Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
NATÁLIA FERREIRA DE ALMEIDA
A COMUNICAÇÃO SOCIAL, COM ÊNFASE NA
RADIODIFUSÃO, ENALTECENDO O FUNDAMENTO
DEMOCRÁTICO DO ESTADO BRASILEIRO
São Paulo
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
NATÁLIA FERREIRA DE ALMEIDA
A COMUNICAÇÃO SOCIAL, COM ÊNFASE NA
RADIODIFUSÃO, ENALTECENDO O FUNDAMENTO
DEMOCRÁTICO DO ESTADO BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Direito
Político e Econômico.
Orientador: Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
o Paulo
2007
ads:
3
NATÁLIA FERREIRA DE ALMEIDA
A COMUNICAÇÃO SOCIAL, COM ÊNFASE NA
RADIODIFUSÃO, ENALTECENDO O FUNDAMENTO
DEMOCRÁTICO DO ESTADO BRASILEIRO
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito Político e Econômico
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Jose Francisco Siqueira Neto
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Sergio Seiji Shimura
Pontifícia Universidade Católica
4
A447c Almeida, Natália Ferreira de
A comunicação social, com ênfase na radiodifusão, enaltecendo o fundamento
democrático do Estado brasileiro / Natália Ferreira de Almeida. São Paulo, 2007.
157 p. ; 30 cm
Referências: p. 146-157
Dissertação de mestrado em Direito Político e Econômico Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2007.
1. Comunicação Social. 2. Radiodifusão. 3. Direito à Comunicação. 4.
Cidadania I. Título
CDD 341.27
5
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Gianpaolo Poggio Smanio, exemplo de dedicação à arte de
ensinar, que me deu segurança e liberdade para realizar esta dissertação.
Aos Professores José Francisco Siqueira Neto e Sérgio Seiji Shimura, pelas
valiosas observações e contribuições.
Aos Professores Patrícia Tuma e Hamilton Octavio de Carvalho, pela atenção e
incentivo.
Ao Dr. Eduardo Altomare Ariente, que gentilmente cedeu um exemplar de sua
obra, enriquecendo a presente pesquisa.
Ao Renato Santiago, pelo auxílio.
Às colegas Paula Cristina Ozório, Ana Carolina Monte e Êmili de Paula Cação,
pelo companheirismo.
À minha família, pela paciência e dedicação.
À Capes, pelo incentivo e apoio financeiro.
6
RESUMO
As sociedades contemporâneas são caracterizadas pela centralidade da mídia no
cotidiano das pessoas. No Brasil, a radiodifusão é uma das principais fontes de
informação e entretenimento da população, representando um importante referencial
em que as pessoas se pautam na tomada diária de decisões. A participação nesses
meios de comunicação, contudo, é historicamente restrita a poucos atores. O
presente trabalho faz uma reflexão acerca do potencial emancipatório da
comunicação social, defendendo a hipótese de que comunicar é um direito humano
difuso que, numa sociedade democrática, deve ser compartilhado de maneira
igualitária.
Palavras chave: Comunicação social. Radiodifusão. Direito à comunicação.
Interesses difusos. Cidadania.
7
ABSTRACT
The contemporary societies are characterized by the centrality of the media in the
daily life of people. In Brazil, broadcasting is a primary source of information and
entertainment of the population, representing an important benchmark in which
people are guided in making daily decisions. Participation in these media, however, is
historically restricted to a few players. This work is a reflection on the emancipatory
potential of the media, supporting the hypothesis that communication is a diffuse
human right that in a democratic society, should be shared so egalitarian.
Keywords: Media. Broadcasting. Right to communicate. Diffuse interests. Citizenship
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10
2. A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL ...................................................................... 13
2.1. CONCEITO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ................................................................................ 18
2.1.1. A Radiodifusão como meio de Comunicação Social ..................................................... 22
2.2. COMUNICAÇÃO SOCIAL ENQUANTO INSTRUMENTO DE PODER ................................ 23
2.3. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO DEFINIDORES DE ESPAÇOS
PÚBLICOS E INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE................................... 26
2.4 BREVE HISTÓRICO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL............................................................. 40
2.5 CARACTERÍSTICAS DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL: CONCENTRAÇÃO,
APROPRIAÇÃO POR GRUPOS FAMILIARES E VÍNCULO COM GRUPOS POLÍTICOS
TRADICIONAIS. ...................................................................................................................................... 52
3. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA RADIODIFUSÃO ....................................... 60
3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMADORES DA ATIVIDADE ................................... 60
3.1.1 Não Restrição ............................................................................................................................... 61
3.1.2 Proibição da Formação de Monopólio e Oligopólios ......................................................... 62
3.1.3 Princípios Referentes à Programação ................................................................................... 64
3.1.4 Complementaridade entre os Sistemas Público, Estatal e Privado. .............................. 68
3.2. EXECUÇÃO INDIRETA DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO: CONCESSÃO, PERMISSÃO
E AUTORIZAÇÃO ................................................................................................................................... 69
3.3 PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NA RADIODIFUSÃO (EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 36, DE 28 DE MAIO DE 2002) ....................................................................... 73
3.4 DIFERENCIAÇÃO JURÍDICA ENTRE TELECOMUNICAÇÕES E RADIODIFUSÃO
(EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 8 DE 15 DE AGOSTO DE 1995) ................................................ 76
3.4.1 A atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em matéria de
radiodifusão ............................................................................................................................................. 80
3.5 A COMPLEXIDADE EM RELAÇÃO AO ENQUADRAMENTO JURÍDICO ............................... 82
3.5.1 A Radiodifusão como Serviço Público .................................................................................. 83
3.5.2 A Comunicação Social e a Radiodifusão sob a perspectiva dos Direitos Humanos:
o Direito à Comunicação. ...................................................................................................................... 85
3.5.3 A Comunicação Social (e a Radiodifusão) como Interesse Difuso ................................ 96
4. PERSPECTIVAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA RADIODIFUSÃO .................................. 104
4.1 SISTEMA PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO ................................................................................. 109
9
4.2 DIREITO DE RESPOSTA ............................................................................................................. 114
4.3 DIREITO DE ANTENA ................................................................................................................... 119
4.4 RÁDIOS COMUNITÁRIAS ............................................................................................................ 122
4.5 O POTENCIAL DEMOCRÁTICO DA TECNOLOGIA DIGITAL ............................................... 131
4.5.1 Televisão Digital ....................................................................................................................... 134
5 CONCLUSÂO ................................................................................................................................. 139
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 146
10
1. INTRODUÇÃO
Em meio à diversidade de maneiras de viver e aos paradoxos do próximo e do
distante, o comunicar cotidiano e pessoal convive com o comunicar impessoal e
massivo, que se desenvolve em diferentes plataformas, cada vez mais integradas e
flexíveis, devido ao desenvolvimento de novas tecnologias e uniformização de
linguagens.
Da reflexão sobre a centralidade dos meios de comunicação no nosso
cotidiano, surge a necessidade de questionar a comunicação como fenômeno
político e fundamental para a dinâmica democrática.
A comunicação de massa, ao reafirmar valores, modos de vida e interpretações
de mundo de maneira sistemática, assume o papel de criar um universo comum
entre número incalculável de pessoas.
Nessa dinâmica, revela-se um imenso poder social, que se de um lado implica
em uma capacidade concentrada de influenciar um número incalculável de pessoas;
pode significar, de outro, imenso potencial de aglutinar de esforços sociais em temas
centrais da vida democrática.
Os meios de comunicação social formam um espaço fundamental para pleitear
direitos e discutir assuntos socialmente relevantes. Todavia, para que assuma sua
competência emancipatória, deve propiciar ao cidadão receber e produzir
programação que reflita as diferentes realidades sociais, culturais e regionais.
Participar de forma ativa nos mecanismos de comunicação social constitui um
interesse de caráter difuso, que não pode ser atribuído com exclusividade a um
indivíduo ou grupo social em detrimento de qualquer outro; corresponde a um direto
de todos e de cada um.
Comunicar é um direito fundamental de cada ser humano, um direito de caráter
complexo, que envolve (embora não se confunda com) a liberdade de expressão e
de informação e que pressupõe o compartilhamento do poder de comunicar.
11
Colocadas essas premissas, torna-se necessária a conclusão de que a
efetivação do direito à comunicação deve ser pautada pela democratização dos
meios de comunicação de massa.
A temática da radiodifusão representa apenas um tópico dentro da fundamental
e mais ampla questão da democratização da comunicação social. Softwares livres,
novos estatutos de direitos autorais e propriedade intelectual, a popularização da
internet, a produção e circulação de mídia impressa, são exemplos da diversidade
dos temas relacionados à comunicação e que igualmente podem contribuir para a
construção de uma sociedade mais igualitária, justa e solidária.
Acreditamos que a radiodifusão merece especial dedicação e foi eleita como
objeto de estudo em razão do papel central que ainda possui mesmo em face da
disseminação da internet, constituindo assim, tema de grande importância para o
aprimoramento da democracia e da cidadania em nosso país.
No primeiro capítulo traçamos algumas linhas sobre o papel da comunicação
social nas sociedades contemporâneas e fizemos uma sucinta abordagem do
conceito de comunicação, a fim de esclarecer o sentido em que o vocábulo é tratado
neste trabalho evitando, assim, o emprego de significações equívocas do referido
termo.
Desenvolvemos a hipótese de que a democratização da comunicação social é
necessária ao desenvolvimento de uma sociedade materialmente democrática, pois
possibilitaria a promoção do cidadão como agente político, sujeito ativo e
transformador do seu entorno.
Dissertamos ainda sobre a radiodifusão no país, sua estrutura, seu histórico e
os seus principais atores para delinear o cenário atual de concentração da
propriedade na radiodifusão, o que representa nítido empecilho ao aprofundamento
democrático e ao exercício da cidadania.
No capítulo seguinte abordamos o tratamento constitucional e
infraconstitucional que nosso ordenamento jurídico confere ao tema.
12
Analisamos o enquadramento da radiodifusão como serviço público e
observamos o direito à comunicação à luz da doutrina dos direitos humano e da
teoria dos interesses difusos.
Partindo da constatação da necessidade de ampliar a participação popular na
radiodifusão, apontamos, no último capítulo, algumas perspectivas de transformação
do referido cenário, no sentido de contribuir para desenho de um modelo mais
democrático, que possibilite a criação de um espaço público para exercício da
cidadania.
Para a realização do presente trabalho recorremos à pesquisa bibliográfica, ao
estudo da legislação referente ao tema e à análise de dados indicativos da presença
da radiodifusão no cotidiano da população coletados em institutos de pesquisas, tais
como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
13
2. A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
Comunicar é mais que uma necessidade circunstancial do homem, a
comunicação é apontada como inerente à condição humana.
Pelo sentido original, o termo comunicação nos remete às relações humanas.
1
A origem etimológica revela importante significado que a comunicação tem na
sociedade, não como mera prática social consagrada pela cultura, mas como própria
essência da existência humana, que se dá em comunidade, ou em qualquer meio.
Ao analisar o pensamento de Heidegger, o teórico Márcio Tavares D‟Amaral
observa que a essência humana não se encontra na faculdade de pensar atribuída
ao homem (como entende Descartes), mas no “existir” que, por sua vez, não
consiste em um “solitário existir lógico”, mas antes na existência real, cotidiana, na
co-existência; concluindo que porque coexiste, o homem é e porque coexiste o
homem comunica. A comunicação, todavia, não figura como mera conseqüência da
co-existência, existe, na verdade, uma natureza comum entre o existir e o
comunicar.
2
1
“A forma com que a relação se manifesta entre os seres racionais é chamada koinonía (em
grego), ou communitas (em latim). É inspirador, ainda hoje, contemplar o primeiro filósofo ocidental
que explorou esse problema,foi Democritus de Abdera, no século V a.C., que teve a visão de que foi
a invenção da linguagem comunicativa que transformou os hominídeos em humanos. Democritus
declarou que sem comunicação nós nunca teríamos transcendido o estado bruto de co-presença, que
nós compartilhamos com os outros animais, para chegarmos à co-existência, na qual o outro se torna
um vizinho com quem nós co-existimos, e no qual alcançamos a única forma de relacionamento
plenamente consciente, ou seja, a comunidade. Vinte e seis séculos atrás, Democritus afirmou que
não pode haver comunidade sem comunicação. Felizmente, quase todas as línguas modernas
conservaram a raiz verbal koínos (comum) ou communis, communitas, communicatio, lembrando-nos
para sempre do caráter inerente da comunicação e da comunidade.” PASQUALI, Antonio. Um breve
glossário descritivo sobre comunicação e informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER,
Luciano (org.). Direitos à comunicação na sociedade da informação.o Bernardo do Campo:
Umesp, 2005, p. 18.
2
“porque co-existe, o homem é (...) o homem se define pela convivência e coexistência, e
secundariamente pelo pensamento (...) co-existir é, de pleno direito, com-unicar, partilhar uma única
existência com. (...) Afirmar que o homem se essencializa no co-existir implica em dizer que o homem
se essencializa no com-unicar. Enquanto Descartes faria da comunicação uma comunio logica,
decorrente do pensar, Heidegger tem de admitir a conaturalidade do existir e do comunicar”
14
A comunicação como essência do homem, também pode ser vista na obra de
Paulo Freire, que coloca o mundo humano num mundo de comunicação e ainda
esclarece que o real significado de comunicação é uma relação dialógica, em que
todos os envolvidos assumem papel receptivo e também ativo, com iguais
oportunidades de intervenção e participação na relação comunicativa.
3
Na complexidade das sociedades modernas e contemporâneas, a
comunicação social desempenha papel relevante, porque permite que a
comunicação, a princípio direta, “cara-a-cara”, ganhe proporções imensas e altere a
própria dinâmica das relações sociais.
4
Os meios de comunicação social se desenvolveram notadamente na sociedade
moderna, através do desenvolvimento da imprensa, passando, a partir de então, a
constituir importante instrumento de cultura e de ação política. Paulo Bonavides, por
exemplo, nos lembra do papel decisivo que a imprensa desempenhou como base
intelectual da Revolução Francesa.
5
AMARAL, Márcio Tavares‟. Filosofia da comunicação e da linguagem. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977, p.68 e ss.
3
“Não há, realmente, pensamento isolado, na medida em que não há homem isolado. Todo ato
de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do
segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos lingüísticos. O mundo humano
é, desta forma, um mundo de comunicação. (...) A comunicação, pelo contrário, implica numa
reciprocidade que não pode ser rompida. (...) Desta forma, na comunicação o sujeitos passivos.
(...) O que caracteriza a comunicação enquanto esse comunicar comunicando-se , é que ela é
diálogo, assim como o diálogo é comunicativo.” FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 11. ed.
São Paulo: Paz e terra, 2001, p.66-67.
4
“Desde que a comunicação face-a-face foi substituída pela mídia, que proliferou mas alterou
as intercomunicações, quase todas as comunicações humanas passaram a ser “mediadas”,
despersonalizadas pelos canais por quais passam.(...) A mídia simultaneamente trouxe uma
expansão e um desequilíbrio para as relações humanas.” PASQUALI, Antonio. Um breve glossário
descritivo sobre comunicação e informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.).
Direitos à comunicação na sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Unesp, 2005, p.45.
5
“Em fins do século XVIII já a imprensa exercia notável influxo no campo da divulgação das
idéias e da formação da opinião pública. Entrava o período a concorrer também com o livro na
preparação ideológica da sociedade. Os novecentos jornais aparecidos na França, durante a
Revolução de 1789, foram tão subversivos para a época quanto os textos de Montesquieu, Rousseau
e Sieyès: em nada inferiores, por conseguinte, ao Espírito das Leis, ao Contrato Social e ao Que é o
Terceiro Estado? alavancas revolucionárias de mudança que prepararam o advento de uma nova
idade para as estruturas políticas e sociais do Ocidente. BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta.
2.ed. São Paulo: 1996, p.52-53.
15
Contemporaneamente, a comunicação social ganha nova dinâmica, à medida
que a nossa economia passa, paulatinamente, a incorporar novos paradigmas.
Estaríamos vivendo uma fase de “desmaterialização” do setor determinante da
economia, cenário que implica na centralidade da informação e dos meios de
comunicação.
Conforme a descrição de Hardt e Negri, este seria o terceiro paradigma
econômico que a humanidade vive a partir da Idade Média. O primeiro baseava-se
na agricultura e no extrativismo (setor primário); com a revolução industrial a
centralização da atividade econômica é voltada para a indústria de bens duráveis e
finalmente, observa-se uma nova mudança (chamada pelos autores de pós-
modernização econômica ou de “informatização”), com o foco da economia voltado
para o setor de serviços e a manipulação da informação, que corresponde o período
atual.
A passagem de um paradigma para outro não importa na supressão do
anterior, mas a alteração gradual do foco da economia. O que ocorre é a migração
da maior parte da população para o novo tipo de atividade (mudança quantitativa) e
também a alteração da forma de desenvolvimento da atividade que antes era o foco
principal da economia (mudança qualitativa).
6
A chamada “pós-modernização”, marcada pela migração (quantitativa e
qualitativa) do setor industrial para o setor de serviços, teria se tornado, sensível,
principalmente nos países capitalistas dominantes (e em especial nos EUA), a partir
da década de 70. Nesse processo de informatização, as atividades industriais que
6
“No processo de modernização e de passagem para o paradigma de dominação industrial,
não a produção agrícola caiu quantitativamente (tanto na percentagem de trabalhadores
empregados como na proporção do valor total produzido), mas também o que é mais importante a
própria agricultura foi transformada. (...) A agricultura, é claro, não desapareceu; continuou sendo
elemento essencial das modernas economias industriais, mas como agricultura transformada e
industrializada.” HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Imperio. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.
302.
16
antes se concentravam nos países capitalistas dominantes, passaram a
desempenhadas por países subordinados.
7
Da mesma forma que a agricultura foi industrializada com a modernização, a
informatização também implicaria na revolução da própria indústria, com a
redefinição dos processos fabris, que tendem a ser mais aproximados dos serviços.
8
Como efeito da pós-modernização, as relações humanas também passariam
por gradual transformação. “Assim como ocorreu com a modernização em época
anterior, hoje, a pós-modernização ou a informatização assinalam uma nova maneira
de se tornar humano.
9
As mudanças paradigmáticas vivenciadas a partir da segunda metade do
último século também são diagnosticadas por Castells que, ao falar da importância
das tecnologias de informação e comunicação nas sociedades contemporâneas,
coloca que “no final do século XX tivemos um desses raros intervalos na história. Um
intervalo cuja característica é a transformação de nossa „cultura material‟ pelos
mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da
tecnologia da informação”.
10
7
“Hoje toda atividade econômica tende a cair sob o domínio da economia da informação, e a
ser qualitativamente transformada por ela. As diferenças geográficas na economia global não são
sinais da co-presença de diferentes estágios de desenvolvimento, mas linhas da nova hierarquia de
produção global. Várias regiões vão evoluir no sentido de agregar elementos camponeses à
industrialização parcial e à informatização parcial. Os estágios econômicos estão, pois, presentes ao
mesmo tempo, fundidos numa economia híbrida e composta, que varia o em espécie, mas em
grau, por todo o planeta.” HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 4. ed. Rio de Janeiro: Record,
2002, p.308-309
8
“A transição para uma economia informacional envolve, necessariamente, uma mudança na
qualidade e natureza do trabalho. Essa é a implicação sociológica e antropológica mais imediata da
transição de paradigmas econômicos. Hoje a informação e a comunicação desempenham um papel
fundamental nos processos de produção.” HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 4.ed. Rio de
Janeiro: Record, 2002, p.310.
9
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.310.
10
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede a era da Informação: economia, sociedade e
cultura. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v.1, p. 67. Castells elenca, na gina 108 e seguintes,
os aspectos da “sociedade da informação”: 1) A informação é a matéria-prima, são tecnologias para
agir sobre a informação e não a informação para agir sobre a tecnologia (como foi o caso das
revoluções passadas/industriais); 2) penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias; 3) lógica das
redes; 4) flexibilidade do sistema de redes, a possibilidade de reconfigurações diversas; 5)
convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado.
17
Nesse novo paradigma, em que a informação (o domínio sobre essa, sobre sua
dinâmica, sobre saberes científicos) vai ganhando lugar de destaque, a
comunicação se torna tema crucial para determinar em que sentido será realizada a
apropriação dos conhecimentos; se no sentido de imposição de novos meios de
dominação ou, por outro lado, como potencial instrumento de democratização e
promoção do bem estar humano.
Além do papel de promover a difusão de informações e conhecimentos, a
comunicação desempenha importante papel na aglutinação social em torno de
valores e comportamentos comuns e na integração cultural. Ela é responsável por
divulgar e popularizar informações das mais variadas naturezas, de colocar em
pauta assuntos relevantes e servir como mediadora de debates acerca de interesses
diversos e que atingem um número incalculável de pessoas.
Uma das características das sociedades contemporâneas é o fato delas serem
centradas na mídia, o que significa que os meios de comunicação social, ao
promoverem a representação dos diversos aspectos da vida humana, se
transformam nos principais construtores do conhecimento público, em que as
pessoas se baseiam para a tomada de decisões cotidianas.
11
Para que essa capacidade de influenciar comportamentos e legitimar atitudes e
práticas sociais não aprofunde ou crie novas formas de exclusão social, a
possibilidade de participar de maneira ativa na comunicação deve ser compartilhada
por todos, somente assim os valores e interpretações do mundo representados nos
11
(...) não dúvidas sobre a crescente relação existente entre informação e conhecimento, e
o papel-chave que este último desempenha como fator de poder nas sociedades contemporâneas.
Tanto isso é verdade que o controle da informação armazenagem, disponibilidade e acesso é
uma questão estratégica tanto para empresas como para Estados-nações. Por outro lado, é também
conhecido o poder de longo prazo da mídia na construção da realidade por meio da representação
que faz dos diferentes aspectos da vida humana. A maioria das sociedades contemporâneas pode
ser considerada centrada na mídia (media-centered), vale dizer, são as sociedades que dependem da
mídia mais do que da família, da escola, das igrejas, dos sindicatos, dos partidos etc. para a
construção do conhecimento público que possibilita, a cada um de seus membros, a tomada cotidiana
de decisões. Por isso não se pode reduzir a importância das comunicações apenas à transmissão de
informações, como muitas vezes se faz. Elas o são canais neutros. Ao contrário, o construtoras
de significação. Também por isso, a concentração da propriedade e do controle das comunicações é
uma questão que ultrapassa, em muito, a dimensão econômica. LIMA, Venício A. Mídia: teoria e
política, 2.ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2004, p.113.
18
meios de comunicação podem espelhar a diversidade e a complexidade da
sociedade.
2.1. CONCEITO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Um importante teórico da comunicação, Lima, ao abordar o significado e a
origem etimológica do vocábulo “comunicação”, traz à tona a questão da
ambigüidade original do termo, bem como as diversas mutações que o significado da
palavra sofreu ao longo do tempo.
12
A comunicação pode ser tomada nos variados sentidos: de um objeto tornado
comum (uma comunicação ou comunicado), os meios físicos de transporte, como
ferrovias, canais (denominados como “vias de comunicação”), além dos próprios
meios de tecnológicos através dos quais se transmitem informações (como a
imprensa, o rádio, a televisão e o cinema).
13
São inúmeras as escolas do estudo da comunicação
14
e dentro deste vasto
campo teórico existe uma intersecção com as mais recentes teorias sociais; surge,
por exemplo, a teorização da própria sociedade como uma rede comunicacional.
15
12
“Comunicação tem sua origem etimológica no substantivo latino communicationem (século
XV), que significa „a ação de tornar comum‟. Sua raiz é o adjetivo communis, comum, que significa
‟pertencente a todos ou a muitos‟. E o verbo é comunicare, comunicar, que significa „tornar comum,
fazer saber‟.” Segundo o autor, essa definição original implica em um significado equívoco ao termo
comunicação, que pode tanto significar transmitir, como compartilhar. LIMA, Venício Artur de. Mídia:
teoria e política. 2.ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2004, p.22.
13
Ibid., p.23.
14
Lima, em sua obra Mídia: Teoria e Política (op. cit.), desenha, principalmente no decorrer do
Capítulo 1 (p.19-51) um didático panorama dos modelos teóricos para o estudo das comunicações,
quais sejam, o da manipulação, o da persuasão ou influência, o da função, da informação, o da
linguagem, o da mercadoria, o da cultura e o do diálogo, sendo este último preferencialmente
abordado no presente trabalho.
15
“A sociedade pode ser examinada como uma rede de comunicações. O que diferencia o
sistema social dos demais sistemas é exatamente isso. A operação típica da sociedade é a
comunicação, entendida como ato de transmitir, receber e compreender a informação.”
CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000,
p.161.
19
Como desdobramento da teoria colocada por Campilongo, o próprio sistema
jurídico moderno pode ser encarado sob a ótica de um subsistema, também
estruturado numa rede comunicacional, de funções específicas, particulares. Seria o
sistema jurídico, em outras palavras, uma forma de comunicação que, devido à sua
especificidade, forma dentro de um sistema social, um subsistema.
16
A conceituação precisa do termo comunicação, mostra-se, assim, um desafio
complexo, que se aprofunda em função do advento de novas tecnologias e
confluência de linguagem de diferentes veículos de comunicação e
telecomunicação.
Cabe, ainda, a fim de esclarecer o vocabulário envolvido no presente trabalho,
fazer uma breve diferenciação entre os significados dos termos informação e
comunicação. A palavra informação é lastreada como noção filosófica e traz, em sua
origem, o significado de “imposição de uma forma, idéia ou de um princípio, com ou
em matéria que assim se tornava „in-formada‟ ou „formada‟.”
17
O termo informação, como pode ser intuído, também tem significado equívoco,
todavia, podemos esclarecer que quando for usado nesta obra, refere-se a uma
mensagem, ao conteúdo informativo presente em alguma mensagem, como dados,
acontecimentos, fatos, conhecimentos científicos, etc.
Neste sentido, a simples transferência de uma informação, por se referir a um
conteúdo pronto e já elaborado que é transmitido a alguém, pode suscitar uma
relação de imposição daquele conteúdo (informação), seja este uma concepção
16
“Em outros termos, na rede de comunicações da sociedade, o direito se especializa na
produção de um tipo particular de comunicação que procura garantir expectativas de comportamento
assentadas em normas jurídicas.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade
complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 162).
17
PASQUALI, Antonio. Um breve glossário descritivo sobre comunicação e informação. In:
MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na sociedade da
informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005, p.24. Adiante, nas páginas 27, o autor coloca
uma diferenciação interessante entre informação e comunicação: “Informação é ontologicamente
relacionada à causalidade. Ela conota a mensagem/causa de um transmissor ativo, que busca gerar
no receptor passivo um comportamento / efeito imediato ou remoto. Comunicação é ontologicamente
relacionada á comunidade. Ela conota a mensagem/diálogo, que busca produzir respostas não
programadas, reciprocidade, consenso e decisões compartilhadas.”.
20
política ou filosófica, uma verdade científica, um padrão educacional, uma versão de
um acontecimento, etc; configurando o que Paulo Freire coloca como uma mera
extensão e não uma comunicação genuína.
18
Há, nessa situação (de mera
extensão) uma relação de depósito de informações por um agente que pode ser
identificado, em cada contexto, como uma pessoa, um meio de comunicação, uma
instituição em um depositário, que permanece numa situação passiva,
consumidora, não criativa.
A comunicação, por sua vez, tem caráter eminentemente relacional, dialógico,
implica num processo de troca de informações (idéias, dados, conhecimentos
técnicos, relato de fatos etc.) em que se presume um mínimo de horizontalidade,
uma relação de “mão dupla”, de compartilhamento de papéis, exige, portanto, o
mútuo reconhecimento e interação das partes envolvidas.
Embora seja difícil enxergar, na realidade presente, uma legítima relação
comunicacional na radiodifusão, pela ausência quase absoluta das condições em
que ela se (ideal de reciprocidade e mútuo reconhecimento, horizontalidade),
essas idéias não devem ser apartadas completamente, pois, embora tenham no seu
uso conotações muito distintas, importante se faz manter a consciência de que a
comunicação (enquanto relação dialógica) deve pautar a comunicação social.
Ao tratarmos da comunicação social, em especial do rádio e da televisão,
temática do presente trabalho, pretendemos sempre ter subjacente o ideal de
comunicação enquanto relação dialogal e horizontal.
Podemos, portanto, conviver com palavras ou termos idênticos para designar
coisas diferentes e ainda diferentes ângulos das mesmas coisas, mas isso não nos
impede de enxergar a comunicação, enquanto uma teoria ideal, como um verdadeiro
referencial para a comunicação enquanto prática social e até mesmo enquanto uma
prática específica, característica das sociedades complexas e numerosas, que é
formada pelos meios de comunicação social.
18
Análise elaborada em FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 11. ed. São Paulo: Paz e
terra, 2001, passim
21
A expressão “comunicação social”, dependendo de como é empregada (e
muitas vezes se no decorrer do presente trabalho), pode ser tomada como os
meios em que a comunicação se desenvolve.
Muitas vezes, no decorrer do texto, notadamente nas citações de outros
autores, será utilizada a expressão “mídia”, o termo que advém da incorporação ao
nosso vocabulário da redução da expressão na língua inglesa mass media”, refere-
se, em regra, aos meios de comunicação de massa considerados em geral
(imprensa, radiodifusão, etc.).
Para esclarecer os sentidos de termos repetidos ao longo do presente trabalho,
cumpre esclarecer que o termo “comunicação” será usado, por vezes, em sentido
mais genérico, como toda e qualquer forma de interação humana, como trocas de
informações, sentimentos, opiniões e idéias; ainda como a transmissão, ainda que
unilateral, de idéias, imagens, opiniões a uma ou a diversas pessoas.
O termo “comunicação social”, por sua vez, envolve a noção de comunicação
no seu aspecto coletivo, público, na sua dimensão social, política; desconsiderando,
nessa noção a comunicação estritamente privada, pessoal, como correspondência,
contatos telefônicos, etc. Em geral, ao empregarmos o referido termo, estaremos
nos referindo ao conjunto dos meios disponíveis em nosso cotidiano que possibilitam
a comunicação em larga escala; algumas vezes, pela repetição dos termos e pelas
diversas nuances em que são tomados, esta expressão significará não somente os
meios técnicos (também denominados meios de comunicação de massa ou mídia),
mas a própria relação humana mediatizada por esses meios; por outras, a atividade
envolvida na comunicação social, num caráter mais genérico, envolvendo todas as
práticas inseridas nessa atividade, como a produção de conteúdos, a transmissão
destes, etc.
22
2.1.1. A Radiodifusão como meio de Comunicação Social
Pela definição legal, encontrada no artigo 6º, d) do Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62), temos uma noção genérica de radiodifusão
como serviço “destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral” e
que compreende a radiodifusão sonora (rádio) e a televisão (radiodifusão de sons e
imagens).
A radiodifusão consiste na emissão de sinais portadores de sons (rádio) ou de
imagens e sons (televisão), de um ponto específico para o público em geral, situado
em área coberta por aquele sinal. Os sinais são receptados pelo público livremente,
custando-lhe de forma direta apenas o referente ao equipamento necessário para a
recepção (aparelhos de rádio e televisores).
A transmissão dos sinais que contêm as informações sonoras e visuais se dá,
no caso da radiodifusão, por um meio físico natural e escasso designado “espectro
eletromagnético”, ou ainda “éter”, denominação esta que teria, conforme
Negroponte, fundamento histórico e não científico.
19
Os sinais que contém as
informações de áudio e vídeo, além de outras essenciais à recepção, são
transmitidos em forma de onda eletromagnética através do espectro.
20
A radiodifusão sonora e de sons e imagens também recebe outras
denominações, como difusão terrestre,
21
e ainda “televisão aberta” (referindo-se à
19
“Embora eu empregue apalavra éter, ela tem apenas um caráter histórico. Descobertas as
ondas de rádio, invocou-se o éter como a misteriosa substancia pela qual elas se propagavam; a
incapacidade de encontrá-lo levou à descoberta dos fótons. (NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital.
2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p.29)
20
“Na natureza, as variáveis físicas correspondentes ao áudio e ao vídeo se propagam desde
sua origem até o alcance dos ouvidos e a percepção pelos olhos humanos, por meio de formas de
onda. (...) Um sinal de Tv corresponde a uma onda eletromagnética que veicula informações sobre
áudio, vídeo e dados de sincronização, usados pelo aparelho receptor.” (MONTEZ, Carlos; BECKER,
Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. 2.ed. Florianópolis:
Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p. 61.)
21
A difusão é o envio de conteúdo (áudio, vídeo ou dados) de um ponto provedor do serviço
responsável pelo gerenciamento de diversos canais televisivos para outros pontos, os receptores,
23
radiodifusão de sons e imagens), que se diferencia dos serviços por assinatura,
como as televisões a cabo e via satélite,
22
que são, pelo nosso ordenamento
jurídico, modalidades do serviço de “telecomunicações” e podem ser caracterizados
pela cobrança na prestação do serviço.
2.2. Comunicação Social enquanto Instrumento de Poder
A comunicação social figura como importante mediadora das relações
humanas; se admitirmos que nas relações humanas estabelecem-se relações de
servidão e dominação, relações de poder, podemos insinuar que a comunicação
pode figurar como potencial instrumento de poder. Quando esse poder é aglutinado,
concentrado à disposição de poucos, delineia-se situação que tende para a
dominação e que contrasta, portanto, com a idéia de uma sociedade democrática.
A análise dos meios de comunicação como instrumento de poder pode ser feita
sob diversas perspectivas. Guareschi, por exemplo, elabora interessante crítica do
papel dos meios de comunicação de massa como instrumento de dominação social
e como importante mecanismo reforçador de uma sociedade consumista, em que o
estímulo ao consumo de bens supérfluos é igualmente disseminado tanto nos países
desenvolvidos como nos subdesenvolvidos e entre todos os níveis de renda, o que
além de reforçar o individualismo, desvia recursos de áreas essenciais ao bem estar
social como educação, moradia e saúde.
23
onde se encontra a recepção digital e os telespectadores. Os meios de difusão mais comuns são via
satélite, cabo e radiodifusão, sendo este último também conhecido como difusão terrestre.”
(MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o
Brasil. 2. ed. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p.100).
22
O serviço de TV por assinatura, designado TVA foi instituído pelo Decreto 9.574/88, que usa
sistema UHF codificado; a Tv a Cabo é regulamentada pela Lei n º 8.977/95; os serviços MMDS
Multipoint Multichannel Distrubution Sistem, que se trata de serviço transmitido em UHF utilizando
freqüência de microondas, e o sistema DTH, Direct to Home, que é transmitido via satélite digital e
além do codificador demanda que o usuário instale uma antena específica para a recepção do sinal,
são regulamentados pelo Decreto n. 2.196/97.
23
“O estímulo a desejos consumistas particulares desloca recursos bastante escassos de
projetos grupais e possibilidades de melhoramentos a longo prazo e, ao mesmo tempo, ele cria e
24
Por certo, não podemos ignorar o fato de que a comunicação social é
financiada pela publicidade preponderantemente comercial, que estimula modos de
vida compatíveis com os de uma sociedade capitalista, pautada pelo consumo e
pela valorização de bens materiais como extensão da personalidade e pressupostos
à felicidade humana.
Referindo-se aos efeitos políticos do modelo de exploração da comunicação
social no Brasil, Bonavides afirma que a vontade representativa, na prática
vivenciada em nosso país não corresponde a uma “vontade popular”; ou seja, que
aquela vontade não pode ser atribuída a uma “cidadania esclarecida”, mas antes a
um “poder invisível, terrivelmente poderoso e incontrastável”; refere-se ele ao poder
dos chamados meios de comunicação de massa.
24
Em perspectiva semelhante, Venício Lima disserta acerca do poder da
televisão e da sua importância na percepção e estruturação da política na
sociedade.
O papel mais importante que a televisão desempenha como mídia
dominante na contemporaneidade decorre do poder de longo prazo que ela
tem na construção da realidade através da representação que faz dos
diferentes aspectos da vida humana das etnias (branco/negro), dos
gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética
(feio/bonito) etc. e, em particular, da própria política e dos políticos. É,
sobretudo, através da televisão, em sua centralidade, que a política é
intensifica projetos individualistas de consumo, que não se coadunam com a grande necessidade que
a comunidade possui de cooperação, a fim de conseguir melhorias sociais básicas.” GUARESCHIO,
Pedrinho A. Comunicação & poder. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p.74.
24
“Manipulando e fabricando opinião, os grandes empresários dos meios de comunicação
acabam por se transverter num círculo privilegiado que dispõe com desenvoltura da vontade social
para amparar situações e corpos representativos em oposição aos legítimos interesses da Sociedade
e do País. Esse quarto poder fora do Estado e da Constituição não raro coloca ambos sob seu centro,
fazendo a soberania do povo a irrisão e o escárnio da democracia.” BONAVIDES, Paulo. A
Constituição aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 30.
25
construída simbolicamente e que adquire um significado.
25
O poder de selecionar e colocar em evidência informações e acontecimentos
constitui poder político capaz de determinar uma agenda pública, ou seja, de
estabelecer, perante o público, quais os assuntos relevantes da sociedade,
privilegiando alguns aspectos de acontecimentos e alguns temas em detrimento de
outros que são igualmente ou até mais importantes para a população.
A possibilidade de informar, de disseminar idéias e necessidades, significa, em
si poder imenso dentro de uma sociedade em que a informação é requisito essencial
para a tomada de decisões cotidianas e que traz, via de regra, outras relações
subjacentes de poder social, reforçando-as.
26
Para ilustrar a relação de poder existente entre aqueles que têm o privilégio de
manipular e disseminar as informações em relação ao restante da sociedade, Milton
Santos utiliza a estrutura piramidal, figura que demonstra profundo desequilíbrio e
contrasta com uma sociedade democrática, que a absoluta maioria dos que se
encontram na base não têm poder igual de participação política em relação dos que
se encontram no topo.
27
25
LIMA, Venício Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo,
2006. p. 87.
26
“O ser humano assiste diariamente algumas horas de televisão. Somos a primeira geração
com a qual acontece um fenômeno deste porte. Nenhum imperador da antigüidade, ainda que tendo
direito de vida ou morte sobre o cidadão, tinha o poder de entrar em todos os domicílios do seu país,
e de martelar horas a fio a visão de mundo de crianças, adultos e idosos. Este fenômeno nasce como
um complemento dos processos econômicos, se sobrepõe a eles, e se torna gradualmente
dominante.” (DOWBOR; Landislau. Economia da comunicação. Revista USP, São Paulo, n.55,
set./nov., 2002, p.20.
27
“O homem moderno é, talvez, mais desamparado que os seus antepassados, pelo fato de
viver em uma sociedade informacional que, entretanto, lhe recusa o direito de informar. A informação
é privilégio do aparelho do Estado e dos grupos hegemônicos dominantes, constituindo uma estrutura
piramidal. No topo, ficam os que podem captar as informações, orientá-las a um centro coletor, que
as seleciona, organiza e redistribui em função de seu interesse próprio. Para os demais não há,
praticamente, caminho de ida e volta.(...) De qualquer maneira, viver na ignorância do que se passa
em torno, quando boa parte das decisões que nos concernem é tomada em função dessas
informações que nos faltam, não contribui para a formação de uma cidadania integral.” (SANTOS,
Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996,p.127.)
26
2.3. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO DEFINIDORES
DE ESPAÇOS PÚBLICOS E INSTRUMENTO DE DEMOCRATIZAÇÃO
DA SOCIEDADE
A ampla participação popular nos meios de comunicação social pode ser
transformada em instrumento, não único e isolado, mas primordial para o exercício
da cidadania e aprimoramento da democracia.
Na verdade, observa-se uma mútua implicação entre democratização dos
meios de comunicação e democratização da sociedade, de modo que uma maior
democratização dos meios de comunicação social contribui para a vivência
democrática, ao mesmo tempo em que a prática democrática deveria redundar na
democratização em todas as esferas em que se dá o relacionamento humano, como
na família, nas instituições de ensino, nas relações de trabalho e nos meios de
comunicação social.
Ao estudarmos a importância da comunicação social em uma sociedade, o que
se entende por democracia, torna-se questão obrigatória.
Pela conceituação genérica, democracia nos remete à expressão “o poder do
povo”, que, por sua vez, traz a idéia de que a essência do poder político reside na
soberania popular.
28
Essa noção, que corresponde à tradução literal do termo, todavia, não
esclarece seu real significado e sua implicação prática, não nos informa
suficientemente o que, a fundo, representa um governo democrático.
29
28
“A democracia é aquela forma de exercício de uma função governativa em que a vontade
soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o
povo seja sempre titular e objeto a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo o poder
legítimo.” (BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.17.) No
mesmo sentido coloca Dallari: “A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de
governo do povo, revelada pela própria etimologia do termo democracia.(DALLARI, Dalmo de Abreu.
Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.145).
29
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada, Volume I O debate
contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
27
Historicamente destacam-se duas formas distintas de democracia: a direta,
vivenciada notadamente na Grécia Antiga e a democracia indireta ou representativa,
que adveio das revoluções liberais da modernidade, no século XVIII.
O modelo de governo popular ateniense é costumeiramente apontado como
referência histórica na concepção de um regime democrático,
30
que era afirmado,
em face da aristocracia, cotidianamente, através da discussão, pelo uso da palavra.
A democracia grega era algo dinâmico, sem pré-definição, mas que existia de
fato, pela concepção de igualdade dos cidadãos perante a lei e da lei como
expressão da vontade popular, ou seja, se efetivava pela participação política direta
dos cidadãos que se dava através de debates constantes acerca dos assuntos de
interesse da cidade e na criação das leis.
31
Os três princípios basilares da democracia grega eram eles a isonomia, que
pode ser entendida como igualdade de “todos” (os considerados cidadãos) perante a
lei, o que implica que a todo aquele a que se atribuía o status de cidadão era
dispensado o mesmo tratamento pela polis; a isotimia, também vinculada a um
princípio igualitário, determinava que não existiriam títulos ou funções de caráter
hereditário, estabelecendo o acesso aos cargos públicos pelo mérito, pelo sorteio ou
pela eleição; pautava-se, pois, no pressuposto da igual capacidade de todos os
cidadãos; e a isegoria, que correspondia ao direito de todo cidadão fazer uso da
palavra; estritamente ligado ao direito de reunião, esse direito era exercido na agora,
praça pública onde se realizavam os principais atos da vida política de Atenas.
32
Uma das características fundamentais da democracia grega era a possibilidade
de participar das discussões e decisões políticas, de exprimirem suas opiniões sobre
30
“O modelo de democracia criado em determinado momento histórico, e ao qual todos os
desenvolvimentos ulteriores se referem. Esse modelo é, incontestavelmente, o regime ateniense de
governo popular, que durou pouco mais de dois séculos (de 501 a 338 a. C.).” (COMPARATO, Fábio
Konder. Obstáculos históricos à vida democrática em Portugal e no Brasil. Estudos Avançados, São
Paulo, n.47, jan./abr., 2003, p.238,)
31
SOARES, Esther Bueno. Democracia: da Grécia à unidade européia. In: BASOS, Celso (ed.).
Democracia, hoje. Um modelo democrático para o Brasil. São Paulo: Instituto Brasileiro de direito
Constitucional, 1997, p.10-15.
28
quaisquer assuntos que entendessem relevantes; baseava-se, portanto, na igual
oportunidade comunicativa e no mútuo reconhecimento entre aqueles que tinham o
status de cidadão.
A democracia moderna surge no contexto de formação do Estado Liberal,
momento de luta da burguesia contra o absolutismo monárquico,
33
sendo construída
e aplicada na sua modalidade indireta ou representativa.
Apesar de se fundamentar na soberania popular e na igualdade entre cidadãos,
servindo como base de legitimação para a sua oposição frente ao poder
monárquico, o modelo de democracia representativa propiciava o exercício do poder
político a uns poucos, a elite burguesa e equacionava a questão da
incompatibilidade do poder popular exercido diretamente por cada titular (todos os
cidadãos) em face das dimensões do Estado Nacional.
34
A representação, no regime democrático, se promove através de um processo
eletivo, que envolve a existência dos partidos políticos, estes, por sua vez, figurariam
como locais de concentração de interesses comuns, que como conseqüência do
modelo representativo existe uma necessária intermediação entre os cidadãos (e a
afirmação de seus interesses) e o poder estatal.
32
BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.22- 23.
33
São três os principais movimentos apontados como marcos históricos da implantação do
regime democrático no século XVIII a Revolução Inglesa (que culminou na edição do Bill of Rights,
em 1689), a Revolução Americana (Declaração de Independência das treze colônias americanas, em
1776) e a Revolução Francesa (cujo principal documento produzido foi a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, em 1789).
34
“A idéia de igualdade, inclusive, é própria da democracia moderna, pois a liberdade e a
igualdade políticas da democracia formal representam uma exigência material de igualdade contra as
classes privilegiadas pelo nascimento. No entanto, a burguesia, ao defender a democracia da
instrução e da propriedade, pretendeu tirar da esfera pública os que supostamente careciam de
independência, reduzindo a igualdade democrática à igualdade formal perante a lei e consolidando
um sistema de funcionamento automático, que se realiza por si mesmo, uma espécie de ordem
natural sem qualquer substância, forma.” (BERCOVICI, Gilberto. Democracia, Inclusão Social e
Igualdade. Publicado originalmente In: XIV Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Direito - CONPEDI, 2006, Fortaleza - CE. Anais do XIV Congresso Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p.119. Disponível em:
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Gilberto%20Bercovici.pdf>. Acesso em:
25.nov.2007.)
29
Apesar de inerentes ao mecanismo de funcionamento das democracias
modernas, os partidos surgem primeiramente como fenômeno sociológico,
permanecendo muito tempo fora do ordenamento jurídico e dos textos
constitucionais.
35
Além da falta de previsão legal, os partidos políticos enfrentaram
dura oposição teórica dos democratas liberais, pois a admissão da existência dos
mesmos seria, em si, uma contradição frontal com os princípios do Estado liberal.
Pela lógica da representação de mandato livre, o eleito teria compromisso com
sua própria consciência e com o ordenamento jurídico, estando assim, pelo menos
formalmente, independente das influências de grupos sociais específicos.
36
A eleição, em uma sociedade democrática, deve ser livre, com a participação
universal e igualitária dos cidadãos, além disso, deve permitir a possibilidade efetiva
de escolha e de alternância no poder estatal.
Contemporaneamente, observa-se a incorporação de mecanismos de
democracia direta ao modelo representativo, formando-se assim um modelo
denominado de democracia participativa ou semidireta.
Concebida como um aperfeiçoamento da democracia representativa, a teoria
da democracia semidireta mescla a democracia indireta com mecanismos de
participação direta de tomada de decisões políticas (plebiscito, referendo, iniciativa
popular), numa relação de complementaridade. Tal concepção teria se aperfeiçoado
e ganhado destaque no início do século XX e teria a proposta de reconciliar a
soberania popular, consagrada como legitimação teórica da democracia moderna,
com o exercício efetivo do poder político democrático.
37
35
“Os partidos vingavam à margem dos textos legislativos, que fingiam ignorá-los”.
(BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.379.)
36
“essa independência, que caracteriza o chamado mandato livre ou representativo e faz do
deputado primeiro o representante da vontade geral ou vontade nacional, sem subordinação às
fontes eleitorais, onde se geram o poder político e o próprio mandato, aparece sociologicamente
desmentida em toda a forma de Estado cujos partidos políticos hajam logrado maior desenvolvimento,
assentando bases sólidas de participação e influência nos destinos políticos da coletividade.”
(BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.381).
37
“Ao Estado liberal sucedeu o Estado social; ao Estado social há de suceder, porém, o Estado
democrático-participativo que reconhece das duas formas antecedentes de ordenamento o lastro
30
O Brasil absorveu a tendência de incorporação de mecanismos de democracia
participativa; atualmente os institutos de iniciativa popular, referendo, plebiscito, ação
popular integram o ordenamento jurídico pátrio. Com efeito, o próprio texto
constitucional consagra de plano a democracia semidireta, quando dispõe, no
parágrafo único, de seu artigo primeiro, que o poder além de emanado do povo
poderá ser por ele exercido diretamente.
Outro elemento comumente atribuído a um regime democrático é separação
das funções do Estado, ou seja, o poder Estatal deve estar distribuído, de forma que
as funções (executiva, legislativa e judiciária) sejam atribuídas a órgãos
especializados e distintos. Essa teoria, que encontra indícios originais em Aristóteles
(A política, livro III, capítulo XI), teria sido incorporada na democracia moderna a
partir da obra de Montesquieu (O espírito das leis), que fora o responsável por
sistematizar a doutrina da separação de poderes.
38
A aplicação de tal postulado teria
a finalidade de proteger a sociedade da formação de um poder concentrado e
tirânico; resguardando assim a liberdade dos indivíduos; além de promover maior
eficiência das funções estatais.
O poder popular se expressa, nas democracias modernas, pelo princípio
majoritário, mas isso não pode significar um poder absoluto da maioria, deve
observar limitações nos próprios princípios democráticos e nos direitos daqueles que
não representam a maioria. Nessa perspectiva, os direitos humanos representam
baliza ao exercício do poder democrático.
Com o advento da democracia moderna construiu-se, pari passu, a doutrina
dos direitos humanos e sua declaração e positivação sistemáticas, na qual se
positivo da liberdade e da igualdade. E o faz numa escala de aperfeiçoamento qualitativo da
democracia jamais dantes alcançada em termos de concretização.” (BONAVIDES, Paulo. Teoria
Constitucional da Democracia Participativa. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.20).
38
A incorporação dessa teoria no estado Moderno se deu na Declaração de Direitos da
Virgínia, de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
31
destaca o caráter da universalidade desses direitos em relação a sua titularidade, ou
seja, todos os seres humanos são reconhecidos como seus titulares.
39
Os Direitos Humanos, dentro dessa perspectiva, são concebidos numa
acepção mais ampla do que “Direitos do Cidadão”, uma vez que no caso dos
primeiros, os direitos se referem à humanidade como um todo (a todos e a cada um),
indistintamente, de maneira universal; no caso dos segundos, os direitos variam
conforme o Estado a que o cidadão pertença. Significa também que, ainda que
determinada pessoa humana não seja reconhecida como nacional de país algum,
não gozando de nenhum direito de cidadania, será titular dos direitos humanos.
Essencial a um regime democrático é ainda a existência de instrumentos
voltados à fiscalização e à responsabilização dos governantes, não por
instituições concebidas com essa finalidade específica, mas também pela população
em geral, mecanismos do exercício de soberania popular. A possibilidade de
fiscalização do cidadão, por sua vez, tem como pressuposto lógico a efetiva
transparência dos atos praticados pelos agentes blicos e de quaisquer
informações de interesse público.
Além dos pressupostos procedimentos na democracia, apontados acima,
entendemos que um regime democrático deve ser pautado por valores e finalidades
específicas. Isso significa que a prática formalmente reconhecida como democrática
deve estar aliada a objetivos e princípios que a legitimem materialmente. “O que a
democracia é não pode ser separado do que ela deve ser. Uma democracia
existe à medida que seus ideais e valores dão-lhe existência”.
40
39
“Somente a partir das declarações americana e francesa é que os direitos humanos são
declarados ao serem postulados os direitos à liberdade, à igualdade de todos, tornando-se o corolário
da democracia nascente, isto é, onde os direitos humanos são ressaltados como pertencentes a
todos e a cada um em particular.” (SOARES, Esther Bueno. Democracia: da Grécia à unidade
européia. In: BASTOS, Celso (Ed.). Democracia, hoje. Um modelo democrático para o Brasil. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p. 28).
40
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume I: O debate contemporâneo.
São Paulo: Ática, 1994, p. 23. O autor ainda esboça a democracia como um “projeto”, explicando que
essa concepção traz necessariamente o envolvimento de finalidades na concretização da prática
democrática.
32
A democracia não pode ser definida através de uma fórmula fechada e
conclusiva, ela melhor se exprime como uma “forma de existência social”, como
mecanismo de convivência humana capaz de se adaptar às mutações, diferenças e
conflitos sociais, visando assegurar e universalizar direitos reconhecidos, ampliá-los,
sem abrir mão dos objetivos de liberdade, igualdade e solidariedade.
Revela-se na prática e quando guarda consonância com os princípios, dos
valores e ideais democráticos; implica na busca e paulatina concretização da
universalização da emancipação humana, a fim de que os progressos conquistados
pela humanidade não se concentrem em pequenos e privilegiados grupos em
detrimento do restante; tampouco que esse progresso implique na opressão de
sequer um ser humano.
A democracia deve sim reconhecer a existência dos conflitos e sua
legitimidade, ou seja, reconhecer que existem numa mesma sociedade interesses
por vezes contrários e conflitantes; o que não significa, de modo algum, que
comporte como admissíveis contradições gritantes de condições de existência
humana, tais como a coexistência de liberdade e escravidão; de opulência e miséria,
dentre outras mazelas presentes em nossa sociedade. Neste sentido, a democracia
deve ser enxergada como mecanismo inserido dentro de um processo contínuo de
emancipação humana.
41
Considerando a dignidade humana (e todos os outros direitos daí
pressupostos) e o poder popular como questões centrais na reflexão democrática
contemporânea, a democracia pode ser tomada como um regime de soberania
popular com respeito integral aos direitos humanos.
42
41
“A elasticidade dos temas objeto de seleção, vale dizer, a complexidade das opções
caracteriza a democracia. A democracia mantém alternativas de escolha e de discurso sempre
latentes. Dessa perspectiva, a democracia pode ser encarada como um mecanismo de constante
correção das desigualdades, como instrumento de supressão de privilégios e promoção dos
desfavorecidos, (...) de controle do poder e participação do cidadão ou, em resumo, de constante
tensão e possibilidade de variação entre maioria e minoria.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O
direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.130).
42
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política, São Paulo, n. 33, 1994, p.8-9. Também desenvolve essa concepção de democracia
33
A concretização democrática, quando entendida como mecanismo de
convivência humana pressupõe algumas condições formais mínimas para sua
efetivação, mas não se corporifica pelo atendimento de mero aspecto procedimental,
de sua dinâmica interna.
Ainda sob essa perspectiva, podemos observar que o princípio democrático,
esculpido em nossa Constituição, não se refere à mera técnica de escolha de
representantes; exprime-se, outrossim, como processo dinâmico e que viabiliza aos
cidadãos a participação nos processos decisivos e controle da atuação dos agentes
no exercício do poder público, bem como na busca contínua e permanente para a
promoção da liberdade, igualdade e justiça social, orientada precipuamente pelo
princípio da dignidade humana.
O sujeito na sociedade democrática é o cidadão. Da mesma forma que a
democracia não se resume a enunciado teórico e disposições formais, a cidadania
não pode ser definida pelo preenchimento de alguns requisitos de caráter formal.
A vivência da cidadania, enquanto experiência concreta, reclama a ampliação
perene das esferas de participação popular nas decisões políticas, bem como a
limitação do poder econômico para que o poder político não seja defensor somente
dos interesses de parcela da sociedade.
O apoderamento da cidadania, que se traduz nas incessantes lutas por
melhores condições de vida, acaba por redundar em efetivas conquistas populares.
É possível verificarmos historicamente a tendência ao alargamento do conceito de
cidadania, tanto em relação aos englobados na condição de cidadão (fim do caráter
censitário e de gênero, o condicionamento a determinada idade ou ao requisito de
Fábio K. Comparato, que elucidativamente dispõe: “O cerne da idéia democrática encontra-se,
classicamente, na soberania do povo, entendida como expressão da vontade majoritária. Mas esse
princípio sofreu, no decorrer da História moderna dois temperamentos essenciais. Em primeiro lugar,
passou-se a compreender, a partir do século XVIII, que a vontade da maioria não tem legitimidade
para violar os atributos essenciais da pessoa humana, expressos em direitos comuns a todos,
independentemente das diferenças de sexo, raça ou condição social. (...) Em segundo lugar, a idéia
da soberania popular, hoje de ser reanalisada, em função da enorme complexidade das relações
sociais, provocada pela concentração do fator tecnológico.” (COMPARATO, Fábio Konder. Para viver
a democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989,p 09).
34
alfabetização para o exercício dos direitos políticos) como em relação aos direitos de
cidadania.
43
Partindo da teoria constitucional moderna, cidadão é o indivíduo que tem
vínculo jurídico com determinado Estado; este vínculo, por sua vez, confere ao
cidadão nacionalidade, bem como lhe atribui direitos e deveres previstos pelo
ordenamento jurídico do respectivo Estado.
44
No Estado liberal, são atribuídas ao
cidadão as liberdades individuais, que pressupõem a não intervenção do Estado na
esfera da vida privada.
Com a implementação do Estado social, no início do século XX, este passa a
ter papel ativo na promoção dos direitos do cidadão e a cidadania passa a ser
concebida dentro deste contexto, tendo sua dimensão ampliada. São reconhecidos
ao cidadão não direitos políticos e civis, mas também sociais, culturais,
econômicos; a igualdade formal vai cedendo lugar à igualdade material, onde se
pressupõe a universalidade das condições essenciais para uma vida digna.
45
A democracia participativa, como proposta de evolução técnica e política da
democracia moderna representativa, influencia diretamente a percepção de cidadão.
Cidadania, contemporaneamente, implica não somente no acesso a direitos e a
43
”Tanto a cidadania como os direitos estão sempre em processo de construção e de
mudança. Mais que uma lista de direitos específica, que é mutável e historicamente específica, essa
perspectiva implica que o direito básico é o „direito a ter direitos‟ (Arendt, 1973; Lefort, 1987).” JELIN,
Elizabeth. Construir a cidadania: uma visão desde baixo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São
Paulo, n. 33, 1994,p.45.
44
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova: Revista de
Cultura e Política, São Paulo, n. 33, 1994,p.07.
45
“A cidadania, assim, não se limita aos direitos de participação política, inclui, também, os
direitos individuais e, fundamentalmente, os direitos sociais. A idéia de integração na sociedade é
fundamental para a cidadania, o que não ocorre em países como o Brasil. A igualação das condições
sociais de vida, assim, esintrinsecamente ligada à consolidação e ampliação da democracia, para
não dizer que é essencial para sua legitimidade, permanência e futuro como forma política.”
(BERCOVICI, Gilberto. Democracia, Inclusão Social e Igualdade. Publicado originalmente In: XIV
Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI,
2006, Fortaleza - CE. Anais do XIV Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2005, p.119. Disponível em:
<http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Gilberto%20Bercovici.pdf>. Acesso em:
25.nov.2007).
35
sujeição a deveres, mas também em participação nas instâncias de poder; afinal, se
a legitimação teórica de um Estado democrático é a soberania popular, faz-se
necessária a implementação da soberania popular como prática, a fim de que esta
seja também a sua legitimação material.
O papel do cidadão ganha outros contornos, ele deixa de ser visto
exclusivamente como eleitor, que escolhe representantes para atuarem dentro das
instituições estatais, para ser visto como sujeito legítimo para participar ativamente
nas escolhas políticas, na fiscalização dos atos do governo e no controle do
Estado
46
Nessa concepção, a cidadania não pode ser entendida como mera concessão
de direitos pelo Estado, tampouco está relacionada somente à questão do voto e da
capacidade de ser eleito, mas se relaciona essencialmente com a dignidade
humana, com a relação de pertencimento a determinada ordem social, política e
jurídica e as expectativas derivadas desse pertencimento.
47
Percebe-se, assim, na apreensão do que significa cidadania e democracia uma
relação de complementaridade. Ao mesmo tempo em que a cidadania é atributo da
pessoa inserida em uma sociedade democrática, uma sociedade democrática
implica na universalização da cidadania; por conseguinte, temos que somente será
46
Cabe, nesse momento, a leitura da seguinte reflexão de Bonavides: “A posição passiva em
face da coisa pública faz súditos, e não cidadãos. A cidadania manifesta-se pela via participativa,
pelas exteriorizações de vontade de cada membro da sociedade política, legitimamente habilitado a
intervir no processo decisório e governativo, mediante o qual se conduzem os negócios públicos
debaixo do interesse da coletividade.” BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 1996,p.21.
47
Mas, acima de tudo, é preciso não esquecer que „o cidadão matou a pessoa‟, quando
subordinou os direitos da cidadania a concessões legais e, pior do que isso, reservou a cidadania a
uma classe de privilegiados. Deve-se continuar falando em cidadania, porque é um conceito útil,
ligado às idéias de liberdade e igualdade dos seres humanos e de plenitude na aquisição e no gozo
dos direitos, sobretudo daqueles que interessam à coletividade; mas sem perder de vista que
enquanto houver pessoas excluídas da cidadania não poderá existir sociedade democrática.”
(DALLARI, Dalmo de Abreu. Estado de direito e cidadania. In GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO,
Willis Santiago. (Org.), Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo:
Malheiros, 2001, p.198-199).
36
democrática a sociedade, o Estado,
48
em que todos sejam cidadãos, em que todos
gozem igualmente dos direitos e poderes inerentes à esta condição.
O exercício da cidadania em uma sociedade complexa, pluralista e inclusiva
necessita de espaços sociais adequados para que os cidadãos se articulem,
reivindiquem, se intercomuniquem e possam refletir suas necessidades e anseios
para concretizá-los.
Enquanto não existirem espaços públicos para diálogo, para exercício do
direito à comunicação e enquanto as pessoas não se descobrirem agentes políticos
nem se fizerem capazes de intervir no meio social com perspectiva promoverem
mudanças positivas, como a efetivação e ampliação de direitos, a escolha e
acompanhamento da execução de políticas públicas, a cidadania continuará restrita
a uma concepção formal.
Dessa forma, o exercício da cidadania pressupõe a criação de espaços
públicos (que não se confundem necessariamente com espaços estatais), espaços
sociais de luta, de articulação de interesses e afirmação de direitos; pressupõe-se a
existência de canais de comunicação com caráter democrático e horizontal.
49
Nesse ponto, a comunicação social figura como importante instrumento de
exercício e aprimoramento da cidadania e a democratização dos meios de
comunicação social constitui questão privilegiada, verdadeira meta a ser buscada
por todos aqueles que acreditam na democracia como mecanismo ideal para a
convivência humana e de cidadania como atributo que deve ser inerente a toda e
qualquer pessoa.
48
Cabe colocar que dentro da ótica de democracia participativa a divisão entre sociedade e
Estado tenderia a ter seus contornos enfraquecidos; para uma melhor compreensão dessa questão
cabe a leitura de BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova:
Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.33, 1994.
49
Nesse sentido, pondera Liszt Vieira: A cidadania, definida pelos princípios da democracia,
constitui-se na criação de espaços sociais de luta (movimentos sociais) e na definição de instituições
permanentes para a expressão política (partidos, órgãos públicos), significando necessariamente
conquista e consolidação social e política. (...) A cidadania, em decorrência, implicaria a ligação
necessária entre democracia, sociedade pluralista, educação política e democratização dos meios de
37
Os meios de comunicação social, em especial a radiodifusão figurariam como
importante espaço público de vivência democrática a partir do seu potencial de
aglutinar número incalculável de pessoas em torno de questões comuns e de
interesses difusos.
Ao considerarmos que nas sociedades contemporâneas a vida social se
caracteriza pela predominância de grandes populações, pela concentração urbana,
somando-se ainda o fato de que as tecnologias de comunicação e de transporte
relativizaram as distâncias físicas, a comunicação social surge como importante
formadora de um espaço público.
Esse espaço público caracteriza-se como lugar não exclusivo e não excludente
de convivência humana, local de vivência comunitária, seja de forma física imediata
pela presença corpórea, material, como também pela mediação dos meios de
comunicação, que inclui o espaço eletrônico ou virtual, espaço de comunicação, de
diálogo, de mediação de pessoas e suas opiniões, idéias, interesses e valores.
Apesar de entendermos que uma relação de horizontalidade e de diálogo
(comunicação em sentido estrito) seja condição ideal de relacionamento dentro de
um espaço público e que esse ideal ainda se encontra distante da realidade, a
comunicação social, notadamente a radiodifusão, não deve ser descartada por esse
motivo; ao contrário, ela deve ser colocada em evidência, para que sua dinâmica
venha a ganhar contornos democráticos e dconsagre-se como legítimo espaço
público.
50
comunicação de massa.” (VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.
40-41).
50
“um dos maiores desafios na luta por um Estado democrático contemporâneo é o de resgatar
o espaço blico como formador das políticas sociais mediante a inclusão crescente de todos os
atores sociais relevantes. Justamente o espaço público que, no capitalismo, é quase inteiramente
constituído pelos meios de comunicação dos quais a maioria desses atores sociais encontra-se hoje
quase que totalmente excluída.” RAMOS, Murilo César. Comunicação, direitos sociais e políticas
públicas. In MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano. (Org.). Direitos à comunicação na
sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005, p.251. E ainda: “concluímos que
a necessidade urgente de criar a „Teoria Jurídico-Política da Libertação da Mídia‟ com uma nova
lei sobre concessões, permissões e controle, a fim de sairmos de um espaço privado, transitarmos
pelo espaço estatal, que é dos grupos oligárquicos e não nosso, e ocuparmos o espaço público, sem
o qual jamais haverá Democracia e, em conseqüência, cidadania ativa.” SARAIVA, Paulo Lopo. A
38
Torna-se, mais uma vez, visível a necessidade de uma comunicação social em
que exista efetiva abertura à participação popular, pois se o espaço público é
essencial para a vivência democrática e os meios de comunicação social compõem
o mais potente mecanismo aglutinador e criador de um espaço público, a
democratização dos meios de comunicação social é vital ao próprio regime
democrático.
Sociedades contemporâneas demandam espaços para múltiplos discursos e
para diferentes formas de viver. Assegurar a comunicação como um direito do
cidadão e ampliar a participação popular nos meios de comunicação social é
essencial para uma vivência democrática.
Pois é próprio da cidadania hoje estar associado ao “reconhecimento
recíproco”, isto é, ao direito de informar e ser informado, de falar e ser
escutado, imprescindível para poder participar das decisões que concernem
à coletividade. Uma das formas hoje mais flagrantes de exclusão cidadã se
situa justamente aí, na destituição do direito de ser visto e ouvido, que
equivale ao de existir/contar socialmente, tanto no terreno individual como
no coletivo, no das maiorias, como também no das minorias. (...) O que os
novos movimentos sociais e as minorias como as mulheres, os jovens ou
os homossexuais demandam não é serem representados, mas
reconhecidos: tornar-se visíveis socialmente em sua diferença. O que
lugar a um novo modo de exercer politicamente seus direitos.
51
A democratização dos meios de comunicação social, assim, não é um
interesse restrito daqueles que atuam como profissionais da área (empresários,
artistas, jornalistas etc.), mas a todo e qualquer cidadão, a todo ser humano, porque
o direito a ser visto, ouvido, reconhecido, ter oportunidade de expressar suas idéias,
valores e interesses, relaciona-se diretamente com a possibilidade da pessoa situar-
comunicação social na Constituição Federal de 1988. In GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO,
Willis Santiago (Org.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 415).
51
MARTÍN-BARBERO, Jesus. O medo da mídia: política, televisão e novos modos de
representação. In: DOWBOR, Ladislau (Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes,
2000. p.45.
39
se em seu contexto social, reconhecer-se e ser reconhecida, faz parte da existência
humana.
A democratização da comunicação social é ainda instrumento de
democratização social porque tem em si o potencial de descortinar realidades
vivenciadas em nosso país que o absolutamente inadmissíveis numa sociedade
democrática (como a prostituição infantil, a condição análoga a escravos em que se
encontram submetidos milhares de trabalhadores, à miséria absoluta) e então tecer
uma percepção mais apurada dessas realidades em que estamos direta ou
indiretamente inseridos.
Este aprofundamento na percepção do nosso entorno é construído num
processo comunicativo (de reconhecimento do outro e de si), que pode resultar em
importante estímulo à transformação da realidade que nos rodeia e nem sempre
percebemos ou nos julgamos capazes de transformar.
Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja
história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de
uma vigorosa alienação. Mas o homem, um ser dotado de sensibilidade,
busca reaprender o que nunca lhe foi ensinado, e vai pouco a pouco
substituindo a sua ignorância do entorno pelo conhecimento, ainda que
fragmentário. O entorno vivido é lugar de uma troca, matriz de um processo
intelectual.
52
Acreditamos, sinceramente, que a democratização da radiodifusão, juntamente
com a construção de novos meios de comunicação social balizados pelo princípio da
mais ampla participação popular constitui importante instrumento de transformação
social voltada à democratização, à ampliação e à universalização da cidadania e
defesa da dignidade humana.
52
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996, p. 61.
40
2.4 BREVE HISTÓRICO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL
A radiodifusão sonora surge no Brasil na década de 20, momento em que é
explorada de forma amadora; vindo a se consolidar como atividade empresarial
somente na década seguinte.
53
Na verdade, quando nos referimos ao surgimento da atividade apontamos para
iniciativas de profissionais e amadores da telegrafia e radiotelegrafia, bem como de
intelectuais brasileiros que se reuniam em núcleos de estudos e realizavam os
primeiros experimentos, estudando obras estrangeiras referentes aos avanços da
radiocomunicação.
54
As primeiras emissoras de rádio eram constituídas como associações civis,
geralmente intituladas de “Rádio Clubes” ou “Rádio Sociedades” e tinham finalidades
culturais e de entretenimento. Não havia, então, qualquer tipo de controle estatal
sobre a atividade.
Foi na década de 30, sob o governo Vargas, que se iniciou a regulamentação
do setor. O primeiro diploma legal foi o Decreto-Lei nº 20.047/31, passando a
radiodifusão a ser regulamentada e fiscalizada pelo Poder Executivo.
A radiodifusão, que outrora se desenvolvia livremente através de iniciativas
espontâneas da sociedade, passa a se submeter ao controle do Estado. O poder se
concentrava na Presidência da República, a quem competia a outorga das
concessões; outras competências referentes a questões técnicas estavam
distribuídas por ministérios e outros órgãos ligados ao Poder Executivo.
53
O advento da radiodifusão sonora no Brasil tem como marcos iniciais a primeira transmissão
radiofônica feita em 1922, onde do alto do corcovado, por ocasião dos festejos do centenário de
independência em que foi irradiado o discurso do Presidente Epitáfio Pessoa; e a criação da Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923 por Roquete Pinto.
54
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. História da comunicação no Brasil: dio e tv no Brasil.
Petrópolis, 1982, p. 32.
41
Em 1931 é criado o DOP, Departamento Oficial de Propaganda, que, em 1934
passa a ser designado como “Departamento de Propaganda e Difusão Cultural.
55
Além da tutela estatal, outras mudanças começam a ser sentidas a partir da
década de 30. Com o Decreto-lei 21.111, de 1932, é autorizada a veiculação de
publicidade comercial durante a programação das rádios, ocasião em que fica
evidente a mudança no direcionamento das rádios, que passam a ter nítida
finalidade lucrativa.
Inicia-se, a partir de então, um movimento de profissionalização das rádios. A
Rádio Record de São Paulo, por exemplo, passa a contar com atrações fixas, com
artistas profissionais exclusivos (a partir de 1934) e com a transmissão de partidas
de futebol (a partir de 1937).
56
Em 1937, surge a Rádio Tupi, primeiramente em São
Paulo e posteriormente no Rio de Janeiro que, vinculada aos “Diários Associados”,
de Assis Chateaubriand, representava a primeira rede de comunicação do Brasil,
isso é, o primeiro fenômeno de propriedade cruzada de meios de comunicação em
nosso país.
A Constituição de 1934 reflete a importância que o rádio adquire em nossa
sociedade, conferindo à União a competência privativa para explorar ou dar em
concessão a atividade de “radiocomunicação”, conforme expressão do próprio texto
constitucional.
57
Além de sua finalidade empresarial, as emissoras de rádio passam também a
serem usadas como de instrumento direto de poder governamental.
55
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita, op. cit., p. 63.
56
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no
Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p.170.
57
Art 5º - Compete privativamente à União:
VIII - explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, radiocomunicação e navegação
aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que liguem diretamente portos
marítimos a fronteiras nacionais, ou transponham os limites de um Estado;
42
Em 1936, Vargas institui a “Hora do Brasil”, programa de veiculação obrigatória
destinado a promover publicidade do governo, divulgando atos do executivo (a partir
de 1938 passa a ser transmitido em rede nacional).
A Carta de 1937, a despeito de possuir redação idêntica a do citado dispositivo
da constituição anterior (artigo 5º, VIII da Constituição de 1934), agora previsto no
artigo 15, VII; passa a instituir a censura prévia na radiodifusão.
58
Em 1939 é criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que
passa a substituir o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, de 1934
(sendo que este, por sua vez, substituíra o DOP que fora criado em 1931). O DIP
passa a ter a incumbência de promover a fiscalização e censura dos diferentes
meios de comunicação, como o cinema, o teatro, os jornais e também da
programação veiculada nas rádios.
Em 1940 a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que pertencia a um grupo de
estrangeiros, é encampada ao patrimônio da União; mesmo destino teve a Rádio
Ipanema, que passou a ser chamada de Rádio Mauá e foi vinculada ao Ministério do
Trabalho.
A Constituição de 1946, em seu artigo 5º, inciso XIII, previa norma semelhante
às previstas nas constituições de 34 e 37, com pequena alteração na redação, uma
vez que consta a expressão “diretamente ou mediante autorização ou concessão”,
consta além do termo “radiocomunicação”, presente nos textos constitucionais
citados, o termo “radiodifusão”.
59
58
Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito,
impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.
A lei pode prescrever:
a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa,
do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação,
a difusão ou a representação;
59
Constituição de 1946; art. 5º. Compete à União: XII - explorar, diretamente ou mediante
autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de
43
Se a princípio os termos radiocomunicação e radiodifusão parecem
equivalentes, cabe esclarecer que um tem significado mais específico do que o
outro. Enquanto radiocomunicação refere-se a qualquer tipo de comunicação
transmitida por ondas de rádio, a radiodifusão seria uma modalidade de
radiocomunicação que se distingue das demais pela sua destinação, uma vez que
atinge um público difuso, referindo-se precisamente às atividades de rádio e
televisão.
60
Mesmo em seu auge, cujos “anos de ouro” correspondem às décadas de 40 e
50, o sistema de transmissoras de rádio encontrava-se disperso, pulverizado,
incapaz de estabelecer uma cobertura de âmbito nacional, o que somente foi
realizado com maior sucesso através de outro meio de comunicação social, a
televisão.
As primeiras transmissões televisivas, por sua vez, se deram na década de 50.
A emissora pioneira foi a Tv Tupi (primeira emissora de televisão da América Latina),
fundada por Assis Chateaubriand a partir de um contrato com a empresa americana
de equipamentos RCA Victor, iniciando suas transmissões em 18 de setembro de
1950, em São Paulo (era o PRF-3 TV, canal 3), exibindo um programa de
variedades intitulado “TV na Taba”. Nos anos seguintes inaugurou emissoras em
outros estados, como a TV Tupi do Rio de Janeiro, que iniciou suas atividades em
20 de janeiro de 1951.
Depois da Tupi a disseminação da atividade aconteceu lentamente, com a
fundação de outras emissoras, como por exemplo: a Tv Record, também de São
telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas que liguem portos
marítimos a fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado;
60
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita, op. cit., p. 22. Para melhor entendimento, cabe a
transcrição do trecho: “Todas as telecomunicações transmitidas por ondas de rádio são designadas
radiocomunicações e podem ser divididas segundo a destinação, ou seja, para um público
generalizado e disperso (caso da radiodifusão), ou destinação específica para pessoas ou aparelhos,
direta ou indiretamente, aos quais a mensagem foi previamente endereçada”. A autora ainda anota
que o termo radiodifusão corresponde ao equivalente em língua portuguesa do termo inglês
broadcasting, que pode ser traduzido por “comunicação de longe”; a palavra broadcast pode ser
entendida, ainda, pela expressão “semear com prodigalidade”, lembrando que semear, em português
pode ser tomado de maneira figurada como equivalente da expressão “jogar aos quatro ventos”.
44
Paulo, em 1953; a Tv Rio, em 1955; a Bandeirantes, de João Saad, que iniciou suas
transmissões televisivas em 1957; a TV Excelsior, de Wallace Simonsen, em São
Paulo, no ano de 1959.
Ao contrário do rádio, que teve sua origem atrelada à atividade amadora, a
televisão, no Brasil, nasce com caráter empresarial, contando com o patrocínio de
anunciantes e de fabricantes de equipamentos.
O advento do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117, de 27 de
agosto de 1962), representa a perpetuação do modelo de exploração comercial da
atividade de radiodifusão e também expressa a influencia política que os
empresários detinham. O projeto inicial da lei, extremamente favorável aos
interesses do empresariado do setor, foi vetado pelo então presidente João Goulart
em 51 passagens; todos os vetos foram derrubados pelo Congresso em uma
noite.
61
Com a chegada desse novo veículo de comunicação, as verbas publicitárias
que se concentravam nas rádios começaram a migrar para a televisão. O consumo
em massa dos televisores, todavia, não foi imediato, pois na primeira metade da
década de 50 possuir um televisor era um luxo de poucos, símbolo de status; a
popularização somente se implementa nas décadas seguintes, em que o incentivo
governamental teve papel importantíssimo, tanto na implantação de estrutura de
transmissão, como na popularização dos aparelhos receptores domésticos.
Quando a televisão chegou ao Brasil, isto é, na década de 50, setenta por
cento da população vivia no meio rural e por ainda não contar com a tecnologia das
transmissões via satélites, cada cidade tinha programação própria, absolutamente
local, de modo que a atividade ainda não tinha alcance nacional, o que só foi
viabilizado pela expansão ocorrida na década de 70 e cuja protagonista foi a rede
Globo de Televisão.
61
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil?
São Paulo: Paulus, 2007. p.12.
45
Em 26 de abril de 1965, três anos após conseguir a concessão com o então
presidente João Goulart, entra no ar o canal 4 do Rio de Janeiro, pertencente ao
proprietário do jornal O Globo, Roberto Marinho. A emissora instituiu diversas
mudanças no padrão televisivo até então conhecido e que vigem até hoje na maioria
absoluta dos canais. Foi a Globo que implantou uma grade de programação fixa,
conhecida dos telespectadores e os anúncios publicitários eram exibidos ao longo
de todo o dia, em breves intervalos.
A fundação da Globo é marcada pelo controvertido contrato com o grupo Time-
Life, dos Estados Unidos da América, assinado em 1962 e que previa que 30% dos
lucros da emissora caberiam ao referido grupo, tendo em troca capital para
investimentos e conhecimento técnico especializado.
Tal acordo seria explicitamente ilegal e gerou, inclusive, a instalação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso. Estima-se que US$ 5
milhões entraram na emissora por vias indiretas, como assistência técnica,
administrativa, consultoria para venda de anúncios e treinamento de pessoal no
exterior. Ainda por tal negócio, a Globo pagaria 45% de seu lucro líquido, além de
3,5% de seu faturamento.
62
A referida CPI, instalada em 1967, concluiu unanimemente pela
inconstitucionalidade do acordo (por violação ao artigo 160 da CF), mas a despeito
da concessão da emissora poder ter sido justificadamente cassada, nenhuma
sanção foi por ela sofrida. A única atitude tomada pelo então Presidente, Castello
Branco, conceder de um prazo de 90 dias para que a situação fosse regularizada.
Foi a Rede Globo precursora em formar o conceito de “rede de televisão” nos
moldes hoje conhecidos, tendo se estruturado em rede nacional a partir de 1969.
O fato de se implantar no país uma cadeia nacional de televisão atendia aos
interesses do governo militar, pois seria importante recurso que contribuiria para
manter a unidade do país, à medida que formava, em detrimento da imensa
62
GUARESCHIO, Pedrinho A. Comunicação & poder. 9.ed. Petrópolis: Vozes,1987, p.46-48.
46
disparidade e contrastes sócio-culturais, uma identidade nacional. A Globo seria a
empresa que assumiria esse papel.
O investimento estatal foi essencial para a disseminação da televisão ao
público do Brasil; o governo a bancou vultosos projetos, como a instalação de um
sistema nacional de torres de televisão; ainda abriu linhas de crédito isentas de juros
para que a população, em massa, adquirisse televisores, unificando o Brasil pela tela
da televisão.
Assim, depois que a Globo passou a ser uma rede nacional, a população
espalhada por nosso enorme território, com imensa diversidade, passou a ter um
grande universo em comum. “A televisão igualou o imaginário de um país cuja
realidade é constituída de enormes contrastes, conflitos e contradições”, afirma
Eugênio Bucci.
63
A televisão passou a ser, mais do que nunca, interessante espaço de
propaganda política.
Nos últimos anos de governo militar o poder de Roberto Marinho era tamanho
que, a fim de diminuir seu poder,
64
o governo abriu em 1980 concorrência para
novas concessões de televisão, disputa que foi ganha por Silvio Santos, do SBT e
Adolpho Bloch, da Manchete.
Alguns episódios relacionados à Rede Globo ficaram lebres, como o poder
de Roberto Marinho nomear e destituir Ministros como, por exemplo, a indicação de
Antonio Carlos Magalhães (ACM) para o Ministério das Comunicações, em 1985 e
de Maílson da Nóbrega que, antes de ser nomeado Ministro da Fazenda em 1988,
63
Superinteressante. São Paulo: Ed. Abril, edição 214, ano 19, n.6, jun., 2005, p.53.
64
Acerca do poderio da Globo e do temor que isso provocara no governo, LIMA coloca:
“Servindo ao regime autoritário, a RGTV servia a si mesma, trabalhando para consolidar seu “virtual
monopólio” e o conglomerado de empresas ao qual pertencia. (...) O que ocorreu, na verdade, foi a
transformação da RGTV numa instituição econômica e politicamente tão poderosa que acabou por se
tornar uma ameaça potencial ao próprio regime militar.” O autor ainda segue afirmando que, em 1975,
o então Ministro das Comunicações (coronel Quandt de Oliveira) manifestava preocupação em
relação ao poder da televisão , referindo-se à mesma com expressões como “grande ameaça”,
anunciando o risco do meio de comunicação fugir de qualquer controle ou regulação. LIMA, Venício
Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006, p.84
47
foi sabatinado pelo empresário. Ilustrando esse poder, ficou famosa a frase do então
Presidente da República, Tancredo Neves, em 1985: “Eu brigo com o papa, com a
Igreja Católica, com o PMDB. não brigo com o doutor Roberto”, como resposta à
indignação de Ulysses Guimarães com a citada indicação de ACM para compor o
Ministério.
Também é apontada a contribuição da emissora para a vitória de Fernando
Collor de Mello nas eleições presidenciais de 1989. Venício A. Lima, em Mídia: teoria
e política, cita que durante as campanhas eleitorais a revista Veja torna público um
encontro realizado no Rio de Janeiro em de agosto de 1989.
65
Estariam então
presentes o candidato Collor, os governadores Tasso Jereissati e Geraldo Mello e o
empresário Roberto Marinho, que além de apoiar publicamente a campanha, teria
afirmado “Collor, eu soube que há emissoras de TV que não lhe apóiam. Quero que
você me diga quem são, pois vou conversar com eles pessoalmente”.
Atualmente a Globo não é apenas líder no país, mas é também uma das
maiores produtoras mundiais de televisão, sendo que no ano de 2004 produziu
2.546 horas de programação, o equivalente a mil longas-metragens. Suas
produções são objeto de exportação para cerca de 62 países.
No imaginário da população, as telenovelas foram responsáveis por grande
influência nos costumes, foram, por exemplo, capazes de por em pauta assuntos
tidos como tabus, criar inúmeros modismos, expressões faladas no país inteiro;
enfim, disseminar em cadeia nacional diferentes e inéditos estilos de vida.
O sucesso empresarial da Globo, contudo, não se repetiu no setor de televisão
a cabo. O grupo teve de arcar com os custos da instalação da rede, o que lhe gerou
uma dívida que atingiu a cifra de 1.3 bilhão de reais no ano de 1999, entrando em
franco processo de colapso financeiro.
65
Venício A. Lima, Mídia: teoria e política. 2.ed., o Paulo: Perseu Abramo, 2004, p.226.
Refere-se à edição nº 1.091, p. 46-51.
48
Tal situação comprometia não apenas o segmento fechado, mas também a
televisão aberta que figurava como principal avalista da imensa dívida.
Coincidentemente, mesma época do referido endividamento da empresa, houve a
aprovação em 2001 de projeto de lei que permitiu, com alteração da legislação que
vigorava aentão, a participação ilimitada do capital estrangeiro nas operadoras de
televisão a cabo, o que facilitaria o aporte de investimentos.
Alem do protagonismo da Rede Globo e da atuação secundária de outras
poucas emissoras, uma característica marcante na programação da radiodifusão em
geral é a presença de programação religiosa, fenômeno que se manifesta
primeiramente no rádio e posteriormente na televisão.
Essa prática teria se iniciado nos Estados Unidos por iniciativa das igrejas
protestantes que vislumbraram nas novas tecnologias de comunicação interessante
estratégia de garimpar fiéis. Com a popularização do rádio na década de 20 e da
televisão na década de 50, acrescentando-se à urbanização crescente no referido
país e períodos, esses meios foram usados como caminho para a divulgação das
igrejas e a transformação dos cultos em espetáculos, devido à “acomodação” do
ritual religioso à linguagem da mídia eletrônica.
No Brasil, a presença de programação religiosa nas rádios teria se iniciado com
a presença de missionários estrangeiros, que “alugavam” horários nas emissoras
para difundirem suas mensagens.
A presença de igrejas na televisão, por sua vez, teria se iniciado na década de
70, quando algumas emissoras passaram a “vender” parte de seu tempo de
programação para tele evangelistas de origem estadunidense; dentre eles, alguns
nomes que se tornaram célebres naquele período, como o pioneiro Rex Humbard, e
ainda Pat Roberson e Jimmy Swaggart. Inicialmente, todavia, essa presença era
relativamente tímida devido aos altos preços cobrados pelo tempo televisivo e pela
49
falta de interesse dos proprietários de emissoras em abrir espaço para programação
religiosa em suas emissoras.
66
O crescimento das igrejas na década de 90 conferiu às mesmas poderio
econômico suficiente para que adquirissem seus próprios veículos de comunicação,
como editoras, estações de rádio e de televisão.
67
A Igreja Universal do Reino de Deus, como exemplo, teria montado um
expressivo conglomerado de comunicações, que inclui a TV Record de São Paulo,
comprada em 1989 por 45 milhões de dólares, além de diversas outras emissoras de
rádio e televisão em todo o país, cuja propriedade é atribuída formalmente a
pessoas físicas ligadas à Igreja, como o Bispo Edir Macedo, sua esposa Ester e ao
senador Marcelo Crivella, dentre outros.
68
A Record engloba cerca de 30 emissoras
de televisão, atualmente iniciou as transmissões de um canal dedicado
exclusivamente ao telejornalismo em São Paulo (Record News), além de estações
no interior; dezenas de emissoras de rádios. A Igreja Universal, sem mencionar sua
atuação no exterior, conta com mais de quatro mil templos no Brasil e publica um
semanário (Folha Universal) de tiragem maior que um milhão de exemplares; possui
um imenso parque gráfico, uma instituição financeira, uma agência de turismo e uma
fábrica de móveis destinados a igrejas.
A Igreja Renascer em Cristo, liderada pelo casal Estevan Hernandes Filho e
Sônia Hernandes, possui um canal de televisão em São Paulo além de diversas
66
Informações obtidas em CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos, pentecostais e
carismáticos na mídia radiofônica e televisiva. Revista USP, São Paulo, n. 61, mar./maio, p. 146-163,
2004.
67
Lima, Venício A. op. cit. p.110-111 revela dados de 2002 e 2003 que indicam que naquele
período os evangélicos controlavam mais de 300 emissoras de dio e canais de televisão no país,
que possuíam 96 gravadoras, além de possuir expressiva representação no Congresso nacional,
então com 56 deputados federais e quatro senadores.
68
Como instituição religiosa, a Universal é isenta do pagamento de impostos. Esse dinheiro
não tributado e sem custo tem sido transferido na forma de empréstimos, no entanto, para a conta
de líderes da igreja e para laranjas e testas-de-ferro. A partir daí, essas pessoas adquirem em seus
nomes as emissoras de rádio e teou empresas de ramos diversificados.” Isto é. Edição 1502, de
15/07/1998, matéria de Gilberto Nascimento, disponível também no endereço eletrônico
http://www.terra.com.br/istoe/.
50
rádios. A Igreja da Graça de Deus, comandada por R. R. Soares, exibe sua
programação diariamente em horários comprados na rede Bandeirantes de
televisão, mas também monta sua rede própria, que já opera em UHF e por satélite.
Em relação a atual penetração da televisão no cotidiano da população
brasileira, alguns dados que revelam a importância desse meio de comunicação e de
sua absoluta liderança em relação aos demais veículos; mesmo com a
disseminação da internet, continua como principal meio de informação e
entretenimento no país.
Atualmente, o aparelho de televisão é um dos bens mais populares no Brasil,
está presente em 95,7% das residências; o acesso a outras tecnologias de
informação, como computadores, por exemplo, dissemina-se rapidamente entre a
parcela da população com maior poder aquisitivo, permanecendo ainda distante de
grande parte da população como um todo e estando ainda muito longe do grau de
universalização consolidado pela televisão.
69
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o
percentual de pessoas maiores de 10 anos que utilizaram a internet no período de
referência de três meses é de 21% da população total do Brasil; índice que atinge
69,5 % da população com renda acima de cinco salários mínimos e somente 11,6%
das pessoas com renda entre ½ (meio) e um salário mínimo.
70
Segundo indicadores do mesmo instituto, 90,3% (aproximadamente 47 milhões
dentre um total de aproximadamente 51 milhões de domicílios) dos domicílios
69
Conforme dados da primeira “Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e da
comunicação no Brasil”, feita em 2005, sob coordenação do Comitê Gestor da Internet e disponível
no endereço eletrônico (acessado em 07/03/2007): http://www.cetic.br/tic/2005/indicadores-2005.pdf.
Segundo essa mesma pesquisa, o rádio está presente em 91,6%, celular 61,2%, telefone fixo 54%
das famílias; o computador pessoal tradicional em 16,6%; o acesso a tv a cabo atinge menos do que
6% da população, o lap top/ portátil em 0,8% , págs 79 e seguintes. O índice de indivíduos com
acesso à internet no domicílio temos o resultado de 9,39% em relação à população total; a
porcentagem é de 1,5% entre as pessoas de renda até R$ 500,00. (pág. 168).
70
Cf. dados obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD, 2005,
disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2005/sintese/tab8_7.pdf;
acessado em 07/03/2007.
51
particulares permanentes possuem aparelho de televisão, o que significa que, dentre
os bens duráveis (eletrodomésticos) fica preterido somente em relação à
percentagem de residências com fogão; item presente em 97,5% dos domicílios; no
tocante a micro-computadores, estes estão presentes em apenas 16,3 por cento dos
domicílios brasileiros.
71
Segundo dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos e
Pesquisas em Comunicação (EPCOM), o brasileiro passa em média três horas e
meia por dia assistindo televisão e 81% dos brasileiros assistem televisão todos os
dias.
72
71
Ibid.tabela 6_4.
72
“Os donos da mídia” Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM), divulgado
em 2002, e intitulado “Os donos da mídia”, http://www.fndc.org.br/arquivos/donosdamidia.pdf
52
2.5 CARACTERÍSTICAS DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL:
CONCENTRAÇÃO, APROPRIAÇÃO POR GRUPOS FAMILIARES E
VÍNCULO COM GRUPOS POLÍTICOS TRADICIONAIS.
O padrão histórico brasileiro das empresas ligadas à comunicação de massa
apresenta duas características marcantes que são a presença de grupos familiares e
o forte vínculo com as elites políticas locais e regionais, além de ser marcado pela
concentração da propriedade (oligopólios).
73
Na verdade, um panorama preciso e confiável da real situação de propriedade
da radiodifusão no Brasil é difícil de ser traçado pela falta de um banco de dados
estatal confiável; essa dificuldade é apontada por diversos pesquisadores do
assunto como um empecilho para a realização de pesquisas acadêmicas, de modo
que qualquer tentativa de desvendar informações mais fidedignas acaba ganhando
contornos de jornalismo investigativo.
74
Fenômeno peculiarmente nacional é o denominado “coronelismo eletrônico”,
termo que passou a ser utilizado por diversos jornalistas e pesquisadores da
comunicação social desde meados da década de 80. A expressão seria trazida
como herança conceitual do coronelismo enquanto prática política historicamente
difundida no Brasil em período de transição do sistema político nacional,
73
Venício A. Lima, Mídia: teoria e política. 2. ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2004. p. 103
74
“Quem se interessa em ter uma idéia, mesmo que vaga, da estrutura de distribuição das
comunicações no país tem de lidar com um enigma similar aos enfrentados pelas personagens de
literatura policial. As informações públicas são pulverizadas entre diversos arquivos, sistemas e
portais; arquivos em formatos de difícil manipulação, com informações imprecisas, dados
desatualizados e erros de registro. Os esforços de investigação empírica ainda demandam buscas de
registros em juntas comerciais, em ferramentas online e nos jornais locais, entre outros, na tentativa
de estabelecer as conexões internas da extensa rede informal de compadrio que sustentação ao
sistema de radiodifusão brasileiro.” SANTOS, Susy dos. E-Sucupira: o Coronelismo Eletrônico como
herança do Coronelismo nas comunicações brasileiras, publicado pela Revista da Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Compós, em 2006. p. 9. E ainda: É
importante registrar que uma das mais difíceis tarefas que os estudiosos da radiodifusão encontram é
identificar os verdadeiros controladores das empresas concessionárias de rádio e televisão no Brasil.
(...) ao utilizar os dados oficiais, o pesquisador sempre correrá o risco de não estar trabalhando com
os nomes dos verdadeiros controladores das concessões de rádio e televisão no país e, portanto,
desvelar apenas uma parte da realidade.” LIMA; Venício A de. Mídia: crise política e poder no Brasil.
p.122-123.
53
caracterizado pelas relações de clientelismo com elevada reciprocidade; com a
confusão entre interesse público e privado, com controle dos meios de produção
determinado pelo poder político em detrimento do poder econômico, e o isolamento
da municipalidade.
75
Suzy dos Santos explica a origem histórica da expressão. A definição do termo
“coronelismo” busca em Victor Nunes Leal que em sua obra Coronelismo: enxada e
voto, de 1949, esclarece que a expressão advém do fato que os proprietários de
terra recebiam, durante o período colonial, a patente de coronel, representando,
assim, o poder do Estado nas regiões em que se encontravam. O coronelismo se
circunscreve à Primeira República, período em que enfraquecimento do poder
econômico dos “coronéis” em face da modernização econômica, momento em que
esses se vêm obrigados a manter relações com o poder governamental para manter
seus privilégios; o marco final do fenômeno é o advento do Estado Novo, em 1937.
A expressão “coronelismo” pode ser corretamente aplicada no campo das
comunicações, por que é facilmente observada a lógica clientelista na outorga
municipal de emissoras de rádio e televisão que dentro do jogo federal adquiriram
status de moeda política; a autora ainda aponta outras características que reforçam
a aproximação conceitual, como a predominância dos interesses político e religioso
locais e regionais em detrimento do interesse econômico nacional e em relação à
regulamentação da radiodifusão; a separação infundada das tecnologias de
comunicação em marcos regulatórios distintos (refere-se à diferenciação entre
radiodifusão e as telecomunicações); e ainda a falta de transparência sobre a
estrutura de propriedade e de afiliação da radiodifusão em nosso país.
A expressão “coronelismo eletrônico” refere-se, assim, à retomada semântica
do termo coronelismo para descrever a estrutura de radiodifusão e tal como o termo
que lhe deu origem, é circunscrita a um período histórico, um momento de transição
75
SANTOS, Susy dos. E-Sucupira: o coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas
comunicações brasileiras. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em
Comunicação, Campos, 2006. Disponível em
<www.fndc.org.br/arquivos/ecompos07_dezembro2006_suzydossantos.pdf>. Acesso em: 08 ago.
2007.
54
entre dois modelos políticos, neste caso a ditadura e a democracia que pode ser
definido como “sistema organizacional da recente estrutura brasileira de
comunicações, baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder
local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o
poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação.”
76
Assim, apesar da expressão ter contexto específico, as relações de
clientelismo que envolvem as outorgas de serviços de radiodifusão se prolongam até
nossos dias.
Instrumentos de poder e de troca de favores e interesses, as concessões de
rádio e televisão têm servido, no Brasil, como moeda de troca entre o
Governo Federal e o setor privado. Entre 1985 e 1988, o então Presidente
Sarney concedeu um grande número de licenças de emissoras de rádio e
TV para empresas ligadas a parlamentares federais, os quais ajudaram a
aprovar a emenda que lhe deu 5 anos. Já na era Fernando Henrique
Cardoso, até setembro de 1996, foram autorizadas 1.848 licenças de RTV,
repetidoras de televisão, sendo que 268 para entidades ou empresas
controladas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda da reeleição.
77
O vínculo entre parlamentares e emissoras de televisão e rádio é lugar comum
na nossa realidade. A despeito das restrições e impedimentos existentes,
78
o que se
observa é que existe a propriedade e direção de veículos de radiodifusão por
76
SANTOS, Susy dos; op. cit.
77
BAYMA, Israel Fernado de Carvalho. “A concentração de propriedade dos meios de
comunicação e o coronelismo eletrônico no Brasil.” Trabalho desenvolvido como assessor técnico da
bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara de Deputados, em novembro de 2001. Disponível
em http://www.pt.org.br/assessor/CONCENTRACAO.pdf, acessado em 24 de novembro de 2007.
78
Como o artigo 54, I, a) e b), da Constituição, que impede que Deputados e Senadores firmem
contrato ou exerçam qualquer cargo ou função em concessionárias de serviço público; o parágrafo
único do artigo 38, da Lei nº 4.117, que veda àqueles que estejam no gozo de imunidade parlamentar
ou foro privilegiado a direção ou gerencia de empresas de radiodifusão; além dos § do artigo 180
do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e do artigo 306 do Regimento Interno do senado
Federal, que dispõem acerca do impedimento dos parlamentares em participar de votações que
afetem seus interesses pessoais.
55
Deputados e Senadores e eles ainda participam das instâncias de votação sobre a
aprovação e renovações das outorgas.
Lima apresenta interessante estudo que revela a relação entre parlamentares e
a radiodifusão no Brasil, sua metodologia baseou-se no acompanhamento de todos
os processos de outorga e renovação de concessões de emissoras comerciais de
radiodifusão durante os anos de 2003 e 2004, concentrando suas conclusões
naqueles que percorreram todo trâmite legislativo nesse período, ou seja, aqueles
que se transformaram em Decretos Legislativos, decidindo em caráter definitivo
acerca da outorga ou renovação.
Segundo a pesquisa, muitos membros da Comissão de Ciência, Tecnologia,
Comunicação e Informática (CCTCI) da câmara dos Deputados e da Comissão de
Educação, do Senado, que representam instâncias decisivas nos procedimentos de
outorga e renovação de concessões, não somente são radiodifusores, como votaram
em procedimentos de outorgas e renovações, algumas vezes deliberadamente em
causa própria.
79
No ano de 2003, por exemplo, 16 deputados membros da referida Comissão
figuraram, conforme dados do Ministério das Comunicações, como sócios ou
diretores de 37 concessionárias, inclusive o Presidente da CCTCI (deputado Corauci
Sobrinho, do então PFL atualmente designado Democratas de São Paulo); em
2004, 15 dos 33 membros titulares da mesma comissão também aparecem na
condição de sódios ou diretores de empresas radiodifusoras.
Na sessão legislativa de 2005, dos 40 membros da CCTCI, pelo menos 11 o
concessionários diretos de emissoras de rádio e televisão.
Na data de 18 de agosto de 2005, foi constatado que 51 Deputados Federais
(de 513, o que significa aproximadamente 10% dos integrantes da Câmara dos
79
Cita o caso dos deputados Corauci Sobrinho (PFL-SP) e Nelson Proença (PPS-RS), que
votaram favoravelmente às renovações das concessões das emissoras de rádio que são
concessionários. LIMA, Venício A. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo,
2006. p.131.
56
Deputados) são considerados concessionários diretos (propriedade em nome
próprio), conforme dados oficiais referentes ao cadastro divulgado em 05 de agosto
de 2005 pelo Ministério das Comunicações; o autor pondera que esse número, para
refletir a real situação da propriedade e controle da radiodifusão, deve ser
subestimando, uma vez que não são considerados, nessa contagem, os nomes de
familiares próximos (pais, cônjuges, filhos).
Em relação ao Senado, os dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto de
Estudos e Pesquisa em Comunicação (EPCOM), revela que, em julho de 2005,
aproximadamente 30% dos senadores estariam ligados direta ou indiretamente (por
parentes) a meios de comunicação (do total de 81, 17 são titulares diretos).
80
A essas características, soma-se a presença de oligopólios familiares. Apesar
dos analisados dados serem conflitantes, o que se dá pelas diferentes metodologias,
por períodos distintos considerados e pela ausência de uma base de dados oficial
completa, atualizada e acessível; a maioria dos estudos aponta para a existência de
cinco grandes grupos controlando a televisão aberta, esses mesmos grupos, em
geral, também possuem outros meios de comunicação, como emissoras de rádio,
portais de internet e publicações (jornais e revistas).
81
Na década de 90, nove grupos familiares controlavam a grande mídia no Brasil,
quais sejam, Abravanel (SBT), Civita (Abril), Frias (Folha), Marinho (Globo), Saad
(Bandeirantes), Bloch (Manchete), Levy (Gazeta), Nascimento Brito (Jornal do Brasil)
e Mesquita (O Estado de São Paulo); sendo que os últimos quatro não exercem
atualmente mais controle sobre seus antigos meios de comunicação.
82
80
Esses dados também são apresentados por LIMA, Venício A. Mídia: crise política e poder no
Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2007. P. 132.
81
Conforme relatório de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em
Comunicação (EPCOM), divulgado em 2002, e intitulado Os donos da mídia”, seis redes privadas,
que dominam o sistema de televisão controlam, através de 128 grupos afiliados, mais de seiscentos
veículos de comunicação. Disponível em: http://www.fndc.org.br/arquivos/donosdamidia.pdf,
Acessado em 18 de novembro de 2007.
82
LIMA Venício Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil, o Paulo: Editora Perseu
Abramo, 2006. p.104/105.
57
Como maior grupo, sempre é apontada a Rede Globo de Televisão, com maior
número de geradoras próprias e retransmissoras, maior cobertura nacional
(praticamente 100% dos lares com televisão recebem o sinal), com índice de
participação (share) de audiência superior a 50% e com liderança absoluta na
capitação das verbas publicitárias; os outros grupos que se destacam são SBT,
Record, Bandeirantes e Rede Tv.
83
Um dos levantamentos indica que das cinco principais emissoras, a Globo
possui 92 geradoras, 1.369 retransmissoras e cobre 99,59% dos lares; o SBT possui
46 emissoras, 669 retransmissoras e cobertura nacional de 97% dos lares; a Record,
36 emissoras, 409 retransmissoras e cobertura de 73%; a Rede Tv está ligada a 30
emissoras, 481 retransmissoras e cobre 80% dos lares; à Bandeirantes são
atribuídas 11 geradoras, 167 retransmissoras e 88% de cobertura.
Em relação à crescente presença de grupos religiosos na radiodifusão, dados
de 2004, portanto desatualizados, mostra que a Universal tem vínculo com duas
redes, a Rede Record, que possui 2 geradoras e 10 retransmissoras, a Rede Mulher
83
Segundo dados divulgados pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, no
ano de 2005, dentre os principais grupos de televisão estão a Globo, que conta com 114 emissoras
(20 próprias e 94 afiliadas); o SBT, com 58 emissoras (11 próprias); a Record, com seis emissoras
próprias e 31 afiliadas; a Bandeirantes, com 34 emissoras, das quais nove são próprias; e a Tv
Ômega (Rede Tv!), com 14, das quais 5 são próprias e 9 afiliadas.
http://www.fndc.org.br/arquivos/RedesSintese.pdf, Acessado em 25 de novembro de 2007.
Dados trazidos por Venício Lima, em 2001, informam que à Globo estão relacionadas 114
emissoras (dentre próprias, assiociadas e afiliadas) e 55% de participação na audiência nacional,
além de 78% de participação nas verbas publicitárias; o SBT, por sua vez, 110 emissoras e 24% na
audiência; à Record são atribuídas 93 emissoras e 9% de share na audiência; Bandeirantes, 75
emissoras e 5% do total de audiência; à Rede TV, por sua vez, estão ligadas 40 emissoras e 3% na
participação na audiência; as demais emissoras existentes dividem os 11% de participação na
audiência nacional. LIMA, Mídia: Teoria e Prática, 2001. p. 100.
“A distribuição das outorgas da dita radiodifusão de sons e imagens, a televisão aberta,
contempla 5 geradoras próprias para a Rede Globo, 96 geradoras afiliadas, 19 retransmissoras
próprias e 1.405 retransmissoras afiliadas. A Rede Bandeirantes tem 10 geradoras próprias, 23
afiliadas, 191 retransmissoras próprias e 234 retransmissoras afiliadas. O SBT tem 10 geradoras
próprias, 37 geradoras afiliadas, 1.749 retransmissoras próprias e 639 retransmissoras afiliadas. E a
Rede Record tem 18 geradoras próprias, 18 geradoras afiliadas, 322 retransmissoras próprias e 216
retransmissoras afiliadas. Existem 138 grupos regionais afiliados.” BAYMA; Israel Fernando de
Carvalho. TV DIGITAL - Denúncia: nosso sistema será "analógico" , artigo publicado no site do
observatório da imprensa, em 3/4/2006, disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=375IPB002, acessado em 29 de
novembro de 2007.
58
que tem uma geradora e 41 retransmissoras; a Igreja da Graça possui uma geradora
e 50 retransmissoras; a Igreja católica, possui ligação com três redes, a João Paulo
II (2 geradoras e 208 retransmissoras), Século XXI (uma geradora e 14
retransmissoras) e a Rede Vida (uma geradora e 427 retransmissoras).
84
A ausência de legislação que proíba a chamada “propriedade cruzada” dos
meios de comunicação, é apontada como uma das causas que, ao longo da
consolidação da atividade no Brasil, influiu decisivamente para a concentração da
propriedade de veículos de comunicação social.
85
Na verdade, conforme nos ensina Lima, coexiste no Brasil uma combinação
nociva de diferentes tipos de concentração nos meios de comunicação social, quais
sejam, as concentrações horizontal e vertical; a propriedade cruzada e o monopólio
em cruz.
A concentração horizontal consiste na oligopolização ou monopolização dentro
de uma área do setor, neste caso citamos como exemplo o que ocorre nas
televisões que seria evidenciado pelo grande número de emissoras sob o controle
de uma mesma empresa ou grupo empresarial, pela ampla cobertura atingida
geograficamente e em número de domicílios, pela destacada posição na audiência e
pela captação hegemônica nas verbas publicitárias.
A concentração vertical se caracteriza pela integração de diferentes etapas da
cadeia de produtiva, ou seja, um único grupo controlaria todas atividades envolvidas
na dinâmica do meio de comunicação (toda a produção, veiculação, comercialização
e distribuição).
84
Os dados dos dois parágrafos são colocados por PESSEBON, Samuel. O mercado de
comunicações um retrato até 2006” In Políticas de Comunicação: buscas teóricas e Práticas.
RAMOS, Murilo César; SANTOS, Susy dos. (Org). São Paulo: Paulus, 2007. p. 287 e 289.
85
“A característica que permitiu a progressiva concentração de nossa radiodifusão e de
nossa mídia como um todo nas mãos de uns poucos grupos empresariais (e familiares) não é, em
geral, mencionada. Trata-se da ausência em nossa legislação de normas eficazes que impeçam a
propriedade cruzada na mídia. Na verdade, esse é um conceito que nem sequer está positivado em
nossa legislação” LIMA, Venício Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil, São Paulo: Perseu
Abramo, 2006. p. 97.
59
A propriedade cruzada se verifica quando um mesmo grupo possui diferentes
tipos de meios de comunicação, como jornais, revistas, editoras de livros, produtoras
de cinema, redes de televisão e rádio, provedores de internet, etc.
o monopólio em cruz, por sua vez, consiste em uma reprodução, em âmbito
regional e local, dos oligopólios da propriedade cruzada.
86
Diante do quadro acima esboçado, podemos observar que não existem
critérios democráticos na distribuição do espectro; por conseqüência, são poucos os
atores que decidem o que a grande parte da população vai assistir, do que será
informada, como será informada e quais os padrões estéticos e éticos que serão
valorizados.
86
Venício A. Lima, Mídia: teoria e política, ed., São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004. p.
95- 103.
60
3. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA RADIODIFUSÃO
Falta à radiodifusão um marco regulatório coerente e eficiente. Apesar da
Constituição Federal ter reservado um capítulo para tratar da comunicação social,
onde estabelece algumas regras e princípios norteadores da atividade, sua
regulamentação vigente está prevista preponderantemente em diplomas legais da
década de 60.
Não houve, após 1988, uma vontade política no sentido de regulamentar as
regras previstas na Constituição e conferir legislação sistemática e harmoniosa; ao
contrário, a partir da diferenciação da exclusão da radiodifusão como modalidade
dos serviços de telecomunicações, se aprofundaram as confusões em relação às
normas aplicáveis e à competência para a fiscalização da atividade.
Talvez o único diploma que trouxe alguma novidade significativa foi a Lei 9.612,
de 19 de fevereiro de 2008, que instituiu o serviço de radiodifusão comunitária; ainda
assim, discute-se se a legislação foi um avanço efetivamente positivo para a
democratização da comunicação social.
3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMADORES DA
ATIVIDADE
Os princípios aplicáveis à comunicação social estão em diversas passagens do
texto constitucional, no artigo 5º, por exemplo, destacam-se dentre os direitos e
garantias fundamentais intimamente ligados à comunicação, a liberdade de
pensamento, o direito de resposta, a liberdade de expressão intelectual, artística,
científica e de comunicação independentemente de censura, o livre acesso a
61
informações, a liberdade de reunião e de associação, o princípio da função social da
propriedade.
87
Há, ainda, os princípios concentrados no capítulo específico (Capítulo V, do
Título VII) destinado à comunicação social, a seguir indicados.
3.1.1 Não restrição
Reafirmando o disposto no inciso IX do art. 5º, o artigo 220 consagra as
liberdades de pensamento, de criação, de expressão e de informação e veda
expressamente, em seu parágrafo segundo, toda e qualquer forma de censura.
Na verdade, o artigo amplia a proteção prevista no artigo 5º, pois além de
vedar a censura, afirma, em seu caput, que o haverá qualquer tipo de restrição à
manifestação de pensamento, à criação, à expressão e à informação. Assim, além
de proibir a censura, atividade estatal, protege tais direitos de qualquer tipo de
cerceamento, inclusive pela ação de grupos econômicos.
Complementando esse entendimento, o Pacto de San José da Costa Rica, que
passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro a partir de sua homologação em
1992, reforça esse princípio e o complementa ao afirmar no item 3 de seu artigo 13,
que:
Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais
como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de
freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na
difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar
a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
87
Incisos IV, V, IX, XVI, XVII a XX e XXIII, respectivamente.
62
Em face da concentração de propriedade existente em relação aos meios de
comunicação social, o princípio da não restrição guarda estreita relação com o
disposto no parágrafo do artigo 220, que estabelece que os meios de
comunicação social não podem ser objeto de oligopólios ou monopólio.
3.1.2 Proibição da formação de monopólio e oligopólios
O artigo 220, em seu parágrafo 5º, estabelece importante princípio em relação
à propriedade dos meios de comunicação social ao vedar expressamente que estes
sejam objeto de monopólio e oligopólios.
Essa regra guarda consonância com o princípio de uma democracia pluralista,
visa garantir a pluralidade de atores no setor e se destaca na discussão acerca da
democratização da comunicação social.
Assim, o princípio se harmoniza com a concepção de que a comunicação
social é um direito de todos e que a radiodifusão tem finalidade de promover a
cultura nacional, a educação, divulgar informações relevantes a toda sociedade,
devendo refletir a diversidade e permitir a maior amplitude possível na participação
de diferentes parcelas da população.
A concentração da propriedade, com a formação de oligopólios ou monopólio,
afasta-se do caráter democrático consagrado na Constituição Federal, permitindo
que os meios de comunicação de massa sejam mantidos como privilégio de poucos
e utilizados como instrumentos de poder ilegítimo.
O Decreto-Lei nº 236/67 é o diploma legal que trata da matéria estabelecendo,
em seu artigo 12, alguns limites para que cada “entidade” (expressão usada pela lei)
possua concessão ou permissão de serviço de radiodifusão no país.
No que se refere às estações de rádio, os limites seriam de quatro estações
locais de ondas médias e seis de freqüência modulada (FM); três estações regionais
63
de ondas médias e três de ondas tropicais (no máximo duas por estado); e duas
emissoras nacionais de ondas médias e também duas de ondas curtas.
Em relação às estações de televisão, o limite é colocado em dez em todo o
território nacional (máximo de cinco em VHF e duas por estado). O parágrafo sétimo,
do artigo tratado, ainda veda às empresas concessionárias ou permissionárias do
serviço de radiodifusão se subordinarem a outras entidades que tenham por
finalidade estabelecer orientação única, através de cadeias ou associações de
qualquer espécie.
Sua eficácia, todavia, é questionável. Não previsão de uma questão
considerada crucial para a democratização da comunicação social, que é a proibição
da denominada “propriedade cruzada” de meios de comunicação, que significa que
não se restringe a apropriação simultânea, pela mesma entidade ou grupo
empresarial, de diferentes veículos de comunicação social. Note-se, por exemplo,
que o Decreto-Lei nº 236/67 é totalmente silente quanto à apropriação simultânea de
estações de rádio e televisão pela mesma entidade.
Além disso, os limites estabelecidos no art. 12 não são respeitados por muitos
motivos dentre os quais a dificuldade de se identificar os reais proprietários dos
meios de comunicação, uma vez que estes por vezes o registrados em nomes de
terceiros, como familiares ou amigos. Além disso, a referida limitação é contornada
pelo uso de manobras jurídicas, como contratos de afiliação entre emissoras.
88
As estações repetidoras e retransmissoras
89
de televisão, pertencentes às
estações geradoras não são incluídas nas regras apontadas.
88
“as limitações impostas pelo Decreto-Lei nº 236/67 à concentração na radiodifusão se tornam
inócuas porque, contrário a toda evidência, o MiniCom considera entidade‟ como significado de
„pessoa física‟ e, ademais, não leva em conta o parentesco. Da mesma forma, em relação ao
parágrafo 7º, o MiniCom não considera as „redes‟ - formadas com „afiliação‟ contratual de emissoras
- como constituindo subordinação „com finalidade de estabelecer direção ou orientação única‟ .” LIMA,
Venício Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006. p. 99.
89
Retransmissoras são estações que retransmitem, de forma simultânea ou não, os sinais das
emissoras geradoras, ao público; essa programação pode conter publicidade local, desde que
inserida na geradora. Repetidoras são estações que transmitem os sinais de uma estação geradora
64
Essa arquitetura dos oligopólios, estruturada em um sistema de afiliadas que
promove a articulação de grupos políticos e econômicos, nacionais e estaduais,
torna inócuos os limites de propriedade vigentes. Como conseqüência, existe a
centralização do conteúdo produzido nas “cabeças de rede”, notadamente no Rio de
Janeiro e em São Paulo, que concentram toda produção audiovisual e distribuição,
restando às emissoras locais o papel de retransmitir a programação.
90
Basta uma superficial observação do cenário atual para verificar que o
princípio ora tratado é manifestamente desrespeitado, pois é cil identificar
pouquíssimos atores no setor.
3.1.3 Princípios referentes à programação
A Constituição reconhece expressamente a importância da radiodifusão,
atividade que tem finalidades específicas e deve ser explorada com o atendimento
de finalidades e prioridades condizentes como o caráter público do serviço,
afastando-se, assim, da pura lógica da maximização do lucro, mesmo quando é
prestado pela iniciativa privada.
O artigo 221, em seus incisos enumera alguns princípios que devem ser
observados pelas emissoras de rádio e televisão no tocante ao que veiculam ao
público. São eles, a prioridade à programação de finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional, além do estímulo
à produção independente de cunho cultural, a regionalização da produção, e ainda o
respeito aos valores éticos da pessoa e da família.
Apesar de revelar o caráter público da atividade e a consonância com os
princípios democráticos, em geral, esses dispositivos não foram disciplinados em
de televisão para outras estações repetidoras, para retransmissoras ou para outras geradoras da
mesma rede.
90
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil?
São Paulo: Paulus, 2007. p. 16.
65
legislação específica, o que repercutiu, no plano fático, da inobservância dos
mesmos pelos meios de comunicação.
Em relação à regionalização da produção, princípio previsto no inciso III, do
artigo 221, a regulação desse dispositivo foi proposta no Projeto de Lei 256 no ano
de 1991, pela Deputada Federal Jandira Feghali (PC do B do Rio de Janeiro) e
ainda tramita no Congresso. Embora aprovado pelas comissões de Ciência e
Tecnologia, em dezembro de 2002 e da Comunicação e Informática, em agosto de
2003, encontra-se paralisado no Senado Federal.
91
Em relação regulamentação do conteúdo, estipulando critérios para exibição de
programação, quaisquer restrições são repelidas pelos empresários de radiodifusão
sob o argumento de cerceamento da liberdade de expressão e de informação, que
comparam à censura. A aplicação da classificação indicativa, por exemplo, foi objeto
de grande polêmica.
A competência da União de efetuar a classificação indicativa de programas de
rádio e televisão está prevista nos artigos 21, XVI e 220, § 3º, I, da Constituição
Federal. O artigo 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90)
determina que cabe ao poder público a regulamentação das diversões públicas,
informando em relação às faixas etárias, quais locais e horários inadequados para a
apresentação; o Estatuto ainda dispõe, no artigo 76, que as emissoras de rádio e
televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil,
programas educativos, artísticos culturais e informativos, atentando (no artigo 71)
que o direito à informação, cultura, lazer da criança e do adolescente deverá ser
garantido, respeitando-se a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento.
Para que os responsáveis possam restringir o acesso das crianças e
adolescentes à programação inadequada, a Lei 10.359, de 27 de dezembro de
2001, torna obrigatória a instalação, pela fábrica, de dispositivo de bloqueio de
91
Conforme BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Qual a lógica das políticas de comunicação no
Brasil? São Paulo: Paulus, 2007. p.108.
66
programação inadequada nos televisores produzidos no Brasil. A lei ainda dispõe
que cabe ao Poder Executivo promover a classificação indicativa e que as emissoras
deverão enviar sinais compatíveis com a classificação para que o aparelho
identifique o conteúdo da programação e seja possível o bloqueio dos programas
televisivos de acordo com a classificação.
92
Atualmente, é a Portaria 1.220/2007 do Ministério da Justiça que estipula as
regras de classificação indicativa. Em relação à portaria vigente, a crítica dos
empresários incide na vinculação da classificação com o horário de exibição e que
deverá respeitar os diferentes fusos horários do território brasileiro. Conforme notícia
veiculada pelo Ministério da Justiça, três Ações Diretas de Inconstitucionalidade
contra as portarias do Ministério que tratavam sobre a Classificação Indicativa foram
arquivadas pelo Supremo Tribunal Federal.
93
A regulamentação da classificação indicativa não se confunde com censura; a
regra, prevista na Constituição Federal e em outros diplomas infraconstitucionais,
insere-se no dever do Estado, família e sociedade protegerem a criança e o
adolescente e está em harmonia com o princípio de respeito aos valores éticos da
pessoa e da família. Ademais, a classificação não é imposta a programas
jornalísticos, tampouco é fundamentada em critérios absolutamente subjetivos, que
possam configurar monitoramento político ideológico, mas na avaliação da
incidência de cenas de sexo, uso de drogas e violência da programação, tendo em
vista o caráter educativo da comunicação social e o respeito aos direitos humanos.
Segundo dados indicados em um documento elaborado pelo Ministério da
Justiça, crianças e adolescentes assistem de três a quatro horas de programação
televisiva por dia.
94
A regulamentação do Estado não pode ser entendida, por si só e
92
Conforme artigos 3º e 4 º, da Lei nº 10.359/01.
93
Notícia veiculada no sítio do Ministério das Comunicações. Disponível em:<
http://www.mj.gov.br/classificacao/data/Pages/MJ09C66D3DITEMID57CAF35171CC4130807FEE2D
CF4540BCPTBRIE.htm>. Acesso em: 03. ago.2007.
94
Secretaria Nacional da Justiça. Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da
tevê. [supervisão editorial Veet Vivarta. Coordenação de texto Guilherme Canela] Brasília: ANDI,
2006. Disponível em: < www.mj.gov.br>. Acesso em 03.ago.2007
67
aprioristicamente, como ato de cerceamento de direitos, o que se pressupõe é que o
controle pelo poder público seja feito para atingir as finalidades constitucionais e
legais indicadas, através de critérios pré-estabelecidos e procedimento legítimo,
transparente, com mecanismos democráticos, como o direito de recurso e todos os
demais mecanismos inerentes ao devido processo legal. Afinal, o exercício de uma
liberdade não pode cercear outros direitos, como o da dignidade da criança e do
adolescente.
O Decreto 52.795/63, em seu artigo 28, estipula o mínimo de 5% da
programação dedicada à atividade noticiosa, o máximo de 25% para a transmissão
de publicidade e o mínimo de cinco horas semanais para transmissão de programas
educativos.
95
Ao verificarmos a existência de canais dedicados exclusivamente à
divulgação e comercialização de produtos, é fácil observar que essas regras, além
de concisas não têm qualquer tipo de eficácia.
Os princípios referentes à programação, além de serem obrigatórios para as
empresas durante a exploração da atividade, servem ainda como critério para a
outorga da concessão (aqueles que pleiteiam a concessão devem ter compromisso
com todos os princípios constitucionais e legais e sua proposta deve incluir uma
programação em conformidade com os mesmos e a descrição da proposta deve
prever a programação de caráter educativo, jornalístico, cultural e de produção local
como quesitos a serem avaliados no processo de outorga). Deve ser, do mesmo
modo, observado se as concessionárias realmente obedecem estes princípios, para
a aprovação da renovação da outorga.
96
95
Regra também prevista no artigo 124 da Lei 4117/62 que dispõe “O tempo destinado na
programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25%
(vinte e cinco por cento) do total.”
96
Parágrafo único, do artigo 67, da Lei 4.117/62 dispõe que “O direito a renovação decorre do
cumprimento pela empresa, de seu contrato de concessão ou permissão, das exigências legais e
regulamentares, bem como das finalidades educacionais, culturais e morais a que se obrigou, e de
persistirem a possibilidade técnica e o interesse público em sua existência.”
68
3.1.4 Complementaridade entre os sistemas público, estatal e
privado.
Esse princípio Indica não somente a diferenciação entre três modelos de
exploração, como indica que deve haver um mínimo de equilíbrio na distribuição dos
canais, uma vez que de nada adianta haver a complementaridade como princípio
constitucional se materialmente a distribuição dos canais acaba por determinar a
hegemonia de uma única maneira de exploração e de um único sistema. Fica claro,
portanto, que a radiodifusão não pode ser explorada hegemonicamente pela
iniciativa privada, mas que deve haver equilíbrio entre os sistemas público, estatal e
privado.
A importância da coexistência dos três modelos é, em primeiro lugar, consagrar
a comunicação social como serviço de caráter blico e não meramente atividade
econômica voltada ao lucro, assim como possibilitar a multiplicidade de uso do
espectro eletromagnético que, tendo em vista sua limitação física, deve ser
distribuído criteriosamente.
Pelo sistema privado, a exploração é impulsionada pelo financiamento
publicitário, de forma que o desenvolvimento da atividade e o direcionamento da
programação são necessariamente vinculados a índices de audiência.
O sistema estatal teria finalidade de proporcionar à população acesso a
informações dos diferentes poderes do Estado, das diferentes instâncias, divulgando
e esclarecendo serviços públicos, políticas públicas, atos dos diferentes agentes
políticos e entidades estatais, dando transparência aos atos públicos, informações
de interesse geral, além de programação educativa e cultural.
O sistema público, por sua vez, desvinculado de governos e sem necessidade
de preocupação precípua com índices de audiência, uma vez que seu custeio não
pode ser pautado por publicidade, seria formado por emissoras de entidades
privadas sem fins lucrativos, cuja direção deve ser plural e contar com a participação
de diferentes setores da sociedade. O distanciamento de metas comerciais confere
autonomia em relação ao conteúdo da programação, permite experimentação de
69
novas linguagens; a gestão plural e participativa proporciona uma aproximação
maior da programação com a comunidade, o que reforça seu caráter público.
3.2. EXECUÇÃO INDIRETA DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO:
CONCESSÃO, PERMISSÃO E AUTORIZAÇÃO
O texto constitucional, repetindo o que dispõe o Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62), afirma que os serviços de radiodifusão serão
executados diretamente pela União ou indiretamente, através de concessão,
autorização ou permissão.
97
Os serviços de radiodifusão sonora (rádio) local são objeto de permissão, os
serviços de radiodifusão sonora nacionais, regionais e os serviços de radiodifusão
de sons e imagens (televisão) o objeto de concessão, enquanto os serviços de
televisão educativa e de retransmissão e repetição de televisão são objeto de
autorização.
Pela regra prevista no Código Brasileiro de telecomunicações, Lei 4.117/62,
a prerrogativa para outorga é atribuída ao Presidente da República, ressalvados os
serviços de radiodifusão sonora (rádio) locais cuja autorização é imputada ao extinto
Conselho Nacional de Telecomunicações (nas demais esferas o Conselho tem
caráter consultivo), competência atualmente conferida ao Ministério das
Comunicações.
98
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a competência em outorgar e
renovar concessões e permissões continua atribuída ao Poder Executivo, no
entanto, criou-se a obrigatoriedade da decisão ser apreciada pelo Congresso
Nacional, podendo o Presidente solicitar urgência para a apreciação (art. 223).
97
Artigos 21, XII, a) da Constituição Federal e 32 da Lei 4.117/62.
98
Artigos 34, parágrafo primeiro; 29, X; e 33, § do Código Brasileiro de Telecomunicações,
Lei 4.117/62.
70
A regra introduzida pela Constituição tenta conferir caráter mais democrático ao
processo de outorgas, todavia, esse caráter permanece restrito, tanto pela falta de
efetivo controle sócio-político acerca das concessões, como pela regra de aprovação
de renovações.
O parágrafo 2º do mesmo artigo determina que a não-renovação da concessão
dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso em votação
nominal. Essa regra representa, de fato, a continuidade de uma lógica de
preponderância dos interesses dos empresários de radiodifusão em detrimento do
interesse público, dos princípios constitucionais e das regras de direito administrativo
referentes às concessões e permissões de serviços públicos.
O prazo das concessões e permissões é de 15 anos para o serviço de
televisão e de 10 anos para o serviço de rádio, conforme disposto no artigo 33,
parágrafo terceiro do Código de Telecomunicações e no artigo 223, parágrafo
quinto, da Constituição.
Não existe período máximo para a exploração do serviço, as renovações são
deferidas por períodos sucessivos e iguais. Pelo disposto no Código de
Telecomunicações, a prorrogação era considerada deferida automaticamente caso o
órgão responsável não decidisse dentro do prazo de 120 dias; apesar de atualmente
essa regra não mais subsistir, caso a outorga vença sem o pedido de renovação ter
sido apreciado pelo poder público, é concedida licença provisória de prazo
indeterminado, que pode se estender por vários anos, até que o pedido seja
avaliado.
Além disso, a regra constitucional apontada torna irrelevante a análise
criteriosa sobre o cumprimento das exigências legais e constitucionais para a
renovação da outorga, pois mesmo que a concessionária ou permissionária tenha
desrespeitado as regras relativas à programação, e às obrigações trabalhistas,
previdenciárias e fiscais, somente não te direito à renovação, se o Presidente
assim decidir e se dois quintos dos votos do Congresso confirmarem.
71
O artigo 34, da Lei 4.117/63, enumera algumas regras para procedimento de
outorga de novas concessões, permissões ou autorizações, dentre elas a publicação
de edital com 60 dias de antecedência, convidando os interessados a apresentar
suas propostas em prazo determinado e acompanhadas de requisitos como prova
de idoneidade, demonstração de recursos técnicos e financeiros para o
empreendimento e ainda a indicação dos responsáveis pela orientação intelectual e
administrativa da entidade.
Dispõe, no parágrafo segundo, que pessoas jurídicas de direito público interno,
inclusive universidades, têm preferência para a concessão.
No ano seguinte à publicação do Código, é aprovado o regulamento dos
serviços de radiodifusão, pelo Decreto 52.795/63, que contempla o procedimento
com maiores detalhes. O diploma sofreu diversas alterações, principalmente pela
edição do Decreto 2.108/96.
Pela redação vigente, o procedimento inicia-se pela publicação do edital, que é
de competência exclusiva do Ministério das Comunicações (art. 10, §2º); todavia,
pode o interessado, demonstrar a viabilidade econômica do empreendimento e, caso
não exista canal disponível no plano de distribuição de canais, estudo de viabilidade
técnica, o que, se confirmado pelo Ministério e se este julgar conveniente, pode dar
início ao procedimento de outorga.
O edital deverá prever os elementos e requisitos necessários à formulação das
propostas; dentre os obrigatórios, o apontados, nos incisos do artigo 13, o objeto
da licitação, o valor mínimo da outorga e as condições de pagamento, o local de
execução do serviço, os prazos para o recebimento das propostas, quesitos e
critérios para julgamento das propostas, minuta do contrato de concessão.
A publicação do edital deve ser feita 60 dias antes do prazo para entrega das
propostas; dentre os requisitos para habilitação, previstos no artigo 15, podemos
indicar a declaração de que a entidade não possui outorga de outro serviço idêntico
na mesma localidade e que não desrespeitará, uma vez concedida a outorga, os
limites estabelecidos no artigo 12 do Decreto 236/67; a qualificação econômico-
72
financeira, que inclui balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último
exercício; a documentação relativa aos dirigentes, que inclui a declaração de que
não estão no exercício de cargo letivo que lhes confira imunidade parlamentar nem
de cargo ou função da qual decorra foro privilegiado.
O artigo seguinte prevê quesitos e critérios para a avaliação das propostas,
dentre os quais, o tempo destinado a programas jornalísticos, educativos ou
informativos; tempo destinado a programas culturais, artísticos e jornalísticos
produzidos localmente; prazo para início da execução da outorga.
A partir de 1996, a outorga dos serviços de radiodifusão passou a se sujeitar ao
procedimento licitatório previsto na Lei 8.666/93 (lei de licitações, que regulamenta o
art. 37, XXI da CF e dá outras providências).
Apesar da submissão à licitação ser uma conquista democrática, não existe de
fato, transparência, tampouco órgão independente e plural para a apreciação das
outorgas e renovações.
99
Outras discrepâncias continuam presentes na nossa legislação, como a não
submissão da outorga de canais para a televisão educativa à licitação, conforme o
parágrafo primeiro, do artigo 13, do Decreto 52.795.
Além disso, ao contrário da regra geral sobre as concessões e permissões de
serviços públicos, as de radiodifusão não podem ser extintas pelo poder concedente;
o cancelamento da permissão ou concessão antes de vencido o prazo depende de
decisão judicial, conforme disposto no parágrafo quarto, do artigo 224, da
Constituição Federal.
99
Por ocasião da Constituinte, discutiu-se a criação de um órgão autônomo, o Conselho
Nacional de Comunicação, de composição pluralista e que teria função regulatória da radiodifusão
além do poder de participar na decisão acerca das outorgas e renovações, prevaleceu, todavia a
previsão do Conselho de Comunicação Social. Previsto no artigo 224, sua regulamentação (e
instituição) foi concretizada somente em 30 de dezembro de 1991, pela Lei 8.389, que atribui ao
mesmo caráter de órgão consultivo do Congresso Nacional, retirando, assim, a sua potencialidade de
órgão de controle democrático da comunicação social, de instrumento de fiscalização,
regulamentação do setor. A implantação do Conselho, entretanto, foi efetivada onze anos após
sua regulamentação e quinze após sua previsão constitucional.
73
Cabe ainda ressaltar que a radiodifusão é o único serviço público excluído
expressamente, pelo artigo 41 da Lei 8.987/95, do regime geral de concessão e
permissão de serviços públicos, disciplinado no referido diploma.
3.3 PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NA
RADIODIFUSÃO (EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 36, DE 28 DE MAIO
DE 2002)
O artigo 222 da Constituição Federal de 1988, em seu texto original, vedava a
propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão a estrangeiros ou brasileiros
naturalizados a menos de dez anos.
Em 28 de maio de 2002 foi promulgada a Emenda Constitucional 36, de
2002 que, ao alterar a redação do texto constitucional, promoveu significativa
mudança nas regras acerca da propriedade das empresas de radiodifusão sonora
(rádios) e de sons e de imagens (televisão) no território brasileiro.
Conforme o texto constitucional de 1988, vigente até a promulgação da
emenda, apenas pessoas naturais poderiam possuir empresas jornalísticas e de
radiodifusão; exceção feita a partidos políticos e a sociedades pertencentes
exclusivamente a nacionais, cuja participação não poderia exceder o limite de 30%
do capital social.
Além de ter o intento de resguardar o setor de interesses alienígenas, tais
regras facilitavam a identificação e responsabilização dos proprietários e dirigentes
das empresas jornalísticas e de radiodifusão, em caso de verificadas práticas
abusivas ou ilícitas.
As mudanças trazidas pela EC 36/02 consistem basicamente na permissão
de propriedade por pessoas jurídicas e na possibilidade da participação de capital
estrangeiro até o limite de 30% nas empresas jornalísticas e de radiodifusão. Pela
nova redação, o texto constitucional dispõe que setenta por cento do capital total e
74
votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens
deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros (natos ou há mais de dez anos
naturalizados). Mesmo tal limitação merece ser questionada, pois se torna muito
complexa a averiguação da nacionalidade dos reais proprietários quando se trata de
propriedade indireta, isto é, quando há a participação de pessoas jurídicas no capital
social.
A discutida Emenda estabelece ainda, em seu parágrafo segundo, que a
gestão das atividades bem como a escolha do conteúdo da programação caberá a
brasileiros natos ou naturalizados, de modo que, ao menos formalmente, resguarda-
se o interesse nacional em face do estrangeiro em relação ao que será veiculado
nos meios de comunicação de que trata o referido artigo. Na realidade prática,
todavia, é impossível dissociar o objeto de uma empresa dos interesses de seus
sócios, ainda que efetivamente respeitado o limite de trinta por cento da presença de
investimento externo na composição do capital social da mesma.
Esta Emenda Constitucional também inseriu a previsão de regulamentação, por
meio de lei, da participação do capital estrangeiro nas empresas que trata o
parágrafo primeiro do artigo 222 (nova redação) da Constituição Federal, tal lei teve
como iniciativa ato do poder executivo, uma vez que surgiu a partir da Medida
Provisória nº 70 de 1º de outubro de 2002 que foi convertida na Lei 10. 610 de 20 de
dezembro do mesmo ano.
A lei dispõe, em seu segundo artigo, que a participação de estrangeiros não
será feita diretamente, mas através de pessoa jurídica constituída sob as leis
brasileiras, que tenha sede no país e tenta formalmente coibir o controle de
estrangeiros que ultrapasse o limite constitucional, ainda que indiretamente, como
através do encadeamento de outras empresas. O mesmo diploma legal, entretanto,
mostra-se omisso em relação à criação ou mera previsão de mecanismos de
controle e fiscalização das restrições apontadas.
O afrouxamento das limitações, relativas à entrada de investidores
internacionais nos meios de comunicação de massa não demorou a repercutir no
plano fático. Em meados de 2003, por exemplo, virou notícia de grande repercussão,
75
a possível venda de parte do controle acionário do SBT, mais precisamente parcela
correspondente ao máximo permitido pela atual legislação, o que corresponde a
30% das ações da empresa brasileira, ao grupo mexicano Televisa.
Tais rumores suscitaram uma declaração do então Ministro de Comunicações,
Miro Teixeira, realizada em 10 de junho do referido ano, data em que sequer a
pretensão da negociata dos grupos empresariais envolvidos havia sido ratificada.
Em tal declaração o Ministro frisou que a hipotética transação enquadrar-se-ia
perfeitamente na vigente limitação à participação do capital estrangeiro nas
empresas jornalísticas e de radiodifusão de sons e imagens prevista no artigo 222
da Constituição Federal bem como na Lei 10.610/02.
Passado exatamente um mês da declaração ministerial, isto é, em 10 de julho
de 2003, a Agência Estado noticiou a confirmação feita pelo diretor de comunicação
da Televisa, de que realmente estudava-se a possibilidade do grupo negociar
participação societária no SBT.
Dois dias após, foi vez do SBT se pronunciar a respeito, através de uma nota
de esclarecimento, em que logo de início, foi afirmado que o empresário e
apresentador Silvio Santos gozava de ótima saúde, podendo perfeitamente manter-
se à frente da emissora; por fim mencionou-se genericamente que é natural que uma
empresa sólida tal qual o SBT suscite o interesse de outros grupos empresariais e
que são usuais as negociações desse porte, mas foi negada qualquer decisão
definitiva por parte de seus controladores.
À época em que ainda tramitava o Projeto de Emenda Constitucional, o
deputado federal Eduardo Alves, então relator do projeto, previa
100
que o advento
das fusões iria estimular a oligopolização do mercado, a vulnerabilidade da
soberania nacional, o aniquilamento da capacidade concorrencial das empresas que
não se associassem ao capital estrangeiro e ainda a dominação do mercado
brasileiro pela produção audiovisual internacional.
100
Em entrevista concedida à folha de São Paulo em outubro de 2001.
76
3.4 DIFERENCIAÇÃO JURÍDICA ENTRE TELECOMUNICAÇÕES E
RADIODIFUSÃO (EMENDA CONSTITUCIONAL 8 DE 15 DE
AGOSTO DE 1995)
A radiodifusão sempre foi entendida como uma das atividades englobadas pelo
conceito mais amplo de telecomunicações, inclusive a leitura da conceituação legal
de telecomunicações permite dedução imediata nesse sentido.
Pelo conceito legal, telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção de
diversos tipos de informação, como símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens
sons, através de deferentes meios, como fio, radioeletricidade, meios óticos ou
qualquer outro processo eletromagnético.
101
A Emenda Constitucional 8, de 15 de agosto de 1995 modificou a redação
do inciso XI e a alínea a, do inciso XII, ambos do artigo 21 da Constituição. Com
isso, alterou o regime das telecomunicações, destituindo o monopólio estatal até
então existente sobre o setor, além de promover a diferenciação jurídica entre as
telecomunicações (que abrange a telefonia e a transmissão de dados em geral) e a
radiodifusão, que passa a ser excluída do conceito de telecomunicações.
102
101
Note-se que apesar da alteração promovida pela emenda constitucional ora discutida, a
conceituação legal de telecomunicação não se alterou substancialmente, pelo contrário, manteve-se
idêntica: o art. da Lei 4.117/62 dispõe que “constituem serviços de telecomunicações a
transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro
processo eletromagnético”; a legislação que veio regulamentar a EC nº 8/95, ou seja, a Lei nº
9472/97, por sua vez, estabelece, em seu artigo número 60 que “Serviço de telecomunicações é o
conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § Telecomunicação é a
transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro
processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza.”
102
Redação original do texto constitucional:
Art. 21. Compete à União:
77
A alteração do texto constitucional foi antes necessária para política econômica
(uma vez que foi tornou-se juridicamente possível a privatização das empresas de
telefonia, processo iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso) do que para
refletir uma diferenciação fática entre radiodifusão e telecomunicações.
Não existe motivo técnico para fundamentar a diferenciação, que se torna cada
vez mais difícil de ser sustentada, uma vez que a convergência tecnológica, a
confluência da linguagem digital torna muito mais tênues as delimitações entre essas
atividades.
103
A confluência tecnológica estreita os limites entre atividades antes
consideradas distintas. A digitalização é capaz de unificar a linguagem de diferentes
plataformas e de dificultar a divisão rígida da exploração do espectro
eletromagnético.
O mapeamento do espectro no sistema digital difere do que acontece no
sistema analógico. No caso da utilização de tecnologia analógica, é muito mais
XI - explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal, os
serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de
telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito
privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e demais serviços de
telecomunicações;
Redação conferida pela Emenda Constitucional nº 8/95:
Art. 21. Compete à União:
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de
telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um
órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
103
“após serem transformados em um sinal digital, os dados multimídia passam a ter
representação universal: qualquer mídia digital é codificada em uma seqüência de bits. Todos os tipos
de informações digitais (inclusive as que não são multimídia) podem ser manipulados, armazenados e
transmitidos da mesma forma, usando o mesmo tipo de equipamento. As mídias em formato digital
podem ser integradas com outros dados digitais, compartilhando os mesmos recursos (discos, redes
etc.).” (MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas
para o Brasil. 2.ed. Florianópolis:Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p. 65.)
78
simples fixar limites, estipular faixas determinadas do espectro e delimitar quais
seriam utilizadas para os serviços de rádio, televisão ou telefonia celular; assim,
cada faixa, pedaço do espectro, estava especificada, correspondendo a determinado
serviço conforme suas características próprias. Com a convergência digital, tal
delimitação não seria tão simples, pois os dados transmitidos passam a ter a mesma
natureza: todos são bits.
104
A Lei 9.472 de 16 de julho de 1997, conhecida por Lei Geral de
Telecomunicações, surge para dar continuidade e complementaridade à política de
privatização e internacionalização que atingiu diversos setores na nossa economia e
que no caso das telecomunicações foi inaugurada com a E.C. nº 8, de 15 de agosto
de 1995.
Lima nos adverte que a confecção do referido diploma legal, não foi obra que
nasceu da pura técnica legislativa de nossos parlamentares, mas, que teria sido
profundamente influenciado pela “consultoria” prestada pela União Internacional de
Telecomunicações (UIT), em virtude de um acordo celebrado entre o Ministério das
Comunicações e a referida entidade em 1996 através de um Termo de Cooperação;
o autor ainda aponta forte influência internacional que o projeto de Lei teria sofrido
por ocasião do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos no início de 1997 e
que precedeu à assinatura do acordo sobre telecomunicações da Organização
Mundial do Comércio (OMC).
105
Seria resultado direto dessa influência toda a tendência de internacionalização
do setor, que fica explicitada por um dispositivo específico que expressamente
confere ao Poder Executivo a competência para estabelecer os limites à participação
104
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 2..ed. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 57.
105
LIMA, Venício A. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
p.120-137. Referindo-se ao projeto de lei que criou a Lei geral de telecomunicações, o autor ainda
coloca “o Projeto de Lei foi desenhado, entre outros aspectos, apara atrair os investidores
estrangeiros. Todas as outras considerações com relação à formulação da política no setor ficam
submetidas a essa prioridade número um.” p.126.
79
do capital estrangeiro nas empresas de telecomunicações privatizadas.
106
Através
do Decreto 2.591 de 15 de maio de 1998, o Presidente usou do referido poder e
não impôs qualquer limite para a participação do capital estrangeiro no setor de
telecomunicações, até então limitada pela Lei 9.295/96 (a chamada Lei Mínima)
em 49%.
Sem dúvida, o setor de telecomunicações desperta o interesse do capital global
pela sua indiscutível capacidade lucrativa que se acentua cada vez mais com a
convergência tecnológica; a importância que este setor adquire na sociedade
contemporânea é o central que Gaspar Vianna chega a se referir ao setor como o
“melhor que petróleo” ou ainda como “melhor negócio do mundo”
107
, tais expressões,
ainda que soem exageradas, parecem ganhar plausibilidade à medida que a própria
base estrutural do capitalismo vai deixando paulatinamente de se concentrar na
produção para afirmar-se no terreno da informação.
Apesar da importância das telecomunicações em geral, o que nos importa
especificamente na análise da Lei Geral de Telecomunicações é identificar como ela
afeta a radiodifusão, pois, se a princípio esse diploma não disciplina esta atividade,
tendo em vista as modificações trazidas pela Emenda Constitucional 8/95, vários
dispositivos tratam da radiodifusão.
Além da distinção constitucional entre os serviços, a Lei Geral de
Telecomunicações, ao revogar expressamente o Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei n. 4.117/62), ressalvando os preceitos relativos à
radiodifusão (art. 215, I) reforça o entendimento de que não disciplina a matéria
concernente a esta atividade. A despeito disso, o que se verifica é que a
radiodifusão é tangenciada pela Lei nº 9.472/97 em diversas passagens.
106
Trata-se do artigo 18, da Lei Geral de Telecomunicações, que em seu parágrafo único
dispõe: “O Poder Executivo, levando em conta os interesses do País no contexto de suas relações
com os demais países, poderá estabelecer limites à participação estrangeira no capital de prestadora
de serviços de telecomunicações.”
107
VIANNA,Gaspar. Privatização das telecomunicações. 2. ed. Rio de Janeiro: Notrya, 1993,
p.19-29 e 81-115.
80
O fato de um diploma legal criado especificamente para disciplinar os serviços
de telecomunicações atingir a radiodifusão não evidencia, do ponto de vista
técnico, o artificialismo que representa a referida distinção jurídica que excluiu a
radiodifusão como modalidade do conceito mais amplo de telecomunicações,
108
como também explicita como essa indevida distinção pode causar conflitos na
interpretação e aplicação das normas jurídicas em diversas situações fáticas.
3.4.1 A atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
em matéria de radiodifusão
A atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em relação à
atividade de radiodifusão é exemplo privilegiado desse descompasso técnico-
jurídico.
Esta agência foi criada pela Lei 9.472/97 para atuar como órgão regulador
dos serviços de telecomunicações, mas que acaba por intervir nos serviço de
radiodifusão, promovendo a fiscalização e aplicando medidas repressivas, como a
apreensão de equipamentos de rádios informais.
Como abordado, a radiodifusão não seria atingida pelas normas referentes à
telecomunicação, em especial à Lei 9472/97 tendo em vista divisão jurídica entre
telecomunicações e comunicações que atualmente existe em nosso ordenamento.
Por via de conseqüência, a Anatel não teria qualquer competência para atuar na
regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções em face da radiodifusão.
109
108
Pela leitura da descrição legal do serviço de telecomunicações, prevista no Art. 60, § 1º, da
Lei 9.472/97, torna-se visível que este, pelo aspecto técnico, abrange a radiodifusão. (Art. 60.
Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos
ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons
ou informações de qualquer natureza).
109
“(...) no que tocava ao setor de mídia eletrônica rádio e televisão, ou radiodifusão,
conforme definição legal - como visto acima, ele sofrera por ocasião da quebra de monopólio estatal
das telecomunicações, em 1995, uma radical mudança jurídico-institucional, deixando de figurar entre
os serviços de telecomunicações, ficando, pois, fora do alcance da Lei Geral de Telecomunicações e
81
Dentre as competências que afetam a radiodifusão, podemos destacar a
competência de elaborar e manter o plano de distribuição de canais (arts. 158, §1º,
III e 211), a fiscalização das estações (de radiodifusão) quanto ao seu aspecto
técnico (competência prevista no art. 211, § único da Lei), o que representa poder de
polícia para fiscalizar e aplicar sanções previstas em lei específica.
A atuação da agência no sentido de fechar rádios de baixa potência que
operam sem autorização, lacrando ou apreendendo os equipamentos necessários
para o funcionamento das mesmas extrapola, todavia, sua competência legal.
Como não previsão expressa que autorize à Anatel lacrar ou apreender
equipamentos, ao exercer seu poder de polícia que é exclusivamente fiscalizatório
no caso da radiodifusão quando o faz, está agindo de maneira arbitrária.
Silveira aponta razões que considera óbvias para tal entendimento: o poder de
fiscalizar no caso das liberdades civis deve se limitar à autuação a fim de
proporcionar amplo direito de defesa; como não existe previsão legal da sanção de
lacração ou apreensão, tais penalidades não podem ser impostas sob pena de
violação do princípio da legalidade estrita. Além disso, ainda que existissem tais
sanções, estas somente poderiam ser aplicadas mediante a observância do devido
processo legal, com garantia da defesa prévia e ampla.
110
Também não se pode legitimar a atuação da Anatel pelo dispositivo previsto na
Lei n 9.472/97 que, ao atribuir (em seu art. 19, XV) a esta agência competência para
realizar buscas e apreensão de bens, sem haver a necessidade de prévia
autorização judicial, violou a Constituição Federal (em seu art. 5º, LIV), entendimento
que foi liminarmente confirmado pelo Supremo Tribunal Federal ADIN 1.668 do
das competências regulatórias da Agencia Nacional de Telecomunicações.(...) Paradoxalmente, todo
o setor de televisão por assinatura permanecera como serviço constitucional de telecomunicações,
ficando portanto sujeito à Lei Geral de Telecomunicações e à Anatel.” (Ramos, Murilo César. “As
novas comunicações brasileiras.” In DOWBOR, Ladislau et al. (Org.) Desafios da comunicação. Rio
de Janeiro: Vozes, 2000, p. 333).
110
SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 168.
82
DF; em decisão liminar o STF suspendeu a aplicabilidade do referido dispositivo até
julgamento definitivo.
111
A ação da Anatel em lacrar e apreender equipamentos viola a Constituição e o
diploma legal que a instituiu, ao prever que “nenhuma sanção será aplicada sem a
oportunidade de prévia e ampla defesa” (Art. 175) e constitui ação arbitrária uma vez
que as leis referentes à radiodifusão são omissas nesse tipo de sanção.
112
3.5 A COMPLEXIDADE EM RELAÇÃO AO ENQUADRAMENTO
JURÍDICO
Juridicamente, o termo comunicação comporta diversos significados, sendo
mencionado em vários momentos com carga semântica variada.
113
As análises acerca de como a comunicação social pode ser entendida em
nosso ordenamento jurídico, conforme o aspecto a ser enfocado, demonstram a
dificuldade do enquadramento jurídico preciso da comunicação social, em especial
da radiodifusão.
111
“Avulta a abusividade da Anatel, ao considerar que, renitente e rebeldemente, no momento,
tem desferido poderoso golpe de morte nas rádios comunitárias, lacrando-as ou apreendendo em
todo território nacional seus equipamentos, desrespeitando a determinação da mais Alta Corte de
Justiça do país.” (SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001,
p.169.)
112
Em relação às rádios comunitárias, a Lei 9.612/98, em seu art. 21, somente prevê sanções
administrativas de advertência, multa e revogação de autorização.
113
Tomando somente alguns exemplos do emprego do referido termo no texto constitucional,
podemos ter idéia de sua pluralidade semântica: o artigo 5º, inciso IX (é livre a atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; ainda no mesmo
artigo (5º), em seu inciso XII, ao consagrar o sigilo das informações de cunho pessoal, dispõe ser
„inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas (...)”; o capítulo V “Da comunicação social” traz em seus artigos o termo em
diferentes conotações: art. 220, § veículo de comunicação social”; art. 220 § 5º, “os meios de
comunicação social”; art. 220, § 6º, “veículo impresso de comunicação”; art.222, § 3º, os meios de
comunicação social eletrônica”; art. 224, “Conselho de Comunicação Social”.
83
Cumpre-nos adiantar algumas colocações advindas dessas abordagens,
primeiramente que a comunicação seria um direito complexo, de muitas facetas,
algumas das quais serão analisadas a seguir; também podemos concluir, desde já,
que cada aspecto em que a comunicação social e a radiodifusão são tratadas
representa uma perspectiva que complementa as demais. De fato, conforme o
enfoque analisado, o tema recebe uma denominação ou natureza jurídica, sem
desqualificar a colocação anterior.
3.5.1 A radiodifusão como serviço público
Se o caráter público da radiodifusão é evidente, todavia, serviço público é
conceito que juridicamente comporta algumas divergências.
Pela concepção formalista, o enquadramento de uma atividade como serviço
público decorre de previsão normativa nesse sentido.
114
Por esse entendimento, a
radiodifusão pode ser afirmada como serviço público pela análise do mecanismo de
exploração dedicado à atividade. A Constituição Federal dispõe que compete à
União a exploração, direta ou mediante concessão, permissão ou autorização, dos
serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
115
Considerada a interpretação exclusivamente formalista, poderíamos afirmar
com segurança que a radiodifusão enquadra-se juridicamente como serviço público.
Existe, ainda, o entendimento que serviço público deve atender ao critério
material, ou seja, corresponder às necessidades mais essenciais das pessoas em
determinado contexto histórico.
114
Maria Sylvia Zanella di Pietro adota concepção formalista ao afirmar que “é o Estado, por
meio de lei, que escolhe quais atividades que, em determinado momento, são considerados serviços
públicos” (DI PIETRO; Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 1999, p.98).
115
Artigo 21, inciso XII, alínea a) da CF; além da previsão constitucional, previsão legal,
conforme disposto no artigo 32 da Lei nº 4.117/62.
84
Do ponto de vista material, existem dois motivos distintos para o
reconhecimento da radiodifusão como serviço público. Em primeiro lugar, constatada
a importância que a comunicação social desempenha na sociedade contemporânea,
deve-se imediatamente reconhecer que a natureza do serviço de radiodifusão é
pública, pois é destinado a toda população indistintamente, atingindo público
genérico e difuso, com maciça penetração em todo território
116
e que serve como
fundamental fonte de informação ao cidadão.
A comunicação é indispensável ao exercício da cidadania, portanto, uma das
necessidades básica de uma população inserida numa sociedade democrática.
Em segundo lugar, a radiodifusão envolve um recurso natural escasso, o
espectro eletromagnético. Como bem público, de uso comum do povo, não pode ser
explorado indistintamente, tornando-se necessário promover a racionalização de seu
uso para que se atenda ao interesse público e aos princípios e previstos na
Constituição Federal.
A comunicação social, especificamente a radiodifusão, atende a ambos os
critérios, material e formal, para a identificação de um serviço público.
117
As atividades consideradas serviços públicos sujeitam-se a um sistema próprio
de princípios e regras, o regime de Direito Público ou regime jurídico-
administrativo.
118
116
O Procurador da República Sérgio Gardenghi Suiama, refere-se à televisão como “serviço
público” e ainda como “espaço blico por excelência, ressaltando ainda que A televisão talvez seja
hoje um dos únicos serviços públicos que alcança todos os Municípios brasileiros.” SUIAMA, Sérgio
Gardenghi. Teses para a reconquista de um espaço público. Artigo disponível no endereço eletrônico:
www.intervozes.org.br/artigos/esp_publico.pdf, acessado em 31/01/2007.
117
Celso Antonio Bandeira de Mello define serviço público como uma junção do elemento
material: “prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou
comodidades materiais (como água, luz gás, telefone, transporte coletivo etc.) singularmente fruíveis
pelos administrados, por serem reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a
conveniências básicas da Sociedade, em dado tempo histórico.” Com o elemento formal: a submissão
ao regime de Direito blico. BANDEIRA DE MELLO; Celso Antonio. Curso de direito administrativo.
19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 636 e ss.
118
Id., Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.601.
85
Dos princípios, que formam o regime de direito público podemos destacar
alguns que se destacam quando consideramos o papel da radiodifusão, como o
princípio da supremacia do interesse público, que informa que os serviços serão
prestados considerando-se primordialmente os interesses da coletividade, jamais
interesses secundários do Estado ou os do que hajam sido investidos no direito de
prestá-los.”; o princípio da transparência, que impõe que seja aberto ao público
tudo que concerne ao serviço e à sua prestação, inclusive, os critérios de concessão
e execução do serviço; e o princípio do controle sobre as concessões, que
pressupõe a regulamentação e fiscalização do serviço pelo poder público.
119
Dessa constatação fica evidente que a exploração da atividade não se
confunde com qualquer atividade econômica. As emissoras privadas de televisão e
rádio, ao prestarem serviços de entretenimento e informação, não estão
simplesmente exercendo uma atividade lucrativa (em proveito de seus sócios e
clientes), estarão fazendo uso de um bem escasso que pertence a toda coletividade
e prestando serviço essencialmente público.
O Estado, por sua vez, ao regulamentar e permitir a exploração da atividade
com a utilização do espectro eletromagnético deve fazê-lo de maneira criteriosa,
para que a radiodifusão possa atender às finalidades a que se dispôs e aos
princípios do nosso ordenamento jurídico.
3.5.2 A comunicação social e a radiodifusão sob a perspectiva dos
direitos humanos: o direito à comunicação.
A primeira vez que o direito à comunicação é postulado teoricamente como um
direito autônomo, no sentido de um direito que não se confunde com o direito à
informação nem com a liberdade de expressão, se dá em 1969, quando Jean D‟Arcy
119
Ibid., p.604.
86
afirma que “vai chegar um tempo em que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos vai ter que abranger um direito mais extensivo do que o direito humano à
informação. (...) Este é o direito do homem a comunicar.”
120
O debate acerca dos direitos e liberdades de informação, expressão e opinião
havia deixado de se limitar à tradicional concepção individualista e passava a
enxergar aspectos sociais, admitindo a importância de se promover um fluxo mais
equilibrado de informações entre os países, mas é a partir da década de 70 que
se reconhece a necessidade de se afirmar teoricamente um novo direito, o direito à
comunicação.
Inicia-se, a partir de então, o processo de reconhecimento da comunicação
como direito humano fundamental. A Unesco (agência da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura) foi importante espaço de reflexão
sobre esse “novo direito”. As discussões específicas sobre o tema foram suscitadas
a partir da 18ª sessão da Conferência Geral da Unesco, em 1974
121
e nos anos de
1978 e 1979 ocorreram os dois primeiros seminários de especialistas da Unesco
sobre o direito de comunicar, que se deram em Estocolmo e em Manila,
respectivamente.
Nestes seminários, além da constatação de que o direito a comunicar implica
em diferentes aspectos, como o direito à informação e o acesso aos recursos de
comunicação, em dupla dimensão, individual e coletiva; também foi analisada a sua
dimensão internacional, concluindo-se que, por se tratar de um direito fundamental,
deveria ser incorporado à Declaração Universal de Direitos Humanos.
120
D‟ARCY, J. Direct broadcasting satellites and the right to communicate. EBU Review, n. 118,
p. 14-18. apud HAMELINK. op. cit.
121
A resolução 4.121 da referida conferência dispôs que “todos os indivíduos devem ter acesso
igual às oportunidades de participação ativa nos meios de comunicação e de se beneficiar de tais
meios, enquanto preservam o direito à proteção contra seus abusos.” Conforme HAMELINK, Cees. J.
Direitos humanos para a sociedade da informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano
(Org.). Direitos à comunicação na sociedade da informação.. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005,
p.144.
87
Também é importante ressaltar que, por ocasião da 19ª Conferência Geral da
Unesco reunida em Nairóbi em 1976, foi criada a Comissão Internacional para os
Estudos dos Problemas da Comunicação, presidida pelo irlandês Sean MacBride e
composta por representantes de outros 15 países, com a finalidade de examinar os
problemas da comunicação na sociedade contemporânea. Após oito reuniões em
dois anos de atividade foi produzido o documento Um mundo e muitas vozes,
122
também conhecido como relatório MacBride, cuja versão final foi apresentada em
fevereiro de 1980 e publicada em 1981.
O relatório, reconhecido como documento importante pelas organizações que
defendem a democratização da comunicação social, somente não teve repercussão
maior devido ao esvaziamento que o órgão (Unesco) sofreu na década de 80.
123
O processo de afirmação do direito à comunicação se inicia em um contexto de
sedimentação dos direitos de fraternidade ou solidariedade, também chamados de
direitos de terceira dimensão;
124
eles se caracterizam pela proteção de interesses
concernentes à humanidade como um todo, interesses difusos que muitas vezes
transpõem fronteiras de Estados Nacionais e que podem atingir futuras gerações.
São exemplos típicos desses “novos direitos” o direito ao desenvolvimento, o direito
122
UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época. (título
original: Voix multiples, um Seul monde, 1981). Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas
da Comunicação; trad. De Eliane Zagury. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983.
123
Esse acontecimento é relatado por diversos autores, como, por exemplo, por Ramos, que
afirma que em relação ao relatório: “Lamentavelmente ele sucumbira, como sucumbiu a própria
Unesco no tocante às questões de comunicação, ao cerco imposto pelos estados Unidos e pela
Inglaterra, cujos governantes, Ronald Reagan e Margareth Thatcher, no início da década de 80,
comandaram a retirada de seus países daquele órgão das Nações Unidas.” (RAMOS, Murilo César.
Comunicação, direitos sociais e políticas públicas. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano
(Org.). Direitos à comunicação na sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005,
p.246.)
124
Contemporaneamente a divisão dos direitos em diferentes “gerações” é criticada por grande
parte da doutrina, que prefere adotar a expressão “dimensões”, evitando assim a idéia que existe a
substituição e supressão dos direitos humanos. “os direitos humanos não se sucedem ou substituem
uns aos outros, mas antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos
individuais e sociais (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6.
ed. São Paulo: Max Limonad, 2004, p.23).
88
ao patrimônio comum da humanidade, o direto ao meio ambiente saudável e ainda o
próprio direito à comunicação.
125
Esses novos direitos também se caracterizam pela superação da distinção
rígida entre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, o que significa
o aparecimento de direitos híbridos, que possuem diversas facetas e que não podem
se enquadrar de maneira precisa em um único tipo dessa classificação de direitos,
até porque são direitos complexos cuja efetivação está ligada a diversos enfoques
da vida humana e a outros direitos.
Verifica-se, ainda, a superação da visão individualista ou rigidamente
delimitada da titularidade dos direitos e a indivisibilidade do objeto, de modo que os
direitos tutelados passam, em sua maioria, a se caracterizar pela impossibilidade de
determinação precisa e excludente de seus titulares, gerando o fenômeno de direitos
cuja titularidade caracteriza-se por ser concorrente e disjuntiva.
126
O direito à comunicação encontra-se em processo de afirmação como direito
autônomo, mas é possível identificar em seu bojo diversas das características
peculiares a esses novos direitos, como a complexidade, o seu caráter difuso e
híbrido.
125
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração
tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à
proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm por
primeiro destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como
valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas os enumeram com
familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos
anos na esteira da concretização de direitos fundamentais. Emergiram eles na reflexão sobre temas
referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da
humanidade.” BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros,
2006,p. 569.
126
“O final do século XX revelou ao Direito o desenvolvimento de duas importantes teorias,
matizadas pela noção comum da coletivização dos conflitos e pela preocupação em proteger
interesses pulverizados pela sociedade ou por parcelas sociais. De um lado, a evolução dos direitos
humanos privilegiou sua indivisibilidade, interdependência e complementariedade e induziu á criação
de novos direitos híbridos, decorrentes da superação da distinção absoluta entre direitos civis,
políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. (...) De outro, a teoria dos interesses
transindividuais, como a superação da doutrina individualista do processo, propiciou uma nova
categorização de direitos e interesses e sua justiciabilidade, antes inimaginável.” (WEIS, Carlos.
Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006, p.123).
89
Se hoje é pacífico o entendimento de que existe entre os direitos humanos,
independentemente da possível classificação em diferentes naturezas, uma relação
de interdependência e de unidade, no direito à comunicação essa relação torna-se
explícita, principalmente quando analisado ao lado dos direitos à democracia, à livre
expressão, à informação, à reunião, à participação, dentre outros.
Na construção do direito à comunicação são importantes os princípios
consagrados juridicamente e que guardam inequívoca pertinência com a relação
comunicativa, como os princípios de liberdade de expressão, direito à informação,
princípios pertinentes a outros direitos que, segundo Pasquali, são direitos
subsidiários ou derivados do direito à comunicação e que seriam fundamentais para
a efetivação de um direito que ainda não está sedimentado.
127
Essa transposição de princípios e direitos na defesa do direito à comunicação,
todavia, deve ser feita com cuidado, uma vez que, ainda que exista profunda relação
de interdependência entre diferentes direitos, muitas vezes a visão que se tem de
alguns direitos consagrados no ordenamento jurídico pode conflitar com a
concepção do novo direito.
Assim, embora a efetivação do direito à comunicação envolva outros direitos e
liberdades fundamentais consagrados formalmente ele não se confunde com os
mesmos.
O direito à informação, por exemplo, é um importante aspecto do direito à
comunicação, mas este não se limita àquele. Dentro do contexto das liberdades de
pensamento, de expressão e de religião, o direito à informação é um direito de
primeira dimensão, situado na gênese da modernidade ocidental como insumo da
127
“Nós temos fragmentos não conectados, porém, que podem ser úteis para um futuro e
coerente Direito à Comunicação. Princípios de liberdade de expressão consagrados pela comunidade
internacional, livre uso de qualquer mídia para exercer essa liberdade e uma proibição de hostilidade
contra os que exerçam esse direito continuam a ser sólidos fundamentos para a construção de um
Direito à Comunicação fundamental. Todos os outros direitos vinculados à relação comunicativa
primeiramente o Direito à Informação, inapropriadamente chamado de acesso à informação devem
ser considerados subsidiários e como derivados do Direito à Comunicação.” (PASQUALI, Antonio.
“Um breve glossário descritivo sobre comunicação e informação” in Direitos à comunicação na
sociedade da informação. MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano. (organizadores). São
Bernardo do Campo: Umesp, 2005, p.32).
90
cidadania, mas que se mostra restritivo à medida que o direito à comunicação seria
um direito mais amplo, que consagra como finalidade o crescente acesso e a
participação popular; uma real democratização da comunicação social, estando
assim em consonância com as expectativas de ampliação da cidadania e da
democracia.
128
A liberdade de expressão, em síntese, corresponde à possibilidade de um
indivíduo exteriorizar sentimentos, idéias, opiniões; demandando, basicamente, a
abstenção de qualquer atitude externa que inviabilize o seu exercício. Assim, a
comunicação, vista sob o aspecto da liberdade de expressão não chega a ser
errônea, mas imprecisa ou incompleta, são direitos interdependentes, mas
distintos.
129
O direito à comunicação pressupõe mais do que a abstenção estatal ou
de terceiros em geral, mas exige a existência de uma estrutura que permita que a
expressão de indivíduos, grupos ou comunidades, encontre um canal de divulgação
e que seja possível o diálogo entre esses atores.
Assim, exige-se do Estado não sua não-intervenção para evitar que
iniciativas espontâneas sejam vedadas, como a sua ação para que as mesmas
sejam garantidas, como a implementação de políticas públicas de fomento à
comunicação popular, regulamentação e fiscalização eficientes para combater a
oligopolização dos meios de comunicação. O Estado assume papel de responsável
pelo reconhecimento, promoção e garantia do direito de se comunicar; direito este
que viabiliza diversos outros, entre eles o de se expressar livremente.
Na verdade, torna-se visível a relação de complementaridade entre esses
direitos, afinal, a efetivação do direito à comunicação pressupõe o reconhecimento e
128
RAMOS, Murilo César. Comunicação, direitos sociais e políticas públicas. in Direitos à
comunicação na sociedade da informação. MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano.
(organizadores). São Bernardo do Campo: Umesp, 2005, p 245-253.
129
Por ser um direito complexo, o direito à comunicação que envolve diversos outros direitos
humanos e tangencia outros tantos, por essa característica quem entenda que existe o direito à
comunicação, como um conceito mais completo e ao mesmo tempo mais específico, e ainda os
“direitos de comunicação”, dentre os quais alguns que iremos de abordar, como a liberdade de
expressão, o direito de informação etc.
91
a proteção da liberdade de cada pessoa se expressar livremente, sem censura ou
necessidade de prévia autorização.
Podemos concluir que o direito à comunicação envolve todos direitos e
liberdades citadas, mas é mais extenso, por considerá-los numa concepção mais
ampla, que ultrapassa a ótica individualista tradicional; é também mais preciso, por
incorporar aspectos peculiares.
Em documento produzido para a Comissão Internacional de Estudos dos
Problemas da Comunicação, D‟Arcy traça uma linha de evolução que culmina na
afirmação do direito à comunicação. Esse processo teria se iniciado com a liberdade
de opinião, que advém de um contexto no qual prevalecia a comunicação
interpessoal direta; com o surgimento e expansão da imprensa, primeiro meio de
comunicação de massa, desenvolveu-se o conceito de liberdade de expressão; com
o desenvolvimento de outros meios de comunicação de massa, como cinema, o
rádio e a televisão, combinada com o abuso das propagandas em períodos de
guerra, surge a necessidade de se afirmar o direito de informação, que pode ser
definido como o direito de “procurar, receber e difundir as informações e idéias sem
consideração de fronteiras”; o passo mais recente trata da afirmação do direito à
comunicação, direito mais amplo e também mais específico.
Hoje em dia parece possível um novo passo adiante: o direito do homem à
comunicação, derivado de nossas últimas vitórias sobre o tempo e espaço,
da mesma forma que da nossa mais clara percepção do fenômeno da
comunicação (...). Atualmente, vemos que engloba todas as liberdades, mas
que além disso traz, tanto para os indivíduos quanto para as sociedades, os
conceitos de acesso, de participação, de corrente bilateral de informação
que são todas elas necessárias, como percebemos hoje, para o
desenvolvimento harmonioso do homem e da humanidade.
130
130
D‟ARCY, Jean. “Le droit de l´homme à comunique”, trecho do Documento nº 39, da CIC in
UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época. (título original:
Voix multiples, um Seul monde, 1981). Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da
Comunicação; trad. De Eliane Zagury. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983, p. 291.
92
Hamelink adverte que, em geral, os textos internacionais de direitos humanos
tratam da comunicação somente no tocante a direitos como liberdade de expressão,
acesso à informação e proteção da privacidade, ou seja, dispõem acerca de uma
concepção limitada de comunicação, por vezes equiparada a “disseminação de
mensagens” ou “consulta a fontes de informação” o que, apesar de constituir um
importante suporte para um processo dialogal, não se referem à comunicação como
algo de mão dupla, noção que, por sua vez, é elementar ao direito à comunicação.
Os textos fundamentais de direito internacional dos direitos humanos, como a
Declaração Universal de Direitos Humanos e a Convenção Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, segundo o autor, não contribuem para a concepção de um
processo comunicativo dialogal, mas, ao contrário, reforçam a visão de um processo
de mão única, demonstrando assim que o modelo de comunicação que deles pode
ser inferido não atende às exigências de uma sociedade democrática.
131
A construção de um novo direito demanda tempo e o esboço de uma
conceituação, ainda que não seja errônea, será incompleta; além disso, o caráter
complexo e a natureza difusa do direito à comunicação dificultam uma descrição
precisa do mesmo.
Podemos colocar, nesse momento, que o direito à comunicação consiste na
possibilidade concreta de indivíduos ou grupos compartilharem idéias, opiniões,
diversas criações do intelecto, discutir temas comuns, propor novas discussões
através de meios adequados (sendo que os veículos de comunicação social
desempenham papel fundamental), numa relação dialogal, horizontal, bidirecional ou
multidirecional.
131
“O seu modelo descreve a comunicação de forma linear, como um processo de mão única.
Isto é, contudo, uma concepção muito limitada e por vezes enganosa de comunicação, por ignorar o
fato de que, na essência, „comunicar‟ refere-se a um processo de compartilhar, tornar comum ou criar
uma comunidade. (...) A essência do direito seria baseada na observação de que a comunicação é
um processo social fundamental, uma necessidade humana básica e o fundamento de todas as
organizações sociais. (...) Permitir que as pessoas falem livremente nas esquinas ameaça menos um
governo do que permitir que as pessoas se comuniquem livremente umas com as outras. O direito à
liberdade de comunicação vai ao âmago do processo democrático, e é muito mais radical do que o
direito à liberdade de expressão!” (HAMELINK, Cees. J. Direitos humanos para a sociedade da
informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na
sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005. p. 142 et. seq).
93
A comunicação implica no estabelecimento de vínculos entre pessoas, grupos,
comunidade; vínculos que estabelecem, por sua vez, relações de confiança,
cooperação e solidariedade. Assim, o direito à comunicação, como o direito de
participar de um processo comunicativo, processo complexo e difuso, se manifesta
em diversos graus e instâncias, adquirindo diversas facetas e, sendo essencialmente
um direito a ser exercido em comunidade, demanda uma relação de reconhecimento
mútuo, de igualdade e liberdade entre os participantes.
A importância da bidirecionalidade no direito à comunicação é um dos
principais consensos que existem acerca da essência desse direito que está em
construção e em perene evolução.
O relatório MacBride, ao abordar a questão da participação do indivíduo na
comunicação social reconhece não somente o direito a ter acesso a informações
variadas e verídicas, mas também o direito do indivíduo transmitir suas “verdades” e
ainda o direito de discutir, ou seja, parte-se do entendimento que a comunicação
deve ser processo aberto de resposta, reflexão e debate. Adiante, o mesmo
documento afirma a comunicação como um processo bidirecional, em que os
participantes (individuais ou coletivos) dialogam democrática e equilibradamente.
Essa idéia de diálogo, contraposta à de monólogo, é a própria base de
muitas idéias atuais que levam ao reconhecimento de novos direitos
humanos. O direito à comunicação constitui um prolongamento lógico do
progresso constante em direção à liberdade e à democracia. Em todas as
épocas históricas, o homem lutou para se libertar dos poderes que o
dominavam (...) Hoje em dia, prossegue a luta por estender os direitos
humanos e conseguir que o mundo das comunicações seja mais
democrático que agora. Mas, na atual fase da luta, intervêm novos aspectos
do conceito fundamental de liberdade. A exigência de circulação de dupla
direção, de intercâmbio livre e de possibilidades de acesso e participação
dão nova dimensão qualitativa às liberdades conquistadas no passado.(...)
Entretanto a idéia do “direito à comunicação” não recebeu ainda sua forma
94
definitiva, nem seu conteúdo pleno.
132
A falta de previsão expressa do direito à comunicação não inviabiliza sua
defesa, ao contrário, por ser baseado em princípios e direitos fundamentais, sua
aplicabilidade é imediata.
133
Em nosso país, o direito à comunicação está previsto de forma implícita na
Constituição Federal, podendo ser inferido pela análise sistemática de diversos
dispositivos constitucionais.
Podemos indicar como principais fundamentos do direito à comunicação os
direitos e garantias assegurados no artigo 5º, como a liberdade de pensamento, o
direito de resposta, a liberdade de expressão (intelectual, artística e científica) e a
liberdade de comunicação independentemente de censura ou licença e o direito de
acesso à informação, previstos nos incisos IV, V, IX e XIV, respectivamente.
O artigo 220 da Constituição também elenca diversos princípios fundamentais
para alicerçar o direito à comunicação, ao afirmar no caput que “a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição”, ainda garante, em seu parágrafo
primeiro, que nenhuma lei poderá impor qualquer empecilho à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, no parágrafo segundo
reafirma a proibição da censura.
Em outros artigos estão previstos princípios e regras importantes em relação à
comunicação social e que nos informam sobre seu papel na sociedade, como por
exemplo, papel educativo, artístico, cultural, proibição de monopólios e oligopólios
(Art. 221, I, II e Art. 220, § 5º).
132
UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época. (título
original: Voix multiples, um Seul monde, 1981). Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas
da Comunicação; trad. De Eliane Zagury. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983, p. 186,
187 e 287.
133
“Não existe cabimento, à vista desses princípios, ao argumento de que não existe norma
que sustente tal direito. O presente problema existencial não é falta de normas, mas sim falta de
95
Outro importante diploma que fundamenta o direito à comunicação em nosso
ordenamento é a Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada
de Pacto de San José da Costa Rica (Decreto Legislativo n. 592, 6 de dezembro de
1992). Em seu artigo 13, afirma que as liberdades de expressão, de pensamento e o
direito à informação descrevendo-o de maneira ampla (bi-direcional), além de vedar
a censura prévia e colocar que o direito de expressão não pode ser restringido, seja
pelo abuso de controles oficiais como controle privado dos meios de comunicação.
134
Além desses dispositivos que tratam de direitos e princípios que guardam
relação mais óbvia com o direito à comunicação, temos que lembrar que os direitos
de associação, de liberdade de consciência, de isonomia, também os princípios e
finalidades que fundam nosso Estado, como a soberania, a cidadania, a dignidade
humana, o pluralismo político, os ideais de uma sociedade justa, livre e solidária, o
compromisso com o desenvolvimento e com a erradicação da pobreza, são
imprescindíveis para se pensar um direito à comunicação legítimo, direito que é
pautado pela pluralidade, ampla participação; que é indissociável de uma sociedade
democrática.
A comunicação entendida como um direito humano, mais ainda, como uma
faculdade inerente às relações humanas, pressupõe o ser humano tomado como ser
interesse político para que elas possam vir a ter alguma concretude.” (ARIENTE, Eduardo Altomare.
Direito à comunicação no Brasil. São Paulo: USP Faculdade de Direito, 2006, p.73).
134
Art. 13 - Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem
considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística ou por
qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia,
mas as responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam
necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso
de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de
equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
96
social, como ser que existe em relação com os outros. Dentro dessa perspectiva, à
medida que uma pessoa não tem possibilidade de se comunicar, esta pessoa tem
sua própria humanidade negada.
3.5.3 A comunicação social (e a radiodifusão) como interesse
difuso
A teoria dos interesses difusos surge quando se verifica a insuficiência da
tradicional dicotomia dos interesses jurídicos em interesses blicos (no sentido de
interesses de titularidade do Estado) e interesses privados (referentes à esfera
particular, titularizados pelo indivíduo).
Abre-se, assim, espaço para a identificação de interesses que ultrapassam o
âmbito estritamente individual, mas que também não se identificam precisamente
como interesses públicos;
135
são os “interesses transindividuais” ou
“metaindividuais”, dentre os quais são espécies os interesses individuais
homogêneos, os interesses coletivos e os interesses difusos.
136
A complexidade da sociedade, das relações entre as pessoas, o Estado como
provedor de direitos sociais e coletivos, a existência de organismos intermediários
(tais como sindicatos e associações) demanda o reconhecimento, pelo ordenamento
135
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses difusos e coletivos. 18. ed.
São Paulo: Saraiva, 2005, p.48.
136
Cabe colocar aqui uma breve diferenciação entre os conceitos de interesses difusos e
coletivos. Ambos são concebidos como espécies do gênero dos interesses meta ou supraindividuais,
mas que se diferenciam por algumas características. Em se tratando dos interesses coletivos existe a
possibilidade de determinação dos seus titulares, uma vez que se referem a grupos sociais que
podem ser definidos, por existir entre os membros uma certa identidade, como um vínculo jurídico
base entre os membros (como os membros de um sindicato) ou entre cada membro e uma pessoa
em comum (como os alunos de uma mesma instituição de ensino). Já no caso dos interesses difusos,
os titulares são de difícil ou impossível delimitação, não estão unidos por um vínculo jurídico visível,
mas por circunstâncias fáticas; são, portanto, interesses que podem abarcar diversos grupos,
sociedades inteiras e até futuras gerações. Para uma diferenciação mais precisa entre as três
espécies (que inclui os interesses individuais homogêneos), consultar MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit.,
p.45-58.
97
jurídico, de interesses metaindividuais e a conseqüente viabilização de seu exercício
e defesa.
137
A teoria dos interesses difusos surge, assim, como resposta às demandas
picas da sociedade complexa que lida com interesses que não podem ser
atribuídos exclusivamente ao Estado, a um indivíduo ou a um grupo fechado de
indivíduos; interesses que afetam um número indeterminado e muitas vezes
indeterminável de pessoas.
138
Os interesses difusos, na concepção de Mancuso, são interesses
metaindividuais, que se caracterizam “pela indeterminação dos sujeitos, pela
indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à
transição ou mutação no tempo e no espaço”.
139
137
Em semelhante entendimento, pondera Carvalho: “O surgimento da sociedade de massas e
a complexidade das relações econômicas e sociais do mundo moderno, porém, levaram à percepção
de outros bens jurídicos vitais para a existência humana: os interesses difusos e coletivos, que
reúnem características dos interesses privados e públicos, mesclando-os e matizando-os, mas que
com eles não se confundem. Trata-se de interesses verdadeiramente públicos, mas não titularizados
por ente blico.” CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o
direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 195.
138
O jurista italiano Mauro Cappelletti, notadamente com sua obra desenvolvida na década de
70 (Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alla giustizia civile in Rivista di Diritto Processuale
v. 30/367, 1975; e La tutela degli interesse diffusi nel diritto comparato, Milano, 1976), é apontado
como precursor teórico da reflexão acerca da existência da tutela jurisdicional dos interesses
transindividuais. Tal referência é apontada por diversos autores, como FIORILLO, Celso Antonio
Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 115
e MAZZILLI, op. cit., p. 46.
139
MANCUSO, Rodolfo de Camargo.Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5.ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.136-137. Ainda segundo o autor: Os interesses difusos
pertencem ao gênero „interesses meta ou superindividuais‟, aí compreendidos aqueles que depassam
a órbita individual para se inserirem num contexto global, na ordem coletiva‟, lato sensu. Nesse
campo, o primado recai em valores de ordem social, como „o bem comum‟, a „qualidade de vida‟, os
„direitos humanos‟ etc. Os conflitos que podem surgir trazem a marca da impessoalidade, isto é,
discute-se em torno de valores, de idéias, de opções, fazem-se escolhas políticas; não está em jogo a
posição de vantagem de A em face de B e, sim, cuida-se de aferir qual a postura mais oportuna e
conveniente dentro de um leque de alternativas, aglutinadas nos diversos grupos sociais
interessados, naquilo que se pode chamar, como a doutrina italiana, „conflitualidade intrínseca‟. Do
fato de se referirem a muitos não deflui porém de que sejam res nullius, coisa de ninguém, mas, ao
contrário, pertencem indistintamente, a todos; cada um tem título para pedir a tutela de tais
interesses. O que se afirma do todo resta afirmado de suas partes componentes. De outro lado, não é
possível „enquadrar‟ tais interesses em contornos precisos, devido à própria extensão do objeto e à
indeterminação dos sujeitos a eles afetos: garantia de emprego; defesa da ecologia, tutela do
consumidor, defesa da qualidade de vida etc.” Ibid., p.132-133.
98
Smanio, em entendimento semelhante, coloca os interesses difusos como
“aqueles interesses metaindividuais, essencialmente indivisíveis, em que uma
comunhão de que participam todos os interessados, que se prendem a dados de
fato, mutáveis, acidentais, de forma que a satisfação de um deles importa na
satisfação de todos e a lesão do interesse importa na lesão a todos os interessados,
indistintamente”. Esclarece ainda que, sob o aspecto material, os interesses difusos
se referem, essencialmente, à qualidade de vida das pessoas.
140
Segundo a noção de Mazzilli, “difusos são, pois, interesses de grupos menos
determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito
preciso. Em sentido lato, os mais autênticos interesses difusos, podem ser incluídos
na categoria de interesse público.”
141
Cabe colocar que, ao se referir ao termo
“interesse público”, o autor tem em vista sua concepção mais ampla, que não se
confunde com os interesses do Estado, mas que representa os interesses da
sociedade globalmente considerada, como interesse geral; sendo que nesse
aspecto o interesse público alcança os interesses sociais, os interesses individuais
indisponíveis, os interesses coletivos e difusos.
142
Em nosso ordenamento jurídico, a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública)
foi o primeiro diploma legal a prever a tutela jurisdicional de interesses sem
titularidade específica.
140
SMANIO, op. cit., p.25
141
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 5.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993.
p.21. Cabe colocar que, em edição posterior da obra, o autor prefere adotar postura mais cautelosa
ao aproximar os interesses difusos do interesse público, esclarecendo: “Não o, pois, os interesses
difusos mera subespécie de interesse público. Embora em muitos casos possa até coincidir o
interesse de um grupo indeterminável de pessoas com o interesse do Estado ou o interesse da
sociedade como um todo (como o interesse ao meio ambiente sadio), a verdade é que nem todos os
interesses difusos são comungados pela coletividade ou comungados pelo Estado.” MAZZILLI, Hugo
Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural,
patrimônio público e outros interesses difusos e coletivos. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.51.
142
Ibid., p. 46.
99
A Constituição Federal de 1988, além de reconhecer a existência dos
interesses difusos,
143
eleva a Ação Civil Pública à categoria de “Ação Constitucional”
e ainda amplia o objeto da mesma que, antes limitada a um rol de caráter taxativo,
passa a ser destinada à tutela de qualquer interesse difuso da sociedade. De fato,
pelo texto original da Lei 7.347/90 um elenco taxativo de interesses tuteláveis
em sede de Ação Civil Pública que, com o advento da Constituição vigente, passa a
ter caráter meramente exemplificativo.
144
Smanio nos adverte que pela leitura do disposto nos seus artigos 5º, LXXIII e
129, III, a Constituição Federal de 1988, além de reconhecer expressamente a
existência dos interesses difusos, ainda estabelece um sistema de garantias à
efetivação destes.
145
O texto constitucional, contudo, não se ocupou de conceituar os interesses
difusos. A conceituação legal do interesse difuso está prevista, em nosso
ordenamento jurídico, no artigo 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor) que dispõe que interesses difusos são aqueles
transindividuais, com objeto indivisível e cujos titulares são ligados por situações de
fato.
Aqui, cabe esclarecer possíveis contradições entre as noções de interesses
difusos e direitos difusos. Primeiramente, cumpre ressaltar que não uma relação
de exclusão recíproca entre os termos.
146
Embora o termo “interesse”, na acepção jurídica, tenha sentido mais amplo que
o de direito, o fato de um interesse ter previsão normativa (constitucional ou legal),
143
O que pode ser inferido pela leitura de diversos dispositivos, como os artigos 129, III; e 225,
caput, da Constituição Federal.
144
PIOVESAN, Flávia. A atual dimensão dos interesses difusos na Constituição de 1988. In: DI
GIORGE, Beatriz ; CAMPILONGO, Celso Fernando; PIOVESAN, Flávia. Direito, cidadania e justiça
ensaios sobre lógica, interpretação, teoria, sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995. p.118-119.
145
SMANIO, op. cit., p. 44.
146
No mesmo sentido Smanio coloca que os interesses difusos “quando protegidos pelas
normas jurídicas, também falamos de direitos, mas relativos às massas, à sociedade e não aos
indivíduos particularmente”. SMANIO, op. cit., p.15.
100
não descaracteriza sua natureza difusa. Afinal, a qualidade de ser difuso está na
própria essência do interesse e não deriva necessariamente da ausência de
positivação ou previsão legislativa.
Podemos ponderar, então, que “interesses difusos” são aqueles que se referem
a pessoas indeterminadas, cujo objeto é indivisível, mutável, dentre outras
características apontadas; a expressão “direitos difusos”, por sua vez, refere-se a
interesses difusos que já encontram previsão expressa na Constituição ou legislação
infraconstitucional. Por fim, resta lembrar que o fato de determinado interesse ter
previsão normativa expressa, podendo ser nomeado de “direito difuso”, não impede
que outros aspectos do interesse sejam defendidos, ainda que tais aspectos não
tenham previsão normativa expressa ou totalmente delineada. É o caso da
comunicação social, pois embora exista previsão constitucional e legal de algumas
facetas, existem interesses ainda não reconhecidos ou tutelados.
O direito à comunicação não está de todo protegido ou sequer inteiramente
reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico. Alguns aspectos elementares estão
positivados, como direitos correlatos e princípios, dentre eles a liberdade de
expressão, de informação e a vedação constitucional da formação de monopólio e
oligopólios de meios de comunicação social. O referido interesse possui, todavia, em
parte pelo seu caráter difuso e em parte pela omissão legislativa, muitas questões
importantes que não foram reconhecidas ou suficientemente tuteladas como, por
exemplo, o direito de antena a grupos representativos de interesses relevantes da
sociedade, a gestão participativa das concessões públicas dos canais de televisão
aberta.
O direito à comunicação pode ser reconhecido como difuso à medida que, pela
análise de suas características, podemos observar a correspondência com os
atributos próprios dessa categoria de interesses.
Em relação à titularidade ela não pode ser estabelecida de forma exclusiva.
São titulares do direito à comunicação social todos integrantes da sociedade, vistos,
todavia, não exclusivamente de forma individual, vez que não se trata de interesse
privado, mas sim em sua dimensão coletiva, social. Trata-se, pois, de interesse
101
comum a todos, porque compartilhado pela coletividade e que não pode ser
atribuído em caráter exclusivo a ninguém em especial. Esta concepção não conflita,
pelo contrário, se reforça pelo entendimento de que interesses dessa natureza
(difusa) possam ser defendidos, inclusive em juízo, por pessoas jurídicas, tais como
associações, Ministério Público, Defensorias e pessoas jurídicas de direito público
interno; pois quando o fazem estão agindo em legitimação extraordinária
(concorrente e disjuntiva), na defesa de interesses de titularidade indeterminável a
título individual.
147
Embora não qualifique diretamente o direito à comunicação como interesse
difuso, Comparato adota posicionamento que reforça o entendimento da titularidade
indeterminada do direito à comunicação, como podemos inferir da colocação abaixo
transcrita e grifada.
Se, na atual sociedade de massas, a verdadeira liberdade de expressão
pode exercer-se através dos órgãos de comunicação social, é incongruente
que estes continuem a ser explorados como bens de propriedade particular
ou estatal, em proveito exclusivo de seus donos. Os veículos de
expressão coletiva devem ser de uso comum de todos. Na verdade,
aqui, como em todos os outros campos dos direitos humanos, o avanço no
sentido da humanização da vida social depende, hoje, muito mais da
criação de mecanismos de realização ou de garantia dos direitos do que do
enunciado de meras declarações.
148
A titularidade do direito à comunicação não é a única característica que se
aproxima dos atributos próprios dos interesses difusos. Outras peculiaridades, como
147
Nesse sentido, cabe a leitura de Smanio acerca da titularidade dos interesses difusos: “seus
titulares são indetermináveis, ainda que no caso concreto um de seus sujeitos ou determinada
entidade possa exercitá-los, ou exigi-los judicialmente. Tal fato se em razão da legitimidade de
agir, da faculdade processual ou instrumental para a proteção dos interesses, o que não altera a
essência do interesse que é difusa, por se referir a toda coletividade indistintamente.” SMANIO, op.
cit., p. 29.
148
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 311.
102
a conflituosidade que suscita no seio social e a mutabilidade de seu conteúdo, são
fundamentais para dar mais nitidez a essa aproximação.
A conflituosidade manifesta-se, por exemplo, na disputa em participar na
comunicação social, existindo uma tensão entre aqueles que estão excluídos do
papel ativo na relação comunicacional e aqueles que não querem abrir mão do
poder concentrado sobre os veículos de comunicação social. Podemos ilustrar essa
tensão como o desgaste que existe entre os defensores da radiodifusão comunitária
e a grande mídia, enquanto aqueles defendem como legítimo o seu direito de
participar, ainda que timidamente, da radiodifusão, estes freqüentemente
desqualificam esse tipo de iniciativa.
A mutabilidade, entre outros aspectos, pode ser relacionada com as diferentes
maneiras em que o direito pode ser concretizado; maneiras estas que se
aperfeiçoam e inovam à medida que aparatos tecnológicos se inovam e diferentes
hábitos sociais emergem.
O entendimento de que a comunicação social envolve interesses difusos não
se encontra isolada. De fato, já existe um importante trabalho científico que, ao tratar
da comunicação social através da radiodifusão, analisa que a partir da promulgação
da Constituição de 1988 o espectro eletromagnético pode ser enquadrado em nosso
ordenamento como bem difuso; portanto bem de natureza distinta de bem público ou
privado, sendo de titularidade indeterminada, não pertencente ao poder estatal que o
terceiriza através de concessões cujos critérios são “discricionários”, tampouco
pertencente a grupos privados que o exploram conforme suas conveniências
buscando o maior lucro possível.
Tal ótica, defendida por Fiorillo, coloca o espectro eletromagnético como bem
ambiental,
149
tutelado constitucionalmente pelo capítulo que trata do meio ambiente.
Além de se tratar de um bem difuso,
150
o espectro eletromagnético é considerado
149
FIORILLO, op. cit., p. 185.
150
O autor coloca: “É exatamente no novo contexto do direito constitucional positivo que a
Carta de 1988 estabelece pela primeira vez no Brasil o direito de todos terem acesso às ondas
eletromagnéticas, enquanto bem de uso comum do povo e em decorrência de sua característica de
103
bem ambiental, tendo consequentemente, características peculiares, como o fato de
ser de “uso comum do povo” e “essencial à sadia qualidade de vida”, em
consonância com o disposto no artigo 225 do texto constitucional.
Nesta Concepção, a Constituição vigente passaria a tratar o espectro
eletromagnético como bem difuso, de uso comum, necessário à vida saudável e
visando à vida humana digna, por ser esta a finalidade precípua de nosso Estado
democrático de Direito.
Em geral, a teoria dos interesses difusos encontra-se apropriada quando
considerada a complexidade social e os temas que lhe são próprios, como a questão
do meio ambiente, da bioética e da comunicação social; ademais, essa teoria
responde com maior propriedade ao paradoxo da universalização dos direitos frente
à pluralidade intrínseca às sociedades contemporâneas.
Considerando-se a comunicação social como um interesse difuso, torna-se
viável a sua defesa de forma ampla pelos diversos mecanismos encontrados em
nosso ordenamento; afinal, sendo entendida como interesse difuso, devemos
reconhecer, por conseguinte, que a titularidade do direito à comunicação é também
difusa; ou seja, a legitimação processual é concorrente e disjuntiva e pode ser
defendida, por exemplo, em sede de Ação Civil Pública.
essencial à sadia qualidade de vida, visando, dentre outras possibilidades estabelecidas pelo Estado
Democrático de Direito, captar ou transmitir comunicação.” Ibid., p. 182.
104
4. PERSPECTIVAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA RADIODIFUSÃO
A comunicação social deve ser analisada sob a consciência de que vivemos
em uma democracia, cujo aperfeiçoamento se faz em movimentos constantes e
numa dialética incessante. Os meios de comunicação serão instrumentos mais
aptos de democratização da sociedade à medida que também forem
democratizados.
Nesse sentido, Comparato, aponta a democratização dos meios de
comunicação social como pressuposto para o exercício da soberania popular.
A democratização dos meios de comunicação de massa representa, pois, a
condição sine qua non do efetivo exercício da soberania popular nos dias
que correm. “Um governo popular sem informação popular”, disse James
Madison em seu tempo, é um prólogo à farsa, à tragédia, ou a ambas as
coisas”. A farsa democrática, nós conhecemos desde muito. Resta
saber se ainda há tempo de se evitar a tragédia.
151
Antes de abordar algumas propostas para uma maior democratização da
comunicação social, em especial da radiodifusão, núcleo de análise deste trabalho,
cumpre, primeiramente, delimitar o que entendemos por democratização da
comunicação, ou melhor, sanear as dúvidas acerca do que consistiria essa
democratização, quais os princípios e fins que estão envolvidos.
A democratização envolve dois aspectos primordiais que não se confundem: a
ampliação do acesso aos meios de comunicação social, que implica na possibilidade
de receber informações e escolher, dentre várias opções, aquelas que melhor
atendam a suas necessidades e interesses; e a possibilidade efetiva de participação
no processo comunicativo.
Para uma breve diferenciação entre acesso e participação, podemos afirmar
que o primeiro refere-se “ao exercício da capacidade de receber mensagens”,
151
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 545.
105
enquanto o segundo refere-se à “capacidade de produzir e transmitir” (gerar,
codificar, fornecer um veículo para disseminar, publicar ou transmitir) mensagens de
qualquer natureza.
152
A participação confunde-se necessariamente com a possibilidade de construir
espaços em que a população possa ser, além de mera espectadora, também
produtora de conteúdos e possuidora de mecanismos próprios (públicos ou
comunitários) de comunicação, a fim de que possam produzir e transmitir, em
linguagens próprias, o que entenda relevante. As possibilidades resultantes da
participação popular na comunicação social, se viabilizadas, implicariam na
capacidade das diferentes parcelas da população entenderem o mundo e se
posicionarem ativamente em relação a ele, ao mesmo tempo em que, constroem sua
autonomia e descobrem sua identidade.
Vale ressaltar, assim, que o simples acesso à informação não é sinônimo de
maior democratização da comunicação, de modo que, ainda que se torne possível o
acesso a muitos canais (nem sempre diversos em seu conteúdo) não estaremos
falando em maior participação comunicacional. Considerando-se que uma maior
quantidade de canais venha ampliar a possibilidade de escolha da pessoa, esta se
mantém numa situação eminentemente passiva, consumista e não produtiva.
Assim, a democratização dos meios de comunicação social pressupõe, antes
de uma ampliação de acesso, a maior participação. A diversificação certamente tem
benefícios, todavia o acesso a um número amplo de canais atende às demandas
das pessoas tomadas enquanto consumidoras; somente a participação atende às
demandas das pessoas enquanto cidadãs.
Quando não se efetua o processo comunicacional propriamente dito, que se
caracteriza por uma relação dialógica, bi ou multidirecional, a informação chega até
o indivíduo/cidadão como algo pronto, acabado, não suscitando neste a reflexão
152
As expressões destacadas foram tiradas de: PASQUALI, Antonio. Um breve glossário
descritivo sobre comunicação e informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano.
(Org.).Direitos à comunicação na sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005.
p.37/38.
106
acerca dessa informação, configurando a situação de extensão descrita por Paulo
Freire
153
e reflete, em geral, uma situação de poder que antecede a difusão dessa
informação.
Essas relações de poder subjacentes à difusão da informação, que se dá por
sua vez, de maneira centralizada e unidirecional implica na dificuldade do cidadão
formular seu próprio discurso perante as instâncias de poder e de tomar as decisões
cotidianas de maneira autônoma e crítica, conforme análise de Milton Santos.
154
Nesse sentido é que um projeto voltado para uma comunidade específica,
como uma rádio local, por exemplo, aproxima-se mais de uma perspectiva
democrática e participativa do que a mera ampliação de canais em que o acesso a
estes seja meramente como receptor.
155
Colocadas as diferenças entre acesso e participação, podemos concluir que,
embora sejam questões diferenciadas, a democratização da comunicação social
envolve ambas, existindo, portanto, uma relação de complementaridade entre as
mesmas.
156
Ramos nos orienta, em relação ao ideal de democratização ora discutido, ao
colocar que a democratização dos meios de comunicação social deve ser pautada
pela estratégia de ampliar o acesso e a participação a esse meios (e por
153
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
154
a informação fabricada é econômica e geograficamente concentrada. Dispondo de
exclusividade dos canais de difusão, os responsáveis pela informação descem até os indivíduos, ao
passo que estes não podem subir suas aspirações até eles. Quanto mais longe dos centros de poder,
mais difícil é fazer ouvir a própria voz.” SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo:
Nobel, 1996. p. 92 e ss.
155
Nesse sentido cabe a leitura da colocação: “um projeto modesto de participação, tal como
uma estação local, pequena e nas circunvizinhanças, gerenciada pela própria comunidade faria o que
nenhuma overdose de acesso pode jamais fazer: melhorar as relações, a participação e promover
uma genuína. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na
sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005. p.39.
156
“A saúde comunicativa de uma sociedade pode ser mensurada em termos das
complementaridades e do saudável equilíbrio existente entre a pluralidade e a qualidade das
mensagens às quais ela tem acesso, e em termos de sua cota de participação na geração de
mensagens e na transmissão.” PASQUALI, Antonio. Um breve glossário descritivo sobre
comunicação e informação. In: José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação
na sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005. p.38.
107
conseqüência ao espaço público) através de um conjunto de forças e movimentos
socais, o que se atingido por um processo político que envolve a propriedade
direta e pública de instituições e meios de comunicação; pelo acesso indireto a
meios e instituições de comunicação que sejam de propriedade estatal ou privada
através de instrumentos jurídicos; e ainda pela existência de um “ambiente
regulatório democrático”, capaz de ampliar ao máximo e de forma mais igualitária a
ação da sociedade no processo normativo.
157
Ao refletir sobre o quadro de oligopolização presente na tradição da nossa
radiodifusão e da ameaça de seu aprofundamento, tendo em vista a convergência
tecnológica e a formação de conglomerados internacionais, Moraes aponta para a
necessidade de políticas públicas direcionadas para a instalação de mecanismos
democráticos de regulamentação e fiscalização da atividade.
158
Marcus Ianoni, em seu texto Sobre o Quarto e o Quinto Poderes aborda a
necessidade de se insistir na construção do que denomina de “Quinto Poder”, um
poder alternativo e fiscalizador dos meios de comunicação de massa (que
representariam, por sua vez, o Quarto Poder), em que a participação popular,
através da luta pelo direito de antena, pela legalização de emissoras de rádio e
televisão comunitárias, entre outras iniciativas, seria meio idôneo para equilibrar e
157
RAMOS, Murilo César. Comunicação, direitos sociais e políticas públicas. In MELO, José
Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na sociedade da informação. São
Bernardo do Campo: Umesp, 2005. p 252.
158
“Diante deste quadro adverso, devemos insistir no estabelecimento de políticas públicas de
comunicação, assentadas em mecanismos democraticamente instituídos de regulamentação e
fiscalização. É certo que deverão levar em conta o ritmo acelerado da convergência multimídia e a
irreversível internacionalização. Mas, acima de tudo, precisarão refletir as exigências legítimas de
supremacia da vontade coletiva sobre interesses privados o que pressupõe regrar contrapartidas e
salvaguardas das soberanias nacionais. O êxito de tais políticas dependerá de um longo processo de
conquistas cumulativas de espaços permanentes no interior das esferas públicas, tanto na sociedade
civil como no próprio Estado. A despeito das enormes dificuldades presentes e futuras para se
inverter gradualmente a atual correlação de forças, penso que este é o caminho possível para se
tentar redesenhar o estratégico campo comunicacional numa perspectiva pluralista e não-
oligopolistica.” MORAES, Denis de. A comunicação sob domínio dos impérios multimídias. In:
DOWBOR, Ladislau et al. Desejos da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p.19.
108
atenuar os efeitos nocivos do ciclo de poder alcançado pelos oligopólios presentes
na grande mídia.
159
Assim, diante da omissão estatal, da pulverização e da ausência da devida
coordenação entre os mecanismos que seriam responsáveis pelo controle dos meios
de comunicação, o setor fica à deriva do poder econômico, atuando sob as leis do
mercado, que se sobrepõem ao interesse social e aos direitos assegurados na
Constituição Federal, pois até mesmo as esparsas normas que limitariam, de alguma
forma, a atuação nociva dos meios de comunicação de massa restam
absolutamente ineficazes diante da prática.
O caminho para a democratização dos meios de comunicação social, tem
ligação direta e necessária com o aprofundamento da democratização da nossa
sociedade e deve ser construído ao longo de um processo contínuo de afirmação da
soberania popular, assim, as propostas analisadas a seguir são apenas esboços
possíveis e que acreditamos positivos nesse processo.
159
Trata-se de combinar iniciativas que, por dentro ou por fora do sistema de comunicação
dominante e por dentro ou por fora do marco político-institucional em que opera a mídia, caminhem
no sentido da ampliação da democracia e do desenvolvimento de contra-hegemonia e caminhos
alternativos de atuação comunicacional.” IANONI, Marcus. Sobre o Quarto e o Quinto Poderes, texto
disponível no sítio www.observatóriodemidia.org.br. São Paulo, 2004. p. 13. Acesso em: 13 set. 2006.
109
4.1 SISTEMA PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO
Previsto, constitucionalmente no artigo 223, o sistema público encontra-se em
tímido desenvolvimento, pulverizado, presente em apenas poucos Estados da
Federação, sem constituir uma rede nacional consistente.
Na verdade, é difícil avaliar o quadro atual da radiodifusão pública. O que
conhecemos por “televisão pública”, como a Tv Cultura de São Paulo, a rigor são
emissoras educativas e culturais, uma vez que não qualquer definição jurídica do
que é uma emissora pública.
As emissoras educativas surgem como um sistema, impulsionado a partir de
1967, que se resumia a uma rede formada por emissoras ligadas aos governos
estaduais e algumas universidades.
160
Os canais educativos foram criados para
atingir público jovem e adulto com pouca escolaridade e oferecia na sua grade de
programação tele-cursos que, regulamentados em 1971, concediam diplomas
reconhecidos oficialmente. A Tv Cultura iniciou suas transmissões em 16 de julho de
1969, no ano de 1975 outros seis Estados possuíam canais educativos regionais.
161
Apesar de serem constituídas como fundações, existem severas críticas em
relação às emissoras que se intitulam públicas.
162
Em relação à Tv Cultura de São
Paulo, por exemplo, existiria excessivo controle do governo do Estado; além disso,
verifica-se que nos últimos anos a publicidade de varejo (antes a publicidade seria
limitada a anúncios de cunho institucional) foi incorporada à programação da
emissora, o que desviaria a emissora de seu caráter educativo e pode significar
preocupação com índices de audiência a fim de manter interesse de anunciantes, o
que acaba limitando sua autonomia editorial.
160
BOLAÑO, op. cit., p.14.
161
OTONDO, Teresa Montero. TV CULTURA: a diferença que importa. In: RINCON, Omar
(Org.). Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo:Friedrich Ebert Stiftung, 2002. p.272.
162
MOTA, Regina. Uma pauta pública para uma nova televisão brasileira. Revista de
Sociologia e Politítica, Curitiba, n. 22, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
44782004000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acessado em: 19/10/2007.
110
Ainda que não exista lei que especifique as características, limites de atuação
e maiores especificidades da radiodifusão pública, é importante ressaltar que uma
emissora pública não se confunde com estatal. Quando o texto constitucional
estabelece, no artigo 223, o princípio da complementaridade entre os sistemas
público, privado e estatal afasta, de plano, quaisquer possíveis confusões entre os
mesmos.
O sistema estatal compreende meios de comunicação social destinados
primordialmente a oferecer ao público informações acerca do funcionamento e do
cotidiano das instituições estatais, de interesse público relacionadas a serviços
estatais e aos atos políticos, o que não impede que sejam veiculados outras
informações ou conteúdos, como programas de educação à distância, por exemplo.
Seriam, portanto, alguns casos de canais televisivos pertencentes ao sistema
estatal, Tv Executivo, Tv Câmara, Tv Senado, Tv Justiça.
163
Apesar de serem fundamentais para a vida democrática, uma vez que
possibilitam maior transparência e publicidade aos atos praticados pelas referidas
esferas de poder, não se confundem com o sistema público.
Devido a suas características, os chamados canais comunitários” que foram
instituídos pela Lei 8.977/95, (lei que regulamenta o serviço de televisão a cabo)
podem ser apontados como interessantes modelos para emissoras públicas. Entre
seus pontos positivos, destacam-se o fato de que são estruturados e gerenciados
por associações de usuários constituídas formalmente e com estatuto próprio; o
espaço dentro da grade da programação é ocupado por um conjunto de entidades
(que em geral são bem diferenciadas e todas o não-governamentais e sem fins
lucrativos); a programação é pluralista, diversificada e tem, de modo geral, objetivo
163
Ressalte-se que esses canais são transmitidos pelo sistema de televisão pago. A Lei
8.977, de 1995, conhecida como Lei do Cabo, dispôs sobre a obrigatoriedade de canais gratuitos
para determinadas entidades, como as casas legislativas, universidades, Supremo Tribunal Federal e
entidades da sociedade sem fins lucrativos (canal comunitário), conforme disposto no art. 23, inciso I,
alíneas b) a h). Apesar de considerado um passo importante para a ampliação dos participantes e
produtores de conteúdo audiovisual trata-se de serviço de acesso restrito à pequena parcela da
população que tem condições de pagar pelo serviço; canais de interesse público deveriam ser
veiculados pelo sistema de radiodifusão, de acesso gratuito e disseminado por todo território.
111
de contribuir para a educação, a cultura e o desenvolvimento comunitário; sua
gestão é coletiva e com mandato temporário; tendem à auto-sustentação financeira
através de contribuições de associados, patrocínios e eventuais serviços prestados,
não têm interesses comerciais e são meios propícios para a canalização e
expressão dos resultados da mobilização das pessoas no exercício da cidadania.
164
É importante ressaltar, no entanto, que um verdadeiro sistema público deve ser
veiculado no sistema aberto de televisão, pois somente este é efetivamente
acessível a toda população, porque a recepção é gratuita e, dada a quase
onipresença de televisores nos lares brasileiros, é um dos poucos, senão único
serviço público próximo da universalização.
Atualmente a discussão da necessidade de um sistema público ganha
destaque; discute-se a criação de um sistema público de televisão impulsionado pela
União, o primeiro Fórum Nacional das TVs Públicas iniciou-se em setembro de 2006
e foi encerrado em maio do corrente ano (2007) e produziu a publicação de dois
cadernos de debates: o primeiro, publicado em 2006, faz um diagnóstico do campo
público de televisão e o segundo, publicado em 2007, consiste na compilação dos
relatórios dos grupos técnicos de trabalho.
Em um dos cadernos, o Grupo de Trabalho „Configuração Jurídica e
Institucional‟ esboça uma conceituação de televisão pública como “entidade jurídica
prestadora de serviço público de radiodifusão e cabodifusão de sons e imagens,
sem fins lucrativos, prestado num regime jurídico caracterizado pelo controle e
participação da sociedade civil, permitindo cooperação entre si e com financiamento
de recursos públicos e privados”.
165
164
As características apontadas estão entre as apontadas por. PERUZZO, Cicília M. Krohling.
Tv comunitária no Brasi: aspectos históricos. Revista Comunicação e sociedade. São Bernardo do
Campo: Umesp, 2000. Disponível em: <http://bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=peruzzo-cicilia-tv-
comunitaria.html>. Acesso em:04.out.2007.
165
I Fórum Nacional de Tv´s Públicas: Relatórios dos grupos temáticos de trabalho Brasília:
Ministério da Cultura, 2007. Disponível em:<
http://www.cultura.gov.br/upload/CadernodeDebatesVol2_1176127918.pdf>. Acesso em 12.jul.2007
112
Segundo Laurindo Leal Filho, uma da questão que precisa ser solucionada é a
criação de estruturas gerenciais e de sustentação financeira efetivamente públicas;
para tanto ele sugere que o financiamento seja proveniente de diversas fontes,
deixando clara a incompatibilidade de veiculação de anúncios comerciais. Propõe a
utilização de recursos provenientes do Estado, de apoios culturais, de doações de
pessoas físicas e jurídicas (que teriam deduções fiscais), de serviços prestados a
terceiros, de vendas de produtos produzidos pelas emissoras, sugere ainda a
cobrança de “aluguel” das emissoras comerciais pelo uso do espectro
eletromagnético que serviria para a constituição de um fundo mantenedor da rede
pública nacional de televisão.
166
Dentre outras contribuições do Fórum, podemos destacar a constatação de
premissas para um marco regulatório para a televisão pública. São elas, a
regulamentação sistêmica que contemple as diferentes dimensões de um sistema
público (como organização, financiamento, gestão, participação social); o respeito ao
princípio da complementaridade, garantindo espaço equilibrado para emissoras
públicas, estatais e privadas, bem como definindo claramente a diferença (a partir da
participação social na gestão e na programação) entre o sistema público dos
demais; a participação social, que será garantida pela obrigatoriedade de órgão
colegiado (em que o Estado não tenha maioria) com poderes de traçar as diretrizes
da programação, fiscalizar seu cumprimento e supervisionar a gestão executiva; a
autonomia no financiamento de suas atividades, que seria possível pela destinação
de fundos públicos não contingenciáveis, a fim de garantir sua independência
editorial; a regionalização da produção e a veiculação de produção independente,
com percentuais mínimos estipulados em lei.
167
166
LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A missão da rede pública nacional de tv. In: FORUM
NACIONAL DE TV´S PÚBLICAS, 1., 2007, Brasília. Relatórios dos grupos temáticos de trabalho.
Brasília: Ministério da Cultura, 2007.
167
Relatório do Grupo de Trabalho “Legislação e Marcos Regulatórios” Coordenação: Manoel
Rangel Diretor Presidente da Agência Nacional do Cinema Ancine e Alexander Galvão Assessor
do Diretor Presidente e Coordenador do Núcleo de Assuntos Regulatórios da Agência Nacional do
Cinema Ancine In I Fórum Nacional de Tv´s Públicas: Relatórios dos grupos temáticos de trabalho
Brasília: Ministério da Cultura, 2007. Disponível
113
A princípio, pelo fato da televisão pública não estar motivada por finalidades
lucrativas, teria menos preocupação com a audiência de modo que sua programação
seria pautada pelas finalidades a que se destina e pelos princípios constitucionais
(finalidades educativas, culturais, regionalização da produção, etc.); também poderia
usar linguagens diferenciadas, saindo dos padrões impostos pelas emissoras
comerciais.
168
Além de ser totalmente desvencilhado de finalidades lucrativas, outro fator
essencial para a caracterização de um sistema público é a participação popular, que
seria possível através de um modelo de gestão com ampla participação da
sociedade e diversos mecanismos de controle social das atividades e de intervenção
na programação das emissoras.
A formação de uma rede pública é necessária para a criação de uma estrutura
sólida, que possa atingir todo o território nacional, além de permitir a troca de
conteúdos e programação entre diferentes regiões. Somente com a implementação
de um efetivo sistema e não apenas de algumas experiências isoladas é que a
radiodifusão pública pode contribuir para a democratização da comunicação social,
figurando como contraste ao cenário atual, em que predomina o sistema comercial.
A radiodifusão pública serve à transformação social quando ela se mostra
capaz de propiciar educação, a expressão dos cidadãos e da sua realidade, quando
espaço para a veiculação de produções locais; quando possibilita a conexão das
pessoas em torno de referenciais comuns.
169
em:<http://www.cultura.gov.br/upload/CadernodeDebatesVol2_1176127918.pdf>. Acesso em
2.out.2007, p. 43-44.
168
“A televisão pública é diferente, porque identifica carências, setores, necessidades,
particularidaddes e procura satisfaze-las (...) A televisão pública procura satisfazer segmentos de
público, e não o mercado. Por isso, não pauta a sua programação por índices de audiência.”
OTONDO, Teresa Montero. TV CULTURA: a diferença que importa. In: RINCÓN, Omar (Org.).
Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo:Friedrich Ebert Stiftung, 2002, p.285.
169
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Tv pública: para saber quem somos, como temos sido e o que
queremos ser. In: RINN, Omar (Org.).Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São
Paulo:Friedrich Ebert Stiftung, 2002. p. 330.
114
Na procura de caminhos para a democratização da comunicação social e
ampliação da cidadania, a implementação da radiodifusão pública se mostra
importante à medida ela é pautada exclusivamente pelo interesse público; interesse
que em uma sociedade complexa é plural. Um sistema efetivamente público,
portanto, deve refletir a diversidade cultural da nossa composição social e permitir a
participação democrática do cidadão.
4.2 DIREITO DE RESPOSTA
O instituto do direito de resposta, criado como instrumento de garantia da
liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, chega a ser colocado como
conseqüência do instituto da legítima defesa, aplicado em face da liberdade de
imprensa.
170
Acreditamos, todavia, que o instituto do direito de resposta ou retificação,
parece mais próximo da teoria da responsabilidade civil, pois a legítima defesa trata-
se de hipótese de excludente de ilicitude, isto é, circunstância, que se observada,
retira de um fato típico o caráter ilícito.
Na hipótese de uma pessoa veicular sua opinião ou versão de algum fato, na
imprensa ou em outro meio de comunicação, não constitui figura típica por si só;
ainda que, quando se pleiteia a resposta, o exercício desse direito não implica,
necessariamente, em uma agressão à parte contrária que é aceita pelo
ordenamento jurídico em razão das circunstâncias em que ocorreu; mas na
170
É a colocação encontrada em CRETELLA NETO, José et al. Comentários à lei de imprensa:
lei 5.250, de 09.02.1967, e alterações interpretadas à luz da Constituição Federal de 1988 e da
Emenda Constitucional 36, de 28.05.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.134; onde se lê: “O
instituto da legítima defesa pode se aplicar ao princípio da liberdade de imprensa. Quando se tem
violada a honra, pode-se procurar defende-la de imediato ou , mesmo , em situação eminente. A
melhor forma de responder a tal situação é pedir que o fato seja esclarecido ou que uma opinião deva
ser contraditada, no mesmo espaço em que houver a manifestação abusiva, em dia equivalente.
Trata-se de uma situação puramente de reação a um abuso ao direito à honra e à dignidade.”
115
possibilidade de veicular outra posição, acerca de determinado fato ou idéia, ou
ainda de desmentir colocações veiculadas nos meios de comunicação social.
A aproximação dos dois institutos deve ser feita com cautela, somente se
justificando em face de algumas características comuns, como a necessidade da
“reação” ser “imediata”; além da proporcionalidade da resposta (das condições em
que a resposta será veiculada) em relação à ofensa.
Em nosso ordenamento jurídico, a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) prevê, nos
artigos 29 a 36, o direito de resposta e o seu exercício. Segundo o referido diploma
legal, direito de resposta ou retificação será concedido sempre que houver ofensa ou
divulgação de fato inverídico ou errôneo a cerca de pessoa natural ou jurídica ou
ainda de órgão ou entidade pública. O mesmo instituto (direito de resposta) também
é previsto no Código Eleitoral (Lei 9.504/97), que estipula prazos específicos para
o exercício do direito.
171
O fundamento constitucional, por sua vez, estaria lastreado
no inciso V, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Um episódio histórico que merece ser aqui rememorado trata-se do direito de
resposta, concedido judicialmente ao ex-governador Leonel Brizola. Após o mesmo
ter sido acusado, no Jornal Nacional de “declínio da saúde mental“ e “deprimente
aptidão administrativa” por ter tentado proibir a transmissão televisiva do Carnaval,
ele teve direito de resposta concedido judicialmente. A resposta foi ao ar em 15 de
março de 1994, pela voz do então apresentador Cid Moreira, com o seguinte teor:
“Tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Não reconheço à Globo autoridade em
matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial
convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos que dominou o
nosso país.”
172
171
O artigo 58 do referido diploma legal dispõe sobre os prazos para pedir inserção de
resposta: 24 horas, se a mensagem que deu causa ao exercício do direito de resposta for veiculada
em horário gratuito; 48 horas se veiculado na programação normal da emissora; 72 horas se em
órgão impresso.
172
Superinteressante, edição 214, ano 19, nº6, junho de 2005, Editora Abril SA. Pág.49.
116
O potencial democratizante desse instituto reside na possibilidade de, através
de um mecanismo institucional, diferentes setores da sociedade se posicionarem
acerca de informações errôneas e imprecisas veiculadas, nos meios de
comunicação social, promovendo uma ruptura com a absoluta unidirecionalidade na
transmissão de informações e conteúdos. O direito de resposta, quando exercido,
promove uma aproximação do ideal de reciprocidade comunicativa, pois permite que
outra posição seja veiculada.
Apesar de originariamente o direito de resposta ter caráter individual, porque
seria exercido em face de uma ofensa pessoal, admite-se hoje o exercício desse
direito coletivamente.
Como a liberdade de expressão não pode mais ser enxergada única e
exclusivamente sobre seu aspecto individual, mas, antes, tende a se afirmar como
uma liberdade considerada em seu aspecto coletivo e difuso
173
(metaindividual),
assim também podemos admitir que o direito de resposta (que seria um
complemento à liberdade de expressão, contraponto ao seu abuso), a priori
considerado uma garantia individual, deve também ser concebido em seus aspectos
coletivo e difuso.
Em verdade, temos exemplo do exercício do direito de resposta exercido
coletivamente, trata-se do resultado da Ação Civil blica ajuizada em outubro de
2005, pelo Ministério Público Federal em conjunto com diversas associações de
defesa da cidadania, dos direitos humanos e de não discriminação.
174
Como réus, figuravam a da empresa concessionária de serviço de radiodifusão
(TV Ômega LTDA.) e geradora da REDE TV!; João Kleber (João Ferreira Filho),
173
Nesse sentido, vale a leitura da colocação : “O advento dos meios de comunicação de
massa primeiro os veículos impressos, em seguida o rádio, o cinema e a televisão agora
interligados numa rede telemática mundial com base em transmissões por via de satélites, tornou
obsoleta a antiga liberdade individual de expressão.” COMPARATO, Fábio Konder. A democratização
dos meios de comunicação de massa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago
(Org.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros,
2001, p.157.
174
Ação Civil blica n.º 2005.61.00.24137-3, distribuída perante a Vara Federa Cível da
Subseção Judiciária de São Paulo.
117
apresentador, produtor e diretor dos programas “Eu vi na TV” e “Tardes Quentes”; e
a União.
Na peça inicial, consta que desde 2004 a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados divulga o chamado “ranking da baixaria”, ou seja, um rol dos
programas televisivos que mais violam os Direitos Humanos. Em praticamente todas
as divulgações (com apenas uma exceção), os programas apresentados por João
Kleber figuram na relação, sendo que em quatro delas ele aparece em “primeiro
lugar” no ranking da baixaria.
Dentre as ofensas à dignidade humana, colocadas como “atrações” nos
programas de apresentador, estão crianças com deformidades físicas,
espancamento de mulheres, desrespeito a idosos e deficientes físicos,
ridicularização e instigação à violência contra homossexuais.
A ação fundamenta-se, essencialmente, na propagação da discriminação em
razão da orientação sexual, ou seja, defende-se o direito de não ser discriminado em
razão da orientação sexual; na ofensa à dignidade da pessoa humana; e na violação
da Constituição no tocante à regulamentação dos serviços de radiodifusão.
O programa “Tardes Quentes” era transmitido desde 2003, de segunda a sexta,
a partir das 17 horas e as sextas a partir das 18 horas, tendo uma hora de duração;
resumia-se na exibição de “pegadinhas”, e utilizava-se de figuras estereotipadas de
homossexuais, palavras de baixo-calão, cenas de violência, injúrias, situações
humilhantes etc; numa constante violação dos preceitos defendidos pela
Constituição Federal.
A conduta da União foi colocada como ilegal à medida que se omitiu no seu
dever de fiscalizar as concessões de serviço público federal de radiodifusão.
Na referida ação, consta que o Ministério Público por diversas vezes tentou
evitar o ajuizamento da mesma através de Termo de Ajustamento de Conduta, o que
não foi de interesse da emissora.
118
Dentre os pedidos formulados na referida ação podemos citar em primeiro
lugar, a concessão de “tutela antecipatória inibitória de efeitos nacionais” para:
ordenar a suspensão definitiva do programa e das “pegadinhas”; exibição de
contrapropaganda durante 60 dias no mesmo veículo, horário, local e tempo da
transmissão impugnada (a possibilidade desse pedido era fundamentada pela sua
não vedação e pelo dever de proteção do Estado em face da existência de direito
violado e utilizando, por analogia, a figura da contrapropaganda prevista no artigo 60
do CDC); ordenar que os réus forneçam a estrutura e técnicos necessários para a
produção dos conteúdos a serem produzidos (programas de promoção dos direitos
humanos) e arquem com as despesas de produção e edição (até 50 mil reais por
programa); ordenar que o órgão da União competente (Secretaria de Serviços de
Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações) monitore a programação
da emissora; fixar multa cominatória diária de, no mínimo, 200 mil reais; além da
condenação dos réus João Kleber e Rede TV! ao pagamento de indenização por
danos morais coletivos no valor de 20 milhões de reais; e a rescisão judicial do
contrato de concessão.
Em decisão liminar foram acolhidos, em parte, os pedidos dos autores e a
emissora ficou com o sinal de UHF interrompido por 25 horas; diante dessa situação
a empresa concessionária celebrou com os autores um acordo judicial.
Foram exibidos 30 programas, sem intervalos comerciais, intitulados “Direitos
de Resposta” de conteúdo de promoção da cidadania no horário antes destinado ao
programa “Tardes Quentes”. A empresa ainda pagou o valor de 200 mil reais para
custear as despesas de produção; comprometeu-se ainda em depositar o valor de
400 mil reais na conta do “Fundo de Defesa de Direitos Difusos” (instituído pela Lei
7.347/85). Também se comprometeu em não exibir qualquer tipo de ofensa a
homossexuais, negros, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, indígenas,
crianças e adolescentes; nem mais veicular em sua programação humilhações;
palavras de baixo calão, xingamentos; testes de fidelidade, etc.
O direito de resposta, se fosse exercido de maneira mais ampla e efetiva
tornaria possível, ainda que de forma reflexa (pois depende de prévia conduta
abusiva veiculada por meio de comunicação social e tem, como finalidade primeira a
119
responsabilização por abuso do exercício da liberdade de expressão) e de modo
pontual, a ampliação da participação nos meios de comunicação social.
4.3 DIREITO DE ANTENA
Presente em ordenamentos jurídicos estrangeiros, como em Portugal
175
e
Espanha, o direito de antena tem o intuito de promover a veiculação de conteúdo
produzido por organizações relevantes da sociedade, como partidos políticos,
sindicatos, movimentos populares, organizações de defesa de direitos e de
promoção de interesses públicos no sistema de radiodifusão.
Pela legislação portuguesa, o chamado “tempo de antena”, isto é o “espaço de
programação própria da responsabilidade do titular do direito”, é transmitido no canal
de cobertura nacional de maior audiência do sistema público de televisão.
176
175
O artigo 40º da Constituição da República Portuguesa dispõe: 1. Os partidos políticos e as
organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas, bem como outras
organizações sociais de âmbito nacional, têm direito, de acordo com a sua relevância e
representatividade e segundo critérios objectivos a definir por lei, a tempos de antena no serviço
público de rádio e de televisão.
176
Conforme disciplinado na Lei 31-A/98: Artigo 49. 1 - Aos partidos políticos, ao Governo,
às organizações sindicais, às organizações profissionais e representativas das actividades
económicas e às associações de defesa do ambiente e do consumidor é garantido o direito a tempo
de antena no serviço público de televisão. 2 - As entidades referidas no número anterior têm direito,
gratuita e anualmente, aos seguintes tempos de antena: a) Dez minutos por partido representado na
Assembleia da República, acrescidos de trinta segundos por cada deputado eleito; b) Cinco minutos
por partido não representado na Assembleia da República com participação nas mais recentes
eleições legislativas, acrescidos de trinta segundos por cada 15 000 votos nelas obtidos; c) Sessenta
minutos para o Governo e sessenta minutos para os partidos representados na Assembleia da
República que não façam parte do Governo, a ratear segundo a sua representatividade; d) Noventa
minutos para as organizações sindicais, noventa minutos para as organizações profissionais e
representativas das actividades económicas e trinta minutos para as associações de defesa do
ambiente e do consumidor, a ratear de acordo com a sua representatividade; e) Quinze minutos para
outras entidades que tenham direito de antena atribuído por lei. 3 - Por tempo de antena entende-se o
espaço de programação própria da responsabilidade do titular do direito, facto que deve ser
expressamente mencionado no início e no termo de cada programa. 4 - Cada titular não pode utilizar
o direito de antena mais de uma vez em cada 15 dias nem em emissões com duração superior a dez
ou inferior a três minutos, salvo se o seu tempo de antena for globalmente inferior. Artigo 51. 1 - Os
tempos de antena são emitidos no canal de cobertura nacional de maior audiência entre as 19 e as
22 horas.
120
A regulamentação do direito de antena deve ser compatibilizada com cada
ordenamento jurídico e com o contexto de cada país, dada a estrutura da
radiodifusão no Brasil, o seu exercício envolve o sistema privado.
O instituto tem previsão limitada em nosso ordenamento, trata-se da previsão
constitucional que garante aos partidos políticos acesso gratuito ao rádio e à
televisão, conforme disposto no § do artigo 17 que ainda confere à legislação
infraconstitucional competência para sua regulamentação; atualmente a Lei 4.117/
62, em seus artigos 39 e 40, bem como o Código Eleitoral (Lei nº4.737/65),
notadamente entre os artigos 241 e 250, que dispõem acerca das hipóteses em que
as emissoras são obrigadas a exibir conteúdo produzido por partidos políticos, além
dos horários eleitorais gratuitos veiculados em períodos eleitorais. Também poderia
ser apontado como exercício do direito de antena as transmissões, em cadeia
nacional, de comunicados da Presidência da República e Ministros do Estado à
população.
Na democracia contemporânea, por excelência representativa, a aglutinação
de interesses e o acesso à decisão política estão associados à existência de órgãos
intermediários. Além dos partidos políticos, que representam institutos orgânicos do
mecanismo político democrático, outros órgãos intermediários de extrema
importância nas sociedades pós-industriais (marcadas pela grande concentração
humana em centros urbanos), são os sindicatos, os movimentos sociais,
organizações da sociedade civil que geralmente se formam com foco em algum
tema específico, como meio ambiente, direitos do consumidor, educação, defesa dos
direitos das crianças em situação de risco, etc. Esta característica, inerente à prática
democrática contemporânea, não merece ser desprezada quando se discutem
políticas para democratização da radiodifusão.
A ampliação do direito de antena poderia constituir um mecanismo jurídico
importante para a promoção da participação de entidades comprometidas com
interesses populares nos meios de comunicação dentro da estrutura hoje existente,
pois necessita apenas de previsão normativa para sua implementação. Não
demanda uma profunda mudança no sistema atual, porque não exige a alteração do
121
sistema proprietário, tampouco a criação de uma estrutura complexa para sua
efetivação
Consideradas as limitações referentes à utilização do espectro
eletromagnético, o direito de antena pode ser interessante como recurso para
atenuar dificuldade de participação de diferentes atores, de grupos que representam
interesses de parcelas da população que geralmente não têm suas reivindicações
ou opiniões veiculadas nos grandes meios de comunicação social.
A institucionalização do direito de antena representaria o reconhecimento de
que a sociedade é uma realidade multifacetada e pluralista, não existe justificativa
para que ele se restrinja aos partidos políticos, existem diversas entidades
aglutinadoras de interesses e representantes de setores expressivos da sociedade.
122
4.4 RÁDIOS COMUNITÁRIAS
As “rádios livres”
177
surgiram no Brasil na cada de 70 e se popularizaram na
década seguinte. As primeiras experiências foram da iniciativa de adolescentes.
Uma das mais conhecidas foi a “Rádio Paranóica”, criada no ano de 1971, em
Vitória, pelo jovem Eduardo Luiz Ferreira da Silva, na época com 16 anos, que
construiu um transmissor de baixa potência a partir da manipulação e adaptação de
um receptor de rádio. O transmissor amador, de 15 Watts conseguia irradiar sua rua,
no máximo seu quarteirão, não causando qualquer preocupação das autoridades
locais. Posteriormente, com um transmissor de 300 Watts ele conseguiu cobrir toda
a cidade; seis dias depois de sua “feita” todo o equipamento foi apreendido e as
pessoas encontradas no local da “radio” tiveram que prestar esclarecimentos à
autoridade policial.
Outro caso relevante se deu em 1976, em Sorocaba, interior de São Paulo,
quando um estudante de 14 anos criou a “Rádio Spectro” que alcançava todo o
quarteirão. Tal iniciativa não se mostrou isolada, marcou o início de um movimento
que ficou marcado como referencial na história da radiodifusão livre no país, sendo
que em 1982 a cidade já tinha mais de 100 rádios livres.
Fernández sugere que o fenômeno de disseminação dos meios de
comunicação alternativos que se deu nas décadas de 70 e 80, dentre eles as rádios
populares, guarda relação com o desenvolvimento de movimentos sociais, neste
mesmo período, como o movimento sindical que surgiu nas zonas industriais de São
Paulo, o movimento grevista no fim da década de 70, a Pastoral da Terra, os
177
Em relação à expressão utilizada, esta foi empregada no mesmo sentido que Paulo
Fernando da Silveira, ou seja, se refere às transmissões radiofônicas efetuadas sem o controle
governamental ou que “se apresentam como modelo alternativo ao sistema irradiante oficial”.
SILVEIRA, Paulo Fernando. dios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.3-4. Na verdade,
tanto as rádios livres como comunitárias são estações de baixa potência, as livres são assim
designadas porque surgem de forma espontânea e sem prévia autorização, já o conceito de rádios
comunitárias foi desenvolvido posteriormente e se referem àquelas rádios de vocação pública, rádios
que prestam serviço de finalidades bem definidas, como educação, cultura e informação, com apoio e
a participação da comunidade em que estão localizadas.
123
movimentos de moradia e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST).
178
Existem diversas designações relativas à radiodifusão informal. A expressão
“rádios clandestinas”, por exemplo, surgiu na Primeira Guerra Mundial para designar
estações ocultas que irradiavam programas para a conscientização popular,
segundo Silveira elas aparecem em regimes de governo de dominação.
“Rádios piratas” é expressão criada na década de 60 quando, na Inglaterra,
jovens irradiavam suas idéias a partir de navios fundeados no oceano, ou seja,
colocavam estações além do mar territorial, escapando, assim, ao controle do
Estado, circunstâncias que explicam a denominação. Mesmo sem correspondência
correta com nossa realidade,
179
a mesma expressão é empregada no Brasil para
designar rádios irregulares em geral, rádios que operam sem autorização
governamental.
“Rádios comunitárias”, por sua vez, é um termo tipicamente brasileiro, que
surge na década de 90 para designar a atividade de entidades sem fins lucrativos
que instalavam estações de rádio de baixa potência e alcance limitado sem
autorização governamental (ou porque a autorização fora negada ou enquanto
aguardavam a mesma) em localidades que não recebiam serviço regular de
radiodifusão, com o fim de veicular programação cultural, educativa e filantrópica.
180
A regulamentação das rádios comunitárias somente se deu no final da década
de 90, com o advento da Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que instituiu o
“Serviço de Radiodifusão Comunitária” (, restrita à regulamentação da radiodifusão
sonora de freqüência modulada, operada em baixa potência (o que significa potência
máxima de 25 watts e altura de sistema irradiante de até trinta metros) e de
178
FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla. Comunicação e cidadania na virada do século:
movimentos sociais e espaço blico em freqüência modulada FM. In: DOWBOR, Ladislaw et al
(Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 297.
179
“Portanto, a expressão, por ter perdido sua significação, não é aplicável às rádios que
emitem seus sinais dentro do território do país onde se localizam.” SILVEIRA, Paulo Fernando.
Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.04.
180
SILVEIRA, op. cit., p.4/5.
124
cobertura restrita à comunidade de um bairro ou vila; outorgada a associações e
fundações comunitárias, sediadas na localidade da prestação do serviço. O
regulamento do serviço, aprovado pelo Decreto nº 2.615 em de 03 de junho de 1998,
ainda delimita, em seu artigo 6º, o raio de cobertura do serviço de radiodifusão
comunitária (chamado pelo regulamento pela abreviação “RadCom”) ao máximo de
um quilômetro.
Segundo disposição legal, prevista nos incisos do artigo da Lei, o Serviço de
Radiodifusão Comunitária tem por finalidade permitir às comunidades atendidas a
difusão de idéias, cultura e tradições locais; a formação e integração da
comunidade, através do estímulo ao lazer, à cultura e ao convívio social; a prestação
de serviços de utilidade pública, inclusive integrando-se aos serviços de defesa civil,
quando conveniente; o aperfeiçoamento profissional de jornalistas e radialistas e a
capacitação dos cidadãos para o exercício do direito de expressão da forma mais
acessível possível.
O artigo dispõe os princípios informadores da atividade, como a preferência
por programação educativa, cultural e artística, atividades jornalísticas, respeito aos
valores éticos da comunidade. O mesmo artigo prevê, em seu parágrafo terceiro, o
direito à efetiva participação individual na rádio, ao dispor que de cada cidadão da
comunidade beneficiada com o serviço pode emitir sua opinião sobre quaisquer
assuntos abordados pela programação e ainda fazer propostas, sugestões,
reclamações e reivindicações.
181
Em seu artigo oitavo, a previsão da obrigatoriedade da instituição de um
“Conselho Comunitário”, mecanismo de controle comunitário acerca da correta
181
Artigo 4º; § Qualquer cidadão da comunidade beneficiada terá direito a emitir opiniões
sobre quaisquer assuntos abordados na programação da emissora, bem como manifestar idéias,
propostas, sugestões, reclamações ou reivindicações, devendo observar apenas o momento
adequado da programação para fazê-lo, mediante pedido encaminhado à Direção responsável pela
Rádio Comunitária.
125
exploração do servo, tendo em vista o atendimento das necessidades da
comunidade e dos princípios previstos em lei.
182
A lei ainda prevê, em seu artigo 15, outra hipótese de participação efetiva da
comunidade assistida pelo serviço, assegurando espaço na programação para
divulgação de informações referentes a entidades cuja finalidade tenha ligação com
o desenvolvimento da comunidade.
Em relação à autorização para funcionamento das rádios comunitárias, o artigo
sexto dispõe que a outorga será expedida pelo poder concedente, a União. Como a
radiodifusão comunitária é serviço de caráter local, a autorização compete ao
Ministério das Comunicações.
Uma vez concedida a autorização, a licença para a atividade está subordinada
a diversas regras, como a necessidade de prévia vistoria dos equipamentos pela
ANATEL; bem como a sujeição da autorização ao pagamento de uma taxa
“simbólica” (artigo 24 da referia Lei).
A legislação destina um único canal da faixa de freqüência modulada para a
exploração do serviço (art. 5º), o que significa que seoutorgada autorização a
apenas uma rádio por localidade.
O parágrafo único do artigo 6º, da Lei 9.612/98 instituía, originariamente, o
prazo de três anos para validade da outorga; após alteração legislativa feita pela Lei
10.597, de 11 de dezembro de 2002, o parágrafo único do referido artigo passou
a estipular o prazo de dez anos, permitindo ainda a renovação pelo mesmo período
se forem cumpridas as exigências legais.
Em que pese o reconhecimento da importância da atividade de radiodifusão
comunitária, um instrumento de democratização dos meios de comunicação, a Lei nº
182
Art. A entidade autorizada a explorar o Serviço deverá instituir um Conselho Comunitário,
composto por no mínimo cinco pessoas representantes de entidades da comunidade local, tais como
associações de classe, beneméritas, religiosas ou de moradores, desde que legalmente instituídas,
com o objetivo de acompanhar a programação da emissora, com vista ao atendimento do interesse
exclusivo da comunidade e dos princípios estabelecidos no art. 4º desta Lei.
126
9.612/98 (bem como da regulamentação afeta) foi muito criticada pela sua excessiva
rigidez, o que levou a ser considerada, pelos radiodifusores comunitários, como
mecanismo de controle e repressão ao exercício do direito à comunicação.
183
O excesso de formalidades dificulta a regularização da atividade, pois, além
dos documentos referentes à regularidade formal da associação ou fundação, da
capacidade e nacionalidade dos sócios, exige-se a elaboração de diversos estudos
técnicos; o item 6.7 da Norma-MC 2/98, por exemplo, enumera diversos
documentos, como a planta do local e do raio de irradiação, devendo fazer parte as
coordenadas geográficas com precisão de segundos e ainda estabelece, num
segundo momento do processo, que a entidade selecionada terá o prazo de trinta
dias para a apresentação de projeto técnico que entre outras exigências deve ser
instruído com pareceres de cnico capacitado declarando que o projeto obedece a
todas normas técnicas referentes, agora mais detalhadas. Uma vez aprovado o
projeto técnico, o requerimento ainda é submetido à apreciação do Ministro das
Comunicações que emitirá a autorização; por fim, esta ainda será encaminhada à
Presidência da República para atendimento do artigo 223, § 1º da Constituição
Federal, que prevê apreciação do ato do executivo pelo Congresso Nacional.
Às críticas à regulamentação das rádios comunitárias soma-se o tratamento
desigual promovido pelos artigos 22 e 23 da Lei 9.612/98. Enquanto o primeiro
dispõe expressamente que as rádios comunitárias não estarão sujeitas a qualquer
espécie de proteção em relação a qualquer tipo de interferência que possa ser
causada por outras operadoras; o artigo subseqüente estabelece que, caso as
rádios comunitárias causem qualquer tipo de interferência aos demais serviços de
telecomunicações ou radiodifusão, terão suas atividades interrompidas.
183
“Todas as equipes das rádios comunitárias concordam que a Lei 9.612 é muito restrita.
Porém sua aprovação foi um reconhecimento da luta da sociedade civil brasileira pela
democratização da comunicação. Agora na mídia fala-se em rádios comunitárias e não em rádios
piratas.” FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla. Comunicação e cidadania na virada do século:
movimentos sociais e espaço blico em freqüência modulada FM. In: DOWBOR, Ladislaw et al
(Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 302.
127
Esses dispositivos, ao protegerem os demais serviços de radiodifusão e
telecomunicação em detrimento da radiodifusão comunitária, promovem um
tratamento desigual e desprestigiam o serviço comunitário, o que significa, por sua
vez, descompasso com a própria lei e com a Constituição Federal por violar
princípios como o de isonomia, de direito de petição e de inafastabilidade do controle
jurisdicional.
184
Além das críticas acima expostas, as outorgas de autorizações demoram muito
tempo para serem deferidas (entre 1998 e 2004, por exemplo, o Ministério das
Comunicações recebeu 14.006 pedidos e concedeu apenas 1.656 outorgas), o que
implica que a maioria das rádios, mesmo quando se dispõem a seguir todo o
processo de regulamentação, continuam a operar na marginalidade, sem a
autorização.
Questão importante e que ameaça movimento de radiodifusão comunitária é a
severa repressão em relação às rádios que operam sem autorização, com
apreensão dos equipamentos e responsabilização penal dos responsáveis.
A conduta criminosa é, em tese, prevista no artigo 70 da Lei 4.117/62:
Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois)
anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou
utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e
nos regulamentos.
Parágrafo único. Precedendo ao processo penal, para os efeitos referidos
neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação
ou aparelho ilegal.
184
“Aparentemente, pelo menos, é lícito afirmar que pelo ponto de vista das emissoras
privadas, o serviço de rádio comunitária deve operar, quando muito, no resíduo destinado a elas, no
qual haveria muito pouco interesse. Evidente é também a violação dessa lei ao princípio do direito de
petição (Art inciso XXXIV, aliena „a‟) bem como o princípio segundo o qual a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (inciso XXXV) ao afirmar que as emissoras
operarão sem proteção contra interferências’.” ARIENTE, Eduardo Altomare. Direito à Comunicação
no Brasil. São Paulo: Dissertação (Mestrado apresentada à Faculdade de Direito) Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2006.
128
A conduta descrita acima não estava presente na publicação do Código
Brasileiro de Telecomunicações, de 1962; foi o Decreto-Lei 236/67 que, ao
substituir o texto original do artigo (que previa uma infração administrativa) introduziu
a figura típica. Conforme Silveira, a criminalização da atividade de radiodifusão teria
sido promovida com o exato propósito de calar os opositores do Regime Militar, o
que evidencia o caráter antidemocrático do dispositivo legal e seria, portanto,
incompatível com os princípios basilares da Constituição Federal de 1988, como a
liberdade de expressão, do devido processo legal entre outros.
O parágrafo único mostra-se absolutamente inconstitucional, uma vez que
autoriza a apreensão de equipamentos sem observar o devido processo legal e sem
a oportunidade de defesa prévia.
185
Além da discussão acerca da inconstitucionalidade do dispositivo, outros
argumentos que impedem sua aplicação em relação às rádios comunitárias.
Com a alteração promovida pela EC 8/95, a radiodifusão foi retirada do
conceito de telecomunicações. A conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62 utiliza a
expressão “telecomunicações”; pelo princípio da estrita legalidade, a radiodifusão
não pode ser abarcada pela elementar, sendo excluída, portanto, da figura típica.
A Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações) tipifica, em seu art. 183, a
conduta de desenvolver atividades de telecomunicações clandestinamente,
complementando (no parágrafo único do artigo seguinte) que considera como
clandestina a atividade desenvolvida sem a devida concessão, permissão ou
autorização.
A aplicação desse dispositivo penal em relação à radiodifusão também é
absolutamente impertinente, que o mesmo diploma tratou de usar a expressão
“atividades de telecomunicação”, excluindo, portanto, aquela atividade.
186
185
Silveira ainda adverte que é a Anatel que regularmente executa a lacração ou apreensão de
equipamentos de rádios informais, pois ainda que a Polícia Federal acompanhe a ação da agência,
ela apenas serve como meio intimidatório, nem sempre assinando o auto de lacração ou apreensão.
SILVEIRA, op. cit., p. 202.
129
Outro argumento para a não aplicação de nenhum dos tipos penais apontados
é que a Lei nº 9.612/98 disciplinou toda matéria referente á radiodifusão comunitária,
de forma que esta deixa de ser abarcada pela legislação anterior. A Lei nº 9.612 não
prevê, tampouco faz remissão a qualquer infração de natureza penal. Elenca,
somente, no seu art. 21, infrações administrativas, sancionadas com advertência,
multa ou revogação de autorização.
Em relação às sanções administrativas, sua aplicação em relação às rádios
comunitárias se justifica quando configurados ilícitos administrativos previstos na
legislação específica. Não se aplicam, portanto, sanções administrativas previstas
em outros diplomas, tampouco as advindas de regulamentos expedidos pela
Agência Nacional de Telecomunicações.
Como abordado, a Anatel, exerce em relação à radiodifusão, poder de polícia
exclusivamente fiscalizatório, não podendo, portanto, lacrar ou apreender
equipamentos das rádios.
187
Na prática, todavia, observa-se intensa atuação da
agência, que resulta no fechamento das rádios em operação e desestímulo para
novas iniciativas.
188
O movimento das rádios comunitárias, ainda que ponderadas dificuldades de
adequação à regulamentação estatal e ao fechamento de diversas emissoras pela
Anatel, apresenta um saldo positivo, qual seja, a afirmação de um importante
instrumento de exercício de cidadania na luta pela democratização da sociedade,
186
“Em primeiro lugar, há de se considerar que a Constituição Federal distinguiu
telecomunicações de radiodifusão. Logo, onde o poder constituinte distinguiu, o legislador não pode
ignorar a separação. Portanto a elementar telecomunicações não pode englobar a radiodifusão, pois
a Constituição determinou a distinção. Tanto é verdade que o novo Código Brasileiro de
Telecomunicações, em seu art. 183, tipificou o delito correspondente à ação delituosa perpetrada
contra as telecomunicações somente. Sem uma tipificação específica para radiodifusão não como
aproveitar a elementar telecomunicações para a tipificação de duas condutas penais distintas,
relativamente a uma só ação. Nem há de falar do efeito residual de telecomunicações, para se manter
nele a radiodifusão.” SILVEIRA, op. cit., p. 183.
187
“Portanto, a Anatel, no exercício de se poder de polícia administrativa, não pode invocar,
para os casos das rádios comunitárias, infrações administrativas constantes de outras leis que a elas
não se aplicam, evidentemente. De maneira alguma pode invocar dispositivo penal, eis que aí
extrapola o seu poder de polícia especificadamente fiscalizatório.” Ibdem. p.168
188
No ano de 2000, a Anatel fechou 2.569 rádios comunitárias, conforme Silveira, op. cit.,
p.192.
130
através do reconhecimento institucional da rádio comunitária e de seu papel
enquanto mecanismo de valorização cultural e ferramenta democrática de
desenvolvimento comunitário.
189
O potencial de democratização das rádios comunitárias reside em diversos
aspectos, um deles é de se romper, ainda que de forma incipiente as cadeias de
poder extremamente concentradas nos meios de comunicação de massa;
190
também
é importante como instrumento de cidadania, que permite a divulgação de
informações locais e de grande interesse público e serve de estímulo à mobilização
social da comunidade.
189
“O uso do meio de comunicação o para transmitir suas idéias, para difundir suas
atividades; mas também, como espaço de articulação política das organizações na comunidade e fora
dela. O aspecto da identidade cultural e memória social é também trabalhado, contribuindo na
elevação da auto-estima e valorização da comunidade. (...) Na complexidade dessas práticas
políticas e comunicacionais geram-se importantes processos que contribuem na formação da
cidadania desses conglomerados sociais.” FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla. Comunicação e
cidadania na virada do século: movimentos sociais e espaço público em freqüência modulada FM.
In: DOWBOR, Ladislaw et al (Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 303.
190
Silveira acredita que nas rádios comunitárias reside a esperança de uma comunicação
realmente fundada no princípio de liberdade e, pela possibilidade de efetiva pluralidade, com acesso
a diferentes versões da informação, rompendo com o consolidado “vínculo espúrio” existente entre a
grande mídia e (agentes políticos detentores do poder estatal/ agentes do poder público. p. 259.
131
4.5 O POTENCIAL DEMOCRÁTICO DA TECNOLOGIA DIGITAL
As transmissões de radiodifusão (televisão e rádio) se dão no espectro
eletromagnético, espaço finito, limitado e cujo uso tem de ser racionalizado.
A tecnologia digital proporciona maximização da utilização do referido espaço,
pois a informação veiculada transmuta-se em uma seqüência de bits, o que pelas
técnicas de compactação digital proporciona uso diferenciado do espectro.
191
A linguagem digital pode ser traduzida, simplificadamente, como a conversão
de qualquer informação, inclusive visual e sonora, em bits. Para uma noção de “bit”
recorremos à obra de Negroponte, que o descreve como menor elemento da
informação.
192
Na linguagem inicial de informática o bit era representado por um
número (1 ou 0), isto é, por um dígito, por isso convencionou-se chamar de digital
tudo aquilo expresso em bits.
193
A digitalização permite que as informações transmitidas sejam comprimidas,
ocupando assim menor “espaço” no meio físico (canal) que ela se transporta, além
de corrigir erros.
191
“Na transmissão digital, os sinais de som e imagem são representados por uma seqüência
de bits e, não mais por uma onda eletromagnética análoga ao sinal televisivo MONTEZ, Carlos;
BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. ed.
Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. p. 39.
192
“Um bit não tem cor, tamanho ou peso e é capaz de viajar à velocidade da luz. Ele é o
menor elemento atômico do DNA da informação. É um estado: ligado ou desligado, verdadeiro ou
falso, para cima ou para baixo, dentro ou fora, preto ou branco. (...) Os bits sempre foram a partícula
subjacente à computação digital, mas ao longo dos últimos 25 anos, expandimos bastante nosso
vocabulário binário, nele incluindo muito mais do que apenas números. Temos sido capazes de
digitalizar diferentes tipos de informação, como áudio e vídeo, reduzindo-os também a uns e zeros.
Digitalizar um sinal é extrair dele amostras que, se colhidas a pequenos intervalos, podem ser
utilizadas para produzir uma réplica aparentemente perfeita daquele sinal.” NEGROPONTE, Nicholas.
A vida digital. 2ª.edição. Tradução Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p.19 e
20.
193
“Todo e qualquer tipo de informação pode ser convertido em números usando apenas os
algarismos zero e um. Estes são chamados de números binários números compostos inteiramente
de 0s e 1s. Cada 0 ou 1 é chamado de bit. Uma vez convertida, a informação pode ser introduzida e
armazenada em computadores sob a forma de longas seqüências de bits. Esses números são a
“informação digital”. GATES, Bill; RINEARSON, Peter. A Estrada do futuro. Tradução: Beth Vieira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 39.
132
A transmissão digital torna viável, por exemplo, que na mesma faixa de
espectro eletromagnético que hoje é veiculada uma programação (o que
corresponde a 6 Mhz no caso da televisão) sejam veiculadas, no mínimo, quatro
programações de qualidade e sem interferências.
Esse melhor emprego do mesmo espaço físico se dá pela capacidade de
compactação das informações transmitidas digitalmente (técnica não aplicável ao
sinal analógico), que redunda numa maximização da utilização dos canais.
194
Outra característica da transmissão digital é a ausência de interferência de um
sinal em relação a outro; ou seja, outra implicação inerente à tecnologia de produção
e transmissão digital é a maior imunidade a interferências ou ruídos.
195
Esse fator
também aumenta a pluralização de sinais exploráveis, que canais intermediários
(“canais livres”), que são mantidos indisponíveis na tecnologia de transmissão
analógica a fim de se conferir uma “distância” de segurança entre os canais e com
isso evitar a ocorrência de interferências recíprocas, poderiam ser perfeitamente
utilizados para veiculação de programação.
Pelo sistema de transmissão digital, com a superação da interferência de sinais
(que ocasionam ruídos e chuviscos, imagens “fantasmas”) os referidos “canais
livres” poderão ser utilizados sem maiores implicações.
196
194
“Numa transmissão analógica padrão, o emitidos sinais com 525 linhas por 720 pixels,
totalizando 378.000 pixels por quadro, o que ocupa todo canal de 6MHz disponível no sistema
brasileiro. (...) a transmissão digital pode ser compactada,(...) reduzindo a banda usada na
transmissão. (...) A compactação leva a uma menor taxa de transmissão, possibilitando que mais
conteúdo seja veiculado nos mesmos canais.” MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital
interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. ed. Florianópolis: Editora da
Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. p. 39/40.
195
“Ser digital significa a possibilidade de emitir um sinal contendo informação adicional para a
correção de erros como a estática do telefone, o chiado do rádio ou o chuvisco da televisão. (...) A
correção de erros e a compressão de dados são dois argumentos óbvios em favor da televisão digital.
É possível colocar quatro sinais digitais de TV com qualidade de estúdio na mesma largura de banda
que antes abrigava uma única transmissão, ruidosa e analógica.” NEGROPONTE, Nicholas. A vida
digital. 2ª.edição. Tradução Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 22/23.
196
“na transmissão analógica, seja UHF ou VHF, um canal interfere no outro se ambos forem
alocados em freqüências muito próximas. Para evitar isso, é preciso deixas uma certa faixa do
espectro livre entre dois canais. (...) Na transmissão digital isso não acontece mais. Um canal não
interfere no outro, dispensando o canal livre do sistema analógico.” MONTEZ, Carlos; BECKER,
133
A possibilidade de aumentar o número de canais exploráveis e a maximização
do uso desses canais traz consigo o potencial de democratizar a radiodifusão,
reconfigurando o cenário oligopolizado existente, através da concessão de canais a
fundações e organizações representativas dos diferentes anseios da população,
tornando este importante mecanismo de comunicação social espaço
verdadeiramente público, de debate e lutas políticas, instrumento inestimável ao
aperfeiçoamento democrático, notadamente dentro do modelo semidireto adotado
pela Constituição Federal.
Novos atores também permitem a absorção da produção de conteúdo por
produtores independentes e regionais, afinal, a regionalização da produção é
fundamental para que não mais se negue (e paulatinamente se atenue) a
diversidade e riqueza cultural do nosso país, além de proporcionar a aproximação
das pessoas da sua realidade mais próxima, dos problemas peculiares de sua região
e comunidade.
Além das apontadas transformações, também haveria uma
implementação das informações veiculadas; em relação à televisão, por exemplo,
além de imagens e sons, também seriam transmitidos outros tipos de dados, como
aplicativos a serem executados pelo aparelho receptor e outras informações úteis à
implementação de serviços diferenciados no sistema de televisão, como a escolha
de legendas, dublagens em diferentes idiomas, guia de programação, informações
adicionais ao conteúdo veiculado (qualquer tipo de dado em formato digital).
Outro aspecto da digitalização, que alteraria significativamente o modo como
lidamos com a radiodifusão hoje, é o advento da interatividade; ou seja, a
possibilidade de comunicação bi ou plurilateral entre as emissoras e o público
(comunicação “multidirecional”); tal característica seria implementada a partir da
existência de um canal de retorno em que o telespectador poderia se relacionar com
o emissor de mensagens, ou ainda enviar seu próprio conteúdo. Note-se que essa
Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. ed. Florianópolis:
Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. p. 40.
134
potencialidade proporciona uma aproximação da radiodifusão com a concepção
dialógica da comunicação quando esta é tomada em seu sentido mais preciso.
A portabilidade, como o acesso direto à programação da televisão através de
aparelhos celulares, é outra característica atribuída à tecnologia digital.
A democratização da comunicação social pode, ao menos tecnicamente, ser
alimentada pela implementação da tecnologia digital, mas se o desenvolvimento
técnico oferece uma oportunidade para a democratização, sua efetivação é questão
eminentemente política. São as decisões políticas que orientam como e por quem
será explorada essa potencialidade.
4.5.1 Televisão digital
Atualmente, está em pleno andamento o processo de implementação da
“televisão digital”
197
no Brasil, ou seja, inicia-se um processo de migração do sistema
de transmissão analógico para o digital.
Na verdade, na década de 80 a tecnologia digital se tornava muito útil na
produção televisiva, por exemplo, com as ilhas de edição digitais; o próprio controle
remoto trata-se de um dispositivo que opera com tecnologia digital. Mesmo antes de
iniciadas as transmissões digitais, grande parte dos estúdios de geração das
maiores operadoras brasileiras já estavam digitalizados.
198
197
“A Tv digital nada mais é do que a transmissão digital dos sinais audiovisuais.(...) As
pesquisas para a TV digital começaram no final da década de 1980 e se consolidaram na cada de
1990, com o lançamento comercial dos dois primeiros padrões: o ATSC e o DVB, nos EUA e na
Europa, respectivamente. O Japão, primeiro país a iniciar as pesquisas para uma TV de alta
definição digital, somente lançou comercialmente o padrão ISDB em dezembro de 2003. O
desenvolvimento e a implementação comercial da TV digital estão diretamente atrelados à queda dos
preços dos microprocessadores, necessários para a codificação e decodificação dos sinais
audiovisuais em tempo real.” MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos,
desafios e perspectivas para o Brasil. 2. ed. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
2005, p.36.
198
MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e
perspectivas para o Brasil. 2ª ed. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p. 34
135
As primeiras experimentações com a tecnologia digital teriam se iniciado em
1998 depois que, mediante autorização do Ministério das Comunicações, diversas
empresas de radiodifusão, integrantes da ABERT (Associação Brasileira de
emissoras de Rádio e Televisão) em conjunto com a SET (Sociedade Brasileira de
Engenharia de Televisão e Telecomunicações), que vinham estudando a
tecnologia digital desde 1994, firmaram um acordo com o Instituto Mackenzie a fim
de testar os padrões até então existentes, o Mackenzie instalou em seu campus São
Paulo um laboratório de televisão digital e ainda adquiriu uma estação vel de
transmissão.
O processo de implantação da transmissão digital dos sinais televisivos
iniciou-se formalmente com a promulgação do Decreto Presidencial 4.901, de 23
de novembro de 2003 que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital
(SBTVD).
A fim de promover a instalação da tecnologia digital no país, o referido decreto
criou três comitês: de desenvolvimento (que definiria políticas de desenvolvimento
do sistema, formado por ministros de estado), consultivo (com participação de
representantes da sociedade civil) e gestor (que executaria as diretrizes emanadas
dos outros comitês).
O comitê de desenvolvimento foi criado em março de 2004; conforme o decreto
presidencial, os relatórios deveriam ser entregues no prazo de um ano, mas devido a
inúmeros atrasos, o Decreto nº 5.393 ampliou o prazo para 23 meses.
Foi instituída, ainda, a criação de um consórcio de pesquisa com a participação
de 79 instituições diferentes, ligadas a diversas universidades brasileiras e apoiadas
pelo CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações). O
Instituto Presbiteriano Mackenzie, por exemplo, executaria um projeto de pesquisa
focado na transmissão, recepção e codificação de canal e modulação; enquanto a
Universidade Federal de Santa Catarina estudaria aplicativos e conteúdo (aplicações
interativas em saúde).
136
A interatividade também é questão fulcral no debate sobre televisão digital,
alguns serviços indisponíveis no sistema analógico são possíveis graças à dimensão
interativa da tecnologia digital; como, por exemplo, o comércio televisivo direto (sem
uso do telefone), a programação sob demanda;
199
o aceso à internet, o acesso a
serviços públicos, informações governamentais. Seria possível, por exemplo, a
extensão dos serviços de “governo eletrônico” ( denominados de “e-gov”), que
correspondem a diversos serviços que podem ser acessados pela internet; com a
televisão digital interativa, esse tipo de serviço (nesse caso seria denominado de “t-
gov”), representaria maior acessibilidade aos serviços disponibilizados pela
internet (como a possibilidade de efetuar a declaração de imposto de renda), mas
também a disponibilidade de outros serviços mais essenciais à população em geral,
como o acesso a informações sobre transporte público, matrículas escolares,
agendamento de serviços de saúde etc., além de maior acesso às informações de
gestão pública, de destinação orçamentária, licitações e prestações de contas.
Em virtude das diversas possibilidades de serviços agregados ao sistema de
televisão, o que é tecnologicamente inviável no sistema analógico, notadamente a
sua dimensão interativa, que quebra o caráter unidirecional da televisão, quem
afirme que estaríamos diante de uma nova mídia.
200
O Decreto 5.820, de 29 de junho de 2006 instituiu o que o Brasil adotará o
sistema de modulação de sinais do sistema ISBD-T (Integrated Services Digital
Broadcasting Terrestrial, o chamado modelo japonês) com inovações brasileiras e
concedeu “em comodato” outra faixa de 6mhtz a todas as atuais concessionárias de
199
Uma breve descrição desse serviço: “O transmissor oferece determinado vídeo, e o
telespectador somente assiste a ele se quiser e quando quiser. Esses serviços adicionais são
possíveis graças ao datacasting, ou transmissão de dados multiplexados com o sinal audiovisual.
MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o
Brasil. 2. ed. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p.41.
200
“Essa quebra de paradigmas não representa o fim da televisão, pois a atual forma de ver TV
pode continuar. Representa, isso sim, o surgimento de uma nova mídia, com características próprias,
peculiares de sua natureza tecnológica. Tv interativa não é uma simples junção da internet com a TV,
(...) é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos
hoje e a navegabilidade da internet.” MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa:
conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. ed. Florianópolis: Editora da Universidade Federal
de Santa Catarina, 2005. p. 58.
137
televisão pelo prazo de 10 anos, período estipulado de transição do modelo
analógico para o digital.
201
Cumpre-nos colocar que a televisão digital envolve um sistema complexo, com
várias elementos que envolvem os aplicativos (tipos de serviços prestados), o
moddleware, sistema de compressão, de transporte e de modulação. Dessa forma
os chamados “três padrões” de televisão digital correspondem, cada um deles, a
uma arquitetura própria que combina diversos sistemas entre si, isto é, cada um
adota um sistema de modulação, de compressão, etc.
Severas críticas são apontadas em relação à escolha do padrão e a
implementação do serviço: a escolha deveria ser precedida de aprofundada
discussão para definição de modelo de exploração de serviços que, a partir desses
objetivos, dessas escolhas, fosse escolhida e elaborada uma arquitetura de modelo
digital mais compatível às necessidades e finalidades elencadas. Com a inversão do
processo, ou seja, a escolha do modelo digital primeiramente, os serviços terão que
se adequar às características e limitações dessa tecnologia. Segundo Lima, por
exemplo, a escolha do padrão japonês teria engessado a possibilidade de
multiplicação e democratização da programação, contribuindo para a perpetuação
dos oligopólios televisivos.
202
O debate inicial, aberto ao público e feito de forma transparente e participativa,
deveria primeiro delinear as necessidades da população, considerando inclusive as
peculiaridades regionais de nosso continental território e estabelecendo, assim,
quais os serviços mais interessantes para a maior parte dos cidadãos, que
influenciariam um aumento em sua qualidade de vida. Apenas depois de definidas
as peculiaridades específicas e reconhecidas as prioridades da população nas
201
Durante esse período se o chamado simulcasting, em que serão transmitidas
simultaneamente as programações analógica e digital. As primeiras transmissões digitais iniciaram
dia 02 de dezembro, no Estado de São Paulo.
202
“A escolha do padrão tecnológico japonês (ISDB) pelo governo, em junho de 2006, no
entanto, confirma que não haverá a esperada multiplicação de canais através de novas concessões
e, mais ainda, que os canais digitalizados permanecerão sob o controle dos mesmos grupos
historicamente dominantes em nossa radiodifusão.” LIMA, Venício Artur de. Mídia: crise política e
poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006. p.114.
138
diferentes regiões do país é que se deveria partir para a busca do sistema que
melhor atendesse a essas demandas, ou seja, o sistema cujas características
melhor se adequassem à realidade brasileira, notadamente, um sistema que tivesse
uma mínima flexibilidade de compatibilizar os diferentes contextos sociais,
econômicos e culturais que convivem em nosso país, primando sempre pela
observância dos princípios constitucionais, como o respeito à dignidade humana, a
busca pela superação das desigualdades e o princípio de solidariedade, dentre
outros.
139
5 CONCLUSÂO
A comunicação é um processo básico de interação social, intrínseco à
existência humana, que se em sociedade. É pela comunicação que o homem
(co)existe e constrói, ao longo da vida, sua identidade e ao longo da história, sua
cultura.
Nas sociedades contemporâneas, os meios de comunicação de massa
representam importante fator de integração social, uma vez que criam, a despeito da
distância física, da diversidade social e cultural, um ambiente comum entre as
pessoas.
Nesse ambiente, legitimam-se valores, divulgam-se acontecimentos,
estimulam-se e discriminam-se padrões de comportamento que influenciam o
público na percepção do entorno.
A percepção do entorno é fundamental para que cada cidadão possa situar-se
em relação ao mundo e tomar atitudes cotidianamente.
Os veículos de comunicação não são, todavia, canais neutros. O infindável
número de informações, fatos, opiniões e descobertas, que surgem no meio social
são necessariamente filtrados antes que atinjam o público. A seleção daquilo que
será exibido e como será abordado, pressupõe que muito foi omitido e que outras
formas de enxergar e avaliar fatos, valores e comportamentos foram desprezadas.
Aqueles que têm condições de sistematicamente selecionar e criar o que será
veiculado a um enorme número de pessoas detêm importante poder social.
Se por um lado, esse poder social concentrado na mão de poucos representa
uma contradição dentro de uma sociedade democrática; o seu compartilhamento é
instrumento estratégico para o exercício da cidadania.
Uma sociedade democrática pressupõe pluralidade de opiniões, de
informações e modos de vida; pressupõe ainda que o cidadão tenha condições
efetivas de participação social, para que possa decidir sobre assuntos de natureza
140
pública, bem como pleitear o reconhecimento e a concretização de direitos. A
comunicação social deve, assim, refletir a diversidade e permitir a participação
equânime dos cidadãos, ou seja, deve existir uma situação de compartilhamento
democrático do poder de comunicar.
A democracia não se resume a um sistema onde a maioria elege por meio de
voto periódico uma minoria a exercer o poder político. Ela melhor se traduz como
instrumento de convivência humana, de coexistência social; como um mecanismo de
constante aperfeiçoamento das condições de vida.
Além dos requisitos formais, como voto popular, eleições livres, partidos
políticos e equilíbrio entre as funções estatais, dentre outros que caracterizam um
regime democrático, a democracia consiste principalmente em um sistema em que
os cidadãos participam da realidade social e em que se perseguem objetivos e se
observam princípios que legitimam o exercício da soberania popular.
Isso significa que a democracia deve ser lastreada em princípios que
emprestam à mesma legitimação material e que norteiam toda a dinâmica
democrática. Em nosso ordenamento, podemos afirmar que o princípio mais
revelador do nosso ideal democrático é o princípio da dignidade humana, que
orienta os objetivos do Estado na direção da construção de uma sociedade livre de
miséria e marginalidade, livre de desigualdades abismais, livre de discriminação na
promoção do bem comum, uma sociedade pautada pela solidariedade, pela
liberdade e pela justiça.
Em síntese, podemos ponderar que a democracia implica na construção de
uma sociedade em que o conflito é reconhecido, ao mesmo tempo em que as
diferenças pessoais são respeitadas; em que se busca o abrandamento das
desigualdades materiais para que todos possam desfrutar de um mínimo necessário
a uma existência digna e onde a legitimidade do poder baseia-se no seu efetivo
exercício compartilhado por toda comunidade e em diferentes esferas.
Assim como a democracia não pode ser apreendida pelo apontamento de
algumas características procedimentais, a cidadania não se resume a uma
141
construção teórica, a um rol de direitos reconhecidos formalmente e tampouco está
relacionada somente à questão do voto e da capacidade de ser eleito.
A cidadania envolve uma relação de pertencimento a determinada ordem
social, política e jurídica e as expectativas derivadas desse pertencimento; significa a
possibilidade do cidadão exercer sua soberania popular, de ter real poder de decisão
na sociedade, isto é, o poder de escolher políticas públicas para a concretização de
seus direitos reconhecidos abstratamente e de ter efetiva possibilidade de
conquistar, através dos mecanismos democráticos, uma ampliação constante de
seus direitos.
A Democracia é uma luta constante, no sentido de efetivar cotidiana e
universalmente os direitos reconhecidos, a fim de ampliar progressivamente a
cidadania. A conquista institucional de um direito, seu reconhecimento formal,
apesar de constituir um momento relevante no sentido de atender uma expectativa
ou reivindicação social, não significa o ponto final na luta por esse direito e pela
cidadania.
Isso significa que à construção jurídica de cidadão, deve corresponder uma
concreta materialização do cidadão, efetivo exercício da cidadania. O exercício da
cidadania, por sua vez, reclama a ampliação perene das esferas de participação
popular nas decisões políticas, bem como de espaços sociais adequados para que
os cidadãos se articulem, reivindiquem, se intercomuniquem e possam refletir suas
necessidades e anseios a fim de concretizá-los.
Esses espaços públicos de vivência democrática podem ser construídos
através dos meios de comunicação social, especialmente meios eletrônicos como a
televisão e o rádio, tendo em vista a capacidade que possuem de aglutinar número
incalculável de pessoas em torno de questões comuns e de interesses difusos.
O pleno desenvolvimento desse potencial, contudo, depende de um ambiente
democrático, que permita a exploração mais plural possível da atividade, para que
exista, de fato, a livre contraposição de discursos, dos mais diferentes setores da
sociedade.
142
A comunicação social caracteriza-se, assim, como um interesse que permeia
toda a sociedade, que cabe a cada um e a todos ao mesmo tempo, caracterizando-
se como típico interesse difuso.
O direito à comunicação, por sua vez, revela-se como direito humano difuso e
complexo, cujo exercício não pode ficar restrito a um pequeno grupo em detrimento
do restante da população e cuja efetivação envolve outros direitos humanos, como o
de livre expressão, de informação, associação, mas que não se confunde com os
mesmos.
Esse direito, que passa a ser construído teoricamente a partir da década de 70,
consiste na possibilidade de toda e qualquer pessoa, através dos meios de
comunicação de social, individualmente ou por grupos que representem seus
interesses, ter acesso a informações essenciais à sua vida e ao exercício de sua
cidadania, escolher os temas que gostaria de ser informada e, ainda, produzir
conteúdos, veicular sua opinião e se manifestar livremente acerca de temas
relevantes à sua comunidade.
A comunicação pressupõe uma relação de troca, não de imposição, ou seja,
deve permitir a reflexão, o contraponto de idéias entre indivíduos ou grupos, por isso
característica central do direito à comunicação é a bidirecionalidade, essencial em
um processo dialógico.
No Brasil, o rádio e a televisão são os meios de comunicação de maior
penetração, figurando entre as principais fontes de entretenimento e informação no
cotidiano da população.
Historicamente, o setor foi explorado pela iniciativa privada de cunho comercial
e foi marcado pela concentração de propriedade. Prevalece, atualmente, um quadro
formado por oligopólios familiares, pela presença de políticos e número crescente de
igrejas.
Um sistema público expressivo, formado por emissoras comprometidas com
princípios e finalidades constitucionais, de gestão plural e aberta, não foi
implementado até hoje. Iniciativas populares, como rádios comunitárias, tiveram que
143
permanecer muito tempo na marginalidade e ainda sofrem grandes obstáculos para
seu reconhecimento formal.
Falta ao setor uma regulamentação atualizada e eficiente, que seja capaz de
concretizar os princípios constitucionais relacionados com a programação, com a
complementaridade dos sistemas, com a vedação de oligopólios; falta ainda a
previsão de mecanismos de controle social da comunicação social, como órgãos
autônomos e de composição plural para a fiscalização da exploração da atividade de
radiodifusão e do acompanhamento dos processos de outorgas.
No Brasil, o rádio e a televisão são serviços públicos, a exploração privada se
através de outorga da União. A o advento da Constituição de 1988, as
concessões e permissões eram decididas exclusivamente pelo Presidente da
República; a partir de então, devem ser também aprovadas pelo Congresso.
Essa regra, apesar de tornar o processo mais democrático, demonstrando
aparente avanço contra a lógica das outorgas transformadas em moeda de troca
política ou baseadas em afinidade pessoal, não interfere no poder consolidado até
então.
As regras relativas às renovações nitidamente reforçam os interesses dos
empresários de radiodifusão, uma vez que somente são negadas por decisão do
Presidente da República e se esta for ratificada pelo voto de dois quintos do
Congresso Nacional.
As poucas limitações existentes à concentração de propriedade estão previstas
em um único diploma legal da cada de 60 e não impedem a concentração da
atividade de radiodifusão em poucos grupos. São menos de dez empresas que
determinam a programação que é exibida em todo o território. Existe uma estrutura
de rede, com inúmeras emissoras pertencentes ao mesmo grupo ou a ele
vinculadas, através da afiliação contratual e que praticamente se limitam a
retransmitir a programação produzida pelas grandes emissoras geradoras.
Observa-se, na prática, uma situação perversa, pois enquanto no caso das
grandes redes, os concessionários e permissionários explicitamente desviam a
144
atividade das finalidades constitucionais e legais, como, por exemplo, formando
oligopólios e transmitindo programação inadequada, sem que sofram qualquer tipo
de sanção administrativa; as pequenas emissoras de rádio, de caráter comunitário
são submetidas à regulação rígida e intensa fiscalização, tendo suas estações
invadidas e seus equipamentos apreendidos pela Anatel, cuja atuação nesse sentido
é juridicamente infundada.
A atual conjuntura da radiodifusão não exprime os ideais democráticos
previstos em nossa Constituição, permanecendo antes como um privilégio do que
um direito de cidadania.
A democratização do setor emerge, assim, como questão fundamental para
que este ganhe contornos de um espaço efetivamente público, consolidando-se
como instrumento de cidadania. Democratizar a comunicação significa fortalecer
uma das questões centrais da democracia que é o debate político, significa construir
uma esfera de liberdade, de expressão individual e coletiva, que permita a
fiscalização do poder institucionalizado, da atuação de governantes e parlamentares,
além da discussão de problemas locais, regionais e globais.
O debate acerca da democratização das comunicações não se esgota no
controle cio-político do conteúdo veiculado pelos meios de comunicação de
massa, abrange também e principalmente a questão da participação popular nos
mesmos. Apenas com efetiva participação popular os meios de comunicação podem
representar um ambiente de vivência cidadã, em que se expressam os diferentes
anseios e valores da comunidade, em que se discutem os principais problemas da
sociedade e que se permite o verdadeiro debate de idéias, de posicionamentos
políticos, científicos e morais, criando um ambiente de sociabilidade e de
solidariedade.
As perspectivas abordadas no último capítulo não representam uma resposta
pronta e fácil em face do desafio da democratização e conseqüente ampliação da
participação popular na comunicação social, foram apontados, tão somente, alguns
temas recorrentes no debate da democratização da comunicação.
145
Acima de qualquer estratégia, ainda que legítima e potencialmente eficiente, é
pelo debate, pela comunicação, no sentido mais preciso do termo, que
paulatinamente a participação nos meios de comunicação social vai tornando-se
mais horizontal, consoante às exigências particulares de uma sociedade
democrática, que preza pela igualdade, pela liberdade, pela dignidade humana,
enfim, como seus valores fundantes.
146
REFERÊNCIAS
ARIENTE, Eduardo Altomare. Direito à comunicação no Brasil. São Paulo:
Dissertação (Mestrado apresentada à Faculdade de Direito) - Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2006.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. São
Paulo: 2005.
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. Cidadania ativa referendo,
plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Ática, 1991.
_____. Cidadania e democracia. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São
Paulo, n.33, 1994.
BERCOVICI, Gilberto. Democracia, inclusão social e igualdade. In:
CONGRESSO NACIONAL DO CONSLHO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS
GRADUAÇÃO EM DIREITO CONPEDI, 14., 2005, Fortaleza. Anais. Fortaleza:
CONPEDI, 2006.
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Qual a lógica das políticas de comunicação
no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007.
147
BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
______. Ciência política.13.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
______. Curso de direito constitucional. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
______. Reflexões: política e direito. Fortaleza: Imprensa universitária da
Universidade Federal do Ceará, 1973.
______. Teoria constitucional da democracia participativa. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à
internet. Tradução de Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004.
CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São
Paulo: Max Limonad, 2000.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Evangélicos, pentecostais e carismáticos na mídia
radiofônica e televisiva. Revista USP, São Paulo, n.61, mar./maio, p.146-163, 2004.
148
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação
e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede a era da informação: economia,
sociedade e cultura. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. v.1
CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder. São Paulo: Perseu Abramo, 2006.
COMITÊ GESTOR DA INTERNET. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de
informação e da comunicação no Brasil, 2005, Disponível em:
<http://www.cetic.br/tic/2005/indicadores-2005.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2007.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
______. A democratização dos meios de comunicação de massa. In: GRAU,
Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos
em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001.
______. Obstáculos históricos à vida democrática em Portugal e no Brasil.
Estudos Avançados, São Paulo, n.47, jan./abr., 2003.
______. Para viver a democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989.
149
COSTELLA, Antonio F. Legislação da comunicação social: curso básico:
jornalismo, publicidade, relações públicas, rádio e tv, editoração, cinema. o Paulo:
Mantiqueira, 2002.
CRETELLA NETO, José et al. Comentários à lei de imprensa: lei 5.250, de
09.02.1967, e alterações interpretadas à luz da Constituição Federal de 1988 e da
Emenda Constitucional nº36, de 28.05.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
D‟AMARAL, Márcio Tavares. Filosofia da comunicação e da linguagem. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25.ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
______. Estado de direito e cidadania” In GRAU, Eros Roberto; GUERRA
FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a
Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas,
1999.
DOWBOR; Landislau. Economia da comunicação. Revista USP, o Paulo,
n.55, set./nov., 2002.
150
FEDERICO, Maria Elvira Bonavita. História da comunicação no Brasil: rádio e
tv no Brasil. Petrópolis: {s.n.}, 1982.
FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla. Comunicação e cidadania na virada do
século: movimentos sociais e espaço público em frequência modulada FM. In:
DOWBOR, Ladislaw et al (Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes,
2000.
FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. O desenvolvimento da democracia
como resultado da efetiva participação do cidadão. In: BASTOS, Celso (Ed.)
Democracia, hoje: um modelo democrático para o Brasil. São Paulo: Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional, 1997.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em face do direito
ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.
FONTES JUNIOR, João Bosco Araújo. Liberdades e limites na atividade do
rádio e televisão: teoria geral da comunicação social na ordem jurídica brasileira e no
direito comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
FORUM NACIONAL DE TV‟S PÚBLICAS, 1., 2007, Brasília. Relatórios dos
grupos temáticos de trabalho. Brasília: Ministério da Cultura, 2007. Disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/upload/CadernodeDebatesVol2_1176127918.pdf.>
151
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 11.ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2001.
GATES, Bill; RINEARSON, Peter. A Estrada do futuro. Tradução de Beth
Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
GOMES, Ana Luisa Zaniboni. Na boca do rádio: o radialista e as políticas
públicas. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; Oboré, 2007.
GUARESCHIO, Pedrinho A. Comunicação & poder. 9.ed. Petrópolis: Vozes,
1987.
HAMELINK, Cees J. Direitos humanos para a sociedade da informação. In:
MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na
sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Unesp, 2005.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.
IANONI, Marcus. Sobre o Quarto e o Quinto Poderes. São Paulo, 2004 Disponível em:
www.observatóriodemidia.org.br, Acesso em: 13 set. 2006.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios: PNAD, 2005. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2005/sintese/tab8_7.pd
f>. Acesso em: 07 mar. 2007.
152
INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM COMUNICAÇÃO (EPCOM) Os
donos da mídia, 2002. Disponível em:
<http://www.fndc.org.br/arquivos/donosdamidia.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2007.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah
Arendt. Estudos Avançados, São Paulo, v.11, n.30, maio/ago.,1997.
LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A missão da rede pública nacional de tv. In:
FORUM NACIONAL DE TV‟S PÚBLICAS, 1., 2007, Brasília. Relatórios dos grupos
temáticos de trabalho. Brasília: Ministério da Cultura, 2007.
LIMA, Venício Artur de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo:
Perseu Abramo, 2006.
______. Mídia: teoria e política. 2.ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2004.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação
para agir. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARTIN-BARBERO, Jesus. O medo da mídia: política, televisão e novos
modos de representação. In: DOWBOR, Ladislau (Org.). Desafios da comunicação.
Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
______. TV pública: para saber quem somos, como temos sido e o que
queremos ser. In: RINN, Omar (Org.). Televisão pública do consumidor ao
cidadão. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung, 2002.
153
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio
ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 5.ed. São Paulo,
Revistas dos Tribunais, 1993.
______. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,
patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses difusos e coletivos. 18.ed.
São Paulo: Saraiva, 2005.
MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios
e perspectivas para o Brasil. 2.ed. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de
Santa Catarina, 2005.
MORAES, Denis de. A comunicação sob o domínio dos empresários
multimídias. In: DOWBOR, Ladislau et al. Desafios da comunicação. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
MOTA, Regina. Uma pauta pública para uma nova televisão brasileira. Revista
de Sociologia e Politítica, Curitiba, n.22, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
44782004000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 out. 2007.
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 2.ed. Tradução de rgio Tellaroli.
São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
154
O´DONNELL, Guillermo. Anotações para uma teoria do Estado. Disponível em:
<http://www.ige.unicamp.br/site/aulas/138/ANOTACOES_PARA_UMA_TEORIA_DO
_ESTADO_ODONNELL.pdf>. Acesso em:11 maio 2007.
OTONDO, Teresa Montero. TV CULTURA: a diferença que importa. In:
RINCON, Omar (Org.).Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo:
Friedrich Ebert Stiftung, 2002.
PASQUALI, Antonio. Um breve glossário descritivo sobre comunicação e
informação. In: MELO, José Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à
comunicação na sociedade da informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005.
PERUZZO, Cicília M. Krohling. Tv comunitária no Brasil: aspectos históricos.
Revista Comunicação e Sociedade, São Bernardo do Campo, 2000. Disponível em:
<http://bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=peruzzo-cicilia-tv-comunitaria.html>.
Acesso em 04 out. 2007.
PESSEBON, Samuel. O mercado de comunicações um retrato até 2006. In RAMOS, Murilo
César; SANTOS, Susy dos. (Org). Políticas de Comunicação: buscas teóricas e Práticas. São Paulo:
Paulus, 2007.
PIERANTI, Octavio Penna. Políticas para a mídia: dos militares ao governo
Lula. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.68, 2006.
155
PIOVESAN, Flávia. A atual dimensão dos interesses difusos na Constituição de
1988. In: GIORGE, Beatriz Di; CAMPILONGO, Celso Fernando; PIOVESAN, Flávia
(Coord.). Direito, cidadania e justiça ensaios sobre lógica, interpretação, teoria,
sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
Ramos, Murilo César. As novas comunicações brasileiras. In: DOWBOR,
Ladislau (Org.). Desafios da comunicação. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
______. Comunicação, direitos sociais e políticas públicas. In: MELO, José
Marques de; SATHLER, Luciano (Org.). Direitos à comunicação na sociedade da
informação. São Bernardo do Campo: Umesp, 2005.
RUBIM, Antonio Albino Canelas. Contemporaneidade, (idade) mídia e
democracia. In: DOWBOR, Ladislau. (Org.). Desafios da comunicação. Rio de
Janeiro: Vozes, 2000.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3.ed. São Paulo: Nobel, 1996.
______. O país distorcido: o Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo:
Publifolha, 2002.
SANTOS, Suzy dos. E-Sucupira: o coronelismo eletrônico, como herança de
coronelismo nas comunicações brasileiras. Revista da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Campos, p.9, 2006. Disponível em
156
<www.fndc.org.br/arquivos/ecompos07_dezembro2006_suzydossantos.pdf>. Acesso
em: 08 ago. 2007.
SARAIVA, Paulo Lopo. A comunicação social na Constituição Federal de 1988.
In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago. (Org.). Direito
Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros,
2001.
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume 1: O debate
contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey,
2001.
SMANIO, Giampaolo Poggio. Tutela penal dos Interesses difusos. São Paulo:
Atlas, 2000.
SOARES, Esther Bueno. Democracia da Grécia à unidade européia. In:
BASTOS, Celso. Democracia hoje: um modelo democrático para o Brasil. São Paulo:
Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997.
SUIAMA, Sérgio Gardenghi. Teses para a reconquista de um espaço público. Disponível em:
<www.intervozes.org.br/artigos/esp_publico.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2007.
157
UNESCO. Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa
época. (título original: Voix multiples, um Seul monde, 1981). Comissão Internacional
para o Estudo dos Problemas da Comunicação; Traducão de Eliane Zagury. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983.
VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 2. ed. Rio de Janeiro:
Notrya, 1993.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1999.
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006.
PERIÓDICOS
SUPERINTERESSANTE. São Paulo: Ed. Abril, edição 214, ano 19, n.6, jun.,
p.49, 2005.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo