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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PAULA CRISTINA MONTEIRO OZÓRIO
A LUTA SINDICAL PELO DIREITO A UM TRABALHO DIGNO NA
AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA PAULISTA COMO PRESSUPOSTO
DA DEMOCRACIA.
São Paulo
2007
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2
PAULA CRISTINA MONTEIRO OZÓRIO
A LUTA SINDICAL PELO DIREITO A UM TRABALHO DIGNO NA
AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA PAULISTA COMO PRESSUPOSTO
DA DEMOCRACIA.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre.
ORIENTADORA: Professora Doutora Patrícia Tuma Martins Bertolin
São Paulo
2007
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O99L Ozório, Paula Cristina Monteiro Ozório
A luta sindical pelo direito a um trabalho digno na agroindústria canavieira paulista
como pressuposto da democracia.. / Paula Cristina Monteiro Ozório. São Paulo,
2007.
122 f. : il. ; 30 cm
Referências: p. 88-122
Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)- Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2007.
1. Sindicalismo rural. 2. Liberdade sindical 3. Agroindústria I. Título
CDD 342.6416
4
PAULA CRISTINA MONTEIRO OZÓRIO
A LUTA SINDICAL PELO DIREITO A UM TRABALHO DIGNO NA
AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA PAULISTA COMO PRESSUPOSTO
DA DEMOCRACIA.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
Profª. Drª. Patrícia Tuma Martins Bertolin Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Hélcio Ribeiro
Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcus Orione Gonçalves Correia
Universidade de São Paulo
5
O branco açúcar que adoçará meu café nesta
manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem
surgiu dentro do açucareiro por milagre.Vejo-o puro
e afável ao paladar como beijo de moça, água na
pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim Este açúcar veio da mercearia
da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da
mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar
em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o
fez o dono da usina.Este açúcar era cana e veio dos
canaviais extensos que não nascem por acaso no
regaço do vale.Em lugares distantes, onde não
hospital nem escola, homens que não sabem ler e
morrem aos vinte e sete anos plantaram e colheram
a cana que viraria açúcar.Em usinas escuras,
homens de vida amarga e dura produziram este
açúcar branco e puro com que adoço meu café esta
manhã em Ipanema. (Ferreira Gullar. O açúcar.
Toda Poesia. 15.ed. Rio de Janeiro:José
Olympio,2006, p.165)
“Com barriga mais cheia comecei a pensar que eu
desorganizando posso me organizar; que eu me
organizando posso desorganizar” (Chico Science)
6
RESUMO
A pesquisa aborda as relações de trabalho na agroindústria canavieira paulista para
identificar as razões políticas e econômicas de sua construção histórica a partir da
primeira divisão, ocupação e utilização produtiva de suas terras, encaminhada desde
os tempos coloniais em suas imbricações jurídico-legais. Buscar-se-á ainda
identificar os limites jurídicos do poder econômico que podem ou não ser revelados
nesta relação para a identificação do papel do Estado no desenvolvimento deste
processo. A partir de então será ainda necessário pontuar as possibilidades
jurídicas e políticas de atuação dos trabalhadores, por meio da organização sindical,
empreenderem as modificações que resultem na efetiva melhoria das suas
condições de vida e de trabalho.
Palavras chave: sindicalismo rural; agroindústria canavieira paulista; liberdade
sindical; proálcool; proteção constitucional do trabalhador; força normativa da
constituição.
7
ABSTRACT
The research addresses the relationship of work in agribusiness of sugar cane in the
State of São Paulo to identify the reasons and economic policies of his historic
building from the first division, occupation and productive use of their lands, directed
since the colonial times in its legal constructions, get to identify the legal limits of the
economic power that can or not to be can showing in this relation for the identification
of the State’s function in a development in this process. From then will be required
score the possibilities of legal and political performance of the employees, through
union organization, undertake the modifications that result in effective improvement
of their living conditions and work.
Keywords: rural unionism; agribusiness canavieira in the State of São Paulo;
freedom of association; proálcool; constitutional protection of the worker; normative
force of the constitution;
.
8
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
CEPAL Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina
CNI Confederação Nacional da Indústria
C&T Ciência e Tecnologia
CUT Central Única dos Trabalhadores
FIESP Federação das Indústrias no Estado de São Paulo
FNT Fórum Nacional do Trabalho.
IAA Instituto do Açúcar e do Álcool
IEA Instituto de Economia Agrícola de São Paulo.
PCB Partido Comunista Brasileiro
PEC Proposta de Emenda Constitucional
PROÁLCOOL Programa Nacional do Álcool
PNB Produto Nacional Bruto
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PT Partido dos Trabalhadores
SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNICA União da indústria do açúcar e do álcool
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
2 A GRADATIVA TRANSFORMAÇÃO HISTÓRICA DA FORMA DE EXPLORAÇÃO
AGRÍCOLA DA CANA-DE-ÚCAR: DA MONOCULTURA COLONIAL AO
AGRONEGÓCIO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL. ........................................................... 18
3 O DEBATE SOBRE A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO NO ATUAL
ESTÁGIO DAS RELAÇÕES ECONOMICO-SOCIAIS E POLÍTICAS DO BRASIL E SEUS
REFLEXOS NO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO PAULISTA. ......................................... 36
4 OS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEUS REFLEXOS NO
SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO PAULISTA. ................................................................. 48
4.1 O PROGRAMA NACIONAL DO ÁLCOOL (PROÁLCOOL): SEUS REFLEXOS
NEGATIVOS PARA UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. ................ 53
5 O MOVIMENTO SINDICAL NO SETOR SUCRO ALCOOLEIRO PAULISTA E AS
SUAS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO PARA CONCRETIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES
DIGNAS DE VIDA E DE TRABALHO AO TRABALHADOR RURAL. .............................. 62
6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 83
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 88
ANEXO I ENTREVISTA COM DANILO PEREIRA DA SILVA: ..................................... 96
ANEXO II ENTREVISTA COM ÉLIO NEVES:........................................................... 110
10
AGRADECIMENTOS
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico do Instituto Presbiteriano Mackenzie pelas aulas estimulantes e pelo
espírito de cooperação com os alunos no aprofundamento da pesquisa.
Ao Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto, Coordenador e Professor do
Programa pelas primeiras orientações, por suas aulas sempre instigantes na
abordagem do Direito do Trabalho e por toda a sua luta para o fortalecimento deste
na sociedade, exemplos de grande estímulo ao estudo e amor à pesquisa.
À Profª. Drª. Patrícia Tuma Martins Bertolin, orientadora querida, que soube
conjugar exigência com incentivo, além de tornar nossos encontros sempre
agradáveis por sua paciência em rever os textos e compartilhar conhecimentos.
Aos meus irmãos Marcelo Monteiro Ozório e Alexandre Monteiro Ozório por
possibilitarem a realização deste projeto tão importante na minha vida.
Ao meu irmão Augusto Monteiro Ozório, Professor e Geógrafo, por estar
sempre interessado no tema da pesquisa e me conceder dicas valiosas.
A Profª. Drª. Sônia Maria Vanzela Castellar pelo incentivo e auxílio.
Ao Prof. Dr. Antônio Thomaz Junior que vem contribuindo desde o início com
suas indicações, inclusive para o meu ingresso no curso e escolha do tema do
trabalho.
Aos sindicalistas por me concederam as entrevistas que integram os ANEXOS
do trabalho, Danilo Pereira da Silva e Élio Neves.
Ao meu colega Gilberto Gornati e à Profa. Dra. Íris Kantor da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas-FFLCH da Universidade de São Paulo,
contribuíram para extirpar equívocos na utilização de termos históricos na pesquisa.
11
Aos Professores Doutores Hélcio Ribeiro e Marcus Orione pelas sugestões
contribuições apontadas por ocasião do exame de qualificação.
A todos os que comigo conviveram neste período e que procuraram me auxiliar
de diversas formas, meus familiares, meus amigos, colegas de trabalho e
especialmente à minha mãe por cuidar de Emmanuela, minha filha, e ao poeta
Anderson H.
12
1 INTRODUÇÃO
A dura realidade em que vivem os trabalhadores da agroindústria canavieira no
Brasil e mais especificamente, no Estado de São Paulo foi a motivação inicial do
presente estudo, que tem por objetivo desvendar o seu modelo de produção e
desafiar alguma possibilidade de transformação a fim de conduzi-los à condição
digna de vida e de trabalho.
Para tanto, entendeu-se necessário pontuar as razões históricas de sua atual
realização e seus imbricamentos políticos, jurídicos, econômicos e também sociais,
na busca de se identificar limites jurídicos que contribuam para a transformação
dessa realidade a qual estão submetidos estes trabalhadores.
No primeiro capítulo serão demonstrados os fatores que conduziram ao atual
modelo de produção do açúcar e do álcool, hoje compreendido como agronegócio,
com o objetivo de demonstrar neste percurso, a condição histórica de exclusão a
que estiveram sujeitos.
Necessário esclarecer que para delimitar o conteúdo do termo agronegócio no
presente trabalho, adota-se a concepção da EMBRAPA Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária, compreendido como a “agricultura empresarial” inserida na
economia de mercado em que se busca sempre maior produtividade e
competitividade, fazendo uso de modernas tecnologias com papel de destaque para
a inserção do Brasil no mercado globalizado e para o seu crescimento econômico
1
,
mas no caso sucroalcooleiro, tais ações não têm refletido em melhores condições de
vida para os trabalhadores.
E a EMBRAPA esclarece:
1
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, EMPRESA BRASILEIRA DE
PESQUISA AGROPECUÁRIA. IV PLANO DIRETOR DA EMBRAPA 2004-2007. 1.ed.
Brasilia/DF:Secretaria de Gestão Estratégia, 2004, 48p. Disponível em: <
http://www.embrapa.br/publicacoes/institucionais/pde4.pdf>. Acesso em:04.dez.2007, p.9-18.
13
“Agronegócio – O conceito de agronegócio engloba os fornecedores de
bens e serviços ao setor agrícola, os produtores agrícolas, os
processadores, os transformadores e os distribuidores envolvidos na
geração e no fluxo dos produtos da agricultura, pecuária e floresta até o
consumidor final. Entre os produtores agrícolas incluem-se a agricultura
familiar em suas diferentes modalidades, os assentados da reforma agrária
e as comunidades tradicionais. Participam também do agronegócio os
agentes que coordenam o fluxo dos produtos e serviços, tais como o
governo, os mercados, as entidades comerciais, financeiras e de serviços.”
2
Retomando, fez-se a opção por iniciar a pesquisa a partir de seu percurso
histórico com o objetivo de compreender a razão pela qual a lavoura da cana-de-
açúcar pôde se perpetuar e se sustentar como um importante setor da economia do
Brasil, passando por fases de crise e de pujança, para chegar ao século XXI,
altamente produtiva e ao mesmo tempo, perpetuar as mais indignas condições de
vida e de trabalho, especialmente para os trabalhadores rurais, alguns ainda,
submetidos a condições análogas a de escravo.
3
Neste caminho histórico as peculiaridades do desenvolvimento do capitalismo
no Brasil serão explicitadas como justificadoras da perpetuação dos latifúndios,
mesmo quando a necessidade de aumento da produtividade da exploração agrária o
identificou como antiprodutivo, a partir do processo de industrialização, seja o
2
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, EMPRESA BRASILEIRA DE
PESQUISA AGROPECUÁRIA. IV PLANO DIRETOR DA EMBRAPA 2004-2007. 1.ed.
Brasilia/DF:Secretaria de Gestão Estratégia, 2004, 48 p.Disponível em:<
http://www.embrapa.br/publicacoes/institucionais/pde4.pdf>. Acesso em:04.dez.2007, p.20
3
Cf. Art. 149 do Código Penal Brasileiro: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação
dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1
o
Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei 10.803, de
11.12.2003)
§ 2
o
A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei 10.803, de
11.12.2003)
I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei 10.803, de
11.12.2003)
14
iniciado em 1930, ou em momentos anteriores, conforme a modernização da
agricultura.
Apontar-se-á como a classe dos latifundiários pôde impor seus interesses ante
a inexorável necessidade de industrialização iniciada a partir de então, construindo
paulatinamente um modelo monopolizado pelo lado do capital e demasiadamente
fragmentado pelo lado dos trabalhadores.
No capítulo segundo, considerando o atual estágio de nossa Constituição
Federal de 1988 procurar-se-á estabelecer o debate acerca de sua força normativa,
a fim se identificar as possibilidades jurídicas de sua efetivação em relação aos
trabalhadores do setor sucroalcooleiro paulista.
De fato, a Constituição Federal do Brasil de 1988 já em seu artigo 1º constitui o
Estado Democrático de Direito e estabelece como seus fundamentos, dentre outros,
conforme incisos III e IV a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa. E que estabelece ainda, conforme seu parágrafo único
que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição”, elegendo assim, a democracia
representativa e participativa como forma de governo.
-se ainda que o texto constitucional elegeu como objetivos fundamentais do
Estado Democrático de Direito “construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais” conforme dispõe seu artigo 3
o
e incisos
I a III.
Observa-se, ainda, que a Constituição declarou que os direitos sociais estão
compreendidos dentre os Direitos e Garantias Fundamentais e dentre eles, os
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, incluindo, expressamente, dentre outros
que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores, o direito a “salário
mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, nos
15
termos do artigo 7
o
, inciso IV, além de garantir aos trabalhadores “proteção em face
da automação na forma da lei”, conforme inciso XXVII, do artigo 7
o
Constituição
Federal de 1988.
Ante esse contexto Constitucional, imperativo se faz questionar a razão pela
qual tais dispositivos são quotidianamente desrespeitados no setor sucroalcooleiro
paulista em que grande parte de seus trabalhadores não logram trabalhar, nem
viver, em condições dignas, mas ao contrário, muitos chegam até a ser submetidos
a condições análogas a de escravo.
“Eles têm de se esforçar cada vez mais para manter seus empregos e não
ser devorados pela tecnologia. São os ias-frias da cana-de-açúcar da
região de Ribeirão Preto(SP), estimados em 40 mil trabalhadores, que
convivem com aumentos anuais de área plantada que beneficiam os
produtores e com a mecanização crescente. Esse esforço extra, no entanto,
é alvo de investigação da ONU (Organização das Nações Unidas) e da
Pastoral do Migrante de Guariba (SP), ligada à Igreja Católica. As duas
organizações investigam se as mortes de nove bóias-frias registradas desde
2004 em canaviais da região foram provocadas pelo excesso de trabalho.
(...). No próximo mês, uma missão da ONU estará na região para analisar
as condições de trabalho dos bóias-frias, as condições sanitárias dos
alimentos e a quantidade de comida ingerida e a possível exposição a
agrotóxicos. (...) ´Vamos conhecer in loco a vida do bóia-fria. A situação
vivida por eles está próxima do trabalho escravo’, diz Valente, que também
é relator nacional para os direitos Humanos à Alimentação, Água e Terra
Rural da Abrandh (Ação Brasileira pela Nutrição e Direito Humanos).”
4
Nesse sentido é que no segundo capítulo será abordada a questão da força
normativa da constituição para a concretização do seu plano transformador dessa
realidade.
no capítulo terceiro, serão identificados os modelos de desenvolvimento
econômico do Brasil nos quais estão inseridos os seus reflexos para o setor da
agroindústria canavieira paulista, especialmente a partir do Programa Nacional do
4
Jornal Folha de São Paulo, Domingo, 18 de dezembro de 2005, Dinheiro, B6.
16
Álcool-PROÁLCOOL
5
e sua atual reedição, buscando identificar os fatores de
interligação entre o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida e
trabalho para os trabalhadores do setor.
Desse modo, ao se alcançar o quarto e último capítulo, pretende-se haver
delineado o contexto em que a classe trabalhadora haverá de se imiscuir, para se
poder identificar os limites jurídicos ao poder econômico da agroindústria bem como
o poder dos sindicatos dos trabalhadores rurais em propugná-los num ambiente de
luta democrática para a valorização do trabalho humano e da dignidade do
trabalhador.
Nesta oportunidade, serão identificados os entraves à atuação sindical dos
trabalhadores, por um lado, procurando identificar as restrições legais e
constitucionais que ainda vigoram em nosso país, em desacordo com os preceitos
de liberdade sindical que integram a Convenção 87 da OIT -Organização
Internacional do Trabalho, de 1948.
Por outro lado, pontuar-se-ão as dificuldades específicas das classes
envolvidas no setor, quanto às possibilidades de implementação de suas
reivindicações, especialmente quanto ao tema da fragmentação dos trabalhadores,
para delimitar as dificuldades da elaboração de uma proposta conjunta entre a
classe trabalhadora, denotando, assim os limites e as possibilidades da ação
sindical.
Ademais, para se conhecer a percepção de alguns atores envolvidos, ainda
que parcialmente, representantes das categorias profissionais do setor inclui-se na
presente pesquisa as entrevistas realizadas, uma com Danilo Pereira da Silva e
outra com Élio Neves, respectivamente Presidente da FEQUIMFAR - FEDERAÇÃO
DOS TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS QUÍMICAS E FARMACÊUTICAS DO
ESTADO DE SÃO PAULO, com sede na Capital e da FERAESP- FEDERAÇÃO
5
O PROÁLCOOL foi instituído oficialmente pelo Decreto nº76.593 de 14 de novembro de 1975 e
tinha como principal objetivo estimular a produção do álcool a partir da cana-de-açúcar, como
alternativa para diminuição do Brasil da dependência das exportações de Petróleo, muito
especialmente diante das recentes crises de escassez do produto no mercado internacional.
17
DOS EMPREGADOS RURAIS ASSALARIADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO,
com sede em Araraquara.
Nesse contexto, procurar-se-á identificar a importância do FNT-Fórum Nacional
do Trabalho como uma experiência positiva para a construção de ambiente
democrático das relações de trabalho no Brasil, inclusive no setor sucroalcooleiro,
para o fortalecimento do poder de barganha dos sindicatos profissionais e do diálogo
social.
Cumpre ressaltar que para a realização do presente trabalho recorreu-se à
pesquisa bibliográfica, coleta de dados em institutos de pesquisa, como por
exemplo, o IEA Instituto de Economia Agrícola de o Paulo, bem como a
realização das entrevistas com dois Presidentes das entidades de classe dos
trabalhadores do setor, encartadas nos ANEXOS.
Ao final da pesquisa serão apresentadas as possibilidades de fortalecimento do
movimento sindical rural do setor sucroalcooleiro paulista mediante exercício da
democracia e como sua condição de fortalecimento, a fim de que o Estado possa
impor com força normativa e política os limites jurídicos ao poder econômico da
Agroindústria canavieira paulista, como instrumento para a promoção da dignidade
de vida e de trabalho aos trabalhadores rurais.
18
2 A GRADATIVA TRANSFORMAÇÃO HISTÓRICA DA FORMA DE
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA DA CANA-DE-AÇÚCAR: DA
MONOCULTURA COLONIAL AO AGRONEGÓCIO DO AÇÚCAR E DO
ÁLCOOL.
No Brasil, remontando às suas origens do processo de ocupação do solo e de
sua exploração econômica, nota-se que foi induzido por políticas estatais e teve
início a partir da opção pela utilização de grandes porções de terra distribuídas a
donatários escolhidos pela Coroa Portuguesa. Era o sistema das donatarias.
Nascia o Brasil latifundiário, para a exploração extensiva da terra, voltada para
a monocultura destinada a servir ao mercado externo e se esse modelo, nos
primórdios da colonização, foi economicamente muito proveitoso para Portugal,
tornou-se antieconômico com as transformações do capitalismo, pois, o latifúndio
passou a ser improdutivo com o desenvolvimento das tecnologias de produção
agrária.
No entanto, e aparentemente de forma paradoxal, este modelo de exploração
extensiva da terra que precisa utilizar latifúndios para a monocultura voltada para o
mercado externo e que apresenta algumas especificidades que mais adiante serão
explicitadas, vem se perpetuando na estrutura agrária brasileira, amoldando-se às
novas exigências do capitalismo.
Esta aparente contradição explica-se pelo fato de que no Brasil, a classe dos
latifundiários teve de ceder gradualmente aos imperativos de transformação
impostos pelo capitalismo para a aglutinação do capital, mas manteve sob seu
controle a posse da terra.
Este processo foi facilitado por políticas econômicas nem sempre voltadas
inteiramente para o desenvolvimento econômico, mas, ao contrário, que tiveram de
ceder às pressões das elites proprietárias das terras aliadas ao capital internacional.
19
Para compreensão do conteúdo do termo “desenvolvimento econômico” optou-
se por adotar a acepção dada ao temo por Celso Furtado, para quem o
desenvolvimento econômico é proveniente “da ação dos agentes que exercem o
poder econômico para apropriar-se dos frutos do aumento de produtividade e da
ação de outros fatores que exigem, em fase subseqüente, a transferência desses
frutos para o conjunto da coletividade.”
6
Daí resulta que os interesses da classe latifundiária conseguiram se sobrepor
aos interesses de desenvolvimento do Brasil, porque sua força política não
encontrou ainda, até os dias atuais, outra força capaz de impor-se como
desagregadora.
Da propriedade latifundiária das terras e do modo de sua exploração agrária,
monocultura extensiva e voltada ao mercado externo, enfim, dessa estrutura decorre
o chamado poder extra-econômico dos latifundiários, que os torna semelhantes aos
senhores feudais da Europa medieval.
Alberto Passos Guimarães demonstra a origem e as conseqüências de tal
poder que é exercido para subjugar a classe dos despossuídos:
Graças a êsse tipo de relações coercitivas entre os latifundiários e seus
´moradores´, ´agregados´, ´meeiros´, ´colonos´, ´camaradas´ e mesmo
assalariados, estendendo-se também aos vizinhos de pequenos e médios
recursos, alguns milhões de trabalhadores brasileiros vivem, inteiramente
ou quase inteiramente, à margem de quaisquer garantias legais ou
constitucionais e sujeitos à jurisdição civil ou criminal e ao arbítrio dos
senhores de terras. Êstes últimos determinam as condições dos contratos
de trabalho, as formas de remuneração, os tipos de arrendamento, as
lavouras e criações permitidas, os preços dos produtos, os horários de
trabalho, os serviços gratuitos a prestar, ditam as sentenças judiciais e
impõem restrições à liberdade que lhes convém, sem o mínimo respeito às
leis vigentes.
7
6
FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, 7. ed. o Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1979, p.124.
7
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1968, p. 36
20
Desse quadro decorre a necessidade de compreender melhor a origem de sua
força e as razões de sua perpetuação no seio de todas as suas transformações,
desde a sociedade colonial formada em torno da senzala e da casa grande até os
dias atuais, em torno das extensas plantações e imponentes indústrias
processadoras do açúcar e do álcool, além de outros produtos de crescente
interesse econômico, como é o caso do bagaço da cana.
A formação dos latifúndios havida por ocasião da opção política de Portugal
pelo regime das Sesmarias, em meados do século XVI, deu-se em um contexto
ainda feudalizante e mercantil, não totalmente capitalista, seja em Portugal, seja
no Brasil colônia
8
, e mais especificamente, aqui em suas relações internas.
9
Ressalte-se que não se desnatura o caráter feudal de nossa ocupação ante a
necessidade de se regredir para a utilização da mão-de-obra escrava, diante da
impossibilidade de se manter o servo preso à gleba, mesmo se reconhecendo a
baixa produtividade daquela mão-de-obra, pois que esta seria compensada em parte
pela “extraordinária fertilidade das terras virgens do Novo Mundo” e, em parte, pelo
“desumano rigor aplicado no tratamento de sua mão-de-obra.”
10
Sendo assim, é necessário entender, que apesar de respeitáveis opiniões em
sentido contrário
11
, o processo de colonização, e, portanto, de apropriação inicial das
8
Usamos a expressão Brasil colônia em detrimento da expressão América Portuguesa, conscientes
de que, conforme esclarecimentos da Professora Doutora Íris Kantor da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas-FFLCH da Universidade de São Paulo, recebidos por e-mail, “muitos
historiadores têm procurado negar a validade do conceito Brasil colônia, considerando o seu viés
nacionalista ou pós colonial”, pois tal conceito foi “cunhado por uma historiografia que procurava fazer
a crítica da colonização portuguesa”. Ainda na esteira dos esclarecimentos da Professora Doutora Íris
Kantor, não negamos o conceito de América Portuguesa que “expressa melhor a visão que os
contemporâneos tinham do espaço político sul-americano no âmbito do império português”, mas
entendemos que Brasil colônia designa de forma mais exata a realidade da exploração econômica e
da mão-de-obra escrava na lavoura canavieira, levada às últimas conseqüências e que ainda
subsiste sob diferentes aspectos, a ponto de hodiernamente, não encontrar limites nem mesmo na
dignidade da pessoa humana, assim como desde os primórdios de nossa colonização em que
estávamos subordinados aos interesses do Império Português. E de fato, diversos historiadores na
atualidade se valem da expressão Brasil colônia, dentre eles a professora Vera Lúcia do Amaral
Ferlini, da Faculdade de História de USP, o professor Antonio Manuel Hespana, entre outros, e a
expressão América Portuguesa está também em historiadores como Pedro Calmon e Wilian Spence
Robertson na obra História das Américas, vol. 4, América Colonial e Portuguesa, Rio de Janeiro, o
Paulo, Porto Alegre, W.M. Jackson Inc. 1945.
9
GUIMARÃES, op. cit., p.25-27
10
Ibid. p.29
11
SIMONSEN, Roberto. História Econômica do Brasil (1500/1820). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977, p. 80-83
21
terras no Brasil como se naquela época se houvesse desenvolvido plenamente o
modo capitalista de produção, negando-se, pois, seu caráter feudalizante reflete
diretamente a opção política no que respeita à estrutura agrária brasileira.
De fato, negar o caráter feudalizante da estrutura colonial brasileira reflete a
postura daqueles que se opõem à necessidade da reforma agrária, o que significa
“nada mais nada menos, considerar uma excrescência, tachar de supérflua qualquer
mudança ou reforma profunda de nossa estrutura agrária”
12
, na medida em que a
divisão e a apropriação das terras tenha obedecido aos moldes da apropriação
capitalista, bastaria então meros ajustes.
Por outro lado, reconhecer o caráter feudalizante de nossa colonização induz,
necessariamente, à compreensão da imprescindibilidade de absoluta transformação
do modelo feudal da nossa estrutura colonial e latifundiária que ainda se mantém em
vários aspectos, inclusive no que se refere à exploração da o-de-obra, não raro
laborando em condição análoga à de escravo.
Desse modo, compreende-se a origem da fragilidade do poder Estatal diante
do poder privado dos senhores das terras que ainda hoje se impõe e se revela na
perpetuação dos latifúndios e na forma da exploração da mão-de-obra do setor,
submetida a condições indignas de vida e de trabalho, alijados da efetividade da
proteção legal.
Victor Nunes Leal reconhece essa característica do poder privado da elite
agrária, refratária até mesmo aos comandos da metrópole real portuguesa, quando a
imposição legal contrariava seus interesses.
12
GUIMARÃES, op. cit. p. 33
22
Não raro, porém, a coroa sancionava usurpações, praticadas através das
câmaras pelos onipotentes senhores rurais. Legalizava-se, assim, uma
situação concreta, subversiva do direito legislado, mas em plena
correspondência com a ordem econômica e social estabelecida nestas
longínquas paragens.
13
Gilberto Freyre, analisando a ocupação do solo brasileiro, submetido aos
interesses coloniais de Portugal, conclui que “derramano-nos em superfície antes de
nos desenvolvermos em densidade e profundidade”, ou seja, que os colonos teriam
demonstrado um “imperialismo precoce” em busca da ocupação de maiores porções
de terra.
Esse fato, ainda segundo Gilberto Freire, teria contribuído para nossa má
“saúde econômica”
14
, marcando aqui outra característica feudal neste período da
história do Brasil, revelada também na relação senhor X escravo e na onipotência
dos senhores de engenho com relação aos seus domínios territoriais.
Ressalte-se que, apesar de Gilberto Freire dedicar sua pesquisa à
compreensão sociológica e até psicológica de nossa formação, e assim, dar mais
ênfase a fatores como os religiosos na determinação deste processo, considerando
o catolicismo, por exemplo, como o “cimento de nossa unidade”
15
, não despreza ele
os fatores políticos e econômicos, mas destaca também a relevância destes fatores,
como se pode observar no trecho acima.
Neste mesmo sentido é que referido autor aduz acerca do poder eclesiástico
no Brasil, afirmando ter ele cedido ao poder centralizador dos senhores da terra e
dos engenhos, mais poderosos até mesmo do que a Coroa Portuguesa, distante do
dia-a-dia da Casa Grande, corroborando a compreensão feudalizante de nossa
colonização.
13
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil,
3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p.84.
14
FREIRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 30. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992, p.27.
15
FREIRE, op. cit. p. 30
23
“As condições de colonização criadas pelo sistema político das capitanias
hereditárias e mantidas pelo econômico, das sesmarias e da grande
lavoura- condições francamente feudais- o que acentuaram de superior aos
governos e à justiça Del-Rei foi o abuso do coito ou homizio pelos grandes
proprietários de engenhos: e não pelas catedrais e pelos mosteiros”.
16
Em verdade, a instituição das Sesmarias no Brasil representou aqui a
continuidade da política de Portugal, mas lá originalmente havia sido instituída como
uma tentativa para a recuperação de sua decadente agricultura, como uma forma de
estimular o cultivo das terras pela fixação da população rural no campo,
condicionando as concessões de terra ao seu efetivo aproveitamento agrícola.
No entanto, aqui, diante das imensas dificuldades administrativas enfrentadas
pela Coroa Portuguesa, tão bem reveladas por Caio Prado nior
17
, pode-se
facilmente compreender o fracasso das condições impostas para perpetuação do
regime das sesmarias, que veio a se extinguir oficialmente pela Resolução de 17 de
Julho de 1822, um pouco antes da independência.
18
Este processo revela que nossa ocupação territorial iniciou-se com a
preocupação formal de garantir o efetivo aproveitamento agrícola das terras, porém,
em solo brasileiro, nossas condições peculiares fizeram com que as concessões
fossem balizadas por critérios de privilégio e nobreza.
Outra vez, denota-se aqui outra especificidade das relações político-
econômicas e sociais no Brasil, decorrente das condições peculiares que aqui se
formaram à revelia da condução da metrópole colonizadora.
É importante destacar estas distinções que se prolongam no tempo e marcam
até os dias atuais a diferenciação entre as relações travadas nos países do
16
FREIRE, op. cit. p. 194-195.
17
PRADO JUNIOR, Caio. A formação do Brasil contemporâneo. 23.ed. São Paulo:Brasiliense, 1999,
p.298-340.
18
GUIMARÃES, op. cit. p. 59
24
capitalismo central das relações travadas nos países do capitalismo periférico, como
é o caso do Brasil.
19
Com efeito, as relações patrimonialistas e patriarcalistas que aqui se
desenvolveram são pautadas na hierarquia e nem sempre são coerentes com os
objetivos do Estado, subjugado pelos interesses da classe dominante.
Cumpre salientar, no entanto, que o processo de ocupação das terras nas
regiões sul/sudeste do Brasil foi diverso sob vários aspectos do relatado acima, que
ocorreu predominantemente nas regiões norte/nordeste, a ponto de Alberto Passos
Guimarães distinguir a formação dos engenhos de açúcar nas regiões litorâneas e
nordeste da formação das fazendas pecuárias no centro/sul.
20
As fazendas eram também bastante menores do que os engenhos, o que
facilitava o acesso à terra de uma população formada por marginalizados na
estrutura colonial de exportação, de forma que nestas regiões proliferaram-se outras
formas de ocupação das terras, por posseiros, meeiros, colonos e pequenos
proprietários.
Isto porque, em São Paulo, por exemplo, no processo de ocupação das terras,
embora também originário das Sesmarias, as porções de terra eram menores do
que as concessões nordestinas.
Ressalte-se que, geograficamente, São Paulo estava afastava em relação ao
mar e não se integrou diretamente na economia exportadora colonial, tendo de
buscar uma forma diferente de aproveitamento econômico, por isso, ao contrário das
demais capitanias, formaram-se aqui as fazendas, onde predominava a cultura de
subsistência e a pecuária.
Desse modo, as fazendas não estabeleceram com a metrópole as linhas de
comércio dos produtos de exportação, como o açúcar produzido nos engenhos
nordestinos e nas regiões litorâneas do Brasil, mas acabaram por representar uma
19
MASCARO, Alysson Leandro. Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro. São Paulo: Quartier
Latin, 2003,p.79-101
20
GUIMARÃES, op. cit. p. 62-77
25
linha interna de comércio importante para o desenvolvimento da região, como
fornecedoras de suprimentos e mesmo de força motora animal aos engenhos de
açúcar.
21
Nos primórdios da colonização, a formação das fazendas propiciaria, mais
tarde, a distinção cidade/campo, por conduzir à formação de entrepostos de
comercialização dos produtos de subsistência produzidos nas fazendas, e mesmo
pelo comércio de burros de carga ou de animais para utilização de sua força
mecânica nos engenhos.
22
A população também abrigou particularidades diferenciadoras, pois em São
Paulo predominava a população dos mamelucos (descendentes das indígenas com
os colonizadores brancos) e a mão-de-obra utilizada era predominantemente a
indígena, como alternativa econômica de sobrevivência, que os parcos recursos
de sua população não lhes permitia a compra da mão-de-obra escrava
23
também que se ressaltar a menor hierarquização das relações sociais que
se desenvolveram nas fazendas em relação aos engenhos nas casas grandes e
senzalas, o que permitiu naquelas o posterior surgimento da classe dos
arrentadários, “com um vel de vida mais elevado que os rendeiros e lavradores
obrigados, existentes nas culturas canavieiras.”
24
De fato, é importante compreender a evolução do sistema de arrendamento
surgido nas fazendas paulistas muito, “mais próxima da renda agrária capitalista”,
que propiciava o acesso à exploração e mais tarde à propriedade, de homens de
menores posses” e neste aspecto, “a fazenda se opunha ao engenho como força
desagregadora dos privilégios absolutos da nobreza territorial”
25
Para melhor compreensão desta classificação social identificada como
conseqüência do sistema de divisão e apropriação das terras no período colonial,
21
SIMONSEN, op. cit. p. 207 e PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 67
22
GUIMARÃES op. cit. p. 67-68
23
SIMONSEN, op. cit. p. 207
24
GUIMARÃES, op. cit. 63
25
Ibid. p. 69
26
recorre-se aos estudos de Pedro Ramos, reveladores da existência, desde a
colonização, dos “lavradores sem engenhos”, mas que possuíam recursos
suficientes para a compra e manutenção de escravos no cultivo da cana, e que
“dependiam dos senhores de engenho para a moagem de suas canas”
26
É ainda Pedro Ramos quem explica essa classificação social dos chamados
lavradores obrigados e dos meeiros arrendatários que surgiram na lavoura
canavieira.
“No decorrer do processo de colonização, com o passar dos anos, a
complexidade social e fragmentação da propriedade em decorrência de
herança e do pagamento de vidas para a aquisição de escravos fez com
que surgissem os lavradores de cana obrigada aqueles que adquiriam
áreas com cláusula de entrega obrigatória de cana a um determinado
engenho e os lavradores de cana livre, os quais sofriam a pressão do
senhor de engenho para venderem as terras a eles. Também existiam
colonos que passaram a arrendar terra dos engenhos.”
27
Estes elementos são importantes para compreender as transformações
gradativas na vida no campo que colimaram na formação do centro agroindustrial
sucroalcooleiro em terras paulistas, pois essa maior fragmentação da terra e
diferenciadas condições de vida, que originalmente deram o significado peculiar da
diferenciação cidade/campo, serão profundamente alterados na realização plena da
exploração agrária atual, no agronegócio da cana-de-açúcar.
28
Nota-se como São Paulo pôde acumular, neste período, as condições que
mais tarde propiciariam sua posição atual de destaque na produção nacional de
açúcar e álcool, de forma a superar a tradicional produção do norte/nordeste, pois
este quadro inicial permitiu seu pioneirismo na modernização agrária, por meio da
26
RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1999. (Economia & Planejamento n.36: Teses e Pesquisas n.21), p.39.
27
Ibid. p.39
28
Desde importa ressaltar a realidade, que mais adiante será melhor explicada, de que a
exploração atual da cana de açúcar se predominantemente pela utilização de latifúndios e seus
trabalhadores são assalariados que se deslocam para o campo por ocasião dos picos de
necessidade mão-de-obra, no plantio e mais intensamente na colheita da cana.
27
utilização de processos técnico-agrícolas que garantiam a maior produtividade do
solo e a integração da agricultura no mercado capitalista.
“No Sul, (...) mais cedo surgiram condições para a fragmentação da
propriedade, para uma melhor utilização do solo, para a localização de
correntes migratórias, para a formação de um mercado mais amplo. Estas
as circunstâncias preliminares e imprescindíveis que no Centro-Sul
possibilitaram o desenvolvimento da economia industrial”
29
Como corolário desse processo, nota-se que a formação dos latifúndios em
São Paulo somente teve início com a cultura do café, no século XIX, quando se
fazia uso da mão-de-obra predominantemente assalariada, diferenciando-se dos
cafeicultores fluminenses que perpetuaram a exploração escravagista até seus
últimos suspiros, ainda quando era considerada francamente antieconômica em
relação à utilização dos colonos livres e assalariados.
Esta diferenciação dos antigos engenhos para a fazenda paulista de café em
meados do século XIX imprimiu as primeiras condições para que São Paulo se
destacasse no processo de modernização da produção agrária, acompanhando as
imposições de maior produtividade do capitalismo, sem, contudo, deixar de ser
latifundiário:
“A silhueta antiga do Senhor de engenho perde aqui alguns de seus traços
característicos, desprendendo-se mais da terra e da tradição da rotina
rural. A terra de lavoura deixa então de ser o seu pequeno mundo, para se
tornar unicamente seu meio de vida, sua fonte de renda e de riqueza.”
30
Sem negar a importante contribuição do café para a acumulação do capital em
terras paulistas, no século XVIII o plantio da cana havia aqui se instalado, ainda
que de forma incipiente, e a partir de 1930 veio gradativamente substituindo as
lavouras de café.
29
GUIMARÃES, op. cit. p.74
30
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005,
p.174.
28
De fato, sabe-se que foi em São Paulo, na capitania de São Vicente, que houve
a introdução da produção de cana-de-açúcar no século XVI, mas o seu
desenvolvimento deu-se inicialmente em terras nordestinas, como mencionado
acima.
Neste aspecto, Maria Thereza Petrone demonstra a formação do chamado
quadrilátero do açúcar, delimitado pelos municípios paulistas de Sorocaba, Jundiaí,
Mogi-Guaçu e Piracicaba, que se dedicavam também à produção de aguardente, no
período de 1765/1851, ou seja, de meados do século XVIII até meados do século
XIX.
31
Pedro Ramos
32
confirma que, em terras paulistas, o cultivo da cana-de-açúcar
somente pôde ser retomado em finais do século XVIII, para declinar posteriormente,
em meados do século XIX até aproximadamente 1930, quando então teve início o
gradativo processo de substituição das culturas de café pelo cultivo da cana-de-
açúcar.
Desde então, o que se é o processo de expansão e modernização da
agricultura canavieira, especialmente a partir dos anos sessenta do culo XX, e
com maior intensidade ainda, a partir da opção pela produção de álcool-etanol
combustível extraído desta cultura no início da década setenta.
De fato, foi a partir do PROÁLCOOL que se remodelou definitivamente o atual
cenário da agroindústria canavieira paulista, cujo processo específico, desde então,
passou também por fases de crise e atualmente está em plena revigoração. No
capítulo III, este tema será tratado mais detalhadamente.
Para compreender a transformação introduzida pelo PROÁLCOOL, necessário
entender o momento em que primeiro se fez a introdução da indústria no campo
33
,
31
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo: expansão e
declínio:1765/1851.São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p.8.
32
RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1999. (Economia & Planejamento n.36: Teses e Pesquisas n.21), p.48-52.
33
Neste momento não se esfalando do processo de industrialização encampado inicialmente pelo
governo Getúlio Vargas e progressivamente no último período ditatorial a partir da década de
sessenta, mas sim, da segunda metade do século XIX, promovida pelo governo imperial. Isto porque
naquele momento a produção açucareira nordestina tinha até então no açúcar o produto de maior
29
quando se estabeleceu separação entre a zona de produção agrária a zona do
processamento industrial da matéria prima, pois esta estratégia ira influenciar os
métodos de aproveitamento e organização da mão-de-obra.
Cumpre marcar este aspecto, pois esta atitude remonta ao governo imperial e
foi precedida de discussões políticas em que se buscavam alternativas para
substituição da mão-de-obra escrava pela livre, discutindo até mesmo a necessidade
ou não da perpetuação da exploração econômica da cana-de-açúcar, como
demonstra Milet, no Congresso Agrícola do Sul realizado de 8 a 12 de julho de
1878.
34
Interessa pontuar que Milet propugnava pela imprescindibilidade de
perpetuação da exploração econômica da cana-de-açúcar, fazendo a apologia desta
cultura, chamada então de “grande lavoura” para o crescimento e desenvolvimento
do Brasil até aquele momento, ou seja, até 1878.
Ele apostou em sua perpetuação como instrumento de grande proveito
econômico e social, mas seria necessário alterar-se o modelo de produção,
separando a zona de produção agrícola da zona de produção industrial, além de
substituir a mão-de-obra escrava pela livre, ante a promulgação da Lei do Ventre
Livre. Compreende que:
“Essa fecunda aplicação da divisão do trabalho é o primeiro passo a dar,
para a transformação que a Lei de 28 de setembro de 1871 impõe à nossa
grande indústria. Nela cifra-se hoje a sua primeira condição de vida.
Estabelecimentos industriais montados em ponto grande e com os
maquinismo mais aperfeiçoados beneficiarão os produtos da lavoura, por
relevância econômica da região, especialmente de Pernambuco, e sua produção entrou em crise por
não suportar a concorrência européia cuja tecnologia produzia açúcar a partir da beterraba, além da
produção das Antilhas, denotando já naquela época os efeitos do atraso tecnológico dos métodos
utilizados no Brasil, em comparação àqueles usados nas zonas concorrentes. Nesse sentido, é
Henrique Augusto Milet quem explica a estratégia de separação entre as zonas de produção agrícola
e do processamento industrial, buscada naquele período como método de incremento e
uniformização das tecnologias industriais, a partir da tentativa de instalação dos engenhos centrais.
Cf. MILET, Henrique Augusto. A lavoura da cana de açúcar. Recife: Massanga, 1989. (Série
República, v.5), p.10-12.
34
MILET, Henrique Augusto. A lavoura da cana de açúcar. Recife: Massanga, 1989. (Série República,
v.5), p. 67-73. Notar que, conforme indica a obra, o congresso do sul reuniu “as províncias do Rio,
São Paulo, Minas e Espírito Santo”, p. 143.
30
muito menos que custa hoje ao produtor semelhante beneficio, e com a
vantagem de substituir os imensos braços, hoje empregados nestes
misteres pessoal menos numeroso, mas de que se exigirá mais inteligência
e conhecimentos e a que se poderá dar uma remuneração que assegure a
concorrência.”
35
Pedro Ramos observa que as tentativas de se fragmentar o processo produtivo
por meio da separação entre estas duas etapas, utilizada inicialmente como uma
alternativa para a superação do déficit de eficiência da produção pernambucana nos
fins do século XIX, foi concretizada como política do governo imperial ao incentivar a
instalação dos engenhos centrais.
36
Revela que, de fato, esta alternativa foi utilizada tanto no nordeste como em
São Paulo e, tanto como cá, não logrou alcançar seus objetivos, mas por razões
diferenciadas, embora em ambas se note a prevalência e do poder da elite
proprietária da terra.
Especialmente em Pernambuco, onde foi primeiramente instalado o engenho
central, a tentativa não obteve êxito em razão da pressão dos senhores de engenho
produtores de cana, que não queriam perder o controle completo do processo de
produção do açúcar, desde o plantio, até o seu processamento industrial.
37
em terras paulistas, as razões do insucesso foram outras, pois aqui os
engendramentos das relações e associações travadas entre as elites proprietárias
das terras e de engenhos com o capital internacional buscavam controlar todo o
processo produtivo, desde o plantio da cana até o processamento industrial das
matérias-primas, pois necessitavam assegurar a uniformização da qualidade da
cana.
38
35
MILET, Henrique Augusto. op. cit., p.70.
36
Os engenhos centrais foram alternativas para a superação da crise de baixa produtividade, pois se
procuraria equalizar as precárias e díspares condições agrárias do plantio da cana-de-açúcar entre os
diversos produtores agrícolas no centro processador da matéria prima, local de ganho de
produtividade pela utilização uniforme da tecnologia do processamento da matéria-prima.
37
RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1999. (Economia & Planejamento n.36: Teses e Pesquisas n.21), p.57
38
Ibid. RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1999. (Economia & Planejamento n.36: Teses e Pesquisas n.21), p.61-62
31
Eis as raízes dos grandes conglomerados empresariais do setor paulista,
levando à derrocada a tentativa de separação entre as zonas de produção agrária e
o processamento industrial para obtenção do açúcar com maior produtividade,
determinando também o aproveitamento da mão-de-obra
39
.
Cumpre destacar que, no governo de Getúlio Vargas, o Estado passou a
interferir diretamente no modelo de produção agrária do setor, quando criou o IAA
(Instituto do Açúcar e do Álcool), em 1933, mas foi a partir do Estatuto da Lavoura
Canavieira, Decreto- Lei nº3. 855 de 21 de novembro de 1941, que legalmente lhe
foram atribuídas as funções de planejamento, organização e controle da produção e
da comercialização do complexo agroindustrial sucroalcooleiro.
É importante lembrar que o Estatuto da Lavoura Canavieira veio a
institucionalizar aquela primeira tentativa de separação entre as zonas de produção
agrária e do processamento industrial, ao delimitar as possibilidades legais de
exploração da cana-de-açúcar, criando legalmente a figura do fornecedor de cana.
De fato, esta figura legal interessava à classe dos latifundiários, que, não
podendo concorrer com o grande capital industrial, garantiu a posse da terra e algum
controle sobre o seu aproveitamento econômico, assegurando sua participação
diante do imperativo da industrialização imposto pelo desenvolvimento do
capitalismo, alinhando seus interesses aos interesses dos industriais.
Nota-se aqui a possibilidade, ainda uma vez mais, da perpetuação dos
latifúndios e a sua harmonização com os interesses do desenvolvimento do
capitalismo industrial, sem, contudo, lograr realizar a construção de novo modelo de
produção agrária desenhado no período colonial, pelas possibilidades de
fragmentação da produção agrícola, cujo pressuposto era a fixação do homem no
campo e a instalação dos engenhos centrais.
40
39
RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1999. (Economia & Planejamento n.36: Teses e Pesquisas n.21), p.57-58
40
A perpetuação dos latifúndios no Brasil é comprovada pelo índice de Gini que, conforme pesquisa
do MDA-INCRA em 2000 era de 0,802 e em São Paulo é 0,754. (“O índice de Gini é utilizado para
medir o grau de concentração de um atributo (renda, terra, etc.) numa distribuição de
freqüência."Razão de concentração (R)" No índice de Gini ("R"), que se insere no intervalo de 0 a 1,
quanto maior for a concentração, mais próximo o índice estará de 1(um), valor este que representaria
32
Naquele momento, a fixação do homem no campo tinha por escopo garantir a
necessária reserva de mão-de-obra rural para os picos de demanda do plantio e da
colheita da cana-de-açúcar, mas essa necessidade atualmente é suprimida pela
imposição aos trabalhadores rurais do trabalho assalariado sazonal, que não lhes
garante condições dignas de vida e de trabalho, sendo em sua grande maioria,
trabalhadores migrantes.
41
Foi a partir de 1929 que as lavouras de café começaram a ser substituídas
pelas lavouras de cana-de-açúcar e São Paulo iniciou o processo de
desenvolvimento do setor, superando os entraves à maior produtividade da lavoura
canavieira, enquanto a produção nordestina minguava cada vez mais, até não mais
ter condições de suportar a concorrência paulista.
Este modelo veio se sustentando sob fortes embates entre os interesses dos
capitalistas industriais e os interesses do governo, posto que as medidas de controle
impostas pelo IAA nem sempre suportavam as pressões ditadas pelos preços dos
produtos, sujeitas às oscilações dos mercados internacionais.
Nesse sentido é que José Graziano se refere ao processo de modernização da
agricultura canavieira paulista, mais intensamente a partir dos anos sessenta do
século passado, como conseqüência do processo de “modernização conservadora”,
pois fora baseada “numa verdadeira ´orquestração de interesses´ agrários,
industriais e financeiros”.
42
Dessa “orquestração de interesses” resultou o atual modelo concentrador da
renda, do controle do processo produtivo e das possibilidades de obtenção de
créditos e financiamentos rurais, bem como do processo de comercialização da
produção.
43
a concentração absoluta.(MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO; INSTITUTO
NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. O Brasil desconcentrando terra: índice de
Gini no Brasil. Maio, 2001. Disponível em < http://www.incra.gov.br/arquivos/0127900015.pdf>.
Acesso em 08.dez.2007
41
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo:UNESP,1999, passim.
42
SILVA, José Graziano da. A industrialização e a Urbanização da Agricultura Brasileira. São Paulo
em Perspectiva: O Agrário Paulista. vol.07, n.03, jul./set. 1993. Fundação SEADE. Disponível em:<
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v07n03/v07n03_01.pdf> Acesso em 26 Jun. 2007, p.3
43
Ibid.,p.3
33
Esse modelo encontrou na formação, em São Paulo, dos Complexos
Agroindustriais- CAI´s a partir do início dos anos setenta, que vieram a se consolidar
nos anos noventa, sua mais próxima conseqüência.
A partir desses complexos é que se efetivou na forma como ainda hoje se
perpetua a constituição dos conglomerados agroindustriais, desde o início aliados
aos capitais internacionais, especialmente ingleses e franceses, que mantiveram o
monopólio do plantio, a produção industrial e a comercialização dos seus produtos,
sendo o açúcar e o álcool os mais destacados.
Nesse novo contexto, a conquista da maior produtividade do setor se
assentava na eliminação das pequenas e médias usinas e não mais naquela antiga
estratégia dos engenhos centrais que pressupunha a separação entre as zonas de
produção agrária e industrial, mas ao contrário, passou a ser imprescindível sua
gradativa e crescente interligação, que se iniciou a partir da formação dos
complexos agroindustriais-CAI´s.
“A formação dos complexos agroindustriais (CAIs) nos anos 70 se deu a
partir da integração intersetorial entre três elementos básicos: as indústrias
que produzem para a agricultura, a agricultura (moderna) propriamente dita
e as agroindústrias processadoras, todas premiadas com fortes incentivos
de políticas governamentais específicos (fundos de financiamento para
determinadas atividades agroindustriais, programas de apoio a certos
produtos agrícolas, crédito para aquisição de máquinas, equipamentos e
insumos modernos, etc.).”
44
É de se considerar, nesse processo de modernização da agricultura nacional, a
partir dos anos sessenta, os reflexos para os trabalhadores da introdução de novos
modos de produção e comercialização altamente excludentes, como ressaltam
Balsadi e Caron.
44
SILVA, José Graziano da. A industrialização e a Urbanização da Agricultura Brasileira. o Paulo
em Perspectiva: O Agrário Paulista. vol.07, n.03, jul./set. 1993. Fundação SEADE. Disponível em:<
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v07n03/v07n03_01.pdf> Acesso em 26 Jun. 2007, p. 2
34
“No tocante ao processo e relações de trabalho as principais mudanças
foram no sentido da maior sazonalidade do emprego, alteração na
combinação entre mão-de-obra temporária e permanente, além da redução
do número de empregos agrícolas devido à incorporação de tecnologias
poupadoras de mão-de-obra, que tiveram grande desenvolvimento nas
últimas décadas.”
45
A partir deste momento, o Estado passou a apostar na formação dos
Complexos Agroindustriais como garantia de ganhos de produtividade do setor
sucroalcooleiro e conduziu as políticas de financiamento, a partir do Sistema
Nacional de Crédito Rural SNCR em 1965, para acesso apenas aos grandes
proprietários de terras
46
.
Posteriormente, a partir de 1974, o Estado encampou o Plano de Mobilização
Energética, que se consubstanciava na modernização (a partir da fusão das
pequenas e médias usinas e alinhamento com o setor agrícola) para maior
produtividade do setor sucroalcooleiro.
Assim, São Paulo foi o pioneiro na utilização de técnicas modernas de
produção rural e aproveitamento agrícola, desde o café e mais tarde, com sua
gradativa substituição pela cultura da cana-de-açúcar, a partir de 1929
47
, mas foi
somente com o PROÁCOOL e antecedentes mais próximos que deram os atuais
contornos do modelo de produção do setor.
O PROÁLCOOL, como política pública específica marca profundamente as
possibilidades de atuação democrática dos seus trabalhadores ao induzir o modelo
de produção, conforme será melhor discutido no capítulo III.
45
BALSADI, Otavio Valentim; CARON, Dalcio. Tecnologia e trabalho rural no Estado de São
Paulo:Algumas evidências a partir dos coeficientes técnicos de absorção de mão-de-obra.
Informações Econômicas. São Paulo, v.24, n.11, Nov./1994, p.19, Disponível
em:ftp://ftp.sp.gov.br/ftpiea/tec2-1194.pdf Acesso em:22 Jun. 2007
46
THOMAZ JÚNIOR, Antônio. Por trás dos Canaviais, os “nós da Cana: São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2002, p.80.
47
PINASSI, Maria Orlanda. Do Engenho Central a Agroindústria: O regime de fornecimento de canas.
Cadernos do CEDEC nº09, 1987,p.3.
35
Certo é, porém, que o decreto que institucionalizou o planejamento
governamental do PROÁLCOOL, formalmente, denotava uma preocupação social e
até mesmo orientava ações no sentido de sua proteção, mas a realidade
demonstrou que estas formalidades legais acabaram por sucumbir à força política e
econômica que orientou seus objetivos.
De fato, para os trabalhadores nota-se a reconstrução do espaço agrário sob
as antigas bases monopolistas e monocultoras em que a produção para o mercado
externo fica sujeita às suas oscilações sobre as quais não detém o absoluto controle
e por isso, buscam nas novas tecnologias, aliada à intensificação da exploração
sobre o trabalho, seu ganho de produtividade.
Ademais, atualmente, sob a égide do agronegócio do açúcar e do álcool em
terras paulistas, o campo abriga tão somente a indústria e os trabalhadores
assalariados, que têm nele não mais seu modo e lugar de vida, mas unicamente seu
local de trabalho, sem, contudo lograr as condições dignas de vida e de trabalho.
Portanto, buscar-se-á na ordem jurídica estabelecida constitucionalmente a
força normativa de proteção destes trabalhadores, o que será abordado no capítulo
seguinte.
36
3 O DEBATE SOBRE A FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO NO ATUAL ESTÁGIO DAS RELAÇÕES
ECONOMICO-SOCIAIS E POLÍTICAS DO BRASIL E SEUS
REFLEXOS NO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO PAULISTA.
Os preceitos contidos em nossa carta constitucional, erigidos como direitos
fundamentais, não alcançam efetividade em relação aos trabalhadores da
agroindústria canavieira paulista, especialmente os trabalhadores rurais.
Nesse sentido, as diversas formas de interpretação constitucional se refletem
nas múltiplas maneiras de compreensão desse fenômeno, qual seja, na dicotomia
entre a proteção constitucional e a realidade vivenciada no cotidiano dos
trabalhadores.
Nesse debate, destaca-se o pensamento de Konrad Hesse e Ferdinand
Lassale
48
ao colocarem em contraposição a Constituição real e a Constituição
normativa, para fazer a necessária distinção entre o texto jurídico e a sua força de
normatização, como a sua capacidade de se realizar e de se tornar eficaz no plano
da realidade fática.
Segundo Ferdinand Lassale
49
as questões fundamentais de uma Constituição
não são jurídicas, mas o políticas, de forma que a Constituição poderia vir a ser
um simples “pedaço de papel”, caso não encontrasse conformação na Constituição
real.
Esse autor explica que a Constituição real se explicita nas relações fáticas
resultantes da conjugação dos fatores reais de poder, representados pelo (i)Poder
Militar Forças Armadas; (ii)Poder Social Latifundiários; (iii)Poder Econômico
grande indústria e grande capital e (iv)Poder Intelectual- Consciência e Cultura
Gerais.
48
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes, Sérgio
Antonio Fabris.
49
Ibid. p.9
37
Trata-se, pois, de reconhecer e distinguir a coexistência da Constituição
normativa e da Constituição real, concebendo o Direito Constitucional imbricado
permanentemente em uma situação de conflito, isto porque “a Constituição jurídica,
no que tem de fundamental, isto é, nas disposições não propriamente de índole
técnica, sucumbe quotidianamente em face da Constituição real.”
50
Por isso, a Constituição não pode ser compreendida fora de sua realidade
política adjacente, com categorias exclusivamente jurídicas. De fato, tem-se que a
Constituição não se resume à sua normatização, mas abrange também critérios
políticos tanto em sua elaboração, como em sua efetivação.
Nesse sentido, alude Bercovici:
“As questões constitucionais são também questões políticas. A política
deve ser levada em consideração para a própria manutenção dos
fundamentos constitucionais, sendo que a Constituição é ao mesmo tempo
“resultante e determinante da política.”
51
Nota-se assim, que a força normativa da Constituição não prescinde da ação
política, da mesma forma em que, como conseqüência, a ação política pode ser
reclamada juridicamente ante os imperativos constitucionais de proteção ao
trabalhador, e esse movimento haverá de ser fruto do exercício democrático que
garanta a expressão dos “fatores reais de poder”, além do poder popular, garantido
constitucionalmente.
Foi Canotilho quem explicou o problema da dependência legal dos direitos
fundamentais reconhecidos constitucionalmente que pressupõem prestações do
Estado, na medida em que para a sua realização, “ao legislador compete, dentro das
reservas orçamentais, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e
50
HESSE, op. cit. p. 10
51
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n.61, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452004000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jan. 2007, p. 20
38
econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais,
econômicos e sociais.”
52
Neste contexto é que se acirram as contradições entre a Constituição
normativa e a Constituição real, porém admitir-se a existência da Constituição real e
a ela atribuir toda a força determinante da indução ou não do desenvolvimento seria
negar a condição de existência da própria Constituição normativa.
Hesse é quem apresenta a compatibilização entre estas contradições ao alertar
que a Constituição real e a Constituição jurídica estão em uma relação de
coordenação, sendo necessário, pois, do intérprete, a conjugação não apenas dos
critérios jurídicos, mas também sociais e políticos para harmonização, integração e
aplicação das normas constitucionais na sociedade.
Não se poderia deixar de considerar, por certo, os critérios econômicos, pois
estes são os que de fato e no plano da realidade configuram a dicotomia acima
indicada, ou seja, a constante dualidade entre a proteção social inserida na carta
constitucional de 1988 e a exclusão econômica e por isso social, a que estão
relegados os trabalhadores referidos na presente pesquisa.
Não é por outra razão que a transformação social e a justiça social são critérios
abordados sempre como colorários da distribuição da riqueza, ou seja, a partir de
critérios econômicos.
Desse modo, as constituições passaram a se preocupar com a distribuição da
riqueza a partir do desenvolvimento da sociedade industrial européia e norte
americana do século XIX, quando se notabilizou a extrema exploração do trabalho,
traduzindo uma sociedade em que de um lado, os operários se submetiam a
condições de trabalho perigosas, estafantes, sem qualquer limite de tempo ou de
idade, com baixa remuneração e, de outro, ocorria a acumulação do capital e o
enriquecimento de seus representantes.
52
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra:Coimbra, 1994, p.369-370
39
A partir de então a sociedade passou a buscar no Estado a proteção contra a
opressão econômica, cujo movimento de traduziu no chamado constitucionalismo
social.
53
Nota-se, portanto, a contraposição ao constitucionalismo liberal que impregnou
todo o século o século XIX, mas agora a sociedade européia e norte americana
compreendeu a necessidade de o Estado proteger, além dos direitos civis e
políticos, também os direitos sociais, impondo ao Estado o dever de intervir em
domínios que antes eram reconhecidos como de exclusiva incumbência privada.
54
Os marcos históricos dessa transformação no plano constitucional são as
constituições Mexicana e Alemã, de 1917 e 1919, respectivamente, mas a
verdadeira influência deste novo constitucionalismo na Europa e na América do
norte é mesmo a Constituição Alemã, de Weimar.
55
Vital Moreira faz a ligação entre essa transformação das constituições sob
novos prismas sociais e econômicos, indicando a influência da Constituição de
Weimar, a primeira a inserir numa secção especial um conjunto de disposições
relativas à economia:
“é considerada o exemplo típico de constituição contendo um sistema
fechado e coerente de ordem constitucional econômica e, neste aspecto,
serviu de modelo a outras constituições, nomeadamente a espanhola de
1931, a portuguesa de 1933, e a brasileira de 1934.”
56
Outra vez, é Canotilho quem afirma que agora a Constituição não pode mais
ser simplesmente um instrumento de governo, com o fim de definir competências e
regular processos, mas, ao contrário, ela deve transformar-se para cumprir o
imperativo democrático, representando um plano global para determinar tarefas e
estabelecer programas definidores da finalidade do Estado em relação à sociedade,
53
BORJA, Rodrigo. Derecho Político y Constitucional. 2.ed. México: Fondo de Cultura Economico,
1992, p.339-340.
54
Ibid., p.343- 344.
55
Ibid., p.341-342.
56
MOREIRA, Vital. Economia e Constituição:para o conceito de Constituição Econômica. Editora
Limitada, Coimbra, 2ª edição, 1992, p.80
40
ou seja, dever ser um estatuto jurídico político do Estado e da sociedade, e assim
indica o conceito de Constituição Dirigente.
57
Agora, sob as novas bases da teoria Social, a Constituição busca “racionalizar
a política, incorporando uma dimensão materialmente legitimadora, ao estabelecer
um fundamento constitucional para a política. O núcleo da idéia de Constituição
dirigente é a proposta de legitimação material da Constituição pelos fins e tarefas
previstos no texto constitucional.”
58
Pode-se afirmar, em síntese, que “a concepção de Constituição Dirigente, para
Canotilho, está ligada à defesa da mudança da realidade pelo direito”
59
, na medida
em que referido autor considera “que o problema da constituição social é um
problema de transformação da realidade a realizar pelos homens”
60
Nesse debate, o que se observa é que qualquer transformação social haverá
de conjugar todos os fatores anteriormente salientados, sendo insuficiente a
imposição legal, ainda que constitucional, pois as condições políticas, econômicas e
sociais do país acabam por impedir a efetivação dos direitos e garantias
constitucionais.
Retoma-se agora, como reflexo deste processo de transformação das
constituições, a discussão dos critérios econômicos de proteção social para a
distribuição da riqueza, e percebe-se que a nossa Constituição de 1988 insere-se
nesse modelo de Constituição Dirigente trazendo cláusulas limitadoras do domínio
57
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra:Coimbra, 1994, p.12., 14,
19-24 e 169
58
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da
Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p.35.
59
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, o Paulo, n.61, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452004000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jan. 2007, p.8.
60
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo
para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra:Coimbra, 1994, p.70
41
econômico. Essas cláusulas integram a chamada “Constituição Econômica”, mas
essa não é autônoma, é antes parte integrante de nossa Constituição.
61
Neste contexto, o conteúdo do Direito Econômico surge como direito de síntese
que, norteado pelo princípio da economicidade se imporá como instrumento de
interpretação para harmonização de dispositivos ideológicos passíveis de
contradição, ou seja, para compatibilização entre os objetivos constitucionais
atribuídos à atividade econômica de, ao mesmo tempo, distribuir a riqueza e
acumular o capital para obter o lucro.
E para compreender e interpretar os dispositivos Constitucionais de conteúdo
econômico, Washington Pelluso, explica a integração do “princípio da
economicidade”, esclarecendo que significa a ´medida do econômico`, para
compreender o econômico no seu sentido ´original`, de ´equilíbrio na relação` ´custo-
benefício`, alertando ainda que
“O tema é abordado, modernamente, em termos de atitudes de ´valores`,
sejam os de base na ideologia capitalista, que a contagiam com a idéia de
lucro, individual ou privado; sejam os das ideologias associativistas,
distributivas ou socializantes, com o chamado ´lucro social`; seja por outros
tipos de valores como os estéticos, religiosos e assim por diante. Todos
eles, conduzindo a opções que representem uma ´linha de maior
vantagem`, comparecem como a justificativa da opção pelo ´princípio` que
melhor conduza aos objetivos da ideologia constitucional como um todo.”
62
Assim, é no principio da economicidade que se buscará o “´instrumento` de
interpretação e decisão”, para harmonização das normas constitucionais que ao
mesmo tempo impõem a redistribuirão da riqueza e a proteção dos interesses
econômicos, ambos “adotados e admitidos pelo legislador constituinte e que por isso
61
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da
Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p.37-38.
62
SOUZA, Washington Pelluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 3.ed. São Paulo:LTr,
1994, p.28
42
passam a ter convivência indiscutível sob pena de se resvalar para a admissão de
´inconstitucionalidade` da própria Constituição.”
63
Nesse sentido, nota-se que o caput do artigo 170 da Constituição Federal de
1988
64
insere-se em nossa Constituição Econômica, e nele se revela os limites
desta hermenêutica, na medida em que compatibiliza a ordem econômica com os
objetivos da justiça social.
Eros Roberto Grau esclarece, sem negar o seu conteúdo normativo, que a
“ordem econômica” tratada no caput deste artigo, não traduz um conceito abstrato,
mas ao contrário, remete às relações de fato travadas na sociedade, e neste
sentido, reescreve sua leitura da seguinte forma:
“[...] as relações econômicas ou atividade econômica deverão ser (estar)
fundadas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por
fim (fim delas, relações econômicas ou atividade econômica) assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios...”
65
Nota-se, portanto a vinculação da finalidade e objetivo da atividade econômica
não apenas com a realização do lucro e a acumulação do capital, segundo a visão
liberal clássica, mas também com a garantia de existência digna e da justiça social.
Desse modo, reconhece-se que a Constituição Federal de 1988 assegura ao
mesmo tempo, tanto a propriedade privada” como “a função social da propriedade”,
dentre os Princípios da Atividade Econômica, conforme seu artigo 170, incisos I e
II
66
.
63
SOUZA, Washington Pelluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 3.ed. São Paulo:LTr,
1994, p.29
64
Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
65
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 10.ed.
São Paulo: Malheiros, 2005, p.68.
66
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
II - propriedade privada;
43
Nota-se, assim, que aquela a visão liberal clássica do lucro, no que concerne
às finalidades da ordem econômica, está superada na nova ordem constitucional,
pois agora se emparelham as finalidades da justiça social para a construção de uma
sociedade livre justa e solidária, nos termos de nossa Carta Constitucional.
67
Neste ponto, alcança-se o mesmo sentido de reflexão indicado no início do
capítulo, qual seja, a dicotomia entre a realidade constitucionalmente assegurada e
as possibilidades de sua efetivação no plano fático quotidiano.
Em conseqüência, muitos debates são travados no sentido de encontrar a
razão desta dicotomia e a solução aponta para a incapacidade do Estado em
realizar seus objetivos e fundamentos constitucionalmente estabelecidos, diante da
conjuntura econômica.
Atualmente a debilidade estatal tem sido também justificada como
conseqüência do desenvolvimento do capitalismo ou seja, pelo processo de
globalização da economia, em razão do qual o Estado não encontra força para impor
à ordem econômica que se realize conforme os ditames constitucionais, ou seja,
com o objetivo não apenas de lucro, mas também de realização da justiça social.
Assim porque esse processo de globalização impõe o fortalecimento do poder
econômico de tal forma que este se desvincula das imposições constitucionais, ao
se realizar por meio da unificação e concentração do poder econômico nas grandes
empresas e corporações multinacionais, que, aglutinadas, passam a ter o domínio e
o controle do capital, com poderes para submeter amesmo os Estados Nacionais
aos seus interesses de maximização dos lucros.
Essa compreensão da realidade altera, portanto, os paradigmas
constitucionais, na medida em que, ainda que se conjugassem as conquistas
normativas com a vontade política e social na construção de uma “sociedade livre,
justa e solidária”, não seria possível escapar da orientação ditada agora pelos
III - função social da propriedade;
67
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
44
interesses econômicos dos grandes grupos empresariais para a maximização de
seus lucros.
“Nesse novo contexto sócio-econômico, embora em termos formais os
Estados continuem a exercer soberanamente sua autoridade nos limites de
seu território, em termos substantivos muitos deles não mais conseguem
estabelecer e realizar seus objetivos exclusivamente por si e para si
próprios.”
68
Neste contexto é que a Teoria da Constituição Dirigente, não mais encontrando
sua legitimação material, acabou por, paradoxalmente, facilitar ao que Gilberto
Bercovici chama de “dessubstancialização da Constituição”, ou seja, o esvaziamento
de seu conteúdo material o que significa exatamente a ineficácia da Constituição
normativa.
69
Então, as novas teorias constitucionais encontraram mais ágeis e imediatas
respostas quando desviaram a legitimação não mais nos objetivos, tarefas e fins
constitucionais, mas meramente no estabelecimento de procedimentos
legitimadores.
Leciona Bercovici:
“’As teorias procedimentais da Constituição também costumam ser
apresentadas como estratégias de desjuridificação. A desjuridificação, nos
países centrais, é entendida como forma de favorecer o racionalismo e o
pluralismo jurídico, ampliando, para seus defensores, o espaço de
cidadania. A Constituição, dessa maneira, não poderia mais pretender
regular as sociedades complexas da atualidade. Deve limitar-se, portanto, a
fixar a estrutura básica do Estado, os procedimentos governamentais e os
68
FARIA, José Eduardo. O Direito Na Economia Globalizada. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.23
69
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n.61, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452004000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jan. 2007, p.13-14
45
princípios relevantes para a comunidade política, como os direitos e
liberdades fundamentais.”
70
Essa visão gera um movimento de normatização da Constituição decorrente da
valorização da hermenêutica em detrimento de sua concretização e com o
conseqüente acréscimo de poder aos Tribunais Constitucionais, a quem competiria
em última palavra, realizar o conteúdo normativo da Constituição. Isto significa,
segundo Bercovici, a exclusão da política para a conformação da norma
constitucional no plano da realidade, em desprestígio dos demais fatores de poder,
especialmente do poder popular e de sua expressão representativa, o poder
legislativo.
71
Marcelo Neves, de uma outra forma, compreende esse fenômeno da
incapacidade constitucional como sendo característico dos países periféricos em
que o contexto social e político torna irrealizável o plano constitucional para a justiça
social, ou seja, nesses países, ele é letra morta, a cujo fenômeno o autor chama de
“constitucionalização simbólica” e cumpre seu papel no plano normativo-político
além de sua dimensão político-ideológica de discurso constitucionalista-social.
Explica que a dimensão político-ideológica da constituição simbólica cumpre
um papel importante para a manutenção do status quo, ou seja, para a manutenção
das relações reais de poder, ao lançar a possibilidade de realização do conteúdo
normativo-social da constituição para um futuro remoto e incerto. Alerta, no entanto
que esta dimensão político-ideológica da constitucionalização simbólica tem seus
limites e pode conduzir a uma emancipação da sociedade a partir da “tomada de
consciência da discrepância entre a ação política e o discurso constitucional”, por
meio de uma “radical revolução das relações de poder”. Alerta ainda, para o risco
de que a discrepância entre a normatização constitucionalmente socializadora e a
realidade fática excludente possa induzir a soluções anti-democráticas, nas quais a
70
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n.61, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452004000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jan. 2007, p.17-18
71
Ibid., p.18-21
46
constituição se transformaria em um instrumento de imposição de um poder sobre os
demais da sociedade.
72
Denota-se, portanto, que o plano para a transformação social alcançou a
constituição, mas ainda não encontrou no plano político, social e econômico
ambiente propício para sua realização, mas esse ambiente pode ser construído pela
conjugação dos fatores reais de poder, apostando-se, assim, na sua possibilidade
democrática.
De fato, nossa sociedade está imbricada em seus aspectos peculiares de sua
formação histórica que estão a demonstrar a prevalência dos interesses particulares,
de oligarquias locais, sobre os interesses do Estado na condução das políticas de
desenvolvimento do Brasil que, por sua vez, têm seus reflexos na construção do
centro agroindustrial sucroalcooleiro paulista, ou seja, não consegui ainda coordenar
suas relações reais de poder para a realização do plano constitucional de
transformação social.
E Bercovici reconhece:
“A concepção tradicional de um Estado demasiadamente forte no Brasil,
contrastando com uma sociedade fragilizada, é falsa, pois pressupõe que o
Estado consiga fazer com que suas determinações sejam respeitadas. Na
realidade, o que há é a inefetividade do Direito estatal, com o Estado
bloqueado pelos interesses privados. A conquista e ampliação da
cidadania, no Brasil, portanto, passam pelo fortalecimento do Estado
perante os interesses privados e pela integração igualitária da população na
sociedade.”
73
Assim, no cotejo da possibilidade de efetivação dos preceitos constitucionais
de proteção aos trabalhadores em relação ao ambiente da agroindústria canavieira
paulista, ressurge a questão da fragilidade do Estado em realizar seus programas de
72
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.95-101
e p.176.
73
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da
Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p.66.
47
desenvolvimento integralmente, sobretudo nos seus aspectos sociais, por sucumbir
ante a pressão dos interesses econômicos e particulares.
O rearranjo das relações é surge, portanto, como condição para a força
normativa da constituição, na medida do exercício da democracia, que “a
legitimidade da Constituição está vinculada ao povo e o povo é uma realidade
concreta.”
74
,despontando, portanto, a importância do fortalecimento dos sindicatos,
como voz operária.
Isto se torna mais premente, quando se verifica que as políticas econômicas
acabaram por excluir a classe trabalhadora como é o caso da agroindústria
canavieira paulista, tema que será abordado no capítulo seguinte.
74
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n.61, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452004000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 23 Jan. 2007, p.23
48
4 OS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEUS
REFLEXOS NO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO PAULISTA.
É preciso indicar, ainda que concisamente, o contexto econômico que
historicamente influenciou as decisões políticas, delineadas constitucionalmente,
conforme abordado no capítulo anterior, para compreender afinal, os imperativos
econômicos determinantes da atual construção da atividade sucroalcooleira paulista.
Nesse mister, a título de introdução histórica, imperioso vislumbrar a
predominância do pensamento clássico quanto à economia até 1930, cujo
pensamento está representado no liberalismo econômico, especialmente de Ricardo
e Adam Smith, que defendiam a tese de que o mercado se auto-regularia pelo
equilíbrio da forças produtivas e que ao Estado não imcumbiria qualquer tarefa,
senão meramente regulatória.
Trata-se de uma visão estática da economia e do desenvolvimento
75
, valendo-
se do método universalista e de leis abstratas e gerais que desconsideram ou
sequer vislumbram as particularidades estruturais e as especificidades de cada
sistema econômico.
Essa visão será alterada por fatores históricos que acabaram por colocar em
cheque esta teoria a partir da década de 1930, com o crack da bolsa de Nova York
em 1929, mas em 1911, J. Schumpter havia escrito uma obra na qual criticou a
teoria clássica e a visão estática da economia, quando propugnou que o
desenvolvimento decorre da dinâmica do desequilíbrio que gera o progresso.
No entanto, é diante da realidade de falência do sistema liberal econômico,
estigmatizado na quebra da bolsa de Nova York, que o pensamento clássico será
superado a partir de John Keynes. Agora se passará a ver no investimento e não no
75
SANDRONI, Paulo.(org. e sup.) Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 2001,
p.141 e 169. Em termos econômicos, crescimento econômico significa: “Aumento da capacidade
produtiva da economia e, portanto, da produção de bens e serviços de determinado país ou área
econômica. É definido basicamente pelo índice de crescimento anual do Produto Nacional Bruto
(PNB) per capita.” desenvolvimento econômico quer dizer: “Crescimento econômico (aumento do
49
mercado, a chave do desenvolvimento, fazendo ressurgir a necessidade da
intervenção Estatal para regulação e intermediação entre as forças produtivas,
assumindo agora papel essencial para a promoção do bem-estar-social.
A era Keynes prossegue até 1970 quando também o estado de bem estar
social entra em crise, dando lugar então ao ressurgimento das teorias neoclássicas,
as quais têm em Hayek um de seus principais expoentes, propugnando pela
prevalência da esfera privada sobre a esfera pública.
Incluem-se também entre os críticos do Keynesianismo, os adeptos das teorias
monetaristas, especialmente a partir dos EUA, cuja compreensão é dada
principalmente por Milton Friedman.
76
Os monetaristas compreendem o capitalismo como de “concorrência” e
“sustentam que as crises econômicas são resultado da prossecução de políticas
erradas, estranhas e contrárias à lógica do capitalismo”,
77
especialmente as políticas
de pleno emprego keynesianas, que segundo eles, seria “geradora de um
intervencionismo estatal contra-natura, de pressões inflacionárias, de ineficiência
econômica e de desemprego crescente.”
78
A partir dos anos cinqüenta do século passado os economistas que se
reuniram na CEPAL- Comissão Econômica para a América Latina sob a direção de
Raúl Prebisch, “haveriam de construir o núcleo que lançou o estruturalismo latino-
americano” e “compreenderam, por um lado, que a teoria econômica dominante nos
grandes centros dos países capitalistas e que deles irradiava para todo o seu
espaço de domínio não se preocupava seriamente com os problemas dos países
subdesenvolvidos.”
79
Produto Nacional Bruto per capita) acompanhado pela melhoria do padrão de vida da população e
por alterações fundamentais na estrutura de sua economia.”
76
Cf. FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Rio de Janeiro:Arte Nova, 1977.
77
NUNES, Avelãs. Industrialização e Desenvolvimento: A economia política do modelo brasileiro de
desenvolvimento. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.31.
78
Ibid. p.32
79
NUNES, Avelãs. Industrialização e Desenvolvimento: A economia política do modelo brasileiro de
desenvolvimento. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.32-33
50
No Brasil, temos em Celso Furtado o representante deste novo paradigma
econômico para o crescimento e o desenvolvimento dos países pobres do mundo,
cujos estudos procuram compreender as particularidades dos problemas
enfrentados pelas economias da periferia do capitalismo. Passaram a compreender
que estes não haveriam de se submeter às teorias importadas dos países de
capitalismo central, desenvolvendo-se, assim, a visão estruturalista do
desenvolvimento econômico.
Nota-se, portanto, que o pensamento econômico antes das proposições e
pesquisas de Celso Furtado e especialmente a partir das conclusões da CEPAL,
compreendia que a acumulação do capital haveria de ocorrer primeiro, quando então
e em momento posterior, se poderia fazer a distribuição da renda.
As teorias econômicas em voga justificavam a acumulação do capital como
pressuposto e condição para a posterior distribuição da renda e dos frutos da
acumulação e disseminaram no Brasil a crença de que a distribuição da renda era
fator impeditivo do desenvolvimento e do crescimento econômico do país.
Esta premissa econômica é didaticamente reconhecida pelos teóricos
evolucionistas, por considerarem, assim, que o subdesenvolvimento seria uma etapa
necessária ao desenvolvimento, como se os países que hoje são chamados
desenvolvidos houvessem passado também em algum momento de sua história,
pela anterior etapa do subdesenvolvimento.
Em outras palavras, seria o caso de se empregar no Brasil, a fórmula da
acumulação primitiva do capital, nos moldes dos países do capitalismo central para
numa etapa posterior e esperada da evolução da economia, distribuir finalmente
seus frutos para a coletividade o que redundaria fatalmente no desenvolvimento
econômico, assim como ocorreu nos países do capitalismo central.
Daí a importância dos estudos empreendidos por Celso Furtado e pela CEPAL,
pois que, possibilitaram forjar uma nova compreensão da economia a partir das
particularidades históricas de cada país e especialmente pelo reconhecimento do
sentido da divisão internacional do trabalho, no contexto do capitalismo.
51
“Celso Furtado delineou pela primeira vez com precisão a sua teoria do
subdesenvolvimento econômico, visto por ele como um desdobramento da
Primeira Revolução Industrial, iniciada na Europa em meados do século
XVIII. Tratava-se de uma decorrência da expansão espacial das economias
industrializadas, principalmente das européias, em direção a regiões com
´sistemas econômicos seculares, de vários tipos, mas todos de natureza
pré-capitalista´. O contato destes sistemas com as vigorosas economias
capitalistas e industrializadas deu origem neles a estruturas híbridas, uma
parte das quais tendia a comportar-se como um sistema capitalista, e outra,
a manter-se dentro da estrutura pré-existente´. Para o autor, era esse tipo
de economia dualista que configurava ´o fenômeno do subdesenvolvimento
contemporâneo´. Este, portanto, era visto por ele como ´um processo
histórico autônomo, e não como uma etapa pela qual tenham,
necessariamente, passado as economias que alcançaram um grau
superior de desenvolvimento.´”
80
Referido autor distingue a maneira de crescer dos países subdesenvolvidos
reconhecendo a complexidade diferenciada de suas econômicas. Assim reconhece
que nos países desenvolvidos a introdução de tecnologias de incremento da
produtividade se faz de forma gradual, gerando um impacto proporcional na cadeia
de estrutura de insumos de maneira que esta possa atender à nova demanda. O
oposto ocorre nos países subdesenvolvidos onde a introdução tecnológica se faz
abruptamente, de maneira que a cadeia produtiva dos insumos não está capacitada
para atender a esta nova demanda daí a necessidade de se recorrer a importações,
o que por sua vez causa um desequilíbrio na balança de comércio.
81
Para Celso Furtado a modificação das estruturas econômicas é condição
essencial ao desenvolvimento, assim compreendido como “homogeinização da
estrutura produtiva e difusão crescente dos frutos do aumento de produtividade”
82
, e,
para tanto é necessário influenciar a taxa da oferta e da procura de maneira a
80
SZMRECSANYI, Tamás. Pensamento Econômico No Brasil Contemporâneo II: Celso Furtado.
Estudos Avançados. São Paulo, v. 15, n. 43, p. 345-362, set./dez. 2001. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142001000300025&lng=pt&nrm=iso>. Pré-publicação. Acesso em: 11 Jun. 2007, p.350.
81
FURTADO, op. cit. p. 293
82
Ibid. p. 285
52
coordená-los para que induzam ao crescimento econômico, e esta influência
somente se exerce eficazmente por meio do planejamento econômico.
83
Assim, com o aprofundamento dos estudos econômicos empreendidos pela
CEPAL notabilizou-se a compreensão de que a distribuição de renda, ao contrário
do que pensavam os evolucionistas, é antes propulsora do crescimento econômico e
este entendimento é compartilhado pelos integrantes da escola estruturalista da
economia.
Nesse sentido, e para a distribuição da renda, o papel do Estado não seria
apenas de regulação, mas de intervenção e planejamento, a fim induzir o equilíbrio
das forças produtivas em direção ao crescimento econômico e ao desenvolvimento.
Como se pode perceber no capítulo anterior, nosso aparato constitucional
estabelece a finalidade e os objetivos da ordem econômica, incluindo entre as
tarefas do Estado o planejamento econômico que deve atendê-los.
No entanto, se o Brasil em alguns momentos buscou estabelecer um
planejamento orientado para o desenvolvimento e o crescimento econômico, como
por exemplo, quando optou pela introdução dos engenhos centrais para resolver a
crise de produtividade do setor sucroalcooleiro, de fato, teve sempre de fazer
concessões às elites latifundiárias, de tal modo que se nota a utilização da fórmula
dos evolucionistas.
Especialmente a partir dos anos sessenta, e mais intensamente, a partir dos
anos setenta, optou-se por concentrar a renda como fórmula para o crescimento
econômico e este modelo tem o condão de canalizar o grosso do aforro disponível
para investimentos nos setores ´modernos´ com elevado coeficiente de capital,
“deixando de fora dos objectivos do crescimento econômico sectores tão
importantes como a agricultura produtora de alimentos e as indústrias ´tradicionais´,
que ficam à margem do progresso tecnológico e dos ganhos que dele resultam, o
83
FURTADO, op. cit., p. 291
53
que significa a marginalização da maioria da população, cujos meios de existência
estão ligados a estes setores”.
84
A ratificação deste paradigma adotado então pelo Brasil se nota na
implementação e realização do PROÁLCOOL em relação ao setor sucroalcooleiro,
cujos reflexos vão para além da questão apenas econômica.
4.1 O PROGRAMA NACIONAL DO ÁLCOOL (PROÁLCOOL): SEUS
REFLEXOS NEGATIVOS PARA UMA POLÍTICA DE
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.
O Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL) foi criado, em síntese, para
substituir a importação do Petróleo, ante as sucessivas crises geradas pela variação
cambial no preço do barril em decorrência da conjuntura internacional de escassez
do petróleo, tendo sido instituído oficialmente pelo Decreto 76.593, de 14 de
novembro de 1975.
Originariamente, foi a partir do Decreto nº. 19.717, de 20 de fevereiro de 1931,
que se instituiu a obrigação de se misturar etanol à gasolina, na proporção mínima
de 3%, mas neste período tal medida visava ao controle da produção açucareira,
que o etanol era obtido como subproduto residual da produção de açúcar e a
conjuntura do comércio internacional oscilava favorável e desfavoravelmente ao
comércio do produto, daí esta estratégia de controle da produção açucareira.
85
No entanto, a utilização do álcool como carburante remonta à crise do comércio
de Petróleo a partir da Guerra Mundial, quando foi “lançado em escala comercial
em 1927, o combustível denominado USGA, produzido pela Usina Serra Grande, de
Alagoas, que se compunha de 80% de etanol e 20% de éter.” Neste período surge
também em Recife o denominado combustível “azulina, constituído por 85% de
84
NUNES, Avelãs. op. cit., p. 574
85
MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO, INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL.
PROÁLCOOL: impacto em termos técnico-econômicos e sociais do programa no Brasil. Belo
Horizonte,1984, p. 7.
.
54
etanol, 10% de éter e 5% de gasolina”
86
, mas sua utilização ainda era muito
reduzida, considerada a escala nacional.
De fato, este combustível foi utilizado em grande escala apenas na região
Nordeste do país e somente no período de 1942-1946, quando da nova crise do
comércio do Petróleo gerada pela 2ª Guerra Mundial, sendo que sua produção
passou a ser novamente desestimulada nas próximas duas décadas seguintes.
Foi efetivamente a partir da década de setenta, quando nova crise se abateu
sobre a produção e comércio mundial do petróleo gerada pela Guerra de 1973 no
Oriente Médio, causando a elevação dos custos de importação do produto, que o
governo brasileiro lançou o Programa de Mobilização Energética, em 1974,
buscando incentivar a produção do álcool carburante como alternativa de
substituição da gasolina importada e do petróleo como fonte energética no país.
87
Iniciam-se então, sob os auspícios do governo brasileiro os esforços para o
reaparelhamento e reconstrução do parque industrial canavieiro, que como indicado
no capítulo primeiro, financiou a formação dos conglomerados industriais,
compreendidos como alternativa para maior produtividade industrial e como forma
de melhor incorporação das novas tecnologias agrárias e industriais.
É, portanto, neste período, consolidado a partir do PROÁLCOOL que são
criadas as condições para a construção do atual modelo da agroindústria,
especialmente em São Paulo, que recebeu os maiores volumes de financiamentos.
O IAA, integrado no programa nacional para modernização do parque
canavieiro do Brasil, passou a financiar este processo desde 1970 para:
“a) financiamento para fusão, incorporação e relocalização de usinas, com
vistas à eliminação de pequenas e médias unidades industriais de baixa
eficiência e incentivando a relocalização de usinas situadas em áreas
impróprias para outras regiões de maior potencialidade e até pioneiras.
86
MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO, INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL.
PROÁLCOOL: impacto em termos técnico-econômicos e sociais do programa no Brasil. Belo
55
b) financiamento para racionalização da agricultura, de modo a permitir a
admissão de equipamentos mais modernos e o desenvolvimento de novas
técnicas para solucionar os problemas de produtividade industrial e de
qualidade operacional através da correção dos pontos de estrangulamento
do setor industrial.”
88
Assim é que a expansão canavieira em terras paulistas foi incentivada e
financiada pelo Governo do Estado de São Paulo e também pelo Governo Federal
por meio de investimentos em pesquisas para o desenvolvimento de novas espécies
de cana que se traduzissem em maior produtividade, sendo resistentes a pragas e
apresentando maior nível de sacarose, entre outros aspectos técnicos, científicos e
tecnológicos.
É o exemplo da Estação Experimental instalada em Piracicaba pela Secretaria
de Agricultura, que contribuiu enormemente para o desenvolvimento de espécies de
cana resistentes ao mosaico
89
, aumentando assim a produtividade e eliminando um
importante fator de risco ao produtor paulista.
90
É de se notar ainda que o PROÁLCOOL almejava propiciar à melhor
distribuição da renda, incremento no número de empregos e da renda, aumento da
instrução e capacitação profissional de seus trabalhadores, acréscimo da produção
de alimentos, por meio da utilização das técnicas de plantio intercalado e em
sistema de rodízio de culturas, incentivar a formação de cooperativas entre os
pequenos e médios produtores, além de auspiciar a melhoria das condições de vida
dos trabalhadores.
91
Horizonte,1984, p. 7.
87
Loc. cit.13
88
MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E DO COMÉRCIO, INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL.
PROÁLCOOL: impacto em termos técnico-econômicos e sociais do programa no Brasil. Belo
Horizonte,1984, p. 8.
89
“Na literatura recente de Fitopatologia, o agente causador do masaico é conhecido por Sugar Cane
Mosaic Virus (SCMV) ou simplesmente vírus do masaico. Recebeu este nome por causar nas folhas
da cana-de-açúcar estrias brancas que formam uma espécie de mosaico”. TOKESHI, 1995,
pp.207/225, apud OLIVER, Graciela de Souza; SZMRECSANY, Tamás. A Estação Experimental de
Piracicaba e a modernização tecnológica da agroindústria canavieira (1920 a 1940). Revista
Brasileira História, São Paulo, v. 23, n. 46, 2003. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882003000200003&lng=en&nrm=iso>. Pré-publicação. Acesso em: 03 Abr. 2007, nota 2, p.13
90
PINASSI, op. cit. p. 4
91
Ibid., passim.
56
Esses eram em suma os reflexos esperados do PROÁLCOOL em relação aos
seus efeitos sociais, destacando-se ainda, especificamente em relação aos
trabalhadores a obrigação legal de “aplicação, pelas indústrias e plantadores de
cana, de parcela arrecadada da produção em melhoramento das condições de vida
do trabalhador rural e industrial”
92
, ou seja, tinha por escopo conciliar o crescimento
com o desenvolvimento econômico.
No entanto, as conclusões de específico trabalho científico de análise da
viabilidade econômica do Programa Nacional do Álcool
93
, revelam que, após doze
anos de sua implementação, apesar de ter sido positivo e efetivo quanto aos seus
objetivos de substituição do petróleo por fonte própria de energia, diminuindo a
dependência do país quanto à importação deste produto, o mesmo não se pode
dizer quanto aos seus objetivos sociais, pois neste aspecto a avaliação é mesmo
negativa.
Isto porque, segundo este estudo, o Programa Nacional do Álcool, no longo
prazo, privilegia a renda do trabalhador urbano, em detrimento da renda do
trabalhador rural, fazendo recrudescer a desigualdade da distribuição da renda.
Aponta também que de fato, antes de propiciar o recrudescimento da plantação
de alimentos, acabou por gerar a substituição de culturas de alimentos pela cultura
da cana.
“Vale ressaltar que, embora o programa contribua efetivamente para a
expansão da economia, mensurada em termos de crescimento do PNB, ele
levanta problemas no que respeita à evolução do bem-estar social. (...).
Dentre estes efeitos, os que suscitam maiores discussões são aqueles que
concernem à substituição de culturas e à distribuição da renda.”
93
92
Ibid., p.75
93
SOUSA, Maria da Conceição Sampaio de. A Avaliação Econômica do Programa Nacional do Álcool
(Proálcool):uma análise de equilíbrio geral. IPEA Pesquisa e Planejamento Econômico, vol.17, 02,
Agosto, 1987. Disponível em http://ppe.ipea.gov.br/index.phd/ppe/article/view/1002, acesso em 10 de
junho de 2007, p.404/405.
57
Aqui releva ressaltar a falta de preocupação e investimento para o
desenvolvimento econômico e também humano, sendo que o aparato político, o
planejamento governamental, em que pese as inserções legislativas, mais
especificamente quanto aos critérios de investimento, priorizam o crescimento
econômico, porém a concentração da renda impede que os trabalhadores tenham
acesso a melhores condições de vida e de trabalho e por conseqüência, o
desenvolvimento humano.
Recentes estudos da CEPAL continuam a indicar um modelo diferenciado para
as possibilidades de desenvolvimento na América Latina e nos países pobres do
mundo, sendo exemplo a recente publicação do Caderno 78 de dezembro 2002,
revelador de que para o crescimento econômico a necessidade de se dar
prioridade ao desenvolvimento humano como condição para se alcançar um ciclo
virtuoso de crescimento econômico, acompanhado de maior desenvolvimento
humano, que por sua vez gera maior crescimento econômico, de forma a se
alcançar o objetivo de desenvolvimento econômico.
Isto porque os investimentos que privilegiam apenas a modernização
econômica, desacompanhada do desenvolvimento humano, não chegam a induzir
um ciclo virtuoso crescimento econômico, conforme conclusões deste referido
trabalho científico.
94
Percebe-se, portanto, que o PROÁLCOOL alcançou seus objetivos de
crescimento econômico, mas, apesar de todos os esforços, tanto governamentais
como da iniciativa privada automobilística, nova crise se abateu sobre o setor
sucroalcooleiro, a partir de 1988. As dificuldades aumentaram na medida em que o
carro a álcool passou a ser desprestigiado pelo consumidor ante os vários
problemas que apresentou e ante o descrédito do produto no mercado internacional
como fonte energética.
94
RANIS, Gustav e STEWART, Frances. Crecimiento económico y desarrollo humano en América
Latina. CEPAL nº78. Dezembro/2002, disponível em:
http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/7/19337/lcg2187e_Ranis.pdf, acesso em 04 de maio de 2007.
58
Em razão disso, as indústrias automobilísticas com auxilio de diversos
incentivos governamentais, desenvolveram novas tecnologias de utilização do álcool
combustível que eliminaram por completo sua defasagem em relação à gasolina.
Ademais, o aumento da mistura do álcool à gasolina, somados todos os esforços,
acabaram por imprimir tamanho fôlego à produção do álcool como fonte energética
que tem sido chamado de “ouro branco” “ou ouro verde”, ante a confiança de
desponta no que se refere ao seu potencial econômico.
Desse modo, podemos dizer que hodiernamente se vive uma nova fase do
PROÁLCOOL, mas que dessa feita produz além dos dois principais produtos de
grande interesse econômico, sobretudo para a exportação, (o açúcar e o álcool),
diversos outros subprodutos de interesse industrial e comercial, como o bagaço,
utilizado entre outras possibilidades, como carvão vegetal.
De novo, a promessa é a de gerar grande crescimento econômico, pois o
Governo procura estabelecer limites legais para proteção ambiental, como
exemplifica a edição da Lei n º. 10.847 de 15 de março de 2004 que autoriza a
criação da Empresa de Pesquisa Energética-EPE (Empresa de Propósito
Específico), e que tem por “finalidade prestar serviços na área de estudos e
pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como
energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes
energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras.”
95
De fato, o governo Brasileiro anuncia que “o agronegócio é hoje a principal
locomotiva da economia brasileira e responde por um em cada três reais gerados no
país”
96
e especificamente quanto à exploração da cana-de-açúcar o governo anuncia
que “o país é o maior produtor mundial de cana, com uma área plantada de 5,4
milhões de hectares e uma safra anual de cerca de 354 milhões de toneladas. Em
conseqüência disso, também é, naturalmente, o mais importante produtor de açúcar
e de álcool.”
97
95
BRASIL, Lei nº10.847 de 15 de março de 2004, artigo 2
o
96
site:www.agricultura.gov.br. Acesso em: 28.jun.2005
97
site:www.agricultura.gov.br. Acesso em: 28.jun.2005
59
Entretanto, quanto ao desenvolvimento econômico e humano é preciso
também considerar, conforme experiência de trinta de três anos de PROÓALCOOL,
que a perpetuação segundo as mesmas premissas econômicas e políticas não
haverá de descortinar para o conjunto dos trabalhadores da agroindústria canavieira
paulista um cenário promissor para de efetivação de dignidade humana, segundo os
preceitos constitucionais analisados no capítulo anterior.
Assim também, até mesmo o sucesso em termos econômicos, conforme
estudo prospectivo que “não pretende prever o futuro, mas explicitar quais são as
alternativas que se descortinam a partir das escolhas presentes.”
98
, indicam que a
perpetuação do modelo de valorização do mero crescimento econômico,
desvinculado da questão social, não se realizará.
“A análise prospectiva inicia-se com uma retrospectiva do álcool
combustível no Brasil, destacando-se o surgimento, auge e declínio do
Proálcool. O estudo segue com a elaboração, por um lado, de um modelo
quantitativo, que se propõe explicar a evolução da oferta e demanda do
combustível renovável e, por outro, de uma análise qualitativa, que se apóia
no envio de questionários e em entrevistas. A partir dessas duas vertentes,
procede-se à elaboração de três cenários que definem as principais opções
do combustível renovável no país. Os dois primeiros prevêem que, caso a
demanda de álcool volte a crescer por conta de um maior dinamismo
econômico ou de um aumento das exportações de etanol, provavelmente irá
haver, novamente, escassez de álcool no país. Somente no terceiro cenário,
que se apóia em um maior grau de intervenção do Estado, com a efetiva
criação de condições de expansão sustentável da oferta e ênfase na
educação ambiental, ocorrerá um equilíbrio entre oferta e demanda de
álcool nos próximos 20 anos.”
99
“O objetivo deste cenário 3 é a criação de um futuro visando o
desenvolvimento sustentável69, entendido aqui como o caminho para o
crescimento econômico cujo foco é o ser humano e suas condicionantes
98
SCANDIFFIO, Mirna Ivonne Gaya. Análise Prospectiva do Álcool Combustível no Brasil - Cenários
2004-2024. 2005. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Universidade Estadual de Campinas,
São Paulo, 2005. Disponível em:<http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000374448>.Acesso
em: 03 ago.2007, p.8
99
SCANDIFFIO, Mirna Ivonne Gaya. op. cit. p. 8
60
sociais dentro da realidade, potencialidades e limitações do país, tendo o
álcool combustível como um fator de contribuição para essa desejada
evolução.
100
Conjugando-se os fatores atuais de revigoração do PROÁLCOOL, o conjunto
dos trabalhadores do setor, muito especialmente os trabalhadores rurais não
encontram o seu lugar ao sol.
No Estado de São Paulo, o Governo tem interferido no setor por meio de
específica legislação que prevê a completa mecanização da colheita da cana-de-
açúcar a o ano de 2031, enfocando suas ações com prioridade na questão
ambiental, para buscar nesse discurso, a legitimação para suas ações, mas de
forma efetiva, não propõe qualquer alternativa para o conjunto dos trabalhadores, ao
contrário, apenas indica genericamente a necessidade de “requalificar” os
trabalhadores e de se “apresentar alternativas aos impactos sócio-político-
econômico-culturais decorrentes” da total mecanização da colheita da cana-de-
açúcar.
101
A legislação paulista indica a necessidade de “acompanhar o desenvolvimento
e a introdução de novos equipamentos que não impliquem a dispensa de elevado
número de trabalhadores envolvidos na colheita da cana-de-açúcar”, sem contudo,
cuidar em único artigo, da garantia de condições dignas de vida e de trabalho aos
cortadores de cana, até que o futuro previsto seja alcançado em 2031, quando se
objetiva haver mecanizado integralmente o corte da cana.
102
Desse modo, o conjunto dos trabalhadores permanece, no entanto,
aguardando as alterações no modelo de produção agrícola, de forma a possibilitar a
realização da agricultura familiar e por outro lado, encontrar a efetivação da proteção
constitucional para que sua atividade profissional possa ser exercida em condições
dignas, ainda que no corte de cana, de forma a conjugar-se o crescimento
100
SCANDIFFIO, Mirna Ivonne Gaya., op. cit p. 159
101
incisos I e II do artigo 20 do Decreto Paulista nº47.700, de 11 de março de 2003 que regulamenta a
Lei Estadual nº11.241, de 19 de setembro de 2002, cujos incisos I e II, do artigo 10 tratam dessa
mesma questão.
102
inciso III do artigo 20 do Decreto Paulista nº47.700, de 11 de março de 2003 que regulamenta a Lei
Estadual nº11.241, de 19 de setembro de 2002, cujo inciso III, do artigo 10 trata dessa mesma
questão.
61
econômico com o desenvolvimento humano, que é pressuposto de um ciclo virtuoso
na econômica, conforme pesquisa realizada nos países da América Latina.
Sendo assim, o movimento sindical dos trabalhadores rurais haverá de
enfrentar esse duplo desafio, qual seja, coordenar suas ações para propugnar um
modelo inclusivo na sociedade, seja no corte de cana ou não, considerando a
hipótese de sua integral mecanização, o que será o tema do próximo capítulo.
62
5 O MOVIMENTO SINDICAL NO SETOR SUCRO ALCOOLEIRO
PAULISTA E AS SUAS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO PARA
CONCRETIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES DIGNAS DE VIDA E DE
TRABALHO AO TRABALHADOR RURAL.
O movimento sindical rural, por certo, também pode ser compreendido dentro
de um contexto integrado com a própria formação e consolidação da estrutura
sindical no Brasil.
No entanto, não é escopo do presente trabalho discutir os antecedentes de
formação dos sindicatos no Brasil, exceto no que for imprescindível para o cotejo
com a formação dos sindicatos rurais.
103
Nota-se um traço comum, na esteira da melhor doutrina, que é o
reconhecimento do caráter antidemocrático de nossa estrutura sindical, moldada que
foi, a partir dos anos trinta, conforme os padrões ditados pelo Estado sob forte
influência do fascismo de Mussolini, notadamente corporativistas, e cujas
características ainda se perpetuam. Assim, sob esta perspectiva os sindicatos são
compreendidos como “órgãos de colaboração com o Estado”, retirando-lhe sua
natureza de instrumento de luta da classe operária no embate contra o capital.
104
Nesse sentido, ressalta-se que o nascimento do sindicalismo está associado ao
processo de industrialização e urbanização durante o governo de Getúlio Vargas,
sendo certo que esta condição histórica também tem seus reflexos no campo, cujos
aspectos interessam para a presente análise.
103
Quanto à formação dos sindicatos no Brasil, a partir de 1930, sob influência econômica e política
do corporativismo, opondo-se ao liberalismo burguês, ressaltando-se as peculiaridades dessas
influências européias no Brasil. cf. VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. (Estudos Brasileiros, v. 12). A respeito da formação e
fortalecimento dos sindicatos urbanos a partir do processo de industrialização do Brasil, cf.
RODRIGUES, Martins Leôncio. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difusão
Européia do Livro,1966.
104
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho & Democracia: Apontamentos e Pareceres.
São Paulo: LTr, 1996, p.156-165.
63
Assim, quanto às suas origens, aponta-se como marco histórico o período de
formação propriamente sindical a partir de 1930, sob grande influência do Partido
Comunista Brasileiro-PCB e seu período de estruturação, que se deu sob intensa
direção e vigilância Estatal, estendendo-se até 1945.
Deste modo, o recrudescimento do movimento sindical corresponde ao projeto
de industrialização do Brasil, iniciado no governo de Getúlio Vargas com a instalação
das indústrias de base e o projeto de substituição de importações, cujos reflexos
alcançam até o final de década de sessenta
105
No primeiro período até 1945, o PCB mobilizava os trabalhadores rurais contra
as formas de contratação persistentes ainda, tais como a parceria rural, a meação, o
arrendamento, além de arregimentar trabalhadores posseiros, pequenos e médios
proprietários.
A luta comum era por melhores condições de vida e de trabalho e fulcrava-se
no pressuposto da garantia de posse da terra, sempre ameaçada, seja pelos
latifundiários, seja pelos grileiros
106
, pois naquele momento os assalariados rurais
eram ainda minoria.
No entanto, o PCB não negligenciava a arregimentação também destes
trabalhadores rurais assalariados, mas as formações políticas em torno dos
campesinos, que lutavam pela posse da terra, eram sem dúvida, a realidade naquele
105
Cf. RODRIGUES, Martins Leôncio. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difusão
Européia do Livro,1966. Nesta obra o autor faz uma análise detida deste processo de formação do
movimento sindical do Brasil, aliada à crescente industrialização até a década de sessenta. Indica
ainda sua influência na postura dos movimentos sindicais desde suas primeiras manifestações com
projetos de luta revolucionária anarcosindicalistas e marxistas, passando pela integração dos
sindicatos ao sistema capitalista de produção. Neste momento, os sindicatos perceberam na
possibilidade de integração da classe trabalhadora nos benefícios da sociedade industrializada uma
forma para melhor distribuição da renda, até a opção dos sindicatos de se voltarem com mais afinco
na luta política pela superação do subdesenvolvimento do que propriamente nas questões laborais.
Note que o autor trata do desenvolvimento do sindicalismo no Brasil, de acordo com sua
industrialização e urbanização, mas o foco no presente trabalho é o reflexo desse processo no
campo.
106
Cf. SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo:UNESP,1999. Nesta
obra a autora retrata como a grilagem e pilhagem de terras, foi muito comum em São Paulo e
contribuiu decisivamente para a expulsão dos pequenos e médios produtores rurais, que tiveram de
regredir socialmente para a condição de bóias-frias, e atualmente o encontram seu lugar ao sol
nem no campo, nem nas cidades, formando um grande exército de excluídos, verdadeiros párias
sociais.
64
momento, o que se segue sem grandes transformações até os primeiros anos da
década de cinqüenta.
o período compreendido entre 1954 e 1963 é considerado o de maior vigor
no movimento sindical rural, porque diversos sindicatos criados puderam exercer
suas funções quando passaram a obter com maior freqüência, a autorização do
Ministério do Trabalho e Previdência
107
Nesse novo momento destacavam-se, além do PCB, outras forças que
disputavam a hegemonia no controle do movimento sindical rural, tais como a Igreja
Católica, aliada aos setores conservadores e aos interesses da burguesia contra o
comunismo, os partidos trabalhistas como o PTB, além do próprio Governo, sob a
Presidência de João Goulart, interessado em controlar o processo da reforma
agrária.
108
A partir do Estatuto do Trabalhador Rural, Lei 4. 214 de 02 de março de
1963
109
, instituiu-se um novo padrão para a sindicalização rural, que então passou a
ser nos moldes estabelecidos para os sindicatos urbanos, restritos aos
empregados rurais, organizados nas categorias profissionais, previstas também
legalmente.
Diz-se que, em razão destes aspectos, o ETR representou ao mesmo tempo
um golpe mortal sobre a organização dos trabalhadores ao isolar os trabalhadores
não assalariados, que eram os agentes mais engajados, além de fragmentar sua
107
O Decreto-Lei n. 7.038 de 10 de novembro de 1944 impunha a autorização do Ministério do
Trabalho para que os sindicatos rurais pudessem exercer as atividades sindicais, além de impor
outras regras que dificultama sindicalização rural. No entanto as mudanças dessas regras, por meio
das Portarias n. 209-A de 25 de junho de 1962 e n. e 355-A, de 20 de novembro de 1962 do
Ministério do Trabalho e Previdência Social, possibilitaram o aumento do número de trabalhadores
rurais sindicalizados, além de permitir também a concessão para vários sindicatos rurais da
autorização de funcionamento pelo Ministério do Trabalho, ou seja, puderam obter a carta sindical
que muito esperavam, em razão de alterações políticas no Ministério. (cf. COSTA, Luiz Flávio
Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro em construção. Rio de Janeiro:Forense
Universitária;UFRRJ,1996, p. 28, 44 e 95-97)
108
COSTA, Luiz Flávio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro em construção. Rio de Janeiro:Forense
Universitária;UFRRJ,1996, passim.
109
Ibid., passim.
65
organização, sendo ilustrativo referir-se ao natimorto movimento dos trabalhadores
rurais.
110
Em outras palavras, isto significa que a luta dos trabalhadores rurais teve seus
interesses fragmentados, em face da institucionalização das categorias profissionais
e além de reduzir à ilegalidade a luta pela posse da terra, enfraqueceu a
possibilidade de convergência e unificação dos interesses dos trabalhadores rurais.
Nesse quadro com a exclusão dos trabalhadores não assalariados e seu
alijamento do jogo político da luta pela posse da terra, o que houve foi um
enfraquecimento dos sindicatos rurais, pois estes novos agentes, eram, em grande
parte, despreparados para a luta reivindicativa, ante a condição histórica desses
trabalhadores de submissão aos senhores das terras, cujas características mais
adiante serão apontadas como uma das dificuldades do movimento sindical rural em
razão da “natureza arredia do homem do campo”
sob a ditadura militar é que o Estatuto da Terra, Lei 4.504 de 30 de
novembro de 1964, na medida em que se tornou lei morta, veio contribuir para a
exclusão dos campesinos do jogo político, ou seja, os trabalhadores rurais não
assalariados, facilitando sobremaneira a manutenção e fortalecimento dos
latifúndios.
111
110
O ETR representou um marco diferenciador do movimento sindical rural, ao estabelecer seus
contornos na forma estabelecida anteriormente para o sindicalismo urbano, ou seja, conforme os
parâmetros legais de colaboração com o Estado, chamado de sindicalismo de Estado. Esse marco
estabelece também a divisão entre a legislação anterior, qual seja o decreto n. 979, de 6 de janeiro
de 1903, revogado posteriormente pelo Decreto n. 23.611, de 20 de dezembro de 1933, pois ambos
não exigiam a autorização do Estado para funcionamento do sindicato, nem impunham de forma tão
detalhada, as regras a atividade sindical rural, nem restringiam a sindicalização aos assalariados
rurais.
111
Cf. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos
sociais, conflitos e Reforma Agrária. Estudos Avançados. , São Paulo, v. 15, n. 43, set./dez. 2001.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40142001000300015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 Dez 2007, p.190, 192, 199-204. Os anos
cinqüenta e os primeiros anos da década de sessenta representaram um período de fortalecimento
dos movimentos dos trabalhadores rurais na luta pela posse da terra e o Governo João Goulart
havia começado o processo de reforma de agrária, criando inclusive a SUPRA-Superintendência da
Reforma agrária para esse fim, o que acirrou os ânimos das oposições que culminaram com a
tomada do Governo pelos militares em abril de 1964. O Estatuto da Terra representou uma resposta
dos militares à sociedade que ansiava pela reforma agrária, mas de fato, tornou-se lei morta, pois até
hoje o foi concretizada. Nesse sentido pode-se afirmar que o Estatuto da Terra tem cumprido seu
papel simbólico na forma tratada por Marcelo Neves e discutido no capítulo segundo, para a
manutenção do status quo.
66
Nota-se que a proletarização dos trabalhadores rurais e seu enquadramento
nos estreitos limites da atuação sindical permitida naquele período acompanhavam
as transformações da demanda de trabalho no campo, mas conservaram nas mãos
da elite agrária a posse da terra.
Esta é a razão da menção a um grande acordo por meio do qual “os
proprietários de terra garantiram a dominação política em troca da aceitação da
modernização agrícola”
112
, que incluía a aceitação do capital estrangeiro e a forma
de produção capitalista para a industrialização.
Desse quadro, além do modelo em foi instituído o PROÁLCOOL, compreende-
se o motivo pelo qual a FERAESP Federação dos Empregados Rurais
Assalariados do Estado de São Paulo - tem como pauta de reivindicação a
arregimentação dos trabalhadores rurais não assalariados, como forma de
fortalecimento do movimento sindical, ou seja, propugnam um modelo de trabalho
não assalariado no campo.
113
Nota-se, portanto, que desde sua formação e até o momento em que se tornou
maduro, o movimento dos trabalhadores rurais, esbarra na forma social imposta pelo
latifúndio, como principal fator de desagregação da luta sindical, trazendo consigo
diversas outras conseqüências, como demonstra COSTA:
“O relatório aprovado na I Conferência da ULTAB União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil, em 1959 apontava as seguintes causas
das dificuldades ´do movimento sindical no campo: 1) dispersão dos
lavradores e trabalhadores agrícolas no campo; 2) negação dos direitos,
perseguições e opressão; 3) migrações constantes; 4) a própria natureza do
homem da roça, disperso, isolado, em geral oprimido e explorado, torna-se
arredio e desconfiado; 5) a falta de tradição de organização no campo.´ O
relatório recomendava ainda, a criação de associações onde os próprios
112
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo:UNESP,1999, p.67.
113
O ANEXOII, Entrevista com Élio Neves, Presidente da FERAESP Federação dos Empregados
Rurais Assalariados do Estado de São Paulo, especificamente as respostas às questões 1, 3, 4, 6 e
7, indica a essa percepção do atual movimento sindical.
67
lavradores fossem administradores e dirigentes, cooperativas e sindicatos
rurais.”
114
Neste ponto é oportuno retomar a discussão do capítulo primeiro a fim de se
compreender que dentre as maiores dificuldades do fortalecimento do movimento
sindical no campo está a condição de submissão a que estiveram historicamente
acomodados, como resultado de nossa formação agrária hierarquizada, patriarcal e
patrimonialista, que foi descrita acima como “a própria natureza do homem da roça,
disperso, isolado, em geral oprimido e explorado, torna-se arredio e desconfiado”.
É certo que esta “natureza do homem do campo” somente pode ser
compreendida não como característica de personalidade, mas como construção das
condições históricas pontuadas no capítulo primeiro, da “ordem colonial” que precisa
ser revogada, como aduz Sérgio Buarque de Holanda.
115
Para o movimento sindical a persistência dessa realidade traduz-se em
dificuldades para a arregimentação e organização dos trabalhadores rurais, como
apontado por Sebastião Dinart dos Santos, cujas dificuldades ainda são atuais.
“[...]´o analfabetismo, o atraso cultural, o isolamento e particularmente a
opressão do latifúndio tornam extremamente difícil a formação de quadros
dirigentes de origem camponesa. Isso torna mais propício o terreno para
que os latifundiários possam influenciar e dirigir pessoalmente, ou através
de suas instituições, os vastos setores da população rural. Essa influência
e direção confundem e cegam os camponeses´. O ´domínio avassalador do
latifúndio ´será assim entendido como o grande obstáculo ao
desenvolvimento do espírito do associativismo. [...]`nas condições de
domínio do latifúndio, os camponeses brasileiros não conseguiram,
espontaneamente, ir além de algumas formas muito primitivas de
organização, como são os mutirões e as reunidas. Aliás, não devemos
menosprezar o estudo e o valor dessas formas elementares de
114
Sebastião Dinart dos Santos, O problemas da organização rural. Terra Livre n. 86 março de 1959,
Apud COSTA, Luiz Flávio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro em construção. Rio de
Janeiro:Forense Universitária;UFRRJ,1996, p. 62
115
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005,
p.180.
68
organização; nelas está o germe dos agrupamentos coletivistas
superiores´“
116
Portanto, o movimento sindical no centro sucroalcooleiro paulista encontra
muitos óbices para sua concretização. Entre eles, destacam-se: (i) a inserção do
modelo agrário na produção conforme as diretrizes políticas e econômicas que não
atentam para o desenvolvimento humano, (ii) a estrutura sindical incoerente com os
princípios da liberdade sindical; (iii) a legislação autoritária sobre a organização
sindical que não corresponde à demanda atual por democracia e participação social;
(iv) a fragmentação da classe trabalhadora, (v) a perpetuação dos latifúndios na
estrutura agrária brasileira.
A título de demonstração, faz-se necessário trazer à tona algumas
especificidades da produção e comercialização da cana-de-açúcar em relação a
seus dois principais produtos, para retomar sob novos aspectos, o quanto
apontado, tanto no primeiro como no quarto capítulos, quanto à formação do centro
agroindustrial sucroalcooleiro paulista.
Neste sentido, mesmo sem enfrentar diretamente a questão da propriedade
latifundiária em terras paulistas e valendo-se ainda da produção extensiva, a
produção paulista da cana-de-úcar hoje tem um papel de destaque em nossa
economia, sendo que seus dois principais produtos (o açúcar e o álcool) alcançaram
grande importância na balança comercial e São Paulo ocupa o primeiro lugar na
produção nacional.
117
Atualmente, São Paulo possui uma área plantada com cana-de-açúcar de
aproximadamente dois milhões de hectares
118
, cuja produção agrícola e industrial
116
Sebastião Dinart dos Santos, O problemas da organização rural. Terra Livre n. 86 março de 1959,
Apud COSTA, Luiz Flávio Carvalho. Sindicalismo rural brasileiro em construção. Rio de
Janeiro:Forense Universitária;UFRRJ,1996, p. 62
117
Cf. dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, extraído do site
http://mapas.agricultura.gov.br/spc/daa/Resumos/Marco06-07.pdf, temos que: Na safra 2006-2007 o
Brasil moeu 424.420.310 toneladas de cana-de-açúcar, sendo que deste total São Paulo moeu
265.301.005 toneladas, ou seja, mais de 60% da produção nacional.
118
BALSADI, Otavio Valentim; CARON, Dalcio. Tecnologia e trabalho rural no Estado de São Paulo:
algumas evidências a partir dos coeficientes técnicos de absorção de mão-de-obra. Informações
Econômicas. São Paulo, v.24, n.11, Nov./1994, p.23. Disponível em:<ftp://ftp.sp.gov.br/ftpiea/tec2-
1194.pdf> Acesso em: 22 Jun. 2007
69
utiliza-se dos mais avançados processos tecnológicos e mecânicos que aliados à
maior exploração do trabalho humano, apresentam alta produtividade, a despeito de
não haver modificado a forma monocultora e latifundiária para a exploração agrícola.
Desse modo, pode-se notar que a forma com que hoje está organizada a
produção e comercialização dos produtos agroindustriais sucroalcooleiros
representa para os trabalhadores rurais um entrave de difícil superação quanto às
suas possibilidades de emancipação, pois estão subjugados nesta teia de relações e
interesses que cada vez mais intensifica a exclusão social no campo.
Tal fato se dá porque os trabalhadores rurais acabam excluídos de qualquer
possibilidade de cultivo próprio da terra, muitas vezes emigrados de outros estados,
representam a manutenção do excedente de mão-de-obra para ser utilizada nos
momentos de premência da cultura da cana-de-açúcar.
119
Ademais, quedam-se submetidos e pressionados pelo impacto da introdução
de tecnologias no processo agrícola, especialmente na utilização da mecanização
das culturas, que gera um impacto negativo na utilização da mão-de-obra, muito
especificamente por ocasião da colheita (ciclo produtivo de maior demanda de mão-
de-obra no cultivo da cana), a partir da utilização de colhedoras automotrizes no
corte da cana crua.
120
José Graziano da Silva, ao estudar a crescente urbanização da mão-de-obra
no campo, em razão da introdução da indústria no setor rural e do processo de
modernização da agricultura, também ressalta que esta característica é perversa e
causa de exclusão para os trabalhadores rurais.
119
Compreende-se a profunda alteração introduzida no campo pela inserção do processo capitalista e
industrializado, na medida em que a produção rural passa a ser apenas matéria prima para a
indústria e os trabalhadores rurais, expulsos de suas terras, tem no campo apenas o seu local de
trabalho e não mais um modo de vida diferenciado do meio urbano, mas a renda do seu trabalho não
lhes permite acesso aos consumos da vida urbana, de tal modo que acabam marginalizados tanto no
campo como na cidade. (THOMAZ JUNIOR, Antônio. Por trás dos Canaviais, os “nós” da Cana: São
Paulo: Annablume/FAPESP, 2002, p.138-140 e SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim
do século. São Paulo:UNESP,1999, p.310-312 e passim.)
120
BALSADI; CARON. op. cit. p.23
70
“O final do século mostraria assim a nossa agropecuária que não será
mais apenas rural, dada a urbanização de inúmeros ramos de atividades e
do próprio trabalho no campo segmentada não mais em grandes ou
pequenos produtores, mas em produtores integrados ou não-integrados ao
CAI´s. Os primeiros, se forem grandes capitais, estarão verticalmente
relacionados às atividades agroindustriais; se forem pequenos, buscarão
formas sociais e políticas de aliviar essa luta frenética pela
sobrevivência, essa corrida sem fim, através de organizações
cooperativas sindicais onde procurarão melhorar o seu poder de
barganha frente àqueles grandes capitais verticalmente
integrados.”
121
(grifo nosso)
Quanto à utilização da mão-de-obra rural, é preciso esclarecer que, em cada
uma das etapas de seu cultivo, uma diferenciação quanto à necessidade ou não
de braços obreiros e ao impacto das tecnologias de cultivo.
Deste contexto resulta o questionamento das possibilidades de fortalecimento
do movimento sindical, por meio do exercício da democracia, expresso no princípio
da liberdade sindical.
Essa discussão já é muito profícua especialmente em razão dos debates
acerca da Convenção . 87 da OIT - Organização Internacional do Trabalho de
1948, da qual o Brasil ainda não é signatário, como forma de democratização das
relações de trabalho.
Certo é que esta discussão amadureceu no sentido de que não bastaria a
entrada em vigor no Brasil de seus preceitos, que culminaria com a necessidade de
alteração constitucional dos incisos II, IV e VII
122
do artigo 8
o
da Constituição Federal
de 1988
123
, para conferir mais força ao movimento sindical, sobretudo em
121
SILVA, José Graziano da. A industrialização e a Urbanização da Agricultura Brasileira. São Paulo
em Perspectiva: O Agrário Paulista. vol.07, n.03, jul./set. 1993. Fundação SEADE. Disponível em:<
http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v07n03/v07n03_01.pdf> Acesso em 26 Jun. 2007, p.7
122
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito do Trabalho & Democracia: Apontamentos e Pareceres.
São Paulo: LTr, 1996, p.167.
123
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro
no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização
sindical;
71
decorrência da chamada “crise do sindicalismo” a partir dos anos oitenta, cujo
processo persiste até os dias atuais.
124
Nesse debate, o aspecto de transformação democrática que se poderia
esperar, caso o Brasil viesse a ratificar a convenção nº. 87 da OIT, de 1948, veio
gradativamente incorporando as influências políticas, econômicas e sociais no
sentido de que não representaria um instrumento hábil, por si só, para se efetivar a
democratização das relações sindicais no Brasil, sem desmerecer, no entanto, a sua
importância.
Isto porque a liberdade sindical de fato apenas seria realizável, neste novo
contexto da chamada crise do sindicalismo, caso fosse compreendida como a
possibilidade de participação dos trabalhadores não apenas no âmbito das lutas
sindicais entre o capital e o trabalho, mas também no plano político geral, ou seja,
como forma de inserção dos trabalhadores nas decisões sobre os destinos do Brasil.
125
Este era o contexto dos anos oitenta e, por ocasião da Assembléia Nacional
Constituinte, os debates então se travavam sob fortes pressões dos trabalhadores,
especialmente da CUT-Central Única dos Trabalhadores, cujo congresso de
II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de
categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores
ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será
descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva,
independentemente da contribuição prevista em lei;
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de
direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do
mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de
colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.
124
RODRIGUES, Martins Leôncio. Destino do sindicalismo. São Paulo: Universidade de São Paulo,
Fapesp,1999, passim.
125
OLIVEIRA, Francisco; RIZEK Cibele Saliba (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo: Boi
Tempo,2007. (Estado de Sítio), p.52-55.
72
formação se realizou em 1983, com uma proposta assertivamente socialista, além
do PT- Partido dos Trabalhadores, formado três anos antes.
126
em 1990, como conseqüência das transformações sociais, econômicas e
políticas, surge uma nova corrente sindical, unificada em uma nova Central,
denominada Força Sindical, que propugnava um “sindicalismo de resultado”, “com
uma referência marcadamente liberal”, que irá disputar seu espaço em
contraposição às propostas da CUT, especialmente quando, no Governo Itamar
Franco, realizou-se o Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de
Trabalho.
127
No entanto, esta experiência de debate sobre as relações de trabalho no Brasil
perdeu força política durante os anos do mandato do Presidente Fernando Henrique
Cardoso, porque, naquele momento predominava a percepção de que a alteração
legislativa haveria de se dar especialmente sobre as relações individuais de
trabalho, para privilegiar a flexibilização de suas relações propugnada pela classe
empresarial como uma forma de viabilizar a modernização econômica do país e sua
integração em uma economia globalizada e altamente competitiva, por meio da
diminuição dos custos trabalhistas.
128
Exemplo dessa opção política, foi o projeto para alteração do artigo 618 da
Consolidação das Leis do Trabalho, de modo a fazer prevalecer o negociado sobre o
126
OLIVEIRA, Francisco; RIZEK Cibele Saliba (orgs.). A era da indeterminação. São Paulo: Boi
Tempo,2007. (Estado de Sítio), p., p.56-60
127
Ibid., p.60
128
Cf. ALVES, Edgard Luiz Gutierrez; SOARES, Fábio Veras; AMORIM, Brunu Marcus Ferreira;
CUNHA, George Henrique de Moura. Modernização Produtiva e Relações de Trabalho: perspectivas
de políticas públicas. Texto Para Discussão n. 473. IPEA. Ministério do Planejamento e Orçamento.
Brasília e Rio de Janeiro: Serviço Editorial. abr. 1997, especialmente p.17-22 nas quais são expostas
as principais reivindicações e percepções da classe patronal industrial, representadas pela CNI e
FIESP a respeito da necessidade de se impor um modelo de garantias mínimas e da prevalência do
negociado sobre o legislado, propugnando a tese de que o atual estágio de proteção legal e
constitucional dos trabalhadores seria um entreve à modernização produtiva da indústria e do
crescimento econômico, responsabilizando o que chamam de ´custo trabalhista´ como um entrave à
modernização e crescimento da indústria no contexto da competitividade do mercado global, bem
como para a geração de emprego e renda para a classe trabalhadora. Referido texto também
esclarece a visão dos dois principais atores representantes da classe trabalhadora, a CUT e a
FORÇA SINDICAL, indicando suas peculiaridades e proposições para o enfrentamento da questão da
necessidade de adaptação da legislação trabalhista e sindical, pontuando a posição da CUT para o
enfrentamento do capital enquanto que a FORÇA SINDICAL adota postura de coordenação com o
capital para a transformação das relações trabalhistas no Brasil.
73
legislado, como uma forma de afastar a incidência da proteção legislativa da relação
de trabalho e de emprego.
129
Neste contexto, a realização do Fórum Nacional do Trabalho - FNT no período
de 2003-2006 durante o primeiro mandato do Presidente Luis Inácio Lula da Silva foi
de fato uma importante tentativa de transformação democrática, porque buscou
restabelecer os parâmetros das discussões sob bases de proteção da voz operária,
contra o discurso hegemônico naquele momento, que se inclinava para a
precarização e flexibilização das relações de trabalho no Brasil.
Assim, dentre os objetivos do FNT, inseriu-se que os seus movimentos
institucionais e normativos visariam, em um contexto de promoção do diálogo social,
“conferir maior efetividade às leis do trabalho e adequá-las às novas características
do mundo do trabalho, de maneira a criar um ambiente mais propício ao combate à
informalidade e à geração de emprego, ocupação e renda”
130
.
No FNT os debates marcaram a percepção de que a alteração do sistema
sindical brasileiro representava a “ligação institucional essencial para a dinâmica do
sistema brasileiro de relações de trabalho”, e esta percepção conduziu à priorização
da reforma sindical e não da reforma da legislação trabalhista, ou seja, inverteu a
lógica das proposições anteriores.
131
No entanto, em que pese essa nica conferida para nortear o debate social na
busca do consenso possível para a alteração democrática da legislação sobre as
relações de trabalho no Brasil, a compreensão da imprescindibilidade de
fortalecimento do movimento sindical, como condição desse processo não foi
unanimemente percebida pelos atores envolvidos, especialmente pelo
empresariado.
129
Cf. Projeto de Lei n. 5. 483, de 2001 do Poder Executivo, arquivado em 16/06/2004, após o
Senado Federal aprovar o pedido de arquivamento do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva. Informações disponíveis em: <http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes>. Acesso em:
1º.dez.2007.
130
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Conquistas e desafios de um processo de diálogo social:
Reflexões dos atores para o futuro. Memória do Fórum Nacional do Trabalho do Brasil. Espaço de
negociação e diálogo 2003-2006. Lima: OIT. 2007, p.21
131
SIQUEIRA NETO, José Francisco. Conquistas e desafios de um processo de diálogo social:
Reflexões dos atores para o futuro. Memória do Fórum Nacional do Trabalho do Brasil. Espaço de
negociação e diálogo 2003-2006. Lima: OIT. 2007, p.21
74
Neste sentido, é revelador o depoimento de Lúcia Maria Rondon Linhares,
representante da CNI
132
:
“A idéia do FNT foi brilhante e tem que continuar. Não para parar o
processo, seja qual for o governo esse processo não pode ser
interrompido... O modelo deu segurança política. O que não deu segurança
foi a opção de negociar tudo na Reforma Sindical e deixar a Reforma
Trabalhista para depois. A Reforma Trabalhista é prioritária. Do que
adianta criar uma nova estrutura sindical, reconhecer as centrais e fortalecer
o movimento sindical, sem definir o que pode e que não pode ser
negociado.”
Deve-se destacar duas propostas geradas no FNT compreendidas naquele
momento como importantes instrumentos para dar efetividade à legislação
trabalhista: a primeira seria a criação do Fundo Solidário de Promoção Sindical e
segunda a formação do Conselho Nacional de Relações de Trabalho. Todavia,
que se lembrar que a concretização destas propostas depende da aprovação da
PEC n. 369/05
133
e posteriormente da aprovação da legislação prevista no
Anteprojeto de Reforma Sindical.
134
Esta foi a tônica dos diálogos travados naquele momento e que mobilizaram de
forma profícua amplos setores da sociedade, mas embora tenha sido alvo também
de críticas por parte dos agentes envolvidos, sua importância se revela em dois
aspectos especialmente: primeiro, por frear os rumos que seguiam em livre direção
para a flexibilização das relações de trabalho, em prejuízo do diálogo social, ante a
disparidade da capacidade de barganha entre o capital e o trabalho; segundo, por
132
SIQUEIRA NETO, op. cit. p.39.
133
Esta proposta de Emenda Constitucional permanece em trâmite, atualmente aguardando parecer
na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, embora tenha
perdido também sua força política, por enquanto. Informações disponíveis em:
<http://www2.camara.gov.br/proposicoes>.Acesso em: 1º .dez.2007
134
Importa destacar aqui a importância das ações referentes ao Conselho Nacional de Relações de
Trabalho e ao Fundo Solidário de Promoção Sindical como instrumentos de efetividade no
aperfeiçoamento da democracia ao propugnar o diálogo social para tratar as relações de trabalho no
contexto de uma “política do Estado e não meramente uma política de governo”. Cf. SIQUEIRA
NETO, José Francisco. Conquistas e desafios de um processo de diálogo social: Reflexões dos
atores para o futuro. Memória do Fórum Nacional do Trabalho do Brasil. Espaço de negociação e
diálogo 2003-2006. Lima: OIT. 2007, p.60-61
75
priorizar os debates na discussão da alteração de nossa estrutura sindical, com
vistas a torná-la mais democrática, livrando-a dos seus resquícios corporativistas.
De fato foi muito oportuna a realização do FNT porque ao privilegiar estes
aspectos, reconheceu uma realidade que precisa ser alterada como forma de
democratização das relações de trabalho qual seja, que na realização do diálogo
social os empregados têm encontrado pouco eco às suas manifestações.
Isto porque restam confinados nos estreitos limites da movimentação sindical e
acabam por não tomar parte de importantes decisões que têm reflexos diretos e
imediatos sobre eles, especialmente quanto às diretrizes econômicas e políticas do
setor em que atuam profissionalmente.
De fato, as entidades patronais de classe contam com recursos muito mais
amplos que as entidades profissionais e têm, por conseqüência, maior poder de
influência sobre as decisões políticas, técnicas, administrativas e mesmo jurídicas
acerca do agronegócio, sendo de se frisar que o interesse da classe trabalhadora
não é considerado pelas proposições formuladas no nível das entidades de classe
patronais, como exemplo a FIESP em São Paulo ou mesmo nacionalmente, a
UNICA -União da indústria da cana-de-açúcar de, com sede em São Paulo.
135
, ou
também da UDOP- União dos Produtores de Bioenergia.
No que diz respeito, especificamente, ao ambiente da agroindústria canavieira
paulista, quanto à segmentação dos trabalhadores, é relevante frisar que a forma do
enquadramento sindical torna a classe dos trabalhadores rurais, apartada, da classe
dos trabalhadores da indústria sucroalcooleira. Ademais, os trabalhadores das
indústrias, também estão divididos internamente entre os que trabalham na
135
A ÚNICA foi constituída em 1996 e é sucessora da AIAA (Associação das Indústrias de úcar e
do Álcool) que fora constituída em 1990 e por sua vez foi sucessora da Associação de Usineiros de
São Paulo que data de 1932. Estas associações sempre integraram os produtores paulistas.
Atualmente é referência dos interesses do capital agroindustrial sucroalcooleiro paulista e age como
aglutinadora das prospectivas econômicas do setor, unificando ainda mais os interesses do capital,
pois as agroindústrias que se associam a outras entidades, como por exemplo, à Copersucar, são
também associadas à Unica de forma que, mesmo os sindicatos ou outras associações patronais
coordenam suas ações com a Unica. Este é um fator que também diferencia o poder de barganha da
classe patronal em face dos trabalhadores, que ao contrário, apresentam-se sob forte segmentação
em diferentes categorias profissionais. (THOMAZ JÚNIOR, Antônio. Por trás dos Canaviais, os “nós
da Cana: São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002, p.126-130).
76
produção do álcool e os que trabalham na produção do açúcar, ou ainda, entre os
tratoristas e os motoristas, ou seja, cada grupo de trabalhadores é arregimentado
em diferentes sindicatos, conforme as categorias profissionais estabelecidas
legalmente.
136
Registre-se que, embora desde 1988 não seja mais obrigatória a classificação
das categorias profissionais e econômicas estabelecidas pela legislação trabalhista,
estas se consolidaram, inclusive em razão da persistência da imposição legal da
unicidade sindical e das regras de pagamento do imposto sindical.
137
Quanto a esta fragmentação dos trabalhadores, Elísio Estanque, embora
tratando do sindicalismo em Portugal nos dias atuais, também reconhece que
drástica segmentação da classe operária, imposta em grande parte pelo modelo de
sindicalismo ditado pelo Estado é uma das causas da debilidade do movimento
sindical.
“A diversidade de lógicas e formas de ação do campo sindical, é pois, cada
vez mais evidente. É o resultado da drástica segmentação das categorias
sócio-profissionais, formas contratuais, qualificações, vínculos precários,
enfim, da instabilidade geral que caracteriza nos últimos anos o mundo
laboral” .
138
Na busca de alternativas para o movimento sindical, destacou-se a
possibilidade do chamado “sindicalismo associativo”, de índole norte-americana.
139
Ao contrário do que o nome parece sugerir, “não seria de colaboração de classes”,
136
O ANEXO I, Entrevista com Danilo Pereira da Silva, Presidente da FEQUIMFAR- Federação dos
trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo, que integra os
trabalhadores da indústria do álcool, especificamente as explicações introdutórias e as respostas às
questões 1, 3a, 5b e 5c.
137
O ANEXO I, Entrevista com Danilo Pereira da Silva, Presidente da FEQUIMFAR- Federação dos
trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo, que integra os
trabalhadores da indústria do álcool, especificamente as explicações introdutórias e as respostas às
questões 1, 3a, 5b e 5c.
138
ESTANQUE, Elísio. A questão social e a democracia no século XXI, participação cívica,
desigualdades sociais e sindicalismo. Revista Finisterra e CES- Centro de Estudos Sociais n. 264,
Coimbra Dez./2006. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/264/264.pdf>. Acesso
em: 27 Fev. 2007, p.15.
139
HECKSHER, Charles C. (1996) The New Unionism. Employee Involvement in the Changing
Corporation. Ithaca, Cornell University Press. Apud RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do
sindicalismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, Fapesp,1999, p.288.
77
mas representaria uma forma de atuação em que o sindicato abandonaria as greves
como principal meio de pressão para se valer, por exemplo, de “denúncias públicas
de atos desleais e contrários aos empregados de parte de empresas, a atuação
junto a organismos legislativos e governos, o uso intenso da publicidade”, e assim o
sindicato de engajaria na “co-gestão” do empreendimento econômico.
140
No entanto, esta estratégia de atuação sindical parece não ser, por si só, a
alternativa para o setor sucroalcooleiro, pois, além de seus riscos vislumbrados,
quais sejam, de os sindicatos não conseguirem impor suas proposições para uma
efetiva atuação de “cooperação não subalterna”. Nesta hipótese deixariam de atuar
na busca de novas conquistas para simplesmente se limitarem na luta para a
manutenção do status quo, na tentativa de evitar a perda de direitos em face do
impulso da flexibilização trabalhista.
Do quadro apresentado resulta que o risco desta forma de sindicalismo é
que o sindicato venha a se transformar em “sócio menor ... quando é aceito como
tal”
141
(sic), o que não margem a que se aposte nesta estratégia quanto ao setor
sucroalcooleiro, em razão do seu ambiente político, econômico e social em que seus
trabalhadores, especialmente os rurais, vivem e trabalham sob condições indignas,
muitas vezes até em condições análogas a de escravo. No entanto, é importante
considerar tal proposta no aspecto em que propugna por uma maior integração dos
sindicatos na sociedade com um todo, no sentido de acioná-la para a defesa
conjunta de seus interesses.
Denota-se assim, um aparente impasse para o movimento sindical, e a leitura
desse momento de crise do sindicalismo é compreendido em razão da
transformação de seu ambiente propício de nascimento e fortalecimento, isto é, da
sociedade industrial, conforme expressa Leôncio Rodrigues Martins, ao indicar que
140
HECKSHER, Charles C. (1996) The New Unionism. Employee Involvement in the Changing
Corporation. Ithaca, Cornell University Press. Apud RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do
sindicalismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, Fapesp,1999, p.288.
141
RODRIGUES, Leôncio Martins. Destino do sindicalismo. São Paulo: Universidade de São Paulo,
Fapesp,1999, p.289.
78
o industrialismo foi responsável por oferecer ao movimento sindical a possibilidade
de promover pressões por conquistas sociais o que seria impraticável fora dele.
142
A visão deste autor, de forma coerente com a unidade de seu pensamento é,
portanto, pessimista ao anunciar a esperada “morte” do sindicalismo, com o advento
da chamada “desindustrialização” do momento atual, da sociedade de serviços, pós-
industrial, estágio que considera ter sido atingido pelos países do capitalismo mais
desenvolvido.
143
É de se notar que Leôncio Rodrigues Martins esclarece na mesma obra citada
que o movimento sindical compreendeu que o industrialismo cumpriria o desiderato
das lutas sindicais por uma melhor distribuição de renda.
144
. É ele, também, quem
chama a atenção para a ambigüidade do próprio movimento sindical que ora pende
para uma atitude crítica como a dos sindicatos de esquerda e ora pende para a
necessidade de participação construtiva e menos contestatória.
145
Paralelamente, a proposta do PROALCOOL no passado, como também agora
em sua forma revigorada, é novamente integrar a classe trabalhadora para uma
melhor distribuição de renda, sobretudo por prometer o desenvolvimento econômico
e a geração de empregos.
No entanto, esse discurso não oferece qualquer solução efetiva para o conjunto
de seus trabalhadores, seja do setor industrial como também do setor rural,
especialmente estes últimos, que ao contrário, denotam na perpetuação do modelo
de exploração, um óbice intransponível transformação das condições indignas de
trabalho e de vida.
146
Neste contexto, não pode aceitar como argumento para debilidade do
movimento sindical, a passagem da sociedade industrial para a sociedade de
serviços, pois outra possível interpretação, mais abrangente e nesse sentido mais
142
RODRIGUES, Leôncio Martins. Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difusão
Européia do Livro,1966, passim e p. 211.
143
Ibid.,p.301-304.
144
bid., p. 23-24
145
Ibid., p. 28
79
acertada, é aquela que considera o sindicalismo umbilicalmente ligado ao
capitalismo.
Por esta perspectiva é improvável que o sindicalismo deixe de existir enquanto
sobreviver o próprio capitalismo, mas as transformações deste hão de ser
enfrentadas por aquele, sob pena, de neste caso, perder o prumo para sua própria
manutenção. Boaventura de Sousa Santos
147
é quem ressalta este aspecto, com o
qual ora se faz eco, acrescentando ainda que o movimento sindical deve enfrentar
sua própria contradição interna quanto à sua postura de integração com o capital ou
de enfrentamento, ou ambas coordenadamente.
Isto porque, o atual estágio das relações de trabalho no Brasil, consideradas as
peculiaridades das condições dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro paulista,
permitem concluir pelo imperativo do aperfeiçoamento das relações democráticas a
partir da possibilidade do embate entre os interesses conflitantes na sociedade.
Para tanto, cabe ao Estado impor as bases e os limites de conveniência a fim de
impedir a perpetuação da injusta exploração de um interesse sobre o outro, não
bastando, a proposição legislativa, ainda que constitucional, sendo imprescindível a
articulação política nesse sentido.
A corroborar este pensamento, ressalta-se a análise que Thomas Gounet fez
do desenvolvimento do capitalismo nos países centrais, a partir das experiências do
Fordismo e do Toyotismo, cujos reflexos são traduzidos mundialmente nas
alterações da organização do trabalho e na precarização das relações trabalhistas.
Tal estudo comprova que a concretização da promessa de distribuição da renda a
partir da prosperidade econômica dos agentes industriais não se realiza, mas ao
contrário, o que se assiste é a intensificação da exploração do trabalho.
146
Esta percepção dos trabalhadores está indicada no ANEXO I, especialmente nas respostas às
questões 2, 3, 4 e 5a. E no ANEXO II, especialmente nas respostas às questões 3, 4, 5 e 8.
147
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2006. (Coleção para um novo senso comum, v.4), p.381.
80
“O progresso social não poderá ser fruto de uma situação favorável, de um
determinado momento em que a burguesia precisa da colaboração da
classe operária. Pois, uma vez que a situação muda, tudo o que se
alcançou desaparece. Já se sente hoje que as empresas sob pressão
tendem a exigir concessões importantes de seus trabalhadores, como
queda salariais e implementação de métodos flexíveis sem contrapartida.
Se houver progresso social, ele será obra das lutas operárias contra a
lógica da acumulação.”
148
Imperativo se faz, portanto, a “redescoberta democrática do trabalho e do
sindicalismo” como condição para a “reconstrução da economia como forma de
sociabilidade democrática”, conforme a preocupação de Boaventura de Sousa
Santos, que ora se corrobora.
149
Para dito autor, o fortalecimento do movimento
sindical é na verdade uma pré-condição para “reconstrução da economia como
forma de sociabilidade democrática”, por esta razão ele indica suas “teses” para a
“reinvenção do movimento sindical.”
150
Reafirma-se, portanto, a efetiva possibilidade da reconstrução democrática e
reinvenção do sindicalismo, considerando o atual estágio do desenvolvimento do
capitalismo globalizado que impõe de forma hegemônica a flexibilização das
relações de trabalho e da proteção aos trabalhadores.
Sendo assim, tais transformações hão de considerar as condições peculiares
em que atualmente vivem os trabalhadores do setor sucroalcooleiro para propugnar,
ao mesmo tempo e conjuntamente, formas de trabalho digno no corte de cana ou
fora dele, num quadro de plena mecanização, e na possibilidade da construção de
uma agricultura familiar, voltada para a produção de alimentos, para o consumo
interno.
151
148
GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo,2002,
p.50.
149
Ibid. p.377 e 380.
150
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2006. (Coleção para um novo senso comum, v.4), p.381-397.
151
No ANEXO I, ver as respostas às questões 5, 5
a
, 5c e 5d. E no ANEXO II, ver as respostas às
questões 1, 2 e 8.
81
O novo sindicalismo receberá do velho sindicalismo as tradições opostas da
contestação e da participação, mas recebe-as transformando a oposição
entre elas em complementaridade. A complementaridade entre as duas
tradições pressupõe a união operacional do movimento sindical. [...]. Na
grande maioria das situações, a melhor estratégia é a que mistura em doses
diferentes a contestação e a participação. [...]. Nas novas condições de
desenvolvimento do capitalismo, o movimento sindical consolidar-setanto
mais quanto melhor calibrar as doses necessárias de participação e de
contestação na sua estratégia. Fa-lo-á tanto melhor quanto mais flexível e
atenta às condições concretas for a calibragem das doses e quanto mais
criativas forem as misturas entre elas.
152
Nota-se que aos trabalhadores incumbe a tarefa de superação do déficit de
democracia nas suas relações tanto com os patrões, para quem são cidadãos de
segunda classe, como perante o conjunto da sociedade,
153
, propugnado seu
exercício constante, seja no seu aspecto representativo, como também no seu
aspecto participativo.
Desse modo, o fortalecimento do movimento sindical é exigência da
democracia e ambos apenas podem ser efetivados com seu exercício constante. De
se considerar também que o Estado deve ocupar o espaço na promoção do
desenvolvimento econômico humano, agindo assertivamente por meio de políticas
públicas estrategicamente moldadas para tal objetivo, no contexto de uma política de
Estado.
Enfim, considera-se que no Brasil, assim como o jurista português Elísio
Estanque analisou ser essencial em seu país, o sindicalismo não deve cumprir
sozinho o papel social e político para a transformação das condições de vida para a
realização da justiça social, mas certamente que não poderá abdicar da
característica decisiva de sua participação nesse processo, e identifica-se na sua
incisiva e livre atuação, uma possibilidade de transformação da realidade atual em
152
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São
Paulo: Cortez, 2006. (Coleção para um novo senso comum, v.4), p. 391.
153
Ibid.p.391-392.
82
que ainda permanecem os trabalhadores da agroindústria canavieira paulista,
especialmente, mas não apenas, os trabalhadores rurais.
.154
Finalmente, o novo sindicalismo haverá de coordenar sua atuação para a
transformação do modelo de produção agrícola, com sua atuação para propugnar
uma forma digna de cortar cana. Desse modo haverá de buscar a incorporação de
setores mais amplos da sociedade para a tomada de decisões que envolvem o
setor, seja quanto à questão fundiária, seja quanto à inserção da agricultura familiar
para produção de alimentos voltada ao consumo interno, ou ainda outras questões
que interessam ao conjunto da sociedade, embora afetem mais diretamente, os seus
trabalhadores.
Isto significa que somente em conjunto e democraticamente poderá a
sociedade interferir nas decisões que interessam não apenas aos trabalhadores,
mas a toda a sociedade, como é o caso do setor sucroalcooleiro paulista, e inclusive
para a formulação de políticas blicas, seja para a questão da mecanização, seja
para o incentivo e viabilização de outro modo de produção agrícola.
Isto porque, afinal, a forma de sua exploração influenciará a possibilidade de se
construir ou não, uma sociedade em que não se encontre mais espaço para a
existência de pessoas que trabalhem em condições análogas à de escravo ou ainda
em condições indignas de vida e de trabalho, mas ao contrário, que voz aos seus
trabalhadores, por meio de seus sindicatos, para que participem em conjunto com a
sociedade, da condução dos destinos do país, como pressuposto da democracia.
154
ESTANQUE, Elísio. A questão social e a democracia no século XXI, participação cívica,
desigualdades sociais e sindicalismo. Revista Finisterra e CES- Centro de Estudos Sociais n. 264,
Coimbra Dez./2006. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/264/264.pdf>. Acesso
em: 27 Fev. 2007. p. 17
83
6 CONCLUSÃO
A perpetuação do latifúndio na produção agrária brasileira foi fator que
proporcionou a continuidade do poder extrapolítico da elite proprietária, cujo poder
remonta ao período colonial e faz com que este possa impor os seus interesses a
até mesmo quando estes divergem daqueles estabelecidos pelas políticas
econômicas do país.
Mesmo em São Paulo, onde a maior fragmentação da propriedade em relação
ao Norte/Nordeste do Brasil propiciou a introdução de novas tecnologias de
produção agrária e de gestão de mão-de-obra, de forma a alcançar maior
produtividade do que seus concorrentes nordestinos, o latifúndio permanece como
uma das causas da manutenção dos trabalhadores rurais em condições indignas de
vida e de trabalho.
Ademais, a estratégia de separação da zona de produção agrária da zona de
produção industrial, pôde, a partir do Estatuto da Lavoura Canavieira, garantir o
ganho de produtividade do setor industrial e ao mesmo tempo, manter a propriedade
latifundiária das terras, ao criar a figura do fornecedor de cana.
O sindicalismo rural paulista, aliás, formou-se inicialmente sob a luta pela
posse da terra, sendo que os trabalhadores foram arregimentados sob influência do
PCB, cujo período mais profícuo está entre 1954 e 1963, em que se proliferaram as
ligas campesinas, embora muitos sindicatos criados permanecessem na
ilegalidade.
Nesse sentido afirma-se que o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, ao
mesmo tempo em que representou um incentivo à sindicalização rural, ao eliminar
os entraves para o reconhecimento dos diversos sindicatos, foi também um golpe
mortal sobre o movimento, ao impor o modelo de sindicalização restrito aos
assalariados de forma a desvincular a luta pela posse da terra das atividades
sindicais.
84
Ademais, o fato de o Estatuto do Trabalhador Rural impor um modelo
demasiadamente fragmentado para uma realidade que não se diferencia tanto
assim, como é o caso das atividades urbanas, acabou por enfraquecer o movimento
dos trabalhadores, segmentados em diversos sindicados, como no caso da lavoura
para a produção do açúcar e do álcool.
Além disso, o sindicalismo rural sofre mais diretamente com as formas de
dominação impostas pelo latifúndio, ao incutir no trabalhador o que Sabastião Dinart
chamou de “natureza arredia do homem do campo”, que não está disposto a
enfrentar um luta tão desigual com o proprietário das terras.
No contexto econômico, o PROÁLCOOL, como política pública específica do
setor, incentivou a oligopolização da produção agroindustrial sucroalcooleira, ao
financiar a unificação do setor como condição de ganho de produtividade, mas não
teve força para impor a contrapartida das promessas de melhoria das condições de
vida para o conjunto de seus trabalhadores.
De fato, aliado às condições históricas de proletarização do trabalhador rural, o
PROÁLCOOL contribuiu enormemente para essa realidade, pois ao negar a
melhoria de condições de vida ao trabalhador rural, facilitou o processo expulsão
destes trabalhadores de suas terras, inclusive para o avanço da monocultora
exportadora da cana-de-açúcar.
Percebe-se, portanto, que o atual estágio de revigoração do PROÁLCOOL, sob
as mesmas bases então construídas desde sua primeira edição, em 1973, traz a
indagação quanto às antigas promessas de desenvolvimento econômico e humano
e não apenas de crescimento econômico.
Acredita-se que a estas transformações somente podem de realizar mediante o
fortalecimento do poder de interferência e decisão sobre os destinos do setor da
classe trabalhadora, daí a necessidade de fortalecimento dos seus sindicatos.
Isto porque, a Constituição Federal de 1988, que impõe por seu artigo 170 que
a atividade econômica se realize com o objetivo de promover a valorização do
85
trabalho e da dignidade humana, além da proteger os direitos sociais e fundamentais
do trabalhador por seus artigos 6
o
e 7
o
e respectivos incisos, não tem encontrado
efetividade no quotidiano da agroindústria canavieira paulista.
Os estudos quanto à força normativa da Constituição também apontam para a
necessidade de alteração dos fatores reais de poder na sociedade, como forma de
concretização dos Direitos Fundamentais e do plano transformador estabelecidos na
Constituição Dirigente, como é o caso na nossa Carta de 1988, caso contrário, ela
terá apenas um caráter simbólico para a manutenção do status quo.
Nesse contexto, é imperativo democrático sustentar a imprescindibilidade de
fortalecimento da voz operária, como condição de sua própria sobrevivência e como
instrumento para a realização do plano constitucional para a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
No entanto, o recrudescimento do poder dos sindicatos profissionais rurais,
todos os óbices haverão de ser enfrentados conjunta e coordenadamente, ou seja,
além da alteração da legislação sindical que ainda mantém resquícios
corporativistas (como o imposto sindical e imposição legal da unicidade sindical),
será necessário interferir no modelo de exploração do agronegócio.
Deste modo, será impositivo conjugar com o agronegócio o modelo
propugnado pelos trabalhadores rurais, isto é, um modelo não assalariado, por meio
da agricultura familiar que privilegia a policultura de alimentos, como forma de
possibilitar a eles condições dignas de vida e de trabalho.
O próprio governo brasileiro reconhece os limites do agronegócio, indicando,
por meio da EMBRAPA, algumas diretrizes:
“As orientações estratégicas de governo continuarão a priorizara
democratização do acesso aos fatores produtivos (por exemplo: crédito,
assistência técnica, insumos e terras), a diminuição das desigualdades
sociais e regionais e o aumento do bem-estar social, pela implantação de
86
um efetivo processo de reforma agrária, consolidação dos assentamentos
de pequenos produtores e fortalecimento da agricultura familiar.”
155
Por outro lado, o enfrentamento desse quadro de crise do sindicalismo impõe a
sua reformulação para que venha a participar e interferir não apenas no restrito
âmbito das relações empregador e empregado, mas num contexto mais amplo da
sociedade.
Nesse contexto é que se agiganta a importância da realização do FNT-Fórum
Nacional do Trabalho, como uma tentativa de fortalecimento do Estado na condução
de um processo democrático para efetiva participação da sociedade na elaboração
de propostas para alteração das relações de trabalho no Brasil.
De fato, o FNT foi importante quando buscou dar voz ao trabalhador por meio
da tentativa de fortalecimento do movimento sindical, para estabelecer uma
legislação fulcrada não mais no corporativismo, mas, na democracia participativa,
muito embora as proposições legislativas dele originadas aguardem sua regular
tramitação, tendo perdido sua força política.
No entanto, a luta dos sindicatos por um trabalho digno na agroindústria
canavieira paulista tem resumidamente duas frentes de atuação: uma pela inserção
de um modelo em que a agricultura familiar para a produção de alimentos seja
priorizada com liberação créditos, financiamentos e formulações de políticas
específicas para esse fim, como alternativa ao trabalhador rural; outra pela
introdução de métodos de trabalho que impeçam a super-exploração do trabalhador,
especialmente o rural, vislumbrando não apenas a total mecanização da colheita da
cana, mas também as condições em que estes serão mantidos até este prognóstico
se realizar em 2031.
Portanto, neste aspecto é que a voz de Elísio Estanque, originária de Portugal,
ecoa no Brasil, para fazer compreender que o sindicalismo não deve cumprir
155
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, EMPRESA BRASILEIRA DE
PESQUISA AGROPECUÁRIA. IV PLANO DIRETOR DA EMBRAPA 2004-2007. 1.ed.
Brasilia/DF:Secretaria de Gestão Estratégia, 2004, 48p. Disponível em: <
http://www.embrapa.br/publicacoes/institucionais/pde4.pdf>. Acesso em:04.dez.2007, p.15.
87
sozinho o papel social e político para a transformação das condições de vida para a
realização da justiça social, mas certamente que não poderá abdicar da
característica decisiva de sua participação nesse processo.
156
Por certo, o sindicalismo não cumprirá sozinho esse papel transformador, o que
significa que a sociedade e o Estado, principalmente, não poderão abdicar do
cumprimento de seus papeis.
As empresas, por meio de suas organizações, haverão de ser impelidas a
incluir em suas ações a conta da participação dos trabalhadores, e o Estado haverá
de agir, por meio de políticas públicas conjuntamente realizáveis, para a efetiva
melhora da condição de vida e de trabalho dos trabalhadores do setor.
156
ESTANQUE, op. cit. p. 17
88
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ANEXO I ENTREVISTA COM DANILO PEREIRA DA SILVA:
Presidente da FEQUIMFAR - Federação dos Trabalhadores nas Indústrias
Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo e Presidente da Central Sindical
Força Sindical do Estado de São Paulo.
Contatos: Departamento de Imprensa da Fequimfar (S. Paulo) Tel: (11) 3277
5000 ramal: 321 / 228 , Danilo Pereira da Silva (presidente da Fequimfar e da Força
Sindical do Estado de São Paulo) Tel: (11) 9689 4461, e-mail:
[email protected]; site: http://www.fequimfar.org.br
ENTREVISTA COM O PRESIDENTE, SENHOR DANILO PEREIRA DA SILVA,
realizada aos 06 de novembro de 2007 na sede do sindicado dos químicos em São
Paulo.
1. DANILO: Esclarecimentos inicias sobre a representação dos trabalhadores
na agroindústria canavieira paulista:
DANILO: Vou explicar como fica o enquadramento para se saber se os
trabalhadores são do setor de alimentação ou dos químicos. Os trabalhadores da
fabricação de álcool, mesmo nas usinas que fabricavam o açúcar, eram da
alimentação em função do enquadramento da Lei da estrutura sindical. O setor
químico começou a representar os trabalhadores a partir do PROÁLCOOL, quando
começou a instalação das destilarias autônomas que era para fazer álcool
combustível, o anidro e o hidratado. Mas as usinas de antigamente fabricavam
álcool, mas era mais para a produção de remédio, cosméticos, então os
trabalhadores se enquadravam nos sindicatos da alimentação, pois fabricavam
muito mais açúcar. Isso mudou então, a partir do PROÁLCOOL e com a instalação
das destilarias autônomas, pois era para a produção de combustível que se
enquadra, segundo a legislação brasileira, no ramo químico. então os
trabalhadores destas destilarias autônomas foram organizados nos sindicatos dos
químicos. O álcool teve vários ciclos e momentos de crise. Às vezes o açúcar no
mercado internacional estava melhor, então as destilarias autônomas, em
97
determinada safra, faziam mais açúcar. E as usinas de açúcar, por sua vez, quando
veio o PROÁLCOOL e nos seus bons momentos, começou também a fabricar mais
álcool do que açúcar. E nesse quadro, como ficava a representação de seus
trabalhadores? No setor rural e também para os condutores não tinha grandes
problemas, pois para a produção de açúcar ou álcool a produção rural é a mesma.
Então no setor industrial foi feito uma espécie de pacto de cavalheiros da seguinte
forma: As usinas de açúcar que existiam, mesmo que elas viessem a produzir
mais álcool, ela continuaria sendo representada pela Federação da Alimentação. As
destilarias autônomas instaladas para fazer álcool combustível e que depois viesse a
anexar uma usina de açúcar, ela continuaria pertencer aos químicos. Este foi o
pacto. Porém , é lógico que hoje, pela legislação, se uma industria, tanto uma usina
ou uma destilaria que hoje está fazendo álcool ou açúcar, se em determinada safra
ela produz mais açúcar, o sindicato tem autonomia para na justiça brigar por essa
representação pela alimentação e vice-versa, ou seja, se uma usina tradicional de
açúcar vier a produzir mais álcool, o sindicato dos químicos pode também reivindicar
judicialmente esta representação. Isso ocorre na indústria, mas no setor rural não
tem esse problema. O problema que teve recentemente no setor rural foi pela
representação dos assalariados. Então no Estado de São Paulo tem a FETAESP e
tem a FERAESP. A FETAESP integra pequenos e médios trabalhadores rurais que,
dependendo do tamanho de sua propriedade e de sua produção podem empregar
mão-de- obra assalariada, então eles são ao mesmo tempo trabalhadores e
empregadores rurais. Ele pode ser até um grande produtor. Daí porque a FERAESP
reivindicou e ganhou a representação dos assalariados rurais no Estado de São
Paulo, mas a FETAESP permanece também brigando pela representação dos
assalariados rurais. Esse processo é longo e acho que até hoje ainda não se
encerrou. E hoje ainda uma terceira demanda no campo que é a agricultura
familiar e se escriando uma federação para representar esses trabalhadores,
mas ainda não esta legalizada, mas estão atuando de fato. Por exemplo, na área
do biodísel, as plantações da matéria prima que é a mamona, a soja, está sendo
priorizada pela agricultura familiar, não assalariada, porque é feita de um modo
diferente inclusive com projetos legais. Se o marco regulatório para o álcool tivesse
sido da mesma forma que está sendo feito para o biodísel, não se teria tanta
injustiça, tanto abuso e desperdício que agente teve, e depois eu explico essas
diferenças.
98
1) PERGUNTA: Quais as categorias dos trabalhadores da agroindústria
canavieira paulista que integram a Federação dos Químicos?
1) RESPOSTA DANILO: Bom, aqui são os trabalhadores do álcool que é
considerado combustível. Mais esclarecedor seria dizer quais as funções
representadas na indústria que são da destilaria do álcool?
Então, quando você chega na usina e descarrega na mesa alimentadora a
partir dessa mesa de alimentadora aa produção final do álcool e do açúcar, esse
processo todo é desempenhado por empregados como o operador da mesa de
alimentação, o operador da ponte volante, o operador de moenda, operador de
caldeira, operadores de difusores, vaporizadores... enfim, da destilação, da
fermentação. Inclusive o pessoal que trabalha na parte administrativa, dando suporte
à indústria, todos esses pertencem a indústria química, ao sindicato dos químicos.
Nós não representamos as categorias diferenciadas e as funções regulamentadas,
tipo os motoristas que não trabalham na área rural mas trabalham de suporte
administrativo; esses são profissionais diferenciados e nós não representados.
Também não representamos os médicos, os engenheiros e demais são profissionais
liberais. Também não representamos os terceirizados, que têm sindicatos próprios,
que são aquelas de atividade de suporte; como quem fornece refeição coletiva, os
vigilantes, a limpeza. Mas no geral, também podem ser representados pelo sindicato
dos químicos, de acordo com a atividade preponderante da empresa.
2) PERGUNTA. A partir da década de 90 iniciou-se um novo padrão de
intervenção estatal na agroindústria canavieira paulista, sendo paradigma dessa
transformação o desmonte do IAA Instituto do Açúcar e do Álcool. Quais os s
reflexos desta alteração de paradigma para a categoria dos trabalhadores na
agroindústria filiados aos sindicatos dos químicos?
2) RESPOSTA DANILO: Na verdade, esse era um pedido constante das
empresas, pois queriam o mercado livre, economias livres, livre comércio, e então
não queriam ter a tutela do Estado sempre regulamentando o setor, indicando o
volume da produção, dando o preço do produto etc. Mas quando isso ocorreu, para
os trabalhadores, nós tivemos prejuízo, porque enquanto você tinha o preço
99
regulamentado, o valor da tonelada de cana-de-açúcar, você tinha menos
competitividade, então você não tinha uma discussão muito diferenciada com
relação ao pagamento da mão-de-obra, por outro lado quando você tinha a
regulamentação do próprio governo; do açúcar e do álcool; você tinha o Programa
de Assistência Social, que era o seguinte. Com o açúcar funcionava assim, a cada
saco de açúcar faturado 1% a empresa tinha que aplicar em assistência social aos
seus trabalhadores e no álcool a cada litro 2% da venda de um litro você tinha que
aplicar em assistência social. Então isso representava um valor significativo em que
praticamente 80% dessa verba ia para a saúde. Por isso, várias complexos
agroindustriais têm grandes hospitais, para suprir a deficiência do próprio Estado na
questão da saúde. Hoje nós temos grande dificuldade com relação a isso e também
com o auxilio a educação, porque também era destinado uma verba para a
educação, lazer, clubes, que hoje não se tem mais essas verbas. Claro que nessa
época era complicado, pois a gestão dessa verba nunca foi transparente e os
trabalhadores não tinham o controle dessa verba, mas apenas os empregadores.
Infelizmente quando começou a ser discutida a participação dos trabalhadores na
gestão dessa verba ocorreu a desregulamentação. Por exemplo, tinha caso de os
usineiros comprarem avião, grandes mansões, como se fosse para os
trabalhadores, mas era para uso próprio. No Estado de São Paulo, o governo do
Estado instalou uma comissão tripartite e começamos a avaliar melhor a gestão
desta verba. Para controlar a utilização desta verba pelas empresas. Na verdade,
elas tinham de fazer um programa de aplicação desta verba de assistência social,
levar para o IAA para aprovação, mas depois de aprovado, eles não
acompanhavam, então nós começamos a fiscalizar o cumprimento desse programa.
Você tinha critérios para a utilização desta verba, pois a empresa não poderia usá-la
para comprar equipamentos que era obrigação da usina na atividade-fim. Por
exemplo, equipamentos obrigatórios de segurança e medicina do trabalho a
empresa não poderia comprar com a verba do PAS, mas elas compravam. Então as
empresas usavam para comprar, por exemplo, veículo de uso rotineiro da empresa.
Outras situações também irregulares, como cursos de aperfeiçoamento para
engenheiros, além de várias outras situações que esta Comissão começou a
fiscalizar. Então, com o desmonte do IAA, se por um outro lado aumentou a
competitividade, por outro nós tivemos prejuízos porque a partir da
desregulamentação as empresas estavam desobrigadas de aplicar esse dinheiro. E
100
na verdade, quem pagava isso era o consumidor. O governo não dava dinheiro para
isso, porque quando o governo fazia a planilha do álcool, ele embutia os 2% no
preço final do álcool, por isso que quem pagava era o consumidor. Então o prejuízo
não foi para os trabalhadores, mas para toda a comunidade. Hoje todo o serviço
que era prestado em razão da aplicação desta verba do PAS, criando uma estrutura
dentro da própria usina, inclusive para os trabalhadores migrantes, hoje não tem
mais. Então toda essa demanda vai para o SUS.
Nós temos em nossa pauta a reivindicação para que esse PAS retorne, mas
achamos que a pressão política é o caminho e não juridicamente. Achamos que a
pressão política para fazer um levantamento do passivo que possa existir, uma
auditoria na conta das empresas quanto à utilização da verba do PAS, é que vai nos
proporcionar obrigar as empresas a voltarem a ter algum programa nesse sentido e
não juridicamente, pelo cumprimento da legislação que criou o PAS. Infelizmente os
trabalhadores do setor estão dividido em sindicatos e não estão fazendo isso
conjuntamente.
3) PERGUNTA: O PAC Plano de Aceleração do Crescimento 2007-2010 do
Governo Federal prevê investimentos públicos e privados para a construção de 77
novas usinas até 2010 somente em São Paulo. Este planejamento governamental,
aliada às políticas alinhadas com o setor automobilístico para a produção de
motores a álcool como uma revitalização do PROÁLCOOL a partir da cana-de-
açúcar, pode trazer benefícios para a categoria de seus trabalhadores? Especificar.
3) RESPOSTA DANILO: Nós temos um problema estrutural que é a questão do
emprego, o setor sucroalcooleiro sempre teve um apelo muito forte com a questão
na geração de empregos, pois você gera muito emprego, no interior dos estados,
aonde dificilmente vai indústria. Você consegue gerar bastante emprego com mão-
de-obra até sem muita qualificação e barata. Então nesse ponto de vista do apelo
social do PROÁCOOL foi muito importante, como também no apelo ambiental e na
estratégia de diminuir a dependência que o Brasil tinha na exportação do petróleo.
Agora, no contexto atual em que estamos discutindo essa nova demanda e esse
novo momento do PROÁLCOOL, nós partimos do pressuposto que o petróleo é
finito, mas nós achamos que a expansão e a capacidade do PRÓALCOOL também
101
tem que ter limite. É preciso delimitar o território, delimitar zoneamento, aonde você
tem que plantar, é preciso ter uma política agrícola para poder delimitar e saber
quais os incentivos, para quem e aonde você vai plantar. Isso é um dos problemas
que temos hoje, pois não temos uma política agrícola nesse sentido.
Além disso, hoje no setor rural, mas não só no setor rural a competitividade tem
trazido uma estafa de trabalho, um acúmulo de atividades estafantes e isso tem
refletido no aumento do número de acidentes, tanto no setor rural como na indústria.
A competitividade aliada a ausência de uma política de organização a nível
nacional do setor acaba gerando uma competição desleal entre os Estados, porque,
por exemplo, no Estado de São Paulo, no setor químico, o piso, que é o menor
salário da categoria está em R$650,00 (seiscentos e cinqüenta reais), você
atravessa o Estado e chega em Minas Gerais, o piso é R$400,00 (quatrocentos
reais), no Paraná é R$400,00 (quatrocentos reais). Aí você tem o ICMS, aqui é
12%, no Paraná é 7%. Esse quadro de desequilíbrio também é prejudicial para os
trabalhadores. Agente sabe que os Estados Unidos, por exemplo, não estão
comprando o álcool que nós produzimos, eles estão comprando a tecnologia que
nós produzimos. Então é importante para o país como estratégia e também por ser
uma energia limpa, mas também você tem que delimitar o espaço aonde irá plantar
cana. Nós temos casos em várias regiões que o pessoal está saindo de culturas
tradicionais e arrendando a terra, pois é muito mais fácil arrendar. Você tem hoje o
trabalhador trabalhando por produtividade, você seleciona o trabalhador em virtude
da capacidade de produzir ou não. Na indústria esse todo é muito mais
sofisticado, pois as indústrias estabelecem metas globais, desde o trabalho no
campo ao trabalhador da limpeza, se não tiver eficiência 1 todos vão ter prejuízo em
razão da participação nos resultados das metas que as empresas estabelecem.
Geralmente essas metas constam do acordo coletivo. Nós temos um sistema aqui
em que é descentralizada a negociação, ou seja, por sindicato, cada um negocia
separadamente. Nós da Federação, fazemos um seminário anual e organizamos
uma pauta conjunta com todos os sindicatos, mas a Federação não participa
diretamente das negociações. Nós damos todo o suporte sindical, jurídico,
econômico para os sindicatos negociarem individualmente na sua base. Todos têm
uma pauta única de negociação, por exemplo, aqui são 11 sindicatos. Esses 11, por
102
exemplo, na base dele pode ter 12 destilarias, ele pode fechar o acordo com as 12,
ou ele pode fechar individual, com seis ou com três, mas ele vai tentar, vai depender
do poder dele de mobilização. Se ele for forte e tiver grande poder de mobilização
ele consegue fechar com todas num patamar alto, senão ele vai fechando de acordo
com sua capacidade. no setor de alimentação é diferente, eles m uma pauta
única e negociam um acordo só para todo o Estado de São Paulo.
Pergunta: Mas os sindicatos conversam entre si, pois, embora os trabalhadores
sejam segmentados na indústria em vários sindicatos, a meta é única para todos
eles, então há uma conversa entre os sindicatos dos trabalhadores?
Danilo: O que acontece é que a meta é estipulada por empresa, então se
estabelece na convenção, no acordo coletivo, a empresa estipula alguns critérios,
como falta, mas na verdade a discussão é específica, pois cada uma tem uma
característica. Tem empresa que não discute, ela diz simplesmente, no acordo
coletivo, por exemplo, vou te dar R$800,00 (oitocentos reais) de Participação nos
Lucros e nos Resultados-PLR e para todo mundo. Tem empresa que chega a
pagar 5 (cinco) salários ao ano para o trabalhador a esse título, mas tem empresa
que não, que diz, eu quero meta. Tem empresa que paga um salário só, isso é muito
variado, depende de cada empresa. Isso porque a nível de reajuste de reposição e
perdas salariais, eles devem muito para esses trabalhadores, pois hoje, com a
inflação baixa e estabilizada, então as destilarias dizem, bom, a inflação está em
4%, então eu vou te dar 2% de reajuste. Então a nossa possibilidade estratégica
para negociar está na produtividade, nas metas. Então é a produtividade que s
estamos trabalhando muito com os trabalhadores, por causa da competitividade
entre as empresas. Daí elas envolvem todos os trabalhadores e vinculando o
trabalho de um com outro e às vezes fazendo de cada trabalhador um fiscal do seu
próprio colega, porque se um tiver uma falha numa secção, todos vão ser afetados.
Então são metas complicadíssimas de você alcançar. Mesmo que as metas sejam
únicas, as bancadas de cada sindicato, da alimentação, dos químicos dos
transportadores, cada uma senta separadamente com a empresa para negociar, não
sentam juntos. A empresa vem com o plano geral e cada sindicato vai negociar
separadamente e aí o que acontece, ele vai ter que confiar na informação da
empresa. Ela chega com a planilha da produtividade rural, que a qualidade não foi
103
boa, que a cana não produziu. Agora você está na indústria, como você vai saber
ou conferir estas informações? Então você vai ter que confiar naquele relatório. Já o
trabalhador rural, por sua vez, vai ter que confiar se a produtividade daquela cana
realmente foi destilada bem ou se não foi falha do destilador ou do fermentador, de
acordo com os processos mais complicados da industrialização.
Então é um processo em que infelizmente a separação da organização desses
trabalhadores realmente atrapalha, mas isso é em função da própria legislação.
Agora em alguns Estados, por exemplo, você tem sindicato único, Alagoas,
Pernambuco, Paraná, porque nestes lugares não houve nenhum questionamento de
outras entidades sindicais.
Nós dos sindicatos dos químicos conseguimos até mudar a nossa data base de
dezembro para Maio para unificar com a data base dos demais trabalhadores, para
que, mesmo que não se faça uma negociação conjunta, pelo menos, nós podemos
fazer uma mobilização conjunta. Isso ajudou um pouco, mas eu não tenho dúvida
que o caminho da negociação é esse, ou seja, a unificação dos trabalhadores.
Agora, é uma questão cultural, ninguém quer abrir mão de ser presidente da
vaidade.
4) PERGUNTA: Quais as perspectivas do movimento da categoria diante deste
quadro?
4) RESPOSTA DANILO: Quando você fala em geração de emprego, esse
ganho social que o setor tinha, hoje está perdendo, hoje você está mecanizando,
então acredito, conforme os projetos, em 2017-2023 praticamente 70% a 80% da
área mecanizável deve estar toda mecanizada, no corte de cana. Então hoje o
que nós estamos discutindo com o governo é para onde vão esses trabalhadores?
Eles não conseguem ser assimilados novamente pela indústria, então você tem que
treinar, qualificar ou para outras culturas ou para outras funções. E muitas vezes
esses trabalhadores não têm nem mesmo o ensino fundamental, então você vai ter
que educá-lo melhor. Isso na área rural. Na área industrial está pior ainda, já
começou há muito tempo, a tecnologia entrou pra valer, modernizaram,
automatizaram. É fazer um parâmetro: nós tínhamos 12 destilarias em
104
Presidente Prudente em 1984, se trabalhava dois turnos de 12 horas. Então havia
na indústria 3.000 três mil trabalhadores. Hoje nós estamos chegando a 14
indústrias com 4 turnos de trabalho, trabalhando em turno 6 por 2, trabalha seis dias
e folga dois, trabalhando muito menos que 44 horas e hoje não tem nem 2.000 dois
mil trabalhadores . Então a empresa que tinha 300 empregados, está tocando com
120 empregados. A redução foi drástica dentro da indústria e com tendência a cada
vez mais diminuírem os postos de trabalho em razão da competitividade. O
mercado livre à competitividade, não controle do preço, então eles vão reduzir,
infelizmente onde é possível reduzir de forma mais fácil que é na mão-de-obra.
Então a nossa perspectiva é que a organização dos trabalhadores pode se fortalecer
pensando numa entidade que represente a cadeia, o setor. Esta é uma da
estratégias. A outra é que você deve estar muito mais preparado porque a
modernização deste setor vai exigir do dirigente sindical e dos trabalhadores muito
mais qualificação e preparação, ou seja, devemos fazer o nosso dever de casa. O
segundo ponto é cobrar do governo melhores condições, nós não temos política
agrícola para esse setor. Por exemplo, numa zona que tem cana, mesmo
assim o incentivo do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico que empresta
dinheiro para a empresa expandir e a empresa demite. Demite porque ela investe e
alta tecnologia que substitui a mão-de-obra. Está é uma discussão que nós estamos
tendo no Fórum de Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, dentro do
grupo de trabalho de energia, nós estamos cobrando do governo maior critério e
fiscalização para concessão destes empréstimos, pois, o banco é social, então tem
que ouvir o trabalhador, antes de estar concedendo empréstimo, ter critério também
quanto ao local, pois caso contrário pode invadir as áreas de preservação
amazônica, sob pena de, na ausência destes critérios e políticas específicas de
controle, gerar algum impacto negativo na produção de alimentos.
5) PERGUNTA: Desde 1988 a agroindústria canavieira passou de uma crise de
superprodução em razão do descrédito tanto do álcool como alternativa energética,
como do açúcar em razão das oscilações de preço no mercando nacional e
internacional, até os dias atuais em que o álcool passa a ser “ouro brancodo setor
energético, despertando cada vez mais o interesse nacional e internacional ante
suas possibilidades econômicas. Assim, eu pergunto:
105
5. a) PERGUNTA: Neste contexto, considerando as transformações
econômicas do setor desde 1988 até os dias atuais, quais as principais conquistas
dos trabalhadores na melhoria de suas condições de vida e de trabalho?
5. a) RESPOSTA DANILO: Na verdade, acho que para o trabalhador, ele
perdeu o Programa de Assistência Social, dele se exige muito mais qualificação para
poder manter o emprego. Acho que a grande conquista, mais que ainda tem que ser
trabalhada é discutir a produtividade. Ou seja, acho que tem avançado aonde tem
os trabalhadores mais preparados, a comissão do trabalho, tem avançado. Esse é o
aspecto principal. A questão é tratar o setor não mais como era uma empresa
familiar, de fazendeiro, hoje eles se profissionalizaram, nós temos hoje grandes
grupos estrangeiros setor e nós temos que nos preparar. Hoje nós temos que
trabalhar forte na qualificação desse trabalhadores.”
5. b)PERGUNTA: Qual o relacionamento da categoria dos químicos da
agroindústria canavieira com os trabalhadores assalariados rurais e com as demais
categorias envolvidas no setor?
5. b) RESPOSTA DANILO: Do ponto de vista das idéias, acho que temos mais
ou menos as mesmas, pensamos mais ou menos da mesma forma. Infelizmente
ainda uma cultura tradicional no setor sindical brasileiro que é legalista, ou seja,
que é respeitar a estrutura que está aí, por mais que as pessoas estejam
convencidas de que esta estrutura que tem mudar para possibilitar uma
representação mais forte a nível de cadeia produtiva. No entanto, muitos atores do
setor sindical, dirigentes sindicais, não querem discutir. Foi aberto pelo governo Lula
o Fórum Nacional do Trabalho aonde se discutiu a estrutura sindical e o acordo não
houve em função da divergência entre os dirigentes sindicais.
Então acho que é um setor do país que está se desenvolvendo e isto
proporciona uma condição até melhor para a mobilização do trabalhador, pois nós
tivemos durante toda a cada de noventa uma insegurança com a questão do
emprego, então o crescimento do país em cinco ou seis por cento do PIB, favorece
as condições de luta aos trabalhadores inclusive para brigar por uma estrutura
sindical muito mais forte, para concentrar seus esforços na luta por uma melhor
106
distribuição de renda. Acho que mesmo a melhor distribuição de renda é que
pode melhorar as condições de vida dos trabalhadores, especialmente a educação.
Isso porque muitos trabalhadores não tem sequer o nível fundamental. Esse é o
horizonte de luta que se desponta para o movimento sindical, segundo meu
entendimento.
5. c) PERGUNTA: A proposta de reforma sindical tal como elaborada após as
discussões do Fórum Nacional do Trabalho representa uma possibilidade de maior
mobilização da categoria? Em quais aspectos?
5. c) RESPOSTA DANILO: A estrutura atual é muito criticada, até mesmo
politicamente, porque tem dirigente sindical e políticos que tem uma visão de
organização sindical diferente dessa nossa, mas a atual estrutura, independente de
estar fragilizada em certos pontos, ela tem mantido o movimento sindical nas
discussões de assuntos nacionais. Veja por exemplo, comparativamente com o
sindicalismo mundial, mesmo com essa estrutura sindical, os sindicatos do Brasil
ainda, politicamente, têm uma representação muito forte e são muito influentes.
Agora, com certeza tem que melhorar porque as relações mudaram, temos novas
tecnologias, diferentes postos de trabalho, novas formas de contratação estão
surgindo, de forma que é necessário aperfeiçoar também a forma de representação
sindical. Penso que o maior erro da possível discussão sobre a estrutura sindical, foi
querer mudar tudo de uma vez e acabar com tudo o que tinha, quando se falava em
rasgar a CLT e isso torna muito difícil a aceitação de qualquer mudança. Ninguém
fez, mesmo depois do governo FHC e o governo Lula, ninguém fez uma reforma
contundente, as reformas são pontuais. Tentou se fazer na Previdência, não se
conseguiu, também na reforma tributária não se fez, e não estão fazendo na reforma
política. Então não vai o movimento sindical, que tem um poder político muito
grande, que se vai fazer uma transformação total da estrutura, rasgando-se a CLT e
mudando tudo de uma vez. Acho que tem que ser um processo de transição que
depende também do desenvolvimento do país para a geração de empregos. Eu
vejo que, por exemplo, agora nós estamos discutindo no Congresso o
reconhecimento da Central Sindical e nesse ponto, já tem um acúmulo muito bom de
discussão no Fórum Nacional do Trabalho, que poderia ser aplicado. Mas de forma
geral, não poderia ser aplicado, pois, quiseram discutir tudo de uma vez, a reforma
107
do judiciário, o poder normativo da Justiça do Trabalho, organização no local de
trabalho e isso trouxe à tona, por parte dos empresários, a intenção de discutir
também a reforma trabalhista e isso gerou muita divergência e impossibilitou o
acordo. Por outro lado, uma parte do sindicalismo prega a pluralidade sindical, outra
parte prega a unicidade sindical, então não foi mesmo possível o acordo. Eu acho
que o amadurecimento do movimento e com o desenvolvimento do país, será
possível buscar as alternativas de mudança comum, que não gere tanta divergência.
Mesmo hoje que houve um acordo entre as centrais e o governo, ainda
divergência em relação ao imposto sindical, uns acham que tem que acabar com o
imposto sindical, sendo que a proposta do Fórum falava do rmino da contribuição
gradativa e que pudesse ser cobrado, dentro do critério da razoabilidade, uma
contribuição vinculada a uma negociação coletiva, e essa proposta é boa. Mas é
necessário ainda amadurecer, pois não se pode, por um questão pequena,
inviabilizar todo um projeto que teve um respeito muito grande na sociedade. A
proposta do Fórum previa a representação por categoria econômica e por ramo de
atividade econômica, que prevalecia a preponderância. O que é isto. tem hoje,
mas não é aplicado, pois se divide muito mais. Isso quer dizer que se você trabalha
na atividade econômica de produção de álcool, toda a cadeia vai pertencer ao
sindicato de representação do álcool. Se a atividade principal da empresa é a
alimentação, todos os trabalhadores serão do sindicato de representação da
alimentação, exceto os terceirizados, como os de fornecimento de alimentação e de
limpeza e segurança. Esses podem ser terceirizados, pois daí entraríamos numa
outra discussão que é a terceirização, mas todos os demais trabalhadores, seriam
de um único sindicato. Não seria como é hoje, pois estamos muito mais
pulverizados, hoje temos quase dezenove mil sindicatos, então que unicidade é esta
que não tem unidade? Nós temos uma unicidade que não unidade aos
trabalhadores, por exemplo, numa indústria que seria dos químicos, mas se você for
na indústria, você vai ver que tem uns doze sindicatos na indústria. E acontece que
se a atividade preponderante for do sindicato dos químicos, então vale a convenção
dos químicos que é mais forte, mas você vai ver que tem uns dois ou três sindicatos
que mandam o boleto para receber. Existe metalúrgicas que tem 28 sindicatos
representando seus trabalhadores. Então esse modelo nosso não dá, mas a
mudança tem de ser feita num processo. O ideal seria que o trabalhador pudesse
escolher qual a representação que ele quer, mas hoje infelizmente no nosso país,
108
com a nossa economia e com a cultura dos nossos empresários, o trabalhador não
vai ter consciência para escolher o sindicato que ele quer, mas um dia s vamos
chegar nesse patamar, vai depender do desenvolvimento do país, com o
desenvolvimento da educação, da consciência política, mas infelizmente hoje, isso
não é possível. A tendência hoje é a queda no o número de sindicalizados, apesar
de que em relação a outros países, no Brasil ainda é grande esse número. Se
agente não mudar, não desenvolver, não distribuir renda, a tendência é muito ruim
para o movimento sindical.
5. d)PERGUNTA: Quais as principais reivindicações da categoria que estão
atualmente na pauta de mobilização?
5. d) RESPOSTA DANILO: Nós estamos discutindo muito a discriminação no
ambiente de trabalho, a questão gênero, da igualdade da mulher, da igualdade de
oportunidades e de salários para a mulher, o negro.
A terceirização tem realmente complicado e precarizado o mundo do trabalho.
A falta de segurança também é um dos temas nossos.
Nesse ano nós discutimos na pauta dos químicos a união estável para o
reconhecimentos dos mesmos direitos teria o marido ou a mulher para aqueles que
realmente comprovem a existência da união estável. Nós estamos terminando a
negociação, mas você tem quatro dias para discutir um ano e na verdade quando sai
o índice de reajuste, acaba a negociação, então nós criamos grupos de trabalho, por
exemplo, grupo de jornada de trabalho, grupo de raça e etnia, grupo de união
estável, grupo de terceirização, grupo de fornecimento gratuito do remédio, grupo de
convênios médicos, grupo de auxílio educação, grupo de inclusão do deficiente.
Esses grupos vão discutir o ano inteiro esses assuntos. Assim quando se for sentar
na mesa de negociação, esses assuntos estão consensuados e não mais
debate.
Isso s fizemos no setor farmacêutico. Eles fornecem remédio gratuito aos
empregados. A pauta nossa é longa pois os químicos abrangem 12 ramos de
109
atividade . Esse é um modelo novo que nos estamos utilizando, para discutir todos
esses assuntos, inclusive aqueles da agenda mundial como a questão da redução
da jornada, da terceirização e da igualdade.
110
ANEXO II ENTREVISTA COM ÉLIO NEVES:
FERAESP FEDERAÇÃO DOS EMPREGADOS RURAIS ASSALARIADOS
DO ESTADO DE SÃO PAULO. - Av. Gutemberg, nº 166
Vila Xavier - CEP 14810-180
Araraquara/SP - Fone/Fax: (16) 3322-4861/3322-9677
Algumas informações para a elaboração do questionário foram obtidas no site:
http://www.feraesp.org.br/
ENTREVISTA COM O PRESIDENTE, SENHOR ÉLIO NEVES, realizada aos
29 de novembro de 2007 em São Paulo, por ocasião da Conferência
Internacional-Pesquisa & Ação Sindical, de 27 a 29 de Novembro de 2007:
Perspectivas do mundo do trabalho e os 10 anos do Observatório Social
1) PERGUNTA: Consta do site a reivindicação da categoria por uma agricultura
familiar nos seguintes termos:
“Agricultura Familiar que queremos, diferencia-se totalmente da agricultura
patronal, mesmo quando esta última possui pequeno porte. Ser pequeno ou grande
produtor, não deve ser o diferencial, o que importa são as relações que se
estabelecem entre os seres humanos, e entre estes e a natureza.”
Sob esse ponto de vista, quais as ações da categoria para o alcance desta
reivindicação. Já há alguma experiência positiva nesse sentido?
1) RESPOSTA ÉLIO: “Uma das principais ações, eu diria até uma bandeira
estratégica da FERAESP é a reforma agrária. A FERAESP embora seja uma
organização de assalariados rurais, compreende que a evolução tecnológica, o
processo de concentração do poder econômico, das agências do capital em nível
111
nacional e internacional vai sempre ter como resultado a exclusão dos trabalhadores
assalariados. Então, ou nós seremos sempre trabalhadores em condição precária ou
nós seremos desempregados. Não muito espaço para que dentro da relação de
emprego nós tenhamos uma relação digna. Então a questão da precarização do
trabalho no campo, do trabalho assalariado, está presente nos grandes complexos
agroindustriais, nos complexos mais modernos, nos exportadores e etc, o que
mostra que não é uma questão de bom senso patronal, de ausência de
conhecimento, mas é uma questão política e de mercado profunda e que portanto
não se vai resolver facilmente. Por isso que nós focamos no modelo de ocupação da
terra, pois a terra é um patrimônio do país, portanto deveria ser o primeiro a ser
democratizado. Ou seja, democratizar o acesso à terra para a produção de uma
agricultura que tivesse antes de mais nada o foco nos interesses sociais, para a
subordinação da ocupação desse bem natural, que é patrimônio do país; ao
interesse social. Pensamos que deveria se priorizar o interesse do povo brasileiro,
propugnando pela preservação do meio ambiente; preservação do conhecimento
nacional a partir do desenvolvimento de suas próprias tecnologias, enfim, por um
conjunto de fatores que permeiam o modelo de agricultura familiar, incluindo a
solidariedade, o associativismo em que a produção agrícola estaria fulcrada em
outros fundamentos que não a exploração do homem. No entanto, nós não temos
esse projeto acabado, mas vem sendo construído desde a fundação da própria
FERAESP. Desde a fundação da FERAESP essa discussão vem sendo objeto de
muita polêmica e em todos os congressos a FERAESP debate isso com bastante
profundidade e vem reafirmando ao longo da sua historia que sem a reforma agrária,
sem um outro modelo de ocupação e de relação a terra e os seres humanos não
haverá justiça social no nosso país. Portanto nós como trabalhadores temos a
obrigação de formular propostas e de buscar a implementação, mas o
enfrentamento do poder agrário nesse país não é uma tarefa fácil, nem para poucos
e nem rápida. A FERAESP, na região de Ribeirão Preto, por exemplo, onde ela
nasceu, é a maior precurssora dos assentamentos da região. Então hoje a
FERAESP tem mais de uma dezena de assentamentos, incluindo tanto em Ribeirão
Preto como em Andradina, Bebedouros, Pitangueiras, Jabuticabal, em Araraquara ,
são todos assentamentos que tiveram origem na luta da FERAESP, mas ainda não
conseguimos estruturar nesses assentamentos um modelo de agricultura familiar
que desse conta do projeto. Isto porque uma enorme contradição com as
112
políticas publicas que apostam na prática da agricultura patronal mesmo dentro dos
assentamentos e que inclusive aceita para os assentamentos a parceria com a
grande agroindústria o que é nocivo aos interesses do nosso projeto. Então a
disputa mesmo nos assentamentos conquistados pela FERAESP ela é muito
grande, porque há a disputa, de um lado, com o poder político das diferentes
instâncias do Estado, e de outro lado, com próprio poder econômico porque reforma
agrária tem de ser uma política maciça, isto quer dizer que enquanto nós tivermos
em nosso país alguns núcleos de assentamentos, nós não podemos falar em
reforma agrária. O que é um processo de concentração e somente a inversão
dessa tendência para outro patamar é que se poderia dizer que haveria uma política
pública de reforma agrária para a implementação de um outro modele de agricultura
focada nos interesses sociais mais legítimos . O projeto da FERAESP é para a
produção sustentável de alimentos, que preserve o meio ambiente para fornecer
alimento barato e de boa qualidade para o povo brasileiro. Nosso projeto então é
para essa produção, por meio da agricultura familiar, baseada em pequenas glebas
e no associativismo, onde a produção seria voltada ao mercado interno e em
segundo lugar, se produziria para a exportação.
2) PERGUNTA: A partir da década de 90 iniciou-se um novo padrão de
intervenção estatal na agroindústria canavieira paulista, sendo paradigma dessa
transformação o desmonte do IAA Instituto do Açúcar e do Álcool. Quais os
reflexos desta alteração de paradigma para a categoria dos assalariados rurais?
2) RESPOSTA ÉLIO: Na verdade a extinção do IAA não representou um
desmonte da política publica, o que houve foi uma mudança de foco da política
publica, porque o IAA tinha o foco nos primeiros programas de política nacional do
canavieiro, desde o chamado Estatuto da Lavoura Canavieira, era uma estrutura que
vinha baseada num processo em que o Estado protegia por completo atividade
econômica e fazia isso de maneira escancarada. A partir da década de noventa
a desregulamentação, mas o Estado continua protegendo o setor, e eu exemplifico
com as medidas no Estado de obrigar a porcentagem de mistura do álcool à
gasolina, demonstrando que a lei de oferta e de procura, sem a interferência do
Estado não funciona. Isto porque, se a indústria produz muito álcool o Estado obriga
os consumidores de gasolina a consumir mais álcool, ao elevar a 25% (vinte e cinco
113
por cento) a mistura de álcool na gasolina. Então o consumir compra álcool a preço
de gasolina de forma que o consumidor subsidia o usineiro. Ou seja, o consumidor
está comprando álcool a preço de gasolina. Isto em nome do combustível verde,
mas na verdade o que há é o Estado forçando o consumidor a subsidiar uma
atividade econômica. Outro aspecto da diferenciação da política pública para o setor
a partir do desmonte do IAA é que com a liberação, permitiu-se a formação de
carteis. Num primeiro momento o cartel das distribuidoras forçou a formação dos
carteis dos usineiros. E o Estado, por outro lado, se omite, como por exemplo, em
cobrar as dívidas dos empréstimos contraídas por esses cartéis de usineiros, seja
junto a Banco do Brasil,, como ao BNDES, mas ao contrário, esses dívidas são
sempre renegociadas. A própria previdência não cobra os usineiros, desde o
Proálcool dos anos setenta. Então na verdade, após a década de noventa houve
uma aliança que começou no governo color para para jogar para a sociedade o
subsidío do setor sucroalcooleiro, mas isso de formas sutis, como por exemplo por
meio dos discursos de que o álcool é a alternativa para o petróleo , ou o álcool é a
solução brasileira, o álcoola é a solução ambiental, enfim...Mas esses discursos
acabaram transformando o governo brasileiro no garoto propagando do setor
sucroalcooleiro, sem que este mesmo governo pudesse exigir a contrapartida social
desse mesmo setor. Na verdade isso também ocorre com relação aos outros setores
da agricultura patronal, voltada para a exportação. Mas na verdade, o que produz
alimento também para o setor externo, ainda são as pequenas propriedades, pois as
grandes propriedades voltadas para a produção para exportação. Então o governo
protege a atividade econômica, mas não exige a contrapartida social.
3)PERGUNTA: O PAC Plano de Aceleração do Crescimento 2007-2010 do
Governo Federal prevê investimentos públicos e privados para a construção de 77
novas usinas a2010 somente em São Paulo. Este planejamento governamental,
aliada às políticas alinhadas com o setor automobilístico para a produção de
motores a álcool como uma revitalização do PROÁLCOOL a partir da cana-de-
açúcar, pode trazer benefícios para a categoria dos assalariados rurais? Especificar.
3) RESPOSTA ÉLIO: “Nem para categorias dos assalariados, nem para o povo
brasileiro porque na verdade você tem uma aliança da indústria automobilística, com
as grandes indústrias petroleiras e com as grandes corporações que controlam a
114
produção da agricultura no mundo. Isto porque, primeiro, o atual padrão de consumo
baseado no transporte individual favorece a indústria automobilística, mas é
ambientalmente destruidor. portanto, um paradoxo no discurso, pois se favorece
o transporte individual em detrimento do transporte público que é menos poluente e
agressivo ao meio a ambiente. Tanto isto é verdade que o álcool combustível não é
utilizado no transporte coletivo nem no transporte de carga, nem na indústria, mas
apenas no transporte individual. Então essa aliança com o setor automobilístico é
muito clara, a ponto de refletir na pesquisa científica, pois não se invente em estudos
para aproveitamento do álcool nestes outros setores, exceto para o transporte
individual. Na verdade, o problema ambiental não está no escapamento do carro,
como é o discurso atual, mas o problema ambiental está no padrão de consumo,
que da forma como está vai esgotar o planeta. É preciso mudar o padrão de
consumo. Por outro lado, o álcool é aditivo no automóvel, ou seja, quanto mais
álcool você consome, por conseqüência, mais gasolina também é consumida, o que
demonstra a falsidade do discurso ecológico do álcool como combustível. Então aí
se preserva o interesse da indústria petroleira o que prejudica também a
conscientização por um novo padrão de consumo. Outro grande interesse protejido,
como dito, são das grandes coporações agroindustriais, como por exemplo a Cargil
e a monsanto, pois elas impõe um modelo de produção rural que sirva à classe
média, ou seja, a produção é voltada para aquele que tem condição de comprar
álcool combustível para o seu automóvel, você tem condição de comprar alimento
transgênico, alimento com grande massa de agrotóxico, e então para a grande
massa da populção e dos trabalhadores o que sobram são políticas de
compensação. Então esse investimento do PAC no etanol e mesmo no biodísel,
esses investimentos na verdade, na nossa avaliação, não tem nenhuma garantia de
que daqui a quinze anos ou vinte anos, o país vai estar feliz com esses investimento.
Nós correremos risco, inclusive de que pesquisas científicas em outros países,
descubram outras fontes de combustível, outros sistemas de transporte, deixe tudo
isso aqui complemente obsoleto. Na verdade na nossa avaliação isso não é projeto
estratégico, isso aqui é coisa oportunista.”
4) PERGUNTA: Qual a perspectiva do movimento da categoria diante deste
quadro e sobretudo em relação luta por uma agricultura familiar?
115
4) RESPOSTA ÉLIO: Olha a primeira coisa é que nós precisamos entender é
que a FERAESP é nova, ela foi fundada em 1989 e sofreu resistência por parte do
estado brasileiro e a FERAESP tem vida livre muito curta, nos estados 6 anos
praticamente. Ainda sofremos uma serie de problemas mais vamos considerar que
estamos rumo a tendência de superação de 6 anos pra cá,nós estamos tratando de
uma organização livre com 6 anos. A outra questão é que quando a FERAESP foi
criada em 1989 ela foi criada fruto de toda avaliação de que o movimento sindical
tinha de que aquele modelo sindical não dava conta, não respondia para os
trabalhadores a questão da automação, a questão da mecanização a questão dos
grandes complexos agroindustriais. Então embora a FERAESP seja nova mais ela
tem um acumulo de formulação que permite a ela propor para os trabalhadores uma
perspectiva do futuro, neste sentido o projeto de organização dos trabalhadores da
cadeia agroalimentar está em curso. A FERAESP tem proposto pra CUT e a CUT
tem aprovado isso, inclusive, como resolução do Congresso; Então a organização
dos trabalhadores da cadeia agroalimentar e financeiro, a FERAESP tem
participação com a CONTAG que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Indústria de Alimentação, filiada à CUT, tem alianças internacionais, é filiada à União
Internacional dos Trabalhadores da Alimentação, a UITA. Desse modo, eu diria que
a FERAESP está fincada nos assalariados rurais mais a visão histórica dela desde
sua concepção na segunda metade da década de oitenta é de organização do
conjunto dos trabalhadores do complexo agroindustrial, esse é o ponto. Então é o
que nós chamamos na área da relação do trabalho, da relação do emprego, da
organização da terra ao prato. E na questão do modelo agrícola, da reforma agrária;
também a organização da terra ao prato significa aquela organização seja capaz de
levar um projeto de reforma agrária que interesse ao produtor e ao consumidor, por
isso o slogan da FERAESP é da terra ao prato, seja em relação organização do
mundo assalariado , seja a organização do mundo produtivo e do consumo. Desse
modo, esse é o projeto, essa é a proposta e nós entendemos que esse modelo por
mais que ele avance, por mais que ele tenha as suas expansões ele não vai
conseguir das respostas sociais importantes, nós não acreditamos que o país terá
justiça social, que o país portanto vai ter sustentabilidade se nós continuarmos
excluindo gente do trabalho, se nós continuarmos crescendo as nossas favelas,
116
continuarmos com esse grau de analfabetismo, de baixa escolaridade, com esse
número reduzido e universidades, e é por isso que eu disse que o modelo bate
direto com a categoria dos trabalhadores rurais, como trabalhadores de uma
produção primaria somos, eu diria, os primeiros a serem atingidos. Porém o que
acontece no campo repercute na universidade, nas favelas, nas policias, porque se
nós fossemos um país que no século passado tivéssemos reconhecido a
necessidade da reforma agrária, se tivéssemos reconhecido a nossa vocação
agrícola, tivéssemos feito a reforma agrária, tivéssemos optado por pequenas
indústrias, pela descentralização das nossas relações de produção e de consumo,
tivéssemos adotado um outro nível de desenvolvimento, que não esse modelo
adotado que abandonou as ferrovias, que preferiu a estrada, que abandonou o
transporte coletivo e preferiu o transporte individual, quer dizer, que essa escolha
feita pelo Brasil, nós não acreditamos que seja uma escolha que tenha
sustentabilidade de longo prazo. Nesse contexto, o que a FERAESP trabalha é
fundamentalmente com duas questões importantes nessa direção: Uma, atender o
imediato, fazer as suas lutas, as suas reivindicação, as suas greves e negociações
para resolver o imediato, mas, obviamente, ter um olho para o futuro, construindo o
amanhã. Nesse sentido, nós não acreditamos nesse modelo. Estamos tranqüilos de
que o projeto de mecanização, por exemplo, a aliança dos usineiros com o governo
Serra de que vai mecanizar tudo, vai desempregar, isso não aniquila a FERAESP ,
muito pelo contrario ela vai se fortalecer. O fortalecimento da nossa organização
não depende das alianças que os patrões possam estabelecer, depende da nossa
capacidade de debate, de organização, de diálogo com os nossos companheiros
que de uma maneira ou de outra esta sendo atingida por todos esses processos. Se
mecanizar vai ficar ruim, se não mecanizar vai ficar ruim também, então pra nós não
importa muito qual é o rumo que o setor patronal vai seguir, seja o que ele seguir
vai ser ruim para nós, então o importante é que nós temos que estar preparados
para ir enfrentando cada vez mais ambientes mais difíceis para atingir a dignidade.
Esse é o cenário que agente luta não é um cenário tranqüilo que acha que vai estar
tudo bem, muito pelo contrario, quanto maiores forem os investimentos públicos,
quanto maior for a expansão desse modelo, seja no setor sucroalcooleiro, seja na
laranja, seja na madeira, este modelo, quanto maior a sua expansão maiores serão
os problemas sociais gerados por ele. Na verdade ser assalariado nesse momento
significar estar condenado a ficar invalido com 40 anos de idade, condenado não
117
receber a sua aposentadoria, está condenado a não ter dignidade, a não ter como
criar seus filhos com justiça.”
5) PERGUNTA: Desde 1988 a agroindústria canavieira passou de uma crise
de superprodução em razão do descrédito tanto do álcool como alternativa
energética, como do açúcar em razão das oscilações de preço no mercando
nacional e internacional, até os dias atuais em que o álcool passa a ser “ouro
branco” do setor energético, despertando cada vez mais o interesse nacional e
internacional ante suas possibilidades econômicas. Neste contexto, considerando as
transformações econômicas do setor desde 1988 a os dias atuais, quais as
principais conquistas para os trabalhadores rurais na melhoria de suas condições de
vida.
5) RESPOSTA ÉLIO: Nós tivemos um retrocesso na primeira metade da
década de oitenta e nesse período nós estávamos na Federação dos Trabalhadores
na Agricultura do Estado de São Paulo FETAESP, mas ali havia o nascimento
da luta dos assalariados que era diferente da luta dos pequenos agricultores. A
greve de Guariba, as greves de Sertãozinho, tudo o que aconteceu com os
assalariados rurais se você pegar as lideranças da FERAESP de hoje eram as
lideranças que estavam lá. Os fundadores da FERAESP eram aqueles que estavam
na FETAESP, enfim, a FERAESP embora formalmente tenha sido fundada em 1989,
ela tinha uma historia muito antes disso. E quando a FERAESP foi pensada para
89 era certamente já para dar uma resposta a todo esse processo, porque a partir de
1987 nós começamos a acumular perdas e ai essas perdas somaram todo período
final da década de 80, teve perdas para assalariados rurais, na década de 90 teve
perdas e agora em 2000 com a legalização da FERAESP nos podemos enumerar
algumas coisas que começam a recuperar; por exemplo a FERAESP retomou a luta
pela formalização do contrato de trabalho. A luta de combate ao gato, à
terceirização, isso foi recolocado na pauta, tanto na pauta patronal como na pauta
do poder público, tudo isso após a legalização da FERAESP. Ela voltou à tona com
a questão de que não para permitir o gato e as varias formas de gato,
infelizmente os setores do ministério do trabalho compreenderam essa demanda, o
ministério publico também compreendeu, e chega ao ponto de a própria UNICA , por
exemplo o sindicato dos usineiros firmar com a FERAESP o compromisso de
118
combater a terceirização. Nesse ponto eu não conheço outro setor da agricultura e
da agroindústria no Brasil que tenha firmado um compromisso com os trabalhadores
de combater a terceirização. Normalmente tem sido ao contrario, então a questão
de precarização do trabalho a partir de se evitar a terceirização é uma conquista
importante da FERAESP. Outra questão se refere ao transporte dos trabalhadores,
ainda tem precarização, mas alterar o transporte para ônibus também é uma
conquista histórica dos assalariados rurais de São Paulo que fez esse debate
político, que fez esse debate judiciário grandes campanhas, grandes lutas e venceu.
Outra conquista se refere à própria formalização no setor sucroalcooleiro e
especialmente neste setor, se você analisar a situação antes das greves, da Greve
de Guariba, dos movimentos dos assalariados rurais, hoje o grau de formalização,
de registro em CTPS é muito maior, ou seja, também reflete uma conquista da
categoria. Hoje a FERAESP está trabalhando firmemente com alguns conceitos, por
exemplo, os conceitos de negociação permanente, nós temos com a UNICA com
processo permanente de negociação, nós não fazemos mais negociações na
data-base. Hoje se faz as negociações salariais, etc, mas também se mantém um
fórum de negociação permanente. uma bancada representativa do lado patronal
e uma bancada representativa dos trabalhadores que discutem os grandes temas
que envolvem as relações de trabalho neste setor. Atualmente estamos discutindo
coisas como o controle do sistema de produção, a questão da transparência no
sistema de produção. A FERAESP tem propostas na discussão da quadra fechada
que vem sendo levada pelo sindicato de Cosmópolis fundador da FERAESP. A
FERAESP recentemente colocou na pauta o pagamento diferenciado da cana caída
e a da cana rolo, conseguiu adicional sobre cana caída e cana rolo coisa que antes
não acontecia, uma coisa que entra na pauta agora com acordo com algumas
empresas dando 10% a mais de adicional de acréscimo na cana caída, e 25% na
cana rolo, antes os trabalhadores cortavam isso embora tenha esse grau de
dificuldade isso não era remunerado, a discussão de jornada de trabalho, em
algumas empresas nos estamos conseguindo por acordo a fixação de organização
no local de trabalho, formação de comissão de trabalhadores. Então há um processo
muito intenso de negociação de avanços, obviamente resistências ainda por boa
parte do empresariado, incompreensão do movimento dos sindicatos, despreparo
dos sindicalistas para enfrentar essas novas realidades, mais algumas coisas foram
quebradas, como por exemplo essa a questão de que o movimento sindical tem
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que negociar na data-base. A FERAESP não negocia mais na data-base, ela
negocia o ano inteiro. Então o ano inteiro tem pauta, tem instância para negociar.
Enfim, a FERAESP tem obtido várias conquistas em suas lutas e de 2000 pra
quando a FERAESP entra em cena com liberdade, você tem um marco da
recuperação dos direitos dos trabalhadores, embora tenha ainda muito o que se
fazer. Outro exemplo disso é a reconquista do descanso semanal aos domingos, os
usineiros tinham colocado um tal sistema 5/1 e tinham retirado o descanso aos
domingos dos trabalhadores, mas a FERAESP vem retomado isso com parceria com
o ministério publico, ministério do trabalho, luta política, greve e etc, de qualquer
forma vem recuperando esse direito sagrado dos trabalhadores que é o descanso
semanal aos domingos. um conjunto de coisas que vem sendo conquistadas,
embora ainda, eu repito, são ainda insuficientes e muito pouco diante do quadro em
que nós vivemos, mas se compararmos isso com outras culturas, com outros
estados, os trabalhadores do setor canavieiro em São Paulo, especialmente nas
regiões onde a FERAESP atua, estão numa condição de vida muito melhor do que
de outras culturas e de outras regiões do país.
6) PERGUNTA: Qual o relacionamento da categoria dos assalariados rurais
com as demais categorias envolvidas no trabalhado da agroindústria canavieira?
6) RESPOSTA ÉLIO: Com os trabalhadores o relacionamento é perfeito, muito
bom, muitas vezes fazemos paralisações juntos, fazemos pautas juntos, mas com os
sindicalistas é outra historia porque os sindicalistas estão muito mais preocupados
com a contribuição, com a receita do sindicato, com fazer aliança com o governo
para pegar dinheiro do FAT para fazer qualificação profissional nem sempre
unicamente para atender os interesses dos trabalhadores. Quer dizer, infelizmente o
sindicalismo brasileiro está contaminado, isso também acontece no setor rural, não é
um problema das outras categorias, nós precisamos construir um novo
sindicalismo, essa é a grande verdade. O sindicalismo seja rural, seja urbano
especialmente ligado a agroindústria ele está contaminando na sua origem e é por
isso precisa ser reorganizado. Aliás é até por isso que a FERAESP existe, para
buscar um novo patamar de organização, mas o relacionamento institucional com as
demais categorias, eu diria que é bastante difícil e conflituoso.”
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7) PERGUNTA: Qual o atual andamento das antigas reivindicações da
FERAESP pela unificação dos Trabalhadores Rurais e especialmente sobre o
conjunto dos trabalhadores da agroindústria canavieira paulista?
7) RESPOSTA ÉLIO: Nós acreditamos que como o relacionamento com a base
está indo bem, nós acreditamos que esse é um processo que vai se dar
naturalmente, os próprios trabalhadores vão entender que seja do trabalhador do
corte de cana, do faxineiro, do trabalhador do transporte ou da fabrica todos estão
contribuindo com a produção do etanol e com a produção do açúcar e que portanto
não motivos para que nós estejamos organizarmos de maneira separada,
favorecendo as estratégias patronais. O projeto nosso é de unificação, seja com
sindicatos seja sem os sindicatos, quer dizer, politicamente nas lutas, etc , isso
está acontecendo em varias regiões do Estado trabalhando com o conjunto das
categorias.”
8) PERGUNTA: Quais as principais reivindicações da categoria que estão
atualmente na pauta de mobilização?
8) RESPOSTA ÉLIO: Dentro da atual realidade a principal questão é garantia
de emprego digno, de salário justo, o salário é ruim as condições de trabalho são
ruins e nos não concordamos com a idéia que o corte de cana seja por si uma
desgraça. A desgraça é o modelo, você pode cortar cana de uma forma decente,
isto é, recebendo salário fixo, enfim, o problema é que o sistema que os usineiros
impõem e que o governo adota é que é injusto. Não é o fato de cortar cana, pois é
possível cortar cana e descansar mais, ganhar mais, e se estamos usando a cana e
concorrendo com o mundo, ganhando do milho americano, somos a grande saída
para o aditivo etanol pro consumo de combustível, então nos não temos que fazer
isso gerando desemprego, gerando precarização do trabalho. A grande demanda é
que seja mantida os postos de trabalho e que seja mantido com qualidade de
trabalho e que efetivamente os consumidores daqui e do mundo estão pagando por
isso, mas não está havendo a distribuição de renda.
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8. a) PERGUNTA: Neste contexto, como está a situação dos trabalhadores
migrantes? Eles são ainda utilizados em grande escala?
8. a) RESPOSTA ÉLIO: Ainda tem muito trabalhador migrante na cana-de-
açúcar, nós ainda estamos trabalhando com um universo de cerca de 20% a 30% de
trabalhadores migrantes, que representam cerca de 40, 50 mil trabalhadores no
Estados de São Paulo. É uma realidade complicada porque são trabalhadores que
têm raízes das suas regiões de origem, nós respeitamos isso, trabalhamos com
trabalhadores que tem contribuído inclusive com muitas lutas, mas é uma
contradição. Isto porque ao mesmo tempo em que eles contribuem em alguns
momentos com as lutas dos demais trabalhadores, em outros momentos eles as
fragilizam a luta dos trabalhadores que tem raízes locais, que se sindicalizam, que
assumem um compromisso político-social com a luta local para melhorar as
condições aqui. Nós temos defendido, inclusive junto ao Governo Federal, que ele
precisa intesrtir pesadamente nas regiões mais pobres do país para gerar nessas
regiões desenvolvimento com inclusão social para que esses trabalhadores não
precisem migrar mais.”
9) PERGUNTA: A proposta de reforma sindical tal como elaborada após as
discussões do Fórum Nacional do Trabalho representa uma possibilidade de maior
mobilização da categoria? Em quais aspectos?
9) RESPOSTA ÉLIO: Eu pessoalmente acho que essa discussão da reforma
sindical no Brasil está enviesada, segundo eu penso, não estou nem falando
segundo a FERAESP. Por exemplo, na discussão do reconhecimento das Centrais,
ora na verdade, as Centrais já foram reconhecida pela Constituição de 1988 quando
se proibiu a intervenção do Estado na organização sindical. Então essa atual
discussão na verdade é a seguinte: As Centrais precisam uma política para fazer
seu caixa e então ela quer parte da contribuição? Na verdade a discussão é essa e
está enviesada, pois a sociedade não precisa de reconhecimento das centrais, pois
a sociedade conquistou isso na Constituição de 1988. Então se as Centrais,
mesmo antes de 1988 já atuavam, já participavam do debate blico, agora é
conversa mole agente falar que reconhecimento de central faz parte de uma reforma
sindical. Isso é uma conquista que bastava o Lula fundador da CUT lembrar que ele
122
era fundador da CUT. Se as Centrais precisam de parte de contribuição sindical,
então tudo bem, mas isso é outra discussão, se precisam ou não de controle pública
para que elas tenham receita. Eu acho que não, eu acho um equivoco, penso que
as centrais deveriam sobreviver da contribuição espontânea dos trabalhadores , o
mesmo eu acho que os sindicatos deveriam sobreviver da contribuição voluntária
dos trabalhadores. Penso que o Estado tinha que tutelar o direito não o sindicato,
tutelar o direito quer dizer o Estado deveria ter como instrumento o judiciário, o
ministério publico, e outros instrumentos para fiscalizar o capital para que o capital
não seja autoritário, arbitrário, a ponto de perseguir as organizações dos
trabalhadores no local de trabalho, perseguir a organização sindical que enfrenta o
capital, os trabalhadores precisam da proteção do Estado, mas ele não tem
cumprido este papel. De fato o Estado tanto o capital, banqueiro, indústria, as
exportações, mas não protege os seus trabalhadores. Então o Estado tinha que dar
garantias para que o direito da livre organização sindical fosse realmente protegido
por uma estrutura Estatal. um conjunto de medidas que o Estado deveria tomar
para que a organização sindical fosse fortalecida e pudesse cumprir o seu papel na
sociedade. Isso não é tutela do Estado sobre a organização sindical, isso é garantia
de cidadania, é proteção da democracia. Quer dizer, a democracia é opção do
Estado Brasileiro e se é uma opção Estado deve garanti-la. Qualquer reforma
sindical que procure engessar o movimento sindical, qualquer modelo que se adote,
desse ou daquele país não serve para nós, ou seja, não valeu o modelo Italiano, ou
seja, não vale, porque nós somos um pouco de tudo. Então nós temos que ser livre
e ponto. A tarefa de como vai organizar é nossa, agora não pode Ter interferência
patronal, não pode ter subordinação do capital, o capital não pode intervir na
organização sindical a ponto de dizer olha, eu mando dinheiro para aquele sindicato
e não mando para esse, o patrão não pode se meter na organização dos
trabalhadores. O Brasil precisa se engajar num projeto próprio de nação, se
continuar querendo copiar esse ou aquele modelo, principalmente os países do
primeiro mundo, isso não vai dar certo no Brasil. No Brasil deveria Ter um Estado
forte para garantir a liberdade e o direito do povo e para enfrentar a ria do capital
nacional e internacional que cada vez mais controla a nossa gente.
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