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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANA MARIA MORAES SCHEFFER
CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO CONSTRUÍDAS POR PROFESSORAS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: AS PRÁTICAS
DISCURSIVAS COMO EIXO DE REFLEXÃO
Juiz de Fora
2008
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ANA MARIA MORAES SCHEFFER
CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO CONSTRUÍDAS POR PROFESSORAS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: AS PRÁTICAS
DISCURSIVAS COMO EIXO DE REFLEXÃO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora, na
linha de pesquisa Linguagem,
Conhecimento e Formação de
Professores, para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Déa cia
Campos Pernambuco
Juiz de Fora
2008
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TERMO DE APROVAÇÃO
ANA MARIA MORAES SCHEFFER
CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO CONSTRUÍDAS POR PROFESSORAS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: AS PRÁTICAS
DISCURSIVAS COMO EIXO DE REFLEXÃO
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora, pela seguinte banca examinadora:
______________________________________________
Profª. Drª. Déa Lúcia Campos Pernambuco - Orientadora
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF.
_______________________________________
Profª. Drª. Cecília Maria Aldigueri Goulart
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFF.
_______________________________________
Profª. Drª. Maria Teresa de Assunção Freitas – Co-orientadora
Programa de Pós-Graduação em Educação, UFJF.
Juiz de Fora, 03 de abril de 2008.
Para Juraci, Haila e Alice, com quem
aprendo a cada dia amar e compartilhar a
vida.
AGRADECIMENTOS
Em relação ao homem, o amor, a compaixão,
o enternecimento e quaisquer outras
emoções sempre são dialógicas nesse ou
naquele grau.
BAKHTIN
A minha emoção nesse momento é de gratidão a todos que contribuíram para a
realização deste trabalho:
A Deus, força propulsora de minha vida.
Aos meus pais, pelo tanto que amam.
À professora Drª. Déa Pernambuco, que, desde o início, depositou confiança em
meu trabalho.
À professora Drª. Maria Tereza, pelos diálogos que ensinam sempre.
À professora Drª. Cecília Goulart, que desde o nosso primeiro contato,
revelou-se solícita e aberta à interlocução.
Aos colegas do mestrado e, de modo muito especial, às amigas, Rita e Viviam, pela
amizade, carinho e interlocução constantes.
À direção da Escola Municipal João Guimarães Rosa e da Escola Municipal Dr.
Adhemar Resende de Andrade, por possibilitar que o meu projeto de pesquisa se
tornasse uma realidade.
Às professoras participantes da pesquisa, pelos diálogos estabelecidos e as
palavras compartilhadas.
À Cláudia que, muitas vezes sem entender, ouviu com carinho e atenção as minhas
palavras.
Ela está no horizonte.
Me aproximo dois passos,
Ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e
O horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe,
Jamais alcançarei.
Afinal, para que serve a utopia?
Serve para isso, para caminhar.
EDUARDO GALEANO
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo compreender as concepções de alfabetização
construídas por professores alfabetizadores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental a partir de suas práticas discursivas. Assumindo que as concepções
de alfabetização das professoras alfabetizadoras o construções que se dão nas
relações interpessoais, mediadas pela linguagem, esta dissertação busca, no
discurso de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os sentidos
atribuídos à alfabetização. Para tal, este estudo fundamenta-se teoricamente na
concepção de linguagem como constituidora da consciência e espaço de inter-
relações sociais, tendo como aportes teóricos principais os estudos desenvolvidos
por Mikhail Bakhtin sobre a filosofia da linguagem e por Lev Seminovich Vygotsky
sobre a psicologia de base social. Além desses teóricos, constituem-se como
interlocutores autores que abordam especificamente sobre a alfabetização, a leitura
e a escrita como Soares, Kleiman, Mortatti, Cagliari, entre outros. A perspectiva
histórico-cultural orientou os procedimentos de pesquisa e as análises desenvolvidas
sobre o material empírico produzido nas entrevistas coletivas cujos sujeitos foram
seis professoras que atuam em duas escolas da rede pública municipal de Juiz de
Fora onde havia sido implantado o Ensino Fundamental de nove anos. A partir
das análises, foi possível constatar a influência do discurso pedagógico hoje
dominante no campo da alfabetização que privilegia a realização de práticas sociais
de leitura e de escrita. Embora haja tentativas de realização de um trabalho
pedagógico inovador, o que prevalece é o desenvolvimento de um trabalho
alfabetizador que visa, fundamentalmente, ao domínio do sistema alfabético de
escrita.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização. Letramento. Leitura. Escrita.
ABSTRACT
The aim of this dissertation is to comprehend the conceptions of alphabetization
made by teachers, of the first years of the elementary education, from their discursive
practices. Assuming that the conceptions of alphabetization of the teachers are
constructions that happen in the interpersonal relations, mediated by language, this
dissertation searches, in the speech of these teachers, the senses attributed to
alphabetization. To do so, this study is theoretically based upon the conception of
language as constitutor of conscience and space of social inter relations, having as
its main theoretical support the studies made by Mikhail Bakhtin about philosophy of
language and by Lev Seminovich Vygotsky about socially based psychology.
Besides these scholars, there are other interlocutors as the authors who approach
specifically alphabetization, reading and writing as Soares, Kleiman, Mortatti,
Cagliari, among others. The historical-cultural perspective has orientated the
research procedures and the analysis about the empirical material produced in the
interviews whose subjects were six teachers who work in two public schools in the
city of Juiz de For a where it had already been implanted the nine year elementary
school. Starting from the analysis, it was possible to verify the influence of the
nowadays dominant pedagogical speech in the field of alphabetization that favors the
realization of social practices of reading and writing. Although there are attempts to
make an innovatory pedagogical work, what prevails is the developing of an
alphabetization work that aims basically at dominating the alphabetic system of
writing.
KEY WORDS: Alphabetization. Literacy. Reading. Writing.
SUMÁRIO
1 DAS EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS AO OBJETO DE PESQUISA ........ 11
2 AS CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO ENQUANTO OBJETO DE
PESQUISA ................................................................................................................
18
2.1 As bases dos dados .........................................................................................
18
2.2 Os conceitos de alfabetização nas pesquisas atuais ....................................
19
2.3 O perfil quantitativo das pesquisas sobre alfabetização ..............................
27
3 A DIMENSÃO SOCIAL E DIAGICA DA LINGUAGEM .................................... 32
3.1 Bakhtin e a linguagem ......................................................................................
32
3.2 A crítica ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato ......................
34
3.3 Bakhtin e sua concepção de linguagem centrada no fenômeno da
interação verbal .......................................................................................................
37
4 A METODOLOGIA DE PESQUISA: UM ENCONTRO DO EU COM O OUTRO .. 43
4.1 A teoria subjacente à metodologia ..................................................................
43
4.2 Construindo a metodologia de pesquisa ........................................................
48
4.3 O estudo piloto ..................................................................................................
49
4.4 Os contextos da pesquisa ................................................................................
52
4.5 Os sujeitos e as entrevistas coletivas ............................................................
54
5 PROFESSORAS ALFABETIZADORAS: SUAS MEMÓRIAS, SUAS PRÁTICAS
E CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO ................................................................
62
5.1 Memórias docentes: a formação e os percursos na carreira docente ........
62
5.1.1 A construção do saber alfabetizar ...............................................................
66
5.2 O desenvolvimento do processo de alfabetização ........................................
72
5.2.1 A alfabetização hoje .........................................................................................
77
5.2.2 A leitura ............................................................................................................
81
5.2.3 A escrita ...........................................................................................................
84
5.3 As concepções de alfabetização nos discursos das professoras ...............
90
5.3.1 Alfabetizar letrando: este é o desafio ...............................................................
99
6 UM MODO DE COMPREENDER AS CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO
DAS PROFESSORAS: CONCLUSÃO .....................................................................
103
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................
109
ANDICES .............................................................................................................
116
1 DAS EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS AO OBJETO DE PESQUISA
Tudo o que me diz respeito, a começar por meu
nome, e que penetra em minha consciência, vem-
me do mundo exterior, da boca dos outros (da
mãe), etc. e me é dado com a entonação, com o
tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência
de mim, originalmente, através dos outros: deles
recebo a palavra, a forma e o tom que servirão à
formação original da representação que terei de
mim mesmo.
MIKHAIL BAKHTIN
Como diz Clarice Lispector (1984, p.25), “escrever é difícil. É duro como
quebrar rochas”. Entretanto, apesar de vivenciar essa dificuldade na escrita deste
trabalho, aceito o desafio de ir quebrando rochas.
Sendo assim, inicio, pois, a minha história, contando como foi que nasceu o
interesse em mim de construir um texto sobre a temática da alfabetização. Ao fazê-
lo, revelarei como o mundo exterior, como o Outro foi me constituindo e fazendo com
que eu tomasse consciência de mim mesma. Na realidade, ao me dispor a pesquisar
um assunto dentro da temática da alfabetização, estava pensando em minha própria
prática, em minhas concepções como professora que sou.
Por que escolhi a alfabetização como tema de estudo? Acima de tudo porque,
como professora do Ensino Fundamental, tenho vivido e enfrentado, ao longo de
minha vida profissional, desafios em relação ao ensino e aprendizagem iniciais da
leitura e da escrita. questões que desde a minha entrada na carreira do
magistério sempre estiveram presentes em minhas reflexões sobre essa temática as
quais me levam a indagar: (i) Por que as crianças e os adolescentes advindos das
camadas populares, amesmo aqueles que estão nos anos finais da educação
básica, apresentam um desempenho insatisfatório na leitura e na escrita? (ii) Como
propiciar às crianças e aos adolescentes um ensino que os leve ao domínio efetivo
da língua?
Essas e muitas outras indagações são despertadas a cada dia no exercício
de ser professora. Tais questões me levam a buscar “respostas” para enfrentar essa
tarefa tão complexa que é o desenvolvimento do processo de alfabetização em
nossas escolas, para que, assim, eu possa enfrentar os desafios que me são
colocados.
Para mostrar como fui me constituindo como uma professora envolvida com
as questões da linguagem, retomo, de forma breve, os caminhos que venho
trilhando e os diálogos que venho estabelecendo com professores alfabetizadores e
com autores que desenvolvem estudos e pesquisas dentro desta área. Diálogos
que, no dizer de Bakhtin, engendram muitas réplicas, pois para cada pergunta
respostas e estas, por sua vez, geram outras perguntas.
Na verdade, posso afirmar que minha aproximação e inquietação com as
questões relativas à temática da alfabetização ocorreram a partir de 1985 após o
término do curso de magistério e, em seguida, com minha inserção no quadro de
professores da Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora no ano de 1988. Na
ocasião, iniciei minha experiência como docente em uma turma de alfabetização
de jovens e adultos. Da parte da Secretaria de Educação, naquela época, havia
grande empenho para que as idéias de Paulo Freire fossem aplicadas na
Educação de Jovens e Adultos. Por isso, participei de cursos e palestras que
abordavam a teoria desse autor e que nos davam “receitas” de como aplicá-las
nessas turmas.
Nos anos posteriores, passei a atuar como professora de turmas de 1ª
série do então 1º grau, nas quais realizava um trabalho de alfabetização através
do método silábico,
1
método pelo qual havia sido eu também alfabetizada. Na
prática, acabava reproduzindo o que era transmitido a mim pelas outras
professoras mais experientes naquela série e pela supervisora da escola. Como
o método de alfabetização utilizado na escola era o silábico, seguia as
determinações recebidas sem questionamentos, visto que a formação que tivera
não me dava uma sustentação teórica e prática para desenvolver o trabalho com
a alfabetização de outro modo. Na verdade, a sensação existente era a de que
estava sempre faltando algo para eu me constituir como professora
alfabetizadora.
1
Método de alfabetização que privilegia o princípio da síntese, partindo das unidades menores da
língua como as sílabas para as unidades maiores como as palavras, frases e textos.
Como, nesse momento, já estava cursando o curso de Letras na
Universidade Federal de Juiz de Fora, percebia que o que era estudado na
faculdade não se integrava com a prática pedagógica vivenciada na escola.
A partir de 1990, começou a ser introduzido nas escolas municipais o
ideário construtivista dentro das propostas de alfabetização. Era oferecido aos
professores acesso a vários textos escritos por diferentes autores que
desenvolviam estudos sobre a teoria de Emília Ferreiro e seus colaboradores.
Esses textos eram lidos e discutidos nas reuniões realizadas na escola. No
entanto, materiais escritos pela própria autora não foram lidos. Assim, acreditou-
se que a leitura desses textos e os cursos oferecidos aos professores, na
ocasião, embasariam as suas práticas e proporcionariam uma mudança
significativa no modo de conceber e desenvolver o processo de alfabetização nas
escolas.
Dessa forma, a orientação dada pela supervisora da escola era a de que
deveriam ser utilizadas outras estratégias de ensino porque a teoria fora recebida
como se fosse um novo método de alfabetização. Para tanto, o processo de
alfabetização deveria ser iniciado a partir do nome da criança. Os usos de
diferentes suportes de textos como rótulos, bulas, jornais revistas, livros, entre
outros, passaram a fazer parte do dia-a-dia das salas de aula. No entanto, ao
mesmo tempo em que eram desenvolvidas atividades consideradas
“construtivistas”, o emprego dos métodos de alfabetização vistos como
tradicionais, naquele momento, ainda estava muito presente nas atividades
docentes dos professores alfabetizadores. É evidente que, para que as
mudanças ocorram, é necessário tempo e às vezes, mesmo com o passar do
tempo, práticas consideradas inovadoras coexistem com as práticas ditas
tradicionais. Afinal, a prática pedagógica exige construção permanente, não há
um único caminho.
Ao longo dos anos que se seguiram, a questão da alfabetização escolar
constituiu-se continuamente como um dos eixos orientadores de minha vida
profissional e acadêmica, por meio de minha atuação como professora, de estudos
realizados no Curso de Letras e, posteriormente, no Curso de Especialização em
Alfabetização e Linguagem da Faculdade de Educação da UFJF.
Nesse último curso, interei-me da proposta de ensino de Língua
Portuguesa apoiada na concepção de linguagem como forma de interação a
partir dos trabalhos de Geraldi (1984, 1993). Um dos aspectos defendidos por
essa proposta é o desenvolvimento da produção escrita a partir do convívio das
crianças com diferentes portadores de texto: livros, jornais, revistas, gibis, entre
outros. Além dessa proposta, tomei conhecimento também dos estudos
sociolingüísticos desenvolvidos por Soares (1988, 1989), Castanheira (1992),
Miranda (1992), Cook-Gumperz (1991), dentre outros. Tais estudos revelam que
a escrita é um objeto cultural por excelência e sua apropriação pela criança se dá
através de um longo período que inicia antes do seu ingresso na escola. Desde
cedo, as crianças já têm oportunidade de observar e participar de atos de leitura
e escrita que são praticados a sua volta, o que as tornam conhecedoras das
funções atribuídas a esse objeto de conhecimento.
Ao eleger a leitura e a escrita como objeto de estudo e reflexão, busquei
compreender não apenas a minha atuação como professora de língua materna,
mas também a de outras professoras envolvidas com o ensino da língua em
realidades diferentes daquelas onde eu trabalhava. Para concretizar tal objetivo,
realizei um trabalho de pesquisa que culminou na elaboração da monografia
intitulada A dicotomia entre a escrita na escola e a escrita na vida. Através desse
estudo evidenciou-se a ausência de um trabalho na escola com as práticas reais
de leitura e produção de texto. Enquanto a escola propiciava aos alunos o
contato apenas com os textos presentes no livro didático adotado para a turma,
fora do contexto escolar, as crianças tinham acesso a materiais escritos variados
como textos publicitários, revistas em quadrinho, textos literários, entre outros.
Quanto à produção escrita, de um modo geral, os alunos escreviam textos para
atender às expectativas da escola, ou seja, atividades escolares como cópia,
ditado, entre outras. No entanto, pude observar que, em outros espaços, eram
produzidos bilhetes, cartas, poesias, trovas, com a função interacional e pessoal.
Mais uma vez constatei a distância entre os discursos produzidos sobre o ensino
e aprendizado da leitura e da escrita no meio acadêmico e a prática pedagógica
concretizada nas escolas. Penso que isso possa ser um indicador de que os
conhecimentos construídos nas universidades, muitas vezes, não causam
impacto na prática docente.
Após esse percurso percorrido, em 1997, comecei a desempenhar a
função de diretora em uma escola municipal. Nessa nova função pude me
aproximar das práticas alfabetizadoras dos professores das séries iniciais e
acompanhar suas dificuldades. Naquele momento, a maioria dos professores
havia abolido o uso das cartilhas e diferentes suportes de textos se tornaram
materiais didáticos para trabalhar a leitura e a escrita. A imersão das crianças no
mundo da cultura escrita foi intensificado. O movimento tomou outra direção:
antes era enfatizado o trabalho com os métodos de alfabetização, agora a ênfase
era dada ao trabalho com variados textos que circulavam na sociedade. Contudo,
as dificuldades de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita permaneciam. A
cada dia, novos desafios e reflexões eram apontados, sobretudo no que se
relacionava à dificuldade dos alunos em escrever, ler e compreender os textos
que circulavam na escola. Os depoimentos dos professores a respeito da
aprendizagem e desenvolvimento dos alunos das séries iniciais e finais do
Ensino Fundamental, nessa escola, revelavam que estes liam e escreviam de
modo precário. Afinal o que estava acontecendo?
Na realidade, o que estava acontecendo nessa escola não era um fato
isolado, pois, conforme consta no documento elaborado pela Secretaria Estadual
de Educação de Minas Gerais (2003), o resultado do teste nacional do Sistema
de Avaliação da Educação Básica, o SAEB, realizado em 2001 e divulgado em
2003, revela que 59% dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental apresentam
acentuadas limitações em seu aprendizado da leitura e da escrita. Além do
SAEB, foi realizado o teste internacional do Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes (PISA), do ano de 2003, o qual atesta que essa realidade estava
presente não só nos contextos educacionais brasileiros, como também em outros
países.
Sendo assim, toda a equipe da escola passou a dedicar esforços para que
esses impasses que tanto prejudicavam o desempenho das crianças como leitoras e
escritoras fossem solucionados. Ao longo de alguns anos, muitas conquistas foram
obtidas nessa escola, como melhorias e ampliação da rede física escolar,
construção de uma biblioteca, elaboração de uma proposta pedagógica
comprometida com as necessidades dessa comunidade escolar, entre outras. Tais
conquistas levaram à superação de muitas dificuldades relacionadas ao processo de
alfabetização. Apesar disso, ainda permaneceu presente a necessidade de
buscarmos outras formas de trabalho que nos possibilitassem a apropriação de
conhecimentos, para, assim, compreendermos melhor o processo de alfabetização e
as possíveis formas de mediação que deveriam ocorrer junto aos educandos para
que eles avançassem em suas aprendizagens em relação ao domínio da leitura e da
escrita. Uma das alternativas encontradas, na busca de novas formas de trabalho,
foi a de formar um grupo de estudo com os professores envolvidos com o ensino e
aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Desse modo, a necessidade de intervir
nessa realidade se constituiu numa das principais metas desse grupo.
Acreditávamos, enquanto grupo, que a mudança desejada se produziria a partir
do coletivo de professores dessa escola.
A partir das leituras realizadas e das discussões travadas nesse grupo de
estudos, novas perguntas me inquietaram, quais sejam: (i) Como os professores
foram se constituindo como professores alfabetizadores? (ii) Como está sendo
realizado o trabalho com a alfabetização nos anos iniciais do Ensino
Fundamental? (iii) Como os professores concebem a alfabetização? (iv) Como os
professores estão se apropriando das mudanças conceituais ocorridas nessa
área, uma vez que, de um modelo tradicional centrado nos métodos de
alfabetização concretizados nas cartilhas, partimos para uma visão de
alfabetização que enfatiza os usos sociais da escrita? (v) Dentre as mudanças
conceituais ocorridas, quais os professores consideram adequadas para
desenvolver o trabalho de alfabetização em suas turmas? (vi) O que é alfabetizar
hoje?
Tais questões mobilizaram as minhas reflexões sobre o processo de
alfabetização. Sendo assim, a minha experiência profissional e as leituras que fiz
na tentativa de implementar na escola uma prática alfabetizadora que propiciasse
às crianças não só aprender a ler e a escrever no sentido estrito da palavra, mas
a participar efetivamente das práticas sociais do mundo letrado em que vivemos,
criaram necessidades que demandaram um aprofundamento de meus estudos
na área da alfabetização. O mestrado foi, então, o caminho encontrado para a
concretização da idéia de investigar o processo de alfabetização a partir de um
outro lugar.
Dentro dessa perspectiva, meu presente estudo tem o objetivo de
compreender as concepções de alfabetização construídas por professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental a partir de suas práticas discursivas.
Além do que foi exposto até aqui, quero ressaltar que a minha opção por
enveredar na compreensão das concepções de alfabetização dos professores dos
anos iniciais do ensino fundamental não foi gratuita. De um modo geral, o fracasso
produzido no interior da escola brasileira, no início do ensino fundamental e que hoje
vem se estendendo até os anos finais, está estreitamente ligado aos
encaminhamentos didáticos relativos ao ensino-aprendizado da língua materna. Isso
está tão evidente que, hoje, é lugar comum afirmar que as escolas brasileiras,
sobretudo aquelas pertencentes à rede pública de ensino, não cumprem a sua tarefa
de alfabetizar as crianças do nosso país. A minha preocupação constante com o
fracasso na/da alfabetização tem me levado a procurar conhecer, compreender e
encontrar explicações para esse processo.
Ao rever minha trajetória, posso dizer que todas as atividades e estudos que
desenvolvi em relação à alfabetização estiveram sempre voltados para a escola, ou
seja, a alfabetização não se constituiu apenas como objeto teórico, mas em um
compromisso com o direito de todas as crianças, principalmente aquelas que
freqüentam as escolas públicas, de aprenderem a ler e escrever e de participarem
de forma consciente e eficiente de práticas sociais de leitura e escrita.
Além disso, quero enfatizar a minha crença na escola pública, local onde
sempre desenvolvi minhas atividades de trabalho, e nos professores que nela
atuam. Considero ser muito modo se apropriar do discurso da denúncia e da
desesperança diante de uma questão que atinge toda a sociedade e ficar omisso
perante essa situação.
Para desenvolver esta pesquisa, tomo como referência teórica os estudos
de dois autores: Bakhtin e Vygotsky. Na minha opinião, suas teorias apontam
vários aspectos relevantes para a compreensão ativa e responsiva do conceito
de alfabetização e suas possíveis implicações nas práticas alfabetizadoras.
A partir de seus estudos, adoto o princípio de que a linguagem, enquanto
prática discursiva, enquanto espaço de enunciação e de troca, é central na
constituição do sujeito social e histórico. Apoiada em seus escritos, nos textos de
autores que abordam suas teorias como Faraco (1996, 2003), Freitas (2003,
2002, 1998, 1994), Brait (1997, 2005), Amorim (2006, 1997), entre outros, e em
autores contemporâneos que estudam o tema alfabetização e letramento como
Soares (1995, 2000, 2003a, 2003b, 2003c, 2005), Kleiman (1995, 2002, 2004),
Mortatti (2000, 2006, 2007), Goulart (2000, 2005) e outros, discuto a
alfabetização, a escola e os sujeitos envolvidos nesse processo.
No meu entendimento, esta pesquisa se torna relevante à medida que
contribuirá para a reflexão sobre as concepções de alfabetização que vêm
sustentando a prática pedagógica da alfabetização de professores dos anos
iniciais.
É, portanto, na busca dessa dinâmica de pesquisa, que apresento, no
Capítulo 2, a revisão de literatura, através da qual destaco os trabalhos e
pesquisas desenvolvidas dentro da temática da alfabetização encontradas em
diferentes bases de dados; no Capítulo 3, o arcabouço teórico, no qual figura a
concepção de linguagem a partir da teoria enunciativa de Bakhtin; no Capítulo 4,
a metodologia adotada, dentro da perspectiva histórico-cultural; no Capítulo 5, a
análise dos dados produzidos através de entrevistas coletivas e no Capítulo 6, as
principais conclusões.
2 CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO ENQUANTO OBJETO DE PESQUISA
Não existe nem a primeira nem a última palavra, e
não existem fronteiras para um contexto dialógico
(ascende a um passado infinito e tende para um
futuro igualmente infinito).
MIKHAIL BAKHTIN
Neste capítulo, apresento uma análise breve das produções acadêmicas e
científicas e de artigos de revistas da área da educação que versaram sobre o tema
desta dissertação: conceitos de alfabetização. Inicialmente, apresento as bases de
dados utilizadas para a realização do levantamento da produção acadêmica e
científica. Discuto, a seguir, os conceitos de alfabetização e sua ampliação através
dos textos presentes em capítulos de livros, publicações do Ministério da Educação
(MEC) e revistas pedagógicas. Por último, apresento o perfil quantitativo dessas
pesquisas.
2.1 As bases dos dados
Para iniciar o levantamento dos dados, selecionei textos presentes em
capítulos de livros e artigos de revistas pedagógicas por considerar que a
produção expressa nesses suportes contribuem de modo significativo para o
enriquecimento da discussão sobre concepções de alfabetização no decorrer dos
anos passados até os dias atuais.
Procurei também, como poderá ser constatado, analisar os textos a partir
de uma ordem cronológica dentro do assunto tratado, facilitando, assim, o
reconhecimento das mudanças ocorridas ao longo do tempo no tocante ao
conceito de alfabetização.
Com o objetivo de focalizar o que está sendo produzido no Brasil em
termos de estudos e pesquisas na área da alfabetização, fiz um breve
levantamento da produção de teses e dissertações que abordavam esse tema,
defendidas no período de 2002 a 2006. A base de dados utilizada para mapear
as teses e dissertações foi o Portal da Fundação de Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES).
Através do Portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) foi possível encontrar publicações que remetem aos
estudos que já foram desenvolvidos nessa área.
Quanto à seleção de artigos com base científica, foram utilizadas as bases
de dados presentes no Sistema SciELO
2
, dentro do qual destaco os artigos
encontrados nas revistas Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas,
Educação e Sociedade e Caderno CEDES.
Além disso, foram levantados os trabalhos apresentados nas reuniões da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
dentro do GT10 “Alfabetização, Leitura e Escrita”, da 25ª a 29ª Reunião.
Em todas essas buscas a palavra-chave utilizada foi alfabetizão. Por
conta dos limites deste trabalho, não estendi o universo de pesquisa empregando
outras palavras-chave, por não ser o meu objetivo fazer uma análise tão
profunda de toda a produção feita nessa área.
2.2 Os conceitos de alfabetização nas pesquisas atuais
De interesse para o meu estudo são as produções encontradas em
capítulos de livros e em revistas da área da educação e publicações do MEC que
abordam os conceitos de alfabetização e as mudanças conceituais por que
passou esse conceito ao longo de várias décadas no Brasil. Essa produção é
muito significativa e a cada ano é ampliada, contudo enfatizarei aquelas que
considero mais pertinentes à temática desta dissertação.
Sendo assim, tomo os trabalhos de Perrota (1984), Soares (1995, 2000,
2003a, 2003b, 2003c, 2005), Mortatti (2006, 2007) por serem representativos da
2
SciELo corresponde à Scientific Eletronic Library Online.
produção escrita que contribui para a compreensão da problematização
conceitual em torno do fenômeno da alfabetização.
O trabalho de Perrotta esboça a evolução por que passou o conceito de
alfabetização dos anos de 1948 a 1980 a partir de uma abordagem dos aspectos
históricos. Para discutir o conceito de alfabetização, a autora toma como referência
os trabalhos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO). É importante ressaltar que o papel desempenhado
internacionalmente pela Unesco é, principalmente, de influência política e não de
caráter científico.
Seguindo tal referência, a autora afirma que, em 1948, o alfabetismo é
definido como a capacidade de ler e escrever um texto em alguma língua. Vale
destacar que a produção de dados estatísticos sobre o analfabetismo deu-se a
partir dos anos de 1940, com a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), sendo considerada como condição de pessoa alfabetizada
toda aquela que soubesse ler e escrever, ainda que apenas o próprio nome.
no ano de 1958, a definição de alfabetização que a UNESCO propõe faz
referência à capacidade da pessoa de ler e escrever com compreensão uma breve e
simples exposição de fatos relativos à sua vida cotidiana. Essa definição tornou-se o
guia seguido pelos censos nacionais para mensurar a alfabetização. A partir dos
anos de 1950 e até o último censo de 2000, era considerada alfabetizada a pessoa
que era capaz de ler e escrever um bilhete simples. Tal definição evidenciava,
desde então, uma ampliação do conceito de alfabetização.
Quatro anos depois, era considerada alfabetizada a pessoa que adquirira os
conhecimentos e competências indispensáveis ao exercício de todas as atividades
em que a alfabetização era necessária para que se pudesse atuar eficazmente no
seu grupo e em sua comunidade.
Nos anos de 1965, estudos evidenciam que a alfabetização devia preparar o
homem para desempenhar um papel cívico, social e econômico, além de estar
voltada para o ensino da leitura e da escrita. Tal definição não visava limitar a
competência ao seu nível mais simples (ler e escrever enunciados simples referidos
à vida diária), mas abrigar graus e tipos diversos de habilidades, de acordo com as
necessidades impostas pelos contextos econômicos, políticos ou socioculturais.
Em 1975, a alfabetização não é concebida apenas como o aprendizado das
habilidades de leitura, escrita e aritmética, mas também como uma contribuição para
a libertação do homem e seu pleno desenvolvimento. A alfabetização, nesse
momento, passa a ser vista como um direito de todo o ser humano.
Perrota, naquele momento, já advertia que os conceitos evoluem, porém
os resultados concretos e significativos da alfabetização não revelavam grandes
mudanças para a realidade educacional em nosso país.
Na perspectiva de um novo enfoque, os estudos de Mortatti (2006) propõem a
divisão do movimento histórico da alfabetização no Brasil em quatro momentos. A
autora ressalta que cada momento foi marcado por um novo sentido atribuído à
alfabetização. O ano de 1876 marca o início do primeiro momento que se estende
até o início da década de 1890 e é considerado o momento de Metodização do
Ensino da Leitura. A alfabetização passa a se constituir como objeto de estudo. A
partir de 1890, inicia-se o segundo momento que é estendido ameados dos anos
de 1920. Foi por volta de 1910 que o termo alfabetização passou a ser empregado
para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita. Nesse segundo momento, a
ênfase era dada à discussão sobre os métodos usados no ensino inicial da leitura e
à institucionalização da defesa pelo método analítico. Após 1920 inicia-se o terceiro
momento, o qual se prolonga até o final da década de 1970, no qual a ação de
ensinar está subordinada à maturidade da criança e às questões de ordem didática
que, por sua vez, estavam subordinadas à ordem psicológica. o quarto momento
tem início na década de 1980 e continua em curso. Esse momento será abordado ao
longo deste trabalho.
Dando prosseguimento, vamos encontrar nas produções escritas de Soares
uma abordagem sobre os conceitos de alfabetização também numa perspectiva
histórica. Seus estudos revelam que, durante muito tempo, a palavra alfabetização,
compreendida como o processo de ensinar e/ou aprender o sistema da escrita, foi
suficiente para designar a aprendizagem inicial da língua escrita. No entanto, ao
longo das décadas de 1980 e 1990, essa significação foi sofrendo alterações em
decorrência de mudanças sociais que fizeram com que fossem atribuídas novas
funções à língua escrita, tornando esse conceito insuficiente para atender às
demandas e urgências específicas da sociedade naquele momento histórico.
Segundo Soares (2003a), alguns indicadores dessas alterações em várias
fontes. Uma dessas fontes é o Censo Demográfico, citado anteriormente, que,
através da aplicação de questionários e dos resultados apresentados a partir de sua
aplicação, revela uma progressiva ampliação do conceito de alfabetização. Para a
autora, essa ampliação do conceito se torna mais evidente quando, nos estudos
censitários, passou a ser empregada a terminologia alfabetismo funcional. O termo
alfabetismo indica “estado” ou “condição” que assume aquele que aprende ler e
escrever (SOARES, 1995). A terminologia alfabetismo funcional, de acordo com
Ribeiro (1997), foi utilizada para designar um nível de habilidades restritas às tarefas
mais rudimentares que exigiam a prática da leitura e da escrita. Assim, para se
definir os índices de alfabetismo funcional, era usado como critério os anos de
escolaridade. Nos países de Terceiro Mundo, o mais comum é identificar o
alfabetismo funcional a apenas três ou quatro anos de estudo. Desde então, essa
realidade apontava indícios de que o acesso ao mundo da escrita exigia habilidades
para além do saber ler e escrever.
Nos anos de 1990, outra fonte em que se poderia constatar a ampliação do
conceito era a mídia, de modo particular a mídia impressa, na qual se passou a
caracterizar de novos modos a alfabetização, os alfabetizados e os analfabetos.
Desse modo, passou-se a atribuir um significado muito abrangente para a
alfabetização, considerando-a como um processo que não se resumiria apenas em
desenvolver habilidades da leitura e da escrita, mas que, além dessas habilidades,
os indivíduos soubessem fazer o uso da leitura e da escrita nas práticas sociais e
profissionais.
De acordo com Soares (2003b), a partir dos anos de 1980 e 1990, a
alfabetização escolar passou a ser questionada, principalmente, no que se referia
aos métodos e ao uso das cartilhas. Esse questionamento foi motivado não só
pelo avanço das pesquisas realizadas em várias áreas do conhecimento como a
Psicologia, a Lingüística, a Psicolingüística, a Sociolingüística, entre outras, como
também do fracasso persistente da escola na alfabetização das crianças. Uma
nova dinâmica dentro das práticas alfabetizadoras foi ganhando espaço através
da divulgação dos estudos de natureza psicolingüística de Emília Ferreiro e
colaboradores que foram desenvolvidos com base na epistemologia genética de
Jean Piaget. Tais estudos exerceram grande influência nas propostas de trabalho
com a alfabetização, provocando um deslocamento do eixo das discussões sobre
“o como se ensina”, baseado na utilização dos métodos de ensino, para “o como
se aprende”, baseado no processo de aprendizagem da criança, ou seja, na
psicogênese da língua escrita.
Segundo Gaffney e Anderson (apud SOARES, 2003c), as últimas três
décadas assistiram às mudanças de paradigmas teóricos no campo da
alfabetização. Um paradigma behaviorista, dominante nos anos de 1960 e 1970, é
substituído, nos anos de 1980, por um paradigma cognitivista, que avança, nos anos
de 1990, para um paradigma sociocultural. O paradigma cognitivista difundiu-se no
Brasil pela via da alfabetização, através das pesquisas e estudos sobre a
psicogênese da língua escrita, divulgada pela obra e pela atuação formativa de
Emilia Ferreiro.
A autora amplia a compreensão dessa mudança de paradigma teórico na
alfabetização ao afirmar que:
Não é necessário retomar aqui a mudança que representou, para a
área da alfabetização, a perspectiva psicogenética: alterou
profundamente a concepção do processo de construção da
representação da ngua escrita, pela criança, que deixa de ser
considerada como dependente de estímulos externos para aprender
o sistema de escrita concepção presente nos métodos de
alfabetização até então em uso, hoje designados ”tradicionais” e
passa a sujeito ativo capaz de progressivamente (re)construir esse
sistema de representação, interagindo com a língua escrita em seus
usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material “para ler”,
não com material artificialmente produzido para “aprender a ler”; os
chamados pré-requisitos para a aprendizagem da escrita, que
caracterizariam a criança “pronta” ou “madura” para ser alfabetizada
– pressuposto dos métodos “tradicionais” de alfabetização – são
negados por uma visão interacionista, que rejeita uma ordem
hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se por
uma progressiva construção do conhecimento, na relação da criança
com o objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança, no processo
de construção do sistema de representação que é a língua escrita
consideradas “deficiências” ou “disfunções”, na perspectiva dos
métodos “tradicionais” passam a ser vistas como erros
construtivos”, resultado de constantes reestruturações. (SOARES,
2003c, p. 8)
A alfabetização, segundo a autora, era caracterizada por uma excessiva
especificidade, a qual era concretizada no trabalho com as relações entre o
sistema fonológico e o sistema gráfico presente nos métodos de alfabetização
que eram veiculados nas cartilhas. Não importava o desenvolvimento pela
criança da compreensão do funcionamento do sistema da escrita e nem seu
emprego em situações reais de comunicação. No entanto, com a difusão das
idéias de Emília Ferreiro a respeito da aprendizagem da língua escrita, ocorreu
uma perda da especificidade da alfabetização. A autora chamou essa perda da
especificidade do processo de alfabetização de desinvenção da alfabetização. Ao
privilegiar a faceta psicológica da alfabetização, a faceta lingüística – fonética e
fonológica – ficou obscurecida. Com a implementação do chamado
Construtivismo na prática alfabetizadora, ocorreu a falsa inferência de que,
através do contato efetivo com a cultura escrita, a criança já estaria se
alfabetizando, não havendo, pois, a necessidade de um ensino sistemático da
língua e, tampouco, da utilização de um método para a sua realização.
Do mesmo modo, Mortatti (2006, p. 11), ao discutir a introdução do
pensamento construtivista na alfabetização, em nosso país, afirma que através
dele:
[...] funda-se uma outra nova tradição: a desmetodização da
alfabetização, decorrente da ênfase em quem aprende e como
aprende a língua escrita (lecto-escrita), tendo-se gerado, no nível de
muitas apropriações, um certo silenciamento a respeito das questões
de ordem didática e, no limite, tendo-se criado um certo ilusório
consenso de que a aprendizagem independe do ensino
No decorrer dessas controvérsias em torno dos métodos de alfabetização e
do construtivismo, um novo fenômeno ganha visibilidade na área da educação: o
letramento. Como afirma Soares (2000), o letramento é a versão para o português
da palavra inglesa “literacy” e indica o estado ou condição de quem não apenas
sabe ler e escrever, mas cultiva as práticas sociais da escrita. Daí a diferença entre
saber ler e escrever ser alfabetizado e fazer uso dessa capacidade como prática
social ser letrado - . Todavia, apesar de distintos, a alfabetização e o letramento
são processos simultâneos, interdependentes e indissociáveis. No entendimento de
Soares (2003a), foi a ressignificação do conceito de alfabetismo que trouxe o termo
letramento. Na verdade, até a década de 1990, o alfabetismo era traduzido por
alfabetização e, mais recentemente, também por alfabetismo.
Segundo Mortatti (2007), os primeiros registros de uso do termo
letramento no Brasil surgiram nos trabalhos de Mary Kato (1986), que o utiliza
para salientar aspectos de ordem psicolingüística envolvidos na aprendizagem
da linguagem, em especial sua aprendizagem escolar, por parte de crianças, e
Leda Tfouni (1988), que estabelece um sentido para o termo, centrado nas
práticas sociais de leitura e escrita e nas mudanças por elas geradas numa
sociedade quando esta se torna letrada. Entretanto, o termo passou a ser usado
mais sistemática e extensivamente na década de 1990, a partir de publicações
de Tfouni (1995), Kleiman (1995) e Soares (1995).
Essas novas formas de compreensão apontaram para o esgotamento das
possibilidades de o termo alfabetização designar algo mais do que a “mera”
aquisição inicial da técnica ou habilidade de leitura e escrita, ou seja, para designar
a condição de pessoas ou grupos que não apenas sabem ler e escrever, mas
também utilizam a leitura e a escrita em seus usos e funções sociais, incorporando-
as em seu viver e transformando, por isso, sua condição (SOARES, 1995).
O letramento surge, então, com a preocupação em torno das transformações
sociais, do reconhecimento dos usos e funções da língua escrita e dos problemas
relacionados à aprendizagem inicial da escrita, remetendo-nos à necessidade do
aprendizado da língua em contextos de usos reais dessa língua. Nesse sentido, o
termo letramento vem ganhando destaque nas produções acadêmicas e científicas.
Com base nos estudos de Soares, fica evidenciado que a alfabetização,
concebida como o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, concretiza-se
através da aquisição de uma tecnologia e do domínio de uma técnica para o seu
uso. Essa técnica do ler e escrever requer o ensino de especificidades como: a
relação entre fonemas e grafemas, a orientação espacial da escrita no papel, modos
de segurar o lápis de forma que se possa escrever corretamente, entre outras.
Como a alfabetização é um processo multifacetado, Soares aponta a
necessidade de se reconhecer, entre as muitas facetas da alfabetização, a faceta da
consciência fonológica e fonêmica, a identificação das relações fonema-grafema,
habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e
reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma
gráfica da escrita. Da mesma forma, é necessário conhecer as muitas facetas do
letramento, quais sejam: a imersão das crianças na cultura escrita, participação em
experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com
diferentes tipos e gêneros de material escrito.
Desse modo, para Soares, estas seriam as duas vias pelas quais as crianças
adentrariam no mundo da escrita. Daí a necessidade apontada pela autora do
desenvolvimento de um trabalho para o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita
que contemple a alfabetização e o letramento.
Nesse sentido, vale reproduzir as suas palavras, quando recomenda que:
Assim teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas
não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou
seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da
leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo
tempo, alfabetizado e letrado (SOARES, 2000, p. 47, grifos da
autora).
Na realidade não há um consenso entre os pesquisadores a respeito do
conceito de letramento. Enquanto uns consideram alfabetização e letramento
como processos excludentes entre si, outros os consideram como processos
complementares. Sendo assim, o conceito de letramento vem gerando ricos
debates entre os especialistas da área da linguagem, por conta de conflitos de
natureza teórica e empírica. Há questões que ainda são colocadas como: Por
que se tornou preciso letrar? Por que a alfabetização não basta mais? Qual é o
objeto dessa alfabetização sobre a qual estamos falando?
Talvez as palavras de Soares (2005) respondam algumas dessas questões
ao afirmar que, no momento atual, é impossível deter o uso da palavra e do conceito
de letramento. A distinção em termos pedagógicos e políticos se faz necessária.
Pedagogicamente, por se tratar de dois processos distintos em relação ao processo
de ensino e, politicamente, por considerar o acesso ao mundo da escrita não
como um processo de aprender a ler e escrever, mas também como um processo
real de inclusão social.
Analisando essa produção, é possível observar que este estudo, ao
abordar as concepções de alfabetização de professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, não inaugura um tema novo na área da alfabetização, ao
contrário, vários estudos já foram desenvolvidos dentro desse assunto. No
entanto, vale destacar que a cada contexto histórico e social vão surgindo novos
desdobramentos que trazem à tona questões que merecem ainda mais estudos
para esclarecer e propor novos caminhos para superação da multiplicidade de
problemas ainda presentes nessa área. Afinal, a volta à reflexão sobre
determinados assuntos contribui para esclarecer um pouco mais a seu respeito
dentro de um novo contexto.
Outro ponto a destacar é que as mudanças conceituais por que passou o
termo alfabetização, a partir das últimas décadas, alteraram significativamente a
prática alfabetizadora, os materiais didáticos oferecidos aos alunos para o ensino
e aprendizagem da língua escrita, a forma de mensurar o número de
alfabetizados em nosso país e o conceito de pessoa alfabetizada.
Dessa forma, considero ser legítimo afirmar a necessidade de que as
concepções de alfabetização dos professores dos anos iniciais sejam conhecidas
e compreendidas, para que, diante de tantas mudanças e inovações
pedagógicas introduzidas na alfabetização, do envolvimento de outras áreas do
conhecimento com essa temática e com o surgimento de novos conceitos, o
professor possa dizer sobre as idéias que orientam a sua prática pedagógica de
alfabetização neste momento histórico em que estamos vivendo. O dizer do
professor é uma forma de ele mesmo tomar consciência, de refletir sobre o que
sabe, sobre as bases do trabalho pedagógico que realiza. Muitas vezes, os
professores não param para pensar sobre “o que é alfabetizar” e “para que
alfabetizamos”, tão preocupados que estão com o “como alfabetizar”, não
percebendo, assim que essas questões estão interligadas. Diante disso, tomo
aqui as palavras de Mortatti (2006, p.15) quando diz: “é preciso conhecer aquilo
que constitui e já constituiu os modos de pensar, sentir, querer e agir de
gerações de professores alfabetizadores [...]”.
Contudo, a busca de dados ainda não terminou. Como já foi dito, a
alfabetização é um tema complexo e abrangente, logo, a produção é muito
ampla. Sendo assim, foi necessária a busca em outras fontes. É o que tratarei a
seguir.
2.3 O perfil quantitativo das pesquisas sobre alfabetização
Ampliando o meu levantamento no que se refere às pesquisas sobre o tema
da alfabetização, em termos quantitativos, foram encontradas, no banco de teses e
dissertações disponíveis no portal CAPES, 703 dissertações de mestrado e 130
teses de doutorado no período de 2002 a 2006. Isso me permitiu constatar que a
cada ano houve um aumento de investigações sobre esse tema e que a produção
nessa área é cada vez mais significativa.
A partir da leitura dos títulos das pesquisas encontradas, selecionei aqueles
que se identificavam com a temática desta dissertação. Após a leitura de seus
resumos, pude inferir que, dentre os selecionados, nove dissertações podem ser
caracterizadas como sendo diretamente relacionadas às concepções de
alfabetização de professores alfabetizadores. São os trabalhos de Zunino (2003),
França (2003), Biersteker (2003), Yacovenco (2003), Schiochetti (2004), Silva
(2004),
Guazzelli (2004), Oliveira (2004), Bakke (2006). De um modo geral, esses
trabalhos tiveram como objetivo investigar as concepções de alfabetização que
embasam as práticas pedagógicas de professores alfabetizadores, através de seus
discursos e/ou de suas práticas, principalmente daqueles que atuam no primeiro ano
do Ensino Fundamental. Os resultados a que chegaram tais estudos revelam que os
professores tentam realizar um trabalho pedagógico inovador, através de mudanças
e avanços na metodologia adotada. No entanto, o que vem prevalecendo é uma
prática pedagógica alfabetizadora que visa, acima de tudo, ao domínio da técnica do
ler e escrever, desconsiderando, assim, os usos e as funções sociais da leitura e da
escrita.
Um aspecto a ser considerado é que as áreas de maior predominância na
produção de teses e dissertações sobre alfabetização são Educação, Psicologia e
Letras.
Analisando os títulos e alguns resumos das demais dissertações e teses que
se encontram sob o descritor alfabetização, é possível perceber que os temas
privilegiados tratam de questões como a formação dos professores alfabetizadores,
a alfabetização de jovens e adultos, estudos sobre o Programa Alfabetização
Solidária, a relação entre a consciência fonológica e a aquisição da língua escrita, a
mediação no processo de aprendizagem da língua escrita, a prática pedagógica de
alfabetização, entre outros.
Seguindo essa direção, dentre as 17 publicações do Portal INEP foi
encontrada uma produção acadêmica de destaque que é a obra Alfabetização no
Brasil, o Estado do Conhecimento de Soares e Maciel (2000). Nessa obra, são
analisadas ao todo 311 dissertações e teses defendidas no Brasil no período de
1961 a 1998. Foram identificados pelas autoras 15 trabalhos produzidos nos anos
de 1980 que tratavam sobre as concepções de alfabetização, produção muito
superior à dos anos de 1970, que contara apenas com um trabalho.
De acordo com as autoras, nos anos de 1980, houve o surgimento de novos
temas na construção do conhecimento sobre alfabetização. Dentre estes,
encontramos o tema concepção de alfabetização, o qual foi se constituindo como
uma questão relevante em decorrência da nova visão de alfabetização que surgiu a
partir dessa década. Assim, passaram a ser feitas reflexões críticas sobre o próprio
conceito de alfabetização e leitura na produção acadêmica e científica. Isso porque,
nas décadas anteriores, a concepção de alfabetização não se constituía como
problema para os pesquisadores desta área.
Analisando os resumos desses 15 trabalhos
3
que privilegiam o tema que trata
das concepções de alfabetização citados pelas autoras, verifiquei que, a partir das
práticas pedagógicas alfabetizadoras pesquisadas, o conceito de alfabetização
estava restrito ao ato de codificar e decodificar. As atividades desenvolvidas na pré-
escola, denominação atribuída, naquele momento, ao segmento de ensino que hoje
chamamos de Educação Infantil, e nasérie, enfatizavam a discriminação visual, a
coordenação motora, a lateralidade. Na realidade essas atividades estavam muito
relacionadas ao desenvolvimento da prontidão na criança. Um aspecto importante a
ser considerado, também, é o fato de que essas pesquisas tiveram como principal
referencial teórico a Psicologia Genética devido à introdução dos estudos
desenvolvidos por Emília Ferreiro na área da alfabetização, como foi dito
anteriormente neste trabalho.
Os resultados dessas pesquisas revelaram o distanciamento existente entre a
prática de alfabetização desenvolvida nas escolas e os conhecimentos produzidos
pela Psicologia Genética. um trabalho que destaca ser necessária a ação de
psicólogos educacionais para auxiliar no processo de mudança qualitativa do
trabalho didático. Enfim, esses trabalhos apontam a necessidade de a escola
superar o aspecto mecânico da alfabetização, indo além do simples reconhecimento
das letras, sílabas ou palavras, para, assim, possibilitar a compreensão dos
significados e a leitura crítica da realidade.
No levantamento feito a partir dos trabalhos apresentados nas reuniões da
ANPED de 2002 a 2006 foram encontrados 72 trabalhos. Dentre esses 72 trabalhos,
o texto apresentado por Soares (2003c) em uma Sessão Especial da 26ª Reunião é
o mais significativo para a temática desta pesquisa. Na verdade, esse artigo se
3
Os autores desses 15 trabalhos estão na Bibliografia desta dissertação.
constitui em uma revisão de um texto escrito anteriormente pela autora
4
, porém
nesse novo texto há a discussão sobre o termo letramento, além de serem
enfatizadas as especificidades da alfabetização e do letramento e, ao mesmo tempo,
a interdependência e indissociabilidade desses dois processos.
É importante ressaltar que nos demais trabalhos não uma recorrência de
temas, ao contrário, o fenômeno da alfabetização é estudado a partir de diferentes
aspectos, enfoques e perspectivas, que acabam se entrecruzando dada a sua
complexidade e abrangência.
A partir da leitura dos resumos dos trabalhos apresentados, pude
constatar que vários trazem reflexões feitas sobre a alfabetização dentro de
novos construtos teóricos de áreas do conhecimento como a Lingüística, a
Psicolingüística, a Sociolingüística, dos estudos da psicogênese da língua escrita
e da ampliação do conceito de alfabetização. Isso justifica a apresentação de
trabalhos que tratam as questões de análise lingüística na escola, o trabalho
epilinguístico na produção textual, o ensino de Língua Portuguesa, estudos sobre
a formação dos professores e suas práticas de leitura e escrita. Nesse contexto,
a investigação sobre a prática pedagógica de alfabetização ganha destaque, o
que me leva a supor que há um grande interesse dos pesquisadores em desvelar
e compreender essa prática, para que, assim, talvez possam encontrar
explicações e apontar caminhos que levem à superação dos problemas
relacionados a essa prática.
No sistema Scielo, identifiquei 13 artigos relacionados ao tema alfabetização.
Dentre esses artigos, destaco os trabalhos de Macedo (2000), Ribeiro (1997)
Goulart (2000) e Mortatti (2000) por tratarem de temas pertinentes a esta pesquisa.
Macedo (2000) afirma que a alfabetização pode se constituir como
instrumento de reprodução das formas sociais existentes ou como um conjunto de
práticas culturais que promovem a mudança democrática e emancipadora. A sua
defesa é pela alfabetização enquanto mudança democrática e emancipadora. Daí a
sua crítica ao trabalho de alfabetização voltado para a aprendizagem da língua-
padrão, preso apenas às habilidades para a escrita e leitura técnica, pois, desse
modo, a escola reproduz os valores e significados dominantes.
4
O texto é denominado As muitas facetas da alfabetização, publicado em Cadernos de Pesquisa, nº.
52, de fevereiro de 1985.
Ribeiro (1997) discorre sobre o termo alfabetismo, sua origem, seu significado
e as implicações disso na realização de pesquisas e salienta, ainda, a necessidade
de se considerarem os contextos práticos e ideológicos em que ocorrem os usos da
leitura e da escrita.
Em Goulart (2000), a autora apresenta os resultados de uma pesquisa cujo
foco de interesse foi a prática alfabetizadora e os processos de apropriação pelas
crianças da linguagem escrita. O estudo revelou que o trabalho de produção de
textos proposto pela professora e vivenciado pelas crianças se fundamentava numa
perspectiva de aprendizagem da língua escrita relacionada aos usos e funções
sociais dessa modalidade de linguagem verbal, o que representa uma forma mais
ampla de conceber a alfabetização. Assim, as fontes para as crianças produzirem
suas escritas são os textos legitimados socialmente. Dessa forma, ficou constatado
que as crianças, através da escrita “inventada”
5
ou espontânea, como diz a autora,
puderam utilizar inúmeras estratégias e que o processo de construção de um texto é
próprio a cada sujeito. Nesse sentido, a linguagem é aprendida na experiência do ler
e escrever.
Mortatti (2000) problematiza a relação entre as cartilhas e os métodos de
alfabetização e, por conseguinte, os desdobramentos advindos dessa relação
dentro da história da alfabetização em nosso país. A autora analisa as alterações
ocorridas na cartilha em relação aos métodos nela concretizados, ao seu suporte
material e aos temas abordados nas lições. Mortatti adverte que, apesar de todas
as críticas feitas ao uso da cartilha, esse material permanece, até hoje, presente
nos processos iniciais de ensino e aprendizagem de leitura e escrita em muitas
escolas, revelando, assim, mesmo que de forma silenciosa, mas operante,
concepções de alfabetização, de leitura e escrita e de texto que remetem à
permanência de uma prática pedagógica de alfabetização contrária aos avanços
da lingüística e de outras áreas do conhecimento. Diante disso, para Mortatti
(2000, p. 6), a concepção operante de alfabetização é definida como:
[...] um processo de ensinar e aprender o conteúdo da cartilha, de
acordo com o método proposto, o que permite considerar
5
De acordo com Goulart, escrita inventada ou espontânea é a escrita realizada espontaneamente
pela criança, motivada pela necessidade de expressão verbal e pelo seu significado no contexto de
produção, sem que se reforce a necessidade de correção ortográfica.
alfabetizado o aluno que tiver terminado a cartilha com êxito, ou seja,
que tiver aprendido a ler e escrever, podendo, assim, começar a ler e
escrever.
Em face do exposto, ressalto que os trabalhos aqui apresentados, mesmo
aqueles que não tratam especificamente da problematização conceitual em torno
do termo alfabetização, visto terem outros temas centrais, adensaram a minha
compreensão a respeito da temática deste trabalho. Entendo que esta pesquisa
contribuirá para ampliar o debate sobre esse tema.
3 A DIMENSÃO SOCIAL E DIAGICA DA LINGUAGEM
A língua, no seu uso prático, é inseparável de
seu conteúdo ideológico ou relativo à vida.
MIKHAIL BAKHTIN
Tendo como objetivo de pesquisa compreender as concepções de
alfabetização construídas por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental
a partir de suas práticas discursivas, neste capítulo, apresento e discuto a
concepção de linguagem que fundamenta este trabalho. Para tanto, abordo os
estudos desenvolvidos por Bakhtin e seu círculo (1993, 2003,2004) sobre a
linguagem.
6
3.1 Bakhtin e a linguagem
Mikhail Bakhtin realizou, ao longo de sua vida, uma intensa atividade de
reflexão e escrita, o que o tornou um grande pensador do século XX. Como grande
pensador, dentro do sentido que a palavra em russo designa (aquele que incomoda),
Bakhtin soube, de modo ativo e responsivo, compreender o seu contexto histórico e
cultural e, a partir dele, foi capaz de desenvolver suas idéias, expressando através
delas o que muitos intelectuais de sua época sentiram, viveram e desejaram, mas
poucos conseguiram dizer.
A sua formação interdisciplinar lhe possibilitou englobar na sua produção
teórica diferentes campos de estudos como a lingüística, a literatura, a psicologia,
entre outros, e, assim, abranger em seus escritos variados temas que se articulam
entre si e o dotados de uma unidade de sentido, formando a arquitetônica
bakhtiniana
7
.
6
A concepção de linguagem de Bakhtin será retomada ao longo da dissertação.
7
Arquitetônica para Bakhtin (2003, p. XVII) é o ponto de encontro e de interação entre material,
forma e conteúdo”.
Como Bakhtin foi elaborando suas construções teóricas? De acordo com
Freitas (1994), inicialmente, Bakhtin recebeu influência da filosofia alemã, sobretudo
das idéias de Imanuel Kant em sua reflexão estética e na adoção de categorias
filosóficas. Posteriormente, foi se afastando dessas idéias e se aproximou do
pensamento marxista a partir dos estudos do círculo intelectual do qual era
integrante e da implantação do regime socialista após revolução de 1917. Tendo se
apropriado do pensamento de Marx, a base filosófica dos seus construtos teóricos
passou a ser o materialismo dialético.
Bakhtin, portanto, apresenta um pensamento diferente dos paradigmas
hegemônicos de sua época. Como pontua Fiorin (2006), Bakhtin viveu diante de
uma tradição filosófica que via a realidade como unidade, como acabamento,
estabilidade, homogeneidade, monologismo. Na tentativa de romper com essa
tradição e sendo coerente com o materialismo dialético, esse pensador russo
apreendeu os fenômenos a partir de uma visão de diversidade, de heterogeneidade,
de inacabamento, de dialogismo.
Segundo Faraco (1996), as visões de mundo que sustentam as elaborações
teóricas e as análises empíricas de Bakhtin emergem de sua concepção de
linguagem, a qual teve destaque dentro de sua teoria. Bakthin coloca a linguagem
no âmago da investigação das questões humanas e sociais, inaugurando, dessa
forma, um novo modo de concebê-la e confirmando o seu afastamento dos
paradigmas cientificistas.
Nesse sentido, para compreender a concepção de linguagem de Bakhtin, é
preciso ter uma visão da arquitetônica bakhtiniana a qual se estrutura a partir de
uma concepção de homem enquanto ser humano, concreto, datado, histórico,
cultural, social e, ao mesmo tempo, único e singular. Um homem que es em
relação com o outro e o contexto via linguagem. Sendo assim, para Bakhtin (2004),
a linguagem é a base do desenvolvimento humano.
Mas, afinal, o que é a linguagem? De acordo com as palavras desse
pensador, a linguagem é assim definida:
[...] a linguagem não é um dom divino nem uma dádiva da natureza.
É o produto da atividade humana coletiva, e reflete em todos seus
elementos tanto a organização econômica como a sócio-política da
sociedade que a tem gerado (BAKHTIN, 1993, p. 227).
8
A linguagem na perspectiva bakhtiniana o é algo pronto, não foi dada ao
ser humano. Ao contrário, a linguagem foi criada através das interações sociais
estabelecidas entre os indivíduos na sociedade e em diferentes contextos e
situações. Se o homem vivesse uma vida solitária, não teria como construir essa
linguagem e, tampouco, a cultura, pois os conhecimentos historicamente
construídos, em suas diferentes manifestações, foram constituídos por meio da
linguagem. Enquanto produto da interação entre os seres humanos, a linguagem
influencia a organização política, social e econômica da sociedade, além de ser a
principal ferramenta simbólica que constitui o pensamento e a consciência individual
dos sujeitos.
Será com base nesses fundamentos que Bakhtin desenvolverá a sua
concepção de linguagem, o que será detalhado a seguir.
3.2. A crítica ao Subjetivismo Idealista e ao Objetivismo Abstrato
Para a compreensão da teoria de linguagem desenvolvida por Bakhtin, são de
fundamental importância as reflexões apresentadas por ele acerca do pensamento
lingüístico predominante em sua época. Bakhtin desenvolve a sua concepção de
linguagem a partir de uma crítica às duas correntes lingüísticas por ele denominadas
de Objetivismo Abstrato e Subjetivismo Idealista.
Segundo Bakhtin (2004), a corrente do Objetivismo Abstrato, que tem como
principal representante o lingüista Ferdinand Saussure, postula que o centro
organizador de todos os fatos da ngua está no sistema lingüístico, ou seja, no
sistema de regras (o sistema das formas fonéticas, gramaticais e lexicais). O autor
afirma que, nessa tendência, a língua é vista como um “arco-íris imóvel sobre o fluxo
da língua” (BAKHTIN, 2004, p. 77), em que cada ato de criação individual é único.
8
Tradução livre do texto em espanhol: “[...] el linguaje no es um don divino ni um regalo de la
naturaleza. Es el producto de la actividade humana colectiva, y refleja em todos sus elementos tanto
la organización econômica como la sócio-política de la sociedad que lo generado”. (BAKHTIN,
1993, p. 227)
Em cada enunciação
9
encontramos elementos idênticos aos de outras enunciações.
Tais elementos são normativos para todas as enunciações (traços fonéticos,
gramaticais e lexicais), garantindo, assim, a unicidade da língua e sua compreensão
pelos falantes de uma mesma comunidade lingüística. Para essa tendência, o
sistema lingüístico está constituído, pronto, acabado, e, como tal, é transmitido de
geração a geração, sendo imposto aos falantes que dele se apropriam de forma
passiva. Os objetivistas estudam as línguas vivas como se fossem línguas mortas, já
que não são mais faladas. Essas línguas mortas são encontradas somente em
documentos escritos.
Bakhtin esclarece ainda que os estudos lingüísticos saussureanos levam em
conta somente a língua como sistema abstrato, normativo, fechado em si mesmo. A
fala não é considerada objeto de estudo da Lingüística, o que indica que fala e
língua estão dicotomicamente separadas. Por desconsiderar a fala, o fator normativo
e a fixidez da ngua prevalecem sobre o seu caráter mutável, o que faz com que a
enunciação e o contexto em que esta ocorre sejam rejeitados. Tudo isso faz com
que essa tendência lingüística não conta da realidade da língua que é instável,
dinâmica e viva.
De acordo com Bakhtin, o mais importante para essa corrente lingüística é a
relação do signo para o signo no interior de um sistema de signos. Entretanto, os
falantes interagem através da língua não como se esta fosse um sistema de normas,
mas pela possibilidade de usá-la com a finalidade de estabelecer uma comunicação
concreta com os demais falantes de sua comunidade lingüística e por eles ser
compreendido, porque afinal:
Toda expressão lingüística de uma impressão proveniente do mundo
exterior – seja ela imediata ou tenha ela permanecido por longo
tempo nas profundezas de nossa consciência até adquirir uma forma
ideológica mais sólida e mais constante -, toda expressão lingüística
é sempre orientada em direção ao outro, em direção ao ouvinte,
mesmo quando este outro se encontra fisicamente ausente
(TODOROV, 1981 [1930], p. 1).
A segunda tendência denominada Subjetivismo idealista tem como principal
representante o alemão Wilhelm Humboldt. O fundamento da ngua está no ato de
fala enquanto criação individual. A Lingüística é vista como uma ciência da
9
Bakhtin não faz distinção entre enunciado e enunciação. De acordo com suas palavras o enunciado
é como uma “unidade real da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003, p. 269).
expressão. Além disso, para os subjetivistas idealistas não se pode isolar uma forma
lingüística do seu conteúdo ideológico, pois toda palavra é ideológica, porém esse
conteúdo ideológico pode ser deduzido apenas das condições do universo interior
do falante. Será, principalmente em relação a esse aspecto que Bakhtin aponta a
grande limitação dessa corrente lingüística, visto que ao tomar a fala como criação
individual e ao centralizar o que é individual, o componente social é desconsiderado.
Diante das considerações acerca do Objetivismo Abstrato e do Subjetivismo
Idealista, percebe-se que várias divergências em suas proposições, porém, ao
desconsiderarem a dimensão dialógica da linguagem, ocorre uma proximidade entre
ambas. Além disso, tais correntes não apreendem o signo com seu conteúdo
ideológico constituído no social, mas no interior de um sistema de normas
(Objetivismo Abstrato) ou no psiquismo individual (Subjetivismo Idealista), o que,
para Bakhtin, constitui um obstáculo à apreensão da natureza social da linguagem,
uma vez que a linguagem e a ideologia
10
são realidades completamente interligadas.
Ao questionar as duas correntes, esse pensador não deixou de reconhecer as
contribuições que cada uma trouxe para os estudos lingüísticos, porém sentiu a
necessidade de superá-las. A partir das considerações tecidas a respeito de ambas
tendências lingüísticas, Bakhtin (2004) sintetiza suas idéias nas seguintes
proposições:
1. A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é
apenas uma abstração científica que pode servir a certos fins teóricos e práticos
particulares. Essa abstração não conta de maneira adequada da realidade
concreta da língua.
2. A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza
através da interação verbal social dos locutores.
3. As leis da evolução lingüística não são de maneira alguma as leis da
psicologia individual, mas também não podem ser divorciadas da atividade dos
falantes. As leis da evolução lingüística são essencialmente leis sociológicas.
4. A criatividade da língua não coincide com a criatividade artística nem com
qualquer outra forma de criatividade ideológica específica. A criatividade da língua
10
Miotello (2005), citando Voloshinov assim define o que é ideologia para Bakhtin e seu grupo: todo
o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade social e natural que tem lugar no cérebro do
homem e se expressa por meio de palavras [...] ou outras formas sígnicas”.
não pode ser compreendida independentemente dos conteúdos e valores
ideológicos que a eles se ligam.
5. A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social. A
enunciação como tal só se torna efetiva entre falantes.
Diante do que foi apontado na síntese de suas proposições, o pensador russo
nega-se a considerar abstratamente a linguagem. Fica assim claro que o
pensamento bakhtiniano resiste a qualquer processo que monologiza o pensamento,
daí a sua oposição ao acabamento, à pretensão do eterno e imutável e à isenção da
história e da realidade. Na concepção de linguagem de Bakhtin, a língua passa a ser
vista como algo dinâmico, histórico e como produção de todos, no tempo, na vida e
na história. Para esse pensador, a linguagem é, pois, acima de tudo, constituidora
do sujeito e da sua consciência. Dessa forma, em sua teoria, será enfatizada a
enunciação por sua natureza social, histórica e concreta e não a supremacia do
individual sobre o social e do abstrato sobre o concreto, conforme preconizam as
correntes do Subjetivismo Idealista e do Objetivismo Abstrato, respectivamente.
3.3 Bakhtin e sua concepção de linguagem centrada no fenômeno da interação
verbal
Para revelar o seu intuito de demonstrar a natureza real da língua enquanto
fenômeno social e ideológico, Bakhtin (2004) desenvolve a sua teoria enunciativa da
linguagem, defendendo que a verdadeira realidade da língua está na interação
verbal. Ao propor a interação verbal como base da língua, o autor apresenta uma
perspectiva lingüística integrada à vida. Nesse sentido, são relevantes suas palavras
quando assevera que:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2004, p. 123).
Dentro desse fenômeno da interação verbal, vale destacar a importância da
relação eu e outro para as questões relativas aos estudos da linguagem. Bakhtin
enfatiza que o falante é um sujeito social, logo o seu discurso é construído a partir
dos discursos alheios que o precederam e que o sucederão. Afinal, todo discurso é
atravessado pelo discurso de outrem. Está, portanto, presente nessa idéia o
conceito de dialogismo, o qual é parte constitutiva de sua concepção de linguagem e
o princípio unificador de sua obra. O diálogo será a forma mais importante e
concreta de interação verbal. No entanto, na visão bakhtiniana, o diálogo não se
circunscreve ao entendimento estreito do diálogo face a face, embora seja esta
também uma importante forma de texto em que ele ocorre. Ao contrário, o diálogo é
concebido dentro de um sentido mais amplo, ou seja, como toda e qualquer tipo de
comunicação verbal.
Conforme Faraco (2003) destaca, Bakhtin não se ocupou do diálogo em si,
mas com o que ocorre nele, ou seja, com as forças que nele atuam e
condicionam as formas e as significações do que nele é dito. A esse respeito,
Brait (1997) também pontua que Bakhtin desejou entender qual a compreensão
que um sujeito consegue ter da significação e do sentido do discurso de outrem e
quais as interações que possibilitaram a significação e o sentido.
A linguagem, para Bakhtin, supõe uma situação de troca social. Dessa forma,
numa interação entre interlocutores reais ou virtuais, a palavra é tomada a partir de
duas faces: a que procede de alguém e a que se dirige para alguém. Daí que não
de se considerar a existência de um interlocutor abstrato, porque na realidade “todo
discurso é um discurso dialógico orientado em direção a alguém que seja capaz de
compreendê-lo e dar-lhe uma resposta, real ou virtual” (TODOROV, 1981 [1930],
p.8).
Como, então, o falante e o ouvinte não são passivos, um outro aspecto a ser
considerado em sua teoria da linguagem é a compreensão. Compreensão como
atividade porque todo discurso só pode ser pensado como resposta.
O teórico explica que:
Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em
relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto
correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em
processo de compreender, fazemos corresponder uma série de
palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e
substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão
(BAKHTIN, 2004, p. 131-132).
Bakhtin (2004, p.132) diz também que a “compreensão é um diálogo” e
completa afirmando que “compreender é opor a palavra do locutor uma
contrapalavra”. A compreensão deve ser ativa e responsiva, pois assim
incorporamos novos conhecimentos e proporcionamos aos nossos interlocutores
essa mesma possibilidade.
Vale destacar que, nesse processo de compreensão ativa, a presença da fala
do outro requer uma busca de sentido, o qual poderá ser alcançado através de uma
reflexão sobre em que situação essa fala ocorreu e os recursos expressivos
utilizados pelo locutor e seu ouvinte durante a interlocução. Nesse sentido, é
importante apresentar a reflexão de Bakhtin sobre o sentido e a significação dada a
sua importância para o entendimento do modo como esse autor concebe a
linguagem.
Bakhtin usa em seu texto a palavra tema para se referir à palavra sentido.
Para esse pensador, tema é o sentido da enunciação completa que, por sua
natureza, deve ser único, individual e não reiterável. O sentido é sempre expresso
dentro de uma situação histórica concreta a qual originou a enunciação. O que será
dito, o se sempre da mesma forma cada vez que for pronunciado, porém,
dependendo dos contextos, dos ouvintes e da situação vivida pelos sujeitos em
interação verbal e extraverbal, esse dito designará diferentes sentidos. O que nos
indica que o sentido não é determinado apenas pelas palavras ou pelas formas
gramaticais, mas também pelos elementos não verbais. Uma palavra se torna
palavra a partir dos vários sentidos que lhe são atribuídos em diferentes contextos e
o modo como é compreendida pelos falantes em determinada situação
comunicativa. Como Bakhtin (2004, p. 106) afirma, “o sentido da palavra é
totalmente determinado por seu contexto”.
A significação, por sua vez, está no interior do sentido e pode ser
entendida como os elementos da enunciação que são reiteráveis, idênticos
quando são repetidos e abstratos, já que fazem parte de uma convenção. Como
a significação é estável, as palavras serão faladas em vários momentos sempre
da mesma forma, isto é, com os mesmos grafemas e fonemas. Grosso modo, a
significação é a palavra dicionarizada com suas diferentes acepções. Importa
compreender que uma significação pode ter infinitos sentidos sempre dentro de
uma enunciação, uma vez que sem a significação não há linguagem. Outro
aspecto a destacar é que, para que haja o sentido, é necessário que se tenha a
significação, por isso se torna impossível traçar uma fronteira entre significação e
sentido, daí a impossibilidade de obter a significação de uma palavra isolada,
fora da enunciação.
Tomando outra dimensão da teoria enunciativa bakhtiniana, é importante
ressaltar o acento apreciativo, ou seja, o acento de valor que toda palavra traz. São
os julgamentos de valor e as avaliações que fazem com que o discurso verbal esteja
relacionado com a vida, de tal modo, que a ela fique atrelado, formando assim uma
unidade. Desse modo, a compreensão das falas dos participantes do diálogo
depende também da entoação. Essa estreita relação da palavra com o contexto
verbal e não verbal pode ser considerada uma das características marcantes da
entoação. Bakhtin (2004, p. 8) afirma que “a entoação estabelece um elo firme entre
o discurso verbal e o contexto extraverbal a entoação genuína, viva, transporta o
discurso verbal para além das fronteiras do verbal por assim dizer.”
Na construção do seu pensamento sobre a linguagem, Bakhtin (2003)
desenvolve suas idéias acerca do estudo sobre os gêneros do discurso. Tais
estudos apontam que as teorias tradicionais concebiam os gêneros como
conjuntos de objetos que partilhavam determinadas propriedades formais, sendo,
portanto, interpretados mais na perspectiva do produto do que no processo de
sua formação, visto que a ênfase era dada aos aspectos formais. Sendo assim, a
extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos e a definição da natureza
geral do enunciado ficavam comprometidas.
Em Bakhtin (2003, p. 262), o gênero do discurso é concebido como os tipos
relativamente estáveis de enunciados que o elaborados no interior de cada esfera
da atividade humana”. O fato de serem definidos como relativamente estáveis indica,
conforme salienta Faraco (2003), que Bakhtin lança as bases de uma teoria que
abandona a tarefa de recortar tipos bem demarcados, de estabelecer uma
taxonomia rígida baseada em critérios formais puramente sincrônicos. Apesar de
haver pontos comuns em determinados gêneros, há uma imprecisão nas suas
características, o que torna impossível traçar uma fronteira estreita dentro da
diversidade de gêneros discursivos existentes. Caso contrário, a definição de gênero
se prende a um padrão de formato de texto.
O nculo estreito que Bakhtin verifica entre gênero e enunciado mostra a
necessidade de se pensar o discurso no contexto enunciativo da comunicação, e
não como unidade de estruturas lingüísticas. Bakhtin ressalta que os gêneros não
são uma forma da ngua, mas uma forma típica do enunciado, o que justifica as
suas palavras quando afirma que as formas dos gêneros o “bem mais flexíveis,
plásticas e livres que as formas da língua” (BAKHTIN, 2003, p. 283). A idéia
defendida por Bakhtin (2003, p. 282) é a de que “falamos apenas através de
determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem
formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo.” Isso porque todo
enunciado, quando é produzido, já se apresenta como um gênero.
Toda e qualquer atividade humana está relacionada com o uso da língua
através de enunciados, orais ou escritos, emanados de todo ser humano,
independentemente de sua classe social. Daí que, na concepção bakhtiniana, os
gêneros do discurso são enfocados pelo viés dinâmico em que estes são
produzidos no interior de uma determinada esfera da atividade humana. A
variedade de gêneros não é senão uma conseqüência da variedade dos tipos de
atividades humanas. Nosso dizer escrito ou falado estará sempre relacionado a
uma esfera da atividade humana, uma vez que se formam nos processos
interativos em que se dão as atividades humanas.
Em decorrência das diferentes situações e contextos em que ocorrem as
interações verbais e os interlocutores que delas participam, nossa fala e nossa
escrita corresponderão a um tipo de gênero do discurso, pois as formas de usos da
linguagem são variadas. Assim, o gênero não possui apenas a sua forma, mas,
sobretudo, uma função. Como etimologicamente a palavra gênero vem de “gen” que
significa gerar, produzir, os gêneros geram gêneros e a cada época vivida
corresponderá um repertório próprio de discurso. Os gêneros discursivos estão
presentes na sociedade e, à medida que esta se complexifica, vários outros gêneros
são criados.
Segundo Bakhtin, os gêneros do discurso são formados por três elementos: o
conteúdo temático que se relaciona com o que se diz no discurso, o estilo que se
realiza através da seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da
língua e a construção composicional que é o formato do texto como um todo. Esses
três elementos estão interligados no todo do enunciado e são determinados de
acordo com a função comunicativa que se deseja realizar. Assim, o estudo dos
gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana considera a natureza do enunciado
em sua diversidade e nas diferentes esferas da comunicação.
Bakhtin distingue apenas dois gêneros: o primário (simples) e o secundário
(complexo). O gênero primário se origina da comunicação cotidiana, enquanto o
gênero secundário assim denominado porque foi criado depois do primário - está
relacionado à comunicação cultural mais complexa. No entanto, não uma
sobreposição dos gêneros, pois nada impede que uma forma de comunicação
cotidiana (gênero primário), possa ser encontrada na esfera da comunicação mais
complexa (gênero secundário) ou vice-versa. Para Bakhtin, essas duas modalidades
de gêneros são interdependentes, pois, em contato, ambos se modificam e se
complementam de modo constante. Um gênero não acaba e em seguida é
substituído por outro gênero. Ao contrário, o gênero existente num dado momento
presente, recorre ao seu passado dentro de uma perspectiva dialógica e dialética
(MACHADO, 2005).
Isso posto, quero ressaltar que a concepção de linguagem desenvolvida
por Bakhtin retrata na realidade a sua concepção de mundo e de sujeito. Tomo,
pois, essa concepção de linguagem como eixo orientador para as opções
metodológicas desta pesquisa e para as análises das entrevistas realizadas com
as professoras, o que será detalhado nos próximos capítulos deste trabalho.
4 A METODOLOGIA DE PESQUISA: UM ENCONTRO DO EU COM O
OUTRO.
Qualquer objeto do saber (incluindo o
homem) pode ser percebido e conhecido
como coisa. Mas o sujeito como tal não pode
ser percebido e estudado como coisa porque,
como sujeito e permanecendo sujeito, não
pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o
conhecimento que se tem dele pode ser
dialógico.
MIKHAIL BAKHTIN
Neste capítulo, apresento a metodologia que utilizei para desenvolver esta
pesquisa que teve como objetivo compreender as concepções de alfabetização
construídas por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir de
suas práticas discursivas. Inicialmente, explico a razão pela qual recorri às
proposições teóricas de Mikhail Bakhtin e Lev Semenovich Vygotsky para realizar
este estudo dentro da abordagem histórico-cultural. A seguir, apresento o estudo-
piloto, desenvolvido com o objetivo de estabelecer um contato inicial com a realidade
a ser pesquisada e com os sujeitos a serem pesquisados. Na seqüência, apresento
e discuto os procedimentos metodológicos adotados: (i) a opção pelos contextos das
duas escolas onde foi realizado o estudo, e (ii) a escolha dos sujeitos e a técnica da
entrevista coletiva utilizada para a produção dos dados.
4.1 A teoria subjacente à metodologia
Tendo em vista o objetivo proposto para este estudo – compreender as
concepções de alfabetização construídas por professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental a partir de suas práticas discursivas assim como o quadro
teórico adotado, optei como caminho para a realização de minha pesquisa o da
investigação qualitativa dentro de uma abordagem histórico-cultural. A opção por
trabalhar com tal perspectiva se pelo fato de ser possível, através de sua base
epistemológica, focalizar a questão da linguagem e o seu papel na constituição
humana.
Uma das idéias básicas da perspectiva histórico-cultural é a de que o
conhecimento é construído historicamente pelos sujeitos em suas relações humanas
através da linguagem. Nesse sentido, o homem é entendido como um ser histórico,
social e cultural. Um ser atuante, que pensa e fala. É um sujeito criador que
transforma a realidade e por ela é transformado, pois, nesse processo de
transformação, o homem estabelece relações com a natureza e com os outros
homens, determinando-se mutuamente. Tudo isso lhe permite constituir suas formas
de pensar, sentir e agir e de construir conhecimentos.
Para que as idéias próprias da perspectiva histórico-cultural fiquem mais
claras, convém destacar as reflexões desenvolvidas por Bakhtin e Vygotsky
acerca das questões relacionadas ao campo da pesquisa em Ciências Humanas.
Ambos os autores são representantes dessa perspectiva, pois, através de seus
estudos, foi possível chegar a uma outra forma de produzir conhecimento dentro
das ciências humanas. No entanto, vale ressaltar que os dois autores não se
ocuparam em construir uma forma de fazer pesquisa, e, sim, em elaborar uma
reflexão complexa e instigante acerca das ciências que tinham como centro de
investigação as questões humanas.
Todo o pensamento de Bakhtin e Vygotsky foi sustentado pela matriz
filosófica do materialismo histórico e dialético, fato que justifica o inconformismo
desses autores com o pensamento dominante de sua época, o qual estava
fundamentado no empirismo e no racionalismo. Dentro dos pensamentos
empirista e racionalista o homem era concebido ora como corpo, ora como
mente. Eram esses pensamentos que direcionavam as pesquisas realizadas
tanto nas ciências naturais quanto nas ciências humanas. Diante disso, ambos
os autores desenvolveram suas construções teóricas procurando romper com
esse modo dualista de visão de homem.
Conforme Aguiar
(2000, p. 126)
salienta:
De um lado, a postulação de uma psicologia sem psique, quando se
admite a possibilidade de o comportamento do homem ser explicado
sem que se recorra a fenômenos subjetivos. De outro, a aceitação de
uma psicologia que pretende estudar a psique pura, desvinculada do
comportamento. Em ambos os casos, mergulha-se em uma posição
dualista, na qual se institui a dicotomia entre objetivo/subjetivo e
interno/externo.
Para desenvolver suas reflexões acerca das ciências humanas, Bakhtin toma
como referência as idéias do pensador alemão Wilhelm
Dilthey
11
sobre as ciências
exatas/naturais e ciências do espírito. Apesar de reconhecer as contribuições que o
pensamento desse autor trouxe para as ciências humanas, Bakhtin faz uma crítica
às suas idéias pelo fato de este considerar que o psiquismo é apenas de ordem
subjetiva, desconsiderando, assim, a sua natureza social.
De acordo com Faraco (2003), ao criticar Dilthey, Bakhtin busca a formulação
de uma concepção epistemológica própria para a especificidade das ciências
humanas. Nesse sentido, Bakhtin (2003) aponta os aspectos diferenciadores entre
as ciências na relação com o objeto. No seu entendimento, as ciências naturais
representam uma forma monológica do conhecimento, pois há uma relação entre um
sujeito que contempla uma coisa (objeto) e emite um enunciado sobre ela. Portanto,
num ato investigativo em que o objeto pesquisado é mudo, a voz do pesquisador
prevalecerá. A relação estabelecida entre o sujeito e o objeto é marcada pela
neutralidade e o sujeito da investigação é concebido como um ser que está fora da
sua realidade social e histórica. Nas ciências naturais o que importa é a construção
de um conhecimento objetivo, acabado. Daí a importância dada à explicação, à
formulação de regras gerais, já que a realidade é vista de forma objetiva.
Diante disso, Bakhtin acentua que, nas ciências humanas, o saber deve ser
dialógico, visto que o conhecimento será produzido na relação entre sujeito e sujeito.
Logo, o oposição entre o sujeito e o objeto a ser investigado, pois este é o
próprio homem e suas relações. Assim, a compreensão do homem assume
um
papel relevante devido à dimensão de pluralidade presente na condição humana. O
11
O pensador alemão Dilthey recusa a concepção positivista que pretendia reduzir as ciências
naturais e humanas às ciências da natureza. Para Dilthey, ambas se opunham em relação aos
métodos e objetos. Enquanto o ideal das ciências da natureza é a explicação, o da ciência do espírito
é a compreensão.
limite da exatidão é a capacidade de não fundir em um os dois sujeitos, pois, se
isso acontece, o saber produzido se torna um saber monológico. Para que isso não
ocorra, é necessário que o outro seja visto como um sujeito que tem voz e não como
coisa ou objeto.
Segundo Amorim (2006), as ciências humanas são entendidas por Bakhtin
como ciências do texto, pois o que de fundamentalmente humano no homem é o
fato de ele ser um sujeito falante, produtor de textos. Pesquisador e sujeito
pesquisado são ambos produtores de texto, o que confere às Ciências humanas um
caráter dialógico.
Sendo, pois, o sujeito expressivo e falante, de se considerar e enfatizar o
conceito bakhtiniano de alteridade, visto serem os sentidos construídos na relação
do eu com o outro. O conceito de alteridade pressupõe que, para que eu seja o que
sou, preciso considerar o outro, uma vez que “eu existo para o outro com auxílio do
outro” (BAKHTIN, 2003, p. 394). Se não considero o outro como sujeito falante e
expressivo, não como desenvolver uma pesquisa dessa natureza, já que o
sentido será dado a partir da relação entre o pesquisador e o pesquisado. Portanto,
para Bakhtin, o importante nas ciências humanas é a compreensão do homem. Essa
compreensão implica a presença de dois sujeitos, ou seja, de duas consciências
imersas no diálogo.
A esse respeito, Freitas (2002, p. 24-5) aponta que na perspectiva histórico-
cultural:
Inverte-se, desta maneira, toda a situação que passa de uma
interação sujeito-objeto para uma relação entre sujeitos. De uma
orientação monológica passa-se a uma perspectiva dialógica. Isso
muda tudo em relação à pesquisa, uma vez que investigador e
investigado são dois sujeitos em interação. O homem não pode ser
apenas objeto de uma explicação, produto de uma consciência,
de um sujeito, mas deve ser também compreendido, processo
esse que supõe duas consciências, dois sujeitos, portanto dialógico.
Dentre as contribuições de Vygotsky, destacam-se suas idéias sobre a
questão do método. Vygotsky (1991[1929]), ao reexaminar os métodos de
pesquisa em Psicologia propostos pelas correntes psicológicas vigentes em sua
época, revela a necessidade de se desenvolver uma abordagem de pesquisa
que apresentasse novos métodos de investigação e análise. Além disso, ao
analisar a crise da psicologia de sua época, o autor sentiu ser preciso o
desenvolvimento de uma “nova psicologia” que rompesse com o modo dualista
de visão de homem.
Seu propósito era, portanto, integrar, numa mesma perspectiva
psicológica, o homem, enquanto corpo e mente, biológico e cultural, o que
representa uma síntese dialética entre as duas principais tendências presentes
na psicologia daquele momento. Sua preocupação, pois, era demonstrar que a
consciência e o comportamento, enquanto objetos de investigação da psicologia,
não poderiam ser compreendidos separadamente, mas de forma integrada.
Apesar dos avanços alcançados com os todos que, até então, eram
adotados pelas abordagens psicológicas objetivista e idealista como o favorecimento
da objetividade nos estudos realizados, estes não eram apropriados para os estudos
relacionados à compreensão da história humana. Era necessário umtodo próprio
para as ciências humanas.
Para tanto, Vygotsky defende que os fenômenos devam ser estudados na sua
origem, na sua historicidade. O autor afirma que “o tipo de análise objetiva que
defendemos procura mostrar a essência dos fenômenos psicológicos ao invés de
suas características perceptíveis” (VYGOTSKY, 1991 [1929], p. 72). Ou seja, não
podemos ficar voltados apenas para a aparência, para o imediato, para o externo, é
necessário ir em busca do processo, do não-dito, do que é interno. Sendo assim,
para Vygotsky, a análise do processo constitui um aspecto importante para
compreender as mudanças e evoluções que ocorrem nos fatos, pois a sua mera
descrição não altera a essência do fenômeno estudado. Segundo esse autor, numa
pesquisa é preciso aliar a compreensão e a explicação na análise dos fatos.
Ao considerar que o sujeito não se constitui com base em fenômenos internos
e nem se reduz a simples reflexo passivo do meio, Vygotsky muda o foco da análise
psicológica, pois seus estudos apontam que o desenvolvimento psicológico parte do
social para o individual. É o social o centro organizador do psiquismo. Assim, o
processo de formação do indivíduo se dá através das relações sociais nas quais ele
está envolvido. São essas relações sociais que explicam o seu modo de ser, de agir,
de pensar. Contudo, o indivíduo não perde a sua singularidade, uma vez que, ao
internalizar esse social, singulariza-o, o que só é possível pela linguagem.
Assim, conclui-se que o objeto de estudo das ciências humanas está
centrado no sujeito e não no objeto que não possui interioridade, que não fala e é
abstrato. Partindo dessa perspectiva, nas ciências humanas a pesquisa é
desenvolvida na relação entre sujeitos, com o sujeito e não sobre o sujeito
conforme acontece nas ciências naturais.
Dessa forma, Bakhtin e Vygotsky superaram as contradições de uma
época em que o pensamento dominante cultivava umacega na ciência e
desprezava a existência do ser humano concreto que se faz nas interações
sociais através da linguagem. Na realidade, como ambos se recusavam a ver o
mundo e compreender o homem a partir de uma racionalidade científica,
desenvolveram um modo de ver e de pensar a condição humana dentro de uma
perspectiva de totalidade.
4.2 Construindo a metodologia de pesquisa
Partindo dessa perspectiva, evidencio a importância da interação verbal, pois,
de acordo com Bakhtin (2004), é nela que está a essência da língua e é através dela
que construímos os sentidos e significados para os enunciados realizados na
atividade lingüística que ocorre entre os sujeitos.
Sendo assim, na situação de investigação, haverá um sujeito que estará
diante do outro em uma interação verbal. Nessa interação, não haverá apenas a voz
do pesquisador, mas, sobretudo, a voz do pesquisado que sempre falará de algum
modo, seja através de gestos, expressões, olhar, ou até mesmo por meio dos
silêncios que também falam, são eloqüentes e nos indicam os não ditos. Nesse
sentido, nenhuma fala prevalecerá em relação à outra, pois todas as vozes são
eqüipolentes.
Parafraseando Freitas (2003), o discurso é parte constitutiva das ciências
humanas, a fonte de dados desta pesquisa é o texto (contexto) no qual o discurso é
produzido. O pesquisador é o instrumento principal na produção desses dados, pois
é ele quem vai ao encontro com o outro, ao encontro da situação a ser pesquisada,
no contexto em que essa situação acontece. A partir das interpretações dadas pelo
pesquisador, de sua compreensão ativa, de seu “horizonte social” e das relações
que estabelece com os sujeitos de pesquisa é que a trama textual será tecida. Na
realidade, tanto o pesquisador quanto o pesquisado são marcados por uma história
que estará sempre presente, falando em algum lugar. Além do encontro entre os
sujeitos, na relação entre pesquisador e pesquisado deve ocorrer a troca, a
interlocução, a produção de sentidos. Na verdade, “o que pretende o pesquisador é
exatamente o encontro com outro e a sua compreensão” (AMORIM, 1997, p. 87).
Os fatos a serem decifrados e os sentidos a serem produzidos estão
constituídos nas interlocuções. Contudo, para que isso ocorra, é necessário que
na pesquisa haja a diferença e a distância entre as posições do pesquisador e do
pesquisado. Como aponta Bakhtin (2003), para que a manutenção da distância
seja assegurada, é necessário que o excedente de visão do pesquisador
complete o horizonte do indivíduo pesquisado sem perder a originalidade deste.
Essa idéia de Bakhtin está presente no seu conceito de exotopia. O pesquisador,
ao entrar em contato com o pesquisado, coloca-se no lugar dele e depois retorna
ao seu lugar para completar o horizonte dele. Desse modo, o excedente de visão
do pesquisador lhe possibilita descortinar, converter e criar para o pesquisado
um ambiente concludente. Daí a necessidade de um distanciamento na interação
entre pesquisador/pesquisado, caso contrário, pode ocorrer uma fusão entre
ambos.
Como afirma Amorim (2006, p. 100):
O fundamental é que a pesquisa não realize nenhum tipo de fusão
dos dois pontos de vista, mas que mantenha o caráter dialógico,
revelando sempre as diferenças e a tensão entre elas. O
pesquisador deve fazer intervir sua posição exterior: sua
problemática, suas teorias, seus valores, seu contexto sócio-
histórico, para revelar do sujeito algo que ele mesmo não pode ver.
Sendo assim, através da via apontada por Vygotsky e Bakhtin, nesse
estudo privilegio a visão dos professores sujeitos da pesquisa e sua participação
efetiva no processo de investigação, ouvindo-os e fazendo-os ouvir, sem,
contudo, deixar de exercer o meu papel de pesquisadora que interpreta esses
dados e que tem uma responsabilidade diante do discurso do outro.
4.3. O estudo-piloto
Dando início ao processo investigativo, desenvolvi um estudo-piloto para o
meu projeto de pesquisa, através do qual busquei estabelecer uma relação social
com a realidade a ser pesquisada, com as situações de pesquisa e com os
sujeitos a serem pesquisados. Além disso, procurei compreender melhor a
questão formulada e os objetivos propostos para, então, vislumbrar, se
necessário fosse, outra forma de desenvolver a pesquisa.
Nesse estudo foi adotado como procedimento metodológico a entrevista
individual. Os sujeitos investigados foram duas professoras que atuavam no primeiro
ano do Ensino Fundamental de nove anos em duas escolas da rede municipal de
Juiz de Fora. O meu interesse era compreender as concepções de alfabetização de
professores que atuavam no 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos a partir de
suas práticas discursivas e as possíveis implicações dessas concepções nas suas
práticas pedagógicas alfabetizadoras.
Após o seu término, constatei que esse estudo-piloto me permitira não
avaliar a metodologia e os instrumentos utilizados, mas também buscar uma outra
orientação para a escolha dos sujeitos da pesquisa. Assim feito, considerei
pertinente dar um outro direcionamento para a minha pesquisa. Para tanto, foi
necessário alterar e aperfeiçoar o instrumento de investigação utilizado para
alcançar a integração entre os objetivos propostos, a posição teórica adotada e a
modalidade de pesquisa, bem como ampliar o número de participantes e mudar o
critério de escolha dos sujeitos.
Para realizar tais alterações, balizei minhas idéias no trabalho de Kramer
(2003) que aborda sobre a entrevista enquanto procedimento metodológico de
pesquisa em ciências humanas. Sendo assim, compreendi com essa autora que a
entrevista individual não contemplaria o meu propósito. Contudo, vale ressaltar que
a entrevista individual também se constitui como uma importante estratégia
metodológica dentro da pesquisa de abordagem histórico-cultural. No entanto, como
destaca Kramer (2003), nas entrevistas individuais a linguagem dos sujeitos parece
ser mais limpa, como se o entrevistado precisasse expor a realidade que ele
acredita ou deseja que exista, o que faz com que, geralmente, os fatos sejam
omitidos. Na tentativa de que o instrumento de investigação por mim adotado nessa
pesquisa adquirisse um sentido efetivamente interativo é que fiz a opção pela
entrevista coletiva.
As considerações de Kramer (2003) sobre a entrevista coletiva na pesquisa
em Ciências Humanas explicitam a importância de tal procedimento. A autora afirma
que:
Durante as entrevistas coletivas, o diálogo, a narrativa da experiência
e a exposição de idéias divergentes ocorrem com intensidade muito
maior, na medida em que professores podem falar e também escutar
uns aos outros. Além disso, como não só o pesquisador detém
autoridade para fazer perguntas ou comentários sobre a fala dos
entrevistados, a influência do poder e da posição hierárquica
parecem diminuir; os problemas são apresentados com suavidade e
tensão, o conhecimento é compartilhado e confrontado, a diversidade
é percebida face a face (KRAMER, 2003, p. 64).
Kramer destaca ainda que, na entrevista coletiva, a situação dialógica é enriquecida,
possibilitando análises mais profundas e substanciais. Os professores que dela participam
podem se sentir mais seguros para revelarem suas dificuldades e sucessos e compartilhar isso
com os seus pares e o entrevistador. Corroborando com as considerações assinaladas pela
autora, de fato pude observar, ao longo da realização das entrevistas, que o diálogo
estabelecido possibilitou a cada participante e ao pesquisador uma produção de
conhecimentos, uma reflexão sobre o pensado e o vivido.
Com efeito, utilizar a entrevista coletiva como instrumento metodológico no âmbito
desta pesquisa é compreendê-la como um encontro dialógico e discursivo, no qual os sujeitos
que dela participam estabelecem relações dialógicas com os enunciados e as vozes alheias.
Como assinala Freitas (2003), a entrevista dentro de uma pesquisa qualitativa de cunho sócio-
histórico é concebida acima de tudo, como um momento de produção de linguagem.
Desse modo, é possível relacionar a estratégia metodológica de entrevista
coletiva com o pensamento de Bakhtin e Vygotsky que consideram que a
consciência individual se constitui no social. Na situação de entrevista coletiva, os
sujeitos, junto aos seus pares e ao pesquisador, singularizam tudo o que
vivenciaram no plano social. Assim, entre entrevistado e entrevistador uma
atmosfera de influência recíproca, um afeta o outro pela linguagem.
Assim, a entrevista coletiva realizada nesta pesquisa teve como objetivo compreender
as concepções de alfabetização das professoras e provocar entre as docentes uma reflexão
sobre suas concepções que pudesse levá-las a pensar criticamente sobre elas. Como diz
Kramer (2003), as entrevistas coletivas clarificam aspectos que ficaram obscuros colocando-
os à discussão, iluminando, portanto, o objeto de pesquisa que nas ciências humanas será
sempre um sujeito.
Na entrevista coletiva é como se o pesquisador fosse um orquestrador de
várias vozes que se dirigem. Como tal, é necessário criar um lugar onde a
fluência da voz, a elaboração de um gesto e a compreensão do silêncio
aconteça. Para que os professores pudessem falar de si mesmos, de suas
histórias, de suas concepções de alfabetização e de suas práticas pedagógicas
de alfabetização, procurei, desde o começo, conduzir as entrevistas,
considerando-as como um lugar onde eu deveria ouvir amorosamente o outro.
Visualizei o tempo/espaço dos encontros como um lugar em movimento, no qual
os pontos de vista, opiniões e sentimentos pudessem ser partilhados mediante a
palavra, o gesto e o silêncio de cada um. Por fim, procurei estabelecer uma
interação com os sujeitos da pesquisa de grande respeito e confiança.
Aproximei-me das professoras e busquei propiciar um ambiente em que elas
pudessem falar e ao mesmo tempo fossem ouvidas, questionadas e se
questionassem. Em termos específicos, objetivava criar um espaço coletivo em
que cada uma pudesse tomar a palavra para relatar, discutir e desvelar as
concepções de alfabetização que orientam a sua prática pedagógica
alfabetizadora.
4.4 Os contextos da pesquisa
Conhecer o contexto a que pertencem as professoras participantes da
pesquisa é dar significância e expressividade às palavras ditas por cada docente nas
entrevistas. É nesses espaços que esses sujeitos lidam com seus pares, com as
palavras alheias e vão construindo suas experiências na atividade docente.
Apresento, pois, estes dois contextos: a Escola Municipal João Guimarães Rosa e a
Escola Municipal Dr. Adhemar Rezende de Andrade.
O primeiro grupo de professores investigados exerce suas atividades
docentes na Escola Municipal João Guimarães Rosa
12
. Essa escola foi inaugurada
no ano de 1972, e até o ano de 1999 fazia parte das escolas da zona rural de Juiz
de Fora, pelo fato de estar localizada numa região bem afastada do centro da
cidade, onde poucos moradores, as ruas não são asfaltadas, enfim, o ambiente é
bem característico de área rural. Na realidade, a escola fica no entremeio de uma
área urbana e uma área rural. Grande parte das crianças é proveniente de famílias
formadas por trabalhadores rurais. Após esse período, passou a ser integrada às
escolas pertencentes à rede urbana.
A escola oferece à comunidade o atendimento aos alunos da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental de nove anos completo. Além das disciplinas que
compõem a grade curricular, a escola possui projetos de dança, de futsal, judô,
oficina de aprendizagem e oficinas de literatura e artes.
Ao longo desses anos, ocorreram várias reformas em sua rede física, o que
fez com que, atualmente, a escola tenha um prédio de dois andares. No andar térreo
temos: uma cantina, um refeitório, banheiros, quatro salas de aula, uma sala de
professores, uma sala pequena onde funciona a biblioteca, a secretaria, uma
pequena sala para a direção, um pequeno almoxarifado. Na área externa
encontramos uma quadra poliesportiva, um pequeno tio e um espaço onde ficam
os brinquedos de parquinho e uma casinha de boneca. No meio desse pátio, há uma
árvore imensa que refresca e traz sombra, para que, assim, as crianças brinquem
com um certo frescor no parquinho. No segundo andar, uma pequena sala onde
são atendidos os alunos que participam das oficinas de aprendizagem e mais duas
salas de aula amplas.
12
Ressalto que os nomes reais das escolas são aqui utilizados devido à autorização dada pelas
diretoras de cada um desses estabelecimentos de ensino.
A Escola Municipal Dr. Adhemar Rezende de Andrade foi fundada em 1911.
Está situada em uma região central do bairro o Pedro e atende a alunos
provenientes o desse bairro, como também de outros que foram formados ao
seu redor. A escola funciona em três turnos e atende a 820 alunos distribuídos entre
as modalidades de ensino da Educação Infantil a partir da fase dois ou período,
do Ensino Fundamental de nove anos e o Ensino Médio dentro da Educação de
Jovens e Adultos.
Ao longo de vários anos, à medida que o número de alunos foi aumentando, a
escola precisou passar por reformas na sua rede física. Atualmente, foram
concluídas as obras realizadas, as quais proporcionaram um aumento significativo
em sua estrutura física. Após essa reforma, a escola ficou estruturada em três
andares. No primeiro andar encontramos a secretaria conjugada a uma sala de
direção, uma biblioteca, sala de artes, a cantina, um refeitório amplo, os bebedouros,
banheiros, sala de professor conjugada com a sala de coordenação, uma sala de
multimídia, uma sala onde funciona o laboratório de aprendizagem e a sala da turma
da 2ª fase ou período da Educação Infantil. também uma quadra poliesportiva
coberta. No segundo andar temos sete salas de aula, banheiros e um espaço onde
as crianças brincam. É nesse andar que encontramos as salas de aula das turmas
das professoras participantes desta pesquisa. Todas são equipadas com carteiras
que são utilizadas tanto pelas crianças como pelos adultos que estudam no turno da
noite, o que revela que não haver um mobiliário específico para atender às crianças
que foram incluídas no ano do Ensino Fundamental a partir desse ano nessa
escola. Até o ano de 2006, a escola atendia aos alunos do ano com a idade de
sete anos ao nono ano. Além das carteiras, um armário, um quadro de giz
colocado à altura de uma pessoa adulta. As janelas e portas dessas salas se
comunicam com o pequeno pátio onde as crianças brincam. No terceiro andar
funcionam três salas de aula. Trabalham nessa escola 51 professores, 3
coordenadoras pedagógicas, uma em cada turno, 2 bibliotecárias, 2 secretários e 6
funcionários de serviços gerais.
4.5 Os sujeitos e as entrevistas coletivas
Quanto aos sujeitos participantes da pesquisa, em vez de escolher apenas os
professores que atuam no 1º ano do Ensino fundamental de nove anos, optei por escolher
professores dos anos iniciais deste segmento de ensino (1º, 2º e 3º) que correspondem,
respectivamente, ao que antes da implantação da nova organização do ensino obrigatório eram
denominados 3º período da Educação Infantil, 1ª série e 2ª série. A opção por pesquisar
professores que atuam nos anos iniciais deve-se ao fato de serem esses anos caracterizados e
identificados, dentro da realidade educacional brasileira, como os anos de escolaridade
dedicados à alfabetização. O trabalho desenvolvido pelos professores dos anos iniciais do
ensino Fundamental está centralizado nas questões da alfabetização.
Dentro do número significativo de escolas existentes na rede municipal de ensino de
Juiz de Fora, selecionei, para tanto, aquelas que atendiam ao critério proposto, qual seja, que
tivessem implantado o Ensino Fundamental de nove anos, atendendo, assim, às crianças de
seis anos de idade desde o 1º ano. Dentre as que atendiam a esse critério, decidi optar por
aquelas que estavam situadas na região da Cidade Alta pelo fato de serem escolas conhecidas
por mim e de haver a possibilidade de uma maior receptividade à minha presença como
pesquisadora da parte da direção e dos professores. Além disso, o acesso a essas escolas era
mais fácil, uma vez que sou moradora dessa região.
As entrevistas coletivas foram feitas durante seis encontros, sendo três
destes realizados com o primeiro grupo de professoras formado por Izabel,
Cândida e Flávia e outros três encontros com o segundo grupo de três
professoras participantes da pesquisa que são Darlene, Gorete e Edna. Essas
entrevistas foram gravadas em áudio com as devidas autorizações, por escrito,
das integrantes dos grupos e das diretoras das escolas onde a pesquisa foi
realizada.
Após cada encontro, era feita a escuta da gravação, a partir da qual eu
registrava os fatos que não haviam ficado bem esclarecidos, para que, no próximo
encontro, pudesse retomar as discussões com as professoras. No final de cada
encontro, era feita uma avaliação e, nesse momento, cada professora teve a
oportunidade de colocar suas impressões, seus sentimentos e expectativas em
relação ao mesmo. O planejamento dos encontros foi ganhando formato após a
realização de cada um. Além disso, a cada visita à escola e entrevista realizada, foi
feito um diário de campo, no qual registrei todas as minhas observações e busquei
depreender as principais idéias surgidas ao longo das discussões que foram
travadas.
De acordo com Jobim e Souza (2003), toda pesquisa, especialmente quando
realiza um trabalho de campo, visa à troca com o outro, busca interlocutores para a
produção de conhecimento. Quem são, pois, os professores/interlocutores que se
sentiram implicados a participar e construir comigo esta pesquisa? Como se deu o
contato com esses interlocutores?
Antes de apresentar os interlocutores de minha pesquisa, quero ressaltar aqui
as palavras de Bakhtin (2003, p. 401) quando diz que “por trás desse contato está o
contato entre indivíduos e não entre coisas”. Nesse sentido, procurei, desde o
começo, conduzir as entrevistas, considerando-as como um processo constitutivo de
sujeitos e constituído por sujeitos.
Partindo dessa perspectiva, passo a narrar com mais detalhes como fui
trilhando o meu caminho como pesquisadora. Antes de estabelecer um contato
inicial com os professores, dirigi-me às diretoras de três escolas situadas na região
da Cidade Alta, nas quais havia sido implantado o Ensino Fundamental de nove
anos. Havia da minha parte o interesse de realizar a pesquisa com os professores
que atuavam nesses estabelecimentos de ensino.
Tais encontros tiveram o objetivo de esclarecer a temática da pesquisa, o seu
desenvolvimento e o procedimento metodológico adotado para a sua realização.
Conforme o previsto, a direção das três escolas por mim visitadas foram solícitas e
mostraram grande interesse em que as professoras participassem da pesquisa. A
seguir, as próprias diretoras se encarregaram de conversar com as professoras a fim
de colocar para cada uma o objetivo da pesquisa e da participação delas nesse
processo investigativo. Por fim, ao tomar conhecimento de que, dentro das três
escolas visitadas, um total de sete professoras havia aceitado o meu convite,
solicitei a cada diretora que me informasse os seus números de telefones. Sendo
assim feito, estabeleci o contato com essas professoras a fim de marcar nosso
primeiro encontro. O convite foi aceito por todas.
Na oportunidade, foi marcado nosso primeiro encontro em uma dessas
escolas que fica localizada na parte mais central da região da Cidade Alta.
Estiveram presentes três professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental que
trabalhavam numa mesma escola onde estudam alunos da Educação Infantil ao
nono ano do Ensino Fundamental, as quais formaram o primeiro grupo de
professoras participantes da pesquisa. As demais, por motivos diversos, não
compareceram ao encontro marcado. Iniciei as entrevistas em respeito às
professoras presentes e ao seu interesse em participar da construção de minha
pesquisa, como mostra o fragmento de nota de campo a seguir:
Cheguei ao local do nosso encontro, uma escola onde trabalhavam duas professoras
que participariam como sujeito da pesquisa. Neste mesmo tempo, três professoras
se aproximaram da entrada desta escola. Eram a Cândida, a Izabel e a Flávia. Os
alunos ainda estavam presentes no pátio aguardando a vinda dos pais para levá-los
de volta para casa. Cumprimentamo-nos e, em seguida, fomos adentrando na
escola. Perguntei a um funcionário se a diretora estava presente. De acordo com sua
resposta, a diretora não estava no local. Percebi que a nossa presença não o estava
agradando. Sentamos eu e as três professoras na mesa do refeitório e ali ficamos
observando as crianças que ainda aguardavam os pais. Estava fazendo frio naquele
final de tarde. Muito solícita, a cantineira, dessa escola, serviu-nos um café.
Enquanto aguardávamos a chegada das outras professoras, tomamos o café e
ficamos observando os trabalhos das crianças que estavam colocados nos murais
como desenhos, fotos das crianças e suas famílias, colorido de desenhos, entre
outros.
Percebi que as professoras presentes estavam se sentindo incomodadas com a
demora das outras professoras que estavam sendo aguardadas. Duas trabalhavam
nesta escola onde nos encontrávamos naquele momento. Fiquei um pouco
decepcionada com as ausências das demais professoras, mas, em respeito ao
comprometimento e desejo de participação na minha pesquisa da parte de Izabel,
Cândida e Flávia, decidi iniciar o nosso primeiro encontro. Assim, selecionamos uma
das salas de aula para realizarmos a entrevista. Era uma sala espaçosa, que
continha mesas e cadeiras pequenas, pois estudavam crianças do ano do
Ensino Fundamental. Nesta sala havia vários cartazes do tipo: ajudantes do dia,
aniversariantes, calendário, entre outros. Todo o mobiliário da sala era próprio de
turmas de crianças pequenas porque além de atender crianças do 1º ano, esta
escola atende alunos da Educação Infantil.
No contato inicial com esse grupo de professoras/ sujeitos da pesquisa, tive a
preocupação de expor para cada uma como seria o desenvolvimento da pesquisa,
qual o objetivo desse trabalho e a necessidade do envolvimento de todas por um
determinado período para realizarmos as entrevistas, o que exigiria disponibilidade
de horário. Estabelecemos, assim, um contrato verbal para organizarmos os
encontros.
Nessa primeira entrevista coletiva foi proposto a esse grupo de
professoras que contassem suas histórias de vida profissional, considerando em
suas falas os motivos que as levaram a escolher a carreira do magistério, suas
experiências no exercício da carreira e a opção por trabalharem nos anos iniciais
do ensino fundamental com a alfabetização.
É importante ressaltar que, durante a visita que fiz à escola onde atuam as
professoras que formaram o primeiro grupo de sujeitos da pesquisa, a diretora me
dirigira palavras de total acolhimento e de demonstração de interesse que a
pesquisa fosse realizada com as docentes que ali trabalhavam. Naquele momento, a
diretora disse que seria muito oportuna a participação das professoras na pesquisa,
pois questões relacionadas à alfabetização e aos resultados que os alunos dessa
instituição obtiveram nas avaliações aplicadas pela Secretaria Estadual de
Educação em todo o Estado de Minas Gerais em 2006, na turma do 3º ano, e o
desempenho das escolas municipais nas avaliações do MEC eram os temas
centrais das reuniões pedagógicas. Sendo assim, a adesão dessas professoras à
pesquisa pode ter ocorrido em função das discussões que estavam sendo
estabelecidas nas reuniões da escola e da necessidade de um investimento maior
dessas profissionais com as questões relativas à alfabetização.
Os encontros com esse primeiro grupo de professoras aconteceram no mês
de maio e junho, sempre após o horário de trabalho delas. O primeiro encontro foi
nessa escola que ficava num local mais central e os outros dois ocorreram na escola
onde essas professoras trabalham. Nos dois últimos, as professoras revelaram como
desenvolviam o processo de alfabetização em suas turmas e o que pensavam a
respeito da alfabetização e do letramento.
Após o término dos encontros com as interlocutoras da pesquisa, percebi a
necessidade de ouvir outras professoras para dar maior sustentação aos dados de
minha pesquisa e ampliar o meu conhecimento em relação às concepções de
alfabetização das professoras dos anos iniciais. Sendo assim, a constituição do
segundo grupo de professores participantes da pesquisa ocorreu após a minha visita
a uma outra escola da rede municipal que também fica situada na região da Cidade
Alta. Iniciei a negociação para realizar a pesquisa nessa escola no s de agosto e
consegui conclui-la no final de setembro devido a vários contratempos surgidos
nessa trajetória. Do mesmo modo, ficou a cargo da direção entrar em contato com
as professoras para esclarecê-las sobre o meu interesse em realizar a minha
pesquisa naquela instituição de ensino. Através de um outro contato que estabeleci
com a escola, tomei conhecimento de que algumas professoras haviam
demonstrado interesse em participar da pesquisa.
No retorno à instituição, fui recebida pela vice-direção e, em seguida, pela
coordenadora pedagógica que me indicou três professoras efetivas da escola que
trabalhavam nos anos iniciais e estavam presentes naquele momento. As demais
eram, na maioria, contratadas e as que eram efetivas não estavam presentes
naquele dia por conta do horário extraclasse
13
. Preocupada com o tempo destinado
à escrita da dissertação, prontamente iniciei o contato com essas três professoras
indicadas pela coordenadora pedagógica. O tempo de contato com essas
professoras foi curto, mas o suficiente para marcarmos o nosso primeiro encontro.
Foram feitos três encontros com esse segundo grupo de participantes da pesquisa
formado pelas professoras Darlene, Gorete e Edna, nos quais, durante as
entrevistas coletivas, segui a mesma dinâmica dos encontros feitos com as
professoras do primeiro grupo.
Ao longo das entrevistas coletivas com os dois grupos de professoras, as
docentes foram externando suas expectativas, seus anseios, suas histórias e
trajetórias, o que favoreceu o enriquecimento dos nossos encontros, da pesquisa e
de cada uma de nós que vivenciamos aqueles momentos. A partir disso, pude
perceber que as professoras
pareciam se sentir isoladas no espaço de suas salas de
aula, razão pela qual a minha presença revelou para cada uma a possibilidade de
compartilhar experiências vividas que, na maioria das vezes, ocorrem de forma
muito solitária, e de criar uma oportunidade de diálogo.
Diálogo que foi se ampliando
à medida que os encontros foram acontecendo, possibilitando, assim, a troca entre
os pares, o que foi significativo para os docentes. Aspectos ligados à trajetória
profissional de cada uma das professoras, ao modo como desenvolvem o processo
de alfabetização em suas turmas e às concepções de alfabetização que sustentam
suas práticas pedagógicas de alfabetização foram compartilhados pelo grupo e
ressignificados.
Quem são esses sujeitos que aderiram à pesquisa e que dirigiram a sua
palavra a mim? Quem são essas professoras que, desde o nosso primeiro encontro,
rejeitaram a possibilidade de usar nomes fictícios para me referir a elas?
Apresento, pois, as minhas interlocutoras:
Cândida, 45 anos, cursou magistério no Instituto de Educação, e, três anos
após a conclusão desse curso começou a atuar como professora. Hoje já são vinte e
um anos de experiência nessa profissão, sempre na rede municipal de ensino com
um cargo efetivo. É graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de
13
Horário extraclasse corresponde às cinco horas de que o professor da rede municipal de ensino de
Juiz de Fora dispõe para realizar seus estudos fora ou dentro da escola.
Fora e especialista em Psicopedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora. Está nesta escola onze anos. Ao longo desse tempo sempre trabalhou com
turmas de 3º período e 1ª série. Teve também a experiência como professora
articuladora
14
durante o ano de 2004 e em 2005 assumiu por quatro meses a direção
dessa escola em substituição à diretora que atuava naquela ocasião. Anteriormente,
lecionou em turmas multisseriadas em escolas da zona rural da cidade. Segundo
Cândida, como em casa está sempre envolvida com as questões domésticas e com
os filhos e marido, aproveita ao máximo os cursos que são oferecidos pela
Secretaria de Educação e os momentos em que está na escola em reuniões com
seus pares para ler e estudar. A professora aproveita as madrugadas para planejar
suas aulas, momento em que, segundo ela, “viaja”. Atualmente, está participando
dos encontros sobre o Ensino Fundamental de nove anos e os Encontros sobre
Diversidade oferecidos pela Secretaria de Educação desde o ano de 2006 e que
continuam sendo oferecidos neste ano de 2007.
Izabel, 47 anos, trabalha 15 anos na rede municipal de ensino com um
cargo efetivo. Seu trabalho iniciou-se na zona rural com turmas multisseriadas. Está
10 anos nessa escola. Ao longo desses anos de magistério, Izabel trabalhou em
diferentes séries, porém, dois anos seguidos vem atuando no ano do Ensino
Fundamental. Cursou Magistério, graduou-se em Pedagogia no Centro de Ensino
Superior de Juiz de Fora e nessa mesma instituição especializou-se em
Psicopedagogia. Assim como Cândida, Izabel também participa do Encontro que
discute o Ensino Fundamental e demais cursos oferecidos pela Secretaria de
Educação.
Flávia, 33 anos, cursou o chamado Científico, hoje Ensino Médio, e em
seguida fez a opção por prestar vestibular para Pedagogia na Universidade Federal
de Juiz de Fora para saber como era esse curso. Conforme suas palavras, o início
do curso fora muito ruim, pois eram lecionadas disciplinas que não lhe agradavam e
que não lhe proporcionavam um aprendizado. No entanto, os períodos foram sendo
vencidos e Flávia começou a se interessar mais pelas disciplinas, as quais
trouxeram muitas contribuições para a sua prática, apesar de afirmar que o Curso de
Pedagogia não dá base para o professor enfrentar uma sala de aula. Com sete anos
14
Como em várias escolas municipais não havia a presença de uma coordenadora pedagógica, foi
criada, provisoriamente, a função de professora articuladora para que a mesma assumisse a
coordenação pedagógica.
de atuação no magistério, sendo três anos como coordenadora pedagógica de uma
escola particular e quatro anos como professora dos anos inicias do Ensino
Fundamental, num cargo de contrato temporário na rede municipal de ensino, Flávia
se considera uma professora com pouca experiência. No ano em questão está
trabalhando com uma turma do ano. No momento o tem participado de cursos
oferecidos pela SE e nem por outras instituições. Está nessa escola há cinco meses.
Gorete, 44 anos, é formada em Magistério e Pedagogia. Especializou-se em
Psicopedagogia. completou 25 anos de magistério na rede municipal de ensino
com um cargo efetivo. Iniciou o seu trabalho trabalhando com turmas de 3ª série.
23 anos vem exercendo a função de professora nessa escola.
Édina, 43 anos, tem formação em Magistério. É professora efetiva da rede
municipal de ensino há 19 anos. Desde o início do seu trabalho docente vem
atuando nessa escola e sempre com turmas de alfabetização. Édina pretende dar
continuidade aos seus estudos fazendo Magistério Superior e uma especialização
na área da alfabetização, porque ela gosta muito dos estudos relacionados a essa
temática.
Darlene, 32 anos, é formada em Magistério e nesse ano concluiu a faculdade
de Letras pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Iniciou seus trabalhos
atuando em creches. É professora efetiva da rede municipal seis anos. Nessa
escola completará três anos de trabalho docente nos anos iniciais.
Como é possível observar, os sujeitos que participaram da pesquisa
compõem um grupo formado por professoras que exercem o magistério mais de
15 anos e está há pelo menos 10 anos na mesma escola e por aquelas que exercem
a profissão por pelo menos seis anos e tem menos de um ano de trabalho na
mesma escola. As repercussões que essa diversidade de trajetórias m no modo
como as professoras concebem a alfabetização serão exploradas nas análises
desenvolvidas ao longo desta dissertação.
Após esses esclarecimentos, passo a apresentar os eixos de análise que
foram construídos após o término do trabalho de campo. Para chegar aos eixos de
análise, retomei os encontros através da leitura atenta das transcrições das
entrevistas
e, a partir disso, levantei as questões que se repetiam, que se mostraram
importantes apesar de não terem sido enfatizadas, considerando o objetivo da
pesquisa, qual seja, compreender as concepções de alfabetização construídas por
professores dos anos iniciais a partir de suas práticas discursivas.
Dessa forma, estabeleci como eixos de análise desta pesquisa: (i) a
constituição dos professores docentes como professores alfabetizadores; (ii) o
desenvolvimento do processo de alfabetização na escola; e (iii) a compreensão das
professoras sobre o conceito de alfabetização e letramento.
5 PROFESSORAS ALFABETIZADORAS: SUA FORMAÇÂO, SUAS PTICAS E
CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO.
Para entender o discurso do outro, nunca é
necessário entender apenas umas palavras;
precisamos entender o seu pensamento. Mas
é incompleta a compreensão do pensamento
do interlocutor sem a compreensão do motivo
que o levou a emiti-lo.
VYGOTSKY
Com o objetivo de compreender as concepções de alfabetização construídas
por professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir de suas práticas
discursivas, apresento, neste capítulo, a análise do conteúdo das entrevistas
coletivas com os dois grupos de professoras. Sendo assim, o presente capítulo está
dividido em três seções.
Na primeira, apresento informações sobre como se deram a formação
docente e os percursos profissionais percorridos desde o ingresso na carreira pelas
seis professoras que foram sujeitos dessa pesquisa.
Na segunda, apresento as práticas pedagógicas de alfabetização declaradas
pelas docentes, durante as situações discursivas das entrevistas coletivas, por
considerar que suas concepções de alfabetização estão relacionadas com as
práticas que elas desenvolvem na escola.
Na terceira, apresento/discuto as concepções de alfabetização das
professoras entrevistadas.
5.1.Memórias docentes: a formação e os percursos na carreira
Conhecer como se dera a formação e os percursos profissionais desde o
ingresso na carreira das professoras entrevistadas apenas como reminiscências
pessoais seria pouco relevante para a minha proposta de investigação, porém os
relatos produzidos nas entrevistas revelam dados que alargam o conhecimento
sobre as concepções de alfabetização dessas professoras. Desse modo, não
poderia deixar de levar em consideração como as ações pedagógicas e o modo de
conceber a alfabetização das professoras foram influenciados pela formação e pelo
percurso de vida profissional de cada uma. Nesse sentido, esta é uma tentativa de
não separar o eu profissional do eu pessoal.
Em consonância com a abordagem histórico-cultural, conhecer como se dera
a constituição desses sujeitos enquanto professoras alfabetizadoras é reconhecer os
processos alteritários na constituição da identidade. Tanto na concepção de
linguagem de Bakhtin como na perspectiva da psicologia social de Vygotsky,
podemos conferir a importância da construção social do indivíduo como um
entrelace de relações com os outros que se via linguagem e, por conseguinte,
das transformações do funcionamento psicológico. Além disso, de acordo com
Bakhtin (2004), para que eu entenda o que é dito pelo outro, é preciso não
conhecer o seu enunciado, mas, fundamentalmente, o contexto da enunciação, ou
seja, de que lugares falam as pessoas, o seu horizonte social, por estes interferirem
no significado produzido nos discursos.
Os relatos das professoras sobre sua formação e os percursos profissionais
percorridos desde a entrada de cada uma na carreira do magistério, durante as
entrevistas coletivas, representaram para mim a oportunidade de avançar na
compreensão das necessidades e os motivos que as impulsionaram,
individualmente, não a escolher a carreira docente, como também a realizar
diferentes ações e escolhas ao longo do desenvolvimento dessa carreira,
especificamente, na prática alfabetizadora.
Assim, as professoras relatam sobre seu ingresso na carreira do magistério:
Darlene: Para mim foi um sonho. Eu sempre tive vontade de ser professora. Depois
que eu aprendi a ler, eu comecei a dar aulinha para a minha irmã e para as minhas
vizinhas. Eu sempre sonhei em ser professora. Eu não sei se é dom que fala. Eu
comecei a fazer científico, depois parei e comecei a fazer magistério.
Gorete: Foi a coisa que eu quis na minha vida foi ser professora, foi um sonho.
Desde a série, eu chegava em casa e dava aula para as minhas colegas, para
minha prima e bonecas. Eu tive muita sorte porque a minha vida foi caminhando
nessa direção. Eu não tive nem que escolher porque quando eu terminei o ginásio,
eu fiz o teste na Escola Normal. Não tinha outro lugar para eu ir. Era aquele ali
mesmo.
Edna: Eu nunca pensei em ser professora. As coisas foram acontecendo. Eu
comecei a fazer o curso e gostei demais. Eu me apaixonei. No estágio, eu vi que era
aquilo mesmo que eu queria. Eu comecei a lecionar e vi que era isso mesmo.
Flávia: Eu sempre gostei porque na minha casa tinha quadro, colocava boneca na
cadeira, as vizinhas vinham brincar na minha casa. Fiz o científico. Chegou na hora
do vestibular, eu falei: eu vou fazer Pedagogia para ver o que é. Depois começaram
os estágios e eu fui vendo que era aquilo que eu estava querendo. Minha
habilitação não foi em magistério. Foi em supervisão e orientação porque eu tinha
muito medo de entrar em sala de aula.
Cândida: A minha vontade de ser professora nem sei como realmente surgiu.
Pesquisadora: Quando você fez magistério foi uma opção sua?
Cândida: Eu tinha a consciência de que não podia parar de estudar mesmo não
gostando de ir à escola. Eu fui estudando. Eu não idealizei assim eu quero ser
médica, ou eu quero fazer direito ou engenharia, eu quero fazer magistério. Eu
terminei a série e daí eu tinha que ter uma opção para o grau. Como eu tive a
oportunidade de estudar na Escola Normal, eu fui estudar lá, mas não foi com o
objetivo de ser professora. Fazendo o curso, eu comecei a me despertar para o
magistério.
Izabel: A gente descobre depois que a gente quer ser professor, depois que a
gente já está na sala.
Cândida: Não, a Flávia, por exemplo, brincava de ser professora quando criança.
Quando eu comecei a dar conta de que era professora mesmo, eu passei a me
apaixonar e ver que eu não estava no caminho errado quando eu comecei a atuar
mesmo.
Pesquisadora: E você Izabel por que escolheu o magistério?
Izabel: Eu cheguei no magistério por acaso. (risos) Não foi opção nenhuma. Eu
estudei e tirei a série no Polivalente de Teixeiras e entrei lá. Eu tinha parado de
estudar depois que eu tirei a série. A gente mudou para e o meu pai falou que
mulher não estudava porque tinha que namorar, casar e tinha que costurar. Parei de
estudar e como não tinha condições, não trabalhava e não tinha como pagar os
estudos. Meu pai dizia que não ia comprar o material. Logo depois fundou o
Polivalente e fui pedir para estudar lá. eu fiz a até a série. Nós fomos a
primeira turma a formar. Terminei a e eu ia fazer o quê? O diretor passou para
nós, para todos os alunos a inscrição da escola Normal e que você tinha que fazer
uma prova para entrar lá. Eu só sabia, como disse a Cândida, que tinha que estudar,
que alguma coisa eu tinha que fazer. Eu não queria ficar em casa o dia inteiro e nem
queria ter a vida da minha mãe. Eu fiz a prova e passei e fiz o magistério lá.
Na realidade, ser professora não representou uma escolha determinante para
todas as professoras entrevistadas. Dentre as seis, apenas Gorete e Darlene
destacaram a intenção de se tornarem professoras, seja logo após o término dos
estudos no Ensino Fundamental ou seja depois de terem iniciado anteriormente o
científico. O sentido atribuído por essas duas professoras à escolha da carreira do
magistério esteve relacionado às palavras “sonho”, “vontade”, “dom”, “sorte”.
Considerando a utilização que essas professoras fazem de tais palavras nos
enunciados acima, é possível compreender que as razões que determinaram o seu
ingresso a essa carreira são subjetivas, que envolveram mais emoção e afeto do
que um certo grau de racionalidade. Além disso, é como se desde a tenra infância
estivessem predestinadas a cumprirem uma determinada missão colocada em suas
vidas, qual seja, ser professora. Percebe-se ainda esse aspecto quando destacam
que, em suas infâncias, nos momentos de brincadeira, o papel social assumido era o
de professora.
Outras o as razões que levaram Edna, Cândida, Izabel e Flávia
enveredarem pela carreira docente. A partir dos depoimentos acima, é possível
depreender que da parte dessas professoras a opção pelo magistério foi
determinada por fatores contextuais, sociais e econômicos. O curso Normal de nível
médio, no início, não representou para essas docentes uma instância significativa de
escolha profissional. Com o decorrer dos anos de profissão, conforme as palavras
de Huberman (2007, p. 40), “as pessoas passam a ser professores, quer aos seus
olhos, quer aos olhos dos outros”. A expressão “por acaso” dita por Izabel
representa também um dos fatores motivadores para que essas professoras
ingressassem na carreira do magistério. Além disso, foi através do exercício da
prática docente que essas docentes se descobriram como profissionais da área de
educação.
Diante do enunciado de Flávia verifica-se que o magistério foi feito para
atender a sua necessidade imediata de poder participar do concurso de
professores promovido pela prefeitura de Juiz de Fora. Em princípio o chamado
científico e o curso de Pedagogia não representaram para essa professora uma
referência fundamental para a sua entrada na carreira docente, naquele
momento de sua vida. Esse fato pode ser uma demonstração de que, muitas
vezes, não há na formação inicial uma relação dialética entre a teoria e a prática,
o que faz com que a formação do professor não corresponda efetivamente às
reais necessidades da prática educativa.
Apesar de a carreira do magistério não ter sido uma escolha determinante
para todas as profissionais investigadas, a paixão e o orgulho pela profissão
foram dados recorrentes nas percepções dessas profissionais do que é ser
professora alfabetizadora e nas razões para se manterem na profissão de
ensinar-alfabetizar. Embora não tenha sido explicitado em suas falas, considero
que essa paixão e esse orgulho apareceram entremeados ao compromisso e ao
envolvimento e responsabilidade profissional, atitudes tão necessárias ao
alfabetizador. Conforme Bakhtin (2003,
p. XXXIV)
destaca:
O indivíduo deve tornar-se inteiramente responsável: todos os seus
momentos devem não só estar lado a lado na série temporal de sua
vida, mas também penetrar uns nos outros na unidade da culpa e da
responsabilidade.
Outra fonte de satisfação profissional revelada pelas professoras se refere
à possibilidade de perceberem de modo mais evidente a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos pertencentes aos anos iniciais. As docentes
confirmam sua preferência por trabalharem com crianças menores e com a
alfabetização, mesmo reconhecendo as dificuldades inerentes ao trabalho
alfabetizador que, nas palavras de Edna, é caracterizado como desgastante,
trabalhoso e desafiador, mas ao mesmo tempo prazeroso.
O curso de magistério e, de forma mais marcante, a própria atividade
docente responderam às necessidades e motivos construídos historicamente na
vida pessoal de cada uma. As experiências vividas por essas professoras
mobilizaram-nas objetivamente para novas buscas e novas aprendizagens a fim
de que pudessem continuar a desenvolver suas atividades docentes. É no intuito
de continuar alcançando essa satisfação profissional que as docentes buscam
em suas práticas cotidianas de alfabetização novas aprendizagens e saberes.
Esses saberes, de modo especial o saber alfabetizar, produzidos desde o início
de suas atividades de docência, foram subjetivados e reconfigurados ao longo da
vida profissional de cada uma das professoras investigadas.
5.1.1 A construção do saber alfabetizar
Na perspectiva histórico-cultural, a característica interativa é determinante na
construção do conhecimento e da própria subjetividade que, sendo construídos,
primeiramente, no plano interpessoal, através da internalização, passam a constituir
o plano intrapessoal. Vygotsky (1991 [1929]) define a internalização como o
processo de reconstrução interna de uma atividade externa, a qual será reconhecida
ao ser novamente exteriorizada em forma de ações intencionais e organizadoras, ou
seja, a partir da constituição das funções mentais superiores, que são funções
tipicamente humanas.
Dessa forma, o aprender é uma atividade que acontece mediada por outros
sociais, os quais serão parceiros constantes do desenvolvimento e da aprendizagem
dos sujeitos. Logo, o conceito de mediação desenvolvido por Vygotsky (1991 [1929])
explica as suas concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-
histórico. Tal conceito nos aponta a noção de que o ser humano, em suas diferentes
relações com o mundo que o cerca, não entra em contato direto com o objeto ou
com o conhecimento, a necessidade de um acesso mediado. Essa mediação
pode ocorrer através de instrumentos cnicos como as ferramentas, que orientam a
ação externa do homem sobre a natureza, pelos signos, a linguagem, que atuam
internamente nas pessoas e pelos outros sociais. É importante destacar, mais uma
vez, que tanto para Vygotsky como para Bakhtin a linguagem é mediadora da
constituição social da consciência humana, o que indica que o sujeito se constitui
como tal nas interações que estabelece com os outros via linguagem. Nesse
sentido, toda relação do homem com o objeto ou o conhecimento é uma relação
mediada.
Considerando esses construtos teóricos, procurei não só apreender como
as professoras entrevistadas foram construindo o seu saber alfabetizar a partir de
suas experiências na atividade de docência em turmas de alfabetização, como
também na interação com os seus pares e através de suas interpretações do
contexto social mais amplo em que suas ações se desenvolveram.
Assim, ao falarem sobre suas experiências no início da carreira junto às
turmas de alfabetização, um grupo de professoras destacou que este ingresso foi
marcado por sentimentos de insegurança, desamparo e de medo. Afinal, esses
sentimentos mobilizam todos os indivíduos que se envolvem com novas
experiências.
Cândida: Ninguém teve tempo de conversar comigo. eu me lembro direitinho que
a supervisora falou para mim: Olha o que você vai fazer. Você lembra como a sua
mãe te ensinou, ou então, você pensa como a sua professora te ensinou. Aí eu viajei
nas aulas da professora mostrando os cartazes devargazinho. Também quando eu
comecei a dar aula eu queria ser igual à dona Norma. Ela foi uma referência muito
positiva.
Flávia: Na série eu fiquei aterrorizada porque eu não tinha entrado assim numa
sala com a responsabilidade de alfabetizar. E na minha concepção professora de
alfabetização principalmente na série tem que ser uma professora com prática. E
eu no meu ano em sala de aula, numa escola sem coordenação pedagógica,
numa escola grande. Você procura um e outro, todo mundo estava sempre ocupado,
até que eu encontrei uma colega minha que trabalhava comigo.Na aula de educação
física eu ia para a sala dela e pedia para assistir à aula dela e ela deixava. Reunião
de pais, primeiro eu assisti a dela para depois eu fazer a minha. A gente começou a
trocar material. E assim foi.
Izabel: Uma vez por mês a gente era obrigada a comparecer nas reuniões na
Secretaria de Educação. A gente ia pra feliz da vida. Chegava a gente trocava
experiências. Todo mundo ia lá na frente e contava o que estava fazendo.
Darlene: Eu acredito que eu tive muita sorte porque quando comecei a trabalhar na
escola, eu me identifiquei muito com uma professora que ia me passando muita
coisa e assim eu ia também passando muita coisa para ela e ia pegando. No ano
seguinte, eu fiquei com a série e continuei trocando material com essa mesma
professora. Nessa escola, a Gorete me ajuda muito. A gente troca bem. Eu estou
aprendendo muito com a Gorete.
Para romperem com essas dificuldades, cada uma buscou, à sua maneira,
diferentes alternativas. Cândida tomou como referência a sua professora, pois,
quando iniciara o seu trabalho na escola para qual havia sido designada, não havia
quem a orientasse. Flávia, Darlene e Izabel, apesar de depararem com a mesma
dificuldade de ndida, encontraram outras alternativas. As duas primeiras
buscaram apoio nas professoras mais experientes que atuavam nas mesmas
escolas onde estavam trabalhando. A alternativa encontrada por Izabel para atender
às suas dificuldades no exercício da profissão foi a participação nas reuniões
mensais realizadas, naquela época, na Secretaria Municipal de Educação, com as
supervisoras e as professoras da zona rural para troca de experiências.
Edna, por sua vez, aprendeu a ser professora alfabetizadora com a própria
prática. A prática foi dando consistência ao repertório pedagógico que os
professores foram assimilando ao longo de sua formação, o que revela a
existência de uma íntima relação entre o estabelecimento de ensino e a
profissionalização docente (LUDKE e BOING, 2004). A escola torna-se, pois, um
espaço de formação para o professor. Todavia, o conhecimento que o professor
constrói de sua prática na própria prática não é suficiente para garantir um
trabalho competente com a alfabetização. É preciso ir além desse conhecimento
ao longo de todo o exercício dessa profissão.
Diferentemente das outras, Gorete, quando iniciou o trabalho
alfabetizador, já havia lecionado durante onze anos na 3ª série. Logo, como já
havia percorrido um longo caminho na sua carreira, quando assumiu a turma de
1ª série, apoiou-se na coordenadora da escola e na leitura de textos que
abordavam a temática da alfabetização.
Refletindo sobre essa realidade, percebo que o professor, ao mesmo
tempo em que está em busca de sua formação na própria prática, na interação
com os professores das escolas e em outras instâncias de formação acaba se
auto-formando. A escola passa, então, a se constituir como um espaço onde o
saber próprio da profissão de ensinar alfabetizar é construído com e entre os
pares. Sendo assim, as orientações para a realização do trabalho são buscadas
entre os colegas de trabalho. Entre estes podem ser procuradas alternativas que
orientem suas práticas com a alfabetização, seja a partir de troca de materiais,
de atividades, seja por meio de sugestões de procedimentos de como atuar junto
aos alunos e às famílias, entre outras. No entanto, é importante ressaltar que a
prática alfabetizadora não pode se resumir no desenvolvimento de atividades
que, na maioria das vezes, são descontextualizadas, trocadas entre os docentes,
apenas para responder a uma necessidade imediata do professor sem que haja
uma reflexão, um planejamento. Além disso, as turmas são diferentes no que se
refere ao desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, o que requer um trabalho
voltado para atender às especificidades do grupo de alunos que delas fazem
parte.
Em geral, esses aspectos refletem a ausência de uma proposta de
alfabetização mais articulada e elaborada a partir das reflexões dos professores
sobre o processo de alfabetização escolar, fazendo com que se sintam angustiados
e perdidos. Não havendo uma linha de trabalho com a alfabetização definida, de um
modo geral, o foco do trabalho alfabetizador na escola se voltará para conteúdos
que são tomados isoladamente dentro de práticas também isoladas. Com as
mudanças pedagógicas ocorridas na área da alfabetização, o professor que dispõe
de uma experiência de atuação em classes alfabetizadoras e que buscou, ao longo
de sua carreira uma formação continuada, consegue desenvolver o seu trabalho,
mas os iniciantes no exercício da docência ficaram sem modelos de ação para
realizar a sua prática alfabetizadora e, conseqüentemente, estão enfrentando muitos
dilemas e desafios.
Esse fato nos aponta a necessidade do reconhecimento pelo próprio
professor sobre a importância da busca pela sua própria formação e pela sua
autonomia em relação à construção do seu saber alfabetizar. De um modo geral, na
realidade educacional brasileira, os professores não participam como autores da
elaboração de diretrizes e propostas pedagógicas. Por conseguinte, isso faz com
que eles não se sintam, potencialmente, na condição de construir uma proposta
pedagógica de alfabetização que orientará o seu trabalho. A existência, nas escolas
e nos documentos oficiais de orientação curricular de “alguém” dizendo o que o
professor precisa fazer, acaba expropriando-o da sua capacidade de reflexão sobre
a sua ação educativa, refletindo a precarização da formação docente e a
desvalorização desse profissional diante da sociedade.
Segundo Cagliari (1998, p. 131), “o professor precisa libertar-se das pessoas
que apresentam soluções miraculosas num livro ou método. Mas para isso, para que
esta autonomia possa se sustentar deverá ser realmente competente e um
especialista em sua área.”
Avançando nessa discussão, quando foram indagadas sobre as
possibilidades que têm de se encontrarem nas escolas para compartilharem suas
experiências e como é mediado e por quem esse compartilhar, ficou evidenciado em
seus discursos que no cotidiano das escolas não são criadas condições para o
professor construir esse saber alfabetizar coletivo. Izabel, Cândida e Flávia, em
forma de desabafo, relataram que, no dia a dia da escola, mal se cumprimentam e
que trabalham de forma isolada. Outra questão destacada por essas docentes foi a
respeito das reuniões de 4%
15
. Segundo as professoras, não participação efetiva
do grupo de professores da escola, pois o valor pago para a participação dessas
reuniões pedagógicas é ínfimo, levando a essa situação. Flávia reconhece que o
15
Naquele dado momento, ou seja, maio de 2007, o valor pago à participação dos professores nas
reuniões pedagógicas da escola correspondia a 4%. Esse pagamento é fruto de um acordo entre a
Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e o Sindicato dos Professores, cujo objetivo é a busca de uma
efetiva participação dos profissionais da educação nesses encontros.
valor é irrisório, mas destaca que o mais importante é o momento que o grupo tem
para refletir as questões da escola.
A esse respeito, Oliveira (2004) pontua que, para atender às necessidades da
educação dentro do contexto atual, o trabalho docente não pode ser mais definido
apenas como atividade em sala de aula. Ao contrário, o professor precisa conhecer
e compreender as questões relacionadas à gestão da escola no que se refere ao
planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da
avaliação. Logo, o seu âmbito de participação é ampliado.
Na instituição onde trabalham Gorete, Darlene e Edna a presença da
coordenadora pedagógica que articula o trabalho pedagógico. Na ocasião em que as
entrevistas foram realizadas, a escola estava em busca de novas alternativas para
proporcionar encontros coletivos entre os professores. Contudo, a partir de suas
falas pude constatar que, a despeito dessas tentativas, a necessidade de uma
reflexão mais profunda sobre questões relativas à prática de alfabetização para que,
de fato, a escola seja também um espaço formador para essas professoras.
Procurando conhecer como as professoras buscam aprofundar os seus
conhecimentos teóricos, interroguei-lhes sobre as leituras e os estudos que estavam
realizando para orientar suas práticas e para discutirem o processo de alfabetização
na escola. Verifiquei que a leitura realizada pelas professoras se limitava ao material
que era utilizado no preparo das aulas, aos textos distribuídos nos encontros
promovidos pela Secretaria de Educação para aqueles que deles participavam, a
alguns cadernos produzidos pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE)
que trazem orientações para a organização do ciclo inicial de alfabetização, às
reportagens de revistas como Nova Escola e Revista Época, quando esta última
apresentava algo a respeito da educação no Brasil, e aos textos cobrados no
concurso de professores da rede municipal. Frente a essa realidade, verifica-se que
textos que abordam temas relevantes no âmbito da alfabetização e que contribuem
para subsidiar o trabalho pedagógico são pouco explorados pelas professoras
investigadas e pelas escolas onde desenvolvem sua profissão docente.
Baseando-me no que foi analisado até aqui, saliento que os diversos
conhecimentos que compõem o saber docente correspondem com a forma como
Bakhtin (2003, 2004) compreende a construção da linguagem, isto é, como
dimensão viva e historicamente constituída pelos enunciados de outrem. Adotar,
pois, uma postura dialógica frente à aprendizagem docente é reconhecer que as
palavras alheias, após serem compreendidas de modo ativo, acabam estruturando
as palavras minhas. Isso cria a possibilidade para que novos significados sejam
construídos e as práticas docentes sejam reelaboradas.
Partindo, pois, da história profissional das professoras alfabetizadoras
integrantes da pesquisa e de como foram aprendendo a ser professoras
alfabetizadoras, iniciei a tentativa de conhecer e compreender, a partir de seus
discursos, as suas concepções de alfabetização. Essas histórias de vida profissional
das docentes e a construção dos seus saberes, de certa forma, explicitam e tornam
visíveis o conjunto de percepções, os interesses, as dúvidas, as orientações e
circunstâncias que influenciaram e configuraram, de modo significativo, a pessoa de
cada uma, o seu modo de agir e sentir e suas formas de atuação em sala de aula,
apresentando, nesse sentido, os componentes básicos de suas identidades.
Para darmos seqüência à análise dos dados produzidos, apresento a seguir
as práticas pedagógicas de alfabetização das professoras, enfatizando alguns
aspectos sobre essa prática que se afiguraram relevantes para o meu estudo.
5.2 O desenvolvimento do processo de alfabetização
O modo como as professoras desenvolvem o processo de alfabetização
em suas turmas está ligado à sua formação docente e aos sentidos que atribuem
à escola e à alfabetização. Conhecer, portanto, como as professoras
desenvolvem o processo de alfabetização escolar é uma tentativa de conhecer
as concepções de alfabetização subjacentes a esse fazer docente. É com esse
objetivo que apresento as práticas pedagógicas de alfabetização declaradas
pelas professoras, durante as situações discursivas das entrevistas coletivas.
Reúno, portanto, os depoimentos de Gorete, Cândida e Edna por possuírem uma
larga experiência como alfabetizadoras, para, posteriormente, destacar as
práticas de alfabetização concretizadas, hoje, nas turmas dos primeiros anos do
Ensino Fundamental de todas as seis professoras participantes da pesquisa.
Quando indagadas sobre como desenvolviam o processo de alfabetização em
suas turmas, no início da carreira, as professoras disseram:
Cândida: Eu me lembro que, quando eu comecei a trabalhar com a 1ª série, tinha um
livro chamado “Eu Gosto de Aprender”. Nele tinha a figura de um patinho e a
gente apresentava a sílaba PA. Você ficava só naquilo ali. Como eu era inexperiente,
eu ia seguindo as orientações da supervisora. Você vai trabalhar com o PA de papai.
Chegava e ela falava “Você pode passar para essa palavra” Eu me lembro que
eram feitos os testes de leitura e as coordenadoras iam às salas para fazer estes
testes e logo perguntavam: Em qual palavra você parou? Vamos supor que era
lagarto. Ela já tinha as leituras preparadas e eu trabalhava com as que tinham
apenas aquelas dificuldades. Eu fui trabalhando assim. Mas a série ficava muito
limitada na orientação do livro que foi apresentado para nós. Era uma cartilha só com
aquelas palavras. As crianças queriam escrever palavras que eu ainda nem tinha
trabalhado. Eu falava para escreverem isto aqui, por exemplo: O patinho está no
mato. Estava ótimo porque eu ainda não havia trabalhado com outras palavras.
Gorete: Desde o início eu sempre parti do texto, foi essa a orientação que eu tive
também e que eu sempre trabalhei. Com o passar dos anos eu fui detalhando o meu
trabalho e fui vendo o que eu poderia fazer e que daria mais certo. Esse tal be a ba
eu achava muito pouco.
Edna: Eu trabalhei com o silábico. Mas não de maneira tradicional. Eu saía um
pouco. Eu não seguia à risca aquela coisa de ba, be, bi, bo, bu, bão. Eu sempre dei
um jeitinho de sair. Eu inventava, criava.
Mediante a enunciação de Cândida, percebe-se que o desenvolvimento do
seu trabalho alfabetizador no início de sua prática docente partia do emprego de um
método sintético de alfabetização: o método silábico. O mesmo aconteceu com
Edna, apesar das tentativas de superação que se propôs a fazer desde o começo de
sua prática alfabetizadora em relação ao uso desse método. O método silábico é
regulado pela escolha de uma unidade lingüística básica: a sílaba. Parte-se,
geralmente, das sílabas canônicas, consoante mais vogal, para, posteriormente,
complexificar o ensino com a introdução de sílabas chamadas complexas. As
palavras-chave são apresentadas apenas para indicar as sílabas que são
destacadas das palavras e, posteriormente, estudadas a partir da formação das
famílias silábicas. Somente após serem conhecidas e decoradas pelo aluno lhes é
permitido formar novas palavras e pequenas frases e textos (FRADE, 2005).
Apesar de Gorete destacar que sempre partiu de textos e não apenas de
palavras isoladas ou labas para alfabetizar seus alunos, posso apreender que o
processo de alfabetização desenvolvido pelas três professoras priorizava o emprego
de métodos de alfabetização que visavam sobretudo ao domínio do código da
língua. No entanto, no decorrer de suas experiências enquanto professoras
alfabetizadoras, foi possível a cada uma compreender que o processo de
alfabetização desenvolvido somente a partir de famílias silábicas limitava a
aprendizagem dos alunos e o trabalho do professor.
No contexto vivido por essas professoras, o ato de alfabetizar era
amplamente orientado pela escolha de um método, seja analítico, sintético e misto
ou eclético, os quais vinham expressos nas cartilhas, apontando a seqüência
detalhada dos passos a serem seguidos pelos professores. Toda essa tradição
gerou a idéia de que a aprendizagem da aquisição da escrita se dava por meio de
estímulos externos e que, após a criança desenvolver as habilidades da leitura e
da escrita através de textos graduados e artificiais, é que lhe era proporcionada a
familiaridade com outros textos e a oportunidade de atividades de produção textual
que, na verdade, teriam como objetivo principal atender às expectativas da escola.
Considerando esse aspecto, Cagliari (2007, p. 55) salienta que:
Os textos das cartilhas eram apenas pretextos para controlar as
dificuldades de leitura de palavras. Como tudo era artificial, não se
usava a linguagem real da vida das pessoas; aquelas frases soltas
davam a impressão de um texto, mas, de fato, não eram nem
pretendiam ser isso. [...] Nenhum autor de cartilha achava que seus
exercícios eram textos, achavam que eram pretextos para as
atividades de seus métodos.
Conforme aponta Rego (2006), o ensino-aprendizagem da escrita
desenvolvido através dos métodos de alfabetização é realizado através da
acumulação e baseado na cópia, na repetição, pois é dada ênfase às associações e
à memorização das correspondências fonográficas, uma vez que não importa a
compreensão do funcionamento do sistema da escrita alfabética e o seu uso em
situações reais de comunicação.
Além disso, é importante considerar que os métodos de alfabetização
explicitados através das cartilhas apresentam as palavras como se estas fossem
“sinais” que devem ser identificados para que haja o conhecimento da linguagem
escrita. Entretanto, o sinal está relacionado apenas ao objeto e isolado do seu
contexto, por isso Bakhtin (2004, p. 94) diz que “a pura sinalidade não existe,
mesmo na primeira fase de aquisição da linguagem”. De acordo com esse pensador,
um método eficaz e correto de ensino da língua requer que as formas lingüísticas
sejam assimiladas não no sistema abstrato da ngua, mas na estrutura concreta da
enunciação, como signo flexível e variável, porque o importante é familiarizar o
aprendiz com a forma da língua inserida num contexto. Na prática cotidiana de
alfabetização, muitas vezes, a língua materna é ensinada como se fosse uma língua
estrangeira que está longe da realidade do falante. Daí que o autor ressalta ainda
que os sujeitos não adquirem a sua língua materna porque “o
s
indivíduos não
recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação
verbal.” (BAKHTIN, 2004, p. 108)
Em Freitas (1998), é possível compreender que a concepção que orientava o
ensinar e aprender nas salas de aula em que atuaram essas professoras é a
concepção denominada objetivista por esta considerar o sujeito aprendiz como um
mero receptor que reage passivamente às impressões do meio. Daí a importância
ao método de ensino, ao professor e às atividades que priorizam a memorização, a
reprodução, a cópia, em detrimento da construção e da criação pessoal.
Da mesma forma, a concepção de linguagem que orientava o trabalho dos
alfabetizadores, naquela época, estava relacionada à orientação lingüística
denominada por Bakhtin (2004) de Objetivismo Abstrato. Conforme foi
mencionado, esse autor criticou essa corrente lingüística, pelo fato de esta
considerar a língua como um sistema de regras pronto e acabado, não levando em
conta a mobilidade que a língua apresenta nos atos de interlocução entre os
falantes.
É possível, pois, perceber que o ensino e a aprendizagem inicial da leitura e
da escrita desenvolvido nas turmas de alfabetização em várias escolas de nosso
país não sofreu grandes alterações, nos dias atuais, no tocante à utilização de
estratégias próprias dos métodos tradicionais de alfabetização. Ainda se faz
presente em muitas práticas pedagógicas de alfabetização o uso da cópia, da
memorização, do trabalho com textos simples com o objetivo apenas de levar o
aluno ao domínio do código escrito.
Para romper com essa tradição, Cândida buscou aprimorar a sua prática
partindo das idéias de Emília Ferreiro que foram introduzidas na área da
alfabetização. Segundo a professora, esse foi um momento de novas aprendizagens
e possibilidade de enriquecimento no seu trabalho, pois estava aprisionada pela
cartilha e precisa sair dessa condição. A partir do construtivismo, a professora
salienta que passou a trabalhar com textos variados, a considerar as experiências
das crianças, a elaborar projetos de trabalho a partir de temas relevantes para as
crianças e a trabalhar com as palavras independentemente das dificuldades. Na
prática, de acordo com suas palavras, a alteração mais significativa foi a de não
apresentar as famílias silábicas seguindo uma determinada ordem. Contudo, as
sílabas continuaram a ser apresentadas, o que revela que a introdução do ideário
construtivista na alfabetização não conseguiu romper com o princípio silábico da
língua como unidade básica e determinante no processo de ensino da língua.
De fato, o trabalho de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999) sobre os
processos de aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares repercutiu
amplamente entre os alfabetizadores. Através de seus estudos, a preocupação dos
professores deixou de ser com os métodos, como Cândida assinala em um
momento da entrevista em que disse que não se falava em método, e passaram a
ser valorizadas as produções escritas das crianças a partir do incentivo que lhes era
dado para a produção de escrita espontânea.
Com a escrita espontânea, os erros das crianças ficaram evidenciados e, no
decorrer dos anos, como acentua Cândida, foram surgindo muitas dúvidas a respeito
dessa questão. Conseqüentemente, passaram a ser feitas diversas críticas ao
construtivismo devido ao entendimento de que o professor não poderia corrigir o erro
do aluno. O fato de essa professora, naquele dado momento, cursar Pedagogia,
possibilitou-lhe uma maior compreensão sobre a questão do erro dentro da
perspectiva construtivista, conforme revela o depoimento abaixo:
Cândida: Eu não entendia que era um erro e que eu deveria deixar pra lá. Eu
entendia naquela época que era a maneira dele escrever e que o professor deveria
fazer a mediação para a criança avançar. Isto infelizmente nem todos os
profissionais tiveram essa oportunidade. A crítica foi deixar a criança escrever
errado, ai que lindo ele escreveu bola usando o o e a e a professora acha a coisa
mais linda. Eu não via dessa maneira porque eu estava estudando e a gente lia
muito. Eu não tive essa dificuldade de deixar a criança escrever errado. Eu fazia uma
avaliação daquela escrita. Usando o O e A ele tinha a lógica dele. O o representava
o bo e o a o la.
Na transposição dos conhecimentos da pesquisa realizada pelas autoras
acima citadas ocorreu uma interpretação equivocada a respeito do pensamento
construtivista, principalmente no tocante à questão do erro, visto que, de acordo com
Ferreiro (2003), a correção ortográfica não deve ser exigida nos primeiros anos da
alfabetização, pois corre o risco de haver uma distorção no processo desde seu
início. Para a autora, “a correção contínua e imediata gera inibição e impede a
reflexão e a confrontação” (FERREIRO, 2003, p. 47), mas, ao mesmo tempo,
ressalta que os erros, dentro dessa perspectiva, precisam ser interpretados pelos
professores, a partir do seu conhecimento acerca das hipóteses que as crianças
constroem a respeito da escrita para que elas avancem em seus conhecimentos em
relação a esse objeto do conhecimento.
Os fatos denotam que, com a introdução do ideário construtivista nas ações
pedagógicas de alfabetização, os docentes que, antes pautavam seu trabalho nas
cartilhas e nos manuais dos professores, ficaram à deriva, tendo que encontrar
soluções para suas dificuldades sobre o como alfabetizar dentro dessa nova
perspectiva por si sós. O que aconteceu no interior das salas de aula de
alfabetização? Muitos continuaram utilizando o que era conhecido e outros
passaram a seguir as prescrições de cursos e de encontros realizados com a
finalidade de divulgar a teoria que foi sendo interpretada, muitas vezes, de forma
reducionista e distorcida, conforme foi explicitado acima.
Para voa (2007), em geral, os professores são profissionais sensíveis ao
efeito da moda lançada no terreno educativo. A adesão pela modao conduz a um
enfrentamento eficaz dos debates educativos, pois se apresenta como uma opção
que não leva à compreensão do que está sendo colocado em pauta nesses debates.
Isto porque, atrás de uma moda, outra virá, alterando superficialmente a prática sem
mudá-la na sua profundidade.
Passo, a seguir, a apresentar o que as professoras relataram sobre suas
práticas de alfabetização realizadas em suas turmas nos dias de hoje.
5.2.1 A alfabetização hoje
Romper com práticas consolidadas que, ao longo de uma determinada época,
foram consideradas eficazes para o ensino da leitura e da escrita, não é uma atitude
simples e confortável para as professoras alfabetizadoras, porque estas possuem
um saber alfabetizar historicamente construído. Esse fato é constatado na fala de
algumas professoras que reconhecem que houve muitas mudanças no
desenvolvimento de seu trabalho, porém, ao mesmo tempo, afirmam que o que
fazem hoje está relacionado ao que fizeram ontem. As mudanças, na realidade, dão-
se pela coexistência de posições teórico-práticas diversas que se encontram,
dialogam, convivendo assim o velho e o novo.
Nos depoimentos abaixo as professoras explicitam os seus modos de
desenvolver a alfabetização em suas turmas.
Cândida: Eu gosto muito é de partir do texto para que as palavras não sejam soltas e
dessa palavra vão surgindo outras, por exemplo, cachorrinho. Eu não gosto de dar o
texto e ir lendo. Eu começo pela ilustração. Então eu perguntei: Será que no texto
tem alguma palavra que tem a ver com o desenho? Eles chegaram à conclusão de
que havia a palavra cachorrinho. Na mesma hora, eu pedi que eles copiassem a
palavra cachorrinho ou na letra palito ou na cursiva. copiaram. Vamos pensar
quantas sílabas tem a palavra cachorrinho. Prestem atenção no movimento da boca.
Eles viram que são quatro sílabas. Então eu perguntei: Qual é a primeira sílaba?
Qual é a última? Vamos falar outras palavras com nho. Então nós temos um desafio:
eu quero ver quem consegue escrever uma palavra que termine igual a cachorrinho.
Agora o desafio é outro: quem consegue formar uma frase com uma dessas
palavras?
Pesquisadora: O que você faz com essas outras palavras ditas pelas crianças?
Cândida: Eu peço para separar as labas. Daquelas palavras eu puxo outros textos.
Eu apresento um outro texto onde a aluno vai ter a oportunidade de encontrar
novamente aquela palavra. E assim vão surgindo novas leituras. Daí a culminância
desse trabalho é uma escrita de uma frase, ou um ditado. Alguma coisa tem que
acontecer para eu ver como estão indo.
Izabel: Eu começo trabalhando com os nomes, a leitura dos nomes, com a chamada
dos nomes que ficam lá na mesa. Eles pegam e colocam no fichário. Depois as letras
dos nomes, a letra inicial de toda a turma. Depois disso, as crianças passam a
conhecer o alfabeto e reconhecer o nome deles sem a ficha. Depois eu apresento o
alfabeto todo até saberem todas as letras. Depois de todas as letras eu trabalho
textos mais simples, simples que eu digo é assim: parlendas, trovas, e dali a gente
sempre observa uma letra que é do nome da Bianca, do Augusto, sempre fazendo
essa comparação. Agora, nós estamos nas labas. Essas sílabas vêm dos textos,
dessas trovinhas. Todos os jogos, alfabeto móvel, montar as palavras que a gente
trabalhou, nomear, mesmo que ainda não saiba corretamente, mas um ajuda o outro.
Pesquisadora: Você trabalha palavras que tem as sílabas já estudadas?
Izabel: Também. Eu trabalho várias palavras e estou fazendo com eles também um
alfabeto, com j escrevo janela jibóia, José. Eu tenho texto que fala do jacaré, onde
ele vive, o que ele come, entro com este texto. Eu tiro a foto do jacaré para ver se
eles encontram a palavra jacaré.
Flávia: É a primeira que estou no ano, então eu na sei o que deveria estar
ensinando, daí eu estou seguindo o livro. Estou nas dificuldades por exemplo do RR.
O que eu faço? Eu dou um texto que tenha palavras com rr.
Pesquisadora: São textos próprios de cartilhas?
Flávia: Não, não. É texto de Cecília Meireles, Vinícius de Moraes. Eu trouxe A casa,
A foca, a gente canta. Eu pego esse texto e peço para eles separarem palavras que
têm RR, que estão escritos da mesma maneira, faço interpretação do texto. Através
dessas palavras peço para formar frases, separar as labas, e eu vou
trabalhando.
Gorete: O trabalho tem sido feito por períodos. A alfabetização parte do trabalho com
o nome deles. A gente trabalha a letra inicial de cada um através de fichas. Depois a
gente pega as outras letras do alfabeto dentro dos outros projetos porque a gente
trabalha a história do nome, a parte da higiene e assim a gente vai explorando as
outras letrinhas do alfabeto. Cada letrinha tem uma quadrinha que é como uma
música. A gente pega outros textos, poesias e entram os projetos. Se o projeto é
sobre o corpo, que a gente está trabalhando o eu, a gente trabalha a poesia que fala
do corpo e vai explorando as letras. vem a Páscoa gente trabalha a letra P. A
gente vai explorando de acordo com os projetos.
Darlene: Eu parto do texto e/ou a palavra através da própria parlenda. Eu trabalho as
letras. A letra que trabalhamos naquela semana eu aproveito. Não tem uma sílaba
específica ou uma letra. O número de letras.
Edna: No início do ano eu trabalho especialmente com o alfabeto. Dou várias
atividades relacionadas com o alfabeto. Depois eu inicio de dois anos para eu
tenho trabalhado com o alfabeto móvel. Então eu pego um tema, por exemplo
brinquedos ou brincadeiras e dentro daquele tema eu trabalho com o alfabeto móvel,
com as palavras-chave daquele texto ou daquela brincadeira.
No tocante à sistematização da alfabetização, percebe-se que há um modo
bastante semelhante de realizar as atividades nas duas escolas onde essas
profissionais atuam, o que pode traduzir modos semelhantes de pensar como se
o processo de ensino e aprendizagem da língua escrita.
Os encadeamentos das atividades de apropriação do sistema de escrita
alfabético relatadas pelas professoras evidenciam que, por um lado, há uma prática
sistemática de alfabetização vinculada aos métodos de alfabetização, sobretudo os
métodos de base analítica que propõem um trabalho com o todo, seja uma palavra,
uma frase ou um texto para, em seguida, trabalhar as partes desse todo. No caso
das professoras entrevistadas, o nome dos alunos e textos como parlenda,
trovinhas, poesias, entre outros, tornaram-se a referência textual principal no início
da alfabetização. Percebe-se que o uso de cartilhas foi abolido e que passaram a
ser usados textos que são apresentados nos livros didáticos
16
. Além disso, há
reflexos das orientações dadas a partir das idéias construtivas, qual seja a de
permitir o quanto antes o acesso à escrita do nome próprio (FERREIRO, 2003). Por
outro lado, analisando o discurso da professora Edna vê-se que é apresentado
inicialmente o alfabeto para, em seguida, trabalhar com palavras. O procedimento
adotado por essa professora se relaciona, de acordo com Frade (2005), com o
método alfabético, o qual consiste em apresentar as partes mínimas da escrita, isto
é, as letras do alfabeto que, ao se juntarem umas às outras, formam sílabas ou
palavras. O alfabeto móvel é citado como o principal material didático que contribui
de modo significativo na promoção do aprendizado da escrita e da leitura.
No desenvolvimento do trabalho alfabetizador, constata-se em seus relatos
que não são apresentadas as letras e as sílabas seguindo uma determinada
seqüência como nas cartilhas, pois estas vão sendo apresentadas no decorrer do
trabalho com textos, palavras, enfim, dependendo das situações vividas em cada
turma. Ao mesmo tempo, o ensino se pela apresentação gradual das unidades
lingüísticas, em que através de um texto, palavra ou frase o aluno passa a conhecer
as letras, sílabas e palavras para, posteriormente, escrever palavras, frases e textos,
ou seja, controlando a produção escrita da criança.
Diante disso, é possível considerar que o trabalho com a palavra de forma
global parece ser priorizado por um grupo de professoras e que as famílias silábicas
não são tomadas como ponto de partida para o aluno aprender a ler e escrever,
ainda que as sílabas sejam focalizadas em todos os procedimentos relatados pelas
docentes.
De um modo geral, no conjunto de atividades de apropriação do sistema de
escrita relatadas pelas professoras ficaram evidenciadas as seguintes:
leitura das letras iniciais dos nomes dos alunos;
leitura e exploração das letras do alfabeto;
leitura de letras, sílabas, palavras ou frases;
cópia de letras, palavras e frases;
contagem de letras e sílabas em palavras;
identificação de letras e sílabas em palavras;
16
Os livros didáticos adotados pelas escolas são Coleção Porta Aberta de Isabella Carpaneda e
Angiolina Bragança da editora FTD e Alfabetização A escola é nossa de Márcia Paganini Cacequia
da editora Scipione.
identificação e exploração de rimas;
comparação de palavras quanto ao número de letras; ao número de sílabas
e à presença de letras iguais ou diferentes;
formação de palavras a partir de letras ou sílabas contidas nas palavras
dadas;
exploração de diferentes tipos de letras.
A despeito de não declararem utilizar explicitamente um determinado método,
os princípios que organizam o processo de alfabetização desenvolvido pelas
professoras foram apropriados e reelaborados por cada uma a partir de suas
experiências enquanto alunas e de sua prática docente. Embora apresentem modos
de fazer semelhantes, cada uma tem um jeito particular de ensinar, o que acaba
traduzindo-se num método de trabalho.
5.2.2 A leitura
Antes de abordar as atividades de leitura desenvolvidas nas turmas das
professoras investigadas, retomo algumas questões a serem consideradas acerca
do desenvolvimento da prática de leitura na escola, sobretudo nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. É importante ressaltar que, historicamente, a leitura foi vista
como uma atividade mecânica utilizada com o objetivo de decodificar palavras e de
retirar informações explícitas contidas no texto. Acreditava-se que, a partir do ensino
da leitura baseado na memorização de sílabas, palavras ou frases soltas, no
primeiro ano de escolarização, o aluno estaria capacitado para ler todo e qualquer
tipo de texto.
Os trabalhos realizados por Kleiman (2002 e 2004) apontam que, hoje, se
sabe que o leitor constrói o sentido do texto através da interação que estabelece
entre os seus conhecimentos lingüístico, textual e de mundo. O conhecimento
lingüístico é o que faz com que falemos o português como falantes nativos, logo se
refere às regras da língua, ao vocabulário e ao uso da língua. O conhecimento
textual é o conjunto de noções e conceitos sobre o texto e o conhecimento de
mundo que pode ser construído formalmente como informalmente. Desse modo, a
autora destaca que a leitura é uma atividade cognitiva, em que os três
conhecimentos devem ser ativados, o que mostra que o ato de ler vai além da
decodificação. Ao mesmo tempo, a leitura é uma atividade social, uma vez que
pressupõe a comunicação entre os sujeitos que querem se comunicar estando
distantes ou não, apresentando objetivos e necessidades que são determinadas
pela interação estabelecida: ler para quê, com que objetivo, para interagir com
quem. As maneiras de produzir sentidos do texto dependem das interações e do
contexto em que a atividade lingüística ocorre. Ler, portanto, é uma atividade
especificamente humana e nos faz constituir como interlocutores. Pode ser uma
atividade solitária, no sentido físico, mas é, sobretudo, um ato interlocutivo,
dialógico. Como Bakhtin (2003, p. 311) diz “o acontecimento da vida do texto, isto é
a sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na fronteira de duas consciências,
de dois sujeitos.”
Como a escola, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, vem
promovendo situações de leitura? Quais atividades são desenvolvidas de modo a
levar a criança a compreender que o ato de ler não é apenas um conhecimento
escolar, mas, sobretudo, um conhecimento que lhe permite ter acesso a novos
conhecimentos e a ser incluído na sociedade letrada?
Assim, a respeito das atividades de práticas de leitura, foi apontado pelas
docentes durante as entrevistas que são utilizados diferentes suportes como:
rótulos, livros de literatura, os textos dos livros didáticos adotados, textos
recortados de livros didáticos mais antigos, folhetos de propagandas, recortes de
notícias de jornais, textos mimeografados ou xerocados. Além disso, parlendas,
cantigas, trovas, poesias, contos, são, entre outros, os textos mais citados pelas
professoras no trabalho com a leitura, o que demonstra as alterações
significativas dos materiais didáticos oferecidos aos alunos ao iniciarem o
processo de apropriação da leitura e da escrita. Ficou destacado também em
seus depoimentos que a preocupação ao programarem as atividades de leitura
reside em oferecer sempre textos significativos e reais, através de leitura coletiva
e ou individual.
Gorete: Distribuo livros, a gente tem cantinho da leitura. No começo da aula a gente
faz a leitura dos cartazes da sala de aula. Eles mostram as palavras que conhecem.
Tem menino que já lê uma quadrinha, então outros já decoraram.
Edna: Na alfabetização eu sou bem tradicional. Eu busco textos que me servem para
alfabetizar. A partir daí vou trabalhando com rótulos, com leitura, com livro didático,
livros de literatura. Leitura de recortes de livros usados, pequenos textos, eles levam
para a casa, lêem na escola. Eu faço um dia para a leitura, empréstimos.
Izabel: Eu uso para a leitura os textos que inclusive tem no livro didático e em outros,
digito ou xeroco e aí dou de dever de casa, para ler, dou para ilustrar.
Cândida: Eu trabalho a literatura infantil de diversas maneiras, uma hora ilustrando,
outra hora escrevendo, outra hora fazendo uma dobradura, ou trabalhinhos com
massinha ou uma pintura e isso vai tendo um significado e a partir desse momento
eu acho que a alfabetização está acontecendo.Você trabalhou com um livro de
literatura, não precisa escrever nada naquele dia, se você permitiu que a criança
desenhasse e deu a oportunidade dela falar sobre aquele desenho, sobre a história,
você já está preparando aquela criança para a escrita.
Será que a leitura está sendo considerada como uma atividade cognitiva e
social pelas professoras?
No relato de Edna fica claro que os textos são utilizados para alfabetizar,
sendo, pois, pretextos para o desenvolvimento de atividades que levem os
alunos à apropriação do sistema de escrita alfabética como reconhecer as letras,
o número de letras das palavras, palavras-chave utilizando o alfabeto móvel,
reconhecimento de sílabas, as dificuldades ortográficas, separação de sílabas,
escrita de frases, entre outras. Após esse aprendizado é que são apresentados
textos em diferentes suportes para os alunos. É importante que a apropriação do
sistema alfabético se dê através de textos reais, no entanto, se forem utilizados
apenas com essa finalidade, a prática da leitura na escola não favorecerá o
entendimento da criança sobre a natureza dialógica da linguagem.
É mister que haja o reconhecimento do código da língua, mas também é
preciso que no ato de ler haja a produção de sentidos, o qual se efetuará a partir de
uma atitude responsiva acerca de um determinado enunciado no processo de
compreensão. Bakhtin (
2004, p. 93)
diz que:
[...] o essencial na tarefa de descodificação não consiste em
reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto
concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação
particular.
Se separarmos o reconhecimento do sistema da língua da compreensão, não
haverá linguagem para o falante. O sentido não se esgota nas palavras registradas,
porque o basta reconhecer o que está escrito, mas compreender o que o texto
veicula.
Um ponto importante se refere ao cantinho de leitura mencionado por
Gorete e ao dia de leitura e empréstimo citado por Edna, o que pode indicar uma
iniciativa para que em suas turmas os alunos tenham acesso a textos literários e
desenvolvam o interesse pela leitura.
Outro aspecto que se observa na fala da professora Cândida é a intenção de
trabalhar algumas formas de linguagem como a oralidade, o desenho, de modo a
proporcionar oportunidades para que seus alunos, após lerem, relatem sobre o que
leram ou desenhem.
Um fato curioso ocorreu no último encontro com as professoras Edna,
Darlene e Gorete que adensa a compreensão por mim feita a respeito da prática de
leitura como pretexto para levar o aluno ao domínio do código alfabético. Ao longo
dos diálogos que fomos estabelecendo durante a entrevista e devido às reflexões
que foram suscitadas nos encontros anteriores, Edna relatou:
Edna: No livro de Português tem um texto que fala sobre a Declaração dos direitos
das crianças. Eu discuti todas as questões e eu já aproveitei para trabalhar a
alfabetização. Eu trabalhei com os direitos na sala de aula e coisas que eles vão
levar para a vida deles. Depois eu fui focar o c cedilha.
Pesquisadora: Você acha que deveria ter feito diferente?
Edna: Talvez não trabalhar o c cedilha. Deixar para outro dia, não, necessariamente,
depois de toda a discussão legal que a gente fez e que eles participaram tanto.
Falaram da violência, dos maus tratos que recebem da família, dos pais. Aquilo foi
uma lição de vida para mim. Acabou aquele momento eu fui logo trabalhando a
cedilha. Tinha uma atividade no livro que focava a cedilha. Eu me critiquei depois.
Bakhtin (2003, p. 400) declara que “cada palavra (cada signo) do texto
leva para além dos seus limites”. A partir das palavras do texto lido e discutido
em sala, foi possível à professora conhecer muitos aspectos da vida de seus
alunos que, até então, eram desconhecidos por ela, além de possibilitar a
discussão em sala de assuntos interessantes que extrapolaram as palavras
escritas, o que fez com que a participação de todos fosse efetiva, pois tiveram a
oportunidade de dizer. Ao adotar uma postura dialógica no processo de ensino-
aprendizado, os alunos foram encorajados a lerem o mundo por meio da leitura
do texto e da participação nas discussões. Entretanto, a preocupação com o
reconhecimento e o emprego do sinal diacrítico cedilha pelos alunos fez com que
a professora não percebesse a importância do diálogo que foi estabelecido entre
o texto lido e o texto vivido pelas crianças. Após ter adotado esse procedimento,
a professora, através de seu excedente de visão, toma consciência do que fizera
quando reflete e critica o seu trabalho. Nesse momento, a sua consciência ficou
refletida em suas palavras. (VYGOTSKY, 2001). Essa reflexão sobre seu ato
poderá provocar mudanças em sua prática.
5.2.3 A escrita
Leitura e escrita, apesar de exigirem propostas metodológicas diferentes de
ensino, não são processos dicotômicos. Logo, em relação à linguagem escrita, como
esta tem sido entendida? As atividades de escrita são orientadas a partir dos textos
lidos pelas crianças em suas vidas e na escola? Para responder essas questões,
destaco, a seguir, alguns relatos que emergiram das entrevistas e que são
reveladores do trabalho pedagógico realizado nas turmas em torno da produção
escrita:
Edna: Primeiro, eles fazem escrita de palavras, de frases, bem tradicional. Depois eu
caminho para a produção de texto, propriamente dito. Eles fazem o início do texto, o
final, um título diferente. Essa parte é mais no final do ano, a partir do momento em
que ele já está fazendo frase.
Gorete: Na escrita eu dou para eles escreverem frases, às vezes eles escrevem
palavrinhas. Eu dou muita cruzadinha, caça-palavras, alfabeto móvel. Por ex: Se eu
vou fazer uma cruzadinha, eu pego todas as letras das palavras e faço num pedaço
de papel e distribuo para a turma. A gente vai escrever uma palavra. Eu pergunto:
Que letra a gente vai usar? Cada um fala a letra que tem e a gente vai montando a
palavra no quadro e, às vezes, na carteira.
Darlene: Eu vou te falar a verdade, antes dos nossos encontros com você eu não
me preocupava com a escrita não, era mais a leitura. Com a escrita espontânea
deles eu não tinha a preocupação a não ser de gravuras. Eu havia dado para as
crianças várias figuras recortadas de jornal, de várias cores e mostrava a figura para
as crianças e eles iam dizendo com que letra começava a palavra, por ex: árvore.
Vamos ver os objetos que temos na sala. Então vocês vão escrever e pedir para
escreverem nomes de animais, mas não havia a preocupação com a escrita. Mais
com a leitura, com o reconhecimento das letras. Agora eu estou mais interessada
em trabalhar com eles a escrita livre e estou tendo um retorno muito bom. Eu
percebi que eles estão um pouco inseguros.
Izabel: Na sexta-feira, eu pedi para eles fazerem um desenho sobre o que eles
fizeram no final de semana e escreverem sobre o desenho, desenharem o que viram
na televisão e falarem para os colegas. Muita coisa prática sabe, coisa do dia-a-dia.
A gente faz textos coletivamente. Pode até ter um destinatário real, por exemplo: a
gente ia cantar parabéns para os aniversariantes do mês, eles fizeram um convite
porque queriam que a Sandra fosse para cantar parabéns junto com eles. Então
escrevemos o convite e eles entregaram para ela.
Flávia: Eu estava trabalhando com o livro de literatura “O curumim que virou gigante”
para eles identificarem o título, o autor. Eu dei primeiro a atividade seqüenciada para
ver se eles têm esse desenvolvimento de raciocínio. Depois, eu dei este aqui sobre o
ET ( a professora mostra a atividade). Esse do ET eu vi que eles estavam com muita
dificuldade de inventar uma história, eles não sabiam de onde sair. eles me
perguntaram o que eu gostaria que eles escrevessem. A história é de vocês. A gente
já trabalhou o texto, já sabe o que é. Eu dei essa atividade para ver a produção deles
em cima de um texto para ver o que sairia. Eles tiveram muita dificuldade. Então eu
bolei essa atividade aqui para ver se eles tiravam da figura as informações que eu
pedi para eles. Tudo eles inventando. O próximo passo é uma outra produção de
texto onde a gente pode lembrar deste trabalho e eles olharem a figura e virem o que
podem inventar dessa figura. Começar com uma produção de texto que mexa mais
com a criatividade deles porque eles não conseguiram realizar esta daqui (no caso a
do ET).
A partir dos depoimentos de Edna, Darlene e Gorete, é plausível pensar que
as atividades de produção de escrita propostas aos seus alunos não lhes propiciam
a oportunidade de escreverem de modo espontâneo, de dizerem, de se colocarem
diante dos textos escritos e de terem autoria. Apesar de terem relatado que
trabalham com textos variados, usados socialmente, estes não orientam as
atividades de produção escrita em suas turmas. São dadas poucas possibilidades às
crianças de elaborarem tentativas, de brincarem com as palavras, de criarem
hipóteses sobre a escrita, uma vez que seus alunos não são chamados a
produzirem textos significativos de forma não convencional desde o início de sua
escolarização. Isso só será possível, à medida que os alunos demonstrarem domínio
do conhecimento do alfabeto, das sílabas, saberem escrever palavras e frases.
A redução da escrita às atividades de escrita de letras, palavras e frases
acaba por destituí-la de significados, dissociando a prática social da escrita da
prática escolar de uso da escrita. Daí, o exercício da escrita se torna uma atividade
puramente mecânica e logo entedia as crianças, pois “suas atividades não se
expressarão em sua escrita e suas personalidades não desabrocharão
(VYGOTSKY, 1991 [1929], p. 133). Os alunos escrevem palavras e frases para
aprender a escrever, mas o para escrever, porque não uma produção escrita
para ser lida pelos outros, apenas pela professora.
Cabe, pois, destacar as palavras de Smolka (1993) quando pontua que
grande parte de nossas escolas concebe a leitura e a escrita apenas como
decodificação e codificação. Ensinam as crianças a escrever, mas o a dizer. A
escrita é desenvolvida conforme os padrões estabelecidos pela escola e não em
função da construção de hipóteses pela criança e nem do ponto de vista da
interdiscursividade, o qual inclui fundamentalmente o aspecto social das funções,
das condições e do funcionamento da escrita.
Para Vygotsky (1991
[1929]
), a compreensão e o domínio da escrita pela
criança constitui um momento decisivo no seu desenvolvimento cultural. Dessa
forma, o autor, em 1929, juntamente com Luria, um dos seus colaboradores, buscou
compreender a história do desenvolvimento da escrita na criança, desenvolvendo
um estudo sobre o que ele denominou de “a pré-história da linguagem escrita” a fim
de mostrar o que leva as crianças a escreverem, os pontos importantes pelos quais
passa esse desenvolvimento pré-histórico e qual a sua relação com o aprendizado
escolar. Para tanto, delineou um percurso do simbolismo que inicia com o gesto,
depois passa pelo jogo, pelo desenho, até chegar ao ponto em que a criança
consegue perceber que poderá representar a sua fala através de desenho,
apreendendo a escrita com função interacional e pessoal.
Nesse sentido, Vygotsky interpreta o gesto como o signo visual inicial no qual
está contida a futura escrita, como se fosse a escrita no ar e os signos fossem os
gestos que foram fixados. Os gestos estão ligados à origem dos signos escritos
através dos rabiscos das crianças, de quem, em geral, desenhos e rabiscos são
vistos mais como gestos do que como desenho propriamente dito, e aos jogos das
crianças, para quem alguns objetos podem denotar outros, substituindo
-
os e
tornando-se seus signos, que não importa a similaridade do objeto com que se
brinca com o objeto denotado. Gesto, jogo e desenho, mediados pela fala,
representam formas particulares de linguagem com suas funções simbólicas que
possibilitam a aprendizagem da linguagem escrita enquanto atividade simbólica.
Vygotsky assevera que o ensino da escrita deve ser organizado de forma que
essa prática se torne necessária às crianças, ou seja, a escrita deve ser uma tarefa
relevante à vida. Sendo assim, aprender a escrever implica não apenas aprender a
associação entre letras e sons, mas também a capacidade de usar a escrita nas
diferentes práticas sociais que irão requerer o seu uso.
O que determina as relações dos indivíduos com a leitura e a escrita são as
necessidades de interação surgidas no seu cotidiano, embora com intensidades e
valores diferenciados. Portanto, se procurarmos entender como vem ocorrendo o
desenvolvimento da escrita ao longo da história da humanidade, constataremos que
o seu surgimento decorre das necessidades da vida humana. Como destaca Lúria
(1988), talvez seja possível que a origem da escrita seja encontrada na necessidade
do homem de registrar quantidades. Nesse caso, a atividade proposta por Izabel
possibilitou a interação social dos alunos com Sandra através da escrita,
contribuindo, assim, para que os mesmos reconhecessem a função interativa da
escrita, uma vez que as crianças redigiram um convite para um interlocutor real e a
partir dessa ação puderam contar com a presença da pessoa convidada na festa
realizada na sala de aula.
Cagliari (1998) assegura que, na alfabetização, o objetivo da prática de
produção de texto é ensinar os alunos a passar seus conhecimentos sobre a
linguagem oral para a forma escrita, levando-os a produzir texto de todos os tipos,
de acordo com as exigências culturais. Além disso, deve-se considerar a
necessidade de interlocutores e leitores para o que produz.
Portanto, a escola precisa considerar que o cidadão do século XXI vive
imerso numa sociedade letrada, onde a presença da escrita é extremamente
marcante. De um modo geral, desde cedo, as crianças vivenciam experiências
diversas com a linguagem escrita, pois vivem com adultos que utilizam a escrita com
diferentes funções. Hoje, as crianças freqüentam a escola desde muito pequenas,
enfim, o contato com a escrita se desde que nascem. Assim, através do
compartilhamento de instâncias de uso da escrita, a criança vai construindo o
significado para a sua aprendizagem, percebendo quando precisamos escrever, seja
para nos comunicarmos a distância, informarmo-nos, orientarmo-nos, ou seja,
apenas como auxílio à memória. Dessa forma, a construção da escrita pela criança
se desenvolve em situações de uso real dessa língua e não através do ensino da
escrita apenas como habilidade motora. É evidente que isso não ocorre com todas
as crianças, mas grande parte delas chega à escola tendo vivenciado muitas
práticas de escrita e leitura e compreendendo que a leitura e a escrita fazem parte
da corrente da comunicação verbal.
Diante do que foi mencionado por Flávia, considero que o ato de escrever, do
ponto de vista da professora, está relacionado a dois aspectos, quais sejam, ter o
que dizer a partir da leitura de algum texto e dizer. Dessa forma, a estratégia
utilizada não correspondeu às necessidades e interesses dos seus alunos a ponto
de estes o compreenderam a proposta de produção escrita da professora,
levando-os a perguntar-lhe o que ela gostaria que eles escrevessem, reforçando a
idéia de que, geralmente, a prática da escrita serve para atender às expectativas das
professoras. Uma outra produção de texto proposta pela professora foi
desencadeada através do pedido da escrita de um texto a partir de uma gravura.
Assim, o que a criança deveria dizer fora suscitado pela gravura, não havendo
relação com a sua vivência, sua experiência e sua necessidade de comunicação.
Nas palavras de Geraldi (1993, p. 137), para a produção de um texto escrito
ou oral, é necessário que
a) se tenha algo a dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se
tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o
locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para
quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo);
se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c), e (d).
Percebe-se que nas atividades de escrita descritas por Flávia faltaram as
estratégias acima mencionadas. A criança tinha que dizer algo sobre a gravura
apenas para cumprir uma tarefa escolar e através dela seria avaliada a sua
criatividade.
Antes de finalizar essas considerações, quero registrar um outro fato
importante relatado por Gorete, no último encontro, após termos refletido sobre a
alfabetização, a escrita e a leitura. Nesse dia, as três destacaram que seus alunos
apresentam medo quando o solicitados a escreverem, pois ficam preocupados
com os erros que poderão ocorrer em suas escritas. Gorete, então, pontuou que as
crianças devem apresentar esse medo pelo fato de as estratégias por elas utilizadas
não permitirem que a escrita das crianças seja realmente espontânea. O relato a
seguir apresenta a reflexão da professora:
Gorete: Ontem, eles terminaram de fazer uma atividade e eu tinha folha cor de
rosa para eles. Eles queriam desenhar, então eu dei uma folha cor de rosa para uma
aluna e ela fez um coração naquela folha cor de rosa e todo mundo quis a folha cor
de rosa para fazer um coração. Dentro do coração, eles quiseram escrever uma
mensagem para a mãe e eles começaram a escrever. Eu nem dei a atividade que eu
havia preparado e fui trabalhar aquilo ali. Quer dizer, aconteceu naquele momento e
surgiu deles. Então ninguém teve medo, ninguém ficou preocupado em errar. O
que eles não sabiam, eles levantavam o dedo e me perguntavam. Eu procuro fazer
com que a criança reflita sobre a palavra que ela vai escrever. Então assim eu vi que
saiu uma produção espontânea realmente, sem medo. De uma folha cor de rosa que
virou um coração.
A palavra espontânea aqui empregada por Gorete denota a necessidade de a
criança ser, de fato, autora do que diz e a escrita ter sido realizada para atender a
uma expectativa dos alunos e não da escola, porque nem podemos considerá-la
como uma atividade meramente escolar, que nem fora solicitada pela professora.
O texto escrito pelas crianças não foi um ditado de palavras conhecidas, uma
cópia de uma parlenda trabalhada, uma palavra ou frase escrita a partir do tema do
projeto que estava sendo desenvolvido na turma, mas uma escrita de fato
espontânea. A proposta surgira através de uma aluna da turma, que se tornou a
protagonista de um evento discursivo. Foi, inicialmente, uma elaboração individual
que passou a ser vivenciada pelas demais crianças que se sentiram motivadas a
escrever porque havia o que dizer, para quem dizer, como dizer. De acordo com
Kramer (1994), a criança interage com a língua somente sendo autora, lida e ouvida
pelos outros, pois assim vai penetrando na escrita viva e real, uma escrita feita na
história.
A professora apreendeu a importância daquele momento para as crianças e
abandonou o seu planejamento para mediar a construção da escrita de seus alunos.
Desse modo, revelou compreender que a linguagem existe e se organiza para
funcionar na interlocução, pois nossa atividade lingüística se realiza por meio de
textos, os quais são produzidos em função das necessidades comunicativas dos
interlocutores no interior de cada esfera da atividade humana. O relato de Gorete
indica que, para se pensar em qualquer alteração na prática pedagógica de
alfabetização, é preciso romper com modelos de ação socialmente construídos.
Nesse contexto, a partir dos relatos das atividades desenvolvidas pelas
professoras e dos seus discursos sobre a alfabetização e o letramento, passo a
discutir as concepções de alfabetização das professoras que foram sujeitos desta
pesquisa.
5.3 As concepções de alfabetização no discurso das professoras entrevistadas
Os conceitos o construções históricas e ideológicas que variam em
diferentes espaços e tempos e resultam do debate científico e de demandas sociais.
Desse modo, o que as professoras dizem e pensam a respeito da alfabetização, do
letramento, da idéia do que seja uma pessoa alfabetizada reflete as construções
elaboradas por cada uma a partir dos discursos alheios que, ao serem
internalizados, tornaram-se suas palavras. Para Bakhtin (2004), essas palavras o
são neutras, posto que emergem de um contexto cultural com valores e significados.
É um ato responsivo, uma tomada de posição dentro de um contexto pensado,
vivido e falado.
Ao longo das entrevistas, desde que iniciamos nossas reflexões acerca do
processo de alfabetização, as professoras indicaram que, além da alfabetização,
um outro fenômeno a ser considerado dentro do ensino-aprendizado da linguagem
escrita: o letramento. De modo bem semelhante, as professoras entrevistadas, além
de distinguirem a alfabetização e o letramento, destacaram a interface entre os dois
processos.
Tal fato revela que houve da parte das docentes uma preocupação em
aproximar os seus discursos aos discursos presentes nos cursos de formação
continuada, nos encontros das secretarias de educação, nos textos acadêmicos,
enfim, na literatura que faz referência à alfabetização e ao letramento. De certa
forma, essa aproximação configura-se como um aspecto positivo, uma vez que
demonstra que as professoras participantes desta pesquisa não desconhecem as
questões que estão sendo discutidas hoje sobre a alfabetização no cenário
educacional brasileiro, ainda que não haja uma apropriação ampla desse conceito
dentro de suas práticas.
Conforme foi apontado anteriormente, o trabalho desenvolvido por vários
especialistas da área da linguagem destaca que o letramento surgiu a partir de uma
ampliação progressiva do próprio conceito de alfabetização para atender a
demandas sociais e políticas, levando a considerar alfabetizada a pessoa que, além
de dominar o sistema de escrita e as capacidades básicas de escrita e leitura, sabe
usar esses conhecimentos em suas práticas sociais em que a escrita se faz
necessária. Logo, apesar de os dois processos serem considerados distintos, o,
ao mesmo tempo, interdependentes e indissociáveis. Por outro lado, cabe lembrar
que outros pesquisadores que tendem a utilizar apenas o termo alfabetização
para designar tanto o domínio do sistema de escrita quanto os usos da língua escrita
em práticas sociais.
Com base nessas idéias, as professoras revelam nos seus enunciados a sua
compreensão acerca do processo de alfabetização:
Pesquisadora: Diante de tudo o que vocês colocaram, o que é alfabetização para
vocês?
Flávia: É ensinar o menino a ler e escrever.
Cândida: Eu acho que é ser capaz de decodificar, ler e saber qual o sentido daquela
leitura. É criar situações em que ele vai ler e escrever.
Izabel: É ensinar a ler e a escrever.
Gorete: Para mim é adquirir habilidades de ler, interpretar e escrever.
Edna: Eu penso assim também, mas vai um pouquinho além disso, porque a criança
se alfabetiza também numa excursão, na igreja, no meio social em que ela vive. Ela
aprende muita coisa também com a família. Todo esse conjunto se complementa o
tempo todo.
Darlene: Para mim, alfabetizar é a união desse conhecimento que a criança sabe
com aquilo que a escola pode oferecer. O objetivo da escola é oferecer esse
ambiente para que a criança tenha sucesso no desenvolvimento dessas habilidades
que foram faladas.
Pesquisadora: Para a criança se alfabetizar basta estar inserida na família, na igreja?
Darlene: Não. Na interação
Edna: Tem que haver um meio, um suporte. Juntamente com a escola.
Por um lado, depreende-se de seus depoimentos que a alfabetização está
relacionada ao ensino-aprendizagem inicial da leitura e da escrita e do
funcionamento do sistema da escrita, estando ligada a uma definição restrita desse
processo. Por outro lado, Edna e Darlene consideram que a alfabetização se inicia
antes de a criança entrar para a escola porque é preciso considerar os outros
contextos sociais que oferecem possibilidades das crianças se alfabetizarem. Tal
consideração nos remete ao que já foi discutido sobre a necessidade da escola levar
em conta o conhecimento que a criança vem construindo acerca do
funcionamento da língua antes de sua inserção no contexto escolar, à medida que
participam e observam fatos de sua própria cultura. Percebe-se nos enunciados
dessas duas professoras uma certa ampliação do conceito de alfabetização.
Contudo, cabe ressaltar que embora o contexto social do indivíduo o insira em
práticas sociais de uso da leitura e da escrita, o domínio da aquisição do sistema de
escrita e as técnicas para seu uso depende da mediação, incluindo, nesse caso, a
intervenção pedagógica para que o sujeito possa participar efetivamente dessas
práticas. Mesmo que as famílias e outros diferentes contextos em que a criança
esteja inserida possam, muitas vezes, serem considerados como espaços de
aprendizagem da leitura e da escrita, a escola ainda é a principal via de acesso à
alfabetização para a maioria das crianças de nosso país, sobretudo para aquelas
advindas das camadas populares, como é o caso daquelas que freqüentam as
escolas em questão.
Nesse sentido, o desafio da escola é ampliar esses conhecimentos que a
criança possui, desenvolvendo o processo de alfabetização de forma sistematizada,
possibilitando ao aluno ampliar as possibilidades dos usos lingüísticos da escrita. É
na escola que a criança será orientada metodologicamente para se tornar
alfabetizada. Diante disso, no desenvolvimento do processo de alfabetização
escolar, tornam-se importantes determinados procedimentos que contribuem para a
aprendizagem da leitura e da escrita, como: reconhecer letras, categorizar letras
grafadas de forma diferente, realizar processos de análise e síntese de sílabas e
palavras, adquirir fluência em leitura e rapidez na escrita. Outros aspectos que
devem ser também considerados dizem respeito às habilidades motoras e
cognitivas, como segurar adequadamente o pis, desenvolver a coordenação
motora necessária à escrita, posicionar-se adequadamente para ler e escrever,
saber como se faz a seqüenciação do texto nas páginas, conhecer a organização
gráfica do escrito na página. Contudo, essas habilidades motoras não o condição
prévia para o aprendizado da escrita como era proposto na prática do período
preparatório, anunciando, assim, a necessidade de se considerar a alfabetização
dentro de uma concepção mais ampla. (SOARES e BATISTA, 2005)
Tendo sido o letramento mencionado pelas professoras entrevistadas, cabe
salientar que esse novo fenômeno, que chegou às escolas recentemente vem
trazendo desafios e dilemas para a prática de sala de aula. Vale, nesse momento,
reproduzir o depoimento da professora Cândida sobre a apropriação pedagógica do
conceito de letramento e suas repercussões na prática pedagógica da alfabetização:
Cândida: Depois da crítica ao construtivismo veio a questão do letramento que a
gente mais ouviu falar. O que aconteceu? Eu tive essa experiência no período. Eu
abri os cadernos dos alunos no final do ano, o caderno da aluna Patrícia, tanta coisa
legal que eu tinha trabalhado, mas sabe quem ensinou a Patrícia a ler? Como foi que
ela conseguiu? Foi com o pai dela, um homem quase analfabeto. Porque eu ficava
preocupada em trabalhar com textos, com coisas diferentes, mas eu estava deixando
no cantinho a questão de juntar letras, sílabas, de decodificar e codificar. Eles
tiveram dificuldades. O trabalho era bom, mas a leitura não fluiu. Aquilo me deu uma
frustração, eu fiquei tão chateada com isso. Eu dei conta de que não estava
trabalhando com atividades de base alfabética. A gente não apresentava mais sílaba.
Deus me livre se a gente falasse na tal da sílaba, era um caso sério e virou um
pecado mortal. Eu não estava alfabetizando. Eu estava só letrando.
De fato, com a introdução do construtivismo na prática alfabetizadora e,
posteriormente, com o surgimento do letramento, foi instalado um preconceito a
respeito do trabalho com as especificidades da alfabetização como a decifração e a
codificação. Cagliari (2007) sustenta que a alfabetização, no sentido técnico,
continua sendo a habilidade de saber ler, ou seja, de decifrar o que está escrito. O
autor salienta ainda que a visão de letramento, em alguns casos, acabou gerando a
idéia de que alfabetizar não é aprender a decifrar, mas entender textos, o que fez
surgir uma nova abordagem de ensino e de aprendizagem baseada apenas em
atividades de interpretação de textos. Assim, a alfabetização não pode ficar diluída
no processo de letramento.
Alargando essa discussão, Frade (2003) ressalta que a apropriação do
conceito de letramento na área da educação, indiretamente, vem obscurecendo as
preocupações dos professores com a alfabetização. Destaca, ainda, que não será
somente por imersão em eventos de letramento que os alunos aprenderão a ler e
escrever, é necessário um trabalho de sistematização da alfabetização, de um
ensino explícito das relações entre letra e som.
Entretanto, as professoras que continuaram a trabalhar com a decifração
passaram a fazê-lo constrangidas, retratando o que aconteceu com a professora
Cândida. A sua experiência enquanto alfabetizadora a fazia perceber a necessidade
de desenvolver um trabalho que levasse a criança a refletir sobre o sistema de
escrita. Como ouviu falar sobre o letramento, houve da sua parte uma apropriação
superficial do conceito, em que bastava o contato e a interpretação de diferentes
textos para que a criança se alfabetizasse. A prática alfabetizadora destacada por
essa docente demonstra que, na maioria das vezes, os professores alfabetizadores
vão recebendo essas inovações pedagógicas sobre a alfabetização nas
universidades, nas secretarias de educação, em cursos de formação continuada e
trazem para sua prática sem terem clareza do que estão fazendo e acabam se
perdendo, pois não dão conta do que orienta de fato suas ações. Estar consciente
do como fazer, o que fazer e por que fazer é de fundamental importância para que
seu trabalho promova o seu crescimento profissional e a aprendizagem efetiva de
seus alunos.
Da mesma forma como acontecera com a introdução das idéias
construtivistas na alfabetização, a partir do conceito de letramento, o trabalho
sistemático com as especificidades da alfabetização perdeu espaço em muitas
práticas pedagógicas de alfabetização. Dessa maneira, as palavras da professora
Cândida refletem as repercussões na prática alfabetizadora das pesquisas
realizadas no campo da alfabetização, a partir da década de 1980, sobretudo
aquelas ligadas à função social da leitura e da escrita e ao processo psicológico de
construção deste conhecimento.
Com base em seu depoimento, percebe-se que o letramento, nos dias de
hoje, a despeito de ser um termo amplamente usado em textos acadêmicos que
tratam sobre as questões relativas à escrita em seus diferentes enfoques e
conhecido pela maioria dos educadores, sua apropriação vem sendo ainda
processada pelos professores, visto que os próprios especialistas da área estão, a
cada dia, construindo novos conhecimentos sobre esse conceito.
Como a alfabetização, no Brasil, ao longo de várias décadas, foi marcada por
uma excessiva preocupação com os exercícios motores e perceptivos, com o
emprego de métodos de alfabetização que priorizavam a relação fonema-grafema,
com a caligrafia, a ortografia, enfim, com os aspectos do sistema da língua, com a
mecânica de ler o que está escrito, em detrimento de um trabalho reflexivo sobre a
língua, essa nova terminologia passou a ser necessária. Cabe ressaltar que o
letramento surgiu, justamente, para apontar a necessidade de se considerar no
ensino da linguagem escrita os seus usos e funções sociais. Isso não significa que,
anteriormente ao surgimento desse conceito, não tenha ocorrido em algumas
práticas alfabetizadoras uma preocupação com os usos sociais da escrita.
Desse modo, o seu surgimento vem ganhando cada vez mais relevância nos
estudos sobre o ensino e aprendizagem da escrita. A alfabetização, sendo
concebida dentro da perspectiva do letramento, rompe com o lugar estreito que a
escrita ocupa na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela
desempenha no desenvolvimento cultural da criança, nas formas mais elaboradas
do comportamento humano, ou seja, nas funções mentais superiores tais como a
memória, a linguagem, raciocínio abstrato etc. (VYGOTSKY, 1991
[1929]
).
Soares (2000) argumenta que, do ponto de vista individual, a aprendizagem
da escrita a partir de práticas sociais da leitura e da escrita altera o estado ou
condição do indivíduo em relação aos aspectos sociais, psíquicos, culturais,
políticos, lingüísticos e até mesmo econômicos. Do ponto de vista social, os efeitos
são de natureza social, cultural, política, econômica e lingüística. Dessa maneira, é
importante a distinção entre os dois processos de modo que o desenvolvimento de
ambos na escola leve o sujeito a alterar o seu estado ou condição de ser letrado,
para que, assim, possa atuar efetivamente nas práticas sociais diversificadas que
requererem a leitura e a produção de textos diversificados, tendo em vista
finalidades também diversificadas. Assim, pode-se considerar que o letramento
pressupõe e possibilita novas formas de inserção cultural.
Retomando os discursos das professoras especificamente sobre esse
conceito, apresento, primeiramente, os depoimentos de Darlene, Gorete e Edna
para, posteriormente, retratar o que pensam as demais professoras pertencentes ao
primeiro grupo de participantes da pesquisa. As falas, a seguir, ilustram a
compreensão dessas professoras acerca do letramento:
Darlene: O externo no caso é o letramento que vai além de decifrar letras, o código
que seria a alfabetização. O letramento é a interpretação, é lidar com o externo
também, aplicar no dia a dia. Um faz parte do outro. Não existe alfabetização sem
letramento. Na alfabetização a criança vai ler e escrever. No letramento vem a
interpretação, a leitura de mundo, vai ao banco e saber usar aquela máquina, o caixa
eletrônico, as placas.
Gorete: Letramento é isso que a gente comentou, o que ele aprende lá fora no dia
a dia dele. Vai ao supermercado e lê os rótulos.
Pesquisadora: E você, Edna, o que pensa sobre o letramento? Você tem algo a
acrescentar?
Edna: Não.
Pesquisadora: O letramento acontece só lá fora?
Gorete: Não. Em todos os lugares. É porque antes deles virem para a escola tem
uma vida fora, vem com uma bagagem. E chega na escola tem a alfabetização.
Eu agora estou em dúvida, será que alfabetização seria o desenvolvimento dessas
habilidades na escola através de uma metodologia? Seria assim?
Darlene: Alfabetização não é na escola. Por ex: A minha filha mais velha está
ensinando algumas coisas à minha filha mais nova que ainda não está na escola, do
jeitinho dela. De certa forma ela está preparando.
Gorete: Mas nesse caso tem uma intenção.
Darlene: E o desenho, a televisão, dvds pedagógicos.
Edna: Tanta coisa.
Gorete: O letramento é uma coisa mais espontânea. Sem uma metodologia coisa
que acontece a todo o momento. E alfabetização tem uma intenção, é direcionada
para aquilo, sistematizada.
Pesquisadora: E o letramento na escola não é sistematizado?
Edna: É legal essa discussão, porque a cada colocação, a gente começa a ver
coisas novas. Eu acho que a criança se alfabetiza e se letra na escola e na
sociedade.
Edna e Darlene, quando falaram sobre o que pensavam a respeito da
alfabetização, revelaram, naquele momento, conceber esse processo de forma mais
ampla. Ao expor suas idéias acerca do letramento, Edna procurou elaborar o que
Bakhtin (2003) chama de compreensão responsiva silenciosa, optando por ouvir
suas colegas de trabalho e, ao mesmo tempo, demonstrar que aquele momento
estava permitindo-lhe construir novas aprendizagens.
Darlene e Gorete enfatizaram em seus discursos a distinção entre
alfabetização e letramento. Do ponto de vista das duas professoras este está, de
certa forma, mais relacionado às situações de leitura e de escrita ocorridas fora do
contexto escolar. Além disso, ficou evidenciado que o letramento ultrapassa a
decodificação do código escrito e não precisa ser sistematizado, uma vez que isso
faz parte da alfabetização. Mediante os diálogos que estabelecemos, fomos
ampliando a discussão em torno do letramento a ponto de as professoras
concluírem que o letramento e a alfabetização se dão na sociedade e na escola.
De fato, o letramento e a alfabetização o se restringem ao processo de
escolarização. A esse respeito, Soares (2000) esclarece que a criança pode ainda
não saber ler e escrever, mas ser letrada pelo fato de viver em contextos de
letramento, onde lhe é possível ver o adulto escrevendo, lendo, utilizando a escrita
em diversas situações com diferentes funções. O contrário também ocorre, isto é, o
indivíduo pode ser alfabetizado, mas não ser letrado porque não exerce as práticas
de leitura e de escrita.
Tfouni (2006) aponta, sob outro enfoque, que, do ponto de vista sócio-
histórico, não existe grau zero de letramento, o que existe são graus de letramento
sem que, com isso pressuponha-se a sua inexistência. Para a autora, nas
sociedades industrializadas modernas não há ausência total do letramento. Além
disso, defende a idéia de que não uma relação direta entre escolarização e
letramento, não sendo possível reduzir esse conceito à idéia de alfabetização. A
noção-eixo do conceito de letramento enquanto processo sócio-histórico é o sujeito
ser autor do seu próprio discurso oral ou escrito. Através de alguns exemplos citados
em seu texto, a autora demonstra que, apesar de alguns sujeitos serem
escolarizados, muitas vezes, não são capazes de serem autores de seu próprio
discurso, enquanto outros que o possuem escolaridade o fazem. A mesma
autora conclui que são considerados sujeitos iletrados aqueles pertencentes a uma
sociedade que não sofre a influência, mesmo que indireta, de um sistema de escrita.
Embora os conceitos de alfabetização, letramento e escolarização
apresentem características próprias, a escola, em nossa sociedade, ainda é a
principal agência de letramento. Sendo assim, os modos como a condição letrada se
constitui no espaço educativo formal dependerão das práticas discursivas que nela
acontecem, visto que o letramento envolve diferentes situações de leitura e de
escrita que inserem o indivíduo numa sociedade letrada, estando presente tanto no
ambiente social como no escolar.
De acordo com Di Nucci (2005), os eventos de letramento que acontecem no
contexto escolar são construídos no processo de interação entre professor e aluno
para que este possa identificar a relação entre as situações de alfabetização e as
necessidades do uso da escrita no cotidiano. É por meio das atividades
contextualizadas no seu cotidiano que o aluno pode identificar as funções da escrita
de acordo com suas necessidades. Esses eventos são denominados letramento
acadêmico ou letramento escolar.
A despeito de considerarem os dois processos como indissociáveis, ainda
não há segurança nos procedimentos adotados em sala de aula pelas professoras
para desenvolverem a alfabetização e o letramento indissociavelmente. Se
analisarmos as atividades que Edna, Darlene e Gorete declararam desenvolver em
suas turmas e que foram registradas no item anterior, o ensino da língua está se
dando por processos gradativos por meio dos quais primeiro se ensinam as letras,
sílabas, palavras e pequenos textos e depois textos propriamente ditos. Embora
sejam utilizados textos legitimados socialmente no processo de alfabetização, está
muito presente na realização do trabalho alfabetizador dessas professoras a
necessidade dos pré-requisitos. A compreensão que foi possível depreender de
suas falas é a de que primeiro o aluno aprende a dominar o código alfabético para,
posteriormente, fazer uso desse código. O uso efetivo da linguagem escrita em
práticas sociais de leitura e produção de textos seria uma etapa posterior à
alfabetização, devendo ser desenvolvido em momentos seguintes. Desse modo,
essas professoras enfatizavam as atividades específicas de alfabetização, ignorando
os contextos sociolingüísticos mais amplos que conferem sentidos a esse
aprendizado.
A grande armadilha existente, nessa realidade, está relacionada não apenas
ao fato de o ensino da leitura e da escrita estar organizado a partir de etapas que
seguem um ordenamento: letras, sílabas e palavras retiradas de um texto, mas
também no fato de tal conhecimento não estar ligado aos usos da leitura e da escrita
como forma de interação, o que faz com que a criança desenvolva uma relação
artificial com a linguagem escrita. Nas propostas de trabalho com a leitura e a escrita
desenvolvidas em suas turmas, embora haja o contato e o reconhecimento da
diversidade de textos que circulam em nossa sociedade, esses textos são utilizados,
acima de tudo, como estratégias para se trabalhar as letras, as sílabas, as frases
etc. O que pôde ser constatado é que o texto real é o eixo central para se ensinar a
aquisição do digo alfabético, mas as produções escritas dos alunos acontecem
geralmente a partir de situações artificiais, limitando-se às cruzadinhas, escrita de
palavras, produção escrita a partir de imagens mimeografadas, dentre outras. Em
seus relatos ficou evidenciado que são poucas as situações em que a produção
textual foi desencadeada por uma necessidade comunicativa do aluno.
5.3.1 Alfabetizar letrando: este é o desafio!
O grupo constituído pelas professoras Flávia, Cândida e Izabel além de
ressaltarem que os processos de alfabetização e letramento acontecem,
simultaneamente, foram logo destacando que o importante é o professor alfabetizar
letrando.
Desse modo, a questão que se impõe nesse momento é: Como conjugar o
processo de alfabetização e o letramento de modo a favorecer o domínio do código
escrito e o acesso das crianças ao mundo letrado?
Este é o grande desafio enfrentado pelos professores. Assim, para que elas
explicitassem o que estavam compreendendo sobre a expressão alfabetizar letrando
estabelecemos o seguinte diálogo:
Pesquisadora: O que seria para vocês alfabetizar letrando?
Flávia: Teoricamente, o letramento é o uso da leitura e da escrita. Alfabetizar
letrando é levar o menino a identificar os vários tipos de portadores de texto, saber
interpretar uma palavra, pode ser um texto, uma imagem. Ele poder ler esses vários
portadores de texto.
Cândida: Eu acho que é tudo isso, acrescentando aquelas atividades com objetivo de
decodificar, de decifrar mesmo o código da língua. Por exemplo: ele entender que b
com o é bo e l com a é la. Como eu posso fazer isto? Aproveitando o texto em que
apareceu bola, trabalhar o alfabeto móvel ou dar uma revista em que ele recortar
as letras daquela palavra, encontrar outras palavras que tenham início como bola. Eu
entendo que é desse jeito. Eu acho que alfabetizar letrando é alfabetizar com
sentido. Então eu acredito que alfabetizar letrando é você não deixar o que eu fiquei
um período sem fazer diariamente. Além da decifração, você tem que oferecer textos
bons para terem coerência.
Izabel: Ter significado, é trabalhar também coisas que sirvam para ele. A escrita de
um bilhete para ele mandar para alguém. Então eu acho que alfabetizar letrando é
isso. É ensinar alguma coisa que seja útil, que tenha utilidade na escola e fora
mais ainda.
Percebe-se, mais uma vez, nas enunciações das professoras uma certa
aproximação dos seus discursos com os discursos oficiais, pois, conforme foi
destacado e volto a reiterar, o discurso acadêmico relativo à alfabetização, em geral,
defende a idéia de que o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita não fique
restrito à capacidade do indivíduo de decodificar e codificar, mas de ser capaz de
usar com competência a escrita e a leitura em sua vida. Para que isso aconteça é
preciso alfabetizar letrando.
Como pode ser depreendido na definição de Flávia sobre o letramento,
alfabetizar letrando estaria relacionado à idéia de proporcionar ao aluno o contato
com diferentes portadores de texto para que ele aprenda interpretá-los. Cândida
complementa essa definição afirmando que, além do acesso aos textos e da
interpretação, é necessário desenvolver atividades que levem o aluno a codificar e a
decifrar o código da língua. Ainda, segundo a mesma professora, alfabetizar letrando
é alfabetizar com sentido. Alfabetizar com sentido indica que, para a professora, a
alfabetização deve acontecer através de textos que circulam em nossa sociedade e
que sejam significativos para os alunos. Portanto, é preciso partir da leitura de textos
coerentes, que diferem dos textos “acartilhados”.
Para Izabel, alfabetizar letrando é ensinar algo útil que poderá ser empregado
pelos alunos tanto na escola como na vida. A aprendizagem da leitura e da escrita é
importante na escola porque a vida e a sociedade são atravessadas por esses dois
processos. Izabel destaca um aspecto importante que é o fato de recuperar a noção
de que as práticas escolares de escrita são práticas de letramento tão importantes
quanto as outras práticas sociais e que a escola, ao escolarizá-las, não retire as
características que lhes são próprias. Frade (2007) pontua que não se pode opor às
práticas sociais “lá de fora”, pois a escola está inserida no conjunto de práticas
dessa cultura escrita.
Nesse sentido, a ausência, na escola, de estudos teóricos para basearem as
reflexões dos professores sobre sua prática alfabetizadora e sobre as mudanças que
ocorrem na área da alfabetização contribui, de certo modo, para que esses
profissionais se apropriem parcialmente da teoria, afetando o seu modo de conceber
e desenvolver a alfabetização em suas turmas sem ter clareza de suas ações. o
discursos que se reproduzem e se tornam hegemônicos, levando mais a um
esvaziamento do termo do que a sua apropriação.
Na prática, para as professoras investigadas nesta pesquisa, a noção do
conceito de letramento está associada à idéia de que o acesso aos diferentes
portadores de textos e à interpretação oral ou escrita das leituras trabalhadas
garantiria o letramento dos alunos. É evidente que alfabetizar com uma
multiplicidade de textos de uso social em lugar das tradicionais cartilhas representa
um avanço na prática alfabetizadora. No entanto, somente o contato e o
reconhecimento da diversidade de textos que circulam em nossa sociedade não
propicia ao aluno a realização de uma prática efetiva de uso social da leitura e da
escrita e o domínio dos gêneros discursivos, visto que, às vezes, muitos dos textos
utilizados pelos professores em sala de aula estão distantes das necessidades reais
de uso da linguagem dentro das esferas das atividades dos alunos. Cabe a
pergunta: Quais as práticas sociais que exigem da criança o domínio da escrita e em
que medida a escola tem proporcionado o acesso a elas?
Na perspectiva bakhtiniana de linguagem, a verdadeira essência da língua é a
interação verbal. Em decorrência disso, as atividades de leitura e escrita devem ser
contextualizadas, pois linguagem e vida estão mutuamente entrelaçadas. Dessa
maneira, ao discutirmos sobre questões relativas à alfabetização e ao letramento
escolar, nos dias de hoje, é necessário levar em conta as atuais demandas sociais e
as necessidades de comunicação que os indivíduos, em suas diferentes esferas de
atividade, precisam conhecer para utilizar em suas práticas discursivas. Sendo
assim, pensar a alfabetização e o letramento escolar implica, sobretudo, pensar nos
diferentes gêneros discursivos de que dispomos em nosso contexto social e levar o
aluno a usá-los de modo proficiente, seja na escola, na sociedade, enfim, em todos
os contextos e ocasiões que requerem seus usos. A esse respeito, Bakhtin (2003, p.
279) afirma que:
A riqueza e a variedade dos gêneros dos discursos são infinitas, pois
a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera
desta atividade comporta um repertório de gêneros de discurso que
vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera
se desenvolve e fica mais complexa.
Diante dessa variedade de gêneros que já foram criados e nos foram
dados, os falantes em suas interações verbais escolhem, dentre aqueles que
conhece, o que mais atenderá as suas intenções comunicativas. É preciso
destacar que os textos cumprem um papel no jogo da interação comunicativa.
Todo texto tem uma finalidade, objetivos determinados, circula num suporte
específico atuando em diferentes esferas da comunicação humana. Desse modo,
torna-se necessário não apenas o contato com os diferentes gêneros discursivos,
mas também os seus usos em situações cotidianas de comunicação para que o
indivíduo se torne capaz de dominá-los e empregá-los conforme a sua prática
cotidiana de escrita e leitura.
Dessa forma, alfabetizar letrando no contexto educacional significa, a meu
ver, desenvolver atividades e experienciar situações que envolvam a leitura e a
escrita a partir das diversidades de gêneros discursivos primários e secundários
e não apenas do ponto de vista da decodificação e codificação do código escrito
que, apesar de terem a sua importância, não são suficientes para promover a
compreensão dos usos e funções sociais da escrita presentes no cotidiano das
crianças e nem favorecerem a formação de sujeitos alfabetizados e letrados.
6 UM MODO DE COMPREENDER AS CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO
CONSTRUÍDAS PELAS PROFESSORAS: CONCLUSÕES
O conhecimento e a apropriação da linguagem escrita é uma necessidade
para todos os indivíduos integrantes de sociedades contemporâneas, pois o
acesso à leitura e à escrita promove a aquisição de novos conhecimentos. Hoje,
início do século XXI, estar alfabetizado exige muito mais dos indivíduos do que
antes: é preciso circular com eficiência por entre as várias práticas sociais
vinculadas à escrita, produzir textos para atender às necessidades comunicativas
e interacionais, buscar e obter informações em diferentes suportes de textos e
bases de dados, incluindo a tela do computador, apreciar o texto literário, entre
tantas outras exigências.
Desse modo, a reflexão sobre a alfabetização a partir de novos
parâmetros culturais de nossa sociedade, fez com que, no percurso profissional
percorrido por cada uma das professoras, a sua prática alfabetizadora e o modo
de conceberem a alfabetização fossem sendo alterados, ainda que de forma
parcial, pois, ao mesmo tempo em que seus modos de alfabetizar apontam
rupturas, há ainda muitas permanências.
Assim, algumas questões centrais foram sendo propostas no decorrer das
entrevistas com vistas ao objetivo deste estudo que é compreender as
concepções de alfabetização dos professores dos anos iniciais do ensino
fundamental a partir de suas práticas discursivas. Foram elas: (i) Quais
atividades são desenvolvidas nas turmas das professoras para promover a
alfabetização dos alunos? (ii) O que mudou na prática das professoras ao longo
desses anos de magistério e de modo específico na prática alfabetizadora? (iii) O
que é alfabetização? (iv) O que é o letramento? (v) O que seria alfabetizar
letrando? (vi) A alfabetização e o letramento estão sendo desenvolvidos
concomitantemente na escola?
Vale ressaltar que o que permeou todos os momentos deste estudo foi a
intenção de dialogar com as professoras num movimento de escuta e reflexão ativa,
visando compreender suas concepções de alfabetização através de seus discursos.
Para tanto, a metodologia de estudo, ao promover a discussão entre as professores
sobre suas práticas alfabetizadoras e suas concepções de alfabetização,
oportunizou a cada docente uma reflexão sobre suas experiências vividas no plano
individual que, ao serem compartilhadas, foram adquirindo novos sentidos.
A partir do diálogo entre os dados produzidos através das entrevistas
coletivas e entre os textos de diversos autores consultados que constituíram o
processo de pesquisa, considerando ainda as limitações deste estudo, foi
possível chegar a algumas conclusões sobre as quais discorro a seguir.
À luz da perspectiva histórico-cultural, este estudo revelou que a
concepção de alfabetização das professoras participantes da pesquisa foi se
constituindo a partir de vozes alheias como as de suas professoras
alfabetizadoras, dos discursos acadêmicos, dos colegas de trabalho e das
experiências concretas marcadamente diferentes nas quais se dão as suas
atividades e dos seus lugares sociais, os quais nortearam suas formas de agir,
sentir e pensar sobre a alfabetização.
Ficou claro que a concepção de alfabetização concebida como o processo
de ensinar e aprender o conteúdo da cartilha, de acordo com o método proposto,
guiou o trabalho alfabetizador de um grupo de professoras investigadas no início
de sua entrada no magistério nas turmas de alfabetização, mesmo que tenha
havido tentativas de romper naquele momento com essa estratégia de trabalho.
Desse modo, as atividades desenvolvidas para promover o trabalho com a
alfabetização estiveram voltadas apenas para o aprendizado dos rudimentos
iniciais da leitura e da escrita sem haver a preocupação com os usos sociais da
escrita.
No decorrer dos anos, o desenvolvimento da alfabetização à base da
decodificação e codificação do código escrito passou a ser duramente criticado e
marginalizado nos textos acadêmicos e nos documentos oficiais, conforme foi
apontado nesse trabalho, o que fez com que as professoras buscassem ressignificar
suas práticas. Os textos que circulam na sociedade passaram a se constituir como o
eixo da proposta pedagógica de alfabetização. Daí o destaque dado pelas
professoras ao uso de textos reais para iniciar o trabalho com a alfabetização. Os
próprios materiais produzidos para serem utilizados nas turmas de alfabetização
tomaram outro formato e a ênfase passou a ser dada ao trabalho com diferentes
textos.
O fato de não introduzirem o ensino da leitura e da escrita com textos
“acartilhados” e de propiciarem aos alunos o acesso aos diferentes suportes de texto
e às várias tipologias textuais que circulam socialmente representaram um avanço
considerável nas práticas alfabetizadoras apresentando-se como um ponto de
partida. Bakhtin, em 1929, destacava a necessidade da apropriação da escrita se
dar através de enunciados concretos, pois a língua passa a integrar a vida através
de enunciados concretos (que realizam); é igualmente através de enunciados
concretos que a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p. 265). Paulino et all (2001),
acrescenta que, numa sociedade empobrecida, a escola não pode prescindir de seu
papel de divulgação dos bens simbólicos que circulam fora dela.
A idéia apresentada por Soares (2003a, 2003b e 2003c) de que a
alfabetização como processo de aquisição e apropriação do sistema de escrita
alfabético e ortográfico deve se desenvolver no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e escrita sintetiza as aspirações atuais das professoras sobre seu
ensino na escola e fora dela. Verificou-se, então, que com essas mudanças novos
desafios foram postos aos professores e a necessidade de revisão de conceitos e
práticas vigentes. Sendo assim, a definição de alfabetização das professoras
pesquisadas acaba se aproximando dos discursos oficiais empregados, atualmente,
na área da alfabetização. Ou seja, para as docentes que foram sujeitos da pesquisa
a alfabetização está voltada para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita,
mas dentro de uma perspectiva de letramento. Todas as professoras atribuíram em
seus discursos uma importância significativa ao letramento e defenderam uma
proposta de alfabetização pautada nos usos sociais da leitura e da escrita em que o
desafio é alfabetizar letrando.
As análises que emergiram dos discursos das professoras evidenciam que
a perspectiva do letramento se dá, predominantemente, por meio da leitura e
interpretação de textos, os quais são tomados como ponto de partida para se
trabalhar a alfabetização. Esta foi uma das formas de apropriação da parte das
professoras do discurso sobre o que seja alfabetizar letrando, veiculado nos
documentos oficiais e nos processos de formação continuada de professores,
que propõe a utilização de textos variados nas práticas de leitura.
Verificou-se ainda que, na maioria das atividades de produção escrita
propostas pelas professoras, é preciso o aluno demonstrar a capacidade de
escrever o que lhe é solicitado pelas docentes, demonstrando que a criança
escreve para a escola e, não, na escola. Nessas produções escritas
concretizadas na escola ficam excluídos os conhecimentos anteriores da criança
sobre a linguagem, bem como o contexto familiar e social de onde ela vem,
ilustrando o processo de des-aprendizagem da função social da escrita também
observada por Soares (1988) na alfabetização escolar.
Além da desvinculação da escrita escolar com a prática social da escrita,
outro aspecto a ser considerado se refere à escrita espontânea das crianças,
pois ficou evidenciado que são poucas as oportunidades propiciadas aos alunos
para a desenvolverem sem que primeiro dominem os conhecimentos do sistema
de escrita.
Isso posto, parece razoável sugerir que a leitura e a escrita nos anos
iniciais do Ensino Fundamental deva ser pensada dentro de um conjunto de
práticas discursivas orais e escritas que fazem parte do dia-a-dia da vida das
crianças, pois, como nos declara Goulart (2005), elas são desde muito cedo
leitoras e produtoras de texto, portanto, este é o ponto de partida. Do ponto de
vista da perspectiva histórico-cultural, que pauta este estudo, é fundamental
saber quem são essas crianças que freqüentam nesse momento histórico as
salas de alfabetização, os seus interesses, suas práticas de leitura e escrita fora
da escola, seu cotidiano, quais os conhecimentos que já possuem acerca desses
objetos de conhecimento, quais as funções que o grupo sócio-cultural a que
pertencem atribuem a essas práticas.
Em contrapartida, alguns depoimentos anunciam a tentativa das
professoras de desenvolverem o processo da alfabetização numa perspectiva do
letramento quando relataram que lêem livros de literatura com os alunos,
pesquisam assuntos de interesse das crianças, freqüentam a biblioteca da escola
ou trazem livros da Central de Livros da Secretaria de Educação para que os
alunos tenham contato e conheçam diferentes histórias, além de escreverem
convite de aniversário e produção de textos coletivos, entre outras. Essas
tentativas são necessárias e significativas, porém ainda não são suficientes para
romper com um ensino da linguagem escrita em que se sobreponha o domínio
do código escrito.
Dessa forma, constata-se que as docentes apreendem os discursos que
lhes são apresentados nos cursos de formação da Secretaria de Educação, nas
orientações dadas na escola ou através da leitura de alguns textos de revistas
como a Nova Escola, entre outros, sem, contudo, demonstrar uma compreensão
ativa sobre os temas atuais discutidos na área da alfabetização, haja vista a
expressão ouviu falar utilizada pela professora Cândida quando abordou, nas
entrevistas, questões relativas ao letramento.
Nesse sentido, as falas das professoras revelaram a necessidade de que
sejam buscadas formas de se propiciar aos professores dos anos iniciais condições
efetivas para que apreendam os pressupostos teóricos que fundamentam uma
prática alfabetizadora dentro de uma perspectiva de leitura de mundo como propôs
Paulo Freire, levando o aluno a se tornar um sujeito alfabetizado e letrado, capaz de
dar conta de atender às demandas sociais. Caso contrário, os professores tenderão
a reproduzir os discursos considerados “corretos” que são veiculados nos cursos de
formação, nas diretrizes curriculares, no meio acadêmico, entre outros. A simples
reprodução desses discursos sem a real compreensão do que a eles está
subjacente contribui para que os professores tornem seus discursos sofisticados,
mas não consigam transpor o que pensam e falam para as suas práticas. Resta-
lhes, então, muitas vezes, continuar a fazer o que sempre fizeram, mas como uma
nova “roupagem”. Devido às apropriações parciais das inovações pedagógicas
surgidas na alfabetização, alguns conceitos teóricos, em geral, confundem ainda
mais as professoras do que as ajudam a resolver as dificuldades e desafios
encontrados na sua prática cotidiana de alfabetização.
A formação contínua do professor, seja nas universidades, nas secretarias de
educação ou no interior das escolas, deve representar de fato iniciativas importantes
de modo a interferir concretamente sobre as práticas alfabetizadoras, visto que um
bom trabalho de alfabetização exige, entre outras competências, um conhecimento
técnico e lingüístico dos professores (CAGLIARI, 2007). Além disso, que esses
cursos possibilitem ao professor avançar no seu letramento, pois, sendo um cidadão
que vive em uma sociedade letrada também está se letrando a cada dia de sua vida.
É preciso, acima de tudo, que o professor se sinta responsável pela sua formação,
uma vez que vivemos num mundo em constantes transformações, daí a
necessidade de estudo contínuo e reflexão sobre suas práticas pedagógicas. Sendo
assim, a escola precisa ser vista como um espaço de formação, onde os momentos
de encontros e reuniões pedagógicas sejam marcados pela reflexão e estudo, em
vez de se resumirem a momentos de repasse de planejamento ou troca de materiais
e atividades. Isso poderá ser uma forma de a alfabetização ser discutida dentro de
uma perspectiva teórica e prática.
Concordando com Kramer (1995, p. 80):
[...] não basta um novo “espírito” ou uma nova “filosofia” de
alfabetização se ela não vier acompanhada ou, mesmo, sedimentada
pelas condições objetivas requeridas por uma prática transformadora
que pretenda, sobretudo, aprimorar a qualidade da escola pública
brasileira.
Finalmente cumpre destacar que muito aprendi com a experiência dessas
professoras dos anos iniciais dentro de suas práticas alfabetizadoras. Aprendi com
as professoras que desde sempre optaram pela carreira do magistério realizando um
sonho, com aquelas que, apesar de não terem optado por ser professoras,
aprenderam no exercício da profissão a amar o que fazem e, ao elegerem o trabalho
com a alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental, deram sentido para
sua profissão. A professora que está buscando o seu lugar na profissão porque
ainda se como uma profissional inexperiente. Todas elas aceitaram o desafio de
criar condições para que as crianças que freqüentam as escolas onde trabalham se
alfabetizem, mesmo sabendo das dificuldades inerentes a esse trabalho.
O que cada professora me disse através de palavras, gestos e olhares
representou, para mim, uma forma singular de apropriação de seus discursos, pois,
na realidade, suas palavras, gestos e olhares disseram muito mais do que pude
compreender e apresentar neste estudo.
Aprendi com Bakhtin (2003, p. 355) que esta dissertação “não é para reificar e
concluir”, mas, antes, que possa contribuir não apenas para a formação das
professoras, sujeitos desta pesquisa, como também para as demais professoras
alfabetizadoras, subsidiando-as na reflexão de suas práticas e concepções de
alfabetização. E que, num diálogo com outros pesquisadores, possamos construir
novos sentidos acerca da temática abordada neste estudo.
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2000.
SOARES, Magda Becker. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos.
Revista Pátio Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, nº. 29, fev./abr., 2005. p. 48-52.
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Jovens e Adultos nº. 16, jul. de 2003a, p. 9-17.
______. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003b.
______. Letramento e Alfabetização: as muitas facetas. 26ª REUNIÃO ANUAL DA
ANPED-GT. Alfabetização, Leitura e escrita. Anais... Poços de Caldas, 7 de out. de
2003c.
______. Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e perspectivas.
Revista Brasileira de Educação, nº. 0, set./out./nov. de 1995. p. 5-16.
_____. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1989.
______. Alfabetização: A (des) aprendizagem das funções da escrita. In: Educação
em Revista, Belo horizonte, nº. 8, p. 3, 11 dez. de 1988.
SOARES, Magda Becker; Maciel, Francisca. Alfabetização no Brasil: o estado do
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TFOUNI, Leda Maria Verdiani. Letramento e alfabetização. 7 ed. São Paulo:
Cortez, 2005. (Coleção Questões da Nossa Época - Volume 47).
______. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes, 1988.
TODOROV, T. (1930). Mikaïl Bakhtin: le principe dialogique. Paris: Seuil, 1981.
VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
______.(1929) A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
YACOVENCO, Maria Angélica Savian. As concepções pedagógicas que
configuram a prática docente de professoras alfabetizadoras no 1º ano escolar.
2003. 129 f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar), Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2003.
ZUNINO, Heloisa Maria Wichern. Professoras Alfabetizadoras: concepções e
práticas. 2003, 180 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade do Vale
do Itajaí, Itajaí, 2003.
ANDICES
APÊNDICE A – Consentimento Informado
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu______________________________________________________diretora
da escola _______________________________________________ autorizo a
mestranda Ana Maria Moraes Scheffer a realizar entrevistas com as professoras do
1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental desta escola.
Estou ciente de que os dados produzidos através das entrevistas serão
utilizados como elementos de análise para a dissertação da referida mestranda,
assim como poderão ser utilizados em futuros trabalhos acadêmicos.
Juiz de Fora, ______ de ________________ de 2007.
___________________________________
Ana Maria Moraes Scheffer
Mestranda
_______________________________________
Diretora da Escola
APÊNDICE B – Consentimento informado
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu,___________________________________________________professora
da Escola _____________________________________________ autorizo a
mestranda, Ana Maria Moraes Scheffer, a fazer anotações e gravações em áudio
das entrevistas por mim concedidas.
Estou ciente de que os dados produzidos serão usados como elementos de
análise para a dissertação da referida mestranda, assim como poderão vir a ser
utilizados em futuros trabalhos acadêmicos.
Juiz de Fora, _____de ______________de 2007
__________________________________
Professora
APÊNDICE C – Termo de compromisso
TERMO DE COMPROMISSO
Eu, Ana Maria Moraes Scheffer, mestranda do Programa de s-Graduação
em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, realizarei entrevista com a
professora____________________ da escola ________________________fazendo
anotações e gravações em áudio da mesma.
Estou ciente de que os dados produzidos nesta entrevista deverão ser
utilizados exclusivamente para fins acadêmicos.
Juiz de Fora, ______de _____________de 2007.
_______________________________________
Mestranda
___________________________________
Orientadora
APÊNDICE D – Consentimento informado
CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, _______________________________________________________ diretora
da escola _____________________________________________________
autorizo a mestranda, Ana Maria Moraes Scheffer, a utilizar na sua dissertação o
nome dessa instituição onde foi realizada a sua pesquisa, em vez do emprego de
um nome fictício para referir-se à escola.
Juiz de Fora, ________ de ______________ de 2007.
____________________________
Ana Maria Moraes Scheffer
Mestranda
______________________
Diretora da Escola
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