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Um dos instrumentos de que se serve Spinoza para manter sua posição é o
mesmo que em várias outras ocasiões, e que torna bem perceptível a verdadeira
importância desse instrumento, qual seja, a distinção entre imaginação e entendimento.
Há, para ele, duas maneiras de se conceber a quantidade, uma delas a partir da imagem
que formamos de quantidade, uma abstração, e a outra a partir do entendimento, na qual
concebemos a quantidade como substância.
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Tendo como perspectiva o primeiro
desses modos perceptivos, concebe-se a extensão finita, composta por partes
independentes e também divisível. Tendo o entendimento como modo de referência,
perceberemos as propriedades que caracterizam a extensão enquanto substância, em
suas palavras neste escólio, e enquanto atributo pelo que já sabemos da nomenclatura
spinozista. Ou seja, concebê-la-emos “infinita, única e indivisível”. A matéria é em
qualquer canto a mesma matéria, ocorrendo apenas as modificações dessa matéria, suas
partes não são senão afecções, e sua distinção é modal, não substancial ou real.
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Agora podemos trabalhar a natureza do corpo humano e da alma humana a partir
de pressupostos já estabelecidos conforme a ordem expositiva aqui manuseada.
Poderemos entender a relação específica dessas duas modalidades, e perceberemos que
a necessidade, mais uma vez, é o determinante dessas naturezas, e que qualquer ato
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EIP15Esc. . Si quis tamen jam quærat cur nos ex natura ita propensi simus ad dividendam
quantitatem? ei respondeo quod quantitas duobus modis a nobis concipitur, abstracte scilicet sive
superficialiter prout nempe ipsam imaginamur vel ut substantia, quod a solo intellectu fit. Si itaque ad
quantitatem attendimus prout in imaginatione est, quod sæpe et facilius a nobis fit, reperietur finita,
divisibilis et partibus conflata; si autem ad ipsam prout in intellectu est, attendimus et eam quatenus
substantia est, concipimus, quod difficillime fit, tum ut jam satis demonstravimus, infinita, unica et
indivisibilis reperietur. Essa questão sem dúvida é instigante, embora não possamos nos deter muito nela,
pois o que nos interessa aqui é firmar a extensão como atributo da substância, para que não fique uma
lacuna na cadeia dedutiva que vai da caracterização da natureza divina enquanto necessidade ao passo
próximo, que é a caracterização da natureza dos modos desses atributos também como necessidade. Por
isso, apenas indicamos um artigo interessante sobre o assunto, de Leiser Madanes, no qual ele aplica às
filosofias de Descartes e Spinoza uma distinção forjada na teoria da linguagem contemporânea, que
sejam, entre termos de massa e termos de número, onde os primeiros não podem ser mensurados, e é
justamente aí que ele insere a noção de substância, principalmente a spinozista. Cf. Substancia clásica e
moderna: los casos de Descartes y Spinoza.
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Além de tudo, a matéria é ativa, pois é uma expressão da atividade divina. Em relação a isso, G. Bruno
diz: “... o espaço, de certa forma, é matéria; se é matéria, possui aptidões. Se possui aptidões por qual
razão haveis de negar-lhe o ato?”, p. 28.