Download PDF
ads:
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura
A PRAÇA JOÃO PINHEIRO: cidade, memórias e viver urbano.
Pouso Alegre,1941-1969.
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliano Hiroshi Ikeda Ishimura
A PRAÇA JOÃO PINHEIRO: cidade, memórias e viver urbano.
Pouso Alegre,1941-1969.
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em História Social, sob
orientação da Professora Doutora Maria
do Rosário Cunha Peixoto.
São Paulo
2008
ads:
Banca Examinadora
________________________________
________________________________
________________________________
Dedico este trabalho a minha mãe, Maria Ikeda.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas acompanharam de perto a trajetória deste trabalho, em
especial, agradeço à professora Maria do Rosário Cunha Peixoto pela paciência,
dedicação e rigor, desde o meu processo de seleção no Programa de História da
PUC-SP até a redação da dissertação. Agradeço também, a maneira sempre
carinhosa como conduziu a relação orientador/orientando.
Entre as pessoas muito especiais a minha mãe Maria Ikeda, pelo esforço,
confiança e apoio depositados em minha pessoa em todos os momentos e sentidos,
fosse na alegria ou aflição, preocupação e comemoração, vencemos! Junto a ela,
meu muito obrigado vai a minha tia (não biológica, porém muito mais presente)
Maria da Conceição Santos Silva, pela fé, incentivo e amizade sinceros durante
todos esses anos. Sem sua ajuda, não seria possível o contato e a apresentação a
muitos depoentes nesta pesquisa.
Não poderia deixar de agradecer as pessoas que fizeram este Mestrado
acontecer, contribuindo de formas diferentes, cada uma a seu modo, para que eu
pudesse, hoje, estar aqui. A professora doutora Andréa Silva Domingues que
sempre manteve a esperança em mim, contribuindo com dicas, sugestões, criticas
(no trabalho e na vida). Muito obrigado a ela que me acompanha desde a
graduação. A querida professora Olga Brites, que logo no primeiro semestre me
acolheu na PUC-SP e me apresentou a São Paulo de maneira fundamental,
ajudando nas horas mais conturbadas de dúvidas, dificuldades, mas principalmente,
a agradeço pela agradável companhia e pela identificação que teve com minha
pessoa durante estes últimos dois anos.
Tenho uma divida imensa e indescritível a qual não posso “pagar” com os
depoentes, sem os quais, seria impossível a confecção desta pesquisa. A todos,
meu muitíssimo obrigado, por confiar, na maioria das entrevistas realizadas, a um
quase desconhecido, memórias e experiências de vida tão intimas e pessoais.
Agradecimentos ao Museu Municipal “Tuany Toledo”, em Pouso Alegre,
principalmente, ao senhor Alexandre Araújo, pela paciência e pelo acesso ao acervo
de jornais e Atas da Câmara Municipal, fontes documentais riquíssimas que se não
fosse o apreço do Diretor da instituição, estariam escondidas e esquecidas, em
poder de alguns particulares, como ainda há em Pouso Alegre. A Gisele e Maike
pela simpatia e receptividade que me recebiam, nos períodos da tarde no Museu e
pelas horas a fio de conversas e risadas. A “tia” Suely que sempre foi muito solicita
durante as visitas. Vale lembrar a contribuição do senhor Itamar Coutinho do
Departamento de Patrimônios da Prefeitura Municipal de Pouso Alegre.
Não poderia deixar de agradecer aos verdadeiros e poucos amigos que
tenho. Ao professor, colega de graduação e amigo Alencar Silva e sua família, pela
amizade sincera, humildade e seu jeito “garoto” de ser. Obrigado pelos finais de
semana de aventuras no “Rpg” e pelas boas risadas!
Um muito obrigado ao meu amigo/irmão de longa data, Fernando Pereira
Herculano e sua esposa Mara, pelos momentos “gamers” em sua residência, nos
finais de semana. Vocês são muito especiais! Através deles foi possível conhecer o
Flávio, ser simpaticíssimo e cheio de graça!
Aos amigos Danilo Barcelos e Luis Gustavo, pela companhia nos jogos, em
geral! A galera do futebol nosso de cada sábado, Fernando e Lucas Fernandes,
“Big”, Renato, Schneider, Pepe, Inácio, Werner, Denis, Cebola e, raramente, Bruno
“fanho”, Volpiano e ao Kleber Bonfim e família.
Por último, mas não menos importante, à CAPES pelo financiamento parcial
deste estudo, sem o qual não seria possível sua realização de forma alguma. Ao
mesmo tempo, gostaria de agradecer a todo o departamento de História da PUC-SP,
em especial as professoras Yara Khoury (muito obrigado pelas considerações
pontuais durante a banca de qualificação e todo o carinho nesses 2 anos de
Mestrado), Maria Odila e Heloisa de Faria Cruz pelos diálogos, referências e
disciplinas ministradas com tanto empenho, fontes de constantes discussões,
fundamentais durante todo o trabalho.
E também a professora Mirna Busse Pereira, pelas generosas palavras e
intervenções, durante a banca de qualificação.
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo I:
Educação, Saúde e Infância: do Parque agradável ao espaço útil. 20
Capítulo II:
O Parque Infantil: espaço de recreio,
lugar de disicplinarização 64
Capítulo III: “A Praça que Abraça o Futuro” 110
Considerações Finais - 149
Fontes - 155
Bibliografia - 159
Anexos - 161
RESUMO
Na dissertação intitulada “A Praça João Pinheiro: Cidade, memórias e viver
urbano. Pouso Alegre, 1941-1969”, é tecida uma reflexão sobre as intervenções
urbanísticas de grande impacto, na Praça João Pinheiro, que tornaram-se o mote
para o desenvolvimento desta pesquisa. As muitas histórias e memórias levantadas
nos depoimentos de usuários, freqüentadores e representantes do poder público
municipal, associados a outros documentos escritos como a imprensa, as Atas da
Câmara Municipal e as memórias escritas, revelaram significados múltiplos que essa
Praça teve para a cidade e sua vida cotidiana. Os efeitos das intervenções no modo
de ver e vivenciar o espaço são fundamentais neste trabalho. Busquei estabelecer
um diálogo constante com diferentes tipos de fontes, cujo objetivo maior foi construir
uma história multifacetada daquele território, capaz de desmistificar as imagens que
pesavam sobre a Praça, dona de valores e regras próprias.
Uma cultura da saúde e da infância marcou a Praça João Pinheiro e seus
arredores. O peso das idéias higienistas, a repressão da sexualidade feminina e as
manipulações ideológicas mostram que instituições como os Parques Infantis e os
Dispensários são mais do que lugares de lazer e aprendizado, são locais de
disciplina e reclusão. Repleta de disputas e alianças sociais, a pesquisa, dividida em
três partes, revelou gostos e sensibilidades que, por vezes, não são mais visíveis no
cotidiano da cidade atual.
A primeira parte pesquisada refere-se ao processo de ocupação e criação da
Praça João Pinheiro, que se deu no inicio do século XX. O outro momento foi o da
criação e instalação do Parque Infantil “Major Dornelles”, na primeira metade da
década de 1940. Por último, procurei o processo de criação da Estação Rodoviária e
da sede da Prefeitura Municipal, que se deu no final da década de 1960.
Palavras-chave: Cidade, memória, História Oral, Experiência.
ABSTRACT
In dissertation intitled “The Plaza João Pinheiro: city, memory and live
urban.Pouso Alegre city, 1941-1969.” sews together a reflection about the urban
interventions of significant impact, in the Plaza João Pinheiro, became the theme for
the development of this research project. The many histories and memories
recounted in interviews with users, passers-by, and the city’s public sector
representatives, interwoven with other documents both written as the press, the act
of Municipal Chamber and written-memory reveal the varied meanings the plaza, has
had for the city and your’s everyday life. Fundamental to this study are the effects of
this intervention on the way of to see and living with the plaza as a space. I searched
therefore establish a continuous dialogue with different kinds of legal, whose
objective of making up a multi-faced history of that territory, able to desconstruct the
several images that were attached to the Plaza, with its own rules and values.
A culture of health and infancy it marked the Plaza João Pinheiro and its
outskirts. The weight of hygienist ideas the repression of feminine sexuality and the
ideological manipulations show that such institutions as the Infantile Parks and the
Dispensaries they are more of the one than leisure and learning places, they are
local of disciplines and reclusion. Replete of social disputes and alliances, the
research, divided in three parts, besides disclosing and feelings, some of which
cannot be seen in the daily life of the city nowadays.
The first part searched deals with the process of occupation and building of
Plaza João Pinheiro, which was done in the beginnings of the XX century. Another
one of the moments was the proposal and installation of the Infantile Park “Major
Dornelles”, in the first half of the 1940’s. For the last on it was I looked for to examine
the process of establishing the bus station and the town hall headquarter in the final
years 1960’s.
Key-words: The City, Memory, Oral History, Experience.
1
Introdução
De inicio o que moveu nossa atividade acadêmica, acerca da temática da
pesquisa foi a possibilidade de pensar na historicidade, não penas pela perspectiva
do poder público local e dos projetos de urbanistas, sanitaristas e reformadores, mas
buscando compreender as políticas públicas na relação com as práticas dos
moradores da cidade, indagando sobre os usos e as formas de apropriação dos
espaços. Estudar e poder, ao mesmo tempo, colocar em evidencia as práticas e o
cotidiano das “pessoas comuns”
1
que viveram e freqüentaram a Praça João
Pinheiro, durante as décadas de 1940 a 1970, é um dos interesses desta pesquisa,
retratando e interpretando as experiências de vida às relações existentes,
compartilhando sua pluralidade para destacar tais vivencias.
Na História escrita e produzida sobre o município de Pouso Alegre, coube,
nas páginas publicadas de uns poucos membros pertencentes às famílias de
fazendeiros, latifundiários e donos de estabelecimentos comerciais aparecer como
os “grandes bem-feitores”, responsáveis pela configuração atual da cidade. O
espaço da Praça João Pinheiro é situado com uma importância impar para Pouso
Alegre, ou assim deveria ser para os pouso-alegrenses, enquanto marco
fundamental da cidade, forjando-se uma “memória oficial” que se propunha a
descrever e remeter sua importância a esses personagens “primordiais”
2
.
1
Ver: HOBSBAWN, Eric. Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 229.
2
Segundo a versão mais corrente, a história de Pouso Alegre, teria inicio junto as expedições dos Bandeirantes,
durante o século XVIII, quando estes teriam encontrado as primeiras minas nas localidades de Ouro Fino e
Santana do Sapucaí, passando a integrar importante rota entre as cidades de Vila Rica e São Paulo. Pouso
Alegre,localizava-se em meio a este trajeto, costumeiramente, conhecida pelos viajantes devido as paradas
obrigatórias que faziam num rancho nas proximidades quando ocorriam as enchentes no rio Mandú. A partir daí
veio a primeira denominação Pouso do Mandú, que entre outras atribuições, tinha como uma de suas principais
funções, além de estada para viajantes, a vigília contra o desvio e/ou contrabando de metais preciosos extraídos
nas cidades vizinhas. Nesse período, contava apenas com as estruturas do rancho, uma fazenda e uma venda,
que com o passar do tempo e a chegada de uma demanda cada vez maior de pessoas, foi surgindo novas
necessidades de melhoria, tendo como uma das primordiais, a construção de um templo Católico para a plena
realização de seus fiéis, já que estes tinham que se deslocar para Santana do Sapucaí. Com isso, foi erguida
através de recursos doados pelos moradores uma capela em terras, também doadas por fazendeiros. Neste ponto
há divergências entre as versões do real doador das terras para a construção. Depois da capela, foi-se a mesma
reconhecida pelo Príncipe Regente Dom João em 1799, consagrando-a ao Bom Jesus do Matozinho,
contribuindo para que fosse o povoado reconhecido como arraial do Bom Jesus do Matozinho do Mandú. Em
pouco mais de uma década, com a vinda do padre José Bento, em 1811, o arraial passou para freguesia e de
2
Porém, basta um passeio local pelo centro urbano de Pouso Alegre, com um
olhar mais atento, para garantir a percepção de diferentes temporalidades na
superposição de estilos arquitetônicos, na aparência das praças, ruas, avenidas e
edificações, ou seja, uma heterogeneidade cultural, diferente daquela proposta
ressaltada na História escrita até então. Nesse sentido, a reflexão trazida por Beatriz
Sarlo acerca dos significados das diferenças, contribuiu de maneira significativa na
compreensão da diversidade do social enquanto qualidades alternativas, onde se
despem tendências ocultadas que questionam ou subvertem a ordem.
3
Num
primeiro momento, essa foi uma das primeiras inquietações que impulsionaram este
trabalho.
Numa das incursões realizadas, andando pela cidade, deparei-me com um
lugar um tanto quanto peculiar, em seu centro: a Praça João Pinheiro. Naquele
momento, em 2004, ainda na graduação
4
em História, lembrei que poucos dias
antes havia me sentado no sofá de casa com intuito de recordar momentos
passados em minha infância ao observar algumas fotografias, guardadas em álbuns
de família, organizadas dentro caixas de camisa, nos fundos do guarda-roupa.
Olhando para a Praça e lembrando das imagens produzidas por meus pais
em meados da década de 1980, percebi mudanças drásticas naquele espaço, não
havia mais bancos para se sentar, fontes jorrando água para se observar, o
movimento de pais, mães e seus filhos a passear, senhores e senhoras caminhando
ou se aprazendo à sombra das árvores, trocando experiências e opiniões sobre os
acontecimentos, enfim, todos aqueles elementos que pareciam compor a praça
freguesia a categoria de Paróquia, sendo este reconhecido como o principal bem-feitor no crescimento
populacional, cultural, político e religioso, o que levou em outubro de 1848, a se emancipar politicamente,
tornando-se, oficialmente uma cidade. GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre:
Gráfica Amaral, 2ª edição, 2004, p. 13-27.
3
Ver: SARLO, Beatriz. “Um Olhar Político em Defesa do Patrimônio na arte”. In: Paisagens Imaginárias:
intelectuais e meios de comunicação.o Paulo: EDUSP, 1997, p. 55-63.
4
Esta pesquisa é fruto de reflexões feitas desde o ano de 2004, ainda na graduação. Naquele período, a prática da
pesquisa, bem como o seu interesse estavam nebulosos em minha cabeça. As dificuldades financeiras pelas quais
eu e minha família passávamos, assim como a vontade em terminar o curso superior, com a possibilidade de
galgar degraus “mais altos”, aprimorando minha qualificação profissional, me impulsionaram a buscar na
pesquisa um caminho para que estes objetivos e seus conseqüentes obstáculos fossem superados. Vi na Iniciação
Cientifica uma chance de amenizar os problemas financeiros e de quebra a chance de adquirir uma disciplina
mais rígida em relação à postura acadêmica, exigindo mais de mim mesmo nos esforços referente as leituras e ao
amadurecimento da minha relação com o corpo docente, como pessoa e com a própria disciplina da História.
Graças à implementação da Iniciação Cientifica na Universidade local, da Bolsa conferida através da FAPEMIG,
do incentivo e encaminhamento do corpo docente, pude chegar ao Mestrado na PUC-SP.
3
como um local que fortalecia os elos de sociabilidade entre os moradores e a cidade,
algo que atraia a atenção e principalmente a identificação com aquele local.
As alterações realizadas nesta paisagem, “natural”, da Praça João Pinheiro,
remota na minha existência de vida, provocava uma reação e uma sensação de que
as ações de intervenção, levadas a cabo pelo poder público local, haviam
modificado inexoravelmente não a praça em si, mas acima de tudo, minha
percepção do centro da cidade e os usos que as pessoas faziam dele. Lembranças
da infância vieram à tona, de forma a recompor um sentimento, momentaneamente
vazio junto aos fragmentos que me sobraram dos bancos, das árvores, das fontes,
das pessoas e principalmente da relação que se estabelecia naquele local em
determinado momento da minha existência.
Novamente, tomei como base para a questão das transformações no espaço
e sua relação com o sentimento de identificação dos indivíduos, as reflexões
realizadas por Benjamim, no artigo “experiência e pobreza”, quando ele se
perguntou, assim como eu naquele momento, sobre qual seria o valor de um
“patrimônio cultural se os sujeitos deixaram de se vincular a ele pela experiência
5
?”.
A partir daí, percebi que a constituição de Pouso Alegre e de seus lugares,
como em qualquer cidade, é, antes de tudo, o resultado das ações que os vários
sujeitos sociais estabeleceram entre si junto ao espaço (particularmente naquela
praça), enquanto um palco privilegiado da vivencia e experiência compartilhada, o
que, ao mesmo tempo, se torna um exercício de encarar e avaliar as transformações
na vida cotidiana citadina.
Nesse sentido a pesquisa se tornou um desafio que nos colocamos desde o
seu inicio, desenvolvendo vertentes de estudo acerca da experiência social vivida,
não só por àqueles a quem nos dirigimos enquanto sujeitos sociais ativos na
realidade, subsidiando-nos através de suas narrativas, práticas e/ou expressões de
práticas, mas também, por se tratar de um exercício de sensibilidade, introspecção e
prospecção sobre minha própria experiência social, anseios e questionamentos
enquanto sujeito participante daquele espaço.
Por isso, nos colocamos no presente de forma critica, a fim de avaliar
constantemente o caminho trilhado até aqui, numa atividade de auto-reflexão
intelectual, trabalhando na perspectiva e, ao mesmo tempo, na necessidade de
5
Walter Benjamim, Experiência e pobreza. In: Magia e técnica, arte e política, p. 115.
4
retirar a História local das “versões autorizadas”
6
do campo da erudição ou da
especulação, trazendo-a para o campo da política e do social
7
. Nesse sentido,
concordamos com Déa Fenelon, quando discorre sobre as implicações do
historiador de tratar a própria História, enquanto um compromisso no presente,
alertando sobre seu envolvimento com o objeto de estudo:
A idéia do historiador lidar com os acontecimentos de seu
tempo... reconhecer-se como sujeito da pesquisa e ter de
dimensionar o tempo vivido, na delimitação de um objeto dado,
mesmo sendo participante destes projetos analisados é
certamente um desafio, que a muito não parece pertencer ao
campo da disciplina histórica, reservado que está ao tempo
presente; a outros estudiosos do social que não o historiador”.
8
Penetramos na construção das muitas Histórias e das inúmeras Memórias,
pouso-alegrenses acerca da Praça com intuito de desfiar seus circuitos, inscritos
através de marcas deixadas em obras, nos monumentos e na própria fala das
pessoas que expõe e ocultam tensões, nos textos de memorialistas, na imprensa e
nos documentos “oficiais”.
Entre as fontes trabalhadas nessa pesquisa, nas obras de memorialistas
locais, a praça, surge escancaradamente como local belo e pleno, de importância
sobremaneira na constituição de uma imagem associada à origem da cidade, bem
como a firmação de nomes advindos de famílias tradicionais, permeadas por
saudosismos que impingem uma versão da história repleta de “grandes nomes”,
marcada pelos feitos e pelo tempo de homens proeminentes de setores mais
abastados do social. Procurando cristalizar essa história e essa memória durante o
decorrer do tempo e das gerações na cidade, lançando mão de veículos como a
literatura e a poesia, forjando alianças com a política através da imprensa e de
espaços de sociabilidade restrita (clubes exclusivistas), linguagens e lugares, a
“elite”
9
pouso-alegrense utilizava a Praça para apresenta-la como espaço
6
Gostaria de destacar que estão sendo trabalhadas obras de memorialistas de Pouso Alegre entre eles:
GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral, -2ª ed; 2004. A título
de curiosidade alguns destes autores, devido às suas publicações se “auto-intitulam” historiadores da cidade o
guardiões da memória, como é o caso de Eduardo Toledo e sua obra Estórias do Mandú de 1998.
7
Ver FENELON, Déa. CRUZ, Heloísa Faria. PEIXOTO, M.ª do Rosário. Muitas Memórias, outras Histórias.
SP: Olho d’Água, 2003. Cuja introdução recupera o conceito de contemporaneidade e de olhar político
trabalhado por Beatriz Sarlo, que trata do comprometimento do pesquisador com as transformações da sociedade
da qual faz parte.
8
FENELON, Déa. Apresentação. In: Souza, João Carlos. Na Luta por Habitação, São Paulo: EDUC, 1995, p.10.
9
O termo “elite” está sendo utilizado neste trabalho quando não se refere, especificamente à classe econômica
dominante (fazendeiros, donos de latifúndios, comerciantes), ou seja, o termo não recobre pessoas,
necessariamente, pertencentes à burguesia local, mas também aos seus ideólogos: acadêmicos, jornalistas,
5
harmonioso de convivência, como “o pulmão e o coração” de Pouso Alegre.
Vislumbrei a apropriação do espaço da Praça como lugar privilegiado para
compreender como se constituíram experiências sociais que deram sentido a
existência da cidade que devido às múltiplas experiências compartilhadas pelos
mais variados setores junto ao local, atribuiu-se a ele uma grande importância. Parte
da história política, social e cultural de Pouso Alegre aconteceu e continua a
acontecer neste lugar. Desvelar estas práticas, saberes e viveres em comum, ao
longo do tempo, em meio às disputas de poderes e dos espaços, considerando a
dimensão do vivido, surgiu como parte do nosso interesse nesta pesquisa.
Quando nos foi colocada a possibilidade de trabalhar as temáticas, os
agentes e as temporalidades “esquecidas”, entre eles a “história dos agentes sem
história”, aqueles que não apareciam ou eram, simplesmente, silenciados nas
memórias e documentos “oficiais”, numa cidade em que se nega seu lugar dentro de
um discurso conservador, para nós favorece a focalização de outras práticas e de
uma outra história vinculada a Praça João Pinheiro. Trabalhar o espaço
compreendido, como constituinte da trama entre seus agentes que emerge de
variadas espécies de fontes, requer apreender sentidos nem sempre explicitamente
colocados, cabendo ao pesquisador decodificá-los, interpretá-los e criticá-los na
busca de transformar esse emaranhado numa narrativa que expressa múltiplas
relações entre público/privado, espaço/tempo, sujeito/objeto, noções que não se
dissociam, mas interagem entre si.
Enveredar pela História do quotidiano
10
, buscando aquilo que não está
explicito ou dado como pronto da maneira como esapresentado até então, mas
sim, ocultado, silenciado, revelando experiências sociais diferenciadas capazes de
ampliar o entendimento não de um passado estático, mas latente no tecido social,
na busca de aproximar um olhar reflexivo sob suas malhas, verificando o sentido e
sobreposições de fios de relações sociais é o desafio deste trabalho.
Para tanto busquei dialogar com pessoas nas ruas próximas a Praça João
Pinheiro que conhecessem histórias do local, vizinhos que moravam/moram nas
adjacências e que vivenciaram/vivem por um período maior de tempo o espaço da
inspetores sanitários, médicos, odontologistas, advogados, políticos (ex- administradores do Executivo e
Legislativo), entre outros.
10
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. SP: Brasiliense, 1995.
pág..20.
6
praça, acompanhando mais de perto suas fases e suas modificações, porém com
intensidades diferentes.
Nos caminhos que percorri a procura de pessoas que pudessem narrar suas
experiências de vida, a primeira com quem me deparei foi com o senhor Luis de
Paiva. Quando procurado em 2004, o senhor Luis nos atendeu com semblante triste
e desconfiado. Após se interar sobre as intenções da visita, se negou de imediato a
gravar um depoimento, justificando, seu “desanimo” por ter perdido, há pouco, sua
esposa. Isso de inicio nos desapontou um pouco, mostrando que recolher narrativas
sobre a vida particular de uma pessoa, tornando sua experiência pública, seria uma
tarefa árdua e difícil, porém não impossível. Um ano depois ao tentar outro contato a
fim de recolher o depoimento de Luis Paiva, com pesar, soubemos que este havia
falecido.
Essa prática de pesquisa, produzindo narrativas orais, revelou reações e
situações inusitadas, exigindo atenção de minha parte para lidar com emoções,
censuras e fragilidades durante o ato de narrar.
11
Apesar das dificuldades iniciais, no decorrer da pesquisa, novas “portas se
abriram”, outros depoentes apareceram, ajudando a expandir outros horizontes.
Pessoas como o Senhor Saulo Jésus Salles, vizinho da praça desde sua infância,
cuja desenvoltura com as palavras cativou-me a simpatia e atenção. Sem
dificuldades me contou sobre a sua vida e suas histórias vividas na praça.
Encontrei para além de vizinhos, entre homens e mulheres, ex-vereadores,
comerciantes, um ex-deputado, responsável por fundar a mais influente agremiação
esportiva no Parque Infantil durante a década de 1940 (a AME), o filho do
administrador do Parque, além de ex-prostitutas que atuavam nos arredores da
praça e da zona do meretrício, bem como um personagem que “assustava” os
transeuntes desavisados durante o período noturno. Ao coletar narrativas de duas
gerações
12
, foi possível examinar e refletir de que forma interpretaram,
11
Segundo Walter Benjamim, narrar é a capacidade e o momento de troca de experiências. Aquele que narra
recorre a suas experiências para transmiti-las a outro interlocutor. In: BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, Arte
e política. Ensaios sobre literatura e História da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
12
Nos referimos as pessoas que vivenciaram o período inicial da década de 1940 e que puderam experimentar o
período da praça caracterizado pelo Parque Infantil e pelo intenso funcionamento em seus arredores da zona de
baixo-meretricio da cidade, hoje, em sua maioria, contando com mais de 70 anos de idade. Já a “segunda
geração” entrevistada, constitui-se de pessoas entre os 50 e 60 anos de idade que ainda vivenciaram o Parque, no
inicio da década de 1960, porém, gradativamente, tiveram que se acostumar com as mudanças implementadas
pelo poder público local que instalando a Estação Rodoviária Municipal, ampliando e consolidando a sede do
Gabinete do Executivo anexo à obra, propiciou uma enorme demanda de público tanto de dentro como de fora da
cidade, atraindo a atenção de comerciantes, ambulantes e da própria prostituição que sofria pressões “populares”
7
incorporaram, inventaram e adaptaram experiências em seu cotidiano. Procurei
dialogar com uma realidade, um processo social, tentando compreender e
problematizar as perspectivas dos moradores comuns de Pouso Alegre, centrando
as reflexões na Praça João Pinheiro, buscando, também, apreender o que se
expressa das relações sociais vividas e como estas são moldadas.
Enquanto pesquisador, conversando com pessoas, busco compreender
processos sociais, constituídos num emaranhado de dimensões e tendências em
constante disputa.
Devido a estes motivos, a escolha da História Oral como metodologia chave
para a elaboração dessa pesquisa, nos pareceu mais adequada, por possibilitar uma
maior aproximação com o cotidiano dos agentes históricos e também a perspectiva
de enxergarmos a trama das relações sociais vividas entre presente e passado,
onde são criados e [re]criados os mais diferentes sentidos a realidade vivida, bem
como a produção de consciências e referencias identitárias em que Alessandro
Portelli nos orienta sobre a importância, ao trabalhar e sondar o processo de visão
das pessoas sobre a realidade vivida:
A história oral ao se interessar pela oralidade procura destacar
e centrar sua análise de visão e versão que dinamizam do
interior e do mais profundo da experiência dos atores sociais
13
.
Outra questão a qual me deparei ao lidar com memórias e narrativas orais foi
a questão das subjetividades impressas nas narrativas desses sujeitos. Encarando
essa perspectiva presente nas entrevistas, pude encontrar e incorporar as
subjetividades em uma relação de diálogo constante entre entrevistador e
entrevistado, uma troca que baseado naquilo que Portelli já refletiu para enfatizar a
experiência da entrevista como um experimento de igualdade e ao mesmo tempo
um momento de troca de experiências. Com isso pude compreender e avaliar
melhor os caminhos trilhados e escolhas realizadas, bem como a própria perspectiva
acerca da praça enquanto local de luta e disputa de usos.
e políticas (moralistas) para deixar as casas em que funcionavam, tendo na praça um local para a obtenção de
clientes em potencial. As narrativas foram coletadas entre o inicio do ano de 2005 e 2007, onde optamos em
relacionar os depoentes, conforme forem aparecendo no texto da dissertação, nas notas de rodapé, junto a um
resumo de sua história de vida e relevância para este trabalho a fim de tornar a leitura desta introdução mais
“fluida”. Estes também aparecem ao final do trabalho, junto às demais fontes utilizadas em sua confecção.
13
PORTELLI, Alessandro. Tentando entender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética da história oral. In:
Revista projeto histórico 15. Ética da história oral. P. 16.
8
Apoiando-me, ainda em Alessandro Portelli, Marieta de Ferreira e outros
autores, os trabalhos da memória
14
têm direcionado como premissa que o passado é
significado segundo as necessidades e anseios do presente e a partir daí, alertando
sobre a importância que implica os usos políticos dessa construção.
Observando as inúmeras implicações e desafios ao lidar com memórias, com
narrativas orais, tento problematizar categorias como cotidiano, memória e
experiência social sempre tendo em vista as premissas apontadas de conceber
como cultura tanto os modos de viver, lutar, trabalhar como os de morar, caminhar e
brincar, com intuito de reconhecer os homens e mulheres envolvidos em nosso
trabalho, como sujeitos ou agentes sociais. Segundo Marilena Chauí
15
, cultura é:
memória, é política, é trabalho, é história, é técnica, é cozinha, é vestuário, é
religião, é festa, etc. Ali onde seres humanos criam símbolos, valores, práticas, há
cultura. Ali onde é criado o sentido do tempo do tempo, do visível e do invisível, do
sagrado e do profano, do prazer e do desejo, da beleza e da feiúra, da bondade e da
maldade, da justiça e da injustiça, ali há cultura”.
Portanto, compreendemos cultura como os modos de viver cotidianamente,
construídos pelos sujeitos sociais em meio a lutas e disputas, uma categoria em
construção e constitutiva do social
16
.
Com o caminhar da investigação, sobretudo com o acúmulo das narrativas
colhidas, as questões principais foram se delineando: como compreender o
significado e as dificuldades das mudanças realizadas, percebendo, a maneira como
construíam representações acerca da cidade Pouso Alegre e também do local, da
praça João Pinheiro? Além do mais, isso também é uma forma de refletir como os
usos e costumes se modificaram ou se transformaram no viver urbano e espaço em
questão. Aí a problemática se define melhor para considerar como os modos de
viver numa cidade interiorana são reinventados pelos sujeitos na Praça João
Pinheiro e, nesse processo, como suas identidades são reconstruídas dentro dessa
multiplicidade de tempo e espaço.
Assim compreendemos o espaço da Praça João Pinheiro, enquanto
território
17
de embates, entre tensões dos mais variados setores sociais, voltados as
14
Revista Projeto História do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC/SP. São Paulo: EDUC,
nº 17, 1998.
15
CHAUÍ, Marilena. Política Cultural, Cultura e Patrimônio Histórico. In: O Direito a Memória: Patrimônio
Histórico e Cidadania. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, DPH, 1982.
16
Ver: WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
9
mais diversas práticas que incorporam nos seus modos de ver e viver, marcas e
sentimentos de pertencimento àquele espaço, onde a identidade é algo
constantemente reinventado em diferentes temporalidades e em diversas
circunstâncias históricas.
Com esse intuito, minha proposta não se resumiu apenas a examinar as
experiências do cotidiano, mas tentar compartilhar a vivencia dos sujeitos, voltando
ao local, realizando entrevistas nele, percorrendo caminhos dirigidos por suas
lembranças, aproximando ainda mais as pessoas da praça, para melhor
compreender seus modos de vida. O ato de relembrar experiências de vida sobre a
Praça, na praça, possibilitou ao sujeito que o fez, identificar-se com suas próprias
histórias, criando vínculos mais fortalecidos no presente com um passado
vivenciado.
A presente pesquisa contou com a visita a vários acervos, na busca de
manter um diálogo constante entre diversos tipos de fonte. A primeira das visitas,
ocorreu ao Museu Municipal, curiosamente denominado “Tuany Toledo”, em
homenagem, ao Prefeito Municipal, responsável pela obra do Parque Infantil em
Pouso Alegre que teve como local de instalação o espaço da Praça João Pinheiro no
inicio da década de 1940.
No Museu Municipal “Tuany Toledo”, encontrei um vasto acervo de jornais,
cujos exemplares iam desde o século XIX até o ano de 2005.
18
Neste período, as
dificuldades de manuseio (muitos exemplares estão expostos em vitrines ou
encadernados em pastas, onde não raro uma folha se cola à outra), a falta de
espaço físico do local, bem como a precariedade de recursos tecnológicos deste
pesquisador e da instituição, foram obstáculos que pareciam intransponíveis. Muitas
das informações encontradas nestes jornais acerca da Praça, principalmente nos
17
O conceito compreende uma categoria de análise que permite pensar os espaços em termos de identidades, já
que neles grupos e sujeitos, através de suas relações sociais e experiências de vida, imprimem marcas, histórias e
memórias que lhes permitem viver um sentimento de pertencimento e ao mesmo tempo de reconhecimento
nesses lugares. In: ROLNICK, Raquel. História Urbana: História na Cidade? In: FERNANDES, Ana e GOMES,
Marco Aurélio de Filgueiras(orgs). Cidade e História. Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e
XX. Salvador: UFBA, 1992.p. 27-29.
18
O acervo do Museu Municipal “Tuany Toledo” é o maior e o mais “bem cuidado” da cidade, tendo como
colaboradores a própria população que realiza doações de objetos dos mais variados que vão de jornais,
fotografias a documentos particulares. Este esforço se deve também, ao diretor da instituição Alexandre Araújo,
que a sua maneira tenta preservar parte da história e da memória pouso-alegrense, esquecida e negligenciada em
outros setores como a Prefeitura Municipal que ali deposita tudo aquilo que acha “relevante” em relação a
história material e patrimonial local, sendo o restante incinerado sem qualquer critério ou orientação.
10
jornais O Linguarudo e O Município, tiveram que ser copiadas à mão, transcritos em
folhas de cadernos para só depois serem analisados em seu todo.
A partir do final da década de 1930, o apoio de grande parte dos jornais de
publicação semanal da cidade, entre eles, O Linguarudo e o surgimento do jornal
que representasse os interesses do poder público pouso-alegrense, o jornal O
Municipio, foi de fundamental importância para políticos, médicos, inspetores
sanitários, vereadores e colaboradores para propagar opiniões, questões e
direcionamentos na opinião pública, acerca dos mais variados aspectos acerca da
vida social e das mudanças que estavam por vir. Antes disso, grande parte dos
jornais eram organizados de maneira dispersa em várias publicações esporádicas e
efêmeras. Estes jornais serviram para, de alguma forma, compreender parte das
expectativas dos colaboradores, diretores, bem como suas articulações e pactos
junto a outros setores do social, como os políticos, compartilhando anseios e idéias
sobre o impacto das obras na sociedade.
O primeiro desses jornais “O Linguarudo”, quando do seu lançamento em
1938, tinha como proprietário Pedro Lúcio de Andrade. Entre outras pessoas
“importantes”, contava como um de seus colaboradores com Milton Reis, (deputado
estadual e federal), escrevendo poesias sob o pseudônimo de “O Canarinho”.
Sustentado por um considerável número de assinantes, tinha uma tiragem semanal
de 5000 exemplares, foi um dos jornais que mais durou em Pouso Alegre, tendo
publicações encontradas até o final da década de 1970. De inicio suas propostas
eram publicar “literatura, propaganda e humorismo”, vide a própria denominação do
jornal, que entre outras coisas, noticiava a chegada ou a partida de “personalidades”
locais, casamentos, notas de falecimento, e utilizava-se do humor, para se criticar
satiricamente obras ou promessas políticas não cumpridas. O que se percebe em
suas edições iniciais é um forte apoio às políticas desenvolvidas pelo Prefeito Tuany
Toledo.
Porém, segundo Milton Reis, em conversa informal durante a entrevista para
este trabalho, o jornal mudou sua roupagem a partir de 1945, devido a divergências
políticas de suas criticas dirigidas dois anos antes (1943) ao Prefeito Vasconcelos
Costa (sucessor de Tuany Toledo na Prefeitura). A partir daí, de um jornal literário,
humorístico e de propagada, este passou a se identificar com a “critica, o humor e
com a noticia”, enquanto características fundamentais de seu editorial.
11
Ainda segundo Milton Reis, depois do “ocorrido”, o proprietário Pedro Lúcio de
Andrade, viu na critica humorística e oposicionista aos governantes municipais, uma
maneira mais “rentável” de lidar com a imprensa na cidade. Nas palavras de Milton,
para o proprietário do jornal, era aquilo que as pessoas queriam ver nos jornais da
cidade.
Com feições mais políticas e um conteúdo extremamente formal e sisudo, o
jornal “O Município Órgão dedicado aos interesses do Município de Pouso Alegre”,
era o órgão oficial dos poderes municipais da cidade. Também criado em 1938, na
administração de Tuany Toledo, este se transformou num importante veículo de
comunicação entre os Atos do Executivo e a população, mas principalmente numa
ferramenta importante de propaganda das obras e dos atos do poder público
Municipal. Tuany Toledo que, além de Prefeito, atendia as pessoas como
farmacêutico, agora estendia suas “atribuições” a jornalista. Em 1939, se desligou
do cargo de Diretor do jornal, segundo noticiado: “devido aos seus encargos como
Prefeito Municipal”.
O jornal “O Município”, enquanto um órgão oficial tinha por finalidade, acima
de tudo, validar os atos, as obras e os investimentos que estavam sendo executados
pelo poder público local. Assim sendo, e devido à falta de outras fontes “oficiais”
procuradas e não encontradas nos departamentos da Prefeitura de Pouso Alegre,
tais como ordens de serviço, mapas, plantas de construções e obras, documentos
sobre doação, interdição ou desapropriação de espaços, o jornal “O Município” foi
utilizado e analisado enquanto um documento oficial da Prefeitura de Pouso Alegre.
O critério de seleção adotado foi analisar o nível de envolvimento desses
jornais (a maioria em periodicidade semanal) nos acontecimentos relativos à praça,
elogiando as obras e intervenções nela realizadas; elaborando o discurso de
modernização, muitas vezes em consonância com propostas expostas em âmbito
nacional.
Entre as propostas exaltadas, uma que ganhou bastante destaque foi o
discurso da infância atrelado a disciplinarização do período extra-escolar, revelando
em notas, pequenos artigos e colunas médicas a opinião de “doutores”, sanitaristas,
fiscais sanitários e jornalistas, com intuito de orientar e “dar” as diretrizes nas
práticas e hábitos do cotidiano popular, em nome de um discurso disciplinar e
higienizador, na época que a Praça João Pinheiro abrigou um Parque Infantil (1941-
1963).
12
Defendiam ou divulgavam políticas para a infância e a juventude que,
envolviam o período escolar, a prática de exercícios físicos criando uma atmosfera
de progresso, de avanço pedagógico que mesclava educação, saúde e mecanismos
disciplinares. Exaltava-se agremiações e instituições como a A.M.E. (Associação da
Mocidade Esportiva) e os Escoteiros Mirins, criando expectativas em relação às
atividades por elas desenvolvidas que, colocaram em voga, valores extremamente
recorrentes naquele período histórico como o patriotismo.
Nesse sentido os próprios jornais se denunciam no intrincado jogo de
palavras em que se ocultam, nas operações do cotidiano, selecionando, ordenando,
silenciando e devolvendo à população sua maneira de pensar e intervir no social,
cuja análise sobre o seu discurso não constituirá uma reflexão clássica que trata a
palavra impressa como um puro e cristalino registro do que aconteceu, mas como
um meio de comunicação, um instrumento de poder, um “ingrediente vital da vida
pública
19
.
Muitos se constituem em exemplares originários de doações ao Museu
Municipal de Pouso Alegre, muitos desses jornais de propriedade do próprio diretor
da instituição (Alexandre de Araújo) e, também, pela inexistência de várias edições,
constituindo em alguns casos anos de ausência de um exemplar ao outro, foi mais
uma das dificuldades as quais nos deparamos, não podendo por diversas ocasiões,
acompanhar o desenrolar das noticias.
A necessidade de prismas diferentes colocados pela pesquisa, nos fez
recorrer a outras fontes que pudessem compor um corpo documental mais
consistente. Essa busca reflete, até certo ponto, a trajetória trilhada por esse
trabalho, as dificuldades enfrentadas, cabendo aqui algumas considerações, quanto
ao funcionamento dos órgãos públicos de preservação de fontes oficiais na cidade
de Pouso Alegre.
Assim é importante ressaltar como denúncia a questão do descaso dos
órgãos públicos, como é o caso de Departamentos inteiros da Prefeitura Municipal,
atrelados à falta de preparo dos funcionários (treinamento, reciclagem, falta de
interesse para atender as solicitações dos usuários). Inicialmente, procuramos a
Secretaria de Obras da Prefeitura, localizada no prédio da antiga Estação
Rodoviária. Quando perguntamos sobre mapas, projetos ou documentos relativos à
19
DARNTON, Robert. e ROCHE, Daniel (orgs.) Revolução Impressa A Imprensa na França 1775-1800. SP:
Edusp, p. 16.
13
Praça e ao Parque Infantil, fui orientado à procurar o Secretário de Obras Públicas
que nunca estava ou não podia nos atender.
Após muita insistência, este nos mostrou a precariedade dos arquivos que
careciam de organização, havendo espaço físico somente para ordens de serviço
recentemente despachadas (do ano 2000 para cá). Novamente, fui orientado à
procurar a Secretaria de Meio Ambiente, pois ali estaria toda a documentação
relativa à Praça, já que a este setor estava delegada a responsabilidade dos
cuidados e da manutenção das praças pouso-alegrenses.
Localizada distante dos demais departamentos da Prefeitura, conversamos
com uma das responsáveis pela Secretaria de Meio Ambiente, que admitiu ser sua
responsabilidade os cuidados com as praças, porém não de sua documentação. A
documentação aí encontrada se constituía de projetos recentes, elaborados por
engenheiros, para revitalizar áreas de bairros periféricos da cidade, porém nenhuma
documentação antiga da Praça João Pinheiro foi encontrada. Novamente, fomos
despachados à procurar em outro setor da Prefeitura, agora, na Secretaria de
Patrimônio, onde ali seria depositada toda a documentação de todos os setores da
Prefeitura Municipal, durante todo o período de sua existência.
Na Secretaria de Patrimônio, subdividida, atualmente, em duas sessões: a de
bens móveis e a outra de bens imóveis, quando procurados registros sobre ordens
de serviço, compra, venda ou doação de terrenos, o responsável, Itamar Coutinho,
atuante nesse departamento há 36 anos, nos mostrou pouquíssimos documentos
referentes à compra de terrenos antigos, porém, todos “guardados” de acordo com
uma seleção pessoal, constando apenas, em relação à Praça João Pinheiro, um
livro de contabilidade da Prefeitura Municipal, datado de 1940, onde encontramos
em cinco páginas um levantamento de todos os bens referentes à construção do
Parque Infantil “Major Dorneles”, desde aparelhos instalados a gastos com
medicamentos nos postos de atendimento médico-odontológico que tiverem ali suas
sedes instaladas.
As condições de armazenagem, organização e preocupação com a
documentação são precárias não só no Departamento de Patrimônio da Prefeitura
Municipal da cidade, mas como também em todos os outros departamentos
visitados. Empilhados em caixas de papelão ou em pastas continuas, muitas delas
transbordando sua capacidade, armazenadas num galpão de telhas galvanizadas
com enormes frestas, os documentos são ali “jogados”, faça chuva ou faça sol.
14
Sofrem os danos das intempéries, se esfacelando em migalhas ou se desintegrando
ao serem retirados das caixas.
Se não bastasse isso a explicação dada para o “sumisso” da documentação
mais antiga, sobre qualquer patrimônio pertencente à municipalidade, mas
principalmente, sobre a Praça João Pinheiro foi: “que num período regular de oito
em oito anos, é feita uma “limpeza” nesses arquivos. Monta-se uma comissão
formada aleatoriamente por funcionários da Prefeitura que selecionam aquilo que
acham importante e o restante é incinerado”
20
.
Em conversas informais, ainda, o responsável pelo setor de patrimônios da
cidade, disse que aqueles documentos selecionados, os quais não têm espaço físico
para serem acomodados na sede da Prefeitura, são enviados para o Museu
Municipal.
Ali, de volta ao Museu Municipal, onde pude levantar, anteriormente, toda
documentação referente à imprensa local, busquei a documentação referente
àqueles que estavam à frente, como proponentes e fiscalizadores, dos projetos e
leis de intervenção que tinham a Praça João Pinheiro como alvo. Inicialmente, as
atas da Câmara Municipal, se apresentaram como acessíveis, contudo, era
necessário muito “jogo de cintura”, junto ao Diretor da instituição, para a obtenção do
acesso livre.
Devido, a precariedade do manuseio no local e a impossibilidade da
xerocópia direta dos originais (poderiam “estragar” ainda mais essa documentação),
recorremos ao recurso da fotografia digital, como método para coletar esse material.
Fotografávamos cerca de um tomo por dia, depois descarregávamos tudo no
computador, para somente depois, ler, fichar e analisar os tomos de número 114,
115, 116, 117 , 118, 119 referentes aos anos de 1951 a 1954, de 1955 a 1958, de
1959- 1961, de 1962 a 1964, de 1965 a 1967 e de 1968 a 1970, respectivamente.
20
Essa declaração informal foi dada pelo responsável do setor de Patrimônio da Prefeitura Municipal, Itamar
Coutinho ao nos levar no galpão queguarda” toda a documentação, em janeiro de 2007 o qual se recusou a
gravar entrevista. A exemplo da dificuldade encontrada para obtenção dessa documentação, tivemos que
estabelecer por inúmeras vezes contato via telefone e pessoalmente, na tentativa de se achar alguém que pudesse
nos atender. No caso da Secretaria de Obras, tivemos que solicitar um requerimento formal, até se chegar ao
atendimento junto ao Secretário, no primeiro semestre de 2006. Após cinco meses de espera, nos foi aberto o
acesso a documentação, porém a falta de espaço físico e de condições para análise no local se mostraram
obstáculos bastante incômodos. A ausência dos documentos mais “antigos”, anteriores a 1970, denota o descaso
por parte das autoridades locais, no sentido da preservação, tendo a praça assim como outros lugares, trilhado um
caminho de silêncio e desconsideração.
15
Nas atas estavam contidas as discussões da vereança sobre a necessidade
ou não da execução das obras que vieram resultar nas intervenções da praça, bem
como a prioridade daquilo que deveria ou não ser reformado, estabelecendo um
diálogo especial com as reclamações nos jornais que revelam dimensões do
crescimento desordenado de Pouso Alegre, junto às memórias que deram como
“sepultada” a praça depois da construção da Estação Rodoviária local.
Dentre as providências públicas a preocupação com a higiene, o saneamento,
a necessidade de apontar as ocorrências de desordem estavam em alta, os jornais
trazem à tona as “aberrações”, os casos de desordem são algumas evidências sobre
essa tendência ordenadora, rígida que legitimou as medidas tomadas pelo Poder
Público. A figura dos inspetores sanitários, em notas, relatórios, muitos deles
publicados na imprensa local, orientando, criticando e prescrevendo hábitos e
práticas são símbolos desse pensamento.
As atas referentes à década de 1940, ao que parece “não existem” mais, pelo
menos não nos domínios do Museu Municipal e da Câmara Municipal de Pouso
Alegre. Segundo, Alexandre Araújo, diretor do Museu, estas se encontram nas mãos
de particulares, pertencente à família Toledo, uma das mais tradicionais da cidade.
Quando procurados por este pesquisador, negaram sua existência.
Embora as dificuldades encontradas durante a pesquisa sejam muitas, indo
desde problemas financeiros, falta de recursos técnicos, informações
desencontradas, má vontade de funcionários, a privatização de documentos
públicos, até dificuldades de entrevistar as pessoas vivas que, nos anos 40 tinham
mais de 10 anos (algumas delas como as ex-prostitutas não queriam lembrar o
modo como ganhavam a vida). Tais dificuldades serviram mais como estímulo para
a continuidade da pesquisa do que motivo de desanimo, reforçando, mais uma vez
nosso compromisso com o objeto de estudo.
Compreender o trabalho com uma multiplicidade de fontes, articulando-as na
busca de apreender e desvendar experiências vividas e imagens que os diversos
sujeitos formulam de si e dos outros, entre narrativas orais, livros de memorialistas
locais, atas da Câmara Municipal, jornais semanais, entre outras, é, também, refletir
e valorizar os sujeitos e suas expectativas.
Para tanto, tentei problematizar todos os antagonismos presentes em suas
falas e expressões que estão permeados por tensões e lutas, travadas na cidade, na
16
busca de empreender a critica ao documento- qualquer que seja ele- enquanto
monumento. O documento, nos ensina Lê Goff, não é qualquer coisa que fica por
conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo relações de
forças que ai detinham o poder. O que transforma o documento em monumento é a
sua utilização pelo poder.”
21
Graças a este levantamento empírico, associado aos diálogos com a
orientadora e com a bibliografia, tanto o objeto de estudo como a baliza temporal
(1941-1969) puderam ser melhor definidos. Escolhemos trabalhar de 1941 a 1969,
pois, representam na trajetória histórica da praça dois momentos distintos de ruptura
e ao mesmo tempo de permanências de aspectos, práticas e modos de ver e viver,
intervindo e interagindo com um espaço. Até 1940, Pouso Alegre não contava com
nenhum espaço especificamente voltado ao lazer público, a não ser o Parque
Municipal (atual Praça João Pinheiro) cuja criação, podia-se perceber a inspiração
dos bulevares franceses.
Na área do lazer, campos de futebol localizados em várzeas, mergulhos nas
margens dos rios Mandú e Sapucaí Mirim, faziam a alegria da infância e da
juventude que tinham, em muitas ocasiões, que improvisar os materiais, a limpeza e
a própria segurança para se divertir. Esse lazer, as vezes terminava em fatalidades,
como foram os casos de afogamento à beira dos rios, registrados nas décadas de
1940/50. Outros locais pertenciam aos militares e instituições particulares que não
raro vetavam a presença de jovens e crianças. Já na área “adulta”, um discurso
machista e sexista afirma, durante as entrevistas, que e a Zona Boêmia, localizada
aos arredores da Praça João Pinheiro, era o principal meio de “diversão” do público
adulto masculino.
Com a entrada do prefeito Tuany Toledo no final da década de 1930, a cidade
vivia o inicio de uma pequena “modernização” de seus espaços. Entre alargamento
e pavimentação de ruas e avenidas, canalização de esgotos, implementação de
iluminação pública, entre outras obras, talvez a mais marcante, na visão dos jornais
e da administração de Tuany Toledo foi o Parque Infantil “Major Dorneles”, em 1941.
Passando uma imagem para os pouso-alegrenses, enquanto uma obra
importante e necessária à saúde da cidade, pois, comportaria em seu bojo, dois
prédios onde funcionariam um consultório médico e odontológico, ao mesmo tempo,
21
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento in: História e Memória. Coleção Lugar da História. Lisboa:
Edições 70, 2000 pp- 545.
17
o Parque Infantil, demonstra uma relação direta às práticas desenvolvidas acerca da
atividade física e esportiva, nesse período, em muitas cidades como São Paulo, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro, tendo como pano de fundo o discurso sobre a
importância da infância como futuro da nação, enquanto elementos fundamentais
para a formação do cidadão do amanhã.
Esse modo de compreender o lazer fazia com que, o ócio e o tempo livre da
população pobre, respaldados pelo discurso médico-sanitarista, fossem
compreendidos como momentos que deveriam ser “produtivos”, no sentido de se
praticar hábitos que pudessem agregar determinados valores a vida. Essa postura
incentivada e quase que imposta como “correta”, acaba por revelar um autoritarismo
que direcionava os modos de pensar, ver e viver. os políticos tomavam para si a
tarefa de orientar a população, dialogando com discursos médicos racistas (como o
da eugenia) e nutrindo um preconceito muito grande em relação aos saberes da
população pobre, considerando-os frutos de ignorância e superstição.
Já na década de 1960, nota-se o descaso com o espaço da Praça João
Pinheiro por parte do Legislativo e do Executivo e a preocupação de se urbanizar em
industrializar a cidade.
O Parque Infantil, descaracterizado e esquecido pelas autoridades, voltou a
ser lembrado pela vizinhança quando uma grande parte de seu espaço foi
desapropriada para dar lugar à primeira Estação Rodoviária da cidade.
Em 1969, após uma década de discussões na Câmara Municipal (de 1959 a
1969) foi construída a Estação Rodoviária e a Prefeitura Municipal se instalou em
suas dependências, sob o pretexto de anular a presença indesejável dos
freqüentadores da zona boêmia, transferida para outro local da cidade.
Com a construção da Rodoviária a Prefeitura pretendia moralizar o centro da
cidade e atender às constantes reclamações dos vizinhos da Praça pela reutilização
do Parque Infantil que, já não existia desde meados da década de 1960. No prjeto
da Rodoviária constava a construção do Terminal Rodoviário, da sede da Prefeitura
Municipal, uma concha acústica para a realização de eventos musicais e
apresentações artísticas e o restante do espaço seria aproveitado para o Parque
Infantil. Porém, na prática, não foi bem isso o que se viu no término das obras.
A Praça João Pinheiro sempre mostrou ser um local muito peculiar em Pouso
Alegre, utilizada para as mais diversas práticas, Nela se encontram instaladas
Igrejas, moradias, casas comerciais, escolas. Dessa diversidade surgem os
18
interesses conflituosos, havendo, nesse sentido, apropriação do espaço por
diferentes grupos e com interesses específicos. A cidade não é apenas um cenário
onde ocorrem os embates entre vizinhos e poder público. A cidade é personagem,
espaço vivenciado através das experiências, pelas trocas e negociações que nela
circulam, é um produto em constante construção, resultado das próprias relações
que ai se constituem. Portanto, vejo a cidade não apenas como um conjunto de
ruas, avenidas e prédios, mas como lugar de práticas e valores humanos. Somente
através do reconhecimento de que ela própria é uma construção social e humana, e
enquanto tal guardiã de concepções de mundo que a edificaram, é que pretendo
compreender tanto os seus constantes processos de reformulação quanto os
critérios que levam à seleção daquilo que é preservado.
Através do interesse e da análise destes espaços e de sua historicidade é
possível perceber que a memória é construída em meio a embates e conflitos
sociais e que aquilo que é selecionado para ser lembrado carrega sempre consigo a
dimensão oposta do esquecimento.
A praça enquanto espaço público, constituinte da cidade, bem como
realização e realizadora dos anseios de parte da população, começa a ser sentida e
pensada por seus freqüentadores a partir de suas primeiras referências no processo
de socialização. Para muitos é “o primeiro quadro de articulação espacial no qual se
apóia a vida cotidiana”.
22
Assim, ela aparece não só como palco para as realizações
e intervenções dos atores sociais, mas, sobretudo, como personagem constituinte e
constituída de relações na trama histórica.
Para aprofundar a discussão das problemáticas apresentadas, bem como a
análise e discussão do tema, este trabalho foi organizado em três capítulos. O
primeiro intitulado “Infância, saúde e política: do Parque agradável ao espaço útil”,
busca problematizar a questão da ocupação e das idéias de implementação da
Praça João Pinheiro que deveriam articular e propagar uma mentalidade “sadia” a
população residente nos arredores e que por outro lado, por parte dos poderes
públicos locais, médicos e da própria imprensa demonstram uma visão autoritária e
desqualificadora de hábitos e valores da população pobre.
No segundo capítulo (ainda sem titulo definido), procurou-se estudar o
processo de intervenção realizado na administração do Prefeito Tuany Toledo em
22
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida cotidiana. São Paulo:
Contexto, 2001. p. 226.
19
1941, na praça João Pinheiro, a fim de se implementar um Parque Infantil, o qual
servia de pano de fundo para uma série de discursos e interesses particulares, como
das agremiações esportivas, por exemplo, com intuito de se cristalizar e enaltecer
obras, nomes e figuras de relevância em Pouso Alegre.
No terceiro e ultimo capitulo, (também sem titulo definido), analisa-se o
gradativo esquecimento da obra e da importância do Parque Infantil por parte dos
poderes públicos locais, bem como a “perigosa” proximidade daquele espaço junto à
zona de baixo meretrício, proximidade esta que se tornava cada vez mais perigosa
para as crianças e as mulheres “de família”. Explorando essa proximidade, imprensa
e figuras do setor legislativo municipal expõe discursos moralistas e repressores
contra a própria mulher. Nesse bojo, para se resolver a questão da prostituição, a
praça João Pinheiro serviu de palco mais uma vez para as intervenções
“urbanísticas” da cidade, cedendo lugar agora a Estação Rodoviária local.
20
Capítulo I
Educação, Saúde e Infância: do Parque agradável ao espaço útil.
Tudo palpita amor porque é ela quem passa
Pelo parque que, há pouco, era como um deserto;
Passando seu cortejo em donaires e graça;
Faz do parque-uma lousa-um paraíso aberto.
Há cânticos no bosque exubere e coberto;
De verdes ramos onde uma orquídea se enlaça;
Das aves há o trinar; das flores, rumo incerto;
O perfume se evola e o passaredo esvoaça.
Tudo palpita amor! O amor que nos transporta!
A ave, o aroma, tudo! E o amor a essa estrela
Como um vivo vulcão dentro do meu peito medra.
Tudo de amor palpita e só a pedra é morta;
Mas se a pedra tivesse um coração, ao vê-la,
De amor palpitaria o coração de pedra!
23
Em 1922, o poeta Marques conta os encantos do Parque Municipal,
instituindo uma memória na qual o presente é naturalizado como o templo da
contemplação, deleite e inspiração. O passado não é sequer mencionado e, assim,
faz-se tabula rasa do longo processo de disputa entre antigos e novos moradores,
do qual resultou o aniquilamento do Largo do Rosário e sua substituição pelo Parque
Municipal. Membro de uma família de fazendeiros muito conhecida na região sul-
mineira, várias outras famílias, buscaram firmar residência nas adjacências do Largo
do Rosário a partir do inicio do século XX. Junto aos estabelecimentos comerciais
varejistas que buscavam ali, ampliar as perspectivas de renda e de influencia dessa
burguesia no município, ao longo desse período, constituiu-se uma memória que
deveria ser passada à posteridade de forma a exaltar nomes e a presença de
membros dessas famílias, na região central da cidade.
23
OLIVEIRA, Jaime Marques de. Dans Le Parc. In: Gazeta de Pouso Alegre, 17 de setembro de 1922.
21
Rubens Laraia, ao desfilar em sua narrativa os sobrenomes dos vizinhos
“ilustres” da Praça, indica e ao mesmo tempo reafirma a importância, para a época,
da presença e do significado dessas pessoas nas adjacências:
Nós tínhamos ali ao redor da praça, lá tinha o pessoal dos
Viana de Andrade, quase em frente o portão principal do
Parque. Tinha o pessoal do Moisés Lopes, os Viana de
Andrade, eu falo deles porque eram donos de laticínio, depois
os Moisés Lopes que eram fazendeiros como eram conhecidos
naquele pedaço ali. Do lado direito, na esquina com a Afonso
Pena tinha o pessoal do Andrade, tinha o barbeiro, eles tinham
uma barbearia por ali. Existia até uma pequena farmácia por
ali, depois tinha o antigo prédio do Conservatório, antes de
comprar o prédio das Dorotéias, ficava lá o Conservatório de
Música. Seguindo tinha um bar do lado da, entre a João
Pinheiro e a rua do Rosário do lado direito tinha um bar e do
lado esquerdo, não na outra ponta na esquina, tinha a
mercearia do Sr. João Ribeiro, o pessoal do Ribeiro.. Depois
vinha umas senhoras que era freira da família Ladisláu que
morava ali e tinha também um fazendeiro de Silvianópolis que
morava numa casa ali. Ao fundo do Parque nós tínhamos o
Carmelo, depois do Carmelo, na mesma fazendo divisa com o
Carmelo, nós tínhamos a casa lá dos Guersoni, a mãe do
Ângelo Guersoni, hoje é um prédio lá e tinha uma tia também
do Ângelo Gersoni que morava encostado no Conservatório
que eu esqueci de falar. Seguindo do lado esquerdo, ali já tinha
uma padaria Schultz, tinha outro nome a padaria, eu não
lembro, mas era de propriedade da Dona Lydia Schultz. Depois
vindo tinha um grupo, nós tínhamos o grupo Hermantina
Beraldo e terminava com a família do Senhor Sylvio Fausto de
Oliveira, ali dava quase um quarteirão a casa deles, hoje a
casa que eles tinham foi dividida, o que sobrou da casa e da
padaria, mas tudo aquilo naquela época, era a Casa do
Parque, porque era uma casa que quase chegava a Monsenhor
José Paulino de tão grande que era a casa e o quintal que essa
casa tinha. Ele era se não me engano neto do Senador
Eduardo Amaral, a casa dele era muito famosa. Então esse era
o Parque, tinha uma família pra cá do Moisés Lopes, eu não
me lembro mais o nome que os filhos foram todos embora para
Belo Horizonte, eles tem até farmácias em Belo Horizonte.”
24
Dialogando com o depoimento de Rubens Laraia e compartilhando seu
sentimento de pertencimento a essas classes, dona Denaide Teixeira também, se
24
Rubens Barros Laraia tem 60 anos é natural de Pouso Alegre, casado, pai de dois filhos, atuou durante a
década de 1960, quando serviu o Exército, como ronda nas proximidades da praça João Pinheiro tirando guarda.
Trabalhou na década de 1970 no IBGE, quando resolveu cursar história na universidade local, se formando na
primeira turma. Foi professor no Estado e depois com a experiência veio a oportunidade da docência dentro da
universidade onde se formou. Hoje é professor titular de História do Brasil e membro representante da comissão
de análise e tombamento de patrimônios históricos da cidade junto a Secretaria de Cultura da Prefeitura
Municipal de Pouso Alegre. Entrevista realizada em 08/09/2005.
22
refere aos coronéis (donos de terra). Mesmo não se lembrando com clareza dos
seus nomes, ela narra o poder que esses homens tinham na cidade:
Ah, os Coronéis, não era aqueles Coronéis, coronel Amaral,
coronel Ribeirinho. Nossa! Tinha muito coronéis ainda, Coronel
Ribeirinho, coronel... Nossa nem, até não me lembro mais, já
me esqueci dos coronéis. Senador Eduardo Amaral, tinha
muitos coronéis ainda, senadores, é o Dr. Gauzio Vilena de
Alcantra, era um grande político aqui. Ele era tio da Rogério
Amaral ali...
Ah, eles mandavam sim! E tanto que...[fica calada], eu não me
lembro muito bem dos coronéis. Eu lembro que falava coronel
fulano de tal, coronel ciclano de tal, mas já não era mais do
meu tempo entendeu? Foram morrendo tudo, a gente já a
memória parece que foi apagando.
25
Além desses fazendeiros- “Coronéis donos de terra”, a elite pouso-alegrense
se constituía ainda por uma pequena parcela de intelectuais, poetas e acadêmicos
nas áreas do Direito, da odontologia e da farmácia que escreviam sob as mais
variadas temáticas e que, mais tarde, viriam a se tornar memorialistas locais.
Portanto, nessas memórias, os membros mais antigos dessas famílias de
fazendeiros, latifundiários e donos de estabelecimentos comerciais aparecem como
os mandatários, detentores do poder para a configuração atual da cidade, onde o
espaço da Praça João Pinheiro é considerado um marco fundamental de
importância ímpar, ou assim deveria ser.
Até 1908, o local onde hoje se situa a Praça João Pinheiro era conhecido
como Largo do Rosário. A sua herança heterogênea e a multiplicidade de
expressões culturais que abrigou, de certa forma, incomodava à elite local. O
convívio com essa população pobre e negra causava incomodo. A região central da
cidade, foi descrita por Gouvêa, odontologista e memorialista local como lugar de
“má fama, avizinhada a barracos de gente pobre”
26
. Portanto, aquela população
também ao seu modo, deixava suas marcas, expressões e modos de viver naquela
região, motivo muitas vezes de criticas que desqualificavam seus hábitos e valores:
“Na extensa e rasa colina do ocidente se espalhava o alegre
bairro do Rosário. No cento desse povoado, entre casas de
25
Denaide Teixiera Alves tem 90 anos e é natural de Silvianópolis. Foi normalista do colégio das Dorotéias,
desde cedo desenvolvendo sua aptidão para a música. Estudou muitos anos canto e piano no Conservatório de
Música de Pouso Alegre, na época próximo a praça João Pinheiro e de sua residência. Depois, devido sua
aplicação, foi contratada professora de piano na instituição e quase chegou à direção da mesma, ficou conhecida
na cidade como “O Rouxinol de Pouso Alegre”. É viúva de um caminhoneiro e atualmente reside sozinha. Mãe
de duas filhas. Entrevista realizada em 25/02/2005.
26
GOUVEA, Octávio Miranda. O.p. cit. p. 212.
23
todos os aspectos e muros carcomidos, abria-se um inculto
largo cruzado em Xis por dois trilhos cortando-lhe o mato de
quaiuxumas e joás. No enredado de outros matos,erguia-se um
cruzeiro encravado em bases de pedras descoladas, fronteira à
igreja sempre fechada, ameaçando ruínas. Mais adiante, a
Casa de Misericórdia, sem enfermos, sem provedor, sem
haveres. Depois a confusão de pequenas habitações,
construídas espaçadamente e, por toda parte, os tradicionais
muros de Pouso Alegre, ruas desertas e abandonadas”
27
.
A Igreja do Rosário, cujas obras ocorreram por conta da
população e a cargo da respectiva irmandade[...] era
modestíssima e sem nenhuma arquitetura[...]edificada na
mesma posição da atual, apenas alguns metros mais abaixo.
Havia nos fundos uma pitoresca praça no centro da qual foi
aberta uma fonte[...]com a permissão do padre senador José
Bento para utilização dos populares que residiam nas
proximidades[...]conhecida por mina do Rosário[...]ali foi
levantado o pelourinho em frente a primitiva Igreja do
Rosário.”
28
A grande maioria dos memorialistas, como nos casos de Octávio Miranda
Gouvêa e Amadeu de Queiroz, era constituída por homens que articulavam suas
falas de fora do governo. Eram acadêmicos, advogados, farmacêuticos, jornalistas e
médicos que apoiavam e buscavam contribuir para que as idéias e concepções que
norteavam suas atividades pudessem repercutir num universo mais amplo. Seus
objetivos eram ganhar a simpatia e o espaço entre políticos e administradores,
compartilhando ali anseios e sentimentos de classe em relação às perspectivas de
apropriação e uso dos espaços da cidade que alimentavam.
Por outro lado, nessas memórias, se negligenciava a presença de uma
população pobre, notadamente negra, remanescente das irmandades e da
exploração do trabalho agrícola nas fazendas e nas lavouras que vivia naquela
região. Essas irmandades foram responsáveis por grande parte da população que
ainda residia ali, nas adjacências do Largo, muito antes da maioria desses “coronéis”
começarem a ocupá-lo com suas residências e estabelecimentos comerciais.
Essa classe dominante, quando proponente a realização de políticas públicas
voltadas para as classes populares, ela o faz a partir de seus parâmetros morais e
estéticos e de seus interesses. Considerando-se portadora de um projeto civilizador,
desqualifica e condena os modos de ser e viver do outro sem, contudo, estende-lhes
27
QUEIROZ, Amadeu. Dos 7 aos 77 Recordações e Comentários 1880/1950. São Paulo: Editora Cupulo, 1956.
28
Cf. GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. O.p. cit. p. 124, 212.
24
os benefícios que possui. A população pobre e negra é vista, portanto, como
homogênea em sua suposta “inferioridade”.
O incomodo causado pela convivência com essa população pobre, com seus
símbolos e valores, fica evidente, quando em 1908, o esboço de uma mudança nas
perspectivas estéticas junto a mudança do nome do Largo para Praça João Pinheiro
ocorre por um decreto do Executivo.
29
Isso demonstra, o inicio de uma mudança de
concepção e visão sobre a cidade e seus espaços.
Em Pouso Alegre, o poder público, visou impor um modelo que reformulava a
habitação da população e as práticas nos espaços públicos. Projetos direcionados
para a cidade, tendo na Praça João Pinheiro um grande mote, visavam uma imagem
que se identificasse com uma concepção de “progresso” que atendia os seus
próprios interesses. Além da lei que mudou o nome do Largo do Rosário para Praça
João Pinheiro, houve uma re-formulação no projeto arquitetônico e na concepção
estética daquele local.
Uma das primeiras discussões encontradas nas fontes acerca da mudança de
concepção do local está expressa no jornal “A Gazeta de Pouso Alegre” [veiculo
propagador de idéias de figuras de destaque e influencia na municipalidade]. Em
edição do dia 11 de junho de 1906, de acordo com suas perspectivas de classe,
João Beraldo almeja padrões estéticos e civilizatórios parisienses, preconizados
pelos reformadores do Rio de Janeiro e São Paulo.
29
Decreto Municipal de 27 de outubro de 1908. Muda-se o nome do Largo do Rosário para Praça João Pinheiro,
em homenagem ao ex-governador mineiro João Pinheiro da Silva. Nascido em 16 de dezembro de 1860, na
cidade do Serro, de descendência italiana paterna deu inicio aos seus estudos na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, em São Paulo em 1883. Os anos passados na capital paulista são decisivos para a formação de
João Pinheiro. É também nessa época que conhece sua futura esposa, Helena de Barros, sua aluna na Escola
Normal, filha de rico comissário de café e proprietário de terras no interior paulista. Em 1888 volta para Ouro
Preto, exerce advocacia e se embrenha no mundo político ajudando a fundar o partido Republicano daquela
cidade. Um ano depois funda o jornal O Movimento. Tornou-se constituinte na eleição de 15 de novembro de
1890. João Pinheiro tem atuação discreta na constituinte e na legislatura seguinte concentra-se na defesa de
princípios como a separação entre a Igreja e o Estado, o casamento civil, a não adoção do divórcio e pontos
referentes ao judiciário. Após esse mandato desliga-se da vida pública até 1904,
com a morte do senador Carlos
Vaz de Melo. No mesmo ano o Partido Republicano Mineiro o indica candidato à eleição para completar o
mandato. Eleito senador em fevereiro de 1905, reuniu em torno de si um grupo de jovens deputados federais,
principalmente de Minas, que veio a formar o movimento denominado Jardim da Infância. Antes que surgisse
uma crise em Minas, o próprio governador Francisco Sales lança a candidatura de João Pinheiro, na tentativa de
conciliar as correntes do sul, liderada por Wenceslau Braz, e as do centro minerador, cujo principal interlocutor
era Chrispim Jacques Bias Fortes. A convenção de novembro de 1905 sacramentou os nomes indicados: João
Pinheiro disputaria a presidência do Estado e Bueno Brandão se candidataria à vice-presidência. Eleito
presidente do Estado, João Pinheiro toma posse em 7 de setembro de 1906 ficando no cargo até 1908 quando
morre aos 47 anos. Em Minas Gerais, é comum encontrar nas cidades, ruas, praças ou avenidas com a
denominação “João Pinheiro”. Disponível in: www.fjp.gov.br
25
“ Belle Époque que vemos em nossas visitas se instaurando
em outras cidades como São Paulo, é um sinal claro da
modernidade que se abate em nossos tempos. Esta não pode
e não deve estar longe de nossa realidade em Pouso Alegre.
Lá os largos, praças estão se transformando em lindos
boulevards, com arvores frondosas, bancos longos e calçadas
largas. Temos o direito e o dever de exigir essas proezas, pois,
aqui nossos irmãos de atuação intelectual e politica contam
com uma formação e civilidade de alto padrão e respeito, visto
que em nossos jornais, publicam-se poemas e poesias na
língua estrangeira francesa”.
30
O autor do artigo, na época, advogado renomado na cidade, aspirante a juiz
de direito e jornalista ressalta a diferença das grandes cidades brasileiras, em
relação a Pouso Alegre. Enquanto no Largo do Rosário havia sido dada partida a
criação de um Parque Municipal (em estilo dos boulevards), com a plantação de
árvores, alargamentos de calçadas, criação de canteiros com espécimes variados de
flores, por volta de 1908, em São Paulo (exemplo ressaltado pelo vereador), já
haviam inúmeras praças, parques e avenidas nesse estilo.
Com olhares estendidos para São Paulo e outras cidades brasileiras, para os
membros da política local, ser “moderno” adquiria um caráter de ter uma praça que
correspondesse a uma riqueza material da burguesia pouso-alegrense.
Assim as reformas empreendidas na Praça João Pinheiro, expressando essas
idéias em sua arquitetura, forma e estética, buscavam apresenta-la como o local
onde o cultivo de hábitos e uma cultura útil à vida urbana acontecem, principalmente
através do viver e conviver de seus moradores.
Entre os argumentos dos poderes públicos, estava a necessidade de ter na
cidade um espaço que fosse “o maior e mais agradável possível”
31
, que na sua
construção fossem observadas as “características arquitetônicas européias,
difundidas nos grandes centros brasileiros”
32
, para que naquele local pudessem ser
realizadas atividades de utilidade pública que cultivassem aspectos saudáveis e
agregassem valores para a convivência na urbe.
A ausência de uma praça nessas condições em Pouso Alegre, era motivo de
preocupação por parte do legislativo que entre outras coisas, temia que a “noção de
civilidade de sua gente” pudesse ser colocada em dúvida. De outro modo, o
vereador Otávio Meyer, na época reconhecido na cidade como empreendedor,
30
João Beraldo. In: Gazeta de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 11 de junho de 1916.
31
Folhas avulsas. Atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre, 1907.
32
Idem.
26
devido ao seu envolvimento com a construção civil, além de inúmeras posses de
terras e de estabelecimentos comerciais na cidade, ressalta que a existência de uma
praça assim traria:
“uma prova invejada de riqueza e iniciativa dos pouso-
alegrenses, perante os hospedes que por aqui passam e sua
população que aqui vive de um mundo civilizado”
33
Estes foram alguns dos argumentos utilizados na época que serviram de base
tanto para a sustentação que alegava a falta de uma praça à altura da “riqueza
material e cultural” identificada na figura dos “ilustres” munícipes, como para
sustentar a necessidade de construção de um espaço que correspondesse ao
“progresso e a noção de civilização” que eles sustentavam.
Além de buscar uma justificativa para eventuais gastos do poder municipal,
do qual faziam parte, Otávio Meyer, alegava-se ainda que a praça iria aglutinar nos
seus arredores um propósito de “educar e elevar o nível cultural da população”. Ao
insistir em seus argumentos, o mesmo vereador buscou justificar esse ponto de vista
indagando:
“Ao visitar São Paulo, o que vemos? Lá, deram inicio a muitas
obras em largos que se estabelecem como lugares de
privilegiada e elevada ordem, beleza e organização. E aqui?
Aqui há apenas uma praça envolta por pequenas e precárias
casas, em que o povo que a avizinha pouco tem condições
sobre sua própria manutenção[...] E nós que estamos a
estabelecer nossas residências por ali, podemos conviver com
tais aspectos? Nós que temos e tivemos contato com obras de
magnífica amplitude nas idas e vindas de estudos a visitas a
capital paulista, podemos nos aquietar frente a esta
emergência?[...] Mudar o que já há e habituar o povo ao novo é
dar-lhe necessidade à escola, à saúde e seus sentimentos”.
34
Nessas ponderações, a noção de progresso encontrada está vinculada a um
“desenvolvimento” material de riqueza e prosperidade econômica que, na maioria
das vezes, ocorria e era visível apenas dentro destes círculos da política local. Era
sob essa ótica da cidade, enquanto representação de “civilização” que alguns
membros da Câmara Municipal pouso-alegrense se identificavam, portanto, fazendo
defesa dos interesses de ideais modernizadores, assumidos como responsabilidade
da construção de uma praça que tinha como primazia o cultivo da educação formal-
religiosa, da saúde e de práticas sadias em Pouso Alegre.
33
Ata da câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, Câmara Municipal 16/04/1907. Fala do vereador
Otávio Meyer.
34
Idem.
27
As exigências e pressões então estabelecidas sob os aspectos físico e
arquitetônico, que deveriam ser observados em sua edificação, deixam transparecer
o desejo de que ela (a praça) simbolizasse na cidade as idéias de progresso e
civilização expostas por essa elite administrativa.
Esses setores falavam em nome da cidade e, ao mesmo tempo, defendiam os
interesses de fazendeiros e comerciantes. O largo, que até então era o espaço
privilegiado na vida cotidiana em Pouso Alegre, passa a ser avaliado negativamente,
tanto em relação a sua estrutura física, quanto à sua freqüência usual, ou seja, da
população pobre dos arredores, bem como das construções e condições de suas
residências, em comparação com São Paulo, para onde olhares se voltavam.
Essa idéia de “civilizar” e modificar os espaços baseada em um aspecto de
“desenvolvimento material”, foi expressa por Eduardo Carlos Vilhena do Amaral, que
ficou na vereança entre os anos de 1912 a 1922, chegando depois a vice-
presidência do Estado Mineiro. Entre outras coisas, este vereador, num projeto de
sua autoria, apresentava uma visão para a reforma da Praça João Pinheiro,
alegando em uma das partes:
“quando aqueles que tem posses não podem colocar em
prática idéias grandiosas, o governo deve fazer por onde
realiza-las, porque este é senão a maior finalidade do Estado e
daqueles que o governam”.
35
A temática do progresso e da civilização, presente nas discussões do meio
político e suas conseqüentes modificações, também estiveram visíveis na imprensa
local.
Referências à saúde como índice de progresso, civilidade e modernidade
começam a aparecer em artigos da imprensa, por volta de 1918, embora as
iniciativas concretas de implementação dos postos médicos e odontológicos só
apareçam na década de 1930.
No jornal “A Gazeta de Pouso Alegre” foi possível ver algumas das questões
pelas quais passava o Largo do Rosário, agora denominado Praça João Pinheiro e
sua relação com a cidade.
A articulação dos discursos e das alianças entre a imprensa e essas classes
dominantes no que tange as idéias progressistas das quais comungavam fica
evidente quando se ressalta a importância das paisagens cultivadas, nos arredores
35
Folhas avulsas. Atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre. 10/05/1912.
28
das praças. Esse aspecto dava o tom de beleza e agradabilidade para se passar os
momentos de lazer, incentivava o convívio coletivo ao ar livre, bem como o cultivo de
hábitos sadios.
Essas características, por sua vez, eram evocadas no sentido de contrastar
com as avaliações sobre o estado de progresso de Pouso Alegre. Repletas de
descrições bucólicas, nessas representações, as paisagens rurais avançam sobre o
espaço destinado a cidade, as práticas rurais, modos de vida pacatos de sua gente
ganham destaque e o dia-a-dia da pequena Pouso Alegre, aparece ainda, envolta,
em âmbito acanhado, com ruas pouco extensas, estreitas e sinuosas que iria ter
como parte oposta o Parque Municipal na Praça João Pinheiro que estava sendo
construído.
Ao se referir ao dinamismo econômico do Estado de São Paulo e sua íntima
ligação com a ampliação da malha ferroviária, o jornal “A Gazeta de Pouso Alegre”
aponta que na maioria das cidades do interior, referindo-se à Pouso Alegre, ainda
conservavam-se muito mais os aspectos que as assemelhavam a uma extensão do
mundo rural:
“Na maioria dos municípios, a metade ou mais da população
vive no campo. No entanto, algumas cidades, como Pouso
Alegre, estavam também se modernizando. As fazendas, até
então braço forte da economia, transbordavam sua produção
para as cidades, que adquiriam uma caracteristica de lugar
civilizado como: postos médicos, largos, praças e jardins,
igrejas, escolas, casarões, casas de comércio, bancos, rede de
esgoto, calçamento das ruas, jornais, estalagens ”
36
As praças, largos e jardins arborizados estavam, portanto, sendo apontadas
em meio aos símbolos de “progresso” de uma cidade. O que é moderno para aquele
jornal e naquele momento é a idéia da cidade como lugar da “civilização” e desse
modo a critica era com relação à situação que se encontrava Pouso Alegre e seus
espaços. Para o jornal ser civilizado, dialogava com os discursos políticos realizados
na Câmara Municipal pelos vereadores, adquirindo o sentido de ter uma praça que
pudesse imitar modelos propostos em outras localidades, enquanto um indicio de
uma cultura que correspondesse à riqueza material das classes dominantes e,
sobretudo, pudesse expressar e deixar claras as concepções e intenções de
acompanhamento de um ideal modernizador para a cidade.
36
Jornal “A Gazeta de Pouso Alegre”. Pouso Alegre, 01/10/1918, p. 01.
29
Isso nos fez lembrar que procurando refletir ao tratar a relação campo-cidade,
enquanto mobilidade e realidades imbricadas, o historiador da literatura, Raymond
Williams, descreve que: “assim a vida campestre tinha seus significados, mas eles
mudavam, tanto em si próprios como em relação a outros(...)Move-se ao longo do
tempo, através da história de uma família, de um povo, move-se em sentimentos e
idéias através de uma rede de relacionamentos e decisões, presente-passado”
37
.
Na literatura exposta no jornal, que tinha como característica divulgar
poemas, escritos por vezes em línguas como o francês, além das temáticas como o
impacto das reformas realizadas em espaços públicos como o Parque Municipal, a
expansão das noções de desenvolvimento e de “civilidade” e suas relações com os
espaços e práticas rurais, em Pouso Alegre, eram analisadas sob perspectivas e
ângulos de uma classe dominante que tinha, na imprensa, uma aliada e
propagadora de suas idéias.
Para a reforma do parque, da maneira como queriam os vereadores, houve
pouca discussão com relação ao orçamento estimado da obra, nem no que dizia
respeito a sua construção, menos ainda quanto às demais necessidades estruturais
da cidade em si. O que se definiu nas sessões, foi um valor fixo de recursos
financeiros, algo estimado em 803$000
38
, para a realização da obra. Ou seja, o valor
do orçamento estimado para a construção, parece ter sido compreendido apenas
como um dado contábil, sem que tivesse qualquer discussão acerca de seu peso,
significado ou implicação junto ao orçamento total do município, além de sua
importância ou relevância para a vida cotidiana e cultural de Pouso Alegre e de seus
munícipes. Apesar das discussões se darem em domínio do legislativo, este
encaminhou todas as referencias para a realização da obra, entre elas as despesas
com as reformas que ficavam a cargo inicialmente da Câmara, contudo, quem arcou
por fim foi o Executivo.
Além disso, o procedimento de contratação de profissionais para a realização
da obra, não obedecia qualquer padrão de editais. Baseava-se na contratação de
particulares sob a confiança e responsabilidade da Prefeitura Municipal que acaba
por revelar uma ação administrativa pautada no gerenciamento total dos recursos
financeiros, onde na documentação, não é encontrada sequer qualquer nota ou
37
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
38
Folhas avulsas. Câmara Municipal de Pouso Alegre, 1908.
30
referencia com relação à fiscalização e seu papel atribuído ao legislativo quanto ao
andamento dessas obras.
39
Com a reforma do Largo levada a cabo pelo poder público pouso-alegrense, a
qual durou cerca de uma década (iniciada em 1908 e dada como terminada em
1918), estas obras foram acompanhadas dentro dos debates políticos nesse
período, sem muitas oposições a sua realização, sendo as solicitações constantes
para verbas suplementares, até seu término, sempre atendidas sem maiores
questionamentos. O valor inicial “estabelecido” ou estimado para a re-estruturação
do Largo passou de 803$000 para 1:400$000
40
, quase o dobro daquilo que havia
sido “estimado, quando seu término:
(...)o largo sofreu uma melhoria, sendo todo ajardinado e
iniciada a plantação de árvores de espécies raras, por Mirabeu
Ludovico, Paulino dos Anjos e João Cruz. Um fato pitoresco foi
que o promotor de justiça na época, dr. Porfírio Machado, foi o
idealizador dos jardins da praça e dirigiu pessoalmente o seu
traçado, inspirado em bulevares. Usando o próprio guarda-
chuva , do qual não se separava, riscava o chão, enquanto o
preto Paulino segurava a linha. De tanto usar o referido guarda-
chuva, ele ficou todo torto e inutilizado, Por volta de 1918, o
largo apresentava um poético parque, com uma densa
vegetação de árvores de grande porte, roseiras floridas e
canteiros verdejantes”.
41
“A grace do Parque era a de sua vegetação verdejante, no
bosque repleto de árvores de perfumes inebriantes: magnólias,
jasminsmanga, flores do imperador, damas-da-noite,
jacarandás e flores que não existem mais. Lindas eram as
madressilvas, espécime hoje quase extinta. No centro
imponente e límpido, um lago com seu repuxo. E espalhados
pelas veredas, grandes bancos de pedra artificialmente
trabalhados. O Parque de tantas espécies vegetais como
roseiras bravas, os jasmineiros e as perfumadas trepadeiras,
era o pulmão vivo da cidade. Mas, não era só o pulmão da
cidade, era também o coração de Pouso Alegre”
42
.
Embora fosse uma medida circunscrita aos propósitos do governo municipal,
uma experiência de caráter pontual que articulava interesses entre empresários do
setor da construção civil, políticos e jornais, entorno de propostas de modernização
da cidade, no entanto, não diminuiu sua importância, devido esta ser a primeira
39
Idem.
40
Os pedidos de verbas suplementares superavam o número de dois pedidos ao ano, num espaço de tempo de
uma década entre 1908 a 1918, enquanto as obras de reforma do Largo duraram. Atas da Câmara Municipal de
Pouso Alegre, 1917.
41
Cf. GOUVEA, Octávio Miranda. O.p.cit; p. 124-125.
42
TOLEDO, Alvarina Amaral de Oliveira. Um História Que Já Vai Longe...Niterói: Gráfica Falcão, 1997. Esse
livro foi publicado com base em anotações pessoais da autora em diários, durante seu período de juventude.
31
praça em Pouso Alegre criada sob a ótica de um equipamento sócio-cultural, bem
como por expressar uma forma de compreender e lidar com a cultura que
caracterizava o governo municipal naquele período. Apesar disso e para construir
uma legitimidade para a reforma da área pretendida pelo poder público, buscava-se
constituir uma história e uma memória da Praça capazes de influenciar a adesão da
opinião pública ao que foi designado.
Nesse sentido a descrição evocada pelas memórias de Alvarina Toledo,
coloca no cerne, justamente, a questão da importância da Praça para Pouso Alegre,
enquanto marco central de sua fundação, ressaltando nomes e interesses de
políticos, fazendeiros e empresários naquele local, bem como a maneira pela qual
essa escrita foi se cristalizando. Assim como Alvarina, outros memorialistas
buscaram construir sua escrita acerca dos feitos e nomes de alguns personagens
como referencia e como tal uma das memórias oficiais da cidade.
Menções e lembranças que colocavam em cena apenas o ponto de vista
harmonioso das redondezas, detalhando com riqueza espécimes vegetais, sua
diversidade e beleza que beneficiava não só os sentidos da visão e do olfato que
inspirava, seus “intelectuais” para a poética, mas também procura, ressaltar uma
visão da importância de se cultivar o bem-estar e da saúde de Pouso Alegre como
um todo, um espaço que resguardava parte da riqueza natural em meio ao “urbano”,
incorporando nas palavras, sentidos de que para além do belo, estava sua
relevância enquanto referência, que deveria ser tão vital para a cidade como os
pulmões e o coração para o corpo.
Há algo de profícuo em sua existência, seja porque higienicamente oferece
uma melhor circulação de ar, seja porque a plantação de árvores, em regiões onde o
sol é inclemente, pode dar sombra e proteger os seres humanos e animais. A praça
com jardim, espaço confortável para o ócio, o flerte,as conversas de fim de tarde,
encontros de trabalho caracterizavam o período. Essa idéia de que o espaço tem
vida ou é vital para certa comunidade, nação ou povo, personificando-a em espaços
públicos como as praças, é bem antiga na tradição ocidental.
43
Na memória de quem cresceu nas adjacências da Praça e morou nos
arredores, como o depoente Moacyr Honorato, o espaço da praça foi se revelando,
43
Uma interessante discussão sobre o espaço central da praça na vida citadina desde a antiguidade é realizada
por RIBEIRO, Antonieta Jaci Machado. Posição e oposição: A praça. Estudo semiótico da praça enquanto texto
da cultura. Mestrado em Comunicação e Semiótica. PUC-SP, 1992.
32
gradativamente. No momento da entrevista, os fragmentos das lembranças vieram
acompanhados de outros elementos e suportes da memória, auxiliando o exercício
do re-lembrar, no caso, a fotografia:
“Eu tenho ali da praça, eu tenho fotos sabe? De 1906 mais ou
menos. Não tinha uma árvore, também ali.
Juliano: Não tinha nada?
Moacyr: Nada, nada!
Juliano: Então o que era aquilo ali?
Moacyr: Era uma área bonita, rapaz, mas deserta! Era meio
deslocado, mas tinha umas passarelas, uns bancos, a Igreja
né?”
44
Figura 1:1 Detalhe do Largo do Rosário datada de 1908. (Fonte: Arquivo pessoal de Moacyr Honorato
Reis).
A fotografia partida ao meio, faz parte de um acervo particular de Moacyr
Honorato Reis, o qual, durante a entrevista fez questão de procura-la, segundo ele
para: “o nosso melhor entendimento”. Datada de 1908 e adquirida de seu falecido
pai, retrata, a construção e plantação dos canteiros, que mais tarde, viriam a se
tornar a “menina dos olhos” de pessoas pertencentes às classes dominantes - vide a
evocação poética, romântica e harmoniosa feita nas memórias de Alvarina Toledo -
escritas que falam dos canteiros e de sua variedade, publicadas enquanto memórias
44
Moacyr Honorato Reis tem 77 anos e é natural de Pouso Alegre. Casado pai de 2 filhos adotados e uma filha
biológica recentemente reconhecida, fruto de um de seus casos na Zona de Baixo-meretricio(próxima ao Parque
e de sua atual residência), Moacyr “bocudo” como muitos o conhecem e como se auto-denomina, ganhou esse
apelido pela fama de brigão e uma vida repleta de confusões e aventuras. Trabalhou por muitos anos como
barbeiro na Estação Rodoviária e chegou, segundo ele, a trabalhar na perícia da policia local. Entrevista realizada
em o7/01/2007.
33
oficiais na cidade-. Moacyr buscava justificar a maneira como colocara aquele local
em meio as suas palavras como uma “área deserta“.
Mostrava com as mãos a falta de arvores mencionadas, o largo descampado
e as trilhas em formato de “X” que o cortavam, descritas, também, por Queiroz em
suas memórias. Moacyr, ainda nos fez observar a presença de trabalhadores
regando e cuidando dos canteiros, a simplicidade das casas que circundavam os
arredores do local e a pouquíssima presença de transeuntes, aproveitando um
passeio.
Há de se ressaltar o pequeno exagero ao dizer que “Não tinha uma árvore,
também ali”; porém, em suas lembranças, Moacyr Honorato procura colocar em
evidencia que a Praça João Pinheiro estava apenas começando a surgir e que as
árvores que aparecem na fotografia, vão se desenvolver, paralelamente a este
espaço. Nesse vai-e-vem, entre presente e passado, o relato de vida é sempre uma
interpretação atual dos acontecimentos passados. Nessa interpretação, memória e
imaginação estão mescladas. Uma e outra constituem a fusão de lembrança e da
imagem.”
45
Figura 1:2 Detalhe do Parque Municipal já com seu ajardinamento e sua nomeclatura oficial
homenagiando o ex-governador do Estado mineiro João Pinheiro, 1918. (Fonte: Arquivo do Museu
Municipal “Tuany Toledo”, Câmara Municipal de Pouso Alegre).
Já outra fotografia obtida no acervo do Museu Municipal é um dos poucos
registros do antigo Parque naquela época. Datada de 1908, porém, sem autoria é
45
LUCENA, Célia Regina Toledo. Memórias de Famílias Migrantes: Imagens do Lugar de Origem. In: Projeto
História do Programa de Estudos Pós-Graduados da PUC/SP. São Paulo: EDUC, nº 17, 1998, p. 397.
34
possível perceber através de seu registro múltiplas temporalidades que marcam o
espaço da Praça João Pinheiro. A paisagem “moderna sobrepõe-se a imagem da
antiga cidade que, naquele momento, se inovava, com passeios largos, passarelas
bem desenhadas, delineando seu cenário e expondo suas características. A praça é
apresentada como exemplo mor dessas modificações, de espaço amplo e aberto
com calçadas revestidas de mosaicos portugueses, vindos do interior de São Paulo
(Campinas), mostrando, entre outras coisas, o quanto as autoridades locais entre
promotores a Vereadores, estavam atentas as tendências adotadas em outros
centros urbanos.
Um dos sintomas associados à implementação de uma “época de
adiantamento” na cidade estava expressa, particularmente, com a instalação da
sede do Regimento Militar, em março de 1918. A constituição de sua sede, a pouco
mais de 300 metros de distância do Parque sob o comando do tenente coronel
Marcos Pradel de Azambuja, foi incentivada por um representante latifundiário que
anos antes tinha passado pelo Executivo Municipal e agora, na vice-presidência do
Estado mineiro, Eduardo Vilhena do Amaral, firmava importantes alianças junto a
outros setores. Para sua instalação, foi desapropriada a chácara onde funcionava o
Seminário, o Ginásio e o Colégio das Irmãs da Visitação, transferindo os
educandários de cunho religioso para outros prédios construídos pelo bispado local.
Isso demonstra, ao mesmo tempo, a mediação e as negociações feitas entre
Igreja e militares que juntos, segundo as memórias de Amadeu de Queiroz, fariam
daquele acontecimento mais a criação do bispado, “os dois pólos onde se apoiou o
progresso da cidade. Que trouxe cultura e fé, firmou a consciência cívica da
população e de toda região sul-mineira”
46
Essa decisão levada a cabo pelos poderes públicos, implicava desalojar
famílias pobres, expulsando-as de áreas centrais, onde habitavam em pequenas
casas, levando-as a procurar locais de difícil acesso e edificação. Dessa maneira, a
mesma cidade que se embelezava, desenvolvida por conta de instituições que se
atribuíam da tarefa de trazer essa “consciência cívica”, era também aquela que
formava o que hoje é conhecido como os bairros de periferia, como no caso do
“Aterrado”, por exemplo. Denominado bairro São Geraldo, este constitui-se num dos
46
QUEIROZ, Amadeu. Dos 7 aos 77.
35
maiores núcleos de concentração popular de Pouso Alegre e também o mais
discriminado com relação a segurança e aos modos de viver de seus moradores.
Os memorialistas atribuíam aos militares à chegada de investimentos
financeiros e estruturais na cidade, apontando como características de
desenvolvimento “novas construções que surgiam “[...]por volta de 1920, alguns
melhoramento urbanísticos já se notavam, como ajardinamento da Praça Senador
José Bento, O Largo Coração de Maria, com seu artístico Santuário, o Parque
Municipal, na Praça João Pinheiro, a sua avenida principal e as ruas largas e retas e
próximo dali o próprio quartel”
47
A construção de um grande complexo de prédios para instalação de uma
instituição militar que por sua vez desapropriou uma imensa área de terras, antes
pertencentes à Igreja e que agora abrigava, entre outras coisas, guaritas,
equipamentos militares, portões e muros repletos de arames vigiados por um
contingente considerável de homens fardados e armados. Essa presença militar,
marca de forma significativa, a cidade e sua memória, bem como o cotidiano da
Praça João Pinheiro.
Segundo a narrativa de Mário Oliveira, um dos moradores mais antigos na
proximidade da Praça, a instituição dos militares nas proximidades de sua
residência, bem como do Parque Municipal proporcionou a ele e outros conhecidos
a chance do primeiro emprego ou do engajamento na carreira:
“ Eu carregava marmita pros oficiais, ali onde é aquela casa da
Copasa[de frente à praça], antes eu era moleque ali era
república de oficiais. Então eu e mais uns colegas ia buscar
comida no quartel e levava até ali pra eles. Quem morava ali
era o, ainda tem um coronel na época ele era Tenente que é
vivo, ele se chama Márcio Francisco de Carvalho. Morava ai
na república, hoje ele casado com uma mulher da família
Beraldo, ele mora lá perto da Medicina.”
48
Essa articulação feita entre a prosperidade trazida pelo Regimento e sua
ligação com o desenvolvimento da cidade e a movimentação nos arredores da
praça, principalmente feita por oficiais, que ali firmaram uma “república”, visto a
proximidade com a sede do quartel, é uma opinião compartilhada na visão de
Moacyr Honorato Reis. Todavia, ao contrário de Mário de Oliveira, seu nível de
envolvimento com os militares é bem menor, narrando em sua entrevista um outro
47
GOUVEA, Octávio Miranda. O.p. cit.pp. 83-84.
48
Entrevista realizada com Mário de Oliveira.
36
lado desta “movimentação” militar. Em sua fala, Moacyr, critica a forma como eram
direcionados o acesso à educação formal e os benefícios educacionais, exaltados
nas memórias dominantes:
“ Então, quer dizer desemprego, desilusões, então quem tinha
segundo, terceiro grau eram pessoas da alta né? Quem tinha
condições de estudá, né? Condições de fazer uma faculdade,
um ginásio, falava ginásio, na época, fazer um cientifico e
tal.Apesar de estar tudo aqui pertinho, tudo ao lado do
Parque[...] Então era diferente, era uma minoria que tinha
condições de estudar. Em Pouso Alegre, o comércio era
patrocinado pelo Exército. Todo o comércio e não tinha
emprego. Se você quisesse trabalhar tinha que pegar o que
aparecia e muito do que tinha dependia dos militar”
49
Desde as intervenções realizadas a fim de se tornar aquele local num parque
arborizado, uma tríade formada pela Igreja, pelos militares e por uma pequena
burguesia agrária, constituía um poder que se realimentava mutuamente não só na
cidade, mas nos arredores do Parque, procurando impor uma forma de pensar e
viver a praça, seja através de meios mais sutis, como a imprensa, seja através da
implementação direta em ações por meio da política e da influência.
Os depoimentos, principalmente daqueles que foram militares como Mário de
Oliveira, apontam a ocupação dos arredores do Parque por oficiais evocando nomes
como dos Coronéis Ribeirinho e Vascolncelos Costa (mais tarde veio a ser Prefeito
da cidade), Valdir Leal (tenente), Luis de Souza Pinto Procópio Filho (capitão) e o
sargento Couto que por ali residiam e não raro participavam ativamente com
opiniões e sugestões, intervindo diretamente nas decisões políticas da cidade.
Localizada a pouco mais de 300 metros da sede do Regimento Militar, a praça João
Pinheiro e seus arredores para esses militares, era transformada, praticamente
numa “vila militar”.
Os donos remanescentes das casas mais próximas à igreja do Rosário
partilham certo sentimento de superioridade social, compartilhando esse
“sentimento” agora com os militares que ali se instalavam. Na realidade, o Parque
não era somente um local de sociabilidade e de intervenções de parte da sociedade
pouso-alegrense, mas, sobretudo, os seus arredores permaneceriam marcados pelo
movimento escolar, militar e Católico.
49
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis.
37
Neste local, seja através dos colégios de formação infantil, na sua maioria,
instituições particulares administradas pela Igreja Católica
50
, seja por vizinhos que,
mais pobres, não tinham acesso a estas instituições, mostrava toda uma tensão de
um espaço que articulava a vivencia de algumas classes privilegiadas de Pouso
Alegre e que aos poucos mostrava suas intenções em educar, sob um aspecto
disciplinarizador essa população pobre, fornecendo as diretrizes e representando
seus interesses para a cidade, seja na política administrativa, ou na legitimação de
uma memória sobre a região.
Educando segundo moldes e uma cultura moralista e conservadora, a Igreja
detinha inúmeros colégios particulares os quais atendiam a demanda dos filhos
dessas classes privilegiadas que por ali residia. Percebe-se nesses relatos menção
aos nomes de muitos senhores e senhoras de famílias “respeitáveis”, normalistas,
meninos e meninas em tempos de colégio:
“Na esquina ali morava a dona Afonsina, esse prédio aqui que
você ta vendo [aponta com o dedo para um prédio residencial
ao lado da igreja de São Benedito], era uma casa velha do
capitão Couto. Ali, agora não sei como é que chama aquilo ali
[prédio do Instituto de Previdência Municipal], era as Carmelitas
que ficavam ali.
Juliano: Carmelitas? Eram freiras né?
Mário: Freiras, agora elas tão lá perto da Volkswagen. É, elas
ficavam aqui, todo dia chegava as cinco horas elas batiam o
sininho., nóis acordava com o sininho.
Juliano: Cinco horas da manhã?
Mário: Cinco horas da manhã. Cinco e meia, se não me
engano, tinha missa ai. As Carmelitas, na época, eram
fechadas não sei se são até hoje”
51
.
50
Nas páginas da historiografia local, figurando enquanto uma das grandes responsáveis pelo progresso da
cidade, a Igreja Católica estabeleceu no município inúmeras instituições de ensino e assistência social, que
fizeram de Pouso Alegre, um importante centro letrado da região sul-mineira. No inicio do século, havia um
Ginásio e um Seminário mantido pela Diocese local, voltados para a ordenança e educação de meninos da elite
da região. Ao elevar-se a categoria de Bispado foram criadas outras instituições tais como a casa de Congregação
dos Missionários do Sagrado Coração de Maria (1905), a fundação do jornal oficial da Igreja denominado “A
Semana Religiosa” (1902), o colégio das Irmãs da Visitação, a escola Agrícola Francisco Sales, além da Escola
Normal Santa Terezinha, todos estes bem próximos à praça João Pinheiro, localizados num raio de pouco menos
de 100 metros de abrangência no arredores. Além destes havia o tradicional colégio São José, a escola em
regime de internato das Irmãs Dorotéias (1911), voltada a educação feminina da elite pouso-alegrense. Obras
como a escola profissional Delfim Moreira (1907), do asilo São Vicente de Paula, e do Orfanato Nossa Senhora
de Lourdes (1920). Cf.GOUVEA, Octávio Miranda. O.p. cit. pp 169-180.
51
Mário de Oliveira é viúvo e tem 65 anos. Pai de 3 filhos, sempre residiu desde seu nascimento nos arredores
da Praça João Pinheiro até os dias atuais, Ele e seus irmãos eram conhecidos na região como “filhos do Díoso”,
apelido dado ao pai que era bom pedreiro. Trabalhou desde cedo com 13 anos para o Regimento Local, levando
marmitas para os oficiais. Entrou para a corporação em 1962, se aposentando em 1990. Entrevista realizada em
17/01/2007, na praça João Pinheiro.
38
Mais do que demarcar presença, as instituições católicas no local,
demonstram, todo um interesse em articular em torno de si diretrizes de
“normatização” do tempo e das práticas, simbolizados através do sino tocado na
Igreja de São Benedito (ao acordar as pessoas nos arredores) e da introjeção de
práticas cristãs, moralmente sadias, lembrando que além da hora de acordar,
estava, antes de tudo, chegando a hora de orar na igreja mais próxima
52
. A presença
marcante da Igreja e de suas instituições e símbolos, nos arredores da praça,
expressam uma preocupação moral de vigilância em relação às práticas que a
população freqüente exercia naquele espaço.
Organizadas como casas de estudos, primordialmente, voltadas ao ensino
sacerdotal, mas depois, atendendo uma demanda laica cada vez maior, as
instituições religiosas Católicas, eram praticamente o único local de aprendizado, ao
menos das primeiras letras, até meados da década de 1930 em Pouso Alegre.
A maioria se localizava a pouco mais de 50 metros de distância uma da outra,
nos arredores da Praça João Pinheiro, sendo assim até os dias atuais. Esta
presença Católica articula-se a outras instituições, tais como a escola profissional e
a elite militar e agrária, construindo uma força hegemônica no lugar.
Esses colégios eram muito mais que simples centros difusores de um
conhecimento “civilizatório”, eram verdadeiros locais de convívio e articulação das
classes privilegiadas pouso-alegrenses. Ali se formaram futuros doutores-
farmacêuticos, veterinários e dentistas, que mais tarde, iriam compor os quadros
políticos da municipalidade e da região. Para, além disso, estenderiam suas
atribuições como jornalistas, literatos e memorialistas da cidade
53
.
A justificativa do poder legislativo para um conglomerado de colégios
construídos junto à praça era que: “ teria como centro a escola que deveria ficar
eqüidistante das áreas residenciais por ela atendidas, permitindo o fácil acesso das
crianças, que em muitas vezes se encaminhariam para ela passando apenas por
jardins, sem atravessar ruas(...)”
54
52
Além da Igreja do Rosário, próximas a praça haviam o Santuário do Sagrado Coração de Maria a Igreja de
Santa Terezinha, o Palácio Episcopal, a Cúria Metropolitana, a Capela do Colégio São José, todos a menos de
100 metros de distância um do outro.
53
Nesse sentido, o historiador local, Rubens Barros Laraia esclareceu que além desses colégios de ensino
infantil, próximos a praça, estabeleceram-se escolas de farmácia, odontologia e mais tarde veterinária, todas
funcionando no mesmo prédio até 1937. Nelas formaram-se muitos desses “filhos bem nascidos”, provenientes
dos colégios de ensino particular da cidade, que mais tarde se embrenharam na carreira política, tendo como
acesso fundamental a fundação ou participação decisiva nos jornais em Pouso Alegre.
54
Folhas Avulsas. Atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, agosto de 1918.
39
Essa fala exposta durante uma sessão da Câmara Municipal pouso-
alegrense, por um dos vereadores, demonstra o quanto às modificações realizadas
nos espaços da cidade eram pensadas e voltadas a uma preocupação que atendia
muito mais aos anseios de uma elite política que não queria seus filhos trafegando
pelas ruas da cidade, utilizando a praça como um local de “travessia”, do que uma
preocupação estritamente educacional, que também o era. Nesse sentido o
“atravessar ruas” é colocado não tanto como um perigo físico, mas, sobretudo um
perigo moral. Além disso, percebe-se o desenvolvimento de um modelo institucional
que quer promover um convívio mais estreito do Parque com as escolas primárias,
compondo um conjunto educacional em torno de um mesmo espaço, voltado a
disciplina e a ordem.
Com o crescimento de instituições e o estabelecimento de escolas de ensino
público na vizinhança da Praça João Pinheiro, como o colégio Hermantina Beraldo e
mais tarde o Joaquim Queiroz, ambos de responsabilidade do Estado, saindo da
esfera restrita das irmandades religiosas, mas ainda de certa forma ligadas a elas,
cresce o número de potenciais leitores, ampliando a rede de abrangência dos
jornais.
Os anos entre as décadas de 1920 até 30, foram marcados pela abertura de
novas ruas e alargamento de avenidas; houve reformas e ampliação de prédios e
largos já existentes, a construção de sedes que pudessem comportar as repartições
municipais. Essas obras de infra-estrutura, são vistas e divulgadas como “sintomas
do progresso e da modernidade na cidade”.
55
Paralelamente, encontramos ao lidar com outros depoentes, vizinhos que
nasceram, cresceram e formaram suas vidas ali, características de uma vida
cotidiana pouso-alegrense pacata, típica de cidade do interior mineiro. Entre eles, a
visão de dois ex-políticos da cidade Milton Reis (deputado estadual e federal) e
Saulo Jésus Salles (ex-vereador e presidente da Câmara Municipal) e dois vizinhos
da Praça desde a infância Mário César Barbosa e Denaide Teixiera Alves.
Em comum, a vivência por um logo período de suas vidas nas adjacências. A
diferença fica por conta de pertencerem a classes sociais bastante distintas, que em
suas narrativas, fica bastante clara, a visão que cada um tinha em relação ao
55
Obras e melhoramento urbano em Pouso Alegre. Jornal “A Época”. Pouso Alegre, 17/02/1928,
40
espaço da praça, bem como daquilo que se seleciona para lembrar. Enquanto os
vizinhos se lembram das práticas e dos hábitos, os políticos, se limitam aos nomes:
Saulo Jésus: “Nessa época o parque não era como é hoje; era
muito mais bonito! Tinha árvores centenárias, era todo cercado
de cerca viva, eu não sei como é que se...é cipreste. É uma
planta toda podada, toda cortada, muito bem plantada, tinha
muita qualidade de flores. Nós tínhamos um jardineiro ali com o
nome de José Jardineiro(...) Ele que tomava conta sozinho de
todo o parque, varria e plantava(...)era o lugar onde a
meninada, os meninos da época vinham brincar(...)”.
56
Denaide Teixeira: “Tinha uns bancos pra gente sentar,
entendeu? Tinha umas árvores, tinha umas piorrinhas que caía
das árvore, a gente brincava com aquelas piorrinhas, botava
nas unhas. Olha, sempre que eu era pequenininha eu gostava
de sentar nos bancos pra pegar aquelas piorrinhas que caia
das arvores e brincar nos bancos. Os bancos eram aqueles
bancos antigos, compridos, antigos, bonitos! E as árvores mais
bonitas ainda!”
57
Mário C. Ribeiro: “Mas Pouso Alegre era assim, sabe? Eram
poucas as pessoas, mas havia solidariedade que é uma coisa
muito boa! Então, por exemplo, na minha casa quando os meus
pais, os meus avós ia fazer pamonha né? Então reunia um
grupo de mulheres da rua, todo mundo ralava o milho, depois
todo mundo saboriava a pamonha né? Então, por exemplo,
frutas, em cada casa tinha plantações. Na minha casa, por
exemplo, tinha muito pé de abacate, pêssego, sabe? E nas
outras casas tinha outras frutas, quando era época de dar
frutos a gente dividia com a vizinhança! E uma coisa que eu
me lembro, que era uma coisa tão boa rapaz, é a preocupação
que as pessoas tinham uma com outra. Por exemplo, se as
pessoas vissem que o meu filho, ou a minha filha tivessem
fazendo alguma coisa de errado, as pessoas se preocupavam
em vim e falar com a gente: -“Olha cumpadre, seu filho ta
fazendo isso”. Coisa que hoje ninguém importa, não é memo?
Então conforme eu tava te falando, Pouso Alegre era assim!
Uma cidade pacata, gostosa de se viver, todo mundo conhecia
o outro. Hoje as coisas ficaram tão longe, pra você ter uma
idéia quase tudo aqui em Pouso Alegre era na região central.
Você precisava da Prefeitura era aqui na praça João Pinheiro,
você precisava de um centro de saúde, era pequinininho, mas
era ali em frente a catedral. Então Pouso Alegre mudou
56
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles de 77 anos em 03/06/2004. Natural de Pouso Alegre, nascido e
criado nos arredores da praça João Pinheiro, reside até hoje na rua Tiradentes. Viúvo, pai de uma filha, atuou na
cidade como contador, mais tarde se engajou na carreira política exercendo dois mandatos no legislativo, sendo
um como Secretário da Câmara e outro como Presidente eleito da casa. Nessa ocasião, após um ano, solicitou
seu desligamento da política, segundo ele por divergências políticas. Formado em Direito se dedicou a docência
na Faculdade de Direito do Sul de Minas, exercendo hoje o cargo de tesoureiro da instituição.
57
Entrevista realizada com Denaide Teixeira Alves em 25/02/2005.
41
demais. Trouxe muitas coisas boas, mas o desenvolvimento
trouxe muitas coisas amargas, ruins pra cidade”
58
.
Em sua narrativa Milton Reis completa:
“Pouso Alegre era uma cidade bucólica, tranqüila! Aquele
tempo Congonhal, Senador José Bento e Estiva, eram distritos
de Pouso Alegre. E com tudo isso, Pouso Alegre, só tinha
18.000 habitantes. Veja como a nossa cidade era pequena(...)
Falando sobre o Parque, eu devo lhe dizer que eu o tenho nas
mais gratas recordações daquele Parque! Hoje, onde se situa a
arquidiocese, a sede da arquidiocese, era uma escola onde eu
estudei. A dona Carlina Azevedo, foi onde eu fiz o segundo e o
terceiro ano, porque as primeiras letras foi minha mãe que me
as ensinou! Minha mãe era professora, o segundo e o terceiro
ano
os fiz na dona Carlina Azevedo que era uma grande
educadora e a escola era lá, naquela casa grande, ao lado do
Parque. O recreio nós vínhamos para o Parque onde havia
bancos pra se sentar, onde havia grama e inclusive
passarinhos, o que hoje não os há. Por sinal, devo dizer que a
muito tempo não vejo beija-flor por essas imediações. Essa ave
tão bela que num esvoaçar de asas, ela fica como que parada
não é? Sobre as flores, eu até sobre este propósito, falando
sobre o beija-flor, eu fiz uma trova, segundo a qual, o beija-flor
é: campeão na sua vida de amores, não sofre qualquer sansão,
por tirar o néctar das flores!”
59
Nas falas, transparece uma Pouso Alegre que mantêm feições de uma cidade
pequena, como um espaço de convivência harmonioso. Se por um lado, práticas de
solidariedade e “camaradagem” eram recorrentes, atitudes de individualismo e
preconceito também o eram. As mudanças na Praça se revelam como novos
projetos elaborados por outros sujeitos sociais, para os quais, a cidade não se
enquadra nos padrões expostos em leis e opiniões publicadas em jornais,
58
Mário César Barbosa Ribeiro nasceu em Pouso Alegre, casado pela segunda vez tem quatro filhos. Sua vida
teve inicio no ano de 1951 numa casa localizada, hoje, na rua Coronel Campos do Amaral (na época região da
Zona de Meretrício, próxima a praça João Pinheiro), onde passou toda a infância e adolescência. Trabalhou
como padeiro, funcionário público, enfermeiro e atualmente dirige uma ONG denominada ARNEPA
(Associação da Raça Negra em Pouso Alegre), voltada a promover eventos, oficinas, palestras e atividades
esportivas de interesse da raça negra em Pouso Alegre. Muitos desses eventos são realizados na praça João
Pinheiro. Entrevista realizada em 05/01/2007.
59
Milton Reis é natural de Congonhal (antigo distrito de Pouso Alegre), tem 78 anos. Casado, pai de dois filhos,
formado em Direito pela Universidade do Largo São Francisco, iniciou-se na carreira política, segundo ele
mesmo por “vocação” em 1954, quando eleito Deputado Estadual em Minas Gerais pelo PTB. Anteriormente, se
envolveu na fundação de jornais estudantis dentro de colégios particulares e dirigiu uma agremiação esportiva
que funcionava dentro do Parque Infantil denominada AME(Associação da Mocidade Esportiva). Depois
cumpriu mais 5 mandatos como Deputado Federal pelos partidos PTB e PMDB, sendo perseguido e caçado pelo
AI-5, retornando ao cenário político em 1982. Além disso, publicou poesias de sua autoria o que o levou a uma
cadeira na Academia Mineira de Letras. Foi um dos coordenadores da campanha das “Diretas Já” e da
candidatura de Tancredo Neves a Presidência da República, mantendo hoje, estreitos laços com o atual
Governador Aécio Neves (sobrinho de Tancredo). Entrevista realizada em 13/01/2007.
42
reveladoras da modernidade. Essas são perspectivas de classe que, certas
narrativas tendem a minimizar ou esquecer.
Ao lidar com nossos interlocutores, percebemos de forma mais ampla, a
trajetória pela qual passou a Praça João Pinheiro de meados dos anos 30 até o final
dos anos de 1940. Esses quatro narradores deixam escapar um sentimento de
perda, sempre tratando a praça e alguns de seus elementos mais marcantes como
as arvores os bancos e os pássaros, no tempo passado, como mais harmônicos
mais agradáveis; utilizando os verbos, principalmente o “tinha” e o “era”,
demonstram o quanto a proximidade entre as pessoas e o lugar era uma constante
na cidade, seja entre vizinhos, parentes, crianças ou amigos.
Assim, em Pouso Alegre, conforme já assinalado, a praça ia ganhando novos
contornos e novas prioridades; em meados da década de 30, um levantamento feito
pelo então prefeito municipal tratou de registrar as propriedades no centro urbano;
duas observações, pequenas, porém incisivas, foram encontradas relacionadas aos
coretos (antigo pelourinho), apontando o coreto da Praça João Pinheiro como” em
estado de crítico e inadequado, portanto alvo de demolição”. Esse emprego do
termo inadequado é capaz de demonstrar que tipos de prédios e construções
estavam deixando de ser valorizados.
60
As autoridades legislativas e Executivas com
intuito de atrair recursos do Governo Estadual, trataram de atender às exigências e
as prioridades apontadas pelos representantes sanitários, pelo menos teoricamente,
estabelecendo o zoneamento de sua área.
A praça com jardim, era considerada pela população como um espaço
confortável para o ócio, o flerte, as conversas de fim de tarde e os encontros de
trabalho até 1935, mais ou menos. No entanto, no final deste período, encontramos
sinais de mudanças com este imaginário, passando a vigorar novas idéias e
perspectivas de uso, em função das transformações “urbanistas modernizantes”,
conforme os padrões “funcionais” e “formais” adotados como modelos de praças:
“A população tem a necessidade de um local de lazer que seja
ao mesmo tempo útil, tanto quanto o ar que respiram. Não será
apenas construindo uma praça arborizada com escolas por
perto que alcançaremos esta finalidade, do cultivo da saúde
higiênica e moral. Todavia, precisamos de um espaço que dê
assistência e oriente de maneira coerente, com médicos,
farmacêuticos e odontologistas, práticas ruins que só trazem o
atraso ao nosso município, tais como: a criação e matança de
60
LIVRO 238 do Arquivo Público Municipal – Registro de Próprios Municipais, aberto em 28/03/1934 pelo
Prefeito Antônio Beraldo.
43
animais nas casas e nas ruas, o murmurinho dos bares e
mercearias que comportam alguns deles os vícios da bebida e
da ociosidade, a limpeza e higiene pessoal que vai desde a
vestimenta aos modos a prática do banho diário[...] isso
significará, acima de tudo, o inicio de uma época de
adiantamento. “
61
Num momento em que obras de urbanização se iniciam no centro da cidade,
por conta do “desenvolvimento” que Pouso Alegre haveria de alcançar, a
necessidade de reestruturação do espaço do Parque Municipal e das práticas
ligadas a ele, abrangendo, principalmente a sociabilidade e o lazer é
constantemente apontada pelos jornais
62
. Na visão do Presidente da Câmara,
endossada pelo jornal, era irremediável a necessidade de se apagar as imagens de
uma cidade mergulhada em práticas rurais, atribuídas como simplórias.
A documentação produzida pelo poder público municipal - formada,
principalmente, pelas Atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre- registra, em
meados da década de 1930, o interesse por parte dos membros da Câmara,
principalmente do Presidente Tuany Toledo, em assumir as responsabilidades e
representar os ditos interesses da cidade na realização da construção de um
Dispensário Médico junto ao Parque Municipal de Pouso Alegre.
Ainda que, somente a partir do final de 1930, essa idéia irá tomar uma maior
concretude, desde a década de 1920, inúmeros projetos de lei foram apresentados à
Casa, com relação à anexação junto ao espaço já “reformado” do parque, de uma
estrutura que pudesse garantir e orientar a população vizinha sobre preceitos de
saúde, associada às noções de civilidade.
Recomendou-se, por muitas vezes a implantação de um serviço de
Assistência Médica com extensão social que teria a incumbência de“[...]prestar
atendimento à população carente, principalmente na zona central, contemplando,
em especial, as questões de saúde e higiene”.
63
Vale ressaltar que as análises dos projetos de lei e das atas da câmara
municipal, revelaram durante todo o período da década de 1930 que, não havia,
entre os membros do poder municipal, grandes divergências com relação ao
assunto, assim como se mostrou que as relações de força e os debates entre os
61
Fala do então presidente da Câmara Tuany Toledo reproduzida no jornal “A Gazeta de Pouso Alegre”. Pouso
Alegre, 23/08/1935.
62
“O Linguarudo”. Edição especial de Aniversário da cidade. Pouso Alegre, 19 de outubro de 1938.
63
Idem.
44
vereadores, eram francamente favoráveis a uma nova reforma no parque,
aproveitando-se das obras do posto médico e odontológico no local. Este limitado
papel de representar os interesses da cidade, fazia com que a grande parte das
discussões girasse em torno de iniciativas e idéias de alguns poucos vereadores.
Segundo Tuany Toledo, autor do projeto e na época ainda Presidente da
Câmara Municipal, a obra era justificada, pois, no seu entendimento:
“é um contraste que ilumina e propaga o ideal de progresso em
nossa municipalidade que ensina valores estéticos e de
convivência aos mais ignorantes e indiferentes. O Parque
Municipal tem acima de tudo uma missão patriótica de estimulo
e lição, impor o progresso a nossa região”.
64
Elevando o Parque à categoria de monumento, à semelhança dos
memorialistas locais que, haviam considerado aquela região como marco
fundamental, coração e pulmão de Pouso Alegre, os vereadores o defendiam em
nome de uma ação moral-civilizadora e de embelezamento da cidade. Na sua
opinião era necessário livrar-se de: “alguns casebres que ainda estão circundando,
de semblantes os mais variados, simplórios e feios, dão-nos a idéia de uma
mesclada multidão, que cumpre a função de reordenar as proximidades da obra”.
65
As concepções de educação e moralização dos hábitos se fazem presentes
nas palavras expressas de Antônio Correia Beraldo, na época, Prefeito em inicio de
mandato. Em seu discurso enfatiza que:
“a população que passa, que passeia, vai percebendo os
detalhes que cada vez mais lhes dão novos aspectos,
educando-se na harmonia moral e natural que tem a obra,
fundamentalmente estética.”
66
Desse modo se estabelecia uma estreita correspondência entre “progresso
material” e “progresso moral”. Ao mesmo tempo a praça/monumento era
apresentada como símbolo que continha o sentido de demarcar a passagem de uma
situação de atraso para outra de civilização. A preocupação com a estética aparece
inclusive em anúncios nos jornais, tipo classificados de casas, passando a se
valorizar alguns aspectos de construções, praticamente escassas naquela época,
nas redondezas como, por exemplo: “Vende-se uma casa de construção moderna,
64
Atas da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 25 de novembro de 1935.
65
Idem.
66
Ibdem.
45
com todos os requisitos exigidos pelo Serviço Sanitário, situada na Praça João
Pinheiro”.
67
Disciplinar o mundo e as práticas rurais era a emergência apontada pelos
políticos locais a partir da década de 1930. A disputa pelo poder, pôde ser
acompanhada na instância municipal através de inúmeras fontes documentais, entre
elas, as resoluções e decretos, ora a pedido de alguns munícipes, ora de
interessados influentes, solicitando providências no sentido de eliminar, evitar ou
atenuar alguns episódios como, por exemplo, o fato de “vacas estarem soltas pelas
ruas, bem como a regulamentação e padronização para a criação de animais
domésticos e a matança de porcos pelas ruas e quintais da cidade”
68
“Tomar medidas positivas e, sobretudo, enérgicas parece denotar que a
“Ordem” era a condição necessária para o “Progresso”
69
, portanto, a população
necessitava adquirir hábitos de modo a se inserir no novo tempo, junto a
prosperidade, investindo seu tempo, no aprendizado de novas práticas, na instrução
pública, na higiene e no trabalho”
70
, compreendidas como caminhos indispensáveis
a serem trilhados a fim de se alcançar a meta desenvolvimentista, proposta pelos
políticos locais. Esse era o pensamento explicitado por políticos locais, de Pouso
Alegre, que na época contava com cerca de 18 mil habitantes
71
.
A cidade do final dos anos 30 e início dos 40, como muitas cidades do interior
brasileiro, buscava se adequar para uma realidade um tanto diferente, passando a
se ressaltar por parte de diferentes instancias como a imprensa e o poder público,
características e metas a serem alcançadas.
Nos jornais, os espaços abertos aos poetas, intelectuais, jornalistas,
farmacêuticos e médicos, muitos deles amigos dos diretores ou de seus
proprietários, eram utilizados para falar e opinar sobre a cidade. No que diz respeito
à praça, apresentavam propostas num sentido de disciplinar, mesmo que de
67
Jornal “O Linguarudo” 21/03/1939 página 3.
68
Resolução nº 17 de 23 de junho de 1936. Assinada pelo então Prefeito Municipal.
69
Idem.
70
Ata da Câmara Municipal, tomo 80, p. 56, 1934.
71
Essa é uma estatística aproximada, obtida através de um levantamento solicitado junto ao IBGE. Segundo os
dados fornecidos, Pouso Alegre possuía em 1940; 19,752 habitantes, sendo 11.200, da população urbana e 8.552
habitantes no campo. O orçamento municipal era de 1.050:000$000 réis. A cidade possuía 2600 prédios e duas
praças: Senador José Bento e o Largo do Rosário. Havia 11 médicos, 14 advogados, 12 dentistas, 1 engenheiro,
12 farmacêuticos e dois veterinários. Somavam 3.600 propriedades agrícolas voltadas para pecuária, bovinos e
suínos, e agricultura. A indústria fabril contava com 80 fábricas das seguintes especialidades: banha,
manteiga,cola química, aguardente, polvilho e etc. O mercado municipal funcionava às sextas e sábados e a
limpeza pública era mantida pela municipalidade.
46
maneira informal, a família, a criança e, consequentemente, à sociedade como um
todo.
Propunham mudanças e perspectivas que se refletiam na forma de
intervenções no espaço da Praça João Pinheiro, enquanto local privilegiado para
estes fins:
“Dispensário Escolar de Pouso Alegre, inteligentemente creado
e mantido pela Prefeitura Municipal, prestou neste ano serviços
de importância capital à saúde das creanças pobres.
Quando o Prefeito Tuany Toledo, na presidência da antiga
Câmara Municipal, promoveu a creação do Dispensário Escolar
teve um dos gestos mais felizes de sua vida publica.
Posteriormente, como Prefeito Municipal continuando a manter
e ampliar os serviços do mesmo mereceu de todos os homens
de boa vontade quentes louvores pela sabedoria e inteligência
com que encarou esse problema importantíssimo às creanças
pobres de todas as escolas.
Cresce dia a dia a utilidade da nobre instituição instalada na
Praça João Pinheiro, com os seus variados serviços de
consultas médicas, injeções, curativos, distribuição de
medicamentos, exames de fezes, exames para pesquisa de
bacilos de Hansen, vacinas contra o tifo, medicações contra
verminoses, fornecimento de leite às creanças pobres e
diversos serviços do gabinete dentário, tornou-se o dispensário
escolar uma organização modelar que honra a administração
que o mantem e tranqüiliza a sociedade sobre a qual recaem
os benefícios das suas atividades magníficas
72
A matéria publicada é parte de um relatório elaborado por um inspetor
sanitário que há pouco passara por Pouso Alegre e região, avaliando as condições
dos estabelecimentos de saúde, higiene das ruas, casas e da própria população.
Vindo direto da capital mineira, sob ordem da Secretaria Estadual de Saúde, sua
intenção ali era verificar se as normas de higiene como a limpeza das vias públicas,
a quantidade de animais soltos pelas ruas, o tratamento da água e esgoto, o
atendimento em hospitais, estavam condizentes com as especificações e
parâmetros formulados por esses mesmos fiscais, com base nos dados fornecidos
por estatísticas formuladas pelo IHGB (Instituto de História e Geografia Brasileiro)
que diziam respeito ao número, idade, sexo e concentração da população local.
O trecho do relatório publicado enaltece e traz as intenções expostas desde
1936, quando seria divulgado, ainda sob o comando da presidência da Câmara
Municipal por Tuany Toledo, a definição do Dispensário, sua finalidade e concepção
72
O Município. Pouso Alegre, 21 de dezembro de 1939, p.1. Os erros de grafia não são da digitação, foram
mantidos do original por nossa opção. Assim todos os demais erros gramaticais dessa e de outras notas utilizadas
neste trabalho, foram transcritas dos documentos.
47
de trabalho, bem como os procedimentos a serem seguidos, detalhando e
demonstrando todo um esforço em organizar um conjunto de idéias e práticas de
modo a atender as exigências de um órgão público municipal daquele tipo.
Anexado ao espaço da Praça João Pinheiro, o Dispensário Infantil foi
concebido como espaço de ação educacional e social que, pretendia entre outras
coisas, educar o corpo, a mente e o coração das crianças, cujo aspecto moral e
social consistia em incutir-lhes “o comportamento saudável e educado, os
sentimentos de lealdade e dever, tanto na família, como na escola, no lar e na
sociedade, além de orientar para a educação higiênica que objetivava o aprendizado
“de maneiras de defender, cultuar e amar sua própria saúde”.
73
Ainda segundo a proposta de Tuany Toledo, a idéia do Dispensário não se
restringiria “a cura dos males do corpo”, mas “se inscreve numa concepção muito
mais ampla que abarca os aspectos físicos, morais, sociais e de higiene”.
74
Mais
curioso ainda é a denominação de “Dispensário Escolar” a um local que, tinha por
finalidade atender “à saúde das creanças pobres”.
Todas as referências construídas em torno da doença no discurso da sáude,
contudo, assumem um propósito, pois, ao ser tomada enquanto metáfora, através
dela designa-se sempre um mal a ser combatido, algo a ser riscado, e, nesse
sentido embasa-se os argumentos que apontam o dano na sociedade
75
, por parte
dos poderes públicos. A evocação da pobreza e de seus hábitos enquanto se
inscrevem numa realidade diferente daquela de quem detêm o poder, estabelece
uma imagem de deterioração, que é particularmente útil: “para aqueles que precisam
transformar campanhas em cruzadas”.
76
Assim, abriram-se cada vez mais os espaços em jornais e publicações para a
opinião médica em Pouso Alegre que aconselhasse, dava diretrizes e reeducava a
população pobre em hábitos do dia-a-dia, tendo como um espaço novamente
propicio ao discurso de “pureza” e higiene, atrelados a infância enquanto pano de
fundo para dar justificativa e consistência para tamanhos investimentos a Praça
João Pinheiro. Além do dispensário, direcionado, inicialmente, as crianças pobres, a
Prefeitura, cada vez mais ia assumindo junto a instituições como a Igreja, a
responsabilidade sobre esses setores sociais e sua saúde, fundando na década de
73
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura de Pouso Alegre. p.05.
74
Idem.
75
SONTAG, Susana. A Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 2002, p. 91.
76
Idem. p. 106.
48
1930 inúmeras outras instituições.
Essas instituições como os asilos e casas de internação, destinados aos
“pobres doadas por pessoas de posse da cidade[...]os moradores tinham por
obrigação de rezar todos os dias pelo doador da casa[...]Além da Vila D. Nery, a
diocese possuía outras duas casas, destinadas, exclusivamente aos tuberculosos”
77
.
Além do caráter “isolador” dessa população pobre, havia ainda, o sentido
assistencial nessas obras. Nelas, tanto as crianças pobres quanto suas famílias,
aparecem enquanto “beneficiários” das ações do poder público local e da caridade
das classes dominantes que, detinham o controle sobre as formas de acesso aos
meios de saúde, cultura e assistência formais. Daí partia a idéia de que caberia a
esta elite, aliada ao poder público, levar cultura ao povo, no sentido de civilizá-lo
criticando hábitos e desclassificando valores.
Nos estabelecimentos instalados no Parque, buscava-se muito mais do que
tratar as doenças do corpo, mas, sobretudo sanar as doenças morais: “a verdadeira
higiene intelectual, desde que entendida pelos homens do povo, a higiene do
espírito na formação do caráter patriótico, de disciplina, bom-senso e límpido
78
Valorizava-se a figura do médico enquanto proponente e orientador de
hábitos sadios, direcionados à população, principalmente, no período da infância, os
quais seriam cultivados se seguidos por práticas como:
“a higiene, a ginástica[...]a higiene acima de tudo espiritual,
assuntos ligados entre si, para o estabelecimento do progresso,
que através desses preceitos o ser humano será diferente do
que era. [...]Será melhor como individuo e como colaborador do
bem estar social!”
79
Propostas que aliavam a higiene pessoal, do dia-a-dia, à prática de esportes,
enquanto elementos fundamentais para se propagar o “progresso”. A multiplicação
destes preceitos no social; eram ideais discutidos naquele momento, em esferas
muito mais amplas da ciência e da medicina. Em cidades como São Paulo e Rio de
Janeiro, a questão da higiene se desdobrou em inúmeras políticas públicas acerca
da saúde e da reeducação da população pobre que, de certa forma, ecoou em
Pouso Alegre.
Apesar de aparentar, em teoria, que aqueles estabelecimentos localizados à
Praça João Pinheiro estavam abertos ao público em geral, atendendo as
77
GOUVEA, Octávio Miranda. O.p.cit. 173.
78
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura da Praça João Pinheiro. Op.cit; 8.
79
Idem.
49
“ocorrências odontológicas na parte da manhã(entre as 8:00 e 12:00) e médicas no
período vespertino(das 13:00 às 17:00)”
80
, seu principal objetivo se mostrou na
orientação das “creanças de baixo nível social e econômico, advindas de famílias de
baixa renda, pobres[...]”
81
, para os quais, se formulavam e se propunham práticas
educativas:
O Médico diretor não se limita a atender o doente. Ele faz,
quando necessário, determinadas preleções, que, embora
sintéticas, instruem e orientam devidamente. O doente, que
também é estudante, passando, por conseqüência, por
transformações constantes e variadas, recebe os primeiros
toques que irá, com vagar, formar sua personalidade.
O dispensário, pois, auxilia o desenvolvimento intelectual e
contribui para a formação do caráter do pequenino ser.
Pediatria ao lado da Psicanálise.”
82
Neste trecho, valoriza-se ainda mais a presença médica nestes
estabelecimentos, atribuindo-lhes uma funcionalidade que ia para além de curar o
físico. A infância pobre, segundo essa concepção aparece mais propensa às
doenças, aos vícios, nesse caso vistos como valores negativos se não aproveitada
enquanto um momento “útil” da vida para o aprendizado.
Nessa mesma perspectiva era colocada a necessidade de incutir e cultivar
nessas crianças, sentimentos de dever e hábitos higiênicos que pudessem
compartilhar “no lar, na rua, na escola e por fim na sociedade como um todo”
83
. Os
ensinamentos de princípios elementares que, segundo a retórica médica da época:
“objetivava a creança a apreender, defender, cultivar e adorar sua própria saúde,
preparando-lhes para um convívio coletivo sadio”
84
. A criança passava a ser um
elemento multiplicador no social, de preceitos que buscavam “uma harmonia entre
colaboração e necessidade em prol do progresso e do bem estar da cidade e de sua
população
85
No referido documento de instalação do Dispensário de Puericultura da
cidade, a falta de experiência prática dos vários setores da Prefeitura, a carência de
profissionais qualificados e de locais adequados à observância das atitudes das
crianças eram obstáculos para a instalação dessa obra.
80
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles.
81
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura da Praça João Pinheiro. Op.cit; 3.
82
O Município. Pouso Alegre, 14 de setembro de 1939; p. 03.
83
Idem.
84
Ibdem.
85
85
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura da Praça João Pinheiro. Op.cit; 5.
50
Embora, na teoria a justificativa explicitada por Tuany Toledo, para construir o
Dispensário se fundamentasse na “experiência na observação feita em órgãos com
as mesmas feições já em funcionamento em outras cidades, como São Paulo [...]
86
,
os critérios utilizados para a seleção dos profissionais que atuariam e coordenariam
esse empreendimento são obscurecidos pela falta de documentação. No caso, o
médico Joaquim Duarte e o farmacêutico Benedito Valdetara Silva, não foram
contratados por concurso público, pois não fora aberto nenhum edital, tampouco,
elaborados programas destinados a selecionar tais especialistas. Ao que parece, o
critério que pesou para a contratação não foi a competência, a experiência ou
mesmo a formação destes profissionais, mas o relacionamento estabelecido entre
estes e o Presidente da Câmara que um ano depois viria a se tornar o Prefeito
Municipal: Tuany Toledo.
Essa questão é curiosa, pois até o final da década de 1920, Pouso Alegre
ainda contava com uma instituição de ensino, cujas instalações em um único prédio,
atendia à formação de farmacêuticos, odontologistas e mais tarde de veterinários,
em regime escolar estadual, o que significava até certo ponto uma demanda
considerável de profissionais formados a cada ano na cidade de Pouso Alegre, além
de um centro de articulação “intelectual” que, de certa forma, estabelecia laços
naquele recinto.
87
Todavia, do ponto de vista dessa intelectualidade, a organização da cidade
enquanto local de gente civilizada, educada e, principalmente “sadia”, tanto em
hábitos sociais como em práticas rotineiras de higiene e saúde, a construção do
Dispensário Médico na Praça João Pinheiro faria toda a diferença, pois, fazia parte
de uma política mais ampla. Isso porque, ali, parte central da cidade, seria o local
86
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura da Praça João Pinheiro. Secretaria Municipal de
Saúde. Prefeitura Municipal de Pouso Alegre; p. 10-11. O Prefeito justifica a edificação dos dois prédios que
diminuíram o espaço físico do Parque Municipal em mais de 30 metros em sua extensão, perante o legislativo,
utilizando-se de uma pequena experiência quando visitou os Parques Infantis instalados da capital paulista e que
contavam com esta prestação de serviços à população pobre. Dava como garantia do sucesso do
empreendimento, sua experiência enquanto farmacêutico e como tal conhecedor das necessidades e anseios da
população que lidava em seus atendimentos.
87
Em 1924 este colégio passou a ser regido pelo regime federal de ensino, o qual passou a exigir uma série de
medidas, tais como a construção de um novo prédio, novos equipamentos, fiscalização federal e exames em
faculdades federais para a rvalidação do diploma, estruturas estas que após inspeção por parte de fiscais federais,
foram analisadas como insuficientes para este fim, provocando seu fechamento. O intuito durante sua
inauguração e reconhecimento por parte do Governo Estadual, em 1914, era a escola ser o ponto de partida de
uma futura faculdade de Medicina, o que só veio a se concretizar em Pouso Alegre em 1969 com a
FUVS(Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí), em regime particular, com terreno comprado das
Carmelitas. Hoje, Pouso alegre, não conta com nenhuma instituição de ensino superior regida pelo Estado
mineiro, ou pelo governo federal.
51
escolhido mais uma vez, para intervenções políticas que, na realidade, são indícios
de um pensamento que buscou elaborar saberes e práticas voltadas a um projeto
social de educação do corpo e dos hábitos e a importância de transformar o Parque
numa referência sob esses aspectos. Nesse sentido, é possível afirmar que a
idealização de saúde, proposta pelas autoridades locais, estava calcada em
expectativas longes de serem ingênuas ou, simplesmente, de caráter experimental.
As concepções da Eugênia
88
, base de toda a discussão médicos, sanitaristas,
intelectuais e políticos das grandes cidades, na época, passou a ser vista como
critério definidor das sociedades civilizadas, enquanto forma de definir os papéis
sociais. Nesse sentido, foi também discutida, analisada e publicada a opinião de um
médico em Pouso Alegre, onde na nota ele dá orientações para a população pobre
de:
Como devemos Brincar.
“Cada vez mais nos convencemos da utilidade de batermos
intensamente em prol da educação sanitária individual, coletiva
e social, difundindo conhecimentos úteis e indispensáveis da
higiene, contribuindo assim para o desenvolvimento da Eugenia
no nosso meio. A Eugenia é a força, a beleza e a saúde
perfeita.
E é bem certa a máxima de Juvenal: Mens Saná in Corpore
Sano.
E filhos sãos, só podem vir de pais sadios. Para a conquista e
conservação da nossa saúde, não basta a criação de Centros
Sanitários- é preciso incutir no espírito de todos por meio de
uma educação metódica e racional, os preceitos e normas de
higiene, formando-se assim, uma consciência sanitária. A
creança necessita de uma educação física, de fazer ginástica,
mas, Senhores Pais e Tutores- a educação física que ela
precisa, é uma ginástica especial, metódica, dosada para o
pequenino organismo em formação e crescimento.”
89
Apesar de Pouso Alegre não contar com cientistas que discutiam a questão
da eugenia e sua aplicação com a mesma intensidade e do mesmo calibre, como o
Dr. Renato Kehl, no Rio de Janeiro ( na época, criador do Comitê Central de
Eugenismo), existe um grupo, formado também por médicos que formulam suas
orientações sobre para cidade, à partir de preceitos com apelo fortemente
excludente, de acordo com os princípios da Eugênia.
88
Foi um termo criado no século XIX pelo cientista inglês Francis Galton, que se inspirando nos estudos de seu
primo, Charles Darwin, definiu a Eugênia como : “o estudo dos agentes sob o controle social que podem
melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. In: Hereditary
Genius, 1869.
89
Jornal “O Município”. Pouso Alegre, 26 de janeiro de 1939, p. 2. Coluna Médica, assinada por Exórcio Neto.
52
Em sua fala, o médico assume que, o Dispensário não seria suficiente para a
formação de crianças e adultos, completamente “sãos”. Outras práticas são
necessárias, assumindo o caráter educacional da questão. Defendendo a noção do
mais forte e impondo um discurso de “regeneração social”, o qual associa a
destituição de saberes e fazeres dos pais “pobres” a uma noção desqualificadora,
nesta perspectiva, os adultos pobres, sequer sabem orientar os filhos a um “simples
brincar” que, na visão do médico, deveria ser um brincar organizado, metódico e
acima de tudo, um estimulo a formação de uma “consciência sanitária”.
90
No artigo publicado, é possível identificar a educação física, a ginástica, o
esporte, este compreendido como um conjunto de saberes e práticas que
articulavam um projeto de educação do corpo, desde que, praticado de acordo com
preceitos e métodos científico - um projeto que expressa uma concepção de limpeza
não só corporal, mas moral e social, compondo, assim, um quadro mais amplo de
higiene dos comportamentos. Nele, homens e mulheres quando sadios e cultivados
física e espiritualmente por uma adequada educação, possuem predisposições
“naturais” para a moralidade.
Cabe ressaltar que o surgimento do jornal, em que essa nota foi publicada, se
deu concomitantemente a ausência de liberdade de expressão no Brasil, quando o
país vivia sob a ditadura do Estado Novo. Durante esse período, o jornal “O
Município” afirma-se como publicação oficial, e como tal, tem legalidade para
publicar assuntos referentes às medidas tomadas pelo governo municipal em suas
ações desenvolvidas nos mais variados sentidos, entre elas, na área da saúde, bem
como ao métodos e noções cientificistas que lhes serviam de base.
Ganhando uma certa “periodicidade” semanal, assim como a coluna médica,
outros assuntos eram divulgados também como conhecimentos técnicos,
pedagógicos, estéticos e ideológicos. Contudo, não seria aqui prudente considerar o
jornal apenas como um veículo de propaganda ideológica de um governo municipal
(que também o era). O jornal oficial dos poderes públicos municipais, incorporava
aspectos doutrinários do Estado Novo, militarizado, anti-oligárquico e nacionalista.
Embora essa ideologia estivesse também presente ali, divulgavam-se tais idéias a
partir de filtros locais. Assim, o esporte e a educação, declarados fatores
determinantes na preparação de homens, mulheres, e, sobretudo, das crianças para
90
Idem.
53
o enfrentamento da vida no amanhã, eram submetidos aos critérios científicos dos
profissionais locais de saúde.
Numa visão mais ampla, pode-se dizer que as idéias se inserem no
movimento pedagógico e racionalista do inicio do século XX, uma política cuja noção
de civilidade, baseava-se na antropologia, na medicina e na Eugênia. Propunha a
valorização de aspectos naturais como à importância da circulação do ar, da
incidência dos raios de sol e dos exercícios físicos ministrados com disciplina em
meios que pudessem prover tais aspectos, pretendia-se atingir, sobretudo, as
crianças aprendessem a viver com sobriedade e frugalidade, compondo um quadro
mais amplo em busca de uma higiene dos comportamentos.
É interessante notar que, para alguns contemporâneos, é justamente, o
caráter pacato da cidade que favorece para tal intervenção. Nesse sentido a Praça
João Pinheiro rodeada de escolas, postos médicos e por um parque arborizado,
passa por um processo de mudança, em nome do controle e da aplicação de
métodos “científicos” a fim de se valorizar e cultivar aspectos saudáveis a vida
cotidiana.
Ao erigir os dois prédios destinados aos tratamentos médico e odontológico,
diminuindo o espaço do Parque em quase 20 metros de comprimento e, junto a isso,
criando cargos nesses estabelecimentos para os profissionais, a Prefeitura e a
Câmara Municipal, conseguiram materializar os anseios, colocando-os como
necessidades da população nas opiniões emitidas por médicos e farmacêuticos,
veiculadas nos meios impressos mais influentes de Pouso Alegre. Ao mesmo tempo,
Tuany Toledo, ganhava credibilidade, tratando de marcar seu nome na
administração pública pouso-alegrense, enquanto um dos homens mais atuantes na
área da saúde e do assistencialismo na cidade.
No jornal “O Município”, encontram-se diversas publicações, entre relatos e
relatórios de autoridades sanitárias que, ao visitarem a cidade, elogiam
sobremaneira o investimento realizado:
“Agora, após visitar o dispensário Infantil desta cidade, não
posso deixar de incluir, entre as figuras de Cronin a
personalidade do Sr. Tuany Toledo, visto o modo pelo qual ele
encara um dos maiores problemas da civilização moderna.
Tenho percorrido inúmeras cidades de Minas e estou
autorizado a opinar sobre as administrações, muitas das quais,
embora sob o controle e direção de Prefeitos médicos, não
realizam, pelo menos, esta necessidade imperiosa numa
coletividade[...]Este serviço de assistência à infância, que
54
acabo de visitar, não é apenas um trabalho valoroso de técnica,
como também, o resultado de uma facilidade político-
administrativa, como se poderá supor. Ele é pura e
simplesmente, o resultado de um problema eminentemente
social, compreendido e executado por quem sente que cuidar
da saúde humana, é o primeiro passo da uma honesta e
sincera administração”
91
.
O discurso sobre a infância que visava, principalmente, as crianças mais
pobres, através de um serviço que pudesse cuidar de sua saúde, disfarçava em sua
retórica, características segregacionais. A população pobre não era considerada
interlocutora do poder público, no sentido de não opinar e também por usas formas
de lazer, de alimentar-se e curar-se, são desclassificados sempre que não
condizentes com os padrões médico-ciêntificos.
Muitos dos seus saberes, não são considerados como tal (isto é, como
saberes), mas, como fruto de ignorância. Com a retórica da orientação educacional,
esses discursos sobre a infância, escondem essa desqualificação, esse desprezo
pela cultura popular. Dessa forma, a criança é vista a partir de suas carências, suas
características culturais são vistas como desvios a serem modificados e seu tempo
livre, bem como a condição da pobreza: “todos os prazeres passivos ou artificiais
não deixam mais que o tédio, a ignorância e a ociosidade se precipitem na
destruição da saúde”.
92
Na memória de quem ainda vivenciou aquele momento e utilizou os serviços
oferecidos no ambulatório do Parque, ficaram marcadas as lembranças sobre a
forma como se atendia nesses estabelecimentos, o tipo de medicação prescrita e os
procedimentos adotados:
“Construiu dois prédios ali na praça. Um era o dispensário,
onde tinha um médico, um dentista e tinha um farmacêutico[...]
Naquele tempo, o dispensário atendia as crianças de grupo,
dando assistência médica, dentária, remédio, tudo por conta da
Prefeitura né? O médico era o Dr. Joaquim Duarte e o
farmacêutico era o Sr. Benedito Valdetara e Silva, o dentista eu
não me lembro quem era, porque eu nunca usei! [risos]. Eu
usava o dispensário, eu ia lá buscar lumbrigueiro [risos]... era o
remédio que mais eles davam, licor de cacau. O Doutor
examinava e dava pra meninada o vermífugo, o que caiu de
moda hoje né? [risos]!”
93
Juliano: E nesses postos o que eles tratavam, davam remédio
91
Jornal “O Município, 14/ 09/1939, p. 2.
92
Idem.
93
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles.
55
de graça?
Mário: “Tudo! Dava remédio, tratamento pras doença, tudo
mesmo. O atendimento dos médico era bom! Não é como hoje
não. Não tinha tanto médico como tem hoje.
Juliano: O senhor chegou a precisar do postinho ali? O que o
senhor foi tratar?
Mário: Cheguei, fui lá sim! Fui arrancar um tumor de um berne
que tinha entrado nas minhas costa.”
94
“Nesse postinho ali, também atendia um dentista lá sabe?
Rapaz vou falá uma coisa procê! No dentista você via aquelas
pessoa que vinha da roça, pra extrair o dente né? Então eles
amarravam um lenço, porque o rosto inchava e vinha com o
rosto reboscado, inchado sabe? [risos]...
Então chegava ali rapaz, na época os dentista usava uns
anestésico que era usado antigamente, era tudo precário,
então ele dizia –“Ah, é pra já!”. Então tinha dia que o dentista
arrancava até os dente errado, então você via ali, gente que
saia com o rosto amarrado, inchado e até gente que saia
correndo e gritando de dor! [risos]...
Então era assim sabe? O postinho de saúde era ali perto.”
95
Ao confrontar as falas de três vizinhos que utilizaram os serviços do
Dispensário e o relatório de inspeção sanitária, não é difícil perceber que, a retórica
da administração pública e do jornal, escondem, a distância que existia entre os
discursos da eficiência e da qualidade de tratamento que se oferecia À população
pobre, e as reais e concretas situações vivenciadas por essa população.
Os discursos em questão buscam dar à criação de um simples Dispensário
Escolar uma dimensão social, política e médica que, ao que parece, não havia.
Não raro, durante as entrevistas realizadas, encontram-se relatos,
principalmente, acerca dos tratamentos odontológicos dizendo que: “para se
arrancar um dente ruim, antes, arrancavam dois outros dentes bons ao lado”.
96
Além da questão dos vermífugos, apontado em alguns trechos dos
depoimentos como o medicamento mais prescrito pelos profissionais de saúde do
Dispensário, os relatos evidenciam a precariedade do atendimento oferecido à
população.
Em contrapartida, os jornais
97
faziam questão de demonstrar a enorme
variedade de atendimentos, medicamentos e exames realizados nos postinhos
instalados na Praça João Pinheiro:
94
Entrevista realizada com Mário de Oliveira.
95
Entrevista realizada com Mário César Barbosa Ribeiro.
96
Idem
56
Movimento referente ao ano de 1938
Consultas
973
Medicações distintas 861
Injeções de bismuto e calcio 780
Exames de Fezes 380
Exames para pesquisas de Hansen 08
Vacinados contra a variola 841
Movimento referente ao ano de 1939. Gabinete Médico
Consultas 822
Injeções 759
Curativos diversos 78
Medicações distribuídas 419
Exames de fezes 553
Exames para a pesquisa de Hansen 04
Vacinas contra a Variola 675
Vacinas contra o tifo 31
Medicamentos contra verminoses 564
Leite fornecido à creanças pobres 503 litros
1939. Gabinete Dentário
Curativos 975
Obturações
238
Restaurações 95
Pivots 19
Pequenas Intervenções 75
Relação dos serviços realizados pelo Departamento médico do Parque Infantil João da
Silva, durante o mês de abril de 1949:
Consultas 76
Medicações Distribuidas 63
97
As três primeiras tabelas foram publicadas no jornal “O Municipio”. Edições de 14 de setembro e 21 de
dezembro de 1939 p. 3 e 2, respectivamente. As demais foram encontradas no jornal “A Cidade”. Edições de 08
de maio de 1949 e 14 de agosto de 1949. p. 1 e 4, respectivamente.
57
Curativos 26
Injeções 22
Vacinas contra a varíola 58
Vacinas contra o crupe 06
Vacinas distribuídas 30
Aplicações de Ultra Violeta 12
Aplicações de Infra Vermelho 09
Diaristas e Funcionários municipais
atendidos
10
Visitas a domicilio
02
(a) Dr. Joaquim Duarte.
Relação dos serviços prestados pelo Departamento Médico, durante o mês de junho de
1949.
Consultas 61
Medicamentos distribuidos 37
Vacinados contra o crupe 45
Aplicações de Infra-Vermelho 4
Curativos 6
Diaristas e pessoas de suas famílias
atendidas
25
[a] Dr. Joaquim Duarte, Médico.
Estas tabelas, publicadas no jornal oficial do poder Executivo, de inicio em
1938, eram elaboradas com intuito de informar, ao público letrado, um balancete dos
serviços oferecidos durante o ano corrente, se constituindo num importante meio de
propaganda aos poderes públicos locais, tanto em relação aos serviços
“assistenciais” mantidos pela Prefeitura, quanto aos investimentos, salários e verbas
aplicadas na compra de medicamentos, na realização de exames e no pagamento
de funcionários. Não foram encontrados mais números, pois, há o grande problema
do acervo ser constituído por doações, não contendo todos os exemplares e aqueles
que ali existem estão em condições precárias, tornando assim as edições, noticias e
informações muito espaçadas.
Porém, o que se observa de diferença em relação ao fluxo de informações de
uma década a outra é que seja por pressões populares, seja por modificações nos
58
perfis dos jornais, estes procuraram colocar essa “periodicidade” das informações de
maneira mais amiúde, passando de anos para meses. Além disso, a partir da
década de 1940, esses números tinham, ou deveriam ser assinados pelo médico
responsável geral pelos postos de saúde do Parque Municipal, ou seja, pelo doutor
Joaquim Duarte, que assumiria, definitivamente, as responsabilidades pelas
informações prestadas. Essa prática se tornou mais freqüente, na media em que as
visitas de inspetores sanitários, vindos de Belo Horizonte e em nome da Secretaria
Estadual de Saúde, se tornaram “rotineiras”.
Portanto, publicar num jornal de circulação semanal o envolvimento e o
comprometimento de um profissional médico frente a uma instituição pública, mesmo
este sendo um órgão oficial dos poderes municipais, os dados e os atendimentos
realizados na saúde populacional, nos postos médico e odontológico da Praça João
Pinheiro, além de servir como uma ótima propaganda à Prefeitura, garantia uma
certa legitimidade quanto àquilo que estava sendo informado, bem como no que se
estava sendo aplicado o dinheiro público, apesar de ainda ser passível de
estratégias que poderiam manipular números, dados e nomes a fim de burlar a
fiscalização.
Com base, nisso, as crianças se tornaram objetos da ação e da
experimentação de teorias expostas em âmbitos muito maiores, os quais tentavam
se adequar na medida do possível em Pouso Alegre, através do poder público que
passava agora a ter como prioridade a saúde. Os múltiplos aspectos que envolviam
o desenvolvimento físico, psicológico e moral da criança eram assim tidos como
objetos da investigação e intervenção do Dispensário e de seus profissionais, já que
indicativos, também, de hábitos e costumes de seus pais, familiares e vizinhos
poderiam servir como base para os diagnósticos propostos após o olhar atento dos
profissionais responsáveis pela instituição:
“Os ambulatórios instalados na Praça João Pinheiro, têm por
primazia, além de fazer curativos e dar vacinas em creanças
em idade escolar, principalmente, entre 0 e 12 anos, observar e
corrigir anormalidades que possam vir de mau-formação, seja
ela biológica ou educacional, física ou mental [...]
Características que podem vir a prejudicar sua formação e
interação junto à nossa civilização [...] Cabe a nós, profissionais
da saúde, mais do que curar, mas, e, principalmente, orientar
essa creança problemática, tornando-a apta e saudável em
59
aspectos psíquicos e sociais ao enfrentamento do mundo do
trabalho [...]”.
98
Pretendia-se ter um novo tipo de trabalhador/cidadão, sem os vícios do
elemento servil, acostumado a habitar a cidade junto com seus símbolos de
modernidade, para expor idéias em Pouso Alegre, inspiradas em modelos
cientificistas e em padrões estrangeiros, ora europeus ora americanos:
“Publicação da EFE Carl Curtiss Schoall- Los Angeles. Exame
Médico.
Na ocasião da matricula cada criança sofre um exame
completo por um dos diretores do Departamento Cívico,
usualmente no primeiro dia de aula. Este exame começa com a
tomada do peso e da altura para a realização de uma
classificação aproximada.
A seguir são tomadas as medidas do tórax e da cintura,
seguido de um exame geral da nutrição e das condições da
pele. Segue-se um exame morfológico do pescoço. O tórax é
inspecionado e classificado em três tipos: normal, chato ou
deficiente. Depois o examinador se preocupa com os ombros e
as costas. A coluna e o escapulo entram em linha de
consideração. Aqui os mais comuns das posturas de desvio na
creança são: os escapulos proeminentes, algumas vezes
chamados asas. Não raro a escoliose (curvatura lateral)
usualmente na região dorsal. Esta condição é geralmente
associada a deformação dos ombros. Neste estágio do exame
são discernidas, também as lordosis. Esta condição muito
comum indica fraqueza da coluna lombar. Segue-se a
observação das pernas e dos pés- alguns dos mais comuns
defeitos encontrados nas creanças examinadas são: vários
graus de desvios nos joelhos, pernas arqueadas, coxas
torcidas, hiperextensão e hiperflexão, sobretudo prevalecendo
as condições do pé que são: arqueamento diminuído, curva
pronunciada e pé chato. A seguir são examinados a tornicidad
muscular e a capacidade com o espirometro, então
cuidadosamente é recolhida uma completa série de testes de
força e de medida autropométrica.
É então feita rapidamente por um gráfico a silhueta da creança.
Todos os dados tão cuidadosamente compilados autorizam a
apresentação de um programa corretivo para satisfazer as
necessidades individuais. Estes exames são repetidos duas
vezes no ano para a verificação dos progressos feitos.
Como vimos, o exame morfo-fisiológico da creança americana
do norte, desce a detalhes importantíssimos que as nossas
creanças principalmente do Sul de Minas, apesar de não
possuírem total felicidade, longe não estão de possuí-la
porquanto faz parte do programa patriótico e honesto do
seu digno prefeito Sr. Tuany Toledo- o amparo médico das
creanças pousoalegrenses. Tratemos de nossa educação física
98
O Município. Pouso Alegre, 05 de outubro de 1938, p.04. Trecho de relatório encaminhado ao Executivo,
assinado pelo Dr. Exórcio Neto.
60
o que para isso precisamos adotar um método, sendo o
preferido no Brasil o Método Francês de Educação Física”
99
.
Uma das muitas representações da infância, formuladas no período em
Pouso Alegre, era da criança bela ao mesmo tempo associada a condição de
saudável. Aquele ou aquela que se encontrasse fora dessa “padronização” era
considerado (a)como um desvio, ou deficiente que precisava ser corrigido o mais
depressa possível. Assim, ao mesmo tempo, justificava-se a construção de obras
que visavam o auxilio a estas e outras crianças como o posto médico e odontológico
na praça João Pinheiro e a reafirmação da boa conduta higiênica.
Esta idéia de que era preciso ter ou fazer, proceder e agir de acordo com tal
ou qual medidas, porque outras cidades e/ou países têm ou fazem, foi uma das
argumentações utilizadas, constantemente:
“A evolução da puericultura na infância através da eugênia que
busca a higiene e força da raça. Estes são fatores
indispensáveis para o progresso pela ciência que busca acima
de tudo favorecer as próximas gerações”.
100
Essas referências demonstram, uma preocupação em respaldar as
afirmações em estudos e dados científicos. Ao mesmo tempo, que tenta alertar para
a necessidade da realização de pesquisas, estudos e procedimentos semelhantes,
revelando a intenção da obra e seus ditos “benefícios” fazer servir de exemplo a ser
seguido por outros municípios da região sul-mineira. Os jornais expressam o desejo
de integrar não só o Brasil enquanto nação, mas, também uma pequena localidade
do interior mineiro às nações desenvolvidas e esse processo transcorreria através
da educação e da saúde, devendo, portanto, começar a modificação dos hábitos já
em tempos escolares e das práticas infantis a exemplo da sociedade americana.
Segundo o Dr. Joaquim Duarte, responsável pelo setor de atendimento
médico e odontológico do Dispensário da Praça João Pinheiro, em sua fala ao jornal
“O Linguarudo”, aponta que este sistema de “saúde aliado a orientação educativa”
poderia ser:
amplamente adaptado proporcionando esta felicidade à
população de outras municipalidades de nossa região, em que
poderão contar com uma acertada assistência na higiene tanto
na prática como na parte educacional de orientação”
101
99
O Município. Pouso Alegre, 20 de outubro de 1938, p. 1 e 4. [Grifos meus do original].
100
Jornal “O Município”. Pouso Alegre, 26 de janeiro de 1939, p. 2
101
O Linguarudo. Pouso Alegre, 15 de setembro de 1939, p. 2.
61
Trazendo essa realidade para a praça e relatando um pouco o oficio do
médico responsável, o fiscal sanitário reforça o pioneirismo da obra na região e
reafirma sua importância:
“Valor dos Números.
Essa instituição está sob os cuidados e orientação médica do
Dr. Joaquim Duarte, voltado por completo aqueles que
recorrem à sua inteligência em busca de alivio para os seus
males.
Aos primeiro contato com esse médico sentimo-nos logo
cativados pela sua modéstia e pelo seu desprendimento nesta
difícil tarefa de defender a saúde. Fomos ouvindo admirados a
exposição dos serviços prestados ao povo, com o tratamento
das creanças socorridas no dispensário, e que aumentará a
percentagem de indivíduos atendidos.
Sem falar no exame periódico, o dr. Joaquim Duarte faz,
sistematicamente, o serviço contra a verminose, contra a siflis,
aplicando outrosim, injeções e medicamentos necessários às
creanças raquíticas, anêmicas, distroficas, retardadas e
anormais psíquicas.
Todo esse tratamento é anotado em uma ficha especial,
individual, que facilita o controle do serviço.”
102
A necessidade de se pensar na criança enquanto ser frágil e que, portanto,
demanda cuidados, a confirmação da importância da presença e orientação médica
durante seu desenvolvimento e a reafirmação de que é possível se “consertar ou
curar” aqueles que estão “desviados” dos padrões de normalidade como os
“raquíticos, anêmicos, os distróficos, retardados e anormais psíquicos”, parece ser
encarada como uma tarefa que viria a se tornar uma saga. Para além do tratamento
do corpo físico, estava a missão de tratar a mente dessas crianças “do povo” que
procuravam e necessitavam dessa prestação de serviço assistencial.
Um corpo disciplinado, curado, não poderia se adequar a uma mente
“distrófica, retardada ou anormal”. Mais importante do que curar e medicar o corpo
físico, estava explicita a necessidade de se orientar essa infância, formando seu
caráter, higienizando hábitos e maneiras de pensar e, consequentemente, de agir no
social enquanto elementos multiplicadores de uma mentalidade sadia, de uma
sociedade disciplinada, porém coesa de suas prioridades. Esse “olhar clínico” era
direcionado a ressaltar os aspectos mais problemáticos que essas crianças
poderiam apontar que iam da relação entre o seu crescimento físico e de suas
faculdades mentais, a problemas de convívio, moradia, exposição a vícios, a postura
102
“O Município”. Pouso Alegre, 16 de fevereiro de 1939, p. 3.
62
e os modos de falar e brincar, vistos como desafios a serem corrigidos e uma
dimensão real, a qual essa instituição se propunha enfrentar.
As fichas especiais e individuais, onde supostamente eram anotados e
arquivados os tratamentos das crianças nos ambulatórios da praça João Pinheiro,
não foram encontrados em nenhum dos departamentos da Prefeitura Municipal na
atualidade.
Explorar o potencial da criança, indicando que esta tem um futuro promissor e
todo o tempo à sua frente, indica o que a sociedade deseja de si mesma,
construindo “a imagem de uma infância frente a um espelho que deveria refletir a
sociedade e o tipo de cidade idealizada”
103
.
O atendimento médico-odontológico na praça perdurou até os últimos dias do
Dr. Joaquim Duarte à frente de tal órgão que em meados da década de 1950,
deixava o cargo. Pouco a pouco, com aumento gradativo da população e de sua
conseqüente demanda, os postos de puericultura da praça João Pinheiro deixaram
de atender. Seus equipamentos foram sendo perdidos com o tempo e os
consultórios esquecidos pelos governantes. Assim na reunião da Câmara Municipal
de Pouso Alegre do dia 20 de agosto de 1960, é feito um requerimento de número
408, a pedido do Sr. Dr. Célio de Oliveira Andrade, médico do ambulatório
“Fernando de Barros”, solicitando a doação do acervo do Dispensário ao ambulatório
Municipal.
104
Após analisado e votado o requerimento fora aprovado dois meses
depois na sessão do dia 22 de outubro.
Acabava-se, assim, com o dispensário infantil da cidade localizado na praça
que por mais de uma década prestou serviços assistências a população
e,sobretudo, às crianças. Com efeito, vale lembrar que o objetivo do discurso médico
não era simplesmente incutir nos indivíduos a legitimidade do diagnóstico da
medicina, mas em sintonia com outros discursos, procurava criar um novo sujeito, de
corpo saudável e disciplinado para a produção dentro de uma determinada
moralidade
105
.
Compreender como as leis e idéias que os adultos elaboravam para
103
BRITES, Olga. Imagens da Infância- São Paulo e Rio de Janeiro, 1930/1950. PUC-SP: Tese de Doutorado
em História Social, 1999.
104
ATA da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 20 de agosto de 1960, p. 21 (Verso), tomo 115.
105
FOUCAULT, Michel. Analisou que a disciplina do corpo “fabrica corpos submissos e exercitados, corpos
dóceis. Ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar; e
inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita”.
In: Vigiar e Punir. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1997, p. 127.
63
implementar as ações destinadas as crianças, sobretudo as crianças pobres de
Pouso-Alegre e os projetos dos intelectuais e políticos não só como construíram,
mas como foi administrada a Praça João Pinheiro, numa época em que se tornou
um Parque Infantil, vivenciado e sentido será nosso foco no próximo capítulo; bem
como verificar os grupos que tinham autonomia e poder de decisão dentro desse
espaço e também identificar como os grupos dominantes se apropriaram de
discursos para se projetarem na vida política e social da cidade.
64
Capítulo II
O Parque Infantil: espaço de recreio, lugar de disicplinarização
Entre o final da década de 1930 e inicio dos 40 a articulação entre educação,
saúde e lazer por políticos elaborada por políticos, administradores, pedagogos,
médicos e intelectuais, era pensada numa perspectiva de “educar” certas classes
para o convívio no social. A proposta era incutir e cultivar, sobretudo nas crianças,
principalmente nas economicamente pobres, sentimentos de dever junto a hábitos
higiênicos os quais pudessem compartilhar “no lar, na rua, na escola e por fim na
sociedade como um todo.”
106
Através da Educação, para o Lazer e para Saúde poderiam garantir
resultados satisfatórios, no futuro, se aplicados e intensificados às crianças,
sobretudo, as crianças pobres, os princípios de higiene, civilização e urbanidade.
A ordem era cultivar “hábitos higiênicos, sadios e civilizados para construir a
sociedade do amanha”?
107
Nessas propostas educacionais, acentua-se a necessidade de ser forte, o
que significava desenvolver o corpo e a mente de uma maneira não só completa,
mas, sobretudo útil. Nesse sentido, é possível identificar a educação física, a
ginástica e o esporte como, resultado de um conjunto de teorias e práticas voltadas
para um projeto de educação do corpo, através do qual se seguido com disciplina
metódica e de maneira orientada, refletiria aspectos morais e sociais já, durante a
infância.
A força, nesse sentido, ligada à resistência, à agilidade e ao domínio do corpo
em sua relação direta com a saúde mental e espiritual, está associada aos ideais de
harmonia e beleza. Para isto, era indispensável a orientação médica.
Para se alcançar os resultados almejados, as crianças eram, antes de tudo,
objeto de observação e interesse de um programa que se inseria num universo mais
amplo de princípios da saúde e da higiene. Buscava-se formar, orientar, sistematizar
106
Documento de instalação do Dispensário de Puericultura da Praça João Pinheiro. Op.cit; 5.
107
NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa. Parques Infantis de São Paulo. São Paulo: Annablume, 2002.
65
uma consciência sanitária, através da disciplinarização dos hábitos. A ação
educativa, alcançaria maior eficiência se realizada em locais apropriados e com
métodos científicos.
A partir de meados da década de 1930, com a política dos Parques Infantis,
adotada em inúmeras capitais brasileiras como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de
Janeiro, a questão educacional, higiênica e sanitária se intensifica, por meio de
projetos adotados nessas instituições que, acabam por atrair a atenção de políticos-
administradores, militares, intelectuais, pedagogos e médicos de várias outras
cidades.
A idéia de infância é, antes de tudo, um produto cultural, cuja duração,
significado e papel social são variáveis conforme as culturas que a engendra.
Em Pouso Alegre, ensinamentos de princípios elementares de higiene eram
transmitidos através do Dispensário Infantil. Instalado desde o final da década de
1930 no espaço da Praça João Pinheiro, esta instituição contava com posto médico
e odontológico que, segundo a retórica dos administradores da época: “objetivava a
creança do povo a apreender, defender, cultivar e adorar sua própria saúde,
preparando-lhes para um convívio coletivo e sadio”
108
. A construção destes
ambulatórios numa área arborizada, localizada na região central da cidade, foi o
primeiro lampejo do projeto de um parque infantil, o qual abrigaria outras estruturas
a fim de que as noções que embasavam os procedimentos e intervenções do poder
público local, nos espaços da cidade, pudessem ser ensinadas e praticadas pela
população.
Nesse sentido, a infância, de um modo geral, passava a ser um elemento
multiplicador no social de preceitos que buscavam “uma harmonia entre colaboração
e necessidade em prol do progresso e do bem estar da cidade e de sua
população.”
109
Os Parques Infantis de São Paulo tiveram como um dos grandes
idealizadores e incentivadores Mário de Andrade, um dos expoentes do movimento
artístico-cultural ocorrido entre os anos 20 e 40 do século passado chamado
“Modernismo” e, Nicanor Miranda, Chefe da Divisão de Educação e Recreio do
Departamento de Cultura paulista e membro ligado ao Partido Comunista. O Prefeito
pouso-alegrense ao visitar, por inúmeras vezes São Paulo, buscou dialogo e
108
Idem.
109
Ibdem.
66
inspiração junto às políticas educacionais e de higiene adotadas por lá, bem como
apoio e incentivo aos seus ideais.
Ao mesmo tempo, para desencadear a reforma do Parque Municipal, angariar
verbas suficientes e justificar os gastos despendidos, Tuany Toledo, lançou mão da
estratégia de tornar seu projeto legítimo perante os usuários e cidadãos pouso-
alegrenses, transformando a obra em algo necessário à população local. Para isto,
buscou respaldo em práticas políticas realizadas em cidades como São Paulo que,
aparentemente, vinham dando resultados.
Segundo Tuany Toledo: Educar a criança, recreando-a” passa a ser, além de
um “standart”, o principal objetivo do Parque Infantil que há de ser construído em
Pouso Alegre. Registros deixados pelo Prefeito pouso-alegrense, ao visitar um
desses parques paulistas, dão provas dessa perspectiva, ao afirmar que: “Ali, o
brincar organizado, de importância fundamental para a educação da criança em
todos os seus aspectos: físico, moral, social e intelectual, aparece como meta:
“integralmente” alcançada, os parques infantis foram instituídos em São Paulo com a
criação do código Estadual de Educação pelo Decreto-lei n. 5.884, de 31 de abril de
1933.”
110
.
Em outro documento, utilizado como “inspirador” do projeto do Parque Infantil
pouso-alegrense, datado de janeiro de 1935 e publicado na primeira edição do jornal
“O Município”
111
, mostra como foi colocado em prática o Código Estadual de
Educação em São Paulo. O ato de criação do código, bem como do Departamento
Municipal de Parques Infantis, vinha precedido de uma série de considerações que,
segundo o jornal, justificaria a implantação da idéia na cidade:
“1º) que as forças morais e espirituais de uma nação
dependem, em parte, da maneira pela qual são aproveitadas
pelos cidadãos, as suas horas de descanso, e que é por isso
necessário despertar nas novas gerações o gosto e criar o
hábito de empregar seus lazeres em atividades saudáveis de
grande alcance moral e higiênico;
2º) que os parques de recreio e de jogos inspirados nesse ideal
de promover o bem-estar da infância que se desenvolve
freqüentemente em más condições higiênicas e morais
constituem, sobretudo em bairros pobres, um meio poderoso
de desviar as crianças de focos de maus hábitos, vícios e
criminalidade para ambientes saudáveis e atraentes,
reservados aos seus divertimentos e exercícios, sob o controle
110
Entrevista concedida pelo Prefeito Tuany Toledo ao jornal “O Linguarudo”. Pouso Alegre, 01/05/1939.
111
“O Municipio”. Pouso Alegre, junho de 1938.
67
dos poderes públicos;
3º) que as praças de jogos para crianças, organizadas como
meios de preservação social e educação sanitária, têm
contribuído eficazmente em toda a parte, para a educação
higiênica e social das crianças (...) estreitando o convívio de
crianças de todas as classes sociais”
112
.
No documento supracitado as palavras força, moral e higiene são destacadas
enquanto fundamentos a serem explorados e cultivados nesses parques. As horas
de descanso deveriam ser aproveitadas como horas de aprendizado. O ócio é visto
como um mal que provém, também, do ambiente o qual a criança freqüenta,
sobretudo, as crianças pobres. Os pequenos que residem em bairros pobres são
apontados de maneira negativa, propensos ao crime e portadores de maus-hábitos
que, se não fossem bem orientados, corrigidos e disciplinados poderiam propagá-los
em outros setores do social.
Ao mesmo tempo, desqualifica-se os modos característicos de viver, as
práticas cotidianas e as relações vivenciadas pela população pobre, cuja infância,
que se desenvolve, frequentemente, em “más condições higiênicas e morais”, é vista
como propensa a “maus hábitos, vícios e à criminalidade”. As praças (e parques)
eram colocadas como necessárias, devendo ser “organizadas como meios de
preservação social e educação sanitária [...] sob o controle dos poderes públicos.”
Nessa perspectiva, o poder público era chamado a exercer seu papel de
prover a educação, mas principalmente, de corrigir ou neutralizar a ação dos
familiares, julgados incapazes de educar. As práticas culturais da população pobre
estão quase sempre associadas À criminalidade, aos vícios e à imoralidade.
Por outro lado, identificam-se nessas palavras dois elementos importantes
para a compreensão do processo histórico que, durante a década de 1940, levou à
criação e expansão do Parque Infantil em Pouso Alegre. Primeiramente, caracteriza-
se um modelo de instituição educacional que conjuga o lazer ao atendimento
médico-odontológico das crianças de 7 a 12 anos, no período extra-escolar, que
poderia se estender, também, à população adulta.
A exaltação que se fazia na época (fosse pela leitura que os responsáveis por
colocar tais projetos em prática na cidade fizessem da situação paulista, identificada
na fala de Nicanor Miranda, Mário de Andrade, ou de qualquer outro
intelectual/governante em São Paulo), da necessidade de controle e disciplina, no
112
O mesmo documento citado e utilizado pelo jornal dos poderes oficiais de Pouso Alegre pode ser encontrado
em: MIRANDA, Nicamor. In: Revista do Arquivo Municipal, 1938, p. 80.
68
sentido de a educação da criança ter que ser levada a “um brincar organizado”,
expõe os interesses políticos e a finalidade do parque infantil a ser instalado em
Pouso Alegre.
A busca de implantar medidas e propostas em Pouso Alegre, tendo as
práticas adotadas em outras cidades como “modelo” de inspiração, é indicativa de
como os poderes públicos locais estão formando certas alianças, dialogando com
setores e propostas especificas, resultando daí re-leituras de projetos em São Paulo,
por exemplo.
A respeito dos diálogos estabelecidos, tanto em Pouso Alegre como nas
grandes capitais brasileiras, os espaços destinados à infância foram estudados
como mecanismos disciplinadores por parte de instituições que, logicamente, tinham
à sua frente como administradores pessoas ligadas à teorias eugênicas. Visando
transformar estes pequenos seres em futuros adultos disciplinados, sendo a criança
tratada como ser necessitado de controle, dada sua condição de minoridade,
fragilidade e inocência, reafirmada pelo poder público, pelas instituições
governamentais que garantiriam a manutenção dos projetos e pela família
113
.
A disciplina adotada através do rigor na observação e aplicação de métodos
educacionais às crianças, através do exercício físico, da orientação de profissionais,
do controle de presença, do horário e do espaço de freqüência nos espaços
destinados a esta finalidade era tão forte que, podemos dizer se inspiravam também
nas práticas disciplinares adotadas pelos militares, os quais, durante boa parte da
década de 1930/40, participaram, de uma maneira geral, ativamente das propostas
ligadas à educação infantil.
Um exemplo de que essas noções e influências estabelecidas em esferas
mais amplas, tiveram certo impacto em Pouso Alegre, foi quando se publicou, um
documento formulado no âmbito federal, pelo então ministro da Guerra, Eurico
113
Lima, M.S. A Cidade e a criança. São Paulo, Nobel, 1989. Ver também: Andrade, N.A.B. de., "A higiene
alimentar no serviço social das escolas". Cultura Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros, Ano III, n. 13,
mar., 1942, p. 27. Expressando o mesmo objetivo, a revista de Serviço Social publicou: "Ver a criança sem ver a
família é trabalho inútil, é um eterno recomeçar. Surge então, diante dessa possível inutilidade de trabalho de
assistência, a necessidade de se empregar tudo o que for preciso para evitar isso (...) É, então, importante o
trabalho junto às famílias de modo a educá-las e orientá-las para fazer delas elementos bons, centro de
propagação de idéias e atos de perfeita moralidade, de lealdade, e meio de aperfeiçoamento, de bem-estar e
alegria para todos os seus membros (...) Que trabalho importante tem a assistente social a realizar junto às
creches" (Bastos, M. de L., "A assistente social na creche". Serviço Social, Ano l, n. 05, 1939).BENJAMIM,
Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Sammus, 1984, pg. 6-13. Neste texto faz
observações acerca das relações entre os preconceitos pedagógicos do adulto e a cultura da criança, com seus
valores autônomos.
69
Gaspar Dutra, encaminhado ao presidente Getúlio Vargas, em 1939. Este mesmo
documento é utilizado pelo poder público Municipal de Pouso Alegre como indicativo
dos próximos passos a serem tomados, bem como para se ressaltar e validar as
intervenções que viriam a ser realizadas na construção do Parque Infantil na cidade.
Nele, o tempo livre e o lazer se tornam questões de segurança nacional, expondo de
maneira mais clara, aspectos de um momento de ditadura no país:
“O problema da educação, apreciado em toda a sua amplitude,
não pode deixar de constituir uma das mais graves
preocupações das autoridades militares. O Brasil reclama um
sistema completo de Segurança Nacional, o que pressupõe,
fundamentalmente, um diálogo dos órgãos militares com os
órgãos federais, estaduais e notadamente municipais,
incumbidos da educação e da cultura. Nunca se tornou tão
imperativa, como no atual momento essa necessidade (...)”
114
Na primeira infância, por meio da sua educação, iniciava-se a modelagem do
homem novo, do homem do futuro. Aqui, nos deparamos com o discurso da ordem,
disciplina e coesão, por meio do qual se alcança a higienização dos hábitos,
principalmente aqueles ligados ao tempo livre das crianças, das famílias e ao
mesmo tempo, o discurso da regeneração/preservação dos corpos que trabalham e
da plena formação e desenvolvimento daqueles que viriam a trabalhar.
Nesse discurso federal, porém publicado num jornal de circulação local, fica
clara a concepção militarizada que chamava a atenção para a importância de se
firmar alianças de certos setores junto aos poderes públicos locais, a partir dos quais
deveriam provir as diretrizes mais especificas que norteariam as ações educacionais
e culturais locais, em harmonia com as diretrizes nacionais. Este discurso mais
amplo teve seus ecos ressoados em Pouso Alegre, visto que a sua publicação se
deu, também, num jornal oficial é utilizado pelo poder público local, como forma
legitimadora das práticas políticas da Prefeitura Municipal.
Prova disso, será o diálogo estabelecido por Tuany Toledo junto a um major
membro do poder estadual, para a obtenção de verbas na realização das obras no
parque, as quais, foram orientadas por um coronel reformado do regimento local e
depois de concluídas, vão homenagear o Secretário da Fazenda do estado mineiro,
ao denomina-lo “Parque Infantil Major Dornelles”.
114
“O Município”. Pouso Alegre, 01/05/1939.
70
Característica essa, trazida na narrativa de Saulo Jésus Salles, morador
próximo à Praça por quase seus 78 anos de vida, lembra-se da realização das obras
no Parque orientadas:
“[...]o Tuany Toledo foi justamente orientado por um coronel
reformado[ ...] ele deu a idéia ao Tuany que fechasse a praça e
transformasse aquilo numa área de lazer para as crianças... até
foi ele [o coronel reformado] que administrou a reforma do
parque né [...]
115
Apesar de não se recordar do nome do coronel reformado, o que chama a
atenção na fala do senhor Saulo é o envolvimento de militares reformados ou em
plena atividade na política administrativa local.
Na fala de Mário de Oliveira, morador das proximidades do Parque desde o
seu nascimento, uma das atividades preferidas do público infanto-juvenil masculino,
em Pouso Alegre, além do Parque Municipal, mantido pela Prefeitura era:
o único divertimento aqui em Pouso Alegre era esse Parque,
não tinha mais nada! Se não tivesse isso aqui, o povo ia pra
beira do rio, no Lava -Cavalo. Lá morreu muita gente, lá perto
do quartel! Então, a mãe da gente ficava preocupada com a
gente né?”
116
Nas décadas de 1930 e 40, nas cidades, situadas às margens d erios, estes
geralmente faziam parte da vida de seus moradores de diferentes modos, às vezes
de forma ambivalente: para uns era lugar de brincadeiras, para outros era fonte de
preocupação e medo:
“Em tempos normais (fora do período de enchentes), a
natação era praticada nos fundos do quartel, chamado de
Lava-Cavalo, pois naquele local eram lavados os cavalos do 8º
R.A.M. O rio serpenteava pela várzea e descrevia, naquele
trecho, uma longa curva, depositando areia branca em uma das
margens tornando o local bastante convidativo. Havia também
muitos barrancos, facilitando, assim, a prática de mergulhos.
No verão, um grande número de rapazes, de todas as classes
sociais. Freqüentava o Lava-Cavalo, e se divertia praticando,
além da natação, futebol, ginástica, saltos de distância e altura,
etc. Era por assim dizer, uma praça de esportes improvisada,
pela qual os próprios freqüentadores zelavam, arrancando o
mato das margens, limpando-o ou introduzindo melhoramentos,
como o trampolim todo de madeira de quase 3(três) metros de
altura.”
117
115
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles, pelo autor desta pesquisa.
116
Entrevista realizada pelo autor desta pesquisa com Mário de Oliveira.
117
GOUVEA, Octávio Miranda.O.p. cit.
71
Apesar das narrativas lembrarem daquele local como umas das opções de
lazer na época, onde garotos de todas as classes sociais se misturavam com o
único intuito de se divertir. O Lava-Cavalo, pertencente ao Exército, era “cobiçado”
por crianças e jovens. Não raro, a utilização daquele local para a prática de esportes
e brincadeiras pela juventude era vetada pelo comando do regimento, sob a
justificativa de estarem sendo realizados exercícios militares na área ou, então,
alegando a utilização daquele local para o tratamento e higienização dos cavalos de
uso militar.
Além disso, o veto foi incentivado e aconselhado por muitos pais, mães e
pelas próprias autoridades do Legislativo e Executivo, no sentido de alertar o
comando do Exército em relação aos perigos oferecidos pela natação e mergulhos
realizados em áreas de barrancos, pontes e corredeiras dos rios
118
.
Além dos rios e da natação havia o cinema, o footing e as reuniões no Parque
da Praça João Pinheiro, assim como os bailes dançantes nos clubes. Estas eram as
principais opções com que contavam a sociedade pouso-alegrense naquele
momento. No depoimento de Rubens Barros Laraia, fica clara a diversidade de
atividades na cidade, proporcionadas, principalmente, pelos jogos escolares e o
período estudantil. Apesar de não residir nas proximidades do Parque, durante sua
juventude, Rubens, enfatiza a importância que o Parque tinha na região central de
Pouso Alegre:
Tinha o Horto florestal, parece que já era criado por lei, mas
não era, ainda não estava aberto ainda!”
Juliano: Fora isso...
Rubens: Fora isso nenhum lazer, tinha o cinema, o teatro.
Então o que tinha de lazer em Pouso Alegre, ou era o cinema
ou era o Parque Infantil, ou alguns jogos escolares que tinha no
São José, no colégio Santa Dorotéia, existia jogos quando as
moças jogavam as moças jogavam com gente de fora eram
abertos os portões pra gente assistir. E a região do Parque,
naquela época nós chamava “Região do Parque” hoje a Praça
João Pinheiro né?”
119
Na medida em que a cidade se segmentava, através de formas de diversão
que privilegiavam a divisão entre as classes sociais, o parque abria-se como uma
possibilidade de espaço até certo ponto “democratizado” e talvez o único mantido
pela Prefeitura naquele momento, fazendo circular em seu território estudantes,
118
Jornal “O Município”. Pouso Alegre, 29 de agosto de 1939.
119
Entrevista realizada pelo autor desta pesquisa com Rubens Barros Laraia.
72
crianças, pessoas da sociedade como se recordou Rubens Laraia em seu
depoimento.
Quando se referem ao lazer, muitos entrevistados, tomando como base os
tempos atuais, logo o associam aos espaços públicos mantidos pela Prefeitura, os
quais aparentemente, não existiam na época. Ao falar das práticas de diversão e
lazer, estas eram diversas e realizadas em múltiplos locais como nos rios, nas festas
religiosas promovidas pela Igreja, e em outros espaços vetados a certos segmentos
e classes.
Os espaços públicos tornam-se referências na medida em que os sujeitos
estabelecem relações com o lugar, traduzindo experiências que estas pessoas têm e
seu grupo social tiveram naquele local.
A produção social do espaço tem densidades históricas para a qual devemos
atentar, vislumbrando graus de permanências e rupturas em seu uso. Nesta
perspectiva, poderíamos reconstituir algumas práticas sociais, ainda que
reelaboradas pelos interesses dos sujeitos que vivem no presente, tornando-se lugar
do encontro, das brincadeiras, diversão, conversas de trabalhos e de manifestações
diversas sempre marcantes no universo da cidade.
Nesse sentido, até a década de 1930, deparava-se com uma cidade cujos
locais de lazer e diversão eram os clubes fechados e exclusivistas, como o Literário
e Recreativo, no qual eram realizadas as mais tradicionais festas e bailes, por conta
de sua “alta envergadura, como também pela fina sociedade que o freqüenta”, bem
como o Clube 28 de Setembro freqüentado majoritariamente pela comunidade negra
da cidade, responsável pela promoção de bailes e festas carnavalescas e os
cinemas Glória, Eldorado, Poeirinha e Santuário.
Nas entrevistas de Benedito Mateus de Melo e Mário César Barbosa, ambos
freqüentadores assíduos do Parque Infantil, durante a infância, também por serem
vizinhos daquele local e do “28 de Setembro”, durante a juventude, o detalhamento
trazido acerca da tradição de algumas práticas, como as festas religiosas, são
ressaltadas, destacando-se a particularização de alguns espaços, bem como a
exclusão de alguns sujeitos de outros:
Benedito: “Ah, pra divertir tinha aqui em Pouso Alegre o Clube
28 de Setembro. Clube dos pretos, só dos pretos, ali branco
não entrava não! [risos]... Naquele tempo o que sobrava era o
Riberão das Morte, tinha o Lava-Cavalo, tinha ali a prainha que
nóis podia ir, mas no Parque não, mas esses local era muito
perigoso!
73
E outra coisa, lá na Avenida, nóis tinha uma parte dos preto e
outra parte dos branco. Aquele passeio descendo a antiga
Pernambucanas[lado direito], ali só dava os preto, no meio da
rua.
O primeiro preto a entrá no Literário, foi um rapaz filho de um
Coronel há muitos anos, porque ele entrou e deu problemas, no
tempo do Joaquim Reis. Esse preto entrou, foi barrado, o
Coronel veio ai e conversou com Sr. Joaquim Reis, ai liberou.
Juliano: Fora o 28 de Setembro tinha mais alguma coisa que o
senhor lembra?
Benedito: Tinha o União Operária, tinha o Chico Operário, tinha
a Rádio Clube, tinha o teatro Municipal, nóis tinha aqui o
cinema Poeirinha e mais quatro cinemas o Cine Eldorado, O
Glória, O Poeirinha e o Santuário que tinha cinema também.
Isso faz muito tempo, no tempo do padre Angrilho em 1945,
1946 até 1956/57 tava ai”
120
.
Mário Barbosa: “daí tinha dois cinemas na cidade, um chamava
“Cine Glória” e outro “Cine Eldorado”, onde agente ia lá sabe?
Nossa, rapaz era uma coisa tão boa! A gente não via a hora de
chegar o final de semana pra gente ir lá e assistir um Cowboy
né?
Juliano: Oh!
É, era tudo pra nóis! E aqui, bem próximo essa rua Capitão
Nunes, aqui tinha um cineminha era do seu Pereira. Então ele
chamava assim “O Poeirinha” sabe! Então aquele
aparelhamento que passava os filme pra gente, daqui a pouco
era uma coisa que tava rodando o filme, arrebentava as fita
tudo sabe? Nossa era um Deus nos acuda sabe? [risos]...
Mas antes aqui, por exemplo, tinha o clube Literário e
Recreativo onde não entrava negro mesmo sabe? Inclusive,
nós tínhamos aqui em Pouso Alegre, um clube só de negros
que era o clube 28 de Setembro que ficava aqui na rua Dom
Assis sabe? Mas lá por incrível que pareça, freqüentava muitas
e muitas pessoas brancas. Era difícil encontrar uma pessoa
aqui da sociedade branca que não tivesse ido lá dançar, ir lá
pra aprender a dançar com as mulheres negras. Era um clube
tradicionalíssimo, tinha até uma banda de música lá sabe? A
banda do 28 de Setembro, então era o clube que a gente tinha.
Mas o clube Literário e Recreativo de Pouso Alegre não
entrava negro, como tinha outros locais ai que não entrava.
Agora quem tinha uma influência muito grande aqui na cidade
era a Igreja. Aquela época, eu vou dizer uma coisa, as pessoas
sabe, era fiel a religiosidade. Quando tinha que fazer uma festa
pra ajudar a Igreja as pessoas vinham e colaboravam, você
precisava ver a fé, a fé viva que as pessoas tinham
antigamente sabe? Não tinha desse negócio de, semana Santa
você precisava de ver rapaz! Tinha aquele pessoal da roça, lá
do Pantano, vinha tudo pra cá, alguns vinham até de tarja preta
na cabeça pra mostrar seu sentimento. As mulher vinha com
um véu preto na cabeça sabe? Procurava uma roupa mais
escura, sexta-feira da paixão ninguém trabalhava, você não
escutava um rádio, você precisava de vê! Então as procissões
120
Entrevista realizada pelo autor desta pesquisa com Benedito Mateus de Melo
74
todo mundo acompanhava! Então, a Igreja tinha um papel que
era uma coisa sabe?
Mas a Igreja aqui em Pouso Alegre, eles fazia aquelas
quermesse né? Então haviam aqueles leilões de prenda sabe?
Bastava falá que ia fazer, aqueles sitiantes mandava leitoas,
mandava os frangos sabe? E assava tudo e vendia!”
121
O senhor Benedito e Mário Barbosa apontam em suas narrativas para a
existência na cidade de uma organização social, marcada pela segregação de
classe e étnica. Os negros não podiam freqüentar os espaços de lazer de uso
exclusivo dos brancos, o que os obrigava s criar seus próprios espaços. No entanto,
os brancos se sentiam “à vontade” para aprender a dançar com as mulheres negras.
Mesmo os locais públicos como a Avenida Dr. Lisboa, onde os pouso-alegrenses
iam passear, aos negros não era permitido misturar-se com os brancos.
O que sobrava era a disposição em buscar alternativas que pudessem
cumprir o caráter e o direito ao lazer que, na questão estrutural, onde os poderes
públicos poderiam ou deveriam fazer algo a respeito, deixavam a desejar, bem como
em superar esse desfalque financeiro, proveniente na maioria das famílias dos
entrevistados desta pesquisa.
Nas memórias de moradores da época, haviam lembranças de lugares
(praças, cinemas, clubes e rios) e práticas ( jogos, natação, prática de esportes)
permanentes ou ocasionais como as festas religiosas, procissões e quermesses.
Nos clubes recreativos de Pouso Alegre, também citados nas narrativas,
organizavam-se atividades voltadas, principalmente, aos finais de semana de seus
associados. O Literário e Recreativo, o mais antigo e tradicional clube da cidade,
fundado em 1902 tinha como premissa, na visão do memorialista Octávio Miranda
Gouvêa, freqüentador daquele recinto: “[...] congregar a sociedade pouso-alegrense,
proporcionando-lhes festas pomposas, em que se unia o útil ao agradável, pois se
organizavam com o propósito de instruir divertindo [...] Era, por assim dizer, a casa
da elite de Pouso Alegre.”
122
Portanto, este era extremamente seletivo, podendo
entrar apenas membros associados, a maioria constituída por pessoas de famílias
ricas, filhos de políticos e militares em dias de bailes de formatura, debutantes,
serestas e em ocasiões onde ocorriam declamação de poemas e poesias.
121
Entrevista realizada pelo autor desta pesquisa com Mário César Barbosa Ribeiro.
122
GOUVEA, Octávio Miranda.O.p. cit.
75
Sua antítese era o também mencionado Clube “28 de Setembro”, o qual teve
como um de seus fundadores Mirabeu Ludovico - o mesmo que participou da
plantação e ajardinamento do Parque Municipal no inicio do século XX, mas que
teve sua importância colocada em segundo plano em relação ao “idealizador” da
obra o promotor Porfírio Machado-.
Este clube constituía uma opção de diversão por parte da população negra
pouso-alegrense que, segundo as narrativas do Sr. Benedito Mateus de Melo e
Mário César Barbosa, sofria certa exclusão em locais públicos como a calçada na
avenida Dr. Lisboa, principal via de acesso ao centro da cidade. Este espaço
constituía-se enquanto uma resposta categórica a uma série de restrições impostas
a uma parcela especifica da população.
Também nos cinemas, a separação entre classes sociais ocorria. Os dois
maiores rivais eram “O Glória” e o “Eldorado”, ambos localizados na região central
da cidade, atraindo, cada qual seus clientes com cartazes, contratos exclusivos com
determinados estúdios de cinema, além das chamadas realizadas pelos auto-
falantes, durante o dia todo. “O Glória” atendia uma demanda das classes mais
abastadas, mantendo um público que, na ótica de seus freqüentadores era mais
seleto, em relação ao “Cine Eldorado” o único que existe ainda hoje, em Pouso
Alegre. Já para as classes menos abastadas, e, fazendo alusão às condições de sua
estrutura, tanto de equipamentos de reprodução, como em suas acomodações,
havia o “Cine Poeirinha”. Com preços mais acessíveis, especializado em filmes de
Cowboys, este cinema foi taxado, durante as entrevistas realizadas, como mais
liberais por freqüentadores assíduos como o senhor Mário Barbosa.
As festividades religiosas, em especial, as comemorações da Semana Santa
e do dia do padroeiro da cidade, o Senhor Bom Jesus (6 de agosto), movimentavam
a vida cotidiana dos munícipes com as quermesses, bingos e barracas, sendo estas,
talvez, as ocasiões que possibilitavam a convivência entre classes sociais diferentes,
anteriormente ao Parque Infantil.
A variedade de atividades desempenhadas e o leque de opções maiores no
que tange as práticas de sociabilidades na praça, passam a justificar as obras,
remodelando e atribuindo ao local diversas funções, onde [...] era a variedade das
76
brincadeiras, dos jogos, das atividades que ocorriam nas praças que a conformava
enquanto espaço importante de interação social”
123
, misturando múltiplos grupos.
A praça foi alvo certeiro durante o mandato de Tuany Toledo que se mostrou
voltado às mudanças projetuais que envolviam as praças naquele momento. O
prefeito municipal pouso-alegrense, viu no antigo largo uma chance única que
atendia muito mais a uma visão pragmática de demarcação de sua administração do
que algo realmente “inovador”.
Tuany Toledo, em 1939 já havia anunciado, à população pouso-alegrense
seus planos para a “Revitalização do Centro da Cidade”
124
que incluía a reforma da
Praça João Pinheiro.
Em pauta, nas discussões do legislativo, o Projeto de Lei nº 71 de 25 de abril
de 1939, aprova o Plano de Melhoramentos Urbanos de Pouso Alegre,
contemplando as propostas de Tuany Toledo junto às Comissões de Obras e
Finanças, dentro das dotações orçamentárias do ano corrente, sendo aprovada por
unaminidade nas 3 votações nas quais foi exposto. Como dispõe o seu art. 1, do
projeto que, depois de sancionado se transformou num Ato Municipal, estava
prevista a construção de um Parque Infantil, na região central da cidade.
Logo após a aprovação, as obras tiveram inicio imediato. Com mão-de-obra
fornecida pela própria Prefeitura Municipal, os recursos para pagamento de pessoal
braçal, da mão-de-obra especializada como a engenharia, compra de materiais de
construção, ferramentas e equipamentos a serem instalados no parque (os quais
foram trazidos de Campinas, interior de São Paulo), foram pagos e descontados do
orçamento do município que, na época, estava estimado em 1.050:000$000 réis. A
obra consumiu cerca de um ano para ser concluída e mais da metade do valor total
123
GOBBI, Márcia Aparecida. Desenhos de outrora, desenhos de agora: os desenhos das crianças pequenas no
acervo de Mário de Andrade. Unicamp: Faculdade de Educação, 2004.
124
Entre elas estava prevista a criação da guarda-municipal; a reforma e pavimentação das principais ruas da
cidade, entre elas a avenida Dr. Lisboa; a implementação da primeira agencia bancária na cidade; a resolução dos
problemas de abastecimento de água, luz e telefone que dependiam ainda do fornecimento de cidades como
Itajubá(telefone) e Borda da Mata(luz). Muito foi prometido, mas pouco, realmente cumprido. A pavimentação
da Avenida Dr. Lisboa, o maior cuidado com a saúde médica e odontológica, foram até certo ponto sanadas,
porém as condições de segurança e saneamento básico, foram questões que se estenderam por mais de uma
década para serem atendidas de maneira satisfatória. No período em questão, estavam sendo criados não só todos
os mecanismos que garantiriam, por parte dos poderes públicos, opções de lazer mantidas pela Prefeitura na
cidade, mas a reforma e ampliação de diversas instituições que começariam a compor um corpo burocrático
administrativo como o fórum, a delegacia e a sede da Prefeitura.
77
do orçamento Municipal. Isso, porque ao analisar a pouquíssima documentação
existente hoje, tudo o que encontramos foi um balanço feito pela própria Prefeitura
em 1940 de tudo aquilo que havia sido comprado, desde algodão e materiais de
higiene, aos balanços e gangorras do Parque, tudo descrito num livro com cinco
páginas constando à quantidade e o valor de cada objeto, hoje em poder da
Secretaria de Patrimônio Municipal
125
.
O dia 02 de março de 1941 ficaria marcado na administração Tuany Toledo e
na memória dos moradores, sobretudo, àqueles que circunvizinhavam a Praça João
Pinheiro (Antigo Parque Municipal), na região central da cidade.
Para esta data foi agendada a inauguração do Parque Infantil que, segundo
as propostas do poder público municipal de Pouso Alegre, traria novas
possibilidades de convívio e de práticas, cujas concepções eram trazidas ao
conhecimento público através da versão e da visão da imprensa local.
O que seria o Parque, bem como sua finalidade foram aspectos tratados de
maneira detalhada, mostrando um interesse em articular um conjunto de idéias e
práticas a fim de atender as exigências de um órgão público. Artigos produzidos e
reproduzidos na cidade e na região, conforme manchete de O Linguarudo e outros
jornais, o Parque foi apresentado em tom de ansiedade:
“Foi finalmente inaugurado no dia 2 deste, o grandioso Parque
Infantil, desta cidade construído pelo dinâmico prefeito Tuany
Toledo [...]
Houve várias provas esportivas e os aparelhos entraram a
funcionar com as crianças. Foi servido um farto buffet às
autoridades presentes e outras pessoas gradas.”
126
A noção de “grandiosidade” era colocada no discurso do jornal que, apesar de
não ser o órgão representativo dos poderes públicos locais, se mostra um grande
apoiador de seus feitos, visto que se utilizando de adjetivos, associando a
grandiosidade ao “dinâmico prefeito”, faz uma relação de enaltecimento recíproco
entre obra e figura pública, na imagem de Tuany Toledo, projetando-a naquele
presente na busca de firmá-la no futuro.
O Parque Infantil, foi inaugurado sob o nome de “Major Dorneles”
127
como
uma forma de homenagear o Secretário Estadual da Fazenda, Ernesto Dorneles a
125
Livro de Conferência Patrimonial da Prefeitura Municipal de Pouso Alegre. Secretaria de Patrimônio (bens
imóveis), 1940.
126
CONSTITUI, um dos Maiores Acontecimentos da História de Pouso Alegre, a inauguração no dia 2, do
Parque Infantil construído pelo prefeito Tuany Toledo. O Linguarudo. Pouso Alegre, 09/03/1941, p. 01.
78
quem coube, no período, mediar as concessões de verbas destinadas a realização
da construção do Parque Infantil pouso-alegrense junto ao Estado mineiro. Assim
como em Pouso Alegre, o Major Dorneles incentivou a construção de outros
parques, estádios e quadras para a prática desportiva em muitas outras cidades
mineiras, sendo naquele momento, considerado um “investidor dos esportes
praticados em áreas próprias a este fim, que poderiam e deveriam ter um alcance às
cidades interioranas e as classes subalternas”.
128
Pretendendo enaltecer o “dinamismo” do prefeito Toledo, o jornal trata das
obras realizadas, desde o inicio de sua administração em 1936, apontadas em
outros trechos da nota, no jornal, como estando em “consonância junto a políticas
adotadas em outras cidades, onde se buscava cada vez mais adequar Pouso Alegre
aos padrões higiênicos das grandes metrópoles brasileiras”, criando uma imagem de
que a população seria “totalmente contemplada por serviços assistenciais completos
de apoio à saúde e educação da criança e da juventude”
129
, quando, na verdade,
tratava-se de concepções higienizadoras de controle e disciplinarização, sobretudo,
das parcelas mais pobres da sociedade.
Após justificar seus argumentos para a instalação do Parque na cidade,
durante a inauguração, enquanto o público se divertia com as mais novas estruturas,
prestigiando a festa organizada e os discursos que enfatizavam a relevância e o
apoio da União e do Estado Mineiro à municipalidade, bem como o empenho dos
governantes ao projeto deste e de outros parques que deveriam ser inaugurados por
todo o estado mineiro, parabenizando, o pioneirismo de Pouso Alegre na região Sul
Mineira, o Prefeito convidou autoridades políticas de outros municípios.
Representantes dos poderes legislativos da cidade e do Estado de Minas Gerais
marcaram presença, envolvendo-se com o apoio de políticos locais e também, com
intuito de se promover junto à população presente.
Este evento auxiliou a construção de uma imagem positiva da Prefeitura que
foi decisiva na promoção da cidade nos âmbitos estadual e federal. O objetivo maior
da própria festa era o de firmar certas alianças políticas e preparar terreno para os
127
Segundo consta, esse nome seria dado em homenagem a um dos Secretários do Estado Mineiro o militar
reformado Ernesto Dorneles, o qual ajudou e muito na obtenção de verbas para a obra junto ao governo estadual,
negociando e mediando através de estreitas alianças entre membros do legislativo com ex-integrantes do governo
municipal. Ernesto Dorneles foi estratégicamente escolhido para a solicitação de verbas, pois, segundo consta,
era um grande entusiasta dos esportes na capital mineira, abrindo praças e alguns estádios para a prática
desportiva.
128
“O Municipio”. Pouso Alegre, 01/03/1940. Grifos meus do original.
129
Idem.
79
futuros pedidos de auxilio dos prefeitos na captação de verbas para projetos nos
municípios.
Um verdadeiro desfile de autoridades foi recepcionado pelo, então Prefeito
Municipal Tuany Toledo, entre elas, o Governador de Minas Gerais Benedito
Valadares, o Secretário Estadual homenagiado “Major Dorneles”, todo o corpo
legislativo pouso-alegrense, Prefeitos e demais convidados de cidades vizinhas,
além de juizes, promotores, o comando do Regimento Militar do 8º R.A.M.,
secretários e membros do clero Católico. Na ocasião, essas autoridades eram
diferenciadas, desde o primeiro momento das demais pessoas, tinham um espaço
exclusivamente reservado de um buffet, vetado à população, porém, pago com
verbas aprovadas em sessão extraordinária da Câmara Municipal de Pouso Alegre,
ou seja, com dinheiro público
130
.
Enquanto a população se divertia com as novidades, dentre as quais
destacava-se a própria presença dessas autoridades, os brinquedos novos
colocados para apreciação das crianças como gangorras, balanços, rodas-gigantes,
a piscina, as quadras para variadas modalidades esportivas, entre elas: o futebol de
quadra e areia, vôlei, basquete, fora as construções de vestiários com chuveiros,
sanitários e ao lado um galpão coberto contendo mesas de ping-pong; os políticos
presentes se fartavam com o Buffet. Com o deslumbramento, fica evidente a
representação de uma articulação que traz prestígio para os chefes políticos e
determina quem deve mandar na cidade, uma espécie de colocação dos indivíduos
cada qual em seu “devido” lugar.
130
Foi convocada uma Sessão Extraordinária na Câmara Municipal de Pouso Alegre para fins de aprovação de
verbas de estadia, transporte e alimentação das autoridades presentes em função da inauguração do Parque
Infantil “Major Dorneles”, que se realizaria no dia 02 de março de 1941. Este foi aprovado por toda a casa por 8
votos, sem nenhuma objeção.
80
Figura 2:1 Inauguração do Parque Infantil “Major Dorneles” construído no espaço da praça João
Pinheiro, antigo Parque Municipal. (Fonte: Arquivo particular de Rubens Barros Laraia).
A grande presença de pessoas atraídas para aquele espaço central de Pouso
Alegre, durante o evento de inauguração, pode ser vista na fotografia acima, obtida
do acervo particular do historiador Rubens Barros Laraia. Os moradores atenderam
ao convite dos poderes públicos locais, veiculado pela propaganda referente à
própria inauguração e à realização da obra no Parque, apresentada ao público como
algo grandioso, coroada com a criação do Parque Infantil.
Com a fotografia, constrói-se a imagem de uma sociedade unida, se
“confraternizando-se todos” no mesmo espaço e evento. A imagem que se queria
passar, favorável ao poder público, era de afluência de grande parte da população,
fixando a memória, tanto para os contemporâneos quanto para a posteridade, de
uma grande adesão, não só a uma obra, mas a uma determinada administração.
Isso aponta para três questões em relação à importância da obra: a primeira,
o seu peso político junto à camada populacional e, a outra, como interesses políticos
e particulares eram sanados juntamente com as demandas efetivas da população. A
terceira questão está na visibilidade que o Parque Infantil tinha na centralidade
urbana, bem como as tendências trazidas por Parques Infantis instalados em outras
localidades.
Prova desta construção de memória está expressa na narrativa de Saulo J.
Salles. Muitos anos mais tarde, em 2004, o depoente ao referir-se sobre o Parque
Infantil, inclui em suas lembranças à destruição de árvores centenárias e a
instalação de novas estruturas:
81
[...]em 1940, o Dr. Tuany Toledo modificou o parque por
completo. Mandou cortar as árvores centenárias e encheu o
parque de brinquedos: escorregador, cadeiras de balanço,
roda-gigante, piscina, campo de basquete, [ tosse]! Vôlei, um
gramado muito grande pra brincar de bola [...] e cercou todo o
parque com, não era mais cerca viva, ele tirou e cercou com
tela de arame e construiu dois prédios, um era a sede da
Prefeitura, além da sede da Prefeitura era o dispensário aonde
tinha um médico, um dentista e um farmacêutico e do outro
lado, ele construiu outro prédio e fez as secretarias da
Prefeitura, onde tinha os banheiros para uso não só dos
funcionários, mas também, para uso de quem utilizava as
quadras de esporte, da piscina [...] ”
131
Enquanto espaço vivenciado e praticado, procuramos analisa-lo sob o campo
das subjetividades, como se pensou, como se sentiu e como se realizou
determinados processos, alterando os modos de ver e sentir este local.
Em termos de concepção física, o Parque Infantil de Pouso Alegre, contou
com uma estrutura física semelhante, aos parques paulistas com os barracões que
abrigavam o corpo administrativo e outros equipamentos para diversão (como as
mesas de ping-pong), vestiários, banheiros e os consultórios médico e odontológico.
A concepção urbanística presente no plano de obras de Tuany Toledo que
pode assim ser identificada como uma das raízes da proposta do Parque Infantil,
identifica-se com projetos adotados em outras cidades. Seguindo certos padrões,
como nos Parques paulistas, projetar estes locais em áreas arborizadas e amplas,
construir certos pavimentos e liga-los a certas práticas, parece fazer parte dessas
concepções:
sua estrutura física deveria contar com três pavilhões: um
destinado aos serviços administrativos e assistenciais com as
seguintes dependências: sala de administração, vestiário e
instalações sanitárias para o pessoal docente e administrativo,
salão de reuniões, sala de assistência ao ensino, sala para
biblioteca e museu, gabinete dentário e sala médica; outro
destinado à cozinha, ao refeitório e à zeladoria, com
instalações sanitárias para zeladores, jardineiros e serventes e
o último destinado às instalações sanitárias e chuveiros para as
crianças”.
132
Apesar de não haver a mesma “intensidade”, no Parque Infantil de Pouso
Alegre, o discurso da saúde e da importância do cultivo de preceitos sanitários está
131
Entrevista realizada com Saulo J. Salles em 03/06/2004, professor e contador aposentado. Realizada pelo
autor desta pesquisa.
132
GOBBI, Márcia Aparecida. Desenhos de outrora, desenhos de agora: os desenhos das crianças pequenas no
acervo de Mário de Andrade. Unicamp: Faculdade de Educação, 2004.
82
também presente. O que o diferencia dos projetos dos parques infantis paulistas
está na característica da assistência e observação à criança, ser voltada a todo o
período escolar e não somente em suas horas de lazer, como no período extra-
escolar em Pouso Alegre. Em Pouso Alegre, não havia na prática, instrutores
sanitários, professores, pedagogos, psicólogos um corpo de profissionais, tampouco,
espaço físico suficiente para instalação de obras que garantissem o bom
desempenho de suas atividades.
As escolas de ensino infantil e profissional estavam a um passo do Parque
Infantil. Mesmo não sendo vinculadas, oficialmente ao Parque, eram delas que
provinham a maior parte do seu público freqüentador. Bastava atravessar uma rua
para se ter acesso ao Parque, fosse durante os horários de recreio sob vigilância
dos professores, fosse no horário extra-escolar.
Nos parques paulistas, havia um aparato estrutural e profissional que
garantiria a presença das crianças durante um período quase que integral do dia. Lá
eram oferecidas refeições, atividades pedagógicas que estimulavam o convívio
social, artístico e patriótico. Havia, também, um controle maior em relação a
presença/ausência dos freqüentadores nos livros de presença e visita nestas
instituições.
Em São Paulo, “a concepção de parque infantil que informava a ação de
técnicos e especialistas responsáveis por seus trabalhos, bem como da
compreensão que tinham de seus freqüentadores e da ação cultural a ser
desenvolvida junto aos mesmos [...] era de espaço de recreação, principalmente,
como espaços para a ação educacional e social, isto é como um educandário ao ar
livre[...]”
133
Refletindo sobre a questão do alcance social da obra do Parque Infantil, será
mesmo que as intervenções realizadas, numa localidade interiorana, tinham o único
intuito de se prover, a “saúde” e o “bem – estar” físico da população ou melhor de
parte dela? Com a palavra, Tuany Toledo, prefeito “responsável” pela construção do
Parque Infantil “Major Dorneles, num trecho retirado de sua entrevista concedida ao
jornal “o Linguarudo”:
“Aliás; a educação físico – cívico – moral dos nossos pequenos
patrícios foi sempre uma das preocupações de nossa
administração e, agora, com a construção do Parque Infantil
133
PEREIRA, Mirna Busse. Cultura e Cidade: Prática E Politica Cultural na São Paulo do Século XX. São
Paulo: Pontifícia Universidade Católica, Tese de doutoramento em História Social, 2005. p. 76.
83
Pousoalegrense queremos crer que a infância de nossa terra
será dada mais conforto e alegria, formando-a com espírito de
uma moral sadia e com um patriotismo alevantado.”
134
A narrativa do Prefeito vem ao encontro das idéias propostas em âmbito
nacional de valorização do lazer, sob a ótica disciplinadora do culto à pátria,
envolvendo, principalmente o período extra-escolar das crianças a fim de eliminar ou
reduzir ao máximo, as práticas consideradas ligadas à vadiagem e a ociosidade,
propondo a ocupação do tempo-livre, principalmente das crianças pobres.
Transforma-los em verdadeiros “patrícios” e patriotas com atividades que
agregassem novos hábitos e valores, julgados como necessários para o
desenvolvimento do “bom cidadão” através da educação, eis o objetivo maior a ser
alcançado.
A execução da obra do Parque Infantil deixa transparecer um momento
importante da construção de relações e alianças políticas na cidade, bem como a
formulação de um projeto para o presente e para o futuro. Nesse sentido o Parque
Infantil, bem como suas concepções educacionais se tornaram questões, a longo
prazo, também de segurança. As crianças pequenas passaram a ser um grande
problema, pois prevalecia a idéia de que elas, especialmente quando eram de
famílias pobres, tinham de ser retiradas das ruas ou das margens dos rios,
recebendo assistência em período integral.
Essa preocupação extrapolava as esferas atribuídas ao lazer e as práticas
esportivas. Não bastava, para o poder público, apenas resguardar essas crianças
em sua integridade física, mas, principalmente contemplar as questões educacionais
e morais para que viessem a se tornar bons cidadãos no futuro. A rua, que foi
“tirada” das crianças, podia ser um espaço de lazer, de aprendizagem, de
solidariedade, de crescimento e amadurecimento- isto é, um espaço de criação de
cultura infantil.
Se por um lado, governantes locais e alguns de seus “aliados” viram, na
construção do Parque Infantil, uma chance de imprimir uma forte marca na cidade,
por outro, alguns moradores, decidiram tomar partido na polêmica, mostrando-se
134
REMINICENCIA, Do Passado, Entrevistando o Prefeito de Pouso Alegre. O Linguarudo. Pouso Alegre,
30/05/1970, p. 03. Graças a publicação desta entrevista nessa edição, quase 30 anos após a data de sua
realização, pudemos utiliza-la já que o exemplar da década de 1940 não fora encontrado.
84
incomodados com as obras, quando viram que, para a construção do Parque Infantil,
a Prefeitura estava derrubando árvores, destruindo canteiros e assim
descaracterizando um espaço, com o qual, estavam habituadas. Logo trataram em
fazer registros de seus protestos de diversas maneiras. A mais corrente, no inicio da
década de 1940, era “ir diretamente à fonte”, isto é, reclamar ao Prefeito Municipal,
diretamente em seu Gabinete, embora fosse prática restrita a poucos moradores,
como foi o caso do pai adotivo de dona Denaide Teixeira, o Senhor Cirino, o qual,
segundo alguns outros depoentes, mantinha uma certa influência junto aos setores
político-administrativo de Pouso Alegre:
Aquilo lá, era um Parque, um parque maravilhoso! Que eu
nunca pensei que os Prefeitos daqui, fossem prejudicar aquele
parque, porque aquilo é um patrimônio da cidade. Não
deviam[...] Deviam deixar o parque como antigamente, o
patrimônio da cidade.
E[...] não posso dizer porque eu não me lembro muito bem
disso. Eu lembro que foi no governo de um Prefeito ai que
resolveu mexer, até o meu pai “o bem”, foi pedir pro prefeito
não cortar as árvores que era uma judiação, que aquilo era
uma judiação, que aquilo era um patrimônio, mas a Prefeitura
tava precisando de terreno né? Então eles fizeram isso, o
prefeito não teve outra alternativa, senão, fazer aquilo!”
135
.
Como afirma o filósofo Paul Ricouer, a preservação da memória “assegura a
continuidade temporal, permitindo deslocar-se sobre o eixo do tempo; permite
reconhecer-se e dizer eu, meu”
136
. Percebe-se ai, muito mais que um sentimento
“saudosista” acerca de um espaço tido como público e, por conseguinte “comum”. O
que se percebe é uma particularização do lugar enquanto espaço de
reconhecimento de práticas e valores pelos sujeitos, onde cada um seleciona,
recorta e toma para si um fragmento que marcou um dado momento de sua vida.
Dona Lydia Schultz, uma das vizinhas mais antigas da praça, residindo na rua
Tiradentes, adjacente ao parque, se lembra de como as reivindicações eram tão
mais simples de serem levadas e atendidas, quando feitas a quem “realmente teria a
possibilidade de atende-las”. Segundo sua narrativa, no caso da construção do
Parque Infantil, fica ainda mais clara a proximidade entre políticos e alguns
munícipes que, na década de 1940, podiam reivindicar, diretamente:
“Com o prefeito a gente tinha uma certa comunicação possível,
não era o prefeito lá e a gente aqui, naquela época o prefeito
era, vamos dizer, acessível (...)! Quando precisava reclamar ou
135
Entrevista realizada com Denaide Teixeira Alves, pelo autor desta pesquisa.
136
RICOEUR, Paul. A crítica e a convicção. Lisboa: Edições 70, 1997, pp. 171.
85
pedir alguma coisa era só ir lá e logo éramos atendidos, nesse
caso da praça muita gente reclamou direto com ele, mas não
sabíamos o que seria feito[...]. Tudo que precisasse era direto
no Gabinete que ficava ali no terreno da praça, nessa época a
cidade era pequena e todos se conheciam”
137
.
Em Pouso Alegre estava, ainda em formação, todo um corpo burocrático que
viria compor os cargos administrativos públicos. O que hoje parece tão distante,
intermediado por acessores, secretários e afins, naquele período era uma realidade,
para alguns conhecidos. Conversar com o Prefeito, uma figura de destaque na
política local, era possível, pois este era “acessível”, naquela época. Encontrá-lo
pelas ruas caminhando, ou como no caso de dona Lydia e outros sujeitos
entrevistados nessa pesquisa, conhecendo o Prefeito em outras circunstâncias, no
caso, Tuany Toledo, antes de assumir o Executivo, atendia muitos clientes em
consultas particulares atuando como farmacêutico.
O que estava em jogo não era só uma questão de complexidade da máquina
administrativa, mas também a existência de critérios da vida privada, muitas vezes,
definindo orientações para o poder público. O acesso ao Prefeito, não era
igualmente fácil para todos. Vale lembrar o papel dos jornais, no sentido de mediar
as relações entre as camadas populacionais mais pobres e o poder público,
incorporando suas queixas e solicitações.
A forma mais usual de se reclamar, durante as décadas de 1940-50,, era
enviando cartas para as redações dos jornais locais. Evidentemente, nem todas, ou
quase nenhuma foi publicada. Nas narrativas transparece para alguns a
preocupação com questões estéticas da praça; para outros, o enfoque era,
sobretudo, o aspecto ambiental, enquanto na fala do senhor Saulo Jésus as
questões eram de cunho político.
Seja como for, mais uma vez, a beleza natural e histórica que marcaram a
Praça João Pinheiro foi alterada e a administração pública, utilizando a retórica de
se “mudar para melhor”, buscou criar vínculos entre as pessoas e o lugar a ponto de
137
Lydia Schultz é vizinha da praça João Pinheiro desde sua chegada da Alemanha em meados do século
passado. Seu genro Frederico Schultz, logo abriu um estabelecimento comercial, uma padaria ao lado do Parque,
um dos poucos que haviam na época, o qual passou ao domínio de dona Lydia depois de seu falecimento. Era
um dos poucos lugares em Pouso Alegre que comercializava o pão, talvez o mais tradicional. Mãe de 3 filhos,
viúva e aos 90 anos de idade, reside hoje na rua Tiradentes, paralela a praça. Foi interna do colégio das Dorotéias
e grande amiga de uma das depoentes neste trabalho dona Denaide Teixeira, a qual nos encaminhou até dona
Lydia para a realização da entrevista. No local onde era padaria, hoje, localiza-se um hotel que leva o nome da
entrevistada, ainda de sua propriedade. Entrevista realizada pelo autor desta pesquisa.
86
classificá-lo como patrimônio. Agora, o antigo parque arborizado, silencioso e
tranqüilo, inspirador de poetas e de apreciadores da calma, da natureza e do
sossego, dava lugar aos brinquedos de ferro e madeira que rangiam suas
articulações unidas por parafusos e correntes em conjunção com o barulhento
entusiasmado das crianças que brincavam, corriam, jogavam, rompendo com o
silencio do local, tornando-o freneticamente, movimentado pela atividade física dos
pequenos corpos, numa cidade, considerada pacata.
Apesar de não oficializado, em leis e decretos, para estas pessoas a praça se
tornou, sobretudo, um patrimônio afetivo:
[...] “Parque Infantil, brinquei muito aqui! Tinha campo de
futebol ali ó [aponta com a mão o local onde se localizava do
lado esquerdo], perto da padaria da dona Lydia. Ali jogaram
Grapeti, Adãozinho, uns caras bons de bola jogaram tudo ai. Lá
na frente tinha uma piscina, pra lá onde ta aqueles
escoteiros[novamente apontando o local com o dedo indicador,
onde hoje encontra-se um busto dos escoteiros], os escoteiros
era mais pra cá, não era lá não. Isso aqui tudo era cercado de
tela, essas arvore aqui não tinha., toda vida teve aqui aqueles
coqueiros, aquelas palmeiras ali [mostra onde com a mão a
localização das arvores da época]. Tinha balancinho,
escorregador, campo de vôlei, roda-gigante, tinha muito
passarinhos aqui, piriquito, eu catei muito piriquito aqui. Eu, o
Roberto Coutinho, o Roberto Coutinho já morreu né? O filho da
dona Lydia ali o Henrique, tem a Edite a filha dela. Essa quadra
de vôlei, era lá onde tem aquela coisa quadrada lá [aponta com
o dedo se referindo a fonte no lado esquerdo da praça]. Tinha
um pé de ingá ali. Na piscina a gente nadava e depois subia no
pé de ingá pra apanhá, uma fruta docinha, docinha!
Juliano: A molecada que gostava de pegar isso?
Mário: Nossa! Nóis, pegava demais, era à vontade!”
138
138
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
87
Figura 2:3 Operários trabalhando na construção do Parque Infantil. Em primeiro plano, obras da piscina,
local onde hoje se encontra o prédio da antiga Estação Rodoviária. (Arquivo pessoal de Rubens de Barros
Laraia).
Não bastava modificar a Praça João Pinheiro, substituindo o Parque Municipal
por um Parque Infantil, não bastava colocar bancos, arrancar canteiros e árvores e
trocá-los por brinquedos infantis e grades, construindo prédios e portões, alterando
assim a paisagem do centro da cidade. Mais do que um grande jardim, tratava-se de
propor novas práticas, fomentar novas sociabilidades, tornando o Parque Infantil um
lugar que, deveria agregar valores à vida cotidiana, compartilhando gostos e
modificando comportamentos.
Apesar do peso de todo o programa pedagógico, formulado para a infância a
ser desenvolvido no parque, o que ficou, na lembrança dos depoentes, foram as
brincadeiras das crianças, destituídas dos apelos cívicos e disciplinares que possam
tê-las acompanhado:
Mário: “Aqui? Aqui o que mais gostava era de andar de
escorregador aqui, só que rasgava as calça da gente! Dois
escorregador, tinha um tal de chapéu de sol que a gente
rodava nele e jogava a gente longe, você tinha que ver,
quebrava braço que era uma beleza! [risos]... E o Futebol que a
gente jogava num campinho que tinha cercadinho, era uma
beleza! Tinha um grande futebol, um cara que jogou pra
chuchu aqui o Adãozinho. Foi ele e o Grapete lá pra aquele
88
time de Belo Horizonte o Atlético. Os dois jogaram contra o
Pelé lá, o pai dele era dono daquele hotel Cometa ali.”
139
Juliano: E do que o senhor gostava mais de brincar lá?
Benedito Mateus: “Ah, eu brincava muito de balanço, futebol de
areia, futebol de campo, bola de pano, como na época não
tinha ainda essas bola de couro a gente jogava com bola de
pano, mas o rolo é mais pacifico né?
Juliano: E vocês chegaram a reunir um grupo?
Benedito: Nóis tinha aqui uma turma do bairro da Tijuca, da
Vila Mariana, então nóis tinha aquela turminha certa, nóis ia
lá[no Parque]”
140
.
José Heleno Magalhães: “Então, a praça João Pinheiro tinha
dois barracões, com mesa de ping-pong. Tinha quadra para a
prática de voleibol, basquetebol, tinha uma piscina. Eu
praticava mais o ping-pong e o futebol, foi onde eu aprendi a
jogar o futebol e o ping-pong [risos]...”
141
Rubens Laraia: “Então eu lembro da João Pinheiro, quando eu
ia de inicio, quando eu ia lá com brincar no Parque lá dentro,
assistir as partidas de vôlei que tinha quadra de vôlei lá, tinha
várias partidas de vôlei lá! Depois, também, para...tinha piscina
ainda, no começo quando eu ia lá tinha piscina lá, o pessoal
nadava na piscina. Existia os brinquedos já no final da década
de 1950/60, joguei muita bola lá! A gente jogava lá futebol de
salão, tinha futebol de salão, mas assim especifico o cotidiano,
era um lugar de diversão que tinha em Pouso Alegre, uma
cidade pequena, já existia os clubes de campo, mas dentro da
cidade era, na década de 1960, era um lugar muito vazio”
142
.
Poderíamos construir com perguntas as respostas que queríamos ouvir sobre
a ação da Prefeitura naquele espaço, sugerir episódios e falas que os fizessem
apoiar as datas, falas e acontecimentos ocorridos. No entanto, as narrativas
trouxeram um conteúdo analítico de modo diferente. Com sua ação de narrar,
tomaram para si a tarefa de serem eles próprios os protagonistas de uma das
versões sobre o lazer e a diversão em Pouso Alegre.
139
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
140
Entrevista realizada com Benedito Mateus, pelo autor desta pesquisa.
141
José Heleno Magalhães tem 61 anos é natural de Pouso Alegre e vizinho da praça João Pinheiro desde o seu
nascimento. Seus pais eram agricultores, naturais de Silvianópolis e vieram para Pouso Alegre em busca de
melhores condições de vida. Passou a infância e cresceu em meio ao ambiente do Parque Infantil, sendo o nosso
primeiro interlocutor na pesquisa junto a história oral. Conseguimos o contato, graças a uma amiga de
graduação, Leida Romanelli, esposa de um médico, cujo os pais viveram a vida toda naqueles arredores da praça,
porém, infelizmente vieram a falecer antes do inicio desta pesquisa. Contudo, graças a esta “indicação”,
pudemos iniciar os contatos para a realização das entrevistas. José Heleno, é casado, tem dois filhos e trabalha
como comerciante. Entrevista realizada no dia 25/05/2004, no estabelecimento comercial de propriedade do
entrevistado, localizado à rua Silviano Brandão pelo autor desta pesquisa.
142
Entrevista realizada com Rubens de Barros Laraia, pelo autor desta pesquisa.
89
Embora não tendo as dimensões dos parques localizados nas grandes
cidades, o Parque Infantil “Major Dornelles” em Pouso Alegre, se mostrou uma obra
apreciada por parte dos munícipes e adaptada às possibilidades locais. Assim vai
ganhando na cidade, a partir das experiências vividas e lembradas, uma teatralidade
social e a Praça não existe dissociada de gente que lhe confere conteúdo e
determina sua existência.
Este espaço marcado pelas experiências adquire significados que extrapolam
sua concretude. Segundo Certeau espaço é: “um cruzamento de móveis. É de certo
modo animado pelo conjunto dos movimentos que daí se desdobram”.
143
Portanto, o
espaço é transformado cotidianamente de acordo com as práticas vividas e
estabelecidas pelos sujeitos que determinam seu uso e tecem sua memória.
Por isso há de se considerar as evidencias orais enquanto fontes importantes
e necessárias para explorar as possibilidades das múltiplas experiências sociais
entre homens, mulheres e crianças que formam novos hábitos e instituem novos
valores, entrecruzando-se com vizinhos, transeuntes e comerciantes, agora numa
cidade que se modernizava e, que, portanto, transformava a realidade social,
anteriormente, de práticas ligadas ao rural, numa realidade urbana, principalmente.
Enquanto para algumas pessoas como as crianças, os vizinhos e os idosos a
Praça era um local de lazer e diversão, para outros ela significava lugar de trabalho.
Este era o caso do guardião daquele espaço, um sujeito lembrado por muitos em
suas narrativas e respeitado por todos. O senhor Alberto Paiva se constituiu numa
das figuras mais marcantes na época do Parque Infantil, pois cabia a ele:
“Tomar conta do Parque. Ele administrava todo parque, mas
também tomava conta de tudo. Ele vigiava as criança, depois
tinha que ver se tinha algum brinquedo quebrado, as vezes ele
mesmo ia lá e arrumava, então ele fazia muita coisa. Abria o
portão de manhã e fechava a tarde e quando precisava de
alguma coisa ele ia direto no Prefeito, quando precisava de
material ou ele não conseguia arrumar os brinquedos ele pedia
direto pro Prefeito[...]Então ele era o tomador de conta
do Parque Infantil”.
144
143
CERTEAU, Michel. O.p.cit; p-109
144
Rubens Rezende de Paiva tem 73 anos. Nascido em Pouso Alegre, casado pela segunda vez, o senhor Rubens
conheceu a rotina do trabalho ainda na infância. Filho do senhor Alberto Paiva, administrador do Parque Infantil,
era por vezes levado a trabalhar lá, ajudando-o nos afazeres. Além disso, quando tinha tempo livre ajudava sua
mãe na venda de doces caseiros em bares e padarias do centro. Hoje, é dono de um estabelecimento comercial
varejista no ramo de calçados da cidade. Entrevista realizada em 25/02/2005, pelo autor desta pesquisa.
90
Na fala de algumas pessoas que freqüentavam o local, “o guardião do
parque” aparece como um sujeito de semblante forte, de ações enérgicas, um
funcionário cumpridor de suas atribuições:
“[...]quando o Tuany Toledo fechou a praça, ele colocou duas
pessoas dentro e conservou por algum tempo, o senhor Alberto
Paiva e o senhor Lazinho. O Seu Alberto era diurno, abria o
parque pra meninada entrar e o Seu Lazinho era guarda
noturno. Isso durou muito pouco tempo, isso de 1942 até 1950
respeitado.”
145
Juliano: Então existia essa separação entre pobres e ricos ali?
Benedito: Tinha, tinha sim.
Juliano: Tinha? Isso ninguém me falou, porque eu entrevistei
várias pessoas e eles falava que podia todo mundo...
Benedito: Não, não, não, não, não! Tinha sim, porque naquele
tempo tinha lá o Seu Alberto Paiva que era muito rigoroso! Ele
tomava conta da portaria, ele falava assim: -Olha meus fio, a
parte de vocês é do outro lado, vocês pegam a parte dos
pobre. Seu Alberto Paiva que morreu com quase 90 anos aqui
em Pouso Alegre.”
146
Na fala de Benedito Mateus de Melo a discussão sobre a polêmica da
separação entre pobres e ricos naquele espaço foi uma constante, durante a
entrevista. Como visto na narrativa de Rubens Rezende de Paiva, filho do senhor
Alberto Paiva, uma das funções de seu pai era vigiar as crianças. Além disso, consta
que havia um certo acúmulo de atividades, ao mesmo tempo em que administrava e
vigiava, ele tinha que consertar, fiscalizar aquilo que precisava ser reparado e
aqueles que descumpriam certas regras.
Ocorre que, ao pesquisar a documentação da Prefeitura Municipal, encontrou-
se um projeto de lei bastante interessante que trata sobre as atribuições do corpo de
funcionários do Parque Infantil pouso-alegrense e algumas dessas regras as quais
tinham que zelar:
Ato Nº 71 de 25 de abril de 1940.
Cria e modifica as disposições referentes aos serviços e
repartições da prefeitura e dá outras providencias.
Art. Nº 21. Em relação aos serviços gerais do Parque e seus
funcionários:
a) Conservar o Parque, seus abrigos, telheiros, aparelhos e
demais alojamentos;
b) Zelar pela manutenção e reparo dos aparelhos que por falta
de resistência ou defeito, não ofereçam a segurança adequada;
145
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles, pelo autor desta pesquisa.
146
Entrevista realizada com Benedito Mateus de Melo, pelo autor desta pesquisa.
91
c) Orientar as atividades recreativas das creanças, velando por
elas, sem lhe perturbar ou ameaçar sua espontaneidade e
liberdade;
d) Promover a prática de jogos, que venham a inspirar, o
espírito do patriotismo e da boa conduta;
e) Aproveitar as oportunidades para ministrar educação-fisica;
Fiscalizar o trabalho dos vigias.
147
As disposições sobre os serviços gerais, prestados pelos funcionários do
Parque Infantil, diretamente ligado ao Gabinete do Executivo na Prefeitura, mostram
que, entre outras coisas, apesar de tratar de “funcionários” no plural o senhor Alberto
Paiva desempenhava várias atividades que ia além de administrar a entrada e saída
de pessoas naquele recinto, como alguns afirmaram em seus depoimentos, ou
simplesmente, administrar o Parque Infantil.
Atribuía-se a ele todas as questões referentes à organização, eficiência e
funcionamento do Parque Infantil “João da Silva”, cabendo a ele fiscalizar e
inspecionar todas as instalações no que se refere ao bom funcionamento do local, a
freqüência das crianças e de suas atividades, assiduidade dos demais
funcionários(que ao todo eram mais dois o senhor José que era o jardineiro e o
senhor Lazinho que era o vigia noturno, isso segundo as narrativas da época),
podendo sugerir e efetuar sugestões, restrições ou critérios de aceitação ou rejeição
de práticas, devendo pelo menos algumas vezes, vetar ou orientar àqueles que
descumpriam as regras de conduta ou normas estabelecidas através de suas
práticas.
Fica evidente o acúmulo de tarefas delegadas ao senhor Alberto Paiva que
além de administrar o parque tinha que zelar pelas crianças, pelos aparelhos e pelas
instalações no local, além das atividades desenvolvidas. Não se tratava apenas de
mandar embora os pobres, ou simplesmente dividir o parque em duas partes.
Alberto Paiva, antes de tudo, tinha que cumprir regras, as quais eram estabelecidas,
diretamente, pelo Prefeito Municipal, onde tratadas no artigo de número 22(vinte e
dois), mostram certa preocupação com a questão de organização daquele espaço.
As tentativas de moldar e circunscrever o lazer e o tempo livre das crianças e
da juventude na cidade de Pouso Alegre ultrapassava a própria noção de lazer,
enquanto tempo livre e atingia a constituição moral, já que este tempo deveria ser
147
Departamento de Cultura - Divisão de Educação e Recreio Regimento Interno do Parque Infantil.
92
aproveitado enquanto tempo “produtivo” usado para propiciar o desenvolvimento
integral da criança, inclusive atuando na sua constituição física. A prática de
esportes e de exercícios físicos, por serem entendidos como fatores de boa saúde
são estimulados, não só porque melhoram ou aperfeiçoam o físico, mas porque, ao
exigir disciplina, perseverança, cooperação, educam o espírito.
O projeto de reeducação em âmbito nacional, proposto pelo Estado Novo foi
divulgado e apreciado no âmbito municipal pelos poderes públicos pouso-alegrense,
tendo como finalidade principal o aprendizado mesclado à brincadeira.
Nesse sentido Parque Infantil “Major Dornelles”, se tornou, também, uma
opção de lazer e, principalmente de sociabilidade para o público feminino que viu ali
um lugar aconchegante e protegido para se freqüentar:
“Tinha uns bancos pra gente sentar, entendeu? Tinha umas
árvores, tinha umas piorrinhas que caía das árvore, a gente
brincava com aquelas piorrinhas, botava nas unhas. Olha,
sempre que eu era pequenininha eu gostava de sentar nos
bancos pra pegar aquelas piorrinhas que caia das arvores e
brincar nos bancos. Os bancos eram aqueles bancos antigos,
compridos, antigos, bonitos! E as árvores mais bonitas
ainda![...]
As meninas, o grupo escolar que ia fazer como se diz?
Merenda lá e tinha também aqueles passeios né, que eles iam
lá, eu gostava de ir andar, fazer o footing. E tem até fotografias
minhas tiradas com o grupo escolar, sabe?[...]
A gente dava uma volta no Parque, em volta do Parque é muito
grande é uma caminhada né? Mas eu freqüentava mais as
Igrejas. A Igreja de São Benedito, o Santuário né? Afinal de
contas, eu fui criada num colégio religioso, de modo que eu sou
muito piedosa e muito amiga das irmãs. . A gente tinha
amizade com todo mundo, com as freiras, com as pessoas que
moravam ali por perto né? Todos eram visinhos, todos eram
uma família só!”
148
“Eu era criança! Eu gostava de jogar Ping-Pong, era o que eu
mais gostava![...] Crianças, os idosos, as senhoras, as pessoas
adultas, os militares que iam lá com as crianças, crianças que
brincavam com as pajens e elas e as mulheres ficavam lá
conversando, lendo e tricotando.
Juliano: E a senhora ia sozinha, ou tinha alguém que ficava
olhando?
Juscelina: Ih! Eu ia sozinha. Eu ia só, morava pertinho, ficava
brincando até o final da tarde!
Juliano: Não tinha essa preocupação de pai, mãe ficar
olhando?
Juscelina: Não! Era tudo aberto, não tinha isso não, era tudo
ali sadio.
148
Entrevista realizada com Denaide Teixiera Alves, pelo autor desta pesquisa.
93
[...]Domingo, era o colégio das Dorotéias que freqüentava lá
umas horas, as internas freqüentava lá!
Juliano: Hum... daí era o horário só delas?
Juscelina: Só delas. Portão trancado.
Juliano:E o que elas ficavam fazendo lá?
Juscelina:Ficavam passeando, andando em rodas, lendo,
vendo as rosas, sabe?
Juliano: Como que era na sua época, os meninos se
misturavam com as meninas, como era?
Juscelina: Ah! Eu brincava com os meninos, mas era mais com
as meninas, mas na minha época era mais separado.
Juliano: a senhora chegou a utilizar a piscina?
Juscelina: Não! A piscina era só pros meninos. Era só pros
meninos mesmo!”
149
“[...] eu lembro que as meninas gostavam de brincar nas
rodas-gigantes do parque e nos balanços[...] além disso, ia
muita estudante, depois da escola ou na hora da recreação pra
brincar. Brincavam de escolinha, ou pra fazer o dever de casa
se reunia lá. Levava aquelas bonecas de pano, seus vestidos,
improvisavam panelinhas e brincavam de prendas, colhiam
flores e essas coisas de menina mesmo. Então, aos domingos
aquilo lá enchia de gente, muitos iam fazer o footing, outros iam
pra assistir os atletas de vôlei, então era isso[...]
O Parque Infantil era um local de encontro e sociabilidades em Pouso Alegre,
mas não de todos os pouso-alegrenses. Pouco a pouco, as narrativas de homens e
mulheres foram revelando uma faceta do Parque a qual não conhecíamos. Na fala
de dona Juscelina fica clara a menção da instituição de uma prática que, procurou
em um dos dias da semana de maior movimento no parque, particularizar um
espaço público.
“A portões fechados” o Parque Infantil, durante o período matutino, aos
domingos, era reservado ao passeio das alunas e internas do colégio particular
Santa Dorotéia, voltado à educação feminina das classes dominantes da cidade e da
região. Porém, não apenas as instituições religiosas se apropriaram de alguma
forma daquele espaço, reservando-o para suas práticas em determinados dias e
horários da semana, mas também, outros sujeitos procuraram no recinto do Parque
Infantil, a oportunidade que precisavam para difundir sua influencia a frente de
instituições que promoviam o ensejo da prática esportiva, como poderá ser visto
mais adiante.
149
Juscelina Coutinho Rezende, reside próxima a praça João Pinheiro desde seu nascimento a 69
anos atrás. Sempre se mostrou uma mulher muito ligada a família, uma das mais tradicionais da
cidade, assim como a religiosidade católica. Estudou e se formou no regime de internato no colégio
Santa Dorotéia, permanecendo solteira e sem herdeiros até os dias atuais. Entrevista realizada em
13/12/2006, pelo autor desta pesquisa.
94
Outra questão que nos chamou a atenção era em relação à piscina do Parque
Infantil. Na retórica do Prefeito, aquele era para ser um espaço até certo ponto
“democratizado” para o lazer da juventude, no entanto, a piscina, uma das estruturas
mais procuradas do parque, era vetada ao público feminino e aos de menor ‘status”
social, como afirma o senhor Benedito Mateus de Melo que, logo de cara, no início
de sua entrevista, nos surpreendeu dizendo que
“Ah, peguei muitos anos o Parque Infantil, eu era molecão!
Mas o Parque era divertido pra nóis todos, tinha a área de
lazer, futebol, vôlei, futebol de areia, salão, tinha de tudo.
que na parte de pobre era mais difícil do pobre entrá.
Juliano: Mas, onde ficava a parte dos pobres e a parte dos
ricos, explica mais ou menos pra mim?
Benedito: A parte dos pobre ficava mais na parte esquerda do
Parque, mais no fundo tinha o campo de futebol, o campo de
areia, salão, mas pobre mesmo não entrava não, era muito
difícil! Eu não sei que tipo de racismo que tinha, mas nóis mais
pobre ficava sempre de lado. Era muito rigoroso essa parte.
Nóis tinha a praça nossa de liberdade, a praça de esporte,
tinha a piscina, tinha a área de lazer, tinha um pé de ingá muito
bom!
Na piscina não entrava pobre! Só entrava gente de sociedade,
a única vez que tivémo a possibilidade de entrá pra pegá a
piscina, foi quando um amigo nosso, fez sujeira dentro. Ai
atrapalhou tudo!
Juliano:Só assim mesmo?
Benedito: Só assim mesmo[...] Eu, desde que eu freqüentava o
Parque, toda vida tinha uma tal de piscina ali. O único dia que
nóis foi liberado pra entrá na piscina foi quando esse amigo
purgante, fez sujeira dentro da piscina. Ai foi liberado, mas
fiquemo um bom tempo sem pode entrá.”
150
A “surpresa” que nos foi colocada pela narrativa do senhor Benedito Melo
está na questão do apontamento da praça enquanto um local segregador, já que
depois de realizar inúmeras entrevistas, parecia um local que deveria congregar as
classes sociais, onde todos pudessem conviver em igualdade.
A questão da seletividade e da proibição de quem poderia ou não, freqüentar
o Parque envolvia o gênero e a classe social. No caso das meninas, não poderem
freqüentar a piscina, a explicação dada, por parte de Mário de Oliveira, em sua
narrativa, é que eles utilizavam aquele espaço de maneira mais “despreocupada”:
Juliano: Seu Mário, me disseram, foi uma mulher que me
contou que ela não podiam entrar na piscina, como que era
isso?
150
Entrevista realizada com Benedito Mateus de Melo, pelo autor desta pesquisa.
95
Mário: “Menina não! Não! Era só homem [risos]... menina não
podia entrar!
Juliano: E o senhor sabe o por que disso?
Mário: Por quê? Porque naquele tempo, coitado! Nóis, no meu
caso por exemplo, do jeito que a gente vinha com as roupa a
gente pulava. Não tinha dinheiro pra comprar calção, ali a
molecada é como eu falei com você, era tudo irmão! Tanto faz
da alta sociedade como da baixa, então as vezes as calça larga
descia e agente ficava nu, semi-nu, então menina não podia
entrá mesmo, ela não mentiu pra você não é verdade.
Juliano: Quem cuidava para as mulheres não entrar?
Mário: Pra elas não entrar isso aqui era cercado inteirinho de
tela. Só tinha duas entradas uma ali na frente e outra do lado.
Então o Seu Geraldo não deixava ela entrar não, ele que
cuidava pra elas não entrar. Eita, nóis nadava a vontade ali, a
piscina se o lugar mais
fundo tivesse 1 metro de fundura!”
151
Havia por detrás da “exclusão” feminina da natação, uma questão de moral
familiar que, exigia das mulheres maior recato do que aos homens. Este recato
deveria se expressar nos seus modos de vestir, nos seus gestos e maneiras de falar
e caminhar.
Ainda mais, numa cidade com costumes conservadores bem delineados, que
abrigava um dos colégios femininos católicos mais afamados da região, o Santa
Dorotéia, como exemplo de conduta moral e educacional, ligado ao regime de
internato e visando a preparação da mulher para a vida doméstica, as mulheres
eram submetidas a mecanismos de controle mais rígidos do que os homens.
Outro exemplo de que o Parque Infantil não era um local de lazer tão
“democratizado” como se divulgava na cidade vem do depoimento de Vitor Chagas,
ex-seminarista que largou a batina para se alistar no Exército Brasileiro, no
Regimento Militar local. Já aposentado nos dias atuais, sua narrativa foi coletada
junto com a do senhor Mário Oliveira, durante a entrevista realizada na Praça João
Pinheiro. Lá, o senhor Mário, ao ver passar seu conhecido em frente à igreja de São
Benedito, o chamou pra participar da entrevista, perguntando-lhe:
Mário: “Mas você nunca veio aqui?
Chagas: Não! É que eu sou do Aterrado né Mário! Eu não saia
do Aterrado. O Mário conhece bastante aqui porque aqui ele foi
criado bem pertinho! Eu fui criado no Aterrado. Porque do
Aterrado era difícil vim pra cá!
Mário: É e era difícil a gente ir pra lá também!
151
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
96
Chagas: É e era difícil vocês ir pra lá também. Naquela época
de criança nossa era assim, mas eu conheço aqui só por
fotografia, lá no Museu né, que tem muita coisa, mas dizem
que aqui foi...
Mário: Era uma beleza! É o que eu to dizendo pra ele aqui, era
cercado de tela.
Chagas: Agora, eu não peguei! Porque nós não vínhamos pra
cá, eles não iam pra lá pro Aterrado né? Porque o Aterrado,
sempre foi meio isolado né? Meio discriminado né Mário?
Mário: Ah, é!
Chagas: Naquela época muito mais discriminado do que agora
né? Agora não, mas na minha época, na minha época de
moleque o Aterrado não era olhado com bons olhos
não.[Risos]...
Toda vida né?[ Mais risos]...
Chagas[Risos]... O Aterrado era discriminado. Falou que você
era do Aterrado, todo mundo te olhava com maus olhos! Mas
antigamente era, a gente era considerado flagelado! Não sei se
você lembra quem era do Aterrado era chamado de flagelado!
No Aterrado tinha aquelas Várzea, aqueles campos do Bangu
do Madureira, o que tinha pra nadar era naqueles buracão!”
152
A exclusão, por vezes, obedece a “leis” que nem sempre estão escritas, mas
que se impõe por padrões de comportamento. Na fala do senhor Chagas, a
percepção da divisão de classes é claramente formulada. Sentir-se mal visto, ser
olhado com maus olhos, pode ser um forte elemento de constrangimento e inibição,
criando uma espécie de fronteira invisível, que separa dois mundos geralmente
conflituosos. Fazer o “outro” sentir-se mal, ou, humilhado é, muitas vezes, uma
estratégia de poder, uma atitude de classe.
O atendimento às crianças sem as condições mínimas de infra-estrutura, foi
um discurso utilizado mais como figura de retórica do que como formulação de uma
política que visasse garantir os direitos e os anseios da população. O discurso da
“participação democrática”, nos espaços públicos, tornou-se vazio na medida em
que, o atendimento às crianças sem condições mínimas de infra-estrutura a tinham
como pressuposto a sua desqualificação social, moral e política.
A população, principalmente aquela residente nos bairros mais pobres de
Pouso Alegre aparece como os grandes “ausentes” dessa obra cívica e social que
152
Vitor Roberto de Chagas, tem 52 anos. Casado, pai de dois filhos, hoje reside na região central da cidade,
graças a sua aposentadoria como militar reformado. Antes trabalhou numa banca de jornais na Estação
Rodoviária, localizada na praça João Pinheiro em 1969. Atuou no Exército durante as décadas de 1970/80.
Porém, na sua infância, viveu e conviveu com as dificuldades e a discriminação impostas pela sociedade pouso-
alegrense ao bairro São Geraldo(também conhecido como Aterrado), uma localidade que até os dias de hoje é
associada ao descaso, as enchentes, a violência e a falta de estrutura em todos os aspectos que vão desde a falta
de saneamento básico(água, luz, esgoto) até aspectos que tangem a questão do lazer. Hoje, Vitor trabalha como
instrutor numa auto-escola em Pouso Alegre. Entrevista realizada em 17/01/2007 na Praça João Pinheiro, pelo
autor desta pesquisa.
97
era o Parque Infantil de Pouso Alegre. Deveriam ser “ausentes”, porque suas
práticas não higienizadas, tidas como rudes, perigosas e grosseiras poderiam
“contagiar” e espantar as demais crianças que ali tinham uma acertada orientação. A
presença dessas pessoas estava nos discursos políticos, nas publicações sobre o
alcance social do Parque nos jornais, mas ausente na prática, durante a vida
cotidiana da cidade, uma vez que segundo os mesmos discursos, estes sujeitos
eram os principais alvos a serem alcançados por tamanha obra assistencial. Essas
crianças continuariam sem o “direito ao acesso do lazer”, proporcionado pela
Prefeitura, pois ali, no Parque, não eram bem-vindos e “bem-vistos” como afirma o
depoente Vitor Chagas que mesmo com as restrições arranjava formas alternativas
de brincar e se divertir em sua localidade.
A desigualdade entre as classes sociais que, permeava todas as relações
estabelecidas na cidade, aparecia nos discursos do jornal O Linguarudo quando, se
colocando como porta-voz de determinadas instituições como a A.M.E (Associação
da Mocidade Esportiva), recriminava a atitude pouco civilizada de outros jovens,
geralmente não pertencentes àquela agremiação:
“Um apelo da AME (Associação da Mocidade Esportiva) aos
freqüentadores de nossa Praça de Esportes.
Certo número de indivíduos sobem no muro do alambrado,
apoiando as mãos nas partes superior deste. Quando advertido
por qualquer diretor da AME, ou não atendem, ou respondem
mal.
A solução para o caso seria recorrer à policia. Isto, porém, é
desagradável e não é compatível com alto grau de civilização
que o povo desta cidade possui. A AME faz este veemente
apelo a todos, para que cada desportista seja um guarda
imparcial, colaborando na vigilância e impedindo que os
teimosos continuem estragando aquilo que nos é muito útil”.
153
O apelo feito junto ao jornal que, por sua vez, contava como um de seus
colaboradores o então presidente da A.M.E. Milton Reis, segundo o qual, “[...]foi
onde eu comecei a publicar meus primeiros, foi no Linguarudo. Até um fato muito
curioso sobre o Linguarudo, ele era do, Pedro Lucio de Andrade e ele publicava os
versos meus. Como eu era loirinho, meu cabelos eram louros, eu era magro, a
minha mãe, porque eu gostava muito de passarinho, quando eu comecei a escrever
os versos e queria colocar um pseudônimo, ela falava: meu filho, coloca Canarinho,
porque você gosta muito de passarinho”.
153
“O Linguarudo”. Pouso Alegre, 28/05/1949, p.01.
98
Com a troca de interesses entre jornal e colaborador, o caráter da instituição
chefiada por Milton Reis mostrava a sua “cara” à população, buscando particularizar
um espaço a priore público às suas necessidades e anseios, representados através
da associação. Ocorre que, ao utilizarem das dependências do Parque Infantil,
principalmente as quadras, em dias específicos de treinos e jogos, a A.M.E.
estimulava seus associados a coibirem as atitudes, consideradas inadequadas de
outros jovens, incômodos espectadores que, se espremiam nas arquibancadas e,
quando não havia mais lugares, subiam no alambrado a fim de assistirem as
apresentações dos “atletas”.
Uma simples partida de vôlei, ou futebol, se tornava um verdadeiro programa
naquela época, Os hábitos de alguns tidos como “incivilizados” “mal educados” e,
portanto, dignos de vigilância incomodavam outros setores sociais que exigiam
providencias.
Se os apelos da A.M.E e de seus diretores foram atendidos ou não, isso não
podemos afirmar, o que ocorre é que, meses depois, o mesmo jornal “O
Linguarudo”, publicou uma reclamação, bastante intrigante, por se tratar de uma
nova prática adotada pela A.M.E., a cobrança de ingressos durante dias
“estratégicos” de freqüência do público, segundo a nota:
“Um de nossos leitores esteve em nossa redação pedindo-nos
que fossemos intérprete de uma reclamação a Direção do
Parque Infantil no sentido de ser evitado a cobrança de
entradas as creanças que freqüenta aquele estabelecimento
aos Domingos, quando a AME realiza jogos naquele recinto.
Alega o reclamante que, no Domingo dois de seus filhinhos
foram ali brincar como de costume, mas, o porteiro exigiu o
pagamento de um cruzeiro de cada um para o ingresso.”
154
Aos domingos, dia de maior freqüência daquele espaço, tanto por pais, mães,
crianças, adultos e idosos, foi o dia estrategicamente “escolhido” para a realização
de jogos ou treinos que ocupavam o espaço e as dependências, por parte da A.M.E.
Ao que tudo indica, algumas estratégias foram utilizadas para a seleção do
público que freqüentava o Parque, principalmente aos domingos, como por exemplo,
a cobrança de ingressos e a presença de instituições religiosas e desportivas que,
coibiam a presença dos mais pobres. Quando encontramos essa nota no jornal, logo
procuramos buscar em nossos interlocutores orais, respostas sobre a prática de
cobrança de ingressos para se adentrar aquele recinto.
154
“O Linguarudo”, Pouso Alegre, 10/09/1949, p. 01.
99
Durante as entrevistas, principalmente, com aqueles que residem por maior
tempo nos arredores e freqüentaram o parque, como o senhor Saulo Jésus, Moacyr
Honorato, Mário de Oliveira, dona Juscelina Coutinho e Lydia Schutz, todos foram
enfáticos em suas respostas a questão da cobrança de ingressos: “não havia
cobrança alguma”, ou “não me lembro de cobrar ingresso”. Seria então um caso
isolado? Ou uma nota publicada por um jornal que, curiosamente, mantinha laços
estreitos com um dos fundadores da A.M.E., buscando na realidade, oposição as
práticas e a administração do parque, ligado diretamente a Prefeitura Municipal?
Por outro lado, graças a A.M.E. e aos jogos promovidos no recinto da praça,
muitos nomes, hoje, tradicionalmente conhecidos na cidade, iniciavam suas
atividades, sobretudo na carreira política. O próprio Milton Reis, presidente e
membro fundador da associação, quando questionado sobre o inicio de sua carreira
política e ao mesmo tempo sobre a nota do jornal “O Linguarudo”, assume que:
Realmente, aquele foi um dia isolado o qual devemos
esquecer! A cobrança foi feita por se tratar de um jogo válido
pelo campeonato daquele ano, onde as meninas disputavam
vôlei, eu fui o Presidente e o Tenente Moacir e o José Toledo
Filho, eles atuavam, não é, treinando as meninas. Elas foram
as campeãs do interior. Ainda estão vivas: a Lair Rosa que até
tinha o número 13, nunca me esqueço; a Vanda dos Santos
Nora, a Estela Brito, a Marlene Tavares que até está no Rio de
Janeiro. Esse time se tornou campeão do interior, as meninas
se tornaram campeãs do interior de Minas, e, isso, sem duvida
alguma, me ajudou na minha projeção, juntamente com meu
hino sobre a cidade.”
155
Portanto, a Praça bem serviu aos interesses particulares de certas pessoas
que procuravam aumentar sua influência em locais que tinham grande apelo ao
público. Esta estratégia de “ascensão” política, em Pouso Alegre, se iniciava na
atuação em diretórios acadêmicos, como o do tradicional colégio São José, ou
fundando e atuando em jornais que se mostravam em oposição ao governo em
momentos que pareciam interessantes aos seus donos e colaboradores, ou ainda,
participando de eventos culturais promovidos pela classe dominante local em clubes
como “O Literário e Recreativo”. Recitando poesias, hinos, rimas e trovas, iam
ganhando visibilidade perante representantes partidários, vereadores, fazendeiros
que, ali teciam certas alianças. Além disso, a A.M.E., não se limitou a atuar apenas
nos espaços de domínio público proporcionando jogos ao entretenimento,
155
Entrevista realizada com Milton Reis, pelo autor desta pesquisa.
100
promovendo preceitos de saúde, ou treinamento a atletas que tivessem condições
de se filiar.
O próprio Milton Reis, após eleito em seu primeiro mandato como deputado
estadual em 1951, por inúmeras vezes, aparece nas reuniões da Câmara Municipal
de Pouso Alegre, principalmente nos finais de ano, fazendo requerimentos e se
utilizando da influencia que havia conquistado a fim de angariar verbas
suplementares à compra de equipamentos e outras necessidades da A.M.E. e de
seus associados, mesmo estando, depois de eleito, “desligado” de suas atribuições
frente a associação.
156
Encaramos essas associações, voltadas as mais variadas
modalidades esportivas, como espaços importantes que articulam vivencias
coletivas e novas formas de sociabilidade, definindo fronteiras ou firmando e
redefinindo critérios de aceitação ou distinção social entre os mais variados setores.
De característica mais rígida e disciplinadora, os Escoteiros-Mirins, surgiam
em Pouso alegre, paralelamente ao Parque Infantil no ano de 1942. Segundo
consta: “[...] parte de suas atividades, principalmente esportivas, aconteciam nas
instalações do parque. O grupo tinha como chefes o sargento Guaracy José de Faria
e o professor de educação física João da Silva Castro. Era um grupo muito bem
organizado [...]”.
157
Pouquíssimos documentos foram encontrados sobre esta instituição e menos
ainda quem pudesse falar algo sobre ela. Das pessoas que nos falaram, muitos
associavam os escoteiros, seja devido a sua organização e localização nas
dependências do Parque Infantil, seja por desconhecimento de suas práticas a
orientação educacional e à prática esportiva:
Juliano: Tinha algum tipo de instrutor ali dentro? A senhora
lembra se tinha alguém que orientava o pessoal pra fazer
atividade física?
Juscelina: “Tinha. Tinha o[pausa]... como é que chama gente?
Esqueci o nome, era... esqueci mesmo...
Juliano: Os escoteiros?
Juscelina: Isso os escoteiros, sabe? Uma rapaziada bem
disciplinada, marchavam.
Juliano: E o que eles vinham fazer ai na praça?
156
Durante o final da década de 1940 e inicio dos 50, essa prática se tornou recorrente e ao pesquisar as atas da
Câmara Municipal por muitas vezes aparece o nome do próprio Milton Reis, enquanto autor dos requerimentos a
AME, mesmo este estando “afastado’ de suas atribuições, por conta de seu cargo público no estado. Não é de se
estranhar que as verbas só começaram a ser negadas a AME, após a década de 1960, já com o encerramento das
atividades do Parque Infantil. ATA da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Tomos 108-110.
157
GOUVEA, Octávio Miranda. O.p. cit.
101
Juscelina: Ah! Ai eu era bem pequena né? Mas eles vinham,
marchavam ai dentro, ao redor da tela.”
158
Juliano: Sobre a práticas de Esportes, houve algum tipo de
incentivo a esta prática, ou não, abriram o Parque e deixaram?
Rubens: “Não! Parece que teve incentivo sim, agora a prática
mais forte sempre foi o futebol e o vôlei, né! Tinha os escoteiros
ali também que davam esse... vamos dizer apoio!.”
159
Juliano: O senhor disse que aqui tinha várias quadras pra
inúmeros esportes, tinha algum tipo de instrutor por aqui, ou
nunca teve?
Mário: “Naquela época não tinha não! Não tinha instrutor não,
os instrutor aqui era nóis mesmo! E pode vê que daqui saiu
grandes jogador de futebol o Adãozinho, o Grapé, o Paulo
Pinta, já ouviu falá nele?
Juliano: Já ouvi sim!
Mário: Então, jogava ai também, se não me engano o Paulo ta
treinando um time de fora ai hoje em Pouso Alegre.
Juliano: E tinha um outro grupo que vinha aqui naquela época
eram os escoteiros né?
Mário: Os escoteiros era difícil viu! O que eu lembro dos
escoteiros era só aquela estátua lá mesmo, mais nada. Aqui o
que tinha mais segurança, não precisava ninguém tomá conta
era só um homem que ficava aqui olhando, abria as 7:00 e
fechava as 5:00 horas da tarde. Também, a bem dizer todo
mundo era irmão um do outro.”
160
Vistos por algumas pessoas, lembrados e compreendidos por poucos os
Escoteiros realizavam suas atividades na Praça e muitos os associavam a
orientação esportiva. Oficialmente, na Prefeitura, havia sim, um cargo reservado
para a instrução de educação física no Parque Infantil
161
, porém na prática, o cargo
nunca fora preenchido, ao menos na memória daqueles que utilizavam suas
dependências quase que diariamente.
Foi Magali aparecida Costa, filha de J. Castro, um dos fundadores dos
Escoteiros que nos contou sobre essa associação. Pedagoga, professora
Universitária e de ensino médio, ao ouvir uma conversa, nos corredores da
Universidade onde cursei a graduação, sobre essas pesquisa, prontificou-se a nos
falar sobre seu pai e sua relação com o Parque Infantil:
“Papai sempre foi um homem voltado ao esporte. Desde de
moço praticava natação e futebol. Por ser muito exigente e as
158
Entrevista realizada com Juscelina Coutinho Rezende, pelo autor desta pesquisa.
159
Entrevista realizada com Rubens Barros Laraia, pelo autor desta pesquisa.
160
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
161
ATO nº 71 de 25 de abril de 1940. Prefeitura Municipal de Pouso Alegre, Secretaria de Esportes e Turismo.
102
vezes rígido, assumia o papel de líder nos grupos. Depois foi
pro exército recebeu treinamento e ajudou a fundar os
escoteiros aqui né? Ele também, depois do Exército, era
professor de ginástica no colégio São José, ele não fez
faculdade, mas tinha aquela paixão que o fez trabalhar num
dos colégios mais tradicionais aqui de Pouso Alegre. Então, ele
procurava mesclar essas duas funções, entre professor no
colégio e os escoteiros ali perto do parque, aliás os escoteiros
consumiam boa parte do seu tempo, nos acampamentos e nos
exercícios de treinamento. Quando ficou pronto[o parque],
papai já era bem conhecido na cidade e de vez em quando,
quando ele tinha uma folga ele dava orientações de exercícios
e de civilidade para as crianças e jovens no parque, mas isso
era muito raro, muito difícil, ele tinha que trabalhar muito pra
sustentar a família”.
162
Figura 2:4. Patrulha dos escoteiros-mirins em exercício no Parque Infantil. Ao fundo (à direita) estátua
em homenagem a sua fundação, presente até os dias atuais. À Esquerda a piscina infantil. (Arquivo
pessoal de Rubens de Barros Laraia, 1942).
Na narrativa da professora Magali, se compreende o porquê da “confusão”
feita entre o nome do senhor J. Castro, com a função de instrutor de educação física
do Parque Infantil. Primeiramente, ele já era conhecido na cidade como “professor
162
Magali Aparecida Castro Costa tem 52 anos é natural de Pouso Alegre. Mãe de 2 filhas, casada, trilhou o
mesmo caminho que o seu pai na docência, apesar de atuar numa área diferente. Além de professora do ensino
médio e fundamental na rede estadual, leciona nos cursos de pedagogia, letras, história e biologia da
universidade local em período noturno.Entrevista realizada em 08/09/2004, nas dependências da universidade do
Vale do Sapucaí, pelo autor desta pesquisa.
103
de ginástica” do colégio particular mais renomado, o São José; mesmo não tendo a
formação acadêmica necessária, como afirma sua filha. Depois, porque passava
grande parte do seu tempo se dedicando aos escoteiros, fosse na área da
orientação física, nos acampamentos ou em sua administração, cuja sede se
localizava adjacente ao terreno do Parque Infantil.
Por fim, na fala de Magali Castro, a orientação dada por seu pai, nos
momentos de “folga” em suas atividades às crianças do Parque, e, em relação à
prática de esportes, aparece mais como um “hobby”, ou uma espécie de
voluntariado do que, necessariamente, um cargo legalizado, criado pela Prefeitura
Municipal. Daí as poucas menções à existência de tal orientação pelos
entrevistados.
Mesmo não sendo uma instituição extremamente presente no dia-a-dia de
muitas pessoas, os escoteiros imprimiram suas marcas no parque infantil e na
memória de alguns, como no caso do senhor Saulo Jésus Salles que fez questão de
relembrar em sua narrativa as atividades executadas por essa instituição, da qual
participou:
“Nessa ocasião, em 1942, foi fundado e foi criado o
escoteirismo em Pouso Alegre. Os escoteiros utilizavam o
parque, tanto é que nessa ocasião tinha um busto do escoteiro,
bem no centro da praça. Hoje ele ta na ponta de lá
né?[...]Tanto que eu ajudei muito no escotismo[...]eu ajudava
muito nas organizações de festas, nos acampamentos eu ia
junto, acompanhava, dava lições de civilidade pra meninada!
Eu ajudei bastante o escotismo nessa época, sabe? Parece
que hoje ele ta voltando, mas durou muito tempo, quando o
Castro estava como professor de ginástica do colégio São
José, ele manteve o escotismo vivo.”
163
Noções como de nacionalismo, civilidade e aspectos militares associados a
educação infantil, parecem fazer parte da rotina daqueles que participavam do
escotismo. Quando apresentadas em grupos, as crianças durante eventos
comemorativos e cívicos, como no caso da retratado acima. Os escoteiros aparecem
uniformizados, disciplinados, com braços, tronco e cabeças eretos em perfeita
harmonia, com armas empunhadas, assemelhando-se a verdadeiros soldados em
miniatura, refletindo a imagem de uma sociedade desejável.
Essa era a imagem passada e vendida à sociedade de Pouso Alegre, por
volta dos anos 40 acerca das atividades “sadias” que poderiam ser potencializadas
163
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles, pelo autor desta pesquisa.
104
pelo Parque Infantil e é essa a mesma imagem que ainda hoje se vincula à praça
João Pinheiro quando se remete à lembrança de que ali já fora um local de convívio
sadio.
A fotografia estampada em livros de memorialistas e imagens que evocam
esse período da Praça João Pinheiro, talvez traga uma luz sob essa questão: há um
grupo de garotos de vários setores sociais, ou ao menos expressando essa
variedade e por um momento, certa igualdade, devido à postura e aos uniformes,
com seus calções escuros, camisetas brancas, chapéus e congas vermelhas, todos
alinhados e disciplinados.
Desde a época do Parque, destacam-se na fala das pessoas e no ambiente
do local alguns dos monumentos oficiais que compõem a paisagem de Pouso
Alegre, constituídos de uma história e de uma memória, muitas vezes impostas à
cidade e que se perpetuam como imaginário coletivo. Apegada ao discurso de
oferecer também para os moradores próximos uma praça aconchegante, modificou-
se o antigo Parque Municipal para ser um local mais atrativo, porém, esqueceu-se
do sentido e dos sentimentos daqueles que freqüentavam aquele local no dia-a-dia.
Assim a praça aparece como um ambiente físico moldado por projetos
urbanísticos que raramente correspondem às expectativas dos moradores ou de
seus usuários que em sua maioria ficam à margem das discussões daquilo que seria
relevante ou não para a preservação, enquanto monumento ou patrimônio.
A exemplo da estátua em homenagem aos escoteiros e sua representação
voltada ao estimulo do patriotismo, evocando aspectos disciplinarizadores como a
postura ereta, a utilização de uniformes, ressaltando aspectos militares de uma
prática política em Pouso Alegre, nem sempre compreendida por todos os sujeitos, o
nome de Parque Infantil “Major Dornelles”, não era um chamariz tão interessante,
pois se tratava de uma homenagem a um secretário do governo estadual, bastante
distante da cidade e portanto pouco conhecido nos idos de 1940 na localidade.
Durante mais de sete anos o Parque Infantil permaneceu sob a
denominação de “um estranho” (Major Dornelles) aos moradores de Pouso Alegre,
que depois de transcorridos, por coincidência ou não, na administração de um outro
farmacêutico, entre os anos de 1947-1951, Alvarim Vieira Rios, resolveu refazer a
receita proposta em 1941 de seu colega de formação acadêmica e atuação política
Tuany Toledo, demarcando a praça sob o seguinte projeto de lei no ano de 1948:
105
Lei nº 2 de 28 de fevereiro de 1948.
Dispõe sobre denominação de logradouros públicos.
Art.1º-Ficam assim modificados as denominações de
logradouros públicos desta cidade:
c) Play Ground, ou Parque Infantil Major Dornelles, situado à
Praça João Pinheiro, passará a denominar-se Parque Infantil
João da Silva
164
, em homenagem ao fundador da cidade de
Pouso Alegre, no ano em que esta comemora seu centenário
de cidadania.
Art.2º-Revogado as disposições em contrário, entrará a
presente lei em vigor na data de sua publicação.
165
Nesse sentido, as intervenções dos poderes públicos, realizadas nos espaços
da cidade são pautadas em “grandes nomes” e em datas comemorativas, visto que
Pouso Alegre, em 1948, completaria seu centenário de emancipação, utilizou-se
novamente de uma manobra política, a fim de se conseguir demarcar a
administração de um Prefeito, tendo como palco privilegiado o Parque Infantil, agora
denominado “João da Silva” em homenagem ao “fundador da cidade de Pouso
Alegre”.
Se, a princípio a arquitetura e as regras impostas para o Parque não
oferecem lugar para coexistência de projetos que atendam às expectativas e
anseios da população de uma forma tão plena como se imaginava, transformando
aquele lugar em território de alguns, como do poder público que o vê como ambiente
propício para a efetivação de seus projetos idealizadores da cidade e as
agremiações esportivas, os sujeitos expulsos ou exclusos, em seu cotidiano,
encontram formas específicas e alternativas de demarcar a praça constantemente.
Todavia, essa separação de espaços não conseguiu expulsar plenamente os
pobres de lugares da cidade, onde, gradativamente, no dia-a-dia, eles construíam
táticas de sobrevivência
166
.
164
Segundo a mais antiga versão escrita sobre os primórdios de Pouso Alegre, por Bernardo Saturnino da Veiga,
quem primeiro teria habitado as terras que compunham o povoado foi o agricultor João da Silva que prosperando
na lavoura doou as terras necessárias para a edificação de uma capela. Porém, segundo uma pesquisa realizada
na cúria paulistana, através de indícios anteriormente levantados pelo memorialista e escritor Amadeu de
Queiroz, essa versão foi questionada. Mais recentemente, o advogado e jornalista Eduardo do Amaral Oliveira,
constatou na documentação levantada anteriormente por Amadeu de Queiroz que o doador teria sido Antônio
José Machado. Este teria adquirido as terras em 1747. Porém, através da carta de sesmaria de João da Silva,
datada de 1785, teria ele adquirido as terras de Antônio Araújo Lobato, sendo a este ultimo confiado o
lançamento dos fundamentos de Pouso Alegre.
165
Lei nº 2 de 28 de fevereiro de 1948. Prefeitura Municipal de Pouso Alegre, Gabinete Executivo.
166
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano 1. Artes de Fazer. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003, p. 45- 103.
Sobre essa questão ver ainda: DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século
XIX. São Paulo: Brasiliense, 1984.
106
O que não foi publicado em jornais e levado ao conhecimento de boa parte da
população local, foi a imposição de regras, elaboradas pelo Executivo de Pouso
Alegre e repassadas, aos funcionários do Parque Infantil que, deveriam fazê-las
cumprir:
Art. Nº 22. Em relação aos jogos:
a) coibir os jogos de futebol o uso de bolas em geral,
assim como da piscina às crianças menores de 10
anos. Para os maiores de 10 anos, deve ser
determinado o tempo máximo de duração da
atividade(de 25 a 30 minutos e nunca mais de 3
vezes por semana);
b) proibir terminantemente o jogo de futebol aos
domingos, para todas as idade, ficando à cargo dos
vigilantes a responsabilidade pela prática desses
jogos nesses dias;
C)determinar que a prática de futebol, assim como a de
natação, só seja permitida às crianças do sexo masculino.
167
Havia, portanto, um tempo máximo de permanência nas quadras, uma idade
mínima para a utilização das dependências do Parque, bem como dias específicos
para a prática de certas atividades como o futebol e a natação.
Aqueles que descumpriam as regras eram expulsos (muitas vezes sem saber
por quê). A rejeição e exclusão do Parque Infantil “João da Silva”, fosse por conta de
“travessuras” realizadas, brigas ocasionadas ou pela questão do preconceito de
crianças de classes mais abastadas, forjavam maneiras de adentrar novamente
aquele recinto a fim de se divertir e as vezes de se “vingar”:
“Eu pulava a cerca lá em vez de passar o portão eu virava a
esquina e pulava, por isso fui expulso por muito tempo de lá por
pulá a cerca.
E o guarda lá se chamava seu Alberto sabe? Ficava bravo,
rapaz! Mas a gente não tava nem ai, então lá tinha um
campinho de futebol, pra gente jogar, eu jogava lá. E eu era
assim, se eu chegasse lá e não tivesse espaço, eu pegava a
bola e furava sabe? [risos]... É com canivete.
Juliano: Risos...
Moacyr: Então, como a turma já sabia que eu ia fazer isso, eles
deixavam um menino pra fora pra me dar o lugar. Nossa, mas
era uma delicia rapaz!”.
168
167
Departamento de Cultura - Divisão de Educação e Recreio Regimento Interno do Parque Infantil.
168
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis, pelo autor desta pesquisa.
107
Juliano: Vocês mais pobres então não podiam brincar com as
crianças ricas?
Benedito: Muito difícil! Nessa parte não, porque eu lembro
direitinho eu era mulecão nessa época em Pouso Alegre, eu
sei!
Juliano: E alguém vigiava isso?
Benedito: Ali, nóis tinha o sordado Montanha que sempre
ficava de olho. Se entrasse lá você saia, pelo portão que você
entrou você saia, mas dentro do Parque né? Podia saí pra rua,
mas quando entrava no Parque você tinha que ficá na sua
parte.
Juliano: Mas a criança rica tinha algum tipo de privilégio a mais
que vocês?
Benedito: Tinha, tinha mais liberdade! Tinham muito mais
liberdade sim.
Juliano: E vocês aprontavam para os moleques ricos?
Benedito: Ah, aprontava! Nossa, nóis fazia um monte de
sacanagem pra eles! Quando eles ia pra piscina, nóis escondia
a roupa deles, escondia, fazia sacanagem! Até um dia, foi o
Montanha, pegou nóis, tudo mais pobre, não judiou, mas deu
um esculacho em nóis!
Mário Oliveira: “No fundo do prédio da dona Lydia tinha um pé-
de-uva que eu vou te contá! Nóis era moleuqe, nóis ia ali roubá
uva na casa da dona Lydia.
Juliano: Ela se aborrecia?
Mário: Nossa, saía correndo atrás de nóis. [risos]...
Aqui nessas Carmelita, tem até hoje, um pé-de-uva, de manga,
nóis roubava manga também. Nóis era moleque, pulava e não
tava nem ai, o que tinha pra gente fazê era isso.
[...]tinha um guarda aqui, se não me engano o nome dele era
Seu Zé. Como isso aqui era cercado de tela, a gente pegava e
abria uns buraco na tela pra entrá e ele saia correndo atrás da
gente! [risos]...
Juliano: Risos... Ah é? Que molecada danada hein!
Mário: Pois é, resolvia entrá e o guarda saia correndo atrás da
gente, mas não é como hoje. A gente não queria fazer
malvadeza pra ninguém. Como era diferente, hoje você sai pra
rua e ta arriscado a não voltá mais. Lembro que aconteceu
aqui! Tem, nóis era um bando de moleque, então de metro em
metro, de cinco em cinco metro na tela, tinha uma coluna,
então a gente botava uma lata de um litro, com urina e
amarrava com uma cordinha na beira. Quando o povo ia passar
e Bop! Nóis derramava aquela latinha com urina em cima da
pessoa! [risos]...”
169
Nas falas de diferentes depoentes, aparecem referências a práticas de
resistência contra a vigilância e as restrições de acesso, aos vários espaços do
Parque Infantil. As peraltices da infância são relembradas com satisfação pelos
depoentes, no momento da entrevista. Em suas palavras, encarnam um sentimento
169
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
108
de resistência e, ao mesmo tempo, buscavam alternativas para brincar, quando
expulsos ou rejeitados no Parque Infantil. Se por um lado havia uma separação e
uma seleção por parte de meninos de outras classes, membros pertencentes às
agremiações e instituições religiosas, das quais os narradores acima não faziam
parte, por outro, esses meninos procuravam nas brincadeiras, uma maneira de se
“vingar”. Enfrentavam e transgrediam as regras impostas, o que para eles, na época,
era considerado como uma espécie de aventura.
Moacyr Honorato recordou-se que “pulava a cerca” ou mesmo “pegava a bola
e furava”. O senhor Benedito Mateus, lembrou-se que ele e outras crianças
costumavam esconder as roupas dos moleques ricos que estivessem na piscina.
Esses modos de agir, parecem indicar que, as crianças de menor condição social,
não aceitavam pacificamente os limites impostos à sua “liberdade”. Para desfrutar do
direito à brincar, valia, inclusive, abrir “uns buraco na tela” que circundava o Parque,
como rememorou o senhor Mário Oliveira. Havia, um sentimento de solidariedade
compartilhada entre as crianças pobres que, segundo Mário Oliveira: “a gente não
queria fazer malvadeza pra ninguém”.
Porém, se os garotos que moravam nas vizinhanças do Parque, iam
diariamente utilizar suas quadra e dependências, passando, em sua maioria, grande
parte do dia, isso de certa forma impedia o acesso e a utilização de outras crianças
(que moravam mais distantes) àquele espaço e suas dependências como as
quadras ou a piscina. Portanto, havia uma questão lógica de ordenação e
organização para que um número maior de crianças pudesse utilizar aquelas
dependências e não apenas àquelas que residiam próximas. A tentativa de abranger
esse público freqüentador, proibindo, por vezes, a entrada de outros sujeitos, fazia
com que algumas crianças e jovens ficassem ressentidas, introjetando em si um
sentimento de exclusão o que não deixa de ser, afinal todos queriam desfrutar o
Parque Infantil.
Contudo, apesar de todo esforço, o modelo durou pouco tempo, mesmo
porque a criança era vista como “matriz do homem”, uma tabula rasa na qual podiam
ser depositadas todas as coisas.Com o passar do tempo cada vez mais o Parque
voltava a sua dura realidade. Colunas e manchetes intituladas sugestivamente com
características de reclamações, em diversos jornais da cidade, tornaram-se cada vez
mais comuns desde o inicio da década de 1960, denunciando o descaso das
autoridades locais com o Parque Infantil.
109
A solução encontrada para as reclamações e para o “reaproveitamento” do
espaço do Parque foi unir os pedidos da construção de uma Estação Rodoviária
junto a um projeto que visava evocar o Parque Infantil novamente, discussões que
irão se aprofundar no próximo capitulo.
110
Capítulo III
“A Praça que Abraça o Futuro”
170
Ao longo de sua história a Praça João Pinheiro aparece como um espaço de
múltiplas territorialidades, lugar de luta e disputa por seu uso, mas, sobretudo, um
local de “higienização social”. Até certo ponto, a Praça foi transformada, re-
formulada e re-configurada devido a inúmeros e diferentes fatores, conforme os
momentos considerados, mudanças de nomes, de usos e de práticas, tinham o
intuito de servir como uma espécie de divisor de águas por uma sociedade
moralista. Alegava-se a proximidade com a zona de baixo meretrício de Pouso
Alegre, desde sua instalação, por volta de 1918. Proximidade esta lembrada por
Moacyr Honorato Reis, morador das adjacências da Praça:
“Aqui começou, mais ou menos, em 1918, quando o Quartel
veio pra cá, sabe? Então com aquele contingente todo, muitos
homens vindos de fora junto com os daqui, formaram um
público masculino bom pra vir até aqui na zona [...]”
171
A prostituição na região central da cidade foi encarada, como uma inimiga de
longa data de uma moralidade aprendida das famílias às escolas, segundo a qual
temáticas como o sexo, o matrimônio erma envoltas em recato e preconceito. Nesse
sentido, a prática da prostituição foi alvo de severa condenação por um lado e, de
mal disfarçada tolerância, por outro.
170
O título encontra-se entre “aspas”, pois trata-se de um slogan criado pela administração pública de Pouso
Alegre, durante as décadas de 1970 a 1990, com intuito de enaltecer e divulgar o desenvolvimento da cidade,
enquanto pólo industrial. Isso ocorreu devido a inúmeros fatores, entre os quais incentivos financeiros e fiscais
facilitados pelos administradores durante este período, paralelamente a descentralização das metrópoles
brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro, motivos que acabaram por atrair o interesse de várias empresas. O
slogan original “A Cidade que Abraça o Futuro”, foi modificado, trocando-se a palavra Cidade por Praça. Neste
mesmo período, quando da criação da primeira Estação Rodoviária da cidade, o espaço da Praça João Pinheiro
nos projetos e ideais da administração pública, tomou o sentido de refletir o desenvolvimento e o progresso que
chegava a cidade, através do afluxo de pessoas, vindas de várias partes do país, da concepção arquitetônica que
abrigaria também a sede da Prefeitura Municipal de parte do antigo Parque Infantil. Ressaltava-se também, a
localização de Pouso Alegre em relação a cidades como São Paulo, criando-se a imagem de um grande e
importante centro rodoviário. Por essas e outras razões abordadas nesse terceiro capítulo, achei sugestivo dar
essa intitulação.
171
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis, pelo autor desta pesquisa.
111
Segundo o trabalho de Eduardo Moreira Assis, acerca da Zona de Baixo
Meretrício em Pouso Alegre, a partir da década de 1940, houve um re-ordenamento
espacial, onde a “cidade fechou-se para a zona [...]legitimando o preconceito e a
discriminação[...]”
172
. As prostitutas foram alvo de discriminação, consideradas
inimigas das famílias.
Essa concepção e atitude moralista que separava a cidade “decente” daquela
considerada “imoral”, na qual se buscava o confinamento das prostitutas em casas
voltadas à exploração do sexo e a proibição de sua livre circulação nos ambientes
considerados nobres, entre eles, a Praça João Pinheiro, impôs uma espécie de
fronteira moral que, dificultou-lhes sua presença. No depoimento de Benedito
Mateus de Melo, morador nas adjacências e freqüentador de longa data das casas
de prostituição, a intolerância vai se intensificar e se expressar em medidas mais
repressoras a partir de 1940, quando:
“[...] Elas [prostitutas] só andava de charrete. Pra descer pra
avenida, só de charrete. Muito difícil elas andar a pé!
Juliano: Elas não se misturavam com o pessoal do Parque?
Benedito: Não, não nessa parte não. Tinha vários charreteiros
amigos meus que vinham buscar elas em casa, ia onde
precisava, quando elas saia tarde, mas só de charrete. A pé
mesmo, você não via mulher da zona de jeito nenhum.
Juliano: Sei, era muito difícil né?
Benedito: Era muito difícil, porque nóis tinha um delegado aqui
o Dr. Julio Faria que era muito enérgico nessa parte, enérgico
mesmo! Não gostava de jeito nenhum, se ele visse uma mulher
dessa na rua ele mandava recolher na mesma hora.”
173
Não se tratava apenas de impedir o exercício da prostituição fora da zona de
“tolerância”, nesse sentido, a força policial, reapresentada na figura do delegado
Julio Faria e suas punições exemplares às prostitutas que viessem a freqüentar
áreas nobres da cidade, como o Parque, foi um dos mecanismos mais eficazes que
marcaram sobremaneira a memória dos moradores nas adjacências da Praça João
Pinheiro.
Quanto à proibição de sua presença “indesejada” no espaço da Praça, visto
que suas práticas, modos de viver, de se vestir, sobreviver e agir “agrediam” outras
classes que buscaram constituir, na praça, um território apropriado para outras
172
ASSIS, Eduardo Moreira. A Cidade e o “Mal Necessário”: Prostituição e Marginalidade Social em Pouso
Alegre- MG(1969-1988). Mestrado em História Socail, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2005, p. 26-
27.
173
Entrevista realizada com Benedito Mateus de Melo.
112
práticas que não fossem àquelas ligadas à “imoralidade” dos cabarés, segundo
Moacyr Honorato, tinham por finalidade a reclusão e a exclusão das prostitutas:
“Ah, antigamente, elas [prostitutas] nem podia ir até a praça.
Elas não podia nem ir até a praça, eram proibidas pela policia.
Isso é, como que fala, poder de policia a prostituição. Então,
não tinha esse negócio de andar no passeio não, elas tinham
que ficar confinadas dentro da casa. Quem gostasse ia lá,
quem quisesse ia lá com aquela finalidade, mas elas ficar ai
rodeando não! Quem ficava ai na época andando no jardim era
as moça pra arrumá namorado, entendeu? As moças de familia
andavam pra cá, os rapazes do outro lado, era pra arrumá
namorado né? Eram as moças de família. Hoje as prostituas
fazem ponto em qualquer praça, avenida e a policia não ta nem
ai, porque não tem condição mesmo de coibir né?”
174
O Footing, prática muito realizada nos arredores do Parque, naquele
momento (década de 1940), é lembrado na fala de Moacyr Honorato como uma
“iniciativa” da juventude pouso-alegrense que buscava no caminhar em direções
opostas, entre rapazes e moças, o flerte através da finta do olhar. Ainda, na
lembrança de Moacyr Honorato Reis, apesar de não estar “escrita” ou publicada em
leis oficiais, dita ou re-afirmada por autoridades locais, a prática do footing, bem
como a presença das prostitutas no recinto do Parque não eram “bem-vindas”, pois
havia ali todo um aparato reforçado pela própria convivência urbana, entre os
sujeitos, onde as prostitutas tinham já incorporado, maneiras pelas quais podiam ou
não transitar em espaços de domínio público (as charretes).
Assim como as práticas e lugares que poderiam ou não freqüentar (o footing e
a praça) sem que pudessem ser “expulsas” de maneira constrangedora, devendo
assim, segundo a concepção de Moacyr Honorato ficar “confinadas dentro da casa”
e aqueles que procuravam “ia lá [na zona] com aquela finalidade”, fica clara a
distinção entre os papéis sociais, atribuídos até certo ponto, de maneira
preconceituosa pelo depoente, já que, se tratava de um freqüentador assíduo dos
cabarés.
Embora fosse um hábito “comum” entre as mulheres e os homens, na época
rapazes, alguns se lembram que os casais que se formavam nessa “troca de
olhares”, tinham como local privilegiado para os primeiros namoros a Praça João
Pinheiro:
[...] era época que a gente tinha as namoradinha da gente
sabe? Mas era muito saudável, as mocinhas, por exemplo, lá
174
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis.
113
na praça, então ali no final de semana, a gente descia pra lá,
as moça rodava no jardim de um lado e os rapazes do lado ao
contrário né? Pra olha um na cara do outro pra ver qual é que
servia pra gente! Você entendeu como é que era? Deli saia os
namorinho sabe?
Mas era a coisa mais difícil você chegar a pegar na mão da
mocinha. Aha! [risos]...
Pra você vê o joelho de uma menina, ixi!
Juliano: Só casando? [risos]...
Mário: [Fazendo gestos de afirmação com a cabeça] Você
entendeu como é que era? Então o caráter das pessoas, o
respeito, a dignidade era totalmente diferente!É, porque a gente
não via a hora de chegar o domingo, porque lá era só aos
domingo sabe?
Juliano: Depois da missa?
Mário: É, depois da missa. Porque quando terminava a missa
dava aquele monte de moça sabe? Mas tenho que dizer que
vendia alguma coisa [risos]...
Juliano: Opa!
Mário: Porque cada um olhava e via aquilo que lhe servia!
Daqui a pouco um saia e dizia: -Oh moça vamo sai aqui da
roda, ai saiam já iam conversar um pouquinho, sentavam nos
bancos e tal né? Mas as moça, eu vou te contar, eram muito
bonita, você olhava na fisionomia das moça, porque naquela
época até os dentinhos das moças eram de canjica [risos]...
Branquinhos, branquinhos!
Então era umas moça de mentalidade sadia, inocente de tudo
sabe? Muito inocente! Coisa que acontece hoje, como dizem
hoje jogou na balança deu vinte quilo já ta na cama [risos]...
175
“Tem muita gente que casou... eu mesmo casei, porque
conheci a minha ex-esposa; ex porque ela faleceu né? E eu
fiquei conhecendo ela, justamente, na praça. Ela era uma
meninota de seus dez, doze anos, eu de bicicleta com meus
quinze por ai... punha ela no cano da bicicleta e saia rodando
por aí e acabamos nos casando [risos]...”
176
No depoimento de Mário Cézar Barbosa, ressalta-se a “pureza” e a falta de
“malicia” nos relacionamentos, principalmente, por parte das garotas tidas como de
“família” da época, que iam ao parque para o flerte, através do footing. Tanto na
narrativa de Mário Barbosa como nas memórias do senhor Saulo Jésus, a Praça
aparece na lembrança do ontem, na fala do hoje que, por sua vez, vem articulada
com a lembrança da própria experiência. Nesse sentido, a Praça João Pinheiro, nas
entrelinhas dessas narrativas está permeada de um moralismo de uma sociedade
em que os pais mantinham uma educação rígida com relação aos costumes e
práticas dos filhos.
175
Entrevista realizada com Mário Cezar Barbosa Ribeiro pelo autor desta pesquisa.
176
Entrevista realizada com Saulo Jesus Salles, morador próximo a Praça em 03/06/2004, pelo autor desta
pesquisa.
114
Resguardando a importância de se manter vivos preceitos católicos como o
matrimônio, a castidade e o recato das meninas que deveriam ser respeitadas fosse
durante o “flerte” ou durante os namoros, o interesse pelo sexo oposto, seguia uma
mentalidade totalmente diferente da atual, segundo os depoentes “sadia” e “sem
malicia”, porém com compromisso.
Assumindo que a proximidade da Praça junto ao meretrício poderia ser
“danosa” para a juventude pouso-alegrense, o jornal local “O Linguarudo”, cujo
diretor João de Paula e o proprietário Pedro Lúcio Andrade, tinham suas filhas entre
o público freqüente do parque, bem como seus colaboradores, viam naquela
proximidade, um perigo que poderia macular a juventude local e, por conseguinte,
seus filhos se preocupando com sua “integridade física e moral”.
177
Na praça, havia uma relutância por parte dos freqüentadores e vizinhos com
relação à presença de bêbados, mendigos, clientes e as próprias prostitutas que
eram agrupadas num conjunto de sujeitos indesejados naquele local. Quando esses
sujeitos “indesejados” se “aventuravam” a circular naquela região, não raro,
recebiam punições exemplares por parte da policia local, tendo como autoridade
responsável por esta “vigília” o delegado Júlio Faria.
Para tanto e de modo a reforçar os valores moralistas que embasavam a
cultura pouso-alegrense naquele momento e, ao mesmo tempo, buscando reafirmar
a fragilidade do sexo feminino, sobretudo, das moças “de família”, porém,
pertencentes a classes menos abastadas, o jornal “O Linguarudo”, publica no dia
30/04/1947 uma nota que além de “aconselhar”, desqualifica o modo como alguns
pais conduzem a educação e a vigilância sobre suas filhas que poderiam “vir a se
perder”, caso não fossem tomados os cuidados adequados:
“ Mesmo que a gente se esforce para ser bastante otimista e
não deixar transparecer algo anormal nesta época do inverno,
em que o frio tem regelado até os nossos ossos, torna-se
necessário alertar certos Paes menos avisados, maior cuidado
na vigilância de suas filhas, que são encontradas quer nas ruas
(escuras), quer nos cinemas e até mesmo em alguns bailes,
deixando-se levar pelas expressões amorosas de alguns
rapazes, expressões preparadas cuidadosamente durante o dia
e executadas habilmente durante a noite...
[...]Assim, não, graciosas senhoritas! Assim nunca foi, não é,
nem será o começo do sonho de uma jovem que deseja ser
amanhã um exemplo a seguir pela posteridade, como nos
falam as grandes vidas, embora anônimas, de muitas dignas
177
O Linguarudo. Pouso Alegre, 30/04/1947, p. 02.
115
Mães, que ostentam nos olhos e nos semblantes a glória de
terem vivido, exclusivamente, pela felicidade de seus filhos!”
178
O jornal “O Linguarudo”, já inicia na década de 1940, uma campanha
revestida sobre o discurso da periculosidade entre a proximidade do Parque junto ao
meretrício, cujos resultados quanto à retirada das casas que exploravam o sexo na
cidade, será implementada apenas décadas mais tarde.
179
Além de um discurso paternalista, o jornal “O Linguarudo”, reforça o caráter
moralista da sociedade pouso-alegrense que, construía uma imagem feminina,
enquanto sujeitos incapazes de se cuidar sozinhos. Sua escrita vai para além da
critica de lugares que as mulheres deveriam ou não estar freqüentando tais como:
“as ruas, os bailes e os cinemas”, mas é, sobretudo, um discurso contra a própria
mulher. É interessante notar que o termo “paes menos avisados” é voltado a uma
parcela especifica da população, ou seja, a mais pobre, ressaltando nas entrelinhas
que tanto pais, mas principalmente as mães, não estão conduzindo de maneira
satisfatória a criação de suas filhas, pais e mães estes, “destituídos de saberes” e
que portanto, demandam orientações, advertências e alertas por parte da imprensa
que nesse sentido assume o papel de “conselheira” e condutora de um saber.
Colocar em questão a “associação de comportamentos que contavam como
reguladores morais junto àquela região da cidade, fugindo da norma da época,
mulheres “de família”, poderiam ser confundidas e, em casos extremos, apontadas
em praça pública, como mulheres “quaisquer”, manchando não somente a própria
reputação, mas por extensão de sua família”.
180
Dependendo do horário, da
vestimenta e da companhia, as “moças de família” que passeavam nas adjacências
do parque seja praticando o footing, namorando ou, simplesmente, caminhando para
retornar ou sair de suas residências, poderiam ser:
“Abordadas como prostitutas, garotas de programa. Porque era
ali, muito perto. E tem mais, A moça que se perdesse era
considerada biscate! Ela era execrada em praça pública! As
vezes, acontecia da moça se entregar, porque era aquela
euforia e tal e se entregava pro caboclo. As famílias muito
178
Idem.
179
Segundo a pesquisa de Eduardo Moreira Assis, a retirada dos cabarés e demais casas de prostituição das
redondezas, na região central da cidade, após anos de abaixo-assinados encaminhados a vigilância sanitária, ao
Executivo e, durante o período da Ditadura Militar na década de 1960, ao Exército local, encabeçados por
moradores nas adjacências, tiveram resultados “satisfatórios”, apenas na década de 1980, especificamente,
durante o governo de Simão Pedro Toledo, filho de Tuany Toledo, Prefeito da década de 1940 e autor do projeto
do Parque Infantil na Praça João Pinheiro.
180
ASSIS, Eduardo, O.P. cit. 28.
116
duronas, faziam casar na policia, na delegacia. Não tinha nada
de Igreja e nem de cartório era na Delegacia, aconteceu muito
disso por aqui”.
181
O mecanismo de punição referente ao confinamento da prostituição e as
punições realizadas por meio de prisões, muitas delas escandalosas o suficiente a
ponto de marcar a memória de moradores próximos que, assistiram, por vezes,
aquelas cenas, bem como a questão do medo quanto a se “perder” ao se entregar
“antes da hora”, foram medidas eficazes na proporção em que serviam de exemplos
tanto para aqueles a quem se dirigiam diretamente, como para a população que
deveria além de assimilar, policiar a si e ao próximo, atentando constantemente em
relação aos seus hábitos, locais e pessoas com quem costumam lidar, o que, por
sua vez aponta para o fechamento da cidade para a zona do meretrício e a prática
da prostituição, um isolamento e uma exclusão que também delineava a liberdade
das pessoas, sobretudo, das mulheres.
A discussão sobre a Praça, permeava a fala de diferentes sujeitos que,
tinham como ponto de semelhança em sua discussão à questão do medo. Medo
esse que pôde ser percebido na narrativa de dona Denaide Teixeira Alves, ao nos
apontar a maneira como se incorporou na vida cotidiana das mulheres, formas
diversas de exclusão e preconceito reafirmados por mecanismos de vigilância e
repressão voltados à prostituição, que segundo ela:
“Olha rapaz, já ouviu falar no ditado: diga com quem tu andas?
Pois é, era o que eu sempre aconselhava para as minhas filhas
quando elas saiam de casa naquela época. Era difícil deixar
elas irem sozinhas, sempre eu ou meu marido as
acompanhava, sabe?Mais ele por conta do meu trabalho no
Conservatório, mas Graças a Deus, nunca houve nada,
ninguém mexeu com elas, mas a gente não sabia né? O que
ficava pra gente era que ali perto tinha aquele povo, aquelas
mulheres, então dava um certo receio, podia ter brigas e
confundir as meninas com elas[prostitutas] e coisa e tal, mas a
gente fazia mais isso por questão de segurança de pai e mãe
mesmo”
182
A praça aparece enquanto um território da classe “dominante”, incapaz de
conviver com modos diferentes de encarar e de utilizar aquele espaço. Havia,
portanto, não só um receio quanto ao desrespeito proveniente daquela região que
podia advir das mulheres da zona do meretrício ou de seus clientes, mas também
181
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis, pelo autor desta pesquisa.
182
Entrevista realizada com Denaide Teixeira Alves pelo autor desta pesquisa.
117
uma relação de “medo” e insegurança, enquanto um espaço “duvidoso”, inconstante
e que por isso deveria ser constantemente vigiado. Na medida do possível, vizinhos
dos arredores se auto-policiavam em seu trajeto, tomando cuidado com quem
andam e para onde iam, vivendo o receio de mais cedo ou mais tarde serem
abordados por certos sujeitos de maneira constrangedora que pudesse causar
“danos morais” as moças de família, aparecendo na fala de Denaide Teixeira mais
como uma possibilidade de vir a ser do que realmente o que ocorria.
Enquanto um território “proibido” para alguns e duvidoso para outros, envolto
em intrigas e obscurecido pelo discurso moralista, as imediações da praça
[principalmente a zona de meretrício] instigava a curiosidade de sua decifração,
daquilo que havia “do outro lado” nas tênues fronteiras que separavam “a
imoralidade da cidade moral”. As crianças, alvos constantes dos discursos da pureza
e que por elas deveriam ser tomadas providencias a respeito daquela “má
vizinhança” (como se verá mais adiante), segundo Moacyr Honorato, quando,
especialmente, os garotos diziam aos pais que iam ao Parque Infantil brincar, na
realidade, por muitas vezes:
“Ali na esquina da rua do Rosário com a praça, onde hoje é um
restaurante self-service, ali era um desses recintos. Então a
casa subindo o passeio aqui pra rua do Rosário, tinha uma
espécie não é barranco, é um mural, depois tinha a janela né?
E as mulheres ficavam ali sentadas, na sombra ali. E nós,
molecada da época gostava de ver a mulherada com as pernas
cruzadas, bebendo cerveja, e naquela época ali a dona a gente
chamava ela de Maria do Barranco.”
183
Assimilando as mudanças ocorridas, mesmo depois da praça se transformar
num Parque Infantil, em 1941, a proximidade junto à zona de meretrício é ressaltada
no dialogo com o depoimento de José Heleno Magalhães. Em suas “escapadas” do
Parque, fica claro o tom condescendente e mais “leve” utilizado ao apontar as idas e
vindas do público masculino ao espaço da zona de meretrício, mesmo que só por
curiosidade:
“Era coisa de molecão. A gente tinha aquela curiosidade de
saber o que tinha lá [na zona], justamente porque era proibido
pra gente. Então íamos de 3, 4 juntos e espiávamos nas
janelas, mexíamos com algumas e outras ficavam bravas
saiam correndo e a gente saia rindo. Era uma aventura para
nós, mas tudo sem machucar, sem prejudicar ninguém”
184
183
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis, pelo autor desta pesquisa.
184
Entrevista realizada com José Heleno Magalhães, pelo autor desta pesquisa.
118
Essa visão que o depoente tem da “curiosidade” acerca do que havia no
território do meretrício, por parte dos meninos na década de 1940, ressaltada por
José Heleno em sua narrativa, expressa a diferença dada à educação dirigida as
meninas em relação àquela direcionada ao público masculino. Os papéis sociais se
definiam através do gênero, onde a prostituição para as mulheres aparece enquanto
um tabu. Já para os meninos, a prostituição, era motivo de curiosidade e ,ao mesmo
tempo, um mundo que deveria ser “ocultado”. Isso porque, essa curiosidade acerca
daquele mundo, poderia gerar inquietações, questionamentos “indevidos” por
meninos num período da vida ainda associado a “inocência”, causando, ao mesmo
tempo, nos adultos, constrangimento ao tratar de um assunto tão “reprimido” como o
sexo na sociedade pouso-alegrense.
Nesse sentido, no meio político, a proximidade entre o Parque e as casas de
prostituição, põe em risco de maneira danosa essa juventude, que ao brincar nas
imediações do Parque Infantil, por vezes, tinham de conviver:
“[...] com a imoralidade, infelizmente, esse mal, essa ferida que
constantemente nos incomoda que é as casas de prostituição.
Nós, à frente da administração pública deste egrégio município
temos que lutar para sanar este mal em favor de nossas
crianças de nossa juventude, inocente e curiosa que culpa não
têm em avizinhar seja em suas casas, seja em sua diversão
por cabarés na região central da cidade. Além disso, os
populares, pessoas desavisadas, começam por dar um outro
uso ao espaço de nosso sadio Parque Infantil, com
ajuntamentos e encontros suspeitos, se espelhando nos
péssimos exemplos das redondezas, iremos deixar que isso
vire uma rotina em nossa cidade?[...]”
185
No dizer do Prefeito Alvarim Vieira Rios, farmacêutico e fazendeiro, aos
vereadores locais durante uma sessão extraordinária da Câmara Municipal em 1947,
a prostituição aparece como uma “ferida”, algo maléfico que poderia “contaminar”
com a imoralidade a juventude e a infância nas adjacências do parque se não
fossem tomadas as providencias cabíveis. Nesse sentido, o Prefeito assume e quer
que os demais membros do legislativo assumam essa responsabilidade na luta
contra a prática da prostituição que parece incomodar e muito a administração
pública do município.
Apesar do assunto ser motivo de aparente preocupação nos debates do
Legislativo e Executivo, entre discurso e prática, muito pouco foi feito ou mobilizado
185
Fala do Prefeito Alvarim Vieira Rios à Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 20 de novembro
de 1947.
119
para que a situação, a retirada ou a expulsão definitiva da prostituição na região
central da cidade fosse concluída, demorando décadas para que as casas de
exploração do sexo nas imediações da Praça João Pinheiro fossem fechadas.
Mas, destaca-se, sobretudo, na fala do Prefeito, um discurso reacionário
contra as práticas e usos da população pobre no espaço do Parque que aparece ali,
em sua fala, como sujeitos diferentes de sua classe, “alienados” o suficiente a ponto
de não saber que o Parque não é um local propicio para encontros e que, portanto,
demandam orientação e repressão para que aprendam e ao mesmo tempo não
continuem a dar “os péssimos exemplos das redondezas”, pois aquele lugar tinha
uma outra conotação: a de local “sadio”.
Não se tratava apenas da questão de mudar a fama da região, mas uma
tentativa de resguardar a “alma” de um local, da praça, que como fora colocado nas
memórias de Alvarina Toledo, aquele espaço era também “o pulmão e o coração de
Pouso Alegre”
186
, principalmente das pessoas, como afirma Moacyr Honorato em
sua narrativa, da “alta” que eram, até certo ponto, agredidas pelo modo como os
freqüentadores da zona de meretrício e suas “moradoras” viviam e agiam.
Apesar da fala do Prefeito, Alvarim Vieira Rios, buscar o combate de
determinadas práticas e sujeitos da região central da cidade, tentando, ao mesmo
tempo, mobilizar o legislativo pouso-alegrense, com um discurso que reforça as
fronteiras “morais”, onde a Praça João Pinheiro aparece comprimida entre “dois
mundos”, separados por barreiras algumas delas visíveis (muros, alambrados e
grades) e outras “invisíveis” para alguns, ali estabelecidas, principalmente pelo viver
e conviver dos múltiplos sujeitos que formavam o universo que compunha aquela
região central de Pouso Alegre , ao que parece os avisos “moralizantes” por parte
do poder público local não surtiram muito efeito no meio populacional.
Em uma reclamação intitulada “A Transformação do Parque Infantil”,
publicada cerca de um ano depois, da fala do Prefeito à Câmara, ou seja em 1948, o
jornal O Linguarudo, destaca que o uso pela população da Praça João Pinheiro,
para a realização de encontros e namoros, era vista muito a contragosto por certos
setores moralistas que enxergavam nas práticas ligadas ao “amor”, na praça,
186
TOLEDO, Alvarina Amaral de Oliveira.O.p. cit; p.18.
120
problemáticas em relação a utilização do local e a forma como eram conduzidas tais
relações, que para o jornal
187
:
“Hoje, porém está transformado o nosso Parque! Os casais de
namorados escolheram aquele local para exibição de suas
aulas de “amor” às crianças. Vemos, ora nos balanços, ora nos
bancos, diversos pares de namorados apresentando cenas que
causa espanto até às pessoas adultas.Chamamos a atenção
dos responsáveis por essas notas dolosas, para que procurem
dar às crianças de nossa terra exemplos de pudor, e não como
está acontecendo deixando aquele ambiente de educação –
física e recreativa se transforme em teatro de profanação.”
A nota chama atenção da população freqüentadora daquele local, ressaltando
que se tratava de um Parque Infantil e como tal, local “puro”, não apropriado para
abrigar práticas ligadas ao “namoro”, inscrito no jornal sob o cunho de “doloso e
profano que poderia macular crianças e desorientar sua formação com maus
exemplos, as quais iam ali cumprir ideais relacionados às práticas“ sadias como a
educação-física, essas sim, segundo o jornal, condizentes com o ambiente. Mas,
então, o que as pessoas naquela época chamavam de “decente”, já que somente a
eles era permitido o acesso a vários espaços da cidade como o parque, sem que
sofressem sanções e humilhações dos mecanismos punitivos aplicados ao público
“desordeiro” e inconstante da zona de meretrício?
Ora, se ali no parque, havia uma série de medidas tomadas a fim de se
separar esses dois territórios, de um lado o dos ”bons costumes” e do outro o da
“imoralidade”, os guardas (diurnos e noturnos), os alambrados, as muretas, não
eram fronteiras tão bem delineadas como se imaginava que fossem, ou então eram “
impotentes” contra algumas práticas e alguns sujeitos que teoricamente não eram
bem-vindos ali.
Na narrativa de Benedito Mateus consta que, por vezes ao ser questionado
sobre os casais e a rigidez da vigilância dos guardas com relação aos encontros
entre casais realizados na praça, sua resposta é enfática: “Não, não! De jeito
maneira, eles [os guardas] deixavam passá, porque sabia que era de
responsabilidade! Família boa! Não tinha bagunça, então eles gostava. Os guarda
187
A, Transformação do Parque Infantil “João da Silva”. O Linguarudo. Pouso Alegre, 13/11/1948, p.
03
121
deixava passear a vontade, não é igual hoje não. Não tinha essa malicia de hoje de
ficá, hoje eles falam em ficá, antigamente era namoro, noivado e casamento.”
188
A busca de mudar as práticas daquela região se fazia necessária, ao menos
em teoria, nos discursos políticos que ressaltavam em reuniões, a importância de
“limpar’ as imediações da região central da cidade, lançando mão da retórica,
segundo a qual, o Parque Infantil, poderia ser maculado e influenciado de forma
negativa devido à proximidade com a região do meretrício. Só que, havia uma
diferença muito grande entre o que se falava em discursos políticos e o que se
praticava na vida social e pública.
Freqüentadores mais assíduos dos cabarés, como o senhor Moacyr
Honorato Reis que, acompanhou de perto todo o processo de discussão acerca da
prostituição em Pouso Alegre, apresenta com riqueza de detalhes, um dos principais
motivos que levou o poder público a se “omitir” por tantas vezes e de forma bastante
clara em relação à prostituição nas adjacências da praça. Segundo ele:
Então a partir daí, sempre que tinha uma oportunidade, esse
pessoal da alta, os governantes, que era criado com estudo,
naquela religiosidade toda participava daquelas altas rodas,
entendeu? Tentaram tirar isso daqui, mas muitos deles também
eram clientes e por isso nunca saia. Sempre tentaram de algum
jeito, vamos dizer a verdade é esconder, a prostituição por
aqui. Fizeram um parque todo cercado, botaram uns guarda,
um deles chamava Seu Alberto, muito bravo por sinal, fizeram
grupos escolares pra coibir mesmo as menina [prostitutas]de se
misturar com essa gente, mas todo mundo sabia que bastava
subir uma rua, virar uma esquina que elas[prostitutas] estavam
lá. Tinha um senhor que chamava Argentino de Paula. Ele era
fazendeiro aqui perto do campo de futebol, perto das taipas.E
ele então tinha um barracão aqui e ele alugou esse barracão
pra uma boate. Ele pois o nome nela de Novo Mundo, porque o
velho mundo reprimia demais o sexo, então ele pois o nome de
Novo Mundo, quer dizer era aquela liberdade né? Os quartos
eram bem arrumadinhos, tanto que as camas era de lençol
engomado, as fronhas todas engomadas, aquelas cortinas
todas vermelhas nos quartos.
Então o lazer da turma, quando via que ia chegar mulher nova
no pedaço, nossa! Era baile todo o sábado, sábado e domingo
eram aqueles bailes sabe? Só entrava neles quem tava de
terno e gravata, era chique! Era com orquestra, aquele conjunto
bonito, aquelas música da época bolero, samba, folks. O
delegado tudo era amigo das donas das casas mais famosas
né?! O promotor não! O Delegado, o Presidente da Câmara e o
Prefeito eram tudo amigo, então elas ficavam bem! Eles tinham
que vir aqui, porque mexer com moça de família eles não
188
Entrevista realizada com Benedito Mateus de Melo, pelo autor desta pesquisa.
122
queria e não podia, então eles tinham que vir ai, eles pagava e
satisfazia seus instintos. ”
189
Em sua narrativa Mário Cezar Barbosa ressalta ainda:
Mas tinha os Prefeitos da época., Tinha aqui o Jorge Anderi,
era um turco sabe? Mais malandro que não sei o que![risos]...
Inclusive ele freqüentava muito por aqui, então ele mantinha
uma relação boa com as menina da zona.
Uma articulação complexa forjada nas malhas das relações entre as “donas
das casas” de prostituição, popularmente conhecidas como “cafetinas” junto a
homens do poder Executivo, Legislativo e Judiciário como afirmou em sua entrevista
o depoente Moacyr Honorato citando nomes como do ex-fazendeiro e vereador
Argentino de Paula (vereador na década de 1960) e o ex-Prefeito Jorge Antonio
Andere (Prefeito de 1959-1963 e de 1967 a 1969), lembrado por Mário Cezar
Barbosa, era justificada na maneira como essa prostituição era praticada. Havia toda
uma estrutura e requinte nessas casas para receber essas autoridades e demais
pessoas de “posse”, a fim de agradar esse público fosse pela decoração, música
ambiente ou pelas “novas” garotas que chegavam.
A abrangência das relações e vínculos estendidos a pessoas públicas,
“conhecidas” e de destaque no cenário político e da sociedade pouso-alegrense,
garantiam a continuidade dos negócios que exploravam o sexo na cidade por muitos
anos, além de impedir as punições, através do sigilo e da “omissão”, constituídos
através de alianças entre políticos e autoridades junto às “donas de casa” que
davam um “jeito” em driblar a vigilância e a fiscalização através desses contatos
estabelecidos. Durante bailes conduzidos por orquestras, embalados pela bebida e
pela jogatina, estabeleciam-se essas alianças, ao mesmo tempo em que, se
instaurava um paradoxo entre o que se falava na prática política e aquilo que era
praticado.
Foi o Prefeito Jorge Antonio Andere, no inicio de mandato que enviou projeto
de lei número 384. Enviado à Câmara Municipal de Pouso Alegre, no dia 03 de abril
de 1959, cujo teor se refere à construção e concessão de exploração da Estação
Rodoviária local. Foi a primeira menção em termos de documentação acerca da
Estação Rodoviária.
189
Entrevista realizada com Moacyr Honorato Reis, pelo autor desta pesquisa.
123
As discussões iniciais ocorreram sob sua administração, onde a idéia de
construir uma Estação Rodoviária esteve ligada a questões que envolviam
problemas apontados pelos moradores e usuários dos serviços de ônibus na cidade.
Os bares que, na época, vendiam entre outras coisas passagens, petiscos e
bebidas:
“Pouso Alegre, antes, não tinha Rodoviária, os ônibus paravam
tudo lá perto da Catedral ou num bequinho que tinha aqui perto
onde tinha a antiga Pernambucanas, não sei como se chama
essa rua, pra cima do Ferraciolli [hoje uma vidraçaria]. Lá perto
do Tribunal de Pequenas Causas, tinha um bar ele [ônibus]
parava ali.”
190
A rua a que se refere o depoente Mário de Oliveira é a rua Dom Nery, próxima
a Praça Senador José Bento. No bar, vendia-se as passagens e paravam os ônibus
em Pouso Alegre. Ali, segundo o depoimento de Juscelina Coutinho Rezende, as
instalações que o bar em questão oferecia eram precárias, já que não atendiam a
capacidade da cidade e de seus usuários tanto na questão que tange a higiene
como a questão de acomodação:
“Quem quisesse ou tivesse que pegar ônibus naquela época,
até 1960 e poucos, tinha que comprar passagem naquele
boteco. Eu lembro porque eu precisei muitas vezes sabe? Mas
era um ambiente desagradável! Se você precisasse de um
banheiro, tinha, mas era imundo, como todo banheiro de
boteco é, não é?E era um só tanto pra homem como pra
mulher, então você pode imaginar...Na hora de comprar a
passagem era outro problema. Como era muito pequeno o bar,
as vezes formava fila pra comprar passagem, ainda mais
quando era ônibus pra São Paulo. Fora que, muitas vezes a
condução atrasava, daí ficar ali esperando não pegava bem,
principalmente pra moça de família, paras as mulheres da
época, porque como era um bar tinha toda espécie de gente,
inclusive bêbados sabe? Então, eu ia esperar o ônibus na
praça da matriz ali er amais tranqüilo, mas ficar ali no bar com
aquela gente não dava”.
191
Contudo, o projeto de Jorge Antonio Andere, só depois de um ano receberia
parecer favorável emitido pelas comissões encarregadas pela análise. Este longo
espaço de tempo e a lentidão da aprovação do projeto sugerem que as tramitações,
visando à criação da primeira Estação Rodoviária, na estrutura organizacional do
governo municipal, foram entremeadas por entendimentos travados, discussões e
alianças firmadas entre membros da Prefeitura e da Câmara Municipal.
190
Entrevista realizada com Mário de Oliveira, pelo autor desta pesquisa.
191
Entrevista realizada com Juscelina Coutinho Rezende, pelo autor desta pesquisa.
124
Em 1960, na sessão do dia 10 de setembro, a questão da Rodoviária
ganharia a atenção do legislativo através de um “Requerimento sob o número 411,
que dispõe sobre a construção da Estação Rodoviária”.
192
Na época o então
presidente da Câmara, Rômulo Coelho, pediu para que se formasse uma Comissão
com três vereadores a fim de analisar e dar seu parecer referente ao requerimento.
Após a formação da Comissão Especial composta pelos vereadores
Argentino de Paula, Pedro Alves da Cunha e Jair Ribeiro, para análise do
requerimento, os proponentes iniciais do mesmo, apresentam à casa um “termo de
homologação do local para instalação da Estação Rodoviária “S. Cristóvão”, sendo a
mesma assinada pelos vereadores: Argentino de Paula, Saulo Jésus Salles, Jair
Ribeiro, João Guilherme Pereira, Benedito de Souza e José da Costa Paiva. “
193
,
mais da metade dos vereadores que compunham a Câmara Municipal, naquele
período.
Ao longo de todo o transcorrer desses debates, os termos “novo” e
“moderno”, estiveram constantemente presentes nas falas dos responsáveis tanto
na Prefeitura como na Câmara Municipal, relacionando-os, diretamente, com a
Rodoviária. A presença constante desses adjetivos associados ao projeto da
Estação Rodoviária, indica alguns sentidos que os governantes locais buscaram
atribuir à iniciativa de construir esta obra na cidade. A palavra moderno ora assumia
um caráter de justificativa para a iniciativa, ora indicava o sentido dado à nova
estrutura a ser criada: “o de superar tudo o que até então havia sido criado na
cidade de Pouso Alegre, em termos de concepção para o transporte e seu
desenvolvimento”.
194
Uma parte do local escolhido para a edificação, de acordo com o projeto,
ficava na rua Dom Nery e parte da avenida Dr. Lisboa, próximo à praça da matriz.
No local, ainda havia muitas residências e estabelecimentos comerciais tradicionais,
tais como as Casas Pernambucanas, por esse motivo, a autorização necessária
para a construção e estruturação de uma Estação Rodoviária, com as dimensões
que queria a administração municipal, não dependia só de sua “boa vontade”, mas
estava subordinada a uma autorização do D.E.T.(Departamento Estadual de
Trânsito), instituição com sede na capital mineira, Belo Horizonte.
192
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 10 de setembro de 1960, p. 22.
193
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 3 de dezembro de 1960, p. 33.
194
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Fala do Vereador Francisco Mariosa em defesa ao projeto de lei
nº 384. Pouso Alegre 15 de dezembro de 1960, p. 25. Tomo 115.
125
Ao enviar o projeto à Belo Horizonte, os vereadores da casa pareciam
empolgados, já contando com a autorização do referido órgão, o vereador Argentino
de Paula, afirmava em sessão do dia 15 de dezembro de 1960 que:
“agora só nos resta confirmar essa grande iniciativa
encaminhada por esta Casa ao DET, que com certeza não irá
se opor ao desenvolvimento de nosso município”.
195
Contudo, somente em março de 1961, na sessão da Câmara Municipal do dia
4 de março, os vereadores receberiam um comunicado referente ao requerimento de
autorização sobre a construção da Rodoviária. Nele estaria o golpe fatídico sobre as
pretensões em relação à construção da Estação Rodoviária no local indicado no
projeto, visto que:
“[...]com base nos dados propostos pelo referido projeto e
depois destes analisados por nosso setor de engenharia e
tráfego, o parecer quanto à localização, acomodação e
desapropriação dos imóveis nas imediações da região central
da cidade de Pouso Alegre, Sul de Minas Gerais, com a
finalidade de se instalar uma Estação Rodoviária, são inviáveis
perante as circunstâncias apresentadas. “
196
O embargo à obra, imposto no parecer encaminhado a Câmara Municipal foi
objeto de discussão da reunião do dia 14 de março de 1961, onde o Prefeito
Municipal Jorge Antonio Andere, foi convocado para dar maiores esclarecimentos
com relação ao orçamento apresentado para a realização da obra, tendo em vista
que, um dos motivos do embargo, apontados pelo D.E.T., foi à inadequação do
orçamento aos custos da obra: com desapropriação de casas, compra de materiais
de construção, salários dos trabalhadores (operários, engenheiros, arquitetos).
Durante a sessão, usando da palavra Jorge Antonio Andere, faz uma
exposição declarando que: “houve um estouro no balanço de verbas na questão de
funcionários e pessoal da Prefeitura”. Porém, sua justificativa, não foi bem aceita
pela Casa, que na ocasião apresentou uma lista de ex-funcionários da Prefeitura
que estariam sendo “beneficiados” com dinheiro da atual administração.
A partir de então, o Prefeito seria alvo de uma investigação minuciosa em
relação aos balanços orçamentários oferecidos nos finais de ano, bem como seria
revisto os pedidos de verbas suplementares para cobrir “estouros” em sua
administração. Ainda sobre o embargo do D.E.T. a Câmara Municipal de Pouso
195
Idem.
196
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 4 de março de 1961.
126
Alegre, logo tratou de enviar um oficio ao referido departamento a fim de que este:
“pudesse rever as concepções do projeto de construção da Rodoviária, convidando
um representante para vir até Pouso Alegre conferir de perto as reais condições do
município, antes de tirar suas conclusões”
197
As incoerências financeiras da administração de Jorge Andere tiveram como
um de seus traços mais visíveis as verbas destinadas a manutenção do Parque
Infantil “João da Silva”, motivo pelo qual foi investigado pelo Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais, através da figura de seu presidente Adolpho Portella. As
investigações começaram no segundo semestre de 1961, a pedido da própria
câmara municipal para análise das contas orçamentárias na Prefeitura de Pouso
Alegre. A titulo de exemplificação, o investimento divulgado em lei de 18 de
setembro de 1961 com “Operários do serviço de conservação do Parque Infantil
João Silva era estimado em Cr$-140.000,00(cruzeiros)
198
. Em 1963, este valor caiu
para Cr$-100.000,00(cruzeiros).
199
Porém, apesar de diminuído o valor investido em
1963, este nem se compara à época em que o parque ainda era visto enquanto um
local importante e portanto, sendo devidamente cuidado em sua manutenção. Isso
porque a época a qual nos referimos, à titulo de comparação é 1948, quando o gasto
com os mesmos serviços de conservação passavam pouco mais de 10% do valor
“estimado” em 1963, ou seja, Cr$-10.600,00(cruzeiros).
200
Contudo, o Parque Infantil seria alvo de um projeto ainda mais arbitrário de
autoria de Jorge Antonio Andere. Seus tramites na Câmara Municipal, iria expor os
interesses e destinações que estavam sendo pensados àquele espaço durante a
década de 1960. Encaminhado a Câmara em meados do mês de março e discutido
em “Sessão Extraordinária, com o fim único e especial de ser discutido e votado o
Projeto de Lei nº 734 que dispõe sobre concessão de domínio de área de terreno do
Parque Infantil “João da Silva”, à Faculdade de Direito do Sul de Minas de Pouso
Alegre.”
201
As discussões e divergências acerca do projeto dividiram a Câmara
Municipal. O teor que menos agradou o legislativo ficou por conta da doação de Cr$
3.000.000,00 (três milhões de Cruzeiros) a referida instituição. A Faculdade de
197
Idem, p. 55.
198
Lei ordinária nº 471. Pouso Alegre, 18 de setembro de 1961.
199
Lei ordinária nº 586 de 31/12/1963.
200
Lei ordinária nº 40 de 30/06/1948-
201
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 31 de março de 1962. pp-2-3 Tomo 115.
127
Direito, fundada em 1959, por membros bastante influentes no meio político da
cidade como Jorge Beltrão, Sáulo Jésus Salles, que em 1961, havia sido presidente
da Câmara Municipal, Breno Carvalho Coutinho, que além de Diretor da instituição
se elegeu Prefeito de Pouso Alegre em 1971, mostra que havia por detrás desse
projeto de lei interesses muito particulares em relação à instituição que almejava
crescer e ampliar suas instalações e, ao mesmo tempo, denota como certas alianças
iam se constituindo.
As discussões se estenderam. Apenas os vereadores Benedito de Souza,
Rômulo Coelho e João Guilherme Pereira foram contra o projeto, eles que eram os
componentes da comissão de Finanças Justiça e Legislação. Apesar disso outros
vereadores como Argentino de Paula e Walter Noronha, além de favoráveis,
solicitaram à Casa uma sessão extraordinária de dois dias no domingo dia 02 e na
segunda dia 03 de abril de 1962. Com a justificativa, da necessidade de maiores
esclarecimentos do Executivo, foi-se prorrogando cada vez mais sua discussão em
seções extraordinárias.
De dois dias, passaram-se para oito. O projeto foi votado e aprovado na
sessão do dia 23/05/1962. Dos vereadores que haviam de inicio se colocado contra
o projeto, apenas Rômulo Coelho manteve sua postura, questionando emendas que
foram “inventadas” por seus colegas a fim de ocultar os verdadeiros interesses do
projeto. Ou seja, dos 9 vereadores componentes da Câmara, oito eram à favor da
concessão da área do terreno a Faculdade de Direito e apenas um lutava para
preservar o que ainda restava do Parque Infantil “João da Silva”. O projeto final só
foi vetado, porque este era inconstitucional, pois o terreno a ser negociado junto a
instituição privada da Faculdade era um patrimônio público.
Agora, por que aquela comparação supracitada entre os investimentos e
verbas destinadas ao parque infantil em 1948 e 1963, já que se tratam de épocas
diferentes? Ocorre, que no final da década de 1940, ainda havia um Parque para se
investir e em 1963, esse mesmo parque já “não existia” mais. Isso, porque a
vigilância do impresso “O Linguarudo” manteve, ao longo do período pesquisado,
uma postura que oscilou entre apoiar as ações da Prefeitura ou cobrá-la quanto as
suas responsabilidades naquilo que havia prometido em obras e intervenções nos
espaços da cidade. Afirmando ou apoiando as idéias, os projetos, e as intenções do
governo municipal em Pouso Alegre, ou colocando-se na perspectiva da população,
o jornal cobrava iniciativas dos responsáveis pelo governo da cidade, lançando mão
128
de expedientes tais como o de transmitir à Prefeitura os apelos feitos pelos seus
leitores quanto aos assuntos tratados.
A esse respeito, por exemplo, usando palavras de seus leitores, cobrava da
Prefeitura, junto à Câmara, providencias e medidas quanto:
“A repercussão do que dissemos em nosso ultimo número
sobre o Parque infantil foi grande. Pessoalmente e por meio de
cartas, diversas pessoas e das mais gradas do nosso meio,
tem vindo até nós a fim de nos manifestar a sua solidariedade a
respeito do assunto e isso nos leva a tratarmos novamente da
matéria chamando para ela a atenção de nossa administração
pública, que hoje tem a testa um honrado cidadão, digno chefe
de família o qual não pode ficar indiferente à sorte do nosso
Parque Infantil, hoje inteiramente abandonado e desmantelado,
próprio, por conseguinte, para o recreio de nossa petizada e
família que acompanha, com prazer, a esse ponto de reunião,
de inegável utilidade e grande alcance social.
Para mais agravar essa situação, chegou ao nosso
conhecimento que, marginais, desocupados e elementos, gente
bem, quem sabe? Se postam a noite para o lado da Igreja de
Nossa Senhora do Rosário, parte escura do Parque (o guarda
faz sede ao lado oposto onde está a Prefeitura) e aí dirigem as
mocinhas e famílias, que por ali se vêm obrigadas a transitar.
Gracejos pesados, ofensivos a sua dignidade. Entregue ao léo
de desocupados, comprometem os foros de nossa civilização,
desnaturando-o com encontros suspeitos, ajuntamentos
imorais, ponto de espera para molestar com piadas de baixo
calão, famílias e mocinhas.
Arrancou o cercado do Parque Infantil, que lhe dava
indiscutível segurança contra a invasão dos bárbaros, só nos
resta uma esperança, é a que nosso atual Prefeito, em cujas
veias corre sangue de Comendador, chame a si a honrosa
tarefa de reconstruir aquele logradouro público de modo à
nossa alegre e bem posta mocidade, o uso e gozo de uma
praça de sadio entretenimento e fonte de indiscutível saúde
moral.”
202
As investigações do Tribunal de Contas do Estado, tiveram como resultado a
cassação do mandato de Jorge Antonio Andere no inicio de 1963, visto as
incoerências das finanças em sua administração. Com isso assumiu o vice-prefeito
Cândido Garcia Machado, da UDN, dentista e fazendeiro, membro de uma das
famílias mais tradicionais de Pouso Alegre, pelas posses latifundiárias que detinha.
Em nota, o jornal, deposita em sua pessoa certa dose de “credibilidade”, haja visto
os adjetivos utilizados como “honrado cidadão, digno chefe de família” e sendo
assim tomariam medidas cabíveis na busca de sanar as reclamações.
202
O Parque Infantil. O Linguarudo. Pouso Alegre, 12/05/ 1963, p. 01.
129
A nota em tom de denuncia, a primeira encontrada no acervo do Museu
Municipal da cidade, acerca do descaso das autoridades públicas em relação ao
Parque Infantil dialogam com as narrativas coletadas de moradores das adjacências.
Segundo vizinhos próximos da época, o Parque: “ficou sem manutenção desde
meados da década de 1950, sem pintura nos brinquedos e nas muretas, sem a troca
de grades e do alambrado cheio de buracos e até tiraram o jardineiro responsável
pela limpeza e manutenção dos canteiros”
203
.
Cada vez mais abandonado, o Parque Infantil ia cedendo seu espaço a outras
práticas e ocupações. As verbas que deveriam ser destinadas a sua manutenção,
eram remetidas para outras obras, tidas como mais urgentes como à reforma do
Teatro Municipal, a construção da Delegacia e da Sede da Câmara ou para a
Catedral Metropolitana. Sem guardas, muros e telas cheias de buracos, o Parque
servia já em meados da década de 1960, como local de “encontros e programas”
204
onde a visibilidade da prática da prostituição, antes restrita aos cabarés, agora se
faz presente “nos“brinquedos enferrujados ou nos bancos em pedaços”.
205
Na disputa pela disciplinarização dos usos da Praça, existiu por parte da
Imprensa e das autoridades públicas uma busca de expulsar da Praça, aquelas
pessoas que consideravam indesejadas, denominando-as de “marginais,
desocupados, mal-educados” em oposição a uma outra população que, por seu
perfil social e econômico tinham direito quase natural a freqüentá-la. Além de uma
seleção por critérios sociais que, justificaria a ação de preservação do Parque no
sentido de restituí-lo às famílias, havia o critério moral que considerava inadequada
a presença, naquele espaço, de prostitutas e de “desocupados” que molestavam as
mulheres de família.
Os argumentos de O Linguarudo vão na direção de considerar que, os
clientes e as moradoras das casas de prostituição, nesse período, parecem começar
a “desfrutar” de uma certa flexibilidade, com relação as barreiras “físicas” dos muros,
alambrados e vigilância das autoridades locais que, na visão do jornal, tinham como
serventia resguardar um território, agora, “invadido”.
A rigidez dos mecanismos de contenção e controle municipal, teria sido
afrouxada com o passar dos anos entre as décadas de 1940 e 1950, conforme os
203
Entrevista realizada com José Heleno Magalhães.
204
Idem.
205
Entrevista realizada com Mário Oliveira.
130
depoentes e o jornal, trazendo aos moradores(as), freqüentadores e vizinhos que se
sentiam inquietos com a presença e a “mistura” das prostitutas em seu meio estava.
Nesse sentido o jornal, O Linguarudo, se mostrou um grande opositor do governo
municipal na maneira como conduzia suas criticas, que se desdobravam cada vez
mais duras:
“Continua abandonado o nosso Ex-Parque Infantil... que hoje,
depois que foram arrancadas o seu alhambrado, ficou por
conta de marginais e play-boy, sem iluminação, com aparelhos
todos em pedaços, transformados em um amontoado de ferro
velho. Porque não tomam uma providencia nesse sentido?”
206
“Um chefe de família esteve em nossa redação reclamando
sobre a mistura de “meretrizes” no jardim com as moças que
freqüentam aquele logradouro público. O reclamante não
resistindo ver aquela mistura de “meretrizes” retirou a sua filha
dali, visto que alguns “guardas” reconhecem as pintas que
costumam fazerem footing a noite naquele local. Vamos sanear
esse mal em nossa terra?”
207
Com a instauração do Regime Militar e sua agenda de governo, em 1964, “a
criação de vários loteamentos, a abertura e reforma de ruas e avenidas, a
construção de novos prédios que abrigariam as instituições municipais”
208
, foram
obras consideradas, ao mesmo tempo, como sintomas do “progresso” e da
“modernidade” para Pouso Alegre.
O Linguarudo, em dezembro de 1964, anunciava em reportagem de capa que
o “centro da cidade será revitalizado.” Em seguida, resumia: “opções como a criação
da guarda municipal, a instalação de mais postes de iluminação pública, além da
pavimentação e reforma da Avenida Doutor Lisboa, das instalações do teatro e do
Fórum e do prédio da Delegacia local foram medidas anunciadas pelo Executivo.
[...]chega ao nosso conhecimento que também está incluso nos planos a construção
de uma Estação Rodoviária, em local ainda a definir, mas no centro da cidade.”
209
206
O Linguarudo. Pouso Alegre, 20/06/1964, p. 03.
207
“MERETRIZES no Jardim”. O Linguarudo, Pouso Alegre, 20/06/1964, p. 04.
208
“Pouso Alegre a Cidade que não para de Crescer”. A Folha. Pouso Alegre, 06/08/1964.
209
O Linguarudo. Pouso Alegre 20 de dezembro de 1964.
131
Imagem 3.1. “Parque Infantil” em 1963. Já sem nenhum brinquedo, banco ou
qualquer outra estrutura.Arquivo do Museu Municipal de Pouso Alegre.
As noticias do aumento do efetivo da guarda municipal nas ruas e da própria
instalação da Estação Rodoviária no centro da cidade, destacam a importância de
manter este espaço bem vigiado, como forma de garantir e reforçar a segurança do
local. Contudo, entre o propor e o fazer, as cobranças por parte dos moradores nas
redondezas ficaram cada vez mais constantes, onde com o passar do tempo viam
seus pedidos de melhoria e reforma do parque se transformar em “[...]alguma
coisinha, mas coisas que não traz mais atrativos para a freqüência de família[...]tiram
um poste, trocam outro, mas nada demais. Então, a praça ficou entregue a pinguços
e prostitutas, mulher de vida fácil.”
210
.
A vigilância sobre aquele território no centro de Pouso Alegre se tornaria mais
rígida, haja vista que a circulação de prostitutas e seus clientes tornava-se mais
visível no espaço da Praça. Na memória dos citadinos, vez ou outra durante a
entrevista, ficam claras a construção de imagens acerca de mecanismos de coerção
que cada vez mais contribuíam para assinalar sobremaneira a disputa pelos usos
dos espaços na cidade.
Entre os entrevistados, os que mais recorrem às lembranças desses
mecanismos são aqueles que, na década de 1960, serviram ao Exército, sob a
Ditadura, tendo montado guarda naquela região. Nesse sentido, o depoimento de
Benedito Mateus de Melo é significativo ao dizer que:
210
Entrevista realizada com Saulo Jésus Salles, pelo autor desta pesquisa.
132
“ eu fui muito tempo, eu fui oito meses de patrulha aqui.
Juliano: E tinha muito problema nessa área aqui?
Benedito: Tinha, tinha muito. Tinha muita briga, inclusive que
eu lembro, teve três mortes ali.”
Juliano: Três mortes? E por quê? O senhor sabe?
Benedito: Por causa de mulher. É verdade, porque naquela
época era fácil homem se apaixoná. Aqui em Pouso Alegre
muitos homem bom tirou a mulher da Zona pra casá, inclusive
em Pouso Alegre, tem três casal que eu conheço. Ta muito
bem casada, a mulher endireitou que é uma beleza é uma
dama!
Acostumava, quantas vezes tomei bronca da policia, molecão,
tomava direto da turma da policia. Naquele tempo era rigoroso
a idade né? Passou só dos 19 anos em diante podia freqüentar
até duas horas da manhã, mais ou menos. Do contrário era até
nove, dez horas e tchau! “
211
Já o senhor Mário Cezar Barbosa, se lembra que o patrulhamento rígido e
ostensivo do Exército na região central da cidade, o qual também serviu naquele
momento, era feito:
“[...] dia e noite. A patrulha do Exército passava por aqui dia e
noite. Entendeu?
Tinha os jipes que fazia o patrulhamento da cidade, fazendo
ronda sabe?
Juliano: Tinha horário?
Mário: Tinha! Qualquer coisinha que acontecia, principalmente
se fosse uma ofensa contra um oficial, ou contra qualquer um
do Exército, o Comandante já mandava imediatamente preso.
Olha, quantas e quantas vezes eles já foram na delegacia,
chegava desacatava as autoridades, você tinha que ver! Olha
aqui quem mandava eram eles e era na base da força! Dava
muita briga, muito por causa de mulher e bebida!
Naquela época era fácil! Porque eu não sei o que acontecia
com os homens daquela época que se apaixonava à toa-
toa,sabe?
Ixi, chegava ai as vezes tinha sexo uma vez com a menina e já
no outro dia tava apaixonado e já fazia proposta de tirar ela
daquela vida, sabe? E grande parte delas conseguiram sair e
algumas delas não”.
212
Num dos períodos mais duros de repressão no país, as constantes patrulhas
do Exército na região central da cidade de Pouso Alegre, as coibições de brigas e
tomadas de decisão junto a autoridades como a policia feitas à força e os rígidos
horários de freqüência nas ruas, parecem caracterizar esse período no município
que apesar de interiorano deixa transparecer toda uma tensão articulada em torno
do território da praça e da prostituição.
211
Entrevista realizada com Benedito Mateus de Melo, pelo autor desta pesquisa.
212
Entrevista realizada com Mário Cezar Barbosa Ribeiro, pelo autor desta pesquisa.
133
Apesar das reclamações quanto à providencias a serem tomadas para que a
praça voltasse a ser um local de freqüência, apesar da vigilância no território central
da cidade por parte do Exército, as prioridades discutidas, ainda em 1964, dentro da
Câmara Municipal eram outras. A reforma do Teatro Municipal, a construção dos
prédios da nova Delegacia e do Hospital Regional eram tidas como medidas de
emergência
213
, enquanto a praça continuaria sem reformas ou manutenção.
Isso porque o embargo à obra da Rodoviária ainda permanecia por parte do
D.E.T., que insistia em reafirmar a inviabilidade aquela obra no local. Em entrevista
ao jornal de Pouso Alegre, o vereador Orlando Félix Teixeira, esclarece alguns
pontos sobre a questão da Estação Rodoviária local:
“Jornal: Se já foi aprovada a instalação da Estação Rodoviária
provisória quem e o que está impedindo sua concretização,
visto que é uma necessidade urgente?
Orlando Teixeira: Já foi aprovada a instalação da Rodoviária
Provisória, à praça Senador José Bento (prédio da Associação
Comercial). É assunto sabejamente conhecido da população e
dêste prestigioso jornal. Estava ausente da cidade e não
participei da votação, pôr esse motivo não tenho conhecimento
de que “forças ocultas” estejam travando o seu funcionamento.
O que sei é que os técnicos do “DET” deram parecer contrário
para o seu funcionamento no local previamente votado pela
Edilidade.
Não há na atual Câmara “grupo de oposição sistemática” ao
chefe do Executivo.”
214
Nos anos que procederam a década de 1960, o projeto ficou parado na
Câmara, sem maiores discussões, apesar das várias tentativas junto ao D.E.T. de
retirar o embargo da obra. Contudo, a Praça João Pinheiro sofreria mais uma vez,
grandes modificações. No ano de 1967, Jorge Antonio Andere é reeleito prefeito
municipal. Uma de suas primeiras medidas no segundo mandato, foi publicar uma
Lei ordinária de nº 758, que tinha o seguinte conteúdo:
“Dispõe sobre autorização para venda de lenha produzida pelo
corte das árvores do Parque infantil e contem outras
proposições”.
215
213
ATA da Câmara Municipal de Pouso Alegre, Pouso Alegre, 04 de março de 1964. P.75. Tomo 116.
214
Um Vereador em foco (entrevista) com Orlando Felix Teixeira. O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 30
de setembro de 1967. pp-2-3.
215
Lei Ordinária nº 758/1967. Pouso Alegre, 05/05/1967.
134
Isso foi o suficiente para mobilizar os jornais que expressavam claramente
sua desaprovação em tom de protesto, quanto ao tratamento dado ao Parque,
segundo “O Jornal de Pouso Alegre” em 30 de setembro de 1967:
Talvez não tenhamos o direito de descansar sob árvores,
respirar seu ar puro, assombrar com sua majestade, construir
castelos e poesia, tendo-as por fonte de inspiração. Nossas
ruas só nos oferecem pó e nosso “Parque”; que posso dizer
sobre ele? Como se materializou! Há uns anos tínhamos nós:
crianças, moços e velhos um lugar para descansar, ler, brincar,
namora... era um recanto diferente... e hoje? O recurso é
construir um “Horto Florestal” em nosso quintal! Dentro de
nossa propriedade quem ousará derrubar friamente troncos
fortes? Ninguém! Só tenho pena de quem não pode plantar,
mostrar que ama e admira a natureza, por não ter um
pedacinho de terra.
O que me dói mais é pensar que aquêle “Parque” era um clube
de campo para todos. E não precisava de quotas para ele.
Somos humanos e devemos cuidar nossos irmãos pobres e
humildes...Mudando de assunto. Por isso que gosto de blocos
carnavalescos. Eles são um espetáculo para pobres e ricos e
sobretudo para os que não têm dinheiro para comprar
entradas. Será que as ruas, as praças, a cidade em geral, não
pertencem mais ao povo que um administração? O Parque era
nosso? – se não acharem assim de boca cheia digo: O Parque
era meu! Gostava dele! Você achava que era seu também, não
achava?”
216
Talvez, devido a postura de protesto do jornal, seu autor usou o pseudônimo,
de Zal Jomar. Isso é indicativo de como tinham de ser feitas as criticas dirigidas ao
governo municipal de Pouso Alegre, num momento de Ditadura. Muitos dos
entrevistados, dizem não terem percebido aspectos repressores da Ditadura Militar
na vida cotidiana local, mas se recordam bastante de sua presença nas ruas, seja
na patrulha que rondava as adjacências do parque com jipes e homens armados,
seja no “medo” que, possivelmente, levam o jornal a resguardar a identidade do
critico-escritor da nota em sua publicação.
Ainda que o jornal pertencesse à família Toledo e tivesse como repórteres,
membros da família Beraldo e colaboradores como Jorge Beltrão (fundador da
faculdade de Direito) e Firmo da Motta Paes (que mais tarde se elegeria vereador da
cidade por mais de 10 mandatos), portanto, servindo a interesses bastante
particulares, este foi capaz de mobilizar a opinião pública entorno dos problemas do
Parque.
216
O Jornal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 30 de setembro de 1967. p. 01.
135
Com reclamações sendo publicadas mais amiúde nos jornais, logo alguns
vereadores disseram haverem sido abordados nas ruas:
“Eu ao caminhar pelas ruas num belo dia, sou abordado por
uma mulher indignada que pediu para que eu olhasse e
trouxesse a esta casa pelo problema do Parque Infantil. Mesmo
dizendo a ela que poucos procedimentos poderíamos tomar
nesse período em que passa nosso pais e nossa cidade, ela
estava inconformada com a derrubada de árvores, a falta de
bancos e dos brinquedos que seus filhos poderiam utilizar”
217
Esses procedimentos indicam, sobretudo, o modo como a Câmara Municipal
de Pouso Alegre funcionava, num dos mais duros momentos de exceção militar que
vivia o país. Destituída de suas funções legislativas, coube à Câmara, cumprir as
formalidades legais quanto às decisões tomadas pelo Executivo. Pouco ficou
documentado sobre tais decisões do governo municipal, tanto na documentação
oficial, quanto na imprensa. Esse modo de agir é representativo de um tipo de
prática política imposta pelo regime militar que vigorava no país naquele momento.
Política esta caracterizada, principalmente, pela prática de tomar decisões
com base na ação centralizada dos representantes máximos dos diferentes órgãos
do governo, nas três esferas do poder. Consequentemente estava ausente dos
propósitos desse governo, fazer qualquer discussão com os setores da sociedade a
quem se destinaria tal obra e decisão.
O que antes era um problema da população que se estendia agora aos
governantes enquanto responsáveis por tomar as devidas providências, viria a se
tornar a “solução” para a discussão em torno da questão da Estação Rodoviária e ao
mesmo tempo da falta de manutenção do Parque Infantil João da Silva.
A aprovação da obra nos tramites municipais, divulgada pelos jornais instigou
a opinião pública que, tomando conhecimento, começava a cobrar o porquê da
demora em sua realização, haja vista que, o projeto inicial é datado no ano de 1959.
A este respeito o jornal O “Linguarudo”, de 06 de outubro de 1967, registrou uma
pequena nota informando sobre a iniciativa do governo municipal em propor a
criação da Estação Rodoviária em caráter provisório, antecipando quais seriam
algumas de suas atribuições.
A noticia terminava com a informação de que para o funcionamento da
Rodoviária, seriam necessários gastos no valor estimado em CrN$ 50.000,00
217
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 10 de outubro de 1967. Fala do Vereador Antonio
Duarte Ribeiro.
136
(cruzeiros novos) e ainda a desapropriação de parte considerável do terreno que
abrigava o Parque Infantil “João da Silva”, na Praça João Pinheiro. Este comentário,
fazia pairar no ar uma certa desconfiança por parte do jornal, quanto a pertinência, a
aplicação e o propósito do governo para aquele espaço da cidade.
Isso porque, a idéia de Jorge Antonio Andere, para conseguir a autorização
do D.E.T. uniria “o útil ao agradável”, modificando por completo o projeto inicial
proposto em 1959 e negado até então, a começar pela localização da Estação
Rodoviária.
“De acordo com o projeto exposto na vitrine da Casa Andere, o
Parque Infantil ia ser remodelado com os seguintes
melhoramentos: Estação Rodoviária, Parque Municipal com
Concha Acústica e o resto seria aproveitado para o Parque
Infantil..”
218
A “elitização do espaço” central da cidade fica evidente, segundo o exposto
pelo jornal. Apesar da matéria ter sido publica em 1970, devido a exposição do
projeto nesse período, a reformulação do mesmo ocorreu em 1968. A edição d’O
Linguarudo, datado de 31/05/1970, descreve com detalhes todo o projeto da
construção, onde a Estação Rodoviária em primeiro plano seria erigida em caráter
“provisório” e não seria construída no intuito de acabar com o Parque Infantil, e sim
“remodelar” toda sua estrutura.
Com essa nova proposta enviada ao D.E.T., calcada na re-utilização de um
terreno o qual pertencia à municipalidade com um espaço muito mais amplo, sem a
necessidade de desapropriação e demolição de imóveis, o Departamento Estadual
de Transito não demorou em autorizar sua construção.
No legislativo local, as comissões de Finanças e Orçamento e de obras e
infra-estrutura, em palavras muito breves, ofereceram seu parecer favorável para a
criação da Estação Rodoviária pouso-alegrense, no terreno da praça João Pinheiro,
ratificando os argumentos utilizados pelo Prefeito Municipal. Em seu parecer, emitido
conjuntamente, as referidas comissões alegavam que a área da Praça João Pinheiro
não mais poderia ter o mesmo tratamento, pois, a evolução e o progresso de Pouso
Alegre emergiam enquanto fatores que não mais permitiam a continuidade do
Parque Infantil, hoje já desmantelado”.
219
218
PARQUE Infantil e Avenida Dr. Lisboa com a mesma Sorte. O Linguarudo. Pouso Alegre, 31/05/1970, p. 02.
219
Ata da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 23 de março de 1968.
137
As comissões, mencionando a estrutura da nova estação rodoviária- que
previa a existência do Parque Infantil e uma concha acústica para realização de
saraus e eventos musicais, buscaram qualificar a iniciativa do Executivo Municipal
como moderna, na medida que caracterizavam a estrutura do Parque infantil como
“arcaica” ou “ultrapassada”. Firmando posição favorável ao projeto, afirmavam os
vereadores: “este projeto vai romper com o marasmo de nossas ruas e com a
ultrapassada estrutura de nosso Parque Infantil, que embora, tivesse cumprido e
bem sua missão no entretenimento e diversão de gerações, não pode permanecer
na sua configuração atual, ganhando uma nova função e roupagem para esta
cidade”.
220
Em termos de concepção, a mudança referia-se, sobretudo, ao uso que se
pretendia dar ao espaço da Praça naquele momento. Diversidade de serviços e o
afluxo de pessoas eram idéias que estavam na base das discussões, segundo
Orlando Félix Teixeira, era “um centro de atividades diversas, que corresponde a
uma também diversificada demanda de interesses em relação ao edifício”.
221
Para o Prefeito, a mudança na estrutura física e arquitetônica do projeto da
Rodoviária que, previa a construção de um pavimento numa área bem maior do que
a prevista inicialmente, expressava o sentido da mudança de conceito, esperando-se
o uso: “social e coletivo, de uma população local permanente e de todos aqueles
que passem, visitem ou venham a ficar em nossa cidade”.
222
As modificações do espaço público foram re-significadas e re-introduzidas aos
munícipes, enquanto resultado mais palpável do processo de desenvolvimento da
cidade, ou seja, do “progresso”, que deveria ser associadas à melhoria na qualidade
de vida da cidade, embora, ocultasse, na realidade, estratégias de atração de
investimentos não direcionadas exclusivamente ao consumo local.
223
Como argumento desse discurso progressista, emerge a localização
geográfica do município que, somada ao papel de várias rodovias que o cortam
224
,
220
Idem.
221
ATA da Câmara Municipal de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 20 de abril de 1969.
222
Idem.
223
ARANTES, Antônio Augusto. Paisagens Paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: Editora
da UNICAMP/Imprensa Oficial, 2000. p. 155.
224
Entrecruzando-se com a cidade está a Rodovia Fernão Dias( BR- 381) que liga Belo Horizonte a São Paulo, a
MG-459 que liga Lorena a Poços de Caldas, MG- 179 de Pouso Alegre a Alfenas, MG- 290 que liga Pouso
Alegre a Monte Sião, MG-025, Pouso Alegre a Paraisópolis, MG-010, Pouso Alegre a Silvianópolis, MG- 090,
Pouso Alegre- Espírito Santo do Dourado, MG- 410- Pouso Alegre- Estiva. “A Folha”. Pouso Alegre, 25 de
outubro de 1968. Conferir mapa anexado ao final do trabalho.
138
foi responsável por estabelecer o nome que é utilizado até os dias atuais para
justificar todo o processo ocorrido, bem como a condição de Pouso Alegre perante
ao Estado mineiro”( A Cidade que Abraça o Futuro)”.
Embora, antes da inauguração de suas instalações, no dia 19 de outubro de
1969, ou mesmo de seu funcionamento definitivo em dezembro daquele mesmo
ano, a Estação Rodoviária já fosse vista como expressão de um novo tempo para
Pouso Alegre, recaia sobre ela a função de refletir todo o progresso que o município
pudesse desfrutar. Era parte integrante de seu “surto de desenvolvimento”,
principalmente em se considerando a maneira como a localização geográfica foi
apontada pelos jornais como responsável por fazer da cidade “o Maior Centro
Rodoviário do Sul de Minas com um movimento de mais de 130 horários de ônibus
diários
225
A Rodoviária representava um elemento importante do “futuro” da cidade, por
uma expectativa criada entorno da localização de Pouso Alegre, ponto de ligação
rodoviária da região à capital do Estado e o afluxo de pessoas, justificaria as
mudanças. A Folha de Pouso Alegre anuncia a inauguração da Rodoviária como
fruto de uma necessidade da cidade e da população:
“Está mais ou menos acertada a inauguração da Estação
Rodoviária, no dia 19 de outubro dia do aniversário da cidade.
O prédio da Estação Rodoviária construído à Praça João
Pinheiro (Parque Infantil) já está em fase de acabamento...
Afinal os nossos dirigentes levaram avante a construção da tão
almejada Estação Rodoviária, reclamada há muito tempo pela
população”
226
A Folha de Pouso Alegre buscava se posicionar em relação ao assunto
abordado, apresentando diferentes pontos de vista a respeito, possibilitando ao
leitor, a apreensão da existência de contradições e mesmo de interesses
divergentes em relação aos assuntos tratados. Mas, ao mesmo tempo, avisava com
antecedência os acontecimentos e feitos da administração, criando uma expectativa
e fazendo certa “propaganda” das obras e intervenções do governo municipal
relativas à Praça João Pinheiro.
225
Idem, Pouso Alegre, 03/12/1969, p.05.
226
A Folha. Pouso Alegre, 06 de junho de 1969.
139
No ano de 1969, a cidade de Pouso Alegre na região sul-mineira, conheceria
o “novo” slogan lançado pela Prefeitura Municipal e divulgado através de variados
meios impressos, que resumiria a vocação da cidade, a partir de então, voltada ao
desenvolvimento: “Pouso Alegre a Cidade que Abraça o Futuro”.
227
Imagem 3.1. Inauguração da Estação Rodoviária local. A direita o que restou do Parque Infantil, já sem
seus muros e suas telas. Pouso Alegre, 19 de outubro de 1969. Arquivo pessoal de Rubens Barros
Laraia.
Atrelado a um discurso dos políticos que buscava informar e justificar aos
munícipes a necessidade das obras que estavam sendo realizadas na cidade, os
jornais procuraram infundir, no pouso-alegrense, a consciência de sua importância
regional, assim como de sua pretensa “modernidade”. Isso resultou de maneira
eficiente num esforço conjunto capaz de constituir uma unidade de interesses em
torno do desenvolvimento da cidade, entre imprensa e poder público local.
Nesse sentido, o discurso do “progresso” projetava a idéia de modernidade
para os moradores de Pouso Alegre, vinculada a imagem de uma cidade vitrine, um
lugar, cuja prosperidade deveria ser expressa nas ruas, através das novas
construções e que como em toda vitrine expôs apenas o lado harmonioso,
abstraindo do cotidiano local, as tensões sociais que envolviam o uso desse espaço.
Portanto, a quem chegasse, ou simplesmente, passasse pela cidade através
da nova Estação Rodoviária, a imagem a ser levada era de um lugar convidativo,
ordeiro e de futuro promissor, no que auxiliava sobremaneira tal objetivo a existência
227
“A Folha”. Pouso Alegre, 23 de setembro de 1969.
140
de um regulamento interno que organizava e controlava os indivíduos em seus
espaços, proibindo de bêbados, pedintes, vendedores ambulantes, agenciadores de
pensões, bem como a ocorrência de quaisquer tumultos nas imediações da obra,
anunciada como: “mais um marco de progresso para Pouso Alegre...e uma visão de
progresso de nossa cidade para os visitantes”
228
No entanto, não muito longe dali,
estava a zona de baixo meretrício pouso-alegrense, a menos de 100 metros de
distancia.
Moralistas e opositores de longa data da prostituição, encontraram no
discurso do progresso o cobiçado pretexto para que se acabasse com aquilo de uma
vez por todas. Transformada em inimiga pública a prostituição entravava a
“revitalização” da região central pouso-alegrense e o claro e conseqüente uso dos
terrenos das adjacências, os quais por estarem associados a ‘degradação moral”,
associados a “má fama e vizinhança” tinham baixo valor de mercado.
Era, enfim, a união do útil ao agradável, a chance de expulsão do meretrício
da cidade, o aumento súbito do valor dos imóveis, antes ocupados por prostitutas e
“donas de casa” e o enriquecimento rápido de seus antigos proprietários, mudanças
especulativas que apareciam justamente no momento em que a “modernidade”
colocava para a cidade novos desafios urbanos, apontando para àquelas áreas,
antes desconsideradas, como setores importantes para a continuidade do
desenvolvimento político-econômico e o estabelecimento de uma população em
crescimento.
Por essa série de razões, ao longo dos anos, as tensões entre o meretrício e
os moralistas pelos usos dos espaços, tomaram contornos inesperados, resultando
em um processo complexo e demorado. Tão complexo que chegou a mobilizar,
muito a contragosto o legislativo municipal e algumas autoridades estabelecidas,
igualmente por força das pressões, que não cessavam, contra a prostituição, da
mesma maneira que produziu inúmeras estratégias de luta e resistência por parte de
muitas ocupantes da zona, contrárias à sua remoção e às inúmeras arbitrariedades
que pontuaram as campanhas de moralização do centro urbano de Pouso Alegre.
Uma peculiaridade desse período foi que, apesar do processo de construção
da Estação Rodoviária e da “re-modelação” do Parque, Jorge Antonio Andere, não
completaria seu segundo mandato como prefeito, desta vez cassado pelo AI-5.
228
A Folha de Pouso Alegre. Pouso Alegre, 23/11/1969.
141
Quem completaria as obras da Estação Rodoviária seria seu vice, Antonio Duarte
Ribeiro do PSD, bem como as demais atribuições das quais faziam parte do projeto.
Apesar da aclamação inicial por parte dos jornais e das autoridades que se
estenderam à população devido à propaganda veiculada, poucos meses depois da
inauguração da Estação Rodoviária, o jornal “O Linguarudo”, criou uma sessão
denominada “Sugestões e Reclamações”, geralmente veiculada na terceira página
de suas edições. Em sua primeira publicação a coluna destaca defeitos na Estação
Rodoviária:
“A nova Estação Rodoviária que foi construída em caráter
provisório pela Prefeitura Municipal é uma das mais
confortáveis do interior do Estado, de linha arquitetônica muito
bonita, bom serviço de bar, vários boxes com sorveteria,
padaria e confeitaria, guarda-volumes, jornais, revistas, agência
lotérica, serviço de alto falantes para indicar a partida de
ônibus, oito bilheterias para venda de passagens, um posto
policial, toilete para senhoras e W.C. para cavalheiros. Porém,
entre tanta beleza sempre há uma falha que deve ser sanada
[...] Trata-se da construção de um mictório público, porque o
que lá existe é particular e há os passageiros que necessitam e
tem que morrer ali nos duzentos cruzeiros novos e é sabido
que não são todos que podem dispor dessa importância, sendo
necessário procurar um lugarzinho para as suas necessidades
fisiológicas [...] outro complemento de grande necessidade é a
total cobertura da plataforma de embarque [...]”
229
O mesmo jornal que apoiou e propagou a inauguração da Rodoviária, durante
o final da década de 1960, veicularia reclamações acerca de defeitos a serem
corrigidos, bem como a falta de manutenção e da prometida reforma no Parque
infantil a partir de 1970 até 1975.
230
A partir daí, “O Linguarudo” passou a ser um
grande opositor dos atos dos poderes públicos municipais, atribuindo aos
governantes toda a responsabilidade com relação a esses e outros assuntos. Um
deles, estava relacionado à mendicância nas ruas da cidade como um todo, e,
principalmente nos arredores da Estação Rodoviária. De certa forma atribuíram a
instalação da Rodoviária como “responsável” pela introdução de um número maior
229
O Linguarudo. Pouso Alegre, 31/12/1969, p. 03.
230
Foram encontradas por diversos meses e em muitas edições do jornal “O Linguarudo”, as mesmas
reivindicações com relação à Estação Rodoviária. Ao mesmo tempo, aproveitava-se o ensejo para cobrar
explicações do governo municipal quanto a situação do Parque Infantil. Pela periodicidade com que se
vinculavam as reclamações (pelo menos uma vez por mês) e durante mais de cinco anos, não é difícil afirmar
que as cobranças, sugestões e reclamações ficaram sem respostas. No caso da cobertura da plataforma de
embarque da Rodoviária, esta permaneceu da maneira como foi inaugurada até 1990, quando se deu sua
desativação e continua assim até os dias atuais.
142
desses sujeitos, agora vindos dos mais variados lugares em Pouso Alegre, cobrando
das autoridades competentes soluções para o “problema”
231
:
“Continua pelas ruas de nossa cidade, um grande número de
crianças mendigando sem que alguém tome uma providencia a
respeito. Os comissários de menores deviam dar umas
voltinhas pela Estação Rodoviária, bares, Mercado, praça a fim
de verificar pessoalmente o que reclamamos levando essas
crianças à presença dos pais ameaçando-os e punindo-os...
Como si não bastasse isso, ainda vemos pelas nossas ruas
mendigos de toda parte que aqui aportam implorando a
caridade pública... Afinal a “praça” é boa, e ninguém os
incomoda...”
Logo abaixo da citada coluna, há um anuncio de uma sugestiva campanha:
“Não De Esmolas, Contribua com o S.O.S. para a Erradicação da Mendicância”.
Encarada como uma “doença”, e, portanto, algo “sujo”, a mendicância assim
como a prostituição citada no titulo de um artigo d’ “O Linguarudo” como “um cancro
no coração da cidade”, deveriam ser erradicadas. Para tanto, percebe-se através
dos inúmeros artigos e manchetes citados até aqui, a “campanha”, feita pela
imprensa da cidade, atrelada ao discurso político desenvolvimentista do inicio da
década de 1960, que viram na construção da Estação Rodoviária e na instalação da
sede do poder Executivo, a grande chance de acabar com esse “inefável mal’ que
assola a tão tradicional cidade de Pouso Alegre.”
232
O que parece é que a Rodoviária foi mais um investimento fracassado, no
sentido de moralizar e “modernizar” o centro da cidade. Se, anteriormente, já era
uma questão problemática a presença de “gente desocupada” e “mal educada” na
região da Praça, motivo de reclamações em jornais e de cobrança de atitudes mais
enérgicas por parte das autoridades, agora, no inicio da década de 1970, se tornaria
quase que uma guerra.
Para alguns moradores dos arredores a associação entre a instalação da
antiga Estação Rodoviária Municipal junto à ocupação do espaço da praça por
mendigos, prostitutas foi imediata:
“... então com aparecimento da Rodoviária, surgiu todo tipo de
pessoas, tornando-se um local perigoso, é roubos e... [pausa]
sendo freqüentada por pessoas de baixo nível né! ...e hoje a
praça ta sendo freqüentada [pausa]... tá abrigando mais
drogados e prostitutas né?”
233
231
Crianças Pedintes. O Linguarudo. Pouso Alegre 31/ 12/ 1969, p. 02.
232
Idem.
233
Entrevista realizada com José Heleno Magalhães em 25/05/2004, comerciante e morador próximo à praça
João Pinheiro.
143
Prejudica muito! Inclusive os moradores, os residentes em volta da praça já fizeram
abaixo assinado, já pediram um policiamento mais ostensivo, mas não adianta!
Eles[policiais] vem tiram, afasta um pouco passa dois ou três dias eles [prostitutas e
bebados] voltam! Ali... eu não sei se você já prestou atenção, naquele bar do outro
lado da rua, ali é ponto das mulheres de vida fácil ! Elas vão lá tomam sua cerveja,
saem, vem, sentam no parque e ali elas ficam o dia inteiro cassado negócios...””
234
Curioso ou não, essa opinião que a grande responsável pela “má” freqüência
da praça foi a Estação Rodoviária não é compartilhada por todos os moradores:
“Quando tinha a rodoviária aqui, agente não percebia isso,
porque o movimento era grande! Parecia tudo passageiro,
agente não percebia, entrando pra pegar ônibus, saindo,
agente não percebia! E não tinha pinguço, não tinha
cachaceiro, porque tinha policia ali, e espantava né!
235
“Olha aquela rodoviária lá, eu achava até muito bom; porque
ficava no centro mesmo de Pouso Alegre. Era uma beleza,
naquela época não tinha perigo não! Foi depois que
começou!”
236
Vale lembrar que dona Lydia Schultz foi uma das moradoras mais
beneficiadas com a instalação da Estação Rodoviária na Praça João Pinheiro.
Segundo suas palavras, o ramo comercial da panificação estava ficando saturado na
cidade, devido à concorrência. Dona de um dos estabelecimentos mais tradicionais
de Pouso Alegre, dona Lydia, ao saber que ali, na Praça se construiria a primeira
Rodoviária da cidade, logo tratou de modificar seu ramo comercial:
“Quando eu soube, antecipadamente, que a Rodoviária vinha
pra cá, logo tratei em acabar com a padaria. Até porque o
Freitas tava surgindo ai, então era difícil competir. Decidi
transformar a antiga padaria que fica ali em frente à praça num
hotel. Hotel que leva meu nome né? Então quando a
Rodoviária começou a funcionar eu era a única por perto que
oferecia uma boa hospedagem a preços módicos. Como vinha
muita gente de fora naquela época pra Pouso Alegre, eles
lotavam o meu hotel. No começo foi duro, as instalações eram
caseiras, mas era tudo bem feitinho, os quartos limpos, a
comida bem feitinha. Então assim, aos pouquinhos fui
conquistando a clientela, ampliando os negócios e hoje ele [o
hotel] é um três estrelas. Com ele consegui comprar um carro,
234
Entrevista realizada com Saulo Jesus Salles, morador próximo a Praça em 03/06/2004.
235
Entrevista realizada com Lydia Schultz, moradora próximo a Praça
236
Entrevista com Denaide Teixeira Alves em 25/02/2005.
144
criar meus filhos, pagar seus estudos e quitar a minha casinha
aqui na rua Tiradentes [...]”
237
Para poucos como dona Lydia a instalação da Rodoviária foi tão lucrativa nas
imediações da Praça. Ela foi uma das que desaprovou ferrenhamente a retirada da
Estação Rodoviária dali, e também uma das poucas que diziam não ver ou se
importar com a presença de mendigos ou prostitutas nos arredores.
A partir de 1969, no mesmo ano da inauguração da Estação Rodoviária, a
oposição de vizinhos da Praça João Pinheiro em relação às casas que exploravam a
prostituição, bem como a presença e mistura de prostitutas na Praça junto a
bêbados, mendigos e outros sujeitos considerados indesejados, se tornaria mais
intensa.
Vários abaixo-assinados
238
, encabeçados por vizinhos influentes como Saulo
Jésus Salles que a pouco, havia presidido a Câmara Municipal (1960-61), enviados
a autoridades sanitárias como o médico Jésus Ribeiro Pires que, sem ter feito muito
a respeito, aconselhou vizinhos a enviarem suas reclamações, diretamente, ao
Comando do Regimento Militar local que, na época, poderia ser considerada a maior
instância do poder, já que se tratava do período de Ditadura Militar.
Esses abaixo-assinados, sem respostas positivas por parte das autoridades,
encarnam a boa dose de insatisfação por parte dos munícipes, principalmente, pela
forma como essas questões estavam sendo tratadas pelo poder público local. A
inércia das autoridades, foi respondida, segundo o trabalho de Eduardo Moreira
Assis, pelo vereador Sebastião Alves da Cunha que levou a questão da prostituição
para debate dentro da Câmara, em reuniões à parte. Nessas reuniões haviam
divergências entre a retirada das casas, a proibição da prática da prostituição e
apenas a mudança de local dessas casas. Assim como nos jornais, muitos desses
vereadores viam na prostituição algo danoso. Porém, apesar de estipularem prazos
de 48 horas, passando para 72, depois um mês e após anos de discussões e
polêmicas, apenas em 1982, consegui-se a retirada total das casas para um
loteamento no Jardim Aeroporto.
239
237
Entrevista realizada com dona Lydia Schultz pelo autor desta pesquisa.
238
Esses abaixo-assinados foram encaminhados respectivamente em 1969 a autoridade sanitária local o dr. Jésus
Ribeiro Pires, em 1970 e 1971 ao Comando do Regimento militar local. Os títulos se referem especificamente a
retirada e ao perigoso convívio moral que os moradores das redondezas tinham que encarar junto a um grupo de
sujeitos como mendigos, prostitutas, bêbados e desocupados.
239
ASSIS, Eduardo Moreira. O.p.cit. p. 64-99.
145
Com a instalação da Estação Rodoviária na região já tão afamada de Baixo
Meretrício, e também com a “retirada” gradual, durante o decorrer da década de
1970 dos cabarés para um bairro afastado a mais de cinco quilômetros do centro da
cidade, o que diminuiu e muito o movimento dessas casas, é inegável afirmar que,
com o grande vai-e-vem de pessoas, a Praça se tornaria um local bastante
interessante na busca de clientela por parte das prostitutas:
“Eu trabalhei por anos aqui nas casas e quando eu soube que
iam tirar daqui, fiquei desesperada [...] não sabia o que fazer,
pra onde íamos e como ia dar conta de me sustentar? A casa
que eu trabalhei foi uma das primeira a mudar pra longe do
centro sabe? Fiquei lá por uns mês, mas não dava movimento,
por causa da distância. De vez em quando ia uns rico, aqueles
que tinha carro, mas não dava pra manter o mesmo nível. Cada
vez ganhando menos decidi voltar pro centro só que não nas
casa, porque tinha muita policia dando em cima. Eu ia de
tardezinha na praça em frente a Rodoviária, porque lá dava
muito movimento. Era gente demais de tudo lugar que você
imaginava.”
240
“[...] dava muito velho. E eu procurava esses porque era os
cliente mais fácil de conseguir ali na praça, na época da
rodoviária. Nas casas só dava riquinho, pai querendo iniciar o
filho essas coisa. Na praça a gente tinha que pegar o que vinha
entendeu? Não tinha essa de escolher, era questão de
sobrevivência”
241
Na busca pela sobrevivência, a prática da prostituição teve que se adequar às
configurações e regras da cidade que, impunham duras sanções. A falta de clientes
das antigas casas levaram algumas mulheres às ruas, se expondo de maneira mais
aberta a fim de conseguir clientes e dinheiro. Contudo, o que certamente o poder
público não estava contando é que, sua atitude de segregação dos cabarés para um
bairro afastado, contribuiria para o aumento de um “problema” muito maior no centro
urbano da cidade devido a sua visibilidade: a “Prostituição de Rua”. Muitos bares e
pensões localizados ao redor da Praça João Pinheiro, já citados em depoimentos de
moradores aumentaram, serviam e ainda servem como “agenciadores de
programas”.
240
Entrevista realizada em 23/04/2005, com Alexandra ex – prostituta de 55 anos, hoje residente em Pouso
Alegre. É importante ressaltar que esses nomes são “pseudônimos” ou “nomes fantasia” adotados pelas
entrevistadas, como condição fundamental para a realização das entrevistas. No total foram procuradas cinco ex-
prostitutas para a gravação de depoimentos, indicadas por ex-clientes e conhecidos, porém apenas três se
dispuseram a gravar suas experiências, mesmo sob essa condição. Por uma questão ética, resguardo a minha
pessoa a identidade verdadeira dessas mulheres, bem como os locais que residem ou os locais que trabalhavam
durante o meretrício.
241
Entrevista realizada em 12/12/2004, com Verônica ex – prostituta de 56 anos, reside em Pouso Alegre.
146
Quando perguntadas do por que se prostituir, os motivos são múltiplos e
também surpreendentes:
“Tudo começou no dia em que eu apanhei muito do meu
marido [voz tremula]. E olha que eu era uma boa dona – de –
casa e também uma boa mãe! Nunca ele havia aparentado ser
violento, e não entendo porque, até hoje ele me machuco
daquele jeito, deve se a manguaça que ele vivia. Nunca tinha
feito nada daquilo que fiz, fiquei com tanto ódio que nada me
faria mudar de idéia, nem meu filho. Fui embora da cidade
onde eu vivia, pra evitá comentário das fuxiquera. Não demoro
e eu comecei a me drogar, pra vê se ficava mais alegre,
cherava cola, depois veio essas maconha né? Depois de tudo o
que passei. Hoje não faço mais por causa da idade mas
sempre mantive o sonho de casar, te uma família, mas
ninguém qué uma veia,...[risada]!
242
Algumas questões podem ser analisadas através deste pequeno recorte. O
recrutamento de mulheres a este fim tanto por cabarés, como na chamada
“prostituição de rua” era feito em cidades menores, vizinhas a Pouso Alegre. Os
vícios, as drogas, as bebidas e a violência física contra essas mulheres, são
algumas características que acompanham sua trajetória de vida e, muitas vezes,
ajudam na decisão de tomar esse rumo que marcam suas memórias, assim como o
sonho de qualquer outra mulher de constituir uma família em moldes moralmente
aceitos.
De acordo com o depoimento de Bárbara, também ex – prostituta, existem
outros motivos que levam as mulheres a praticarem a prostituição:
Eu não fazia só isso pra me sustentá não! Eu tinha um
empreguinho numa fabriqueta de confecção. Eu sempre fui
trabalhadeira, o problema é que eu engravidei muito cedo, tinha
uns 15 anos, quando meu pai fico sabendo e me expulso de
casa! Tentei procurá o rapaiz que fez meu filho, mas ele não
quis nem sabe! Aí foi quando uma conhecida, vizinha minha,
me disse tinha um negócio muito lucrativo no centro da cidade,
que eu podia ganhá muito dinheiro! Entrei no ramo e era época
da Rodoviária aqui então em um ou dois dia da semana que eu
tirava pra faze isso [se prostituir] eu ganhava tudo os meus
rendimento do mês da fabrica! Como eu não sou boba pra não
ficar mau falada eu continuei trabalhandu nas duas coisas.”
243
Como vemos muitas vezes, a noção de “curta temporalidade” nessa função
de se “vender o corpo”, é muito comum na mentalidade dessas mulheres, assim
como a noção de aquisição de uma quantidade monetária maior num curto espaço
242
Entrevista realizada em 23/04/2005, com Alexandra ex – prostituta de 55 anos, hoje residente em Pouso
Alegre.
243
Entrevista realizada em 25/02/2005, com Bárbara ex – prostituta de 52 anos, natural de Heliodora.
147
de tempo, paralelamente, a uma atividade profissional reconhecida legalmente e
moralmente. O preconceito tanto dentro da família, como também, da sociedade em
si de se engravidar ainda na adolescência, sendo reconhecida como mãe solteira,
também as faz embrenhar por estes campos, tendo muitas vezes na ausência da
famosa “pensão alimentícia” arcar com todas as despesas e obrigações.
Das três entrevistadas, duas delas afirmam que apesar da inconstância das
ruas, era melhor trabalhar na Praça na época da Rodoviária, do que dever favores,
dinheiro ou se endividar com cafetões e donas de casa que cada vez mais cobravam
comissões.
Porém, não era tão simples quanto parece a vida das prostitutas. Haviam
regras “não ditas” se quisessem embrenhar nas ruas ou na Praça em busca de
clientes. Tinham que viver uma espécie de vida dupla, na maioria dos casos, de dia
como mulheres “comuns”, ao entardecer como prostitutas:
“geralmente, eu ia de tardezinha para lá [na praça]. Porque
ficava menos exposta. Mas, durante o dia, quando tinha que
fazer supermercado, ir a uma farmácia ou outro lugar público,
vestia roupa normal. Uma calça normal, entendeu, naquela
época era aquela boca-de-sino, então vestia aquilo, uma
blusinha de manga cumprida, um sapatinho mais baxinho e ia.
Eu tinha medo quando levava meu filho na escola. As vezes
podia ter algum pai lá, era o mdeo de ser reconhecida. Tinha
que ser duas pessoas numa só né?”
244
“Pra trabalhar era diferente. Tinha que ser mais ousada, vestir
roupa mais curta, mostrar o corpo, senão como ia conseguir
cliente? Se fosse comportadinha igual as dona-de-casa não
tinha graça! Agora, não podia sair usando aqueles vestidão
colorido pra rua, ou com aqueles decotes enormes, senão era
pedir pra ser no mínimo rechaçada, motivo de gracinha de
moleques, de fofoca das meninas e algumas vezes até prisão,
então tinha todo esse cuidado pra sair.”
245
Havia um cuidado todo especial por parte dessas mulheres. De um lado no
modo de se vestir, andar. Viviam, uma duplicidade que no momento da entrevista
parecia-lhes torturante, ter que ser “duas pessoas numa só”, tentar levar uma vida
regrada, socialmente e moralmente correta e aceita era difícil. Tinham que se
policiar constantemente para onde iam, a que horas iam e com quem andavam,
conversavam ou conviviam, sempre assombradas pelo medo do reconhecimento
público e seu conseqüente constrangimento.
244
Idem.
245
Entrevista realizada com Alexandra, ex-prostituta, pelo autor desta pesquisa.
148
As tensões entre o meretrício, a mendicância, os moradores das redondezas
e da cidade e o poder público de Pouso Alegre, durante vários anos, ainda continua
nos dias atuais, seja nas páginas de jornais, discussões e brigas constrangedoras
nas ruas e calçadas quando há abordagens mais acintosas, mostrando que a Praça
João Pinheiro sempre foi e certamente continuará sendo um local de lutas e disputas
pelo seu uso.
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa possibilitou uma reflexão e visão mais profunda
acerca das diversas questões ressaltadas, principalmente, das mudanças ocorridas
na cidade de Pouso Alegre e na Praça João Pinheiro, apesar de haver certas
permanências que teimam reproduzir práticas, perspectivas e expectativas de
pequenas parcelas da sociedade. Apesar de ser uma pesquisa iniciada na
Graduação, mais precisamente em 2004, sua proposta passou longe de esgotar a
temática e as questões que foram se colocando, ao longo de sua realização no
Mestrado, pelo contrário, espero que elas possam suscitar, futuramente, novas e
ricas reflexões acerca da cidade de Pouso Alegre e seu viver urbano.
Mais do que isso, foi possível enxergar facetas de uma cidade que sempre se
propôs “grande”, moderna, através de visões e concepções muito especificas e
delineadas que, na realidade, nunca chegaram a se concretizar plenamente. Visões
estas que não percebiam o crescimento da cidade e as transformações dos
espaços, enquanto agentes de mudança cultural e social, desestabilizadores de
fronteiras que separavam territórios, constituindo outras perspectivas de
pertencimento.
Ao coletar memórias de moradores e vizinhos mais antigos da Praça João
Pinheiro foi possível perceber, no geral que, os referenciais construídos entorno dos
espaços e práticas da cidade, foram ao longo dos anos, resultado da constituição de
uma memória dominante. Memórias que para serem trabalhadas enquanto campos
de lutas e disputas tiveram que ser desconstruídas, dentro de suas possibilidades,
revelaram, a Praça não somente como espaço de exclusão, mas como território de
sociabilidades diversas e complexas, local de descontração, identificação, controle e
disciplinarização, dotado de regras, muitas vezes desconhecidas por grande parte
da população.
Até meados do século XX, políticos, entre vereadores e Prefeitos,
fazendeiros, advogados, médicos e odontologistas, considerados em Pouso Alegre
como a ala “intelectualizada” da sociedade, tinham como ideal que, a cidade havia
chegado atrasada na civilização.
150
Tentando conhecer o que havia e opinando sobre o que deveria ser os vários
setores da cidade e seus moradores, é o objetivo maior do poder público de Pouso
Alegre. Esse conhecimento se daria através estudos e intervenções que variavam
entre exames médicos, a avaliação das condições dos locais de moradia e
convivência, por parte de médicos e responsáveis no Parque Infantil, classificando
hábitos de crianças e adultos, de parcelas bastante especificas da sociedade, com o
discurso de amplitude e grandiosidade dos serviços prestados pelas instituições
geridas pela Prefeitura.
Porém, na prática, ao recolher narrativas de pessoas que utilizaram os
mencionados ”benefícios”, oferecidos pelo governo municipal, os tratamentos
passavam longe do ideal, ou pelo menos daquilo que se propagava em jornais,
sobre o alcance e qualidade que realmente tinham apesar dos depoentes
reconhecerem a importância que essas instituições tiveram em sua época, no que
tange o assistencialismo prestado.
Ao mesmo tempo, buscavam conhecer, inquirido, pesquisando e divulgando
idéias e opiniões em jornais de circulação semanal. Ao opinarem, havia o sentido
disciplinar das ações políticas e projetos que não conseguiam enxergar e conviver
com as diferenças. Daí partiam as idéias corretivas de médicos e sanitaristas, por
exemplo, tanto na época do Dispensário Infantil, como no Parque Infantil da Praça
João Pinheiro. Suas ações eram calcadas num saber inspirado em métodos
científicos da educação, da antropologia e também da Eugênia, teorias muito
recorrentes durante as décadas de 1930 e 1940.
Quando moradores me explicaram o sentido das mudanças realizadas na
Praça para eles, com base nos argumentos, apresentados aos moradores da cidade
e vizinhos como razões que justificavam as medidas tomadas pelo poder público,
uma vez que, nas explicações, acabam prevalecendo motivos que se vinculavam
aos interesses dos grupos econômicos ali representados, com o objetivo de deixar
sua marca na cidade, criando uma identidade baseada em acontecimentos e
personalidades políticas e religiosas locais. Os impactos das intervenções serviram
como ponto de partida para revisitar e examinar a história oficial da cidade, seus
meandros políticos.
Essas vozes apresentam concepções diferentes do espaço, da vida política
da cidade e de como foram vivenciadas e sentidas as transformações impostas aos
munícipes, nascendo daí a riqueza deste trabalho.
151
Retirar as casas de prostituição (campanha esta firmada desde o inicio da
década de 1960), com intuito de moralizar o centro da cidade, dando espaço para
que o meretrício avançasse na Praça, reafirma os significados que prevalecem
sobre outros que certamente faziam parte das preocupações não só dos que
trabalhavam naquele local, como também faziam dele território dos seus viveres
cotidianos.
Nessa direção, os argumentos que predominaram durante toda a trajetória de
transformações da Praça João Pinheiro - em 1908 quando da mudança de nome de
Largo do Rosário e a transformação em Parque Municipal, em 1941 a retirada
árvores e canteiros para a colocação de brinquedos, prédios, muros e portões do
Parque Infantil, em 1969 o desmantelamento do Parque Infantil para a construção da
Estação Rodoviária e da Prefeitura Municipal, e na década de 1990 o de mudar a
Estação para desimpedir o trânsito - punham no esquecimento significados
pertinentes a esses processos, pois retirar árvores, brinquedos, bancos, muros,
portões, casas de prostituição dos arredores, entre outras coisas, implicou o
deslocamento de diversas redes de relações que se constituíam nos modos de
morar, trabalhar, de se divertir daqueles que viviam naquele lugar.
Vale lembrar que mais recentemente, entre os anos 2004 e 2006, a Praça
João Pinheiro voltaria, após muitos anos sem projetos ou discussões às páginas de
jornais, noticiários de tv e ao conhecimento do público sobre propostas e
perspectivas de mudanças.
O primeiro deles, por volta do ano de 2004, visava retomar a Praça enquanto
palco que abrigaria a sede dos poderes públicos locais, agora, do legislativo. Com
projeto arquitetônico grandioso, veiculado nos noticiários de tv da região, a nova
Câmara Municipal, justificada por grande parte dos vereadores como necessária,
devido o aumento de funcionários, documentos, escritórios que já não eram
comportados na, ainda, atual Câmara, seria construída no lugar da antiga Estação
Rodoviária.
Após várias reclamações encabeçadas por jornais como “A Tribuna
Pousoalegrense” e por vizinhos das redondezas, o projeto foi vetado pelo Executivo,
até porque para a Prefeitura, a estrutura da antiga Estação Rodoviária servia para
abrigar alguns de seus Departamentos como o de Obras e Infra-Estrutura, sem a
necessidade de gastos para a construção de novas sedes, demolição e mão-de-obra
152
operária, além do que, com a destruição da Rodoviária “descaracterizaria
novamente a região da Praça, tendo como referência a antiga Estação”.
Outro projeto recente que causou muita discussão, levantando dúvidas
quanto a sua pertinência na Praça, mais especificamente de frente a um colégio de
educação infantil, foi a construção de um sanitário público. Discussão essa,
levantada novamente pelo jornal “A Tribuna Pousoalegrense” que desde o seu
primeiro número, se mostra opositor dos poderes públicos, divulgando reclamações,
cobrando providências, veiculando o que foi prometido e aquilo que vem sendo feito
sempre de maneira irônica Neste jornal de circulação semanal, por diversas vezes, a
questão do “Banheiro público” foi motivo de questionamentos. Colocada em cheque
a quem se destinaria tal obra, o quanto seria gasto e sua relevância na Praça João
Pinheiro, a discussão abriu caminhos para a descoberta de inúmeras incoerências
da administração do Prefeito Jair Siqueira.
Oficialmente divulgado com valor estimado da por volta de 19.000 reais pela
Prefeitura, o jornal apurou que, na realidade foram gastos mais de 50.000. As
suspeitas sobre a relevância da obra e sua utilização são confirmadas por qualquer
um que queira ir até a Praça João Pinheiro. Apesar de não ser o pivô da cassação
do mandato do Prefeito Jair Siqueira, a super-faturação dos sanitários da Praça foi o
primeiro indicio que levou o Ministério Público e a Câmara Municipal a investigarem
as incoerências financeiras de sua administração. Em pouco mais de um ano, os
banheiros estão apedrejados, as paredes pichadas, janelas quebradas e portas
amassadas. Por inúmeras vezes desde sua inauguração, pude pessoalmente
conferir na praça o funcionamento desses sanitários, os quais nunca estavam
abertos para uso e tampouco contavam com uma vigilância prometida pela
Prefeitura para aquela estrutura.
Motivo de reclamações de vizinhos e freqüentadores da Praça, durante
conversas informais, alguns emitiam suas opiniões sobre os sanitários que atraíram
um número maior de “mendigos e desocupados que viram ali uma brigada
confortável”. Essa opinião lembra muito, aquelas veiculadas em jornais como “O
Linguarudo” durante a década de 1960, onde a presença de mendigos se misturava
a incomoda presença de prostitutas.
Desde então, a Praça João Pinheiro apareceu associada a todo um
esteriótipo de vadiagem como um local cheio de incertezas, figurando nas colunas
policiais como local inconstante e seus arredores como lugares de constantes
153
batidas policias para impedir a prática da prostituição em bares e pensões, o
apaziguamento de brigas e a apreensão, uso e tráfego de drogas.
Projetos como o “Domingo na Praça” que já se extinguiu, e o “Quarta no
Parque”, são medidas tomadas na tentativa pelos poderes públicos que visam
“melhorar a imagem da praça” e atrair novamente a população para seu uso.
246
Eu mesmo moro num bairro que fica a mais de três quilômetros do centro de
Pouso Alegre e digo que aqui, tanto quanto em outros bairros da cidade não há
praças ou outras estruturas que visem usos plurais como quadras esportivas,
espaços para ciclismo e caminhadas (práticas que têm muitos adeptos na cidade),
espaços de aprendizado e divulgação de danças, musicais e práticas esportivas
como o skate, a patinação, entre outras coisas. Isso faz com que os moradores
desses bairros procurem lugares mais amplos que têm pouco ou nenhum uso.
A estes sujeitos a Praça João Pinheiro ganhou uma funcionalidade, não
aquelas ligadas propriamente à infância ou ao transporte de ônibus, mas novas
práticas, principalmente ligadas à cultura jovem como o skate e o hip-hop. Práticas
estas que parecem não ser compreendidas pela administração pública, não atuando
com projetos e políticas que visam privilegia-las nos locais de origem, ou seja, nos
bairros e também, no centro da cidade.
Para os administradores locais, as palavras revitalizar, transformar, modificar
significam vida, mas vida nova, que só poderia surgir da eliminação do que parecia
ser sinais de atraso, incomodo e degradação de práticas que agridem certos setores
e suas concepções em relação ao “progresso”.
Os jogos de interesses na política local permitem entender os motivos das
escolhas feitas pelos administradores seus companheiros e aliados. As
revitalizações da Praça foram escolhidas como projetos a serem executados. No
entanto, em vários bairros da cidade, os moradores que raramente fazem uso da
praça, a não ser nos eventos programados para divulgar as obras e seus criadores,
estão diariamente sem condições básicas de infra-estrutura como saúde, educação,
atividades esportivas, culturais e de lazer. Os gastos das inúmeras construções e
demolições realizadas na Praça João Pinheiro, durante o decorrer dos anos,
escolheram os cidadãos que deveriam ser “contemplados”. Por que não aproveitar
as estruturas já existentes na praça ao invés de se planejar a demolição e
246
Versão essa defendida pela própria Secretaria de Cultura que veicula essa visão no site da Prefeitura
Municipal de Pouso Alegre.
154
construção de outros projetos, na maioria das vezes, totalmente diferentes daquilo
que havia anteriormente?
Esta e outras perguntas ficam, porém a Praça que estudei é bem diferente
daquela que eu conheci ainda criança. Hoje sem bancos, chafarizes em
funcionamento e em alguns períodos do dia sem pessoas, as experiências que ouvi,
gravei e analisei também mudaram. Hoje, vejo e ouço pessoas falando de uma
praça como local de passagem, não como local de convívio.
O medo de ser abordado ou o constrangimento, como diz o senhor Saulo
Jésus Salles por “meninas querendo fazer um programa ou por alguns que dizem: -
ô, tio me dá um real! Não me dá mais vontade de freqüentar aquela praça, pelo tipo
de convívio que a gente tem que lidar hoje, não é mais sádio”. Como ressalta dona
Lydia Schultz: “a gente usa aquela praça agora para cortar caminho até o banco,
para ir até a Prefeitura, mas não dá mais vontade de sentar e ficar lá, entende? Tem
gente que se arrisca a fazer uma caminhada, dar umas voltas, mas eu não sei,
posso ser roubada, pode chegar uns pinguços e me abordar e ai?”, ainda são
obstáculos, resquícios criados através de uma memória que foi se cristalizando ao
longo dos anos por jornais, leis, intervenções militares e policiais, naquele espaço da
cidade.
Pouso Alegre cresceu e seus espaços foram modificados para os lados que
interessavam aos governantes, que fizeram (e ainda fazem) com que os interesses
de toda uma cidade fossem ou permanecessem reduzidos às suas próprias
conveniências. Assim, poderia dizer que “eles” eram aqueles que, em suas práticas
de poder, há muito se diferenciavam nos processos que mudaram a vida urbana.
155
Fontes Consultadas:
a) Prefeitura Municipal de Pouso Alegre:
Pastas do Setor de Patrimônio “Bens Imóveis”.
Inventário com Registros diversos de bens patrimoniais da Prefeitura municipal de Pouso
Alegre, 1940.
- Documentos Diversos:
Livro de Concessão para o exercício de funções (1942-1952)
b) Arquivo do Estado de São Paulo:
Revista do Arquivo do Estado(1938-40).
c) Arquivo do Museu Municipal de Pouso Alegre:
- Jornais:
“O Linguarudo”-1938-1971.
“O Municipio”-1938-1948.
“A Cidade”-1948-1949
“O Jornal de Pouso Alegre”-1967-1968.
“A Folha”-1969-1975.
- Documentos Diversos:
Fotografia de Praças, Escolas e instituições de Saúde do Município (1908-1918).
Atas de Sessões da Câmara (1912-1917)
Atas de Sessões da Câmara (1922-1938)
Atas de Sessões da Câmara (1951-1961)
Atas de Sessões da Câmara(1961-1969)
156
d) Memorialistas
GOUVÊA, Octávio Miranda. A História de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Gráfica Amaral,
2004, 2ª Ed.
OLIVEIRA, Jaime Marques de. Dans Le Parc. In: Gazeta de Pouso Alegre, 17 de setembro
de 1922.
QUEIROZ, Amadeu. Dos 7 aos 77 Recordações e Comentários 1880/1950. São Paulo:
Editora Cupulo, 1956.
TOLEDO, Alvarina Amaral de Oliveira. Um História Que Já Vai Longe...Niterói: Gráfica
Falcão, 1997.
REZENDE, Manoel Coutinho. Eu, minha terra e minha gente O Pouso Alegre Das Trilhas
Dos Faisicadores. São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 1991.
e) Acervo Particular Prof. Rubens Barros Laraia.
Fontes Iconográficas
f)Entrevistas e narrativas orais:
Alexandra. Ex- prostituta de 57 anos, natural de Borda da Mata, hoje residente em
Pouso Alegre, entrevista realizada em 23/04/2005;
Bárbara. Ex- prostituta de 59 anos, natural de Heliodora, hoje reside no bairro São
Cristóvão em Pouso Alegre, entrevista realizada em 25/02/2005;
Benedito Mateus de Melo, 70 anos, tendo como profissão Celeiro, sendo amigo de
muitos charreteiros que entre outras pessoas levavam as prostitutas aos seus passeios. Além
disso foi freqüentador da zona de baixo-meretricio e durante a infância freqüentou muito o
Parque Infantil “João da Silva”. Entrevista realizada em fevereiro de 2007;
Denaide Teixeira Alves de 87 anos. Natural de Silvianópolis e professora de piano
aposentada, residiu por muitos anos próxima a Praça João Pinheiro. Entrevista realizda em
25/02/2005;
José Heleno Magalhães. Tem 58 anos, natural de Pouso Alegre, comerciante e
residente próximo a Praça João Pinheiro. Entrevista realizada em 25/05/2004;
Juscelina Coutinho Rezende, reside próxima a Praça João Pinheiro desde seu
nascimento a 69 anos atrás. Sempre se mostrou uma mulher muito ligada a família, uma das
mais tradicionais da cidade, assim como a religiosidade católica. Estudou e se formou no
regime de internato no colégio Santa Dorotéia, permanecendo solteira e sem herdeiros até os
dias atuais. Entrevista realizada em 13/12/2006.
157
Lydia Schultz é vizinha da praça João Pinheiro desde sua chegada da Alemanha em
meados do século passado. Seu genro Frederico Schultz, logo abriu um estabelecimento
comercial, uma padaria ao lado do Parque, um dos poucos que haviam na época, o qual
passou ao domínio de dona Lydia depois de seu falecimento. Era um dos poucos lugares em
Pouso Alegre que comercializava o pão, talvez o mais tradicional. Mãe de 3 filhos, viúva e
aos 90 anos de idade, reside hoje na rua Tiradentes, paralela a Praça.
Mário César Barbosa Ribeiro tem 56 anos é natural de Pouso alegre, casado pela
segunda vez e pai de quatro filhos, durante a infância e juventude residia nos arredores da
praça João Pinheiro, onde sua mãe mantinha um pequeno salão de beleza freqüentado por
prostitutas, as quais segundo ele eram auxiliadas em vários sentidos por sua falecida mãe.
Entrevista realizada em 05/01/2007.
Magali Aparecida Castro Costa tem 52 anos é natural de Pouso Alegre. Mãe de 2
filhas, casada, trilhou o mesmo caminho que o seu pai na docência, apesar de atuar numa área
diferente. Além de professora do ensino médio e fundamental na rede estadual, leciona nos
cursos de pedagogia, letras, história e biologia da universidade local em período
noturno.Entrevista realizada em 08/09/2004
Mário de Oliveira é viúvo e tem 65 anos. Pai de dois filhos e militar reformado é um
dos vizinhos mais antigos da Praça João Pinheiro, nascendo, crescendo e residindo até os dias
atuais nas proximidades. Entrevista realizada em 17/01/2007.
Milton Reis tem 77 anos, se elegeu deputado estadual por dois mandatos e depois
Deputado Federal por cinco mandatos. Para galgar seus degraus na politica local, um dos
caminhos utilizados além do contato com a imprensa e com a elite intelectual e econômica de
Pouso Alegre, fundou uma Agremiação Esportiva na época do Parque Infantil a
A.M.E(Associação da Mocidade Esportiva), de caráter extremamente seletiva. Entrevista
realizada em 13/01/2007;
Moacyr Honorato Reis, tinha 77 anos ao realizar sua entrevista em 07/01/2007.
Conhecido na cidade como “Moacyr Bocudo” tinha uma vida ligada na juventude a boêmia,
às brigas e aos artigos polêmicos que escrevia em jornais acerca de temáticas como a religião
e a política. Era conhecido com o grande “cafetão” da cidade, vivia e defendia as prostitutas
da zona local. Teve dois filhos adotivos e recentemente descobriu uma filha biológica.
Trabalhou por muitos anos como barbeiro na antiga Estação Rodoviária na praça João
Pinheiro.
Rubens Barros Laraia, 60 anos. Natural de Pouso Alegre é formado em Direito,
História e Pós-graduado em História. Atualmente é professor na Universidade do Vale do
Sapucaí. Entrevista realizada em 08/ 09/ 2005;
Rubens Rezende de Paiva. Comerciante, tem 73 anos, trabalhou por muitos anos junto
ao pai que era administrador do Parque Infantil. Entrevista realizada em 06/06/2005;
Saulo Jésus Salles. Natural de Pouso Alegre e residente próximo a Praça João Pinheiro
por muitos anos. Aposentado como professor e contador. Entrevista realizada em 03/06/2004.
Verônica. Ex-prostituta de 61 anos de idade, natural de Silvianópolis, hoje reside em
sua cidade natal. Entrevista realizada no dia 12/12/2004.
158
Vitor Roberto de Chagas tem 52 anos. Casado, pai de dois filhos, hoje reside na região
central da cidade, graças a sua aposentadoria como militar reformado. Antes trabalhou numa
banca de jornais na Estação Rodoviária, localizada na praça João Pinheiro em 1969. Atuou no
Exército durante as décadas de 1970/80. Porém, na sua infância, viveu e conviveu com as
dificuldades e a discriminação impostas pela sociedade pouso-alegrense ao bairro São
Geraldo (também conhecido como Aterrado).
159
Referências Bibliográficas:
AIRES, Phillipe. História Social da criança e da família. RJ: Editora Guanabara, 1978.
ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens Paulistanas. Campinas: Imprensa Oficial, 2000.
BENJAMIM, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Sammus,
1984.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade, lembranças de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz, 1983.
BRITES, Olga. Imagens da Infância- São Paulo e Rio de Janeiro, 1930/1950. PUC-SP: Tese
de Doutorado em História Social, 1999.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-tempo na metrópole: a fragmentação da vida
cotidiana. São Paulo: Contexto, 2001.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 1 Artes de Fazer. Tradução Ephraim
Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2000. 5.ª edição.
CHARTIER, Roger. O Mundo como representação. Texto publicado originalmente Revista
Annales (Nov-Dez 1989 n.º06 pp 1505-1520). Estudos Avançados 5/11 Janeiro/Abril 1991
Volume 5 n.º 11 Universidade de São Paulo.
CHAUÍ, Marilena. Política Cultural, Cultura e Patrimônio Histórico. In: O Direito a
Memória: Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura,
DPH, 1982.
DARNTON, Robert e ROCHE, Daniel (orgs). Revolução Impressa. A Imprensa na França
1775-1800. SP: Edusp.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX. SP:
Brasileirnse, 1995.
ELIADE, Mircea. In: O Sagrado e o Profano: A essência das religiões. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
FAORO, Raymundo. A questão Nacional: a Modernização. Revista Estudos Avançados
Volume 6, n.º 14 São Paulo: Janeiro/Abril de 1992.
FENELON, Déa. (org) Muitas Memórias, outras Histórias. SP: Olho D ‘Água, 2003.
FERREIRA, Marieta Moraes, AMADO, Janaína (orgs). Usos e Abusos da História Oral. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2000.
FOCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org, Introdução e Revisão Técnica de Roberto
Machado. RJ: Edições Graal, 2006. 22.ª edição
FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2000. 23.ª edição.
HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. Liv Sovik (org); trad. Adelaine La
160
Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no
Brasil, 2003.
HOBSBAWN, Eric. Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2002.
NEDER, Gizlene. Cidade, Identidade e Exclusão Social. Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 2, nº 3,
1997.
NIEMEYER, Carlos Augusto da Costa. Parques Infantis de São Paulo. São Paulo:
Annablume, 2002.
PEREIRA, Mirna Busse. Cultura e Cidade: Prática E Politica Cultural na São Paulo do
Século XX. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, Tese de doutoramento em História
Social, 2005.
PORTELLI, Alessandro. Formas e significados na História oral: a pesquisa como um
experimento em igualdade. Projeto História, Revista do Programa de Estudos Pós-
Graduados em História, Departamento de História, PUC-SP, n. 14, p. 7-24, 1997.
______. O que faz a história oral diferente. Projeto História, Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História, Departamento de História, PUC-SP, n. 14, p. 25-39,
fev. 1997.
RIBEIRO, Antonieta Jaci Machado. Posição e Oposição: A Praça. Estudo semiótico da praça
enquanto texto da cultura. Mestrado em Comunicação e Semiótica. PUC-SP, 1992.
RICOEUR, Paul. A crítica e a convicção. Lisboa: Edições 70, 1997.
ROLNICK, Raquel. e NAKANO, Kazuo. Velhas questões, novos desafios. Cadernos Lê
Monde Diplomatique, Revista do Instituto Pólis, São Paulo. Edição Especial, n. 2, p. 20– 33,
jan. 2001.
SAMUEL, Raphael. Documentação: História local e História oral. Revista Brasileira de
História, Publicação da ANPUH, São Paulo, v. 9, n. 19, p. 219-243, set. 1989-fev. 1990.
SARLO, Beatriz. “Um Olhar Político em Defesa do Patrimônio na arte”. In: Paisagens
Imaginárias: intelectuais e meios de comunicação. São Paulo: EDUSP, 1997.
SENNET, Richard. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
SONTAG, Susana. A Doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
THOMPSON, E.P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
_______________. A Formação da Classe Operária. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
THOMPSOM, E.P. COSTUMES EM COMUM. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS
LETRAS, 1998.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
161
ANEXOS
Localização de Pouso Alegre, em relação a outras cidades do Sul de Minas Gerais e
Estados como São Paulo e Rio de Janeiro. A distância aproximada entre Pouso Alegre e
São Paulo é de apenas 200 km, enquanto que Rio de Janeiro.
Localização da Praça João Pinheiro (em destaque) na malha urbana de Pouso Alegre. Note a
proximidade entre as ruas Tiradentes, Rosário, Joaquim Coelho Júnior e Francisco Sales que até a
década de 1980, abrigavam casas de prostituição.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo