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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Naíma Worm
Adolescentes infratores: Estudo acerca da medida sócio-educativa de
internação nas Unidades do Centro de Atendimento Sócio–Educativo ao
Adolescente – CASA como defesa da Cidadania.
São Paulo
2007
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NAÍMA WORM
Adolescentes infratores: Estudo acerca da medida sócio-educativa de internação
nas Unidades do Centro de Atendimento Sócio–Educativo ao Adolescente – CASA
como defesa da Cidadania.
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do tulo de Mestre
em Direito Político e Econômico.
Orientador: Prof. Dr. Gianpaolo Poggio
Smanio
São Paulo
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Worm, Naíma
Adolescentes infratores: Estudo acerca da medida sócio-educativa de
internação nas Unidades do Centro de Atendimento cio–Educativo ao
Adolescente – CASA como defesa da Cidadania / Naíma Worm. – 2007.
175 f. : il..; 30 cm
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Coordenadoria de Pós- Graduação em Direito Político e Econômico.
Orientador: Gianpaolo Poggio Smanio.
1. Medida sócio-educativa. 2. Febem/SP. 3. Fundação CASA. 4. Adolescentes
infratores. 5. Estatuto da Criança e do Adolescente. 6. Criminalidade. 7.
Delinqüência juvenil. I. Título
NAÍMA WORM
ADOLESCENTES INFRATORES: ESTUDO ACERCA DA MEDIDA SÓCIO-
EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NAS UNIDADES DO CENTRO DE ATENDIMENTO
SÓCIO – EDUCATIVO AO ADOLESCENTE – CASA COMO DEFESA DA
CIDADANIA.
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do tulo de Mestre
em Direito Político e Econômico.
Aprovado em: ______ de _____________ de 2007.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Armando Luiz Rovai
Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Sergio Seiji Shimura
Instituição: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
A Deus, que sempre acompanhou meus passos.
Aos meus pais Osório e Salete, que com esforço,
coragem e abdicação, dedicaram suas vidas às
filhas. Sem eles, esse trabalho não se realizaria.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Gianpaolo Smanio que me orientou ao longo dessa pesquisa de
maneira paciente e fraterna.
Aos professores José Francisco Siqueira Neto e Vicente Bagnoli que com
presteza auxiliaram-me na fase de incursão no Mestrado.
Às minhas irmãs Alessandra e Cristiane e aos meus sobrinhos Gabriel,
João e Pedro Henrique, que sempre me apoiaram e não permitiram que eu
desistisse ao longo do caminho.
À amiga Cheila Biallowons que com carinho e amor me acolheu.
Ao querido e amado Eric Migani e sua família.
Ao inestimável amigo da família Chico Atalaia.
Ao amigo Alexandre Artur Perroni, ex-Corregedor Geral do Centro de
Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente – CASA /SP.
À Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor Febem/SP, através de
seus vários servidores que colaboraram nas entrevistas e fornecimento de dados.
Aos amigos: George Wilton Toledo; Haroldo de Almeida Carvalho; Tatiana
Negry; Eliane Monteiro; Luciano Kuppens; Gustavo Leandro Martins e seus pais
Lourdes e Romeu Santos; Janaína e Stela Curado; Maria do Egito; Constância Lima
Martins; Augusto Suto; José Eduardo Cardoso e todos aqueles que, de alguma
forma, contribuíram para meu amadurecimento.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................15
2 DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ...............................................................22
2.1 CIDADANIA PARA O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL........26
2.2 TRIBUNAL DE MENORES.................................................................................29
2.3 SURGIMENTO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL .......32
2.4 O ADOLESCENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .........................................37
2.4.1 Garantias Processuais Constitucionais............................................................42
2.4.2 Competência Legislativa ..................................................................................46
3 DE OBJETO DE DIREITO A SUJEITO DE DIREITOS: PROTEÇÃO INTEGRAL .50
4 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ESPÉCIE....................................................62
4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS........................64
4.2 TIPOS DE MEDIDAS SÓCIO – EDUCATIVAS ..................................................67
4.2.1 Advertência ......................................................................................................69
4.2.2 Obrigação de reparar o dano ...........................................................................70
4.2.3 Prestação de Serviço à Comunidade...............................................................72
4.2.4 Liberdade Assistida..........................................................................................74
4.2.5 Semiliberdade ..................................................................................................76
4.2.6 Internação ........................................................................................................77
4.3 PROGRESSÃO E REGRESSÃO DE MEDIDA ..................................................82
5 PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE NO CONGRESSO NACIONAL ATINENTES AO
CUMPRIMENTO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO..................86
5.1 TEMPO DE INTERNAÇÃO.................................................................................87
5.2 CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTOS
PRISIONAIS..............................................................................................................92
5.3 REINCIDÊNCIA ..................................................................................................96
5.4 SENTENÇA POR PRAZO DETERMINADO.....................................................101
5.5 INCOMUNICABILIDADE..................................................................................102
5.6 ADEQUAÇÃO DA GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL EM CATEGORIAS
DE ACORDO COM SUA GRAVIDADE..................................................................105
5.7 MEDIDAS DE SEGURAA............................................................................106
6 METODOLOGIA...................................................................................................116
6.1 A FONTE DOS DADOS....................................................................................116
6.2 PROCEDIMENTO PARA A COLETA DE DADOS...........................................117
6.3 OS PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS...............................119
6.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ESTATÍSTICAS OFICIAIS: DADOS
DA SECRETARIA DE ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS...............................120
7 AS CARACTERÍSTICAS DOS ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS
INFRACIONAIS INTERNADOS NAS UNIDADES DO CENTRO DE ATENDIMENTO
SÓCIO–EDUCATIVO AO ADOLESCENTE –CASA DA CAPITALRESULTADOS
DA PESQUISA........................................................................................................127
7.1 EDUCAÇÃO......................................................................................................132
7.2 CURSOS PROFISSIONALIZANTES E ATIVIDADES OFERECIDAS PELAS
UNIDADES..............................................................................................................138
7.3 CONDIÇÕES DOS ALOJAMENTOS ...............................................................144
7.4 SEGURANÇA X DISCIPLINA...........................................................................149
7.5 OUTROS FATORES.........................................................................................157
7.6 REINCIDÊNCIA ................................................................................................161
8 CONCLUSÃO.......................................................................................................164
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.............................................................................167
ANEXOS .................................................................................................................169
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Ato infracional declarado pelos adolescentes entrevistados...................33
Tabela 02: Cronograma da pesquisa......................................................................116
Tabela 03: mero de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Brasil
junho de 2002..........................................................................................................121
Tabela 04: Número de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Estado
de São Paulo – junho de 2002................................................................................121
Tabela 05: mero de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Brasil
agosto de 2002........................................................................................................122
Tabela 06: Número de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Estado
de São Paulo – agosto de 2006..............................................................................123
Tabela 07: Número de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa de liberdade
assistida – junho de 2002........................................................................................124
Tabela 08: Distribuição em porcentagem de características sociais dos adolescentes
entrevistados...........................................................................................................131
Tabela 09: Escolaridade, freqüência escolar e ensino formal na Unidade, informados
pelos adolescentes entrevistados ...........................................................................134
Tabela 10: Situação ocupacional antes da sentença, participação e avaliação acerca
dos cursos profissionalizantes.................................................................................138
Tabela 11: Situação ocupacional do adolescente antes da sentença ....................140
Tabela 12: Participação em atividades pedagógicas e culturais, esportivas e de lazer
na Unidade..............................................................................................................141
Tabela 13: Condições de higiene dos alojamentos ................................................144
Tabela 14: Freqüência do recebimento de objetos necessários à saúde...............146
Tabela 15: Violência física nas Unidades...............................................................149
Tabela 16: Uso de substância entorpecente nas Unidades....................................155
Tabela 17: Acesso aos meios de comunicação......................................................156
Tabela 18: Freqüência do recebimento de informações processuais.....................157
Tabela 19: Freqüência que recebem assistência religiosa.....................................158
Tabela 20: Freqüência de correspondências..........................................................158
Tabela 21: Adolescentes com outras passagens ...................................................161
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Categoria de delitos...............................................................................34
Gráfico 02: Ocupação antes da sentença..............................................................141
Gráfico 03: Condições de higiene dos alojamentos...............................................145
Gráfico 04: Freqüência dos produtos de higiene fornecidos pelas Unidades ........148
Gráfico 05: Adolescentes que sofreram violência física nas Unidades..................151
Gráfico 06: Uso de substâncias entorpecentes nas Unidades...............................156
Gráfico 07: Freqüência de acesso aos meios de comunicação.............................158
Gráfico 08: Freqüência na qual recebem informações processuais.......................159
Gráfico 09: Adolescentes que já tiveram outras passagens...................................162
RESUMO
WORM, Naíma. “Adolescentes infratores: Estudo acerca da medida sócio-
educativa de internação nas Unidades do Centro de Atendimento Sócio–Educativo
ao Adolescente - CASA como defesa da Cidadania.”, 174 f. Dissertação (Mestrado)
– Universidade Presbiteriana do Mackenzie, São Paulo, 2007.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 e o advento do
Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 inaugurou-se no país uma fase de
celebração dos direitos e garantias fundamentais a todo cidadão. Da mesma forma,
foram previstos direitos que garantissem dignidade à criança e ao adolescente,
tirando-os da condição de objeto de direito para torná-los sujeitos de direito. O
presente trabalho tem como objetivo representar uma fatia dessa população infanto-
juvenil, o adolescente autor de ato infracional internado em Unidades do Centro de
Atendimento Sócio–Educativo ao Adolescente – CASA do município de o Paulo e
a observância dos direitos e garantias fundamentais. O trabalho inicia-se com um
breve histórico do surgimento do direito da infância e juventude, situando os direitos
dos adolescentes em conflito com a lei na Constituição Federal. Em seguida
iniciaram-se os estudos das medidas cio-educativas em espécie, sua natureza
jurídica e fundamentos legais. Fez-se uma abordagem acerca da Doutrina da
Proteção Integral no direito pátrio. Por último, e talvez mais importante, iniciaram-se
as pesquisas de campo, onde foram entrevistados trezentos e sessenta
adolescentes rapazes, internados em dezoito Unidades de Internação da Capital, a
fim de averiguar se o disposto em lei estava se fazendo cumprir na prática. Os
aspectos principais observados na pesquisa foram: o perfil cio-econômico e a
formação educacional, os aspectos relacionados à rotina da Unidade como
participação no ensino formal, os cursos profissionalizantes e atividades
pedagógicas, esportivas e culturais, e por último, o aspecto da segurança, disciplina
e reincidência do jovem.
Palavras chave: Medida sócio-educativa. Febem/SP. Fundação CASA.
Adolescentes infratores. Estatuto da Criança e do Adolescente. Criminalidade.
Delinqüência juvenil.
ABSTRACT
WARM, Naíma. “Teenage transgressor: a study concerning a socio-
educational measure for confinement in the Center of Socio-Educational Units for
Adolescents’ Care CASA in defense of the Citizenship.”, 174f. Dissertation
(Master’s Degree) – Universidade Prebisteriana do Makenzie, São Paulo, 2007.
With the promulgation of the 1908’s Federal Constitution and the development
of the Children and Adolescents Statute in 1990, a phase of rights celebrations and
fundamental guarantees to all citizens have started in the country. In the same way,
rights that guaranteed dignity to children and teenagers have been designed, moving
them from a legal object condition to a legal subject one. This work is directed to a
share of the young population, to the adolescents who committed an offense and are
concealed in the Units of the Centre of Socio-Educational for Adolescents’ Care
CASA in the district of São Paulo and the execution of rights and fundamental
guarantees. This dissertation starts with a brief history of the beginning of rights of
children and adolescents, contrasting the teenagers’ rights to the Federal
Constitution. Following this first part, there is a study of socio-educational measures,
their nature and legal grounds. An approach concerning the Doctrine in the Integral
Protection to the native right is also part of this dissertation. Finally, and perhaps
more important, field researches take place and three hundred and sixty male
adolescents who were concealed in eighteen Units in the capital are interviewed in
order to inquire if the law is being applied in real life conditions. The main aspects
observed in the research were: the socioeconomic profile and the educational
formation, the aspects related to the routine in the units as part of a formal education,
the professionalizing courses and sports, cultural and pedagogical activities, and, at
last, the security aspect, discipline and the teenager’s fall backs.
Key words: socio-educational measure. Febem/SP. CASA Fundation.
Teenage transgressor. Children and Adolescent Statute. Criminality. Young
delinquency.
13
APRESENTAÇÃO
___________________________________________________________
O presente trabalho consiste no estudo da medida sócio-educativa de
internação inter-relacionando aspectos teóricos e práticos do seu cumprimento nas
Unidades de Internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente
– CASA, extinta Fundação Estadual do Bem Estar do Menor – FEBEM, no município
de São Paulo, em especial quanto à observância dos direitos e garantias
fundamentais expressas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Após a elaboração deste trabalho, em dezembro de 2006, a FEBEM
Fundação Estadual do Bem Estar do Menor mudou seu nome para Fundação CASA
Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente. O presente trabalho está
atualizado de acordo com a mudança legislativa.
1
Para a composição deste trabalho utilizou-se uma pesquisa sobre o
surgimento do direito infanto-juvenil, sua colocação na Constituição Federal, bem
como um estudo sobre as medidas sócio-educativas em espécie, sua natureza
jurídica e aplicabilidade. Por último, e talvez mais importante para análise do
contexto atual em que vivem os encarcerados, foi realizada uma pesquisa de campo
em dezoito unidades masculinas de internação na Capital, na qual foram ouvidos
trezentos e sessenta adolescentes autores de atos infracionais.
Optou-se pela escolha das Unidades do Centro de Atendimento Sócio-
Educativo ao Adolescente CASA a fim de estreitar o campo de abrangência da
pesquisa e verticalizar seu estudo. Trata-se de uma pesquisa aplicada, com o intuito
1 Mudança ocorrida em 23.12.06 através da Lei Estadual 12.469/06.
14
de gerar conhecimentos dirigidos à solução de problemas específicos, qualquer que
seja a verificação das condições em que os adolescentes sentenciados são
atendidos pelo Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente nas
Unidades do Município de São Paulo.
Ademais, uma pesquisa de campo envolvendo as demais Unidades do
Estado de São Paulo requereria instrumentos e recursos financeiros indisponíveis à
pesquisadora.
Utilizaram-se como fonte de informações os dados captados pela
aplicação de questionário aos próprios internos, vivência da pesquisadora na
instituição por três anos e informações institucionais.
Examina-se o atendimento pela instituição aos direitos fundamentais
garantidos ao adolescente internado com base na resposta dos próprios
adolescentes. Buscou-se observar o ponto de vista do interno quanto à forma com
que é conduzida sua permanência na Fundação CASA.
O trabalho se propõe a ser mais um mecanismo de auxílio às políticas
públicas voltadas para o adolescente autor de ato infracional, a partir das
informações fornecidas pelo próprio jovem quanto à sua internação e perspectivas
de futuro.
15
1 INTRODUÇÃO
___________________________________________________________
Diante da problemática noticiada pelos meios de comunicação em massa,
o tema adolescente em conflito com a lei saiu do isolamento do judiciário e das
instituições que cuidam da sua recuperação, passando a discussão por todos os
entes políticos: Executivo, Legislativo e Judiciário, Organizações não
Governamentais, centros Universitários até atingir, por fim, a população de maneira
geral, despertando comoção e interesse no debate.
Nos anos de 2003 a 2006, foram inúmeros os tumultos e rebeliões
ocorridas em Unidades do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente –
CASA , sendo que algumas culminaram na morte de vários adolescentes e de um
funcionário, ressaltando a urgência do tema abordado.
No ano de 2003 registraram-se trinta e quatro rebeliões e vinte e três
tumultos. Em 2004, foram vinte e oito rebeliões e trinta e oito tumultos; em 2005,
trinta e quatro rebeliões e quarenta e três tumultos, e no ano de 2006, até a data da
consulta 15 de maio de 2006, ocorreram treze rebeliões e dez tumultos.
O saldo de mortos dentre os anos de 2003 a 2006 é de vinte adolescentes
e um funcionário, sendo que o óbito do funcionário ocorreu durante uma rebelião em
Franco da Rocha no ano de 2003 e os óbitos dos adolescentes ocorreram durante
os vários tumultos, rebeliões e agressões entre os próprios adolescentes e outros.
2
A tematização da juventude pela ótica do “problema social” é histórica e
foi assinalada por muitos estudiosos como centro de atenção apenas quando passa
2 Dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA /SP em 15/08/2006.
16
a representar uma ameaça de ruptura com a ordem social, ameaça para si própria
ou para a sociedade. Os temas mais relacionados são aqueles pertinentes aos
“problemas sociais”, tais como violência, crime, exploração sexual, drogadição ou
medidas para dirimir ou combater tais problemas.
A preocupação dos sociólogos, psicólogos e juristas que trabalham e
estudam o assunto não está apenas no jovem sentenciado que cumpre sua medida
de internação, mas sim, em todo o contexto que o levou até a delinqüência,
principalmente quanto à falência das políticas públicas voltadas para este segmento,
bem como seu caminho após o cumprimento da medida, quando é recolocado na
sociedade. Analisa-se o adolescente como um todo.
Mestre em assistência Social, em Buenos Aires, Silvia Iannela assinalou
como fatores que explicam a delinqüência juvenil o caráter, as condições ambientais
e os conflitos com a moral e a lei.
3
um conflito moral envolvido no debate sobre o jovem, entre causas e
efeitos, pois ao mesmo tempo em que é necessário “salvar” o adolescente
corrompido e corruptor, é necessário preparar a sociedade para recebê-lo.
O Brasil evoluiu sua legislação voltada à criança e ao adolescente ao
longo dos anos, retirando-os da condição de “objeto de lei” para serem “sujeitos da
lei”, dotados de direitos e deveres. O que notoriamente não ocorreu foi a evolução
das instituições que deveriam proporcionar sua recuperação e proteção, tornando-se
obsoletas frente ao fascínio exercido pelos rendimentos e estilo de vida que o crime
proporciona.
O adolescente em conflito com a lei e sentenciado a cumprir medida sócio-
3 La delincuencia, es uma forma de mala adaptación social, y puede explicarse principalmente por el carácter del menor y por las condiciones ambientales
que lo llevan a ponerse em conflicto com la moral y la ley, aunque estas explicaciones son de mayor o menor valor según lãs circunstancias y los indivíduos.
IANELLO, Silvia in: Maltrato y violência Infanto–Juvenil: aspectos jurídicos, pediátricos, psicológicos y sociales. 2. ed. ampl. corr. y atual. Buenos Aires:
Nuevo Pensamiento Judicial Editora, 1998. p. 76 e 77.
17
educativa de internação, objeto central desta pesquisa, deve ser compreendido
juntamente com seu entorno, ou seja, habitação, saúde, educação, trabalho, lazer,
família, bem como respeitadas as peculiaridades desta etapa da vida:
personalidade, sentimentos, sonhos, angústias, características próprias da
adolescência.
As organizações criminosas evoluíram de tal forma que se tornaram mais
atrativas que os recursos oferecidos pela vida social e instituições oficiais. É no
crime que o adolescente encontra formas de prover seus desejos e realizar-se.
O adolescente, desde a infância, está submerso num mundo que o
estimula ao consumismo, aprendendo desde cedo que para ser feliz é necessário
“ter”; a família e a escola não conseguem mais ensiná-lo a “ser”. Sob essa ótica, o
adolescente encontra na criminalidade caminhos aparentemente mais fáceis para
conseguir aquilo que deseja e que possam retirá-lo da marginalidade social. É
através do uso de roupas, tênis e objetos de consumo caro que ele encontra a
realização pessoal.
Assim, uma vez que ingressa na criminalidade, desemboca nas
instituições de internação, responsáveis por sua recuperação e reinserção social.
Não discutiremos apenas os fatores que os moveram até , mas também a forma
como as entidades de atendimento correspondem às finalidades para as quais foram
criadas por lei.
É a carga sociológica do problema jurídico que é enfrentada, quando o
foco é a infância e a juventude e a sua parcela social que “não deu certo”.
Tais reflexões levam-nos a interrogar o papel do Estado, da sociedade e
da família na construção do caráter e da personalidade do adolescente antes que
chegue às Instituições de Internação, que cuidarão da execução de sua sentença.
18
Foi organizado um apanhado teórico da evolução legislativa referente ao
adolescente em conflito com a lei e aos aspectos fundamentais que norteiam os
agentes citados quando invocados a ressocializar estes adolescentes.
Para a realização de um estudo exploratório visando compreender o
tratamento dado às questões juvenis por parte das Unidades de Internação do
Centro de Atendimento cio-Educativo ao Adolescente CASA, no município de
São Paulo, em seus diferentes setores de atuação, entrevistamos trezentos e
sessenta adolescentes em dezoito Unidades de Internação masculina escolhidos por
amostragem dentre a população estudada, relacionando-os com o ato infracional
cometido e sua perspectiva quanto ao cumprimento da sentença.
A associação teórica da legislação e os aspectos práticos do cumprimento
das medidas de internação possibilitarão um mapeamento do tratamento que estes
adolescentes recebem do Estado quando internados, e a identificação dos aspectos
falhos a partir da sua ótica, entendendo melhor a visão do adolescente, sujeito da
lei.
Consideramos relevante a realização de uma pesquisa que adentrasse a
realidade vivenciada pelo adolescente em conflito com a lei nas instituições de
internação, dada a crise que atravessa o segmento juvenil, um trabalho dessa
natureza pode contribuir para o fortalecimento do jovem como cidadão. A realização
da pesquisa, de caráter exploratório, pretende servir de subsídios para novos
estudos sobre o segmento juvenil, na perspectiva jurídica da execução da lei.
Utilizamos para a formação da pesquisa uma coleta de dados junto à
Instituição, Febem, referente aos números de adolescentes internados, dividindo-os
por idade, grau de instrução, outras passagens e programas pedagógicos e
educacionais implantados nas Unidades dos entrevistados, bem como a aplicação
19
de um questionário capaz de refletir a opinião e o modo de pensar do jovem quanto
aos aspectos de sua recuperação.
Tomamos para compor o trabalho, quando nos referimos ao jovem autor
de ato infracional, a expressão utilizada pelo pesquisador e doutrinador da área da
Infância e Juventude, Mário Volpi, de “adolescente em conflito com a lei, adolescente
privado de liberdade e adolescente autor de ato infracional”, preterida em relação às
expressões, “menor infrator”, “delinqüente”, ou como comumente são designados em
algumas Unidades de Internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao
Adolescente CASA da Capital, de “ladrão”, “bandido”, “moleque”, uma vez que a
internação se apresenta como uma circunstância de vida e não uma categoria
valorativa.
4
Nas palavras do próprio autor, a expressão “adolescente infrator” é
comumente reduzida a “infrator”, tornando o adjetivo mais importante que o
substantivo, imprimindo um estigma irremovível.
5
Assim, reforçamos a colocação do adolescente como sujeito de direitos,
onde as garantias fundamentais devem ser resguardadas. Não é a Lei que está em
conflito, mas o adolescente autor de ato infracional que agiu contrário ao dispositivo
legal, entrando, assim, em conflito com a mesma.
O estudo é urgente e necessário, uma vez que contribuirá para a
formulação de políticas blicas aplicadas ao segmento. Mostra-se, ainda, de
relevância jurídica, uma vez que passa a discutir a real aplicabilidade normativa do
Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal no tocante às
Unidades de Internação e seu papel ressocializador.
4 Essa denominação foi encontrada a partir de depoimentos dos internos na aplicação dos questionários que subsidiaram a pesquisa.
5 VOLPI, Mario. Sem liberdade, sem direitos: A privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p. 21.
20
Definitivamente, pode-se escrever apenas sobre aquilo que se vive. Daí a
necessidade de imersão da pesquisadora por cerca de três anos no “mundo Febem”,
o contato diário com adolescentes e funcionários para realizar este trabalho.
É curioso, senão intrigante, entender o que acontece para que tantos
jovens desistam de construir uma família, carreira, amigos, futuro e ingressem na
criminalidade.
Foram cerca de três anos trabalhando na Fundação, conhecendo e
observando o lado cruel do encarceramento em contraposição à maldade e à
perversidade de alguns jovens que perderam a idéia do valor de uma vida. Em
alguns momentos a morte tornou-se banal para adolescentes e funcionários.
Os adolescentes ingressam no sistema sem perspectivas de futuro. Os
funcionários vêem o presente como uma sanção por terem escolhido a Febem, não
conseguem mover-se para novas escolhas e, assim preferem não pensar no futuro e
amargurar o fato de trabalharem na instituição.
Foram centenas de registros de agressões contra os adolescentes junto
ao órgão correcional da Fundação, ao Ministério Público e às Organizações de
Direitos Humanos.
6
Na mesma proporção foi o lamento dos funcionários que tiveram seus
objetivos profissionais e a vontade de fazer seu melhor para auxiliar na recuperação
dos jovens perdidos no caminho. Funcionários os quais tiveram suas vidas
arriscadas em tumultos e rebeliões e queixam-se de não receberem apoio e
valorização.
Este trabalho condensa a doutrina sobre a medida sócio-educativa de
internação e vivência pessoal da pesquisadora durante três anos junto à Instituição.
6 A Febem possui um departamento correcional que apura denúncias de maus tratos contra adolescentes, a Corregedoria Geral do Centro de Atendimento
Sócio–Educativo ao Adolescente - CASA - criada em 2003. O Ministério Público possui departamento que atua junto ao DEIJ na apuração de irregularidades
na Febem. Organizações não governamentais como a AMAR – Associação das Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco.
21
Trata-se de uma abordagem prática sobre a vivência dos adolescentes
privados de liberdade, sob a perspectiva dos próprios adolescentes. Fez-se uma
análise de requisitos básicos para a manutenção da dignidade humana dos jovens,
como acesso a uma boa alimentação, educação, saúde, esporte, lazer,
profissionalização, condições de habitabilidade dos alojamentos, assistência
religiosa e informações do seu processo.
Buscou-se, ainda, verificar as condições de segurança, principalmente no
quesito violência física ao qual estão submetidos, de acordo com os relatos, os
adolescentes internos.
22
2 DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
___________________________________________________________
Para efeitos legais a legislação brasileira considera criança a pessoa até
doze anos incompletos e, adolescente, aquela pessoa de doze a dezoito anos de
idade. Contudo, esta delimitação cronológica espelha-se numa necessidade jurídica
de enquadrá-los como criança ou adolescente e, assim, não comprometer a
celeridade do atendimento.
Apesar desta divisão etária, aparentemente, apresentar-se como
controversa ao que reza o art. 227, §3º, IV da CF, “igualdade na relação processual”,
definindo como inimputáveis os menores de dezoito anos, sem mencionar a
Constituição a diferença entre o tratamento destinado às crianças e aos
adolescentes autores de atos infracionais. A própria Constituição estabeleceu no seu
art. 228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial, ou seja, implicitamente resguardou às normas da
legislação especial o direito de regular a matéria.
Trata-se de inteligência da legislação especial, pois seria um equívoco
sem tamanho tratar crianças e adolescentes da mesma forma, sem respeitar suas
peculiaridades e características próprias.
Os limites de idade variam de legislação para legislação, assim como de
país para país, mas via de regra, não excede o parâmetro da Organização Mundial
de Saúde, que limita a adolescência entre dez e vinte anos de idade.
Maria de Fátima Carrada Firmo resolve bem essa questão, vejamos:
23
Portanto, não houve, neste aspecto, desrespeito à norma
constitucional. Além do mais, não é justo igualar os desiguais, uma
vez que não se pode considerar em iguais condições
biopsicossocioculturais uma pessoa de doze anos e outra de
dezessete anos de idade, bem como uma de um ano e outra de
cinco anos, nem muito menos uma pessoa de um ano e outra de
dezessete anos de idade. Entretanto, não poderia a lei ser tão
minuciosa a ponto de prever normas específicas para cada idade,
embora sejam evidentes as evoluções, tanto físicas, como psíquicas
e culturais, de uma idade para outra, durante a fase de formação
humana. As ciências humanas muito, discriminaram a criança de
adolescente, prolongando a infância até a puberdade, que é a fase
inicial da adolescência.
7
A adolescência é naturalmente um período turbulento em que a pessoa
deixa a infância e se prepara para ingressar no mundo adulto, perdendo o
tratamento dispensado às crianças, sendo que ainda não possui as características
da pessoa adulta.
Além das alterações físicas e psíquicas que atravessam o corpo e a
mente, fatores externos como família, sociedade, emprego, lazer, violência e tantos
outros influenciam no desenvolvimento da sua personalidade. É o período de
inserção social “autônoma”, em que o indivíduo iniciará a trajetória própria de
demarcação do que será e como viverá na fase adulta.
Os jovens das classes mais abastadas o os mais penalizados no
caminho para a inserção social, pois as barreiras interpostas para alcançar uma boa
formação educacional, colocação no mercado de trabalho, aquisição de bens
consumíveis criam no seu interior um sentimento de injustiça, levando-os a
questionar sua própria existência num mundo de desigualdades e incoerências.
7
FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A criança e o adolescente no ordenamento jurídico Brasileiro. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999. p. 102.
24
Aliada à forte descarga hormonal vem o sentimento de revolta com as
injustiças do sistema social em que vivem. Não estamos aqui tentando justificar que
o adolescente comete ato infracional em razão da sua exclusão social, mas
ressaltando a validade da informação.
Vendo a criminalidade por uma ótica social, para uma parcela dos jovens a
criminalidade está relacionada à aquisição de bens de consumo, como roupas, tênis,
relógios, aparelhos eletrônicos entre outros. para outros adolescentes, a
delinqüência é encarada, não apenas como forma de obtenção de produtos de valor,
mas como meio de vida. A ausência de perspectivas quanto ao sucesso profissional,
pessoal e social, associada à relação de exploração e marginalidade, a qual desde
cedo estão submetidos, levam-nos à descrença nas instituições públicas,
encontrando nas atividades criminosas um meio viável de satisfação.
Não existem pré-destinados à delinqüência. Qualquer jovem pode vir a
delinqüir, seja rico, pobre, classe média, branco, negro, pardo, morador de cidades
grandes, pequenas, etc. Entretanto, é fato notório que a maioria dos jovens
infratores o pobres, negros ou pardos, de baixa escolarização e de bairros
marginalizados, com altos índices de violência e criminalidade.
Os dados fornecidos pelo Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao
Adolescente num universo de mil cento e noventa adolescentes entrevistados
refletem a assertiva, bem como os dados obtidos na nossa entrevista, trazendo que:
33% dos adolescentes o de classe pobre, 4% de classe muito pobre, 46% o de
cor parda e 21% negros.
Dos participantes da nossa pesquisa 90% o de etnia parda e 24 %
possuem renda familiar entre R$ 200,00 e R$ 400,00 e 6% possuem renda familiar
inferior a R$ 200,00. Vide tabelas nos anexos.
25
A partir do momento em que se toma consciência de um novo protagonista
na criminalidade, o adolescente, faz-se necessário repensar a forma institucional de
tratamento.
O sistema judiciário não poderá destinar ao jovem autor de ato infracional
tratamento idêntico ao que recebe o adulto criminoso. A lei considera o adolescente
pessoa em desenvolvimento, e assim deve ser tratado, como alguém que ainda não
está totalmente apto e capaz para tomar suas próprias decisões, mas que deve
participar delas até mesmo para seu próprio amadurecimento.
Antes as leis não distinguiam a criança e o adolescente do adulto,
tratando-os como adultos em miniatura, a exemplo das Ordenações Filipinas
aplicadas no Brasil. Com a evolução social e por conseqüência a evolução
legislativa, iniciaram-se movimentos sociais que passaram a pregar a distinção entre
adultos, crianças e adolescentes, surgindo a partir daí os Tribunais de Menores e as
Leis Menoristas, mas que não garantiam proteção integral aos mesmos.
8
A partir da distinção entre adulto e adolescente entendeu-se melhor esta
faixa etária e suas peculiaridades, criaram-se leis que prevêem a proteção integral à
criança e ao adolescente, abrangendo todos os aspectos: vida, saúde, educação,
lazer, alimentação, cultura, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade,
convivência familiar e comunitária, sendo responsabilidade da família, do Estado e
da sociedade garanti-las.
O país evoluiu legislativamente na área da Infância e da Juventude com a
Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Destacamos como relevantes no cenário internacional a Convenção da
ONU sobre os direitos da criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
8 SARAIVA, João Batista Costa Saraiva. Adolescentes em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade
penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 26.
26
Administração da Infância e da Juventude Regras de Beijing, Regras Mínimas das
Nações Unidades para a proteção dos jovens Privados de Liberdade, Código de
Conduta para os Funcionários responsáveis pela aplicação da Lei e Diretrizes para a
Prevenção da Delinqüência Juvenil – e as Diretrizes de Riad.
9
O Brasil ainda não conta com legislação própria para cuidar da execução
da medida sócio-educativa, ou normas que disciplinem o pós-sentença do
adolescente, com diretrizes gerais a serem observadas pelas entidades de
atendimento e juízos. De maneira alguma poderá ser usado, subsidiariamente, a Lei
de Execução Penal, que disciplina o cumprimento da pena.
2.1 CIDADANIA PARA O ADOLESCENTE AUTOR DE ATO
INFRACIONAL
Cidadania, segundo José Afonso da Silva, qualifica os participantes da
vida do Estado, sendo característica das pessoas integradas na sociedade estatal,
atributo político decorrente do direito de participar do governo e direito de ser ouvido
pela representação política.
10
A participação de todos como exercício da cidadania não se restringe à
escolha dos representantes legais ou na possibilidade de ser eleito, abrange,
também, a interação com as decisões políticas do país. É a democratização das
decisões institucionais ao alcance de toda sociedade.
9 FONACRIAD, VOLPI Mário; SARAIVA João Batista; JÚNIOR Rolf Koener. Adolescentes privados de Liberdade: A normativa Nacional e Internacional e
Reflexões acerca da responsabilidade penal. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2006. p. 39.
10 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 395.
27
O adolescente precede ao adulto, e o desenvolver dessa fase é fator
determinante em quem será e como ocupará seu espaço no futuro, além de
essencial para a própria existência de homens com consciência dos seus direitos e
deveres.
Cidadania não é apenas gozar de direitos, mas cumprir deveres.
O adolescente autor de ato infracional não ressocializado esta
automaticamente à margem da sociedade, vivendo à sombra de sua cidadania, daí a
importância da construção de jovens equilibrados mental e fisicamente, totalmente
integrados na vida em comunidade.
Veillard Cybulska, conforme citação de Albergaria, ensina que o capital
fundamental de uma nação é a população adolescente, da qual dependem a sua
sobrevivência e prosperidade. Uma juventude sadia, instruída e bem educada,
preparada para a idade adulta e integrada na vida da nação, é um instrumento da
mais alta valia.
11
O artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que toda
criança e adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerente à pessoa
humana. A lei menorista, a complementar os preceitos da Carta Maior, também
consagra o exercício dos direitos fundamentais à infância e juventude.
José de Farias Tavares enquadra os direitos da infância e da juventude
na terceira geração de direitos, na categoria de direitos humanos fundamentais
elucidando que na primeira geração de direitos encontra-se a liberdade da pessoa;
na segunda os direitos sociais; e na terceira, o combate à deterioração da qualidade
da vida humana com o direito de solidariedade e fraternidade.
12
11 Veillard Cybulska. H. Revue Internacionale de Droit de L’Enfante. Paris, 1976. p. 73 apud ALBERGARIA, Jason. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Aide
Editora, 1995. p. 33.
12 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 39 e 40.
28
Paulo Bonavides acrescenta ainda duas categorias, a quarta e quinta
geração de direitos fundamentais. A quarta geração o direito à democracia, à
informação e ao pluralismo, que sem eles o gozo e defesa de todos os demais
direitos estarão prejudicados.
13
A quinta geração, publicada em artigo, corresponde ao direito à paz, de
caráter global, em sua feição agregativa de solidariedade, como elemento
harmonizador de todas as etnias, culturas crenças e sistemas. O autor não se refere
à paz como negativa à guerra, algo inerte, e sim como uma dinâmica conjunta, por
intermédio de ações, que encaminhem à paz efetiva. partir da construção e
exposição dos direitos fundamentais tem-se sedimentada a cidadania.
14
Não que se falar em gozo da cidadania sob regimes autoritários e
ditatoriais, em que são constantes as afrontas aos direitos humanos fundamentais.
Ademais, jovens crescidos sob o silêncio dos cajados dominantes não
desenvolvem a capacidade crítica necessária para exercer plenamente seus direitos,
tampouco enxergar seu papel em sociedade.
Quando pensamos em adolescentes que contrariam as regras e até
mesmo naqueles que enveredam para a criminalidade, face mais cruel lhes é
apresentada, vestida de reformatórios e constante violência contra seus corpos e
mentes. Aniquila-se a juventude, amedronta-se o adulto.
O jovem é a voz ativa da sociedade, é ele que tem fôlego para apontar e
reclamar as desigualdades, injustiças e ameaças sociais.
O mesmo autor assinala que nunca nos falte juízo crítico, espírito de
análise, energia, convicção e, sobretudo, consciência ética com que sustentar e
propagar e defender aquele breviário de mandamentos da democracia e da justiça
13 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 15.
14 BONAVIDES, Paulo. O direito à paz. Folha de São Paulo. São Paulo, 03.12. 2006. p. A3.
29
(justiça, igualdade, pluralismo e democracia participativa), que é filosofia mesma do
Estado social em seu consórcio com a soberania participativa do povo.
15
Assegurar por meio de ações fáticas e jurídicas à criança e ao
adolescente os direitos e garantias fundamentais equivale proporcionar a
sobrevivência da própria sociedade de maneira igualitária, ao contrário de excluir-se
a parcela considerada “podre”, o adolescente autor de ato infracional.
2.2 TRIBUNAL DE MENORES
Para entender melhor a trajetória da legislação juvenil é necessário
retrocedermos a aspectos históricos do seu surgimento.
Envoltos num clima de transformação quanto ao tratamento dispensado à
criança e ao adolescente, reconhecendo-se o abuso praticado ao longo da história
legitimado em razão da obediência, educação e religião, surge o primeiro Tribunal de
Menores, criado em 1899, por meio da “Juvenille Court Act” de Illinois.
16
Quase que inexistentes no século XIX, com exceção de Illinois, os
Tribunais de Menores tornaram-se realidade em vários países: em 1905 na
Inglaterra, em 1908 na Alemanha, em 1911 em Portugal e na Hungria e em 1924 na
Espanha. Nos países latinos americanos, os Tribunais de Menores surgiram em
1921 na Argentina, em 1923 no Brasil, em 1927 no México e em1928 no Chile.
17
Os Tribunais possuem importante papel como marco inicial na mudança
de comportamento legislativo em relação à delinqüência juvenil. Além de
preocuparem-se com a necessidade de uma jurisdição especial para menores e as
15 Ibidem., p. 11
16 SOUZA, Sérgio Muniz de. Delinqüência Juvenil. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1959. p. 17.
17 MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Das necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 18.
30
funções das instituições de caridade, pensam no seu papel após a sentença,
revelando para nós, a partir dessa informação, que a preocupação com o
adolescente infrator em cumprimento à sentença não é atual, sendo fator
preponderante para o sucesso da medida aplicada.
A situação de cárcere as quais estavam expostas as crianças e os
adolescentes, degradantes no sentido de recuperar e proporcionar meios de
(re)construção do caráter, fez com que políticos das mais diversas partes do mundo
se reunissem em Paris a fim de discutir a situação do menor Primeiro Congresso
Internacional de Tribunais de Menores, realizado entre 29 de junho a 01 de julho de
1911.
18
As crianças e os adolescentes quando presos eram mantidos em porões,
junto com adultos, privados de qualquer tipo de atividade física e intelectual, não
sendo respeitada sua condição de pessoa em desenvolvimento, vivenciando a
degradação do ser humano como exemplo de vida.
No Congresso de Paris discutiu-se pela primeira vez, de forma acadêmica
e política, a distinção física e psicológica entre crianças e adultos: a
criança/adolescente o poderia mais ser tratada como um adulto em miniatura,
nem ser tratada como anjo ou demônio, mas simplesmente ser entendida como uma
criança/adolescente em desenvolvimento e em formação de personalidade.
Pregava-se a repressão, proteção, na qual a criança e o adolescente
sofreriam a punição pelo ato infracional que cometeram, mas de maneira protegida
quanto às garantias essenciais para sua formação, de preferência que o ambiente
em que cumprissem sua sentença tivesse um caráter familiar.
18 MENDEZ . op. cit., p.18.
31
O que chamou a atenção comparando os temas discutidos no congresso
de Paris com o Estatuto da Criança e do Adolescente refere-se à defesa das
sentenças de caráter indeterminado utilizada atualmente pela legislação brasileira.
Transcrevemos um trecho do discurso da delegada belga na Comissão
Real Patronatos, Madame Henry Carton de Wiart: “A liberdade vigiada deve ser
revestida das características de uma sentença indeterminada. Um termo fixo
constitui uma proteção temporária. Uma sentença indeterminada converte a
proteção em algo de caráter permanente.”
19
Com relação à sentença de caráter indeterminado, acredita-se que essa
seja benéfica à mudança comportamental do jovem infrator, uma vez que este passa
a ser protagonista de sua própria recuperação. O tempo de internação dependerá do
progresso feito pelo adolescente, diferentemente da sentença com lapso temporal
pré-determinado, em que não é necessário empenho, pelo agente, na sua
recuperação.
O adolescente terá em mente que suas atitudes no transcorrer da medida
determinarão o tempo de internação, fazendo-o, assim, comprometer-se com sua
própria recuperação.
Uma das grandes dificuldades apontadas no Congresso de Paris no que
se refere à jurisdição dos Tribunais de Menores, pertine à criança abandonada, que
nem é vítima, nem autora de delitos, fora do alcance dos Tribunais, mas carente de
atenção.
A legislação brasileira conseguiu superar-se ao distinguir o tratamento
destinado à criança e ao adolescente abandonados do adolescente infrator, sendo
que os primeiros recebem atendimento próprio para situação de abandono, com
19 MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Das necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 19.
32
características de guarda, geralmente prestado pela municipalidade, enquanto que o
segundo receberá atendimento “punitivo-protetivo”.
Os Tribunais de Menores significaram simplicidade e celeridade
processual dos delitos praticados por adolescentes. Um caminho demorado, como
tradicionalmente percorrido por imputáveis nos juízos criminais, comprometeria a
eficácia da legislação de proteção ao menor infrator. Assim, o menor infrator será
julgado por um juiz exclusivamente da infância e juventude e familiarizado com as
peculiaridades que a situação requer.
Além dos aspectos processuais dos Tribunais de Menores, havia a
característica preventiva da sua atuação. Os agentes, em tese, seriam “experts” na
área da infância e da juventude, podendo inclusive atuar com ações para o controle
da criminalidade, um “centro de ação para a luta contra a criminalidade”.
20
2.3 SURGIMENTO DO DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO
BRASIL
Mário Volpi aborda o tema adolescente em conflito com a lei como um
exercício de reconhecimento de cidadania no adolescente infrator, desmistificando
sua compreensão em três mitos: hiperdimensionamento, periculosidade e
irresponsabilidade.
21
20 Atas, 1911, 49 apud MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros Editora, 1994.
p. 20.
21 VOLPI, Mario. Sem liberdade, sem direitos: A privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p.14 a 16.
33
O primeiro mito, da hiperdimensionalidade do problema, procura mostrar a
delinqüência juvenil do tamanho que ela realmente é, diversa da dimensionalidade
mostrada pela mídia.
Os meios de comunicação social, autoridades e profissionais da área
apresentam o problema como se centenas de adolescentes praticassem delitos,
quando na verdade não estudos ou dados concretos em âmbito nacional que
ofereçam segurança nesta afirmação.
Dados do Censo Penitenciário Brasileiro revelam que no ano de 1994
havia uma média de oitenta e oito presos para cada cem mil habitantes, enquanto
que três adolescentes internados para o mesmo número. Em 1997, nova pesquisa
revelou que este número de adolescentes internados mantivera-se.
22
Considerando que os adolescentes que cometeram atos infracionais
graves estão internados e que este número não está em situação incontrolável, é
possível concluir que o problema é menor do que a sensação e o temor social que
produzem.
O segundo mito é o da periculosidade. Estudos revelam que os delitos
praticados pelos adolescentes, em sua maioria, o crimes contra o patrimônio,
como mostra a tabela abaixo fornecida pela Fundação Casa, apresentando um
recorte feito em 31 de julho de 2005:
Tabela 01 - Ato infracional declarado pelos adolescentes entrevistados
INFRAÇÃO %
Roubo qualificado 52,7
Tráfico de drogas 12,2
Homicídio doloso 8,5
Descumprimento de medida 6,1
22 ibidem., p. 15.
34
Furto 5,8
Latrocínio 3,3
Roubo simples 2,9
Outros 2,3
Porte de arma 2,2
Seqüestro e cárcere privado 0,8
Homicídio culposo 0,6
Dados fornecidos pela Febem referente à 31/07/2005
Irresponsabilidade seria a afirmação de que os crimes relacionados ao
patrimônio não possuem características de violência. O roubo, por exemplo, possui
no seu tipo penal “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante
grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzindo à impossibilidade de resistência.” O fato da maioria dos delitos praticados
por adolescentes ser o roubo, 52.7%, não os torna responsáveis pela violência e
criminalidade no país, uma vez que a fatia de adolescentes que praticam o ato
infracional é bastante inferior ao número de adultos que cometem o mesmo crime a
cada cem mil habitantes.
Estamos utilizando como parâmetro para confirmar o segundo mito
apresentado por Mário Volpi os crimes contra a vida, que pela sua natureza
possuem perfil de perigo e violência.
Como foi dito anteriormente, a maioria dos delitos praticados por
adolescentes está de alguma forma relacionada ao consumo, à aquisição de bens
caros e ao status social, sendo estes também os resultados obtidos com a aplicação
do questionário:
Gráfico 1: Categorias de delitos
35
É importante desmistificar a idéia de periculosidade da criança e do
adolescente, pois esta suposta característica tem amparado repetidos atos de
violência. O conceito de periculosidade o se aplica a estas pessoas, sendo
incompatível com o conceito de pessoa em desenvolvimento.
No Brasil, tal situação chegou ao extremo de permitir a ação de grupos de
extermínio encarregados de assassinar crianças como forma de “limpar” as ruas.
Segundo dados da Polícia Federal, quatro mil, seiscentas e onze crianças e
adolescentes de cinco a dezessete anos foram violentamente assassinados em
dezessete Estados e no Distrito Federal no período de 1988 a 1990.
23
O terceiro mito apresentado pelo autor é o da irresponsabilidade do
adolescente, sustentado pelo fato de que este estaria mais propenso à prática de
delito, por ser a legislação mais branda na sua punição.
23 RIZZINI, Irene. A criança no Brasil hoje: desafio do terceiro milênio. Rio de Janeiro: Santa Úrsula, 1993. p. 53.
Delitos
47%
5%
17%
3%
1%
19%
2%
5%
1%
Roubo
Latrocínio
Tráfico de drogas
Furto
Lesão Corporal
Homicídio
36
Consideramos que aqui ocorra uma confusão, pois o fato do Estatuto da
Criança e do Adolescente promover a proteção integral à infância e a juventude não
significa que o mesmo esteja isento de punição em razão do delito praticado.
Ocorre que a maneira como o adolescente arcará pelo delito praticado lhe
garante subsídios para aprimorar-se enquanto pessoa em desenvolvimento -
proteção integral.
A medida sócio-educativa vai adiante da pena, pois além da finalidade
ressocializadora, respeita o fato do adolescente ser pessoa em desenvolvimento. As
penas aplicadas aos adultos transgressores extrapolam a mera punição, buscando o
fim recuperador. Beccaria já escrevia sobre a finalidade das penas:
“O fim das penas não é atormentar e afligir um ser
sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que
um corpo político, que bem longe de agir por paixão, é o
moderador tranqüilo das paixões particulares, possa abrigar
essa inútil crueldade, instrumento de furor e do fanatismo, ou
dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de
volta do tempo as ações já consumadas?”
24
O fato da sentença que determina a medida de internação não conter
“tempo determinado” não o livra da privação de liberdade como resposta à pratica do
ato infracional de natureza grave, mas não justifica a imposição de sanção igual a
dos adultos, tampouco qualquer tipo de subserviência. Observa-se que a medida de
internação será aplicada em última hipótese, quando não couber medida diversa,
respeitando-se os princípios da excepcionalidade e da brevidade.
Retirando o adolescente da condição de “vítima” do sistema, do meio
social, da falência das instituições família e Estado e da carapuça de “produto do
24 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 62.
37
meio” com índole, caráter e propensão à prática do mal, conseguir-se-á entender
que se trata de uma circunstância da vida, passageira e não um estado de ser
passível de reparo seja através de medidas protetivas ou de medidas cio-
educativas.
25
2.4 O ADOLESCENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 foi a mais abrangente no que diz respeito
à proteção da infância e da juventude comparada às suas antecessoras, incluindo
objetivamente a Proteção da Doutrina Integral em seu texto.
José de Farias Tavares ressalva todas as normas contidas no texto
constitucional relativas à infância e a juventude, iniciando pelas normas de trabalho
e profissionalização no art. , XXXIII combinado com o art. 227, §3º, I e II;
capacidade eleitoral ativa artigo 14, §1º, II, alínea c; assistência social, seguridade
social e educação nos artigos 195, 203, 204 e 208, I, IV e artigo 7º, XXV; programa
de rádio e televisão artigo 220, §3º, I e II; múnus público de proteção integral artigo
227 caput, e o dever do Estado no artigo 227, §I e II; garantias democráticas
processuais artigo 227 IV e V; incentivo oficial à guarda artigo 227, VI; prevenção
contra entorpecentes prevista no artigo 227, VII; defesa contra abuso sexual artigo
227, § 4º e estímulo à adoção art. 227, § 6º.
26
O mesmo autor, para fins didáticos classifica os referidos direitos em oito
categorias, na seguinte ordem: vida e saúde; educação e cultura, esporte e lazer;
25 VOLPI, Mario. Sem liberdade, sem direitos: A privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p 19.
26 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 61.
38
trabalho e previdência, ordem pública e segurança pessoal; liberdade individual e
dignidade da pessoa humana; convivência familiar e assistência social e integração
comunitária.
O questionário aplicado aos adolescentes para verificação da realidade
nas Unidades foi baseado nestes indicadores, como mecanismo de comparação
entre o estabelecido em lei e o vivenciado pelos jovens.
É certo que a proteção integral pela primeira vez é reconhecida
constitucionalmente e de forma induvidosa.
José Afonso da Silva ensina ser a Constituição Federal a lei suprema do
Estado, pois é nela que se encontra a própria estruturação deste e a organização
dos seus órgãos. A Constituição está no vértice do sistema jurídico do país, a que
confere validade e onde todos os poderes estatais o legítimos na medida em que
ela os reconheça e na proporção por ela distribuída.
27
Logo, a prioridade destinada à criança e ao adolescente, bem como a
cadeia de proteção que se desenvolveu na legislação infraconstitucional, encontra-
se amparada no texto constitucional, sendo defeso disposição contrária.
Os princípios refletem expressamente a redação do artigo 227 da
Constituição Federal que estabelece ser “dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.”
27 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 45.
39
O legislador constitucional envolto num clima de proteção à infância e à
juventude, que igualmente inspirou a edição do Estatuto da Criança e do
Adolescente, procurou esgotar em si mesmo o conceito de proteção integral, não o
encerrando na expressão “direito à vida”, mas adentrando nos seus
desdobramentos, citando a educação, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer,
a profissionalização e todos os outros trazidos no caput do artigo.
O constituinte deixou clara a prioridade absoluta que toda criança e todo
adolescente possuem em relação aos direitos fundamentais, porém o seu exercício
depende da aceitação e aplicação da norma pelos agentes que lhes cercam,
quaisquer que sejam: família, escola, sociedade e Estado.
Enquanto que a Constituição Federal garante o direito à vida, o Código
Penal pune quem atente contra ela, tornando-a uma norma completa ao passo que
sua violação gera uma sanção Estatal. Garante o código, inclusive, o direito ao
nascimento com vida.
Jason Albergaria, ao descrever as fontes do “Direito do Menor” (expressão
utilizada pelo autor), inclui o Direito Penal como um dos alicerces que torna a
referida normativa ramo do Direito Público.
28
O aborto, previsto nos artigos 124 e 125 do Código Penal, ao prever como
crime contra a vida o aniquilamento ao nascituro, preserva o direito à vida, refletindo
o Direito Penal na Doutrina da Proteção Integral.
Alexandre de Moraes escreve que o direito à vida é o mais fundamental de
todos os direitos, que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de
todos do demais direitos.
29
28 ALBERGARIA, Jason. Direito do Menor. Aide Editora: Rio de Janeiro, 1995. p. 18.
29 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 30.
40
A Constituição proclama o direito, sendo que a medida assecuratória
depende de ações do Estado, tanto para estar vivo, quanto para subsistir. O mesmo
autor relaciona a complementaridade de um direito e sua garantia, mencionando o
art. 7º e 8º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo e seus três
parágrafos asseguram à gestante atendimento pré e perinatal, que a mesma realize
o parto preferencialmente com o médico que realizou o seu acompanhamento na
fase pré-natal, bem como o aleitamento materno, inclusive para as mulheres
cumprindo sentença privativa de liberdade.
Válter Kenji Ishida explica que o art. 8º do Estatuto da Criança e do
Adolescente é conseqüência dos mandamentos do artigo 198 da Constituição
Federal. O artigo refere-se ao Sistema Único de Saúde - SUS - ao prestar este
atendimento, com competência repartida entre União, Estados, Distrito Federal e
Municípios. O autor esclarece ainda que, caso haja omissão dos entes políticos na
implantação e manutenção do Sistema Único de Saúde de maneira adequada,
caberá Ação de Obrigação de Fazer a fim de que sejam proporcionados os meios
necessários de amparo à parturiente.
30
Alexandre de Moraes ensina que a natureza jurídica das normas que
disciplinam os direitos e garantias fundamentais e individuais são normas de eficácia
e aplicabilidade imediatas.
31
Igualmente se aplica o estabelecido à adolescente que der à luz durante o
cumprimento da medida sócio-educativa, recebendo atendimento do sistema
integrado de saúde e procedendo normalmente ao aleitamento do filho. É o uso do
30 ISHIDA, Valter Kenji. Eca Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas S.A, 2006. p 13.
31 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 334.
41
mesmo dispositivo para tutelar, simultaneamente, dois sujeitos do Direito da Infância
e da Juventude, a mãe adolescente e o filho recém-nascido.
O adolescente privado de liberdade faz jus à proteção à vida e à saúde,
cabendo à Instituição que cuida da sua internação proporcionar os meios
necessários de acesso a estes direitos, respondendo o Estado objetivamente pelo
seu descumprimento e seus representantes subjetivamente.
Neste sentido, ensina o Professor Alexandre de Moraes, a teoria do risco
administrativo imputa responsabilidade objetiva ao Estado pelas ações de seus
agentes desde que ocorram os seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou
omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão
administrativa e ausência de causa excludente de responsabilidade.
32
Assim, gerado o prejuízo à saúde do adolescente internado em uma
Instituição do Estado, seja da administração pública direta ou indireta, ou até mesmo
quando este serviço for prestado por pessoa jurídica de direito privado, Associações
ou Organizações o Governamentais - ONGs -, imbuídas oficialmente da função
de internação, respondeo Estado objetivamente, independente de ter o agente
agido com dolo ou culpa, cabendo ação de regresso contra os responsáveis pelo
dano.
O legislador desenhou de maneira clara os direitos fundamentais em
defesa da proteção integral despendida à criança e ao adolescente, impedindo
assim distorções, omissões ou obscuridades na interpretação da lei.
Referente à educação e cultura, esporte e lazer; trabalho e previdência,
ordem pública e segurança pessoal; liberdade individual e dignidade da pessoa
humana; convivência familiar e assistência social e integração comunitária, que
32 MORAES, op.cit., p. 27.
42
igualmente constam no texto constitucional, trataremos no capítulo seis, que versa
especificamente cada tópico.
2.4.1 Garantias Processuais Constitucionais
Outro aspecto reservado ao adolescente, neste caso, àquele que pratica
ato infracional, refere-se às garantias processuais constitucionais, incidindo no
processo que apura a infração, a ampla defesa e o contraditório.
33
Desde a Constituição de 1891, o princípio da ampla defesa vem
consagrado, ainda que limitado ao processo penal. o princípio do contraditório foi
mencionado pela primeira vez na Constituição de 1969 (art. 153 §16), mas
igualmente limitado em seu alcance apenas para o processo penal, sendo estendido
também ao processo civil e administrativo somente por força da doutrina e da
jurisprudência. A Constituição Federal de 1988 solucionou o problema,
estabelecendo o contraditório de maneira ampla e clara.
O contraditório, mais que uma garantia conferida às partes, caso o seja
obedecida, configura mácula insanável ao processo, gerando sua nulidade.
Valter Kenji Ishida esclarece que o contraditório será observado tanto no
processo que apura o ato infracional, como também no caso de conversão de
medida sócio-educativa branda para medida mais gravosa dada a nova prática
delituosa.
34
33 O art. traz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes: LV Aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
34 ISHIDA, Valter Kenji. Eca Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas S.A, 2006. p163.
43
Ou seja, no caso do adolescente estar cumprindo medida de
semiliberdade ou outra que o imponha sua privação (liberdade assistida e
prestação de serviço à comunidade) e venha a praticar novo ato infracional, para
que lhe seja aplicada medida de internação deverá ser instaurado novo
procedimento e observadas todas as garantias constitucionais processuais
inerentes.
A ampla defesa é assegurada como meio de promover a busca da
verdade real, saber o que de fato aconteceu e se foi o adolescente autor do ato
infracional.
Quanto ao contraditório no processo do adolescente autor de ato
infracional, a questão é polêmica, que alguns doutrinadores entendem não haver
contraditório no processo que apura ato infracional, uma vez que o adolescente em
conflito com a lei não é litigante nem acusado, outra parte entende ser o
contraditório inerente ao processo, aplicando-se também ao processo do
adolescente autor de ato infracional, tendo em vista as garantias do art. 110 e 111
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para Wilson Barreira e Paulo Roberto Grava Brasil (1989) não faria
sentido o contraditório face ao art. 227, § 3º, IV da CF, que prevê igualdade na
relação processual. Para o autor, o Promotor está comprometido com o interesse do
adolescente; o Advogado prima para que o adolescente diga a verdade e assim
seja-lhe possível aplicar o melhor tratamento e o Juiz aplicará a medida mais
favorável ao adolescente, inclusive responder ao processo em liberdade, desde que
compatível com a postura do adolescente para continuar o convívio em sociedade.
O referido autor deixa claro que a não abrangência aos adolescentes
autores de ato infracional pelo dispositivo em exame não implica concluir-se,
44
apressadamente, que o menor perdeu um direito. Muito pelo contrário, de acordo
com esta doutrina, o menor recebeu tratamento privilegiado sendo-lhe garantido o
estudo interprofissional por técnicos habilitados à defesa de seus interesses, pelo
Promotor de Justiça Curador de Menores, a apreciação do caso por Juiz
especializado, enfim, foi-lhe assegurada uma legislação tutelar, com as
peculiaridades a ela inerentes, o que não se pode pensar com relação ao imputável.
O Juiz no processo da Infância e da Juventude, diferentemente do
processo penal e civil, não se sujeitaria ao princípio do livre convencimento, não
estando vinculado à prova da materialidade e à autoria do ato infracional. Deste
modo, caso o magistrado perceba a necessidade da aplicação de medida sócio-
educativa de Liberdade Assistida para acompanhamento do jovem, poderá aplicá-la,
mesmo que não esteja comprovado o cometimento do ato infracional.
Com relação ao posicionamento de Wilson Barreira e Paulo Roberto
Grava Brasil, respeitamos a tese, todavia, entendemos que estará estabelecida a
bilateralidade a partir do momento em que o adolescente realiza seu depoimento
sobre os fatos a ele imputados, apresentando sua versão, bem como nas demais
fases em que produz provas.
A sentença, neste caso, não sebaseada apenas na unilateralidade dos
fatos, na versão da vítima ou da autoridade policial, mas no equilíbrio processual,
proporcionando que busquem os meios inerentes à sua defesa, confrontando os
fatos e produzindo as provas necessárias.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manifestou-se no sentido
de que nenhum adolescente será privado de liberdade sem o devido processo legal
em vários de seus julgados, confirmando a aplicação do preceito constitucional na
45
esfera da infância e da juventude (TJSP – C. Esp. – Al 16.652-00 Rel. Lair Loureiro –
j. 4-3-93).
35
Outro momento em que ocorre o contraditório está no descumprimento da
medida de liberdade assistida pelo adolescente, ou quando o orientador ou a equipe
interdisciplinar emite relatório informando sobre a inadequação da medida para o
caso concreto em que se pretende aplicar medida de internação.
O Magistrado, neste caso, antes de substituir a referida medida por outra
mais rígida, deverá ouvir as justificativas do adolescente, bem como o Ministério
Público, o defensor do adolescente e o orientador da medida.
Gianpaolo Poggio Smanio apresenta o contraditório, na obra Interesses
Difusos e Coletivos, como um dos elementos formadores do Processo Legal,
juntamente com a ampla defesa, registrando a citação ou o meio equivalente;
igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; assistência judiciária
gratuita, se necessitado; oitiva pessoal pela autoridade competente e direito de
solicitar a presença dos pais ou responsável em qualquer fase processual.
36
O contraditório expressa, antes de qualquer coisa, a busca pela igualdade
das partes na relação processual, garantindo ao adolescente semelhante condição a
do Promotor de influir no convencimento do Juiz.
Assim, também, acompanha João Batista Costa Saraiva, ao diferenciar os
principais aspectos entre a doutrina da Situação Irregular e a doutrina da Proteção
Integral, incluindo nesta o contraditório como garantia fundamental:
“Princípios fundamentais, que em nome de uma suposta ação
protetiva do Estado eram esquecidos pela Doutrina da Situação
Irregular passam a ser integrantes da rotina dos processos envolvendo
a criança e o adolescente em conflito com a lei, tais como o princípio
35 Verifica-se também nos Acórdãos TJSP 65.915.0/1 e 65.932-0/9-00 ambos julgados em 04 de dezembro de 2000 pelo Des. Jesus Lofrano; e o
Acórdão TJSP 72.005.0/5 julgado em 05 de abril de 2001 pelo Dês. Gentil Leite.
36 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses Difusos e Coletivos. 4. ed. Editora Atlas: São Paulo, 2001. p. 30.
46
da reserva legal, do pleno e formal conhecimento da acusação, da
igualdade na relação processual, da ampla defesa e do contraditório,
da defesa técnica por advogado, da privação de liberdade como
excepcional e somente por ordem expressa da autoridade judiciária ou
em flagrante, da proteção contra tortura ou tratamento desumano ou
degradante, etc.
37
(SARAIVA, 2005, p.58)
Depreende-se, do exposto, ser inerente à infância e à juventude o devido
processo legal, garantidos o contraditório e a ampla defesa, conforme preceitua a
Constituição Federal.
2.4.2 Competência Legislativa
Outro aspecto que também fora abrangido pela Constituição Federal
refere-se às regras de competência legislativa e administrativa do direito material e
processual da infância e da juventude.
Estabeleceu-se à União, privativamente, legislar sobre matéria civil,
englobando a legislação especial sobre a criança e o adolescente, como de fato
ocorreu com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.068 de 13
de julho de 1990.
Igualmente ao direito material, o direito processual também é da alçada da
União, que desta vez concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, art.
24, XI, § 1º, 2º, 3º e 4º da CF.
37 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal
juvenil. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 58.
47
A União legislará as normas processuais de caráter geral, podendo os
Estados e o Distrito Federal disciplinar normas procedimentais especiais desde que
não contrariem a legislação federal.
José Afonso leciona que a legislação concorrente da União sobre as
matérias do artigo 24 se limitará a estabelecer normas gerais, enquanto que aos
Estados e Distrito Federal poderão (e possuem competência para isso) legislar
supletivamente, conforme o parágrafo 2º. Ainda, caso a União o tenha editado
normas de caráter geral, poderão os Estados e Distrito Federal fazê-lo.
38
Caso ocorra superveniência de norma federal de caráter geral, as
disposições em contrário da legislação estadual e distrital perderão sua eficácia
naquilo que for contrário.
José Afonso esclarece que a Constituição não previu competência
concorrente para os municípios, todavia possibilitou que dispusessem de maneira a
complementar a legislação federal e estadual, inclusive relativo às normas gerais
editadas pela União.
39
Nesta esteira, ensina Alexandre de Moraes que na ausência de normas
gerais de competência da União, os Estados e Distrito Federal adquirem
competência plena para legislar, todavia, temporária, podendo a União a qualquer
tempo exercer sua competência para edição de normas gerais.
40
Cada Estado poderá dizer o modo e a forma como se darão os atos
processuais, respeitando-se assim, as diferenças culturais, sociais, o
desenvolvimento local dos diferentes Estados componentes da federação, sem ferir
a repartição de competências.
38 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p.504.
39 ibidem., p. 505.
40 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p 281.
48
Ainda, adentrando na matéria relacionada à proteção da criança e do
adolescente, a regra de concorrência legislativa é a mesma, conforme preceitua o
art. 24, XV de proteção à infância e à juventude. Cada Estado membro e o Distrito
Federal poderão estabelecer normas e procedimentos que tutelem a infância e
juventude, desde que não contrariem as normas estabelecidas na Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Deve-se chamar a atenção uma vez que o dispositivo faz referência a
normas de “proteção” e não sobre o “direito” da criança e adolescente.
Depreende-se do texto que cabe aos Estados Membros e o Distrito
Federal fixar as regras específicas de atendimento, minúcias quanto às ações
políticas com relação à criança e ao adolescente, a exemplo do funcionamento das
entidades que atendem adolescentes infratores e crianças abandonadas; políticas
públicas para combate à exploração sexual infantil; campanhas antidrogas;
campanha pelo primeiro emprego e outras mais.
A União estabelecea política nacional de atendimento e de proteção à
criança e ao adolescente, enquanto que os Estados e o Distrito Federal
estabelecerão políticas internas e específicas de acordo com suas necessidades.
Ressalta-se que a legislação material referente aos direitos da infância e
da juventude compete à União, enquanto que as normas de proteção à criança e ao
adolescente (políticas públicas específicas) poderão ser feitas concorrentemente
entre União, Estados e Municípios.
Daí não afastarmos a possibilidade dos Municípios também cuidarem dos
adolescentes infratores privados de liberdade.
Alexandre de Moraes descreve a chamada competência suplementar dos
Municípios, que consiste na autorização de regulamentar as normas legislativas
49
federais ou estaduais para ajustar sua execução às peculiaridades locais, sempre
em consonância com o interesse local.
41
O art. 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente trata das entidades de
atendimento, versando os incisos V, VI e VII, respectivamente, das entidades que
cuidam da liberdade assistida, semiliberdade e internação.
O serviço poderá ser prestado tanto por entidades governamentais, como
por entidades não governamentais, sendo que ambas, para exercerem suas
atividades, deverão registrar-se junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança
e do Adolescente, especificando os programas e regime de atendimento, bem como
comunicar ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária.
Os requisitos para registro da entidade não governamental estão no artigo
91 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Todas as entidades serão fiscalizadas pelos Conselhos Tutelares,
Judiciário e Ministério Público, sendo que a prestação de contas deverá ser feita a
quem destinou dotação orçamentária, qualquer que seja: Estado ou Município.
No Município de São Paulo a medida sócio-educativa de prestação de
serviços à comunidade cabe à municipalidade, enquanto que as demais o de
responsabilidade do Estado, que o presta por intermédio da Fundação CASA
Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente.
41 MORAES, op. cit,. p. 285.
50
3 DE OBJETO DE DIREITO A SUJEITO DE DIREITOS: PROTEÇÃO
INTEGRAL
___________________________________________________________
É importante notar a evolução da condição da criança e do adolescente no
sistema jurídico, uma transformação que partiu de “esquecidos”, para “adultos em
miniatura”, passando por “objeto de direitos” (Doutrina da Situação Irregular) a
alcançar a condição de “sujeito de direitos” (Doutrina da Proteção Integral).
42
O grande desafio do movimento pelos direitos da criança e do adolescente
foi estabelecer o reconhecimento da diferença entre criança e adolescente, e os
adultos.
A legislação brasileira acompanhou o avanço deste direito, influenciada
pelos Tribunais de Menores e legislações similares na América Latina, em especial
na Argentina (1921), distinguindo o tratamento destinado à criança e ao adolescente
do adulto, mas não conseguindo retirá-lo da marginalidade ao qual está suscetível.
É importante salientar que a previsão da proteção integral prevista no art.
227 da CF e todo o conteúdo, também protetivo, do Estatuto da Criança e do
Adolescente espelha o avanço internacional da legislação em relação à infância e à
juventude e a luta de grupos e organizações de pessoas na defesa dos interesses
dos menores. Passamos de uma legislação que previa a Situação Irregular do menor
para legislações completas, que prevêem a Proteção Integral. O próximo passo se
enquadrar os adolescentes em conflito com a lei em categorias dentro da Doutrina
de Proteção Integral, cada fase com suas peculiaridades e necessidades próprias.
42 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal
juvenil. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 48.
51
No campo internacional ressaltamos quatro normativas que influenciaram
a integralização da doutrina da Proteção Integral adotada no Brasil, a saber: Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da
Juventude; Regras de Beijing; Declaração dos Direitos Da Criança aprovada por
unanimidade em 20 de novembro de 1959; Convenção sobre os Direitos da
Criança, Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e
1990; a Assembléia Geral das Nações Unidas que proclamou a declaração dos
Direitos da Criança e Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da
Delinqüência Juvenil - (Diretrizes de Riad) Doc. das Nações Unidas n.º A/CONF.
157/24 (Parte I), 1990.
43
Anteriores ao Estatuto da Criança e do Adolescente importantes medidas
legislativas, cada uma ao seu tempo, representaram a evolução nesse campo, a
saber: Lei 4.242, de 05 de janeiro de 1921 que excluiu do processo penal os
menores de quatorze anos; o Decreto 16.272, de 20 de dezembro de 1923, que
criou as primeiras normas da Assistência Social visando proteger os menores
abandonados e delinqüentes; o decreto 17.943-A de 12 de outubro de 1927,
estabelecendo o “Código de Menores” (Código Mello Mattos) e por fim, o antecessor
do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Menores Lei 6.697/79.
44
Até
aqui enquadrando a infância e a juventude perdidas na Situação Irregular, surgindo,
a partir da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1989, a Doutrina da Proteção Integral.
Até o digo de Menores de 1979, tivemos a chamada doutrina da
Situação Irregular, em que crianças e adolescentes consideradas fora do padrão
43 Site www.unicef.org.br consultado em 24 de outubro de 2006.
44 SARAIVA, Batista Costa. O adolescente em conflito com a Lei: Da indiferença à Proteção Integral, uma abordagem sobre a responsabilidade juvenil. 2.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 56.
52
normal, seja em razão da prática de ato infracional, ou pela situação de abandono,
eram enquadradas numa mesma situação de irregularidade e recebiam o mesmo
tipo de tratamento, sem distinções quanto à natureza que os colocou nesta
condição.
Em São Paulo, o S.O.S. Criança, departamento ligado à Febem, se
prestava a atender crianças abandonadas, adolescentes abandonados e crianças
infratoras.
O Estatuto da Criança e do Adolescente evolui ao deixar a doutrina da
Situação Irregular para adotar a doutrina da Proteção Integral, diferindo criança
abandonada, de adolescentes abandonados e/ou autores de atos infracionais,
destinando tratamento próprio para cada categoria.
Saraiva, citando Mary Beloff, professora de Direito Penal Juvenil na
Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, resume uma série de
distinções entre a Doutrina da Situação Irregular, contemporânea do Código de
Menores, que foram substituídas pela Doutrina da Proteção Integral, em face de
normas internacionais e nacionais acima citadas.
45
Vejamos as diferenças apontadas pela professora, reproduzidas por
Saraiva:
a) as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, não são
reconhecidos como sujeitos de direitos, e, sim, como incapazes. Por isso, as leis não
são para toda a infância e adolescência, mas sim para os “menores”.
b) Utilizam-se categorias vagas e ambíguas, figuras jurídicas de “tipo
aberto”, de difícil apreensão desde a perspectiva do direito, tais como “menores em
45 BELOFF, Mary. “modelo de la Proteción de los derechos Del niño y de la situación irregular: un modelo para armar y otro para desarmar”. In Justicia y
Derechos Del Niño. Santiago de Chile: UNICEF, 1999. p 9/21 apud SARAIVA, Batista Costa. O adolescente em conflito com a Lei: Da indiferença à Proteção
Integral, uma abordagem sobre a responsabilidade juvenil. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p 49 e 51.
53
situação de risco” ou “em circunstâncias especialmente difíceis”, enfim estabelece-se
o paradigma da ambigüidade.
c) Neste sistema, é o menor quem está em situação irregular; são suas
condições pessoais, familiares e sociais que o convertem em um “menor em
situação irregular” e, por isso, objeto de uma intervenção estatal coercitiva, tanto
para ele como para sua família.
d) Estabelece-se uma distinção entre as crianças bem nascidas e aquelas
em “situação irregular”, entre criança e menor, de sorte que as eventuais questões
relativas àquelas serão objetos do Direito de Família e destes Juizados de Menores.
e) Surge a idéia de que a proteção da lei visa aos menores, consagrando
o conceito de que estes são “objetos de proteção” da norma.
f) Esta “proteção” freqüentemente viola ou restringe direitos, porque o é
concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais.
g) Aparece a idéia de incapacidade do menor.
h) Decorrente deste conceito de incapacidade, a opinião da criança faz-se
irrelevante.
i) Nesta mesma lógica se afeta a função jurisdicional, que o Juiz de
Menores deve ocupar-se não somente de questões tipicamente judiciais, mas
também de suprir as deficiências da falta de políticas públicas adequadas. Por isso,
espera-se que o juiz atue como um “bom pai de família” em sua missão de
encarregado do “patronato” do Estado sobre estes “menores em situação de risco ou
perigo moral ou material”. Disto resulta o fato do Juiz de Menores o estar limitado
pela lei e que, portanto, tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de disposição e
intervenção sobre a família e a criança, com amplo poder discricionários.
j) Há uma centralização no atendimento.
54
k) Estabelece-se uma indistinção entre crianças e adolescentes que
cometem delito com questões relacionadas às políticas sociais e de assistência,
conhecida como “seqüestro e judicialização dos problemas sociais”.
l) Deste modo, instala-se uma nova categoria, de menor
abandonado/delinqüente e se inventa a delinqüência juvenil.
m) Como conseqüência deste conjunto, desconhecem-se todas as
garantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurídicos do Estado de Direito,
garantias estas, que não correspondem apenas a pessoas adultas.
n) Principalmente, a medida por excelência que é adotada pelos Juizados
de Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as “vítimas” ou
“protegidos”, será a privação de liberdade. Todas estas impostas por tempo
indeterminado.
o) Consideram-se as crianças e os adolescentes como inimputáveis
penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação “protetiva” resulta
que não lhes será assegurado um processo com todas as garantias que têm os
adultos e que a decisão de privá-los de liberdade ou de aplicação de qualquer outra
medida não dependerá necessariamente do fato cometido, mas sim, precisamente,
da circunstância da criança ou do adolescente encontrar-se em “situação de risco”.
O adolescente autor de ato infracional passa a receber todas as garantias
fundamentais previstas para o adulto que comete uma infração penal, acrescida das
garantias necessárias a resguardar sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
O adolescente sai da esfera de atuação penal para ser processado e
julgado nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma justiça
especializada e mais célere que a ordinária, além do Magistrado atuar além da sua
55
toga, como integrante do sistema protetivo da infância e da juventude, definindo na
sentença não a pena correspondente ao crime praticado, mas a medida sócio-
educativa mais adequada ao jovem, capaz de recuperar e ressocializar, compatível a
sua condição peculiar.
Parte desta justiça especial integra as instituições que cuidam do
acompanhamento das medidas sócio-educativas, com seu corpo interdisciplinar, que
se responsabiliza pelo acompanhamento e desenvolvimento do adolescente, desde
sua internação até o período pós-liberdade.
A família do adolescente também precisa de cuidados, pois devolvê-lo a
uma estrutura familiar desajustada para acolhê-lo será entregá-lo novamente à
suscetibilidade do crime.
A família é importante fator de manutenção do jovem afastado da
criminalidade e das drogas. Uma família estruturada sobre valores e princípios
possui melhores condições para preservar seus filhos ou, em caso de jovens de
famílias estruturadas, praticarem atos infracionais, além de auxiliar na sua
recuperação. Trata-se de um aparato oferecido à família relacionado à assistência
social e psicológica.
A realidade vivenciada nas Unidades do Centro de Atendimento Sócio-
Educativo ao Adolescente - CASA é de jovens pertencentes a famílias desajustadas,
que não encontram em casa base para sua formação pessoal. Na maioria dos casos
algum membro da família, seja o pai, irmão, parente próximo ou até mesmo a mãe,
pertencem a grupos de atividades criminosas ou as fazem isoladamente. Nestes
casos, é necessário tratar toda a família por intermédio de ações sociais do Estado,
pois caso isso não ocorra, a possibilidade do jovem retornar a delinqüir é grande.
56
O adolescente em processo de recuperação precisa encontrar no lar apoio
para r em prática tudo que aprendeu durante o cumprimento da medida sócio-
educativa. Nos casos de internação, semiliberdade e liberdade assistida, o
acompanhamento ao jovem e à sua família deve se prolongar além da decisão
judicial que o colocou em liberdade, sem tempo determinado, até que a instituição e
seus agentes sintam segurança de um convívio saudável, tanto familiar como social.
O comportamento do jovem em não aceitar a situação de marginalização
(no sentido de exclusão da palavra) reflete sua inquietude com os conflitos e
carências peculiares à fase de desenvolvimento em que está, uma vez que não é
mais criança e ainda não é adulto, trata-se de uma fase de transição, de formação
de personalidade, estando mais propenso a influências negativas que podem levá-lo
à delinqüência.
É uma fase em que as idéias se multiplicam com a mesma velocidade na
qual a sociedade se modifica; em que a tecnologia e a mídia os impulsionam ao
consumismo desenfreado, que esbarrada na pobreza e na marginalização,
contribuem para o cometimento do ato infracional com o objetivo de promoção
social.
Acrescentamos como proteção integral o acesso do jovem, seja enquanto
cumpre a sentença, quanto em liberdade, à educação, saúde, profissionalização e
lazer. Estes são elementos nevrálgicos para o desenvolvimento de sua
personalidade, que deverão ser assegurados pelo Estado, sociedade e família.
Por mais repetitivos que pareçam e até ingênuos, uma vez ausentes
comprometem todo o desenvolvimento da juventude.
O que se percebe é que o Estado não consegue cumprir sua função de
mantenedor das condições mínimas, a sociedade impõe toda a responsabilidade
57
para o Estado e a família, tão desestruturada e vítima da marginalização, não influi
na formação da personalidade de seus filhos, seja por maus exemplos dentro de
casa, na comunidade em que vive, ou mesmo por omissão.
A legislação pátria está além da capacidade de ação de seus
personagens: Estado, sociedade e família.
A corrupção associada à falta de fiscalização dos órgãos competentes
atravanca o bom funcionamento do sistema, seja pelo desvio dos recursos, seja pela
omissão no cumprimento de seus deveres.
A aparente falência reflete diretamente na criminalidade, inclusive na
juvenil, em que os adolescentes estão mais propensos a obterem respostas no
“mundo do crime” do que nas instituições oficiais. Uma vez excluídos do acesso à
educação, saúde, profissionalização, condições básicas de habitação e lazer,
encontram meios de ganhar a vida delinqüindo.
A sociedade acredita que o jovem que pratica ato infracional de fato deve
ser excluído do convívio, afastando de si o problema ao invés de auxiliar na
resolução.
A família quando inserida no meio criminoso encara a delinqüência de
seus filhos como algo natural. Quando não inserida, deposita nas instituições
públicas a causa da delinqüência e espera que sozinha resolva o problema.
A proteção integral depende de um conjunto de fatores favoráveis para
que de fato aconteça. Apenas a previsão legal não é suficiente, principalmente
quando um ente repassa para o outro a responsabilidade, sem que ninguém a
execute na sua órbita de atuação.
Para que os direitos inerentes à proteção integral sejam exercidos pelas
crianças e adolescentes impõem-se à família, ao Estado e à sociedade o
58
cumprimento dos deveres pelos quais são responsáveis, cabendo ao próprio Estado
aplicar a cada um deles as sanções correspondentes a cada violação, por intermédio
das ações judiciais pertinentes em cada caso.
O art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente garante acesso de
toda a criança e adolescente ao Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria
Pública, por qualquer de seus órgãos.
O art. 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os
menores de dezesseis anos sejam representados e os maiores de dezesseis e
menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma
da legislação civil ou processual.
O Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 2 º, parágrafo único
prevê a aplicação excepcional de suas normativas ao adolescente com idade entre
dezoito e vinte e um anos.
Posterior ao estatuto, a legislação civil nos artigos e do Código Civil
trouxe nova redação, designando como assistidos os adolescentes com idade entre
dezesseis e dezoito anos. A questão inicialmente apresentou polêmica quanto à sua
revogação, decidindo os Tribunais pela conservação da lei menorista.
Manteve-se o estabelecido no Estatuto, por tratar-se de norma específica,
não revogada por lei de caráter geral, aplicada aos casos excepcionais previstos no
próprio estatuto, conforme dispõe o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
46
Válter Kenji Ishida ressalta que ocorrera uma revogação tácita da norma
contida no artigo 2 º, parágrafo único frente ao novo Código Civil, deixando de existir
hipótese de aplicação da lei menorista para os adolescentes com idade entre dezoito
46 Art. 2º Lei de Introdução ao Código Civil: A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica lei
anterior.
59
e vinte e um anos. O autor traz como exceção à norma a internação em entidade,
cabível ao adolescente nesta faixa etária.
47
O mesmo autor explica que, caso o fosse possível a aplicação das
normas do Estatuto da Criança e do Adolescente para aqueles que se enquadrem
na faixa etária de dezoito a vinte e um anos, ocorreriam duas conseqüências lógicas:
a não aplicação de medida sócio-educativa para adolescentes entre dezoito e vinte e
um anos; e, impunidade ao adolescente que praticasse atos criminosos à véspera
de completar dezoito anos, uma vez que não se submeteria às normas do Estatuto
por ser maior de dezoito ao tempo do cumprimento, nem ao Código Penal, por ser
inimputável à época da infração. Isso estimularia a prática delitiva.
Em sentido contrário julgou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
no ano de 1995, entendendo o relator Des. Yussef Cahali pela inviabilidade da
aplicação da medida sócio-educativa após o adolescente ter completado dezoito
anos.
48
Todavia, como já dito, julgados recentes manifestam-se pela aplicabilidade
do dispositivo, não caracterizando constrangimento ilegal a manutenção da medida
até os vinte e um anos quando da alegação da sua revogação pelo Código Civil.
49
Silvio Rodrigues leciona que aos dezoito completos acaba a menoridade,
ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil, afirmando tratar-se de
norma insuscetível de dúvida, de caráter geral e decorrente da idéia de que ao
legislador não compete ser casuísta. O doutrinador não faz referência a
excepcionalidade trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
50
47 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 2 e 3.
48 Ibdem., p. 184.
49 TJSP Habeas Corpus nº 101.430-0/9- Itanhaém – Rel. Des. Viseu Júnior – j. 14-4-03– v.u. TJSP Habeas Corpus nº 102.475-0/0 – São Paulo – Rel. Des.
Luiz de Macedo – j. 12-5-03 – v.u.
50 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 34. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. p.
46 e 47.
60
Logo, os maiores de dezoito anos podem ingressar sozinhos em juízo,
uma vez que possuem capacidade civil para tanto, bem como respondem por todos
os atos que praticarem, tanto os da vida civil, como os ilícitos, tipificados no Código
Penal. Enquanto que, no tocante às regras estabelecidas no Estatuto da Criança e
do Adolescente, o adolescente deverá ser assistido até os vinte e um anos, bem
como sujeitar-se-á às suas normas, em decorrência do caráter especial.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entenderam
pela manutenção do parágrafo único do art. 2º do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
51
De maneira semelhante posicionou-se o Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul.
52
O Ministério Público possui competência para interferir nas causas em que
interesse de incapazes (art. 82, I, CPC), além de ser incumbência sua a defesa
dos interesses sociais e coletivos (art. 127 CF), incluindo na sua esfera de atuação a
infância e a juventude.
51 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Acórdão: Recurso Ordinário em Habeas-Corpus - RHC 12794 / RS
Relator: Ministro Gilson Dipp
Julgamento: 22.10.2002 – Quinta Turma
Publicação: DJ 03.02.2003, p. 317
Ementa: Para a aplicação das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se a idade do menor à data do fato, em atendimento ao
intuito do referido diploma legal, o qual visa à ressocialização do adolescente, por meio de medidas que atentem às necessidades pedagógicas e ao caráter
reeducativo. Precedente do STJ. Se a liberação obrigatória deve ocorrer somente quando o adolescente completar 21 anos de idade, não há que se falar em
falta de interesse do Estado em punir o paciente, seja porque o mesmo já teria atingido 18 anos de idade, seja porque já estaria inserido no sistema penal
dos imputáveis. Ausente o apontado constrangimento ilegal decorrente da manutenção da medida de internação do paciente.
Votação: Unânime
Resultado: Recurso desprovido
52 Acórdão: Apelação Criminal - Processo 1999.050.00321
Relator: Desembargador Manoel Alberto
Julgamento: 20.05.1999 – Quinta Câmara Criminal
Ementa: Ato infracional análogo aos crimes capitulados nos arts. 12 e 14, da lei n. 6.368/76. Medida sócio-educativa de internação. Extensão a maior de 18
anos. Além do ECA não impedir a aplicação da medida sócio-educativa de internação quando da primeira passagem dos adolescentes pelo Juizado da
Infância e da Juventude, a gravidade da conduta e sua reiteração demonstram a situação excepcional a justificar a medida aplicada (art. 122, II, da Lei n.
8069/90) e à sua extensão às pessoas entre 18 e 21 anos (art. 2º, § único).
Votação: Maioria
Resultado: Recurso a que se nega provimento
61
Qual seja, o Ministério Público está legitimado para a propositura e
acompanhamento das ações públicas e cíveis para a proteção dos direitos da
criança e do adolescente (art. 201, Estatuto da Criança e do Adolescente). Nos
processos e procedimentos em que não for parte, atuará de maneira a proteger os
interesses preservados no Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição
Federal e demais normativas relativas à infância e à juventude (art. 202, Estatuto da
Criança e do Adolescente). Poderá ainda, intentar com a “ação civil pública” em
defesa dos interesses coletivos e difusos, inclusive os previstos no Estatuto.
A Constituição Federal estabeleceu um remédio para que suas previsões
fossem atendidas e garantidas, quaisquer que sejam: Habeas Corpus (art LXVIII),
Mandado de Segurança (art 5º. LXIX/LXX), Mandado de Injunção (art 5º, LXXI),
Habeas Data (art LXXII) e Ação Popular (art LXXIII). A falta de intervenção do
Ministério Público acarreta a nulidade do feito (art. 204, Estatuto da Criança e do
Adolescente).
62
4 MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM ESPÉCIE
___________________________________________________________
O sistema punitivo do Estado constitui um dos mecanismos de controle da
violência social. O adolescente infrator também é sujeito do controle estatal que
pune e previne a criminalidade, que recebe tratamento diferenciado do aplicado
ao adulto.
O adulto condenado à privação de liberdade cumprirá sua pena em
estabelecimentos prisionais organizados e dirigidos pela Lei de Execução Penal,
enquanto que o adolescente cumprirá medida sócio-educativa em Instituições
próprias para atender sua qualidade de pessoa em formação, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Inexistem, na legislação brasileira, normas específicas que cuidem da
execução da medida sócio-educativa, como ocorre com a execução da pena,
deixando margem para que cada Instituição adote procedimentos próprios.
Será aplicada medida sócio-educativa ao adolescente que incorrer em
condutas típicas, antijurídicas e socialmente reprováveis, que correspondam no
direito penal a crime ou contravenção penal (art. 103 Estatuto da Criança e do
Adolescente).
Uma vez praticado o ato infracional será desencadeada uma resposta
estatal, seja administrativamente ou por intermédio dos Conselhos Tutelares para as
crianças e pelo Poder Judiciário para os adolescentes.
O Estatuto prevê seis espécies de medidas sócio-educativas: advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade
63
assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento
educacional, que poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente.
Observa-se que na aplicação de qualquer uma das medidas sócio-
educativas deverá ser considerada a capacidade do adolescente em cumpri-las, a
gravidade do ato infracional e as suas circunstâncias (art. 112 § 1º), bem como as
suas necessidades educacionais e pedagógicas, voltadas para o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários (art. 100).
As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas até que o adolescente
alcance a maioridade penal, objetivando sempre a sua ressocialização, de modo que
atinja a imputabilidade sem voltar a delinqüir. Ressaltamos, porém, a existência de
casos expressos que permitem a aplicação de medida sócio-educativa mesmo após
a imputabilidade, bastando que o ato infracional tenha sido praticado durante a
menoridade.
O art. 121 § do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a
desinternação do jovem infrator seja compulsória aos vinte e um anos de idade
afastando qualquer dúvida quanto à impossibilidade do cumprimento da medida
após os dezoito anos, ou seja, o adolescente que tenha cometido um ato infracional
aos dezessete anos, e que lhe seja determinado o cumprimento da medida de
internação aos dezenove anos, deverá ser encaminhado a uma Instituição de
Internação para adolescentes em conflito com a lei sem que isso configure
constrangimento ou violação da lei.
Desde que o ato infracional tenha sido praticado durante o período de
inimputabilidade, nada impede que o infrator seja posteriormente apreendido,
mesmo que tenha alcançado a maioridade, sendo processado e devidamente
responsabilizado pela infração cometida.
64
O cometimento de novo ato infracional ocorre com freqüência nas
unidades de internação do Centro de Atendimento Sócio–Educativo ao Adolescente
– CASA, onde os internos, durante o cumprimento da medida sócio-educativa,
cometem novos delitos, o que implica em novos processos e, se menor de idade, em
prorrogação e nova avaliação da medida sócio-educativa imposta.
A intimação da sentença que decreta a aplicação de medida sócio-
educativa será feita exclusivamente na pessoa do defensor, excetuando a aplicação
das medidas privativas de liberdade (semiliberdade ou internação), cuja intimação
deverá recair no próprio adolescente ou seus pais ou responsável, conforme artigo
190 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
53
As medidas não comportam prazos determinados, mas de modo geral
possuem limites temporais, sendo os períodos de seis meses e de três anos dados
marcantes para reavaliação e extinção das medidas.
4.1 NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
O sistema sancionador estatal espelha o controle social realizado pelas
instituições públicas que representam, de maneira geral, o anseio popular que os
transgressores da lei paguem por seus atos.
Ao contrário do que se pensa a respeito do Estatuto da Criança e do
Adolescente, um instrumento a favor da criança e do adolescente e contrário à
53 Art. 190. A intimação da sentença que aplicar medida de internação ou regime de semiliberdade será feita:
I - ao adolescente e ao seu defensor;
II - quando não for encontrado o adolescente, a seus pais ou responsável, sem prejuízo do defensor.
§ 1º Sendo outra a medida aplicada, a intimação far-se-á unicamente na pessoa do defensor.
§ 2º Recaindo a intimação na pessoa do adolescente, deverá este manifestar se deseja ou não recorrer da sentença.
65
sociedade, é por intermédio de suas disposições legais que o Estado subsidia suas
ações a fim de penalizar o adolescente transgressor da norma penal.
A diferença está no fato de que agirá respeitando a condição do
adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento da personalidade e do caráter,
sem possuir a integralidade de princípios e valores que uma pessoa adulta possui.
Para entendermos a natureza jurídica é necessário buscar a essência, a
substância, a parte fundamental da coisa, no caso em estudo, das medidas cio-
educativas, a essência do instituto, que despido de suas características próprias,
deixaria de existir.
A medida sócio-educativa possui a natureza retributiva e preventiva da
ação delinqüente. Retributiva no sentido em que o jovem infrator recebe uma sanção
em retribuição ao mal praticado. Preventiva por ter em sua natureza o caráter
educativo e ressocializador, preparando o jovem para o retorno à vida em sociedade.
O desejo íntimo do legislador ao especificar que os adolescentes pagariam
por seus atos infracionais não com penas, mas cumprindo medidas sócio-educativas
compatíveis com sua fase de formação de caráter, funda-se na vontade de que, ao
término de sua internação, estejam aptos a conviverem em sociedade, com novos
ideais e conscientes de que poderão trilhar caminho diverso da criminalidade.
Por outro lado, ao impor a privação de liberdade, revela o caráter punitivo
da medida sócio-educativa de internação.
Associado à punição, vem o caráter protetivo da medida sócio-educativa,
54
que lhe assegurará tratamento próprio à sua faixa etária, garantindo-lhe acesso ao
ensino formal e às atividades pedagógicas, esportivas, culturais e de lazer.
54 Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida à rigorosa
separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.
Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
66
Substituiu-se a “sanção-castigo” pela “sanção-educação”.
Antonio Fernando Amaral citado por João Batista Costa Saraiva, escreveu
ser a medida sócio-educativa espécie do gênero pena, argumentando que crianças
e adolescentes o podem receber a pena, de caráter puramente retributivo,
aplicada aos adultos, mas sim que lhes sejam aplicados o estabelecido no direito
penal juvenil, no qual predominam o caráter pedagógico e breve da sanção.
55
Para José de Farias Tavares tem a medida sócio-educativa natureza
coercitiva, similar à sentença condenatória do Direito Penal comum aplicável ao
infrator imputável, contudo estabelece que a diferença é ontológica, relacionada ao
ser, ao sujeito objeto da norma, pois enquanto à primeira se impõe tratamento
compulsório eminentemente pedagógico, a segunda possui apenas o caráter
penalógico, retribuição pelo mal praticado.
56
Enquanto os adolescentes estiverem internos em instituições públicas,
caberá a estas garantir proteção física e mental, adotando as medidas necessárias
de contenção e segurança. Questões relacionadas à segurança dentro de Unidades
I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;
II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;
III - avistar-se reservadamente com seu defensor;
IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;
V - ser tratado com respeito e dignidade;
VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;
VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XI - receber escolarização e profissionalização;
XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:
XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;
XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;
XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder
da entidade;
XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.
§ 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.
55 AMARAL, Antônio Fernando. A responsabilidade Penal Juvenil como categoria Jurídica in Revistas da Escola Superior da Magistratura do Estado de
Santa Catarina, v. 5. AMC, Florianópolis: 1998. p. 263 apud SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil: Adolescente e ato infracional: Garantias
Processuais e medidas sócio-educativas. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 39 e 40.
56 TAVARES, José Farias de. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 238 e 239.
67
de Internação serão abordadas adiante, em capítulo próprio para desenvolvimento
do tema.
4.2 TIPOS DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS
O Estatuto da Criança e do Adolescente elenca em seu artigo 112 seis
espécies de medidas sócio-educativas que podem ser aplicadas isoladamente ou
cumulativamente: Advertência; Obrigação de reparar o dano; Prestação de serviços
à comunidade; Liberdade assistida; Inserção em regime de semiliberdade;
Internação em estabelecimento educacional; e qualquer uma das previstas no artigo
101, I a VI.
É o juiz quem aplicará qualquer uma das medidas cio-educativas,
conforme a Súmula nº 108 do STJ,
57
podendo o representante do Ministério Público
conceder a remissão, antes de instaurado o processo, nos termos do art. 126
Estatuto da Criança e do Adolescente.
58
Está consolidado que o Promotor não
poderá aplicar nenhuma medida, nem mesmo a advertência.
Quando da aplicação de uma medida sócio-educativa é indispensável que
o Magistrado tenha em mente as circunstâncias que rodeiam o adolescente,
aspectos como a estrutura familiar, o seu envolvimento com a criminalidade, a
capacidade em cumprir a medida e a gravidade do ato infracional praticado.
57 Súmula nº 108 STJ. A aplicação das medidas sócio-educativas aos adolescentes, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do juiz.
58 Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como
forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua
maior ou menor participação no ato infracional.
68
Se necessário, o Magistrado poderá combinar a aplicação de uma medida
sócio-educativa em meio aberto, por exemplo, com uma medida-protetiva, no caso
do adolescente ser abandonado ou não possuir nenhum vínculo familiar.
As medidas sócio-educativas poderão ser aplicadas para atos infracionais
praticados por adolescentes menores de 18 anos, os inimputáveis, mesmo que o
adolescente quando da promulgação da sentença tenha alcançado a maioridade
penal. Deve-se levar em conta para aplicação da medida, como anteriormente dito, a
idade do cometimento do ato infracional.
O artigo 121 § 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que
a desinternação do jovem infrator é compulsória aos vinte e um anos de idade,
deixando claro, como já dito, a possibilidade do cumprimento de medida sócio-
educativa após os dezoito anos.
O Superior Tribunal de Justiça tem mantido esse entendimento em seus
julgados, considerando para efeito de menoridade, a idade do adolescente à data do
fato, sendo que ao completar vinte e um anos é que deverá ser obrigatoriamente
liberado.
59
É diferente daquele jovem que está cumprindo medida sócio-educativa,
possui dezoito anos, e pratica novo delito, este será processado e julgado nos
termos do Código Penal. Isto ocorre com certa freqüência dentro de Unidades de
internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA.
As medidas o possuem prazo determinado, todavia respeitam os
períodos de seis meses para reavaliação e de três anos para a extinção. No
59 Informativo 0152 Período: 21 a 25 de outubro de 2002. Quinta Turma MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS. 18 ANOS. ECA. Trata-se de RHC em que se
pleiteia a extinção de medida sócio-educativa de internação ao fundamento de o adolescente ter atingido dezoito anos de idade. Ao paciente foram
aplicadas diversas medidas sócio-educativas em face da reiteração de atos infracionais. A Turma negou provimento ao recurso, entendendo que, nos
termos do art. 104, parágrafo único, para aplicação das disposições da Lei n. 8.069/1990, considera-se, para efeito de menoridade, a idade do adolescente à
data do fato. Somente quando completar 21 anos é que deverá ser liberado obrigatoriamente (art. 121, § 5º). Ainda explicitou-se que admitir o contrário seria
ir de encontro ao próprio instituto do ECA, que visa à ressocialização do menor por meio de medidas que atentam às necessidades pedagógicas e ao
caráter reeducativo. Precedente citado: RHC 7.698-MG, DJ 14/9/1998. RHC 12.794-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 22/10/2002.
69
município de São Paulo a reavaliação ocorre a cada três meses, momento em que a
equipe interprofissional da própria Unidade encaminha relatórios cnicos sobre o
desenvolvimento e progressão dos adolescentes. Nas unidades de internação do
Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA, da capital, o
adolescente é avaliado por um psicólogo e um assistente social, que juntos
acompanham e orientam o adolescente desde a sua entrada.
60
4.2.1 Advertência
A advertência consistirá em admoestação verbal que será reduzida a
termo e assinada pelo adolescente e seu responsável, sendo a mais suave das
medidas.
Trata-se de um alerta para o adolescente, pois uma nova prática
infracional corresponderá a uma medida mais severa. Os pais ou responsáveis ficam
também cientes do compromisso com a educação e a orientação de seus filhos.
Segundo Conceição Mousnier, a medida de advertência, de caráter
brando, importando em firme e serena admoestação ao infrator, como se advinha,
encontra adequabilidade apenas aos atos infracionais de natureza leve e quando o
representado não apresenta circunstâncias individuais e personalíssimas que o
habilitam a um acompanhamento temporário a nível de [sic] liberdade assistida. [...]
Via de regra, a advertência tem efeitos positivos, nunca sendo demais ministrá-la ao
60 Dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa do Centro de Atendimento Sócio – Educativo ao Adolescente – CASA .
70
adolescente encaminhado à Justiça da Infância e da Juventude envolvido na prática
de crime e contravenções. [sic]
61
A advertência possui melhor impacto no cotidiano do adolescente cuja
comunidade está envolvida de maneira mais participativa e ativa na “causa”
menorista, comprometida na recuperação de adolescentes infratores, enquanto que
uma admoestação causa impacto no cotidiano do jovem, na sua relação com a
família, amigos e escola.
Para ter o efeito esperado, o adolescente deverá preocupar-se com os
reflexos de suas ações nas relações sociais. Em outras palavras, em comunidades
menores onde as pessoas possuem um convívio social e familiar mais intenso
alguns valores ainda estão preservados, como boa fama, relacionamentos e
oportunidades, podendo a advertência repercutir melhor na conduta do adolescente.
A advertência deverá ser aplicada a adolescentes primários, autores de
atos análogos a contravenções penais, crime de natureza leve, em que o importe
violência ou grave ameaça à vítima e, preferencialmente, aos adolescentes autores
de ato infracional que estejam integrados no seio familiar.
4.2.2 Obrigação de reparar o dano
O art. 116 dispõe que “em se tratando de ato infracional com reflexos
patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente
restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o
prejuízo da vítima.”
61 MOUSNIER, Conceição A. O ato infracional à luz da constituição federal, do eca e das regras mínimas de Beijing. Rio de Janeiro: Líber Juris,1991. apud
Fernandes, Marcio Mothé. A Ação Sócio-Educativa Pública: inovação do eca. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1998. p. 76.
71
A medida será aplicada aos casos que envolvam somas patrimoniais, pois
não deverá recair sobre os pais ou responsáveis pelo adolescente autor de ato
infracional, pois se assim admitíssemos, estaríamos transferindo a punição, o que é
vedado pelo código penal.
A norma menorista possui afinidade com o previsto no art. 927 CC,
estipulando indenização àquele que por ato ilícito causar dano a outrem estando
obrigado a repará-lo. Logo, cremos que apenas os atos infracionais ligados a
patrimônio ensejam a aplicação dessa medida, que poderá ser combinada com outra
medida.
A aplicação da medida sócio–educativa de reparação do dano não exclui a
possibilidade da ação civil de responsabilidade, que possui natureza jurídica diversa.
Todavia, sua aplicação evita que a tima recorre à esfera civil para ver seu dano
ressarcido.
A previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente é de caráter sócio-
educativo e proporciona ao adolescente consciência do ato infracional praticado,
enquanto que a responsabilidade civil procura ressarcir o dano causado por uma
ação ou ato ilícito, uma indenização de prejuízos causados.
Um bom exemplo para ilustrar o que foi dito configura o ato infracional
análogo ao furto, onde o adolescente será condenado a devolver aquilo que furtou à
vítima, como meio de refletir sobre sua conduta e ao mesmo tempo reparar o dano
causado.
A medida sócio-educativa deverá ficar adstrita ao patrimônio do
adolescente e não se transferir para o patrimônio de seus pais ou responsáveis.
Essa concepção o é absoluta, tendo a doutrina posicionamento diverso,
no qual citamos José Carlos Rafful: “O menor entre dezesseis e vinte e um anos
72
responde pessoalmente pelos danos causados (art. 156 do CC) e subsidiariamente
seus pais ou tutores e curadores, se o caso (art. 932, I e II do CC); os danos
causados por menor com menos de dezesseis anos são de responsabilidade
exclusiva dos pais ou tutores, se o caso.”
62
O nosso posicionamento é que a medida somente terá eficácia se o
adolescente tiver como reparar o dano causado, pois repercutiria na sua consciência
sobre a ilicitude do ato e pouparia a vítima de ingressar com a ação civil. Se os pais,
responsáveis ou tutor do adolescente autor de ato infracional tiverem de arcar com o
prejuízo, perderá a medida seu caráter educativo.
4.2.3 Prestação de Serviço à Comunidade
Consta no art. 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “a prestação
de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse
geral, por período o excedente seis meses, junto a entidades assistenciais,
hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas
comunitários ou governamentais.”
Esta sem dúvida é uma medida inteligente, mas ainda pouco utilizada,
pois sua operacionalização mostra-se trabalhosa e depende da colaboração de
parceiros para sua efetivação.
Além de se respeitar a jornada de trabalho de oito horas semanais, o
trabalho deverá guardar afinidade com o ato infracional praticado, pois a intenção do
62 RAFFUL, José Carlos. O Código de Menores e a reparação do dano. In: Temas de Direito do Menor. São Paulo: RT, 1987. p. 222. apud FERNANDES,
Marcio Mothé. A Ação Sócio-Educativa Pública: inovação do eca. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris, 1998. p. 76.
73
legislador não é fazer com que o jovem faça trabalhos forçados ou que o obriguem a
uma humilhação, ao contrário, é promover sua conscientização.
O trabalho deverá conscientizar o adolescente autor de ato infracional da
gravidade de suas atitudes. Por exemplo, um adolescente que tenha cometido ato
infracional análogo ao crime de incêndio, previsto no art. 250 do CP. O adolescente
sendo primário, de bons antecedentes e envolvido no seio familiar, poderia em tese
receber a medida sócio-educativa de prestação de serviço à comunidade e ir
trabalhar num hospital que atendesse a pessoas queimadas. Neste caso não
existiria medida mais apropriada.
Além do que, o jovem estaria em convívio com outras pessoas, o que
ampliaria seu universo de conhecimento e experiência. Este jovem estaria cercado
de bons exemplos a serem seguidos.
A grande dificuldade da prestação de serviços à comunidade é a
operacionalização desta e a fiscalização do cumprimento junto à entidade parceira.
O fato de o adolescente estar matriculado na rede de ensino formal e/ou
trabalhar não substitui a aplicação da medida, uma vez que ela também possui o
caráter sancionador, em retribuição ao mal praticado.
A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também tem se
posicionado favorável à aplicação da aludida medida, inclusive quando da aplicação
da remissão do processo pelo Ministério Público.
63
O mesmo Tribunal, pautando-se pela excepcionalidade da medida de
internação, não a vislumbra como punição ao adolescente que descumpre a medida
63 Resp 328676 / SP ; Recurso Especial 2001/0075868-2. Criminal. Resp. Eca. Remissão. Aplicação de medida sócio-educativa. Cumulação. Possibilidade.
Recurso provido. É possível a cumulação da remissão do processo, concedida pelo Ministério blico, com a aplicação da medida sócio-educativa de
prestação de serviços aplicada pelo Julgador, nos termos do art. 127 do Eca. Recurso que merece ser provido, com o fim de reformar o acórdão recorrido e
restabelecer a decisão monocrática.
74
sócio-educativa de prestação de serviço à comunidade, preservando as
características dessa medida, que procura integrar o jovem.
64
4.2.4 Liberdade Assistida
O artigo 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que “a
liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada
para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. O §1º prevê que a
autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso a qual podeser
recomendada por entidade ou programa de atendimento; o §2º diz que a liberdade
assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo
ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvindo-se o orientador,
o Ministério Público e o Defensor.
A medida é cumprida em regime aberto, permanecendo o adolescente
com seus pais ou responsáveis e recebendo acompanhamento semanal da entidade
ou pessoa designada para acompanhar e orientar o adolescente infrator.
64 Denegação da internação mesmo que descumprida a prestação de serviços à comunidade. Hc 27519 / sp ; Habeas Corpus 2003/0041061-3. Criminal.
Hc. Eca. Roubo qualificado. Liberdade assistida. Prestação de serviços à comunidade. Substituição da medida por internação por prazo indeterminado.
Decisão insuficientemente fundamentada. Excepcionalidade da medida extrema. Reiteração no cometimento de outras infrações graves não-demonstradas.
Ordem concedida. Deve-se observar o caráter excepcional da medida de internação, não obstante a autorização dada pelo Eca para a substituição de
medidas sócio-educativas. A internação está autorizada nas hipóteses previstas taxativamente nos incisos do art.122 do ECA, devendo ser sopesada a
espécie de delito praticado, assim como a cominação abstrata da pena que receberia o menor se fosse imputável. A simples alusão à avaliação feita por
técnicos que concluíram que o adolescente não teria condições de retornar ao convívio social, bem como ao respaldo familiar fragilizado, não é suficiente
para motivar a privação total da liberdade, até mesmo pela excepcionalidade da medida extrema. Motivação genérica que não se presta para fundamentar a
medida de internação, pois não encontra guarida no art.122 da Lei n.º 8.069/90. O caso dos autos revela que o paciente descumpriu apenas uma vez a
medida sócio-educativa de liberdade assistida cumulada com prestação de serviços à comunidade, o que não basta para configurar “descumprimento
reiterado da medida anteriormente imposta”. Precedente. Não resta demonstrada a reiteração no cometimento de outras infrações graves, já que o paciente
praticou apenas 01 ato infracional que, não obstante não constar dos documentos do writ a qual crime ou contravenção seria equivalente, não pode ser
considerado grave, que ao adolescente foi aplicada medida sócio-educativa de advertência. Precedente. Devem ser anuladas as decisões de grau,
tanto a que aplicou a medida sócio-educativa de internação por prazo determinado, quanto a que substituiu a referida internação por prazo indeterminado, a
fim de que outra seja proferida, com a devida fundamentação, permitindo-se que o paciente aguarde tal desfecho em liberdade assistida. Ordem concedida
nos termos do voto do Relator. Vistos.
75
No município de São Paulo, e na maioria das cidades, esse
acompanhamento se por entidades ligadas à municipalidade, que se encarregam
da elaboração de relatórios ao juízo informando o progresso ou regresso do
adolescente.
Faz-se uma analogia ao instituto da suspensão condicional do direito
penal, em que o sentenciado para recebê-la precisa demonstrar bom
comportamento e vontade em recuperar-se.
A liberdade assistida deverá ser cumprida no tempo mínimo de seis
meses, sendo passível a qualquer tempo de prorrogação, revogação ou substituição
por outra medida mais severa. Dentre as funções de orientação e acompanhamento
ao adolescente, a entidade ou pessoa responsável deverá certificar-se que o
adolescente está inserido no ensino formal.
Percebe-se com muita freqüência uma etapa progressiva do adolescente,
como um sistema de progressão das medidas sócio-educativas, que nos casos mais
graves inicia-se com a medida de internação, passando para a medida de
semiliberdade e, posteriormente, para medida de liberdade assistida, em que se
verificará e acompanhará e retorno do jovem a sociedade.
A liberdade assistida constitui um meio-termo entre a advertência e a
semiliberdade, isto nos casos em que uma simples admoestação verbal não surtir os
efeitos pretendidos ou for incompatível com a gravidade do ato, mas não se
pretende retirar o jovem do convívio familiar, o que ocorreria parcialmente na
semiliberdade e totalmente na internação. Neste mesmo sentido tem se posicionado
o Superior Tribunal de Justiça.
65
65 Hc 56265 / SP ; Habeas Corpus 2006/0057659-7 Eca. Atos infracionais análogos aos crimes previstos nos arts. 157, § 2º, i e ii, e 157, § 3º, c/c art. 14, ii,
do código penal. Internação por prazo indeterminado. Aplicação fundamentada na gravidade genérica do ato infracional. Excepcionalidade da medida.
Adequação das medidas sócio-educativas em meio aberto impostas na sentença. Ordem concedida.
76
Ainda que se mostrem rígidas as decisões do Superior Tribunal de Justiça
no sentido de que o ato infracional cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa é passível de aplicação da medida cio-educativa de internação, tal
posicionamento não afasta a necessidade de que sejam observados os princípios
adotados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente na aferição da medida mais
adequada à recuperação, formação e reeducação do adolescente infrator.
Enquadram-se adolescentes que tenham cometido atos infracionais de
natureza mais graves que os ensejadores da advertência e que evidenciem a
necessidade de acompanhamento por equipe especializada num determinado lapso
temporal, mas que não necessariamente padecem da internação.
4.2.5 Semiliberdade
Análoga ao regime semi-aberto do digo Penal, encontra assento no art.
120 do Estatuto da Criança e do Adolescente e constitui medida privativa de
liberdade, a qual somente poderá ser aplicada depois de instaurado o contraditório
no processo.
O autor de ato infracional deverá permanecer no período da noite em
instituição própria e durante o dia participar do ensino formal e de atividades
profissionalizantes.
A medida, como todas as demais, não comporta prazo preestabelecido,
devendo obedecer ao prazo máximo de três anos e a compulsoriedade da liberação
aos vinte e um anos.
77
no estado de São Paulo hoje, vinte e duas casas de semiliberdade
dirigidas pela Fundação CASA, sendo que deste total doze estão na Capital e
destinam-se ao atendimento de rapazes e uma ao atendimento de meninas, e as
outras cinco casas ao atendimento masculino espalhadas no interior.
66
A intimação da sentença será efetuada nos moldes do art. 190 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que prevê a intimação pessoal do adolescente e do
seu defensor nos casos de semiliberdade e internação.
Trata-se de uma medida de restrição à liberdade em que o adolescente
não é retirado totalmente do convívio familiar. O adolescente receberá atendimento
psicológico, acompanhamento e orientação da equipe interprofissional que atua
junto à instituição.
No município de São Paulo a medida é prestada pela Fundação Casa–
Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente.
4.2.6 Internação
A medida sócio-educativa de internação é prevista nos artigos 121 a 125
do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo essa a medida que mais interessa
ao nosso estudo, uma vez que objetiva analisar o cumprimento das medidas cio-
educativas e sua observância legal.
O art. 227, §3º, V da Constituição Federal determina que a medida de
internação deva obedecer ao princípio da excepcionalidade e brevidade.
66 Dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA em 15/08/06.
78
A própria palavra brevidade nos remete à idéia de algo temporário, rápido,
compreendido num curto espaço de tempo. Todavia, não basta dizer que a medida
será “breve” sem estabelecer os parâmetros referencias do lapso temporal ao qual
está submetido.
O princípio encontra asilo no art. 121, §3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente que dispõe que a medida extrema de internação não deverá exceder
três anos. Brevidade, assim como temporariedade são determinações expressas na
Constituição Federal (art.227, §3º/CF), repetidas na legislação infraconstitucional
(art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente).
Assim, qualquer decisão que determine previamente o período de
internação é nula em razão do art. 121, §2º do Estatuto da Criança e do
Adolescente. O que poderá ocorrer é que após o cumprimento da internação por três
anos, o adolescente poderá ser liberado ou inserido nos regimes de semiliberdade
ou liberdade assistida. Deste modo tem se posicionado o Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo em suas decisões.
67
O princípio da excepcionalidade, constante no art. 122, §do Estatuto da
Criança e do Adolescente, surge como última hipótese de medida a ser aplicada ao
adolescente autor de ato infracional, após outras formas de advertência e
repreensão, em conformidade com a gravidade do ato infracional.
A medida não possui o fim único de punição, funcionando com o caráter
sanção-educação, de punir o adolescente pelo ato infracional praticado e
proporcionar meios adequados para sua ressocialização.
Dada a gravidade do ato infracional e a impossibilidade do adolescente
manter-se no convívio social, o magistrado aplicará a medida de internação, como
67 "Levando-se em conta os princípios da brevidade e excepcionalidade da internação, tem-se que o limite da medida é a sua necessidade, diante o que
dispõe o art. 2º do Eca" (TJSP - HC 26.301.0-Rel. Yussef Cahali). Consulta realizada no site www.tj.sp.gov.br em 04 de abril de 2007.
79
um meio de proteger e possibilitar ao adolescente que participe de atividades
educacionais que lhe forneça novos parâmetros de convívio social.
Havendo possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito
de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação. Para
tanto, dever-se-á levar em consideração as condições particulares do adolescente e
a natureza do ato infracional.
Observa-se a proporcionalidade entre o bem jurídico atingido e a medida
imposta.
O art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente traz nos seus três
incisos as hipóteses em que incidirá a medida de internação, especificamente
quando o adolescente utilizar grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no
cometimento de outras infrações graves; e por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta.
O adolescente podereceber como regressão a aplicação da medida de
internação, caso descumpra medida anteriormente aplicada, sendo o ato infracional
compatível com a medida.
68
O adolescente quando chega à Unidade de Internação do Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA/SP recebe tratamento técnico
de um psicólogo e um assistente social, que lhe atendem semanalmente, de maneira
fidedigna enquanto estiver naquela Unidade. Ao final de cada trimestre é
encaminhado um relatório técnico ao Juiz, com todas as informações pertinentes ao
desenvolvimento e comprometimento do adolescente com sua recuperação, bem
68 HC 39128 / SP; Habeas Corpus 2004/0151770-5. Eca Eca. Ato infracional análogo ao roubo qualificado. Aplicação da medida sócio-educativa de
semiliberdade. Descumprimento reiterado e injustificável. Advertência pelo juízo em audiência. Ineficácia. Substituição pela internação por prazo
indeterminado e realização de avaliação no período de noventa dias. Legalidade. Observância do disposto no art. 121, § 3º, do ECA. Ordem denegada
Consulta realizada no site www.stj.gov.br em 04 de abril de 2007.
80
como a opinião quanto a desinternação do jovem, que poderá ou não ser aceita pelo
adolescente.
Como já dito anteriormente, o adolescente ficará internado pelo prazo
máximo de três anos, sendo que, se completados vinte e um anos, se
desinternado compulsoriamente.
A intimação da sentença, assim como na semiliberdade, será feita
pessoalmente ao adolescente e seu defensor, em conformidade com o art. 190 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Um dos pontos cruciais desta pesquisa é verificar se ao adolescente
internado são garantidos os direitos estabelecidos no art. 124 do Estatuto da Criança
e do Adolescente e àqueles previstos na Constituição Federal.
O adolescente tem o direito de entrevistar-se pessoalmente com o
representante do Ministério blico; peticionar diretamente a qualquer autoridade;
avistar-se reservadamente com seu defensor; ser informado de sua situação
processual, sempre que solicitada; ser tratado com dignidade e respeito; permanecer
internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais
ou responsável; receber visita ao menos semanalmente; corresponder-se com seus
familiares e amigos; ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; receber
escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais, esportivas e de
lazer; ter acesso aos meios de comunicação social; receber assistência religiosa;
manter posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los,
recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;
receber, quando da sua desinternação, os documentos indispensáveis à vida em
sociedade.
81
A legislação ordinária associada à norma constitucional do art. 227 CF
proporciona ao interno a proteção integral aos direitos e garantias fundamentais para
sua dignidade, integrando recuperação e punição.
Com relação à aplicação da medida de internação ao tráfico de drogas, o
Superior Tribunal de Justiça posicionou-se contrário à sua aplicação para ato
infracional equiparado ao tráfico de drogas em razão da ausência de previsão legal,
que no art. 122, I, do ECA exige violência ou grave ameaça contra a pessoa.
69
O Tribunal entende que a simples alusão à gravidade do fato aplicado e o
argumento de que a segregação do menor tem por objetivo a sua segurança pessoal
não é suficiente para motivar a privação total da sua liberdade, até mesmo pela
própria excepcionalidade da medida.
Em sentido contrário posicionou-se o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, aplicando a equiparação sempre que a internação beneficie a recuperação
do adolescente, retirando-o do ambiente propício à prática infracional.
70
69 RHC 14850 / SP ; Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2003/0149219-3 Ministro Hamilton Carvalhido (1112). T6 - Sexta turma 27/04/2004 dj
28.06.2004 p. 418 Recurso em habeas corpus. Menor. Ato infracional. Tráfico ilícito de entorpecente. Ausência de violência ou grave ameaça à pessoa.
Medida sócio-educativa de internação. Descabimento. Artigo 122 da lei 8.069/90. Enumeração taxativa. 1. O artigo 12 2 do Estatuto da Criança e do
Adolescente enumera, de forma taxativa, numerus clausus, as hipóteses de cabimento da medida sócio-educativa de internação. 2. Recurso provido.
RHC 9688 / SP ; Recurso Ordinário em Habeas Corpus 2000/0018460-8 Ministro Fernando Gonçalves (1107) t6 - Sexta turma 18/04/2000 dj 15.05.2000 p.
202 penal. Estatuto da criança e do adolescente. art. 122. Internação. Impossibilidade de extensão. 1. O art. 122 do ECA enumera de forma taxativa os
casos em que se aplica a internação. Apesar do delito ser equiparado ao crime hediondo, é vedada a interpretação prejudicial ao menor. Precedentes. 2.
Recurso provido.
RHC 8908 / SP ; Recurso ordinário em Habeas Corpus 1999/0069440-6 Ministro Jorge Scartezzini (1113) T5 - Quinta turma 18/11/1999 DJ 28.02.2000 p. 94
RHC - Medida sócio-educativa de internação - Art.122 da lei 8.069/90 - Enumeração taxativa - Impossibilidade de extensão maléfica. - O art. 122, do
Estatuto da Criança e do Adolescente enumera de forma taxativa os casos em que aplica-se a internação. Sob essa ótica, apesar do delito cometido ser
equiparado a hediondo, não se pode aplicar tal medida em interpretação eminentemente prejudicial à menor. Recurso provido para que seja aplicada outra
medida sócio-educativa alternativa à internação
70 Acórdão: Habeas-Corpus - Processo 2002.059.03053 Relator: Desembargador Sérvio Túlio Vieira Julgamento: 29.08.2002 Oitava Câmara Criminal
Ementa: Habeas-Corpus. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Verificando-se que a medida sócio-educativa de internação provisória foi infligida ao
adolescente em decisão fundamentada, com o objetivo de afastá-lo do ambiente propício à marginalidade, pela prática de ato análogo ao tráfico de
substância entorpecente (art. 12, da lei n.º 6368/76), bem como garantir sua ressocialização, haja vista o permissivo legal do art. 108, da lei n.º 8069/90,
inexiste constrangimento ilegal de que cuidam os arts. 50, XVIII, da CF e 647, do CPP. Resultado: Ordem denegada
Acórdão: Habeas-Corpus - Processo 2002.059.01604 Relator: Desembargador Valmir Ribeiro Julgamento: 13.06.2002 Sexta Câmara Criminal Ementa:
Habeas-Corpus. Menor. Estatuto da Criança e do Adolescente. Tráfico de substância entorpecente. Associação. Anulação da decisão. Não contém qualquer
nulidade a aplicação de medida sócio-educativa de internação a menor que pratica fato análogo ao delito de tráfico de substância entorpecente e de
associação estável, mormente quando não possui família estruturada como no caso dos autos. De se frisar que as medidas sócio-educativas de internação
não têm caráter punitivo, mas sim o de retirar o menor do convívio com a criminalidade para reeducá-lo e reintegrá-lo à família e à sociedade. Votação: Por
maioria Resultado: Ordem denegada.
Acórdão: Habeas-Corpus - Processo 2002.059.03337 Relator: Desembargador Mário Guimarães Neto Julgamento: 26.09.2002 - Sexta Câmara Criminal
Ementa: Habeas-corpus. Menor infrator. Fato análogo a tráfico de entorpecentes e porte ilegal de arma. Medida sócio-educativa de internação. Inexistência
82
Cury, Garrido e Maçura entendem ser o rol do art. 122 exaustivo, não
cabendo internação fora dos casos expressamente previstos.
71
4.3 PROGRESSÃO E REGRESSÃO DE MEDIDA
O Superior Tribunal de Justiça utiliza em suas decisões os termos
regressão e progressão da medida, referindo-se a primeira quando o adolescente
deixa uma medida mais branda para uma medida mais rígida e o inverso quando se
trata da progressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de mudança
da medida aplicada para outra mais grave caso o adolescente que cumpra sentença
em meio aberto reitere a prática de infrações graves ou descumpra, reiterada e
injustificadamente, a medida imposta.
72
Nessa última hipótese, a “internação-sanção”, assim denominada pela
doutrina, não poderá ultrapassar o período de três meses, e obedecerá dois
requisitos: reiteração e ausência de justificativa plausível, que deverá ser analisada
conforme critério do magistrado que acompanha a execução da sentença. Assim
tem entendido o Tribunal de Justiça de o Paulo, conforme julgado AI 24.538-0/0,
de ilegalidade. Face à gravidade dos crimes praticados, fato análogo ao previsto no art. 12 da Lei 6.368/76, equiparado a hediondo, e art. 10, § da Lei
9.437/97, deve o Juiz aplicar medida sócio-educativa mais adequada à reeducação e reabilitação social do menor infrator. Resultado: Ordem denegada.
71 MARÇURA, Jurandir Norberto; CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Estatuto da Criança anotado. 3. ed. ver. e atual. São Paulo: Editora
Revistas dos Tribunais, 2002. p. 111.
72 Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três
83
que indeferiu conversão da medida de semiliberdade em liberdade sem a
demonstração inequívoca de reiteração no descumprimento injustificado.
73
Ainda, deverão ser observados nas duas hipóteses, no cometimento
reiterado de faltas graves e no descumprimento da medida em meio aberto, o devido
processo legal, qualquer que seja a ampla defesa e o contraditório, para que a partir
daí seja aplicada uma medida mais grave.
João Batista da Costa Saraiva afirma ser cabível a regressão com a
aplicação da internação-sanção frente ao descumprimento reiterado e injustificado
da medida em meio aberto, tanto para as medidas aplicadas mediante sentença em
processo de conhecimento, como nas homologadas após a concessão de remissão
pelo Ministério Público.
74
Os artigos 127 e 128 do Estatuto da Criança e do Adolescente referem-se
expressamente à opção em aplicar qualquer das medidas sócio-educativas em meio
aberto, com exceção da semiliberdade, ao adolescente favorecido pela remissão,
proposta pelo representante do Ministério Público e homologada pelo Juiz, medida
mais grave; e ainda, a possibilidade de revisão judicial a qualquer tempo, mediante
pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério
Público.
Logo, a concessão da remissão não impede a aplicação das medidas
sócio-educativas de advertência, prestação de serviços à comunidade, reparação do
dano, liberdade assistida e medidas protetivas previstas no artigo 101 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
73 TJSP AI 24.538-0/0, relator Des. Nigro Conceição. Recurso do Ministério Público contra decisão do magistrado que determinou o reencaminhamento de
adolescente que cumpria medida de semiliberdade. Inviabilidade de conversão em internação com base no art. 122, III do ECA, sem demonstração
inequívoca de reiteração no descumprimento injustificado. Pesquisa feita no site www.tj.sp.gov.br em 04 de abril de 2007.
74 SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil: Adolescente e o ato infracional: Garantias Processuais e Medidas Sócio-educativas. 2. ed. rev. e
ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 62.
84
O Superior Tribunal de Justiça reiteradamente tem mantido as decisões de
primeiro grau que determinam a regressão do adolescente nas hipóteses previstas
em lei, o vislumbrando constrangimento ilegal na sua utilização, a exemplo do
Habeas Corpus 36436 SP, relatado pela Ministra Laurita Vaz, da Quinta Turma,
tendo em vista que o adolescente descumpriu reiteradamente a medida imposta,
bem como praticou novos atos infracionais: furto e tráfico de drogas, justificando-se
a rigidez da decisão a quo.
75
O Tribunal de Justiça do estado de São Paulo tem manifestado pela
possibilidade da regressão, como verificado no julgado AI 40.544-05, relator Des.
Carlos Ortiz, que considerou inteligência do art. 122, III do ECA a aplicação da
internação-sanção para o adolescente que apenas descumpre a medida em meio
aberto, afastando a internação por tempo indeterminado, que somente deverá ser
aplicado no caso de nova prática infracional.
Ainda, o mesmo Tribunal julgou procedente a aplicação de medida de
internação a adolescente autor do ato infracional equiparado ao tráfico de
entorpecente antes mesmo da apresentação do laudo toxicológico, havendo outros
meios probatórios suficientes, como ocorrera no julgamento da Apelação Cível n.
117.833-0/0 São Paulo relatado pelo Desembargador Mário A. Silveira,
acarretando sua aplicação também ao adolescente que descumpra a medida em
meio aberto em caso análogo.
76
Com relação à progressão da medida de internação, essa é inerente ao
próprio instituto, uma vez que a internação deverá obedecer aos princípios da
excepcionalidade e brevidade, o justificando a permanência do adolescente
75 No mesmo diapasão os julgados STJ - HC 35059-SP, HC 26216-SP, HC 24026-SP. Consulta realizada no site www.stj.gov.br em 04 de abril de 2007.
76 O magistrado não está obrigado a aguardar a vinda do laudo toxicológico, em razão dos princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente,
bastando a comprovação por outros dados, no caso, o laudo de constatação. Elementos de prova suficientes para o acolhimento da representação e
aplicação da medida sócio-educativa de internação. (Apelação Cível n. 117.833-0/0 – São Paulo - Câmara Especial – Relator: Mário A. Silveira -
11.07.2005. Consulta realizada no site www.tj.sp.gov.br em 04 de abril de 2007.
85
privado de liberdade mais tempo que o necessário, tendo em vista que a segregação
do jovem é, como já mencionado, medida excepcional.
Ademais, este é o fundamento da indeterminação do prazo de internação
na sentença, para que o Magistrado possa, com regularidade e zelo, avaliar a
necessidade da medida rígida de privação de liberdade. Quando desnecessária,
poderá aplicar desde logo, a progressão para as medidas em meio aberto.
Verifica-se o mesmo raciocínio nas medidas em meio aberto, podendo o
Juiz aplicar a progressão na medida, como por exemplo, da semiliberdade para a
liberdade assistida, frente ao quadro fático positivo de integração e melhoria do
adolescente.
86
5 PROJETOS DE LEI EM TRÂMITE NO CONGRESSO NACIONAL
ATINENTES AO CUMPRIMENTO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE
INTERNAÇÃO
___________________________________________________________
A morte do menino João Hélio em 07 de fevereiro de 2007 no Rio de
Janeiro causou comoção geral e fez com que sociedade e o Poder Público
retomassem a discussão acerca da inimputabilidade do menor de dezoito anos e das
regras especiais de punição do Estatuto da Criança e do Adolescente após o
episódio.
Estão em trâmite no Congresso Nacional vinte e seis Projetos de Lei
propondo alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente no tocante às regras
de tempo de internação, sua fixação na sentença, reincidência, adolescentes com
doenças mentais, incomunicabilidade e outros. São eles os projetos: Projeto de Lei
2847/2000, Projeto de Lei 3362/2000, Projeto de Lei 3700/2000, Projeto de
Lei 5035/2001, Projeto de Lei 5036/2001, Projeto de Lei 5037/2001, Projeto
de Lei nº 6923/2002, Projeto de Lei nº 852/2003, Projeto de Lei nº 904/2003, Projeto
de Lei 2523/2003, Projeto de Lei nº 2588/2003, Projeto de Lei nº 2628/2003,
Projeto de Lei 102/2007, Projeto de Lei 109/2007, Projeto de Lei 114/2007,
Projeto de Lei 120/2007, Projeto de Lei 165/2007, Projeto de Lei 173/2007,
Projeto de Lei 177/2007, Projeto de Lei 179/2007, Projeto de Lei 184/2007,
Projeto de Lei 241/2007, Projeto de Lei 322/2007, Projeto de Lei nº 395/2007 e
Projeto de Lei nº 565/2007.
O crime praticado por quatro jovens, sendo um deles menor de idade,
contra o menino João Hélio, com perfil de crueldade, trouxe novamente a sensação
87
que a disseminação da prática criminosa entre jovens, especialmente menores de
idade, ocorre em razão do abrandamento da punição prevista no Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Trataremos aqui das alterações propostas ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. Classificaremos núcleos centrais dos projetos, agrupando-os conforme
semelhança: tempo de internação, cumprimento da sentença em estabelecimentos
prisionais, reincidência, incomunicabilidade.
5.1 TEMPO DE INTERNAÇÃO
Com exceção dos Projetos de Lei 565/07 e 184/07, todos os demais
propõem aumento no tempo de internação, que pela lei em vigor não pode exceder
três anos, sendo compulsória a liberação do jovem aos vinte e um anos de idade.
Os limites das propostas variam de quatro a trinta anos.
O Projeto de Lei 241/2007 prevê o tempo de internação máximo de
vinte anos, sendo que o adolescente será liberado compulsoriamente aos trinta e
oito anos de idade.
O Projeto de Lei 2588/03 faz referência ao prazo máximo de internação
na sentença, variável de seis a trinta anos, com avaliações periódicas em intervalos
fixados de acordo com o tempo determinado: a cada seis meses se a internação não
exceder a três anos; a cada dois anos se a internação não exceder a dez anos; e a
cada três anos se a internação for superior a dez anos.
A medida de internação deverá obedecer aos princípios calcados no
próprio caput do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, referindo-se à
88
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
O aumento do tempo de internação fere o princípio da brevidade, que
inspirou a normativa e encontra-se em patamar superior ao próprio direito positivo,
na categoria de princípio informativo do direito.
Do princípio da brevidade extrai-se que a medida deve perdurar o
correspondente à ressocialização do adolescente, daí a necessidade de periódicas
reavaliações dos jovens.
O aumento exagerado, como propõe o Projeto de Lei 241/2007,
representa um retrocesso para a legislação e doutrina que trata da infância e da
juventude.
Antonio Sabater, doutrinador Espanhol, escreve acerca do tempo de
internação, que deve ser curto e tendente ao meio aberto, citando a Alemanha, em
que os jovens autores de atos infracionais permanecem detentos aos sábados,
manhã e tarde, de um a quatro finais de semana. Na Inglaterra, nos Remand Home
o jovem permanece por um mês sob guarda e proteção antes de ser encaminhado
ao Detention Centres, onde cumprirá detenção de um a seis meses.
77
A escolha do tempo de internação pelo legislador ordinário versa de uma
decisão política e não jurídica, visto que não existem parâmetros ou normativas que
vinculem o quantum que deverá ser aumentado, ficando a critério do legislador.
Cada projeto elegeu um período distinto de acréscimo para a ampliação
do tempo de internação, variando de quatro a trinta anos, como mencionado, de
acordo com a discricionariedade e convicção de cada um.
João Batista Costa Saraiva escreve acerca da fixação da idade penal
77 SABATER, Antonio. Juventud inadaptada y delincuente. Barcelona: Editorial Hispano Europea, 1965. p. 216 e 217.
89
como decorrência de uma decisão política. Assim também se assemelha o tempo de
internação, escolha do legislador.
78
Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Filho e Fábio M. de
Almeida Delmanto escrevem que ao invés de diminuir a imputabilidade penal para
menores de dezoito anos como querem alguns (sugerindo dezesseis, quatorze e até
doze anos) acham preferível que, nos atos infracionais praticados dolosamente por
menores de que resultam morte ou lesão gravíssima, o limite máximo de internação
e o prazo para a liberação compulsória pudessem ser razoável e proporcionalmente
dilatados. Ainda, explicam que fixados os prazos máximos de internação a serem
criteriosamente estipulados em lei, sempre serão inferiores aos prazos de prisão
previstos na legislação para maiores de dezoito anos em situações semelhantes.
79
Os doutrinadores também defendem a manutenção dos regimes de
semiliberdade, liberdade assistida e a reavaliação semestral, de forma que o
adolescente nunca fique internado por tempo igual ou superior ao de eventual
regime fechado de cumprimento de pena e seja constantemente observado pelo
juízo.
A observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na
formulação da lei possibilita a adequação do momento social vivido com a evolução
jurídica até então alcançada.
A proteção integral prevista na Constituição Federal e no Estatuto da
Criança e do Adolescente é fruto de um processo evolutivo social, um movimento
gradual que se iniciou em Illinois e atingiu a América Latina no início do século XX,
78 SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas sócio-educativas. 2. ed. rev. e ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 25.
79 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; FILHO, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 6. ed. atual. e ampl.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 55.
90
implantando especial tratamento à criança e ao adolescente.
80
O mesmo autor escreve que em relação ao uso da privação de liberdade,
seja para fins processuais ou de execução da medida, a privação de liberdade
somente será adotada em última instância, caráter excepcional e mínima duração
possível.
81
Assim também, a própria legislação penal no art. 65, I, previu a atenuação
da pena para aquele com idade entre dezoito e vinte e um anos por considerar que o
agente nessa idade ainda não está totalmente amadurecido.
O Código Penal, que a rigor apresenta-se rígido quanto às sanções
prescritas, por tratar-se de norma essencialmente inibidora da conduta humana,
considera que o agente com idade entre dezoito e vinte e um anos não possui pleno
desenvolvimento, fazendo jus à atenuação da pena. Seria um descompasso o
Estatuto da Criança e do Adolescente dispor em contrário, penalizando-o de maneira
rigorosa e sem critério.
Guilherme Nucci esclarece que esta continua sendo a principal das
atenuantes, por tradição, entendendo-se que o menor de vinte e um anos ainda o
se encontra totalmente amadurecido, merecendo a benevolência do juiz no
momento da fixação da pena. Esclarece ainda que mesmo com a alteração da
capacidade civil de vinte e um anos para dezoito anos de idade, mantém-se a
atenuante.
82
A aplicação de medida sócio-educativa para o adulto até os trinta e oito
anos, em nada diferenciaria da natureza jurídica da pena, pois a pessoa a partir dos
vinte e um anos, quando em tese ingressaria na fase adulta, não corresponderia à
pessoa em condição peculiar de desenvolvimento e formação do caráter e da
80 MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 18.
81 Ibidem., p. 50.
82 NUCCI, Guilherme. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 65 e 66.
91
personalidade, sujeito da Doutrina da Proteção Integral.
Ou seja, as medidas sócio-educativas, dadas suas particularidades e
especificidades pedagógicas, são para os adolescentes. Para os adultos, aplicam-se
as penas. São sistemas jurídicos diferenciados, e rompê-los seria retroagir,
equiparando novamente o adolescente ao adulto na esfera criminal.
Ademais, o aumento de tempo de internação se justificaria para
aqueles que defendem a migração do adolescente, ao completar dezoito anos e
enquadrar-se nos requisitos sugeridos, como gravidade do ato infracional, pertencer
a grupos ou organizações criminosas ou apresentar perfil criminoso, para o sistema
penitenciário, uma vez que a medida sócio-educativa seria incompatível com a fase
adulta.
A tutela aplicada ao direito da infância e da juventude é especializada pela
sua própria natureza material. Igualar medida sócio-educativa à pena seria retirar
daquela a característica preventiva, ressocializadora e educativa, que emerge da
sua própria essência.
Paulo Afonso Garrido de Paula leciona sobre a tutela diferenciada para
algumas categorias de direitos, na qual se incluem a infância e a juventude:
“No que diz respeito aos microssistemas hoje existentes no
nosso ordenamento jurídico, penso que resultaram,
primordialmente, da necessidade de se garantir tutela jurisdicional
concorde com as especificações de certas categorias de
interesses, recentemente erigidos às categorias de direitos, como
os relacionados ao meio ambiente, ao consumidor e à infância e a
juventude”. (PAULA, 2002, p. 72 e 73)
83
83 PAULA, Paulo Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 72 e
73.
92
Ainda, ensina o autor que a tutela jurisdicional diferenciada é aquela que
atende as peculiaridades do direito material, no seu conteúdo e extensão, impondo
ato de validação concorde com os princípios determinantes de sua formulação. É o
reconhecimento jurídico de certos sistemas diferenciados.
Juridicamente não será inconstitucional a norma que alterar o §3º do artigo
121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, desde que respeitados os
procedimentos formais para a mudança estabelecidos no artigo 61 e seguintes.
Todavia, por tratar-se de projetos ainda em trâmite no Congresso Nacional é de bom
alvitre observar os princípios da brevidade, excepcionalidade, condição peculiar do
adolescente de ser pessoa em desenvolvimento, bem como, a proporcionalidade e
razoabilidade para que os prazos não configurem afronta à doutrina da proteção
integral, já consagrada no texto constitucional e legislação ordinária.
5.2 CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO EM
ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
Sobre o cumprimento da medida de internação em estabelecimentos
prisionais alguns projetos sugerem a transferência compulsória do interno para
unidades prisionais ao completar dezoito anos de idade; outros prevêem a
observância da gravidade do ato infracional praticado, ficando a cargo do juiz a
decisão, isoladamente, ou ouvidos o Ministério Público ou parecer técnico sobre a
sua personalidade.
O Projeto de Lei nº 852/2003 descreve que a medida não poderá ser
93
cumprida em estabelecimento criminal, salvo o caso de decisão judicial
fundamentada, nas hipóteses de rebelião, possibilidade de fuga, natureza do ato
infracional praticado por adolescente com idade entre dezoito e vinte e um anos ou
caso este pertença à organização criminosa. Os Projetos de Lei 173/2007,
5037/2001, 109/2007 e 2847/200 também sugerem o cumprimento da medida,
ou parte dela, atendidas as peculiaridades de cada projeto, em estabelecimentos
prisionais.
Alguns projetos quando sugerem a transferência para estabelecimentos
prisionais fazem ressalva de que o adolescente deverá ficar separado dos demais
presos, em alas ou celas especiais.
O Projeto de Lei 165/2007 prevê a criação de Unidades especiais para
receber adolescentes que tenham praticado atos infracionais que correspondam aos
crimes hediondos estabelecidos na Lei nº 8.072/90, praticados por adolescentes
com mais de dezesseis anos, bem como para aqueles que completem dezoito anos
e ainda estejam submetidos à medida de internação.
Diferentemente das demais proposituras, o projeto não se refere à
transferência para o sistema prisional comum, mas à criação de Unidades especiais
compatíveis com o perfil declinado ao crime e à gravidade do ato infracional.
O referido projeto dialoga com o artigo 5º, XLVIII da Constituição Federal
que estabelece que o cumprimento da pena seja em estabelecimentos distintos, de
acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.
A Carta Constitucional não estabeleceu este critério para as medidas
sócio-educativas, especificamente, mas deverá ser adotado como diretriz para
qualquer privação de liberdade, inclusive a destinada ao adolescente infrator, uma
vez que conserva as características inerentes à pessoa humana como qualquer
94
cidadão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 185 dispõe acerca da
internação, vedando a manutenção do adolescente por mais de cinco dias em
estabelecimento prisional, sob pena de responsabilidade da autoridade coatora.
Ainda, estabelece que deva permanecer isolado dos adultos e em dependências
apropriadas.
84
Caso o tenha na comarca instituição própria para abrigar o jovem
internado, ele deverá ser transferido para a localidade mais próxima, com entidade
preparada para recebê-lo.
É importante ressaltar a nocividade em concentrar no mesmo local adultos
criminosos e adolescentes, mesmo que estes sejam autores de ato infracional
considerados graves. Questiona-se o que estes adolescentes absorverão numa
penitenciária, afinal, estão em formação do caráter e da personalidade. É a faixa
etária em que fatores externos são captados com muita facilidade e interferem
prementes no comportamento do jovem. Como se daria a recuperação e a
reinserção destes jovens na comunidade?
É imprescindível que o adolescente, mesmo que autor de crimes com
perfil de violência ou grave ameaça contra a vida, hediondos e assemelhados, ou
qualquer outra categoria eleita pelo legislador como motivadora da transferência
para o sistema prisional, o seja internado juntamente com adultos em
penitenciárias, pois ali se misturariam mentes perigosas e estruturadas
criminalmente com adolescentes que estão captando tudo do mundo exterior para
formação do seu eu.
84 Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional.
§ Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art. 123, o adolescente deverá ser imediatamente transferido para a localidade
mais próxima.
§ Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com
instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de cinco dias, sob pena de responsabilidade.
95
Para que não haja inconstitucionalidade frente ao dispositivo retro citado,
será necessário modificar também a maioridade penal, uma vez que dividir
adolescentes da mesma idade, sexo e delito praticado em estabelecimentos
diferenciados seria tratar pessoas em situações semelhantes, iguais, de maneira
desigual.
Suponhamos dois adolescentes com a mesma idade e que tenham
praticado ato infracional de mesma capitulação. Por entendimento do magistrado,
um foi sentenciado a cumprir medida sócio-educativa numa unidade própria para
essa função, enquanto ao outro foi determinado o cumprimento em penitenciária,
convivendo com adultos e regras particulares da pena.
Logo, teríamos adolescentes da mesma idade e mesma prática infracional,
mas que em razão do dispositivo a ser incorporado no estatuto cumpririam
sentenças em locais diversos, o primeiro em unidades próprias para adolescentes e
o segundo em penitenciárias, ferindo o dispositivo constitucional.
De maneira contrária ao exposto, e favorável à transferência de
adolescentes para o sistema prisional, se posicionou o Superior Tribunal de Justiça,
julgado RT 748/584, desde que separados dos condenados pela justiça criminal.
Entendeu pela inexistência de ofensa ao art. 185 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
85
José de Farias Tavares leciona que o ambiente físico do internato deve
contar com serviços de segurança o qual tanto deve velar pela integridade dos
recolhidos, como garantir a boa ordem dos trabalhos didáticos, assegurando
tranqüilidade ao tratamento dado aos internos, condição de eficácia plena da
decisão judicial, que visa abrir caminhos seguros e claros na busca da cidadania.
86
85 Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional.
86 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 251.
96
5.3 REINCIDÊNCIA
Trata-se de proposta inovadora na legislação da infância e juventude
como fator de agravamento da nova medida a ser aplicada, caso o adolescente
cometa outro ato infracional.
O Projeto de Lei 2523/03 estabelece para os crimes de homicídios um
limite mínimo de um ano e ximo de seis anos, sendo que, se praticado
novamente o mesmo crime - reincidência - o adolescente poderá ser internado até o
período de nove anos.
O Projeto de Lei nº 2628/03 também prevê a reincidência para a reiteração
de crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, não podendo o
período máximo total exceder a dez anos.
O Projeto de Lei nº 395/2007 versa da reincidência quando o adolescente
cometer novo ato infracional, depois de transitar em julgado a sentença que instituiu
a medida de internação. Ainda, estabelece o não cabimento do instituto caso tenha
transcorrido cinco anos da data do cumprimento da medida e a prática do novo ato
infracional.
O citado projeto duplica o tempo da internação em caso de reincidência.
Pela atual legislação, se aplica como circunstância de agravamento no
tempo de internação do adolescente a reiteração da conduta delitiva, consistindo
numa "reincidência" por via reflexa, que sem as conseqüências que o instituto
apresenta na esfera penal.
87
Julio Fabrini Mirabete explica que a reincidência, apesar de parecer bis in
87 Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves.
97
idem por agravar a pena de um crime em razão do cometimento de crime anterior, já
reprimido por uma sanção penal, justifica sua exacerbação para aquele que já tenha
sido punido anteriormente e retorna a delinqüir.
88
Genericamente tem como escopo refrear a prática delitiva de todos
(sociedade em geral), bem como o escopo pedagógico, de cunho individual, para
que o agente que já tenha praticado delito não retorne a fazê-lo.
O Código Penal no artigo 63, que dispõe acerca da reincidência, exige que
o crime tenha transitado em julgado para que o agente seja considerado reincidente.
O dispositivo não exige seu cumprimento integral, bem como não incide na nova
pena caso a ação penal antecedente ainda esteja em tramitação.
O mesmo autor explica que para a reincidência não exige que os crimes
tenham a mesma natureza, caracterizando-se entre crimes dolosos, culposos,
doloso e culposo, o inverso, idênticos ou não, apenados com pena privativa de
liberdade ou multa, praticados no país ou no estrangeiro.
A lei excluiu da reincidência os crimes militares e políticos, por força do
inciso II do artigo 64, enquanto que o inciso I estabeleceu as regras para sua
aplicação.
Guilherme de Souza Nucci distingue primariedade de reincidência por
conceito negativo, ao definir o primeiro retirando-se todos aqueles que se situam na
condição de reincidentes, qual seja aquele que comete novo delito nos cinco anos
subseqüentes à extinção da sua última pena. Após os cinco anos retorna à
primariedade, todavia, permanecem os maus antecedentes.
89
Os efeitos da reincidência não são previstos na legislação da infância e da
juventude, quais sejam: o sursis, condicional, prescrição, reabilitação, conversão da
88 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal Parte Geral - Art. 1 a 120. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 301 e 302.
89 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado Parte Geral. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
98
pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, liberdade provisória, fiança e
reconhecimento das causas de diminuição da pena.
A medida sócio-educativa de internação é revestida de nuances
diferenciadas da pena, dotada de simplicidade conceitual, possibilidade de
cumulação de medidas, brevidade, excepcionalidade, indeterminação do quantum,
constantes avaliações pelo Magistrado e, no tocante à reincidência, não subsiste
esse instituto, bem como não se registra maus antecedentes para o adolescente
sentenciado.
Incuta-se nesse aspecto o maior empecilho para seu uso no direito juvenil,
uma vez que a medida sócio-educativa possui o perfil pedagógico mais acentuado
que a própria punição como retribuição ao mal praticado, razão pela qual não se
impõe a pena ao adolescente.
A fase da adolescência é transitória, uma passagem para a vida adulta,
daí a razão pela qual tão maléfico seria o adolescente adentrar no mercado de
trabalho com uma ficha de maus antecedentes, uma mácula que lhe podaria o
convívio em sociedade, acrescentando ainda o mal que faria nas suas relações
interpessoais.
A majoração do tempo de internação associada à reiteração de conduta
mostra-se mais benéfica para o adolescente que o uso do instituto da reincidência,
uma vez que se apresenta compatível com as características inerentes da medida
sócio-educativa, não deixando registro de maus antecedentes.
Contudo, de maneira diversa à exposta tem se posicionado o Superior
Tribunal de Justiça. O Ministro José Arnaldo da Fonseca destacou a necessidade de
não se confundir reincidência com reiteração, escrevendo que para a primeira seria
necessária a prática de dois atos infracionais, enquanto que para a reiteração, a
99
legitimar a internação, exigem-se três ou mais condutas anti-sociais com especial
gravidade.
90
Extrai-se da decisão, que teve unanimidade de votos, uma inclinação
desta Corte para a aplicação do instituto da reincidência no direito penal juvenil.
Sérgio Salomão Shecaira leciona não ser cabível a confusão entre
reincidência e reiteração, alertando a possibilidade de incidir reincidência sem que
haja reiteração, bem como o inverso. O referido autor remete a reiteração ao inciso
antecedente, quando se tratar de novo ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência à pessoa, por no mínimo três vezes.
91
O Superior Tribunal de Justiça também realça a diferença entre
reincidência e reiteração, conferindo à primeira a prática de novo ato infracional e à
segunda a reiteração de três ou mais condutas anti-sociais, assinaladas pela
gravidade.
92
O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça de São Paulo
espelham em seus julgamentos a reprovabilidade da reiteração de atos infracionais
praticados por adolescentes, confirmando, in casu, a aplicação da medida de
internação determinada em primeiro grau para condutas repetidas.
93
Como se pode notar, o Superior Tribunal de Justiça tem verificado a
90 Acórdão: Habeas-Corpus - HC 20660 / RJ
Ementa: O art. 122 do ECA enumera taxativamente as hipóteses em que pode ser decretada a internação de adolescente infrator. A expressão “reiteração
no cometimento de outras infrações graves” (art. 122, II, do ECA) não se confunde com a reincidência. Esta, para a sua conformação, demanda a prática de
dois atos infracionais. Aquela, para legitimar a internação, reclama a conjugação de três ou mais condutas anti-sociais, assinaladas por uma especial
gravidade. Consulta realizada no site www.tj.rj.gov.br em 04 de abril de 2007.
91 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Estudo Crítico do Direito Penal Juvenil. 2007. Tese apresentada para obtenção do título de Professor Titular em Direito
Penal – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2007.
92 Acórdão: Habeas-Corpus - HC 20660 / RJ Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca. Julgamento: 09.04.2002 - Quinta Turma Publicação: DJ
20.05.2002, p. 172 Ementa: O art. 122 do ECA enumera taxativamente as hipóteses em que pode ser decretada a internação de adolescente infrator. A
expressão “reiteração no cometimento de outras infrações graves” (art. 122, II, do ECA) não se confunde com a reincidência. Esta, para a sua conformação,
demanda a prática de dois atos infracionais. Aquela, para legitimar a internação, reclama a conjugação de três ou mais condutas anti-sociais, assinaladas
por uma especial gravidade. Votação: Unânime Resultado: Conceder a ordem determinando o cumprimento da medida sócio-educativa em regime de
semiliberdade. Consulta realizada no site www.stj.gov.br em 04 de abril de 2007.
93 Julgados STJ HC 29263 / SP ; HABEAS CORPUS 2003/0125178-7, HC 34027 RJ 2004/0026441-1, HC 24880 SP 2002/0131326-9 todos rel. Min.
Hamilton Carvalhido e TJSP, Ap. 30.047.09; TJSP, Ap. 29.047.0/6 todos rel. Cerqueira Leite, pesquisa feita em 04 de abril de 2007 nos sites www.stj.gov.br
e www.tj.sp.gov.br.
100
existência de antecedentes para a concessão de Habeas Corpus como um dos
requisitos para manutenção da internação nos casos em que não violência ou
grave ameaça à pessoa, determinando a desinternação quando o adolescente não
possui outras passagens.
94
Julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também
demonstram a verificação de antecedentes como precedente para a aplicação ou
não da medida de internação.
95
A reincidência se presta, nos dizeres de Aníbal Bruno, dentre outros
agravantes, uma circunstância reveladora de particular culpabilidade do agente, que
aumentam a reprovabilidade que a ordem jurídica faz pesar sobre ele em razão do
seu crime.
96
Ao contrário, a medida sócio-educativa não revela intenção puramente
punitiva, tampouco analisa a culpabilidade do agente, mas transcende proteção ao
jovem que pela tenra idade ainda não possui discernimento suficiente para auto
dirigir-se, merecendo assim, tratamento diferenciado da pena.
94 Acórdão: Habeas-Corpus - HC 24451 / SP
Ementa: As medidas sócio-educativas impostas ao menor infrator devem ser concebidas em consonância com os elevados objetivos da sua reeducação,
sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade como pessoa humana e à adoção de posturas demonstrativas de justiça.
Nessa linha de visão, impõe-se que, no procedimento impositivo de sanções, seja observado o princípio da legalidade, à luz do qual não se admite a
imposição de medida sócio-educativa de internação fora das hipóteses arroladas no art. 122, da Lei 8.069/90 - ECA. É descabida a aplicação de tal
medida ao menor sem antecedentes, acusado de prática de ato infracional equiparado a tráfico de entorpecentes, conduta desprovida de qualquer violência
ou grave ameaça à pessoa. Consulta realizada no site www.stj.gov.br em 04 de abril de 2007.
95 TJRS – AGR nº 70001526250 – Porto Alegre. Oitava Câmara Cível. Rel. Des. José Siqueira Trindade
"ADOLESCENTES. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. DESCABIMENTO.
Não obstante o fato roubo tenha sido cometido mediante ameaça à pessoa, com uso de fato, não há a necessidade imperiosa da internação provisória
(parágrafo único, art.108, ECA) se as peculiaridades apresentadas pelos adolescentes – estudo, residência fixa e ausência de antecedentes – são
favoráveis. Consulta realizada no site www.tj.rs.gov.br em 04 de abril de 2007.
96 BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral, Pena e Medida de Segurança. 3. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1967. p. 111.
101
5.4 SENTENÇA POR PRAZO DETERMINADO
O Projeto de Lei 3362/2000 estabelece imposição de medida sócio-
educativa por tempo indeterminado, devendo ser a sua manutenção avaliada a
qualquer tempo pela autoridade judicial, mediante decisão fundamentada, ou no
máximo a cada doze meses.
os Projetos de Lei nº 2628/03, 102/2007 prevêem que as medidas
deverão comportar prazo determinado.
O Projeto de Lei 565/2007 propõe o aumento do tempo de internação
provisória de quarenta e cinco dias para seis meses. O Projeto de Lei nº 102/2007
para noventa dias, mediante decisão fundamentada. o Projeto de Lei
2588/2003 prevê internação provisória até a sentença nos casos do art. 121, §3º e
4º.
Um dos diferenciadores da medida sócio-educativa do instituto da pena
consiste no fato da primeira não conter determinação do quantum de tempo que o
adolescente fica internado, enquanto que a segunda vem estabelecida já na
sentença que a impõe.
Esta previsão consiste em benefício ao adolescente, pois sua duração
será determinada, principalmente, pelo próprio adolescente, que se torna
protagonista, ao invés de condenado.
A desinternação dependerá de esforço do adolescente em aceitar uma
nova proposta de vida, bem como fatores relacionados à disciplina, participação nas
atividades oferecidas, bom desempenho escolar, interação com o grupo e atenção
às políticas especiais de recuperação adotadas por cada unidade.
102
Não constituí a internação em medida engessada como a pena, que exige
a atenção a requisitos legais para progressão de regime. Ao contrário, o adolescente
tem consciência que a sua efetiva participação é o elemento mais importante da
desinternação, e não o tempo já internado, a natureza do delito ou o prescrito em lei.
A aplicação da medida levará em conta a capacidade do adolescente em
cumpri-la e as circunstâncias e gravidade da infração, bem como as necessidades
do adolescente e da sociedade.
Emílio Garcia Mendez ressalta que o caráter indeterminado da privação da
liberdade não se confunde com o caráter indeterminado na sentença. O caráter
indeterminado da internação funciona a favor da proteção integral da pessoa
humana em desenvolvimento.
97
5.5 INCOMUNICABILIDADE
O Projeto de Lei 852/2003 prevê a incomunicabilidade para
adolescentes internados, mediante decisão fundamentada, que levará em conta a
gravidade das infrações por eles praticadas, bem como a possibilidade de fuga ou
quando pertencer à organização criminosa.
O Projeto de Lei nº 102/2007 também faz referência à incomunicabilidade,
mas por prazo máximo de dois dias, mediante decisão fundamentada e ouvido o
Ministério Público, observando os mesmos requisitos do Projeto 852/2003.
A Convenção dos Direitos Humanos da Criança, no qual o Brasil é
97 MENDEZ, Emílio Garcia. Estatuto Comentado. p. 384
103
signatário (ratificada em 20 de setembro de 1990), prevê tratamento digno à criança
e ao adolescente que infringir a lei penal, devendo ser garantido mecanismos que
assegurem seus direitos fundamentais.
98
O referido texto traz como medida excepcional a não comunicação da
criança e do adolescente com seus pais ou responsáveis como circunstância
extrema, para o bem do menor.
Apesar de o texto internacional prever a incomunicabilidade como medida
extrema, a Constituição Federal revogou o art. 21 do Código de Processo Penal que
permitia por no máximo três dias para o preso adulto.
O artigo 21 do Código de Processo Penal dispunha que a
incomunicabilidade do indiciado dependeria, necessariamente, de despacho
fundamentado da autoridade judiciária nos autos e somente seria permitida quando
o interesse da sociedade ou conveniência da investigação exigisse a medida
extrema.
Em qualquer hipótese respeitar-se-ia o disposto no art. 89, inciso III, do
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil que permite ao preso entrevistar-se
com seu advogado pessoal e reservadamente, mesmo que sem procuração.
Como mencionado, com a promulgação da Constituição Federal em
1988, o instituto foi revogado termo utilizado pelo Superior Tribunal Federal ao
tratar das normas não recepcionadas pela Carta Política – em razão do estabelecido
no artigo 136, §3º, IV que a proíbe enquanto perdurar o estado de defesa.
O estado de defesa será decretado pelo Presidente da República, ouvidos
98 A Convenção dos Direitos Humanos prevê no artigo 37: Nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a
reclusão ou a prisão de uma criança, será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que
for apropriado.Toda criança privada da liberdade seja tratada com humildade e o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se
em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em especial, toda criança privada de sua liberdade ficará separada de adultos, a não ser
que tal fato seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família por meio de correspondência ou
de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais.
104
o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, a fim de preservar ou
restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social
ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por
calamidades de grandes proporções na natureza.
Ora, se a incomunicabilidade é vedada para o preso durante o estado de
defesa, em situação de anormalidade, seria um contra senso aplicá-la ao
adolescente que tenha praticado ato infracional, com todas as características
peculiares da sua idade, em situação de normalidade.
Mirabete escreve que é evidente que, se proibida a incomunicabilidade
nas situações excepcionais em que o governo adota medidas enérgicas para
preservar a ordem pública ou a paz social, podendo para isso restringir alguns
direitos, com maior razão não se pode permiti-la em situações de anormalidade.
99
Em sentido contrário posiciona-se Damásio, ao comentar o dispositivo
entende que o mesmo não se encontra revogado, argumentando em duas vertentes:
a primeira que a proibição diz respeito ao período em que ocorrer a decretação do
estado de defesa aplicável à prisão por crime contra o Estado, infração de natureza
política; a segunda, que se o constituinte quisesse elevá-la à categoria de princípio
geral teria inserido no artigo 5º da Constituição Federal. Todavia, adverte que a
medida deve ser utilizada com muita cautela pela autoridade judiciária, em situações
extremas.
100
Manter o adolescente incomunicável por até dois anos afronta a
Constituição Federal e todas as demais normativas referentes à proteção integral
destinada à criança e ao adolescente, sendo incompatível com a condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento.
99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. ver. e atual. até dezembro de 2004. São Paulo: Atlas, 2005. p. 100.
100 JESUS, Damásio Evangelista de. Código Processo Penal Anotado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 25.
105
5.6 ADEQUAÇÃO DA GRAVIDADE DO ATO INFRACIONAL EM
CATEGORIAS DE ACORDO COM SUA GRAVIDADE
O Projeto de Lei 173/2007 sustenta a divisão da periculosidade do ato
infracional em três categorias, a fim de que o tempo de internação seja fixado
conforme enquadramento legal.
Configura ato infracional gravíssimo os descritos como hediondo; grave as
condutas descritas como crime; e leve as condutas descritas como contravenção.
A falha está na eleição das categorias escolhidas como parâmetros de
gravidade, pois uma conduta delitiva, mesmo que descrita como crime, pode ser
considerada leve. Estaríamos com isso igualando adolescentes que praticam atos
infracionais com violência ou grave ameaça à pessoa com aqueles que incidem em
delitos sem essas características. Por exemplo, um adolescente que furta, seria
equiparado, quanto à gravidade, ao adolescente homicida.
A natureza dos tipos penais considerados crime pelo código é
diferenciada, variando de acordo com o bem jurídico tutelado, o modus operandi do
agente, as qualificadoras, os privilégios, qualidades da vítima, tipo subjetivo,
elementares e outros aspectos ressalvados pelo direito penal.
Colocá-los no mesmo patamar de gravidade seria prejudicar aqueles que
praticam atos infracionais sem violência, grave ameaça e até mesmo os que
praticam crimes de menor potencial ofensivo, que para o imputável, nos parâmetros
da Lei 9.099/95, é objeto de transação penal. O adolescente, caso venha praticar um
delito menos grave, sesancionado nos mesmos moldes daquele que pratica o
106
mais grave.
Aqui novamente teríamos o direito juvenil mais severo que a própria lei
penal, pois inibiria a aplicação da remissão ao adolescente que praticasse qualquer
conduta considerada grave, que pela norma atual, permite a transação.
101
A medida levará em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as
circunstâncias que envolvem os fatos e a gravidade da infração. Ainda, será
determinada a que melhor resguarde o jovem da prática criminosa.
5.7 MEDIDAS DE SEGURANÇA
O Projeto de Lei nº 395/2007 anuncia o acréscimo de um inciso no art. 112
que se refere a uma nova modalidade de medida sócio-educativa, a medida de
segurança, a ser aplicada com fundamento em exame psiquiátrico e testes projetivos
de personalidade, realizado por equipe interprofissional de psicólogos e psiquiatras.
Este adolescente, comprovada a doença mental, deverá cumprir medida
em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro
estabelecimento adequado, ou ainda, sujeitar-se a tratamento ambulatorial.
Estabelece que o prazo de internação seja de um a dois anos, sendo que
a liberação será condicionada à manutenção dos indicativos de recuperação pelo
período de um ano.
Ainda, o juiz a qualquer momento poderá determinar o cumprimento da
medida em Unidades convencionais, caso cesse as razões que o levaram a
101 Tem-se a aplicação do artigo 126 do ECA que permite a exclusão do processo judicial, concedido pelo representante do Ministério Público, atendendo
às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato
infracional.
107
internação em estabelecimento de saúde.
De acordo com o Projeto de Lei, a medida de segurança poderá ser
aplicada em caso de ato infracional praticado mediante violência ou grave ameaça à
pessoa.
O instituto não é previsto no direito da infância e juventude.
A aplicação de pena para o adulto sentenciado fundamenta-se na
culpabilidade, enquanto que a medida de segurança, na periculosidade do agente.
Assim entendem Julio Fabrini Mirabete, Aníbal Bruno, Damásio Evangelista de
Jesus e outros penalistas ao relacionarem-na com a periculosidade.
Damásio Evangelista de Jesus escreve que periculosidade “é a potência, a
capacidade, a aptidão ou a idoneidade que um homem tem para converter-se em
causa de ações danosas.
102
Para Damásio, a periculosidade se faz por intermédio de um juízo sobre o
futuro, ao contrário do juízo de culpabilidade que se projeta sobre o passado. O juiz
se valerá de fatores (ou elementos) e indícios (ou sintomas) do estado de perigo. A
aplicação da medida de segurança pressupõe a prática do fato descrito como crime
e a periculosidade do agente.
Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M.
de Almeida Delmanto ao comentarem o Código Penal desdobram em duas partes o
requisito da periculosidade: periculosidade quando o sujeito for inimputável nos
termos do Código Penal, artigo 26 caput; e na hipótese do sujeito ser semi-
responsável, artigo 26, parágrafo único, e necessitar de especial tratamento dico-
psiquiátrico.
O Código Penal não se referiu à hipótese prevista no artigo 27, que
102 SOLER, Sebastian. Exposición y crítica del estado peligroso. 2. ed. Buenos Aires: Libreria Juridica, 1929. apud JESUS, Damásio Evangelista de.
Comentário ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 21.
108
prescreve a inimputabilidade penal.
O conceito de periculosidade transmite a idéia de ter como destinatário o
agente com formação completa da personalidade, um conceito fechado, para
indivíduos que encerraram a fase de amadurecimento. Conflita com a condição
peculiar do adolescente em ser uma pessoa em desenvolvimento. Ora, alguém que
está em progressão intelectual, construção do caráter, não pode apressadamente
ser rotulado de perigoso, uma vez que está amoldando-se, tanto internamente, como
em relação à sociedade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente previu no artigo 101, inciso V a
medida protetiva de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial, para crianças e adolescentes, inclusive aos infratores, no
rol das medidas cio-educativas do artigo 112, VII (que remete às medidas
protetivas).
O juiz poderá cumular a aplicação de medida sócio-educativa com a
medida protetiva prevista no artigo 101, V, como por exemplo, liberdade assistida e
tratamento psiquiátrico ambulatorial, caso assim necessite.
Essa regra de cumulação de medidas ocorre diferentemente do direito
penal, no qual se aplica o sistema vicariante, qual seja, ou aplica-se à pena no caso
de culpabilidade do agente criminoso, ou a medida de segurança para o agente
criminoso com periculosidade que atenda aos requisitos legais.
Mirabete explica que de acordo com a lei anterior, as medidas de
segurança poderiam ser aplicadas, isoladamente aos inimputáveis e, cumuladas
com penas, aos semi-imputáveis e aos imputáveis considerados perigosos. A
tendência moderna, porém, é de buscar uma medida unificada, concluindo-se pela
necessidade de adotar o princípio da fungibilidade entre pena e medida de
109
segurança.
103
Para o adolescente infrator doente mental determina-se a medida protetiva
de internação hospitalar como proteção à sua condição especial e o em razão de
periculosidade, como requer a medida de segurança.
Todavia, instituições dessa natureza preparadas para abrigar
adolescentes infratores doentes mentais são raras, como leciona Jeferson Moreira
de Carvalho: sendo o adolescente que praticou o ato infracional portador de doença
mental ou deficiente, manda a lei que receba tratamento individual e especializado,
em local adequado às suas condições; mas trata-se, entre outros, de dispositivo
legal distante da realidade brasileira, porque as comarcas não possuem local
adequado. Inexistem nas cidades locais para a simples internação, quanto mais para
tratamento do doente mental.
104
Aníbal Bruno também ensina que o pressuposto da medida de segurança
é a periculosidade criminal do agente, escrevendo que ao homem criminalmente
perigoso se importará medida de segurança.
105
O equívoco está quanto à vontade de retroceder a lei, igualando o
adolescente autor de ato infracional com o adulto criminoso. São pessoas diferentes,
em fases mentais diversas, e essa característica basilar deve ser observada para
que seja empregado o tratamento específico para cada estágio de vida. O fato de
ambos violarem a norma penal e portarem doença mental, desenvolvimento mental
incompleto ou retardamento, não implica que receberão o mesmo tratamento.
A inimputabilidade do menor de dezoito anos versa de uma escolha
biológica, da natureza orgânica do ser, que mesmo capaz de infringir a lei não
103 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal Parte Geral - Art. 1 a 120. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.361.
104 CARVALHO, Jeferson Moreira de. Estatuto da Criança e do Adolescente: Manual funcional Doutrina, Jurisprudência, Legislação, Formulários e
Esquemas. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000. p. 16.
105 BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral, Pena e Medida de Segurança. 3. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1967. p. 789.
110
possui total capacidade mental para dirigir-se, necessitando de vigilância e
orientação. Assim, o adolescente doente mental ou com desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, necessita de tratamento e acompanhamento médico,
psicológico e psiquiátrico, compatível com a sua condição peculiar de
desenvolvimento.
O inimputável penal do artigo 26 do Código Penal exprime que: o maior de
dezoito anos com desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que ao tempo
da ação ou omissão era incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento será absolvido (exclusão da
culpabilidade) e receberá Medida de Segurança.
o adolescente receberá como medida sócio-educativa o tratamento
previsto na lei especial, não sendo, de forma alguma, sentenciado a cumprir medida
de segurança em instituições para adultos.
Aníbal Bruno esclarece quem são os destinatários das medidas de
segurança, não citando, em nenhum momento, o adolescente autor de ato
infracional: é a classe dos inimputáveis, assim julgados pela sua radical
incapacidade de exata representação da reprovabilidade ético-social dos seus atos
ou de desenvolver normalmente, em vista desse juízo, o processo de determinação
da vontade. Esses anômalos mentais quando se inclinam para o crime,
freqüentemente reincidem. Não uma censura moral equilibrada e firme que os
detenha, nem contra-estímulos que possam lutar com vantagem contra os impulsos
criminosos. É justificada em relação a eles, a presunção de que podem voltar a
delinqüir.
106
O adolescente doente mental ou com desenvolvimento mental incompleto
106 BRUNO, Aníbal. Direito Penal Parte Geral, Pena e Medida de Segurança. 3. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1967. p. 290.
111
ou retardado não será equiparado ao adulto que se encontre em situação
semelhante, tampouco internado nas mesmas instituições destinadas a estes. O
tratamento ao adolescente será fundamentado na condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, mesmo que se apresente com doença mental, enquanto que o
tratamento destinado ao adulto se fundará na periculosidade do agente, como assim
prevê a legislação penal.
Cláudio Heleno Fragoso ensina que as medidas de segurança têm a
mesma justificação e o mesmo fundamento da pena, qual seja, são medidas de
defesa social, com os quais se procura evitar a conduta delituosa, protegendo
valores de alta relevância no ordenamento jurídico.
107
Para o adolescente menor de vinte e um anos ou que ainda não tenha
atingido três anos de internação aplica-se a hipótese prevista no inciso V do artigo
101 do estatuto.
O problema está na imprevisão legislativa relativa ao adolescente doente
mental ou com desenvolvimento mental incompleto ou retardado que completou
vinte e um anos de idade ou que tenha expirado o prazo de três anos de internação.
Ou ainda, o adolescente que não apresente problemas mentais, mas que em
contrapartida não está preparado para o retorno em sociedade, carecendo de maior
tempo de internação, sob tutela e intervenção estatal.
A legislação não prevê o que fazer nos dois casos apresentados, como o
que ocorreu recentemente com o adolescente R. A. A. C., conhecido por
“Champinha”, que recentemente integralizou os três anos de internação na
Fundação CASA (Centro de Atendimento Sócio-educativo ao Adolescente), antiga
107 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de Direito Penal Parte Geral. ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 497 e 498.
112
FEBEM, e não apresentava condições para o retorno ao convívio em sociedade.
108
A solução apontada pelo Ministério Público foi requerer a interdição do
jovem, sob a alegação que o mesmo não possui condições de cuidar de si próprio. O
processo segue em segredo de Justiça no Departamento de Execução da Infância e
da Juventude de São Paulo – DEIJ.
109
O adolescente continua internado numa Unidade da Fundação CASA
aguardando decisão que indique para onde setransferido, pois sua permanência
na Instituição é ilegal e a solução apontada pela Secretaria Estadual de Saúde do
Estado de São Paulo foi a transferência para as Casas de Custódia de Taubaou
Franco da Rocha, o que foi recusado pelo Juiz titular do DEIJ.
110
Como legitimado ativo concorrente e com fundamento no art. 1769, I ou
como legitimado subsidiário nas hipóteses do inciso II do mesmo dispositivo do
Código de Processo Civil, o Ministério Público é competente para requerer sua
interdição, e assim, assegurar ao jovem o tratamento indispensável em substituição
à medida sócio-educativa, uma vez que o mesmo não apresenta condições de
retorno ao convívio social.
Antonio Carlos Marcato conceitua a interdição utilizando como fundamento
a incapacidade civil, qual seja, que nem todas as pessoas possuem capacidade de
fato ou de exercício, que é a aptidão para a prática, pessoalmente, dos atos da vida
civil, razão pela qual devem ser representadas ou assistidas pelas pessoas
designadas na lei.
111
A Interdição não se apresenta como a melhor solução, uma vez que
108 Champinha foi o mentor da morte dos adolescentes Liana Friedenbach e Felipe Caffé em 2003, no município de Embu-Guaçu, na Região Metropolitana
de São Paulo. Na época do crime, ele tinha 16 anos. Após a prisão, foi recolhido para uma unidade da Febem.
109 A promotora de Justiça de Embu-Guaçu, Helena Bonilha, propôs em 06/11/2006 ação pedindo a interdição de R. A. A. C., o Champinha, que na época
contava com 19 anos. Notícia extraída do site www.g1.com.br em 03/05/07.
110 Informação extraída do site www.ultimosegundo.com.br, em 03/05/07.
111 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais. 12 ed. atualizada até a Lei 11.280 de 16.2.2006. São Paulo: Atlas, 2006. p. 395.
113
consiste em instituto do direito civil, aplicável àqueles que não possuem capacidade
“civil” para gerir seus atos e patrimônio. Trata-se de medida de proteção ao incapaz
e não aplicação de medida sócio-educativa de tratamento médico, psiquiátrico ou
psicológico.
O Código Civil dispõe no artigo 3º, II como absolutamente incapaz, os que
por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário discernimento para
a prática dos atos da vida civil, e relativamente incapaz, no artigo 4, II e III para
aqueles que por vício em tóxicos ou por deficiência mental tenham discernimento
reduzido. Na segunda hipótese, os excepcionais sem desenvolvimento mental
completo, Marcato leciona que o incapaz deverá ser interditado, ou seja, deverá ser
proclamada judicialmente a sua incapacidade mediante a propositura da ação
prevista nos artigos 1.177 a 1.186 do CPC.
112
O Código Civil prevê a possibilidade dos interditados, com fulcro nos
incisos I, III e IV do artigo 1.767, serem recolhidos em estabelecimentos adequados,
quando não se adaptarem ao convívio doméstico, bem como na hipótese de
entender a autoridade judiciária a possibilidade de recuperação do incapaz. Não
consagra a hipótese para adolescente autor de ato infracional que esteja inapto para
o retorno social.
A competência para processamento da ação nos casos de menores de
dezoito anos, bem como para aqueles que se encontrem na situação do inciso III do
artigo 98 do Estatuto da Criança e do adolescente, será o foro da Infância e da
Juventude, o domicílio dos pais, responsáveis, ou o foro em que se encontre o
menor (art. 147 e 148, IV).
A proteção à criança e ao adolescente portadores de deficiência mental,
112 Ibidem, p. 395 e 396.
114
como leciona Gianpaolo Smanio consiste em norma integrante da proteção integral,
prevista no art. 227, 1, inciso II da Carta Constitucional, ao estabelecer a criação de
programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de
deficiência física, sensorial e mental.
113
Em geral a doutrina escreve acerca da internação para tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico aos adolescentes enquadrados nos requisitos da medida
sócio-educativa do artigo 112 do ECA, quais sejam, prática do ato infracional
mediante violência ou grave ameaça à pessoa, que possua doença mental,
deficiência ou retardamento mental, que não tenha completado vinte e um anos de
idade e não tenha excedido os três anos de internação.
A legislação não previu a hipótese em que os prazos legais de internação
já tenham exaurido. O judiciário resolveu o caso “Champinha” com uma medida civil,
a interdição, uma vez que a legislação menorista apresenta essa lacuna. Todavia, o
Estado de São Paulo o conta com uma instituição em funcionamento para abrigar
o adolescente, que permanece internado na Fundação CASA.
É do interesse público do Estado a proteção dos jovens que apresentem
doença mental e estejam sob a tutela do Estado em razão da internação para
tratamento (art. 112, VI c/c art. 101, V do ECA). Além disso, elucida Smanio, o
interesse jurídico do Estado em proteger certas categorias vem fixado na norma
jurídica, situando-se no mundo ético normativo próprio do Direito. uma opção
feita pelo Estado, que atua com autoridade sobre o indivíduo, o que transforma o
interesse (jurídico) passando a ser qualificado juridicamente, e podendo, dentro de
certas circunstâncias, ser protegido.
114
Quanto à natureza jurídica da sentença que determina a interdição, Maria
113 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela Penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 59 e 60.
114 SMANIO, op. cit., p. 15.
115
Helena Diniz ensina que possui natureza mista, sendo, concomitantemente,
constitutiva e declaratória. Tem-se a constitutividade do regime curatelar e a
declaratividade da existência do pressuposto que o justifica.
115
A utilização deste mecanismo o seria a melhor solução em longo prazo,
onde novos casos surgirão. Também a aplicação da medida de segurança para o
adolescente, uma vez que o referido instituto presta-se ao adulto que apresente
perigo a si mesmo e à sociedade, enquadrando-o no conceito de periculosidade, não
sendo aplicado ao adolescente, pois se encontra em período de formação da
personalidade.
A inclusão legislativa da hipótese de transferência do adolescente para
local apropriado à sua recuperação, diverso dos estabelecimentos que acolhem o
adulto submetido à medida de segurança, mediante decisão fundamentada e laudo
técnico, por tempo indeterminado e enquanto perdurar a necessidade do tratamento,
mostra-se compatível com a doutrina da proteção integral.
115 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1: Teoria Geral do Direito Civil. 22. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n.
10.406, de 10-1-2002) e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 181.
116
6 METODOLOGIA
___________________________________________________________
6.1 A FONTE DOS DADOS
Os dados utilizados na pesquisa foram obtidos através das respostas
apresentadas pelos adolescentes internados nas Unidades do Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA - da Capital de São Paulo,
sendo elas: UI – 04 Cerejeira, UI – 05 Seringueira, UI – 12 Ruy Toledo Joele, UI – 01
Palmeira e Internato Vila Conceição, UI 13 Ayrton Senna da Silva, Casa Vila
Leopoldina, UET Unidade Emergencial do Tatuapé, UI 39 Sérgio V. de Melo, UI
34 Rio Sena, UI 36 Rio Tamisa, UI 22 Ipê, UI 37 Aroeira, UI Adoniran
Barbosa, UI Tietê, UI 40 Abaetê, Internato Itaquaquecetuba, Internato Encosta
Norte.
Serão utilizadas, ainda, informações qualitativas fornecidas pela Instituição
que subsidiaram a abordagem feita no questionário aplicado aos adolescentes
internos, obtidas junto ao setor de Banco de Dados e Assessoria de Imprensa,
considerados dados oficiais.
Obedeceu-se ao seguinte cronograma para a aplicação do questionário:
117
Tabela 02 - Cronograma da pesquisa
Nº de
Unidades
Data Unidades de Internação Complexo Número de adolescentes
entrevistados
3 13/12/06 UI – 04 Cerejeira,
UI – 05 Seringueira,
UI – 12 Ruy Toledo Joele
Tatuapé 60 (20 em cada Unidade)
2 14/12/06 UI – 01 Palmeira e
Internato Vila Conceição
Tatuapé e
Internato
40 (20 em cada Unidade)
2 15/12/06 UI – 13 Ayrton Senna da Silva, Casa
Vila Leopoldina
Tatuapé 40 (20 em cada Unidade)
2 18/12/06 UET – Unidade Emergencial do
Tatuapé,
UI – 39 Sérgio V. de Melo
Tatuapé 40 (20 em cada Unidade)
2 19/12/06 UI- 34 Rio Sena,
UI – 36 Rio Tamisa,
Brás 40 (20 em cada Unidade)
2 20/12/06 UI – 22 Ipê,
UI – 37 Aroeira
Raposo
Tavares
3 21/12/06 UI Adoniran Barbosa,
UI Tietê, UI – 40 Abaetê
Vila Maria 60 (20 em cada Unidade)
1 22/12/06 Internato Itaquaquecetuba 20
1 26/12/06 Internato Encosta Norte 20
TOTAL DE ENTREVISTADOS 360 adolescentes
TOTAL DE UNIDADES 18 Unidades
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
6.2 PROCEDIMENTO PARA A COLETA DE DADOS
A Fundação CASA da Capital na data da consulta ao setor de Banco de
Dados em 17 de agosto de 2006 contava com três mil, seiscentos e um
adolescentes distribuídos de acordo com a capacidade de cada uma das quarenta e
quatro Unidades de Internação da Capital.
Os dados coletados representam 10% desse valor, correspondendo a
trezentos e sessenta adolescentes entrevistados em dezoito Unidades de Internação
118
masculina da Capital, empregando-se um questionário qualitativo composto por vinte
e sete questões objetivas (ver anexo).
Optou-se por pesquisar as condições de internação das Unidades
masculinas, uma vez que as Unidades Femininas no Estado de São Paulo
correspondem a apenas três: Unidade Chiquinha Gonzaga, Internato da Mooca e
Internato Parada de Taipas, com estrutura totalmente diferenciada das Unidades
masculinas.
As perguntas foram formuladas segundo as garantias individuais
estabelecidas no art. 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais foram
selecionadas: ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; ser
tratado com dignidade e respeito; receber visita ao menos semanalmente;
corresponder-se com seus familiares e amigos; ter acesso aos objetos necessários à
higiene e asseio pessoal; habitar alojamento em condições adequadas de higiene e
salubridade; receber escolarização e profissionalização; realizar atividades culturais,
esportivas e de lazer; ter acesso aos meios de comunicação social e receber
assistência religiosa. Questionou-se, ainda, a respeito da segurança das Unidades,
principalmente em relação a possíveis agressões físicas, seja praticada por
funcionários ou por adolescentes.
Os questionários foram aplicados pela pesquisadora-autora da
dissertação, no interior das Unidades, de maneira reservada, sem que pessoas ou
situações diversas influenciassem nas respostas.
Antes de responder ao questionário, foi entregue ao adolescente um pré-
texto (anexo II) contendo explicações sobre a pesquisa, seus objetivos e
fundamentos e após a concordância do jovem foi aplicado o questionário. Cada
entrevista durou em média quarenta minutos.
119
Ao adolescente foi esclarecido que a pesquisa tem por objetivo discutir o
cumprimento da medida sócio-educativa nas Unidades de Internação do Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA no município de São Paulo e
que sua participação ocorre de maneira voluntária. A adesão à entrevista ocorreu
quase que em sua totalidade, por iniciativa própria dos adolescentes.
O procedimento adotado para se garantir aleatoriedade à composição da
amostra ocorreu de forma espontânea, sendo entrevistados cerca de 10% do total
de adolescentes internos em todas as Unidades da capital, sendo que essas
Unidades não possuem número fixo de adolescentes, variando de acordo com sua
capacidade e determinação institucional. Os adolescentes foram escolhidos de
forma aleatória, em número de vinte por Unidade, a partir da listagem de internos
fornecida pela própria Unidade na ocasião da aplicação do questionário.
6.3 OS PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DOS DADOS
Considerando os objetivos do estudo, três procedimentos de análises
foram adotados para a composição do trabalho, sendo que a primeira parte do
questionário visa o delineamento das características dos adolescentes infratores, ou
melhor, seu perfil social e alguns pontos relevantes do seu modo de vida na ocasião
do cometimento do ato infracional.
Em seguida buscou-se sua impressão quanto às condições da Unidade
em que cumpre a medida sócio-educativa, como condições de habitação, qualidade
e freqüência dos cursos oferecidos, participação em atividades esportivas e de lazer,
informação processual, comunicação com meio externo e auxílio religioso.
120
Por último foram analisados aspectos ligados à segurança do jovem,
envolvendo o uso de drogas e violência dentro da Unidade.
No momento da análise dos resultados obtidos com a pesquisa levou-se
em consideração a vontade do legislador e dos grupos atuantes no direito da
infância e da juventude em comparação à realidade vivenciada nas instituições que
abrigam adolescentes autores de atos infracionais, extraindo-se daí um
posicionamento quanto a real aplicabilidade da Doutrina da Proteção Integral,
envolvendo os Direitos e Garantias Individuais estabelecidos na Constituição Federal
e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Como mecanismo de comparação entre as informações obtidas através da
aplicação do questionário junto aos adolescentes internos, foram utilizados dados
fornecidos pela própria Instituição Febem, para maior veracidade da realidade nas
Unidades de Internação.
6.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ESTATÍSTICAS OFICIAIS:
DADOS DA SECRETARIA DE ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS
São poucos os estudos feitos para investigar o cumprimento das medidas
sócio-educativas no país.
O legislador preocupou-se em compor uma legislação que atendesse aos
direitos humanos, respeitasse a dignidade da criança e do adolescente em seus
aspectos essenciais e que atendesse à Doutrina da Proteção Integral.
121
Ocorre que poucos são os instrumentos de fiscalização das entidades
incumbidas em executar a lei, principalmente as entidades que cuidam dos
adolescentes autores de ato infracional, que permanecem em regime fechado nas
instituições.
A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos realizou no ano de 2002,
116
entre os meses de setembro a novembro, em todo o país, uma pesquisa com
objetivo principal de levantar a situação das unidades que executam medida de
privação de liberdade.
A pesquisa proposta pela Secretaria Nacional engloba também as
Unidades de Internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente
– CASA no município de São Paulo, utilizando-se de dados Institucionais.
O mapeamento corroborou para a constatação da necessidade de um
estudo vertical no que diz respeito à observância dos direitos fundamentais que
assegurem ao adolescente internado condições mínimas de dignidade e
oportunidade de recuperação e ressocialização.
Esta pesquisa de campo buscou captar a percepção dos adolescentes
internados em o Paulo, respeitando seu ponto de vista quanto a aspectos
fundamentais na sua internação.
O trabalho tem por escopo contribuir para a formulação de políticas
públicas com caráter regional, tendo em vista que abdicou da abrangência nacional
do mapeamento elaborado pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, para
atender o jovem local de acordo com suas peculiaridades e necessidades próprias.
Não se pode tratar da mesma forma o adolescente autor de ato infracional que
reside no Estado do Amapá e o que reside no município de São Paulo.
116 Dados obtidos no site www.mj.gov.br em 10.08.2006.
122
A Secretaria instituiu o Comitê de Avaliação das Unidades de Internação
de Adolescentes em conflito com a lei, com o objetivo de avaliar a situação das
instituições de internação e propor medidas de adequação destas instituições às
diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente e à Constituição Federal.
O fruto deste trabalho proporcionou o mapeamento da rede de
atendimento em todo o país, à medida que os Estados forneceram os dados para
sua composição, sendo possível traçar um perfil nacional do adolescente interno ou
cumprindo medida sócio-educativa em meio aberto.
Traçamos um comparativo dos percentuais nacionais e do estado de o
Paulo referente aos anos de 2002 e 2006.
Tabela 03 - Número de Adolescente cumprindo medida sócio-educativa no Brasil
junho de 2002
Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-
educativa no Brasil – junho de 2002
Nº de adolescentes %
Internação 6.982 67,4 %
Internação provisória 2.675 25,8 %
Semiliberdade 709 6,8 %
Total 10.366
Fonte: DCA/SEDH/MJ - FONACRIAD, Junho/2002
*Não constam nesta tabela os dados referentes aos Estados do: PE, PI e RJ
Tabela 04 - Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Estado de
São Paulo – junho de 2002
Número de adolescentes cumprindo medida sócio-
educativa no Estado de São Paulo – junho 2002
Nº de adolescentes %
Internação 3313 67,8%
Internação provisória 1234 25,28%
Semiliberdade 333 6,8%
Total 4880
Fonte: DCA/SEDH/MJ - FONACRIAD, Junho/2002
*Não constam nesta tabela os dados referentes aos Estados do: PE, PI e RJ
123
Os índices estaduais mantiveram-se equivalentes aos nacionais, sendo
que no país, dos adolescentes submetidos às três medidas cio-educativas que
incorrem em privação de liberdade, 67,4% estão internados, sentenciados,
25,28% cumprindo internação provisória e 6,8% em semiliberdade, a mesma
referência estadual.
Este índice releva não apenas os percentuais comparativos entre as
medidas, mas sim, o percentual que o Estado de o Paulo representa no cenário
nacional.
Cerca de 47% dos adolescentes no país, que cumprem medida de
internação, seja integral ou de semiliberdade, definitiva ou provisória, estão
localizados no Estado de São Paulo.
Em 2006 os dados da nova pesquisa também revelaram que a maior parte
dos adolescentes privados de liberdade concentra-se no Estado de São Paulo.
Todavia, este percentual diminuiu para 39% quando comparado ao percentual
nacional.
O número de adolescentes privados de liberdade saltou de três mil,
trezentos e treze adolescentes em 2002 para quatro mil, oitocentos e seis em 2006,
um aumento de mil, quatrocentos e noventa e três adolescentes em quatro anos.
Tabela 05 - Número de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Brasil -
agosto de 2002
Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-
educativa no Brasil - agosto 2006
Nº de adolescentes %
Internação 10446 67,7%
Internação provisória 3746 24,2%
Semiliberdade 1234 7,9%
Total 15426
Levantamento realizado pela SPDCA/SEDH/PR em agosto de 2006 a partir de dados enviados pelos gestores
estaduais.
124
Tabela 06 - Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-educativa no Estado de
São Paulo - agosto de 2006
Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-
educativa em São Paulo - agosto 2006
Nº de adolescentes %
Internação 4806 79,3%
Internação provisória 926 15,2%
Semiliberdade 327 5,3%
Total 6059
Levantamento realizado pela SPDCA/SEDH/PR em agosto de 2006 a partir de dados enviados pelos gestores estaduais.
O percentual de adolescentes internados no Estado, passa de 67,8% em
2002 para 79,3% em 2006 e reflete o aumento da criminalidade entre a população
juvenil e a fragilidade das ações inibidoras da delinqüência juvenil.
Este aumento justifica o alerta dado por Sérgio Muniz, em 1959, acerca do
aumento populacional, a intensa migração populacional do norte e nordeste para
São Paulo e a necessidade de ações preventivas a fim de coibir a marginalização
juvenil:
“Estancada a corrente migratória norte-sul, diminuirá o
desajuste de inúmeros nordestinos em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Construindo-se escolas, berçários e parques infantis em
número suficiente nestas duas cidades, o Poder Público poderá
condignamente abrigar a criança durante todas as horas em que
seus pais trabalhem. Estabilizado o poder aquisitivo do cruzeiro,
inúmeras famílias evitarão que sua esposa troque o lar pelos
empregos domésticos ou nas fábricas.”
117
(SOUZA, 1959, p. 12 e
13)
É preciso contextualizar o pensamento do autor, que o preconiza
preconceito ao nortista e nordestino, nem tão pouco machismo, mas alerta para a
formação de grandes conglomerados populacionais em São Paulo e no Rio de
117
SOUZA, Sérgio Muniz de. Delinqüência Juvenil. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1959. p. 12 e 13.
125
Janeiro e a necessidade de maior atenção à família, pela presença dos pais na
formação dos filhos, no caso a mulher.
A ausência de uma política contínua de desenvolvimento social
sustentável cinqüenta anos trouxe como uma de suas conseqüências o aumento
no número de adolescentes incursos na criminalidade e a dificuldade estatal em
reinseri-los na sociedade.
Referente à medida de liberdade assistida foram utilizados dados do ano
de 2002, uma vez que a Secretaria divulgou apenas os números de adolescentes
cumprindo liberdade assistida nas capitais.
O quadro se repete quanto à proporção que o Estado de São Paulo
representa no cenário nacional de adolescentes privados de liberdade. Cerca de
61% dos adolescentes cumprindo a medida de liberdade assistida de todo o país
está em São Paulo:
Tabela 07 - Número de adolescentes cumprindo medida sócio-educativa de liberdade
assistida – junho de 2002
Ano Número de Adolescentes cumprindo medida sócio-
educativa de liberdade assistida
Nº de
adolescentes
%
2002 São Paulo 11.686 61%
2002
Brasil 19.099
Fonte: DCA/SEDH/MJ - FONACRIAD, Junho/2002
*Não constam nesta tabela os dados referentes aos Estados do: PE, PI e RJ
São Paulo é o Estado mais populoso, com as maiores cidades e com uma
sobrecarga de problemas sociais, como: marginalização de parcela considerável da
população, problemas com urbanização, habitação precária, saneamento, emprego,
educação, saúde, espaços para lazer, entre outros.
126
A divisão da população em castas sociais fez com que problemas
relacionados à criminalidade deixassem a parcela juvenil ainda mais suscetível às
práticas delinqüentes, justificando os números apresentados.
O Estado concentra também o maior número de Unidades de Atendimento
ao adolescente internado e ao jovem cumprindo medida de semiliberdade. Ao
compararmos São Paulo e os Estados de Tocantins, Alagoas, Roraima e Espírito
Santo, verificamos que, de acordo com a pesquisa, São Paulo possui atualmente
sessenta e cinco Unidades de internação, enquanto que os outros Estados possuem
apenas uma. Além das sessenta e cinco Unidades de internação, São Paulo conta
ainda com trinta e cinco Unidades de Internação Provisória, vinte e duas Unidade de
Semiliberdade, quatro Núcleos de Apoio e trinta postos e subpostos de Liberdade
Assistida.
118
118 Dados fornecidos pela assessoria de imprensa da Fundação CASA em 16 de maio de 2007.
127
7 AS CARACTERÍSTICAS DOS ADOLESCENTES AUTORES DE ATOS
INFRACIONAIS INTERNADOS NAS UNIDADES DO CENTRO DE ATENDIMENTO
SÓCIO–EDUCATIVO AO ADOLESCENTE CASA DA CAPITAL
RESULTADOS DA PESQUISA
___________________________________________________________
Para iniciarmos a análise dos resultados obtidos com a aplicação dos
questionários é necessário tecer algumas considerações sobre as Unidades de
Internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA da
Capital.
Podemos dividir as Unidades em quatro tipos distintos, utilizando como
fundamento o cumprimento das regras de convivência, o respeito para com os
funcionários e a realização de atividades pedagógicas, de lazer, cultural, cursos
profissionalizantes e ensino formal.
A primeira categoria concentra as Unidades que são capazes de cumprir
as normas legais, com um cronograma de atividades regulares que englobam ensino
formal, cursos profissionalizantes, atividades pedagógicas e de lazer, dentre as
quais estão: Unidade do Complexo Raposo Tavares Unidade de Internação Ipê
22 e os Internatos Vila Conceição e Fazenda do Carmo.
A segunda categoria engloba as que estão sob controle dos funcionários,
em que os adolescentes obedecem às regras e participam das atividades propostas.
Os adolescentes internados nestas Unidades alegam que a disciplina é mantida com
base em ameaças de agressões ou nas agressões de fato. Os adolescentes dizem
que não podem dar “um pezinho”, ou seja, qualquer pequena atitude por parte do
128
adolescente pode ser interpretada pelos funcionários como sendo motivo para a
agressão. Os adolescentes das Unidades do Complexo Brás e Internatos relataram
esses fatos.
A terceiro categoria é a das Unidades, denominadas pelos próprios
adolescentes entrevistados, de “meio a meio”. A origem do nome está relacionada
ao domínio das regras, que não está em poder dos funcionários, nem tão pouco dos
adolescentes, mas sim dividido entre os dois grupos. Os adolescentes relatam que
há um respeito mútuo, se os funcionários os respeitarem haverá a recíproca. O clima
nestas Unidades é tenso e instável, os funcionários estão permanentemente com
medo e receio em relação às atitudes dos adolescentes internos, enquanto estes
temem uma constante retomada por parte dos funcionários. As Unidades do
Complexo Tatuapé representam esta categoria.
A quarta e última categoria é a das Unidades totalmente dominadas por
adolescentes estruturados nas atividades criminosas, sendo que alguns líderes
dizem pertencerem ao PCC Primeiro Comando da Capital, facção que domina as
atividades criminosas no Estado de São Paulo. Nestas Unidades as atividades
pedagógicas e profissionalizantes são escassas, os funcionários são reféns
constantes dos adolescentes. São os adolescentes que ditam as regras da Unidade,
quais funcionários podem adentrar ao pátio, local de circulação dos adolescentes, e
quando querem atividades pedagógicas, de lazer, esportivas, cursos
profissionalizantes e ensino formal. Estas Unidades são as do Complexo Vila Maria
e algumas do Complexo Raposo Tavares.
Para que os questionários fossem aplicados nas Unidades do Complexo
Vila Maria fez-se necessário obter uma autorização do adolescente chamado de
129
“voz”, o líder dos adolescentes na Unidade, para que os demais aderissem à
pesquisa.
Nas Unidades em que os adolescentes dominam as regras e naquelas
consideradas “meio a meio”, existe uma hierarquia própria, uma organização interna
obedecida pelos adolescentes.
O líder de todos é o chamado “voz”. Este adolescente é quem decide a
conduta dos demais, sendo geralmente um adolescente maior de dezessete anos e
com mais tempo de internação. É assessorado pelos “faxinas” ou “setores” (poucas
Unidades usam essa denominação), um interlocutor do líder, que está próximo e
emite sugestões, que poderão ser acatadas ou não.
Abaixo dos “faxinas”, onde está a maioria dos adolescentes, encontra-se a
“população”, termo que designa aqueles adolescentes que devem obedecer às
regras estabelecidas sem questioná-las. Estes adolescentes não possuem poder de
influência nas decisões dos líderes. Os mais fracos geralmente são escolhidos para
assumir a responsabilidade nos delitos praticados dentro das Unidades, como os
próprios adolescentes informam: “assinar o BO”, referindo-se ao Boletim de
Ocorrência lavrado por ocasião da morte de adolescentes, rebelião, tumulto, brigas,
danos ao patrimônio e qualquer outra ocorrência de natureza criminal.
Excluídos do convívio e marcados como pilantras, indignos e traidores
estão os “seguros”. Este grupo não convive com os demais adolescentes, seja em
razão de conflitos supervenientes no decorrer da internação, brigas, dívidas ou
questões mal resolvidas, enquanto estavam em liberdade, ou pelo ato infracional
praticado.
Os atos infracionais relacionados a crimes sexuais são sumariamente
condenados pelos adolescentes internos, tanto que estes adolescentes, ao
130
chegarem à Febem, pedem para que não sejam colocados junto aos demais
internos. Esta é uma medida assecuratória da integridade física do jovem, pois os
adolescentes agridem fortemente os autores de atos infracionais desta natureza.
Questões trazidas da rua como dívidas ou brigas entre gangues, bem
como traições e delações durante a internação, também levam alguns adolescentes
a serem excluídos do convívio pelos demais internos e marcados como “seguros”.
No Complexo Tatuapé, a Unidade de Internação Seringueira UI 05 é
exclusiva para abrigar os adolescentes “seguros” de várias Unidades do Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA. No Complexo Raposo
Tavares existe um prédio chamado de “Anexo”, onde ficam os adolescentes isolados
do convívio com os demais.
119
A primeira categoria de Unidades onde existe disciplina dos internos e
segurança por parte do corpo funcional, poucas na Febem da Capital e com mais
intensidade no interior, o disposto em lei é cumprido com maior rigor e a participação
dos adolescentes ocorre de maneira espontânea e satisfatória.
Os adolescentes participam do ensino formal, possuem acesso aos cursos
profissionalizantes e atividades pedagógicas, esportivas, culturais e de lazer. Nessas
casas, os funcionários possuem mais segurança para desenvolverem seu trabalho e
maior entrosamento com os adolescentes.
Nas Unidades em que os funcionários controlam a população interna com
o uso de ameaças verbais ou até mesmo agressões, as atividades pedagógicas,
culturais, de lazer, cursos profissionalizantes e o ensino formal ocorrem com
freqüência, obedecendo a um calendário fixo.
119 Constatação feita pela pesquisadora em visita à Unidade em 13/11/2006.
131
Todavia, nestas Unidades a sensação de insegurança é constante entre
funcionários e adolescentes. Como já dito anteriormente, os adolescentes têm medo
que a qualquer momento ocorra uma retomada da casa, ou seja, uma intervenção
do Grupo de Apoio ou do Grupo de Intervenção Rápida da Secretaria de
Administração Penitenciária. Por outro lado, os funcionários temem que os
adolescentes rebelem-se fazendo-os reféns.
O Grupo de Apoio pertence à Divisão de Segurança, departamento interno
do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente – CASA , que possui por
atribuição atuar em momentos de crise como tumultos e rebeliões. Estes
funcionários, caracterizados por vestirem-se de preto e portarem capacetes e
“tonfas” (um tipo especial de cassetete), o chamados pelos internos de
“choquinho”, em referência à Tropa de Choque da Polícia Militar, que também atua
em ocasiões de crise.
O Grupo de Intervenção Rápida GIR pertence à Secretaria da
Administração Penitenciária e por intermédio de um convênio firmado junto à Febem
também atua na intervenção de conflitos como tumultos e rebeliões.
Além de regras próprias, os internos possuem uma linguagem peculiar
formada por gírias e neologismos, que se torna essencial conhecer para entender o
que os internos falam. Isto nos parece um péssimo vício, pois encaminha ainda mais
para o isolamento dos jovens em “guetos”, quando na realidade o que se quer é a
sua reinserção social. Para ilustração, citamos como exemplos: as armas brancas
fabricadas artesanalmente chamadas de “naifas”, os funcionários do Grupo de Apoio
citados como “choquinho”, a transferência entre Unidades chamadas de “bonde”,
a alimentação mencionada como “chepa” entre outros.
132
Os aspectos sociológicos dos adolescentes internos são essenciais para
se concretizar o entendimento quanto à medida de internação e, assim, o
cumprimento dos seus aspectos legais.
7.1 EDUCAÇÃO
Os dados coletados permitiram traçar um perfil social dos adolescentes
infratores submetidos às medidas executadas pela Fundação CASA, em relação ao
grau de escolaridade, à evasão escolar (estar ou não matriculado, por ocasião do
cometimento do delito), à inserção no mercado de trabalho (estar ou não
trabalhando no mesmo período da pratica delitiva) e à idade. Os resultados obtidos
encontram-se sintetizados na tabela a seguir:
Tabela 08 - Distribuição em porcentagem de características sociais dos adolescentes
entrevistados
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Sexo % Etnia % Grau de instrução % Freqüentava ou não
a escola antes da
internação?
%
Masculino 100% Branco 5% Analfabeto - Freqüentava 80%
Feminino - Pardo 90% Até a 4ª série 15% Não freqüentava 20%
Amarelo
(nipônico)
- 5ª a 8ª série 40% Sem informação -
Negro 5% 1º grau completo 30%
Outros - 2º grau incompleto 15%
133
Percebemos que a maioria dos adolescentes internos são adolescentes
pardos e negros, com baixa escolarização. A maioria não concluiu o ensino
fundamental e não freqüentava a escola na época do cometimento do ato
infracional.
Entre os adolescentes entrevistados nenhum terminou o ensino médio. A
Instituição, todavia, informou haver adolescentes que concluíram o ensino médio e
uma pequena parcela que cursava a faculdade.
Esta fração da sociedade reflete com precisão a ausência de políticas
públicas de inclusão social. São adolescentes que possuem baixo nível de
escolaridade e que não demonstram interesse pelos estudos, apesar da maioria
afirmar estar freqüentando a escola na ocasião do cometimento do ato infracional.
George Toledo escreve que a educação é elemento essencial para a
mudança de comportamento no jovem, importante aliado para mantê-lo afastado da
criminalidade, contudo o é fator determinante à delinqüência juvenil, visto que a
evasão escolar é observada em dados gerais da população, conforme citação
extraída de recente pesquisa feita pela Universidade de São Paulo.
“É preciso observar que os dados disponíveis, referentes à
população adolescente, no Estado de São Paulo, concernindo anos
mais recentes IBGE (2000)
(http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp), reiteram o fato
de haver uma taxa bastante elevada de evasão escolar para o grupo
de dez a dezenove anos de idade (aproximadamente 46,9%). Outra
fonte Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(www.seade.gov.br/produtos/anuários/2002/emp/introd.html) aponta
na mesma direção, sublinhando que, para a população geral, as
matriculas na educação de jovens e adultos sofreram significativa
redução entre 2001 e 2002 (23,1%). A rede estadual que abarca
50,4% dos alunos, apresentou queda de 31,5% no número de
134
matrículas; a municipal, que em seu turno acolhe 42,0% dos
estudantes, percebeu um crescimento de 0,3% no número de
matrículas; a rede particular, responsável pelo acolhimento de 7,6%
dos alunos, sofreu uma queda de 47,8% nas matriculas ali efetuadas.
Visualizando o fenômeno por níveis de ensino, as reduções foram de
21,2% no fundamental e 25,7% no médio. No ensino médio
observaram-se perdas escolares mais elevadas que as registradas no
ensino fundamental, com valores semelhantes para as redes estadual
e municipal (cerca de 16,0%). Tais apontamentos implicam em
ponderar sobre o peso da variável freqüência escolar com relação à
delinqüência juvenil, visto que a evasão parece caracterizar uma boa
parte dos adolescentes.”
120
(TOLEDO, 2006, 103 f.)
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do total
populacional pesquisado no Estado de São Paulo, 86,4% dos jovens entre quinze e
dezessete anos estão em fase de escolarização.
Uma outra pesquisa divulgada, também pelo IBGE, em setembro de 2006
revela que desigualdade nos indicadores educacionais quando comparados à cor
da população e ao grau de escolaridade:
“Há desigualdade também nos indicadores educacionais. A
população em idade ativa preta e parda tinha 7,1 anos de estudo, em
média, e era menos escolarizada que a população branca (8,7 anos
de estudo, em média). Foi apurado, também, que 6,7% das pessoas
pretas e pardas com dez a dezessete anos de idade não
freqüentavam escola, contra 4,7% dos brancos. E enquanto 25,5%
dos brancos com mais de 18 anos freqüentavam ou haviam
freqüentado curso superior, o percentual era de apenas 8,2% para os
pretos e pardos. Mas houve alguma evolução neste indicador: em
setembro de 2002, apenas 6,7% dos pretos e pardos freqüentavam ou
já haviam freqüentado curso superior.
121
120 TOLEDO, George Wilton de. A delinqüência juvenil no Estado de São Paulo: características, evolução e tendências observadas entre os anos de 1950,
1960, 1979, 1985, 1995, 2000, 2001 e 2002. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de
São Paulo, Ribeirão Preto, 2006.
121 Consulta ao site do IBGE www.ibge.gov.br em 21/11/2006.
135
Pessoas negras e pardas possuem um percentual de exclusão escolar
maior que brancos o que se reflete também entre os adolescentes, visto que a
maioria dos adolescentes internados são negros e pardos.
A questão não se restringe apenas ao fato de estar ou não matriculado,
mas na qualidade do ensino oferecido, principalmente pela rede pública, principal
cliente dos adolescentes autores de ato infracional.
O “atraso” na rie destes adolescentes revela que não basta freqüentar a
escola, ir ao local, é necessário comungar do ensino oferecido. Percebe-se que 65%
dos entrevistado ainda estão cursando o ensino fundamental. Em média, encerra-se
o ensino fundamental aos quatorze anos de idade. Os adolescentes entrevistados
possuem de quatorze a vinte e um anos, enfatizando o descompasso desses jovens
com a idade e a série cursada.
Ao ingressarem na Fundação CASA é oferecida ao adolescente a
oportunidade de cursar o ensino formal, até mesmo como mecanismo de celeridade
no tempo de internação.
A adesão à escola enquanto internados é maciça, como apontam os
dados da tabela abaixo:
Tabela 09 - Escolaridade, freqüência escolar e ensino formal na Unidade, informados
pelos adolescentes entrevistados
Grau de instrução % Freqüentava ou não a
escola antes da
internação?
% Participa do ensino formal na
Unidade?
%
Analfabeto - Freqüentava 80% Participa 80%
Até a 4º série 15% Não freqüentava 20% Não participa 10%
5ª a 8ª série 40% Sem informação - Já participou, não participa mais 10%
1º grau completo 30% - Nunca participou -
2º grau incompleto 15% - Sem informação -
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
136
Na rua o adolescente não possui interesse pelos estudos, por que então,
enquanto internado, ele apresenta um repentino interesse?
A educação constitui elemento imprescindível para a formação necessária
ao desenvolvimento da potencialidade e da personalidade do jovem. Ainda, prepara-
o para o trabalho e para o exercício da cidadania.
A questão reflete a precariedade da formação do jovem para impulsioná-lo
aos estudos, que por conseqüência repercute na sua vida escolar. Nas Unidades de
Internação do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA as
salas de aulas são pequenas e os professores possuem mais tempo para dedicar-se
ao aluno.
Antes da internação, os valores referentes ao modo de se adquirir uma
profissão o distorcidos, acreditando o jovem que o tráfico e demais atividades
criminosas o bem mais rentáveis que uma profissão honesta e que estudar é
perda de tempo.
É durante a internação que o jovem percebe o valor da formação
educacional. Com isso, não estamos afirmando que após a internação o adolescente
dará continuidade aos estudos e não retornará a delinqüir novamente, mas que de
alguma maneira, durante a internação, cria interesse e desperta para a escola.
A Instituição de Internação cumpre seu papel em oferecer o ensino formal
e o jovem apresenta valiosa receptividade, demonstrando com isso que os atrativos
oferecidos pelo ensino formal devem ser reforçados para que, assim, o jovem tenha
interesse pela educação sem que seja necessário praticar um ato infracional e estar
privado de sua liberdade.
137
Segundo Alexandre de Moraes na Constituição anterior 67-69, é
competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação
nacional, artigo 22, XXIV.
122
O artigo 206 da Constituição Federal prevê os princípios que devem reger
o ensino, enquanto que o art. determina que União, Estados, Distrito Federal e
Municípios organizem, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino.
Alexandre de Moraes explica que a União organiza o sistema federal de
ensino e dos territórios, podendo prestar assistência técnica e financeira aos
Estados, Municípios e Distrito Federal a fim de garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade. Os municípios podem
dedicar-se ao ensino fundamental e à educação infantil, prioritariamente, enquanto
que os Estados e Distrito Federal cuidam prioritariamente dos ensinos fundamental e
médio.
123
Ainda, ensina que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo e o o oferecimento pelo poder público, ou sua oferta insuficiente
e irregular poderá importar responsabilidade da autoridade competente (art. 208, VII,
§§ 1º e 2º).
Atualmente o Estado de São Paulo proporciona o acesso à educação aos
jovens internos, mas nada obsta que o Município, ou até a mesmo a União o faça,
uma vez que o Estado possui obrigação prioritária, enquanto que os demais entes
podem fazer subsidiariamente ou por meio de parceria, conjuntamente.
122 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.728.
123 ibidem., p. 731.
138
7.2 CURSOS PROFISSIONALIZANTES E ATIVIDADES OFERECIDAS
PELAS UNIDADES
Os adolescentes mostraram-se bastantes receptivos aos cursos
profissionalizantes ministrados nas Unidades do Centro de Atendimento Sócio-
Educativo ao Adolescente CASA da Capital avaliando-os em sua maioria como
bons 62%, na classificação apresentada para a avaliação em três opções: bom,
médio, ruim, sem informação e prejudicado, este último para os jovens que nunca
participaram de cursos profissionalizantes.
Dos entrevistados, 17% não puderam emitir informação sobre a qualidade
dos cursos, uma vez que não tiveram a oportunidade de freqüentá-los. Este
percentual é significativo quando avaliado que a profissionalização é um dos
elementos essenciais para a recuperação do jovem.
Torna-se oportuno dizer que a profissionalização do adolescente, além de
ser um instrumento importante para mantê-lo afastado de atividades delinqüentes,
garantirá uma ocupação no mercado de trabalho, abrindo novas oportunidades e
perspectivas quanto ao futuro.
Cumpre observar, todavia, que dos 65% que participam de cursos
profissionalizantes, 62% avaliam como boa a sua qualidade, merecendo
reconhecimento as Unidades que se empenham em oferecer cursos
profissionalizantes.
139
Tabela 10 - Situação ocupacional antes da sentença, participação e avaliação acerca
dos cursos profissionalizantes
Situação
ocupacional do
adolescente antes
da sentença
%
Participa de cursos
profissionalizantes na
Unidade
% Como o adolescente avalia o(s)
curso(s) oferecidos pela
Unidade
%
Carteira assinada 1% Participa 65% Bom 62%
Trabalho informal 66% Não participa, pois a
Unidade não oferece
23% Médio 13%
Não trabalhava 33% Já participou, não
participa mais
1% Ruim 5%
Sem informação - Nunca participou 11% Sem informação 3%
- Sem informação - Prejudicado 17%
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
É relevante a reclamação dos internos referente ao fato dos cursos
profissionalizantes não integrarem todo o período de internação. Reclamam, ainda,
da grande demanda de adolescentes e da escassez de oferta de cursos oferecida
pela Instituição, e mencionam como preferidos os cursos de: marcenaria, mecânica,
panificação e eletrônica, que quando oferecidos são recebidos com grande
satisfação pelos jovens.
Estas opiniões foram registradas durante o questionamento da qualidade
do curso, onde os adolescentes, espontaneamente, relataram suas preferências, o
que fora registrado pela pesquisadora como informação acessória.
Notamos que em algumas Unidades, principalmente no Complexo
Tatuapé, não estavam sendo oferecidos cursos profissionalizantes, dos quais
podemos citar: a Unidade 12 Ruy Toledo Joele, Unidade 13 Ayrton Senna, Unidade
39 Sérgio Vieira de Melo, Unidade 04 Cerejeira e, fora do complexo, a Unidade Casa
Vila Leopoldina.
140
O Complexo Tatuapé, em ocasião da visita, estava em transição para seu
fechamento definitivo. O local antes ocupado pela Febem dará espaço a um parque
público, nos moldes do que ocorreu na Penitenciária Carandiru.
Questionados quanto à ocupação profissional antes da internação, 66%
informaram fazer parte do mercado de trabalho, todavia, sem o registro no
Ministério do Trabalho, ou seja, a Carteira de Trabalho registrada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz. Ao adolescente até
quatorze anos é assegurada bolsa de aprendizagem, e ao maior de quatorze anos
todos os direitos previdenciários e trabalhistas.
124
A própria lei define o conceito de aprendiz como sendo a formação
técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de
educação em vigor.
Ao aprendiz, é obrigatório estar matriculado no ensino formal, devendo a
atividade ser compatível com o desenvolvimento do adolescente.
De todos os entrevistados, apenas três adolescentes trabalhavam com
carteira assinada, enquanto que duzentos e trinta e sete estavam no trabalho
informal.
O adolescente não exercerá atividade profissional durante o período em
que estiver internado, primeiramente porque não trabalhará, mas sim aprenderá um
ofício, uma profissão, por intermédio de cursos. Ademais, o período de internação é
indeterminado, ou seja, não possui tempo fixo para recair o instituto penal da
remição.
124 Regula a matéria referente ao trabalho do adolescentes os art. 60 a 69 do Eca.
141
A remição, no dizeres de Guilherme Nucci, constitui no desconto do tempo
de pena privativa de liberdade, cumprido nos regimes fechado e semi-aberto, pelo
trabalho, na proporção de três dias trabalhados por um dia de pena.
125
A nosso ver, não possibilidade da aplicação desse instituto na esfera
jurídica da infância e da juventude, por ser incompatível com a sistemática adotada
pelo legislador menorista, que valorizou a indeterminação do tempo de internação e
previu a aprendizagem ao trabalho, e não sua execução.
Prima-se com a aprendizagem ao trabalho a construção da auto estima do
adolescente, bem como lhe proporcionar uma perspectiva profissional para o futuro.
A falha no controle da aplicação da legislação é o maior obstáculo, não
apenas no referente à área da infância e da juventude, mas em toda normativa
brasileira. Não basta a formulação de leis que protejam o adolescente se inexiste
fiscalização no sentido de coibir sua violação.
Gráfico 2: Ocupação antes da sentença
Ocupação
66%
33%
1%
0%
Carteira assinada
Trabalho informal
Não trabalhava
Sem informação
125 Nucci, Guilherme. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2005. p. 948.
142
Tabela 11 - Situação ocupacional do adolescente antes da sentença
Qual a situação ocupacional do
adolescente antes da sentença
%
Nº de adolescentes
entrevistados
Carteira assinada 1% 3
Trabalho informal 66% 238
Não trabalhava 33% 119
Sem informação
Total
100%
360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Durante a internação são oferecidas aos adolescentes atividades
pedagógicas e terapêuticas, como grupos de drogadição e terapia.
A idéia de desenvolver atividades produtivas enquanto reclusos mostrou-
se benéfica para a reforma humana do encarcerado.
Foucault escreve que para o preso o trabalho torna-se mais diligente e
ativo, tendo importante papel social: “O trabalho Penal deve ser concebido como
sendo por si mesmo uma maquinaria que transforma o prisioneiro violento, agitado,
irrefletido em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade.
126
Na esfera juvenil, não teríamos o trabalho por si só, com efeitos no tempo
de internação, mas o desenvolvimento do adolescente para sua prática quando da
sua desinternação.
Em geral estas atividades são apreciadas pelos internos e proporcionam a
integração do grupo e a evolução pessoal nas atividades terapêuticas.
As Unidades possuem programação de atividades festivas com a
participação da família, incluindo as datas comemorativas de: Páscoa, Dia das
Mães, Festas Juninas, Dia dos Pais e Natal.
126 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 20. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 205.
143
As atividades esportivas, em geral, correspondem a jogos de futebol,
dama, dominó, xadrez e atividades lúdicas.
Apesar de o item conter atividades culturais e de lazer, os adolescentes
afirmam que estas são quase inexistentes, consistindo como atividade somente a
prática esportiva.
Tabela 12 - Participação em atividades pedagógicas e culturais, esportivas e de lazer
na Unidade
Adolescentes que participam de
atividades pedagógicas e terapêuticas
na Unidade
%
Adolescentes que participam de
atividades culturais, esportivas e de
lazer na Unidade
%
Participa 60% Participa 86%
Não participa, pois a Unidade não
oferece
5% Não participa, pois a Unidade não
oferece
7%
Já participou, não participa mais 25% Já participou, não participa mais 2%
Nunca participou 10% Nunca participou 4%
Sem informação Sem informação 1%
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Percebe-se uma carência de atividades nas Unidades, enquanto que as
existentes são insuficientes para atender toda a demanda com qualidade.
As atividades esportivas não deveriam restringir-se apenas ao futebol. O
esporte é um importante aliado na recuperação destes jovens, que aproveitam estas
atividades para gastarem a energia acumulada.
A implementação do atletismo e de esportes aquáticos entre outras
modalidades de esportes, além de integrar toda a comunidade de internos, seria um
celeiro para o surgimento de novos talentos e mais uma oportunidade na vida destes
adolescentes.
144
Cultura e lazer, além de assegurado por lei, proporciona ao jovem
ampliação no modo de pensar a vida, podendo ser utilizado como instrumento de
recuperação do interno.
7.3 CONDIÇÕES DOS ALOJAMENTOS
As Unidades do Centro de Atendimento Sócio–Educativo ao Adolescente
CASA apresentam-se díspares daquilo que determina a lei referente à estrutura
predial. Chegando ao local percebe-se uma estrutura típica de presídios, muros
altos, pouco arejados e escassos locais para práticas esportivas, limitando-se a uma
quadra de futebol e pátio (que por vezes é a própria quadra esportiva) para
permanência do jovem nos períodos em que não está em atividade.
Apesar do estatuto prever que as entidades devem oferecer instalações
físicas em condições de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança, bem como
objetos necessários à higiene pessoal, não foi isso que verificamos nas visitas in
loco.
A limpeza dos espaços de convivência dos jovens em algumas Unidades é
realizada pelos próprios adolescentes, o que não está errado partindo-se da idéia
que cuidar da limpeza do local em que convivem faz parte da formação educacional,
bem como a prática da higiene, tanto individual como coletiva.
Alguns adolescentes chegam à Febem sem o bito diário de escovar os
dentes e tomar banho. O local onde moram, alguns oriundos de favelas e morros,
145
não possui saneamento básico, nem condições mínimas de salubridade, sendo
necessário incutir no jovem a noção de lugar e pessoa saudável.
A Unidade deve fornecer ao adolescente condições de higiene contrárias a
que ele es habituado, sendo seu papel manter as condições mínimas de
habitabilidade, além de educá-los para a saúde.
A maioria dos quartos possui porta inteiriça (chapa de aço) com uma
janelinha apelidada pelos jovens de “robocop, uma janela pequena e alta, sem
ventilação, com piso e cama de cimento, colchão, um único lençol e travesseiro.
Alguns quartos possuem banheiros, o que torna o local ainda pior, com forte cheiro
de esgoto.
A maioria dos adolescentes, 45%, considera ruins as condições de higiene
dos alojamentos e locais em que convivem, 26% designou como média a qualidade
da higiene e apenas 29% dos entrevistados acham boa as condições de higiene da
Unidade. Vejamos o gráfico abaixo:
Gráfico 3: Condições de higiene dos alojamentos
Condições de higiene dos alojamentos
29%
26%
45%
0%
Bom
Médio
Ruim
Sem informação
146
Tabela 13 - Condições de higiene dos alojamentos
Considera o alojamento em condições de
higiene
% Nº de adolescentes
entrevistados
Bom 29% 104
Médio 26% 93
Ruim 45% 162
Sem informação
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Quando cumprem sanção disciplinar de reclusão nos quartos a situação
se agrava, freqüentemente os jovens são acometidos por doenças de pele como
escabiose e micoses em geral, e que não são tratadas adequadamente. Nestes
casos, os jovens necessitam trocar as roupas, toalhas e lençóis diariamente, além
do banho de sol e uso de medicamentos, sendo que isso ocorre precariamente.
Estas informações também foram verificadas in loco pela pesquisadora, na Unidade
37 Araucária e no Complexo Raposo Tavares, em 06 e 07 de junho de 2006.
Os adolescentes queixam-se que o tempo destinado ao banho é
insuficiente, e que a demora na troca de toalhas e roupas agrava ainda mais as
situações infecciosas.
Em média, os internos recebem uma única muda de roupa por semana, na
véspera da visita de seus familiares o que é insuficiente diante do fato de que estes
adolescentes jogam bola, tomam, no máximo, dois banhos por dia e possuem forte
atividade hormonal. No verão o mau cheiro entre os internos é ainda mais forte.
Em algumas Unidades os adolescentes além de exalarem forte cheiro,
apresentam-se com roupas velhas, algumas rasgadas e manchadas. Informaram
possuir uma única cueca, que é lavada durante o banho e permanece para secar à
noite.
147
O conceito de dignidade na adolescência deve ser encarado inserindo
também a aparência, fator de elevação da auto-estima e confiança. Ademais, se o
analisarmos quando fora do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente
CASA percebemos sua preocupação com a aparência no uso de roupas caras e
de marca.
A Instituição deve investir em hábitos de higiene, incluindo o fornecimento
freqüente de uniformes, limpos e asseados, o devendo permitir que familiares
levem roupas, pois isso criaria castas sociais dentre os jovens, o que prejudicaria a
integração e a interação coletiva.
Ressaltamos a necessidade de cuidar da aparência do jovem, fornecendo-
lhe uniformes limpos e com uma freqüência de, no máximo, um jogo a cada dois
dias. É importante fortalecer a auto-estima do jovem, inclusive no tocante à sua
aparência e higiene.
Com relação aos produtos de higiene pessoal, as famílias são autorizadas
a levar sabonetes, desodorantes e até xampu, tudo dentro dos padrões
estabelecidos pela Direção da Unidade, como marca, cor do sabonete e quantidade.
Os adolescentes reclamam da escassez de produtos e o fato de não
serem utilizados, com exceção das escovas de dente e barbeadores,
individualmente, referindo-se principalmente ao uso coletivo do sabonete, que passa
micose de um para o outro.
148
Gráfico 4: Freqüência dos produtos de higiene fornecidos pelas Unidades
Freqüência de produtos de higiene pessoal
fornecidos pela Unidade
53%
0%
19%
28%
Uma vez por semana
Duas vezes por
semana
A cada 15 dias
A cada 30 dias
Tabela 14 - Freqüência de recebimento de objetos necessários à saúde
Freqüência com que recebe objetos
necessários à sua higiene pessoal
% Nº de adolescentes
entrevistados
Duas vezes por semana
Uma vez por semana 53% 191
A cada 15 dias 19% 69
A cada 30 dias 28% 100
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
As Unidades que apresentam melhores condições de higiene são as
localizadas fora dos grandes complexos, a exemplo dos Internatos visitados.
É necessário a implementação de uma política pela Unidade voltada à
higiene e à limpeza do local de convivência, como parte da formação educacional e
cultural do jovem.
O novo modelo de Unidades de internação apresentado pela Febem em
2005, dentre os quais foram construídos em vários municípios, como: Campinas,
Sorocaba, Botucatu, entre outros, com capacidade para quarenta adolescentes
apresenta algumas falhas visíveis até para leigos, no que diz respeito à arquitetura e
à engenharia.
149
As Unidades são verticais, com três pisos, de maneira que a área de lazer
dos jovens fica localizada na parte superior, os quartos no piso intermediário e as
salas de aulas e oficinas na parte inferior. Ocorre que o jovem não tem contato com
o solo, um espaço em que possa respirar fora de quatro paredes. A sensação de
prisão é sufocante até para quem visita o local.
Além do que, em caso de rebelião, os funcionários ficam em situação
complicada, pois as salas destinadas a eles localizam-se no fim do corredor dos
quartos dos adolescentes, ou seja, os mesmo facilmente impedirão uma rota de fuga
dos funcionários em caso de emergência.
Por outro lado, deve-se destacar a solução encontrada para os setores
administrativo e técnico, localizados fora do prédio dos adolescentes. Isto acontece
em razão das constantes perdas de arquivos e documentos em ocasião das
rebeliões, onde os internos queimam todos os setores das Unidades. Desta forma a
parte documental estará protegida de qualquer eventualidade.
A manutenção do arquivo contendo o histórico do adolescente é
importante para o registro de suas atividades, de atos indisciplinares, notas
escolares, cursos profissionalizantes, estado físico e mental e quaisquer outros
registros que mereçam destaque.
Além do mais, nas ocasiões em que ocorrer a sua transferência, seu
histórico o acompanhará e assim possibilitará à nova equipe interdisciplinar tomar
conhecimento do adolescente e da sua trajetória dentro da instituição.
7.4 SEGURANÇA X DISCIPLINA
150
É dever do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente –
CASA (Entidade de Atendimento) e do Estado oferecer condições de segurança ao
adolescente em cumprimento de medida sócio-educativa.
127
no preâmbulo da Constituição Federal lê-se que o Estado Democrático
de Direito está destinado a assegurar a segurança, dentre outros direitos, a todos os
cidadãos brasileiros. No art. 227, do mesmo texto, está prevista a segurança
específica da criança e do adolescente que deverá estar a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”,
compartilhando essa função com a família e com a sociedade.
No caso do adolescente internado em instituições públicas, o Estado
possui os mecanismos e os instrumentos capazes de manter a segurança do
adolescente contra a violência física e psíquica, tendo em vista que a família e a
sociedade funcionam como entes fiscalizadores.
A pesquisa apontou que 71% dos jovens sofreu algum tipo de agressão
física, sendo os autores, em sua maioria, funcionários das Unidades, grupos de
intervenção como o Grupo de Apoio - da estrutura interna do Centro de Atendimento
Sócio-Educativo ao Adolescente CASA e GIR Grupo de Intervenção Rápida da
Secretaria de Assuntos Penitenciários, ou, ainda, agressão por parte dos próprios
internos.
127 Art. 94, VI e art. 125 do ECA e art. 227 da CF.
151
Gráfico 5: Adolescentes que sofreram violência física nas Unidades
Tabela 15 - Violência física nas Unidades
Adolescentes que sofreram algum tipo
de violência física dentro da Unidade
% Nº de adolescentes
entrevistados
Sim 71% 256
Não 29% 104
Sem informação
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
A prática de violência contra o adolescente interno é reprovável em
qualquer sistema de reeducação. Algumas medidas podem ser adotadas no controle
interno das entidades, a exemplo de reforçar o corpo funcional com agentes
treinados e preparados para a lide juvenil e propiciar meios de fiscalização, de
preferência televisiva e outras tantas medidas de segurança que podem ser
adotadas.
A ausência de políticas de recuperação do adolescente faz com que o
único meio de contenção seja a violência, tanto a violência física quanto a
psicológica.
Adolescentes que sofreram violência dentro da Instituição
71%
29%
0%
Sim
Não
Sem informação
152
Ações de grupos organizados de funcionários, algumas vezes na calada
da noite, sob a alegação de “retomada da casa” o comuns para qualquer pessoa
que tenha contato direto e diuturno com os internos.
Geralmente encapuzados com as chamadas “toucas ninjas”, estes
funcionários invadem os quartos e agridem violentamente os adolescentes,
ocasionando lesões corporais nos jovens, segundo noticiado aos Órgãos do
Ministério Público e do Poder Judiciário.
Os adolescentes, em geral, não conseguem delimitar a autoria da prática
criminosa, uma vez que os agressores utilizam-se de “toucas ninjas”, impedindo a
sua identificação.
Quando não são arquivados por ausência de provas, alegam que o
confronto foi necessário, pois os adolescentes investiram contra eles numa tentativa
de tumulto ou rebelião, sendo necessário o confronto para contê-los.
Não que isso não ocorra em Unidades dominadas pelos internos,
atualmente as Unidades do Complexo Vila Maria, do circuito grave do Tatuapé
128
e
Raposo Tavares, os adolescentes o estruturados criminalmente e possuem perfil
mais violento e agressivo, sendo que freqüentemente promovem rebeliões, que se
contidas a tempo, fracassam.
Contenção é diferente de agressão, senão vejamos o exemplo: Um
adolescente investe contra o funcionário que o monitora. O funcionário
imediatamente o imobiliza aque este se acalme e cheguem outros funcionários
para garantir a segurança do funcionário. Isso é contenção. Na mesma situação, o
funcionário imobiliza o adolescente e a partir daí passa a desferir socos e chutes
128 Unidade 13 Ayrton Sena, UI 01 Palmeira, UI – 10 Casa do Atleta, UI – 12 Rui Toledo Joele e as extintas UI – 02, UI – 23 e UI – 15 Mangueira.
153
contra o mesmo. A contenção cessou no primeiro ato de violência e passou a ser
agressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente quando previu o poder de
contenção do Estado no art. 125
129
não o fez com o intuito de proporcionar aos seus
agentes um instrumento de impunidade para as agressões perpetradas, mas um
mecanismo de controle do adolescente com o uso de força moderada, para
situações excepcionais, em que as atitudes do adolescente firam funcionários ou
comprometam sua própria integridade física e de outros adolescentes.
O que ocorre é a precariedade nos instrumentos de controle da segurança
do Centro de Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA. Apenas no
Complexo Vila Maria as Unidades possuem sistema de monitoramento com
câmeras, e assim mesmo bastante precário. A maioria dos casos onde se apuram
atos de violência contra internos esbarra na palavra dos adolescentes que foram
agredidos contra a palavra dos funcionários que não agrediram. Caso o interno
apresente algum hematoma, alega-se que o adolescente investiu contra o
funcionário e esse realizou a contenção necessária do jovem.
Os funcionários não recebem treinamento para atuarem junto aos
adolescentes, além do que cumprem uma escala exaustiva de doze horas na
monitoração direta dos internos, em escala de dois dias de trabalho, por dois dias de
folga e são em número insuficiente para atender a demanda. Existem Unidades
onde apenas dois funcionários por plantão atendem uma demanda de noventa ou
mais internos, quando o ideal seria, pelo menos, um funcionário de segurança para
cada grupo de oito adolescentes.
129 Art. 125. É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.
154
A segurança pessoal dos funcionários é imprescindível, pois estão ali para
trabalhar e não para serem agredidos fisicamente ou ofendidos moralmente por
adolescentes. Para preservar este direito existe a contenção necessária e a
aplicação de sanções disciplinares por corpo técnico designado para tanto, e não
ações organizadas por grupos de funcionários para agredir violentamente os
adolescentes.
O que se critica são as ações violentas contra os adolescentes, em parte
acobertadas pelo corpo diretivo que, para não perderem seus cargos, confiam aos
funcionários “segurar a casa”, a qualquer preço.
A maioria das Unidades possui instalações precárias, adaptadas para
funcionarem como Casas de Internação, sem propiciar condições de segurança para
que os funcionários desempenhem com tranqüilidade suas funções, fomentando o
clima de insegurança e hostilidade entre adolescentes e corpo funcional.
Outro aspecto relacionado à segurança refere-se às Unidades sob o
domínio dos adolescentes, onde os poucos funcionários que ainda se arriscam a
continuar trabalhando são meros figurantes. Em algumas Unidades, as citadas
sob o domínio dos internos, os funcionários obedecem às ordens dos deres dos
adolescentes.
Neste caso a insegurança está entre os próprios adolescentes, que agem
violentamente uns contra os outros. Os que dominam a Unidade agridem até à morte
os adolescentes tidos como “pilantras”, “cagüetas” ou àqueles que praticaram atos
infracionais relacionados a crimes sexuais, banidos pelos internos.
É necessário que o corpo funcional seja preparado e treinado para
atuarem junto aos internos e que sejam em número compatível para garantir a
segurança dos adolescentes e de si próprios.
155
A instituição deve investir no corpo funcional, valorizar o servidor e
prepará-lo para a atividade que irá desenvolver, desde equipes interdisciplinares que
atuem na recuperação psicológica, a cursos profissionalizantes e pedagógicos, para
os funcionários operacionais e de segurança.
Disciplina e respeito não se conquistam com violência e medo. Por um
curto período de tempo mantém-se essa relação, em longo prazo torna-se
insustentável, além de estarmos falando de adolescentes rebeldes e contestadores
por natureza.
Maurício Neves de Jesus aponta a tolerância como um dos principais
elementos construtores da reconstrução do adolescente autor de ato infracional:
“A relação da tolerância com o Direito Infanto-Juvenil se
estabelece na medida em que a resposta da medida sócio-educativa
não é fundamentada na repressão, na potencialização do conflito, mas
na intenção de reeducar e re-socializar, o que exige interação.”
130
(JESUS, 2006, p.157)
A prática de ações violentas está em descompasso com qualquer proposta
de medida sócio-educativa.
A disciplina pode ser mantida com um sistema próprio de sanções para
seus transgressores, mas que não importem em subserviência.
Michel Focault ao analisar a conduta humana quando da restauração da
disciplina, não equivale esta à expiação ou repressão, mas um conjunto de fatores
que deverão ser observados por quem está trabalhando a disciplina:
“Põem em operação cinco operações bem distintas: relacionar
os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um
conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de
130 JESUS, Maurício Neves de Jesus. Adolescente em conflito com a Lei: prevenção e proteção integral. Campinas: Servanda, 2006. p. 157.
156
diferenciação e princípio de uma regra a seguir.”
131
(FOUCAULT,
1999, p.152 e 153)
É necessário diferenciar um adolescente do outro, fazê-lo tomar
consciência de sua indisciplina, comparar sua atitude com a norma a ser respeitada
e aplicar-lhe sanção correspondente à falta praticada.
Foucault ainda explica a necessidade de um reexame constante da vigília
sobre a conduta daquele a quem se observa, o adolescente, diferenciando-o e
aplicando a penalidade correspondente. O exame constante é necessário para se
manter a disciplina.
A segurança não está relacionada apenas com a violência de funcionários
e/ou adolescentes contra os próprios adolescentes, mas tudo o que ponha em risco
a saúde do adolescente, como o uso de drogas dentro das Unidades.
Os casos não o maioria, representam 13% dentre os entrevistados,
tratando-se da menor parcela, todavia ocorreu uma falha na segurança, caso
contrário, não haveria entorpecentes no interior das Unidades:
Gráfico 6: Uso de substâncias entorpecentes nas Unidades
Tabela 16 - Uso de substância entorpecente nas Unidades
131 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: A história da violência nas prisões. 20. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. p. 152 e 153.
Uso de entorpecentes dentro da Unidade
13%
87%
0%
Sim
Não
Sem informação
157
Uso de alguma substância entorpecente
dentro da Unidade
% Nº de adolescentes
entrevistados
Sim 13% 46
Não 87% 312
Sem informação
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
O uso flagrante de entorpecentes ocorre nas Unidades dominadas pelos
adolescentes, citadas anteriormente e chegam ao poder dos internos através dos
visitantes e até mesmo dos próprios funcionários.
São falhas como estas, a entrada de drogas nas Unidades, armas ou
qualquer outro instrumento que cause lesão, que atravancam ainda mais o processo
sócio-educativo.
7.5 OUTROS FATORES
Trataremos aqui dos demais aspectos abordados na pesquisa referente ao
acesso aos meios de comunicação, informações processuais, assistência religiosa,
visita de familiares e correspondência com familiares e amigos.
A grande maioria dos adolescentes possui acesso aos meios de
comunicação, sendo que 1% prefere não manter contato com informações dos
meios de comunicação externos à Instituição, 80% semanalmente, 4%
quinzenalmente e 15% afirmam que raramente possuem acesso a qualquer meio de
comunicação.
158
Gráfico 7: Freqüência de acesso aos meios de comunicações
Tabela 17 - Acesso aos meios de comunicação
Freqüência de acesso aos meios de
comunicação (tv, rádio, jornal)
% Nº de adolescentes
entrevistados
Semanalmente 80% 289
Quinzenalmente 4% 14
Mensalmente - -
Raramente tem acesso 15% 54
Prefere não participar 1% 3
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
O que de fato nos chamou a atenção é que o meio maciço de
comunicação com o meio externo seja a televisão. Pouco se ouviu falar em jornais e
revistas, não sendo a leitura um bito incentivado pelas Unidades. Em nenhuma
das Unidades visitadas havia biblioteca para os internos.
De qualquer forma, mesmo que apenas pela televisão, o importante é que
o adolescente mantenha-se informado do que acontece na atualidade e assim ao
ser desinternado, não sinta-se deslocado da realidade.
Em relação às informações de seu processo, que tramitam nas Varas de
Execução da Infância e da Juventude, a maioria dos adolescentes informa
raramente receber informações do andamento do seu processo.
Freqüência de acesso aos meios de
comunicação
80%
4%
0%
15%
1%
Semanalmente
Quinzena
lmente
Mensalmente
Raramente tem acesso
Prefere não participar
159
Gráfico 8: Freqüência na qual recebem informações processuais
Tabela 18 - Freqüência do recebimento de informações processuais
Freqüência das informações
processuais
% Nº de adolescentes
entrevistados
Semanalmente 23% 83
Quinzenalmente 17% 61
Mensalmente 4% 14
Raramente recebe informações 56% 202
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Esta informação geralmente é repassada ao jovem pelo seu defensor,
familiares ou por advogados do SAJA Setor de Atendimento Jurídico ao
Adolescente, departamento da própria instituição responsável por acompanhar e
informar ao interno sobre o andamento processual.
O corpo técnico entrevista semanalmente o adolescente, bem como cada
ocorrência indisciplinar e registra as informações no relatório técnico que subsidia a
avaliação do interno pelo magistrado. A informação em relação ao “conclusivo”,
relatório que sugere a desinternação do adolescente, é repassada semanalmente ao
interno.
Freqüência na qual recebem informações processuais
23%
17%
4%
56%
Semanalmente
Quinzenalmente
Mensalmente
Raramente recebe
informações
160
Com relação à assistência religiosa, todas as Unidades oferecem
oportunidade às entidades religiosas para ministrarem assistência aos adolescentes
internos.
Tabela 19 - Freqüência que recebem assistência religiosa
Freqüência com que recebe
assistência religiosa
%
Nº de adolescentes
entrevistados
Semanalmente 89% 321
Quinzenalmente 3% 10
Mensalmente 1% 4
Raramente tem acesso 3% 10
Prefere não participar 4% 15
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Nesta fase de reclusão em que se encontra o adolescente, é importante o
amparo espiritual, palavras que transmitam esperança e alimentem a alma.
A família, de maneira geral, se faz presente na recuperação e
acompanhamento do interno, principalmente a figura da mãe, que está sempre
presente nas palavras e nas demonstrações de carinho do adolescente.
Tabela 20 - Freqüência de correspondências
Freqüência com que se corresponde com
familiares e amigos
%
Recebe visita de familiares
na Unidade?
%
Semanalmente 40% Sim 85%
Quinzenalmente 27% Não 15%
Mensalmente 3% Sem informação
Raramente corresponde-se 22%
Prefere não se corresponder
8%
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
161
Dentre os entrevistados, 40% informaram corresponderem-se com os
familiares, namoradas e amigos, e apenas 8% preferem não se corresponder,
demonstrando a interação da família com o adolescente.
Ainda, 85% dos entrevistados afirmaram receber a visita da família na
Unidade, e dentre os 15% que não recebem a visita o motivo, em geral, é a distância
entre a Unidade e a residência do adolescente.
Por outro lado, alguns familiares acreditam que estão ajudando a
recuperação do adolescente levando drogas e armas para dentro das Unidades.
No ano passado alguns casos foram flagrados nos Complexos Vila Maria
e Raposo Tavares, fazendo com que estes familiares fossem proibidos,
temporariamente, pela Juíza Corregedora do Centro de Atendimento Sócio-
Educativo ao Adolescente CASA e do DEIJ Departamento de Execuções da
Infância e da Juventude da Capital, de visitarem o adolescente interno, pois sua
conduta é contrária à recuperação do jovem.
132
7.6 REINCIDÊNCIA
De acordo com o definido no Código Penal, art. 63, incorre em
reincidência o agente que comete novo crime depois de transitado em julgado a
sentença que o condenou em crime anterior nos cinco anos subseqüentes à primeira
condenação.
Tecnicamente a prática de ato infracional não gera reincidência, uma vez
que a lei determina sua ocorrência para crime, sendo que para o adolescente autor
132 Estes procedimentos encontram-se em tramitação no Departamento da infância e da Juventude da Capital.
162
de ato infracional é aplicado medida sócio-educativa, de natureza jurídica
diferenciada.
Todavia, a legislação menorista traz a reiteração de conduta como fator de
agravamento da situação do adolescente. A Fundação CASA, o Departamento de
Execuções da Infância e da Juventude na capital e nas comarcas do interior,
registram no prontuário do adolescente cada ato infracional praticado, o número de
passagens que possui e os tipos de medidas sócio-educativas já aplicadas, servindo
de base para o magistrado na ocasião da sentença.
A partir destas informações o magistrado poderá sopesar a medida cio-
educativa a ser aplicada em caso de reiterações na conduta infracional.
A pesquisa registrou um percentual relativamente alto de adolescentes
submetidos à medida sócio-educativa e egressos à prática infracional, demonstrando
falhas no sistema reeducativo.
Dos entrevistados durante a pesquisa, 62% tiveram outras passagens
na Febem, seja cumprindo medida sócio-educativa de internação ou semiliberdade.
Gráfico 9: Adolescentes que já tiveram outras passagens
Adolescentes que já tiveram outras passagens
62%
38%
Sim
Não
163
Tabela 21 - Adolescentes com outras passagens
Adolescentes que possuem outras
passagens
% Nº de adolescentes
entrevistados
Sim 62% 224
Não 38% 136
Total 100% 360
Fonte: Elaborado por Naíma Worm, com base na pesquisa realizada.
Conclui-se que o objetivo ressocializador que o Estado atribui à medida
sócio-educativa não se realiza por completo, uma vez que voltam à prática delitiva,
demonstrando a necessidade de uma reestruturação interna no modelo aplicado.
Seria relevante o acompanhamento do jovem e do núcleo familiar em que
convive, após a desinternação. Apenas a aplicação das medidas de semiliberdade e
liberdade assistida não estão sendo suficientes para garantir a permanência do
jovem longe da criminalidade.
O adolescente necessita deixar a internação com uma profissão e,
preferencialmente, encaminhado para o mercado de trabalho. Para que isso ocorra
de maneira efetiva é necessário trabalhar o jovem na sua formação profissional
desde a entrada na Instituição e, paralelamente, fortalecer sua estima e confiança
em si mesmo.
Não basta retirar o jovem autor de ato infracional da rua e jogá-lo dentro
de uma cela, acreditando que milagrosamente desenvolveu um poder de autocrítica
que o levará a uma nova consciência sobre suas condutas. Nem com o criminoso
adulto isso acontece, quiçá com os jovens em formação de personalidade.
Tolerância e estrutura interna para a formação pessoal e profissional do
jovem são elementos essenciais para impedir seu retorno à delinqüência e assim
diminuir os números de adolescentes que retornam à Instituição.
164
CONCLUSÃO
___________________________________________________________
O estudo de assuntos relacionados à criminalidade, sistema penitenciário,
execução penal, recuperação, delinqüência e afins é delicado quando esbarrado no
repúdio que a sociedade tem com os seus transgressores e a vontade de vê-los
pagar pelo mal cometido.
A visão popular prega que um mal deve ser pago com outro mal, e todo o
sofrimento imposto àquele que transgrediu as normas de conduta é justo e
legitimado quando aplicado pelo Estado.
Falar em recuperação, segunda chance, oportunidade ou ressocialização
para criminosos repercute negativamente e não encontra assento social, ainda mais
quando vistos os números de reincidentes em todo o sistema carcerário.
Da mesma forma que ocorre com o criminoso adulto também se no
adolescente autor de ato infracional. Fazer com que a sociedade perceba que não é
um problema apenas do Estado, do sistema Judiciário, das vítimas ou das famílias
dos delinqüentes requer mobilização de vários setores, tais como: mídia, Igreja,
Organizações Civis, escolas, artistas, empresários, demais interlocutores sociais,
inclusive o meio acadêmico.
Quem cometeu um erro deverá repará-lo, mesmo que para isso seja
necessário corrigir a si próprio.
O que de fato chamamos a atenção é a forma como o Estado coordena
suas ações quando o assunto é recuperação de jovens autores de atos infracionais.
O papel dado constitucionalmente à família e à sociedade quanto à responsabilidade
de proteger e zelar pela criança e pelo adolescente, no caso do adolescente interno,
165
é o de fiscalizar o Estado, que possui a obrigação de fazê-lo e tem os meios e
instrumento para efetivá-lo.
Analisar as condições em que os adolescentes internos cumprem medida
de internação, a precariedade do aparelho estatal e a desestruturação interna
efetivam-se de forma conjugada entre a vivência por cerca de três anos na
Instituição e a aplicação de questionários aos próprios internos onde o indagados
sobre as condições das Unidades.
Buscou-se primeiramente fazer uma análise do perfil do adolescente antes
de ingressar na Instituição.
Percebemos que a maioria dos adolescentes, contrariando o senso
comum, não freqüentavam a escola, apesar de estarem matriculados no ensino
regular.
Vimos, ainda, que 50% (47% roubo e 3% furto) dos delitos cometidos
estão diretamente relacionados ao patrimônio, levando-nos a concluir que as causas
podem ter como raiz a aquisição de bens de consumo, desmistificando a idéia de
que o adolescente é perigoso e causador da violência social.
A maioria vivia com os pais na época em que infracionou, revelando a
desestrutura familiar que o envolve, não sendo necessário tratar apenas o
adolescente, mas toda a família.
A idéia de que o adolescente autor de ato infracional não freqüenta a
escola não retrata a verdade quando observados os dados obtidos com a pesquisa,
onde 80% dos entrevistados, na ocasião do ato infracional, estavam matriculados no
ensino formal.
A freqüência ao ensino formal persiste durante o período de internação,
onde a maioria dos internos freqüenta o ensino regular na instituição.
166
Os cursos profissionalizantes possuem excelente receptividade entre os
internos, que avaliaram como sendo bom o nível de qualidade dos cursos
oferecidos.
Apesar de uma boa avaliação, estes cursos são poucos e não atendem a
toda população de jovens, 17% dos entrevistados informou nunca ter participado e
afirmam não integralizar todo o período de internação.
No tocante às atividades esportivas, estas se concentram mais no futebol,
não sendo oferecido ou incentivado pelas Unidades outras modalidades esportivas,
restringindo a prática esportiva aos jovens que gostam de futebol.
Tanto as atividades pedagógicas, quanto os cursos profissionalizantes,
são escassos, restritos quanto à disponibilidade de materiais e profissionais, não
alcançando todos os jovens.
As condições de higiene e salubridade dos locais de convívio dos internos
foi um dos pontos que mais chamou a atenção, por estarem em descompasso com o
previsto no Estatuto. Em geral, possuem pouca ventilação, sujeira e deficiência com
relação a banheiro, fornecimento de roupas e produtos de higiene.
No que diz respeito à violência, dentre a amostra coletada, 71% afirmam
terem sofrido algum tipo de violência na Febem e identificam como principais
agressores os funcionários das Unidades e Grupos de intervenção externa, citando
o Grupo de Apoio (da própria CASA) e o GIR – Grupo de Intervenção Rápida
(Secretaria de Assuntos Penitenciário).
Com relação ao uso de substâncias entorpecentes, esse número mostrou-
se inferior ao que se previa no início da pesquisa. Dentre os entrevistados, apenas
13% fizeram uso, sendo que se concentram, em sua maioria, nos Complexos
supra citados.
167
Buscou-se avaliar como as Unidades de Internação do Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente CASA do município de São Paulo
cumprem os direitos e as garantias fundamentais previstos para o adolescente autor
de ato infracional, revelando a necessidade de uma profunda reestruturação da
Instituição.
Com relação à assistência religiosa, esta ocorre de maneira satisfatória.
No tocante aos meios de comunicação, 80% dos entrevistados possui acesso
semanalmente, evitando o isolamento.
Quanto às informações processuais, estas não atendem de maneira
satisfatória aos anseios dos adolescentes, uma vez que apenas 23% têm acesso
semanalmente ao andamento do processo, 56% raramente o tem, permanecendo
alheios ao que ocorre no Fórum ou em relatórios interdisciplinares.
As correspondências encaminhadas aos familiares e amigos são
praticadas pela maioria dos entrevistados, com freqüências temporais diferentes,
mas integralizando 92% dos entrevistados. Os 8% que o se correspondem assim
o agem por escolha própria.
O que de fato atestou nossa desconfiança inicial refere-se ao número
repetido de passagens do jovem pela Febem, ou seja, a reiteração da prática
infracional.
Dos entrevistados, 62% tinham outras passagens na Instituição,
comprovando que a internação não cumpre seu papel legal de ressocializar e
recuperar o adolescente autor de ato infracional.
Assim, aspectos relacionados à segurança, violência, salubridade do local
e higiene pessoal dos internos, cursos profissionalizantes e atividades esportivas,
168
culturais e de lazer não atendem satisfatoriamente o estabelecido no Estatuto da
Criança e do Adolescente e na Constituição Federal.
Por sua vez, o acesso ao ensino formal, aos meios de comunicação,
assistência religiosa e proibição quanto ao uso de substâncias entorpecentes
revelaram-se satisfatórios.
Com relação à passagem mais de uma vez dos jovens na Instituição,
caracterizando a reiteração da prática delitiva precisa ser enfrentado como um
termômetro para o papel recuperador da Entidade, uma vez que o adolescente é
internado, recebe a desinternação ou conversão para medida em meio aberto, volta
a delinqüir, é processado novamente e retorna para a Fundação.
Em algum momento a medida não cumpriu efetivamente o seu papel
ressocializador, de integração do jovem autor de ato infracional à sociedade, pois ao
deixar a Unidade volta à prática criminal.
A legislação tem o papel de acompanhar as transformações sociais, numa
dinâmica harmônica com as garantias alcançadas, respeitando os avanços
alcançados com os instrumentos normativos anteriores. Retroceder à doutrina da
proteção integral impondo aos adolescentes medidas semelhantes às penas, bem
como o uso de institutos característicos do direito penal afronta toda a sistemática
consolidada para atender às peculiaridades da infância e juventude.
É necessário pensar na construção de um modelo normativo que
estabeleça as diretrizes da execução da medida cio-educativa, em diálogo com a
Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
169
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176
ANEXOS
Autoclassificação sócio-econômica
Autoclassificação sócio-econômica %
Uma casa de Classe alta 1%
Uma casa de Classe média alta 2%
Uma casa de Classe média 28%
Uma casa de Classe média baixa 31%
Uma casa de Classe pobre 33%
Uma casa de Classe muito pobre 4%
Dados fornecidos pela Febem site: http://www.febem.sp.gov.br em 05.08.06
Autoclassificação étnica
Autoclassificação étnica %
Pardo 46%
Branco 31%
Preto ou Negro 21%
Indígena 1%
Amarelo 1%
Não respondeu 1%
Dados fornecidos pela Febem site: http://www.febem.sp.gov.br em 05.08.06
Etnia informada pelos adolescentes entrevistados
Etnia informada pelo
adolescente entrevistado
% Nº de adolescentes
entrevistados
Branco 5% 18
Pardo 90% 324
Amarelo (nipônico) -
Negro 5% 18
Outros -
Total 100% 360
Dados obtidos com a aplicação do questionário pela pesquisadora
177
Renda familiar informada pelos adolescentes entrevistados
Renda Familiar informada pelo
adolescente entrevistado
% Nº de adolescentes
entrevistados
Sem renda 1% 3
Menos de 200,00 6% 21
De 200,00 a 400,00 24% 87
De 401,00 a 600,00 15% 54
De 601,00 a 800,00 16% 57
De 801,00 a 1.000,00 9% 32
Mais de 1.000,00 10% 36
Sem informação 19% 70
Total 100% 360
Dados obtidos com a aplicação do questionário pela pesquisadora
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