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F
ACULDADES
EST
PPG-EST
N
IVIA
I
VETTE
N
ÚÑEZ DE LA
P
AZ
E
VANGELIZAÇÃO QUE COMUNICA
E
C
OMUNICAÇÃO QUE EVANGELIZA
C
OMUNIDADE
C
ANÇÃO
N
OVA
,
UM NOVO JEITO DE SER IGREJA A
PARTIR DO ENTRECRUZAMENTO EVANGELIZAÇÃO
-
COMUNICAÇÃO
São Leopoldo
2008
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IVIA
I
VETTE
N
ÚÑEZ DE LA
P
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VANGELIZAÇÃO QUE COMUNICA E
C
OMUNICAÇÃO QUE
EVANGELIZA
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OMUNIDADE
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,
UM NOVO JEITO DE SER IGREJA A PARTIR DO
ENTRECRUZAMENTO EVANGELIZAÇÃO
-
COMUNICAÇÃO
Tese de Doutorado
Para obtenção do grau de Doutora em
Teologia
PPG - Faculdades EST
Área: Teologia Prática
Orientador: Dr. Oneide Bobsin
São Leopoldo
2008
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N
IVIA
I
VETTE
N
ÚÑEZ DE LA
P
AZ
E
VANGELIZAÇÃO QUE COMUNICA E
C
OMUNICAÇÃO QUE EVANGELIZA
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C
OMUNIDADE
C
ANÇÃO
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,
UM NOVO JEITO DE SER IGREJA A PARTIR DO
ENTRECRUZAMENTO EVANGELIZAÇÃO
-
COMUNICAÇÃO
Tese de Doutorado
Para obtenção do grau de Doutora em Teologia
PPG - Faculdades EST
Teologia Prática
Data: 04 de agosto de 2008
Oneide Bobsin – Doutor em Ciências Sociais – EST (Presidente)
___________________________________________________________________________
Ricardo Willy Rieth – Doutor em Teologia – EST
___________________________________________________________________________.
Rodolfo Gaede Neto – Doutor em Teologia – EST
___________________________________________________________________________.
Mary Rute Gomes Esperandio – Doutora em Teologia – PUC
___________________________________________________________________________
Pedro David Russi Duarte – Doutor em Ciências da Comunicação – UNB
___________________________________________________________________________.
O vento sopra onde quer, e ouve-
se o barulho que faz, mas não se
sabe de onde vem nem para onde
vai. O mesmo acontece com todos
os que nascem do Espírito.
(João 3.8)
“Mas, e Deus, existe? […] Não
sei. Mas eu desejo ardentemente
que assim seja. E me lanço
inteira. Porque é mais belo o
risco ao lado da esperança, que a
certeza ao lado de um universo
frio e sem sentido...
Rubem Alves
NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. Evangelização que comunica e Comunicação que
evangeliza: Comunidade Canção Nova, um novo jeito de ser igreja a partir do
entrecruzamento evangelização-comunicação. Tese de Doutoramento. o Leopoldo:
Faculdades EST/PPG, 2008.
SINOPSE
A tese tem como objetivo principal demonstrar, a partir de argumentos que emergem
do entrecruzamento Evangelização-Comunicação, que a Comunidade Canção Nova
representa um “Novo Jeito de ser Igreja” dentro do catolicismo romano. Os argumentos que
denotam, balizam e sustentam tal afirmação são: os novos jeitos de comunidades, os novos
jeitos de famílias e os novos jeitos de identidades que convivem nesse fenômeno religioso-
carismático-midiático. Esses argumentos afloraram na pesquisa do cotidiano da Comunidade,
especificamente no entrecruzamento contínuo e único entre evangelização e comunicação.
Com essa demonstração, propõe-se que, na atualidade, o entrecruzamento Evangelização-
Comunicação representa um fator importante para manter a igreja “em movimento”, em
sintonia com seu tempo.
A estrutura, composta de quatro capítulos, reflete o percurso investigativo seguido na
pesquisa. Apresentando a gestação, o surgimento e posterior desenvolvimento da Comunidade
como um trajeto no qual o contexto desempenha um papel determinante, o primeiro capítulo
realiza o levantamento histórico, corrobora que Canção Nova representa um fenômeno
religioso, carismático e midiático novo na contemporaneidade e pergunta se tal fenômeno
poderia ser considerado uma nova igreja. O segundo capítulo procura responder essa questão
apoiando-se no estudo do entrecruzamento evangelização-comunicação que caracteriza a
Comunidade. O terceiro capítulo, embasado na pesquisa bibliográfica, demonstra que o
entrecruzamento gera “um novo jeito de ser igreja” e não uma nova igreja; trabalha, ademais,
alguns elementos que definiriam esse novo jeito: o gênero, a liturgia e a ênfase
pneumatológica. No entanto, reconhece que tais elementos não conferem uma particularidade
peculiar à Comunidade. O quarto capítulo, ao narrar parte das observações da pesquisa de
campo e fazer uma analise dos dados à luz das bibliografias antes trabalhadas, afirma que
Canção Nova representa “um novo jeito de ser igreja” em função da dinâmica com que
constrói e recria “comunidades”, da forma com que fomenta e vivencia o convívio “familiar”
e da singularidade e criatividade com que define sua “identidade”.
NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. Evangelization that communicates and Communication
that evangelizes: Community Canção Nova, a new way of being church from the
crossing of Evangelization and Communication. Doctoral Dissertation. São Leopoldo:
Faculdades EST/PPG, 2008.
ABSTRACT
The main goal of this thesis is to show, from arguments that emerge from the crossing
of Evangelization and Communication, that the Community Canção Nova is a “New Way of
being the Churchwithin Roman Catholicism. The arguments that denote, assess and sustain
such a claim are the new ways of communities, new ways of families and new ways of
identities, living in this religious-charismatic-mediatic phenomenon. These arguments
emerged in the daily life research of the Community, specifically in the continuous and
unique crossing between evangelization and communication. The thesis also intends to prove
that, in fact, the crossing of Evangelization and Communication is an important factor for
keeping the Church “in line” with its time.
The structure of this work, consisting of four chapters, reflects the analytical route
followed in the search. With an introduction to origins, rise and subsequent development of
that Community, as a path in which the context plays a crucial role, the first chapter conducts
a historical study, confirms that the Nova Canção Community is a new religious, charismatic
and mediatic phenomenon in contemporary times and asks if this phenomenon could be
considered a new way of being Church. The second chapter intends to answer that question,
based on the study of the crossing of evangelization and communication, which characterizes
the Community. Based on the bibliographic literature, the third chapter shows that this
crossing creates “a new way of being church” and not a new church. Moreover, this present
work deals with some elements that defined that new way such as: genre, liturgy and
pneumatologic emphasis. However, it acknowledges that these elements do not confer any
peculiar feature to the Community. By describing part of the observations made at the field of
research and analyzing data in the light of bibliographic references that were used before, the
fourth chapter affirms that Nova Canção represents “a new way of being church” according to
the dynamics that builds and recreates “communities”, the way in which it promotes and
experiences “familiar” coexistence and the creativity and uniqueness by which its “identity” is
defined.
D
EDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meus companheiros da Licenciatura em Sagrada Teologia
(1996-2001) no Seminário Evangélico de Teologia, Matanzas, Cuba. Todos eles
“dialogaram”, de maneira muito especial, durante o processo de construção do texto. Sem
dúvidas, esta tese é nossa!
Orestes Roca Santana
Carlos Molina Rodríguez
Alexandri Sosa Alfonso
Enoc Rodríguez Mato
Omar Medina Sánchez
Daniel Izquierdo Hernández
David Cisnero Rodríguez
A
GRADECIMENTOS
Ao Deus trino!
À Comunidade Luterana de Sapucaia do Sul (IECLB), pela ajuda em todo momento,
À Comunidade Episcopal “La Santísima Trinidad”, Morón, Cuba, pelas suas orações,
A todas as pessoas que aparecem neste trabalho de forma anônima, pela importância
que elas tiveram no processo de pesquisa e pela confiança que depositaram em mim ao
compartilhar um pouco das suas vivências cotidianas,
A meu professor e orientador Oneide Bobsin, pelo acompanhamento que tem me dado
desde a graduação e pela amizade,
À Faculdades EST e seu Programa de Pós-Graduação, pela oportunidade de estudo,
Ao CNPq, pela bolsa de estudo e manutenção,
A Edel e a Luciana, da editora Sinodal, pela ajuda com a bibliografia e pelo imenso
carinho que sempre me ofereceram,
Ao Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo (NEPP), seu coordenador o
professor Oneide Bobsin e demais integrantes, pela parceria na pesquisa, pela
cumplicidade acadêmica e pela amizade,
Aos meus amigos e amigas: Maricel, Isabel, Lien, Rodhe, Mayté, Gerson, Hette,
Lurdilene, Luciano, Pedro A., Lidia, Roberto, Lori, Pedro, Delia, Marie Ann, Allan,
Marga, Jusiano, Abeyú, Mary, Claudette e Tatiana, que, desde os mais diversos
lugares, sempre se mantiveram em especial comunhão.
A três “pequenos príncipes” em minha vida: Daniel Altmann Zwetsch, Rafael
Maldonado Bravo e Eddy Toledo Aço, pela confiança, pelo carinho e pela amizade.
À minha família em Cuba, especialmente minha vovó Elia, minha mãe Katia, meu pai
Osvaldo, minhas tias Nivia e Esther, meu tio Aldo, por todo o amor transmitido e a
confiança depositada,
À minha família cubana no Brasil: minha irmã Tania, meu cunhado Marcos, minha
prima Marianela, minha sobrinha Jisette e meu sobrinho Allan, pelo colo oferecido,
pela ajuda sem limites e pela compreensão em todo momento,
Ao meu esposo e companheiro Rogério Sávio Link, por esta caminhada a dois! Pela
paciência, pelo incentivo, pela ajuda contínua, pela força transmitida e,
principalmente, pelo amor!
S
UMÁRIO
D
EDICATÓRIA
.............................................................................................................................6
A
GRADECIMENTOS
.....................................................................................................................7
Í
NDICE DAS
I
LUSTRAÇÕES
.......................................................................................................10
I
NTRODUÇÃO
............................................................................................................................11
C
APÍTULO
1.
C
ANÇÃO
N
OVA
:
F
ENÔMENO
R
ELIGIOSO
-C
ARISMÁTICO
-M
IDIÁTICO
.............19
1.1.
D
O MUNDO PARA O
B
RASIL
................................................................................................19
1.1.1. O mundo, berço da comunidade..............................................................................19
1.1.2. O Brasil que gera ......................................................................................................21
1.1.3. Contexto Eclesial: Protestante e católico................................................................24
1.1.4. Renovação Carismática Católica.............................................................................28
1.2.
C
OMUNIDADE
C
ANÇÃO
N
OVA
............................................................................................33
1.2.1. Um bispo, um retiro e documentos importantes....................................................33
1.2.2. Padre Jonas Abib......................................................................................................39
1.2.3. A Canção Nova que nasce ........................................................................................45
1.2.4. Comunidade Canção Nova hoje ..............................................................................47
1.3.
D
O
B
RASIL PARA O
M
UNDO
................................................................................................55
1.3.1. Casas de missão da Canção Nova............................................................................55
1.3.2. Casas de missão no Brasil ........................................................................................58
1.3.3. Casas de missão no exterior.....................................................................................60
1.3.4. Um percurso diferente na evangelização?..............................................................62
1.4.
A
M
ODO DE
C
ONCLUSÃO
....................................................................................................64
C
APÍTULO
2.
E
NTRECRUZAMENTO
E
VANGELIZAÇÃO
-C
OMUNICAÇÃO
.................................67
2.1.
E
VANGELIZAÇÃO
................................................................................................................68
2.1.1. Uma Nova Evangelização.........................................................................................71
2.1.2. Evangelização sob o prisma da contemporaneidade .............................................75
2.2.
C
OMUNICAÇÃO
...................................................................................................................83
2.2.1 Ciências da Comunicação .........................................................................................84
2.2.2. Estudos Culturais......................................................................................................89
2.3.
C
OMUNICAÇÃO RELIGIOSA
.................................................................................................96
2.3.1. As Igrejas, os meios e a evangelização ....................................................................99
2.3.2. A mídia e a mídia católica......................................................................................106
2.4.
E
NTRECRUZANDO
E
VANGELIZAÇÃO
-C
OMUNICAÇÃO NA
C
ANÇÃO
N
OVA
........................109
2.4.1. Canção Nova e os meios .........................................................................................111
2.4.2. Canção Nova e os projetos de evangelização........................................................115
9
2.5.
A
MODO DE
C
ONCLUSÃO
..................................................................................................118
C
APÍTULO
3.
C
OMUNIDADE
C
ANÇÃO
N
OVA
:
U
M
N
OVO
J
EITO DE
S
ER
I
GREJA
?................123
3.1.
I
GREJA
:
C
ONSTATAÇÕES A PARTIR DA PLURALIDADE DE UM CONCEITO
............................123
3.1.1. A teologia Católico-Romana e a Canção Nova.....................................................128
3.1.2. Canção Nova não é uma nova Igreja!...................................................................138
3.2.
G
ÊNERO
:
N
OS MEIOS E NA IGREJA
.....................................................................................141
3.2.1. Gênero nos meios ....................................................................................................143
3.2.2. Gênero na Canção Nova.........................................................................................145
3.3.
L
ITURGIA
:
O
S MEIOS E A
C
ANÇÃO
N
OVA
! ........................................................................148
3.3.1. As missas na Tv Canção Nova ...............................................................................155
3.3.2. O discurso nos meios cançãonovistas: Uma outra liturgia? ...............................159
3.4.
I
GREJA
P
NEUMÁTICA
:
O
E
SPÍRITO
S
ANTO E A
C
ANÇÃO
N
OVA
.........................................162
3.4.1. O Espírito Santo e a igreja.....................................................................................163
3.4.2. Espírito Santo na Canção Nova.............................................................................167
3.5.
A
M
ODO DE
C
ONCLUSÃO
..................................................................................................169
C
APÍTULO
4.
U
M
N
OVO
J
EITO DE
S
ER
I
GREJA
:
N
OVOS
J
EITOS DE
C
OMUNIDADE
,
N
OVOS
J
EITOS DE
F
AMÍLIA
,
N
OVOS
J
EITOS DE
I
DENTIDADES
.....................................................172
4.1.
C
ANÇÃO
N
OVA
:
C
ONSTATAÇÕES E DESCOBERTAS NA PESQUISA DE CAMPO
.....................172
4.1.1. Cachoeira Paulista..................................................................................................174
4.1.2. Canção Nova............................................................................................................178
4.2.
C
ANÇÃO
N
OVA
:
U
M NOVO JEITO DE SER IGREJA
! .............................................................190
4.2.1. Outras cinco histórias importantes .......................................................................194
4.2.2. Igreja com novo jeito..............................................................................................197
4.3.
N
OVOS
J
EITOS DE
C
OMUNIDADE
.......................................................................................199
4.3.1. Sobre o conceito e outras apreciações...................................................................199
4.3.2. Comunidade Canção Nova.....................................................................................202
4.4.
N
OVOS
J
EITOS DE
F
AMÍLIA
...............................................................................................205
4.4.1. Sobre o conceito e outras apreciações...................................................................205
4.4.2. Família Canção Nova .............................................................................................209
4.5.
N
OVOS
J
EITOS DE
I
DENTIDADE
.........................................................................................211
4.5.1. Sobre o conceito e outras apreciações...................................................................211
4.5.2. Identidade Canção Nova ........................................................................................216
4.6.
A
M
ODO DE
C
ONCLUSÃO
..................................................................................................220
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
........................................................................................................223
R
EFERÊNCIAS
.........................................................................................................................228
A
NEXOS
..................................................................................................................................241
Í
NDICE DAS
I
LUSTRAÇÕES
Evolução da população urbana e rural no Brasil 1940-2000..................................................23
Imagem 01: Foto do padre Jonas.............................................................................................39
Imagem 02: Logotipo da Canção Nova....................................................................................45
Imagem 03: 25 anos do projeto Clube do Ouvinte.................................................................116
Imagem 04: Projeto Daí-me Almas........................................................................................116
Imagem 05: Projeto Coração Solidário .................................................................................117
Imagem 06: Projeto Porta a Porta.........................................................................................117
Imagem 07: Projeto Companhia da Arte ...............................................................................117
Imagem 08: Projeto Ser Canção Nova é Bom D+!................................................................118
Imagem 09: Foto dos padres celebrando...............................................................................156
Imagem 10: Foto dos fiéis se abençoando .............................................................................157
Imagem 11: Foto da adoração do Santíssimo........................................................................158
Imagem 12: Foto do espaço litúrgico no Novo Rincão..........................................................158
Imagem 13: Foto do Rincão do Meu Senhor (mistura o tradicional ao moderno)................159
I
NTRODUÇÃO
O contato com integrantes do PPG das Ciências da Comunicação da Universidade do
Vale dos Sinos (UNISINOS) fez surgir o interesse por esta investigação. Nos encontros do
grupo, coordenados pelo professor Dr. Antonio Fausto Neto, estudantes de mestrado e
doutorado apresentavam seus projetos de pesquisa para análise e, também, debatiam artigos
ou livros que possuíam uma estreita relação com o tema Mídia e Religião. O fato de ter
trabalhado na pesquisa de mestrado com referenciais teóricos das ciências da comunicação
acentuou ainda mais minha curiosidade em relação às investigações que eles realizam.
Através delas, soube da existência da Comunidade Carismática Católica Canção Nova.
Aguçou o meu interesse investigativo, desde a teologia, o fato de ser uma comunidade de vida
(católico-carismática) que, sem romper com a igreja tradicional, apresentava uma
característica diferente: ser por excelência midiática. Tratava-se de uma Comunidade que
nascia no Brasil (1978) e que possuía casas de missão espalhadas não só no país, mas também
no exterior.
Inicialmente, quis fazer um estudo da Comunidade Canção Nova para investigar a
relação entre a Revelação e a Comunicação, interesse que foi descartado ao perceber que
Canção Nova tinha, como cerne, a evangelização através dos meios de comunicação. Logo
após, quis entendê-la como fenômeno religioso carismático que emerge da mídia e gera uma
“nova igreja”, no estilo das recentes igrejas neopentecostais também midiáticas. Ao fazer o
levantamento histórico e analítico, constatei, no entanto, que tal hipótese não poderia ser
sustentada. A Comunidade, mesmo sendo midiática por excelência, tem como embasamento e
sustento a teologia Católica Romana, não podendo ser, assim, catalogada como uma nova
Igreja.
12
Depois de um período de pesquisa bibliográfica extensa e, principalmente, com
embasamento nas constatações da pesquisa de campo, percebi que, mesmo em se tratando da
Igreja Católica, a Comunidade Canção Nova tinha características muito próprias. Não era uma
comunidade de vida fechada em si; era um desenho diferente de comunidade, uma nova forma
de ser católico-romano, de re-criar o catolicismo. Tratava-se, aparentemente, de um “Novo
Jeito de Ser igreja”. Com tais constatações, a investigação foi direcionada para procurar
argumentos que corroborassem com a seguinte suspeita: “Comunidade Canção Nova: Um
Novo Jeito de Ser Igreja a partir do entrecruzamento evangelização-comunicação”.
De maneira que a presente tese tem como objetivo principal demonstrar, a partir de
argumentos que emergem do entrecruzamento Evangelização-Comunicação, que a
Comunidade Canção Nova representa um “Novo Jeito de Ser Igreja” dentro do catolicismo
romano. Os argumentos que denotam, balizam e sustentam tal afirmação são: os novos jeitos
de comunidades, os novos jeitos de famílias e os novos jeitos de identidades que convivem
nesse fenômeno religioso-carismático-midiático. Esses argumentos afloraram da pesquisa do
cotidiano da Comunidade, especificamente do entrecruzamento contínuo e único entre
evangelização e comunicação. Com essa demonstração, propõe-se intencionalmente que, na
atualidade, o entrecruzamento Evangelização-Comunicação representa um fator importante
para manter a igreja “em movimento”, em sintonia com seu tempo.
A estrutura, composta de quatro capítulos, reflete o percurso investigativo seguido na
pesquisa. Apresentando a gestação, o surgimento e posterior desenvolvimento da Comunidade
como um trajeto no qual o contexto desempenha um papel determinante, o primeiro capítulo
realiza o levantamento histórico. Corrobora, ademais, que Canção Nova representa um
fenômeno religioso, carismático e midiático novo na contemporaneidade. Fenômeno religioso
que surge inspirado por uma Renovação Carismática Católica incipiente que provinha dos
Estados Unidos. Fenômeno religioso que se desenvolve no Brasil e que sai para “evangelizar”
em outros paises, especificamente, do Hemisfério Norte. Ancorado nessas constatações, surge
a interrogação: tal fenômeno poderia ser considerado uma nova igreja?
O segundo capítulo procura responder essa questão apoiando-se no estudo do
entrecruzamento evangelização-comunicação que caracteriza a Comunidade. Um amplo
levantamento do conceito evangelização e suas diferentes compreensões, assim como
também, do conceito comunicação tendo como eixo as Ciências da Comunicação, foram
13
necessários para entender e apreender melhor como se essa inter-relação entre
comunicação e evangelização na Canção Nova.
No terceiro capítulo, embasado na pesquisa bibliográfica, quis demonstrar que o
entrecruzamento gera “um novo jeito de ser igreja” e não uma nova igreja. Dessa forma,
trabalhou-se com alguns elementos que emergiram da própria investigação e poderiam definir
esse novo jeito, a saber, o gênero, a liturgia e a ênfases pneumatológica. No entanto,
reconheceu-se que tais elementos não conferiam uma peculiaridade à Comunidade.
O quarto capítulo, ao narrar parte das observações da pesquisa de campo e fazer uma
analise dos dados à luz das bibliografias antes trabalhadas, chega à conclusão de que Canção
Nova representa “um novo jeito de ser igreja” em função da dinâmica com que constrói e
recria “comunidades”, da forma com que fomenta e vivencia o convívio “familiar” e da
singularidade e criatividade com que define sua “identidade”. “Identidade” que, misturada aos
distintos tipos de “comunidades” e as diversas formas de “família” encontradas, estaria
emergindo do entrecruzamento Evangelização-Comunicação.
A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho esteve dividida
fundamentalmente em três pontos: 1) seleção de informações e narrativas religiosas contidas
na literatura cançãonovista (incluindo materiais audiovisuais); 2) Observações participantes
na sede da Canção Nova na cidade de Cachoeira Paulista e em casas de pessoas católicas
sócio-colaboradoras da Comunidade, dando especial atenção ao cotidiano nessas realidades;
3) Análise dos dados, tendo como embasamento teórico-analítico a literatura das ciências
sociais, da antropologia, da história e da teologia que, de maneira particular, em função do
objeto, ficou mais circunscrita à produção da Igreja Católica Romana.
A Comunidade Canção Nova nasceu no Brasil em 1978, no seio da Igreja Católica
Romana. Fundada pelo padre Jonas Abib, teve como objetivo principal, desde seus inícios, a
evangelização através dos meios de comunicação social. A sede encontra-se situada em
Cachoeira Paulista. Entre membros e sócios, somam ao todo 600 mil pessoas como
integrantes da comunidade. Reconhecida como a precursora das Comunidades de Vida no
Brasil, mantém, até hoje, a característica de “viverem homens e mulheres juntos”,
característica que é um marco distintivo na história do catolicismo.
14
Além da sede, Canção Nova administra 24 casas filiais de missão, distribuídas em 13
estados do Brasil, assim como também fora do território brasileiro, em Portugal, Estados
Unidos, Israel, França e Itália. As Casas de Missão constituem os centros por excelência para
a evangelização. Nessas casas são implementados programas e projetos de evangelização
similares àqueles que a Comunidade mantém na sede ao longo de todo o ano.
Com efeito, a evangelização na Canção Nova se por meio do complexo sistema
comunicacional que possui. Para a manutenção da evangelização através dos meios de
comunicação cançãonovistas, os sócios ativos contribuem, em média, com quinze reais por
mês. Esse dinheiro é aplicado na difusão dos programas transmitidos a partir da sede. Canção
Nova tem hoje 27 rádios AM, FM e SW, operando, também, via satélite, 24 horas por dia,
para todo o Brasil. A Rádio Canção Nova é uma das principais da Rede Católica de Rádio e
geradora de programação para 191 emissoras.
Cachoeira Paulista tem se transformado num dos lugares mais importantes de
peregrinação católica no país. O município chega a abrigar, em datas comemorativas
religiosas ou retiros espirituais, mais de setenta mil fiéis. Pelo fato de que nem todas as
pessoas conseguirem ficar alojadas na sede, muitas casas particulares da região têm sido
convertidas em pousadas, oferecendo serviços durante os dias de eventos. Isso, logicamente,
gera uma renda extra no orçamento familiar e movimenta, em certa medida, a economia da
cidade. Pode-se afirmar que, na última década, Canção Nova tem se tornado um fenômeno de
comunicação de massas. O desenvolvimento dessa comunidade é oposto, em proporção, ao
comportamento do crescimento da religião católica romana no Brasil. Segundo dados do
IBGE, entre 1991 e 2000, os católicos passaram de 83% para 73% do total da população
brasileira. No entanto, os Católicos Carismáticos superam a cifra de 15% que é o total de
protestantes.
Sem dúvida, estamos na presença de um fenômeno religioso-carismático-midiático.
Fenômeno que nasce no Brasil, mas que emerge da inspiração de uma Renovação Carismática
Católica que chega procedente do Hemisfério Norte (Estados Unidos). Fenômeno, também,
que, partindo da experiência no Brasil, sai para “evangelizar”, precisamente, esse Hemisfério
Norte (Portugal, Itália, Estados Unidos, Israel, França). Tal percurso torna-se factível pela
utilização aguçada dos meios de comunicação.
15
Um conceito chave na investigação foi o Cotidiano. Com o intuito de compreendê-lo e
apreendê-lo tomamos como embasamento as definições das autoras Ivone Gebara e Maria
Odília Leite da Silva Dias. Gebara
1
entende Cotidiano como: o “combate” para viver
diariamente, para encontrar trabalho, encontrar o que cozinhar, lugar onde se trocam gestos de
amor. Seria o que se conhece como o mundo doméstico, o mundo das relações breves, da
rotina, dos hábitos de cada dia. O espaço da família, filhos, vizinhos e as relações que dentre
eles vão se tecendo. Nossas histórias pessoais, nossos sentimentos, nossa reações ante o rádio
e a tevê. Leite da Silva Dias
2
, por sua vez, descreve cotidiano como categoria que escapa ao
normativo, ao prescrito, ao institucional, sinalizando mais o vivido, o ponderável, aquilo “não
dito”. Na nossa pesquisa, tomamos Cotidiano como categoria de análise porque permite fazer
uma “epistemologia do cotidiano” ou, como Gebara o denomina, “epistemologia da vida
ordinária”. Uma epistemologia que permite, segundo a autora, encontrar o lugar “ordinário”
da Teologia, o lugar da experiência humana, o lugar no qual se celebra a vida e onde se
estabelecem as mais diversas relações com o sagrado. O lugar originário da Teologia antes
mesmo dela ser assim nomeada.
Especialmente nas últimas quatro décadas, tem-se discutido muito sobre os conceitos
Evangelização e Comunicação, ambos centrais na nossa pesquisa: No caso da evangelização,
pelo fantasma da secularização que, enganosamente, perpassou o discurso teológico desse
período; a comunicação, pelo papel preponderante que os meios de comunicação têm
assumido na contemporaneidade.
Alguns autores, como veremos no desenvolvimento do trabalho, utilizam os termos
evangelização e missão como se tivessem significado igual. Outros, por sua vez, os percebem
diferentes, ainda que inter-relacionados. Como ferramenta investigativa, opta-se pela posição
daqueles que situam a evangelização como parte essencial da missão, mas compreendem a
missão como uma esfera muito mais ampla. Tal opção investigativa parte da compreensão
que, como autora, tenho sobre missão e evangelização; é a partir dela que se tenciona a
evangelização no cotidiano da Comunidade Canção Nova. Optar pelo conceito
1
Cf. GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: Uma fenomenologia feminista do mal. Tradução: Lúcia Mathilde
Endlich Ort. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 121s.
2
Cf. DIAS, Maria Odília Leite da Silva. Novas subjetividades na pesquisa histórica feminista: Uma
hermenêutica das diferenças. Estudos Feministas. n. 2, Rio de Janeiro, 1994. p.375.
16
“Evangelização” e fazer uso dessa terminologia, também, foi uma eleição fundamentada no
objeto pesquisado.
A comunicação social constitui um tema relevante no mundo contemporâneo; mais do
que nunca, ela envolve o mundo todo. Especialmente nos Estudos Culturais apresentados
na década de 1960, pela Escola de Birmingham, na Inglaterra — o processo comunicacional é
observado de forma mais ampla e complexa, procurando ser compreendido com base na
cultura, ao mesmo tempo em que estabelece uma ruptura com o que se entendia por
comunicação mediatizada. Mais que um processo ideológico ou de dominação, como
percebiam as teorias anteriores, os Estudos Culturais abordavam a comunicação como um
processo embasado na negociação, na qual os receptores não são mais tidos como objetos e
sim como sujeitos. Na pesquisa, optou-se pelo referencial teórico dos Estudos Culturais por
entender e compreender a comunicação como processo e não de maneira linear. Nesse
processo, além do emissor, do meio e do receptor, há múltiplas mediações interatuando. Essas
mediações são chaves para nos aproximar da compreensão dos sentidos construídos pelas
pessoas. Na comunicação como processo, a cultura tem um papel fundamental.
O período de analise escolhido para o recorte investigativo vai desde as décadas de
1960 e 1970 até fevereiro de 2008. Nesta última data, em que a Comunidade comemorou seus
30 anos com o lema “Ser Canção Nova é bom demais....!”
3
, congregaram-se milhares de
pessoas na sede para celebrar o acontecimento, patentear seu nculo com a proposta
cançãonovista e se somar à nova campanha lançada, qual seja, fazer a “revolução” da
evangelização e formar parte do “exército de evangelizadores”!
Na tese, uma diferença que deve ser destacada aqui quando se fala em Comunidade
Canção Nova ou quando aparece somente Canção Nova. Cada uma delas é usada em
correspondência com aquilo que se quer transmitir. Canção Nova alude ao fenômeno religioso
em si, o que é dito para fazer referência a uma realidade que assim se nomeia. Enquanto que
Comunidade Canção Nova sinaliza mais o que acontece, o que se vivencia, o que foi criado
pela própria Canção Nova. Também foi uma opção, nesta pesquisa, fazer sempre alusão ao
fundador da Comunidade como padre e não como monsenhor. Tal escolha se fundamenta no
3
Algumas vezes, é utilizada essa formulação.
17
fato de que, na maior parte do período pesquisado, assim ele era nomeado; é no final do
ano 2007 que o título de monsenhor lhe foi outorgado.
Uma outra escolha diz respeito ao uso da terminologia “meios de comunicação social”
e não “meios de comunicação de massa”. Isso é decorrência, em primeiro lugar, do próprio
objeto pesquisado. Meios de Comunicação Social é a terminologia que adota a igreja católica
para se afastar do vocábulo “massas” que era, comumentemente, atribuído aos movimentos de
esquerda; movimentos que faziam uma crítica contundente aos meios de comunicação. Em
segundo lugar, a escolha foi embasada na compreensão da comunicação como processo, no
qual o termo social se encaixa mais com a idéia de um “receptor sujeito”, enquanto que, “na
massa”, se perderia, ele deixaria de ser sujeito.
Neste trabalho, a expressão “um novo jeito de ser igreja”, que surgiu para fazer alusão
às mudanças que as Comunidades Eclesiais de Base proporcionavam na vida eclesial, é
retomada com sentido similar, só que denotando mudanças em direção a uma realidade
diferente. O objetivo de demonstrar que a Comunidade Canção Nova representa um novo
jeito de ser igreja dentro do catolicismo de nenhuma maneira invalida ou questiona o “novo
jeito” das Comunidades Eclesiais de Base. O interesse é, precisamente, destacar “os novos
jeitos”, esse plural que convive sob o guarda-chuva institucional católico, aparentemente
muito bem arranjado.
É importante salientar ainda que a presente investigação não está ancorada na procura
de o que os textos midiáticos cançãonovistas dizem e sim como fazem para dizer o que dizem.
Deve-se ressaltar, além disso, que foi uma opção intercalar, mesmo que a tese tenha sido
escrita, dependendo do contexto, na terceira pessoa do singular e na primeira pessoa do plural,
alguns itens também na primeira pessoa do singular. Isso se fez quando a narração era muito
pessoal como no caso do envolvimento com o grupo de pesquisa da UNISINOS e,
principalmente, nas vivências da pesquisa de campo.
Não se pretende, com a tese, fazer apologia da Comunidade Canção Nova, dizer que
esse seria “o” modelo que “as igrejas devem seguir” ou que “dessa forma daria certo” na
eclesiologia contemporânea. No entanto, quer se destacar, sim, um fenômeno religioso que é
importante e representativo dentro do catolicismo atual. Quer se destacar um fenômeno
religioso que, no intuito de “evangelizar”, busca ininterruptamente a “renovação”. Quer se
18
destacar um fenômeno religioso que, ao fazer uso dos meios de comunicação e,
principalmente, pela forma como trabalham com esses meios, marca uma distinção na história
do cristianismo. Quer se destacar um fenômeno religioso que, de maneira sui generis,
constitui Um Novo Jeito de Ser Igreja.
O vento sopra onde quer, e ouve-se o barulho que faz, mas
não se sabe de onde vem nem para onde vai. O mesmo
acontece com todos os que nascem do Espírito.
(João 3.8)
C
APÍTULO
1.
C
ANÇÃO
N
OVA
:
F
ENÔMENO
R
ELIGIOSO
-C
ARISMÁTICO
-M
IDIÁTICO
1.1. Do mundo para o Brasil
1.1.1. O mundo, berço da comunidade
O início da segunda metade do século XX desvendava um mundo dividido entre
capitalismo e socialismo. Era o mundo bipolar que vivia sob o planejamento e execução do
que se conheceu como Guerra Fria. Essa guerra tinha como paradigma central, mais
enfaticamente, não a questão militar, nem a questão política ou econômica, antes foi uma
batalha pela mente dos seres humanos, uma batalha de idéias.
Tratava-se de uma guerra “justa”, na qual podiam ser utilizados todos os meios,
inclusive o que se conheceu como “a mentira necessária”
4
. Justificavam-se os atos, por mais
inumanos que fossem, com “estar preparados” pelo perigo palpável que representava o lado
contrário. As superpotências Estados Unidos da América (EUA) e a União de Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) assim como os demais governos aliados, de ambas partes,
converteram a casa de todos num campo de batalha sem tréguas. Immanuel Wallerstein
observa que essa antinomia, “wilsoniana versus leninismo”, teria nascido em 1917 com a
revolução russa. Os dois lados disputavam “quem controlaria os processos políticos na
periferia do sistema mundial”
5
.
4
SAUNDERS, Frances Stonor. La CIA y la Guerra Fría Cultural. Ciudad de la Habana: Editorial de Ciencias
Sociales, 2003. p. ix.
5
Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. Após o liberalismo: Em busca da reconstrução do mundo. Petrópolis: Vozes,
2002. p. 23, 117.
20
Especificamente a década de 1960 foi marcada por profunda efervescência social,
política e cultural no mundo todo. Movimentos estudantis, movimentos de reivindicação dos
direitos civis, movimentos de lutas feministas, movimentos de combate à segregação racial,
movimentos pacifistas, entre muitos outros se desenvolveram nesse período. Nos
apontamentos de Daniel A. Reis Filho,
O planeta tornava-se uma aldeia global: os tiros dos soldados norte-
americanos nas selvas do Vietnã escoavam nas salas de jantar das cidades
brasileiras [pela televisão], assim como as mulheres norte-americanas
queimando sutiã, e os negros queimando cidades, e os protestos dos
estudantes franceses contra a repressão sexual, e as pernas das garotas
londrinas com suas mini-saias, o os Beatles cabeludos com sua irreverência
[...] e os guardinhas vermelhos [...] agitando o livrinho vermelho do grande
timoneiro. Eram barricadas por toda parte: de tijolos e idéias, de sonhos, e
propostas de aventuras, exprimindo um mal-estar difuso, mas palpável como
a utopia quando ela parece ao alcance da mão.
6
Especialmente na América Latina, os anos precedentes e subseqüentes a 1970 foram
muito conturbados. Implantação de governos ditatoriais e com eles repressão, exclusão,
perseguição, tortura e morte, que unidos à pobreza, miséria e desemprego existentes no
“pátio do mundo”, constituíram o cotidiano
7
latino-americano. Essa situação foi defendida a
partir da ideologia do progresso. Dizia-se que, para haver progressos nos países latino-
americanos, seria necessário haver um cerceamento das liberdades. Contrapondo essa idéia,
alguns intelectuais afirmam que o sistema capitalista acentuou as diferenças sociais. Para
Wallerstein, por exemplo, as condições de vida no século XX seriam piores do que a 500 anos
6
REIS FILHO, Daniel Aarão. 1968, o curto ano de todos os desejos. Tempo Social. Revista de Sociologia da
USP. Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, V. 10, N
o
2, p. 25-35, outubro de 1998. p. 31.
7
Entende-se Cotidiano como sendo “o combate para viver hoje, para encontrar trabalho, para ter o que cozinhar,
[...] para trocar gestos de amor, para encontrar um sentido imediato para a vida. O cotidiano é o mundo
doméstico, o mundo das relações breves, das relações mais diretas, que são, às vezes, capazes de mudar as
relações mais amplas. [...] é a rotina, os hábitos de cada dia, a família, os filhos, os vizinhos do bairro, tudo
isso que faz parte da trama mais imediata de nossa vida. [...] O cotidiano são nossas histórias pessoais, nossos
sentimentos diante dos acontecimentos, nossas reações diante do noticiário da rádio ou da televisão, ou ainda
nossas reações perante os múltiplos problemas da atualidade. É neste meio particular que nascemos, que
sofremos, amamos e morremos. [...] aparece como um lugar em que a história se faz e onde as mais variadas
formas de opressão e de produção do mal se manifestam sem serem suficientemente reconhecidas”.
GEBARA, 2000, p. 121s. “O estudo do cotidiano nas sociedades em transformação, ao resvalar por
experiências de vida, escapa ao normativo, ao institucional, ao dito, ao prescrito e aponta para o vir a ser, para
papéis informais, para o provisório e o improvisado, em geral para o vivido, o concreto, o imponderável e o
não-dito, sobre tudo quando confrontado com regras, valores herdados e papéis prescritos”. DIAS, 1994, p.
375.
21
atrás
8
. No entanto, ao mesmo tempo, manifestaram-se e consolidaram-se, nos diversos países,
movimentos de libertação e reivindicação que fizeram a denúncia e o contraponto a tais
situações sociais
9
.
Gustavo Gutierrez referindo-se a esse período afirma:
A realidade latino-americana começa a aparecer em toda sua crueza. Não se
trata unicamente — nem primordialmente — de um baixo índice cultural, de
uma atividade econômica restrita, de uma ordem legal deficiente, de limites
ou carências de instituições políticas. Trata-se, isto sim, de um estado de
coisas que não leva em conta as mais elementares exigências da dignidade
do homem [ser humano]: sua própria subsistência biológica e seus direitos
primordiais como ser livre e responsável. A miséria, a injustiça, a situação de
alienação e exploração do homem pelo homem [...].
10
Um mundo em plena ebulição e um continente latino-americano governamentalmente
servil, ao mesmo tempo que manipulado pelo desejo de conquista das superpotências, foi o
chão em que, de certa forma, fecundou-se o projeto Canção Nova. Vejamos, na continuação,
como era o cotidiano no país que lhe viu nascer. A grandes rasgos, resgataremos suas
características.
1.1.2. O Brasil que gera
O Brasil, submerso desde 1964 num regime de ditadura militar
11
, vive na década de
1970 um convulsivo tempo de conspiração, clandestinidade, manifestações e lutas. Realidade
esta que decorre dos acontecimentos vivenciados, principalmente, no ano de 1968
12
. Nesse
8
Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. O capitalismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 83ss.
9
Com linguagem novelesca e não por isso menos profunda e detalhada, Eduardo Galeano, nos presenteou com
Las venas abiertas de América Latina, livro que retrata cruamente a situação neste período. Galeano
asseverou que o subdesenvolvimento da América Latina foi produto direto do desenvolvimento dos países
ricos e que eles intervieram, quando necessário, para garantir essa relação. Cf. GALEANO, Eduardo. Las
venas abiertas de América latina. Ciudad de la Habana: Editorial Casa de las Américas. 2000. p. 484-488.
10
GUTIERREZ, Gustavo. A força histórica dos pobres. Petrópolis: Vozes. 1984. p. 45
11
A ditadura militar no Brasil não sendo das mais cruéis, se comparadas com as instituídas nos países
vizinhos, como Argentina, por exemplo — “reunia a espada, a cruz, a propriedade e o dinheiro. E o medo, um
medo muito grande, de que gentes indistintas pudessem cobrar força e virar o país de ponta-cabeça [...]”.
REIS FILHO, 1998, p. 26.
12
O ano de 1968 constituiu, tanto no Brasil quanto no mundo, um ano marcante em todo sentido, seja pela
explosão das forças reprimidas durante os anos que lhe antecedem e, com isso, estaríamos na presença do
fechamento de um ciclo histórico, seja na gestação de novos sonhos, idéias, atos que se misturam e salpicam
22
ano, o governo militar, como resposta e neutralização ao cotidiano latente, suspendeu todas as
garantias constitucionais por meio do que denominou Ato Institucional No 5 (AI-5)
13
. Assim
como cada efeito tem sua causa, não causa sem efeito, mesmo que, por vezes, esse efeito
seja muito diferente do esperado ou almejado. A posição e oposição de trabalhadores,
sindicalistas, operários, estudantes, intelectuais no campo político, econômico, social e
eclesial veio confirmar que tal situação seria insustentável por muito mais tempo.
Na primeira metade da década de 1970, o país experimentou um crescimento
econômico de grande magnitude conhecido como o “milagre brasileiro”
14
. Esse crescimento
decorreu da acumulação do capital nas mãos de poucos em detrimento de muitos e foi a causa
de diversos conflitos e protestos que serviram para uma reorganização de trabalhadores rurais
e urbanos. O crescimento foi sucedido por uma recessão inflacionaria que atingiu
principalmente a classe média e os setores populares
15
. Francisco Carlos Teixeira da Silva
afirma que
Embora levando o país a um crescimento econômico próximo aos 10% ao
ano, com o desenvolvimento de um vasto parque industrial, o regime militar
não conseguiu, bem pelo contrário, diminuir as injustiças sociais. Tratava-se
de um processo de concentração econômica que prenunciava uma crise
social bem mais ampla.
16
Nesta época, a maior parte da população brasileira passou a ser urbana, como pode ser
observado no gráfico abaixo. Isso foi produto de uma política governista que expulsou os
pequenos proprietários de suas terras e os obrigou a migrar, compondo mão-de-obra barata
até nossos dias, no cotidiano. Para maiores informações sobre o referido ano, indica-se a leitura dos diversos
artigos que compõem a coletânea publicada em 1998 a qual contem vários artigos que trabalham desde
diferentes perspectivas os acontecimentos vividos durante esse ano. Cf. Tempo Social; Revista de Sociologia
da USP. Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, V. 10, N
o
2, outubro de 1998.
13
Para informações sobre AI-5, cf. ANDRADE, Regis de Castro. Trabalho e Sindicalismo: memória dos 30 anos
do movimento de Osasco (entrevista). Tempo Social. Revista de Sociologia da USP. Departamento de
Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, V. 10, N
o
2,
outubro de 1998. p. 37-49.
14
Cf. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A democratização autoritária: do golpe militar à redemocratização
1964/1984. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus,
1990. p. 363.
15
Cf. DREHER, Martin. A igreja latino-americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999. p.
213.
16
SILVA, 1990, p. 374.
23
nas grandes cidades
17
. Cidades que, por sua vez, cresceram desordenadamente por não
comportar uma estrutura adequada para receber tamanho fluxo migratório. Tal situação
redundou numa serie de calamidades em todos os níveis, desde o social, institucional até o
pessoal.
Evolução da população urbana e rural no Brasil 1940-2000
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Rural
68,76% 63,84% 55,33% 44,08% 32,43% 24,41% 21,64% 18,81%
Urbana
31,24% 36,16% 44,67% 55,92% 67,57% 75,59% 78,64% 81,19%
1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 2000
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 1996,
Galeano desnuda a situação brasileira com a seguinte frase: “[…] Brasil había
continuado siendo un país donde cada a quedan cien obreros lisiados por accidentes de
trabajo y donde, cada diez niños, cuatro nacen obligados a convertirse en mendigos, ladrones
o magos”
18
. Triste e cruel realidade para um país abençoado pela natureza, que possuiria todo
o necessário para oferecer uma vida digna à totalidade de seus habitantes.
E as Igrejas? Qual a posição das igrejas perante esses acontecimentos no solo
brasileiro? As Igrejas protestantes, conforme sua pluralidade, mantiveram atitudes
17
Para ter uma visão mais ampla sobre o tema da inversão que acontece entre a população urbana e rural no
Brasil, especificamente finais da década de 1960 e inícios de 1970, onde se inicia a diminuição da população
rural ao mesmo tempo em que se observa um crescimento acelerado da população urbana, cf. LINK, Rogério
Sávio. Luteranos em Rondônia: O processo migratório e o acompanhamento da Igreja de Confissão
Luterana no Brasil (1967-1987). São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 40-43. O gráfico, por sua vez, foi tirado da
tese do mesmo autor. Cf. LINK, Rogério Sávio. Especialistas na Migração: Luteranos na Amazônia, o
processo migratório e a formação do Sínodo da Amazônia 1967-1997. Tese de Doutoramento. São Leopoldo:
Faculdades EST/PPG, 2008. p. 103.
18
“[…] Brasil continua sendo um país no qual a cada dia cem obreiros ficam aleijados por acidentes de trabalho
e onde, de cada dez crianças, quatro nascem obrigadas a converter-se em mendigos, ladrões ou magos”.
GALEANO, 2000, p. 476.
24
contraditórias, não entre as diferentes denominações, mas também internamente
19
,
mostraram-se, em alguns momentos, complacentes e em outros, assumiram uma oposição
radical. No âmbito católico, especificamente, acontece uma reviravolta nos púlpitos. A
“Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que abençoara a instauração da
ditadura, denunciava cada vez mais seus excessos. Inspirando-se no processo de atualização
da Igreja [...] uma corrente progressista destacou-se, apoiando e dando abrigo a estudantes e
intelectuais”
20
. A seguir nos ocuparemos mais detalhadamente desses contextos eclesiais, não
só no Brasil senão também na América como um todo.
1.1.3. Contexto Eclesial: Protestante e católico
É referindo-se ao âmbito religioso das décadas de 1960 e 1970 que o historiador
Martin Dreher declara:
[...] nota-se uma acelerada mutação no campo religioso latino-americano.
Em determinadas regiões, o catolicismo antes hegemônico passou a
representar menos da metade da população. Verdade é também que a
mutação religiosa verificada não deve ser creditada exclusivamente ao
pentecostalismo. Grupos religiosos paracristãos (mórmons, testemunhas de
Jeová), sincretistas, africanos e milenaristas, de origem oriental, novos e
antigos esoterismos também se fazem presentes, disputando o mercado
religioso. [...] desde a década de 1960, pode-se verificar no pentecostalismo
a renovação da religião popular. [...] O pentecostalismo é, na América latina,
em realidade, um catolicismo popular de substituição [...] [Nele] o povo
simples reconhece que sua religião foi relegada pela romanização católica e
pelo protestantismo histórico.
21
O pentecostalismo apresentou um extraordinário crescimento na cada de 1960. Seu
crescimento está associado com as profundas mudanças sociais que o povo latino-americano
enfrentava
22
. Na década de 1970, iniciou-se uma nova serie de campanhas de evangelização,
19
Para ter uma idéia da postura assumida pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), pode
ser lida a tese Rogério Link. Cf. LINK, 2008. p. 262ss.
20
REIS FILHO, 1998, p. 32s.
21
DREHER, 1999, p. 198.
22
Cf. DROOGERS, Andrés. Visiones paradógicas sobre uma religião paradógica: modelos explicativos Del
pentecostalismo em Brasil y Chile. In: BOUNDEWIJNSE, B.; DROOGERS, A.; KAMSTEEG, F. (Ed.).
Algo más que ópio: una lectura antropológica del pentecostalismo Latinoamericano y caribeño. San José:
DEI, 1991. p. 19s.
25
principalmente por iniciativa norte-americana. Essas campanhas tinham uma clara mensagem
ideológica: a conversão é a alternativa contra o comunismo
23
.
O movimento evangelical (Aliança Evangélica Mundial, 1923) e o movimento
ecumênico (Conselho Mundial de Igrejas, 1948), segundo Luiz Longuini Neto, articularam,
também na década de 1960, uma proposta de renovação da eclesiologia da América Latina.
Isso se deu no campo da relação entre igreja e sociedade levando ao redimensionamento do
conceito e da prática missiologica-pastoral das igrejas protestantes. Para tal, o movimento
ecumênico articulou suas propostas com o termo “pastoral”, terminologia rechaçada pelos
evangelicais que optaram pelo termo “missão”. Interessante perceber que Longuini Neto, ao
analisar o movimento ecumênico, trabalha desde os paradigmas de cooperação,
desenvolvimento, revolução, ecumenismo, liberação e solidariedade, enquanto que o
movimento evangelical ele analisa a partir dos paradigmas evangelização, fundamentalismo e
conscientização
24
. Fica conotada, dessa forma, a polarização em que comumente eram
percebidos e emoldurados ambos movimentos.
Vários congressos evangelicais foram celebrados neste período. A nível mundial,
pode-se citar: Congresso sobre Missão Mundial (Wheaton-1966); Congresso Mundial de
Evangelização (Berlin-1966) e o Congresso de Evangelização Mundial (Lausane-1974).
Especificamente na América Latina: CLADE I (Bogotá-1969) e CLADE II (Lima-1979).
Todos eles manifestam o interesse na importância da evangelização para as igrejas cristãs.
Da parte dos católicos, temos o Concilio Vaticano II, convocado no dia 25 de
dezembro de 1961 e conhecido também como Aggionamento católico, que realizou-se em
Roma de 1962 a 1965. Esse acontecimento, considerado o maior da Igreja Católica no século
XX, promoveu uma série de reformas estruturais, teológicas e organizacionais que
perpassaram a instituição, eclessia, como um todo. Entre as principais, encontram-se a
reforma interna da Igreja Católica Romana, a união das Igrejas Cristãs e a presença profética
23
Cf. DROOGERS, 1991, p. 21ss.
24
Cf. LONGUINI NETO, Luiz. El nuevo rostro de la misión: los movimientos ecuménicos y evangelicales en
el protestantismo latinoamericano. Traducción: Roselí Schrader Giese. São Leopoldo: Sinodal; Quito: CLAI,
2006. p. 10s.
26
da Igreja no mundo. O Vaticano II marcou o fim da Contra-Reforma e o encontro da Igreja
com a modernidade
25
.
O desejo comum de “renovar a vida da igreja e dos batizados a partir de um retorno às
origens cristãs
26
foi levado ao Concilio pelos movimentos litúrgicos, bíblicos, ecumênicos,
entre outros
27
. Classificado como o Concilio do Espírito Santo, o Vaticano II traz consigo uma
abertura geral da Igreja Católica Romana para o mundo moderno, modificando-se a relação de
Roma com as outras igrejas cristãs. Aliás, pela primeira vez na história da Igreja Romana o
concílio explicitamente toma posição sobre as religiões universais. Outra questão a ser
destacada é o fato dos leigos serem chamados também à missão conjuntamente com os
missionários e a hierarquia da igreja, como foi corroborado na encíclica Lumen Gentium (n
o
33.34)
28
.
Neto afirma que,
A nova postura de setores relevantes da igreja Católica Apostólica Romana,
influenciados pelos ventos liberalizantes do Concilio Vaticano II (1962-65) e
pelas Conferências Episcopais Latino-americanas de Medellín (1968) e
Puebla (1979), e a decorrente “opção pelos pobres”, possibilitaram um
diálogo criativo entre a teologia e as ciências sociais e a elaboração dos
referentes teológicos da teologia da liberação, a qual tem a sua expressão
pastoral e eclesial nas CEBs.
29
É nesse contexto que nasce a Teologia da Libertação. Ela apresentava, pela primeira
vez no continente, uma reflexão encarnada e própria dos povos latino-americanos
30
. Nesse
sentido, a década de 1970 foi cenário de um conjunto de debates acerca de “quem é o pobre?”.
25
Cf. VILLAR, Evaristo. A los 40 años del Vaticano II. Revista Signos de Vida. Quito: CLAI, n 38, diciembre
2005. p. 32-35.
26
RENOVAÇÃO Carismática Católica. Disponível na Internet: <http://www.rccbrasil.org.br/rcc_br/hist.php>.
Acesso em: 20/03/2005.
27
Para uma maior informação sobre os diferentes movimentos e as reivindicações que apresentaram no Concílio
Vaticano II, cf. GUIMARÃES, Almir Ribeiro. Comunidades de Base no Brasil: Uma nova maneira de ser
em Igreja. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 102-114, 146-195.
28
Cf. LIENEMANN-PERRIN, Christine. Missão e Diálogo inter-religioso. São Leopoldo: Sinodal; CEBI,
2005. p.67, 68s.
29
LONGUINI NETO, 2006, p. 9.
30
Cf. OLIVEIROS, Roberto. Historia de la teologia de la liberación. In: ELLACURÍA, Ignácio; SOBRINO, Jon
(Ed.). Mysterium liberationis: conceptos fundamentales de la teologia de la liberación. V.1. Madrid: Trotta,
1990. p 25.
27
Essa teologia não vinha propor uma nova temática e sim um novo método “no fazer
teológico”, tratava-se de uma teologia crítica a partir da práxis, cujo eixo hermenêutico era a
libertação
31
.
Com relação à Teologia da Libertação, Dreher aponta:
O período entre 1970 e 1975 deve ser visto como um tempo de livre
expansão da Teologia da Libertação. A época é caracterizada por diversos
congressos. [...] O movimento popular e as comunidades eclesiais de base
assumiram os pensamentos da Teologia da Libertação, especialmente no
Brasil, mas também no México, El Salvador, Perú, Chile e Bolívia.
32
No final da década de 1970 e durante a década de 1980, podem ser percebidas
dificuldades e um certo declínio na experiência e vivencia das Comunidades Eclesiais de Base
(CEB`s) no Brasil. Nas palavras de Enrique Dussel “[...] aos poucos, a igreja oficial consegue
ir enquadrando as experiências dentro da vida paroquial tradicional e o elã dos anos 60 e 70
começa a se perder”
33
.
Outro fator a ser destacado é o surgimento, no continente americano, da Renovação
Carismática Católica, no final da década de 1960. quem afirme que a Renovação
Carismática Católica, ao mesmo tempo em que surge com o intuito de pôr fim à “paralisia da
Igreja católica Romana”, vai à procura do grande número de pessoas católicas que
“emigravam” para as fileiras do pentecostalismo
34
. Outros a colocam como uma contestação
ou reação às próprias CEB`s. Pela importância que a Renovação Carismática Católica tem em
relação ao nosso objeto de pesquisa, vamos dedicar-lhe uma atenção especial no tópico
seguinte.
31
Cf. OLIVEIROS, 1990. p 25- 38.
32
DREHER, 1999, p. 194s.
33
DUSSEL, Enrique. Sistema-Mundo, dominação e exclusão Apontamentos sobre a história do fenômeno
religioso no processo de globalização da América Latina. In: Historia da Igreja na América Latina e no
Caribe 1945-1995: O debate metodológico. Petrópolis: Vozes; São Paulo: CEHILA, 1995. p. 65.
34
Para ler mais ao respeito, cf. OYAMA, Thaís; LIMA, Samarone. O novo catolicismo dos carismáticos. Veja.
São Paulo: Abril, ano 31, n 14, edição 1541, p. 92-98, abr. 1998.
28
1.1.4. Renovação Carismática Católica
A Renovação Carismática Católica (RCC) ou, como foi inicialmente conhecida,
Pentecostalismo Católico, teve sua origem no ano de 1967. Um retiro espiritual realizado nos
dias 17, 18 e 19 de fevereiro, na Universidade de Duquesne (Pittsburgh, Pensilvânia, EUA), é
referenciado como o início do movimento. No entanto, a própria Renovação Carismática
Católica reconhece que experiências similares já aconteciam em outros paises
35
. Na percepção
de Marcos Volcan, presidente do Conselho Nacional da Renovação Carismática Católica -
Brasil, semelhante à Teologia da Libertação, o movimento também se apóia no Vaticano II.
Afirma ele:
Naqueles dias, ecoava ainda no coração de toda uma geração de filhos da
Igreja o convite do Papa João XXIII para uma ampla reforma eclesial que
culminou com o Concílio Ecumênico Vaticano II e que trouxe consigo o
desejo e a realização de um novo Pentecostes para todo o povo de Deus.[...]
Foi neste contexto e inspirando-se, ainda, no modelo de vida das primeiras
comunidades cristãs – quando cheios do Espírito Santo (At 2,1-12), os
seguidores de Jesus, “na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações”
(At 2,42), testemunhavam o cumprimento de sua promessa: “quem crê em
mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores” (Jo 4,12) que aquele
grupo de Duquesne buscou e experimentou um novo vigor para anunciar
com coragem e determinação o Evangelho.
36
O Primeiro Congresso Nacional é realizado nos Estados Unidos no ano de 1968,
contando com a participação de 100 pessoas. Cinco anos mais tarde, em 1973, celebram o
Primeiro Congresso Internacional, em South-Bend, Indiana, EUA, noticiando a cifra de 25
mil participantes
37
. A fim de evitar possíveis cismas e também com o intuito de diferenciá-la
do próprio pentecostalismo, a Igreja de Roma estabeleceu três normas identitárias para a
35
Cf. HISTÓRIA Mundial da Renovação Carismática Católica. Disponível na Internet: <http://www.
rccbrasil.org.br/rcc-br/hist.php?aba=rcc>. Acesso em: 19/03/2005.
36
VOLCAN, Marcos. Renovação Carismática Católica: 40 anos de história. Disponível na Internet:
<http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?id=&e=4561>. Acesso em: 16/02/2007.
37
Cf. HISTÓRIA Mundial da Renovação Carismática Católica. Disponível na Internet: <http://www.
rccbrasil.org.br/rcc-br/hist.php?aba=rcc>. Acesso em: 19/03/2005.
29
Renovação Carismática Católica, quais sejam: fidelidade à Liturgia Católica, reza do terço e
culto mariano
38
.
Assim, a Renovação Carismática Católica percebe-se como um acontecimento
estreitamente vinculado ao Concilio Vaticano II e apresenta, no centro da sua espiritualidade,
a vivência dos dons do Espírito Santo, fruto da experiência de pentecostes narrada na Bíblia
em Atos dos Apóstolos, capítulo 2
39
. Seus membros parecem empenhar-se em que sejam esses
dons uma vivência mística proporcionada, principalmente, nos grupos de oração ou nos
eventos de massa
40
.
Os denominados “Grupos de Oração” (GO) comportam a base da estrutura da
Renovação Carismática Católica. Os Grupos de Oração são pequenas aglomerações de fiéis
que se reúnem semanalmente não necessariamente em paróquias a fim de compartilhar
as experiências de “oração no espírito”. Tendo como objetivo principal despertar os carismas
latentes na Igreja, esses Grupos de Oração
Enfatizam a vivência do Espírito Santo (ES), o vínculo com a Igreja e seus
sacramentos, a Igualdade do carisma entre leigos e sacerdotes, o dom de
línguas, e a liderança leiga. Teologicamente, têm influência do movimento
pietista norteamericano, com a ênfase na vida nova e no senhorio de Jesus
Cristo. O Reino de Deus não está na vida depois da morte, mas nesta, no
coração do fiel.
41
eventos maiores denominados “Seminários no Espírito” e é a partir das vivências
nesses seminários que lideranças de Grupos de Oração, dizendo-se “renovados” e “enchidos
do Espírito Santo” decidem formar ou fundar comunidades. A maior parte dessas
comunidades se define como “Comunidade de Vida e de Aliança”. É importante salientar que
Comunidades não fazem parte da estrutura do Movimento de Renovação Carismática Católica
38
SCHULTZ, Adilson. Resenha da dissertação de mestrado em antropologia de Valdir Pedde: Carismáticos
luteranos e católicos: Uma abordagem comparativa da performance dos rituais. In: TRENTINI, Ademir et
alli. Movimento de Renovação Espiritual: O Carismatismo na IECLB. São Leopoldo: EST, 2002. p. 126.
39
Cf. RENOVAÇÃO Carismática Católica. Disponível na Internet: <http://www.rccbrasil.org.br/rcc_br/hist.
php>. Acesso em: 20/03/2005.
40
Cf. CARRANZA, Brenda. “Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências”. In: ANJOS,
Marcio Fabri dos (Org.). Sob o Fogo do Espírito. São Paulo: SOTER/Paulinas, 1998. p. 39-60.
41
SCHULTZ, 2002, p. 126.
30
(MRCC)
42
. Nas apreciações de Cecília Mariz, não são componentes necessários e essenciais
ao movimento, como seriam os Grupos de Oração e outros órgãos de direção”.
comunidades que tem autonomia própria, chegando, por vezes, a não se definir como parte da
Renovação Carismática Católica, mesmo que tenham sido criadas a partir das experiências de
suas lideranças na Renovação Carismática.
A Renovação Carismática Católica, como afirma Mariz, adotou um estilo
organizacional próprio que, ainda estando sujeito à Igreja instituição, mantém, de certa forma,
sua autonomia e tem contribuído abundantemente para seu sucesso e crescimento
43
. No
entanto, alguns autores chamam a atenção para o fato de a Renovação Carismática Católica
ter perdido a “liberdade do espírito” por estar sujeita a regras e condicionamentos que provém
de Roma
44
. Essa posição de relativa dependência, adotada pela Renovação, advém da
necessidade de legitimidade por parte da Igreja.
Os estatutos da Renovação Carismática Católica foram aprovados pela Santa no
dia 8 de julho de 1993 e receberam o título de “Estatutos da International Catholic
Charismatic Renewal Service” (ICCRS)
45
. Já o decreto de reconhecimento foi expedido,
através do Pontifício Conselho para os leigos, no dia 14 de setembro do mesmo ano.
Especificamente na América Latina, em 1972 foi criado o “Conselho Carismático Católico
Latino Americano” (CONCCLAT), que convoca cada dois anos para o Encontro Carismático
Católico Latino Americano (ECCLA) e tem sua sede na cidade de México.
Fazendo parte da Renovação, mas com similar abrangência mundial, comportando
mais de 50 comunidades em diferentes paises, foi criada o 30 de novembro de 1990 a
42
É importante destacar o fato com relação às terminologias Renovação Carismática Católica e Movimento de
Renovação Carismática Católica. relação entre elas, mas também existe uma grande tensão. Renovação
Carismática Católica é o nome que, desde um princípio, assume e define a Renovação Carismática Católica,
Movimento é o substantivo outorgado pela Igreja à Renovação Carismática Católica. No entanto, como
explica Mariz, “a Renovação não quere ser um movimento a mais dentro da Igreja, mas sim transformar a
própria Igreja: ser uma nova Igreja”. Por tal razão, não gosta, nem assume essa categorização de movimento
como próprio. MARIZ, Cecília Loreto. A Renovação Carismática Católica. In: Afro-brasileiros, pentecostais
e católicos. Civitas. p. 169-186. V. 3, N 1, jun. 2003. p. 173.
43
MARIZ, 2003, p. 173s.
44
Cf. HISTÓRIA da Renovação Carismática Católica no Brasil. Disponível na Internet:
<http://www.rccbrasil.org.br/rcc-br/rcc-br.php?aba=rcc>. Acesso em: 20/03/2005.
45
Cf. HISTÓRIA da Renovação Carismática Católica no Brasil. Disponível na Internet:
<http://www.rccbrasil.org.br/rcc-br/rcc-br.php?aba=rcc>. Acesso em: 20/03/2005.
31
“Catholic Fraternity of Charismatic Covenant Communities and Fellowship” (CFCCCF)
46
.
Essa fraternidade teve seus Estatutos reconhecidos pelo Pontifício Conselho para os Leigos
em novembro de 1990.
No caso específico do Brasil, a Renovação Carismática Católica teve suas origens com
os padres Haroldo Joseph Rahm e Eduardo Dougherty, na cidade de Campinas. Mesmo não se
registrando uma data exata, os documentos e depoimentos aludem ao final da década de 1960,
pouco depois de ter surgido a Renovação nos Estados Unidos. Já no ano de 1970, o padre
Daniel Kiakarski, que conheceu a Renovação nos EUA, a introduziu em Telêmaco Borba,
Paraná, e outros estados do Brasil foram se somando ao movimento de renovação
consecutivamente. Entre os estados pioneiros encontram-se: Minas Gerais, Mato Grossos e
Goiânia.
O livro “Sereis Batizados no Espírito” foi lançado em 1972 contendo orientações
precisas para a realização dos retiros de “Experiência de Oração no Espírito”. Essa foi uma
das primeiras obras sobre a Renovação Carismática Católica publicadas no Brasil e esteve sob
a autoria do jesuíta americano e, como vimos, fundador do movimento Pe. Haroldo Rahm.
Nas observações da pesquisadora Brenda Carranza, esse livro representou uma alavanca para
a difusão da Renovação em todo o país
47
.
Em 1973, foi celebrado em Campinas o I Congresso da Renovação Carismática
Católica no Brasil sendo coordenado pelo Pe. Rahm, pelo Pe. Dougherty e pela irmã Juliette
Schuckenbrock. Esse evento contou com a participação de aproximadamente cinqüenta
líderes carismáticos. No entanto, é a partir do ano de 1980 que a Renovação Carismática
Católica vai se consolidar no solo brasileiro
48
.
Atualmente, a Renovação Carismática Católica-Brasil é dirigida por um comitê no
qual confluem vários ministérios. São eles: Ministério da Arte, da Comunicação Social, da
46
Fraternidade Católica das Comunidades de Aliança e Vida.
47
Cf. HISTÓRIA da Renovação Carismática Católica no Brasil. Disponível na Internet:
<http://www.rccbrasil.org.br/rcc-br/rcc-br.php?aba=rcc>. Acesso em: 20/03/2005.
48
Cf. HISTÓRIA da Renovação Carismática Católica no Brasil. Disponível na Internet:
<http://www.rccbrasil.org.br/rcc-br/rcc-br.php?aba=rcc>. Acesso em: 20/03/2005.
32
Criança, da Cura e Libertação, da Família, de Fé e Política, de Formação, de Intercessão, de
Jovens, de Pregação, de Promoção Humana, de Sacerdotes, de Seminaristas e de
Universidades Reformadas. Este último tem como finalidade a evangelização nas instituições
de ensino superior. Os vários ministérios trabalham sob a coordenação de um presidente, cujo
cargo, em 2008, pertence ao sr. Marcos Volcam.
Similar a outras regiões do mundo, no Brasil, observa-se igual diversidade
comportando a Renovação Carismática Católica, especialmente no tocante à
institucionalização do movimento. Como exemplo disso, temos as Comunidades (de vida ou
aliança) anteriormente assinaladas. O fato da criação destas Comunidades ou de
“complexos maiores
49
”, que ganham cada vez mais autonomia perante a Renovação
Carismática Católica, tem trazido enfrentamentos entre pioneiros da Renovação Carismática
Católica -Brasil, como o acontecido com o fundador Pe. Haroldo Joseph Rahm e o Pe. Jonas
Abib
50
.
Para Haroldo a Renovação é e tinha que ser sempre conseqüência do agir do
Espírito Santo, pelo que não podia, em nenhum momento, estar sujeita a esta ou aquela
vontade humana, menos ainda ao planejamento de alguma instituição. Pe. Haroldo é um dos
pioneiros que não concordavam com a idéia da Renovação converter-se num “movimento
religioso
51
dentro da Igreja, porque, no seu pensamento, a Renovação Carismática Católica
nasceu com o intuito de renovar a igreja como um todo. Ao que parece o padre Jonas sentiu o
“sopro do Espírito” em direção diferente, seu chamado foi para “ser sal e luz” de uma maneira
talvez “inusitada-institucionalizada” dentro da Igreja como um todo.
A partir desses argumentos, pode ser afirmado que, mesmo estando sempre em
constante relação, um evento é a Renovação Carismática Católica internacional e outro é a
49
Um exemplo seria a sede da Canção Nova.
50
Depoimento oferecido por Haroldo Joseph Rahm a participantes do curso de Ecumenismo do CESEP em São
Paulo, Junho de 2007.
51
No universo católico, chama-se de “movimento religioso” um tipo específico de organização que se insere na
estrutura mais ampla da Igreja, mas sendo unificado, administrado internacionalmente e independente do
clero local. Em geral, atua ou se dirige apenas a camadas ou setores específicos da Igreja ou da sociedade. Na
maioria das vezes, tem práticas e estilos uniformes e muitas vezes possui um fundador reconhecido. Esse
conceito é usado por diversos autores, como Oliveira (1997), Souza (2000), Boff (2000), Carranza (2000). Cf.
MARIZ, 2003, p. 172.
33
Renovação Carismática Católica no Brasil que, ao estilo de outros países, possui
características muito próprias. Ao mesmo tempo, a Renovação no Brasil está composta por
uma diversidade muito grande de expressões de e manifestações dessa fé, pelo que a idéia
de movimento homogêneo pode ser totalmente desterrada
52
. A seguir nos ocuparemos,
especificamente, com nosso objeto de estudo: a Comunidade Canção Nova. Esta Comunidade
é um fiel exemplo da tensão que várias instituições carismáticas mantêm em solo brasileiro,
tensão entre o “pertencer” (no caso a RCC) e o próprio “ser”, ser Canção Nova.
1.2. Comunidade Canção Nova
1.2.1. Um bispo, um retiro e documentos importantes
No dia oito de dezembro de 1975, o Papa Paulo VI publicava a carta circular pontifícia
Evangelii Nuntiandi”. Esse documento versa sobre o compromisso evangelizador,
especificamente no tocante à propagação do Evangelho no mundo contemporâneo. O padre
Jonas Abib comenta sobre a importância desta encíclica para a gestação da Canção Nova:
[...] Dom Antônio Afonso de Miranda [...] me chamou em seu escritório;
estava com o livro do “Evangelho Nuntiandi” [...] tinha acabado de lê-lo.
Estava muito impressionado. Disse-me: “Padre Jonas, o que o papa disse
aqui é totalmente verdade. É necessário evangelizar, a hora é de
evangelização”. Realmente vi Dom Antônio tocado e inspirado. Tomou um
artigo que tinha separado e o leu para mim: “Verifica-se que as condições
do mundo atual tornam cada vez mais urgente o ensino catequético, sob a
forma de um catecumenato, para vários jovens e adultos que, tocados pela
graça, descubram pouco a pouco o rosto de Cristo e experimentem a
necessidade de se entregar a Ele” (EM 44). [...] me disse: “Já que você
trabalha com jovens, lhe é cil fazer isso com eles. Comece com algumas
coisas. Há muito para fazer. Mas temos que começar por alguma coisa.
Então, comece pelos jovens”.
53
(tradução própria)
Dom Antonio Afonso de Miranda era o bispo de Lorena na época, diocese a qual o
padre Jonas pertencia. Como vimos no item anterior, a direção da Igreja Católica Apostólica
52
Para ampliar esta afirmação, podem ser lidas as pesquisas feitas por Cecília Loreto Mariz, Brenda Carranza,
Eliane Martins de Oliveira, Reginaldo Prandi, Emerson Sena Silveira, Valdir Pedde.
53
ABIB, Jonas. Mensaje. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/portal_esp/canais/mensajes/
pejonas/comunidade/php>. Acesso em: 12/04/2005.
34
Romana almejava algo urgente, diferente e marcante, algo que trouxesse para a Igreja uma
renovação expressa nos documentos do Concílio. Em situação similar, encontravam-se setores
dentro da própria Igreja, que não simpatizavam muito com a corrente da Teologia da
Libertação que frutificava nesses anos, nem com os movimentos pentecostais que também
proliferavam. Desejavam uma Igreja diferente, na qual conseguissem identificar seu espaço.
O padre Jonas conta que, depois de tomar um tempo para reflexão, apresentou sua proposta e
a implementou.
Cada vez que volto a ler este artigo fico admirado de como isso aconteceu ao
pé da letra. Disse a Dom Antônio que via em suas palavras uma inspiração, e
mais ainda: “não sei o que fazer. Vou rezar e trago-lhe uma resposta”. [...]
Parei e rezei. Voltei a ele com um esquema. Como me citou a palavra
“catecumenato”, dei este nome ao curso que preparamos. Era realmente um
curso de catequese. Não de catecismo de primeira comunhão, senão um
curso de catequese para jovens. [...] Não me recordo exatamente se nossa
conversa foi no final de 1975 ou no início de 1976. Graças a Deus, na
Semana Santa, estávamos iniciando o que chamamos de “catecumenato”. Foi
muito bonito. Ocupamos toda a Quinta-Feira Santa, a Sexta-Feira Santa e
também o sábado com palestras. O salão do Instituto Salesiano esteve cheio.
Na noite fizemos a vigília pascal. [...] Assim inauguramos o “catecumenato”.
Durante os anos de 1976 e 1977, houve o catecumenato. Os pais, vendo a
transformação que acontecia com seus filhos, também quiseram participar.
Adultos também foram entrando. Aconteceu tudo ao da letra: “[...]
tocados pela graça, descobrem pouco a pouco o rosto de Cristo e
experimentam a necessidade de se entregar a Ele” (EN 44).
54
(tradução
própria)
É assim que são narrados os fatos que antecederam o nascimento da Comunidade
Canção Nova. O padre Jonas adjudica ao próprio Deus a condução no processo de formação.
Ele acredita que foi Deus quem fez a experiência surgir, amadurecer e acontecer. Vejamos a
seguir seu testemunho:
[...] Íamos ter um “catecumenato” interno, de um fim de semana em Queluz.
Ia de trem de Lorena para Queluz. Pelo caminho, senti um forte desafio, mas
me parecia absurdo: Quem ia querer deixar sua casa, sua família, seus
estudos para viver junto comigo em uma comunidade? Quem se dedicaria ao
trabalho que estávamos começando a fazer? Era tão absurdo que pensei:
“vou lançar o desafio, não vão aceitar, e se aceitam será sinal de que Deus
quer”. Quando cheguei em Queluz, fiz o desafio e uma grande quantidade de
54
ABIB, Jonas. Mensaje. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/portal_esp/canais/mensajes/
pejonas/comunidade/php>. Acesso em: 12/04/2005.
35
jovens aceitou. Sinal de que realmente estavam experimentando a
necessidade de se entregar a Cristo que começavam a descobrir. Na prática,
na hora de deixar a família, de parar com o estudo, com o trabalho, com o
namoro, nem todos aqueles que aceitaram puderam cumprir o compromisso.
Mas, assim mesmo começamos. Éramos exatamente doze [...].
Simplesmente fui dócil ao que Deus ia me mostrando. Deus levantou-me e
empurrou-me muitas vezes.
55
(tradução própria)
Fazendo uma leitura da encíclica Evangelii Nuntiandi, pode-se apreciar a forte ênfase
para o uso dos meios de comunicação por parte da Igreja. Isso denota uma mudança de
paradigma. É importante lembrar que, em outros tempos, a posição da igreja com respeito a
esses meios tinha sido voltada mais ao desprezo e à desqualificação
56
. Nesse documento, a
Igreja não só enfatiza o caráter sempre atual da evangelização, senão que incita à procura e ao
uso dos meios apropriados para essa evangelização, como aparece a seguir:
A busca de meios adaptados
40. A evidente importância do conteúdo da evangelização não deve esconder
a importância das vias e dos meios da mesma evangelização.
Este problema do "como evangelizar" apresenta-se sempre atual, porque as
maneiras de o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias
de tempo, de lugar e de cultura, e lançam, por isso mesmo, um desafio em
certo modo à nossa capacidade de descobrir e de adaptar.
A nós especialmente, Pastores da Igreja, incumbe o cuidado de remodelar
com ousadia e com prudência e numa fidelidade total ao seu conteúdo, os
processos, tornando-os o mais possível adaptados e eficazes, para comunicar
a mensagem evangélica aos homens do nosso tempo. Limitar-nos-emos,
nesta reflexão, a recordar algumas vias que, por um motivo ou por outro, se
revestem de uma importância fundamental.
Utilização dos "mass media"
45. No nosso século tão marcado pelos "mass media" ou meios de
comunicação social, o primeiro anúncio, a catequese ou o aprofundamento
ulterior da fé, não podem deixar de se servir destes meios conforme já
tivemos ocasião de acentuar.
Postos ao serviço do Evangelho, tais meios são susceptíveis de ampliar,
quase até ao infinito, o campo para poder ser ouvida a Palavra de Deus e
fazem com que a Boa Nova chegue a milhões de pessoas. A Igreja viria a
sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes
meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados.
É servindo-se deles que ela "proclama sobre os telhados",(72) a mensagem
55
ABIB, Jonas. Mensaje. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/portal_esp/canais/mensajes/
pejonas/comunidade/php>. Acesso em: 12/04/2005.
56
Essa relação da Igreja com os meios receberá atenção especial no segundo capítulo de nossa pesquisa.
36
de que é depositária. Neles encontra uma versão moderna e eficaz do
púlpito. Graças a eles consegue falar às multidões.
Entretanto, o uso dos meios de comunicação social para a evangelização
comporta uma exigência a ser atendida: é que a mensagem evangélica,
através deles, deverá chegar sim às multidões de homens, mas com a
capacidade de penetrar na consciência de cada um desses homens, de se
depositar nos corações de cada um deles, como se cada um fosse de fato o
único, com tudo aquilo que tem de mais singular e pessoal, a atingir com tal
mensagem e do qual obter para esta uma adesão, um compromisso realmente
pessoal.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 8 de dezembro, solenidade da
Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, do ano de 1975,
décimo terceiro do nosso pontificado.
PAULUS PP. VI.
57
Note-se que, no documento, a Igreja faz alusão aos meios como “meios de
comunicação social” alem de “meios de comunicação de massa” como eram mormente
nomeados naquela época. Essa opção de falar de meios de comunicação social, descartando o
vocábulo massa, responde a preocupação de evitar qualquer similaridade com os movimentos
de Esquerda que faziam uma crítica contundente ao avanço e “poder” dos meios de
comunicação de massa
58
.
Chega a ser impressionante a frase: A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu
Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada
dia mais aperfeiçoados”. Aparentemente, no texto, ela é quem cumpre a função simultânea de
mandato/obediência, ela sintetiza uma dinâmica de sentido revelado/ocultado. São os meios
os que têm que ser usados para a Igreja não “sentir-se” culpada, nada mais e nada menos que
“perante Deus”. O mandato da Igreja é que sejam usados os meios para evangelizar; a
obediência corresponde às comunidades que adquirem sobre elas a responsabilidade de que a
Igreja não se sinta culpada. De igual maneira, o sentido revelado está dado pelo conteúdo
conotado na encíclica, a procura e utilização dos meios “poderosos” e “cada vez mais
aperfeiçoados pela inteligência humana”, o sentido que tem sido ocultado descansa no
57
ENCÍCLICA EVANGELII NUNTIANDI. Disponível na Internet: <http://www.gui.uva.es/~cuenca/enciclic/
encicli/htm>. Acesso em: 13/04/2005.
58
Na nossa investigação, por trabalhar especificamente com o contexto desta Igreja temos optado por usar a
terminologia “meios de Comunicação Social” toda vez que façamos referência aos mesmos.
37
interesse, ou melhor ainda, na urgência percebida pela Igreja em pôr esse uso dos meios” em
prática.
Revisando documentos da Igreja Católica Apostólica Romana pertencentes aos anos
anteriores a 1975, comprovamos que não foi precisamente a encíclica Evangelii Nuntiandii
quem marca uma nova aproximação da igreja com a mídia. Doze anos antes, o Vaticano,
através do decreto Inter Mirifica, já tinha se pronunciado favoravelmente a respeito dos meios
de comunicação social:
Importância dos meios de comunicação social
1. Entre as maravilhosas invenções da técnica que, principalmente nos
nossos dias, o engenho humano extraiu, com a ajuda de Deus, das coisas
criadas, a santa Igreja acolhe e fomenta aquelas que dizem respeito, antes de
mais, ao espírito humano e abriram novos caminhos para comunicar
facilmente notícias, idéias e ordens. Entre estes meios, salientam-se aqueles
que, por sua natureza, podem atingir e mover não cada um dos homens
mas também as multidões e toda a sociedade humana, como a imprensa, o
cinema, a rádio, a televisão e outros que, por isso mesmo, podem chamar-se,
com toda a razão meios de comunicação social.
Relação com a ordem moral
2. A mãe Igreja sabe que estes meios, retamente utilizados, prestam ajuda
valiosa ao gênero humano, enquanto contribuem eficazmente para recrear e
cultivar os espíritos e para propagar e firmar o reino de Deus; sabe tamm
que os homens podem utilizar tais meios contra o desígnio do Criador e
convertê-los em meios da sua própria ruína; mais ainda, sente uma maternal
angústia pelos danos que, com o seu mau uso, se têm infligido, com
demasiada freqüência, à sociedade humana.
Em face disto, o sagrado Concílio, acolhendo a vigilante preocupação de
Pontífices e Bispos em matéria de tanta importância, considera seu dever
ocupar-se das principais questões respeitantes aos meios de comunicação
social. Confia, além disso, em que a sua doutrina e disciplina, assim
apresentadas, aproveitarão não só ao bem dos cristãos, mas também ao
progresso de toda a sociedade humana.
Vaticano, 4 de Dezembro de 1966.
PAPA PAULO VI.
59
Um fator a ser destacado, a respeito deste documento, é o exposto por Carlos Valle
60
.
Ele afirma que se esperava que do Vaticano II saísse um documento sobre comunicação que
59
DECRETO INTER MIRIFICA. Disponível na Internet: <http://www.gui.uva.es/~cuenca/enciclic/
encicli/htm>. Acesso em: 13/04/2005.
38
marcasse um novo rumo para a Igreja. No entanto, Inter Mirifica” além de não ter sido
recebida com satisfação, como documento, foi muito controvertida, de modo que alguns anos
depois a instrução pastoral “Communio et Progressio” (1971) retomou a discussão com o
objetivo de ser mais explícita.
De igual maneira, não parece ter sido fruto do acaso que o padre Jonas Abib iniciasse
uma comunidade com tais características ou que fosse o “escolhido de Deus” sem nenhum
precedente. Constata-se que o padre Jonas tinha conhecido a Renovação Carismática Católica
no ano de 1971, fato que, segundo ele, marcou definitivamente sua vida e ministério. Em suas
palavras:
Foi a grande graça da minha vida. Eu estava no momento de maior crise
existencial pela qual passei e Deus veio justamente me dando a graça, a
partir de o que a Bíblia chama de “ser batizado no Espírito Santo”. Isso
aconteceu no dia 2 de novembro de 1971. Naquele dia a minha vida se
renovou [...].
61
(tradução própria)
De semelhante forma, a escolha feita pelo bispo Dom Antonio Afonso de Miranda,
quando incentivou o padre Jonas a pôr em prática a intimação da carta pontifícia, tinha
também seus precedentes. O pedido assentava-se sobre o ministério que o padre Jonas,
durante anos, tinha desenvolvido com grupos de jovens. Também contava com o carisma
pessoal de Jonas para atrair e trabalhar com esses grupos. Então, uma aproximação biográfica
faz-se necessária, a fim de compreender como se deu esse processo de engajamento do padre
e, por decorrência, o nascimento da Comunidade Canção Nova.
60
Cf. VALLE, Carlos. Comunicación y Misión en el laberinto de la Comunicación. São Leopoldo: Sinodal;
Londres: World Association of Christian Communication; Quito: CLAI, 2002. p 27s.
61
ABIB, Jonas. Mensaje. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/portal_esp/canais/mensajes/
pejonas/comunidade/php>. Acesso em: 12/04/2005.
39
1.2.2. Padre Jonas Abib
Imagem 01
Jonas Abib nasceu no dia 21 de dezembro de 1936 em Elias
Fausto, São Paulo
62
. Filho de Sérgio Abib, de descendência rio-
libanesa, e de Josepha Pacheco Abib, de descendência italiana, teve
uma infância marcada pela pobreza. Seu pai trabalhava como pedreiro
e sua mãe se dedicava à costura. Não era raro que, no ofício de Sergio,
o salário nem sempre entrava na data certa, o que faria com que, muitas
vezes, dona Josepha tivesse que garantir a comida do lar, mesmo nos
tempos em que esteve afetada pela tuberculose.
Aos sete anos, iniciou o curso de primeiro grau no “Colégio padre Moye” que era
dirigido pelas Irmãs da providência de Gap. Foram elas quem o encaminharam, depois de
concluir o quarto ano primário, para os padres salesianos. Tinha doze anos quando passou a
estudar no “Liceu Coração de Jesus” e a trabalhar nas oficinas de artes gráficas (setor de
encadernação).
Um ano depois, aos 13, foi transferido para o Ginásio São Manoel”, de Lavrinhas,
São Paulo, com o objetivo de se integrar ao seminário salesiano. Cursou o ensino médio no
“Instituto do Coração Eucarístico” em Pindamonhangaba, São Paulo. Mais tarde, para estudar
Filosofia, trasladou-se ao “Instituto Salesiano de Filosofia e Pedagogia”, situado em Lorena.
Estudou teologia no Instituto Teológico Salesiano Pio XI” de São Paulo. Foi nos
meses de conclusão dos estudos que lhe acometeu uma doença nos olhos, embaralhando sua
visão, produzindo muita dor de cabeça e o impedindo de ler. Por esse motivo, em vistas da
ordenação, teve que se submeter a provas orais como forma de avaliação. Por causa da
enfermidade e sua demorada recuperação, Jonas foi trasladado a um seminário menor que os
salesianos tinham em Lavrinhas, no Vale da Paraíba.
62
Os dados a seguir foram tomados da Revista Canção Nova. Cf. ABIB, Jonas. Sou fruto da solidariedade,
Revista Canção Nova. São Paulo, ano iv, n 47, nov. 2004. p. 3. Cf. CORREIA, Nelsinho. 40 anos “tudo para
todos”. Revista Canção Nova. São Paulo, ano IV, N 48, dezembro 2004. p. 11. Cf. também FUNDADOR.
Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/fundador>. Acesso em: 12/04/2005.
40
Anos mais tarde, ao falar dessa doença, Jonas faz a seguinte ponderação: “eu ainda
não havia entendido, mas era Deus me empurrando para aquilo que viria a ser meu campo de
ação e me mostrando o lugar onde iria realizar o que Ele determinara”
63
. Foi nessa região que,
a convite de uma irmã salesiana, participou, por primeira vez, de uma Mariápolis
64
e foi, nesse
evento, que, segundo ele, teve seu “Encontro pessoal com Jesus”. Nas suas declarações,
“compreendo hoje que foi da vontade de Deus que isso acontecesse antes da minha
ordenação. Deus foi subversivo! Deu-me uma doença [...] o impressionante é que depois da
ordenação desapareceram as dores de cabeça [...] tudo desapareceu”
65
.
Foi ordenado sacerdote em 1964, tendo escolhido o seguinte lema: “Feito tudo para
todos”. Seu trabalho ministerial esteve voltado especialmente aos jovens, realizando
encontros periódicos e retiros. Além disso, como professor, lecionava na Faculdade de
Ciências e Letras de Lorena. Nesta época, começava a realização dos Cursilhos na região em
São Paulo e foi participando de um deles que Jonas se sentiu “enviado” por Deus para a
Missão
66
. Concretizou tal envio com a realização de Encontros quinzenais, ora com rapazes,
ora com moças, nos quais o sentido principal recaía sobre o “Encontro pessoal com Cristo”.
No entanto, Jonas sentia que alguma coisa faltava. Nas suas palavras, “pensava que fosse falta
de fé. Então eu pedia: Senhor, dá-me [...] nessa busca, muitas vezes fui diante do Sacrário
[...] pedir ao Senhor o que me faltava: fé”
67
.
No final de 1969, viu-se afastado dos Encontros que fazia com a juventude por ter
contraído tuberculose e devido à progressão da doença foi necessária uma internação no
sanatório de Campos do Jordão. Era um sanatório para homens e na sua maioria jovens.
Segundo testemunhas, a reclusão não foi sinônima de repouso; passado pouco tempo, tinha
criado, dentro do próprio sanatório, um grupo de reflexão, assumindo, ao mesmo tempo, o
atendimento dos enfermos que precisavam de confissão ou orientação. Preocupado com a sua
saúde e com o pouco tempo que dedicara a ela naquele lugar, seu superior o enviou para
Lorena. Envio que para Jonas teve o sabor de “exílio” por se ver afastado de todo o trabalho
63
ABIB, Jonas. Canção Nova: Uma obra de Deus. 6 Ed. São Paulo: Loyola/Editora Canção Nova, 2006. p.10.
64
Mariapolis era o nome usado para denominar os Encontros que aconteciam durante toda uma semana, com
palestras, testemunhos e músicas.
65
ABIB, 2006, p. 11.
66
Cf. ABIB, 2006, p. 12.
67
ABIB, 2006, p. 13.
41
de Encontros que fazia com a juventude e, ainda mais, por ficar sabendo que já tinha
substituto nesta tarefa que considerava dele
68
. Ele declarou: “com isso, infelizmente, meu
ressentimento aumentou, levando-me ao fundo do poço [...] então voltei a pedir a Deus
aquilo que me faltava: fé [...] a Providência Divina cuidou de tudo”
69
.
Em 1971, padre Jonas conhece a Renovação Carismática Católica. “Padre Haroldo
veio no dia 2 de novembro [...] falou-nos a respeito do que Deus estava fazendo no mundo por
meio da Renovação Carismática católica. Explicou-nos ... fez o que foi possível em um único
dia [...] realmente não entendi bem”
70
. Jonas conta que, ao final do retiro, ainda na sacristia, o
padre Haroldo pediu para eles, padres também, permissão para impor as mãos sobre cada um
pedindo a Efusão do Espírito Santo, “O que aconteceu com os outros eu não sei; sei o que
aconteceu comigo, reconheço que naquele momento não senti nada! Porém, naquela noite
comecei a orar como nunca antes tinha orado [...] a oração vinha de dentro [...] o vazio que
existia estava inteiramente preenchido [...] comecei a sentir toda uma mudança em minha
vida”
71
.
No ano de 1972, acompanhado por dez jovens, fez uma “Experiência de Oração” com
o padre Haroldo e depois disto iniciou as primeiras “experiências de oração no Espírito
Santo”, em Lorena. “Encontros de Jovens” que, segundo conta o padre Jonas, foram
contagiando também adultos e, pela quantidade de pessoas que começaram a participar,
vieram-se na necessidade de procurar um lugar mais apropriado para tais Encontros. Iniciava,
assim, a oração e o trabalho de um grupo de pessoas na busca de um espaço próprio, essa
trajetória está carregada do que Jonas denomina como “a entrada da Divina Providência” no
seu projeto e nas suas vidas.
Este período é relatado por Jonas — também por aqueles que acompanharam o projeto
como uma caminhada de milagres, sob a total condução de Deus. Os fatos são narrados de
maneira que, sempre depois de uma necessidade e uma fervente oração pedindo para suprir
aquela necessidade, Deus, umas vezes de maneira mais rápida outra de maneira mais lenta, foi
68
Cf. ABIB, 2006, p. 14.
69
ABIB, 2006, p. 15.
70
ABIB, 2006, p. 16.
71
ABIB, 2006, p. 16.
42
atendendo os pedidos e conduzindo aquele grupo segundo os planos dEle. É assim, por
exemplo, que Jonas relata a aquisição da Fazenda em Areias:
Numa Experiência de Oração [em Lorena], dona Bené, uma senhora muito
amiga, pediu a Deus que nos desse uma casa, e eu, no fundo de meu coração,
disse: “Amém!” [...] aconteceu algo muito interessante: Luzia me falou a
respeito de uma casa de fazenda em Areias [...] Para mim, parecia uma coisa
impossível. Sendo uma casa tão grande o dono não iría a cedê-la para nós
[...] encontrei com Hélcio Camarinha, que me falou de uma fazenda em
Areias, que ele até tinha vontade de comprar [...] era propriedade do Gandur
Zeraik, e provavelmente, ele cederia o lugar para que fizéssemos os
encontros [...] mais uma vez aquilo “entrou por um ouvido e saiu pelo
outro”. Mas...foi o tempo para Deus trabalhar em mim. Depois compreendi
que a casa que aquele senhor me havia mostrado era a mesma de Luzia. Não
tive dúvida: Deus está nisso!” [...] liguei para Luzia e retomamos a questão
[...] fomos até [...] eu levei uma medalhinha de Nossa Senhora das Graças
no Bolso. Chegando à fazenda, antes de conversar com o dono, “fizemos a
arte” de jogar a medalhinha rezando: Se o senhor quer esta casa, Nossa
Senhora, faça o favor tome posse dela e guarde-a para nós”[...] fiquei
admirado porque a fazenda foi cedida gratuitamente!
72
Essa também é a rmula narrativa da concepção da Comunidade da Canção Nova.
Primeiro sendo instaurada como Associação no ano de 1974, com sede naquela Fazenda de
Areias. Mais tarde, com as complicações que trazia o difícil acesso no tempo da chuva, “Deus
mostrou novamente” que “não queria que ficassem mais naquele lugar”. Nessa ocasião,
visitaram três terrenos em Quelúz, cidade próxima de Areias. Novamente o padre Jonas levou
uma medalhinha, jogando-a no terreno que considerou seria o mais apropriado e como ele
mesmo afirma: “Deus em Sua pressa, cuidou do restante [...] quem conviveu conosco naquele
tempo sabe que seria impossível construirmos uma casa de encontros. Não tínhamos nada a
não ser o terreno. Foi que a Providência Divina entrou de cheio em nossa vida [...] um
pouco antes do Natal, já estávamos celebrando a Primeira Missa em nosso terreno”
73
.
Fazendo uma campanha de arrecadação, conseguiram o dinheiro para fazer o alicerce,
mas, pelo fato de ser pouco, não conseguiram ir além. Teve quem desistisse da empreitada
alegando que o padre Jonas estava louco, mas Jonas, mesmo internado no hospital de Lorena
por uma cirurgia da vesícula, pediu para dar continuidade ao projeto: “bendito o momento em
72
ABIB, 2006, p. 18.
73
ABIB, 2006, p. 21.
43
que eu disse que não iríamos parar. Se tivéssemos parado, hoje não teríamos nada! [...] em
junho de 1976, fizemos o primeiro encontro: um Maranathá de moças [...] pusemos um nome
na casa: Canção Nova, a casa de Maria (lugar onde as pessoas nascem para uma vida
nova)”
74
.
Em todos seus depoimentos, Jonas reafirma o fato de Canção Nova viver da
Providência e pela Providência. Nas suas palavras: “Nossa confiança não está em nenhuma
empresa, em comércio nenhum; não está nos bancos, nem na política. Ela está no Senhor [...]
no início era difícil viver essa confiança e assumir essa total dependência. Graças a Deus
tivemos coragem e demos os passos. Hoje é muito mais fácil, pois temos a história concreta
da Canção Nova, anos inteiros vividos assim”
75
.
No livro de sua autoria e com o qual muito se tem trabalhado neste item, Canção
Nova, uma obra de Deus: nossa história, identidade e missão, Jonas faz alusão, com
múltiplos exemplos, como é vivida essa equação “cotidiano-Providência” na história da
Canção Nova. Jonas afirma: “Vivemos da Providência! A Canção Nova é a linda aventura de
viver, nos dias de hoje, a total dependência de Deus”
76
. Um dos exemplos por ele
apresentados foi o da própria construção da casa, explicando como o dinheiro necessário foi
aparecendo dia-após-dia, para pagar o pedreiro, para ir comprando os materiais, como as altas
e baixas na economia brasileira, afetando ou não, nunca trouxeram, como resultado, a
paralisação do sonho. “Deus sempre proveu!”
No entanto, quando Jonas fala de Providência, sempre o faz associando esta
experiência à vivencia de Reconciliação. O binômio “Providencia-Reconciliação” também faz
parte do caminho cotidiano na história cançãonovista. Ele relata:
antes de viver em comunidade, achávamos que seria muito fácil!
Pensávamos que tudo iria dar certo porque todos eram de Deus. Gostávamos
de estar juntos. Orávamos [...] quando começamos a conviver, vimos que
tínhamos diferenças muito grandes. Era preciso nos reconciliar. Essa era a
única maneira de sobreviver [...] percebíamos que precisávamos fazer isso
praticamente todos os dias [...] não agíamos sempre assim, íamos
74
ABIB, 2006, p. 21s.
75
ABIB, 2006, p. 35.
76
ABIB, 2006, p. 39.
44
acumulando desentendimentos. Havia dias em que, mesmo que não
quiséssemos, Deus permitia que explodíssemos uns com os outros! [...]
tínhamos a franqueza de dizer tudo uns aos outros, mesmo que machucasse
um pouco. Não havia outro jeito para resolver, reconciliar-se e perdoar;
muitas vezes chorávamos e recomeçávamos tudo [...] fomos captando um
principio de vida, básico para nós [...] “Viver Reconciliados”. Para isso é
preciso viver se reconciliando [...] Dependíamos da Providência em tudo,
mas a torneira dela era a Reconciliação [...] sem esta, aquela não acontecia
[...] se a Providência esta faltando, é porque alguma coisa não está bem entre
nós.
77
Padre Jonas, o líder da Canção Nova, assegura aos setenta anos que as duas coisas que
mais contribuíram para sua formação foram a honradez do seu pai e, em segundo lugar, a
paciência da sua mãe. Nas suas palavras:
E eu vejo no meu pai uma honradez fora do comum e quando ele se
encontrou com Deus (isso aconteceu quando eu entrei no seminário), no dia
em que eu entrei no seminário, Deus deu a graça de meu pai se encontrar
com ele. Meu pai se tornou um homem justo, um grande exemplo para mim.
Um homem pobre, um homem simples, um homem muito trabalhador, um
homem que eu queria que fosse pai não apenas meu, mas de uma multidão
de pessoas, porque vemos que estamos num mundo sem pai. Uma multidão
de pessoas que não tem pai. E eu aceitaria doar o meu pai pra muita gente,
porque eu sei o valor que meu pai teve na minha vida.
E paciência no melhor sentido da palavra: a suportação. Quando digo às
pessoas “Agüenta firme” é porque minha mãe agüentou firme, uma vida
inteira. Eu poderia dizer que a minha mãe vivia doente, que o natural da
minha mãe era ser doente. Assim como se diz de Jesus que ele era o “homem
das dores”, experimentado no sofrimento, a minha mãe foi igual, como
mulher das dores, experimentada nos sofrimentos. Eu via a mãe vivendo
isso. Então ela viveu heroicamente a paciência, a suportação. Ela sabia
agüentar firme. E é por isso que eu faço de tudo para poder agüentar firme.
78
No dia 20 de outubro de 2007, foi-lhe entregue, a pedido do Papa Bento XVI, o título
de Monsenhor
79
. Monsenhor Jonas Abib, com mais de 31 livros publicados e mais de 100
canções reconhecidas de sua autoria é, atualmente, o presidente da Fundação João Paulo II e
membro do Conselho da Renovação Carismática Católica do Brasil.
77
ABIB, 2006, p. 47s.
78
FAMÍLIA. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/familia>. Acesso em: 04/12/2005.
79
O título de Monsenhor é um título honorífico, sem cargo, que é outorgado a um sacerdote diocesano como
reconhecimento de determinados serviços à Igreja.
45
1.2.3. A Canção Nova que nasce
Imagem 02
O nascimento da Comunidade Canção Nova decorre de todo
um processo “vivido” e “convivido” do qual já temos feito alguma
referência. A fim de conhecer ainda mais detalhes desta história,
queremos agora nos ocupar, especialmente, como se deu o passo da
Canção Nova, casa de Maria em Quelúz para a sede da Comunidade
Canção Nova em Cachoeira Paulista. A esse respeito deixemos o próprio padre Jonas relatar:
No dia 02 de fevereiro de 1978, estávamos dando início à Comunidade
Canção Nova, com nossos primeiros compromissos. A “artéria” começava a
sair do coração de Deus. Muitos fatos nos prepararam para dar aquele passo.
Já era habitual nos encontrarmos no Colégio São Joaquim de Lorena ou onde
podíamos. Pedíamos a Deus que nos dera uma casa. havíamos passado
por uma casa em Areias-SP, já havíamos construído uma casa em Queluz, a
própria Associação Canção Nova já existia. Assim, muitos fatos prepararam
esse nascimento.
80
(tradução própria)
Com o pedido feito pelo bispo Dom Antonio Afonso de Miranda, embasado na
Evangelii Nuntiandi, define o padre Jonas o nascimento da Comunidade. As realizações do
Catecumenato, durante os anos de 1976 e 1977, o desafio lançado de viver um ano em
comunidade e a aceitação por parte de algumas pessoas adubaram o chão onde germinou a
semente plantada. Quem colocaria em dúvida, depois de todo o até aqui narrado, que era mais
uma vez Deus quem direcionava o barco da Canção Nova para mais uma travessia? O fato é
que o próprio Bispo sinalizou o caminho para o padre Jonas. A Evangelii Nuntiandi falava da
utilização dos meios e foi a aquisição de uma rádio em Cachoeira Paulista a que iniciou todo
esse processo.
A Canção Nova sondou vários caminhos na sua trajetória midiática. Estreou com
transmissões de rádio desde a Rádio Mantiqueira de Cruzeiro, com um programa que apenas
tinha 15 minutos de duração. Foi no inicio de 1980 que se conseguiu adquirir a Rádio
80
ABIB, Jonas. Mensaje. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/portal_esp/canais/mensajes/
pejonas/comunidade/php>. Acesso em: 12/04/2005.
46
Bandeirantes, em Cachoeira Paulista. Esta aquisição permitiu-lhes colocar no ar, não sem
muitos contratempos, a denominada “Radio do Senhor”, no dia 25 de maio de 1980
81
.
A “Radio do Senhor”, adquirida no nome de Dom Cipriano Chagas, era uma pequena
emissora com a qual Canção Nova passou a evangelizar vinte e quatro horas por dias. Nas
palavras do padre Jonas, “nascemos de um documento sobre Evangelização e de uma
experiência concreta de evangelização [...] nascemos da evangelização e existimos para a
evangelização”
82
. Essa emissora tinha, na sua programação, uma particularidade válida de
menção pelo fato de que a hoje permanece regendo, qual seja, a decisão de não fazer
propagandas comerciais.
Para manter esse meio no ar, apelou-se para doações de fiéis
83
. Tal empreendimento
tinha como alvo instituir uma Fundação com caráter filantrópico e sem fins lucrativos
84
. Foi
sobre a responsabilidade do padre Jonas e de Luzia Santiago
85
que parece ter recaído
maiormente a elaboração dos primeiros estatutos para a criação da Fundação. Para esse
empenho, eles foram orientados pelo Dr. Marco Antonio Albuquerque, promotor de Lorena
na época. Este promotor terminou concedendo seu aval para instituir a Fundação que recebeu
como nome: Fundação João Paulo II. Padre Jonas deixava explícito o motivo da escolha desse
nome quando declarou: “queremos ser como o Papa: missionário incansável, sem medo de ir a
todos os povos e nações!”
86
.
Alude-se também ao acompanhamento, meritório de destaque, que a Comunidade
Canção Nova recebeu de parte do bispo Dom João Hipólito de Moraes. Esse bispo,
81
Cf. ABIB, Jonas. A rádio do Senhor. Revista Canção Nova. São Paulo, ano iv, n 54, junho 2005. p. 06.
82
ABIB, 2006, p. 31.
83
Seria bom lembrar que o modelo de vincular os “rádio-ouvintes” como “sócios colaboradores” não é uma
novidade nos meios de comunicação católicos. Esse modelo foi inaugurado pela Rádio Aparecida no ano de
1955 O Clube do Sócio por inspiração do Pe. Redentonista Laurindo Rauber. Cf. BRAGA, José Luiz.
“Lugar de fala” como conceito metodológico no estudo e produtos culturais e outras falas. In: FAUSTO
NETO, A.; PINTO, M. J. (orgs.) Mídia e Comunicação. COMPÓS. Rio de Janeiro: Diadorim, 1997. p. 122.
84
Cf. SANTIAGO, Luzia. Somos a Fundação João Paulo II queremos ser como o Papa: missionário incansável.
Revista Canção Nova. São Paulo, ano iv, n 54, junho 2005. p. 05.
85
Co-Fundadora, superintendente do Sistema Canção Nova de Comunicação e até hoje membro da Comunidade
Canção Nova.
86
Cf. SANTIAGO, 2005, p. 05.
47
considerado atualmente o pai da Canção Nova
87
, teve um papel essencial na aceitação da
comunidade por parte da Igreja. Leiamos a seguir os motivos dessa afirmação.
Realizando a sua missão de bispo, ele nos queria sempre próximos e,
debaixo dos seus olhos, nos deixava caminhar. Ia vendo nossos passos,
nosso progresso, nosso crescimento. Foi ele quem nos erigiu canonicamente
como Associação Pública de Fiéis na Igreja. Muitas vezes ele nos defendeu
diante das autoridades, também da Igreja, porque ele nos assumia
verdadeiramente. Nunca nos poupou correções e isso foi ótimo. Ele chegou a
pensar em vir a morar aqui na Canção Nova quando deixasse suas funções
de bispo diocesano e se tornasse emérito.
88
Instituída como Fundação e erigida canonicamente como Associação Pública de Fiéis
na Igreja a Comunidade Canção Nova começou a arriscar-se em novos projetos. No ano de
1989, Canção Nova fazia uso da TVE do Rio de Janeiro para transmitir sua programação.
Sete anos mais tarde, em 1996, obtinha seu primeiro canal de TV via satélite. Buscando
estudar, conhecer e compreender o crescimento abrangente e continuo desta Comunidade,
considera-se aqui importante indagar pelos fatos históricos mais recentes que a conformam.
1.2.4. Comunidade Canção Nova hoje
A Comunidade Canção Nova é reconhecida como a precursora das Comunidades de
Vida no Brasil
89
. Encontra-se situada a 230 km de São Paulo, na cidade de Cachoeira
Paulista
90
. Além da sede, administra outras 30 casas filiais de missão, distribuídas em
diferentes estados do Brasil, assim como, também, fora do território nacional
91
.
87
Cf. NOTÍCIAS. Disponível na Internet: <http://www.cancaonova.com/noticias>. Acesso em: 12/04/2005.
88
ABIB, Jonas. Centro de evangelização Dom Hipólito de Moraes: Uma ligação direta que se faz entre ou e a
terra. Revista Canção Nova. São Paulo, ano 4, n 49, janeiro/2005. p. 3.
89
“Conhecem-se como Comunidades de Vida no Espírito aos agrupamentos de fiéis católicos, adeptos do
movimento de Renovação Carismática, que renunciaram a seus planos pessoais e expectativas de futuro para
compartilharem o cotidiano em habitação comum, submetendo-se, incondicional e deliberadamente, aos
princípios da “vida no Espírito”: o abandono de si à ação imponderável e direta de Deus na condução da vida
diária (misticismo) e a dedicação exclusiva à missão evangélica para salvação do mundo, fundamentada nas
orientações católico doutrinarias (ascetismo)”. OLIVEIRA, Eliane Martins de. “O mergulho no espírito de
Deus”: Interfaces entre o catolicismo carismático e a Nova Era. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, 24 (1):
2004. p. 88. No Brasil, até o ano 2000, foram contabilizadas 151 comunidades deste tipo oficialmente
registradas, todas surgiram em datas posteriores à Comunidade Canção Nova. Cf. CARRANZA, Brenda.
Renovação carismática: origens, mudanças e tendências. Aparecida do Norte: Santuários, 2000.
90
Cachoeira Paulista é um município brasileiro do estado de São Paulo. Se encontra situado no Vale do Paraíba,
entre as Serras da Mantiqueira e da Bocaina, a 521 metros sobre o nível do mar. Possui uma área de 287,80
48
Para fazer parte desta comunidade, basta filiar-se como sócio ou “concorrer” a uma
vaga como membro. Como sócio, depois de fazer a inscrição, é necessário contribuir com
parcelas mensais que não tem um valor fixo, mas se espera que sejam acima de cinco reais
para cobrir os gastos do boleto de pagamento e a revista mensal que cada inscrito recebe.
Como membro, tem que passar por um processo de seleção muito mais complexo, no qual
nem sempre a pessoa é escolhida.
Sérgio Lírio, durante sua pesquisa de campo na Comunidade Canção Nova, recolheu o
seguinte depoimento de João Bosco da Silva, membro desta comunidade:
Para ser aceito na comunidade é necessário enfrentar uma jornada que na
maioria dos casos se estende a três anos. A disputa é difícil e a maioria
desiste no caminho, existem varias etapas a serem cumpridas até que a
comunidade aceita a pessoa interessada. Desempregados ou pessoas que
tenham sofrido decepções amorosas são descartados, pois não querem que a
comunidade seja encarada como um local de fuga e sim que “sejam cristãos
dispostos a se dedicar a uma nova vida, a salvar almas para um novo
tempo”.
92
Na Comunidade Canção Nova, os sócios, uma vez inscritos, passam a formar parte do
que se denomina “Comunidade de Aliança”; por sua vez, os membros constituem a
“Comunidade de Vida”
93
. A Comunidade de Aliança é composta por 550 mil sócios-
colaboradores
94
, aproximadamente. A Comunidade de Vida é formada por 600 pessoas
membros homens, mulheres, jovens, adultos, solteiros, casados, celibatários, sacerdotes e
diáconos — que atuam nos campos de missão do Brasil e do exterior.
no ano de 2004, ano em que iniciamos nossa pesquisa, como revelou o balanço
feito pela administração, a Comunidade Canção Nova construiu o Auditório e o Novo Rincão
km² e tem fronteiras com os municípios de Cruzeiro, Silveiras, Lorena, Canas e Piquete. Estima-se uma
população de 27.201 habitantes, sendo 21.671 urbana e 5.530 rural. Do total populacional 13.495 seriam
homens e 13.706 mulheres. A taxa de alfabetização é de 93,46 % e a expectativa de vida é de 72,03 anos.
Recentemente foi escolhida para receber o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
<http://www.explorevale.com.br/cidades/cachoeirapaulista/index.htm>. Acesso em: 24/11/2004.
91
Cf <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 04/12/2005.
92
LÍRIO, Sérgio. “No reino da alma”, especial religião. Carta Capital. 23 de junho de 2004. Disponível na
Internet: <http://www.cartacapital.com.br>. Acesso em: 25/09/2004. p. 12-18.
93
Cf. ABIB, 2006, p. 33.
94
No ano 2004, início da minha pesquisa, tinham lançado uma campanha para chegar aos 500.000 socios-
colaboradores. Isso indica que em quatro anos mais de 50.000 pessoas se associaram à Canção Nova.
49
para retiros e adoração, um novo prédio para o Departamento de Audiovisuais (DAVI) e um
novo edifício para a administração. Criou uma agência que supre totalmente as dispensas com
publicidades para suas mídias. Montou um departamento de marketing. Iniciou a distribuição
de seus materiais através do projeto “Porta a Porta”. Iniciou a montagem da sua própria
gráfica para confeccionar os materiais que lhe são necessários. Triplicou as salas de aula que
chegaram a albergar até o ano do colegial. Iniciou o ensino profissionalizante com
moradores de rua que diariamente superaram a cifra de 150 pessoas. O ambulatório clínico,
com consulta e remédios gratuitos, atendeu, em média, 4.300 pessoas por mês. Além disso, a
Comunidade Canção Nova adquiriu três glebas de terra que faziam divisa com a comunidade,
num total de 104 m
2
cada uma
95
.
A sede ocupa uma área de aproximadamente 414.698,69 m
2
e hoje está subdividida
em vários setores
96
:
1) Vila, onde moram os membros comunitários. É a única parte da sede a qual os
visitantes não têm acesso, a menos que se tenha uma permissão especial. Segundo o
apresentado nos programas da TV Canção Nova, alguns dos comunitários vivem em
casas, principalmente famílias com filhos, enquanto que outros, solteiros ou casais,
moram em apartamentos.
2) Auditório São Paulo, para realizar encontros nacionais e internacionais. É um espaço
fechado, localizado à esquerda da entrada principal da sede e tem capacidade para
700 pessoas. Oferece serviço de tradução simultânea.
3) Novo Rincão Dom João Hipólito de Moraes”, é o mais recente espaço construído
para os encontros de adoração e louvor, com uma área de 22 mil m
2
. Encontra-se
equipado com a mais alta tecnologia e tem capacidade para 70.000 pessoas. A
construção do Rincão, assim como a compra dos aparelhos de áudio usados em seu
95
Cf. JARDIM, Wellington Silva. As metas que realizamos. Revista Canção Nova. São Paulo, ano iv, n 48,
dezembro 2004. p. 6-7.
96
Cf. OLIVEIRA, 2004, p. 111. Cf. também <www.cancaonova.com/portal/canais/eventos/novoeventos>.
Acesso em: 19/12/2007. Parte desta informação foi corroborada na pesquisa de campo que realizei em
novembro de 2006.
50
espaço foi feita com as doações de ouro que a Canção Nova recebeu numa campanha
de arrecadação realizada especialmente para esse fim.
4) “Rincão do Meu Senhor”, centro para encontros de adoração e louvor, com
capacidade para 5.000 pessoas. Como pode ser observado, esse espaço foi construído
arquitetonicamente aberto, o que permite o acesso de pessoas sem dia ou horário pré-
estabelecido. Nesse espaço, são celebradas as duas missas que, diariamente, se
realizam na sede.
5) Rádio Canção Nova, o prédio da rádio é o mais antigo dentro da estrutura
arquitetônica da sede. No entanto, não difere dos restantes, nem no estilo, nem nas
cores usadas nas paredes, portas e janelas, sendo mormente predominante o branco e
o azul.
6) TV Canção Nova, encontra-se situada no prédio do Clube do Ouvinte. O espaço
físico desta TV parece ter sido milimetricamente bem aproveitado para sua função.
Decorado com requintado gosto, segundo a finalidade de cada estúdio, mantém
também nos exteriores as cores azul e branco.
7) “Casa de Maria”, lugar para confissão e reza do terço diário. Nesta casa, as pessoas
também recebem orações, aconselhamentos, cursos doutrinais e catequéticos.
8) Capelão São José e a Capela Sagrada Família, pequenas capelas para o uso
diverso, tanto das pessoas que visitam a sede quanto dos membros comunitários que
nela moram.
9) Casa do Clube do Ouvinte, lugar onde é realizada a assinatura dos sócios e se recebe
o dinheiro tanto deles como dos sócio-colaboradores.
10) Quiosque de oração, onde padres ou leigos consagrados ministram aconselhamento e
cura durante os eventos realizados.
11) DAVI, departamento de audiovisuais da Fundação João Paulo II, é responsável pela
produção e distribuição dos produtos de evangelização. Para a produção destes
51
materiais, um estúdio de gravação de CDs e uma editora de livros. Os produtos
podem ser adquiridos no Shopping (dentro da sede), por Internet, em diferentes
livrarias, ou por telefone através de representantes do “porta a porta”.
12) Shopping DAVI, onde são vendidos os produtos de evangelização confeccionados no
DAVI: as fitas cassetes, fitas VHS com palestras e shows gravados, além de CD’s de
bandas de música, livros, revistas, camisetas, mochilas, entre outros.
13) Pousada Sérgio Abib, tem capacidade para abrigar 680 pessoas. Composta de três
andares, nos quais podem ser encontrados quartos mobiliados, individuais (suítes) e
coletivos (para 8 ou 12 pessoas). Possui cozinha coletiva toda mobiliada.
14) Camping, masculino, feminino e familiar, com uma extensão de 8 mil m
2
. Nesta
área, foram construídos banheiros de alvenaria para o uso dos campistas. É
importante salientar que, desta área, se pode ter uma das melhores vistas da geografia
da região, comportando o vale, o rio e os morros.
15) Lanchonetes e refeitório, existem vários espaços para lanches que são vendidos a um
preço módico. Com capacidade para 800 pessoas, o refeitório oferece três
modalidades de cardápio: livre, prato feito e cantina
97
.
16) Cozinha, equipada para fazer até 10 mil refeições por dia.
17) Hospital Pe. PIO, um posto para o atendimento médico e odontológico, com
diagnóstico e exames gratuitos para a população carente. Atende também nas áreas
de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, nutrição e plantão social.
97
Prato livre: a pessoa serve-se segundo sua vontade e paga por peso; prato feito: a pessoa faz a refeição no
refeitório e, por um valor fixo, recebe um “prato feito” segundo a comida do dia; a cantina: conhecida em
outras regiões do Brasil como marmita, são preparadas e vendidas fora do refeitório a um preço menor que o
preço do prato feito.
52
18) Instituto Canção Nova, escola que atende aproximadamente 1.100 crianças e
adolescentes, da educação infantil ao ensino médio, sendo gratuita para as crianças
membros da comunidade e aquelas pertencentes a famílias de baixa renda.
19) Estacionamento, possui uma área de 52.500 m
2
, com pista especial para o pouso de
helicópteros.
20) Caixas Eletrônicas, de diferentes bancos para uso dos comunitários e dos visitantes.
21) Banheiros, somam ao todo 400 banheiros espalhados por toda a sede.
22) Água potável, um grande número de quiosques com torneiras de água potável se
encontram dispostos de forma tal que, de qualquer lugar do complexo, o acesso se
torna fácil.
23) Horta Comunitária, produz alimentos de subsistência para o consumo dos membros
e das pessoas que visitam a sede. Trabalham, na horta, pessoas da comunidade e
também da cidade de Cachoeira Paulista.
Entrando no site da Canção Nova e procurando o link de e-mails (que podem ser
enviado para a Comunidade), pode-se observar uma divisão por departamentos, em função de
uma melhor comunicação e contato. A saber: Acessoria de imprensa, Clube do ouvinte,
Comunicação, Comunidade, DAVI, Eventos, Filiais, Infra-estrutura, Instituto Canção Nova,
Internet, Mídia, Ministério de Música, Posto Médico, Pousadas, Presidência, Programas da
TV, Rádio, Recursos Humanos, Retransmissoras, Revista, Segurança, SOS Oração,
Testemunho e Vice-presidência
98
. Isso oferece, em certa medida, um mapa de como esta
sendo estruturado o trabalho na Sede.
Faz, também, parte desse complexo a Fundação João Paulo II. Ela é a empresa
mantenedora do Sistema Canção Nova de Comunicação (Rádio, TV, Portal Internet, WebTV,
Estúdio de Gravação de CDs e o DAVI) e teve início em 1980. Entre suas atividades
98
Cf. <http://www.cancaonova.com/e-mails>. Acesso em: 17/02/2008.
53
primárias, encontram-se: tv, rádio, Internet, produtos de Evangelização do DAVI, eventos de
evangelização, educação, saúde e atendimento social. Entre suas atividades secundárias,
encontram-se: gráfica, estúdio de gravação de CDs, editora, padaria, atividades agrícolas e
pecuárias
99
.
Neste monumental complexo, o padre Jonas Abib continua sendo a” figura central,
mesmo que a de Luzia Santiago (co-fundadora) e Wellington Silva Jardim (administrador)
apareçam com grande destaque e freqüência. Por vezes, a impressão de que a imagem do
padre Jonas concorre com a de Nossa Senhora e a do próprio Jesus. Principalmente, essa
exaltação da sua imagem pode ser corroborada com os depoimentos dos membros, sócios ou
aqueles que visitam a Comunidade Canção Nova.
A imagem do padre Jonas se espalha por todos os cantos de Cachoeira
Paulista. Tem quem fala que ele é um profeta, mas Jonas não se perturba
com isso, ele diz: “no inicio, quando as pessoas começam a entender o
significado da fé, elas confundem o meu papel. É natural o convertido
exagerar. Com o tempo compreendem que tudo esta em Deus”. A
onipresença do padre Jonas é fator fundamental para que a Canção Nova
tenha se mantido em durante todos estes anos. Suas pregações e relatos
atraem por ano 500 voluntários dispostos a trocar a vida livre por uma vaga
na comunidade.
100
A partir de uma enquete realizada no mês de fevereiro de 2008, pode-se observar que a
maior parte das pessoas conheceu a TVCN fundada, como já falamos, em 1989 —nos
últimos cinco anos
101
. Isso corrobora com o desenvolvimento que a Canção Nova tem tido no
último qüinqüênio. Da mesma forma como foi especialmente destacado o contexto religioso,
econômico, social e político no surgimento deste fenômeno, pensamos que novamente o
contexto está por detrás deste novo crescimento em todas as ordens. Mesmo que a firmeza e
perseverança do padre Jonas, assim como seus seguidores, tenha sido fator primordial no
99
Cf. CANÇÃO NOVA: uma obra de Deus: Cachoeira Paulista: Fundação João Paulo II, 2005.
100
LÍRIO, 2004, p. 12-18.
101
Enquête são feitas diariamente no site da Canção Nova. A enquête a que fazemos referência perguntava:
quanto tempo você conhece a Tv Canção Nova? As opções de respostas eram: a) alguns meses, b) um
ano mais ou menos, c) uns três anos, d) cerca de cinco anos, e) mais de dez anos. O resultado foi o
seguinte: a) 7%, b) 7%, c) 0%, d) 50%, e) 35%. De maneira que a maioria das pessoas que participaram
conheciam a Tv Canção Nova desde o ano de 2003 aproximadamente. Cf. <http://www.cancaonova.com/
portal/canais/tvcn/tv/enquete-preview.php>. Acesso em: 18/02/2008.
54
desenvolvimento, o contexto religioso, econômico, social e político da última década têm
contribuído indubitavelmente.
Cachoeira Paulista tem se transformado num dos lugares mais importantes de
peregrinação católica no país. Existe um percurso turístico conhecido com o nome de
“Circuito Religioso” que inicia em Aparecida, passa por Guaratinguetá e conclui em
Cachoeira Paulista. Nesse trajeto, é incentivado o turismo religioso
102
. O município chega a
abrigar, em datas religiosas comemorativas ou retiros espirituais, mais de setenta mil fiéis.
Pelo fato de que nem todas as pessoas conseguem ficar alojadas na sede, muitas casas
particulares da região têm sido convertidas em pousadas, oferecendo serviços durante os dias
dos eventos. Isso, logicamente, gera uma renda extra no orçamento familiar e movimenta, em
certa medida, a economia da cidade. Pode-se afirmar que, na última década, Canção Nova tem
se tornado um fenômeno de comunicação de massas
103
.
O desenvolvimento dessa comunidade é oposto, em proporção, ao comportamento do
crescimento da religião católica romana no Brasil. Segundo dados do IBGE, entre 1991 e
2000, os católicos passaram de 83% para 73% do total da população brasileira. No entanto, os
Católicos Carismáticos superam a cifra de 15%, que é o total de protestantes
104
. A instauração
de Casas de Missão em diferentes estados, assim como em outros países, pode ter contribuído
para este comportamento. Uma análise aprofundada deste fato poderia corroborar ou não tal
hipótese.
102
Para ampliar a informação sobre o “Circuito Religioso”, cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em:
14/11/2007.
103
Num artigo escrito na revista Veja, abril de 1998, intitulado “Católicos em Transe”, pode-se observar que
falam da Renovação Carismática Católica no Brasil, falam do padre Eduardo Dougherty, padre Marcelo
Rossi, mas não aparece nenhuma alusão ao padre Jonas, nem à Comunidade Canção Nova. Cf. OYAMA,
Thaís; LIMA, Samarone. O novo catolicismo dos carismáticos. Veja. São Paulo: Abril, ano 31, n 14, edição
1541, abr. 1998. p. 92-98.
104
Cf. IBGE. Censo demográfico do ano 2000. Disponível na Internet: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em:
17/07/2005.
55
1.3. Do Brasil para o Mundo
1.3.1. Casas de missão da Canção Nova
Embora Canção Nova tenha iniciado suas atividade na região de São Paulo, desde os
primeiros anos, interessou-se por aquilo que outsider
105
poderiam denominar como “projeto de
expansão”, o estabelecimento de Casas de Missão. Para a Comunidade, tal ação foi
decorrente da intenção para a qual foi concebida: evangelizar, missionar
106
. As Casas de
Missão (CM) são filiais que a Canção Nova possui no Brasil e no exterior. Elas têm como
objetivo e finalidade a evangelização e, conseqüentemente, divulgação de si próprias. Ao
mesmo tempo, também divulgam notícias sobre a Igreja Católica Romana, a Renovação
Carismática Católica, entre outras instituições.
Nas Casas de Missão, trabalham aquelas pessoas que, com anterioridade, tenham sido
aceitas como membros da Comunidade de Vida e que foram escolhidas, especificamente, para
essa labor. Segundo os dados recolhidos na investigação de campo, tal “envio”, para o campo
da missão, é de igual maneira antecedido por um processo de escolha. De acordo com as
necessidades primordiais detectadas no estado ou país de instalação, são selecionados aqueles
membros que possuem dons e carismas afins com as necessidades locais. Mormente, os
selecionados para estas missões são as pessoas mais jovens da Comunidade.
Os membros, uma vez indicados quase sempre em grupo de três, quatro ou cinco
pessoas —, passam pelo que poderia ser denominado de “processo de capacitação”. É durante
esse período que eles estudam as características econômicas, sociais, políticas e culturais da
cidade ou povo no qual será desenvolvido seu trabalho. Caso que a missão seja destinada a
um outro país, costumeiramente, aprendem também o idioma. Tudo isso é desenvolvido na
procura de maior eficiência e eficácia no labor a ser desenvolvido. De igual maneira, buscam
uma melhor inserção da pessoa no contexto diferente que lhe acolhe.
105
Cf. SMITH, Wilfred Cantwell. O sentido e o fim da religião. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2006. p. 121s.
106
Cf. <http://www.cancaonova.com/casas>. Acesso em: 14/12/2007.
56
Partindo do anterior expressado, não caberia afirmar que a Canção Nova, nesse
sentido, se encontre, propriamente dito, inovando, mas bem, pode-se dizer que ela,
novamente, vai em cumprimento da solicitude feita pela Igreja Católica Romana, qual seja, a
Constituição Pastoral Gadium et Spes”. Nessa Constituição, a Igreja conclama a fazer uso
dos diferentes idiomas dos diversos povos, assim como também, a adaptação a esses idiomas
para os fins de proclamação do evangelho (GS, n
o
44). Assim, pode-se dizer que Canção
Nova esteja, fielmente, atendendo o “repetido chamado do concílio para que se traduza o
evangelho para os idiomas, modos de pensar e tradições dos povos”
107
.
Ao exemplo da vivência cotidiana na sede da Canção Nova, as pessoas que são
enviadas para a missão constituem, em cada lugar de assentamento, uma “Comunidade de
Vida”. Quiçá nem compartilhem um teto comum
108
, mas o fato de passar a maior parte do dia
dedicados ao trabalho missionário em conjunto, de partilhar os rendimentos, as despesas e a
economia doméstica, assim como também o local de trabalho e a experiência religiosa são
argumentos que reforçam o pertencimento a uma comunidade, uma Comunidade de Vida.
Importante salientar que, nas Casas de Missão, convivem pessoas vindas de diferentes
estados, aliais a prática da Comunidade é não enviar ninguém para trabalhar na sua terra de
origem, o que implica, por si só, um inevitável “encontro entre culturas”.
As pessoas que integram uma Comunidade de Vida, mesmo sendo trabalhadoras de
alguma Casa de Missão, vivem dos recursos que a própria comunidade possui. Estes recursos,
normalmente, são gerados pelos labores que eles mesmos realizam ou, em ocasiões, também
podem ser recebidos através de doações. Num dos depoimentos recolhidos por Mariz, o
membro explica:
Nós não temos salário, nós não temos um retorno daquilo que nós
trabalhamos. O dinheiro que nós recebemos porque estaríamos fora da
lei, né, ninguém trabalha de graça — nós passamos para uma pessoa que nós
chamamos de caixinha, que é responsável pelo dinheiro da casa e é essa
pessoa que vai fazer a administração da casa. Mas eu não tenho o direito de
107
LIENEMANN-PERRIN, 2005, p. 69s.
108
Em algumas comunidades, como no caso do Rio de Janeiro, as Casas de Missão comportam mais de um
apartamento, embora todos estejam localizados num mesmo prédio. Cf. MARIZ, Cecília Loreto.
“Comunidades de Vida no Espírito Santo: Um novo modelo de família?” In: DUARTE, Luis Fernando et.
alli. (org.). Família e Religião. Rio de Janeiro, 2005-b. p.
57
usar meu salário e usar com aquilo que eu gostaria de usar. Eu acredito
fielmente na divina Providência. Se eu quero um tênis novo, Deus vai dar
um jeito e vai prover um nis novo. Pra alguns é loucura, mas para nós é
acreditar na Providência.
109
Ainda quando esta narrativa possa ser feita ou corroborada por qualquer um dos
membros comunitários, outro tipo de depoimentos, das pessoas que atuam nesses campos de
missão, acostumam ser bem diversos, assim como diversas são suas experiências de inserção.
Por vezes, alude-se ao fato de ter que conviver com a dor da distância de familiares ou de
outros comunitários
110
; alguns sentem, com maior ou menor intensidade, as mudanças
climáticas de uma determinada região
111
; ainda aqueles que precisam suportar os embates
de bispos não simpatizantes da corrente carismática
112
. No entanto, nem na literatura
pesquisada, nem nas conversações mantidas com membros ou sócios da Canção Nova,
apuramos algum caso de desistência por parte das pessoas escolhidas. De repente, esse dado
não aparece porque não é de práxis registrar este tipo de situação.
A fim de adentrarmos mais no cotidiano dessas Casas de Missão, temos optado por
fazer uma explanação, tomando como elemento distintivo, do fato de encontrarem-se
localizadas dentro ou fora do território brasileiro. Com uma simples observação, pode parecer
que as Casas de Missão trabalham, em seu conjunto, com agendamentos muito similares. Um
elemento que poderia equipará-las seria o fato de todas se dedicarem à evangelização através
da mídia. No entanto, que se ressaltar que cada uma delas, segundo a região onde está
situada, realiza trabalhos bem específicos.
Essa especificidade é a que se buscará explicitar em relação às Casas de Missão no
exterior. Sobre aquelas que se encontram no território brasileiro, pelo fato de serem maiores
em número, terá que ser feita uma seleção para a análise. Ainda que, como mencionamos,
cada uma delas possua características muito próprias e estas estarão sendo, na medida do
109
Cf. MARIZ, 2005-b, p. 16.
110
Depoimento recolhido pela pesquisadora Cecília Mariz com membros da Casa de Missão de Rio de Janeiro.
Cf. MARIZ, 2005-b. p. 10.
111
Depoimento encontrado no blog da Casa de Missão na França. Cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso
em: 14/11/2007.
112
Este é o caso da Casa de Missão de Vacaria-RS que está aguardando para dar continuidade ou não à eleição
dum novo bispo para a diocese.
58
possível, destacadas. Desejamos concentrar nossa procura em pontos comuns que permitam
fazer uma descrição de forma mais generalizada a seu respeito.
1.3.2. Casas de missão no Brasil
A Comunidade Canção Nova possui Casas de Missão em doze dos vinte e seis estados
brasileiros e também no Distrito Federal. Os estados são: Ceará, Rio Grande do Norte,
Pernambuco, Sergipe, Bahia, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Ao todo, elas somam 25 casas e estão localizadas nas
seguintes cidades: Fortaleza-CE; Natal-RN; Gravatá-PE; Aracajú-SE; Itabuna-BA, Vitória da
Conquista-BA; Belo Horizonte-MG; Brasília-DF; Palmas-TO; Cuiabá-MT; Campos dos
Goytacazes-RJ, Rio de Janeiro-RJ; Bauru-SP, Cachoeira Paulista-SP, Campinas-SP,
Lavrinhas-SP, Lorena-SP, Paulínia-SP, Queluz-SP, São Paulo-SP, São José do Rio Preto-SP,
São José dos Campos-SP; Curitiba-PR, Nova Esperança-PR e Vacaria-RS.
Note-se que o estado que mais abriga este tipo de Casas de Missão cançãonovista é o
de São Paulo, coincidindo, com o percentual reportado por pesquisadores, como uns dos
estados com maior índice de presença carismática católica
113
. Outro fator a ser destacado é
que, precisamente, a população que compõe as cidades destacadas no estado de São Paulo é,
na sua imensa maioria, composta por migrantes procedentes dos estados do nordeste do Brasil
que chegaram na região paulista em busca de melhores condições de vida e de trabalho.
As Casas de Missão, nos diferentes estados, são como “extensões” da Comunidade
Canção Nova. Nelas, implementam-se programas e projetos de evangelização similares
àqueles que a Comunidade mantém na sede ao longo de todo o ano, ainda que também façam
suas inovações com atividades que sejam de importância cultural para a região na qual se
encontram. Os sócios-colaboradores, se desejarem, podem efetuar o pagamento da
contribuição mensal através delas, podendo também realizar a compra e pedido de materiais e
objetos que se encontram a venda, na sede, no shopping DAVI. Ao mesmo tempo, as Casas
113
Cf. Carranza (2000), Miranda (1999), Oliveira (2003).
59
de Missão congregam e atendem, pastoralmente, as mais variadas pessoas nas cidades onde se
encontram encravadas.
Uma ampla e detalhada divulgação das atividades que nelas serão realizadas aparece
com regularidade na página 14 das revistas impressas que os cios-colaboradores recebem
mensalmente. Esse calendário de atividades é também divulgado na rádio, na tv e no portal da
Internet da Canção Nova. O padre Jonas, conjuntamente com outros membros da diretiva da
Comunidade, visitam ou participam dos eventos que, durante o ano, são celebrados nessas
casas.
outros estados brasileiros que, mesmo não aparecendo contabilizados na literatura
da Canção Nova como possuidores de uma Casa de Missão no seu território, recebem o sinal
da TvCN e as pessoas mantêm toda uma relação especial com a Comunidade. Essa
constatação foi corroborada durante a minha pesquisa de campo
114
. Observei que, para o
Kairós de um final de semana, um dos ônibus procedente do estado de Rondônia trouxe
pessoas que pareciam muito familiarizadas com o lugar, mesmo sem tê-lo visitado antes.
Conversavam ou saudavam membros comunitários como se fossem velhos conhecidos,
mesmo quando afirmavam estarem fazendo sua primeira visita a sede. Quiçá, a televisão
tenha essa capacidade de aproximar pessoas e realidades distantes.
É possível observar também o caso de cidades que, sem ter a presença de Casas de
Missão, possuem, em funcionamento, uma Comunidade de Aliança, situação factível sempre
que sócios-colaboradores decidam se agruparem em prol de seu interesse comum pela Canção
Nova. Esse tipo de Comunidades de Alianças tem sido, em várias ocasiões, a semente para
futura implantação de uma Casa de Missão. Observa-se, assim, que nem sempre é a Casa de
Missão a que gera ao seu redor uma Comunidade de Aliança, o processo pode se dar também
no sentido contrário.
114
A pesquisa de campo foi realizada na sede da Comunidade Canção Nova no mês de novembro de 2006. No
quarto capítulo, oferecemos mais detalhes dessa experiência.
60
1.3.3. Casas de missão no exterior
No exterior, a Comunidade Canção Nova tem instituído, até o início do ano de 2008,
cinco Casas de Missão. Elas estão localizadas nos seguintes países: Portugal, Itália, França,
Israel e Estados Unidos. A primeira, fora do território brasileiro, foi a Casa de Missão de
Fátima, em Portugal, que, nesse ano, completa uma década de fundação. A mais recente, com
apenas três anos de funcionamento, é a de Toulon, na França.
O trabalho das Casas de Missão no exterior pode se iniciar com a implantação de uma
pequena emissora de dio que transmite programas tanto na língua do país onde se encontra
quanto na ngua portuguesa, como é o caso da Casa de Missão da França. Um outro jeito é
iniciar com encontros de oração e louvor, apenas com a utilização de um violão, como foi o
caso nos Estados Unidos. Na tentativa de atingir e “evangelizar”, simultaneamente, pessoas
nativas e, também, imigrantes de fala portuguesa ou não, a Canção Nova parece não poupar
esforços, nem idéias originais, em seu trabalho evangelizador. Cada uma destas Casas de
Missão possui uma história de fundação diferente.
A Casa de Missão de Fátima, em Portugal
115
, foi inaugurada no dia 22 de agosto de
1998. Como já foi dito, é a primeira incursão da Canção Nova fora do território brasileiro.
Com mais de dez anos de trabalho, essa Casa possui a maior estrutura das Casas de Missão no
estrangeiro. Além do trabalho de evangelização através da rádio e da TV, dos encontros de
grupos de oração, das distintas celebrações cristãs, eles coordenam o turismo religioso entre
Brasil, Portugal e Espanha.
A Casa de Missão na Itália, em Roma
116
, foi inaugurada no ano de 1997 com a
intenção de ter um lugar na Itália para o estudo e a preparação de seus seminaristas. No ano
2000, por causa do Jubileu, essa casa iniciou com atividades jornalísticas em língua
portuguesa. As matérias produzidas versavam sobre o Papa, sobre o Vaticano e sobre a Igreja
115
Cf. <http://blog.cancaonova.com/fatimahoje>. Acesso em: 19/12/2007.
116
<http://blog.cancaonova.com/roma/apresentacao-da-cancao-nova-roma>. Acesso em: 15/01/2008.
61
Católica de um modo mais geral. Em novembro de 2006 e com o objetivo de expandir a
missão, a Casa de Missão-Roma lançou a WebTV-CN em Italiano
117
.
A Casa de Missão dos Estados Unidos
118
teve início em Janeiro de 2004 com a
chegada de duas missionárias na cidade de Dallas, Texas. No entanto, foi desde o ano 2002
que o padre Jonas, Wellington, Luzia e outros fizeram uma viagem aos EUA procurando
contatos com produtoras, estúdios ou emissoras de TV para estabelecer parcerias com a
TvCN. Na visita ao estado de Texas, reuniram-se com integrantes da Comunidade de Aliança
existente e foi em conversação com eles que se originou o pedido de consentimento para
que o Bispo de Dallas aprovasse o trabalho da Canção Nova na sua diocese. Consentimento
este que não se fez esperar, três meses após o pedido Canção Nova receberia plena
autorização para levar a cabo seu empenho de evangelizar através dos meios de Comunicação.
O primeiro investimento que se fez foi a compra de um violão. Com ele, iniciou-se o trabalho
missionário. Hoje, a Casa de Missão se encontra situada em Marietta- Geórgia.
A Casa de Missão de Jerusalém, Israel
119
, é também conhecida como Comunidade
Obra de Maria. Não foi possível encontrar uma data exata que defina seu inicio. Isso pode ser
decorrente do trabalho de evangelização diferenciado que esta Casa de Missão realiza. O
objetivo dela é proporcionar viagens e dar atenção a grupos de peregrinação que desejem
conhecer a Terra Santa. O roteiro desses grupos não segue um padrão rígido. A rota escolhida
é comunicada quando se faz a propaganda da viagem. As pessoas interessadas em visitar a
Terra Santa podem agendar suas viagem diretamente com a Casa de Missão em Jerusalém
através de e-mail
120
ou diretamente na sede da Canção Nova, no Brasil.
A Casa de Missão na França foi inaugurada no dia 9 de fevereiro de 2005. Seu começo
foi marcado pela instalação de uma pequena rádio na cidade de Toulon com a chegada de três
missionárias e dois missionários da Canção Nova. Primeiramente, iniciaram suas trasmições e
trabalho em idioma portugués, meses depois, com o domínio da língua, pasaram a oferecer
alguns programas em francês. É importante destacar que imigrantes de Cabo Verde, que se
117
Cf. <http://www.webtvcn.it>. Acesso em: 10/01/2007.
118
Cf. <http://blog.cancaonova.com/eua/sobre>. Acesso em: 19/12/2007.
119
Cf. <http://blog.cancaonova.com/terrasanta>. Acesso em: 15/01/2008.
120
A saber, <terr[email protected]m>.
62
encontravam vivendo na Suíça, escutaram os programas transmitidos em português e
entraram em contato com a Casa de Missão. Eles pediam, como extrangeiros, uma atenção
espiritual por parte da Canção Nova. Mais tarde, este grupo pediu para que fizessem alguns
programas radiais desde Suíça e esse intercâmbio trouxe, como resultado, a criação de uma
Comunidade de Aliança. Comunidade que agora solicita que seja instaurada uma Casas de
Missão naquele país.
Cada uma das Casas de Missão no exterior possui um blog próprio através do qual se
pode conhecer tanto os membros que a compõem quanto o trabalho que nela se realiza. Entre
os componentes desses blogs, é possível verificar a agenda de atividades do mês ou do ano,
ver uma galeria de fotos de eventos realizados na casa ou promovidos por ela e postar pedidos
de oração. Também tem um link para o site da sede da Canção Nova e para os blogs de outras
Casas de Missão. Da mesma forma, no site oficial da Canção Nova, podem ser lidas notícias
que aludem à missão desenvolvida nessas comunidades menores.
1.3.4. Um percurso diferente na evangelização?
Como pode ser apreciado, pelo lugar que as Casas de Missão ocupam nos diferentes
países, Canção Nova rompe com a “tradicional evangelização” Norte-Sul. A Canção Nova sai
do Hemisfério Sul para “evangelizar” em países do Hemisfério Norte, paises que, no caso
europeu, segundo afirmam vários pesquisadores contemporâneos
121
, estariam passando por um
processo gradativo de secularização.
Note-se, com certa perspicácia, quais são os países “do norte” nos quais Canção Nova
implanta suas Casas de Missão: Portugal, Itália, Estados Unidos, Israel e França. Canção
Nova estaria mesmo com interesses evangelizadores nesses países? Ou o fato de esses países
representar, de uma ou outra maneira, certa hegemonia com relação ao Brasil e ao mundo não
seria uma forma da Canção Nova adquirir ou reafirmar certa legitimidade no âmbito católico?
121
Ampliar com: SANCHIS, Pierre. O campo religioso será ainda hoje o campo das religiões? In:
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja na América latina e no Caribe, 1945-1995. Vozes: Petrópolis,
São Paulo: CEHILA, 1995. p. 81-131.
63
Decorrente do que foi pesquisado até o presente momento, daríamos uma resposta
afirmativa para a primeira pergunta. Canção Nova tem, como cerne, a evangelização através
da mídia, mas não pensando num determinado país ou numa determinada região do planeta,
ao contrário, ela almeja atingir o mundo como um todo
122
. A proposta evangelizadora que a
Canção Nova faz não é direcionada a um público seleto. Nas suas afirmações, deixa claro que
a meta é atingir toda pessoa que deseje escutar e que se sinta identificada com a mensagem
que prega.
Para responder a segunda pergunta, um estudo maior e mais profundo deveria ser
feito. No entanto, também partindo do até aqui pesquisado, arriscamos dizer que á resposta
pode ser afirmativa ou negativa, dependendo do argumento que seja utilizado. Por um lado, é
certo que, na conformação do mundo atual, esses países representam uma certa hegemonia
no caso específico de Portugal e Brasil uma história quase que “familiar”, de “Mãe e
Filho”. O fato de Canção Nova implantar Casas de Missão nesses países outorga a este
fenômeno religioso um status privilegiado dentro do catolicismo nos dias atuais, ainda mais,
quando sabemos que são países nos quais outras religiões têm estado disputando o universo
religioso durante anos e a própria Igreja Católica passa por amplas “re-acomodações” nas suas
funções sociais
123
.
Por outro lado, mesmo Canção Nova precisando de reconhecimento e legitimidade,
como qualquer fenômeno religioso recente, não parece ter “vinda de fora” a legitimidade e o
reconhecimento que hoje detêm. A legitimidade parece ser resultado de um processo de
negociação, não muito tranqüilo, com a Renovação Carismática Católica e a própria
Instituição Católica Romana no Brasil, especificamente a CNBB. O reconhecimento,
aparentemente, tem sido ganho pelo trabalho de evangelização contínuo, inovador e singular
que por mais de 30 anos vem realizando. De maneira que, o trabalho nesses países só poderia
incrementar um “capital simbólico” já existente.
122
Ver no site da Canção Nova as diferentes convocações que a Comunidade faz com o intuito de evangelizar e
atrair sócios evangelizadores. Exemplos: “O evangelizador é alguém que está sempre perto de Deus, você fala
de Deus e você fala de vida, seja um evangelizador do mundo!”, “Colabore com essa obra de Deus, ajude a
Canção Nova a evangelizar no mundo!”, “A Igreja ensina hoje que evangelizar é uma linda e excelente forma
de solidariedade. Você é evangelizador. Você tem um coração solidário. O coração solidário constrói um
mundo novo”.
123
Cf. SANCHIS, 1995, p. 81-131.
64
1.4. A Modo de Conclusão
De maneira geral, pode-se afirmar que o contexto latino-americano e brasileiro
favoreceu a gestação, nascimento e desenvolvimento da Comunidade Canção Nova. Por um
lado, a realidade era convulsa, de repressão, mas também de contestação. O catolicismo
perdia membros aceleradamente, mas a Renovação Carismática Católica ganhava-os. O
pentecostalismo popular crescia rapidamente e uma campanha de evangelização, desde os
Estados Unidos, era lançada com o intuito solapado de se contrapor à jovem Teologia da
Libertação.
Por outro lado, especificamente no Brasil, o fato dos pequenos proprietários rurais
serem expulsos e terem que reconstruir sua vida nas “não aconchegantes” cidades,
representava um desafio crucial para as igrejas no acompanhamento dessas pessoas. Toda essa
situação se apresentava como solo fértil para o trabalho eclesial, a partir do qual novas idéias
e ferramentas precisavam ser testadas e os meios de comunicação poderiam ser uma delas,
bastava só se “aventurar”.
Ao fazer o levantamento histórico, constatamos que Canção Nova surge e se
desenvolve porque um contexto favorável para tal. Pessoas abraçaram o trabalho de inicio
porque eram tempos em que acreditar e pertencer se tornava difícil e desafiante. Pessoas
continuaram se juntando porque encontraram, ao longo de décadas, não “uma” forma e sim
“múltiplas” formas de viver e experimentar sua fé. Dito de outra maneira, Canção Nova vive a
renovação a cada 24 horas. O carisma institucionalizou-se, mas não virou rotina!
Seguindo esse tipo de argumento, não é por acaso que o Bispo Dom Antonio pensasse
em Jonas para pôr em prática o que a Encíclica Papal pedia. Nos dados biográficos do
fundador, principalmente nos anos de estudo e nos primeiros de trabalho, percebem-se
características, na sua personalidade, que acompanham toda sua vida e seu ministério.
Algumas delas merecem destaque especial. O Jonas menino viveu e aprendeu a dureza de ter
que ganhar, com sacrifício, “o pão de cada dia”. Essa realidade o conduziu, ainda pequeno, a
ter que abandonar um lar estruturado, sua família, para conseguir estudar e se preparar. Com
12 anos, tinha responsabilidade laboral, nada mais e nada menos que numa gráfica, e,
desde então, pelo que consta, sempre trabalhou na sua vida. Hoje tem mais de 70 anos.
Sacrifício, responsabilidade e constância são valores que, conjuntamente com sua fé, lhe são
65
característicos. Sua vocação estava definida, mas a solidão (particularidade ministerial
romana) não conseguiu vencer o anseio pelo lar abandonado, Jonas precisou sentir-se parte de
uma comunidade, pertencer a uma nova família.
O apoio do promotor de Lorena na época e do bispo Dom Hipólito de Moraes, perante
as autoridades eclesiais, deixa claro que a aceitação e o reconhecimento da Canção Nova,
primeiramente como Fundação e posteriormente como Associação de fiéis, não foi um
processo isento de tensões e enfrentamentos. A tenacidade e o amor com que o projeto foi
abraçado permitiu que não sucumbisse e sim que se erguesse como fenômeno religioso da
contemporaneidade.
Ao falar de cotidiano, explicitamos o que entendíamos quando fazíamos referencia a
esse vocábulo, o que ele representava na nossa compreensão. Ainda depois dessa explicação,
precisamente pela importância que ele tem na nossa pesquisa, pensamos que é muito
importante explicar como nos apropriamos dele como conceito metodológico. Ivone Gebara
pesquisa usando como categoria de análise a “epistemologia do cotidiano”, que segundo suas
palavras “faria emergir uma outra percepção do mundo menos rígida e menos dominada pelas
leis dos doutos cientistas e legisladores, quais quer que sejam suas áreas de atuação”
124
. Essa
epistemologia do cotidiano, diferente de outras epistemologias, ganha com Gebara uma outra
denominação epistemologia da vida ordinária”. De maneira que, é da epistemologia do
cotidiano, da epistemologia da vida ordinária que nos apropriamos para a pesquisa. Segundo
explicita a autora,
Insistir na epistemologia da vida ordinária ou na epistemologia do cotidiano
é [...] reencontrar o lugar originário da teologia, lugar do qual nos
distanciamos, que negamos ou simplesmente colocamos como lugar de
menor importância para a existência humana. O lugar originário da teologia
não é o logos sobre Deus, mas a experiência humana na complexidade de
suas vivencias e na sua irredutibilidade a uma razão explicativa única. E
parte integrante desse lugar é a celebração da vida em suas diferentes
dimensões. Nela, as experiências de temor e espanto, admiração e louvor,
com suas diferentes intensidades, fazem-se presentes. Espanto e admiração,
temor e tremor, louvor e gratidão levam a uma experiência de fragilidade e
124
GEBARA, Ivone. As epistemologias teológicas e suas conseqüências. In: NEUENFELDT, Elaine;
BERGESCH, Karen; PARLOW, Mara (orgs.). Epistemologias, Violência e Sexualidade. Olhares do 2º
Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p. 36.
66
de grandeza que esta em nós, mas, ao mesmo tempo, parece nos transcender
individualmente. [...] E é esse o lugar originário da teologia antes mesmo
que ela se chamasse teologia. [...] Creio que é nestas experiências corporais,
existenciais de nosso cotidiano que nasceram nossas crenças e depois se
organizaram em forma de religiões.
125
O fato de ter como cerne a evangelização através dos meios de comunicação e, mais
ainda, o jeito inovador com que se apropriam e trabalham com esses meios, põe em relevo
uma eclesiologia diferente. A partir disso, surge então a pergunta: estaremos na presença de
uma nova forma de ser igreja ou de uma nova igreja que emerge desse entrecruzamento entre
evangelização e comunicação? Não temos dúvida de que estamos na presença de um
fenômeno religioso-carismático-midiático. Fenômeno que nasce no Brasil, mas que emerge da
inspiração de uma Renovação Carismática Católica que chega procedente do Hemisfério
Norte (Estados Unidos). Fenômeno, também, que partindo da sua experiência no Brasil sai
para “evangelizar”, precisamente, esse Hemisfério Norte (Portugal, Itália, Estados Unidos,
Israel, França).
De maneira que se torna imprescindível, para um melhor entendimento de nosso
objeto de estudo, procurar possíveis respostas à pergunta formulada. Considera-se que, num
primeiro momento, debruçar-nos sobre o entrecruzamento evangelização-comunicação,
especificamente na Canção Nova, pode nos dar pistas para a reflexão e argumentos para nos
acercarmos a uma possível resposta conclusiva. Observemos, então, como se o
entrecruzamento Evangelização e Comunicação na própria Comunidade.
125
GEBARA, 2008, p. 37.
C
APÍTULO
2.
E
NTRECRUZAMENTO
E
VANGELIZAÇÃO
-C
OMUNICAÇÃO
Como tem sido expresso, o cerne da Canção Nova é hoje, e sempre foi, “a
evangelização através dos meios de comunicação”. Evangelização e comunicação, num
entrecruzamento contínuo, denotam, balizam e sustentam o projeto da Comunidade. Em
outras palavras, Canção Nova identifica-se e define-se pelo entrecruzamento entre
evangelização e comunicação, presente neste fenômeno religioso desde suas origens. No
presente capítulo, além de trabalhar de maneira mais apurada com ambos conceitos, procurar-
se-á entender como essa relação se estabelece, ou tem se estabelecido de maneira geral, no
âmbito eclesial e mais particular no caso da própria Canção Nova.
Especialmente nas últimas quatro cadas, tem se discutido muito sobre esses
conceitos. No caso da comunicação, isso pode ser percebido pelo papel preponderante que
tem assumido os meios de comunicação na contemporaneidade. no caso da evangelização,
pelo fantasma da secularização que enganosamente perpassou o discurso teológico desse
período, assim como os desdobramentos que esse pensamento produziu
126
.
A reflexão será iniciada com o conceito de evangelização. Tal escolha não é aleatória,
ela responde ao interesse da pesquisadora a partir da área na qual se concentra a investigação,
a teologia prática. A seguir indagaremos sobre o conceito de comunicação, mas direcionado
para a questão da comunicação como ciência e teoria. Num terceiro item, faremos a pergunta
pela comunicação religiosa durante o recorte de tempo que comporta a pesquisa. Para
finalizar, faremos o entrecruzamento de ambos conceitos, privilegiando a análise do cotidiano
126
Para uma outra perspectiva, contrária aos “postulados de secularização”, pode-se ler o livro de Oneide Bobsin
intitulado Correntes Religiosas e Globalização. Especificamente o capítulo intitulado “Deus salve a
América”. Fundamentalismo, identidade e política. Cf. BOBSIN, Oneide. Correntes Religiosas e
Globalização. São Leopoldo: PPL, CEBI, IEPG, 2002. p. 91-136.
68
na Comunidade Canção Nova. Esse entrecruzamento, pelo caudal de vivências que contém, se
torna imprescindível.
2.1. Evangelização
A evangelização cristã inicia-se com a pessoa de Jesus. Ele começou seu ministério
público anunciando a Boa Nova da chegada do Reino de Deus (Mc 1.14-15). Esse anúncio é
acompanhado por signos e práticas que manifestam a presença libertadora desse Reino. A sua
Pessoa constitui o centro e a mediação mais poderosa dessa ação libertadora de Deus. Na
interpretação cristã, em Jesus, revela-se a oferta gratuita de salvação e libertação para todos os
seres humanos. Entrementes, a obra evangelizadora da igreja inicia propriamente com a
primeira Páscoa-Pentecostes, com a experiência pascal das pessoas seguidoras de Jesus,
quando o reconhecem como O Cristo e lhe confessam como tal. Essa experiência da
comunidade apostólica, de caráter universal, é a fonte da evangelização que a igreja tem
seguido ao longo de vinte séculos de história
127
.
Evangelização é definida teologicamente como a proclamação das boas novas da
salvação em Jesus Cristo, visando levar a efeito a reconciliação entre o pecador e Deus pai,
mediante o poder regenerador do Espírito Santo. A palavra deriva do substantivo grego
euangelion, “boas novas”, e do verbo euangelizomai, “anunciar, proclamar ou trazer boas
novas” [...] A evangelização baseia-se na iniciativa do próprio Deus. Porque Deus agiu, os
crentes tem uma mensagem para compartilhar com os outros
128
.
Existem alguns autores que utilizam os termos evangelização e missão como
sinônimos. Outros, por sua vez, os percebem diferentes, ainda que inter-relacionados
129
.
Seguindo essa segunda linha, Evangelização
130
, compreendida como parte integrante da
127
Cf. RETOS de la Nueva Evangelización. Colección Vocación y misión. Bogotá: Comunicaciones “sin
fronteras”. s/d. p. 7-13.
128
Cf. WEBER, Timothy P. Evangelização. In: ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia Histórico-Teológica
da Igreja Cristã. Vol. II, E-M. São Paulo: Vida Nova, 1992. p. 121-124.
129
Para uma maior compreensão desta distinção, entre uns e outros autores, com relação aos conceitos de missão
e evangelização, cf. BOSCH, David J. Missão transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da
missão. Tradução: Geraldo Korndörfer; Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2002. p. 481-493.
130
Cf. BOSCH, 2002, p. 492-503.
69
missão, é o ato de tornar acessível o mistério do amor de Deus por todas as pessoas. Pode ser
vista como uma dimensão essencial da atividade global da igreja. Implica testemunhar o que
Deus fez, está fazendo e fará. Representa sempre um convite e objetiva sempre uma resposta.
Evangelização é sempre contextual e não pode ser divorciada da pregação e da prática da
justiça. Evangelizar não é apenas proclamação verbal, e não é um mecanismo para apresar a
volta de Cristo. Já a Missão
131
é de Deus. É a igreja enviada ao mundo para amar, servir,
pregar, ensinar, curar, libertar. outras terminologias que, pelas conotações adquiridas, ou
não, ao longo da história, tendem a criar confusão dentro desse universo. Poderiam ser
citadas: evangélico, evangelismo
132
, evangelicalismo
133
e evangelical
134
.
O históriador Martin Dreher, apoiado em Antonio Gouvea de Mendonça, percebe duas
vertentes para a utilização do conceito evangélico sempre que utilizado na América Latina.
Segundo ele, uma delas teve sua origem na Reforma alemã, ao mesmo tempo em que a outra
teve sua origem na Inglaterra. Na versão alemã, evangélico é tido como conceito normativo,
querendo caracterizar a doutrina acorde com o Evangelho. Este seria o ponto de partida de
Lutero para usar o conceito. a vertente inglesa, influenciada pelo movimento metodista e
por setores catolizantes, dividiu-se em duas alas: Evangélicos e Movimento de Oxford. A
primeira buscava um cristianismo preocupado com a conversão e santificação e se organizava
em organismos com abrangência internacional. Daí surge o movimento evangélico, com forte
característica anticatólica. A segunda preconizava a reaproximação com o catolicismo
romano, em oposição à ala evangélica
135
.
131
Cf. BOSCH, 2002, p. 492-503.
132
Evangelismo é o termo empregado por protestantes ecumênicos para substantivar o verbo evangelizar. o
movimento evangelical e os católicos romanos preferem fazer uso do substantivo evangelização. Cf. BOSCH,
2002, p. 489.
133
Evangelicalismo é um movimento no cristianismo moderno que transcende as fronteiras denominacionais e
confessionais, enfatizando a conformidade com as doutrinas básicas da fé e um alcance missionário de
compaixão e urgência. Tem um significado tanto teológico quanto histórico e tem sofrido diferentes
mudanças ao longo da história. Cf. PIERARD, Richard V. Evangelicalismo. In: ELWELL, 1992, p. 115-120.
O evangelicalismo ou “movimento evangelical” é uma iniciativa de cristãos e não de igrejas. Como ponto
central de articulação, está a Aliança Evangélica Mundial (AEM) fundada em 1923. Em 1974, o movimento
recebe um novo impulso com a realização do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, celebrado
em Lausana (Suíça). Cf. LONGUINI NETO, 2006, p. 10.
134
Quem se identifica com o evangelicalismo é chamado pejorativamente de evangélico conservador
(evangelical). Cf. PIERARD, 1992, p. 115.
135
Cf. DREHER, 1999, p. 59-68.
70
Roberto Zwetsch, missiologo luterano, ao fazer referência às diferenças
terminológicas entre missão, evangelismo e evangelização, deixa clara sua opção por este
último termo, afirmando que “evangelização é um conceito mais dinâmico e sua amplitude
remete à integralidade do evangelho e não apenas a uma demonstração de sua pertinência para
a vida espiritual das pessoas a quem se anuncia a mensagem de Cristo”
136
. Ele define
evangelização como “a ação do anuncio do evangelho, que engloba toda a ação pela qual a
comunidade cristã dá testemunho do evangelho em palavra e ação”
137
.
A evangelização, concordam alguns autores
138
, poderia ser catalogada de explícita ou
implícita. Evangelização Explicita, ocorre através do anúncio, da explicação verbal, da
celebração etc. Evangelização Implícita, por sua vez, acontece através do testemunho da vida
profundamente transformada pelo evangelho. Evangelizar, por tanto, e segundo esses autores,
significa proclamar a Boa Nova com palavras e fatos, viver esse anúncio de maneira que todas
as pessoas que tenham “boa vontade” possam receber a mensagem, aprofundá-la e acolhê-la.
A evangelização, sob essa apreciação, pode ser concretizada de múltiplas maneiras, dentre
elas: Evangelizar por proclamação (Mc 1.14-15); Evangelizar por convocação (Mt 22.9);
Evangelizar por atração (At. 5.16); Evangelizar por irradiação (Mt. 5.16); Evangelizar por
contágio (1Pe. 3.1-2); Evangelizar por fermentação (Mt. 13.33)
139
.
A Igreja Católica Romana, com o intuito de debater e estabelecer diretrizes a respeito
da evangelização, tem celebrado, ao longo das últimas décadas, varias conferências do
Conselho Episcopal Latino-Americano-CELAM
140
. A primeira foi realizada em Aparecida,
Rio de Janeiro, de 25 de julho a 4 de agosto de 1955, foi convocada pelo Papa Pio XII, mas
tanto a idéia quanto a realização se encontram vinculadas à, então, recém formada
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB
141
.
136
ZWETSCH, Roberto Ervino. Missão Como Com-Paixão: Por uma Teologia da Missão em Perspectiva
Latino-Americana. Tese de Doutoramento. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, Instituto Ecumênico
de Pós-Graduação, 2007. p. 14.
137
ZWETSCH, 2007, p. 14
138
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p. 25.
139
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p. 25s.
140
Para uma explicação mais detalhada sobre o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e o trabalho
que realiza, cf. <http://www.celam.org>. Acesso em: 15/08/2007.
141
A CNBB surge no Brasil em 1952.
71
Uma segunda conferência teve lugar em Medellín, Colômbia, entre os dias 26 de
agosto a 6 de setembro de 1968. Foi convocada pelo Papa Paulo VI, especialmente para
aplicar as novas diretrizes do Vaticano II. A conferência de Medellín é caracterizada como
uma opção pela Teologia da Libertação, pois, a partir daí, começa-se a falar em “promoção
humana” “desenvolvimento” e “libertação”. A terceira foi convocada também pelo Papa
Paulo VI no dia 12 de dezembro de 1977, ocorreu entre 27 de janeiro a 13 de fevereiro de
1979 em Puebla, México. Esta terceira conferência tinha como tema “Evangelização no
presente e no futuro de América Latina” e foi inaugurada pessoalmente pelo Papa. A tônica da
conferência reafirmou os posicionamentos de Medellín. A quarta foi convocada pelo Papa
João Paulo II, sendo celebrada de 12 a 28 de outubro de 1992 em Santo Domingo, República
Dominicana. A quinta, inaugurada pelo Papa Bento XVI, teve lugar em Aparecida, Brasil, e
foi realizada de 13 a 31 de maio de 2007
142
. Devido à importância para nosso objeto de
pesquisa, a IV e a V Conferências serão trabalhadas mais detalhadamente nos tópicos
seguintes.
2.1.1. Uma Nova Evangelização
A Nova Evangelização constituiu-se em um dos temas mais relevantes do magistério
do Papa João Paulo II. Foi o eixo da IV Conferência do CELAM convocada oficialmente
no dia 12 de dezembro de 1990 sob o tema “Nova Evangelização, Promoção Humana, Cultura
Cristã” realizada, como foi exposto, em Santo Domingo, entre os dias 12 a 28 de
outubro de 1992
143
. Mesmo que a expressão “Nova Evangelização” tenha sido simbolicamente
marcada nesse evento específico, pode-se verificar, em períodos anteriores, algumas alusões a
ela em outros espaços da Igreja. Nesse sentido, a Instituição vinha orando e preparando o
caminho a 9 anos antes. Exemplos podem ser palpáveis no documento da XIX Assembléia do
Conselho Episcopal Latino-Americano, celebrada no dia 9 de março de 1983, na catedral de
142
Cf. <http://www.paroquiasaofrancisco.com/CELAM/celam.htm>. Acesso em: 15/08/2007.
143
Cf. <http://www.paroquiasaofrancisco.com/CELAM/celam.htm>. Acesso em: 15/08/2007. Cf. também
<http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/download/documentos/doc_celam_santo_domingo.doc>. Acesso
em: 15/08/2007.
72
Porto Príncipe, Haiti. Em outros eventos, assim como também em vários dos documentos
eclesiais romanos, também se faz alusão a essa “vontade” da Igreja
144
.
Embora o programa da Nova Evangelização tenha sido proclamado desde a América
Latina e em estreita relação com a celebração pelo V Centenário da primeira evangelização,
prontamente o projeto foi apresentado como um programa pastoral para toda a Igreja Romana.
Com anterioridade, as bases doutrinais e as orientações pastorais do Vaticano II, assim como
exortação da Evangelii Nuntiandi, lançada por Paulo VI, colocavam a evangelização no
cerne da missão eclesial
145
.
A Nova Evangelização foi proclamada como contraposição a um contexto intra e
extra eclesial que preocupava a Instituição Romana. O contexto extra estava pautado,
segundo a Igreja, pela “expansão da descrença e do secularismo”, “degradação da vida e dos
costumes”, “ruptura entre Evangelho e Cultura”, “proliferação religiosa e a sua
agressividade”. no interior eclesial inquietavam “os batizados não praticantes”. Para eles,
dedicou-se a “pastoral de conservação” alegando que eram muitos os batizados mas poucos os
evangelizados, deu-se então, grande importância à “tarefa missioneira” alegando a
necessidade de lhes apresentar “de novo” Jesus Cristo, principalmente àquelas pessoas para as
quais a religião tinha ficado reduzida a um verniz cultural e folclórico, herdado e o
assumido responsavelmente
146
.
A partir dessa idéia, a Nova Evangelização tinha como destinatária à humanidade toda,
pois, segundo as afirmações contidas nesses documentos, todos detêm o direito de serem
evangelizados. Ao mesmo tempo, as pessoas batizadas têm o compromisso de compartir a
“boa nova” recebida e pela qual têm optado, mesmo que isso implique sacrifícios, renúncias
ou até, inclusive, a própria vida. Por outro lado, os documentos reafirmam, como “a mais
144
João Paulo II utilizou pela primeira vez a expressão “Nova Evangelização” na homilia que pronunciou no dia
9 de junho de 1979 na Polônia, no Santuário da Santa Cruz de Mogila. Como “tema”, tinha sido tratado na
América Latina desde Medellín em 1968. Cf. RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p 36s.
145
Durante os anos subseqüentes, outros documentos do Vaticano apontam para a continuidade desse espírito de
evangelização universal, a saber: Sollicitudo rei socialis (1987), Christifideles laici (1988), a Encíclica
Redemptoris missio (1990). Cf. SOLLICITUDO REI SOCIALIS (1987); CHRISTIFIDELES LAICI (1988);
A ENCÍCLICA REDEMPTORIS MISSIO (1990). Disponível na Internet: <http://www.gui.uva.es/~
cuenca/enciclic/encicli/htm>, Acesso em: 17/06/2006.
146
Cf. RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p 35-57.
73
grave injustiça social”, a falta de anúncio de Jesus Cristo à humanidade que lhe desconhece
147
.
É nesse sentido que o “chamado à Nova Evangelização é, antes de tudo, um chamado à
conversão”
148
.
No encontro de João Paulo II com bispos latino-americanos em Santo Domingo, no
ano de 1984, ao dar início ao novênio de preparação espiritual para as celebrações dos 500
anos de evangelização no continente, o Papa pede para que as celebrações, mesmo sendo
feitas de múltiplas maneiras, sejam todas direcionadas à procura de uma evangelização que
fosse nova. A seguir, no seu discurso, fez uma avaliação dos quinhentos anos de presença
evangelizadora da Igreja Católica no continente latino-americano e incentivou a igreja a evitar
“idéias triunfantes” e “falsos pudores” presentes no período. Logo após, explicitou os desafios
que se apresentavam para a nova evangelização, distinguindo dentre eles: a falta de ministros,
a secularização da sociedade, as divisões eclesiais, a não-solidariedade entre as nações, o
clamor pela justiça, os conflitos armados e a dívida externa.
Partindo dessas idéias, indicou, igualmente, algumas metas importantes para a Igreja:
concentrar-se na tarefa evangelizadora, lutar por uma vida mais digna, promover as vocações
sacerdotais e religiosas, intensificar a catequese, defender a identidade dos grupos étnicos,
promover jovens e leigos conscientes e comprometidos com o trabalho eclesial e fomentar
reconciliações entre os povos
149
. Finalizando seu discurso, João Paulo II convocou a uma
Nova Evangelização. Nas suas palavras,
O próximo centenário do descobrimento e da primeira evangelização
convoca-nos, pois, a uma nova evangelização da América Latina, que
desenvolva com mais vigor um potencial de santidade, um grande impulso
missioneiro, uma vasta criatividade catequética, uma manifestação profunda
de colegialidade e comunhão, um combate evangélico de dignificação do
homem [ser humano] para gerar, desde o seio de América Latina, um grande
futuro de esperança.
150
147
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p 58-70.
148
Cf. <http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/download/documentos/doc_celam_santo_domingo.doc>.
Acesso em: 15/08/2007.
149
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p. 38s.
150
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p 39.
74
A “Nova Evangelização” tinha que ser “nova em seu ardor”, “nova em seus métodos
e “nova na sua expressão”. Ao almejar um novo ardor, novos métodos e novas formas de
expressão da mensagem cristã, reclama uma forma mais radical, um novo modelo de Igreja,
uma Igreja verdadeiramente profética. O Vaticano II marcou as pautas para uma renovação
eclesial nesse sentido e isso é explicitamente postulado
151
. Trata-se da Igreja “povo de Deus”,
que tem como base a comum em Jesus e a prática da fraternidade. Nela, clérigos e leigos,
homens e mulheres são iguais em dignidade e, segundo seu carisma e ministério, co-
responsáveis na missão de Deus. Este modelo de Igreja seria pressuposto e objetivo de toda
Nova Evangelização e, para sua construção, requereria a aceitação prática de alguns
princípios. A saber:
Assumir a natureza essencialmente missioneira e evangelizadora da
Igreja. A evangelização não é uma prioridade dentre outras, é a
prioridade da Igreja. Evangelizar é sua vocação, missão e identidade.
A Igreja se constrói e se estabelece evangelizando e na medida em
que evangeliza. Uma Igreja evangelizadora deve converte-se em
signo e agente da presença do Reino no centro da História Humana.
A Nova Evangelização deve resgatar a centralidade do anúncio da
Boa Nova como primeiro passo para a construção da comunidade
cristã. A proclamação da salvação em Cristo morto e ressuscitado, é
boa e nova notícia; a fé é a resposta a esse anúncio.
152
Uma análise do que foi apresentado deixa transparecer que na verdade não se trata de
inventar nada novo. Parece-nos mais que se trata de uma atualização, uma revitalização da
experiência cristã original, um intento de tornar essa experiência cristã significativa para a
humanidade contemporânea ao compasso, quiçá, das novas circunstâncias históricas. Seria um
aggiornamento, como descrevia o Vaticano II; uma tentativa de conciliar a igreja aos desafios
dos tempos presentes à luz da fé católica.
151
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p. 119.
152
RETOS de la Nueva Evangelización, s/d, p. 120.
75
2.1.2. Evangelização sob o prisma da contemporaneidade
Mortimer Arias afirma que o tema da evangelização foi profundamente tratado,
elaborado e re-elaborado no século XX. Em especial, aponta para algumas teses elaboradas
pela Igreja Metodista da Bolívia para serem discutidas e que versavam sobre a evangelização
na América Latina. Nelas, Evangelização como proclamação do Evangelho seria: Anúncio,
Denúncia, Testemunho, Participação e Chamado. Essas teses foram traduzidas para muitos
idiomas e circularam o mundo todo. Esse fato expressa uma procura comum e um kairós em
consonância à necessidade de uma evangelização contextual e relevante. No entanto, Arias
reconhece que, hoje, mesmo não negando nenhuma das afirmações anteriores, não aderiria a
uma formulação tão articulada sobre a evangelização
153
.
Ao confrontar a evangelização no momento atual, Arias alude ao contexto latino-
americano e o apresenta como sistema globalizado — nas suas formas econômicas, políticas e
midiáticas —, definido pelo crescimento da pobreza, pela marginalização, pelo
deterioramento da vida humana e dos valores tradicionais, pelo pluralismo religioso, pelo
renascer de velhas espiritualidades exóticas e nativas e, ao mesmo tempo, pelo surgimento de
novas configurações no mapa “cristão” de nosso continente. Com base nessa definição, o
autor pergunta qual seria a formulação sobre evangelização pertinente para nossos dias? Para
dar uma resposta, alude a três aspectos relacionados, a seu modo de ver, com o próprio
conceito, a saber, comunidade, comunicação e crescimento
154
.
A partir dessa idéia, Arias afirma que, na relação evangelização-comunicação, pelo
fato de que o que se comunica é a boa nova de Jesus Cristo, o interesse primário deve ser o
que comunicar e, logo após, o como comunicar. É dizer, o conteúdo antes que o método, ainda
quando na comunicação o que e o como sejam inseparáveis. Fazendo uso das palavras do
153
Para conhecer na integra as teses da Igreja Metodista da Bolívia, assim como para conhecer mais a respeito da
fundamentação, cf. ARIAS, Mortimer. Comunicación, Comunidad y Crecimiento: Reflexiones desde el sillón
sobre evangelización. In: Visiones y Herramientas, Itinerario por la Teología Práctica. Volumen IV.
Buenos Aires: ISEDET, 2006. p. 21-30.
154
Cf. ARIAS, 2006, p. 23.
76
missiologo holandês J. Hoekendijk, Arias afirma: “temos tanto do evangelho em nós como
aquele que comunicamos aos outros”
155
.
No tocante à relação evangelização e comunidade, ele destaca que o verbo comunicar
se usa tanto para a proclamação e o ensino quanto para o sacramento da comunhão, por isso,
comunicação seria muito mais que informação verbal unidirecional, implicaria diálogo e
interação, pressupõe uma comunidade e seria essa comunidade a que evangelizaria ou não
(1Jo 3.3). A comunidade a qual se faz referência tem que ser inclusiva e abrangente, nesse
sentido evangelização para dentro depende de que seja, também, evangelização para fora. É
nessa dinâmica que frutificaria tal relação.
Segundo o que foi até aqui apontado, outro fator que merece destaque é a relação entre
evangelização e crescimento. Arias constata três atitudes contemporâneas perante o
crescimento: 1) A evangelização é igual a crescimento; 2) A evangelização não tem nada a
ver com o crescimento; 3) evangelização e crescimento estão intimamente relacionados. Cada
uma destas afirmações estaria sustentada por diferentes fatos históricos, desde a expansão da
igreja cristã até nossos dias
156
.
Fazendo referência à tese de Donald McGravan, Arias afirma: “a Igreja cresce através
das redes de relaciones naturais (família, trabalho, amizade)”
157
. Viver é crescer, ele assegura.
Por isso, sua opção é pela terceira atitude explicitada, qual seja, evangelização e crescimento
são inseparáveis. Ele acrescenta que aquilo que não cresce se engessa e vai se degenerando.
Isso vale para pessoas, para as comunidades e para a missão da igreja. Evangelho é vida e é
parte da sua essência crescer e propagar-se. A contraposição entre quantidade e qualidade é
uma falsa dicotomia, uma escusa suspeitosa para a falta de crescimento nas nossas igrejas. Na
sua conclusão, expressa que o crescimento da igreja é desejável, é vontade de Deus, é dom de
Deus e fruto da nossa resposta humana. “O crescimento, segunda a Escritura, é possível... e
necessário”
158
.
155
J. HOEKENDIJK apud ARIAS, 2006, p. 24.
156
Cf. ARIAS, 2006, p. 26ss.
157
Donald McGravan apud ARIAS, 2006, p. 27.
158
Cf. ARIAS, 2006, p. 26-30.
77
Quiçá numa outra linha de pensamento, no ano 2000 e 2001, respectivamente, o
Conselho Latino-americano de Igrejas (CLAI) publicou, em forma de cadernos, o resultado de
duas consultas feitas sob os temas de Missão e Evangelização
159
. Nessas consultas, grupos de
bases, de diferentes igrejas, discutiram e reflexionaram sobre os seguintes temas: “o contexto
em que se realiza a missão”, “as características que essa missão tem”, “como participamos da
Missão de Deus”, “conteúdos, métodos e desafios da evangelização” e “culturas, gênero e
identidade”. O resultado da análise, ao se referir especificamente ao contexto no qual as
igrejas hoje realizam essa evangelização e missão, foi categórico: “Não há futuro!
Tal conclusão deriva-se da constatação alarmante a respeito do mundo atual.
Principalmente acerca da acumulação desigual de riquezas que gera a globalização da
pobreza, o desemprego, as migrações e as novas religiões de mercado
160
. Para contrapor tal
situação, a consulta expressou que seria necessária uma evangelização que comportasse o
anúncio da boa notícia, o ensino da palavra de Deus e um guia dos primeiros passos das novas
pessoas membros (catequese). Com referência aos métodos necessários para essa
evangelização, além das campanhas em massa e da evangelização pessoal, são assinalados os
meios massivos de comunicação.
Um olhar mais profundo em relação aos cadernos permite abstrair a percepção que
eles têm com relação à utilização dos meios para a evangelização na atualidade. Entre as
características mais relevantes foram encontradas: 1) as mensagens que transmitem tem um
escasso conteúdo bíblico e refletem uma interpretação muito parcial das Escrituras; 2) com
eles, produz-se um efeito contrário ao que se quer com a evangelização, na medida em que
não se dá a integração do novo crente numa comunidade de fé (pela comodidade de ter, com a
TV, a igreja em casa); 3) trocam a antiga idéia de santidade pela de prosperidade, reforçando
o caráter individualista na vida cristã; 4) sufocam a fermentação do Evangelho, fazendo com
que o caráter profético da igreja não se manifeste. Como uma forma de avaliar e aprovar a
159
Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI. Unidad, Misión y evangelización en América Latina hoy:
¿Qué dicen las Iglesias?. Serie Teología en el Camino. Número 5. Quito: CLAI, 2000. Cf. também
COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI. Desafíos a la Misión de la Iglesia en América Latina Hoy. Serie
Teología en el Camino. Número 6. Quito: CLAI, 2001.
160
Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI, 2000, p. 19-25.
78
possível utilização dos meios para a evangelização, encontramos a seguinte argumentação nos
cadernos.
O testemunho bíblico converte-se em regra para o juízo de todo método de
evangelização. Somente aqueles que passam na prova de fidelidade das
opções iniciais de Jesus [...] poderão ser recomendados. Tal prova só poderá
ser feita pelas igrejas locais, nos seus respectivos contextos e a partir de sua
vida de fidelidade ao Senhor que as chamou para continuar sua missão.
161
A partir dessa idéia, postula-se o testemunho bíblico como regra para o juízo de todo
método de evangelização. Evangelização que teria que ser contextual (o lugar teológico),
carismática (marcada pela presença e obra do Espírito Santo) e jubilar (o reino de Deus como
jubileu)
162
. Ao mesmo tempo, apontam-se dois desafios para as igrejas: 1) a necessidade de
afirmar a identidade das nações originárias (povos indígenas) e 2) a procura de significado
nos contextos de exclusões (mulheres, negros, asiáticos, pobres, marginalizados)
163
. Num
outro contexto, mas com teor similar em relação aos meios, Roberto Zwetsch declara:
Mais e mais no protestantismo parece vigorar uma tendência a transformar a
cristã em produto de mercado, com a conseqüência de tornar o evangelho
assimilável e domesticável para um pretenso público consumidor de bens
religiosos. Ora, a que nasce do evangelho de Cristo resiste a esse tipo de
reducionismo, porque ela chama para uma vida nova que se traduz em amor
e serviço transformador.
164
Como pôde ser observado, a evangelização não só constitui um ponto especial na mesa
do debate cristão senão que também a sua importância é extremamente alta nos dias atuais.
Ainda mais quando essa evangelização é vinculada ou “se vincula” aos meios de comunicação
social, as opiniões divergem e os argumentos parecem ser convincentes desde todas as partes.
Por isso, tomar partido perante uma ou outra alegação não seria possível sem fazer uma boa
explicação e fundamentação do porque da seleção apresentada. Talvez seja este um desafio a
mais para a teologia na contemporaneidade.
161
COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI, 2000, p.43.
162
Cf. COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI, 2000, p.48s.
163
COMISIÓN TEOLÓGICA DEL CLAI, 2001, p. 46-48.
164
ZWETSCH, 2007, p. 346.
79
A respeito da Evangelização, Carlos Emilio Ham, secretário para a evangelização do
Conselho Mundial de Igrejas, expressou recentemente:
A evangelização é um tema relevante para as igrejas em todas as regiões.
Para as do Atlântico Norte, porque muitas delas, que têm posto em um
segundo plano a tarefa evangelizadora, hoje experimentam um declínio e um
envelhecimento alarmantes de sua membresia. Inclusive algumas se
encontraram na obrigação de vender seus templos para outras igrejas mais
pujantes ou para que se convertam em museus ou teatros [...]. A missão
evangelizadora recobra ainda mais importância quando vivemos em
sociedades mais plurais, cultural e religiosamente falando.
165
(tradução
própria)
Venda de patrimônio eclesial, templos convertidos em museus ou em teatros,
seminários teológicos fechando, escolas teológicas com crise financeira... essa tem sido a
realidade atual do cristianismo? Seria decorrência dessa constatação a idéia de secularização
“trabalhada e re-trabalhada” por muitos autores contemporâneos? Ham diz que Igrejas
experimentando um “declínio” e um “envelhecimento” de sua membresia e afirma também
que isso decorre do fato de que as igrejas tenham colocado em um segundo plano a tarefa
evangelizadora! Uma vez que evangelizar é anunciar a Cristo e sua mensagem e se esse
anúncio foi negligenciado, a que estariam se dedicando, então, as Igrejas Cristãs nesses
últimos decênios?
A Igreja Católica, por sua vez, tem se manifestado de maneira similar, uma vez que
também demonstra preocupação com a questão da evangelização. O projeto de evangelização
da CNBB reza:
O novo Projeto Nacional de Evangelização quer atingir, com particularidade,
os membros participantes da vida da Igreja, para um novo despertar dos
católicos e para a alegria da fé e da pertença à Igreja, de tal modo que o
encontro pessoal com Cristo gere um novo ímpeto apostólico vivido como
compromisso diário e missionário das comunidades e grupos cristãos, para
atingir aos que estão distantes, indiferentes, e aos que participam
decisivamente nos rumos da sociedade e das novas culturas. A Conferência
165
HAM, Carlos Emilio. Decenio de la evangelización, (Entrevista feita por Manuel Quintero). Disponível na
Internet: <http://www.alcnoticias.org/articulo.asp?artCode=4567&lanCode=2>. Acesso em: 14/09/2006.
80
Nacional dos Bispos conclama todas as forças vivas da Igreja do Brasil a
abraçarem o novo Projeto Nacional de Evangelização.
166
A Igreja Católica é mais propositiva ao fazer a análise da situação. Longe de apontar
para um esvaziamento categórico dos templos, busca incentivar “um novo despertar dos
católicos”, “de tal modo que o encontro pessoal com Cristo gere um novo ímpeto apostólico
vivido como compromisso diário”
167
. Por quanto tempo teriam permanecido dormindo? O
encontro pessoal com Cristo, nas últimas décadas, na Igreja Romana, teria deixado de
“existir”? Ou talvez não teria sido muito “eficiente” e “eficaz”?
Protestantes e Católicos Romanos parecem estar vivenciando situações similares. No
entanto, na contra-mão, surgem outros segmentos pertencentes a esses e a outros grupos
cristãos. Apontados, em maior ou menor escala, por cientistas e acadêmicos, como
“ilegítimos” com relação às instituições já sacramentadas, culpados de serem os distribuidores
do “ópio ao povo” na contemporaneidade, acusados de “manipular”, segundo a sua
conveniência, os intocáveis preceitos da fé, são hoje esses segmentos os quais conseguem
aglutinar multidões entorno da Palavra (mesmo que questionados em quanto à Palavra
apresentada). São eles quem necessitam de grandes espaços para suas celebrações e não
aparentam cansaço ou envelhecimento. São eles, afinal, que têm mantido em xeque o
argumento da secularização.
Nessa perspectiva, e particularmente no âmbito romano, são fundadas “novas
comunidades” que, por sua vez, formam parte da Renovação Carismática Católica. Essas
novas comunidades constituem um fenômeno religioso e cristão recente, tanto no mundo
quanto no Brasil. Elas possuem diferenças acentuadas com relação a outras comunidades ou
ordens existentes na instituição católica. São comunidades nascidas após o Vaticano II e
com um poder de renovação inquestionável e surpreendente enquanto ao labor evangelizador.
166
PROJETO nacional de Evangelização: “Queremos ver Jesus, caminho, verdade e vida”. Disponível na
Internet: <http://www.cnbb.org.br/index.php?op=pagina&chaveid=1025>. Acesso em: 23/11/2006.
167
PROJETO nacional de Evangelização: “Queremos ver Jesus, caminho, verdade e vida”. Disponível na
Internet: <http://www.cnbb.org.br/index.php?op=pagina&chaveid=1025>. Acesso em: 23/11/2006.
81
Recentemente, foi celebrado o 12
o
Congresso Mundial das Novas Comunidades,
durante os dias 1 a 5 de novembro de 2006, na sede da Comunidade Canção Nova em
Cachoeira Paulista (SP), tendo como tema "Novas Comunidades para uma Nova
Evangelização”. Esse evento foi promovido pela Catholic Fraternity of Charismatic Covenant
Communities and Fellowship e reuniram representantes dos cinco continentes, membros e
fundadores de comunidades dos Estados Unidos, Uganda, México, Filipinas, Polônia, Itália,
Austrália, Uruguai, Malásia, França, Paraguai, Argentina e Espanha. Contou também com a
participação do representante do Papa Bento XVI e do secretário geral da CNBB Dom Odilo
Scherer. O objetivo da conferência, segundo expressado pelos idealizadores, foi testemunhar a
Comunhão e Missão das Novas Comunidades agindo dentro da Igreja Católica, assim como
também, a partilha das riquezas espirituais e do dinamismo eclesial das Novas Comunidades
que se desenvolveram nos últimos anos
168
.
Outros dois eventos o Encontro de Bispos interessados nas Novas Comunidades
da Renovação Carismática Católica e o Encontro da Diretoria do Conselho da Fraternidade
Internacional das Novas Comunidades tinham sido celebrados na sede da Canção Nova
na semana que antecedeu o Congresso, quer dizer, de 30 de outubro a 1 de novembro de 2006.
Bispos de nove países, como consta nas memórias, reuniram-se para partilhar experiências
vividas no acompanhamento das Novas Comunidades em suas dioceses e buscar diretrizes
diante desta realidade da Igreja. Dom Stanislaw Rylko afirmou, durante sua homilia, que “este
encontro deve transformar-se num laboratório de esperança, uma descoberta de novas
reservas espirituais […] as Novas Comunidades são verdadeiras riquezas para a Igreja,
principalmente neste tempo no qual evangelizar não tem sido fácil”. Dom Odilo Sherer,
secretário-geral da CNBB, destacou na sua intervenção que “é uma boa ocasião para que
também no Brasil conheçamos melhor esta realidade que já existe na Igreja e que, surgindo
em vários lugares, vai ajudando a dar expressão à missão da Igreja de uma forma nova”
169
.
Novamente em terras brasileiras, a V Conferência do CELAM é celebrada em
Aparecida, entre os dia 13 a 31 de maio de 2007. Essa Conferência foi convocada pelo Papa
168
Cf. CONGRESSO mundial de novas comunidades. Disponível na Internet: <http://www.pime.org.br/
noticias2006/noticiasbrasil367.htm>. Acesso em: 16/12/2006.
169
CONGRESSO mundial de novas comunidades. Disponível na Internet: <http://www.pime.org.br/
noticias2006/noticiasbrasil367.htm>. Acesso em: 16/12/2006.
82
João Paulo II e inaugurada pelo Papa Bento XVI sob o tema “Discípulos e Missionários de
Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida”. Nela, a Igreja pede para que sejam
reforçados, na instituição, quatro eixos principais, a saber: 1) A experiência Religiosa
(encontro pessoal com Jesus); 2) A vivência comunitária (que os fiéis se sintam realmente
membros de uma comunidade eclesial, que sejam co-responsáveis no desenvolvimento das
comunidades); 3) A formação bíblico-doutrinal (não como um conhecimento teórico e frio,
mas sim que os fiéis, a partir da experiência religiosa e da vivência comunitária, possam
aprofundar no conhecimento da Palavra de Deus e dos conteúdos da fé); e 4) O compromisso
missionário de toda a Comunidade (a comunidade precisa sair ao encontro dos afastados,
interessar-se pela sua situação a fim de re-encantá-los com a Igreja e convidá-los a novamente
se envolverem com ela). O documento explicita que os problemas das pessoas que
abandonam a igreja não são pela doutrina e sim pela vivência da fé
170
.
Partindo do que foi até aqui apresentado, como ferramenta investigativa, opta-se pelo
conceito “evangelização”
171
. A evangelização forma parte da missão, mas a missão, por si só,
é muito mais ampla que a evangelização. Fazer uso desse conceito, foi uma eleição
fundamentada no objeto pesquisado, mas também parte da compreensão que a autora tem
sobre missão e evangelização. Evangelizar, antes de tudo, é comunicar. Evangelho significa
“boa notícia” e evangelizar é comunicar essa “boa noticia”. Se uma das preocupações da
pesquisa diz respeito ao tema da evangelização, a comunicação não poderia ficar à margem.
Na Comunidade Canção Nova, a opção de fazer desta relação uma realidade, uma vivência e
prática contínua no cotidiano, parece ser o alvo almejado. No entanto, como isso está sendo
trabalhado? Para responder essa pergunta, pensamos que se faz necessário, primeiro,
explicitar o que entendemos por comunicação e apresentar qual teoria da comunicação nos
auxilia como ferramenta investigativa.
170
Cf. <http://www.paroquiasaofrancisco.com/CELAM/celam.htm>. Acesso em: 15/08/2007.
171
O movimento evangelical e os católicos romanos, para referirem-se ao termo, usam o vocábulo
“evangelização”, enquanto que protestantes ecumênicos m trabalhado com o vocábulo “evangelismo”. Cf.
BOSCH, 2002, p. 489.
83
2.2. Comunicação
O termo comunicação possui um leque amplo de significados e de usos. Muniz Sodré
situa a comunicação como ponte das relações éticas, econômicas, estéticas e cosmológicas
que, mesmo aparecendo sobre outras formas em épocas diferentes, se torna “questão” na
modernidade do final do século XX. Segundo ele, diz-se comunicação
quando se quer fazer referência à ação de pôr em comum tudo aquilo que,
social, política ou existencialmente não deve permanecer isolado. Sendo
assim, o afastamento originário criado pela diferença entre os indivíduos,
pela alteridade, se atenua graças a um laço formado por percursos simbólicos
de atração, mediação ou vinculação.
172
Sodré cataloga o “fenômeno comunicacional” como ainda muito obscuro em termos
científicos, isso devido à distância entre as formulações acadêmicas e a amplitude de suas
práticas. Uma distância que não constitui propriamente uma novidade em matéria de ciências
sociais, mas que, no caso da comunicação como muitos autores tendem a considerá-la sem
objeto próprio, fragmentado na diversidade das práticas, cada vez mais associadas à cultura do
consumo e às inovações tecnológicas no campo da computação e das telecomunicações —, se
encontra marcada por uma mobilidade muito rápida e complexa. Assinala, como objeto da
comunicação, a busca em dar conta das transformações em curso no nível da sociabilidade, da
educação, da subjetividade, dos valores e das ciências sociais tendo por base teórica a ética,
entendida como interrogação radical sobre a polis e seus limites; e situa este objeto na
vinculação da mídia com o comunitário
173
.
Apesar de suas poucas décadas de irrupção e aceitação como ciência (momento ao
qual Sodré alude como “tornar-se questão”), a comunicação parece primar, dentre suas
semelhantes, pelo seu raio de alcance e seu poder emaranhado, variável e mutante. Isso ocorre
porque as Ciências da Comunicação, ao tentar problematizar as novas formas de
discursividade, engendradas pelas tecnologias avançadas da informação, estão em total
sintonia com as mudanças sociotécnicas de nosso tempo.
172
SODRÉ, Muniz. Reinventando @ cultura, a comunicação e seus produtos. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. p.
11s.
173
Cf. SODRÉ, 1996, p. 21-22.
84
Como exemplos dessas mudanças sociotécnicas, Sodré faz referência à geração de um
espaço-tempo tecnológico regido por transportes de alta velocidade, no qual as distâncias
ficam abolidas, ao mesmo tempo em que os modelos de percepção do espaço sensível são
transformados. Esse espaço sensível passa a ser representado por efeitos de instantaneidade,
globalidade e simultaneidade
174
.
As Ciências da Comunicação preocupam-se e ocupam-se com um “mundo” complexo
daí advém sua complexidade —, um mundo em transformação, incluindo os sistemas de
pensamento. As Ciências da Comunicação preocupam-se e ocupam-se com o paradoxo de um
mundo que, mesmo estando interconectado por onipresentes e sofisticados meios de
comunicação, apresenta um crescente deterioro nas relações de comunicação interpessoais,
familiares, comunitárias e sociais
175
.
O conceito Comunicação, pode-se dizer, se encontra em movimento permanente,
numa redefinição constante. Desse modo, a comunicação não pode ser entendida em
“singular” apontando simplesmente para “alguma coisa” que acontece; a comunicação deve
ser entendida e trabalhada sempre como processo. No entanto, o que significa comunicação
como Ciência, comunicação como processo?
2.2.1 Ciências da Comunicação
A comunicação social é um tema relevante no mundo contemporâneo. Hoje, mais do
que nunca, ela atinge o mundo como um todo, especificamente depois da década de 1980,
quando nosso planeta ficou coberto de satélites de telecomunicações
176
. Os meios de
comunicação massiva assumiram um papel preponderante oferecendo explicações e
interpretações da realidade. Neles, formulam-se e debatem-se as principais questões da
174
Cf. SODRÉ, 1996, p.21-22.
175
Cf. BERGER, Christa. Campos em confronto: A terra e o texto. Porto Alegre: UFRGS, 1998. Cf. BRAGA,
1997. Cf. também MATA, Maria Cristina. De la presencia a la exclusión. La obliteración del conflicto y el
poder en la escena mediática. Buenos Aires: Diálogos de la Comunicación, 2001.
176
Cf. DUTRA DA SILVEIRA, Delia. “Sobre articulações (e) processos teóricos-conceituais: entrecruzamentos
do campo midiático com outros campos sociais”. Protestantismo em Revista. Sep-Dez de 2005, ano 04, nº
3. Disponível na Internet: <http://www. est.edu.br/nepp>. Acesso em: 07/04/2007.
85
sociedade. De maneira especial, a Teoria da Comunicação tem como finalidade refletir sobre
uma prática comunicativa, justificá-la e revisá-la
177
.
Marcio Assumpção, ao falar da Comunicação como ciência no mundo e
particularmente no Brasil, o faz, a exemplo de Sodré, expressando que é uma ciência jovem,
ainda carente de desenvolvimentos mais contundentes em termos de pesquisa
178
. Na mesma
linha de Sodré e Assumpção, Maria Lília Dias de Castro alude que, insistentemente, se fala,
que a área de comunicação careceria de uma origem. Ela expressa: “lamenta-se o fato de a
comunicação não ter a tradição secular da antropologia, as centenas de anos da literatura, as
décadas da lingüística”
179
. Entrementes, esta pesquisadora também se refere que tal fato, quase
consensual entre autores, em certas ocasiões, é tomado como âncora de apoio para justificar
qualquer lapso teórico ou deslize analítico. Nas suas palavras: “É como se a falta de origens,
como uma idéia absolutamente anacrônica de orfandade, fosse um fator de isenção para uma
eventual falta de rigor”
180
.
No entanto, Dias de Castro também chama a atenção para o hibridismo que isso
produz na área da comunicação como elemento de riqueza pela sua diversidade. Referindo-se
à área, ela afirma que
sua especificidade está justamente no trabalho com a diferença, no
enriquecimento com a variedade [...] o desafio é exatamente tirar proveito
dessa multiplicidade: apoiar-se em textos fundadores de outras áreas do
conhecimento sem perder a especificidade da comunicação, buscar a
identidade na convergência.
181
Efendy Maldonado, em sintonia com esses autores, explica que
a Comunicação como campo científico em constituição aparece quase um
século depois das ciências sociais e humanas, estruturadas a partir de meados
177
Cf. GOMES, Pedro Gilberto. Tópicos de Teoria da Comunicação. São Leopoldo: Unisinos, 1995. p. 7-11.
178
Cf. ASSUMPÇÃO, Marcio. Mapeamento da Comunicação no Brasil. In: RUSSI, Pedro David;
WOITOWICZ, Karina Janz (orgs.). Percepção de cultura e sentidos midiáticos. Cadernos de Comunicação
8. São Leopoldo: UNISINOS/PPG Comunicação, 2001. p. 201.
179
DIAS DE CASTRO, Maria Lília. O discurso publicitário: uma proposta de leitura e de interpretação. In:
HENN, Ronaldo et. alli. Mídias e Processos de significação. São Leopoldo: UNISINOS/PPG, 2000. p. 7.
180
DIAS DE CASTRO, 2000, p. 7.
181
DIAS DE CASTRO, 2000, p. 8.
86
do século XIX na Europa e nos Estados Unidos. As investigações, os
filosofemas, os argumentos, as teorias, as fundamentações e as formulações
que tem como objetivo produzir conhecimento em comunicação têm só
algumas décadas de existência no Brasil e menos de 50 anos na América
Latina. Essa realidade explica limitações próprias de uma trajetória curta, de
processos em formação, da necessidade de contar com um tempo de vida
cultural que permita amadurecimentos, mas, ao mesmo tempo, permite
pensar na pertinência de situar o campo da comunicação, na sua
configuração científica, em uma etapa de crise epistemológica (não de poder
prático) do modelo positivista. Nosso campo vai configurando-se nessa
contradição e diversidade, por uma parte busca estabelecer delimitações
necessárias, por outra precisa dar conta dos desafios problematizados pelas
epistemologias dialéticas, hermenêuticas/críticas/culturais e
históricas/críticas.
182
Em relação ao campo, Maldonado também pondera: o campo midiático
183
e a
midiatização apesar de condicionados e hegemonizados por poucas empresas e famílias, não
estão reduzidos a essas realidades. A cultura produzida por essas mídias tem múltiplas
utilizações e resistências. Ao mesmo tempo, a contradição fundamental que obriga o
182
MALDONADO, Alberto Efendy et alli. Metodologias de Pesquisa em Comunicação: Olhares, trilhas e
processos. Porto Alegre: Sulina, 2006. p. 10.
183
Todo campo conforma-se “a partir da existência de um capital e se organiza na medida em que seus
componentes têm um interesse irredutível e lutam por ele”. BERGER, 1998, p. 21. Entre os campos, podem
ser citados: o campo político, o campo jurídico, o campo econômico, o campo religioso, o campo midiático e
o campo social. Com esses dois últimos, pela sua aparente independência, nos ocuparemos mais adiante.
Pierre Bourdieu coloca que, “com a noção de campo, obtêm-se o meio de apreender a particularidade na
generalidade, a generalidade na particularidade. Pode-se exigir da monografia mais ideográfica proposições
gerais sobre o funcionamento dos campos e pode-se levantar, a partir de uma teoria geral do funcionamento
dos campos, hipóteses muito poderosas sobre o funcionamento de um estágio particular de um campo
particular”. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. São Paulo: Difel, 1990. p. 171. Bourdieu define o
campo social como um espaço microcosmo detentor de relativa autonomia, dotado de leis sociais
próprias que diferem das do macrocosmo, e do qual fazem parte agentes e instituições que aparecem
ocupando uma posição dentro de determinada estrutura. Essa posição estará sempre orientando o agir desses
agentes, dque Bourdieu enfatiza a necessidade de saber desde que lugar o agente está falando para assim
compreender sua tomada de posição. O conceito de campo social permite definir fronteiras. E estas fronteiras
são necessárias para poder encontrar diferenças e semelhanças, confluências e conflitos entre partes, mas,
principalmente, poder dizer quais são essas partes e o porquê de sua diferenciação. Cf. BOURDIEU, Pierre.
Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004. O
campo midiático possui uma certa autonomia com relação aos outros campos. Essa autonomia vem do fato de
ter “uma ordem axiológica própria”, a ordem dos valores de mediação entre as restantes instituições; função
que, por sua vez, é legitimada pelos outros campos ou instituições. A função de mediação feita pelo campo
midiático entre os diferentes campos é de natureza tensional, isso vai legitimar mais ainda a autonomia da
mídia enquanto campo. Os demais campos sociais precisam do midiático para levar adiante suas estratégias
mobilizadoras, porque é nesse espaço que contam com os mecanismos retóricos discursivos
necessários. Cf. RODRIGUES, Adriano D. A gênese do campo dos media. In: _____. et alli. Reflexões sobre
o mundo contemporâneo. João Pessoa: Universidade Federal do Piauí / Revan, 2000. p. 31s. Mesmo assim,
seria importante salientar que muitas das funções de mediação são asseguradas por outros dispositivos que
estão fora dos meios de comunicação social, por isso, não se pode falar de uma total autonomia deste campo.
Cf. RODRIGUES, Adriano D. Estratégias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1997, p. 152.
87
capitalismo a produzir a menos custos democratiza a possibilidade de acesso às tecnologias.
Constata-se atualmente um fluxo contínuo de produção audiovisual, musical, plástica,
impressa e radiofônica que está fora do circuito das grandes redes e, em alguns casos, alcança
níveis de expansão consideráveis. O fato é que as novas condições de produção de cultura
midiática possibilitadas pelos suportes digitais e pela Internet mudaram, de maneira estrutural
profunda, não a lógica do capital, mas os processos produtivos no campo midiático e no
conjunto dos campos sociais (político, educativo, religioso, econômico, militar, jurídico e
principalmente científico).
184
Jairo Ferreira entende o campo acadêmico da comunicação
como lugar de posições individuais, de dispositivos e de instituições
vinculadas à produção de conhecimento científico. O campo da comunicação
abrange o acadêmico, mas não se restringe a ele (inclui, entre outros, o
campo das mídias). O campo acadêmico da comunicação é espaço social ao
qual corresponde um campo de conhecimento e de significação singular [...]
o campo é dinâmico e se auto-organiza. O campo se transforma conforme as
interações dos agentes individuais e coletivos que o compõem, dos
dispositivos que o constituem e suas formas institucionais.
185
Armand e Michèle Mattelar, teórico e teórica da comunicação, ao abordarem as
teorias fundadoras oferecem um leque histórico muito importante na hora de estabelecer
qualquer juízo crítico
186
.
Primeiramente aludem à Teoria Funcionalista da Comunicação de
massas. Essa teoria incluiria conceitos como manipulação, persuasão, efeitos do emissor sobre
o receptor. Estabelece uma relação de dominação entre meios e indivíduos. Considera um
emissor ativo que, visando um objetivo, produz estímulos para atingir um receptor
considerado potencialmente passivo, incapaz de reagir. Essa é a teoria do funcionalismo
norte-americano.
184
MALDONADO, 2006, p. 9.
185
FERREIRA, Jairo. Campo Acadêmico e Epistemologia da comunicação. In: LEMOS, André et alli. (orgs.).
XII Compôs-2003: Mídia. BR. p. 115s.
186
MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das Teorias da Comunicação. São Paulo:
Loyola, 1999. p. 135-155.
88
A Teoria Crítica, criada por pesquisadores da escola de Frankfurt
187
, acentua ainda
mais essa relação de dominação já existente. Se na teoria funcionalista os meios de
comunicação se convertem em instrumentos de dominação mediante a persuasão através da
publicidade, na teoria crítica
188
, eles são tidos como instrumentos de dominação por meio da
alienação. Dessa forma, a preocupação passa a ser “conscientizar as pessoas para que não se
deixem dominar”. Ambas teorias estão centradas no poder do emissor, como aquele capaz de
intervir na conduta das pessoas e aliená-las para seus próprios interesses. O receptor
apresenta-se como peça fácil de ser manipulada, dominada. O receptor não é sujeito, é objeto.
Uma nova visão chega à comunicação com os Estudos Culturais, apresentados na
década de 1960 pela Escola de Birmingham, na Inglaterra. Neles, o processo de comunicação
é visto de forma mais ampla e complexa, procura ser compreendido com base na cultura e
estabelece uma ruptura com o que se entende por comunicação midiatizada. Mais que um
processo ideológico ou de dominação (como era visto pelas teorias anteriores), eles o colocam
como um processo embasado na negociação, um constante negociar dos sentidos na vida
cotidiana, no qual os receptores não são mais objetos e sim sujeitos, pessoas que resignificam
individualmente as mensagens que recebem. Os Estudos Culturais deslocam o olhar do
emissor ao receptor e reconhecem um papel ativo na construção de sentido das mensagens,
sendo destacada a importância tanto da recepção quanto do contexto na recepção
189
.
187
“Em seu sentido mais geral, a teoria crítica é uma teoria sociológica que tem por objetivo explorar o que
existe por detrás da vida social e descobrir os pressupostos e máscaras que nos impedem de compreender
plena e verdadeiramente como o mundo funciona [...] é comumente vinculada a um grupo de cientistas sociais
da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, que se autodenominavam Escola de Frankfurt. Formado em
1922, o grupo transferiu-se para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra mundial e voltou à Alemanha
em 1949, onde continuou a existir até 1969. A dinâmica principal do trabalho de grupo consistia em criticar a
vida sob o capitalismo e as maneiras predominantes de explicá-la. Argumentavam que a economia não
determinava a forma da vida social. Enfatizavam a importância da cultura e elaboraram um enfoque crítico da
arte, da estética e da mídia. Entre os numerosos sociólogos ligados a Escola estão: Theodor Adorno, Erich
Fromm, Jürgen Habermas, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Felix Weil”. JOHNSON, Allan G.
Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Tradução: Ruy Jungmann. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 232.
188
Um minucioso comentário e avaliação da “teoria crítica pode ser encontrado em: HANKE, Michael. A
Teoria Critica: Dilemas e contribuições em relação à mídia e à comunicação. In: LEMOS, André et. alli.
(orgs.). Livro da XII Compós- 2003: Mídia.BR. Porto Alegre: Sulinas, 2004. p. 96-111.
189
Cf. MATTELART, Armand; NEVEU, Erik. Los cultural studies. Hacia una domesticación del pensamiento
salvaje. La Plata: EPC, 2002. Cf. também HALL, Stuart. Da Diáspora. Identidades e mediações culturais.
Belo Horizonte: UFMG, 2003.
89
O surgimento de uma nova teoria não significou, de maneira alguma, o
desaparecimento das “anteriores”. Tentar situá-las num “tempo” determinado seria muito
ousado, pois, de alguma maneira, elas vêm “convivendo”, muito antes de serem consideradas,
propriamente dito, como “teoria”. Quiçá, seja este outro motivo pelo qual falar em
comunicação se torna tão diverso e complexo, dependendo do referencial teórico que se
adote. Por isso, é importante ressaltar que nossa compreensão de comunicação vai além das
técnicas e dos meios como instrumentos. Entendemos a comunicação — segundo Mattelart —
como uma dimensão constitutiva das práticas sociais, em relação inseparável com a cultura
que, por sua vez, a compreendemos como produção (economia) e recreação social (política)
do sentido, como o terreno onde se luta pela hegemonia, pelo poder de nomear legitimamente
as visões e divisões do mundo, poder como relação e não como imposição
190
.
A partir dessa compreensão, surge, por decorrência, a pergunta pela resistência.
Resistência vista como “tácticas do débil para reinventar a ordem dominante”
191
. Pensamos os
meios como configurações culturais históricas e a cultura como aquilo que designa a
dimensão simbólica presente em todas as práticas, nas linhas de Birmingham. No entanto,
essas linhas estarão permeadas também pela leitura e apropriação conceitual que
pesquisadores latino-americanos tem feito desta escola.
2.2.2. Estudos Culturais
O Centre for Contemporary Cultural Studies da universidade de Birmingham na
Inglaterra foi criado em 1964
192
. e abarcou uma série de investigações que se conhecem com
o nome de Estudos Culturais. A originalidade deste enfoque reside em problematizar a cultura
como o lugar central de tensão entre os mecanismos de dominação e de resistência, uma
190
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 14.
191
MATTELART; NEVEU, 2003, p. 14.
192
Existem autores que vinculam a origem dos Estudos Culturais de Birmingham a década de 1970. Por isso, em
algumas literaturas, o surgimento da escola é datado nesse período. Esses autores fazem sua análise deixando
de fora os “pais fundadores” e a suas investigações, aquelas que deram origem à escola, alegando que nesse
início as investigações, ao estilo Birmingham, seriam muito difusas e, inclusive, que já se faziam pesquisas
semelhantes em outras partes do mundo, por exemplo na América do Norte. Cf. ANG, Ien. Living Room
Wars: Rethinking Media Audience for a Postmodern World. Londres: Routledge, 1996. p. 3.
90
investigação fortemente comprometida com a sociedade. É nesta corrente de pensamento que
emerge uma versão européia do estudo etnográfico das culturas populares
A escola de Birmingham tem, entre seus “pais fundadores”
193
, Richard Hooggart,
Raymond Williams, Edward P. Thompson e Stuart Hall
194
. Como expressam Mattelart e
Neveu “no terreno acadêmico duas formas de marginalidade marcam essas figuras
fundadoras”. Williams, Hoggart e, de certo modo, também Hall possuem uma origem popular
que os converte em personagens que chocam o âmbito universitário britânico. Por outro lado,
em Hall e em Thompson, pode-se perceber uma dimensão cosmopolita, uma experiência da
variedade de culturas que lhes oferece um perfil intelectual específico e pelo qual
desenvolvem uma sensibilidade produtiva com relação às diferenças culturais. São trajetórias
sociais, trajetórias de vida atípicas, se comparadas com a dimensão social muito fechada do
sistema universitário britânico
195
, o establishment universitário observou com não poucos
receios a intromissão de um grupo com um estatuto acadêmico marginal”
196
.
Inscrito no recorrido investigativo dos primeiros pesquisadores dos Cultural Studies,
encontra-se a vontade de se contrapor ao paradigma então dominante da mass
communication research da sociologia funcionalista estadunidense. Trata-se de uma pesquisa
com uma crítica diferente, ancorada nas praticas culturais
197
. aqueles que definem, os
cultural studies, como um campo de estudo que não pretende ser tão rígido e fixo como uma
disciplina, que se propõe a abrir as questões e não fechá-las
198
, um processo, uma espécie de
193
Para uma biografia concisa destes fundadores, cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 81-84.
194
Stuart Hall é considerado por Mattelart e Neveu como um dos pais fundadores dos Estudos Culturais. No
entanto, outros autores, (Ana Carolina D. Escosteguy, Neuza Maria de Fátima Guareschi, Michel Euclides
Bruschi) não o reconhecem como tal. Cf. GUARESCHI, Neusa Maria de Fátima et alli. Psicologia Social e
Estudos Culturais: Rompendo fronteiras na produção do conhecimento. In: _____; BRUSCHI, Michel
Euclides (orgs.). Psicologia Social nos Estudos Culturais: Perspectivas e desafios para uma nova psicologia
social. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 52. Isso se deve em vista do fato de que Hall, convidado por Hoggart para
fundar o Centro, se incorpora ao grupo no ano de 1964 e inicia sua pesquisa vinculada ao grupo dos três
pesquisadores existentes. Esses três autores desde finais da década de 1950, tinham uma reflexão em
conjunto. Eles buscavam mobilizar as ferramentas da crítica literária e utilizá-las para pesquisar temas que,
até então, eram considerados ilegítimos na academia. Eles concentraram-se no universo das culturas e práticas
populares em oposição às culturas letradas. Levavam em conta a diversidade dos bens culturais que abarcava
os produtos da cultura dos meios de comunicação social, assim como também, os estilos de vida e não as
obras literárias. Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 34.
195
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 30s.
196
MATTELART; NEVEU, 2003, p. 33.
197
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 19.
198
GUARESCHI et alli, 2003, p. 23.
91
alquimia para produzir conhecimento útil, no qual qualquer tentativa de codificá-los poderia
paralisar suas reações
199
. Alguns autores destacam que a codificação de métodos ou
conhecimentos vai contra as principais características dessa escola: sua abertura e
versatilidade teórica, seu espírito reflexivo e a importância da crítica
200
.
Os Estudos Culturais, que se originaram na intersecção do neo-marxismo, da
lingüística e da psicanálise buscam uma tríplice superação. Em primeiro lugar, a do
estruturalismo que fica circunscrito a exercícios herméticos de deciframentos de texto, como
no caso da investigação francesa. Em segundo lugar, as das versões mecanicistas da ideologia
marxista, por exemplo, a obra de Gramsci. A última superação seria a da sociologia
funcionalista norte-americana dos meios de comunicação social, com os aportes da escola de
Chicago com relação aos estudos de recepção
201
. Mais tarde, adicionam a suas pesquisas
outras categorias de analise entre as quais podem ser citadas: feminismo, gênero, raça, etnia e
identidade.
Os Estudos Culturais tinham como princípios fundadores
a identificação explicita das culturas vividas como um objeto distinto de
estudo, o reconhecimento da autonomia e complexidade das formas
simbólicas em si mesmas, a crença de que as classes populares possuíam as
suas próprias formas culturais, dignas do nome, recusando todas as
denúncias, por parte da chamada alta cultura, de barbárie das camadas
sociais mais baixas, e a insistência em que o estudo da cultura não deveria
estar confinado a uma única disciplina, mas era necessariamente inter ou
mesmo anti-disciplinar tudo isso teve como resultado uma modesta
revolução intelectual (Schwarz, 1994, p. 380).
202
Desde a sua fundação, o Centro de Birmingham contribuiu para a elaboração de
múltiplas obras valiosas, na medida em que constitui um lugar de formação de uma geração
de pesquisadores que até hoje animam, de modo significativo, outros lugares e formas de
produção do conhecimento, tanto na Inglaterra quanto em outros paises. O Centro constituiu,
nos primórdios, um extraordinário eixo de animação científica que operou como plataforma
199
JOHNSON, Richard. O que é, a final, estudos Culturais? In: SILVA, Thomaz Tadeu da (org.). O que é, a
final, estudos Culturais?. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 10.
200
Cf. GUARESCHI et alli, 2003, p. 23
201
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 38.
202
GUARESCHI et alli, 2003, p. 64.
92
giratória para o labor multiforme de importação e adaptação de teorias. Contribuiu, também,
para desabrochar um conjunto de terrenos de investigação relacionados com as culturas
populares e os meios de comunicação social. De igual maneira, a combinação da diversidade
das referências teóricas, com a fluidez dos núcleos de interesses, conduziu ao caráter
sumamente heterogêneo dos estudos e procedimentos agrupados no padrão do Centro. Disso
decorre a posterior dispersão das trajetórias seguidas pelos diversos protagonistas
203
.
Ainda sobre o Centro, Mattelart e Neveu dizem que
seu legado, no que tem de mais inovador e duradouro, se explica pelo fato de
que duas gerações de pesquisadores investiram num trabalho científico
distintas formas de paixão, ira e militância contra uma ordem social que
consideravam injusta e que desejavam mudar.
204
Afirmam também que sua magia radica no fato de que
soube encarnar num dos raros períodos na vida intelectual em que o
compromisso de pesquisadores não ficou esterilizado pela ortodoxia e a
cegueira, senão que se apóia em uma grande sensibilidade pelos desafios
sociais, contrapondo-se, assim, ao efeito “torre de marfim produzido pelo
mundo acadêmico.
205
A partir da década de 1990, Hall sobre a base de seus diagnósticos com referência
as novas condições da formação das identidades sociais não deixou de afirmar a
centralidade que a cultura tinha chegado a alcançar na gestão das sociedades e do planeta
como um todo. Isso trouxe um novo posicionamento dos Estudos Culturais, através da
insistência em determinados fatores que obrigavam a superarem fronteiras. A saber: 1) A
“globalização” de origem econômica, processo parcial de decomposição das fronteiras que
forjaram tanto as culturas nacionais quanto as identidades individuais, especialmente na
Europa; 2) A fratura das “paisagens sociais”, nas sociedades industriais avançadas, trouxe
como conseqüência que o “eu” (self) faz parte, de agora em diante, de um processo de
elaboração de identidades sociais no qual o indivíduo vai se definir com respeito a distintas
coordenadas, sem que fique reduzido a uma ou várias delas (seja classe, etnia, nação, gênero);
203
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 33.
204
MATTELART; NEVEU, 2003, p. 40.
205
MATTELART; NEVEU, 2003, p. 40.
93
3) A força das migrações, que transforma silenciosamente nosso mundo atual; e 4) O
processo de homogeneização e diferenciação, que socava desde todas as ordens, a força
organizadora das representações do Estado-nação, a cultura nacional e a política nacional
206
.
É, também, na década de 1990 que se acelera o processo de “expansão planetária” dos
Cultural Studies, uma migração em direção a América do Norte, a América Latina, a
Austrália e alguns países da Ásia. Eles se colocam no centro de uma espiral expansionista e
não deixam de reivindicar, como elementos constitutivos da sua identidade, novos autores,
novos objetos e novos problemas. Ao mesmo tempo, vivenciam processos contraditórios,
vinculados com a erosão implacável de um conjunto de “bases e suportes” que estavam na
origem desta corrente. Como exemplo, poderia ser citado o processo de despolitização que
este fenômeno sofre na própria Inglaterra
207
.
O Centro de Birmingham não trabalhou, em seus inícios, especificamente, com
pesquisas sobre comunicação. Estas foram subseqüentes — cujos objetos perpassavam a
comunicação as que encontraram, nos referenciais da Escola, instrumentos e elementos
para entender de maneira diferente esse processo comunicacional
208
, pretendesse analisá-lo e
apreendê-lo em toda sua complexidade. Conhecer mais a fundo esta Escola se torna
indispensável, ainda mais quando nossa pesquisa pretende, desde as múltiplas dimensões da
cultura, pensar qual o lugar dos meios nos modos de estar junto”, nas formas em que
construímos os “nós” e os “outros”.
O conceito de cultura do qual nos apropriamos para orientar nossa pesquisa parte da
compreensão do termo oferecido por Williams e que por sua vez é aquele que marca a
discussão dos Estudos Culturais. Cultura é compreendida como: “uma descrição de uma
determinada maneira de viver, que expressa certos sentidos e valores não apenas na arte e na
206
Cf. HALL apud MATTELART; NEVEU, 2003, p. 55.
207
Cf. MATTELART; NEVEU, 2003, p. 59s.
208
Muitas tem sido as criticas feitas à leitura e, principalmente, à apropriação que, dos Cultural Studies de
Birmingham, se tem realizado. Muitos autores criticaram o fato deles serem pegos como “moda” sem a
necessária reflexão epistemológica, ou ainda a utilização da etnografia como receita salvadora de toda
situação. No entanto, esses elementos também apontam, como percebe Erik Neveu, aos usos criativos que se
tem dado aos cultural studies na América Latina, especialmente nos trabalhos de Jesús Martín-Barbeiro e
Néstor García Canclini. Na América Latina, não só foi feito o reconhecimento da Escola senão que se
conseguiu fazer uma re-apropriação original das ferramentas teórico-metodológicas expostas pela Escola. Cf.
MATTELART; NEVEU, 2003, p. 16.
94
aprendizagem, mas também nas instituições e no comportamento usual, ordinário”
209
. Esse
tipo de definição compreende elementos não considerados cultura por outras definições, como
a organização de sua produção e a estrutura de instituições que administram as relações
sociais
210
. Com esse tipo de concepção e tendo objetos de pesquisas diferentes, os Estudos
Culturais animam uma certa violação das fronteiras disciplinares no mundo institucional e
acadêmico do qual faziam parte.
O título do Livro de Mattelart e Neveu, “Os Estudos Culturais: rumo a uma
domesticação do pensamento selvagem”, deixa explícito o recorrido feito pelo Centro de
Birmingham desde a sua fundação, com seus acertos e desacertos, sua diversidade na
pesquisa, suas gerações de pesquisadores e os variados interesses e linhas seguidas e
debatidas por eles. A “domesticação” que, por uma ou outra razão, o “pensamento selvagem”
do Centro de Birmingham têm sofrido ao longo de décadas, não no país britânico, mas
também em muitas outras partes do mundo, não trouxe, paralelamente, o engessamento ou
aniquilação do projeto, muito pelo contrário, converteu a Escola em linha de debate e
reformulação permanente. Talvez seria prudente afirmar que o selvagem continua até hoje
dando trabalho à domesticação.
Temos a certeza de que, ainda hoje, existem sociedades que parecem não ter
conhecido os Estudos Culturais. Sociedades que continuam aferradas e regidas por um
esquema de comunicação linear, no qual o receptor não deixa de ser tomado como um ser
humano sem face, simples objeto, passível de manipulação. São essas sociedades — ou
grupos em diferentes sociedades — as que majoritariamente outorgam um poder ilimitado aos
meios de comunicação. Fazem da mídia
211
o “perigo iminente”, talvez para desviar a atenção
209
WILLIAMS, Raymond. The analysis of culture. In: BENNET, Tony et alli. (Orgs.). Culture, ideology and
Social Process – A Reader. London: The Open University, 1989. p. 43.
210
Para ampliar esta afirmação, cf. GUARESCHI et alli, 2003, p. 53-64.
211
O vocábulo mídia, especificamente, provém da apropriação que se faz desde a língua portuguesa, da
expressão anglo-saxônica mass media. Em espanhol o termo usado é media. Verón considera a mídia desde
um critério de acessibilidade às mensagens, assim como, às condições em que isso acontece. Isto é, mídia
“como dispositivo tecnológico de produção e reprodução de mensagens, que está necessariamente associado a
determinadas condições de produção e a determinadas modalidades ou práticas de recepção de tais
mensagens”. No entanto, também se refere a ela como “mercado”, apresentando e caracterizando seu
conjunto como “oferta discursiva”. Cf. VERÓN, Eliseo. Comunicación. Buenos Aires: Verón & Asociados,
1997. p. 9-15. Os autores Bolter e Grusin, continuando na perspectiva sociocultural a qual alude Verón,
assinalam que uma mídia, para ser considerada como tal, precisa de um “reconhecimento cultural”.
95
de “outros perigos” que bem poderiam ser eles próprios —, diminuindo-os ou até
anulando-os.
Optamos pelo referencial teórico dos Estudos Culturais por entender e compreender a
comunicação como processo e não de maneira linear. Pensamos que essa abrangência teórica
permite uma melhor leitura e compreensão de nosso objeto, precisamente pelo fato de ser
nosso objeto tão abrangente. Na comunicação como processo, além do emissor, o meio e o
receptor, entende-se que múltiplas mediações interatuando. Essas múltiplas mediações
212
são chaves para nos aproximar à compreensão dos sentidos construídos pelas pessoas. Na
comunicação como processo, a recepção, a cultura e o cotidiano jogam um papel
fundamental. A pergunta que permanece para ser desvendada seria: Como foi se dando o
entrecruzamento dos campos religioso e comunicacional nos últimos anos?
Reconhecimento cultural que responde à aceitação e inclusão dessa tecnologia no cotidiano e que se num
processo de apropriação cultural que nem sempre fecha com aquilo esperado desde o lado da produção
tecnológica. Então, uma mídia é reconhecida como tal quando, ao fazer parte do convívio das pessoas,
passa a ser culturalmente reconhecida e aceita. Cf. BOLTER, J. P. e GRUSIN, R. Remediation:
Understanding new media. Cambridge: MIT Press, 1999. p. 65. Ao falar em mídia, faz-se referência ao
conjunto dos meios de comunicação social: imprensa escrita, radiodifusão sonora e televisiva, publicidade e
cinema. Cf. RODRIGUES, 1997, p. 152. Na atualidade, agregam-se: bancos de informação, satélites de
comunicação, infovías, tecnologias de hipermídias, entre outros. Esses últimos contêm maior velocidade de
fluxo de capitais, de mercadorias, de pessoas, de idéias. Cf. SODRÉ, 1996, p. 31-33. Cabe ressaltar que a
televisão continua sendo a mídia com maior penetração no mercado da oferta discursiva midiática.
212
Seria importante chamar a atenção para a diferença terminológica, processual e conceitual entre mediação e
midiatização. Quando se fala em mediação, se está fazendo referência à função de estar no meio e, portanto,
“mediar” entre partes; esse processo se dá também fora da mídia. o processo de midiatização constitui o
que seria uma mediação midiática, isto é, um processo de mediação feito desde o campo midiático e de
acordo com as suas lógicas próprias. Cf. SODRÉ, 2002, p. 21. Eliseo Verón sustenta que a análise do
processo de midiatização permite identificar as relações que existem entre a mídia, os atores individuais e as
instituições. No entanto, é o próprio Verón quem também alerta para a complexidade do processo de
midiatização, o qual não deve nem pode ser reduzido a um modelo ou esquema. Cf. VERÓN, 1997, p. 15.
Maria Cristina Mata assinala que se poderia pensar a ação e as dinâmicas articuladas dos diferentes campos
sociais com o campo midiático como processo de midiatização. Tomando como base o campo político, ela
observa que se constata uma transformação nos modos de pensar e fazer política. Cf. MATA, 2001, p. 59.
Três, no mínimo, são as mudanças substanciais passíveis de serem observadas: 1) substituição das instituições
juridicamente consagradas como lugares para e da representação cidadã parlamento, juizado, partidos
pelos meios de comunicação; 2) substituição dos sujeitos-atores clássicos da política políticos,
governantes, cidadãos, militantes — pelos novos sujeitos midiáticos, a saber, jornalistas, condutores de
programas, público, entrevistados; 3) substituição dos cenários da ação política do partido ao set televisivo,
da praça à platéia. Vale salientar que a emergência do campo midiático ocorre na segunda metade do
século XX e a sua consumação recém acontece efetivamente na metade da década de 1980, momento em que
o planeta fica completamente coberto de satélites de telecomunicações. Cf. RODRIGUES, 2000, p. 31s.
96
2.3. Comunicação religiosa
Pierre Babin, no primeiro capítulo de seu livro, A era da Comunicação, relata:
Por volta dos anos sessenta, fiquei sensibilizado com uma advertência feita
pelo pastor A. Wyler, diretor da Agencia Protestante de Pesquisas
Catequéticas de Genebra: ‘tu tens nos ajudado muito, disse-me, através dos
livros de educação religiosa que escreveste, mas hoje o povo fala uma outra
língua, o audiovisual’. Desde então a questão não parou de me importunar
[...].
213
No entanto, o próprio Babin comenta em outras páginas do livro: “Quando nos anos
1965-1970, comecei a introduzir na universidade um curso e uma prática audiovisual, um
confrade perguntou sorrindo: ‘O que aconteceu para que o nível caísse tanto?
214
. Essas duas
citações do mesmo autor mostram claramente a dinâmica através da qual, por varias décadas,
tem sido dado e experienciado o entrecruzamento religião-meios. Uns pensando que seria o
mais importante, outros achando que seria mesmo um absurdo. Que fazer perante tal
dicotomia? Qual seria o caminho correto a seguir, se é que ele existe?
Babin afirma que em tempos de mudança, de câmbios, o mais importante de ser a
formação. Ele aponta:
Desde os anos 50 os documentos que emanam do concilio, do papa, dos
organismos oficiais da igreja, sublinham a importância crescente das
comunicações sociais, a necessidade de consagrar forças e meios a elas.
Entre estes meios, em primeiro plano, a formação [...] formação para a
inteligência destes tempos e para o domínio dos novos modos de
comunicação [...] formação em institutos, seminários e universidades. Creio
urgente propor um novo espírito de comunicação, métodos e um curso [...]
fora do sistema universitário regular [...] esta formação [...] exprimirá as
próprias características da nossa cultura.
215
Seguindo na sua linha de pensamento, Babin ainda afirma:
[...] cabe a nós formar um “terceiro homem a vir” [...] Um terceiro homem,
animador de rádios livres, mas também animador religioso regional;
213
BABIN, Pierre. A era da Comunicação. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 5.
214
BABIN, 1989, p. 256.
215
BABIN, 1989, p.255-265.
97
responsável por programas religiosos na televisão, mas também responsável
por sessões ou centros de formação; operador audiovisual de montagens e de
cassetes, mas também encarregado da catequese e da liturgia; líder de
opinião, mas também homem de experiência espiritual. Um homem de
comunicações interpessoais e de comunicações pelas mídias, radar exposto
tanto ao sopro do Espírito como aos dos homens deste tempo, um homem
ampliador da Palavra.
216
Seria este o ser humano formado em e pela Canção Nova? Carlos Valle, teólogo e
comunicador cristão, vinte anos mais tarde, expressava, ao mesmo tempo em que alertava:
Os modernos meios m produzido enormes câmbios na percepção da
comunicação, o que antigamente se dizia para um pequeno grupo agora pode
ser dito para milhões, isso trouxe o engano que se denominou “o modelo
hipodérmico”: o receptor como paciente a quem o enfermeiro emissor injeta
a mensagem que aquele recebe passivamente. Alguns evangelistas
assumiram esta concepção da comunicação, tempos depois ficou
demonstrado que este modelo é uma distorção do que na verdade é a
comunicação, principalmente a comunicação da boa noticia. A eficácia da
comunicação não é produto do controle que se consiga exercer. No entanto,
tambémo pode ser descartada a influência que, de uma ou outra forma, os
meios exercem numa determinada situação, só que não é uma influência
linear, é processual.
217
As colocações, argumentações, alertas, desde qualquer posição, não cessam com o
passar do tempo. Se as ciências da comunicação estão “a caminho” de definirem-se de
maneira mais consensual como ciência, assim também, “a caminho”, vai a comunicação
religiosa. Não enxergamos tal estágio como problemático, para nenhuma das duas, muito pelo
contrário, o consideramos muito rico epistemologicamente. No entanto, nesse processo de
construção, desconstrução e reconstrução, várias facetas devem ser cuidadosamente
observadas.
Valle explicita pontos que, na comunicação religiosa, na sua maneira de análise,
seriam indubitavelmente inquestionáveis: 1) A mensagem não se no vácuo, não se emite
nem se recebe na passividade, o emissor não atua unilateralmente e o receptor não recebe no
vácuo, nem os efeitos da mensagem são tão rotundos, uma interação na qual todos os
elementos se fertilizam entre si; 2) o entorno joga um papel clave no processo como um todo;
216
BABIN, 1989, p. 264s.
217
VALLE, 2002, p. 37s.
98
3) os meios não são tão determinantes na opinião pública. Ele vai afirmar que os meios de
comunicação têm a possibilidade de nos oferecer um vasto campo de possibilidades para
participar criativamente na nossa vida social
218
.
Com tal argumentação, Valle reafirma a importância que detém o lugar dos meios na
comunicação religiosa, mas faz isso sem deixar de enxergar as limitações que os próprios
meios também possuem. O autor ressalta que é importante saber que o meio usado na
comunicação religiosa, de uma forma ou de outra, não será meramente veículo do que se
procura comunicar, pois, pela sua dinâmica própria, o meio insuflará seu conteúdo à
comunicação que se quer. O meio tem a capacidade de prover e a possibilidade de clarificar,
retificar, acrescentar ao conteúdo que é transmitido; daí que sua escolha deva ser feita de
acordo com a finalidade que se persiga, seja para liturgia, para predicação, para música, para
arte etc.. Valle chama atenção para a, não menos importante, preparação do agente que desse
meio fará uso
219
.
Os trabalhos mais relevantes sobre comunicação religiosa na contemporaneidade
podem ser encontrados nas publicações lançadas pela World Association for Christian
Communication (WACC)
220
. Essa organização, fundada em Londres o dia 12 de maio de
1975
221
, tem como finalidade agrupar pessoas, jurídicas e físicas, que desejam dar prioridade
aos valores cristãos no contexto das necessidades de comunicação e de desenvolvimento no
mundo. Essa associação se autodeclara ecumênica e conta com a colaboração ativa tanto de
ortodoxos quanto de protestantes e católicos romanos, todos representantes de igrejas e
agências que se interessam com a temática comunicacional ou são profissionais deste ramo
222
.
218
Cf. VALLE, Carlos. Evangelización y Comunicación. Visiones y Herramientas (itinerario por la teología
práctica). Vol III. Buenos Aires: ISEDET, 2005. p. 39.
219
Cf.VALLE, 2005, p. 33-40.
220
Associação Mundial de Comunicação Cristã.
221
Ainda que se considere essa data como data de fundação, no site da WACC, Lê-se que suas origens remontam
25 anos antes, quando foi celebrada uma reunião de radiodifusores cristãos de várias agências nacionais de
rádio difusão na Europa. Esta reunião foi celebrada em Chichaster, Inglaterra, em 1950. <http://www.wacc-
al.net/quees.html>. Acesso em: 10/12/2006.
222
A WACC está organizada em oito regiões a nível mundial e conta com um Comitê Central que atua como
órgão diretor. A sede do Comitê Central esteve por muitos anos em Londres. Atualmente, tem seu escritório
em Toronto, Canadá. Cf. ARTHUR, Chris. A globalização das comunicações: Algumas implicações
religiosas. Tradução: Walter Schlupp. São Leopoldo: Sinodal, 2000. p. 77s.
99
A WACC, como organização profissional, oferece a grupos cristãos, comunicadores
cristãos e, em especial, ao movimento ecumênico, orientação sobre política de comunicações,
“interpretando desenvolvimentos na área de comunicações em nível mundial, discutindo as
conseqüências que esse desenvolvimento traz para as igrejas e comunidades em todo o mundo
[...] e prestando assistência ao treinamento de comunicadores cristãos”
223
. Muitos temas têm
sido discutidos e debatidos nos encontros proporcionados por essa associação. Alguns deles
são: relações entre religião e mídia numa era de globalização; diretrizes religiosas para
ordenar a poluição de informação em alguma ordem de prioridades; igrejas fortalecendo o
papel ético, ecológico e educacional da mídia no sentido de manter estruturas democráticas;
até que ponto o “oceano de imagens” atual modificou nossa noção de nós mesmos e dos
outros; a noção do nosso lugar no universo; nossa noção de tempo e memória; nossa noção de
Deus.
2.3.1. As Igrejas, os meios e a evangelização
As igrejas têm tido uma história “interessante” com relação aos meios de
comunicação. Alguns autores e autoras a descrevem como uma relação de amor e ódio
224
. Os
meios, antes de serem “amados” pelas diferentes denominações, foram primeiramente
“satanizados” e, mesmo quando o “amor” chegou, a relação que se estabeleceu foi, quase
sempre, paternalista e autoritária.
Primeiramente, as igrejas pretenderam que os meios se limitassem a ser meros
instrumentos a seu serviço, logo após, outorgaram-se a autoridade para ensinar seu uso correto
ao mesmo tempo em que criam que a audiência tinha que ser protegida, dirigida e controlada.
Hoje, a crítica das igrejas expressa que os meios estão usurpando o papel que corresponde à
religião na sociedade
225
.
223
ARTHUR, 2000, p. 78.
224
Cf. GOMES, Pedro Gilberto. Decifra-me ou te devoro... sobre a evangelização e a mídia do ponto de vista da
comunicação. Perspectiva Teológica. Ano XXXIV, No 94, set/dez, Belo Horizonte, MG, 2002. p. 335. Cf.
também VALLE, 2002, p. 26s.
225
Cf. VALLE, 2002, p. 25-34.
100
De maneira pontual, por muitas décadas, a Igreja Católica Romana tem liderado essa
relação igreja-meios. Há dois aspetos, no pensar de Antônio César Moreira Miguel, que
devem ser considerados ao se debruçar nas pesquisas destes temas, a saber: o aspecto
histórico e o aspecto conceitual ou político. Moreira vincula o aspecto histórico ao projeto
conhecido como LÚMEN 2000, uma “cruzada para a evangelização em grande escala”, que
consistia em uma programação religiosa, transmitida via satélite, durante 24 horas por dia,
mas que se caracterizava por uma visão espiritualista do mundo, dando menos importância ao
aspecto social e transformador
226
.
Irmã Paulina afirma que, na relação Igreja e Comunicação, podem ser definidas
nitidamente quatro fases. Essas fases são colocadas no contexto dos novos instrumentos de
reprodução simbólica, iniciado com a imprensa, no século XV, de modo que os novos meios
de transmissão do saber vão sendo absorvidos, utilizados e instrumentalizados de acordo com
o paradigma de comunicação da época.
A primeira fase, se carateriza por um comportamento da Igreja orientado para o
exercício da censura e da repressão, tratando-se de um periódo extenso e intenso que se
projeta por meio da inquisição. A Igreja, nesta fase, faz o intermedio entre a produção do
saber (não somente o teologico) e a sua difusão na sociedade
227
.
Uma segunda fase, na compreensão da Irmã Paulina, demonstra mudanças profundas,
caracterizadas pela aceitação desconfiada dos novos meios. Como exemplo disso, pode-se
citar o exercício do controle sobre a imprensa. A vigilância sobre o cinema e o rádio
marcaram a trajetória da Igreja na época. Mesmo assim, uma exigência de compreender e
utilizar os meios.
A sociedade que se transformava, rapidamente, impelia a Igreja a adaptar-se
aos novos tempos e o comportamento eclesial sofre alterações: começa a
226
Cf. MOREIRA MIGUEL, Antônio César. Semelhanças e Diferenças entre as mídias. In: CIPRIANO
RABELO, Desirée (Org.). Mutirão Brasileiro de Comunicação. 3 ed. Porto Alegre: PadreReus; São
Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 37-40.
227
Cf. PUNTEL, Joana T (Irmã Paulina). Contribuições e Desafios das Mídias Católicas. In: CIPRIANO
RABELO, Desirée (org). Mutirão Brasileiro de Comunicação. 3 ed. Porto Alegre: PadreReus; São
Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 33-36.
101
aceitar, ainda que desconfiadamente, os meios eletrônicos e a fazer uso
[deles] para a difusão das suas mensagens.
228
Na terceira fase descrita pela Irmã, o ritmo veloz, a velocidade em que acontecem as
transformações sociais e tecnológicas, é o fator determinante.
No campo da comunicação dá-se uma mudança brusca de rota, se comparada
ao comportamento anterior. Trata-se ate certo ponto, de um deslumbramento
ingênuo [...] porque a atitude da Igreja moldava-se na recusa da
comunicação. De repente, ela assume a postura de que é preciso evangelizar,
utilizando os modernos meios de comunicação, e admite que a tecnologia da
reprodução eletrônica pode ampliar a penetração da mensagem eclesial.
229
Uma quarta fase, principalmente em referência ao contexto latino-americano, marcada
pelo reencontro “povo-igreja”, vai revelar uma redescoberta da comunicação em toda sua
plenitude. “Dá-se a superação do deslumbramento ingênuo [...] a Igreja adota uma postura
crítica, iniciando por repensar a comunicação e por deixar de acreditar que a tecnologia pode
resolver os problemas da ação evangélica”
230
. Uma significativa evolução do pensamento
eclesial começa a tomar corpo, disso são testemunhas os documentos e pronunciamentos do
magistério com respeito às comunicações sociais.
Valle aponta três ameaças que a cosmovisão tecnológica no pensar das igrejas
representaria para a religião: 1) acham que estão desviando a maior parte dos interesses,
motivações, satisfações e energias do centro religioso e observam, como uns de seus
resultados, o esvaziamento dos templos; 2) consideram que os meios estão se apropriando da
linguagem religiosa, criando novos símbolos, ritos e imagens; 3) aludem ao desenvolvimento
de aspectos religiosos nesses campos, sem nenhuma conexão com a religião “organizada”
231
.
Quiçá, sejam essas “ameaças” que mantenham as igrejas com uma certa paralisia em relação à
mídia. Paralisia que se explicita não no pouco uso que fazem dos meios de comunicação
senão no mau uso que, comumente, fazem.
Nessa mesma linha, Pedro Gilberto Gomes expressa que
228
PUNTEL, 2005, p. 34.
229
PUNTEL, 2005, p. 34.
230
PUNTEL, 2005, p. 34s.
231
Cf. VALLE, 2002, p. 27.
102
as Igrejas de maneira geral e a Igreja Católica em particular, desde o
desenvolvimento da mídia eletrônica, finais do século XIX e inícios do
século XX, têm se preocupado com o seu aproveitamento para a atividade
pastoral. A tradição da Igreja católica com relação ao uso dos meios de
comunicação é muito grande, remontando-se a imprensa escrita. Entretanto,
desde o aparecimento da rádio, na década de 20, ela vem lutando para
dimensionar corretamente a sua relação com a mídia eletrônica. Se, de uma
maneira geral, a técnica da mídia impressa foi por ela dominada, o mesmo
não se pode dizer no que se refere à eletrônica, notadamente, o rádio e a
televisão.
232
Com o intuito de fazer um recorrido histórico da relação da Igreja Católica com os
Meios de Comunicação, Gomes assinala que as manifestações eclesiais sempre estiveram
ligadas a uma preocupação pastoral e que tal preocupação sempre se moveu no marco da
educação, educação do senso crítico. Nesse sentido, a compreensão do que se pode e deve
realizar neste campo esteve intimamente ligada ao conceito de educação que era afirmado. O
autor afirma que, num determinado momento, se privilegiou o Saber, noutro o Fazer e mais
recentemente, o Pensar. Assim, um primeiro tipo de educação enfatizou os conteúdos, um
segundo tipo enfatizou os efeitos e um terceiro colocou a ênfases no processo
233
.
Seguindo Gomes, nesse tipo de argumento, pode-se corroborar que, no primeiro
modelo de educação, a preocupação da Pastoral da comunicação foi com a qualidade das
mensagens que os Meios de Comunicação transmitiam para as pessoas. Pelo fato de
compreender a comunicação como apenas uma transmissão de informações, o importante na
Pastoral era ensinar para que os usuários soubessem como agir diante das mensagens dos
meios. Dessa forma, os fiéis poderiam se defender contra os perigos desses novos meios
234
.
Exemplos dessa postura aparecem nas Encíclicas Vigilanti Cura e Miranda Prorsus
235
.
Num segundo modelo, a educação é compreendida como persuasiva, uma educação
manipuladora. A Pastoral da Comunicação preocupou-se, então, com o uso dos meios. A
atitude deixa de ser de simples condenação, a Igreja descobre o valor dos meios e propõe
“transmitir a mensagem evangélica a todos os cantos da terra”. Atingindo a pessoa e
232
GOMES, 2002, p. 335.
233
Cf. GOMES, 2002, p. 336-341.
234
Cf. GOMES, 2002, p. 336s.
235
Cf. <http://www.gui.uva.es/~cuenca/enciclic/encicli/htm>. Acesso em: 17/06/2006.
103
mudando-lhe o comportamento, estar-se-ia realizando uma boa ação. O que se mede aqui,
então, é a eficácia dos meios. Se os meios não atingissem as pessoas e se não fossem capazes
de lhes mudar o comportamento, o erro estaria na maneira de utilizar tais meios
236
. Como
exemplo dessa atitude, vale lembrar a Encíclica Evangelii Nuntiandi, apresentada no primeiro
capitulo da tese.
No terceiro modelo de educação, utiliza-se o método Ação-Reflexão-Ação e a Igreja
evolui para uma compreensão mais abrangente da comunicação. A grande preocupação da
Pastoral vai residir em compreender os mecanismos sociais que impedem que os indivíduos e
as comunidades sejam sujeitos ativos da sua comunicação e, conseqüentemente, se concentrou
em realizar uma educação para a comunicação, na qual cada individuo, grupo ou comunidade
participe, exercendo seu direito fundamental à comunicação. Ao outorgar o papel tanto do
emissor quanto do receptor, procura-se uma comunicação dialógica
237
. Exemplos deste
modelo podem ser confirmados nos documentos de Medellín e de Puebla.
Similar às teorias da Comunicação, esses modelos coexistem até hoje na Igreja, numa
convivência que se poderia designar dialética. Na Conferência do Episcopado Latino-
americano de Santo Domingo, em 1984, a inovação, em matéria de comunicação, está
expressa nas Perspectivas Pastorais para a América Latina, nas quais a comunicação é
expressada como uma prioridade. Desse modo, oferece uma base oficial às Conferências
Episcopais para priorizar a Comunicação nos seus planos pastorais. O documento Aetatis
Novae, de 1992, publicado pelo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, fez uma
reflexão que parte da realidade, iluminando-a, a seguir, com a doutrina. Isso constituiu-se em
uma novidade pelo fato de que sempre se tinha feito o caminho inverso. Fica evidente que o
importante para o documento é a comunicação como processo. No mesmo ano, a
Congregação para a Doutrina da publicou uma instrução sobre alguns aspectos do uso dos
instrumentos de comunicação social na promoção da doutrina da fé, tendo um tom
236
Cf. GOMES, 2002, p. 337s.
237
Cf. GOMES, 2002, p. 339-341.
104
nitidamente jurídico, contrapondo-se, assim, ao ponto de partida e ao enfoque da própria
Aetatis Novae
238
.
Gomes afirma e, na mesma medida, alerta que, na atualidade, se percebe uma
predominância na fase do uso dos meios, colocando a ênfase no ato de fazer. Volta-se,
segundo o autor, a fase do deslumbramento frente às potencialidades dos meios para a difusão
do Evangelho e para a transmissão dos atos litúrgicos. Consonante a isso, aparece um
fenômeno bem difundido no mundo hoje, especialmente no ocidente e particularmente no
Brasil, qual seja, a apropriação de campos midiáticos pelo espaço religioso. Dito de um outro
modo, o campo religioso utiliza os espaços midiáticos como instância de realização e
atualização da questão da fé
239
.
É partindo dessa constatação que Gomes assinala algumas conseqüências que
começam a aparecer com maior evidência. Seriam elas: o deslocamento do espaço tradicional,
do espaço acanhado e restrito dos templos para um campo aberto e multidimensional; a lógica
do templo, direta e dialogal, é substituída pela lógica da mídia moderna, que se dirige a um
publico disperso, anônimo e heterogêneo; as táticas dos pregadores, sua oratória e
performance deixam-se impregnar pelas leis da comunicação de massa, principalmente do
rádio e da televisão. O deslocamento identificado pode ter uma explicação no “desencanto
moderno com as formas tradicionais das Igrejas Históricas”
240
.
Gomes afirma que as mudanças operadas são de duas ordens: de um lado, do ministro
do culto e seus acólitos, de outro, dos fiéis.
No primeiro caso, o conteúdo da mensagem cede lugar à postura corporal,
aos gestos, ao canto e à dança. A mensagem religiosa é adaptada às
exigências midiáticas para que tenha eficácia e atinja as pessoas diretamente
em seus sentimentos. Por tanto, a emoção toma o lugar da razão [...] No
segundo caso, os fiéis deixam de ser os atores do evento religioso para se
tornarem assistentes [...]. A comunidade de é substituída pela criação de
238
Cf. GOMES, 2002, p. 343.
239
Cf. GOMES, 2002, p. 343.
240
Cf. GOMES, 2002, p. 343.
105
grupo de assistentes. Da comunidade, passa-se ao indivíduo, da experiência
comunitária vai-se ao consumo individual de bens religiosos.
241
Essa retórica denota o pensamento de Gomes a respeito das mudanças no campo
religioso quando em relação com o campo midiático. Ele é categórico ao afirmar que, pelo
deslocamento produzido, uma nova Igreja é criada, uma Igreja universal e virtual. “Se as
pessoas não vêm ao templo o templo vai até elas”
242
.
Segundo o autor, nesse tipo de Igreja de multidões, voltada para um público de
massas, é muito mais importante a “participação pela emoção” que a “adesão do coração”. O
mais importante seria o espetáculo, o culto perderia o mistério sagrado para revestir-se da
transparência da mídia, na qual imagem é tudo. Da mesma forma, acrescenta que os próprios
lares seriam os novos templos, os aparelhos de televisão equivaleriam aos púlpitos e o sinal da
pertença ao grupo se expressaria no consumo, sendo aceito como fiel somente à pessoa que
possua a capacidade de consumir, “não existem maiores exigências, a não ser a participação
pelo consumo dos bens oferecidos”
243
.
Como resultado dos conteúdos por ele trabalhados e do até aqui exposto, Gomes
afirma que a presença da Igreja na mídia, na suas diversas formas, traz consigo desafios que
devem ser enfrentados: 1) é imperativo encontrar os limite dos processos da mídia e da
evangelização — para identificar os passos que se podem e se devem dar; 2) saber que não se
utiliza o canal, mas se é utilizado por ele. O que prevalece no imaginário das pessoas é o
projeto ético da emissora que veicula o programa. Daí se desprende a importância de conhecer
profundamente os processos midiáticos, se a vontade for evangelizar. O veículo possui um
significado ético e uma semantização que ultrapassa os limites de determinado programa, de
seu apresentador ou realizador; 3) não se pode esquecer que a comunidade de necessita de
241
GOMES, 2002, p. 343.
242
GOMES, 2002, p. 344.
243
GOMES, 2002, p. 344. Seguindo Nestor Canclini, o autor percebe uma analogia entre o campo político,
“consumidores e cidadãos” de Canclini, e o campo religioso, “consumidores e fiéis”do próprio autor. Para
compreender melhor esse argumento, cf. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos. Rio de
Janeiro: UFRGS, 1996.
106
pessoas comprometidas com a pratica da solidariedade e da justiça e que quem deve “brilhar
no coração” das pessoas é Jesus Cristo e não seu ministro
244
.
Zwetsch também demonstra preocupação com relação ao binômio meios-igreja ao
dizer que “as culturas latino-americanas enfrentam, com sérias dificuldades, a invasão cultural
dos meios de comunicação massiva dominados pelo mercado e o sistema econômico, e se
encontram diante de um verdadeiro impasse: como assimilar as novas tecnologias [...]
245
.
Continua sua argumentação expressando que “as Igrejas cristãs estão diante de um século que
se anuncia extremamente contraditório e inseguro” e, com base nisso, questiona sobre qual
Evangelho elas anunciarão? Que práxis haverão de assumir, propor e estimular?
246
.
2.3.2. A mídia e a mídia católica
Se denomina Mídia Católica a presença acentuada da Igreja Católica nos meios de
comunicação massivos, aparecendo em maior escala no rádio, na Tv e na Internet
247
. Não se
pode fazer alusão à Mídia Católica sem fazer menção da Mídia em geral. A Mídia, como
vimos, costuma ser acusada do “mal” vigente na sociedade, atribuem a ela parte da
responsabilidade nas tão faladas crises da atualidade. A acusação recai, principalmente, sobre
a televisão. Aqueles que abordam a Mídia desde essa perspectiva, só insistem na comunicação
como meio de disputa, assim como de poder influenciar e condicionar as pessoas. Não é dessa
maneira que entendemos a relação religião-meios/comunicação-evangelização, por isso,
procura-se indagar por outras perspectivas que também trabalham a questão.
Para tal, nos apoiamos em Moreira Miguel que explicita, por meio de quatro
características, como a Mídia estaria sendo norteada na atualidade. Primeiramente, alude a um
processo de atração, encantamento, envolvimento; tudo voltado para o culto
da vaidade. A vida é tida como um show e dele, também, fazem parte todos
os que, de algum jeito, pela arte, pelo dom ou até pelo excêntrico, chamam a
atenção, gerando audiência, que é a moeda de troca, de faturamento e, como
244
Cf. GOMES, 2002, p. 346-350.
245
ZWETSCH, 2007, p. 346.
246
ZWETSCH, 2007, p. 349.
247
Cf. MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 37.
107
tal, a meta a ser alcançada, independentemente de qualquer coisa. [...] A
Mídia é show!
248
A igreja, como tem sido apresentada neste trabalho, ao longo de décadas, reduziu a
mídia, reduziu a noção de comunicação, a mero instrumento, como se fosse ferramenta dela.
No entanto, a Mídia é mais do que instrumento. Mídia é um processo de relacionamento.
É o espaço de manifestação de uma filosofia, em que o poder e o lucro são
colocados como fim. Não como ter o meio sem, de alguma forma,
participar do jogo de poder, conquistando-o e exercendo-o Por isso,
instituições fortes, como a Igreja, nunca podem abrir mão da Mídia sem
correr o risco de perder a voz e perder a vez. [...] A Mídia é jogo de poder!
249
Aquilo que marca distinção na mídia, sua arma, não são os conteúdos apresentados e
sim a linguagem.
A linguagem determina o peso dado à mensagem: o belo, o sensível, a
recriação da realidade conforme ao gosto da audiência e a preocupação em
saber o que o consumidor quer e sente são leis sagradas. Linguagem aqui
não é apenas a forma, é mais do que isso. É toda a lógica de produção, de
revelar, ocultar, mesclar valores aceitos e tabus a serem liberados, de
polemizar para criar dúvida e introduzir o novo. E não é um novo ético, mas
aquele novo que tenha aceitação e seja consumido. [...] A Mídia é
linguagem!
250
A Mídia, necessariamente, apega-se ao fatível, ao passageiro, ao simbólico, à novidade
enquanto atração para suprir sonhos. “Para a Mídia, tudo é efêmero, nada é perene. Os agentes
são artistas, representam. As atrações sucedem-se com uma finalidade: levar ao consumo. [...]
A mídia é efêmera!
251
.
Indiscutivelmente, conscientes dessas características, afirmar-se-ia que a mídia é
muito diferente e oposta aos princípios e objetivos da evangelização. Seria necessário, então,
discernir entre a Mídia geral e uma suposta Mídia Católica que difeririam entre si. Qual seria
248
MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 38.
249
MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 38.
250
O autor acrescenta ainda que “a linguagem na Mídia é essencial e a Igreja na maioria das vezes não tem
entendido essa linguagem. A Igreja quer ter uma linguagem intelectualizada e lógica que não funciona na
Mídia. A linguagem na mídia é mais do que uma forma: é uma lógica de construção e de produção, é saber
jogar, de modo ambíguo com as coisas”. MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 38.
251
MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 38s.
108
e em que consistiria essa Mídia Católica? É o próprio Moreira Miguel quem faz referência a
essa outra mídia que, além de conteúdos, tem como diferença sua postura. Nas suas palavras,
A postura da mídia católica será eticamente outra [...] A mídia católica não
poderá concordar com tudo, e mais, terá que dizer que não concorda. Como
mídia evangelizadora terá que se caracterizar pela descoberta a fazer do
caminho a criar, das diferenças a se escolher, do rompimento com a lógica
natural.
252
Para isso, alguns desafios lhe são colocados:
1) trabalhar com os profissionais da mídia buscando a formação dos mesmos
em termos humanos, éticos e religiosos; seria a evangelização dos meios; 2)
a mídia evangelizadora teria de atuar com produtos culturais abertos,
profissionalmente bem feitos e que sinalizem as diferenças de princípios e de
opções feitas; 3) a mídia evangelizadora precisa de meios próprios, com
meios próprios terá que questionar a lógica da mídia em geral, tentando criar
uma nova cultura, o que se daria pelo domínio dos processos de
relacionamento e na construção de objetivos maiores que os materiais e
terrenos, seria a mensagem fazendo o meio.
253
Com o que foi até aqui exposto, parecesse que, entre Mídia e Mídia Católica, teria que
existir uma relação propriamente dicotômica. A Mídia geral usando a catalogação de
Moreira Miguel seria a mídia e, para se contrapor a ela, teria que existir uma mídia
boazinha, que seria então, a Mídia Católica. Não pensamos nestes termos e acreditamos que o
autor também não pense assim. Primeiro, porque nada nem ninguém é tão absoluto ao ponto
de ser totalmente bom ou totalmente mau. Segundo, porque não existe “Mídia geral” e
“Mídia católica”, muitas outras mídias fazendo parte do universo midiático. Um exemplo
seria o das “mídias comunitárias”
254
que, assim como não fecham com o conceito ou aquilo
que se espera das mídias católicas, possuem características bem diferentes das assinaladas à
“Mídia geral”. Um terceiro argumento parte da nossa compreensão de comunicação que tantas
vezes já tem sido expressa, a “comunicação como processo”. Na comunicação como processo,
a dinâmica é muito mais complexa e essa dinâmica complexa seria o embasamento tanto da
252
MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 39.
253
Cf. MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 39.
254
Para um conhecimento maior das mídias comunitárias, sugerimos a leitura dos livros publicados após cada
realização do Mutirão Brasileiro de Comunicação. Podem ser encontrados com esse mesmo título, só muda o
número de edição segundo o ano em que tenha sido celebrado. Exemplo: MUTIRÃO Brasileiro de
Comunicação. 3 ed. Porto Alegre: Padre Reus; São Leopoldo: Sinodal, 2005.
109
Mídia geral quanto das Mídias Católicas e inclusive das mídias comunitárias. Pelo fato de
todas serem “mídias”, participariam dessa tensão contínua que o próprio campo midiático
propicia, sem nenhuma delas ser detentora de uma posição privilegiada com relação às outras.
Partindo da experiência até hoje vivenciada, poder-se-ia afirmar que a Mídia Católica
tem dado passos contínuos na busca por contribuições mais eficazes com relação ao uso dos
meios de comunicação social. Eficazes no sentido da ética, da humanidade, do respeito, da
liberdade, da solidariedade e da responsabilidade. Algumas destas contribuições seriam: a
presença constante, marcadamente maior que em qualquer outra época; a disposição do
público; o crescimento rápido de meios próprios; o pluralismo de modelos de Igreja expresso
nos meios; o reconhecimento, na área dos meios, da participação da Igreja Católica; o
despertar de comunicadores dentro da Igreja e de vocações
255
. No entanto, ainda ficam vários
outros desafios a enfrentar, aos quais Moreira Miguel faz referência: a conceituação de
evangelização (no sentido de uma evangelização midiática, e seria isso responsabilidade da
teologia hoje); a qualidade da produção da comunicação da Igreja; a comunhão entre todos os
projetos da Igreja em comunicação social e a sustentação de projetos (que tem trazido a
apelação duvidosa em busca de donativos e a competição dentro da Igreja)
256
.
2.4. Entrecruzando Evangelização-Comunicação na Canção Nova
Depois de ter feito esse recorrido teórico-conceitual, é imprescindível voltar ao nosso
objeto para entender a relação que se estabelece no entrecruzamento evangelização-
comunicação na Canção Nova. O padre Jonas expressou:
“Meus irmãos os meios nós temos, nos vamos a ser cobrados pelo Senhor
senão usamos esses meios. [...] Não é possível evangelizar com palavras,
uma evangelização com palavras sem obras. [...] O evangelho é palavra e
o evangelho é obra: é preciso falar a palavra e mostrar as obras. [...] “Não
tenhais medo [...] Proclamai por sobre os telhados”.
257
255
Cf. MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 39s. O autor aponta para o fato infeliz de alguns acharem que a presença
da Igreja na Mídia seria uma estratégia para vencer a perda de adeptos, pensando assim estar-se-ia
esquecendo a necessidade da relação Igreja-Comunicação na atualidade.
256
Cf. MOREIRA MIGUEL, 2005, p. 40.
257
ABIB, Jonas. 43 Assembléia Geral da CNBB. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 18/08/2006.
110
Recalcamos que a evangelização na Canção Nova se dá, em todas as ordens, por meio do
complexo sistema comunicacional que possui e é com esse complexo sistema comunicacional
que vamos nos ocupar neste subtítulo.
Para a manutenção da evangelização através dos meios de comunicação
cançaonovistas, os sócios ativos, contribuem, em média, com quinze reais por mês. A
contribuição média de 15 reais lembrando que aproximadamente seriam 600 mil sócios
colaboradores totalizariam nove milhões de reais por mês. Esse dinheiro é aplicado na
difusão dos programas transmitidos a partir da sede e nos projetos de evangelização que a
própria sede fomenta, segundo consta nos relatórios feitos e apresentados pelo administrador a
cada final de ano.
Canção Nova possui hoje 27 rádios AM, FM e SW, sendo que 80% desse sistema de
radiodifusão é digital e opera, via satélite, 24 horas para todo o Brasil. A Rádio Canção Nova,
uma das principais dentro da Rede Católica de Rádio, é geradora de programação para outras
191 emissoras. É, também, integrante da União das Emissoras Católicas (UNDA-Brasil) e do
órgão que reúne as emissoras educativas do Brasil (SINRED)
258
.
Além da rádio, para evangelizar, Canção Nova possui seis geradoras de Tv (Aracaju-
SE, Cachoeira Paulista-SP, Belo Horizonte-MG, Brasília-DF, Campos de Goytacases-RJ,
Florianópolis-SC) e quatro produtoras de Tv (São Paulo-SP, Rio de Janeiro-RJ, Roma-Itália,
Fátima-Portugal). Conta com 500 retransmissoras com sinal aberto para antenas parabólicas,
sinal aberto para operadoras de canais por assinatura (Sky, DirecTV e outras), presença em
200 operadoras de Tv a cabo e sinal televisivo, que pode ser acessado no Continente
Americano, na Europa, no Norte de África (satélite INTELSAT 805), no Paraguai (Rede
Gossi) e no Uruguai (Rede Regional de Canais de Cabo)
259
.
Dispõe também de: 1) uma Revista — impressa e eletrônica com freqüência
mensal; 2) um Portal na Internet que atingiu, segundo expressa a própria gina, 70.000
258
Cf. CANÇÃO NOVA, 2005, p. 33-37.
259
Cf. CANÇÃO NOVA, 2005, p. 33.
111
acessos diários e 2.000.000 de acessos por mês
260
; 3) uma WebTV, sendo a primeira católica
do mundo
261
; 4) uma Comunidade Virtual que hoje conta com mais de 1.000 participantes; 5)
uma Ilha no site Second Life (com shopping virtual e venda de produtos próprios); 6) uma
gráfica, uma editora e um estúdio para publicações de livros, produção de CDs e de vídeos
262
.
6) A mais recente tecnologia utilizada é o celular. O uso do celular para “pedidos de oração”
iniciou no programa “O amor vencerá” no dia 5 de dezembro de 2007 e tem contribuído na
dinamicidade do programa “Reza do Terço”
263
.
2.4.1. Canção Nova e os meios
Neste subtítulo, buscamos trabalhar com os aspetos que consideramos importantes
para a análise, para a leitura e para uma posterior compreensão de nosso objeto de estudo.
“Canção Nova avança junto com a tecnologia, buscando meios cada vez mais eficazes para
evangelizar”
264
. Cada um desses meios, contribui, de maneira significativa, para a tarefa
evangelizadora posta em prática pela Comunidade. No entanto, vale ressaltar que não seriam
os meios aqui expostos os únicos utilizados para a evangelização cançãonovista, do mesmo
jeito como se pode afirmar que a Canção Nova, na sua totalidade, é dia, se pode também
afirmar que a Canção Nova, na sua totalidade, é evangelização.
A Rádio. O inicio da rádio foi, como relatamos no primeiro capítulo, a “Rádio do
Senhor”, com quinze minutos de programação na Rádio Mantiqueira de Cruzeiro. A
empreitada durou apenas dois meses e meio, por razões de incompatibilidade ética com
relação a outros programas veiculados pela emissora tiveram que fechar o contrato. Após essa
experiência, mas com a vontade de continuar o trabalho nessa direção, outras três portas se
abriram e novos programas surgiram: na Rádio Cultura de Lorena, na Rádio Bandeirantes de
Cachoeira Paulista e na Rádio Mineira do Sul (Passa-Quatro, MG). O relato do padre Jonas, a
seguir, explicita a forma deles interpretarem sua história.
260
Cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 15/02/2008.
261
Cf. <http://www.webtvcn.com>.
262
Cf. BRAGA, Antonio Mendes da Costa. TV Católica Canção Nova: “Providência e compromisso” X
“Mercado e Consumismo”. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, 24 (1), 2004. p. 113-123. Cf. também
<http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 14/11/2007.
263
Cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 15/02/2008.
264
<http://cancaonova.com/portal_esp/canais>. Acesso em: 25/02/2008.
112
Um senhor da cidade de cruzeiro, Amauri Portugal, veio com a sua esposa
me procurar e disse que, orando na sua casa, Deus lhe dera a nítida visão da
Canção Nova com torres muito altas de rádio [...] [Jonas alega] era a certeza
do que Deus estava colocando em meu coração, e eu não podia mais
duvidar: Ele não queria apenas programas de rádio, e sim uma rádio [...]
interessante: Amauri voltou para acrescentar que não vira apenas torres de
rádio, mas também antenas de televisão... Eu disse: é demais! Agüenta
coração!.
265
Depois de muitos episódios como o narrado, a saber, de intuição, oração e “revelações
de Deus”, no dia 1 de abril de 1980, Canção Nova comprou, pelo preço de dois milhões de
cruzeiros, a Rádio Bandeirantes de Cachoeira Paulista. O acordo foi pagar a vista um milhão e
continuar pagando 200 mil a cada mês, mas o cheque entregue pelo valor inicial não tinha
fundo para ser coberto. Pediram cinco dias para ser descontado. Com todas as reservas
financeiras de Dom Cipriano mais a mobilização das pessoas que se sentiam
comprometidas com a Canção Nova, no prazo estipulado, conseguiram pagá-lo
266
. Depois de
vencer muitos outros contratempos, mas com a convicção de que o projeto não era deles e sim
de Deus, no dia 25 de maio de 1980 foi inaugurada a Rádio Canção Nova. Nas palavras de
Jonas: “não porque quiséssemos, mas porque Deus queria”
267
.
Um aspecto importante a ser colocado é que a Rádio Canção Nova, desde então, não
tem deixado de se reestruturar, aprimorar e conquistar outros espaços. Ainda que Canção
Nova tenha feitos consideráveis investimentos em muitas outras mídias, durante todos estes
anos, a rádio não foi nem deixada de lado, nem seu projeto passou a ter por parte da
direção da comunidade — uma menor importância.
A televisão Canção Nova. A Tv teve uma história muito semelhante ao rádio. Ao
menos, segundo o que se pode observar nas narrativas, constrói-se a mesma representaçõe,
qual seja: “vontade, dúvida, oração, pedido, revelação...”. O fato é relatado por padre Jonas da
seguinte maneira.
No Rebanhão de 1989, Orlando [...] da equipe de Serviço da RCC em
Cruzeiro, SP, tinha pedido a um senhor, que desenhava e pintava muito bem,
265
ABIB, 2006, p. 76.
266
Cf. ABIB, 2006, p. 80.
267
Cf. ABIB, 2006, p. 81.
113
que fizesse um painel para o fundo do palco. Inspirado, fez uma torre de
rádio no morro da cidade de Cruzeiro e, saindo da torre, o rosto de Cristo. O
rosto, bem pequeno, saía da torre e ia crescendo até “explodir” com o rosto
de Jesus em um tamanho bem grande [...] No sábado a tarde, no começo do
Rebanhão, cheguei para a missa. Quando entrei, vi aquele quadro à minha
frente, e algo muito lindo aconteceu dentro de mim. Então eu disse: “Meu
Deus, agora não da mais para voltar!”. Num relance vi tudo o que estava ali.
O artista o tinha feito uma torre de rádio. O que ele fez foi uma torre de
televisão. Da torre de dio não sai imagem, sai som [...] Repeti: “Não da
mais para voltar!” No inicio Deus foi dando inúmeros sinais de que queria
não programas de rádio, mas uma rádio. Agora Ele vinha trabalhando por
dois anos em nosso meio para que entendêssemos que, além da Rádio, queria
que tivéssemos uma televisão.
268
Foi o professor Assis Brasil, que depois de sintonizar a rádio Canção Nova e gostar da
programação, providenciou para que a Rádio passasse a formar parte do Serviço de Integração
Nacional de Rádio Educativa (SINRED). Foi o mesmo professor quem começou a insistir
para que Canção Nova entrasse com uma retransmissora de Tv educativa. Jonas diz,
Eu tinha medo! [...] Aconteceu o Rebanhão. Orlando tinha deixado pra fazer
uma única coleta no ultimo dia. Houve as despedidas. Fui a orar com o
pessoal da cozinha no final do encontro. Orlando me entregou uma nota de
um dólar dizendo: Padre, apareceu na sacola. Quando o pessoal foi juntar o
dinheiro, um dos encarregados, que a encontrou não sabia que tipo de nota
era [...] ele e eu pensamos a mesma coisa: Sinto que esta nota é para o
começo da televisão”. E disse-lhe:Quando se entra para a televisão, não se
compra nada em dinheiro Brasileiro. Para esse tipo de compra, tudo é na
base do dólar”. Peguei a nota e escrevi: “semente de mostarda da Tv
Canção Nova que o Senhor vai fazer crescer Rebanhão/89, na
coleta”.
269
A Tv Canção Nova foi fundada no dia 8 de dezembro de 1989. Desde seus inícios, tem
tido como finalidade “a criação e realização de uma programação participativa e
evangelizadora”
270
. É uma televisão que fica no ar 24 horas do dia e, a diferença de suas
congêneres católicas, não existem inserções publicitárias na sua grade de programação
271
.
Suas propagandas limitam-se a seus próprios produtos, aqueles que são ofertados e vendidos
no shopping DAVI. Esta Tv abrange diferentes gêneros e formatos: formação cristã e
espiritualidade, entretenimento, lazer, cultura, saúde, educação, informação, entre outros.
268
ABIB, 2006, p. 89s.
269
ABIB, 2006, p. 90s.
270
Cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 04/12/2005.
271
Cf. BRAGA, 2004, p. 114.
114
Conta hoje com mais de 397 retransmissoras instaladas em vários dos estados brasileiros,
atingindo, aproximadamente 55 milhões de telespectadores, cifra que representa 37% da
população do Brasil
272
.
A gráfica e o estúdio. Com fins de evangelização, o estúdio foi o primeiro a ser
construído. A necessidade de multiplicar as palestras e missas que a Canção Nova realizava,
com o objetivo de vendê-las logos após os eventos, fez com que se pensasse na possibilidade
de um lugar mais estruturado. No início, isso tinha sido feito com um multiplicador de fita
VHS que receberam como oferta, mas, percebendo a aceitação que teve a venda das
gravações daqueles eventos, viram-se animados a incrementar a produção deste tipo de
material. Um multiplicador não dava conta da demanda após cada celebração! A gráfica surge
anos mais tarde e é conseqüência, também, do desenvolvimento da Canção Nova. Ao contar
com uma gráfica própria, os custos de seus livros, revistas e outros materiais diminuem,
facilitando, assim, a venda e a acessibilidade de um número maior de pessoas. Além do mais,
é fonte de emprego para as pessoas da cidade.
A Revista. Teve sua primeira tiragem no ano 2000 e, a partir dessa data, manteve uma
freqüência mensal. Por meio da revista, especificamente pela referência da tiragem de
exemplares, pode ser acompanhado o número crescente de sócio-colaboradores — dado
difícil de ser encontrado em outras literaturas da Comunidade. A revista constitui o elo
principal entre a Canção Nova e os sócio-colaboradores. Ela pode ser lida, também, através do
portal Canção Nova, em formato digital.
O Portal na Internet. No portal na Internet, com mais de 10 anos no ar, pode ser
acessado, além da revista, também a rádio e a Tv cançãonovistas. Contabilizado entre os sites
religiosos mais visitados, ele traz informações sobre o sistema Canção Nova de comunicação,
agenda de eventos, notícias nacionais e internacionais atualizadas diariamente, notícias do
âmbito católico, videoclipes, conferências, enquetes. Possui, ademais, um espaço para as
pessoas postarem mensagens e links a partir dos quais podem ser acessados o histórico da
comunidade, a palavra do fundador (diária e mensal), a palavra do Papa, as casas de missão, a
272
Cf. <http://cancaonova.com>. Acesso em: 25/02/2007.
115
vida dos santos católicos, as publicações da Canção Nova, um Chat de encontros, entre
outros.
A Comunidade Virtual. A Comunidade Virtual encontra-se no endereço eletrônico
<http://www.comunidade.cn> e possui 22 subcomunidades de interatividade segundo o tema
de interesse dos internautas. Como exemplos, poderiam ser citados: catolicismo, vocação,
família, juventude, sexualidade, relações humanas.
A WebTV. A primeira Tv católica na Internet propicia, através do site e pela qualidade
e rapidez de seu formato, a entrada da proposta Canção Nova a qualquer parte do planeta,
tornando a Comunidade muito mais conhecida mundialmente. Esse meio tem permitido à
Canção Nova cobrir eventos importantes do catolicismo a nível mundial, como a morte do
Papa João Paulo II e a posterior eleição do Papa Bento XVI.
O Site “Second Life”. A Canção Nova possui uma ilha no site “Second Life”. Nela
encontra-se representada a sede da Canção Nova em forma de maquete. Há, também, um
centro comercial virtual que permite a venda e compra dos produtos cançãonovistas e um
espaço de interatividade que oferece a possibilidade de discussão sobre os mais variados
temas concernentes ao catolicismo, a Renovação Carismática Católica e a própria
Comunidade Canção Nova.
O Celular. Esse meio oferece a oportunidade de manter comunicação instantânea com
a Canção Nova, seja para um atendimento pessoal ou para a participação nos programas
apresentados na Tv, fazendo pedidos de oração ou sugestões à programação veiculada.
2.4.2. Canção Nova e os projetos de evangelização
Evangelizar para a Canção Nova significa, em primeiro lugar, testemunhar a . O
dinamismo no testemunho da traz coragem, ousadia e imaginação para a tarefa
evangelizadora. Em segundo lugar, viver uma vida fraterna com radicalidade evangélica,
fazendo com que a caridade seja profunda e de qualidade, que seja alimentada pelas orações
116
partilhadas, pela escuta mútua, pelo perdão e pela humildade. Em terceiro, encontra-se a
utilização de métodos e meios de difusão e de promoção da mensagem evangélica, colocar as
ferramentas da mídia ao serviço de Cristo
273
.
São vários os projetos que a Comunidade Canção Nova tem desenvolvido visando essa
evangelização. Eles dão sustento, em grande medida, à Comunidade. Entre os principais,
encontram-se: “Clube do ouvinte”, “Daí-me almas”, “Coração Solidário”, “Porta a Porta,
“Companhia de Arte”, “Ano D” e “Ser Canção Nova é bom D+!”
274
. Veremos a seguir em que
consiste cada um deles.
Imagem 03
O “Clube do Ouvinte” foi iniciado em 1980 com a compra
da rádio de Cachoeira Paulista. É responsável pela captação de
recursos e comunicação com os sócio-colaboradores que pertencem
a este clube e que podem fazer suas doações através das doze
contas bancárias que Canção Nova destina para este fim. As contas
estão nas seguintes agencias: BANERJ, BRADESCO, BANCO
DO BRASIL, BANESE, CAIXA, HSBC, NOSSA CAIXA, ITAÚ, UNIBANCO, BANESPA,
BANCO DE BRASÍLIA e o BANCO REAL. O “sócio-colaborador mais que um benfeitor é
considerado membro da grande família Canção Nova”, assim é afirmado na Comunidade. O
logo do Clube do Ouvinte muda segundo a chamada que se faz, esse foi o da celebração dos
25 anos.
Imagem 04
“Daí-me almas” que iniciou em 1997 com a finalidade de
resgatar pessoas em dificuldade drogas, prostituição, depressão,
indigentes, andarilhos, desempregados. Mantém oficinas de
geração de renda oferecidas na Casa do Bom Samaritano e
Projetos de assistência social onde são atendidas aproximadamente
1.500 pessoas no ano. Aqui, para a propaganda do projeto se faz
uso do “personagem” cofrinho “Generoso”, muito conhecido no cotidiano cançãonovista.
273
Cf. REYS, Dominique. Rumo a nova evangelização. Revista Canção Nova. Ano 4, n 47, novembro de 2004.
p. 8
274
Cf. <http://www.cancaonova.com>. Acesso em: 15/02/2008.
117
Imagem 05
“Coração Solidário”, em 2008, está no seu sexto ano de
execução e tem como objetivo captar recursos através de doações
para as obras existentes nas áreas de saúde, educação e
espiritualidade. O projeto é responsável por todas as obras sociais da
Fundação João Paulo II e tem, na pessoa da atriz Myrian Rios, uma
madrinha que participa dos anúncios e videoclipes sobre o projeto.
Imagem 06
“Porta a Porta”, criado no ano 2003,
conclama os sócios da Comunidade Canção Nova
para evangelizar porta-a-porta com a venda dos
materiais produzidos no DAVI. Atualmente, conta
com 16 mil representantes em todo o Brasil. O
projeto é trabalhado de maneira similar à venda de produtos das firmas Avón ou Natura. Uma
pessoa (revendedora), através de um catalogo, mostra os produtos da Canção Nova e faz os
pedidos.
Imagem 07
“Companhia de Arte”, criada para evangelizar através da
arte, teve seu inicio a finais de 2004, na inauguração do Novo
Rincão Dom João Hipólito de Moraes. No entanto, se registra
como data de instituição o dia 13 de outubro de 2005, no ato
cultural em que foi apresentada e abençoada oficialmente. Nas
oficinas oferecidas ensina música, teatro, pintura, dança de rua e balé clássico. Ao todo
sumam 90 alunos — crianças, adolescentes e adultos — participando do projeto nas diferentes
modalidades. Trabalham nesse empenho ao redor de 20 pessoas, entre membros da
comunidade e outros contratados na cidade de Cachoeira Paulista. Esta Companhia oferece
suporte para diversos programas da Tv Canção Nova, principalmente “O cantinho da
Criança”. É responsável também pela convocação e celebração dos Festivais Católicos de
Artes Canção Nova
275
.
275
Para mais informações cf. <http://blogcancaonova.com/ciadearte>. Acesso em: 15/02/2008.
118
“Ano D”, desde o ano de 2005, tem como finalidade a divulgação constante da
Comunidade Canção Nova, “Ano D: todo o dia, o ano todo”. No entanto, este projeto teve
início no ano de 2002 tendo por nome “Dia D”. O objetivo, então, era fazer divulgação da
Comunidade, com muito mais ênfases, num dia específico.
Imagem 08
“Ser Canção Nova é bom D+!”, criado em fevereiro de
2008 e lançado na celebração pelos 30 anos da Comunidade Canção
Nova, é apresentado como a “revolução na evangelização” e faz o
chamado para pessoas se integrarem ao “exercito de
evangelizadores”
276
da Comunidade Canção Nova.
Durante todo o ano, na sede, são celebrados ltiplos eventos que potencializam o
sentido e os fins dos projetos acima citados. Os Acampamentos destacam-se dentre essas
atividades. São realizados com regularidade Acampamentos de Ano Novo, Acampamento de
Oração, Acampamentos de Casais, Acampamentos PHN
277
, Acampamento de Pentecostes,
Acampamento de Carnaval. No entanto, outras celebrações também têm lugar ao longo do
ano: Kairós, Retiros de Cura e Libertação, Retiros para Viúvas, Colônias de Férias, Hosana
Brasil e Dia de Louvor para Surdos, são alguns exemplos.
2.5. A modo de Conclusão
Canção Nova, como fenômeno religioso carismático e midiático, tem seu cerne no
entrecruzamento evangelização-comunicação, de modo que tal relação constitui a sua
276
No site da Canção Nova, pode-se ler: “então preste atenção a esta convocação: Chegou a hora, precisamos de
você para formar este grande exercito de evangelização [...] você, nesse momento, é o principal ‘soldado’
nessa aventura de fé”. <http://bomdemais.cancaonova.com/site/?page-id=71>. Acesso em: 24/02/2008. Aliais,
não é a primeira vez que esta “terminologia militar” é usada pela igreja. Como assinala Christine Lienemann-
Perrin, na I Conferência Mundial de Missão em Edimburgo em 1910, na assembléia de abertura, foi entoado o
hino “Soldados de Cristo, levantai”. Cf. LIENEMANN-PERRIN, 2005, p. 58.
277
PHN (“Por Hoje Não, por hoje não vou mais pecar”) é apresentado como uma proposta de decisão: “partir
para a vida nova”. “O programa PHN tem dois objetivos centrais: 1) Romper com todo tipo de pecado e com
tudo aquilo que nos afasta de Deus, vícios e maldade. Se não houver rompimento com o pecado a pessoa
jamais se renovará; 2) A partir da decisão de ruptura com o pecado, praticar o ‘Por Hoje Não, Por Hoje Não
Vou Mais Pecar’. Porque se eu tiver um horizonte vasto: Nunca mais vou beber, nunca mais vou me drogar,
serei capaz de viver firmemente o PHN. Viver o PHN, não é uma decisão mas também um desafio”.
<http://www.cancaonova.com/formação>. Acesso em: 16/10/2005.
119
distinção. Pelo pesquisado no presente capítulo, afirmamos que, da maneira como esse
entrecruzamento se dá e é trabalhado no cotidiano, essa relação permite à Comunidade
demarcar notáveis diferenças, se comparada com outros movimentos carismáticos. Pensamos
que não se trata de uma nova Igreja, senão que seria a própria Igreja Católica criando uma
maneira diferente de viver e manifestar a fé; quiçá, um jeito diferente de ser Igreja.
Entendemos Evangelização como tarefa primária da Igreja; é o anúncio da “Boa
Nova” de Jesus, por tal razão nenhuma outra ocupação pode nem substituí-la nem diminuí-la.
Aparentemente, durante muitas décadas, sentimos vergonha de falar de Cristo, anunciar a
Cristo. Aceitamos que Cristo fosse deixado para ser anunciado em “lugares permitidos”,
como templos, encontros denominacionais ou ecumênicos e, mesmo assim, seu anúncio
parece ter se tornado cada vez mais “racional”, com pouco direito à mística, à emoção, à
paixão, ao tremor. Arrogamo-nos o direito de julgar em ocasiões soberbamente sobre
quem fazia o anúncio do “jeito certo”, criando uma pirâmide interdenominacional na qual, na
cúspide, estavam aqueles teólogos e teólogas, aquelas igrejas, que pouco falavam de Cristo. A
base (Graças a Deus!) ficou para igrejas e teologias consideradas menos “desenvolvidas
academicamente”, como foram catalogadas, durante varias décadas, as igrejas pentecostais.
Pretendeu-se “prender” o Espírito Santo, indicando quais os lugares permitidos para soprar ou
não. Na ambição de “anunciar melhor”, perdemos nossa capacidade simples de comunicação,
nosso eixo de anúncio, o Cristo a ser comunicado. Confiamos muito na efetividade da
“comunicação de massas” e perdemos, no caminho, as massas para nosso anúncio!
Na pesquisa realizada na área da comunicação, optamos pela terminologia
“comunicação social”, tal escolha deixa claro que nossa compreensão de comunicação fez
opção pela corrente dos Estudos Culturais, entendendo comunicação como processo e nunca
de maneira linear. Entender a comunicação como processo implica, também, não ver os meios
com superpoderes e não ter receio de usar esses meios. Tal escolha permitiu, também, uma
análise mais aprofundada de nosso objeto tão dinâmico. A comunicação como processo
120
distingue no receptor “públicos dispersos”
278
atuando e inter-atuando pelas múltiplas
mediações, e não um objeto uniforme e sem reação.
Achamos que, para o contexto atual, os apontamentos da irmã Paulina assumem uma
relevância notória para a relação evangelização-comunicação.
Os meios de comunicação social alcançaram suma importância. Para muitas
pessoas eles são o principal instrumento de informação e formação, uma
guia e inspiração dos comportamentos individuais, familiares e sociais. A
comunicação apresenta-se, progressivamente como elemento articulador da
sociedade. Isso faz com que vários desafios sejam apresentados para o
âmbito eclesial, não no intuito de rever paradigmas e de questionar como
deve ser encarada a comunicação, mas bem, ultrapassando o uso da
tecnologia para perguntar-se qual a posição com relação à esfera cultural e
com relação à questão ética. Em outras palavras, a Igreja precisaria de
competência e cautela para não se aferrar no campo das potencialidades das
novas tecnologias da comunicação e deixar de discutir e refletir outras
implicações, culturais e éticas, do ponto de vista da sua missão.
279
Competência e cautela, mas também não se fechar ao uso, nem satanizar aqueles que
assumam o desafio. As conseqüências apontadas por Gomes e expressas neste trabalho
280
exemplo: “a lógica do templo, direta e dialogal, é substituída pela gica da mídia moderna,
que se dirige a um publico disperso, anônimo e heterogêneo” desvendam um pensamento,
a nosso modo de ver, que pretende ser absoluto e esquece sua inata parcialidade. Depois do
pesquisado, poderíamos construir a frase à maneira inversa, cientes de que também nossa
afirmação faria enorme sentido, a saber, a lógica da mídia moderna, direta e dialogal, é
substituída pela lógica do templo que se dirige a um público disperso, anônimo e heterogêneo.
Gomes também expressou, referindo-se aos novos fenômenos religiosos:
o conteúdo da mensagem cede lugar à postura corporal, aos gestos, ao canto,
a dança. A mensagem religiosa é adaptada às exigências midiáticas para que
tenha eficácia e atinja as pessoas diretamente em seus sentimentos. Por tanto,
a emoção toma o lugar da razão [...] os fiéis deixam de ser os atores do
evento religioso para se tornarem assistentes [...]. A comunidade de é
substituída pela criação de grupo de assistentes. Da comunidade, passa-se ao
278
Tomo a nomenclatura de um artigo de Michael Hanke. Cf. HANKE, 2004, p. 96-111.
279
PUNTEL, 2005, p. 35.
280
Veja item 2.2.
121
individuo, da experiência comunitária vai-se ao consumo individual de bens
religiosos.
281
No entanto, cientes da não neutralidade acadêmica (quem pesquisa o faz com todo um
arcabouço de experiências já vividas) e depois de realizada a pesquisa de campo, discordamos
da afirmação de Gomes. Na Canção Nova, os fiéis não deixam de serem atores do evento
religioso, não são convertidos em meros assistentes, constituem comunidades e a experiência
religiosa vive-se em comunidade, além da experiência pessoal da fé. Essa colocação do autor
fecharia mais para vivências que temos experimentado em Igrejas históricas tradicionais,
principalmente, quando sua membresia é composta por pessoas de veis aquisitivos
desiguais. Canção Nova, por não ser um fenômeno em singular, e sim um universo plural em
interação, apresenta uma dinâmica muito diferente. Por isso, pensamos que se deve ter
cuidado quando se escreve e se fazem afirmações categóricas, “globais”, sem ter em foco uma
determinada realidade.
Maria Rita Kehl e Eugenio Bucci afirmam:
vivemos uma era em que todo concorre para a imagem, para a visibilidade e
para a composição de sentidos no plano do olhar [...] a comunicação e
mesmo a linguagem passam a necessitar do suporte das imagens num grau
que não se registrou em outro período histórico. Os mitos, hoje, são mitos
olhados.
282
A igreja, portanto, não pode obviar essa realidade. Não pode anunciar a “boa nova” na
contra-mão da história e do desenvolvimento humano. Não pode balizar o sopro do Espírito
Santo!
Com o apresentado até o momento, estamos afirmando que o entrecruzamento
evangelização-comunicação, eixo e alvo contínuo na Comunidade Canção Nova, gera algo
distinto, uma nova maneira, um novo modo de ser. Poderíamos afirmar que se trata de “Um
281
GOMES, 2002, p. 343.
282
KEHL, Maria Rita; BUCCI, Eugênio. Introdução: O mito não pára. In: _____. Videologias. São Paulo:
Boitempo, 2004. p. 16.
122
Novo Jeito de Ser Igreja”
283
? Há, no cotidiano da Comunidade Canção Nova, muitas facetas
para serem analisadas no intento de responder a pergunta. Talvez, essa afirmação possa ser
embasada no fato do uso da linguagem inclusiva nos discursos por eles veiculados. Ou seria
sua Liturgia especialmente das missas televisadas
284
, que são diferentes das liturgias das
comunidades tradicionais que estaria marcando tal novidade? Poderia, acaso, tal
catalogação radicar também no fato de ser, na prática diária, uma igreja basicamente
pneumática? Quais elementos confirmariam que Canção Nova representa esse Novo Jeito de
Ser Igreja no catolicismo romano, oportunizado pelo entrecruzamento evangelização-
comunicação contemporâneo? No seguinte capitulo, tentaremos responder, analisar e
desvendar esses elementos.
283
A expressão Um Novo Jeito de Ser Igreja” vem das décadas de 1960 e 1970, quando era utilizada para fazer
referência às Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) que surgiram, também, no seio da Igreja Católica
Romana. Sobre o tema das CEB’s, cf. BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder. Petrópolis: Vozes, 1982.
p. 196-203. Na nossa pesquisa, usamos a mesma frase com uma dupla intenção. Por um lado, queremos
apontar para esse novo jeito de ser igreja, igreja em movimento, que fica denotado no trabalho da
Comunidade Canção Nova, emergindo do entrecruzamento contínuo entre evangelização-comunicação. Por
outro lado, a frase foi escolhida para contrabalançar com as CEB’s, já que Canção Nova surgiu no mesmo
período e passou a formar parte dos “diferentes modos de ser católicos” que ficam amparados e perfeitamente
acomodados no “guarda-chuva institucional”. Para ampliar essa afirmação. Cf. CARRANZA, 2000.
284
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. Canção Nova: Um novo jeito de ser Igreja? In: FOLMANN, José Ivo;
LOPES, José Rogério (orgs.). Diversidade Religiosa, Imagens e Identidade. Porto Alegre: Armazémdigital,
2007. p. 309-334.
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APÍTULO
3.
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3.1. Igreja: Constatações a partir da pluralidade de um conceito
A Sociologia da Religião ao conceituar Igreja o faz da seguinte maneira:
Uma igreja é um tipo de organização religiosa que se distingue por suas
características estruturais. A filiação é em geral atribuída por ocasião do
nascimento da criança e inclui indivíduos de uma larga faixa de meios
formativos de classe social. Possui estrutura burocrática e líderes treinados,
com autoridade claramente definida. Os rituais costumam ser abstratos, com
pouca exibição de emoção durante os serviços religiosos. Em relação a
outras grandes instituições, como o ESTADO, as igrejas tendem a apoiar o
status quo e as categorias e grupos sociais dominantes.
285
285
JOHNSON, 1997, p. 127. Seria ilógico pensar que o fato de ter feito referência a essa conceituação de Igreja
por parte da Sociologia da Religião teria como objetivo anular ou diminuir todas as teorizações ou discussões
que, durante séculos, se tem originado e mantido. Estamos cientes que um parágrafo, uma definição, não
expressa nem exprime jamais as variadas concepções que sobre as igrejas e, especificamente, sobre a Religião
têm sido formuladas e firmadas em diferentes momentos históricos. No entanto, a definição explicitada
recolhe, em alguma medida, diferentes reflexões, delimitações ou direções por onde a sociologia e a pesquisa
empírica da Religião tem caminhado. Explicações mais amplas sobre essa argumentação podem ser
encontradas em: GALLINO, Luciano (org). Dicionário de Sociologia. Tradução: Maria de Almeida. São
Paulo: Paulus, 2005. p. 540-549. O dicionário trabalha oito concepções de Religião formuladas em diferentes
momentos, mas que até hoje agem no pensar daqueles que se interessam por esse ramo da sociologia, dentre
elas: 1) a Religião, em todas suas manifestações históricas, é um fenômeno que pertence a um estado
relativamente primitivo da sociedade (Evolução Social); 2) a Religião, em geral, é um fenômeno que
caracteriza um estado relativamente primitivo de desenvolvimento psíquico do ser humano (Personalidade);
3) a Religião é uma forma peculiar de ideologia, usada desde a antigüidade para reforçar e legitimar a
dominação de uma classe sobre as outras (Dominação); 4) a Religião é uma resposta cultural às necessidades
universais derivadas das condições de existência dos indivíduos e das coletividades humanas (Cultura); 5) a
Religião é a maior instituição historicamente estabelecida como reguladora da conduta humana no campo
sexual, familiar, político, econômico, estético ou também é um dos mais poderosos fatores de estruturação e
desestruturação dos comportamentos institucionais (Instituição, Comportamento Social, Ação Social); 6) a
Religião é um fenômeno peculiar da existência humana centrado na noção de uma ordem não somente
sobrenatural, mas sagrada; coincidindo, por tanto, com a idéia e com a experiência do sagrado, idéia e
experiência que se manifestam historicamente de variadíssimas formas (Cultura, Conhecimento); 7) a
Religião coincide, na essência, com a capacidade de simbolização que caracteriza o ser humano, é a raiz
124
Com certeza, essa definição seria muito geral e categórica para poder explicar o que é,
na realidade, a Igreja. De repente, para teóricos da sociologia, tal conceituação pode “dizer”
ou “assinalar” muita coisa, não consideramos que seja assim para quem faz teologia, por
exemplo. Ainda mais da maneira como os rituais são descritos. Desde uma outra perspectiva e
com o intuito de destacar a pluralidade no conceito, numa das Enciclopédias Histórico-
Teológica da Igreja Cristã, pode ser lido:
“Igreja” traduz a palavra grega ekklesia que no grego secular [...] designava
uma assembléia pública [...]. Para sermos leais ao testemunho do NT, deve
ser reconhecido que uma multiplicidade de figuras e conceitos que
contribuem para uma compreensão da natureza da Igreja [...] Paul Minear
alista 96 figuras de linguagem [...] dentre elas: o sal da terra, a senhora eleita,
uma raça escolhida, o templo sagrado, a nova criação, a família de Deus,
corpo de Cristo [...] Desde o Concílio de Constantinopla em 381, com
reafirmações em Éfeso (431) e Calcedônia (451), a Igreja tem afirmado ser
“una, santa, católica e apostólica” [...] termos suficientemente específicos
para descrever a natureza essencial da igreja e ainda levar em conta as
diferenças entre as denominações e igrejas, vistas nas maneiras de cada uma
cumprir a missão e o ministério da Igreja no mundo [...] a Igreja tem um
duplo propósito; deve ser um sacerdócio santo (1Pe. 2.5) e deve “proclamar
as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”
(1 Pe. 2.9) [...]. Como Sacerdócio, a igreja tem confiada a si a
responsabilidade de levar a Palavra de Deus à humanidade e de interceder
junto a Deus em favor dos homens [...] a Igreja também tem uma função
missionária de declarar os atos maravilhosos de Deus. A tarefa missionária
última de todos os elementos abstratos da cultura (Ambiente Natural, Cultura, Organização Social,
Socialização, Construção Social da Realidade); 8) a religião é uma forma de verdade absoluta revelada ao
crente, por meio de representantes terrenos da divindade, e como tal pode ser objeto da fé. Do ponto de
vista da religião à qual se adere, todas as outras religiões são erradas ou meras aproximações da verdade, ou
desvios da verdade que ela contém (Industria, Urbanização, Morfologia Social, Historiografia e Sociologia).
Uma outra bibliografia que pode ser consultada é BOUDON, Raymond; BOURRICAUD, François.
Dicionário Crítico de Sociologia. Consultoria e Revisão Técnica: Regis de Castro Andrade. São Paulo:
Ática, 1993. p. 462-472. Nessa referência se lê: A Religião nem sempre é o “suspiro da criatura oprimida”. À
orientação mística de isolamento em relação ao mundo, referida por Marx, opõe-se uma orientação ascética
de controle e de domínio, na qual Weber insistiu com razão. a tese desenvolvida por Freud sobre o valor
universal do complexo de Édipo, que permitiria estabelecer um vínculo estrito entre as frustrações que a
autoridade patriarcal impõe aos filhos e a temática religiosa da culpabilidade, da esperança, da solidariedade,
não resiste, como mostrou Bellah, à análise comparativa: a China clássica não é menos patriarcal do que o
judaísmo antigo e, entretanto, a religião chinesa é o oposto da religião judaica. Seria mais fácil estabelecer a
especificidade do fenômeno religioso se, em vez de se procurar saber de que a experiência religiosa é copia, a
que realidade ela corresponde, se perguntasse em que condições uma comunicação simbólica regular por
meio de ritos e crenças pode estabelecer-se entre os fiéis em relação aos problemas fundamentais da
experiência humana que Max Weber considera constitutivos da teodicéia. Não é necessário que a experiência
religiosa corresponda a uma realidade (a natureza ou a sociedade) para que ela possa ser vista como objetiva
isto é, não como uma rapsódia de fantasmas e projeções. Basta que o conjunto de ritos e crenças que a
constitui possa ser falado e vivido por fiéis que reforçam sua comunidade descobrindo o sentido desse
universo simbólico.
125
da Igreja não é opcional, porque, pela sua própria natureza, a Igreja é
missão.
286
Um conceito mais eclesiológico é apontado por Leonardo Boff quando afirma que,
A igreja é fundamentalmente a comunidade organizada dos fiéis que no meio
do mundo testemunha Jesus Cristo ressuscitado presente dentro da história
como inaudita antecipação de sentido, de futuro e de total realização do
homem [ser humano] e do cosmo incoativamente já agora dentro do
processo histórico e definitivamente na plenitude dos tempos. Esta
comunidade, enquanto consciência, representa uma elite cognitiva face
àqueles que ainda não aderiram a ela. Sua vocação não é elitista, mas
universal, e significa uma boa nova destinada a todos os homens [seres
humanos]. Os valores fundamentais da comunidade eclesial são
eminentemente libertadores, diríamos até revolucionários. Reino de Deus,
novo homem [ser humano], novos céus e nova terra, esperança escatológica,
caridade que vai até o martírio, relativização das etapas históricas face ao
absoluto que vem do futuro, identidade do amor ao próximo com o amor de
Deus, poder como pura identidade e serviço, a felicidade que todos esperam
de Deus é principalmente dos pobres, dos deserdados, dos perseguidos e dos
últimos da terra [...]. Não podemos abordar a Igreja a não ser historicamente,
vale dizer, dentro de um determinado processo histórico que, por um lado
marca a Igreja e que, por outro, é marcado pela Igreja. [...] a Igreja,
geralmente, reflete o mundo no qual se encarna; o mundo reflete a Igreja
dentro da qual ele se exprime religiosamente.
287
Com essa definição de Boff, poderia ser tencionada a última frase da definição
sociológica: “Em relação a outras grandes instituições, como o ESTADO, as igrejas tendem a
apoiar o status quo e as categorias e grupos sociais dominantes”. Se a Igreja não pode ser
abordada de outra maneira que não seja “historicamente”, sendo marcada e ao mesmo tempo
marcando um determinado processo histórico, segundo Boff afirma, dizer que “as Igrejas
tendem a apoiar o status quo”, e ainda mais, apoiar “categorias e grupos sociais dominantes”,
seria ignorar a vivência da Igreja em todos os tempos. Exemplo dessa relação articulada entre
a Igreja e o processo social no qual se encontra inserida pode ser observado na Igreja latino-
americana comprometida com a Teologia da Libertação. Exemplo esse que não anula nem
diminui o testemunho de outras igrejas que ao longo do tempo têm assumido posturas
diferentes nos seus postulados e nas suas atuações, em relação com o momento histórico no
qual se encontram inseridas.
286
OMANSON, Roger L. Igreja. In: ELWELL, 1992, p. 290.
287
BOFF, Leonardo. Teologia do cativeiro e da libertação. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 211s.
126
Desde uma perspectiva mais teológica, Hans Küng explica que
A igreja não é um estágio preliminar, mas um sinal antecipatório do reinado
definitivo de Deus: um sinal da realidade do reinado de Deus já presente em
Jesus Cristo, um sinal da consumação vindoura do reinado de Deus. O
sentido da igreja não reside nela mesma, no que ela é, mas naquilo em cuja
direção está se movendo. É o reinado de Deus que a Igreja espera,
testemunha, proclama [...], ela é sua voz, seu anunciador, seu arauto.
Deus pode trazer seu reinado; a Igreja se devota inteiramente a seu
Serviço.
288
Ao que foi exposto pode ser acrescentado a seguinte afirmação de Boff.
Da Igreja podemos falar, teologicamente, a partir da ressurreição e de
Pentecostes. Ela é um acontecimento do Espírito, Espírito que primeiro
ressuscitou Jesus dentre os mortos, transformando-lhe a existência, de carnal
para pneumática, e depois desceu sobre os Doze para fazê-los Apóstolos,
fundadores de Comunidades Eclesiais.
289
Longuini Neto constatou, com sua pesquisa, que tanto o movimento ecumênico quanto
o evangelical articularam, a partir da década de 1960, uma proposta de renovação
eclesiológica na América Latina. Ambos movimentos forjaram uma clara e definida ética
social, concebendo e praticando um conceito distinto de missão e pastoral desde suas
propostas eclesiológicas. Interessante destacar que, mesmo encontrando-se divididos em
várias frações pelo que não podem ser compreendidos como algo hegemônico —, suas
propostas tendem a ser semelhante no tocante à relevância que Igreja deveria ter nos
diferentes contextos
290
. Essas retóricas sobre Igreja, para a análise da teologia, ainda mais das
teologias contemporâneas, deveriam ter importância equivalente. As teologias, ao pensar o ser
humano em relação a Deus, teriam que levá-las em conta em suas reflexões, caso queiram
estar a altura do contexto em que se encontram inseridas.
É também nesse sentido que Zwetsch afirma:
288
Hans Küng apud HEFNER, Philip J. A Igreja (Nono lócus). In: BRAATEN, Carl E.; JENSON, Robert W.
(Eds.). Dogmática cristã. Vol. 2. São Leopoldo: Sinodal/IEPG, 1995. p. 251.
289
BOFF, 1982, p. 234.
290
Cf. LONGUINI NETO, 2006, p. 270-272.
127
A igreja não é uma realidade primordial. Ela não vive por si e para si, mas é
uma realidade derivada e a serviço do Deus criador e redentor da
humanidade. Pode-se analisar a igreja sob distintas perspectivas: histórica,
sociológica, sócio-psicológica, filosófica, econômica, ideológica e outras.
Estas perspectivas crescentemente são levadas em conta nas teologias
contemporâneas, até mesmo para o próprio bem da igreja e sua missão, ainda
quando extremamente críticas à igreja.
291
O fato de ter tantas conceituações desde ângulos diversos, de existirem tantas
expressões para aludir ou se referir à Igreja, tanta literatura dedicada a explicar ou entender
essa realidade que por séculos se tem denominado Igreja, longe de assustar, entusiasma.
Entusiasma porque denota tratar-se de uma realidade complexa, que escapa a uma única
conceituação, que escapa a um único projeto, conforme o pensar humano. Igreja tem que ser
tudo isso que foi expresso e muito mais que não foi dito. Igreja é decorrência do projeto
divino e como tal não pode ser totalmente enxergado, totalmente compreendido, totalmente
conceituado, menos ainda poderá ser balizado ou aprisionado. Boff declara,
Se a Igreja nasceu de uma decisão então ela continuará a viver se os cristão e
os homens [seres humanos] de no Cristo ressuscitado e no seu Espírito
continuamente renovarem essa decisão e encarnarem a igreja nas situações
novas que se lhes antolharem, seja na cultura grega, seja na cultura medieval,
seja na cultura técnica de hoje. A Igreja não é uma grandeza completamente
estabelecida e definida, mas sempre aberta a novos encontros situacionais e
culturais e dentro destas realidades deve se encarnar e anunciar, numa
linguagem compreensível, a mensagem libertadora de Cristo.
292
Discordamos de Boff quando afirma que “a Igreja continuará a viver se os cristão e os
homens [seres humanos] de no Cristo ressuscitado e no seu Espírito continuamente
renovarem essa decisão”. Discordamos porque pensamos que tal continuidade e vitalidade da
Igreja não depende primeiramente da vontade de pessoas de fé, mas sim da vontade de Deus
que suscitará nas pessoas de fé, ou de nenhuma fé (segundo nosso entendimento), essa
vontade de renovação, ainda que a revelação, o toque e o chamado divino, assim como
também, a resposta, aceitação e o comprometimento por parte do ser humano, não possam ser
completamente entendidos.
291
ZWETSCH, 2007, p. 303.
292
BOFF, 1982, p. 224.
128
Poderia Canção Nova ser catalogada como uma Nova Igreja depois do até aqui
apresentado? Para responder essa pergunta, seria necessário, ainda, analisar a Canção Nova
em relação à teologia romana da qual faz parte.
3.1.1. A teologia Católico-Romana e a Canção Nova
No item anterior, a Igreja foi definida como estrutura burocrática de líderes treinados,
como ekklesia, assembléia pública de duplo propósito sacerdotal e missionário, como
comunidade organizada de fiéis que testemunham a Cristo, como estágio preliminar, sinal
antecipatório do reinado de Deus, como acontecimento do Espírito. No entanto, depois do
estudo até aqui realizado, pode-se afirmar que a Canção Nova possui elementos eclesiológicos
que fecham com a instituição católica, mas, ao mesmo tempo, em outros, aparentemente, se
distancia.
O fenômeno Canção Nova define-se como carismático e possui pontos em comum
com os movimentos neopentecostais, por exemplo: fazer amplo uso da mídia, ressaltar a
experiência interior, manifestar fervor na e zelo religioso que conduzem seus membros a
devotarem suas energias ao movimento, oferecer uma religiosidade eficiente em termos
práticos e celebrações fortemente emocionais
293
. Tais características nos conduziram, num
determinado momento do percurso investigativo, a pensar que se poderia afirmar que ele
constituía mais uma expressão neopentecostal na contemporaneidade
294
. No entanto, ao
analisar as práticas teológicas que definem o catolicismo romano e compará-los com aqueles
presentes na Comunidade, àquela idéia inicial foi suprimida.
Geralmente, os movimentos carismáticos tendem a romper relações com as estruturas
eclesiásticas de onde se originam; coisa que não aconteceu com a Renovação Carismática
Católica. Ainda mais instigante é que, constituindo-se um fenômeno interno na Igreja Católica
Romana, não foi e nem é tido, pelo Vaticano, como motivo de preocupação ou rechaço (como
293
Cf. PIERUCCI, Antônio Flávio. Apêndice: As religiões no Brasil. In: GAARDER, Jostein. O livro das
religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 288.
294
O pesquisador Lucelmo Lacerda tem trabalhado a “relação entre carismáticos e neopentecostais”. Cf
LACERDA, Lucelmo. “E os católicos se renderam à Igreja Universal do Reino de Deus – Aproximações dos
Carismáticos com o Neopentecostalismo”. Espaço Acadêmico. Ano VI. N
o
71, abril/2007. Disponível na
Internet: <http://www. espacoacademico.com.br/071/71lacerda.htm>. Acesso em: 12/01/2008.
129
foi, num outro tempo, a própria Teologia da Libertação), muito pelo contrário, chegou a ser
legitimado e apresentado como modelo a seguir pela Igreja
295
.
Na Canção Nova, aparecem elementos que poderiam, numa primeira aproximação,
apontar para a catalogação de uma Nova Igreja: Batismo no Espírito, Glossolalia, Anjos e
Demônios. A seguir vamos nos ocupar com todos esses de maneira mais detalhada, desejando
procurar se faziam parte do universo católico romano ou não. Trabalharemos também com
a Profecia e os Milagres que, mesmo não sendo considerados elementos novos dentro da
arquitetura teológica romana, são importantes pelo fato de estarem sendo deslocados e
diferentemente apresentados na própria prática eclesial.
A expressão Batismo no Espírito aparecia freqüentemente na fala do padre Jonas, no
discurso veiculado pelas mídias cançãonovista, nos acampamentos e na literatura escrita
desde a fundação da Comunidade. No entanto, hoje é substituída por Efusão no Espírito. Essa
mudança responde a determinação de não se contrapor à teologia cristã e, principalmente, à
teologia Católico Romana que reconhecem o Batismo como sacramento recebido uma única
vez na vida. Com o Batismo, as pessoas passam a formar parte do corpo de Cristo, são
recebidas na comunidade cristã “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, por isso, não
poderia existir um segundo ritual com a mesma intenção que, no caso, colocaria em xeque a
eficácia do primeiro.
A Renovação Carismática Católica e também o padre Jonas viram-se na necessidade
de explicar e esclarecer sobre o novo ritual. Questionado sobre a terminologia “Batismo no
Espírito” e sobre as implicações teológicas que isso poderia ter, Jonas explicou que nunca
concebeu o sacramento do Batismo de maneira diferente, que durante todo o tempo que fez
menção ao Batismo no Espírito, se referia à possibilidade da pessoa cristã, já batizada, ter um
encontro pessoal com Jesus, ou que não seria propriamente outro batismo ou um re-batismo.
No entanto, com o intuito de não se contrapor às indicações da Igreja
296
, Jonas recentemente
295
Isso é confirmado pelo texto lido pelo Papa João Paulo II na Missa de Pentecostes do ano 2004. Tomado da
programação da TV Canção Nova, observado em 30 de maio de 2004.
296
A CNBB, em 1994, num documento oficial dirigido especialmente aos movimentos chamados carismáticos,
criticou e solicitou que na Renovação Carismática Católica não se pronunciasse mais exigindo um “Batismo
do Espírito Santo”. A CNBB recomendou que não se usasse a expressão “Batismo no Espírito Santo”. Cf.
130
preferiu adotar a terminologia Efusão no Espírito, evitando novas críticas, interpretações
erradas ou complicações de outra índole com a Instituição Romana
297
.
Com relação à Glossolalia, num dos comentários feitos na mesma página da Internet
anteriormente citada, sob o título “Comentários de Argumentos contra o Pe. Jonas Abib” reza:
Claro que desvalorizar ou desprezar um dom do Espírito Santo é pecado. O
problema é saber se o que se chama hoje “dom de nguas” é, de fato, o dom
de línguas de que fala São Paulo. Um “dom” de línguas incompreensíveis de
nada adiantaria. Seria inútil, e Deus nada faz de inútil.
298
Essa é a crítica que, embasada biblicamente, com maior freqüência se faz aos
movimentos cristãos carismáticos adeptos da glossolalia. A glossolalia na Canção Nova,
conhecida como “oração em línguas”, é acompanhada por música e dirigida pelos celebrantes
da missa. O celebrante pede para a multidão reunida fazer a oração e as pessoas começam a
repetir uma palavra, de maneira muito similar a entoação de mantras. Ao mesmo tempo em
que a maior parte da multidão, dentro de um compasso musical, repete aquela palavra, outras
pessoas que desejem possam fazer suas orações e manifestar seus pedidos em alta voz
299
. Nas
missas acompanhadas durante a observação de campo, a palavra sempre foi a mesma: Alabai!
A essa repetição se uniam também diferentes performances indistintamente realizadas por
parte das pessoas ali presentes: olhos fechados, mãos no alto, mão no coração, balanço lento
do corpo. Portanto, pode-se afirmar, olhando desde afora, que são experiências
completamente compreensíveis, sendo ademais, aparentemente gratificantes
300
. No entanto, tal
COMENTÁRIOS de Argumentos contra o Pe. Jonas Abib. Disponível na Internet:
<http://www.montfort.org.br>. Acesso em: 17/02/2008. O documento oficial reza: “A palavra ‘Batismo’
significa tradicionalmente o sacramento da iniciação cristã. Por isso, será melhor evitar o uso da expressão
‘Batismo no Espírito’, ambígua, por sugerir uma espécie de sacramento. Poderão ser usados termos como
‘efusão do Espírito Santo’, ‘derramamento do Espírito Santo’. Do mesmo modo, não se utilize o termo
‘confirmação’ para não confundir com o sacramento da crisma”. CNBB. Orientações Pastorais sobre a
Renovação Carismática Católica, 34ª Reunião Ordinária do Conselho Permanente 94, Brasília, 22 a 25 de
novembro de 1994. N 54. São Paulo: Paulinas, 1994.
297
Para ampliar esta informação, cf. COMENTÁRIOS de Argumentos contra o Pe. Jonas Abib. Disponível
na Internet: <http://www.montfort.org.br>. Acesso em: 17/02/2008.
298
COMENTÁRIOS de Argumentos contra o Pe. Jonas Abib. Disponível na Internet:
<http://www.montfort.org.br>. Acesso em: 17/11/2007.
299
Cf. OLIVEIRA, 2004, p. 105. Essa experiência também foi vivenciada durante a pesquisa de campo que
realizei em novembro de 2006.
300
Raymundo Heraldo Maués em sua pesquisa sobre as relações entre a Renovação Carismática Católica e o
xamanismo amazônico descreveu algumas técnicas corporais que poderiam ser consideradas técnicas de
relaxamento, na medida em que parece uma entrega total da pessoa, uma entrega total “ao Espírito Santo”,
131
experiência é descrita da seguinte maneira por uma das participantes no Acampamento de
Pentecostes do ano de 2002.
Quando a gente fala normalmente, a gente pensa o que vai dizer. uma
barreira intelectual quando faço a concordância, quando faço entoação,
quando dou um ponto final. Na oração em línguas quem fala é Deus, é o
Espírito de Deus em meu espírito. No início, o pensamento é tirano e vai
querer conduzir a oração. Vou pedir por isso, por aquilo. Aí não estou
orando nada, estou fazendo som. Depois a gente aprende a não se ligar no
intelecto e se entregar nas mãos de Deus.
301
De maneira que uma coisa é o que pode ser observado por quem pesquisa e outra,
semelhante ou não, é a declarada por aquelas pessoas que participam. Segundo o que foi
observado e pela literatura consultada, na Canção Nova, a oração em línguas não constitui
“um falar em códigos” que requeira uma tradução por parte de pessoal especializado.
Na Comunidade, falar de Anjos e Demônios é muito comum. O discurso do padre
Jonas, de comunitários, assim como de alguns cio-colaboradores estão permeados pelo uso
desses vocábulos, dependendo da situação vivenciada. Oliveira registra a experiência de um
membro comunitário num Acampamento de Músicos.
Eu ali atrás e eu vi uma revoada de anjos que rapidamente se movia para
um lado, parava atentamente e olhava para abaixo, rapidamente se movia
para outro, parava atentamente e olhava para baixo. Até na posição que eu
estava, eles vieram para esse lado (Laércio indica o lado em que está Pe.
Jonas). Eles num bando vinham pro lado, paravam. E engraçado eu não via o
todo, eu via as faces, os vários olhares atentos para abaixo [...].
302
Assim como os Anjos, também os demônios são “visitantes” assíduos da Comunidade.
Em depoimento, Luzia afirma: “Nós temos caminhado assim. Muitas vezes Pe. Jonas a
vitória. Ele sabe que nossos inimigos são muitos e fortes. Quando falo de inimigos é o
Inimigo mesmo: é o demônio que não quer que esta obra aconteça”. A partir dessa afirmação,
uma delas precisamente se conhece com o nome de “repouso no Espírito”! Cf. MAUÉS, Raymundo Heraldo.
“Algumas técnicas corporais na Renovação Carismática Católica”. Ciências Sociais e Religião. N 2, 2000. p.
119-151.
301
Magda apud OLIVEIRA, 2004, p. 106.
302
OLIVEIRA, 2004, p. 93.
132
deduz-se que, na categoria de demônio “cabe” ou “entra” todo aquele que não deseje que a
Canção Nova seja uma realidade!
O padre Edmilson, membro da Comunidade, numa de suas pregações “atacou o
espiritismo, o candomblé e a umbanda”, ele diz:
O bom católico, na melhor das hipóteses, deve recorrer a “Nossa Senhora
Desatadora de Nós”. Que fique bem claro: a santa é apenas um atalho para se
chegar a Deus. É Ele quem desata os nós da vida [...] não adianta pedir à
pombajira [...] E nem o “Preto Véio” ajuda. Não ajuda não. É bobo quem
pensa assim [...] a cura, a libertação, está em Deus. Deus, só em Deus.
303
Anjos e Demônios, a julgar pela presença na Comunidade corroborada pelos discursos
ou depoimentos, bem poderiam ser contabilizados como “integrantes” desta. A frase
“combater o mal” é geralmente muito utilizada, de maneira especial no discurso de
integrantes da Comunidade ou pessoas que visitam mais assiduamente a sede. Sergio Lírio
registrou, em um artigo, ter escutado, na Canção Nova, falar de “histórias de corpos tomados,
transes, velhas que adquirem força descomunal e vozes alteradas”
304
. A respeito dessas
histórias o autor explicita o pensar do padre Jonas: “A cultura atual é muito influenciada pelo
espiritismo. Temos de dar o que os fiéis procuram. Se querem curar bicho-de-pé, temos de
tratar bicho-de-pé”
305
.
O ritual mais conhecido e praticado “na luta contra o mal” no cenário da Canção Nova
são os “Cercos de Jericó”. O Cerco de Jericó consiste em passar sete dias e sete noites de
adoração diante do Santíssimo exposto, rezando de maneira contínua o rosário
306
. Padre Jonas
relata que
A luta espiritual que enfrentávamos era evidente, mas era evidente também
que Deus estava conosco. Se Deus é por nós, quem será contra nós? [...]
começamos a realizar um “cerco de Jericó” por mês. Não nossa
Comunidade, mas o povo tem reagido de maneira linda [...]. Ultimamente
realizamos dois cercos por mês. A obra cresceu. A luta aumentou. A luta na
303
Edmilson apud LÍRIO, 2004, p. 18.
304
LÍRIO, 2004, p. 17.
305
ABIB apud LÍRIO, 2004, p. 17.
306
Cf. ABIB, 2006, p. 96.
133
oração precisava aumentar. Entendemos bem: estamos no Combate da
Oração.
307
Para falarmos da Profecia, especialmente da profecia na Canção Nova, levaremos em
conta os dois elementos mais importantes que a compõem: a denúncia e o anúncio. Queremos
fazer alusão à profecia da Canção Nova (aquilo que desde a teologia pode ser apreciado ou
valorizado por outsider como profético da Comunidade) e a profecia na Canção Nova (aquilo
que é denunciado e anunciado no discurso do padre Jonas e da Comunidade). Se Canção
Nova não poderia ser comparada ao profeta Amós, poderia sim ser comparada ao profeta
Joel
308
. Amós seria o profeta “político” que denúncia a injustiça social e a corrupção dos
poderes políticos de sua época ao mesmo tempo em que anuncia um tempo justo no reinado
de Deus. Joel tem como ponto de partida da sua mensagem a terrível praga de gafanhotos e a
seca que arrasou a terra de Judá, colocando tais desgraças como sinais do dia em que Deus
julgará os povos de todas as nações e os pecadores. O profeta clama pelo arrependimento dos
israelitas e concentra seu anúncio na proclamação do perdão de Deus. Caso o povo se
arrependa e se volte para Ele, Deus o abençoará e proporcionará felicidade e prosperidade.
Joel anuncia também a promessa de que Deus enviaria seu Espírito sobre todo seu povo.
A profecia da Canção Nova está embasada no anúncio de que chegou um novo tempo
para a Igreja, qual seja, o uso dos meios de comunicação para evangelizar. A denúncia, estaria
na crítica ao abandono, por parte do povo cristão, da proclamação e do testemunho de Cristo,
decorrente disso seriam os males que nossas sociedades e o mundo enfrentam na atualidade.
Umas vezes mais explicitas outras mais implícitas, a denúncia também vai contra outras
religiões, principalmente das religiões afro-brasileiras e a Nova Era
309
. Entretanto, a denúncia
cançãonovista igualmente é direcionada à própria instituição católica pela paralisia na qual
teria caído, mesmo que seja feita de uma forma indireta. Um exemplo disso encontra-se na
narração que o padre Jonas faz sobre “A Conversão do professor Lourenço”.
307
ABIB, 2006, p. 96.
308
Para conhecer mais destes profetas, cf. SCHMIDT, Werner H. Introdução ao Antigo Testamento.
Tradução: Annemarie hn. São Leopoldo: Sinodal, 1994. p. 188ss., 269ss. Cf. também: VON RAD,
Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. Vol. II. ASTE. São Paulo, 1986. p. 124ss.
309
Cf. OLIVEIRA, 2004, p. 95.
134
Nesse tempo o professor Lourenço Chehab estava no Ministério da
Comunicação e ocupava um cargo importante na área técnica. Fui a Brasília
para um grande encontro e pedi uma audiência com ele para o dia seguinte
[...] ele me perguntou: “O senhor o é o padre Jonas que estava ontem
naquele encontro?” Respondi que sim. Então a conversa mudou totalmente
de rumo. Por mais de meia hora ele falou sobre si mesmo: desde que se
casara, mais de 25 anos atrás, não havia voltado para a Igreja [...] No
domingo, a esposa tinha ido com os filhos para aquele grande Encontro, e ele
ficou trabalhando em casa [...] terminou tudo às 4 horas [...] conferiu o
trabalho e viu que tinha terminado mesmo. Então resolveu ir para o final do
encontro [...] assistiu até o fim. Disse-me : “Padre, se a Igreja Católica é o
que eu vi ontem naquele encontro, eu volto para a Igreja”. Disse-lhe que
podia voltar porque a Igreja católica era isso que ele tinha visto, não era
outra igreja” [...] terminada a audiência, no fim da tarde, fui celebrar missa
numa das igrejas de Brasília [...] começou o ato penitencial, e na hora em
que baixei a cabeça dizendo: “Examinemos nossa consciência”, percebi que
alguém entrava no fundo da Igreja [...] quando levantei a cabeça, vi que era o
assessor do Ministro das Comunicações, o professor Lourenço Chehab.
310
A profecia na Canção Nova foi muito trabalhada por Oliveira; ela afirma que o poder
da profecia é uma manifestação repetitiva dos movimentos carismáticos. A autora narra, ao
mesmo tempo em que explica, o que seria “profecia” e “possessão”:
Certa vez, Pe. Jonas, interrompendo a reflexão que fazia da passagem
bíblica, subitamente, pôs-se a falar como se o próprio Jesus falasse através
dele. Segundo depois, Pe. Jonas anuncia à assembléia que Jesus esta falando
através dele e chama a atenção dos espectadores para que percebam e
respeitem a experiência “espiritual” que está acontecendo ali. Adverte que
cabe aos participantes mais fixar o conteúdo da mensagem do que aplaudir o
fenômeno. Podemos notar neste caso que, embora Jesus esteja, de alguma
maneira, “incorporado” em Pe. Jonas, este consegue controlar a experiência,
interrompendo o discurso de Jesus para repreender as manifestações dos
presentes [...].
311
A profecia do padre Jonas, especialmente seu anúncio, tem sua centralidade na
declaração e reafirmação de que “Canção Nova é uma obra de Deus, que nasceu da
evangelização e que existe para a evangelização”
312
. Todo seu discurso, proferido com similar
ênfase pelos membros comunitários, encontra-se embasado, primeiramente, na história da
Comunidade, logo após descreve o agir de Deus para que tudo fosse acontecendo e conclui
com algum chamado (seja de exortação ou de repreensão). Exemplo:
310
ABIB, 2006, p. 81s.
311
OLIVEIRA, 2004, p. 94.
312
ABIB, 2006, p. 31.
135
Nascemos de um documento sobre evangelização e de uma experiência
concreta de evangelização [...] para ousadamente usar esses meios de
comunicação [...] que multidões ousam a Palavra de Deus! É o que está
acontecendo conosco [Canção Nova] graças a Deus [...] digo a muitos que
vem se juntar a nós: os vasinhos dessa artéria nasceram da evangelização e
vivem para ela. Nem sei qual é a forma que Deus da a você para evangelizar,
mas não fique com medo. Talvez seja o trabalho de arrecadador que você
faz, seu trabalho como intercessor ou intercessora, seu trabalho de presença
conosco, seu trabalho em nossas cozinhas... tudo o mais que o Senhor
despertou ou vai desperta em você [...]. Não podemos ser “tão humildes”
assim e nos colocar embaixo dizendo que não somos capazes de nada.
Talvez Deus suscite em você grandes coisas para fazer. Não é assim que
acontece quando se faz operação de varizes? O médico tira uma veia grande
que estava estourando, e uma veia menor se tornará a veia mestra no lugar da
outra que, por necessidade, foi tirada. Talvez você seja um vasinho e acha
que não serve para nada, mas Deus pode fazer de você um David [...], talvez
você seja um vasinho” como David, mas é com você que Deus quer agir.
Ele pode transformá-lo numa grande artéria.
313
Podemos, também, aludir à catalogação que padre Jonas faz da existência de “tempos
fortes programados” e “tempos fortes não programados”. Os tempos fortes programados
seriam aqueles que são especialmente criados decorrentes da convicção, individual ou
coletiva —, eles são muito necessários para o pulsar da Comunidade. Tempos fortes
programados, segundo padre Jonas seriam:
[...] retiros pessoais, retiros de toda a comunidade, os momentos especiais de
oração, de estudo, de convivência, de formação. São manhãs, tardes, noites
de vigília, fins de semanas programados especialmente [...] uma
característica [nesses tempos fortes programados] da Canção Nova é a
criatividade. É preciso usá-la. É importante ousar e tomar iniciativa. A rotina
mata, leva ao torpor, mina a espiritualidade. Os tempos fortes bem usados
são fontes de revitalização, são momentos de intenso relacionamento com
Deus, momentos privilegiados de encontrar ou assimilar o novo que Ele tem
para nós.
314
Os “tempos fortes não programados” seriam aqueles cuja iniciativa não seria por parte
do padre Jonas ou da Comunidade. Jonas explica que
É Deus que cria as circunstâncias para isso. Esses momentos são muito
preciosos. Se o Senhor toma a iniciativa, é porque tem objetivos muito
concretos. É hora de graça. [...] momentos em que o Senhor nos visita
313
ABIB, 2006, p. 32.
314
ABIB, 2006, p. 116s.
136
pessoalmente. Há outros em que Ele visita um grupo ou toda a comunidade.
Temos de ser sensíveis a essas visitas. É sabedoria ceder tempo e espaço ao
Senhor. Um momento desses que se cede a iniciativa ao Senhor, vale por
dias inteiros de busca e empenho pessoal. É uma graça incalculável. O
Senhor usa dessas ocasiones para as grandes revelações, para as curas
profundas, para as grandes arrancadas, as rupturas, as guinadas, as
desapropriações, as grandes mudanças... em nossa vida pessoal ou de
grupo.
315
O anúncio do padre Jonas parece ser todavia mais ousado. Segundo ele
,
Deus conta conosco; precisa de nosso trabalho suado para que esse agir se
realize e a missão aconteça [...]. Nossa relação com Deus é uma relação de
trabalho, de operário versus patrão. Não se assuste, estamos desmistificando
e colocando a realidade em termos concretos [...]. Não resta dúvida que
somos filhos escolhidos e amados. Somos filhos que hoje, como adultos,
trabalhamos com o Pai e para o Pai. Fomos escolhidos para essa missão.
Digo mais, fomos criados por causa da missão, e chegou a hora da
maturidade, quando trabalhamos para que a missão aconteça [...], somos
amados sim, e por isso o Pai confiou em nós, colocou em nossas mãos uma
“empresa” para evangelizar pela mídia. É grande a confiança; Deus tem
investido alto e entregado tudo isso em nossas mãos.
316
Na profecia do padre Jonas, agora especialmente no tocante a sua denúncia que é
por conseqüência a denúncia de todos os membros comunitários e do discurso na própria
Comunidade pode ser apreciada na contínua crítica àquelas pessoas que não “cumprem a
vontade de Deus”, que se ausentam a seu chamado, que não assumem, como pessoas cristãs, a
tarefa do anúncio de Cristo e do Reino. A retórica de denúncia, permeando o discurso do
padre Jonas, aparece principalmente na mensagem diária que escreve para o site da Canção
Nova. Já a retórica do anúncio, em uma extensão maior, pode ser verificada, na revista
Canção Nova, na página intitulada como “Palavra do Fundador”.
Milagres também acompanham a Canção Nova desde seu nascimento. Ainda que
pudesse ser dito que, por milagres, obtiveram sua primeira casa, que teria sido um milagre o
fato da Rádio Canção Nova entrar no ar no dia da sua inauguração, que foi outro milagre o
início da transmissão de sua Tv, o vocábulo quase não aparece no discurso cançãonovista. O
que poderia ser considerado como milagre, eles consideram como “presença e atuação da
315
ABIB, 2006, p. 117.
316
ABIB, 2006, p. 111.
137
Divina Providencia”. No entanto, entrevistas têm demonstrado que muitas pessoas,
principalmente sócio-colaboradoras, adjudicam ao próprio padre Jonas certos milagres. No
registrado por Lírio, lê-se que
“O padre Jonas está acima de tudo”, diz a freira Célia Tuma Reche [...].
Mary a irmã da freira havia perdido a visão nos dois olhos depois de
operações sucessivas de catarata. Desesperada passou a se corresponder com
o fundador da Canção Nova, que sempre respondia às cartas. Certo dia,
conta Célia, cansada da lenta e tropeçante leitura do marido, Mary tomou a
carta e deu-se o que a Freira acredita ser um milagre. “ele curou um dos
olhos da minha irmã. Ela conseguiu ler a mensagem”, diz a freira.
317
Argumenta-se aqui que, assim como a Canção Nova se torna cada vez mais um centro
de peregrinação católica importante pelo papel sagrado que desempenha na
contemporaneidade, o padre Jonas poderia estar sendo situado na ante-sala da beatificação. Se
em vida é considerado por muitos como um profeta, os milagres atribuídos a ele hoje
poderiam estar pavimentando o caminho para uma futura santificação da sua pessoa. Processo
esse que estaria escapando do controle da Instituição Romana e da própria Renovação
Carismática Católica Brasileira.
Daniele Hervieu-Léger parece convicta de que Comunidades Emocionais
constituiriam a conseqüência provável de um processo de desenraizamento simbólico —
enquanto organização das identificações coletivas e individuais — na esfera religiosa”
318
.
Nesse sentido, Oliveira afirma que “a instituição embora não seja negada, é relativamente
transcendida; passa a ter uma relevância mais referencial de identificação religiosa do que
propriamente representar a reunião de adeptos fiéis às regras institucionais”
319
.
Hervieu-Léger afirma também que,
As correntes religiosas modernas de reavivamento religioso são dotadas de
propriedades subjetivas que influenciam a escolha religiosa. Tais
movimentos — dentre os quais a RCC oferecem elementos simbólicos de
ruptura com “o conjunto de crenças, das doutrinas, dos saberes, das normas e
317
LÍRIO, 2004, p. 15.
318
HERVIEU-LEGER, Daniele. Representam os surtos emocionais contemporâneos o fim da secularização ou o
fim da religião? In: Religião e Sociedade. 18 (1), 1997. p. 31.
319
OLIVEIRA, 2004, p. 107.
138
das práticas obrigatórias que a própria instituição define como sendo do
corpo da Tradição, cuja integridade ela preserva e cujas apropriações ela
controla”.
320
Entretanto, Hermelink afirma que a Igreja Católica concede um valor muito
importante
à tradição (mas não às tradições). Para os católicos, a revelação divina,
confiada por Cristo a seus apóstolos, foi vivida antes de ser fixada por
escrito. A Escritura é, pois uma cristalização da vida da Igreja. Nessa
escritura encontra-se, de algum modo, tudo quanto a Igreja vive e crê [...], a
assistência do Espírito Santo, prometida a Igreja [...] faz com que ela viva e
penetre cada vez mais na palavra que lhe foi confiada. Por isso, de acordo
com a doutrina de Vaticano II, escritura e tradição não são duas fontes
independentes da revelação, mas se encontram intimamente entrelaçadas.
Daí que a fórmula correta não seria “Escritura e tradição”, mas “a Escritura
na tradição”.
321
Aparentemente existiria uma contradição entre o constatado por Hervieu-Léger nas
Comunidades Emocionais e o expressado por Hermelink sobre Igreja Católica Romana. Mas,
segundo o pesquisado, o fato é que “a escritura na tradição” convive de forma simultânea com
os “novos elementos simbólicos” trabalhados pelas correntes religiosas modernas de
reavivamento. Nessa contínua articulação, eles relacionam-se ao mesmo tempo em que se
tencionam, ao mesmo tempo em que ficam amparados e resguardados pelo amplo guarda-
chuva romano que suporta as diferentes propostas eclesiais.
3.1.2. Canção Nova não é uma nova Igreja!
Observamos no item anterior que vários elementos, uns totalmente novos, outros mais
conhecidos, ainda que trabalhados de maneira diferente, poderiam precipitadamente sustentar
a afirmação de que Canção Nova constitui uma Nova Igreja. No entanto, esses elementos
denotam uma nova forma de ser, amparada por uma teologia que em seu arcabouço teológico
não apresenta câmbios substanciais, mas bem se trata de uma oxigenação para os
320
HERVIEU-LEGER, 1997, p. 45.
321
HERMELINK, Jan. As Igrejas no Mundo: Um estudo das confissões cristãs. São Leopoldo: Sinodal, 1981.
p. 66.
139
fundamentos e a própria tradição. Dito de outra maneira, Canção Nova não é uma Nova
Igreja; Canção Nova constitui a roupa nova da velha Igreja.
Leonardo Boff explica que,
A verdadeira eclesiologia não se encontra nos manuais ou nos escritos dos
teólogos; ela se realiza e vigora nas práticas eclesiais e está sepultada dentro
das instituições eclesiásticas [...] se quisermos identificar as principais
tendências em nosso continente Latino-americano, devemos analisar as
distintas práticas com seus atores e a partir daí as prédicas e as elaborações
teóricas [...] a sanidade eclesiológica reside na correta relação entre Reino-
mundo-Igreja.
322
É por isso que concedemos tanta importância à pesquisa do particular no “global
eclesial”. Por isso, torna-se tão importante as experiências locais que, em ocasiões, colocam
em xeque, com suas práticas cotidianas, as metanarrativas escritas desde gabinetes teológicos
enclausurados. Nesse sentido, Boff desde a década de 1980 alertava:
A Igreja não pode [...] se encapsular dentro dos limites de sua dogmática, de
seus ritos, de sua liturgia e de seu direito canônico. A Igreja possui as
mesmas dimensões do Cristo ressuscitado. E essas dimensões são cósmicas.
Suas funções e mistérios, suas estruturas e serviços que existem e devem
existir, devem contudo manter-se sempre abertos ao Espírito que sopra onde
quer e que é uma permanente força dinâmica no mundo.
323
A partir das idéias anteriores, pode-se afirmar com Boff que
Na pregação e na realização do Reino, Cristo introduziu realidades que mais
tarde iriam a constituir o fundamento da Igreja: a constituição dos Doze; a
instituição do batismo e da ceia Eucarística. Mas esses elementos não
constituem ainda toda a realidade da Igreja.
324
A realidade da Igreja é também conformada pelo que se e se vivencia no cotidiano
cançãonovista. Mesmo que sejam eventos diferentes, eventos instigantes, eventos que
requeiram maiores análises para uma maior compreensão, não poderíamos dizer que eles não
conformam, também, essa realidade denominada Igreja.
322
BOFF, 1982, p. 15ss.
323
BOFF, 1982, p. 232.
324
BOFF, 1982, p. 223.
140
O evento principal para a evangelização da Canção Nova, como expressamos
anteriormente, são os Acampamentos de Oração. Eles são celebrados praticamente todos os
finais de semana com estilo de megaeventos, na sede da Comunidade. Nos dias de encontro,
podem se reunir de 15 a 30 mil fiéis, chegando aproximadamente a 70 mil nas datas ou
comemorações especiais. O objetivo principal desses eventos, segundo o padre Jonas, é fazer
com que os participantes tenham o seu “encontro pessoal com Jesus” e seguidamente recebam
a graça do Batismo no Espírito, ou seja, passem pela experiência do derramamento do
Espírito Santo, pela experiência de serem pessoas plenas do Espírito
325
.
Martins de Oliveira chama a atenção para o fato da Comunidade Canção Nova intentar
que seus membros
se independessem, desapeguem ou, ao menos, se empenhem em relativizar
as necessidades de consumo de bens materiais e simbólicos produzidos pela
sociedade moderna capitalista [Ao] representar uma opção exeqüível à vida
materialista, hedonista, individualista e utilitária do mundo ocidental
moderno, considerado principal causador da competição, do conflito, da
desagregação social e da crise das instituições.
326
Cientes de que a Comunidade Canção Nova não é uma nova igreja, mas com muitos
outros aspectos assinalando diferenças marcantes entre o tradicionalismo católico da
instituição e a vivência na Comunidade, acreditamos que seja necessário nos debruçar nesses
dados que emergiram do estudo e da pesquisa bibliográfica realizada. Numa primeira
conclusão da nossa pesquisa, depois do estudo bibliográfico, essa nova maneira, esse novo
jeito poderia estar marcado pela questão de gênero (Canção Nova não predica, mas vivencia o
gênero, seria essa uma constatação?), pela liturgia (seria uma forma diferente de celebração
no cotidiano?) e pela Igreja pneumática (novos mitos, ritos, símbolos tornam o profano
sagrado na comunidade cançãonovista?).
325
Cf. ABIB, 2006, p. 43.
326
OLIVEIRA, 2004, p. 89.
141
3.2. Gênero: Nos meios e na igreja
A teóloga Ivone Gebara no seu livro “Rompendo o Silêncio”, da virada do milênio,
realiza uma ampla explanação sobre Gênero. Explicando sobre o conceito em si e ao mesmo
tempo expressando a reviravolta na discussão acadêmica que ele têm produzido, Gebara
esclarece que gênero, como instrumento,
serve para mostrar a inadequação das diferentes teorias explicativas da
desigualdade entre homens e mulheres por meio da natureza biológica.
Concretamente, trata-se de mostrar que poderes atuam na divisão social do
trabalho e na organização dos diferentes aspectos da vida em sociedade,
ligados à relação entre homens e mulheres. [...] o conceito de GÊNERO se
tornou, em particular nas ciências humanas, não apenas um instrumento de
análise, mas um instrumento de autoconstrução feminina e de tentativa de
construção de relações sociais mais fundadas na justiça e na igualdade, a
partir do respeito pela diferença[...].
327
A autora também explicita que
o objetivo primordial de uma reflexão de GÊNERO é colocar às claras,
através desta categoria tão pouco utilizada em teologia, todo um sistema de
relações de poderes baseado no papel social, político e religioso de nossa
realidade de seres sexuados [...]. GÊNERO não é primeiramente uma
questão abstrata, teórica, mas é algo que pode ser observado na prática de
nossas relações. [...] GÊNERO como instrumento hermenêutico que abre de
novo as possibilidades de análise [...] nos ajuda a superar os dualismos
epistemológicos.
328
Seguindo nessa linha de pensamento, três anos mais tarde, a também teóloga Wanda
Deifelt ainda via-se na necessidade de explicar
gênero e sexo são coisas distintas. Sexo é a caracterização biológica, ao
passo que gênero é a construção cultural do que constituem os papéis, as
funções e os valores considerados inerentes a cada sexo em determinada
sociedade. [...] ou seja como se existissem duas naturezas, uma feminina e
outra masculina, que predispõem as mulheres a valores como paixão,
ternura, maternidade (tudo que remete ao mundo privado, doméstico), ao
327
GEBARA, 2000, p. 104.
328
GEBARA, 2000, p. 106s.
142
passo em que os homens teriam como características inerentes à lógica, o
raciocínio, a cultura e o mundo público/político.
329
As questões de gênero
330
geralmente não têm sido “acolhidas” nem pela Igreja Católica
nem pelas outras igrejas. E utilizamos o termo “acolhida” com toda intenção. As questões de
gênero podem, no nosso entender, ter sido até “aceitas” por muitas igrejas, mas “acolhidas”
tem sido por poucas, para não absolutizar e dizer que por nenhuma. Nossa distinção entre
acolher e aceitar se fundamenta no significado dos vocábulos. Acolher vai mais no sentido de
“tomar em consideração”, “refugiar”, “abrigar”, “amparar”, “agasalhar”; aceitar, mesmo
possuindo o sentido de “concordar com”, “dar crédito à”, também pode ser entendido como
“conformar-se com o fato”, “tolerar”, “suportar”. De maneira que, mesmo quando igrejas tem
aparentado uma “acolhida” das questões de gênero, a nosso modo de ver, elas estariam mais
bem “aceitando” tais questões. Isso, pensamos, explica o fato de que várias igrejas e
instituições religiosas, que adotaram o discurso de gênero mais de duas décadas, têm a sua
prática tão defasada com respeito à sua teoria. Meramente suportam, toleram, conformam-se
com o fato, quiçá porque “gênero” tem estado e está muito em voga
331
.
Com similar intuito mas visto de uma outra maneira, José Comblin diz
cresce sem cessar a distância entre o discurso e a realidade. Esse é um
fenômeno comum a todo nosso mundo globalizado. Graça aos meios de
comunicação os discursos circulam bem de presa e cada um pode captar
329
DEIFELT, Wanda. Temas e metodologias da teologia feminista. In: SOTER. Gênero e teologia:
Interpretações e perspectivas. São Paulo: Loyola, 2003. p. 172s.
330
Artigos acadêmicos que evidenciam o debate em relação ao nero e à Religião podem ser lidos nos livros
decorrentes do Primeiro e Segundo Congressos Latino-Americanos de nero e Religião, assim também
como outras publicações que foram organizadas pelo Núcleo de Pesquisa de Gênero na Escola Superior de
Teologia em o Leopoldo. Cf. STRÖHER, Marga; DEIFELT, Wanda; MUSSKOPF, And(orgs.). À Flor
da Pele: Ensaios sobre gênero e corporeidade. São Leopoldo: Sinodal/CEBI, 2004. Cf. STRÖHER, Marga;
MUSSKOPF, André (orgs.). Corporeidade, Etnia e Masculinidade: Reflexões do I Congresso Latino-
Americanos de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal, 2005. Cf. NEUENFELDT, Elaine; BERGESCH,
Karen; PARLOW, Mara (orgs.). Epistemologias, Violência e Sexualidade. Olhares do Congresso Latino-
Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008.
331
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. Entrecruzando Olhares sobre Comunicação e Violência In:
NEUENFELDT, Elaine; BERGESCH, Karen; PARLOW, Mara (orgs.). Epistemologias, Violência e
Sexualidade. Olhares do Congresso Latino-Americano de Gênero e Religião. São Leopoldo: Sinodal/EST,
2008-b. p. 156s.
143
rapidamente os temas que estão na onda e ter um linguajar adaptado às
modas do momento.
332
Diversas são as autoras e os autores que têm apresentado importantes trabalhos sobre o
tema das relações de gênero, especialmente na Igreja Católica no Brasil
333
. Por isso, pode
parecer que nossa intenção investigativa seria semelhante a procurar areia no deserto. Ainda
assim, sabendo da presença incontestável da areia no deserto, partimos do fato de que nem
todos os desertos são iguais, nem as plantas que neles encontramos, nem os animais que neles
habitam. O particular, a pesquisa “do particular”, como já foi expresso, merece um lugar de
destaque e é esse particular o que move, especialmente, nossa procura.
Uma análise da Canção Nova, pautada pelos referenciais de gênero, especificamente
na programação transmitida pela TV, pode desvendar importantes ocorrências no tocante às
relações interpessoais nesta comunidade. Entrementes, seria importante desvendar primeiro a
situação da questão de gênero em relação às mídias.
3.2.1. Gênero nos meios
O Projeto Global de Monitoramento da Mídia é a pesquisa mundial mais abrangente já
realizada sobre gênero na mídia. Como objetivo, busca aprofundar o estudo da representação
de mulheres e homens nas notícias dos jornais, rádio e televisão. Esse monitoramento foi
realizado pela primeira vez em 1995, depois no ano de 2000 e, mais recentemente, no ano de
2005
334
.
Milhares de ativistas e investigadores de 76 países participaram dessa pesquisa e
foram monitoradas aproximadamente 13 mil notícias num mesmo dia do ano de 2005. Nessa
última ocasião, o monitoramento foi coordenado pela Associação Mundial para a
Comunicação Cristã, organização internacional não-governamental, que como vimos,
promove a comunicação como fator de transformação social.
332
COMBLIN, José. O caminho. Ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus, 2004. p. 186.
333
Ver escritos de Ivone Gebara, Nancy Cardoso, Rose Marie Muraro, Eurides Alves de Oliveira, Leonardo
Boff.
334
QUEM FAZ a noticia? Cunhary: Rio das Mulheres. Ano XIV, N
o
63, Janeiro/março. São Paulo, 2006, p. 5.
144
A pesquisa teve como resultado as seguintes constatações:
Visões e vozes femininas são marginalizadas no mundo da mídia;
vozes masculinas predominam nas notícias “pesadas”;
homens predominam como porta-vozes e especialistas;
mulheres são retratadas duas vezes mais como vítimas em comparação aos homens;
repórteres femininas normalmente fazem cobertura de histórias “leves”;
assuntos femininos são mais encontrados em notícias relatadas por jornalistas
mulheres;
dificilmente mulheres são o foco central de uma matéria;
matérias reforçam estereótipos de gênero ao invés de desafiá-los;
(des)igualdade de gênero não é considerada digna de ser notícia.
O relatório apresentado declara: “infelizmente, os resultados nada animadores de 2005
ratificam os resultados das pesquisas de 1995 e de 2000”
335
.
Se por um lado isso é lamentável e preocupante, indica que os esforços realizados, as
lutas promovidas, os movimentos criados, as políticas instituídas, ainda não são suficientes e
não conseguem se tornar “visíveis” a grandes escalas, é ainda mais triste para as mulheres
cristãs, feministas, militantes, porque essa constatação coincide com o período declarado pelo
Conselho Mundial de Igrejas como “Década de superação da violência” (2001-2010) e
“Década Ecumênica de Solidariedade das Igrejas com as Mulheres” (2001-2010). No entanto,
deve reconfortar, por outro lado, o fato de que esse tipo de pesquisa esteja sendo realizada;
isso seria sinal de avanço e conquista, assim como também, a exposição pública e a não
manipulação de seus resultados.
O Relatório diz muito sobre governos e instituições, religiosas ou não religiosas, que
deviam ter oferecido um outro tipo de escuta e apoio aos apelos de uma considerável parte da
humanidade. Cabe então aproveitar o dado e perguntarmos: são os meios ou somos nós os
335
QUEM FAZ a noticia?, 2006, p. 5.
145
responsáveis por tais indicadores? É nesse sentido que discordamos com o “superpoder”
muitas vezes outorgado aos meios. O poder dos meios depende de nós, de nossas atitudes, de
nossas relações cotidianas, de nossas articulações ou desarticulações, o poder dos meios
somos nós quem outorgamos
336
.
3.2.2. Gênero na Canção Nova
Foi observando uma fita VHS da Canção Nova, especificamente, do Acampamento de
Pentecostes de 2004, que sentimos inquietude particular por indagar sobre as questões de
gênero na Comunidade. Chamou nossa atenção o fato de que, em certo momento de louvor e
adoração, a pessoa que conduzia utilizava uma linguagem inclusiva para interagir com a
multidão ali reunida. O presente item quer compartilhar algumas reflexões sobre as relações
de gênero no fenômeno religioso estudado.
Para fazer menção das relações de gênero na Comunidade, gostaríamos de considerar a
programação transmitida pela TV Canção Nova, assim como as linguagens utilizadas noutras
mídias cançãonovistas como na revistas e no site. A pergunta que acompanha a reflexão a
partir de agora é: quais são as relações de gênero na frente das câmeras e quais são as relações
detrás delas?
De maneira geral, sem entrar na análise de um programa específico, pode-se dizer que
a grade de programação cançãonovista, na frente das câmeras, não faz distinção entre os
sexos para conduzir seus programas televisivos. Seria injusto, também, afirmar que as
mulheres aparecem na tela em número inferior ou que a função que elas desenvolvem ou os
programas por elas apresentados sejam de menor importância. Durante as semanas
analisadas
337
, com observações contínuas, somente a Missa Televisiva foge dessa realidade
constatada.
336
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, 2008-b. p. 147-159.
337
Semanas de pesquisa com observações contínuas durante o ano de 2005. As observações aconteceram durante
as seguintes semanas: de 20 a 26 de março, de 19 a 25 de junho, de 18 a 24 de setembro.
146
Na missa televisiva, ainda que na frente das câmeras, são os homens os que continuam
no lugar sagrado do altar, deixando para as mulheres outros espaços e momentos da liturgia.
Não por acaso, também, são os homens os que detêm o poder da palavra na hora do sermão,
como manda a própria tradição. E, como se está falando de “palavra de Deus” e de
“consagração de elementos e Eucaristia”, volta-se novamente a deslegitimar o papel da
mulher, para estas funções, dentro da própria Igreja. O reconhecimento, a valorização e a
legitimidade da mulher dentro da instituição católica sempre passa pela peneira do
“permitido” e do “não permitido”.
Entretanto, como nem tudo é missa na TV Canção Nova, insistimos em dizer que, de
maneira geral, nota-se um balanceamento eqüitativo na participação e no lugar que ocupam
homens e mulheres nos diversos programas apresentados. Talvez isso venha a reforçar o
discurso oficial, no tocante à igualdade de homens e mulheres, que se observa nos
documentos redigidos após Concílio Vaticano II, em Medellín e em Puebla. Quiçá procura
realçar o sentido comunitário que prega a própria Canção Nova. Ainda que o discurso esteja
longe de falar em ou dessa categoria, o cotidiano mostra as relações de gênero com um teor
distinto.
As relações de gênero aparecem, na Tv Canção Nova, mais proporcionais, mais
harmônicas, menos hierárquicas, menos carregadas da exclusão, da distinção ou da diferença,
em relação àquelas que, com freqüência, estamos acostumadas a olhar entre os sexos no seio
da estrutura eclesial católica. Nos programas observados, clama-se por uma unidade em prol
da Canção Nova, com uma acolhida da diversidade, como fator de enriquecimento e até de
crescimento. Unidade e diversidade que se entrecruzam o tempo todo, movimentados pelo
apelo a “regras de vida” que marcam diferença sem invalidar aspectos culturais de cada lugar.
Estes programas não carregam o discurso de um “gaúcho poderoso” e um nordestino “menos
agraciado”, de um Brasil “experto” e um Portugal “tonto”. Gaúchos, nordestinos, brasileiros e
portugueses aparecem com seus sotaques diferentes, com a alegria das pessoas de uma família
espalhada que, em determinados momentos, podem se encontrar, meditar, celebrar, agradecer,
orar e fazer festa.
No entanto, por muito lindo e paradisíaco que se nos apresente este lugar, comparado
com outras realidades de nosso cotidiano, a suspeita não nos abandona. A partir de agora, as
revistas impressas de tiragem mensal, assim como também o portal da Canção Nova na
147
Internet passam a ser alvo de nossa análise. Será que ambos reafirmam o que foi constatado
nas observações da TV? Olhemos o que acontece “por detrás das Câmeras”.
Tanto nas revistas quanto no site encontramos o “número de cio”; é o número que
cada integrante membro ganha como identificação pessoal. Aparece sócio e não sócia!
Procuramos saber, sem resultados, qual é o número de mulheres e qual o número de homens
que está por detrás desse “sócio”. Nossa suspeita diz que o número de mulheres deve ser
muito maior; elas novamente podem estar “escondidas” por detrás de uma linguagem
androcêntrica, na qual o masculino continua sendo normativo.
Lendo sobre o padre Jonas, especificamente no tocante à família e à vocação,
soubemos quão importante foi, na sua vida, a relação familiar. Padre Jonas fala, com orgulho,
de uma mãe que ele define como “paciente”, que “agüentou firme”, que “suportou a vida
toda” e um pai que ele define “pela honradez”. Conta que era uma família muito pobre e que
sua mãe passou grande parte da sua vida doente, mesmo assim, muitas vezes, era ela
costureira — quem sustentava economicamente o lar, quando o pai — pedreiro — não recebia
o pagamento. Fala da religiosidade sempre vivenciada pela sua mãe, o que não é afirmado do
pai que teve seu “encontro com Deus” no dia em que Jonas entrou no seminário. Não é nossa
intenção estabelecer uma disputa entre quem, mãe ou pai, fora mais importante na vida do
padre Jonas e, por conseqüência, na fundação da Comunidade, mas permanece uma
interrogação no fato de que, no enorme complexo arquitetônico que abriga a Canção Nova,
um prédio leve o nome do Sr. Sergio Abib, enquanto que o nome da Sra Josepha Pacheco
Abib não aparece
338
.
Tanto na Tv quanto na revista e no site, o cerne do discurso e do posicionamento da
Canção Nova a respeito de temas como, sexualidade, castidade, aborto etc. é o mesmo da
Igreja Instituição. Na revista e no site, eles são trazidos de maneira mais categórica, mais
direcionados a exigir uma postura que feche com os pronunciamentos da hierarquia
institucional. Tais discursos apelam a uma mulher “paciente”, “que tudo suporta”, “que
338
NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. “Por detrás das Câmeras! As relações Interpessoais no fenômeno
religioso Canção Nova”. In: I Seminário Internacional “Enfoques Feministas e o século XXI: Feminismo
e Universidade na América Latina”, Programa e Resumos. REDEFEM, REDOR/NEIM, Salvador Bahia.
2005. p. 149s.
148
agüenta firme”, assim como a vida da própria Josepha Abib ou a representação que se faz da
virgem Maria. Mulheres que escutam e vivenciam esses discursos como sendo “normais”,
acreditariam que possa ser “virtuoso” corresponder a eles.
Com efeito, relações de gênero que, na frente das câmeras cançãonovistas, com
freqüência, se distanciam da hierarquia católica, por detrás das câmeras, parecem estar
sustentadas por uma armação totalmente hierarquizada pré-estabelecida. A Canção Nova,
mesmo sem fazer uso da palavra gênero no seu discurso, na frente das câmeras, mantêm uma
proporcionalidade entre os papeis delegados ou assumidos por homens e mulheres. detrás
delas, Canção Nova mostra-se tão androcêntrica e patriarcal como as outras igrejas ou como a
própria sociedade na qual se encontra.
De maneira que, tomando gênero como categoria de análise, pelo até aqui investigado,
Canção Nova teria, ao menos na frente das câmeras, uma postura diferente, nova em
comparação com a instituição romana. Seria um novo jeito com relação a certos aspectos da
Instituição, mas nada que possa marcar uma distinção dentro do catolicismo ou com relação a
outras igrejas cristãs. Analisemos a continuação o que acontece no plano da liturgia, outra das
evidências da pesquisa bibliográfica. Representaria a liturgia esse novo jeito de ser igreja?
3.3. Liturgia: Os meios e a Canção Nova!
Ao falar sobre liturgia na Igreja Católica, Almir Guimarães explica que “foi um campo
privilegiado de conscientização comunitária. A renovação litúrgica iniciada no final do século
XIX e coroada com a obra do Concílio [...] se insere num vasto campo de volta as fontes,
tanto bíblicas quanto patrísticas”
339
. Guimarães explica, ademais, que tal renovação teve como
ponto de partida o fato do povo não poder, aparentemente, participar das riquezas da liturgia;
o povo não tinha nenhum tipo de participação ativa e consciente com relação a celebração da
missa e dos sacramentos. Isso, segundo o autor, conduzia a que a liturgia fosse somente
assunto dos clérigos. O próprio uso do latim, que o povo não conhecia, não favorecia à
participação.
339
GUIMARÃES, 1978, p. 102s.
149
De maneira que foi uma liturgia “quase ausente” para leigos, uma liturgia engessada,
descontextualizada e muito distanciada da realidade terrena que originou todo um movimento
de renovação e, por conseqüência, os câmbios que, durante todo o século XX, foram se dando
neste campo. Após Vaticano II, a atitude é totalmente outra.
[...] a Constituição sobre liturgia aceita a diversidade na unidade, admite o
uso de línguas vivas, evidencia os valores da tradição, mas afirma que outras
riquezas podem ser encontradas fora da liturgia romana. A diversidade de
Culturas é vista como riqueza. Apela-se para a criatividade. Pode-se ver
um caminho no sentido de acabar com o mal-estar que existe entre uma
liturgia toda fixada, apesar de celebrada em línguas vivas, e o desejo de
muitos cristãos de encontrar uma expressão litúrgica mais próxima de suas
vidas, de sua cultura, de sua maneira de rezar. Os homens [seres humanos] e
Deus devem poder encontrar-se na liturgia [...] segundo o “Sacrosanctum
Concilium”, deve-se abrir espaço no interior do rito romano para os usos
locais.
340
Como se pode observar, a Igreja Romana entende que se faz necessária uma mudança
e abre espaço para essa mudança. Digamos que se trata de uma renovação que reconhece não
o eclesiologico, senão que olha para o contexto, para a cultura, para a ngua do lugar onde
se encontram inseridas as comunidades locais. Tudo isso acontece sem a imposição aparente
de uma única forma universal, um manual mundial ainda que a Cúria Romana os possua.
A Igreja apela para a criatividade, para a implementação de “novos modelos” que valorizem o
cotidiano de cada localidade. A Igreja Romana, abre-se a essas outras riquezas que podem
ser encontradas fora da liturgia romana”. Ainda que, de acordo com a concepção católica,
São “sacramentos da iniciação”: o Batismo, a Crisma ou Confirmação [...], e
a Eucaristia. [...] todos os sacramentos têm em comum a instituição pelo
próprio Cristo e o fato de produzirem o seu efeito fundamental
independentemente da disposição do ministro. [...] ex opere operato, “em
virtude da própria obra executada”. [...] A graça é sempre de Cristo. O
ministro humano e a própria igreja, que servem como canais de transmissão,
são sempre inadequados a ela.
341
Isso vale para todas as igrejas locais. Ainda que, existam os chamados “sacramentais”,
340
GUIMARÃES, Almir, 1978, p. 107s.
341
HERMELINK, 1981, p. 70.
150
aqueles atos que ao contrário dos sacramentos não são indispensáveis à
salvação e foram instituídos pela igreja e não pelo próprio Cristo. Por isso
segundo a doutrina Católica eles atuam ex opere operantis Ecclesiae “em
virtude da ação executada pela Igreja”. Dentre eles rezam, a benção das
pessoas, a benção papal, e a benção aos objetos: água, velas, casas campos,
escolas, etc.
342
O fato da Igreja contemplar “outros atos [...]importantes, [sendo eles] as novenas, as
procissões, as peregrinações, as visitas a santuários”
343
, também indica que espaço para
inovações. Em seu conjunto, sacramentos, sacramentais e esses atos mais característicos
dentro do âmbito romano, comportariam o “universal” da Igreja. Enquanto que outras formas
inovações ajudariam a dar maior amplitude a esse universo sagrado tão necessário para
as pessoas que a eles acodem.
Sobre a renovação litúrgica na Igreja Católica, Hermelink explica que pode dar a
impressão da Igreja
ter elaborado um sistema minucioso, cuidadosamente aplicado, para a
distribuição das graças. Esse sistema é o culto. Não apenas as formas
cultuais das celebrações sacramentais, mas também o ciclo de festas anuais,
a veneração das relíquias e das imagens, as peregrinações e os exercícios de
piedade. [...] No centro do culto católico, encontra-se a celebração da
Eucaristia, ou missa, que constitui o instrumento mais nobre para a
transmissão de graça.
344
Mais que “impressão” trata-se de uma realidade; é nessa simultaneidade que a Igreja
Romana pós-concílio, atuava e se afiançava nas últimas décadas do milênio passado. Desde
Roma, chegavam, a todos os cantos do mundo, normas e diretrizes bem precisas sobre como
as igrejas locais deviam proceder. Ao mesmo tempo, Roma permitia, com absoluto interesse,
a adequação dessas igrejas locais aos contextos nos quais estavam inseridas, sendo-lhes
permitida a “inovação”.
Em decorrência do que foi exposto, podemos afirmar que a época pós-concílio
permitiu à Igreja Católica ser, ainda mais, o grande “guarda-chuvas” que abriga tantas e tantas
342
HERMELINK, 1981, p. 71.
343
HERMELINK, 1981, p. 71.
344
HERMELINK, 1981, p. 69s.
151
formas diferentes de ser igreja, ser Igreja Católica. A liturgia na Igreja Católica, da mesma
forma que em outras denominações, começa, então, a ser compreendida como comportando
uma gama maior de atos, vivências, expressões. Ao falar de liturgia, pensa-se numa realidade
maior, realidade que contempla a missa, mas não se reduz a ela.
No entanto, apesar dessa conquista e postura romana s-concílio, concordamos com
aqueles autores que pensam que muitas das decisões conciliares, à luz da nossa
contemporaneidade, se mostram insuficientes, e a liturgia continuaria sendo uma delas.
Evaristo Villar afirma que
[...] essa “mudança de época” o nos coloca somente perante problemas
quantitativamente numerosos, senão também perante situações que, em
grande medida, são qualitativamente diferentes, novas. Nesse sentido, não
podemos exigir do Vaticano II o que ele não pode oferecer. [tradução
própria]
345
Segundo Villar,
Para os novos desafios de hoje, estamos necessitando novas respostas que
somente como inspiração podemos recolher do Vaticano II... pensa-se que o
Concílio chegou tarde e de modo insuficiente ao encontro com a história:
chegou à modernidade quando o mundo ocidental estava transitando as
vias da pos-modernidade. [tradução própria]
346
Como seria, então, essa liturgia necessária aos dias atuais? Que elementos litúrgicos
ou que atos litúrgicos estariam emergindo no cotidiano eclesial das diferentes denominações?
E no caso da Igreja Católica, a Renovação Carismática constituiria a “nova resposta” a qual
Villar alude? Na Comunidade Canção Nova, dois fatos, aparentemente, marcariam tal
distinção dentro do âmbito litúrgico romano: as missas televisadas e o que denomino como
discurso ritualizado”. Ambos serão trabalhados neste item. No entanto, primeiro, faremos
uma breve explanação sobre a Tv, a fim de conhecer melhor o meio para compreender sua
proeminência na contemporaneidade.
345
VILLAR, 2005, p. 33s.
346
VILLAR, 2005, p. 34.
152
A Tv, dentre as mídias, é uma das que mais têm sido tratadas com receio, sendo alvo
contínuo de críticas e chegando a ser considerada pelas religiões, em várias ocasiões, como “a
casa do diabo”
347
. A Tv tem incrementado e até polarizado o discurso de pesquisadores de
muitas das áreas do conhecimento durante as últimas décadas. Maria Rita Kehl e Eugênio
Bucci, por exemplo, argumentaram:“Hoje, a televisão, acima de todas as outras mídias, ocupa
o lugar da grande produtora de mitos”
348
. Já nos escritos de José Comblin, pode-se ler: “A Tv,
como a dia em geral, difunde uma linguagem sem cor, uniforme, sem humor, sem fineza,
mais funcional e agressiva”
349
.
Ondina Fachel Leal, no seu livro A pesquisa social na novela das oito, destaca que a
Tv está presente na maioria dos lares das classes populares”, e que é especificamente nestes
lares onde o aparelho ocupa lugar central na arquitetura do lar. Nas “classes dominantes”,
segundo a autora, o predomínio da Tv também é observado. No entanto, o parelho não ocupa
um lugar de destaque
350
. Um dado importante que aporta a sua pesquisa é que a Tv, de uma
forma ou de outras, se faz presente na maioria dos lares na contemporaneidade.
A “presença quase geral” da Tv nos lares brasileiros, independentemente da escala
social, também foi marcante durante a observação feita do documentário Santo Forte
realizado pelo cineasta Eduardo Coutinho
351
. Em todas as casas das pessoas entrevistadas, por
mais precária que fosse a vivenda, a Tv estava presente. Talvez isso sirva para exemplificar o
que Comblin expressa quando afirma que
o mundo dos excluídos “participa” do mundo privilegiado por meio da
televisão. Esta transmite a cultura dos incluídos. Enquanto os incluídos
reconhecem na Tv seu próprio mundo, os excluídos entram por meio dela,
num mundo de fantasia — um mundo imaginário [...] a sedução desse
347
Cf. autores e autoras já citados como: VALLE, 2002; GOMES, 2002; ARTHUR, 2000 e BRAGA, 2004.
348
KEHL; BUCCI, 2004, p. 15.
349
COMBLIN, 2004, p. 193.
350
Cf. LEAL, Ondina Fachel. A leitura social da Novela das oito. 2 ed. São Paulo: Petrópilis/Vozes. 1990. p. 27-
29.
351
O documentário Santo Forte de Eduardo Coutinho retrata a religiosidade dos moradores de uma favela na
zona sul do Rio. O ponto de partida é a missa celebrada pelo Papa no Aterro do Flamengo em 1997. O
documentário foi escolhido como o melhor no gênero em 1999 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte
e venceu o 32º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
153
mundo imaginário serve para esquecer o seu próprio mundo, fugir por meio
da imaginação da miséria da vida de cada dia.
352
Em sintonia com Fachel, encontra-se o explicitado por Suely Fragoso, autora que não
polariza a recepção como Comblin, é dizer não tenciona a relação “Tv-telespectador” a partir
dos “incluídos/excluidos”, senão que destaca a relação entre mundo fictício (programação
da Tv) e mundo real (cotidiano do telespectador). Segundo ela, a Tv
encontra-se tipicamente inserida no ambiente doméstico, é ligada
casualmente e enuncia significados que se misturam a estímulos da vida dita
real. Freqüentemente envolvidos em outras atividades como conversar,
jantar ou ler com a Tv ligada, os telespectadores nem sempre dedicam
atenção exclusivamente ao que aparece na tela do televisor. [...] a atenção do
telespectador oscila entre os eventos na tela da Tv e os objetos e
acontecimentos que ocupam seu entorno imediato, físico [...]. O resultado é
uma convergência de ficção e vida real, uma “situação televisão” que acaba
por permitir concessões de outro modo inconcebíveis, nas quais os
personagens da Tv compartilham a realidade do telespectador e os eventos
ficcionais influenciam o comportamento cotidiano. [...] a programação
televisiva se integra à vida cotidiana.
353
Mas, até que ponto pode-se falar da programação da Tv como evento ficcional? Acaso
as matérias que passam nos noticiários “saem da imaginação”? Como ou com que medimos a
fictícidade de um determinado programa? Quem se atreveria a colocar tal fronteira? No
documentário Santo Forte, Coutinho entrevista uma jovem que, sentada na cama de seu
quarto, assiste através da televisão a transmissão da missa do Papa João Paulo II. Essa jovem
canta, ora e alça suas mãos em sinal de louvor. Ao ser interrogada, a jovem explica que tinha
feito um pedido a Deus para ter um filho e que ela sabia que Deus ia lhe conceder seu desejo;
Coutinho, então, pergunta se ela tinha feito o pedido na igreja, ao que a jovem responde: “não,
fiz agora, aqui, no meu quarto”! Depois de tal depoimento, poder-se-ia pensar ainda, de
maneira geral, num mundo fictício do outro lado da tela?
Maria Rita Kehl também argumenta que a Tv
352
COMBLIN, 2004, p. 151.
353
FRAGOSO, Suely. “Situação TV”. In: MALDONADO, Alberto Efendy et alli. Mídias e Processos
socioculturais. São Leopoldo: UNISINOS/PPG Comunicação, 2000. p. 112.
154
é de certa forma onipresente e onisciente, como Deus. Ela pode estar em
todos os lares ao mesmo tempo e o tempo todo, como emissora de
fragmentos de um grande saber [...] extrapolou o espaço dos lares: você
vai a um restaurante e ela está ligada, você vai para um saguão de aeroporto
e ela está ligada, você entra num ônibus para fazer uma viagem e tem uma
televisão ligada [...] não somos nós que estamos sendo vistos por esse Outro,
mas ele está nos oferecendo uma produção de visibilidade e de imagens
contínua, que funciona para o sujeito como oferta incessante de objetos para
o desejo — e, portanto, como suposição de um saber sobre nosso desejo.
354
É importante destacar que no ano de 1970, dois terços dos lares brasileiros não
possuíam televisor, também não dispunham de eletricidade para ligar o parelho. A penetração
da televisão no contexto brasileiro foi bem lenta, só no ano de 1978 é que os sinais televisivos
passaram a alcançar a totalidade do território nacional
355
. Segundo dados do IBGE, em 2006
existia, aproximadamente, um televisor em cerca de 93% dos domicílios brasileiros situados
em áreas urbanas e em mais de 87% dos considerados em zonas rurais
356
.
Voltemo-nos agora novamente para a Comunidade Canção Nova. Para ela poder ser
considerada um novo jeito de ser igreja a partir da sua ampla liturgia, muitos poderiam ser os
caminhos pesquisados. A seguir, optamos por buscar respostas embasadas nas observações
feitas das missas transmitidas pela Tv Canção Nova
357
, assim como também, na análise de um
dos discursos que pautam o cotidiano comunitário; ambos fazem parte da liturgia católica da
atualidade. Esta opção esta embasada na pesquisa bibliográfica realizada. Tanto na liturgia
das missas quanto na montagem do discurso dos fatos que acontecem, encontramos novos
elementos que chamam nossa atenção. De nenhuma maneira, tal escolha invalida outras
pesquisas em que se tomem como objetos de analises outros elementos existentes.
354
KEHL, Maria Rita. Televisão e Violência do imaginário. In: _____; BUCCI, Eugênio. Videologias. São
Paulo: Boitempo, 2004. p. 97s.
355
Cf. MATTELART, Armand; MATTELART, Michele. O carnaval das imagens: A ficção na televisão.
Tradução Suzana Calazans. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 37-42.
356
Cf. IBGE. Disponível na Internet: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 21/07/2006.
357
Especificamente as observações foram da “Santa Missa” que sai ao ar diariamente. As imagens que aparecem
no texto foram tomadas do site <http://www.cancaonova.com>.
155
3.3.1. As missas na Tv Canção Nova
Sobre a Tv Canção Nova
358
, Lírio comenta que
É difícil entender o sucesso da programação, quando se pensa nela como
simples produto de mídia. As produções, em geral, são dirigidas e estreladas
por gente com pouca ou nenhuma experiência nos meios de comunicação.
São ex-operários, donas de casa e comerciantes que, antes de ingressar na
comunidade, nunca haviam pisado em um estúdio de rádio ou tevê. O auxílio
vem de 700 funcionários recrutados na região e com experiência em mídia.
[...]. Os cenários são simples, diversos programas de entrevistas e muitas
horas onde se assistem orações fervorosas e repetidas. Apesar disso, o canal
consegue audiência cativa e crescente.
359
A grade de programação está composta por programas “fixos” e programas
“flexíveis”, projetados para um público de idade bem diversa. Os programas “fixos”, aqueles
que, durante toda a semana, se mantêm num mesmo horário, são os de formação e
espiritualidade. os programas flexíveis”, aqueles que não são transmitidos diariamente,
nem mantêm um horário estável, são mais de corte educativo, de entretenimento ou lazer. Ao
todo, de domingo a sábado, a Tv Canção Nova transmite aproximadamente sessenta e três
programas.
Entre os programas de formação e espiritualidade fazemos menção aos seguintes:
Palavras de vida eterna; Ele está no meio de nós; O amor vencerá; A bíblia no meu dia a dia;
Em sintonia com meu Deus; Minha família é assim; Catequeses com o Papa; Atitude
Solidária; Encontro com Jesus; Deus lhe abençoe; Escola da fé; Resgate já; Evangelizando
com o Davi; a Reza do Terço; a Missa. Entre os programas educativos ou de lazer podemos
citar: Conversando se aprende; PHN; Trocando Idéias; Cantinho da Criança; Pontocom;
Nossa Gente, Nossa Terra; Flash Jornalismo; Compacto de Show; Preservação Ambiental;
Canção Nova Notícias.
358
Além da Tv Canção Nova, existem outras televisoras católicas no contexto brasileiro: Rede Vida de televisão,
Tv Aparecida, Tv Século XXI, Tv Nazaré etc. Na 43ª Assembléia Geral da CNBB, Dom Orani João
Tempesta, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Educação, Cultura e Comunicação, afirmou:
“quanta riqueza temos em comunicação na Igreja. São várias as redes de rádio e Tv. A CNBB tem a Missão
de favorecer a sintonia entre todas”. TEMPESTA, Dom Orani João. Disponível na Internet:
<http://www.cnbb.org.br/index.php>. Acesso em: 27/05/2006.
359
LÍRIO, 2004, p. 14.
156
Destaque na programação recebe a Santa Missa, transmitida todos os dias da semana
(de segunda-feira à sexta-feira às 7:00 horas, aos sábados às 17:00 horas e aos domingos às
9:00 e às 17:00 horas). Além da Santa Missa, são televisadas a Missa de Libertação que
acontece segunda-feira às 15:00 horas e a Missa Clube do Ouvinte que é celebrada na sexta-
feira às 20:00 horas. Estas Missas são ministradas por padres da Canção Nova ou por padres
convidados das dioceses vizinhas. É quase uma constatação de que os padres convidados
fazem parte da Renovação Carismática Católica.
Observando
360
a “Santa Missa” que é transmitida pela Tv Canção Nova, percebe-se
uma série de pontos divergentes com as missas tradicionais que a própria Igreja Católica
realiza em seus templos. Se bem é certo que não se pode falar de uma teologia e de uma
estrutura litúrgica totalmente diferente, existem, sim, elementos que marcam novidades dentro
desta instituição. Olhemos a seguir as distinções encontradas a partir da pesquisa.
A figura do padre. A figura do padre, central para a Igreja Católica, nessas missas
televisivas, ganha “uma imagem” convidativa, jovial, dinâmica, alegre, entusiasta. Essa
imagem contrasta com a imagem do padre tradicional mais sério, mais austero, mais fechado.
Poder-se-ia dizer que o padre da missa televisiva se situa mais perto dos fiéis, das pessoas de
carne e osso que lhe assistem, pois ri, canta, grita, bate palmas, chora, pula, enquanto que o
padre da igreja tradicional guarda uma certa distância da congregação; aparentemente, mesmo
estando no local da celebração, está mais perto de Deus que do povo nesse momento litúrgico.
O uso das vestes litúrgicas tradicionais, por parte desses padres carismáticos, poderia estar
ancorado no intuito de manutenção da identidade católica.
Imagem 09
360
As observações aconteceram durante as semanas de 20 a 26 de março e de 19 a 25 de junho de 2005. É
importante destacar que muitas das apreciações feitas a partir das observações podem ser encontradas em
celebrações ou missas carismáticas não televisadas.
157
A fala e o discurso do padre. A fala e o discurso que o padre da missa televisiva faz
prioriza a linguagem comum nas mensagens, a linguagem do dia-a-dia, a “língua do povo”,
passando teologia sem o uso dos jargões teológicos, ou explicando-os quando usados. A fala
na missa televisada é repetitiva e enfática.
Fiéis. Nas celebrações televisivas, os fiéis passam mais tempo sendo sujeitos do que
objetos. Os fiéis falam, oram, choram, sem que para isso tenham um tempo pré-determinado
e, também, sem a preocupação de que, por fazerem isso, possam ser tachados como
“excêntricos”. Nas missas televisivas, o corpo dos fiéis é um corpo que ganha em
individualidade, em reconhecimento, em movimento, em toque
361
, em expressão. Também
poder-se-ia dizer que ganha em “cuidado”, pois o choro de alguém presente na celebração
pode ser motivo de comentário ou pergunta por parte de quem celebra a missa. Enfim, é um
corpo que ganha em respostas imediatas, seja para mal-estar físico ou psíquico.
Imagem 10
A liturgia da missa. A liturgia da missa na Tv, se bem é certo que não altera a ordem
da igreja tradicional, é mais participativa, mais carismática, mais lúdica. Incorpora maior
número de cantos ou hinos. Conta com um momento especial para a oração em línguas e para
o que eles denominam como adoração do Santíssimo Sacramento.
361
Fausto Neto escreveu um artigo intitulado “A religião do contato: estratégias discursivas dos novos “templos
midiáticos”. Nele, o autor examina o papel dos processos midiáticos que ele denomina “economia do contato”
para compreender, no deslocamento das velhas igrejas para novos ambientes, a permanência da religião na
esfera pública. Cf. FAUSTO NETO, Antônio. A religião do contato: estratégias discursivas dos novos
“templos midiáticos”. Comunicação & Informação. Vol. 7. No 1. (jan/jun, 2004). Goiânia: UFG,
FACOMB. p. 13-33.
158
Imagem 11
Espaço litúrgico. O espaço litúrgico nas missas televisivas, mesmo que detentor dos
lugares característicos para o clero e a membresia, apresenta fronteiras menos demarcadas,
mais difusas. A circulação, tanto dos que oficiam quanto daqueles que participam, é maior e
mais contínua. A dimensão dos templos das missas televisivas, freqüentemente, é maior do
que aqueles das igrejas tradicionais. Eles oferecem, ao público que os visita, um sítio mais
aconchegante no que se refere à iluminação, conforto, ambientação e atenção. Outro elemento
importante é que, no geral, são locais abertos, sem portas ou janelas.
Imagem 12
Observe, na figura que segue, como esse espaço é compartilhado tanto por imagens
tradicionais que ganham proporções descomunais quanto por um emaranhado de refletores,
luzes, monitores, cabos, entre outros, necessários para a iluminação e o trabalho de gravação.
Quem oficia compartilha “seu espaço” com o “cameraman”!
159
Imagem 13
3.3.2. O discurso nos meios cançãonovistas: Uma outra liturgia?
Segundo vimos no primeiro capítulo, os meios têm sido, ao longo da história, muito
utilizados pelas igrejas. É nesta contemporaneidade que eles se apresentam como ferramentas
que, sem subestimá-las, podem ser de significativa importância para a liturgia eclesial. No
caso específico das missas, o uso da Tv introduziu um espaço novo de adoração, instaurou
maneiras diferentes de celebração, apropriação do sagrado e vivência da fé. Essas “novas
missas” poderiam ser consideradas uma adequação eclesial decorrente da posmodernidade!
No caso da Canção Nova, parece que o próprio discurso, através dos meios, vai
criando um outro tipo de liturgia. É dizer, além da liturgia que pauta a celebração das missas,
outras liturgias aparecem no discurso e no fazer teológico e midiático da Comunidade. A
Comunidade vai construindo um universo marcado pela instauração de dissímeis liturgias que
oferecem aos fiéis uma outra forma de ser católico romano.
Analisemos a seguir um texto publicado na revista Canção Nova. Através desse texto,
podemos explicitar melhor o que afirmamos.
FONTES DA SALVAÇÃO
O homem de fé aprecia as obras sob um ponto de vista inteiramente diferente
daquele que vive exteriormente. Vê nelas não tanto o aspecto aparente, como
o papel que desempenha no plano divino e seus resultados sobrenaturais.
Assim vamos mostrando nossas próprias impotências e passamos cada vez
mais a ter exclusiva confiança em Deus.
160
Nós, que vivemos da fé, nos momentos de decisões abandonamo-nos
totalmente nas mãos de Deus e Ele nos conduz.
Foi o que aconteceu na Canção Nova: quantos meses sem fecharmos a
campanha? A obra que vive da providência estagna. O que fazer se nossa
missão é evangelizar todas as criaturas, e Deus colocou em nossas mãos o
instrumento mais forte: a comunicação?
O dinheiro necessário não tem entrado nem mesmo para a manutenção de
nosso ministério. O que fazer senão rezar e escutar a Deus?
Revendo os balanços, verifiquei que os números reais do “Porta-a-Porta”
cresceram. Foi aí que Deus me falou ao coração exatamente nosso lema: Daí
e dar-se-vos-á. Seguindo esse princípio do Evangelho, abrimos frentes de
missão Canção Nova para centenas de irmãos através da distribuição do
material evangelizador. Com isso, muitos passaram a ter uma fonte de renda
ajudando no seu orçamento familiar. Hoje, com essa iniciativa, foram
beneficiadas por esse projeto mais de doze mil famílias.
O “PORTA-A-PORTA” cresceu sim, mas é bom sabermos que o seu
crescimento está comprometido com a evangelização.
Mais uma vez o Senhor se manifesta na Sua bondade abrindo-nos outra
porta. Ao adquirir uma pequena propriedade ao lado da Canção Nova, passei
a notar que na estrada há um olho d´água que não para de jorrar. Logo vi isso
como um sinal de Deus. Como é bom ver os comandos da Divina
Providencia!
Voltando para casa rezei pedindo a Deus uma Palavra. No dia seguinte cedo,
a Roselaine que trabalha comigo mostrou-me uma palavra do profeta Isaías:
“Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação”. Guardei comigo essa
Palavra do Cântico de Libertação e, no mesmo dia, um amigo da Canção
Nova ligou-me dizendo que, nas suas orações, sentiu que a Canção Nova
poderia ser ajudada através da água e que ele trabalhava nessa área. Agradeci
pois padre Jonas e Luzia disseram-me que desde o inicio da comunidade o
Senhor havia falado dessa Palavra em Isaías: que uma forma de
sobrevivencia e de sutentação da obra seria através da água.
Na Semana Santa lançamos o desafio para que pessoas pudessem ser
representantes da Água Mineral Canção Nova.
Do copo ao galão, a Canção Nova terá essa fonte de vida para chegar até
você, e também estará evangelizando dessa maneira.
Não quero achar vendedores de água. Quero evangelizadores de fonte de
vida.
No momento, só teremos essa realização no sudeste, mas nossa meta é
atingir todo o Brasil.
Amo vocês.
Seu irmão, Eto.
362
362
JARDIM, Wellington Silva. Fontes da salvação. Revista Canção Nova, São Paulo, ano V, n 53, maio de
2005. p. 7.
161
O texto, na primeira parte, pode ser entendido como um balanço tanto “econômico
quanto “espiritual”, feito pelo administrador da Comunidade e membro Wellington Silva
Jardim (Eto). Ele deixa claro que, com o dinheiro que entra, não se esta conseguindo cobrir os
gastos principais da comunidade. No entanto, o discurso não é derrotista, a pesar da situação
descrita, Wellington transmite consolação dando a certeza de que a obra que realizam é de
Deus e, portanto, Deus deixara enxergar caminhos para sua subsistência. Ele revê as contas,
como se faz hoje na economia de mercado e comenta que o que mais tem crescido é o projeto
“porta-a-porta”, que além de contar com 12 mil famílias cadastradas, oferece a essas famílias
a possibilidade de ter uma renda extra com a venda dos materiais de evangelização do DAVI.
Aparentemente, “não é só” a Comunidade quem recebe os benefícios!
O artigo continua falando da aquisição de uma nova extensão de terra por parte da
Comunidade. E é precisamente pela forma como foi narrada, que nos atrevemos a afirmar a
existência de uma “liturgia do discurso” na Canção Nova. É a mesma forma narrativa que
encontramos nos depoimentos que o padre Jonas, ao aludir ao início da Comunidade, faz no
livro trabalhado acima “Canção Nova uma obra de Deus: nossa história, identidade e
missão”. Wellington segue uma seqüência em sua formulação: descobrimento; sinal de Deus
(água); alguém que traz a palavra bíblica em relação ao fato acontecido; alguém que diz que
nas suas orações tinha sentido que Deus indicava esse caminho para a Comunidade; o padre
Jonas e Luzia confirmando que desde o inicio tinham recebido esse sinal de Deus. Depois
de todas essas revelações-confirmações”, prossegue o que poderíamos denominar de
“chamado e envio”. O chamado é feito através do “lançamento do desafio” (como quando o
padre Jonas lançou o desafio para iniciar a Comunidade). Nas palavras expressas, fica
explícito que não querem achar vendedores de água (mesmo que seja água o produto a ser
vendido); querem “evangelizadores de fonte de vida”... que, por “enquanto”, estarão cobrindo
somente o “sudeste” mas a aspiração é, como de costume, “atingir todo o Brasil”!
Assim, pode-se auferir que, uma vez que essa “liturgia do discurso” tem dado certo,
passam os anos e Canção Nova faz uso da mesma estratégia. Uma estratégia que consegue
pessoas comprometidas com o trabalho que, nas suas mãos, é colocado em prol da
Comunidade. Pessoas que, aparentemente, com muita fé, assumem o desafio e se entregam.
Nossa pergunta seria? É mesmo estratégia da Comunidade ou trata-se de uma forma deferente
162
de “escutar” a Palavra de Deus? Para quem de fora, parece estratégia da administração;
para quem participa, a apreciação pode ser diferente.
Por outro lado, constatamos que, nessa “liturgia do discurso”, também estão inter-
atuando mitos, ritos e símbolos que são totalmente novos no âmbito romano ou são velhos
conhecidos re-criados na atualidade. Aparentemente, esses “atuais” mitos, ritos e símbolos
compartilham o espaço com outros, já anteriormente consagrados no catolicismo, sem muita
dificuldade para quem faz parte desse universo.
3.4. Igreja Pneumática: O Espírito Santo e a Canção Nova
O vocábulo pneuma procede do grego e, assim como o hebraico ruah, significa
“vento”, “fôlego”, “sopro”, “espírito”. Robert W. Jenson descreve pneuma como aquilo que
evoca a vivacidade da vida, “como sopro elusivo e sempre em movimento, o vento que sopra
onde quer para colocar as coisas paradas em movimento”
363
. O apóstolo Paulo que, no
dizer de Tillich, seria o “teólogo do Espírito”
364
deixa claro no Novo Testamento a
diferença entre espírito e alma. Ao contrastar a pessoa espiritual (pneumatikos) à pessoa não-
espiritual ou natural, carnal (psychikos = “da alma”), ele estabelece essa distinção (1Co 2.13-
15). Nesse sentido, a pessoa espiritual seria, para Paulo, aquela que conhece a Deus porque
recebeu o Espírito de Deus, não o espírito do mundo; a pessoa não-espiritual conhece somente
a sabedoria humana e é incapaz de compreender a verdade espiritual que deve ser “discernida
espiritualmente”; para ela, a verdade espiritual é loucura
365
.
Boff explica que
Para Paulo o Senhor ressuscitado é identificado com o Espírito (2Co 3,17)
[...]. O Senhor é Espírito. E onde está o Espírito do Senhor, liberdade.
[...] Viver no Espírito ou também em Cristo é sempre contraposto ao viver
na carne [...]. Viver na carne (kata sarka) é viver na limitação, no
fechamento, na tribulação, na fraqueza e na tentação. Jesus de Nazaré viveu
segundo a carne [...]. [...] esse modo de existir carnal foi pela ressurreição
363
JENSON, Robert W. O Espírito Santo. In: BRAATEN, Carl E.; JENSON, Robert W. (ed.). Dogmática
Cristã. Vol. 2. São Leopoldo: Sinodal, 1990. p. 117.
364
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. 4ª Ed. São Leopoldo: Sinodal, 2002. p. 474.
365
Cf. OSTERHAVEN, M. Eugene. Espírito. In: ELWELL, 1992, p. 51s.
163
totalmente modificado. Agora ele vive segundo o Espírito (en pneumati) [...].
Viver segundo o Espírito ou com um corpo espiritual não é viver sem o
corpo mas no espírito, mas é viver com corpo e alma porém totalmente
repleto de Deus, significa ser homem [ser humano] completo mas agora
numa forma que não conhece mais limitações, fraquezas, tribulações e
ameaça de morte. É ser dotado de uma corporalidade para a qual o espaço, o
tempo e o mundo o são mais limites mas pura comunicabilidade, abertura
e comunhão para com Deus e para com toda a realidade. O espírito vem
sempre de Deus [...]. [...] a presença do Ressuscitado na Igreja é presença
do Espírito Santo nela.
366
No entanto, com relação à compreensão que a Igreja tem tido de Paulo ao longo da
história, Tillich alerta:
A igreja teve e continua a ter problemas em atualizar as idéias de Paulo, por
causa dos movimentos extáticos concretos. A igreja deve impedir que haja
confusão entre êxtase e caos, e deve lutar a favor da estrutura. Por outro
lado, deve evitar a profanização institucional do Espírito que ocorreu na
igreja católica dos primórdios como resultado da substituição dos charismata
pelo oficio. Sobretudo, deve evitar a profanização secular do protestantismo
contemporâneo que ocorre quando ele substitui êxtase por estrutura moral e
doutrinal. O critério Paulino da unidade da estrutura e êxtase vale tanto
contra uma quanto contra outra dessas duas formas de profanização. O uso
desse critério é um dever sempre presente e um risco sempre presente para as
igrejas.
367
3.4.1. O Espírito Santo e a igreja
Leonardo Boff diz que
A Igreja deve ser pensada não tanto a partir do Jesus Carnal, mas
principalmente a partir do Cristo ressuscitado, identificado com o Espírito. A
Igreja não possui somente uma origem cristológica mas também, de modo
particular, uma origem pneumatológica [...]. Enquanto ela se origina do
Espírito Santo que é o espírito de Cristo ela possui uma dimensão dinâmica e
funcional, ela se define em termos de energia, carisma e construção do
mundo, “porque o Espírito sopra onde quer” (Jo 3,7) e “onde esta o Espírito
do Senhor, aí reina liberdade” (2Cor 3,17).
368
366
BOFF, 1982, p. 226s.
367
TILLICH, 2002, p. 475.
368
BOFF, 1982, p. 222.
164
Com esta afirmação de Boff, fica claro que, para a teologia cristã, Pai, Filho e Espírito
Santo comportam uma realidade: a trindade. Assim como Deus criador esteve e está
sempre criando, assim como o Jesus encarnado esteve e está como exemplo perpetuo da
mensagem de vida e amor do Pai para com o mundo, assim também o Espírito Santo (Pai e
Cristo ressuscitado) esteve e está para movimentar a pessoa cristã e, através dela, as
instituições, comunidades ou grupos onde elas se congregarem. O Espírito Santo, além de
movimentar, inspira a busca de liberdade, porque representa liberdade, Ele é liberdade. O
Espírito Santo é o inspirador de toda ação cristã; ações que somente devem ter como regra ou
parâmetro o amor cristão, segundo Marcos 12.30-31 que diz: “Amarás, pois, o Senhor, teu
Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua
força. [...] Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Boff explica que
A tradição sempre creu que a Igreja nasceu no dia de Pentecostes. Na
verdade ela possui um fundamento cristológico e outro pneumático. Esta
constatação é de extrema importância pois por se evidencia que o
elemento pneumático e carismático na Igreja possui, desde o inicio, um
caráter institucional. [...] Essencialmente à Igreja pertence o poder de
decisão e o dogma. Ela mesma, em sua concreção histórica, surgiu de uma
decisão dos Apóstolos, iluminados pelo Espírito Santo.
369
Embasado nessa compreensão o autor argumenta que a igreja
deve ser compreendida a partir do Espírito Santo, contudo não tanto como
terceira pessoa da SS. Trindade, mas como a força e o modo de atuação
mediante o qual o Senhor permanece presente na história e continua sua obra
de inauguração de um novo mundo. A Igreja é o sacramento, sinal e
instrumento do Cristo vivo agora e ressuscitado, isto é, do Espírito.
370
Das palavras de Boff, corrobora-se que a igreja contempla essas realidades, ou seja, a
igreja é sacramento, sinal e instrumento de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, a igreja
não está sujeita às vontades e prescrições humanas. Não existe nenhum ser humano, nenhuma
estrutura criada pelos seres humanos, que possa prender de uma maneira ou de outra “o sopro
do Espírito Santo”. Ainda quando o ser humano ou a própria igreja instituição pensem ou
reclamem por esta ou aquela forma de caminhada, será o Espírito quem determinará o jeito da
369
BOFF, 1982, p. 224.
370
BOFF, 1982, p. 228s.
165
caminhada de fé; para o ser humano, ficaria a tarefa de discernir sobre o que é, ou não,
vontade de Deus frente a cada decisão ou percurso.
Euler Westphal expressa,
Pela ação do Espírito Santo, a escritura nos revela o Deus triúno, Pai, Filho e
Espírito Santo, presente de forma abscôndita (oculta) na criação e na história
e manifestado na pessoa de Jesus Cristo. Deus através da terceira pessoa
da trindade o Espírito Santo concede dons espirituais a todos aqueles
que crêem em Jesus Cristo, buscando a edificação e a união do Corpo de
Cristo, a sua Igreja. Os dons extraordinários falar em nguas, curas e
visões devem ser submetidos ao julgamento da palavra de Deus e da
Comunidade Cristã. Estes dons não são exigidos como prova de
autenticidade da fé. Entretanto, os dons necessários para à vida cristã são: a
fé, a esperança e o amor.
371
O autor alude aos “dons necessários (fé, esperança e amor)” e aos “dons
extraordinários (falar em línguas, curas e visões)”. Estes últimos, ao contrário dos primeiros,
não seriam exigidos como prova de autenticidade da fé. No entanto, deixa claro que ambos
têm feito parte, desde sempre, dos nomeados dons espirituais” concedidos pelo Espírito
Santo aos cristão, perseguindo união e edificação. Por isso, pode ser afirmado que a vida da
pessoa cristã, como o entende Boff,
[...] é uma vida segundo o Espírito que não nos permite nos enquadrar nas
coordenadas deste mundo (Rm 12,2). É viver na nova realidade trazida pela
ressurreição de Jesus, realidade essa que inaugura o novo céu e a nova terra e
faz de cada fiel uma nova criatura (1Cor 5,17).
372
Não se enquadrar nas coordenadas deste mundo não significa que se tenha que viver
além ou de costas para o cotidiano do mundo. Significa que essa lei de amor de Deus está,
para a pessoa cristã, em cima de qualquer outra lei humana, e que é ela quem deve conduzir o
comportamento da pessoa cristã.
Ainda, como o próprio Boff complementa,
371
WESTPHAL, Euler R. As mediações das experiências do Espírito Santo. Estudos Teológicos. Ano 40, n 2.
São Leopoldo: Sinodal, 2000. p. 19s.
372
BOFF, 1982, p. 226.
166
[...] Cristo ressuscitado derrubou todas as barreiras que separavam os
homens [seres humanos] (Ef 2,15-18); aboliu a separação entre as raças, as
religiões, o sagrado e o profano. Nada é mais limite à sua inefável e
pneumática comunicação. [...] Para Paulo a Igreja local constitui o lugar da
manifestação social do Cristo ressuscitado, especialmente quando é
celebrada a ceia eucarística.
373
Tomando essas duas afirmações de Boff, a partir do explicitado pelo apostolo Paulo,
perguntamos: Podem, alguns cristãos ou, ainda, algumas instituições cristãs, “rejeitar” ou “se
opor” ao pentecostalismo, segundo o que tem ocorrido durante uma boa parte do século XX?
Podem, alguns cristãos ou, ainda, algumas instituições cristãs, “rejeitar” ou “se opor” aos
movimentos carismáticos, segundo o que acontece na atualidade? Achamos que não, nem
rejeitar, nem se opor; lei e mandamentos já foram dados, é de Deus o julgamento!
Pentecostais, carismáticos e outros, aparentemente, trazem à igreja cristã uma nova
forma de ser cristão: oxigenam a instituição enquistada e oferecem alternativas diversas para
celebrar a vida, vida cristã. Assim como a história hoje “permite olhar” os acertos e desacertos
das igrejas históricas ao longo de séculos, permite ver melhor e discernir no cronos a vontade
de Deus no kairós. Na história, observaremos o veredicto com relação a esses novos
movimentos, a essas novas igrejas. Nelas, para nós, indiscutivelmente, também está presente o
Espírito de Deus, mesmo que custe muito trabalho, na nossa limitada mente, aceitar ou
reconhecer. Segundo Tillich, “A marca da Presença Espiritual não esta ausente em nenhum
lugar ou tempo. O Espírito Divino ou Deus, presente no espírito humano, irrompe em toda a
história em experiências revelatórias que têm um caráter salvífico e transformador”
374
.
Nesse sentido, Boff explica:
A centração cristológica no horizonte do mistério da encarnação levou a
Igreja latina a um endurecimento institucional excessivo; como instituição,
quase bimilenar, não destila jovialidade nem gera alegria, mas
respeitabilidade e sentimento de peso. Tal perfil não é indiferente à teologia
e ao Evangelho. O Evangelho não se resume num conteúdo; é também um
373
BOFF, 1982, p. 231.
374
TILLICH, 2002, p. 492.
167
estilo que mostra a alegria da boa-nova, o alívio de uma grande libertação. A
Instituição dificilmente traduz tais características.
375
Parece-nos que essa alegria da boa nova, essa jovialidade, esse adeus para o
“excessivo peso” colocado no Evangelho, é hoje experimentado pelos novos movimentos
religiosos e, especialmente constatado, no caso da Canção Nova. Assim como Deus, com o
episodio de Jesus na Cruz, denunciou toda crueldade humana, assim como Deus, com o Cristo
ressuscitado, nos libertou de todas as ataduras humanas, nos libertou da morte, assim também
Deus, continua chamando-nos sempre, através de seu Espírito Santo, para um novo momento
de vida, vida abundante!
Zwetsch assinala que
ultimamente a doutrina da trindade tem sido considerada a referência
teológica mais adequada para se definir a igreja [...]. Esta doutrina situa a
igreja dentro da obra do Espírito de Deus neste mundo e o propósito divino
de resgatar a humanidade e a própria criação para uma nova relação com o
criador (Romanos 8.19ss), relação esta que se efetiva por graça e amor como
expressões da compaixão e da misericórdia de Deus por sua criação.
376
Cabe aos cristãos e cristãs serem receptivos ou não à obra do Espírito de Deus!
3.4.2. Espírito Santo na Canção Nova
Na Comunidade Canção Nova, muitas são as expressões, depoimentos ou escritos que
falam da presença, guia e sustento do Espírito Santo. Uma mão (ser humano), um violão
(canção) e uma pomba (símbolo do Espírito Santo) se interligam para conformar o logotipo de
identificação ao mesmo tempo em que denotam “essa nova realidade” na qual “ser humano”,
“Espírito Santo” e “nova canção” se misturam no anseio de proclamar o Evangelho de Deus.
Luzia Santiago, membro e fundadora, seguindo esse sentido, expressa:
É preciso passar pela cruz também para que o novo venha, para que seja
gerada essa igreja cheia de vida, plena do Espírito, [...] não devemos ter
medo de viver o novo! Não devemos ter medo de ir em frente — mesmo que
375
BOFF, 1982, p. 234.
376
ZWETSCH, 2007, p. 303.
168
o mundo grite o contrário quando temos certeza de que é vontade de
Deus. Não por teimosia, por vaidade ou ambição. Mas, se outros a seu
lado (aí esta o valor da comunidade, do discernimento juntos), você pode ir
em frente: pois a obra é do Senhor.
377
Luzia fala de ir em frente, de não ter medo do novo na gestação” dessa igreja “cheia
de vida pelo Espírito”; Luzia refere-se ao valor da comunidade, do discernimento em conjunto
para saber o que é, ou não, vontade de Deus. A seguir, analisaremos um depoimento oferecido
pela própria Luzia, sobre um fato acontecido na dinâmica de vida da Comunidade. Ela narra:
algum tempo, vivi uma situação muito dura na Canção Nova. Tive de
vivenciar o Viver Reconciliado como nunca havia vivido até então.
Estávamos em preparação para uma espécie de “capitulo” da Canção Nova.
Foi feita uma reunião, bem democrática, para decidir quem fazia parte desse
capítulo. Capitulo é uma reunião dos anciãos para ver tudo o que se viveu
e o que ainda vai ser vivido. Nessa reunião fizeram votações e meu nome
não entrou [...]. Fiquei muito revoltada porque desde o primeiro dia, em
1974, quando fizemos a instituição da Associação Canção Nova, eu estava
lá. Foi um momento de “morte” para mim. Senti o quanto estava apegada à
Canção Nova e à sua história. Eu a tinha como minha, pois eu a tinha
gerado. Não concebia a idéia de estar tantos anos na comunidade e ter
ficado de fora, [...] fui até as meninas mais antigas que foram votadas e em
quem eu tinha confiança, perguntando por que eu não tinha entrado. [...]
Procurei Pe. Jonas [e ele diz] Lu, meu coração doeu. Ficou partido. Você
acha que se fosse por escolha minha eu não iria escolher você? Você que
sempre esteve comigo? Mas, minha filha, fizemos uma votação de forma
democrática”. Fui tomada de grande angustia, o chão sumiu debaixo de
meus pés... Mas então comecei a me render diante de Deus. Nessa rendição o
Senhor me falou: eu faço cair todos os muros de sua vida, todas as suas
seguranças e apoios”. Caminhando na chácara tive uma imagem: estava
num lugar todo cercado de muros muito grandes, e, naquele momento, todos
os muros caíram. O Senhor me disse: Minha filha, você não é serva do Pe.
Jonas. Você não é serva da Canção Nova, do Capitulo. Você é serva do
meu Evangelho”. Não consigo descrever bem o que aconteceu comigo.
sei que saí dali chorando, louvando a Deus. Fui até Pe. Jonas confessar-me,
render-me diante de Deus, com uma alegria interior muito grande. Deus
estava me libertando. Fui correndo porque só tinha um desejo: confessar-me,
render-me diante de Deus, perdoar a todos. [...] Hoje sinto que sou Canção
Nova por dom, por carisma! Não estou apegada a ela ou as pessoas. Amo as
pessoas, mas sei que meu amor em primeiro lugar é para Jesus. Sou serva do
Evangelho.
378
377
SANTIAGO, Luzia. Sou serva do Evangelho. In: ABIB, Jonas. Canção Nova: Uma obra de Deus. 6 ed. São
Paulo: Loyola / Editora Canção Nova, 2006. p. 137.
378
SANTIAGO, 2006, p. 138s.
169
Escolhemos esse depoimento porque, de alguma maneira, ele contém, explícita e
implicitamente, a síntese de grande parte da bibliografia pesquisada com relação à Canção
Nova, mas também, implícita e explicitamente, ele é a síntese do “Espírito” vivenciado, no
cotidiano da sede da Canção Nova, durante a pesquisa de campo. Mesmo sabendo que o
depoimento fala por si só, nosso interesse é comentá-lo.
Explicitamente, em momento nenhum, aparece alusão ao Espírito Santo, no entanto,
no nosso entender, o Espírito Santo está em cada palavra e em cada situação ou ação narrada
por Luzia. “Viver reconciliado”, para o cristão, é isso: viver segundo o Espírito Santo! Como
se vive segundo o Espírito Santo? Qual é o sinal do viver segundo o Espírito Santo? A
narração da Luzia parece explicitar isso muito bem. Viver segundo o Espírito seria:
Respeitar a escolha “democrática” de fazer parte ou não de um determinado
“capítulo”;
Ser humilde perante situações para nós incompreensíveis, procurando respostas
ante as interrogantes ou desavenças que possam surgir delas;
Saber distanciar-se perante qualquer momento de ira e escutar o “sussurro” de
Deus;
Conseguir Perdoar;
Reconciliar-se e reintegrar-se à comunidade em prol de um projeto maior;
Ter consciência de que para a pessoa cristã o sustento está em Deus, está no
Evangelho, e não em nenhuma instituição ou num determinado líder;
Aprender a Ressuscitar com AMOR, após cada morte de Cruz;
Muitos são os artigos acadêmicos que, na atualidade, abordam os novos movimentos
religiosos com preocupação, com preconceito. Depoimentos como esse, apontam para
dinâmicas de vida comunitária que contradizem algumas dessas preocupações e desses
preconceitos.
3.5. A Modo de Conclusão
Chegamos ao final deste capítulo com um sentimento misto de alegria e inquietação.
Alegria por ter confirmado, desde a análise dos argumentos trabalhados, que Canção Nova se
mostra como algo diferente, que não proclama, senão que faz. Tal característica faz dessa
170
Comunidade um lugar privilegiado para o estudo de novas expressões religiosas, e mais, para
o estudo de novas eclesiologias da contemporaneidade. Canção Nova, como fenômeno
recente, tem sido pouco pesquisada. A inquietação vem de saber, depois da literatura estudada
e as análises feitas, que Canção Nova é muito mais do que tem sido expressado. A pesquisa
realizada aponta para uma realidade nova, um catolicismo romano diferente, Um Novo Jeito
de Ser Igreja, mas essa realidade ainda permanece uma incógnita no nosso percurso
investigativo.
Pensamos que, assim como o Pentecostalismo desde o inicio do século XX, as
Comunidades Eclesiais de Base desde a década de 1960 até os dias atuais, os Movimentos
Carismáticos dentro das diferentes denominações representam a Igreja em relação com o
momento histórico, em relação com o tempo que lhes coube desenvolver sua atividade e seu
ministério. Em todos eles, seria o Espírito Santo atuando, tocando, animando, desafiando, se
movimentando...
Sendo a Teologia da Libertação e a Renovação Carismática Católica realidades
eclesiais “pós-conciliares”, ambas nascem e bebem dessa esperança e necessidade de
renovação que mexeu profundamente com a Instituição Romana. É por isso que, muitos dos
apelos, muitas das características de um Novo Jeito de Ser Igreja atribuídas à Teologia da
Libertação (especificamente às Comunidades Eclesiais de Base) fecham com a vivência,
experiência e convivência nas Comunidades Carismáticas, ainda que sejam realidades muito
diferentes.
O padre Jonas sentiu-se desafiado e arriscou ao entrar nessa nova empreitada: fazer
uso da dia para evangelizar. Com isso, acabou proporcionando, ao passar dos anos, uma
outra maneira de ser dentro da Igreja, para alegria de uns e descontento de outros. Algumas
vezes acertando, outras errando, sendo tachado de louco, sendo chamado de o “padre
protestante”, amado por uns e odiado por outros, já faz mais de trinta anos que Jonas
“comanda seu barco” e é precisamente hoje que “esse barco” parece ir a todo vapor. De
maneira que o surgimento e desenvolvimento da Comunidade Canção Nova é percebido — na
nossa investigação — como: a) resposta a um permanente desafio, b) resultado de um trabalho
entusiasta e constante, c) decorrência de uma confiança inabalável no projeto do Deus trino.
Além de todo o que possa ser levantado como crítica, desde posições sociológicas,
171
antropológicas, teológicas e outras, a Comunidade Canção Nova marca relevante distinção
não só dentro do próprio catolicismo senão dentro do próprio cristianismo contemporâneo.
Estaríamos dizendo, com nossa pesquisa, CUIDADO! Cuidado, então, para a teologia
sistemática, dogmática, para a eclesiologia etc. Essas, certissimamente formuladas,
aparentemente donas de toda a verdade do Sagrado, mas tão estáticas que chegam a perder a
cor, o cheiro, o sabor. Não estamos falando com isso que a teologia sistemática, a dogmática,
os postulados eclesiológicos, não sejam importantes. Estamos falando, sim, que devem ser
trocadas as lentes segundo as necessidades dos olhos; do contrário, enxergar
contextualizadamente será muito difícil!
Este seria o capitulo do “sim, mas ainda não”! Com o que foi até aqui trabalhado,
poder-se-ia asseverar que a Canção Nova representa um Novo Jeito de Ser Igreja. A análise
sobre Gênero, as novas e diferentes liturgias e a ênfases na presença do Espírito Santo na
condução comunitária e eclesiológica não deixariam dúvidas sobre tal afirmação. No entanto,
essas realidades apresentadas e trabalhadas não seriam realidades exclusivas da Canção Nova;
cada uma delas, também, poderia ser encontrada caracterizando outras denominações cristãs.
Em decorrência disso, é que afirmamos o ainda não”, ainda não seriam esses os elementos
que denotariam um novo jeito de ser igreja próprio da Comunidade!
Uma pesquisa de campo poderia oferecer novos elementos de análise para um melhor
redirecionamento do percurso investigativo. A inserção em campo ajudaria a desvendar, “sem
interferência”, o que é e o que não é a Comunidade Canção Nova na vivência cotidiana.
C
APÍTULO
4.
U
M
N
OVO
J
EITO DE
S
ER
I
GREJA
:
N
OVOS
J
EITOS DE
C
OMUNIDADE
,
N
OVOS
J
EITOS DE
F
AMÍLIA
,
N
OVOS
J
EITOS DE
I
DENTIDADES
4.1. Canção Nova: Constatações e descobertas na pesquisa de campo
A pesquisa de campo
379
, na nossa investigação foi, mais que uma opção, uma
necessidade. Os textos acadêmicos estudados e as interpretações deles realizadas haviam
aportado muita informação sobre o objeto; a própria literatura escrita pela Canção Nova era
suficiente para sobre ela se debruçar tentando compreender esse fenômeno religioso. No
entanto, ao entrecruzar ambos dados, dos textos acadêmicos e dos escritos da Canção Nova,
sentimos que o “encaixe” não era satisfatório. Se, por um lado, os referenciais teóricos
selecionados tinham permitido entender melhor o objeto, por outro, sentíamos a impressão
que o objeto se mostrava mais amplo e não estávamos conseguindo apreendê-lo na sua
totalidade. Havia, na Canção Nova, um universo muito maior e, ao mesmo tempo, muito
movimentado. O que hoje era, amanhã não deixava de ser, mas já tinha mudado em parte (isso
acontecia principalmente com relação ao site).
De maneira que, quando decidimos empreender a viagem rumo a São Paulo, tínhamos
a sensação de que sabíamos muito da Canção Nova, mas, ao mesmo tempo, sentíamos o vazio
de quem pouco conhece o lugar que se pretende visitar. Mesmo assim, o olhar, poderíamos
confessar, estava carregado de auto-suficiência e preconceito. Lembrava o expressado por
Nestor Garcia Canclini em seu livro Consumidores e Cidadãos. Ele diz que atualmente, os
conflitos não seo apenas entre classes ou grupos, mas também entre duas tendências
culturais: a negociação racional e crítica, de um lado, e o simulacro de um consenso induzido
379
A pesquisa de campo foi realizada na sede da Comunidade Canção Nova no mês de novembro de 2006. Foi
uma opção não me apresentar como pesquisadora durante esse período.
173
pela mera devoção aos simulacros do outro”
380
. Depois de tanta leitura e de ter entendido
“academicamente muito bem” o mundo atual, eu cheguei na Canção Nova buscando essa
outra tendência cultural apontada pelo autor, o simulacro de um consenso induzido pela mera
devoção aos simulacros.
A Observação Direta foi o método escolhido para pautar a pesquisa de campo. Esse
método está fundamentalmente embasado na observação visual. Segundo o exposto por
Raymond Quivi e Luc Van Campenhoudt:
Os métodos de observação direta constituem os únicos métodos de
investigação social que captam os comportamentos no momento em que eles
se produzem e em si mesmos, sem a mediação de um documento ou de um
testemunho. [...] o investigador pode estar atento ao aparecimento ou à
transformação dos comportamentos, aos efeitos que eles produzem e aos
contextos em que são observados, como a ordenação de um espaço ou a
disposição dos móveis de um local, que cristalizam sistemas de comunicação
e de hierarquia. [...] o campo de observação do investigador é, a priori,
infinitamente amplo e depende, em definitivo, dos objetivos do seu
trabalho e das suas hipóteses de partida.
381
Especialmente optamos pela observação participante de tipo etnológico. Sobre ela,
Quivy e Campenhoudt expressam:
A observação participante de tipo etnológico é, logicamente, a que melhor
responde, de modo global, às preocupações habituais dos investigadores em
ciências sociais. Consiste em estudar uma comunidade durante um longo
período, participando na vida coletiva. O investigador estuda então seus
modos de vida [...]. A validade do seu trabalho assenta, nomeadamente, na
precisão e no rigor das observações, bem como no contínuo confronto entre
as observações e as hipóteses interpretativas. [...] investigações de duração
limitada não aplicam a observação etnológica com toda a precisão dos
etnólogos, que abandonam o local onde vivem durante longos meses, até
mesmo anos, recolhendo um material empírico considerável. No entanto,
aplicam regularmente métodos de observação comparáveis.
382
380
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. Tradução: Maurício Santana Dias. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2006. p. 210.
381
QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de Investigação em Ciências Sociais. 2da edição.
Portugal: Gradiva, 1998. p. 196.
382
QUIVY-CAMPENHOUDT, 1998, p. 197.
174
Os autores explicam que esse método é particularmente adequado à analise do não
verbal e daquilo que esse não verbal revela, a saber, as condutas instituídas e os códigos de
comportamento, a relação com o corpo, os modos de vida e os traços culturais etc. Para eles, o
limite ou problema desse método esta no registro, pois
o investigador não pode unicamente confiar na sua recordação dos
acontecimentos apreendidos “ao vivo”, dado que a memória é seletiva e
eliminaria uma grande variedade de comportamentos cuja importância não
fosse imediatamente aparente. Como nem sempre é possível, nem desejável,
tomar notas no próprio momento, a única solução consiste em transcrever os
comportamentos observados imediatamente após a observação.
383
Dessa maneira, esse método é complementado pela ferramenta do Diário de Campo.
Nas palavras de Neto Cruz, o Diário de Campo será o “amigo silencioso” que não poderemos
subestimar, aquele no qual diariamente poderemos colocar nossas percepções,
questionamentos e informações. O Diário, segundo Neto Cruz, é pessoal e intransferível; a
sua riqueza de anotações será de grande auxilio na discrição e analise do objeto estudado
384
.
4.1.1. Cachoeira Paulista
Era nove horas e trinta minutos da noite quando o motorista do ônibus estacionou
numa rodoviária escura e anunciou: “Cachoeira Paulista!” Só eu desci naquele lugar! E agora?
me perguntei. Sentia-me cansada da viagem de mais de 24 horas desde o Rio Grande do
Sul (Porto Alegre); era para chegar durante a tarde na cidade, mas, com os atrasos nas
rodovias, não tive outra opção a não ser tomar o ônibus das seis e trinta da viação Pássaro
Marrão e chegar de noite em Cachoeira. Ninguém me esperava!
Tentei passar segurança para mim mesma, pensando naqueles que, desde a rodoviária,
me olhavam... talvez porque a mochila nas minhas costas era muito grande se comparada com
a minha estatura, não sei! Fui até um barzinho que ficava em frente e pedi uma garrafa de
água... uma vez mais meu sotaque propiciava o início de uma conversação. Depois de dizer
383
QUIVY-CAMPENHOUDT, 1998, p. 199.
384
.Cf. CRUZ, Otávio Neto. O trabalho de campo como descoberta e criação. In DE SOUZA, Maria Cecília
Minayo (Org.). Pesquisa Social. Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 63.
175
que era cubana e que estava ali a trabalho, saí e caminhei por uma rua que me pareceu a
“principal no povo”; tinha muito medo de ser assaltada! No entanto, à medida que caminhava
e olhava pessoas na rua, vizinhas conversando, muitas casas sem grades, jovens em grupos
caminhando pela calçada, me senti mais a vontade. Caminhei até encontrar uma praça, tinha
muita movimentação! Apesar do horário, sentei-me para pensar o que fazer. Durante toda
minha caminhada, não tinha encontrado placa nenhuma anunciando a Canção Nova, por isso
perguntando poderia saber como chegar ao lugar. Decidi não perguntar sobre a Canção
Nova, pois imaginei que seria difícil conseguir hospedagem na sede naquele horário.
Desde o lugar no qual me encontrava, olhei que numa das ruas mais próximas tinha o
anúncio de um hotel e caminhei até ele. Era um prédio muito antigo, parecia a entrada de uma
casa colonial e, no interior, o cômodo que era para ser a recepção ficava fechado com uma
grade. Muito apavorada, mas sem poder fazer muita coisa além de conversar com a pessoa
que estava trabalhando, menti... “menti profissionalmente”! Sabia que, naquele lugar, não
dormiria, pois, se aquele mau aspecto me era passado desde a recepção, nem por acaso
desejaria ir até um dos quartos. Cumprimentei o senhor que estava na recepção e perguntei
pelo primeiro nome que veio na minha cabeça! Lógico que aquela “pessoa inventada” não
poderia estar hospedada lá, então pedi se não tinha um outro hotel na cidade, pois essa pessoa
poderia estar me aguardando nesse outro hotel. Foi uma alegria escutar uma resposta positiva!
O senhor explicou que numa distância de mais ou menos quatro quadras tinha um outro hotel.
Caminhei na direção indicada e, efetivamente, encontrei em poucos minutos o lugar.
De fato, a impressão foi melhor do que no anterior. Perguntei pelo pessoal que atendia, pois
não tinha ninguém na recepção e veio um senhor desde o boteco que ficava contíguo ao salão
no qual me encontrava e desde o qual se sentia um cheiro de peixe frito muito forte. O senhor
tinha, aproximadamente, uns sessenta anos, era baixinho e gorducho. Ele, de nome Manoel,
era o recepcionista, o cantineiro no bar e o dono do hotel “Eldorado”
385
! Falei que tinha vindo
a trabalho e que desejava um quarto para passar a noite. Novamente o sotaque e, por
385
Tanto o nome do hotel quanto o nome do dono são nomes fictícios! Em toda a descrição da pesquisa de
campo os nomes serão fictícios, foi uma opção não me apresentar como pesquisadora e não pedir entrevista
das pessoas que conheci.
176
decorrência da nacionalidade, Fidel faziam com que as conversas fluíssem mais rápida e
amistosamente. Ele buscou pra mim um quarto ótimo!
Já era perto das onze horas da noite, tinha tomado banho, mas não conseguia dormir; a
música do boteco e as conversas do pessoal pareciam animadas. Aproveitando a televisão de
meu quarto ligue e apareceu na tela, “para minha supressa”, a Tv Canção Nova. Fiquei até
duas horas da madrugada assistindo!
No dia seguinte, quando desci para o café da manhã, descobri que aquele boteco era
também o restaurante do hotel. Ali estava, sorridente, Manoel! Indicou para mim tudo o que
tinha para o café e se sentou na minha mesa. Contei que era estudante e que me tinha
interessado pela Canção Nova, que estava para conhecer! Ele fez todo tipo de elogio à
Canção Nova e ao padre Jonas. Falou também que muitas pessoas vinham à cidade para
conhecer esse lugar. Perguntou-me se eu era católica, ao mesmo tempo em que mostrava para
mim a medalha que tinha de Nossa Senhora e apontava para uma caixinha na parede que
também continha a Santa. Respondi que não, que era anglicana... foi então que ele quis saber
mais do anglicanismo. Como meu tempo era curto, falei que a Igreja Anglicana era como uma
Igreja “ponte” entre a Católica Romana e as protestantes, mas que o ritual da missa parecia
muito com a romana. Nesse momento, notei um sorriso de cumplicidade em seus lábios que,
em curto tempo, se acabou, quando falei que a diferença era que os sacerdotes podiam se
casar e que as mulheres também podiam ser ordenadas e oficiar a missa!
Comuniquei a Manoel que caminharia para conhecer a Canção Nova e a cidade. Ele
fez questão de me acompanhar até uma rua próxima para me mostrar que subindo sempre por
ela chegaria até a sede. Ele não me disse para tomar cuidado com nada e eu me senti segura
para fazer tranqüilamente o percurso. O hotel ficava mais o menos no centro da cidade e a
Canção Nova situa-se mais na periferia. O trajeto era longe e sempre em subida. À medida
que caminhava, comecei a encontrar as placas que indicavam o caminho... que o percurso
sugerido era o que, normalmente, as pessoas faziam de carro.
Bem em cima do morro, a minha frente, estava a entrada oficial da Comunidade.
Numa rua transversal, à direita, ainda sem entrar, pude ver o prédio da Fundação João Paulo II
e também uma placa indicando que nessa direção se encontrava, também, o Posto Médico. À
esquerda, estava o Instituto Canção Nova. Caminhei por toda essa rua no desejo de conhecer o
177
lugar, ao mesmo tempo em que tentava me familiarizar. Chamou minha atenção a quantidade
de pousadas existentes nessa área. Nas fachadas de quase todas as casas, observei cartazes
afixados que anunciavam aluguel de cômodos.
Voltei à entrada principal, caminhei até a guarita e pedi se tinha que mostrar algum
documento ou identificação para poder entrar, pois eu tinha interesse em conhecer. A pessoa
que estava trabalhando falou que não era necessária minha identidade, não existia limitação
de tempo para a visita e nem restrições para entrar em qualquer um dos prédios. Quando já
tinha avançado o suficiente para encontrar as primeiras construções, comecei a reconhecer
aquilo que, pela literatura, pelo site e pela Tv, conhecia: o auditório, a pousada, o
monumento com o logotipo da Canção Nova e os sinos, o prédio da rádio e, em frente a este,
o Clube do Ouvinte etc. O estranhamento do diferente misturava-se com a alegria do
reconhecimento dos lugares enunciados por outras e outros pesquisadores estudados. Naquela
hora, não havia muitas pessoas circulando fora das instalações. Eu preferi não conversar com
ninguém; só caminhei e observei tudo com muita atenção.
Perto do horário do almoço e preocupada porque teria que voltar ao hotel, ainda quis
conhecer a pousada Sergio Abib. Na recepção, atendeu-me Isabel, uma moça muito jovem.
Ela informou-me sobre as reservas e fez-me saber que existia capacidade para hospedagem no
momento. Explicou também que eram muito rigorosos com os horários de entrada e saída. Se
meu interesse era ficar, teria que aguardar até as 17 horas para entrar no quarto. No entanto,
Isabel comunicou-me que, mesmo sem estar hospedada, eu poderia almoçar, assim como
também poderia aproveitar e visitar as instalações. Aceitei a orientação e almocei lá mesmo.
Tanto para o almoço, quanto para comprar os alimentos oferecidos na Lanchonete,
primeiramente tinha que ser comprado um ticket num caixa central que ficava bem perto do
Rincão Velho. O custo do prato livre, para almoçar, era de 5,50 reais.
Logo após o almoço, desci até o hotel e comuniquei a Manoel que estaria saindo nessa
mesma tarde. Manoel ofereceu-me toda compreensão e apoio, dizendo que seria muito
importante para meu trabalho ficar mesmo, que ele ia ligar para um táxi de um amigo para
me levar, pois caminhar com a mochila até seria cansativo. Pedi uma garrafinha de água e
sentei com ele, pois percebi que queria conversar. Manoel queria saber qual tinha sido minha
impressão da sede. Depois de me escutar, ele contou que o padre Jonas era muito querido em
Cachoeira, que sempre a cidade recebia muitas pessoas de fora para conhecer a sede.
178
Entregou-me varias tarjetas de apresentação do hotel e falou que era para eu levar comigo,
para o caso de algum colega meu também querer visitar o local. Perto das três, chegou
Lindomar, o taxista amigo de Manoel, que me levaria até a Canção Nova.
Lindomar me levou até a pousada. No trajeto, ele contou que fazia com muita
freqüência esse percurso, que ele trabalhava no posto de táxi da rodoviária e que sempre
estavam chegando pessoas com o interesse de conhecer a Canção Nova. Cumprimentou as
pessoas que estavam de plantão na guarita, mas não teve necessidade de parar o carro. Ele
também me entregou seu cartão e pediu para o contatar sempre que necessário.
4.1.2. Canção Nova
Na Canção Nova, aluguei uma suíte. Desde a minha chegada na pousada até o horário
de entrada na habitação, aproveitei o tempo para escrever no meu caderno de campo tudo o
que aconteceu durante o dia. Se, por um lado, ao alugar a suíte, estaria perdendo o contato
com outras pessoas hospedadas nos quartos comunitários, por outro, essa opção, me daria a
possibilidade de escrever a vontade no meu caderno de campo, sem ter que explicar os
motivos para ninguém. A suíte, que tinha um custo de 20 reais por dia, era um quarto com
banheiro próprio, equipada com uma cama pessoal e dois beliches. Ficava no terceiro andar e
a única janela que tinha dava para a parte detrás da cozinha e do refeitório. Depois de arrumar
minhas coisas, saí para caminhar e conhecer outros espaços da sede. Fui em direção ao Novo
Rincão e às áreas de camping. Esse primeiro dia foi de solidão: caminhei, observei e
escrevi.
Estava caindo a tarde e a vista, desde aquele majestoso lugar, era preciosa. A sede da
Canção Nova encontra-se num lugar privilegiado pela natureza; pode se apreciar o vale, os
morros, o rio. É um lugar muito tranqüilo e aconchegante. Os prédios, na sua maioria, estão
pintados de azul e branco, incluindo o posto médico, a fundação e o instituto. Azul e branco,
também, é o uniforme do pessoal que trabalha na sede e das crianças da escola. Mesmo que
sejam de modelos e tonalidades diferentes, as cores, de modo geral, são essas.
No segundo dia, vieram as conversações. Ao mesmo tempo em que sentia uma
familiaridade maior com o lugar, eu também, em alguma medida, não era mais percebida
como alheia. Isso favoreceu o diálogo e possibilitou um dia de intensas trocas em vários
179
ambientes. Senti-me acolhida! No entanto, ao mesmo tempo, continuava com uma sensação
estranha de repulsão toda vez que era cumprimentada com “Deus a abençoe irmã” (e isso era
muito freqüente) ou ao encontrar pessoas caminhando de um lado para outro sempre com a
Bíblia na mão... Pensava: em que lugar eu estou?!
Soube, conversando com algumas das pessoas que trabalham no shopping DAVI, que
as missas aconteciam no geral no Rincão Velho, sempre no horário das sete da manhã e das
cinco da tarde. Esses, de fato, eram os momentos no qual toda a Comunidade formada
pelos membros — se concentrava. Somavam-se a eles pessoas da cidade, visitantes ou
trabalhadores da Canção Nova. Para ninguém, era obrigatória a presença, ainda que a maioria
dos membros sempre se fizera presente. Nesse dia participei, pela primeira vez, da missa, às
cinco horas da tarde.
Sentei ao lado de Guilherme, membro da Canção Nova e que trabalhava nos caixas do
shopping; já tinha conversado com ele de manhã na hora de pagar minhas compras e pensei
que isso facilitaria minha integração. Foi uma missa como as descritas no capítulo anterior, o
ritual muito parecido com as tradicionais, com exceção dos cantos, das orações de louvor, da
adoração do Santíssimo e, por suposto, da glossolalia! Quando anunciaram a oração em
línguas eu fiquei gelada... Pensei: “se desmaio dirão que fui tomada pelo Espírito”. Tentei me
controlar eser dócil” aquilo que estava acontecendo. A maioria fechou os olhos nesse
momento, eu não, “estava para ver”! Mas foi uma grata surpresa quando escutei aquele
“alabai” repetitivo (que eu entendia perfeitamente) e que se misturava com outras orações
mais pessoais. Guilherme também fez sua oração individual em alta voz... Limitei-me a seguir
o rítmico “alabai” que, na verdade, fazia daquele um momento muito especial e gostoso. De
momento, o som foi desaparecendo e a missa continuou com uma oração de gratidão a Deus.
Olhei para todos os cantos, respirei profundo... ninguém tinha percebido, mas era minha
primeira “oração em nguas”! Mesmo participando de toda a celebração não me senti com
coragem para comungar. Não conhecia “as regras” e não quis perguntar para Guilherme se
podia ou não participar da Eucaristia como visitante. Ele também não se manifestou.
Depois da Missa, fiquei sentada na recepção da hospedaria assistindo Tv Canção Nova
e aguardando o horário do jantar. Ao redor desse aparelho de tevê, costumam reunir-se
pessoas que estão hospedadas. Cria-se, assim, nesse espaço, um lugar de trocas, conversas...
ao mesmo tempo em que se observa o programa, as pessoas falam do lugar do qual vieram, do
180
motivo de estar visitando a sede, disto ou daquilo com relação ao programa transmitido ou
com relação à pessoa que esta apresentando. No geral, em todos os lugares da sede, um
aparelho de tevê que fica ligado o tempo todo com a transmissão da Tv Canção Nova.
aparelhos no shopping, no Clube do Ouvinte, na Casa de Maria e até nas barraquinhas que
ficam no jardim e vendem objetos menores como cruzes, santinhos, lembrancinhas etc. Penso
que o único objeto que supera a presença do aparelho de tevê são os “Cofrinhos Generosos”.
O Cofrinho Generoso é uma latinha com a imagem do Generoso
386
, personagem criado
na sede, sempre sorridente, que convida as pessoas para fazerem suas doações de moedinhas.
Ele se encontra quase sempre nos lugares onde o efetuados pagamentos, seja da hospedaria,
de produtos comprados, de refeições e de lanches etc. É uma forma contínua de arrecadação.
No terceiro dia, acordei bem cedo para participar da missa que começava às sete da
manhã, antes mesmo de tomar o café. encontrei Guilherme e com ele sua esposa Elisabeth
e seu filho Josué. Apresentou-me sua família e fiquei sentada ao lado deles durante todo o
ofício. No final, ao nos despedir, ele disse que iniciava a sua rotina cotidiana; ele ia para o
shopping, o filho para a escola e a esposa para a rádio, que era o lugar no qual ela trabalhava.
Aproveitei e perguntei a Elisabeth se poderia passar para conhecer. Então, ela marcou um
horário para me receber.
Faz nove anos que Elisabeth é membro da Canção Nova e desempenhou várias
funções na Comunidade. Está casada há seis anos com Guilherme, ambos são mineiros, mas o
filho nasceu em São Paulo. Desde seu ingresso na Comunidade, sempre viveram e
trabalharam na sede, ainda que em finais de semanas também trabalhem coordenando alguns
eventos nas casas de missão. Especificamente, ela é redatora de notícias para a rádio. A rádio
Canção Nova fica num prédio pequeno, pintado de azul e branco, e possui equipamentos de
última geração. Foi uma visita muito proveitosa, era a primeira vez que visitava uma rádio no
Brasil. Elisabeth contou sobre os trabalhos que passaram para ter a rádio própria e me sugeriu
a leitura do livro “Canção Nova: uma obra de Deus, nossa historia, identidade e missão”,
alertando que nele o padre Jonas relata essas dificuldades.
386
Veja figura na p. 116.
181
Depois do almoço, fui ao shopping para comprar o livro. Sentei na pracinha onde se
encontra o logo da comunidade. Era um lugar de sombra e o sol, nesse dia, estava muito forte.
Minha vontade era ler, mas, naquela tarde, tinham chegado vários visitantes de ônibus e em
repetidas ocasiões estes pediam que lhes tirasse fotos. Desisti da leitura e conversei com
alguns. Eram pessoas de comunidades católicas, todas de cidades próximas; mesmo assim,
algumas visitavam pela primeira vez a sede. Estavam elegantemente vestidas e as máquinas
para fotografar eram digitais, nenhuma das que passaram pela minha mão foi das antigas, de
filme. Soube que tinham vindo para participar da missa das cinco. Impressionava-me ver
como, cada vez que passavam por uma imagem de Jesus ou de Nossa Senhora, se
persignavam.
Perto das quatro horas fui para o Rincão Velho. Lá sentei com o intuito de ler
enquanto esperava o inicio da missa, mas não consegui! Desta vez, sentou-se de meu lado a
sócia número “x”
387
, a primeira coisa que me perguntou foi meu número de sócia. Isso me
causou estranhamento! Quando falei que não era sócia, que apenas estava porque queria
conhecer, então quis saber meu nome e de onde estava vindo. A senhora “x”, que vestia uma
roupa desgastada, que usava óculos antigos e que tinha uma arcada dentária deteriorada,
relatou que morava em outro estado, a duas horas da Comunidade Canção Nova, e que sempre
que se sentia “carregada” pegava o ônibus e vinha para a sede.
Aqui me sinto tranqüila, me alegra olhar para tudo isto e lembrar quando era
terra e lama. Vínhamos e comíamos nas mãos, sentados em troncos de
madeira. Olha quanta coisa tem agora! Você esteve no Novo Rincão? Eu
recebi uma carta do padre Jonas agradecendo pelo ouro que doei para a
construção, foi muito ouro (anéis, correntes, coisa boa mesmo), eu pensei,
não posso colocar para sair na rua e, quando eu morrer, a minha família vai
brigar querendo isso ou aquilo, melhor então dar para Canção Nova. E doei,
não o ouro, tem muita cadeira dessas brancas [plásticas] que eu tenho
doado [...]. Mas é bom estar aqui e ver tudo isso que a gente conseguiu.
388
Passei junto à senhora x” toda a missa. No momento da Eucaristia, ela percebendo
que eu não estava saindo do meu lugar, fez o convite para ir até o corredor e comungar. Eu fui
387
O sócio, uma vez inscrito, recebe um mero que o identifica. A pessoa com quem conversei tinha um
número bem baixo com relação à quantidade de membros cadastrados. Mas não explicito esse número para
preservar sua identidade.
388
Tomado das anotações do caderno de campo.
182
junto e participei do sacramento! Depois da missa, eu a convidei para um “misto quente”
(uma espécie de sanduíche de presunto e queijo no valor de 1,50 reais), conversamos sobre o
padre Jonas e ela não escondeu a grande admiração e o carinho que sente por ele. A senhora
“x” voltou para a sua casa no início da noite. Fiquei, nessa noite, lendo o livro do padre Jonas
até altas horas.
No terceiro dia, depois de participar na missa e tomar o café da manhã, fui visitar o
Posto Médico e o Instituto. Antes de sair da sede, conversei um pouquinho com o guarda que
era o mesmo que estava trabalhando no dia da minha chegada e se surpreendeu ao me ver lá
hospedada. Novamente a conversação girou sobre minha nacionalidade, Cuba e Fidel.
Visitei primeiro o Instituto. Estava todo fechado, era sábado e não havia aulas, mas
tinha um senhor de plantão (José) que, ao saber que estava visitando o local e que era
estrangeira, não se opôs a me mostrar a instalação e a satisfazer minha curiosidade. Com José,
fiquei sabendo que a escola oferece serviço desde a creche até o segundo grau. O segundo
grau, no entanto, era uma conquista recente. Ainda havia construtores trabalhando nas novas
dependências, necessárias pelo aumento do número de estudantes. José contou que a escola é
gratuita para as crianças da Comunidade e também para filhos e filhas de famílias de baixa
renda da cidade. “Não é uma bolsa o que recebem essas famílias, é gratuidade para o estudo”,
ele explicou. Mas também estudantes, com maiores possibilidades financeiras, que pagam
uma mensalidade, com um preço bem baixo se comparados com outras escolas particulares da
região. Quem estuda tem direito a várias atividades extra-curriculares. Essas atividades vão
desde o trabalho na horta comunitária até a incorporação às diferentes oficinas da Companhia
de Arte. A escola é confessional católica e possui capela própria.
O Posto Médico me surpreendeu pela amplitude, pela limpeza e pelo gosto que
tiveram ao mobiliá-lo. Mesmo tratando-se de um Hospital, a sensação, quando nele se entra, é
boa. No posto, também atendimento gratuito para as famílias de baixa renda da cidade,
incluindo nessa gratuidade alguns exames de laboratório, os mais básicos. O plantão de
emergência também oferece, a qualquer pessoa, os primeiros auxílios de forma gratuita.
Existe também atendimento dental, sendo gratuita para as famílias membros da Comunidade,
e com preço módico para as pessoas da cidade.
183
Como era sábado, não consegui visitar a Fundação João Paulo II; estava fechada.
Desci até a cidade para entrar na Internet. Almocei e chamei Lindomar, o taxista, para que
me recolhesse no hotel “Eldorado” às quatro horas. Depois do almoço, caminhei pela cidade
que estava quase parada. Quiçá, o calor na rua não convidava a sair das casas. Tanto no “siber
café” quanto nas lojas que visitei, todas as pessoas com quem conversava conheciam a
Canção Nova e emitiam boas impressões da comunidade e do padre Jonas.
no boteco do hotel, procurei por Manoel que não se encontrava nesse momento.
Ainda assim pedi uma água e fiquei sentada aguardando a hora do taxista me pegar.
Conversei com três pessoas que estavam hospedadas, elas tinham vindo a trabalho, moravam
na grande São Paulo e tínhamos nos conhecido no meu primeiro dia no hotel. O senhor de
maior idade não tinha conhecimento da existência da Canção Nova, as duas pessoas mais
jovens, um rapaz e uma moça, sim. Ele porque tinha olhado varias vezes a Tv Canção Nova e
ela porque já tinha comprado alguns produtos (mochila, caneta) em um encontro de jovens de
sua comunidade local, que é católica, mas não carismática, segundo manifestou. Quem mais
expressou sua valoração foi o rapaz, que achava um pouco “careta” os programas do PHN.
Ele disse: “acho que essa gente fala... mas na vida real fazem e não contam para o padre”
(falando da relação sexual antes do casamento). Chamou-me a atenção o fato dele conhecer o
nome do apresentador, o conteúdo dos temas e discursos veiculados no programa, mesmo
quando afirmou não assistir muito e o adjetivou como caretice.
No trajeto do hotel até a Canção Nova, Lindomar confessou ser sócio da Comunidade
mais de 8 anos. Ele contou que fazia 10 anos que morava em Cachoeira Paulista. Disse,
ademais, que essa cidade e, principalmente, a Comunidade Canção Nova tinham mudado sua
vida pessoal e familiar.
Eu morava em Campinas, era assalto e morte o tempo todo. Você saía da
sua casa de manhã e não sabia se voltava à noite. Era muito estresse o dia
todo. Quando terminava meu serviço, longe de ir para casa eu entrava no
boteco, todo o dia, estava me acabando... mas eu acho que era uma forma de
celebrar que estava vivo (risos) [...]. Até que a gente se mudou para esta
cidade, foi uma benção. Minha mulher começou a participar da missa e
depois eu fui com ela. faz mas de oito anos, mas eu vou aos domingos
184
por causa do trabalho. E sempre, volta e meia, eu estou aqui na sede, porque
tem muitas pessoas vindo, acho que já falei isso pra vo [...].
389
Cheguei à hospedaria e sentei na recepção para olhar a tevê. Tinha muitas pessoas
aguardando para entrar nos quartos. Eles tinham vindo em caravana, eram dois ônibus da
Paraíba. Sentado a meu lado e quase sem me permitir olhar o programa da Tv, um senhor
conhecido como Zé se referia às condições do tempo daquela tarde.
Esta fechando para chuva. Amanhã temos Kairós. Vai vir muita gente.
Imagina se chove, se ctoda essa chuva... Eu já estou rezando, o “papai do
céu” não vai permitir porque tem muita gente precisando desse Kairós. Você
viu a gente que chegou hoje, eles vieram de João Pessoa... é muita gente que
passa toda hora por aqui pra pegar bênção. Amanhã você vai ver. na
madrugada começam a chegar os ônibus.
390
também estava hospedado e tinha vindo para o Kairós. Com ele, fui à missa das
cinco que foi celebrada na capela do Instituto e na qual participaram muitas pessoas da
cidade. Perguntei se era uma prática da missa dos sábados, mas me informaram que não, por
vezes usavam a capela aos sábados e outras aos domingos de manhã. Isso acontecia,
principalmente, quando estavam preparando o Rincão para alguma atividade (neste caso o
Kairós de domingo). A missa foi oficiada por um padre de outra cidade e um seminarista da
Canção Nova.
Chovia torrencialmente e algumas pessoas, dentre elas eu, ficamos “presas” no
Instituto, porque não tínhamos como caminhar até a hospedaria sem guarda-chuva. O fato
gerou discussão entre os que aguardávamos e decidimos sugerir à Comunidade que comprasse
guarda-chuvas e disponibilizasse para os hóspedes em situações como essa. Isso foi dito para
a moça que estava de plantão na recepção da Pousada. Essa noite, devido a chuva, não fui
jantar. A lanchonete ficava num lugar bem descoberto e todo o trajeto teria que ser feito
debaixo de chuva. Aproveitei para continuar com a leitura do livro no meu quarto. Dormi
tarde, pois, além da leitura, as pessoas que tinham vindo em caravana e que estavam nos
quartos comunitários, ficaram cantando hinos até uma hora da madrugada aproximadamente!
389
Tomado das anotações do caderno de campo.
390
Tomado das anotações do caderno de campo.
185
No quarto dia, tal e como havia sido pedido por para o kairós, a chuva parou.
Tomei café da manhã (pão de queijo e um copo de café com leite pelo preço de 2.50 reais).
De fato, tinha muitas pessoas, muita gente por todo canto da sede. Uns faziam compras,
outros estavam na Casa de Maria fazendo orações ou sendo atendidos em confissão. Havia
pessoas sentadas até na grama. Fiquei na Gruta de Maria acompanhada por Zé. A missa
iniciou às nove e meia da manhã, sendo muito mais dinâmica, com mais cantos e com mais
orações do que as outras das quais tinha participado. No entanto, mantinha a mesma ordem
da missa tradicional. Eram vários os oficiantes. O Padre Jonas não estava presente; segundo
comunicaram, ele estaria viajando. Nessa celebração, entregaram papéis para as pessoas
colocarem seus pedidos de oração. Esse pedidos foram recolhidos numa imensa cesta de
vime. Os celebrantes explicaram que esses pedidos seriam queimados numa fogueira e que as
suas cinzas seriam levadas e espalhadas pela Terra Santa. Muita gente escreveu e depositou
seu pedido durante o momento de louvor. A celebração durou três horas. Depois do almoço,
ainda teriam outras atividades no Rincão.
Quando estava aguardando para entrar no refeitório, sentou-se a meu lado dona Ana,
depois de ter colocado suas compras no carro que estava estacionado relativamente perto de
nós. Ana falou que era de longe, que estava lá para pagar uma promessa e que tinha conhecido
Canção Nova através da sua irmã.
Minha irsempre foi católica, como eu, mas a gente não era de ir muito à
igreja. Minha irestava quase indo para os evangélicos, quando conheceu
o padre Jonas. Eu achei que ela estava exagerando porque me dizia: vamos,
vamos que isso não é uma igreja, isso é uma família. Mas eu comecei a
participar muito tempo depois e não é que é mesmo uma família! Você
também é sócia? [...].
391
Expliquei que não, que eu estava lá para conhecer. Foi muito interessante ver as
pessoas, novamente, fotografando todos os lugares, inclusive tirando fotos ao lado de um
pôster que tinha a imagem do padre Jonas. Encontrei com Guilherme e Elisabeth e foi com
eles que almocei, comentando a leitura do livro do padre Jonas que ela tinha me indicado.
391
Tomado das anotações do caderno de campo.
186
De tarde continuaram as celebrações de louvor. Eu não participei, na verdade, sentia-
me cansada para “encarar” outra celebração naquele estilo! Eram muitas pessoas, segundo
comentavam quase cinco mil. Também havia muitas crianças participando. O calor, naquele
horário, era sufocante. No estacionamento, pude contar ao redor de 17 ônibus, uma
ambulância e também um carro de segurança da empresa PROTEGE (guardas que faziam
ronda a cada uma hora aproximadamente). Todos os automóveis da Canção Nova, que
também estavam estacionados, tinham o logo da Comunidade estampado na lateral.
Sentei debaixo das árvores para ler e percebi que, no inicio da celebração, quase a
totalidade das pessoas foram para o Rincão. Senti que minha “não-participação” era
questionada pelos olhares do pessoal que estava trabalhando em outros afazeres ou que
passava caminhando com pressa para se somar à celebração.
Com a intenção de escapar dos olhares, entrei na pousada e, para minha surpresa, a Tv
Canção Nova estava transmitindo, ao vivo, o Kairós. Fiquei olhando por uns minutos, mas
depois pedi para a moça que estava na recepção me preparar um café. Essa foi à forma que
encontrei de iniciar uma conversa com ela. Angelina, era membro da Canção Nova, era
solteira e três anos pertencia à Comunidade. Ela estava mandando convites pelo correio
eletrônico para a celebração “Hosana!dos 70 anos do padre Jonas que tinha como lema “70
anos de fé, feito tudo para todos”. Sobre esse tema, girou a nossa conversa. Depois de elogiar
muito o padre e o trabalho que realizava, perguntou-me se eu tinha visto o cartaz anunciando
a celebração do aniversário (aquele no qual as pessoas estavam tirando fotos) e continuou
explicando:
O Hosana vai ser do 8 ao 12 de dezembro, vai vir muita gente. Todas as
reservas desta pousada foram vendidas e as casas mais próximas também
estão cheias, pelo que ficamos sabendo. Se você quiser vir pergunte amanhã
nos hotéis da cidade e deixe reservado, porque tudo por aqui lota. Vai ter
muita festa, até o padre Marcelo virá.
392
392
Tomado das anotações do caderno de campo. Acompanhei a celebração do padre Jonas pela webtv e, de fato,
o padre Marcelo Rossi estava participando... Até o candidato a presidente do Brasil Geraldo Alkmim estava
presente!
187
De fato, tinha escutado falar de tudo o que estava sendo preparado para o
aniversário do padre Jonas e Angelina não tinha sido a primeira em fazer o convite para eu
participar. A primeira teria sido a senhora “x” e depois meu “fiel escudeiro” Zé.
Perto das seis, os ônibus começaram a irem embora. Fui até a lanchonete para jantar
(dois mistos quente e um copo de suco de uva, tudo por 4 reais) e me espantei com o lixo que
tinham deixado jogado no chão, apesar de ter lixeiras (com separação de lixo) por toda a sede.
A volta do silêncio me fez muito bem, mas não durou muito tempo, pois os grupos da Paraíba,
que estavam hospedados, ainda tinham toda a energia do Kairós... e, fazendo a comida típica
da sua região, na cozinha da pousada, cantavam um hino detrás do outro. Fui convidada para
fazer parte do grupo e integrei-me a eles batendo palmas, porque não conhecia a letra dos
cantos. Mulheres que preparavam a comida, conversavam sobre o aniversário e perguntavam
sobre quem poderia vir ou não para os festejos. O veio ao meu encontro para se despedir,
pois, segundo me disse, estaria saindo bem cedo no dia seguinte. Ele incentivou-me a fazer o
cadastro de sócia da Canção Nova e sua despedida foi um abraço seguido das seguintes
palavras: “Cubana, faça parte desta família!”.
No quinto dia, acordei cedo para participar da missa. A missa, quando não tinha outras
atividades acontecendo, reunia aproximadamente de setenta a cem pessoas, entre
comunitários, trabalhadores, visitantes ou participantes da cidade. Pensava que aquele
momento seria uma celebração diferente, mais curta, talvez, pelas intensas atividades do final
de semana, mas foi do mesmo jeito que nos dias anteriores, sem a menor alteração da ordem
nem do tempo. Essa manhã fui conhecer a Fundação João Paulo II. Meu cartão de visita, uma
vez mais, foi o sotaque e a nacionalidade! fui atendida por Martha, que me explicou sobre
todos os projetos que a Fundação estava desenvolvendo no momento. Chamou minha atenção
as cores, as paredes pintadas de branco, as cortinas e a mobília dos escritórios em azul, assim
como também o aproveitamento e a distribuição do espaço. Numa sala, trabalham de quatro a
cinco pessoas. Outra observação marcante foi a presença de aparelhos de tevê dentro da
Fundação, chega a ser mais de um num mesmo local, facilitando, assim, que, desde vários
pontos, seja fácil acompanhar a transmissão, que, obviamente, é a programação da Tv Canção
Nova.
Esse dia almocei bem cedo, quase não tinha ninguém, apenas o pessoal da cozinha
estava almoçando. Conversando com Irene e Zulmira, com as quais já tinha tido conversações
188
mais curtas em dias anteriores, soube que elas eram de famílias bem pobres, que moravam
perto da sede. Ambas tinham, aproximadamente, cinqüenta anos. Disseram que, antes de
trabalhar na Canção Nova, eram donas de casa e que passaram muito trabalho para criar os
filhos. A possibilidade de trabalhar na sede deu um rumo novo nas suas vidas e, também, no
lar. Irene explica:
Antes disso aqui, na minha casa, nunca tinha dinheiro. Passávamos
necessidade mesmo, o pouco que entrava quase saia todo na comida e na
bebida do meu marido. Canção Nova foi uma bênção para nós
Zulmira?! Imagine, hoje todos na minha casa são Canção Nova, ameu
marido é Canção Nova! É emprego com carteira assinada e tudo, quando que
eu sonhava com isso! Agora vou ter até aposentadoria.
393
À tarde, tomei meu livro e fui caminhando até o Novo Rincão, aproveitando que não
tinha quase ninguém, apenas alguns homens trabalhando na parte do que seria o “altar”
durante as celebrações. Depois de olhar bem cada cantinho, sentei para terminar de ler o livro.
Caminhei até encontrar uma grade feita com pequenos arbustos” que tinha uma placa com a
seguinte indicação: “acesso restrito”. Fui, então, até a área verde do camping e, conversando
com trabalhadores, soube que essa era a parte da sede na qual viviam os comunitários.
tinham casas e, também, prédios pequenos de rios apartamentos que eram ocupados pelos
casais ou solteiros. Ao perguntar sobre o padre Jonas, um dos trabalhadores me disse que
morava na mesma casa com Luzia e Etto.
Quase ao anoitecer, estive na Casa de Maria, conversei com Luiza, de vinte e cinco
anos e também comunitária. Ela estava colocando cordões nos crucifixos que eram vendidos
nas barraquinhas do jardim. Tinha conhecido Luiza no refeitório, no dia de meu almoço com a
família de Guilherme e Elisabeth. Ela estava concluindo esse trabalho para fechar o local.
Ajudei, então, a colocar os cordões enquanto conversamos sobre mim e minha família em
Cuba. Depois, Luiza me disse que “era filha de um empresário muito bem sucedido em São
Paulo, que nunca faltou de nada, nem para ela, nem para a sua irmã, mas que tinha tudo e não
393
Tomado das anotações do caderno de campo.
189
se sentia feliz. Não era isso o que ela queria para a sua vida... faltava alguma coisa e foi o que
encontrou na Canção Nova”
394
.
A irmã da Luiza também é membro da Canção Nova, mas mora na casa de missão do
Rio de Janeiro. Conversamos mais sobre Cuba, sobre o Brasil e sobre mundo. Ela sempre
fazia alusão ao desconhecimento de Deus por parte das pessoas e a falta de amor no mundo.
O sexto dia foi da partida. Participei da Missa das sete, como era costume, e depois
estive no hall da Tv. Conversei com algumas pessoas e li o material da Canção Nova que
estava sobre a mesa do centro. Uma família que participaria do programa “minha família é
assim” no horário da tarde e que estava aguardando para entrar e iniciar os preparativos para a
gravação foi minha interlocutora. Neuza, sócia da Canção Nova mais de 15 anos, tinha
colocado em oração a situação de seu único sobrinho, quase filho, que era dependente
químico.
Ele estava na beira da morte. Minha irmã e meu cunhado morrendo também
de sofrimento sem saber mais o que fazer. Eu orava muito, pedia com muita
fé. Até minha irmã se decidir a vir junto, depois veio meu cunhado também.
A gente fazia uma viagem uma vez por semana, passava o dia aqui, jejuando
e orando. Hoje graças a Deus meu sobrinho está bem, superou, está
trabalhando e é também cio da Canção Nova. A senhora também é sócia
da família Canção Nova?
395
Eu contei que estava para conhecer. Na sala estava Neuza, a sua irmã e o cunhado.
O sobrinho, que daria também seu depoimento no programa, não estava presente no momento
da nossa conversa.
Almocei cedo, novamente com Irene e Zulmira, mas não contei para ninguém que
estava indo embora. Chamei Lindomar e pedi para ele me pegar na sede. Entreguei a chave na
recepção e recebi um modelo de avaliação anônima que podia ser preenchido nesse momento
ou mandado depois pelo correio postal. Preenchi e deixei antes de sair.
394
Tomado das anotações do caderno de campo.
395
Tomado das anotações do caderno de campo.
190
4.2. Canção Nova: Um novo jeito de ser igreja!
Como disse acima, cheguei à Canção Nova buscando a tendência cultural apontada
por Canclini, o simulacro de um consenso induzido pela mera devoção aos simulacros.
Enganei-me. O que encontrei na Canção Nova não foram pessoas e projetos “querendo
aparecer” e sim o “aparecimento” de pessoas e projetos em decorrência de um cotidiano
vivido, que pode ser enxergado e palpado.
Não encontrei, na cidade de Cachoeira, nenhuma pessoa que não conhecesse a
Comunidade quando eu fazia referência a ela. O que indica que Canção Nova, de alguma
maneira, consegue se fazer presente fora de “suas grades”. Isso também ficou evidenciado nos
depoimentos de Manoel e de Lindomar.
Vários depoimentos, dentre deles também os de Manoel e Lindomar, confirmam a
chegada constante de pessoas à cidade para conhecer Canção Nova. Isso faz com que o
trabalho de ambos prospere, aparentemente, em relação com “a prosperidade” da
Comunidade. No caso de Lindomar, entende-se que, como sócio, deseje de maneira direta a
“prosperidade” de tal projeto. Manoel, por sua vez, sem nenhum vínculo direto, também é
beneficiado, por isso seu desejo pode ser similar ao de Lindomar. Em decorrência disso, surge
também a “parceria de trabalho” que ambos mantêm.
O elogio das pessoas da cidade com as quais conversei, tanto para com a Canção Nova
quanto para com o padre Jonas, pode estar estreitamente vinculado ao reconhecimento desse
projeto como algo próprio, algo deles. Canção Nova, para Cachoeira, não parece ser algo
distante, “anexo ou apêndice” de uma cidade. Canção Nova é parte da cidade, recebe da
cidade e “entrega” a essa cidade. A existência de tantas pousadas numa cidade tão pequena
pode ser exemplo dessa troca, dessa relação, mais que simbólica entre a Cidade e a
Comunidade.
Para um país e um mundo no qual a identificação pessoal é imprescindível até para os
espaços de lazer, mesmo aqueles que são para crianças, entrar na Canção Nova sem
identificação foi surpreendente. Não que a Comunidade não tenha seus mecanismos de
controle e segurança, eles existem. No entanto, eles são sutis, apenas perceptíveis...
proporcionando às pessoas da “pós-modernidade” serem elas por elas mesmas, serem seres
191
humanos só com um nome, sem a exigência de um sobrenome, de uma carteira de identidade,
de um número de sócio, de um passaporte. Uma outra realidade diferente da cotidianidade a
qual estamos acostumados.
Tudo o que foi narrado até aqui se junta na escolha do lugar. Não tem nada que ver
com o cotidiano de nossas cidades. Canção Nova é um lugar de natureza preservada, de
paisagens admiráveis, de construções bem planejadas que não poluem o visual, de cores
chamativas e ao mesmo tempo tranqüilizantes. Canção Nova é um lugar onde o velho e novo
se misturam harmonicamente. Um exemplo disso pode ser o Shopping, loja na qual são
vendidos os produtos do DAVI. Para quem apenas escuta falar, pode representar um prédio
imponente, cheio de lojas (como estamos acostumados a ver). No entanto, esse nome, na
Canção Nova, conduz a uma realidade diferente, uma loja, apenas uma loja na qual são
vendidos seus próprios produtos, com a particularidade de que a compra também pode ser
feita de maneira virtual.
O processo de estranhamento e familiarização, como pesquisadora, foi acontecendo no
processo de trocas com esse cotidiano. Não foi em um, dois ou três dia, foi um processo
contínuo, de todos os dias. Minhas primeiras repulsões foram de tanto escutar a frase “Deus a
abençoe irmã”. Ao mesmo tempo, sentia repulsão de tanto ver pessoas caminhando pela
chácara com as Bíblias na mão. Isso me fazia pensar que estava num lugar “de aparências”,
num lugar “de hipocrisias”. Depois, pude ver que estava equivocada; assim como em outros
lugares, há outras formas de cumprimentos e saudações. Essa era a forma de se cumprimentar
naquele sítio. Eles levam a Bíblia na mão, mas, muitas vezes, em qualquer canto e momento,
essa Bíblia pode ser aberta e lida. Quando a forma de “cumprimento” e “a Bíblia na mão
passaram a ser familiar para mim, apareceram outras coisas que produziram estranhamento,
como o fato de terem “duas missas diárias”. Ainda mais por serem as mesmas pessoas as
quais participavam com a maior naturalidade e com o mesmo fervor. É uma rotina que se
sustenta no pedido a Deus por um dia abençoado e o agradecimento a Deus pelo dia
transcorrido. Isso tudo em Comunidade!
A família de Guilherme, com a qual tive um maior contato nos dias da pesquisa, fez
com que lembrasse muito o cotidiano cubano da década de 1980. A tranqüilidade e a
serenidade que passam, como pessoas e como família, podem ser reflexos de um cotidiano
marcado pela própria serenidade e tranqüilidade. Um cotidiano no qual as necessidades
192
básicas e primordiais do ser humano se encontram garantidas: casa, comida, vestimenta,
trabalho, escola, lazer, saúde. Guilherme, Elizabeth e Josué tomam seu café da manhã juntos
em casa, participam juntos da missa, vão para seus locais de trabalho ou estudo, encontram-se
novamente no momento do almoço (almoço junto a grande família), descansam em seu lar e
voltam às suas atividades de trabalho e escola até às cinco da tarde, hora na qual celebram de
novo, em comunidade, antes de se retirarem para o lar novamente.
A sugestão de leitura do livro do padre Jonas feita por Elisabeth fez-me pensar na
“vontade” e “necessidade” de divulgar seus produtos à venda, mas logo após, na conversação
que tivemos sobre o livro e minha leitura, pude perceber que Elisabeth é uma assídua leitora,
não só dos livros da Comunidade! É uma pessoa, uma mulher com casa, esposo, filho,
trabalho e, “com tempo para ler”! Admirável para nossos dias!
A história contada por Lindomar manifesta uma outra realidade que a Canção Nova,
sem sua intervenção direta, também propícia. Lindomar e sua família não são membros
comunitários; no entanto, sua vida é muito diferente se comparada àquela que levava 10 anos
antes quando morava a poucos quilômetros, em Campinas. Lindomar saiu do estresse, da
violência, da insegurança etc. Agora ele tem sua casa, seu trabalho estável que proporciona
uma renda fixa, que cobre suas necessidades pessoais e familiares. O que isso tem a ver com a
Comunidade analisada? Nada! Essa pode ser a realidade de outras pessoas em outros lugares
do Brasil onde nem sequer tenham escutado falar da Canção Nova. No entanto, no caso de
Lindomar, tem tudo a ver: primeiro porque ele acredita que essa mudança na sua vida seja
pela Comunidade, à qual, de alguma maneira, se sente ligado e pertence. Lindomar associa
seu sucesso e sua estabilidade à Canção Nova e a Deus. Percebi que é nessa mesma ordem:
Canção Nova, da qual me falou muito e Deus que entrou como decorrência!
A sede oferece um preço bom para hospedagem e para os alimentos que oferta. Na
minha experiência, comprovei que 33,00 reais por dia são suficientes para ter quarto e
refeições garantidas, preço que, na realidade de hoje, é difícil de encontrar, ainda mais na
realidade paulistana. Esse valor cai ainda mais se a pessoa opta por se hospedar em quartos
coletivos e elaborar ela mesma suas refeições, pois nenhuma taxa extra é cobrada pelo uso da
cozinha da Pousada, na qual se pode fazer uso do fogão de gás, da geladeira e de todos os
utensílios necessários para a preparação dos alimentos e sua posterior degustação. A única
regra é manter o lugar limpo e organizado.
193
O Kairós, celebrado, aproximadamente, com uma freqüência quinzenal e que é
alternado com os diferentes acampamentos organizados, possibilita a integração de pessoas
que pertencem à comunidade cançãonovista maior, sejam sócio-colaboradores ou não. O
Kairós é o momento do encontro e da celebração conjunta de comunitários, sócio-
colaboradores, fiéis católicos de outras comunidades e pessoas da cidade de Cachoeira. O fato
de ter podido comungar, na maioria das missas das quais participei, denota que o padre Jonas
e, por decorrência, os padres que oficiaram em cada uma delas não estariam cumprindo as
orientações da Instituição Romana. Ou talvez pensem de maneira diferente, como fazem
alguns grupos protestantes, a respeito de quem pode ou não participar desse momento.
Deixando para a pessoa a escolha e as conseqüências que a participação desse ato possa ter.
Assim como o cotidiano da família de Guilherme e Elizabeth se encontra misturado
com o cotidiano comunitário cançãonovista, assim como o cotidiano da família de Lindomar,
numa outra perspectiva, também se encontra misturado ao cotidiano da Comunidade, o
cotidiano das famílias de Irene e Zulmira, trabalhadoras fixas, também se encontra sustentado
nessa mistura. Isso ocorre em torno da cidade de Cachoeira. Num raio maior, aparece o
cotidiano da Canção Nova se misturando ao cotidiano da família da Ana, da família da Neuza
e de outras.
A presença do aparelho de tevê em quase todos os lugares da sede e a constante
transmissão da programação da Tv Canção Nova reforça o discurso de que o objetivo
principal da Comunidade é a evangelização através dos meios de comunicação. Na mesma
medida, a tevê, a sua programação, vincula e relaciona, o tempo todo, cada uma das famílias,
cada um dos lares, cada uma das pessoas que a Canção Nova comporta, seja na sede, na
cidade de Cachoeira, no Brasil ou no mundo.
A presença do cofrinho “Generoso” é, segundo o explicado por pessoas da sede, um
“chamado” à prática da Caridade. A pessoa é “interpelada” pela caixinha para que, com as
suas moedas (de troco), contribua com a obra cançãonovista. De semelhante forma, existe
também o depoimento de pessoas que, recortando o “Generoso” das revistas, fazem um
cofrinho em casa. Uma vez que a caixinha enche, elas trocam as moedas e enviam o dinheiro
como contribuição para a Comunidade. Já, para outsiders, o Generoso constituiria uma
maneira “a mais” de arrecadar dinheiro.
194
Foi na conversação com Luiza que escutamos: “tudo o que acontece no mundo é pela
falta de amor, pela falta de Deus”. A pesar de ser esse, de uma ou outra maneira, o discurso de
muitas das igrejas da contemporaneidade, na Canção Nova pode ser tido como o discurso
oficial. Essa falta de amor e esse desconhecimento de Deus foi e é o motor impulsor para cada
ação da e na Canção Nova. Assim como essa afirmação/preocupação pode ser observada na
fala das pessoas que trabalham na sede, também pode ser encontrada nas mensagens diárias
que o próprio padre Jonas publica no site.
Conclusivamente, pode-se afirmar que o que foi até aqui explicitado faz parte dos
argumentos que, na nossa investigação, aludem a esse novo jeito de ser igreja que a Canção
Nova representa. Ao que parece, três elementos estariam presentes em todas as falas ou
emergindo das experiências cotidianas, quais sejam: a comunidade, a família e, não com
menos importância, mesmo que implicitamente na maioria dos casos e situações, a identidade.
4.2.1. Outras cinco histórias importantes
História 1: Canção Nova 100%
Juscelino e Jussara são pai e mãe numa família de cinco filhos. Nascidos todos na
Paraíba, e pertencentes, desde sempre, a comunidades católicas da região. Foi que
conheceram a Canção Nova e decidiram fazer sua adesão como sócio-colaboradores. Faz uns
seis anos, o casal e dois dos filhos homens, vieram morar numa cidade de Santa Catarina. Foi
junto ao padre da cidade que dona Jussara criou um grupo de oração e desenvolveu seu
trabalho como colaboradora da Canção Nova. A primeira coisa que dona Jussara faz quando
acorda é ligar o aparelho de tevê para “assistir” a programação da Tv Canção Nova. “Assistir”
não seria o verbo mais adequado para se referir ao que ela faz cotidianamente, pois Jussara, na
verdade, escuta” ao mesmo tempo em que vai fazendo as mais variadas atividades
domésticas. Não existe nenhuma outra emissora que consiga desviar essa rotina de todos os
dias; também não tem pessoa que consiga, na presença da Jussara, mudar para outro canal,
mesmo que seja de seu interesse. Jussara afirma ser Canção Nova 100%! Há três anos,
aproximadamente, o filho menor de Jussara — depois de ter anunciado várias vezes
amanheceu enforcado numa árvore no próprio pátio. Quem conhecia a família, pensou que
esse seria o final de Jussara, o final de sua devoção à Igreja, o final de sua “obsessiva adesão”
195
à Canção Nova, mas, incrivelmente, o cotidiano dessa mulher não foi alterado. Anos depois
da morte de seu filho, Jussara continua na mesma casa, continua ligando sua tevê a cada
manhã para escutar e, algumas vezes, assistir a programação da Tv Canção Nova, continua
fazendo parte do grupo de oração da cidade, continua sendo Canção Nova 100%... e afirma,
com resoluta tranqüilidade, que Deus não a ninguém um fardo maior daquele que se possa
carregar!
História 2: Sem tempo para debate
Estava na Bahia, participando do I Seminário Internacional “Enfoques Feministas e o
século XXI: Feminismo e Universidade na América Latina”. Minha apresentação sobre as
“Questões de gênero na Canção Novatinha acontecido na maior rapidez, pelo curto tempo
que ofereciam para as comunicações. Curto também era o tempo para perguntas por parte das
pessoas que estavam assistindo. Ao concluir a fala, uma senhora pediu a palavra e começou a
chamar a atenção sobre “essas novas igrejas midiáticas que não anunciam a Jesus ou que o
fazem de uma maneira errada, que só pensam em tirar dinheiro das pessoas, que manipulam e
se aproveitam daqueles que participam...” Quando a senhora concluiu e se suponha que teria
meu tempo para dialogar, uma jovem iniciou sua fala. Segundo sua auto apresentação,
provinha de São Paulo e, ao que parece, fazia parte dessa Comunidade. A jovem chamou a
atenção para a quantidade de pessoas que assistem essas celebrações e se opôs ao pensamento
de que essas pessoas fossem manipuladas para participar desse tipo de evento. Fez também
alusão às músicas e à liturgia seguida por essas comunidades, dos temas que trabalham com a
juventude, dos encontros que propiciam e até dos produtos que vendem, sempre em
correspondência com as cores e os estilos que os jovens gostam... O depoimento de ambas
não deixou espaço para mais ninguém se manifestar! Ou, de repente, ninguém falou porque a
opinião da sala estava muito polarizada!
História 3: Hoje minha vida é outra
Alexa, uma das secretárias da Escola Superior de Teologia, ao saber da minha
pesquisa, contou-me que a sua mãe Carolina era sócio-colaboradora da Canção Nova.
Tratando-se de uma cio-colaboradora na cidade de São Leopoldo, pedi para, se possível,
conhecê-la. Na visita à casa de dona Carolina, soube que, mesmo sendo de uma família de
tradição católica e se definindo como católica, ela não pertencia oficialmente a nenhuma
196
comunidade e em poucas ocasiões participava das missas na cidade. Carolina, aposentada,
passava os dias sozinha em casa. Foi ao instalar uma parabólica que conheceu a existência da
Tv Canção Nova, começou a assistir com regularidade e, em pouco tempo, acabou filiando-se.
Agora contribui mensalmente e sonha com o dia em que poderá visitar a sede, conhecer o
padre Jonas pessoalmente, conhecer Luzia, Dunga. Enquanto esse dia não chega, compra Cds
e livros da Comunidade, sente-se parte da Família Cançãonovista e diz alegremente que hoje
sua vida é outra!
História 4: Apreciações de um padre! tradicional?!
Ronaldo, consagrado para ser padre católico desde o ventre de sua mãe, estudou e foi
ordenado sacerdote no estado de Rio Grande do Sul. Por uma dessas “casualidades” da vida
(ou será a providência!?), o conheci num almoço do qual participávamos invitados por uma
amiga comum. Ao conversar sobre os estudos e os temas de pesquisa, Ronaldo ficou de
“cabelo em pé” ao saber que o padre Jonas estava sendo “motivo de pesquisa” e, pior ainda,
que a pesquisa não tinha intenção de fazer oposição à proposta do padre, mas sim de conhecer
melhor esse fenômeno religioso. Padre Ronaldo, primeiramente, criticou, de forma veemente,
o padre Jonas, chamando-o de oportunista, charlatão e indisciplinado. Logo após, aclarou que,
na sua diocese, ningm aprova o trabalho que o padre Jonas faz. No entanto, o padre
Ronaldo mostrou-se aberto para conhecer o andamento da investigação; de maneira especial,
seu interesse voltava-se sobre as constatações da visita à sede da Canção Nova. Contei uma
boa parte do que escutei e observei na pesquisa de campo... O padre ficou pensativo e fez
mais e mais perguntas... Hoje, o padre Ronaldo mudou seu tema de pesquisa e se interessa por
demonstrar a necessidade de uma renovação litúrgica na Igreja Católica, especialmente na
hinologia e nos cantos de louvor!
História 5: A sócia que nunca contribuiu
Fiz minha inscrição como sócio-colaboradora em outubro de 2004. Nos dados
solicitados para a inscrição não pediam se era ou não membro de alguma igreja ou se tinha ou
não alguma outra crença religiosa. Foi fácil demais! No mês seguinte, eu estava recebendo
a revista mensal e, mesmo sem fazer nenhum pagamento da mensalidade, estive recebendo a
revista nos próximos 10 meses. Passado esse tempo, a revista nunca mais chegou, mas Canção
Nova não deixou de estabelecer contato pelo correio eletrônico, mandando desde notícias
197
consideradas por eles como importantes até mensagens de felicitação pelo dia da mulher, dia
das mães e outros. Até hoje nunca reclamaram minha contribuição. No mês de março de
2008, fiz uma ligação para a Comunidade querendo saber se o número de sócia que aparecia
nos boletos de pagamento, que chegaram junto com as revistas no ano de 2004, ainda seria o
mesmo ou se, para contribuir, teria que fazer o cadastro novamente. Para minha admiração,
ainda tenho o mesmo número sem nunca ter contribuído. Sou sócia!
Essas cinco histórias representam também, de alguma maneira, o que é e o que faz
Canção Nova. As leituras e interpretações sobre elas poderiam ser múltiplas. No caso de
Jussara, por exemplo, o que para algumas pessoas poderia ser “extrema devoção” para outras
poderia indicar “extremo fanatismo”. No entanto, a intenção ao descrevê-las é precisamente
ampliar o universo cançãonovista para a análise, demonstrando a pluralidade e a amplitude
que esse fenômeno possui.
Ao mesmo tempo em que parece “sustentar” uma pessoa enlutada ou “levar ao luto
uma pessoa com sustento”, Canção Nova é capaz de cativar a juventude, de dar um sentido na
vida de uma pessoa aposentada e incorporá-la em uma proposta comunitária mesmo que
esteja a centenas de quilômetros, de incitar pessoas à reflexão e encorajar reformas, de manter
entre os números ostentados uma sócio-colaboradora que nunca fez sua contribuição e
estabelecer contatos periódicos com ela. Essa é Canção Nova. Essa é uma parte da realidade
desse fenômeno religioso contemporâneo.
4.2.2. Igreja com novo jeito
A catalogação “Novo Jeito de ser Igreja”, na nossa tese, embasa-se nos novos jeitos de
comunidades, nos novos jeitos de famílias e nos novos jeitos de identidades que convivem na
Comunidade Canção Nova e que emergiram da pesquisa, principalmente, do cotidiano.
Fundamentais para esta constatação foram as observações e conversações estabelecidas na
pesquisa de campo.
Como temos visto, Canção Nova, sem deixar de ser parte do catolicismo romano,
estabelece uma forma diferente de discurso, de celebração, de evangelização. Canção Nova é
católica romana, é carismática católica, mas, independente dessas catalogações, está o “ser
Canção Nova”. Como fenômeno carismático midiático da contemporaneidade, Canção Nova
198
tem seu próprio jeito de fazer, de pregar, de congregar, de consolar, de conviver, de re-criar os
carismas e de crescer. Alguns o acham certo, outros o compreendem como errado, mas,
apesar dessas avaliações, a Comunidade consegue imprimir “seu próprio jeito”.
Na sede da Canção Nova, vivencia-se um cotidiano diferente de outras comunidades
de vida brasileiras, diferentes de outras comunidades eclesiais, sejam católicas ou
protestantes. Canção Nova consegue ser, ao mesmo tempo, Igreja, mídia, lar, escola, hospital,
sustento material e espiritual. Ao evangelizar fazendo uso dos meios de comunicação e
mais que “fazendo uso” colocar esses meios à disposição de membros, sócios ou outras
pessoas —, cria uma rede de interatividade muito densa e rica na qual as distâncias, o tempo e
a própria tarefa evangelizadora ganham uma outra dimensão.
“Ser Canção Nova... meu marido é Canção Nova... ela é Canção Nova...”, o que
representa tudo isso? Representa uma realidade que não pode nem deve ser esquecida.
Representa pessoas apostando, acreditando, confiando, trabalhando. Representa um padre,
uma Comunidade, uma família que, por mais de trinta anos, constrói a sua maneira e, segundo
eles, com muita fé, um outro jeito de ser Igreja.
A senhora “x”, dona Ana e o Zé, dentre outros, com suas marcadas diferenças estavam
unidos em e por aquele lugar cançãonovista. Para eles, a sede da Comunidade é um sítio
sagrado sob diversos pontos de vista. É o lugar da felicidade, da família, da benção. “Ouro” e
“cadeira plástica” ganham igual significado para a senhora “x”, que faz da Canção Nova o
mais importante na sua vida. Dona Ana dirige de longe para pagar promessa e sentir-se em
família. O reza para “o papai do céu”, preocupado com os que precisam do Kairós e que
vão viajar para “pegar benção”.
Vivemos num tempo de grandes e velozes transformações, citando Muniz Sodré
396
.
Alguns denominam de modernidade” o tempo presente; outros optam por denominá-lo de
“pós-modernidade”; cada um com seus argumentos
397
. A nosso modo de ver e
independentemente de como se denomine, grandes mudanças acontecendo em todos os
396
Cf. SODRÉ, 2002, p. 9.
397
Para conhecer mais desses posicionamentos, cf. ESPERANDIO, Mary Rute Gomes. Para entender pós-
modernidade”. Sinodal: São Leopoldo, 2007.
199
níveis; as “receitas antigas”, as grandes linhas teóricas que por um tempo acompanharam e
guiaram nossa pesquisa e reflexão se mostram ineficientes para uma leitura atual, e muito
menos “global”, da contemporaneidade. As histórias da senhora “x”, de dona Ana e do
podem pôr em xeque as “certezas” de que nesta contemporaneidade reina o individualismo, a
falta do sagrado e a entrega “com paixão” a uma “causa comum”. A Comunidade Canção
Nova parece caminhar na contramão das “certezas” epistemológicas dessa natureza. Olhemos
o porquê.
4.3. Novos Jeitos de Comunidade
4.3.1. Sobre o conceito e outras apreciações...
Robert Nisbet afirma que
O conceito mais fundamental e de mais largo alcance dentre as idéias-
elementos da sociologia é o de comunidade. Não dúvida de que a
redescoberta da comunidade constitui o fato mais notável na evolução do
pensamento sociológico do século XIX. Assistimos [nesse século] ao
definhamento do contrato diante da redescoberta do simbolismo da
comunidade. [...] a comunidade forma o elemento denotativo da legitimidade
em associações o variadas como o Estado, a Igreja, o sindicato, o
movimento revolucionário, a profissão e a cooperativa. [...] A comunidade é
a fusão do sentimento e do pensamento, da tradição e da ligação intencional,
da participação e da volição.
398
Uma outra explanação sobre o conceito Comunidade pode ser encontrada no
Dicionário de Sociologia elaborado por Allan Johnson quando afirma que
é um termo com numerosos significados, tanto sociológicos como não-
sociológicos. A comunidade pode ser um grupo de indivíduos que têm algo
em comum como em “comunidade hispânica” —, sem necessariamente
viver em um dado lugar. Pode ser um senso de ligação com outras pessoas,
de integração e identificação, como em “espírito de comunidade” ou “senso
de comunidade”. E também um grupo de pessoas que realizam tipos de
trabalhos relacionados entre si, como em “a comunidade da saúde” ou “a
comunidade acadêmica”. E, talvez em seu sentido mais comum e concreto,
pode ser um conjunto de pessoas que compartilham de um território
398
NISBET, Robert. Comunidade e Sociedade. In: MENCARINI FORACCHI, Marialice; MARTINS, Jode
Souza. Sociologia e Sociedade: Leituras de Introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977. p. 255.
200
geográfico e de algum grau de interdependência que proporcionam a razão
para viverem na mesma área.
399
Zygmunt Bauman, com relação à Comunidade, afirma: “a palavra comunidade sugere
uma coisa boa [...] é bom ter uma comunidade, estar numa comunidade [...] a comunidade é
um lugar ‘cálido’, um lugar confortável e aconchegante [...] na comunidade podemos
relaxar”
400
. O autor também aponta que a comunidade é o tipo de mundo que não está a nosso
alcance; não obstante, é aquele no qual gostaríamos de viver e esperamos vir a possuir. Viver
sem comunidade representa não ter proteção. Uma vez alcançada a comunidade perde-se,
então, a liberdade. De maneira que, segundo o autor, comunidade e liberdade não se podem
ter ao mesmo tempo. Nenhuma receita foi inventada até os dias atuais que contemple o
equilíbrio entre comunidade e liberdade, assevera Bauman. Não podemos ter as duas ao
mesmo tempo e nem na quantidade que quisermos; no entanto, isso não seria motivo para
deixar de tentar
401
.
Se, por um lado, a Comunidade é descrita como fusão, elemento denotativo nas mais
variadas associações, grupo de indivíduos com algo em comum, senso de ligação, pessoas que
compartilham um território geográfico, por outro, ela é apresentada, segundo Bauman, como
uma grande ilusão, quase que uma utopia. Comunidade, para Bauman, seria aquilo que
anelamos e lutamos para alcançar, mas uma vez alcançada estar-se-ia perdendo alguma outra
coisa, nada mais e nada menos que a própria liberdade. O autor ainda expressa:
Se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e
precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do
compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e
responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual
capacidade de agirmos em defesa desses direitos.
402
Dessa forma, para Bauman, a Comunidade estaria ainda por ser criada! Aquilo que
existe e tem sido nomeado de Comunidade poderia “se acercar” ao “anelo”, mas não o
completaria na sua totalidade. Bauman explica que hoje as condições de vida e o modo como
399
JOHNSON, 1997, p. 45.
400
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Tradução: Plínio Dentzien. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 5s.
401
Cf. BAUMAN, 2003, p. 5-11.
402
BAUMAN, 2003, p. 134.
201
são estabelecidas as relações não favoreceriam facilmente o desenvolvimento de
comunidades, muito menos comunidades duradouras.
Os medos, ansiedades e angústias contemporâneos são feitos para serem
sofridos em solidão. Não se somam, não se acumulam numa “causa
comum”, não tem endereço específico, e muito menos óbvio. Isso priva as
posições de solidariedade de seu status antigo de táticas racionais e sugere
uma estratégia de vida muito diferente [...]. Ao contrário dos tempos de
dependência mútua de longo prazo, não quase estímulo para um interesse
agudo, sério e crítico por conhecer os empreendimentos comuns e os
arranjos a eles relacionados, que de qualquer forma seriam transitórios.
403
Cecília Mariz, que estudou sobre Comunidades de aliança e de vida no Espírito Santo,
no território brasileiro, parece apontar para uma outra vertente entorno da experiência
comunitária. Partindo das pesquisas realizadas nesses agrupamentos contemporâneos, a autora
explica que se trata de um fenômeno recente, registrado pelos pesquisadores apenas a partir
do final da década de 1990 e nos anos de 2000, e que tem impressionado e surpreendido tanto
com seu surgimento quanto com seu crescimento. Ressalta a participação da juventude na
criação e manutenção dessas comunidades. Alude, também, ao fato de que, para as pessoas
entrevistadas por ela, o hierarquia espiritual que defina a superioridade da opção de
participar da “comunidade de vida” em relação à “Comunidade de aliança”; no entanto, ao
entrevistar pessoas da comunidade de aliança”, a autora afirma que pôde corroborar a
admiração especial que sentem pelos que optam pela vida consagrada
404
. Partindo do que foi
expressado, poder-se-ia asseverar que esse tipo de Comunidade constitui um “ensaio” da
Comunidade “utópica” explicitada por Bauman?
Mariz, fazendo alusão a programas da Rede Vida, descreve a existência de um outro
tipo de Comunidade que ela denomina como “quase-comunidade-mediada”
405
. Para a autora,
tal experiência seria a “construção de uma comunidade” que estaria sustentada pela
intimidade com que os apresentadores se dirigem aos telespectadores, pelos convites que eles
dirigem para que mandem suas cartas, pelos pedidos para que telefonem ou mesmo para que
403
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
p. 170s.
404
Cf. MARIZ, Cecília Loreto. Comunidades de Vida no Espírito Santo, juventude e religião. Tempo Social.
Sociologia. São Paulo: USP, 17(2), novembro de 2005-a. p. 253.
405
MARIZ, Cecília Loreto. A “Rede Vida”: O catolicismo na TV. Cadernos de Antropologia e Imagem. No 7
(2), edição semestral. Rio de Janeiro, 1998. p. 51.
202
participem ao vivo de programas e, por suposto, o retorno que deles recebem. Quiçá, essa
“quase-comunidade-mediada” de Mariz seja no mesmo estilo ou tenha tudo a ver com aquelas
nomeadas por Eliane Gouveia como “comunidade eletrônica de consolo”
406
.
Resumindo, na contemporaneidade, mesmo que não exista a Comunidade de Bauman
na qual segurança e liberdade andem de mãos dadas, sim outros modelos sendo praticados
e que pelo seu comportamento e desenvolvimento merecem toda atenção. A seguir,
tentaremos desvendar e analisar como se constrói comunidade no cotidiano cançãonovista.
4.3.2. Comunidade Canção Nova
Achamos que a Comunidade Canção Nova comporta “esse intento” do qual Bauman
fala e mais, pois, com o pesquisado, podemos asseverar que, “nesse intento”, ela tem se saído
muito bem. Quando escutamos falar Comunidade Canção Nova não percebemos que, no
singular, a terminologia contempla um caudaloso plural. Canção Nova esconformada por
vários tipos e jeitos de viver em comunidade. Dentre delas, poderiam ser apontadas
categoricamente: a Comunidade de vida, a Comunidade de aliança e a Comunidade Virtual.
Observemos o porquê dessa afirmação.
Comunidade de vida: É integrada pelas pessoas membro que passaram pelo longo período
de seleção e que nela convivem sob regras estabelecidas, mas não fixas. Pessoas que sentem
“um chamado” e optam por entregar sua vida a um serviço e causa comum, a saber:
Evangelizar através dos meios de comunicação. Elas teriam a garantia de ter cobertas
necessidades básicas dentre as quais: habitação, saúde, alimentação, segurança, trabalho etc.
No entanto, vale destacar que as primeiras pessoas que aderiram, as que iniciaram o projeto,
não contavam com essas garantias tão explícitas e mesmo assim abraçaram a proposta
comunitária. Esse modelo de comunidade, aparentemente, representa o que foi apontado por
Bauman quando diz que se ganha em proteção, mas se perde em liberdade (ainda que essa
liberdade, ganhada ou perdida, a nosso modo de ver, possa ser muito discutida).
406
Cf. GOUVEA, Eliane Hojaij. Comunidades eletrônicas de consolo. Ciências Sociais e Religião. Ano I, n 1,
Porto Alegre, set. 1999. p. 115-129.
203
Comunidade de Aliança: É integrada pelas pessoas que têm feito sua inscrição para “sócio”
da Comunidade Canção Nova. Mesmo sem participar dos eventos na sede ou nas casas de
missão que integrariam mais “o sócio” à “Comunidade”, a pessoa pode experimentar seu
pertencimento de varias maneiras: a) pelo fato de receber uma revista mensal com
informações da comunidade; b) pela sua contribuição e o retorno que recebe da aplicação do
dinheiro; c) pelas mensagens que recebe, via correio eletrônico, em datas comemorativas (dia
da mulher, dia das mães, dia dos pais etc.) e outras que alertam para o início ou fechamento de
questões como “declaração de Imposto de Renda”. Esses sócio-colaboradores ajudam a
manter, com suas contribuições, a Comunidade de vida e os projetos que ela realiza. Ainda
que, no caso da Canção Nova, essa não seja a única entrada de recursos — e a Comunidade de
vida procure através dos trabalhos que realiza sua auto-sustentação constitui, sim, uma
soma nada desprezível.
Comunidade Virtual: É integrada por pessoas de qualquer país que podem ser ou não
membros ou sócios da Comunidade Canção Nova, que podem ser ou não católicos romanos,
que podem ser ou não católicos carismáticos. Permite a interação e discussão sobre diferentes
temas através do Chat. Tem diversos grupos de oração que estimulam e fazem correntes de
oração segundo pedidos dos participantes. A Comunidade é acompanhada virtualmente, desde
a sede, por profissionais que desempenanham a função de estimular a participação das
pessoas uma vez inscritas.
A essas comunidades mais visíveis”, poderíamos agregar muitas outras e não com
menos importância. Como exemplo temos aquelas que se formam ao redor das diferentes
casas de missão, tanto no Brasil quanto no exterior, cada uma com sua especificidade, mas
compartilhando em comum a atenção aos estrangeiros. O sociólogo Otto Maduro afirma que
“as organizações religiosas representam, para muitos imigrantes, a primeira e única esperança
de comunidade, depois de ter abandonado ou perdido a que conheciam em seu país de
origem”
407
. Manuel Vasquez e Lúcia Ribeiro, em sua pesquisa sobre imigrantes brasileiros em
407
MADURO, Otto. Notas sobre pentecostalismo y poder entre inmigrantes latinoamericanos en la ciudad de
Newark. In: XIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina. Porto Alegre. 27-30 de set.
de 2005. p. 8.
204
Broward e na Florida, aludem a quatro funções importantes que as organizações religiosas
estariam desempenhando.
1) Redes de auto-ajuda que oferecem uma variada gama de recursos, que vão
desde a disponibilidade de contacto e informão até a ajuda material, 2) Um
espaço social de lazer e de apoio emocional, 3) Um espaço para a re-
afirmação coletiva da identidade nacional, 4) Marcos interpretativos para
viver o processo de migração e para elevar sua auto-estima, na sua relação
com o sagrado.
408
Pelo fato de abraçar essas tarefas e desenvolver um ministério similar, Canção Nova
consegue “criar comunidade” nas suas casas de missão. Vale destacar que a casa de missão de
Fátima já tem mais de 10 anos de fundação e tem sido ponte que permite estreita relação entre
o trabalho desenvolvido por comunidades da Canção Nova do Brasil e de Portugal.
Encontram-se, também, comportando o universo comunitário cançãonovista, aquelas
comunidades que estariam sendo constituídas pelas pessoas que não vivem na sede, mas que
trabalham diariamente nela e são moradores de Cachoeira Paulista. Essas seriam as
“comunidades de trabalhadores” que não possuem um sindicato, mas contam com
mecanismos de proteção ao trabalhador segundo as leis trabalhistas brasileiras. Além do mais,
o fato de trabalhar na sede lhes oferece, como “comunidade trabalhista”, acesso a usufruírem
outros espaços como: creche, escola, posto médico, alimentos da horta etc.
Ainda poderiam ser contabilizadas as comunidades que se formam por setores de
trabalho dentro da sede, principalmente rádio, tevê e site. Esses espaços funcionam 24 horas
por dia, nos quais sempre podem ser encontradas pessoas trabalhando. São espaços que, por
suas características, permitem a vivência comunitária e, ao mesmo tempo, favorecem o
intercâmbio das pessoas membros com aquelas que possuem vínculo empregatício e moram
na cidade.
Assim, no cotidiano, convivem diversas comunidades com diferentes particularidades
e propostas, mas todas se encontram interligadas de alguma forma, todas são Canção Nova!
408
VASQUEZ, Manuel A.; RIBEIRO, Lúcia. “A Igreja é como a casa da minha mãe”: Religião e espaço vivido
entre brasileiros no condado de Broward. Ciências Sociais e Religião. Ano 9, No 9, Setembro de 2007.
205
Canção Nova representa um “Novo Jeito de Ser Igreja” em função da dinâmica com que
constrói e recria comunidades. O sentido comunitário é reforçado pelo chamado constante
para formar “comunidade” e para fazer parte da “família”, a família da Canção Nova.
Estaríamos mesmo na presença do que se poderia catalogar como uma família? Que
argumentos sustentariam tal afirmação?
4.4. Novos Jeitos de Família
4.4.1. Sobre o conceito e outras apreciações...
Novamente nos apoiamos em Johnson para apreender o conceito; desta vez trata-se de
Família. Ele argumenta que,
Como instituição social, a família é definida pelas funções sociais que se
espera que ela cumpra: reproduzir e socializar os jovens, regular o
comportamento social, agir como grande centro de trabalho produtivo,
proteger os filhos e proporcionar apoio emocional aos adultos, servindo
como origem de status atribuído, como etnicidade e raça. Embora a forma
das instituições familiares varie muito de uma sociedade ou período histórico
a outros, as funções básicas da família parecem ser razoavelmente constantes
e quase universais. Há uma diferença entre a família instituição e as famílias
individuais existentes em qualquer dado tempo na sociedade. Como
instituição é um modelo abstrato que descreve a sua organização e
atividades, [...] Como sistemas sociais, individuais, as famílias variam em
suas características estruturais, o que, por seu lado, acarreta grandes
variações na vida familiar. [dentre delas temos] a família nuclear, [...] a
família composta ou mista, [...] a família de pais solteiros, [...] a família
divorciada, [...] família extensa.
409
Anthony Giddens, por sua vez, ao conceituar Família, indica que
é um grupo de indivíduos vinculados por laços de sangue, matrimônio ou
adoção, que formam uma unidade econômica, cujos membros adultos são
responsáveis pela criação das crianças. Em todas as sociedades conhecidas,
alguma forma de sistema familiar, mesmo que a natureza das relações
familiares varie consideravelmente. Embora que, nas sociedades modernas, a
409
JOHNSON, 1997, p. 107s.
206
principal estrutura desse tipo seja a família nuclear, amiúde se dá uma
grande variedade de relações de famílias extensas.
410
Aos dois conceitos anteriores, poder-se-ia somar o de Pierre Babin que é construído
desde uma posição mais religiosa. Segundo ele, “a família é o berço, a matriz onde nasce a via
simbólica na educação religiosa. Para os cristãos ela é o primeiro e mais poderoso despertador
da fé. Ela é esta célula comunitária onde a criança pode ouvir pela primeira vez a mensagem
de Jesus e o apelo a seu reino”
411
. Babin também explica que nascimento, maternidade,
casamento e morte — ritos de passagem — são os grandes momentos que afetam a família em
suas relações entre as diferentes gerações
412
. O autor também parece outorgar poder em
demasia à família quando deposita sobre ela, no final da década de 1980, a seguinte
capacidade e responsabilidade:
Em nossos dias, uma realidade que rivaliza com a família para suscitar novas
imagens que afetem as relações mútuas e transformem radicalmente o
ambiente da maior parte dos lares, é o audiovisual. [...] As famílias podem
influenciar as mídias encorajando seus filhos a procurar uma carreira da
televisão. Definitivamente, é a qualidade do pessoal de produção da
televisão que garante melhor a influência positiva que ela pode ter [...] é
tarefa da família equilibrar as imagens da televisão.
413
Dessa forma, poder-se-ia dizer que o termo Família denota uma realidade muito
complexa, que se mostra cambiante segundo a cultura da sociedade à qual pertence, mas
muito similar com relação à necessidade que os seres humanos sentem de fazer parte de
alguma delas. Como expressa Valburga Streck, “a família é um fenômeno universal, mas que
de época em épocas assume formas diferentes de relacionamento”
414
. A família na atualidade
passa por uma serie de mudanças que alguns chegam a denominar de crise; no entanto, ela, a
410
GIDDENS, Anthony. Sociología. Madrid: Alianza Editorial SA, 2001. p. 735.
411
BABIN, 1989, p 203.
412
Cf. BABIN, 1989, p. 208.
413
BABIN, 1989, p. 221.
414
STRECK, Valburga Schmiedt. Terapia familiar e aconselhamento pastoral: uma experiência com famílias
de baixos recursos. São Leopoldo: Sinodal, 1999. p. 23. Para uma maior informação e compreensão em
relação às diferentes teorias sobre família, diferentes definições de família e diferentes formas de organização
familiar, confira as ginas 20-33. Para uma leitura maior e mais completa sobre o tema família, cf. também
STRECK, Valburga Schmiedt; SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Imagens da família: dinâmica,
conflictos e terapia do processo familiar. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
207
semelhança de outras instituições sociais, vai cambiando, se modificando, no intuito de
encontrar seu lugar no novo arranjo social.
Bauman, para caracterizar esse novo arranjo social, fala de modernidade líquida, vida
líquida, amor líquido, tempos líquidos. Sobre a época recente, ele afirma que
Viver numa multidão de valores, normas e estilos de vida em competição,
sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos, é perigoso e cobra
um alto preço psicológico. Não surpreende que a atração [...] de fugir da
escolha responsável, ganhe força. Como diz Julia Kristeva (em Nações sem
nacionalismo), “é rara a pessoa que não invoca uma proteção primal para
compensar a desordem pessoal”. E todos nós, em alguma medida maior ou
menor, às vezes mais e às vezes menos, nos encontramos em Estado de
“desordem pessoal”. Vez por outra, sonhamos com “uma grande
simplificação”; sem aviso, nos envolvemos em fantasias regressivas cuja
principal inspiração são o útero materno e o lar protegido por muros. A
busca de um abrigo primal é o “outro” da responsabilidade, exatamente
como o desvio e a rebelião eram o “outro” da conformidade. O anseio por
um abrigo primal veio hoje a substituir a rebelião, que deixou de ser uma
opção razoável.
415
Nessa realidade, nesse cotidiano, é que se “formam”, “conformam” ou “deformam” as
famílias na contemporaneidade. Nas palavras do próprio autor,
Pode-se dizer que esse movimento ecoa a passagem do casamento para o
“viver junto”, com todas as atitudes disso decorrente e conseqüências
estratégicas, incluindo a suposição da transitoriedade da coabitação e da
possibilidade de que a associação seja rompida a qualquer momento e por
qualquer razão, uma vez desaparecida a necessidade ou o desejo.
416
Também, Maíra Baumgarten, com relação ao novo arranjo social, assinala que
O individuo passa a não ter preocupação alguma com a solidariedade,
entrando num processo de descompromisso com o outro, na mesma medida
em que cresce seu impulso individual para a busca de prazer e de satisfação
de desejos egoísticos. É esse individuo sem laços (pois mesmo os laços
familiares se atenuam fortemente) que é atraído pela religião. [...] Em uma
realidade pós-moderna, a família antiga célula mater da modernidade,
415
BAUMAN, 2001, p. 243s.
416
BAUMAN, 2001, p. 171.
208
enquanto fonte privilegiada de transmissão de valores como trabalho,
disciplina, honestidade — debilita-se.
417
Embora o expressado pela autora constitua quase que uma constante para quem
pesquisa sobre o tema, tem quem enxergue a situação de uma outra maneira. Nesse sentido,
Erhard Gerstenberger escreve:
a família, por via de regra, ainda tem importantes funções de nutrição física e
espiritual, porque a sociedade em geral muitas vezes se mostra
desinteressada no destino da pessoa individual. Revela-se fria e estéril
quanto aos desejos básicos das pessoas por carinho, atenção, compreensão,
conforto. As muitas tentativas feitas na sociedade moderna de criar núcleos
de ajuda mútua e de bem-estar humano, grupos de pessoas aflitas e
perseguidas, que poderiam providenciar calor humano são bem importantes,
mas não conseguiram substituir completamente a família.
418
Segundo essa afirmação, os diferentes grupos formados como alternativa à função
social familiar, de certa forma, tem fracassado no seu empenho. No entanto, essa constatação
também seria aplicável a outras experiências como as das Comunidades de Vida?
Mariz tem ressaltado, nos escritos recentes, que as Comunidades de Vida poderiam
estar oferecendo alternativas às pessoas que, por uma ou outra razão se sentem
impossibilitadas de participar de uma família ou àqueles que estejam insatisfeitas com o
modelo conjugal existente. Ao mesmo tempo, a autora reconhece que há, nessas comunidades
e no discurso dos movimentos de Renovação Carismática, um discurso fortemente em prol da
família, crítico em relação à sociedade contemporânea, principalmente, com relação à
moralidade sexual e com relação aos valores familiares que julgam em extinção
419
.
Analisemos a seguir o lugar e o destaque que a família detêm na Canção Nova.
417
BAUMGARTEN, Maíra. Pós-modernidade e sociologia: Notas para debate. In: LAMPERT, Ernâni (org.).
Pós-modernidade e conhecimento: Educação, sociedade, ambiente e comportamento humano. Porto Alegre:
Sulina, 2005. p. 87.
418
GERSTENBERGER, Erhard S. Casa e casamento no antigo testamento. Estudos Teológicos, Ano 42 (1),
2002. p. 87.
419
Cf. MARIZ, 2005-b, p. 2-8. Para ampliar essa afirmação, cf. OLIVEIRA, Eliane Martins. O novo canto da
Canção Nova. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ, 2003.
209
4.4.2. Família Canção Nova
Na Canção Nova o termo família
420
mesmo que recente, se tomamos em conta a data
de fundação da comunidade, está sendo muito utilizado. A Comunidade Canção Nova apela,
no seu discurso, à “família tradicional” como modelo do que é “certo” e “agradável aos olhos
de Deus”. Isso reforça e denota os laços com a igreja-instituição da qual forma parte. No
entanto, é do cotidiano da Comunidade de onde emergem outras questões que podem ser
apreciadas com relação a este conceito.
A família Comunidade Canção Nova está composta pela Comunidade de Vida na sede
que, por sua vez, é composta por mulheres solteiras, homens solteiros, celibatárias,
celibatários, mas também por núcleos familiares de casais com filhos ou não. Como membros,
eles constituem uma família com a qual têm tido uma experiência de convivência temporária
antes de passar a uma convivência “definitiva”, uma família a qual se integraram por opção.
Essas pessoas que passam a formar parte da família de membros da Canção Nova não perdem
os vínculos familiares com suas famílias de origem, mesmo que estas morem em lugares
distantes
421
.
Uma outra família é formada pelas pessoas que vivem nas casas de missão e
compartilham um teto comum. Somada a essa família, em certa medida, encontram-se as
pessoas que participam como sócios dessas missões, principalmente das casas no exterior.
Como vimos, a atenção e proteção aos migrantes é o alvo do trabalho que realizam. São,
principalmente, as pessoas que migram aquelas que mais necessitam de uma nova família”,
como declarou Otto Maduro. Canção Nova não proporciona atendimento no lugar que lhes
acolhe, senão que mantêm, com múltiplas atividades e de variadas formas, a presença do país
que, por uma ou outra razão, têm abandonado; um exemplo importante é o próprio uso do
português para a comunicação.
420
Família é uma terminologia fortemente utilizada para fazer referência à Comunidade Canção Nova,
principalmente por parte de membros e dirigentes. Frases como: “o associado é considerado membro da
grande Família Canção Nova”, “que linda é a nossa família”, “faça parte desta família”, “hoje somos uma
grande família” e “somos uma família solidária” aparecem com regularidade no discurso dos diferentes meios
de comunicação da Canção Nova. No entanto, constatamos que é uma terminologia de uso recente. Na
literatura mais antiga da Comunidade, ela não aparece; é a partir do ano 2000 que começa a ser utilizada com
maior freqüência.
421
Esse é o caso de Luiza e sua irmã com quem conversamos durante a pesquisa de campo.
210
Diferentemente das famílias modernas, nas quais fatores sócio-político-econômicos e
de outras índoles tendem a fragmentá-la, a família Canção Nova apresenta-se como um
modelo distinto e coeso (desde o ângulo que seja avaliado). Para as pessoas membros, o fato
de passar a formar parte da família/comunidade de vida significa ter uma educação/profissão,
ter trabalho, ter casa, ter lazer, ter segurança, ter bom atendimento médico, ter coberta suas
necessidades básicas etc. De maneira que “a fuga do mundo” que alguns pesquisadores
assinalam ao se referirem a este tipo de família, pode ser também um “meio de sobrevivência
no mundo”
422
. Especificamente, no caso da Comunidade Canção Nova que não é uma
comunidade fechada, essa “fuga do mundo” estaria ainda mais descontextualizada.
Embora que, como afirma Antônio Flávio Pierucci, Weber assinala que a religião
congregacional se caracteriza pelo rompimento de todos os laços familiares
423
, embora que,
como constata Mariz, “a entrada de filhos numa dessas comunidades também significa o
abandono de um projeto de ascensão social acalentado pelos pais e até por avós, que se
realizaria na geração a seguir”
424
, no caso da Comunidade Canção Nova, por suas
características de não estar totalmente ilhada e pelo projeto que tem desenvolvido, esse não
parece ter sido um problema; pelo menos isso não apareceu na literatura pesquisada, nem nas
observações e conversas da pesquisa de campo.
Canção Nova representa um novo jeito de ser igreja em função da forma com que
fomenta e vivencia o convívio familiar. Melhor ainda, Canção Nova “forma, das
congregações, famílias”. Os grupos de orações e as congregações de socio-colaboradores que
se encontram geograficamente distantes e que quiçá nunca poderão se encontrar fazem parte,
por adesão, comunhão e oração, da mesma “família cançãonovista”. De similar maneira, a
mensagem transmitida pela Comunidade vai não só para membros de uma determinada região
do Brasil ou do exterior, mas para todos e todas por igual; isso “equipara” as famílias; isso,
422
Cf. MARIZ, 2005-b. p. 17.
423
PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciências Sociais e Religião: A religião como ruptura. In: TEIXEIRA, Faustino;
MENEZES, Renata (Orgs). As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 30.
424
MARIZ, 2005-b, p. 12.
211
quiçá, forma uma identidade que diluí as fronteiras e produz relações interpessoais muito mais
sadias
425
.
4.5. Novos Jeitos de Identidade
4.5.1. Sobre o conceito e outras apreciações...
Segundo Johnson, a Identidade
Ou self, desde uma perspectiva sociológica, é um conjunto relativamente
estável de percepções sobre quem somos em relação a nós mesmos, aos
outros e aos sistemas sociais. O self é organizado em torno de um
autoconceito, ou seja, as idéias e sentimentos que temos sobre nós mesmos.
[...] Em um nível mais estrutural, o self baseia-se também em idéias culturais
sobre os status sociais que ocupamos. [...] Este componente do autoconceito,
que se baseia nos status sociais ocupados pelo individuo, é conhecido como
identidade social. [...] o self é socialmente “construído”, no sentido de ser
moldado através de interação com outras pessoas e por utilizar materiais
sociais sob a forma de imagens e idéias culturais. [...] é claro, o indivíduo
não é um participante passivo desse processo, e pode exercer uma influência
muito forte sobre a maneira como o processo e suas conseqüências se
desenvolvem.
426
Por sua vez, Giddens vai definir identidade como:
Características que diferenciam o caráter de uma pessoa ou de um grupo.
Tanto a identidade individual quanto a de um grupo procedem,
principalmente, dos marcadores sociais. Assim o nome é um importante
marcador da identidade individual e constitui um elemento crucial da
individualidade da pessoa. O nome também é importante para a identidade
dos grupos. Por exemplo, a identidade nacional se encontra determinada por
ser inglês, francês.
427
Na teoria social, a questão da identidade está sendo hoje amplamente discutida. O
argumento para esse fato é explicitado da seguinte maneira por Stuart Hall:
425
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, 2005, p. 149s.
426
JOHNSON, 1997, p. 204.
427
GIDDENS, 2001, p. 735.
212
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social,
estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
individuo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim
chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais
amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais
das sociedades modernas e abalando os quadros de referências que davam
aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
428
Hall afirma que as concepções de identidade vêm sendo transformadas ao longo do
processo histórico. Desde o “sujeito do Iluminismo” entendido como totalmente unificado
a partir de seu nascimento, dotado das capacidades de razão, consciência e ação passando
pela idéia mais recente do “sujeito sociológico” que se forma nas relações com outras
pessoas que medeiam seus valores, sentidos e símbolos expressos em uma cultura e o
“sujeito pós-moderno” que não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente, por estar
sujeito a formações e transformações contínuas em relação às formas em que os sistemas
culturais o condicionam
429
.
O sujeito pós-moderno é definido historicamente e não mais biologicamente; assume
identidades diferentes em diferentes momentos, afetadas tanto pelos processos de socialização
quanto de globalização dos meios de comunicação e informação. A sociedade em que vive o
sujeito pós-moderno está também sendo constantemente descentrada e deslocada por forças
externas
430
.
Para Hall,
as identidades são constituídas no interior de práticas de significação,
produzidas em locais históricos e institucionais específicos. Elas emergem
no interior de relações específicas de poder e são mais um produto da
marcação da diferença do que um signo de uma unidade idêntica. Assim o
processo da construção das identidades está sempre envolvido com a
diferença, da relação com aquilo que não é, sempre referido ao outro: sou o
que o outro não é.
431
428
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. p. 7.
429
Cf. HALL, 1998, p 7.
430
Cf. HALL, 1998, p. 10-13.
431
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade. In: SILVA, Thomaz Tadeu da (org.). Identidade e Diferença: a
perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 110.
213
No mesmo sentido, Garcia Canclini, na mesma medida em que expressa, alerta:
Se a antropologia, a ciência social que mais estudou a formação das
identidades, acha difícil ocupar-se hoje da transnacionalização e da
globalização, é pelo hábito de considerar os membros de uma sociedade
como pertencendo a uma cultura homogênea, tendo portanto uma única
identidade distintiva e coerente. Essa visão singular e unificada, que tanto as
etnografias clássicas quanto os museus nacionais organizados por
antropólogos consagraram, é pouco capaz de captar situações de
interculturalidade. [...] Quando a circulação, cada vez mais livre e freqüente
de pessoas, capitais e mensagens nos relaciona cotidianamente com muitas
culturas, nossa identidade já não pode ser definida pela associação exclusiva
a uma comunidade nacional. O objeto de estudo não deve ser, então, apenas
a diferença, mas também a hibridização. Nesta perspectiva, as nações se
convertem em cenários multideterminados, onde diversos sistemas culturais
se interpenetram e se cruzam. Hoje a identidade, mesmo em amplos setores
populares, é poliglota, multiétnica, migrante, feita com elementos mesclados
de várias culturas.
432
De uma ou outra maneira Hall e Garcia Canclini, apontam seus postulados para uma
mesma direção. Decorrentes das mudanças produzidas em todas as ordens, a identidade não
mais pode ser concebida como uma e coesa. A essa nova situação, a maioria das pessoas e
instituições chega quase sem aviso nem preparação prévia, mas chega porque parece não
existir nenhuma outra opção. Maíra Baumgarten assegura que hoje
Assiste-se à transição de uma identidade vinculada a um território nação para
a identidade globalizada, na qual a forma de alguém estar no mundo não tem
nada a ver com seu país. Um exemplo é a religião da Nova Era enquanto
uma religião reunificada, sem fronteiras, planetária. Não necessidade de
sede, pois tudo é virtual, e as comunicações se fazem via Internet. [...] O
agudizamento da tendência de individualização da modernidade conduz a
um “processo de personalização”, em que o individuo passa a ser depositário
cada vez mais absoluto do poder/responsabilidade por sua vida, seu êxito. Na
modernidade, o individuo é autonomizado das redes comunitárias. No
processo de constituição do Estado moderno, o individuo é visto sob três
ângulos: como trabalhador, como eleitor, como pensador (produtor de
conhecimentos), em um crescente processo de autonomização e
personalização, processo acompanhado da perda paulatina do sentido de
pertencimento e de compromisso coletivo.
433
É em igual sentido que, no livro
O mal-estar da pós-modernidade, Bauman explicita:
432
CANCLINI, 2006, p. 131.
433
BAUMGARTEN, 2005, p. 86.
214
O nascimento da identidade significa que de agora em adiante são as
habilidades do indivíduo, suas capacidades de julgamento e sabedoria de
escolha que decidirão (pelo menos precisam decidir; de qualquer modo,
espera-se que decidam) qual das possíveis formas infinitamente numerosas
pelas quais a vida pode ser vivida se torna carne [...]. Os homens e mulheres
pós-modernos realmente precisam do alquimista que possa, ou sustente que
possa, transformar a incerteza de base em preciosa auto-segurança, e a
autoridade da aprovação (em nome do conhecimento superior ou do acesso à
sabedoria fechado aos outros) é a pedra filosofal que os alquimistas se
gabam de possuir. A pós-modernidade é a era dos especialistas em
“identificar problemas”, dos restauradores da personalidade, dos guias de
casamento, dos autores dos livros de “auto-afirmação”: é a era do “surto de
aconselhamento”. Os homens e mulheres pós-modernos, quer por
preferência, quer por necessidade, são selecionadores.
434
O mesmo autor expressa em seu livro Vida Líquida:
A busca da identidade é sempre empurrada em duas direções [...]. um
laço duplo em que toda identidade reivindicada ou perseguida [...] está
enredada [...] a identidade navega entre as extremidades da individualidade
descompromissada e da pertença total. A primeira é inatingível, e a segunda,
como um buraco negro, suga e engole qualquer coisa que flutue nas suas
proximidades. [...] Por essa razão, a “identidade” reserva perigos
potencialmente mortais tanto para a individualidade quanto para a
coletividade, embora ambas recorram a ela como instrumento de auto-
afirmação. O caminho que leva à identidade é uma batalha em curso e uma
luta interminável entre o desejo de liberdade e a necessidade de segurança,
assombrada pelo medo da solidão e o pavor da incapacidade.
435
Já no seu livro Identidade, explicita que
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não tem
a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante
negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio individuo toma,
os caminhos que percorre, a maneira como age e a determinação de se
manter firme a tudo isso — são fatores cruciais tanto para o “pertencimento”
quanto para a “identidade”.
436
434
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Mauro Gama e Cláudia Martinelli
Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 221.
435
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
p. 43s.
436
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p.
15s.
215
Resumindo, pode-se dizer que Bauman, tido como um dos sociólogos mais
importantes da contemporaneidade, assinala em todos seus livros, como principal apego
humano, a busca incessantemente por não se tornar “um ninguém”. Tal procura colocaria a
identidade, a comunidade e, por decorrência, a família”, na trilha não de um caminho, mas
sim de vários caminhos; a não ir somente em uma direção, mas sim ter várias direções
simultâneas; a viver uma efemeridade brutal nos espaços que antes representavam âncora,
porto, acalanto, aconchego, seguridade, sustento. Esse seria, segundo Bauman, o cotidiano
transparente na “aldeia global”. Cotidiano no qual as identidades seriam tão líquidas como a
própria vida o é para o autor.
E as mídias? Que lugares ocupariam as dias nesse cotidiano líquido? Denise Cogo
explica:
As mídias como matrizes configuradoras das identidades culturais em que,
mais do que meros dispositivos técnicos, mídias como televisão, o rádio ou a
Internet, passam a atuar como instâncias que atribuem visibilidade às ações
de outros campos sociais e instituições e propõem e asseguram modos
próprios de existência e estruturação de realidades pertinentes a esses
campos. [...] As mídias deixam, portanto, de se constituir em meros
dispositivos transportadores de sentidos acrescidos às mensagens ou, ainda,
em simples espaço de interação entre produtores e receptores, para se
converterem, de forma crescente, em um ethos [...].
437
De semelhante forma, o “novo ethos”, nas reflexões e no pensar de Sodré, como
tínhamos visto no segundo capítulo, é tão líquido e dinâmico quanto à “modernidade líquida”
a qual pertence. Um “novo ethos” que oferece espaço para a confluência e convivência das
mais diversas identidades que, por sua vez, se sustentam na criação eficiente de novos mitos,
construídos com a ajuda de novos símbolos e da prática de novos rituais.
Segundo Severino Croatto, o mito é o relato de um acontecimento originário, no qual
atuam deuses e cuja intenção é dar sentido a uma realidade significativa
438
. Os ritos aparecem
como norma que guia o desenvolvimento de uma ação sacra. É uma prática periódica, de
437
COGO, Denise. Mídias, Identidades culturais e cidadania: Sobre cenários e políticas de visibilidade
midiática dos movimentos sociais. Disponível na Internet: <http://www.reposcom.portcom.intercom.
org.br/bitstream/1904>. Acesso em: 02/11/2007. p. 1-15.
438
Cf. CROATTO, Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001. p 209.
216
caráter social, submetida a regras precisas
439
. O símbolo, por sua vez, é a representação de
uma ausência, é a linguagem básica da experiência religiosa que funda todas as outras. O
símbolo faz pensar, diz sempre mais do que diz! É a linguagem do profundo, da intuição, do
enigma. O rito, afirma Croatto, participa do mbolo e do mito, é um conjunto de gestos e,
nesse sentido, parece-se com o mito que narra uma seqüência de episódios e que, ao mesmo
tempo, constitui um manojo de símbolos
440
.
Em que novos mitos, ritos e símbolos estaria sendo sustentada a Identidade Canção
Nova? Existiria ela de fato? Que papéis assumiriam os meios de comunicação cançãonovistas
no desenvolvimento dessas ou de outras identidades?
4.5.2. Identidade Canção Nova
Em decorrência do argumento apresentado por Hall — e pelos demais autores e
autoras — poderíamos fazer referência à Comunidade Canção Nova como detentora de
identidade(s) que lhe permitam ser âncora para seus membros e sócios nos dias atuais? Assim
como as múltiplas comunidades e as múltiplas famílias convivem cotidianamente na
Comunidade Canção Nova, também múltiplas identidades disputam o espaço. No entanto,
como no caso da “Comunidade” e da “família” que são apresentadas em singular, também
uma identidade singular é apresentada: ser Canção Nova.
Dito de uma outra maneira, a pessoa pode ser católica, protestante, carismática,
conservadora, atéia, budista... se pertencer à Canção Nova, ela é Cançãonovista. Os
programas da Tv Canção Nova não carregam, como em outras televisoras, o discurso de um
“gaúcho poderoso” e um nordestino “menos agraciado”, de um Brasil “experto” e um
Portugal “tonto etc. Gaúchos, nordestinos, brasileiros e portugueses, com seus acentos
diferentes, estão unidos e identificados pela comunidade a qual pertencem. A partir dessa
idéia, foi pesquisada a identidade(s) da Canção Nova tanto no cotidiano da sede, na vivência
439
Cf. CROATTO, 2001, p. 330s.
440
Cf. CROATTO, 2001, p. 117s.
217
das casas de missão, quanto nos discursos dos documentos que se editam, nos produtos que
confeccionam e vendem
441
.
A Canção Nova, ao ser nomeada e conhecida pelo seu nome, ganha um destaque, uma
identidade com relação a outras comunidades de seu tipo; ganha também uma identidade com
relação a outras realidades das quais faz parte, dentre elas, a cidade de Cachoeira Paulista, a
Renovação Carismática Católica, a Igreja Católica Romana e o próprio Vaticano.
Com relação à cidade de Cachoeira, como vimos, Canção Nova se torna ponto de
referência importante, seja pelo turismo religioso e o status que este proporciona à cidade
442
,
seja pelos diversos projetos que mantêm e que envolvem pessoas e instituições cachoeirenses.
Essa relação oferece à Canção Nova uma identidade inquestionável, ao mesmo tempo em que
oferece a quem com ela se vincula uma ancoragem estável de identificação. Dizer, em
Cachoeira Paulista, que se é membro ou sócio da Comunidade é possuir um
reconhecimento antecipado.
Com relação à Igreja Católica Romana, Canção Nova também possui uma identidade
muito bem definida. Uma identidade que tem sido construída na relação estabelecida por mais
de 30 anos; algumas vezes uma relação de distanciamento, outras uma relação de
aproximação, mas sempre se mantendo vinculada à Igreja da qual faz parte. A Igreja oferece à
441
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette. Comunidade Canção Nova: Um novo jeito de ser igreja a partir do
entrecruzamento evangelização-comunicação. In: BOBSIN, Oneide et alli. (orgs.). Uma religião chamada
Brasil: Estudo sobre religião e contexto brasileiro. São Leopoldo: Oikos, 2008-a. p. 81.
442
No dia 14 de março de 2008, foi noticiado pelo site da prefeitura de Cachoeira Paulista uma matéria intitulada
Encontro do Conselho de Circuito Religioso é Realizado”. Diz a matéria: “A Secretaria de Turismo de
Cachoeira Paulista participou na quinta-feira, dia 13 de março, do encontro promovido pelo Conselho que
promove o Circuito Religioso do Vale do Paraíba, formado pelas cidades de Aparecida, Guaratinguetá e
Cachoeira Paulista., que anualmente recebem milhões de fiéis e devotos movidos pela cristã, fazendo do
circuito um dos mais importantes do Brasil. O encontro foi realizado na sede da Comunidade Canção Nova
em Cachoeira Paulista. De acordo com o secretário de Turismo Marcelo Barbosa, está em tramitação, o
projeto que transforma a cidade em Estância Turística, o que seria um passo fundamental para o município,
que assim poderá receber diversos outros recursos do Estado, bem como investimentos em infra-estrutura,
gerando uma melhor qualidade de vida aos munícipes e um melhor atendimento aos turistas que visitam a
cidade. [...] O Prefeito Fabiano Vieira, afirmou que ‘Cachoeira Paulista possui diversos atrativos turísticos,
tem vocação turística, entre eles, a Comunidade Canção Nova, que é responsável pelo maior fluxo de
peregrinação à cidade, gerando fonte de renda para a população, e além disso executa diversos projetos que
favorecem a cidade e seus visitantes’”. PREFEITURA de Cachoeira Paulista. Encontro do Conselho de
Circuito Religioso é Realizado. Disponível na Internet: <http://www.cachoeirapaulista.sp.gov.br>. Acesso
em: 14/03/2008.
218
Canção Nova status, legitimidade, poder. A Canção Nova, nesse jogo identitário, oferece à
“velha Igreja” “a imagem do novo”, do renovado, do dinâmico.
Com relação à Renovação Carismática Católica, Canção Nova representa a filha
rebelde que, não conformada em “ser” igual a sua progenitora, buscou sempre sua própria
distinção e seu espaço. Canção Nova foi a adolescente que brigou, sadiamente, desde sua
tenra idade para ter sua forma própria, e que hoje, adulta, continua recreando esse seu jeito
distintivo, não só em relação à Renovação brasileira e mundial, senão também em relação a
outras comunidades de vida e aliança existentes. A Renovação Carismática Católica, além do
berço, ofereceu e oferece à Canção Nova uma legitimidade dentro da instituição Igreja,
oferece também o poder que a própria organização detêm a nível mundial. Canção Nova
representa, para a Renovação, um outro jeito além dos legitimados Grupos de Oração
que está dando certo. Se, em um passado recente, a vontade de fazer “coisas a mais”, do que
aquilo regulamentado pelo Movimento de Renovação, foi um problema entre essas duas
realidades, hoje essa característica é enxergada como indicador de saúde e vitalidade do
movimento.
Com relação ao próprio Vaticano, Canção Nova sempre teve uma relação de
cumplicidade e, em igual medida, sempre teve identidade própria muito bem definida. Nos
tempos em que Canção Nova era atacada e “incompreendida” pela CNBB, contava com
todo o apoio e “admiração” do então Papa João Paulo II. O Vaticano representava, para a
Canção Nova, a luz verde sempre acessa para criar e recriar. Canção Nova representava, para
o Vaticano, a reconquista de espaço e de membresia perdida, a materialização da consigna de
“sim, se pode recuperar o catolicismo”.
À essa identidade criada e recriada em relação a essas outras instituições também
católicas, soma-se uma identidade que brota do próprio cotidiano da Comunidade. Essa
identidade que, em nosso modo de ver, representaria a de maior importância, está constituída
pelos elementos apontados no terceiro capítulo: a forma como são trabalhadas as questões
de gênero, a liturgia concebida e praticada de maneira diferente, o agir segundo o Espírito
Santo. A esses elementos, somam-se a criação de um logotipo próprio da Comunidade, o uso
de cores características nos mais variados espaços e documentos e, principalmente, a
“habilidade/capacidade” magistral que a Comunidade Canção Nova possui para tornar o
“profano” “sagrado”.
219
O que representaria tornar o profano sagrado? O que seria, afinal, o sagrado na Canção
Nova? Ou melhor ainda, algumas das coisas por eles criadas escapariam da conotação de
sagrado, segundo a compreensão da Comunidade? Como temos dito, o fato de que o lugar
ocupado pela sede ganha tamanha relevância o para crentes católicos e cristãos, senão
também para uma população mais ampla, demonstra essa habilidade/capacidade
cançãonovista. Há, no entanto, muitas outras questões que comprovam isso. Queremos fazer
alusão a algumas delas:
O fato de estampar o logo nos produtos que confecciona. A Canção Nova produz
peças e objetos que “estejam na moda” para serem vendidas no shopping: camisas,
bonés, calças, mochilas etc. Todas essas produções saem com o logotipo da
Comunidade em tamanho e posição bem visível.
O fato de colocar o logo em todas as suas propriedades. Canção Nova fixa seu
logotipo nos automóveis, na escola, no hospital, na Fundação João Paulo II etc.
O fato de usar as cores azul e branca como padrão de identificação da Comunidade.
Como foi expresso, essas cores são utilizadas nos uniformes dos trabalhadores, nos
uniformes das crianças do instituto, para pintar interna e externamente os prédios, na
pintura dos automóveis, na página inicial do site e no próprio logotipo.
O fato de criar letras e músicas que façam propaganda da Comunidade. Na Canção
Nova, podem ser encontrados muitos CDs e DVDs com músicas cujas letras refletem
tanto a história quando o cotidiano da Comunidade. Um exemplo disso é o jingle “Ser
Canção Nova é Bom D+!”.
O fato de criar logotipos para a maioria dos projetos lançados. A maioria dos projetos
lançados tem seu logo próprio. Alguns deles são recriados a cada aniversário, como é
o caso do Clube do Ouvinte. Outros permanecem iguais desde sua criação, ao estilo de
Coração Solidário. Os logos oferecem uma “identidade” aos projetos e, por
decorrência, ao projeto maior da Comunidade.
O fato de trabalhar com a imagem das pessoas principais da comunidade. A Canção
Nova faz da imagem de seus membros mais importante “um cartão de apresentação e
220
identificação”. Como foi recolhido em depoimentos da pesquisa de campo, muitas
pessoas que visitam a sede pela primeira vez se sentem identificadas com diversos
comunitários como Wellington (Eto), Luzia, Salete, Dunga e, especialmente, o padre
Jonas.
4.6. A Modo de Conclusão
Mesmo não podendo afirmar que a nossa pesquisa, sem a inserção de campo, teria sido
totalmente outra, vale destacar que a melhor compreensão e apreensão do fenômeno estudado
se deu pela interação com o cotidiano cançãonovista. De maneira especial, além do já
explicitado, desejamos comentar sobre algo que nos causou grande impacto.Trata-se de como
são definidos os lugares na sede, de quais as fronteiras estabelecidas, imaginarias ou não,
permeáveis ou não. Trata-se do lugar que se lhe outorga ao moral, ao religioso, ao social, e
como esses “lugares” interagem, imaginariamente, através das relações. Espaços definidos
sem palavras. Fronteiras que demarcam, mas, ao mesmo tempo, se tornam difusas.
Na sede, pelo lado de fora da guarita que marca a entrada, encontra-se a escola, o
posto médico e a fundação João Paulo II (encontro com o social). Uma vez ultrapassada essa
guarita, encontram-se situadas a rádio, a Tv, a pousada, o refeitório, a lanchonete, o auditório,
os sítios de adoração e louvor etc (encontro com o religioso). Uma vez ultrapassada a “grade”
de pequenas árvores, situam-se as casas e apartamentos dos comunitários (encontro com o
moral). Essa é a única grade, também é o único sítio com entrada limitada. Os outros lugares,
aparentemente, possuem uma “arquitetura espacial imaginaria”, estabelecendo outras “grades
ilusórias” que, por sua vez, também têm o poder de pautar comportamentos. Ainda que sejam
as mesmas pessoas as que circulem pelos vários espaços, existe, aparentemente, um código
para cada lugar. É como se estivesse dito de antemão o que pode ser feito ou não em cada
um desses lugares. Essa “arquitetura espacial imaginaria” se sustenta numa arquitetura real
que fala por meio do lugar em que os prédios são construídos e os sítios são definidos. Ao
mesmo tempo, oferece, imaginariamente, na própria sede, um lugar “determinado” para a
família, para a comunidade e para a identidade, embora que na prática todos eles se misturem.
Procurando uma melhor compreensão de nosso objeto, trabalhamos os novos jeitos de
comunidade, os novos jeitos de família e os novos jeitos de identidade em itens separados.
221
Embora eles sejam realidades distintas dentro do fenômeno Canção Nova, sua interligação é
muito forte. São quase que inseparáveis na prática cançãonovista. Cada um, por sua vez,
estaria re-significando os outros. Esses Novos Jeitos de Comunidade, de Família e de
Identidade estariam participando do mesmo universo ritual, simbólico e mítico criado e re-
criado pela Canção Nova.
Como pôde ser observado, vários autores que fazem críticas às “comunidades de
vida” e às chamadas “comunidades virtuais”. Com relação às comunidades de vida, as críticas
advêm pelo fato de “afastar” seus membros do mundo. Com relação às comunidades virtuais,
as críticas seriam porque “o espaço virtual” não permitiria a criação de uma comunidade com
relações “autênticas”, dado o fato de que as pessoas não estariam “cara-a-cara” nos
relacionamentos. A Comunidade da Canção Nova, que se ancora no mito de fundação dos 12
que aceitaram o desafio lançado pelo padre Jonas, mostra-se diferente. É uma comunidade de
vida, mas não se fecha em si. Não está nem apartada do mundo, nem alheia ao mundo! A
Comunidade de Vida Canção Nova deseja estar inserida no mundo e consegue estar inserida
no mundo, desde as mais variadas formas e graças aos meios de comunicação. Por outro lado,
o fato de não estar cara-a-cara” não parece ter prejudicado a integração de seus membros na
Comunidade Virtual, que também leva seu nome. O número de acessos e a participação nos
fóruns de discussão podem dar mostras de uma situação diferente. Imaginamos, também, que,
no universo católico romano, o fato de ter uma comunidade virtual não seja algo “exótico” ou
“impensável” para quem esta acostumado a fazer parte da “Comunhão dos Santos”...
comunidade na qual rostos são ainda mais difíceis de enxergar!
Como foi dito, o discurso da família intensifica-se na Canção Nova a partir do ano
2000. É a partir desse ano que começa ser incrementada, também, a relação/aceitação (num
movimento lento de vai–vem) da Canção Nova com relação à CNBB e à Igreja Católica
Romana. Esse discurso pró-família não é particular da Canção Nova ou do Catolicismo
Romano. Muitas outras denominações “sabem” que apelar à família hoje pode “render
admiráveis frutos”, visto que o mito “da família dilacerada que precisa ser recomposta” a cada
dia se apresenta com mais força. Na Canção Nova, a particularidade está, também, na
pluralidade com que essa “família” é trabalhada e no fato de ter “os meios de comunicação”
como suporte oferecendo espaço de interação e crescimento. Eles conseguem criar o sentido
222
de pertença e, tal sentido, traz, por decorrência, a responsabilidade que cada “membro da
família” tem com o projeto maior.
Ter uma identidade definida uma identidade própria (Canção Nova), com relação a
outras identidades que lhe são comuns (Carismática, Católica) tem proporcionado a esse
fenômeno erguer-se por si e criar um capital simbólico importante para participar da disputa
por fiéis na atualidade
443
. E mais, o fato dessa identidade cançãonovista albergar também a
pluralidade, constituir-se de múltiplas “micro-identidades”, lhe proporciona uma melhor
“adequação/mobilidade” ao/no mundo quido de Bauman. Identidades que, ao estarem
ancoradas nos meios de comunicação próprios, lhe permite atingir os mais vários públicos e
comprometê-los mesmo que de maneira momentânea ou parcial com a sua proposta.
Por isso, o barco do padre Jonas, por enquanto, consegue ir a todo vapor!
443
Como explicita Mariz “na sociedade contemporânea, onde ocorre constante contato entre grupos religiosos
das mais distintas origens e tradições, [...] Não grupo que fique imune a essas ‘barganhas cognitivas’
inevitáveis”. MARIZ, Cecília Loreto. Catolicismo no Brasil contemporâneo: Reavivamento e diversidade. In:
TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas.
Petrópolis: Vozes, 2006. p. 65.
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
Ao concluir esta tese, faz quase nove anos que estou vivendo no Brasil, integrada a
diferentes comunidades, fazendo parte de novas famílias e carregando junto múltiplas
identidades. Tudo isso se une àquela bagagem trazida dos 30 anos vividos em Cuba. Assim,
com “mala cheia” e, principalmente, “bem misturada” me aproximei e pesquisei o fenômeno
religioso contemporâneo Canção Nova. Foram quatro anos intensivíssimos, tanto pelo que
acontecia com a própria pesquisa quanto com aquilo que ia se tecendo na minha vida pessoal.
Eu, mulher, estrangeira, cubana, emigrante, teóloga, pesquisadora, anglicano-luterana, esposa,
filha, irmã, tia, prima, madrinha, amiga... estudante de uma faculdade protestante,
investigando o carismatismo católico! Realmente difícil de explicar... e muito mais de
vivenciar!
Fiz minha pesquisa de mestrado sobre o Processo Revolucionário Cubano e ousei
catalogá-lo como “anquilosado”. Revelo que, ao concluir, minha tristeza foi profunda. Viajei
para Cuba na procura de superar as conclusões as quais tinha chegado com minha dissertação,
mas, infelizmente, me deparei com um cotidiano ainda mais sombrio, desolador e áspero.
Hoje tem passado quatro anos, novamente estou “concluindo” e devo confessar, não sem
sobressaltos, que a sensação desta vez é inversa. Canção Nova deixa-me optimista, repleta de
idéias e sonhos.
Se me fizessem a pergunta de qual representação me vem à mente quando penso na
Canção Nova como um todo, eu apelaria à imagem do polvo. Esse animal que,
aparentemente, é muito lento, mas se mexe o tempo todo. Sua enorme cabeça seria, sem
dúvidas, a sede em Cachoeira Paulista, “com os grandes olhos e o cérebro sempre captando e
ideando”. os tentáculos, que não param quietos um segundo, que pegam, soltam, sobem,
descem, se esticam, se encolhem, representariam os diferentes projetos, as casas de missão no
Brasil, as casas de missão no exterior, a Tv, a rádio, a página na Internet, a webTv etc.
224
Essa renovação, essa dinamicidade, essa mudança constante é, talvez, o mais
impressionante do meu objeto. Em várias ocasiões, se fez difícil acompanhá-lo; uma, que
outra vez, estive tentada a mudar o foco de entrada. Mas é agora que consigo perceber melhor
o que essa dinâmica cançãonovista produz. Com apenas dois anos de diferença, na minha
pesquisa de campo, pude constatar “realidades” que eram inimagináveis quando Elaine
Martins de Oliveira pesquisou. Quiçá, a essa mesma velocidade, ou, quem sabe, até num
tempo muito menor suceda algo similar com minha tese. Imagino que, hoje, quem inicie uma
pesquisa sobre a Canção Nova o fará centrado na “revolução para a qual estão convocando”...
Eu rezarei para que tal “revolução” não tenha o “mesmo destino” daquela do Caribe em 1959!
Existem ainda algumas inquietudes e constatações que surgiram no decorrer deste
período investigativo e que gostaríamos de arrolá-las de forma mais explícita:
A Canção Nova oferece, de alguma maneira, tanto para comunitários quanto para a parte
carente da população de Cachoeira Paulista, o que o estado de São Paulo e o governo
brasileiro não tem conseguido, muitas vezes, oferecer, a saber, “boa escola”, “boa
alimentação”, “bom atendimento médico”.
É importante o fato da Comunidade Canção Nova ter entrado no site Second Lifesem
ter abandonado nenhum de seus projetos com a rádio. E mais, sem deixar de inovar e
atualizar a tecnologia da sua rádio. Isso denota que há, por detrás do sucesso, um
detalhado planejamento. O fato de adquirir a última tecnologia para atingir a mais e mais
pessoas não tem sido razão para que a Canção Nova abandone aqueles que ainda não
possuem nem se quer uma tevê.
O dinheiro, segundo o que sempre tem sido declarado, chega à Canção Nova, num
primeiro momento, através das contribuições dos sócio-colaboradores. Num segundo
momento, entrariam as doações. É lógico que essas doações possam, em um determinado
período, superar até a própria cifra de contribuições, chegando a ser a primeira entrada de
renda da Comunidade. Desse fato, o mais interessante é a forma como eles dão retorno do
dinheiro arrecadado e o destino dado ao mesmo. Um exemplo pode ser a construção do
Novo Rincão, para o qual, como dizemos, se recolheu, em campanha, ias e ouro; mês
após mês a Comunidade informava sobre os materiais que se compravam e,
simultaneamente, divulgavam fotos, no site, dos diferentes estágios da construção.
225
Somente aquelas pessoas que tenham condições de pagar, poderão participar das viagens,
das peregrinações à Terra Santa ou do turismo religioso. Para a “outra parte” dos sócios
interessada em viajar, a única opção seria participar dos sorteios que a Comunidade
promove. Com este tipo de agir, Canção Nova reproduz a lógica da sociedade na qual se
encontra inserida.
Discordamos da pesquisadora Brenda Carranza quando situa, num mesmo patamar, várias
expressões carismáticas católicas. O fato delas possuírem alguns pontos em comum não é
suficiente para tomá-las ou referenciá-las como algo único ou coeso. A Comunidade
Canção Nova não é, de nenhuma maneira, o fenômeno padre Marcelo Rossi!
Passados 30 anos, Canção Nova vivência um câmbio de gerações. Dentre seus membros
comunitários, encontram-se tanto àqueles que aderiram a essa vida comunitária por
vontade própria quanto àqueles que nasceram “pertencendo a essa proposta, sem ter a
opção de decidir”. Uma pesquisa mais direcionada a essa situação poderia desvendar
elementos importantes.
Neste tempo em que muitas igrejas históricas “abandonam” seu clero e manifestam,
sorrateiramente, “salve-se quem puder”, Canção Nova aumenta seus ministérios, aumenta
suas vocações e garante, para quem pertence à Comunidade de Vida, a estabilidade e
segurança que, na “modernidade líquida” de Bauman, é cada vez mais difícil de encontrar.
A questão, em Bourdieu, da tensão entre o profetismo (novas experiências) e o
sacerdotismo (manutenção da estrutura) permitiu apreender, de maneira mais completa, a
relação que se tem estabelecido entre a Igreja Católica Romana, a Renovação Carismática
Católica e a Canção Nova. O fato de fazer parte da Renovação e identificar-se com a sua
proposta teológica imprime à Canção Nova uma marca contestatória com relação à igreja
tradicional. A Igreja Católica, no olhar da Canção Nova, necessita transformar-se,
buscando sintonia com o tempo presente e com o contexto no qual se encontra inserida. A
Canção Nova, no olhar da Igreja Católica, representa a subversão da tradição e, talvez, até
226
a indisciplina clerical, mas é tolerada pelo fato de conseguir diminuir o número de leigos
que abandonam a igreja
444
.
O turismo religioso em Cachoeira Paulista representa, simbolicamente, o cumprimento do
dito popular “uma mão lava a outra e as duas lavam a cara!”. A parceria entre a prefeitura
da cidade e a direção da Comunidade parece estar dando muito certo, a ponto de entrar
conjuntamente com o pedido do reconhecimento do município como Estância Turística.
Tal reconhecimento proporcionaria à Canção Nova um aumento significativo de seu
capital simbólico e tudo o que isso traz como conseqüência. Já, para a prefeitura, como
bem expressou o secretário de turismo, representaria poder receber diversos outros
recursos do estado para investimento na cidade.
O global e o local não constituem, na Comunidade Canção Nova, uma relação dicotômica.
A Comunidade comporta ambas realidades e produz relações harmoniosas entre elas. O
local intervém no global e, ao mesmo tempo, esse global modifica o local. O local vive
para o global e o global determina o local!
Na atualidade, o fenômeno migratório ganha proporções inigualáveis na história da
humanidade. São seres humanos deslocados ou sendo deslocados pelas mais diversas
razões. A Canção Nova tem assumido o acompanhamento pastoral da pessoa que migra,
principalmente fazendo uso dos meios de comunicação para esta tarefa. Parece que as
diferentes casas de missão cançãonovistas no exterior têm tido, entre as razões para sua
fundação, esse acompanhamento.
Decorrente de tudo o que foi trabalhado e dito nesta pesquisa, apostamos na
importância do trabalho das igrejas com os meios de comunicação social. As Igrejas, as
comunidades eclesiais, os seminários teológicos deveriam dar uma maior atenção ao trabalho
com os meios de comunicação, mas, ao mesmo tempo, deveriam se preocupar com a
formação na área da linguagem e da comunicação. Como tem manifestado Valle, o que fazer
com um bom arcabouço teológico senão se sabe comunicar?
445
É importante que as Igrejas
percebam que a “reciclagem periódica” do clero na função de comunicadores é tão
444
Cf. NÚÑEZ DE LA PAZ, Nivia Ivette, LINK, Rogério Sávio. Bourdieu e o fazer teológico. Protestantismo
em Revista. Sep-Dez de 2007, ano 6, 3. Disponível na Internet: <http://www.est.edu.br/nepp>. Acesso em
02/03/2008.
445
Cf.VALLE, 2005, p. 33.
227
significativa quanto a formação teológica. Não é só formação, senão continuidade dessa
formação na questão da oratória, da linguagem, do discurso. Há também, por outro lado, a
necessidade, desde a teologia, de abraçar esse tipo de pesquisa. Se bem é certo que, desde a
Ciências da Comunicação, o tema da mídia e religião é muito trabalhado, desde a teologia,
pesquisas, nesse sentido, são deficitárias ainda.
O cotidiano, em curto tempo (cronos), tem desfeito “prédios” de fortíssima estrutura
acadêmica e metodológica. Seria mesmo o Cotidiano? Perece-me que é Deus! Deus com seus
dissimiles Nomes! Deus “brinca” com as gerações no tempo (kairós), para nos fazer ver que
não temos as últimas palavras. Deus nos “desafia”, dando-nos a liberdade de escolha e,
simultaneamente, deixando sobre nós a responsabilidade sobre tais escolhas. Deus, em sua
infinita misericórdia, nos “ajuda” a nos distanciar (no cronos e no kairós) de nossa arrogância
humana. Pena que, como humanidade, pelos séculos do séculos, tenhamos prestado tão pouca
atenção à Sua brincadeira, ao Seu desafio e à Sua ajuda.
Conclusivamente, a Comunidade Canção Nova fenômeno religioso-carismático-
midiático a partir do entrecruzamento que estabelece entre Evangelização e Comunicação,
representa um “Novo Jeito de ser Igreja” dentro do catolicismo romano. Os argumentos que
denotam, balizam e sustentam tal afirmação são: Os novos jeitos de comunidades, os novos
jeitos de famílias e os novos jeitos de identidades que convivem neste fenômeno e que
afloraram na pesquisa do cotidiano. Se, para Oneide Bobsin, as religiões afro-brasileiras
representariam a “morte morena do protestantismo branco”, para mim, a Canção Nova seria
“um tipo de UTI para a velha Igreja Romana”
446
.
Mas, e Deus, existe? […] Não sei. Mas eu desejo
ardentemente que assim seja. E me lanço inteira. Porque é
mais belo o risco ao lado da esperança, que a certeza ao
lado de um universo frio e sem sentido...
447
446
Cf. BOBSIN, Oneide. A morte morena do protestantismo branco. Contrabando de espíritos nas fronteiras
religiosas. In: _____. Correntes Religiosas e Globalização. São Leopoldo: PPL, CEBI, IEPG, 2002. p. 39-
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447
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