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duas conseqüências quase imediatas, uma de que a cidade existe naturalmente e o
homem vive por natureza em cidades. Tais considerações ficam evidentes na
seguinte passagem:
A comunidade constituída a partir de vários povoados é a cidade definitiva, após atingir o
ponto de uma auto-suficiência praticamente completa; assim, ao mesmo tempo em que já
tem condições para assegurar a vida de seus membros, ela passa a existir também para
lhes proporcionar uma vida melhor. Toda cidade, portanto, existe naturalmente, da mesma
forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio final destas [...]
Estas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural, e que o homem é
por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente,
não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade
(como o “sem clã, sem leis, sem lar” de Homero fala como escárnio,
pois ao mesmo
tempo ele é ávido de combate), e se poderia compará-lo a uma peça isolada do jogo de
gamão. (POLÍITCA, 1253a).
A cidade é, portanto, o fim, o acabamento, o termo do desenvolvimento
histórico que conduz os homens a se associar em comunidades. A autarquia, porém,
não é apenas o fim do devir (termo do desenvolvimento) das comunidades naturais,
e a cidade não é apenas o fim delas, ou seja, a autarquia é também o fim (seu
objetivo) de sua existência.
Tendo sido constituída para permitir que o indivíduo (cidadão) possa viver,
a cidade permite, uma vez que exista, favorecer as condições para que o cidadão
venha a ter uma vida feliz, ou seja, viver bem. Existindo então, por uma finalidade
que se confunde com sua própria natureza, a cidade é seu próprio fim. Encontra-se,
portanto, neste aspecto dois fins: a vida e a vida boa. Pode-se dizer que a existência
da cidade é necessária para suprir as necessidades da vida que a família ou o
vilarejo não pode satisfazer. Assim, desde que a cidade exista, ela é para si mesma
o seu próprio fim e, permite a vida boa, ou seja, viabiliza a garantia da felicidade
para os cidadãos
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Partindo das considerações formuladas por Aristóteles em sua filosofia
política, pode-se conceber a idéia de que, tratar da ciência política consiste em tratar
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Wolff (1999) comenta que, um homem, uma comunidade, um ser qualquer serão felizes somente
se puderem se bastar a si mesmos, isto é, se encontrarem em si mesmo aquilo com se sejam eles
mesmos, serem se ter necessidade de nada. O homem não pode ser, e, portanto, não pode ser
homem, se não for pela e na comunidade. A comunidade política sendo aquela que não carece de
nada, é a única. Portanto, é somente por ela que o homem é plenamente, é na cidade e pela cidade
que o homem é homem.