns ritos de passagem ou ritos de iniciação, costumes. Neste
contexto a dor pode ser considerada um ritual presente nas ações
coletivas, através da negação da dor individual.
Com luz nesses pensamentos, reiteramos que a exploração da dor
nos faz refletir sobre os treinamentos esportivos ou sobre as próprias aulas
114
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
de Educação Física quando a superação de limites gestuais implica o trato
com a dor. Destacamos os “sacrifícios do corpo no esporte” desenhados
por Melo (2003), ao refletir que a busca por novos recordes comumente
implica certo distanciamento do esportista do seu próprio corpo, uma vez
que necessita de uma tolerância à dor para atingir o progresso, ou seja,
alcançar os índices, as tais medidas que tanto fazem parte da
historicidade da Educação Física. Tais implicações trazem uma infinidade
de questões com o fato do esporte pensado enquanto elemento
constituinte para a promoção da saúde qualidade de vida; tem gerado, em
vez disso, seqüelas. Porém os atletas são laureados pelas suas dores, e
esse modelo tem sido copiado pela Educação Física e invadido o universo
infantil.
Melo (2003) faz críticas a esses modelos esportivos que entram no
universo da escola, modelos que determinam a priorização do espírito
competitivo, das técnicas esportivas e a finalidade do esporte enquanto
um fim em si mesmo, em vez de fomentado o aspecto educativo. Nas
palavras do autor, as conseqüências desse modelo:
Percebe-se, assim, que as mesmas exigências do esporte-
rendimento têm invadido a pedagogia do esporte. Luta-se
contra adversários, e não se joga com parceiros. Quebram-
se marcas e recordes e não se visualizam na transposição
dos méritos para o exercício pleno da cidadania. Superam-
se as mais incômodas sensações corporais provenientes do
excesso de treinamentos, mas desconhecem o próprio
corpo. [...] Torna-se inevitável para uma pedagogia que
fomenta apenas o rendimento, o surgimento de transtornos
psicológicos nos seus praticantes, dando-nos a idéia de que
a prática esportiva na atualidade deixa significativas marcas
de sacrifícios e menos prazer nos seus praticantes (MELO,
2003, p. 128).
Sobre essa perspectiva, Silva (2001) problematiza o exagero na
prática da atividade Física, e assim como Melo (2003), enfatiza que nem
sempre o exercício pode proporcionar a saúde e o bem-estar, podendo,
inclusive, tornar-se um vício. Nesse percurso, a dança parece também
valorizar a lógica de produção a qualquer custo, quando corrobora com a
115
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
naturalização da dor em busca de superar limites semelhantes aos
recordes esportivos (ABRAÃO, 2007).
Nesse sentido, a dor do Cena 11 é naturalizada, uma
metamorfose, uma vez que no palco ganham vida corpos potentes,
biônicos, corpos vídeogame que podem tudo. No entanto esses seres nos
instigam à reflexão sobre a dor. Essa é maquiada e, no seu lugar, entra a
coragem de se jogar de alturas tão altas, em paredes e em cadeiras.
Assim, ao mesmo tempo em que a dor é exposta nesses rituais macabros
da dança do Cena 11, também se desnaturaliza quando vemos as
próteses de proteção expostas nas composições do grupo.
Além da dor, a gestualidade primada pelo grupo leva-nos ainda à
reflexão de padrões estereotipados, de gestualidades para homens e
mulheres. Seus corpos são mistos, híbridos e ousam fazer tudo, levantam
uns aos outros, jogam-se de grandes alturas, chocam-se; a gestualidade é
a do monstro, mas um monstro que não tem sexo.
Diferentemente dessa perspectiva e ancorada pelo discurso da
ciência, a Educação Física absorveu a racionalidade científica, a
objetivação e homogeneização da concepção de corpo. Assim, com luz no
discurso da “cultura somática”
2
e dos regimes totalitários, a Educação
Física afirmou-se como um projeto ideal de unificação dos corpos, das
vontades e dos gestos (SOARES, 1998).
Tal projeto só foi possível pelo conhecimento do corpo a partir de um
olhar anatomista e, portanto, de perspectiva, ou melhor, de uma
civilização anatomística que fornece metáforas centrais para a delimitação
do olhar sobre o corpo, centradas na teorização biomédica e que indicam
discursos e saberes que vão desde a mesa de dissecação, à criação das
práticas sociais da ginástica, revelando uma forma unilateral de
compreender a natureza, a organização e o funcionamento do corpo
humano (SOARES e TERRA, 2007).
Essa “geografia do olhar”, termo cunhado por Foucault, cristaliza
imagens e situa o que é normal e anormal, normalizando os corpos,
2
Refere-se a um padrão estético que se apropria do ideal de beleza grego, balizado pela
“harmonia, proporção nas formas corporais, virilidade e moderação, conseguidas com
atividade física, esporte e ginástica (RAGO, 2007, p. 54).
116
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
racionalizando-os, fragmentando-os. Soares e Terra (2007) fazem
incursões interessantes sobre a representação do corpo nos atlas de
anatomia e nas divergências dessas representações para o corpo do
homem e o corpo da mulher. Esta tem sua representação restrita às
glândulas mamárias e a seu aparelho reprodutor; o corpo do homem,
diferentemente, universaliza-se nos referidos atlas. Assim, a
representação do corpo feminino naturaliza a idéia da fragilidade
feminina, e ainda quando havia uma representação do corpo feminino, o
fato de a representação do crânio ser menor fez com que se disseminasse
a idéia da inferioridade intelectual. Diferentemente, no Cena 11, corpos
híbridos se destacam, destituem e semeiam uma confusão de fronteiras
entre o feminino e o masculino. Tal aspecto baliza questões para
pensarmos essa determinação dos gestos e da aparência nas práticas da
Educação Física e seus códigos de civilidade. Estes, na Educação Física,
iniciaram-se pela ginástica.
A ginástica torna-se moda no século XIX enquanto forma de
escultura do corpo, como um novo código de civilidade, uma nova técnica
de controle. Ela se constituirá em um dos elementos da “pedagogização
da sociedade, fundada principalmente no aniquilamento do divertimento.
O corpo reto e o porte rígido como modelos para a
sociedade burguesa. A ginástica precisou da racionalidade
científica para legitimar-se socialmente. [...] Nessa lógica do
controle, o corpo organiza-se de acordo com os princípios da
mecânica. Impõe-se uma estética da fixidez e da norma em
oposição à estética da liberdade do artista de rua
(NÓBREGA, 2005a, p. 3).
É dentro dessa nova pedagogia que a ginástica vai se formar,
racionalizando o corpo e disseminando uma nova ordem, uma pedagogia
do gesto e da vontade. A ginástica almejou uma educação do corpo a
partir de suas prescrições, preceitos e normas de bem viver. Divulgou,
portanto, uma política de retidão corporal (SOARES, 1998), essa é a
morfologia das pedagogias do corpo no século XIX.
117
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
A retidão do corpo e a rigidez do porte compõem as metas
da ginástica racional do início do século XIX,
milimetricamente afastadas da gestualidade dos artistas
circenses, tida como nefasta ao caráter utilitário dos
exercícios físicos e aos pressupostos higienista/eugenistas
emergentes neste período. Nesta perspectiva os exercícios
ginásticos vão ser apresentados como um poderoso
instrumento modelador das formas e agente de ordenação
dos corpos promíscuos, efetivando uma dupla função: o
controle individual e a regulação da espécie (FRAGA, 1999,
p. 215).
Esse pensamento revela um corpo como objeto, substância sem
sentidos, o corpo do regime totalitário que quebra os vínculos sociais e
torna-se vulnerável aos discursos. Assim, isolados, classificados e
organizados, os corpos tornam-se “politicamente dóceis” e
“economicamente produtivos” (RAGO, 2007).
Na sociedade hodierna, esse mesmo corpo racionalizado continua a
habitar os discursos da Educação Física, ainda fortemente ancorado pelos
ideais das ciências biomédicas, que ganham uma nova parceira, a
biogenética. Portanto o corpo da moda agora não é apenas disciplinado
pelo poder repressor, este passa a ser poder estimulador e desenha o
corpo sarado, que continua a ser disciplinado.
Tomamos como argumento o discurso de Foucault (2005) quando
menciona que cada momento histórico elabora uma retórica corporal e
corroboramos com o pensamento de Nóbrega (2005b, p. 614), quando
menciona que “a ciência, a filosofia e a educação, cada uma a sua
maneira, criaram discursos sobre o corpo; os discursos, por sua vez,
transformaram-se em atos, em agenciamentos, ou usos do corpo nas
diferentes instituições”.
Destacamos, ainda, as implicações feitas por Fraga (1999), ao
apontar o corpo como resultado de diversas pedagogias, que investem e
constroem o corpo de diversas formas a cada época. A Educação Física,
nesse contexto investiu em diversas pedagogias para tornar os corpos
retos, como a ginástica, por exemplo, evidenciada em nosso texto. A
ginástica se constituiu num poderoso instrumento modelador de formas e
ordenador de corpos, influenciada pelo olhar anatômico. Contribuiu para a
118
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
unificação dos corpos retos. Esses mecanismos de modulação da
existência vão ganhando novos formatos na contemporaneidade e são
influenciados pelos registros das relações sociais em grupos.
As cenas proporcionadas pelo Cena 11 nos mostram o investimento
do grupo em algumas pedagogias, como é o caso do uso de próteses
bucais, as muletas e as pernas de metal, que também modificam a
aparência, a gestualidade e o uso do espaço dos bailarinos do grupo.
Esses mecanismos de intervenção do corpo adquirem outro sentido
daquele primado no século XVIII, que se dirigia apenas às formas ou à
funcionalidade orgânica, estando relacionados hoje à fabricação de
anatomias de consumo ou, como no caso do Cena 11, instrumentos para
individualização, agrupamento social, reflexão de padrões estéticos de
corpo e gesto.
Nesse sentido, inspirada na fabricação em massa das anatomias de
consumo, a Educação Física tratou de contribuir para a construção do bom
mocismo, constituindo-se em uma prática que lapida e dissemina padrões
de movimentos estereotipados. Nesse ínterim, cabia aos meninos a
virilidade e a robustez e, às meninas, a graciosidade, a leveza e o vigor
necessários aos exercícios da maternidade. Assim, os usos do corpo e das
práticas corporais se sistematizam em práticas específicas para meninos e
meninas (FRAGA, 1999).
Diferentemente dessa perspectiva, não masculino nem feminino
no Cena 11. A estética primada pelo grupo nos propõe a reflexão desses
padrões estereotipados, tais corpos nos fazem refletir sobre a
naturalização de um padrão de gênero estabelecido para os
comportamentos femininos e masculinos e sobre a criação de práticas
específicas para ambos. Segundo Fraga (2000, p. 97), “o poder de
penetração de um discurso na vida social está associado a sua capacidade
de ser visto como algo ‘natural, tornando imperceptíveis seus efeitos entre
aqueles que se encontram capturados”. Tais discursos podem ser bem
visualizados socialmente e nas práticas das aulas de Educação Física,
movidas por um discurso de poder que se insere na gestualidade, pois a
robustez, a brutalidade são valores socialmente atribuídos aos meninos,
119
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
enquanto as meninas, frágeis, estão imbuídas de graciosidade num
universo de preparação para a maternidade. Observamos, então, que se
torna imprescindível a reflexão em torno do gênero na intervenção
pedagógica, como uma forma de romper com um posicionamento acrítico
diante desse comportamento que é resultado da construção histórica.
As determinações unilaterais do espaço
O olhar para as composições do Grupo Cena 11 nos leva ainda à
problematização dos espaços destinados ao culto ao corpo e sua
virtualização. O espaço delineado pelo Cena 11 nos faz refletir a
possibilidade de criação de outros espaços, de novos lugares subjetivos,
construídos a partir de uma mudança do olhar para o alto e o baixo, para o
aqui e o agora.
Tal olhar transgride perspectivas universais de compreensão do
espaço e nos faz refletir acerca da construção de espaços heterotópicos de
desvio que ganham novos formatos a cada sociedade. Essas heterotopias
estão intrínsecas à Educação Física e envolvem a idéia de controle.
Visualizamos, nos espetáculos do grupo, heterotopias de desvios, como é
o caso da cantora que fica acima do público, em uma espécie de aranha
gigante, que pode funcionar como uma estrutura panóptica.
Partindo dessas problematizações, refletimos que a Educação Física,
desde sua origem, vem criando heterotopias e essas se configuram em
utopias, uma vez que consolam e reproduzem o que a sociedade valoriza.
Para compor um corpo reto, a Educação Física criou o ginásio, este
representa a máxima do olhar anatômico e do controle dos compêndios de
fisiologia e da biologia, ancorados pelo modelo panóptico que incute o
medo pela vigilância não vista e mantém a ordem (FOUCAULT, 1998).
Além dos ginásios, desvelamos a criação de muitos outros espaços
destinados às práticas corporais, porém ainda tendo como vigente a
perspectiva da vigilância, até sobre si mesmo, como é o caso dos espelhos
da academia de ginástica e das escolas de dança. Esses são alguns dos
lugares para a modulação dos corpos.
120
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Nesse ínterim, corroboramos com as palavras de Foucault (2002), ao
destacar a luta pela intenção das heterotopias em seus versos:
As utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real,
desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso;
abrem cidades com vastas avenidas, jardins bem plantados,
regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico. As
heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam
secretamente a linguagem, porque impedem de nomear isto
e aquilo, porque arruínam de antemão a “sintaxe”, e não
somente aquela que constrói as frases aquela, menos
manifesta, que autoriza “manter juntos” (ao lado e em
frente umas das outras) as palavras e as coisas. Eis porque
as utopias permitem as fábulas e os discursos: situam-se na
linha reta da linguagem, na dimensão fundamental da
fábula; as heteropias [...] dissecam o propósito, estancam as
palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda
possibilidade de gramática; desfazem os mitos e imprimem
esterilidade ao lirismo das frases (FOUCAULT, 2002a, p. XIII).
Nesse sentido, consideramos que os espaços revelados pelo Grupo
Cena 11 são possibilidades de espaços heterotópicos, uma vez que
exploram espaços que vão além das relações de posicionamentos e nos
propõem a reflexão.
As relações entre corpo e prótese, corpo e lente de aumento, as
paredes de policarbonato e de acrílico, as estruturas de ferro que
possibilitam a exploração do espaço alto (uma vez que o corpo fica
pendurado), a exploração da luz, o relacionamento entre os corpos são
algumas das possibilidades de viver o espaço observadas nos espetáculos
analisados. Tais possibilidades nos levam às críticas à concepção
cartesiana, que restringe o uso do espaço à investigação da forma e do
conteúdo e que foram tão bem desenhadas por Merleau-Ponty (1999;
2004).
Merleau-Ponty (1999) contribui para redimensionarmos o uso do
espaço, destituindo a idéia de um espaço espacializado, de posição. Para
tanto, tece críticas às concepções clássicas que restringem o espaço e
destitui a idéia de profundidade objetivada e constituída de pontos
exteriores.
121
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
No entanto, ao deslocarmos nossos olhares para o uso do corpo na
educação, observaremos certo controle do uso do espaço e do tempo, seja
para a delimitação dos alunos em classes, seja em idades, instituindo o
local para a prática de atividades físicas. O espaço do recreio, o espaço
entre um corpo e outro é calculado em m
2
. Sob esse aspecto, as imagens
do Cena 11 nos possibilitam uma reflexão dessa perspectiva metrificada
do espaço, quando, por exemplo, dois corpos ocupam o mesmo local no
espaço tornando-se um. Como é o caso do diálogo entre o corpo e a
cadeira, da dança do acasalamento entre corpo prótese e corpo pequeno,
e nas constantes quedas exploradas pelo grupo.
Tais explorações nos fazem refletir o uso do espaço pelo corpo, que,
em sua maioria, é bem delimitado na Educação Física. O contato entre os
corpos, por exemplo, quase sempre é evitado. Nas aulas de dança, nas
aulas convencionais das manifestações ginásticas, como a Ginástica
Rítmica, a ginástica olímpica e a ginástica aeróbica, ou nas aulas de
basquete, de voleibol, o uso do espaço é pré-definido, sendo inclusive alvo
de punição a utilização de um espaço não permitido.
Acreditamos que o espaço espacializante proporcionado pelas
imagens do Cena 11 pode ser indicativo para balizar discussões, em
particular no cenário da Educação Física, onde a dança e o jogo possam
ser reinventados, criando novas possibilidades de viver o espaço. Tal
possibilidade pode ser muito bem visualizada no trabalho de Araújo (2006)
quando ele traz como instrumento de reflexão a configuração apresentada
pelo basquete de rua. Nesse esporte, as equipes são compostas de quatro
componentes e o espaço não é predeterminado, podendo ser em uma rua
asfaltada. Nesse ínterim, Araújo (2006) aponta discussões de que o
esporte pode e deve ser vivido em suas múltiplas espacialidades e que
não precisa, necessariamente, seguir os cânones oficiais, possibilitando,
assim, a descoberta e a exploração de novos formatos próprios de cada
grupo que pratica o esporte. Araújo menciona também que, além do
basquete, manifestações como o grafite e o Hip-Hop também
reconfiguram e reordenam nossas formas de conviver com o espaço.
122
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
As imagens do Cena 11 leva-nos ainda à idéia de destituição de um
local convencional para a construção e vivência da arte, e às
problematizações de que o que é feito na escola não seja arte e o que é
feito fora da escola o seja. Essas imagens nos levam ainda às discussões
sobre as diversas possibilidades de viver o espaço pelo corpo em diálogo
com a tecnologia. Faz-se pertinente um debate em torno da ética e da
estética, dos processos de virtualização do corpo no cenário
contemporâneo. A Educação Física não fica de fora dessas discussões,
uma vez que seus corpos com novas mídias cada vez mais presentes
em nossas televisões, telões dos jogos que duplicam os corpos, a
repetição do instante, o foco do lance, o xadrez a distância e o corpo
videogame que pode tudo, inclusive dançar.
Por fim, acreditamos que as reflexões supracitadas possam nos fazer
compreender que ˝o corpo não está no espaço como um objeto. Ele
desenha o espaço, garantindo uma conformação original de acordo com a
situação˝ (NÓBREGA, 2006, p. 63). Nesse sentido, é incoerente nos
ancorarmos numa forma unilateral de viver o espaço, pois isso pode
contribuir para discriminar os corpos que não atingem um padrão exigido
para o seu uso, bem como diminuir outras formas de vivê-lo. Uma vez que
o corpo tem uma espacialidade própria, ele não se movimenta no espaço,
ele vive o espaço e o constrói o tempo todo. O espaço não é algo dado,
mas criado.
A negação do sentir
Partindo do pensamento de que as tecnologias reelaboram espaços
de convivência para o corpo e de que a cultura do consumo divulga um
modelo determinante de corpo, consideramos que esse seja mais um
desafio para a Educação Física, “pois é preciso compreender o corpo de
modo mais abrangente e reconhecer os agenciamentos, as técnicas
disciplinadoras, bem como buscar os resgates do corpo, novas
enunciações do sujeito que se contraponham aos investimentos da
racionalidade técnica sobre o corpo” (NÓBREGA, 2005, p.98).
123
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Essas técnicas têm divulgado uma compreensão instrumental do
corpo, com luz no modelo ação-reação e, portanto, causal e linear. Porém
o corpo na era virtual passa a assumir novas conformações, difundindo um
corpo fractal, disperso no mundo.
O corpo é transexual, transestético, transcultural, e neste
transtudo o que resta? A presença do corpo não é mais
condição da existência, havendo uma modificação das
formas de interação humana. Sem toque, sem a imagem,
sem cheiro, sem as experiências sensoriais (NÓBREGA,
1999, p. 50).
Dentro desse contexto, no cenário da biotecnologia, a discussão
sobre o sentir ganha formas e sugere um espaço de reflexão para a
Educação Física, visto que o corpo na era virtual semeia a discussão das
fronteiras e dos dilemas da reconstrução tecnológica.
Nesse contexto, corroboramos com o pensamento de Spanghero
(2003) e enfatizamos que os diálogos proporcionados pela interface do
corpo com a tecnologia no Cena 11 reverberam os sentidos, pois são
ampliados em vários momentos de sua dança, a extensão da pele e do
tato através do uso das próteses, do figurino, do contato entre os corpos
dos bailarinos e do contato com as estruturas do espetáculo (como as
paredes e a lente de aumento); a visão é aumentada através da lente de
aumento que aproxima o público e ao mesmo tempo pode distanciar
(dependendo de onde se posiciona a luz e o corpo), a utilização de óculos
que impedem a visão (faz com que outros sentidos aflorem); o uso de
microfones que modificam a voz e aumentam a sua potência, o silêncio, a
respiração, a música eletrônica, a palavra dão uma ampliação ao olfato e à
boca.
Assim, o Cena 11 reverbera os sentidos e nos leva às incursões
desenhadas por Serres e sua “filosofia dos corpos misturados
3
”. Serres
festeja os sentidos e tece críticas ao atrofiamento da sensibilidade, ao
privilegiar a palavra e a visão. Essas se tornaram desencarnadas pelo
acontecimento do capital. A imagem, cerne de nossa sociedade
contemporânea, seduz e distancia os sentidos, como diria Dietmar Kamper
3
Termo utilizado por Serres (2001).
124
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
(1997), ao problematizar “uma morte no outdoor”. Assim, “o corpo chora o
mundo que o deixou, a mulher lamenta as jóias que abandonou, a beleza
dos cinco sentidos jaz na caixa-preta enquanto dormimos sob a pintura
azul gravada a fogo!” (SERRES, 2001, p. 52).
Nesse ínterim, corroboramos com o pensamento de Knobbe (2004),
ao vibrar a necessidade da união dos seis sentidos para que a conexão do
homem com o mundo possa ser refeita. Sobe essa perspectiva, o tato
revela-se como essencial para o conhecer, o viver e o comunicar, uma vez
que somos transportados ao universo interno e externo pela pele, ela
constitui-se nossa parte mais exposta e primária.
Torna-se urgente o despertar do corpo todo. Assim descreve Serres
(2001, p. 156): “a estesia cura a anestesia”, portanto precisamos nos
inebriar por um bom vinho que estimula o paladar. E que essa degustação
não seja uma embriaguez,e sim uma efemeridade que evapora ou se
dispersa.
No entanto, ao privilegiar o cogito cartesiano, descrevendo o corpo
como um conjunto de órgãos conectados entre si por um invólucro, que
tem a função de mantê-los em seu devido lugar, nossa sociedade limitou
nossas experiências sensoriais, especialmente as táteis. E, ainda, nossa
sociedade contemporânea, confia tanto nas máquinas que abriu mão dos
sentidos, como o toque dos exames médicos, que são substituídos por
exames ambulatoriais que dispensam o contato médico/paciente.
A Educação Física não se distancia dessas discussões ao negar o
sentir, basta olhar as cenas dos grandes espetáculos proporcionados pelo
esporte de alto redimento. Não queremos dizer aqui que o sentir não
esteja presente nesse tipo de esporte, ao contrário, o forte apelo estético
dos espetáculos esportivos tem sido discutido na Educação Física, a
exemplo do trabalho de Araújo (2006), que traz destaque para esse tema
no contexto da Educação. No entanto é preciso considerar que os grandes
feitos no esporte também se operam a partir da repetição e mecanização
dos gestos, e que esse modelo é copiado sem reflexão para as crianças na
escola (MELO, 2003). A própria dança também pode contribuir para esse
distanciamento entre o bailarino e o corpo, quando opera pela
125
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
negação/superação da dor, a negação do sentir em busca de uma
performance perfeita.
Práticas sem sentidos, gestos repetidos, movimentos mecanizados, a
força da palavra e da imagem também são determinantes na Educação
Física. No entanto acreditamos na necessidade da redescoberta do corpo.
Nesse sentido, reiteramos que as imagens do Cena 11 federam os
sentidos e contribuem para amplificarmos a noção de corpo, para tanto re-
enfatizamos os corpos misturados de Serres (2001) e sua pele que
conhece, comunica, ouve, vê, cheira, saboreia e lições de sabedoria (a
pele como tela onde projetamos várias experiências vividas), assim como
os corpos selvagens e o conceito de carne evidenciado neste texto
desenhados por Merleau-Ponty (2005). Assim, o sentir relacionado à
interconexão com a consciência deve ser substituído por um sentir que se
constitui na “aderência carnal do sentiente ao sentido e do sentido ao
sentiente” (MERLEAU-PONTY, 2005, p. 138).
Dentro dessa perspectiva, Nóbrega (2005) aproxima-se das
compreensões de educação fundamentada na perspectiva fenomenológica
cunhadas por Rezende (1990) e Martins (1992) e destaca a importância do
resgate da sensibilidade dentro de uma sociedade racionalizadora,
sensibilidade esta que fundamenta as ações humanas. No entanto,
“aprisionados à tradição dualista, não nos percebemos como seres
corporais” (NÓBREGA, 2005, p. 82) e inventamos a cada época um corpo
dito adequado e conforme.
Para Nóbrega (2005) esse processo de conscientização configura-se
um desafio para os profissionais de Educação Física, que devem ampliar
seu campo de referência para além da intervenção do corpo e do
movimento preocupados com os aspectos de saúde, bem-estar e nas
capacidades orgânicas, levando também em consideração “a questão
ética e estética do movimento, a beleza e a harmonia dos gestos, sua
relação com a identidade do ser humano, possibilitando ampliar a
percepção de si mesmo, do outro e do mundo (NÓBREGA, 2005, p. 84).
A partir dessa discussão, reportamo-nos a Araújo (2006), ao discutir
a estesia e a percepção sinestésica como conceitos que recuperam a
126
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
relação sensível, de encantamento do homem com o mundo e a
impossibilidade de fragmentação do sensível em partes corporais isoladas.
Consideramos também as incursões tecidas por Porpino (2006) sob a ótica
da Fenomenologia que contribui para ampliar o sentido da aprendizagem e
da Educação para além do aprender a pensar; é imprescindível aprender a
sentir, tocar, cheirar, degustar, ver e ouvir .
Sobre esse pensamento reconvocamos Nóbrega (2005), quando
menciona que a educação na perspectiva fenomenológica apresenta três
sentidos: a educação dos sentidos, a educação da inteligência e a
orientação da existência. Nas palavras da autora (idem, p. 75).
A educação dos sentidos diz respeito à condição corporal do
homem e sua existencialidade. Aprender a ouvir, a ver, a
cheira, a degustar, a sentir são fundamentais na apreciação
da realidade, ampliando a capacidade de percepção do
mundo. A educação da inteligência diz respeito à capacidade
de refletir e de acrescentar sentido, fundando-se na
linguagem. E, por fim, a orientação da existência é relativa ao
posicionamento dos sujeitos diante da realidade e a tomada
de decisão. Assim, aprender a falar, ouvir, escrever, dançar,
são aspectos da mesma aprendizagem significativa [...].
Por fim, acreditamos que as problematizações desenhadas nesses
eixos são alguns dos olhares possíveis que podem aproximar o corpo
monstruoso dos estudos do corpo na Educação Física. Percebemos que a
gestualidade desvelada pelas imagens do Grupo Cena 11 dialoga com as
novas tecnologias e reelabora” espaços de convivência com o corpo.
Desenham, portanto, outras formas de compreensão desse corpo. Tais
implicações nos fazem lembrar as problematizações de Nóbrega (2005b)
ao refletir sobre o lugar do corpo na educação. Em suas palavras:
Precisamos desenhar novos mapas para compreender a
geografia do corpo, com sua especialidade diferenciada,
possível porque se move, ao fazê-lo, ao mover-se, coloca em
cena diferentes possibilidades de abordagem, diferentes
lugares, com diferentes perspectivas espaciais e temporais:
do biológico ao pós-biológico, da reversibilidade da cultura
com carne do mundo à carne como aspecto simbólico e
transcendente do humano; dos sentidos da historicidade
que cria narrativas temporais distintas; dos encontros e
desencontros (NÓBREGA, 2005b, p. 614).
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Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
Assim os corpos vídeogame, vodu, do Grupo Cena 11 nos fazem
olhar para as metamorfoses das pedagogias e das formas humanas e
refletir sobre os agenciamentos sobre os corpos restritos a permissões,
proibições, regras, controles e normas, civilizando, silenciando e
autorizando seus usos, ditados por uma racionalidade, fundamentada
numa visão conservadora, acrítica, reducionaista e objetivista “que exclui
as dimensões existencial e estética da vida” (SILVA, 2006, p. 79).
Esses corpos nos fazem percorrer outros olhares, sugerem uma
outra racionalidade que supera as dualidades modernas e a fragmentação
das abordagens teóricas que ainda se fazem presentes na educação e
aqui, em particular, na Educação Física. No entanto, percebemos que,
apesar de se contraporem às posições racionalistas e naturalistas
presentes na Educação Física, também dialogam com outras perspectivas
mais recentes pronunciadas por pesquisadores dessa área de
conhecimento, já citadas neste texto, as quais apontam para uma reflexão
sobre o corpo sob a ótica do sensível.
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Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
130
Corpo e estética na dança do Cena 11 e na
Educação Física
131
Dançando ao som de rupturas para concluir
Dançando ao som de rupturas para
concluir
Debruçar-se sobre a estética criada pelo grupo Cena 11 representou
uma possibilidade de dar continuidade a investimentos iniciados em
minha graduação em Educação Física. Possibilitou, ainda, um olhar
sensível à riqueza da experiência da beleza, por exemplo, o olhar sensível
para o outro que é diferente de mim.
Interrogar sobre os monstros que dançam, sobre a feiúra, identificar
as constantes transformações da Dança Contemporânea e seus
investimentos no diálogo com a tecnologia constituíram-se significativos
para a compreensão da estética primada pelo Cena 11.
Reconhecemos que essa leitura da forma como se desenha em
nosso texto dissertativo é um dos caminhos possíveis e, portanto, faz-se
aberta e inacabada diante das diversas possibilidades de olhar sobre o
fenômeno, e, antes mesmo de ser terminada, abre espaço para novas
questões.
Dessa forma, identificamos que as fragilidades de uma investigação
ajustam-se aos limites do conhecimento em dar conta da inteireza de um
fenômeno, dado que um único olhar não é suficiente, pois existem muitas
formas possíveis de vê-lo. Além disso, a escolha do próprio método que se
faz na incompletude revela um caráter interpretativo que busca saber
conviver com os limites da produção do conhecimento.
Para tanto, partimos para a discussão compreendendo que as
relações entre corpo e tecnologia na dança têm gerado muitas
modificações nas relações sociais e no próprio corpo, e que essa interface
pode ser utilizada como elemento problematizador, questionando ditames
canonizados na Educação Física. Nesse sentido, o nosso monstro que
dança constrói-se com a deformação do corpo a partir da intervenção da
tecnologia. Tal monstro nos possibilitou vários pensares que foram
131
Dançando ao som de rupturas para concluir
possíveis após a experiência de ver e rever os vídeos In´perfeito e
Violência inúmeras vezes.
É importante afirmarmos ainda que o contato com o grupo em
Florianópolis nos possibilitou acesso a elementos que, geralmente, são
inacessíveis, ao assistir aos espetáculos do grupo em processo de
construção.
Acreditamos que a estética primada pelo grupo é significativa e
desencadeadora de inúmeras questões sobre o corpo, ao desenhar em
seus espetáculos algumas rupturas de modelos canonizados da aparência,
do gesto e do espaço. Esses modelos operam por uma estética da
desmedida, em que habitam monstros dançantes e foram possíveis
através da interface do corpo com a tecnologia, utilizada para deformar,
ampliar, encurtar e multiplicar os corpos.
Seus formatos corpóreos enfatizam o feio, o grotesco, a gestualidade
inacabada, ampliam-se no espaço, dilatam-se, enfatizam a desproporção,
a deformação. Vivem espaços inusitados, ousam desafiar a verticalidade e
a horizontalidade.
Referendamos, também, que o Cena 11 foi utilizado em nossa
pesquisa como uma das possibilidades presentes na dança que elucidam
questões para pensarmos o corpo. No entanto reconhecemos que os
rituais das danças macabras e alguns personagens da dança popular, por
exemplo, também são universos abertos a explorações e para a vivência
da estética do monstro, bem como podem ser balizadores de questões
para pensarmos o corpo e a estética na Educação Física.
Os monstros do Cena 11 dançam, inventam e reinventam seus
corpos através da relação com a biotecnologia; ousam viver a dor; criam
outras formas de locomoção através da utilização das próteses; vivem
outros espaços e tempos que podem ser, inclusive, simultâneos.
Esses monstros parecem gritar profundamente e nos sensibilizam a
olhar a obsessão da forma métrica, jovem e rápida do corpo
contemporâneo.
132
Dançando ao som de rupturas para concluir
Nesse sentido, argumentamos, em nosso texto, a partir da
aparência, do espaço e do gesto, evidenciando, a partir deles, elementos
para refletirmos sobre o corpo e a estética. Problematizamos as discussões
sobre a produção do feio e o entendimento de beleza; a consideração do
espaço como sendo vivido, estendido; o gesto como sendo atribuído de
sentido, e não uma repetição pura e mecânica, como alguns dos
elementos possíveis de serem problematizados.
Identificamos nos corpos do Cena 11 alguns indicativos que nos
levam às problematizações de um corpo afetivo e anarquista, ao
questionarem a tirania da corporalidade perfeita, a naturalização da dor, a
gestualidade fechada em uma gramática única e acabada, a padronização
de papéis femininos e masculinos e a negação do sentir. Tudo isso pode
contribuir para subverter padrões de beleza clássicos que classificam,
metrificam e homogeneízam os corpos ainda canonizados pelos discursos
da Educação Física.
Concluímos esta pesquisa na expectativa de ter contribuído com as
reflexões sobre o corpo desenvolvidas na Educação Física e reafirmamos a
importância de repensar a relação entre estética e Educação Física, para
além da beleza dos corpos e gestos padronizados pelo ideal de beleza
clássico.
Entendemos que o investimento na temática dos monstros na dança
deve ser aprofundada no que se refere à produção dessa estética
“caosmótica”, considerando as diversidades e as efemeridades das
relações entre corpo e tecnologia.
Nesse sentido, tais implicações nos revelam alguns cenários que
podem constituir-se em valiosas investigações futuras, a saber:
1. Os processos de composição coreográfica, implicações para
o ensino da dança na Educação Física;
2. A relação entre corpo e tecnologia/ corpo e ciência;
3. O novo cartesianismo da pós-humanidade;
133
Dançando ao som de rupturas para concluir
4. A presença da dor na dança: até que ponto nega ou re-
produz valores disseminados na Educação Física, como a
superação dos limites.
5. A dança do videogame outros espaços para o corpo
novas condições antropológicas.
Desse modo, finalizamos esta pesquisa, não colocando um ponto
final, mas deixando um convite a explorar novos espirais, a percorrer
novos pensares.
Assim, acreditamos que as imagens do Cena 11 possam ser
balizadoras de inúmeras outras reflexões, uma vez que elas nos
possibilitam conviver melhor com a desarmonia, a incompletude e a
incorreção, características que nossa Educação Física tratou de aniquilar,
balizada nos dispositivos e discursos normalizadores. Não queremos com
isso propor aqui uma desordem catastrófica desordenada e
desorganizada, mas que na experiência da catástrofe e desordem existam
estratégias, embora abertas, que não “dissimula a sua própria errância,
mas que não renuncia a captar a verdade fugaz de sua experiência”
(MORIN e CIURANA 2003, p. 19).
Assim os corpos vídeo-game-vodu-deformados do Cena 11 abalam
as incursões sobre o corpo advindas do desenvolvimento das ciências
modernas, transgridem os dispositivos normalizadores das instituições e
semeiam uma nova ordem nunca pré-fixada, mas em movimento, visto
que exploram a dúvida, e a dúvida trabalha, ela nunca está em repouso,
portanto nunca se fixa a uma imagem acabada.
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Dançando ao som de rupturas para concluir
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Dançando ao som de rupturas para concluir
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144
Referências
145
Referências
146
Anexos – cenas significativas
VÍDEO CENAS SIGNIFICATIVAS
Cena 1
A aparência do freak.
A luz é frenética, a movimentação e a aparência do corpo remete
ao Freak (neste caso o corcunda), o piso vermelho mais
intensidade a cena. Esse corpo ousa utilizar suas articulações. Na
boca uma prótese bucal utilizada pelos dentistas para deixar a
boa aberta. Os movimentos parecem manipulados como o corpo
marionete, observa-se uma certa metamorfose com o Break.
Entre sons, ruídos, vozes esse se corpo se movimenta.
Cena 2
O corpo louco
Dançam Freaks e loucos, dois corpos se aglutinam, um
semelhante a um corcunda, o outro, o corpo do louco. Esse, veste
uma túnica branca e usa apenas uma bota em um dos pés, o que
uma certa desmedida da altura de uma perna sobre a outra,
modifica a movimentação. Vê-se próteses expostas nos corpos
para a proteção, como é o caso da joelheira que está bem visível
na cena. Esses corpos se arrastam, exploram o chão, exploram a
força de impulsão, um corpo exerce poder sobre o outro, andam
pelos joelhos, ousam girar.
Cena 3
Estranhas criaturas
rodopiam e exploram
movimentos diversos.
Vários seres estranhos rodopiam, saltam e rodopiam sem parar,
repetidas vezes, explodem seus movimentos em quedas
diversas, explorando várias alturas para se deixar cair, se
arrastam de frente, de costas, de lado. Dançam corpos diversos,
um corpo gordo e o corpo magro, o corpo baixo e o corpo alto,
são corpos que semeiam uma confusão, se fundem e
abandonam-se.
Cena 4
Configurações diversas
para o corpo
A música revela-se intensa, os corpos correm, pulam de bogobol,
exploram as articulações, o corpo parece solto, como um boneco
de pano. Jogam-se uns nos outros, se arrastam, se agrupam e se
amontoam no chão. Exploram diversos espaços, equilibram-se
em bogobol.
Cena 5
O espaço que marca o
tempo.
A movimentação é intensa, as quedas são cada vez mais
complexas, o fundo do palco está cada vez mais cheio de um
líquido branco.
Cena 6
O corpo
desnaturalizado
Esses seres dialogam com os seres projetados acima deles, essas
imagens enfatizam a deformação, a desnaturalização do corpo,
cabelos pintados, unhas coloridas, risadas estranhas, a alegrias
dos desengonçados.
Cena 7
O movimento dos
Cabelos de um colorido vibrante laranja, movimentação
engraçada, por vezes apenas pula, e segue seu desenho de
movimento, um tanto inacabado, gira nos joelhos e no chão, gira
146
Anexos – cenas significativas
desengonçados no ar. Outros corpos giram com a cabeça no chão, suspensos nas
pernas pelos amigos, andam com uma marcha engraçada,
exploram as articulações, falam como se quisessem denunciar
algo, andam como corpos moribundos, com os braços para
frente.
Cena 8
O corpo que se exibe
Os corpos revelam uma expressão brutal, mas uma gestualidade
leve, eles se deformam e aplaudem a si mesmos, empurram uns
nos outros, se derrubam, riem, rodopiam e se jogam o tempo
todo.
Cena 9
Corpo frágil X corpo
potência
Os vídeos dão uma potencia significativa as cenas. Desenham o
novo ser que nasce relação estreita entre corpo e tecnologia.
As imagens nos fascinam, o corpo animal. Essa cena se completa
com um corpo arrastado para o centro do por um corcunda
(parece um corpo frágil), aquele corpo que aparece no vídeo,
ganha vida, aquele corpo frágil ganham potência, e explora a
queda de alturas diversas.
Cena 10
O corpo distendido
Corpos desafiam seus limites físicos, sendo atirados de autoras
cada vez mais altas. Tudo vermelho e preto, luz baixa, seres
estranhos começam a aparecer, corpos se arrastam no chão
como se não pudesse usar suas pernas, corpos exploram suas
desarticulações, derrepente vem uma anomalia gigante, um
bailarino apoiado em estruturas metálicas adentra no palco, esse
gigante de pernas de pau ganha vida quando esse recurso é
utilizado diferentemente do habitual, tornando-se orgânico,
passando a fazer parte daquele corpo que agora não é mais um
corpo-prótese, mas um corpo distendido.
Cena 11
Crianças que não
sentem medo – o corpo
videogame
E brincam os monstros, giram, se jogam, a música é vibrante e
inebriante, como crianças exploram e vencem o medo, ousam
empurrões uns com os outros, andam de formas diversas, para
frente e para trás, incansavelmente. Como energia de criança ou
potencia de seres videogame que nunca param.
Cena12
O corpo diferente
Os movimentos não se relacionam com o entorno, não são
habituais, esses seres pós-humanos, parecem super-hérois
invencíveis que explodem seus limites; deslizam; se fundem uns
com os outros criando novos seres, se fundem ao usar próteses,
pernas e braços metálicos, patins, separador bucal, botas e
joelheiras; voam, uma vez que se jogam no chão de alturas cada
vez mais altas, em cima dos outros, de cadeiras; desmembram-
se, seus membros são expostos às funções básicas das
147
Anexos – cenas significativas
articulações; os corpos presentes nessa composição são aqueles
que a ciência esforçou-se para esconder, o diferente, o deficiente
e o palhaço.
Cena 13
Corpos deformados
O espetáculo explora diálogos entre seres virtuais que são os
slides dos bailarinos são projetados durante o espetáculo, a
violência está em violar a naturalidade do corpo, unhas negras,
cabelos coloridos, perfurações no nariz e nas orelhas, próteses
bucais. Próteses se corporificam, humano-bicho-máquina,
homem-máquina, bicho-humano, pós-humano, um verdadeiro
diálogo entre o singelo e o grotesco, entre a violência e a
delicadeza. Homem e criatura dança, borram seus limites, o que
é meu corpo, o que é o corpo do outro? Quem sou eu? Quem
dança com quem?
Cena 14
A jaula
A queda da parede da frente do palco, como uma jaula, prende
aquele corpo. O diálogo entre os corpo e a parede. Os corpo se
jogam nas paredes de policarbonato, como se quisessem sair da
jaula, eles se jogam na parede de diversas formas e se exibem
como se gostassem da sua exibição.
Cena 15
O corpo projétil
A cena da dança com a cadeira é intrigante, uma mulher bala se
revela, a um diálogo estreito entre aqueles dois corpos
envolvidos, uma dança macabra, que explora diversas formas de
cair a partir e em cima da cadeira.
Cena 16
O corpo bola e os pinos
de boliche
Os corpos se deformam, ousam arrastar uns aos outros,
soqueiam a si próprios, pisam uns nos outros. Deslizam sobre
patins, e se derrubam como bola e pinos de boliche.
Cena 17
Amplificação do
espaço
O cenário é escuro, os figurinos e as músicas sugerem um
ambiente de dúvidas, são muitas estruturas arquitetônicas que
habitam o espetáculo. Este inicia na platéia, o um bailarino anda
de um lado para outro com suas pernas de pau. Tais aspectos
amplificam o espaço.
Cena 18
O espaço cênico
O cenário encontra-se no meio do palco, uma lente de aumento
enorme colocada no centro do palco, nos chamou atenção, ao
amplificar a “metafísica da carne” de uma bailarina que se coloca
atrás dela, confundindo e re-ordenado o pensamento sobre seu
corpo que pode assumir outras conformações. A luz é outro
recurso explorado, determina o que pode e o que não pode ser
visto; contribuindo também para diminuir o espaço e por o corpo
em evidencia.
Cena 19
Os corpos se arrastam pelo chão, rastejam como criaturas que
não podem caminhar, verdadeiras anomalias,as mãos soqueiam
148
Anexos – cenas significativas
Os monstros dançantes
os próprios torsos, os braços puxam e impulsionam o movimento,
seus gestos são precisos, mas ao mesmo tempo soltos e
desprovidos de uma técnica formalizada da dança, é uma
outra técnica. A idéia que fica ao observar esses monstros
dançantes é a do inacabado, não se consegue perceber o início
de uma cena e o final dela, nem muito menos o início de um
movimento e seu final, as fronteiras estão borradas, as cenas e
os gestos não têm uma forma delineada.
Cena 20
O corpo marionete
O orgânico e o inorgânico se misturam, os corpos dos bailarinos
parecem verdadeiras marionetes, a articulação e a
desarticulação dos membros, dos movimentos, uma
desconstrução do dançar, o movimento é torto, o corpo parece
ser manipulado. Encaixes de corpos se alternam.
Cena 21
A inversão de valores
Meio animais, entre a potência e a fragilidade. Dois seres, um
distendido através da utilização de pernas e braços metálicos, ou
reduzido a sua própria carne. Ao dançarem juntos enfatizam as
desproporções. Jogos de poder, jogos físicos com corpos
reduzidos a funções básicas como andar e correr. O corpo da
bailarina é arrastado pelo corpo gigante de braços e pernas
metálicos, uma verdadeira inversão total dos valores.
Cena 22
Dilatação do espaço
A estrutura do palco italiano é dessacralizado. O espaço é
multiplicado, vivido junto com a platéia, o cenário ocupa o centro
do palco, e são bastante híbridos. Lentes de aumento, trilhos,
projeções, microfones, óculos, videocenografia, projeção de
slides, música ao vivo. Esses corpos amplificam-se com
estruturas de metal, habitam carrinhos como um andajá imenso,
dança pendurados por um gancho em um trilho, habitam novas
estruturas como paredes cênicas e vidros que são colocadas no
procênio do palco como uma espécie de quarta dimensão, ou
quarta parede que afasta aquelas criaturas do publico por
algumas horas, como se estivesse presos em jaulas, ou fossem
personagens de TV ou Vídeo Game. Nesse espaço, as estruturas
co-existem com os corpos dançantes, ampliando e comprimindo
o espaço.
Cena 23
A exibição da feiúra
A maquiagem é disforme, assim como os penteados, nada está
acabado, o esquisito, o feio, o grotesco e o doente são exibidos
como beleza.
Cena 24
Corpos híbridos
A gestualidade e o figurino revelam corpos mistos, híbridos, e,
que ousam fazer tudo, levantam uns aos outros, se jogam de
149
Anexos – cenas significativas
grandes alturas, se chocam, a gestualidade é a do monstro, mas
um monstro que não tem sexo.
Cena 25
Explorando as
limitações impostas
Os óculos impedem a visão, a força da imperfeição, a exploração
dos limites está em jogo, a bailarina com óculos deixa-se
conduzir, e se entrega e explora as limitações impostas.
Cena 26
Novas convivências
com o espaço: espaço
vertical e espaço
horizontal
O espaço oscila entre o alto e o baixo. Entre o voar e o se
arrastar. Esses seres exploram o inusitado. Ampliam a vivência
com o espaço vertical. O espaço horizontal pode ser vivido de
outras formas, para além das linhas e métricas. Vários espaços
são criados e vividos ao mesmo tempo, o mesmo corpo vive
várias texturas corpóreas.
Cena 27
A lente – ampliação do
corpo
Uma lente de aumento no meu do palco nas chamou bastante
atenção, colocada no centro do palco, uma bailarina que se
coloca atrás da lente re-ordena nossa imagem de seu corpo, ao
lado da lente de aumento parece um ser insignificante, atrás da
lente sua carne é amplificada. Engraçado e provocante, uma
bailarina perto e longe, dança com uma música entusiasmante,
e, ao mesmo tempo com a projeção de uma voz de outro
bailarino que está em frente a uma lente pequena de aumento,
esta cobre apenas seu rosto. A bailarina, ao contrário, tem seu
corpo quase todo re-ordenado pela lente de aumento gigante que
está em sua frente, apenas as pernas e os braços não participam
da cena quando a bailarina se aproxima da lente. Perto e longe,
grande e pequena, rápida e lenta, criatura estranha e gigante,
desordem na ordem esperada.
Cena 28
O corpo palhaço
Os corpos que se apresentam no espetáculo exploram diversas
conformações, e permeiam entre o risismo e o pavor. Dentro de
suas configurações o corpo do palhaço ganha evidencia, e
explora suas potencialidades, ousa pular pogobol, andar de
patins, e realizar fusões com outros corpos.
Cena 29
A configuração de um
espaço panóptico
A estrutura arquitetônica que ganha evidencia do espetáculo In
´perfeito, simula um mecanismo de controle. O espetáculo é
entoado por uma música cantada ao vivo, os cantores estão em
cima de uma estrutura de metal que se situa acima do palco. A
cantora, e seu olhar funcionam como um mecanismo de controle,
vigiando os corpos que dançam e que assistem.
Cena 30
Os corpos deformados
dançam juntos
Os corpos deformados semeiam certa confusão, dançam tão
juntos que se fundem em outros corpos. Os corpos próteses
procriam corpos pequenos, esses se assemelham a um bicho
150
Anexos – cenas significativas
preguiça e permanecem agarrados até que a força da gravidade
os force a cair.
Cena 31
O corpo
Frankensteniano
A aparência do monstro ganha evidência, para tanto reorganizam
seus corpos, fazem uso de próteses bucais, ganham um colorido
especial, simulando Huck ou o corpo podre dos cadáveres.
Cena 33
Explorando o espaço
uma “dessacralização do espaço”, seja este cênico, ou o
espaço do corpo, ambos são libertos do uso convencional
clássico. Exploram jogos de relações, abandonam-se uns nos
outros, vivem novos planos, níveis, formas e linhas. O corpo do
Cena 11 explora o espaço.
Cena 34
A aranha gigante
Ao olharmos uma das fusões exploradas pelo grupo, visualizamos
uma imensa aranha que percorre o espaço do espetáculo, tal fato
foi possível pela utilização das próteses e da exploração da
gestualidade. Vigorosa a aranha anda desloca-se de um lado para
outro, carregando suas presas.
Cena 35
Entre a fragilidade e a
potência
O corpo prótese parece ter certo destaque nas explorações do
grupo, e junto a esse ser observa-se a busca por certos
acasalamentos, essa dança nos mostra um ser que transmite
poder, impotência e fragilidade, e um corpo pequeno, sem
próteses, sendo carregado por esse corpo gigante.
Cena 36
Re-configurando o
espaço
Em meio a escuridão corpos Frankenstein começam a aparecer
empurrando seus bebês com carrinhos gigantes. Um Andajá
imenso também aparece na cena. Aqueles corpos que se
arrastavam, agora andam com auxílio de estruturas que re-
configuram o espaço.
Cena 37
A invasão do espaço –
o fundo do palco ocupa
o centro
O espaço é modificado, o centro do palco é invadido por uma
imensa lente de aumento, que compõe a obra coreográfica e
contribui para a configuração da estética do primado pelo grupo.
151
Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
Laise – Que tipo de técnicas utiliza em seus processos criativos?
A Não sei se a gente poderia chamar que é uma técnica corporal desde o
início, acho que o principal nível até agora é uma idéia de corpo específica
que faz e que fez e que continua fazendo com que nós procuremos caminhos
e métodos para poder aplicar ao corpo as idéias que a gente quer aplicar em
si . E nos últimos dez anos, acabou se desenvolvendo essa técnica que a gente
chama de percepção física, a idéia e de que ela se modifica, mas sempre
com a estrutura de que a gente quer produzir uma dança em função do
corpo e não um corpo em função da dança, então a gente não corre atrás
disso, a gente corre atrás de entender o corpo para poder através desse
entendimento produzir a nossa dança. O que eu acho que é perene que é
estável desde o início até agora.
De responsabilidade aberta, sempre de troca, buscamos saber que corpo que
agente estava querendo entender?, Que corpo a gente estava querendo
dançar e a partir disso, a gente começou a desenvolver a procura dessa
estética que acaba sendo sempre vinculada à procura de uma ética que
consiga ser adequada a ela.
Acho que o importante é que a idéia de corpo existe desde o início, essa
preocupação de estabelecer essa iia de corpo, e, esse corpo é uma dança
em função do corpo, e sim, a gente vai começar a perguntar quais são
esses corpos? E cria uma idéia de corpo sozinho, várias conformações sobre a
idéia de corpo que acabam sendo utilizadas para formulação de exercícios
para que a gente possa treinar essa idéia e torná-lo prática, e nisso, para que
ela tenha viabilidade de produzir esteticamente a dança que a gente acaba
produzindo.
Laíse – Então ,com base nisso ,o que você compreende sobre o corpo? O que
é o corpo para você? Ele tem limites ?
A- Falar o que é o corpo é bem difícil, complicado? Ontológico? Acho que o
corpo tem limites sim, e o que a gente faz é trabalhar o entendimento e o
reconhecimento desses limites, conhecer sua fronteira, estabelecer uma
comunicação com ela, mas não acho que o corpo é nossa interface com o
real, não existe nada que a gente faça que não passe pelo corpo, e o corpo
153
Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
é nosso veículo de reconhecer que a gente está vivo e que inclui ele nesse
reconhecimento e, partindo disso, deve ser muito menos para o corpo e
partindo disso a gente não poderia fazer a nossa dança, violentar essa idéia
de corpo, é por isso que quando a gente fala ,as pessoas falam:”há porque eu
sou leigo em dança”, sim pode ser leigo em corpo, pode ser leigo em algum
conhecimento específico que seja de corpo, mas a pessoa nasceu com corpo
vai morrer com o corpo! Durante essa prática de estar vivo ela estabelece
uma série de idéias sobre o corpo e por isso gosto de partir desses
pressupostos.
Laíse- A partir de uma visão inicial das coreografias, percebe-se a presença de
elementos diferentes,por exemplo :palhaços, freaks e até mesmo a busca por
uma certa monstrificação, porque a necessidade de se recorrer a esses
formatos corporais?
A-A gente volta novamente a essa idéia de corpo como interface de tudo,
em “Violência - 2000”, a gente acabou estabilizando uma procura que agente
vinha fazendo um pouco antes de ela se tornar mais evidente, mais eficiente,
mais coerente até. A gente propõe a idéia de corpo vodu. Violência fala na
percepção e no corpo Vodu. Esse seria um corpo que remete a idéia de vodu
simplória na realidade e não se aprofundando na religião vodu, uma vez tive
um problema com uma francesa na Alemanha onde eu falei sobre o corpo
vodu, e ela perguntou o quanto eu conhecia o ritual vodu africano, eu disse:
olha conheço pouco, conheço vodu de desenho animado. O que a gente
é esse termo popular mesmo, de você pegar um alfinete e botar lá no boneco
e espetar e causar uma mal remoto naquela pessoa que se está nomeando o
boneco, e idéia de vodu, e os bonecos, nós mesmos, as alfinetadas seriam os
movimentos e que o corpo a ser objeto de informação, seria o espectador. É
uma violência onde a gente começou a trabalhar essa idéia que passa
também pelo palhaço, acho que o palhaço, também passa por essa
capacidade que eu tenho de gerar algo no meu corpo que remotamente
atinge o corpo do outro, e a primeira idéia de desconforto que chamamos de
violência, o quê agride? É violentar, é chegar de alguma forma e ter que
romper uma barreira que tava fechando algum lugar. Você quebra aquilo e
entra então as quedas, elas surgiram assim.
154
Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
Nos víamos tecnicamente trabalhando com uma preocupação com
o chão, Começamos a praticar um pouco aqui como se fossem pequenos
ruídos, batidas, por não certo mesmo ruído de réplica, e dentro desse ruído
a gente começa a achar que era viável a gente trabalhar com essa virtuose
do erro. Com essa precisão da falha mesmo e transformar a falha numa
virtude e, o palhaço, vem um pouco dentro da própria história, dado que
surge como um acrobata mais velho que não conseguia fazer mais da mesma
maneira, caía e aí começou a se proteger das aqueles com enxertos de palha
e ficou palhaço, e isso tem um pouco haver com esse rudimentarismo que é
triste e perseverante ao mesmo tempo. Encontra uma saída evolutiva para
não deixar de ser acrobata e incluir a falha como a capacidade de gerar
uma outra informação.
O “violência “passa por isso, pela idéia de palhaço, nesse sentido que já
vem de interesses anteriores nossos, e, por esse corpo vodu, acho que as
quedas se estabilizam aí, a partir daí a agente estabeleceu uma atividade
importante que a queda também se transforma e precisa ter um treinamento
emocional. Acho que qualquer coisa que se faça com o corpo tem que ter
um treinamento emocional envolvido.Tem várias questões incluídas na queda
que descobri depois e que se instalou como uma tecnologia, e ainda a gente
cria um espetáculo para a abrir novos territórios a partir de idéias que a gente
precisa colocar sobre as coisas,
Laíse- Como é que é o seu processo de criação ? participação dos
bailarinos nesse processo?
A- Pressupondo que qualquer processo criativo e coletivo, é sempre produto
dessa coletividade, e cada um vai ter o seu papel aí, e, os papéis são
diferentes, meu papel é dirigir, propor, coordenar a idéia, propor a idéia e ser
um pouco de guardião dessa idéia, e óbvio tenho meu traço estético não
para guardar a idéia, cuidar dela, mas, por dar a eficiência que ela precisa.
Sempre amparado por quem está trabalhando comigo e isso modifica
totalmente o teor do espetáculo, por exemplo: a parte doce foi feita para a
Cláudia, a parte avarenta foi feita para o Marcos e assim por aí nas diferentes
partes, por exemplo: trabalhar uma audição centrar numa menina e começar
a trabalhar ela, faz-se necessário a substituir algumas coisas. Eu não vou criar
155
Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
uma nova parte do urso, vou procurar entender que elemento ou que forma
eu posso trabalhar com essa pessoa e vou criar um solo pra ela e esse solo
pode entrar se acontecer alguma coisa , na parte do urso por exemplo ,eu
não iria montar outro solo igual ,é um exemplo que eu preciso das pessoas que
tenho para trabalhar, claro que cada um vai ter o seu número de como
estabelecer essa comunicação de trabalho o que você leva de elemento e
tal. Tento o tempo inteiro observar as pessoas, me abrigo e tenho facilidade
para isso e tento me habilitar melhor a isso,me profissionalizar melhor e
reconhecer os corpos dos que estão envolvidos e que iriam trabalhar
comigo,reconhecer que corpo é esse e como é que eu posso fazer com que
ele seja vigoroso dentro do trabalho que a gente quer propor sem perder a
individualidade deles, não posso esquecer daquele corpo que ele tem que
se encaixar no nosso objetivo,que aquele corpo gere novas possibilidades
para mim e não eu tentar listar ele numa expectativa e isso faz com que a
gente tenha um diálogo bom,e a gente precisa de um elenco que tem que
está trabalhando junto. Até as ações que a gente vêm fazendo ultimamente
tanto para meninos quanto para meninas, a agente assiste primeiro as
seleções por vídeos , vem várias pessoas aqui para Florianópolis elas passam
cinco a sete dias aqui fazendo aula ,fazendo ensaios ,participando das coisas
ativamente, programamos algumas coisas para fazer e depois daí a gente
decide se é viável ou não e provavelmente as pessoas entram como estágio e
consequentemente trabalhando, tem que ver se vem de outra cidade se
adaptar aqui, se quer ficar aqui, se é apenas empolgação de momento.
Laíse- Você acha que a sua história de vida, fez com que você procurasse
desenvolver a técnica que você desenvolve no grupo e esse entendimento de
corpo que você tem no grupo?
A- Acho que sim, porque outras histórias de outras pessoas a gente sempre vai
encontrar um reflexo do que a história daquela pessoa que te influenciou,
como lidou com isso para rever essas questões, para mim o fato de ter
escolhido a dança me ajudou bastante a lidar com o corpo, com questões
particulares minhas. Eu sempre tive um corpo mais frágil do que o normal, mas
também nunca achei que isso era demais. Só que aprendi a criar força a partir
da fragilidade, isso me ajudou a encontrar caminhos que me colocassem e
156
Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
me estimulassem a fazer isso, porque se não, você acha chato. Você está
dançando a técnica clássica e quer trabalhar alguma coisa nesse sentido,
mais sutil, mais de , essa estruturação que a gente usa, mas ao mesmo
tempo isso te outra capacidade de se integrar com dificuldades que são
boas e são importantes para minha compreensão de corpo individual. No
entanto eu acho que é natural que eu traga isso de volta e isso não pode ser
uma paranóia ou uma obsessão. É preciso olhar o corpo dos outras, o surper
forte e o diferente.
Laíse- Em Seus espetáculos exploram a relação do corpo com a tecnologia.
O que você entende sobre essa relação entre o corpo e a tecnologia. Como
é que você identifica as tecnologias utilizadas pelo Grupo? Elas são utilizadas
para definir a estética do grupo?
A- Então, nós definimos a tecnologia como algo que é a extensão do corpo, o
quê seria extensão corpo? Não é extensão só, porque continuidade ao
corpo deixa ele maior, mais extensão do corpo eu geralmente estou vendo o
jeito da perna de pau, quando a gente usa uma perna de pau, por exemplo,
ela pode ser de madeira, pode ser de inox, pode ser de alumínio, não precisa
ser necessariamente de madeira. Nós trabalhamos com o corpo bípede,
quadrúpede de inox, o corpo doente. O que interessa não é a tecnologia
da perna propriamente dita, do objeto mais aquilo que se escalda no corpo
quando o objeto é de alguma forma evocado pelo corpo para cumprir sua
função, o corpo precisa ter uma tecnologia instalada nele para andar de
perna de pau. Então aquele objeto faz com que a tecnologia seja uma
extensão de corpo, extensão de sentido, extensão pra dentro também,
extensão de capacidade e de está hábil para usar aquilo coma eficiência
necessária que aquilo propõe, então aquilo sozinho não é nada, o corpo
sozinho não é nada, então juntos as duas coisas e se tornam uma coisa só feita
de coisas separadas.
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Anexos – A entrevista realizada com o coreógrafo
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