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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED
Tese de Doutorado
Como se chega ou como nos tornamos
docentes no Ensino Superior
ZORAYA MARIA DE OLIVEIRA MARQUES
Natal, RN
Dezembro de 2006.
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Como se chega ou como nos tornamos
docentes no Ensino Superior
Zoraya Maria de Oliveira Marques
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Base de
Pesquisa: Profissionalização e Formação
Docente, como parte dos requisitos para
a obtenção do grau de Doutora em
Educação.
ORIENTADORA
Profª. Drª. Betania Leite Ramalho. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN
BANCA
Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza (Co-Orientador). Universidade do
Estado da Bahia – UNEB
Profª. Drª. Ana Maria Iório Dias. (Examinadora Externa). Universidade
Federal do Ceará - UFC
Profª. Drª. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi
(Examinadora Interna). Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Pontes Pessoa (Examinador Interno). Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Profª. Drª. Emília Freitas de Lima (Suplente Externa). Universidade
Federal de São Carlos - UFSCar
Prof. Dr. Isauro Nuñez Beltran (Suplente Interno). Universidade Federal
do Rio Grande do Norte – UFRN
NATAL, 08 de dezembro de 2006.
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3
ZORAYA MARIA DE OLIVEIRA MARQUES
Como se chega ou como nos tornamos
docentes no Ensino Superior
Tese aprovada em 08.12.2006 como parte dos requisitos para
obtenção do grau de Doutora em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª. Drª. Betania Leite Ramalho (Orientadora).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_______________________________________________________
Prof. Dr. Elizeu Clementino de Souza (Co-Orientador).
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
_______________________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Iório Dias (Examinadora Externa).
Universidade Federal do Ceará - UFC
_______________________________________________________
Profª. Drª. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi
(Examinadora Interna).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_______________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Pontes Pessoa (Examinador Interno).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
_______________________________________________________
Profª. Drª. Emília Freitas de Lima (Suplente Externa).
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
_______________________________________________________
Prof. Dr. Isauro Nuñez Beltran (Suplente Interno).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
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Dedico este trabalho:
A Deus e a Nossa Senhora.
Aos meus pais Airton e Julmitiva e aos doze.
Descobri o quanto amo e sou amada.
Mauricio e Flavinho minha família em Natal/RN.
A minha orientadora Betania e ao meu co-
orientador Elizeu pela generosidade e apoio
constantes.
Aos meus ex. estudantes de todos os espaços -
tempos onde aprendemos algo, juntos.
Aos sujeitos da Pesquisa sem os quais não teria
conseguido realizar este estudo.
Demais parentes e melhores amigos que souberam
estar perto, mesmo longe.
Aos companheiros da Bahia e do RN - professores,
funcionários, colegas e queridos velhos e novos
amigos.
Dedico a mim que me acreditei...
5
Agradecimentos
É maravilhoso, Senhor, ter braços perfeitos,
quando há tantos mutilados;
Ter olhos perfeitos
quando há tantos sem luz;
minha voz que canta
quando tantas emudeceram;
minhas mãos que trabalham
quando tantas mendigam;
voltar pra casa
quando tantos não tem para onde ir!
É maravilhoso, Senhor,
amar, viver, sorrir, sonhar,
quando há tantos que choram, odeiam, revolvem-se em pesadelos,
morrem antes de nascer!
É maravilhoso, Senhor,
ter um Deus para crer
quando há tantos que não tem o consolo de uma crença!
É maravilhoso, Senhor, sobretudo,
ter tão pouco a pedir, mas tanto para oferecer e agradecer.
(Michel Quoist)
6
Resumo
MARQUES, Zoraya Maria de Oliveira. Como se chega ou como nos
tornamos docentes no Ensino Superior. Natal: Tese de Doutorado pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Departamento de
Educação, 2006.
A Tese tecida na abordagem (auto) biográfica estuda a existência do
ensino vivencial, no âmbito do Ensino Superior, pautado na vivência e no
campo (auto) formativo como um suporte teórico-metodológico presente
nas salas de aulas, sendo três as suas questões norteadoras: Qual o
percurso de (auto) formação trilhado por docentes do Ensino Superior, o
que é, para estes sujeitos, o ensino no Ensino Superior e o que entendem
por ensino vivencial segundo as suas narrativas. A epistemologia deste
trabalho, ancorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Base de Pesquisa:
Profissionalização e Formação Docente emerge, notadamente, dos estudos
e pesquisas realizados por Ramalho e Nuñez (2005, 2006), Morosini
(2001), Pimenta e Anastasiou (2002), Nóvoa (2000), Josso (2004),
Dominicé (1988), Catani (2002), e Souza (2004), entre outros, e das
práticas de ensino exercidas pela pesquisadora e sujeitos envolvidos na
investigação-formação, o que é confirmado a partir das três ferramentas
metodológicas que deram suporte ao caminho percorrido: Oito narrativas
tópicas, uma observação-participante e sete laboratórios ou encontros
paralelos de formação (EPF’s) experienciados com professores licenciados
que atuam nas diferentes instituições de Ensino Superior (IES), públicas e
privadas, localizadas na cidade de Natal/RN. A Tese situa deste modo, o
ensino vivencial na pauta de alternativas metodológicas viáveis e
concretas dentre a problemática da (auto) formação enfrentada pelos
professores no Ensino Superior.
Palavras-Chave: (auto) formação – ensino vivencial – ensino superior
7
Abstract
The Thesis weaved in the (auto) biographical boarding studies the
existence of existential teaching, in the scope of Superior Teaching,
guided in the experience and the (auto) formative scope as a theoretician-
methodological support present in the classrooms, being three the
essential questions: Which the way of (auto) formation traveled by
professors of Superior Teaching, what is, for these citizens, the teaching in
Superior Teaching and what they understand from existential teaching
according to their narratives. The epistemology of this work, based on
Program of After-Graduation in Education of Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Support of Research: Professionalization and Formation
Lecturing emerges, especially, of the studies and research realized by
Ramalho and Nuñez (2005, 2006), Morosini (2001), Pimenta and
Anastasiou (2002), Nóvoa (2000), Josso (2004), Dominicé (1988), Catani
(2002), and Souza (2004), among other authors, yonder the educational
practice exercised by researcher and involved citizens in inquiry-
formation,what it is confirmed from the three methodological tools that
given support to the covered way: Eight topic narratives, a participant-
comment and seven laboratories or parallel meeting of formation (EPF's)
experimented with licensed teachers that actuate in superior teaching
institutions (IES), public and private, localized in the city of Natal/RN. The
Thesis points out, in this way, existential education in the guideline of
viable and concrete methodological alternatives amongst the problematic
of the (auto) formation faced for the professors in Superior Teaching.
KEY-WORDS: (auto) formation - existential education - superior education
8
Lista de Ilustrações
1
01 Estrutura e Dinâmica do Percurso Metodológico 21
02 As Vivências da Investigação - Formação 29
03 A Situação de Trabalho dos Professores das IES 73
04 O Ensino e os Oito Elos 76
05 IES Segundo a Organização Acadêmica 80
06 Os Laboratórios ou EPF's 120
07 Cronograma dos Laboratórios 122
08 Perfil dos Professores que participaram dos EPF’s 127
09 Dinâmica do Ensino Vivencial no Ensino Superior 212
1
As fotos pessoais incluídas na capa e ao longo da Tese foram escaneadas do Diário
“Devaneios” e do acervo particular da pesquisadora.
9
Lista de Siglas
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior
CCE Conselho Estadual de Educação
CESB Centro de Estudos Superiores
CNE Conselho Nacional de Educação
EPF’s Encontros Paralelos de Formação
FACEX Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do Rio Grande do
Norte
FAL Faculdade de Natal
FEBA Faculdade de Educação da Bahia
IES Instituições de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
OP Observação Participante
ORM’s Orientações Referentes à Monitoria
PPGEd Programa de Pós-Graduação em Educação
UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UnP Universidade Potiguar
UVA Universidade Estadual do Vale do Acaraú
10
Vivências da Investigação-formação
Momento Introdutório
As circunstâncias em foco: A problemática (13)
As questões norteadoras, os sujeitos e o caminho metodológico
percorrido (17)
O desenho da Tese e como foi organizada (27)
Vivência Um - Como cheguei ou como nos tornamos professores
no Ensino Superior. A trajetória de (auto) formação
1.1. Como cheguei à docente no Ensino Superior (34)
1.2. A (auto) formação como ponto de partida e suporte da construção
da identidade e desenvolvimento profissional (38)
1.2.1. A identidade profissional do professor como espaço de construção
(p. 42)
1.2.2. O contexto institucional na constituição do desenvolvimento
profissional (49)
Vivência Dois - Sabe-se pouco sobre o ensino no Ensino
Superior
2.1. A complexa teia de relações onde se constrói o magistério do Ensino
Superior (61)
2.2. O que é ensino no Ensino Superior (75)
2.3. Quem é esse, o “ensinador” e que conjuntura alimenta sua presença
(91)
2.4. O Ensino Superior e as expectativas de mudança nas histórias dos
sujeitos (97)
2.4.1. As ênfases defendidas pelos sujeitos (101)
Vivência Três – O percurso metodológico e a abordagem (auto)
11
biográfica como instrumento de investigação-formação
3.1. As condições que fundamentam a abordagem (auto) biográfica
(109)
3.1.1. Como a proposta metodológica foi adotada (116)
3.2. Os segmentos onde foram agrupados os sujeitos da investigação-
formação (125)
3.2.1. Segmento um: Os Docentes participantes dos EPF’s (126)
3.2.2 Segmento dois: O Professor identificado como
vivencial
e a
Observação Participante (136)
3.2.3. Segmento três: Os Discentes e
Monitora
- participantes dos EPF’s
(151)
3.2.4. Os Cadernões e Devaneios – mais do que ferramentas
metodológicas (168)
Vivência Quatro – As evidências sobre o ensino vivencial na ótica
dos sujeitos docentes do Ensino Superior
4.1. Os princípios que ratificam a
vivência
como ferramenta de ensino
(178)
4.2. As significações dos sujeitos pesquisados e o sentido pedagógico
emocional (191)
Retomada Conclusiva
O conhecer de dentro: proposições e novas possibilidades (203)
A viabilidade do ensino vivencial nas salas de aula do Ensino Superior
(211)
Referências (215)
Apêndice
(233)
12
Momento Introdutório
2
Mulher - Matisse
2
O momento introdutório da Tese está simbolizado pela MULHER retratada por Matisse, um artista
francês que mesmo sob forte influência da época vivenciou a sua obra com criatividade e autonomia,
acompanhando e expressando as mudanças sociais, econômicas, políticas e filosóficas que
atravessaram o século XX.
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante. Do que
ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Eu
quero dizer agora o oposto do que eu disse antes.
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante.
(Raul Seixas)
Não quero passar a minha vida repetindo o que já sei.
Não quero trabalhar com aquelas perguntas
cujas respostas conheço.
Não quero repetir aulas, cursos, conferências,
artigos e temas. Quero ir adiante, ir além. Quero
fazer o que ainda não sei.
(Fanny Abramovich)
Vejo a utopia no horizonte. Dela me aproximo dois
passos, e ela, a utopia, se afasta dois passos.
Insisto e caminho mais dez passos
e o horizonte corre dez passos.
Então paro e pergunto: Para que serve a utopia?
E vem a resposta: Serve para isso, para caminhar.
(Eduardo Galeano)
13
Momento Introdutório
Dedicar três anos e meio a produção de uma Tese é fazer, antes de
tudo, uma opção de vida. Aceitar que algumas aparentes certezas, que se
pensava ter, não serão mais as mesmas.
Ao longo desse tempo tenho aprendido o significado do querer
ir
adiante, ir além
. E o que viver isso, acarreta. As perdas e ganhos. As
rupturas e novas velhas filiações. As permanências e retomadas. Ainda
que um pouco de tudo isso necessariamente doa.
De todo modo, é bem melhor
do que ter aquela velha opinião
formada sobre tudo.
Aliás, a validade de investir num doutorado talvez se
justifique por uma razão muito simples: a Tese se alimenta das utopias
que, em última análise, servem para nos fazer
caminhar
no percurso
(auto) formativo.
As circunstâncias em foco: A problemática
Aos olhos do outro poderá parecer mais adequado ou mesmo lógico
organizar a Tese deste ou daquele modo. Não fará isso por implicância ou
menosprezo às conjeturas elaboradas pela autora, como poderiam pensar
alguns. Mas porque cada um lê idiossincraticamente, supondo uma outra
forma - a sua - de conceber e dispor a pesquisa analisada.
Desde a seqüência e disposição da literatura revisitada até à
própria linha filosófica, delineada nestas entrelinhas, temos
3
nos esforçado
em manter a clareza de que, apesar da validade obtida, a distância que nos
separa do que ainda está por vir só é alcançável por provisórias
aproximações.
3
A abordagem (auto) biográfica me levou a alternar os pronomes pessoais nas formas eu
e nós, ao longo desta escrita.
14
Cada estudo levanta novas interrogações, entrelaça inúmeras outras
leituras e publicações, inaugura preocupações tais, que sequer se supõe,
quando tentamos desvendar uma problemática.
Dentre tantos caminhos que poderia seguir no Doutorado me parece lógico continuar a
discutir a questão da (auto) formação dos professores e o papel decisivo que a vivência
desempenha nesse processo. O modo como tudo isso forma. Como influência na ação
didática – pedagógica exercida. (Marques, Diários Devaneios, 2003).
Como eu, a grande maioria dos professores que atua no Ensino
Superior convive com os percalços do pouco investimento institucional
direcionado para a formação contínua, necessária ao processo de
construção identitária da profissão, questão que se acentua quando nos
referimos às instituições particulares.
A convivência com propostas e teorias pedagógicas fragmentadas,
ações individualizadas, predomínio de aulas expositivas, organização
curricular de pouca interdisciplinaridade entre as chamadas disciplinas
teóricas e práticas, avaliação notificadora e a aridez percebida nalgumas
relações humanas desenvolvidas nos ambiente acadêmicos, dentre outros,
sempre me incomodaram e me mobilizaram a investigar o problema da
presente Tese: Como nos tornamos professores do Ensino Superior ou
como cada docente se torna o docente que é?
Como se vê, pelo menos dois fatores primordiais influenciaram a
escolha do tema:
- o fator interno por conta da afetividade, do Mestrado, da experiência na
área e da vivência do ensino há 26 anos;
- o fator externo pela significação, importância e implicações da temática
para o campo da (auto) formação de professores em geral e, em
particular, para o Ensino Superior.
Poder teorizar o vivido e experimentado, próprio da vida pessoal–
profissional de cada um dos envolvidos, superou o que habitualmente
denominávamos como pesquisa e se caracterizou como uma investigação-
formação. Assim como dito por Souza (2006):
15
Nas pesquisas na área de educação adota-se a história de
vida, mais especificamente, o método autobiográfico e as
narrativas de formação como movimento de investigação-
formação, seja na formação inicial ou continuada de
professores/professoras ou em pesquisas centradas nas
memórias e autobiografias de professores (SOUZA, 2006, p.
01).
Ou seja, uma construção individual e ao mesmo tempo coletiva que
inserida no universo de ações e de significados mais amplos produziu um
conhecimento para além do nível da reflexão – ação, neste caso no plano
(auto) formativo. Donde se justifica a importância atribuída às vivências
relatadas pelos sujeitos
4
tomadas como narrativas de formação
5
.
Foram estas aprendizagens pela experiência (Josso, 2004) que nos
trouxeram as trajetórias de escolarização/ (auto) formação que
viveram/vivem para chegar a docentes no Ensino Superior favorecendo
uma maior compreensão acerca do que se passa nos meandros da
profissão docente. Da forma que emerge e se desenvolve, como as
demais, a partir dos contextos e momentos históricos e como resposta às
necessidades postas pela sociedade (Ramalho e Nuñez, 2005).
Quanto à delimitação - Ensino Superior - o corte temático se explica
pela relevância da questão trabalhada e seu alcance diante da
abrangência e limites enfrentados. Na verdade, o desenho que a pesquisa
foi tomando dependeu, em grande medida, não apenas da vastidão do
tema inicial – Ensino Universitário - e da escolha dos aspectos a
desenvolver, mas principalmente do recorte que a própria realidade
indicava.
Portanto, pela sua natureza, que contempla parte do corpo docente
de instituições públicas e particulares do Ensino Superior da cidade de
4
Assumimos a palavra “sujeito” no sentido dado por Morin (1988), ao buscar na
Literatura um possível eixo transdisciplinar, no campo curricular, por levar em
consideração os indivíduos inseridos em um meio, numa sociedade, sua história pessoal.
O autor considera que a literatura trata os seres enquanto sujeitos com suas paixões,
seus sentimentos, seus amores, - coisas que, falando do singular, do concreto das
individualidades, se tornam, na maior parte das vezes, apagadas.
5
Neste trabalho, chamaremos de Sessões Narrativas os momentos presenciais das
entrevistas que realizamos com os sujeitos, incluindo seus relatos e depoimentos.
16
Natal/RN, o problema e questões norteadoras definiram o percurso teórico
e procedimentos metodológicos a adotar.
Nesta perspectiva, não temos a pretensão de generalizar resultados,
embora tenhamos fortes argumentos para defender à sua pertinência,
principalmente do ponto de vista teórico–metodológico, significado sócio
educativo e grau de confiabilidade. O fato de utilizarmos sessões
narrativas para colher os relatos (auto) biográficos, possibilitou que
revelações surpreendentes, de um campo profissional específico – o
Ensino Superior
6
- pudessem emergir e ampliar informações disponíveis.
O resgate das vivências pessoais e profissionais de professores
considerados como comuns ou não privilegiados pela história tida como
oficial (Montagner e Cunha, 2000), conforme explicitado nos objetivos da
história oral, ainda que guardem as devidas particularidades, podem ser
entendidos à luz dos objetivos da história de vida:
[...] reaver as memórias, as reminiscências, as recordações
de sujeitos que, geralmente, não são reconhecidos nos
documentos ou não produziram documentos, e assim ficam
distantes da história oficial. Esta maneira de investigação
pode contribuir para a construção de identidades coletivas e,
pode passar a considerar também os/as excluídos/as e
esquecidos/as como autores/as e atores/atrizes na História
da Educação (MONTAGNER E CUNHA, 2000, p. 548).
Compreendemos que a história de vida, apesar de captar as
histórias individuais, visa atingir a coletividade a que pertence o sujeito-
informante. Para tanto, assumimos o entendimento de Queiroz (1981), ao
esclarecer que ainda que o pesquisador considere o registro de uma
história de vida apenas, ele objetiva compreender o grupo e a sociedade a
que pertence, encontrando a coletividade a partir do indivíduo.
6
Dada à complexidade observada nas instituições de Ensino Superior nacional entre as
quais: a expansão de diferentes tipos, seus programas, graus, duração e prestígio; a
falta de políticas que considerem suas exigências, dimensões e padrões oferecidos; as
especificidades das universidades, centros universitários, faculdades integradas,
faculdades, institutos ou escolas superiores quanto à sua organização acadêmica entre
outras questões, optamos em assumir o termo geral: Ensino Superior.
17
Assim sendo, consideramos que tais histórias podem revelar uma
coletividade sócio-histórica, sendo, portanto uma ferramenta que capta o
que sucede na encruzilhada da vida individual com o social (Queiroz,
1981).
No que se refere à revisão de literatura, localização e obtenção das
fontes documentais e bibliográficas para subsidiar o trabalho de pesquisa,
as fontes primárias indicaram que, por ser a docência no Ensino Superior
um campo de estudo que vem sendo tratado com freqüência, convivemos
com publicações de todo gênero em circulação.
Diante disso, a leitura complementar ao acervo - decorrente da
distribuição não convencional em formatos impressos e eletrônicos,
composto de anais de congressos, dissertações e teses - se apresentou
como um apoio informativo atual e de fácil acesso.
Quanto às fontes secundárias que se configuraram como a busca
direta, propriamente dita, optamos: pela adoção do Diário de Campo
“Devaneios”; realização de uma observação participante durante um
semestre acadêmico; vivência de sete laboratórios ou encontros paralelos
de formação (EPF’s) e de vinte e duas sessões narrativas para realização
das entrevistas tópicas (apêndice 01) de cujo teor trataremos mais
adiante.
No caminho ou metodologia percorrida para atingir as questões
norteadoras da investigação-formação, das quais falaremos ainda neste
capítulo, foi fundamental a convivência com estes férteis instrumentos
para o registro e compreensão das informações reunidas.
As questões norteadoras, os sujeitos e o caminho metodológico
percorrido
Elucidar um ensino que cunhamos nesta investigação de
vivencial,
e, que entendemos como o repertório de conhecimentos e aprendizagens
pela experiência, vividas no campo pessoal-profissional que utilizamos na
18
prática pedagógica nas salas de aula do Ensino Superior, demandou
alicerçar seus princípios nas narrativas representativas dos sujeitos, o que
contribuiu, decisivamente, para que esta investigação se confirmasse.
O fato da tese se pautar na abordagem (auto) biográfica, trouxe a
própria referência pessoal e implicação da pesquisadora ao pensar o seu
desenvolvimento profissional que, como coloca Ramalho et alii (2003,
p.68), se dá a partir de diversas interfaces: o reconhecimento da sua
história, subjetividades, peculiaridades, valores, sonhos, modos de estar no
mundo, de sentir, de pensar e de agir na profissão.
Desenvolvimento, esse, que também foi favorecido porquanto tivemos
a possibilidade de interconectar práticas educativas e preocupações de
forma coletiva e contextual. Nessa busca algumas
questões
problematizadoras
nos acompanharam:
Quais são, de fato, os eixos centrais desta investigação acerca dos
percursos de (auto) formação e do ensino vivencial no Ensino Superior?
Porque sabemos tão pouco sobre as práticas pedagógicas que são
desenvolvidas nas salas de aula das Instituições de Ensino Superior (IES)?
Como podemos identificar as afirmações que os docentes sinalizaram sobre
a existência do ensino vivencial?
Por conseguinte, desvelar com cautela as questões norteadoras e suas
relações com a (auto) formação e ensino vivencial - justificou-se pela
preocupação de não enveredar por caminhos que poderiam levar a um
recorte muito amplo do objeto correndo o risco de não darmos conta do
compromisso assumido, ou mesmo, diluindo a sua significação dedicando-
nos a outros temas que mesmo relevantes não eram do nosso desejo.
As questões objeto do presente estudo partiram, assim, de uma
inquietação central: Como se chega a ser - o docente que se é - no Ensino
Superior? De fato, foi esta reflexão que nos possibilitou traduzir os três
norteadores da investigação-formação:
1 – Qual o percurso de (auto) formação trilhado por docentes do Ensino
Superior?
19
2 - O que é, para estes sujeitos, o ensino no Ensino Superior?
3 – O que é o Ensino Vivencial, segundo as narrativas dos sujeitos da
investigação-formação?
Num primeiro momento, foi necessário ter clareza de que obter
respostas razoáveis nos exigiria o firme propósito de “tratar o fenômeno
do ensino como uma totalidade concreta, buscar suas determinações,
pensá-lo em conexão com outras práticas sociais” (Rios, 2001, p.55).
Com o intuito de dar conta deste desafio, qual seja: encorpar os
estudos no campo do ensino vivencial aqui materializado via Ensino
Superior, fomos a campo, buscando dialogar com sujeitos que atuam na
área como docentes e/ou discentes nos cursos de graduação e pós-
graduação, cujos ideários se aproximam dos princípios fundamentais de
uma prática docente considerada como vivencial a fim de desnudar seus
conceitos e bases didático-pedagógicas.
É importante salientar que a presença dos sujeitos, com ênfase
naqueles professores que trabalham no Ensino Superior se justifica pela
prerrogativa de que são estes que podem responder, de fato, sobre o seu
campo profissional e no que consistem as proximidades e diferenciais de
qualquer outra profissão.
Cumpre retomar um aspecto relevante, aventado pela Banca do
Seminário Doutoral I e II: aquele que se refere aos teóricos com quem
dialogamos ao longo desta escrita.
O que seria como observar a imagem de constelações ou de
personagens de um filme onde embora todos possuam luz própria, cada
um assume, em menor ou maior evidência, uma posição de relativa
importância.
Quanto aos autores fundantes podemos citar, entre outros, as
pesquisas de Dominicé (1988), Pineau (1988, 1999), Ferrarotti (1988),
Nóvoa (1988, 1992, 2002), Josso (2004), Catani et alii (2002, 2003),
Passeggi (2004, 2006) e Souza (2001, 2004, 2006) no campo da (auto)
20
biografia e (auto) formação; os estudos de Ramalho (2003, 2005, 2006),
Cunha (1989, 1997, 2000,), Morosini (2001), Pimenta e Anastasiou (2002)
e Masetto (1998, 1999) no campo de formação de professores; as
contribuições de Freire (1997), Josso (2004), Castanho (2006),
Abramovich (1990), Moscovici (2001), Santos (1997, 2001) e Marques
(2000, 2003) nas análises e compreensões das narrativas sobre o ensino
que entendemos como vivencial.
Poderia surgir nesse ínterim uma dúvida quanto a um outro grupo,
alinhado junto aos anteriores, os parceiros e maestros de todas estas
presenças: eu - autora da escrita e meus orientadores: Como nos
situamos? Quando falamos? Onde estamos “na ordem das coisas”?
O formato do estudo (auto) biográfico favoreceu que nós três, em
menor ou maior proporção, tenhamos sido atingidos pelo movimento de
(auto) formação que proporcionamos aos sujeitos da pesquisa. Afinal, nos
situamos, teorizamos e aprendemos com as mesmas vivências.
Como os demais, lançamos um olhar atento ao passado formativo
vivido podendo refazer opções, como esclarece Catani et alii (2003): “Ao
lançar um olhar mais detido e mais arguto sobre seu passado, os
professores têm a oportunidade de refazer seus próprios percursos, e a
análise dos mesmos têm uma série de desdobramentos, que se revelam
férteis para a instauração de práticas de formação” (p. 32).
Nenhum de nós, portanto, saiu “ileso” da experiência (auto)
biográfica proporcionada pela investigação-formação.
É possível explicar melhor, como todas essas autorias conviveram e
se influenciaram, mutuamente, e quem são os nossos sujeitos, com o
auxílio de um quadro síntese que ilustra a estruturação e dinâmica do
percurso metodológico. Nele foram incluídos, as fases vivenciadas e os
recursos utilizados; os envolvidos nos laboratórios, na observação
participante – OP e monitoria, respectivamente:
21
FASES E RECURSOS
METODOLÓGICOS
SUJEITOS DOS
EPF’S
SUJEITO DA OP
PARTICIPANTE
SUJEITOS DA
MONITORIA
Fase I – Nós e os
Sujeitos:
07 laboratórios ou EPF’s
73 Participantes da
Graduação e Pós-
Graduação:
27 Docentes 46
Discentes
01 Professor da
UFRN indicado
como Vivencial por
14 Sujeitos dos
EPF’s
03 Discentes do
Curso de Pedagogia
da UFRN
Fase II – Nós e os
Sujeitos:
Observação Participante
Sessões Narrativas
26 Sujeitos
Entrevistados
Observação
Participante do
Professor indicado
como Vivencial
Entrevistas com
uma das Monitoras:
Discente em
Formação
Fase III - Nós e os
Sujeitos:
Compreensões de 08
Narrativas e de 01
Observação Participante
Análise das
Narrativas de
04Docentes das IES,
01 Discente do
Mestrado e 01 Aluno
Especial da Pós UFRN
Análise das
Narrativas do
Professor indicado
como Vivencial
Análise das
Narrativas:
Monitora
- Discente
em Formação
Total: Nós e os 08
Sujeitos
06 Sujeitos 01 Docente 01 Monitora
Quadro 01 – ESTRUTURA E DINÂMICA DO PERCURSO METODOLÓGICO
Fonte: Marques, Diário de Campo “Devaneios” - 2006.
A figura 01 demonstra que, na primeira fase da investigação,
realizamos sete laboratórios ou Encontros Paralelos de Formação (EPF’s),
com setenta e três sujeitos de formações diversas, interessados em
estudar dinâmicas e metodologias participativas voltadas para o ensino.
Dentre eles, quarenta e seis eram, na sua maioria, estudantes da
Graduação e Pós-Graduação em formação para a docência e vinte e sete
eram docentes que atuavam em Instituições do Ensino Superior (IES),
públicas e privadas, do Rio Grande do Norte e de outros estados
brasileiros. Inclusive, catorze das indicações que nos levaram a observação
participante de uma prática pedagógica vivencial no âmbito da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN emergiram dos EPF’s.
É pertinente frisar que, nesta fase, se incluem as três monitoras que
trabalharam nos laboratórios.
22
Conforme o quadro indica, para as aproximações iniciais, quanto a
definição e escolha do grupo da pesquisa, promovemos dois Laboratórios
7
na UFRN, no período de novembro a dezembro de 2004, quando
ministramos minicursos para professores interessados em experienciar
metodologias criativas e participativas inerentes ao ensino que
denominamos vivencial.
Assim, estes dois encontros podem ser considerados como uma
primeira oportunidade de situar a pesquisa no contexto educativo de RN
travando relações com diferentes educadores que buscaram tais
referenciais, independente do nível de ensino em que atuavam ou vínculos
estabelecidos com uma formação profissional voltada para o Ensino
Superior.
No Laboratório I, ocorrido em 23.10.04, pudemos resgatar
brincadeiras e jogos que realimentam o repertório didático do educador
que atua em diferentes séries de escolarização. Neste encontro, as
temáticas giraram em torno da ludicidade, de elementos significativos no
planejamento de ensino e do prazer que emerge quando jogamos com
elementos imaginativos. Um dos autores estudados coloca essa
importância:
O adulto que volta a brincar não se torna criança novamente
apenas convive, revive e resgata com prazer a alegria do
brincar, por isso é importante o resgate desta ludicidade, a
fim de que se possa transpor esta experiência para o campo
da educação, isto é a presença do jogo (SANTOS, 2000, p.
14).
A forma disponível e interessada com que os docentes brincaram,
reagindo às atividades e leituras que selecionamos para o laboratório I,
nos auxiliaram a compreender a direção a tomar nos EPF’s que se
seguiriam.
7
Por Laboratório de Pesquisa entendemos os minicursos ou encontros presenciais
dinâmicos onde as expectativas, necessidades, experiências, conhecimentos, vivências,
valores, opiniões, e atitudes dos sujeitos envolvidos eram confrontadas. Um mergulho,
num espaço de vivências, que nos ajudou a contribuir no processo de desenvolvimento
profissional dos professores e a elucidar as questões - tese.
23
No Laboratório II, realizado em 27.11.04, também na UFRN e desta
vez com professores, na sua maioria, atuantes no ensino médio e
superior, demos continuidade ao resgate de práticas pedagógicas lúdicas e
dinâmicas problematizadoras. Privilegiamos, ainda, algumas das temáticas
recorrentes ao debater o ensino vivencial, tais como: responsabilidade,
ética – estética, criatividade e a tessitura das relações afetivas na prática
docente.
Ao final dos dois EPF’s esclarecemos que, caso desejassem, os
professores que atuavam no Ensino Superior poderiam se engajar nos
cinco encontros previstos para 2005 que doravante teriam como tarefa
primordial: revisar estudos e pesquisas recentes em torno do ensino tido
como Vivencial e percursos (auto) formativos que vivenciaram chegando a
docentes no Ensino Superior.
É importante explicar, que a organização das presenças dos sujeitos
(estudantes e professores do Ensino Superior) posteriormente foi
repensada. Embora os três critérios pré-estabelecidos tenham tido êxito:
o comparecimento a pelo menos duas sessões narrativas; uma a sete
participações nos laboratórios e ser estudante ou professor da graduação
ou da pós-graduação do Ensino Superior; terminamos enfatizando as
análises provenientes dos sujeitos professores no Ensino Superior,
conforme esclarecemos anteriormente, e é nessa direção que nossos
resultados se encaminham. Frisamos que, ao reconfigurar o grupo mais
pertinente ao estudo, no percurso final dessa escrita, não menosprezamos
a importância e validade do ponto de vista apresentado pelos discentes.
Tampouco consideramos que apenas professores, que estejam
atuando em salas do Ensino Superior, tenham contribuições significativas
a oferecer. Até porque, o ideal teria sido envolver, em todas as fases, os
setenta e três participantes dos EPF’s.
Quanto a segunda fase, ilustrada na figura 01, do total dos
participantes dos laboratórios, apenas vinte e seis sujeitos e uma das
monitoras, se dispuseram a realizar as Sessões Narrativas. Da mesma
24
forma o professor indicado como Vivencial, pelos sujeitos, aceitou ser
objeto da observação participante e vivenciar as entrevistas.
Finalmente, na fase três, mediante os princípios de confirmação
interativa (aproximações e discrepâncias) e de saturação (traços comuns)
estudados por Dominicé (1988), dos quais falaremos oportunamente,
analisamos as contribuições de quatro professores licenciados na área de
humanas que trabalham na Graduação e/ou Pós-Graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, da Universidade
Estadual Vale do Acaraú – UVA, da Faculdade de Ciências Cultura e
Extensão do RN FACEX, da Faculdade de Natal - FAL e da Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte – UERN; de uma discente do Curso de
Mestrado da UFRN; de um aluno especial da mesma instituição; do
professor da UFRN identificado como vivencial e da monitora que pôde
colaborar na primeira, segunda e terceira fase da pesquisa.
Apesar de todos os oitos sujeitos terem sido de suma importância, a
figura um, nos instiga a apresentar os quatro sujeitos centrais do estudo:
os professores
“Alguém que Acredita”, “Justiceira”, “Do Contra”,
“Margarida”,
individualmente, e os pseudônimos que escolheram. A
propósito, a decisão por se autodenominarem por nomes fictícios
8
(inclusive os discentes
“Serena” e “Simmel
” e o professor indicado como
vivencial
“Educador Confiante”)
foi emergindo desde a primeira entrevista
e foi sendo adotada de forma tranqüila e consensual pelos demais.
Alguns porque, admitiram ver no anonimato uma maior liberdade
para narrar situações que poderiam causar certo constrangimento caso
fossem identificadas. Outros porque não queriam mesmo se expor perante
os seus pares. E tivemos a situação da discente
“A Monitora”
- que alegou
que tanto fazia e que poderia assumir a escolha feita pela maioria.
De todo modo, algumas informações mais específicas que poderiam
facilitar uma identificação, caso fossem submetidas a uma análise mais
acurada, foram omitidas conforme nossos combinados e termo de
8
Doravante passamos a incluir as narrativas dos sujeitos da investigação-formação
mediante os pseudônimos que adotaram e a registrá-los com o uso do
itálico.
Ora, os
identificaremos no corpo do parágrafo, ora no final do relato e ora em ambos.
25
compromisso previamente assinados (apêndice 02). No sentido de evitar
privilegiar ou hierarquizar a importância dos quatro sujeitos principais, em
questão, fizemos a opção de apresentá-los por ordem alfabética de
pseudônimos incluindo, na íntegra, parte da própria narrativa que
construíram sobre si.
Professora
Justiceira
Terminei o curso de Pedagogia há dois anos e a licenciatura em Letras há seis atrás.
Logo fui contratada por uma instituição de Ensino Superior privada a FACEX. Tenho 38
anos e quero tentar ingressar no mestrado no próximo ano como aluna regular. Ainda sou
aluna especial e embora ache puxada a organização curricular oferecida pelo PPGEd sei
que irá se refletir de modo positivo na minha formação e prática docente. Desejo mudar
radicalmente a forma como desenvolvo o ensino. A maioria dos problemas enfrentados
nas universidades e IES, em minha opinião, têm causas relacionadas ao pouco
investimento feito na formação do professor e por conta do desempenho,
descompromisso e preparo didático insuficiente dos professores para lidar com os
problemas da profissão.
Professora
Alguém que Acredita
Sou solteira, aluna especial do PPGEd e fiz 36 anos no mês passado. Sou licenciada em
letras há cinco anos. Estou trabalhando na UVA como horista, sem vínculo empregatício.
Graças a esse trabalho viajo muito para o interior e hoje tenho maior consciência das
práticas de ensino diversificadas que temos no nosso Estado. Vejo-me como uma pessoa
sensível e bem intencionada, bastante comprometida e esforçada. Acredito que na
próxima seleção de doutorado serei aprovada, pois me sinto preparada para esta nova
etapa de qualificação. Tenho participado de vários eventos e congressos a fim de ampliar
meus conhecimentos e técnicas de ensino. Sinto muito falta de uma didática voltada
especificamente para os professores e alunos do Ensino Superior.
Professor
Do Contra
Trabalho numa Universidade Estadual, a UERN, há quatro anos. Sou licenciado em
Pedagogia há doze anos e sou aluno regular do Mestrado na UFRN. Também ensino numa
faculdade particular, a UNP. Minha vida é uma prova do que a autodeterminação pode
fazer. Nunca tive apoio financeiro para conquistar os objetivos que almejava: fazer
Pedagogia, trabalhar no Ensino Superior, investir na pós-graduação... Algo em mim
sempre me levou para cima. Não sou de ficar esperando por ninguém. Sei que tenho uma
longa jornada pela frente. Aos 42 anos já deveria ter concluído minha pós. Penso que as
instituições privadas não cumprem o papel de promover políticas de formação
condizentes com a realidade do ensino por isso não espero por elas para me atualizar.
26
Professora
Margarida
Tenho 43 anos, três filhos, estou divorciada. Cursei o antigo Magistério, a licenciatura em
Pedagogia há 16 anos, depois duas especializações, uma em Psicopedagogia e outra em
Metodologia do Ensino Superior e no momento concluo o Doutoramento em Educação. Fui
professora substituta da UFRN por duas vezes e trabalho atualmente na UERN e FAL.
Busco ser uma pessoa - profissional melhor a cada dia. É o sentido que atribuo a minha
existência. Há oito anos atuo no Ensino Superior e vou atualizando o meu repertório
didático para atuar através do processo (auto) formativo. Tenho aprendido que
profissionalizar-se não é tarefa fácil. Vivo um dia a cada vez procurando não antecipar
problemas que antes de se apresentarem de fato, são apenas eventuais possibilidades.
Procuro estabelecer relações honestas, na medida do possível, consciente de que nem
sempre compreendemos o outro ou somos compreendidos como gostaríamos. Acredito nas
lutas travadas no embate das correlações sociais e da ação coletiva e que elas dependem
por sua vez da postura autônoma assumida por cada ator social individualmente.
No decorrer da pesquisa, as características que os quatro professores
apresentaram no seu modo de “dizer de si” foram se evidenciando.
Atribuímos que foram as relações sociais travadas nos EPF’s que mais
contribuíram para que fossem se dando conta, gradualmente, do valor das
práticas e novas aprendizagens que iam compartilhando.
Tirados os títulos e nomenclaturas importou, mesmo, o que as
pessoas reais tinham a aprender e a ensinar umas as outras.
Conforme refletido por Fontana (2000): “Na trama das relações
sociais de seu tempo, os indivíduos que se fazem professores vão se
apropriando das vivências, práticas intelectuais de valores éticos e das
normas que regem o cotidiano educativo e as relações no interior e
exterior do corpo docente” (p. 48).
Quanto as Sessões Narrativas, mantê-los envolvidos até o final do
processo não se constituiu numa tarefa fácil. Foram muitas as dificuldades
enfrentadas: quatro desencontros nos locais e horários marcados, doze
novos agendamentos por conta de imprevistos, três perdas do material
enviado para as narrativas autobiográficas.
Relembramos, assim, que os percursos de (auto) formação,
aprendizagens e produções desencadeadas pelas reflexões que travamos
são compreendidos mediante diversas bifurcações. Ancoragens, incertezas
27
e ceticismos, atribuídos a toda paixão de quem se lança ao que é visto
como novo. No mais, é “trocar em miúdos” o legado que compartilhamos.
Tenho aprendido que por mais valioso ou pertinente que se constitua
um estudo científico sua utilidade vai depender, em última análise, da
abertura e disponibilidade para empregá-lo, da criticidade necessária a
toda construção teorizada e de certo grau de dúvida sem a qual a Ciência
perde parte do sentido.
Quanto à escrita da Tese em si, podemos explicitar alguns aspectos
relevantes que oferecem uma melhor compreensão da sua organização e
sistematização.
O desenho da Tese e como foi organizada
Antes desta versão, o formato da Tese seguia uma lógica diferente. É
que antes de concluirmos os EPF’s e ainda na fase das entrevistas tópicas,
a arrumação dos capítulos satisfazia o rumo que a pesquisa ia tomando.
Isso consistia em um primeiro capítulo que revelava o cenário da
formação docente da pesquisadora no Ensino Superior seguido dos
habituais capítulos de revisão dos conceitos operados, metodologia
desenvolvida e análise dos laboratórios e entrevistas onde as narrativas
9
e
experiências dos sujeitos envolvidos ajudavam, pouco a pouco, a
apresentar as aproximações estabelecidas com os teóricos a fim de tentar
responder as questões norteadoras lançadas.
A partir do primeiro e segundo Seminários Doutorais, onde os
diferentes olhares da Banca trouxeram contribuições sem precedentes,
pudemos expandir a fase em que nos encontrávamos: a de finalização das
últimas sessões narrativas e confronto entre as informações reunidas, o
que se configurou como a parte mais desafiadora de toda a pesquisa.
9
Como Queiroz (1988), acreditamos que o sujeito deve ser considerado em sua
inteireza. Nesse sentido, procuramos não decompor as suas narrativas em fragmentos
isolados, sob pena de se perder o sentido. Assim sendo, foi a partir da organização de
certos posicionamentos que buscamos compreender como os professores operaram os
conceitos chaves desta investigação-formação.
28
Além de provocar uma nova alteração dos capítulos e por certo
ocasionar uma maior visibilidade, tais fatos foram influenciando os ensaios
e aproximações desta escrita final, que veio a ser “provisoriamente
definitiva” em dado momento.
Percebemos, ainda, uma maior apropriação autoral (da
pesquisadora) que não víamos tão claramente nas versões anteriores. Para
a qual todas as interlocuções que vieram antes influenciaram e
convergiram.
Aliás, há uma melhor forma de explicar todas essas convergências
recorrendo a uma analogia de dois fazeres aparentemente distintos: ser
pesquisador e cortador de pedras. Parafraseamos Jacob Riis (1890) para
ilustrá-lo “[...] na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas
e eu sei que não foi aquela a que conseguiu, mas todas as que vieram
antes”.
Em uma das Sessões de Orientação desenhamos um esboço de como
foram abertas novas pedras na investigação-formação e de como as
organizamos nos capítulos que intitulamos de Vivências da Investigação -
Formação.
Incluímos setas, que se movimentam em várias direções, na
tentativa de simbolizar as idas e vindas de uma vivência (capítulo) para
outra, repetidas vezes, ocasionadas pela complexa dinâmica dos
laboratórios e narrativas (auto) biográficas.
Cada vivência, representada no desenho
10
revela deste modo, um
mergulho nos processos (auto) formativos dos sujeitos onde se misturaram
sentimentos, representações, dilemas, aprendizagens e muitas outras
implicações constitutivas.
10
Neste caso, optamos em não incluir a identificação ou fonte do desenho rascunhado
em meio às nossas interlocuções. No quadro de ilustrações (página 08), o incluímos
como figura 02 para facilitar sua identificação durante o manuseio do leitor.
29
01
01
- Momento Introdutório
04
04
-O percurso
metodológico e a
abordagem (auto)
biográfica como
instrumento de
investigação-formação
03
–Sabe-se
pouco sobre o
ensino no ES
05
05
–As evidências
sobre o EV a partir
dos sujeitos
docentes do ES
Vivências
Vivências
ou
ou
Cap
Cap
í
í
tulos
tulos
02
02
-
- Como cheguei ou como nos
tornamos professores no ES: A
trajetória da (auto) formaçao
06
06
–Retomada
Conclusiva
Conforme ilustrado, pela seta central (entradas e saídas)
organizamos a Tese mediante um momento introdutório, quatro vivências
(ou capítulos) e uma retomada conclusiva, interligados entre si:
Momento introdutório. Onde buscamos introduzir e situar preliminarmente
o objeto apresentando quais são as questões norteadoras da pesquisa e o
panorama geral do percurso metodológico emergido na construção da
investigação – formação.
Vivência Um: Como cheguei ou como nos tornamos professores no Ensino
Superior. A trajetória de (auto) formação. Neste capítulo apresentamos
como cheguei a docente no Ensino Superior e os elementos nucleares que
situam a pesquisa no campo da (auto) biografia e (auto) formação.
Vivência Dois: Sabe-se pouco sobre o ensino no Ensino Superior. Neste
capítulo demonstramos que há assuntos essenciais para se fazer referência
acerca do Ensino Superior, mas não para, obrigatoriamente, desenvolver
no estudo. Mesclamos posicionamentos entre os teóricos trabalhados e as
narrativas dos sujeitos procurando compatibilizá-las com outras tantas
30
vozes - as nossas próprias experiências e conhecimentos - incorporados
acerca da temática pesquisada.
Vivência Três: O percurso metodológico e a abordagem (auto) biográfica
como instrumento de investigação-formação. Tecemos análises com o
auxílio do quadro teórico conceitual e metodológico que reinventamos para
seguir o trajeto investigativo, vinculando pontos comuns entre a
epistemologia dos sujeitos, a experiência da autora e a literatura revisitada
sobre o tema.
Vivência Quatro: As evidências sobre o ensino vivencial a partir dos
sujeitos docentes do Ensino Superior. Continuamos o diálogo com os
sujeitos buscando aspectos que se aproximam dos princípios fundamentais
do estudo a fim de sustentar os conceitos e as bases defendidas.
Apresentamos conexões e falas concretas dos sujeitos com o intuito de
lançar novas luzes e avançar num campo teórico – o ensino vivencial - que
ainda carece de maior atenção.
Retomada Conclusiva: Retomamos os principais pontos polêmicos e
tensões discutidos na Tese configurando um confronto para melhor
compreensão dos princípios defendidos e proposições de novas
possibilidades.
As Vivências (ou capítulos) foram tecidos em meio a várias
epígrafes
.
Trouxemos do grego
epi
, que significa em posição su-perior acrescido de
graphé
que se refere à escrita (uma escrita introdutória de outra), o
sentido de pré - traduzir esteticamente o que apresentamos no plano
teórico. Idêntico ao modo trabalhado nos laboratórios ou EPF’s. É assim
que as epígrafes têm o papel de propiciar analogias sob as mais variadas
formas de produções artísticas: fotos, telas, poemas, e desenhos.
Quanto às imagens anteriores – fotografias de acervo pessoal -
escolhidas para propiciar maior impacto e contextualização aos extratos
musicais, teóricos e poéticos situados na abertura de cada capítulo ou
31
mesmo no seu desenvolvimento, foram mescladas ou substituídas por
miniaturas de obras de arte, cujos títulos e/ou significados, de algum
modo, se aproximam das reflexões que se seguem.
Também destacamos cada depoimento dos sujeitos participantes da
pesquisa, em itálico, na intenção de simbolizar o esforço feito para
materializar em palavras a rememoração das lembranças e experiências
vividas. Do que ia sendo retomado, pouco a pouco, e melhor
compreendido, de certo modo, quando “recriado” no papel. É oportuno dar
o devido crédito às reflexões lançadas pela Banca Examinadora do
Seminário Doutoral I, sobre a qualidade das fotos após feita à fotocópia do
texto e a necessidade de estarem claramente relacionadas ao texto que
acompanham. E àquelas da Banca Examinadora do Seminário Doutoral II,
que destacou o efeito do diálogo teórico-músico-poético que travamos nas
entradas dos capítulos.
É desse lugar organizativo e de seus desdobramentos, que
posicionamos as vivências que se seguem. Uma vez que compreendemos a
construção da identidade do professor como um processo de construção,
em grupos sociais e históricos que correm em paralelo à sua vida pessoal
profissional e (auto) formativa, ou seja, uma forma de auto-compreensão
socialmente situada e passível de redefinições (Ramalho e Nuñez, 2005), a
extensão do capítulo um, recomeça no capítulo dois com a narrativa do
meu próprio caminho (auto) formativo e, assim, sucessivamente ao longo
da Tese.
32
Como cheguei ou como nos tornamos professores
no Ensino Superior.
A trajetória de (auto) formação.
11
11
A foto de entrada deste capítulo tem um significado formativo inestimável, nela posam
eu e meus irmãos, que amo profunda e incondicionalmente. A imagem remonta a nossa
infância e fase de escolarização inicial. No centro, ao fundo, o meu irmão Demétrio ou
Deco, na sua frente (à esquerda) Cibele ou Bele, no meio Tânia (a caçula) ou TR e à
direita Eu ou Zoca.
E aprendi que se depende sempre de tanta,
muita, diferente gente toda pessoa sempre é as
marcas das lições diárias de outras tantas
pessoas. E é tão bonito quando a gente vai à vida
nos caminhos onde bate bem mais forte o
coração. (Gonzaguinha)
É verdade que todo o adulto depende de apoios
exteriores: ele é ajudado e apoiado por outros, e
sua formação acompanha o percurso da sua
socialização. (Dominicé)
O tempo não pára no porto, não apita na curva,
não espera ninguém o medo correndo nas veias
deixou tanta vida pra trás e fica um gosto de
usado daquilo que nem se provou a gente dormiu
acordado e o tempo depressa passou. (Rossi)
33
Como cheguei ou como nos tornamos professores no
Ensino Superior:
A trajetória da (auto) formação
Minha lúdica carreira de Educadora, vejo agora, foi se delineando desde as incansáveis
brincadeiras de escolinha, jogos infantis, mergulhos na coleção literária “Mundo da
Criança”. Horas mágicas de programas e contos infantis, participação no grupo de teatro
escolar, viagens aos lugares mais inusitados com a família e, é claro, nas primeiras
experiências de (auto) formação, desencadeada pela Catequese, ao estilo de “Colônia de
Férias”, que adorei participar. (Marques, Diário “Devaneios”, 2003).
12
Há muito sabemos que a criatividade, a autonomia, a participação, o
desejo e a curiosidade são indissociáveis do pensamento reflexivo, da
postura ética e dos saberes teórico-práticos. Assim como, o coletivo
integra os processos individuais de (auto) formação dos professores,
vivenciado.
Afinal, a
formação acompanha o percurso
da socialização
e
toda
pessoa sempre é as marcas das lições diárias
de muitas outras pessoas.
Sendo assim, é preciso rememorá-las sob pena de se ficar com
um gosto
de usado daquilo que nem se provou.
Deste modo, neste capítulo desvelamos como o processo de (auto)
formação se torna decisivo para que cheguemos a docentes no Ensino
Superior e as diversas influências e relações que estabelecemos na
construção da nossa identidade e desenvolvimento profissional.
12
Diário “Devaneios” consiste no diário de campo construído pela pesquisadora durante a
investigação-formação onde foram anotadas partes de narrativas dos sujeitos,
ocorrências, acontecimentos, idéias, reflexões, enfim, experiências e momentos vividos.
Assim o diário reúne uma “infinidade de transações e de vivências” (Josso, 2004, p.48)
do caminho experienciado.
34
1.1. Como cheguei a docente no Ensino Superior
Sacristan (2000) pondera que refletir sobre o presente é impossível
sem se valer do passado. Esse se tornou o ponto de partida. Daí que ao
analisar, detidamente, como comecei a ser professora situei uma espécie de
jogo prazeroso e freqüente na minha infância que chamávamos de
escolinha. Eu, a do meio das três meninas e quatro anos mais jovem do que
nosso único irmão, sempre disputava o lugar de mestra.
O que basicamente consistia em imitar o jeito da professora
Carminha, que até então era a imagem mais ilustrativa da prática docente
escolar que dispunha. Só mais tarde, no Curso de Magistério e no de
Pedagogia, é que fui compreendendo, lentamente, o que significava
aprender com o ensinar.
Uma fase que demarcou percepções para toda uma vida norteando,
o meu processo identitário/formativo, pontilhado de indagações internas:
Como
é que cada um se tornou o professor que é hoje? (Nóvoa, 1995); Por
que me tornei à professora que sou? Como fui construindo um estilo tão
próprio de ser professora?
Perguntas cujas respostas não são simples de obter. É certo que a
formação é como um pequeno quadro dentro de um quadro maior, isto é
insere-se na vida da pessoa, desenvolve-se com ela, articula-se em
profundidade com sua problemática existencial (Chené, 1988).
Do Ensino Fundamental e Médio (antigos primeiro e segundo graus),
feitos no Colégio Nossa Senhora da Soledade consigo, sem esforço algum,
lembrar dos pátios e jardim bem conservado no centro de salas
escrupulosamente encerradas e um opressivo ou quase palpável silêncio, por
entre as longas fileiras de carteiras com lugares pré-determinados.
Se me concentrasse bastante poderia escutar os ecos de algumas
aulas em que a lição era tomada na base do “repetir de cor” e dos olhos
marejados de lágrimas quando a reprimenda brotava da Madre, mal tinha
finalizado o momento da argüição. Resquícios que vão ficando no caminho.
35
O que não impedia, no entanto, de devanear mesmo de olhos
abertos e fixos na professora ou na saída orquestrar divertidas
transgressões pelos corredores mal iluminados. Sentia-me tal qual
explicado por Morin - o ser humano é ao mesmo tempo, singular e múltiplo,
uma poliexistência no real e no imaginário, no sono e na vigília, na
obediência e na transgressão (2000, p.94).
Isto, é claro, também incluía bilhetes e caricaturas exemplares dos
professores mais chatos ou menos queridos, o que se tornava um problema
se “caía” nas mãos da vítima desdenhada. Relembro esses momentos, com
prazer, quando encontro as velhas amizades da Soledade em shoppings,
eventos educacionais ou surpresas da vida.
Pude aprender que da mesma forma que é preciso a apropriação dos
saberes científicos, é necessário à apropriação dos saberes pedagógicos e
que é essencial a convicção de que a paixão de ensinar e o cuidado amoroso
com o outro, podem operar resultados surpreendentes.
Tenho clareza de que cada professor, a seu modo, influenciou na
minha prática de ensino particular e de que quando alguém aprende uma
profissão o faz em uma rede de conversações (Maturana, 2004) e trocas das
mais diversas. Um modo pessoal, que vejo ser possível assumir pois
transcende o “pacote” de competências, características e capacidades
esperadas de todo professor. Tentativa de construir, de fato, metodologias
de ensino pautadas na realidade vivida na sala de aula, histórica e mutante,
por se configurar num espaço crítico-social. Um tácito compromisso.
Numa das suas reflexões, Paulo Freire (1979, p.15) afirmou que o
compromisso seria uma palavra oca, uma abstração, se não envolvesse a
decisão lúcida de quem o assume. Se não se desse no plano do concreto. Se
não envolvesse risco. Também penso que o risco é inerente à nossa ação
porque vejo o educador como alguém inquieto, curioso. Dotado de atitudes
não conformistas. Esperançoso do vir a ser
sendo
.
Bem mais tarde a entrada no Curso de Pedagogia da UFBA, após
uma história escolar entre freiras e meninas, significou a ruptura e choque
esperados. Não mais professores que direcionavam concepções e
36
aprendizagens. Que ditavam horários e regras. Agora a liberdade
institucional não construída, mas abruptamente oferecida. Tenho certeza de
que o principal marco estruturante na transição: escola/universidade foi a
minha família, diálogo e apoio incondicional. Dominicé ajuda a explicar:
A formação assemelha-se a um processo de socialização, no
decurso do qual os contextos familiares, escolares e
profissionais constituem lugares de regulação de processos
específicos que se enredam uns nos outros (...) passa pelas
contrariedades que foi preciso ultrapassar, pelas aberturas
oferecidas (
DOMINICÉ, 1988, p.61)
Sei que, todos esses contextos e (auto) regulações contribuíram
para os estudos que desenvolvo agora no campo da formação de
professores. Em seguida, o mergulho e primeiras vivências na carreira
universitária começando pela Faculdade de Educação da Bahia (FEBA), a
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Centro de Estudos Superiores
(CESB). Onde atuei respectivamente como professora auxiliar, substituta e
contratada. Passo fundamental para trabalhar na Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) no campo de Formação de Professores mediante seleção
docente e posteriormente concurso.
Nessa época, o Mestrado em Arte-Educação na UFBA fez diferença
na minha história de Professora Universitária. A dissertação defendida: “A
Capacitação de Professores e o Uso de Linguagens Artísticas no Cotidiano
Escolar” foi mais uma oportunidade de (auto) avaliação e desenvolvimento
profissional além de contribuir para que outros professores envolvidos na
pesquisa também o fizessem.
Lido no rodapé de um texto (2000), de um dos ex-estudantes da
Pós-Graduação da UNEB: quando a gente pensa que sabe todas as respostas
vem à vida e muda todas as perguntas.
A título de (re) encontrá-las, poderia indagar: Por que, afinal, gosto
tanto de ser professora? O que busco, hoje, no exercício do ensino? Como
tenho conduzido o trajeto em busca da profissionalização? Porque a (auto)
formação tem prevalecido na minha construção identitária docente? O que
37
acrescento nas relações com os meus familiares, amigos, estudantes, colegas
de profissão, dirigentes, e formadores? Cumpri, ao menos parcialmente, o
meu projeto existencial pessoal-profissional? Quem de fato sou ou venho me
tornando? São outras perguntas problematizadoras cujas respostas mesmo
que inconclusas vão sendo ressignificadas, afinal, a experiência reflexiva
demarca a profissão do professor (Schön, 1995; Zeichner, 1998; Alarcão,
1996; Nóvoa, 1992).
Cada um tem uma trajetória de vida, um caminho formativo e um
tempo próprio, repleto das questões mais singulares, o que por sua vez ajuda
a compor o que chamamos de história pessoal e que não deve ser
compreendida isoladamente.
No tempo, vivemos e somos nossas relações sociais,
produzimo-nos em nossa história. Falas, desejos,
movimentos, formas perdidas na memória. No tempo nos
constituímos, relembramos, repetimo-nos e nos
transformamos, capitulamos e resistimos, mediados pelo
outro, mediados pelas práticas e significados de nossa
cultura. No tempo, vivemos o sofrimento e a
desestabilização, as perdas, a alegria e a desilusão. Nesse
contínuo, nesse jogo inquieto, está em constituição nosso
“ser profissional” (FONTANA, 2000, p. 180).
Dentre todas as desestabilizações e alegrias vividas na profissão, o
que deveras surpreende é que à medida que estudo mais profundamente a
(auto) formação e o ensino vivencial posso, a cada vez, descobrir algo acerca
da própria prática e o modo como tudo se articula com a pessoa e profissional
que estou sendo e vindo a ser. Sem deixar de considerar que fui um dia o que
alguma educação me fez (Brandão, 2000).
Depois do dito e contado situando, brevemente, algumas dentre
diversas experiências pessoais - profissionais que me ajudaram a investir na
carreira do Magistério cabe acrescentar outros elementos presentes na
trajetória formativa e desenvolvimento profissional do professor que atua no
Ensino Superior.
38
1.2. A (auto)
13
formação como ponto de partida e suporte da construção da
identidade e desenvolvimento profissional
É possível localizar que é a partir dos anos noventa que mais
crescem os estudos e a produção de pesquisas internacionais em torno
dos processos de (auto) formação na profissão docente, surgindo razões
das mais diversas que buscam explicar e valorizar tal importância.
Neste cenário é possível assinalar os estudos com Histórias de vida,
desencadeado pela Escola de Chicago, intensificados em outros países
entre os anos de 1960 e 1990 tendo, nos dias atuais, atingido intensa
produção notadamente em Portugal, França, Inglaterra, Suíça, Canadá e
América Latina. No nosso trabalho nos concentramos principalmente nas
produções de Dominicé (1988), Pineau (1988), Nóvoa (1992, 2002), e
Josso (1988, 2004).
No Brasil, nos últimos anos, podemos destacar as pesquisas
desenvolvidas por kramer e Souza (1996), Ferreira e Amado (2000),
Fonseca (1997), Freitas (1998), Catani et alii (2003), Fontana (2000),
Moraes (2000), Oliveira (2000), Passeggi (2006) Passos (2000), Souza
(2004, 2006), Vasconcelos (2000), Silva (2003) e Abrahão (2004).
Ressaltamos que embora não tratemos das distinções feitas entre
histórias de vida, biografias, autobiografias e narrativas vale salientar a
pertinência dos estudos nacionais que cuidam em fazê-lo, dentre os quais:
Cunha (1997), Pereira (2000), Queiroz (1981) e Souza (2006) entre
outros.
Tais trabalhos e seus desdobramentos têm confirmado que as
contribuições teóricas – metodológicas em torno da abordagem (auto)
biográfica tanto favorecem pela auto – análise aguçada dos percursos de
(auto) formação e escolarização quanto ajudam a dar conta das
13
A adoção do sinal de parênteses sempre que nos referimos aos termos (auto)
formação e a (auto) biografia considera o duplo movimento de investigação e formação
(Nóvoa, 1988) presente nas narrativas dos sujeitos.
39
articulações inerentes aos acontecimentos da vida pessoal/profissional. O
que integra diferentes modos de viver a profissão de professores
universitários o que por sua vez, se reflete não somente nas ações
pedagógicas como nas interrogações sobre as escolhas, sentimentos,
decisões (não) tomadas, saberes consolidados e, consequentemente, numa
melhor compreensão e enfrentamento dos problemas e sucessos obtidos.
Nesse sentido, Souza (2004) chama a atenção, inclusive, para a
existência de uma dialética
da relação colaborativa
, quando explica que o
pesquisador ao trabalhar com a escuta e a leitura da experiência do outro
termina refletindo sobre sua própria experiência de (auto) formação, suas
trajetórias e desenvolvimento profissional.
O que relacionamos ao impacto e contribuições que a investigação -
formação
14
causou na vida dos sujeitos. Percebemos que tanto o prazer
de falar de si quanto o fato de contarem com uma escuta atenta, durante
as Sessões Narrativas e EPF’s, contribuíram para que os professores
refletissem, mais detidamente, sobre sua história e processos formadores.
Nesse sentido, como entende Catani (2001, p.29): o prazer do
sujeito em dizer de si favorece a constituição da memória pessoal/coletiva
e sua compreensão e atuação. O que pode ser endossado pela narrativa
da professora
Justiceira
:
Falar sobre mim mesma é um prazer e um desafio. Prazer porque eu gosto de contar
como cheguei à professora universitária e as mudanças que foram acontecendo depois
disso. [...] Provoca a sensação de dividir os problemas e isso é bom. Vejo que certas
situações não se passam somente comigo, na minha sala de aula. Também é um desafio se
revelar e se expor assim perante um grupo que ainda está se conhecendo [...] Contar os
problemas que enfrentamos pode mostrar que não estamos sozinhos.
É assim, como visto nesta narrativa, que o método (auto) biográfico
por ter o sujeito como objeto de estudo reúne, através do levantamento
das histórias de vida, uma gama de informações complexas e singulares
14
Segundo Souza (2006, p.05) a história de vida se constitui numa denominação
genérica no campo da formação e investigação. Classificada ora como método, como
técnica e ora como método e técnica, a abordagem biográfica também denominada de
história de vida, apresenta diferentes variações face ao contexto e campo de utilização.
Reiteramos que na tese assumimos o termo investigação-formação.
40
cuja análise possibilita ao pesquisador, ao grupo envolvido e ao autor do
relato - um maior entendimento de que a vida pessoal e profissional está
ligada à própria sociedade e de que somos parte, portanto, de um
contexto social muito mais amplo do que o eixo educativo onde atuamos.
No entanto, frequentemente pensar formação vem acompanhada da
idéia de um processo de desenvolvimento profissional externo ao sujeito
cujo sentido enfatiza o acúmulo de informações e trato de competências
profissionais.
Quando acrescido do prefixo “auto” é que o conceito provoca a
noção de responsabilidade pessoal que tem o próprio sujeito como
autor e
ator
do seu processo formativo. Assim como evidenciado por Couceiro
(2000):
Basicamente a autoformação apela a uma alternativa ao
pensamento e a prática educativa, aos modelos de
transmissão dos saberes, desafiando o sujeito a estabelecer
com o saber e com sua formação uma relação de
empenhamento, de compromisso, numa dinâmica
permanente [...] (
COUCEIRO, 2000, p.38).
Assim, como é chamado a fazê-lo, explica a autora, em outros
domínios da sua existência no que inclui a família, o trabalho e a vida
sócio-cultural. Na sua análise, essa posição desafia o sujeito a
desempenhar outra forma de se relacionar com o processo de construção
do conhecimento por passar a exigir de si mesmo uma renovação
epistemológica e metodológica. Algo se converte. Algo se torna
permanente.
Quanto a isso, Pineau (1988) se refere ao prefixo “auto como
reflexo” – a dinâmica reflexiva da (auto) formação que permite operar um
ciclo vital:
a pessoa ao apropriar-se do poder de formação torna-se sujeito
e também pode aplicar esse poder a si mesmo, ou seja, tornar-se o
próprio objeto de formação. Operação que o autor denomina como
autoreferencial.
41
Isso confirma o que outros autores (Josso
15
, 2006; Dominicé, 1990),
indicam: ao tomar consciência da importância e sentido das suas próprias
práticas profissionais os professores passam a compreender muito do
processo formativo que foi construído ao longo de sua própria história
pessoal profissional. A importância da reflexão acerca da dimensão (auto)
formativa, neste processo, pode ser observada no relato do professor
Do
Contra:
Grande parte do meu êxito profissional pode ser atribuída a mim mesmo, fui eu que me
(auto) formei. Cheguei a professor no Ensino Superior porque me esforcei muito. Não
tive uma preparação específica ou um preparo mínimo que desse suporte a função que
tinha a desempenhar. [...]. Tudo o que passei, aprendi, errei desde que me formei é que
me formou.
É possível compreender melhor o percurso (auto) formativo
vivido/percebido pelo professor
Do Contra
se considerarmos como Pineau
(1988) que: entre a
heteroformação
que pode ser definida como a ação
dos outros e, a
ecoformação
compreendida como a ação do meio
ambiente,
parece depender
e se ligar
uma terceira força considerada
como a força do “eu” – a (auto) formação – ponto de partida e suporte de
desenvolvimento.
Por conseguinte, dada à natureza da investigação-formação
frisaremos dois pontos recorrentes nas falas dos sujeitos docentes da Tese
e que são extremamente importantes para a compreensão do sentido
(auto) formativo que conferem ao seu acesso e permanência na profissão.
O primeiro deles se refere ao reconhecimento de que a identidade do
professor, que atua no Ensino Superior, é espaço de construção. O
segundo, por atribuírem grande importância ao contexto institucional para
constituição do seu desenvolvimento profissional. Trataremos destes
aspectos a seguir.
15
Posição defendida por Josso no II Congresso Internacional sobre Pesquisa (auto)
biográfica – CIPA - “Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si”, realizado em
Salvador/Ba, no período de 10 a 14.09.06.
42
1.2.1. A identidade profissional, do professor, como espaço de
construção
Os sujeitos demonstraram considerar as bases formativas, inicial
e/ou continuada, as experiências, saberes e relações interpessoais, em
diferentes níveis de ensino, como referências importantes para o exercício
docente e processo identitário.
Considerar tais elementos como
espaços
de formação requer a
alimentação de um processo global de autonomização
16
, no decurso do
qual toma a forma que damos à nossa vida. E, “se é preciso utilizar um
conceito, podemos denominá-lo de identidade” (Dominicé, 1988, p.61).
Estudiosos como Nóvoa (1992) e Pimenta (1999), entre outros,
também compreendem a identidade como espaço de construção da
profissão, daí ser vista como processo dinâmico e complexo:
A identidade não é um dado adquirido, não é uma
propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de
lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de
ser e estar na profissão. Por isso, é mais adequado falar em
processo identitário, realçando a mescla dinâmica que
caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz
professor (Nóvoa, 1992, p.16).
O entendimento referido por Nóvoa tem ressonância nos estudos de
Ramalho e Nuñez (2005) para quem à identidade do professor é um
espaço de construção a ser discutido numa perspectiva de docência como
atividade profissional e a profissionalização como condição prioritária à
formação. Moita (1992) vai ainda mais longe ao se reportar as referências
de ordem ética e deontológica que compõem o processo identitário
docente. Neste sentido a identidade é construída:
16
No tocante a capacidade de automização do sujeito e riscos envolvidos é
particularmente útil recorrer às idéias refletidas por Pineau (1988), ao discutir o ciclo
vital da (auto) formação.
43
sobre saberes científicos e pedagógicos como sobre
referências de ordem ética e deontológica. É uma
construção que tem a marca das experiências feitas, das
opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das
continuidades e descontinuidades quer ao nível das
representações quer ao nível do trabalho concreto (MOITA,
1992, p. 115).
Ao se reportar a marca das experiências feitas, das opções tomadas,
e das práticas desenvolvidas, Moita nos ajuda a demonstrar a ampla
noção que a definição do termo identidade provoca, que tem a ver com o
duplo de um comportamento que é único, mesmo que plural. Pessoal,
ainda que coletivizável, sob determinadas circunstâncias. Que muito
embora sofra influências marcantes advindas das teias históricas e
sociais: é singular, portanto não se divide nem se revela totalmente.
Como canta Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que
é”. Há partes de nós que não são atingíveis. Ou que tampouco possam ser
compreendidas.
O fato é que, há muito em jogo e que depende, em grande medida,
do próprio sujeito e dos itinerários por ele percorridos. Ou como prefere
afirmar Dominicé (1988): “A formação de um adulto não pertence a
ninguém senão a ele próprio”. Donde se tem que, considerados os
determinantes sociais, a história de formação do professor é história de
vida, cuja expectativa se reporta a idéia de inseparabilidade. Ou dito nas
suas palavras, união do “lógico e subjectivo”, do “afectivo e intelectual”.
Sob essa perspectiva é parte de uma formação que é global e
contínua. A respeito disso, a perspectiva crítico - reflexiva (Nóvoa, 2002)
própria da formação contínua pode favorecer a construção dessa
identidade que é pessoal e profissional.
O depoimento da professora
Alguém que Acredita
ilustra como isso
pode se constituir, ao mesmo tempo, numa contradição e dilema, quando
reflete sobre os percursos de (auto) formação:
O discurso da formação é do preparo didático, da autonomia, da formação continuada,
do trabalho reflexivo, da participação [...] muito disso resulta inútil porque o nosso
44
discurso não tem sobrevivido à prática ou deveria dizer que a nossa prática não tem
materializado o nosso discurso? Muito do que aprendemos nos anos de graduação e pós,
não serve para a realidade vivida na Instituição.
Embora a professora
Alguém que Acredita
se refira ao discurso da
formação como preparo didático, paradoxalmente no âmbito de
determinadas instituições do Ensino Superior, observamos a posição
equivocada de que “[...] a pedagogia e a didática são “coisa” apenas para
pedagogos dos centros ou departamentos da educação, aqueles
envolvidos com a formação de professores para o ensino infantil e
fundamental” (Ramalho e Nuñez, 2005, p.07).
Outra situação é descrita por Catani, quando se refere aos
argumentos de professores que exercem a profissão e também por parte
dos estudantes em preparação para a docência. A autora revela que o
ataque à formação recebida pode surgir por pensarem que aquilo que se
ensina a propósito de “preparação pedagógica” funciona como adorno,
inutilidade ou como inadequado. (2002, p.26).
Em se tratando de reforçar a posição de que a formação docente
não pode se dar desvinculada das condições reais concretas ou de modo
acrítico, que conte com um corpo profissional que haja como tal e de
estratégico investimento institucional, é possível tomar outra afirmação de
Nóvoa:
A formação contínua deve estimular uma perspectiva crítico-
reflexiva, que forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada. Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os
percursos e os projectos próprios, com vista á construção de
uma identidade que é também identidade profissional.
(NÓVOA, 2002, p.38).
Com efeito, assim entendida a formação contínua não apenas está
ligada a experiência e identidade da pessoa-professor, como também à
socialização profissional assumida como um “processo interactivo e
dinâmico”. As dinâmicas a que Nóvoa (2002) se refere, incluem a idéia da
45
transversalidade porque levam em conta a valorização das “formações
informais” e o necessário investimento/articulação com os projetos
institucionais. Sua concepção de espaços coletivos de trabalho pode se
constituir num excelente instrumento de formação tão importante quanto
a aprendizagem em comum compartilhada entre os diferentes atores
educativos.
Quanto à (auto) formação participada, também os estudos de
Ferrarotti (1988, p.26), sustentam que “toda vida humana se revela, até
nos seus aspectos menos generalizáveis, como a síntese vertical de uma
história social
.
Ao contar tópicos da sua existência, e do ponto de vista individual e
coletivo da profissão, o docente – não apenas narra situações
significativas, problemas vividos, dilemas, superações, e outros tais. Mais
que isso, ele amplia e (re) valoriza a própria aprendizagem de si e das
relações que o cercam. O próximo depoimento pode demonstrá-lo:
Ensinando na faculdade e convivendo com as dificuldades dos alunos fui superando a
minha insegurança no terreno da escrita. [...] estava na 5ª série e a professora passou
um trabalho de pesquisa para se fazer em grupo. Caprichamos tanto nos detalhes que
até compramos papel pautado para passar o rascunho a limpo ao invés de arrancar a
folha do caderno como as outras equipes fizeram [...] Ela não acreditou que fomos nós
que o fizemos. Quando reclamamos, disse que a nossa nota três era para não ficarmos
com zero que era o que a gente merecia por ter pedido a alguém para fazer o trabalho
(Justiceira).
Ao lidar com a experiência de outrem, como professora que atua no
Ensino Superior, é que
Justiceira
pôde ampliar a própria (auto) percepção
de sujeito, inscrito histórica, social e culturalmente, nas entrelinhas das
próprias escolhas e posições firmadas, demonstrando pela narrativa que
superara, enfim, a experiência descrita.
Pazos (2002) em seus estudos, vê deste modo à importância da
utilização das historias de vida, pois acredita que esta nos permite
conhecer o mundo educativo de dentro, sob o ponto de vista do narrador-
autor. Segundo ele, a recuperação da nossa experiência educativa se
46
constitui numa importante fonte para conhecermos o funcionamento
vivido nas aulas. Sendo, inclusive, mais do que uma reconstrução pessoal
e social, pois que, como professores e alunos somos narradores de nossas
próprias vidas. Essa é, a nosso ver, a sua maior contribuição: através das
recordações que narramos compreendemos nossa vida na dimensão
reelaborada e temporal, num relato em que o autor, o narrador e o
personagem são uma mesma pessoa
conforme vimos no depoimento da
professora
Justiceira.
Assim como desvela Ferrarotti (1988, p. 29) “[...] o homem não é o
objecto passivo que o determinismo mecanicista defende” apesar dos elos
fortalecidos pelos espaços e grupos formativos a que pertence. O sujeito
pode, apesar de todas as disposições em contrário, compreender a sua
história pessoal – institucional e assumir-se como narrador – autor da sua
própria vida.
Nesse sentido, Ferrarotti (1988) propõe substituir a biografia
individual pela biografia de um grupo primário como unidade heurística de
base para um método biográfico renovado. O que não apenas provoca
uma propícia discussão em torno do problema da operatividade da
abordagem biográfica, mas, principalmente sublinha que os grupos
restritos ou primários (tais como famílias, “peergroups” de trabalho, de
vizinhança, de classe) influenciam, simultaneamente, a dimensão
psicológica dos seus membros e a dimensão estrutural de um sistema
social, além de se constituir na mediação fundamental entre o social e o
individual.
A narrativa a seguir reafirma a validade das experiências (auto)
formativas que são construídas a partir das relações estabelecidas nos
grupos
restritos ou primários:
Não fossem as diversas aprendizagens que me prepararam informalmente para os
enfrentamentos que encaro na faculdade não sobreviveria [...] foram às crises e as
situações mais conflitantes que já vivi em casa e na rua que me prepararam [...] não tinha
percebido até esse momento (Do Contra).
47
Ao se referir às crises e situações conflitantes
vividas em casa e na
rua
como aquelas que mais lhe preparam para o exercício da profissão
docente no Ensino Superior, o professor
Do Contra
, além de identificar as
relações estabelecidas nos grupos
restritos ou primários
em se insere, traz
à tona (embora não perceba) um importante conceito trabalhado por
Dominicé (1988) conhecido como momentos-charneira.
Para Dominicé, estes são considerados como “momentos de
regulação” (1988, p.52), porque reorientam a existência do indivíduo. O
que pode se dar mediante uma decisão longamente amadurecida, ou, uma
tomada de posição que pode impor-se bruscamente.
Ao se exprimir, enquanto um sujeito familiar e profissional, o
professor
Do Contra,
cita na sua narrativa,
situações
(Dominicé, 1988,
p.58) que de alguma maneira exercem/exerceram influência significativa
na trajetória da sua (auto) formação. Estas situações são momentos-
charneiras e se reportam tanto ao aspecto regulador, presente nos
contextos dos grupos restritos ou primários, quanto ao seu aspecto
altamente socializante.
Igualmente, são de suma importância, as vivências propiciadas
pelos momentos-charneira que o professor
Do Contra (
embora
intuitivamente), percebeu que viveu:
A formação é feita da presença de outrem, daqueles de que
foi preciso nos distanciar dos que acompanham os
momentos – charneira dos que ajudam a descobrir o que é
importante aprendermos para nos tornarmos competentes e
darmos sentido ao nosso trabalho (DOMINICÉ, 1988, p.60).
A (auto) formação vivida pelo professor
Do Contra
, como elucidado
por Dominicé, foi ajudada pela presença de diferentes grupos e
instituições mesmo daqueles de que precisou se distanciar, ou, dos que
lhe acompanharam nos seus momentos – charneira. O próximo
depoimento revela a importância dessa ajuda para descobrimos mais
acerca do sentido que damos ao nosso trabalho:
48
Apesar da minha formação específica não ter nada a ver com a disciplina, não tive
escolha, era uma “questão de pegar ou largar”. Passei por cima de tudo que defendia e
fui levando [...] no final do semestre uma colega que ensinava na mesma faculdade pediu
para falar comigo a sós e sem maiores rodeios soltou: “a turma vai pedir sua cabeça”. Foi
um choque sem proporções [...] A partir dali, passei a solicitar critérios mais claros da
Coordenação antes da redistribuição das novas disciplinas (Alguém que Acredita).
É clara, a dualidade enfrentada pela professora
Alguém que Acredita
perante o momento-charneira e a situação de reorientação que vivencia
logo a seguir: assume uma disciplina para qual não se sente preparada e
defronta-se com as opções políticas que defendia até então. No final do
semestre, ao ser advertida por uma colega, de que seu trabalho não
agradara à turma e que sua carreira, na referida faculdade, estava em
risco, decide retomar os princípios éticos em que acreditava.
As reflexões de Josso (1988) também ajudam a explicar o que se
passa quando enfrentamos um momento charneira:
Nestes momentos-charneira o sujeito confronta-se consigo
mesmo. A descontinuidade que vive impõe-lhe
transformações mais ou menos profundas e amplas.
Surgem-lhe perdas e ganhos e, nas nossas interações,
interrogamos o que o sujeito fez consigo próprio o que
mobilizou de si mesmo para se adaptar à mudança, evitá-la
ou repetir-se na mudança (JOSSO, 1988, p.44).
Como se observa, nas narrativas dos professores
Do Contra
e
Alguém que acredita
, além de decisivos e de acompanhar experiências
afetivas, os momentos-charneira são inerentes ao processo de construção
da identidade e desenvolvimento pessoal profissional de cada um. Tanto
repercutem no trabalho desenvolvido pelo professor quanto à ocorrência
dos momentos-charneira pode ser desencadeada a partir do próprio
contexto sócio – familiar - econômico – político – cultural-institucional
vivenciado onde quer que esteja.
O próximo item se refere, dentre estes, ao contexto institucional
face ao desenvolvimento profissional dos docentes envolvidos na
investigação-formação.
49
1.2.2. O contexto institucional na constituição do desenvolvimento
profissional
As pesquisas empreendidas por Ramalho e Nuñez (2005, p.07)
acerca do ensino no Ensino Superior revelam que “o professor
universitário pouco ou quase nenhum domínio tem dos saberes formais do
campo da educação e, consequentemente, da pedagogia ou da didádica”.
Acerca disso, é preciso situar a constante alusão dos sujeitos da
investigação-formação a respeito da falta de políticas públicas e
institucionais voltadas para o investimento na sua formação didático-
pedagógica. Um sentimento que ecoa nas colocações de Morosini (2001):
A docência universitária tem sido considerada uma caixa de
segredos, na qual as políticas públicas omitiram
determinações quanto ao processo de ensinar, ficando o
mesmo afeto à instituição educacional, que por sua vez o
pressupõe integrante da concepção de liberdade acadêmica
docente (MOROSINI, 2001, p. 15).
Essa caixa de segredos, também no nível macro, é analisada por
Pimenta (2002), quando se refere à Lei de Diretrizes e Bases Nacionais -
LDB 9394/96, em vigor. Para a autora, não contamos com um projeto
nacional ou da própria categoria, daí que a formação do professor que
atua neste nível de ensino normalmente fica a cargo de iniciativas
individuais ou de instituições esparsas.
Nas palavras de Pimenta (2002): “considerando que os programas
de mestrado e doutorado em áreas diversas da educacional se voltam
para a formação de pesquisadores em um dos campos específicos, e não à
formação de professores, permanecem estes sem condição institucional de
se formar na docência” (p.154). Assim um dos aspectos que destaca
refere-se ao fato da LDB, apenas recomendar que a docência no Ensino
Superior seja “preparada” de preferência nos programas de pós-
50
graduação
strictu sensu
não se falando, entretanto em formação
propriamente dita.
A contribuição oferecida por Morosini (2001) especifica esta
observância na lei 9294/96 quanto à definição no âmbito da formação
didático-pedagógica do professor que irá atuar/atua no Ensino Superior:
Ao final dos anos 90, a LDB é o principal normatizador legal
no campo de formação de professor, nos diferentes níveis de
ensino. Todavia, “a principal característica dessa legislação
sobre
quem é o professor universitário
, no âmbito de sua
formação didática, é o silêncio”. (MOROSINI, 2001, p. 17).
Com referência a este aspecto de “silenciamento” das políticas
públicas com relação à formação de professores, um fato que nos chamou
a atenção foi à expectativa dos sujeitos com relação à Reforma
Universitária:
A reforma continua em debate [...] questões referentes à gestão, autonomia,
financiamento, [...] do ponto de vista da categoria não há unanimidade também: enquanto
um grupo privilegia a questão metodológica, outro vê como mais importante à questão
teórico-epistemológica ou política [...] eu defendo que se fale da ética na universidade; e
dos investimentos e programas para formação docente porque não se fala? [...] mas
antes precisamos definir sua missão: que universidade temos / queremos? (Do Contra).
Como observado pelo professor
Do Contra,
dentre as discussões que
norteiam o processo de reforma da educação superior, à questão da
formação e do desenvolvimento profissional dos professores parece estar
ausente. Quanto ao preparo e ingresso nas IES, há outro ponto a que os
sujeitos da pesquisa se referem: a falta de experiência para lidar com as
questões didático-pedagógicas que se apresentam em sala de aula
continuamente.
De novo, Morosini (2001) ajuda a dar voz a este dilema vivido pelos
professores que atuam no Ensino Superior. Segundo a autora quando nos
reportarmos à formação docente, não vemos uma unidade: “[...] Exige-
se, cada vez mais, capacitação permanente em cursos de pós-graduação
51
da área de conhecimento. Mas o docente está preparado didaticamente
para o exercício acadêmico?” (p. 15).
Apesar dos conteúdos da área pedagógica serem vistos como tão
importantes quanto os conteúdos específicos da área (Tardif, 2002) e
merecerem maior atenção das instituições, notadamente quando alguns
professores relembram o seu processo de ingresso no Ensino Superior
parecem não se dar conta ou podem demorar a perceber as suas
implicações. Se não vejamos:
Quando fui aprovada não tinha noção prática dos conhecimentos e estratégias de ensino
que poderiam exigir de mim [...] uma colega mais experiente preparou comigo o plano, o
ponto do sorteio e os itens que seriam observados na prova escrita [...] também passei na
prova de títulos e na aula pública sem problemas (Alguém que acredita).
A situação relatada pela professora
Alguém que Acredita
é típica do
egresso que passa a atuar como docente da instituição do Ensino Superior
trazendo uma visão particular de ensino construída pela observação e
vivência dos diferentes professores com quem conviveu ao longo da sua
formação e que nem sempre foram pautadas nas Ciências da Educação. E
cujos norteadores são, deste modo, os saberes advindos da própria
experiência. É quase um círculo vicioso. Segundo Pimenta e Anastasiou
(2002):
O desafio, então que se impõe é o de colaborar no processo
de passagem de professores que se percebem como
ex.alunos da universidade para ver-se como professores
nessa instituição. Isto é, o desafio de construir a sua
identidade de professor universitário, para que os saberes
da experiência não bastam (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002,
p.79)
.
De fato, como afirmado no depoimento da professora, o que
observamos nas exigências dos concursos públicos não se refere,
especificamente, ao modo como essa passagem (auto) formativa se
constituiu. A situação concreta relatada por
Alguém que Acredita
pode
ilustrá-lo: “Quando fui aprovada não tinha noção prática dos
52
conhecimentos e estratégias de ensino que poderiam exigir de mim”, ou
seja,
os critérios de maior pontuação nas Tabelas de Valores para
Julgamento de Títulos (conhecidos como baremas) das seleções e
concursos se referem, principalmente, à titulação e experiência do
professor, quando muito, como pesquisador.
A conseqüência é que no cômputo geral, a aula pública ministrada
no caso do concurso, prevista para quarenta e cinco minutos
aproximadamente, conta menor peso e importância neste tipo de
avaliação. Sendo aprovado o docente “recebe uma ementa, um plano de
ensino do ano anterior que lhe cabe desempenhar” (Pimenta, 2002,
p.142) e pode assumir sua (s) turma (s) e disciplina (s).
Situação não muito diferente, da vivenciada por aquele que ingressa
numa instituição particular, por convite ou contratação, e também é
deixado quase que à mercê da sorte e esforço individual. A diferença é
que, a depender do tipo de instituição em que ingresse talvez a sua
experiência como pesquisador, não faça quase ou nenhuma diferença e
que não seja avaliado por uma etapa inicial que conhecemos como
período probatório.
Entrei na faculdade [...] por indicação de um professor que conheci na minha graduação.
Apesar do seu apoio na hora da contratação nunca teve tempo de sentar comigo para
passar algumas dicas de como ensinar [...] Ficou claro que meu papel se resumia a dar
aulas. Se eu estivesse numa universidade pública teria passado pelo período probatório
com um acompanhamento maior e ainda teria uma carreira pela frente. (Alguém que
Acredita)
Se tivesse ingressado numa universidade pública como se refere,
poderíamos projetar a trajetória da professora
Alguém que acredita,
no
magistério superior, do seguinte modo: cumprida a primeira exigência
formal, propriamente dita, que é a sua aprovação (considerando o peso da
formação inicial numa área específica do conhecimento) a progressão na
vida acadêmica que se segue ao seu ingresso seria como professora
Auxiliar (graduada e/ou especialista) avançaria para professora Assistente
53
(para o qual se exige o mestrado) Adjunto (título de doutora) e finalmente
Titular (ter o doutorado e produção condizente).
Ao que se vê, nenhuma destas titularidades e progressões na
carreira (seja nas instituições públicas ou privadas) atestaria o seu
adequado preparo e desempenho profissional como docente. Aliás, a
professora
Alguém que Acredita
nem vê uma perspectiva de formação e
desenvolvimento profissional na instituição em que trabalha.
Se bem que, há mudanças se avizinhando no horizonte. Morosini
(2001) esclarece que estas são causadas pelo fato do Ministério da
Educação e Cultura (MEC) e demais instâncias, determinarem índices
avaliativos, prazos e parâmetros de qualidade institucional que orientam a
IES na seleção e desenvolvimento de políticas de capacitação com base
nestes indicadores.
Neste caso, há uma tendência das IES a apressarem o
desenvolvimento de políticas de formação de seus docentes:
Até então, a formação docente baseava-se no princípio do
laissez-faire
, entretanto, com a chegada do Estado Avaliativo,
as instituições, inicialmente, elaboraram políticas de
capacitação em cursos de pós-graduação. Mais recentemente,
verifica-se um movimento nas políticas de buscar a
qualificação didática de seus professores, tendo em vista que
medidas avaliativas, de forte resultado, foram implantadas
avaliando o desempenho dos alunos da instituição. E está
provada a relação entre desempenho didático do professor e
desempenho do aluno. (MOROSINI, 2001, p. 32).
De todo modo, em ambos nos contextos, onde é praticamente
deixado à vontade, o investimento (auto) formativo é uma opção de
sobrevivência profissional, acentuada pelo desinteresse, de grande parte
das organizações de Ensino Superior, em lidar mais ativamente com
possíveis políticas de formação contínua em termos institucionais.
É preciso lembrar que a depender da mantenedora (se
governamental ou particular), fica ainda mais evidente que o pensar e o
exercer a docência serão diferentes, com condicionantes diferenciados
54
também (Morosini, 2001, p. 22). Na situação concreta, é possível
acompanhar tal ocorrência na narrativa da professora
Justiceira
:
Ensino na mesma faculdade desde que me formei e nunca realizaram ou pagaram um
único curso de aperfeiçoamento docente [...] sequer elaboramos um referencial
curricular mesmo simples que traduzisse a filosofia da instituição [...] também não
percebo iniciativas da direção que valorizem e indiquem um reconhecimento do nosso
trabalho.
Tanto a insatisfação pela falta de políticas de formação e valorização
docente na instituição quanto à inexistência de diretrizes curriculares que
possam imprimir um sentido norteador e de coletividade ao ensino que
desenvolve, são pontos importantes analisados pela narrativa da
professora
Justiceira.
Há, entretanto, um aspecto que os demais depoimentos não tinham
levantado até então: o reconhecimento e valorização institucional do
trabalho realizado pelo professor que atua no Ensino Superior. A imagem
social se configura em um dos desdobramentos que pode se constituir
deste fator. Eis uma oportuna contribuição de Cunha (1996), guardadas
as devidas especificidades entre universidades e demais IES:
São relativamente constantes, em qualquer universidade, os
valores que estão presentes na comunidade científica dos
cursos das chamadas liberais. Geralmente vale muito o
desempenho que o profissional tem fora da universidade
(número e pose social dos clientes, casos de sucesso,
localização do consultório ou escritório, congressos de que
participa e que são documentados em jornais, etc.), o
reconhecimento pelos estudantes, como bom professor,
porque isto também constrói sua reputação (
CUNHA, 1996,
p.37).
Por certo a construção do perfil valorativo de cada grupo acadêmico
tem suas peculiaridades próprias e abrange às determinações de cada
curso e/ou unidade administrativa. Além do mais é contundente a forma
como determinados segmentos sociais alimentam a idéia de que tais
professores possuem um altíssimo poder aquisitivo
55
Mal sabem estes que, se isso ocorre, é porque a grande maioria
atende a uma agenda profissional diversificada e árdua, sem falar dos
malabarismos daqueles que assumem dedicação exclusiva e/ou cargos
nas suas instituições. A narrativa da professora
Margarida
aborda esta
realidade:
Desde que optei pela D.E. e assumi o colegiado não tenho tempo para mais nada. Perco
horas com as atividades burocráticas, atolada nas reuniões, processos e formulários
para encaminhar, viagens a fazer, textos a publicar [...] o peso das tarefas
administrativas se interpõe ao fazer ciência e docência.
Evidentemente administrar tantas demandas, frustra e confere a
professora
Margarida
pouco tempo para cuidar da própria carreira e
profissionalização. Na concepção de Ramalho (2006), o trabalho do ensino
consiste numa atividade complexa, que requer formação inicial e
continuada exigente. Que por ser dinâmica necessita de permanente
atualização. E que deve ser sustentada por um conjunto de aportes
teórico – metodológicos próprios do campo das ciências da educação e
sustentada pelo conhecimento e saber pedagógico.
Tudo isso requer tempo e investimento pessoal e institucional.
Ocorre que, convivendo com os percalços de horas exíguas e disputadas
Dona Margarida
se inquieta, mas não aponta saídas para superar a
dificuldade de se dedicar como gostaria ao ensino, à pesquisa e a sua
carreira mediante um processo formativo contínuo.
Numa recente pesquisa Brandão e Lelis (2003) também se
depararam com uma realidade semelhante:
A grande pressão pelo incremento da produção acadêmica
obriga-os a ocupar cada vez mais tempo com o
preenchimento de demandas de financiamento não só das
pesquisas como de eventos e viagens para expor a produção
e melhorar os indicadores do currículo (BRANDÃO e LELIS,
2003, p.523).
Por outro lado às instituições de Ensino Superior - IES tendem, a
médio e longo prazo apesar de todas as dificuldades, ao fortalecimento de
56
garantias para que o trabalho docente se profissionalize como tal.
Notadamente isso traz a noção de que um processo formativo contínuo
compreende a avaliação das políticas que a sustentam.
Fazê-lo pressupõe, portanto, admissão de insuficiências. Uma delas
é indicada no próximo relato da professora
Margarida
:
Se não temos o projeto político do curso, como podemos avaliar o nosso trabalho? O
processo de organização e planejamento das aulas é no estilo laissez-faire [...] não é que
eu esperasse um controle, mas falta uma orientação para avaliar a atividade de ensino
[...] causa angústia saber que nem todos estão preocupados com os problemas e com a
profissionalização da docência (Margarida).
É preciso ressaltar que esta chamada para a questão do projeto
pedagógico do curso como um dos elementos necessários para a avaliação
do trabalho docente encontra ressonância nos demais depoimentos que
indicam as várias inquietudes que mobilizam os sujeitos da pesquisa-
formação a provocar mudanças e não apenas esperar que simplesmente
ocorram à revelia das suas ações.
Como se vê, num primeiro momento, é na aspereza do conflito e
dilemas que o professor se desestabiliza e se vê compelido à busca de
saídas no processo de profissionalização
17
(Cunha, 2003; Ramalho, 2006)
que vivencia. O anseio por mudanças, no depoimento de
D Margarida
se
anuncia pela sua inconformidade e consciência da situação enfrentada:
causa angústia saber que nem todos estão preocupados com os
problemas e com a profissionalização da docência”.
A insatisfação lhe
mobiliza a buscar alternativas e prováveis superações.
Na medida em que a docência tem sido entendida na perspectiva de
atividade profissional, como visto nas narrativas dos sujeitos, a
profissionalização é considerada fundamental à questão da formação.
17
Nos seus estudos (2003, 2006) Ramalho define a profissionalização como o processo
de construção e desenvolvimento crescente da identidade de uma profissão baseada na
profissionalidade (processo interno) e no profissionalismo (processo externo).
57
O que significa dizer que reverter esse conjunto de fatores político-
institucionais desfavoráveis para o desenvolvimento do professor depende
do esforço de toda uma categoria:
A profissionalização da docência não constitui um “estado”
pré estabelecido ao qual os professores devem chegar sob
indicação/obrigações legais, e sim um processo de
construção, a apropriação progressiva dos próprios docentes
inseridos nos Projetos individuais e coletivos nos contextos
específicos (RAMALHO et alii, 2003, p. 185).
Ao lado disso, este percurso requer o reconhecimento da história
dos docentes nos seus conceitos, suas peculiaridades no processo
democrático (Ramalho et alii, 2003). Quanto a esse aspecto é possível
observar que os depoimentos trazem uma referência específica e peculiar
à vivência pessoal profissional de cada professor envolvido neste estudo.
Podemos intitulá-las de “recordações referências” como assume
Josso (2002, p.29) e ilustrá-las a partir desta última narrativa da
professora
Margarida.
Esse termo tem na pesquisa-formação, assim, uma
dupla significação. Uma dimensão concreta ou visível: “Se não temos o
projeto político do curso, como podemos avaliar o nosso trabalho?” e
outra invisível: “causa angústia”.
Na primeira,
Margarida
apela para
percepções ou imagens sociais. Na segunda, para emoções, sentimentos,
sentidos e valores.
Temos um último ponto a sublinhar: apesar de não termos
trabalhado as lembranças resgatadas sob o ponto de vista terapêutico,
não somente porque as nossas intenções e especificidades não o
permitem, mas principalmente porque a nossa ética e formação
profissional em outra área impedem tal equivoco, não foi possível nos
distanciarmos, entretanto, da noção de que trabalhar com narrativas
arranha certa esfera terapêutica do processo identitário dos envolvidos.
Recordar a própria vida é fundamental para nosso
sentimento de identidade, continuar lidando com essa
lembrança pode fortalecer, ou recapturar, a autoconfiança.
A dimensão terapêutica do trabalho de história de vida tem
58
sido uma descoberta que sempre se repete (THOMPSON,
1998, p.208).
Ou seja, apesar da “pseudo” neutralidade do investigador ainda ser
privilegiada com o intuito de se supostamente manter a integridade dos
instrumentos e informações analisadas fica evidente, quando se trabalha
com o método (auto) biográfico, que as singularidades vividas tornam
impossível desvincular as subjetividades aí entrelaçadas.
Na realidade o que há para se temer não é o fato de estarmos
implicados na investigação-formação porque vivenciamos o mesmo anseio
pela profissionalização e grande parte dos problemas relatados pelos
sujeitos neste estudo. Devemos acautelar-nos sim, da tentação de nos
vincularmos ao formalismo das regras fixas e imutáveis, ou a
determinados formatos investigativos simplesmente porque estão em
moda.
Conforme posto por Ramalho e Nuñez (2005) a luta para
ressignificar e legitimar o trabalho de ensino inclui a busca de uma nova
legitimidade da profissão e do agir de cada profissional. Ou seja, a
angústia
sentida por
Margarida
se vincula, de algum modo, as atitudes,
valores e representações da categoria de professores impelida pela
compreensão e revisão do pensar e agir na prática docente.
Daí que a entrada na próxima Vivência (ou capítulo) se vê
acompanhada das mesmas exigências com que saímos desta: Sem deixar
de lado, as singularidades próprias do estudo (auto) biográfico,
continuamos a promover a interlocução entre as reflexões conceituais
alicerçadas nos conhecimentos existentes sobre (auto) formação e o
ensino no Ensino Superior e os percursos identitários e profissionais
relatados pelos sujeitos da investigação-formação.
59
Vivência dois:
Sabe-se pouco sobre o ensino no ES
Guernica - Picasso
18
18 A escolha de GUERNICA, 1937, um símbolo da Espanha em guerra civil, praticamente
indefesa em meio à violência e fúria cumpre, na abertura deste capítulo, o papel de
chamada reflexiva. Nenhuma tecnologia, e no nosso caso, a do ensino
pode estar a
serviço da desumanização, da catástrofe, do horror, do medo. Os danos que a prática
educativa pode causar, guardadas as devidas proporções, nem sempre podem ser vistos
como num óleo sobre tela. Diferente da destruição que os rastros de “bombas e rajadas
de metralhadora” vão deixando pelo caminho.
De onde você vem. Quem te faz sorrir.
Quem te faz chorar. Te vejo de longe, quero
chegar. Algo não deixa eu me aproximar.
Quais são suas cores. Quais os seus desejos.
Quem são seus amigos. Quais serão seus medos.
(Grupo IRA)
O que sabem os docentes sobre sua profissão?
Que conhecimento é essencial para alguém
“abraçar” o trabalho do ensino? Quais requisitos
são necessários para que o (a) docente se
desenvolva como um (a) profissional?
(Betania Ramalho)
“Istudá. Istudá. É facir falá.
Que mi interessa sabê das coisa
qui acunteceu antis di eu nascê ?”
(Chico Bento)
60
Sabe-se pouco sobre o ensino no Ensino Superior
Pensar nos
desejos
,
medos
ou no
que sabem os docentes sobre sua
profissão
e, ainda,
que interessa sabê das coisa qui acunteceu antis”
como indaga o personagem Chico Bento ao se deparar com o saber
científico e ante o qual a professora silencia porque não encontra nos seus
anos de formação e magistério uma resposta que o satisfaça, pode nos
trazer elementos importantes acerca do que é a docência e de como
chegamos a ela. De um aspecto não temos nenhuma dúvida: sabemos
pouco sobre o ensino no Ensino Superior a despeito do tempo e esforço
dedicados a entendê-lo e exercê-lo.
Nesse cenário, alguns trabalhos teóricos e práticos sobre a formação
de professores se destacaram, dentre os quais podemos citar: a discussão
sobre os saberes produzidos no campo pedagógico e didático (Ramalho et
alii, 2003, Tardiff, 2002; Pimenta, 2002); a identidade do professor como
processo em construção e questionamento das tradições (Freire, 1997;
Nóvoa, 1995; Cunha, 1997); a problematização do Ensino Superior em
relação às diferentes condições e políticas de formação (Morosini, 2001;
Anastasiou, 2002; Masetto, 1999); a importância dos processos de (auto)
formação e abordagem (auto) biográfica (Josso, 2004; Passeggi, 2006;
Catani, 2003; Souza, 2004); e as especificidades da aprendizagem do
adulto professor (Placco et alii, 2006; Furlaneto, 2006).
Os desafios e o conhecimento resultantes do seu confronto com as
narrativas de formação dos sujeitos nos aproximou do ponderado por
Arroyo (2000, p. 215): “[...] Todo conhecimento humano, poderá e
deverá ser útil, imprescindível. Poderá desenvolver a consciência crítica e
a lógica, o raciocínio e a sensibilidade, a memória e a emoção, a estética
ou a ética. Dependerá do nosso trato pedagógico”. A investigação-
formação, portanto, dada à complexa teia na qual se constitui o
61
magistério no Ensino Superior, situa a docência diante de variadas
possibilidades e enfrentamentos dos quais trataremos a seguir.
2.1. A complexa teia de relações onde se constrói o magistério do
Ensino Superior
Em face às exigências enfrentadas por uma considerável parcela de
professores que atuam no magistério superior, tais como: formação
descontinuada, arrocho salarial, condições de trabalho precárias, Síndrome
de Bournout (conhecida como mal estar docente), absenteísmo, pouca
politização e envolvimento enquanto categoria profissional, dentre outras,
parecem ser lentas as mudanças que interferem diretamente na qualidade
de ensino oferecida.
Um dos sujeitos se reporta a tais problemas comparando-os a uma
guerra
para a qual saímos desarmados:
Saímos para a guerra, mas estamos desarmados [...] ficamos parados, com medo de que
um mínimo gesto provoque a ruína dos disfarces sob o qual nos escondemos [...] é mais
simples manter o Ensino Superior brasileiro da forma que está (Do Contra).
Deste modo, se não é tarefa simples assumir o desafio histórico de
contribuir para resgatar o ensino dos problemas em que se encontra
estabelecido, como indica o relato do professor
Do Contra
, que dirá dar
conta das suas repercussões na realidade social mais ampla na qual
estamos todos mergulhados, e que se caracteriza por um vertiginoso
processo de rupturas e inovações, seja no cenário político, econômico,
religioso, cultural, e educacional.
Quanto a isso, Schwartz (2000) considerando a rapidez com que se
aprende que ultrapassa aquilo que se sabe, defende a idéia de que os
diplomas deveriam ser dados com prazo de validade, como leite e outros
produtos perecíveis.
62
Por outro lado, a posição defendida por Balzan (1999) destaca que
nem todos os professores que militam na profissão estão preocupados com
isso, ou tampouco percebem as implicações deste cenário:
A falta de compromisso para com a docência por
considerável parcela dos professores universitários em
tempo integral e daqueles em regime de trabalho horista é
constatada freqüentemente. Se parte dos primeiros
considera a docência apenas como um carga a suportar, isto
é um tempo perdido, que poderiam estar dedicando à
pesquisa, os últimos têm na docência um simples bico, ou
um título. (BALZAN, 1999, p.173).
É assim que a totalidade e, ao mesmo tempo, as especificidades dos
elementos que interagem no processo de ensino (Veiga, 2003),
defrontam-se, no âmbito das IES, com o compromisso histórico-político-
social assumido por cada professor. A narrativa da professora
Margarida
trata desta questão:
[...] somos convocados a considerar as determinações sociais implícitas na ação docente,
só que as influências sofridas na formação nos levam a tentar resolver os problemas de
ensino pela via estreita do técnico-instrumental não importando se isso é coerente ou
não [...] demoramos a admitir aquilo que os alunos comentam nos horários vagos: os
professores universitários têm o domínio dos saberes teóricos, mas lhes falta uma
didática universitária para aplicá-los.
Como indica o relato de
Margarida
assumir desconsiderar a
importância de constituirmos uma didática para o Ensino Superior, ainda
nos mantém presos, sob determinadas circunstâncias, ao conjunto de
atributos técnico-conceituais a que nos acostumamos a ver como
suficiente para nos outorgar a imagem de
bom
professor.
Nas suas pesquisas, quando se refere a isso, Cunha (1988, p.16)
esclarece que o mero domínio dos conteúdos não assegura a prática do
bom
professor, pois considera o conceito de competência
19
docente como
19
Ramalho et alii (2003), entende o termo competência, de modo polissêmico, dado que
pode significar vários entendimentos a depender do contexto considerado. Esclarece que
sua manifestação se dá em vários níveis, mobiliza um conjunto de recursos
individuais/coletivos em tempo e espaços reais, e, é intencional (possui uma função
prático-social).
63
multidimensional dependente do docente, dos alunos, da situação
educacional e dos valores sociais que servem de base ao ajuizamento
desta competência.
Ainda que resulte de diferentes elementos da prática pedagógica, a
preocupação com o desenvolvimento intelectual deve considerar de igual
modo à importância do apoio técnico - metodológico, o atendimento as
relações sócio-afetivas e contexto histórico-social. Deste modo, o ensino é
vivenciado em situações definidas e se refere a um determinado tempo e
espaço. A percepção que vamos construindo sobre o que é ser um bom
professor, portanto, é valorativa porque resulta da apropriação que é feita
da prática e dos saberes histórico-sociais (Cunha, 1988, p. 66).
Assim, no Ensino Superior, mais do que em qualquer outro, não
deveria ser possível desconsiderar a formação nas suas dimensões
racional – afetiva – sócio - histórica, globalmente, uma vez que aprender
a ser um
bom
professor tem estreita relação não só com o fazer indo além
da simples reprodução das informações existentes.
Como coloca Placoo et alii (2006, p. 05), dentre outros aspectos da
aprendizagem do adulto professor além de envolver uma interação
cognitiva, aprender inclui uma interação afetiva intensa: ora implica em se
aceitar que o que se sabe é incompleto, impreciso e pode até se constituir
em algo errado ou doloroso; ora em relacioná-lo ao prazer de descobrir,
criar, inventar, encontrar respostas para conquistar novos saberes, idéias
e valores.
Está posto o entendimento de que se trata duma reflexão acima de
tudo afetiva e ética. Ademais, como temos visto o exercício do magistério
– como em toda profissão - também envolve determinados interesses e
ambigüidades. Onde não apenas os fatores individuais vão ter
preponderância, mas juntamente as interferências econômicas,
institucionais, históricas e sócio-culturais, terão considerável peso.
(Contreras, 2002).
64
Ao mesmo tempo, em que é uma prática humana atrelada à
sobrevivência, compromisso político social e formação, o ensino está,
ainda, implicado pelas histórias vividas por cada docente em si, e por
todas as imbricações que isso defronta. O depoimento a seguir trata
disso:
Na reunião de departamento, se digo algo que tem a ver com metodologia de ensino ou
avaliação logo surge a provocação: “lá vem o pedagogo” [...] meus colegas têm a visão
estreita de que o bom professor é aquele que passa conteúdo e cobra na avaliação [...]
ser professor pode ser muito solitário. A não ser que você ingresse na panelinha “a favor
de quem” pode ficar isolado no meio de uma multidão de colegas (Do Contra).
A complexa teia de relações observada, na narrativa do professor
Do
Contra
, ajuda a pensar se o ensino tem se constituído, de fato, como um
ato interpessoal, institucional e flexível como nos adverte Veiga (2004,
p.15), que ao mesmo tempo em que se conecta ao contexto social mais
amplo, se constitui também das demandas e relações travadas entre os
sujeitos e espaços - tempos em que se desenvolvem concretamente.
Até porque pensar o ensino à luz do contexto social como propõe
Veiga, implica entender que a apreensão da realidade se conecta ao modo
como o professor e demais envolvidos, interagem e se influenciam
mutuamente. Embora a valorização a diversidade possa contribuir para
elevar o nível de relacionamento estabelecido, sem o respeito
ao outro,
conforme demonstrado na situação de tensão e irritabilidade relatada pelo
professor
Do Contra
, a qualidade das relações interpessoais e de seus
respectivos processos, corre o risco se perder.
É possível observar, no seu depoimento, que ao contrário da sua
experiência e formação pedagógica favorecer um maior diálogo,
aproximação e interação com os seus colegas de trabalho, esse fator os
afasta e gera provocações infrutíferas.
Ao que parece a melhoria no relacionamento deste grupo só poderia
ocorrer caso gerenciassem melhor os conflitos internos aflorados nas
reuniões de departamento, e, ainda ampliando a visão de que as questões
metodológicas e avaliativas da prática docente não se restringem aos
65
“pedagogos e licenciados”, mas são parte integrante de todas as
discussões travadas em torno do que seja ensino e dos diversos
elementos relacionais que o compõem.
Quanto à questão do isolamento, que o professor
Do Contra
teme
sofrer,
no meio de uma multidão de colegas,
pela não afiliação aos
subgrupos ou ilhas partidárias do “contra ou a favor de quem”, nos instiga
a uma autocrítica corajosa acerca do modo como se organiza e se
configura algumas relações travadas na face oculta
20
(Kourganoff, 1990)
das IES a que
nós outros
nos vinculamos. E de quais expectativas, em
torno da docência, prevalecem e que nos ajudam a enfrentar estas
autocríticas, ou não.
No que se referem às outras questões, apresentadas pelos sujeitos
da investigação-formação, sobre a docência e suas múltiplas interfaces,
notadamente ao longo dos EPF’s, estas podem, a nosso ver, ser incluídas
em torno de cinco eixos centrais de expectativas.
Assim, no primeiro eixo, incluímos as ponderações dos sujeitos
sobre como o projeto institucional, gestor e organizativo das instituições
se materializam, ou não, num programa continuado para formação e
qualificação de professores. No segundo, como a concepção e propostas
dos cursos são articuladas as atividades e expectativas acadêmicas nos
seus espaços de trabalho.
No terceiro eixo, a forma como se referem à repercussão que as
instalações físicas podem ter para a qualidade de ensino oferecida. No
quarto as colocações em torno da admissão, progressão da carreira e
condições/regime de trabalho oferecido, entre outras, que para eles,
repercute nas relações sociais travadas. E, finalmente, no quinto eixo os
questionamentos que fazem quanto à administração do tempo e o
20
Kourganoff (1990) travou suas discussões em torno do que intitulou como a face
oculta da universidade, embora o tenha feito a partir das concepções e funcionamento de
uma instituição universitária francesa. O fato do seu foco se reportar aos meandros da
relação ensino - pesquisa torna o seu trabalho uma obra de referência para se refletir
acerca de alguns aspectos levantados pelos sujeitos do nosso estudo.
66
desempenho pessoal profissional se refletirem na qualidade do trabalho
produzido e na assistência dada aos discentes.
Uma vez esclarecido como foram sistematizados, passemos aos
cinco eixos:
Eixo Um De como o projeto institucional / organização administrativa –
técnica - didático-pedagógica e gestão acadêmica se materializam, ou
não, num programa continuado para formação e qualificação de
professores:
De acordo com os sujeitos, o Projeto Pedagógico enquanto
ferramenta estruturante do ensino e prática pedagógica das IES, têm um
sentido norteador para a gestão e às atividades educacionais oferecidas.
No entanto, no tocante às questões pedagógicas, enfatizaram que apenas
a partir da LDB 9394/96 e da legislação do Conselho Estadual de
Educação (CEE), Deliberação 07/2000 - artigo 4º, é que a sua
obrigatoriedade passou a ser mais respeitada e a participação coletiva
melhor explicitada.
Neste ponto, ocorre que as determinações legais, ao especificar os
aspectos essenciais do Projeto Pedagógico, favorecem a reflexão e
construção em instituições que de algum modo têm uma trajetória em
torno do pensar a sua identidade e intenções socioeducativas. Nas
demais, embora provoquem importantes mobilizações esbarram
inicialmente nos obstáculos de ordem administrativa que interferem na
autonomia e estímulo à necessária participação de todos. O depoimento a
seguir o ilustra:
No semestre passado a coordenação do curso montou um programa para atualização
docente na instituição. A primeira ação planejada era um debate sobre a importância da
ação participativa na elaboração do projeto pedagógico [...] envolveu alunos e
professores, mas cometeu um erro fatal: não incluiu a gestão e o corpo técnico. Quando
o reitor da faculdade ficou sabendo [...] o programa ficou só na intenção (Alguém que
Acredita).
67
O episódio relatado pela professora
Alguém que Acredita
deixa claro
que não basta preocupar-se em instaurar novos programas de qualificação
docente na instituição ou empreender iniciativas para a reflexão em torno
da construção coletiva do Projeto Pedagógico envolvendo apenas os
professores e alunos. Ainda que sejam medidas extremamente
importantes, não são suficientes.
Na situação em questão a forma como foi organizada a primeira
ação do trabalho, inclusive, desvelou os conflitos e as contradições mais
importantes: Sem o envolvimento e articulação da gestão acadêmica,
membros do corpo técnico - administrativo e comunidade envolvente,
qualquer tentativa de mudança pode ficar restrita apenas ao plano
utópico. Sua concretização depende, pois, da dimensão pedagógica e
política ocorrerem concomitantemente (Veiga, 1998; André, 2001).
Tem um outro aspecto, no seu depoimento, a professora
Alguém
que Acredita
não identifica, claramente, qual a reação do corpo docente (e
a sua própria) perante os acontecimentos relatados, o que nos faz refletir
sobre como estes professores têm se mobilizado e assumido o papel de
co-participantes nas mudanças pedagógicas e políticas almejadas.
Eixo Dois De como a concepção e propostas dos cursos, suas matrizes
curriculares e sistema de avaliação são articulados às atividades
acadêmicas e de como se relaciona ao atendimento das expectativas e
desempenho discentes:
Há um maior reconhecimento, segundo os sujeitos, de que o Projeto
Pedagógico e a Avaliação Institucional podem se constituir em efetivos
referenciais de combate a evasão e elevadas faltas observadas nas IES.
Porém, considerar os fatores pedagógicos, organizacionais e curriculares
pode se impor como uma medida a ser tomada para a melhoria das
condições de acesso, permanência, freqüência e assiduidade dos
estudantes. A provocação do professor
Do Contra
nos remete a tais
configurações:
68
A concepção do curso deve se refletir nas propostas de ensino nas atividades
acadêmicas e nos projetos de extensão [...] quando as expectativas dos alunos não são
consideradas a avaliação institucional é o melhor indicador. Na universidade acontece
repetência e evasão quem disse que não? E o ensino também é nivelado por baixo.
De fato, o nível dos cursos, consiste num tema que necessita ser
mais debatido nas instituições de Ensino Superior. De todo modo, a
expressão “nivelar por baixo” usada pelo professor
Do Contra
materializa
um dos dilemas que enfrenta sobre se mantêm o nível de qualidade
esperado na sua disciplina, em detrimento daqueles estudantes que têm
poucas chances de acompanhá-lo ou, ao invés disso, se busca alternativas
de acompanhamento mais efetivo para a sua turma.
Em um dos seus trabalhos, Ramalho (2005) sugere que os docentes
façam uso das ferramentas didático-pedagógicas para ajudar os
estudantes a se afiliarem no que considera uma “seleta” comunidade
podendo tirar, deste modo, melhor proveito individual e coletivo.
Sobre a afiliação dos estudantes no Ensino Superior, Coulon (1995)
considera a entrada na universidade como uma passagem que se dá em
três etapas: o estranhamento (o estudante não compreende, ainda, como
funcionam as regras do trabalho acadêmico e intelectual), a aprendizagem
(ele começa a compreender a cultura universitária e a lógica do processo
de ensino de cada professor) e a afiliação (etapa do domínio relativo
manifestado pela capacidade e interpretação e/ou transgressão às regras
impostas).
A esse respeito o depoimento do professor
Do Contra
traz
subjacente, inclusive, a polêmica que gira em torno de que pessoas
provenientes de classes sociais mais desfavorecidas (que desconhecem os
valores e práticas exercidas na comunidade acadêmica – científica, ou,
oriundos de famílias que não possuem formação média nem universitária),
entre outros tais, podem vivenciar uma série de dificuldades para
acompanhar os demais.
Ao afirmar que, “na universidade acontece repetência e evasão”, o
professor
Do Contra
nos provoca a pensar no sistema de avaliação que
69
perpassa a maioria das instituições de Ensino Superior: não há consenso
de não pode se restringir a aplicação de provas e testes e de que por ser
abrangente e multifacetada implica em reflexão crítica sobre suas
finalidades e significados.
No mais, ainda que a intenção do professor
Do Contra
não seja a de
indicar alternativas concretas que podem ser tomadas neste sentido, o
seu relato acena para que a própria concepção do curso se relacione com
as expectativas e necessidades da comunidade discente para possa se
qualificar, com êxito, numa determinada profissão.
Eixo três Da grande influência e repercussão que pode ter para a
qualidade de ensino oferecida, as instalações, o acervo das bibliotecas, a
existência de laboratórios bem equipados, condições físicas dos espaços
administrativos e acadêmicos, seus equipamentos, manutenção e limpeza:
Os sujeitos consideram que as condições físicas oferecidas ao
Ensino, incluem as instalações gerais e específicas, e são de extrema
importância: Sejam os laboratórios e demais ambientes e equipamentos
agregados ao funcionamento dos cursos, sejam as bibliotecas (que hoje
em dia contam com o acesso eletrônico às redes de comunicação e
sistemas de informação) seja às salas de aula, dos Professores,
Coordenação, Direção Acadêmica e gabinetes de estudo, sejam as
instalações sanitárias e espaços destinados a alimentação e descanso.
Importância essa, observada na narrativa a seguir:
Quanto à atualização dos livros e manutenção dos laboratórios, tenho que reconhecer
que a direção da faculdade tem sido impecável [...] muitas vezes a limpeza não é mantida
pela falta de educação das pessoas [...] um ambiente limpo e bem equipado interfere na
produção (Justiceira).
A narrativa da professora
Justiceira
indica com clareza a repercussão
proporcionada pela qualidade das instalações físicas oferecidas na
faculdade em que trabalha que conta com uma biblioteca que dispõe de
um acervo bibliográfico atualizado e laboratórios que recebem a adequada
70
manutenção. Dispor de apoios técnicos modernos causa, assim, um efeito
acolhedor e receptivo.
Na investigação – formação, no entanto, nos chamou à atenção a
quase ausência de comentários dos sujeitos com referência à adequação
dos espaços acadêmicos ao atendimento de pessoas com necessidades
educativas especiais
21
. Embora a Portaria Ministerial 3.284/2003, que
dispõe acerca dos requisitos exigido para tal acessibilidade tenha sido
parte de esparsos comentários durante os EPF’s o assunto teve, de modo
geral, pouca repercussão.
Um véu de invisibilidade pairou no sentido de se discutir
responsabilidades específicas (da sociedade e IES) para ampliar a
participação e locomoção limitada impostas pelas barreiras ambientais,
humanas e físicas.
Apesar disso, as poucas vivências relatadas sobre a inadequação dos
espaços para as pessoas com deficiência se referiram principalmente: a
valorização das diferenças, ao respeito às necessidades decorrentes da
deficiência, a importância de se discutir a questão das deficiências e da
defesa de igualdade e dignidade entre as pessoas.
Eixo Quatro Da forma como a admissão dos profissionais de ensino e do
corpo técnico administrativo, a progressão da carreira, as condições e
regime de trabalho oferecido, o plano de cargos e salários, o apoio à
participação em eventos, e os incentivos profissionais repercutem
diretamente nas relações travadas: discente – disciplinas - pares-
produtividade:
Outro aspecto, bastante debatido pelos sujeitos acerca da docência
e suas múltiplas dimensões apresentava a qualificação do corpo docente
relacionada às diferentes condições e jornada de trabalho oferecida, as
dificuldades enfrentadas para manter o investimento na titulação, a
21
No Brasil e no mundo, as pessoas com necessidades educativas especiais têm debatido
o modo pelo qual preferem ser chamadas e tem prevalecido o termo “pessoas com
deficiência” nome que, inclusive, integra o texto que será apresentado na Assembléia
Geral da ONU (na próxima Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos
Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência).
71
necessidade de aquisição de maior experiência pedagógica e profissional e
a inexistência de um piso salarial, plano de carreira (e plano de
benefícios) para os professores que atuam como horistas ou substitutos. O
relato do professor
Do Contra
contempla possíveis conseqüências da
pouca consideração a esses fatores:
[...] expressões sombrias e mal-humoradas podem surgir em conseqüência das condições
de trabalho e salário a que são submetidos os funcionários e os professores [...] plano de
benefícios, de cargos e salários, apoio financeiro para participação em eventos se
observarmos bem tudo isso conta nos índices de produtividade.
Sua fala retoma as reflexões levantadas por Ramalho e Nuñez
(2005), que consideram a docência como um processo de construção e
desenvolvimento crescente da identidade de uma profissão com base na
profissionalidade (processo interno de construção do agir
profissional/saberes e competências específicas) que identifica uma
identidade da categoria enquanto grupo profissional; e no profissionalismo
(processo externo, que leva ao reconhecimento social da profissão
baseado no status da categoria) que se sustenta na ética e no agir
profissional (ligado à profissionalidade).
Na narrativa os aspectos exógenos (encontrados no ambiente) e
endógenos (intrínsecos ao indivíduo) de insatisfação profissional,
identificados pelo professor
Do Contra
manifestam uma compreensão de
que os fatores motivacionais interferem, diretamente, no resultado do
trabalho dos professores e funcionários. Embora as questões apresentadas
sejam fundamentais e gerenciáveis, do ponto de vista administrativo, ele
parece ignorar, entretanto, que a motivação origina-se das necessidades e
desejos das pessoas e não, necessariamente, dos fatores de satisfação
exógenos.
Ou seja, ainda que um baixo nível produção afete o desempenho
coletivo, a situação profissional e o papel das instituições se relacionam a
construção de um novo sentido de profissionalidade e identidade da
categoria se o sujeito
individualmente
se mobilizar.
72
Eixo Cinco Do quanto, a administração do tempo e o desempenho pessoal
profissional refletem na qualidade das publicações intelectuais,
pedagógicas, técnicas, artísticas e culturais que circulam no campo e nas
aulas e na assistência que damos aos discentes:
Se o professor não está satisfeito na instituição ou sem tempo para fazer as coisas que
gosta, claro que isso repercute na sua relação com os alunos em sala [...] a queda na
qualidade das suas produções indica quando algo não vai bem [...] não se pode comparar a
baixa produção de um professor horista com aquele de dedicação exclusiva.
O relato acima, da professora
Justiceira
nos remete a preocupação
com os componentes relacionais da formação docente estudados por
Imbernón (2000), que situa o científico (conhecimentos da disciplina e
área específica) o pedagógico (conhecimentos teórico-práticos e
tecnológicos das ciências da educação) o cultural (conhecimentos do
meio) e a prática-pedagógica (experiências de ensino-aprendizagem)
como interrelacionados.
Para focalizar melhor esta última questão, levantada pela professora
Justiceira
sobre o tempo do professor para a produção, podemos recorrer
a reflexão de André (2001) acerca dos processos de enxugamento por que
passam as universidades brasileiras:
Com as aposentadorias e os processos de enxugamento do
quadro de docentes das universidades, estamos cada vez
mais sobrecarregados com aulas, comissões, reuniões
pareceres, trabalhos de estudantes para ler e avaliar,
sobrando muito pouco tempo para a produção intelectual,
para a crítica e para o tão necessário aprofundamento dos
trabalhos. (
ANDRÉ, 2001, p. 62).
Relacionado aos aspectos apresentados por André (a sobrecarga
com aulas, comissões, reuniões) e diversas atividades citadas no
depoimento da professora
Justiceira,
se vincula à impossibilidade de
comparar a baixa produção do professor horista àquela desenvolvida pelo
73
professor que trabalha em regime de dedicação exclusiva ou mesmo em
tempo integral.
Dados recentes apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) são objeto de reflexão
contemplados por Lelis (2006), quando analisa a situação de trabalho
vigente em grande parte das instituições de magistério do Ensino
Superior:
Exatamente por ser horista, esse professor não terá tempo e
condições para um compromisso com a instituição (e ela
nem a deseja), pois se verá obrigado a vender sua força de
trabalho a tantas instituições quanto forem necessárias para
um sustento digno de vida (LELIS, 2006, p. 8).
A representação gráfica dos dados extraídos do Cadastro de
Professores de Ensino Superior, a que se refere à autora, seguida da
inserção de um breve recorte de E-mail
22
transcrito do Diário de Campo
da investigação-formação pode favorecer a visualização de como é a
grave a realidade que enfrentamos:
SITUAÇÃO DE TRABALHO %
Professores em Regime de Dedicação Exclusiva (DE) 16,9%
Os que trabalham em Tempo Integral 18,6%
Os que trabalham em Tempo Parcial
20,4%
Professores que trabalham como HORISTAS 44,1%
QUADRO 03 – A SITUAÇÃO DE TRABALHO DOS PROFESSORES NAS IES
Fonte: INEP, 2005
22
O recorte ilustrado se refere à correspondência por E-mail, datada de 22.09.06,
trocada com um colega da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, quando
compartilhava as minhas inquietações acerca de qual seria a melhor forma de incluir os
surpreendentes números apresentados pelo INEP na Tese.
74
Lançar estes números na tese não pareceria uma perspectiva meio desanimadora?[...] A
não ser que, para não se situarem num contexto isolado, sejam representados por uma
tabela ou gráfico e da análise da própria fala de Lellis que se refere a esse estado de
coisas. (In: Marques, Diário “Devaneios”, 2006).
Com isso, queremos frisar que apesar da LDB caracterizar a
formação dos quadros profissionais de nível superior como um terço do
corpo docente em regime de tempo integral, na realidade isso não
acontece.
Como pode ser visto na figura 03, praticamente a metade da tabela:
44,1% compõem-se de professores do Ensino Superior brasileiro que são
contratados como horistas.
Enquanto que os outros 55,9% dos docentes ficam distribuídos em:
18,6% tempo integral (que não chega nem perto do que é recomendado
pela lei) mais 20,4% que trabalham em tempo parcial, sobrando apenas
16,9% que trabalham em regime de dedicação exclusiva. Uma
desproporção impressionante: 16,9% de professores DE para 44,1%
horistas.
Em meio a esse contexto diversificado, em termos de contratação e
inserção profissional que se vinculam as questões de titulação e condições
de trabalho onde se dão as práticas e vivências pessoais – profissionais,
os relatos dos sujeitos da investigação-formação indicam não bastar o
engajamento da categoria docente na luta pela ampliação de
investimentos em programas de valorização, qualificação e formação
contínua.
O que não os impediu, entretanto, de sinalizar alternativas, que vêm
como importantes, para ser articuladas com outras medidas tão
importantes quanto.
75
Tais proposições foram defendidas no decorrer dos Laboratórios
23
: a
viabilização de políticas públicas condizentes com a natureza e
especificidades das universidades e IES brasileiras, acrescente-se:
sobretudo nas regiões menos contempladas como o Norte e Nordeste.
De igual modo, o estímulo aos estudos e pesquisas que contemplam
a construção da identidade e processos de formação e profissionalização
dos professores, que atuam no Ensino Superior; o estabelecimento de
princípios norteadores e/ou diretrizes referenciais de formação; a
valorização dos profissionais de ensino com maior justeza (seja daquele
que atua como pesquisador seja do professor que atua apenas no ensino
mediante uma carga horária, muitas vezes, exaustiva).
E, o reconhecimento de que a ação didática exercida pelo professor
tem suma importância e não pode ser considerada como “coisa de
pedagogo”, pois se trata de uma ação a ser tecida coletivamente.
É assim que, frente à emaranhada teia de relações onde se constrói
o magistério, cumpre-nos continuar a entrecruzar as vivências e
preocupações que relataram os professores entrevistados em torno das
quais concebem o ensino no Ensino Superior.
2.2. O que é ensino no Ensino Superior
Mediante os depoimentos dos docentes e à luz de estudos
relacionais tratamos de uma série de considerações a respeito do que é o
ensino e sob que condições se encontra estabelecido.
Desse modo, foi possível distinguir oito elos (que não se distanciam
ou se excluem entre si) entre o ensino e diferentes elementos que foram
estabelecidos no âmbito da pesquisa-formação.
23
Uma vez que o peso da epistemologia dos sujeitos acerca do ES se constitui num dos
alicerces da Tese que defendemos, as sínteses das plenárias anotadas dos EPF’s, ao
longo do Diário “Devaneios”, têm presença constante nas análises realizadas.
76
Após a ilustração 04, situamos cada um deles mediante a
sistematização das narrativas e posições assumidas pelos sujeitos.
Mudança
Ética
Ato
Individual
Indissociabilidade
Formação
Docente
Produção
científica
Politização
Questões
Formativas
Ensino
FIGURA 04 O ENSINO E OS OITOS ELOS
Fonte: Marques, Diário “Devaneios”, 2006.
Elos entre ensino e questões formativas
Muitos professores que atuam no Ensino Superior são formados como profissionais e
pesquisadores de uma área específica que não tem nada a ver com a Educação, [...] sem
condição de estabelecer relações entre ensino e questões formativas para a docência
[...] sem o devido preparo para a reflexão e atuação crítica ou sem saber a que estudos
recorrer para melhorá-lo (Margarida).
O depoimento de
Margarida
põe em evidência, mais uma vez, a
construção identitária e formativa do professor como elementos
importantes para a compreensão e exercício do ensino no Ensino Superior.
Ao que pese, ao mesmo tempo em que a ênfase de estudos (André,
2005; Pimenta, 2000; Anastasiou, 2006; Cunha, 1999; Ramalho 2005,
2006; Lellis, 2006) sobre a formação docente e sua profissionalização têm
77
contribuído para uma maior compreensão e valorização do que seja o
ensino, também tem servido, todavia, para demonstrar que as publicações
neste campo carecem de maior atenção das IES.
Acrescente-se que a depender do tipo de instituição de Ensino
Superior à formação de professores pode não ser o seu eixo principal de
atenção
24
. Naquelas, então, onde a pesquisa e a pós-graduação são
priorizadas, este investimento é ainda menor ou quase inexiste.
Há um outro ponto: diferentes formas de conceber o ensino vão
levar as variadas formas de exercê-lo e ao entendimento das razões que
mobilizam a fazê-lo. Os saberes, as experiências e certificação obtidas que
habilita a exercer o ensino não outorga a sabedoria implícita em poder
vivenciá-lo.
Na época fui contratada pela minha área específica de formação. Tinha o domínio dos
conteúdos que iria ensinar e dos estudos pedagógicos necessários, mas não tinha a
prática para saber como utilizá-los. No entanto passei no período probatório de modo
tranqüilo [...] me sentia uma ótima especialista e uma péssima professora (Margarida).
Com efeito, o fato do professor não ser acompanhado, formalmente,
durante ou após a avaliação do período probatório, e por nem sempre se
exigir uma prática anterior “na formação específica para o exercício da
docência” (Ramalho, 2005), torna mais difícil o seu desenvolvimento
profissional e consequentemente o ensino exercido.
O que se aproxima da posição de Anastasiou (2006) sobre o
ingresso do professor que atua no Ensino Superior numa instituição, que
se dá mediante concurso ou convite para docência reforçando que este
tem formação em área específica e domina os saberes da área em que se
especializou: “dorme profissional de uma área e acorda professor”.
Em algumas discussões nos EPF’s, alguns docentes defenderam ser
possível desenvolver a atividade do ensino no Ensino Superior, “se virando
24
Na análise de Trigueiro (2000, p. 23) a expectativa é de que os centros universitários
também realizem a pesquisa e extensão, mesmo que não esteja explícito no Decreto nº.
2.306 de 19.08.97, enquanto que as faculdades isoladas e integradas estão desobrigadas
de desenvolvê-las.
78
sozinho mesmo” (professor
Do Contra
) sem o preparo pedagógico
necessário a um trabalho dessa natureza. Essa perspectiva meio que
individual de preparação e agir profissional nos leva ao próximo elo
estabelecido pelos sujeitos.
Elos entre ensino e ato individual/solitário
Considero o ensino uma prática bastante individualizada [...] é muito comum no primeiro
dia de aula o professor ou a professora apresentar a ementa da disciplina e se
concentrar nela durante todo o semestre [...] desconheço grupos onde os professores
reúnam para discutir atividades interdisciplinares ou participar de alguma formação
paralela, especialmente para recém contratados (Do Contra).
Conforme enfatizado pela narrativa, muitas vezes o professor realiza
o seu trabalho individualmente sem trocas ou ajuda. O ensino é assim
efetivado a partir de uma ementa que não passa, necessariamente, por
maiores discussões entre os demais docentes do curso. Fato agravado
pelo coletivo de professores não atuar como categoria profissional, por
desconhecer um código de ética da profissão e por inexistir uma
associação de classe.
Nas suas análises, Ramalho (2006), Pimenta (2002) e Anastasiou
(2006) salientam que a docência é muitas vezes encarada como uma
ocupação e não como profissão sendo necessário superar: a atuação
solitária, o desconhecimento do saber do estudante, a herança de
“professor enciclopédia”, a pouca autonomia no tocante as questões
pedagógicas e de infra-estrutura, e o pouco envolvimento com a
efetivação do projeto pedagógico do curso.
A próxima narrativa evidencia, mais uma vez, a percepção do ensino
como um ato solitário e isolado:
[...] foi à primeira universidade a me oferecer uma oportunidade de trabalhar no Ensino
Superior [...] embora tenha feito Pedagogia faltava uma noção mais clara do que é o
ensino, de como trabalhar os conteúdos da disciplina, de como atender as expectativas
dos alunos [...] defino, pela experiência sofrida, o ensino como um ato solitário e isolado,
de pouquíssima visibilidade teórica e metodológica (Do Contra).
79
O relato do professor
Do Contra
pode ser refletido com base nas
colocações de Ramalho (2006), quando se posiciona acerca do ensino e do
exercício da docência no Ensino Superior:
Não é uma tarefa fácil ensinar numa instituição como a
universitária: entrar numa sala para ministrar aulas a um
grupo de estudantes, sobre um determinado conteúdo
quando, muitas vezes, nem sabemos a quem vamos
“ensinar” (pouco conhecemos sobre o perfil dos nossos
estudantes) e se esses estudantes estão interessados no
que irão ali, supostamente, “aprender” (RAMALHO, 2006,
p.1).
Como se vê, a autora questiona a ausência na estrutura universitária
de orientações formais de uma pedagogia e de um método que possa ser
tomado como referência ou diretriz. Ou mesmo de Parâmetros Didáticos
Pedagógicos que ajudem a orientar os professores no exercício do ensino.
Em se tratando de uma profissão Ramalho (2006) considera que a
docência necessita de uma base tanto teórica quanto metodológica e
técnica que possibilite a compreensão e interpretação das diversas
situações que se apresentam na prática de ensino.
Ao falar das dificuldades vividas no exercício da docência, nas
instituições em que trabalham, os sujeitos recorriam ao elo que
discutiremos a seguir.
Elos entre ensino, pesquisa, extensão e formação docente
Não consigo conceber o ensino desvinculado da pesquisa e da extensão como tem
ocorrido em grande parte das IES e universidades [...] a depender do mercado em que a
instituição se apóie pode até acontecer uma diferença, mas normalmente o investimento
na formação de professores mesmo insuficiente só ocorre na pública [...] ou o que se vê é
o apoio para titulação que é outra coisa. (Do Contra)
Ao contrário do professor
Do Contra,
alguns sujeitos ao tratar das
principais diferenças entre as IES, reportaram as atividades de ensino-
80
pesquisa-extensão como de responsabilidade das Universidades, e
isentaram os Centros Universitários, as Faculdades Integradas e os
Institutos Superiores de procurar integrá-las às suas ações habituais. Até
porque como sabemos não há uma maior exigência para que isso ocorra
nem mesmo na atual LDB.
Em face disso, dependendo do exercício profissional, que cada um
de nós opte em desenvolver, e da instituição a que nos vinculemos, isto
pode até passar a se restringir, lamentavelmente, a uma questão de
expectativas sócio-institucionais.
No caso do professor
Do Contra
o fato de não poder contar com o
apoio institucional para desenvolver o ensino com pesquisa e extensão e
para investimento no seu percurso formativo, lhe leva a ponderar que
este só ocorre nas instituições públicas mesmo que de modo insuficiente.
Segundo levantamento feito por Morosini (2001), dos 973
estabelecimentos de Ensino Superior no Brasil, 153 são universidades e
820 não-universidades.
O próximo quadro representa, sinteticamente, a forma como a
instituição a que se filia o docente pode influenciar diretamente na sua
atuação.
UNIVERSIDADES
NÃO UNIVERSIDADES
CARACTERIZAÇÃO
Universidades
As Universidades e Não
Universidades trabalham o
ensino
- Princípio da indissociabilidade: ensino-pesquisa-
extensão e princípio da autonomia
-
Centros Universitários
- Ensino de excelência.
- Uma ou mais área de conhecimento
-
Faculdades Integradas
- Ensino - e ás vezes, desenvolve: pesquisa e
extensão
- Dependentes do CNE
-
Faculdades/Escolas
Institutos Superiores
- Uma área de conhecimento
- Podem realizar ensino ou pesquisa
153
820
Total: 973 Instituições
QUADRO 05: IES SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA
Fonte: LDB/96
81
Conforme ilustra o quadro 05, se o docente atua num grupo de
pesquisa em uma universidade, provavelmente a sua visão de docência
terá um forte condicionante de investigação (Morosini, 2001) tanto pelo
princípio de indissociabilidade quanto por congregar um corpo docente
cuja titulação oscila, em grande parte, entre mestres e doutores.
Caso exerça a atividade docente nos Centros Universitários, pelo
que indica a legislação, irá trabalhar um ensino de excelência e atuar em
uma ou mais área do conhecimento, o que pode significar desenvolver
ensino sem pesquisa, ou se muito, do ensino e pesquisa. Neste aspecto
não difere consideravelmente daqueles que atuam em faculdades
integradas, que representam um conjunto de instituições (e diferentes
áreas do conhecimento) ou institutos Superiores que podem,
ou não,
desenvolver pesquisa além do ensino.
Mesmo admitindo que a docência pareça se constituir numa das
características mais marcantes quando nos perguntamos qual o objetivo
primordial das universidades contemporâneas estranhamente - a
formação de professores - não é o seu eixo principal, como vimos no
depoimento de
D. Contra.
Onde apenas a pesquisa ou a pós-graduação são priorizadas, este
investimento é ainda menor ou quase inexiste. Para Castanho (2006, p.
03) “[...] a dimensão mais esquecida e desprezada é a do ensino. Talvez,
porque ensino e pesquisa tenha que ser umbilicalmente ligados e não o
são”.
Por outro lado, há uma tendência a se deixar de lado as ações
extensivas, como se não contribuíssem tanto quanto o ensino e a
pesquisa, para a apreensão crítica e contextual dos saberes propostos
pelos currículos acadêmicos podendo chegar a ultrapassá-los.
A produção intelectual de uma universidade deveria, em
princípio, alcançar e interessar toda a comunidade, o
entorno social de que é parte e a mantém. Os problemas
sociais, econômicos, culturais, educacionais e ambientais da
comunidade e da região em que está à universidade
deveriam ser parte de sua temática de investigação, como
82
objeto de diagnóstico, proposição e desenvolvimento.
(MENEZES, 2000, p. 15).
Tanto as instituições necessitam oferecer condições estruturais para
que isso ocorra quanto o professor, e seu ensino, não pode ficar à parte
da realidade em curso, sob pena de distanciar-se das grandes questões
sociais em andamento, e restringir-se, ao medíocre repasse de
informações e instrumentalidades. Sobre isso, influenciam as condições de
trabalho, o tempo e o esforço dedicado ao trabalho que desenvolve.
Nesse sentido, o relato do professor
Do Contra
sobre os elos entre
ensino-pesquisa-extensão nos indica a necessidade de acrescentar um
elemento importante na configuração da organização acadêmica das IES.
Para tanto, localizamos os estudos de Behrens (1998) que
identificam quatro grupos distintos de professores que nelas atuam: o
primeiro grupo composto de profissionais de diferentes áreas que se
dedicam de modo integral ao ensino. O segundo, formado por
profissionais liberais que atuam no mercado de trabalho específico do
curso que ensinam. O terceiro, representado por profissionais docentes da
área de educação envolvidos em cursos de pedagogia e licenciatura e o
quarto por profissionais da área de educação e das licenciaturas que se
dedicam em tempo integral ao ensino na universidade.
A diversidade destes grupos elucida melhor os desafios enfrentados
para se desenvolver uma
cultura de extensão
como defende Menezes
(2000), no âmbito das instituições.
No caso da pesquisa, Morosini (2001), não vê, a implantação dessa
cultura como uma ocorrência fácil, pois implica no longo período de
desenvolvimento de massa crítica e/ou na contratação de docentes de
linhas de pesquisa em desenvolvimento no fomento das atividades de
pesquisa (implantação de bolsas, apoio a projetos, concessão de horas na
carga horária do professor), entre outros.
O próximo elo trata das questões de (auto) formação do professor
nas IES a partir do depoimento da professora
Margarida.
83
Elos entre ensino e (auto) formação
A ênfase erroneamente está no produto final e não no processo formativo vivenciado
pelo professor. Aprendemos o que é o ensino, no dia-dia, praticamente graças ao próprio
esforço porque as experiências coletivas e vivenciadas parecem pouco importar em
algumas instituições privadas. O diploma e as outras titulações essas sim devem ser
obtidas para que possam, às nossas custas, competir melhor no mercado (Margarida).
A professora
Margarida,
narra a sua experiência de ensino a partir
da prática (auto) formativa não sendo injusto afirmar que numa das
instituições em que trabalha esse fato não ganha maior importância por
serem outras as preocupações: retorno financeiro e competição por
maiores fatias no mercado.
Nesta perspectiva, o ensino precisaria ser considerado como algo
muito maior do que o mero acúmulo de titulações adquiridas. Ao revelar
que aprende “o que é ensino no dia-a-dia praticamente graças ao próprio
esforço porque as experiências coletivas e vivenciadas parecem pouco
importar em algumas instituições privadas” a professora
Margarida
nos
possibilita confrontar duas importantes questões.
A primeira delas, acerca da experiência (auto) formativa vivida e
que é defendida por Nóvoa (1995, p. 36) quando salienta que é
importante que “os professores se apropriem dos saberes de que são
portadores e os trabalhem do ponto de vista teórico e conceptual”. A
natureza humana do ensino, por ser inconclusa e provisória, favorece que
o professor possa ter sempre o que aprender a partir das próprias
vivências e dos processos coletivos. A professora
Margarida
, pode
mediante a vontade pessoal e coletiva (consideradas as determinações
sócio-institucionais) impulsionar os processos de formação/ (auto)
formação, onde a socialização e o apoio mútuo enriqueçam a produção
teórica, prática e metodológica necessárias ao agir educativo.
A segunda questão que D. Margarida apresenta se refere aos
espaços institucionais
(não)
oferecerem condições ao exercício autônomo
84
e continuado das relações existentes entre o pensar e agir profissional do
professor apesar da necessidade de refletir e teorizar que o ensino exige.
O princípio de indissociabilidade (do qual falávamos no elo anterior)
favorece a experimentação e investigação de caminhos de (auto)
formação uma vez que os espaços da formação são múltiplos. Além disso,
a promoção de cursos, seminários e palestras, entre outros, fomenta o
processo de (auto) formação partilhada proporcionando o exercício da
(auto) crítica, uma maior reflexão sobre as práticas e problemas
envolventes e o aprofundamento das relações sociais na instituição. O que
pode trazer impactos diretos à qualidade das produções científicas, elo
que discutiremos a seguir.
Elos entre ensino e produção científica
o há investimento na formação do professor, mas a pressão pela prodão científica e
pela titulação é enorme [...] cheguei a estourar com a coordenadora do colegiado: “vocês
querem que eu ensine bem ou que eu publique mais? Se esperam que eu escreva artigos e
mais artigos não me julguem por sacrificar o ensino para atendê-los” [...] para vocês,
parece não ter a mínima importância o fato de eu tentar ser uma boa professora
(Alguém que acredita).
É preciso situar um aspecto nesta narrativa: mesmo qualquer
instituição de Ensino Superior mais tradicionalmente reconhecida que
enfatize a importância de um corpo docente composto por mestres e
doutores com dedicação exclusiva e significativo índice de produção
científica, não tem como garantir (e esta, em questão, parece não estar
se importando) a qualidade de excelência no ensino oferecido.
A professora
Alguém que Acredita
demonstra se ressentir por ser
avaliada pelo índice de publicações e titulações e conseqüente prestígio
acadêmico alcançado. Não importando, entrementes, se não mede
esforços para desenvolver um processo formativo que melhore o ensino
desenvolvido.
85
Dentro deste contexto em que a formação de professores
muitas vezes é classificada como “subproduto” da vida
universitária, preocupar-se com esta questão supõe aceitar
envolver-se com uma questão “menor”, que certamente não
pertence ao elenco daquelas que dão maior prestígio
acadêmico (CANDAU, 2003, p. 36).
Vale dizer que não vai aqui, apenas, uma crítica a tal situação
paradoxal, mas antes uma constatação: A formação de professores não se
encontra na pauta prioritária de grande parte das instituições,
notadamente nas particulares, conforme assinalado anteriormente.
Ao lado disso, relacionada à reflexão levantada por Candau (2003)
sobre a formação docente ser tratada como uma questão menor, o
desabafo da professora
Alguém que Acredita
, levanta, ainda, duas outras
implicações quando a instituição pressiona para que produza
artigos e
mais artigos.
Poderíamos destacar, em primeiro lugar, que a própria sobrecarga
de trabalho (o número de turmas, disciplinas assumidas e demais
atividades) lhe deixa um tempo reduzido para manter a
quantidade/qualidade, originalidade e relevância social esperada nas suas
produções científicas.
Em segundo lugar, o fato de ter pouco tempo para dedicar ao ensino
e à pesquisa, ao mesmo tempo, desfavorece a prática de formação
exercida: como um professor-pesquisador, que pouco se dedica ao
aproveitamento das oportunidades de formação/ (auto) formação pode
contribuir para formar outros novos professores-pesquisadores?
O ensino e a pesquisa exigem reflexão, amadurecimento de
dúvidas, diálogo, disponibilidade de tempo e garantia das condições
estruturais. Não ajuda a instituição pressionar (porque também sofre
pressões por parte dos sistemas de ensino e pesquisa do país) sem
oferecer as condições mínimas para que isso possa ocorrer.
Os sujeitos da investigação-formação têm como forma de resistência
e autonomia, o elo que apresentamos a seguir.
86
Elos entre ensino e politização do professor
É um ato político porque se constitui a partir de lutas concretas e de sobrevivência [...]
superar a fragmentação curricular, manter a mesma qualidade na instituição pública e
privada; materializar a idéia da coletividade; equacionar a teoria – prática; desenvolver
um trabalho integrado mesmo com reduzida carga horária [...] elaborar projetos
coletivos que atendam as expectativas dos discentes e da comunidade (D. Contra).
Como relatado pelo professor
D. Contra
tornamo-nos quase
prisioneiros de problemáticas conflitantes, em que pese à carga horária e
condições de trabalho a que somos submetidos, os vínculos sociais e
profissionais que mal estabelecemos, o corre-corre exaustivo de uma
instituição a outra (sobrevivência mercadológica) e a remuneração obtida
entre outros problemas
que permeiam a busca da sobrevivência e da
profissionalização (Ramalho et alii, 2003) o que torna ainda mais
importante essa discussão.
As mudanças requeridas, no relato do professor
Do Contra,
não são
simples de se obter. Como Furlanetto (2006) afirma, os professores
mudam suas condutas e práticas:
Quando se sentem desestabilizados e sem recursos para
lidar com os desafios impostos pelo cotidiano. O professor
contemporâneo, cada vez mais, depara-se com o
inesperado. Escolher negá-lo ou considerá-lo seu destino
impõe-se como tarefa a ser enfrentada (FURLANETTO,
2006, p.09)
Sem falar que, contrariamente ao que parece, o próprio esforço para
mudanças e fortalecimento do compromisso político é construído quase
que “a sós”. Segundo os relatos dos sujeitos, não há tempo para sequer
se discutir, por exemplo, os seus objetos de investigação, o que termina
se realizando nas apresentações abertas, publicações disponíveis e breves
interlocuções durante as aulas. Se, é, assim, como encarar uma turma de
estudantes, diariamente, munidos de um discurso destituído de
atualização e realidade?
87
Aliás, observando alguns discentes poderíamos, inclusive, supor que
em algumas situações de ensino, a concepção de docência como prática
da repetição
,
é legitimada por tácita aceitação. Tem aqueles que
trabalham o dia inteiro, e ao chegar à sala de aula, exauridos, terminam
por se acomodar ao tipo assistidor de aulas.
Como conseqüência natural, esta discussão desemboca na pós-
graduação: “[...] muitas vezes os pós-graduandos são apenas estudantes
no sentido, etimológico do termo, e os professores são os detentores do
poder e do saber, no domínio do capital intelectual”
(Ramalho, 2005,
p.72). A pouca politização representa, assim, os processos pessoais e
históricos que vivem/viveram em diferentes contextos situações de
formação.
Não é que os sujeitos, a exemplo da narrativa do professor
Do
Contra
, não tenham consciência política dos desafios a enfrentar. Ao
mesmo tempo, vão precisar de coragem para romper com muitas das
alienações impostas pelos determinantes sócio-culturais a que são
submetidos. E isso não se faz impunemente ou sozinho. Daí ser um
processo tão difícil e demorado.
Elos entre ensino e ética
Quando falta ética o ensino vira esconde-esconde [...] alguém fica sabendo de algo que
pode servir às aulas do coletivo e usa a informação apenas em benefício próprio [...] todo
mundo está sempre super atarefado quando se trata de assumir mais uma disciplina [...]
qualquer um poderia encabeçar certas mudanças metodológicas e avaliativas, mas poucos
o fazem [...] colegas plagiam, descaradamente, idéias de colegas ou até de alunos e todo
mundo finge que não vê [...] outros recebem incentivos de produção científica por textos
que já caducaram sem produzir nada novo sobre o ensino e assim vai (Justiceira).
Apesar de ser parte integrante, seria insensatez responsabilizar
apenas o professor do Ensino Superior perante tantas nuances políticas,
metodológicas, éticas, estruturais, enfrentadas. Evidentemente, a
complexa configuração dos limites e determinantes a que são submetidos
88
os professores também precisa ser considerado sob o ponto de vista
histórico – econômico - social – psicológico próprio da historia de cada um
e que interfere, sobremaneira, na concretização de um posicionamento
mais ético ou mesmo decente perante o coletivo.
O que não invalida, entretanto, que a indignação da professora
Justiceira
se alie a necessidade de se intervir, firmemente, sob o ponto de
vista coletivo e institucional para que os fatos relatados não se legitimem.
O ensino “não é algo neutro” (Enricone, 2006, p.09), inclui: opções
éticas, sentimentos, valores, intenções, opiniões e escolhas. Cada
professor decide, em última análise, a conduta ética a assumir perante os
acontecimentos e situações vividas.
Recortando outro aspecto, refletido na narrativa da professora
Justiceira
: “qualquer um poderia encabeçar certas mudanças
metodológicas e avaliativas, mas poucos o fazem” podemos entender a
concepção de docência que emerge da sua preocupação. Para a docente,
é importante que os estudantes aprendam com o nosso ensino. Ou seja, o
seu relato vincula ensino, ética, aprendizagem e avaliação.
Sobre isso, podemos recorrer aos argumentos de Cunha (2003):
O que importa é fazer os alunos aprenderem. Esta, sendo
uma preocupação interessante esbarra, entretanto, na
concepção de aprendizagem ligada pragmaticamente aos
resultados objetivos da avaliação. Pode representar, por
outro lado, uma brecha no sistema planejado, sendo capaz
de produzir uma concepção crítica que mobilize os saberes
docentes. Será esta uma possibilidade concreta? (CUNHA,
2003, p.24).
A nosso ver, Cunha questiona, principalmente, o que os professores
poderão fazer com uma percepção mais crítica e, portanto, ética e
comprometida dos processos avaliativos e de aprendizagem. Isso significa
que, caso tais formatos influenciem na concepção de docência que se
instala no âmbito acadêmico, podem favorecer não somente a
aprendizagem dos estudantes, mas, ao mesmo tempo, a caracterização
89
de processos (auto) formativos mais críticos e que preservem a condição
ética dos sujeitos docentes.
Os elos entre ensino e mudança
Tento viver o ensino a partir de elementos subjetivos [...] a criatividade, relações
construtivas, atitude curiosa, compreensão para com os problemas dos alunos, postura
dinâmica e bem humorada, afeto a serviço da competência técnica e do compromisso
político, abertura às críticas dos estudantes [...] essa intencionalidade no ensino garante
a provocação de mudanças e me impedem de ser uma professora ensinadora.
(Margarida).
Ao afirmar que tenta viver o ensino a partir de elementos
subjetivos,
Margarida
enfatiza a noção de que é fundamental o exercício
da reflexão na prática e no processo formativo (Pimenta, 2000; Nóvoa,
1995; Contreras, 1997; Ramalho, 2006).
Entendemos como a professora
Margarida,
que o sentido do trabalho
docente baseia-se, entre outros, na suposição de que o que nos mobiliza a
agir é a certeza de que é possível mudar, captadas, realisticamente, as
sutilezas dos condicionantes e correlação das forças sociais.
A despeito de todas as pressões, resistências e (des)
responsabilizações chegamos pelo menos a uma certeza. Podemos
retomar a forma como Nóvoa (1995) a anuncia:
Os professores não são certamente os “salvadores do
mundo”, mas também não são “meros agentes” de uma
ordem que os ultrapassa. Só através de uma reelaboração
permanente de uma identidade profissional, os professores
poderão definir estratégias de acção que não podem
mudar
tudo
, mas que podem
mudar alguma coisa
. E esta
alguma
coisa
não é
coisa pouca
. (NÓVOA, 1995, p.41).
Obviamente, não podemos deixar de lado a outra versão: aquela de
quando são eles, os estudantes, que cobram mudanças, entre outras de
cunho teórico-metodológico e aproveitam as oportunidades surgidas para
explicitar que as aulas e a quantidade dos conteúdos ministrados, por
exemplo, não agradam:
90
Final da noite no Curso de Licenciatura. A professora explica que na avaliação da
disciplina prevista para o final do semestre... - “Você pode encaminhar o feedback de
modo anônimo caso prefira permanecer oculto por achar que vou aceitar melhor as
críticas por não saber os autores delas. Ou pode querer fazê-la sem que eu saiba que é a
sua”. Demora um pouco e uma bolinha de papel, entreaberta, cai no chão à sua frente.
Ela a escancara e lê: - “As aulas são muito chatas, tem conteúdo demais. Faz um
trabalho de campo, experimente algo diferente, tente mudar.” - “Quem escreveu isso?”-
pergunta irritada. E responde uma voz do fundão da sala: - “Um anônimo”. (Diário
“Devaneios”, 2005)
Talvez, como visto na anedota, porque nos assaltem de surpresa,
ou, por estarmos, de certo modo, acomodados a certa rotina de como
ensinar, ou de como aprendemos a fazê-lo, nem sempre reagimos de
modo favorável ou acenamos de volta a estes apelos. Diferente da
perspectiva descrita no depoimento de
Margarida
.
Uma perda analisada por Alencar (2002, p. 9) quando pondera que,
para grande parcela dos professores, o ensino é voltado basicamente para
a reprodução do conhecimento e não para a sua construção e que pouco
ou quase nada se faz no sentido de preparar o estudante para a produção
de idéias.
No caso acima, apesar da professora de Licenciatura ter provocado
uma valiosa oportunidade de realizar a autocrítica do seu trabalho e que
teria sido encorajadora para melhorar a qualidade das aulas ministradas,
o fato da situação apresentada fugir à abordagem esperada dificultou o
reconhecimento da crítica ao seu desempenho, lançado anonimamente
por um dos estudantes do “fundão” da sala.
A dificuldade da docente em lidar objetivamente com a situação
inusitada, ajustando-se de modo receptivo e tolerante, poderia ter criado
um ambiente propício para outras observações que os ajudasse a explorar
soluções conjuntamente.
A situação exposta pela anedota indica, por outro lado, certa
desconsideração aos oito elos do ensino (questões formativas, ato
individual, tripé ensino pesquisa e extensão, (auto) formação, produção
científica, politização, ética e mudança) estabelecidos pelos sujeitos da
91
pesquisa. Dentre as quais se destaca o risco de nos limitarmos a
desenvolver apenas, e malmente, a função do ensino, à revelia das
demais relações.
Felizmente a investigação-formação nos autoriza a afirmar que é
possível superar este risco (dentre diversos outros), qual seja: de nos
tornarmos “ensinadores” alertados, ainda que seja através de bolinhas de
papel anônimas. Continuaremos a tratar disso no próximo item.
2.3. Quem é esse, o “ensinador” e que conjuntura alimenta sua
presença
No conceito não-dicionarizado, o ensinador é visto pelos sujeitos da
investigação-formação como o professor ministrante de conteúdos, que
minimiza, conscientemente ou não, o sentido formador do seu papel.
Aquele que privilegia o ensino sob o ponto de vista conteudista ou mesmo
metodológico em detrimento da perspectiva política – afetivo – social do
seu trabalho. No primeiro caso, o termo ensinador, emergiu de uma das
narrativas da professora
Margarida
:
O professor ensinador se caracteriza pela prática transmissora de conteúdos. A própria
palavra ensinar já carrega a idéia de instruir, doutrinar, castigar [...] não se passa por
tudo isso impunemente. Sempre correndo atrás de cursos, títulos, técnicas que lhe
credenciem a imagem de repassador competente falta-lhe senso político, sensibilidade e
afeto mesmo para discernir o que caberia como um formador .
O professor ensinador pode ser visto na narrativa de
Margarida
como aquele para quem parece bastar a aquisição do referencial teórico
específico ou ainda, participar, continuamente de eventos no seu campo
de atuação profissional, possuindo títulos e publicações em certa área de
conhecimento. E que lhe falta, inclusive laços de afeto nas relações
estabelecidas com os discentes, se constitui, enfim, num “técnico
competente”.
92
No segundo caso, o termo se vincula à ênfase no conteúdo ou na
metodologia, ideário que se apresentou subjacente ao posicionamento
assumido pela professora
Alguém que Acredita
ao se referir ao domínio de
determinados saberes/recursos didáticos como suficientes para trabalhar
no Ensino Superior:
Embora a minha formação inicial tenha sido na Licenciatura em Letras tive muito pouco
contato ou quase nenhum com a manipulação de recursos didáticos para o ensino. Além de
serem equipamentos pouco disponíveis, os professores alegavam que o tempo da aula era
curto para usá-los. Como esperavam que eu ensinasse bem os conteúdos quando me
formasse se eu não tinha o essencial? A primeira vez em que usei um retro estava no
curso de especialização e me senti bastante desajeitada por não dominar estes saberes.
Como se vê a sua posição neste relato se baseia no ensino como ato
de transmissão e na experiente utilização dos aparatos metodológicos
como a condição mais importante e essencial para o seu desenvolvimento
a despeito das demais. Nossa intenção não consiste, todavia, em
estabelecer o que é ser ou não um professor ensinador segundo os
sentidos apresentados por estes dois depoimentos, mas sim de um pensar
em torno de como, além de possuir tais aparatos, se deveria trabalhá-los.
Poderíamos considerá-los, neste caso como atributos que, ainda que
sejam necessários, precisam ser elastecidos do modo refletido por
Abramovich (1990):
Se trabalha tão pouco com a consciência que se tem sobre
eles, o quanto podem ser elastecidos, ampliados, se se
permitir experimentar mais, testar além do já conhecido, ter
nítidos os usos e abusos que não se permitirá mais, se
propor a enfrentar o ainda desconhecido, encarar o que se
imagina que não sabe e não é – ou se sente – apto...
(ABRAMOVICH, 1990, p.85).
Decerto, também se trata da construção de referenciais teóricos –
metodológicos sinalizados pelos sujeitos, mas, quando apontam para o
desenvolvimento da profissão em sua globalidade, cuja formação inicial e
continuada se dê concomitantes a uma maior sensibilização, valorização e
qualificação profissional.
93
Como Gauthier (1988), acreditamos ser importante a superação do
ideário de que para ser um docente basta: conhecer o conteúdo, ter
talento, cultura e bom senso, gostar do que faz e possuir a titulação de
mestre ou doutor. O que vem se configurando numa das grandes
preocupações no campo da educação como parte de um processo lento,
mas de contínuo avanço, no movimento de profissionalização docente.
(Ramalho, Nuñez e Gauthier, 2003).
Felizmente, do ponto de vista da admissão de certo despreparo por
parte da própria categoria, como vê Masetto (1998), é possível distinguir
que há, no momento, um maior anseio em mudar a partir do
aprofundamento do próprio sentido da docência uma vez que,
profissionais, provenientes dos mais diferentes campos do conhecimento,
percebem-se despreparados para o exercício da docência no Ensino
Superior, se dando conta das profundas lacunas existentes:
Só recentemente os professores universitários começaram a
se conscientizar de que a docência, como a pesquisa e o
exercício de qualquer profissão, exige capacitação própria e
específica. O exercício docente no Ensino Superior exige
competências específicas, que não se restringem a ter um
diploma de bacharel, ou mesmo de mestre ou doutor, ou,
ainda, apenas o exercício de uma profissão. Exige isso tudo,
além de ter outras competências próprias (
MASETTO 1998,
p.11).
A formação da
nova
consciência, de que o exercício da profissão
docente exige capacitação própria e específica que não se restringe a ter
um diploma, se relaciona às implicações teóricas - práticas e questões
políticas: “[...] a formação de competências é um processo complexo, que
implica relações diversas entre os diferentes níveis do conhecimento, dos
saberes, do contexto” (Ramalho et alii, 2003, p.80).
De todo modo, em meio a essa complexa formação de
competências, despreparo para ensinar no ES e elementos teóricos –
práticos envolventes, as análises desenvolvidas na investigação –
formação asseguram que dentre a conjuntura que alimenta a presença do
94
professor “ensinador” existem pelo menos duas alternativas de superação
propostas pelos sujeitos: a “ensinagem
25
” (Anastasiou, 1998) e a postura
investigativa (Nóvoa, 2000; Ramalho, 2006).
A primeira delas – a ensinagem - se opõe a prática ensinadora, de
modo viável, pois transcende a ação pedagógica restrita ao aspecto
meramente instrumental. Além de entender como indissociável a tríade
ensino – aprendizagem – avaliação a ensinagem restitui, entre outros, a
formação de competências, o preparo para atuar na docência e as
implicações teórico – práticas ao conjunto de categorias constitutivas do
trabalho docente porque os compreende como necessários à formação do
educando.
Para os sujeitos:
[...] é natural que nos cause estranheza um termo que substitua tão facilmente o que
chamamos há anos de processo ensino-aprendizagem e no qual depositamos o êxito da
relação professor - aluno e do ensino. (Alguém que Acredita).
Assim, a relação que se estabelece entre professor e estudantes
comprometidos com o processo pedagógico, se configura numa prática
social completa que supera a simples transmissão de conteúdos a meros
ouvintes.
Pela ensinagem esse compromisso conjunto, com ações e níveis de
responsabilidades próprias e específicas, se realiza concomitantemente
(Anastasiou, 1998, p. 15) com vistas à elaboração do conhecimento. O
docente, co-participante e co-responsável, ao considerar o estudante
como uma pessoa, constituída de diferentes aspectos - cognitivos afetivos
e sociais – compreende que, embora todos sejam capazes de aprender, a
aprendizagem se constrói de diferentes formas e momentos.
Igualmente o preparo para uma atuação docente que responda às
demandas decorrentes do cenário atual desloca a postura do que estamos
25
A expressão “ensinagem” foi cunhada por Anastasiou (1998), quando estudou as
situações de ensino que asseguram que a aprendizagem se realize e cuja condição
fundamental é a parceria entre professor e estudantes.
95
chamando de “ensinador”, que tende ora ao reducionismo técnico –
científico, ora “a transformar a questão da pedagogia universitária numa
questão de técnicas ou de métodos, esvaziando-os das suas referências
culturais e científicas" (Nóvoa, 2000, p. 134), para uma postura
investigativa, que viabiliza a articulação dos conhecimentos pedagógicos e
específicos das diferentes áreas de atuação no atendimento às
emergentes situações educativas com competência e criatividade.
A posição de um dos sujeitos da investigação-formação se refere a
este empenho:
Defino o ensino como identidade [s] profissionais construídas sob diferentes saberes,
experiências, vivências atualizadas pela ação-reflexão-ação [...] falta-nos entender
melhor como se pode aprender a ser professor e como construir o conhecimento
didático-pedagógico necessário para aprender a ser professor (Justiceira).
A narrativa apresenta uma questão pontual: os professores ampliam
a consciência sobre seus processos formativos, à medida que passam a
refletir sobre eles. Tanto no entendimento de docência como identidade
profissional, visto se constituir num campo específico de intervenção
profissional na prática social, quanto de identidade epistemológica, no
sentido de campo de conhecimentos específicos que abarca conteúdos das
diferentes áreas e conteúdos didático-pedagógicos, vinculados à prática
profissional.
Considerando que àqueles relacionados a saberes pedagógicos mais
amplos do campo teórico da educação e os que se reportam ao sentido da
existência humana estão aí imbricados. O ensino é um agir que se
constrói enquanto processo investigativo – formativo. Que se dá em
situações reais implicado por fatores afetivos, ideológicos, histórico –
sociais e econômicos. Outra narrativa reflete sobre possíveis perdas de se
pensar o contrário:
O que é ensino? [...] para os que estão mais preocupados em se apresentar nos
congressos do que em dar as suas aulas o ensino é algo menor que pode ser desenvolvido
sem nenhum acompanhamento ou processo reflexivo [...] orientandos que fazem a
96
docência assistida chegam a dar mais aulas do que o próprio professor da turma quando
só se deveriam fazer isso, eventualmente [...] o ensino não pode se fazer como mera
transmissão que qualquer um pode executar.(Do Contra)
Conforme ilustra o relato, enquanto o ensino for visto como algo
menor, que pode ser assumido por qualquer pessoa, em detrimento da
postura investigativa, teremos que continuar a conviver com a noção de
que ser professor se restringe ao manejo do domínio teórico de
determinada área de conhecimento e da(s) respectiva(s) disciplina(s) que
ensina.
Há um contingente de colegas que fazem lugar – comum à idéia de
lidar com a prática pedagógica segundo esse pressuposto. Como alerta
Pimenta:
Esse ideário faz parte de um senso comum disseminado que
sustenta que basta dominar o conteúdo para reunir em si
condições suficientes para ser dela um transmissor e que,
nesse contexto, ensinar é dizer um conteúdo a um grupo de
estudantes reunidos em sala de aula (PIMENTA, 2002,
p.142).
Na prática, é que se aprende que “ensinar é muito mais do que dizer
um conteúdo a um grupo de estudantes”. É incontestável a afirmação de
Freire (1997), quando explica que transformar a experiência educativa em
puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente
humano no exercício educativo: seu caráter formador.
Por que é tão difícil para o professor admitir que errou? Ou que não sabe? [...] por que
tem que cumprir a ementa todinha, timtim por timtim como manda o figurino mesmo
que a turma não esteja aprendendo? Por que sempre tem uma desculpa pronta quando é
apanhado numa falha? (Alguém que Acredita)
Como mostra a narrativa, parece possível pensar cumprir,
aparentemente, a função de professor sem na essência sê-lo ou explicar
que (não) se sabe fazê-lo. O depoimento da professora
Alguém que
Acredita
nos remete aos estudos de Tardiff (2000) quando coloca que a
97
epistemologia que sustenta a prática desenvolvida pelo professor se liga a
todo contexto social no qual se insere e que determina, de diversos
modos, os saberes exigidos e adquiridos no seu exercício.
Por ser socialmente construída a profissão docente comporta,
portanto, componentes individuais, coletivos e relações de poder. O que
nos leva a analisar, no próximo item as expectativas que os sujeitos
apresentaram em torno do ensino no Ensino Superior.
2.4. O Ensino Superior e as expectativas de mudança nas histórias
dos sujeitos
É possível reconhecer nas narrativas dos sujeitos tanto a ênfase do
ensino ser pensado a partir do esforço para imprimir-lhe maior
cientificidade e sentido de coletividade, quanto às expectativas de poder
contribuir para operar mudanças. Consideramos deste modo, a relevância
social, criticidade e busca de atualização como elementos presentes no
pensar a postura investigativa no Ensino Superior.
O Ensino Superior é uma construção social em contínua mudança [...] se nutre da (auto)
formação, de referenciais teórico-metodológicos específicos, da participação autônoma
e crítica e de valores ético - políticos que não são negociáveis. (Margarida)
Assim como entende a professora
Margarida
o ensino se constitui
como um “[...] processo de procura, de produção científica e de crítica ao
conhecimento obtido, ou seja, ao seu papel na construção da sociedade”
(Pimenta, 2002, p.164).
Para concebê-lo dessa forma é preciso superar, no entanto, o papel
de “ensinador” do qual falávamos. De supor que apenas do professor
depende o sucesso do estudante ou de que o exercício da mera
transmissão de conteúdos possa ser condição suficiente para que de fato
ocorra aprendizagem. A professora
Margarida
vê como difícil mudar esse
contexto:
98
Uma das grandes ironias é que quanto mais falamos que ensinar é construir
conhecimentos mais transmitimos conteúdos via a prática da repetição: giz, voz e retro,
slide e voz, quadro e voz [...] o mais sério é que a avaliação permanece a mesma, o único
avaliado no ensino ministrado pelo professor é o aluno. Como é difícil mudar o
ensino!(Margarida)
Essa fórmula da “repetição” como parece acreditar alguns tem
historicamente “dado certo”, desde o Ensino Jesuítico, aliás, do qual
guardamos influências. A reflexão da professora
Margarida
, por perpassar
pela questão da necessidade de se mudar as práticas de ensino e
avaliação da aprendizagem assume grande importância, uma vez que
poucos professores adotam, dentre outras opções, a prática da auto e
hetero - avaliação - perante si mesmo, seus estudantes, pares, e
comunidade envolvente - como mais uma forma de análise do ensino
exercido. Falta-nos um questionamento interior como adverte Morin
(2000):
Quem educará os educadores? Faz falta que se auto-
eduquem e se eduquem escutando as necessidades que o
século clama, das quais os estudantes são portadores (...) É
óbvio que críticas e pronunciamentos externos nos fazem
falta, mas, sobretudo o que faz falta é um questionamento
interior (MORIN, 2000, p.15).
Ao lado disso, é também a partir do respeito às próprias
insuficiências e limitações como inerentes ao ser que busca e que investe
em si mesmo, que interage, aprende-ensina que podemos encontrar
modos de enfatizar as responsabilidades das IES, para que a
profissionalização docente possa continuar a se instaurar, ampliando e
fazendo cumprir políticas públicas que contemplem diretrizes para
investimentos contínuos na qualificação dos quadros docentes.
Pensamos que essa discussão reforça uma tendência dos sujeitos da
pesquisa a ver o ensino como algo em constante mudança e que se
constitui, de modo indissociável, da investigação e busca pela produção de
99
conhecimentos significativos. Uma defesa que não se faz de forma
solitária:
Têm sido freqüentes nos últimos anos as pressões do mundo
universitário contra a fragmentação artificial do saber e a
afirmação da necessidade de uma maior correspondência
entre as matérias estudadas e a realidade, exigindo-se um
estilo de formação que prepare para conjugar diversos
enfoques de análise do real (CANDAU, 2003, p.40).
Uma dessas correspondências pode se ilustrada pelo fato da CAPES
ter instituído recentemente, o estágio supervisionado na docência como
parte das atividades que os bolsistas de mestrado e doutorado (sob sua
responsabilidade) devem cumprir. A medida objetiva ampliar a formação
pedagógica para aqueles que consideram o ensino no Ensino Superior um
possível campo de atuação profissional. No entanto, além dessa
possibilidade, aproxima, ainda, a formação para a docência da formação
para a pesquisa e, contribui para a conjugação de diversos enfoques de
análise do real, como propõe Candau (2003).
Na verdade, tanto as resistências quanto à pressão, tanto os
desafios quanto o compromisso ético de grande parte da categoria tem
contribuído para que as discussões avancem e que as mudanças possam
se efetivar: “[...] nunca se falou tanto sobre a Universidade, sobre o Ensino
Superior e é notório as divergências e o elevado nível dos debates que se
estabelecem” (Ramalho, 2006, p. 3).
Aliás, tais preocupações não têm sido esforço circunscrito aos
professores. Em maior ou menor escala, a depender do entorno, essas
questões têm modificado, gradualmente, a forma de se conceber as
especificidades e alcances do papel do professor no meio acadêmico e
social.
Outro aspecto a considerar é colocado pelo professor
Do Contra
:
Sobre a compreensão da atividade de ensino paira uma série de terminologias que
indicam como o professor foi sendo concebido historicamente: na década de 90 o
professor ficou conhecido como pesquisador [...] na década de 80 como educador [...] na
década de 70 como técnico do ensino [...] ocorre que ser professor significa mais do que
100
mudar um termo [...] a forma de ensinar não vai mudar porque usamos outros nomes para
nos referirmos a quem o exerce (Do Contra).
Constantemente reafirmamos, quando discutimos acerca das
superações no ensino que temos constituído, a convicção de que mudar
não significa desconsiderar tudo o que é tachado como tradicional, e em
nome da criatividade, tão em voga nos tempos atuais, simplesmente
tentar incluir outras formas de fazer diferente.
Até porque muito do que é considerado hoje, ultrapassado, já foi
bastante usado e valorizado no passado e tem, portanto, valor. São
práticas consagradas
, que em determinado espaço-tempo educativo,
deram certo. A questão não está, especificamente, como aponta
Do
Contra,
nos termos que vamos adotando.
Dentre outros, o problema reside no equívoco de se tentar mudar
por mudar sem o exercício indagativo e coletivo sem ter clareza das
intencionalidades implícitas num modo específico de pensar o processo
ensino - aprendizagem. Ou sem uma visão de mundo emancipatória,
voltada para o sujeito que se quer contribuir para ajudar a formar que faz
parte de uma sociedade para qual ambos, estudante e formador, se
conscientizam e se comprometem a querer tentar melhorar, através da
ação- reflexão -prática refletida.
Realizar esse compromisso leva tempo, como entende Rodrigues
(1989): “Ninguém é comprometido, politicamente, de uma vez por todas.
O compromisso é como um ato de amor, que tem de se renovar
diariamente” (p.66).
Evidente que os tempos e os termos mudaram. Daí a necessidade
de se reinventar, o que há de mais tradicional em nós, sem para isso, no
entanto ter que enterrá-lo por completo, por reconhecermos que em
algumas situações específicas, podem até funcionar mais eficazmente do
que o
novo
buscado incessantemente e que vemos, por várias ocasiões,
atrelado aos modismos do tipo mercadológico. Freire (1997) se refere a
isso quando reflete sobre o pensar certo:
101
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a
aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido
porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho
não é apenas o cronológico. O velho que preserva sua
validade ou que encarna uma tradição ou marca uma
presença no tempo continua novo (FREIRE, 1997, p. 39).
Como argumenta Freire, o “pensar certo” na educação não se
constitui desvinculado das tradições historicamente construídas. Ainda
que, conforme relata o professor
Do Contra
, sob séria influência
reprodutiva. O que não significa, todavia, que o ensino possa ficar restrito
aos moldes que determinaram suas finalidades ideológicas por ocasião de
dada compreensão e conseqüente sistematização.
Relembrando neste ponto desde a Didáctica Magna de Comênio que
pretendia desenvolver um método perfeito de ensinar tudo a todos, até
os contemporâneos que temos estudado.
Ramalho (2003), Masetto (1999), Candau (2003), Veiga (2004),
Cunha (2000), entre outros, sinalizam que há indícios claros, de que
sempre houve uma tendência de se tentar romper com o ensino
reprodutivo, definido por alguns pesquisadores, como o “[...] ensino
baseado nas fórmulas prontas, na repetição, sem conexão com a história
vivida, sem combate e sem embate” (Fernandes, 2004, p.149).
A conexão com a história vivida, indicada por Fernandes nos remete
a necessidade de reorganizar as oito concepções/elos, apontadas pelos
sujeitos da investigação-formação acerca do Ensino Superior, sob quatro
ênfases interligadas entre si, que sintetizaremos a seguir.
2.4.1. As ênfases defendidas pelos sujeitos
É importante destacar que a organização dos posicionamentos a
seguir, em quatro itens distintos, não indicam necessariamente posições
divergentes entre si, mas uma diferenciação da ênfase nos quais se
legitimam os
oito elos
analisados anteriormente. Assim sendo, as quatro
102
ênfases apontadas pelos sujeitos traduzem a forma como vivem e olham o
ES mediante os seus valores, padrões de comportamento, sentimentos,
implicações, experiências pessoais e profissionais em constante
ressignificação.
Como será percebido, a professora
Margarida
defende a perspectiva
(auto) formativa, autônoma e vivenciada do ensino enquanto a
professora
Alguém que Acredita
atribui um valor exagerado ao
repertório
teórico necessário ao ensino. O professor
Do Contra
se prende
ao ensino
como ato solitário e a professora
Justiceira
enfatiza
a
responsabilização
do professor frente aos problemas vividos no Ensino Superior.
Comecemos por
Margarida
, onde uma das suas narrativas revela a
ênfase para a perspectiva (auto) formativa, autônoma e vivenciada que
atribuí ao ensino:
O ensino faz parte da minha vida [...] a ponte que estabeleço entre um e outro me
constrói pessoa e profissional [...] não é verdade que quando entramos na sala de aula os
nossos problemas ficam atrás da porta porque entendo que é a abertura aos problemas,
ansiedades, tristezas, relacionamentos, prazeres, acontecimentos, decepções, saberes,
fazeres dessa vida que dão fundamento e sentido ao que faço e sou como professora [...]
não quero ser comparada com ninguém, tenho o direito de ser diferente porque a minha
historia é diferente de todas as outras histórias (Margarida).
É patente a abertura e autonomia da professora
Margarida
perante
o ciclo dinâmico e imprevisível da sua vida e de seus prazeres e
contratempos. Uma relação de disponibilidade refletida por Freire (1987):
É na minha disponibilidade à vida a que me entrego de
corpo inteiro, pensar crítico, emoção curiosidade, desejo,
que vou aprendendo a ser eu mesmo em minha relação
com o contrário de mim. E quanto mais me dou à
experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as
diferenças, tanto melhor me conheço e construo o meu
perfil (FREIRE, 1987, p.151).
Na perspectiva de conceber o ensino como uma relação de
disponibilidade
Margarida
se aproxima dos princípios freirianos que
consideram o pensar crítico e a emoção como dimensões indicotomizáveis
103
do processo formativo. Conceituá-lo nessa perspectiva passa, portanto,
pela noção de “disponibilidade à vida” e aos espaços - tempos - relações
afetivas vivenciadas. Que se constitui, por sua vez, do entendimento de
que o professor e os estudantes do Ensino Superior, antes de tudo, são
pessoas com tudo que isso significa e implica e, que é como tal, que
vivenciam a experiência educativa.
É neste investimento pessoal de troca e abertura que vislumbramos
a utopia de mudar a sociedade em que vivemos, ainda que a longuíssimo
prazo e que demande a criação de novos espaços – tempos diferentes
dos que temos constituído atualmente:
Se queremos mudar esta sociedade excludente em que
vivemos ao invés de estimular o individualismo possessivo,
o egoísmo e a competição em nossos estudantes e alunas,
fazendo-as crer que só sobrevivem os mais aptos e mais
competitivos, devíamos estar criando espaços / tempos de
colaboração, de relações de troca amorosa, de
generosidade, de compaixão (FREIRE, 1987, p.126).
Isso constitui em meio aos aspectos históricos – culturais – sociais -
institucionais que se enraízam ao que sentimos, somos, pensamos,
fazemos e desejamos ao vivenciar o ensino. Por outro lado, a ênfase
defendida pela professora
Alguém que Acredita,
nos seus relatos,
aponta
para a perspectiva do repertório teórico necessário ao ensino. Como pode
ser visto a seguir:
Tenho conseguido o melhorar o meu ensino a partir da ampliação do repertório teórico
[...] participo de todos os cursos que posso para aprofundar a minha fundamentação
teórica e metodológica [...] momentos para reflexão da prática que desenvolvo na sala de
aula [...] os problemas do Ensino Superior são complexos e uma sólida base teórica se faz
necessária par resolvê-los (Alguém que Acredita).
É legítima a preocupação da professora Alguém que Acredita, em
buscar o aprofundamento teórico – metodológico da prática docente.
Autores como Ramalho (2003), Tardif (2002), Pimenta e Anastasiou
(2002), confirmam a importância de se considerar nos processos
104
formativos as exigências da profissão que se configuram, entre outros,
daquilo que ensinamos (saberes das áreas de conhecimento), da prática
educativa delineada por diversos sentidos (saberes pedagógicos), da
articulação da teoria da educação e de ensino (saberes didáticos) e da
maneira como elaboramos tudo isso ao desenvolver a profissão de
professor (saberes da experiência).
Entretanto, o desenvolvimento da profissão pode levar o professor,
como indica a narrativa de
Alguém que Acredita
, a buscar saídas para os
problemas enfrentados no Ensino Superior via, primordialmente, o
aprofundamento dos fundamentos teórico – metodológicos. De fato a
qualificação e o (auto) questionamento são de suma importância para o
desenvolvimento da docência. A proposição do ensino como atividade
reflexiva (Schon, 1992), no entanto, desvinculada do contexto social e
institucional (Contreras, 1997) pode se tornar igualmente problemática:
Ficam, então, desconsiderados os elementos constitutivos
dessa categoria profissional: o ideal, os objetivos, os
compromissos pessoais e sociais, a regulamentação
profissional, o conceito de profissão e de profissional, o
código de ética, as participações nas entidades de classe
que são fundamentais para exercer-se com competência
uma profissão, o que possibilitaria um reconhecimento
social da profissão (ANASTASIOU, 2002, p. 176).
Consequentemente, ao enfatizar o ensino desvinculado dos
elementos constitutivos da categoria profissional, a professora
Alguém
que Acredita
passa pelo risco, de atribuir à prática reflexiva um caráter de
racionalidade técnica que secundariza a relevância do contexto social
onde a prática se inscreve. No caso do professor
Do Contra,
as suas
narrativas apontam
para a perspectiva solitária do ensino:
Na faculdade onde dou aulas dizem que estou mais bem preparado do que os bacharéis
de outras áreas de formação [...] é um erro se pensar assim porque aprendo a ser
professor que atua no Ensino Superior na prática [...] o curso de Pedagogia me preparou
sim, mas para ensinar crianças e não jovens e adultos [...] aprendi a ser professor, sendo
(Do Contra)
105
Ao se referir a estes aspectos, o professor
Do Contra
demonstra
reconhecer o seu relativo despreparo e solidão para lidar com os
problemas relativos ao Ensino Superior uma vez que foi licenciado para
trabalhar com crianças do ensino infantil e fundamental. Anastasiou
(2002) ao questionar o caminho percorrido em relação à profissão
docente universitária, explica:
No caso da profissão universitária, para a maioria dos
professores que atuam na instituição de Ensino Superior, os
cursos efetivados na universidade não funcionaram como
preparação para a docência, com exceção dos professores
oriundos da área da educação ou licenciaturas, que tiveram
oportunidades de discutir elementos teóricos e práticos
relativos à questão do ensino e da aprendizagem, porém
para outra faixa de idade dos estudantes (
ANASTASIOU,
2002, p. 174).
Ou seja, em grande medida, os relatos dos professores o indicam:
uma parcela considerável de professores que estão assumindo a sala de
aula não foram preparados para fazê-lo. Ainda que sejam competentes
em outras áreas e campos profissionais isso não significa que o estão
sendo no ES. Tampouco parecem estar recebendo o acompanhamento de
que necessitam para que possam desenvolvê-lo como esperado.
Para Ramalho (2006) a perspectiva solitária no desenvolvimento da
profissão docente se configura numa dimensão decisiva porquanto traz
implicações ás relações que precisam se estabelecer para que ocorra o
ensino-aprendizagem. Placoo et alii (2006, p.03) coloca deste modo:
“[...] a aprendizagem do adulto, traduzida em novos saberes, resulta da
transação entre adultos, quando experiências são interpretadas,
habilidades e conhecimentos são adquiridos e ações são produzidas e
desencadeadas”.
Logo, ao enfatizar o ensino deste modo o professor
Do Contra
refere-se, portanto, a noção de investimentos “solitários” na formação
continuada, processos (auto) formativos e ocorrência de poucas
transações
com os seus pares. Todavia, pelos seus posicionamentos
106
evidencia estar consciente de que é na interação (e não na solidão) que o
processo de ensinar-aprender deve transcorrer.
A quarta ênfase é defendida pela professora
Justiceira
que aponta
para a perspectiva da responsabilização do professor:
Discutindo sobre como formar “bem” os futuros professores concluí que formamos “mal
[...] primeiro teremos que chegar a uma noção mais clara sobre o que é ensinar no Ensino
Superior, ou melhor: as responsabilidades do professor, competências, relações de
poder, status da profissão, condições materiais [...] quando falarmos claramente sobre o
papel do professor saberemos mais sobre o ensino e como fazê-lo bem.
Alguns elementos presentes na narrativa da professora
Justiceira
são coerentes, vinculam-se ao movimento de profissionalização do ensino
e encontram ressonância nas discussões travadas por Ramalho (2005)
quando defende que a formação e a profissionalização da docência
enquanto processo de construção de identidades não pode acontecer pela
ação de forças endógenas aos docentes. Sendo necessário, portanto, o
compromisso da categoria na busca de novos referenciais, papéis e
condutas profissionais, que fazem parte, por sua vez, de seus projetos
pessoais e coletivos (Ramalho, 2005).
A formação compreendida com esse nível de complexidade e
significados sociais não se constitui, como explica Ramalho, pela ação de
forças externas ao sujeito como parece estar subjacente ao relato da
professora
Justiceira
. Além do mais, a dimensão técnica se interliga a
dimensão política, pedagógica e humana do ensino, guardadas as devidas
especificidades.
O que é preocupante é que a professora
Justiceira
tende a
considerar que os papéis e condutas assumidas pelo professor são
suficientes para resolver à problemática do Ensino Superior. Conceituar o
ensino nessa perspectiva passa pelo mesmo risco assumido pela
professora
Alguém que Acredita,
qual seja: o isolamento do contexto
social da profissão, sendo que neste caso, por conta de se atribuir à
107
responsabilidade do professor uma dimensão redentora que ele não tem e
nem poderia ter.
Por fim, foram, primordialmente, os posicionamentos dos sujeitos
que contextualizaram e encaminharam as discussões onde tentamos
elucidar
como se chega ou como chegamos a docentes no Ensino
Superior
. O que irá se tornar mais evidente no próximo capítulo.
108
Vivência três:
O percurso metodológico e a abordagem (auto)
biográfica como instrumento de investigação-
formação
26
Nada do que foi será. De novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre
passará. A vida vem em ondas como o mar. No indo e vindo, infinito. Tudo que se
vê não é. Igual ao que a gente viu há um segundo. Tudo muda o tempo todo no
mundo. Não adianta fugir. Nem mentir prá si mesmo, agora. Há tanta vida lá fora
Aqui dentro, sempre como uma onda no mar. (Lulu Santos/ Nelson Motta)
A realidade, contudo, é muitas vezes bem diferente do sonho. Muitos de meus
alunos e alunas, seja na Pedagogia, seja na Licenciatura, não pensam em se
dedicar às salas de aula. Muito revelam desinteresse em seguir a carreira do
magistério, mesmo estando num curso de formação de professores. Pesam muito,
nessa decisão, as condições concretas do exercício da profissão. Preparam-se
para ser professor e irão exercer outra profissão (Moacir Gadotti)
Trouxeste a chave? (Drummond)
26
A foto do artista plástico Francisco Fernandes desnuda a famosa Praia de Pipa,
localizada na cidade de Natal/RN. Sua pintura tem, no nosso estudo, um sentido próprio
uma vez que cursa Pedagogia na Universidade Estadual Vale do Acaráu (UVA) - numa
das turmas onde a professora
Alguém que Acredita
ministra suas aulas.
109
O percurso metodológico e a abordagem (auto)
biográfica como instrumento de investigação –
formação
Se
tudo muda o tempo todo no mundo
também muda, portanto, no
acadêmico. É assim que as condições concretas sob as quais se constitui o
exercício da profissão e as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos da
pesquisa, mais do que simples relatos de percursos profissionais desvelam
como aprenderam/ aprendem a ensinar diante dos acontecimentos da
vida que se sucedem como
ondas no mar.
De igual modo as suas narrativas revelam diversos elementos
significativos e potenciais -
a chave
- para se refletir, a partir dos seus
olhares, acerca do fluxo de transformações que vêm ocorrendo nos
últimos anos nas IES em que atuam. Ainda que a realidade seja
muitas
vezes bem diferente do sonho
.
3.1. As condições que fundamentam a abordagem (auto) biográfica
A natureza (auto) biográfica do estudo nos levou a escolher três
ferramentas metodológicas principais que nortearam e deram suporte ao
caminho percorrido: oito narrativas tópicas produzidas mediante vinte e
duas entrevistas em profundidade feitas com professores da graduação e
da pós-graduação da UFRN, UVA, FACEX, FAL e UERN; uma observação-
participante realizada na UFRN, durante quatro meses, a fim de
acompanhar a prática pedagógica do professor universitário caracterizado
por catorze docentes da pesquisa como sendo um professor vivencial; e
sete laboratórios ou EPF’s experienciados ao longo de dez meses, nos
espaços da UFRN, Parque das Dunas e UVA.
110
A Tese situa deste modo, o ensino vivencial na pauta de alternativas
metodológicas viáveis e concretas dentre a problemática da (auto)
formação enfrentada pelos professores no Ensino Superior. Ainda que a
investigação – formação não tenha utilizado o gênero história de vida
propriamente dito foi de fundamental importância refletir sobre os estudos
de Pereira (2000) que, dentre outros esclarecimentos, destaca que:
Em se tratando de histórias de vida são muitas as tarefas do
pesquisador alertar para os elementos de invenção, de
aproximação ou de fantasia que ronda toda narrativa e, antes
de pedir que acreditemos nos fatos relatados palavra por
palavra, deve nos providenciar a chave que transforma o
documento cru em uma fonte histórica, explicitando por que
razões a plausibilidade é atribuída a uma parte da história de
vida e não a outra. (PEREIRA, 2000, p.126
)
Assim, na tentativa de produzir “a chave que transforma o
documento cru em uma fonte histórica”, como recomendado por Pereira,
firmamos dois critérios prévios, simples e objetivos, para manter o foco
das nossas análises: A transcrição das narrativas dos sujeitos na íntegra e
a garantia do seu acesso e poder decisório referente a todos os materiais
produzidos e cedidos para a investigação-formação.
No que se refere ao primeiro critério, na transcrição dos relatos,
embora por respeito à vontade da maioria dos entrevistados não
tenhamos utilizado nenhuma filmagem ou gravador (decisão tomada
desde a primeira sessão narrativa na interação entre pesquisadora e
sujeitos implicados e à qual ainda retornaremos) os trechos e registros
escolhidos foram transcritos na íntegra, ainda que com necessários
recortes. Neste caso convencionamos a utilização desta simbologia: [...]
para indicar a ocorrência de tais supressões. Explicitando por que razões a
plausibilidade é atribuída a uma parte da história de vida e não a outra.
No tocante ao segundo critério – acesso e poder decisório – nos
esforçamos para que os sujeitos tivessem livre acesso aos relatos e
escritas produzidas nas sessões narrativas bem como aos materiais
confeccionados e cedidos nos laboratórios e anotações registradas no
111
Diário “Devaneios” podendo a qualquer momento solicitar sua retificação
ou mesmo a omissão parcial ou integral de determinados
posicionamentos.
Quanto ao método de trabalho, propriamente dito, também foram
duas as diretrizes centrais eleitas baseadas nos princípios admitidos por
Dominicé (1988, 2006) e que se constituíram na “chave” dos
procedimentos de análise: O princípio da confirmação interativa e o de
saturação.
O primeiro princípio - confirmação interativa - de maneira geral
ocorre quando o sentido dado a um determinado momento da história de
vida por uma pessoa coincide com o que é atribuído por outros sujeitos à
outras experiências semelhantes. Na nossa análise, procuramos
confrontar as narrativas, exaustivamente. As falas apresentadas e
analisadas a partir de trechos significativos que selecionamos, foram
obtidas nas entrevistas tópicas e nos posicionamentos registrados no
Diário “Devaneios”.
A confirmação interativa nos ajudou, desta forma, a compreender as
aproximações e discrepâncias em torno de como o ensino vivencial é
percebido pelos sujeitos e o papel que a (auto) formação exerceu/exerce
nos seus percursos de formação e desenvolvimento profissional no Ensino
Superior.
O segundo princípio - saturação – foi trabalhado a partir da
compreensão de Dominicé (1988) de que é possível dentre um grupo de
narrativas elaboradas por pessoas com a mesma profissão estabelecer
traços comuns ou ainda conseqüências descritas de maneira semelhante
por sujeitos que atravessaram o mesmo tipo de referência. Todavia,
embora existam sempre elementos de comparação esta não dá lugar a
verdades biográficas porque têm papel implícito, funcionando neste caso
apenas como apoio às análises feitas.
É próprio da abordagem (auto) biográfica o encontro singular de
diferentes olhares sobre as práticas formativas sendo que cada
112
investigação tende a ser apreciada, pelas suas configurações próprias e
diferenciadas.
Neste sentido, parece claro que não passamos por uma etapa de
categorizações propriamente dita, mas sim, por tateamentos, análises e
compreensões acerca do Ensino Superior emergidas dos relatos, EPF’s,
Diário “Devaneios” e observação participante. A opção de trabalhar os
núcleos da investigação – (auto) formação e ensino vivencial - nos
encaminhou a buscar a compreensão do seu conceito vivenciado
concomitante ao estudo das teorias sistematizadas.
Daí que, as reflexões e estudos que realizamos nos autorizam a
afirmar que a produção de conhecimento teórico nascida desta
particularidade tem um valor especial porque frutificou a partir do sentido
existencial que os próprios sujeitos lhes atribuíram e da árdua tarefa de
tentar compreendê-las.
O seu agrupamento tem, portanto, o objetivo de organizar
determinadas ênfases e significações postas pelos sujeitos e que fomos
confrontando, interpretando e relacionando a outras tantas produções
teóricas em circulação no campo investigado.
Quanto aos resultados obtidos no percurso biográfico empreendido
confirmamos que há, como Dominicé (1988) diz, um confronto de
limitações visto não existir maneira ideal de conduzir a investigação –
formação dada a sua natureza contextual.
Por ser um processo, a formação não se dá a conhecer de
uma vez nem num lugar preciso. É falada de várias maneiras
e em diversos contextos. Mostra-se-nos numa situação
educativa em que, empenhados no jogo do ensino
universitário, criamos uma ruptura de funcionamento que nos
empurra para a reflexão (DOMINICÉ, 1988, p.147
).
Neste entendimento, o mais importante não foi conduzir uma
reflexão sobre o Ensino Superior e a (auto) formação apenas, mas,
principalmente, saber claramente porque esta se tornou necessária ou até
onde conseguimos concretizá-la e por que.
113
Trata-se, mais precisamente, de entender que o percurso biográfico
pode se constituir em lugar de balanço ou de síntese que pode se realizar
justamente porque faz parte do ensino. (Dominicé, 1988, p.147)
É interessante que as narrativas analisadas nos permitem, ainda,
afirmar que o acerto na escolha das estratégias metodológicas (as
Sessões Narrativas, os Laboratórios ou Encontros Paralelos de Formação -
EPF’s, Diário “Devaneios”, a Observação Participante e a experiência de
Monitoria), contribuiu decisivamente para o nosso estudo e para que os
sujeitos atingissem suas expectativas ao se envolverem também.
Podemos ilustrar esse ponto com um dos depoimentos:
Depois que reli o meu relato fui captando uma espécie de balanço pessoal. Não sei se sua
intenção foi essa, mas achei muito válido. [...] mal tinha me dado conta de que vamos nos
formando aos poucos, através dos problemas que vivenciamos [...] o processo de (auto)
formação ajuda a reconstruir pedaços da nossa história pessoal antes mesmo da
profissional (Justiceira).
A narrativa denota uma revalorização pessoal assumida pelo sujeito
a partir da redescoberta daquilo que é único e próprio de si, da sua
história. Este fato foi determinante para nos deixar alerta para o risco das
generalizações apressadas. O que pode ser respaldado por outra
contribuição de Dominicé (1988, p. 140), “[...] há uma singularidade de
cada história de vida, de cada desenvolvimento que impede que se
considere verdadeira toda e qualquer generalidade que vise a economia
desta singularidade”. Deste modo, estes direcionamentos também nos
auxiliaram a validar a pertinência das diretrizes que adotamos na nossa
análise, visto a nossa preocupação com o problema da generalização
frente às particularidades dos envolvidos.
A escolha do método de trabalho nos confrontou com algo, deveras
polêmico, no universo científico: a pseudoneutralidade do pesquisador
com relação ao objeto de estudo e instrumentos metodológicos utilizados,
ocasionando outras questões problematizadoras: Como assegurar que a
nossa implicação (concepções, referenciais, vivências, subjetividades) não
114
comprometesse as interpretações dos achados? Haveria como estabelecer
uma relativa distância que ao mesmo tempo assegurasse a necessária
proximidade? Como manter a distância e proximidade numa medida
equilibrada? Até que ponto a escolha do material instrumental de apoio
(Gravador, Diário “Devaneios”) interferiria na interação pesquisador x
sujeitos?
É ainda Dominicé (1998, p. 146) quem nos tranqüiliza: “[...] os
dados recolhidos são sempre os do investigador. Quaisquer que sejam os
instrumentos usados e os utensílios de análise, foi ele quem os recolheu e
quem os empregou e é ele quem vai em seguida explorar os resultados. A
neutralidade do investigador é um logro”. Guardadas as devidas
proporções e fronteiras quanto aologro da neutralidade como se refere
Dominicé, se por um lado a realização das sessões e análise das
narrativas foi cansativa e conflitante, por outro foi de rica interação.
Numa outra avaliação de um dos sujeitos, fica destacada a
importância de ouvirmos os envolvidos no processo de escolha dos
utensílios de análise:
Deste modo fico mais à vontade para falar com você. Confio na sua responsabilidade [...]
se insisto em que não usemos um gravador é porque receio que comprometa a minha
espontaneidade e a nossa interação. (Margarida).
A narrativa de
Margarida
remonta à reflexão feita por Ferrarotti
(1988), quando confronta a autonomia e objetividade no âmbito da
interação proporcionada pelo método (auto) biográfico. Trata-se do uso
(ou não) do apoio instrumental
27
quando explica que não contamos a
nossa vida ao gravador, mas sim a outro indivíduo. Ou seja:
As formas e os conteúdos de uma narrativa biográfica variam
com o interlocutor. Dependem da interação que serve de
campo social à comunicação. Situam-se no quadro de uma
reciprocidade relacional. O entrevistador nunca está ausente
mesmo o que se finge ausente. É sempre recíproco, mesmo se
27
A constante referência à decisão compartilhada pelo (não) uso do gravador para a
captação das falas durante as Sessões Narrativas é um dos pontos recorrentes, em
diferentes espaços da Tese, visto a sua relevância para os sujeitos implicados.
115
aparentemente se recusa a toda a reciprocidade.
(FERRAROTTI, 1988, p.27)
Essa natureza relacional e intencionalidade comunicativa, presente
nas sessões narrativas e sinalizada pelo depoimento de
Margarida
, ainda
que não explicitada por estes termos foi fortalecida pela sua recusa em
postar-se diante do suporte instrumental – no caso o gravador – para
dizer de si. E perpassou, ainda, dentre outras vivências, pela reinvidicação
de respeito às suas expectativas, pelo ajuste compartilhado das decisões
normativas e pela negociação do poder decisório, tal como apontadas pelo
autor mais adiante:
Toda a entrevista biográfica é uma interação social completa,
um sistema de papéis, de expectativas, injunções, de normas
e de valores implícitos, e por vezes até de sanções. Toda a
entrevista biográfica esconde tensões, conflitos e hierarquias
de poder (FERRAROTTI, 1988, p.27).
A insistência da professora
Margarida
, como lido no relato, pelo não
uso da ferramenta de gravação indica, assim, a sua expectativa de que a
decisão final deve ser discutida e não arbitrariamente imposta. O que
vimos como um dos fatores determinantes para o êxito das sessões
narrativas realizadas. Afinal, de certo modo:
Não há mais verdade biográfica numa narrativa oral
espontânea do que num Diário, numa Autobiografia ou num
livro de Memórias. E só alcançaremos esta verdade biográfica
se sublinharmos a verdade interacional que a narrativa
encerra (FERRAROTTI, 1988, p.27).
É assim que atribuímos o alcance das questões norteadoras da
investigação formação e, conseqüente, acerto das diretrizes centrais que
nortearam a análise das narrativas, à interação vivida em todas as
116
estratégias
28
metodológicas adotadas. Não nos causou estranheza que em
um trabalho dessa natureza a interação social tenha tal implicação. Estes
elementos continuarão a ser tratados no próximo item.
3.1.1. Como a proposta metodológica foi adotada
Consoante com os estudos de Pineau (1999) sobre as quatro
condições fundamentais que marcam o uso da abordagem autobiográfica,
cumpre esclarecer de que forma as assumimos na investigação –
formação: Primeiramente escrevi a minha própria história de vida antes
de acompanhar outros a fazê-lo, segundo estabeleci um Contrato de
Cessão com os sujeitos, terceiro mantive as suas produções disponíveis
caso as requisitassem e por último, mantive a interpretação das narrativas
numa perspectiva instaurativa.
Quanto à primeira condição recomendada por Pineau (1999): O
pesquisador deve ter partido da própria história de vida antes de
acompanhar outros a fazê-lo, ainda que não tenhamos trabalhado com a
história de vida na sua perspectiva integral e sim no seu sentido restrito
com o desenvolvimento de sessões narrativas, o fato da investigação –
formação implicar na aprendizagem experiencial pessoal (Josso, 2002)
nos exigiu o seu cumprimento integral. Assim, o primeiro capítulo da Tese
se constituiu a partir da narração do meu próprio percurso de (auto)
formação. Pineau (1999, p. 347) explica que é o confronto com a própria
vida que permite ao pesquisador vivenciar a experiência com outros e
efetuar um caminho formador com eles.
No que se refere à segunda condição: Estabelecer um contrato com
a (s) pessoa (s), mais adiante a descrição e análise das sessões narrativas
desenvolvidas evidenciam que para a sua constituição em parceria, com
28
Embora tenhamos antecipado a justificativa da opção pelo (não) uso do gravador
oportunamente continuaremos refletindo acerca dos Laboratórios ou EPF’s, Diário
“Devaneios” e Sessões Narrativas como estratégias metodológicas de apoio.
117
os sujeitos da pesquisa, a abordagem (auto) biográfica pode ser proposta,
nunca imposta.
No que concerne a terceira condição: A produção permanece
propriedade do produtor, todas as formas materiais produzidas pelas
colaborações dos sujeitos durante os EPF’s bem como os textos e os
documentos gerados para as sessões narrativas foram cedidos para uso
na pesquisa. A decisão de partilhá-las surgiu, na maioria das vezes, dos
próprios participantes. No caso das produções (cartazes, lâminas de
transparências escritas à mão durante as atividades, anotações
rascunhadas pelos grupos de trabalho entre outros) deixadas na sala,
consultava o grupo para confirmar se tais materiais poderiam ser cedidos
para a investigação – formação.
A quarta – a interpretação visa ser mais instaurativa que redutora –
é considerada por Pineau (1999, p. 348) como uma condição menos
observável e situável que as demais. Para nós, representou um fio
condutor por ser determinante para compreensão do sentido implícito nas
narrativas. Mais do que isso, a perspectiva de procurar
o porquê e para
que efeito
de certas colocações favoreceu, de modo decisivo, a análise e
compreensões dos fatos narrados.
A essa altura, torna-se necessário tratar das duas estratégias
fundamentais assumidas na investigação-formação: as Sessões Narrativas
e os Laboratórios ou Encontros de Formação Paralela – EPF’s.
Um primeiro aspecto a rememorar quanto ao planejamento e
realização das Sessões Narrativas, refere-se ao seu próprio conceito ou,
como nos referimos em determinados momentos – “entrevistas tópicas” -
que como o próprio termo indica, trazem à tona apenas alguns temas
e/ou aspectos parciais da realidade narrada pelos professores. Nossa
opção metodológica, consequentemente, foi acompanhada por outras
estratégias de pesquisa no intuito de complementar as reinterpretações
que como pesquisadores assumimos.
Relacionado a isso, ao nos autorizar a interpretar e a publicar suas
narrações e memórias os sujeitos nos atribuíram uma responsabilidade
118
específica no terreno da ética: confiaram que ao nos apoderarmos das
suas reminiscências seríamos capazes de fazê-lo do modo como nos foi
revelado. O que nos empenhamos em atender.
O segundo aspecto remonta aos recursos de captação das falas dos
sujeitos. Voltemos, mais uma vez, à decisão de não usar o gravador
durante as sessões narrativas tomada de comum acordo e por solicitação
de alguns dos envolvidos.
Outras reflexões nos asseguraram quanto às vantagens advindas
desta decisão. A principal delas tem a ver com os limites do uso gravador
numa pesquisa do gênero (auto) biográfico. Embora o instrumento se
constitua numa ferramenta prática, do ponto de vista de conservação das
informações, poderíamos perder a riqueza do ato de narração: os olhares
e o impacto das reações e emoções gestualizadas que máquina alguma
poderia reproduzir.
Sem contar, que com as posteriores transcrições das narrativas
recolhidas através dos relatos escritos, das entrevistas e Diário
“Devaneios”, de todo modo a perderíamos. Fosse pelos cortes ou pelo
distanciamento da situação vivenciada isso fatalmente ocorreria.
Obviamente, as anotações complementares, ao vivo, também nos
trouxeram suas limitações. Sem falar que, mesmo resolvidas às
dificuldades instrumentais, nem tudo foi possível de se dizer ou escrever
com meras palavras.
O terceiro aspecto diz respeito aos impasses vivenciados no
planejamento das Sessões Narrativas e a participação, envolvimento e
sugestões propostas pelos sujeitos para ajudar a organizá-las, o que pode
ser ilustrado no depoimento a seguir:
Pode lhe ajudar o modo como fiz no Mestrado: Elaborei uma espécie de conversa por
escrito, contendo questões chaves para o estudo do meu objeto e captação de
informações relevantes sobre os pesquisados. Digitei e improvisei uma espécie de
caderno, sem espiral, apenas grampeando as folhas para facilitar o manuseio. [...]
Combinei com os entrevistados que eles podiam refletir sobre as questões, durante o
tempo que precisassem e que teríamos dois ou três encontros para discutir as os relatos
(Margarida).
119
A experiência descrita pela professora
Margarida
revelou-se deveras
proveitosa aos interesses da pesquisa daí que sistematizamos o material
para as entrevistas tópicas de forma semelhante a que nos ensinou sendo
as contribuições mais significativas para a investigação – formação
analisadas ao longo da Tese.
O quarto aspecto a registrar acerca do planejamento e realização
das entrevistas nos remete ao número de encontros. A partir do convite
telefônico e/ou confirmação por E-mail, realizamos de uma a três Sessões
Narrativas, com cada um dos sujeitos. A primeira sessão de caráter
introdutório se propôs a familiarizá-los com o instrumento que
utilizaríamos. Esse contato preliminar se justificou pelo fato do gênero
(auto) biográfico demandar razoável investimento de tempo e dedicação.
Em decorrência disso quanto mais o indivíduo se sentisse envolvido,
seguro e informado, desde o início do processo, maior a garantia de que
não o abandonaria por falta dos necessários esclarecimentos.
A segunda Sessão Narrativa consistiu na realização da entrevista
tópica propriamente dita e a terceira marcação somente ocorreu quando
houve necessidade de retomar determinados assuntos que ficaram pouco
claros ou em aberto.
O quinto aspecto a destacar, tem a ver com o local escolhido para a
realização das entrevistas e caracterizou-se pela preocupação em reunir
conforto, relativa privacidade, tranqüilidade e fácil localização.
De comum acordo, a maioria das sessões ocorreu nos gabinetes de
estudo ou salões de leitura da Biblioteca Zila Mamede situada no Campus
Universitário da UFRN. Apenas no caso do professor indicado pelos
sujeitos, como um educador vivencial, as sessões foram desenvolvidas na
sua sala, localizada no prédio onde funciona o Programa de Pós-
Graduação em Educação – PPGED, conhecido como Goiabão.
O sexto aspecto implica na forma e temáticas incluídas no
instrumento elaborado para a escrita dos relatos. Conforme dito, a
sugestão da professora
Margarida
foi adotada com êxito. A elaboração da
120
conversa por escrito foi digitada e organizada mediante uma espécie de
caderno, sem espiral contendo um grampo para segurar as folhas
reunidas e versou em torno das questões norteadoras da investigação:
(auto) formação e ensino vivencial.
Em seguida, a segunda estratégia metodológica a retomar são os
Laboratórios ou Encontros Paralelos de formação – EPF’s.
FIGURA 06 - OS LABORATÓRIOS OU EPF’s
Fonte: Acervo Pessoal da Pesquisadora
Os Laboratórios ou Encontros Paralelos de Formação (EPF’s),
conforme esclarecemos anteriormente, se constituíram em sete encontros
presenciais e dinâmicos onde as expectativas, necessidades, experiências,
conhecimentos, vivências, valores, opiniões, e atitudes dos sujeitos
envolvidos eram confrontadas entre si como possibilidades de
aprendizagem vivenciada.
Um mergulho no espaço de emoções e trocas interpessoais
construtivas em meio a exposições teóricas – metodológicas pontuais que
ajudaram a contribuir para o processo de desenvolvimento profissional,
voltado para o Ensino Superior e crescimento individual e coletivo,
buscado pelos participantes.
A estrutura básica dos EPF’s que realizamos assemelha-se aos
laboratórios pedagógicos descritos por Marques (2002) na sua Dissertação
de Mestrado. No referido estudo, a autora elegeu três tipos de oficinas
criadoras, no campo de formação de professores dos mais diversos níveis
de ensino, dentre um universo de cento e vinte e cinco trabalhos
121
realizados ao longo de anos que pudesse servir de referencial aos seus
estudos no campo do ensino vivencial mediante o seguinte recorte:
As oficinas selecionadas deveriam, respectivamente, ilustrar
03 diferentes tipos de construção: a Oficina de Experiências
Criadoras TIPO 1 chamada de “curso” com duração de 20 a
40 horas de trabalho teórico prático. A Oficina de
Experiências Criadoras TIPO 2, denominada como “oficina”
com duração de 08 a 20horas, e, finalmente, a Oficina de
Experiências Criadoras TIPO 3 conhecida como “vivência
com duração de 03 a 08 horas aproximadamente.
(MARQUES, 2000, p. 72).
Semelhante ao estilo de Marques (2002) e Castanho (2006)
realizamos dois laboratórios iniciais ou minicursos
29
dos quais participaram
professores dos mais diversos níveis de ensino e áreas de conhecimento,
que tinham interesse em ampliar suas experiências no campo das
metodologias participativas ancoradas no uso de diferentes linguagens
artísticas.
A partir daí constituímos o grupo da pesquisa propriamente dito e
adotamos a oficina de experiência criadora, do tipo três, definida como
vivência ou laboratório (Marques, 2002) com duração de quatro horas
aula por encontro.
Estes novos encontros foram denominados de Laboratórios ou
Encontros Paralelos de Formação – EPF’s propriamente ditos. É assim que
estes cinco laboratórios foram voltados, especificamente, para a docência
no Ensino Superior e incidiram diretamente no corpus documental e
empírico apresentado na Tese.
O cronograma que se segue permite a visualização de como foram
organizados. Destacamos o terceiro deles, em negrito, para sinalizar onde
iniciamos o enfoque da pesquisa nos professores que atuam nas
Instituições de Ensino Superior:
29
Ao se referir ao modo como deve ser feita a formação pedagógica dos professores de
Ensino Superior, Castanho (2006, p.04) recomenda uma linha de abordagem que começa
com cursos pequenos do tipo minicursos que se estendem para outros de maior duração,
na medida em que os professores vão se motivando para a discussão das questões
pedagógicas.
122
DATA
LOCAL/HORÁRIO
TEMÁTICA EM QUESTÃO
PROFESSORAS
23.10.04
(Sábado)
UFRN – Setor V
08h30min às 12h30min
Por uma Pedagogia Vivencial:
Experienciar Metodologias Ativas e
Participativas
Zoraya Marques
27.11.04
(Sábado)
UFRN – Setor V
08h30min às 12h30min
Por uma Pedagogia Vivencial:
Metodologias de Ensino Criativas e
Participativas
Zoraya Marques
04.06.05
(Sábado)
UFRN – Setor V
08h30min às 12h30min
A Pedagogia Vivencial e seu Trato
Epistemológico na Formação
Docente
Betania Leite
Ramalho
Zoraya Marques
25.06.05
(Sábado)
Parque das Dunas
08h30min às 12h30min
A Criatividade, o Protagonismo, A
Reflexão Crítica e o Prazer:
Discussão Vivenciada
...
Zoraya Marques
10.09.05
(Sábado)
Parque das Dunas
08h30min às 12h30min
Memoriando: Amizade Crítica Zoraya Marques
01.10.05
(Sábado)
UFRN – Setor V
08h30min às 12h30min
A Existência da Pedagogia
Vivencial no Ensino Superior
Zoraya Marques
05.11.05
(Sábado)
UVA - Cidade Satélite
08h30min às 12h30min
A Pedagogia Vivencial e
a Formação de Professores
Universitários
Zoraya Marques
QUADRO 07 - CRONOGRAMA DOS LABORATÓRIOS
Fonte: Diário “Devaneios” 2004/2005
Como visto na ilustração 07, todos os EPF’s foram realizados nos
sábados e nos mesmos horários. Esta opção pela regularidade teve a
intenção de colaborar com a organização do tempo dos envolvidos para
dedicarem-se à pesquisa de forma coletiva, uma vez por mês, durante
quatro horas aula. Nas avaliações de percurso, os sujeitos que
freqüentavam a maioria dos encontros, optavam em manter este formato.
Nos dois primeiros laboratórios circulamos um folder de divulgação
nos murais da UFRN, Instituições de Ensino Superior - IES, escolas,
espaços educativos e órgãos de imprensa de forma a inscrever os
interessados em participar dos minicursos iniciais, organizados em
módulos distintos: o primeiro que visava lançar um olhar ao ensino
vivencial a partir do ensino fundamental e o segundo que objetivava
mapeá-lo no ensino médio e superior. Nos cinco folder’s subseqüentes,
limitamos o envio pelo correio eletrônico visto que tinham apenas um
caráter organizativo, para que os professores engajados na pesquisa
pudessem se planejar, antecipadamente, em torno das temáticas que
seriam trabalhadas (apêndice 3) .
123
É importante reprisar, que somente a partir do terceiro laboratório é
que constituímos o grupo de pesquisa e que mesmo assim enfrentamos o
sério problema da freqüência bastante irregular. Tal ocorrência nos levou,
inclusive, a inscrever novos professores, notadamente no último EPF que
realizamos na Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.
Um outro aspecto peculiar, e de certo modo complicador se reporta
ao uso dos três espaços físicos escolhidos para realização dos laboratórios.
Quando utilizávamos à sala B-01 localizada no Setor V da UFRN tínhamos
que enviar ofícios para o setor de segurança e transporte por conta da
restrita movimentação de transporte no sábado. Quando o EPF ocorria no
Parque das Dunas o deslocamento dos sujeitos também se constituía num
transtorno, devido a sua localização geográfica. No tocante a UVA também
a questão da distância e locomoção se configurou num dilema por conta
do bairro – Cidade Satélite - se situar distante do centro.
É importante explicar, ainda que de forma sintética, como foram
desenvolvidos os sete laboratórios no âmbito da investigação – formação.
O primeiro laboratório (23.10.04) - Por uma Pedagogia Vivencial:
Experienciar metodologias ativas e participativas – teve como
preocupação central, o resgate de jogos e brincadeiras (Huizinga, 1993;
Kishimoto, 1997) e a importância da afetividade (Freire, 1997) e
atividades prazerosas (Abramovich, 1991) que alimentam o repertório
didático-pedagógico do educador vivencial.
O segundo (27.11.04) - Por uma Pedagogia Vivencial: Metodologias de
ensino criativas e participativas – teve como proposta pedagógica dar
continuidade ao resgate de práticas lúdicas e de dinâmicas
problematizadoras que permeiam a prática didática - pedagógica do
educador vivencial. As temáticas trabalhadas se centraram na pessoa do
professor e na construção do processo identitário (Nóvoa, 1995), dos
saberes necessários à docência (Ramalho et alii, 2003) e a responsabilidade
ética (Freire, 1997).
O terceiro EPF (04.06.05) - A Pedagogia Vivencial e seu Trato
Epistemológico no Âmbito da Formação e Prática Docente – contou com
124
dois eixos teóricos – práticos: O primeiro mediado pela professora Betania
que discorreu sobre a sedução ser uma temática silenciada na educação,
instigando os sujeitos da pesquisa a refletirem sobre se seria possível
pensar a sedução como uma estratégia profissional na relação
pedagógica. E o segundo eixo teórico – prático assumido pela professora
Zoraya debateu a importância da vivência (Freinet, 1920) na pauta de
formação de professores, os fundamentos epistemológicos no âmbito da
prática docente e a experimentação de dinâmicas e estratégias de ensino
lúdicas voltadas para a sala de aula do Ensino Superior.
O quarto laboratório (25.06.05) - A Criatividade, o Protagonismo, a
Reflexão Crítica e o Prazer – teve como perspectiva principal as seguintes
questões problematizadoras: Qual a didática necessária ao exercício
docente na universidade? Quem é esse, o professor
dador
? O significa
ensinar no âmbito universitário? Temos cumprido (o suficiente) nossas
antigas promessas de tecer uma nova didática?
O laboratório cinco (10.09.05) - Memoriando: Amizade Crítica –
trabalhou mais duas questões problematizadoras: Frente ás aspirações da
sociedade contemporânea, em torno do Ensino Superior enquanto
vanguarda do conhecimento, qual a didática do professor universitário em
pauta? O que pode ser compreendido a partir do confronto da
profissionalização, perspectivas de carreira e expectativas pessoais dos
docentes universitários, frente ás políticas públicas e demandas sociais
envolventes?
O EPF seis (10.09.05) - A Existência da Pedagogia Vivencial no
Ensino Superior – discutiu a possível existência de uma Pedagogia
Vivencial no Ensino Superior sob a luz de determinadas memórias
didáticas universitárias, resgatadas durante o trabalho. A linha temática
do encontro se constituiu do vivido e significações subjetivas dos sujeitos
pesquisados, do resgate e análise de uma referência de memórias
estudantis dos seus cursos de graduação ou pós – graduação e de
situações concretas que apontassem, ou não, para a existência da
vivência como ferramenta de ensino. A provocação para as rememorações
125
partiu de um trecho, pouco conhecido, extraído de uma das cartas
trocadas entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade (1924).
O último laboratório (05.11.05) - A Pedagogia Vivencial e a
Formação de Professores Universitários - para fins de contraste, enfocou a
utilização da abordagem (auto) biográfica no campo da formação de
formadores. Situamos a perspectiva histórica das narrativas, as
especificidades do método biográfico. (Ferrarotti, 1998), sua articulação
com o contexto sócio – político -cultural e a formação da pessoa (Finger,
1998) a perspectiva da formação como um processo permanente. (Pineau,
1980) e as histórias de vida como metodologia de pesquisa-formação.
(Josso, 2002).
3.2. Os segmentos onde foram agrupados os sujeitos da investigação-
formação
Considerando o termo de compromisso, cessão e sigilo assumido
pela investigação – formação, os oito sujeitos da pesquisa foram
agrupados e identificados por pseudônimos, em três segmentos distintos,
mas inter-relacionados entre si: O primeiro com as narrativas dos
professores
Justiceira, Alguém que Acredita, Do Contra e Margarida.
O
segundo com os relatos e a OP do professor
Educador Confiante,
considerado como vivencial, e o terceiro com os depoimentos dos
estudantes da pós-graduação
Simmel e Serena
e do trabalho desenvolvido
pela
Monitora.
O Segmento um, conforme esclarecemos, formado pelos quatro
docentes
Justiceira, Alguém que Acredita, Do Contra e Margarida
validam
a perspectiva vivenciada do ensino, nas salas de aula das IES, defendida
por esta investigação-formação. Suas narrativas foram distribuídas ao
longo de todos os capítulos da escrita uma vez que o foco do problema-
tese incide sobre como se chega a profissão docente no Ensino Superior.
Estes sujeitos tiveram uma freqüência que oscilou entre uma a sete
presenças nos Laboratórios de Pesquisa ou Encontros de Formação – EPF’s
126
e cumpriram integralmente o agendamento das sessões narrativas ou
entrevistas tópicas previstas no cronograma inicial da pesquisa.
O segmento dois é formado pelo professor que se intitulou como
Educador Confiante
e que foi indicado por catorze participantes da
investigação – formação (dentre o total de sujeitos que freqüentaram os
EPF’s realizados entre 2004 e 2005) como sendo um professor vivencial. O
fato destas indicações não se restringirem apenas aos freqüentadores dos
laboratórios e sessões narrativas foi mais um motivo para escolhê-lo como
objeto das nossas análises. Na realidade, fizemos também um
mapeamento prévio e informal em 2003.2, com discentes e docentes da
UFRN a fim de levantar possíveis nomes para a observação de uma prática
docente admirada e diferenciada da maioria e o seu nome figurou entre
todas as indicações obtidas.
O segmento três é dividido por dois subgrupos. O primeiro composto
por dois sujeitos que assumiram os pseudônimos de
Simmel
(aluno
especial da Pós-graduação em Educação/UFRN) e
Serena
(aluna regular
do Mestrado em Educação/UFRN). E o segundo subgrupo formado pela
estudante de graduação em Pedagogia identificada como
Monitora (
dentre
as três que assessoram o planejamento e realização dos sete EPF’s).
É importante esclarecer que, ao contrário dos outros sujeitos
envolvidos no estudo,
Monitora
não se opôs a inclusão do seu nome sem
pseudônimo visto que não lhe traria as mesmas implicações pessoais e
profissionais que
Justiceira, Alguém que Acredita, Do Contra Margarida,
Educador Confiante, Simmel e Serena
enfrentam. De todo modo, no
sentido de não destoar dos demais optamos em apresentá-la pelo nome
fictício. Trataremos de cada segmento distintamente no próximo item.
3.2.1. Segmento um: os docentes participantes nos EPF’s
Atuando em diversas instituições acadêmicas do Rio Grande do
Norte os sujeitos docentes da investigação acumulam uma experiência
127
mínima de mais de 02 anos de exercio do magistério no Ensino Superior,
público e privado, e no campo de formação de professores. Podemos
reapresentá-los, desta vez, por um quadro comparativo:
Sujeitos:
Docente
Área
Licenciatura/
Ano de
formado
Pós-
Graduação
Experiência
Profissional
Sexo e
Idade
Justiceira
Humanas Pedagogia/02
Letras/06
Aluna
Especial
FACEX
Feminino
38 anos
Alguém que
Acredita
Humanas Letras/05 Aluna
Especial
UVA
Feminino
36 anos
Do Contra
Humanas Pedagogia/12 Mestrando
UERN
UNP
Masculino
42
Margarida
Humanas Pedagogia/26 Doutoranda
UFRN/UERN
FAL
Feminino
43
QUADRO 08 – PERFIL DOS PROFESSORES QUE PARTICIPARAM DOS EPF’s
Fonte: Devaneios, 2006.
Conforme representado na ilustração 08, no que diz respeito à
preparação inicial para a docência os sujeitos têm praticamente o mesmo
ponto de partida: são graduados em um ou dois cursos de licenciatura em
Letras e/ou Pedagogia. Desse modo, a área representada no estudo ficou
sendo a de Ciências Humanas, uma das mais numerosas da Universidade
Federal do Rio grande do Norte - UFRN. Entretanto nos relatos
evidenciaram percursos e opiniões que apontam para o fato de não se
considerarem preparados, ao menos no início da carreira, para assumir a
docência no Ensino Superior.
A principal crítica que lançaram a esta problemática referiu-se ao
pouco investimento feito pelas instituições no âmbito da formação dos
seus quadros profissionais, a ausência de uma didática voltada
especificamente para os professores e alunos do Ensino Superior, a
necessidade de promoção de políticas de formação condizentes com a
realidade e a busca pela atualização do repertório didático através do
processo (auto) formativo, primordialmente.
128
Percebemos, por outro lado, que para superar tais dificuldades os
sujeitos têm procurado investir nos Cursos
Lato Sensu
30
– Especialização
em Psicopedagogia e Metodologia do Ensino Superior e
Stricto Sensu
-
Mestrado e Doutorado como forma de preparação e desenvolvimento da
carreira acadêmica pretendida.
Tanto é que o número de professores que cursam mestrado e
doutorado (
Do Contra
e
Margarida
- dois sujeitos) na UFRN é proporcional
ao número de professores que mesmo sem vínculo formal (
Justiceira
e
Alguém que Acredita
- dois sujeitos) cursam disciplinas na pós-graduação
em educação na mesma instituição.
É interessante notar que não fizeram, todavia, uma referência clara
sobre se tais desdobramentos da formação inicial, além de ter um caráter
complementar e de investimento profissional, também se dirige à
preocupação com a formação para a pesquisa propriamente dita. Em se
tratando de gênero o quadro 08 apresenta três professores do sexo
feminino e apenas um do sexo masculino, sendo que em relação à faixa
etária a idade média do grupo oscila entre 38 a 43 anos.
No que diz respeito à titulação a maioria absoluta dos docentes
participantes dos Laboratórios ou Encontros Paralelos de Formação - EPF’s
freqüenta o Programa de Pós Graduação em Educação - PPGEd da UFRN,
como estudantes regulares ou especiais e trabalham no Ensino Superior
público e/ou particular, sendo este um dos fatores fundamentais para se
entender o enfoque das narrativas e, consequentemente, a relevância
pedagógica que as informações conferem a este estudo.
Quanto a esse aspecto, uma característica típica a este grupo se
refere à oscilação na freqüência aos EPF’s e a dificuldade no cumprimento
das datas e horários agendados para a realização das Sessões Narrativas.
As diferenças observadas entre os professores que cursam o
programa como alunos especiais e os que o fazem na qualidade de alunos
30
As expressões latinas
Lato Sensu
e
Stricto
Sensu
significam, respectivamente, "em
sentido largo” e “em sentido restrito”, e fazem parte do conjunto vocabular que os
acadêmicos normalmente utilizam
.
129
regulares ocasionou variações relevantes quanto à própria permanência
nos EPF’s uma vez que os segundos quase não tinham tempo disponível
para colaborar ou participar de pesquisas além da própria que desenvolvia
na ocasião. É assim que as justificativas de alguns participantes indicaram
que parte da impossibilidade de continuar a freqüentar os EPF’s se
relacionava aos compromissos e vínculos formais com o PPGEd.
Ironicamente, cumprir os créditos das disciplinas, as sessões de
orientação, os prazos do cronograma da pesquisa e os próprios
compromissos de ordem pessoal – profissional, deixa de fato, pouco
tempo disponível para que os alunos regulares possam estabelecer
vínculos mais permanentes com os demais nas pesquisas gestadas na
própria pós – graduação a que são filiados.
Retomemos um último aspecto: enquanto a professora
Margarida
e
o professor
Do Contra
apresentam maior titulação e vivenciam,
concomitantemente, a realidade da universidade pública e das IES a
professora
Alguém que Acredita
e
Justiceira
acumulam menos tempo de
carreira e titulação e não adquiriram, ainda, experiências no tocante a
realidade pública do Ensino Superior. Se o foco do nosso estudo se desse
do ponto de vista da produção do conhecimento poderíamos distribuir
estes quatro professores em dois subgrupos distintos o que, obviamente,
optamos em não fazer.
Isso se justifica porque o nosso problema se refere
a como se chega
a docente no Ensino Superior
o que significa que confrontamos e
analisamos suas contribuições considerando o ensino que desenvolvem
nas IES, muito embora tenhamos em conta que não passaram incólumes
às questões implícitas pelas atividades e relações que travam na
universidade pública.
Deste modo, os elementos que os diferenciam (perfil do trabalho e
cargos/funções assumidas, participação em comissões, bancas, orientação
de monografias, entre outros tais), e que influenciam, naturalmente na
forma como se posicionam, longe de comprometer o nosso estudo, foram
fundamentais para compreensão das trajetórias acadêmicas vivenciadas e
130
de como se tornaram professores no Ensino Superior. Passaremos a situar
estes quatro docentes no âmbito dos EPF’s.
Autores com Moscovici (1980) e Marques (2002) sustentam a
educação de laboratório como um termo genérico ligado a um
determinado aparato metodológico que pode favorecer mudanças pessoais
no sentido de que partem de experiências, reflexões e aprendizagens
refletidas pelos envolvidos e que podem ser vivenciadas em diferenciados
espaços educativos entre os quais a sala de aula.
Este aparato privilegia, dentre outros princípios, o exercício da
imaginação e a valorização do potencial criador (Alencar, 1992) o
desenvolvimento interpessoal (Moscovici, 1980) a autonomia (Freire,
1997) o lúdico (Santos, 1997) a atividade coletiva e livre expressão
(Freinet, 1920) a abordagem experiencial (Josso, 2002) e as vivências
artísticas (Marques, 2002).
Deste modo, para confrontar como os sujeitos vivenciaram a ação
pedagógica desenvolvida nos laboratórios ou EFP’s se torna relevante
recuperar, entre outros, o estudo sistematizado por Marques (2002) ao
tratar de um tipo de arsenal teórico–metodológico que utiliza as
linguagens artísticas como principal estratégia de trabalho:
O uso constante de textos poéticos e músicas relacionadas
para cada situação, levam gradualmente o participante a
rever suas idiossincrasias em campo aberto à discussões e
revisões críticas. Relaxados pelo ambiente de troca
interpessoal, os envolvidos compartilham abertamente
angústias e expectativas dessa educação que fazemos
coletivamente, buscando juntos, os possíveis avanços.
(MARQUES, 2002, p.22)
Foi assim que, nas oportunidades em que nos valemos da vivência
sob o recurso da música, da poesia, das artes plásticas e do teatro,
mesclados às exposições teóricas, obtivemos significativos resultados.
Alguns sujeitos se referiam a este modo de trabalhar as temáticas como
uma forma criativa, diferente e divertida. Podemos recorrer a um dos
relatos para demonstrá-lo:
131
É a primeira vez que vejo o uso criativo do retroprojetor. É incrível como fica diferente,
divertido, participar da construção do conteúdo deste modo vivenciando ’na pele’ os
textos teóricos. Também nunca tinha entendido o que era uma aula vivenciada [...] a
vivência como recurso de ensino possibilita que o melhor de nós aflore sem deixar de
trabalhar a teoria que fundamenta a aula (Justiceira).
Neste exemplo, tanto a exploração do recurso de modo original pelo
fato de incluirmos, nos EPF’s, provocações das mais diversas ordens, tais
como: charges, histórias, poemas, títulos de reportagens, trechos de
poemas, frases de músicas, imagens inusitadas - quanto a sua associação
aos teóricos discutidos, favoreceu maior participação, interesse e
produtividade no grupo. Quanto a referencia da professora
Justiceira
sobre o uso do retroprojetor, foi deste modo que confirmamos que “[...]
surpreendidos pela redescoberta deste recurso de ensino, os participantes
comentaram o contraste com a forma habitual de usar o retro, com
transparências criativas e enfadonhas fruto do excesso de conteúdo”
(Marques, 2002, p.117).
O destaque às reflexões críticas propiciadas pelo uso de estratégias
de ensino mais dinâmicas foram sendo identificadas desde o início dos
encontros como uma abordagem própria do ensino vivencial. Essa
compreensão destacou, de diferentes formas, a validade de se atribuir um
sentido mais dinâmico e interativo ao processo de ensino como indicado
pelo depoimento a seguir:
É muito grande a distância que nos separa do ensino criativo que imprime maior
dinamicidade e interação nas nossas aulas [...] Há quem diga que no Ensino Superior não
cabe este tipo de abordagem mais vivencial e lúdica. Eu discordo totalmente! (Alguém
que Acredita).
Ao mesmo tempo nos deparávamos com diferentes dilemas e
contradições apresentados pelos professores quando tentávamos
relacionar mais objetivamente as vivências dos EPF’s à sua aplicabilidade
nas salas do Ensino Superior. Isso fica claro numa outra narrativa da
mesma professora:
132
Como disciplinar alunos com interesses tão diversos saindo dos meios convencionais como
quadro, giz e Xerox de textos para usar música, teatro [...] é prazeroso, mas exerce o
controle necessário? Não fomos acostumados a outro tipo de ensino. Já é bem difícil
concorrer com tantos estímulos tecnológicos disponíveis em outros espaços. (Alguém que
Acredita).
A constatação da discrepância entre a realidade enfrentada pela
professora
Alguém que Acredita
e as vivências propiciadas pelos EPF’s, ao
mesmo tempo em que lhe mobilizam a pensar em introduzir inovações
nas suas aulas faz com que identifique entraves, que a seu ver, invalidam
uma ação didática – pedagógica mais interativa. Referimo-nos a algumas
contradições presentes na sua narrativa: A primeira, diz respeito a
“disciplinar” seus alunos e a segunda, considerar que o apagador o giz e a
Xerox do texto não são tecnologias de ensino potenciais quanto quaisquer
outras. A terceira, que estão voltadas para exercer controle emocional na
turma. Ou, ainda, que precise concorrer com os estímulos tecnológicos
oferecidos ao invés de aproveitá-los para enriquecer o repertório didático
em sala.
Como se vê, estes se constituem em equívocos a serem superados.
Sem contar que é possível desenvolver um trabalho criativo e prazeroso
com tecnologias aparentemente simples e limitadas como considera estes
recursos a que tem acesso. Daí que, na intenção de discutir estes e outros
modos de pensar o aspecto didático do ensino vivencial, a linha de
trabalho dos EPF’s partia da discussão do seu sentido político –
pedagógico contrário a uma concepção de estratégia didática como um
fim em si mesma, não podendo, portanto, se reduzir a instrumentalidades
ou mesmo a razões afetivas desvinculadas de intenções educativas bem
definidas.
Nossa justificativa é que a arte a serviço da vivência: “Não se
localiza apenas num contexto meramente afetivo. A inteligência e os
sentimentos, a razão e a emoção são além de vivenciados, concebidos
desta ou daquela forma, o que vai estar de acordo com as representações
que aluno e professor fazem dela” (Marques, 2002, p.45).
133
Outro relato também ilustra a difícil compreensão das relações
existentes entre a intencionalidade da proposta educativa e sua
materialização nos procedimentos didáticos. E ainda o mito de que o
ensino exercido com criatividade é reduto de determinada área de
conhecimento:
Eu queria trabalhar com a arte nas aulas, mas sou péssima em qualquer tipo de atividade
artística. Acho que se eu trabalhasse na área de artes aí sim eu seria uma professora
mais criativa [...] como não sei desenhar muito bem não tenho habilidade para elaborar
materiais onde precise mexer com a imaginação (Justiceira).
A colocação da professora
Justiceira
revela a frustração por não
desenvolver o ensino como desejaria e a crença sem fundamento de que
não é criativa porque não domina o arsenal técnico característico da
educação artística. Nessa categoria podemos incluir a dificuldade
demonstrada quanto à utilização dos jogos e brincadeiras como recursos
de ensino.
No que se refere ao aspecto das relações vivenciadas entre
professores e estudantes na sala de aula, depoimentos dos sujeitos
frisaram que nas turmas do Ensino Superior, independente da disciplina
ou área de conhecimento essa experiência pode ser vivida de diferentes
formas.
O trabalho docente na perspectiva vivencial pode ajudar a desenvolver maior interação e
qualidade na relação professor-aluno. Na medida em que o indivíduo se sente envolvido e
tem oportunidade de participar de atividades que lhe ajudam a tomar consciência do
próprio comportamento passa a se comunicar melhor e isso interfere na sua
aprendizagem. É importante que o professor consiga se colocar no lugar do aluno para
entender como se sente, para entender os seus problemas e ajudá-lo através da sua
prática educativa. (Margarida).
Sem dúvida não é tarefa fácil desenvolver uma prática pedagógica
que oportunize tais momentos de crescimento e desenvolvimento
interpessoal sem descuidar das demais finalidades educativas e da
produção de conhecimento técnico-científico.
134
Ao que pese: muitos estudantes quando chegam ao Ensino
Superior trazem um conjunto razoável de relacionamentos insatisfatórios
e isso inclui professores com quem conviveu ao longo da sua trajetória
escolar. Não obstante, desenvolver em meio ao ensinar-aprender uma
relação humana afetiva, fluida e cúmplice, no melhor sentido da palavra,
pode se tornar uma construção possível nas mais diferentes formas.
O ato de ensinar e o de aprender envolvem certa
cumplicidade do professor a partir do planejamento das
suas decisões de ensino assumidas; mas tal cumplicidade
também se constrói nas interações, através do que é falado,
do que é entendido, do que é transmitido e captado pelo
olhar, pelo movimento do corpo, que acolhe, observa e
busca a compreensão do ponto de vista do aluno. (LEITE;
TASSONI, 2002, p. 107).
Em determinados momentos, a construção dessas interações
durante provocou, não raras vezes, atitudes defensivas. Certa
desconfiança que pairava no ar, subitamente, se alguma proposta fugia ao
que era habitual ou que tinha se constituído (no passado) numa
experiência não construtiva. Podemos ilustrar: Ao término de uma
atividade que requeria maior aproximação física no grupo um dos sujeitos
explicou o seu desconforto, da seguinte maneira:
Desculpem mas embora seja da área de humanas não fico á vontade quando a vivência
requer manifestações físicas. Prefiro atividades com menos envolvimento e risco
emocional. Vivi experiências anteriores que me deixam com o pé atrás [...] Na vivência é
todo mundo muito próximo, compreensivo, mas na hora do vamos ver é cada um por si.
(Do Contra)
No relato do professor
Do Contra
fica subentendida a idéia de que
por ser um profissional da área de humanas causa estranheza o fato de
não se sentir à vontade numa dinâmica de cunho interpessoal. Como se
essa disponibilidade fosse um atributo da área de formação e não do
sujeito autônomo na sua vontade e desejo que vem acompanhado,
conscientemente ou não, das experiências vivenciadas em outras
situações que lhe marcaram de algum modo.
135
Transparece, ainda, uma aparente sensação de pesar por se
constranger frente a atividades que pressupõem maior contato físico e
troca emocional mais intensa. Embora a atitude, relativamente defensiva,
possa tê-lo impedindo de experimentar com mais intensidade tais
oportunidades de aprendizagem, foi altamente positivo o fato de ter
percebido e compartilhado com o grupo o que se passava em seu íntimo.
Outra colocação também caminha nesta direção:
Me surpreendi comigo mesmo. Não sou barulhento assim. Talvez porque a vida adulta e
as responsabilidades minaram minha espontaneidade antes tão natural. [...] Em seguida,
já no meu normal senti que a turbulência foi substituída pela sensação de bem estar por
termos construídos algo juntos. (Do Contra)
Ao falar dos sentimentos ambíguos que vivenciou, o professor
Do
Contra
interpreta suas ações como decorrentes da experiência vivida nos
EPF’S. Ao afirmar que não é uma pessoa “barulhenta” demonstra uma
tentativa, quase que no campo do inconsciente, de justificar o breve
escape aos comportamentos que habitualmente assume. O que é
reforçado quando demonstra certo alívio pelo final da brincadeira flagrado
pela sentença: “já no meu normal”. Essa resistência, no entanto, não
impediu que percebesse o próprio imaginário de padrão cultural adulto
contido e pouco dado a atos espontâneos bem como, a agradável
sensação que lhe invadiu após o jogo vivido em grupo.
Ao tratar de novos caminhos percorridos pela formação, Furlaneto
(2006) entende que uma nova concepção de professor parece emergir.
Para que possa ser considerado adulto e capaz de agir com autonomia o
profissional de ensino deve poder reconhecer os contextos nos quais atua
e tecer sua prática não apenas a partir de modelos, “mas de referências
construídas nas relações com o outro que emergem de vivências, crenças,
valores e também de princípios teóricos” (p.10). Esta nos parece, uma
reflexão importante para nos acompanhar no próximo item.
136
3.2.2. Segmento dois: O professor identificado como vivencial e a
observação participante
Voltamos a insistir que a decisão de eleger a práxis individual do
sujeito do segmento dois como objeto da observação participante (O.P.)
se deu a partir das quatorze indicações dentre o total de setenta e três
participações dos EPF’s que o caracterizaram como sendo um professor
vivencial.
O acerto das estratégias metodológicas nos permitiu compreensões
de três ângulos distintos e relacionais: Como o professor
Educador
Confiante
se percebe; como a pesquisadora percebe o professor
Educador
Confiante,
com base na O.P. e como os sujeitos percebem o professor
Educador Confiante.
Consideramos importante citar alguns elementos do seu perfil
profissional antes de nos dedicarmos a apresentar os aspectos que
resultaram da análise das suas narrativas, da O.P. e do olhar dos sujeitos:
O docente
Educador Confiante
tem 53 anos, é licenciado em Letras pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, na década de 70 fez
sua primeira especialização, em 1982 concluiu o Mestrado no ano de 1994
e, em seguida, em 1997, o Curso de Doutorado. Tem 28 anos de docência
no Magistério Superior na UFRN e trabalha no curso de Pedagogia e de
Pós-Graduação em Educação. Na graduação ministra as disciplinas:
Didática Geral, e Ensino da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Na
pós-graduação trabalha com disciplinas voltadas para a formação de
professores que atuam/pretendem atuar no Ensino Superior. .
As narrativas do professor
Educador Confiante
revelaram que a
principal abordagem que mobiliza a sua prática fundamenta-se na
interação e no diálogo como princípios fundamentais de formação humana
e profissional.
Diante destes aspectos o professor
Educador Confiante
defende que
cabe ao professor acreditar no potencial do aluno, fazer o melhor possível,
reconhecer os próprios limites e considerar as interligações da prática
137
docente tais como: a relação da teoria com a prática, a vivência e a
pesquisa.
Creio num princípio educativo que permeia o trabalho do professor que acredita no
sucesso do aluno. Não tem isso de dar uma aula para apresentar brilhantismo não. Tenho
que oferecer o melhor que posso de das múltiplas decisões de vida. Não existe uma
exclusividade no ponto de vista do real. Vivo na academia, mas não me sinto acadêmico
[...] Vejo que tenho uma contribuição a oferecer dentro dos meus limites. Pondero muito
os meus limites. Mesmo com 30 anos de magistério não vou para a sala de aula sem
planejar o meu trabalho estudando, sempre lendo. A leitura é fundamental, de autores
que trabalhei a temática, a contextualização, a relação da teoria com a pratica, a
vivência, a pesquisa, são coisas que vão se interligando no processo. Tem muito disso,
essa interligação...
É assim que a abordagem de aprendizagem voltada para a
consideração das experiências dos estudantes (Josso, 2004) defendida
nos seus relatos aproxima-se da valorização da relação afetiva e do
envolvimento pessoal no processo de ensino como um todo, tanto sob o
aspecto cognitivo quanto sob o aspecto sensível considerado no ensinar-
aprender.
Acredito que 25 alunos é um número ideal para o trabalho de sala de aula, contudo
devemos considerar a proposta pedagógica e o contexto de cada grupo de aluno. Uma das
funções do professor é estabelecer relações. O que ele ensina tem que ser pensado,
refletido, amadurecido. Algo que considero muito importante no aspecto conceitual são
as questões vinculadas aos valores. Não vejo o nosso trabalho como transmissão de
conteúdos. A dimensão valorativa no trabalho docente é a perspectiva de que ele vai
construir valores humanos, conhecimentos aplicáveis para a humanidade em todos os
sentidos. A sociedade de classes é bastante complexa de modo que uma vida melhor no
planeta, contribui não só para a situação local, mas em termos de vida coletiva. Uma
palavra chave é vida, como é que eu qualifico esta vida em termos de valores humanos
com o meu trabalho.
No que se refere ao percurso profissional o professor se vê
comprometido e motivado a continuar a sua jornada no magistério
superior. Nas entrelinhas de todas as narrativas persiste uma auto
imagem positiva ao se ver como um bom professor. Um traço em comum
visível nas entrevistas com os demais sujeitos da investigação–formação.
138
Em outros relatos revela a sua inspiração e formação cristã. Se
pensarmos bem, as crenças e imagens pessoais geralmente permanecem
sem alteração ao longo do (nosso processo) programa de formação e
acompanham os professores durante suas práticas de ensino (Kagan,
1992).
Sou professor há mais de 30 anos, Comecei a atuar como professor quando iniciei meu
curso superior, dando aulas de português e inglês. No Curso de Letras, principalmente ao
cursar Didática e posteriormente Prática de Ensino senti uma grande identificação com
a docência e tão logo conclui o curso fiz dois concursos para a UFRN sendo aprovado em
ambos para Didática Geral e Prática de Ensino de Língua Portuguesa. Segui a carreira de
magistério no Ensino Superior dedicando-me todo este tempo a esta profissão porque
ainda me sinto motivado e comprometido com a formação educacional dos educadores.
Em manter uma atualização constante. Em ser um bom professor. Em me manter
vigilante e responsável no exercício deste compromisso tão elevado, ao estabelecer uma
relação teórica, prática, vivencial. Em ser coerente com os princípios que nortearam
minha vida, inspirado no maior pedagogo da Humanidade: Jesus de Nazaré.
Quanto a maior vitória no campo profissional, destacou o fato de
seus ex. alunos terem continuado a investir na profissão que escolheram.
Contrariando o ideário equivocado de que professores que defendem
princípios humanistas têm dificuldades de articular o ensino-aprendizagem
implicado das questões sócio-culturais, o professor
Educador Confiante
demonstrou grande preocupação com os problemas da universidade.
Compreende a educação como a vivência da humanização que desafia o
estudante a tomar parte na história. Que propõe a si mesmo (pessoa e
educador) como problema, descobrindo que pouco sabe de si e se
inquietando por saber mais, indagando, respondendo e se deixando levar
a novas perguntas. (Freire, 1987, p. 29).
São preocupantes as condições estruturais de universidade; carência de bibliografia
atualizada nas Bibliotecas; desinteresse de alunos que fazem pedagogia sem muito
envolvimento/interesse maior; as respostas na prática para as questões de educação; do
educando, do educador e da escola; as condições sócio-econômicas de muitos alunos. A
maior vitória é de ter tido alunos bons, interessados, que progrediram. Muitos dos meus
ex-alunos são mestres, doutores com atuação no contexto universitário potiguar. Cada
educando é um investimento muito, muito significativo para mim. Sou um professor
idôneo e honesto com minha profissão e meus alunos. Sempre atendi meus compromissos
139
profissionais, nunca faltei, sempre cumpri a carga horária integral dos Cursos.
Considero-me inovador, porque meus cursos são sempre motivadores da aprendizagem,
da participação e da amizade dos meus alunos. Sempre procuro novas referências, novas
matérias, novas questões, novas respostas.
Outro aspecto marcante nas narrativas do professor
Educador
Confiante
diz respeito à sua atenção a um processo formativo onde o
estudante participe de forma livre e responsável, afinal, ninguém gosta de
ser obrigado a realizar determinado trabalho mesmo que, em particular,
ele não o desagrade. Toda atitude imposta é paralisante (Freinet, 1920).
Nos seus relatos atribuiu ao ensino vivencial, a possibilidade de
desempenhar um papel de mediação, dado que ninguém educa ninguém,
ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo (Freire, 1987, p.68).
Acredito que diversas pedagogias trazem elementos significativos de vivência/práxis.
Cito a Pedagogia Freinet, com a qual trabalho mais diretamente através de estudos e
pesquisas, na graduação e pós-graduação. Considero a pedagogia Freiriana altamente
vivencial por considerar todos os elementos do contexto sócio-político. Acredito que uma
Pedagogia Vivencial tem princípios filosóficos e um aporte teórico-metodológico que tem
como centro do processo a aprendizagem do educando e seu processo formativo; a
práxis pedagógica emancipadora; o compromisso com um educador/educando crítico,
participativo, responsável, que leva em consideração as inteligências múltiplas, a ação
criativa. Acredito que a “Pedagogia Vivencial” pode ser considerada como uma
ferramenta teórico-metodológica muito significativa.
Os relatos do professor
Educador Confiante
evidenciam como se
percebe enquanto pessoa e profissional e nos ajudaram a lançar luzes ao
problema Tese, qual seja:
como se chega a docente no Ensino Superior.
É
oportuno apresentar em seguida alguns resultados da observação
participante
31
que se fizeram indispensáveis para entendermos porque foi
identificado pelos sujeitos como sendo um professor vivencial.
Do latim
observatione
a palavra observação representa no âmbito
desse estudo, o esforço de reflexão e análise dos fenômenos tal como se
31
Para realizar a OP, efetivei a minha matrícula como aluna regular da referida disciplina
e, na ocasião, o professor
Educador Confiante
aceitou participar do estudo integralmente.
140
desvelaram. Ao lado do vocábulo participação do latim
participatione
que
se refere ao ato de participar, consideramos que a O.P. significou um
momento charneira (Dominicé, 1988) para a nossa pesquisa.
Ao vivenciar o contato direto com o
Educador Confiante
no seu
contexto de trabalho nos foi imposta a necessidade de dar conta de um
duplo esforço: Participar de todas as atividades propostas na disciplina
sem deixar de lado uma atenção vigilante que nos ajudasse a assegurar
que as nossas reações e envolvimento pessoal, nas situações observadas,
não comprometessem os princípios de confiabilidade e validade das
análises acerca do universo em estudo.
Nesse sentido, as sessões narrativas, os EPF’s e Diário “Devaneios”
em confronto com a O.P. revelaram-se de grande utilidade para o alcance
das nossas intenções, uma vez que as limitações de cada um destes
instrumentos compensava as limitações dos demais e vice versa.
Quanto a distinção da natureza da observação participante – O.P.
Haguette (2000) discorre acerca de determinados aspectos que podem
comprometer a sua objetividade e que se situam principalmente na
relação observador/observados e na relativa impossibilidade de
generalização de resultados. Nesta abordagem a O.P. não supõe
instrumento específico algum para nortear a observação e a
responsabilidade e o sucesso da técnica dependem do observador, a não
ser quanto às fontes de vieses emanadas da própria situação. Na análise
de Haguette (2000) os fatores de contaminação podem ocasionar
interpretações equivocadas do fenômeno estudado. A nosso ver o maior
risco que corremos no nosso estudo decorreu em virtude do que ela
entende como viés interpessoal do observador que influi, a partir de suas
emoções, e defesas, naquilo que este verá como significativo e o modo
como perceberá a interação humana.
Apesar de todas essas implicações e cuidados a tomar, o fluxo das
informações captadas no decorrer da O.P. se constituiu no arcabouço
fecundo esperado para atender ás exigências formais da pesquisa, como
141
será comprovado pelas análises sobre as práticas observadas do professor
Educador Confiante
.
Como nos diz Ferraroti (1988): “Se nós somos, se todo indivíduo é a
reapropriação singular do universal, social e histórico que o rodeia,
podemos reconhecer o social a partir da especialidade irredutível de uma
práxis individual” (p.26).
Neste sentido, a primeira impressão que tivemos do professor
Educador Confiante
nos trouxe de antemão a certeza de a reapropriação
singular do universal histórico social a ser observada a partir da sua
prática individual indicada pelos sujeitos como vivencial, não poderia ser
mais adequada.
Falava tranqüilo e pausadamente. A primeira impressão que tive ao ouví-lo (e isto se
confirmou ao longo do semestre) foi que tinha carisma. Olhava cada aluno em particular
como se procedesse a um ritual de apresentação silenciosa. (Diário “Devaneios”, 2004)
Dada à impossibilidade de incluir na tese todas as aulas observadas,
optamos em enfatizar determinadas situações e propostas, ao mesmo
tempo em que refletimos sobre certas inferências da pesquisadora e dos
sujeitos acerca do processo vivenciado na disciplina.
Na primeira aula, após desenvolver uma dinâmica de integração a
impressão que transparecia era a de que o professor tinha obtido as
informações iniciais de que necessitava para trabalhar com a turma,
principalmente quanto aos aspectos: heterogeneidade, experiências e
expectativas do grupo. Nesse ínterim, grande parte dos comentários da
turma versou sobre a importância da preparação pedagógica do professor
que atua no Ensino Superior e de que forma a disciplina poderia contribuir
nesse sentido.
Ficaram registrados no Diário “Devaneios” alguns fragmentos
discursivos compartilhados naquele primeiro encontro: alguns colegas
falaram sobre a dificuldade de cursar tantas disciplinas ao mesmo tempo;
outros do medo de não se saírem bem por não serem da área de humanas
142
ou das licenciaturas, e ainda houve a preocupação de como os textos
seriam trabalhados e de como fazer a Xerox do material.
A sua humildade é algo admirável e a rede de relações que focaliza é, muitas vezes,
desconcertante. Quando questionado sobre o módulo de leitura e Xerox dos textos ele
não impôs os materiais que já tinha selecionado. Teceu considerações sobre os objetos
da disciplina ligando-os aos autores que estudaríamos. No final da aula praticamente
todos já tinham reservado o material (Marques, Diário “Devaneios”).
A partir daí a conversa discorreu acerca dos objetivos propostos pela
disciplina, onde o
Educador Confiante
esclareceu que sua condução se
destinava a auxiliar na compreensão do processo de ensino em suas
múltiplas determinações: histórico – ideológico – epistemológico –
antropológico, e, situando os vínculos da ementa com a pedagogia e a
didática enquanto ciências que embasam as situações concretas da prática
pedagógica vivida dinamicamente na sala de aula.
Todo ementário tem por tarefa resumir a concepção teórica –
epistemológica das disciplinas não traduzindo, e nem teria como, a
diversidade de sentidos vivenciada entre professor e estudantes no espaço
– tempo histórico – acadêmico – social do semestre. No que diz respeito á
compreensão do trabalho teórico – metodológico proposto pelo professor
Educador Confiante
torna-se necessário focalizar não apenas a ementa,
mas também os principais elementos do seu programa de ensino. À
primeira vista a proposta lançada não diferia das que comumente circulam
nas demais disciplinas:
Análise dos elementos teóricos metodológicos e técnicos que possibilitem orientar o
planejamento e execução do processo de ensino – aprendizagem no âmbito da docência
superior, estimulando a criação cultural, o desenvolvimento da mentalidade científica e
do pensamento crítico-reflexivo. (Marques, Diário “Devaneios”).
Entretanto, a proposta que foi distribuída a turma se revelou na
prática muito além do eixo norteador que parecia se limitar a ser. O
escrito não deu conta do vivido. Observando a postura assumida pelo
professor e a forma como conduziu o trabalho constatamos que a
143
intencionalidade em estabelecer mediações entre o conhecimento
oferecido pela disciplina e sua aplicabilidade na vida acadêmica se
materializaram de modo coerente no tocante à metodologia e as formas
de avaliação processuais desenvolvidas.
No papel, a avaliação proposta também não diferia muito do que
conhecíamos das promessas teóricas de outras matérias:
A avaliação é entendida como um processo contínuo, estimulador e reparador das
aprendizagens e competências necessárias. São observados: a participação nas leituras e
discussões, a pontualidade/assiduidade nos encontros programados, bem como a
apresentação de trabalhos orais e escritos durante e ao final do curso. (Marques, Diário
“Devaneios”).
A sensação que persistiu no grupo foi a de termos realmente
vivenciado um percurso avaliativo processual, dinâmico e prazeroso. Fato
não muito habitual ao se tratar duma matriz curricular da pós-graduação.
Para Cunha (2000) a questão pedagógico-curricular é muito mais
profunda e anterior ao mero arranjo do conhecimento curricular
É de ordem epistemológica, pois vem da concepção de
conhecimento e de ordem pedagógica, isto é, de como se
percebe o ato de aprender. Mas ao final, é sempre uma
questão de ordem política, como são todos os atos
humanos, pois pressupõe uma concepção de homem e de
sociedade que envolve os fins da educação. (CUNHA, 2000,
p.32)
Assim, no que se refere aos objetivos propostos, não obstante
conceberem o ensino como atividade reflexiva, neste caso, o enunciado
concretizou-se em diferentes oportunidades. Eis um deles: Refletir sobre o
papel sociopolítico e técnico da profissionalização docente, da universidade
e do ensino no contexto sócio-econômico atual.
Quanto à preocupação com a formação teórica política e humana
dos estudantes esta pode ser reconhecida no próprio rol dos conteúdos,
diversificado e atual, trabalhados na sua disciplina:
Função político social da Universidade brasileira; Da educação no século XXI;
Contextualização da Didática: de Comênio aos dias atuais; Pedagogias liberal, progressiva
144
e Neoliberal; O ensino do ensino: do tecnicismo ao neotecnicismo; A pedagogia da
Qualidade Total; Pensando o ensino, a docência e a formação de professores: o
professor universitário; O Currículo e suas perspectivas; Abordagens do processo
ensino-aprendizagem; O planejamento de ensino, suas interfaces e perspectivas atuais;
Objetivos de ensino/conteúdos de ensino e as relações com o método e a produção
histórica do conhecimento; Significado e formalização dos objetivos no processo de
planejamento de ensino; Métodos de ensino: enfoques teórico e técnico – metodológicos;
Avaliação do processo de ensino – aprendizagem e suas implicações pedagógicas e
sociais; Concepções e instrumentos de avaliação (Marques, Diário “Devaneios”).
Obviamente a extensão dos conteúdos de ensino selecionados frente
à exigüidade do tempo, o alto número de matriculados na disciplina e
compromissos assumidos pelo grupo com outras disciplinas num primeiro
momento provocou algumas inquietações. O mais surpreendente,
entretanto, é que a disciplina se manteve produtiva durante todo o
semestre. Inclusive, os índices de assiduidade e comprometimento
observados, foram altamente satisfatórios.
Na medida em que os temas iam tomando forma através das suas
sistematizações e intervenções atentas íamos acompanhando sujeitos com
interesses e experiências tão diversas ou mesmo restritas no campo
pedagógico tendo acesso à mesma base teórico-metodológica capaz de
subsidiar, mesmo que minimamente a princípio, uma apropriação e
conceituação crítica de conhecimentos básicos ao exercício no magistério
superior.
Essa atenção se revelava desde o planejamento dos momentos em
que trabalhava teoricamente, sob o seu ponto de vista e dos teóricos
selecionados, o miolo ou núcleo dos assuntos mais importantes de cada
aula.
Foi simples perceber que os principais momentos das suas aulas aconteciam no meio da
manhã; ele intencionalmente deixava as atividades mais gerais para o inicio das aulas e as
específicas para o meio. A abordagem dos conteúdos, propriamente ditos, nunca ocorria
naquele primeiro horário em que a maioria da turma ainda não se fazia presente.
(Marques, Diário “Devaneios”).
145
Na escolha das estratégias de ensino pelo professor
Educador
Confiante
, observamos a preocupação em instigar os estudantes a
apresentarem Seminários
32
diferentes dos usuais e que propiciassem o
confronto da realidade do Ensino Superior na atualidade e no seu percurso
histórico consciente de que, de outro modo, os estudantes e professores
acabam por produzir saberes que não condizem com a prática (Tardiff,
1999). Reiteradas vezes afirmou que as discussões tinham um caráter de
síntese provisória dada à visão plural e alcance social que implicavam para
a formação de professores. A compreensão de como historicamente foi
sendo construída à identidade da profissão do professor partiu:
da significação social da profissão; da revisão constante dos
significados sociais da profissão; da revisão das tradições.
Mas também da reafirmação das práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas. Práticas
que resistem a inovações porque prenhes de saberes
válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as
teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à
luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.
(PIMENTA, 1999, p. 19)
A perspectiva das atividades foi se encaminhando, deste modo, para
o entendimento da prática docente no contexto (auto) formativo e de
reconfiguração de saberes teórico-metodológicos frente aos desafios
postos pelas situações concretas. Comumente, a sensação que persistia
após as apresentações dos discentes era a de que tínhamos participado
ativamente de uma “boa” aula. É preciso retomar que o conceito de uma
boa
aula (Cunha, 1997) é relativo porquanto se inscreve na realidade
histórica e contextualizada de cada grupo/sujeito.
Um dos efeitos observados a partir do seu trabalho é a sua postura de co-autoria. Esse
parece ser o segredo de uma boa aula: os agrupamentos livres, as falas, a troca de
experiências concretas a qualquer momento, a liberdade de ir além das leituras
32
Os Seminários (técnica de ensino expositiva oral) consistiram nas apresentações
elaboradas pelos discentes. Os grupos lançaram mão, de modo original e criativo, de
diferentes recursos motivacionais e, na sua maioria, produziram um folder e/ou texto
para enriquecimento do trabalho.
146
oferecidas no módulo... Tudo isso explica porque ele é visto como um professor vivencial.
(Marques, Diário “Devaneios”).
Isso nos leva à grande questão colocada pela O.P.: A prática
pedagógica desenvolvida pelo professor
Educador Confiante
, considerado
como vivencial, ultrapassou a mera preocupação em ensinar bem e
competentemente os conteúdos. O docente demonstrou investir nos
saberes de que o sujeito é portador, trabalhando-os do ponto de vista
teórico e conceptual (Tardiff, 1999). Isso se deve ao fato de que considera
os saberes de experiência, construídos pelos alunos, como tão
importantes quanto à preparação acadêmico-científica, considerado os
limites e espaço-tempo disponível.
Dada à natureza do conhecimento profissional com que se trabalha
no exercício do magistério, como evidencia Freire (1997) ensinar
conteúdos não se constitui á parte do testemunho ético, da preparação
científica exercida de forma humilde, da tentativa de superação e respeito
ao saber de experiência feita do estudante e do esforço pela manutenção
da coerência. O que reforça a idéia de que a prática docente do professor
visto como vivencial privilegiou na sua disciplina o ir muito além do mero
manejo de conteúdos e recursos de ensino enfatizando a valorização dos
saberes de experiência dos estudantes.
Isso se deve, em grande medida, a consideração de que o eixo
central do fazer/saber docente se liga como explica Tardif (1999) a
transformação das relações de exterioridade com os saberes em relações
de interioridade com a própria prática: “Nesse sentido os saberes da
experiência não são saberes como os demais, eles são, ao contrário,
formados de todos os demais, porém retraduzidos, "polidos" e submetidos
às certezas construídas na prática e no vivido” (p. 234).
Assim, essa valorização dos saberes de experiência dos estudantes
tocou de diferentes formas a expectativa dos sujeitos da pesquisa. Um
dos depoimentos coloca esse aspecto com clareza:
147
Eu o vejo como alguém bem resolvido consigo mesmo. Aberto a trocas com a turma o
tempo todo. Se preocupa em construir um ensino voltado para o aluno. Estimula que o
aluno fale livremente. [...] É uma brecha para relacionarmos a sua aula ao que aprendemos
nas outras disciplinas, na vida, no trabalho. Sei lá. O professor vivencial valoriza qualquer
coisa que o aluno saiba ou queira aprender mesmo que esteja voltado apenas para a vida
pessoal e não para o programa a ser dado. (Justiceira)
Embora o comentário da professora
Justiceira
não explicite, sua
fala baseia-se na suposição de que o professor
Educador Confiante
tem
um (auto) conceito positivo, é atento aos sentimentos dos alunos e não se
prende a questões meramente intelectuais. Por isso encontra razões para
justificar a importância de uma ação pedagógica que privilegie a pessoa
do estudante.
Por fim, ao compreendermos como o professor
Educador Confiante
pensa e vive o Ensino Superior é possível ampliar o ideário reunido, com
os demais sujeitos da pesquisa, acerca das características atribuídas aos
docentes considerados como vivenciais e algumas atitudes e práticas que
permeiam o exercício da profissão.
O conjunto de inferências que apresentamos, a seguir, se concentra
na matriz teórica e analítica constituída pela abordagem experiencial. Na
seqüência dos EPF’s sistematizamos quatro características (afetividade,
autenticidade, empatia e confiança), dentre outras, que os sujeitos foram
sinalizando como próprias de educadores que trabalham de forma
vivencial. Na fase interpretativa de seus relatos a maior dificuldade que
enfrentamos foi a de como analisar a sua narrativa sem julgá-la. (Josso,
2004, p.67)
A primeira característica se refere à valorização da afetividade. Um
primeiro olhar diferencia que a prática docente do professor visto como
vivencial privilegiou na sua disciplina, a arte, as experiências criadoras, o
lúdico e a afetividade. Quanto ao último aspecto, Garcia (2000) faz uma
aproximação memorável:
Estamos falando de amor, de aproximação, de afeto. E não é
na psicologia apenas que encontro a ênfase no afeto, que há
todos e todas nós sempre encontramos e até criticamos pela
148
ideologia que vinha imbricada ao privilégio dado ao afeto,
desconsiderada a sociedade e a cultura onde os sujeitos
nasciam, cresciam e interagiam. (GARCIA, 2000, p.126).
O afeto ou a estima pelo aluno na prática pedagógica que, para
alguns pode ser um detalhe na ordem das coisas, para outros é de
importância capital. A narrativa de um dos sujeitos deixa isso claro:
Se permitir gostar do aluno, valorizar os seus sentimentos e opiniões. Antigamente o
professor amava a sua profissão e consequentemente isso influía no seu relacionamento
com a turma. Hoje em dia as relações humanas na universidade refletem a sociedade
atual: fria e tensa. Causa até estranheza quando falamos de ternura e de afeto.
(Alguém que Acredita).
No depoimento da professora
Alguém que Acredita
prevalece à idéia
de que a aceitação e valorização do estudante são provenientes de uma
relação de afeto que por sua vez considera os sentimentos e
potencialidades do outro. O que indica que ela se permite viver as
pertenças reais e simbólicas. Para pessoas assim o conhecimento de si é
uma prioridade por aquilo que pode aprender dela mesma por meio do
olhar dos outros (Josso, 2004).
Um dos elementos subjacentes ao relato da professora
Alguém que
Acredita
, entretanto, se refere ao argumento ingênuo e pouco politizado
de que o afeto dedicado á profissão e aos estudantes são condições
suficientes para resolução dos problemas vividos na sociedade atual.
A segunda característica que os sujeitos indicaram como própria do
professor vivencial foi a autenticidade observada no modo de ser e de agir
do professor
Educador Confiante
. Numa de suas reflexões Josso (2004),
pondera que “[...] quando o nosso conhecimento de nós mesmos nos
permite associarmo–nos aos outros com prazer e criatividade,
experimentando o equilíbrio entre o dar e receber, estamos disponíveis
para a exploração além de nós mesmos, estamos disponíveis para a vida”
(p. 96). Um dos relatos do professor
Do Contra
, sobre o
Educador
Confiante
, destaca a sua autenticidade e prazer de servir ao outro:
149
É uma pessoa autentica. Consegue se mostrar como realmente é. Transmite uma
sensação de bem estar quando se aproximam dele. [...] É difícil existir um professor com
tamanha abertura e disponibilidade para ouvir e que respeita os sentimentos do aluno.
A descrição do professor
Do Contra
nos remete a imagem de um
sujeito capaz de viver os sentimentos e comunicá-los ao grupo onde se
insere. Em termos interpessoais, seria como distinguí-lo pela capacidade
de se relacionar sem fachadas ou defensismos, e dono de rara qualidade:
habilidade para ouvir o outro.
Apesar de que o professor
Do Contra
não deixe claro no seu
depoimento se o perfil que apresenta trata do professor
Educador
Confiante
ou se remonta ao campo das representações acerca do que vê
como características ideais a um professor vivencial.
A terceira característica valoriza a empatia. Nos seus depoimentos a
professora
Alguém que Acredita
refere-se ao modo como o professor
Educador Confiante
se disponibilizava para perceber e compreender as
reações da turma frente às situações educativas e de como o processo de
ensino e aprendizagem parecia lhes atingir. É interessante que, sem se
dar conta, a professora
Alguém que Acredita
estabelece uma relação
empática com o professor que observa. Isso ocorre porque algumas
vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa
consciência e delas extraímos informações úteis às nossas transações
conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural (Josso,
2004).
Ele se colocava totalmente á disposição do aluno sempre procurando saber como estava
pensando, reagindo, sentindo os conteúdos [...] Se era trabalho de grupo, sentava um
pouco em cada um deles, participava de alguma discussão, tirava dúvidas, sugeria saídas.
Conseguia se colocar no lugar do aluno compreendendo o que se passava com ele, apoiava
as dificuldades para entender (Alguém que Acredita).
A postura que a professora
Alguém que Acredita
relata e admira
no outro professor, indica um investimento constante na possibilidade de
proporcionar um processo de ensino mais significativo para a turma e que
150
valoriza o sujeito individualmente. Por outro lado, enfatiza com certo
exagero a responsabilidade do professor vivencial para com a
aprendizagem do outro, praticamente isentando o estudante de assumir o
seu papel de sujeito perante o processo de ensino e de construção do
conhecimento.
A quarta característica foi analisada mais detidamente pelos
depoimentos da professora
Margarida
apesar de ter sido bastante
comentada pelos demais sujeitos da pesquisa nos diferentes momentos
onde discutimos o perfil do professor vivencial.
Tanto nas atitudes quanto no modo como desenvolve o ensino percebi que ele possui uma
qualidade que não se vê muito nos professores universitários de modo geral: a
preocupação em trabalhar o relacionamento interpessoal da turma concomitante com a
formação intelectual [...]me parece que este foi o aspecto que mais me marcou no seu
trabalho: considerar a confiança como um elemento fecundo para a realização da
aprendizagem. (Margarida)
Vista pela professora
Margarida
como um elemento essencial para a
manutenção de um clima propício para a aprendizagem a confiança é
entendida como uma característica de grande importância. Inclusive, o
seu depoimento revela que vivenciou uma aprendizagem pela experiência
ao exprimir: “o aspecto que mais me marcou”. Como afirma Josso (2004)
vivemos uma infinidade de transações, de vivências; estas vivências
atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um
certo trabalho reflexivo sobre o que passou e sobre o que foi observado,
percebido e sentido. (p. 48).
A sua narrativa levanta outras conseqüências advindas da confiança
observada nas práticas do professor
Educador Confiante
: a atitude de
abertura e disponibilidade, o respeito à capacidade do grupo em lidar com
os problemas e sua liberdade de expressão individual.
Passaremos ao próximo segmento de sujeitos – os discentes -
envolvidos na investigação-formação.
151
3.2.3. Segmento três: Os discentes e
Monitora
- participantes dos
EPF’s
Esclarecemos, anteriormente, que este segmento é formado por dois
subgrupos. O primeiro inclui os relatos dos estudantes da Pós-graduação
em educação:
Simmel e Serena.
E o segundo subgrupo consiste na
sistematização do trabalho realizado com as monitoras dos EPF’s, o que
no estudo foi representado pela discente que intitulamos como
Monitora.
Estes três olhares que representam o ponto de vista dos estudantes
se constituem para nós como essencial ao problema da Tese, pois
entendemos que não basta pensar como os sujeitos chegam ao Ensino
Superior através da sua própria ótica apenas. É preciso contrastá-lo pelo
olhar do estudante. Afinal, quem poderia melhor explicar os impactos
externos e diretos causados pelo repertório teórico-metodológico utilizado
pelo professor no seu ensino? Entrementes, ao longo dos sete
laboratórios, os discentes que se empenharam para participar desta
investigação–formação, conviveram com um ou outro Narciso que se
misturou em meio aos que se esforçam para se constituir professores:
àqueles que acham feio
33
aquilo que não é espelho.
Diga-se a propósito que trabalhar com as narrativas dos sujeitos
pressupõe tentar compreender o que é a formação a partir do lugar que
nela ocupam as experiências ao longo das quais se formam e se
transformam as nossas identidades e a nossa subjetividade (Josso, 2004).
Desse modo, o trabalho de reflexão a partir dos relatos dos sujeitos
consistiu numa grata oportunidade para observarmos como temos
caminhado na nossa vida pessoal-profissional e relações que
estabelecemos com as pessoas na procura do
saber-viver
. É possível
33
Na versão mais conhecida da lenda da mitologia grega que conta a história de Narciso,
este jovem teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria beleza. Todavia ao
contemplar o reflexo de seu rosto nas águas de uma fonte apaixonou-se perdidamente
pela própria imagem e continuou a mirá-la, extasiado, até consumir-se. No lugar onde
morreu nasceu uma bela flor conhecida pelo nome de Narciso
.
152
observar que os discentes envolvidos no nosso estudo também
valorizaram esta possibilidade.
O sujeito do gênero masculino escolheu ser chamado de
Simmel
e
tem 25 anos. Na época dos EFF’s almejava ingressar na Pós-Graduação da
UFRN como aluno regular e planejava que isto ocorresse no ano de 2006.
Enquanto experiência no campo profissional do magistério trabalhou dois
anos em uma determinada IES que desenvolve programas de formação
continuada de professores e mais um ano em outra instituição na área de
educação de jovens e adultos.
Falar de sua formação inicial, concluída em 2002, lhe trouxe
diversas memórias de professores da graduação, dentre os quais
diferenciou dois grupos: o dos cruéis e dos bons. Entre os cruéis incluiu
um determinado docente que chamava literalmente de burro o estudante
que não atendia às suas expectativas, gerando, segundo
Simmel
, um
difícil clima de animosidade e desgaste psicológico. O fato de localizar e
refletir sobre as experiências (auto) formativas mais marcantes, com
tanta disponibilidade e abertura, favoreceu que compreendesse que
vamos nos formando no traçado do aprender a saber-viver e que as
experiências que vamos reunindo, ao longo das nossas vidas, nos ajudam
e nos formam. Ou seja: as nossas subjetividades e identidade vão sendo
produzidas e modificadas continuamente (Josso, 2004).
No geral, os relatos de
Simmel
validam o processo (auto) formativo
entendido como espaços tempos diversos onde os adultos se formam
através das experiências, dos contextos e dos acontecimentos que
acompanham a sua existência (Nóvoa, 1988). Ao tentar traduzir-se como
pessoa e profissional,
Simmel
se valeu da linguagem poética:
Um ser que busca a beleza e a paz num mundo que não compreende e que seu ser não
consegue ser compreendido. Um ser que busca Deus nos seus atos, mas sabe que ás
vezes erra como uma criança mimada. Um ser que busca em sua família a compreensão e
o amor verdadeiro, e que nunca vai abandoná-la. Um ser que busca amigos para abraçar e
conversar, lembrando-se sempre que uma amizade deve incluir sinceridade e lealdade.
Um ser que busca seu sucesso profissional como um objetivo de vida, mas sabe que o
legítimo sucesso pertence as pessoas beneficiadas com o seu trabalho. Um ser que busca
153
se definir neste exato momento, porém sabe que sua imagem como ser social, político,
cultural e profissional se formará até o dia de seu último suspiro na terra. Um ser que
tem singularidades que devem ser conhecidas, mas nunca mencionadas por ele, porque
sabe o valor de ouvir aqueles que o rodeiam e a amam.
Um aspecto importante a destacar, é que sua busca pelo sucesso
profissional como um objetivo de vida (da qual fala na narrativa acima)
persistiu em várias intervenções que levantou no decorrer dos EPF’s.
Aliás, isso se confirmou também pelo fato de que
Simmel
foi o sujeito
mais presente em todas as etapas metodológicas proposta por este
estudo. Para conceituar o ensino vivencial recorreu, em algumas
narrativas, a tentativa de situar socialmente o próprio conceito de vivência
referindo-se ao confronto de experiências e modos de ser, de pensar e de
agir dos sujeitos.
Na sociedade atual cada indivíduo possui características singulares provindas de sua
maneira de enfrentar o mundo que o cerca. Podemos afirmar que a vivência pode ser um
desafio, um prazer ou uma necessidade, seja ela analisada em dada situação política,
social e cultural. A vivência para ser utilizada como recurso de ensino adquire contornos
específicos devendo-se ter a consciência de que em alguns momentos pode ser difícil
promover a integração das projeções feitas pelo educador frente às necessidades dos
alunos.
O seu olhar para o fenômeno educativo, sob a perspectiva da
vivência, tanto indica preocupações com a dimensão humana, técnica,
cognitiva, emocional, sócio-política e cultural (Mizukami, 1986) quanto a
dificuldade de se levar em consideração, equilibradamente, as
expectativas dos estudantes frente as projeções do professor na situação
de ensino.
Em outros relatos tentou definir o ensino vivencial a partir da sua
correlação com os valores sóciopolítico-culturais e as diversas facetas
ideológicas que atribui a tais construções.
O ensino vivencial é aquele que correlaciona valores sociais, políticos e culturais no
sentido de desenvolver habilidades que promovam o exercício da imaginação, opinião e de
nossa expressão sobre as incógnitas existentes em nosso universo. Universo que é
154
construído com base no senso comum, no conhecimento sistematizado e na nossa história
de vida como ser constituinte de uma sociedade que sofre constantes metamorfoses em
suas diversas facetas ideológicas.
Simmel
defendia que a melhor maneira de entender o ensino
vivencial seria compreendê-lo nos seus aspectos multidimensionais.
Considerando-o como um fenômeno humano complexo e ao mesmo
tempo histórico e social, dizia não ser possível compreendê-lo de um
modo único ou consensual. O fato de valorizar as relações entre o senso
comum e a construção dos saberes científicos fazia com que buscasse
explicações satisfatórias para todos os temas discutidos nos laboratórios.
Ao se posicionar a respeito do papel do professor formador e da
metodologia de ensino no campo da formação de professores para o
Ensino Superior
Simmel
sempre valorizava a afetividade no ensino:
A partir de alguns ex-companheiros de trabalho e algumas formações e aulas
universitárias devo destacar uma característica essencial que estava presente e que em
minha opinião ultrapassa a inovação instrumental, que se define como a materialização da
afetividade, pois o professor formador tem que estar disposto a se envolver
emocionalmente.
Ao tratar da importância atribuída ao trabalho inovador nas salas de
aula no Ensino Superior
Simmel
recorreu a dois ditados populares e
propôs sua releitura a partir das condutas de determinados professores
observados durante a sua graduação.
O primeiro ditado é “Costume de casa vai á praça” que relaciono a pergunta: “Como nós
professores podemos inovar na nossa prática, sendo que nossos professores,
encarregados de nossa formação, possuem práticas arcaicas?” o exemplo na formação é
um passo inicial para mudanças, se temos o paradigma na nossa casa de formação
(Universidade) teremos uma legítima motivação para perpetuar à prática de nossos
mentores. O segundo ditado popular é “Quem vê cara! Não vê coração”, ou melhor,
“Quem vê as produções científicas dos professores universitários não vê sua conduta na
sala de aula”. Às vezes o que o professor defende em seus textos, em suas palestras, e
outros eventos e meios, contrasta com seus posicionamentos didáticos com seus alunos:
Demonstram autoritarismo, conservadorismo e monotonia em suas aulas,
responsabilizando muitas vezes o excesso de trabalho. Consequentemente seguem uma
155
prática sem inovações metodológicas e muito menos afetividade. Se um professor
universitário se enquadra a um campo teórico tradicional não deveria se dedicar a
escrever e falar sobre teorias inovadoras. Se o autor da teoria não consegue vivenciá-la
no seu dia-a-dia como educador, como pode apregoá-la?
Para Freire (1997) quando se respeita a natureza do ser humano, o
ensino dos conteúdos não pode se dar alheio à formação moral discente e
docente. Em resumo:
Simmel
nos
colocava
,
constantemente, as
contradições que observava na conduta teórica-prática dos professores
formadores com que conviveu ao longo do seu caminho formativo inicial
e, mais recentemente, como estudante especial da Pós-Graduação.
A professora que assumiu o pseudônimo de
Serena
atua há 16 anos
na educação básica, tem quarenta anos e concluiu sua licenciatura em
Educação Artística com habilitação em desenho pela UFRN no ano de
1992. A inclusão de suas narrativas no mesmo segmento que
Simmel
se
justifica pela intenção de representar, por um lado, proximidades e
divergências na forma de pensar o Ensino Superior e a prática docente do
ponto de vista discente. Por outro, o de valorizar os dois esforços distintos
de freqüência: Enquanto
Simmel
compareceu a todos os Laboratórios ou
EPF’s e ao agendamento das sessões narrativas,
Serena
só pôde
comparecer a apenas um dos laboratórios dado o envolvimento com a
produção da sua Dissertação na ocasião.
Quanto à captação dos seus relatos, a primeira versão foi construída
com base no material que lhe encaminhei via e-mail, seguida de um
encontro presencial onde pudemos aprofundar aspectos relevantes à
investigação-formação.
Há quatro anos atuando como professora formadora da Secretaria
de Educação no município onde reside
Serena
, no seu traduzir-se, enfatiza
a busca pela (auto) realização.
Ao mesmo tempo, sinto que sou uma grande incógnita. Busco infinitamente o auto-
conhecimento e auto-realização. Sou muito determinada no que quero realizar, não
medindo esforços no âmbito da minha singularidade para consegui-los.
156
Consoante com
Simmel
revela traços da abordagem experiencial, na
medida em que se permite uma interrogação das representações do
saber-fazer e dos referenciais que servem para descrever e compreender
a si mesma no seu ambiente natural (Josso, 2004).
Ao narrar suas memórias sobre as disciplinas e professores que
marcaram a sua formação na graduação
Serena
destacou um dos
professores que mais contribuíram no seu percurso formativo na UFRN:
Em toda minha vida, tenho um carinho muito especial pelos meus professores. Sinto que
de cada um, eu busquei apreender o que há de melhor para fazer parte de minha vida
pessoal e formação docente. Entretanto, na graduação quem marcou bastante foi o
professor [...] na disciplina [...] em 1990. Quando o professor [...] chegou para lecionar no
Departamento de Artes, o curso tomou outro rumo. Inicialmente, porque ele trabalhava
com a consciência corporal. Com [...] aprendi que nosso corpo está para além da matéria e
dos aspectos biológicos. Segundo, porque ele foi o primeiro professor no curso a
empreender o espírito científico em nossas atividades acadêmicas. [...] buscava a nossa
formação por inteiro.
Como visto na narrativa, a perspectiva (auto) biográfica do nosso
trabalho favoreceu que
Serena
percebesse como determinados aspectos
no ensino de seus professores marcaram a sua formação e de como as
relações construtivas lhe ajudaram a aprender pela experiência direta. No
relato observa como essas experiências foram formadoras. (Josso, 2004).
No sentido oposto, relatou vivências constrangedoras que também lhe
marcaram:
Outro professor que marcou bastante foi [...] professor de [...]. Este, na época, não
media esforços para criticar nossos trabalhos de forma classificatória. Sua avaliação
era totalmente classificatória, nenhum pouquinho formativa. Sem contar as críticas
escritas que vinham nos trabalhos detonando nossa auto-estima. Por exemplo: “esta capa
é muito brega...”. Com o professor [...] de [...] tranquei a disciplina porque no segundo dia
de aula, ele falou para mim e para a minha colega que não tínhamos condições de
acompanhar as aulas. Como a disciplina era complementar, resolvemos deixar pra lá. Eu
era aluna do curso de Desenho. Bem este professor tomou um postura de mago. Ele
adivinhava, não é? Ele sabia quem era capaz ou não de aprender música!
157
Entretanto, analisar sem resistências aparentes, e até com certa
ironia, fatos que lhe atingiram de modo não construtivo, demonstra que
Serena
compreende que também pôde aprender com estes. Como coloca
Josso (2004, p.45):
as experiências de transformação das nossas
identidades e da nossa subjetividade são tão variadas que a maneira mais
geral de descrevê-las consiste em falar de acontecimentos, de atividades,
situações ou de encontros que servem de contexto para determinadas
aprendizagens. Ao falar acerca dos professores que se destacaram
enquanto estudante regular do Mestrado no programa de pós-graduação
em educação da UFRN,
Serena
incluiu em primeiro lugar o professor
Educador Confiante
entre eles.
Na Pós-Graduação, o professor [...] na disciplina [...] também exerce uma influência muito
significativa. O laço afetivo e as possibilidades de trabalhar o conteúdo o colocam numa
situação ímpar de ensino e aprendizagem na Pós. A ternura com que ele encaminha suas
aulas não diminui nem faz desmerecer o rigor acadêmico. Pelo contrário, aprendemos
com prazer e com satisfação. Não posso deixar de mencionar o professor [...] com quem
tive a oportunidade de estudar no Seminário [...] e no Atelier [...]. Este professor sabe
acolher e disseminar conhecimentos, nos introduzindo na pesquisa com muita sapiência,
mostrando que a Ciência não está separada do nosso cotidiano. O professor [...] sinaliza
nossas dificuldades sem que sejamos diminuídos. Posso dizer que ele se constitui num
autêntico educador e mestre.
Nas narrativas de
Serena
sobre o
Educador Confiante
e outros
docentes, no contexto da abordagem biográfica, podemos observar que
não distingue aspectos objetivos e subjetivos dentre as várias
experiências de formação que relata, misturando sentimentos,
aprendizagens, vivências, opiniões, reações, impactos e interações. Com
efeito, as narrativas de formação põem em evidência a dificuldade de
estabelecer correlações entre circunstâncias e gêneros de aprendizagem
(Josso, 2004).
Nas reminiscências sobre os melhores momentos, vitórias, alegrias,
sucessos que conseguia lembrar das aulas enquanto estudante
universitária
Serena
preferiu discorrer sobre o percurso de escolarização
que antecipou seu ingresso no meio acadêmico.
158
Eu sou uma pessoa apaixonada pela escola. Pra mim, a escola não se dissocia da vida.
Desde o Jardim de Infância até onde estou atualmente, que é cursando o Mestrado em
Educação, considero-me uma vencedora. Porque desde que iniciei freqüento a escola
pública e continuo na rede pública. Apesar das limitações impostas pelas finanças.
Durante a Educação Básica, sempre fui aprovada por média no terceiro bimestre. Que eu
me lembre, somente no 1º ano do Ensino Médio eu tirei uma nota 4,0 em Física. Sempre
fui líder de turma. Representante da escola em festas para professor, festas juninas,
etc. Todos os concursos que fiz fui aprovada. Sempre fiz amizades. [...] Mantinha certa
liderança e estava sempre disponível para colaborar com os colegas nos trabalhos em
grupo. A minha turma foi a primeira a organizar solenidade de formatura no
Departamento de Artes, na UFRN, fixando a primeira placa. Mobilizei um livro de Ouro
para arrecadar fundos para a festa de formatura.
Interessante que, embora defenda o valor formativo das
experiências que viveu na sua trajetória de escolarização, Serena não
deixa de citar notas que atestaram o seu desempenho neste processo.
Com o mesmo entusiasmo rememora vivências pessoais e socioculturais:
Um momento bastante feliz foi durante o estágio supervisionado em Educação Artística
quando eu tive a oportunidade de coordenar a primeira feira Cultural da Escola Estadual
[...] onde eu estava estagiando. O passeio cultural em João Pessoa, também foi muito
enriquecedor, organizado pela professora [...] A aprovação no vestibular e o primeiro
lugar na turma de Desenho.
Ao narrar os momentos mais difíceis, dilemas, insucessos e perdas
afetivas que mais marcaram no seu percurso formativo inicial no
magistério, relatou episódios que lhe deixaram marcas inesquecíveis.
[...] tem um momento na graduação que ficou bem marcado. Eu ia falar sobre a vida de
Van Gogh durante o centenário do artista. Lá no centro de convivência. E deu branco,
gelei. Simplesmente esqueci o que eu sabia de cor e saltiado. Mas não desisti. Falei que
não era aquilo que eu tinha planejado, que tinha dado um branco em mim. Na
oportunidade, o professor [...] me parabenizou e disse que eu não me preocupasse. Ele
disse que se fosse outra pessoa talvez ficasse enrolando. Entretanto eu disse a verdade
ao público. [...] As perdas, também, estão muito presentes neste percurso. Após dois
meses de eu ter colado grau, minha mãe fez a grande viagem. Foi no ano de 1992. O
processo de recuperação foi muito longo. A entrada tardia (reflexo desse processo de
amadurecimento e desapegos) no Mestrado em 2004 aconteceu paralelamente a perda
de uma sobrinha
muita amada. Eu tinha que entregar o projeto e o velório estava
159
acontecendo. Não há palavras, nem poeta que registre esse momento vivenciado com a
veracidade que ele
merece. Recentemente, apresentando uma Comunicação Oral, no II
ENAEF, em novembro de 2005, perdi a voz. Chorei [...].
Neste ponto das reminiscências de
Serena
me senti tão inquieta
quanto expõe Passeggi (2006) ao se referir ao estudo das narrativas
(auto) biográficas dos sujeitos:
Sempre que analiso as histórias de vida dos professores,
tenho a impressão de me apropriar de um tesouro precioso
demais para ser tocado, mostrado. A minha inquietação é a
de me imaginar em contato com seus segredos insondáveis.
A grande esperança é a de abrir pequenas frestas por onde
possa escapar sua luz. (PASSEGGI, 2006, p. 10).
O silêncio respeitoso, a atitude empática e solidária foi praticamente
a única forma de conforto que encontrei para dizer sem palavras que
compreendia. Que ficasse á vontade e que se permitisse sentir o tanto
que quisesse dos sentimentos que se materializavam do passado, como se
estivessem sendo vividos ali, de novo, naquele momento. Algumas
vivências têm uma intensidade particular que se impõe (Josso, 2004).
Quanto às questões, dificuldades e problemas que mais lhe
incomodam/incomodavam no Ensino Superior,
Serena
destacou oito itens
ao ser ver cruciais entremeando-os a outros vivenciados no ensino
fundamental:
A atitude autoritária ou como diz Paulo Freire, o professor bancário. A avaliação
classificatória. A ênfase no conteúdo pelo conteúdo e ao acúmulo de informações. A
metodologia demasiadamente expositiva. De o professor dar e o aluno receber. As
disciplinas totalmente desatreladas das questões pedagógicas. Ou seja, desvinculadas do
ensinar e aprender na escola. Não se buscava na época uma transposição didática. A
ausência do sentir, do brincar, do vivenciar. Na época de minha graduação, não havia
diálogo entre conteúdos e investigação científica. A compartamentalização das
disciplinas.
Os questionamentos e anseios apresentados por
Serena
demonstram que procura tomar parte e posição diante da educação e das
mudanças que vivencia em diferentes níveis e lugares. Como reflete Freire
160
(1993, p.90): “Não podíamos compreender, numa sociedade
dinamicamente em fase de transição uma educação que levasse o homem
o homem a posições quietistas ao invés daquela que o levasse à procura
da verdade em comum, ouvindo, perguntando, investigando”.
Ao se posicionar sobre os motivos que lhe levaram a aderir à nossa
pesquisa acerca do ensino vivencial não se esquivou de explicar as causas
do seu posterior afastamento dos EPF’s.
Participei por causa da divulgação que fizeram no seminário que eu estava cursando. Na
verdade só participei de um laboratório que foi realizado no sábado. Os demais não pude
em razão das tarefas que eu estava envolvida com minha pesquisa.... Seminários... Sim. O
motivo consistia em querer ver se havia alguma relação com o que nós estávamos
vivenciando no atelier de Filosofia da Motricidade Humana, que estava sendo
desenvolvido com a pedagogia vivencial. A proposta da relação com a arte também me
chamou muito a atenção.
Ao confrontar os estudos que desenvolve no Mestrado com a sua
participação, ainda que breve na investigação-formação sobre o ensino
vivencial, destacou as contribuições que podem emergir de experiências
formadoras onde o princípio do prazer é considerado.
Sempre penso que as experiências trazem conhecimento e ampliam minha formação
docente. Confrontando com a minha temática de investigação, vi que eu estou trilhando
no caminho adequado e pertinente. Sinto que a minha proposta de educação na
sensibilidade, vislumbrando uma formação docente humanizante vai ao encontro das
necessidades que apontam as pesquisas da área. Tudo na perspectiva de construir a
beleza do aprender com prazer.
O conceito de ensino vivencial construído por
Serena
nas narrativas,
inclui a imaginação e a criatividade como elementos determinantes para a
formação da cidadania e enfrentamentos dos desafios postos pela vida:
Entendo que compreende um aporte teórico-metodológico inserido na prática docente
com base na vivência do sentir, brincar, pensar para criar. Trata-se de buscar liberar a
imaginação, a criatividade mediante o conhecimento simbólico e corporalizado na
intenção de formar cidadãos mais sensibilizados para o enfrentamento do cotidiano da
vida. Somos o que sentimos, pensamos, vivenciamos. A minha prática traduz muito do que
já vivenciei. Se não vivencio, torna-se mais difícil incorporar e transformar.
161
Quando narrou acerca do que diferencia o professor vivencial dos
demais docentes, como agem e como são suas aulas,
Serena
se pautou
em alguns princípios da aprendizagem significativa (Ausubel, 1988; Coll,
1994; Masetto, 2003) ao falar da importância do significado e
compreensão do que vai sendo aprendido e, da função,
que o que é
aprendido,
precisa ter, para a vida do sujeito que se mobiliza a aprender.
São professores que buscam estabelecer um laço afetivo com seus alunos; Não se
preocupam somente com o conteúdo em si, mas como proceder para que esse conteúdo
seja aprendido com prazer; Sabe acolher e torna o ambiente de aprendizagem agradável;
Planejam e re-planejam; Buscam o diálogo; Seduz e ensina a pescar com ternura. Busca a
avaliação formativa;
Por fim, como se vê, para
Serena
o professor vivencial procura fazer
do ambiente de ensino uma oportunidade de intervenção e interação onde
os estudantes construam ações favoráveis para que a aprendizagem possa
ocorrer. No seu depoimento a aprendizagem prazerosa tem relação com a
avaliação formativa proposta pelo professor vivencial para quem o
aprender se relaciona com o universo de conhecimentos, experiências e
vivencias do aprendiz. (Masetto, 2003).
Como será visto a seguir, os conceitos operados pelo primeiro
subgrupo sobre o ensino vivencial e (auto) formação, não se afasta das
percepções construídas pelo segundo subgrupo deste segmento.
Para apresentarmos o segundo subgrupo de sujeitos discentes da
investigação-formação precisamos inicialmente definir o que entendemos
por monitoria. Do latim
monitore
o termo
monitoria significa “ao que dá
conselhos” designando, assim, o aluno que se encarrega de auxiliar o
professor no atendimento a turma em sala de aula. No âmbito da pesquisa
o termo assumiu o status daquelas que intermediaram o processo de
planejamento, acompanhamento e avaliação dos EPF’s.
Por conseguinte a prática da monitoria, respeitadas as
determinações históricas do termo (Mercado, 1991) representou uma
oportunidade dupla de construção prática - teórica e de formação. De um
lado, favoreceu o exercício do papel de co-autoras na fase preparatória,
162
de realização e avaliação dos EPF’s. De outro, possibilitou que as
monitorias estudassem o fenômeno ensino vivencial e (auto) formação do
ponto de vista teórico-metodológico proposto pela pesquisa em paralelo á
sua própria formação no curso de Pedagogia. Estas condições, por si só,
justificam a importância que as monitoras representaram para o estudo.
Como refletido por Mercado (1991): “[...] o processo de monitoria exerce
grandes e importantes implicações em nosso meio educacional,
implicações estas, que envolvem os componentes essenciais ao processo
educativo: alunos, professores e instituição”. (p.100).
Com respeito à representação destas implicações tomamos uma
decisão importante às análises do nosso estudo: embora a investigação-
formação tenha contado com a participação de três monitoras estudantes
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, dada o vasto
material produzido, elegemos apenas uma delas para fins de
representatividade.
A discente identificada como
Monitora
, nesta escrita, na época em
que se envolveu na investigação, tinha vinte e um anos e, como as
demais monitoras, também cursava Pedagogia, no seu caso, o sexto
semestre vespertino. Além disso, era bolsista de uma das linhas da Pós-
graduação em Educação da UFRN e engajou-se no nosso estudo a partir
de minicursos que ministrei nos Seminários de Pesquisa promovidos pelo
CCSA/UFRN.
Logo, os principais critérios seletivos considerados para que
preenchesse uma das três vagas de monitoria se deram a partir do seu
interesse e disponibilidade para se inserir numa experiência educativa em
torno do uso da vivência como ferramenta metodológica no Ensino
Superior; da sua conduta e desempenho que se sobressaíram nestes
eventos (que desenvolvi anteriormente aos EPF’s); por ser estudante de
graduação do curso de Pedagogia e por estar engajada no Programa de
Iniciação Científica (na base de pesquisa que tratava especificamente de
(auto) formação, histórias de vida e abordagem (auto) biográfica) da
Linha de Formação e Profissionalização Docente.
163
Monitora
teve um excelente desempenho nas atividades da
monitoria em si e na qualidade de relacionamento interpessoal
desenvolvida junto ao grupo de monitoria e EPF’s. Além da freqüência e
êxitos nos trabalhos realizados nos EPF’s, a sua presença nas reuniões de
planejamento e avaliação dos laboratórios sempre foi enriquecedora.
Neste aspecto, nossos encontros eram marcados previamente de modo a
não interferirem nas suas atividades acadêmicas e sempre se realizavam
nas dependências da UFRN. Inclusive, nas salas de aula disponíveis por
não contarmos com um espaço físico específico destinado para tal fim.
Graças às perguntas e dúvidas lançadas pelas monitoras durante as
reuniões de planejamento geramos determinados documentos
norteadores - Orientações Referentes à Monitoria – ORM
34
- que enviados
por E-mail, objetivavam subsidiar a monitoria nos EPF’s e servir de
parâmetros aos momentos avaliativos e de planejamento, pois continham
elementos organizacionais básicos para a realização das três fases
inerentes ao processo: as atividades prévias (encontros e ações de
planejamento propriamente dito), internas (desenvolvidas no âmbito dos
laboratórios) e posteriores (reuniões de avaliação e (auto) avaliação).
Nas sessões narrativas a estudante
Monitora
se referiu à validade
que este processo trouxe para a sua formação:
As orientações nas reuniões e E-mail’s sempre foram claras e não deixaram nada a
desejar, foi uma experiência muito válida, nunca tinha participado do planejamento de
um curso, não sabia que cuidados tomar, que providências eram necessárias nem com o
que se preocupar. O que aprendi com esta experiência me ajudou como aluna e futura
profissional.
Assim sendo, inicialmente, a proposta de monitoria pretendia:
Orientar o planejamento, execução e avaliação de Laboratórios de
Pesquisas fundados nos princípios do ensino vivencial; favorecer a
ampliação de conhecimentos teórico-práticos acerca do ensino vivencial, e
intercâmbios pessoal-profissionais das monitoras com outros professores
34
Incluímos, a título de ilustração e contexto, um dos documentos: Orientações
Referentes á Monitoria (ORM) no Apêndice 4).
164
e alunos estudiosos da temática; e, acrescentar construtos significativos
do ensino vivencial ao processo formativo das monitoras no campo da
pedagogia, da pesquisa e futura profissionalização.
Ao se referir ao atingimento das expectativas e metas propostas, em
uma das suas narrativas,
Monitora
destacou o seu crescimento como
pessoa e nas atividades que aprendeu a realizar.
Os relacionamentos que construí e a minha participação foram muito válidos. Sentia
vontade de participar, me sentia à vontade. Sou muito tímida. Agora leio e estou
participando mais. Aprendi a respeitar o tempo dos outros, o que tinha que executar
como me expressar melhor como falar com cada um, como executar um planejamento
.
Em termos de relato quanto ao seu crescimento como pessoa,
Monitora
pareceu indicar que embora seja muito tímida, ao reconhecer
que agora lê mais e que sua participação se ampliou diante dos
acontecimentos da sua vida, pôde assumir uma outra maneira de agir. Os
estudos de Bruner (1997) ajudam a entender o que se passou:
O si mesmo, como narrador, não apenas relata, mas
justifica. E o si - mesmo como protagonista está sempre,
por assim dizer, apontando para o futuro. Quando alguém
diz, como se resumisse toda uma infância, “eu fui uma
criança bastante rebelde”, isso pode ser usualmente
considerado quer uma profecia, quer um resumo. (BRUNER,
1997, p.104).
Em termos de atividades que aprendeu a elaborar e que destacou no
seu relato tais como, como a ampliação do universo de leitura e as
atividades necessárias á execução dos EPS’s, é preciso esclarecer que
existiam pelo menos quatro aspectos básicos sob os quais se assentava o
exercício da monitoria: O primeiro deles se referia aos estudos acerca do
ensino vivencial, que deveria passar a integrar o volume de leituras no
campo formativo durante a experiência de monitoria acrescentando
maiores subsídios teórico-metodológicos úteis a um possível futuro
exercício da docência nas suas carreiras profissionais.
165
O segundo aspecto quanto a necessidade de que as monitoras
lessem, cuidadosamente, todo o follow-up que envolvia a organização dos
EPF’s participando ativamente do seu andamento e esclarecendo dúvidas
que porventura surgissem quando da sua aplicação prática, bem como,
exercitando o feedback em torno de quaisquer sugestões e mudanças que
vissem como necessárias. O terceiro se referia ao acompanhamento das
freqüências. Nos dois laboratórios iniciais no sentido de que deveriam
permanecer atentas, a divulgação do Folder e realização das inscrições,
pois cada módulo comportaria apenas até vinte e cinco participantes em
função da manutenção da qualidade do evento e da administração do
tempo de produção e estudo inter-relacionados com a pesquisa
desenvolvida. Nos cinco subseqüentes se referia a conseguirmos manter
uma freqüência propícia às metas almejadas.
E o quarto aspecto, se relacionava as presenças na reunião
pedagógica semanal, quinzenal ou mensal que marcaríamos a depender
das necessidades de acompanhamento e atualização gradual de novas
tarefas compartilhadas entre nós. O combinado era que tais momentos
seriam realizados, com objetividade, de modo a não comprometer a vida
acadêmica e demais compromissos das monitoras, e/ou da pesquisadora.
Uma das narrativas de
Monitora
trata do porque aderiu à monitoria
mesmo sabendo que seria mais uma responsabilidade a cumprir em meio
aos seus compromissos habituais:
Porque achei que seria uma experiência rica em todos os sentidos. Participar da
estrutura do trabalho também foi muito legal. Não era cansativo. Quanto às
experiências dos laboratórios; a mudança constante de ambiente, os estudos dos textos,
a interação e ajuda aos participantes tudo foi marcante [...] Tive falhas porque ás vezes
me atrasava ou faltava a alguma coisa ou não respondia logo ao E-mail.
Ao recordar as experiências que viveu e as falhas que percebeu em
si mesma, durante os acontecimentos vividos no processo,
Monitora,
sem
se dar conta, associa o sentimento de se sentir gratificada a ampliação do
conhecimento de si mesma demonstrando maior abertura ao viver: Em
outras palavras, quando o conhecimento de nós mesmos nos permite
166
associarmo–nos aos outros com prazer e criatividade, experimentando o
equilíbrio entre o dar e receber, estamos disponíveis para a exploração
além de nós mesmos, estamos disponíveis para a vida (Josso, 2004).
Podemos, a partir daí, e dos demais relatos que confrontamos da
estudante
Monitora
afirmar que as contribuições que emergiram do
processo de monitoria, se configuram em quatro dimensões. A primeira,
do ponto de vista epistemológico: A abordagem experiencial propiciada
pelos EPF’s e ORM’s contribuiu construtivamente no seu percurso de
(auto) formação e considerável avanço científico-cultural. Podemos
afirmá-lo mediante a observação e acompanhamento do seu processo de
construção de conhecimento nas reuniões de planejamento, na execução
e na avaliação dos EPF’s e posterior análise das suas narrativas.
A segunda dimensão, do ponto de vista pedagógico: Foi possível
constatar uma maior desenvoltura no trato dos recursos e ferramentas de
ensino, na gestão do espaço educativo, e na operacionalização do
planejamento como um todo articulado e contextual. A terceira, do ponto
de vista das relações humanas e sociais: Foram identificadas posturas
mais amadurecidas e responsáveis do que as reveladas no início do
processo de monitoria.
E finalmente, do ponto de vista político-filosófico: A estudante
Monitora
assumiu ao final do processo um discurso ético-social mais articulado e
condizente com a formação pedagógica em curso na UFRN.
Quanto ao ensino vivencial e (auto) formação,
Monitora
revelou ter
desenvolvido, ao final do percurso da monitoria, uma série de reflexões
sobre o que passou e sobre o que foi percebido em si e da experiência
formadora vivida. Isso nos leva a retomar elementos que conceituam a
experiência formadora presente nos seus relatos.
Para mim o ensino vivencial é qualquer tipo de ensino ou de aprendizagem que esteja
ligada às vivências reais. Pode ser trabalhado independente de qualquer nível ou
disciplina. É questão de querer, do desejo de pensar no como fazer o ensino não ficar
somente na abstração, no falar, entra muito nisso [...]. Aprendi a ser um pouco assim
com essa experiência.
167
Como
Simmel
e
Serena
ficou claro nas narrativas (embora não
conceitue desse modo) que
Monitora
teve consciência de ter participado
de uma aprendizagem pela experiência. Para Josso (2004) o conceito de
experiência formadora implica, entre outros numa articulação intencional
entre atividade, sensibilidade, afetividade e ideação daí que distingue as
experiências existenciais da aprendizagem pela experiência.
A diferença que Josso (2004, p. 46) apresenta é simples, mas
fundamental: enquanto a primeira agita as coerências e até os critérios
destas coerências, a segunda transforma complexos comportamentais,
afetivos ou psíquicos sem pôr em questão valorizações que orientam os
compromissos da vida. Como desvelado pela estudante
Monitora
.
Uma contribuição de Almeida (1999) é oportuna para esclarecer o
que se passou com a estudante e as relações que estabeleceu no âmbito
dos EPF’s com a pesquisadora e os demais participantes: “As relações
afetivas se evidenciam, pois a transmissão do conhecimento implica,
necessariamente, uma integração entre pessoas. Portanto, na relação
professor-aluno, uma relação de pessoa para pessoa, o afeto está
presente” (p. 107).
Por conseguinte a sua definição de formação (não escrita, mas
implícita nos relatos), perpassa pela noção de que esta é necessariamente
experiencial e que sua incidência na transformação de si foi bastante
significativa. (Josso, 2004). A experiência de formação e afetividade
compartilhada no âmbito da monitoria e EPF’s lhe mobilizaram a
considerá-la como uma das experiências mais significativas que viveu na
UFRN (Diário “Devaneios”, 2005).
Passaremos, a seguir, a tratar de mais dois aspectos que se
destacaram no decorrer do percurso metodológico da investigação-
formação: os Cadernões e Diário “Devaneios”.
168
3.2.4 Os
Cadernões
e Devaneios – mais do que ferramentas
metodológicas
Cadernões
35
e o Diário “Devaneios” consistiram em valiosas
ferramentas de apoio usadas durante o percurso desta pesquisa. Desde o
início funcionaram como uma espécie de
companheiros de jornada
onde
registrava as vivências, que atingiam o status de experiências (Josso,
2004) a partir do momento em que refletia sobre o que se passava. Fosse
observando, percebendo e sentindo, no decorrer da investigação-
formação, as experiências formadoras que iam me mobilizando.
Considerando a etimologia da palavra caderno do latim
quaternu,
e
comparado
ao sentido encontrado no dicionário que o define como uma
espécie de conjunto de folhas de papel, em geral pautado, que forma livro
para apontamentos (Ximenes, 1999) os
Cadernões
e Diário “Devaneios”
cumpriram uma participação que foi muito além dos termos.
Apesar disso, só nos demos conta da ressonância que causaram no
âmbito desse estudo quando nos detivemos em duas narrativas que
citavam suas presenças. Para maior clareza é possível apresentá-las de
modo distinto sem desconsiderar, no entanto, a sua interdependência
para fins das análises e compreensões obtidas.
A primeira indicação de que os
Cadernões
assumiram uma marca
própria que ultrapassou o mero apoio instrumental se revelou a partir de
uma das narrativas da professora
Alguém que Acredita
:
Tem mais uma coisa que me chamou a atenção no seu modo de trabalhar: aqueles
cadernões dos laboratórios. Eu percebi que resultavam de fichamentos porque você
mantinha o formato de um material de estudo e não de uma apostila [...] Geralmente só
registro a bibliografia das falas quando são pedaços de citações diretas que vou
anotando dos assuntos que me chamaram a atenção na leitura e fica para mim porque o
que levo para as aulas na faculdade são as Xerox inteiras dos textos. Você arrumou o
35
Ao longo desta escrita foram incluídas diversas análises efetuadas a partir de registros
extraídos do Diário “Devaneios”. Nesse sentido, à título de ilustração, incluímos apenas
uma das páginas dos
Cadernões
(Apêndice 5), utilizados nos EPF’s.
169
melhor de tudo num lugar só. Achei fantástico. Vou começar a adotar cadernões nos
cursos que ministro.
Identificar a repercussão dos Cadernões junto aos sujeitos nos
compromete a explicar a sua origem e função inicial. Originalmente o
fichamento, citado pela professora
Alguém que Acredita,
foi uma das
formas de estudo ou de investigação pessoal (Severino, 2002) que lancei
mão, no intuito de registrar todo o material que julgava importante ou
necessário para a produção e compreensão da Tese.
Fugindo das habituais fichas usava parte dos cadernos (tipo
universitário) reservados para as disciplinas cursadas na UFRN e Sessões
de Orientação o que facilitava ter no mesmo local, a documentação teórica
do trabalho, das aulas e das interlocuções com a orientadora durante todo
o processo vivido. Fazia deste modo porque as clássicas fichas de cartolina
sempre pareceram certa perda de tempo. O que terminou se constituindo,
para mim, em mais uma experiência formadora.
Assim como diz Josso (2004, p.46) a experiência formadora implica
uma articulação intencional entre atividade, sensibilidade, afetividade e
ideação: aprendi, pela vivência, que as anotações no caderno catalogadas
à maneira tradicional permitiam uma vantagem a mais: facilitava a
elaboração dos primeiros rascunhos da redação ali mesmo. Para quem
não costuma produzir textos diretamente no computador, o primeiro
escrito improvisado no papel se constitui numa etapa importante.
Outra aprendizagem adicional foi que, fazendo desta forma, as
informações mais relevantes não eram reduzidas a meras transcrições
fora de contexto nem se tornavam tão codificadas a ponto de não
conseguir lembrar depois o que significavam de fato. Como esse
despretensioso fichamento nos cadernos se transformou, pouco a pouco,
nos
Cadernões
utilizados como referencia de leitura e trabalho teórico –
prático nos laboratórios, pode ser explicado por uma reflexão de Bruner
(2001) quando nos compara aos peixes que são os últimos a enxergar a
água em que nadam: “Não que não tenhamos competência em criar
nossos relatos narrativos da realidade – longe disso, somos, isso sim,
170
demasiadamente versados. Nosso problema, ao contrário, é tomar
consciência do que fazemos facilmente de forma automática” (140). O uso
do diário “Devaneios” nos proporcionou essa mesma aprendizagem.
Todavia, o que ocasionou nos darmos conta da ascensão, do que
seria um outro mero caderno de anotações e registro auxiliar da pesquisa,
para se tornar o - Diário “Devaneios” - foi uma das anotações registradas
pela própria pesquisadora: “Quantas coisas teriam passado despercebidas
se eu não tivesse escrito em você. Quantas eu nem lembraria (que vi,
pensei, usei, aprendi, retomei) ou nem daria o valor que mereciam se a
sua escrita não me levasse de volta até lá” (Marques, 2006). Com base
em Josso (2004) pude compreender que a anotação foi um modo de falar
à minha consciência e dela extrair informações úteis às transações comigo
mesma e/ou com o ambiente humano e natural da pesquisa.
Assim, o diário “Devaneios” foi fundamental para a “retomada da
corrente de acontecimentos e impressões” (Sacristan e Gomes, 1986,
p.104), que observei e vivenciei na investigação-formação e para
compreender com maior acuidade a realidade estudada e as relações e
significados estabelecidos que, não fossem os registros, poderiam passar
despercebidos.
Foi esclarecedor, para tanto, consultar Holly (1992), para quem a
escrita de diários (auto) biográficos envolve o processo de contar a
história da própria vida; Pazos (2002) que agrupa os diários, dentre
diversas modalidades de fontes biográficas, como documentos pessoais
(correspondências, registros de imagens e objetos pessoais) e entrevistas;
Arnaus (1995) que situa os diários como uma fonte de dados para a
investigação das narrativas que pode ser feito pelos participantes e pelos
investigadores; Connelly e Clandinin (1995) para quem os diários ajudam
a dar sentido ao trabalho do pesquisador; Frago ( 2002) que alerta para o
relativo caráter fragmentado ou descontinuado que pode ocorrer na sua
reelaboração posterior, dada a dimensão espontânea e temporal de certos
registros e/ou detalhes irrelevantes e Zabalza (2002) que me fez ver que
171
junto com as anotações da pesquisa contei de mim (para mim), e conflitos
que vivenciava, estabelecendo uma conversa comigo.
A maioria das anotações feitas em meio ao fluxo de acontecimentos
que se desenrolavam durante a O.P. os laboratórios, as sessões narrativas
e de orientação, e mesmo noutras situações aparentemente alheias à
pesquisa (incluídos sem maiores preocupações estruturais) resultou num
acervo informativo rico e diversificado. Diga-se a propósito que não foi
tarefa fácil reorganizar as anotações em meio à polissemia reinante,
separando as partes mais significativas ao estudo e examinando como
poderíamos inter-relacioná-las criticamente.
Embora não concorde com a interpretação de que o diário de campo
permite “analisar a correção” do próprio processo de investigação como
propõe Sacristan e Gomes (1986, p.110) por entender que a realidade
vivida é dinâmica e complexa para permitir tal pretensão, a utilização do
diário como mais um instrumento de enriquecimento de análise e reflexão
superou as intenções pretendidas.
Por outro lado, concordo com a preocupação de Sacristan e Gomes
(1986, p.48) quando afirmam que “o pesquisador já deve ter uma idéia
mais ou menos clara das possíveis direções teóricas do estudo e parte
então para “trabalhar” o material acumulado, buscando destacar os
principais achados da pesquisa”. Assim, num primeiro momento não foi
fácil garimpar, dentre diversas informações e narrativas registradas,
àquelas que se mostravam mais representativas para as compreensões
sobre a (auto) formação e ensino vivencial e que poderiam contribuir
efetivamente para maior consistência das análises.
O esforço se constituiu em mais uma experiência de formação.
Como Hess
36
(1978, p.23), para quem “todas as nossas produções
teóricas se tornam autobiográficas,” vivenciei a importância de escrever
diários de campo, para teorizar o que estava vivendo o que me
possibilitou compreender e “transformar as experiências vividas”.
36
Interpretação discutida pela pesquisadora, a partir de transparências apresentadas no
Seminário de Ateliê de Avaliação, ministrada na UVA aos alunos da Graduação, em
Pedagogia/2005.
172
A abordagem (auto) biográfica teve esse “poder”: favoreceu a
compreensão de que o que vivi no
mundo inesgotável
da investigação
deixou sua marca formadora.
Conforme reflete Merleau Ponty (1994) o mundo não é aquilo que
pensamos, mas o que vivemos. Estamos abertos ao mundo, nos
comunicamos com ele, mas não o possuímos. Ele é inesgotável. Nesse
sentido, atribuímos, em grande medida, o êxito obtido na escolha do
arsenal metodológico ao equilíbrio buscando dentre duas vivências: a
experiência (auto) biográfica e a atitude fenomenológica.
A experiência (auto) biográfica, vivenciada junto aos sujeitos da
pesquisa, favoreceu que a abrangência e complexidade das demandas
provocassem o constante redirecionar do olhar e nos permitindo viver as
pertenças reais e simbólicas que se constituíram numa prioridade - o
conhecimento de si. Em última análise: aquilo que pudemos aprender de
nós mesmos por meio do olhar dos outros (Josso, 2004).
A atitude fenomenológica exigiu uma reflexão incessante sobre a
validade dos caminhos metodológicos escolhidos no sentido de tentar
interpretá-los para além das aparentes evidências. Entendemos que é um
dos motivos pelo qual revelamos determinada postura teórica.
Como explica Minayo (2003) pesquisas como esta “trabalham com a
vivência, com a experiência, com a cotidianidade e também com a
compreensão das estruturas e instituições como resultados da ação
humana objetivada. Ou seja, desse ponto de vista, a linguagem, as
práticas e as coisas são inseparáveis” (p.24).
Por conta disso nos percebemos, freqüentemente numa atitude
ambígua de pausas e novos começos: sempre que nos debruçávamos no
confronto das narrativas com as teorias estudadas, sentíamos a
necessidade de buscar novas compreensões do que pensávamos estar
definido. Possivelmente este foi o capítulo mais difícil de finalizar, ainda
que provisoriamente, e partir para o próximo, a fim de tentar sistematizar
as evidências que a investigação-formação nos trouxe.
173
Vivência Quatro:
As evidências sobre o
ensino vivencial
na ótica
dos sujeitos docentes do Ensino Superior
37
Meninos com Pipa - Portinari
37 Esta abertura se veste das cores, poesia, imaginação e grandeza retratadas na tela de
Candido Portinari para quem a terra e o povo brasileiro foram constante fonte de
inspiração. Nesta imagem, datada de 1947, os meninos brincam com as pipas como se
pudessem alcançar as nuvens vistas no firmamento. Algo semelhante ao vivido quando
empreendemos a longa jornada de escrita deste capítulo.
E amanhã, se esse chão que eu beijei for meu leito e
perdão vou saber que valeu delirar e morrer de
paixão. E assim, seja lá como for vai ter fim a
infinita aflição e o mundo vai ver uma flor brotar do
impossível chão.
(Chico Buarque, )
O processo de formação de docentes é uma tarefa
que não se conclui. (Enricone)
Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes,
ônibus, rio de aço do asfalto do tráfego. Façam
completo silêncio, paralisem os negócios. Garanto que
uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas
pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor. Rompeu o asfalto,
o tédio, o nojo e o ódio.
(Drummond de Andrade).
174
As evidências sobre o
ensino vivencial
na ótica
dos sujeitos docentes do Ensino Superior
Por mais que nos esforcemos, fica em toda investigação algo que é
interpretado de modo insuficiente e parcial causado, entre outros, pela
ilusão de que seja (im) possível
se manter neutro
diante do que
investigamos.
Na construção da tese nos pareceu, em muitos momentos, que
estudar o ensino vivencial e a (auto) formação no Ensino Superior era
como sonhar com
uma flor brotar do impossível chão.
O mais reconfortante, contudo, é que no percurso final a sensação
que persiste é que, de algum modo, nasceu
realmente uma flor
. Rompeu
barreiras, medos, dificuldades, incompletudes, fragilidades, recuos,
problemas e
nasceu.
Numa determinada universidade um estudante assistiu à aula na mesa cedida pelo
professor porque não tinha uma cadeira disponível na sala. Um professor em frente a
uma turma de cinqüenta e quatro estudantes do ES declarou que não tinha preparado a
aula porque lhe faltou tempo daí que teriam que improvisar o que fazer naquela noite.
Uma faculdade mudou de endereço durante o recesso sem comunicar aos estudantes e
só descobriram isso quando retornaram ás aulas. Noutra, uma estudante ouvindo uma
gritaria saiu ao corredor e assistiu constrangida a um ofensivo bate-boca entre o
professor e um colega do mesmo Departamento de Ensino. Uma professora do sétimo
semestre reprovou oitenta por cento da turma e se eximiu da responsabilidade
afirmando que os alunos entram no ES sem os pré-requisitos necessários para
aprender... Quantas vivências! Espaços para entender como e onde importantes
experiências de (auto) formação se processam. (Marques, Diário “Devaneios”, 2006).
O ensino vivencial na ótica dos sujeitos
Compreender a perspectiva complexa da palavra vivência remonta a
sua etimologia. Do latim
viventia
significa entre outros sentidos:
existência, experiência de vida, estado de atividade, movimento. Daí que
175
encontramos uma diversidade de compreensões explicitadas pelos
sujeitos dos EPF’s dentre elas a posição firmada pela professora
Margarida
:
Prefiro recorrer a Filosofia que entende a vivência como todo fato de consciência e é
inerente ao ser humano [...] Entendo que o ensino vivencial pode auxiliar o estudante na
própria compreensão de si porque favorece que a vivência seja acompanhada do ato
reflexivo intencionalmente (Margarida).
A visão de
Margarida
se aproxima das reflexões que temos travado
de que as experiências de formação se inscrevem nos processos de
aprendizagem, de conhecimento e de formação. Josso (2004) propõe,
inclusive, considerar o que designamos comumente por “experiências”
como vivências particulares. Esta distinção favoreceu nos EPF’s que os
sujeitos refletissem sobre o que é a vivência para compreender a sua
utilização como ferramenta de ensino.
Quanto a nós, trabalhar com a abordagem experiencial nos exigiu
tentar desvendar o significado particular da sua presença nos relatos de
cada um dos sujeitos. Ao fazê-lo nos interessou o modo como Josso
(2004) distingue a sua construção mediante três modalidades de
elaboração: ter, fazer e pensar.
Na primeira modalidade explica que
ter
experiências é viver
situações e acontecimentos mesmo que não as tenhamos provocado. Na
segunda esclarece que
fazer
experiências são as vivências de situações e
acontecimentos que criamos intencionalmente. E por fim a terceira
modalidade como
pensar
sobre as experiências que tivemos sem procurar
e naquelas provocadas por nós mesmos. Para Josso, as duas primeiras
modalidades são o alargamento do campo da consciência, a mudança, a
criatividade, a autonomização, e responsabilidade.
Compreendemos que as implicações dos processos de elaboração
das vivências em experiências não estavam presentes apenas nas
narrativas estudadas: tínhamos vivenciado as três modalidades no âmbito
dos EPF’s junto aos sujeitos da investigação-formação. O alargamento do
176
campo de consciência atingiu a sujeitos e pesquisadora, sem exceções.
Aprendemos mais do que julgáramos ter ensinado:
Pensar sobre as experiências, naquelas que tivemos sem
procurar quanto nas que foram criadas intencionalmente
por nós mesmos, diz respeito não a uma experiência ou
vivência em particular, mas a um conjunto de vivências que
foram sucessivamente trabalhadas para se tornarem
experiências. (Josso, 2004, p.54)
De igual modo vem a ser a natureza polissêmica do vocábulo
ensino. Do latim
insignare
pode significar doutrinar, adestrar, corrigir,
castigar ou repreender. Tanto quanto se referir a lecionar os preceitos de
uma ciência ou arte. A narrativa da professora
Justiceira
contempla a
segunda possibilidade: ensino como arte.
Se ensinar é uma arte entendo que ensino vivencial é a arte da experimentação
pedagógica prática e direta que ajuda o aluno no seu caminho evolutivo. É através das
vivências propiciadas pelo professor que se pode construir o conhecimento de forma
inteira: razão e emoção. O resultado são aulas vivas e plenas de prazer para ambos.
Ao entender o ensino como vivencial a professora
Justiceira
provoca
a necessidade de se repensar a docência, em determinados espaços
tempos acadêmicos, uma vez que ligada a cada forma de exercer o ensino
paira uma concepção histórica específica, que nem sempre privilegia a
razão e emoção
com a mesma importância que defende na sua narrativa.
Nóvoa (2000) reflete sobre a diferença histórica entre a ligação do
professor com o saber e a ligação do professor com a aprendizagem do
aluno:
Em toda situação pedagógica há um professor, um aluno e
um saber. Nas pedagogias clássicas, o professor está ligado
ao saber e o aluno pouco importa; nas pedagogias ditas
inovadoras, ou não diretivas, o professor está ligado ao
aluno e o saber tem um papel secundário... Acredito que
estamos a caminhar no sentido de privilegiar a relação
entre o aluno e o saber, concedendo ao professor papel
fundamental, não tanto na transmissão do saber, mas no
apoio ao aluno na construção e na configuração desse saber
(NÓVOA, 2000, p. 136).
177
Por outro lado, conforme nos mostram diferentes autores (Morosini,
2001; Ramalho, 2006; Cunha, 1999; Gautier, 1998; Masetto, 2003)
existe um paradigma de ensino consolidado e estruturado há várias
décadas que sustenta a docência no ensino universitário sob determinada
configuração ainda que esta possa ser substituída na medida em que
tenhamos a intenção de mudar: “Só assim poderemos falar em mudança,
em dinamizar as aulas, em tornar essas “aulas vivas”, em fazer das aulas
um espaço privilegiado de aprendizagem, de formação de profissionais
competentes e cidadãos” (Masetto, 2003, p.107).
Outro depoimento caminha nesta direção e, ajuda a definir o ensino,
considerado vivencial (narrativa anterior de
Justiceira)
como uma nova
possibilidade ou caminho de mudança paradigmática:
[...] o ensino se refere ao fazer do professor, à sua prática pedagógica. Já o vivencial se
refere a um novo paradigma de ensinar porque considera o que é vivido, àquilo que é
experimentado em toda a sua inteireza [...] inclui as emoções, sentimentos,
inventividade, sonhos que não se separam do cognitivo e da ética. (Do Contra).
As impressões narradas pelo professor
Do Contra
apontam para a
concepção de uma prática pedagógica que privilegia a pessoa inteira, seus
sentimentos e ações, sendo a criatividade, a curiosidade, a autonomia, a
participação livre e os desejos indissociáveis do pensamento reflexivo, do
exercício intelectual, da ética e saberes teórico-práticos em fluxo.
Está posto que, é a partir dos conceitos operados pelos sujeitos da
investigação-formação que ancoramos as reflexões apresentadas neste
capítulo e no nosso estudo.
Uma epistemologia, ancorada na abordagem experiencial, que
emergiu das sessões narrativas, da OP, do processo de monitoria, dos
EPF’s e dos registros no Diário “Devaneios” e que sinalizaram
determinadas evidências e princípios que sistematizamos a seguir.
178
4.1. Os princípios que ratificam o campo da vivência como ferramenta
de ensino
Ao considerar estudos estrangeiros (Josso, 2004; Nóvoa, 1992) que
serviram de referência para as nossas análises, ao lado de importantes
pesquisas e estudos nacionais (Freire, 1997; Abramovich, 1990; Santos,
2000; Alencar, 1990; Moscovici, 1990; Marques, 2002) tomamos
consciência das diferentes tipologias que poderíamos recorrer para
organizar as evidências encontradas sobre o ensino vivencial no Ensino
Superior visto o caráter polissêmico e complexo que o envolve.
Precisamos esclarecer, a propósito, que nenhum destes autores
(exceto Marques, 2002) se refere, explicitamente, a este modo de olhar a
prática docente, porém, ofereceram os elementos e princípios que
sustentam o ensino que intitulamos de vivencial e que privilegia a pessoa
do professor e do estudante no processo educativo que se estabelece
entre ambos. Nas palavras de Souza (2004): “No que se refere à
dimensão pessoal, fica evidenciado que o professor é uma pessoa com sua
singularidade, historicidade e que produz sentido e significados no seu
processo de aprendizagem (p. 53)”.
Não bastasse esse argumento, por mais fascinantes que possam
parecer os exercícios vivenciais, jogos, brincadeiras, atividades reflexivas,
entre outros, que compõem o arsenal de recursos utilizados pelo professor
vivencial, precisam estar, antes de tudo, sedimentados em conceitos
válidos e bem definidos. Sua aplicabilidade às necessidades e expectativas
de cada grupo depende do planejamento cuidadoso e flexível que
considera uma diversidade de aspectos, dentre os quais: objetos
almejados, conteúdos, metodologia e recursos compatíveis ao processo
avaliativo que acompanha e alimenta todo o processo educativo.
Como Nóvoa (2000) também “desconfiamos”
dos cursos de
formação para professores que “[...] que tendem a transformar a questão
da pedagogia universitária numa questão de técnicas ou de métodos,
179
esvaziando-os das suas referências culturais e científicas" (p. 134). Do
mesmo modo, desconfiamos daqueles que ora desconsideram as vivências
pessoais dos estudantes ora confundem o espaço educativo com terapia
de grupo. Podemos ilustrar esse ponto com dos relatos dos sujeitos:
É preciso tomar muito cuidado na seleção das vivências que se enquadram na interface
psicopedagógica do ensino vivencial. O contato físico, o falar de si, a inter-relação
intensa com o grupo devem ser conduzidos na esfera educacional. [...] O professor não é
terapeuta nem está ali para desenvolver sessões de terapia em grupo (Margarida).
Relatos como esses ajudaram que os sujeitos dos EPF’s
percebessem, com clareza, os limites tênues que o ensino vivencial
arranha. O professor não pode assumir, portanto, em momento algum o
papel de terapeuta, porque não o é. A própria ética o impede de fazê-lo.
Mas é verdade, também, que há certa dimensão “terápica” que toca a
prática docente. Por ser prática humana a prática pedagógica não se dá
desvinculada do caráter afetivo-emocional que é próprio do ser humano.
Freire (1997) já o comprovara:
Lido com gente e não com coisas. E porque lido com gente,
não posso, por mais que, inclusive, me dê prazer entregar-
me a reflexão teórica e crítica em torno da prática docente e
discente, recusar a minha atenção dedicada e amorosa á
problemática mais pessoal deste ou daquele aluno ou aluna.
(FREIRE, 1997, p. 53)
Por outro lado, como também reflete Freire (1997) não é por não
ser um terapeuta ou assistente social que o docente deve fechar-se as
experiências pessoais vividas pelo educando, considerando que há espaço
tanto para os sentimentos, emoções, desejos e sonhos quanto para o rigor
que gera a necessária disciplina intelectual e que não prescinde, por sua
vez, da reflexão teórica e crítica. Quanto a isso, voltemos às reflexões de
Placoo et alii (2006), sobre experiência e aprendizagem: “a experiência é
o ponto de partida e de chegada da aprendizagem. É ela que possibilita
tornar o conhecimento significativo, por meio das relações que
desencadeia” (p.05).
180
Deste modo a abordagem experiencial revelou-se rica de
significados para trabalharmos, analisarmos e interpretarmos as
narrativas sendo notória, também, a diversidade teórico-metodológica
advinda de contribuições desta natureza. Autores como Masetto (2003)
apesar de não se referirem diretamente às contribuições da abordagem
experiencial defendem a ênfase na aprendizagem do aluno no Ensino
Superior:
A ênfase na aprendizagem como paradigma para o Ensino
Superior alterará o papel dos participantes do processo: ao
aprendiz cabe o papel central de sujeito que exerce as
ações necessárias para que aconteça sua aprendizagem –
buscar as informações, trabalhá-las, produzir um
conhecimento, adquirir habilidades, mudar atitudes e
adquirir valores. (MASETTO, 2003a, p.83)
Logo, significa atribuir ao docente uma perspectiva que substitui a
de transmissor de informações uma vez que propõe que se dê ênfase ao
papel do estudante como o sujeito que exerce as ações centrais para que
ocorra a aprendizagem. A sala de aula como o lugar de certezas também
é motivo de preocupação para autores como Cunha (1999) que define a
aula como o momento “[...] onde o professor repassa aos alunos as
verdades legitimadas sem espaço para sua historicidade e/ou contestação.
O professor é a principal fonte de informação e define os métodos que
mais se adequam a esta função” (160).
Aliás, ao compreender a aula como espaço tempo de aprendizagem
do aluno em oposição à forma como esta tem se constituído, Masetto
(2003), inverte mais do que papéis porque denuncia a própria concepção
e prática do que se tem como ensino: “um tempo e espaços privilegiados
para uma ação do professor, cabendo ao aluno atividades como “copiar a
matéria”, ouvir as preleções do mestre, às vezes fazer perguntas, no mais
das vezes repetir o que o mestre ensinou” (p.88)
No entanto, há autores, que ponderam essas reflexões de outro
modo. Gauthier (1998) levanta a preocupação na formalização deste tipo
de ensino (onde o estudante e suas experiências ocupam papel
181
prepoderante) que ele vê como reducionista. A seu ver, certas
experiências didáticas não se preocupam o bastante com as
conseqüências concretas para o professor ao partirem das necessidades e
interesses do aluno. Dada a sua complexidade, considera que seria como
reduzir o ensino a um ofício sem saberes pedagógicos específicos ou a
saberes que provocam o esvaziamento do contexto concreto em que se
realiza.
Para Gauthier, essa pode ser uma forma de confundir o contexto
coletivo do ensino com o contexto individual da relação terapêutica (1998,
p. 26). Como se vê ao confrontarmos a abordagem experiencial que se
caracteriza pela valorização das experiências do sujeito (propícia aos
fundamentos do ensino vivencial), com os critérios de cientificidade e
politização requeridos pelo ensino, nos deparamos com desafios
consideráveis. Mas, não viver tais dilemas seria uma enorme contradição.
Também não concordamos com dicotomias entre o desenvolvimento
dos valores, conhecimentos, contexto coletivo, condições concretas onde
construímos o ensino e o modo como cada um vivencia as suas
experiências pessoais. Discutimos, inclusive, nos EPF’s, as interpretações
equivocadas e reducionistas que poderiam advir do estudo e aplicação
(indistinta) do ensino vivencial para se resolver problemas metodológicos
e emocionais ocorridos na sala de aula.
Finalmente, não podemos pospor determinados princípios que
ratificaram no âmbito dos laboratórios, o campo da vivência como
ferramenta de ensino viável no Ensino Superior e que apresentamos como
válidos para a investigação-formação, notadamente, pela valorização das
experiências pessoais, do desenvolvimento da capacidade crítica e da
autonomia, segundo atestam as narrativas dos sujeitos.
Do Latim
principiu
, o termo princípio se refere ao momento em que
alguma coisa tem origem, remonta ao seu início, ao começo de tudo ou as
suas causas primeiras. Os quatro princípios, que passamos a sintetizar, se
constituíram segundo as experimentações e elaborações teóricas dos
sujeitos e ratificaram o trabalho pedagógico assentado na vivência como
182
ferramenta teórico-metodológica de base dos EPF’s. Não como regras
fixas ou imutáveis, mas como direção e razão constitutiva.
O primeiro deles, parte do entendimento de que o ensino em si não
é velho ou novo. O segundo, de que a vivência não se constitui numa
ferramenta teórico-metodológica (auto) suficiente. O terceiro princípio se
refere à participação e as linguagens artísticas como elementos favoráveis
à construção de conhecimento e o quarto princípio, ao fato de que o
docente e os discentes se sentem mais disponíveis ao ensinar-aprender
quando experimentam o livre confronto de idéias.
Princípio um: O ensino em si não é velho ou novo. O que muda são
os nossos valores ao concebê-lo: a forma de pensá-lo.
Este entendimento assegura que o pensar o ensino como vivencial
não exclui ou discrimina nenhuma outra teoria ou prática de ensino que
porventura seja vista como cronologicamente ultrapassada. Uma das mais
fascinantes aprendizagens deixadas por Freire (1987, p.39) sustenta que:
“o velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou
marca uma presença no tempo continua novo”.
O fato de alguns sujeitos dos EPF’s assumirem que trabalham com
aulas expositivas como única opção didática, por exemplo, em detrimento
de outras vias de mediação, não os afasta da perspectiva do ensino
vivencial. O formato da aula expositiva precisa ser renovado, não,
arbitrariamente, desconsiderado como se fosse uma ferramenta didática
obsoleta, que não pode ser repensada e torna-se enriquecedora, tão
válida quanto qualquer outro artifício metodológico, utilizado criticamente.
Na realidade a grande questão não está nos recursos que (não)
utilizamos, mas nos valores que nos levam a (não) escolhê-los. Não há
como escapar: O que fazemos na sala de aula, o que pensamos sobre o
ensino, o modo como o praticamos revelam os valores que assumimos,
Não temos, deste modo, como “considerá-lo um reino livre de valores ou
da cultura, dado que o ensino será aquilo que o professor dele fizer.
(Woods, 1999, p.21)
183
A professora
Justiceira
contextualizou esse ponto em um dos seus
relatos:
Não adianta usar um retroprojetor ou trazer um data show para a sala no intuito de
mostrar que é um professor moderninho se termina confeccionando o mesmo material de
sempre, cheio de informações sem significado algum e ainda ficar lendo tudinho até o
horário de terminar a aula.
Como pondera
Justiceira,
o que deve sustentar a prática pedagógica
de qualquer professor fundamenta-se numa operacionalização relacional e
crítica baseada no planejamento participativo dos elementos envolvidos
no processo de ensino-aprendizagem: por que, para que, quando, onde,
como e porque escolher
este
em detrimento
daquele
. Não é a inserção em
si desta ou daquela ferramenta didática na aula, ou se é “moderninha” ou
não, se é correto incluir o máximo de informações numa lâmina, se todo o
tempo da aula deve ser tomado pela leitura teórica do tema pelo
professor, entre outros tais, que podem ocasionar, necessariamente, uma
melhor aprendizagem. É discutível.
A grande preocupação, no caso o Ensino Superior, deveria ser, antes
de tudo: pensar em como estamos concebendo o nosso ensino. Há uma
reflexão de Masetto, que ajuda a refletir sobre isso:
A grande preocupação no Ensino Superior é com o próprio
ensino, no seu sentido mais comum: o professor entra e
aula para transmitir aos alunos informações e experiências
consolidadas para ele por meio de seus estudos e atividades
profissionais, esperando que o aprendiz as retenha, absorva
e reproduza por ocasião dos exames e das provas
avaliativas. (MASETTO, 2003, p.80)
Uma decisão a tomar no que se refere a esse princípio - de que o
ensino em si não é velho ou novo - parte, portanto, da ênfase mais
importante: pensar o ensino antes de definir como iremos operacionalizar
o que pensamos.
184
Princípio dois: A vivência não é uma ferramenta teórico-
metodológica (auto) suficiente. Se constitui do que o sujeito faz dela ao
vivenciá-la.
Cada um de nós aprende de uma forma pessoal, intransferível e sob
determinadas circunstâncias e espaços-tempos formativos e dependem
indiscutivelmente das relações diversas que estabelecemos e que vamos
tomando consciência de que, do como, de quanto, com quem, no que e
onde aprendemos, ou não. A vivência é, antes de qualquer coisa, uma
prerrogativa do sujeito.
Toda prática de ensino se torna inconclusa e provisória porque
demanda considerar um outro aspecto tão importante quanto: vincula-se
a um determinado ideário de homem, sociedade, educação, que se é/se
quer atingir, uma escolha para libertar ou oprimir (Freire, 1997).
Por sua vez, ao rememorar experiências formadoras relacionadas ao
ensino vivencial,
Alguém que Acredita
destacou a importância dos
professores viverem na prática, os conceitos que ensinam aos estudantes
no plano teórico:
Tive professores que trabalhavam somente no plano teórico, por exemplo: discorriam
maravilhosamente sobre assuntos da psicologia da educação e tinham um péssimo
comportamento, eram autoritários, intransigentes, pouco afetivos. Outros no campo da
filosofia posavam do alto de um modelo de virtude e quando apanhados em atos falhos
recorriam à lei do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Também tive
professores que aplicavam ótimas dinâmicas para trabalhar na turma, mas não viviam
aquilo que queriam que experimentássemos (Alguém que Acredita)
Assim como a Ciência, também a ação do professor se revela sob
determinados aportes. No relato da professora
Alguém que Acredita,
disciplinas importantes para sua formação, como Psicologia e Filosofia não
se materializaram, como esperado, nas práticas pedagógicas vividas em
sala de aula. Os docentes que as ministravam não favoreciam um tipo de
entendimento crítico e visível nas suas próprias ações e relações com os
estudantes.
185
É assim que essa narrativa, entre outras, nos ajudou a compreender
o segundo princípio que se traduziu na idéia de que a vivência não se
constitui numa ferramenta teórico-metodológica auto-suficiente. Além de
depender do primeiro princípio (de como pensamos o ensino) só existe a
partir do que o sujeito faz dela ao vivenciá-la. Ou seja, não há garantias
de que a utilização em si da vivência como recurso de ensino propicie
mudanças. Nem no professor nem nos estudantes que podem ter a seu
favor mais uma possibilidade de compreender a si e aos outros e o seu
processo de viver-conviver-aprender-ensinar.
Assim a vivência como ferramenta teórico-metodológica no Ensino
Superior, no seu sentido mais amplo, pertence à teoria da (auto)
formação e também pode, portanto, se materializar sobre a forma de
escritos autobiográficos e memoriais (Passeggi, 2006), por exemplo, e não
apenas no sentido restrito do didático-pedagógico propriamente dito.
Todavia, seja em qual for à atividade educativa em que se inscreva
é importante considerar o que Cunha (1997, p.04), adverte “[...] É preciso
que o sujeito esteja disposto a analisar criticamente a si próprio, a separar
olhares enviezadamente afetivos presentes na caminhada, a por em
dúvida crenças e preconceitos, enfim, a des-construir”.
Assim, entendemos a partir dos EPF’s, que a vivência pode auxiliar o
ensino, na medida em que o sujeito que a esteja experienciando tenha
disponibilidade para olhar para si, analisar-se criticamente e permitir-se
(ou não) reconstruir-se a partir de elementos pessoais, históricos e
socioculturais contemplados.
Princípio três: A participação e as linguagens artísticas são
elementos favoráveis à construção de conhecimento.
Os Laboratórios demonstraram que a metodologia de trabalho que
inclui o recurso da vivência deve ser de cunho participativo e se instaurar
no fazer teórico-prático lúdico e criativo situado sócio-culturalmente e que
contemple os desejos e projeções do grupo.
Alguns sujeitos defenderam que a arte, especificamente, atravessa
todas as tecnologias de ensino trabalhadas em sala de aula e que estas
186
não se restringem as modernas ferramentas de informação que temos
adotado na contemporaneidade. A professora
Alguém que Acredita
discorre sobre estes elementos no seu relato:
Penso que tem mais a ver com acomodação, ingenuidade, indiferença do que com qualquer
outra coisa. As tecnologias sempre estiveram aí à disposição da gente. Desde a nossa
fala até a nossa própria escrita, seja no quadro, seja nos livros, e até nos jornais e
revistas que queiramos utilizar para enriquecer o processo de ensino [...] isso não quer
dizer que a arte esteja sendo negligenciada porque a arte atravessa tudo isso.
Assim sendo, o componente artístico também foi considerado como
princípio inerente ao exercício do ensinar-aprender concebido na
perspectiva vivenciada. Nos laboratórios a arte apontou o itinerário a
seguir. O que vale dizer que a trilha metodológica dos EPF’s não recorreu
a receituários ou modismos vigentes, mas ao uso de linguagens artísticas
(as artes plásticas, a música, o teatro e a dança) planejadas e inseridas
nos exercícios e dinâmicas vivenciadas nos encontros.
A isso poderia ter se somado, se tivéssemos tido uma estrutura que
o permitisse, o vasto arsenal didático que também dá suporte ao ensino
vivencial: os recursos conhecidos, hoje em dia, como Tecnologias da
Informação – TIC’s. Apenas no último laboratório, realizado na UVA,
pudemos demonstrar a exploração do projetor multimídia no âmbito do
EPF.
O que não inviabilizou, entretanto, que recorrêssemos a diversas
outras idéias que surgiam ao nosso redor, disponíveis para serem postas
em prática e que ainda inexistem do ponto de vista sistematizado e/ou
publicado como, por exemplo, a inserção de movimento das lâminas no
uso do retroprojetor paralela ao recurso da música em contraste com a
teoria – prática discutida. Uma das reflexões postas pelos sujeitos se
dirigiu a dificuldade que determinados professores enfrentam no uso de
tecnologias de ensino em sala e sua relação com o despreparo para a
docência:
187
Muitos dos meus professores não devem ter vivenciado modelos pedagógicos que
valorizassem as mudanças trazidas pelas tecnologias digitais. Creio ser por esse motivo a
dificuldade que muitos têm em adotar e usar essas novas tecnologias como ferramentas
de suporte didático para o trabalho na universidade mesmo trabalhando com a formação
de outros professores (Do Contra)
Podemos fazer outra reflexão interessante a partir do relato do
professor
Do Contra
: Será que apenas professores que vivenciaram o uso
das tecnologias no seu processo formativo teriam condições de inseri-las
no seu ensino? Se for assim, então como fica a questão da (auto)
formação?
A falsa dicotomia, levantada por Woods (1999, p. 27) pode
contribuir para essa discussão: nascemos ou aprendemos a ser
professores? Para o autor, caso o ensino seja apreensível em termos
científicos, podemos aprender a ser professores com base no
conhecimento e na sabedoria acumulados. De outro modo, caso se baseie
essencialmente em competências intrínsecas (instinto, imaginação e
emoção) pode-se, então, argumentar que as pessoas são ou não dotadas
destas capacidades.
Dado que as duas formas contemplam vivências do percurso de
como chegamos a professores no Ensino Superior, o próximo depoimento
pode somar outros elementos às questões postas em torno do uso das
tecnologias no ensino vivencial na medida em que envolve as IES na
discussão:
Não acho que os professores estão à margem das tecnologias de ensino modernas. Têm
vários que até gostariam de utilizá-las com mais freqüência nas suas aulas e pesquisas. O
que tenho visto é que as universidades não estão equipadas para oferecerem uma
estrutura adequada para isso. Ou até não estimulam ou qualificam o corpo docente para
saber como fazê-lo criticamente. A questão para mim é que se isso não foi incorporado
como útil e necessário ou se eles desenvolvem o ensino sem uma convivência diária com
os suportes tecnológicos não vai bastar comprar modernos computadores e projetores
multimídia de ultima geração. (Margarida)
A consciência de que a adoção das novas-velhas tecnologias como
recursos de ensino - por si só - não são suficientes para uma utilização
188
adequada e crítica, e que as instituições têm sua cota de
responsabilização perpassaram, de um modo ou de outro, as discussões
do terceiro princípio nos EPF’s. Como indicam alguns relatos, parte da
resistência em adotá-las ou uso inadequado dessas ferramentas provêm
da falta de convivência e/ou de um preparo pedagógico/tecnológico
condizente com suas necessidades e contexto.
Por outro lado, as mudanças ocorridas na sociedade têm deslocado
(entre outras transições) a tradicional forma de aprender-ensinar pela
“transmissão” para a possibilidade de um ensino mais voltado para as
vivências e construções interativas influenciando, consequentemente, no
papel do professor e nos usos dos recursos e estratégias para o
desempenho do seu trabalho.
Sem desconsiderar a questão da participação livre e linguagens
artísticas como elementos favoráveis ao exercício do aprender-ensinar
concebido na perspectiva vivenciada, ao lado das TIC’s, poderíamos seguir
para o próximo princípio, imbuídos das conclusões obtidas por Kenski
(2003, p. 137): Todas as teorias pedagógicas insistem na importância de
se realizar o ensino partindo-se da experiência do aluno. O ponto de
partida de qualquer aprendizagem é o conhecimento anteriormente
adquirido pelo estudante. Como se vê retornamos sempre ao mesmo
ponto: as experiências formadoras vividas pelos sujeitos (Josso, 2004).
Princípio quatro: O docente e os discentes se sentem mais
disponíveis ao ensinar-aprender quando experimentam o livre confronto
de idéias.
Nos laboratórios um dos pontos defendidos pelos sujeitos foi que o
ensino vivencial pode se constituir em um espaço-tempo estimulante,
onde o confronto de idéias e o ensinar-aprender, dada à entrega
emocional envolvida, não precisa provocar animosidades ou defensismos.
Tudo deve ser questionado numa aula, tudo pode ser proposto. Tudo pode ser debatido.
São idéias diferentes que não precisam ser antagônicas. Mas que se forem não impede
que sejam discutidas entre professor e alunos. [...] o que acontece é que alguns colegas
se escondem atrás do título e das palavras difíceis por medo de admitir: Euo sei! Isso
189
eu nunca vi... Sabe que eu esqueci? E junto com o aluno se dispor a procurar saber,
aprender, redescobrir, reaprender. (Do Contra)
A narrativa do professor
Do Contra
apresenta a percepção de que o
estudante é o sujeito social construtor de sua autonomia, que ao lado do
docente, é livre para explorar as nuances que quiser na ressignificação
crítica e aberta dos conteúdos propostos. Ocorre que isso se depara, não
raras vezes, com a postura contrária a essa possibilidade, assumida em
determinados ambientes acadêmicos. Como ele mesmo diz “é que alguns
colegas se escondem atrás do título e das palavras difíceis por medo de
admitir: Eu não sei!”. Estes indicativos demonstram que isso pode ter a
ver com a reflexão posta por Cunha:
O sucesso acadêmico é medido pela possibilidade do aluno
demonstrar que memorizou dados e/ou mecanizou
procedimentos técnicos. Mais ainda, pela sua capacidade de
assimilar comportamentos e valores da comunidade
científica em que se insere, bem como do setor produtivo
que almeja integrar. (CUNHA, 1999, p. 160).
O que seria o mesmo que dizer que quem está ali para aprender (ou
melhor, para dizer o que aprendeu) é o aluno e não o professor. É certo
que não existe o ensino ideal. É um equívoco reduzir o ensinar-aprender
deste modo. O que não impossibilita que os elementos presentes no
depoimento do professor
Do Contra
não possam ser exercitados:
humildade, abertura e colaboração mútua. A contribuição de Marcovich
(1998) trata desta expectativa igualmente:
No ambiente acadêmico tudo pode ser debatido e
questionado. A duração de uma aula de 45 minutos, o seu
conteúdo, o programa apresentado, as carreiras
profissionais oferecidas no vestibular, a mobilidade dos
estudantes entre áreas de conhecimento, as linhas de
pesquisa empreendidas. (MARCOVICH, 1998, p.178)
Assim, não há o professor que está ali para ensinar e o estudante
para aprender. Ou um tema que não possa ser redirecionado. Tem mais,
190
nem sempre (ou quase nunca) os títulos que atestam o grau de status na
escalada do saber, que certos docentes ostentam, se concretizam entre as
quatro paredes da sala de aula.
Estamos voltando, neste ponto, a questão da formação e preparo do
professor, outra vez. Autores como Chamliam (2006) identificam inclusive
que são os cursos de pós-graduação as vias preponderantes para a
formação do professorado. Os estudos de Ramalho (2005) demonstram,
por outro lado, que o problema do ensino não consiste na falta de um
conhecimento sobre a didática ou técnica do ensinar, mas em não se ter
um conhecimento da pedagogia como teoria da educação. É um ponto de
suma importância que precisa ser mais discutido no Ensino Superior.
Por fim, existe outra implicação quando defendemos que os
professores e discentes se sentem mais disponíveis ao ensinar-aprender
quando experimentam o livre confronto de idéias: a presença da emoção,
compartilhada entre o docente e os discentes, aproxima ou dificulta a
formação de possíveis vínculos afetivos a se construir entre ambos. É
fundamental observar o gesto, a mímica, o olhar, a expressão facial, pois
estes são constitutivos da atividade emocional (Wallon, 1968) presente na
aprendizagem. No caso dos EPF’s, a disponibilidade emocional dos sujeitos
foi o fator determinante que norteou o grupo para que conseguíssemos
sistematizar os princípios vividos.
Placoo et alii (2006, p. 08), quando se refere aos norteadores dos
pensamentos e ações dos grupos a que pertence o adulto professor,
esclarece que: “[...] os princípios podem ser fruto de construção coletiva,
se forem explicitados, discutidos e sistematizados por meio da reflexão
dos componentes do grupo e podem passar a nortear as ações dos
professores”.
É possível entender, portanto, que por serem fruto de construções
dos EPF’s, os quatro princípios que sustentam o ensino vivencial defendido
por esta investigação-formação são constituintes da aprendizagem pela
experiência vivenciada pelos sujeitos, quando nos referimos a
191
aprendizagem pela experiência estamos diferenciando-a das demais
experiências existenciais que também experimentaram.
A diferença é simples, mas fundamental. Para Josso (2004):
enquanto as experiências existenciais agitam as coerências e até os
critérios destas coerências, a aprendizagem pela experiência transforma
complexos comportamentais, afetivos ou psíquicos sem pôr em questão
valorizações que orientam os compromissos da vida.
Por conseguinte, os princípios do ensino vivencial, nascidos das
experiências (auto) formativas propiciadas pelos Encontros Paralelos de
Formação ou EPF’s, se vinculam a noção de formação assumida por Josso
(2004) de que esta é necessariamente experiencial e que sua incidência
nas transformações da nossa objetividade e das nossas identidades pode
ser mais ou menos significativa. (p.48).
Assim, considerar como viável, o conhecimento produzido por este
estudo, com base nas experiências vividas pelos sujeitos (daquelas que
propomos e daquelas a que se propuseram) não resulta de uma visão
individual de que o ensino vivencial é uma ferramenta teórico-
metodológica viável no Ensino Superior, mas de um coletivo que vivenciou
os seus princípios para demonstrá-lo.
4.2. As significações dos sujeitos pesquisados e o sentido
pedagógico-emocional
Ao estudarmos as diferentes maneiras dos sujeitos conceberem a
(auto) formação e o ensino foram muitas as significações apresentadas ao
longo do estudo. Em todas as narrativas, entretanto, foi possível
identificar a predominância do sentido pedagógico-emocional a que
fizeram alusão sempre que se reportaram ao ensino vivencial. Essa
construção, entretanto, não se fez de modo espontâneo. E nem se fez de
modo explícito em determinados relatos.
192
Segundo Fontana (2000, p.48) nas tramas sociais de seu tempo, os
professores se apropriam das vivências, práticas intelectuais, valores
éticos e normas que regem o ambiente educativo e as relações no interior
e no exterior do corpo docente. Narrar, a outros, as experiências
formadoras (Josso, 2004) que viveu/vive se constituiu, portanto, numa
possibilidade dos sujeitos confrontarem suas histórias, questões pessoais
e socioculturais, problemas enfrentados e diversas semelhanças e
diferenças que os fazem ser o que são e pensar o que pensam sobre o
ensino no Ensino Superior. Com base nas noções expostas, vamos situar
como atribuíram ao ensino vivencial um sentido pedagógico e emocional,
capaz de interferir para retomada de certas vivências outrora tão
significativas. Ou esquecimento de outras, para absorção de novas que
julgaram mais válidos.
Falando pela maioria, o adulto tem uma perspectiva de valores com
determinadas características em comum aos demais adultos. Como coloca
Placoo alii (2006) o sujeito, adulto, concreto, envolvido em sua realidade
diversa e atuando em contextos diversificados vivencia demandas em
várias dimensões. Dentre estas a autora destaca a importância daquelas
que se constroem no grupo e pelo grupo, que respeitam as
singularidades, a produção de sentidos e de significados.
É assim que para ilustrar o sentido pedagógico-emocional do ensino
vivencial e suas significações (interfaces cognitivas e afetivas)
selecionamos algumas aprendizagens pela experiência (Josso, 2004)
relatadas pelos sujeitos e atribuídas como resultantes dos EPF’s.
Numa delas o professor
Do Contra
demonstra que o ensino vivencial
pode favorecer a identificação de vivências que assumimos como nossas,
no processo (auto) formativo, a partir do convívio com outros colegas da
profissão:
Não dá para escolher o que nos convém quando a sobrevivência fala mais alto. Na
faculdade particular em que trabalho a convivência com colegas dissimulados já é aceita
como natural. As vivências têm me ajudado a perceber que estou me habituando a
padrões comportamentais que abomino. (Do contra)
193
Na aprendizagem pela experiência que
Alguém que acredita
relata, a
professora evidencia que o ensino vivencial pode contribuir para nos
reaproximarmos de nós mesmos.
A aproximação e experimentações com a vivência nos laboratórios têm me ajudado em
direção ao reencontro consigo mesma e a uma convivência e inserção social mais plena e
feliz. (Alguém que acredita)
No seu depoimento, a professora
Margarida
reflete que o ensino
vivencial pode oferecer pistas para refletir sobre nossas vidas.
A vivência não rompe “dependências” ou abre a “porta” do autoconhecimento. Seria ilusão
pensar que o ensino vivencial tem o poder de dissipar nossos medos e angústias. Mas
algumas podem, ao menos, nos dar pistas de como estamos conduzindo nossas vidas, de
quais são os valores que nos mobilizam e que importância damos ás pessoas que nos
rodeiam. (Margarida)
Um dos relatos da professora
Justiceira
também caminha na mesma
percepção da professora
Margarida
.
É como auscultar a própria vida. A vivência recupera sentimentos e sensações que
permaneciam guardados e esquecidos. No momento em que refletimos sobre as reações
podemos dar conta de como somos. (Justiceira)
Outro relato da professora
Alguém que Acredita
entende que o
ensino vivencial ajuda a estabelecer confrontos.
Através da vivência pude me tocar razoavelmente quanto ao meu defensismo. Isso
ampliou minha auto-percepção uma aresta pouco visitada. Foi constrangedor confrontar
essas evidências. (Alguém que Acredita)
E, mais uma narrativa do professor
Do Contra
compreende que o
ensino vivencial possibilita análises importantes sobre questões pessoais
de cada um.
Essas vivências me ajudam a pensar nos fatores que deram origem ao meu isolamento.
Aconteceram tantas mudanças na vida que isso foi passando despercebido. (Do Contra)
194
Conforme vimos nos depoimentos, os sujeitos revelaram, entre
outras aprendizagens, que as vivências produziram efeitos nas suas vidas,
a partir do (auto) exame propiciados pelos EPF’s sobre suas construções
valorativas no campo pessoal, profissional e familiar. Tais indicativos
podem ser melhor compreendidos, mais uma vez, à luz da abordagem
experiencial uma vez que esta favorece “uma medida concreta do
potencial de auto-orientação relacionado com a nossa capacidade de
autonomização em relação às heranças pessoais e sociais, as pressões
sociais, as imagens de si e às crenças” (Josso, 2004, p.68)
Outro aspecto a ressaltar: Nossa participação nesses momentos de
(auto) orientação durante os EPF’s tinha a pretensão de sensibilizar os
sujeitos para uma importante premissa que imputamos as aprendizagens
pela experiência: é a própria vivência de cada um que lhe indica a
compreensão mais válida para si. O que não significava dizer que não
devessem estar abertos, até onde e como quisessem aos demais
indicativos oferecidos por nós outros. No entanto, estas deveriam ser
consideradas apenas como
feedback
com menos peso e importância,
portanto, que as próprias aprendizagens e vivências de cada um.
O depoimento da professora
Justiceira
testemunha essa
compreensão:
É um processo bastante complexo, porque nossas escolhas frequentemente são
influenciadas por aprendizagens externas aos nossos valores e desejos mais íntimos.
Para que o ensino vivencial possa fazer diferença os professores e alunos devem ser
encorajados a enfrentar os seus problemas com o uso de outras aprendizagens que
tenham mais sentido para eles: as internas. (Justiceira)
Nóvoa (1991) afirma que o sucesso ou insucesso de certas
experiências marcam a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem
ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar na sala de aula, o relato
da professora
Justiceira
deixa claro que esta escolha, pode ser feita pelo
professor, de modo consciente, apesar, de todas as influências recebidas
externamente.
195
Finalmente, os fatos dos sujeitos terem se utilizado do ensino
vivencial para refletir acerca de que a maioria de nós, ao longo da vida
pessoal e profissional, assume determinadas escolhas que podem ser
mudadas fortaleceu a imagem de que a relação pedagógica também está
marcada pela vivência de situações e experiências favoráveis ao
crescimento das pessoas.
Outros depoimentos e reações observadas nos EPF’s nos
indicaram que os sujeitos da pesquisa investigação-formação valorizados
nas suas participações e conhecimentos compartilhados reagiram perante
as vivências do modo como reflete Freire (1997) quando trata da
importância dos elementos afetivos na construção do conhecimento.
No seu entendimento precisamos evitar o medo de que viver os
sentimentos, as emoções e os desejos prejudique a nossa cientificidade.
Freire considera que a vivência estimula a afetividade através da qual
estabelecemos vínculos com nossos estudantes. E que embora devamos
submeter nossas intuições a um tratamento sério e rigoroso, não
podemos deixar de vivenciá-las.
Neste contexto, quanto ao sentido pedagógico- emocional atribuído
ao ensino vivencial, os EPF’s interferiram diretamente nas condições
concretas de vida dos sujeitos influenciando mudanças pessoais
profissionais conforme visto nas suas narrativas, observados os devidos
limites e fronteiras. O ser humano ao sentir-se mobilizado responde.
É assim que nesse movimento de mobilizar o sujeito para lidar com
aspectos objetivos e subjetivos do ensino vivencial (como teria ocorrido
em qualquer outra ação humana que tivesse causado o mesmo impacto
nos envolvidos)
o nosso
trabalho se defrontou tanto quanto com
importantes contribuições quanto com certos equívocos e exageros. O que
poderá ser visto nas quatro posições que se seguem: As implicações da
relação vivenciada no campo pedagógico; a vivência como recurso viável
ao ensino; a substituição da ênfase no ensino pela vivência do ensino e a
vivência da (auto) avaliação pelo professor.
196
A primeira posição de que o ensino vivencial não reúne ferramentas
pedagógicas infalíveis porque estas não existem: O que existe é a relação
vivenciada entre os sujeitos, foi afirmada numa das narrativas da
professora
Alguém que Acredita:
Fui descobrindo que não existe um receituário que nos ensine como interagir e dar boas
aulas...
Sua narrativa demonstra a convicção de que não há um receituário
ou recursos que garantam o sucesso das práticas metodológicas que
porventura adotem. Nos debates travados sobre as relações estabelecidas
entre os objetivos construídos, a seleção dos temas, a escolha de técnicas
e recursos para a dinamização dos assuntos e o percurso
formativo/avaliativo que integra o ensino e aprendizagem,
frequentemente surgiram posições como esta.
Da mesma forma, ficou evidente a idéia de que se relacionar com
estudantes do Ensino Superior pertencentes a uma geração acostumada
com a sedutora tecnologia do século XXI pressupõe uma prática
pedagógica interativa, que envolva a todos na sala de aula e não uma
participação passiva ou para poucos. Outra fala apresentada pela
professora
Alguém que Acredita
:
Já tive professores que dominavam bastante bem todo o conteúdo e tecnologias da área,
mas quando se tratava de explicar qualquer assunto á turma, eram uma negação. Ficavam
a aula inteira olhando para os primeiros das fileiras de cadeiras como se não houvesse
mais ninguém na sala...
Portanto, apresentações multimídia, som, DVD, entre outros, podem
(e devem) ser usados apenas como ferramentas de apoio à aula e não
como meros substitutos para uma diversidade de experiências, discussões
e instigantes atividades que podem ser propostas. Principalmente no que
se refere ao diálogo e relação humana construída entre professor e
estudante:
197
a educação está centrada no diálogo entre aluno e
professor, diálogo este que supõe compromisso do
profissional consigo mesmo e a sociedade, pois educação
nada mais é do que uma prática a serviço do homem no seu
meio. Essa atitude pode ser dotada no relacionamento
professor-aluno. Atitudes humanas, de compreensão e de
confiança por parte do professor em relação a seus alunos
(FREIRE, 1981, p.45).
De certo, o trabalho pedagógico fundamenta-se tanto na experiência
organizativa quanto na interativa, como indica Freire. Que ultrapassa os
espaços
constituídos
porque emana das relações
constituídas
dos
encontros, trocas, gestos, ensinamentos, aprendizagens e movimentos
dinâmicos e multifacetados.
A segunda posição de que a vivência é teórica e metodologicamente
viável como recurso de ensino tanto qualquer outro, foi afirmada numa
das narrativas do professor
Do Contra
:
Não considerava a vivência um recurso viável ao ensino universitário...
Os sujeitos citaram durante um dos plenários dos EPF’s, uma série
de termos usados por alguns professores ao se referirem às práticas
pedagógicas de cunho vivenciado entre os quais: perfumaria, terapia,
maquilagem, apelo emocional, receituário e modismo. O despreparo, ou
mesmo o descompromisso por parte de alguns professores com quem
conviveram nos seus percursos formativos, parece ter desencadeado uma
má impressão do uso da vivência no campo de Educação que
descaracteriza sua real importância e valor como ferramenta teórico-
metodológica. Podemos recorrer a outro depoimento do professor
Do
Contra
para ilustrar que conseqüências o uso errôneo da vivência pode
ocasionar:
Eu detestava situações em que tinha que me expor na frente dos outros. Já passei um
vexame horrível numa vivência que terminou em choro e muita vergonha. Corria longe
quando qualquer professor dizia que ia fazer uma dinâmica com a gente...
198
Normalmente fatos assim comprometem concepções e práticas daí
decorrentes. Do profissional de ensino espera-se que utilize a vivência ou
qualquer outra estratégia de ensino com adequação, ética, experiência e
bom senso. A condução e experiência para manejar as inferências
imprevisíveis de ordem emocional evitam que a proposta pedagógica
possa resvalar em situações terapêuticas inadequadas ao espaço
pedagógico gerando conflitos e constrangimentos de ordem pessoal
idêntico ao relatado pelo professor
Do Contra.
As diferenças entre técnicas, dinâmicas, atividades, simulações e
procedimentos voltados para o campo pedagógico e aquelas voltadas para
o campo terapêutico (Rogers, 1997) são claras e precisas. Em processo
não terapêutico, inclusive, os cuidados na utilização de recursos de
conotação vivencial pressupõem critérios e objetivos específicos
preliminarmente estabelecidos. È inaceitável que se minimize a seriedade
que envolve o trabalho com grupos e as conseqüências do trabalho
direcionado a pessoa e todas as implicações que isso significa.
A terceira posição de que a ênfase no ensino deveria ser substituída
pela vivência do ensino foi, inicialmente, esboçada numa das narrativas da
professora
Justiceira.
A ênfase do Ensino Superior continua a ser posta na transmissão...
Quando os sujeitos se referiam a vivência no ensino falavam no seu
desenvolvimento sob diversos aspectos, mas sempre recorriam ao fato de
não ser possível o exercício de uma ação educativa transformadora –
práxis, sem se considerar que a prática não se sustenta sem a teoria e
vice e versa. Embora afirmassem que nem sempre era assim na realidade
que enfrentam nas suas instituições.
Também ser referiam a importância de se inserir desafios e
dinâmicas problematizadoras para mobilizar os conhecimentos e
experiências que os estudantes traziam consigo para as aulas. Freire
(1976), particularmente, dava grande importância à superação de
199
desafios e a resolução de problemas como elementos importantes para a
construção de novos conhecimentos.
Outro depoimento da professora
Justiceira
relatara que em
determinadas situações a ênfase colocada na transmissão se constitui
numa prerrogativa dos próprios estudantes da graduação e pós-
graduação.
Tenho alunos que cobram conteúdo e acham que experimentar situações práticas é perda
de tempo. Nos cursos de especialização o melhor professor é o que despeja conteúdo
sem parar. Que usa termos difíceis demonstrando ter muitos títulos. O contrário do
pessoal da graduação que acha que quanto menos textos forem indicados para ler e mais
atividade prática se fizer, principalmente em grupos, melhor...
Substituir a ênfase no ensino pela ênfase na vivência do ensino não
se restringe, portanto, a uma reflexão acerca da teoria e prática do ponto
de vista docente apenas. O estudante é parte importante e decisiva. Não é
que o professor possa prescindir de superar a noção fragmentada de que
a dimensão mais importante no ensino é a racional, intelectiva. Aliás, por
maior que seja o domínio teórico-instrumental de qualquer profissional,
para se exercer a profissão do ensino, há de se respeitar e atualizar
continuamente o necessário preparo pedagógico.
É que nenhuma mudança efetiva e que tenha sentido pode se
realizar sem a participação e envolvimento dos discentes envolvidos.
A quarta posição de que a avaliação do aluno pressupõe a vivência
da (auto) avaliação do professor foi apresentada em uma das narrativas
da professora
Margarida.
Dificilmente os professores olham para si mesmos no sentido de se (auto) avaliarem
como pessoas e profissionais...
Um dos aspectos marcantes nos relatos dos professores quanto ao
uso da vivência como recurso pedagógico esbarrava na discussão dos
elementos avaliativos que deveriam ser considerados no decorrer do
processo vivenciado. Pelo fato de envolver, dentre outros aspectos, a
200
compreensão dos sentimentos e reações vivenciadas frente às diferentes
situações propostas, a dimensão subjetiva provocava tensos
questionamentos em torno das práticas avaliativas mais adequadas.
Ciente de que não existem alternativas metodológicas que possam
ser utilizadas antes de uma cuidadosa análise dos seus princípios
filosóficos e para que objetivos sirvam, para que conteúdo, em torno de
que recursos e vinculada a que forma de avaliação continuada, outro
relato da professora
Margarida
traduziu uma séria implicação:
Tem os professores que dão uma aula igualzinha para todas as turmas e depois chegam e
nos avaliam. E quem avalia o professor? Nem ele mesmo! Nem ele pensa sobre como está
ensinando. Nem como dar uma boa aula. Hoje eu não entendo como podemos reprovar
metade de uma turma e irmos para casa, tranqüilos, achando que cumprimos com a nossa
obrigação...
Margarida
ilustra as conseqüências da minimização da importância
desses aspectos na relação conteúdo-forma e da concepção de avaliação
que o caracteriza: Ao se definir pelo exercício de uma atitude investigativa
na prática docente revela uma opção política que não se dá à revelia das
decisões didático-pedagógicas tomadas, a todo o momento, por cada
professor. Uma atitude permanente de investigação possibilita que os
professores possam ir vencendo o equívoco de que o processo de
avaliação deve ser destinado apenas ao corpo discente. Abramowicz
(1990) entende que:
Participação na avaliação é sinônimo de avaliação
permanente... Através de uma participação ativa, criativa,
crítica, individual e coletiva, permite-se, ao indivíduo e à
comunidade perceber-se, criticar-se, envolver-se, ajustar o
curso do processo, enfim, avaliar-se (ABRAMOWICZ, 1990,
p. 116).
Não é tarefa simples, entretanto, mudar a elaboração de
instrumentos tidos como verificadores e unilaterais, que visam
basicamente mensurar a apreensão pontual de informações memorizadas
para a idéia da construção participativa e de acompanhamento coletivo do
201
processo ensino-aprendizagem, contemplado em todos os seus aspectos e
variáveis, inclusive a atividade docente, os programas dos cursos e
desempenho da instituição.
No mais, outras posições assumidas pelos sujeitos demonstraram
que ao defender com paixão e ênfase o que pensavam acerca do ensino
vivencial como uma ferramenta metodológica aplicável ao Ensino
Superior, estavam revelando muito de si mesmos e o que estava em jogo
como professores quando assumiam determinadas posições. E esta foi
mais uma importante aprendizagem pela experiência que vivenciaram:
seus pontos-de-vista e espelho de idéias postas em debate. O que não
precisou ser antagônico. Ou tampouco doloroso. Ao contrário, e isto foi o
mais significativo, o embate foi válido porque não se tornou absolutizável.
Estendendo a produção do sentido pedagógico-emocional, atribuído
ao ensino vivencial pelos sujeitos da investigação-formação ao próprio
sentido político da produção desta Tese, nada mais propício do que
finalizar este capítulo questionando acerca de que usos lhe podem ser
atribuídos:
O que acontece ao trabalho depois de finalizado e publicado
e mesmo, por vezes, antes, quando diferentes influências
entram em jogo? De que forma é interpretado e utilizado?
Independentemente do nosso esforço para “contribuir para
o conhecimento” ou para a “melhoria educacional”,
diferentes grupos de interesse podem fazer um uso da
investigação para propósitos diferentes daqueles que o
investigador tinha em mente. (WOODS, 1999, p.23)
Parece-nos, assim, que mais importante do que sugerir ou
apresentar aplicações que um estudo desta natureza poderá trazer, vale
perguntar se a sua viabilidade poderá, de fato, se materializar quando
docentes que atuam no Ensino Superior, com suas histórias únicas - ao se
indagarem acerca dos seus percursos (auto) formativos de como
chegaram a professores do Ensino Superior – possam recorrer às histórias
únicas dos sujeitos aqui encarnados, como apoio para elaborar suas
próprias respostas.
202
Vivência seis
Retomada Conclusiva
38
EPF’s: Profª Drª Betania Ramalho / Sujeitos / Monitoras
Ando devagar porque já tive pressa...
(Almir Sater)
A gente pode morar em uma casa mais ou menos. Numa rua mais ou menos. Numa cidade
mais ou menos. Comer um feijão mais ou menos. A gente pode olhar em volta e sentir
que tudo está mais ou menos. Tudo bem. O que a gente não pode mesmo, nunca, de jeito
nenhum: É amar mais ou menos, sonhar mais ou menos, ser amigo mais ou menos, namorar
mais ou menos ter fé mais ou menos [ser professor mais ou menos]. O que a gente não
pode mesmo, nunca, de jeito nenhum: É acreditar que não podemos mudar o mais ou
menos. Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos.
(Autor desconhecido)
Será que todos os professores passaram pelas mesmas etapas, mesmas crises e
desenlaces de carreira, independentemente da “geração” a que pertencem? Ou há
trajetórias diferentes conforme o momento histórico da carreira? Quais fatores
provocaram momentos de crise, saturação e desgaste? Que imagem tem de si mesmos,
no desempenho da profissão? O que distingue, ao longo das carreiras, os professores
que chegaram ao fim, carregados de sofrimentos, daqueles que o fazem com
serenidade? Se fosse possível fazer uma nova opção profissional, continuariam eles a
escolher o magistério? (Huberman, 1995)
38
As fotos de abertura desta última vivência (ou capítulo) resgatam momentos vividos
nos EPF’s junto à orientadora, aos sujeitos da investigação-formação e às três monitoras,
respectivamente, e a aprendizagem decorrente destes encontros experienciais.
203
Retomada Conclusiva
Dizer que
ando devagar porque já tive pressa
não poderia ser
interpretado ao pé da letra visto que
a imagem que tenho de mim mesma
não é de alguém que ande devagar. Felizmente, na
música
e na Tese, não
se trata disso...
Trata-se de andar mais devagar, no caminhar das horas, porque
vivenciei uma experiência de aprendizagem que me ensinou o significado
de três anos e meio de partida e de espera (s). Trata-se de andar mais
devagar porque aprendi algo mais sobre os percursos (auto) formativos
propiciados pela pesquisa, sobre o ensino vivencial e de como
cheguei/chegamos a docentes no Ensino Superior.
Trata-se de andar devagar porque de outro modo não haveria como
chegar. Até aqui. De resto,
o que a gente não pode mesmo, nunca, de
jeito nenhum
é deixar de
andar.
O conhecer de dentro: proposições e novas possibilidades
Por um lado, compartilhar esta pesquisa, com sujeitos concretos que
escolheram, como eu, acreditar na viabilidade do ensino vivencial,
favoreceu, entre outras aprendizagens: a autonomia e uma visão mais
clara dos próprios limites e possibilidades; a superação de determinados
problemas enfrentados na prática pedagógica no Ensino Superior; e a
importância do conhecer “de dentro” para avançar nas discussões e
ampliação de ações coletivas de (auto) formação/formação
institucionalizada.
Por outro, foi possível observar que, embora estejamos na posição
de implicados, em função da docência que exercemos nas instituições do
Ensino Superior nossas narrações são marcadas, diversas vezes, pela
204
atitude de julgamento e isenção frente aos colegas, estudantes e
instituições a que nos referimos.
Essa constatação se revelou extremamente contraditória, pois, ao
mesmo tempo em que nos atribuímos status de “bons e exemplares”
professores, também nos tornamos reféns de uma imaginária
superioridade por não nos incluirmos nas situações que criticamos e às
vezes condenamos.
Não é que não demonstremos ter consciência de que os fenômenos
observados fazem parte das relações e vínculos que travamos e que nos
atingem, portanto, direta ou indiretamente. É que essa percepção, em
determinados momentos, apontou para certo
despreparo emocional
para
lidar com tais ocorrências de modo mais pro ativo.
Não se trata de estar censurando ou julgando - o porquê - como
professores do Ensino Superior, não deveríamos agir desta maneira ou de
outra. Aliás, em termos legais e indiretos somos avaliados de todo modo:
pelos indicadores de avaliação instituídos pelo MEC, pela Capes, pelos
programas de Avaliação Institucional das IES e por um sem número de
julgamentos prévios e (in) diretos dos quais são constituídas as relações
formais e informais nas nossas vidas de pessoas e professores.
Por outro lado, a investigação-formação revelou que, uma parcela
razoável dos professores que ingressam nos quadros profissionais do
Ensino Superior, estão
despreparados pedagogicamente
para o exercício
do ensino. Somem-se a isso, as pressões/padrões de docência
estabelecidos pelos contextos gestores, institucionais e mercadológicos e
as exigências de formação que estes impõem, entre outros. Na realidade,
como a tese revelou: são diversos e complexos os fatores que interferem
no ensino no Ensino Superior. Assim sendo passaremos a defender
determinadas proposições superadoras, a partir das aprendizagens
vividas.
Na primeira delas, considerando o potencial formativo dos eixos -
pesquisa, ensino e extensão – observamos que a dimensão pesquisa e
extensão, porque mais valorizadas do que o ensino, tem crescido
205
acentuadamente por meio das atividades e ações desenvolvidas nos
cursos de pós-graduação, e continuam sendo, praticamente, a maior
preocupação das instituições universitárias, sendo que o ensino predomina
como um
serviço
oferecido pelas instituições não-universitárias.
Apesar dessa diferenciação, no que se refere ao investimento
institucional para o exercício da docência, nenhuma das duas propicia uma
preparação específica no âmbito da educação. Não estamos dizendo com
isso, que o investimento em pesquisa e extensão, não seja essencial ao
desenvolvimento profissional da categoria docente, até porque são as
investigações que visam à melhoria da qualidade na docência superior que
repercutem, por sua vez, na criação de programas continuados de
formação didático-pedagógica e, contribuem decisivamente para a
qualidade do ensino em sala de aula e para a formação/ (auto) formação
do professor.
A grande questão que colocamos é que os sujeitos da investigação-
formação que fizeram o
lato sens
u (especialização) em Metodologia do
Ensino Superior ou cursaram, no s
tricto sensu
(mestrado e/ou doutorado)
a referida disciplina, se reportaram a tais oportunidades como os únicos
espaços-tempo institucionalizados disponíveis que encontraram para
iniciá-los no magistério superior, por oferecerem noções das
especificidades do processo de ensino-aprendizagem vivido nas IES e
orientações acerca dos aspectos teórico-metodológicos que envolvem o
trabalho do professor e dos discentes na sala de aula.
Alegam, também, desconhecer as relações entre planejamento de
ensino: objetivos, conteúdos e produção de estratégias didáticas; uso de
tecnologias da informação e procedimentos avaliativos. Alguns admitiram
que sequer conheciam a elaboração do plano de aula, por exemplo, ou de
outras estratégias de ensino além da aula expositiva, antes de vivenciar
tais experiências formativas no
lato
ou
stricto sensu.
Entrementes, apesar de poucas instituições oferecerem aos seus
quadros profissionais um programa continuado de formação específica em
educação conforme recomenda o art. 66 da LDB, destacamos como
206
positiva a iniciativa da CAPES em instituir o estágio supervisionado na
docência (como parte das atividades que os bolsistas de mestrado e
doutorado, sob sua responsabilidade, devem cumprir) como uma abertura
favorável à discussão de políticas nacionais de formação de professores
para o Ensino Superior.
A nossa segunda proposição contempla a necessidade das pró-
reitorias de pesquisa e pós-graduação, dos chefes de departamento e das
coordenações de curso, entre outros, promoverem iniciativas para uma
maior valorização, articulação e sistematização das práticas e
conhecimentos que circulam entre os docentes (e nas disciplinas que
ministram) acerca do que é o ensino no Ensino Superior.
Diga-se, a propósito, que não nos causou estranheza os
depoimentos dos sujeitos que apontaram para o fato do ensino ser
considerado, como uma prática solitária, fragmentada e pouco politizada
(excetuando-se determinados grupos das pós-graduações) uma vez que a
ênfase formativa na pesquisa reforça, de certo modo, o trabalho docente
individual em laboratórios e gabinetes ocasionando poucas oportunidades
de reflexão pedagógica – coletiva - no âmbito institucional.
Além disso, pouco parece incomodar o desconforto vivido pelos
estudantes causado pelo excesso de aulas teóricas, leituras de texto em
subgrupos, apresentação de seminários e provas/testes decorrentes. O
que não poderia ser diferente, uma vez que além do despreparo
pedagógico de muitos professores para lidar com as questões
metodológicas que envolvem o ensino, pouco se debate tais problemas,
inclusive, nas coordenações dos cursos de graduação e pós-graduação.
(mesmo quando novos docentes são contratados nas IES que contam com
estágios probatórios).
Defendemos, entretanto, que não é necessariamente a manutenção
de um programa institucional de formação continuada que inclua reuniões
pedagógicas freqüentes, grupos de estudo, cursos de formação, fomento à
participação em eventos da área ou incremento às produções científicas,
que irão assegurar mudanças, até porque não há garantias de que não se
207
limitem, para alguns, apenas à troca de instrumentalidades e obtenção de
conhecimentos técnicos. O diferencial que essa investigação-formação
defende são os momentos e práticas reflexivas que todas essas vivências
possam ocasionar, individual e coletivamente. O que possibilita, ainda,
maior visibilidade e reconhecimento do trabalho docente em diversas
áreas e compartilhamento de projetos/experiências de êxito na instituição.
Diga-se a propósito que isso se relaciona com a nossa terceira
defesa de proposição. Não obstante o reconhecimento dos princípios
éticos-político-sociais que sustentam o agir profissional, grande parte dos
docentes que atuam nas IES, não agem como categoria profissional, ou
sequer empreende medidas mais efetivas para a manutenção de um
código de ética da profissão e criação/fortalecimento das associações de
classe.
Nosso estudo indica que interfere o fato da docência ainda ser
considerada, por muitos, como uma ocupação ao invés de profissão,
ficando evidente que um grande contingente de professores em regime de
tempo integral (para quem o ensino é visto como sobrecarga de tempo às
atividades de pesquisa e como se gestão de rotinas acadêmicas e
pedagógicas fossem práticas distintas); e em regime de trabalho horista
(para quem o ensino não parece exigir compromisso e dedicação) não se
empenham em entender o que se passa, efetivamente, na dinâmica da
sala de aula.
Defendemos, nesse sentido, que embora sejam as instituições
universitárias quem recorram aos estágios probatórios para inserção dos
novos professores, que as IES não universitárias também passem a fazê-
lo com os professores horistas e, que valorizem o seu trabalho
pontualizando esse período como possibilidade de contratação. O que nos
remete a medidas mais amplas: ainda que atuem como horistas, os
professores devem ser incluídos nos programas institucionais de formação
didático-pedagógica e nas atividades de vivência acadêmica. Observamos
que as estratégias de suporte pedagógico ao exercício da docência e apoio
financeiro para participar de eventos, desenvolvimento de projetos e
208
publicações promovem maior envolvimento favorecendo, assim, a prática
do ensino com pesquisa.
Na quarta proposição enfatizamos o ensino pautado na vivência e no
campo (auto) formativo como suporte teórico-metodológico (as
conclusões obtidas também nos autorizam a considerar o termo: suporte
teórico-pedagógico) presente nas salas de aulas, situando-o deste modo,
na pauta de alternativas pedagógicas viáveis e concretas dentre a
problemática da formação/ (auto) formação enfrentada pelos professores
no Ensino Superior.
A investigação-formação evidenciou que a formação inicial e
continuada para a docência, com uma base formativa restrita aos saberes
e fazeres de uma área específica (notadamente no caso dos bacharéis)
não é requisito suficiente para que os professores possam superar os
desafios e problemas vividos no ensino. Ao contrário, pode até acentuar a
dimensão teórica-instrumental do agir profissional desvinculada do
necessário preparo didático-pedagógico. Ademais, enquanto prática
humana a prática pedagógica não se constitui à parte do caráter afetivo-
emocional dos professores e discentes envolvidos no processo de ensinar-
aprender.
Em se tratando do ensino vivencial defendido por esta investigação-
formação os sujeitos distinguiram determinados princípios que o
caracterizam: O primeiro se refere ao entendimento de que o ensino em si
não é velho ou novo, o que muda são as concepções e práticas a seu
respeito, e, portanto as suas conseqüências. O segundo princípio ressalta
que a vivência, enquanto recurso de ensino, não se constitui numa
ferramenta pedagógica (auto) suficiente, até porque não existem soluções
didáticas prontas para os complexos problemas que a prática de ensino
apresenta. O terceiro relaciona a participação e as linguagens artísticas
como elementos favoráveis à construção de conhecimento. E, o quarto
princípio enfatiza que os docentes e estudantes se sentem mais
disponíveis nas relações e atividades desenvolvidas no ensino quando
experimentam o livre confronto de idéias.
209
Voltamos a insistir que a validade do conhecimento produzido por
este estudo, com base nas experiências vividas pelos professores e
discentes, não resulta de uma visão individual, mas de um coletivo que
vivenciou os seus princípios para demonstrá-lo. Isto é, na medida em que
foram construídos pelas experiências (auto) formativas, propiciadas pelos
Encontros Paralelos de Formação ou EPF’s, estes princípios são frutos de
aprendizagens experienciais e, portanto, incide de modo significativo, na
forma como estes sujeitos pensam e vivem o ensino no Ensino Superior.
Destacamos, ainda, que os estudantes foram extremamente
importantes para a validação dos resultados obtidos, dado que não é
possível estudar a
formação/ (auto) formação docente sem considerar o
corpo discente. Ou por outra, nenhuma mudança efetiva e que tenha
sentido pode se realizar sem a sua participação.
Por fim, no que tange as três questões norteadoras da investigação-
formação que fomos respondendo ao longo da Tese: Qual o percurso de
(auto) formação trilhado por docentes do Ensino Superior, o que é, para
estes sujeitos, o ensino no Ensino Superior e o que entendem por ensino
vivencial segundo as suas narrativas; ficou evidente, que podemos
levantar inúmeras outras temáticas a explorar.
Todavia, algumas, em especial, nos mobilizam a explorar quatro
próximos estudos: o primeiro deles, envolve a criação de um programa de
suporte ao ensino, relações e aprendizagens pela experiência que podem
ser estabelecidas entre professores que atuam no Ensino Superior. Como
vimos na pesquisa realizada, a grande maioria dos professores,
excetuando-se os egressos das licenciaturas e Pedagogia, não conta com
a formação pedagógica necessária ao exercício da profissão. Todavia, ao
invés dos licenciados e pedagogos serem considerados como
conhecedores da ciência da educação que poderiam auxiliar os demais
colegas que não possuem formação inicial/continuada no campo educativo
são, muitas vezes, alvo de críticas e pouca valorização. A própria
elaboração de ferramentas estratégicas importantes como o projeto
210
pedagógico e plano de curso, entre outros, ocorre sem a sua efetiva
contribuição.
O segundo desdobramento se refere ao modo como determinados
professores poderiam trabalhar com programas de monitoria que
encorajam a autonomia e ressignificação dos conhecimentos e habilidades
trabalhadas nas disciplinas. Bem como, o aproveitamento de noções
teórico-práticas mais relevantes ao futuro exercício profissional dos
discentes. Muitos deles, principalmente os trabalhadores que freqüentam
os cursos noturnos, não têm sequer tempo para manter um nível mínimo
de leituras na disciplina por “absoluta” exaustão física/mental e não
conseguem um bom desempenho nos seus estudos o que repercutirá,
seguramente, no agir profissional que irá assumir mais à frente.
O terceiro, diz respeito ao incremento do movimento de
profissionalização da categoria docente e desenvolvimento crescente da
identidade de uma profissão com base na profissionalidade (identidade da
categoria enquanto grupo profissional) e no profissionalismo (ética e agir
profissional).
Além disso, as questões de formação e desenvolvimento profissional
no Ensino Superior, conforme indicado pela investigação-formação, estão
“quase” que ausentes das políticas públicas e institucionais; inexiste um
projeto nacional ou da categoria docente que subsidie o preparo e
ingresso de docentes nas IES e a atualização dos antigos quadros
profissionais; grande parte dos professores não está didática e
metodologicamente preparada para assumir o ensino no Ensino Superior;
falta-nos, freqüentemente, a necessária reflexão e (auto) crítica para o
exercício do magistério; para efetivar mudanças mais efetivas o coletivo
de professores precisa aprender a atuar como categoria profissional e os
espaços (auto) formativos/ formativos são múltiplos e carecem de maior
institucionalização para se configurarem como tal.
O quarto possível tema, se refere às relações entre ensino e
discrepâncias entre a titularização e a formação para se atuar na profissão
docente. A prática pedagógica exercida por mestres e doutores, não raras
211
vezes, caracteriza-se por um enorme fosso entre a teoria discursada, a
dinâmica de sala de aula, o contexto pessoal e expectativas discentes com
relação às disciplinas, evidenciando que não são as certificações e títulos
obtidos que garantem o preparo adequado para o exercício do magistério
no Ensino Superior. Por conseguinte, podem comprometer a afiliação à
cultura acadêmica e permanência dos estudantes que buscam uma
formação adequada ao exercício de uma profissão.
As dificuldades mais observadas compreendem a seleção dos
conteúdos de ensino; a organização, dinamização e avaliação das
situações de aprendizagem; e a gestão das atividades de ensino que são
distribuídas em grupos de trabalhos para auxiliarem na formação
desejada.
A viabilidade do ensino vivencial nas salas do ES
Ao final da investigação-formação posso confirmar que a viabilidade
do ensino vivencial é uma possibilidade concreta e que compreendo
melhor como me tornei/nos tornamos professores do Ensino Superior e
qual o papel que a (auto) formação exerce no (s) meu/nossos processos
de desenvolvimento pessoal – profissional.
Como ocorre em estudos de natureza (auto) biografia, foi
importante observar que o sentido pedagógico-emocional atribuído ao
ensino vivencial pelos sujeitos históricos sociais da investigação-formação,
se deu conectado aos meus próprios posicionamentos e veio
acompanhado das minhas próprias questões de (auto) formação/
formação. Principalmente quando as discussões versaram sobre a
responsabilidade que as instituições do Ensino Superior têm com o
desenvolvimento profissional dos professores e o compromisso em
responder adequadamente às expectativas e necessidades postas pela
sociedade atual e as responsabilidades sociais que isto acarreta.
Posso afirmar, de modo fundamentado, que desde o projeto
pedagógico das IES a que nos vinculamos (que define a sua missão
212
pública de fortalecimento da autonomia, respeito às diferenças,
concretização dos princípios democráticos, consideração à diversidade e
pluralismos de idéias, construção da identidade institucional de forma
coletiva) até a forma como o materializamos, devemos garantir espaços
concretos para as aprendizagens de vida e (auto) formação vividas por
cada professor, estudante, funcionários, gestores e comunidade envolvida.
Finalmente, quanto a rememorar para o leitor e leitora, o que cabe
ao professor e professora que pretende vivenciar os princípios do Ensino
Vivencial – EV, nas IES, bastam poucas palavras, depois de tantas que
compartilhamos neste estudo: é preciso compreender, que o EV é uma
estratégia teórico-metodológica (ou teórico-pedagógica) apoiada na
aprendizagem pela experiência e, portanto, precisa ser experienciado.
Posso recorrer a uma imagem que construímos numa das Sessões de
Orientação
39
:
Ensino vivencial
Ensino vivencial
como suporte teórico-pedagógico
do ensinar-aprender no ensino
superior
favorece o
conhecer de si
como docente e
necessidades (auto)
formativas
favorece a
compreensão de como
se chega a docente e
percursos formativos
Integra um programa de suporte ao ensino que
contribua para a superação do “amadorismo” no ensino
superior observado na investigação formação
centra-se na
REFLEO
REFLEO do
fazer docente
39
A exemplo do desenho das Vivências da Investigação-Formação, não incluímos fonte
ou número nesta imagem, apenas a constamos na lista de ilustrações para facilitar a sua
identificação durante a leitura.
213
O desenho propicia a reflexão do ensino vivencial como suporte
teórico-metodológico (ou teórico-pedagógico) do ensinar-aprender no
Ensino Superior que se centra no fazer docente individual/coletivo e
favorece a compreensão de como se chega/chegamos a docente (s), quais
os percursos formativos que vivenciamos no
conhecer de si
como
docentes e quais necessidades (auto) formativas se tornam necessárias
para continuarmos a avançar na profissionalização da docência.
Desse ponto de vista, o caminho formativo não se dá à margem do
contexto social onde nos inserimos necessitando integrar um programa de
suporte institucional que contribua para a superação do “amadorismo”
observado pelo nosso estudo.
A partir da compreensão e valorização da trajetória (auto) formativa
podemos compreender melhor as construções pessoais-profissionais que
realizamos ao longo da nossa história de professores nas IES e poder
formativo de que somos dotados.
Enfim, é esse o sentido que atribuímos ao ensino vivencial no Ensino
Superior mediante as experiências de (auto) formação que
experienciamos nesta investigação-formação: ele precisa ser vivido mais
do que pode ser ensinado. Em última análise, é, portanto, uma
prerrogativa de cada sujeito-professor.
214
Referências
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim é todo mundo
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem
outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte -
será arte?
(Ferreira Gullar)
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232
Apêndice 01 – Subsídios para Entrevistas Tópicas
A formação do professor será sempre uma auto – interrogação porque as
possibilidades nunca se esgotam. O professor nunca estará acabado, nunca
dominará plenamente seu percurso. E por isso a formação nos coloca em confronto
com nós mesmos, com o possível humano existente em nós. Espera – se que o
professor, ao olhar-se no espelho, depare com a alteridade mais radical
(VALADARES, 2002, p.199).
ENTREVISTA(S) TÓPICA(S)
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
Como prefere ser citado (a) (pseudônimo que quer adotar):
Sua idade:
Qual a sua Formação Inicial (Se concluída, ou quando concluirá...):
E Pós-Graduação (Se concluída, ou quando concluirá...):
Seu tempo de Docência no Magistério (Superior ou outro nível de ensino...):
Em qual (is) Instituição (ções) trabalha:
A Função e quanto tempo que a exerce:
TRADUZINDO-SE...
Narre, livremente, como se vê: o seu jeito de ser, pensar, sentir, agir...
FALANDO UM POUCO SOBRE A SUA FORMAÇÃO...
Que Disciplina(s) e professor (es) foi/é (são/foram) mais marcante(s) durante a sua
formação e por que:
Quais os melhores momentos, vitórias, alegrias, sucessos que consegue lembrar
das aulas enquanto estudante universitário (a)?
Quais os momentos mais difíceis, dilemas, insucessos que mais lhe marcaram neste
percurso?
233
Quanto às questões de ensino, que dificuldades, problemas, mais lhe incomodam
(incomodavam) nalgumas aulas ou em alguns professores?
Acredita que existe um número “ideal” de alunos por turma? Acha que isso interfere
no ensinar-aprender?
Você se considera um sujeito inovador? Porque pensa assim?
Tem conseguido investir em eventos, publicações, cursos de aperfeiçoamento na
sua carreira? Com freqüência? Ou não? Por quê?
SOBRE A PEDAGOGIA VIVENCIAL
Por que / Como
aderiu
a nossa pesquisa e/ou ao(s) nosso(s) Laboratório(s) sobre
Pedagogia Vivencial? Caso tenha se afastado: por quê?
Acredita que, de algum modo, a sua participação (participações)
contribuiu/influenciou em algo na sua vida pessoal-profissional? Como?
Como conceituaria a Pedagogia Vivencial, após o(s) Laboratório(s), leituras e
discussões? Lembra de autores que seguem nesta direção? Quais? Em que
publicações?
Acha que também pode ser considerada como uma ferramenta teórica -
metodológica que se pauta na vivência, na criatividade e no exercício de dinâmicas
críticas e participativa? Por quê?
Em sua opinião, a Pedagogia Vivencial tem lugar no Ensino Superior? Por quê?
Como identifica professores que a exercem? Como eles agem? Como são suas
aulas?
Então pode citar alguns professores/nomes e disciplinas aqui na UFRN? No curso
de...
Há algo mais que gostaria de relatar? Fique à vontade...
234
Apêndice 02 – Termo de Compromisso
TERMO DE COMPROMISSO E CESSÃO
Assumo o firme compromisso
Enquanto Pesquisador: De manter-me fiel às informações colhidas e, em sigilo,
aquelas que porventura sejam vetadas pelo próprio sujeito da pesquisa, mantendo
para isso uma comunicação franca, bem como lhe proporcionar livre acesso às
escritas solicitadas acerca das suas entrevistas. Utilizar, em todas as publicações
referentes à pesquisa, o pseudônimo adotado para as entrevistas. Publicar apenas
as fotos que sejam expressamente autorizadas.
Enquanto Sujeito da Pesquisa: De comparecer a (s) entrevista (s) previamente
agendada (s). Permitir a publicação da (s) entrevista (s) tópica (s), seja sob trechos
ou na íntegra, desde que seja preservado o meu pseudônimo e mantido o sigilo na
identificação da (s) mesma (s).
Natal, ____ de _____________de ________.
PESQUISADOR
SUJEITO DA PESQUISA
PSEUDÔNIMO: _____________________________________________
235
Apêndice 03 – Folder de Divulgação
A Pedagogia Vivencial e a
FormAÇÃO de Professores Universitários
Memória, representações, histórias, narrativas e voz.
É a voz do professor que preciso ouvir e dela extrair considerações que me permitam
compreender a gênese, aprendizagem e desenvolvimento do exercício docente
.
(SILVA, 2004, p.82).
LABORATÓRIO DE PESQUISA VII
Data: 05/11/05 (Sábado)
Local: UVA
Horário: 08h30min às 12h30min.
Apoio: PPGEd/UFRN
Coordenação: Profª.drª. Betania Leite Ramalho
--------------------------------------------------------------------------
TEMÁTICAS:
EIXO I – Experienciando sua utilização na esfera da formação de formadores.
Histórias, Narrativas e Voz. (Chené, 1988), (Dominicé, 1988), (Nóvoa, 1991), (Silva,
2002). Dinâmica de grupo e exercícios Vivenciais.
EIXO II – Fundamentando sua situação histórica no campo das Ciências da Educação.
As
metamorfoses
e especificidades do método biográfico. (Ferrarotti, 1998); A
articulação do método biográfico com o contexto sócio – político -cultural e a formação
da pessoa (Finger, 1998); A s autobiografias / histórias de vida e a perspectiva da
formação como um processo permanente. (Pineau, 1980); História de vida enquanto
projeto de conhecimento e de formação, e como metodologia de pesquisa-formação.
(Josso 1988, 2002); Exposição Participada com o uso do Projetor Multimídia e CD).
METODOLOGIA / AVALIAÇÃO:
O Minicurso busca fortalecer, teórica e metodologicamente, o exercício do Lúdico, da
Criatividade, da Experimentação e da Reflexão, inerentes ao Saber/Saber Ser/Saber
Fazer, do Professor Universitário. É importante que sejamos pontuais e que usemos
roupas leves e confortáveis.
DOCENTE: Zoraya M O Marques. Professora Primária. Pedagoga. Mestra em Arte-
Educação pela UFBA. Doutoranda em Educação na UFRN. Professora de Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado na UNEB - Universidade do Estado da Bahia.
0xx84 4006-2633 / 9922-3394
.
236
Apêndice 04 – Orientações Referentes à Monitoria
Orientações Referentes à Monitoria nos Laboratórios de Pesquisa no Campo da
Didática Universitária - Documento 3
Pesquisadora: Zoraya: [email protected]
Monitoras: Silvia: [email protected]
Informações Complementares (após a reunião de 04.10.04)
1-Sobre a Divulgação: O material impresso (mini-cartazes em impressão
colorida/xerox preto e branco) entregue às monitoras, deverá ser afixado apenas em
murais institucionais.
2-Sobre os Press Releases: Estarei lhes encaminhando por E-mail, o material
informativo que utilizei para a divulgação do evento, na Imprensa falada e escrita,
bem como para algumas Escolas, de modo que possam se familiarizar com a sua
estrutura básica.
3-Sobre novos formulários: Há novos materiais e acréscimos, sendo encaminhados
por E-mail, continuamente. Sempre que eu indicar modificações, deletem o material
anterior, e utilizem a versão mais recente, evitando equívocos. Quanto aos
documentos de Orientações de Monitoria (1, 2, 3 ...), estes são seqüenciados e
cumulativos. Guardem para futuras consultas e reformulações...
4-Sobre a entrega dos Comprovantes de Inscrição. O preenchimento já foi orientado
no documento Nº2. Vale ressaltar que a numeração segue de 15 a 25, para cada
módulo/lista de inscrição. A centralização da pasta ficará com Silvia, por decisão
consensual do grupo de monitoras.
5-Contato Telefônico. Foi encaminhado via E-mail, o formulário que utilizo para
inscrições por telefone. Servirá de pistas/ampliação de conhecimento das monitoras.
6-Sobre Dani e Elaine: Elaine integra o grupo de monitoras a partir desta reunião.
Todas nós continuaremos a tentar manter contato com Dani.
7-Sobre a posição atual das Inscrições: Dos oito telefonemas recebidos por Zoraya
em 04.10, já há indicação de quatro confirmações (Se necessário, confirmá-los em
18.10). Foi esclarecido que a maioria dos telefonemas dos interessados foi feito após
o acesso a página da UFRN. Dani sinaliza a provável inscrição de 05 participantes por
turma, e Silvia e Magna irão a campo, com o material de divulgação recebido.
Foi reafirmado o compromisso do esforço conjunto de todos.
8-O material de Elaine será entregue por Zoraya, em 05.10.04.
9-Zoraya providenciará contato com Profª Rosália, obtendo e agilizando informações
sobre as medidas em torno do funcionamento e horários do ônibus: 07:30/08:00 –
12:30/13:00 – 17:45/18:00.
10-Elaine divulgará o Curso no 4/5/6 SEM e Silvia e Magna no 1/2/3 Sem.
237
Apêndice 05 – Página do Cadernão
“Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado
mais e até errado mais. Ter feito o que eu queria fazer. Queria ter aceitado, as coisas
como elas são. A cada um cabe a alegria e a dor que vier. O acaso vai nos proteger
enquanto eu andar distraído. Devia ter complicado menos, trabalhado menos, ter
visto o sol se pôr. Devia ter me importado menos, ter morrido de amor. Queria ter
aceitado, a vida como ela é.
A cada um cabe alegria e, a tristeza que vier.”
- Podereis indicar-me, por favor, onde tenho que ir, desde aqui?
- Isso depende de onde queres chegar, contesta o gato.
- Não me importa muito onde... Explica Alice.
- Neste caso, dá no mesmo aonde vais, interrompe o gato.
- Sempre que chegue a alguma parte, termina Alice explicando.
- Oh! Sempre chegaras a alguma parte se caminhas o suficiente, diz o gato.
(LEWIS CAROL)
Eu sei que devia, mas COMO?
1-Romper o círculo vicioso do ensinador: o professor ensina, o aluno aprende...
2-Manter-se atualizado, sem acessar livros, publicações recentes, revistas
especializadas, instrumentos e materiais de estudo...
3-Compartilhar saberes, sem freqüentar os Congressos, Fóruns, e Eventos da
área...
4-Participar de Grupos de Estudo, se quase não sobra tempo...
Como cheguei a docente no Ensino Superior?
“VOCÊ NÃO SABE O QUANTO EU CAMINHEI, PRA CHEGAR ATÉ AQUI”.
“Apesar dos espinhos do capitalismo e do círculo de agruras, todos os educadores
deveriam fazer um esforço no sentido de parar pra pensar. Pensar politicamente,
ultrapassando círculos restritos, indo a fundo nas causas reais da ignorância
opressão e alienação, fenômenos estes visivelmente presentes na sociedade
brasileira, em todos os níveis. Pensar incisivamente sobre seu cotidiano, sua prática,
pensar criticamente, começar a suar frio” (Moacir Gadotti).
Podemos sublinhar a prerrogativa de que o ensino, mais do que qualquer outra prática social
humana, tem a responsabilidade de garantir um atendimento indissociável, ao sujeito epistêmico-
afetivo que chamamos de educando. É nesse princípio fundante que se ancoram os estudos da
Pedagogia Vivencial.
Uma vez que se reconheça que a experiência afetiva é tanto
dependente da cognição inteligente como da intelecção consciente,
que ambos envolvem a percepção, o tomar ciência, de intuir e assim
por diante, então o pensamento e o sentimento não precisam ser
encarados como opostos, polares, mas como manifestações
diferentes de um processo psicológico único (Meyer, 2004, p.282).
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