Download PDF
ads:
1
TIAGO CAVALCANTE GUERRA
A práxis e as representações ideológicas do General
Jayme Portella: a ‘linha-dura’ no cenário político brasileiro
(1964-1969)
Mestrado em História
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2008
TIAGO CAVALCANTE GUERRA
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
A práxis e as representações ideológicas do General
Jayme Portella: a ‘linha-dura’ no cenário político brasileiro
(1964-1969)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Programa de Estudos
Pós-graduados em História, como requisito
Parcial para a obtenção do título de MESTRE
em História, sob orientação do Prof .Dr.º
Antonio Rago Filho.
Mestrado em História
Pontifícia Universidade Ca tólica de São Paulo
2008
ads:
3
Comissão Julgadora
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
4
AGRADECIMENTOS
Aos professores da graduação e da pós-graduação que nas discussões e debates
contribuíram para a minha formação intelectual e política. Em especial ao professor
Antonio Rago pelas aulas que incentivaram o projeto de pesquisa e a orientação durante
o processo de dissertação, a professora Vera Lúcia Vieira, lado a lado, em muitas
batalhas na universidade, sem contar a sua contribuição no Exame de Qualificação. Por
fim, agradeço a professora Lívia Cotrim, também leitora na Qualificação.
Aos diversos colegas e muitos amigos na gr aduação e no mestrado que sempre estavam
dispostos a muita discussão, estudos e farra.
Aos amigos que tiveram presente durante a elaboração dessa dissertação,
compartilhando medos, dúvidas e incertezas, sempre com muito carinho, atenção e
amizade: Adilson, César, Valdemar, Marcelo (companheiro de luta), Toninho, Daniel,
Salvador, Luis Felipe, João Paulo, Patrícia, Elaine, Cris, Marta e Vitor. A todos,
obrigado.
Não posso deixar de mencionar três amigos incríveis que mais do que compartilhar e
ouvir, foram sempre um porto seguro quando nada parecia dar certo: Eder e Rafaela, e o
grande Antonio.
Ao André pela leitura atenta e sempre disposta a um bom papo.
A minha irmã, Nayara, e sua generosidade em me ouvir nos momentos difíceis e
corrigir os erros de português.
A toda a minha família, com especial atenção ao carinho das eternas avós Izabel e
Isaura.
Não posso deixar de citar os responsáveis diretos por tudo isso: ao meu PAI, Ivo,
incentivador dessa pesquisa e muitas vezes um auxiliar de primeira grand eza, e minha
querida MÃE, Sandra, ao amor incondicional e minha eterna gratidão.
A minha adorável esposa, Joice, que a tudo acompanhou de muito perto, sempre com a
mão estendida, o ombro calejado e o amor verdadeiro.
Por fim, a inestimável ajuda financei ra do CNPq, bem empregada no percurso desse
trabalho.
5
RESUMO
Esta pesquisa visa analisar uma figura central na ditadura militar no Brasil e
“engenheiro” da candidatura e do governo Costa e Silva, o general Jayme Portella. A
partir do estudo imanente de seus escritos, observando as condições históricas e sociais
da sua produção, pretendemos compreender a práxis política do general, desvelando a
função social de sua ideologia na realidade vivida. Tratado como um dos maiores
expoentes da “linha -dura, a investigação pretende explicar as nuances históricas desta
corrente militar que tem no “castelismo” o seu principal contraponto e o golpe de estado
de 1964, como mito fundador.
Investigamos as ideações do general quanto à conspiração militar e à
consolidação da autocracia bonapartista no Brasil, estabelecendo os vínculos concretos
de sua ideologia no quadro histórico desnudado.
Palavra-Chave: Ditadura Militar, Ideologia de 1964, Forças Armadas do Brasil
6
ABSTRACT
This research aims to e xamine a central figure in the military dictatorship in
Brazil and "engineer" of the candidacy and the government by Costa e Silva: the general
Jayme Portella. From the study of his writings, noting the historical and social
conditions of production, we wa nt to understand the policy of general practices, and
showing the social function of his actually ideology. Jayme Portella is considered as one
of the greatest exponents of the "linha -dura” (hard-line) , the research seeks to explain
details about this his torical current military, which has in "castelismo" the
counterpoint’s main and coup d'état of 1964, as founding myth.
Investigated the way that general conceives his conception about the conspiracy
and consolidation of military autocracy in Brazil and e stablishing the links from their
concrete ideology under history.
Key Words: Military Dictatorship, Ideology of 1964, Armed Force of Brazil
7
LISTA DE ABREVIATU RAS
AMFORP American and Foreing Power Company
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAMDE. Campanha da Mulher pela Democracia
CCC Comando de Caça aos Comunistas
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina
CNI Confederação Nacional de Indústria
CONTEL Conselho Nacional de Telecomunicações
CSN Conselho de Segurança Nacional
ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
EMFA Estado-Maior das Forças Armadas
ESG Escola Superior de Guerra
FGTS Fundo de Garantia de Tempo de Serviço
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IPM Inquérito Policial Militar
LIDER Liga Democrática Radical
MAC Movimento Anticomunista
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MEC Ministério da Educação e Cultura
PAEG Plano de Ação Econômica do G overno
PCB Partido Comunista Brasileiro
PUA Pacto de Unidade e Ação
SFICI Serviço Federal de Informações e Contra -Informações
8
SNI Serviço Nacional de Informações
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE Superintendência de D esenvolvimento do Nordeste
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
UNE União Nacional dos Estudantes
USAID United States Interamerican Council
9
SUMÁRIO
Introdução................................................................................. .........................................10
Capítulo I: O “teimoso” Jayme Portella: do Tamandaré à articulação do golpe (1955 -
1964)....................................................... .............................................................................43
Portella: o “curinga” na arquitetura do golpe ......................................................................44
O grito truculento dos militares: os motivos do golpe ........................................................
57
A “Revolução de 1964”..................................................................................... ..................79
Capítulo II: Os militares: a “linha-dura” e a Sorbonne.................................................91
Segurança e Desenvolvimento: fo rmulações da ESG......................................................... 91
A “linha-dura”: quem são?....................................................................... ........................... 96
O início da linha-dura através da crônica política .............................................................112
A acepção do termo “linha -dura”: uma análise historiográfica ...........................................125
Capítulo III: O governo Castelo Branco sob fogo: a candidatura Costa e Silva (1964-1967)
............................................................................................................................... .............. 135
A conciliação autocrática ............................................................................ .........................
136
Os furos do governo Castelo Branco: a ação de Portel la........................................... ..........
159
Capítulo IV - O “super-ministro” do Governo Costa e Silva (1967 -1969) ..................186
A crise na autocracia burguesa...................................................................... ......................187
1968: a ‘primavera’ dos militares ................................................................ ........................200
Portella: o super-ministro de Costa e Silva. ............................................... ..........................
209
Portella em 1969: do comando nas cassações ao afastamento de Costa e Silva..................242
Considerações Gerais........................................ ................................................................ 274
Referências Bibliográficas .................................................................................................
277
10
Anexo I: Tabelas ......................................................................................... ...................... 283
Anexo II: Decreto Lei Nº 63.282, de 25 de Setembro de 1968 ...................................... 284
11
INTRODUÇÃO
“A ditadura, como constelação social de um bloco
histórico de estratos militares e civis, não se dissolveu.”
Florestan Fernandes.
Os vinte e um anos de ditadura militar no Brasil (1964 -1985) ainda produzem
alguns medos e respingos na socied ade brasileira. Como mortos que custam a ser
sepultados. O início da crise aérea, ainda no ano de 2006, a qual não foi surpresa assistir
estupefato não a queda do avião da empresa aérea Gol (Outubro de 2006), como a
reivindicação trabalhista dos control adores aéreos (diminuição de horas de trabalho,
aprimoramento nos equipamentos e melhoria de logística na organização de rotas
aéreas) foram vistas como caso de insubordinação, quebra de hierarquia e disciplina. O
atual Presidente Luis Inácio Lula da Silva , buscando uma saída para a incompetência do
seu governo em impedir tal crise, procurou negociar com os amotinados a volta ao
trabalho sem punição. Mais tarde, o próprio presidente apelou para a punição. Setores
sociais que se nomeiam portadores da opinião pública saíram em defesa da hierarquia
militar, contra a quebra da disciplina, equiparando tal ato do presidente como um filme
rodado. O filme em questão é o de março de 1964 na Revolta dos Marinheiros e na
assembléia dos sargentos no Automóvel Clube e m que o presidente da época, João
Goulart, prestou solidariedade aos oficiais sob uma outra conjuntura. Os ecos desses
fatos que antecederam à materialização do golpe de 1964 foram ressignificados sob o
prisma de um exemplo a o ser seguido. O mais irônic o ou mais trágico de toda a
história: o sinal de alerta foi aceso pelos mesmos grupos sociais que quarenta dois
anos defenderam o golpe de estado e que mais tarde se colocaram como portadores de
valores democráticos. Acusaram Lula de quebrar a hierarqui a militar e incentivar o
12
motim. Eram os mesmos setores da burguesia brasileira que colaboraram com a
primeira tragédia e pareciam convocar os militares para outra.
Com a recente publicação do livro sobre os desaparecidos políticos da ditadura
(29/08/2007), ainda os mesmos segmentos da burguesia brasileira o deixaram de
ecoar o grito de alerta contra o revanchismo”. Como se os “derrotados” de antes
estivessem hoje no poder, a ponto de enfrentar os “vencedores” de outrora. Nesse caso,
a vigilância sempre “imparcial” dos “enrustidos” do Golpe de Estado de 1964, aqueles
que apoiaram, sustentaram, financiaram, e hoje, desfilam como baluartes da
democracia, poderiam evitar que o clima de revanche contagiasse uma ação armada.
Talvez tal elemento seja de difíci l estudo, pois envolve, dentre outras coisas, perceber
até que ponto os segmentos da burguesia que ajudaram na distensão democrática”
programada por Geisel e Golbery, e controlaram e canalizaram as lutas das forças
autônomas dos trabalhadores para um “apr imoramento das instituições democráticas”,
esvaziando o movimento pelas Diretas Já de reivindicações de classe. Enfim, tais
setores sociais armaram uma transição política ensaiada com os militares, quando se
aventava um cenário mais propício para uma luta duradoura para a derrubada efetiva da
ditadura militar.
Esses acordos entre militares e civis no calor da hora (1985), obrigam -nos
também investigar com objetividade histórica as transformações no interior das Forças
Armadas. Nesse caso, se coadunaram o p rojeto golberyano e as necessidades históricas
presente nas Forças Armadas: Primeiro, a distensão lenta e gradual” como forma de
controlar o ascenso revolucionário das classes sociais a partir do final da década de 70,
e, por fim, a eliminação das corrent es contrárias à chamada linha da Sorbonne militar
em que se destacava a ‘linha -dura’. A assimilação e o alinhamento deste grupo ao
projeto golberyano foi um dos fatores que permitiu a eleição de um civil em 1985 por
13
meio do Colégio Eleitoral. A “linha -dura, o radicalismo de direita dos militares foram
pouco a pouco varridos para dentro da caserna. Historicamente, o fato emblemático
deste embate interno das frações militares foi a demissão do ministro do exército Silvio
Frota, em 1977, pelo presidente Ernes to Geisel.
Como visto, seriam muitas questões a serem respondidas para compreender as
ressonâncias da atual situação das Forças Armadas e a permanente vigilância cívica dos
responsáveis pela transição democrática no Brasil. Mas o medo, o respingo ante à
solução bonapartista continua.
Este momentâneo prólogo não serviria para expor aqui os resultados desta
pesquisa, entretanto o temor de uma nova intervenção armada deve -se a ausência de
estudos sobre a ação das Forças Armadas no tempo ou suas mudanças de p aradigma e
do intervencionismo para o seu adesismo constitucional. Para tal mudança na forma de
agir dos militares, precisou acontecer muita coisa. Precisamente, do papel de instituição
defensora da Pátria, (vista de fora como um monolito político) ao p leno exercício do
poder e condução da política em associação com as forças burguesas, dando vazão as
diversas correntes militares, as transformações nas Forças Armadas foram marcantes e
decisivas para a história da ditadura militar no Brasil. E entender is so, ainda mais para
uma ditadura que de forma alguma foi infensa às pressões sociais, cabe investigar essas
relações conforme o momento histórico em questão.
A nossa análise centra na figura do general Jayme Portella de Mello, Ministro
Chefe do Gabinete Militar, durante os quase três anos do governo Costa e Silva, visto
tanto pela imprensa quanto por adversários como o mais importante Ministro do
mandato, uma vez que detinha pleno poder de atuação. No período em que foi ministro,
o general Portella ocupou t ambém a Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Nacional, órgão responsável pela elaboração de estudos e de projetos matizados pela
14
Doutrina de Segurança Nacional. Portella corroborou com a efetivação prática dessa
ideologia, organizando grupos de estudo s que levaram a formulação do Conceito
Estratégico Nacional, documento que teria a responsabilidade de nortear e de orientar
qualquer política do governo Costa e Silva. Além dessa responsabilidade, Portella
também era o Ministro que melhor capitaneava os s entimentos dos jovens oficiais
“revolucionários” da linha -dura, mediando o presidente e as Forças Armadas, muitas
vezes de forma drástica. Portella procurou adquirir o respaldo do exército para as ações
mais duras do governo, como a concretização do AI -5.
A fim de viabilizarmos esta pesquisa, cabe -nos uma consideração sobre a
bibliografia específica do período em análise (1964 1969). Existe uma convergência
nos estudos desse período em relação à ditadura de Humberto de Alencar Castelo
Branco como um dos precursores de mudanças estruturais nas Forças Armadas. Com
razão, o general Castelo Branco introduziu os primeiros instrumentos para regular a
ação das Forças Armadas num papel subordinado a uma constituição, sem espaço para a
ação de generais carismático s ou correntes “revolucionárias”. Porém, a ditadura de
Castelo Branco viria ser vitimado por dois elementos que visou combater: primeiro, um
general com liderança sobre seus subordinados e titular da hierarquia concernente a esse
controle, o Ministério da Guerra; segundo, uma pressão militar vinda da caserna, com o
bloco da “linha dura” (muito mais sentimentos doutrinários comuns que aglutinavam
oficiais radicais, do que uma organização responsável que formulava e disseminava
uma ideologia, como no caso da linha da Sorbonne), que se vangloriava de ser
defensora da chama dos “revolucionários” de 1964. Tudo isso levou Costa e Silva a ser
escolhido presidente em 1966 e um sentimento de impostura militar. No arco desta
articulação é que surge o personagem princ ipal da nossa pesquisa, Jayme Portella de
15
Mello, como principal assessor de Costa e Silva e um dos primeiros quadros da “linha
dura”.
Entretanto, a ação de Portella não se restringiu ao período em que exerceu o
cargo de ministro do presidente. As suas mov imentações e aproximação com a política
datam desde a eleição de Juscelino Kubitschek, quando exercia a patente de tenente -
coronel e era um dos militares envolvidos na conspiração para impedir a posse de
Kubitschek, estando a bordo do cruzador Tamandaré, a o lado do Almirante Penna Boto.
Ainda na década de 50, indiretamente, ele se vinculou aos levantes de
Jacareacanga e de Aragarças, rebeliões militares comandadas por integrantes da FAB,
sendo inclusive julgado pela participação no último. Já na década de 60, foi subordinado
a Golbery do Couto e Silva na Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, sendo
mais tarde enviado para o sul, onde assumiu o comando do 3º Grupo de Obuses 155, em
Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul. Nesse local, Portella inicia com mais afinco suas
atividades conspiratórias, ligando -se ao coronel Menna Barreto, integrante do IPES de
São Paulo. Mais tarde, em outubro de 1962, é apresentado a Costa e Silva, vinculando -
se ao general no Departamento Geral de Pessoas do Exército. Portella , em certo
momento, afirma em suas memórias:
ao apresentar-me ao novo chefe, perguntou -me ele porque havia saído do
Rio Grande do Sul. Quando lhe informei da verdade e pedi permissão
para revelar-lhe meu passado revolucionário, ouviu -me atentamente e me
respondeu com estas palavras: ‘Vamos trabalhar rapaz, preciso do seu
concurso’. Era o sinal verde que me dava para continuar o trabalho que
desenvolvera no Sul e continuaria com os companheiros do Rio.
(Portella, 1979: 328).
Foi nesse departamento que P ortella encontrou terreno livre para a ação
conspiratória, com a proteção de Costa e Silva, visando à derrubada de João Goulart.
Viajando para as mais diversas guarnições militares do país e controlando as
16
transferências do efetivo militar, Jayme Portella estabeleceu os diversos tipos de contato
com oficiais nos quase um ano em que ficou como oficial da chefia, mapeando o
potencial de adesão à conspiração em marcha e aliciando muitos oficiais legalistas.
Mais tarde, o Ministro da Guerra do presidente eleito João Goulart, o general Jair
Dantas Ribeiro, percebendo a ação de Portella no Ministério, pediu sua transferência
para um setor menos estratégico do Exército. Com a intervenção de Costa e Silva,
Portella saiu de licença no segundo semestre de 1963, ded icando-se, agora sim, de
forma exclusiva à atividade conspiratória até o de Abril de 1964. Nesse momento,
Portella passou a ser o homem de confiança de Costa e Silva e o seria até a morte deste
em dezembro de 1969, vítima de trombose.
Apesar do número significativo de obras sobre o período militar que têm vindo a
público nos últimos anos, ainda inúmeros aspectos que demandam aprofundamento,
particularmente, questões que se desenrolam nos bastidores do cenário político -militar.
Neste sentido, não se e ncontra estudo específico sobre o General Jayme Portella ou
ainda que exista, não foi anunciado sobre a sua ideologia, sua função de intelectual
orgânico, sua interferência na organização e condução da candidatura de Costa e Silva
em 1966, quando a imp ostura militar foi sacramentado com a participação civil, ou
posteriormente, no aparato repressor no qual o general foi um dos executores,
desencadeando no AI-5. Ora, a análise de sua atuação a partir de suas memórias permite
aventar feições da relação ent re os militares e os segmentos da sociedade civil que lhes
deram sustentação, além de investigar profundamente as contradições no interior da
instituição militar por meio de suas correntes militares. Neste intróito, vale algumas
menções. A importância do g overno Costa e Silva para a consolidação do aparato
repressivo é abordada com mérito em alguns trabalhos, cabendo destacar dois autores: o
livro de David Maciel, a Argamassa da Ordem, e o de Carlos Fio, Como Eles Agiam.
17
Para David Maciel houve a consolidaç ão de uma nova institucionalidade política com a
ditadura. Nesta formação, os militares afastaram diversos agentes políticos, inclusive
alguns apoiadores do golpe. O governo Costa e Silva consolidou o cesarismo militar,
termo usado por Maciel, para designa r a subordinação civil aos desígnios militares a
partir do AI-5. Nesta análise, Maciel ainda objeta compreender que a organização da
transição para a democracia possibilitou a manutenção da ordem autocrática burguesa,
desta vez sobre os desígnios de uma de mocracia institucionalizada. Carlos Fico enfoca
os órgãos de informação e de repressão na ditadura militar revelando uma alteração
significativa quanto à ascendência nas divisões de informação do sistema repressivo.
Ele atribui ao General Portella a elabor ação do “Conceito Estratégico Nacional” que,
em pormenores, tratava da ampliação dos poderes dos órgãos de informação e
segurança do Estado e a sua subordinação ao Conselho de Segurança Nacional. Ainda
para Fico, a atuação destes órgãos de informação tiver am fundamental importância na
organização da institucionalidade autocrática do estado, perpassando a necessidade de
informação e segurança como matrizes para a política repressiva do estado ditatorial.
Os nossos objetivos buscam dar um passo além: por mei o da práxis política do
general Portella, intentamos compreender a sua ideologia, decifrar suas posições
produzidas e moldadas através dos anos de conspiração e de atuação no governo Costa e
Silva. Nesse sentido, revelar as especificidades presentes nos pr ocessos de consolidação
do aparato repressivo que teve o comando do general Portella.
A existência das correntes militares não significa exatamente que a instituição
militar era fracionada a ponto de haver disputas de hegemonia fratricidas, como a
exemplo de um partido político. As Forças Armadas no pós -64 foi atravessada por
tensões de diversas formas entre a Sorbonne e a “linha-dura”. Ambas constituíram nos
principais grupos dentro de exército, entretanto existiam muitos mais aspectos comuns
18
identitários que os aproximavam do que os distanciavam, por exemplo, a defesa da
hierarquia militar, da propriedade privada, do combate a subversão e do anti -
comunismo. Entretanto, existiam diferenças e a elas nos ateremos nas análises
conseguintes. Para além, veremos a conversão de duas formas de pensar a denominada
“revolução” e a pretensa “democracia tutelada”, perpassando os governos de Castelo
Branco e Costa e Silva com diversas similitudes. A instituição militar por inteiro age
então como o verdadeiro demiurgo do desenvolvimento brasileiro, assemelhando -se a
busca plena pela legitimação e apoio dos civis, de maneira geral. Veremos que,
alicerçado a uma ação classista, os militares aprofundaram ainda mais ação política em
defesa da ordem burguesa no Brasil.
Jayme Portella representa, no interior do Exército, a fração militar de articulação
do golpe não vinculada aos castelistas”: Castelo Branco, Golbery do Couto e Silva e
Ernesto Geisel. Ele esteve vinculado à “linha -dura”, alcunha que denominou o grupo de
militares mais radicais e que foi incorporada pelo grupo de Costa e Silva como espelho
invertido das ões dos castelistas”: ao mesmo tempo em que defendiam mais rigor
nas punições, foram caudatários da política de Castelo Branco moldada sobre forte
influência esguiana. Se a principal contribuição de Portella para a conspiração não foi a
aliança com a ESG ou com o IPES, o grupo costista se constituiu fortemente
vinculado com a oficialidade média e os militares em geral. Eram os troupiers -
homens da tropa segundo ReDreifuss - que não freqüentavam círculos políticos mais
amplos, dedicando-se à organização militar ou a conspirar em nome dela. Entretanto,
Portella foi diferente. Na organização da candidatura de Costa e Silva, o militar
constituiu uma forte red e de relacionamentos, envolvendo muitas personalidades civis,
como o jornalista Julio de Mesquita Filho e o deputado arenista Geraldo Freire.
19
Portanto, diferentemente do estudo de outros personagens militares que
mereceram generosas linhas de diversos a utores, o tema desta pesquisa apresenta como
objeto central de estudo aquele denominado pelo ditador Ernesto Geisel como factótum
de Costa e Silva e a sua práxis política na consolidação de um bloco histórico, que
envolve setores das classes dominantes vin culados às classes de proprietários nacionais
e estrangeiros e que teve laços dentro dos quartéis. Analisamos toda a engenharia
empregada para alicerçar a candidatura de Costa e Silva e a sustentação do seu governo,
concebendo, assim, o fortalecimento do p oder militar executivo e nas ramificações do
Estado.
Traremos à luz por meio da análise documental e historiográfica os meandros
dos principais fatos que envolveram o período estudado, visando à apreensão, a partir
dos nexos constitutivos presente nos escr itos de Portella, de sua práxis política
decifrando a função social e as condições históricas que nortearam sua produção como
intelectual orgânico, identificando traços de sua ideologia e de suas representações
políticas.
A práxis política porque entendem os que a raiz da atividade prática sensível se
traduz em operações subjetivas da consciência materializadas na vida concreta. E é nos
estudos imanentes de seus nódulos ideológicos que podemos observar a base social em
que determinados escritos foram produz idos, e assim proceder a análise da função
social desse ideólogo no processo de vida real.
Ao se compreender a práxis e as representações ideológicas de um determinado
sujeito histórico-social, dispomos de um importante referencial teórico, a análise
imanente que, sinteticamente, respeitando a forma de ser do objeto estudado e
submetendo-o às mediações conforme as condições históricas em que foi produzido,
20
busca abranger o objeto conforme os elementos sociais que orientaram a sua produção.
Como afirma José Chasin:
a submissão ativa aos escritos investigados é sempre ponto de partida e
passo fundamental, porque, assim, não se perde de vista a íntima
vinculação dos textos à trama real e ideal dos quadros reais a que
pertencem, com a qual estabelecem liam es complexos de confluência e
ruptura. (Chasin , 1995: 346)
Portanto, estamos situados ante um questionamento da hermenêutica: a
abordagem de uma fonte deve -se à perspectiva adotada pelo pesquisador através do seu
arsenal intelectual em que se pese a sua subjetividade, podendo outros pesquisadores no
processo de pesquisa abordar a mesma fonte sob outros prismas teóricos, interpretando -
a assim de maneira diferente. Ou de outra posição, através da análise imanente
estabelecer todos os laços históricos para a compreensão da fonte pela sua historicidade,
advindo a partir deste expediente, as categorias analíticas que não correspondem
somente a uma escolha subjetiva do pesquisador, mas a reprodução de natureza
ontológica dos elementos concretos da realidade.
As memórias de Portella foram produzidas a partir de anotações diárias do
general, conforme suas passagens pela Chefia de Gabinete do Ministro da Guerra Costa
e Silva, ainda no governo do presidente Castelo Branco (1964 -1966), e, posteriormente,
como membro do governo Costa e Silva (1967 -1969). Publicado em 1979 sob o título
de A Revolução e o Governo Costa e Silva , no momento de crise do “milagre
econômico brasileiro”, das dissensões das frações dominantes civis e militares, do
ressurgimento das greves operá rias no ABC e da lei de Anistia de 28 de Agosto de
1979. Coincidentemente, no mesmo ano outras visões sobre a ditadura já haviam sido
escritas por militares, particularmente a do Marechal Olympio Mourão Filho. No caso
de Portella, sua colaboração para o es tudo do período foi o conjunto de escritos, com
21
mais de mil páginas, nos quais tomou o cuidado de fazer as devidas menções à Costa e
Silva no bojo dos acontecimentos anteriores e posteriores a 1964. Por sua riqueza de
detalhes, essa se constitui como a pri ncipal fonte documental deste trabalho.
Além dos escritos de Portella, usamos alguns veículos da imprensa da época
estudada (1964-1969), como a revista Visão e os jornais Correio da Manhã, Estado de
S. Paulo, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, nos quais apresentam pronunciamentos
e informações sobre a atuação do general. Todavia, esses jornais respondem a
determinadas posições e visões políticas sobre o período, portanto, como representantes
de classe vinculada aos setores apoiadores do golpe na primeir a hora e que, no período
estudado, adquirem fundamental importância para explorar as idas e vindas do governo
Costa e Silva.
***
Uma importante reflexão que nos provoca o pensamento do General Jayme
Portella de Mello e como fica manifesto no título dessa pesquisa, é a questão da
ideologia, para tanto, vale delinearmos uma discussão como ponto de partida para essa
pesquisa.
A determinação social de ideologia suscita nos meios acadêmicos importantes
debates sobre a sua natureza, a sua produção social e o se u uso e apropriação. No que
tange às determinadas concepções sobre vida e mundo, a ideologia é uma importante
categoria analítica que contribui para o entendimento sobre os nexos constitutivos de
como determinado modo de pensar e agir torna -se dominante e eficaz na sociedade e na
relação com os movimentos práticos dessa sociedade. Ou seja, o conjunto de valores,
concepções, crenças e culturas correspondentes a um grupo social que se torna
predominante por meio de instituições responsáveis por disseminar e c oncretizar essas
formas de pensar sobre outros grupos sociais. A ideologia é o produto dessas tentativas
22
de homogeneização de um pensamento, comportamento por meio da produção dos
modos de vida. Para Marx, a produção de idéias, de representações, da consc iência,
está, de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio
material dos homens, como a linguagem da vida real. O representar, o pensar,
intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui como emanação direta de seu
comportamento material.” (Marx, 1986: 36)
A tentativa de homogeneização destas formas de vida se por instituições ou
aparelhos hegemônicos controlados pelo grupo social que no processo de luta com
outras expressões de vida, torna -se dominante numa determinada s ociedade. A
hegemonia é a reprodução desses valores para a manutenção da ordem social defendida
pelo grupo social dominante perante os demais grupos
1
. Entretanto, alguns autores
enfatizam a ideologia como uma questão de falseamento do real ou apenas do pro duto
de veleidades humanas dispensáveis, pois não correspondem ao racional. Enfatizam
também a importância dos discursos sobre a realidade, pensando na distinção desses
com outros discursos, que podem ser verdade ou não. Com a proposta de iniciar uma
reflexão sobre tal questão, procuraremos alinhavar alguns autores que consideramos
importantes para a discussão do conceito de ideologia. Destacamos duas apropriações
difundidas sobre a ideologia, aquela que a trata como falsa consciência dos homens
sobre o real ou enfatiza a importância dos discursos sobre a realidade, pensando na
distinção desses com outros discursos, que podem ser verdade ou não. E da outra que
fundamenta a ideologia como momento inerente à atividade social consciente do
homem.
1
Hegemonia aqui considerada com tentativa de defender e assegurar uma determinada ordem social po r
meio da produção ideológica de aparelhos da sociedade civil e a atuação do estado, assim como a subordinação por
via da repressão a todo tipo de oposição. Nesse sentido, David Maciel em seu livro A Argamassa da Ordem ,
apresenta a seguinte reflexão. “Nas condições da sociedade burguesa, podemos definir genericamente os aparelhos
hegemônicos como sendo aqueles que defendem a ordem social burguesa e o Estado burguês, viabilizando a
reprodução das relações sociais capitalistas e da própria condição burguesa d o estado, através da subordinação da
sociedade em seu conjunto e dos trabalhadores, em especial, ao capital.” (Maciel, 2004: 33)
23
Para a primeira perspectiva bastante difundida sobre o falseamento do real, o
livro de Marilena Chauí, O que é Ideologia, cumpriu importante papel. Marilena Chauí
define ideologia como o encobrimento da realidade social que permite a legitimação da
exploração e da dom inação. Em certo momento, afirma a filósofa que é função da
ideologia dissimular e ocultar a existência das divisões sociais como divisões de classes,
escondendo, assim, sua própria origem. Ou seja, a ideologia esconde que nasceu da luta
de classes para servir a uma classe na dominação.” ( Chauí, 1980: 103)
Portanto a ideologia seria responsável pela alienação do homem da sua situação
real e concreta. Uma importante reflexão acerca da ideologia nestes termos é a
empreendida pelo intelectual Leandro Konder em seu livro A Questão da Ideologia,
ponderando o uso do termo a partir da leitura do filósofo Karl Marx (1818 -1883).
Segundo Konder, “Marx mostrava que havia avançado em sua caracterização do que era
ideologia. Deixava claro que, para ele, a ideologia - no essencial - era a expressão da
incapacidade de cotejar as idéias com o uso histórico delas, com a sua inserção prática
no movimento da sociedade.” (Konder, 2002: 40).
Nesse sentido, Konder afirma que a ideologia para Marx significaria a
impossibilidade de identificar nas idéias ou em determinados valores sociais sobre o
mundo as condições materiais presente no momento de sua produção, caracterizando o
distanciamento da ideologia das formas concretas da vida social. A partir dessa
reflexão, Konder faz diversas outras considerações sobre o uso do termo por estudiosos
marxistas como Antonio Gramsci e Lukács, ressaltando o contraponto entre a ideologia
que falseia o real aos critérios de conhecimento, pois não “podemos deixar de levar em
conta, também, que o processo de ideologia é maior do que a falsa consciência, que ele
não se reduz a falsa consciência, que incorpora necessariamente em seu movimento
conhecimentos verdadeiros.” (Konder, 2002: 49).
24
Para István Meszáros, a ideologia corresponde ao momento ideal da atividade
prática que, numa sociedade dividida em classes, põe -se como funcionalizada aos
interesses antagônicos dessas categorias sociais. No viés gnosiológico, a ideologia surge
como fruto da subjetividade que compreende o mundo de forma ilusór ia e falsa, neste
caso sempre ocultando e obscurecendo o real. Desse modo, somente com o
despojamento de seus “instrumentos ideológicos” desvela -se para o saber. Segundo o
filósofo húngaro, “essa circunstância, por si só, já evidencia como seria ilusória a
tentativa de explicar a ideologia meramente pelo rótulo de “falsa consciência”, pois o
que define a ideologia como ideologia não é o seu alegado desafio à “razão”, nem sua
divergência em relação às normas pré -concebidas de um discurso científico”
imaginário, mas sua situação real em um determinado tipo de sociedade.” (Meszáros,
1993:10)
Em um terreno de disputas, a questão da ideologia parece -nos em duas
concepções que, numa análise preliminar, fundar -se-iam sobre o mesmo entendimento.
Nossa intenção não é distinguir qual o discurso do sujeito sobre a vida, mas como tal
discurso efetiva-se socialmente. Logo, o nódulo essencial para a compreensão da práxis
e da representação ideológica não está apenas em apurar determinados esquemas
mentais e representações como interpretações do real, mas como formas conscientes
que na sua materialização refletem o processo real engendrado. Enfim,
os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias etc.,
mas os homens reais e ativos, tal como se acham condi cionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e plo
intercâmbio que a ele corresponde até chegas às suas formações mais
ampla. A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente,
e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E se, em toda ideologia,
os homens e suas relações aparecem invertidos como numa câmara
escura, tal fenômeno decorre de seu processo histórico de vida, do mesmo
modo por que a inversão dos objetos na retina decorre de sei processo de
vida diretamente fisico. (Marx, 1986: 37)
25
Não temos dúvida disso, pois investigar a realidade concreta onde o arcabouço
mental teve sua realização prática é compreender como formas de vida e concepções
sobre o mundo concreto se hegemonizam quando da ascensão de um grupo social no
interior de um bloco histórico. Essa ascensão é a resultante de processos de luta entre os
agentes e as classes sociais. Condicionada às relações determinadas historicamente, a
ação consciente e objetiva dos agentes sociais se expressa d e maneira real, fomentando
transformações de ordem subjetiva neles. O produto dessas mutabilidades, no caso a
atividade prática, conforme a sua determinação real histórica expressa a visão do todo
social em que esse determinado agente se origina. Pois, com o afirma Meszáros, o ‘ser’
de qualquer classe é a síntese abrangente de todos os fatores atuantes na sociedade.”
(Meszáros, 1993:76)
Os discursos ideológicos são materializações das contradições presentes numa
determinada sociedade. Ao revelar essas contr adições, não pretendemos chamar a
atenção para uma falsa consciência do real”, mas como ela representa objetivamente
uma particular consciência social do processo de vida real, pois “esta maneira de
considerar as coisas não é desprovida de pressupostos. P arte de pressupostos reais e o
os abandona um só instante. Estes pressupostos são os homens, não em qualquer fixação
ou isolamentos fantásticos, mas em seu processo de desenvovimento real, em condições
determinadas, empiricamente visíveis.” (Marx, 1986: 38)
O importante é que como efetivação concreta de uma consciência social
histórica, a ideologia pode ser compreendida como produto da sociedade de classes.
E “sua persistência se deve ao fato de ela ser constituída objetivamente (e
contantemente reconstituída) como consciência prática inevitável das sociedades de
classes, relacionada com a articulação de conjunto de valores e estratégias rivais que
tentam controlar o metabolismo social em todos os seus principais aspectos.”
(Meszáros, 2001: 65)
26
Portanto, as representações ideológicas de Jayme Portella o podem ser
avalizadas como uma aplicação de teoria e extração de informações, mas conforme a
análise da historicidade dos construtos sociais que nortearam a sua produção intelectual,
compreender como determinadas formas de ser individual representam uma síntese
particular de um projeto de dominação de classe abrangente, pois a classe autonomiza-
se em face dos indivíduos, de sorte que estes últimos encontram suas condições de vida
preestabelecidas e têm , assim, sua posição na vida e seu desenvolvimento pessoal
determinado pela classe.” (Marx, 1986: 84) Assim, tais concepções sobre o mundo
correspondem às expressões hegemônicas de formas de vida social, resultantes da luta
de classes constante no processo histórico real da vida humana.
Para essa pesquisa, coloca -se como preponderante não deslocar as idéias
presentes nos documentos elaborados pelo General Jayme Portella na época em que
esse militar foi chefe do Gabinete Militar e Secretário do Conselho de Segurança
Nacional, pois são elementos constitutivos do tecido social e histórico em que emanam
idéias e valores sobre o governo e o papel dos militares no comando do Brasil. Os
militares, a partir desse entendimento, produziram formas específicas de compr eender o
mundo e este arcabouço mental não emana de uma condição intrínseca a instituição
militar, muito menos num modus operandi comum, e é isto que tentaremos discutir
agora.
***
Quando objetamos estudar a práxis do general Jayme Portella de Mello,
procuramos compreender como a sua atividade prático -sensível coaduna com a sua
produção intelectual. Isto nos a leva uma primeira consideração sobre o ser social do
27
intelectual orgânico, pois nos p ermite aventar a função ideológica na organização e
organização do governo Costa e Silva ocupada pelo general Jayme Portella.
Antonio Gramsci teoriza acerca do ser intelectual orgânico no bojo das
sociedades ocidentais burguesas, indicando que cada classe social produz uma categoria
social que tem o objetivo de dar c onsistência a uma hegemonia de classe. O pensador
italiano lança o seguinte questionamento: “são os intelectuais um grupo autônomo e
independente, ou cada grupo social tem uma sua própria categoria especializada de
intelectuais? O problema é complexo por c ausa de várias formas que assumiu até agora
o processo histórico real de formação das diversas categorias intelectuais.” (Gramsci,
2000: 15)
Consciente da dificuldade dessa questão, Gramsci acredita que tem de fazer a
distinção entre intelectuais como ca tegoria orgânica de cada grupo social fundamental e
intelectuais como categoria tradicional, distinção da qual decorre toda uma série de
problemas e de possíveis pesquisas históricas.” (Gramsci, 2000: 23)
Antonio Gramsci distingue as duas formas essenciais de intelectuais no mundo
moderno e na passagem de um modo de produção para outro, buscando seguir a própria
conformação concreta extraída da organização da produção social, dessa maneira, “esta
formação e elaboração seguem caminhos e modos que é preciso e studar
concretamente”, porque,
Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão
homogeneidade e consciên cia da própria função, não apenas no campo
econômico, mas também no social e político: o empresário capitalista cria
consigo o técnico da indústria, o cientista da economia política, o
organizador de uma nova cultura, de um novo direito, etc., etc. (...) S e
não são todos os empresários, pelo menos uma elite deles, deve possuir a
capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo
organismo de serviços, até o organismo estatal, tendo em vista a
necessidade de criar as condições mais favoráve is à expansão da própria
classe; ou, pelo menos, deve possuir a capacidade de escolher os
28
‘prepostos’ (empregados especializados) a quem confiar esta atividade
organizativa das relações gerais exteriores à empresa. Pode -se observar
que os intelectuais ‘org ânicos’ que cada nova classe cria consigo e
elabora em seu desenvolvimento progressivo são, na maioria dos casos,
“especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo
social novo que a nova classe deu à luz. (Gramsci: 2000: 15 -16)
A compreensão do ser intelectual, no caso de um general do exército, é sim de
difícil entendimento. Entretanto, como explicado por Gramsci, a práxis de um
intelectual não está associada à produção fora da realidade, mas a transformação e a
consistência de um dete rminado projeto vinculado a um bloco histórico. A noção
gramscista de bloco histórico nos permite apontar a relação entre as instituições
políticas e jurídicas e as estruturas econômico -social existentes, mas o com a
determinação de um para o outro de fo rma mecânica, mas especificamente numa
circunstância histórica particular em que ambas constituem uma unidade orgânica. A
mediação entre os dois pólos é feito pelos chamados “funcionários”, ligados
organicamente a classe dominante no processo histórico ana lisado. Todo grupo social
produz o seu “funcionário”, ou o intelectual responsável por consistência ao projeto
de poder de seu grupo, organizando a produção econômica, cultural e social. Gramsci
faz uma importante distinção sobre como age os aparelhos h egemônicos da burguesia.
Por um lado, os abrigados na sociedade civil não possuem qualquer dependência
material do Estado, procuram reproduzir a ordem social burguesa como projeto
histórico a ser realizado logo, projeto pautado sobre a dependência do capit al. Por outro
lado, o Estado também se estabelece como aparelho hegemônico junto aos seus
burocratas e políticos, tendo no seu interior a atuação de figuras com a função de gerir e
regular o funcionamento de todo o aparato burocrático e da estrutura repres siva contra a
classe trabalhadora, possibilitando a disseminação dos valores expressados pela classe
dominante. Os “funcionários”, ou os intelectuais orgânicos, agem no nível da sociedade
29
política ou ligado organicamente às instituições civis, formulando e trabalhando na
germinação e consolidação da hegemonia da classe burguesa.
Sendo assim, fundamentalmente, uma série de tensões envolvem as diversas
classes sociais para a consolidação da hegemonia. A burguesia aparelha seus órgãos
responsáveis pela reprodução da ordem social capitalista com os seus representantes,
dotando inclusive o estado de assumir o papel de manutenção da ordem. A reação do
grupo antagônico a burguesia é a luta pela hegemonia fazendo uso das suas armas
conforme as condições históricas do desenvolvimento da consciência de classe. A
disputa pela hegemonia não é a -histórica, mas reflete o conjunto de valores e de normas
que se tornam dominantes após tensões entre diversos grupos sociais concretamente
constituídos, pois segundo Gramsci,
É a fase em que as ideologias germinadas anteriormente se transformam
em “partido”, entram em choque e lutam até que uma delas, ou pelo
menos uma combinação delas, tende a prevalecer, a se impor, a se
irradiar em toda a área social, determinando, além da u nicidade dos fins
econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral. (Gramsci,
1994: 50).
O general Jayme Portella, como intelectual do substrato estatal foi o responsável
pelas formulações respectivas ao combate sistemático à oposição conse ntida como o
Movimento Democrático Brasileiro, além de autorizar prisões dos subversivos de
diversas matrizes, ao subversivo” de última hora, o ex -governador Carlos Lacerda.
Foi também o responsável pela reformulação do Conceito Estratégico Nacional qu e no
seu conteúdo aprimora as formulações a respeito da Segurança Nacional.
Mas isto ainda não é suficiente, pois o ponto fundamental a ser pensado é: se na
disputa pela hegemonia em que polarizou no Brasil a ampla maioria dos trabalhadores,
e os setores burgueses associados de outro, qual a função histórico -social do exército ou
das Forças Armadas? Qual a base social na organização do golpe de 1964 e no papel
ocupado pelos oficiais na arquitetura de um aparato ditatorial com funções de
30
manutenção de uma o rdem econômica social pautada sob a repressão política
organizada?
Esta questão é de fundo complexo, pois normalmente se cai em duas
polarizações: de um lado, as Forças Armadas do ponto de vista estritamente
organizacional, responsável pela formulação de u m ideário institucional significativo na
formação do militar, pautado sobre a disciplina, a hierarquia e aos valores absolutos
como a Pátria, a Nação. De outro lado, o entendimento de que as Forças Armadas se
constituem um braço armado da burguesia, agindo quase de forma automática aos
ditames das forças burguesas.
Na primeira, a posição das historiografias que abordam aquela perspectiva, falar
em relações sociais de classe seria descabido e incompleto para compreender as
determinações concretas da ação mil itar no Brasil. Ainda para a primeira corrente de
pensamento, as Forças Armadas no Brasil são vistas como uma instituição específica
com uma própria dinâmica que potencializou formas próprias de ser social. Neste caso,
Edmundo Campos Coelho foi um dos prim eiro autores a explorar ao que ele chama de
“modelo organizacional de análise”.
Na segunda corrente, as análises prendem -se à circunstância histórica em que se
desenvolve o movimento civil -militar de 1964: trata -se, indubitavelmente de uma
contra-revolução de caráter classista, no que concerne à ordem instituída e ao objetivo
explícito dos militares: o de reafirmar o capitalismo e combater o comunismo.
Entretanto, nesses termos, os estudos sobre as particularidades das Forças Armadas não
foram em frente, concomitante a análise da conformação do projeto de dominação
burguesa no Brasil.
Uma outra tipologia social de influência weberiana foi a naturalização da função
moderadora na política, responsável por intervir na política conforme a “incapacidade
das elites civis” de governarem, e cujo Golpe de Estado de 1964 foi uma mudança do
31
padrão até então observado, caracterizando, assim, um novo arquétipo a ser estudado.
Evidentemente falamos de Alfred Stepan e seu livro Os Militares na Política.
Os estudos sobre as Forças Armadas mais atuais o se reduzem a estes pontos
de vista. Diversas pesquisas sobre o papel do exército tiveram o rito de desnudar a
lógica da ação militar sobre outras referências, principalmente a partir dos estudos das
modificações da estrut ura militar com base na vinculação das suas relações com o
mundo societário civil. O livro de João Roberto Martins Filho, O Palácio e a Caserna ,
responde as questões que envolveram uma dinâmica militar, em tese, circunscrita aos
bastidores do poder. Nesse caso, a desunião no interior das Forças Armadas expressa
nas diversas frações militares investigada pelo autor era substituída por momentos de
unidade política na ação, principalmente no pós -64, e esta unidade política construía -se
sob uma ameaça exponenci al do mundo civil. Isso também não corresponde a uma
possível polarização entre militares e civis para o autor. Os agentes do bloco histórico
que ascendeu em 1964 possuíam muitas contradições, mas se amparavam sobre os
mesmos signos do capitalismo ocidenta l, contra o comunismo.
Diferenciar ou reduzir as Forças Armadas numa própria lógica, como insulada
diante dos setores da burguesia que apoiaram e financiaram o golpe de 1964 e ao regime
ditatorial (1964-1985), permite as relativizações levadas a cabo em re centes estudos
sobre o tema que preconizam inclusive a não existência de um regime de exceção, a não
ser por alguns meses. A intervenção militar, conforme explícito no excerto do general.
Portella teve um nítido objetivo de brecar as classes populares que:
faziam reivindicações, como sejam: a reforma agrária; a reforma eleitoral,
com direito a voto ao analfabeto, ao soldado e ao marinheiro; e
elegibilidade para as praças de pré; a anistia para os sargentos, soldado e
presos políticos; o congelamento das re messas de lucros para o exterior; a
suspensão do pagamento das divisas externas; o monopólio estatal de
todas as atividades petrolíferas, encampação das refinarias particulares,
como Capuava;o monopólio de câmbio e das exportações; e a
32
encampação da empre sas Hanna, com a expulsão dos seus
diretores.(Portella, 1979: 79)
Pensando exclusivamente sobre 1964, não houve apenas uma insatisfação militar
com o governo de João Goulart, mas a ação planejada de setores da burguesia,
principalmente, a alicerçada no IP ES e no IBAD alinhada com posições militares no
desferimento do golpe militar. O Golpe de Estado de 1964 é o acontecimento resultante
da luta de dois projetos políticos: o nacional -reformismo janguista, amparada por um
parte considerável da classe trabalha dora e apontando como necessidade as Reformas de
Base que correspondiam às demandas dos diversos movimentos sociais da época e os
setores da burguesia ligados aos ramos mais dinâmicos da economia, como a recém -
introduzida indústria automobilística, e até o s menos dinâmicos, mas com forte poder
político, como as oligarquias rurais, tementes das radicalizações das classes
trabalhadoras e preocupadas em abrir um novo processo de desenvolvimento econômico
que garantisse os seus interesses. Conforme Ricardo Antu nes:,
Em 64 houve o rearranjo no bloco de poder que articulou vários setores
dominantes, desde aqueles vinculados ao campo, até os industriais,
financeiros, etc., tendo como núcleo predominante os interesses dos
monopólios e das finanças internacionais. (Antunes, 1985: 34)
As Forças Armadas, com o argumento da quebra de hierarquia, movimentam as
armas para depor um governo democraticamente eleito, sob a aliança com os setores
apontados por Antunes. Refletem, assim, uma ideologia construída historicamen te tanto
na caserna quanto pela propaganda civil. O temor de que o governo João Goulart se
tornasse uma nova Cuba alimentou a conspiração e, por mais que possamos alinhar aqui
outras causas e significados, o anticomunismo é o elemento chave para entender a s
relações dos grupos golpistas.
A aliança entre as Forças Armadas e a burguesia associada para a aplicação do
golpe não possui uma única herança social. É mais objetivo pensarmos os vários
33
matizes que possibilitaram a consolidação do bloco histórico que t omou o estado de
assalto em 1964, particularizando os diversos agentes: primeiro, o caráter interventor
das Forças Armadas na história republicana do Brasil que determina todo um agir do
militar em relação à política, seja na conspiração, quanto nos govern o da ditadura;
segundo, as relações dessa práxis interventora com a burguesia brasileira, ou melhor, as
elites civis, já que o caráter das intervenções em si diferenciou -se completamente;
terceiro, as mudanças promovidas dentro da instituição militar a par tir do Estado Novo,
sob inspiração de Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra; e, por fim, o surgimento do
encadeamento histórico que convergiu os projetos históricos das Forças Armadas e da
burguesia brasileira. E não se pode pensar o último, sem alinhavar a ideologia
anticomunista construída a partir da década de 30 no interior da instituição militar.
Para a primeira questão, devemos pensar nopadrão moderador” e como o
conceito foi constituído e o seu significado para uma determinada visão do papel dos
militares na política difundida na historiografia. O livro de Alfred Stepan, escrito em
1971, contou com uma gama de arquivos, documentos e depoimentos que talvez outros
estudiosos que se arriscassem a estudar o período não contariam.
Para o autor numa dada c ircunstância produzida historicamente, as elites civis
facultaram o direito da intervenção a um moderador para os conflitos de ordem
constitucionais. Stepan foi buscar a definição do conceito Poder Moderador no papel
exercido na monarquia pelo Imperador de se constituir como um poder regulatório que
garantisse o equilíbrio das disputas entre moderados e conservadores. Não foi à toa a
apropriação do termo, já que para Stepan, em outras circunstâncias, os desequilíbrios da
República permitiram que as Forças A rmadas assumissem o papel de moderadores:
“minha análise indica que a instituição militar, normalmente, foi encarada como a única
organização disponível para realizar certas funções que a elite participante achava que
precisavam ser realizadas. O cumprimen to destas funções seja no controle do executivo,
34
seja na manutenção da ordem interna, recebe, assim, certo grau de legitimidade mesmo
da parte de certos grupos que no campo cultural eram antimilitaristas
convictos.”(Stepan, 1971: 52)
Portanto, a atribuição da legitimidade às intervenções militares era uma forma de
controle dos civis sobre a prática das Forças Armadas, a partir do estabelecimento de
um consenso junto aos militares, pois o “padrão moderador das relações entre civis e
militares exigia simplesm ente que os militares alcançassem o nível de ‘consenso de
crise’ para permitir-lhes depor um presidente e entregar o poder ao sucessor civil na
esfera política.”(Stepan, 1971: 161)
A função moderadora militar na hipótese de Stepan teve o seu auge nos anos de
1945-1964, momento conhecido como período da democracia. As intervenções
militares, portanto, limitaram -se a cooptação da instituição militar por parte dos civis
com o objetivo de derrubar governos e instalarem outros. Segundo o padrão das
intervenções verificadas por Stepan, o rito passava pela intervenção periódica no
governo, pois, “existe uma crença firme entre as elites civis e militares de que, embora
seja legítima a intervenção no processo político e no exercício temporário do poder, é
ilegítimo que assumam a direção do sistema político por longos períodos de tempo.”
(Stepan, 1971: 50).Para Stepan, enfim, 1964 constitui -se na quebra desse padrão e o
começo de uma fase em que os militares se assumiram dirigentes do processo político.
A primeira das considerações é quanto ao conceito extraído, o padrão
moderador, para explicar as intervenções militares. Ele não é suficiente para
compreender tais intervenções pois a função moderadora, na comparação feita pelo
autor com o poder do imperador na monarquia , já era por demais contraditório. No caso,
nas condições históricas em que tal função política foi criada não se objetiva as
intervenções esporádicas, mas pelo contrário, o permanente estado de vigilância do
Imperador diante dos diversos gabinetes que era m eleitos para o parlamento. Afinal, não
35
supreendia que a sucessão de gabinete apenas fortalecesse o poder do Imperador. A
formação desse padrão a partir da análise de sua constituição concreta e matriz
originária nos permite discordar do termo usado po r Stepan. Como afirma Quartim,
“quando, porém, se diz que aos dispositivos da Constituição de 25 de Março de 1824,
que atribui ao Imperador o Poder Moderador”, corresponde (mais exatamente
correspondeu até 1964) um poder análogo exercido pelos militares n o quadro das
instituições republicanas, nos vemos não somente diante de uma falsa analogia (já que
os militares não estão para o regime republicano como o Imperador para o regime
monárquico), mas também de diante de um termo de comparação (a saber, o “pode r
moderador”) cuja existência é mais do que problemática.”(1996: 105)
Analisando o período onde foi mais incisivo a “função moderadora” das Forças
Armadas (1945-1964), observamos que Stepan indica algumas condições para essa
tipologia. Além do intervencio nismo militar periódico, a questão da desunião dos civis
em torno do regime ou do condutor do regime em questão e o apoio dos civis as
intervenções militares parecem na análise de Stepan como aspectos permanentes na
relação entre os militares e os civis, d esde 1889. Conforme a proposição de Stepan
2
,
antes de postulações genéricas, devemos nos ater a objetos historicamente
determinados, os elementos que deram os aspectos para a função moderadora” foram
antes de tudo resultado de processos históricos de luta s entre classes sociais, cujos
interesses entraram em conflito. As Forças Armadas, conforme Quartim, assumiram a
partir da década de 30, importante papel graças ao monopólio da coerção que as armas
possibilitavam a qualquer agente político. Ao investigar a s continuidades de
comportamento que favorecem a compreensão de uma função política comum das
Forças Armadas em situações históricas distintas, Stepan, ao nosso ver, comete um
2
“Todos os principais protagonistas políticos procuram cooptar os militares. A norma é um militar
politizado”, (STEPAN, 1971: 50).
36
equívoco ao generalizar as determinações históricas de sujeitos e considerá -los os
únicos protagonistas da história, a saber: civis e militares. Apagando da análise as
contradições de ordem societária e classista que tanto um grupo, quanto o outro,
padecem na expressão de seus interesses históricos -sociais e na interação com outros
sujeitos históricos (a classe trabalhadora com toda a sua complexidade, é vista por
Stepan como “civis”), o autor extrai um padrão comportamental a -histórico de “civis” e
“militares” como se a sociedade fosse dividida por dois grupos, secundando, por
exemplo, os laços burgueses e classistas exercidos pela Escola Superior de Guerra a
partir de 1950 ou o componente anti -comunista das Forças Armadas na época getulista.
No entanto, tais intervenções existiram e constituem, de fato, em diferente
objetivos concernente a atuação dos militares. A análise de João Quartim nos parece
ainda mais coerente, pois:
nas três mudanças de regime que o Brasil conheceu após a Revolução
de 1930 (1937, 1945 e 1964), o aparelho militar, embora tenha sempre
desempenhado papel determi nante, não respeitou valores políticos
constantes, não manteve a mesma atitude em relação às elites civis e
não perseguiu objetivos coerentes no plano institucional. (...) Cada uma
das combinações e das diferenças que articulam a análise dos três
golpes poderia servir de base para a construção de outros tantos
modelos de intervenção militar.(Quartim, 1996: 94)
Essas diferenças nas intervenções militares tiveram efeitos internos na caserna,
assim como foram constituintes de transformações exógenas ainda ma is sérias. Nesse
sentido, o ponto emblemático são as transformações ocorridas no Exército a partir da
década de 30.
José Murilo de Carvalho no seu livro As Forças Armadas na Política procura
dar conta dessas mudanças, entendendo o exército como uma instit uição complexa e
multifacetada, em que as mudanças endógenas de caráter organizacional fermentavam a
atuação política da instituição, muito mais do que as alianças dos militares os setores da
37
burguesia industrial. Ao mesmo tempo em que as mobilizações “des estabilizadoras” dos
oficiais de baixa patente o diminuídas, se enrijece no interior das Forças Armadas o
sentimento de preservação da instituição, pautada na disciplina e na hierarquia.
Portanto, o Estado Novo foi a materialização da política do exérci to, como concebida
por Góes de Monteiro e pelo grupo de generais a seu redor. Na parte referente à
organização especificamente, a política se traduziu num grande esforço de renovação e
aperfeiçoamento profissional. A prestação de contas de Dutra de 1940 é eloqüente
quanto a esse ponto: foram reformuladas todas as leis básicas do Exército, foram
construídas escolas e quartéis, foram organizados vários corpos, impulsionou -se o plano
de reequipamento e armamento graças as compras no exterior e ao incentivo à i ndústria
bélica nacional.” (Carvalho, 2005: 92) Em várias páginas, Murilo de Carvalho esboça o
aumento de recursos para as Forças Armadas, com destaque para o exército.
Jayme Portella de Mello entra no exército como cadete no caldeirão dessas
transformações no exército (1930) e acompanha as transformações na carreira militar.
Além do lado profissional, fortalecido pelo Estado Novo e a reformulação das Forças
Armadas, o pensamento de Góes de Monteiro vai influenciar a ação do exército a partir
de então, principalmente o entendimento de que as Forças Armadas deveriam ocupar
um papel singular na organização do estado, com a determinação de não se fazer mais
política no Exército, mas a política do Exército. Nesse caso, seus elementos
constitutivos podem ser res umidos nos seguintes pontos: primeiro, uma visão do estado
como fator preponderante na vida política; segundo a necessidade da formulação e
implementação pelo Estado de uma política nacional; terceiro, a necessidade de elites
bem treinadas e capazes para d irigir o Estado.” (Carvalho, 2005: 108)
Esta linha o apenas influenciou a carreira militar de Portella, como também
quase todos os oficiais que se alistassem nas Forças Armadas no pós Estado Novo.
Além disso, segundo René Dreifuss, da reestruturação do sistema político durante o
38
Estado Novo envolveu novas formas de articulação e domínio de classe. O pensamento
corporativista, que entendia a formação sócio -econômica como uma rede de grupos
econômicos e políticos ‘funcionais’ resultantes de uma divisão de trabalho necessária e
até mesmo ‘natural’, influenciou enormemente a ideologia e ação do bloco de poder
industrial-financeiro dominante.” (1981: 23)
A elaboração de Góes de Monteiro, muito mais do que elucubrações individuais,
provinham do terreno das luta s sociais em que estava envolvido, portanto, como um
intelectual orgânico no interior do bloco histórico dominante. A essa transformação de
caráter político organizacional nas Forças Armadas, soma -se ao surgimento do
anticomunismo como um dos componentes i deológicos mais duradouros nas hostes
militares, mas precisamente com a filiação de Luis Carlos Prestes ao PCB
3
e a Intentona
Comunista
4
.
As Forças Armadas cumpriam no Estado Novo o papel de interventor e
“pacificador” da vida social. Cumprindo um papel d ecisivo no aparato repressivo do
Estado Novo e se transformando internamente, o Exército, que se tornava a principal
instituição da Armada. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Góes de Monteiro e
Eurico Dutra rompem com Getúlio Vargas iniciando um novo quadro nas relações entre
Política e Forças Armadas que terminaria em 1964.
Enfim, o componente classista das Forças Armadas a defesa da popriedade
privada, a defesa da importância do Estado e o temor do comunismo, andou junto com
3
Segundo Murilo Carvalho, este fato representou o esfacelamento do tenentismo em várias tendências. “A
primeira grande cisão deu -se em 1930, quanto o então capitão Luis Carlos Prestes aderiu ao comunismo, rompendo
com os antigos companheiros. A dis cordância em relação ao rumo tomado pelo antigo comandante da coluna rebelde
foi formulada com clareza por Juarez Távora em carta bem conhecida. Prestes passou, então, a liderar a corrente de
esquerda revolucionária do tenentismo, de grande atuação na déca da de 1930, portadora de proposta de mudanças
radicais, Juarez Távora, por sua vez, tornou -se um dos principais representantes da corrente que poderíamos
classificar de centristas.” (Carvalho, 2005: 128)
4
O Levante Comunista de Novembro de 1935 tinha como objetivo derrubar o governo de Getúlio Vargas,
tendo a frente a Aliança Nacional Libertadora (ANL), sob a liderança do Partido Comunista Brasileiro . Uma vez
reprimido, o movimento foi submetido a intensa desmoralização por parte das cúpulas militares; a participação
intensa de oficiais e suboficiais nas fileir as dos insurretos alertou o Exército para a necessidade de cerrar fileiras
ideológicas, e de expurgar "influências exógenas" no interior da oficialidade militar nas três décadas seguintes. Esta
ação ideológica viria a expressar -se nas disputas políticas no interior do Clube Militar da década de 1950, no
movimento dos sargentos da década de 1960 e no Golpe de 1964, após o qual quaisquer traços de esquerdismo
organizado foram eliminad os das fileiras militares.
39
mudanças ocorridas no i nterior da caserna, o que contribuiu, no nosso entendimento,
para a formação de militares como o General Jayme Portella, cuja vida castrense e o
cotidiano militar, coadunava com uma determinada visão sobre política nacional e o
papel das Forças Armadas sob re as balizas criadas com o Estado Novo. Sendo assim, o
Golpe de 1964 não foi apenas uma ação militar ou civil. Sob uma aliança classista,
militares e civis, sob perspectivas diferentes, tiveram os mesmos objetivos
5
.
O que estava em jogo era uma aliança en tre militares e civis no intuito de frear
as reivindicações populares manifesta sob a plataforma da Reforma de bases. Isso nos
permite responder as indagações sobre o carácter da intervenção militar. Aqui estava
lançado o papel das Forças Armadas na man utenção do status quo da época, ou no
interior do bloco histórico que saiu vencedor no movimento de 1964, a função de
conduzir o aparato repressivo que surgia com o governo Castello Branco. Nos leva a
uma importante caracterização do regime que surge com o golpe dos militares: a de uma
ditadura bonapartista.
O filósofo Karl Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte caracteriza a forma
específica de intervenção no estado promovido pelos militares, associado as classes
burguesas, refratárias de uma política for te de estado que facilite um novo
reordenamento da produção, promovendo uma nova janela de desenvolvimento às
classe produtoras sobre a batuta de um executivo forte e do estado autocrático. Como se
sabe, Marx estudou o bonapartismo como uma forma particula r do estado francês,
comandado por Napoleão III, em que os aspectos do domínio político e a sua inclinação
contra-revolucionária, fundamentam -se sobre estas ações do estado bonapartista:
resposta a crise financeira com o desenvolvimento econômico calcado n uma aliança
5
Conforme Antonio Rago, após considerações sobre o impasse de ordem classista no Brasil, projetando a ruptura da
ordem constitucional por parte de uma conspiração cívico -militar, trata-se, pois, em nosso caso, de uma
recomposição das frações das classes dominantes a fim de desarmarem a movimentação das massas populares, em
especial, a repressão ao movimento operário -sindical, a fim de consumar um novo ciclo de acumulação capitalista,
obstada precisamente pela ‘República Sindical de João Goulart.” (Rago, 1998: 16)
40
com frações burguesas, a violência como instrumento para “domesticar” as classes
trabalhadoras, a intervenção no legislativo e uma permanente situação de guerra civil
que leva a institucionalização do terror, tudo como resultante do aprofundame nto da luta
de classes.
O ponto fundamental desnudado por Marx nesta forma específica de dominação
burguesa é que para o pleno desenvolvimento do capital nessa realidade particular, o
estado bonapartista “se constitui como a única forma de governo possíve l num tempo
em que a burguesia já tinha perdido a faculdade de governar a nação e a classe operária
ainda a não tinha adquirido. Sob seu domínio, a sociedade burguesa, liberta dos
cuidados políticos, atingiu um desenvolvimento inesperado apara ela própr ia.” (Marx
apud Rago, 1998: 16)
A nossa preocupação é que com as considerações históricas sobre a natureza do
termo bonapartismo, não o apliquemos na situação brasileira como metodologia a
priori, mas conforme as mediações concretas sobre a identidade cons truída no interior
das Forças Armadas e as particularidades da formação da burguesia nacional associada
aos interesses do imperialismo, combinada nos momentos chaves da História,
convergiram no papel cumprido pela instituição militar em 1964 de salvar o
capitalismo.
O estado brasileiro ungido a partir de 1964 assumiu -se acima das classes e
representante legítimo do povo, mas sob a perspectiva de uma aliança entre a burguesia
nacional e os militares, assumiu claramente uma identidade de preservação da socied ade
burguesa, atuando concretamente no combate aos trabalhadores, estudantes e
camponeses, e na reorganização da estrutura produtiva e acumulativa no Brasil. A
circunstância a ser observada no caso brasileiro é que a ditadura não foi personalista, ou
seja, o existiu apenas um indivíduo que se encastelou como comandante supremo da
situação, conforme Francisco Oliveira, no Brasil, “o Bonaparte, isto é as Forças
41
Armadas emergem como árbitros de uma situação que politicamente havia chegado a
um impasse, cuja raiz deve ser buscada na assimetria entre a diferenciação da estrutura
social e o seu registro, ao nível dos processos políticos e, por fim, na estrutura de poder
do Estado.” (Oliveira apud Rago, 1998: 16)
As Forças Armadas se assumiram como as responsávei s pela manutenção do
Estado, combatendo as classes trabalhadoras e reduzindo o papel de ação do legislativo.
De outro lado, sob o domínio dos tanques, garantiram a sustentação da ordem burguesa
no Brasil.
A partir destas considerações, o nosso objetivo re sume-se em situar a atuação do
general Jayme Portella de Mello, a partir da conspiração do golpe de 1964, até o
afastamento do presidente Costa e Silva, buscando nos seus escritos os nexos de sua
ideologia política. No primeiro capítulo, discutimos a quest ão da ideologia do general
reconstruindo a sua trajetória como conspirador e analisando a visão do general sobre o
“ideal” militar de 1964, na construção do movimento e nos primeiros dias do Comando
Supremo da Revolução, função ocupada pelo general Costa e Silva. Pretendo fazer uma
análise inicial sobre o papel de Portella na organização do Golpe de Estado, trazer uma
perspectiva crítica sobre os motivos do golpe e situar as alegações de Portella nos
processos ocorridos e, por fim, um trabalho sobre a forma ção da ideologia do general,
no interior da compreensão mais ampla, sobre a ideologia de 64, no qual pese os
elementos ontológicos que forjam o pensamento do general, principalmente no
entendimento sobre o conceito de “revolução”, “democracia”, institucio nalidade” e
“segurança nacional”. Concomitante a essa análise, fazemos a discussão historiográfica
que balize algumas questões imanentes dos escritos do general.
No segundo capítulo, faremos uma discussão sobre as Forças Armadas e a
formação das correntes internas, principalmente, a Sorbonne e a “linha-dura”.
Apresentamos alguns apontamentos sobre a relação de Portella com a “linha -dura” a
42
partir da sua práxis política, analisando aquilo que o general deixou como memória e a
sua ideologia. Analisamos os esc ritos do cronista Carlos Castello Branco, cuja coluna
no Jornal do Brasil nos serviram como fonte documental sobre a trajetória da “linha -
dura”. O jornalista entre os anos de 1964 e 1969 analisou com extrema crítica o
surgimento da “linha-dura”, fazendo a mediação entre essa corrente e a Sorbonne.
Analisamos também alguns personagens considerados expoentes da “linha -dura”, como
Syzeno Sarmento, Sylvio Frota e Albuquerque Lima, fazendo uma relação da atividade
política desses generais com a do General Jayme Portella. Por fim, quanto à indefinição
que cerca a corrente da “linha -dura”, apresentamos uma crítica historiográfica e as
nossas considerações sobre as definições desse grupo.
No terceiro capítulo, fazemos uma análise sobre o papel de Portella na
organização da candidatura de Costa e Silva como sucessor do ditador Castelo Branco,
enfatizando as tentativas castelistas de construir uma hegemonia política com a
participação ativa dos políticos e o descontentamento militar diante da ação
“pacificadora” de Castelo Branco. Jayme Portella, então Chefe de Gabinete do Ministro
da Guerra Costa e Silva, exerce uma atividade intensa de descrédito do governo Castelo
Branco junto aos militares, assim como alavanca, junto aos seus pares, o nome do seu
chefe como o líder da “revolução” de 1964.
No último capítulo, demonstramos como a práxis de Jayme Portella combinava
com a sua ideologia, tendo como resultados práticos as mudanças em torno de sua
função na hierarquia política, se tornando o principal assessor do preside nte Costa e
Silva, e impactos definitivos na sociedade brasileira. Portella foi o Secretário do
Conselho de Segurança Nacional processando diversos estudos em torno do Conceito
Estratégico Nacional, elaboração sua que pretendia orientar todas as políticas públicas
em torno da Segurança Nacional. O mesmo CSN ainda exerceu poder ilimitado na
organização das cassações no pós AI -5, tendo Jayme Portella a função de ser o
43
“procurador” da ditadura. Por fim, os dias entre a formação da Junta Militar para
substituir Costa e Silva e a “eleição” de Médici através de um colégio eleitoral que
contava com oficiais-generais, quando Jayme Portella foi perdendo pouco a pouco a sua
influência.
44
CAPÍTULO I - O “TEIMOSO” JAYME P ORTELLA: DO TAMANDAR É À
ARTICULAÇÃO DO GOLPE (1955-1964)
Nos seus rompantes contra os militares, Carlos Lacerda, o principal líder civil do
golpe, ao lado de Magalhães Pinto, disse que uma revolução sem povo não era
revolução, mas uma quartelada. O ex -governador, entretanto, durante os dois primeiros
governos militares ocupou um papel dúbio e oportunista. Apoiou Castelo Branco e em
troca, esperava ser o sucessor civil do general -presidente, o que não se realizaria nem se
o próprio Castello Branco quisesse. Por outro lado criou a Frente Ampla e se indis pôs
com todo o governo de Costa e Silva, apesar de ser considerado a principal referência
civil à “linha-dura”. Por fim foi cassado com o advento do AI -5. Entretanto, sua frase
nos serve como orientação para pensar o março de 1964: o discurso da “revolução foi
arquitetado para legitimar a ação armada da conspiração e contemplar a representação
do povo. Porém, o povo o seria, em nenhum momento, personagem principal. Desse
modo, a contra-revolução preventiva adquire pela retórica a conotação de uma
“revolução” do povo.
Segundo Jayme Portella de Mello, o movimento de 1964 foi mais além que um
movimento militar, ou cívico -militar. Ao se referir à 31 de Março de 64, o general
entendia a “revolução” como redentora”, justificada por todos os atos militares de
governo e esses norteados pelos princípios da revolução”. Em sua perspectiva, o 31 de
março de 1964 seria uma resposta à “república sindicalista” de João Goulart, neste caso,
o ideal da revolução” moldaria qualquer instituição ou poderes de governo no Br asil.
Mas Portella não é o único militar a tratar 1964 como uma legítima “revolução”.
O nosso intento neste capítulo é discutir como se consolidou o ideário de
“revolução” a partir dos escritos da práxis de Portella. Desde as suas primeiras
atividades conspiratórias até o momento em que o general passa a ser o braço direito de
Costa e Silva. Mediando esta discussão, como não poderia ser diferente, intentamos
45
ainda situar o debate historiográfico sobre esse período histórico no Brasil em diferentes
matizes. Dessa maneira, devemos mencionar também a auto -imagem criada pelos
militares sobre 1964 como um movimento militar que obteve apoio do povo, sendo
portanto, uma “revolução”. Isto ganha um importante sentido, pois foram esses mesmos
militares responsáveis p ela arquitetura da repressão contra os movimentos sociais e
trabalhadores o povo em todo o período que vigorou a ditadura do grande capital.
Jayme Portella cumpriu neste ponto um importante papel que pretendemos investigar.
Fazemos também uma análise s obre os motivos do golpe para Portella, que, em seus
escritos, revela de forma geral a justificação militar para o golpe. Enfim, analisaremos
também outras inferências de Portella sobre o movimento de 1964, abordando
principalmente sua compreensão sobre o papel dos partidos políticos, do poder
legislativo e da democracia em geral.
Portella: o “curinga” na arquitetura do golpe
Após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961 e com a viagem do vice -
presidente João Goulart à China, em missão comercial, os militares interviram
diretamente no quadro sucessório: comandados pelos Ministros militares, João Goulart
foi impedido de regressar como presidente. Este golpe não ocorreu devido a ação do
governador Leonel Brizola e a sua rede da legalidade no Rio Grande do Sul, que
mobilizou a maioria da população do estado e a dissensão de parte dos militares em
torno do golpe em gestação. A solução parlamentarista adotada no Congresso e aceita
por Goulart durou até setembro de 1963, sendo substituída pelo presidenciali smo no
esteio de grandes mobilização nacionais coordenadas pelos sindicatos em torno das
Reformas de base, bandeiras impulsionadas pela esquerda trabalhista e que fosse
convertida em políticas do estado. Com a tensão de classes aumentando ainda mais e o
confronto de projetos díspares para o desenvolvimento do Brasil, as raias da luta serão
46
levadas até março de 1964, quando duas mobilizações de massa, politicamente
antagônicas, foram o caudal para a ação dos militares. Acalentadas muito por setores
da burguesia ligada ao IPES (Instituto do Pensamento Economico e Social) e o IBAD
(Instituto Brasileiro de ão Democrática), o Golpe de Estado de 1964 será desferido
contra as instituições e chamado de revolução pelos seus expoentes.
Jayme Portella na época te nente-coronel teve participação decisiva na
articulação do golpe, atribuída por um dos líderes do movimento Costa e Silva, anos
depois. Ainda antes do golpe de 1964, Portella foi fundamental na organização de outras
tentativas golpistas de movimentos milit arizados que se assumiam autorizados a retirar
ou não os governantes eleitos, tendo como causa para tantas intervenções
“revolucionárias” a corrupção dos civis, a politicagem dos governantes frente às
necessidades do povo e o anti -comunismo. Getúlio Vargas , Juscelino Kubitchek e João
Goulart padeceram de uma crítica voraz do general, justificando as tentativas de golpe
que sofreram, suas atitudes populistas, demagógicas, corruptas, etc.
Notamos em sua obra que Portella atribui aos diferentes movimentos que
tentaram derrubar ou derrubaram antigos presidentes (Vargas, Kubitchek e Goulart),
a raiz do Golpe de 1964. As movimentações de 1954 e 1955 que procuravam impedir
presidentes eleitos, são exemplos para a insurreição golpista contra João Goulart. Esses
exemplos são justificados de forma ideológica, sendo agrupados a uma teleologia para a
investida contra o governo João Goulart. O combate ao que se considerava “peleguismo
trabalhista”, no caso de Getúlio Vargas; a “um passado não recomendado” sobre
Juscelino Kubitchek; e o responsável entre outras coisas pelo avançado processo de
sindicalização do governo federal”, no caso do presidente João Goulart, visava à
deposição de um governo civil com a intervenção militar “legitimada”. Portella afirma
que
47
A revolução de 64 é um movimento que nasce dez anos antes de sua
eclosão. Consolida-se depois, durante o esforço patriótico para impedir a
posse de João Goulart. Eclodiu exatamente para evitar o caos, primeiro
passo para a implantação do Governo de agitação comu nista. (Portella,
1979:5)
Para Portella, a necessidade do golpe de 1964 está intimamente vinculado às
tentativas anteriores de derrubada de presidentes, tendo nascido dez anos antes de sua
eclosão. Como a historiografia compreende essa justificativa ideol ógica e como
interpretam as razões do golpe? Para o jornalista Elio Gaspari várias situação se
convergiram na noite de 31 de março, possibilitando assim o sucesso do golpe, que
“nas altas horas da noite de 31 de março o golpe tinha uma bandeira: tirar J ango do
poder, para combinar o resto depois. a defesa do governo caíra numa posição
canhestra. Tratava-se de manter Jango no palácio, sem se saber direito para quê, nem
em benefício de quem.” (Gaspari, 2002: 86)
Além de qualificar plenamente o moviment o como um ajuste de peças
inarticuladas, a razão para o golpe parece estar na quebra de hierarquia e na disciplina,
pois “fosse qual fosse o governo, fosse qual fosse o presidente, depois de
acontecimentos como a insubordinação da marujada e o discurso do Automóvel Clube,
em algum lugar do Brasil haveria um levante. (...) Um governo que tolerava a
indisciplina não deveria acreditar que seria defendido de armas na mão por militares
disciplinados.” (Gaspari, 2002: 92)
Para Argelina Figueiredo, o golpe tem uma explicação nos erros políticos
cometidos por João Goulart quando presidente e o desapego das esquerdas ao jogo
institucional e parlamentar. Abordando as emendas propostas por João Goulart em
relação a Reforma Agrária, a autora culpabiliza principalmente o partido do presidente,
o PTB, por não realizar um acordo com os conservadores: “a postura intransigente do
PTB em relação ao seu projeto de emenda constitucional contribuiu para acirrar a
48
posição dos conservadores radicais.” (Figueiredo, 1993: 194) Além d isso,”os grupos
pró-reformas e de esquerda o acreditavam na eficácia das medidas propostas, seja do
Plano Trienal, ou dos projetos de Reforma Agrária apresentados no Congresso. E mais:
mantinham a crença de que sairiam favorecidos de um confronto com as forças de
oposição. Essa era, talvez, a razão principal que levava a coalizão radical pró -reformas a
sustentar sua estratégia maximalista.” (Figueiredo, 1993: 196) Por estas razões não
teriam buscado uma solução negociada, contribuindo para colocar a direi ta numa
postura defensiva, cuja intervenção militar vislumbrava -se como politicamente menos
custosa, do que a não-ação. A autora afirma que a associação entre o governo Goulart e
os “radicais” contribuiu para o isolamento político do presidente e a não -composição de
uma frente pró-reforma de maioria conservadora, levando assim, no andar do processo
histórico, a ação das forças golpistas.
Tanto Gaspari, quanto Figueiredo colaboram para uma determinada visão
historiográfica dos motivos do golpe de 1964, situa ndo principalmente em João Goulart
e nos movimentos sociais da época (PCB, os marinheiros, sargentos e as Ligas
Camponesas) como responsáveis pela ação dos militares. Ambos os autores, relativizam
a ação do IPES e do IBAD na articulação do golpe, assim com o atribuem ao projeto de
desenvolvimento elaborado pela Escola Superior de Guerra uma importância menor
para a ação militar. Para esta perspectiva da história, as forças que apoiavam João
Goulart também eram golpistas, assim como intransigentes. Leonel Bri zola, governador
gaúcho e cunhado do presidente, alimentaria desde 1963 uma resposta à conspiração
militar, largamente avançada, em forma de golpe preventivo. Todavia, João Goulart
não pretendia e nunca se inclinou na direção de um golpe militar, e, qua nto ao projeto
das esquerdas ser golpista ou não, tais adjetivos podem dizer muito mais sobre a
ideologia do presente, do que propriamente contribuir para uma análise estrita sobre o
período aqui abordado. Mais adiante abordaremos esta questão das interpre tações
49
históricas, além da ação de personagens e das organizações que foram depreciadas pela
atual historiografia na formulação e organização do golpe, assim como na disseminação
do espectro do “anti-comunismo” e a caracterização de caos e tibieza do gover no João
Goulart.
Quando da tentativa de deposição de Kubitschek, Portella expõe o direito de
intervenção que possui as Forças Armadas de depor um governo democraticamente
eleito, pois, “as forças armadas, em sua maioria, não se conformavam com aquele
resultado eleitoral. Não aceitavam que o Governo da República fosse entregue a um
homem cujo passado recente, como administrador, não o recomendava bem.” (Portella,
1979:13) Assim como o uso do substantivo “maioria” para designar um apoio
legitimado e a preocup ação com a “fama de administrador”, ele implicitamente
conforma o entendimento de que as Forças Armadas aceitam segundo seus preceitos, o
que é melhor para o país, contra todos os prognósticos das urnas. Num trecho mais
adiante sobre as motivações política s dos militares naquele momento, Portela afirma
que
antes das eleições, os grupos militares se reuniam e discutiam o que
seria a vitória do candidato do PSD, não chegando a uma decisão tomar.
Com o resultado da eleição, porém, a coisa mudou e as reuni ões
passaram a se processar no sentido de não se deixar empossar o eleito.
(Portella, 1979:13)
O general não apresenta claramente o grupo que partilha desta opinião, mas
sabemos que é a “maioria”. Portella procurou o então coronel Ernesto Geisel para
convencê-lo a aderir a conspiração contra Kubitschek, juntamente com o seu irmão, o
general Orlando Geisel. Geisel negou -se a conversar com o irmão, achando que a causa
estava sujeita ao fracasso. Entendia que a eleição estava realizada e o caminho era a
posse do eleito.(Portella, 1979:12)
50
A diferença entre os dois generais chegou num estado de inimizades, tornando -
se insustentável quando do golpe desferido em 1º de abril de 1964. A tragicômica
tentativa de barrar Juscelino Kubitschek e João Goulart em 1955, a bordo do
Tamandaré foi prontamente combatido pelo General Henrique Lott, à época Ministro da
Guerra, levando Portella e os demais adesistas à prisão. Sobre esse episódio, diz
Portella: “a nossa permanência a bordo do Tamandaré serviu para testemunhar à Nação,
quanto é sólido o sentimento da união dos militares. (Portella, 1979: 24)
Antes de ser um dos “curingas” na articulação do golpe, Portella ainda participa
de Jacareacanga, outro movimento de contestação a posse de Kubitchek em Janeiro de
1956, comandado por Penna Boto.
Na década de 60, indiretamente ele se vincula a outro levante, o de Aragarças,
outra rebelião militar comandada por integrantes da FAB, sendo inclusive julgado pela
participação nesse. Após a desistência de Jânio Quadros em concorre r à Presidência da
República, em 1960, alguns militares se mobilizaram para protestar. Segundo Portella,
eles
não se conformaram com o que ia acontecendo pelo país e, seguros de
que a desistência de Janio era irreversível, resolveram fazer um
movimento isolado de protesto. Este pequeno grupo convenceu -se da
idéia e nada o demoveu. (Portella, 1979: 36)
Ainda na década de 60, no governo João Goulart, foi subordinado a Golbery do
Couto e Silva na secretaria do Conselho de Segurança Nacional, sendo mais tard e
enviado para o sul. Neste local Portella inicia com mais exatidão suas atividades
conspiratórias, ligando -se ao coronel Menna Barreto, integrante do IPES de São Paulo.
Mais tarde, em outubro de 1962, é apresentado à Costa e Silva, vinculando -se ao
General no Departamento Geral de Pessoas.
51
Servindo no departamento de Provisões Gerais, Portella foi um dos mensageiros
da “chama revolucionária” dos militares. Ligando -se aos generais Cordeiro de Farias,
Olimpio Mourão Filho e Costa e Silva, o “curinga” empreen de viagens por todo o
Brasil, arregimentando militares para o movimento que logo seria desferido.
Encarregado de coordenar as transferências no ambito do Departamento
Geral do Pessoal, e ao receber os memorandos do gabinete do Ministro,
determinando transferências e mais transferências, e sabendo que elas
incidiam sobre oficiais simpáticos à Revolução, fui ao General Arthur
Costa e Silva e expus-lhe o fato. Após meditar e discutir com o auxiliar,
sobre a solução a adota, de sorte a não prejudicar os oficia is e aliciá-los
para a Revolução, decidiu que fossem colocados no eixo Rio -São Paulo e
Minas Gerais. (Portella, 1979: 66)
Em seu livro, Portella descreve nomes, setores e departamentos visitados no
intervalo de três anos desde a posse de João Goulart à sua derrubada em abril de 1964.
Juntamente com o Coronel Edmundo Neves, consegui estabelecer um
primeiro encontro dos Generais Costa e Silva, Cordeiro de Farias e
Nelson de Mello. Nesse contato, analisaram bem a situação, fizeram um
balanço daquilo com q ue sabiam contar, para o movimento, mas
estabeleceram que trabalhariam, ainda, sem preocupação de chefia.
(Portella, 1979: 69)
Vale mencionar que mesmo entre outros militares, não houve atribuição a um
único general a chefia da conspiração
6
. Para Ernesto Geisel, houve inclusive uma
diferença quanto ao dia para a saída do movimento:
pensava-se que o movimento fosse sair uns dois ou três dias mais tarde.
Tinha havido a revolta dos marinheiros e a audiência dos sargentos no
Automóvel Clube, e nós acháv amos que o problema estava maduro,
inclusive porque muitos oficiais que eram apáticos ou não se envolviam,
a partir daquele momento, sentiram que a situação estava ficando muito
ruim e, como nós dizíamos, saíram de cima do muro e vieram para o lado
da revolução. De repente, de manhã, fomos surpreendidos pela ão do
6
Ver em Celso Castro e Maria Celina D´Aráujo a entrevista dos militares sobre visões do golpe. È comum
entre os generais a idéia da articulação em todo Brasil, todavia, não um acordo sobre a liderança do moviment o.
Entende-se a existência de diversos grupos que se articulavam em torno de Cordeiro de Farias, Costa e Silva, Nelson
Mello e Olympio Mourão. Castello Branco, como Chefe do Estado Maior na época, articulou nas sombras, tendo em
Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva seus principais assessores.
52
Mourão, que se revoltara em Minas. Achamos que não se podia esperar
mais, porque se o resto ficasse parado e não se fizesse nada, o movimento
do Mourão fracassaria, o que seria muito ruim. Resol veu-se desencadear
o movimento no Rio. (Araújo et al., 1997: 157).
Portella, ainda como principal assessor de Costa e Silva no Departamento
Provisões Gerais, desenvolveu de forma mais apurada as ligações entre os oficiais do
exército. Descrevendo a ar ticulação uma importante caracterização de Portella sobre o
golpe de 1964, expõe a chamada base social do movimento:
Aproveitou-se a oportunidade, para um trabalho mais profundo junto aos
oficiais que cursavam a Escola de Aperfeiçoamento, pois estavam prestes
à conclusão dos cursos, e retornariam aos corpos de tropa, levando a
chama da Revolução. Da mesma maneira, na Escola de Comando e
Estado-Maior, onde cursava uma verdadeira elite do Exército, os
companheiros que pertenciam ao Corpo Docente, entre el es, os Tenentes-
Coronéis João Figueiredo, Walter Pires, Medeiros, José Maria Covas,
Hélio Mendes, Navarro, Ira Ent; Majores Ernani Dáguiar e José
Trancredo Ramos, desenvolviam um trabalho de aliciamento, junto aos
oficiais-alunos. (Portella, 1979: 68)
As articulações perpassaram contatos com o Estado Maior dos generais, ou o
controle da Vila Militar, Escola de Oficiais. Não se vê alusão ou contato com a chamada
baixa patente. A organização do golpe precisava contar com o estado de ânimo dos
oficiais, e o de sargentos ou cabos, de uma forma ou de outra, mais associados a
defesa da plataforma nacional -reformista.
Como vemos,
Em São Paulo, os trabalhos prosseguiam cada vez mais intensos, não
junto a oficialidade, mas também junto aos civis, quando ho mens de
empresa davam o seu apoio ao movimento, correndo todos os riscos. Os
trabalhos do Coronel Cidi Osório e do Major Restel apresentavam os
melhores resultados. Os Generais da Reserva Sebastião Dalísio Mena
Marreto e Ramiro Goreta amiudaram contato com os companheiros da
Reserva e com os civis. (...) Em Minas Gerais, o General Olympio
Mourão intensificava cada vez mais os seus trabalhos, mantendo contato
com as suas unidades através de oficiais de seu Estado Maior.(Portella,
1979:88)
53
Assim como este detalhamento em diversos nomes aparecem comprometidos
com a conspiração, Portella explicita a sua adesão a um dos grupos conspiradores:
O grupo que eu pertencia ligava -se ao General Costa e Silva, era o de
maior expressão, pois continha a maioria dos compa nheiros
remanescentes das tentativas de movimentos passados./.../ Eu me ligava
ainda aos generais Cordeiro de Farias e Nelson de Mello. (Portella,
1979:11)
Sobre a formação dos grupos militares, Moniz Bandeira afirma no bojo das
suspeitas do governo de João Goulart quanto aos movimentos de conspiração, que “sua
tolerância, entretanto, permitiu que a conspirata se alastrasse no seio das Forças
Armadas, tendo como um dos eixos principais a Escola Superior de Guerra , apelidada
de Sorbonne, cujos ideólogos eram amigos do Coronel Vernon Walters.”
7
Não existem
dois grupos estáticos - um ligado a ESG, sob comando de Golbery e Geisel, e de outro
lado, o costista, tendo Costa e Silva como principal agregador, apartados na atividade
conspiratória. Somam -se a esses outros grupos conspiratórios, cujo a única forma de
avalizá-los é pensar os elementos e os personagens comuns em cada corrente militar.
Para René Dreiffuss, sobre a questão dos contatos que os grupos conspiradores
mantinham entre si, os generais ligados a ESG tiveram contato direto com outros
grupos. Um deles seria o General Cordeiro de Farias, “os generais do Grupo IPES/ESG
constituiam também as ligações chave com outros grupos. O General Cordeiro de
Farias, que se destacava como articulador político do s militares, tinha outras funções
importantes dentro da estratégia geral deste grupo de oficiais. (...) Surgindo
inesperadamente nas cidades mais diversas, graças ao grande apoio logístico que seu
grupo recebia, e entrando em contato com as mais variadas f acções conspiratórias, foi
7
/… e engajados no anticomunismo da Guerra fira, passaram da concepção sobre a inevitabilidade do
confronto atômico entre os Estados Unidos e a União Soviética para a doutrina da guerra contra -revolucionária,
sempre ao compasso do Pentágono” BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart e as Lutas Sociais. Ed.
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro , 1978
54
capaz de desviar a atenção do governo do movimento civil e militar do Grupo
IPES/ESG.” (Dreifuss, 1981: 369 -70)
Dreifuss argumenta que todos os grupos estavam interligados de alguma maneira
ao complexo IPES/ESG, pois diferentemen te de pensar apenas um golpe das Forças
Armadas, o autor parte da compreensão do papel civil na desestabilização do golpe por
meio da propaganda, campanhas e eventos cívicos contra o governo Jango. Tanto o
papel do IPES, quanto do IBAD, foram centrais na o rganização da conspiração nos
estados e nas cidades, buscando financiamento interno e externo para grupos
paramilitares e infiltração em setores “subversivos”, como sindicatos de trabalhadores
urbanos e rurais, organizações estudantis e partidárias. Em uma das articulações
implementadas pelo IPES/ESG, Dreifuss mostra claramente como se deu a ligação entre
os grupos conspiradores do meio militar e civil em estados diferentes.
Tomemos como exemplo, o caso de São Paulo. Um dos conspiradores do golpe,
o General Olympio Mourão, comandava a Região Militar do II Exército ele iria ser
transferido para MG em 1963. O General se relacionava com o Tenente -Coronel
Rubens Resteel, ligado ao IPES, organizando diversas atividades de conspiração
(aproximando oficiais, possíveis financiadores do golpe, etc.), mas não agradava ao
IPES São Paulo pelo seu passado integralista, sendo inviabilizada a sua atividade no
estado graças a ão do Tenente Resteel e pelo apoio do chefe do cofre do IPES, Julio
de Mesquita Filho (Dreif uss, 1981). Dreifuss explica que “o Tenente -Coronel Resteel
trouxe para o grupo novas idéias sobre liderança e formas de ação, bem como seus
próprios homens. (...) Ao invés de apoiar atitudes impulsivas, apoiava o planejamento
estratégico e a inserção de s uas atividades, coordenadas em São Paulo, no Plano
Estratégico geral coordenado pelo Rio, do qual o Tenente -Coronel Resteel trouxe o
elo.” (Dreifuss: 1979: 392)
55
Dreifuss afirma ainda que tanto o Tenente -Coronel Resteel, quanto o General
Dalízio Menna Barreto, ipesiano, foram os mobilizadores da conspiração na capital
paulista, pois a seção civil militar chefiada pelo General Menna Barreto desempenhou
duas outras tarefas muito importantes no campo da preparação psicológica das massas.
Sua seção era responsá vel pelo engajamento dos diretórios de partidos políticos do
Estado de São Paulo e das diretoras de clubes sociais, culturais e esportivos.” (Dreifuss,
1980: 384) Os dois oficiais também eram ligados a Portella, e foi o general que indicou
os nomes dos possíveis contatos de Mourão na capital paulista:
Em março de 1963, o General Mourão chegou a S. Paulo, onde assumiu o
comando da Região Militar. (...) Ele veio ao Rio de Janeiro e visitei -o.
Falou-me da sua disposição de prosseguir o movimento em S. Paul o.
Pediu-me alguns nomes de oficiais com os quais pudesse conversar. (...)
O General Menna Barreto procurou constituir um estado -maior civil
revolucionário, com personalidades de destaque dos meios empresariais e
sociais de São Paulo. (Portella, 1979:59).
Não podemos determinar o nível de conhecimento de Portella quanto as ligações
do IPES e da ESG na organização da conspiração paulista ou em outros estados.
Dreifuss alerta que “a rede militar do complexo IPES/IBAD, assim como oficiais
pertencentes a outros grupos que foram ativamente aliciados, operava em sistema de
intensa cooperação com civis, apoiando e reforçando algumas das atividades políticas.”
(Dreifuss, 1980: 361)
Compreensível que Portella o tivesse contato com os civis que conspiravam
juntamente com os militares, muito menos dimensão da complexidade que envolvia a
articulação em todos os níves, pois, propositalmente, isto era uma prática dos grupos
militares ligado ao IPES, uma vez que as ações eram coordenadas de maneira discreta,
frente a ameaça do aparelho de informação do Governo de João Goulart. Conforme
Dreiffuss afirma, “a presença do complexo IPES/IBAD não se tornou óbvia nos
movimentos paralelos de extremistas e tradicionalistas. Entretanto, o complexo
56
IPES/IBAD estava decisivamente e nvolvido em suas conspirações.” (Dreifuss, 1980:
370)
Nos escritos de Portella, diretamente relacionados à conspiração, as diferenças
entre a ESG e os costistas’ não são explicitadas. As polarizações tomam partido
após a efetivação do golpe. Também não há menção de uma ligação orgânica entre civis
e militares, a não ser indicações sobre o envolvimento civil em alguns grupos.
Propositalmente ou não, as ações conspiratória de Portella voltaram -se na sua maioria
para os militares. Porém, as memórias de Por tella adentram a uma especificidade do
grupo da ESG e a organização de um plano logo após a queda de Goulart, o que seria o
diferencial dos grupos:
enquanto no QG do General Costa e Silva, dadas as circunstâncias,
atuava o Comandante por intermédio de ofi ciais de ligação e através de
telefones, dando ordens e recebendo informações, o QG do General
Castelo Branco um apartamento residencial como o outro funcionava
como um escritório,(...) e somente veio a ser esclarecido dias depois.
Vários datilógrafos trabalhavam febrilmente, com os dedos metralhando
incessamente as quinas e a atenção concentrada em sua tarefa. Soube -
se depois que, naquela noite, os assessores do General Castelo
preparavam um plano de emergência para o Governo, esperando fazer
dele o sucessor de João Goulart. (Portella 1979:137).
Sabemos que Castelo Branco, amplamente respaldado pelos governadores
Carlos Lacerda, Ademar de Barros e Magalhães Pinto, ficou com a presidência, em 11
de Abril de 64, ‘eleito’ pelo Congresso. Costa e Silva, emcampou o Ministério da
Guerra e continuaria a dar de fato as ordens com o Comando Supremo da Revolução,
até a posse de Castelo Branco e o seu enquadramento, ‘forçado’ e ‘engolido’, no novo
mandato.
Não existiu um comando unificado, mas cada grupo militar se aglutinava em
torno de um general, que era visto como o líder proeminente (Cordeiro de Farias, Costa
e Silva, Castello Branco, Olympio Mourão e Golbery do Couto e Silva). Todos os
57
grupos tinham em comum o interesse de derrubar João Goulart e fr ear a ascensão das
forças populares, temendo o comunismo. O diferencial deu -se no grau de aproximação
com os civis. Aliás, esse foi o diferencial para que a candidatura Castelo Branco
ganhasse impulso junto aos governadores desconfiados da possível ação di tatorial de
Costa e Silva.
8
A ação de Portella não deixou der ser notada pelo Ministro da Guerra de João
Goulart, o General Jair Ribeiro, que quis transferi -lo
9
. Estando no interior do Ministério
e em um departamento que exigia a visita e a fiscalização fr equentes nos quartéis em
todos os estados da federação, o então coronel Jayme Portella não poderia
estabelecer os contatos possíveis para a conspiração, como também no planejamento de
datas para a saída do movimento. Conforme alguns estudiosos, a saída do movimento
golpista foi antecipado em alguns dias, com a proclamação do general Olympio Mourão
Filho, em 30 de março de 64
10
. O comandante da Região Militar, sediada em Belo
Horizonte, mobilizou sua tropa com o apoio das forças públicas do estado de Mi nas
Gerais, controladas pelo governador Magalhães Pinto, o golpe entrou em marcha contra
o governo constitucional de João Goulart.
8
A constituição não estava golpeada? O regime democrático não estava o golpeado? A principal questão dos
governadores como ficou muito explícito nas entrevistas concedidas pelos generais a Maria Celina D’Aráujo e Celso
Castro é a defesa de um presidente com melhor transito nos círculos civis. Costa e Silva não era esta pessoa.
9
Certa manhã, abri o “Diário de No tícias”, que publicava uma seção militar, e vi minha transferência para
a chefia de uma Circunscrição de Recrutamento em Ilhéus, na Bahia. O Gabinete do Ministro sabia que o homem que
manipulava as transferências era eu.” (Portella, 1979: 67) Costa e Silva havia saído do Departamento Geral de
Provisões, tendo assumido o general Décio Escobar que também dava cobertura a ação de Portella. O Ministro Jair
Ribeiro, irredutível na sua decisão, acabou tendo que aceitar outra manobra de Portella pedira licença prêmio,
permanecendo no Rio “em benefício dos trabalhos para a causa da Revolução”.
10
As várias versões dos momentos antecedentes ao golpe tratam de uma data combinada que previa a saída
dos tanques para antes ou depois de de AbrilAbril. As articulaçõ es entre o grupo de Castelo e de Costa e Silva,
pelos fatos que podemos retirar tanto de um autor que analisa o período, quanto de um dos personagens que interagiu
diretamente, é que existia um dia marcado para a saída dos tanques e, provavelmente, esta da ta era o dia 2 de
abrilabril de 1964: “Ele (Olympio Mourão), foi aconselhado pelos Generais Cordeiro de Farias e Nelson de Mello a
dar saída em conjunto com as demais forças revolucionárias e que seria avisado da data, provavelmente 2 de
abrilabril, justamente para se fazer ao dia 1, pouco recomendado.” (Portella, 1979:109) Para Moniz Bandeira, “O
General Castelo Branco mandou emissários a diversos Estados, a fim de coordenar as ações militares contra o
Governo, que deveriam principiar à noite de 2 para 3 d e abrilabril, de acordo com o seu plano, após a realização, no
Rio de Janeiro, da Marcha da Família.” (Bandeira, 1983: 172). Entretanto, Mourão afirmaria “Não estava prevista.
Previsto por quem? O único chefe da revolução era eu.(...) não tinha ligação nen huma com os revolucionários do Rio
de Janeiro, porque eu tinha cansado de procurar ligações com eles, cansado de cantar Costa e Silva, Castelo
Branco,... eles não queriam saber de revolução. Esta é a verdade histórica.” (Trindade, 1994: 132)
58
O grito truculento dos militares: os motivos do golpe
Cabe fazermos um levantamento acerca das motivações do golpe, a fim de
debruçarmos sobre um quadro das perspectivas adotadas pela historiografia, assim
como situar o gal. Portella e as suas explicativas quanto as razões do golpe. Jayme
Portella avalia os motivos do golpe numa trinca de razões, extenuamente e comumente,
explicitados por vários militares. Para Portella, o golpe se deu principalmente em
resposta a três situação dadas e instigadas pelo Governo João Goulart: a corrupção
desenfreda do governo, a quebra de hierarquia atingindo em cheia a instituição militar e
o comunismo que ameaçava desencadear no país um processo revolucionário. Na
bibliografia organizada por Maria Celina D´Araújo no início da década de 90 estes
motivos são recuperados através do depoimento oral de militares. Uma outra coleção
organizada pela Biblioteca do Exército, com base também em depoimentos militares,
tais motivos são também por quase todos apontados como razões comum para o golpe.
Por fim, julgamos necessário realizar uma análise quanto aos elementos que se
assemelham nas explicações milit ares e nos estudos históricos, com intuito de abordá -
las criticamente, concomitante a análise dos escritos de Portella. Veremos uma a uma
estas explicações.
João Goulart ao final de 1963 tendia a retomar o apoio do partido comunista, dos
sindicatos e, principalmente, da oficialidade de baixa patente que garantiu a sua posse
em 1961, após a renúncia de Janio Quadros. Em setembro de 1963, Jango tentara
aprovar o Estado de Sítio pelo Congresso, encontrando forte resistência do PTB e
sindicatos, assim como do PSD e da UDN, tendo que abandonar esta matéria. Após três
anos de idas e vindas nos apoios políticos vale lembrar que além do PTB, a maioria do
PSD lhe deu amparo a partir do referendo o qual aprovou o presidencialismo, e que
durante o ano 1963, Brizola e grande parte dos sindicatos afastaram -se de João Goulart
59
quando esse se aproximou do PSD , Jango parecia tentado a definitivamente realizar
as Reformas de Base, amparado na força popular, conforme Bandeira “por ocasião da
abertura da sessão legislativa de 1964, convocou um comício apoiado pelos sindicatos,
para o dia 13 de março, no Rio de Janeiro. Outros se realizariam nas cidades de Porto
Alegre, Recife, Belo Horizonte e São Paulo. (...) Goulart mostraria ao Congresso que o
povo brasileiro o apoiava. E, se caísse, cairia de pé, na batalha pelas reformas de
base.”(Bandeira, 1983:162) No início de 1964, com o aumento dos antagonismos entre
as classes sociais, cujo Boletim da FIESP não deixa nenhuma dúvida, o presidente viu -
se reconstruindo o apoio junto as classes trabalhadoras e aos militares da baixa patente.
Sabemos também que as articulações para o golpe atingiam um outro patamar a partir
de 1964. Para Portella
O começo de 1964 assinalava a fase mais grave das agitações dirigidas
pelo Governo e seus adeptos. Oficiais que antes ficaram alheios ao que
ocorreria no País passavam a se preocupar. Já concordavam em conversar
e achavam que alguma coisa precisava ser feita para estancar a onda
crescente da subversão vermelha. Alguns admitiam ser incluídos num
movimento conduzido por chefes mais experientes e responsáveis, com
receio de caírem em sortidas aventurosas, sem esperança de êxito.
(Portella, 1979: 84)
Nesse quadro de conflito ascendente, exasperação das posições militares, da
ação de Jango e da campanha comandada pela burguesia, o golpe de 31 de Março
entrava em marcha.
O primeiro elemento a ser pensado aqui é a quebra da hierarquia militar,
ameaçada com as medidas de Jango. Para Portella, a quebra da hierarquia foi o estopim
para a saída dos militares, concretizada durante a reunião dos Sargentos no Automóvel
Clube, onde a participação de João Goulart, contrariando a recomendação dos militares
de alta patente, foi entendida como uma provocação:
Esse comício do dia 30 (março) foi o ponto culmina nte de insensatez
governamental: uma reunião de inferiores das Forças Armadas, presidida
60
pelo Chefe de Estado, que compactuava com a indisciplina e liquidação
da hierarquia militar independentemente de posição política, não haveria
militar que não se senti sse ferido naquilo que de mais caro e mais
nobre em suas instituições: a disciplina e o respeito as leis que a regem.
(Portella, 1979: 118, grifos nossos)
Antes dissso, Portella descrevera o comício da Central do Brasil ocorrido em 13
de Março de 1964, no qual
o espetáculo era terrível, a multidão gritava inflamada, o que preocupava
os espectadores que assistiam de seus televisores, em suas residências.
(Portella, 1979: 95).
Para o general Portella havia um grande risco no Comício, pois era muita s
pessoas vindas de vários pontos da cidade do Rio de Janeiro:
à tarde começaram os trens e os ônibus a despejar a grande massa
humana, que participaria do comício. Surgiram de todos os recantos da
cidade blocos compactos de gente de todas as categorias, (...) ali se
concentraram trabalhadores verdadeiros, pelegos dos sindicatos,
esquerdistas, comunistas e curiosos variados pelo espetáculo. (Portella,
1979: 94)
Concomitante ao comício, a classe média carioca promovia um ato de desabono
ao Comício na Zona Sul. Apoiado pela CAMDE, organismo responsável por campanhas
e mobilizações contra o governo e braço do IBAD, o ato pedira a todos que não estavam
de acordo com o que era visto na TV, acenderem velas nas janelas como sinal de
protesto (Silva, 1983).
Era como se fosse um ato de fé, de crença em Deus, pedindo benção pelo
Brasil, para salvá-los das garras do comunismo, e demonstrando ver
claramente, naquele comício, os dias amargos que se vislumbrava.
(Portella, 1979: 95).
Se a hierarquia fora quebrada com a reunião dos sargentos, ficou explícito no
excerto transcrito do livro de Portella, que o erro do comício era a participação do povo
assim como seus objetivos - o que representava a marcha para o comunismo. E da TV
61
de suas casas considerando que tratamos de 1964, cujo o aparelho televisor não era
massificado, a não ser para pessoas com mais recursos - as pessoas repeliam ao
‘espetáculo’ de esquerdismo. A maturação do golpe ganha como componentes
propagandístico mais impactante no mês de março de 19 64 os comícios da direita as
marchas da família com Deus pela propriedade -, e os da esquerda a chamada de
Jango para a realização de outros comícios como o da Central do Brasil -, que
polarizavam as pessoas como nunca antes visto no Brasil.
Para Portella, o incentivo a participação dos ‘inferiores’ nas manifestações é
um ato inconstitucional. Tentar derrubar o presidente da república por uma conspiração
não pode ser compreendido como a mesma coisa? Ou manipular as nomeações militares
em prol de dispositivos conspiratórios? O General Meira Mattos, em entrevista a Maria
Celina D´Aráujo, afirma que o exército perde sua função constitucional no momento em
que um presidente não respeita as leis. O General o mesmo que invadiria de armas em
punho o Congresso em 1966 -atribuía esta elaboração ideológica que sustentou o
conceito de revolução” para o movimento de 1964 ao General Castelo Branco. Castelo
em sua circular reservada aos generais e militares do Estado Maior afirmara que,
“entraram as Forças Armada s numa revolução para entregar o Brasil a um grupo que
quer dominá-lo para mandar e desmandar e mesmo para gozar o poder ? Para garantir a
plenitude do grupamento pseudo -sindical, cuja cúpula vive na agitação subversiva cada
vez mais onerosa aos cofres púb licos ? Para submeter a Nação ao comunismo de
Moscou ? Isto, sim, é que seria anti -pátria, anti-nação e antipovo”
11
Não cabe a
discussão sobre inconstitucionalidade dos atos de um e de outro, pois poderíamos
argumentar que também houve “quebra de hierarqui a”, desrespeito as leis” e
“indisciplina” ao governo João Goulart.
11
Circular Reservada de 20-03-1964 aos generais e demais militares do Estado Maior do Exército e das
organizações subordinadas, apud BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart e as Lutas Sociais no Brasil 1961 -
1964, p. 168
62
No entanto
As ‘esquerdas’, foram assumindo postos de importância no governo e o
comunismo foi penetrando nas camadas menos favorecidas e se
infiltrando nas próprias forças armadas. (Porte lla, 1979:59)
E
Os proprietários rurais, alarmados, e alguns deles estimulados por líderes
da Oposição, passaram a se armar para a defesa de suas terras. De outra
parte, os camponeses eram instigados à invasão de propriedade no
interior de Minas Gerais, do Estado Rio, do Pernambuco e de outras áreas
do Nordeste. (Portella, 1979: 86)
Como considerar que, nas palavras do próprio general Portella, a disciplina e os
respeitos as leis que regem este país são os sustentáculos de uma instituição, se este
mesmo general confessa que a articulação do golpe tem raízes ainda em 1955, quando
da posse de outro presidente? Para além, coadunado a questão de quebra da hierarquia,
soma-se a preocupação, nítida, do avanço das mobilizações populares. Porém, esse é um
outro ponto a ser abordado mais a frente. Portanto, o discurso de respeito a leis aparece
aqui como retórica, mais do que fundamento prático. A hierarquia militar, ponto
discutido pelos mais variados estudiosos das Forças Armadas, é argumentada como
principal particularidade da instituição militar. Todavia, não pode ser compreendida
como fator unívoco no processo histórico. Relatos de quebras de hierarquia sempre
tiveram para a história do Brasil seu traço de dramatismo e heroísmo. A Revolução de
30, assim como a derrubada de Vargas, tiveram como premissas, a priori, a quebra da
hierarquia para com o presidente, comandante supremo das Forças Armadas. Se isso,
ainda assim, pudesse justificar a rigidez da estrutura militar, em 1955, o Ministro da
Guerra Teixeira Lott teve de enfrentar a reação militar contra a vitória de Juscelino
Kubitchek. Neste caso, a quebra de disciplina e de hierarquia pode ser entendida de
forma diferente pelos diversos agentes envolvidos. Pesquisa ainda mais a fundo na
história, o episódio do 18 do Forte de Copacabana, assim como a Coluna Prestes, em
63
1922, conjunto das reações tenentistas ao coronelismo, foram também quebra da
hierarquia militar. Mas cada um é visto de forma diferente no que consta como herança
para as Forças Armadas
12
. Todos esses movimentos não podem ser compreendidos à luz
da quebra de hierarquia ou da disciplina militar. A o ser como nexo constitutivo de
uma ideologia que vise justificar o fato para os vencidos ou aos derrotados. Na mesma
lógica, o golpe de 1964 não pode se r visto apenas como quebra de disciplina ou
hierarquia, pois existiu como resposta à ascensão do programa de Reformas de Bases.
As reformas eram amplamente apoiadas pela classe trabalhadora e oficiais da baixa
patente, mas tinha a oposição massiva de setor es da burguesia, imprensa escrita e cúpula
militar. Esses agentes foram os responsáveis diretos pelo Golpe de Estado.
João Goulart não era e nunca foi um estrategista associado a Moscou, muito
menos o seu governo, somado a uma orientação reformista do capitalismo, nunca se
colocou como fiadores do comunismo no Brasil. Nos termos de Moniz Bandeira,
mesmo a “convivência PTB -comunistas não indicava, evidentemente, que eles
estivessem no Governo. Mesmo o Departamento do Estado (dos EUA), com o seu
daltonismo ideológico, considerava “escassas as possibilidades de que os comunistas
dominassem o Brasil em futuro previsível.” (Bandeira, 1983: 159)
Para Glaucio Soares, no governo João Goulart precipitou -se a ativa participação
popular e os movimentos sociais como nunca antes visto, fortalecendo do outro lado a
reação de ‘direita’ contra as esquerdas, pois o acesso de grupos radicais aos meios de
comunicação de massa e a intensa proselitização ideológica geraram o receio, por parte
de muitos militares e de amplos setores da classe dia e até de setores da classe de
12
Juarez Távora foi um dos principais líder es do Exército nas mobilizações dos anos 20. Compartilhava com
Luis Carlos Prestes e os demais militares a mesma visão política sobre o papel do coronelismo no atraso brasileiro. O
18 do Forte é visto como a primeira ação militar contra os desmandos das ol igarquias rurais. A Coluna Prestes,
herança do 18 do Forte, não é vista pelos militares da mesma maneira que o movimento de 1922. A adesão de Prestes
ao comunismo define duas formas de enxergar movimentos diferentes, mas pertencente ao mesmo quadro de luta s
presente no ano de 22.
64
trabalhadores, de que se gestava um regime radical de inspiração comunista.” (Soares,
1994: 25)
A propaganda foi usada para alimentar a sensação de ‘Revolução Popular’, mas
ao contrário do afirmado por Soares (1994), acreditamos que a ameaça comunista não
tenha se constituído como via de mão única, mas, pelo contrário, como resposta da
classe trabalhadora que encampava os projetos pretendidos por João Goulart,
vislumbrando uma solução para as perdas sala riais decorrentes do aumento do custo de
vida (Francisco Oliveira, 2003). Todavia, a retórica de “esquerda” não pode servir de
justificativa para a ação da “direita”, ou seja, atribuir aos anseios das classes
trabalhadoras como ameaçadores para a ordem soc ial, conforme o exposto por Gláucio
Soares (1994), serve mais para justificar o golpe e do que compreendê -lo. No alto
estágio de mobilização das lutas sociais, os movimentos não possuíam reivindicações de
transformação do regime pela via revolucionária, as sim entendida como ruptura da
estrutura social e da institucional idade política, mas, pelo contrário, pontuavam seus
objetivos por medidas que julgavam estar na vontade política do presidente ou por
conquistas gradativas, mesmo radicais, mas confortando -as ao apoio do presidente João
Goulart
13
. As reivindicações eram radicais dadas às condições históricas em que elas se
expressaram, porém -las como um projeto revolucionário, como a propaganda
burguesa comandada pela IPES e o IBAD disseminaram, é outra coi sa.
A massa da população tinha uma relação dúbia com as lideranças dos aparelhos
políticos mais representativos da classe, como UNE, CGT e o próprio PCB. As
lideranças se distanciavam das suas bases quando se mostravam mais confiantes na
vontade de João Goulart em realizar as reformas e no dispositivo militar do General
13
Ver o artigo de Lucília Almeida Neves in TOLEDO, Caio Navarro de, 1964: Visões Críticas sobre o
Golpe, Campinas, Ed. Unicamp, 1997, pp.55 -76. A autora trabalha sob a perspectiva da crise da utopia populista, a
tendência de reformismo que caracteriza as lutas sindicais, principalmente a travada pela CGT (Comando Geral dos
Trabalhadores). José Roberto Martins no mesmo livro, fala sobre os movimentos estudantis e suas ambições na época
, principalmente pela atuação da União Naciona l do Estudantes (UNE), pp.75 -82
65
Assis Brasil
14
para impedir o golpe da direita, do que na organização dos trabalhadores.
Todavia, a não ser pela retórica pecebista ou pelos discursos inflamados de Brizola, não
se ambicionava de forma consciente uma revolução proletária. Ainda sobre Brizola vale
ressaltar outro ponto: a ação da Frente de Esquerda comandada pelo deputado gaúcho
era mais de pressão ao Congresso comandado pela UDN e PSD, fomentando assim a
idéia de Assembléia Nacional Constituinte que representasse a maioria da classe
trabalhadora, do que uma plataforma para a revolução comunista. Outros autores
compreendiam que essa intenção de Brizola era uma tentativa de golpe, mas isso, de
fato, não se consumou. Para Moniz Bandeira, era a conseqüência da política de
conciliação, da perspectiva nacional -reformista, das ilusões democráticas, não só de
Goulart como de vasto segmento da esquerda.” (1983: 182)
Na construção do ideário dos revolucionários” de 1964, o conflito de classes,
resultante do processo de perda das classes trabalhadoras e de readequamento da ordem
produtiva no Brasil, eram denunciadas pelas hostes conspiradoras da época, introjetadas
na vida dos quartéis, servindo para insuflar às adesões de outros mili tares. Neste caso,
qualquer coisa era vista como influência comunista. Portella, por exemplo, acusava João
Goulart de fazer campanha doutrinária de subversão com livros paradidáticos.
Cartilhas, seguindo os modelos marxistas eram publicadas com slogans
comunistas e destinadas à alfabetização de adultos. O Ministério da
Justiça nada fazia para deter a onda de subversão, preferia a omissão.
(Portella, 1979: 61)
Ele alerta que não o Partido Comunista gerenciava a subversão, mas
denunciava a sua penetração nos órgãos governamentais, inclusive militares.
O Partido Comunista, com a cumplicidade do Governo estimulava cada
vez mais as greves que proliferavam a todo o instante. Conseguiu
14
Ver em GORENDER, Jacob. O combate nas Trevas . o Paulo : Ática. 1987.. Gorender apresenta uma
ácida crítica a estratégia adotada pelas lideranças sindicais e partidárias de depositar no dispositivo militar de Assis
Brasil a confiança de que não haveria qualquer tentativa de golpe sem reação das forças governamentais.
66
dominar a Petrobrás, pois tinha, na presidência da empresa o Sr.
Francisco Mangabeira. (...). Outros setores da administração pública,
inclusive autárquicos, foram -lhe caindo nas mãos. (Portella, 1979:61).
A serviço da revolução”, o catastrofismo sobre a suposta posição avançada do
comunismo alardeava as posições mais belige rantes dos militares. A “revolução” se
amálgama sobre o sentimento da catástrofe iminente que a estratégia comunista
internacional programava para o Brasil. Portella apresenta outro indício deste
sentimento:
O deputado João Calmon prosseguia em sua prega ção contra o
agravamento da ão comunista, falando dessa vez, aos brasileiros do
Recife: ‘Impõe-se que nós democratas, neste momento de grave perigo,
preparemo-nos para combater os comunistas em qualquer terreno e com
qualquer arma’. Mas Leonel Brizola, c ontinuava o seu programa, pela
Rádio Mairynk Veiga, às sextas -feiras, pregando a “revolução popular”.
Num daqueles programas, em fins de Janeiro, somavam milhares de
combatentes em todo o País e que, em breve, alcançariam o total
almejado de 300.000 hom ens, para desencadear a ação que pretendiam.
(Portella, 1979:87)
Os serviços de propaganda e de alarde sobre o perigo do golpe vindo de João
Goulart mesclam-se aos interesses dos militares golpistas. O sinal do perigo comunista é
“aceso” na caserna a tod o o momento, seja em editoriais de Jornais, em manifestação de
políticos ligados ao PSD e a UDN ou ainda pelos próprios militares. Falando à
Sociedade Interamericana de Imprensa em Miami, o dono do jornal O Estado de São
Paulo, frequentador assíduo de roda s conspiradoras civis no estado de São Paulo
15
,
pincela esta síntese do quadro político do Brasil de ameaça comunista, que segundo o
mesmo, “existe o perigo de o Brasil se converter em outro bastião comunista, como
Cuba (...) Se o Brasil chegar a ter uma di tadura esquerdista, isto significará a guerra
15
“Um dos movimentos mais importantes contra Goulart foi fundado por três sócios do IPES, todos
advogados de São Paulo (...) Logo começaram a se reunir com um número crescente de outros profissionais liberais e
homens de negócios de São Paulo, pertencentes ou não ao IPES. Um dos contatos mais importantes foi lio de
Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de São Paulo, que se tornou chefe nominal do grupo.” SILVA, Hélio. Op.
Cit, p.255
67
atômica. Se chegar a estabelecer -se uma cabeça-de-ponte russa no Brasil, os Estados
Unidos terão de aceitar tal guerra e então será o fim”.
16
Não cabe fazermos menções a ação do Partido Comunista Brasileiro, poi s não é
este o objetivo do trabalho, mas necessitamos de algumas considerações sobre os
exageros apresentados por Portella pois se existissem trezentos mil homens prontos,
como “denunciados” pelo general, e a serviço do comunismo, a resistência ao golpe não
seria tão frágil - que coadunam com o impacto da campanha empreendida pelas
associações de classe da burguesia, mas que esbarravam apenas num problema: a
prática do PCB ia de desencontro ao aquilo que atribuíam
17
. Sob a esfera de influência
do stalinismo e da III Internacional, os teóricos do partido comunistas caracterizaram o
Brasil na década de 50 e 60, como um país pré -capitalista, gerando ainda a sua classe
burguesa. Com a idéia de “etapismos” para a revolução socialista, a tática adotada pelo
partido, refletido inclusive na ação de seus sindicatos, era forçar uma aliança da classe
trabalhadora com uma burguesia nacional, fortalecendo uma revolução democrática que
daria condição para o amadurecimento das forças produtivas e assim, ajudar no caminho
para uma transformação socialista. Façamos duas importantes caracterizações uma
sobre a estratégia da esquerda comunista e outra sobre a burguesia nacional, fornecendo
um quadro de contraponto de uma possível campanha doutrinária denunciada por
Portella em seu livro e pelos demais golpistas no período estudado.
16
Apud BANDEIRA, Moniz., O Governo João Goulart e as Lutas Sociais no Brasil 1961 -1964. Civilização
Brasileira : Rio de Janeiro. 1985. p.143
17
O PCB, após as denúncias de Brejnev contra Stalin no XX Congresso do PCUS (1956) , e tentando prover
um processo de “desestalinização” do partido, irá elaborar um novo documento que orientará a prática do partido a
partir de então. Elegem o imperialismo norte -americano como principal obstáculo para o desenvolvimento e o
nacionalismo como mote aglutinador das forças sociais: o proletariado e a burguesia se aliam em torno do objetivo
comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte -americano” e
“Tendem a unir-se e podem efetivamente unir -se no movimento nacionalista a classe operária, os camponeses, a
pequena burguesia urbana, a burguesia e os setores de latifundiários que possuem contradições com o imperialismo
norte-americano”. Declaração sobre a política do PCB, Março de 1958, in PCB: Vinte anos de Política
(Documentos). LECH, São Paulo, 1980. p.15. A desastrada tática adotada pelo PCB e o equívoco na caracterização
social, colheria mais a frente (em 1964), os frutos desalentadores para a classe trabalhadores: um golpe militar sem
nenhuma reação. Vale mencionar alguns vocábulos presente na plataforma pecebista da época: “pressão pacífica”,
‘vitória em pleitos eleitorais’ e ‘impor ou restabelecer a legalidade democrática’’. Fica difícil de acreditar numa
estratégia comunista revolucionária.
68
Caio Prado Júnior, principal polemista da estratégia escolhida pelo PCB, afirma
que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil assentou -se sobre formações de
classes específicas, geridas por situaçõe s que o podem ser comparada, de forma
alguma, com o feudalismo na Europa, sendo um descalabro a caracterização de “restos
feudais”
18
para as reminescências agrárias do Brasil do início do século XX feita por
Edmundo Moniz e Nelson Werneck Sodré. A economi a no Brasil adentrou ao
intercâmbio de mercadorias na época da colônia, fundamentalmente, como exportadora
às áreas de centro com a Cana de Açúcar, estruturada sobre sistema de plantation e o
uso da mão de obra escrava, o que também potencializou outros grupos sociais ligados
diretamente ao tráfico negreiro. Esta formação engendrou formas de ser social que não
casavam com os modelos explicativos que a esquerda pecebista usava para entender o
processo histórico brasileiro. Soma -se a isso, a indevida precis ão de pensar na burguesia
nacionalista, revolucionária e, a priori, anti-imperialista, quando estas se confundiam
diretamente com a gestão do capital das transnacionais estrangeiras, pois “s eria aliás de
estranhar que outra fosse a reação e atitude da burg uesia brasileira em face de
imperialismo, dadas as vantagens e benefícios que ele lhe tem proporcionado. (...) E sob
esse aspecto, a penetração do imperialismo na economia brasileira e suas atividades o
pode ser para a burguesia brasileira, ou qualquer d e seus setores tomados em conjunto,
motivo de queixas.” (Prado Jr, 1978: 120).
Tais equívocos impediram os teóricos da comunistas de formularem uma teoria
política de ação a luz de análise da realidade brasileira sem o uso de modelos pré -
18
Ainda no documento do PCB. Como decorrência da exploração imperialista norte -americana e da
permanência do monopólio da terra, a sociedade brasileira está submetida, na etapa atual da sua história, a duas
contradições fundamentais. A primeira é a contradi ção entre a nação e o imperialismo norte -americano e seus agente
internos. A segunda é a contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de produção semi -
feudais na agricultura. O desenvolvimento econômico e social do Brasil torna n ecessária a solução dessas duas
contradições fundamentais” Op cit., p.13. Francisco de Oliveira, em Crítica a Razão Dualista, deu a resposta a essa
questão, já que a agricultura e a indústria no Brasil nunca se colocaram como fator contraditório, mas deci sivo para o
desenvolvimento da segunda em detrimento das transformações ocorridas na primeira, principalmente, na formação
de um exército de reserva e a inversão de produtos alimentícios mais baratos, moldando o custo mais baixo de
reprodução da força de t rabalho urbano, decisivo para acumulação das forças capitalistas.
69
concebidos herdados pelos manuais stalinistas. Conforme Prado Jr, “foram sem dúvida
essas insuficiências teóricas que tornaram possível encaixar o mesquinho embate de
facções, que agitava o cenário político brasileiro, em teorias decalcadas sobre modelos
estranhos e completamente alheados da realidade do país e com isso assemelhando
aquela luta a grandes e profundos acontecimentos revolucionários: nada menos que
conflitos decisivos de classes e categorias sociais que diziam respeito à própria estrutura
econômica e social do país.” (Prado Jr, 1978: 27)
Nesse sentido, nada mais estranho que depositar a uma dada classe a consciência
que não haveria de possuir. Em outra oportunidade, Fe rnando Henrique Cardoso,
particularizando a formação das classes industriais no Brasil, afirma va, em 1962, que a
situação peculiar da burguesia industrial na sociedade de massas em formação e a
situação em que se encontra no processo de industrialização, fazem -na temerosa e
incapaz de romper os vínculos com a situação de interesses tradicionalment e
constituídos, isto é, com os grupos estrangeiros, com os grandes proprietários e com os
comerciantes e banqueiros, a eles ligados.” (Cardoso, 1962: 191)
Em ntese, explicando as condicionantes de uma burguesia nacional
contingenciada por forças política s tradicionais ligadas ao latifúndio e pelos agentes
estrangeiros do capitalismo, a pretensa burguesia “nacional” era incapaz de se
autonomizar, que a participação isolada de industriais ou de grupos de industriais no
jogo político tende a caracterizar -se pelo individualismo e, muitas vezes, pelo
oportunismo: agem para alcançar algum grau de influência que permita proveitos
diretos para si ou para suas empresas.” (Cardoso, 1962: 69)
Esta digressão nos permite aventar algumas considerações sobre o “per igo
comunista” alardeado nos quartéis, na imprensa e nas associações de classe. Apesar da
imaturidade dos seus projetos e da situação de crise que dizimaram aquilo que alguns
chamavam de pacto populista (Oliveira, 1972), ou de conciliação entre classes
70
dominantes e dominadas, a oportunidade de uma ruptura radical e o clima de agitação,
na ótica das esquerdas e de suas lideranças, era apenas o fortalecimento de uma
revolução burguesa que pudesse cumprir o seu papel histórico de levar a democracia. A
agitação nos quartéis, com o clima de insubordinação, ao contrário da insistência de
alguns autores em apartar a instituição militar dos antagonismos de classe presente
naquele momento, eram ecos de uma situação que angustiava os de baixa patente
(‘inferiores’) contra os seus comandantes, que já haviam liderados, desde 1955, outras
tentativas de golpear a democracia no Brasil. Eram ecos de uma situação aviltante de
apropriação da riqueza social pelos mais ricos desde os primeiros governos da
República. Essa condiçã o concreta da realidade tocava diretamente não apenas na massa
trabalhadora, mas também no militar mais pobre, o de baixa patente, em todas as Forças
Armadas, apesar da instituição militar existir com todos os seus códigos próprios, mas
não apartados da sociedade
19
.
A alardeada quebra de hierarquia como motivo principal para a saída dos
militares, ao nosso ver, serve para omitir que os militares, no interior de suas frações,
alimentavam um monstro adormecido, que era a necessidade de assumir o comando do
nau brasileira. Mas jamais sozinho, o que a natureza do golpe não nos deixa mentir. Ao
tentar categorizar a intervenção militar que teria na hierarquia e na disciplina valores
inalienáveis, extrai-se a partir de então não só a justificativa, mas modelos que poderiam
ser aplicados em outro momento, em outras intervenções, igualmente insuficientes. A
análise de João Quartim nos parece ainda mais coerente, pois “nas três mudanças de
regime que o Brasil conheceu após a Revolução de 1930 (1937, 1945 e 1964), o
19
Com as transformação na base do desenvolvimento capitalista a partir do governo Juscelino Kubitschek,
para garantir os investimentos e os lucros do capital estrangeiro aportado no pais, há um aumento da taxa de
exploração da Força de Trabalho, traduzido na redução real do salário mínimo nos dez anos antes de 1964. Segundo
Francisco de Oliveira, O diferencial de produtividade, constatado o seu crescimento no período JK, permite aventar
que a sua relação assimétrica com os salários reais foi um fator importante para acumulação. A acelerada inversão do
período JK, fundou-se numa base capitalística interna pobre, requerendo para a sua viabilização aumento da taxa de
exploração do trabalho.” ( Oliveira, 2003: 78)
71
aparelho militar, embora tenha sempre desempenhado papel determinante, não respeitou
valores políticos constantes, não manteve a mesma atitude em relação às elites civis e
não perseguiu objetivos coerentes no plano institucional. (...) Cada uma das
combinações e das diferenças que articulam a análise dos três golpes poderia servir de
base para a construção de outros tantos modelos de intervenção militar.”(Quartim, 1996:
94) Isso permite sugerir que a exasperação de modelos prontos explicativos para o
golpe, como a recalcada quebra de hierarquia e de disciplina extraída dos discursos
militares, age como componente ideológico para forjar novas explicações dos golpe que
destituem dos embates dos diversos agetne sociais suas processualidade histórica. A
tensão militar remonta não apenas a fundação da Escola Superior de Guerra ou a
formação da Força Expedicionária Brasileira, mas também a mudança do perfil de
formação do soldado brasileiro visando impedir novos “tenentistas”. Em 1964, isso
parecia que o surtira ef eito, mas concomitante as transformações na estrutura da
caserna, houve também a formulação de um projeto para o Brasil, e este, no nosso
entendimento, agiu como fortiori no desencadeamento da ação militar. Cabe discutir
que projeto foi esse em outro momen to.
Um outro elemento é a respeito da corrupção janguista, o que nos faz pensar, a
partir da leitura dos escritos, as ideações de Portella em torno da figura do político e da
administração pública. Apesar de não formular a respeito, a sua práxis correspond e a
uma visão muito dura sobre os políticos em geral, sendo a corrupção política uma outra
razão para o golpe na visão do militar. Vejamos, inicialmente, a opinião Portella sobre o
governo Getúlio Vargas
A revolução de 1930, vitoriosa, pugnara pela resta uração dos direitos dos
cidadãos pela melhoria do padrão de vida dos brasileiros, aprimoramento
do processo de escolha dos governantes e moralização dos atos dos
administradores públicos.(Portella, 1979: 9)
72
A Revolução de 30 deu -se, em tese, contra as o ligarquias cafeeira de São Paulo e
contra a economia agro -esportadora, comandada por esses grupos. Com uma aliança
entre setores ligados a indústria, militares e a classe média urbana, a partir de 1930, uma
nova orientação econômica foi dada, respondendo a os anseios industrializantes do
período
20
. Getúlio Vargas, representante de proprietários gaúchos, é alçado ao poder
federal com apoio de militares e civis, acomodando e readequando novos agentes
políticos no poder. De 1930 à 1937 com a crescente tensão en tre comunistas e
integralistas, além das pressões autoritárias provindas de setores governamentais e
militares, Vargas articulou um golpe que levaria a implantação do Estado Novo. A
partir de então, o apoio militar foi a pedra fundamental da ditadura Varga s. Entretanto,
Portella afirma que
A Revolução de 30 não alcançara, portanto, a moralização daqueles
costumes, muito menos o estabelecimento de reforma política, econômica
e social de profundidade. Os revolucionários, oficiais dos primeiros
postos da hierarquia milita, moços inexperientes nas lides políticas e
administrativas, foram ultrapassados por políticos experimentos e pelos
aproveitadores, os quais se aproximavam do Chefe de Estado e
alcançavam confiança, instalando -se nos postos importantes da
administração pública. (Portella, 1979: 10)
Jayme Portella faz elogios a pessoa de Getúlio Vargas, mas o culpara por
permitir a participação de políticos em setores da administração. Aqui vemos que os
políticos tem uma responsabilidade pelo estado de coisa s, apontado por Portella e pela
“malograda” Revolução de 30 que não cumpriu o seu papel de reformas. Logo nas
primeiras páginas do seu livro, entendemos como Portella caracteriza os políticos:
“aproveitadores”. os militares, ao contrário, eram inexperie ntes na política. O golpe
de 1964 viria como resposta à incapacidade dos políticos de combater a corrupção e
20
Ver em Eli Diniz, Estado Novo: Estrutura de Poder e relações de classe, História Geral da Civilização
Brasileira, Tomo III, O Brasil Republicano , a discussão sobre a ascensão do empresariado industrial e os rumos a
partir de 30 na economia brasileira, cristalizada no pacto da oligarquia cafeeira, donos da situação de outrora, e a
burguesia industrial urbana. Deve -se a importância do intervencionismo de estado na economia no novo
reordenamento da economia brasileira. pp.89 -93.
73
Portella, quando Chefe de Gabinete Militar em 1969, culparia também os políticos pelo
AI-5. Podemos nos ater que para Portella os políticos não se preocupavam com o povo,
mas sim com os seus interesses, o contrário do desprendimento militar cujo golpe será a
prova cabal da preocupação das Forças Armadas com a sociedade. Como afirmado
anteriormente, os militares constituíram -se no apoio para Vargas, t endo Góes de
Monteiro e Gaspar Dutra, seus principais aliados. Agradava aos militares o estado de
exceção representado pela ditadura Vargas, cujo pensamento conservador da época
pleiteava como o caminho para o desenvolvimento no Brasil
21
. A reviravolta deu-se
com a volta das Força Expedicionária Brasileira do front, após o fim da Segunda Guerra
Mundial, cujo contato de muitos militares brasileiro com militares americanos,
principalmente mas não exclusivamente, causou uma mudança de rota no papel das
Forças Armadas no Brasil e a criação da Escola Superior de Guerra. Voltando a Vargas,
com o fim da Segunda Guerra Mundial a pressão para o fim do Estado Novo e a
redemocratização acelerou o rompimento entre o presidente e os militares. Até que
em 1947, Vargas foi alijado pelos militares, tementes de um levante popular a favor do
ditador. O getulismo, e Getúlio Vargas, foi definitivamente “marcado” pelos militares
com o fim do Estado Novo e com a construção da figura de Getúlio, o “pai dos
pobres”
22
. Já sobre 1950, Portella afirma
O Presidente Vargas, novamente elevado à chefia do governo em 1950,
não se emendou dos erros passados e reinstalou a mesma viciosa
21
Vânia Assunção em sua dissertação sobre o pensamento golberyano, tematiza a questão do pensamento
conservador e a via defendida por este grupo para o desenvolvimento nacional. Os principais expoentes desta linha
eram Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. Para Vâni a, “O pensamento conservador articulou a percepção da
incapacidade das classes proprietárias de por -se acima dos seus interesses mesquinhos, a fim de impulsionar a nação,
com a percepção de um fracasso do liberalismo em seu berço genético europeu e norte -americano.” (Assunção, 1998:
27). Ao estabelecer uma crítica ao liberalismo europeu, se firma como concepção para estes autores a idéia do Estado
autoritário, em contraponto a utopia do liberalismo. “O modo de promover a unidade nacional seria viabilizar e
aprimorar as instituições políticas brasileiras, a fim de objetivar um Estado forte e centralizado, moralizador e
pedagógico. A intervenção do Estado teria de dar -se desenvolvendo uma política social voltada ao restauro da
dignidade do trabalhador. Estaria , assim, promovendo o re-equilíbrio da ordem social e evitando os antagonismos de
classe.” (Assunção, 1998: 30)
22
Para José Murilo de Carvalho, “Em 1945, ficaram contra Vargas os principais entre seus antigos auxiliares,
como Góes, Dutra, Canrobert. (...) Movia este grupo o receio da política trabalhista de Vargas, que vinculavam de
modo quase paranóico ao perigo comunista.” (Carvalho, 2005: 111)
74
máquina político-administrativa. (...) Sua máquina administrativa voltou
sedenta de vingança e de locuple tação. (...) os escândalos, produzidos
pela corrupção, sacudiram o País e Vargas, com a autoridade abalada,
preferiu o suicídio à deposição. (Portella, 1979: 10)
Novamente a corrupção, novamente um político envolvido com tudo isso. Ao
falar sobre 1964, Portella também faz a menção a situação de corrupção do Governo
João Goulart como uma das razões para o golpe. O general adiciona aos sentimentos
patrióticos do exército brasileiro, a sensibilização desses frente às questões que Goulart
relegava para segundo plano.
Jango se preocupava mais com a política em si, relegando ao descaso a
administração do país. Era um despreparado para governar, conhecia bem
a sua profissão de estancieiro. Homem sem cultura, às vezes indeciso, era
mau administrador. (Portella, 1 979:91)
As explicações não são apenas de ordem hierárquica ou de batalha comunista,
mas um basta ao caos administrativo de responsabilidade pessoal do presidente João
Goulart.
23
Algumas das recentes revisões historiográficas dos motivos que levaram ao
Golpe de Estado de 1964 colocou em evidência que a conspiração comandada por
Castelo Branco e demais generais, tiveram na fraqueza de Goulart e na sua tolerância à
esquerda a responsabilidade pelo golpe. O principal trabalho é o do jornalista Elio
Gaspari, uma rie sobre a ditadura. O principal argumento do autor é que as Forças
Armadas foi “levada” para a conspiração, por sentir ameaçada a hierarquia e a disciplina
da instituição, com a Revoltas dos Marinheiros (em que a marujada levou pelos braços o
Almirante Aragão) e o discurso de João Goulart no Automóvel Clube. Para Gaspari “a
organização militar, baseada em princípios simples, claros e antigos, estava em processo
23
“Minha opinião é que se João Goulart tivesse tido um pouco mais de juízo, teria terminado o seu mandato.”
D’ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO, Celso. Visões do Golpe: a memória militar
sobre 1964, Rio de Janeiro : Relume Dumara, 1994, p.161. Entrevista de Ayr Fiúza de Castro. Para outros militares,
serve a mesma carapuça .
75
de dissolução. Haviam sido abaladas a disciplina e a hierarquia. Além disso, o discurso
do presidente mostrara que a mazorca tinha o seu amparo.” (Gaspari, 2002: 91)
A caracterização do período o pode ser reduzida a “balbúrdias” ou
“mazorcas”, ou a falta de força de João Goulart para organizar um pacto, motivo
aludido por Argelina Figueiredo, outra autora cuja a principal teses exposta em
Democracia ou Reformas? balizou alguns dos últimos estudos sobre os motivos do
golpe
24
. Os antecendetes de 1964 precisam ser caracterizados no quadro da luta de
classes e da conformação de um projeto para o Br asil, em que se enfrentavam setores da
burguesia e militares, de um lado, e grande parte da classe trabalhadores e a minoria das
classes produtoras, do outro. Caio Navarro de Toledo apresenta de forma sucinta o que
se colocava em jogo naquele momento, conf orme a conjuntura histórica, pois
as propostas que as diversas classes sociais e setores políticos ofereciam
para resolver os problemas da inflação, do endividamento externo, do
déficit do balanço de pagamento e da recessão econômica não deixavam
de ter orientações conflitantes e antagônicas. Neste sentido, é inegável
que os tempos de Goulart foram extremamente férteis, pois neles se
processam intensos debates sobre os rumos e as direções que deveriam
ser trilhados pela economia e pela sociedade. (Toledo, 1994: 34)
Como vimos, a partir de 1930, a disputa por um projeto de desenvovimento no
Brasil entrou em evidência, cindindo dois setores e a imediata construção, na prática,
destes dois caminhos: de um lado, aqueles cujos interesses estavam ameaçados com a
revolução de 30, no caso, os grupos cafeeiros, tradicionais beneficitários das políticas de
estado, e, do outro, setores de uma incipiente burguesia industrial, desejando as mesmas
24
Estamos tratando dos autores Jorge Ferreira, Daniel Aarão Reis e Lucília de Almeida Neves. O que
permeia de comum nos seus trabalhos é a compreensão do conceito democracia como um valor ideal e absoluto. Em
pormenores, poderíamos dizer que o valor que a democracia ass ume para a sociedade atual seria o mesmo para a
sociedade em 1964. Sendo assim, a sua defesa supera qualquer outra matéria ou bandeira, seja de movimentos
sociais, seja de partidos políticos. Enfim, João Goulart por não entender isto, que a defesa do parla mento e do jogo
político exigia acordos e recuos, foi o principal culpado pelo golpe. Tal argumentação serviu para revisar o papel das
resistências armada da esquerda. Neste caso, o desapego desses grupos a defesa da democracia e pelas vias
institucionais não os credenciam como resistência democrática à ditadura. Para Marcelo Ridenti, “ë um anacronismo
analisar aquele passado com base numa idéia de democracia estabelecida posteriormente e consolidada no
presente.(...) Outro anacronismo é ressaltar a discuss ão da democracia em detrimento do tema que mais mobilizava a
sociedade no início da década de 60, a revolução brasileira”, hoje tão esquecida, mas que na época tinha tal
legitimidade que os golpista logo apelidaram seu movimento de “revolução de 1964””. ( Ridenti Et Al, 2004: 63)
76
benesses. Acomoda-se neste período, uma visão de que o estado deveria as sumir papel
principal na resolução dos conflitos sociais, no coibimento do coronelismo e no
processo de desenvolvimento nacional. Esses setores viam no intervencionismo do
estado a maneira de regular e incentivar a industrialização, incentivando o
desenvolvimento, principalmente em setores da indústria pesada e infra -estrutura. Entre
os que repartiam tal expectativa do estado, alinhavam -se militares e preementes figuras
ilustradas das elites urbanas, como Oliveira Vianna e Azevedo Amaral.
Para além da disputa centrada no núcleo de poder, conforme Eli Diniz, em que
“há momentos de confronto e momentos de acomodação”
25
, a classe trabalhadora
coloca-se, devido as circunstâncias históricas, como o principal agente político do
período. E assim, não como massa mani pulada e amorfa, como o conceito de
“populismo” fez-se crer durante anos
26
, mas como classe social ativa do processo
histórico, em que as tensões moderavam ou arrefeciam conforme as condições concretas
25
Neste sentido, as alianças feitas naquele presente, se desmanchariam no futuro, haja visto a ditadura
Vargas, sucumbida pela pressão dos militares, os mesmos que o elevaram a condição de ditador. (D´Aráujo et al,
1994)
26
O conceito de populismo foi amplamente tematizado e disseminado por Torquato Di Tella e Gino
Germani, sociólogos da Flacso (Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais) no Chile. Para os dois autores, as
condições de surgimento do populismo eram bem marcadas: as massas marginalizadas (provindas do campo), recém
instaladas nas periferias da cidade não disporiam ainda das condições psicossociais, ou horizonte cultural, para um
comportamento urbano e democrático. A sociedade urbana ou urbana -industrial, não disporia nas instituições
políticas, mecanismo adequados a mobilização e a incorporação dessas massas, nos quadros da democracia
representativa”. Nesse quadro de transição, verificar -se-ia um vazio de poder ocupado por um demagogo carismático
que manipularia as ações da massa. Extraída da sociologia da modernização, esse conceito exaspera as contradições
de classes sociais antagônicas, instrumentalizando o par elite -massa. Para Francisco Weffort, “A peculiaridade do
populismo vem de que ele surge como forma de dominação nas condições de ‘vazio político’, em que nenhuma classe
tem a hegemonia e porque nenhuma classe se afigura capaz de assumi -la” (Weffort, 2003: 134). Sendo assim, com
ausência de uma hegemonia de classe, as classes travalhadores convergeriam toda s as suas demandas para a figura de
um líder carismático, responsável por mediar, acima das classes, as demandas do capital e do trabalho.
Evidentemente, o estudo de caso do autor é o período getulista. O conceito de populismo não consegue responder três
particularidades do processo político que ele tenta explicar: Internamente, não dá conta das transformações de ordem
estrutural pautada sobre as relações socio -culturais, como o processo de urbanização e de ascensão das cidades em
detrimento ao campo. Exte rnamente, não aponta as reflexões a reordenação do sistema capitalista, a partir das
determinações passíveis aos países latino -americanos no interior do sistema mundializado de mercadorias, isto é, as
mutabilização que esta reordenação do capital se insere no processo de industrialização de países com economias
dependentes e de herança agro -exportadora. Portanto, Weffort concebe o populismo como um fenômeno estritamente
político, não nas contradições que envolveu a formação de uma burguesia ‘nacionale um proletariado urbano. As
alianças das novas classes sociais não se dão neste vazio político, mas conforme a reorganização de um agrupamento
social e de suas necessidades, realocando -se a esfera do poder em novas instâncias, mas o governo populista não
hegemoniza todas as classes, e sim representa os interesses de forma associada, ao interesse da fração de classe
burguesa, ascendente com o processo de industrialização.
77
de ampliação das conquistas dos trabalhadores e de apro priação da riqueza social
gerada.
Francisco Oliveira no seu livro Crítica à Razão Dualista revela a estrutura do
desenvolvimento industrial brasileiro, tecendo uma análise crítica sobre a tese do
dualismo da Cepal. Apenas relembrando resumidamente, para o s cepalinos, entre os
quais Celso Furtado, o Brasil estava à margem do sistema capitalista, na sua periferia,
sendo que na ausência de um projeto de industrialização nacional, a necessidade de se
substituir importações por conta de uma conjuntura externa, incrementou a produção
brasileira, iniciando a industrialização do país. Além disso, enfatizava -se a condição de
país subdesenvolvido, em que o processo de industrialização perpassaria pela supressão
da atrasada economia agropastoril e pela modernização do capitalismo industrial.
Entretanto para Francisco Oliveira, o processo real mostra uma simbiose e uma
organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado “moderno” cresce e se
alimenta da existência do ‘atrasado’.” (Oliveira, 2003: 32) A s transformações que
ocorrem desde os anos trinta, tendo como resultado o início da expansão capitalista no
Brasil, foi muito mais um efeito concreto do tipo e das condições da luta de classes
interna, do que um mero reflexo das condições reinantes no capitalismo mun dial. O
aumento da exploração do trabalho, como resultado da aplicação da nova legislação
trabalhista e a apropriação do excedente produzido pelas classes trabalhadoras por parte
das burguesias industriais, foram fundamentais para o desenvolvimento capital ista e
responsável pelas altas taxas de crescimento. (Oliveira, 2003).
Além das considerações sobre a substituição de importação e do
subdesenvolvimento, a qual faz estas mediações, Francisco de Oliveira vai diferenciar -
se das análises da Cepal ponderando a particularidade do desenvovimento brasileiro
como parte do centro do capital monopolítisco. Portanto, “ao enfatizar o aspecto da
dependência a conhecida relação centro -periferia -, os teóricos do ‘modo de produção
78
subdesenvolvido’ quase deixaram de tra tar os aspectos internos das estruturas de
dominação que conforma as estruturas de acumulação de países como o Brasil.”
(Oliveira, 2003: 33) Sendo assim, o Brasil não reduzido a periferia, mas pertencente a
uma engrenagem do sistema mundial que mantinha o país como fornecedor de
commodities às grandes economias. Como necessidade de expansão do sistema, e com
alterações marcadamente internas (o surgimento de uma burguesia urbana e o
florescimento de um Estado Nacional forte), se expande a industrialização no Brasil
27
.
A combinação entre a apropriação do excedente produzido pelas classes
capitalistas do Brasil, a deterioração do salário dos trabalhadores devido ao aumento do
custo de vida, além do processo de concentração de ramos produtivos, em que as
indústrias mais tradicionais (têxtil, alimentícia,...), reproduz uma crise na qual os ganhos
de produtividade das classes mais abastadas, não o compartilhadas com os
trabalhadores em geral. (Oliveira, 2003)
O ponto é que a crise que precipitada em 1964 tem a su a motriz na contradição
presente na estrutura produtiva do período, isto é, a conjunção de inversões econômicas
ao preço da elevação do custo de vida, ou seja, a redução do salário real. Essas
condições elevam a tensão de classes que desencadeia o conflito entre trabalhadores e
setores da burguesia. O problema colocado é uma nova política que delineasse um outro
caminho para a expansão do capitalismo no Brasil. A proposta de Reformas de Bases
(educação, administrativa, tributária, agrária, urbana,...) do go verno João Goulart o
foi incorporada pelos setores burgueses, militares, etc. como parte integrante do
processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, o que no fundo era
compreendido por Jango. Mas, pelo contrário, as Reformas de Base eram vistas como
27
Além das condições internas da luta de classes, Oliveira chama atenção a três aspectos: primeiro, a
regulação das leis de trabalho que propiciou maior taxa de acúmulo ao capital, em detrimento a fixação de um salário
mínimo comum para todas as categorias de trabalho, saindo da esfera da produção a regulação do salário. Segundo, o
estado operando na fixação de preço e na distribuição de ganhos e perdas da produção. Terceiro, e articulação do
papel da agricultura, como parte de uma engrenagem do mercado interno, responsável por manter baixo os veis de
reprodução humana. (Oliveira, 2003: 36 -44)
79
componentes de uma estratégia comunista internacional, consoante ao sentimento
disseminado pela imprensa e ao clima de Guerra Fria permanente.
As polarizações entre EUA e URSS em busca da hegemonia mundial foram
levadas a um outro nível: o confronto entre as duas potências poderia dizimar toda a
população do planeta, por conta das armas nucleares. Tacitamente, cada potência criou
suas zonas de influência, dividindo o mundo em dois. Para cada zona de influência, as
superpotências buscaram formas de mas sificar seus sistemas políticos por meio da
propaganda, ou mesmo, no incentivo as lutas civis que foram constantes por todo o
século XX. Um dos fenômenos mais comuns do período da Guerra Fria foi o incentivo
a política de ‘caça as bruxas’ cujo epicentro fo i o macarthismo nos EUA. Aqui no
Brasil, isto foi um dos elementos que mobilizou parte da classe média contra o
‘populismo’ radical de João Goulart. “Para legitimar a destruição total do inimigo era
preciso demonizá-lo. Para envolver a sociedade civil ness a santa cruzada era preciso
convencê-la de que as origens de todos os problemas sociais deviam -se a uma ação
sorrateira do inimigo, que estava camuflado dentro do país: podia ser o sindicalista, o
professor, o jornalista, o diretor de cinema; enfim, qualqu er cidadão.” (Cardonha, 2002:
19) As teorizações do IPES/ESG tem neste solo histórico seu vínculo de classe em que
se sobressaem um projeto de desenvolvimento do capitalismo no Brasil com o objetivo
de preparar uma elite selecionada, tendo a força dos tanq ues como instrumento de
legitimação, enquanto ao povo, mais uma vez, seria relegado um papel a margem.
Pensando exclusivamente 1964, o houve apenas uma insatisfação militar com o
governo de João Goulart, mas a ação planejada de setores da burguesia, pri ncipalmente,
a alicerçada sobre o IPES e o IBAD, com uma aliança entre militares e civis no
desferimento do golpe militar. A essência classista estava na defesa da propriedade
capitalista ameaçada, no anti -comunismo ferrenho destes grupos que planejaram o
golpe.
80
A “Revolução de 1964”
Ao iniciar a análise da documentação de Jayme Portella não pudemos deixar de
esconder uma inquietação nossa quanto ao conceito de “revolução” usado por Portella e
pelos demais militares para legitimar o golpe, as ações de re pressão e posteriormente nos
seus próprios livros, a ditadura militar. No fundo dessa discussão, para além das razões
aludidas do golpe, que coadunam na formulação de uma justificativa revigorante para o
movimento de 1964 - o que infelizmente alguns estudi osos contemporâneos colaboraram -,
ao tratar o regime nascido com a ditadura de Castelo Branco como uma “revolução”, os
militares permitiram que o próprio conceito de “revolução” pudesse ser melhor
compreendido nas nuances históricas que o seu uso foi inco rporado como ideologia. A
emblemática frase de Portella, no auge do AI -5 salta aos olhos para uma reflexão:
O País, muito, não via uma revolução em toda plenitude, após a de
1930, que durara pouco, pois em 1932, ela se estiolara. As punições
aplicadas com base no Ato Institucional, somente havia similares em
1930 e com o Estado -Novo. O movimento de 1945, fez, apenas, a
deposição do ditador, permitindo que o isolasse em sua fazenda, no Rio
Grande do Sul, de onde meses depois voltava eleito para o Congres so
Nacional por vários Estados. Em 1954, também, com o suicídio do
Presidente da República, houve a substituição do Governo, as Forças
Armadas deram-lhe cobertura, mas não houve punições. A nova
República era para valer. Ter -se-ia que fazer uma limpeza na linha da
subversão e da corrupção e o impacto causado teria que repercutir.
(Portella, 1979: 200)
A primeira questão é que, para Portella, 1930 foi uma revolução de verdade,
semelhante a realizada pelos militares em 1964, mas que com os desentendimentos dos
paulistas com Getúlio Vargas, em 1932, ela havia sido “estiolada”, ou, destruída.
Segundo Portella,
O homem a quem os chefes da Junta do Governo Provisório entregaram o
Poder, tornou-se Ditador e nada fez dentro dos anseios revolucionários. A
81
reação com o Movimento Constitucionalista de 1932, quando São Paulo
se levantou em armas, exigindo novos sacrifícios, pouco conseguiu, a não
ser dotar o País de uma constituição que conferiu ao Ditador poderes
legais para colocar nos Estados governo apenas forma lmente legítimos.
(Portella, 1979: 10)
Em 1930, como vimos, após a derrubada do regime e com a ascensão de novos
grupos sociais, além do próprio Getúlio Vargas como principal personagem político,
promove-se uma reacomodação das diversas classes sociais no poder, em que mesmo a
Revolução Constitucionalista em São Paulo, não pode ser caracterizada como
afastamento de setores da classe dominante outrora no poder. As elites no Brasil são
pródigas neste processo de reacomodação de seus interesses em que sempre o único
perdedor é o próprio povo. A Revolução de 1930 não havia sido estiolada por conta da
ausência do povo, mas por outra razão: a escolha de Vargas pelos militares. Neste caso,
Portella constrói a argumentação de que Getúlio Vargas foi o único responsá vel por se
tornar ditador, algo que não corresponde com o papel exercido por Góes de Monteiro e
Eurico Gaspar Dutra no regime instituído em 1934: os dois militares apoiaram e
levaram as Forças Armadas a sustentarem o Estado Novo.
Ainda no excerto anterior , para Portella, “as punições aplicadas com base no Ato
Institucional, somente havia similares em 1930 e com o Estado -Novo”, portanto, a
ditadura pôde encontrar em processos históricos anteriores suas justificativas para
colecionar atos e mais atos, com o caráter político comum a todos: responder e
repreender as tensões liberalizantes que a sociedade brasileira almejava em algum ponto
que vai entre 1964 e 1985. A menção a Getúlio Vargas não é apenas sobre a falha de
permitir a sua volta para a fazenda, mas a denominação dada por Portella: ditador. No
entender do militar, a ditadura não se faz pelos atos institucionais, ou pela repressão,
mas que o estado de ditadura correspondia a apenas uma única pessoa no poder e na
figura de um político. Na construção des sa argumentação, Portella ainda afirma que foi
82
permitida a volta de Getúlio Vargas para disputar as eleições e ser eleito pelo povo por
dois estados. Ainda em 1954, os militares garantiram a subida de Carlos Luz, Presidente
da Câmara, mas não procederam as punições. Enfim, a partir de 1964, as punições iriam
se fazer sentir, além de um combate sistemático contra a subversão.
Ao entender o movimento iniciado com o Golpe de Estado de 1964 como um
processo “revolucionário”, a partir das idéias expostas por Ja yme Portella podemos
inferir algumas considerações: a polarização dos militares com as classes políticas,
populares, essas últimas sendo as responsáveis pelos caminhos que, por exemplo, a
Revolução de 1930 tomou, a de uma ditadura; a necessidade de uma dir eção militar; a
necessidade de punições à aqueles que não compreendem essa última necessidade; e,
finalmente, o tratamento de subversivo, sem tréguas, ao aumento das tensões de classe,
principalmente a partir de 1968, que no seu conjunto, questionará a dit adura de baioneta
dos militares. Enfim, a revolução” para o general Portella deve ser entendida como
uma mobilização estritamente militar, cuja a pedra de toque é a eliminação da
subversão. Porém, para quem essa ‘revolução” responde? Para que base social
corresponde a “revolução de 1964”?
A filosofia marxista brindou -nos com diversas análises sobre as mudanças
revolucionárias no modo de produção, que afeta toda a estrutura social, modificando
completamente o sentido de dominação e estabelecendo assim uma nova sociabilidade.
Vladimir Ilitch Lenin analisando as condições para o triunfo de uma revolução popular,
afirmará que
a lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em
particular, pelas três revoluções russas do século XX, consis te no
seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e
oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar vivendo
como vivem e exijam mudanças; para a revolução é necessário que os
exploradores não possam continuar vivendo e govern ando como vivem e
governam.(Lenin apud Arcary, 2006: 168)
83
Tratando de 1905, e fevereiro e outubro de 1917 no calendário juliano -russo,
Lenin é preciso sobre a única trilha a ser seguida para uma revolução, como fim
unívoco: a supressão do domínio dos que governam por aqueles que são governados. Na
teoria marxiana, a revolução política é meio para a destruição das relações de
propriedade e da própria estrutura do poder mediando para a revolução social, a
emancipação humana do trabalho. Se para a perspectiv a socialista a revolução está
diretamente ligada à idéia de transformação da estrutura social, para os militares no
Brasil, a “revolução” não é exatamente uma mudança das estruturas de dominação
social, tampouco o exercício democrático das classes subalter nas. Ao contrário, a
“revolução” apregoada pelo general Jayme Portella de Mello não é a realizada pelas
massas, mas por uma nova elite formada por generais e coronéis de farda, aliançada a
uma parte da sociedade civil, estritamente a burguesia e os empresá rios. Recorde-se que
para Golbery, uma conceituação comum aos militares golpistas é de que “o povo não é
a verdadeira nação, mas sim o estado”.
O trabalho de convencimento, assim como em um partido, deveria passar pela
formação da oficialidade mais jovem.
Havia se trabalhado nas unidades, em meio a capitães e tenentes, aos
quais se mostrava o perigo da indisciplina que solapava o princípio
hierárquico, podendo-se chegar a situação em que, sargentos se
recusariam a obedecer aos oficiais. Mostravam -se aos oficiais mais
jovens do exército, o que estava ocorrendo nas forças irmãs, Marinha e
Aeronáutica e que não se podia deixar atingisse o Exército, onde já havia
alguns puridos. Esclarecia-se que o clima de anarquia política, reinante
no país, era um passo pa ra o domínio comunista. Essa advertência pesou
na oficialidade jovem, ciosa dos seus deveres para com a pátria e
ardorosa da carreira que abraçara. Esse trabalho paciente, realizado no
seio da oficialidade moça, não foi pressentido pelos comandos de
unidades, homens de confiança do governo. Desenvolveu -se sob sigilo e
em condições de segurança. (Portella, 1979: 112)
O aspecto que chama atenção nas memórias é o sentimento revolucionário sem
disseminação pela base da ‘pirâmide’ militar, isto é, aos de baixa patente do exército,
84
mas destinado a estimular a adesão dos oficiais à conspiração. Para Portella, a
oficialidade jovem são os corações a serem conquistados para a conspiração. Neste
sentido, a alusão ao que ocorria na Marinha e na Aeronáutica, ajudava na adesão. Para
alguns autores, a adesão desses oficiais deve -se, em suma, ao temor da indisciplina e da
quebra de hierarquia, mencionado anteriormente. O medo da dissolução da instituição
militar era usado pelos oficiais conspiradores para atrair oficiais l egalistas a tomarem
partido naqueles idos de 1964. Porém, a doutrinação no interior das Escolas Oficiais,
modelou uma ação militar que o visava apenas à manutenção da hierarquia, em
dissolução na visão militar, mas o afastamento da esquerda e do comunism o que, para
os militares, estava próximo de tomar o poder. Segundo Portella, aos oficiais que ainda
não haviam decidido posição no pré -64,
Muito destes, renderam -se depois à evidência de que o Brasil, em
1962/63, ingressara na via do tumulto, da desordem de esquerda, a qual
aguardava apenas a oportunidade de assumir o domínio da situação, de
fora e de dentro das Forças Armadas. (Portella, 1979: 03)
Assim, sargentos, cabos e praças eram visto pelos oficiais como mais propensos
a se aproximar das esquerdas . Todavia, a conspiração pretendia contar com sargento ou
cabos do exército e era necessário neutralizar esta influência. Os conspiradores
contavam com a doutrinação dos oficiais pelas Escolas de Formação, pretendendo que
assim não haveria dissenções dos r evolucionários”, mas apenas as dissenções
“legalistas”. Portanto, não foi por coincidência que em alguns casos oficiais que não
haviam aderidos a conspiração se viram sem seus comandados, enquanto alguns
comandados, defendendo o governo João Goulart, se vi am no embate com os
comandantes (Gaspari, 2002).
85
Como forma de argumentação, Portella ainda acusava o governo João Goulart de
ferir as disposições sobre promoção e ascenso na carreira dentro do exército. Segundo o
General Portella,
As promoções no Exércit o passaram a ser feitas a base da barganha e do
filhotismo. Excelentes oficiais eram promovidos por antiguidade, sendo
preteridos no merecimento pelos incapazes. Nas promoções ao generalato
então, o critério de escolha era o pior possível, saindo promov idos os
indivíduos que rezavam pela cartilha da situação, com inteiro aviltamento
do quadro, pois sobressairia a figura do ‘general do povo, assim
demagogicamente denominado os que se submetiam aos interesses e
irresponsabilidades da situação. (Portella, 1 979: 64)
Falta alguns elementos para desconstruir esta sentença do general, entretanto
podemos elencar algumas considerações: a própria ditadura militar, nos anos de 1964 -
1985 fez uma limpeza dos seus quadros, adotando todo tipo de critério para afastar o s
“subversivos” da tropa: prisões, cassações, assassinatos e compulsórias foram usadas
como instrumentos para moldar as Forças Armadas com a nova situação advinda com o
golpe de 1964. De outro lado, Jayme Portella foi um dos militares mas beneficiados
com a nova situação: da promoção de Coronel para General de Brigada em 1963 ainda
no governo João Goulart, em apenas seis anos, sem exercer um comando de tropa e
apenas ocupando cargos burocráticos, foi promovido pelo presidente Costa e Silva a
General de Divisão, quando já ocupava o Gabinete Militar.
Enfim, tanto a hierarquia militar quanto a solidez nos valores ritocrático para
promoções, variam conforme o lado de que parte as acusações. Nas memórias de
Portella, os casos de quebra de hierarquia o vist os como ameaça a instituição no
momento em que elas não servem para a organização do golpe. Fora isso, são
incentivadas.
Na Base Aérea dos Afonsos, havia grande mero de oficiais, majores e
capitães, comprometidos com a Revolução, comandados entretanto, pelo
tenente-coronel Paula Malta, um comunista com muita ação. (Logo)
Oficias que serviam no Estado Maior da Aeronáutica, e que estavam na
86
linha da Revolução, mantinham ligação com aqueles seus companheiros.
(Portella, 1979: 150)
Como vimos, isso apenas corrobora a tese de que a quebra de hierarquia é mais
um elemento da ideologia golpista, do que um valor moral institucional absoluto. Com o
dinamismo do processo histórico, os mesmos conspiradores que incentivavam os
comportamentos “revolucionário”, quand o nos governos militares, esbarrariam nas
mesmas manifestações de indisciplina antes incentivado.
Um outro elemento na construção da idéia de “revolução” presente no livro de
Portella é a polarização entre dominação comunista e a Pátria, acompanhada como uma
escolha em que os oficiais protegem a segunda, combatendo a primeira. O
internacinalismo do comunismo não era algo desconhecido dos militares, mas pelo
contrário, a Escola Superior de Guerra já havia dado conta disso estabelecendo veis
para combate ideológico ao comunismo
28
. Jayme Portella que na conspiração tinha a
patente de Coronel, provavelmente não cursou a ESG, mas já havia frequentado a
Escola de Oficiais (ESAO)
29
, local banhado pela influênca esguiana e que após o golpe
de estado, seria um dos núcleos de aglutinação da chamada “linha -dura”. Portella
contrapunha o caos do país como resultado do comunismo, portanto a necessidade de
uma resposta em nome da ordem.
As esquerdas foram assumindo postos de importância no Governo e o
comunismo foi penetrando nas camadas menos favorecidas e se
28
O perigo comunista era o temor do que vinha de fora. A partir de uma análise geopolítica, os teóricos da
ESG estabeleciam como estratégico a adesão do Brasil ao bloco capitalista, comandado pelos EUA. Se no vel
externo, este alinhamento conformava a defesa, no interno A ESG criou, desenvolveu e difundiu entre as elites uma
determinada concepção dos problemas relativos ao desenvolvimento econômico, instituições políticas e vinculações
do Brasil ao campo das relações (econômicas, políticas e ideológic as) internacionais que se transformaram em
instrumento de ação política do que se pode chamar de fronteiras internas ao socialismo.” (OLIVEIRA, 1976: 24)
Dessa forma o perigo comunista passou a ser encarado de outra maneira, não viria mais de fora e sim de dentro.
Conforma-se assim o conceito de guerra interna, presente na Doutrina de Segurança Nacional e disseminada pela
Escola Superior de Guerra.
29
No livro de Oliveira, a ESAO, devidamente influenciada pela ESG, preconizava a idéia de uma revolução
permanente, afastando as forças políticas do poder. Para Oliveira, é o local de surgimento da “linha -dura”. Oliveira
apresenta inclusive como uma terceira linha dentro das Forças Armadas, divida entre costistas” (Costa e Silva) e
castelistas” (Castello Branco).Ver em OLIVEIRA, Eliezer R. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil.
(1964-1969). Petrópolis : Vozes. 1976. pp 58 -9.
87
infiltrando nas próprias Forças Armadas. Estas foram sendo
enfraquecidas através da desmoralização imposta nos seus chefes, que
eram substituídosnos seus comandos, sem qualquer consulta, bastava uma
denúncia sorrateira. (Portella, 1979: 59)
Se o domínio comunista se mostrava pleno aos olhos de Portella, a Pátria, pelo
seus valores diametralmente opostos ao do domínio comunista como a defesa da ordem,
da propriedade e da hierarquia, dilacerava -se:
A Pátria agonizava e eram necessários novos sacrifícios para salvá -la do
caos. Um pugilo de Oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica,
espelhando-se naqueles heróis, durante uma década, não descansou até
que um dia o Brasil pudesse emergir, ao arrancar os grilhões de
politicagem e do peleguismo. Nação respeitada no conceito dos demais
países e dando ao seu povo o padrão socio econômico que tanto
necessitava. (Portella, 1979: 9)
Nesse excerto vemos também que na articulação do seu pensamento, Portella
aponta alguns elementos que podemos somar ao pensamento esguiano, como a falta de
preparo dos políticos para a atividade dirigente, resultado da politicagem e do
peleguismo. Como veremos adiante, um dos pilares do pensamento da Escola Superior
de Guerra vai ser uma d outrina que formasse e renovasse os costumes políticos da elite
civil. Portella, não nesta passagem, mas em outras, fará referência a questão do papel
dos políticos, porque
A situação do governo se agrava com as agitações dos trabalhadores em
geral, mas os políticos inescrupulosos procuravam tirar partido da
debilitação da autoridade. A máquina provadora de demogagia e
corrupção, visava fazer de Jango à imitação do seu oráculo Getúlio
Vargas. (Portella, 1979: 73)
Somada a defesa da ordem e da hierarqu ia, o papel ativo dos oficiais e mais o
alijamento de políticos e do povo, a função social do pensamento de Portella através do
conceito de “revolução” agrega plenamente aos signos do capitalismo que a burguesia e
os militares se dispuseram a defender em 1 964. Atemos ainda a idéia defendida por
88
Portella de que a “revolução” não fora obra do acaso, mas resultado de muito
planejamento, pois
a revolução não eclodiu em 31 de março de 1964, qual inesperado clarão
de relâmpago, como fazem crer escritores e jorna listas que dela tratara
em livros e artigos /..../foi, ao contrário, fruto de trabalho demorado,
persistente e penoso, animado de nobre e patriótico ideal. (Portella, 1979:
11)
Portella no trecho em que se refere “espelhando -se naqueles heróis” num d os
trechos acima citados, evidentemente, indica os movimentos militares anteriores a 1964,
como influente para os acontecimentos daquele período. Façamo então algumas
indicações. Primeiro, para os militares vinculados ao castelismo, o uma
referência sistemática aos movimentos do pré -64 isso, uma vez que tratamos de 1955
em diante - como influente para o golpe de estado contra João Goulart. Ernesto Geisel,
por exemplo, não menciona Jacareacanga, a segunda tentativa de impedir a posse de
Juscelino em 1955, e Aragarças
30
, movimento que visou impedir a candidatura de Lott à
presidência após a momentânea desistência de Janio em 1960. Quanto a 1955, o
episódio do Cruzador Tamadaré, o então coronel Ernesto Geisel, que comandava a
Refinaria de Cubatão, da Pe trobrás, se colocou contra a ação de Marechal Henrique
Teixeira Lott para garantir a posse de Juscelino em nome da “legalidade”. Segundo o
então coronel, a justificativa para o golpe era que estaria em marcha uma conspiração
para não deixar Juscelino tom ar posse. Nessa suposição foi dado o golpe, em carácter
preventivo. Não sei se realmente havia fundamento. Certamente, algumas cabeças mais
radicais pensavam em impedir a posse de Juscelino.” (Castro et al., 1994: 121). No
entanto, Portella convidaria o ge neral para participar de uma conspiração contra
Juscelino, ao lado do General Etchegoyen. Geisel, sobre o fato, relataria
30
Movimento que teve a liderança do Major Haroldo Veloso, na FAB, e que após a desistência de Jânio
Quadros em concorrer a pr esidência da república em 1961, pela Convenção do seu partido, pleiteavam barrar a vitória
do Mal. Henrique Teixeira Lott. Jânio concorre e vence as eleições.
89
Quando eu estava em Cubatão, o Jaime Portela de Melo, que depois veio
a ser o factótum do Costa e Silva, me procurou. (...)ele veio a o meu
gabinete em Cubatão me contar que estavam preparando um movimento
contra o Juscelino, que contavam com isso e com aquilo, contavam com
Pernambuco, mais não sei o quê muita fantasia. Tudo para fazer um
movimento e derrubar o Juscelino, que estava eleito. Ele disse
textualmente: “No balanço que temos feito, vimos que estavam faltando
os irmãos Geisel. Eu queria que o senhor nos ajudasse participando disso
e convencesse o seu irmão a participar também”. Uma longa história.
Perguntei-lhe: “Vem cá, vocês vão fazer um movimento, e quem é que
vai governar esse país? Vocês o entregar o governo ao Pena Boto, que
é outro maluco?” Ele: “Não , não. Nós vamos fazer um triunvirato”. Eu
digo: “Mas um triunvirato?! Você não sabe que isso nunca deu resultado
na história do mundo? Se são três, um deles vai dominar e vai acabar
botando os outros dois para fora. Triunvirato só serve para dividir”;
Perguntei também: “Quem é que vai ser do Exército?”. Ele respondeu:
“Vai ser o general Etchegoyen”. Argumentei: “Mas o E tchegoyen? É um
homem correto, muito bom, mas reconhecidamente de poucas luzes!”
Ele: “Mas s vamos botar gente atrás do Etchegoyen. O senhor, por
exemplo podia ir para lá”. Não me contive: “Ah, você quer que eu seja
eminência parda? Não conte comigo”;. E le ficou danado da vida e desde
então passou a ser meu inimigo, e do Orlando. Posteriormente tivemos
outros incidentes, durante e após a Revolução de 1964. (Castro et al,
1994: 134)
31
Contrapondo Geisel e Portella, o segundo vai apresentar os momentos de
“bravura” e ”coragem” vividos a bordo do Tamandaré como a raíz do golpe de 1964.
Em sua atividade práxis e na conformação da sua ideologia, Portella Jacareacanga e
Aragarças, dois movimento que, no geral, ajudaram a manter o sentimento
revolucionário dos militares golpistas, como a ‘chama’ permanente da conspiração, seja
nas vitórias ou nas derrotas. Por exemplo, em Jacareacanga onde aviões da FAB
levantaram vôo e seus pilotos, o Major Haroldo Veloso e o Capitão Chaves Lameirão,
tentaram estabelecer um grupo paramilitar naquele local, contra a posse do presidente
31
Sobre o fato, Portella anotaria no seu livro que o “Geisel negou-se a conversar com o irmão, a chando que a
causa estava sujeita ao fracasso. Entendia que a eleição estava realizada e o caminho era a posse do eleito”. (Portella,
1979:12) O conflito entre Geisel e Portella mereceria, talvez, um capítulo a parte. O mencionado por Geisel foi em
torno do nome de Costa e Silva no Ministério da Guerra, quando o quarto presidente da ditadura, insatisfeito com a
posição assumida por Costa e Silva, defendia o nome de Cordeiro de Faria para o Ministério da Guerra, assim como o
de Castelo Branco na presidência. Mas o mais dramático vai ser o do afastamento de Orlando Geisel do Comando da
Vila Militar. Sobre os irmãos Geisel, Portella afirma “devo declarar que o General Ernesto não foi um revolucionário
autentico, mas um simpático à causa. Tomou uma ou outra ati tude que favorecia a linha revolucionária.. Nunca foi
um homem de conspiração. O General Orlando esteve sempre contra a causa revolucionária, exercendo comissões de
destaques na época do governo Kubitschek e foi promovido a General de Divisão, por escolha do Sr. João Goulart.”
(Portella, 1979: 157)
90
Juscelino Kubitschek, após as movimentações coordenadas pelo Almirante Penna Boto,
Portella afirma que
o Major-Aviador Haroldo Veloso e o Capitão Chaves Lameirão tentaram
uma sortida, em Jacareacanga, decolando para aquele lugar com um
avião da FAB e, armando os colonos da região, organizaram uma
resistência. Aproveitava o carnaval para tomar aquela atitude isolada,
mas os companheiros de ideal bem o compreenderam, era um protesto
(...) Esse gesto não foi em vão, serviu para manter acesa a chama do
Movimento Revolucionário. A notícia eclodiu nas hostes
governamentais, gerando certo pânico, pois ninguém estava em
condições de avaliar as proporções. (Portella, 1979:27).
No caso de Aragarças, qu ando oficiais da FAB levantaram vôo, após a
desistência de Jânio Quadros em concorrer à presidência da república, após a
homologação do seu partido, os militares
não se conformaram com o que ia acontecendo pelo país e, seguros de
que a desistência de Jân io era irreversível, resolveram fazer um
movimento isolado de protesto. Este pequeno grupo convenceu -se da
idéia e nada o demoveu. (Portella, 1979:36)
Posteriormente, Portella foi acusado de ser um dos idealizadores dessa
rebelião devido ao seu envolvim ento na tentativa de impedir a posse de Juscelino
Kubitschek e a amizade que tinha com o Major Haroldo Veloso.
O livro, escrito em 1979, tinha o objetivo de não apenas fixar a figura de
Costa e Silva, como um autêntico revolucionário, como em algumas passa gens,
mencionar as diferenças entre o grupo costistae o castelista”. A aproximação de
Portella com a "linha-dura" e a sua "quase" vinculação orgânica vai ter o objetivo de
pressionar o governo Castelo e utilizar -se do ideal “durista” que pretendemos
trabalhar adiante - como associado ao grupo “ costista”. Sendo assim, as ligações com
as intentonas militares, articuladas e tendo participação de Portella, cristalizavam o
“puritanismo revolucionário”, que a “linha -dura”, num outro contexto, defenderia
também.
91
A participação direta ou indireta nas tentativas de derrubar governos
constitucionalmente eleitos, estrutura uma práxis apegada à ação militar como
solução para os problemas do Brasil. Como o exemplo drástico desta ideologia é o
Golpe de Estado em 196 4, que não poderia ser visto por alguns militares
conspiradores como resultado da luta de classes por uma questão política -, ou obra
apenas da ESG por uma questão militar. Muito menos ainda, como fortuita. Jayme
Portella, escrevendo de 1979, parece -nos muito preocupado em tomar essas devidas
precauções. Assim, ele expressa a sua ideologia.
92
CAPÍTULO II - OS MILITARES: A “LI NHA-DURA” E A SORBONNE
A intervenção militar contou com diversos grupos conspiradores, mas foram os
liderados por Costa e Silva (os duristas ou a “linha -dura”) e Castello Branco (a
Sorbonne) que tomaram as rédeas do movimento conspiratório. Os dois líderes no pós -
golpe, viraram Ministro da Guerra e Presidente da República, respectivamente. A partir
de então, a relação entre os doi s conspiradores passou por momentos de conturbação e
tensão, entretanto, também houve momento de sintonia, principalmente quando a
candidatura de Costa e Silva tornou -se fato consumado e Castello Branco procurou
enquadrá-la institucionalmente. Castello Bra nco e Costa e Silva nunca foram inimigos
declarados, apesar das inúmeras intrigas que envolviam os dois
32
. Na verdade, como as
principais referências do exército para a conspiração, ambos foram içados como líderes
das correntes que se formam no interior do exército no pós-64, polarizando
principalmente a Sorbonne, castelistas por princípio, e “linha -dura” costistas
temporariamente. Desse modo, faremos uma caracterização dos dois grupos
inicialmente.
Segurança e Desenvolvimento: formulações da ESG
O grupo denominado por diversos autores como Sorbonne levou esta alcunha
devido à proximidade de alguns militares com a Escola Superior de Guerra,
diferenciando-se da grande maioria dos militares pela formação intelectual, entre os
quais Golbery do Couto e Silva, C ordeiro de Farias e Castello Branco. A importação do
modelo da escola francesa e a influência da National War Colege americana foram as
32
Para mais informações sobre essas intrigas ler Carlos Chagas (1985) e Lira Neto (2004), o primeiro
assessor de imprensa do governo Costa e Silva e outro responsável por uma recente biografia de Castelo Bran co.
93
principais influências para a formação da Escola Superior de Guerra em 1951
33
. O
primeiro diretor foi o general Cordeiro de Farias, responsável pelo ante - projeto da
escola em parceira com os militares americanos. Os cursos na ESG duravam em torno
de nove meses, ministrados por civis e militares. A elaboração do Curso Superior de
Guerra, além das diversas palestras proferida s no interior da escola, contribuíram na
formulação do binômio segurança e desenvolvimento que tanto a Sorbonne, quanto a
“linha-dura” foram tributárias, pois,
trata-se de abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos
e de diretrizes para infiltração, coleta de informações e planejamento
político-econômico de programas governamentais. Permite o
estabelecimento e avaliação dos componentes estruturais do Estado e
fornece elementos para o desenvolvimento de metas e o planejamento
administrativo periódicos.(Alves, 1985: 35)
As formulações da Escola Superior de Guerra procuravam responder para a elite
dirigente do país, as principais indagações do período: o combate ao varguismo e ao
comunismo e a elaboração de um projeto de nação. Conforme o prêmbulo do Artigo
da lei da criação da ESG, a Escola destinava -se “a desenvolver e consolidar os
conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para planejamento
da Segurança Nacional.” (Miyamoto, 1988: 04)
O planejamento em torn o da Segurança Nacional era o principal objeto de
estudos produzidos pela escola, que a partir da formulação dos Objetivos Nacionais, a
possibilitara alcançá-los estaria em torno do fortalecimento da segurança interna, da
capacitação das elites dirigentes e da geração de um plano de desenvolvimento para o
capitalismo. As matizes para a formulação dos objetivos nacionais envolviam uma
33
O primeiro ato oficial relativo á Escola Superior de Guerra é um decreto baixado, no governo Dutra, em
fins de outubrooutubro de 1948 (decreto nº 25.075, de 22 -10-48), determinando então ao Estado -Maior Geral,
predecessor do atual Estado -Maior das Forças Armadas, que organizasse a Escola Superior de Guerra, com a
finalidade expressa de ministrar a oficiais do exercito, da Marinha e da Aeronáutica, o chamado curso de alto -
comando, referido na lei de Ensino do Exercito (D.L nº4.130, de 26 -2-42). Ver em Eliezer Rizzo de Oliveira, Op. Cit.
94
análise geopolítica que consolidava o Brasil como país estratégico para o
desenovolvimento do capitalismo, ao lado do “grande irmão” do norte, os Estados
Unidos. Essas serão as matrizes para a Doutrina de Segurança Nacional, que conforme
percebeu Shigenoli Miyamoto, é “inspiradora de outros países latino -americanos, mas
também como a orientadora de fatos ocorridos no Brasil nas duas últimas décadas.”
(Miyamoto, 1988: 08).
A participação de civis e de militares na busca de um planejamento interno de
desenvolvimento a respeito da máquina estatal e da prática adequada para o seu
funcionamento, aliado a segurança interna ou o combate à subversão, consolidavam o
objetivo da Escola Superior de Guerra e a sua função social do período
34
.
A primeira demonstração de influência da ESG junto aos militares foi um
documento denominado “memorial dos coronéis”, escrito em janeiro de 1954 contr a
Getúlio Vargas, respaldado por diversos coronéis e tenente -coronéis, tais como Jurandir
Mamede, Ernesto Geisel, Sylvio Frota, Jayme Portella, e, finalmente, o formulador e
instrutor da ESG, Golbery do Couto e Silva. A ESG vai ter como objetivo pricipal,
conforme seu primeiro diretor,
criar lideranças civis e militares para enfrentar a eventualidade de um
novo estilo de guerra não mais circunscrita à frente de batalha e ao palco
das lutas, mas transformada em um fato total que afeta a sociedade por
inteiro e toda a estrutura de uma ‘nação’./.../ os civis das mais diversas
profissões precisarão estar prontos para exercer papéis talvez até mais
decisivos do que o dos militares na guerra. (Farias, 1981: 413).
Além da decisiva participação militar, os civi s, no entendimento da ESG,
deviam assumir o papel de técnicos e formuladores de política. No tratamento do
binômio segurança e desenvolvimento, a Escola define dois conceitos importantes que
34
sobre a ESG, a “Estrutura interna da escola foi definida de forma coerente com os objetivos de elaboração
e difusão da Doutrina, para torná -la hegemônica entre civis e militares.”(Assunção, 1999: 41). Logo, a escola
preocupou-se com o aperfeiçoamento de métodos de ação e de decisão do aparelho estatal. Isso corresponderia a uma
racionalização política, que teria por base a teoria e a realidade.” (Assunção, 1999: 42)
95
permearam a atividade governamental da ditadura no Brasil. Primei ro a formulação de
objetivos nacionais que apenas na convergência do binômio segurança e
desenvolvimento seria alcançado, juntamente com a ação de uma elite dirigente. Como
afirma Maria Helena Moreira Alves,
os dois componentes são associados: não pode ha ver segurança nacional
sem um alto grau de desenvolvimento econômico. A segurança de um
país impõe o desenvolvimento de recursos produtivos, a industrialização
e uma efetiva utilização dos recursos naturais, uma extensa rede de
transporte e comunicações pa ra integrar o território. (ALVES, 1985: 38).
Segundo, a formulação da tese sobre a guerra revolucionária que foi o
instrumento legitimador para as práticas de combates aos movimentos de luta contra a
ditadura, até a dizimação completa desses movimentos. Esse foi o diferencial da
contribuição da Escola Superior de Guerra à prática da Doutrina de Segurança Nacional,
herdada da mencionada escola americana e repassada as demais escolas latino -
americanas que se seguiram
35
.
A formulação dos objetivos nacionais c onvergiam para o entedimento de que
apenas as elites dirigentes seriam capaz de realizá -los, além de possuírem a missão
universal de realizá-las. Conforme o Manual Básico, extraído do livro de Miyiamoto,
cumpre as elites não a tarefa nobre de intepret ar os interesses e as
aspirações do povo, para elevá -los ao nível de formulação dos Objetivos
Nacionais, como a missão ainda mais importante, precisamente em rao
de sua capacitação, difundir no povo os altos valores da convivência
social e trabalhar com ele no sentido de aumentar sua participação
consciente e a percepção de seus autênticos interesses e aspirações.
(Miyiamoto, 1988: 21).
Portanto, a vislumbração de que só uma fatia da população seria capaz de
disseminar os valores da civilização e de re sponder aos seus interesses mais sinceros.
35
Tanto o IPES (Instituto de Pensamento Econômico e Social), quanto o IBAD (Instituto Brasileiro de ão
Democrática), terão importante colaboração na formulação da DSN. Ver em ALVES, Maria Helena Moreira. Estado
e Oposição no Brasil (1964 -1984). Petrópolis : Vozes. 1989) e DREIFUSS, René, 1964: A Conqui sta do Estado.
Petrópolis : Vozes. 1980. Para Shiguenoli Miyiamoto, deve -se considerar as influências do positivismo e do
pensamento de Góes de Monteiro para a elaboração da DSN. Op. Cit.
96
Como tal projeto não se realizava de fato, a ESG veio para liquidar a deficiência das
elites em tratar os problemas nacionais. Neste caso , a formulação de Objetivos
Nacionais Permanentes que coincidem com as neces sidade do país em se tornar
potência, assim como a manutenção de seus valores culturais e sociais. No livro de
Eliézer Rizzo de Oliveira, a afirmação de Golbery do Couto e Silva é explícita:
o Estado é o organismo de natureza política que promove a conqu ista e a
manutenção dos Objetivos Nacionais, através da utilização ordenada e
efetiva dos meios de toda ordem que a nação dispõe. (Oliveira, 1976: 43)
A aproximação com os civis, propiciou a ESG assumir um importante papel na
preparação do golpe. O Coron el da Reserva Golbery do Couto e Silva, membro da ESG,
foi o responsável na organização de palestras e de seminários, em conjunto com o IPES
e o IBAD, para a cooptação de novos conspiradores e apoiadores. Dreifuss faz um
importante alerta, já que
os generais do Grupo IPES/ESG constituiam também as ligações chave
com outros grupos. O General Cordeiro de Farias, que se destacava como
articulador político dos militares, tinha outras funções importantes dentro
da estratégia geral deste grupo de oficiais. (... ) Surgindo inesperadamente
nas cidades mais diversas, graças ao grande apoio logístico que seu grupo
recebia, e entrando em contato com as mais variadas facções
conspiratórias, foi capaz de desviar a atenção do governo do movimento
civil e militar do Grupo IPES/ESG. (Dreifuss, 1981: 369 -70).
em se tratando das postulações em torno do primeiro governo da ditadura, em
que a tramitação da linha esguiana se aproxima da quina do estado, Eliézer Rizzo de
Oliveira afirma que
não acarreta a diminuição do papel dos militares na definição daqueles
objetivos; ao contrário, na sua posição estratégica no aparelho do Estado,
após 1964 os militares desenvolveram, como se fossem seus, os objetivos
da burguesia. (OLIVERA, 1976: 41)
É fundamental compreendermos qu e ao contrário do que alguns autores
enxergaram no governo Castello e posteriormente no governo Ernesto Geisel, as teorias
97
esguianas convertidas em prática, isto é, a ideologia de segurança nacional, perpassou
como política para todos os governos militares , influenciando inclusive os chamados de
“linha-dura”: os presidentes Arthur da Costa e Silva e Emilio Médici. Menos do que
divergências, ambos os grupos partilharam de um projeto comum, emanado na Escola
Superior de Guerra, e que conforme tensões e disput as, de maior e de menor grau, a
idéia de desenvolvimento econômico
36
foi acompanhado a de segurança extremada,
traduzida em repressão, tortura e assassinatos. Mas quem é a linha -dura?
A “linha-dura”: quem são?
Numa anotação feita a margem e mostrada ao pr esidente Ernesto Geisel, Heitor
de Aquino Ferreira, secretário particular de Geisel, identificou o chamado grupo dos
onze” da “linha-dura”: Syseno Sarmento, Jayme Portella, Ramiro Tavares Gonçalves,
Henrique Assumpção Cardoso, Clovis Bandeira Brasil, Sylv io Frota, Affonso de
Albuquerque Lima, Lauro Alves Pinto, sar Montagna de Souza, Arthur Candal
Fonseca e João Dutra de Castilho. (Gaspari, 2003).
A primeira observação a ser feita em torno desses nomes é que nenhuns dos
militares normalmente associados à linha-dura tiveram no mesmo período ões ou
práticas que pudessem destacá -los como um grupo coeso, como a Sorbonne nos sugere.
Pelo contrário, os militares vistos como ‘linha -dura’ não o assumiam por vontade
própria, mas eram assim adjetivados por outros militares, o que outra vez difere da
Sorbonne. E neste caso, aqueles que atribuíam ao outro a qualificação de “linha -dura”
não o fazia por uma questão de respeito, mas de hostilidade, como o exemplo de Heitor
Aquino Ferreira, secretário de Geisel, inimigo político de Portella, não nos deixa mentir.
36
Uma pertinente observação diz respeito ao aspecto desse desenvolv imento. Não é objeto desse texto, mas
podemos inferir que o projeto de desenvolvimento implementado pelos militares esteve intimamente ligado a
manutenção da ordem capitalista. Assimilou como prática o racionalismo na economia, fortalecendo as medidas de
controle inflacionário, arrocho salarial e incentivo e proteção ao capital estrangeiro, provindo das burguesias centrais.
Um importante dado a ser relevado, que junto com essas medidas, no processo dos governos militares, o estado
tornou-se um importante investidor de infra-estrutura, contando assim com a anuência de capital provindo de órgãos
internacionais, tais como FMI, USAID e Banco Mundial. Ver Moniz Bandeira, Op. Cit.
98
O desenrolar da pesquisa permitiu uma melhor defiição do papel de Jayme
Portella como membro da linha -dura e a determinação desse envolvimento na sua
ideologia. Isto é, a partir dos seus escritos, da análise hi stórica dos processos reais em
que pudermos demarcar a origem da linha -dura e de sua práxis correspondente a tal
associação, aprimoramos os aspectos que justificavam Jayme Portella como pertencente
a linha-dura.
O então coronel Portella no momento do go lpe de 1964, conforme ele mesmo
afirmou, era diretamente ligado ao general Costa e Silva. Alinhado com a organização
estritamente militar do golpe, um contraponto aos castelistas, Portella desenvolveu os
contatos com os oficiais de dia patente como os co ronéis Andrade Serpa, Sylvio
Frota e Boaventura Cavalcanti, todos oficiais que seriam chefes dos IPMs instalados
para cassar comunistas e subversivos em geral, sob a responsabilidade do Comando
Supremo da Revolução. O surgimento da Linha -dura está associado a uma divisão
militar que se cristaliza no pós -golpe, no qual os “exaltados” defendiam medidas ainda
mais extremadas e a permanência do AI e os “moderados”, uma associação com os
políticos golpistas, com o intuito de manter uma normalidade constitucional oportunista.
Na defesa da autêntica “revolução” Portella, manteve posição bem alinhada aos
primeiros, apesar de pontuar a “linha -dura” como um bloco fora de seu círculo.
Um certo grupo de oficiais revolucionários mais radicais preocupava -se
com o modo de atuação do governo, achando -o lento e brando e queria
mais ação. De outra parte, as personalidades civis que apoiaram a
revolução, não se davam conta ou não percebiam que o novo regime
tinha que promover profundas transformações e não podia, jamais,
retornar às práticas políticas de então. (Portella, 1979: 228)
O governo Castelo Branco, com o objetivo de construir acordos políticos com os
vencedores de março de 1964, delineou uma gestão que conciliasse os poderes,
mantendo o funcionamento do legislativo e do judiciário ao lado do executivo,
estabelecendo os fundamentos para uma democracia tutelada pelos militares. Parte das
99
Forças Armadas começa a questionar esta política de Castelo Branco quando ela mostra
as suas primeiras insuficiências, principalment e no cumprimento de uma operação
limpeza mais radical, a partir dos IPMs. Os Inquéritos, comandado por militares,
incomodavam a base aliada, inclusive o próprio Castelo Branco que passou a fazer uma
rigorosa apuração nos processos iniciados, principalmente , em relação a Juscelino
Kubitschek. Se o castelismo sentia-se incomodado com os IPMs devido às pressões
parlamentares, Portella defende este que vai ser um dos nascedouros da linha -dura.
O Presidente sentia-se inquieto porque os inquéritos policiais mili tares
não eram concluídos, a despeito das recomendações feitas. Mas os
oficiais encarregados dos mesmos não podiam concluí -los, pois havia
muita coisa a apurar. (Portella, 1979: 275)
Notamos que a defesa de Portella dos IPMs não era coincidência, mas dizia
respeito à convicção ideológica do general. Quando Chefe de Gabinete Militar, o
general comandou diversas cassações no pós AI -5. Entretanto, a aproximação com os
oficiais da IPM insinua uma ação programática. Ao organizar a candidatura de Costa e
Silva, no esteio do desgaste de Castelo junto aos militares, Portella cuidou com zelo da
candidatura, inclusive se relacionando com os oficiais da linha -dura.
Os trabalhos pela candidatura do General Costa e Silva iam processando
entre os parlamentares, clas ses empresariais, clero e dentro das Forças
Armadas. Nestas, trabalhava -se com muita habilidade, porque havia um
pequeno grupo que ficou conhecido como 'linha -dura', muito atuante que
precisava ser tratado com cuidado. Não que ele tivesse expressão de
força, mas era constituído de Oficiais Revolucionários autênticos e que
recebiam inspiração do governador Lacerda. (Portella, 1979: 273)
Esta opinião do militar é dúbia. Pois, se a linha -dura não consistia em
movimento de expressão, porque então procurá -los? Após o episódio de outubro de
1965, quando Castelo quase foi derrubado, segundo Portella,
A agitação no meio militar teve certas proporções, principalmente, nos
Estados, onde a Revolução perdeu as eleições. O Sr. Carlos Lacerda
100
ainda tentou tirar proveit o dos acontecimentos, mas o Ministro Costa e
Silva liderava, de fato, e a crise foi serenada. Os oficiais partidários do
Sr. Carlos Lacerda não encontraram apoio nas unidades, que
obedeciam as ordens do Ministro da Guerra.” (Portella, 1979: 280)
O grupo de Costa e Silva procurava encobrir a candidatura do Ministro da
Guerra dos castelistas, segundo o próprio Portella. Sendo assim, a revolta militar apenas
ajudou Costa e Silva frear as inserções de Lacerda junto aos oficiais da “linha dura”,
ajudando na concretização da liderança de Costa e Silva. Para Portella,
A impressão mais sensata era de queo Ministro havia conseguido
arrefecer a situação, mantendo a sua liderança, a despeito de alguns
descontentamentos. Ele declarou -me que não estava para fazer a jogada
do Sr. Carlos Lacerda, que desejava afastá -lo do Presidente Castelo e se
aproveitar com vistas a sucessão presidencial. (Portella, 1979: 279)
Vale destacar também a ligação da “linha dura” com Carlos Lacerda,
mencionada por Portella como inspira dora do grupo. No episódio das eleições dos
governadores em outubro de 1965, como veremos mais detalhadamente, Lacerda
alimentava o continuísmo, primeiro a favor da prorrogação do mandato, segundo contra
a candidatura pessedista de Negrão de Lima. O govern ador carioca se aproximava da
“linha duracomo meio de se contrapor ao poder de Castelo, tentando se assegurar
como líder civil do golpe e possível candidato a sucessão.
Se não há menções diretas de Portella à “linha -dura” que pudessem indicar a sua
auto identificação, nos estudos sobre a sua ideologia não faltam elementos que
clarificam o posicionamento convergente do general em relação às principais
reivindicações da linha dura”. Numa das passagens do seu livro, ele relata a passagem
do coronel Andrade Serpa em Brasília. Entre outras coisas, Andrade Serpa demonstrava
inconformismo com as eleições de outubro de 1965, defendia a preservação da posição
de Carlos Lacerda e indicava a necessidade de uma “limpeza” no Congresso e no
Supremo Tribunal Federal. C onforme Portella,
101
O Coronel Serpa não falava sozinho, ele refletia o que pensava vários
companheiros de Revolução , todos idealistas e que não queriam ver
baldados os esforços empenhados na vitória do patriótico movimento. Ele
podia representar bem os se us companheiros, pelo seu passado
revolucionários dos mais nobre,(...) Ele traçou um quadro real da situação
político-militar. (Portella, 1979: 286)
A convergência política entre Portella e os militares da linha dura” se
cristalizou com o passar dos ano s de 1966 e 1967. Neste período, a compreensão de que
a candidatura de Costa e Silva era a única a manter a coesão militar, assim como a
fragilidade do governo Castelo Branco que perdera espaço nos quartéis. Para Martins
Filho, sem bases militantes nos qu artéis, embora com forte apoio num Parlamento que
então nada contava, ao presidente não pareciam restar muitas alternativas.” (Martins
Filho, 1996: 75)
Se não era explícita a adesão de Portella a “linha dura”, o militar fazia questão
de se manter informad o sobre os ânimos das diversas guarnições. Como membro do
governo Castelo ocupando comissão no Ministério da Guerra, as ligações de Portella
com os quartéis comprova a atividade politica do general que transmitia a Castelo e
também a Costa e Silva, as pres sões militares:
Citei que recebera um telefonema do General Dutra Castilho,
Comandante da Divisão de paraquedistas, dizendo que os companheiros
estavam aflitos, porquanto, as medidas pedidas ao Congresso não saiam e
que eu fizesse sentir ao Palácio do Pla nalto que a paciência estava se
esgotando. (Portella, 1979: 287)
O componente fundamental para pensarmos a relação de Portella com a linha -
dura é a partir de uma consideração concreta: fazendo a mediação entre a caserna e o
governo, no vácuo de insatisfa ção do governo Castello Branco, Portella contribui para
alavancar a candidatura de Costa e Silva.
Por fim, com a vitória de Costa e Silva, a relação entre Portella e a “linha -dura”,
ficam estremecidas. Portella, como Chefe do Gabinete Militar e principal a ssessor
102
militar do Presidente, ordenou seguidas transferência entre oficais, combatendo o foco
de pressão que os duristas representavam para qualquer governo, como fica exposto na
notícia abaixo extraída do Jornal do Brasil sob o título “Linha-dura quer preservar o
regime e a constituição”.
Elogiam a conduta pessoal do Presidente Costa e Silva, mas deploram a
ação de alguns dos seus assessores, aos quais responsabilizam pela falta
de unidade no comando do governo, (...)Não se mostram magoados com
algumas tranferência de seus companheiros, pelas quais responsabilizam
diretamente o Chefe da Casa Militar, General Jaime Portela. (JB,
07/03/1968, p.4)
Portella sabia que era necessário limitar a ação da “linha dura” para impedir que
outro general fizesse o que Costa havia feito com Castelo: imposição e enquadramento.
Isso permitiu o surgimento de outras lideranças que encarnasse a linha -dura. Da mesma
maneira, militares que também eram vistos como “linha dura”, mas não se
identificavam assim. No nosso julgamento , não apenas tiveram papel decisivo em
alguns acontecimentos da ditadura, como foram insistentemente vistos como membros
da “linha dura” por estabelecer uma relação com o espírito dos quartéis encarnado pelo
durismo com objetivos políticos própria, como fo i o caso de Jayme Portella.
O General Syseno Sarmento foi, durante o governo Costa e Silva, comandante
da Primeira Região Militar sediada no Rio de Janeiro que, nos anos de 1967 a 1969, foi
foco de tensão na caserna e o seu comandante, o principal incenti vador. Durante o ano
de 1968, a I Região foi a responsável pela violência cometida contra os estudantes no
Rio de Janeiro, sendo que a mais grave foi o episódio do campo de “concentração” que
virou o clube Botafogo, após um ato estudantil. (Ventura, 1988). As vésperas do AI-5, o
General Syseno Sarmento pressionou Costa e Silva para medidas violentas contra
Márcio Moreira Alves, e na noite da votação do AI -5, 12 de Dezembro de 1968, rondou
ostensivamente Costa e Silva, exigindo as ões urgentes (Chagas, 198 5). Quando do
103
afastamento de Costa e Silva por causa da trombose, Sarmento foi um dos militares que
mais pressionou a Junta Militar por uma solução, inclusive censurando alguns boletins
médicos que davam conta da gradual melhora de Costa e Silva.
Sylvio Frota era o chefe de Gabinete do Ministério do Exército em 1968,
comandado por Lyra Tavares. No governo Geisel tornou -se Ministro do Exército,
passando a ser o centro das atenções militares dos anseios da linha -dura - pela sua
condição de chefe do Exército . Porém, após a demissão de Ednardo D Ávila do
comando da Segunda Região Militar emo Paulo, por conta dos “suicídios” de
Manoel Fiel Filho e Vladimir Herzog, o Ministro Frota sofreu, nas suas palavras, uma
ação deliberada de propaganda negativa”, sendo acusado de ser o grande freio da
política de distensão democrática, comandada por Golbery do Couto e Silva e pelo
presidente Ernesto Geisel. (Frota, 2005), (Gaspari, 2004). Em 12 de Outubro de 1976
foi demitido por Geisel. Alguns autores se referem àquela crise como a tensão militar
decisiva para o processo de redemocratização
37
.
Por último, o general Affonso de Albuquerque Lima, Ministro do Interior do
governo Costa e Silva entre 1967 e 1969. Antes de ser Ministro, Albuquerque Lima
esteve envolvido num emb ate pelo comando do Clube Militar, perdendo as eleições
para o general Moniz Aragão. O Clube Militar
38
foi no período em vigor, o local que
37
Um desses autores é o historiador Boris Fausto. Analisando sob a perspectiva da l iberalização comandada
por Geisel, afirma que a indicação de Figueiredo como sucessor do presidente foi a vitória expressiva no interior das
Forças Armadas. “A indicação do general Figueiredo passara por uma séria prova de força, pois o Ministro Sylvio
Frota lançara sua própria candidatura, nos meios militares e em sondagens no Congresso, como porta voz da linha -
dura. Frota abriu a campanha eleitoral em maio de 1977, antes do calendário eleitoral previsto por Geisel, e começou
a atacar o governo acusando -o de ser complacente com os subversivos. O presidente demitiu Frota do Ministério e
cortou sua escalada.” (Fausto, 1996: 500)
38
Criado em 26 de junho de 1887, tendo importância no movimento de proclamaçãoda república, o Clube
Militar durante o governo Getúl io Vargas vai ter participação decisiva no debate sobre a questão do Petróleo. A
defesa da entrada ou não do capital estrangeiro determinou a formação de duas correntes dentro do Clube: uma
chamada de nacionalista e a outra que vai se agregar em torno do m ovimento Cruzada Democrática, antivarguista e
anti-nacionalista. Durante a década de 50, as duas correntes se embateram pela presidência por diversas vezes, tendo
em Estilac Leal o expoente da corrente nacionalista, e por parte da Cruzada Democrática, os g enerais Nelson Mello e
Alcides Etchegoyen. A Cruzada Democrática dominou todas as eleições, até a vitória do general Segadas Vianna,
cuja conduta legalista arrefeceu as pressões militares na política nacional tendo o Clube como instrumento. em
1962, em plena conspiração contra João Goulart, o Clube Militar sob a presidência do Marechal Augusto da Cunha
Magessi Pereira, passou a ser instrumento de desestabilização do governo Jango. Ainda em 1963, o Clube passou a
exigir de seus sócios atestado de ideologi a, visando impedir a ação de comunistas.
104
mais se manifestava as tensões militares de ambos os grupos. Convidado por Costa e
Silva a assumir o Ministério, Albu querque Lima encontrou uma estrutura dotada da
grande orçamento, além de profunda ligação e influência nas políticas regionais.
Embora fosse alçado como o principal líder da linha -dura para a sucessão de Costa e
Silva, ele se afastou do governo por o ob ter do presidente a mudança da qualificação
civil para militar do seu Ministério, que o ajudaria na promoção a general de quatro
estrelas, potencializando -se como candidato a sucessão (Chagas, 1985). Ao não obter a
promoção e o sonhado comando militar plen o, faz opção de voltar para o Exército e
aguardar o novo destino, tornando -se um crítico do governo. Após a morte de Costa e
Silva, em Setembro de 1969, Albuquerque Lima arregimenta grande apoio dos oficiais
de baixa patente das três Forças Armadas, com de staque para a Marinha, se tornando
um forte candidato na disputa sucessória (Chagas, 1985). A eleição de Médici põe fim
aos planos de Albuquerque Lima que no “concílio” dos generais de exércitos que
escolheram como presidente o chefe do SNI de Costa e Silv a, preteriram o seu nome
por ter se incompatibilizado com o presidente falecido e por não possuir as quatro
estrelas. O general Albuquerque Lima se manteve como principal líder e referência da
linha-dura, apesar do governo Médici não ter devido nada ao des ejo de repressão
encarnado pelos duristas.
Pesquisando os livros e os pronunciamentos desses três militares, tendo em vista
os objetivos dessa pesquisa, a aproximação com os posicionamentos e a atividade
política do general Portella é visível. Nestas baliz as comuns, se expressa a base
ideológica que sustentou a conduta destes generais. Por exemplo, Frota em seu livro,
Ideários Traídos, traz uma abordagem sobre o imbróglio que o colocou contra Geisel e
Golbery, ao identificar nos movimentos de oposição conse ntida
39
no interior da política
39
A idéia de oposição consentida faz muito sentido para analisar a oposição institucional comandada pelo
MDB. De outro lado, a idéia da dissensão política está em voga devido as recentes análises sobre o papel de G olbery
105
de distensão do executivo como uma adesão de Golbery aos movimentos de esquerda,
exemplificando a repercussão do caso Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho em que foi
contrário à demissão do General Ednardo D’Ávila. Segundo Fro ta, o governo Geisel era
leniente com os esquerdistas.
A complacência criminosa com a infiltração comunista e a propaganda
esquerdista que se revitaliza, diariamente, na imprensa, nos setores
estudantis e nos próprios órgãos governamentais, os quais acolh em, no
momento, nos escalões de assessoramento e de direção, noventa e sete
comunista, conforme comuniquei ao Serviço Nacional de Informação,
marxistas que permanecem intocáveis, em suas atividades
desagregadoras. (Frota, 2006: 548)
Frota se assumia també m como um dos principais aliados de Costa e Silva, o
“grupo dos onze”, que Heitor de Aquino associaria aos homens da linha -dura. Frota
define o golpe de 1964 assim:
A ação militar foi realizada para defender a democracia, para resguardá -
la da ameaça iminente do assalto comunista às nossas instituições,
finalmente, para evitar uma revolução marxista. Veio, portanto, para
preservá-la. Não foi desencadeada visando implantar algo de novo, mas
sim restaurar. Entretanto, as correntes militares por ela responsáve is não
se aperceberam ou não souberam compreender que essa democracia, cujo
trono nós, com a força de nossas baionetas e o apoio quase unânime do
nosso povo, sustentáramos de naquela época, tinha graves lesões no
campo social que precisavam de imediato, ser curadas. (Frota, 2006: 630)
Corroborando a esta visão do golpe, o militar defendeu que os assassinatos de
Herzog e Fiel Filho foram suicídios, comprovado pelo IPM instaurado no Ministério.
Em 25 de outubro, porém, nas dependências do Centro de Opera ções de
Defesa Interna do II Exército, suicidou -se o jornalista Wladimir Herzog,
como provado ficou em inquérito policial militar de que foi encarregado
o general de brigada Fernando Guimarães de Cerqueira Lima. (...) As
autoridades militares foram as prim eiras a tomar providências para
investigar as causas do falecimento jornalista, apurar responsabilidades e
e Geisel na desmontagem do aparato da ditadura. Para nós, antes de ser uma ão deliberada de dois generais, os
processos de lutas sociais que caracterizaram o fim da década de 70 tivera diversas causas a ser considerada. Além do
empobrecimento massivo de parte da população, a reorganização do movimento estudantil e a efetiva, mas limitada,
representatividade do MDB, a política de Geisel era um reflexo dos rumos que a política americana adotou com a
eleição do presidente Jimmy Carter, condenando as d itaduras da América Latina.
106
levar os criminosos, caso existissem, às barras dos tribunais. (Frota,
2006: 168)
De outro lado, Sarmento durante a crise de sucessão de Costa e Si lva e o
seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick pela AP e pelo MR -8
40
assumiu
como porta voz das correntes mais radicais, se opondo a troca dos presos políticos
exigidos pelos seqüestradores, defendendo a execução sumária de todos os militantes
presos e o ataque desordenado ao cativeiro, logo identificado pelos agentes da Cenimar.
No caso da sucessão, Sarmento ao defender o rápido impedimento de Costa e Silva, fez
o uso das mesmas armas dos militares para esmigalhar as resistências ao regime: a
coerção e a espionagem. Assumindo como porta -voz do endurecimento, Sarmento será
mantido por Médici no comando da I Região. Segundo Portella,
Alguns generais, entre os quais Augusto Moniz Aragão, Syseno
Sarmento e Affonso Albuquerque Lima, que não haviam fic ado
satisfeitos com a decisão do Alto Comando das Forças Armadas,
designando os Ministros Militares para responderem pelo presidente
enfermo, pois se arrogavam no direito de terem sido consultados “a
priori”, como se fosse os mais revolucionários entre tod os os que
participaram do Movimento de 31 de Março, passaram a fazer sentir ao
Ministro Lyra Tavares o seu inconformismo. Davam guarida aos boatos
que eram veiculados sobre a enfermidade do Presidente; diziam que o seu
estado era gravíssimo e que não tinha mais condições de retornar ao
cargo; que estava à morte. (Portella, 1979: 850)
A enfermidade de Costa e Silva afastou de uma vez os militares, polarizando as
decisões tomadas por Portella com o Ministro Lyra Tavares de um lado, e do outro,
Sarmento e Albuquerque Lima, os principais pretendentes à sucessão de Costa e Silva.
Dos quatro (Portella, Albuquerque Lima, Sarmento e Frota), considerados os principais
títeres do radicalismo militar, transmitido pelos coronéis da “linha dura”, talvez
Albuquerque Lima fosse o que melhor consolidou as suas idéias.
40
Em 04/09/69 militante da ALN e VPR se lançaram numa ousada ação de seqüestro do embaixador
americano, em troca de 40 presos políticos nos porões da ditadura. Logo localizado o cativeiro, com a ausência do
presidente e as pressões dos americanos para que nada acontecesse ao embaixador, a Junta Militar viu -se obrigada a
negociar e soltou os presos solicitados pelos militantes, além da leitura do manifesto nos canais de televisão e rádio.
Ocorreram outros seqüestros em troca de militantes, mas nenhum com a mesma relevância que esse.
107
Sendo Ministro da Interior, Albuquerque Lima defendeu uma política de
integração nacional, vislumbrando a ocupação da Amazônia como arma estratégica para
a garantia das fronteiras e a Segurança Nacional. Inst igou o lançamento do Plano
Rondon com a participação do Ministério da Educação, incentivando o envolvimento de
universitários nas áreas de fronteira da Amazônia. O seu pensamento tinha um forte
componente nacionalista como apontado por Helgio Trindade
41
, pois quando do
lançamento da candidatura do general a sucessão de Costa e Silva,
A dinâmica da candidatura Albuquerque Lima ocupa o espaço, até então
vazio, do nacionalismo exarcebado pela ameaça da desnacionalização da
Amazônia. A ação do Ministro do Inter ior em defesa da região
amazônica, estimulando, inclusive através do Projeto Rondon, a
interiorização de estudantes junto às populações periféricas carentes,
respondia também às preocupações da jovem oficialidade. (D’ Araújo et
al., 1994: 138)
Neste sentido, a associação de Albuquerque Lima com a linha -dura gera mais
dúvidas do que certezas, porque a questão da Segurança Nacional para a “linha dura”,
não se balizava pelas discussões em torno da ocupação da amazônica. Este componente
do seu pensamento foi resultado da sua atividade como Ministro. Albuquerque Lima ao
saber do veto a sua candidatura pelo Alto Comando do Exército, devido a sua condição
de general três estrelas e a incompatibilidade que teve com Costa e Silva, respondeu ao
Ministro do Exército em carta expondo as idéias dos oficiais que pleitearam a sua
candidatura.
Essas manifestações havidas nas guarnições militares em torno do meu
nome jamais se originaram por iniciativa minha. São oriundas do
sentimento de puro idealismo de nossos oficiais jovens e mais idosos
em torno das idéias revolucionárias que sempre difundiram, em termos
41
O professor da UFRGS analisa o radicalismo militar de direita como fenômeno ímpar no período da
ditadura. Segundo o autor, “a disputa pelo poder no pós -64 conduziu a uma aliança entre os moderados da ‘Sorbonne
e a ‘linha-dura’ comandada pelo Ministro da Guerra, Costa e Silva, que converge na indicação para a Presidência da
República do General Castello Branco, marginalizando o grupo anti -Sorbonne, liderado pelo chefe militar do golpe
de 31 de Março, o general Mourão”.(D’ARÁUJO et al, 1994: 129) Neste caso, o general Mourão Filho, ex -
integralista, se consolidaria como líder de uma facção diversa da linha -dura e dos castelistas, tendo como principal
característica a forte herança o nacionalismo de di reita. O grupo que alimentava o desejo de Albuquerque Lima
pertenceria a esta mesma linha ideológica.
108
de realizações e programas de um governo sem corrupção e contra a
corrupção. Desejo reafirmar minha posição dentro da revolução que, a
meu ver, ainda não se reali zou, pelo simples fato de que não fez o que
poderia ter sido feito em beneficio do povo brasileiro, dentro dos
princípios de um nacionalismo puro e sensato. (Portella, 1979: 889)
Nesta carta, Albuquerque Lima expõe elementos comuns que se associam a
prática da “linha dura”. O puritanismo revolucionário de contraponto à prática
governamental, marcada pela corrupção. O que aproxima os quatro generais
principalmente é a conduta vinculada à pressão e a adoção de uma linha militar radical.
Radical entendido na acepção comum do termo: a evocação de raízes puras” na
justificativa de ações definitivas. Assim como Portella, os três militares defendiam o
afastamento dos políticos da estrutura de poder, mas não o seu total isolamento; o
combate intermitente a subvers ão; a defesa de uma condução nacionalista da economia
em contraposição ao que consideravam falhos nas políticas econômicas tanto do
governo Castelo, quanto no de Costa e Silva. Em relação a Portella, podemos indicar
algumas diferenças dele para os demais. Portella foi o Ministro de Gabinete Militar e
principal assessor de um presidente da República, diferente dos três, que tiveram
atuação ambígua conforme as situações políticas os colocavam como a “bola da vez”.
Não podemos afirmar com convicção que todos d ividiam uma mesma visão da política
mais adequada para o Brasil e neste caso a ação mais apropriada em torno de um
objetivo comum, o que no caso dos castelistas, a partir de Geisel e Golbery, isto é
empiricamente observável. Mas os quatros generais se c olocavam contra o castelismo.
Entretanto, Albuquerque Lima e Sarmento foram os mais interessados na resolução da
sucessão de Costa e Silva, opondo -se a Portella, que desejava manter o presidente,
nomeando um vice-presidente militar. (Chagas, 1985).
Cada um a sua maneira, Sarmento, Frota e Albuquerque Lima, indispuseram -se
com o governo de ocasião por ambicionarem o cargo de Presidente da República, algo
109
que não podemos atribuir a Portella, a não ser nas indicações de alguns estudiosos
42
.
Esperavam contar com a força da tropa para impor essa condição, assim como Costa e
Silva, com o apoio e a organização de Portella, fizera contra Castelo Branco. O durismo
desses generais, assim como o do próprio Portella, confunde -se com a indisposição
deles com ditador de t urno. Destarte, é compreensível que todos os generais não se
assumiam como “linha -dura”. Mas pelo contrário, no caso de Portella vai haver uma
perseguição sistemática aos remanescentes duristas no governo Costa e Silva. Portella
se identifica com a “linha -dura” no momento da preparação da candidatura de Costa e
Silva. Albuquerque Lima e Sarmento na sucessão de Costa e Silva e Frota na oposição a
Geisel
43
. Ainda sim, contraditoriamente, analisando os escritos de Portella e a prática do
governo Costa e Silva, uma incorporação sistemática das reivindicações da “linha -
dura”.
Colocando de lado a caserna, vale citar o caso de alguns civis, confundidos
como duristas. A associação de civis é vista por alguns autores como meramente
casuística, já que a caserna ex ercia grande poder sobre o ditador de turno, favorecendo,
enfim, uma aliança de momento. Meira Matos, em entrevista concedida para Maria
Celina D Araújo e Celso Castro, apontou essa característica da aproximação de civis
com a “linha dura” (Araújo et al, 1994: 115-6). Para Carlos Chagas tratando das idas e
vindas das eleições para os 11 governos de estado, entre eles a Guanabara, quando se
“ameaçava” um retorno das forças sociais afastadas em Março de 1964, afirma que
42
Segundo Martins Filho, os militares suspeitavam que Portella pudesse pleitear a sucessão de Costa e Silva
devido a sua íntima relação com o presidente Costa e Silva: “a hierarquia militar cuidou de fazer chegar ao Palácio
que os oficiais-generais não aceitariam a pretensão de alguns coronéis á chefia do regime militar. indícios, por
outro lado, ed que a hierarquia acompanhava com atenção os movimentos do chefe da Casa Militar, general Jayme
Portella, que acirrou suspeitas antigas, não apenas com sua promoção a general de divisão, em fins de julho de 1969,
mas em virtude das homenagens que lhe prestou na ocasião o presidente Costa e Silva.” (Martins Fil ho, 1996: 171)
Em nenhum momento Portella menciona a possibilidade de candidatar -se a sucessão.
43
Elaborado no dia 8 de fevereiro e divulgado na íntegra pela imprensa 12 dias depois, os coronéis
alardeavam a deterioração do exército frente ao estancamento dos investimentos, aos baixos salários, além da ameaça
comunista, representado pelo aumento de 100% dos salários mínimos prometido por Getúlio Vargas. Ver em
D'ARAÚJO, Maria Celina, O segundo governo Vargas 1951 -1954: democracia, partidos e crise política . Rio de
Janeiro, Zahar, 1982
110
a ‘linha-dura’ entrou em ebulição: os radicais, ou melhor, na época a
maioria da massa castrense, entendia que o revanchismo pretendia
instalar-se para ficar, e enquanto as apurações se concluíam, a
temperatura subia. Não admitiam a Guanabara em mãos dos ditos
adversários, e eram insuflados, n a reação, por lacerdistas notórios, como
Rafael de Almeida Magalhães. (Chagas, 1985: 87)
Outro político notoriamente associado à linha -dura é o Ministro Gama e Silva
da Justiça. Reitor da USP, convidado a assumir a pasta da Justiça, Gama e Silva é
tratado inclusive por Jayme Portella como um dos civis mais alinhados com a política
de fehamento do regime, postando -se dentro do governo de Costa e Silva como uma
antítese a tendência liberalizante representado pelo Vice -Presidente Pedro Aleixo
44
.
Durante o ano de 1968 e as vésperas do AI -5, segundo os relatos de Portella, Gama e
Silva estava a tiracolo com um projeto de Ato Institucional
(lhe) Disse: “Olha Gama, você vive alardeando que tem um ato dentro
dessa pasta, sei que é blefe, mas para o seu hotel, retoque o que tiver
escrito, pois que amanhã poderá ser útil na reunião”. (Portella, 1979: 646)
Gama e Silva foi o mentor da invasão da UNB no auge da crise entre movimento
estudantil e governo, em 1968. Ação militar resultou na morte de um estudante, a
indisposição com o MDB e a contrariedade do presidente, valendo ácidos comentário do
melhor observador político da época, Carlos Castello Branco
45
. Gama e Silva ainda vai
ser o personagem de muitas anedotas que mostravam a estreiteza política e o cinismo
repressivo do governo Costa e Silva
46
. Quando do afastamento do presidente, Gama e
44
Carlos Chagas em Guerra das Estrelas apresenta um relato sobre as divergências entre Pedro Aleixo e
Gama e Silva, no ápice da crise que propicia o AI -5. “Pedro Aleixo fala por 30 minutos. É interrompido pelo Ministro
Gama e Silva, que o detestava, fosse por sua cultura jurídica, fosse porque não concordava com seus pontos de vista.”
(Chagas, 1985: 134)
45
Em 31/09/68, o DPF comandou a invasão na UNB. A partir de então, se iniciou uma rie de desmentidos
sobre a quem havia dado a ordem ou não. Castello Branco escreve,”Se o Ministro não foi previamente informado, se
ele não deu a ordem, se ele não concordou com a operação, ou se lhe omitiram pormenores essenciais do problema,
então o Ministro não é Ministro, o manda nada no setor mais importante do seu Ministério. Qualquer desmentido
do Ministro mereceria se fosse acompanhado da divulgação de ato demitindo o diretor do Departamento da
Polícia Federal ou o responsável pela infamante diligência. Ou então de anuncio da su a própria demissão, por ter sido
desrespeitado. (Castello Branco, 2007: 543)
46
O jornalista Zuenir Ventura em 1968: o ano que não terminou , apresenta alguma dessas: “Um dia semanas
depois do episódio da UnB, ele entrou intempestivamente no gabinete de Co sta e Silva, com quem tinha a sem -
cerimônia de chama-lo de você, e disparou: - Eu vim lhe dizer que você tem um comunista na Secretária de Imprensa.
E comunista da linha chinesa. Você se baseia em que para dizer isso? replicou o presidente com um certo cansaço
111
Silva tenta se contrapor ao comando da Junta Militar, buscando influenciar as decisões
militares, sendo enquadrado por Lyra Tavares, Ministro do exército.O Ministro da
Justiça de fato não influenciou os rumos do governo após a morte de Costa e Silva,
sendo relegado, ele e as suas bravatas, para segundo plano.
Apesar de pouco aludido, vale a menção de deputados que se vincularam à
“linha dura” no início da ditadura, inclusive se a presentando como porta vozes do
grupo, sendo que os casos mais notórios eram os dos deputados Clóvis Stentzel e Costa
Cavalcante, sendo o último ex -militar e irmão do Coronel Francisco Boaventura
Cavalcanti, frequentemente associado como um dos principais deres da corrente.
Mas Carlos Lacerda seja talvez o político mais associado a “linha dura”, tanto
pelo próprio Jayme Portella, quanto por Carlos Castello Branco. O seu desejo
permanente de assumir o poder golpeando Presidentes eleitos, seja ele quem for
47
,
ganhou um novo alento com o golpe e a ditadura militar. Lacerda despontava como o
principal líder civil do golpe, também era o primeiro na linha sucessória do presidente
Castelo Branco. Logo após o golpe, pressionou para que o seu principal adversário na
corrida presidencial, Juscelino Kubitchek, fosse cassado pelos militares. Acreditando
que Castelo entregaria o cargo em março de 1966, Lacerda foi mandado pelo governo
militar à Europa, com intuito de melhorar a imagem do governo brasileiro perante a
opino mundial. Com a mudança do cenário político, ainda em 1964, devido as
discussões em torno da prorrogação do mandato de Castelo, Lacerda afasta -se do
governo. Além da crítica a política econômica -financeira comandada por Campos e
de quem ouvira coisa parecida antes. Você sabe que não sou homem de acusar sem provas. Elas estão aqui. (...)
Nervoso, Gama e Silva retirou da pasta uma vasta papelada e apresentou ao presidente. Ele acusava o secretário da
Imprensa de estar sabotando o seu Ministério ao reduzir a sua importância em um documento. A prova era a cópia da
mensagem presidencial que iria ser remetida ao Congresso, onde o Ministério da Justiça fora contemplado com
parcas 15 linhas, quatro vezes menos do que outras p astas, como a das Comunicações, por exemplo. Isso é uma
bobagem, não é prova explodiu Costa e Silva ao constatar que o dossiê de acusação se limitava a uma mesquinha
choradeira por espaço.” (Ventura, 1988: 198)
47
Carlos Lacerda havia participado at ivamente da oposição ao governo Getúlio Vargas, Juscelino
Kubitschek e João Goulart, tentando derrubá -los com todas as armas possíveis. Em 1964, foi o expoente civil na
conspiração, lado a lado com o governador mineiro Magalhães Pinto.
112
Bulhões, Lacerda discord ava da atitude adesista da UDN perante o governo federal
(Castello Branco, 1976: 108).
O permanente afastamento do presidente era concomitante a sua aproximação
com os militares da “linha dura”. Por exemplo: no auge da crise militar mais tensa que o
governo Castelo enfrentou, a sucessão dos governadores estaduais em Outubro de 1965,
o cronista Carlos Castello Brano escreveu na sua coluna no Jornal do Brasil,
Do lado da “linha dura” (Lacerda), cuja ação vem sendo cerceada por
enquanto com o simples recurs o aos regulamentos militares e o exercício
da hierarquia judiciária, o esforço continuado de impedir que o Sr.
Negrão de Lima permaneça no governo não cessou um minuto sequer.
(Castello Branco, 1976: 377).
Após a tentativa frustrada de insuflar o exérci to contra Castelo Branco, Carlos
Lacerda, marginalizado da arena política decisória, procurou encontrar caminhos que
pudessem levá-lo a presidência. A criação da Frente Ampla no fim de 1966 foi esse
novo caminho. Entretanto, como bem observado por Maciel, esta Frente, constituída
sobre o signo do oportunismo e de alianças estranhas
48
, tivera vida curta, perdida no
meio de suas próprias contradições. Buscando o amparo de ex -udenistas e pessedistas,
conspiradores em 1964, e se aproximando de setores da oposiçã o consentida, o MDB,
a Frente Ampla foi expressivamente condenada ao fracasso, político, em
termos programáticos e em termos institucionais, por que contou com um
compromisso democrático que não havia na articulação que sustentava
o governo, e porque sua natureza era contraditória com a estrutura
partidária institucionalizada.(Maciel, 2004: 59).
Um outro efeito da Frente Ampla para Lacerda foi o seu gradual afastamento dos
militares da linha-dura. A atuaçao de Carlos Lacerda nos primeiros quatro ano s de
ditadura militar foi similiar ao oportunismo político presente em toda a sua carreira
pública. A sua vinculação com a “linha dura” deveu -se mais à sua persistência em
48
Juscelino Kubitschek fizera as pazes com Lacerda em nome da Frente Ampla, além da aproximação dos
dois com Jango, no asilo. Brizola e Jânio Quadros, convidados por Lacerda, deixara falando sozinho.
113
derrubar Castelo Branco, aliado de outrora, a qualquer custo, do que a convergência de
princípios políticos comuns. A “linha dura”, conforme noticiário da época, entrou em
parafuso devido aos novos “aliados” de Lacerda, exatamente os mesmos políticos que
padeciam nos Inquéritos Policiais Militares (IPM) ou que estavam no exílio.
Esses rculos militares, profundamente identificados com a linha -dura,
embora pouco otimistas com o quadro político atual, não vêem na frente
ampla a saída lida pata a solução dos problemas brasileiros,
condenando o comportamento político do Sr. Carlos Lacerda, para eles
um revolucionário que abandonou seus companheiros para aliar aos
inimigos de seus Ideares revolucionários. (JB, 07/03/1968, p. 04)
Apesar destes indícios sobre uma práxis comum entre políticos e militares em
torno da “linha dura”, não existe na historiografia um estudo que balize a práxis deste
grupo a partir das relações entre os seus diversos agentes. Isto é, quais objetivos e qual a
dinâmica que permite aventarmos o surgimento da linha -dura como um organismo
político no interior das Forças Armadas? E na reconstrução de sua gênese histórica,
como estabelecer os nexos entre o seu projeto político e base ideológica própria?
O início da linha-dura através da crônica política
Desde as suas possíveis raízes com o integralismo, até o choque c om os
comunistas no interior do Clube Militar, a alcunha “linha -dura” vai surgir para
diferenciar um grupo de militares insatisfeitos com a política atenuante de Castelo
Branco. Os principal agentes do golpe começaram a se diferenciar entre aqueles que
defendiam ainda mais punição aos derrotados de 1964, em detrimento aos que
projetavam uma “normalidade jurídica”, um novo legalismo institucional.
Comumente, a origem da linha -dura é atribuída aos jovens oficiais incoformados
com a leniência do governo Caste lo Branco e com as punições aos subversivos.
Em linhas gerais, a origem da “linha dura”: capitães, majores, tenentes -
coronés e coronéis que, com um discurso anticomunista e anticorrupção
114
emulados e também influenciando oficiais -generais - , ansiavam por
maiores prazos para completar os expurgos. (Fico, 2001: 39)
Esta alusão não deixa de ser correta, entretanto, é necessário responder outras
indagações sobre esta corrente militar, principalmente, os laços que ultrapassam os
limites da caserna para inc orporar políticos e generais numa mesma retórica: mais
punição aos comunistas e aos corruptos. Conforme a linha -dura se tornava importante
instrumento para pressionar o governo, mais a sua bandeira restrita tornou -se ainda mais
ampla no sentido de polarizar as decisões do governo Castelo -, a ponto de influenciar
definitivamente na escolha de Costa e Silva.
Neste aspecto, com o intuito de demarcar ainda mais as diferenças da “linha
dura” em relação aos castelistas, pretendemos mostrar a gênese desse grup o,
apresentando o esboço das pautas que os diferenciavam. Apesar das ilações feitas por
Eliézer Oliveira de que a linha -dura seria um grupo surgido na ESAO (Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais), não existe nenhum tipo de material político produzido e
nem uma produção intelectual consistente de seus principais expoentes militares com
exceção aos generais Portella, Albuquerque Lima e Sylvio Frota. Por outro lado,
retomando o objetivo da nossa pequisa de figurar essa corrente nos anos de 1965 à
1969, consoante a análise da práxis do general Jayme Portella de Melo, pretendemos
utilizar como fonte as colunas assinadas por Carlos Castello Branco e as notícias de
jornais de época que, indiretamente, ressoavam a pauta de reivindicações da corrente de
maneira geral.
O objetivo aqui é matizar o processo político de consolidação, concomitante ao
surgimento da “linha-durae as suas demandas, restringindo as notícias e artigos que
ressoavam as suas bandeiras. Restringimos a análise dessas notícias no ano de 1964 até
a crise de outubro de 1965, devido as especificidades do período. Neste momento, a
direção política da ditadura de maioria castelista ainda vislumbrava o retorno a
115
normalidade jurídica o que envolvia as eleições diretas para presidente. Constatamos
que neste período de um ano e meio é o momento de cristalização da ação destes
militares inconformado com a “fraqueza” de Castelo como uma corrente. É neste
período a aproximação desses militares e diversos políticos, como Carlos Lacerda. E
finalmente, a consolidação do nome de Costa e Silva como líder da corrente, mais pelo
cargo que ele ocupava do que realmente pelo vínculo ideológico. Desse modo,
caracterizar a ideário da “linha dura” no seu nascedouro aa primeira crise militar que
os tornaram uma corrente militar a ser considerada, conforme a manutenção de um
projeto ‘revolucionário’ dos golpistas de 1964.
Carlos Castello Branco em sua coluna no Jornal do Brasil foi o primeiro a
informar o nascimento da “linha dura” e o seu vínculo com políticos, e de alg uma forma
a natureza desta relação. Conforme o autor a corrente radical, oposta a moderada que se
forma no Congresso
abrangeria não somente militares como civis (...) deveria assim constituir -
se numa facção hermética, infensa e adesões e convocando, como sua
justificativa, o purismo revolucionário que se afirmaria na prática radical
do expurgo. (Castello Branco, 1976: 45).
Em 06/04/64, Castello Branco anunciava na sua coluna o surgimento de uma
corrente mais radical no interior da disputa entre os go lpistas, sendo que os moderados
sobrepunham-se em relação aos radicais.
Parece estar se impondo sobre a corrente revolucionaria exaltada a
corrente moderada, que entende e proclama que a revolução foi feita
contra o comunismo, não contra o Congresso e as liberdades públicas. E
esta, de resto a tendência normal dos movimentos vitoriosos que,
cumprida sua missão, procuram acomodar -se a ordem. (Castello Branco,
1976: 08)
É interessante percebermos as bases que diferenciavam os dois grupos, segundo
Castello Branco, e para tanto é necessário pontuarmos alguns problemas. Carlos
116
Castello Branco foi colunista do Jornal do Brasil na época do golpe de estado em 1964
e, como um integrante da imprensa carioca conservadora, foi um articulista simpático a
ditadura. Entretanto, no seu trabalho de escrever e analisar os bastidores político -militar
dos governos, conseguiu a proeza de expor as contradições dos militares e dos políticos
golpistas, sem ser censurado. Agindo criticamente, a sua coluna Coluna do Castello, é
uma importante fonte de estudos sobre as tendências que se avolumavam no núcleo
golpista e suas reações, nesse caso, o surgimento da linha -dura como exemplo
emblemático.
Castello Branco via as diferenças desta forma: um grupo moderado prezava
pelas liberdades públicas, os radicais a defesa dos expurgo. Todavia, ambos
colocavam-se como anti-comunistas. Apesar de seus primeiros passos, os militares
acomodaram as necessidades de se fazer a operação limpeza, livrando o legislativo de
cumprir o papel impróp rio de eliminar a presença de comunistas ou supostos
comunistas. Paula Beiguelman explica que as cassações faziam parte do conjunto de
ações promovidas pelos militares vencedores, no intuito de fermentar o discurso de que
tudo continuaria normal,
o grupo prestes a empalmar o poder inicia então sua tática de auto
proclamar-se moderado. Não, não pretendia atingir o Congresso nem as
liberdades públicas. Apenas necessitava de um aval ‘jurídico’ que lhe
possibilitasse praticar uma cirurgia que, na sua opinião, a todos deveria
parecer axiomaticamente ‘necessária’, apesar de desagradável. De posse
de tal instrumento, as forças vitoriosas se dispunham a assumir,
compreensivas, a antipática responsabilidade do expurgo. Assim por
exemplo, poupariam o Legislativo do c onstrangimento de promover a
cassação dos mandatos de alguns dos seus próprios membros; ou de
suspender os direitos políticos de outras figuras públicas e também as
garantias do funcionalismo civil e militar. Os atos de prática do expurgo
seriam imediatos e sumários. (Beiguelman, 1994:20)
Atinge, não a casa legislativa, mas os diversos poderes constituíntes do
aparato estatal, além da própria sociedade, principalmente, trabalhadores.
117
Em 20/05/64, novamente, é noticiado o papel de uma corrente radical no interior
do movimento golpista vitorioso, mas nessa nominação dos líderes de cada facção,
chamando a atenção para o caso da “corrente radical”, cujo porta -voz não está no
Congresso, mas no Ministério da Guerra:
Acentuam-se as divergências entre os d ois partidos ou as duas correntes
da Revolução. Enquanto o Sr. Amaral Neto, assume, no Ministério da
Guerra, o compromisso de defender a “linha dura”, o Sr. Pedro Aleixo,
comentando novamente rumores de que seria pedido o estado de sitio,
declarava que tal não acontecera sem fato novo, pois todo o empenho do
governo esta no restabelecimento do processo legal. (Castello Branco,
1976: 47)
Nos embates com esquerdistas em vários estados, e a divulgação de muitos casos
de tortura, dizia-se entre as hostes milit ares que o governo estava muito brando. Aqui
podemos inferir que a linha -dura começa a procurar um espaço de ação e voz. No caso,
o Ministério da Guerra assumiu este papel de ser o elo com os radicais. Portella, como
chefe de gabinete de Costa e Silva foi essa ligação com os quartéis. Na coluna de
Castelinho aparece a primeira menção da diferença entre uma linha branda e uma “linha
dura”, com o fim dos expurgos em junho de 1964. A necessidade de mais e mais
punições definem os marcos da polarização nas For ças Armadas. Castello Branco em
Maio de 1964 afirma,
O agravamento do estado de crise entre os partidários da “linha dura” e
os da linha branda, para este final do prazo de expurgo, era perfeitamente
previsível, importando saber apenas em que medida ela a fetará a
restauração da ordem jurídica e a consolidação do Poder Civil. (Castello
Branco, 1976: 68)
O cronista, adiante em sua análise, indica o desdobramento da força de Castelo
junto aos seus partidários do governo, expondo, dessa forma, a aliança do Presidente
com os setores da ESG.
118
Ganha sentido o rumor, acolhido por fontes altamente situadas, de que o
Marechal Castelo Branco ou controlará as tendências radicais da
Revolução, de maneira a conduzir o Governo dentro da linha do seu
pensamento, que coincide com a dos seus antigos assessores da Escola
superior de Guerra, ou iria até a renuncia. (Castello Branco, 1976: 68)
A segunda hipótese é descartada por Castelinho, mas sem utilizar da sua
contumaz análise política, apontando uma possível fragilid ade de Castelo Branco:
Trata-se evidentemente de uma hipótese remota, mas a alusão a ela
indicaria a firmeza com que o Presidente enfrenta a atual conjuntura.
(Castello Branco, 1976: 68)
A linha-dura teve no Ministério da Guerra um defensor da contin uidade dos
Inquéritos Policiais Militares. As diferenças entre Castelo e Costa e Silva começam a
partir daqui. Segundo Carlos Fico, “o general Estevão Taurino de Resende Neto que
fora nomeado pela Portaria n 1 do Comando Suoremo da Revolução como encarre gado
pelos IPM pediu ao presidente da República que prorrogasse o prazo para as
cassações de mandatos e suspensões de direitos plíticos, mas Castelo Branco não o
atendeu, enchendo de revolta os ‘coronéis dos IPM’. (Fico, 2001: 43)
O fim das cassações se dariam em 15 de Junho de 1964. Castello Branco vai
expor o descontentamento da linha -dura, dois dias depois:
A política de repressão, que contrariou obviamente os setores atingidos e
emocionou a opinião pública, não atendeu também aos interesses e ás
reivindicações dos que a preconizavam como indispensável ao êxito do
movimento revolucionário. Os radicais ou partidários da “linha -dura” são
hoje pessoas frustradas e descontentes com o Governo. Em cada Estado,
do Rio Grande do Sul ao Acre, queixas: falto u fulano, faltou sicrano,
faltou beltrano. (Castello Branco, 1976: 78)
Por não ser a primeira vez que Castello Branco designava a corrente radical do
exército, o cronista utiliza pela primeira vez as aspas para assinalnar o grupo como
“linha-dura”, o que talvez indique que a fração militar já se tornava uma corrente
orgânica, inclusive com partidários. De outro lado, o resumo das bandeiras da “linha -
119
dura” ficaram limitadas aos queixumes de nomes que não foram indiciados nos IPMs,
tendo claramente uma out ra reivindicação a ser defendida, enquanto crítica ao governo
Castelo Branco. Adiante, Castelinho faz uma observação sobre a origem dessas queixas,
auferindo o caráter político das reivindicações “duristas”:
essas queixas vem principalmente dos udenistas de Goiás, do Maranhão e
do rio Grande do Norte, cujos respectivos Governadores, com dossiês
que teriam sido “aprovados” pela Comissão Geral de investigações,
foram salvos da degola pela moderação com que o Presidente Castelo
Branco usou dos poderes que lhe atribuiu o Ato Institucional. (Castello
Branco, 1976: 78)
Além do oportunismo político que patrocinava a ação de muitos Inquéritos pelos
estados afora, sendo ferramenta para derrubar adversários políticos (as eleições
estaduais de 1965 e 1966 não deixa ram margem de dúvida do uso desse expediente), a
moderação do Presidente Castelo Branco, segundo Castelinho, teria sido responsável
pelo impedimento de mais cassações. O STF cumpria o papel de conceder os habeas
corpus aos acusados, previamente, provocando ainda mais revolta nos militares “linha -
dura” como no caso do governador de Pernambuco Miguel Arraes. Isso servia ainda
mais para torná-los oposição ao regime (Fico, 2001: 44). A moderação de Castelo neste
momento teria um motivo: a permanente busca de um a institucionalidade jurídica que
contemplasse o status quo, intenção preemente para o castelismo.
Em Agosto de 1964, após a leitura do manifesto de João Goulart no Congresso,
novamente acirra-se a pressão da “linha -dura” para uma resposta ao ex -Presidente,
determinando, dessa maneira, um aspecto da corrente até então não exposto pela crônica
da época:
Nos círculos militares da chamada “linha dura”, que se agrupam cada vez
mais sob a liderança do jovem General Moniz de Aragão, Presidente do
Clube Militar, o manifesto do ex-Presidente da República é analisado
como uma peça de extrema gravidade, capaz de justificar por si a
reabilitação das medidas mais agressivas do Ato Institucional, que
120
deveria, no entender deles , ser restaurado na plenitude e sem pr azos.”
(Castello Branco, 1976: 116)
Percebemos a alusão de uma possível liderança da “linha -dura” nos primeiros
idos da ditadura, a do General Moniz Aragão, e o seu locus, o Clube Militar. Moniz
Aragão, ganhador das eleições do Clube Militar, após o im pedimento da candidatura de
Albuquerque Lima, naturalmente, tornar -se-ia o porta voz do Clube Militar, portanto a
linha de frente das reivindicações desses militares. Por outro lado, o Clube Militar, por
reunir oficiais jovens coronéis, tenente-coronéis, majores e capitães em sua maioria - ,
era o local onde se aglutinava as tensões militares pela restauração do AI. Não era o
único espaço que demandava esta medida, e nem o foi sempre, mas naquele momento,
pela aproximação de tantos oficiais que foram tamb ém chefes das IPMs, representava as
vozes descontentes do “ durismo” neste primeiros meses da ditadura de Castelo. E
naturalmente, o caso do General Augusto Moniz Aragão ainda é mais casuístico. O
militar sempre foi associado a imagem dos castelistas (foi Chefe de Gabinete de Castelo
Branco quando esse era Chefe do Estado Maior do Exército em 1964), inclusive se
tornando inimigo ferrenho do governo Costa e Silva, acusando este de corrupção
(Carlos Chagas, 1985). A sua associação com a “linha -dura” era momentânea.
Castelinho também deixou registrada sua opinião sobre o que representava o
manifesto de Goulart na tentativa do governo Castelo Branco de recuperar o poder civil,
reafirmando novamente tratar -se de uma situação transitória, indicando um caminho
para a normalidade democrática:
O Sr. João Goulart terá, de certo modo, atingido seus objetivos , ao
provocar um agravamento das tensões internas e o revigoramento de
certas contradições no movimento vitorioso que o Governo instituído
vinha contornando e dis ciplinando ao sabor das suas inspirações
legalistas e democráticas. (Castello Branco, 1976: 116)
121
Segundo o cronista do Jornal do Brasil, João Goulart teria reavivado as pressões
da ‘linha-dura’ no seu manifesto. No dia 28 de Agosto de 1964, Castelinho comentara a
resposta do Ministro da Guerra que tomava a dianteira na reivindicação durista. De
outro lado, cobrou do governo Castelo uma política de contenção da “linha -dura”, já
vista pelo jornalista como força política de contra -fluxo as intenções do gene ral-
Presidente:
A manifestação do Ministro da Guerra, cuja tônica efetiva é a
solidariedade com os sentimentos da oficialidade militar, deixou
evidente, na interpretação que teve em Brasília, o propósito de prestigiar
o Presidente Castelo Branco na sua pol ítica de restaurar, tão cendo
quanto possível, a normalidade institucional. Seria, portanto, em que
pesem as aparências, um documento de contenção da “linha dura” e de
reafirmação da prevalência da orientação dominante no Governo.
(Castello Branco, 1976: 117)
A crise suscitada com o manifesto de Goulart era vista pelo cronista como
superada. Em 13/09/64 o jornalista escrevia na sua coluna que a linha dura” deixa de
ser um problema político, mas era mantida como um estado de ânimo residual, ao sabor
das tensões regionais.
É verdade que nem tudo está feito, mas o fato é que a “linha dura” já não
é, hoje, um problema político, mas um estado de espírito remanescente
que cria problemas residuais, de maior ou menor gravidade, conforme o
ponto geográfico, e cer tamente mais acentuado na latitude norte.
(Castello Branco, 1976: 123)
Para a surpresa de Castelinho, o durismo provou-se muito mais dinâmico do que
apenas uma reação imediata as forças do pré -64 ou a fraqueza de Castelo Branco. A
partir de 1965 as rei vindicações duristas cresciam, assim como o estabelecimento de
duas lideranças: “Em Carlos Lacerda, admiravam a retórica retumbante e as atitudes
audaciosas; em Costa e Silva, enxergavam não apenas o chefe militar de maior
antiguidade, mas também o líde r que logo iniciou o processo de punições.” (Fico, 2001:
39)
122
Nas crônicas de Carlos Castello Branco um político começa a se sobrepor como
porta voz da linha-dura: o deputado Costa Cavalcanti. A principal preocupação do
governo Castelo é garantir que as el eições de 1965 e seu resultado sejam devidamente
respeitados pelos militares “revolucionários”. Principalmente por parte da linha -dura.
Esta foi a tônica do debate entre o presidente e alguns coronéis da linha -dura (Chagas,
1985: 86). No comentário publica do em 11/02/65, Castello Branco afirma que
Segundo o Sr. Costa Cavalcanti, intérprete da linha prática revolucionária
as eleições não diretas não poderão ocorrer antes de 1966, pois depois de
assegurada a presença de elementos revolucionários nos governos de
todos os estados, inclusive dos 11 que deverão renovar -se este ano, de
estar a direção do Congresso, afinada com os objetivos da revolução e de
ter sido adotada uma lei de incompatibilidades, ainda que branda, é que
poderá o sistema dominante correr os riscos de um confronto eleitoral.
(Castello Branco, 2007: 158)
As advertências da linha -dura foram o levadas a sério pelo governo, como
incorporadas como prática pré -eleitoral: o governo Castelo comandou diversos
expurgos nos estados que ocorreria m eleições, alijando muitos deputados da disputa, ao
sabor das pressões duristas, castelistas e udenistas.
A cada momento em que se aproximavam as eleições de outubro, ainda mais
pressão provinha das bases da linha -dura, insatisfeitas com as decisões do STF contra os
IPMs que insistiam em funcionar depois de quase um ano e inúmeras tentativas de
encerrá-las. Para Castelinho as medidas preconizadas pela linha -dura, de inviabilizar os
candidatos que estivessem sofrendo Inquérito Militar, poderiam ser casada s com a
manutenção da ordem civil que o presidente Castelo Branco tanto defendia. Ele vai
escrever em 13/05/65 que,
O governo do presidente Castelo Branco tentaria harmonizar, mais uma
vez, a necessidade de tranquilizar as áreas revolucionárias e a de
assegurar a prevalência da ordem civil, atravéa de uma legislação
adequada, que cortasse o acesso as urnas de quantos políticos estejam sob
a mira de investigações militares. (Castello Branco, 2007: 174)
123
A tentativa de harmonizar uma ditadura em processo e uma democracia aos
frangalhos foi a principal contradição do governo Castelo Branco que pretendemos
discutir no próximo capítulo. Entretanto, o diapasão descrito por Castelinho, o exercício
de “morde e assobra” que caracterizou a relação da linha -dura foi uma constante aas
eleições de outubro de 1965.
Em julho dois componentes se somaram às pressões da linha -dura: a aliança
entre Carlos Lacerda e o coronel Osnelli Martinelli - visto como expressão da linha -dura
pelo jornalista Castello Branco -, e o rompimento do governador carioca com
presidente.
Nas declarações do Sr. Carlos Lacerda apontam -se três fatos de destacada
importância: seu rompimento definitivo com o presidente da República, a
cobertura dada à posição do sr. Magalhães Pinto, de quem diz ter sido
traído pelo governo revolucionário, e a revelação da vista do governador
ao coronel Osnelli Martinelli, expressão e símbolo da “linha dura”.
(Castello Branco, 2007: 187)
Com a aliança entre Lacerda e a linha -dura verifica-se uma cisão de alguns
militares que se afirmavam duristas. Lacerda era inspiração civil dos coronéis da
Guanabara, porém não frequentava o mesmo rculo do Ministro da Guerra de Castelo
Branco, o general Costa e Silva. Desde os primeiros dias da ditadura, em que Costa e
Silva e Lacerda quase saíram no tapa (Chagas, 1985), os dois haviam se distanciados.
No entanto, Costa e Silva também procurava se afirmar como liderança militar mais
forte, ou era levado para isto devido a sua posição. Era também membro do governo e
neste caso, era subordinado ao presidente da república. Para Castelinho,
Na medida em que o Marechal tiver condições de isolar a “linha dura”
lacerdista, que predomina entre os coronéis da Guanabara, assegurando -
se o apoio da maioria das Forças Armadas, que seriam atraí das pelo
reforçamento das medidas de cunho revolucionário em vias de serem
solicitadas ao Congresso. (Castello Branco, 2007: 211)
124
Entretanto, para este objetivo, o governo Castelo necessitava da lealdade de
Costa e Silva. O compromisso de Castelo em evoc ar a liderança de seu Ministro da
Guerra nos quartéis, para frear as influências lacerdistas, lhe custaram claro. Após as
eleições em que Lacerda se viu derrotado, todo o dispositivo militar influenciado por ele
foi acionado. Segundo Castelinho,
Os coronéis lacerdistas que compoem, nas Forças Armadas, o que se
chama de “linha dura”, são o núcleo da pressão radicalista que se exerce,
neste momento sobr eo governo, para impedir a posse dos eleitos. Eles
assim reagiram porque o Sr. Carlos Lacrda foi derrotado na Guanabara e,
com a derrota, tornou -se um candidato vulnerável dentro do sistema
revolucionário. O presidente Castelo Branco não tem de considerar a
hipótese de apoiá-lo como candidato. (Castello Branco, 2007: 210)
Lacerda que não conseguiu derruba r o governo viu a sua influência sobre o
núcleo da linha-dura esmoecer. A corrente militar que nasceu sob o símbolo da
intolerância e pressionando por mais processos contra os derrotados em 1964; que se
insuflava contra cada habeas corpus concedido pelo STF; que a cada crise elegia novos
porta-vozes, cujos mais conhecidos eram os coronéis associados aos intermináveis
IPMs, tinha sido impedida de se rebelar. Mas não porque lhe faltava força, mas porque
outro personagem assumiu a partir de então a liderança d a corrente. A linha-dura que
passou os quase dois anos em busca de uma liderança militar mais significativa,
encontrou em Costa e Silva a referência política definitiva por um detalhe: era Costa e
Silva que detinha de fato o controle das Forças Armadas e e ste era o mais forte
instrumento de pressão que um militar poderia dispor. Coisa que Lacerda tentou,
entretanto o conseguiu. Castelinho pôs a nu o acordo que se transformaria no AI -2,
compromisso assumido por Costa e Silva com os rebelados.
Algumas informações clarearam as origens militares da crise política.Em
fontes adequadas, revelava -se que, na madrugada de 5 para 6 de outubr,
o Ministro da Guerra assumiu compromisso formal com os oficiais da
Vila Militar em torno de dez pontos que o governo cobriri a a seguir.
125
Entre esses, figuraram os projetos que o presidente encaminhou ao
Congresso. Se os projetos forem rejeitados, desfaz -se automaticamente o
vínculo que prende, num pacto de honra, o Ministro da Guerra à
oficialidade da Vila Militar, ficando o go verno submetido a uma
eventual manifestação da tropa. ( Castello Branco, 2007:215 -216)
A partir de então, a liderança de Costa e Silva se consolida junto aos militares da
linha-dura com o amparo e a ação de Jayme Portella, seu principal assessor. Por tella nas
suas memórias vai reafirmar o compromisso que o Ministro da Guerra tinha com o
presidente, argumentando que a rebeldia militar praticada pela linha -dura não havia o
amparo do general Costa e Silva. Em discurso na Vila Militar, Costa e Silva reafi rmou
toda a sua lealdade ao Presidente, assim apresentada por Portella,
Mostrou que era preciso confiar nos chefes, mantendo em torno dos
mesmos, a unidade de espírito e que as cordas da revolução não se
romperiam. Terminou a oração sob aplausos. Alguns o ficiais mais
intransigentes não ficaram satisfeitos, porque achavam que era chegada a
hora da separação entre o Ministro e o Presidente. Mas acontecia, que o
Ministro havia sido claro na sua oração, na fidelidade ao Presidente e eles
não contavam com um der no Exército para derrubar o governo.
(Portella, 1979: 279)
No entanto, como mais tarde ficaria provado, a lealdade de Costa e Silva se
limitou até quando os seus interesses de candidato não esbarrou nas vontades de
Castello Branco. E o quartel, ao sa bor de tais pressões. Como afirma João Roberto
Martins Filho, “no final de 1965, permanecia uma razoável área de incerteza quanto à
capacidade do governo Castelo Branco em retomar o controle da sucessão presidencial,
afastando a candidatura de Costa e Silv a. Como se verá, esse fator retardaria por algum
tempo a abertura da rota de colisão que opôs o governo Castelo a amplas áreas do bloco
golpista.” ( Martins Filho, 1996: 68)
126
A acepção do termo “linha -dura”: uma análise historiográfica
O radicalismo e a violência foram valores comuns e demasiadamente atribuídos
à corrente da linha-durapela literatura que aborda o período. Os próprios militares
que não se identificavam com a linha -dura procuravam culpá -la pelos excessos da
ditadura. Sempre em contrapos ição a ação dos castelistas, mais ilustrada, a “linha -dura”
será vista como força reacionária, calcada na indisciplina. Pesquisando as memórias
militares, principalmente as entrevistas organizadas por Maria Celina D´Araújo no livro
Visões do Golpe e o depoimento de Geisel, organizado pela mesma autora, além de
percebermos que poucos militares entrevistados auto -intitulavam-se como radicais,
um clima de condenação às ações do grupo, como desvio irracional da razão
corporificada pela instituição militar
49
. As atitudes radicais e intempestivas foram
isoladas e colocadas como sentimento revolucionário compreendido, todavia
injustificado, como reconhece em entrevista o General Gustavo Moraes Rego, “o caso é
que seus próprios componentes, melhor dizendo, aquele s assim identificados (“linha
dura”) e que disso se orgulhavam, caraterizavam -se pelo radicalismo, a arbitrariedade, a
intransigência, e pela adoção de meios e processos violentos de intimidação e coação.
‘Sinceros, porém radicais’, como bem caracterizou o Presidente Geisel.”
50
Para o General Moraes Rego, não havia uma prática de produção intelectual, a
não ser aquela que já se esboçara pela Escola Superior de Guerra. Não tem como buscar
no grupo da “linha dura” uma alternativa de prática política anterior a ESG. Um outro
general, Carlos Meira Matos, sintetiza assim os objetivos da linha -dura:
A ‘“linha dura”’ queria um governo revolucionário. Eles achavam que o
Castelo não era revolucionário, era muito legalista. (...) esse pessoal
achava que a Revolução, vamos dizer, durante três ou cinco anos tinha
49
O único militar que se auto proclama um radical legítimo era, o na époc a do golpe, Major Cyro Guedes
Etchegoyen, que além de assumir como um radical contemporâneo, a certo momento da entrevista, afirma Nossa
posição era a de ir até o fim. Nós íamos consertar este país. Na marra.” (D’Aráujo et al, 1994: 185)
50
D’ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTRO, Celso. Visões do Golpe: a memória
militar sobre 1964, Rio de Janeiro : Relume Dumara, 1994, p.55. Entrevista de Gustavo Moraes Rego.
127
que ser revolução mesmo, tinha que limpar a área completamente e
estabelecer a sua própria liderança. Castelo, não. (D’Araújo, 1994: 115)
A afirmação do General Leonidas da Pires Gonçalves é com certo desdém
continuo dizendo o seguinte: “linha -dura”, numa fase, foram os homens
da cauda do cometa. Por falta de outras qualificações, se intitularam
“linha dura”. (...) A “linha -dura” é uma coisa episódica, que tinha outras
finalidades. (D’Araújo, 1994: 135)
Até que ponto os três militares aqui citados não poderiam ser chamados de linha -
dura? O general Moraes Rego foi o responsável pelo artigo de resposta ao compositor
Geraldo Vandré, evocando inclusive ações punitivas contra a música composta pelo
artista, Pra não dizer que falei das flores . (Ventura, 1988). O segundo, o general Meira
Matos, que deixou como legado para a triste história da ditadura militar o comando da
invasão do Congresso Nacional e a intervenção em Goiás. E o terceiro, foi a sombra do
passado militar no governo José Sarney, controlando o processo de democratização
política ao impedir investigações de desaparecidos políticos da ditadura, acusando esta
demanda de “revanchismo”. Enfim, a compreensão de que a linha -dura não foi algo
episódico, mas refletia uma convergência de idéias comuns a todos os militares nos
parece mais apropriada.
Nancy Magalhães agrega outros elementos a essa compreensão, apontando
algumas diferenças, mas, principalmente, indicando semelhanças na prática das duas
correntes. Fazendo um apanhado sobre as análises historiográficas as quais expuseram
elementos ideológicos que aproximam os dois blocos, Magalhães, afirma que apesar
dos moderados e da linha mais radical concordar quanto à necessidade de instalar um
austero e enérgico governo, capaz de garantir disciplina e hierarquia e de lutar contra a
subversão e corrupção, (...) para os segundo, a subversão e a corrupção são os
problemas fundamentais.” (Magalhães, 2006: 92).
128
A análise dos escritos de Portella e da atividade de alguns militares comumente
associados à linha-dura nos permite concordar que a tese apresentada por Nancy é a
mais profunda. O combate à subversão torna -se a única bandeira da ditadura para os
militares e, em nome da paz social nos momentos de crises e de reorganização dos
movimentos contra a ditadura, esta ideologia comum fica ainda mais exposta, como a
matéria extraída do Jornal do Brasil.
Temos que ser duros não podemos deixar que eles tomem conta da
situação’ esse o desabafo do General Jayme Port ella, Chefe do
Gabinete Militar, diante dos primeiros informe sobre o movimento
estudantil em todo o país. (JB, 27/03/1968, p. 05)
Por outro lado, no governo Castelo Branco o combate à subversão se
materializava em diversos processos de cassação de manda tos parlamentares que tinha
como justificativa a manutenção da normalidade política instituída pelo Ato
Institucional.
Num outro viés, Magalhães indica a preocupação dos castelistas’ na
articulação de uma base política que sustentasse o governo, pois enquanto para os
outros, trata-se de ultrapassar a fase negativa, punitiva, entender e atacar os problemas
estruturais básicos, institucionalizar o novo regime de acordo com a necessidade de
evolução do país (...). E isto não pode ser obtido sem um mínimo de hegemonia
política.” (Magalhães, 2006: 92).
Nitidamente, a aliança IPES/ESG almejava não apenas a formação de uma elite
dirigente eficiente, mas uma aplicação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil
elaborado no âmbito da Escola Superior de Guerra em que matizasse segurança e
desenvolvimento. Para além, a partir do governo Castelo Branco havia claramente uma
preocupação de se estabelecer uma aliança hegemônica que mantivesse a nova ordem
129
social através da sua institucionalização. Trabalhamos com o conceito de hegemonia
política a partir dos estudos do pensador italiano Antonio Gramsci. Consideramos que a
busca pela hegemonia é tentativa de defender e assegurar uma determinada ordem social
por meio da produção ideológica de aparelhos da sociedade civ il e a atuação do estado,
assim como a subordinação por via da repressão a todo tipo de oposição. Na
compreensão gramsciana, esta situação histórica corresponde à ascensão de uma classe
social numa determinada sociedade, estabelecendo um consenso entre soc iedade civil e
política, juntamente com os seus aparatos, difundindo e formulando uma concepção de
mundo comum a todos
51
. Aparentemente, esta condição histórica se combina numa
situação de ditadura, já que, nas palavras de Gramsci, “ um grupo social é domina nte dos
grupos adversários, que ele tende a liquidar ou a submeter pela forças das armas, e
dirigente dos grupos vizinhos e aliados.” ( Gramsci, 2002 : 169).
A discussão proposta por Magalhães é no nosso ver, se com a ascensão de uma
linha mais radicalizada com o governo Costa e Silva, o processo de consenso em torno
da classe dirigente, somando as Forças das Armadas, não se realizou, ou se no processo
histórico, conforme as condições impostas pela necessidade de consolidação do projeto
da burguesia coadunado a direção militar, a radicalização não foi um fim em si mesmo
– “algo episódico”, mas o instrumento para consolidar tal consenso.
Neste caso não parece fazer sentido a afirmação de Gaspari, que “quando
Castelo aceitou a recaída ditatorial do AI -2, nada do que nele se colocou respondia a
arcanas concepções de governo ou a racionalidade políticas. Produziu -se uma mixórdia
ditatorial destinada exclusivamente a mutilar o alcance do voto popular e a saciar o
radicalismo insubordinado de oficiais que prendiam sem provas e não queriam libertar
51
Nesse sentido, David Maciel em seu livro A Argamassa da Ordem , apresenta a seguinte reflexão. Nas
condições da sociedade burguesa, podemos definir genericamente os aparelhos hegemônicos como sendo aqueles que
defendem a ordem social burguesa e o Estado burguês, viabilizando a reprodução das relações sociais capitalistas e
da própria condição burguesa do estado, através da subordinação da sociedade em seu conjunto e dos trabalhadores,
em especial, ao capital.” (Maciel, 2004:33)
130
cidadãos amparados pela Justiça.” (Gaspari, 2002: 259). Na arquitetura do sistema, o
Ato Institucional número 2 foi muito além do que um engodo o qual Castelo Branco e a
Sorbonne foram obrigados a suportar. Constituiu -se em elemento fundamental para a
consolidação da Doutrina de Segurança Nacional e teve no Ato Institucional número 5
seu sucessor “apropriado” e base definitiva de sustentação do aparato repressor.
Um outro importante estudo que vale destacar é o empreendid o por Eliézer
Rizzo de Oliveira. Para o professor, a “linha -dura” vai ter uma ligação com a escola de
oficiais de médica patente, determinando assim o seu conteúdo nacionalista nas
reivindicações e a visão de uma “revolução duradoura”. Descrevendo os confl itos
dentro da caserna em torno das eleições de Outubro de 1965, primeiro teste de
popularidade do movimento militar, Oliveira afirma que segundo os ‘duros’, a
revolução não deveria correr o risco representado por essas eleições, visto que se
revestiram de impopularidade as medidas relacionadas com o combate à inflação.”
(Oliveira, 1976: 60).
Como dito, para Oliveira, a Escola Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO), é o
centro irradiador de uma política divergente do castelismo e até do costismo, surgindo
como uma terceira posição militar. Entretanto, Oliveira menciona a importância da DSN
como aglutinação de uma ideologia dos militares, pois “E m relação a estas posições a
DSN já surgira como um elemento aglutinador, na medida em que o <<regime
pluralista>> era tomado como um dos obstáculos à implementação dos objetivos da
nação.” (Oliveira, 1976: 59)
Para João Roberto Martins Filho, os primeiros anos do governo Castello Branco
foram decisivos para o surgimento da “linha -dura”, pois “nesta quadra inicial, es tariam
em outro lugar os processos que iriam marcar de forma decisiva a dinâmica do governo
Castello Branco. Refiro -me ao surgimento de um conjunto de pressões provenientes da
131
jovem oficialidade, as quais, no complexo jogo de forças dessa fase, encontraria m eco
não apenas entre alguns herdeiros civis” do regime, como também em setores da
hierarquia militar. A esses grupos, desde o início heterogêneos, de composição variável
e ideologia difusa, atribuiu -se, logo alvorecer do novo regime, a denominação de ‘l inha-
dura’.” (Martins Filho, 1996: pp 53 -54)
A tese do autor afirma que a possível desunião no interior das Forças Armadas,
expressa nas diversas frações militares investigada pelo autor, respondia a uma
dinâmica própria da instituição militar, que as animosidades militares eram
substituídas por momentos de unidade política na ação, principalmente no pós -64. Não
nos ateremos a essa perspectiva, mas as contribuições que consideramos mais
significativa para esta pesquisa que é a superação da visão dualis ta entre as correntes
militares, o que Martins Filho propugna a existência de mais correntes no interior das
Forças Armadas a partir do governo Costa e Silva
52
e, finalmente, a idéia de os grupos
castelistas e “linha-dura” muito mais do que as diferenças in sanáveis, mesclaram-se por
diversas vezes os componentes ideológicos mais expressivos de cada um.
A “linha-dura” como grupo de pressão, nunca obteve acesso significativo de
seus membros a máquina governamental, ressalvando a especificidade de Jayme
Portella que pretendemos explicar adiante, além dos casos de Syseno Sarmento,
Albuquerque Lima e Sylvio Frota. Porém entre 1964 e 1969, a sua ideologia servia
como catalisadora para as vontades militares e, sendo assim, os governos Castelo
Branco e Costa e Silva , pouco a pouco, incorporaram na sua prática governamental as
principais bandeiras da linha -dura.
52
João Roberto Martins Filho relata quatro correntes militares atuando no governo Costa e Silva. Além dos
castelistas’, ele aponta o rompimento da ‘linha -dura’ com o atual governo, a formação de um núcleo nacionalista em
torno de Albuquerque Lima (‘albuquerquistas’) e os chamados ‘palacianos’, membros do qüito de Costa e Silva,
entre eles Jayme Portell a.
132
Compreendido dessa forma, a diferenciação mais contundente que suscita
grande debate na historiografia é se entre a linha -dura” e os castelistas” o
endurecimento da ditadura coube ao primeiro, isto é, se o fechamento do regime deveu -
se a ação da “linha -dura”? Autores como Elio Gaspari apontam uma anarquia militar
tendo como responsáveis a “linha dura”. Esta bagunça somente foi superada pela ação
“racionalista e, porque o, “iluminista” de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e
Silva
53
. Essa afirmação é frágil, mas corrente na literatura que sustenta uma polarização
entre “radicais de direita” e “liberais fardados”
54
. Para tanto, devemos fazer algumas
mediações. João Roberto Martins Filho afirma que
em suas práticas concretas, o grupo castelistas revelou um nítido
componente “duro” complementado por um acentuado pragmatismo.(...)
falo das evidencias de que, desde o seu surgimento o grupo da ESG,
liderou as correntes militares golpistas, pregoeiras freqüentes da ruptura
da via democrática. Ou, no plano dos discursos e dos projetos a
constatação de que, embora o castelismo se apresentasse, como defensor
da “democracia ocidental”, a teoria dos "objetivos nacionais
permanentes" da doutrina de Segurança Nacional anula princípios básicos
do liberalismo moderno
55
. (Martins Filho, 1996: 114)
Martins Filho deu conta da discussão em torno das diversas aproximações e
distanciamentos que uniram e desuniram castelistas e linha-dura, concatenando, enfim,
o bloco militar para além das intelectualidade de uns, e durismos dos outros, se
convergiram para a materialização da Doutrina de Segurança Nacional. Destarte,
compreendemos que o papel de Portella foi ainda mais dramático, vis to que no governo
53
“No dia 12 de outubrooutubro de 1977, com a demissão de Frota, dissolveu -se a mais perversa das
anomalias produzidas pela ditadura na vida política brasileira, restabelecendo -se a autoridade constitucional da
República sobre as Forças Armadas. Encerr ou-se o ciclo aberta em 1964, no qual a figura do chefe do governo se
confundia com a de representante da vontade militar, tornando -se ora seu delegado ora seu prisioneiro.” (Gaspari,
2002: 34-5) O jornalista no afã de justificar a tese em que se bateu sua obra monumental cai numa armadilha de
deslocar Geisel e Golbery nos papéis efetivos que ele ocupavam: o enquadramento promovido nas Forças Armadas
não teve o intuito apenas de enquadrar a ‘linha -dura’, mas principalmente reafirmar a candidatura do João Ba tista
Figueiredo como sucessor de Geisel, escolhido a dedo. De outro lado, o radicalismo militar não havia sido obra da
falta de autoridade dos ditadores que desde Castelo Branco assumiam a presidência. Pelo contrário, o radicalismo
correspondeu a uma nece ssidade de consolidar a ordem capitalista no Brasil pelo primado da violência.
54
Exaustivamente estamos rebatendo tais polarizações que contrapõe Castelo Branco e Ernesto Geisel, de um
lado e, Costa e Silva e Emílio Médici. Afinamos com o entendimento aca dêmico do autor João Roberto Martins, cuja
citação acima referida responde a indagações sobre a linha tênue que separam o pretendo 'pensamento liberal' de uns,
e o radicalismo de outros.
55
MARTINS FILHO, João. O palácio e a caserna. São Carlos : Ufscar. 1996. p.114.
133
Costa e Silva consolidou -se grande parte da legislação de combate a subversão, no qual
o Conceito Estratégico Nacional representou um dos mais importantes documentos.
A “linha-dura” foi acima de tudo uma mobilização de oficiais em torno de
bandeiras comuns que sem uma definição teórica contundente, expressavam demandas
práticas dos oficiais conspiradores: o rigor na apuração dos crimes dos políticos, a
continuidade da “revolução”, o anti -comunismo e a desconfiança em relação a maioria
dos políticos. No decorrer do governo Castello Branco, a “linha -dura” encontra na
figura de Costa e Silva uma referência importante para a sua ação política, pois esse
general e toda sua trupe, Jayme Portella de Mello e Mário Andreazza, lançam a
candidatura Costa e Silva como alternativa “revolucionária” ao governo Castello
Branco.
A instituição militar no pós -64 foi atravessada por tensões entre a Sorbonne e a
'linha-dura'. Ambas constituíam -se nos principais grupos dentro de exército para o
controle do aparato estatal. Mas não eram os únicos. A hipótese a ser desenvolvida
neste estudo é que os militares que se consideravam linha dura” ou cuja práxis se
espelhou nas pressões vindas da corrente militar, como é o caso de Jayme Portella,
entendiam como basilar a necessidade de se manter a “revolução” por muitos anos e o
combate constante e sem tréguas a qualquer tipo de mobilização política que pudesse
ser vista como comunismo ou subversão. Compartilhavam também que os políticos
haviam falhado como dirigentes da nação e que as Forças Armadas deveriam assumir o
papel de sujeito político na condução da nação. Diferentemente, os castelista entendiam
que a intervenção militar era algo necessário, mas momentâneo, conforme as
necessidades de defender os interesses do c apitalismo e de se combater a subversão.
Mesmo com o objetivo de estabelecer uma nova institucionalidade política, os
castelistas tiveram que tolerar a imposição militar do nome de Costa e Silva. O grupo
de Costa e Silva soube usar os sentimentos desta fra ção militar que nascia como tensão
134
permanente a qualquer decisão governamental que não fosse vista como fortalecimento
da “revolução”.
Para além das tensões, os dois generais -presidentes partiram de uma matriz
comum que aproxima assim os dois grupos: na visão esguiana, o projeto de
desenvolvimento do Brasil, assegurando a subordinação ao capital estrangeiro
monopolista; e da parte dos “duristas”, o aprofundamento da repressão com a sua
institucionalização por completo a partir de 1968 com o AI -5. Ao invés uma
contradição nos projetos, Maria Helena Moreira Alves afirma que o Ato Institucional
Número 5 marca o fim da primeira fase de institucionalização do Estado de Segurança
Nacional, do estágio de lançamento de suas bases. O caráter permanente dos control es a
ele incorporados deu origem a um novo período em que o modelo de desenvolvimento
econômico podia ser plenamente aplicado, enquanto o Aparato Repressivo buscava a
segurança interna absoluta, impedindo a dissensão organizada contra as políticas
econômicas e sociais do governo. O AI -5 forneceria assim o quadro legal para
profundas transformações estruturais. (Alves, 1984: 136)
Uma outra importante caracterização da “linha -dura” são as atuações díspares do
conjunto de oficiais em relação aos diferentes gov ernos dos generais-Presidente. No
apoio à candidatura de Costa e Silva até o descontentamento em relação ao Chefe do
Gabinete Militar do governo Costa e Silva, Jayme Portella de Mello; das articulações
em torno da candidatura de Albuquerque Lima para a suc essão do referido Presidente e
a luta pelo nome de Silvio Frota para a sucessão de Ernesto Geisel, a práxis da “linha -
dura” está associada as mobilizações muito específicas que, a grosso modo, giram em
torno de um projeto “nacionalista” e a defesa de puniç ões para os políticos dos
antecedentes a 1964. As inconstâncias políticas da linha -dura pouco explicam o grau de
união que envolvia os militares acima citados, consensualmente vistos como ‘duristas’:
os projetos efêmeros da linha -dura eram sempre ditados e m torno de uma figura militar
135
que pudesse protagonizar com o ditador de turno. Neste caso, o projeto individual de
um general servia como contraponto ao que o governo golpista deixava de realizar.
Talvez com a exceção do período Médici, isto foi uma consta nte.
Podemos inferir que para além de uma corrente que assume o poder plenamente,
a “linha-dura” se caracteriza como um fator de pressão aos generais -Presidente,
permanente em todos os governo militares. A relação que os governos estabelecem com
esses grupos de oficiais, para essa pesquisa, é o elemento a ser compreendido. Se no
governo Castello Branco, a “linha -dura” encontra em Costa e Silva a figura para a sua
ascensão e vazão de um projeto “nacionalista”, de outro lado, no governo desse general,
a “linha-dura” se caracteriza em mais um fator de pressão no quartel, entrando também
em conflito, vide o caso do gal. Augusto Moniz Aragão
56
.
56
O general trocou cartas com o então min. Do Exército de Costa e Silva, general Lira Tavares, fazendo acusações
ao Presidente como nepotismo, corrupção,... Ver em CHAGAS, Carlos. A guerra das Estrelas. Rio de Janeiro :
Civilização Brasileira. 1985, p. 132.
136
CAPÍTULO III - O GOVERNO CASTELO B RANCO SOB FOGO: A
CANDIDATURA COSTA E SILVA (1964-1967)
Podemos recortar dois moment os distintos do governo Castelo Branco (1964 -
1967): a conciliação autocrática, isto é, o acordo entre os civis golpistas, principalmente
políticos da UDN e PSD e setores da burguesia, e os militares, para a gestão do
aparelho do estado; e o desarranjo no i nterior deste bloco de poder com a prorrogação
do mandato de Castelo Branco e a questão da sucessão do general que levou um
afastamento momentâneo de alguns grupos golpistas. A readequação do bloco foi
possível sob a égide de um outro general, Arthur da Costa e Silva, a partir da imposição
militar.
A Segurança Nacional, a partir das elaborações provindas da Escola Superior de
Guerra, foi a matriz que norteava as ações do governo Castelo Branco em seu início. Os
principais teóricos (Golbery do Couto e Sil va e Cordeiro de Farias) se alocaram nos
cargos do novo governo, cada um com funções distintas: Golbery foi o responsável pela
criação do Serviço Nacional de Informação, órgão responsável pela coleta e análise de
informações, de maneira geral, vinculada a segurança nacional
57
; Cordeiro de Farias
assumiu o posto de Ministro do Interior, responsável por desenvolver os projetos de
integração nacional. Além dessas preocupações, o governo Castelo procurou tratar das
aspirações provindas dos grupos golpistas. Do l ado político, havia o interesse de se
garantir as eleições diretas para presidente marcada em outubro de 1965. Do lado
militar, a permanência da operação limpeza” com expurgos e cassações em massa. A
acomodação entre frações militares e civis foi a tônica nesse processo de implantação
57
O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado pela lei 4.341 em 13 de junho de 1964 com o
objetivo de supervisionar e coo rdenar as atividades de informações e contra -informações no Brasil e exterior. Em
função de sua criação, foram absorvidos o Serviço Federal de Informações e Contra -Informações (SFICI-1958) e a
Junta Coordenadora de Informações (JCI -1959). O SNI coordenava as atividades centralizadamente, absorvendo as
informações provindas de todos os escritórios e agências, catalogando -as, processando-as, separando informes de
informações, e enviando aos escritórios competentes para posterior utilização, ou arquivamento.
137
da ditadura de classe que alijava o povo do processo de mobilização que crescia no
governo João Goulart. Enquanto militares garantiam a desmobilização social, a
repressão, os políticos tentavam manter uma continuidade inst itucional com a
manutenção do Congresso em frangalhos pelas cassações dos mandatos de
parlamentares ligados ao governo deposto.
Apesar da convivência e conivência dos agentes responsáveis pelo golpe, o
desacordo entre eles ficou exposto quando o mandato d e Castelo Branco foi prorrogado
e as ações promovidas no crepúsculo de seu governo culminaram com a demolição”
institucional do Congresso. De qualquer forma, setores da burguesia ficaram mais
contentes do que nunca, principalmente, a franqueada junto às m ultinacionais
estrangeiras. A política de desenvolvimento da dupla Otávio Bulhões e Roberto
Campos promoveu a queda da inflação à custa da corrosão do salário dos trabalhadores.
Nesse momento, o ensaio da Doutrina de Segurança Nacional tornou -se a expressão
dominante no gerenciamento da máquina estatal e do processo acumulativo da
burguesia. Nesse interregno, numa dinâmica paradoxal, o general considerado “duro”, o
Ministro da Guerra Costa e Silva, aglutinou no bojo das articulações orquestradas por
Jayme Portella de Mello e rio Andreazza o apoio de civis e militares que criou uma
expectativa de distensão do regime inaugurado com Castelo Branco. Fator esse que deu
uma pretensa legitimidade para o próximo gestor da ditadura que se seguiu.
A conciliação autocrática
Após a queda de João Goulart, o nome do General Castelo Branco, então chefe
do Estado Maior do Exército, surge nas articulações entre civis e militares como o mais
apropriado para assumir a presidência até o fim de 1965. O interesse dos civis
participantes do golpe era o de garantir as eleições para presidente em outubro de 1965.
138
O de Castelo Branco, a princípio, era cumprir o restante do mandato de João Goulart até
a posse do novo presidente em de Fevereiro de 1966 (creio que sem vírgulas se
mais fluidez p/ essa parte do texto de modo que n se perca o sentido da oração).
Segundo alguns estudiosos e personagens
58
esse era o interesse de Castelo Branco ao
assumir a presidência, juntamente com: fazer as devidas modificações no plano
administrativo, cassar os corruptos e os envolvidos no governo João Goulart, frear a
ascensão comunista no Brasil e, tão logo, levar os militares de volta a caserna.
René Dreifuss apresenta como se organizaram os civis e os militares nos
primeiros dias após o golpe qu e derrubou João Goulart. O IPES assumiu naqueles dias o
papel de organizar um novo governo com a missão de estabelecer um plano de ação
para 30 dias, com a participação de Golbery. Afirma Dreifuss, “os líderes do IPES
assumiram a formulação das diretrizes básicas do novo governo, bem como a
deliberação sobre as pessoas que deveriam ocupar os postos -chave na nova
administração.” (1980: 421) Num outro plano, os governadores participantes do golpe
se articulam para definir entre eles o “melhor” sucessor de Joã o Goulart.
Com essas articulações, numa outra esfera, emana a figura de Costa e Silva que
se encastela na burocracia golpista, proclamando a si mesmo como Comandante
Supremo da Revolução; uma vez que assumiu o Ministério da Guerra, com todo o seu
aparato, comandado por Andreazza e Portella. Tornou -se, assim, a eminência parda do
governo Castelo Branco.
No estabelecimento do Comando Supremo da Revolução, as Forças Armadas se
dividem. As diferenças entre os militares da tropa, os troupiers, e os intelectuais,
Sorbonne, ficam explícitas quando o Comando Supremo da Revolução, exercido por
Costa e Silva, inicia a operação limpeza, punindo e cassando todos aqueles
58
Carlos Castelo Branco, afirmara na sua coluna. “Não se ponh a em dúvida a palavra do presidente da
República de que transmitirá o poder ao seu sucessor em 31 de Janeiro de 1966. A transmissão será nesta data todos
acreditam.” (Lira Neto, 2004: 277)
139
considerados inimigos da revolução em todas as esferas. Uma das preocupações de
Castelo e da Sorbonne - era redefinir o papel das Forças Armadas, e do Exército em
particular, conforme a articulação do novo poder instituído. “O exército nacional não
poderia ser confundindo com um partido e, por este motivo, não deveria ser solidário
com o governo ou qualquer outro agrupamento.” (Rago, 1998: 120) Mas, a manutenção
de Costa e Silva pela força no Ministério da Guerra, apesar da desarticulação do
dispositivo durista no Comando Supremo da Revolução, demonstrou a Castelo as
limitações do seu plano para o enqu adramento das Forças Armadas.
No momento da ascensão de Costa e Silva ao Ministério da Guerra, os esguianos
mostraram-se contrafeitos a ação do general que teria passado por cima de Cordeiro de
Farias. Ernesto Geisel, numa entrevista dada a Celso Castro e Maria Celina D´Araújo,
disse ter ponderado sobre a escolha do Ministro da Guerra num diálogo travado com o
próprio Costa e Silva em que assumindo o general mais antigo, este deveria ser
Cordeiro de Farias, mas:
Não é o mais antigo em função’. Ele tinha f unção, e o Cordeiro não tinha,
estava no limbo. Cordeiro tinha seus amigos, relações de conspiração,
mas não tinha comando no Exército. Não tinha tropa e estava, como nós
dizíamos, no ar, ao passo que Costa e Silva estava trepado no Ministério
do Exército e contava com o apoio de muitos.(D´Aráujo et al, 1994: 163)
O fato do Ministério estar no Rio de Janeiro ajudou Costa e Silva e seu grupo,
mas não facilitou as articulações em torno do nome para suceder João Goulart.
Enquanto Costa e Silva, Augusto Radema ker e Marcio Mello cuidavam dos expurgos,
os militares da Sorbonne e os governadores decidiam o nome de quem deveria suceder
João Goulart. Em uma reunião na casa de Lacerda, os governadores apoiadores do golpe
e os militares decidiram pelo nome de Castelo Branco. Conforme Geisel, “sua escolha
para a presidência verificou -se numa reunião, á noite, no palácio Guanabara. Com a
140
presença de vários governadores, entre eles Lacerda, Magalhães Pinto, Ademar de
Barros, Ildo Menegheti e Nei Braga, após muita discussã o e com uma intervenção do
General Muniz Aragão.”(D´Aráujo, 1994: 167)
A escolha de Castelo Branco fora devidamente articulada com todos os
principais agentes conspiradores e golpistas, sendo o nome apresentado por Lacerda.
Havia, entretanto, muito intere sse em jogo. Os governadores golpistas pugnavam pelo
nome de Castelo, todavia alimentavam o desejo de sucedê -lo. Além disso, temiam as
intenções de Costa e Silva no poder com um presidente civil, no caso Ranielli Mazzili.
Detendo o poder das armas com o Mi nistério da Guerra e no interior do exército
gozando de prestígio pela sua reconhecida ação no golpe
59
, Costa e Silva era o temor
dos golpistas naqueles primeiros dias de abril de 1964. Em reunião no dia cinco de
Abril no Ministério da Guerra, Carlos Lacerd a e Costa e Silva quase trocaram socos por
discordarem do nome de Castelo Branco. Para Costa e Silva, deveria ser mantido o
Comando Supremo da Revolução agindo como poder absoluto no país, além de Mazilli
como presidente. Geisel admite que:
a ação dos políticos verificou-se mais tarde. Juarez pugnava pelo Castelo,
depois os políticos, vendo que os escolhidos não seriam um deles,
aderiram. O fato é que havia rivalidade entre os governadores todos com
suas ambições, e no fim todos eles acabaram concordando c om a escolha
do Castelo. (...) Acho que o Costa e Silva, no começo, queria a
permanência do Mazzili, porque o Mazzilli era um homem relativamente
fraco, seria um instrumento na sua mão. Como ministro e com o comando
revolucionário, que mandaria e desmandar ia, caso o Mazzilli continuasse
na presidência seria o Costa e Silva. (D´Aráujo et al, 1994: 167 -8)
Portella confirma este temor de Geisel ao demonstrar a sua opinião de como o
exército deveria agir naquele momento no caso de um governo civil. Costa e Si lva não
59
Ver D’ARAUJO, Maria Celina, SOARES, Gláucio Ary Dillon e CASTR O, Celso. Visões do Golpe: a
memória militar sobre 1964, Rio de Janeiro : Relume Dumara, 1994, p.122. Ver a entrevista com Carlos de Meira
Mattos, coronel na época do golpe, que faz a defesa de Costa e Silva.
141
concordava com a solução Castelo Branco negociada entre os políticos, pois pretendia
controlar o presidente Ranielli Mazzili. Segundo Portella:
Os partidários do General Castelo receavam que o General Costa e Silva
abocanhasse o cargo, prevalecend o-se de estar com as forças nas mãos.
Ele, porém, pensava firmemente na solução do civil para tirar o mandato -
tampão, ficando com o Comando das Forças Armadas, (...) por trás como
fiador e fiscalizando os atos. (Portella, 1979: 174) grifos nossos
No comando de todos os processos de cassação, o Comando Supremo tornara -se
o tentáculo opressor do regime, ou o filho bastardo na nova situação negado por Castelo
Branco. (Lira Neto, 2004). Entre 2 e 15 de Abril o Comando Supremo tratou de todas as
punições e cassações políticas, nomeando novos comandos militares e instalando os
malfadados Inquéritos Policiais Militares. Somente a instalação de um IPM já era sinal
de que não haveria muita esperança para o acusado, pois “a simples acusação num IPM
bastava para desencadear uma série de perseguições que podiam incluir prisão e
tortura.” (Alves, 1985: 58)
Jayme Portella foi um dos defensores das IPMs e estando lotado no Ministério
da Guerra nos primeiros dias do golpe, cumpriu o papel de organizar e desencadear
diversos processos de cassação, entre eles o de Juscelino Kubitschek. Conforme
Portella,
O Comando Supremo da Revolução queria um instrumento forte pra lhe
permitir fazer cassações de mandatos e de direitos políticos de todos
aqueles que tivessem cometidos atos considerados criminosos ou que
atentassem às liberdades e aos direitos estabelecidos na Constituição.
Alguns congressistas chegaram a pensar em fazer as cassações pelo
congresso, o que era uma ingenuidade, pois não conseguiram maioria
para fazê-lo. (Portella, 1979: 192)
Com os políticos preocupados na substituição de João Goulart, o Comando
Supremo assumiu o papel do inquisidor que todos desejavam, mas ninguém tinha a
coragem de assumir. Na lista dos primeiros cassados havia Almino Afonso, Abelar do
142
Jurema, Francisco Julião, Henrique Cordeiro Oest, Eloy Dutra, Garcia Filho, Sergio
Magalhães, Leonel Brizola, José Aparecido, Paulo de Tarso, Moisés Lupion, Luiz
Carlos Prestes, João Goulart, Janio Quadros, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro, Josué de
Castro, João Pinheiro Neto e José Anselmo. Conforme Alves, “logo após o golpe
militar, uma vasta campanha de busca e detenção foi desencadeada em todo o país. O
Exército, a Marinha e a Aeronáutica foram mobilizados, segundo técnicas
predeterminadas de contra ofen siva, para levar a efeito operações em larga escala de
‘varredura com pente fino’”. (Alves, 1985: 59)
De outra parte, os militares desencadeavam ações internas de re -enquadramento
de todos os oficiais ligados a João Goulart, depondo -os, prendendo-os, aposentando-os,
etc. Em larga escala, os comandos de tropa foram um a um substituídos.
O comando revolucionário não descansou, procurando reajustar o seu
dispositivo militar para dar maior suporte Revolução e fazendo as
substituições de comandos, dês sorte que estes coubesses a oficiais
revolucionários. No exército, o ministro realizou as substituições de todos
os comandos nas unidades sediadas no RJ em vários oficiais
comprometidos com a situação caída. (Portella, 1979: 206)
Para assumir, Castelo Branco desejava o fim do Comando Supremo da
Revolução, definitivamente, substituído pelo Ato Institucional que estabelecera o pra zo
de até 15 de junho para todas as IPMs. Mesmo sem a manutenção do Comando
Supremo, nos anos de 1965 e 1966, Costa e Silva fiou definitivamente a permanência de
Castelo Branco. Combinando a pressão vinda dos oficiais, principalmente, daqueles
incumbidos dos Inquéritos Policiais Militar (IPM) e motivados por atitudes mais duras
do governo, além da ajuda de Portella na reorganização dos postos militares, todas estas
tensões convergiram para a sua candidatura, potencializando a linha -dura como o fiel da
balança na disputa entre o ministro Costa e Silva e o presidente Castelo Branco. Isto lhe
143
possibilitava mais poder e prestígio junto a tropa. Perdeu o Comando Supremo, mas
Silva garantiu a sua permanência como ministro da Guerra.
Com a posse do Presidente Cas telo Branco, cessaram as atribuições do
Comando Revolucionário, conforme estabelecia o Ato Institucional, que
ficaram deferidas ao primeiro magistrado da nação. Daquele órgão
revolucionário, permaneceram, no novo ministério, apenas, o ministro da
Guerra, verdadeiro sustentáculo do governo que se iniciava. (Portella,
1979: 212)
Na composição do seu ministério, Castelo Branco procurou equilibrar a
presença de militares e civis. Até Gilberto Freire foi convidado a ocupar o ministério da
Educação. (Chagas, 19 85: 77). Os políticos responsáveis pela base civil ao golpe militar
de 31 de março, foram chamados a responsabilidade de gerenciar a máquina estatal em
alguns Ministérios, porém o controle político deveria ficar na o dos militares.
Castelo Branco pretend ia consolidar no bloco de poder uma hegemonia que
congregasse a participação dos três poderes, em uma nova institucionalidade que se
pretendia ser vista como ditadura. Os demais golpistas civis apinhados nas suas
legendas (UDN e PSD) foram chamados a forja r o consenso em torno das decisões
políticas e administrativas do novo governo que necessitavam de amparo do legislativo
para manter e enrijecer a carapuça de legalidade. Fundamental para a manutenção do
regime, não fugiram da raia. Nancy Magalhães não dei xou de perceber a conformação
de um novo projeto de “democracia”, caracterizando o pluralismo da ditadura de
Castelo Branco:
Essa articulação que passou a se dar entre o sistema de decisões
políticas econômicas, político -administrativa e o empresariado g arante
uma conotação de pluralismo relativo ao regime s -64, pois através
dela interesses econômicos e políticos setoriais agregados menores
dos grupos dominantes, se fazem presentes. (Magalhães, 2006: 86)
144
João Roberto Martins Filho apresenta que es se apaziguamento entre políticos e
militares com o ditador Castelo Branco nos primeiros meses de governo produziu um
regime de cooperação política que visava à institucionalização do regime. Como se o
golpe fosse um acidente de percurso. A necessidade de a provação das medidas de
ordem econômica e social como a restrição ao direito de greve e a regulamentação da
lei de Remessa de Lucros, foram amplamente amparadas pelos parlamentares. Além
disso, em junho de 1964, mesmo com anseios tanto da “linha dura”, qua nto de setores
da UDN, Castelo Branco freou as cassações na tentativa de estabilizar o regime a partir
do pacto com os parlamentares. Mesmo com a prorrogação do mandato em 22 de julho
de 1964, através da Emenda 9, transferindo a data das eleições presid enciais para
outubro de 1966 e a posse para 15 de março de 1967, Castelo Branco não enfrentou
grandes problemas ou dissensões. A oposição do PTB, fragilizada por conta das
cassações, curvou-se ao presidente-marechal. Em outro ponto, as cassações de
Juscelino Kubitschek
60
e a intervenção em Goiás, não produziram a debandada das
hostes golpistas filiadas ao PSD e a UDN, principais partidos no Congresso.
Na intervenção em Goiás, Portella teve um papel decisivo ao impedir a rebelião
de oficiais que se insurgira m contra o general comandante Nogueira Paes. Este general
ordenou a prisão do coronel Danilo da Cunha Melo que segundo Portella era um
“revolucionário autêntico, homem de confiança do ministro Costa e Silva”. O coronel
Danilo incitou a reação militar quant o a concessão do habeas corpus ao governador
Mauro Borges, contra as ordens de ser comandante. Em novembro de 1964, Mauro
Borges mesmo sendo um dos conspiradores do golpe militar, tivera três de seus
assessores processados por IPM. Posteriormente, o govern ador foi acusado de se
associar com comunistas tramando a derrubada da ditadura. Ordenada a sua prisão pelo
60
No caso de Juscelino Kubitschek, um dos mai s interessados foi Carlos Lacerda, assim como Costa e Silva,
que segundo Portella, “não votava nenhum ódio pessoal ao Sr. Juscelino, ficou satisfeito cm a decisão do governo em
cassa-lo, pois a área revolucionária estava insatisfeita com a sua impunidade.” (Portella, 1979: 223). Lacerda desejava
ver o seu principal concorrente as eleições presidencial cassado.
145
IPM, o governador conseguiu habeas corpus do Supremo Tribunal Federal, provocando
assim uma crise entre os militares e o poder judiciário.
A participação de Portella impediu uma rebelião militar. “O Presidente
determinava que eu fosse imediatamente a Goiânia, serenar os ânimos.” (Portella, 1979:
247). Portella em contato com os militares, em Goiânia, reafirmou a posição durista”
de Costa e Silva. Falei aos oficiais como um revolucionário para companheiros das
mesmas idéias. O ambiente, porém era de exaltação, porque já sabiam que o habeas
corpus do governador Mauro Borges havia sido concedido e não se conformavam.
Sabia do ponto de vista do Ministro Costa e Silva que era favorável à intervenção em
Goiás.” (Ibid: 247). Em setembro de 1964, o governo Castelo Branco intervinha no
governo de Goiás, nomeando o General Meira Matos como novo interventor no estado,
além da cassar Mauro Borges.
Nitidamente, a aproximação de Portella com a ‘linha -dura’ se deu na exaltação
da oficialidade que pedia estridentemente punição ao governador. Revoltado com o
poder judiciário, a retórica da ‘linha -duraera alimentada pela abolição de qualquer
garantia de direitos para os subversivos. Portella, inclusive na estratégia político-
militar de alçar Costa e Silva como contraponto a Castelo no quartel - um ‘duro’, o
outro, ‘moderado’, fornecia ainda mais elementos da associação ideológica entre Costa
e Silva e a ‘linha-dura’. “Disse aos oficiais que tivessem confiança no seu ministro, que
não os decepcionaria e que ele também desejava o mesmo que estavam aspirando.”
(Ibid: 247)
O caso de Goiás, somado à cassação de Juscelino, não mobilizava os políticos
contra os atos impeditivos. O governador Carlos Lacerda, invariavelmente, criticava o
governo federal como no caso da prorrogação do mandato de Castelo. Enfim, conforme
Martins Filho, “até o final do primeiro semestre de 1965, o governo de Castelo Branco
146
não enfrentou problemas maiores com sua base parlamentar.” (Martins Filho, 1996:
51).
O clima de conciliação nas hordas golpistas deu o tom de normalidade que
Castelo Branco havia buscado nos primeiros meses da ditadura. Para um cronista da
época, “predomina ainda o espírito de confiança na ação do presidente da República e a
esperança de que o Marechal Castelo Branco articule as forças civis para, com elas,
vencer as dificuldades que se acumulam no caminho da consolidação do poder civil por
ele representado.” (Castelo Branco, 19 76: 46).
Esse “apaziguamento” ou pacto” propagado pela crônica da época era regido
pela ditadura de Castelo Branco e teve o objetivo de defender o status quo que o golpe
de 1964 inaugurara. Surgiu com a carapuça da conciliação democrática, o que
tristemente até estudiosos contemporâneos parecem ver na ditadura de Castelo Branco e
nos demais ditadores -de-turno
61
.
Acreditamos que esses esforços escamoteiam a real ordem que foi implantada
no Brasil em 31 de março de 1964, a qual se instalou no poder e foi res ponsável pela
manutenção da ordem capitalista. Não acreditamos em conciliação democrática, mas
num pacto autocrático que precipitou uma associação de militares e a burguesia na
defesa do desenvolvimento capitalista no país. Aqui permitimos uma digressão
histórica necessária.
O pacto autocrático que o golpe de estado de 1964 celebrou, revela a natureza
da formação da burguesia brasileira e os seus limites endógenos históricos: a
dependência da atividade econômica externa, a aliança com os setores mais
conservadores de uma elite anterior a ela, a dificuldade de partilhar um projeto
61
Por exemplo, Thomas Skidmore fala em democracia tutelada’.”O Brasil precisava de uma democracia
tutelada aque o corpo político fosse totalment e expurgado de seus elementos subversivos.”(Skidmore, 1988: 135).
Ângelo Del Vecchio nos militares a gica de intervenção militar característico da tradição política erigida no
Brasil, numa inspiração com Alfred Stepan.“Desde meados do culo passado a corporação militar abraçou a
responsabilidade de construção da grandeza do Estado Nacional brasileiro, encargo que se sobrepôs aos limites das
diversas conjunturas, aos regimes políticos e até à forma do Estado.” (Del Vecchio, 2004: 170)
147
progressista e de revolução democrática com a classe trabalhadora, e a sua ligação
obscena com o estado.
Pensando o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, devemos ter bem
definido a principal característica que o país ostentava no cenário internacional durante
o culo XVII: o papel de fornecer matéria prima aos principais centros do capitalismo
comercial, com o uso criminoso da mão de obra escrava e a importação de produtos
manufaturados.
Enquanto conformações do desenvolvimento do capitalismo do tipo clássico
fermentavam os caminhos de uma burguesia aguerrida por princípios iluministas no
limiar do capitalismo competitivo europeu
62
, a formação particular da economia
brasileira o produziu uma classe autônoma que, sob o signo da contradição do velho
(escravismo, latifúndio,...), ambicionasse o novo (a modernidade). A formação social
brasileira moldou uma via de desenvolvimento burguês diferente em relação à França
ou Inglaterra. A dependência estrutural da economia brasileira em relação ao campo e
ao latifúndio não poderia permitir nada de novo, pois estas eram formações sociais
incorporadas da época da colônia. Segundo Valdemar Gomes de Sousa Jr., denotando
os projetos que vingaram a partir da Independência brasileira em 1822, “com o
rearranjo das forças políticas, manteve intocada a economia assentada no trabalho
escravo e na grande propriedade agrícola, em íntima ligação com as velhas estruturas
sociais herdadas do colonialism o e manutenção do poder político centralizado sob a
forma monárquica, cujas reivindicações, protestos e forças populares, tanto no campo
como nas cidades, não foram incorporadas”. (Sousa Jr, 2007: 31).
Neste espaço, a mentalidade burguesa foi limitada a c aracterística presente no
Brasil colonial essencialmente rural, escassas atividade comerciais circunscritas ao
62
Ver uma caracterização sucinta destas vias de desenvolvimento do capitalismo e suas formações sociais
correspondentes em Antonio Carlos Mazzeo, Estado e Burguesia no Brasil .
148
grande latifúndio exportador. “Não comportava uma burguesia ‘heróica e
‘conquistadora’; e tampouco podia alimentar qualquer espécie de igualit arismo, de
reformismo ou de nacionalismo exaltado de tipo burguês. Para ‘governar seu mundo’,
as classes burguesas deviam começar por conhecê -lo melhor e por introduzir a
racionalidade burguesa na compreensão de seus papéis históricos sob o capitalismo
dependente.”(Fernandes, 1975: 313)
A Revolução de 30 consolidou uma classe urbana ressentida pela opção agro -
exportadora que o país aentão mantinha, mas nunca disposta a modificá -la unindo-se
aos setores populares. A vida industrial brasileira sempre depen dente das atividades de
exportação das monoculturas do café e da cana de açúcar vive uma mudança
significativa a partir da ascensão getulista: com a ação integrada entre novos agentes
sociais, além das Forças Armadas, toda a lógica agro -exportadora que permitia uma
alternância no poder entre os barões do café foi questionada. Entretanto, esse substrato
conservador não foi totalmente apeado do poder. Houve uma convergência estrutural
entre as frações da classe dominante, profundamente identificadas com valor es
burgueses, associadas a um padrão de vida urbano -comercial-industrial. Por fim, as
antigas oligarquias não desaparecem dessas estruturas, mas florescem sobre um novo
aspecto, absorvidas pela ordem social nascente. Segundo Florestan, “a burguesia, que
fora um resíduo social e, mais tarde, um estrato pulverizado e disperso na sociedade
brasileira, que se perdia nos estamentos intermediários e imitava servilmente a
aristocracia, ganha a sua fisionomia típica e se impõe como um corpo social
organizado, que constitui a cúpula da sociedade de classe.” (Fernandes, 1975: 311)
Entretanto, a burguesia brasileira não aprofundou projetos independentes de
classe, mas devido o seu atrofiamento na gênese histórica de sua formação, ela ainda
preferiu ocupar um papel subo rdinado aos empreendimentos encomendados pelo estado
getulista: “daí resulta um tipo especial de impotência burguesa, que faz convergir para
149
o Estado nacional o núcleo do poder de decisão e de atuação da burguesia. O que esta
não pode fazer na esfera priva da tenta conseguir utilizando, como sua base de ação
estratégica, a maquinaria, os recursos e o poder do Estado. Essa impotência e não, em
si mesma, a fraqueza isolada do setor civil das classes burguesas colocou o Estado no
centro da evolução recente do capitalismo no Brasil e explica a constante atração
daquele setor pela associação com os militares e, por fim, pela militarização do Estado
e das estruturas político -administrativas.” (Fernandes, 1975: 307)
Se o estado ocupou um papel singular na evoluç ão do capitalismo brasileiro
agindo como o mecenas do desenvolvimento, entretanto, a partir do governo do
Marechal Eurico Gaspar Dutra, a entrada do capital estrangeiro e a necessidade de
integrar a economia nacional em um outro modus operandi internacional canal aberto
para as transnacionais e mão de-obra mais barata barra qualquer tentativa de se
formar uma burguesia brasileira “nacionalista”, apesar dos apelos tardios de Fernando
Gasparian
63
.
Enfim, a incompletude de sua formação que reproduz uma cla sse atrofiada de
suas funções de superar as estruturas arcaicas que impediam o seu desenvolvimento e a
ameaça que representava as classes trabalhadoras a partir do governo João Goulart,
definem a característica particularista e exclusivista da burguesia br asileira. Por fim,
“desprovido de energia econômica e por isso mesmo incapaz de promover a malha
societária que aglutine organicamente seus habitantes, pela mediação articulada das
classes e segmentos, o quadro brasileiro da dominação proprietária é comple tado cruel
e coerentemente pelo exercício autocrático do poder político. Pelo caráter, dinâmica e
perspectiva do capital atrófico e de sua (des)ordem social e política, a reiteração da
63
Em entrevista concedida a Revista Projeto História PUC/SP. Gasparian questionado se havia
empresários com um projeto nacionalista respondeu: “Não havia um projeto, havia posições individuais. o existia
um grupo organizado, uma articulação clara. As pessoas queriam teorizar a existência de uma burguesia nacional,
mas não havia. (...) Nunca che gou haver uma reunião nacionalista. De vez em quando, alguém se pronunciava sobre
alguns temas que continham conteúdo nacionalista.” (Proj. História, São Paulo, 29 tomo 1, p. 223 -236, 2004)
150
excludência entre evolução nacional e progresso social é, sua única lóg ica.” (Chasin
apud Rago, 1998: 17)
A associação com os militares se deu sobre o prisma de uma classe social
dependente, impotente diante das ameaças de perder os dedos, diante das baionetas,
única possibilidade de impedir um ascenso revolucionário mais sig nificativo. Coube
aos militares, sob o papel de bonaparte, gerir a nova porta da evolução do capitalismo,
pois “com o processo desenvolvido a partir de 1964, com o primado do
desenvolvimento acelerado do regime militar, a economia nacional foi definitivam ente
incorporada às estruturas internacionais.” (Rago, 1998: 323)
Uma das principais motivações do golpe, se não a principal, foi o freio às
políticas de reformas que João Goulart que, com amparo popular, visava implementar
no país. Com base num arcabouço teórico já ensaiado pelos técnicos da ESG e do IPES,
o governo Castelo preocupou -se em preparar um diagnóstico completo da situação
econômica do Brasil e em organizar um plano para solucioná -los. Isso tomou conta das
primeiras reuniões presidenciais e sob a batuta de Roberto Campos, o governo iniciou
uma profunda reforma administrativa comandada pelo ministro. Conforme Lira Neto:
a terapêutica sugerida por Roberto Campos era amarga: arrocho salarial,
para conter a procura e para sinalizar um panorama favo vel aos
empresários; extinção dos subsídios sobre o petróleo e o trigo; fim dos
tabelamentos que provocavam o desabastecimento das prateleiras dos
supermercados; incentivo as exportações, por meio da desvalorização do
cruzeiro em relação ao lar; e , po r fim, para atrair investidores
internacionais, estímulo ao capital de risco no país. (Lira Neto, 2004:
281)
Portanto, a ditadura Castelo Branco convocou uma elite técnica, acostumada
com os círculos de poder. Segundo Dreifuss, “o desenvolvimento mais importante em
assuntos econômicos foi o estabelecido, pelos associados e colaboradores do IPES, de
151
sua hegemonia dentro da rede financeira do Estado, controlando assim a alocação dos
vastos recursos ao seu dispor.” (1981: 429)
As primeiras medidas da dita dura de Castelo denotavam o tom do governo
quanto às soluções pretendidas pela burguesia como resposta ao ciclo de crise
econômica expresso no crescimento da dívida pública, principalmente, a partir do
governo de Juscelino Kubitchek (1956 -1960), e o saldo deficitário da balança
comercial. Como que necessitando de um receituário, e contrário ao que alguns autores
afirmam, Campos e Bulhões em 13 de Agosto de 1964 apresentaram o Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG). No bojo do estabelecimento de alianç as entre os
vencedores golpistas, a anuência da imprensa e o esfacelamento da oposição, o PAEG
surge nesse contexto como uma solução dos problemas brasileiros, porém solução
amarga. Por exemplo, conforme Souza, “de acordo com o diagnóstico do PAEG, a crise
do crescimento e de desenvolvimento econômico do Brasil, desde o início dos anos
1960 era a inflação, causada pelos ‘excessos salariais’ e pela ‘irresponsabilidade fiscal’
dos governos anteriores.” (Souza, 2006: 127) Isto é, enfocando os problemas não no
campo da produção, mas na demanda, corroída pelos altos salários e a fragilidade
governamental no campo fiscal, Campos e Bulhões propuseram medidas monetaristas
no combate a bolha inflacionária a partir do estabelecimento de uma política financeira,
salarial, monetária e externa. Contava para isso com o insulamento promovido pelo
governo Castelo Branco no setor de sua política econômica, em que todas as medidas
aplicadas no campo econômico eram dispensadas de qualquer debate no congresso.
Sendo assim, o go verno Castelo procurou garantir o pagamento da
multinacional Amforp, encampada por Brizola em 1961, eixo para a melhora das
relações empréstimos com os EUA, fundamental para a política externa de Roberto
Campos que procurava atrair o investimento estrang eiro. Além desta, a regulamentação
da lei de remessa de lucros (Lei 4131, 03/09/68), objeto de tensão entre João Goulart
152
e o Congresso, viabilizou a entrada de capital estrangeiro com a ajuda das autoridades
monetárias intenacionais, como o FMI e o Banc o Mundial, no interior da Alinça para o
Progresso
64
. A ditadura, enfim, podia contar com a ajuda destes organismos para a
entrada de créditos internacionais, contribuindo ainda mais para o endividamento
público e nacional.
O saneamento das contas públicas posto como ordem do dia para os recém -
empossados ministros da Fazenda e do Planejamento, tinham como principal conteúdo
o fim dos subsídios governamentais à agricultura e o regulamento dos impostos
estaduais. Mudando assim a forma de recolhimento e, fina lmente, a criação de fundos
fiscais que pudessem ampliar as receitas governamentais. Nesse caso, o PIS (Programa
de Integração Social) e o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), somados a
regulação do INPS (Instituto Nacional da Previdência Social) , extraíam uma parte do
trabalho social gasto pela massa de trabalhadores, expresso nos salário. Mais do que
redistributivo no discurso, tais medidas transferiam ainda mais o ônus da crise
econômica à classe trabalhadora.
Juntamente com as medidas de sane amento financeiro, foi dada a ordem para a
intervenção em sindicatos de trabalhadores e o combate às greves, além do início da
política de arrocho salarial que deu a tônica para o novo processo desenvolvimento e
acumulação capitalista no Brasil.
A Lei de Regulamentação ao Direito de Greve nº. 4.330 de junho de 1964
normatizava as condições necessárias para que uma greve fosse tratada como legal.
Todas as greves de funcionários públicos em geral e os de serviços essenciais estavam
64
A Aliança para o Progresso foi um programa de ajuda económica e social dos Estados Unidos da América
para a América Latina efectuado entre 1961 e 1970 com um objetivo político: visava responder a Revolução Cubana
ocorrida em 1959 e a sua possível propagação para outros países da América Latina. Para isto, os Estados Unidos
diponibilizaram diversos aportes financeiros aos países alinhados ideologicamente pela força dos tanques como o
caso do Brasil. A Aliança durou 10 anos com um investimento de 20 milhões de dólares de responsabilidade dos
Estados Unidos e também de diversas organizações internacionais, países europeus e empresas privadas.
153
proibidas. As greves em solidariedade e as de “natureza política, social ou religiosa”
também. Eram apenas permitidas aquelas por melhores condições de trabalho ou
salário. Este instrumento, em conjunto com as intervenções sindicais, foram as balizas
para o freio da atividade si ndical no país. Na prática, o trabalhador que praticasse greve
poderia ser demitido por justa causa, não ser indenizado e, ainda, o sindicato corria o
risco de ser fechado por ação ilegal. E pior: nenhuma greve haveria de ocorrer sem
autorização do TRT (Tr ibunal Regional do Trabalho), órgão ligado ao Ministério do
Trabalho, o que inviabilizava de fato as greves por “melhores salários” ou “melhores
condições de trabalho” já que além de todo o trâmite burocrático, as greves ainda
deviam ser autorizadas pela d itadura militar. Na prática, isso nunca ocorreu
65
.
Em outro ponto, o Ministro Roberto Campos também alteraria a forma do
dissído coletivo dos trabalhadores. Tratado como negociação entre patrão e
empregados, o estado militar intervia na regulação dos aument os salariais,
institucionalizando-a como política oficial. Em relação ao aumento haveria de ser
considerado o salário médio dos 24 meses anteriores ao aumento, a antecipação
inflacionária estimada para os 12 meses seguintes e a estimativa do aumento da
produtividade da empresa envolvida. O governo estabelecia o índice para o reajuste
salarial, sendo este o único adotado pelo TRT que, subestimando a bolha inflacionária e
o aumento da produção, sempre era abaixo da inflação acumulada no ano. As
negociações entre patrões e empregados passaram a tratar de benefícios, condições de
trabalho e aumento salarial baseado na produtividade, adicionado ao índice oficial. Na
prática, os patrões não discutiam com os trabalhadores, alegando que o índice era o
indexado pelo TRT. Em contrapartida, impedidos pela lei (e pelas baionetas), de
65
Maria Helena Moreira Alves fez um levantamento estatístico dos números de greve nos primeiros anos da
ditadura militar.: Foram 154 greves em 1962, 302 e m 1963, caindo para 25 em 1965, 15 e 1966 e 12 em 1970.
Nenhuma greve em 1971. No prazo de quatro anos, houve 34 greves com operação tartaruga. Ver Alves. Maria
Helena. Oposição e Estado no Brasil (1964 -1984)..
154
pressionar para um aumento mais significativo, os trabalhadores conformavam -se com o
desprezo do patrão, a perseguição governamental e com a nova modalidade de
"peleguismo" sindical que, a p artir da ‘operação limpeza’ praticada pelos militares, se
perpetuou na maioria dos sindicatos de trabalhadores
66
.
Dirá um estudioso de nossa época que "os novos demiurgos da construção
nacional, os militares e o 'sistema' acreditavam ter os poderes de cont role não da
modernização econômica (pela ação estatal), mas, sobretudo, da movimentação das
classes subalternas, dos agrupamentos oposicionistas, dos parlamentares, dos processos
eleitorais, da elaboração de uma ordem jurídica segundo os 'ideais
revolucionários'".(Rago, 2005: 151). Obviamente, tais ideais não eram revolucionários,
pois se pautavam na implementação do modelo de desenvolvimento econômico que
alijaria as classes trabalhadoras do jogo político, no sentindo de atrair o investimento
estrangeiro com o controle dos preços e dos salários.
Esse modelo implantado pelos militares,passava pela destruição da
representação política de uma classe social, mantendo a ordem política burguesa
estabelecida “alijado o movimento operário e sindical, assim como suas expressões
políticas, principais obstáculos às suas diretrizes econômicas, a ditadura bonapartista
pretendeu 'acelerar' a modernização da estrutura social e econômica pela implantação de
reformas necessárias, como institucionalizar o mecanismo de pla nejamento e reformular
o sistema de elaboração, assim como executar o orçamento através de uma reforma
administrativa.” (Rago, 2005: 152)
Enfim, os militares se asssumem como gestores de todo o sistma de
expropriação capitalista, tendo como um dos sustentá culo principal o capital
monetarista estrangeiro, fundamentalmente, os americanos. Em contraponto, as ameaças
66
Segundo dados extraídos do livro de Mari a Helena Moreira Alves, pelo final 1965 o estado interviera em
358 sindicatos, afastado os líderes de seis, anulara três eleições e dissolvera sete sindicatos. Idem. Dois exemplos que
fogem a regra merecerão uma análise mais detida a frente: as greves de C ontagem/MG e Osasco/SP.
155
de transformação social abrupta no governo João Goulart haviam afastados os
investidores externos. Com o Golpe de Estado, “a defesa castelista do capitalismo
associado, uma vez reconhecida nossa posição inferior aos Estados Unidos, perpassa
inteiramente a ideologia da autocracia burguesa.(...) repise -se esta dimensão,
precisamente aqui se deu a ruptura democrática com a plataforma nacional e popular
defendida pelo nacionalismo trabalhista em nosso país.” (Rago, 1998: 143)
Jayme Portella, apesar de não formular alguma crítica a respeito, fez
transparecer em seu livro as preocupações que rondavam a área militar quanto às
políticas de Roberto Campos e Otávio Bulhões. Por exemplo, sobre o combate às
atividades sindicais, sinalizado com a limitação do direito a greve, disse o general:
O presidente atendendo sugestão do Ministro do Trabalho mandou
desarquivar, no Senado, um projeto sobre o Direito de Greve e
através da sua liderança, ajustou aos objetivos da Revolução, com novas
emendas, eliminando as greves políticas e as que fossem feitas sem a
responsabilidade dos sindicatos. (Portella, 1979: 229)
O projeto que era antigo e tomou corpo como mais uma ferramenta de
intimidação aos trabalhadores. Nesta área, pouco Portella acrescentou ao governo
Castelo Branco, a não ser o apoio às medidas restritivas que acompanhavam ainda mais
repressão, como a limitação das greves, cassações, etc. Sendo o general Por tella, o mais
íntimo assessor de Costa e Silva, ele acusava Castelo Branco, apesar de toda legislação
que reprimia os trabalhadores e os inimigos da ditadura, de ser fraco como chefe militar.
O presidente estava imbuído de ser mais civil do que militar, p ela
adulação de alguns dos seus conselheiros e amigos políticos e esquecera
que havia chegado ao Governo na crista de uma Revolução. Esquecera
que o Ministro da Guerra, na crise de outubro lhe fora de uma lealdade a
toda prova, arriscando até o seu prestíg io de chefe militar para segurar o
governo. (Portella, 1979: 314)
156
Podemos inferir que não existia para Portella uma dualidade civil e militar para a
denominada “revolução” de 1964 em que o presidente Castelo deveria se preocupar.
Como um ato estritamente militar, a resolução de qualquer crise deveria passar pelo
crivo militar e ao prestígio das Forças Armadas. Posteriormente, no governo Costa e
Silva a mesma situação de dualidade (poder civil versus poder militar) colocaria em
marcha os preparativos do At o Institucional nº 5.
Em outro caso, Portella sinalizou que as mudanças pretendias por Roberto
Campos no campo econômico seriam um contraponto ao governo João Goulart, que
utilizava de doses de ‘xenofobia’ no condução da economia.
Na primeira reunião ministerial para apreciação da situação econômico -
financeira, o Ministro Roberto Campos abraçou o panorama real,
apresentando soluções. Defendia a entrada do capital estrangeiro, porque
a poupança nacional, mesmo ampliada, não atenderia ás necessidades do
desenvolvimento. Lembrava que o país precisava de dinheiro e de
tecnologia estrangeiros, mas que, para obtê -los não seria fácil, portanto o
conceito do país havia caído muito, com o clima de exagero e xenofobia
econômica vivida no governo deposto. (Portella, 1979: 216)
O general, provavelmente, tratava como xenofobia econômica” as políticas de
reformas que o governo João Goulart entendia como necessárias para o
desenvolvimento brasileiro. No entendimento do general, que formulou e concluiu a
política de segurança nacional do governo posterior, a mudança implementada por
Roberto Campos era ncessária, tanto que culpou o governo João Goulart pela pouca
eficácia da política econômica de Castelo Branco.
O ano de 1964 terminava com o país sofrendo as conseqüência s do
governo do Sr. João Goulart, pois as medidas adotadas pelo presidente
Castelo para conter a inflação, levaram a aumentar o custo de vida. O
clamor surgia de todos os lados e as Forças Armada, responsáveis pela
Revolução, sofriam na própria pelo sem po der fazer coro com os demais
assalariados. Os seus chefes, porém, faziam chegar aos seus respectivos
ministros, os efeitos da alta do custo de vida, sobre o pessoal militar. (...)
O governo para debelar a inflação, havia escolhido 'gradualismo', também
chamado de contenção progressiva e com o processo, a vida continuava a
subir. (Portella, 1979: 256)
157
Para as reações dos trabalhadores ou dos descontentes, era reservado o
“convencimento” que dispunha as Forças Armadas para frear as reivindicações de
trabalhadores que só cresciam devido à estagnação econômica provinda das reformas do
governo Castelo Branco:
Na área trabalhista a situação ia se normalizando, embora os agitadores
procurassem chamar a atenção dos trabalhadores para a insensibilidade
do governo ante a difícil situação que atravessavam, em virtude das
medidas adotada para a contenção dos salários e as consequências
advindas com a eliminação dos subsídio do petróleo e do trigo, que
acarretavam um aumento nos preços. Mas os sindicatos e as autarquias da
Previdência Social haviam entrado em regime de intervenção , onde os
inquéritos passaram a mostrar as irregularidades existentes. A coisa foi
sendo esclarecida e os sindicalizados aos pouco foram se convencendo
das intenções saneadores da Revolução. (Po rtella, 1979: 229)
O a ditadura do primeiro presidente -marechal principiou as reformas que a
burguesia brasileira conservadora necessitava para combater a desaceleração
econômica, provinda do modelo implantado no governo Juscelino Kubitschek de
entrada de multinacionais no setor de bens de consumo duráveis e de endividamento
público com empréstimos do capital internacional. Tais reformas o agradaram de
início alguns aliados udenistas e pessedistas, entretanto, foram bem aceitas pela
burguesia associada c om as grandes transnacionais. Sobre o governo Costa e Silva,
cirscunstancialmente a política econômica inclinou para um outro rumo devido às
alterações implementadas por Delfim Netto no que tange à política de desenvolvimento
(Cap. IV), entretanto, o norte do modelo de desenvolvimento continuou a consolidação
do setor privado associado ao capital estrangeiro, assim como o arrocho salarial e a
proibição de greves.
Sob o bonapartismo, ao responder ao movimento de luta de classes, enunciado
no governo João Gou lart cujas forças sociais populares foram aniquiladas com
cassações, prisões, torturas e apoio midiático, o pacto autocrático entrou nos eixos, com
158
o aviltamento da classe trabalhadora e com a política econômica recessiva sob a batuta
de Campos e Bulhões. Aos políticos, pouco a pouco visto pelos militares como
desnecessários, sobrou o oportunismo político característico da elite tupiniquim,
principalmente nas eleições que se principiavam em outubro de 1965.
Cabe resgatar ainda um quadro inicial da situaçã o militar desse primeiro
momento da ditadura de Castelo. As primeiras medidas dos militares no interior da sua
instituição foram no sentido de alvejar de cassar todos os oficiais considerados “anti -
revolucionários” ou vinculados de alguma forma com o gover no João Goulart. Jayme
Portella, já como chefe do gabinete de Costa e Silva em Brasília, conspirador de
primeira hora e bom conhecedor do objeto, ficou responsável por “arrumar” a casa
militar:
O Ministro Costa e Silva determinou -me que lhe apresentasse, quanto
antes, um plano para substituições de todos os comandos situados nas
diferentes guarnições do interior do País e de oficiais superiores
comprometidos com o governo deposto. Ao mesmo tempo, passou a
fazer a substituição dos generais que ainda perman eciam em seus
comandos, que não mereciam confiança, levando os atos ao presidente
Castelo. Como não havia generais em número suficiente para ocupar
todos os cargos, ele designou coronéis revolucionários para ocupá -los.
(Portella, 1979: 214)
Semearam-se as bases de tensão que emparedaria muitas vezes o governo
Castelo Branco. O comando exercido por coronéis corroborava para o maior poder que
estes militares mantinham junto à tropa. A tensão entre os castelistas” e a “linha-
dura”, como visto, apenas se real izava no plano dos Inquéritos Policiais Militares, como
por exemplo, a cassação de Juscelino Kubitschek. O IPM do ex -presidente não agradou
Castelo Branco, mas serenava o ambiente militar com um grande empenho de Portella e
Costa e Silva para cassar o ex -presidente
67
. Portanto, mesmo sobre o signo da
67
Segundo Portella, “O General Costa e Silva mandou que o seu gabinete fizesse um levantamento completo
da vida de Juscelino, pois considerava um dos responsáveis pela situação a que foi levado o País e não podia deixar
159
permanente diferença entre militares moderadores e linha -dura, as diferenças pareciam
resolvida para um cronista da época, “é verdade que nem tudo está feito, mas o fato é
que a “linha dura” não é, hoje, um p roblema político, mas um estado de espírito
remanescente que cria problemas residuais, de maior ou menor gravidade, conforme o
ponto geográfico, e certamente mais acentuado na latitude norte.” (Castelo Branco,
1976: 128)
Consolidado o arco de alianças em torno do seu governo, Castelo Branco foi
amparado por essa base. As tensões do seu governo iniciam no momento em que se
ampliam as pressões militares oriundas da linha -dura que clamavam por mais combate
a subversão. Outro momento foi o início de uma oposiç ão ao regime devido aos
impactos das medidas de combate à inflação (fim de subsídios, arrocho salarial),
ancoradas sobre uma política de facilitação de entrada do capital internacional, o que
motivou a falência muitas empresas nacionais. Por fim, as dificu ldades do governo em
ampliar ainda mais as políticas de exceção, que mesmo numa autocracia mostraram -se
limitadas devido à demanda politicista que a ditadura de Castelo Branco insistia em
estabelecer com a ajuda de sua base política no Congresso. Neste últ imo ponto, os
seguidos Atos Institucionais visavam “reparar” os erros cometidos pelo presidente -
marechal neste quesito.
de sofrer a necessária punição revolucionária.” (Portella, 1979: 219) Portella apresenta o levantamento das
informações referentes a vida política e financeiro de Juscelino, concluindo que O grupo revolucionário achava que
ele devia ser cassado com base na corrupçã o desenfreada no seu governo, inclusive na construção de Brasília, que
não se sabia quanto custara aos cofres da Nação.” (Portella, 1979: 220) A tese de que a “revolução” viria para sanar a
vida financeira e revisar os costumes políticos, defendida por Por tella em muitos do trechos presentes nas suas
memórias, não poderia permitir que Juscelino saísse incólume. Portella inclusive faz alusão aos motivos verdadeiros
da negação de Castelo Branco em cassar Juscelino: A sua figura (JK) destacou -se quando se organizara a primeira
relação de cassados, mas o General Castelo Branco conseguiu demover o General Costa e Silva, inclusive, aludindo a
repercussão internacional que o fato acarretaria. Só não lhe disse a razão verdadeira, que era o compromisso
assumido com Juscelino no encontro que tivera nos primeiros dias de preparo da sua candidatura.” (Portella, 1979:
219)
160
Os furos do governo Castelo Branco: a ação de Portella.
O ano de 1965 prometia para os golpistas. As eleições de governadores
ocorreriam em outubro; os políticos mostravam -se contrafeitos com o plano econômico
que não surtira ainda o efeito desejado e irritava a muitos que haviam apoiado o Golpe
de Estado, como os proprietários rurais e a pequena burguesia, sedenta por crédito e
subsídios governamentais; havia sempre a ameaça dos quartéis que não se calavam,
agora, insuflados pelo Ministério da Guerra, principalmente, com o general Portella
como ‘porta-voz’. Em junho, o manifesto da Liga Democrática Radical (Li der),
organização fascistóide, pedia a volta do Comando Supremo, o fechamento do
Congresso e afirmava que Castelo Branco era “o delegado do supremo Comando da
Revolução”
68
. O foco de tensão e conflito ao governo estava nas Forças Armadas que
tinham os coronéis que chefiavam as IPMs , cada vez mais contrafeitos com o
presidente-marechal Castelo Branco e “órfãos” de instrumentos que permitissem novas
cassações.
Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, os principais candidatos à sucessão de
Castelo Branco, no lado civil, acreditavam que para sustentar suas bases políticas,
respectivamente, Minas Gerais e Guanabara, seus mandatos (e dos outros
governadores) deveriam ser prorrogados como o do presidente. Além disso, se
realmente mantido o calendário de eleições nos 11 estados, elas deveriam ocor rer de
forma indireta, ou com os vice -governadores assumindo o mandato (Chagas, 1985). Por
outro lado, se nos dez primeiros meses tudo transcorria bem para a ditadura castelista,
se manifestavam entre o PSD e a UDN desentendimentos que afloravam ainda m ais
com a proximidade das eleições estaduais.
68
O documento é citado em John Foster Dulles e Luiz Vianna Filho.
161
O governo federal, por meio de um novo Código Eleitoral implantado em julho
de 1965, marcava as eleições estaduais para 3 de outubro, de forma direta, impedindo a
reeleição dos governadores. Isso arrancou ir a dos lacerdistas. Em torno desse fato,
cresceu o desconforto nos militares e na base civil do governo que temia a volta de
diversos petebistas ainda não cassados.
Os desafios do governo Castelo Branco, após a aprovação do Código Eleitoral
era enfrentar a resistência de setores do exército (a “linha dura”) e os parlamentares
insatisfeitos com as eleições diretas que fomentavam disputas regionais homéricas, Os
Inquéritos Policiais Militares que o haviam sido fechados após quase um ano, eram
usados contra adversários políticos da UDN e do PSD para a irritação de Castelo
Branco
69
. Mas de fundo, as eleições se prognosticavam como a primeira vez que o
regime inaugurado em 1964 passaria pelo crivo do voto e da satisfação popular. Com a
adoção das eleições direta s, havia o risco do retorno de inimigos políticos declarados da
ditadura, o que a ditadura jamais deixaria acontecer. Por exemplo, na Guanabara, a
coligação PSD-PTB apontou o nome do marechal Henrique Teixeira Lott como
candidato a governador. Logo, o gove rno aprovou a Lei de Domicílio Eleitoral que
enquadrou e barrou a candidatura de Lott (Chagas, 1985: 86 )
70
. Os coronéis
contestavam cada candidatura considerada revanchista ou contraria a “Revolução” nos
estados. Havia também pressões de políticos da UDN q ue, oportunamente, defendiam a
cassação de seus principais adversários nos estados em que PSD e o desfigurado PTB
reuniam maiores chances.
Com a vitória da oposição em alguns locais como Guanabara e Minas Gerais
Negrão de Lima e Israel Pinheiro, respect ivamente - os quartéis reacenderam a volúpia
69
Um desses inquéritos que investigava a ação do PCB no Estado da Guanabara, com andado pelo coronel
Ferdinando Carvalho, buscava alguma forma de inviabilzar a candidatura de Negrão de Lima, inclusive procurando
ligações entre os comunista e o candidato. Castelo Branco rechaçava essa investigação. (Dulles, 1980: 216)
70
Outra ferramenta casuística foi tornar inelegíveis ex -Ministros do governo João Goulart, como no caso de
Paes de Almeida, em Minas, e Hélio Almeida, na Guanabara. (Chagas, 1985: 86)
162
golpista. No ambiente de contestação e tensão militar, o ministro da Justiça de Castelo
Branco pediu demissão. Portella avaliou assim esta baixa do governo Castelo:
A de Outubro, o Sr. Milton Campos, homem de formação
democrática, exonerou -se do cargo de Ministro da Justiça. Ele não se
adaptara ao movimento revolucionário em que se vivia. Não
compreendia a situação dos revolucionários que queriam uma
transformação do país, livrando -o, quanto antes, da corrup ção e
subversão. Ele pontificava pelos meios suasórios, o que não era
possível em um estado de revolução. (Portella, 1979: 276)
O general Portella explicava o estado de ânimo dos militares naquele momento
e as opções a serem definidas. A transformação do país deveria passar pela supressão
do diálogo ou do acordo. Castelo Branco, ao fim desse processo, pareceu entender o
recado vindo dos quartéis.
Mesmo com as oportunas medidas aplicadas pelo governo para impedir algumas
candidaturas consideradas contrária s a “revolução”, a vitória do PSD na Guanabara
com Negrão Lima e em Minas Gerais com Israel Pinheiro, provocou a insatisfação
militar e oposição aos dois líderes civis, com destaque para Carlos Lacerda. Segundo
Portella,
O ambiente militar revolucionário era todo de apreensão. Na Guanabara,
abertas as urnas, os resultados foram favoráveis ao Senhor Negrão de
Lima, e a área revolucionária se agitou. À medida que a apuração
prosseguiu, a vitória se pronunciava para a oposição, cujo candidato se
distanciava cada vez mais do Sr. Flexa Ribeiro. De Minas Gerais,
chegavam também os resultados favoráveis ao Sr. Israel Pinheiro e
aumentou o descontentamento nos meios militares revolucionários.
(Portella, 1979: 276)
Carlos Lacerda incentivou a movimentação dos mili tares nos quartéis
71
, pois
enxergava nessas duas vitórias ecos de revanchismo em relação à situação de 1964.
71
O próprio Portella apurou a tentativa de Carlos Lacerda: “recebi informações de que o Sr. Carlos Lacerda
pretendia aproveitar-se do inconformismo, na área militar, e tentar um golpe contra o governo.” (Portella, 1979: 277)
163
Somado a esse contexto, a volta de Juscelino Kubitschek, inimigo dos militares, serviu
para ferver ainda mais o caldeirão militar (Magalhães, 2006). Até que,
A tensão na área militar revolucionária era grande e os companheiros se
agitavam inconformados com os resultados que chegavam das urnas
apuradas. A 5 de outubro, um pequeno grupo de oficiais do Regimento
de Reconhecimento Mecanizado, tentou forç ar uma reação. (Portella,
1979: 277)
Apesar da revolta nos quartéis, para os golpistas não era apenas choro e vela.
Carlos Chagas ao analisar aquele período faz a devida ponderação: se não eram
candidatos da UDN, tanto Israel Pinheiro, quanto Negrão de Li ma
72
estavam bem longe
de ser uma ameaça à ditadura, que “na verdade, a revolução não fora tão derrotada
assim, nas eleições daqueles onze estados, pois com o apoio ou simpatia clara do
palácio do planalto haviam sido eleitos José Sarney, no Maranhão o c oronel Alcides
Nunes, no Pará, Paulo Pimentel, no Paraná, João Agripino, na Paraíba, e Octávio Lage,
em Goiás todos pertencentes ou apoiados pela UDN.” (Chagas, 1985: 87)
A revolta dos quartéis, se insuflada por Lacerda, conforme Carlos Chagas,
apenas foi contida pela atuação do ministro da Guerra, Costa e Silva
73
. O general neste
momento teve um papel singular, que enfrentou a crise militar, postando -se do lado
de Castelo Branco, mas ao mesmo tempo, aproximando -se dos militares insatisfeitos.
A agitação no meio militar teve certas proporções, principalmente, nos
Estados, onde a Revolução perdeu as eleições. O Sr. Carlos Lacerda
ainda tentou tirar proveito dos acontecimentos, mas o Ministro Costa e
Silva liderava, de fato, e a crise foi serenada. (Portel la, 1979: 280)
72
Portella expõe os motivos da irritação da “linha dura” em relação a Negrão Lima ex -Ministro de Vargas,
amigo do Sr. Juscelino e seu ex-prefeito na antiga capital da república. Essa candidatura irritou a área militar
revolucionária, que não aceitava vê -lo governar a Guanabara.” (Portella, 1979: 275)
73
Carlos Chagas e Geisel diferem quanto a importância do fato. Para o primeiro, havia sim o risco dos
militares chegarem ao Palácio das Laranjeiras, se não fossem impedidos. De outra feita, Geisel afirmara que o levante
foi maximizado pelo grupo de Castelo, com Portella a frente, com a intenção de desestabilizar Castelo Bra nco. Op.
Cit.
164
Costa e Silva deu um passo decisivo para pleitear a sucessão de Castelo Branco,
garantindo assim o dispositivo militar. Não perdeu a autoridade, pois não se colocou
contra o presidente-marechal, porém dava garantias aos insurretos. Para Cha gas,
“também não concordava com o esmorecimento dos ideais revolucionários e deixaria
bem clara sua posição, quando encontrasse o presidente. Tornou -se uma espécie de
fiador dos radicais” (Chagas, 1985: 87) Entretanto, segundo os relatos de Portella, foi
neste momento que Costa e Silva expressou a sua vontade de se candidatar.
A impressão mais sensata era de que o Ministro havia conseguido
arrefecer a situação, mantendo a sua liderança, a despeito de alguns
descontentamentos. Ele declarou -me que não estava para fazer a jogada
do Sr. Carlos Lacerda. Que desejava afastá -lo do Presidente Castelo e se
aproveitar com vistas à sucessão presidencial. Além disso, disse ele
‘estamos com a nossa candidatura em equacionamento e não tenho
porque jogá-la fora. Não podemos nos descobrir já, porque é cedo, mas
temos que reconquistar o terreno perdido nestes dias. (Portella, 1979:
279)
Aparentemente, a candidatura de Costa e Silva era apenas especulada, naquele
momento, que havia políticos golpistas aguardando Castelo anunciar o seu candidato
a sucessão. Entretanto, nas crônicas de Castello Branco transparecia que havia uma
aproximação de Costa e Silva com os políticos
74
. Enfim, é necessário compreender que
foi no enfraquecimento de Castelo Branco como chefe militar que Costa e Silva
expandiu a sua candidatura nos quartéis..
Mas se, estrategicamente, não quis expor ainda mais Castelo Branco, Costa e
Silva em solenidade na Vila Militar no dia 06 de outubro, teve a chance de acirrar ainda
mais os ânimos. O discurso contem porizador aliviou Castelo Branco e decepcionou grande
parte dos oficiais da “linha dura”, que assistiam ao evento em memória da tomada de
Monte Castelo pela FEB na Segunda Guerra Mundial (Chagas, 1985).
74
As insinuações de que haveria algum apoio político a candidatura de Costa e Silva o apresentadas na
crônica de Castelinho: “A candidatura do general Costa e Silva, apesar de apoiada por enquanto em reduzido área
parlamentar, sintomatic amente vinculada so pessedismo.”(Castello Branco, 2007: 254)
165
As eleições de outubro de 1965 contribuíram para o e nfraquecimento de Castelo
Branco como líder militar devido à ação de desestabilização iniciada pela “linha dura”. A
partir de então, Portella teve um papel significativo, pois, antes mesmo de se definir nomes,
o assessor de Costa e Silva se tornou e a pont e entre governo e quartéis, trazendo as
demandas militares por mais punição e combate à subversão.
Citei que recebera um telefonema do Gal. Dutra de Castilho, Comandante
da Divisão Para-quedista, dizendo que os companheiros estavam aflitos,
porquanto, as medidas pedidas ao Congresso não saíam e que eu fizesse
sentir ao Palácio do Planalto que a paciência estava se esgotando. O
coronel Dilermando levou logo o fato ao conhecimento do Presidente,
que me telefonou dizendo para informar aos companheiros que o g overno
estava atento e impulsionando a aprovação das proposições. (Portella,
1979: 287)
Se de um lado, os militares estavam perdendo a paciência, de outro, o presidente
Castelo Branco enfrentava resistência do congresso na aprovação nas medidas
acalentadas pelo governo. O Ato Institucional 2 é visto convencionalmente como
uma resposta de Castelo Branco aos radicais e à “linha dura”. Estes seriam os
responsáveis pelo arco de exceção que o AI 2 aprofundava, enquanto o governo era
“refém” das pressões mili tares. Como afirma Lira Neto “na realidade, sabia que o
governo encontrava-se à beira do abismo. Ceder às pressões da linha -dura significava
transformar-se, de uma vez por todas em mera marionete dos radicais. Não dar ouvidos,
a eles, por outro lado, seria o mesmo que decretar a própria deposição.” (Neto, 2004:
334)
A intervenção no governo de Goiás (cassando um dos apoiadores do golpe,
Mauro Borges), o IPM sobre Juscelino Kubitschek e a prorrogação do Ato Institucional
foram objeto de freqüente tensão entr e a oficialidade e o governo Castelo Branco. É
inconcebível estabelecer uma relação imediata de pressão de um (“linha -dura”) e ação
de outro (Castelo Branco) ou como vitória da “linha -dura”, pois “os partidários da
166
intervenção incluíam não apenas as áreas militares consideradas ‘duras’, mas também o
Ministério da Guerra, amplos setores da UDN e, mesmo, através da atuação de seus
chefes, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, o Gabinete Militar e o Serviço
Nacional de Informação”. (Martins Filho, 1996: 5 5)
Castelo Branco esperava que um arco de emendas a Constituição de 1946
pudesse amainar os sentimentos da “linha -dura”, responder aos aliados, além de
facilitar os trabalhos do poder executivo. Obviamente, com a pressão militar os
deputados da UDN e do PS D o se entendiam com os representantes de Castelo
Branco. O AI-2 virava uma realidade para os políticos, segundo Castelinho:
De qualquer forma, estava ontem o Congresso plenamente advertido de
que, se não aprovar a emenda constitucional, o Governo editará o Ato,
como também advertido estava de que, aprovando a emenda e o projeto
de lei dos cassados, será convocado a votar outras providências na
mesma linha, desde que os dois projetos não esgotam as reivindicações
militares de disciplinar a vida civil na linha me revolucionários. Se
aprovar os projetos do Governo as novas leis pleiteadas não incluirão
òbviamente as medidas mais drásticas que constarão do Ato de
Emergência, como cassação de mandatos e suspensão de direitos
políticos. (Castello Branco, 1976 : 226)
Adensada pela pressão de Castelo Branco em direção da emenda constitucional,
as discussões em torno da sua sucessão tomavam corpo naquele momento. Para a
maioria da oficialidade “durista” uma candidatura civil era vista como impossível, pois
havia a necessidade de se processar novas medidas contra o avanço do comunismo,
além de alijar políticos que representavam o passado de corrupção dos governos
anteriores. Os acontecimentos na Guanabara posterior as eleições que consagraram o
nome de Negrão de Lima demonstravam o acirramentos das posições militares.
Nas crises enfrentadas por Castelo Branco é que a candidatura de Costa e Silva
ganhou força no exército, como bem apresenta o general Jayme Portella de Melo, futuro
chefe da Casa Militar do governo Co sta e Silva,
167
O General Costa e Silva tinha que aproveitar a oportunidade que o
Governo se enfraquecera com a crise militar conseqüente das eleições
diretas, onde perdera dois estados importantes para os adversários da
Revolução e que em outros estados, fo ram eleitos candidatos da oposição
para impulsionar a sua candidatura. Ainda mais que a sua liderança
dentro do exército havia se restabelecido. (Portella, 1979: 315)
A promulgação do AI -2 em 30 de outubro de 1965 é a resposta de Castelo
Branco diante da pressão da “linha dura”, mas também diante de um entendimento que
ele tinha da ordem que deveria ser implantada pelo conservadorismo vitorioso de 1964.
Passando as noites em claro
75
, Castelo Branco, após a resolução de que as emendas
constitucionais não p assariam pelo crivo legitimador do parlamento, resolve decretar o
Ato Institucional 2 com o apoio do novo ministro da Justiça, Juraci Magalhães, do
chefe da Casa Civil, Luis Viana Filho, além de Geisel e Golbery. Segundo Skidmore:
“Para Castelo, o AI-2 foi um penoso compromisso entre seus princípios democrático-
liberais e a necessidade que tinha de manter o apoio dos militares da linha -dura.”
(Skidmore, 1989: 103). Nesses termos, Castelo Branco aparece, à análise
historiográfica, mais como vítima do que autor do crime. Chagas, de forma arguta,
pondera: “os biógrafos de Castelo Branco costumam dedicar muito espaço ao episódio,
falando de seu drama íntimo, de seu drama de consciência, etc. Infelizmente para ele, a
história se faz com fatos, não com intençõe s.” (Chagas, 1985: 89)
O AI-2, praticamente, retomou todo o viés repressivo do primeiro AI,
estabelecendo, entre outros: as eleições indiretas para presidente, a dissolução de todos
75
“A idéia de ser forçado a editar novo Ato Institucional o angustiava.” (Viana, 1975: 343) O ex -chefe da
Casa Civil de Castelo Branco retrata as angústias morais que cercavam o ditador nas vésp eras do AI-2. Castelo
Branco pretendia após a crise na Vila Militar, aprovar diversas emendas constitucionais que visassem aprimorar” a
nova ordem jurídica, entre elas: “ampliando os casos de intervenção federal, e admitindo estender -se aos civis, nos
termos da lei, o foro especial previsto para militares, e o projeto de lei dispondo sobre a suspensão de direitos
políticos.” (Viana, 1975: 340) Essas emendas coravam os parlamentares de temor pois entendiam uma nítida
ascendência do poder executivo sobre o l egislativo. Visto que era muito difícil a aprovação pura e simples por
maioria de votos, Castelo Branco preferiu violentar mais uma vez as regras do jogo decretando o AI -2. Luis Viana
como que justificando a atitude Castelo Branco escreveria: “os fatos hav iam-se encaminhado de tal modo, que, na
realidade, o dilema não o de manter ou quebrar a legalidade, mas permitir ou não que o pais ficasse
irremediavelmente entre uma ditadura de direita, de tipo fascista, e a volta dos elementos depostos em 1964.” (Viana ,
1975: 353)
168
os partidos políticos existentes, a reabertura de processos policiais co ntra inimigos do
regime e o aumento de juízes no STF de 11 para 16. Como observado, Castelo Branco
tinha a intenção de responder as pressões da caserna e também de introduzir algumas
alterações na legislação que muito considerava. Por exemplo, a partir de uma
compreensão provinda da Escola Superior de Guerra
76
, o presidente-marechal se
incomodava com a existência de muitos partidos. Conforme Skidmore, “O objetivo era
reiniciar a atividade política abertamente, porém em termos ‘mais responsáveis’.
Achavam muitos militares que a crise política brasileira podia ser atribuída ao seu
sistema multipartidário. Inconstantes em suas alianças, os políticos, ao que se alegava,
manobravam em proveito pessoal, mas a expensas do interesse público.” (1989: 105).
Outra principal modificação seriam as eleições indiretas para presidente, barrando as
pretensões de Lacerda como seu sucessor.
Em seu conjunto, o AI-2 seria a tentativa de re -enquadrar o projeto militar sobre
uma nova institucionalidade, pois a tentativa de c omprometer udenistas e pessedistas no
projeto castelista havia falhado. Precisava de uma nova ação ditatorial. A criada pelo
Ato Institucional em março de 1964 não foi o suficiente. Ressuscitando os mecanismos
discricionários, Castelo Branco pretendia por em prática e sem empecilhos o projeto
de poder pelo qual os militares haviam dado o golpe. Portanto, os castelistas
mostraram-se capazes de incluir neste diploma legal uma série de medidas que vinham
considerando bastante tempo. Com efeito, reforma partidária, modificações no
judiciário, eleições indiretas, restrições às atividades dos cassados não podem ser vista
como iniciativas estranhas à via de ‘institucionalização’ que vinha sendo discutida em
certos círculos militares.” (Martins Filho, 1996: 67)
76
Selma Rocha sintetiza este ponto: “Todavia ainda que da sociedade e do parlamento seja subtraído o poder
de elaboração e decisão do Objetivos Nacionais, cabe salientar que, no interior do Estado, não as elites civis é
atribuída a tarefa de formu-las, tanto assim que a ESG se auto atribui o poder de definir o Bem Comum como
Objetivo Permanente Fundamental, desdobrando em dois outros: Segurança e Desenvolvimento . O fato de a Doutrina
definir esses dois objetivos como permanente fundamen tais parece revelar a disposição da Escola, como parte
integrante da Elite, de nortear e delimitar a prática política das elites civis, de modo impedi -las de converterem seus
interesse materiais imediatos em Objetivos Nacionais (Rocha, 1996: 100 -1)
169
Em outra ponta, nessa busca da institucionalidade, a ditadura castelista pretendia
conformar as medidas político -econômicas, aplicadas pelo PAEG sob a condução de
Roberto Campos, com as reformas políticas do AI -2. Na esfera representativa, além de
estabelecer o instrumento de decurso de prazo em que os projetos de lei seriam
aprovados senão apreciados em tempo pelo congresso, Castelo Branco investiu contra a
representação política do “governo revolucionário”: eliminado o sistema
multipartidário, obrigando todos que se identificavam com a situação a se articularem
em único partido, impedindo os rachas regionais que caracterizavam a UDN e o PSD.
David Maciel aponta diretamente o objetivo da legislação partidária castelista: com o
bipartidarismo, o governo militar subordinou a esfera de representação política à esfera
de representação burocrática, pois a Arena tornou -se um apêndice do governo nas outras
instâncias da sociedade política.” (Maciel, 2004: 49) O mau” nascimento da Arena
fundamentou o partid o como um braço político dos militares conformados no estado e
não como um aparelho político da sociedade civil, elemento de pressão através do
Congresso.
Não esteio das mudanças advindas com o AI -2, o aumento de juízes no STF
visava plenamente impedir a concessão habeas-corpus para os acusados nos IPMs,
medida acalentada pelo durismo. Deixando num segundo plano qualquer dúvida se não
desejava tais medidas, de fato Castelo Branco inaugurou um novo ciclo de cassações de
direitos políticos, a ser finaliza do em 15 de Março de 1967.
O presidente Castelo que vira no começo de outubro, a sua autoridade
desgastada e, até certo ponto, sendo contestada pelo seu excesso de
liberalidade, num governo de Revolução, passava a ter em suas mãos um
instrumento de força que lhe permitia retomar a linha revolucionária e
pudesse chegar ao fim do seu mandato sem outras vicissitudes. Contentou
a área revolucionária civil e militar, à exceção do Sr. Carlos Lacerda; que
se desgarrava da Revolução, pois que viam no AI -2, o prosseguimento
dos seus ideais acalentados tantos anos. Os companheiros insatisfeitos,
que se diziam integrantes de uma corrente de opinião dentro das Forças
170
Armadas, calaram, pois se extinguiram os motivos da insatisfação.
(Portella, 1979: 293)
Mesmo com crise de consciência (se houve?), Castelo, com o AI -2, reforçou
ainda mais a ditadura. A “linha dura”, como escrito pelo um dos seus porta -vozes, não
teria mais motivos de insatisfação. Jayme Portella, por sinal, ainda no início da ditadura
enunciava que com o fim do primeiro Ato, as necessidades revolucionárias ainda o
seriam acalmadas. E mais: numa de suas reflexões sobre as demandas de mudança
nacional, a vigência da Constituição de 1946 e o funcionamento do Congresso e do
Judiciário, eram entraves:
O Ato constituía um diploma perfeito e adequado a situação, pois que
preservava a revolução, dando -lhe poderes para uma verdadeira
transformação no país, embora mantendo a constituição de 1946 e
preservando o funcionamento do Congresso e do Judiciário. Po deria ter
sido mais rígido e com uma vigência mais longa, pois teria evitado que se
desaguasse no Ato n 2. (Portella, 1979: 195)
Na implantação de uma nova institucionalidade, o reforço da autocracia e do
capitalismo tornava-se signo da nova ordem erigid a pelo castelismo, abraçadas com
fervor pela “linha dura”. Isto potencializou mudanças significativas entre o que o
governo Castelo Branco objetivou como projetos nos primeiros dias e o que se deu de
fato. Porém, ainda havia os resquícios da liberal -democracia da Constituição de 46 que
insistia em se manter. Restava, enfim, ao Castelismo legislar a angariar sobre as novas
condições de dominação, vindas com os Atos Institucionais, uma nova Carta Magna .
O fortalecimento da posição de Costa e Silva no ministé rio da Guerra e
como principal líder militar, proporcionou o lançamento dão seu nome como sucessor
de Castelo Branco em Janeiro de 1966. A candidatura de Costa e Silva cresceu junto ao
enfraquecimento do governo Castelo Branco nos quartéis, concomitante, o utros apoios
foram se consolidando para o futuro presidente, como os oposicionistas do governo, ou
171
os “anti-castelistas”, que viam uma solução “democrática” na candidatura de Costa e
Silva. Ainda em 1965, o deputado Alfredo Nasser da Arena, indicava as car acterísticas
do “novo presidente” em conversa com Portella,
O encontro versou especialmente sobre a consolidação da revolução. A
certa altura da conversa, ele falou da sucessão do presidente Castelo, (..)
mostrou-se preocupado com o problema da sucessão. Achava que o
sucessor teria que ser novamente um oficial -general, homem imbuído do
espírito e dos objetivos da Revolução, pois que, o período do Governo
Castelo, mesmo prorrogado, era curto para a Revolução se consolidar e
poder fazer as reformas mais care ntes. (Portella, 1979: 233)
O surgimento da candidatura de Costa e Silva é visto pela literatura como um
caso de imposição militar. Portella em seu contato com os políticos, angariando
informações sobre a possível candidatura do seu chefe, informava que :
A receptividade no meio político era cada vez melhor embora, alguns
parlamentares tivesse receio de se pronunciar, preferindo aguardar
melhor oportunidade. Quando os agentes da candidatura Costa e Silva
conversavam com os políticos, mostravam -lhes que o ministro era
suficientemente forte dentro das Forças Armadas. (Portella, 1979: 273)
As preferências do general Castelo Branco era a de colocar um civil ou um
militar do seu arco de apoio político para sucedê -lo
77
, entretanto, a pressão dentro da
caserna o fez mudar de idéia. A candidatura civil à sua sucessão era tida pelos militares
como impossível. Segundo Portella,
Ele estava, porém, longe da realidade, pois, não havia clima nas Forças
Armadas para aceitação do candidato civil. Havia esquecido a crise
político militar de outubro, ainda com as chagas abertas, supondo que
houvesse reconquistado algum prestígio na área militar. (Portella, 1979:
77
“O gal. Mamede, que Castelo colocara no comando da Vila Militar, e o gal. Adhemar de Queiroz, que
recebera de suas mãos a presidência da Petrobrás, eram os seus principais candidatos entre os militares. Bilac
Pinto, que obtivera de Castelo ajuda para conqui star a presidência da Câmara, e Pedro Aleixo, escolhido para ser o
novo Ministro da Educação, eram os seus preferidos entre os civis. Quanto aos ‘anfíbios’,as predileções do presidente
dividiam-se entre Juracy Magalhães e Cordeiro de Farias, que mito de ixaram os quareis e assumido o papel de
articuladores políticos do governo.” NETO, Lira. Castelo: A marcha para a ditadura. São Paulo : Contexto. 2004,
p.358. Ver também em: (GASPARI, 2003) e (VIANNA FILHO, 1975). Jayme Portella fia os possíveis sucessores de
Castelo Branco: Nas hostes presidenciais, já se falava na sucessão e alguns nomes eram examinados. Entre eles
figuravam: O general Jurandir Mamede, O General Cordeiro de Farias, O General Juracy Magalhães, o governador
Nei Braga e o deputado Bilac Pi nto. Mas, o que assustava mesmo era a candidatura do Ministro da Guerra, que
ganhava terreno nas áreas militares e com boa receptividade. (Portella, 1979: 284)
172
314)
Os objetivos da revolução eram moldados pelos Atos Institucionais. O sucessor,
na opinião do deputado A lfredo Nasser deveria estar imbuído dessas demandas
“revolucionárias”: a necessidade de se processar novas medidas contra os subversivos,
proceder outras reformas político -administrativa, além de cassar políticos que
representassem a situação anterior golp eada. O AI-2 permitia isso para Castelo Branco.
A candidatura de Costa e Silva nasceu e cresceu junto ao enfraquecimento do governo
Castelo Branco nos quartéis, mas este fato não foi definitivo. Um aspecto do surgimento
da candidatura de Costa e Silva foi a aglutinação de forças políticas em torno do seu
nome, alimentada pelo desmoronamento do consenso burguês que permitiu a ascensão
de Castelo Branco. Na organização dessa candidatura, Portella foi fundamental.
A candidatura Costa e Silva e o consenso forç ado
Em Fevereiro de 1966, Castelo Branco complementou o AI -2 com um novo Ato:
o AI-3, versando sobre a eleição dos governadores de estado a serem realizadas em
1966, que deveriam ser indireta. Todavia, a maior preocupação do castelismo eram as
eleições presidenciais, ou num termo mais apropriado, a convenção da Arena que se
aclamaria o novo presidente. Se Castelo Branco realmente desejava um sucessor civil, o
fato é que o presidente intentou durante os primeiros meses barrar a candidatura de
Costa e Silva, que segundo Portella, não havia ainda se convencido:
Ponderei-lhe, que também achava cedo para ele dizer que nada desejava,
porque era o chefe de uma revolução, não se pertencia mais. Teria que
acompanhar a evolução política do País. Se o seu nome fosse o da
preferência das Forças Armadas para dar continuidade àquele
movimento, não via como ele faltar à confiança dos seus camaradas.
Lembrava-lhe que a iniciativa de Alfredo Nasser era um alerta que estava
sendo dado ao país e que ele não devia fechar a port a. Convinha não
comentar o assunto nem pe nem contra, mas que o deixasse andar. Ele
achou graça e disse que eu estava lhe saindo "um político verde -oliva.
(Portella, 1979: 235)
173
Relevando o exagero do autor em mitificar Costa e Silva, tratando a candida tura
como uma necessidade do país, a verdade é que o Ministro da Guerra havia se
consolidado com candidato das Forças Armadas, cuja liderança fora reafirmada após o
episódio das eleições de outubro de 65. Na cidade de Itapeva, em São Paulo, Costa e
Silva teve oportunidade confirmar essa liderança:
Houve o encerramento das manobras do II Exército, em Itapeva, ao qual,
compareceram o Presidente Castelo e o Ministro da Guerra. Durante o
almoço, o General Costa e Silva, falou, agradecendo a presença do
Presidente e deu a resposta ao Ministro Ribeiro da Costa, às insinuações
que fizeram contra os revolucionários. Disse o Ministro: “Se o presidente
da República está fraco entre os políticos, está muito forte entre os
militares.”. Continuou sob os aplausos da ofic ialidade. (Portella, 1979:
287)
Ainda em outubro de 1965, o Ministro Ribeiro da Costa, do Supremo Tribunal
Federal, manifestou-se contrário ao aumento de juízes na corte, medida decretada com,
o AI-2. Costa e Silva aproveitava, na presença de Castelo Bra nco, para reafirmar o
poder militar acima dos demais poderes. Isto era o que a “linha dura”, assim como a
maioria dos militares, desejavam ouvir. Ainda segundo Portella,
O discurso do ministro em Itapeva, foi, sem vida, o estopim para a
edição do Ato Institucional 2, pois que não havia mais condições para
o governo aguardar que o congresso apreciasse a sua emenda
constitucional, despreocupado com o correr dos dias. (Portella, 1979:
287)
Com o AI-2, a ditadura de Castelo Branco também fazia inimigos entre os seus
aliados civis. Desgostosos com a política econômico -financeira de Roberto Campos,
algumas frações do empresariado se manifestou contrário ao receituário liberal aplicado
por Campos e Bulhões
78
. A imprensa, até então docilmente inclinada ao pr ojeto
78
Martins Filho ao analisar os boletins da Confederação Nacional da Indústria ( Desenvolvimento e
Conjuntura) aponta essa particularidade do período. Os empresários esperavam medidas que possibilitassem o acesso
a créditos públicos e o arrefecimento da política fiscal comandado por Otávio Gouveia Bulhões: “Aparentemente, as
modificações conjunturais na política econômica do governo dão conta dessas oscilações na posição dos empresários.
174
castelista, passou a fazer críticas ferrenhas ao governo Castelo. De outro lado, no
cenário político, a Arena ainda não conquista a estabilidade e se via prestes a apoiar um
candidato militar a presidência.
O descontentamento das frações empresariais com a política castelista no setor
econômico crescia muito. Segundo Martins Filho, “a partir do início de 1966, a ofensiva
do governo Castelo no pós AI -2, que incluiu a decretação de novas medidas financeiras
em dezembro de 1965 e o tom agressivo com que as autoridades econômicas passaram a
empregar face ao empresariado, fez surgir uma nova tonalidade nas críticas dessa fração
da burguesia.” (Martins Filho, 1996: 80)
A principal polêmica desse setor do empresariado era o remédio amargo
aplicado por Campos para coibir o déficit público. Além do arrocho salarial, que
diminuiu a capacidade de circulação das mercadorias, que a redução da renda do
trabalhador era a essência do PAEG para aumentar a produtividade da indústria,
Campos promoveu uma forte política de restrição ao crédito. Segundo Wanderson
Mello, a idéia de Roberto Campos era uma alteração de postura do empresariado, que
era financiado pelo estado desde o Plano de Metes de Juscelino. “A ‘reforma de
mentalidade’ será a instauração de uma nova prátic a, em que se abandonaria o
‘financiamento subvencionado’, utilizado desde o Plano de Metas, que resultou na
acumulação de déficit do Tesouro Nacional. Em 1958, o déficit estava em 28,8 Bilhões
de cruzeiros e em 1959 saltou para 53,7 bilhões. Não obstante e sses déficits eram
cobertos através da emissão de papel moeda, o que gerava o aumento da
inflação.”(Mello, 2002: 279)
79
.
Assim, para alguns analistas, a trégua do segundo semestre de 1965 seria explicada pelas ‘medidas expansivas
adotadas pelo governo a partir de abril (1965) em atendime ntos aos reclamos dos setores empresariais’. A recidiva
das críticas, no início de 1966, estaria vinculada à “firme decisão das autoridades financeiras de não reproduzirem o
erro do ano anterior - ,uma ampliação excessiva do crédito no segundo semestre’”. (Martins Filho, 1996: 78)
79
A proposta do PAEG e de Roberto Campos não tinha o objetivo de fomentar uma indústria nacional, como
comprova a tristeza da burguesia brasileira, mas fermentar a subordinação do capital nacional ao capital estrangeiro
monopolista, como meio possível para uma economia dependente desde os seus primórdios. Ver um estudo mais
175
a candidatura de Costa e Silva para esses setores se firmava como um
horizonte de mudanças na política macro -econômica iniciada por R oberto Campos.
Principalmente, no boletim da CNI esta perspectiva era acalentada como resposta aos
‘males’ provenientes do Ministro do Planejamento de Castelo. Conforme Martins Filho,
“A CNI saudava a eleição de Costa e Silva pelo Congresso como o sinal de que estava
próximo o fim do ‘clima bastante generalizado de frustração e pessimismo’ que vigorou
no governo Castelo e propunha o estabelecimento de “metas positivas”: a retomada da
imagem pública do empresário e a mobilização geral dos espíritos”. Costa e Silva
poderia ser o portador de “uma administração dinâmica capaz de rasgar novos e amplos
horizontes para os povos e os empresários”. (Martins Filho, 1996: 81)
Após o lançamento da sua candidatura, Costa e Silva viajou até a Europa,
conhecendo alguns eq uipamentos militares, mas principalmente, deixando a “banho -
maria” a sua candidatura, ostensivamente organizada por Portella e Andreazza. Nos
bastidores militares, Castelo havia preparado uma ofensiva que visasse adequar a
candidatura de Costa e Silva a os seus reclames. Chamou o General Portella para uma
reunião em seu gabinete, onde apresentou o documento Aspectos da Sucessão
Presidencial:
Recomendou ao Gal. Décio que me contivesse com outros oficiais do
gabinete Ministerial, na propaganda daquela candi datura que ainda não
estava definida e que nos obrigasse às atribuições profissionais, deixando
ao Governo o problema político. Recomendou ainda, que não queria
propaganda da candidatura Costa e Silva na tropa, pois desejava o
Exército fora da linha política. (Portella, 1979: 307)
O general Décio foi convidado a assumir o Ministério da Guerra na ausência de
Costa e Silva. Mesmo com a ausência de Costa e Silva, Portella agiu livremente,
lançando mão de todo arcabouço político de uma campanha que acabava de se iniciar,
causando a ira de Castelo Branco:
detalhado sobre o projeto de Campos e do PAEG em MELLO, Wanderson Fábio. “No governo de Entressafra”: a
práxis de Roberto de Oliveira Campos durante o governo Castelo Branco (1964-1967)
176
É lamentável que oficiais, na Propaganda precipitada da candidatura de
Costa e Silva, assoalhem mentiras e humilhações do presidente face à
atitude dominadora do ministro da Guerra, desfigurem a lealdade do
chefe do Exército como um favor ao chefe da Nação, criem a chantagem
de houve um levante na guarnição do Rio, justifiquem grosseiramente
a precipitação com a desculpa perversa do continuísmo do presidente,
procurem amesquinhar as ações corajosas e leais d o ministro Juracy
Magalhães, inimizando -o com o Exército, lancem dentro do exército a
desconfiança sobre o Ministro Cordeiro de Farias, atribuam
maldosamente intrigas ao correto e irrepreensível trabalho do SNI,
espalhem mentirosas noticiais sobre a condut a honrada do Gabinete
Militar da presidência da República. (Castelo Branco apud Chagas, 1985:
94)
Enfim, Castelo Branco expôs alguns aspectos da sucessão que considerava
inadiáveis e prioritários, “não é possível permitir que um ministério, civil ou milit ar, se
transforme em centro de propaganda de candidato”, “só na Arena as candidaturas
devem ser lançadas”, e, “o candidato escolhido deverá atender, não só a continuidade da
revolução e a não invalidação das atividade governamentais de 1966, como também as
implicações políticas e militares da conjuntura nacional”, também criticou que a ação de
Portella e Andreazza ao atacar os ‘próceres’ do castelismo Juracy Magalhães,
Cordeiro de Farias, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, não era bem acolhida
com vistas a uma secessão. Os dois primeiros eram cogitados como candidatos a
sucessão presidencial. Portella afirma que:
chegavam, ao presidente, notícias de que eu e a minha equipe
intensificávamos os trabalhos pela candidatura do Ministro da Guerra.
Era verdade que os trabalhos prosseguiam junto aos políticos e tomava
vulto. Por outro lado procurávamos mais adesões de oficiais da Marinha e
da Aeronáutica e de alguns, ainda indecisos, do Exército, à candidatura
do Ministro da Guerra. (Portella, 1979: 307)
Portella, neste período, não faz menção a qualquer boato que ele próprio
alimentasse, mas era nítido que a sua ação se realizou a partir do prédio do Ministério
177
da Guerra, aliciando militares e estabelecendo contato com políticos, como por
exemplo, Daniel Krieger, conforme o excerto abaixo:
Daniel Krieger considerava o General Costa e Silva, o candidato ideal
para a continuidade da obra do Presidente Castelo, dando
prosseguimento aos objetivos da Revolução e que não via outro, com as
condições que ele ap resentava. (...) Lembrou, ainda, ao presidente, que o
próximo governo teria que estar nas mãos de um chefe militar da
Revolução, possuidor de prestigio nas Forças Armadas, pois ainda seria
um Governo de transição, que prepararia o País para receber um
presidente civil, no outro qüinqüênio. (Portella, 1979: 310)
Após a volta de Costa e Silva, em Fevereiro de 1966, iniciou -se uma dura batalha entre
Castelo Branco e seu ministro da Guerra. O presidente tentava de todas as formas
impedir a candidatura de Costa e Silva. Mas com a autoridade abalada e prevendo que
não tinha como barrar o seu Ministro da Guerra sem causar um conflito, Castelo Branco
preferiu enquadrar a candidatura de Costa e Silva ao seu modelo. Neste sentido, a lei de
desincompatibilização visou exclusivamente obrigar Costa e Silva a deixar o seu QG no
Ministério da Guerra, a seis meses das eleições, com o objetivo de enfraquecer o
aparelho costista de propaganda. Conforme Chagas, “Depois de alguns estudos, Castelo
optou pelos três meses como pra zo para a desincompatibilização. Ou não quis ou não
pôde agir conforme o sugerido por seu ministro da Justiça. Também contemporizava,
não queria o confronto e o choque.” (1985: 99)
A Arena por sua vez, viu -se colocada a parte de todo o debate que se
desenrolava nos bastidores do governo. Recém criado, o partido da revolução” ainda
pretendia estabelecer seus diretórios regionais e solucionar os conflitos políticos de
partidos adversários que durante anos nunca se entenderam, mas que se viram
compelidos a aderir à nova agremiação política. Nesta fragilidade, a Arena era incidida
por todos os lugares pelos agentes de Costa e Silva.
178
A receptividade no meio político era cada vez melhor embora, alguns
parlamentares tivessem receio de se pronunciar, preferindo ag uardar
melhor oportunidade. Quando os agentes da candidatura Costa e Silva
conversavam com os políticos, mostravam -lhes que o ministro era
suficientemente forte dentro das Forças Armadas. (Portella, 1979: 273)
Em busca do apoio de civis, a candidatura de Costa e Silva ganhava vantagem
com as visitas realizadas pelo presidente a diversos estados. A partir da imposição de
Castelo Branco, tentando uma artimanha final para barrar a candidatura de seu ministro
da Guerra, todos os diretórios regionais da Arena receberam uma lista com os nomes
dos candidatos à sucessão, destacando junto ao nome de Costa e Silva, o dos Generais
Cordeiro de Farias e Jurandir Mamede, além do deputado Bilac Pinto. Com a exceção
de Cordeiro de Farias, que pediu a exclusão do seu nome como pretendente,
processaram-se as consultas aos recém criados diretórios regionais da Aliança
Renovadora Nacional. Jayme Portella, afirma,
Eu não considerava a consulta aos diretórios da Arena um obstáculo, pois
os meus emissários haviam adiantado o trabalho junto aqueles órgãos
regionais e a aceitação ao nome do ministro da Guerra, era tranqüila.
Além disso os companheiros das Forças Armadas estavam bem atentos,
vigiando o comportamento dos diretórios. (Portella, 1979: 326)
Com a certeza da vitória e da legitimação por parte dos diretórios da Arena,
Portella não arriscou e manteve -se informado sobre os acontecimentos. Os diretórios da
Arena estavam sendo implantados e havia muitas incertezas, que a base do partido
aglutinava toda a UDN, parte do PSD e até do PTB, ou seja, políticos que até então
viviam as turras. O trabalho de Portella nessas regiões envolvia também o aparato
militar, que não permitia qualquer outro comportamento que não fosse a anuência e
apoio a candidatura de Costa e Silva a pr esidente. Do lado político, o telegrama do
Governador de Goiás, Otávio Lage de Siqueira, líder da Arena expõe a base que
envolvia o apoio político a candidatura de Costa e Silva.
179
È mister que eu diga, neste instante, que minha atitude é ditada também
pela interpretação que me impõe, do pensamento da grande maioria do
povo goiano que no general Costa e Silva uma garantia de
continuidade dos esforços governamentais em favor dos seus anseios de
progresso, bem-estar e tranqüilidade social. (Telegrama do Go vernador
de Goiás, Otávio Lage de Siqueira, 23/04/1966)
O apoio político a candidatura do general Costa e Silva ganhou concretude com
a sua esmagadora vitória. Afirma Chagas: “Os políticos, uma vez mais, acoplavam -se
ao império das circunstâncias. Se os m ilitares haviam escolhido Costa e Silva, quem
seriam eles para contestar, mesmo sabendo que Castelo Branco poderia dar -lhes
respaldo? Castelo Branco, desde algum tempo, passara a valer menos do que Costa e
Silva, na bolsa das ações do poder.” (1985: 101).
Respaldado pelo congresso da Arena de Maio de 1966, a candidatura de Costa e
Silva (e porque não o do já presidente Costa e Silva) iniciou um processo de aglutinação
de forças políticas descontentes até então com o governo Castelo Branco. O trabalho de
Portella e Andreazza intensificou -se, buscando inclusive aliados em setores civis. “Os
trabalhos pela candidatura do General Costa e Silva iam processando entre os
parlamentares, classes empresariais, clero e dentro das Forças Armadas. (Portella, 1979:
273)
Entre as forças de apoio à Costa e Silva de alguma forma destacavam -se: setores
militares que defendiam maior rigor nas punições e nas investigações de atos
subversivos, além de mais cassações de direitos políticos dos inimigos do regime
caracterizados como comunistas ou corruptos -, os setores empresariais receosos com a
política econômica do governo Castelo Branco pautada no rebaixamento dos salários de
trabalhadores, fim dos subsídios, volatilidade da economia e entrada do capital
financeiro internacional, e até setores que se colocavam como oposição ao regime como
a oposição consentida aglutina da no Movimento Democrático Brasileiro e setores
180
pessedistas que viam em Costa e Silva uma possibilidade de mudança nos rumos da
economia e da política. Prin cipalmente, esses últimos setores alentavam anistia aos
presos políticos, o fim das cassações e a volta das eleições diretas. Segundo editorial da
revista Visão,
O candidato luta para conciliar as tendências contraditórias forças
pessedistas e militares revolucionários, alguns simpáticos ao lacerdismo
que se alinham em torno do seu nome. A acomodação de interesse
contraditório é sempre possível, mas exige um preço mais ou menos
elevado. (Revista Visão, 13/05/1966, O País, p.11)
Costa e Silva não se colocou como esperança para essas forças de maneira
involuntária. Nos seus discursos, apresentava -se como mudança aos rumos do regime
do companheiro Castelo Branco que colecionou importantes desafetos que haviam
apoiado o golpe de 1964 como Carlos Lacerda. Portanto, o futuro ditador reunia muitas
expectativas por parte daqueles setores.
A ação de Portella visava aproximar tanto a Arena quanto o MDB da
candidatura, a fim de buscar legitimidade ‘civil’ ao candidato militar. Em seu informe
ao ministro interino da Guerra, Décio Escobar em Janeiro de 1966. Portella afirmou: “O
General Brasil e eu fomos francos com o ministro interino, dizendo que a candidatura
Costa e Silva estava nas ruas e nos quartéis e não tínhamos motivo para segurá -la. Ela
crescia dia a dia (...). Eu tinha grande estima ao Gal. Décio Escobar, mas não podia lhe
revelar a extensão do meu trabalho, que vinha de longe e, naqueles dias, alcançava
grande penetração no meio político. Àquela altura, eu já vinha sendo procurado por
vários parlamentares.” (Portella, 1979: 308)
Obviamente a candidatura o estava nas “ruas”, mas tinha se estabelecido
nos quartéis. Entretanto, Portella excedia em seu entusiasmo com o avanço político da
candidatura de Costa e Silva, naquela altura. Castelinho sintetizou com acuidade o que
181
imperava nos quadros políticos golpistas, neste caso, a candidatura de Costa e Silva “a
Arena e, de um modo geral, o sistema político governamental continuam vinculados a
uma inspiração e atentos a uma palavra, que é a do próprio Presidente da
República.” (Castelo Branco, 1976: 454)
Portella havia contatado Adroaldo Mesquita, Consultor -Geral da República na
época e figura importante do ex -PSD, com o objetivo, segundo o próprio general, de
mostra-lhe “que, na área militar, não havia outro General para competir com o Ministro,
não sabendo como seria recebido no meio político.” (Portella, 1979: 237) Foi Adroaldo
Mesquita o principal elo de Portella com os políticos do PSD, a fim de sondar os
membros do ex-partido.
É interessante perceber como a necessidade de aglutinar apoio políticos para a
candidatura de Costa e Silva tornou -se fundamental para os assessores do general. Se a
vitória já era tida como certa (por ausência de concorrentes e de democracia) uma vez
que o dispositivo militar inclinou a favor de Costa e Silva, o contato político se tornou
um instrumento de incorporação ao discurso ideológico da legalidade e da normalidade,
ostentado pelos militares. Castelo Branco, no documento pouco usado, indicava
que qualquer candidatura deveria passar pelo crivo da Arena, mesmo que esta por si,
nada decidisse. Por exemplo, em Minas Gerais, “O trabalho foi, então, desenvolvido na
ala do governador Magalhães Pinto e na facção pessedista da Arena, encontrando
boa receptividade. Mas, mesmo da parte do Governador eleito, Israel Pinheiro, havia
simpatia pela candidatura. A área militar era tranqüila, onde o ministro gozava de inteira
simpatia.” (Portella, 1979: 318). Sendo assim, a Arena cumpriu um papel importante
para a ação militar, pois como afirma David Maciel, “à chamada 'castelização', seguiu -
se a ‘costização’ da Arena, ou seja, ao partido cabia buscar legitimidade para o governo
junto à sociedade” (2004: 56). A legitimidade aos governos militares foi uma busca
permanente do regime.
182
Os discursos da tranqüilidade social, do progresso e do bem -estar estão
presentes também nos discursos militares, convergindo assim o mesmo ideal de civis e
militares aliados. Mas, aos que se colocam contra esses signos do novo governo foi
reservado o combate, a violência e o expurgo. Por fim, as maiores atrocidades da
ditadura foram cometidas para a defesa destes signos. Maciel faz uma importante
reflexão sobre tais valores que permeiam a busca da legitimidade do novo governo,
cujos aparelhos da sociedade civil, principalmente os que reservaram a sua atuação na
esfera institucional e da política consentida, caso de MDB e Arena, desempenharam
importante papel na sua disseminação e formação da legitimidade buscada pelo
governo. Pois “com o biparti darismo, o governo militar subordinou a esfera da
representação política à esfera da representação burocrática, pois a Arena tornou -se um
apêndice do governo nas outras instâncias da sociedade política.” (Maciel, 2004: 49).
Infelizmente nem o MDB fugiu des ta contradição.
A conciliação de políticos e militares projetou até uma inusitada aproximação
entre duas tendências (MDB e linha -dura”), distintas numa primeira análise, com o
intuito de sondar a candidatura de Costa e Silva. Segundo Castelinho: “O Sr. Vieira de
Melo, líder do MDB, dizia ontem, ainda a respeito da sua conversa com o Coronel Rui
Castro, que a “linha dura” está hoje ideologicamente mais próxima da Oposição do que
do Governo, muito embora historicamente ainda se vincule ao dispositivo
governamental.” (Castelo Branco, 1976: 414)
As contradições da oposição consentida ao governo, o MDB, foram sentidas, a
largo, nos governos militares que sucederam Castelo Branco. A oposição já dera as suas
pistas de confiança no futuro presidente, tanto que Po rtella estabelecia os seus primeiros
contatos: “da Oposição, obtive notícia de que o deputado Martins Rodrigues teria dito a
uma pessoa de suas relações que a corrente moderada do partido via com simpatia a
183
candidatura de Costa e Silva, pois achava, que er a a garantia para se atingir a plenitude
democrática, pelas atitudes que tinha tomado e pela franqueza com que falava.”
(Portella, 1979: 316)
80
Entretanto, a “linha dura” tinha sido contatada por Portella, e desde o episódio
das eleições dos governadores em outubro de 1965 tornou -se o trunfo militar que
engendrava a candidatura de Costa e Silva. A base que se assentou a ação do próximo
ditador havia se embebido com a influência dos militares duristas, com eles mesmos
assumindo funções no futuro governo, c omo no caso de Portella. Albuquerque Lima foi
outro braço na aliança de Costa e Silva com a linha -dura. Sendo o candidato a
presidente do Clube Militar nas eleições de 1966, Albuquerque Lima angariou ao seu
lado a preferência do Ministro da Guerra, que por sua vez, via na acomodação dos
oficias da “linha dura” uma posição de apoio a sua candidatura, instada por
Albuquerque. (Chagas, 1985)
Além disso, Portella arquitetou forte apoio dos generais nas várias regiões
militares.
Em São Paulo, a candidatura corre u com ampla facilidade. Na área
militar, a penetração foi muito grande, partindo dos Generais, entre os
quais, o Comandante do II Exército, General Amaury Kruel. O General
Manoel Rodrigues de Carvalho Lisboa, Comandante da Divisão da
Artilharia e do General José Anchieta Paz, Comandante da Artilharia. O
Governador Ademar de Barros demonstrou, desde o início, ampla
simpatia pela candidatura, mas estava sofrendo pressões do Governo
Federal. (Portella, 1979: 317)
E no Rio Grande do Sul
No Rio Grande do Sul, o General Justino Alves Basto, Comandante do III
Exército, mostrou-se logo favorável à candidatura do General Costa e
Silva e deu toda a cobertura aos companheiros militares que trabalhavam
por ela. (Portella, 1979: 317)
80
Ao MDB tratava-se de discutir uma possível resolução democrática ao futuro governo. Neste sentido,
assegurava assim o caráter de legalidade a sucessão presidencial. “Os líderes oposicionistas do grupo dos cardeais,
em que se incluem os senadores Antonio Balbino e Bezerra Neto, o Deputado Tancredo Neves e outros, consideram
prematura qualquer manifestação no momento e entendem que o partido deve examinar todas as hipóteses antes de
firma sua posição. Admite -se, mesmo, a possibilidade de uma composição com o candidato da Arena, desde que a
base de compromissos tendentes a reabertura do processo democrático, que consideram imprescindível.” (Revista
Visão, 06/05/66, O País, p.26)
184
No fim de 1966, Castelo Branco s e apartou completamente de seus, outrora,
aliados. Desenfreou sua vocação enrustida de ditador decretando diversas leis. O
fechamento do Congresso decretado em outubro de 1966, quando o presidente da
Câmara, Adauto Cardoso, havia se recusado a cassar mais deputados
81
, revelou o
desânimo dos políticos em relação ao ex -companheiro ditador. Se o desânimo era de um
lado, com as medidas restritivas como o fechamento do Congresso, Castelo Branco
atingiu outro tipo de apoio, o da “linha dura”. Conforme Castelinho, “o Presidente
Castelo Branco, depois de resistir longamente a uma política repressiva permanente,
terminou por dominar o assunto, incorporando às suas técnicas o uso controlado,
disciplinado, objetivo e implacável dos instrumentos de força da Revolução.” ( Castelo
Branco, 1976: 523)
As medidas repressivas do governo Castelo Branco fortaleceram o apoio civil e
liberal da candidatura do Costa e Silva, fenômeno muito pouco apontado pela literatura
sobre o período. Este apoio a candidatura de Costa e Silva se a licerçou sobre um
profundo ressentimento da horda política em relação ao governo Castelo Branco. O
“anti-castelismo tomou corpo e foi o denominador comum dos aliados de Costa e
Silva. O conflito entre a tendência liberal, que apoiou Castelo Branco nos pri meiro anos
de governo, e a natureza autoritária de suas medidas provocaram naqueles que o
apoiavam um profundo sentimento dúbio, como o amargurado jurista Mem de , ex -
ministro da Justiça de Castelo: ao ser substituído por Carlos Medeiros comentou que
“não me sentindo capaz de fazer o que o glorioso passado reclamava, decidir abandonar
o campo sem luta”.
82
81
organizando um frágil movimento de resistência, d uramente reprimido pelo duro” Coronel Meira Mattos
que se afirmara como “o poder militar Ver em Lira Neto Castelo: Marcha para Ditadura. Contexto : São Paulo, 2004,
p.389.
82
Apud, in João Roberto Martins Filho. O palácio e a caserna. São Carlos : Ufscar. 1996. p.87.
185
Após as eleições que outorgaram a sua vitória, em outubro de 1966, Costa e
Silva decidiu organizar um escritório no Rio de Janeiro, em que se procedeu di versos
estudos sobre a formação do futuro governo. Conforme Portella
Eu e o Coronel Mário Andreazza fomos incumbidos de preparar o
escritório, que se situou na Avenida Copacabana, 959, num vasto
apartamento de cobertura, cedido pelo seu proprietário, o Dr . Leonel
Tavares de Miranda. O escritório foi inaugurado coma presença de vários
políticos, tendo o Senador Daniel Krieger, na ocasião pronunciado
eloqüente discurso. Naquele mesmo dia, seu escritório passou a
funcionar, onde ele dava expediente e audiênci as. (Portella, 1979: 348)
Restou ao governo Castelo Branco no apagar das luzes de sua aventura executiva
vazão ao lado mais repressivo de seu governo, editando medidas como a Lei de
Segurança Nacional, a Lei de Imprensa e a Constituição - o AI-4, em 1967. Para
imprensa da época, “instaura um neo -Estado Novo e constitucionaliza uma ditadura que
se implantou pela audácia de um grupo armado”
83
.
Castelo Branco revelou ao final do seu governo a sua inclinação ditatorial,
exigindo de alguns dos seus defensore s um profundo exercício de relativização
84
. Neste
caso, Castelo pôde, na canetada, reunir em seu conjunto as medidas de exceção que se
adequassem ao seu projeto político e da Escola Superior de Guerra.
83
Correio da Manhã, 24 de Janeiro de 1967, apud NETO, Lira. Castelo: Marcha para Ditadura. Contexto :
São Paulo, 2004, p. 384
84
Os exemplos são os mais variados. Sobre a recusa de Castelo Branco de ocupar um papel de caudilho no
Brasil, além de pender por valores democráticos -liberais, Skidmore afirma que “Castelo não se desviou dessa postura
mesmo quando em 1964 exerceu o poder arbitrário de expurgar políticos, oficiais das forces armadas e funcionário
públicos, e apesar de uma poderosa forç a que o empurrava para fora dos limites da democracia civil.” (Skidmore,
1989: 133) A defesa de Castelo Branco por parte do brasilianista beira o improvável, pois tudo vale, aa criação de
relativizações quanto ao sistema político que imperava a partir d o golpe de 1964: a democracia tutelada”. “Assim
para impedir que os eleitores votassem em candidatos errados, foram suspensos os direitos políticos de alguns deles.
(...) As eleições para os postos mais altos tornaram -se indiretas. Nasceu assim a lógica e leitoral revolucionária: o
Brasil precisava de uma democracia tutelada aque o corpo político fosse totalmente expurgado de seus elementos
subversivos e/ou corruptos.”(Skidmore, 1989: 135). A própria concepção de Castelo Branco explícita no objetivo
proposto pelo o AI-2 de impedir que a população escolhesse o candidato “errado”, demonstra a influência do
pensamento esguiano sobre a práxis do ditador: somente ä elite cabia decidir os rumos da nação. Em outras palavras,
“Como se pode notar, uma “elite dirig ente”que se diz portadora dos interesses e aspirações nacionais, cujo presidente
da nação e comandante-em-chefe das Forças Armadas se arvora em transformar os bitos e comportamentos dos
cidadãos no seu cotidiano, exercendo um poder típico da natureza aut ocrática da burguesia brasileira, se aproxima a
uma demiurgo que tenta criar as melhores condições para a reprodução ampliada do capital e alcançar a
institucionalização dos ‘ideais revolucionário’ por meio do aperfeiçoamento do regime democrático.” (Rago, 1998:
128).
186
Entretanto, a principal herança do ditador Castelo Bran co para o ocupante do
próximo turno, o general Costa e Silva, era um problema que prometia se avolumar: a
tendência de normalização institucional acalentado por civis que se aproximaram de
Costa e Silva, já que Castelo Branco havia os abandonados a partir do AI-2 e os
diversos decretos promulgados nos últimos anos de seu governo; e a tensão militar
responsável pela imposição da candidatura de Costa e Silva. Este conflito caractrerizava
de fundo as limitações do discurso de “normalidade” e de “democracia tut elada”, pois
“a contradição entre os declarados objetivos de reforçar a democracia e restabelecer a
legalidade e a necessidade de repressão cada vez maior para suprimir a dissenção
originou a permanente crise de legitimidade que tem marcado o Estado de Seg urança
Nacional.” (Alves, 1984: 52)
Enfim, o governo Costa e Silva foi constituído sobre uma contradição latente: a
necessidade do lado civil, mais propriamente, das classes burguesas fiadora do golpe
militar que pediam maior liberalização política, traduz ida em mudanças no rumo da
economia e a conformação de uma institucionalidade jurídica que permitisse a maior
presença dos políticos na condução das políticas, e, os militares, principalmente a força
que emana do conjunto de oficiais de baixa patente, a “l inha-dura”, por medidas mais
duras e manutenção dos atos a ferro e fogo do regime. Entretanto, o povo até então
atônito com as ações da ditadura, configurava -se como uma força singular e
importantíssimo na nova etapa da ditadura que se abriu com o Governo Costa e Silva.
187
CAPÍTULO IV - O “SUPER-MINISTRO” DO GOVERNO COSTA E SILVA
(1967-1969)
Ao tomar posse em 15 de Março de 1967, o presidente Arthur Costa e Silva
alinhava em seu entorno uma aliança política ambígua: após contornar a revolta militar
contra o governo Castello Branco, de um lado, tornou -se o principal líder do chamado
durismo militar; de outro lado, adequou -se ao processo político de sucessão orquestrado
por Castello Branco, tendo a Arena, o partido do governo, como executor da tarefa,
que os dirigentes políticos buscaram de toda forma a legitimidade institucional
necessária para que a ascensão de Costa e Silva se desse nos marcos da democracia
tutelada de então. Perpassando a natureza dessas forças, prestes a se colidirem, havia
uma movimentação tambémm ambígua no campo político -social: os setores de oposição
do governo aglutinavam -se em torno do MDB, figura que até aquele momento servia
mais como uma ‘decoração’ ao regime que se modelava a partir de 1967; entretanto,
ensaiava-se uma recuperação dos movimentos sociais, depois da vigência do primeiro
AI e do AI-2. Trabalhadores urbanos e estudantes, em maioria, intentavam novas
organizações que pudessem se contrapor ao regime. Para além, nesses grupos sociais
aglutiva-se uma resposta política a sérias mudanças no campo econômico iniciado no
governo Castello Branco e confirmado por Costa e Silva.
No governo Costa e Silva, as contradições presentes na composição do seu
governo ficaram expostas. O projeto de distensão política, almejado pelo lad o civil,
fiador do golpe de 1964 e fornecedor da base política do candidato Costa e Silva, ficou
cada vez mais distante. No conjunto, isso produziu o conflito entre poderes legislativos
e executivos, tendo ressonância nos conflitos de classe. De um lado, a conformação de
um projeto de desenvolvimento do capitalismo no Brasil sob o comando de Delfim
Netto e Hélio Beltrão, o qual se seguiu as idealizações de Roberto Campos e Otávio
188
Bulhões, como a radicalização no saneamento das contas internas, o controle so bre os
salários, porém, incorporando o investimento nas empresas estatais como elemento para
o crescimento da economia consoante a generosos empréstimos das organizações
internacionais. De outro lado a organização do aparato repressivo que no fim do
governo Costa e Silva (1969) apagou a centelha deixada pelos estudantes e
trabalhadores no ano de 1968, impedindo as mobilizações contra o achatamento dos
salários, a luta pela democracia, anistia, etc.
Jayme Portella de Mello exerceu um papel preponderante na aplicação do
segundo fator. Todo o arcabouço da Política de Segurança Nacional no governo Costa e
Silva ficou a cargo do general. Sob os prismas do Conceito Estratégico Nacional e do
Decreto Lei 384, o chefe da Casa Militar foi o responsável pelos processo s de cassação
decorrentes do AI-5, além de articular as medidas repressivas mais contundentes e
violentas do período como a invasão da UnB, em Abril de 1968, e a prisão de Carlos
Lacerda.
A crise na autocracia burguesa
Um debate consolidado entre os estudiosos do período afirma que o AI -5
representa uma ruptura política na condução dos governos da ditadura. Se Castelo
Branco procurou, com o apoio do parlamento, institucionalizar o novo regime com uma
constituição, tendo como objetivo moldar o novo reg ime a uma democracia limitada
com respaldo político mínimo. Os seus resultado foram pífios, com Costa e Silva a
institucionalização seguiu outro rumo, pautado pela segurança nacional e pelos
militares, prioritariamente. Portella, como membro do governo e m ilitar de carreira
deixa isso registrado em suas memórias.
189
A formação dos ministérios de Costa e Silva procurou responder a algumas
questões postas devido a sua eleição: a primeira, a responsabilidade assumida com
Castelo Branco de manter a condução da pol ítica econômica sobre os mesmos prismas
erigidos por Roberto Campos, como a racionalização financeira, o controle inflacionário
e a redução do déficit público; segunda, assentar uma base política capaz de legitimá -lo
irconstitucional vigente, que não fosse confundida como uma mera ditadura; e, por
último, a fração militar da ‘linha -dura’ que entendia Costa e Silva como um dos seus. A
primeira ruptura do governo Costa e Silva deu -se exatamente com a base parlamentar.
Assumindo o novo presidente, diversas l eis entravam em vigor. As principais
era a Constituição de 1967 imposta por Castelo Branco ao Congresso e a extinção do
AI-2. Em conconância a uma série de decretos leis que regulavam a Imprensa, a
Segurança Nacional, a Reforma Administrativa e as alteraçõ es na estrutura das Forças
Armadas. Sobre isso, Portella afirma que
Muitos decretos-leis tratavam de providências, medidas e reformas de
grande profundidade, e que modifica, substancialmente, os sistemas
anteriores estabelecidos.Era uma herança pesada que o novo governo
recebia para implantar e executar. Dava mesmo a impressão, de que tudo
fora feito para dificultar a ação do presidente Costa e Silva.(Portella,
1979: 421)
As leis promulgadas por Castello Branco tiveram a intenção de impedir, no
plano legal, uma quebra da institucionalidade criada com o golpe de estado, bem como
estabelecer o clima de normalidade, tão vilependiada por Castello presidente, vide o AI -
2. Para Geisel, Castello “achava que com a nova constituição, com o regime de dois
partidos e talvez com a instituição da eleição indireta, Costa e Silva ficaria enquadrado e
o país poderia caminhar normalmente” (Geisel, 1994: 200). Castello compreendia que
as necessidades de se fazer uso do braço forte do executivo havia sido superada. Não
apenas ele, mas também os políticos (Castelinho ou Pedro Aleixo).
190
No entanto, Costa e Silva deixava muito claro a missão do seu governo:
“consolidar a obra revolucionária e, sobretudo, promover a aceleração do
desenvolvimento”(Portella, 1979: 501). Com intuit o de revolucionar” e assentado
sobre um dispositivo militar, Costa e Silva iniciou o seu mandato.
O presidente optou por governar o país a partir do estabelecimento de sedes
governamentais em vários estados, começando por São Paulo. Portella relata esses dias:
Durante os dias de governo em São Paulo, o Presidente teve uma agenda
muito cheia. Despachava pela manhã, com os seus ministros e os Chefes
dos Gabinetes Militar e Civil e do Sni e a tarde ele dedicava às
audiências. Nestas, recebeu representações das classes empresariais do
São Paulo e de outras organizações, entre as quais, a CAMDE,
representações de trabalhadores e de estudantes; o Cardeal de São Paulo;
Presidente da Assembléia Estadual e membros da Mesa Diretora;
Presidente da Assembléia Estadua l e membros da Mesa diretora;
Presidente do Tribunal da Justiça; senadores, deputados federais e
estaduais. (Portella, 1979: 449)
O presidente governou mais alguns estados, utilizou o Recife, capital do
Pernambuco, Belo Horizonte, Vitória, etc.
A opção de governar dos estados coadunava a visão de executor que o governo,
naquele momento, estava mais preocupado. Do contrário da visão castelistas, que
apenas no campo ideal compreendia que o legislativo era importante para a manutenção
do sistema democrático, o governo Costa e Silva adotou um viés de ‘realização’ da obra
governamental. Como afirma Portella, criticando Carlos Lacerda, “o Sr. Lacerda
formou um movimento político que denominou ‘Frente ampla’, que passou a agitar as
áreas políticas e estudantis do País. A imprensa era livre e ele atacava o Governo, o
lhe dando tréguas para prosseguir o cumprimento do seu programa de realizações.”
(Portella, 1979: 520)
Na organização do seu livro, Portella explana o quadro de realizações,
apontando entre outras, a política econômica, a financeira, a de minas e energia, a
191
saúde, a educação, etc. Quanto à participação política, entretanto, o Chefe do Gabinete
Militar não deixa qualquer margem de dúvida sobre os impedimentos que o governo
Costa e Silva esteve ameaçado.
O governo apresentou ao País um elenco de realizações no prazo exíguo
de 2 anos e 7 meses. Mas, fundado na potencialidade do País e na
convicção de não permitir voltar a comprometê -lo nas agitações que o
paralisariam nos anos que antecederam a Revolução, não deixou de
reconhecer que fatores negativos que ainda persistiam e precisavam ser
removidos. (Portella, 1979: 1028)
A análise discursiva é um grande desafio para o historiador. Por exemplo: o
discurso de posse de Costa e Silva não fazendo menção se foi ele ou não que escreveu
o discurso, uma vez que o fundamental é compreender as circunstâncias históricas que
moldam o discurso , foi uma grande peça de defesa da democracia e do funcionamento
dos três poderes:
O Poder Legislativo será, assim, objeto do mais alto respeito por parte do
Executivo e nele encontrará, invariavelmente, não uma forma de
contraste na divisão das atribuições fundamentais dos Poderes da
República, mas, tão-somente uma das trÊs faces dessses poderes, que,
harmoniosa e independete mente, se completam com a figura do
Judiciário, sem o qual falhariam a ordem e a paz, que tem sua origem na
Justiça, a primeira das virtudes, no dizer do apóstolo São Paulo. ( in
Portella, 1979: 418)
Se visto pelo lado do deputado da Arena, a impressão s eria que o Brasil
estivesse vivendo apenas uma transição institucional, o que com o discurso fica até
bonito. Entretanto, a realidade do processo histórico apresenta uma crescente tensão
entre agentes executores do golpe, mesmo que a retórica mostrasse out ra coisa. Nesse
caso, Portella constrói a visão de que o governo foi impedido por diversos fatores na sua
missão de trazer o bem estar. Isso fica mais claro quando o general discorre sobre o AI -
5 e as suas causas.
192
Tendo como princípio organizativo a visão de um governo realizador, cujo poder
executivo é a motriz para o funcionamento da maquina administrativa, o governo Costa
e Silva, paulatinamente no correr do ano de 1967 e de 1968 até o AI -5, vai esbarrou
com uma visão diferente de governo, de vertente liberal, provindo dos sobreviventes
políticos da limpeza geral, alocados na Arena e no MDB. Para os partidos, dentro do
circo armado com os militares, eles pretendiam exercer ainda o papel de poder
legislativo, a fim de promover o funcionamento da democrac ia. Por exemplo, na Folha
de São Paulo de Março de 1968, quando completados um ano de governo Costa e Silva,
um dos líderes da Arena afirma
O Congresso funciona normalmente, inclusive com uma oposição
aguerrida, e por vezes, até desabusada e agressiva, qu e comprova que
aqui a democracia é realidade. (FSP, 11/03/68, Especial, 07)
.
Se de um lado, a Arena proclamava a democracia, fim do primeiro ano de Costa
e Silva, do outro a oposição institucional, o MDB, através do seu líder rio Covas
denunciava outra situação:
O regime evidencia as mais acentuadas distorções e se afasta da
normalidade institucional. E, enquanto, o presidente ‘democraticamente
bitola os limites da oposição que lhe convém, conspira -se, com
instrumentos como a sub -legenda para definitivamente sufocar a
oposição. (FSP, 11/03/68, Especial, 07)
No caso da oposição, houve ainda algumas tentativa de pautar o governo Costa
e Silva a partir das demandas do partido. Principalmente, a questão das cassações e da
própria Constituição. Para Maria Helena Moreira Alves, “O Governo efetivamente
acenou a membros do MDB com a possibilidade de negociação, dando a entender que
seria possível promover algumas modificações na Constituição. Mas simultaneamente
ao início desse diálogo, a polícia Militar e ou tros agentes do Aparato Repressivo
193
lutavam com manifestantes nas ruas das grandes cidades e dava prosseguimento a
ampla campanha de buscas e detenções nos principais estados”. (Alves, 1989:112).
Se Costa e Silva tentava buscar um acordo com a oposição, isto esbarrava nos
limites do governo. A cada insinuação de que haveria uma revisão das cassações, a
‘linha-dura’, até então silenciada dentro dos quartéis, aparecia em algum jornal, através
de seus representantes, para criticar o governo. Entretanto, a co rrente durante todo o
ano de 1967 não se manifestaria, apenas uma ou outra vez, para denunciar Carlos
Lacerda e os ‘castelistas’.
O mesmo caso ocorreu com a imprensa. A Lei de Imprensa era objeto de
permanente discórdia nos meios de comunicação em relaçã o ao governo. Nos primeiros
meses do governo Costa e Silva, houve uma pressão para que se alterasse alguns termos
da Lei de Imprensa:
O governo tinha na Lei de Imprensa uma outra contradição: defendia a liberdade
de imprensa, mas sempre apregoando uma do se de responsabilidade
85
. A censura ainda
não é um órgão institucionalizado, mas a Lei de Imprensa causava alguns infortuitos,
como o jornalista lio Fernandes, que logo nos primeiros dias do governo Costa e
Silva, foi ameaçado de ser enquadrado pelo A I-2. Segundo Portella,
O jornalista lio Fernandes havia publicado um artigo, na “Tribuna de
Imprensa” daquele dia, ofensivo à pessoa do ex -Presidente Castello.
Houve quem insinuasse ao Ministro Gama e Silva que se aplicasse o AI -
2, cuja vigência findaria à meia-noite, contra o jornalista, vindo a idéia do
Chefe do Departamento da Polícia Federal.(...) O presidente não
concordou, recusando de maneira veemente. (Portella, 1979: 411)
85
Em discurso à imprensa, ainda em 1967, Costa e Silva vai definir a liberdade de imprensa como um dos
pressupostos da democracia. “Procurarei torná -la efetiva, na medida em que o Governo assegure, como pretende, o
acesso constante Às fontes de informações, para que o povo possa saber o que estamos fazendo.” (in Portella, 1979:
493) Na prática, o governo evocava a Lei de Imprensa para impedir críticas acintosas ao governo, como no caso
Hélio Fernandes. Também contou com adesão dos órgãos de i mprensa em geral.
194
A parte isso, a relação da imprensa com o governo Costa e Silva, num prim eiro
momento, foi mais laços de aliados do que inimigos, em quase todos os casos. A
exceção mais explícita era o Correio da Manhã. Mas, por exemplo, o jornal Estado de
São Paulo era um dos ardorosos defensores não do governo como da
institucionalidade política com o 1964, sobre a escolha de Delfim Netto para Ministro
da Fazenda, segundo o editorial do jornal:
O espírito e os termos das declarações feitas pelo professor Antonio
Delfim Netto foram os mais claros e os mais auspiciosos. Salientou
Exa.que o governo Costa e Silva prosseguirá na política econômica
financeira iniciada pelo Governo Castelo Branco e isso com os mesmos
objetivos de combate a inflação, de fomento ao desenvolvimento
econômico, do fortalecimento do balanço de pagamento e da manutenç ão
da participação dos empregados na renda nacional. (...) este
pronunciamento peremptório confirmou tudo quanto esperávamos do
Mal. Costa e Silva e do eminente técnico escolhido para a pasta da
fazenda. (Estado de S. Paulo , 04/03/67, Editorial, p.11)
Ainda mais explícito o apoio à ditadura, a imprensa procurava apoiar o governo
Costa e Silva, dispensado acusações contra a oposição, em especial, único partido de
oposição, o MDB. Segundo Maria Kinzo
Em São Paulo, o MDB enfrentou um outro forte adversário em sua
campanha eleitoral: o poderoso jornal O Estado de São Paulo,
protagonista e forte defensor da Revolução de 1964. Este jornal, em suas
criticas impiedosas ao MDB (que continuaram até pelo menos 1969),
definia o partido de oposição como um agrupamento de “homens que,
ontem eram a matéria prima ideal para a conspiração comuno -janguista”,
e propalava “o equivoco que a Revolução cometeu ao dar mão livre, as
vezes ate mesmo ao encorajar, gente de passado tão sombrio e de
intenções mais sombrias ainda.” (Ki nzo, 1988: 103)
Havia, principalmente, pela imprensa a preocupação em manter o caminhar da
Revolução realizada. Legitimando dessa forma toda a prática governamental. Mesmo
195
nos momentos de críticas ao governo, a imprensa fazia uma defesa inconteste da
“revolução” que havia defendido e atuando livremente na conspiração
86
.
A imprensa, sob a intensa produção de seus órgãos, representou um importante
setor que apoiou o golpe e a ditadura em seus primeiros anos, mesmo com a tal Lei de
Imprensa. Forneceu aos milit ares e à opinião pública o sentimento de que algo precisava
ser feito em 1964, forjando inclusive o amparo da população ao golpe. Do lado dos
militares, essa legitimidade do povo instrumentalizou os seus pensadores, inclusive
tratando o golpe como uma rev olução redentora”. Entretanto, durante os governos de
Castello Branco e Costa e Silva, tal apoio foi se esvaindo conforme os militares deram
mostras de que não pretendiam ficar apenas cinco anos. Se nos primeiros anos (1964 -
1968), os jornais cumpriam a fun ção de legitimar o governo, com o advento do AI -5 e
com a radicalização do regime, gradualmente todos os jornais começaram a sofrer
censura ou adotaram a auto -censura prática comum na redação, evitando assim a ação
diária dos censores. Neste caso, para Car los Fico “A censura da imprensa foi tão
86
A imprensa foi fundamental em um núcleo do IPES, o chamado Grupo de Opinião Pública (GOP), que
tinha como ojetivo a disseminação dos objetivos e atividades do IPES por meio da imprensa falada e escrita”,
levando “à opinião pública os resultados de sua pesquisa e estudos”. O grande objetivo do IPES era se colocar como
alternativa ao empresariado burguês do país, em contraponto ao nacional -reformismo representado pela esquerda e
pelo governo João Goulart, de forma a dvulgar idéias, doutr inas baseada nas convicções moral -cristã, além de
contribuir essencialmente com os governos em matérias relevante ao progresso nacional. Isto tudo na teoria,
conforme Dreifuss, o IPES “coordenava uma sofisticada e multifacética campanha política, ideológic a e
militar”.(Dreifuss, 1980: 164). Organizado em diversos grupos de estudos, o papel da imprensa era restrito a
divulgação e a manipulação da opinião pública contra João Goulart. Foi assim na Marcha com Deus pela
Liberdade”, quando o Estado de São Paulo chegou a noticiar que “milhões de pessoas estiveram na rua para defender
a moral cristã” (19/03/964), quando as informações mais confiáveis falavam em no máximo quinhentas mil pessoas,
o que era um mero significativo. Por exemplo, o Correio da Manhã, jornal que junto com o Última Hora de
Samuel Wainer era um dos jornais tidos como mais próximos com a esquerda da época, publicou dois importantes
editoriais: Fora!”, em de abril, e Basta! e Fora!” em 2 de abril, ambos em 1964. Para saber como os jorn ais
incorporavam a retórica golpista, estamos falando do jornal tido como de esquerda da época e que no primeiro dia
após o golpe, abria assim o seu editorial: A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do
governo. Chegou ao limit e final a capacidade de tolerá -lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart
que não a de entregar o governo ao seu legítimo sucessor. uma coisa a diser ao Sr. João Goulart: Saia!”
(01/04/1964). Apesar dessa atividade forte no golpe, p ouco a pouco os órgaos da imprensa foram se diferenciando na
sua relação com o governo Costa e Silva. Nesse trabalho, observamos que alguns veículos como o Jornal do Brasil e
o Correio da Manhã, matutinos cariocas, foram se tornando ferrenhos críticos ao g overno Costa e Silva, apesar de
reivindicarem a “revolução”. O Estado de S. Paulo, pelo contrário, foi um dos principais fiadores das ditaduras de
turno, apesar de no pós- AI-5 ser o jornal mais censurado pela ditadura militar. Ver. AQUINO, Maria Aparecida .
Censura, Imprensa, Estado autoritário (1962 -1978). O exercício cotidiano da dominação e da resistencia. Bauru :
Edusc. 1999.
196
sistemática que se rotinizou e, em muitos casos, acabou sendo absorvida, pelos
jornalistas, como etapa regular dos trabalhos diários da imprensa” (Fico, 2001: 68).
Os problemas do governo Costa e Silva, ainda no pri meiro ano, tinha nome e
fama: Carlos Lacerda, pouco a pouco foi se tornando o principal inimigo ‘consentido’
do governo.
Após a posse de Costa e Silva, Lacerda torna -se uma espécie ‘inimigo íntimo’ da
ditadura. Ao mesmo tempo que subia o nível das críticas ao governo, iniciando a
construção da Frente Ampla, Lacerda ainda transigia junto a setores do governo e das
Forças Armadas, como a linha -dura. Os ‘lacerdistas’ da Arena ainda ocupavam
importantes cargos no partido e no governo, como o caso do deputado ca rioca Rafael de
Almeida Magalhães, líder do governo na Câmara.
A história da Frente Ampla era o retrato da trágica história dos políticos
brasileiros naquele período. Em fins de 1966, após um acordo entre Juscelino e Carlos
Lacerda, a Frente Ampla foi lan çada. Um dos princípios defendidos pela Frente Ampla
era a volta da democracia e das mudanças na política econômica. Durante o ano de
1967, principalmente com Lacerda, a Frente Ampla inicia a busca por apoios e por uma
base de sustentação. O ex -governador fluminense gozava de não ter sido cassado, e de
possuir prestígio junto aos setores golpistas, por isso procurava aglutinar políticos ao
redor da sua liderança. Propôs um acordo com Janio Quadros, Leonel Brizola e João
Goulart. Os dois primeiros, o quise ram nem saber de papo, enquanto o terceiro o
receberia mais tarde, no exílio em Montevidéu
87
. Na opinião de Portella,
87
O chamado Pacto de Montevidéu reuniu os três ex -inimigos de anos: Kubitschek, Lacerda e Goulart.
Miguel Arraes também foi pro curado, assim como nio Quadros e Leonel Brizola, repeliu os contatos da Frente.
Brizola, como condicionante para escutar os emissários de Lacerda, exigia que o mesmo provocasse a cassação dos
seus direitos políticos. No livro de Zuenir Ventura, uma inter essante análise do ex-governador gaúcho sobre os
objetivos de Lacerda e da Frente Ampla. Não aceito, senão como um sofisma, o falso argumento de que a Frente
Ampla é o único caminho válido e possível. É provável, que realmente venha a ser o caminho mais s eguro, mas para
o senhor Lacerda continuar influindo perniciosamente nos destinos do país e, quem sabe, até mesmo chegar ao
governo da República.” (Ventura, 1987: 129)
197
Dizia o sr. Lacerda, que a ‘Frente Ampla’ sairia para a rua dentro de um
prazo de 45 dias e que seria tão heterogênea quanto a Arena e o M DB.
Achava ele, que a Frente’, iria desequilibrar o Poder entre a Arena e o
MDB. (Portella, 1979: 483)
Jayme Portella era um dos desafetos de Lacerda, desde os primeiros dias do
golpe, quando o então governador fluminense e líder civil do golpe, tentou enquadrar
Costa e Silva e impor o consenso ao nome de Castelo Branco para presidente. Lacerda
não causou boa impressão ao general Costa e Silva, e quase foram as vias de fato.
Portella admirava Carlos Lacerda pela seu reconhecido” histórico golpista, mas após o
desentendimento entre o governador e o general Costa e Silva, ele passou a evitar a todo
custo o governador. Para Portella a Frente Ampla tinha um objetivo muito claro: atuar
no congresso, captando deputados da Arena e do MDB, mas contando com o car isma de
Lacerda. E também:
Achava o Sr. Lacerda que o Governo do Presidente Costa e Silva
fracassaria e isto lhe retiraria a possibilidade de impor ao Congresso um
sucessor. E quem se colocasse naquela ocasião, em condições de
capitalizar politicamente o fracasso, teria todas as condições de ganhar
uma eleição direta ou indireta, pois que, ele estando no fim, não contaria
nem mais com a união dos Militares, para dar um golpe. (Portella, 1979:
483)
É interessante perceber que no pragmatismo do general, La cerda agiu para
derrubar o governo a qualquer custo. Lacerda, segundo Portella, procurou inclusive
minar o apoio militar do general presidente.
A Frente Ampla com o objetivo de atuar na esfera política, como alternativa ao
MDB e à Arena, como uma caracter ística comum a esses partidos: a Frente Ampla
também possuía em sua maioria apoiadores do golpe. Era “um projeto político moldado
para conquistar solidariedade noos mais variados segmentos sociais, cujo eixo central
da ação era o restabelecimento da instit ucionalidade liberal-democrática. Esse programa
era expressão dos interesses de setores que apoiaram o golpe, mas que se ressentiram no
198
processo de monopolização capitalista e de aprofundamento da autorcracia burguesa
com cesarismo militar”(Maciel, 2004: 5 7). Nessa contradição era que Carlos Lacerda
procurava construir a base social do novo partido. Tanto, que a certa altura a própria
imprensa vai se manifestar:
Tanto a Frente Ampla como o MDB ou não fazem oposição qualquer ou
quando a fazem se guardam de atacar de forma a colocar em perigo a
estabilidade do sistema ou a estabilidade do Governo. A Frente Ampla
entrou em recesso por falta de base miltiar para organizar -se e ir às ruas e
praças. (Revista Visão, 23/11/1967, p.09)
A formação da Frente Ampla t eve um efeito imediato junto ao partido do
governo. No primeiro ano, a crise da Arena era estrutural: não conseguiu -se ainda
estabelecer um plano de ação no congresso, nem sanar as diferenças regionais, e,
principalmente, não havia acordo quanto a sua cond ição de partido de governo ou
partido do governo. Como resposta a Frente Ampla, foi elaborado uma reestruturação
política da Arena no âmbito do Conselho de Segurança Nacional, tendo como objetivo o
combate a Carlos Lacerda e a precaução com as dissenções d a base em períodos de
votação. Para Jayme Portella, a influência dos deputados lacerdistas alterava a missão
da Arena, por isso a sua reestruturação,
O Senador Krieger, àquela altura, era muito influenciado por certos
deputados da Arena, como Rafael de Al meida Magalhães, Gilberto
Azevedo e outros descontentes com o Governo, e o pressionavam para
aconselhar o Presidente a não tomar uma atitude forte, no caso, pois que
queriam -lo cada vez mais fraco e submisso ao Congresso. Esses
deputados recebiam inform ações inverídicas de alguns oficiais, também
insatisfeitos com o Governo, de que este estava fraco e desacreditado nas
Forças Armadas, e aconselhavam àqueles parlamentares para
endurecerem. Esses deputados e outros também não estavam satisfeitos
com a liderança do Deputado Ernani Sátiro, homem forte, seguro e leal
ao governo. (Portella, 1979: 587)
199
Evidentemente, a crise política da autocracia burguesa não era de partidos em si,
mas no construto social que erigiu a institucionalidade vigorante. Isto é, uma
institucionalidade militar não combinava com os anseios liberal -democrático dos
partidos e o bi-partidarismo forçado, essa ambivalência tendia a ser ainda mais
acentuada pelas pressões de classe, vinda de estudantes e trabalhadores. Em crise, os
segmentos da burguesia não se entendia quanto às tentativas de manter “a estabilidde do
sistema”, a revista Visão escreveu no seu editorial, em 09 de novembro de 1967:
As peças se ligam como num relógio. O presidente precisa optar e jogar
tudo no prato da Arena par a garantir o seu enraizamento como o partido
da Revolução, sustentáculo civil da Constituição que ao longo do tempo
tornaria dispensável a participação eminente e ostensiva das Forças
Armadas. (Revista Visão, 09/11/67, p.09).
Florestan Fernandes, em ce rto momento, quando do debate sobre a Consituinte
de 1988, premiou-nos com uma importante reflexão sobre Estado de Direito e uma
institucionalidade criada com a ditadura: “Uma ditadura é uma ditadura: ela não
engendra (nem poderia engendrar) outra coisa qu e um corpo de leis incompatíveis com
um Estado de Direito, por mais restrito e autoritário que ele pudesse ser” (Fernandes,
1989: 112). Apesar dos diferentes contextos, a burguesia brasileira através dos seus
portas vozes, seja na imprensa, ou no congresso , tentou enquadrar a ditadura como um
processo de transição para a democracia. Isto coadunava com o discurso militar. Para
Antonio Rago, “assim que tomaram de assalto o poder, os gestores do capital atrófico se
apresentaram com uma roupagem inteiramente in vertida. Chegaram mesmo a se
glorificar como demiurgos da nação e sinalizaram a restauração da democracia.
Malbaratavam o que praticavam, como estragema bonapartista, censurando a imprensa
e os livros pelo uso da palavra ‘ditadura’ e pela veiculação dos se us atos espúrios.
200
Vigiando o teatro e o cinema, esmagavam a cultura nacional, mas prometiam com sua
inteligência manipuladora, a retomada da ‘democracia’”. (Rago, 2004: 148)
A montagem do sistema por parte de Castelo Branco era visto pelo alto escalão
do governo como branda demais. Para Portella, inclusive, a Constituição de 1967, seria
muito liberal. Evidentemente, havia um conflito entre os golpistas de 1964, uma vez que
não era só o governo e o seu partido que não se entendiam, a crise da autocracia
burguesa se dava entre o poder militar e alguns segmentos da burguesia. Segmento, pois
não eram todos os setores produtivos que enriqueciam na nova etapa da expansão
capitalista no Brasil. O “Milagre Brasileiro” teve seu início ainda no governo Costa e
Silva, início do enriquecimento espetacular de vários setores da economia brasileira,
portanto, de alguns proprietários em geral
88
. Entretanto, a crise da autocracia não seria
uma cisão, mas uma readaptação dos papéis de cada um no interior do bloco histórico
que assumiu o poder em 1964. Segundo Florestan, “passado esse momento, não havia
como preservar e fortalecer a solidariedade de classes de base tão heterogênea e frágil.
As debilidades crônicas das classes possuidoras avançaram por dentro do terreno
político e histórico da contra-revolução, enfraquecendo -a de modo constante, crescente,
inexorável.” (Fernandes, 1978: 26).
Ao fechamento do seu primeiro ano de mandato, Costa e Silva discursou no
congresso na abertura da segunda legislatura, que no “cumprimento d o primeiro período
do mandato que me confiaram em nome do povo brasileiro, quero assinalar, antes de
mais nada, atmosfera de tranqüilidade e paz reinante em todo o país”(Portella, 1979:
520). O ano de 1968 estava apenas começando.
88
A entrada do capital estrangeiro em massa é decisiva para as transformações no campo produtivo e a
ascensão de outros grupos sociais para a aliança autocrática com os militares. Na mesma via, o estado se torna um
importante financiador das indústrias de base. Segundo Francisco Oliveira: “a ditadura militar completava a obra de
Vargas e Kubitschek, particularmente no que diz respeito às chamadas ‘indústrias de base’, e deixando reservado para
o setor provado todo o rico desenvolvimento dos bens duráveis de consumo e, claro, o setor de bens não -duráveis.
Uma transferência via preços administ rados potencializou a acumulação privada, e, unido a uma conjuntura
internacional favorável, de alta liquidez, o regime enveredou pela sendo do endividamento externo, como forma de
ampliar a poupança disponível para investimentos.” (Oliveira apud Ridenti et alii: 2004, 120)
201
1968: a ‘primavera’ dos militares
Jayme Portella sempre fora visto como a figura “linha dura” do governo Costa e
Silva. No ano de 1968, o Ministro do Gabinete Militar passou a ocupar um papel chave
dentro do governo.
O maior desafio do governo foi o de conter a ascensão das lu tas sociais em todo
o campo da oposição. Havia, principalmente nesses setores, um entendimento de que o
governo fraquejava no quesito participação política e transição democrática. Costa e
Silva não havia cumprido a promessa de consolidar a democracia no p aís. Na verdade,
jamais isso seria proposto. No entanto, os diversos segmentos da classe trabalhadora, da
intelectual e da política começaram a se mover cobrando isso do presidente e de seu
governo.
Para a revista Visão, em Janeiro de 1968, o governo Cost a e Silva enfrentou uma
série de dificuldades, entre outras, o esfriamento do apoio dos pequenos e dos médios
empresários, acanhados com a política de abertura ao capital estrangeiro e do câmbio
rebaixado; o espaço conquistado pela Frente Ampla, organizado por Carlos Lacerda,
junto à oposição que se constituía com aqueles que apoiaram o golpe de 1964, porém
estavam insatisfeitos com os militares; o início da pressão estudantil e da classe
trabalhadora, reflexo das políticas governamentais; a oposição do MDB , um pouco mais
organizada; e a pressão militar. No bojo de todos esses desafios do governo apresentado
pela revista de Otavio Gouvêa Bulhões, ex -ministro de Castelo Branco, a resposta de
Costa e Silva foi crucial: o governo fortaleceu ainda mais o poder m ilitar,
principalmente a partir da formulação das novas diretrizes sobre a segurança nacional.
Enfim, as necessidades de conter de todas as formas a escalada da luta de classes
e o perigo de uma revolução política, levaram o governo ampliar seu arco de
202
‘maldades’, transmutadas em medidas de repressão. Em trecho longo, mas bastante
elucidativo, David Maciel apresenta como se deu essa escalada repressiva: “em janeiro
de 1968, foram ampliados os poderes da Secretaria Geral do Conselho de Segurança
Nacional, (...).Em maio, os menores de 18 anos envolvidos em crimes contra a
segurança nacional passaram a ser responsabilizados criminalmente, obviamente para
atingir o movimento estudantil. Em julho de 1968, mais de 60 municípios foram
declarados de interesse de seg urança nacional e tiveram suspensas as eleições
municipais, e as passeatas e greves foram proibidas em todo o país pelo presidente da
República. Em agosto, a mesma Arena rebelde rejeitou na Câmara dos Deputados o
projeto que previa anistia aos presos em pa sseatas e greves. Em setembro, os ministros
militares entraram com representação ao presidente da República contra o discurso do
deputado Marcio Moreira Alves, proferido dias antes na mara dos Deputados, e
exigiram que este fosse processado pela LSN. Em outubro, foi criado pelo Ministério da
Justiça o Conselho Superior de Censura, para intensificar a censura aos méis de
comunicação. Finalmente, em 13 de dezembro, foi editado o AI -5.” (Maciel, 2004: 63)
Mas a compreensão desse período limita -se quando nos atemos apenas ao plano
da política, neste caso, podemos incorrer nos equívocos de atribuir a imposição militar
que deságua no AI-5 como resultado das disputas políticas, e não no quadro de tensões
de classes que exigiam uma re -adequação do modelo econômic o originado em 1964.
Nesse caso, no terreno das lutas sociais, as pressões para essa re -adequação exigiu do
aparelho repressor medidas mais drásticas que lograssem a estabilidade política
necessária para o crescimento do bolo, permitindo que alguns pensado res econômicos
‘indagassem’ o porquê de números tão expressivos do ‘milagre econômico’ brasileiro
(1968-1973)
89
89
Maria Helena Moreira Alves, na sua obre definitiva Estado e Oposição no Brasil (1964 -1984) destaca a
reflexão de Mario Henrique Simonsen sobre o período conhecido como milagre econômico’: “A excelente
performance de crescimento da e conomia brasileira no período 1968 -1973, que supera a de qualquer período anterior,
203
A condução econômica do regime estava nas mãos de Delfim Netto e Hélio
Beltrão, ministros da Fazenda e do Planejamento, respectivamente. Não hou ve, por
parte dos dois ministros, uma guinada radical aentão do que vinha sendo feito nos
governos militares. O receituário do governo Castello Branco, seguiu a risca a nova
equipe econômica: contenção dos gastos públicos, redução da inflação e super -
exploração do trabalho com estagnação dos salários reais e aumento do custo de vida..
Entretanto, um novo quadro surgiu para os governos militares, resultante do
aquecimento da economia capitalista no seu centro: a expansão dos investimentos
internacionais nos chamados bens de consumo duráveis, fruto de generosos incentivos
fiscais; a ação policialesca” do estado para com os sindicatos, o que garantia
“tranqüilidade social para a produção”; a política comandada pelo estado de
investimento regional através de organismos como a Sudam e a Sudene; e, finalmente,
por meio de linhas de financiamentos do BNH e FGTS, fundos tirados diretamente da
força de trabalho não paga aos trabalhadores que contribuíram para a acumulação
capitalista.
Para Maria Helena Moreira Al ves, a necessidade de “acelerar” o crescimento
econômico, justificava a opção governamental de incentivar a produção de bens de
consumos duráveis sob controle internacional. Esperava-se que a produção de bens de
consumo duráveis de automóveis e aparelhos eletrodomésticos, para um mercado
interno limitado, mas cada vez mais rico, assegurasse as taxas de rápido crescimento
industrial.” (Alves, 1985: 148). Essa importante característica soma -se a outra, indicada
por Francisco de Oliveira: concomitante ao inc entivo a produção de bens de consumo
duráveis, no quadro mais amplo das relações capitalista, havia uma tendência
monopolizadora desses ramos da economia. Subsidiada pelo estado, com a renúncia de
suscita indagações sobre as condicionantes não apenas econômicas, mas político -sociais desse surto. O primeiro
ingrediente faltantes foi um satisfatório grau de estabilidade política(SIMONSEN apud ALVES, 1984: 147) Ao
destaque de Simonsen, para complementar, acrescentemos a estabilidade política as palavras na marra.
204
impostos, tais ramos da indústria alcançavam altos índices de lucros, graças à restrição
salarial. Por falta de concorrentes nacionais e da associação da burguesia nacional ao
capital estrangeiro, mantendo a sua tendência genérica histórica, o estado tornou -se o
financiador de obras públicas de relevos, graças aos números da indústria nacional, e,
principalmente, a renda do trabalhador apropriado pelo FGTS. Após o governo Costa e
Silva, essa tendência via aguçou -se ainda mais.
Entretanto, mesmo com esse quadro revelado, os elementos para compreender a
ação de trabalhadores e estudantes no ano de 1968 vão muito além de uma questão de
desacordo com a política econômica comandada por Delfim Netto. Os impactos eram
sentidos, principalmente para a classe trabalhadora que realizou em Contagem/MG e
Osasco/SP greves com obj etivos muito parecidos o fim do ‘arrocho salarial’ com a
recuperação salarial , mas se diferenciam na ação da ditadura
90
. Segundo Jacob
Gorender, “a agitação operária se acentuava desde 1967, com as despedidas maciças,
falências de pequenas empresas, atr asos de pagamentos e protestos contra o
rebaixamento salarial.” (Gorender, 1987: 143)
Mas o que dizer do grupo social estudantil que se consolidou, em 1968, como o
principal foco de oposição à ditadura, constituído principalmente pela classe média?
Para pensarmos o grau de mobilização que atingiu o movimento estudantil deve se levar
90
Segundo Gorender, sobre Contagem A 16 de abril de 1968, cerca de 1200 empregados da siderúrgica
Belgo Mineira paralisaram sua atividade e se reuniram na sede do sindicato, supostamente à revelia da diretoria. Em
poucos dias, os grevistas de Contagem são 16 mil, unidos em torno da reivindicação de reajuste salarial acima do
teto oficial de 17%. A enverga dura do movimento impôs o deslocamento do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho
para Belo Horizonte, onde se declarou disposto a negociações algo insólito no comportamento governamental. Por
fim, o Governo Costa e Silva concedeu 10% de abono, o que abri a ligeira fissura na rigidez do arrocho. Com esta
vitória parcial, a greve se encerrou a 2 de Maio.” (Gorender, 1987: 142) Sobre Osasco O movimento grevista se
estendeu a outras empresas, num total de dez mil participantes. (...) Desta vez o Governo Costa e Silva não s e
mostrou favorável a concessões. (...) A força pública invadiu a COBRASMA, libertou os administradores e expulsou
os grevistas.”(Gorender, 1987: 144) Diferentemente de Francisco Weffort que num ensaio publicado em 1972
(Participação e conflito industrial: Osasco e Contagem em 1968 ) defendeu que as duas greves foram espontâneas,
porém Contagem/MG teve maior resultado por conta da reivindicações estritamente trabalhista do movimento,
contrastando com o insucesso de Osasco, que na visão do ex -Ministro da Cultura de Fernando Henrique (1994 -2002),
foi malogrado devido a ação estritamente política de suas lideranças (e esquerdistas), servindo assim de base (e
exemplo) na época para todo o novo sindicalismo de resultado, inaugurado nas greves do ABC (1978-1980). Para
Gorender, “a verdade é que as greves de 1968 foram espontâneas na medida em que não podem deixar de -lo os
movimentos de massa. Ao mesmo tempo, as greves de Contagem e Osasco tiveram organização e orientação de
agrupamentos de esquerd a, os quais se ramificavam nas empresas e dominavam os sindicatos de
metalúrgicos.”(Gorender, 1987: 145)
205
em conta a situação das universidades brasileiras e as medidas que os governos da
década de 60 buscavam equacionar. Segundo João Roberto Martins, “os seminários
promovidos pela UNE em 1961-1962, trouxeram à luz problemas como a estrutura
acadêmica baseada na cátedra vitalícia, na falta de equipamentos e instalações, a
carência de vagas nas escolas públicas e o arcaísmo dos currículos, pouco adaptados às
novas necessidades do des envolvimento econômico do país.” (Martins Filho, 1987:
122)
A Reforma Universitária, uma das plataformas janguista, foi seguidamente
esquecida pelos militares golpista, tornando -se no pós-1964 uma bandeira que
arregimentava a classe média, principal atingi da pela precária situação do ensino
superior público. Entretanto, durante as grandes mobilizações estudantis de 1968
especialmente no governo Costa e Silva somaram-se a pauta estritamente educacional,
as bandeiras contra a repressão política dos milita res, o que poderia unir trabalhadores e
estudantes. A principal pauta educacional se é que podemos dizer assim foi a
questão dos excedentes que colaboraram para a acentuação da crise universitária. Se
durante o governo de João Goulart houve uma maior p olítica de integração e expansão
do ensino público, “após o movimento militar, esses mesmos índices sofreriam uma
brusca guinada, evoluindo em direção oposta até o auge da crise, em 1967.” (Martins
Filho, 1987: 124-5).
A criação do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Universitária (GTRU), em
1967
91
, só acentuou a insatisfação dos estudantes, que somada a repressão política
organizada pela ditadura, possibilitaram as maiores mobilizações políticas do período.
91
Devido aos objetivos expressos nesta pesquisa, o exploraremos este tema mais além. Porém, algumas
considerações precisam ser explicitadas. Pressio nado de alguma forma pela ação estudantil, o GT organizado pelo
governo Costa e Silva apenas buscou definir alguns objetivos delineados pelo governo Castelo Branco. Neste caso,
fazer uso de uma bandeira da comunidade acadêmica para alcançar metas pautad as pelo acordo MEC-USAID,
realizado entre o governo militar de Castelo Branco e a United States Agency for International Development,
esvaziando de conteúdo reivindicatório das organizações estudantis “Com esse intento, o Relatório do GTRU propôs
a reestruturação das universidades visando principalmente à sua racionalização interna, à economia de recursos e ao
melhor aproveitamento das condições disponíveis.” (Martins Filho, 1987: 127) E mais além, “a partir de fins de 1966,
206
Portella entendia que todas essas mobilizações de tr abalhadores e estudantes
tinham o dedo de diversos subversivos, hierarquizado pelo comunismo internacional,
tendo amparo e respaldo de diversos deputados do MDB. Era ele que elaborava os
estudos via CSN recomendando endurecimento do governo frente à ‘ameaç a’ estudantil
e de trabalhadores:
O Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional apresentou ao
Presidente um relatório com base nas apurações de todo o sistema
nacional de informações, mostrando que o plano de agitação tinha muita
profundidade e recebia apoio externo. Os parlamentares de esquerda
estavam comprometidos com o plano e, usando as suas imunidades,
insuflavam a agitação, pois que o objetivo era enfraquecer o Governo e
a Revolução, levando o país a rumo imprevisível. (Portella, 1979: 564)
Para o general, a influência dos parlamentares do Congresso era o principal
combustível das ações estudantis. Ao defender a ação policial, Jayme Portella justifica
tal ação como cumprimento restrito do dever, não fazendo menção as mortes e as
atrocidades cometidas por policias, mas pelo contrário,
Aproximavam-se as férias escolares de julho, mas as agitações
recrudesciam, como um verdadeiro desafio às autoridades
governamentais. As casas do Congresso Nacional, preparando -se para o
período de recesso, tinha m as suas tribunas assomadas, diariamente, por
parlamentares que alimentavam a onda de agitações reinante no setor
estudantil. Faziam denúncias ou responsabilizavam o governo, por um
ou outro ato mais coercitivo das autoridades policiais , mas o que
caracterizavam de atrabilitário e desumano. A polícia saía para cumprir
a sua missão de mantenedora da ordem pública e era recebida, pela
horda agitada, a pedradas e, às vezes, a tiros, como provocação, para
uma reação no mesmo estilo. Numa dessas ocasiões, fo i morto um
soldado da Polícia Militar (Portella, 1979: 563)
A questão estudantil era uma preocupação presente de Portella em suas
memórias. Portella culpava as autoridades policiais e docentes de não amainar as
define-se gradualmente uma Polí tica Educacional autoritária voltada principalmente para a modernização da
universidade, com a finalidade de adap -la aos imperativos do desenvolvimento capitalista.”(Martins Filho, 1987:
129)
207
manifestações, por diversas vezes acusando -os de falta de autoridade. Sobre as
manifestações no Rio de Janeiro, afirmou o general:
O problema da agitação dos estudantes continuou, apesar das medidas
adotadas pelo Governo. No Rio de Janeiro, a questão tomava aspecto
mais sério, sobre a Universidade Federal, onde o Reitor tornara -se sem
forças para atuar dentro das próprias faculdades. Os núcleos de
agitadores perturbavam a vida das escolas e os professores não contê -
los, nas próprias salas de aula. A polícia era freqüentemente chamada
para dissolver reuniões nas imediações das escolas. (Portella, 1979:
556)
O Rio de Janeiro era o centro das passeatas estudantis e das principais
mobilizações, não foi à toa que o general foi noticiado por alguns jornais, defendendo
um endurecimento maior em relação às mobilizações estudantis, além de defender todas
as ações policiais. Se havia um núcleo de mobilizações estudantis no Rio de Janeiro, era
de outro local, em Brasília, que procedia a organização de estudantes, o que rendeu
outra opinião do general:
A Universidade de Brasília era o grande centro de agitação, quase não
havia aula e dois reitores haviam sido substituídos, a pedido, porque
não conseguiam impor disciplina aos estudantes. Dentre estes, havia um
comando que orientava e coordenava a agitação, co nstituído dos
chamados estudantes profissionais, identificados. (Portella, 1979:
591)
Quando da realização de uma passeata na UNB, o general comandou do seu
gabinete a repressão policial contra os estudantes e contra os deputados que apoiavam o
movimento,
O Governo, através das emissoras de rádio e televisão, reiterou que a
passeata estava proibida e pediu às famílias dos estudantes que não
permitissem a participação naquele ato, pois a polícia ia impedir que se
realizasse. Ao anoitecer, a polícia, que patrulhava as avenidas da cidade,
percebeu que os estudantes se concentravam numa praça e comunicou
ao Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. Este reiterou
a ordem para que não se realizasse e se insistissem, que fosse
dissolvida. (Portella, 1979: 591)
208
A insistência de Portella em usar somente a terceira pessoa nos chama atenção.
O seu passado estritamente militar um troupier, convicto permeou a sua estada
como Chefe de Gabinete Militar. Isto é, o cumprimento do dever impessoal, a part ir de
uma moral revolucionária, que norteava a ação dos militares. Entretanto, isto não
apagou a autorização do militar em parar esta passeata através da violência, e como
sujeito, foi responsável inclusive pelas agressões a alguns parlamentares, o que se
tornavam freqüentes.
Ainda sobre os impactos das passeatas estudantis, a Frente Ampla de Carlos
Lacerda conclamava uma pacificação nacional entre Forças Armadas e estudante em
seu segundo comício popular da corrente (com a participação de 15000 pessoas co ntra o
regime) que se realizou na cidade de Maringá/PR.
O Sr. Carlos Lacerda lançou o seu manifesto, mas ficou preocupado
procurando saber o que lhe ia acontecer. (...) Declarava que a aliança com
o Sr. Juscelino era definitiva e não mais havia arestas e ntre ambos, com
completo acerto de programas e objetivos. Quanto a aliança com o Sr.
João Goulart, não estava colocada em termos definitivos. Serviria para
ele conquistar adeptos e quebrar velhas desconfianças contra si nas áreas
operárias, estudantil e de intelectuais. Achava que elas passariam ao seu
lado obedecendo a sua liderança, uma vez que a área popular estava sem
líderes nacionais. (Portella, 1979: 542)
Para Portella, era nítido que Lacerda procurava se aproveitar da impopularidade
da ditadura para se erigir como uma alternativa ao presidente Costa e Silva, pois “os
organizadores da Frente Ampla aproveitaram a oportunidade para atacar o Governo,
responsabilizando-o pelos acontecimentos em foco. No Congresso Nacional, os porta -
vozes da agitação inc riminavam o Governo de Arbitrário e de outros adjetivos”
(Portella, 1979: 542).
Jayme Portella aproveitava o distanciamento entre Lacerda e os coronéis da
“linha-dura” para instigar a decepção dos militares lacerdistas que não concordavam
209
com a proximidade entre Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, muito menos
toleravam uma aliança da Frente Ampla com João Goulart.
Finalmente, em Abril, através da Portaria nº. 177 do Ministério da Justiça, Gama
e Silva proibiu todas as atividades da Frente Ampla, ordenan do à Polícia Federal que
detivesse aqueles que violassem a proibição.
Ao fim do ano de 1968, logo após o AI -5, a questão estudantil era
definitivamente ‘resolvida’ através do Decreto -Lei 477, estudo elaborado por Jayme
Portella,
Desde as agitações ocorri das no meio estudantil, em 1968, que o
Governo se preocupou em baixar um ato disciplinado aqueles casos e
dando autoridade às direções dos estabelecimentos para aplicarem as
sanções convenientes. O presidente deu a incumbência à Secretaria do
Conselho de Segurança Nacional para proceder aos estudos e fazer uma
proposição a respeito da disciplinação das infrações praticadas pelos
estudantes e professores no âmbito dos estabelecimentos. O Secretário
Geral constituiu um grupo para estudar o problema e formulou a
proposição. Foram consultados e ouvidos reitores, professores,
consultores jurídicos e outras autoridades. (Portella, 1979: 711)
A menção sobre a consulta de reitores e professores é um outro componente de
convencimento do que realidade de um suposto diálogo” com a comunidade
universitária. O governo, por meio da CSN, baixo o Decreto Lei 477 em 26/02/69,
‘disciplinando’ ou criminalizando qualquer estudante e professor que participasse de
atividade política. Em definitivo, o governo com base no AI -5 e no aparato repressivo
resolvia a questão estudantil de uma só vez.
Como seriam apuradas as infrações, havendo suspeita de crime, o
diretor do estabelecimento deveria providenciar a instauração do
inquérito policial. Atribuía ao diretor do estabelecimen to a competência,
além de determinar a apuração da infração, de proferir a solução do
caso, culminado a sanção cabível. (...) O Decreto 477 estabelecia que
cometia infração disciplinar quem: incitasse ou aliciasse a deflagração
ou movimento com a finalidad e de paralisação das atividades escolares
ou nele tivesse participação; praticasse ou participasse de atos
210
relacionados com movimentos subversivos, passeatas, comícios não
autorizados; seqüestrasse ou mantivesse em cárcere privado, membros
do corpo docente, funcionários ou alunos; abusasse de dependências
escolares para fins de subversão ou prática de atos contra a moral ou a
ordem pública; fizesse uso de dependência para imprimir ou depositar
material subversivo; atentasse contra pessoas ou bens de qualque r
natureza, dentro do estabelecimento de ensino ou fora dele. (Portella,
1979: 711)
O direto da unidade de ensino tornava -se, em outras palavras, num delegado de
polícia, investigador, juiz e executor da sentença. Na prática, os militares comandavam
toda a investigação e a repressão no interior das universidades, através de ‘arapongas’,
como no caso do estudante Honestino Guimarães, um dos primeiro ‘desaparecidos’
políticos, vítima do AI -5.
A incursão de Portella pelo mundo universitário, no sentido de “sa nar” as
reivindicações estudantis pela força, era um eco do poder que o militar adquiriu, a
partir das tensões de classe que explodiram no governo Costa e Silva e que canalizaram
para o AI-5. E a sua “condecoração” de super -ministro, por parte de alguns órgãos da
imprensa da época, expõe as raízes desse super -poder da Chefia do Gabinete Militar.
Portella: o super-ministro de Costa e Silva.
O Decreto-Lei 384 de janeiro de 1968, dispondo sobre a organização do
Conselho de Segurança Nacional, atribuía novo s poderes ao secretário geral do
Conselho: o general Portela. As funções do general como Chefe de Gabinete Militar
foram, entre outras coisas,
assisti direta e indiretamente o Presidente da Republica, em especial nos
assuntos referentes à Segurança Nacional e a Administração Militar;
zelar pela segurança do Presidente da Republica e dos palácios
presidenciais. (Revista Visão, Setembro/68).
211
Como Chefe de Gabinete Militar ele cuidou estritamente da segurança do
presidente, além de representar a administraçã o militar junto ao poder executivo. Foi
como Secretario Geral do CSN que o seu peso político alcançou outros patamares.
Precisamente, no campo de planejamento da segurança nacional, como fica explícito no
primeiro artigo do Decreto Lei
Art. A Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional
(SG/CSN) tem por finalidade o estudo , planejamento e coordenação dos
assuntos da competência do Conselho de Segurança Nacional em suas
funções de assessoramento direto do Presidente da República na
formulação e na conduta da Política de Segurança Nacional.
Na formulação da Política de Segurança Nacional, o decreto estabelecia os
seguintes alicerces em sua construção: Avaliação Estratégica da Conjuntura, Elaboração
do Conceito Estratégico Nacional e as Diretrizes G erais do Planejamento na Segurança
Nacional.
Pensando sobre a questão da Conjuntura Internacional, o órgão comandado por
Portella, além de apreciar as Políticas Interna e Externa, deveria se preocupar com os
problemas referentes à Ideologia e à Subversão. Não esqueçamos de mencionar o item
Opinião Pública, objeto dos mais importantes para todos os governos da ditadura, que
foi sobre a batuta do Chefe do Gabinete Militar que a Assessoria Especial de Relações
pública sai do papel. Portella convenceu Costa e Silva a criar a AERP - comandada pelo
coronel Hernani D´Águiar, no governo Costa e Silva, e o General Gustavo Rego, no
governo dici , ponderando a necessidade de trabalhar a opinião como forma de
atenuar, ou evitar, impactos negativos das ações governa mentais menos populares.
O assunto amadureceu durante todo o ano de 1967. Em Petrópolis, voltei
a lhe falar sobre a instituição do órgão, aproveitando a calmaria do
ambiente, quando pude lhe expor, com mais tranqüilidade, da
necessidade da Assessoria de R elações Públicas. Após, demorado debate,
ele decidiu criar o órgão. O decreto estava pronto. (...) tinha, como
finalidade principal, a divulgação das realizações do Governo e o preparo
212
da opinião pública para receber determinadas medidas que pudesse
causar impactos. (Portella, 1979: 517)
Os artigos III e IV do decreto -lei que regulamentava a Secretaria do CSN é que
causou ainda mais polemicas: um tratava sobre o enquadramento de municípios de
interesses de Segurança Nacional e o outro sobre cooperações dos órgãos de informação
de cada ministério no planejamento da Segurança Nacional, respectivamente.
III - Indicação das áreas indispensáveis à Segurança Nacional e dos
municípios considerados de interesse para a Segurança Nacional.
IV - Apreciação de problem as relativos à Segurança Nacional, com a
cooperação dos órgãos de informações e dos incumbidos de preparar a
mobilização nacional e as operações militares no que concerne às
Políticas de: Transporte; Mineração; Siderúrgica; Energia elétrica;
Energia Nuclear; Petróleo; Desenvolvimento industrial visando em
especial às indústrias compreendidas no Plano de Mobilização;
Desenvolvimento regional e ocupação do território; Ciência e
Tecnologia; Educação; Sindical; Imigração; Telecomunicações.
Em outras palavras, o Secretário do CSN, numa única tacada, passaria a
centralizar as preciosas informações das DSIs dos diversos ministérios de Estado para
um único local
92
.
Para João Roberto Martins o decreto lei 384 significa a consolidação do poder de
Jayme Portella, pois “as iniciativas oriundas do Gabinete Militar passaram a constituir
um ponto de referência para as diversas forças militares e políticas. Diante desse
histórico, o é de espantar que, a partir de fins de agosto de 1968, Portella e seus
aliados tenham se consolidado como a principal usina de onde sairiam as pressões pró -
retomada da ‘Revolução’” (Martins Filho, 1996: 148).
92
As Divisões de Segurança e Informação, órgãos localizados em cada ministério, tiveram três momentos
bem distintos. Primeiro sobre a centralização da SNI, sob comando de Golbery do Couto e Silva ainda no governo
Castelo Branco. Posteriormente, a situação aqui descrita de órgãos auxiliares da Secretaria do CSN, por tanto Jayme
Portella, e finalmente, em maio de 1970, as DSI assumiram a sua peculiar feição de duplo comando. Elas eram
‘órgãos subordinados diretamente aos respectivos ministros de Estado’, porém ‘sem prejuízo, no campo das
informações, de condição de ór gão sob a superintendência e coordenação do Serviço Nacional de Informação’”.
(Fico, 2001: 79)
213
Um exemplo da força adquirida por Portella foi a questão dos municípios
escolhidos como interesse nacional que desagradou muitos quadr os da Arena, que
perdiam parcela do seu poder local e intervenção direta na política municipal.
Em conversa com o líder Ernani Sátiro, o deputado Osmar Cunha, o
presidente do Bloco Parlamentar Municipalista, afirmou que o Congresso
Nacional não pode “se curvar ante a vontade da Casa Militar da
presidência, aprovando, apenas porque ela quer”, o projeto que inclui 68
municípios da área da segurança. (Folha de São Paulo, 13/05/68, p.5)
Portella, oficialmente, poderia interferir diretamente nos demais minis térios,
inclusive no Estado Maior das Forças Armadas, para obter informações relativas à
segurança. De fato, a SG/CSN utilizou -se de toda a logística nascida com o Serviço
Nacional de Informação para fechar o ciclo da informação no gabinete de Portella. E fez
mais: para um atônito Golbery, o próprio SNI se tornaria um órgão auxiliar da SG/CSN.
Art. A SG/CSN liga-se diretamente aos Ministérios Civis e Militares,
ao Estado Maior das Forças Armadas, ao Serviço Nacional de
Informações e aos Órgãos de Admin istração Direta e Indireta, para
obtenção de dados e elementos necessários aos estudos e planejamentos.
Art. A SG/CSN liga -se diretamente às Divisões de Segurança e
Informações para a obtenção de informações e orientação de tarefas que
interessem à Segurança Nacional.
A Secretaria Geral ficou, temporariamente, o principal organismo da área de
Segurança Nacional, podendo entrar e sair de qualquer aparelho oficial na busca de
informações. Enfim,
A transformação do CSN em uma espécie de super -ministério, cuja ação
transborda a órbita tradicional para invadir a própria área do executivo,
institucionaliza a política de segurança nacional preconizada pela Escola
Superior de Guerra e que começou a ser aplicada pelo Governo Castelo
Branco. (Revista Visão, 02 /02/68, p. 19)
214
A imprensa denunciava uma possível tentação militarista do governo
93
No
entanto, a opção de Costa e Silva já havia sido feita: ele procurou dar o mesmo espaço
político aos militares. Entretanto, como bem observado por Carlos Chagas, “começand o
a governar, tentou o impossível: conciliar os dois grupos conflitantes responsáveis pela
sua investidura. O grupo militar nitidamente extremado e a radical, com algumas
exceções, realmente o fato mais importante e decisivo na sua escolha. E o grupo pol ítico
formado em maioria por liberais” (Chagas, 1995: 118).
A força de Jayme Portella dentro do governo cresceu com tais decretos. Para
Portella a questão da Segurança Nacional tornava -se prioritária para o governo, pois
envolvia a elaboração de um arc abouço teórico que congregasse a prática de segurança
e com a da informação. Para Portella,
O Presidente fez o seu primeiro despacho com os seus chefes dos
Gabinetes Militar e Civil. Assinou o Decreto -Lei n 348, daquela data,
reformulando o Conselho de s egurança Nacional, adaptando a legislação
que o regia à nova Constituição Federal, que regulava o seu
funcionamento. (...) O Conselho de Segurança Nacional, pela sua
relevância e composição, é o órgão que assessora o Presidente da
República na formulação d a Política Nacional, sem dispor do poder
deliberativo, cabendo as decisões exclusivamente ao Presidente. O seu
órgão de estudo e planejamento é a Secretaria Geral, que tem
permanência e continuidade à missão de assessoramento ao Conselho,
funcionando como um verdadeiro Estado Maior do Presidente da
República. Os estudos por ela elaborados são submetidos ao plenário do
Conselho de Segurança pelo Presidente da República, em sessão por este
convocada. (Portella, 1979: 514)
A articulação de todo o aparat o repressivo se ateve em torno da chefia da Casa
Militar e da Secretaria do CSN, como bem informa Carlos Fico, “Portella teve cuidado
de afirmar os poderes do Conselho de Segurança Nacional, que secretariava, em
detrimento do próprio SNI. O fato é que o SN I estava à frente do setor de informação
93
Novamente a revista Visão dissemina esta aparente contradição do governo Costa e Silva: “a insatisfação
da oposição, a esta altura, é manifesta. Carlos Lacerd a, em nome da Frente Ampla, desfechou violento ataque ao
que chamou tutela militar”. Quase todos os jornais condenam a iniciativa. Em todos os círculos oposicionistas a
palavra ‘militarista’ volta a trafegar com insistência.” (Revista Visão, 19 de Jane iro de 1968, p.15)
215
desde a criação, em 1964. Quando reformulou o Conselho de Segurança Nacional, em
1968, Portella manteve o status das Divisões de Segurança e Informação (DSI), que
substituíam as seções de segurança nacional, como ór gãos complementares do Conselho
de Segurança Nacional”(Fico, 2001:152). Este é um importante dado, pois Portella
procurou retirar do SNI o poder do órgão sobre a DSI. Isso teve um efeito imediato para
um dos principais problemas do governo Costa e Silva: a dificuldade na área da
educação do governo.
Na FSP de 12 de janeiro de 1968 (“Deputados querem crítica oficial ao novo
CSN”), a oposição se pronunciou contra a mudança na Secretaria do CSN, pois entendia
que era parte de dois objetivos: primeiro, o decret o originava de uma manobra da linha -
dura dentro do governo, intrometendo -se ainda mais nos órgãos estatais, e, segundo,
uma preparação de terreno para que Meira Matos pudesse assumir a Chefia do
Gabinete. Portella, em seu livro, o fez nenhum comentário s obre essas ilações da
oposição. O coronel Meira Matos, que já tivera papel singular no governo de Castelo
Branco intervindo no estado de Goiás e ocupando o Congresso Nacional , era um
permanente colaborador do Gabinete Militar, e foi um dos primeiros ex ecutores da nova
função do Conselho de Segurança Nacional:
Nota-se claramente a tendência do governo paracriar organismos
paralelos à estrutura administrativa do pais, com a incumbência de
solucionar problemas que são da alçada de órgãos pertencentes a essa
estrutura e com poderes superiores aos deles. Esboça-se, assim, uma
duplicação de funções emdeterminados setores, ou então a absorção
de fuições tradicionalmente atribuídas à estrutura existente pêlos
referidos organismos paralelos. É ocaso, por exemplo, da Comissão
criada para coordenar as relações cio governo com os estudantes, para
cuja presidência foi indicado o coronel Meira Matos.Em condões
normais, competiria ao Ministério daEducação ocupar-se do caso.
(FSP, 12/01/68, 04)
216
Apesar de não ser possível provar o elo entre a Comissão de Meira Matos e a sua
subordinação a Chefia do Gabinete Militar, é muito sintomático a mudança na política
governamental, explicitada pela imprensa, e a criação da famigerada comissão. Para um
órgão da imprensa na época, a disputa no governo era entre a manutenção da
institucionalidade política ou a tutela militar sobre ela.
A insatisfação da oposição, a esta altura, é manifesta. Carlos Lacerda, em
nome da Frente Ampla, já desfechou violento ataque ao q ue chamou
“tutela militar”. Quase todos os jornais condenam a iniciativa. Em todos
os círculos oposicionistas a palavra militarista volta a trafegar com
insistência. (Revista Visão, 19 /01/68, p.15)
A Secretaria do CSN tornou -se, em pouco tempo, um dos p rincipais órgãos na
formulação da política repressiva do governo, ao lado do Ministério da Justiça. Por
outro lado, as pretensões democráticas do governo Costa e Silva esvaiam conforme as
lutas no campo oposicionista acirravam -se. O decreto lei que modific ou o Conselho de
Segurança Nacional era a primeira mostra do governo de reforço da sua bancada”
militar. Ficava cada vez mais difícil duvidar das intenções do governo.
Os poderes ampliados de Portella levaram a uma aproximação do governo com a
corrente militarista, mais propriamente a “linha dura”, como apresentado pela revista
Visão (segundo excerto desta página), mas determina uma nova forma de ser do
governo, com um órgão com o poder ampliado e responsável pela institucionalização da
segurança nacional no Brasil.
No caso, o documento sobre o Conceito Estratégico Nacional, elaborado no
âmbito da Secretaria de Segurança Nacional, foi a base para a formatação de toda a
prática que envolvia a segurança nacional em todos os órgãos do executivo federal,
O conceito estratégico nacional é um documento que estabelece uma
política nacional de governo, em seus limites gerais, mas que serve de
base para a formulação dos planos, projetos e outras formas pelos
217
diferentes órgãos do executivo, para realização da obra governamental. È
um verdadeiro “alcorão”, no qual todos, os aspectos da política de
governo estão estabelecidos. Por isso, qualquer plano ou projeto a ser
elaborado deve obedecer ao que ele estabelece.” (Portella, 1979: 581)
A estrutura de repressão, dese nvolvida desde o período Castelo Branco, a partir
da criação do Conceito Estratégico Nacional, influiu abertamente as demais políticas
militares. Não foi em vão que o AI -5 tornou-se, posteriormente, a principal
“Constituição” do país, determinando os atos do executivo e do legislativo no que diz
respeito a Segurança Nacional, portanto, tudo.
O AI-5 Caso Moreira Alves
A partir do segundo semestre de 1968, após um tumultuado semestre em que
estudantes e artistas manifestavam -se contra a tentativa de cens ura e cerceamento de
liberdades, o governo era ‘guinado’ pela sua base militar a tomar medidas mais
enérgicas contra as diversas mobilizações das classes sociais, vista como exemplo de
insubordinação e subversão. Em reunião no mês de Julho de 1968, o CSN r ecebeu a
primeira proposta de Estado de Sítio, sugerida pelo seu Secretário Geral. Portella foi um
dos primeiros militares a sugerir o Estado de Sítio, com apoio do Ministro do Exército e
da Justiça. Posição que não foi defendida por Costa e Silva.
A discussão na reunião do Conselho de Segurança Nacional, sobre a
decretação do Estado de Sítio, transpirou no meio dos deputados do
MDB, o que causou certo alvoroço. A certa altura, o Secretário Geral do
Conselho de Segurança Nacional, sugeria ao Presidente a decretação
do Estado de Sítio. Os Ministros Militares e o Ministro da Justiça,
responsáveis diretos pela segurança interna, participavam do mesmo
ponto de vista. O presidente, porém, muito prudentemente, depois de
ouvir aqueles seus assessores não quiser am partir para aquela medida de
imediato. (Portella, 1979: 566)
O pêndulo para uma medida de maior força do governo estava sendo
guinada. O Presidente Costa e Silva ressentia ainda mais a pressão dos militares para
218
que editasse um novo Ato Institucio nal ou decretasse o Estado de Sitio. De forma
arguta, Castelinho denotava a situação do governo “Se pessoas de dentro do governo ou
oriundas das suas bases de poder julgam -se no direito de sugerir ao presidente que
pratique atos discricionários, isso revel a, de um lado, diagnóstico extremamente
pessimista da situação, o que não condiz com o otimismo das declarações oficiais, e, de
outro lado, a idéia de que o Marechal Costa e Silva possa dobrar -se às razões invocadas,
terminando por incorporar -se ao comando da guerra revolucionária.” (Castello Branco,
2007: 527)
Nesse sentido, uma diferença bastante sentida em relação ao General Jayme
Portella e jornalistas políticos que retrataram o período foi o quanto Costa e Silva estava
sendo “guiado” pela tentação mi litarista, o que foi defendido por Carlos Chagas e
Castello Branco, ou se o general -presidente encarnava este espírito do militarismo, o
que o general Portella comprovou em seu livro.
Por ocasião da reunião do Conselho de Segurança Nacional, Portella mos trou-se
decidido nas palavras, ao afirmar que o pensamento dos militares da linha -dura” do
governo era pela proclamação do Estado de Sítio. A única ressalva foi que todos os
oficiais das Forças Armadas defendiam o mesmo ponto:
Ouviu os membros do órgão, que, na sua maioria, ainda achavam que o
Governo devia aguardar mais um pouco para a decretação do Estado de
Sítio, porquanto a notícia da segunda convocação do Conselho tinha
produzido os efeitos esperados na área da agitação, porque inclusive, a
imprensa havia falado naquela medida máxima. O Presidente era muito
sensível à moderação e aceitou os argumentos dos que achavam melhor
protelar a decretação da medida, embora, não fosse o pensamento dos
Ministros Militares, do Ministro da Justiça e dos Chefes do Gabinete
Militar e do SNI. (Portella, 1979: 567)
Já havia um consenso entre os militares do governo sobre a decretação do Estado
de Sítio, partilhando da mesma opinião o ministro da Justiça Gama e Silva. Costa e
219
Silva ainda não estava convencido.
O congresso encarava com mais propensão a luta institucional como uma forma
de reagir aos poderes do executivo, a fim de reduzir essa força. Por o outra
motivação, a oposição também se sentia suficientemente forte para propor anistia aos
estudantes enquadrados pela Lei de Segurança Nacional. O confronto entre os militares
e os deputados - representando as instituições da combalida democracia da época - pela
aprovação de projeto do congresso que previa a anistia para os estudantes envolvidos
em passeatas era nítido. As raízes para tensão entre políticos e militares o plantadas
neste conflito, mostrando que qualquer medida seria considerada uma desforra por parte
dos militares
94
. Segundo Portella,
Naquelas agitações especialmente nos comícios relâmpagos, a p olícia
prendia alguns agitadores, os quais eram enquadrados na Lei de
Segurança Nacional. Durante a convocação extraordinária do Congresso,
o Deputado Paulo Macárini, apresentou a Câmara um projeto de lei
anistiando os agitadores que haviam se envolvido na quelas ameaças, a
partir da morte do pseudo -estudante. Ele queria evitar que os agitadores
fossem processados como incursos na Lei de Segurança Nacional e,
conseqüentemente, condenados. Houve, da parte das Forças Armadas,
uma grande reação à aprovação do p rojeto, sento o Presidente informado
desse estado de espírito, pois consideravam uma afronta ao Governo da
Revolução. (Portella, 1979: 567)
O pior ainda poderia acontecer. Em setembro, o deputado Marcio Moreira Alves
pronuncia um discurso em que pedia um boicote militarista, em virtude da aproximação
com o Sete de Setembro. Em determinado momento do discurso, Moreira Alves pediu
que as moças não tirassem os cadetes para dançar, assim como conclama os pais a não
levarem os filhos para os tradicionais desfil es escolares, dentre outras coisas. Na visão
de Carlos Chagas, “Uma bobagem. Um discurso tolo, que ninguém está livre de
cometer tolices, mesmo um deputado. Tão pouca repercussão tiveram suas palavras que
94
Uma interessante passagem do confronto entre Portella e os estudantes foi a reunião entre o presidente
Costa e Silva e os líderes do movimento estudantil, em companhia de professores e parlamentares. Zuenir Ventura
relata o encontro que ocorreu com muita tensão e em desacordo com o Chefe do Gabinete Militar. Ver VENTURA,
Zuenir. 1968: o ano que não terminou . Rio de Janeiro : Nova Fronteira. 1988. pp 167 -172.
220
a liderança do governo as ignorou. Não houve respos ta, nenhum jornal, no dia, seguinte,
publicou uma linha sequer.” (Chagas, 1985: 127)
Nas suas memórias, Portella escreve que,
Esse discurso era a centelha para reacender as agitações que tinham
amainado, voltando as passeatas de estudantes e os comícios relâmpagos.
O Governo porém, agiu com energia, impedindo as passeatas, mas os
estudantes ligados à linha subversiva continuaram desafiando a polícia
realizando, em pontos previamente escolhidos, os seus comícios
relâmpagos. (Portella, 1979: 585)
De fato, os dias posteriores ao discurso de Marcio Moreira Alves não surtiu
nenhum efeito tanto na mídia, quanto nos quartéis, diferentemente do escrito por
Portella. Segundo Elio Gaspari, “salvo uma pequena nota publicada na Folha de S.
Paulo, ninguém ouviu falar no discurso” (Gaspari, 2002: 316). O discurso de Marcio
Moreira Alves chegou de fato ao conhecimento do governo dois dias depois, por
meio do Ministro do Exército, o General Lyra Tavares, que apenas recomendou atenção
do governo para as agressões “verb ais injustificáveis”. Entretanto, Portella serviu -se de
alcoviteiro: criou intrigas dentro do governo, e possivelmente, foi um dos responsáveis
por distribuir o discurso do deputado do MDB nos quartéis
95
. Pouco tempo, a crise que
aumentou nos últimos mes es, tornou-se insustentável. Inviolabilidade do mandato de
deputado que em tese garantiu a sua liberdade de expressão, era o alvo do processo
encaminhado pelos Ministros Militares que pediram licença ao Congresso para que o
deputado fosse cassado.
Jayme Portella, como principal colaborador do Presidente Costa e Silva,
aconselhava-o a buscar uma forma de punição ao deputado. Se o presidente acolhia ou
95
Segundo Carlos Chagas, “dezoito dias depois o texto integral do discurso es tava distribuído por todos os
quartéis e repartições militares do país, com um preâmbulo indignado onde era chamada a atenção do destinatário
impessoal para a maneira ‘como as Forças Armadas vinham sendo humilhadas e enxovalhadas pelo Congresso
Nacional’. Os autores? Nem haverá que perder tempos procurando -os. Eram os radicais do governo, importando
menos se usaram o papel do Centro de Informações do Exército, o mimeógrafo do SNI, os envelopes do Cenimar e os
datilógrafos do Gabinete Militar.” (Chagas, 1985 : 127)
221
não as ilações do general, em suas memórias o General Portella deixou seus
argumentos, tendo como um alvo p referido o Senador Daniel Krieger
96
, líder do
governo:
Achava o Senador Krieger que estando o deputado acobertado pelas
imunidades parlamentares, a que ele chamava de inviolabilidade, era
inútil, da parte do governo, qualquer providência de responsabilidad e
legal. O presidente, porém, não concordou, pois não era possível ficasse o
trêfego deputado impune depois de ofender às Forças Armadas do País.
Teria que haver uma fórmula ou medida que o responsabilizasse, pois que
a Revolução não havia se extinguido, e mbora o país estivesse sob o
império de uma Constituição muito liberal. O Senador Krieger não queria
compreender que um caso desse não podia ser tratado como
amabilidades, para não ferir a suscetibilidade da oposição e dos arenistas.
(Portella, 1979: 586)
O General Portella considerava que a situação de agitação também era permitida
devida ao ‘liberalismo’ da Constituição de 1967. Mesmo parecendo que de fato havia
uma institucionalidade em prática, o radicalismo militar, com Jayme Portella a frente,
entendia que a Revolução ainda se sobrepunha como o poder supremo do país. Neste
caso, as Forças Armadas não poderiam estar subordinadas ao jogo das leis ou de ações
do legislativo e judiciário. Para Portella,
O Senador Krieger, àquela altura, era muito influen ciado por certos
deputados da ARENA, como Rafael de Almeida Magalhães, Gilberto
Azeredo e outros, descontentes com o Governo, e o pressionavam para
aconselhar o Presidente a não tomar uma atitude forte, no caso, pois que
queriam -lo cada vez mais fraco e submisso ao Congresso. (Portella,
1979: 586)
O não agir do presidente poderia representar uma fraqueza perante o congresso.
Portella reafirmou que o presidente estava sob o controle do congresso. A ideologia do
96
Apesar de Portella não trazer no seu livro, vale mencionar que Daniel Krieger, ativo colaborador de
Castelo Branco e um dos principais incentivadores da candidatura de Costa e Silva, havia desde o começo do ano de
1968 se indisposto com o govern o, “por diversas vezes, alertara o amigo (Costa e Silva) pelos rumos que muitos
auxiliares tentavam imprimir ao governo. Protestou contra a marginalização dos políticos. Contra as prisões em
massa de estudantes. Contra a invasão, por tropa armada, da Unive rsidade de Brasília, contra a tentativa de
transformar do Parasar, grupo destinado a salvar vidas, dentro do Ministério da Aeronáutica, que o brigadeiro Penido
Burnier queria, graças a Deus inutilmente, obrigar a matar que, nas janelas da avenida Rio Branc o, estivesse jogando
sacos plásticos de água nos agentes da lei. (Chagas, 1985: 129)
222
general em sua práxis política constava qu e a “revolução” ainda não havia acabado e
que a legitimação parlamentar que representava a Arena como o partido da situação no
início do governo Costa e Silva o que já poderia ser descartada em nome das Forças
Armadas.
Além disso, a agitação estudantil er a o que mais tomava o tempo de Portella,
após uma manifestação na UNB, na qual deputados foram agredidos por policiais
militares, comandados pelo telefone do Gabinete Militar. Portella analisava a conjuntura
da época, denunciando a combinação de agitações estudantis e a manobras do
Congresso na tentativa de barrar a licença de cassação ao deputado Moreira Alves.
Alguns deputados da Arena faziam coro aos da Oposição, achando
que não havia por que punir o seu colega, pois que estava em pleno
direito de imunidades parlamentares, porquanto o discurso foi
pronunciado na tribuna da câmara. (Portella, 1979: 594)
Para Portella não havia imunidades que pudessem permitir que o ataque às
Forças Armadas ficasse barato. Pois, mesmo a Arena, partido do governo, vac ilou ao
ficar do lado do deputado Márcio Moreira Alves.
Num discurso em que recebeu a Ordem Nacional do Mérito, o Presidente Costa
e Silva fez diversas ameaças aos parlamentares do congresso, reafirmando as virtudes
das Forças Armadas. Em certa passagem, sobre o discurso do deputado ‘emedebista’,
afirmou que “nem a magnífica instituição das Forças Armadas foi poupada. As Forças
Armadas que tem dado admirável exemplo do seu espírito democrático, de disciplina,
de civismo e de desprendimento”. Escreveu Jayme Portella, sobre o discurso de Costa e
Silva: “Não estava enganando mas alertando para que não prosseguissem no intento
provocador, pois que reagiria. Foi tolerante, apelou para o bom senso dos que
desejavam destruir a Revolução.” (Portella, 1979: 601)
223
Junto com a questão de Marcio Moreira Alves e as intentonas militares de
processar o deputado, a partir do segundo semestre de 1968, houve uma transformação
no sentido que caminhava a luta de classes no país. Se no primeiro semestre, as
manifestações estudant is e o confronto com a polícia marcavam o tom das mobilizações
política, a partir de agosto a esquerda armada iniciava a sua guinada para uma estratégia
de luta que levou ao seu isolamento político e a destruição de muitas vidas
97
.
A partir de outubro a que stão Marcio Moreira Alves tomou corpo em todos os
meios de comunicação, polarizando uma divergência crucial para o regime que se
iniciou em 1964 e que buscou a todo custo legitimação: seria o poder legislativo
inviolável? Seriam as Forças Armadas acima das instituições democráticas, defendidas
pelos políticos?
Portella entrou nesse debate ao responder a carta de Daniel Krieger,
encaminhada ao presidente Costa e Silva. Em suma, a posição do der do governo da
97
A estratégia adotada pela esquerda nos anos de 1968 e 1969 partiu da constatação que na havia mais
possibilidade nas lutas de massas,pois com o fechamento da ditadura militar a próxima etapa seria a luta armada.
Segundo Gorender, “Ao iniciar -se o ano de 1969, a ALN e a VPR concluíram que o comprometimento prático com a
luta armada se confirmou acertado diante do fechamento complete da ditadura militar. O capítulo das lu tas de massas
estava encerrado. Nas trevas da clandestinidade, não havia resposta possível que não a do combate pelas armas. As
vanguardas revolucionarias nao podiam ser partidos políticos com braços armadas , mas organizações de corpo
inteiro militarizadas e voltadas para as tarefas da luta armada” (Gorender, 1987: 153) Fortemente influenciados pela
tese do foquismo de Régis Debray e com o exemplo da Revolução Cubana de 1959. As organizações de esquerda
entendiam que o passo fundamental para a revolução b rasileira passava pela guerrilha e a ação armada das
vanguardas que seriam amparadas pelas massas. A ALN foi ainda mais longe e no ano de 1969 Carlos Marighella
acreditava na guerrilha rural como instrumento de vanguarda na luta contra a ditadura: “a direç ão da ALN preparava
a transferência dos combatentes do primeiro GTA paulista para o Sul do Pará. De acordo com o plano previsto, a
região devia ser o ponto de convergência de ações guerrilheiras simultâneas que iam partir de áreas rurais do Norte do
Paraná, Dourados (Mato Grosso), Chapada Diamantina (Bahia) e Guapiassu, no Oeste de São Paulo.”(Gorender,
1987: 155) A ação organizada da repressão e a falta de apoio popular as ações armadas da esquerda, causaram
diversos rachas nas organizações de lutas, ao me smo tempo em que toda uma geração militante se perdiam nos
porões ou eram assassinados pelos militares. Gorender apresenta uma auto -critica (pois foi militante do PCB e do
PCBR) e uma crítica mordaz aos movimentos de esquerda pelas posições “vanguardistas” que se mostraram na
prática inviáveis. A partir de considerações sobre as razoes de não ter havido uma luta no abril de 1964, o autor
finaliza assim: “A luta armada s -64 se expôs neste livro, sob os aspectos que julguei mais significativos. A meu
ver, teve a significação de violência retardada. Não travada em março -abril de 1964 contra o golpe militar direitista, a
luta armada começou a ser tentada pela esquerda em 1965 e desfechada em definitivo a partir de 1968, quando o
adversário dominava o poder do Estado, dispunha de pleno apoio nas fileiras das Forças Armadas e destroçara os
principais movimentos de massa organizados. Em condições desfavoráveis, cada vez mais distanciada da classe
operária, do campesinato e das camadas médias urbanas, a esquerda ra dical não podia deixar de adotar a concepção
da violência incondicionada para justificar a luta armada imediata. A esquerda brasileira se motivou em suas próprias
razões e as reforçou com idéias de impacto internacional nos anos 60. Nas circunstâncias da é poca, a concepção da
violência incondicionada se traduziu praticamente em foquismo e terrorismo. A derrota era inevitável. O que está
demonstrado.” (Gorender, 1987: 249 -50)
224
ditadura era de conciliar as posições e reafirm ar os poderes do Ato Institucional 4.
Afirmou Krieger,
O deputado é, nos termos do Art. 34, da Constituição, inviolável no
exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos. A
inviolabilidade exclui o caráter delituoso da ação que pratica na tr ibuna,
pareceres e votos. Em face do texto claro da Constituição e do
indiscutível conceito de inviolabilidade, não pode, portanto, o deputado
ser responsabilizado por discursos proferidos da Tribuna da Câmara,
votos e pareceres. (apud Portella, 1979: 606)
Os políticos da Arena, desde o governo de Castelo Branco, prendiam -se a uma
visão de que o movimento de 1964 não foi golpista, mas redentor. E a nova
institucionalidade era absoluta na resolução e na definição dos limites dos poderes
legislativos, executivos e judiciários. Como se não existisse contradição nenhuma e
vivêssemos o mais puros dos regimes liberais. Afirma Portella,
Ora, o Senador não sugeriu ao Governo qualquer solução. Preocupava -se,
tão somente, coma manutenção do regime, mas não consid erou que a
honra das Forças Armadas estava em jogo, pois elas foram insultadas por
um deputado marxista que abusou das imunidades para feri -las. Elas
tinham que ser desagravadas, pois os seus comandantes respectivos
pediram em seu nome, ao Chefe da Nação, seu Comandante Supremo,
que fossem desagravadas dos insultos gratuitamente recebidos. No
entanto, o Senador Krieger tinha, como maior preocupação, a
manutenção do regime. (Portella, 1979: 607)
Diferentemente de outros militares os esguianos que pretendiam um
encaminhamento rumo a normalização do regime (com vários percalços visto no
capítulo III), para Portella e expoente do durismo não havia nenhum regime para ser
mantido, mas a defesa irrestrita das Forças Armadas. E como que o discurso de Márcio
Moreira Alves ganhava vultos e importância que nunca pretendeu possuir, a honra das
Forças Armadas estava ameaçada. Nesse sentido, uma colisão entre Forças
225
Armadas e congresso era prevista, pois “a opção pelo encaminhamento de um pedido de
licença para processar o deputado forneceu não apenas uma via jurídica concreta como
estabeleceu previsível rota de choque entre Forças Armadas e Congresso Nacional, ao
colocar na alça da mira o instituto da inviolabilidade parlamentar. No contexto da
época, o Parlamento dificilmente abdicaria dessa prerrogativa” (Martins Filho, 1996:
149).
Jayme Portella presenciou uma ascensão temerosa das forças sociais de oposição
ao regime. Mesmo que tivesse amainado no segundo semestre de 1968, havia ainda no
ar rastros de mobilizaç ões. E para a linha -dura presente no Palácio do Planalto, o
processo revolucionário encontrava -se em curso:
Como líder do governo, no Senado e Presidente do partido que apoiava o
Governo, não disse, na sua carta, que ia arregaçar as mangas para
desagravar as Forças Armadas, que sustentavam o regime dentro do
processo revolucionário em curso. (Portella, 1979: 607)
A visão do militar era que se o processo “revolucionário” ainda não estava
estancado, as Forças Armadas ainda cumpriam um papel singular de sust entação do
regime. Por isso que “era claro que queriam ver a derrota do Governo, na Câmara, o seu
enfraquecimento e da Revolução, fortalecendo, assim, o Legislativo” (Portella, 1979:
608).
Entre os dias que decorreram do início da crise Márcio Moreira Alve s e ao
desenrolar do AI-5, houve alguns acontecimentos que demonstravam o grau de tensão
envolvendo os grupos sociais. Por exemplo, o Congresso da UNE em Ibiúna no mês de
outubro. Convocado para expressar a união estudantil contra a repressão da ditadura,
além de decidir a nova direção da entidade, o malogrado congresso perdeu -se entre as
disputas fratricidas das diversas correntes. Finalmente, depois de intermináveis
discussões, a Fazenda Munduru foi invadida por mais de quatrocentos homens
226
fortemente armados. Para Zuenir Ventura, “olhando retrospectivamente, o XXX
Congresso da UNE, mais do que um erro, foi um ato politicamente suicida. Não se
conhece uma organização capaz de reunir cerda de mil pessoas clandestinamente. É
evidente que a polícia descobriria .”(Ventura, 1988: 250). Obviamente, a distância sobre
o fato permite uma análise não tanto isenta, mas no conforto das opções que deram
errado. Obviamente, a distância sobre os fatos, do contrário que se imagina, não permite
uma análise isenta, mas no conf orto das opções que deram errado
98
.
Um outro exemplo da tensão presente no período foi o massacre cultural, cuja as
primeiras vítimas foram os artistas da peça Roda Viva. Por onde visitavam a encenação
teatral, escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez, era recebida com
grande participação do público e com as botas do Comando de Caça aos Comunistas
(CCC). De São Paulo até Porto Alegre, eram sentidos, fisicamente, os sinais da
truculência da repressão: Marília Pêra uma das protagonistas da peça foi despida por
seus algozes, depois que o teatro Ruth Escobar, em São Paulo, foi invadido por dezenas
de pessoas, entre elas, alguns militares.
O caso Márcio Moreira Alves ressoava na imprensa com muita apreensão de
todos, inclusive os argutos defen sores da institucionalidade criada em 1964. Segundo
esses analistas, a pressão sobre o Congresso para autorizar o processo do executivo
sobre Marcio Alves trazia instabilidade ao sistema. Em 04 de novembro de 1968, o
colunista Castelinho escreveu:
A crise e política e, como tal, pode ter solução política. Pela primeira
vez ela não se conjuga com dificuldades materiais imediatas do país, nem
decorre delas. um estrangulamento, uma sufocação das instituições
políticas e, como decorrência, o recurso a si mples processos de agitação
para suprir o depauperamento dos Partidos, a debilidade do Congresso e a
perplexidade do Presidente da República. A agitação não está só nas ruas,
98
O Congresso da UNE levou numa tacada diversos militantes de esquerda, assim como algumas
lideranças importantes como José Dirceu, Vladimir Palmeira e Luis Travassos, porém ela representava uma tentativa
de organizar a militância frente a reação armada e a repressão militar. Entretanto, se perdeu nas discussões entre as
várias tendências. (Gorender, 1987), (Martins Filho, 1987)
227
mas também nos gabinetes, onde fervem os espíritos e de onde partem
emanações pânicas. (Castello Branco, 2007: 589)
Do ponto de vista do governo, Costa e Silva e Jayme Portella operavam diversas
alterações na base da Arena como forma de garantir a aprovação da representação na
Comissão de Constituição e Justiça:
Começaram a chegar as informações de que a Comissão de Constituição
e Justiça era contrária á aprovação da medida. Eu procurei me aprofundar
nas informações, através dos assessores parlamentares da Presidência da
República e dos Ministérios Militares e tive a confirmação de qu e a
proposição não passaria: congressistas da Arena, que se opunham à
aprovação, davam á oposição a maioria para rejeitá -la. Deputados e
Senadores leais ao Governo, também informavam que o pedido para
processar o deputado faltoso não seria aprovado naquela comissão.
(Portella, 1979: 623)
Neste sentido, com a liderança de Geraldo Freire e as ordens do governo, a
Arena foi modificando os seus componentes da Comissão, adequando os deputados
dispostos a aprovarem a representação do executivo. Portella estava informado de todas
as ações da base parlamentar, inclusive das tentativas de Daniel Krieger de aprovar uma
medida de consenso que suspenderia o deputado Marcio Alves:
A esse tempo, soube -se que o Senador Daniel Krieger articulava fórmula
para a Câmara aplicar uma suspensão ao Deputado Márcio Moreira
Alves. Ora, àquela altura dos acontecimentos, o Presidente não podia
concordar, mesmo porque não atendia aos reclamos das Forças Armadas,
agredidas e inconformadas, a pedir aos seus chefes uma punição severa,
cassação do mandato e punição na Justiça. (Portella, 1979: 623)
Para nós, neste tempo, é muito difícil de avaliar grau de tensão nos quartéis
diante do episódio Marcio Alves. Portella fez muito alarde sobre esta situação,
destacando que não haveria condiç ões das Forças Armadas aceitarem a recusa do
Congresso em processar o deputado,
228
Os Ministros Militares estavam ansiosos pela solução do caso Márcio
Alves, pois o ambiente nos quartéis, bases aéreas, navios e organizações
militares era absolutamente tenso; não se falava em outra coisa. (Portella,
1979: 623)
Alguns autores chegam a reafirmar que a ansiedade pela decisão estava mais em
Brasília do que em qualquer outro lugar. Para Carlos Chagas era muito mais uma
orquestração palaciana dos “duros”, em que a reafirmação do mandato de Márcio Alves
era considerado honra para todos os parlamentares: “parece incrível como tudo
aconteceu, como ninguém acordou para a trama em andamento ou, acordado, não tentou
impedi-la” (Chagas, 1985: 130).
Nesse momento, as contr adições beiravam inclusive a relação entre a “linha -
dura” e Jayme Portella. Ao mesmo tempo em que o general reforçava a opinião comum
de que as Forças Armadas defendiam a cassação do deputado Marcio Alves, de outro
lado, um importante expoente do “linha -dura” manifestava-se contrário a representação
do executivo:
Os entendimentos entre o Coronel Francisco Boaventura Cavalcanti, com
os deputados que se opunham à concessão da Câmara para processar o
Deputado Marcio Alves intensificavam -se, e eram acompanhado s pelo
SNI e órgãos de informações dos Ministérios Militares. O Coronel
Boaventura liderava um pequeno grupo de oficiais e fazia contatos com
aqueles deputados, inclusive o Deputado Mario Covas, da representação
de São Paulo, e os estimulava a não ceder, p ois nada aconteceria; o
governo estaria sem forças para reagir. (Portella, 1979: 625)
O Coronel Boaventura foi sempre um dos mais lebres porta -vozes da “linha-
dura”, manifestando-se contra o governo Castelo Branco em várias oportunidades. Para
João Roberto Martins, os chamados “duros” pareciam cumprir um outro papel nesse
momento, o de se colocar contra o governo Costa e Silva, respondendo a atividade
central que o Gabinete Militar passou a ocupar a partir do ano de 1968: “só nesse
contexto parece possí vel entender o papel da “linha -dura” nessa conjuntura. Ao
contrário do que tem defendido os estudiosos desse período, aqui os “duros” não
229
parecem ter sido motor da nova etapa de militarização” (Martins Filho, 1996: 138). No
sentido de embasar esta interpre tação, Martins Filho alerta sobre as diversas notícias
que davam conta das desavenças entre a “linha -dura” e o governo Costa e Silva, com
especial foco no Chefe do Gabinete Militar Jayme Portella
99
. Podem-se aludir que a
“linha-dura” não apoiava mais o gove rno Costa e Silva, entretanto, não podemos
afirmar que o avanço militarista não correspondia ao pensamento de vários oficiais que
compuseram a linha -dura” na época do governo Castelo Branco e que agora partiam
para ações diretas de confronto com os estuda ntes com um forte complemento fascista.
A linha-dura”, ao mesmo tempo apresentava-se contra o governo e contra Portella na
repressão aos estudantes e se manifestava contra a cassação de Marcio Alves, poderia
apresentar, com outros porta -vozes, ponto de vistas distintos, como a manifestação
contrária a tese de “Pacificação Nacional” proposta por Luis Vianna
100
.
Militares da chamada linha -dura revelaram, ontem, que es tão dispostos a
enviar um documento ao Presidente da Re pública demonstrando que se o
Marechal Costa e Silva aceitar "certas manobras de políticos visando a
pacificação dos inimigos da Revolução, criará in tranquilidade para seu
Governo, pois, significaria a volta dos corruptos e subversivos".
Afirmaram que "o Exército Jamais concordará com e ssas manobra e que
os altos chefes militares têm deixado bem claro em seus
pronunciamentos, inclusive o próprio Marechal Cos ta e Silva quando
Ministro da Guerra, de que não vão permi tir que o País retorne ao caos do
passado" Os revolucionários ortodoxos , alguns com comando de tropa
disseram preocupados e acompanhando a evolução política do País.
Explicaram que têm sido procurados por civis que se mostram, também,
pre-ooupados, principalmente em face das manobras articuladas pelo
99
Em notícia de março de 1968, no auge da crise estudantil, alguns porta vozes da “linha -dura” cobravam o
governo Costa e Silva: Elogiam a conduta pessoal do Presi dente Costa e Silva, mas deploram a acão d e alguns de
seus assessores, aos quais res ponsabilizam pela falta de unidade de co mando do Governo, quer em termos polí ticos,
quer em termos administrativos. Quanto ao custo de vida, compreendem que o Governo não teve tempo, apenas com
um ano de acão, para obter um rendimento razoável, mas esperam que este ano possa apresentar um resultado mais
otimista. Reconhecem que o bipartidarismo existente no País é artificial e responsável pela falta de autenticidade dos
Partidos existentes, mas criticam a atuaçã o da ARENA, que não tem se constituído à al tura de suas responsabilidades.
Reconhecem., todavia, que o Presidente da Repú blica mostra-se omisso quanto à questão política. Não se mostram
magoados com algumas transferências de seus companheiros, pelas qu ais responsabilizam diretamente o Chefe da
Casa Militar, General Jaime Portela.” (JB, 07 de março de 1968, p.04)
100
Segundo João Roberto Martins, escrevendo em 1968 sobre as ida e vindas da linha -dura”: “Em abril, os
coronéis fizeram declarações contraria s ao belicismo do governo no tratamento da questão estudantil. Pouco depois, o
comandante do II exército, general Carvalho Lisboa, ex -presidente do Clube Militar eleito com apoio dos duros, faria
um pronunciamento brando em defesa das ‘instituições’. Em me ados de Agosto, por fim, atribui -se ao coronel Osnelli
Martinelli um encontro com o ex -presidente Juscelino.” (Martins Filho, 1996: 139)
230
atual Governador da Ba hia, Sr. Luís Viana Pilho, que defende a tese da
pacificação política. Para os militares "não deixa de ser curioso que o
antigo Chefe da Casa Civil do ex -Presi-dente Castelo Branco esteja
buscando contatos com as áreas de Oposição à Revolução". - O que
realmente pretende o atual Governador da Bahia é a confraternização
com o passado e o esquecimento de tudo. o que não deixa de ser os pri -
meiros sintomas de uma mecâ nica visando a anistia. Com is so não
concordamos Achamos que a Revolução está tendo trágico destino.”
(Jornal do Brasil, 15/02/68, p. 03)
Percebe-se que nesse momento a “linha -dura” não possuía uma liderança forte
que fizesse o papel de “condestável” do presidente Costa e Silva. No passado, Costa e
Silva havia fiado a permanência de Castelo Bran co nos episódios que levaram a
promulgação do AI-2. A não existência de um líder forte, com presença nas Forças
Armadas, talvez justifique o papel secundário ocupada pela “linha -dura” nos
antecedentes do AI-5, se considerar o papel de alguns dos coronéis m ais associados ao
grupo militar (Boaventura Cavalcanti, Osnelli Martinelli)
101
Porém, isso não impede de afirmar a importância das bandeiras da linha -dura
para o processo que se avolumava em direção ao AI -5. O confronto entre poder
legislativo e executivo, e m nome da manutenção da “Revolução” e o desagravo das
Forças Armadas como razão absoluta para se cassar Márcio Moreira Alves, adequaram -
se a algumas das bandeiras defendidas pelo durismo no passado. Jayme Portella,
pertencente ou não da linha -dura”, encarnou o poder militar e a consciência
revolucionária de Costa e Silva. Numa direta alusão ao General Jayme Portella,
Castelinho afirmou que
Se pessoas de dentro do Governo ou oriundas das suas bases de poder se
julgam no direito de sugerir ao Presidente que pratique atos
discricionários, isso revela, de um lado, diagnóstico extremamente
pessimista da situação, o que não condiz com o otimismo das declarações
oficiais, e de outro lado, a idéia de que o Marechal Costa e Silva possa
101
Novamente, uma ressalva: muito das manifestações públicas do durismo contra o governo eram atribuídas
aos coronéis da “linha-dura”, mas é muito difícil de acreditar que a “linha -dura” pudesse defender o deputado Márcio
Moreira Alves. O fato é que o Coronel Francisco Boaventura Cavalcanti foi o único militar enquadrado no Ato
Institucional nº 5.
231
dobrar-se às razões invocadas, terminando por incorporar -se ao comando
da guerra revolucionária. Não se deve esquecer que esse tipo de guerra se
faz de dois lados, com os terroristas de rua e com os terroristas de
gabinete. (Castello Branco, 2007: 527)
No nosso entendimento, o papel de Portella no ano de 1968 foi decisivo para as
tomadas de decisão do presidente: desde a transformação das atribuições do Conselho
de Segurança Nacional, passando pelo decreto que cassava os direitos políticos da
Frente Ampla, chegando, finalmente, a repr essão estudantil e os estudos promovidos no
âmbito da Secretaria Geral, Portella exercia uma influência política sobre Costa e Silva,
similar ao de Golbery do Couto e Silva sobre Geisel alguns anos mais tarde. A
“estocada” final do Gabinete Militar é o AI -5.
Após a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça e com pressão do
executivo para que se votasse ainda em 1968, a proposição de se cassar Marcio Alves
chegou a pauta do Congresso. Algumas discordâncias depois e o desejo do MDB de que
a votação fosse levada para março de 1969 (Portella, 1979), finalmente, no dia 12 de
dezembro de 1968 foi escolhido para o acontecimento político do ano para o Congresso.
O clima no parlamento era de o aprovação desde os primeiros dias de
dezembro. Vale mencionar que o Congresso (os deputados do MDB e da Arena)
entendia que o fim da “revolução” de 1964 poderia ser determinado pela manutenção da
inviolabilidade do discurso parlamentar. Como que se num passe de mágica, toda a
repressão desencadeada por militares travesti dos de CCC, os ataques à liberdade de
imprensa, aos estudantes e aos trabalhadores pudessem desaparecer junto com a derrota
dos militares. Segundo Chagas, ironicamente, “bastaria que se completasse a negativa
da licença para que todos pudessem comemorar o fim da revolução. Raiava a alvorada
da redenção dos políticos” (Chagas, 1985: 130).
Entretanto, os militares não compreendiam dessa forma e Portella era informado
sobre as idas e as vindas dos parlamentares, tendo a disposição os órgãos de informação
232
e contra-informação centrados no Gabinete Militar
102
. No dia 10 de Dezembro, após a
aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça , vários deputados da Arena fizeram
discursos contra o governo, conclamando uma reação da Casa. Entre eles, o deputado
Djalma Marinho que segundo Portella,
Disse que havia entendido ser do seu dever preservar a instituição,
quando se opôs, na Comissão, que fosse concedida a licença para
processar o deputado por palavras proferidas da tribuna da Câmara. Que
o princípio da inviolabil idade do mandato o predispôs a amparar com o
seu voto, pois que o privilégio era da instituição. (Portella, 1979: 633)
Portella, em sua crítica a postura do deputado Djalma Marinho, ressaltou um
princípio que é o nódulo ideológico fundamental da sua argum entação de defesa do AI -
5: as Forças Armadas estavam acima de um mandato parlamentar.
Quanta consideração e apreço tinham o Srs. Djalma Marinho, Francelino
Pereira e outros que foram substituídos na Comissão de Constituição e
Justiça, pelas Forças Armadas do seu país, agredidas por um deputado
irresponsável a serviço das esquerdas internacionais , que ao invés de
defendê-las e desagravá-las, preferiam defender o mandato do
companheiro faltoso, por considerá -lo intocável! (Portella, 1979: 633)
A diferenciação proposital entre as Forças Armadas do seu país e as esquerdas
internacionais reforçam situação de guerra que não havia acabado ainda, de uma
“revolução” a ser defendida. Lógico que para os parlamentares a defesa da
inviolabilidade não estava relacio nada à defesa de Márcio Moreira Alves que não era
membro do Partido Comunista, mas defensor de um princípio liberal -democrático
intrínseco ao exercício do mandato parlamentar. A não admissão de que o regime de
advindo de 1964 era uma ditadura, contribuía p ara que os parlamentares acreditassem
piamente na defesa dessa bandeira. Carlos Castello Branco, novamente, escreveu um
102
Durante todo o seu li vro, Portella não cansa de expor que a cada ato da oposição no Congresso, haviam
agentes seus disfarçados: “tudo quanto ocorria nos bastidores do Congresso e da Arena, o governo tomava
conhecimento, pois os órgãos de informações trabalhavam dia e noite, se m interrupção.” (Portella, 1979: 625)
233
artigo as vésperas do fatídico dia 12 de dezembro, sob o título de “Conceder licença não
é imposição militar” uma defesa inglória de um regime político que nunca havia se
preocupado em manter a democracia, mas expurgar os seus inimigos e defender o
capitalismo, pois “a concessão da licença para processar o Deputado Márcio Moreira
Alves o é uma exigência das Forças Armadas nem é uma quest ão militar, mas mera
determinação do Governo e um problema do Presidente e dos seus Ministros. Essa a
convicção dos dirigentes do MDB e de próceres da Arena que refrescaram no final da
semana seus contatos com importantes personalidades militares. A totali dade dos
oficiais repele o discurso do deputado carioca, mas a maioria está longe de atribuir -lhe
tal importância a ponto de condicionar à degola do jovem parlamentar a sobrevivência
das instituições democráticas” (Castello Branco, 2007: 598).
No dia da votação, acompanhado por Portella, Costa e Silva estava no Rio de
Janeiro para ser paraninfo de uma turma de formandos da PUC/RJ. O chefe do Gabinete
Militar contabilizava a derrota fragorosa do governo em contato com os seus
assessores:
Telefonei para os meus assessores em Brasília e pedi que dessem o
resultado oficial, recebendo a seguinte resposta: 216 votos contra a
licença para processar o deputado faltoso, 136 votos a favor da medida,
12 votos em branco deixando de comparecer 24 deputados da Arena ,
embora, se encontrassem em Brasília. Recomendei aos méis assessores
para apurarem por todos os meios possíveis, quantos e quais deputados da
Arena votaram contra o Governo ou em branco e os que não
compareceram a Câmara. (Portella, 1979: 640)
A sessão na Câmara havia sido repleta de discursos de defesa da democracia, da
liberdade, do deputado Marcio Alves, etc. Inclusive, o próprio ameaçado fez o primeiro
discurso, retratando-se diante das Forças Armadas, afirmando que nunca teve o
interesse de ofender a honra do Exército ou dos militares (Chagas, 1985). Após a
234
votação e a constatação da derrota do governo, todos saíram de braços erguidos,
cantando o hino nacional e acreditando que a democracia havia se restabelecido.
Entre o final da sessão do dia 12, at é o dia 13 de Dezembro, uma sexta -feira, o
presidente Costa e Silva e seu Chefe do Gabinete Militar comandaram o silencio das
Forças Armadas. Costa e Silva resolveu aguardar até o próximo dia, quando seria
realizada uma reunião entre o presidente, os Minis tros Militares, os Chefes de Gabinete,
o Ministro da Justiça e o Chefe do SNI para avaliar o caso, e depois uma sessão do
Conselho de Segurança Nacional. A maioria dos chefes militares encaminhou -se para o
Palácio Laranjeiras, no qual Costa e Silva não re ceberia ninguém, a não ser seu
inseparável assessor. Ao encontrar o Ministro Lyra Tavares, o único que seria recebido
pelo presidente, Costa e Silva informou que a decisão ficaria para o dia seguinte, apesar
da insatisfação militar que crescia.
Para Portella, um bloco de anotações foi apresentado o que seria o rascunho do
Ato Institucional:
Voltei ao gabinete do Presidente para lhe transmitir as informações dos
Ministros da Marinha e da Aeronáutica. Ele tranquilamente, ouvia
músicas clássicas e fazia palav ras cruzadas, que era um dos seus robis
Transmitiu as informações e ele fez mais algumas indagações e
comentários sobre o caso em foco. Ele apanhou um bloco de memorando
que estava a um lado, sobre a mesa e mostrou -me o que estava escrito.
Era a sua decisão sobre o caso Marcio Alves. Ele havia reformulado os
itens que me mostrara no avião e acrescentou mais um, “Recesso do
Congresso”. (Portella, 1979: 642)
Nesse sentido, a polêmica sobre se Costa e Silva tinha anotado o AI -5 ou não,
revela muito sobre aque las horas que antecederam a sessão do Conselho de Segurança
Nacional: Costa e Silva havia manifestado intensamente o seu desconforto diante da
decisão do Congresso
103
, se anteriormente hesitou em decretar o Estado de Sítio que
103
Portella apresenta diversos trechos de conversas Costa e Silva, em que o presidente informava:
“Mencionou que jurara a Constituição de 1967 e tudo fizera para cumpri -la, mas entre o juramento e o destino do
235
sempre foi acalentado pelos seu s assessores militares, aos olhos de Jayme Portella não
poderia ficar para a história o fato de o ter tomado partido intensamente dessa
decisão. Carlos Chagas faz uma importante análise sobre a versão do Chefe de Gabinete
Militar: “a versão do Chefe do G abinete Militar parece arrumadinha demais, e se choca
com os fatos do dia seguinte, quando o presidente hesitará em não editar o Ato
Institucional. Se o general Portella escreveu o que gostaria de ter ouvido, não o ouviu,
ninguém poderá saber, pois costuma va viajar sozinho com o general Costa e Silva, na
cabina do Boeing presidencial. Se imaginou o diálogo, vale tentar compreende -lo, não
apenas condená-lo. Portella era daqueles que só acreditava na exceção. Como ela
acabou vindo, julgou sua missão melhorar a imagem do chefe, ainda que,
paradoxalmente, só a tenha piorado” (Chagas, 1985: 130).
As idas e vindas de diversas autoridades militares ao Palácio Laranjeiras
demonstravam a impaciência dos militares. Para a sociedade o clima era de espera e
ansiedade para o dia seguinte. Jayme Portella iniciou o Ato Institucional nº 5 ordenando
a censura prévia de todos os meios de comunicação encaminhando agentes federais para
diversas redações dos jornais mais importantes do país.
Mandei chamar o Presidente do CONTEL e determinei que recomendasse
aos seus órgãos, nos Estados, que não permitissem a divulgação pelo
rádio e televisão de quaisquer comentários sobre a decisão da Câmara, no
caso Marcio Alves, ou mesmo de assuntos políticos partidários. (Portella,
1979: 644)
O temor de Portella era que se repetisse uma nova “Cadeia da Legalidade”
quando a população gaúcha foi mobilizada a defender a posse do presidente João
Goulart. O instrumento foi a adesão das diversas redes de rádio do estado do Rio
Grande Sul que transm itiam os discursos do governador Leonel Brizola.
país, que periclitava, podendo rolar para um despenhadeiro imprevisível, preferia faltar como aquele e salvar a Pátria,
pois, além de Presidente, era o Comandante -em-Chefe das Forças Armadas e cumpria -lhe defende-las e mantê-las
integra para o bem do país.” (Porte lla, 1979: 639) Se hesitara ou não em decretar o AI -5, Costa e Silva foi convencido
pela força militar que de fato integrava a cúpula do seu governo, Portella fazendo parte dela.
236
Tinha receio que os elementos contrários colocassem uma cadeia de rádio
e televisão no ar, à semelhança do que ocorrera, em 1961, em Porto
Alegre, e o governo quando quisesse tomar uma atitude, seria tarde e
estaria perdido. (Portella, 1979:647)
Confinado em seu quarto, Costa e Silva apenas ouvia do seu assessor as visitas
da noite: Albuquerque Lima, Syseno Sarmento e Gama e Silva. Portella, ainda na noite,
como a principal autoridade do país, ordenou tamb ém a vigília permanente de vários
deputados do MDB:
Eu havia recomendado à Polícia Federal e à Polícia do Distrito Federal,
em Brasília, para vigiarem os Deputados David Lerer, Márcio Alves,
Mário Covas, Luiz Sabiá, Mata Machado, Hermano Alves e outros da
linha de esquerda, para serem detidos a qualquer momento, mas mediante
ordem. (Portella, 1979: 648)
O dia chegou e Costa e Silva não havia sido deposto. Havia mantido a sua
liderança dentro das Forças Armadas a custa das diversas ligações telefônicas rea lizadas
por Jayme Portella a todos os comandos das Forças Armadas reafirmando que o
presidente faria alguma coisa, isto não ficaria assim, etc. Em conversa com o Chefe do
SNI, Emílio Médici ao responder algumas indagações do general, compartilhou o seu
sentimento sobre a atitude do Presidente: “disse -lhe, apenas, que ‘era para valer’”.
Após a primeira reunião convocada pelo presidente com a participação dos
ministros militares, dos chefes dos Gabinetes Civil e Militar, do Ministro da Justiça e do
Chefe do SNI, Costa e Silva organizou as suas anotações com as de Gama e Silva, além
de algumas sugestões dos presentes, pedindo que o ministro preparasse o Ato
Institucional para a reunião do Conselho de Segurança Nacional. Segundo Carlos
Chagas, “cada general tin ha o seu ato pronto, preparados os textos naquela noite, no
calor das emoções radicais, ou muito antes, na pérfida e fria atmosfera das conspirações
prolongadas. Sustentaram junto ao presidente que um ao deveria ser editado, ainda
naquele dia” (Chagas, 198 5: 133).
237
Na hora da reunião, o presidente Costa e Silva chamou o vice -presidente para
ouvir sua opinião sobre o que ocorreria naquele momento. Carlos Chagas põe algumas
interrogações sobre o teor da conversa: “De pé, quando todos estão sentados, Costa e
Silva explicou a Pedro Aleixo o que estava para acontecer. Ou no mínimo, o que os
militares querem que aconteça.” (Chagas, 1985: 133)
A consulta ao CSN não teve muito efeito naquele momento, como afirma Elio
Gaspari, “suas decisões, sem a chancela do preside nte, nada valiam. Sua competência
legal para tratar da matéria levada à suposta consulta era nula.”(Gaspari, 2002: 333).
Isto corroborou para dúvidas que cercavam o presidente Costa e Silva: realizar uma
reunião de um conselho apenas consultivo permitia qu e o presidente pudesse ouvir
outras opiniões. E o seu vice -presidente Pedro Aleixo era o único que discordava da
ação militar que estava colocada em prática.
Segundo Portella, Pedro Aleixo,
Defendeu a tese da decretação do Estado de Sítio, achando que era a
solução para o caso, enquanto as paixões amainassem, sendo contrário ao
recesso do Congresso. Fez um discurso de cerca de 30 minutos,
defendendo a sua tese, com aquela firmeza e serenidade que lhe eram
peculiares, sem, entretanto considerar que o seu po nto de vista não
reparava os insultos assacados contra as Forças Armadas, ao contrário,
concorria para agravar a situação. (Portella, 1979: 655)
Após o discurso do vice -presidente, todos os demais membros da CSN
manifestaram-se a favor do AI-5. Civis como os Ministros Delfim Netto e Hélio Beltrão
afirmaram não existir nenhuma ameaça ao desenvolvimento econômico do país
(Chagas, 1985). Um a um, os ministros civis e militares do governo Costa e Silva
aprovavam o atroz Ato 5, eliminando todas as garantias leg ais dos indivíduos, como o
habeas corpus, intervindo no Supremo Tribunal Federal, cassando deputados e
senadores e fechando o Congresso. Em certo momento, o Ministro do Trabalho Jarbas
238
Passarinho diz ao presidente: “Sei que Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos
os membros desse Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas
me parece claramente é esta que está claramente é essa que está diante de nós. (...) às
favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciê ncia”.
104
Após todos os pronunciamentos e a aprovação de um a um, segundo Portella,
O resultado da votação foi de 23 a favor e um contra, ao ato, este do vice-
presidente Pedro Aleixo. Ele era um democrata, realmente, um jurista,
um homem de formação libera l e que aceitou a Revolução como um meio
de se por fim a baderna existente no País. Achava que o discurso do
deputado Marcio Alves não tinha grande conteúdo, mas seu mandato
devia ser respeitado, embora ficassem atingidas as Forças Armadas.
(Portella, 1979: 656)
A crítica de Portella ao vice -presidente expõe a compreensão do militar sobre o
que o AI-5 de fato não representava: não defenderia a democracia e nem liberalismo,
mas a “revolução” dos militares. Além disso, Portella sugeriu que Aleixo não seria u m
“revolucionário” de fato, pois teria aceitado em nome de um “mal” maior o movimento
de 1964 contra a “baderna”. Entretanto, Portella deixou margem para um
questionamento que insiste em permanecer: Costa e Silva estava convicto do AI -5?
Concordava plenamente? Uma importante cena antes da votação dos ministros foi
completamente ignorada pelo Chefe do Gabinete Militar. Segundo Carlos Chagas, “a
proposta vai entrar em votação, mas Costa e Silva, como a contrariando todas as versões
do general Jayme Portella s obre estar previamente apoiando a volta da exceção,
pondera: antes que os senhores opinem, peço -lhes que ouçam outra vez a argumentação
do vice-presidente.”(Chagas, 1985: 134)
105
104
Segundo Elio Gaspari, na Ata oficial daquela reunião Passarinho teria dito : “Mas, senhor presidente, ignoro
todos os escrúpulos de consciência”. Jayme Portella era o responsável pela ata oficial da CSN.(337)
105
É necessário fazermos um comentário sobre o livro de Portella e a sua relação com outros autores, em
especial Carlos Chagas,. O jornalista foi assessor de comunicações do governo Costa e Silva e o melhor interlocutor
para compreender o livro de Portella. É comum as passagens das quais ambos os autores não concordam com um
determinado ponto, principalmente em relação à vis ão atribuída a Costa e Silva. Isto é, Chagas diz que Portella no
auge do relato sobre o AI-5 que “esses fatos, que o chefe do gabinete militar conta em minúcias, no seu ‘a Revolução
e o Governo Costa e Silva’, merecem ser cotejados em suas contradições.” ( Chagas, 1985: 132). Em outra ponta, a
pergunta feita por Maria Celina D´Aráujo, Celso Castro e Gláucio Dillon, em Visões do Golpe: se qual a impressão
239
Carlos Chagas, assessor de imprensa do presidente Costa e Silva nos últimos
meses do seu governo (Jan/69 Set/69), enfatizou que não havia um regime de exceção
antes do AI-5. Para o autor, apenas Atos Institucionais representavam exceção, sendo
assim, o governo Costa e Silva foi regrado por uma Constituição aprovada pelo
Congresso em Janeiro de 1967. Aprovada a toque de caixa, por um congresso mutilado
pelas incursões ditatoriais comandadas por Castelo Branco e sobre pressão do Ato
Institucional 2. A partir do governo Costa e Silva em março de 1967, não havia mais
Ato Institucional, mas o aparato da ditadura estava em funcionamento através da
repressão generalizada a todos os opositores do regime. Isso talvez escape de Carlos
Chagas devido a sua simpatia ao presidente Costa e Silva. O AI -5 foi o sustentáculo
legal das atrocidades que estavam sendo cometidas. Na opinião de Chagas, talvez
Costa e Silva tivesse alguma dúvida, mas o presidente editou o ato como
responsabilidade sua. A consciência moral do presidente foi soçobrada pela crueza dos
fatos.
E Portella preparou com cui dado a encenação para que não restasse nenhuma
dúvida da convicção do presidente. Não ficaria nada bem para o escritor Portella que ao
retratar o principal acontecimento do governo Costa e Silva, a declaração de guerra a
todas as liberdades no Brasil, que o presidente demonstrasse alguma hesitação. Portella
destacou que por cima do papel civil que o presidente Costa e Silva poderia ocupar,
havia o militar, e este precisava ser reafirmado. Segundo o general,
de Costa e Silva era verdadeira? O ditador, de Portella, ou conciliador, de Chagas? Entendemos que tais
questionamentos merecem ser matizados pela concretude do processo histórico. Se Costa e Silva foi o ditador ou
conciliador, apenas os estudos e a análise de cada fato histórico contraditos no papel exercido por cada agente do
período pode responder esta que stão. Nesse mesmo sentido podemos dizer que a ditadura havia sido instalada com
Castelo Branco, apesar dos se e talvez que muitos estudiosos atribuíram a consciência democrática do primeiro
presidente-marechal. Segundo João Roberto Martins Filho sobre o AI-2: os partidários da intervenção incluíam não
apenas as áreas militares consideradas ‘duras’, mas também o Ministério da Guerra, amplos setores da UDN e,
mesmo, através da atuação de seus chefes, Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, o Gabinete M ilitar e o Serviço
Nacional de Informação.” (Martins Filho, 1996: 55) Se Portella pretendeu carregar a tinta no papel histórico exercido
pelo general Costa e Silva, o fundamental é compreender que ambos contribuíram na construção de um sistema
responsável por assassinar, torturar e desaparecer com seus adversários.
240
A autoridade do Presidente e a sua liderança mili tar estavam intactas,
pois, com exceção de alguns descontentes com o governo, a quase
totalidade confiava na sua palavra. Ele havia sido tolerante, fez apelos e
viu-se traído pelos deputados do partido do Governo, aquele que se
diziam ser o suporte polític o da Revolução. Como chefe da Revolução e
Comandante Supremo das Forças Armadas, não podia transigir com
aqueles que se manifestaram contra a Revolução de 1964, que acharam
que nada de mais havia na agressão do Deputado Márcio Moreira Alves
às Forças Armadas. Que estas poderiam ser injuriadas, que para eles
interessava, apenas, o prosseguimento do regime, quanto mais fraco
melhor, embora sabedores que estavam fazendo o jogo do comunismo
solerte. A opção do Presidente não poderia ser outra, senão dar
prosseguimento à Revolução, salvando o que ainda restava de puro e
patriótico, que era o prestígio das Forças Armadas, das quais ele era, em
parte integrante. Sabia ele, que uma vez a instituição Armada, corroída,
desmoralizada, o País estaria a um passo do comu nismo, como ocorrera
em outros países. Por isso, preferiu ficar com a Revolução e não com o
regime que vigia. (Portella, 1979: 653 -4)
A visão de que os militares haviam sido novamente traídos pelos políticos
aparece neste trecho de Portella. Nesse senti do, a ação de Costa e Silva preservava as
Forças Armadas (o único exemplo de patriotismo), e reservava aos políticos, como
Pedro Aleixo e Daniel Krieger, o jogo do comunismo que faziam sem perceber.
Estávamos em guerra, segundo Portella. A preservação da revolução”, como outras
vezes já mostrada, denota que para o autor o caminho delineado pelos militares deveria
ser preservado. Ofensa ou não as Forças Armadas (pouco importa) apenas o desagravo
do legislativo, tratados como traidores, seria o caminho para evitar o AI-5. Costa e Silva
era isento no discurso de Portella por sempre estar sendo alertado do que aconteceria
caso não fosse atendido as queixas militaristas. Nesse sentido, não dá para ignorar que a
“linha-dura” se fazia presente. A cúpula militarist a representava uma tendência de
endurecimento do regime, e desde o início do ano de 1968, essa tendência foi reforçada.
Segundo Carlos Fico, “não se trata de afirmar a existência de uma determinação férrea,
nitidamente estabelecida, entre os integrantes da “linha dura”, como um desígnio claro
ou maquinação explícita. Mas é preciso destacar a lógica mencionada, pois a caminhada
que levaria ao AI-5 não se fez às cegas. A “linha dura” começou como simples grupo de
241
pressão e, gradualmente, impôs a tese de que e ra inevitável um endurecimento do
regime” (Fico, 2004: 77).
O Ato Institucional 5 foi definido em apenas doze artigos. Artigos que
destruíam a combalida institucionalidade política que muito tentavam sustentar. O
poder do presidente aumentava sensiv elmente. Como o Artigo 4º:
Art. - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da
República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e, sem, as
limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos
políticos de quaisquer cidadãos pe lo prazo de 10 anos e cassar mandatos
eletivos federais, estaduais e municipais.
Qualquer cidadão estava a mercê do julgamento, das prisões e das cassações que
passassem pelo executivo. Portella incumbiu -se no futuro de preparar todos os
processos de cassações de mandato no âmbito do CSN. Talvez o artigo mais
vergonhoso e que de fato expressou a falta de escrúpulos daqueles que a implantaram e
pensaram, era o artigo 10º.
Art. 10º - Fica suspensa a garantia de habeas-corpus, nos casos de crimes
políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a
economia popular.
Para muitos autores, enfim, o artigo décimo era o que representava a maior
ameaça a pessoa humana. A garantia de habeas corpus ainda permitiu que muitos
perseguidos pela ditad ura, pudessem responder o processo de crime político em
liberdade. O caso do governador Miguel Arraes, citado no capítulo III, era exemplar. O
indivíduo preso pelo AI-5 não possuía mais garantia nenhuma de que algum dia seria
liberado. E, imediatamente, ap ós a leitura do Ato 5, pelo Ministro da Justiça, Gama e
Silva, as prisões foram iniciadas contra todos os inimigos da “revolução”: “Não é
possível calcular o número exato de prisões até porque o AI 5 não gostava de registros
e controles desse tipo mas se estima, que no período que se seguiu ao 12 de dezembro,
242
algumas centenas de intelectuais, estudantes, artistas, jornalistas, tenham sido recolhidos
às celas do DOPS, da PM e aos vários quartéis do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica em todo o país”(Ve ntura, 1988: 290).
Portella tomou parte em algumas destas ordens, em especial a do ex -governador
Carlos Lacerda, que sorrateiramente, não constava em nenhuma das listas de caça as
bruxas:
Cerca das 9 horas, o Secretário de Segurança da Guanabara, General L uiz
França, telefonou ao Chefe do Gabinete Militar, informando que recebera
ordens do I Exército para deter várias pessoas, inclusive o ex -presidente
Juscelino, mas não recebera qualquer missão quanto ao Sr. Carlos
Lacerda. Respondi-lhe que o prendesse de ordem do Governo Federal e o
recolhesse à Fortaleza de Santa Cruz. (Portella, 1979: 660)
Portella não havia comunicado ninguém sobre a ordem dada e apenas
“cientificou” Costa e Silva sobre a prisão de Carlos Lacerda (“O presidente foi
cientificado por mim dessas prisões e as aprovou”), acabou comprando uma briga com
comandante do I Exército, o general Syseno Sarmento. Segundo João Roberto Martins,
“...o ‘golpe dentro do golpe’, chegaria ao paroxismo a autonomização dos centros
militares de poder, process o agudo no momento das pressões na véspera do Ato
cinco. Antes do ato, foi esse quadro que possibilitaria ao chefe do Gabinete Militar,
assumir o comando das operações repressivas para comunicá-las ao presidente, ao
mesmo tempo em que assumia, dentro do palácio, o papel de guardião do isolamento de
Costa e Silva” (Martins Filho, 1996: 153).
Enfim, o Ato Institucional 5 representa a pedra de toque do aparato ditatorial
que se erigiu no poder em 1964. Para além de um golpe dentro do golpe , o AI-5 deve
ser visto sob a luz das tensões militares que nunca haviam sido resolvidas. E mais, como
expressão maior de que era impossível conciliar uma tendência democratizante com a
ação militar. A necessidade de se estruturar uma normalidade jurídica no país semp re
esbarrou nas mãos dos militares, que se vestiram como os demiurgos protetores da
243
Pátria. Pátria que defendiam contra todos os interesses divergentes. As greves de
trabalhadores, as mobilizações estudantis, o jogo político do Congresso, a ação do
Supremo Tribunal Federal, todos eram inimigos da “revolução” que protegia a Pátria. O
AI-5 resolvia a distorção que o general havia detectado na Constituição de 1967: “era
liberal demais”. Segundo David Maciel, “o AI -5 inaugurou uma nova fase no processo
de institucionalização da ordem autoritária e de aprofundamento da autocracia burguesa,
que se estenderia aa posse de Médici” (Maciel, 2004: 64). Segundo Maria Helena
Moreira Alves, numa visão mais abrangente do AI -5, em que o binômio Segurança e
Desenvolvimento matizaram a ação militar e a dominação ditatorial, o “Ato
Institucional 5 marca o fim da primeira fase de institucionalização do Estado de
Segurança Nacional, do estágio de lançamento de suas bases. O caráter permanente dos
controles a ele incorporado s deu origem a um novo período em que o modelo de
desenvolvimento econômico podia ser plenamente aplicado, enquanto o aparato
repressivo buscava a Segurança Interna absoluta, impedindo a dissensão organizada
contra as políticas econômicas e sociais do gove rno” (Alves, 1989: 140).
Portella em 1969: do comando nas cassações ao afastamento de Costa e Silva
Após o Ato Institucional nº5, o Brasil adentrou a um dos períodos mais
violentos de repressão política. Se durante os anos de 1964 e 1968, todos os genera is-
presidentes procuravam dar um caráter de normalidade jurídica, tentando coibir os
“excessos” como no caso da Missão Geisel em 1964, em 1969 todas as máscaras
caíram. Como afirmou Jarbas Passarinhos, “as favas com os escrúpulos”. A tortura
passar a ser o elemento de sustentação do regime, amplamente utilizado na obtenção de
confissões, delações, etc . e que órgãos específicos de ação como a Operação
Bandeirante, precursor dos DOI -CODI, agiam como aparelhos de repressão respaldados
244
pelo ditador-de-turno. A ação da esquerda armada tornou -se mais presente em assaltos
a bancos, seqüestros e uma intensa ação urbana. A guerrilha urbana tornou -se a opção
das principais organizações de esquerda, levando consigo jovens da classe média e
poucos trabalhadores. A repr essão agiria de formas diferentes com grupos diferentes:
contra a esquerda armada, órgãos advindos da Operação Bandeirantes em que se
congregavam policiais corruptos e militares, atuariam como verdadeiros exércitos de
contra-guerrilha, fazendo uso das mais sórdidas ferramentas de combate. Enquanto os
trabalhadores mais pobres e ruralizados” que não adentraram ao mundo das
possibilidades do “milagre econômico”, os esquadrões da morte, “filhotes” da
repressão, impuseram novas regras de violência e tortura ao s bairros mais pobres,
garantindo a “adesão” ao regime. Em uma parcela da população, o “milagre econômico”
ostentou os seus primeiros resultados na economia, projetando à classe média uma
compensação de renda e acesso a alguns bens de consumo devido ao amp liado sistema
de crédito. Contraditoriamente, enquanto os porões da repressão eram lotados de
inimigos da ditadura, a classe média urbana é atingida por novas possibilidades de
consumo devido aos altos índices de crescimento econômico, assim como pela fort e
campanha midiática de apoio ao regime (em que a censura agiu como uma auto-censura
dos órgãos de imprensa), projetando uma situação inversa a de 1968: as grandes
mobilizações e marchas das pessoas nas ruas contra a ditadura, para a televisão a cores,
uma nova cultura de consumo e o medo diante das ões “terroristas” da esquerda
armada.
Nesse sentido, Portella cumpriu dois papéis fundamentais nos últimos meses de
governo Costa e Silva: no arco de ampliação do seu poder, Portella foi o principal
organizador dos processos de cassação no pós AI -5, auxiliando o general Costa e Silva
no âmbito do Conselho de Segurança Nacional; no segundo semestre, após os primeiros
indícios da doença que vitimou Costa e Silva ( trombose), Portella comandou o país por
245
quase um mês, sendo fundamental para impedir a posse de Pedro Aleixo com a
instalação da Junta Militar e o início do processo de substituição de Costa e Silva no
interior do Alto Comando do Exército. Este foi o “colégio” que aclamou o nome do
próximo presidente, Emílio Médici, chefe do Serviço Nacional de Informação.
A vontade repressora do regime não se acalmou após a virada do ano. O ano de
1969 começou com Costa e Silva realizando a operação limpeza, similar a que ele
tinha comandado logo após o Golpe de Est ado. Nessa época, no âmbito do Comando
Supremo da Revolução, Costa e Silva e Portella foram pouco a pouco limitados pelos
Castelistas. Desta vez, era diferente: com o AI -5 implantado e com as primeiras prisões
ordenadas, cabe agora realizar os processos do qual decidiram a cassação, a prisão, a
deportação, etc. O CSN agiu com a Espada de Dâmocles sobre toda a classe política. A
classe política que sempre procurou agir como sustentáculo do regime, mas que agora
era dispensada desse trabalho: “a pequena ma rgem de ação do Congresso foi ainda mais
reduzida, até mesmo como seu próprio fechamento e a cassação de dezenas de
parlamentares, e os partidos praticamente tiveram suas funções suspensas”(Maciel,
2004: 65). Jayme Portella deu o tom do andamento dessas no vas cassações, já que
Disse o presidente que o Ato estava para valer e se ia partir para as
punições dos corruptos e dos subversivos. Recomendou -me, na qualidade
de Secretário Geral do Conselho de Segurança, que entrasse em
entendimento com o Ministro da Justiça e os Ministros Militares e
preparasse uma relação dos subversivos, dos corruptos e dos adversários
da Revolução, que a tivesse contestado comprovadamente , para serem
cassados. (...) Era preciso mostra -se ao país por que fora editado o AI -5,
eliminando-se do Congresso e dos cargos públicos, os seus adversários e
algozes. (Portella, 1979: 665)
Enfim, a ditadura resolveu mostrar a sua cara. E Portella agia como o mestre -de-
cerimônias do circo romano nas reuniões da CSN: sem direito algum de defesa , os
“acusados” viravam rapidamente condenados, conforme o “sim ou não” dos membros
246
do Conselho. A Secretaria Geral do CSN centralizava todos os processos de cassação e
preparava as representações vindas dos órgãos de informação. Até o SNI, nesse
momento, subordinava-se ao Secretário Geral quanto a esses assuntos, no caso Jayme
Portella.
Começaram a chegar ao Secretário Geral do Conselho de Segurança as
primeiras representações para aplicação do AI -5, cujos processos tiveram
início, com a solicitação ao SN I, para o levantamento das atividades dos
representados, ou aos Serviços de Informação dos Ministérios Militares
(Portella, 1979: 678).
De fato, Portella controlava todo o fluxo de informação sobre os prováveis
cassados, tornando-se o homem chave do ditad or Costa e Silva. A regulamentação
anterior que estabelecia a Secretaria Geral do CSN o privilégio nas informações de
diversos órgãos de informação, era fartamente utilizado. Na mesma linha, João Roberto
Martins Filho afirma que “o período que se estende a o afastamento do marechal
Costa e Silva marcou-se pela consolidação do Conselho de Segurança Nacional como
sede das decisões fundamentais do regime, agora sem as limitações da Constituição de
1967” (Martins Filho, 1996: 161).
Chegavam a Portella as prim eiras representações:
Os processos foram organizados na Secretaria do Conselho de Segurança,
sob a orientação do seu titular. As representações chegaram às mãos do
Secretário Geral e este determinou que se pedisse ao SNI, mais
informações a respeito das at ividades dos representado, pois, vinham
instruídas com as informações da Polícia Federal ou dos Serviços de
Informações dos Ministérios Militares, para melhor fundamentar os
processos. (Portella, 1979: 686)
As primeiras representações tinham um foco m uito claro para Portella,
Fazer a primeira aplicação do AI -5 nas pessoas que mais tinham causado
prejuízo a Revolução e à tranqüilidade nacional, naquela ano,
especialmente, por ocasião do episódio Marcio Alves. (Portella, 1979:
686)
247
No dia 30 de Dezembr o, procedeu-se a primeira reunião do Conselho de
Segurança Nacional. Jayme Portella se reuniu com o marechal Costa e Silva, antes da
sessão, para, em caráter reservado, o presidente apreciar cada representação e cada
conselhos do seu assessor, decidindo aq uela que ia ao “júri”. Portella fazia, enfim, o
papel de promotor de acusação, sendo responsável por buscar informações, aprofundar
novas investigações, etc.
Nas manhãs de 29 e 30, ele reuniu -se comigo, Secretário do Conselho de
Segurança, para examinar t odos os processos preparados pela Secretaria
do órgão, com base nas representações que foram feitas. Apreciou
detidamente cada um dos processos, selecionando os que seriam levados
ao plenário do Conselho, recusando outros, que mandou aprofundar as
investigações. No exame desses processos, nenhum outro auxiliar ou
pessoa teve acesso ao seu gabinete, a não ser um ajudante de ordens,
quando era chamado. (Portella, 1979: 687)
As personalidades acusadas e que foram julgadas na primeira reunião do CSN
eram os deputados Marcio Alves, Hermano Alves, David Lerer, Hélio Henrique Pereira
Navarro, Gastone Righi, Mathes Shmidt, Henrique Henkin, Maurílio Filgueira Ferreira
Lima, Jose Lurtz Sabiá, Renato Bayma Archer da Silva e José Carlos Estelita Guerra.
Todos esses deputados tiveram seus direitos políticos suspensos por dez anos. Um outro
processo, levado para a primeira sessão do CSN trouxe algumas vozes dissonantes, que
se faziam de “advogados” do réu ausente. O processo contra Carlos Lacerda:
Foi finalmente apresentado o processo do ex -governador Carlos
Frederico Werneck de Lacerda. O presidente fez, pessoalmente, um relato
da atuação do acusado, inclusive a organizado da Frente Ampla, pondo
em destaque toda a sua ação destruidora da Revolução. Em seguida,
franqueou a palavra a quem quisesse fazer outras considerações, inclusive
de defesa. As acusações mencionadas pelo Presidente, que constavam do
processo, causaram um certo impacto, no plenário, onde o Sr. Lacerda
tinha amigos e ex-correligionários. Houve pequenas intervenções de
alguns ex-correligionários do acusado, mas, teve destaque a defesa feita
pelo General Afonso Albuquerque Lima, Ministro do Interior, amigo
dele, e que ressaltou a atuação do Sr. Lacerda como revolucionário. O Sr.
Carlos Lacerda teve os seus direitos políticos suspensos por 10 anos.
(Portella, 1979: 689)
248
O rompimento entre governo e os políticos no interior do bloco de poder era sem
volta, aparentemente. Com a suspensão das atividades do Congresso, o governo ficou
livre para legislar sobre qualquer matéria, tendo especial atenção nas que versavam
sobre os assuntos econômicos e financeiros, além da repressão institucionalizada: “O
congresso nacional permaneceu fechado de dezembro de 1968 a 30 de outubro de 1969,
sendo também fechadas sete a ssembléias estaduais e municipais. Neste período, o
controle do Executivo manteve -se firmemente nas mãos dos grupos que privilegiavam a
Segurança Interna, isto é, os membros do Aparato Repressivo. Durante o recesso
forçado do Congresso, o Executivo promulg ou 13 Atos Institucionais, 40 Atos
Complementares e 20 decretos -leis. Destinavam-se especificamente a institucionalizar o
controle de instituições da sociedade civil. Criaram -se controles específicos para a
imprensa, com o estabelecimento da censura previa direta, para universidades e outras
instituições educativas, assim como a participação política em geral. Quanto a esta, o
texto mais importante foi a Lei de Segurança Nacional. O período de recesso do
Congresso foi plenamente utilizado para a publicação de decretos-lei de regulamentação
da economia e a criação de um completo sistema de incentivos fiscais que facilitassem a
implantação do modelo de desenvolvimento econômico” (Alves, 1984: 142).
Outro rompimento entre militares e políticos foi o do Senador Daniel Krieger
que saía da liderança do governo da ditadura em carta enviada para Costa e Silva. O
senador da Arena reafirmava a sua lealdade (“tenho a consciência de que como líder
servi com lealdade ao seu governo”) e as suas discordâncias pontuais (“not ificando-lhe,
com antecedência, as poucas vezes, que por formação jurídica, por convicção
doutrinária ou conveniência política, discordei de sua orientação”).
106
106
Íntegra da carta em Portella, p.694.
249
Logo no pós-AI-5, Portella comandou um rechaço geral a presença dos políticos
na sede do governo, o Palácio Laranjeiras. Entre os políticos, o senador Daniel Krieger
foi impedido de entrar a residência do presidente para discutir as implicações do AI -
5
107
. O mesmo Portella respondeu ao senador demissionário:
E, após ter sido signatário do telegrama do dia 14 de dezembro,
discordando da edição do AI -5, então, não teria mesmo condições de
permanecer à testa daqueles cargos. Deveria -los renunciado, na mesma
data do telegrama, pois que não era mais ‘persona grata’ no Governo.
(Portella, 1979: 694)
Jayme Portella ainda comandou, ao lado do presidente, uma outra série de
cassações dos mandatos de parlamentares da Arena, visando aqueles que fizeram
oposição ao governo ou que faltaram no dia da votação do caso Marcio Alves:
Nessa sessão do CSN, como foram apresentados 12 processos de
deputados da Arena, alguns dos seus membros, que eram parlamentares,
fizeram a defesa de alguns deles. Entre os quais o Ministro Magalhães
Pinto, no caso do deputado Aluisio Alves, que se surpreendeu com as
acusações contra este formuladas. (...) o Presidente fez uma exposição ao
Conselho, dizendo que, ao apreciar o processo inicial, não se satisfez
plenamente mandando que o Secretário Geral aprofundasse mais as
investigações, por se tratar de um parlamentar da Arena e, também
inimigo político e pessoal do Senador Dinarte Mariz. (Portella, 1979:
706)
Observa-se, novamente, nessas cassações comandadas pelo CSN o uso de
casuísmo político no procedimento das acusações, muito similar ao dos IPMs no
governo Castelo. Desta vez, o de do da Arena não foi sentido como o da UDN no
passado, mas de fato as “investigações” comandadas por Portella não se atinham,
muitas vezes, ao acontecimento relacionado no governo Costa e Silva. Por exemplo, o
107
Segundo Portella, “fui informado pelo oficial do chefe do Serviço de Segurança da Presidência que alguns
senadores, entre os quais os Srs. Dinarte Mar iz, Daniel Krieger e Gilberto Marinho, haviam estado na portaria do
Palácio, desejosos de uma audiência com o Presidente. Mas, como não havia sido liberada a entrada de pessoas
estranhas, não lhes foi permitido o acesso ao Palácio, mesmo porque os seus nom es não constavam da relação das
pessoas que tinham livre transito à sede do governo. (Portella, 1979: 666)
250
caso do deputado Pedro Gondin que faltou a vota ção da licença de Marcio Alves foi
emblemático:
Outro episódio, ocorrido naquela sessão, relacionou -se com o Deputado
Pedro Gondin, da Arena da Paraíba, e ex -governador do Estado. Sobre
ele, pesavam alguns aspectos de corrupção ocorridos no seu governo, n os
quais ele foi envolvido, mas também complacência com as agitações
ocorridas no Estado, naquela sua gestão. O presidente deu ao Conselho de
Segurança o seu testemunho pessoal do que assistiu em João Pessoa,
quando Comandante do IV Exército, quando as lig as camponesas
estavam no auge da sua atuação, à frente o Deputado Francisco Julião.
Fora a João Pessoa fazer uma inspeção às unidades do Exército e, na
noite daquele dia, estava programado um comício num dos logradouros
da cidade, com a presença das ligas camponesas e no qual falaria o
Deputado Julião. Resolveu ir com o Comandante da Guarnição Federal,
em trajes civis, observar o tal comício, para ter uma idéia verdadeira do
clima de agitação existente no Estado. Viu, no palanque dos oradores, ao
lado do deputado Julião, que pregou abertamente a subversão,o
Governador Pedro Gondin, feliz como se estivesse num dos comícios do
ex-PSD ou da ex-UDN, a aplaudir os oradores. Não houve, entre os
presentes, quem tivesse argumento em defesa do Deputado Pedro
Gondin. (Portella, 1979: 707)
Processava-se uma nova operação limpeza que antes abortada na ditadura
Castelo Branco, pode se renovar e voltar a carga contra oa comunistas e subversivos.
Para os militares, todos os casos que ficaram para trás, agora estava passíve is de serem
“resolvidos”. Somavam -se o argumento da subversão, da corrupção e da deslealdade
para arbitrar sobre a punição dos acusados:
Os deputados da Arena que tiveram os seus processos apreciados naquela
reunião da CSN não haviam comparecido a sessão da Câmara dos
Deputados que decidiu o caso Marcio Alves. A exceção do Deputado
Pedro Gondin, todos fizeram oposição ao Governo, naquele ano, embora
abrigados na Arena. (Portella, 1979: 707)
A extensão do poder da CSN levaria ainda a julgamento diversos deputados
estaduais e prefeitos acusados de atividades subversivas ou corrupção. Às vezes, duas
acusações ao mesmo tempo. Segundo estudos de Maria Helena Moreira Alves, os
números de cassados políticos somente no governo Costa e Silva superou em pouco
251
todos os demais ditadores (Tab. I). Abruptamente, prefeitos, deputados, senadores e
governadores foram arrancados de seus cargos, numa ação muito similar aos primeiros
anos do golpe. Na primeira vez, em 1964, havia uma tentativa de se consolidar o bloco
de poder pela construção de uma hegemonia que se vitimava os opositores ao golpe e a
classe trabalhadora. Em 1968, isto caiu por terra, representando o governo Costa e Silva
e a hegemonia do bloco de poder não tinham mais como ser sustentada pela comunhão
de poderes, pela institucionalidade política, mas sobre uma autocracia gerida
politicamente pelos militares, com pequena parcela de participação civil. Isso não
impediu que os contumazes defensores da ditadura não vissem no AI -5 uma
possibilidade saneadora da de mocracia. Segundo Maciel, “Após o AI -5, lideranças civis
do governo ligadas a Arena alimentaram a perspectiva de resgate do papel de
representação político no interior do Estado burguês, conforme o estabelecido pela
Constituição de 1967. Para tais setores, liderados pelo vice-presidente Pedro Aleixo, o
AI-5 tinha um caráter provisório. Após o novo saneamento da arena da disputa política,
o Congresso deveria ser reaberto, as eleições seriam marcadas novamente e os partidos
institucionais voltariam a instituc ionalidade” (Maciel, 2004: 66).
A maioria dos processos de cassações processados pelo CSN, sob o AI -5,
encontram-se disponível no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, onde estão arquivados
por nome dos cassados. O único militar enquadrado pelo AI -5 foi o coronel Francisco
Boaventura Cavalcanti;
As ligações do Coronel Boaventura com os parlamentares da oposição
foram detectadas pelo SNI e pelo Centro de Informações do Exército,
bem assim as com oficiais do Exército. Chamado a depor na Comissão de
Investigações do Exército, diante das provas que lhe foram exibidas,
aquele oficial confirmou que tivera ligações com os parlamentares da
oposição e outras pessoas. Também lhe foi exibida a cópia de uma carta
que teria escrito ao General João Dutra de Castilho, e ntão comandante da
Divisão de Infantaria, na Vila Militar, na qual convidava -o a assumir a
chefia de um movimento contra o Governo. (Portella, 1979: 721)
252
Um dos militares expoentes da “linha -dura”, o coronel Boaventura Cavalcanti
foi reformado pelo AI-5 por ter colaborado com os parlamentares do MDB e suas
manifestações públicas. O coronel era irmão do Ministro de José Costa Cavalcanti e
junto com Portella, conspirou para o golpe contra João Goulart. Tanto Portella, quanto
Costa Cavalcanti tentaram p ersuadir o coronel a pedir sua passagem para reserva, porém
não foram atendidos.
Eu também sentia o ocorrido, pois tinha muita admiração pelo Coronel
Boaventura e havíamos conspirados juntos para a Revolução. O ministro
solicitou-me segurar um pouco mais a publicação da decisão presidencial
para conversar com o irmão, na tentativa de convencê -lo a pedir
passagem para a inatividade, no sentido de amenizar a sua punição.
Concordei. Dias depois, o Ministro Costa Cavalcanti comunicou -me que
o seu irmão não atendeu a sugestão e, portanto, nada tinha a fazer.
(Portella, 1979: 722)
A linha-dura mudou completamente com a saída de cena do coronel Boaventura
Cavalcanti. De uma corrente que atuava vinculada aos Inquéritos Policiais Militares
com forte ação de coro néis, tendo uma oposição sistemática à política castelista, a
linha-dura sofreu uma tentativa de enquadramento, promovida pelo séqüito de Costa e
Silva (Jayme Portella), assim como o surgimento de uma nova liderança que encarnasse
suas bandeiras do radical ismo militar.
Vale destacar a estrutura de repressão sistemática das organizações de esquerda,
comandada pelo governo Costa e Silva. Jayme Portella cumpriu uma função omitida nas
suas memórias: no pós AI -5 ele, juntamente com o chefe do SNI, Emilio Médici ,
organizou os primeiros estudos que visavam a unificação da ação das três forças da
Armada (Marinha, Exército e Aeronáutica), além das polícias estaduais e federais.
Segundo Martins Filho, tudo isso ganha pleno sentido no quadro da discussão sobre
253
o grau e a forma que deveria ter o envolvimento das Forças Armadas na luta contra a
guerrilha. Desde pelo menos julho de 1968, o tema vinha sendo debatido em certa áreas
do aparelho militar. Nesse contexto, assumia a importância crucial definir o efetivo em
que se encontra a guerra revolucionária”. No imediato pós AI -5, o Gabinete Militar e
seus aliados procuraram a intensificação dos atos armados.”(Martins Filho, 1996: 163)
Baseado no crescimento da atividade ‘terrorista’ de esquerda em relatório que se
tornava público, Portella afirmou:
A persistir a atual situação, é de prever -se: a eclosão de guerrilhas
urbanas e rurais, a atuação mais violenta em atos de terrorismo; a criação
de bases e zonas liberadas, particularmente em regiões elevadas e no
interior; a concretização de ataques surpresa e golpes de mão em
organizações militares e pontos críticos” Essas afirmações estão contidas
no documento dirigido ao Presidente da Republica, em que o General
Jayme Portella, 57 anos de idade e quarenta de exército, ped iu na semana
passada na qualidade de secretário geral do Conselho de Segurança
Nacional, a instalação da Comissão Geral de Inquérito Policial Militar,
com a missão de apurar os fatos criminosos apontados, identificar os
responsáveis e encaminhar os inquéri tos policiais militares conseqüentes
com a maior urgência a Justiça Militar, coordenando os instaurados .
(Revista Veja, 19/02/69, p.16.)
Num outro trecho da matéria, Portella ainda afirmava: “Os organismos policiais
nas áreas estaduais mostram -se despreparados e insuficientes (...) a falta de coordenação
e de uma ação maciça de repressão à onda de violências parece constituir o principal
fator de êxito do plano subversivo.”. Com a troca do comando do II Exército, a partir da
entrada do general Canavarr o Pereira visto como um dos “linha -dura” em comparação
ao seu antecessor, o general Carvalho Lisboa
108
, a partir de julho de 1969, teve início a
primeira experiência do aparelho militar que congregasse militares, polícias estaduais e
civis.
Jacob Gorender no seu livro, Combate nas Trevas, argumentava este diagnóstico
das forças de repressão diante da urgência do combate da esquerda armada: “o súbito
aumento da escala da luta armada pos a mostra a incapacidade do aparelho policial para
108
Segundo Martins Filho: “Carvalho Lisboa, mais conhecido pelo desafio à guerrilha urbana, que provocou o
atentado contra o QG do II Exército em jun ho de 1968, era visto pela oposição liberal como representante dos
‘legalistas’ nas Forças Armadas.”(Martins Filho, 1996: 164)
254
o enfrentamento das nov as organizações revolucionárias. Além de funcionarem no
ritmo burocrático das repartições públicas, os DEOPS se achavam defasados e minados
pela corrupção. (Gorender, 1987: 156). A Operação Bandeirante visou como uma
iniciativa restrita a o Paulo, visou superar as dificuldades burocráticas, eliminando os
ritos comuns da processualidade civil: sem qualquer mandato judicial, as prisões e
torturas se justificavam como um combate contra -revolucionário. A OBAN coordenava
as ações militares e civis visando comb ater os movimentos de esquerda. A liderança
desse aparelho ficou a cargo do Delegado Fleury, triste figura e amarga lembrança de
repressão e de crueldade.
109
No interior do exército, a tentativa de unificar a instituição militar sobre o a
liderança de Costa e Silva, impedindo que ocorressem pressões militares similares a
época de Castelo Branco foi malograda. O AI -5 já era uma tentativa de amainar as
dissensões em torno de Costa e Silva, omitidas por Portella em seu livro
110
. Em 1969,
essas pressões não dimin uíram como poderia se imaginar, mas pelo contrário, cresceram
sob a influência de dois militares que encabeçavam as preferências do durismo, os
generais: Syseno Sarmento e Affonso Albuquerque Lima. Mas com uma característica
marcante, o governo de Costa e Silva que surgiu como uma candidatura da linha -dura,
ganhou a oposição da corrente e também dos castelistas. Para João Roberto Martins
109
Algumas impressões sobre a OBAN. Como nunca se constituiu como um organismo figurado em alguma
hierarquia estatal, a OBAN tinh a caráter ilegal, funcionando na prática como milícia armada (semelhante aos
“Camisas Negras” da Itália fascista). Segundo Gorender: “os problemas decorrentes desta circunstancia se resolveram
mediantes transferência de recursos de órgãos já existentes e d o apelo a contribuições de grandes empresas brasileiras
e multinacionais.” (Gorender, 1987: 157) A institucionalização da OBAN nos DOI -CODI conformou a tortura como
prática recorrente em todo o Brasil. Ainda segundo Maria Helena Moreira Alves, “o núcleo de tortura parece ter-se
mais categoricamente associado à Operação Bandeirante (OBAN) do Exército, posteriormente transformada nos
vários DOI-CODIs em operação no estado. É importante observar que pela primeira vez na história do Brasil as
Forças Armadas envolviam-se tão profundamente na tortura de presos políticos e na execução de operações militares
de repressão a população interna.” (Alves, 1984: 171) Essa característica seria devastador para toda a ação policial. A
tortura se configuraria como uma herança escusa dos tempos da ditadura e característica permanente dos Forças de
Segurança em todo o Brasil, vinte e quarto anos depois do fim da ditadura.
110
Embora, o próprio general em um trecho das suas memórias afirma que o presidente Costa e Silva estava
ameaçado, caso não tomasse alguma ação contra o deputado Marcio Alves: Dificilmente o governo teria condições
de fazer as Forças Armadas se convencerem de que o Estado de Sítio seria o bastante para desagra -las. Mesmo
porque, o deputado que as agredira, c ontinuaria com o seu mandato, como os demais que o apoiaram, fazendo os seus
discursos. Vitorioso e pronto a fustigá -las, desafiá-las e humilhá-las, na primeira oportunidade. As Forças Armadas
não se conformariam com tal situação, porquanto não iram homolo gar o fim da Revolução.” (Portella, 1979: 665)
Enfim, se Costa e Silva não editasse o AI -5, seria deposto pelos militares.
255
Filho esse processo coaduna com o surgimento de uma linha militar vinculada as
atividades “palacianas”, isto é, centrada nos bastidores da política e nos cargos de
função mais política do que militar. Segundo o autor, o durismo que havia perdido a sua
direção devido às aproximações dos seus expoentes com o MDB e a oposição de Carlos
Lacerda a ditadura, encontro de dois milit ares que pudesse encarnar os sentimentos
“revolucionários puros”. Após o AI -5, com a repressão generalizada sobre as
organizações de esquerda, e uma operação limpeza ainda mais profunda, parecia que
não havia mais sentido uma corrente militar que defendes se ainda mais radicalismo.
Como a tortura era vista como política de estado, os remanescentes do radicalismo
preferiram eleger novos alvos: o primeiro, a política econômica do governo Costa e
Silva, precisamente o ministro Delfim Netto, posteriormente, com o adoecimento de
Costa e Silva, a malfadada Junta Militar acusada de ser uma obra de Portella. Nesse
sentido, dois fatos engendraram a crise que levou ao afastamento definitivo de Costa e
Silva e de seu fiel escudeiro, Jayme Portella de Mello.
Com as cassações por meio do Conselho de Segurança ocorreram, as ações de
combate a esquerda, Costa e Silva pretendia conduzir uma reforma Constitucional que
permitisse a reabertura do Congresso e, se possível, o fim do AI -5. Antes disso, o
presidente havia aceit ado o pedido de demissão de Affonso Albuquerque Lima,
Ministro do Interior. Segundo a legislação que regia a organização dos ministérios, não
era permitido que um militar da ativa permanecesse por mais de dois anos num cargo
estritamente civil. Se permanec esse mais de dois anos, automaticamente, esse militar
era encaminhado para a reforma com uma patente maior. Albuquerque Lima, naquele
momento, lançou-se como uma alternativa na sucessão de Costa e Silva pela
oficialidade durista. Para isso, não pretendia p erder seus vínculos com as Forças
Armadas, propondo ao presidente que o cargo de Ministro do Interior fosse visto como
de interesse militar. Segundo Portella,
256
Oficiais amigos do Ministro Affonso Albuquerque procuraram -me,
instando par que o cargo de minis tro do Interior tivesse aquela
particularidade semelhante ao SNI, embora o caso deste constasse da lei
que o criou. O presidente não aceitou a sugestão que lhe levei, mais de
uma vez. E argumentou que, do interesse da Segurança Nacional, eram
todos os cargos de Ministros, pois que todos eram membros efetivos do
CSN, mas que não desejava abrir nenhuma exceção. O general Afonso,
por sua vez, não estava satisfeito com a política econômica - financeira
do Governo, sobretudo, no tocante a área do seu ministério e decidiu
voltar para o Exército. Eu, seu velho amigo, insisti para que não fizesse
isso e continuasse no Ministério, tendo com ele mais de uma conversa a
respeito. Mas não consegui demove -lo da intenção. (Portella, 1979: 699)
Albuquerque Lima sabia qu e a sua única possibilidade de ser candidato a
sucessão de Costa e Silva era manter o seu vínculo com o exército, o que garantia
proximidade com a oficialidade mais jovem
111
. Segundo João Roberto Martins,
Albuquerque Lima teve um comportamento que demonst rava suas intenções: “No
pós-AI 5 , em sucessivos pronunciamentos, ele se apressou a defender que a abolição
das restrições ‘legais’ ao exercício do poder militar abria caminho para um mudança de
rumos na política de desenvolvimento do regime. De tal modo, no final de 1968, os
‘albuquerquistas’ lançaram -se como porta-vozes de uma imprecisa plataforma
‘reformista’, que visaria sanar as desigualdades sociais, defender a autonomia nacional e
superar os desequilíbrios regionais” (Martins Filho, 1996: 170). Pref eriu voltar ao
exército e aguardar a nova comissão. Da mesma forma, Mário Andreazza, o ministro
dos Transportes, teria a sua possível candidatura barrada devido ao veto militar
112
.
Ao mesmo tempo, um novo imbróglio militar envolveria o governo Costa e
Silva. O general Moniz Aragão, em uma sucessão de cartas endereçadas ao Ministro
111
Segundo Helgio Trindade, tratando da candidatura de Albuquerque Lima e o seu avanço junto aos
militares: “Em fins de setembro de 1 969, o nome de Albuquerque Lima continuava majoritário entre os oficiais mais
jovens a ponto de prevalecer sobre o número de seus superiores hierárquicos.” (Trindade apud D´Aráujo, 1994: 138)
112
Segundo Jayme Portella, O presidente disse que estava conver sando sobre a sucessão presidencial e,
naqueles dias, a imprensa tinha feito várias reportagens a respeito, focalizando Andreazza como candidato. (...) Disse,
ainda, que o Andreazza tinha o veto dos generais, assim como os ministros Costa Cavalcante e Jarb as Passarinho, que
no serviço ativo era coronéis. Os generais não queriam um coronel no governo do país. Aí, perguntou -me se era ou
não verdade, ao que respondi que sim.” (Portella, 1979: 794) Portella ainda relata uma reunião que tivera com
Antonio Carlos Muricy, quando foi informado ao Chefe do Gabinete Militar o veto dos generais ao nome de
Andreazza.
257
Lyra Tavares, acusou o governo Costa e Silva de diversos desmandos que, segundo o
general,
Permitem a suposição de que o governo revolucionário se encaminha
para condição semelhan te àquela desferida pelo filósofo, ou pelo menos
par ao reinado da transigência interesseira fingidamente ignorada ou
silenciosamente admitida, sob a pressão legal. (apud Chagas, 1985: 140)
O general acusava o presidente Costa e Silva de culto a personal idade, nomeação
do irmão ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, designação do
cunhado do presidente para a direção da LBA (Legião Brasileira de Assistência) e
verbas concedidas ao ministro dos Transportes, que na ótica do general caracteriza va
um apoio do presidente a pretensão de Andreazza a presidência. Todas essas acusações
foram feitas em junho de 1969.
Em certo momento da carta enviada ao Ministro Lyra Tavares, Moniz Aragão
indicava o sentimento do exército diante do que chamava govern o “revolucionário”.
Os oficiais das Forças Aramadas, porque se julgam responsáveis pelo
regime revolucionário, entendem que tem o direito e o dever não de
fiscalizar e apreciar os atos do governo, que imaginam sua criatura, como
até de afastá-lo se dele discordarem. (apud Chagas, 1985: 141)
O general Moniz Aragão era associado ao castelismo, pois nutria certa
admiração em relação ao general Ernesto Geisel e o ex -presidente Castelo Branco, o que
não refletia numa adesão plena a corrente. O teor da cart a e sua visão sobre o papel das
Forças Armadas não representavam o ponto de vista do castelismo
113
. No conjunto da
obra, as cartas de Moniz Aragão demonstravam que não havia mais sintonia entre
presidente e Forças Armadas. Na opinião de Martins Filho, “o ‘c aso Moniz Aragão’
parece confirmar a hipótese de que a desunião na hierarquia e a discórdia nos quartéis
convergem de forma particular, na conjuntura de 1969, o tema da sucessão
113
Pelo contrário, Castelo Branco apesar de ditador, sempre teve uma ação de enquadrar as Forças Armadas a
(i)legalidade estabelecida em 1964. Neste caso, causava-lhe certa irritação as Forças Armadas agirem como o único
responsável pelo golpe. (Lira Neto, 2004)
258
presidencial.” (Martins Filho, 1996: 171). O próprio Portella
114
em conversa com o
ministro Lyra Tavares, alertava sobre a tentativa de Moniz Aragão: Lembrei ao Ministro
que o General Aragão queria de fato criar um caso, para despertar uma liderança que não tinha
e, certamente, com vistas à sucessão presidencial.” (Portella, 1979: 76 6)
Concomitante em que se presenciava esse descontentamento no interior do
exército, expressando que o tema sucessão presidencial era um assunto permanente
entre os generais, o presidente Costa e Silva demonstrou estar interessado em não ficar
marcado como um ditador (aos nossos olhos, não conseguiu) e iniciou um processo de
revisão constitucional objetivando o restabelecimento de uma Constituição. Segundo
Carlos Chagas, “o presidente não tinha cultura humanística nem conhecimento
aprofundado das questões de Direito, mas supria essa deficiência com uma intuição
digna de registro. Não custa muito a perceber ter sido ele o maior derrotado com o
retrocesso. Em maio de 1969, decide -se não passará à história como ditador. Não
pretende ser mais um general sul -americano que simplesmente golpeou as instituições.
Disse isso várias vezes a alguns auxiliares chegados, inclusive Carlos Costa, secretário
particular. Rema contra a maré, mas sente que perde espaço. O Executivo legisla, por
conta do recesso do Congresso, e cada ministro impõe diretivas que, com o Legislativo
funcionando, jamais seriam aprovadas” (Chagas, 1985:138).
Costa e Silva convidou, entre outros, o vice -presidente Pedro Aleixo, o jurista
Miguel Reale e o ex-ministro da Justiça Carlos Medeiros para co mpor uma Comissão de
Juristas que pudessem dar linha e conteúdo aos objetivos de uma reforma
constitucional. Ao contar com estes colaboradores na organização da nova Constituição,
114
Portella ainda fazia transparecer outras indignações, contradizendo em alguns pontos muito das idéias que
ele preconizava para legitimar as ações da linha-dura” no governo Castelo Branco. Segundo, “O presidente não se
prestaria ao papel de ser tutela pelos companheiros da Revolução. (...) não cabia aos companheiros da Revolução a
fiscalização dos atos do Governo” (Portella, 1979: 776). Segundo o d ito popular, Em casa de ferreiro, o espeto é de
pau..”
259
Costa e Silva visava levantar o recesso do Congresso e, se possível, revogar o AI-5. A
necessidade da nova Constituição era vista por Portella como algo importante e
necessário. Na opinião do general,
Haviam disposições muito liberais, e, de outra parte, a Carta Magna não
armara o Governo de instrumentos fortes, que permitissem f azer face ao
clima de agitação que sacudia o País, daí porque a Revolução, para
prosseguir nos seus objetivos, teve que retroceder e editar o Ato
Institucional nº. 5 e os subseqüentes (Portella, 1979:790).
Jayme Portella justificou novamente o AI -5, mas se valendo do poder arbítrio
que o ato instalou no país, ao mesmo tempo em que não podia ser uma constituição
liberal, ela deveria dá possibilidades para que o executivo pudesse agir, sem editar novo
Ato Institucional. Nesse sentido, Costa e Silva foi pouco a pouco perdendo espaço,
enquanto o seu Chefe de Gabinete Militar parecia dar as cartas. Portella tinha um papel
singular na elaboração da nova Constituição: “Durante a discussão dos capítulos da
Segurança Nacional e das Forças Armadas, o Chefe do Governo determinou-me que
participasse, dando a assistência técnico -militar necessária.” (Portella, 1979: 791)
Num outro movimento, os generais Emilio Médici e Syzeno Sarmento
manifestaram-se contra o fim do recesso do Congresso, e por conseqüência, contra o
AI-5. Na opinião de Carlos Chagas, “Garrastazu Médici, promovido a general -de-
Exército, deixara a chefia do SNI pelo comando do III exército. Ele e Syseno Sarmento
comandante do I Exército desaconselham o presidente de promover a abertura política.
Pedem que espere um pouco. O mesmo fazem os três Ministros Militares” (Chagas,
1985: 139). E mais, Médici contava com Portella para convencer o presidente.
O General Médici, no avião de volta a Porto Alegre, conversou comigo,
para que tentasse dissuadi -lo de levantar logo o recesso do Congresso,
deixando para mais adiante, pois não iria repercutir bem na área militar.
(Portella, 1979: 783)
260
De fato Portella passava a controlar e acompanhar de perto as discussões sobre a
Emenda Constitucional. Além de palpitar sobr e os capítulos que envolviam a Segurança
Nacional (em tempos de “guerra revolucionária”, portanto, todos), o general havia
convencido Costa e Silva de submeter -se à nova Constituição e ao Conselho de
Segurança Nacional.
Achava que o presidente deveria ouvi r o Conselho de Segurança Nacional, antes
de promulgá-la, pois a aquele órgão cabia assessorar o Presidente da República na
formulação e na conduta na Política de Segurança Nacional, nos termos da
Constituição. “(...) Expedi essas idéias ao Presidente, cam inhando juntos pelos jardins
do Palácio da Alvorada. Ele me ouviu com muita atenção e, após analisar detidamente a
sugestão, decidiu que submeteria o trabalho elaborado à apreciação do CSN” (Portella,
1979: 795).
A Constituição que Castelo Branco promulgou em 1967 teve o amparo do
Congresso, mesmo que sob pressão do executivo. Ao legislativo, na época, coube
apenas legitimar as pretensões de Castelo Branco. Portella invertia completamente os
ritos de constituições passadas e o seu órgão (CSN) tornou -se o responsável para dar o
aval a nova Constituição. Ao fim do trabalho, o general de brigada, Jayme Portella, que
foi promovido a General de Divisão na mesma época, ficou responsável por finalizar o
trabalho sobre a Reforma Constitucional.
Terminada a apreciaç ão das emendas, as aprovadas foram integradas ao trabalho
da Comissão de Juristas, sendo elaborado um documento final, pelo Secretário do
Conselho de Segurança Nacional, que o apresentou ao Presidente para última
apreciação. Para Carlos Chagas, sobre a atu ação de Portella na reforma Constitucional,
considerando que nessa época Chagas era o secretário de imprensa do presidente
Costa e Silva: “coincidência ou não, o gabinete Militar começa a sabotar a reforma da
Constituição. Sofre ampla revisão, na ante -sala do general Jayme Portella, o anteprojeto
261
preparado pelos juristas, com redação final do vice -presidente Pedro Aleixo e plena
concordância do presidente Costa e Silva. Algo não funcionava bem no Palácio do
Planalto. Portella cada vez mais, parecia o subcomandante do país, absoluto, fazendo e
desfazendo, inclusive avançando em atribuições que seriam de Costa e Silva, sem que o
presidente se dê conta ou se incomode com aquela dualidade” (Chagas, 1985: 150).
115
A última crise do governo Costa e Silva inst alou-se plenamente: ao mesmo
tempo em que Portella boicotava (ou controlava) as ações da Reforma Constitucional,
as lideranças castrenses sentiam pouco a pouco insatisfação com o presidente Costa e
Silva, ao mesmo tempo em que se aproximava a sucessão dita torial. Explicando que, a
partir das diversas variantes que a hierarquia militar assumia (Médici e Sarmento
aparentando congregar a maior capacidade de mobilização militar, enquanto havia um
esvaziamento da ação de Portella nos quartéis), João Roberto Mart ins afirmou que no
final de agosto de 1968, antes da doença que afastou o presidente Costa e Silva do
poder, parecia se firmar no seio do aparelho castrense uma nítida tensão entre duas vias
possíveis de sucessão militar. (...) Consolidando o veto da hie rarquia ao surgimento de
uma candidatura de oficiais do Exército pela via palaciana, ficou cada vez mais evidente
a visão dos oficiais-generais de que a sucessão era um affair da cúpula militar e restava
ao partido militar a via da chefia rebelde do genera l Albuquerque Lima” (Martins Filho,
1996: 175).
Os meses de julho e de agosto consumiam os trabalhos do presidente Costa e
Silva que se voltava para a reabertura do Congresso e a implantação da nova
Constituição. Assim como Castelo Branco, o presidente ass inou diversos decretos-leis
115
Ainda sobre a atuação de Portella na pretendida reforma Constitucional, segundo Castelinho “Quanto à reforma
constitucional, ela ingressa na sua etapa final. Não constitui fato novo a coordenação p elo General Jaime Portela das emendas que
os membros do Conselho de Segurança apresentaram, pois ele é, pela sua função, naturalmente o coordenador das atividades do
Conselho. O Sr. Pedro Aleixo possivelmente será ainda chamado a examinar as emendas e a di scutir o assunto com o Presidente da
República.”(Castello Branco, 1976: 279)
262
que pudessem cercá-lo de prerrogativas diante de um Congresso que lhe fosse hostil.
Segundo Portella,
Naqueles dias, o chefe do governo esteve com a sua agenda de trabalho
muito cheia, quando aproveitou para esgotar a pauta de a tos que seriam
normalmente de alçada do Poder Legislativo, deixando a este, quando
suspenso o recesso, matérias menos urgente. Assinou cerca de 140
decretos-leis, sobre os mais variados assuntos, da maior importância para
a condução da sua política de gove rno. (Portella, 1979: 802)
Costa e Silva com a finalização dos trabalhos da Reforma Constitucional
pretendia reabrir o Congresso em setembro. Entretanto, no dia 27 de Agosto, após uma
audiência com o governador goiano, Otávio Lage, Costa e Silva começou a sentir os
primeiros sintomas da trombose que o vitimou. Segundo Carlos Chagas, o presidente
ouvia o governador, mas já sem falar. Olhar atento, indicou com a mão o andar de cima,
onde se localizava o gabinete do Ministro Rondon Pacheco, com quem ele dev eria
discutir o problema de natureza política.”(Chagas, 1979: 38). Nos dia seguinte, (28 de
agosto) Costa e Silva continuava afônico e com um quadro pior. A partir desse dia,
Portella comandou uma verdadeira operação secreta impedindo que chegasse a
quaisquer pessoas o verdadeiro estado de saúde do presidente. Levando o ditador
enfermo de Brasília para o Rio de Janeiro, Portella afirma que:
Fui ao interior do avião conversar com o companheiro do Gabinete Civil,
Deputado Rondon Pacheco quando lhe informei o estado gripal do
Presidente, que se agravara durante a noite. Não quis revelar ao meu
companheiro o verdadeiro estado de saúde do presidente, antes que ele
fosse examinado pela junta médica que o aguardava no Palácio
Laranjeiras. (Portella, 1979: 810)
Chegando ao Palácio Laranjeiras, examinado por diversos médicos, Portella
recebeu o diagnóstico:
Pedi-lhes que declarassem a verdadeira gravidade da doença e dissessem
se, durante o tratamento, ele poderia exercer algum ato de governo, uma
vez que era o chefe do Estado. Os médicos declaram que a enfermidade
era grave carecia de certo tempo para ser debelada, não tendo o
Presidente condições de exercer o menor trabalho intelectual, pois o seu
repouso teria de ser absoluto. (Portella, 1979: 812)
263
Consciente do estado de Costa e Silva, Jayme Portella tomou a decisão de avisar
os Ministros Militares (o da Marinha, Augusto Rademaker, o da Aeronáutica, Márcio
Melo e o do Exército, Lyra Tavares), os quais cabiam a decisão do que fazer na opinião
do general.
Aproveitei para solicitar-lhes que guardassem o máximo sigilo sobre a
enfermidade do Presidente, enquanto me comunicava com os Ministros
Militares para tomarem conhecimento da situação, uma vez que o país
estava em estado de exceção, com o congresso em recesso e t eria que
haver uma tomada de decisão. (Portella, 1979: 813)
Para Carlos Chagas, Jayme Portella arvorou -se com um poder que não tinha:
“naquele momento o General Jayme Portella era o decidinte único. Em seus ombros,
por pidos minutos, quedou -se todo o peso do futuro. Consciente do estado do
Marechal Costa e Silva, caracterizada a situação anormal, como Chefe do Gabinete
Militar de um Governo constitucionalmente institu ído, cabia-lhe mandar avisar o vice-
presidente da República. Que viesse para o Rio ou, ao menos, que se preparasse para a
eventualidade de assumir o Governo em Brasília. O texto da Constituição, em nenhum
momento, revogada pelos Atos, estabelecia a substituição imediata do Presidente, nos
casos de seu impedimento para o exercício do cargo, ainda que temporário” (Chagas,
1979: 57).
Portella havia se decidido e, por mais que o argumento de Carlos Chagas
pesasse, a Constituição a muito não valia nada para os militares. Em nome da
“revolução”, novamente, os militares não poderiam perder o co ntrole:
Havia medidas a serem tomadas e a responsabilidade dos Ministros e a
minha era imensa, pois que a Revolução tinha que prosseguir e a Nação
não poderia ser abalada com uma noticia repentina de que o seu chefe
estava doente e que seria afastado do Go verno. A essa altura, muitas
conjecturas passavam pela minha cabeça e procurava equacionar solução
para discutir com os Ministros. Lembrava -me que os inconformados com
o AI-5 poderiam tentar tumultuar o País, aproveitando -se da situação,
inclusive a ala subversiva que possivelmente faria recrudescer as
agitações nos diferentes Estados. (Portella, 1979: 814)
264
Além de impedir que se chegassem notícias sobre o estado do presidente e fazer
com que apenas os Ministros Militares soubessem da situação, Portella , efetivamente,
afastou qualquer possibilidade de Pedro Aleixo assumir a presidência
A substituição normal pelo vice -presidente durante um prazo daquela
ordem estimado pelos médicos, não parecia conveniente, uma vez que
havia se incompatibilizado com as Fo rças Armadas, sendo contrário ao
Ato Institucional n 5, quando aquele diploma dava uma resposta à
Câmara dos Deputados, que não acolheu a proposição do governo. (...) a
partir de 13 de dezembro de 1968, ele perdera a confiança das Forças
Armadas e estas não iriam aceita-lo como Chefe Supremo. (Portella,
1979: 814).
Discutindo a decisão de Portella, o coronel Hernani D’Aguiar que era Assessor
Especial de Relações Publicas (AERP) do governo Costa e Silva, apresenta que o Chefe
de Gabinete Militar não informo u Pedro Aleixo por uma questão de hierarquia, isto é,
Portella por ser um General de Divisão, deveria informar o Ministro do Exército, Lyra
Tavares, que seria o seu comandante
116
. Esta explicação não complementa a
compreensão ideológica que Portella tinha so bre a situação. A ameaça do poder voltar
para um presidente civil era muito mais ameaçador do que a não ação, e nesse caso,
Portella preferiu reafirmar o prioridade das Forças Armadas, em detrimento de uma
suposta legalidade aludida por Carlos Chagas
117
. O que o motivou a comunicar os
Ministros Militares foi menos a sua obediência à hierarquia e mais o seu senso de que
cumpriam as Forças Armadas a diligência da situação. Portella não deixava margem
também para a sua opinião sobre a impossibilidade de reabrir o Congresso, o que
116
No livro Ato 5, o coronel Hernani D’Aguiar em uma passagem argumenta que Portella foi compelido a
avisar primeiro o chefe militar do Exército pois se encontrava subordinado hie rarquicamente ao general de quatro -
estrelas, Lyra Tavares. Militarmente o argumento a pode se justificar, entretanto, os nexos sociais que
fundamentaram a ação de Portella eram muito mais elucidativo do que uma querela militar. A motivação maior para
os militares serem convidados” por Portella a solucionar o problema da substituição de Costa e Silva era a ameaça
que representava o vice -presidente Pedro Aleixo a continuação do AI -5 e toda a ação de repressão empreendida. Isso
os militares não poderiam p ermitir.
117
O jornalista, no nosso ponto de vista, com uma análise ingênua, parecia acreditar que as Forças Armadas
ainda respondiam a funções constitucionais restritas e responsáveis. “não lhes cabe dar posse a ninguém, mas apenas
garantir e assegurar a posse do substituto legal” entretanto, mais adiante, ele desiste: fica a duvida, ou melhor, a
certeza: não pretendiam abrir mão do poder, dividindo -o no mesmo condomínio estranho a que já se lançavam, desde
a edição do AI-5.” (Chagas, 1979: 66)
265
inviabilizava outros nomes na sucessão de Costa e Silva, como os presidentes da
Câmara e do Senado: “não poderiam ser chamados à substituição do Presidente da
República, sem que elas voltassem a funcionar de imediato, o que não interessa va às
Forças Armadas” (Portella, 1979: 815).
Os Ministros Militares (Augusto Rademaker, Lyra Tavares e Marcio Melo)
compareceram ao Palácio da Laranjeira onde tomaram nota do verdadeiro estado de
Costa e Silva em reunião particular com o Chefe do Gabinete Militar. Após o relato do
caso, Jayme Portella apresenta a sua sugestão aos ministros militares:
Sugeri então a solução de os três ministros responderem pelo Governo,
uma espécie de Regência de Governo, como já havia ocorrido no começo
do Império, na minoridade do Imperador, sem entretanto deixarem as
respectivas pastas. (Portella, 1979: 815)
A solução provisória de Portella não era assentada apenas na convicção do
impedimento de Pedro Aleixo, mas também na Junta que deveria se caracterizar como
algo temporário, sem prejuízo na volta de Costa e Silva. Para aprovar a criação da Junta,
os militares haviam optado por convocar o Alto Comando das Forças Armadas que na
opinião de Portella era
O mais alto órgão militar do país. (...) afastou -se a idéia da decisão partir
do Conselho de Segurança Nacional, porque este era integrado pelo vice -
presidente da República e todo o Ministério, e, neste, tinham assentos
vários parlamentares, sendo que dois ou três muito chegados ao vice -
presidente Pedro Aleixo. Como a deci são, de qualquer maneira, consistira
num ato de força, preferimos que fosse assentada pelo Alto Comando das
Forças Armadas. (Portella, 1979: 822)
O Conselho de Segurança Nacional, até então o principal órgão de decisão do
governo, principalmente no cam po da repressão, perdia espaço para os militares que
congregavam o organismo. Obviamente, a solução visava o abrir margem para
contestação civil de qualquer natureza, o que seria mais propício numa reunião do CSN
266
sem a presença do presidente. Os membros do Alto Comando das Forças Armadas,
além dos Ministros Militares, eram os respectivos Chefes do Estado Maior e mais o
Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general Orlando Geisel. Nessa reunião,
Jayme Portella não tinha direito a voto, mas secretaria va a reunião e seus argumentos
convenciam um a um dos presentes.
Cada vez mais estava convicto que o vice -presidente não poderia assumir
o governo, pois haveria reação das Forças Armadas. E tinha -se que ter
uma boa solução equacionada em lugar daquela. I a e vinha, caindo
sempre na primeira idéia da “regência trina”nas pessoas dos Ministros
Militares, impedindo-se o vice-presidente da República. Era uma solução
que certamente agradaria às Forças Armadas e não desagradaria à nação,
a não ser a classe políti ca. Os Ministros iam responder pelo governo
durante um período curto, sem prejuízo de suas funções no comando de
suas Forças e isso lhes daria mais autoridade. (Portella, 1979: 818)
Apenas Orlando Geisel manifestou -se contra a proposta de Portella,
argumentando que triunviratos, como a história comprovou na opinião do militar, nunca
deram certo. Após a decisão e aprovação da Junta Militar, os generais debruçaram -se
sobre o problema de Pedro Aleixo. Aquela altura, o vice -presidente era informado
sobre a situação do presidente e mais ainda, da artimanha militar. Os militares
pensavam as diversas maneiras de comunicar o vice -presidente, e Portella acenava com
a hipótese de prendê -lo
118
. Após a reunião do dia 31 de Agosto de 1969, em que todos
os ministros e o vice-presidente souberam da situação grave do presidente e da criação
da Junta para substituí -lo temporariamente, Portella intensificou a vigilância sobre o
vice-presidente e todos os membros da Arena. Pedro Aleixo não aceitou a solução,
segundo Portella,
118
“Foi analisada a hipótese também de, na reunião com os ministros, o Dr. Pedro Aleixo recusar -se atender a
decisão das Forças Armadas de não investi -lo no governo. Seria custodiado, até que as coisas se normalizassem.”
(Portella, 1979: 825) Além dessa possibilidad e, um forte esquema de vigilância foi organizado pelo Gabinete Militar:
“Os nossos elementos de informações haviam avisado que, até certa hora da noite, tinham ido à casa do vice -
presidente alguns parlamentares. Certamente ele estava prevenido por algum am igo do Rio de Janeiro, que a doença
do Presidente causava estranheza pelo sigilo que se estava aguardando e esperava a noticia oficial.”(Portella, 1979:
826).
267
O vice-presidente da República discordou da solução apresentada e
declarou que havia uma Constituição em vigor, a qual devia ser
cumprida. Os Ministros mostraram -lhe a inviabilidade de ser cumprida a
norma constitucional de substituição, pelas razões de s egurança nacional.
Os Ministros esperavam a reação do Dr. Pedro Aleixo, (...) tiveram então
que lhe declarar que as Forças Armadas não o desejavam na chefia do
governo e no seu comando supremo. (Portella, 1979: 831)
Para garantir que Pedro Aleixo não te ntasse nenhuma reação foi preparada uma
operação de guerra que impediu inclusive o vice -presidente de retornar para Belo
Horizonte, além do monitoramento de todos os seus passos para que não deixasse a
cidade do Rio de Janeiro antes da promulgação do Ato, que instituía a Junta Militar.
Portella conhecia diversas informações sobre as ações do governador mineiro, Israel
Pinheiro, que pretendia empossar Pedro Aleixo com o apoio da Polícia Militar, assim
notificou as tropas militares situadas em Minas Gerais para que intensificassem a
vigilância.
Enfim, com a decisão tomada, em de Setembro, Jayme Portella comunicou a
todo o país via Agencia Nacional o AI -12, que legitimava a Junta Militar como
substituta do presidente Costa e Silva, com função de assinar todos os decretos leis,
normas administrativas. Mas essa mudança trouxe um outro status para a função de
Jayme Portella: concomitante em que de certa maneira perdia influência nas decisões
executivas
119
, Portella iniciou uma luta fratricida contra o disposi tivo militar que
amparava o governo Costa e Silva, a fim de garantir que ao final da enfermidade do
presidente, tudo pudesse ser restabelecido. Porém, segundo Skidmore, as discussões em
torno do sucessor de Costa e Silva, que cresciam nos últimos meses, tornaram-se
insustentáveis devido às dúvidas que se somava a verdadeira condição de Costa e Silva:
119
Na opinião de Martins Filho: “Paralelamente a tais processos e, em parte, por causa deles, oco rriam
também um esvaziamento do Gabinete Militar da Presidência e da influencia do seu chefe, o general Portella. A casa
Militar, posição ‘siamesa’ e palaciana, fundamentalmente vinculada à confiança que o presidente militar depositava
em seu titular, não poderia deixar de refletir a bita afonia e hemiplegia do Marechal Costa e Silva. Por outro lado,
com a marginalização do CSN o general Portella deixava de contar a secretaria daquele órgão como recurso de
poder.”(Martins Filho, 1996: 178) Num processo de duas vias, ao mesmo tempo que Portella perdia parcela do seu
poder, também se tornava o principal elo entre a Junta Militar e o presidente Costa e Silva, traduzindo na sua
disposição em bancar a volta de Costa e Silva que era a única forma de manter a sua posição influente no governo.
268
“o acordo era obviamente instável. Quanto a saúde do presidente, os relatórios dos
médicos eram extremamente cautelosos. Muitos dentro e fora do governo duv idavam
seriamente de que ele pudesse recuperar -se. Os militares mais graduados estavam
profundamente preocupados porque qualquer instabilidade governamental suscitaria
ambições políticas no seio da oficialidade que poderia ameaçar a unidade do Exército”
(Skidmore, 1988: 196).
Antes da sucessão, Jayme Portella e Junta Militar depararam -se com o principal
problema no curto reinado da “regência trina”. O embaixador americano, Charles
Elbrick, havia sido seqüestrado por membros do MR -8 e da AP nas proximidades da sua
residência. Com a enfermidade do presidente, a ausência de liderança para a decisão
ficou nítida: após uma série de contra -informações, a Junta Militar, temente da
repercussão negativa do fato, resolve aceitar as exigências dos seqüestradores,
libertando e banindo do país os presos políticos. Segundo Portella,
Após uma série de considerações, chegou -se à solução que talvez não
fosse a melhor, mas a que convinha ao país naquele momento difícil que
atravessava, com o Governo sendo exercido pelos Minis tros Militares e o
Presidente Enfermo. Devia -se atender à exigência dos seqüestradores, de
sorte a obter o resgate do diplomata. A solução permitia ao Pais dar uma
prova de respeito a pessoa do diplomata e atender a solicitação do seu
governo. E mostrava a s demais nações, com as quais o Brasil tinha
relações diplomáticas, que para manter boa amizade com os Estados
Unidos eram atendidas as exigências dos seqüestradores. (Portella, 1979:
844)
A decisão da Junta Militar radicalizou os ânimos dos oficiais do e xército e
piorou a situação de vazio de poder. Houve clima de hostilidade em relação à posição
do Ministro do Exército, Lyra Tavares, além da promessa de alguns oficiais da
Aeronáutica que abateriam o avião com os presos políticos.
Os generais do exército tinham concordado com a decisão do Alto Comando das
Forças Armadas apenas num aspecto: o alijamento de Pedro Aleixo da fila sucessória
em virtude do impedimento do presidente. Mas, conforme Martins Filho,
269
“precocemente, influente generais sediados no Ri o de Janeiro levantariam duvidas sobre
o método decisório e as fórmulas de governo arquitetados pela cúpula castrense: para
eles, o Alto Comando apresentara as Forças Armadas um ‘fato consumado’” (Martins
Filho, 1996: 179).
O processo sucessório havia se deflagrado, e nesse sentido, processavam -se
diversas discussões, tendo os generais de quatro estrelas pretendentes ao cargo de
ditador de turno a frente, como verdadeiros candidatos em campanha. Chagas relata tais
encontros: “líderes e bases pressionavam, quase exigiam dos ministros militares a
deflagração do processo sucessório. Queriam reuniões formais que estivessem o desejo
da maioria da tropa, de rápida solução revolucionária” (Chagas, 1985: 153). Isso
projetou, num outro sentido, uma transformação drá stica no que diz sobre as correntes
militar. A visão sobre “linha -dura” de um lado e “ castelistas” do outro que ficou
definido na ascensão de Costa e Silva, nesse momento, era engolido pelo caldeirão de
possibilidades que se abriam as várias candidaturas. Martins Filho escreveu sobre uma
pulverização de posições
120
.
Para Jayme Portella, restava aguardar um milagre, pois era assim que todos
viam a possibilidade de melhora de Costa e Silva. E mais ainda: ele era o alvo dos
generais Albuquerque Lima, Syseno Sarmento e Moniz Aragão, pretensos candidatos à
sucessão. Segundo Portella,
Se arrogavam no direito de terem sido consultados ‘a priori’, como se
fossem os mais revolucionários entre todos os que participaram do
Movimento de 31 de Março, passaram a fazer sen tir ao Ministro Lyra
Tavares o seu inconformismo. (Portella, 1979: 850)
120
Essa pulverização das posicoes na hierarquia iria se associar ao fenome da autonomizacao das principais
sedes militares para gerar uma situacao em que as candidatures se dividiriam em dois campos. De um lado, as
dispunham de apoio de um dos múltiplos “Comitês Eleitorias” em que se transformaram certos aparelhos militares.
De outro, aquelas que passaram a fundamentar seu cálculo tático na necessidade de compensar a ausência de tal
amparo.” (Martins Filho, 1996: 183)
270
Nesse sentido, em todo momento chegavam boatos sobre Portella
121
e sua
vontade de governar, além de uma série de dúvidas sobre a verdadeira condição de
Costa e Silva. No ápice de seus d esentendimentos com o General Syseno Sarmento, a
quem Portella acusava de estar interessado em tomar o poder pela força, os boletins
médicos do Palácio Laranjeira que eram “publicizados” exatamente para diminuir a
força dos boatos, estiveram ameaçado de so frer censura do comando do I Exército, por
ordem e pedidos do próprio comandante, o general Syseno Sarmento.
Portella acompanhou todos esses atos e preocupado com que pudesse a qualquer
momento tomar o Palácio Laranjeiras, eliminando o presidente. Por isso , dormia no
quarto ao lado do presidente Costa e Silva, com uma arma debaixo do
travesseiro.(Chagas, 1985).
Portella ainda teria uma outra tarefa de adequar a Lei de Segurança Nacional
com medidas de maior repressão, tendo em vista a maior ação dos movime ntos de
resistência a ditadura
122
. Foi nesse intento, que o general comandou os estudos de
revisão da Constituição que previa punições para atentados terroristas.
Esse novo dispositivo constitucional introduziu penas máximas, nos casos
de atentados terroris tas e tinha em vista reprimir as atividades
subversivas, que tinham alcançado elevados índices, culminando com o
seqüestro do embaixador dos Estados Unidos. (Portella, 1979: 859)
Esta foi uma das últimas atividades em que o Chefe do Gabinete Militar tev e
participação decisiva no andamento do governo. O AI -13 criou o banimento por crimes
políticos, e o AI-14 permitiu ao condenado por terrorismo a Pena de Morte. Como
121
Segundo Portella sobre os boatos: “davam guarida aos boatos que eram veiculados sobre a enfermidade do
Presidente; diziam que o seu estado era gravíssimo e que não tinha mais condições de retornar ao cargo; que estava à
morte; que se desenlace dar -se-ia a qualquer momento. Chegaram a inventar que ele estava morto e embalsamado,
escondido nos seus aposentos pelo Chefe da Casa Militar, que queria ‘continuar brincando de governar’. (Portella,
1979: 850)
122
Devido ao foco do objeto, não podemos detalhar as ativid ades da esquerda armada no período, entretanto
vale algumas menções. A virada geral para a luta armada se deu no pós -AI 5 em que diversas organizações se
fundiram tendo como objetiva ações urbana de guerrilha como assalto a banco, explosões de lojas e açõe s de
propaganda. Jacob Gorender apresenta nas nuances algumas dessas atividades. (GORENDER, 1987)
271
secretário da Junta Militar, de fato era o melhor conhecedor das rotinas da presidência e,
nesse sentido, conseguia exercer alguma influência junto aos Ministros Militares.
Porém, a partir do dia 15 de Setembro, os Ministros Militares haviam se
rendidos a pressão dos generais
123
e propuseram um estudo sobre qual seria a melhor
forma de proceder a escolha do presidente. Ministro Lyra Tavares nomeou uma
Comissão com os generais Jurandir Mamede, Emilio Médici e Antonio Carlos Muricy
(Comissão 3 M).
Jayme Portella, temente de alguma forma pelo seu futuro, agiu por dentro do
Palácio das Laranjeiras e defendeu a nomeação de um vice -presidente que na visão
militar, não foi incompatibilizado com as Forças Armadas (logo, um militar),
cumprindo o restante do mandato de Costa e Silva. O primeiro nome apontado por
Portella foi o de Lyra Tavares, plenamen te recusado pelo próprio que entendia não ter
condições físicas para a missão. Depois, sugeriu o de Médici em conversa também com
o próprio:
Ele apresentou uma série de argumentos contrários, inclusive de saúde,
pois não desejava que lhe acontecesse o mes mo que acontecera ao
presidente Costa e Silva. Retruquei -lhe, dizendo que ele não poderia ter
aquela prevenção, pois estava bem e o cargo de Chefe de Governo não
dava azar a que assumisse. (Portella, 1979: 864)
Portella estava à margem da decisão que proc edia para a substituição de Costa e
Silva e teve certeza disso quando discutia com o chefe do SNI se o novo presidente
deveria ter um mandato curto, suprindo os dois anos que restava a Costa e Silva, ou se
deveria ter o mandato integral. Fontoura era um do s correligionários “verde oliva” do
general Emilio Médici.
123
O que mais sentia a pressão dos generais era o Ministro Lyra Tavares que confidenciava a Portella e aos
outros membros da Junta Militar que “o general Syse no o me tréguas para o trabalho e aparece em meu
gabinete para reclamar dos atos contra o governo”. Portella sugeriu a demissão do comandante, o que não foi aceito.
Portella sabia que o Ministro Lyra Tavares havia fraquejado diante da pressão do Ge neral Syseno: “O General Lyra
dava a impressão de que não tinha mais forces para conter os generais ambiciosos pelo cargo de presidente da
República. Continuou o despacho, com os seus companheiros, mas sem animo, assim como quem estava
profundamente angust iado.” (Portella, 1979: 857)
272
A essa altura da conversa, o general Carlos Alberto Fontoura também se
manifestou favorável a que o substituto tivesse o mandato completo. Eu,
que não esperava aquela opinião do companheiro de gov erno, disse-lhe
que achava um absurdo a proposta feita no Alto Comando para um
mandato completo e muito mais me admirava em ouvir dele tal
manifestação, em se tratando de um detentor de cargo de confiança do
Presidente enfermo e que deveria estar interessa do em -lo recuperar e
fazendo votos para que pudesse voltar ao governo. Era natural que eu
falasse em tom acalorado. Foi quando o General Fontoura se descobriu
mais ainda e disse que o General Médici não aceitaria o ‘mandatinho’,
isto é, substituir o pre sidente na qualidade de vice -presidente. Estava
evidente que ele já havia trocado idéias com o General Médici, no sentido
de só aceitar o mandato completo. (Portella, 1979: 868)
A questão é que no Alto Comando do Exército pouco a pouco se ventilavam as
alternativas em relação à continuação ou não do mandato de Costa e Silva. E dessa
forma, não ganhou corpo a idéia de complementar o mandato do ditador enfermo, mas
de se iniciar um novo ciclo ditatorial. A Comissão dos 3 M apresentou uma série de
sugestões
124
, mas a que melhor se prestava aos interesses dos militares era a que
permitia o começo de um novo mandato de quatro anos.
A pulverização de candidaturas assim como de posições projetou aos Ministros
Militares o temor de uma guerra aberta entre militares . Assim, foi se assentando a
melhor fórmula para decidir a sucessão, o que passava pela manutenção da hierarquia
militar, tão maltratada em todos os episódios em que se beirava uma guerra civil dentro
das Forças Armadas. Houve, então, um acordo entre os co mandantes para que se
procedesse uma nova escolha, ao Exército cabia o privilegio de indicar nomes para
serem avaliados pelas três Forças, tendo o Alto Comando das Forças Armadas a palavra
final: “a sistemática vitoriosa, depois aprovada nas reuniões do Co nselho do
Almirantado e do Alto Comando da Aeronáutica , estabelecia uma consulta prévia a
todos os oficiais generais das três forças, que deveriam indicar cada um três nomes.
124
Para ver a proposta de Antonio Carlos Muricy endereçada a Junta Militar ver CHAGAS, Carlos. Guerras
das Estrelas, p. 154.
273
Jayme Portella encontrava -se, nesse momento, sem nenhuma influência e as
decisões encaminhavam-se para a escolha do novo general -presidente. Acusava Lyra
Tavares de ser fraco, ao mesmo tempo em que depositava no general Antonio Carlos
Muricy a responsabilidade pelo caminho percorrido em direção da substituição plena do
mandato de Costa e Silva
125
.
Após proceder as escolhas, a lista tríplice era encaminhada por cada Força ao
Alto Comando das Forças Armadas. No fim do processo, o general Afonso
Albuquerque Lima havia conseguido uma vitória esmagadora junto ao Almirantado,
assim como ficava em de igualdade com os generais Emilio Médici e Orlando
Geisel. No Exército, na consulta dos onze colégios eleitorais, o nome de Médici
aparecia em todos (Tab. II). Médici tornou -se o novo presidente por uma ação
deliberada dos comandos do Exércit o, segundo Skidmore, “Albuquerque Lima e Médici
estavam empatados no Exército. Os ministros ficaram contristados, pois haviam
decididos que Albuquerque Lima tinha que ser excluído. (...) ninguém teria deixado de
observar que dos seis candidatos do Exército todos menos um tinham quatro estrelas. A
exceção era Albuquerque Lima, com apenas três. Até então, o se fizera um acordo
explicito sob a patente mínima que os candidatos deveriam possuir. Mas, confrontados
com a ameaça da candidatura de Albuquerque Lima , os ministros militares enunciaram
que somente generais de quatro estrelas eram elegíveis.”(Skidmore, 1988: 199).
Juntamente com as suas críticas ao governo Costa e Silva, na véspera do seu
afastamento, Albuquerque Lima, diferentemente dos demais generai s, havia procedido
uma ação de campanha que vinculou o seu nome ao apoio de diversos civis. As suas
críticas a política econômica do governo Costa e Silva, assim como a sua relação com
125
Convenci-me de que o Ministro Lyra Tavares havia perdido o controle do Exército, pois os generais d o
Alto Comando, exceção dos generais Canavarro e Médici, não o obedeciam. Cada um pensava em si próprio e a
maioria querendo ver os Ministros Militares fora do governo e o Presidente Enfermo, esbulhado do seu mandato. (…)
O general Muricy dominava intei ramente o Alto Comando do Exército e o Ministro Lyra Tavares estava neutralizado
e sem ação sobre o órgão.”(Portella, 1979: 869)
274
os oficias lacerdistas (alguns “linha -dura”), permitia que se levantass em dúvidas sobre o
seu programa de governo e no que podia destoar da linha adotada pela ditadura. Nesse
caso, a hierarquia militar voltou -se contra a ameaça que representava a candidatura de
Albuquerque Lima, segundo Martins Filho, “em oposição à alternati va Albuquerque
Lima iria se constituir uma frente defensora do princípio da hierarquia como
fundamento para a solução da crise sucessória, bem como da variante de regime militar
que almejavam. O nome do general Emilio Médici apareceria como o polo de
aglutinação dos partidários dessa via” (Martins Filho, 1996: 185).
Com a escolha de Emílio Médici para assumir um novo mandato, Portella
colocou o seu cargo a disposição do novo presidente que lhe sugeriu assumir o cargo de
Chefe de Gabinete do enfermo preside nte, enquanto ainda lhe restava alguma chance de
vida. Portella não gostou do convite e se colocou a disposição para retornar ao Exército,
aguardando comissão. Posteriormente, em 1970 o general assumiu o comando da 10ª
Região Militar sediada no Ceára.
O presidente Costa e Silva faleceu em 17 de Dezembro de 1969.
275
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O objetivo dessa pesquisa foi investigar a atividade política e as representações
ideológicas do General Jayme Portella durante o período em que o militar foi o
principal articulador político do General Costa e Silva, no governo Castelo Branco
(1964-1967), e, posteriormente, quando o general foi Chefe do Gabinete Militar do
governo Costa e Silva (1967 -1969). Nesse trajeto, analisamos a ação do general nas
diversas conspirações que serviram de antecedentes ao Golpe de Estado de 1964.
Observamos que durante os anos de conspiração para o Golpe de Estado (1961 -
1964), Jayme Portella desenvolveu um papel de “tecelão” do golpe, aproximando
diversos generais que conspiravam(Cordeiro de Farias, Castello Branco, Nelson Mello e
Costa e Silva), ao mesmo tempo em que atraía diversos oficiais para os movimentos
conspiratórios.
As suas primeiras impressões sobre o Golpe de Estado de 1964, forjaram para
Portella uma idéia particular sobre a “revolução” dos militares. Sem atuação direta do
povo, os militares, na visão do general Portella, tinham a função de proteger a Pátria
contra a ameaça comunista, mesmo que essa ameaça pudesse representar uma vontade
popular. Isto é, cabia as Forças Armada s ultrapassarem seus limites constitucionais no
sentido de proteger os signos do capitalismo. Para Portella, a intervenção militar estava
legitimada por compreender que as Forças Armadas o respondiam diretamente a uma
representação política, pois como um a instituição genuinamente nacional, qualquer ação
se legitimava como vontade maior do “povo” e do estado. Esta compreensão permeou
ideologicamente a práxis do general Portella.
Jayme Portella arregimentou apoio dos coronéis da “linha -dura” a candidatura
de Costa e Silva, enfatizando que essa era a única maneira de manter o processo
“revolucionário”. Nesse mesmo sentido, ele organizou um imenso arco de apoio político
276
a candidatura do general Costa e Silva, obrigando Castelo Branco a aceitar a imposição
militar em nome do seu Ministro da Guerra.
Uma outra importante contribuição dessa pesquisa foi expor a natureza
contraditória que conforma o grupo da “linha -dura”. De uma gênese centrada nos
Inquéritos Policiais Militares, a “linha -dura” teve em Jayme Portel la um importante
articulador na prática, isto é, fez a ponte entre os coronéis e o Ministro Costa e Silva
para o segundo ciclo ditatorial no Brasil. Não houve um rompimento entre as correntes
militares, pois enquanto se articulam em torno de nomes para pre sidente, exercendo o
combate político no interior do exército e fora dele, as medidas de exceção e repressão
contra a população era amparado tanto pela Sorbonne, quanto pela “linha-dura”
Porém a “linha-dura” se afastou gradativamente do general Portella no governo
Costa e Silva, tornando -se uma ameaça a continuidade da ditadura de Costa e Silva
quando outras lideranças se aproximaram dos coronéis da “linha -dura”, como
Albuquerque Lima e Syzeno Sarmento. No pós -AI 5 estas divergências se
radicalizaram.
Como observado, quando Chefe do Gabinete Militar, Portella foi um dos
responsáveis pela formulação do Conceito Estratégico Nacional, documento que foi
matriz para a aplicação da Lei de Segurança Nacional na ditadura Costa e Silva.
Participou ativamente na reor ganização do Conselho de Segurança Nacional, em que o
cargo que ocupava (secretário -geral) se tornou o de um “super -ministro” com total
intervenção em muitas áreas e ministérios.
Portella se confunde como defensor ferrenho de Costa e Silva e o papel de
“relator imparcial da verdade”. Atribui ao velho general uma consciência que talvez não
possuísse, mas que de fato assumiu da maneira formal, que era de liderança suprema da
“revolução”. No entanto, ele mesmo se incumbiu da tarefa de inserir diversas mudança s
na política de Segurança Nacional, começando pelo o seu papel central no aparato de
277
informação e repressão do regime. Se Costa e Silva concordava ou não, a questão é que
o general Portella teve todo o respaldo do presidente para a sua ação como Chefe do
Gabinete Militar.
Jayme Portella também elaborou a Exposição de Motivos que mudava a Lei de
Segurança Nacional para o tratamento de crimes de atentados terroristas. Efetivamente,
o AI-14 o qual o general teve inteira responsabilidade na formulação, trazia a solução
drástica para o “terrorismo” de esquerda: a pena de morte.
Tais atos de Portella representaram a consolidação da autocracia bonapartista
nos ano de 1967-1969, congregando em conjunto com a burguesia, a proteção da
propriedade privada, do capital ismo, contra os movimentos sociais (estudantis e
trabalhistas).
278
REFERÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS
Fontes Documentais
MELO, Jayme Portella de. A revolução e o Governo Costa e Silva. Ed. Guavira, Rio de Janeiro,
1979
- Acervo pesquisado:
- Jornal do Brasil (Biblioteca Santo Amaro/SP e Biblioteca Nacional/RJ)
- O Estado de S. Paulo (Arquivo do Estado/SP)
- Folha de S. Paulo (Arquivo do Estado/SP)
- Revista Visão (Biblioteca Monteiro Lobato/SP)
- Revista Veja (Biblioteca Nadir Gouveia Kfouri/SP)
Obras
ALVES, M. H. M.. Estado e Oposição no Brasil (1964 -1984). 5
a
Ed. Petrópolis: Vozes.
1989
AQUINO, Maria Aparecida. Censura, Imprensa, Estado autoritário (1962 -1978). O
exercício cotidiano da dominação e da resistencia. Bauru : Edusc. 1999.
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAUL O. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985.
BANDEIRA, M. A Presença dos Estados Unidos no Brasil . Civilização Brasileira: Rio
de Janeiro. 1973
________________. Cartéis e Desnacionalização: A experiência Brasileira: 1964
1974, 2
a
Ed.. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro. 1975
BEIGUELMAN, P. Pingo no Azeite, São Paulo : Perspectiva, 1994.
BRANCO, C. C. Os Militares no Poder . Vol. I. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira,
1976.
________.____. Os militares no poder. O ato 5. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
________,____. Os militares no poder: o baile das solteironas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1979.
279
CARDOSO, F H. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil . São
Paulo : Difel. 1972.
__________, ____. O Modelo Político Brasileiro e outros ensaios . Saão Paulo:
Brasiliense, 1979.
__________, ____.. FALLETO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina:
ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
CARONE, E. Movimento operário no Brasil (1964 1984). São Paulo: Difel, 1984.
CHAGAS, C. A guerra das estrelas: (1964/1984) Os bastidores das Sucessões
presidenciais. Porto Alegre : L&PM. 1985
________, _____. 113 dias de angústia: impedimento e morte de um presidente. 2
a
Ed.
Porto Alegre : L&PM. 197 9.
CHASIN, J. Miséria Brasileira. São Paulo: Ad Hominen. 2001.
COUTO, R. C. Memória viva do regime militar: Brasil (1964 -1985). Rio de Janeiro:
Record, 1999.
COELHO, E. C. Em busca de identidade. O Exército e a política na sociedade
brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2001.
D’AGUIAR, H. Ato 5: a verdade tem duas faces. Rio de Janeiro: Razão Cultural, 1999.
D’ARÁUJO, M. Celina e CASTRO, C. orgs. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1997.
D’ARAUJO, M. C., SOARES, G. A. D. e CASTRO, C. Visões do Golpe: a memória
militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
_________, _____. Os anos de chumbo. A memória militar sobre a repressão. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1994.
DEBRUN. Michel. A conciliação e outras estratégias. São Paulo: Brasiliense. 1983.
280
DREIFUSS, R. A. 1964: A Conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981
DULLES, J.W.F. Castello Branco: o caminho pra a presidência. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1979.
DYLON, G. A. e D’ARÁUJO, M. C. 21 anos de regime militar: balan ços e
perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 1994.
FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil . São Paulo: Civilização Brasileira.
1976.
____________,__. A ditadura em questão. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982.
FERREIRA, O. S. As Forças Armadas e o desafio da revolução. Rio de Janeiro:
Edições GRD, 1964.
FICO, C. Além do Golpe. São Paulo: Record. 2004
_____, _. Como eles agiam os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e
política. São Paulo: Record. 2001.
FIORIN, J.L. O regime de 1964: discurso e ideo logia. São Paulo: Atual, 1988.
FREDERICO, C. (org.) A esquerda e o movimento operário (1964/1984): a crise do
“milagre brasileiro”. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.
FURTADO, C. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1966.
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada . São Paulo: Cia das Letras, 2002
________, ___. A Ditadura Escancarada . São Paulo: Cia das Letras, 2003.
GORENDER, J. O Combate nas Trevas: A Esquerda Brasileira, das Ilusões Perdidas à
Luta Armada. 2
A
Edição. São Paulo: Editora, 1987.
281
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Volume 2. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira,
2002
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914 1991. São Paulo:
Cia. Das Letras. 1995.
IANNI, O. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
KINZO, M. D. G. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966 -1979).
São Paulo: Vértice, 1988.
MACIEL, D. A Argamassa da Ordem: da Ditadura Militar à Nova República (1974 -
1985). São Paulo: Xamã, 2004.
MARCONDES, Cyro. O Capital da Notícia.
MARTINS FILHO, J. R. O Palácio e a Caserna: a dinâmica militar das crises política na
ditadura (1964-1969). São Carlos: UFSCAR. 1996.
_______________, ____. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964 1968.
Campinas: Papirus, 1987.
MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1984.
____, ___, O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Edição. São Paulo: Centauro, 2003.
MAZZEO, Antonio Carlos. Estado e Burguesia no Brasil.: o rigens da autocracia
burguesa. Belo Horizonte : Oficina de Livros. 1989.
MESZÁROS, I. Filosofia, Ideologia e Ciências Sociais: ensaios de negação e
afirmação. São Paulo: Ensaio, 1993.
MOURÃO FILHO, O. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre:
L&PM Editores, 1978.
NETO, Lira. Castelo : a marcha para a ditadura . São Paulo : Contexto. 2004
282
O’DONNEL, G. “Tensões no Estado autoritário -burocrático e a questão da
democracia”. In COLLIER, D. O novo autoritarismo na América Latina. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
OLIVEIRA. E. R. As Forças Armadas. Política e ideologia no Brasil (1964 -1969).
Petrópolis: Vozes, 1976.
_________, ____. Militares, pensamento e ação política. Campinas: Papirus, 1987.
OLIVEIRA, F. Crítica a Razão Dualista. In Cader nos Cebrap, p.3-p. 83. São Paulo:
Cebrep. 1972.
REIS FILHO, D.A. A revolução faltou ao encontro . São Paulo: Brasiliense, 1990.
___________,____. Ditadura militar, esquerdas e sociedade . Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000.
RESENDE, M. J. A Ditadura Militar no Brasil: repressão e pretensão de Legitimidade
(1964-1984). Londrina: UEL. 2001
RIDENTI, M. O fantasma da revolução. São Paulo: Unesp, 1993.
SILVA, H. 1964: Golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
______,__. O poder militar. Porto Alegre: L&PM, 1984.
SILVA, J. I. A. Estudantes e Política: estudo de um movimento (RN 1960 -1969). Cortez
: São Paulo. 1989
SILVA, Marcos org. Brasil, 1964 -1984. A ditadura era ditadura. São Paulo: LCTE
Editora. 2006.
SKIDMORE, T. Brasil de C astelo a Tancredo, 1964 1985. 4
a
ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra. 1991.
283
STEPAN, A. Os Militares na Política: as mudanças de padrões na vida brasileira . São
Cristóvão: Artenova, 1975.
TOLEDO, C. N. de. 1964: Visões Críticas sobre o Golpe . Campinas: Unicamp, 1997.
VENTURA, Z. 1968, o ano que não terminou . 16
a
ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1988.
VIANA FILHO, L. O governo Castelo Branco . Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975.
WEFFORT, F. C. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Ter ra, 1978.
Teses e dissertações
ASSUNÇÃO, V. N. F. O Satânico Doutor Go : A Ideologia Bonapartista de Golbery
do Couto e Silva. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC. 1999
FREIRE, S. M. Cultura política e ditadura no Brasil. O pensamento político de
militares e tecnocratas no pós 64. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1999.
KUSHNIR, B. Cães de guarda: jornalistas e censores do AI5 À Constituição de 1988.
Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp, 2001.
MELO, W. F. No Governo de Entressafra”: a práxis de Roberto de Oliveira Campos
durante o governo de Castello Branco (1964 -1967). Dissertação de Mestrado. São
Paulo: PUC/SP. 2002.
SADER, E. S. A crise hegemônica e sua ideologia. Teorias do Estado brasileiro
durante o regime militar. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1990.
SOUSA JR. V. G. Os editoriais da Folha de São Paulo (1961 -1964). São Paulo : PUC.
2007
284
ANEXO I - TABELAS
TAB I
Controle da representação política: expurgo por período de Governo
(parlamentares, prefeitos e governadores cassados)
Ramo do
Governo
1964-1967
Castelo
Branco
1967-1970
(1) Costa e
Silva &
Junta Militar
1970-1973
Médici
1974-1979
Geisel
Total
Congresso
Nacional
76
105
0
8
189
Assembléias
Estaduais
100
178
10
2
290
Câmaras
Municipais
11
36
0
2
49
Governadores
10
0
0
0
10
Prefeitos
27
30
0
0
57
Total
224
349
10
12
595
Fonte: Diário Oficial da União, abril de 1964 a dezembro de 1979. (retirado do livro de
Maria Helena Moreira Alves)
TAB II:
Resultado da consulta eleitoral no Exército
Órgão
Generais
Lista tríplice
I Exército
16
Médici, A.Lima, Sizeno
II Exército
11
Médici, O. Geisel, Sizeno
III Exército
12
Médici, A. Lima, Murici
IV Exército
7
Médici, A. Lima, R. Otávio
Dep. Prov. Gerais
14
Médici, O. Geisel, A. Lima
Dep. Geral Pessoal
5
E. Geisel, O. Geisel, Murici
Dep. Prod. Obras
10
Médici, O. Geisel, Murici
Estado-Maior EX.
7
Médici, O. Geisel, Murici
ESG
10
Médici, O. Geisel, A. Lima
EMFA
4
Médici, O. Geisel, Murici
Gabinete Minist.
8
Médici, O. Geisel, Murici
Fonte: João Roberto Martins Filho, O p alácio e a caserna, p.187.
285
ANEXO II - DECRETO Nº 63.282, DE 25 DE SETEMBRO DE 1968.
Face ao Decreto-lei número 348, de 4 de janeiro de 1968, aprova o Regulamento da
Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
O PRESIDENTE DA REPÚB LICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 83, inciso
II, da Constituição,
DECRETA:
Art. Fica aprovado o Regulamento da Secretaria -Geral do Conselho de Segurança
Nacional, que com êste baixa, assinado pelo General -de-Brigada Jayme Portella de Mello
Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Art. O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Brasília, 25 de setembro de 1968; 147º da Independência e 80º da Repú blica.
A. COSTA E SILVA
REGULAMENTO DA SECRETARIA -GERAL DO CONSELHO DE SEGURANÇA
NACIONAL
CAPÍTULO I
Da Finalidade
Art. A Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional (SG/CSN) tem por finalidade
o estudo, planejamento e coordenação do s assuntos da competência do Conselho de Segurança
Nacional em suas funções de assessoramento direto do Presidente da República na formulação e
na conduta da Política de Segurança Nacional.
CAPÍTULO II
Da Competência Geral
Art. Compete à Secretar ia-Geral do Conselho de Segurança Nacional, estudar, planejar e
coordenar os assuntos pertinentes ao Conselho de Segurança Nacional em particular os que
dizem respeito a:
I - Formulação da Política de Segurança Nacional mediante:
a) realização da Avaliação Estratégica da Conjuntura;
b) elaboração do Conceito Estratégico Nacional (CEN);
c) estabelecimento das Diretrizes Gerais do Planejamento (DGP) da Segurança Nacional.
II - Conduta da Política de Segurança Nacional com a apreciação dos problemas que lhe
forem propostos, no quadro da Conjuntura Nacional e Internacional, em especial os referentes a:
- Política Interna;
- Política Externa;
286
- Segurança Interna;
- Segurança Externa;
- Negociações e assinaturas de acôrdos e convênios com países e entidades estrangeiras sôbre
limites, atividades nas zonas indispensáveis à defesa do país e assistência recíproca;
- Ideologia e Subversão;
- Opinião Pública.
III - Indicação das áreas indispensáveis à Segu rança Nacional e dos municípios considerados
de interêsse para a Segurança Nacional.
IV - Apreciação de problemas relativos à Segurança Nacional, com a cooperação dos órgãos
de informações e dos incumbidos de preparar a mobilização nacional e as opera ções militares
no que concerne às Políticas de:
- Transporte;
- Mineração;
- Siderúrgica;
- Energia elétrica;
- Energia Nuclear;
- Petróleo;
- Desenvolvimento industrial visando em especial as indústrias compreendidas no Plano de
Mobilização;
- Desenvolvimento regional e ocupação do território;
- Ciência e Tecnologia;
- Educação;
- Sindical;
- Imigração;
- Telecomunicações.
V - Assentimento prévio, nas áreas indispensáveis à Segurança Nac ional para:
a) concessão de terras, venda de terras a estrangeiros, abertura de vias de transportes e
instalação de meios de comunicações;
b) construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso;
c) estabelecimento ou exploração d e indústrias que interessem à Segurança Nacional.
287
VI - Modificação ou cassação das concessões e das autorizações referidas no item anterior.
VII - Orientação da busca de informações que interessem à Segurança Nacional.
VIII - Orientação da Mobilização Nacional.
Art. 3º Compete ainda à SG/CSN.
I - Elaborar estudos, planejamentos e diretrizes sôbre assuntos que lhe forem determinados
pelo Presidente da República.
II - Exercer a coordenação sôbre atividades afins quanto aos aspect os da Segurança Nacional
mediante determinação do Presidente da República.
Art. 4º A SG/CSN liga-se diretamente aos Ministérios Civis e Militares, ao Estado Maior das
Fôrças Armadas, ao Serviço Nacional de Informações e aos Órgãos de Administração Dir eta e
Indireta, para obtenção de dados e elementos necessários aos estudos e planejamentos.
Art. 5º A SG/CSN liga -se diretamente às Divisões de Segurança e Informações para a
obtenção de informações e orientação de tarefas que interessem à Segurança N acional.
Art. A SG/CSN estabelecerá, quando necessário, ligações com órgãos ou instituições
privadas.
CAPÍTULO III
Da Organização
Art. A Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional tem a seguinte estrutura na
forma do disposto no artigo 5º do Decreto-lei número 348, de 4 de janeiro de 1968;
I - Secretário-Geral (SG);
II - Chefia de Gabinete (Ch-Gab);
III - Subchefias;
IV - Seção Administrativa.
Art. A Comissão Especial Faixa de Fronteiras (CEFF), subordin ada à SG/CSN, terá suas
atribuições, organização e funcionamento estabelecidos em Regulamento próprio.
Parágrafo único. O Secretário -Geral do Conselho de Segurança Nacional é o Presidente da
Comissão Especial da Faixa de Fronteiras.
SEÇÃO I
Da Chefia do Gabinete
Art. A Chefia do Gabinete é o órgão de assessoramento do Secretário -Geral e tem a
seguinte estrutura:
- Chefe do Gabinete;
- Grupo de Estudos e Planejamento (GEP);
288
- Assessôres-Chefes;
- Auxiliares.
Parágrafo único. O Grupo de Estudos e Planejamento funciona em caráter permanente sob a
direção do Chefe do Gabinete, tendo como membros os Subchefes e como secretário um dos
assessôres-chefes do Gabinete.
SEÇÃO II
Das Subchefias
Art. 10. As Subchefias são:
- Subchefia de Assuntos Políticos (SG -1);
- Subchefia de Assuntos Econômicos (SG -2);
- Subchefia de Assuntos Psicossociais (SG -3);
- Subchefia de Mobilização e Assuntos Militares (SG -4).
Art. 11. As Subchefias têm a seguinte estrutu ra:
- Chefia;
- Assessôres-Chefes;
- Assessôres Especiais; e
- Auxiliares.
Parágrafo único. Os assessôres especiais integrarão as Subchefias tendo em vista os seus
assuntos específicos, devendo, entretanto assessorar, em suas espec ialidades as demais
Subchefias. O Assessor Jurídico e o Assessor Diplomático ficarão integrados à SG -1 e o
Assessor Econômico à SG -2.
SEÇÃO III
Da Seção Administrativa
Art. 12. A Seção Administrativa (SAD) tem a seguinte estrutura:
- Chefia;
- Subseção de Documentação e Pessoal (SDP);
- Subseção de Serviços Gerais (SSG).
CAPÍTULO IV
Da Competência dos Órgãos
SEÇÃO I
289
Da Chefia do Gabinete
Art. 13. À Chefia do Gabinete compete:
I - Assessorar o Secretário -Geral na orientação, coordenação e contrôle de tôdas as atividades
da SG-CSN.
II - Assistir ao Secretário -Geral em sua representação e encarregar -se do preparo e do
despacho do seu expediente pessoal.
III - Orientar o trabalho do GEP.
SEÇÃO II
Do Grupo de Estudos e Planejamento
Art. 14. Ao Grupo de Estudos e Planejamento compete:
I - Estudar a formulação da Política de Segurança Nacional, mediante:
a) Realização da Avaliação Estratégica da Conjuntura;
b) elaboração de proposta do Conceito Estr atégico Nacional (CEN) incluindo:
- os objetivos nacionais permanentes;
- os elementos Essenciais da Política Governamental;
- as Pressões Dominantes;
- as Hipóteses de Guerra;
- as Premissas da Segurança Interna;
- os Objetivos da Segurança;
- os Objetivos Nacionais Atuais Estratégicos;
- as Políticas de Consecução.
c) Estudar a formulação das Diretrizes Gerais de Planejamento;
II - Coordenar a elaboração dos estudos sôbre assuntos afins a várias Subchefias .
SEÇÃO III
Das Subchefia de Assuntos Políticos
Art. 15. À Subchefia de Assuntos Políticos compete:
I - Elaboração de estudos referentes à conduta da Política de Segurança Nacional, mediante a
apreciação dos aspectos políticos dos problemas que lhe forem propostos no quadro da
Conjuntura Nacional e Internacional, em especial os referentes a:
290
- Política Interna;
- Política Externa;
- Segurança Interna;
- Segurança Externa;
- Negociações e assinaturas de acôrdos e convênio s com países e entidades estrangeiras sôbre
limites, atividades nas zonas indispensáveis à defesa do país e assistência recíproca;
- Programas de cooperação internacional.
II - Indicação de áreas indispensáveis à Segurança Nacional e municípios d e interêsse para a
Segurança Nacional.
III - Realização de estudos e planejamentos sôbre outros assuntos que lhe forem propostos.
IV - Apreciação dos aspectos políticos dos assuntos estudados pelas demais Subchefias.
V - Ligação com as DSI nos assuntos de interêsse da Subchefia.
SEÇÃO IV
Da Subchefia de Assuntos Econômicos
Art. 16. À Subchefia de Assuntos Econômicos compete:
I - Elaboração de estudos referentes à conduta da Política de Segurança Nacional, mediante a
apreciação dos aspectos econômicos dos problemas que lhe forem propostos no quadro da
Conjuntura Nacional e Internacional, em especial os referentes a:
- Transportes;
- Telecomunicações;
- Mineração;
- Siderúrgia;
- Energia elétrica;
- Energia nuclear;
- Petróleo;
- Desenvolvimento industrial, visando em especial as indústrias compreendidas no Plano de
Mobilização.
II - Realização de estudos e planejamentos sôbre outros assuntos que lhe forem propostos.
III - Apreciação dos aspectos econômicos dos assuntos estudados pelas demais Subchefias.
IV - Ligação com as DSI nos assuntos de interêsse da Subchefia.
291
SEÇÃO V
Da Subchefia de Assuntos Psicossociais
Art. 17. À Subchefia de Assuntos Psicossociais compete:
I - Elaboração de estudos referentes à conduta da Política de Segurança Nacional mediante a
apreciação dos aspectos psicossociais dos problemas que lhe forem propostos no quadro da
Conjuntura Nacional e Internacional, em especial os referentes a:
- Educação;
- Ideologia e Subversão;
- Ciência e Tecnologia
- Sindicalismo;
- Imigração e Emigração;
- Desenvolvimento Regional e Ocupação do Território;
- Opinião Pública e Imprensa; e
- Religião.
II - Realização de estudos e planejamentos sôbre outros assuntos que lhe forem propostos.
III - Apreciação dos aspectos psicossociais dos assuntos estudados pelas demais Subchefias.
IV - Ligação com as DSI nos assuntos de interêsse da Subchefia.
SEÇÃO VI
Da Subchefia de Mobilização e Assuntos Militares
Art. 18. À Subchefia de Mobilização e Assuntos Militares compete a:
I - Elaboração de estudos referentes à Conduta da Política de Segurança Nacional mediante a
apreciação dos problemas que lhe forem propostos , no quadro da Conjuntura Nacional e
Internacional, particularmente às referentes a:
a) planejamento em alto nível da Mobilização Nacional.
b) orientação e coordenação das atividades de informações necessárias aos trabalhos da SG -
CSN, abrangendo:
- orientação da busca de informações de interêsse da Segurança Interna e Externa; e
- ligação com: SNI, EMFA, Ministérios Militares e Ministério das Relações Exteriores.
II - Realização de estudos e planejamentos sôbre outros assuntos que l he forem propostos.
III - Apreciação dos aspectos referentes à mobilização dos assuntos estudados pelas demais
Subchefias.
292
IV - Ligação com as DSI nos assuntos de interêsse da Subchefia.
SEÇÃO VII
Da Seção Administrativa
Art. 19. À Seção Administrativa (SAD) compete executar os trabalhos de Secretaria, de
documentação, de contrôle e arquivo de documentos, de contrôle financeiro e de Serviços
Gerais da Secretaria-Geral.
§ À Subchefia de Documentação e Pessoal incumbe receber, protoco lar e arquivar tôda a
documentação, fazer funcionar a biblioteca e cuidar dos assuntos de pessoal da Secretaria -Geral.
§ À Subseção de Serviços Gerais incumbe tratar dos assuntos de finanças, material e
transporte.
CAPÍTULO V
Das Atribuições Funcionais
Art. 20. Ao Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional compete:
I - Assessorar o Presidente da República em todos os assuntos de interêsse da Segurança
Nacional.
II - Convocar, de ordem do Presidente da República, as reuniões do Conselho de Segurança
Nacional.
III - Convocar, de ordem do Presidente da República, membros eventuais para participarem
das reuniões do Conselho de Segurança Nacional.
IV - Apresentar aos membros do Conselho de Segurança Nacional a documentaç ão básica,
inclusive análise e pareceres sôbre as questões a serem estudadas.
V - Secretariar as reuniões do Conselho de Segurança Nacional.
VI - Notificar aos órgãos da Administração Direta e Indireta, as decisões do Presidente da
República decorrentes das Reuniões do CSN ou dos estudos da SG -CSN.
VII - Orientar, coordenar e controlar os trabalhos da SG -CSN.
VIII - Convocar autoridades civis ou militares, convidar personalidades de relevo e
especialistas ou contratar serviços técnicos e specializados para colaborarem em trabalhos da
SG-CSN.
IX - Corresponder-se ou entender-se diretamente com os Ministérios sôbre os assuntos que
digam respeito às atribuições da SG -CSN.
X - Propor, ao Presidente da República, os oficiais das Fôrça s Armadas e assessôres especiais
a serem designados para a SG -CSN bem como o Secretário e os Conselheiros da CEFF.
XI - Requisitar os militares e funcionários civis, necessários ao funcionamento da SG -CSN e
da CEFF.
293
XII - Recompensar e impor pena s disciplinares ao pessoal da SG -CSN na forma da legislação
em vigor.
XIII - Fazer publicar em boletim as ordens, os atos e as decisões que devam chegar ao
conhecimento do pessoal interessado.
XIV - Propor o orçamento do Conselho de Segurança Nac ional.
XV - Apreciar as propostas de nomeação dos dirigentes das Divisões de Segurança e
Informações dos Ministérios Civis.
Art. 21. Compete ao Chefe do Gabinete da SG -CSN:
I - Substituir o Secretário-Geral em seus impedimentos temporários n a SG-CSN e na CEFF.
II - Providenciar, por determinação do Secretário -Geral, a redação das atas de reuniões e
consulta ao Conselho de Segurança Nacional e seu competente registro em livro próprio.
III - Preparar a documentação básica para as reun iões do Conselho de Segurança Nacional.
IV - Assessorar o Secretário-Geral nas reuniões do Conselho de Segurança Nacional.
V - Providenciar a organização do expediente para consulta aos membros do Conselho de
Segurança Nacional.
VI - Assessorar o Secretário-Geral na orientação, coordenação e contrôle de tôdas as
atividades da SG-CSN.
VII - Despachar o expediente de rotina da SG/CSN e assinar os documentos de competência
do Secretário-Geral, quando para isso tiver delegação.
VIII - Propor ao Secretário-Geral a contratação de serviços técnicos especializados
necessários aos trabalhos da SG/CSN.
IX - Exercer por delegação do Secretário -Geral, as funções de Agente Diretor.
X - Autenticar o Boletim Interno da SG/CSN.
XI - Requisitar passagens e transportes de pessoal e material relativo aos encargos da
SG/CSN.
Art. 22. Outras atribuições funcionais do Chefe do Gabinete e as dos Subchefes, Assessôres -
Chefes, Assessores especiais, Chefe da Seção Administrativa serão regul adas pelo Regimento
Interno da Secretaria-Geral.
CAPÍTULO VI
Do Pessoal
Art. 23. O Regimento Interno da Secretaria -Geral disporá sôbre a lotação de seu pessoal.
Parágrafo único. Os militares e funcionários civis serão requisitados na forma da l egislação
em vigor.
294
Art. 24. Os Oficiais das Fôrças Armadas da SG -CSN, e os assessôres especiais serão
designados por Decreto, pelo Presidente da República, mediante proposta do Secretário -Geral.
§ 1º A Chefia do Gabinete e as Subchefias da SG -CSN serão exercidas por oficiais das Fôrças
Armadas, com pôsto equivalente a Coronel e possuidores, no mínimo, do Curso de Comando e
Estado-Maior da respectiva Fôrça.
§ Os assessôres-chefes do Gabinete e das Subchefias terão o pôsto equivalente a Ten ente-
Coronel ou Major e deverão possuir no mínimo o Curso de Estado -Maior da respectiva Fôrça.
§ Os Assessôres especiais serão civis ou militares de nível superior, de experiência e
competência comprovadas para as atividades do setor a que se desti nam.
§ O chefe da SAD será oficial das Fôrças Armadas com o pôsto equivalente a Tenente -
Coronel ou Major.
Art. 25. Os Auxiliares militares e civis colocados à disposição da SG -CSN e da CEFF, serão
designados mediante portaria do Secretário -Geral.
Art. 26. Os militares e os servidores públicos civis, em exercício na SG -CSN serão
considerados:
a) os militares, em "Comissão Militar, de serviço relevante";
b) os civis em efetivo serviço nos respectivos cargos, constituindo título de merecimento a ser
considerado em todos os atos de sua vida funcional.
CAPÍTULO VII
Das Disposições Gerais e Transitórias
Art. 27. Os trabalhos, estudos e documentos a cargo da SG -CSN, à exceção dos documentos
administrativos, terão caráter sigiloso na forma da legislação em vigor.
Art. 28. Os serviços técnicos especializados e de duração limitada, que se fizerem necessários
para o assessoramento de estudos em curso nas Subchefias poderão ser contratados sob regime
da Consolidação das Leis do Tra balho (CLT), por proposição do Chefe do Gabinete ao
Secretário-Geral, observada a legislação em vigor.
§ O pessoal incumbido da execução dêsses serviços, durante a realização dos mesmos,
ficará vinculado ao Gabinete.
§ O pessoal que se fize r necessário para a execução de serviços administrativos, poderá,
igualmente, ser contratado sob o regime da CLT, ficando vinculado à SAD, se fôr o caso.
Art. 29. Os estudos e trabalhos elaborados para a SG -CSN poderão ser publicados pelos
seus autores, mediante autorização do Secretário -Geral.
Art. 30. A SG-CSN disporá de franquia postal e telegráfica.
Art. 31. A proposta de Regimento Interno da SG -CSN deverá ser apresentada ao Secretário -
Geral para aprovação, 120 (cento e vinte) dias apó s a publicação dêste Regulamento.
Art. 32. Os casos omissos neste regulamento, serão resolvidos pelo Secretário -Geral.
Gen. Jayme Portella de Mello
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo