Desse quadro decorre a necessidade de compreender melhor a origem de sua
força e as razões de sua perpetuação no seio de todas as suas transformações,
desde a sociedade colonial formada em torno da senzala e da casa grande até os
dias atuais, em torno das extensas plantações e imponentes indústrias
processadoras do açúcar e do álcool, além de outros produtos de crescente
interesse econômico, como é o caso do bagaço da cana.
A formação dos latifúndios havida por ocasião da opção política de Portugal
pelo regime das Sesmarias, em meados do século XVI, deu-se em um contexto
ainda feudalizante e mercantil, não totalmente capitalista, seja lá em Portugal, seja
no Brasil colônia
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, e mais especificamente, aqui em suas relações internas.
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Ressalte-se que não se desnatura o caráter feudal de nossa ocupação ante a
necessidade de se regredir para a utilização da mão-de-obra escrava, diante da
impossibilidade de se manter o servo preso à gleba, mesmo se reconhecendo a
baixa produtividade daquela mão-de-obra, pois que esta seria compensada em parte
pela “extraordinária fertilidade das terras virgens do Novo Mundo” e, em parte, pelo
“desumano rigor aplicado no tratamento de sua mão-de-obra.”
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Sendo assim, é necessário entender, que apesar de respeitáveis opiniões em
sentido contrário
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, o processo de colonização, e, portanto, de apropriação inicial das
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Usamos a expressão Brasil colônia em detrimento da expressão América Portuguesa, conscientes
de que, conforme esclarecimentos da Professora Doutora Íris Kantor da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas-FFLCH da Universidade de São Paulo, recebidos por e-mail, “muitos
historiadores têm procurado negar a validade do conceito Brasil colônia, considerando o seu viés
nacionalista ou pós colonial”, pois tal conceito foi “cunhado por uma historiografia que procurava fazer
a crítica da colonização portuguesa”. Ainda na esteira dos esclarecimentos da Professora Doutora Íris
Kantor, não negamos o conceito de América Portuguesa que “expressa melhor a visão que os
contemporâneos tinham do espaço político sul-americano no âmbito do império português”, mas
entendemos que Brasil colônia designa de forma mais exata a realidade da exploração econômica e
da mão-de-obra escrava na lavoura canavieira, levada às últimas conseqüências e que ainda
subsiste sob diferentes aspectos, a ponto de hodiernamente, não encontrar limites nem mesmo na
dignidade da pessoa humana, assim como desde os primórdios de nossa colonização em que
estávamos subordinados aos interesses do Império Português. E de fato, diversos historiadores na
atualidade se valem da expressão Brasil colônia, dentre eles a professora Vera Lúcia do Amaral
Ferlini, da Faculdade de História de USP, o professor Antonio Manuel Hespana, entre outros, e a
expressão América Portuguesa está também em historiadores como Pedro Calmon e Wilian Spence
Robertson na obra História das Américas, vol. 4, América Colonial e Portuguesa, Rio de Janeiro, São
Paulo, Porto Alegre, W.M. Jackson Inc. 1945.
9
GUIMARÃES, op. cit., p.25-27
10
Ibid. p.29
11
SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil (1500/1820). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977, p. 80-83